175
Mas mamãe era assim pra cada filho ela deu uma bíblia, com dedicatória... cada um tem sua
bíblia e sempre na ocasião do aniversário. Então o dia do aniversário, de qualquer um dos
filhos era muito valorizado.
P63: E então o sr via diferença entre a casa de um católico e a casa de um protestante?
R63: A diferença era a diferença de culto. Diferença de idolatria, no caso, e imagens. E nós no
caso já éramos alertados que não eram pra prestar culto a isso, imagem feita pelas mãos do
homem condenado pela própria bíblia, né? O segundo mandamento é claro nesse sentido. E
depois criou já desde a infância aquele conceito, né, de que culto só a Deus em espírito e em
verdade.
P64: Mas ela proibia vocês, é... de irem a casa, brincar com católicos?
R64: Não...é só na questão do culto. Fora disso não, nossos amigos, nossos vizinhos, eram
todos católicos, e a gente tinha uma vida harmônica com todos eles. Não existia assim
preconceito nenhum. Só a diferença de culto né? Tanto é que tia nina, irmã de minha vó, no
quarto dela, na minha casa, na nossa casa, ela tinha o seu oratório, tinha suas imagens, ela
rezava com um rosário, diante de ... normalmente. Ninguém participava com ela, né. mas
ninguém se opunha que ela. Na casa de vovó tinha até um hostensório, de guardar hóstia. E a
gente via aquilo e sabia que vovó tava errada mas não tinha coragem de falar com ela. Porque
mamãe dizia: - olhe, não diga nada pra sua avó. Esse assunto é pra gente grande. Às vezes via
tia nina rezando a oração, e respeitava né? vovó na sala. Ela tinha uma cadeira de balanço, e
ela tava lá com a cabeça abaixada, com o rosário na mão, chegava:- Benção vovó! E fazia
assim... to rezando meu filho.
P65: E você lembra bem da tua casa quando era criança.
R65: As vezes eu fico... olha, a minha casa quando era criança era uma casa confortável pra
época, mas não tinha banheiro, era privada no fundo do quintal, água corrente só na cozinha
que tinha as torneiras e uma na loja. Era pra serventia... só, duas torneiras pra casa que tinha
mais de dez cômodos.Luz elétrica, só acendia as sete da noite e apagava as onze. Porque era
uma usina pequena, que não suportava né? Então não existia nada elétrico né? Ferro de passar
roupa era em brasa, não tinha rádio, não tinha televisão, mas a nossa casa ainda era uma casa
confortável porque tinha assoalho, tinha forro, e as janelas envidraçadas. Agora normalmente
as outras num tinham nada disso, casa de chão, parede de barro, e situação de higiene
precaríssima, porque a cidade aqui, principalmente a rua 15 de novembro eram todas
germinadas, só tinha luz na entrada da casa e no fundo o meio é escuro, os quartos eram
escuros, não tinha janela, as paredes do lado eram vizinhas.mas era assim quase todas as
casas. Depois com o tempo que foram mudando, ainda existe. Se você prestar atenção na rua
quinze já vê um grupo de casas germinadas, a parede era a divisória pra duas moradias. A
nossa casa não, era ampla tinha terreiro no fundo, tinha arvoredo, tinha dois quintais, dois
paióis, um de milho e outro de lidar com apelo de animal de carga, onde era feito sabão.
Naquele tempo o sabão era feito em casa, o café era torrado em casa, socado no pilão, né? era
um tempo bem diferente de agora.
P66: Mas, tem saudade...
R66: Tudo era manual, era artesanal, e a gente tem saudade sim. E aquilo a gente viveu né, a
gente achava bonito aquela habilidade dos coureiros, tecendo couro, fazendo cangalho, arreio,
baixeiro pra cobrir o lombo do animal, e bruacas que eram uma espécie de bolsa de couro pra
a mercadoria que não podia tomar umidade, açúcar sal, essas coisas que ia no lombo do burro.
E a gente ficava vendo esse pessoal trabalhar e ficava achando bonito, hoje isso não existe
mais. A própria cobertura da carga né? Carregava o animal, a cobertura era um couro de boi.
Não existia plástico, não existia encerado, não tinha nada. Era um couro que a gente chamava
de liga-a e punha um arrocho, um amarrilho por cima que era pro animal, pra não perder a
carga. A tropa não parava, com chuva, com sol, sempre viajava né? e a gente era criança,