Declaração de Veneza
Comunicado final do Colóquio "A Ciência diante das Fronteiras do Conhecimento"
Os participantes do colóquio "A Ciência Diantes das Fronteiras do Conhecimento", organizado pela
UNESCO, com a colaboração da Fundação Giorgio Cini (Veneza, 3 a 7 de março de 1986), animados
por um espírito de abertura e de questionamento dos valores de nosso tempo, ficaram de acordo sobre
os seguintes pontos:
Somos testemunhas de uma revolução muito importante no domínio da ciência, provocada pela ciência
fundamental (em particular a física e a biologia), devido a transformação que ela traz à lógica , à
epistemologia e também, por meio das aplicações tecnológicas, à vida de todos os dias. Mas,
constatamos, ao mesmo tempo, a existência de uma importante defasagem entre a nova visão do
mundo que emerge do estudo dos sistemas naturais e os valores que ainda predominam nas filosofias,
nas ciências do homem e na vida da sociedade moderna. Pois estes valores baseiam-se em grande
parte no determinismo mecanicista, no positivismo ou mo niilismo. Sentimos esta defasagem como
fortemente nociva e portadora de grandes ameaças de destruição de nossa espécie.
O conhecimento científico, devido a seu próprio movimento interno, chegou aos limites em que pode
começar o diálogo com outras formas de conhecimento. Neste sentido, reconhecendo as diferenças
fundamentais entre a ciência e a tradição, constatamos não sua oposição, mas sua complementaridade.
O encontro inesperado e enriquecedor entre a ciência e as diferentes tradições do mundo permite pensar
no aparecimento de uma nova visão da humanidade, até mesmo num novo racionalismo, que poderia
levar a uma nova perspectiva metafísica.
Recusando qualquer projeto globalizante, qualquer sistema fechado de pensamento, qualquer nova
utopia, reconhecemos ao mesmo tempo a urgência de uma procura verdadeiramente transdisciplinar, de
uma troca dinâmica entre as ciências "exatas, as ciências "humanas", a arte e a tradição. Pode-se dizer
que este enfoque transdisciplinar está inscrito em nosso próprio cérebro, pela interação dinâmica entre
seus dois hemisférios. O estudo conjunto da natureza e do imaginário, do universo e do homem, poderia
assim nos aproximar mais do real e nos permitir enfrentar melhor os diferentes desafios de nossa época.
O ensino convencional da ciência, por uma apresentação linear dos conhecimentos, dissimula a ruptura
entre a ciência contemporânea e as visões anteriores do mundo. Reconhecemos a urgência da busca de
novos métodos de educação que levem em conta os avanços da ciência, que agora se harmonizam com
as grandes tradições culturais, cuja preservação e estudo aprofundado parecem fundamentais. A
UNESCO seria a organização apropriada para promover tais idéias.
Os desafios de nossa época: o desafio da autodestruição de nossa espécie, o desafio da informática, o
desafio da genética, etc., mostram de uma maneira nova a responsabilidade social dos cientistas no que
diz respeito à iniciativa e à aplicação da pesquisa. Se os cientistas não podem decidir sobre a aplicação
da pesquisa, se não podem decidis sobre a aplicação de suas próprias descobertas, eles não devem
assistir passivamente à aplicação cega destas descobertas. Em nossa opinião, a amplidão dos desafios
contemporâneos exige, por um lado, a informação rigorosa e permanente da opinião pública e, por outro
lado, a criação de organismos de orientação e até de decisão de natureza pluri e transdisciplinar.