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defendeu seu argumento citando a fala de um médium: “Pô, eu vou lá e o pessoal fica me
chacoteando. Eu tô fazendo uma coisa boa, e o pessoal fica lá, me chacoteando”. E
continuou a sua fala nos seguintes termos:
O médium que é bem preparado, não vai dar atenção pra isso, não vai ter problema
com isso. Com o tempo, o pessoal começa respeitar aquilo ali. Mas, como as coisas
então sendo de alto impacto, tem muita coisa mistificada. E tem várias coisas
erradas por aí. O pessoal rotula tudo, então a gente tem que ter um jeito de se
preservar e barrar certas coisas. Porque, senão, qualquer um que vem de fora fala:
Ah! Ali eu posso fazer uma marmotagem, né? Ah, aqui eu posso me esbaldar. Às
vezes, as pessoas nem são do santo, mas estão ali fazendo cenas e gestos, se
sentindo a vontade. Então é um jeito da gente falar: Opa! Aqui não. É um jeito de
pôr divisa nas coisas. Tudo vai de acordo com a doutrina. Tem muita casa que
aceita, que é normal da casa, os guias, os zeladores, entendem que é normal da
linha, tá tudo certo também. Então, aqui na casa é assim que a coisa funciona. Então
se chega um de fora, eu não ponho um texto para ele: é proibido pegar pombagira,
etc. Nas primeiras incorporações, algumas coisas são permitidas, o que é muito
excesso a gente traz pro canto, não deixa transparecer, né? No próprio espaço ritual
tem maneiras, palavras e jeitos. Então, à medida que a pessoa vai encaixando na
corrente, já vai se autodoutrinando. A energia da pessoa já vai se acomodando.
Complementando o seu argumento, o pai-de-santo finaliza nos seguintes
termos:
Não é uma cartilha que diz: é assim que pega espírito. É uma doutrina. Sabe? E as
energias que vêm, são infinitamente mais sábias que a gente. Sabe como é que
chega e como é que sai. Os médiuns têm que ser muito bem preparados. Estes sim
têm que ser bem preparados fisicamente, mentalmente, espiritualmente.
O que esse babalorixá dizia, auxiliando na leitura e interpretação das giras, é
que tais eventos eram perpassados por determinados tipos e graus de tensão. Tratava-se,
realmente, de acontecimentos que se situavam entre dois domínios, ligados muitas vezes, a
situações opostas e antagônicas. De um lado, havia alguns indivíduos cuja vivência da
possessão era ainda imatura no que dizia respeito ao domínio dos códigos e das normas
pertinentes à doutrina do terreiro; de outro uma assistência que procurava o terreiro com um
determinado grau de expectativa, relativa não só à eficácia mágica de seus serviços, mas
também à execução de performances e gestos relacionados com um saber legitimado pelo
terreiro.
Assim, os equívocos cometidos pelos médiuns durante o momento das
incorporações não deveriam vir a público, sob pena de colocar em risco a imagem da casa.