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UNIVERSIDADE SEVERINO SOMBRA
CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA SOCIAL
DE AGROINDÚSTRIA À ASSENTAMENTO: ESTUDO DE CASO
SOBRE A ATUAÇÃO DOS “INTELECTUAIS DE TIPO RURAL”
NO PROCESSO DE REFORMA AGRÁRIA DA MALVINA
BOCAIÚVA/MG
VÂNIA MARIA DE SIQUEIRA
SOB A ORIENTAÇÃO DA PROFESSORA
MARIA PHILOMENA DA CUNHA GEBRAM
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2
DE AGROINDÚSTRIA À ASSENTAMENTO: ESTUDO DE CASO
SOBRE A ATUAÇÃO DOS “INTELECTUAIS DE TIPO RURAL”
NO PROCESSO DE REFORMA AGRÁRIA DA MALVINA
BOCAIÚVA/MG
VÂNIA MARIA DE SIQUEIRA
SOB A ORIENTAÇÃO DA PROFESSORA
MARIA PHILOMENA DA CUNHA GEBRAN
Tese submetida como requisito para a obtenção
do grau de mestre em História Social.
Área de concentração em História, Cultura e
Sociedade
Vassouras, RJ Agosto de 2001
Aprovada em __/__/__
Profª Maria Philomena da Cunha Gebran
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3
“... Não se compreende nada da vida
coletiva dos camponeses, bem como os germes e
fermentos de desenvolvimento ali existentes, se
não se leva em consideração, se não se estuda
concretamente e não se aprofunda essa
subordinação efetiva aos intelectuais: todo
desenvolvimento orgânico das massas
camponesas, até certo ponto, está ligada aos
movimentos dos intelectuais e dele depende....”
Gramsci
4
Para meus pais Manoel e
Lourdes, meu esposo Sebastião,
minha filha Joyce Karolinne e para
todos os que lutam pela reforma
agrária.
5
AGRADECIMENTOS
Ao finalizar esse trabalho, cumpre-me expressar o meu
agradecimento sincero a todos os que me auxiliaram na realização dessa
árdua tarefa. São muitas as pessoas a quem devo agradecer.
Inicialmente gostaria de agradecer a orientadora da dissertação, a
ilustre professora Maria Philomena da Cunha Gebran, pelas valiosas
contribuições que prestou na elaboração do presente trabalho. Ao professor
Lincoln e ao professor José Augusto pelo apoio e incentivo durante a
realização do curso. A professora Sônia Mendonça foi uma das
responsáveis pelo corte dado ao trabalho, com sua paixão por Gramsci, ele
me despertou a estudar os intelectuais de tipo rural, a ela meu sincero
agradecimento.
Aos colegas do mestrado Herli, Ana Maria, obrigado pelo abrigo em
suas casas e a Thereza pelo companheirismo.
Aos parentes,colegas e amigos, cujos nomes não cito aqui, obrigado
pelo apoio moral e pelo estímulo para a realização do mestrado.
Aos colegas de trabalho da E.E. DR. Carlos Albuquerque e Clóvis
Salgado que efetivamente me prestaram a sua colaboração nessa maratona
produzir dissertação de mestrado e trabalhar ao mesmo tempo a minha
extensa gratidão. Dentre estes quero destacar:
__ Florionice Teixeira Mendes, ex-diretora da E. E. DR. Carlos
Albuquerque e grande amiga, que em sua gestão não mediu esforços para
conciliar minhas atividades na escola com o curso;
6
__ Fernando César, Fábio Pereira dos Santos, Stelides Muniz, Rosa
Gusmão, Eunice Duarte, Sueli Prates, Ionir Lellis, Wanete e outros que por
ventura não tenha citado, colegas, colaboradores e amigos que me
auxiliaram nessa maratona, obrigado pelos jeitinhos e quebra-galhos.
A todos aqueles envolvidos no processo de reforma agrária na
Malvina e especialmente aqueles que me auxiliaram na elaboração do
trabalho Ricardo Veloso, Juarez do STR, Almir, Balbino, Eugênio o meu
mais profundo respeito e agradecimento
A Sebastião Alves de Souza, meu esposo pelo apoio que me prestou
nessa maratona.
A Joyce Karolinne, minha filha pelo apoio afetivo e pela
compreensão de ter que suportar a ausência da mãe em momentos
importantes e difíceis de sua vida.
A todas as pessoas que estiveram ao meu lado nessa árdua maratona
MUITO OBRIGADO!
7
SUMÁRIO
Introdução............................................................................................. 09
Capítulo I: Os Intelectuais de tipo rural de A. Gramsci: Elementos na
compreensão da vida coletiva dos camponeses.................................. 19
Capítulo II: Reforma Agrária no Brasil: Uma retrospectiva
histórica................................................................................................ 30
Capítulo III: O processo de transformação da agroindústria Malvina em
Bocaiúva/MG no assentamento Herbert de Souza................................70
Capítulo IV: Os mediadores e suas diretrizes políticas no processo de
reforma agrária da Industrial Malvina...................................................96
Capítulo V: O conceito gramsciano “intelectuais de tipo rural”: aplica-
se, não se aplica ou se aplica em alguns casos?..................................137
Considerações Finais...........................................................................174
Bibliografia......................................................................................... 178
Anexos.................................................................................................187
8
LISTA DE ANEXOS
Anexo 1: Dolabella, Portella & C. Ltda 1929.......................................187
Anexo 2: Autuações sofridas pela empresa Malvina 1991 ................188
Anexo 3: Convite para Assembléia 1993.............................................189
Anexo 4: Greve por melhores condições de trabalho 1994.....................190
Anexo 5: Justiça para moagem da Usina Malvina 1997........................191
Anexo 6: Alerta Industrial Malvina .....................................................192
Anexo 7: Esclarecimento Industrial Malvina.......................................193
Anexo 8: Decreto de criação do Projeto de Assentamento de Produtores
Rurais Herbert de Souza Betinho 1998.................................................194
Anexo 9: Mandado de entrega de Bens 1999.......................................195
Anexo 10: Contrato de Doação................................................................196
Anexo 11:Distribuição Regional de Assentamentos 1999....................200
9
INTRODUÇÃO
Este trabalho busca dialogar o conceito de “Intelectuais de tipo rural”
elaborado por Antônio Gramsci no início do século XX, com a atuação
política de determinadas lideranças no processo de organização da reforma
agrária em terras de uma agroindústria sucroalcooleira na localidade de
Engenheiro Dolabela, município de Bocaiúva/MG.
Especificamente, pretende-se analisar, a partir da articulação entre
instituições, mediadores e lideranças orgânicas e não orgânicas da
agroindústria à atuação política dessas no processo de organização da
reforma agrária nas terras da agroindústria citada.
A agroindústria denominada Industrial Malvina foi implantada na
localidade em 1925, e durante décadas constituía-se numa das mais
importantes do setor sucroalcooleiro da região norte de Minas e, também do
Estado de Minas Gerais. A partir da década de 90, a empresa mergulhou
numa crise financeira irreversível e, paralelo a essa crise, a produção de
álcool e açúcar foi reduzindo-se gradativamente, bem como o número de
funcionários envolvidos na produção. A crise financeira acentuou a
precariedade das condições de trabalho na empresa e gerou o não
pagamento de salários e direitos trabalhistas para os empregados. O elevado
índice de endividamento (trabalhistas, tributárias e com fornecedores) da
empresa, somada à baixa produtividade, inviabilizaram o saneamento
financeiro da mesma.
Diante da complexidade do problema, o número de famílias
envolvidas e o elevado valor das dívidas com o fisco estadual, lideranças
políticas locais passaram a discutir uma solução para a população da
localidade onde estava instalada a agroindústria.
10
Após inúmeras tentativas para solucionar o problema, Eduardo
Azeredo, governador de Minas em 1996, em resposta ao pedido de
intervenção na localidade feito pelo líder político Ricardo Veloso,
apresenta como proposta de solução para o problema da população de
Engenheiro Dolabela a desapropriação das terras da agroindústria para fins
de reforma agrária. Assim, foram adjudicadas pelo governo de Estado de
Minas Gerais como forma de pagamento das dívidas da empresa com o
fisco estadual e repassadas à Comissão de Reforma Agrária do Estado de
Minas Gerais (CORA).
As terras foram repassadas para a União em 1999 e posteriormente
ao INCRA, que iniciaria a operacionalização do assentamento. Entretanto, a
fase de adjudicação e legalização das terras para fins de reforma agrária foi
permeada por muitas batalhas. De um lado, a empresa falida lutava pelo
direito de propriedade das terras, de outro a resistência de parte dos
trabalhadores da empresa que almejavam o funcionamento da empresa e o
seu emprego de volta.
O projeto de assentamento investigado foi uma resposta pontual a
um problema colocado e expressa os rumos dados a um movimento em
função da trajetória de vida das lideranças envolvidas.
Os movimentos de luta pela terra hoje no Brasil desenvolvem ações
de grande importância e amplitude, principalmente no que se refere à
implementação do processo de reforma agrária, e seus líderes possuem
notoriedade nacional. Compreender a importância da ação individual,
expressa nas práticas das lideranças é de fundamental importância para o
debate sobre a reforma agrária.
11
A implementação de assentamentos rurais tem implicado ações de
enfrentamento entre latifundiários e movimentos organizados de
trabalhadores rurais para ocupação de áreas consideradas improdutivas.
Fugindo à tônica mais geral da luta pela reforma agrária, o governo
teve um papel estratégico como viabilizador do processo. O concurso
organizado dos principais interessados tem sido fator determinante para que
tal processo avance e quebre resistências anti-reformistas.
Partindo da conjugação que a implementação de qualquer reforma
agrária só viabilizará com o concurso dos interessados e que por mais bem
intencionado que seja um governo ele necessita desse apoio, a atuação dos
organizadores da vontade coletiva é fundamental.
Baseado no referencial teórico de Antônio Gramsci, que conceitua o
organizador da vontade coletiva, o persuasor permanente como intelectual,
busca-se compreender a atuação desses no processo de reforma agrária.
Será analisada no contexto investigado a atuação do chamado
intelectual de tipo rural. Gramsci distingue os intelectuais quanto à posição
rural e urbano, e, orgânicos e tradicionais.
Gramsci afirmava no início do século XX, sob o ângulo da sociedade
italiana que só era possível compreender algo da vida coletiva dos
camponeses e o desenvolvimento de suas relações, através de um estudo
concreto e profundo da subordinação efetiva desses aos intelectuais. Para
ele todo desenvolvimento orgânico das massas camponesas, até certo ponto,
está ligado aos movimentos intelectuais e dele depende. Defendia ainda que
a maioria dos intelectuais de tipo rural é ainda tradicional, isto é, ligada à
massa social camponesa e a pequena burguesia das cidades.
No presente estudo pretende articular a atuação governamental como
viabilizador do processo de reforma agrária à organização da vontade
12
coletiva dos principais interessados os ex-trabalhadores da usina e sem
terras da região norte mineira. É nessa perspectiva que se pretende
estabelecer uma associação entre a ação individual, pontuada no exercício
de determinadas lideranças, como elemento de envolvimento de entidades
voltadas para a luta pela terra, bem como de órgãos governamentais como
prefeitura municipal e dos próprios trabalhadores da empresa que num
primeiro momento resistiram a proposta de reforma agrária.
A peculiaridade do processo de reforma agrária implementada nas
terras da Industrial Malvina evidencia que essa só se tornou uma realidade
graças a atuação de algumas lideranças. Nesse caso foi determinante a
atuação de lideranças orgânicas dos trabalhadores da usina e lideranças
tradicionais, ou seja lideranças externas que se envolveram com a luta dos
trabalhadores.
O capítulo I trata da opção teórica conceitual utilizada intelectuais
de tipo rural que referenciará a discussão sobre a organização da vontade
coletiva no movimento analisado. No entanto sabe-se que apenas a ação do
intelectual não é suficiente para organizar a vontade coletiva, é preciso
analisar a conjuntura, e as condições históricas em que a ação coletiva se
realiza.
Ao longo do trabalho, mesmo que de forma não claramente explícita,
esse marco conceitual será utilizado como fundamento para a afirmação de
que o processo de reforma agrária aqui analisado, é determinado a partir da
ação pontual e pessoal de alguns indivíduos, de determinadas lideranças.
Num primeiro momento, a organização da luta pela reforma agrária foi um
projeto de lideranças externas ao movimento, que conseguiu num segundo
momento catalisar lideranças orgânicas dos trabalhadores e operacionalizar
13
o projeto proposto. Daí a pertinência da utilização do conceito de
intelectuais de tipo rural.
Um breve retrospecto do processo de reforma agrária no Brasil é
feito no Capítulo II buscando discutir alguns conceitos usados na história
agrária, tais como reforma agrária, assentamento, política agrária, política
agrícola e camponês. Nesse capítulo buscou-se também pontuar as
diferenças entre o conjunto de programas alocados na política agrária do
governo e reforma agrária.
O processo de construção da resistência camponesa foi ponto nodal
nesse capítulo para a distinção entre luta pela terra e luta pela reforma
agrária. A luta pela terra começa com a chegada do colonizador europeu,
sem entretanto lutarem por reforma agrária. Essa só entraria na pauta de
lutas no século XX. O crescimento da mobilização camponesa nos anos 50,
colocou a reforma agrária na pauta política e foi acompanhado por disputas
pela sua representação. A reforma agrária entrava na pauta do Partido
Comunista Brasileiro, Igreja Católica e outras instituições. Permeando
discursos, propostas de governo, a reforma agrária não se efetivou na
prática, apenas alguns programas dentro da política agrária
1
foram
implementados.
Nos anos 80, propostas de reforma agrária emergem com grande
visibilidade e o debate sobre a questão se intensifica numa conjuntura
marcada pela emergência de novos personagens. Os frutos da intensificação
do debate sobre o tema iniciado na década de 80 são colhidos na década de
90 com a luta pela terra tornando o destaque das lutas nacionais.
1
CARVALHO, Ana Gilda de Sá. Direito Agrário Brasileiro. Lavras/MG UFLA/FAEPE . 1998 A autora
define como Política agrária a ação do poder público, ou de fatores do poder, que consiste na eleição dos
meios adequados para influir na estrutura e na atividade agrária, a fim de alcançar um ordenamento
satisfatório da conduta daqueles que participam ou se vinculam com essa atividade, com o propósito de
lograr o desenvolvimento e o bem estar social da comunidade
14
No início do terceiro milênio, diante de um processo de mobilização
intensa no campo pela reforma agrária, a política neoliberal praticada pelo
presidente Fernando Henrique Cardoso propõe dar um novo
dimensionamento a questão, ou seja, a reforma agrária via mercado
2
.
Repudiado pelos trabalhadores rurais, esse modelo de reforma agrária já
começa a ser tornar uma realidade.
Reforma agrária hoje não é questão nacional, mas no entanto é o
movimento de luta pela terra que tem apresentado a maior capacidade de
mobilização no país e desenvolvido ações de maior visibilidade.
No capítulo III analisa-se a transformação de uma agroindústria
sucoalcooleira em Engenheiro Dolabela, no município de Bocaiúva, em
projeto de assentamento rural. Analisa-se, a partir da implantação da
agroindústria em 1925, a história de sua estrutura produtiva e os reflexos
sociais decorrentes destas ao longo de sua existência. Esse capítulo enfatiza
a implantação da agroindústria na localidade como uma estratégia política e
especulativa do Self made man Alfredo Dolabela Portela em vistas do
possível surgimento do Estado de São Francisco e a construção da capital
naquelas terras.
Descartada a possibilidade da criação do novo Estado de São
Francisco no norte de Minas, as terras foram destinadas ao plantio de cana
de açúcar, nascendo aí a usina Dolabela Portela e Cia Ltda que mais tarde
ficaria popularizada pelo nome de Industrial Malvina. Por mais de meio
século, a usina de açúcar e álcool representou prosperidade e fonte de renda
2
Proposta de reforma agrária implementada no segundo mandato do presidente Fernando Henrique
Cardoso, onde a política agrária é enquadrada nos princípios do livre mercado, segundo as determinações
do FMI. O governo FHC é considerado o que mais assentou, embora poucas famílias, se comparado com
governos anteriores que quase nada fizeram pela reforma agrária. Entretanto, é importante destacar que
também foi no governo FHC que o maior número de pequenos agricultores rurais perderam suas terras
em função da política agrícola adotada.
15
para o município de Bocaiúva/MG. A empresa passou em mãos de vários
grupos e durante sua existência enfrentou momentos de crises que foram
solucionados, até que na década de 90, com o último grupo dirigente, entrou
em processo de decadência. Dívidas trabalhistas, tributárias e com
fornecedores, somadas à má administração, inviabilizaram o saneamento da
empresa a partir de 1991. O grupo mais atingido foi o dos trabalhadores da
empresa.
Diante do caos instalado em Engenheiro Dolabela, lideranças
sindicais, lideranças políticas locais e estaduais, elegem a reforma agrária
como proposta para uma nova empreitada de crescimento e
desenvolvimento nas terras que pertenciam à usina.
Ainda no capítulo III, busca-se analisar como se articulou o processo
de transformação das terras da agroindústria em assentamento rural. Será
identificado como lideranças políticas locais e sindicais articulam com
lideranças políticas estaduais o processo de operacionalização da reforma
agrária.
A atuação de diferentes mediadores no processo de operacionalização
do projeto de reforma agrária nas terras da agroindústria é analisada no
Capítulo IV. Evidenciam-se como mediadores: o movimento sindical de
trabalhadores rurais de Bocaiúva, a Pastoral da Terra/região norte de Minas,
a FETAEMG e lideranças políticas locais. A percepção da necessidade de
viabilizar a luta pela implementação de um projeto de reforma agrária nas
referidas terras, vai definir o perfil de atuação dessas entidades junto ao
Estado num primeiro momento, tanto no campo jurídico quanto no campo
político, social e cultural. A análise de atuação dessas entidades no referido
caso está centralizada no final da década de 80 e anos 90, momentos em que
16
a crise da agroindústria torna evidente e careceu de intervenções junto aos
trabalhadores.
A atuação do líder político Ricardo Veloso foi fundamental junto a
todas essas entidades no sentido de organizar a luta pela reforma agrária nas
terras citada. Sua atuação permeia a atuação de todas as entidades
envolvidas e num primeiro momento foi decisiva para a intervenção do
governo de Estado no referido caso, especificamente no campo jurídico e
político. No entanto, a operacionalização requer atuação na prática, no
cotidiano do assentamento. Para isso, Ricardo buscou apoio nas lideranças
orgânicas dos trabalhadores.
A atuação das lideranças orgânicas dos trabalhadores da empresa e
dos trabalhadores rurais é analisada no capítulo V. A operacionalização do
projeto de reforma agrária só vem ocorrendo graças à atuação dessas que
conjugam ações de reivindicações e auxílio para os assentados, bem como
trabalham quebrando à resistência a reforma agrária. A organização de uma
cooperativa e associação tem tornado bastante expressiva na implementação
do assentamento, tornando a atuação de outras entidades pouco visíveis. No
entanto, essas lideranças ainda permanecem vinculadas a ação pontual de
lideranças políticas como Ricardo Veloso.
A análise feita nos capítulos IV e V, mais especificamente no V
objetiva articular o conceito “intelectuais de tipo rural” elaborado por
Gramsci no início do século XX , a prática de atuação das mesmas.
O capítulo V pauta na proposta de revalorização teórico-conceitual,
essencial no ofício do historiador. Explora-se aí a possibilidade de
operacionalizar um conceito na prática, mesmo reconhecendo os limites de
sua aplicação.
17
A pesquisa de campo foi feita em duas etapas. A primeira com visita
a entidades empenhadas no processo de reforma agrária citado. Nessa etapa
foram consultados arquivos e documentos da Prefeitura Municipal de
Bocaiúva, Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Bocaiúva, arquivos de
jornais regionais, bem como arquivos pessoais do líder político Ricardo
Veloso. A segunda parte da pesquisa concentrou-se na realização de
entrevistas com sindicalistas, lideranças políticas externas, lideranças
orgânicas dos trabalhadores envolvidos e assentados. Paralelo a realização
das entrevistas, foi realizado visita ao Assentamento de pequenos
produtores rurais Herbert de Souza em Engenheiro Dolabela para observar
quais lideranças os assentados percebiam como responsáveis e atuantes no
processo de reforma agrária.
À medida que o assentado tem sido implementado e que lideranças
orgânicas dos trabalhadores sensíveis a temática da reforma agrária
assumem postos de comando na cooperativa e associação local, esses vêm
assumindo a vanguarda da reforma agrária no local, garantindo assim a esse
processo um caráter também peculiar em sua operacionalização.
Os capítulos dessa dissertação de mestrado procuram mostrar que o
trabalho do conjunto de intelectuais faz-se indispensável no processo de
organização e operacionalização nas lutas pela terra e pela reforma agrária.
Esses intelectuais, mais do qualquer outro agente estão posicionados de
forma a ter contato com instituições, agentes, representantes daqueles que
estão na base dos trabalhadores rurais, ao mesmo tempo tem contato com
agentes do Estado, instituições jurídicas e outros. Também será possível
perceber no decorrer desse trabalho, que a atuação dos intelectuais de tipo
rural tradicional só se viabiliza quando este permanece articulado a atuação
de intelectuais de tipo rural orgânico.
18
Por fim, espero que este trabalho, para além do interesse acadêmico
que eventualmente tenha, possa contribuir para reflexões nesse campo da
vontade coletiva organizada proposta por Gramsci do qual em boa medida
depende a eficácia das lutas populares, especificamente as do campo.
19
I
OS INTELECTUAIS DE TIPO RURAL DE
ANTÔNIO GRAMSCI: ELEMENTOS NA
COMPREENSÃO DA VIDA COLETIVA DOS
CAMPONESES
1.1 O CONCEITO DE INTELECTUAL EM GRAMSCI
Este capítulo parte da constatação de que a palavra intelectual é
amplamente utilizada para designar pessoa culta e inteligente, que tem
gosto predominantemente pelas coisas do espírito, que tem a faculdade de
entender e compreender.
No contexto pesquisado, a palavra intelectual assume um significado
distinto do habitualmente utilizado no dia-a-dia. Intelectual é uma palavra
central no contexto e orienta-se pelo conceito dado por Antônio Gramsci.
3
O intelectual, para Gramsci, está longe de ser o detentor do saber
erudito ou diletante. O intelectual é, para o autor, o “persuasor permanente”,
o organizador da “vontade coletiva organizada”
4
, aquele que tem na práxis,
o âmbito de sua ação de construir a “vontade coletiva organizada”. Para ele,
todos os homens são intelectuais, mas nem todos desempenham no mundo
tal função.
Para esse autor todo homem é um intelectual quando conquista uma
consciência superior, que o permite compreender seu valor histórico, seus
direitos e deveres.
3
A Gramsci foi um filósofo italiano que viveu entre 1891 e 1937 e durante toda sua vida defendeu a
necessidade do sujeito coletivo organizado como elemento fundamental para a transformação social.
4
MENDONÇA, Sônia R. . Estado e Sociedade IN MATTOS, Marcelo Badaró. História pensar e Fazer.
LDH/UFF Rio de Janeiro. 1998. p.22
20
“Quando se distingue entre intelectuais e não-intelectuais
faz-se referência, na realidade, tão somente à imediata
função social da categoria profissional dos intelectuais, isto
é leva-se em conta a direção sobre a qual incide o peso
maior da atividade profissional específica, se na elaboração
intelectual ou se no esforço muscular-nervoso não é sempre
igual; por isso existem graus diversos de atividade
específica intelectual. Não existe atividade humana da qual
se possa excluir toda intervenção intelectual, não se pode
separar o homo faber do homo sapiens. Em suma, todo
homem, fora de sua profissão, desenvolve uma atividade
intelectual qualquer, ou seja, é um filósofo, um artista, um
homem de gosto, participa de uma concepção de mundo,
possui uma linha consciente de conduta moral, contribui
assim para manter ou para modificar uma concepção de
mundo, isto é para promover novas maneiras de pensar.
5
Intelectual adquire neste contexto um sentido de agente na construção
da ação coletiva, e não apenas de um indivíduo que tem hegemonia no
domínio do conhecimento da sociedade.
Para Gramsci, cada grupo social tem sua camada de intelectuais que
lhes dão homogeneidade e consciência de sua própria função, nos planos:
econômico, social, e político. O ponto central para esse autor é a distinção
entre intelectuais como categoria orgânica de cada grupo social
fundamental, e intelectuais como categoria tradicional.
5
GRAMSCI, A Os intelectuais e a organização da cultura Rio de Janeiro. RJ Ed. Civilização Brasileira p.
7/8
21
Os intelectuais orgânicos são os que organicamente surgiram
daquela massa
6
. São todos aqueles que elaboraram e tornaram coerentes os
princípios e problemas que o grupo ou classe de origem colocaram com sua
atividade prática.“O tipo tradicional e vulgarizado do intelectual é
fornecido pelo literato, pelo filósofo, pelo artista...”
7
Ao estabelecer a diferença entre intelectuais orgânicos e tradicionais,
Gramsci alertava para a necessidade de elevar o senso comum a bom senso,
evitando que grupos tomem de empréstimos visões de mundo de outros
grupos.
Para Gramsci, sem os intelectuais não existe organização, sem eles
não há partidos. E partido para Gramsci não é o convencional partido
político. Trata-se de todo e qualquer aparelho privado de hegemonia que
organize um grupo, construindo o que ele chama de vontade coletiva
organizada. Daí a imprensa, uma agremiação, etc, assumirem o papel de
partidos.
No entanto, ainda de acordo com Gramsci, a posição dos intelectuais
é diversa no que se refere ao meio rural e urbano.
Os intelectuais de tipo urbano cresceram junto com a indústria e em
sua maior parte, são orgânicos.
“Os intelectuais de tipo rural são em sua maior parte,
tradicionais, isto é ligados à massa social camponesa e
pequeno-burguesa das cidades (notadamente nos centros
menores), ainda não elaborada e movimentada pelo sistema
capitalista: este tipo de intelectual põe em contato a massa
camponesa com a administração estatal ou local
6
A palavra massa refere-se ao grupo ou classe de origem do intelectual orgânico. Ver Gramsci, A
concepção Dialética da História. Rio de Janeiro. Civilização Brasileira P. 18
7
GRAMSCI. Os intelectuais e a organização da cultura. P. 11
22
(advogados, tabeliães, etc) e, por esta mesma função, possui
uma grande função político-social, já que a mediação
profissional dificilmente se separa da mediação política...
Não se compreende nada da vida coletiva dos camponeses,
bem como dos germes e fermentos de desenvolvimento aí
existentes, se não se leva em consideração, se não se estuda
concretamente e não se aprofunda esta subordinação efetiva
aos intelectuais: todo desenvolvimento orgânico das massas
camponesas, até certo ponto, está ligado aos movimentos
dos intelectuais e dele depende.”
8
1.2- POR UMA IDÉIA DE INTELECTUAL COMO PENSAVA
GRAMSCI
A proposta de revalorizar a discussão teórico-conceitual, essencial
para o ofício do historiador, é o fio condutor deste trabalho. Ao invés de
analisar detalhadamente o papel de determinadas lideranças no processo de
reforma agrária optei por compor este trabalho operacionalizando o
conceito de intelectual elaborado por Gramsci no início do século XX.
Para o estudo das ações coletivas e movimentos sociais rurais, a
tendência das Ciências Sociais é referenciar-se de marcos teóricos clássicos
que, tradicionalmente dicotomizam o conhecimento em dois campos de
interpretação: dos processos de transformação social (teorias da revolução)
e dos processos de reprodução social (teorias da funcionalidade sistêmica).
Entretanto todas essas abordagens recaem numa mesma tendência de
8
GRAMSCI, idem. Os intelectuais e a organização da cultura p. 15/16
23
explicar as ações coletivas a partir de um fundamento ou uma determinação
econômica.
Os pressupostos teóricos de todas essas abordagens confrontadas
com resultados obtidos em observações e pesquisas de campo têm sido
apontados como insuficientes por alguns estudiosos para apreender a
complexidade do real.
Para abrir esses marcos teóricos, extraindo indicadores para sínteses
analíticas inovadoras, não reducionistas, Ilse Scherer-Warren
9
faz algumas
recomendações que incluem a necessidade de:
ü “abrir uma maior interlocução da Sociologia Rural com
a teoria sociológica geral a fim de incorporar seus
avanços mais recentes, tais como aqueles em torno das
relações com a natureza, história e cultura;
ü introdução da noção de complexidade, a fim de superar
a crise dos paradigmas da Sociologia Rural, sobretudo
as excessivas tendências classificatórias funcionalistas e
marxistas, com a incorporação de uma perspectiva
analítica que reconheça a historicidade dos processos
sociais agrários e a dimensão espaço-temporal dos
conflitos;
ü superação das análises lineares e das visões teleológicas
em torno das noções do papel das classes sociais rurais
nos processos revolucionários.”
10
9
SCHERER-WARREN, Ilse. Novos rumos da pesquisa sobre as ações coletivas rurais. IN COSTA. Luiz
Flavio Carvalho & SANTOS Raimundo. Política e Reforma Agrária.Rio de Janeiro Ed. Mauad 1998 p.
222
10
SCHERER-WARREN, Ilse. Novos rumos da pesquisa sobre as ações coletivas rurais. Op.citada p. 222
24
Considerando-se que não há ainda de forma determinística relações
de reciprocidade entre as práticas de produção e reprodução do
conhecimento científico e mediações políticas de assessorias e lideranças e
com a subseqüente prática coletiva dos movimentos sociais, torna-se
necessário reavaliar espaço-temporalmente algumas incorporações teóricas
como segue:
ü “A imposição ideológica do igualitarismo em culturas
que valorizam formas sociais hierarquizadas;
ü A lógica coletivista dos mediadores em confronto com a
lógica do trabalho livre dos pequenos produtores rurais;
ü Crescente privilegiamento das disputas pelo poder e da
conseqüente vinculação das pautas dos movimentos a
interesses de pautas partidárias tem sido mais um dos
estímulos dos mediadores junto aos MSR;
ü Uma retórica de democracia em lugar de uma prática
efetivamente democrática junto às bases dos
movimentos;
ü Reducionismos classificatórios dos múltiplos grupos
organizados ou mobilizáveis no mundo rural, em
contraposição a uma crescente necessidade de
reconhecimento da existência de uma pluralidade de
identidades específicas em construção, em torno de
movimentos espaço-temporalmente definidos;
25
ü A naturalização do tema violência é um outro problema
pouco tratado nos trabalhos de mediação junto ao
MSR.”
11
Os críticos ao reducionismo das abordagens clássicas marxistas e das
suas tentativas de revisão têm procurado introduzir na análise de processos
políticos concretos a idéia de complexidade e de diversidade de sujeitos e
ações sociais, enfatizando assim a dimensão cultural no estudo das
formações sociais.
O quadro abaixo servirá de guia para que se possa compreender os
pressupostos subjacentes nas visões estruturalista e culturalista, bem como
refletir a acerca dos alcances e limites de cada uma.
“Quadro de referência aos estudos dos Movimentos Sociais
Rurais”
12
Visão Categorias e Dimensões
Analíticas
Estruturalista Culturalista
Lógica para explicação das
ações coletivas
Lógica dos condicionantes Lógica da mobilização
Raízes da ação política Macrofundamentos econômicos Microfundamentos socioculturais
Definição dos sujeitos coletivos Relações classistas genéricas Relações específicas e contigentes
Temporalidade das ações Processos históricos de longa
duração
Processos sociais de curta
duração
Espacialidade das ações Territorialidade abrangente com
unidades globalizadas
Territorialidades mais localizadas
com conexões local-global
Utopia emancipatória Transformações revolucionárias Transformações pela resistência
democrática
11
SCHERER-WARREN, Ilse. Novos rumos da pesquisa sobre as ações coletivas rurais. OP.citada p.
226/231
12
SCHERER-WARREN, Ilse. Novos Rumos da pesquisa sobre as ações coletivas rurais. OP. Citada p.
223
26
O pensamento de Gramsci apesar de enquadrar nas abordagens
clássicas marxistas fornece subsídios para uma nova reflexão porque
enfatiza a dimensão cultural no estudo das transformações sociais.
A centralidade na cultura proposta por Gramsci contempla a
possibilidade de extrair indicadores para sínteses analíticas inovadoras onde
se pode articular a estrutura e o sujeito/ator.
Gramsci desde a sua militância inicial (1917) em Turim defende a
necessidade de uma “associação cultural” que fixe objetivos de classe,
completando a ação econômica e política, já que para ele há problemas
filosóficos, religiosos e morais que as organizações anteriores não dão
conta.
Para esse autor, a cultura nada tem a ver com saber enciclopédico,
erudito, mas sim a elaboração do pensamento em contato com o simples
teoria e prática. A cultura, para ele, fundamento da ideologia, é o cimento
da unidade do bloco social e esta unidade teoria-prática, é o motor da
política.
O próprio intelectual deve tomar consciência de sua constituição
sociológica, sua inserção real nas relações sociais, superar seu isolamento,
ligar-se às massas, unificando, através de sua prática, o que toda sociedade
de classes separa: a política e a cultura.
Minha análise parte de Gramsci, sobretudo ao de “Os intelectuais e a
organização da Cultura” onde seu pensamento destaca a importância do
intelectual na sociedade italiana do início do século XX na luta contra o
liberalismo conservador e pretende chegar até a operacionalização do
pensamento de Gramsci no final do século XX em estudo de caso
investigado.
27
O Estado era o alvo privilegiado de toda reflexão feita por Gramsci,
entretanto, o intelectual constituía-se numa das questões nodais acerca do
próprio Estado. Constituía-se numa frente de luta de Gramsci contra o
Liberalismo Conservador implantado com a vitória do Fascismo e num
elemento essencial para a construção de um Estado de novo tipo.
O uso do conceito de intelectual proposto por Gramsci ainda é útil
hoje tanto para discutir à questão da mobilização da classe trabalhadora
rumo `a sua emancipação, como para compreender as análises das redes de
relações que se estabelecem entre os atores políticos e a organização dos
movimentos. Fala-se aqui não do intelectual de profissão, mas, o homem
consciente que consegue organizar a vontade coletiva para promover a
transformação da sociedade.
Quando Gramsci analisa o papel dos intelectuais na construção de um
Estado de novo tipo, ele rejeita qualquer possibilidade do Estado nas mãos
de uma classe dominante dotada de vontade consciente. Convém analisar tal
elaboração do pensamento de Gramsci feito sobre a via italiana naquele
momento histórico específico de ascensão do Liberalismo Conservador e
tentar buscar um nexo que possa permitir elaborar um pensamento tendo
como base os movimentos sociais no campo hoje no Brasil.
Somente os intelectuais através do movimento cultural organizado
conseguem superar o senso comum, organizar a vontade coletiva e
concretiza-la na ação. A eles, cumprem unificar política e cultura para
realizar aquilo que o liberalismo não conseguiu a não ser para a classe
burguesa. Neste sentido, o pensamento de Gramsci mais do que real é atual.
Quando se refere aos intelectuais de tipo rural, a afirmação de
Gramsci deve ser lida levando em conta a situação da classe camponesa
italiana no início do século XX. Gramsci entendia que os camponeses ainda
28
não tinham seus intelectuais orgânicos, estavam ainda subordinados aos
intelectuais de outras classes. Ele considerava que os intelectuais não
formavam uma classe independente, mas para ele, cada classe tinha os seus
intelectuais.
Ao analisar os movimentos camponeses hoje no Brasil
principalmente no que se refere a mobilizações e atores políticos, podemos
observar que esses têm se destacado entre os movimentos operários, bem
como seus líderes têm atuado de forma destacada.
Embora, o movimento camponês no Brasil venha conquistando
organicidade em suas lideranças, a denominação intelectuais de tipo rural
ainda não é totalmente inconciliável com a maneira como emergem em
casos específicos certas lideranças camponesas.
A aplicação do conceito intelectuais de tipo rural de Gramsci ao
estudo de caso investigado se apresenta como uma possibilidade de
compreender os rumos tomados por esse movimento. Compreendendo a
atuação das lideranças, compreendemos os rumos tomados por instituições,
órgãos e movimentos que lutaram pela terra no referido caso.
Segundo Gramsci, só é possível compreender algo da vida coletiva
dos camponeses e o desenvolvimento de suas relações, através de um
estudo concreto e profundo da subordinação destes aos intelectuais. Para
ele, todo desenvolvimento orgânico das massas camponesas, até certo
ponto, está ligado aos movimentos intelectuais e dele depende. Gramsci
acena para a necessidade de articular os rumos tomados pelo movimento à
trajetória individual de seus líderes.
Nosso estudo centra-se em um caso peculiar de implantação de um
projeto de reforma agrária nas terras de uma agroindústria em Bocaiúva,
região Norte de Minas. A viabilização do projeto de reforma agrária não
29
resultou de lutas tradicionais pela posse da terra, mas de uma solução para
os problemas gerados com a extinção da agroindústria como veremos no
capítulo III.
Nesse processo a intervenção qualitativa diferenciada de
determinadas lideranças não orgânicas daqueles trabalhadores foi de
fundamental importância na luta para a implantação de um projeto de
reforma agrária nas terras da agroindústria citada. Aqui impõe a seguinte
pergunta: O conceito de intelectuais de tipo rural de Gramsci pode ser
aplicado aqueles que conduziram a luta pela reforma agrária neste caso?
O intelectual de tipo rural em Gramsci não é o intelectual orgânico da
classe camponesa, é aquele que se liga à classe camponesa para organiza-la.
Essa linha de argumentação de Gramsci, válida para o início do século na
Itália, é pertinente para o estudo de caso pesquisado pelo fato de líderes
como Ricardo Veloso, Gabriel Vieira, que pertenciam às classes urbanas,
terem desenvolvido sua ação política na luta pela reforma agrária nas
referidas terras.
A contemporaneidade do pensamento de Gramsci está na importância
dada ao intelectual orgânico como elemento fundamental na concretização
da vontade coletiva em ação
A concepção de intelectual orgânico de Gramsci concebida como
aquele que consegue analisar objetivamente e coerentemente a realidade na
qual está inserido e utilizando-se da cultura, da tradição e também das
condições estruturais apresentadas procura organizar uma fração de classe
ou a classe da qual se originou rumo à sua emancipação, demonstra que
não houve ainda uma superação do conceito de intelectual de Gramsci e que
o terreno para a sua atuação é extenso.
30
II
REFORMA AGRÁRIA NO BRASIL: UMA
RETROSPECTIVA HISTÓRICA
2.1-A REFORMA AGRÁRIA E SUAS DEFINIÇÕES
Neste texto serão investigados alguns conceitos usados na história
agrária tais como: reforma agrária, assentamento, camponês, política
agrária, política agrícola e outros. Buscarei mostrar o que eles representam,
como surgiram, de modo a entender sua temporalidade e porque sofreram
algumas transformações ao correr da história.
Conhecer algumas diferenças terminológicas e os principais
conceitos referentes ao tema investigado permitirá identificar mentalidades
e atitudes que convivem no meio rural brasileiro.
Pode-se dizer que o Estatuto da Terra
13
constitui-se na base de toda a
legislação agrária brasileira. Leis, decretos e regulamentos advêm de seus
princípios básicos. Assim sendo, é importante que se conheça algumas
definições contidas no Estatuto.
Segundo o Estatuto da Terra, Reforma Agrária é o processo radical
de mudança do uso e posse da terra, a fim de atender os anseios da justiça
social e produtividade.
Reforma agrária e assentamentos são expressões habitualmente
usadas com o mesmo significado. Para fazer a distinção entre os dois
termos recorri ao conceito de Brancolina Ferreira.
"Uma possível distinção de ordem prática está em
considerar a reforma agrária como fundiária, no sentido de
31
torná-la mais equânime. Já o assentamento compreenderia,
basicamente, as ações de natureza prática que se iniciariam
com a seleção dos beneficiários da reforma agrária e se
encerrariam no momento em que eles tomassem posse do
lote de terra que lhes tenha sido destinado.
14
O conceito de assentamento se transformou e expandiu ao longo do
tempo, passando a incluir todas as medidas necessárias a fixação e
transformação dos novos proprietários em produtores rurais. O Estatuto da
terra não tratou deste termo de modo específico e ele só veio ganhar
destaque a partir do I PNRA
15
.
Para Sérgio Leite
16
é importante distinguir assentamentos, reforma
agrária e o conjunto de programas alocados na política agrária do governo.
Para ele, não existe no Brasil atualmente um programa que possa ser
designado de reforma agrária, o que existe é uma política de assentamentos,
que pontualmente e setorialmente, tem forçado o governo a dar respostas às
ações desencadeadas pelos movimentos sociais, os mais diversos num
período de pelo menos quinze anos para cá. Salienta também que os
conjuntos de programas alocados na política agrária do governo federal
possuem objetivos distintos e não podem ser confundidos com reforma
agrária.
Stédile também não considera assentamentos como processo de
reforma agrária.
13
Legislação agrária promulgada em 30 de novembro de 1964 que tinha como objetivo disciplinar as
políticas de reforma e desenvolvimento agrário.
14
FERREIRA, Brancolina. Estratégias de intervenção do Estado em áreas de assentamento: As políticas
de assentamento do governo federal. In MEDEIROS. Leonilde (org.) Assentamentos rurais: Uma visão
multidisciplinar. São Paulo. UNESP. 1994. p. 38/43
15
I PNRA . O Plano Nacional de Reforma Agrária foi apresentado a sociedade em 1985 e apenas uma
pequena parcela de suas propostas foram concretizadas.
16
LEITE, Sérgio. Assentamentos rurais: Um balanço da experiência Brasileira CPDA/UFRRJ Rio de
Janeiro 5/5/1998
32
"Reforma agrária, no nosso modo de entender, seria se
houvesse uma medida mais ampla e massiva que
conseguisse frear a concentração da propriedade da terra.
Mesmo com esses assentamentos, nesses 15 anos, o processo
de concentração da propriedade da terra no Brasil
continua, de maneira que não vivenciamos uma reforma
agrária na sua essência. Estamos distribuindo terras apenas
para resolver problemas sociais e não como uma política,
um programa de reforma agrária mais ampla.
17
Os termos Atividade Agrária, Estrutura Agrária e Política Agrária são
habitualmente utilizados nos estudos sobre reforma agrária e merecem ser
destacados no presente estudo. Faz-se necessário também a distinção entre
Política Agrária e Política Agrícola.
Para a conceituação de Política Agrária, Estrutura Agrária e
Atividade Agrária utilizarei a definição de Ana Gilda de Sá Carvalho. Para
tais definições a autora buscou subsídios no Estatuto da Terra.
Atividade agrária consiste essencialmente na ação
humana (privada ou pública) intencionalmente dirigida a
produzir com a participação ativa da natureza e a conservar
as fontes produtivas naturais. Em princípio, o fundamental
nelas está em que atividade humana não se realiza
isoladamente, mas com a participação ativa da natureza. A
atividade agrária em nosso país, segundo a legislação e a
prática vigente, pode assim ser classificada: agricultura, ou
atividade agrícola ou lavoura; extrativismo; pecuária;
agroindústria; atividades acessórias; atividades conexas;
17
O MST e a questão agrária. Entrevista com João Pedro Stédile. Estudos Avançados 11 (31), 1997
33
atividades de pesquisa e experimentação; atividades de
conservação dos recursos naturais renováveis.
A estrutura agrária é o conjunto das relações sociais,
econômicas, jurídicas que surgem por causa da atividade
agrária e que tem por objetivo os bens, serviços e obras, que
por sua natureza ou destinação, são indispensáveis ao
desenvolvimento da comunidade. Na estrutura agrária
destacam-se três elementos fundamentais: o natural; o
humano; e o resultante da participação dos elementos
humano e natural.”
18
É muito importante a distinção entre Política Agrícola e Política
Agrária.
"Política agrária é a ação do poder público ou de fatores do
poder, que consiste na eleição dos meios adequados para
influir na estrutura e na atividade agrária, a fim de alcançar
um ordenamento satisfatório da conduta daqueles que
participam ou se vinculam com essa atividade, com o
propósito de locar o desenvolvimento e o bem estar social
da comunidade".
19
O Estatuto da Terra é uma das poucas bibliografias que faz a
conceituação de Política Agrícola.
Entende-se por
Política Agrícola o conjunto de providências de amparo
à propriedade da terra, que se destinem a orientar, no
interesse da economia rural, as atividades agropecuárias,
18
CARVALHO, Ana Gilda de . Direito Agrário Brasileiro. Lavras UFLA/FAEPE 1988 P. 29/38
19
CARVALHO. Ana Gilda de Sá. Direito Agrário Brasileiro. Lavras. UFLA/FAEPE. 1998 p.29/38
34
seja no sentido de garantir-lhes o pleno emprego, seja no de
harmonizá-los com o processo de industrialização do
país.”
20
As palavras "camponês e campesinato" são recentes no vocabulário
brasileiro e foram introduzidas pela esquerda. Em Minas Gerais, São Paulo,
Goiás, Paraná e Mato Grosso, usavam a expressão "caipira" para designar
os que viviam no campo. No nordeste, camponês era designado por
"tabaréu", no litoral paulista por "caiçara", e noutras partes do país por
"caboclo".
Os proprietários de terra também possuíam designações distintas
conforme região e atividade. No sul eram denominados por "estancieiros",
no Rio de Janeiro, Minas Gerais, São Paulo, Goiás e Paraná de
"fazendeiros", no nordeste de "senhores de engenho" e norte de
"seringalistas". Todas estas denominações mudaram para "fazendeiros".
As novas palavras: Camponês e latifundiários são palavras políticas e
pretendem ser a designação de um destino histórico.
Mediação é um conceito que entrou para o vocabulário dos
estudiosos da reforma agrária. Regina Reyes Novaes
21
aponta o início dos
anos 70, como o momento em que a questão da mediação ganha destaque.
Com o desenvolvimento do capitalismo concentrador de terra e de poder e
consequentemente com a exclusão dos trabalhadores rurais surge a
necessidade do uso da categoria mediação.
Regina R. Novaes classifica os mediadores em três tipos: mediadores
externos (Igreja Católica, Estado e ONGS), Mediadores de dentro
(sindicatos, MST e outros) e os mediadores de cima.
20
CARVALHO. Ana Gilda de Sá OP. Citada p. 29/38
21
NOVAES, Regina Reyes. A mediação no campo: Entre a polissemia e a banalização. In MEDEIROS
Leonilde (org.) Assentamentos rurais: uma visão multidisciplinar. São Paulo. UNESP.1994
35
A emergência do debate em torno da reforma agrária trouxe a tona
alguns termos, bem como criaram outros que não foram discutidos aqui.
Esses termos só representam algo se inseridos no contexto da história
agrária
2.2-OS PRIMEIROS MOVIMENTOS PELA REFORMA AGRÁRIA
NO SÉCULO XX
No nosso país, a luta organizada pela reforma agrária é recente,
entretanto a resistência camponesa começou após a chegada do colonizador.
É fundamental distinguir a luta da terra pela luta da reforma agrária.
Embora as duas são interativas, uma acontece independente da outra.
Durante séculos, os camponeses lutaram pela terra sem a existência de
projeto de reforma agrária. Os primeiros movimentos pela reforma agrária
só ocorreram no século XX.
Na luta contra o cerco da terra e da vida, surgiram várias formas de
resistência. As lutas camponesas pela terra se deram através das lutas contra
o cativeiro, contra a exploração e consequentemente contra o cativeiro da
terra produzido com a Lei de Terras de 1850, contra a expulsão que marca
as lutas dos trabalhadores, contra o coronelismo e latifúndio.
Durante quatro séculos, os camponeses lutaram pela terra das mais
diferentes formas, sem no entanto lutar pela reforma agrária. No século XX,
a luta pela reforma agrária passou a fazer parte da luta pela terra e questão
agrária se colocou como uma questão política.
No início da República, surgem os primeiros movimentos contra o
latifúndio. José de Souza Martins
22
define esses movimentos como
22
MARTINS. José de Souza, Os camponeses e a política no Brasil. Petrópolis. Ed. Vozes. 1981. O autor
36
Messianismo (Canudos e Contestado) e Banditismo Social (Antônio Silvino
e Lampião no Nordeste).
A forma de organização desses movimentos (messiânicos e
banditismo social) demarcou os espaços políticos da revolta camponesa.
Dessa forma diversas ações com características distintas enfrentaram o
latifúndio e timidamente começaram a demarcar o espaço político que o
movimento camponês viria percorrer a partir da Segunda metade do século
XX.
Alguns fatos indicam que o movimento camponês já começava a se
organizar politicamente no inicio do século XX. A criação do Bloco
Operário e Camponês
23
pelo Partido Comunista em 1928 demonstra que a
discussão sobre a questão da terra já se esboçava timidamente como uma
questão política no início do século.
A reforma agrária como uma proposta política surgiu no início do
século XX com o movimento tenentista.
24
Só nos anos 50 ganharia força
com o advento das organizações políticas camponesas, principalmente das
Ligas Camponesas, assunto que falarei mais adiante.
Com a “Revolução de 1930”, inicia-se a reformulação do pacto
agrário como reivindicação do tenentismo radical que partilhava o poder
com as oligarquias regionais. O segmento dos tenentes via a prática do
define os movimentos camponeses do Brasil da seguinte maneira: Messianismo (Canudos e Contestado);
Banditismo Social (Antônio Silvino e Lampião no Nordeste) e Associativismo e Sindicalismo (Ligas
Camponesas e Sindicatos de Trabalhadores Rurais).
23
Com a finalidade de disputar as eleições em fevereiro de 1927, os comunistas criaram o Bloco
Operário. O Bloco Operário era na verdade um partido político do qual participavam operários,
intelectuais, e políticos não operários. Nesse ano lançou dois candidatos a deputado no Rio de Janeiro,
mas apenas um foi eleito. Depois dessa vitória, o Bloco Operário continuou a se organizar também em
outras cidades. No fim de 1927 passou a ser Bloco Operário e Camponês (BOC) , tentando atrair o apoio
dos trabalhadores rurais. Em 1929, lançou seus próprios candidatos a presidente e senadores. Devido a
repressão o BOC não conseguiu eleger nenhum candidato e foi dissolvido em 1930.
24
O movimento tenentista surgiu na década de 1920 em oposição ao sistema de dominação alicerçado no
poder dos coronéis vigente nos 30 primeiros anos da República. Dividiam em duas correntes: os que
37
coronelismo e do clientelismo rural como obstáculo à democracia e falavam
em reforma agrária como uma das maneiras de superar tal sistema.
Objetivando uma certa centralização política e a efetivação do Estado
Liberal pós 1930, os tenentes através de organizações próprias, como o
Clube 3 de Outubro
25
, esboçaram a realização de reformas sociais como: a
limitação dos latifúndios e o estímulo à formação e manutenção das
pequenas propriedades rurais, tarefa esta destinada ao Estado. Segundo o
programa, a legislação trabalhista deveria estender aos trabalhadores do
campo.
Na Constituinte de 1934, setores tenentistas tentaram garantir
condições para implantação de projetos de reforma ou revisão agrária, mas
foram politicamente derrotados, da proposta dos tenentes restou apenas a
idéia de um plano de colonização e aproveitamento das terras públicas.
Na década de 30, a reforma agrária constituía-se em um dos cinco
pontos do programa da Aliança Nacional Libertadora
26
.
"...proteção aos pequenos e médios proprietários e
lavradores e entrega das terras dos grandes proprietários
aos camponeses e trabalhadores rurais que a cultivam..."
27
almejavam a centralização política e a efetivação de algumas reformas sociais e os que aceitavam a
realização de reformas sociais, mas sem a centralização política.
25
O Clube 3 de Outubro foi fundado no Rio de Janeiro em maio de 1931, organização formada por grupos
ligados ao presidente Vargas e aos tenentes reformistas, para cuja direção são escolhidos Pedro Ernesto
(presidente), Gois Monteiro, Hercolino Cascardo e Osvaldo Aranha (vice-presidentes). Através desse
clube pressionavam o governo, defendendo a adoção de planejamentos econômicos para atendimento
uniforme das regiões e medidas industrializantes e nacionalistas. Alguns defendiam a realização de
reformas sociais como limitação dos latifúndios.
26
A Aliança Nacional Libertadora representou a conjunção de várias correntes - tenentes, comunistas,
socialistas, operários, etc. - no combate às tendências autoritárias apresentadas pelo governo Vargas.
Contava com um programa amplo e de fortes conotações nacionalistas: não pagamento da dívida externa,
reforma agrária, nacionalização de empresas estrangeiras. A ressonância destes temas foi suficiente para
que a ANL conseguisse granjear cerca de 100 mil membros em 1935. Para conter essa mobilização o
governo Vargas iniciou uma violenta onda de repressão a todos movimentos populares.
27
CAMARGO. Aspásia de Alcântara, A questão agrária: Crise de poder e reformas de base (1930-1964)
IN FAUSTO Bóris O Brasil Republicano Tomo III Sociedade e política (1930-1964) Rio de Janeiro.
Bertrand Brasil 1997
38
Com a pressão da bancada comunista conseguiu introduzir na
Constituição de 1946 à concepção de que o uso da propriedade está
subordinado ao bem-estar social (art. 147), as desapropriações, que por
utilidade pública, que por interesse social deveriam ser feitas mediante
prévia e justa indenização em dinheiro (art. 141, parágrafo 16).
Iniciativas governamentais como projetos de colonização
28
e a
Marcha do Oeste
29
durante o Estado Novo, a discussão sobre a extensão da
legislação trabalhista apenas aos trabalhadores urbanos, indicam que os
projetos referentes a questão agrária possuíam um cunho reformista,
confinado a reforma agrária a um cunho utópico.
No processo de transição do Estado Novo para o chamado "Período
Democrático" emergiram numerosas organizações camponesas entre elas as
Ligas Camponesas que contavam com o apoio do PCB. A repressão ao PCB
e aos movimentos populares reduz a participação política no final dos anos
40, e iniciativas reformistas são estimuladas pelo governo.
A Lei Agrária de 1947, encaminhada por Dutra ao congresso era
bastante moderada no que se refere à efetivação de uma política de reforma
agrária e morreria nas mãos de seu relator.
2.3 - ANOS 50 E 60: A REFORMA AGRÁRIA APRESENTAVA-SE
NO DEBATE POLÍTICO COMO CONDIÇÃO SINE QUA NON DO
DESENVOLVIMENTO CAPITALISTA BRASILEIRO.
28
As chamadas colônias agrícolas nacionais foram o que restou do projeto tenentista sobre a questão
agrária. Foram promovidas pelo governo federal com colaboração dos governos estaduais. As mais
conhecidas foram implantadas na Baixada Fluminense, nas imediações de Santa Cruz e Dourados, Mato
Grosso, onde núcleos de 2000 a 4000 famílias estabeleceram-se em lotes formando um grupo de pequenas
propriedades rurais.
29
Dentro de uma política de expansão das fronteiras e de expansão para o oeste foi fundada em Goiás, a
colônia de Ceres.
39
Nos primeiros anos do pós-guerra, desenvolveu-se no Brasil um
acentuado debate de idéias sobre a realidade do país, as condições de seu
atraso e a sua superação.
Esse debate partiu de duas noções: O desenvolvimento urbano era
obstaculizado pelo atraso da agricultura que era incapaz de abastecer os
centros urbanos; a não existência de relações capitalistas no campo
retardava a expansão do mercado consumidor para os produtos industriais.
A solução desses problemas consistia na transformação do campo. E
a reforma agrária seria o instrumento capaz de romper esse impasse.
As propostas para promover o desenvolvimento do Brasil
apresentaram diferenças profundas entre os vários segmentos da sociedade.
Os segmentos industriais defendiam o estímulo à modernização da
agricultura sem alterar a estrutura fundiária. Já os grandes proprietários
acreditavam que o mercado que a agricultura poderia abrir era
principalmente o de máquinas e equipamentos pesados, insumos químicos
etc., o que não pressupunha redistribuição fundiária.
No início dos anos 50, a agricultura brasileira começava a passar por
um processo de modernização e ao mesmo tempo iniciava um processo de
cobrança em termos legislativos de segurança para os trabalhadores rurais.
Nesse momento, o campo estava enfrentando diversos focos de luta,
onde trabalhadores rurais resistiam à entrada de relações capitalistas no
processo de produção agrícola. A expansão da fronteira agrícola, a
substituição da agricultura pela pecuária e modernização da agricultura
provocava a expulsão do homem do campo e ou uma maior exploração
deste. A resistência a esse processo e a disputa pela posse da terra trazem
para o confronto direto; camponeses e fazendeiros no início dos anos 50 e
incorporam a demanda por reforma agrária ao movimento camponês.
40
Os maiores choques devem-se à expansão do latifúndio. Em
Malacacheta, região de Teófilo Otoni/MG posseiros foram expulsos por
fazendeiros que chegaram a região. Em Governador Valadares, migrantes
pobres nordestinos e posseiros da região foram expulsos por fazendeiros
que se apossaram da terra em que viviam. Muitos destes camponeses foram
atraídos para o sindicato. Em Trombas e Formoso/ GO posseiros foram
expulsos por grileiros e aderiram ao Partido Comunista. Em Porecatu/PR,
posseiros que habitavam terras devolutas foram despejados pelo governador
que cedera aquelas terras a grandes proprietários.
Foi neste contexto de conflitos contra o latifúndio e de crescimento
da luta pela terra que a questão agrária sofreu novo redimensionamento
colocando a questão da reforma agrária na pauta política.
A percepção desse novo dimensionamento da questão agrária foi
acompanhada por disputas pela sua representação. O Partido Comunista
Brasileiro - PCB -, Igreja Católica e outras instituições disputaram esse
espaço político.
Getúlio Vargas antevê a possibilidade de mobilizar a população rural
e atraí-la para a órbita do governo e acena com uma Lei Agrária que
condiciona o uso da propriedade a uma finalidade social.
A reforma agrária permeia campanhas eleitorais e as propostas de
governo nos anos 50, no entanto a sua efetivação não se dá na prática.
Várias ações foram desenvolvidas como estratégias para mobilizar o
proletariado rural nos anos 50. O Serviço Social Rural encaminhado por
Vargas em 1951, com o objetivo de fornecer serviços sociais, assistência
técnica, meios de aprendizagem e promoção ao homem do campo tornou-se
apenas uma medida paliativa de reforma agrária. A luta pela aprovação das
41
leis trabalhistas ao campo proposta por Vargas foi árdua e sem grandes
sucessos.
A utilização do artigo 147
30
é mais um gesto da habilidade política de
Vargas. Atende ao trabalhador do campo sem fechar as portas ao
proprietário. Em 1952, é criada a Comissão Nacional de Política Agrária -
órgão de estudos e planejamento que tem como objetivo propor, através de
um colegiado, possíveis modificações na estrutura agrária a serem
encaminhadas ao congresso em nome do executivo.
Durante toda a história do Brasil, os trabalhadores, especialmente, os
camponeses sempre foram mantidos à margem do poder político. A classe
trabalhadora nunca foi considerada nos projetos de desenvolvimento do
país, a não ser quando constituía obstáculo a ser removida.
Até o início dos anos 50, o que existia no campo eram diversos focos
de luta, onde posseiros, arrendatários, foreiros resistiam às tentativas de
expulsão por parte dos proprietários. O Partido Comunista Brasileiro
PCB, assumiu nesse período como um dos traços de sua linha política, a
tarefa de tentar acompanhar e atuar nas lutas de resistência que se davam no
campo. Dessa forma a luta política do campesinato brasileiro nasceu sob a
tutela do Partido Comunista Brasileiro.
A demanda pela reforma agrária pelo movimento camponês deve ser
pensada a partir das concepções e da atuação do Partido Comunista.
A concepção de reforma agrária presente no PCB foi definida a partir
do significado de latifúndio e da luta contra ele. Os intelectuais do PCB
acreditavam que a reforma agrária era um dos passos necessários a
30
O artigo 147 foi introduzido na constituição de 1946 devido à pressão da bancada comunista e tinha
como concepção que o uso da propriedade está subordinado ao bem estar social.
42
transformação do Brasil. A eliminação do poder dos latifundiários seria o
caminho para tirar o Brasil do atraso.
"A ação do PCB no campo voltava-se, de um lado, para o
encaminhamento de lutas mais imediatas (melhores salários,
direitos trabalhistas, abolição de“vales" e barracões, apoio
a resistência na terra, demanda por maior prazo e garantia
de renovação de contratos de arrendamento, diminuição de
seu valor, diminuição de impostos e fretes) e, de outro,
buscava estimular a luta pela reforma agrária, o que
supunha um conjunto de aliança políticas..."
31
A defesa da reforma agrária sempre esteve presente na bandeira de
luta do PCB. Carlos Prestes via à necessidade de levantar a bandeira da
reforma agrária para ganhar as massas camponesas.
O PCB atuou nos vários momentos de organização dos movimentos
sociais no campo. A primeira Conferência Nacional de Trabalhadores
Agrícolas em São Paulo, Paraíba e Ceará em 1953, definiu-se pela criação
de sindicatos e fundação de uma entidade nacional e organização de
Trabalhadores Rurais. A ULTAB (União de Lavradores e Trabalhadores
Agrícolas do Brasil) criada em 1954 por iniciativa comunista visava
fomentar os sindicatos no campo.
Nesse mesmo quadro de modernização da agricultura, exploração do
trabalhador rural, emergência das lutas políticas no campo surge em
Pernambuco e Paraíba as Ligas camponesas.
As ligas Camponesas surgiram no contexto de uma crise política
regional em Pernambuco no ano de 1955 e se espalharam pelo Nordeste.
31
MEDEIROS, Leonilde Sérvolo de. Reforma Agrária: concepções, controvérsia e questões. Dataterra
setembro de 1993
43
Foreiros do Engenho Galiléia em Pernambuco agruparam-se na
Sociedade Agrícola e Pecuária dos Plantadores de Pernambuco (SAPP) para
criar um fundo comum e para impedir o despejo arbitrário feito pela família
Beltrão pela falta do pagamento do foro pelos camponeses. Ameaçados
pelos antigos proprietários que começavam a retomar seus antigos engenhos
e aos elevados preços do foro, os foreiros fizeram da SAPP um órgão de
resistência que passou a contar com a defesa do advogado e deputado
estadual do PSB Francisco Julião. Com a vitória dos foreiros do Engenho
Fogo Morto, Galiléia, as Ligas Camponesas se expandem pelo Nordeste,
atingindo sobretudo foreiros, meeiros, minifundiários e poucos assalariados.
Francisco Julião tornou-se a principal liderança das Ligas
Camponesas e gestou-se a partir daí outra concepção de reforma agrária.
Julião acreditava que a reforma agrária quebraria o poder do latifúndio e
introduziria o campesinato como ator político, constituindo assim o
primeiro passo para a revolução socialista no país.
A expansão das Ligas Camponesas repercutia dentro e fora do país. A
imprensa e os intelectuais do Estados Unidos começaram a se interessar
pelo assunto. Nasce a Aliança para o Progresso
32
. A divisão do movimento
em duas alas - a mais radical e adepta da luta armada presidida por Morais e
a adepta da reivindicação legal liderada por Francisco Julião - enfraqueceu
o movimento e facilitou a sua repressão. Muitas foram absorvidas pelo
movimento sindical e outras foram desaparecendo.
Frente à mobilização camponesa (expansão da ULTAB e das Ligas
Camponesas), a igreja e o governo atentaram para as questões sociais no
campo, opondo-se frontalmente as ações que se desdobravam no quadro
32
Aliança para o Progresso foi uma iniciativa do governo dos Estados Unidos encorajando os governos
latinos americanos a realizarem programas preventivos de reforma agrária, que eliminassem a
concentração fundiária e propiciasse a criação de uma classe média rural.
44
ilegal. Por outro lado, a igreja apoia a criação de uma equipe de
sindicalização, ligada ao serviço de Assistência Rural, já fundado em 1949,
pelo bispo Dom Eugênio Sales no Rio Grande do Norte.
A politização da questão agrária desencadeou projetos de
recuperação para as áreas marginalizadas como aprovação e execução do
projeto SUDENE. Esses projetos incluíram não apenas os camponeses
marginalizados, mas camadas emergentes da indústria brasileira. O projeto
SUDENE tornou-se uma estratégia agrário-desenvolvimentista de Juscelino
Kubitschek descartando-o dos compromissos com o Estatuto do
Trabalhador Rural.
No final do período juscelinista emerge uma nova mentalidade
favorável as reformas de estrutura entre elas a integração do campesinato ao
processo econômico e político.
Nos anos 60, verificou-se a existência de vários projetos
diferenciados apontando para a necessidade de efetivação da reforma
agrária. No Rio Grande do Sul surge em 1960 o Master (Movimento dos
Agricultores Sem Terra), em Belo Horizonte aconteceu o 1º Congresso
Nacional dos Trabalhadores Rurais em 1961, no nordeste, as ligas se
expandem em 1960-62, o movimento de sindicalização rural ganha ímpeto
a partir de 1962.
Embora reconhecidos pela consolidação das leis de Trabalho de
1943, os trabalhadores rurais não gozavam o direito de sindicalização. Em
1961, já existia praticamente montado um sindicato rural. O empenho de
João Goulart na concessão de cartas de reconhecimento aos sindicatos de
trabalhadores rurais leva à um rápido desenvolvimento do sindicalismo no
nordeste, particularmente na zona canavieira.
45
A partir de 1963, o movimento sindical foi favorecido pelas
mudanças na política regional e nacional. Em Pernambuco é eleito com
ampla sustentação popular Miguel Arraes (1962) que tomou a providência
de impor o salário mínimo no campo, além de conduzir os trabalhadores das
Ligas Camponesas para os sindicatos e obter uma conciliação entre as
classes trabalhadoras e as classes proprietárias. Estas ações acabaram
institucionalizando o movimento camponês em Pernambuco.
A reforma agrária também foi a principal bandeira de luta da
CONTAG (Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura)
fundada em 1963.
Durante o governo o governo de João Goulart, as lutas pela posse da
terra alastraram no país. Com a restituição do presidencialismo em 1963,
João Goulart empenhou-se em aplicar um programa de reformas que dava
prioridade a reforma agrária e em atender as reivindicações das massas
camponesas e urbanas.
A reforma agrária, no início dos anos 60 tornou-se o carro-chefe das
reformas de base e eixo de um projeto nacional-desenvolvimentista.
Nos anos 60, a reforma agrária era entendida como condição para
vencer o atraso, no plano econômico, e como alteração das relações de
poder no plano político. Já para as lideranças que disputavam a liderança
das lutas camponesas, a reforma agrária era entendida como condição
necessária para o desenvolvimento e, portanto como parte da questão
nacional.
Nesse contexto de luta, a igreja começou a disputar com o PCB a
possibilidade de controlar os movimentos sociais no campo. Inicialmente a
proposta da igreja era transformar o trabalhador em pequeno proprietário
46
para salvá-lo do comunismo, somente a partir de 1963, a CNBB admite a
reforma agrária.
A demanda por reforma agrária no início dos anos 60 desencadeou a
criação da SUPRA - Superintendência de Política e Reforma Agrária - e a
subsequente extinção do INIC (Instituto Nacional de Imigração e
Colonização) e do SSR (Serviço Social Rural). Por reivindicação dos
trabalhadores, esse órgão nasceu independente do Ministério da Agricultura
e tinha como competência planejar, elaborar e executar medidas de reforma
agrária.
O projeto de lei de reforma agrária encaminhado ao Congresso
juntamente com o Estatuto do Trabalhador Rural (estendendo direitos
trabalhistas e associativos já obtidos pelos trabalhadores urbanos) acirra
debate sobre este tema e esbarra numa maioria conservadora. Foi aprovado
um projeto alternativo, condicionando a reforma agrária a desapropriação
prévia e em dinheiro.
Goulart direcionou seus esforços no sentido de mobilizar a opinião
pública e através de um decreto presidencial anuncia a reforma agrária. Os
itens das reformas propostas por Goulart provocaram intensa polêmica.
Com a implantação do regime militar, a política fundiária no Brasil
gerou vários ensaios de reforma agrária sob a égide conservadora e em
resposta as pressões dos movimentos sociais no campo.
Sob a retórica da modernização, os militares promoveram a
transformação do meio rural com a mecanização e a industrialização,
simultaneamente a modernização tecnológica de alguns setores da
agricultura. Esse processo desencadeou a expropriação e a expulsão dos
trabalhadores rurais, causando o crescimento do trabalho assalariado e
47
produzindo um novo personagem na luta pela terra e pela reforma agrária: o
bóia-fria.
Os militares pretendiam controlar a questão agrária por meio da
violência e do processo de expansão do capitalismo agrário em detrimento
da agricultura camponesa. Essas ações intensificaram a concentração
fundiária e consequentemente aumentaram os conflitos pela posse da terra,
fazendo eclodir as lutas camponesas.
Com o Estatuto da Terra aprovado em fins de 1964, Castelo Branco
enquadra e administra institucionalmente as reivindicações e os surtos de
inquietação camponesa.
O Estatuto da Terra abriu também a possibilidade da reforma agrária
localizada, fez da reforma agrária uma reforma tópica, desmobilizou o
campesinato sempre e onde o problema da terra se tornava tenso oferecendo
riscos políticos. Por outro lado estabeleceu a colonização de áreas novas,
subsidiava grupos econômicos que se estabeleciam em áreas novas, e
garantiu caráter concentracionista da terra.
Em fins de 1964 é constituído o IBRA - Instituto Brasileiro de
Reforma Agrária e o INDA - Instituto Nacional de Desenvolvimento
Agrário.
No final dos anos 60, a prática da reforma se mantém inalterada.
Entre 1965 e 1981, o governo federal baixou apenas 124 decretos de
desapropriação de terras. O movimento dos trabalhadores rurais duramente
atingido pela repressão só se recuperaria duas décadas depois. Os grandes
proprietários continuaram sendo um esteio social e político importante na
manutenção da ordem instaurada em 1964.
Nesse contexto, o governo federal desloca sua ênfase para a
modernização da agricultura e na área fundiária para a colonização.
48
A revolução camponesa estava definida apenas no temor dos seus
opositores de esquerda e direita daquela época. O Estado autoritário
implantado em 1964 utilizou o espaço legal para controlar as realizações na
estrutura fundiária. A repressão aos movimentos sociais no campo e o
controle sobre os sindicatos foram fatores significativos para que a reforma
agrária não se efetivasse de forma a atender as reais demandas por terra dos
trabalhadores rurais.
2.4 - ANOS 70: A MODERNIZAÇÃO TECNOLÓGICA MUDA OS
RUMOS DO DEBATE SOBRA A REFORMA AGRÁRIA
Com a ditadura militar, a reforma agrária deixou de constituir um dos
pilares do projeto desenvolvimentista e a distribuição de terras um pré-
requisito necessário ao desenvolvimento econômico do país.
A pequena produção familiar agrícola vista nos anos 60, como fator
importante no desenvolvimento econômico, perdeu seu espaço
gradativamente a partir dos anos 70, especificamente com o II PND. A
produção camponesa perdeu sua importância como força de trabalho graças
ao contigente de mão-de-obra temporária que se formaram nas periferias
das cidades. A produção familiar também sofreu alterações em seu papel
produtivo com a concentração de produção e com as mudanças dos hábitos
alimentares da população urbana. O consumo de produtos in natura foi
sendo substituído pelos produzidos pelas agroindústrias.
À medida que a pequena produção foi deixando de cumprir o seu
papel fundamental - o de alimentar a força de trabalho das grandes
metrópoles - os rumos do debate sobre a reforma agrária nos anos 70
também sofreu modificações.
49
A extinção do IBRA e do INDA em 1972 e sua substituição pelo
INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) indicou o
sentido que a reforma agrária tomaria no regime militar.
Nos anos 70 e início dos anos 80, a proposta de reforma agrária dos
órgãos estatais volta-se para a ocupação dos espaços vazios, as terras
públicas das fronteiras e para a modernização tecnológica da agricultura.
As transformações no processo de produção agrícola - expansão do
processo de agroindústrias, modernização da produção familiar -
provocaram mudanças nas relações sociais no campo. O resultado desse
processo nacional -desenvolvimentista foi a pauperização dos pequenos
produtores, surgimento da força de trabalho assalariada no campo.
A luta pela reforma agrária ganhou novos personagens e destoou-se
do debate proposto nos anos 50 e 60. A bandeira da reforma agrária deixou
de aparecer como um tema nacional, transformou-se numa demanda da luta
pela terra.
Com a consolidação do Estado autoritário efetivou-se a
sindicalização rural em massa. Os sindicatos atrelados ao Estado deixaram
pouco espaço para a mobilização autônoma. O Estado passou a disciplinar
os movimentos sociais no campo através da criação de organizações de
cooperativas, serviços e projetos específicos de reordenação da estrutura
fundiária, junto com mecanismos gerais de penetração ideológica como
meios de comunicação de massa e educação.
A CONTAG, após o período de intervenção que se sucedeu ao golpe
militar, iniciou sua reorganização no final dos anos 60, fez do Estatuto da
Terra, o esteio legal para lutar por aquilo que tinha sido sua principal
bandeira de luta, a reforma agrária. Durante toda a década de 70, a
50
CONTAG manteve esta postura e constituiu-se num dos poucos canais de
luta por terra no Brasil.
A heterogeneidade estrutural de forças sociais que compunha o
campesinato - trabalhadores rurais, produtores familiares capitalizados,
posseiros, produtores familiares pauperizados - dificultaram a unificação
das lutas no campo naquele contexto.
Nos anos 70, as lutas pela terra tiveram como personagem principal o
posseiro
33
, acuado pelos grandes projetos de colonização de expansão de
fronteiras. Esse segmento contou com o apoio da esquerda comunista e da
igreja católica em suas reivindicações. Além deste segmento, o final dos
anos 70 e início dos anos 80 assistiu o nascimento dos movimentos dos
atingidos por barragens.
34
Nos anos 70, o movimento camponês conquista mais um importante
aliado: a Igreja Católica. Esta passou a incentivar e apoiar as lutas de
resistência dos trabalhadores rurais. O resultado concreto dessa prática foi a
criação em 1975 da CPT (Comissão Pastoral da Terra), como um serviço
específico para tratar a questão da terra.
No bojo da luta contra o regime militar e pela redemocratização do
país emergiram diversos segmentos sociais excluídos das benesses deste
regime, entre estes, os trabalhadores do campo.
A repressão a luta pela terra e a não realização da reforma agrária
somados ao modelo de desenvolvimento da agropecuária impostos pelos
33
Segundo definição de SALAZAR, German Torres Finanças públicas e reforma agrária UFLA/FAEPE
Lavras/MG 1998. Posseiro: é o trabalhador rural sm vínculo empregatício que não sendo proprietário do
imóvel, o toma como seu, tornando-o produtivo. Em termos jurídicos, o posseiro é todo trabalhador rural
que tenha se apossado de um imóvel rural, independentemente de justo título e boa fé, nele tenha morada
habitual, fazendo com que se torne produtivo através do próprio trabalho, para proporcionar a subsistência
de sua família e mesmo excedentes comercializáveis.
34
Movimento dos atingidos por barragens envolve trabalhadores (pequenos produtores, posseiros,
arrendatários, parceiros) deslocados de suas terras em virtude da construção de grandes projetos
51
governos militares tinha a intenção de desmobilizar os camponeses. No
entanto, por causa da repressão e da expropriação resultante do modelo
econômico nasceu o mais amplo movimento camponês da história do
Brasil: Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra - MST. Os
trabalhadores do campo emergiram no final do regime militar como atores
sociais fundamentais na demanda por reforma agrária.
2.5 - ANOS 80: A EMERGÊNCIA DOS MOVIMENTOS SOCIAIS NO
CAMPO E UM NOVO DEBATE SOBRE A REFORMA AGRÁRIA
Nos anos 80 emergiram novamente com grande visibilidade as lutas
por terra e diferentes propostas de reforma agrária, numa conjuntura
marcada pela emergência de novos personagens. Num primeiro momento,
os conflitos por terra envolveram principalmente posseiros, rendeiros e
foreiros, etc., e, num segundo momento, pelos acampamentos e ocupações
de terra, fundamentais na constituição do MST (Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra), que passaram a ocorrer com intensidade
em todo país e será marcante na década posterior.
O sindicalismo rural hegemonizado pela CONTAG (Confederação
Nacional dos Trabalhadores na Agricultura) lutava por desapropriação,
posseiros resistiam nas terras, atingidos embargavam barragens, sem terras
realizavam ocupações, seringueiros lutavam contra a destruição da floresta.
Esta diversidade de atores sociais indicou alguns dos novos termos do
debate sobre a reforma agrária para os anos 90.
hidrelétricos. Inicialmente os envolvidos demandavam terra por terra, posteriormente passaram resistir a
construção das barragens e a questionar a política energética do governo
52
A década de 80 foi marcada por um intenso processo de organização
da sociedade civil, e no bojo desta o ressurgimento da questão agrária e o
fortalecimento do Sindicalismo rural.
A crise econômica e as incertezas quanto ao uso meramente
especulativo da terra, somada a redução do crédito rural afetou os grandes
proprietários. Sem créditos, com dificuldades de mão-de-obra, ameaças de
invasão, levou o grande proprietário descapitalizado a ver na cessão da
terra, sob diversas formas de contrato (parceria, arrendamento) uma nova
opção para a exploração da terra.
Por outro lado, os proprietários capitalizados investem em pastagens
plantadas e passam a ver o trabalho residente como uma opção.
A maior organização e capacidade de ação dos trabalhadores rurais
somadas aos fatores acima contribuíram para minimizar a expulsão de
trabalhadores do campo na década de 80.
A reforma agrária deixou de ser vista como uma necessidade
intrínseca do desenvolvimento capitalista. A reforma agrária passou a ser
encarada como uma luta dos trabalhadores e as lutas pela terra tornaram-se
lutas específicas pela sua terra e não em geral lutas políticas.
Mas, ainda assim, a mobilização por reforma agrária foi grande na
década de 80, especificamente durante o processo constituinte. A proposta
de emenda popular, elaborada pela Campanha Nacional pela Reforma
Agrária recebeu mais de um milhão de assinaturas.
Durante o processo da Constituinte, a reforma agrária foi um dos
temas que mais chamou a atenção dos meios de comunicação, destacando-
se sobretudo o recrudescimento da violência rural e as posições da recém
53
criada UDR.
35
No entanto, os resultados no que se refere à distribuição de
terras e assentamentos ficaram aquém das reivindicações dos trabalhadores
rurais.
É marcante também no início dos anos 80 a presença da CONTAG e
das "oposições sindicais rurais" na criação da CUT (Central Única dos
Trabalhadores). A forte presença rural no Congresso de criação da CUT em
1983 coloca a questão da terra como bandeira politicamente crucial.
As disputas entre as propostas das organizações sindicais
Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (CONTAG), e o
Departamento Nacional dos Trabalhadores Rurais da Central Única dos
Trabalhadores (DNTR/CUT) pela representação do segmento dos
trabalhadores do campo indicaram novos termos do debate sobre a reforma
agrária para os anos 90.
A reforma agrária foi a principal bandeira de luta da CONTAG
desde a sua fundação no final dos anos 60. Defendendo a utilização do
Estatuto da Terra como recurso legal, a CONTAG conseguiu manter vivo o
debate sobre a reforma agrária mesmo durante a ditadura militar. Nos anos
80, a CONTAG defendeu o respeito às peculiaridades locais, em
contraposição a um modelo nacional único de reforma agrária, com base na
propriedade familiar.
O DNTR/CUT, criado em 1989, é resultado de uma articulação que
se constituiu a partir das “oposições” sindicais em diferentes pontos do país
no início dos anos 80. No que se refere ao conteúdo reforma agrária, a
vanguarda pela luta pela terra seria o MST e a Central Sindical caberia a
responsabilidade de globalizar essa luta.
35
UDR : União Democrática Ruralista.Entidade de representação da classe patronal criada para combater
a s propostas do Plano Nacional de Reforma Agrária e o revigoramento das lutas sociais no campo no
início dos anos 80.
54
Para o DNTR/CUT, a reforma agrária seria fundamentada na
produção familiar visando a distribuição de renda, e a democratização
política dos recursos tecnológicos, assim como a mudança da estrutura
fundiária e de mercado.
Embora todas as centrais sindicais tenham adotado a bandeira da
reforma agrária, essas não conseguiram mobilizar todos os segmentos
urbanos em defesa das lutas por terra nos anos 80. A reforma agrária passou
a ser tratada como uma questão dos trabalhadores rurais.
A luta pela terra foi conduzida não só pelo sindicalismo rural
contaguiano, mas por outros movimentos específicos. No entanto, a
diversidade de movimentos convergiu para a busca de unidade de ação em
momentos politicamente decisivos como na Campanha Nacional pela
Reforma Agrária criada em 1983.
Um dos momentos cruciais em que é possível verificar essa
convergência para a unidade de ação foi no IV Congresso Nacional dos
Trabalhadores Rurais promovidos pela CONTAG em maio de 1985, no
momento em que o governo anunciava a sua Proposta de Plano Nacional de
Reforma Agrária
36
. As forças ali presentes tinham como expectativas influir
nos rumos da Constituinte através da pressão popular. Decidiram pelo
rompimento do Estatuto da Terra, principalmente através da ampliação das
desapropriações e das propostas de confisco através de perda sumária. O
que foi possível construir de unidade de ação no que se refere a documento
de resoluções, na prática, assistiu-se a diversidade de ações no que se refere
à luta por terra entre as organizações de representação dos trabalhadores.
36
O PNRA foi um plano aprovado pelo presidente da república em 10 de outubro de 1985 para viger até
o final de 1989 e tinha como meta o assentamento de 1,4 milhão de famílias de trabalhadores sem ou com
terra insuficiente. Apenas 6,4% das famílias foram assentadas.
55
A disputa no interior da representação dos trabalhadores não ocorreu
apenas no que se referia a reforma agrária, mas principalmente sobre a
natureza das formas de pressão para viabilizá-la.
As discussões em torno da proposta do I PNRA, bem como sua
posterior derrota introduziram novos termos no debate sobre a reforma
agrária. As desapropriações realizadas nos primeiros momentos do I PNRA,
colocaram novas questões como a viabilização dos assentamentos
existentes, das reservas extrativistas, dos atingidos por barragens. Nesse
momento verificou-se também novas práticas de reações por parte dos
proprietários como a criação da UDR (União Democrática Ruralista).
Outro passo importante da redefinição de luta e dos espaços
institucionais da reforma agrária verificou-se na Constituição de 1988.
Segundo José Gomes da Silva, a Constituinte 1987/1988 recuou
duplamente no que se refere a reforma agrária quando restabeleceu o
prévio pagamento das indenizações e omitiu-se no restabelecimento do
critério para fixação do "justo preço".
"O poder dos terratenientes brasileiros foi demonstrado
na Constituinte de 1987/88 não apenas pela capacidade em
fazer recuar a questão agrária aos níveis de 1946 e de
introduzir absurdos no texto constitucional como esse da
"propriedade produtiva".
37
A questão da "propriedade produtiva" também sofreu um recuo na
Constituinte de 1987/88 quando os constituintes do chamado "Centrão"
pecaram pela imprecisão etimológica do termo. Ao dispor que a chamada
propriedade produtiva não podia sofrer desapropriação, os constituintes
37
SILVA. José Gomes da A Reforma Agrária no Brasil IN STÉDILE. João Pedro A Questão Agrária
Hoje. Porto Alegre: Ed. da Universidade/ UFRGS, 1994
56
introduziram na prática dificuldades de ordem legal, agronômica e
operacional.
38
As votações no Congresso Nacional alinharam de um lado os partidos
que tentavam resgatar o sentido original da reforma agrária como o PT,
PCB, PC do B, PDT, PSB e do outro lado os que defendiam uma reforma
agrária apoiada nos princípios do direito civil para resguardo da propriedade
como o PDS, PFL e PTB. Perpassando esses dois polos ficou o PMDB.
Pode-se verificar outros recuos e omissões na Constituição federal de
1988, o que não cabe descrever aqui, mas não podemos deixar de
reconhecer também que essa apresentou algumas poucas vantagens.
39
Mesmo com a vitória de forças antireformistas na Constituinte
1987/88, a reforma agrária continuou na pauta política. Diferentes partidos
e seus porta-vozes mantiveram a reforma agrária em suas pautas
programáticas, embora em cada um assuma uma conotação diferenciada.
É importante destacar ainda o papel que as ONGS desempenharam
nos anos 80 no revigoramento das lutas populares em especial no campo.
Desenvolvendo atividades ligadas à assessoria e formação, como
publicização das lutas num esforço de construção de uma ampla rede de
apoios, entidades como ABRA, CEDI, FASE, IBASE, NOVA
40
socializaram experiências locais.
38
Existem várias definições para o termo "terras produtiva", "propriedade produtiva", "imóvel rural
produtivo". Do ponto de vista agronômico, terra produtiva, propriedade produtiva ou imóvel rural
produtivo é usada para identificar a gleba, estabelecimento ou imóvel rural que está sendo usado
satisfatoriamente, seja no tocante a fração mínima de aproveitamento espacial, ou seja de acordo com a
produtividade alcançada.
39
Entre as vantagens destaca-se: explicitação da função social da terra, criou o Instituto da Perda Sumária
para as glebas que cultivarem plantas psicotrópicas, reavaliação de todos os incentivos fiscais, demarcação
de terras públicas e outros.
40
ABRA: Associação Brasileira de Reforma Agrária manteve aceso o debate sobre a reforma agrária
FASE: Federação de órgãos para Assistência Social e Educação socializou através de publicações
experiências de organização de pequenos produtores e assalariados além de participar de outros debates.
CEDI: Centro Ecumênico de Documentação e Informação através do seu programa Movimento Camponês
e Igrejas produziu importantes análises sobre experiências de organização dos trabalhadores rurais IBASE:
57
A transição do regime militar para a Nova República já havia
colocado uma questão a ser respondida: se essa transição comportaria ou
não uma reforma agrária? A campanha de Tancredo dava sinais
promissores sobre a inclusão da reforma agrária como projeto de governo.
Essa transição seria marcada por uma sucessão de surpresas
agradáveis no que se refere à propostas para a reforma agrária, mas que
acabaram "virando suco" na expressão do estudioso da questão José Eli da
Veiga.
41
A nomeação de José Gomes da Silva para a presidência do INCRA
foi uma das surpresas agradáveis para os defensores da reforma agrária e
durou pouco.
Das propostas inovadoras de Gomes resultou a criação de um
Ministério específico, o Ministério da Reforma Agrária e Desenvolvimento
Agrário (MIRAD) subordinado ao INCRA, desvinculando-o do Ministério
da Agricultura e a desvinculação do MEAF (Ministério Extraordinário de
Assuntos Fundiários) do Conselho de Segurança Nacional. Essas medidas
visavam atender antigas demandas dos movimentos populares no campo em
especial da CONTAG. Também foi extinto o GETAT (Grupo Executivo de
Trabalho do Araguaia Tocantins) e o GEBAN (Grupo Executivo do Baixo
Amazonas). Estes organismos localizados de intervenção fundiária no
INCRA foram criados no início da década de 80 devido o agravamento dos
conflitos pela posse da terra, na região norte do país e tinham como
finalidade destruição das bases institucionais para a reforma agrária.
Sentindo que o governo estava disposto a aplicar a lei de reforma
agrária em vigor desde 1964 e as falhas do marketing sobre a questão, a
Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas pautou-se pelo monitoramento de políticas públicas
e denúncia de desigualdades e violência no campo.
41
VEIGA, José Eli da. A Reforma que Virou suco. Petrópolis. RJ. Ed. Vozes 1990
58
resistência dos grandes proprietários se fez sentir imediatamente. E dentro
do governo, o MIRAD/INCRA e Presidência da República não conseguiam
chegar a um consenso, o que resultou no afastamento de José Gomes da
Silva.
Para Moacir Palmeira
42
a resistência interna da burocracia
desempenhou e desempenha um papel importante na não realização da
reforma agrária, mas ao mesmo tempo não consegue tirar o tema da pauta
governamental.
Mesmo durante o governo Collor, com o seu perfil neoliberal e com o
enfraquecimento da mobilização no campo, a reforma agrária manteve-se
na pauta política.
A administração Collor empenhou o máximo para dificultar a
efetivação da reforma agrária. Exemplo disso foi o impacto das medidas
administrativas sobre o INCRA que teve seus quadros técnicos
drasticamente reduzidos e recursos materiais e orçamentários destroçados.
Outra medida fatal para a reforma agrária foi a extinção do MIRAD e a
subordinação da questão fundiária ao Ministério da Agricultura.
A elaboração do Programa Terra Brasil pelo governo Collor no
interior da Secretaria de Assuntos Estratégicos mostram ainda que a
desvinculação entre a questão fundiária e política de segurança nacional era
apenas aparente.
Collor também criou o Programa Parceria, que visava atender os
trabalhadores rurais através de contratos de arrendamento ou parcerias. Tal
medida não fazia parte das propostas de reforma agrária, mas constituiu
num instrumento para a manutenção da propriedade privada.
42
PALMEIRA. Moacir, Burocracia, Política e Reforma Agrária IN MEDEIROS. Leonilde...let alI.
Assentamentos Rurais: uma visão muldisciplinar São Paulo Editora da Universidade Estadual Paulista,
1994
59
No final do governo Collor, foi divulgado o II Plano Nacional de
Reforma Agrária. Esse documento apontava como agentes de reforma
agrária a Secretaria de Assuntos Estratégicos e o Gabinete Militar.
Com a queda de Collor, a questão da reforma agrária teve um novo
alento no que se refere atuação do Estado.
O governo Itamar Franco foi mais sensível para a questão, porque
nomeou Osvaldo Russo defensor da reforma agrária e ex-acessor da
CONTAG para a presidência do INCRA e elaborou um Plano Emergencial
para implementar a reforma agrária.
O Plano Emergencial previa o assentamento de cem mil famílias,
reconhecia a importância da agricultura familiar, criticava a concentração
fundiária brasileira e propunha desburocratizar, descentralizar e agilizar a
implantação de projetos e garantir serviços de apoio aos assentados.
2. 5 - ANOS RECENTES: A LUTA POR REFORMA AGRÁRIA É O
DESTAQUE DAS LUTAS NACIONAIS
Apesar da luta pela terra no Brasil ter se constituído numa demanda
já histórica, verifica-se nos últimos anos do século XX uma mobilização
intensa na luta pela reforma agrária no cenário nacional. O movimento de
luta pela reforma agrária vem ganhando importância principalmente no
sentido de apresentar como uma solução para o problema do desemprego
vivenciado nas grandes cidades e no sentido de questionar a distribuição de
riquezas. "A luta pela reforma agrária passa a ser uma das principais
políticas do século XXI."
43
43
FERNANDES. Bernardo Mançano. Brasil: 500 anos de luta pela terra. Dataterra p.8
60
A emergência da luta por reforma agrária nos anos recentes
(1990 a 2000), na visão de Claus Germer
44
está articulado a evolução
econômica da agricultura e o desenvolvimento das organizações
representativas das diversas classes presentes no cenário nacional; conexão
entre as lutas sociais na agricultura com as lutas de classes na sociedade
brasileira em conjunto; o papel do PT na definição dos rumos das lutas dos
trabalhadores em todos os setores e em todos os aspectos.
A agricultura brasileira já é nos dias de hoje, essencialmente
capitalista, o que não quer dizer que ela seja capitalista em toda a sua
extensão ou que seja puramente capitalista.
A ênfase economicista dada a agricultura preocupa-se
prioritariamente com os aspectos econômicos e tecnológicos, deixando de
lado a preocupação com a transformação da estrutura de classes.
Durante os anos 90 assistimos a expansão do setor agroindustrial
iniciada na década de 70 e o contínuo empobrecimento e proletarização de
pequenos agricultores e trabalhadores rurais
De um lado, a burguesia agrária já completou sua identificação, no
plano político-ideológico e ingressa na década de 90 mais fortalecida,
enquanto classe capitalista, ou de empresários rurais. Do outro lado, o
grande bloco da força do trabalho rural constitui um conjunto heterogêneo e
sem uniformidade política, embora tenha ocorrido na segunda metade da
década de 90 um crescimento organizativo e político-ideológico
significativo.
A denúncias de violências praticadas contra trabalhadores rurais
somadas a realização do III Congresso Nacional do Movimento dos
44
GERMER, Claus Perspectivas das lutas sociais agrárias nos anos 90 IN STÉDILE, João Pedro. A
questão Agrária Hoje . Idem
61
Trabalhadores Rurais Sem Terra em 1995, estimulou o incremento das
ocupações, fazendo renascer com mais força o debate sobre a reforma
agrária no seio da sociedade brasileira.
O MST (Movimento dos Trabalhadores Sem Terra) cresceu e
fortaleceu muito nestes últimos anos e vem conseguindo mobilizar e
motivar a força de trabalho rural em torno da luta por terra e reforma
agrária.
A partir de meados da década de 80 registra-se de forma lenta e
irregular, a implementação de assentamentos rurais em todos os Estados da
federação. No entanto, não há um consenso no número de assentamentos
efetivados de acordo com informações do governo/instituições e
movimentos sociais.
O I Censo da Reforma Agrária foi realizado em 1996 sob a
coordenação da UNB, com o envolvimento de outras universidades
brasileiras e tinha em vista identificar todas as famílias assentadas em áreas
de projeto de reforma agrária do governo federal e traçar perfil sócio-
econômico das mesmas.
Os dados fornecidos pelo Incra não corresponderam aos dados
obtidos com o censo. Os dados obtidos foram sempre menores do que os
dados emitidos pelo governo.
Ao analisar a realidade dos assentamentos rurais por detrás dos
números, Sônia Bergamasco
45
chama a atenção para a participação
significativa do atual governo Fernando Henrique Cardoso no número de
famílias assentadas em relação aos anteriores. No entanto, os assentamentos
45
BERGAMASCO. Sônia Maria Pessoa Pereira, A realidade dos assentamentos rurais por detrás dos
números. Estudos Avançados 31/11/1997
62
concentraram-se nas regiões Norte e Nordeste, indicando que não houve
ruptura com o tipo de política agrária implantada pelos governos anteriores.
Quanto aos indicadores sociais, a autora identificou a persistência de
graves problemas sociais ainda sem equacionamento tais como: falta de
programas minimamente consistentes de educação de adultos, as mulheres
continuam excluídas aos benefícios da reforma agrária; falta de programas
de capacitação técnica para os assentados; precariedade habitacional e nos
serviços de saúde; renda muito baixa; falta de uma política efetiva de
crédito para reforma agrária, e baixo nível tecnológico dos assentamentos
rurais.
Segundo João Pedro Stédile
46
, o MST virou um ator político
importante, não só porque desenvolve ações espetaculares e sai toda hora na
imprensa, mas pela divergência de fundo com o governo de Fernando
Henrique. Para ele, o governo de Fernando Henrique Cardoso marginaliza
a agricultura e não dá importância a questão da terra. Para o governo, o
fundamental é a tecnologia. Tal fato pode ser evidenciado na expansão da
área cultivada: 2% de 1980 aos dias atuais.
Com a intensificação da política neoliberal no campo, cerca de 400
mil pequenos agricultores perderam suas terras nos dois primeiros anos do
governo Fernando Henrique e 800 mil assalariados perderam o emprego na
agricultura
47
.
Do ponto de vista do desenvolvimento neoliberal, a agricultura perde
importância no desenvolvimento econômico do país. No modelo de
desenvolvimento econômico neoliberal a agricultura não é prioridade.
Nesse modelo não cabe nem agricultura voltada para o mercado, nem
46
O MST e a questão agrária - Entrevista com João Pedro Stédile Estudos Avançados (11) 31, 1997
47
Dados estimados por Guilherme Dias e Delfim Neto citado por Stédile Estudos Avançados p. 78
63
agricultura familiar. A agricultura, especificamente a pequena agricultura
seria fundamental apenas para a classe trabalhadora rural.
Para Sérgio Leite
48
, não existe atualmente um programa formalmente
designado de reforma agrária, o que vem ocorrendo é uma política de
assentamentos que o governo vem desencadeando para responder as
pressões dos mais diversos movimentos sociais, especialmente do MST.
O conjunto de programas (Lumiar, Procera, Pronera, Roda Viva,
Casulo, etc. ) estão alocados na política agrária, mas que se pensados à luz
de um conjunto maior de políticas públicas não podem ser confundidos com
reforma agrária.
A efetivação da reforma agrária no Brasil é uma possibilidade
concreta pelo menos no que se refere a legislação. A legislação vigente é
suficiente para que se faça a distribuição de terras no Brasil.
Alguns juristas defendem que o Estatuto da Terra promulgado em
1964, já se constituía num instrumento eficaz para fazer reforma agrária, se
essa constituísse numa proposta de fato dos governos.
A ambigüidade da Constituição de 1988 no que se refere a efetivação
da reforma agrária abriu espaço para a revisão constitucional de 1993. A
promulgação da Lei Agrária, Lei Complementar n º 8.624, de 1993, que
determina a desapropriação das grandes propriedades improdutivas,
atingiria 57.188 proprietários correspondendo a 2,8% do total.
A lei agrária de 1993 criou alguns conceitos que também geraram
confusão e dificuldades para a aplicação da reforma agrária. O primeiro é
que as propriedades sejam classificadas de maneira diferente no cadastro do
Incra
49
e o segundo é como se classifica a propriedade produtiva.
48
LEITE, Sérgio. Assentamentos Rurais: Um balanço da experiência brasileira CPDA/UFRRJ 5/5/1998
49
Pequenas propriedades: até três módulos rurais, que o Incra define por portaria, o que dá mais menos 50
hectares. Média propriedade: propriedades de três a quinze módulos rurais, segundo definição do Incra
64
No final do século XX, a estrutura fundiária brasileira ainda mantém
traços visíveis do sistema de capitanias hereditárias e das sesmarias.
Grandes extensões de terra continuam retidas em mãos de algumas famílias.
O Brasil está legando para as gerações futuras um país ainda marcado pelo
megalatifúndio.
Categoria Imóveis
rurais
Área (em mil
hectares)
Número de
proprietários
50
Porcentagem
Latifúndios (segundo Estatuto da
terra)
51
95.380 284.418 63.587 3,1
Grandes propriedades
improdutivas
52
(acima de 15 módulos
fiscais) (Lei 8.624, de 25/2/93)
85.781 115.054 57.188 2,8
Grandes propriedades (com limite
mínimo)
53
70.833 120.975 47.222 2,3
Fonte: Incra (organizado por José Gomes da Silva, em 1995)
A ampliação da política neoliberal, que vinha sendo implantada
desde o governo Collor, agudizou a crise da agricultura, transformando
muitos camponeses em sem-terra. Os conflitos pela posse da terra
aumentaram significativamente nos últimos anos.
Com a eleição de Fernando Henrique Cardoso, em 1994, a reforma
agrária ganhou nova dimensão. A reforma agrária vem sendo enquadrada
dentro da política neoliberal implementada pelo governo, deixando de ser
chegam mais ou menos a 500 hectares. Grandes propriedades: acima de 15 módulos rurais, está sujeita a
desapropriação. A pequena e média propriedade está isenta de desapropriação independente de ser
produtiva ou não.
50
Média de 1,5 imóvel rural por proprietário.
51
O cadastro de 1992 revelou um total de cinco milhões de imóveis rurais com 639 milhões de hectares.
Destes, 1 219 167 imóveis com 424 milhões de hectares foram classificados como latifúndios. Tomaram-
se apenas os latifúndios acima de 1500 hectares na região Norte, de um mil hectares na região centro-
oeste, e de 500 nas regiões Nordeste e Sul.
52
De um total de três milhões de imóveis rurais recadastrados em 1992, 85 mil, acima de 15 módulos
fiscais, foram classificados como improdutivos. Esses 85 mil imóveis rurais são apropriados por 57 mil
proprietários.
53
Trabalhando com o limite mínimo adotado por região, aparecem como improdutivos 70 mil imóveis
rurais com 120 milhões de hectares, apropriado por cerca de 47 mil proprietários.
65
um programa de distribuição de terra, tornando-se uma atividade comercial.
A terra passará a ser adquirida via financiamento.
Recentemente (1999), o presidente Fernando Henrique Cardoso
lançou uma proposta de reforma agrária chamada de "Novo Mundo Rural"
ou "Nova Reforma Agrária"
54
. Segundo o ministro Jungmann,
"o novo modelo pretende ultrapassar os limites das
trincheiras criadas em torno das questões da terra para
transformar-se em um programa de desenvolvimento do
setor rural e das pequenas cidades do interior, onde vivem
34 milhões de pessoas."
55
O governo pretende desenvolver os seguintes vetores estratégicos: a
agricultura familiar, com a educação e a distribuição da terra. No entanto,
esses valores não contaram com a adesão das principais organizações
representativas dos trabalhadores rurais e intelectuais, professores e
pesquisadores envolvidos com a questão agrária.
"A proposta é baseada essencialmente na fusão das duas
linhas de crédito voltadas para o pequeno agricultor - O
Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura
Familiar (PRONAF), para os núcleos já consolidados
(Pequenos agricultores com terra) e o Programa de Crédito
Especial de Reforma Agrária (PROCERA), para os
assentados."
56
O governo para sustentar esta nova proposta de reforma agrária
utiliza os seguintes argumentos: que o latifúndio possui uma força muito
54
A reforma agrária proposta Fernando Henrique chamada de “Novo Mundo Rural” ou “Nova Reforma
Agrária” será feita via mercado e não pala simples distribuição de terra.
55
LOPES, Eliano Sérgio Azevedo. Comentário sobre o "Novo Mundo Rural" ou a "Nova Reforma
Agrária" do Governo FHC. Dataterra
56
LOPES, Eliano Sérgio Azevedo. Idem p.3
66
grande na estrutura agrária brasileira, e esta precisa ser quebrada; o aumento
dos conflitos no campo precisa ser contido; o modelo de atuação vigente
para execução da reforma agrária está esgotado, afirmando a incapacidade
do Incra para gerir ações de reforma e propondo a descentralização da
mesma.
Apesar da descentralização ser um fator importante, não pode
ser tomada a priori, para a solução dos problemas que vem enfrentando a
Reforma Agrária. A descentralização da reforma parece ser uma
transferência dos ônus financeiro e político para estados e municípios por
outro lado, pode também beneficiar o poder local das oligarquias.
Para operacionalizar a "Nova Reforma Agrária", o governo
desenvolveu o Projeto-Piloto "Cédula da Terra". Esse Projeto deverá ter
como suporte financeiro para sua operacionalização o Banco da Terra.
O Projeto Cédula da Terra foi o resultado de um acordo do governo
brasileiro e o Banco Mundial e foi implantado a partir de 1997 nos estados
do Ceará, Bahia, Maranhão e Minas Gerais (apenas a região norte) e previa
o assentamento de quinze mil famílias no período de três anos.
O "Cédula da Terra” atingiu a demanda prevista para os três anos em
apenas um ano e meio. Seu formato, mecanismos, características gerais está
viabilizando uma nova forma de acesso à terra, estabelecendo o que vem
sendo denominado de "reforma agrária de mercado."
A chamada "reforma agrária de mercado" vem gerando polêmica
entre os diversos atores sociais rurais. Apesar do programa ainda ser pouco
conhecido, o PCT encontra em sua implementação, opositores ligados a
diversas organizações.
67
As razões do repúdio dos trabalhadores rurais a esta proposta
defendida no Fórum Nacional pela Reforma Agrária e Justiça no Campo
serão aqui reproduzidas:
1) Com o sistema de compra e venda de terra, o poder
público abre mão de conduzir a "reforma agrária",
deixando-a sob o controle direto dos próprios donos das
terras, ou seja, só haverá distribuição e terra se o dono da
terra quiser vender;
2) Ao substituir a desapropriação, o Cédula da Terra/Banco
da Terra premia os donos da terra que ao invés de
receberem Títulos da Dívida Agrária - TODA a serem
liquidados em até 20 anos, recebem em dinheiro à vista
pelas terras vendidas. As grandes propriedades de terras,
ainda que improdutivas, transformam-se em verdadeiros
ativos financeiros;
3) Com a ampliação do Programa para todo o território
nacional através do Banco da Terra, haverá o aumento
substancial dos preços da terra. Isto acontecerá não apenas
por conta dos efeitos lógicos do mercado (existência de
compradores com recursos garantidos para fazê-lo), mas
porque, certamente, os latifundiários se organizarão em
verdadeiros cartéis para, através da especulação, aumentar
o preço desse meio de produção em cada município.
Lembrar que nos últimos 4 anos, em função da crise
econômica, o preço da terra no Brasil, em algumas regiões
chegou a cair até 50%.
68
4) Além de serem obrigados a pagar o financiamento da
compra da terra, com custos totalmente proibitivos para os
sem-terra e minifundistas, estes terão ainda que buscar
financiamento para a produção, o que os inviabilizará
definitivamente;
5) Através de mecanismos já incluído na legislação do
Banco da Terra, que dará continuidade ao Cédula da Terra,
os grandes proprietários, além de vender a terra, vão
formar associações de produtores que terão acesso ao
Programa. Ou seja, o programa vai alimentar a formação
de currais eleitorais pelas oligarquias rurais do país, e,
assim alimentando a submissão política dos excluídos e os
grilhões do atraso da sociedade brasileira. Neste sentido,
afora as críticas anteriores, com essa característica, o
Cédula da Terra/Banco da Terra, contrariando os
argumentos colocados pelo Banco Mundial, qualificando-o
como uma ação de combate à pobreza no meio rural
brasileiro, vem na verdade, agravar esse quadro;
Ressalte-se ainda, que com a titulação imediata dos
adquirentes de terras através do Banco da Terra, o governo
se esquiva de sua responsabilidade de propiciar as
condições mínimas necessárias de infra-estrutura física e de
serviços essenciais para que os assentados possam
progredir econômica e socialmente
57
A lógica mercantil do projeto, a garantia dos privilégios do
latifundiário, quando por exemplo o Banco da Terra não pune o
69
proprietário que ignora a função social da terra e a ação de compra
concentrar-se ao em imóveis médios e pequenos, a possibilidade de
manipulação local de agricultores, e as condições penalizadoras dos
empréstimos constituem-se nos principais argumentos contrários a
ampliação do PCT.
Em relação aos "argumentos a favor", quase sempre recebidos com
ceticismo pelas organizações envolvidas destacam-se os seguintes: o custo
mais baixo; agilidade operacional do processo; eliminação de conflitos,
possibilidade de maior transparência no processo.
A formação de associações, o requerimento habilitador para ter
acesso ao PCT, constitui num problema central para a operacionalização
desse. As associações são constituídas com o objetivo de adquirir a terra, e
uma vez concretizado, esta forma de cooperação social é imediatamente
enfraquecida. Problemas como falta de melhor preparação técnica para a
implementação do projeto precisam ser superados para o sucesso do PCT.
A luta política pela terra nos anos recentes cresceu em expressiva
proporção à modesta política de reforma agrária implementada pelo atual
governo (Fernando Henrique Cardoso). A crescente força política da luta
por reforma agrária deve-se ao crescimento das invasões de terra e a
capacidade de pressão e luta do MST.
A luta por reforma agrária hoje, apesar de não ser uma questão
nacional, tem apresentado a maior capacidade de mobilização e
desenvolvido ações de grande visibilidade pública.
57
LOPES,Eliano Sérgio Azevedo. Idem p. 6
70
III
DE AGROINDÚSTRIA À ASSENTAMENTO: A
HISTÓRIA DA TRANSFORMAÇÃO DA
AGROINDÚSTRIA MALVINA EM BOCAIÚVA/MG
NO ASSENTAMENTO RURAL HERBERT DE
SOUZA
3.1- INDUSTRIAL MALVINA: "UMA EMPRESA QUE FEZ
HISTÓRIA"
A Industrial Malvina está localizada em Engenheiro Dolabela -
Bocaiúva/MG. Possui uma área de 20.487,03 ha.
A história da Industrial Malvina começa em 1910 quando Alfredo
Dolabela começou adquirir terras no município de Bocaiúva na região norte
de Minas. Comprou de sitiantes e fazendas uma enorme área que foi
denominada de Granjas Reunidas do Norte. Esta área englobava as
seguintes e antigas fazendas: Sítio, Boa Vista, Pé do Morro, Rapado, Barra
da Caatinga, Várzea Comprida, Cana Brava, Sumidouro, Tirirical, Curral de
Varas e Capim Velho. A propriedade tinha uma área de 33.000 alqueires de
terras ou seja mais de 1500 quilômetros quadrados.
Acredita-se que Alfredo Dolabela Portela foi um dos maiores
investidores privados na região norte mineira.
71
"um típico Self made man ou seja um homem de poucos
estudos, conhecimentos equivalentes ao primário, e que
construiu uma grande fortuna"
58
Trabalhando em obras ferroviárias, tornou-se um expert em traçados
de ferrovias. Associando-se com o tio formado em Engenharia Dr. Ludgero
Dolabella, criaram em 1910 a empresa Cia Dolabella & Portella Ltda.
Alfredo Dolabella ganhou muito dinheiro comprando terras por onde
a estrada de ferro deveria ser construída e revendendo-as posteriormente, ao
governo por preços elevados. Como homem de negócios, diversificou seus
investimentos objetivando ganhar dinheiro e aumentar sua fortuna pessoal.
A empresa Cia. Dolabella e Portella Ltda, na década de 20, executava
obras em vários Estados: Ceará, Bahia, Pernambuco, Alagoas, Rio de
Janeiro e Minas Gerais.
Alfredo Dolabella adquiriu a partir de 1925, uma fábrica de papel em
Pernambuco, uma companhia de cimento na Paraíba, uma indústria de
montagem e reparos de vagões ferroviários no Estado do Rio de Janeiro,
além de outros negócios de menor envergadura.
Entretanto, o maior volume de investimentos por ele realizado foi no
município de Bocaiúva/MG. Implantou em Bocaiúva o maior complexo
agropastoril industrial de Minas Gerais, das décadas de 20 e 30. Construiu
duas usinas de açúcar: a Maria Sofia em Sítio, desativada em 1928 em razão
da construção da nova usina na localidade de Engenheiro Dolabela; duas
serrarias: uma na estação de Granjas Reunidas e outra em Engenheiro
Dolabella; uma marcenaria e indústria de descaroçar algodão em Granjas
Reunidas e uma destilaria de álcool em Engenheiro Dolabella.
58
DOLABELLA, Alfredo. O Estado de São Francisco já em 1930. Mímeo. Professor da Unimontes
(Universidade Estadual de Montes Claros), economista e filho de Alfredo Dolabella Portela fundador da
Usina Malvina
72
Desenvolveu também atividades de criação de suínos em Granjas Reunidas;
criação de eqüinos e gado vacum em Sítio e Vila Terezinha; criação de
ovinos e caprinos na fazenda Vaquejador.
O fato de Minas Gerais ser um Estado interiorano sem saída para o
mar e com lento desenvolvimento desperta a curiosidade de estudiosos
sobre as razões que teriam levado Alfredo Dolabela a adquirir aquelas terras
e investir tanto na implantação de uma usina neste local.
A justificativa sempre apresentada para tal investimento durante anos
foi:
"Na atual Estação de Engenheiro Dolabella deveriam
cruzar a Estrada de Ferro Central do Brasil com a Estrada
de Ferro Bahia-Minas, esta partindo do Porto de Caravelas
e demandando o planalto Central até o local previsto, desde
a constituição de 1891, onde deveria ser construída a futura
capital do Brasil.
Do cruzamento destas duas estrada deveria surgir uma
cidade e com isso traria um enorme desenvolvimento para a
área circunvizinha."
59
No entanto tal justificativa não explicava e não convencia a razão de
tamanho investimento realizado em relação ao possível desenvolvimento
local, em decorrência do cruzamento das duas estradas de ferro.
Durante o período que as terras foram propriedade da Cia Dolabella e
Portella, esta jamais conseguiu ocupar 50% do total com atividades
agropastoris. Tal fato evidencia que as terras adquiridas jamais poderiam
ser utilizadas como atividade agropastoril.
59
DOLABELLA, Alfredo. Estado de São Francisco já em 1930. Mímeo. S/d
73
Descartada as justificativas acima e amadurecendo tal idéia, o filho
do empresário, o economista Alfredo Dolabela articula a compra das terras
ao possível surgimento do Estado de São Francisco e a construção da
capital deste naquelas terras.
Alfredo Dolabela Portela era amigo e companheiro político de
Fernando Mello Viana, presidente do Estado de Minas até 1925, vice-
presidente da República no período de 1926 a 1930 e candidato a presidente
pelo Estado de Minas em 1930. Mello Viana era favorável a uma nova
redivisão territorial do Brasil e evidentemente poderia começar pelo Estado
de Minas.
Admitindo a possibilidade de implantação de um novo Estado no
Norte de Minas e a construção de sua capital no cruzamento das duas
ferrovias, a desapropriação das terras pelo governo federal proporcionaria
um fabuloso lucro para os donos, bem como as terras que circundariam a
nova capital seriam beneficiadas com uma enorme valorização.
"Só poderia ser pela perspectiva da criação de um novo
Estado, com sua capital edificada no entroncamento das
duas ferrovias: Central do Brasil e Bahia-Minas, que
Alfredo Dolabela obteria um enorme retorno do capital
investido."
60
A primeira usina foi implantada em 1925, na localidade de Sítio, a
poucos quilômetros da atual sede sob a denominação de "Dolabela Portela e
Cia Ltda" e teve como proprietários até 1944, a família Dolabela Portela.
Com a construção da nova usina em Engenheiro Dolabela, a antiga usina foi
desativada e todos os funcionários e equipamentos foram transferidos para
a nova sede.
74
Granjas Reunidas do Norte ou Dolabela Portela e Companhia Ltda
já era servida em 1929 por estrada de ferro interna para o transporte de cana
e por mais de 100 quilômetros de rodovia. Possuía ainda sua própria moeda
- boró - que circulava na fazenda e também era aceita no município. Granjas
contava ainda com hospital (dez leitos e ambulatório), praça de esportes,
linha telefônica (magnético bateria) interligando todos os núcleos da
fazenda, escola, cinema e um tablóide.
A produção de açúcar era pequena em termos quantitativos e a
produção do álcool não chegou a ser registrada. Embora pequena, a
produção de açúcar tinha importância significativa para o município de
Bocaiúva. A empresa constituía para o município, a principal fonte de
arrecadação.
Apesar da pequena oferta de serviços gerados pela empresa (cerca de
240 empregos), essa constituía um importante setor empregador para o
município.
As condições de trabalho eram bastante precárias. A alimentação
recebida pelos trabalhadores era de baixo teor nutritivo, faltavam
equipamentos adequados e a segurança no trabalho era ineficiente.
Desentendimentos surgidos entre os proprietários após a morte de um
dos sócios em 1944 causou a venda da empresa ao empresário Evaldo Loyd
de Belo Horizonte. Em 1945, este vendeu a empresa ao Grupo Matarazzo
(Segunda geração) que permaneceu como proprietário da mesma até 1969,
quando declarou falência deixando milhares de famílias na miséria.
Durante este período, a empresa foi denominada de "Cia Agro-industrial
Jequitaí", e passou a fazer parte do complexo industrial paulista do Grupo
Matarazzo.
60
DOLABELLA, Alfredo. Idem
75
A absorção da Industrial Malvina pelo Grupo Matarazzo ocorreu na
fase
61
em que o capital de Francisco Matarazzo e descendentes já era
dominante e praticamente exclusivo do grupo e a atividade industrial
predominante.
Durante a administração do Grupo Matarazzo, a produção registrada
chegou a ser trinta vezes maior do que a do grupo anterior. O aumento na
produtividade resultou da mecanização da agricultura e as inovações
tecnológicas introduzidas na usina.
Nesse período, o Grupo dirigente preocupou-se com a construção de
casas e alojamentos para os trabalhadores, cooperativa para atender os
produtos de necessidade básica, escola, cinema, campo de futebol e igreja.
Funcionando sob controle empresarial de um grupo com sede em São
Paulo, a empresa enfrentou inúmeros problemas administrativos que
culminou no encerramento das atividades em 1968.
A usina foi fechada e desmontada para ser transferida para São Paulo,
a fim de se agrupar com a usina Santa Amália, de propriedade do Grupo
Matarazzo. O terreno foi dividido em fazendas para serem vendidas. As
atividades foram paralisadas.
Sendo a empresa responsável por parte do abastecimento de açúcar
(cerca de 40%) de Minas Gerais, o seu fechamento gerou um impacto
61
MARTINS. José de Souza, Conde Matarazzo o empresário e a empresa. São Paulo Ed. Hucitec 2ª ed.
1976. O autor define cinco fases, relativas à associação e dissociação de capitais na história do grupo
Matarazzo. A primeira corresponde ao período que vai da chegada de Francisco ao Brasil, em 1881, até
1890, em que a firma foi individual. Nessa fase as atividades desenvolvidas foram o comércio rural e a
fabricação de banha A Segunda, de 1890 a 1891, aproximadamente, em que foi sócio dos irmãos José e
Luís dedicou-se ao comércio e importação; a terceira até 1911, em que esteve associado apenas a André e
retomou as atividades industriais; a Quarta de 1911 a 1924, em que a Companhia se transformou em
Sociedade anônima e absorveu a Segunda geração do grupo em cargos diretivos; e a Quinta de 1924 em
diante, quando o capital de Francisco e descendentes, que já era dominante, tornou-se praticamente
exclusivo. Nessa fase as atividades do grupo Matarazzo eram predominantemente industriais.
76
grande na economia mineira. Além de provocar um déficit no
abastecimento de açúcar, milhares de trabalhadores ficaram desempregados.
Diante dessa situação, autoridades da 4ª Região Militar do Exército,
juntamente com o governo do Estado de Minas Gerais mobilizaram pelo
seu funcionamento no sentido de impedir a transferência da empresa para
São Paulo. Vários grupos interessaram-se em comprar a empresa.
Em 1969, a empresa passou ao controle de Roberto Alves Botelho e
José Silveira Barbosa
62
sob a denominação de "Industrial Malvina S/A". Em
1970, o cultivo da cana-de-açúcar foi reiniciado.
Graças aos recursos do PROÁLCOOL,
63
os novos sócios
conseguiram reerguer a empresa. Neste período a produção de álcool foi
triplicada, e a produção de açúcar permaneceu no mesmo patamar do grupo
anterior.
Em 1974, a empresa foi negociada com o grupo paulista Atalla
responsável também por atividades no setor sucroalcooleiro no Estado de
São Paulo. A empresa permaneceu sob a direção do Grupo Atalla Industrial
Malvina S/A até 1991 quando foi negociada com o grupo mineiro
Vanguard.
Sob a direção do Grupo Atalla, foi instalada uma nova usina para a
produção de álcool carburante. Nesse período registrou o maior volume de
investimentos em tecnologia e infra-estrutura. Consequentemente ocorreu a
maior produção de álcool e açúcar registrada na história da empresa, bem
62
Roberto Alves Botelho e José Silveira Barbosa do grupo Barbosa/Botelho com sede na capital mineira
dedicavam à atividade açucareira em MG. Em 1971, com apoio do governo de Estado, através do Banco
de Desenvolvimento de Minas Gerais já possuíam controle acionário de várias empresas açucareiras no
Estado.
63
PROÁLCOOL: Programa Nacional do Álcool visava combater a crise do petróleo vivida nos anos 70
com base no álcool combustível. O projeto aprovado pelo governo federal contava com preço
remunerador, investimento subsidiado, garantia de mercado para construção de destilarias com capacidade
de 60 a 480 mil litros/dia. O programa provocou a expansão dos canaviais, dos trabalhadores assalariados
e em 1980 a produção automobilística começou a produção de carros a álcool em série.
77
como foi o período em que houve a maior oferta de empregos e também o
maior faturamento.
Mesmo contando com o sistema de pagamento quinzenal ou semanal
e sem atrasos, a situação da classe trabalhadora não era muito diferente dos
anos anteriores. Os trabalhadores continuavam trabalhando arduamente e
em condições precárias. Comida fria, transporte em "pau de arara", material
de segurança inadequado, equipamentos e ferramentas de trabalho
adquiridas pelo próprio bóia-fria, direito a fazer compras no supermercado
da empresa através do sistema de vales eram condições que faziam parte do
dia-a-dia dos trabalhadores rurais da empresa.
Em 1986, ocorreu a primeira greve de funcionários da empresa. Os
trabalhadores rurais da empresa exigiam maior remuneração por metro de
cana cortado e juntado, melhores condições de transporte, fornecimento de
ferramenta para o corte de cana ou pagamento para trabalhador que
utilizasse sua ferramenta. Os trabalhadores realizaram ataques à fábrica,
realizaram piquetes e interditaram a estrada que dá acesso a Engenheiro
Dolabella.
Após quinze dias de tensão que culminou com a prisão de dois
trabalhadores braçais e com a intervenção da polícia militar no local, os
canavieiros
64
chegaram a um acordo com a diretoria da empresa, aceitando
um aumento de 34 % sobre a tabela anterior.
Após esta greve, os proprietários transferiram a maior parte dos
equipamentos para outras unidades do grupo localizada no Estado de São
Paulo.
64
Canavieiros: denominação dada pelo "Diário de Montes Claros" aos trabalhadores rurais da empresa
Malvina que trabalham no corte de cana.
78
Em 1991, a empresa passou ao controle do Grupo Vanguard de Belo
Horizonte. A partir deste período assistiu-se o início da decadência da
agroindústria Malvina.
A partir de 1991, verificou-se uma redução da produção de álcool e
açúcar e consequentemente do faturamento. A crise enfrentada pela
empresa foi resultado da soma de um conjunto de fatores: reflexo da crise
econômica e financeira enfrentada pelo país no início dos anos 90; o fim do
crepúsculo do Proálcool; falta de investimentos na empresa; postura
predatória dos grupos econômicos que assumiram a empresa nos últimos
anos.
Tal crise acarretou sérios problemas econômicos e sociais. O
acúmulo de dívidas trabalhistas, tributárias e com fornecedores somados a
má administração inviabilizaram o saneamento financeiro da empresa. O
grupo mais atingido foi o dos trabalhadores da empresa.
O atraso de pagamento tornou-se um problema constante na vida dos
trabalhadores a partir da administração do Grupo Vanguard. Denúncias
contra as péssimas condições de trabalhos tornaram-se constantes nessa
administração. Segundo o presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais
de Bocaiúva Juarez Teixeira Santana e do diretor da Fetamig do Norte e
Minas.
“O trabalhador é mal tratado, mal alimentado e enfrenta a
insalubridade de uma jornada pesada de cortar cana, sem
equipamento nenhum."
65
Além de denunciar as péssimas condições de trabalho, o presidente
do Sindicato dos Trabalhadores Rurais denunciou também o espancamento
de trabalhadores na hora do pagamento como forma de impor ordem nas
79
filas e prática de descontos exorbitantes na folha de pagamento dos
empregados sem nenhuma justificativa.
O pagamento com vales foi outro problema enfrentado pelos
trabalhadores na administração Vanguard. Os trabalhadores recebiam vales
para trocar por produtos no armazém da empresa. O armazém na maioria
das vezes não tinha gêneros alimentícios básicos, possuindo apenas bebidas
e material de limpeza e higiene.
Os salários de 1992 só foram pagos em março de 1993, com valores
do ano anterior. As cestas básicas oferecidas pela empresa aos trabalhadores
no período tiveram reajuste acima do salário recebido. Feito o acerto,
muitos trabalhadores não tiveram nada a receber.
A falta de pagamento e a difícil situação vivida pelo trabalhador da
Malvina foram denunciadas pela CPT de Montes claros no ano de 1993
como regime de semi-escravidão.
A situação se agravou tanto que o presidente do Sindicato dos
Trabalhadores Rurais de Bocaiúva Juarez Teixeira Santana, o deputado
Gilmar Machado (PT de Uberlândia) e o presidente da Federação dos
Trabalhadores na Agricultura do Estado de Minas Gerais Sebastião Neves
Rocha procuraram o vice-governador de Minas Arlindo Porto em 1993 para
pedir ajuda em forma de cestas básicas como solução de curto prazo para o
problema.
Em 1993, atendendo uma solicitação das Entidades representativas
dos trabalhadores, uma Comissão Especial de Deputados da Assembléia
Legislativa Mineira visitaram a Industrial Malvina para proceder
investigações sobre as condições de vida e trabalho local e apurar denúncias
de descumprimento da legislação trabalhista. A visita dos deputados
65
Espancamento é comum na empresa. Jornal Hoje em Dia. Minas Gerais 18/08/92
80
estaduais a Industrial Malvina não provocou alterações na vida dos
trabalhadores. Segundo Gabriel Vieira
66
coordenador da CPT de Montes
Claros, a população de Engenheiro Dolabella foi abandonada pelas
autoridades. A prefeitura de Bocaiúva pouco fez por essa população no
período citado e a Assembléia Legislativa não apurou com mais interesse os
problemas verificados na agroindústria.
Em 1994, os trabalhadores da usina entraram em greve reivindicando
o pagamento dos salários de 1993, do décimo terceiro e por melhores
condições de trabalho.
Cerca de 400 trabalhadores entraram na justiça desde o ano de 1993,
para tentar receber os direitos trabalhistas lesados desde 1992. Várias
multas foram aplicadas a empresa no período por não cumprir a legislação
trabalhista.
O setor sucroalcooleiro do Estado de Minas utilizou-se de crises
financeiras duvidosas para descumprir a legislação trabalhista no início da
década de 90. Apesar da recuperação dos preços do álcool e do açúcar, as
empresas do setor sucroalcooleiro continuaram alegando que o não
cumprimento da legislação trabalhista deveu-se a crise no setor.
Apesar da Delegacia Regional do Trabalho (DRT-MG) ter
prometido e efetuado fiscalização mais rígida no ano de 1994, os problemas
enfrentados pelos trabalhadores da usina Malvina permaneceram. A
empresa deixou de cumprir acordos celebrados mediante o Ministério do
Trabalho.
A falta de investimentos por parte da empresa, somadas as condições
de vida e de trabalho da população produziu um verdadeiro êxodo rural por
parte da população daquela localidade.
66
Abandono de trabalhador denunciado pela pastoral. Jornal de Notícias. Montes Claros. 16/17/1994
81
Em janeiro de 1995 a empresa foi novamente vendida. O Grupo
formado pela International Bussiness Developmente Limited com sede na
Inglaterra, associada a Antares Desenvolvimento Rural Integrado
67
comprou a maioria das ações. O grupo Vanguard, proprietário anterior,
continuou detendo 30% das ações.
Até 1995, a empresa contava com cerca de 1000 funcionários
permanentes, e nos períodos de safra contratavam empregados em caráter
temporário, chegando a gerar 4000 empregos.
Na safra de 1995/96, a colheita foi executada por empregados
temporários contratados via empreiteiros. A empresa também não
conseguiu quitar a folha de pagamento. Em maio de 1997, o montante dos
salários atrasados totalizava R$180.000,00. A folha de pagamento mensal é
da ordem de R$45.000,00. O Grupo manteve o fornecimento de vales aos
funcionários como um paliativo ao atraso dos salários.
Os direitos trabalhistas também não foram cumpridos nesse período.
Alegando falta de recursos financeiros, a empresa deixou de cumprir com
obrigações como as dividas relacionadas às rescisões contratuais. Existiam
cerca de 120 ações trabalhistas coordenadas pelo Sindicato dos
Trabalhadores Rurais para resolver rescisões contratuais.
O acúmulo de dívidas (trabalhistas, com fornecedores, com o fisco
estadual e outros), somado a queda na produtividade de álcool e açúcar
agravaram ainda mais a situação da empresa e consequentemente dos
trabalhadores da mesma.
A situação da empresa agravou tanto que a direção desta chegou a
anunciar que não tinha dinheiro para pagar os empregados em 1997. O
67
Antares Desenvolvimento Rural Integrado, empresa de capital nacional foi criada para viabilizar a
compra das ações da usina.
82
advogado e prefeito de Bocaiúva Ricardo Veloso propôs que a empresa
entregasse as casas para o pagamento dos impostos atrasados e repasse de
recursos aos empregados.
O elevado grau de endividamento da empresa, gerado em
administrações anteriores constituiu segundo a empresa no principal
obstáculo para retomada das atividades que foram paralisadas no ano de
1997. Veja na tabela abaixo a estimativa da dívida da Industrial Malvina
S.A em maio de 1997.
Instituição credora Valor (R$ milhões )
Empregados (dívidas trabalhistas ) 1,16
Fazenda Nacional (50% com extinto IAA) 148,00
BDMG 37,00
INSS 15,00
FGTS 2,00
CEMIG 0,75
Bancos (Rural, Brasil, Fenícia e Progresso)
e Fornecedores diversos
50,00
Fazenda Estadual 10,00
TOTAL 263,00
O valor das dívidas da empresa superou o valor do patrimônio da
mesma.
Em 1º de agosto de 1997, os trabalhadores da empresa numa eleição
histórica votaram o pedido da falência da empresa e manifestaram o desejo
que as questões trabalhistas fossem resolvidas na justiça. Não concordaram
em receber casa e terra como pagamento dos salários atrasados e rescisões
contratuais.
83
Mesmo com o pedido de falência por parte dos empregados, a
empresa ainda tentou arrendar a exploração da empresa a terceiros. Nesta
época foi arrendado para um novo grupo presidido por Santílio Pessanha.
Este prometeu regularizar a situação dos trabalhadores, embora não tenha
desenvolvido ações nesse sentido. Com a adjudicação das terras por parte
do Estado para fins de reforma agrária as atividades desenvolvidas foram
paralisadas definitivamente.
Diante do caos instalado em Engenheiro Dolabella, lideranças
sindicais e lideranças políticas locais e estaduais, elegem a reforma agrária
como proposta para uma nova empreitada de crescimento e
desenvolvimento nas terras que pertenciam à usina.
3.2- DE AGROINDÚSTRIA "MALVINA" AO ASSENTAMENTO
"HERBERT DE SOUZA"
Diante do caos instalado na localidade de Engenheiro Dolabela, o
prefeito de Bocaiúva Ricardo Veloso (1997 a 2000) adotou como uma das
prioridades do seu governo, buscar uma solução para o sofrimento daquela
população. Para isso desenvolveu inúmeras ações que serão analisadas no
decorrer do trabalho. A primeira medida adotada foi solicitar ajuda do então
governador de Minas Gerais Eduardo Azeredo.
Ricardo Veloso apresentou ao governo de Estado como proposta de
solução para amenizar o sofrimento dos habitantes de Engenheiro
Dolabella o repasse das casas da empresa para os ex-trabalhadores. A
população morava em casas da empresa e pagavam uma taxa de moradia.
Desempregados e sem salários, os habitantes não tinham como pagar pela
moradia e nem tinham para onde ir.
84
Entretanto, a solução apresentada foi descartada face à descoberta
feita no dia 10/05/1997 pelo então secretário de Educação e acessor de
Reforma Agrária do governo do Estado de Minas João Batista dos Mares
Guia, juntamente com James Ladeia também acessor de Reforma Agrária
da possibilidade de desapropriação das terras da agroindústria para fins de
reforma agrária.
A partir daí a idéia de desapropriação das terras da usina para fins de
reforma agrária começou a ganhar fôlego. Entidades sindicais e lideranças
políticas começaram a discutir a viabilidade de tal idéia.
Começaram então as ações conjuntas dos governos municipal,
estadual e federal para viabilizar a implantação de um projeto de reforma
agrária nas terras da agroindústria.
A desapropriação das terras da usina para fins de reforma agrária
também foi defendida pela CPT de Montes Claros. Após anos
acompanhando os problemas e dificuldades enfrentadas pelos empregados
da empresa, o coordenador da CPT Alvimar Ribeiro defendeu a
desapropriação das terras e assentamento das famílias que viviam ali como
saída para o problema.
'O ideal é que a Malvina estivesse em boas condições
financeiras e garantindo a geração dos até 4000 empregos
propiciados no passado."
68
A proposta de realizar a implantação de um projeto de reforma
agrária para os trabalhadores nas terras da empresa gerou muitas discussões
e situações conflituosas. De um lado houve a resistência dos dirigentes da
empresa, e os ataques de lideranças políticas contrárias ao projeto, do
68
Pastoral defende desapropriação da Malvina. Jornal de Notícias 14/05/97
85
outro, as ações para viabilização da reforma agrária por aqueles que
defendiam tal idéia.
"Participei ativamente do nascimento deste projeto em
parceria com alguns companheiros que travaram duras
discussões. Não faltavam desconfianças. Sobravam dúvidas.
E o que é pior, ataques frenéticos e violentos de políticos
apaixonados pela desordem, ausentes na verdade e, talvez,
indignos do convívio com este povo tão sofrido de
Engenheiro Dolabella."
69
Mesmo com toda mobilização para a desapropriação das terras da
usina, essa foi arrendada a um novo grupo empresarial por um período de
10 anos. Este grupo processou a moagem da cana até o recebimento da
notícia de desapropriação das terras por parte do Estado. Tal fato dividiu os
trabalhadores em relação à proposta de reforma agrária. A possibilidade de
reaver os empregos de volta e do acerto de contas como propôs o novo
grupo empresarial gerou novas perspectivas para os trabalhadores.
Mesmo com o anúncio de desapropriação das terras pelo governo do
Estado, o prefeito de Bocaiúva Ricardo Veloso discutiu com o grupo
proprietário as metas para a empresa. A proposta era deixar o parque
industrial para o grupo proprietário e repassar as terras para os ex-
trabalhadores.
Após esgotar todas as possibilidades de negociações com os
proprietários da Malvina em torno das dívidas com o Estado, o governador
Eduardo Azeredo lançou dia 10/05/1997 a proposta de assentamento das
famílias residentes em Engenheiro Dolabella.
69
Fax enviado pela Deputada Elbe Brandão ao prefeito Ricardo Veloso em 27/05/1999
86
"Neste dia compareceram cerca de 1000 trabalhadores, e
foi criada uma Comissão Municipal da Reforma Agrária,
constituída por representantes do governo, trabalhadores,
escola, sendo eu, como prefeito, eleito presidente desta
comissão."
70
A partir desta data foi apresentado um processo de execução na 1ª
Vara da Fazenda pública do Estado, pedindo a adjudicação ou seja pedindo
o recebimento das terras como pagamento das dívidas da empresa com o
Estado.
A decisão judicial foi favorável ao Estado e no dia 26 de setembro as
terras da Industrial Malvina foram adjudicadas em nome do Estado de
Minas Gerais. A empresa foi obrigada a ceder quase 20 mil hectares de
terras em troca da dívida do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e
Serviços (ICMS), estimada em 50 milhões de reais.
As terras adjudicadas pelo Estado foram repassadas a Comissão
Operacional de Reforma Agrária e posteriormente foram repassadas ao
Incra. Neste mesmo período, o Estado também entrou com um processo de
emissão de posse de cerca de 400 casas localizadas em Engenheiro
Dolabella.
Mesmo sob júdice, as terras tornaram-se um assentamento provisório
para cerca de 400 famílias que já moravam na área de assentamento e não
possuíam nenhuma renda. Foi instalado em Engenheiro Dolabella um
escritório do Incra para avaliar a área e cadastrar as famílias.
A adjudicação das terras por parte do Estado desagradou os
proprietários da empresa, o novo grupo que havia arrendado a usina e
70
Prefeito Ricardo Veloso rebate acusações da diretoria da Malvina. Prefeitura Municipal De Bocaiúva.
1997
87
algumas lideranças políticas locais e regionais que desde o início
colocaram-se contra a proposta de uma possível reforma agrária nas
referidas terras.
Esse grupo contrário à reforma agrária nas terras da usina utilizou-se
de diversos mecanismos para desmobilizar os trabalhadores e colocá-lo
contra a luta por reforma agrária. Para isso, prometeram resolver os
problemas referentes a questão trabalhista e reerguer a empresa garantindo
trabalho as famílias que ali viviam. Também questionaram as formas de
sustentação e geração de renda propostas com a efetivação do
assentamento.
Tais discussões provocaram um clima de insegurança e ansiedade nos
trabalhadores quanto à viabilidade do projeto de reforma agrária e a divisão
dos trabalhadores. Parte dos trabalhadores ficaram preocupados em como
ganhar a vida depois de receberem o seu pedaço de terra.
Além das ações de cunho ideológico, os proprietários da empresa
entraram na justiça pedindo a devolução das terras e suspensão de todos os
atos de adjudicação do Estado.
Como sempre aconteceu ao longo da nossa história, a reforma
agrária foi vista como uma idéia perigosa por parte do grupo proprietário.
Vejamos a declaração do advogado da empresa Onofre Duarte sobre a
reforma agrária nas terras da empresa.
"Acho uma idéia perigosíssima este ato do prefeito, temos
consciência que a idéia de uma reforma agrária,traria uma
série de transtornos para toda população, vamos focalizar o
pessoal do MST do Paranapanema, estão brigando por um
hectare de terra, imaginem então um lugar como as terras
da Malvina, que tem um solo fértil, e a pretensão de
88
distribuir 37 hectare para cada trabalhador, quando o MST
ficar sabendo seria como apertar o botão de uma bomba
atômica."
71
O trecho do discurso reproduzido acima representa bem a fraseologia
usada pelos proprietários de terra e pelos que se opõe a reforma agrária no
Brasil. Classifica a atuação do MST como ameaça ao direito e a ordem
estabelecida. O advogado da empresa utilizou-se apenas de argumentos
utilizados pelos defensores do latifúndio para combater a idéia de reforma
agrária.
Os proprietários da Industrial Malvina chegaram a conseguir na
justiça uma liminar com efeitos suspensivos de todos os atos da adjudicação
do Estado em 07 de janeiro de 1998.
Durante todo este período, os proprietários da empresa e seus
defensores utilizaram argumentos contrários a reforma agrária já
conhecidos nacionalmente. Um dos argumentos foi de que a reforma agrária
nas terras da Malvina constituía numa afronta ao direito de propriedade.
O governo foi duramente criticado por ter adjudicado as terras da
empresa para fins de reforma agrária. Argumentaram que o governo de
Estado adjudicou as terras atendendo interesses do prefeito municipal
Ricardo Veloso e por esta propriedade já contar com toda estrutura
montada.
"Necessário tornar público que a Malvina nunca obteve
qualquer ajuda governamental, nem para si, nem para a
região em que atua, que sempre foi abandonada pelas
autoridades locais, restando claro, que agora surgiu um
grupo com capacidade de gerir e resolver os problemas
71
Desmentida a reforma agrária nas terras da Malvina. Jornal do Norte. 11 e 12/10/1997
89
locais, aparecem interessados em promover assentamentos
de estranhos, às custas do Incra, quando é sabido que
existem em todo o Estado de Minas Gerais, áreas outras
compatíveis como projeto que pretendem implantar, porém,
o interesse recai sobre a propriedade da Malvina por tratar-
se de área particular, com toda infra-estrutura, que não
demandará trabalho algum para os autores do plano."
72
Os contra-reformistas das terras da Malvina argumentaram também a
falta de vocação agrícola dos ex-trabalhadores e as dificuldades que
enfrentariam como agricultores.
Contra a medida tomada pelos proprietários da empresa visando a
suspensão da adjudicação das terras por parte do Estado, a Fazenda Pública
Estadual ajuizou perante o Superior Tribunal da Justiça uma medida
cautelar para conferir efeito suspensivo ao recurso interposto pela
requerente.
As terras da Industrial Malvina foram adjudicadas ao Estado no
Processo de Execução Fiscal n º 02.487.467 - 179 -0, na Primeira Vara da
Fazenda Pública e Autarquias da Comarca de Belo Horizonte no dia 26 de
setembro de 1997. Expedida a carta de adjudicação, esta foi levada ao juízo
de Bocaiúva/MG, o qual determinou o registro do imóvel em nome do
Estado.
Adjudicadas em nome do Estado, iniciou o processo de doação das
terras para a união para fins de reforma agrária. O governador do Estado de
Minas Eduardo Azeredo elaborou um projeto de lei onde autorizava o poder
executivo a doar os imóveis a união. As terras doadas de acordo com o
projeto de lei destinaram-se ao assentamento de 1000 famílias. Para tanto,
72
Esclarecimento. Industrial Malvina S/A A diretoria
90
foram feitos acordos entre o Estado e União e o INCRA para posterior
viabilização do Projeto de Assentamento de Produtores Rurais Herbert de
Souza.
73
Publicada no "Diário do Legislativo" do dia 6/11/98, a matéria foi
encaminhada às Comissões de Constituição e Justiça e de Fiscalização
Financeira e Orçamentária para receber parecer.
Em agosto de 1999, durante o mandado do governador Itamar Franco
foi aprovado o projeto de lei que autorizava o poder executivo a doar as
terras para a União.
Mediante acordo feito para obter a adjudicação das terras, estas
deveriam ser destinadas à reforma agrária.
Para tornar a reforma agrária legítima, as terras da ex-industrial
foram repassadas ao Incra em fevereiro de 2000. O ato apenas legitimou o
processo de assentamento naquelas terras, uma vez que à maioria das
famílias já residiam na área e se encontravam assentadas provisoriamente.
Em Minas Gerais, o processo de implantação de projetos de reformas
cresceu significativamente a partir de 1996. Tal crescimento encontra-se
articulado a política de reforma agrária adotada pelo governo federal e ao
crescimento do número de conflitos envolvendo trabalhadores sem-terra.
O governo federal através da criação do Ministério Extraordinário de
Política Fundiária, vem respondendo pontualmente aos conflitos surgidos
no campo com a criação de Projetos de Assentamento - PA’s - através da
ação do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - INCRA. Em
Minas Gerais, os assentamentos vêm sendo feitos principalmente nas
73
O Projeto de Assentamento dos Produtores Rurais Herbert de Souza de Souza recebeu esse nome em
homenagem ao filho de Bocaiúva/MG Betinho que dedicou sua vida a luta pelo exercício de fato da
cidadania no Brasil.
91
regiões mais propensas a conflitos no campo, em imóveis já previamente
ocupados pelos trabalhadores sem-terra.
Mesmo com a evolução verificada na quantidade de assentamentos,
apenas 1,01% da área cadastrada pelo Incra para fins de reforma agrária foi
ocupada até o final de 1998.
Com a criação do Projeto PARATERRA (denominação do Projeto
Cédula da Terra em Minas) em 1998, uma nova redistribuição fundiária
começou a ser feita, sob a Coordenação da Superintendência de
Desenvolvimento do Norte de Minas - SUDENOR. Tal projeto está
vinculado a Secretária de Estado de Planejamento e dispõe de recursos do
Banco Interamericano de Desenvolvimento para a compra de áreas para
assentamento. Entretanto ainda é pequeno o número de famílias
beneficiadas.
3.2 - O PROJETO DE ASSENTAMENTO HERBERT DE SOUZA
Para enfocar adequadamente o Projeto de Assentamento proposto
para a ocupação das terras adjudicadas pelo Estado, é preciso ver o projeto
de assentamento Herbert de Souza, como uma decisão política do governo
municipal
74
para solucionar um problema sócio-econômico surgido com a
crise da maior agroindústria sucroalcooleira do norte de Minas.
O projeto de Assentamento dos Produtores Rurais Herbert de Souza
representou uma solução para a crise desencadeada com a decadência da
agroindústria.
74
Embora a solução de reforma agrária tenha surgido no âmbito do governo estadual, a implementação do
projeto de assentamento ficou sob a responsabilidade do governo municipal representado pelo prefeito
Ricardo Veloso.
92
O projeto objetivou o desenvolvimento de atividades produtivas,
como a melhoria do nível de vida da população daquela localidade.
Para a implantação do Projeto de Assentamento foi necessário
demonstrar a existência de interesse público. Tal responsabilidade ficou a
cargo da Comissão Operacional de Reforma Agrária/MG - CORA.
Segundo estudos da Comissão Operacional de Reforma Agrária, o
Projeto de Assentamento de Produtores Rurais Herbert de Souza possui
capacidade para beneficiar aproximadamente 1000 famílias e gerar pelo
menos 3 mil empregos diretos.
A área líquida para assentamento representa um total de 12.000 há.
Cada assentado receberá 12,00 há de área em média. Serão organizados
cerca de 6 núcleos internos, com aproximadamente 170 famílias cada.
Serão ainda destinadas áreas para reservas florestais, áreas comunitárias e
área para pesquisas agro-silvo-pastoris.
Por constituir um projeto de assentamento em área já ocupada pelos
ex-trabalhadores da ex-empresa, este já conta com infra-estrutura
indispensável ao andamento do projeto.
O assentamento conta com vários fatores favoráveis para ter sucesso.
Começarei pelas condições físicas da região.
Os solos, em sua maioria aptos para a atividade agrícola, com
elevado grau de fertilidade. Praticamente toda extensão das terras apresenta
topografia plana. Tal característica favorece a mecanização de lavouras a
serem desenvolvidas.
"Nesta última safra, a empresa cedeu áreas para alguns
funcionários, que cultivaram feijão. Foram plantados cerca
de 300 hectares, sem adubação química, obtendo-se uma
93
produção de 6000 sacas. O rendimento obtido, de 1200
kg/há, foi praticamente o dobro da média regional.
75
Quanto aos recursos hídricos, as terras são banhadas pelos rios
Jequitaí Imbassaia e afluentes. As águas destes rios são captadas através
das estações de bombeamento localizadas nos mesmos. Além dos rios, as
terras possuem quatro barragens (Caatinga, Jacaré, Triunfo I e II), com
espelho d`água de aproximadamente 1000 hectares. A barragem da
Caatinga era utilizada também na geração de energia elétrica
complementar nos períodos de safra. As terras contam ainda com 102 poços
artesianos, sendo que apenas 30 encontram-se em funcionamento. Os
demais não estão funcionando por falta de manutenção.
O clima apresenta temperatura média das máximas entre 30 e 31°, e
média das mínimas entre 17 e 12°.
A área , em praticamente toda sua extensão, é servida por rede
completa de distribuição de energia elétrica, água e rede de estradas
internas. A rede de estradas internas, distribuição de água e energia elétrica
encontravam-se no ato da concretização do assentamento em estado
precário por falta de manutenção.
As terras assentadas conta também com uma escola estadual com
capacidade de atender 1000 alunos, hospital, praça de esportes, hotel,
serviço telefônico e outros.
Além das benfeitorias citadas acima existem 576 casas de alvenaria
76
em razoável estado de conservação onde vivem os ex-trabalhadores da ex-
usina.
75
Relatório de visita. CORA maio de 1997 p.11
76
As casas de alvenaria pertencem aos proprietários da Industrial Malvina, mas continuam sendo
ocupadas pelos ex-trabalhadores.
94
A implantação do projeto de assentamento beneficiou da infra-
estrutura existente apenas para o aproveitamento da área agrícola. A infra-
estrutura existente constitui numa condição inicial favorável para o sucesso
do assentamento uma vez que a maioria dos assentamentos implantados tem
que organizar toda a estrutura.
A extensão e complexidade do projeto de assentamento vêm exigindo
a atuação conjunta do Governo Estadual, Prefeitura Municipal de Bocaiúva
e do Incra. A Comissão Operacional de Reforma Agrária e instituições
participantes juntamente com o Incra vêm desenvolvendo algumas ações no
sentido de identificar a capacidade de assentamento, levantamento do
potencial agropecuário e plano de utilização das terras, treinamento e
capacitação dos assentados, organização de associações e cooperativas e
outros.
A Emater em abril de 1997 elaborou um projeto de aproveitamento
agropecuário da área. O projeto prevê a produção permanente numa área de
260 há irrigado utilizando a infra-estrutura existente e 120 de sequeiro. Esse
projeto envolverá no mínimo 80 trabalhadores diretos e 200 indiretos.
Nessa área será cultivado coco, manga, citros, pinha, banana,
graviola, uva, acerola, maracujá, café urucum, cana de açúcar, feijão arroz
irrigado trigo, soja, milho, milho verde, abóbora híbrida.
A implantação total do projeto da Emater necessitará de 2 anos de
prazo (97/98) e contará com recursos do governo federal, estadual e
municipal.
77
A Emater desenvolveria a assistência técnica. A produção teria
como destino o mercado regional.
77
Alguns produtos como milho, feijão, abóbora, hortaliças vêm sendo cultivados na área do assentamento
com a assistência técnica da Emater.
95
Em agosto de 1998 foi realizada a seleção dos candidatos a serem
beneficiados pelo Projeto de Assentamento Herbert de Souza. Com os
problemas legais resolvidos, órgãos como Emater e Ruralminas estão
realizando trabalhos com os agricultores assentados para melhorar a
produção.
Algumas atividades agrícolas como feijão irrigado, cultivo de
abóbora vem crescendo. As hortaliças vêm sendo cultivadas para consumo
próprio e comercialização no distrito. Algumas famílias ainda adquiriram
algumas cabeças de gado para criação e sustento.
Através do Pronera - Programa Nacional de Educação na reforma
Agrária, os assentados vem sendo alfabetizados. O programa é
desenvolvido pela Universidade Estadual de Montes Claros, em parceria
com a Prefeitura Municipal. As aulas acontecem em dez núcleos espalhados
por todo assentamento e conta com 200 alunos que recebem noções básicas
de alfabetização formando-os até a 4 ª série do 1 º grau num prazo de um
ano.
A grande maioria dos assentados já trabalhou na agricultura. Eram
trabalhadores da ex- empresa e em sua maioria eram assalariados rurais.
De acordo com seleção realizada em agosto de 1998, os beneficiários
da reforma agrária totalizam 81,68 de homens. As mulheres apesar de
contar com direito a reforma agrária garantido na Constituição de 1988,
continuam sendo exceções. Os dados representam a realidade nacional, cuja
dimensão patriarcal aparece já no momento do cadastro, onde o homem tem
lugar reservado.
Quanto à política de crédito para a reforma agrária, algumas medidas
foram tomadas, mas ainda insuficientes para atender um projeto de tal
dimensão.
96
IV
OS MEDIADORES E SUAS DIRETRIZES
POLÍTICAS NO PROCESO DE REFORMA
AGRÁRIA DA INDUSTRIAL MALVINA
4.1 - MEDIAÇÃO E AÇÃO COLETIVA NA LUTA PELA TERRA
A luta pela posse da terra no Brasil só se torna compreensível se
analisarmos esse processo levando em conta as diferentes formas assumidas
pelo processo de constituição da ação coletiva na luta pela terra, bem como
a importância da relação de mediação nesse processo.
A explicitação teórica e conceitual de ação coletiva e mediação
objetiva apresentar bases metodológicas que vão possibilitar a análise numa
perspectiva mais abrangente, da complexidade que permeia o processo de
organização da luta pela terra.
Segundo Regina R. Novaes
78
, a questão da mediação antes restrita
apenas ao vocabulário dos antropólogos passou a fazer do discurso de
outros estudiosos do campo brasileiro a partir dos anos 70.
A categoria mediação se fez necessária em razão da exclusão
dos trabalhadores rurais do processo político e econômico, de sua não-
cidadania ou de uma cidadania de segunda classe. A necessidade da
mediação se faz necessária para a reprodução ou para o questionamento da
dominação.
78
NOVAES, Regina Reyes. A mediação no campo: Entre a polissemia e a banalização IN MEDEIROS,
Leonilde (org.) Assentamentos Rurais: Uma visão multidisciplinar. São Paulo. Ed. Unesp 1994
97
"Antropólogos, "coronéis", mestres, padres diferentes
entre si contribuíram para submissões e rebeldias
camponesas. Mas em todas as formas, todos se propõe a ser
ponte, estar entre, fazer meio de campo. Fazer mediação é
traduzir, e/ou introduzir, falas, linguagens..."
79
As mediações políticas nos movimentos sociais rurais podem ser
definidas como: mediações externas e de lideranças oriundas das bases de
movimento como o MST, através da formação de quadros, embora as
fronteiras entre estes sejam bastante tênues.
Entre os mediadores externos destacam-se: Igreja Católica,
Universidades, Estado, ONGs, pastorais, lideranças partidárias. Estes são
portadores de recursos humanos e materiais e são fundamentais para
quebrar o isolamento e para a estruturação dos movimentos. Além dos
recursos humanos e materiais, chegam através destes os recursos simbólicos
como adesões e oportunidades de construção conjunta de símbolos e
reafirmação de valores.
O sindicato é o representante dos trabalhadores rurais, mas em muitos
casos tem atuado também como mediador entre os trabalhadores e as
autoridades competentes e entre trabalhadores e patrões.
A luta pela terra assume diferentes formas em função das diferenças
entre os seus principais mediadores - Movimento Sindical dos
Trabalhadores Rurais/MSTR, Movimento dos Trabalhadores Sem Terra,
Comissão Pastoral da Terra e outros.
Os movimentos sociais representam uma das formas possíveis de
manifestação da ação coletiva e refletem tendências estruturais,
79
NOVAES, Regina Reyes. A mediação no campo: Entre a polissemia e a banalização. IN MEDEIROS,
Leonilde (org.) Assentamentos Rurais: op. Citada. P.178
98
conjunturais e interesses e formas de organização diferenciadas. Entretanto
não se pode pensar a luta pela terra apenas levando em conta a ação coletiva
orientada pelos mediadores, é importante estabelecer a articulação entre as
condições estruturais e os elementos conjunturais que caracterizam a
sociedade brasileira.
A ação coletiva é precedida de um processo de construção e
amadurecimento. O perfil da ação coletiva será definido a partir da
articulação do entendimento e do conteúdo que os diferentes mediadores
atribuem a luta pela terra, bem como do perfil dos indivíduos e dos
interesses envolvidos no processo de negociação. A ação coletiva é sempre
o produto de negociação.
Compreender os componentes estruturais na constituição da ação
coletiva será determinante na definição do perfil e do conteúdo da ação
coletiva.
Melucci (1996) apresenta seis contextos que envolvem as posições
políticas e os cenários sociais, opostos e complementares, que vão
determinar o perfil da ação coletiva.
"... Solidariedade, agregação, conflito, consenso, manutenção
dos limites e quebra dos limites do sistema quando
articulados de acordo com o sistema social e com o campo
empírico da ação, vão possibilitar a emergência de diferentes
tipos de ação coletiva."
80
Os mediadores atuam em cenários sociais diversificados e
manifestações e emergência da ação coletiva diferenciados e cabe a estes
80
MELUCCI, A. Um objetivo para os movimentos sociais?, São Paulo, Lua Nova, N.º 17, 1989. Citado
por NETO José Ambrósio. Lideranças Sindicais e Ação coletiva: A Fetaemg e a luta pela terra em MG.
Tese doutorado apresentado ao CPDA UFRRJ. 1999. P.67/68.
99
fazer a interpretação desses cenários e articulá-los em diferentes formas
possíveis...
A implantação de projetos de reforma agrária só se tornou possível
no Brasil graças à ação coletiva dos trabalhadores rurais orientadas para a
reforma agrária.
"A ação coletiva é, invariavelmente, a única alternativa
possível de acesso à terra para os trabalhadores que
efetivamente a têm como interesse."
81
O nível de participação dos indivíduos nas ações coletivas depende
da possibilidade de vantagens e da confiança que ele pode ter nos resultados
da ação. A atuação de mediadores e de lideranças constitui elementos
importantes de redução dos níveis de incerteza que perpassam o processo.
A atuação das lideranças pode determinar os rumos da ação coletiva,
no sentido de manter a organicidade do grupo e potencializar suas
possibilidades de sucesso, quanto mobilizar indivíduos que só participam
porque não tem outra alternativa.
"Tanto as ações coletivas dos trabalhadores rurais quanto
as próprias ações e intervenções dos mediadores são
profundamente marcadas pelas ações e pelas estratégias
adotadas por determinadas lideranças envolvidas no
processo, numa clara articulação entre interesses
individuais e coletivos."
82
Os processos e as relações sociais que dão origem a ação coletiva de
luta pela terra envolve interesses e projetos específicos de cada trabalhador
e ação de diferentes mediadores.
81
NETO. José Ambrósio. OP. Citada p. 79
82
NETTO. José Ambrósio . OP. Citada p.89
100
Nenhum mediador detém o monopólio da organização coletiva da
luta pela terra. A emergência e o destaque de um mediador privilegiado é
determinado por circunstâncias específicas do movimento articulado à
capacidade deste em atender demandas do movimento.
Os mediadores propiciam condições necessárias para o surgimento da
ação coletiva, principalmente informação.
4.2 - A AÇÃO COLETIVA E A ATUAÇÃO DOS MEDIADORES NA
REFORMA AGRÁRIA DA INDUSTRIAL MALVINA
Como já se falou anteriormente a ação coletiva é a única alternativa
de acesso à terra e todo trabalhador que a deseja, e não tem meios formais
para adquiri-la.
Para obter a terra, a ação coletiva deve ser norteada pelos princípios
de participação e cooperação.
A identificação da participação na ação coletiva como única
estratégia para a obtenção da terra, faz com que em determinadas situações
indivíduos instrumentalizem o seu envolvimento no processo de luta pela
terra. Esses elementos de apropriação circunstancial, intencional e
instrumental, do espírito de grupo fragilizam a operacionalização da ação
coletiva e constitui-se numa dificuldade que os mediadores têm enfrentado
para conseguir organicidade e coesão durante o processo de luta pela terra.
As lutas dos assalariados rurais da ex-empresa Malvina, tanto
individual, como social, são constitutivos do processo histórico de
transformação desses trabalhadores em assentados rurais.
O acesso às terras da Industrial Malvina pelos ex-trabalhadores foi
resultado da ação coletiva destes e da atuação de mediadores.
101
A ação coletiva que permeou a luta dos trabalhadores da ex-empresa
surgiu a partir da luta dos ex-trabalhadores pelo cumprimento dos direitos
trabalhistas e por melhores condições de trabalho por parte da empresa.
A terra não constituía em eixo da luta dos assalariados rurais, embora
trabalhassem com a terra, essa categoria não tinha uma relação direta de
apropriação com a terra. A luta em comum pelo cumprimento dos direitos
trabalhistas por parte da empresa, ganhou novas remodelagens e culminou
na ação coletiva pela posse da terra...
Nesse processo, a atuação de mediadores como o Sindicato dos
Trabalhadores Rurais de Bocaiúva, CPT, Fetaemg e representantes do poder
local (prefeito e outros), pessoas que nem sempre tiveram forte vínculo com
os movimentos ocorridos em Engenheiro Dolabella, foi de fundamental
importância no processo de luta pela terra.
Entrar na luta pela terra foi um movimento nutrido pela ação dos
mediadores. Vários mediadores se fizeram presentes na luta pela terra. O
que levou os assalariados rurais a pretender a terra ? Qual foi a atuação dos
mediadores no processo de coordenação das ações do querer a terra?
Além disso é importante ressaltar que do ponto de vista das políticas
públicas, houve uma intervenção pontual sobre uma "situação de
gravidade".
A luta pela implantação de um projeto de reforma agrária nas terras
da ex-empresa produziu debates acirrados entre aqueles se empenharam e
foram capazes de relativizar as distâncias entre as intenções de promover a
reforma agrária e a sua realização e a aqueles que se opunham a realização
do projeto.
As razões para tal disputa devem-se ao fato do projeto de
assentamento atingir um contigente populacional (e eleitoral) significativo.
102
A implantação de um assentamento rural nas terras da agroindústria
significou não só a percepção da dinâmica coletiva da luta pela terra, mas
também o delineamento e a interpretação de trajetórias e projetos
individuais que se combinam em uma só busca, em uma só causa - a luta
por terra. No entanto, essa luta embora coletiva, envolveu sentidos e
sentimentos distintos por vezes até contraditórios explicitando a diversidade
e heterogeneidade da categoria "trabalhadores rurais".
Uma diversidade de personagens e instituições envolveram-se
no processo do assentamento Herbert de Souza em Engenheiro Dolabella.
É importante observar ainda a atuação diferenciada entre STR
(Sindicato dos Trabalhadores rurais), FETAEMG (Federação dos
Trabalhadores da Agricultura de Minas Gerais) e CPT (Comissão Pastoral
da Terra), como mediadores desse processo. As diferenças de atuação entre
estes mediadores são determinantes na dinâmica do assentamento.
Pretendo resgatar os diferentes momentos de atuação dos mediadores
no processo de reforma agrária na Malvina. Nesse processo, geraram-se
lideranças, construíram-se alianças e oposições, produziram-se
solidariedades e identidades.
A constituição do assentamento provocou alterações significativas
para o município de Bocaiúva. Tais alterações foram sentidas nas relações
sociais a partir do momento em que a questão da reforma agrária nas terras
da Malvina foi colocada enquanto problema político (desde a busca do
reconhecimento pela comunidade, governo estadual e judiciário da situação
de calamidade em que viviam os trabalhadores da empresa até a resposta
para tal situação - reforma agrária).
Nos vários momentos de luta dos trabalhadores da Industrial frente à
situação de caos que se instalou na empresa a partir da década de 90,
103
diversas forças aliaram-se a estes. Dentre elas, destacarei, neste capítulo a
Comissão Pastoral da Terra - CPT -, o Sindicato dos trabalhadores Rurais
de Bocaíuva, a FETAEMG/Norte de Minas e algumas lideranças locais.
4.3 - A COMISSÃO PASTORAL DA TERRA/REGIÃO NORTE DE
MINAS
O mundo pós-guerra exigiu que as Igrejas fossem ao povo, e
reconquistassem as massas para exorcizar o fascismo e impedir o avanço do
comunismo.
No Brasil, nos anos 60, a Igreja Católica afinada com os princípios do
nacional desenvolvimentismo chegou a fundar sindicatos entre os
trabalhadores do campo. Entretanto, oficialmente apoiou o golpe militar de
1964.
Com as mudanças propostas pelo Concílio Vaticano II, a Igreja
Católica, passou a interpelar o regime militar. Inicialmente, a Igreja não
enfatizava transformação no seu universo religioso, desempenhou um papel
supletivo, fundando sindicatos no campo, visando o desenvolvimento do
homem e da nação.
No pós 64, o papel supletivo da Igreja Católica foi minimizando, a
diferença entre uma vida sindical e o exercício da religião propriamente dito
tornou-se mais nítido.
Nos anos 70, a preocupação foi construir Comunidades Eclesiais de
Base com o objetivo de unir fé e vida à luz do evangelho.
No que diz respeito à área rural, foi criada em 1975, a Comissão
Pastoral da Terra - CPT - surgiu como "serviço específico" de incentivo e
apoio as lutas dos trabalhadores rurais.
104
A CPT é uma das várias "pastorais" da Igreja Católica e tem sido um
importante mediador na luta por terra. A mediação orientada pela CPT tem
estado geralmente associada à atuação dos demais mediadores.
A atuação dos agentes de pastoral
83
resultou em representações e
práticas que tiveram repercussões no campo religioso e na política sindical.
Até 1985, a CPT concentrou suas ações na conscientização em cima
de necessidade de melhor salário, condições de trabalho mais satisfatórias.
Em Montes Claros a CPT foi criada em 1980 e tem assumido postura
coerente com a CPT nacional. A CPT de Montes Claros tem desempenhado
importante papel na defesa dos direitos dos trabalhadores rurais norte
mineiros.
A atuação mais evidente da CPT no caso da Industrial Malvina foi a
partir da década de 90 quando a situação econômica financeira da empresa
começou a declinar e conseqüentemente refletiu nas condições de trabalho
dos funcionários da empresa.
Inicialmente a atuação da CPT consistiu em investigar as condições
de trabalho dos funcionários da empresa e consequentemente o grau de
exploração a que estavam submetidos.
Além disso, a CPT assumiu o compromisso de denunciar situações de
irregularidades e de injustiças que ocorriam em relação aos trabalhadores. A
CPT não defendia um projeto de reforma agrária nas terras da empresa, ela
se colocava na tarefa de colaborar para o crescimento político dos
trabalhadores e na defesa dos seus interesses.
83
Agentes de pastoral. Uma parcela da Igreja católica no Nordeste, identificada com a leitura do Concílio
Vaticano II pela ótica do encontro latino americano de Medellín, transformou em agentes pastorais não
apenas os padres, freiras, e leigos cristãos mas, também pessoas oriundas de partidos políticos
classificados como esquerda.
105
No início dos anos 90 assistimos um aumento significativo do
número de assassinatos em decorrência dos conflitos pela posse da terra e
trabalho escravo. Em 1993, a região morte mineira foi incluída no relatório
nacional da Comissão Pastoral da Terra por conflitos recorrentes pela posse
da terra e trabalho escravo. A CPT denunciou a existência de cerca de 2000
pessoas trabalhando em regime de semi-escravidão na Industrial Malvina -
município de Bocaiúva/MG.
A função da Pastoral da Terra é orientar os trabalhadores e buscar
acordos em situação de tensão. Gabriel Vieira, coordenador da CPT no
Norte de Minas disse que o trabalho escravo está presente em vários
lugares, mas passa despercebido como no caso da Malvina.
"Os trabalhadores não recebem pagamento, ou quando sim,
o recebem em forma de vale para adquirir alimentos no
próprio armazém da empresa. Muitas vezes o trabalhador
fica devendo dinheiro ao contratante."
84
Face às dificuldades enfrentadas pelos trabalhadores da empresa, a
CPT juntamente com a CUT regional e Sindicato dos Trabalhadores de
Bocaiúva entraram com uma ação na justiça em 1993 reivindicando a
rescisão indireta dos contratos de trabalhadores demitidos da Industrial
Malvina. As irregularidades com relação aos direitos trabalhistas vêm sendo
enfrentadas pelos trabalhadores da empresa desde 1986 sem solução.
Em 1994, a CPT regional denunciou a situação de abandono em que
se encontrava o trabalhador da Industrial Malvina. Segundo a coordenação
da pastoral, as autoridades, como Prefeitura de Bocaiúva e Assembléia
Legislativa Estadual não demonstraram interesses em solucionar os
problemas enfrentados pelos trabalhadores da empresa.
106
A pastoral acusou lideranças políticas de estarem coniventes com a
situação da Industrial Malvina. Segundo a CPT alguns políticos queriam
manter Dolabella no atoleiro para o povo sempre depender deles.
Além de denunciar a situação de opressão e exploração a que estavam
submetidos os trabalhadores da Industrial Malvina, a CPT denunciou ainda
a falta de saneamento básico na fazenda-cidade, o uso indiscriminado de
agrotóxico e as péssimas condições de transporte.
A CPT norte de Minas atuou junto a sindicalistas e Justiça do
Trabalho na defesa dos direitos trabalhistas.
A atuação da CPT norte de Minas na década de 90 junto aos
trabalhadores da empresa Malvina destacou-se pela fiscalização das
condições de vida e trabalho no local, bem como pela apuração das
denúncias de constante desrespeito por parte da empresa aos direitos
trabalhistas e sociais dos trabalhadores.
Nesse contexto a denúncia de "escravidão branca" ganhou destaque
nacional. A revista "Mundo Jovem" de abril de 1993 destacou a escravidão
na Industrial Malvina como o segundo caso mais grave do Brasil.
"A Comissão Pastoral da Terra divulgou os dados sobre o
trabalho escravo em 1992, no país. Foram atingidas 10.806
pessoas em oito estados brasileiros. O maior problema foi
em águas Claras, Mato Grosso do Sul, com 8 mil pessoas,
seguido de Minas Gerais, na cidade de Bocaiúva, com 2 mil
pessoas."
85
Depois de alguns anos acompanhando os problemas e dificuldades
enfrentadas pelos trabalhadores da Industrial Malvina, a coordenação da
84
Indústria Malvina na CPT da escravidão. Jornal de Notícias 6/01/1993
85
Escravidão. Mundo jovem abril de 93
107
CPT - Montes Claros em maio de 1997 defendeu a desapropriação das
terras da empresa como única solução viável naquele momento para
resolver os problemas enfrentados pelos trabalhadores e ex-trabalhadores.
Quanto aos agentes da pastoral envolvidos no caso da Industrial
Malvina, podemos dizer que embora tenham trajetórias e práticas
diferenciadas, eles atuaram conjuntamente em torno de um único objetivo: a
busca de uma solução para os moradores de Engenheiro Dolabella.
Embora o trabalho de base tenha sido feito por agentes orgânicos, a
prática destes foi guiada pela concepção de mundo, doutrina, princípios e
conhecimentos anteriores que estes possuíam e possuem. Ao falar que o
trabalho de base concentrou-se nas mãos de agentes de origem ou com
experiências externas à comunidade não estou falando em manipulação da
base pelos agentes.
A atuação dos agentes externos foi importante e eficiente sobretudo
porque em determinadas situações representou um canal que tornou
possível o reconhecimento político da luta.
É importante destacar que a atuação dos agentes não conseguiu
mobilizar toda comunidade, mas parte do grupo que se tornou o elo entre
estes e a comunidade.
A atuação dos agentes não impediu a emergência de um discurso
próprio - ao menos no início da crise - os trabalhadores defenderam o
discurso da necessidade do emprego e do cumprimento dos direitos
trabalhistas e não da luta por terra. Os agentes de pastoral nesse primeiro
momento assumiram posições coerentes com os interesses dos
trabalhadores. Somente a partir do momento que perceberam ser inviável o
cumprimento de tais exigências iniciaram a mobilização de luta por terra.
108
4.4 - SINDICATO DOS TRABALHADORES RURAIS DE
BOCAIÚVA
O movimento sindical surgiu no século XIX inicialmente com a
função de defender o salário dos trabalhadores e suas condições de trabalho.
Mas já se percebia naquela época a necessidade de mudar a função do
movimento sindical. Esse deveria ter a função de ajudar a classe operária a
se organizar rumo a sua emancipação.
No século XX, o movimento sindical tem se constituído em
importante mediador na luta pela emancipação radical da classe operária
embora continue atuando sobre a questão salarial e as condições de trabalho
”Os sindicatos tem por fim obstar a que o nível dos salários
desça abaixo da quantia paga tradicionalmente nos diversos
ramos da indústria, e que o preço da força de trabalho
desça abaixo de seu valor."
86
No final do século XIX, Marx e Engels perceberam que os sindicatos
estavam desempenhando basicamente um papel econômico imediato - a
questão de salários e de horas de trabalho.
Para estes teóricos os sindicatos devem ser:
"Além da sua obra imediata de reação contra as
manobras impertinentes do capital, devem agir como focos
de organização da classe operária para o grande fim da sua
emancipação radical. Devem ajudar qualquer movimento
social e político orientado neste sentido."
87
86
Marx e Engels, Sobre Sindicalismo. Rio de Janeiro. Iniciativas Editoriais. S/d p. 24
87
Marx e Engels. Sobre sindicalismo. P.29
109
No século XIX, já se vislumbrava que o sindicato deveria agir para
promover a emancipação radical da classe trabalhadora. Um século depois,
o movimento sindical ainda não conseguiu contemplar a possibilidade
explícita com os limites do sistema capitalista.
Mesmo não conseguindo contribuir efetivamente para que
movimentos sociais e políticos conduzissem a classe trabalhadora para sua
emancipação, o movimento sindical conseguiu alguns avanços
especialmente nos grandes centros urbanos.
Quanto ao movimento sindical brasileiro, este só veio a se organizar
mais eficazmente na segunda metade do século XX. No entanto assumiu
formas e características distintas no campo e na cidade.
No Brasil, a denominação "Sindicatos de Trabalhadores Rurais" foi
criada pela Portaria 71, de 02.02.1965 do Ministério do Trabalho.
Apesar da existência de inúmeros estudos sobre os movimentos
sociais no campo e o envolvimento desses com a luta por reforma agrária,
têm-se dado pouca importância à atuação do MSTR (Movimento Sindical
de Trabalhadores Rurais) como mediador nesse processo, ao contrário do
que ocorre com o MST.
Em Minas Gerais, a constituição do movimento sindical de
trabalhadores rurais está associada aos condicionantes estruturais e
conjunturais vivenciados pelo país a partir da década de 50, momento em
que o sindicalismo tornou-se uma realidade para os trabalhadores rurais.
O movimento sindical dos trabalhadores rurais mineiro também se
organizou a partir da ação de determinados mediadores, como o Partido
Comunista brasileiro (PCB), Igreja Católica e outros. O processo de
sindicalização em Minas também nasceu para que se controlasse o conteúdo
esquerdista no debate dos problemas do campo.
110
O movimento sindical dos trabalhadores rurais foi marcado
inicialmente pela disputa entre poder público, setores conservadores da
sociedade e grupos de esquerda comprometidos com a reforma agrária.
Entre os anos de 1962 e 1964, o movimento de sindicalização de
trabalhadores rurais teve forte impulso em todas as regiões do Estado de
Minas Gerais com exceção da região norte. O processo de sindicalização
nas demais regiões deveu-se ao fato dessas já possuírem uma agricultura
mais avançada ou serem potencialmente mais explosivas no que se refere as
relações entre trabalhadores rurais e patronato e atuação dos círculos
operários na região central.
Em conseqüência do golpe de 64, o movimento sindical de
trabalhadores rurais mineiro passou por processo de adormecimento em
razão da própria conjuntura política do país.
A consolidação do movimento sindical de trabalhadores rurais
mineiro ocorreu a partir de 1964 até abril de 1968, quando foi fundada a
FETAEMG
88
e da criação em 1965 da Delegacia Sindical da CONTAG em
Belo Horizonte coordenadas por lideranças ligadas aos Círculos Operários
cristãos de Minas Gerais.
As condições estruturais e conjunturais - existência de expressiva
rede de sindicatos em efetivação, relativa disponibilidade de recursos
oficiais e disponibilidade de atuar de acordo com legislação - vão
determinar o desenvolvimento e consolidação da FETAEMG e da
ampliação do movimento de sindicalização rural.
Em função da própria constituição do movimento sindical dos
trabalhadores rurais inicialmente a reforma agrária se manteve muito mais
como um ideal a ser defendido do que uma luta a ser travada. A reforma
111
agrária como uma prioridade prática do MSTR, só ocorreria a partir da
década de 80, momento de emergência dos movimentos sociais no campo.
A trajetória de luta do sindicalismo dos trabalhadores rurais em
Bocaiúva está intimamente associada às transformações na conjuntura
política e econômica nacional e estadual.
A história de constituição do MSTR bocaiuvense, como
ocorreu nacionalmente e no Estado não reflete apenas condições
conjunturais e estruturais típicas do mundo rural.
O processo de organização dos trabalhadores rurais resultou também
das transformações políticas e econômicas determinadas por experiências
sindicais urbanas
89
. Determinados grupos de mediadores urbanos
perceberam a necessidade de mobilizar os trabalhadores rurais para o
movimento sindical como condição para transformação da sociedade
brasileira. A péssimas condições de vida e trabalho no campo, somada à
atuação desses mediadores rurais despertaram os trabalhadores rurais para a
sindicalização.
Nesse sentido podemos afirmar que a criação do Movimento Sindical
de Trabalhadores Rurais de Bocaiúva é anterior a sua legalização em
16/11/1980. Esse processo inicia a partir de um conjunto de condições que
vão permitir a criação do movimento sindical como a ação de mediadores
como CEBs, fóruns de discussão sobre direitos trabalhistas, condições de
trabalho no campo.
A constituição do movimento sindical de trabalhadores rurais em
Bocaiúva começou a se delinear no final dos anos 70, sendo consolidada
88
FETAEMG: Federação dos Trabalhadores da Agricultura de Minas Gerais.
89
È importante lembrar a atuação da Igreja Católica na constituição dos Sindicatos rurais. As CEBS
tiveram importância destacada no campo, no que se refere à conscientização e formação de lideranças para
os quadros do movimento sindical.
1
12
com sua fundação em 16/11/1980. A explicitação dos condicionantes
estruturais e conjunturais que determinaram o processo de constituição do
movimento sindical de trabalhadores rurais em Bocaiúva é mais importante
que a definição cronológica de constituição desse.
A exploração dos trabalhadores rurais pelos fazendeiros locais,
existência de uma legislação trabalhista que abria espaço para a
sindicalização, atuação da CEBs junto às comunidades rurais despertando
camponeses para a organização sindical, necessidade de defender direitos
trabalhistas frente às empresas que utilizavam o trabalho rural como as
empresas de reflorestamento que se instalaram na cidade e região no final
dos anos 70 e início dos anos 80.
Entre as empresas que se instalaram em Bocaiúva destacaram-se a
Mannesman (reflorestamento para produção de carvão vegetal e alcatrão)
instalada em 1975, Italmagnésio S/A Industria e Comércio (pecuária,
agricultura, reflorestamento, mineração, industria e destilação de álcool)
instalada na década de 80, Usina Siderúrgica de Pedra Negra
(reflorestamento para produção de carvão vegetal) , Florestaminas
(reflorestamento e agricultura/manga) Lucape (reflorestamento) e Plantar
S/A Planejamento, Técnica e Administração de Reflorestamento, todas
essas empresas utilizaram a mão-de-obra não qualificada para a produção.
A produção por parte de praticamente todas essas empresas encontra-se
hoje desativada na região norte-mineira.
A implantação das empresas de reflorestamento provocou a
intensificação do êxodo rural e a transformação desses camponeses em
bóias frias.
113
A criação do movimento sindical de trabalhadores rurais em
Bocaiúva representou a possibilidade de os trabalhadores rurais se
organizarem para reivindicar seus direitos perante as empresas citadas.
Além da necessidade de se organizarem para enfrentar os novos
desafios advindos com a instalação das empresas de reflorestamento, havia
também problemas mais antigos que necessitam de respostas como o
desrespeito aos direitos trabalhistas impostos pelos fazendeiros locais aos
trabalhadores rurais, a situação dos trabalhadores rurais da usina Malvina.
Inicialmente as ações do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de
Bocaiúva estiveram voltadas para a defesa dos direitos trabalhistas
especialmente de posseiros, e dos trabalhadores e assalariados rurais.
A atuação na usina Malvina era restrita e muito difícil, somente a
partir de 1986, o Sindicato de Trabalhadores Rurais conseguiu efetivar sua
atuação junto aos trabalhadores dessa usina. Entretanto, a luta inicial do
STR de Bocaiúva esteve restrita a defesa dos direitos trabalhistas e
melhores condições de trabalho, somente com a falência da empresa é que a
luta efetiva pela reforma agrária foi incorporada na sua pauta de luta.
A criação do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Bocaiúva
marcou a consolidação do MSTR de Bocaiúva, de um líder , que ainda hoje
está presente no controle da sua estrutura.
A consolidação de Juarez Teixeira como liderança do MSTR de
Bocaiúva está associada a sua trajetória individual de vida e impõe
características pessoais ao funcionamento deste sindicato.
A atuação do MSTR de Bocaíuva junto aos trabalhadores da usina
Malvina efetivou-se de forma mais intensa a partir da greve dos canavieiros
em 1986. A greve não foi impulsionada e liderada pelo STR de Bocaiúva,
114
mas a partir desse momento o movimento sindical foi despertado para a
importância de acompanhar e atuar junto à luta desses trabalhadores.
"Durante o movimento grevista, que contou com a
participação de mais de duas mil pessoas - trabalhadores
braçais - estes receberam a solidariedade de representantes
sindicais."
90
A greve realizada pelos trabalhadores da Malvina em 1986
desencadeou um processo de mobilização dos trabalhadores tendo como
pauta, a questão salarial e melhores condições de trabalho bem como
despertou o movimento sindical para a realidade dos trabalhadores.
A partir da greve de 86 tornou-se visível para toda sociedade de
Bocaiúva e região o alto grau de exploração da força de trabalho e o baixo
vel de vida a que estavam submetidos os trabalhadores da usina Malvina.
A atuação do STR no caso Malvina no final dos anos 80, consistiu
em resolver problemas emergenciais e restritos e casos específicos e
pontuais. Uma postura mais agressiva de enfrentamento para os problemas
que vinham a tona já no final dos anos 80, só viria acontecer nos anos 90.
Nesse período, inicia-se um processo de transformação no que se
refere a atuação do STR na luta dos trabalhadores da usina Malvina. O STR
buscou novas formas de atuação e parceria em defesa dos interesses dos
trabalhadores da usina.
Apesar das tentativas de melhorar a capacidade de intervenção na luta
dos trabalhadores da Malvina, a reforma agrária não era meta a ser
perseguida pelos trabalhadores e nem pelo movimento sindical.
As denúncias envolvendo as péssimas condições de trabalho e atraso
de salários na industria Malvina conseguiram ocupar espaço ma mídia
115
regional e estadual, tornando-se uma questão pública. As notícias
veiculadas pelo "Diário de Montes Claros" "Jornal de Notícias", "Jornal do
Norte", "Estado de Minas" e Jornais da cidade de Bocaiúva divulgando a
situação dos trabalhadores da usina despertaram também o interesse de
Igreja Católica, da FETAEMG, da CUT regional e lideranças políticas da
região e outras.
No início da década de 90, a atuação mais efetiva do STR de
Bocaiúva foi no sentido de denunciar e combater a existência de trabalho
escravo na Industrial Malvina.
Lideranças sindicais atuaram junto a Assembléia Legislativa Estadual
na investigação e combate ao trabalho escravo na referida usina.
Prestaram depoimentos, na Comissão Especial da
Assembléia Legislativa que apura denúncias sobre
condições de trabalho na Industrial Malvina, o presidente
do Sindicato dos Trabalhadores rurais de Bocaiúva, Juarez
Teixeira Santana, e o coordenador da Comissão Pastoral da
Terra (CPT) em Montes Claros, Gabriel Vieira. Eles
ratificaram o relato sobre trabalho escravo na usina.”
91
O STR de Bocaiúva atuou conjuntamente com a FETAEMG
(entidade a qual é filiado), CPT, CUT regional e algumas lideranças
políticas de forma articulada no combate ao trabalho escravo e pelo
cumprimento dos direitos trabalhistas dos trabalhadores da usina. Não
houve por parte destes a preocupação em garantir legitimidade por uma ou
outra instituição.
90
Greve termina, mas braçais continuam presos. Diário de Montes Claros. 20.06.86
91
Sindicalista confirma trabalho escravo. Jornal de Notícias Montes Claros 15/061993
116
Várias ações foram encaminhadas à Justiça conjuntamente pelo STR,
CPT e CUT na década de 90, solicitando investigação de irregularidades
cometidas pela empresa, especialmente no que tange ao cumprimento dos
direitos trabalhistas e a questão da segurança e saúde do trabalhador.
A reforma agrária não era a meta dos trabalhadores da usina até
meados de 1997. A concepção de luta presente entre aqueles envolvidos,
era melhorar as condições de trabalho e salários.
Depois de uma década de luta pelo cumprimento dos direitos
trabalhistas e por melhores condições de trabalho e diante do quadro de
falência decretado pela empresa, a alternativa encontrada para solucionar os
problemas enfrentados pelos trabalhadores foi implantação de um projeto
de reforma agrária.
Apesar de visualizar a desapropriação das terras da Industrial
Malvina como uma solução para os problemas dos trabalhadores , o STR
não encampou uma luta efetiva para sua efetivação.
A reforma agrária nas terras da Industrial Malvina não foi gerada por
problemas tradicionais da terra, mas para resolver o problema do
desemprego resultante da falência da empresa.
A proposta de desapropriar as terras da Industrial Malvina surgiu do
governo do Estado de Minas Gerais e teve a adesão do STR, CPT,
FETAEMG e CUT.
O STR de Bocaiúva vem tem uma atuação destacada no processo de
assentamento dos ex-trabalhadores da Industrial Malvina.
117
4.5 A FETAEMG
A Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado de Minas
FETAEMG, - foi fundada em Minas Gerais em 1968, tornando-se a
legítima e legal representante das diversas categorias que se abrigam sob a
denominação genérica de trabalhadores rurais.
Nos primeiros anos de atuação, a FETAEMG manteve a estrutura de
ação legalista orientada pela CONTAG e privilegiou questões
assistencialistas, restringindo suas ações à denúncia das arbitrariedades
cometidas contra trabalhadores e ao encaminhamento jurídico de questões
trabalhistas e de determinadas questões fundiárias que podiam ser tratadas
legalmente a partir do Estatuto da Terra. A reforma agrária era um tema
proibido nas discussões e nos encaminhamentos da FETAEMG até o final
da década de 70.
A busca de um sindicalismo mais atuante no início dos anos 80, vai
ser determinante na definição dos mecanismos que iriam orientar a
construção de formas de atuação da FETAEMG
92
em relação à questão
agrária.
Devido à necessidade de dar respostas mais imediatas aos problemas
no interior do Estado e iniciar o processo de educação sindical,
compromisso assumido durante o 3º Congresso da CONTAG (1979), foram
criadas as Delegacias e Pólos . Nesse período, foram criadas duas
Delegacias Regionais Delegacia Regional do Triângulo Mineiro, em
Uberaba, e Delegacia Regional do Vale do Jequitinhonha em Almenara.
92
A partir da década de 80, a atuação da FETAEMG , deixa de estar atrelada apenas ao cumprimento do
Estatuto da Terra e volta para a luta pela reforma agrária.
118
Foram criados também três Pólos Jurídico-educacionais: Pólo Jurídico-
educacional de Paracatu e Pólo jurídico-educacional de Montes Claros.
A partir de 1985, a FETAEMG iniciou a construção de um estilo de
luta pela terra diferente daquele adotado pela maioria do MSTR nacional. A
FETAEMG passou a ser incorporada no âmbito do MSTR mineiro.
O surgimento de novos atores, como CPT e MST, no processo de
organização dos trabalhadores rurais, exigiu uma nova postura do MSTR
diante das lutas no campo.
O envolvimento da FETAEMG no conflito fundiário de
Cachoeirinha, no município de Varzelândia, no norte do Estado, no início
dos anos 80, é o marco do seu fortalecimento institucional na luta pela terra
em Minas Gerais. A ação da instituição no conflito se restringia ao
acompanhamento e a divulgação, junto aos canais oficiais e à imprensa, do
histórico dos fatos e de suas possíveis conseqüências.
A FETAEMG ainda não havia conseguido romper seu papel de
intermediária entre os trabalhadores rurais e o Estado.
“Até o final da década de 80, a luta pela terra e o apoio
direto aos trabalhadores rurais estiveram sempre mais
presente no discurso oficial formulado pela federação, do
que em suas ações efetivas.”
93
Somente a partir de 1987, a FETAEMG incorporou novas
alternativas na condução dos conflitos no campo, assumindo uma postura
de parceria com os trabalhadores rurais. Essas novas estratégias articulam-
se ao início do governo da Nova República, o lançamento do Plano
Nacional de Reforma Agrária PNRA, e o início dos debates sobre a nova
93
NETO, José Ambrósio. Lideranças Sindicais e ação coletiva: A FETAEMG e a luta pela terra em Minas
Gerais. P. 280
119
Constituição Federal bem como o envolvimento de novas lideranças no
controle executivo da Federação.
A criação da Diretoria de Política e Reforma Agrária na estrutura da
FETAEMG como determinação do II Congresso, garantiu um espaço
institucional para a temática da luta pela terra na instituição. Entretanto, a
definição das áreas a serem ocupadas, bem como organização e seleção dos
trabalhadores para participar desse processo, continuou nas mãos dos
sindicatos, que passaram a contar com o apoio logístico e operacional da
Federação.
O movimento sindical tem predominância na mediação da luta pela
terra e na implementação dos assentamentos rurais em Minas Gerais.
O pólo regional da FETAEMG no norte de Minas sempre manteve
sua linha de ação norteada pela Federação central.
Os conflitos na Industrial Malvina se tornam mais acirrados a partir
de 1986 com a primeira greve dos canavieiros. Nesse momento, a
FETAEMG, passava a apoiar sistematicamente os processos de ocupação
de terra em Minas Gerais.
Entretanto, no caso da Malvina, as ações da Federação situaram-se no
âmbito de denúncias às péssimas condições de trabalho na empresa como se
pode observar em denúncia feita em 1987, por Paulo Gomes Ferreira,
diretor da FETAEMG no Norte de Minas.
“O trabalhador é mal tratado, mal alimentado e enfrenta a
insalubridade de uma jornada pesada de cortar cana, sem
equipamento nenhum.”
94
Atuando como intermediária entre trabalhadores e governo de Estado,
a FETAEMG teve atuação destacada conjuntamente com o Sindicato dos
120
Trabalhadores Rurais de Bocaiúva, e CPT Regional Norte de Minas nas
denúncias de existência do trabalho escravo na Malvina.
A preocupação inicial dos órgãos citados acima não se referia a
organização de ocupações e luta pela terra como solução para o problema.
Buscavam-se soluções mais imediatas como ocorreu em 1993, quando o
presidente do STR de Bocaiúva Juarez Teixeira , o deputado do PT de
Uberlândia e o presidente da FETAEMG, Sebastião Neves expuseram ao
vice-governador de Estado de Minas Gerais Arlindo Porto a situação de
miséria e escravidão branca a que estavam submetidos os trabalhadores de
empresa e pediram ajuda em forma de cestas básicas.
A preocupação era solucionar o problema a curto prazo, como
afirmou o presidente da FETAEMG Sebastião Neves da Rocha: “No
momento, estamos preocupados em matar a fome destas famílias de
trabalhadores..”
95
A reforma agrária nas terras da Industrial Malvina somente entrou na
pauta de luta e atuação da FETAEMG, no momento em que se esgotaram
todas as possibilidades de resolver as questões salariais dos trabalhadores e
que se comprovou à falência da empresa.
A impotência das ações desenvolvidas pela FETAEMG, STR de
Bocaiúva, CPT e algumas lideranças para solucionar o problema dos
trabalhadores da empresa desde 1986 são elementos fundamentais para o
entendimento da razão que esses órgãos elegeram a reforma agrária como
solução para o problema apresentado.
94
Espancamento é comum na empresa. Jornal Hoje em Dia MG 18/08/92
95
Escravidão na Malvina. Jornal de Notícias. 5/3/1993
121
4.6 O PAPEL FUNDAMENTAL DAS LIDERANÇAS NA
LUTA PELA REFORMA AGRÁRIA NA INDUSTRIAL MALVINA
Para compreender o papel das lideranças no processo de reforma
agrária nas terras da Industrial Malvina estabelecer-se-á uma vinculação
entre condições conjunturais e a ação individual dessas lideranças no
processo citado.
A luta por reforma agrária nas terras da Industrial Malvina, apesar de
não ser uma resposta a problemas tradicionais da terra, mas por problemas
de desemprego na indústria, foi institucionalmente organizada e
politicamente orientada pela ação institucional do STR de Bocaiúva,
FETAEMG, CPT, como foi visto anteriormente e de algumas lideranças
locais. A ação institucional desses órgãos foi expressivamente dependente
da intervenção pontual de determinadas lideranças.
A inter-relação da ação individual e o envolvimento do STR,
FETAEMG, CPT no processo de reforma agrária nas terras da Industrial
Malvina foi apresentado através da articulação da trajetória de vida de
algumas lideranças que utilizaram o espaço institucional formalmente
garantido por esses órgãos para se emergirem enquanto líderes e defender
os interesses dos trabalhadores envolvidos no processo.
Este capítulo tratará da atuação de lideranças externas ao movimento
camponês e dos trabalhadores da usina.
A liderança escolhida é da região norte de Minas, onde se localiza a
usina Malvina, e é diretamente responsável pelo envolvimento da respectiva
instituição em que atuava Prefeitura Municipal de Bocaiúva. A liderança
122
externa escolhida para analisar esse processo foi Ricardo Veloso, prefeito
de Bocaiúva no quadriênio 1996/2000.
96
A trajetória de vida dessa liderança apresenta elementos
fundamentais para compreender por que a reforma agrária tornou-se o
objetivo a ser perseguido como solução para os problemas apresentados na
Industrial Malvina.
Não será mensurado apenas o peso da ação individual da liderança.
Será vinculada a atuação da liderança à conjuntura social e política no
processo de reforma agrária citado. Entretanto ficará claro no decorrer deste
estudo, que, sem a intervenção pessoal de algumas lideranças não haveria o
envolvimento das instituições citadas na luta pela reforma agrária nas terras
da Industrial Malvina.
A - Ricardo Veloso: De professor, poeta, advogado e prefeito a
defensor da reforma agrária.
A influência da Igreja Católica (Teologia da Libertação) e a busca
constante em compreender a sociedade em que vive transformada em prosa
e verso levaram Ricardo Veloso a se transformar num militante dos
movimentos populares.
Ricardo Veloso nasceu em Bocaiúva em 1963. Filho de pequenos
produtores rurais, passou parte de sua infância na zona rural. Deixou a zona
para rural para iniciar seus estudos. Dos sete aos quatorze anos estudou em
escolas públicas de Bocaiúva. Na adolescência ingressou no seminário da
96
No presente trabalho será destacado apenas o nome de Ricardo Veloso como liderança externa,
entretanto, o número de lideranças importantes nesse processo é muito maior. O estudo desse nome servirá
apenas para ilustrar o papel dos intelectuais de tipo rural.
123
Ordem Premonstratense,
97
em Montes Claros/MG, onde permaneceu
durante 5 anos. Ao mesmo tempo, que era seminarista, também continuou
seus estudos, chegando a concluir o segundo grau em Montes Claros.
A percepção das injustiças sociais, a necessidade da busca de
instrumentos para promover a mudança da sociedade, marcou a vida dessa
liderança ainda na sua estada no Seminário Premostratense. O contato com
seminaristas adeptos da Teologia da Libertação, e mais especificamente
através do estudo do Documento de Puebla, elaborado em 1979, pelo
Conselho Episcopal Latino Americano, onde a igreja católica apresentou a
realidade da América latina, seu povo com seus bens e males é que Ricardo
despertou para a necessidade da construção de uma sociedade humana e
cristã. E foi ai também que Ricardo ouviu falar de reforma agrária pela
primeira vez.
“Eu ouvi falar de reforma agrária pela primeira vez quando
eu estava no Seminário. Quando eu seminarista
premonstratense em Montes Claros, lá a gente tinha um
grupo de seminaristas, de jovens que reuniam com outros
seminaristas de outros estágios, já no estagio mais elevado
de filosofia e teologia. Então através desses contatos,
dessas discussões, e principalmente quando saiu um
documento da CNBB, do Conselho dos Bispos da América
Latina que reuniram em Puebla em 1979. Nós estudávamos
muito aquele documento. Então foi ali a primeira vez que a
gente ouviu falar de opção preferencial pelos pobres e da
necessidade dos pobres se organizarem e lutarem pelos seus
97
Seminário da Ordem Premonstratense é uma ordem religiosa da Igreja Católica que cuida da preparação
de sacerdotes.
124
direitos por melhores condições de vida. E reforma agrária
era assunto de grande importância nesse contexto.
98
Após concluir o segundo grau no início da década de 80, Ricardo
deixa o seminário e retorna a Bocaiúva/MG, onde ingressa no magistério,
exercendo a função de professor de Ensino Religioso. Um dos motivos da
designação de Ricardo para ministrar tais aulas foi o seu envolvimento nos
trabalhos da Igreja Católica.
99
Aprovado no vestibular em 1983, para o curso de Letras na
Universidade Federal de Viçosa, Ricardo permanece pouco tempo na cidade
Viçosa/MG, conseguindo transferência para a Universidade Estadual de
Montes Claros, onde conclui o curso de Letras. Nessa época voltou a
lecionar. Lecionou Português em Bocaiúva e Montes Claros.
Também nesse período, Ricardo esteve trabalhando na Pastoral
Comunitária de Montes Claros que agregava a Pastoral da Terra, Pastoral
Operária, e Comunidades Eclesiais de Base, trabalhando por três anos como
educador popular. Foi para mim uma experiência riquíssima trabalhar
nesse período na casa da Pastoral Comunitária de Montes Claros.”
100
Ingressando no magistério, Ricardo-se filia também no Sindicato dos
professores da rede pública do Estado de Minas Gerais Sind Ute.
101
O
Sindicato dos professores tinha sede regional em Montes Claros/MG. No
final da década de 80, Ricardo tornou-se representante de Bocaiúva no
Sindicato de professores.
98
Entrevista, Ricardo Veloso, Fevereiro/2001
99
Em Minas Gerais, o professor para ministrar aulas de Ensino Religioso além possuir habilitação ou
autorização da SEE para exercer o cargo, necessita de credenciamento da Igreja Católica. A credencial é
dada por um padre autorizado à pessoa que participa da vida religiosa da paróquia.
100
Entrevista, Ricardo Veloso, Fevereiro/2001
101
SindUTE Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação. A sede central do sindicato localiza-se
em Belo Horizonte/MG. Este conta com subsedes espalhadas pelas várias regiões do Estado.
125
Sensível aos problemas enfrentados por Bocaiúva e região percebe a
necessidade da militância político-partidária e na segunda metade da década
de 1980 ingressou no Partido dos Trabalhadores PT.
“A minha entrada no Partido dos Trabalhadores, não só
minha, mas de vários companheiros, foi à maneira que a
gente achou para concretizar tudo aquilo que a gente
colocava como teoria.”
102
No movimento sindical além da militância e atuação no Sind Ute,
Ricardo também foi colaborador do Sindicato dos Trabalhadores Rurais e
na fundação do sindicato dos metalúrgicos em Bocaiúva. Desenvolveu
trabalhos de criação de Associações de Bairros em Bocaiúva e Montes
Claros.
Das discussões sobre o Documento de Puebla, do envolvimento nos
trabalhos da CEBS, especificamente na Pastoral da Terra e Pastoral
Operária, nasce à percepção das injustiças sociais e a necessidade da busca
de instrumentos para promover a mudança dessa situação. Esse sentimento
de injustiça, da necessidade de mudanças, associado a sua formação de
professor, apontava a poesia e a prosa, como uma das maneiras de
conscientização e transformação da realidade. Utilizando a poesia e a prosa
como um dos instrumentos de mudança, Ricardo lança em 1987, o livro
“Da marcação da idéia do juízo do povo”
Ricardo sempre utilizou a poesia como uma arma contra a opressão.
102
Entrevista, Ricardo Veloso, Fevereiro/2001
126
“Quem sabe
Não será a poesia
Com toda sua brava mansidão
É que nos vai tirar da panela de opressão”
103
A necessidade de concretizar na prática o que retratava em suas
poesias e a coragem e determinação para denunciar as arbitrariedades da
política local, levou Ricardo a concorrer ao cargo de prefeito de Bocaiúva
pelo PT nas eleições de 1988. Foi uma eleição bastante tumultuada, quatro
candidatos concorreram à prefeitura de Bocaiúva. Pelo Movimento de
Renovação Bocaiuvense formado pelos partidos PTB, PMDB e PDT
concorreu Alberto Caldeira. Pelo PFL, concorreu Juma Nogueira, pelo
PL/PDC Amado Vieira e pelo PT, Ricardo Veloso.
Ricardo Veloso obteve o 3º lugar nas eleições ficando com 1442
votos contra Alberto Caldeira com 9.480, Juma Nogueira com 5.409 e
Amado Vieira com 1.024 votos. A participação de Ricardo na disputa pela
prefeitura de Bocaiúva vai garantir a sua projeção enquanto liderança
política no norte de Minas.
Mesmo intensificando sua militância político-partidária, Ricardo
jamais deixou de poetizar seus sonhos numa sociedade mais justa. Em
1992, lançou “Que Lua Bonita” e logo a seguir participou da coletânea
“Poetas Gerais das Minas”.
“Para mim a poesia é o instrumento mais eficaz na
construção de uma nova sociedade. Ela espelha e questiona
a vida. Ela sugere e propõe ao homem um novo viver.”
104
103
Veloso. Ricardo Da marcação da idéia do juízo do povo Belo Horizonte. Ed. Arte Quintal 1987. p47
104
Veloso. Ricardo, Que lua Bonita Bocaiúva/MG Gráfica Bocaiúva Ltda. 1992 P. 03
127
A atuação como professor de Português, e a percepção cada vez
maior do desrespeito com que os educadores eram e ainda são tratados
pelos nossos governantes, e as dificuldades de assistência por parte da sub
sede do Sind Ute de Montes Claros aos educadores de Bocaiúva faz com
que Ricardo de filiado e militante sindical sinta a necessidade de criar uma
sub sede/Sind Ute em Bocaiúva.
Aproveitando o vazio deixado pela subsede regional de Montes
Claros, juntamente com outros professores militantes do movimento
sindical, a organização das discussões nos momentos de greves e
negociações com o governo de Estado, garante-lhe projeção, informação e
experiência como liderança entre professores e classe estudantil.
Essa nova postura diante dos problemas enfrentados pelos educadores
vai conduzi-lo a questionar a atuação do Sind Ute/Montes Claros em
Bocaiúva, em relação às demandas dos trabalhadores da educação e lutar
por uma sub sede na cidade.
Em 1993, desvinculou Bocaiúva do Sind Ute de Montes Claros,
fundando uma nova subsede em Bocaiúva, na qual assumiu a coordenação.
A atuação de Ricardo como liderança sindical no Sind Ute Bocaiúva, e a
intensificação de sua militância no PT, aproximou-o ainda mais dos
problemas vividos por outros sindicatos como o dos trabalhadores rurais e
dos Metalúrgicos.
O fato de Ricardo priorizar a participação na política local e regional
e a carência de lideranças e de pessoas para compor e atuar na subsede
local fizeram com que a sub sede de Bocaiúva fosse novamente vinculada a
sub sede de Montes Claros. Mas mesmo assim, Ricardo continuou sendo a
referência sindical para os professores da cidade de Bocaiúva e região.
128
À medida que foi se integrando aos movimentos de luta, Ricardo foi
percebendo as necessidades da população da cidade.
Sonhando com justiça social e sentindo necessidade de
fundamentação para atuar na busca dessa tão sonhada justiça, Ricardo
cursou Direito na Universidade Estadual de Montes Claros em 1989,
concluindo o curso em 1994. Fazendo o curso de direito, Ricardo teve a
primeira oportunidade concreta de atuar em Engenheiro Dolabela. E a partir
daí envolveu-se cada vez mais com os problemas vividos pelos
trabalhadores desse local. Como voluntário na CUT/região norte de Minas,
Ricardo atuou como estagiário em ações trabalhistas movidas pelos
trabalhadores da empresa Malvina em Engenheiro Dolabela.
Utilizando os conhecimentos adquiridos no curso de Direito, e
sensibilizado com os problemas enfrentados pelos trabalhadores da usina
Malvina, Ricardo decidiu auxilia-los via justiça para a solução do problema
enfrentado. Durante dois anos, advogou algumas causas para particulares
contra a empresa Malvina e assessorou juridicamente o Sindicato dos
Trabalhadores Rurais de Bocaiúva nessa questão. A usina há tempos não
cumpria com o pagamento de direitos trabalhistas dos empregados.
A partir do seu envolvimento com Juarez Santana, militante do
Sindicato dos Trabalhadores Rurais e do Partido dos Trabalhadores,
Ricardo percebeu a necessidade de priorizar sua atuação em defesa dos
trabalhadores da usina Malvina. A intensificação na militância partidária
levou Ricardo a concorrer pelo PT em 1994 na região a uma vaga de
deputado Estadual na Assembléia Legislativa Estadual. Ricardo Veloso
obteve 4250 votos, sendo 31,514% o percentual obtido em Bocaiúva. Nas
eleições de 1994, concorreu ao cargo de governador de Estado em Minas no
segundo turno: Hélio Costa, do PP versus Eduardo Azeredo, do PSDB.
129
Eduardo Azeredo, dentro da política de alianças na época em Minas Gerais,
busca o apoio de Ricardo Veloso, liderança do PT em Bocaiúva. Ricardo
juntamente com outras lideranças políticas locais apresentou um documento
ao então candidato, caso fosse eleito, uma pauta de reivindicações para a
cidade e entre essas reivindicações solicitava uma intervenção para
solucionar o problema de Engenheiro Dolabela.
Quando Eduardo Azeredo era candidato a governador de
Estado, ele esteve aqui em Bocaiúva, nós elaboramos um
documento, eu apresentei perante assim um comício até
muito grande, uma pauta de reivindicações da cidade pra
ele, caso ele fosse eleito governador. E uma das coisas mais
importantes que a gente apresentou foi que se ele fosse
eleito fizesse uma intervenção em Engenheiro Dolabela,
porque Engenheiro Dolabela estava sendo um lugar de
fome, de miséria. A indústria praticamente fechada, ou
vezes funcionando alguns meses no ano, e quando
funcionava não pagava os funcionários. Tínhamos feito
inúmeras campanhas de arrecadação de alimentos. Naquela
época o povo realmente em Engenheiro Dolabela estava
passando fome. Então nós apresentamos uma sugestão que
ele fizesse uma intervenção, qual era a gente não sabia
ainda. Mas que a gente pudesse viabilizar ali aquele
potencial na questão da geração de emprego e renda.”
105
A fala de Ricardo deixa evidente que solucionar o problema da
população de Engenheiro Dolabela era uma prioridade em sua atuação
política. Eduardo Azeredo foi eleito governador do Estado de Minas Gerais,
130
vencendo seu adversário em Bocaiúva. Tendo assumido o governo, Ricardo
apresentou juntamente com Sindicato dos Trabalhadores rurais de Bocaiúva
uma proposta ao então governador Eduardo Azeredo para amenizar o
sofrimento daquela população. A proposta a princípio consistia no
recebimento das casas da empresa pelo Estado como pagamento de dívidas
com o fisco estadual e no repasse dessas aos trabalhadores da empresa.
“E o governo começou analisar essa possibilidade de já que
o povo não era dono daquelas casas, de receber aquelas
casas como pagamento de dívidas, e de devolver essas casas
para as famílias para poder fazer com que eles tivessem a
casa própria. E essa discussão começou a ter apoio de
vários secretários de governo, e o Eduardo Azeredo pediu
que fosse estudada a proposta, pediu para os assessores
dele.”
106
Nesse período, foi criado pelo governo de Estado, a Comissão
Operacional de Reforma Agrária (CORA) em Minas Gerais com a
finalidade de operacionalizar a reforma agrária no Estado. A comissão era
formada por pessoas, jovens em Belo Horizonte/MG, muito idealistas,
voltados para a questão da reforma agrária. Essa comissão passou então a
discutir com mais veemência a proposta enviada por Ricardo juntamente
com o STR de Bocaiúva.
Paralelo a essa discussão, começou a ser questionado o que poderia
ser feito em Engenheiro Dolabela para a questão de geração e renda, uma
105
Entrevista, Ricardo Veloso. Fevereiro2001
106
Entrevista, Ricardo Veloso. Fevereiro2001
131
vez que a empresa estava praticamente falida, e apenas o repasse das
moradias não solucionaria o problema vivido por aquele povo.
O secretário de educação João Batista dos Mares Guia que também
foi responsável pela reforma agrária na época e o James Ladeia que mais
tarde também atuou na viabilização da reforma agrária no Estado colocaram
a hipótese do recebimento das terras da empresa para fins de reforma
agrária. Essa hipótese ganhou força graças ao endividamento da empresa.
Depois de inúmeras discussões, o recebimento das terras da empresa para
fins de reforma agrária deixou de ser uma hipótese, para se tornar uma
bandeira de luta.
“Daí, o Estado iniciou um processo de adjudicação
daquelas terras para fins de reforma agrária junto à justiça.
Depois de inúmeras batalhas, as terras foram adjudicadas
ao Estado para fins de reforma agrária. Sendo a reforma
agrária responsabilidade do INCRA, coube ao Estado
apenas a batalha legal para o recebimento daquelas terras,
que depois recebidas foram repassadas a esse.
107
Podemos perceber que o destino dos trabalhadores de Engenheiro
Dolabela de trabalhadores assalariados a assentados, dependeu não apenas
dos fatores conjunturais vividos por aquela população, mas da atuação de
lideranças políticas do local. Os rumos tomados pelo movimento por
melhores condições de vida naquele local estão articulados a trajetória
individual de suas lideranças.
107
Entrevista, Ricardo Veloso. Fevereiro2001
132
A atuação de Ricardo na luta para melhorar as condições em
Engenheiro Dolabela tornou ainda mais evidente e polêmica quando decidiu
concorrer ao cargo de prefeito em Bocaiúva, cidade a qual Engenheiro
pertence. A idéia de luta e organização jamais deixou de permear o
entendimento de Ricardo para a transformação da sociedade bocaiuvense.
E acreditando que a transformação passava pela via política, Ricardo
candidata-se a prefeito de Bocaiúva em 1996.
Concorrendo com Alberto Caldeira (PDT), o professor, poeta e
advogado Ricardo Veloso deixou o PT e filiou-se ao PSDB. O fato de ter
tornado uma liderança local, levou Ricardo a deixar o PT e fazer alianças
com lideranças regionais e estaduais com o objetivo de obter a vitória nas
eleições municipais. Várias tendências uniram-se em torno do nome
Ricardo Veloso para derrotar o Candidato da coligação PDT, PPB, PTB,
PMDB e ex-prefeito Alberto Caldeira. Em torno do nome Ricardo Veloso,
uniram-se os conservadores do PL e PFL local e progressistas vinculados ao
PT de onde tinha vindo o candidato, além do PSDB e PTN. Essa miscelânea
de interesses, onde articularam-se conservadores e progressistas em torno
de um nome para impedir a reeleição de um cacique da política local
demonstra claramente a posição de liderança consolidada de Ricardo.
Numa eleição disputada palmo a palmo, Ricardo Veloso venceu
Alberto Caldeira com cerca de 2000 votos de diferença. Eleito em 1996,
Ricardo governou Bocaiúva de 1997 a 2000 e teve como marca de sua
administração a difícil e árdua tarefa de viabilizar um projeto de reforma
agrária nas terras da agroindústria Malvina.
Ricardo Veloso governou Bocaiúva exatamente no período em que se
deu a batalha judicial do governo de Estado contra a empresa Malvina para
133
a adjudicação das terras dessa para fins de reforma agrária. Ele teve nesse
momento atuação destacada como coordenador desse trabalho a nível local.
“E eu já prefeito, coordenei esse trabalho a nível local. Foi
fundamental para que acontecesse o projeto, esse
intercâmbio, entre prefeitura, governo de Estado, e os
próprios trabalhadores. Nós conseguimos unir a prefeitura,
o governo de Estado nessa causa, com o Sindicato de
Trabalhadores rurais local, com a Fetaemg, e com os
próprios trabalhadores de maneira geral.”
108
A atuação de Ricardo Veloso enquanto prefeito, foi diferente daquela
que costumamos ver em autoridades políticas locais. Primeiro pelo fato de
se envolver na efetivação de um processo de reforma agrária e segundo por
ter uma atuação conjunta com entidades representativas dos trabalhadores.
O fato de não terem responsabilidade legal em promover a reforma agrária,
faz com que a maioria dos prefeitos mantenham-se de fora do processo.
Ricardo admite que a atuação de prefeitos não é comum nesses processos,
pois percebe que grande parte dos prefeitos possui uma postura tradicional
em relação à reforma agrária.
“A maioria dos prefeitos que a gente conhece tem tido uma
visão diferente de reforma agrária, aquela visão que a mídia
passa, que não é a visão de empreendimento, que é
importante para o país. Nós fizemos diferente!.
109
Como resultado do empenho do governo de Estado, o apoio do STR
de Bocaiúva, FETAEMG, e, principalmente, do empenho pessoal de
108
Entrevista, Ricardo Veloso, Fevereiro 2001
109
Entrevista, Ricardo Veloso, Fevereiro 2001
134
Ricardo Veloso, as terras da agroindústria Malvina foram transformadas no
assentamento Herbert de Souza. A conjuntura política e econômica
nacional, bem como a atuação de todos mediadores foi fundamental nesse
processo.
O desenvolvimento de uma carreira política fez com que lideranças
políticas locais que se viram ameaçados pela expressão de Ricardo Veloso e
opositores se organizassem contra a atitude do prefeito em promover a
reforma agrária. Inicia-se ai a divulgação de notícias de que a antiga usina
desapropriada voltaria a funcionar, gerando entre os ex-trabalhadores
lesados em seus direitos trabalhistas, uma certa rejeição a proposta de
reforma agrária e, uma forte esperança em ter o seu emprego de volta.
Apesar dessas resistências, as terras de Engenheiro Dolabela foram
transferidas em definitivo para o INCRA e a reforma agrária começou a ser
implementada.
Mesmo não sendo reeleito como prefeito nas eleições de 2000,
110
Ricardo pretende continuar atuante junto à população assentada em
Engenheiro Dolabela, por acreditar que a implementação da reforma agrária
no Brasil é uma das formas mais eficientes para gerar renda e emprego.
“Mesmo não sendo prefeito, eu quero atuar, acompanhando
talvés dentro de algum órgão de governo, talvés até o
INCRA eu vou estar dando uma assessoria, ou até como
voluntário mesmo, porque acho que é a melhor maneira de
gerar emprego e gerar renda.”
111
110
Nas eleições de 2000, concorreram ao cargo de prefeito de Bocaiúva, o prefeito Ricardo Veloso, o ex-
prefeito Alberto Caldeira e o vice-prefeito de Ricardo Veloso, João Katola, que aderiu a outra coligação.
A vitória foi do ex-prefeito Alberto Caldeira.
111
Entrevista, Ricardo Veloso, janeiro, 2001
135
A atuação de Ricardo para a implementação do assentamento Herbert
de Souza evidencia que lideranças não orgânicas foram importantes na
definição do rumo dado ao problema vivido pelos ex-trabalhadores da
empresa Malvina e reconhece que o sucesso de sua ação dependeu da
colaboração e atuação de lideranças orgânicas dos trabalhadores da
empresa.
“O assentamento está concretizando aos poucos, porque
teve sim o apoio de fora. O meu apoio, considero externo,
porque não convivo lá com eles, embora pertençam ao
município. Teve apoio de lideranças de dentro do governo
de Estado naquela época, mas sobretudo porque a gente tem
lideranças locais lá dentro, se não teria como nem porque ir
pra frente um projeto desses.
112
Enfim, a trajetória de Ricardo se confunde em vários momentos, com
luta pela reforma agrária nas terras da empresa Malvina, principalmente na
primeira fase em que ele mesmo define como aquela que dá oportunidade
das pessoas plantarem e criarem para sua sobrevivência.
A implementação do assentamento Herbert de Souza é um exemplo
de que somente onde lideranças dão prioridade a luta pela reforma agrária,
é que o Estado responde com a implementação de assentamentos. A
intervenção de Ricardo no processo de reforma agrária citado, evidencia
que a luta pela reforma agrária em Minas Gerais ainda tem sido conquistada
de maneira pessoal, pontual e desarticulada e aponta para a existência de
lideranças do tipo tradicional nos movimentos pela terra.
112
Entrevista, Ricardo Veloso, janeiro, 2001
136
O processo de reforma nas terras da empresa Malvina ainda está em
fase de implementação. Os assentamentos ainda são considerados
provisórios pelo fato de os assentados não terem recebido ainda o título da
terra.
137
V
O CONCEITO GRAMSCINIANO “INTELECTUAIS DE
TIPO RURAL”: APLICA-SE, NÃO SE APLICA OU SE
APLICA EM ALGUNS CASOS?
Neste trabalho, proponho a verificar a aplicabilidade do conceito
gramisciano de intelectuais de tipo rural para algumas lideranças daqueles
que lutam pela terra em um assentamento de trabalhadores rurais no norte
de Minas Gerais. Ou seja procuro analisar como nesse assentamento
realizado de forma tão peculiar a atuação e origem das lideranças
empenhadas em realizar a reforma agrária.
No capítulo IV, foi analisada a trajetória de vida de Ricardo Veloso,
prefeito de Bocaiúva no período em que se deu a organização do processo
de reforma agrária nas terras da agroindústria Malvina. Ricardo foi
liderança externa que se empenhou na organização do processo de reforma
agrária.
Este capítulo, explicitará a diferença entre o intelectual orgânico do
movimento camponês e o intelectual orgânico do movimento específico de
Engenheiro Dolabela, bem como tratará do intelectual orgânico do
movimento camponês presente no movimento específico. Entre os
primeiros, serão analisadas as trajetórias de Juarez, representante do
movimento sindical de trabalhadores rurais e Pedro Amaury, trabalhador
rural que se transformou em assentado. Entre os segundos, serão analisadas
as trajetórias de Almir e Balbino e por último a trajetória de Eugênio. O que
segue está baseado no material recolhido durante a investigação nos anos
138
de 1998 a 2001. O trabalho de campo coincidiu com o momento de luta
pela terra e assentamento provisório das famílias.
Será levado em conta, falas de alguns assentados, para verificar a
aplicabilidade do conceito de “intelectual de tipo rural” e sua atuação no
processo de reforma agrária. Isto permitirá observar se os trabalhadores
rurais envolvidos no processo de reforma agrária da Malvina além de contar
com apoio externo, possuem seus próprios líderes, ou se dependem ainda
em sua maioria de pessoas que não são orgânicas do movimento.
Dentro desse contexto pretendo ainda mostrar que o impacto social,
econômico e político desse assentamento é grande, ainda que pouco visível.
A própria constituição do assentamento, por si só já é um impacto.
Sérgio Leite, entende assentamento como ponto de chegada e num
segundo momento como ponto de partida.
“O assentamento entendido como ponto de chegada,
como uma das estratégias de inserção social de parte dessa
população excluída da sociedade brasileira... é o
assentamento como ponto de partida, ou seja, a partir da
constituição do projeto esses atores passam a falar de uma
perspectiva diferenciada. São lideranças que emergem no
contexto do projeto e disputam, por exemplo, eleições ao
nível local, municipal, em alguns casos se tornando
vereadores, prefeitos, etc. São experiências de organização
social, por exemplo, associativismo e cooperativas, que em
alguns casos, geram efeitos multiplicadores ao nível local,
139
regional, também favorecendo outras oportunidades aos
demais agricultores.
113
A proposta de análise da trajetória das lideranças no processo de
reforma agrária e implementação do assentamento será articulada ao
conceito de assentamento como “ponto de partida”. Serão analisadas as
experiências de lideranças que se envolveram ou já estavam envolvidas em
processos de eleição local e de organização social como associativismo e
cooperativas.
Os movimentos populares não emergem se não houver participação
dos principais interessados. Os interessados para se organizarem precisam
de lideranças capazes de organizar a vontade coletiva.
Nos movimentos de luta, especificamente no caso das lutas pela terra,
pode-se dizer que as lideranças fazem parte do cotidiano desses
movimentos. A presença dessas lideranças pode ser facilmente visualizadas
nos momentos de embate, de reivindicação junto a órgãos como Incra, e
pela divulgação dos movimentos pela mídia.
Segundo Gramsci, somente na ação política, na migração do espaço
individual e privado, para o espaço coletivo e público é que o indivíduo se
distingue da massa, do bando. Esse indivíduo exerce o papel de intelectual
no conceito de Gramsci.
Novas lideranças estão nascendo em todas as áreas e setores sociais
do Brasil urbano e rural, formal e informal. Algumas conseguirão sobrevir
por muitos anos, outras serão efêmeras. Algumas serão abafadas,
cooptadas. Muitas , no entanto, sobreviverão, à espera da hora de entrarem
em cena. São lideranças silenciosas e visíveis apenas nas suas comunidades.
113
LEITE, Sérgio. Reforma Agrária e Democracia: a Perspectiva das sociedades civis. CPDA/UFRJ. Rio
de Janeiro, 5 de maio de 1998 p. 4
140
A cada movimento que emerge podemos perceber a revelação de
novas lideranças que atuam independentemente das lideranças tradicionais.
Liderança aqui é medida pela atuação e influência exercida em sua
comunidade, por uma responsabilidade assumida perante sua comunidade.
Esses líderes detêm respeito e confiança de sua comunidade. Essas
lideranças podem até ser ingênuas e exploradas por políticos conservadores
ou por outras lideranças que tem seus nomes atrelados a mídia, mas, através
de atividades práticas em suas comunidades, estão lutando por uma vida
melhor. Geralmente, vivem suplicando uma verba aqui, um auxílio ali, para
continuarem tocando seus projetos.
O presente capítulo tem por objetivo discutir se o conceito
“intelectual de tipo rural” elaborado por Antônio Gramsci no início do
século ainda pode ser aplicado de forma prática para definir aqueles
indivíduos que se distingue do seu grupo exatamente pela capacidade de
organizar a vontade coletiva na luta pela terra.
Para responder a questão proposta neste capítulo, foram entrevistados
assentados de origem diferentes. Parte das entrevistas foram realizadas com
assentados que não trabalharam na empresa, vieram de localidades
próximas a Engenheiro Dolabela e estavam na localidade aproximadamente
há 3 anos, e a outra parte foi realizada com assentados que trabalharam na
empresa e já estavam na localidade há mais tempo.
O primeiro grupo de assentados entrevistado são pessoas que não
trabalharam na empresa, vieram de localidades próximas a Engenheiro
Dolabela quando souberam da notícia de reforma agrária que seria realizada
nas terras da empresa Malvina. Alguns foram organizados pelo STR de
Bocaiúva para ir ao local aguardar a possibilidade de receber um pedaço de
terra, outros foram organizados pela FETAEMG/norte de Minas. A maioria
141
deles tinha origem rural, e já haviam passado a maior parte de suas vidas
trabalhando no campo. Mesmo aqueles que já haviam tentado trabalhar na
cidade não tiveram sucesso, e com a possibilidade de obter um pedaço de
terra fizeram a opção pelo campo. Do grupo entrevistado a maioria havia
tentado se estabelecer na cidade como servente de pedreiro, apenas um foi
trocador de ônibus. Alegam que além de gostar de trabalhar a terra,o
desemprego foi principal motivo que os levou a entrar na luta pela terra.
O outro grupo, o que trabalhou na empresa e hoje é assentado
114
,
também se diz mais satisfeito do que na época que eram empregados da
empresa. Entre os ex-empregados da Usina Malvina, constitui a maioria dos
assentados o grupo que trabalhava na lavoura (corte de cana). Esses foram
os mais lesados em seus direitos trabalhistas.
Tanto o grupo de assentados que veio de fora, como os ex-
trabalhadores da empresa mesmo sem ainda ter o título da terra, cada um
trabalha o seu pedaço de terra para a sobrevivência, e diz estar melhor do
que quando eram desempregados na cidade ou trabalhavam para a empresa
e ou fazendeiros, e hoje produzem para si. Cultivam milho, feijão, abóbora,
quiabo, hortaliças, melancia, mandioca. Nas famílias em que esses produtos
excedem o consumo doméstico, parte é vendida no comércio local. Criam
galinha, porcos e alguns criam pequena quantidade de gado, utilizam o leite
na fabricação de queijos, que são comercializados na localidade.
Cada assentado mora no pedaço de terra que recebeu. Construíram
casas rústicas e ou cabanas de plástico ou lona. As habitações são bastante
precárias, não possuem água canalizada, energia elétrica. Pelo fato de ainda
114
É necessário frisar que nem todos trabalhadores da empresa tornaram-se assentados. Uma pequena
parte não cadastrou e não recebeu um lote de terra. Esses são contrários a reforma agrária e têm esperança
que a empresa volte a funcionar e tenham seu emprego de volta. Muitos receberam casa da empresa como
acerto de dívidas trabalhistas e vivem na área central (urbana) de Engenheiro Dolabela.
142
não ter o título da terra, os assentados não podem construir sua habitações
definitivas.
Algumas lideranças locais foram constantemente citadas pelos
trabalhadores do local pesquisado. No contexto pesquisado, a atuação
dessas lideranças, foi fundamental para a organização dos trabalhadores
especialmente aqueles que haviam prestado serviços para a empresa, e não
tinham recebido seus direitos trabalhistas, e que sobretudo, não tinham
experiência como produtor rural, mas apenas como assalariado.
Alguns nomes tornaram-se referências entre os assentados e
lideranças externas como apoio e organização do movimento.
Para os assentados, uma condição fundamental para que possa ser
reconhecido como uma liderança é o fato dele ser reconhecido
pessoalmente. Durante todo processo de organização da reforma agrária,
esses líderes não evidenciaram apenas seus ideais, princípios éticos, mas a
si mesmos como pessoas, com passado reconhecido, com biografia capaz de
situa-los socialmente.
Essas lideranças locais, produziram o seu reconhecimento
115
através
de um contato direto com os ex-trabalhadores da empresa e pessoas vindas
de fora em busca de um pedaço de terra. A participação efetiva nas reuniões
e assembléias para discutir o problema colocado foi um meio de
apresentação e emergência dessas lideranças, tornando pública a sua pessoa.
As assembléias e reuniões propiciam a emergência e a consolidação
de algumas lideranças e o seu reconhecimento como pessoas notórias. O
fato de em uma reunião, a pessoa expressar bem suas idéias, ter coragem de
115
O termo reconhecimento é utilizado para designar a identificação concreta de uma pessoa conhecida,
e como o reconhecimento de alguém ou de coisa como boa, verdadeira e legítima.
143
dizer o que pensa e reivindicar, bem como a disposição para ir a luta, é
interpretado como mostra de liderança.
O reconhecimento dessas lideranças articula-se a relação entre
identificar concretamente uma pessoa conhecida e a transformação na idéia
do reconhecimento de alguém ou algo bom, verdadeiro e legítimo.
A maior parte das lideranças identificadas no assentamento é formada
por pessoas que trabalharam na empresa, sendo que nem todos
desempenhavam atividades na lavoura.
Segundo Bourdieu (1989: 190ss), existem dois tipos de capital
político: o que se detém a título pessoal e o que se detém por delegação. O
capital remete ao fato de ser conhecido ou reconhecido e também as
qualificações específicas. O capital pessoal heróico é aquele que vem da
realização de uma ação inaugural exigida em alguma situação de crise.
A emergência de algumas dessas lideranças orgânicas foi marcada
pelo capital pessoal de notoriedade associada ao capital pessoal heróico
num primeiro momento de organização da luta pela reforma agrária. Num
segundo momento, onde a luta já estava organizada, embora ainda não
vitoriosa, esses líderes recorreram ao capital político por delegação.
Tornando-se organizadores de uma cooperativa com finalidade de
viabilizar a produção agro-pastoril no assentamento, tornaram se
mandatários dessa organização. Pode-se perceber que houve uma
conjugação do capital político pessoal com o capital político por delegação.
A organização da Cooperativa Nossa Lavoura pelas lideranças locais,
garantiu a elas o capital político por delegação pelo fato de terem se
candidato ao cargo de diretores da cooperativa. O capital político por
delegação ao contrário do capital pessoal não desaparece. Assim sendo, será
analisada a trajetória individual dessas lideranças no processo de
144
organização da reforma agrária em Engenheiro Dolabela e na organização
dos assentados.
Entre esses líderes, destacaremos: Almir Brasilino, Balbino, Eugênio
e Elvídio. Esses foram reconhecidos como fundamentais no processo de
reforma agrária pelos próprios assentados e pelo líder político Ricardo
Veloso.
Questionado sobre a existência de lideranças orgânicas entre os ex-
trabalhadores da empresa, Ricardo Veloso, liderança externa fundamental
nesse processo afirma que sem a participação dos principais envolvidos, o
projeto não teria como ir adiante.
“O assentamento está concretizando aos poucos, porque
teve sim apoio de fora, o meu apoio, que eu considero
externo...mas sobretudo porque a gente tem lideranças
locais lá dentro, porque se não teria como nem porque ir
pra frente um projeto desses.Aqueles trabalhadores
assalariados já cansados de ver a usina que funcionava,
mas não pagava, a eles próprios, e eles vivendo naquela
situação, aquelas pessoas foram fundamentais para a gente
ter suporte, ou ter motivo pra levar adiante um projeto
desse. Então a gente destaca ali o Almir que hoje é vereador
pelo Partido dos Trabalhadores, Eugênio, Balbino, Euvídio
e outros.
116
Nas entrevistas realizadas com assentados em Engenheiro Dolabela,
os nomes Almir, Balbino, Eugênio e Elvídio apareceram com destaque
como pessoas atuantes na luta pela reforma agrária e na organização dos
assentados nesse primeiro momento.
145
Segundo os entrevistados, a atuação desses líderes frente à
“Cooperativa Nossa Lavoura” foi e tem sido e é fundamental para reverter à
crise gerada com a falência da empresa. Resolvendo um problema aqui, um
auxílio ali, a cooperativa tem sido e talvés a única entidade capaz de ajudar
os assentados a começarem a tocar seus projetos enquanto aguardam o
recebimento do título da terra e liberação de recursos pelo INCRA.
5.1 LIDERANÇAS ORGÂNICAS DO MOVIMENTO CAMPONÊS E
EXTERNAS DOS TRABALHADORES DE ENGENHEIRO
DOLABELA
A- Juarez Teixeira Santana: De pequeno agricultor a presidente do
STR de Bocaiúva/MG
A trajetória pessoal de Juarez Teixeira enquanto presidente e
presença marcante (delegado sindical) de uma organização sindical em
Bocaiúva/MG durante a maior parte de sua existência, ajudará a
compreender dois momentos de formação de lideranças ligadas ao
movimento sindical dos trabalhadores rurais no Brasil: anos 70/80, o
momento em que a Igreja Católica, através de suas diferentes alas e
personagens progressistas, baseada em sua própria doutrina social,
afirmou a necessidade da reforma agrária tornar-se o principal elemento
de formação de lideranças ligadas ao movimento sindical de
trabalhadores rurais. Predomina nesse momento uma identidade
político-religiosa,
117
que se torna o motor da luta articulando concepções
116
Entrevista, Ricardo Veloso. Fevereiro 2001
117
NOVAES, Regina Reyes. De corpo e Alma catolicismo, classes sociais e conflitos no campo.Rio de
Janeiro. Ed. Graphia.1997 p.173
146
e prática; nos anos 90, saído da “área da Igreja,” o movimento sindical e
suas lideranças se organizaram de forma mais independente, momento
em que os conflitos e mobilizações no campo emergem com grande
intensidade e crescimento do número de assentamentos pontuais
promovidos pelo governo federal em resposta a essa mobilização.
Em sua trajetória, Juarez se inseriu no movimento sindical dos
trabalhadores rurais. Sua atuação sindical é reveladora de aspectos
importantes desses dois momentos, como veremos a seguir.
Filho de pequenos agricultores, Juarez tornou-se pequeno agricultor
e tem passado sua vida fazendo trabalho de roça. Viveu apenas parte de
sua infância (entre os 8 e 14 anos) na cidade para estudar. Aos quatorze
anos perdeu a mãe e interrompeu seus estudos, tendo concluído apenas a
4ª série. As dificuldades advindas com a perda da mãe, fizeram com que
Juarez acompanhasse um dos irmãos mais velhos e se mudasse para o
Paraná, onde viveu entre os quinze e dezoito anos. A ida para o Paraná,
no entanto, não significou par Juarez uma ruptura com o campo, pelo
contrário restabeleceu sua ligação com este, uma vez que lá trabalhou no
cultivo de soja e café numa pequena propriedade do irmão. Nessa
época, Juarez trabalhava como agricultor, e não se considerou
empregado do irmão.
Aos dezoito anos, início dos anos 70, Juarez retornou para a
comunidade rural de Morrinhos em Bocaiúva/MG, onde passou a
trabalhar em seu pequeno pedaço de terra e ingressou na Comunidade
Eclesial de Base de sua localidade, despertando então para a
problemática da terra no Brasil. Até então, a idéia de reforma agrária que
Juarez tinha era a oficial, que representava a idéia da classe proprietária.
147
O conceito meu, era aquele conceito que a imprensa oficial
passava, que a sociedade, que eles passavam. A gente não
sabia de fato o que era reforma agrária, a gente via falar de
reforma agrária. ... Aquilo que os outros falavam, que a
grande imprensa falava, aquela idéia distorcida de reforma
agrária que a gente ainda vê hoje. ... reforma agrária era
coisa de comunista, baderneiro, quem mexesse com isso, ia
morrer, era perigoso.
118
Embora, o tema reforma agrária já fosse comentado, Juarez não tinha
uma visão clara de seu significado.
O envolvimento de Juarez na luta pela reforma agrária tem raízes
nos movimentos promovidos pelas Comunidades Eclesiais de Base na
comunidade rural de Morrinhos município de Bocaiúva/MG no início
dos anos 70. Nessa época, destaca-se o “trabalho da chamada Igreja
Progressista” na definição da questão agrária no Brasil. E é exatamente
nessa época, que em Bocaiúva/MG, como praticamente em todo Brasil,
que se destacou a Igreja Católica na defesa e na busca de construção de
uma sociedade justa e igualitária para o trabalhador do campo.
Juarez, ingressando como membro de uma Comunidade Eclesial de
Base, passa então a usufruir das informações e espaços oferecidos pela
CEBs na comunidade de Morrinhos e município de Bocaiúva/MG.
A história de Juarez está relacionada com o momento em que a Igreja
Católica através das CEBs (Comunidades Eclesiais de Base) via
agentes pastorais vai as bases. Nessa época, Juarez se aproximou do
trabalho das CEBs na comunidade rural de Rural de Morrinhos e a
118
Entrevista,Juarez, janeiro 2001
148
partir de estudos bíblicos despertou para a problemática da terra, não só
na região, mas em todo Brasil.
Somente a partir do envolvimento com a CEBs, é que Juarez
adquiriu uma visão clara do que era reforma agrária.
Esse entendimento começou através dos movimentos da
Igreja católica, não da Igreja, essa oficial que tem ai, mas
de um setor no caso, as Comunidades Eclesiais de Base.Foi
a partir do engajamento, da participação na CEBs é que
começou a clarear na cabeça da gente a nossa sociedade,
como é que funciona isso. Nesse momento, me lembro de um
verso de uma música que a gente cantava - De repente
nossa vista clareou, clareou, descobrimos que o pobre tem
valor.”
119
Tomando consciência, de como funcionava a nossa sociedade, Juarez
percebeu a necessidade de sair da palavra e partir para a ação.
O seu envolvimento nas discussões e debates promovidos pela CEBs
em sua comunidade rural
120
e o entendimento que passou a ter sobre o
funcionamento da nossa sociedade fizeram com que Juarez percebesse
que para resolver os problemas que tinham como trabalhadores rurais
era preciso organizar um Sindicato de Trabalhadores rurais em
Bocaiúva.
“Para resolver os problemas que nós vivemos como
trabalhadores rurais, que não era um problema só meu, ou
da minha comunidade... para isso era preciso a gente
construir alguma coisa que fosse além daquilo que ia servir
119
Entrevista Juarez, janeiro de 2001
120
A participação de Juarez nos debates e discussões promovidos pela CEBs, não ficou restrito a sua
comunidade rural. Ele participou de encontros municipais, estaduais e até mesmo nacionais.
149
a comunidade que a gente morava Era preciso outras
ferramentas Depois de organizada a comunidade, a
participação, é que nós vimos que Bocaiúva precisa de um
sindicato.”
121
A sua tomada de consciência da necessidade de um sindicato para
atender os trabalhadores de Bocaiúva e região e a disponibilidade em ajudar
no processo de estruturação do mesmo, vão fazer com que Juarez se
envolva cada vez mais nesse processo, tornando-se futuramente sócio,
fundador e diretor. Para isso, buscou apoio de outras comunidades rurais da
região e de outras instituições com CPT, e FETAEMG.
Em 16/11/1980, foi fundado o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de
Bocaiúva, tendo entre outros como sócio fundador e diretor, Juarez Teixeira
Santana.
A capacidade de luta e o respeito da categoria fizeram com que
Juarez assumisse o cargo de presidente do STR de Bocaiúva/MG durante a
maior parte da existência desse como pode verificar na linha de tempo
abaixo.
1980 1985 1988/89 1989 1995
Fundação do
STR de Bocaiúva
Pres. Juarez
Pres.
Antônio M.
Fernandes
Junta
Governa
tiva
Pres. Juarez Pres. Xisto
Delegado Sindical: Juarez
Dotado de grande sensibilidade para perceber os problemas dos
trabalhadores rurais, e ao mesmo tempo, com coragem para dizer as
verdades detectadas em Bocaiúva e região, Juarez alcançou grande projeção
como líder sindical, e é ainda hoje uma das principais referências na região
norte mineira. Sua participação não se restringiu apenas ao sindicato. Foi
121
Entrevista, Juarez janeiro 2001
150
secretário rural da CUT regional norte/MG de 1993 a 1996, e secretário da
Associação de moradores da comunidade de Morrinhos no biênio
1999/2000.
A emergência de Juarez como liderança sindical, vai ser
potencializada pela conjuntura social rural em que nasce o STR de
Bocaiúva. As relações entre trabalhadores rurais/patrões e a questão dos
posseiros em Bocaiúva eram difíceis e carecia de intervenção. Os
trabalhadores rurais e posseiros estavam à mercê daqueles que tinham o
poder sobre a terra. A criação de um sindicato e o surgimento de uma
liderança sensível a esses problemas e com coragem para enfrenta-los vem
de encontro a essas necessidades.
“... Já saímos da esfera de só da palavra, da bíblia,
tinha que ter outras ações mais concretas que é preciso,
no caso da terra e de outros problemas que na época eram
gritantes, inclusive a relação trabalhador/patrão/empregado
em Bocaiúva. Era uma coisa absurda, a questão dos
posseiros aqui, e a questão da terra de modo geral. A gente
viu que sem o sindicato não era possível dar um passo
maior.”
122
Além do envolvimento nos conflitos decorrentes da perversa
estrutura fundiária da cidade e região, a adesão dos trabalhadores rurais ao
sindicato deveu-se e deve-se ainda a assistência previdenciária e
aposentadorias.
Apesar do STR de Bocaiúva atuar ativamente para a resolução de
conflitos fundiários e na luta pela terra, apenas parte desses conflitos foi
minimizada, e somente algumas propostas de realização de reforma agrária
151
na cidade e região foram concretizadas. Embora, Juarez afirme que a
reforma agrária seja a principal meta do STR de Bocaiúva, a sua atuação
mais efetiva tem se dado na defesa dos direitos trabalhistas e assistência
jurídica aos posseiros e meeiros.
Juarez, como a maioria dos líderes sindicais, teve a Igreja católica
como base de sua formação. A participação na Comunidade Eclesial de
Base como já foi dito acima o levou para o movimento sindical. Entretanto,
ele não parou ai, sentiu necessidade da militância político-partidária,
filiando-se ao Partido dos Trabalhadores (PT) na década de 80.
Participação na CEB Participação no Militância político
Movimento Sindical partidária (PT)
A gente a cada dia que vai passando, a gente vai dando
conta de outras coisas que a não sabia por onde passavam .
Os movimentos religiosos levou-me ao movimento sindical.
A gente viu que uma coisa depende da outra. E o sindical, só
fazendo uma pequena passagem levou a gente a uma
militância política-partidária. A gente viu que o sindicato
não faz leis, viu que as que tem feitas no movimento sindical
foram feitas por políticos, pessoas que muitas vezes não
tinham grandes interesses. A gente que era preciso ter um
vínculo também, era preciso pelo menos saber como se faz a
política desse país.
123
122
Entrevista, Juarez, janeiro 2001
123
Entrevista, Juarez, janeiro 2001
152
Apesar de o STR de Bocaiúva ter atuação destacada na defesa dos
direitos dos trabalhadores rurais, até a primeira metade da década de 80, ele
não conseguiu atuar nesse sentido junto aos trabalhadores rurais da empresa
Malvina (maior empregadora do município).
“Tinha um grande problema aqui, que a gente não tinha
nenhuma porta de entrada, que era o caso de Engenheiro
Dolabela.Era uma situação bem fachada, tipo mesmo do
período da escravidão, onde a gente não tinha nem acesso.
124
Antes de 1986, ano que eclode a primeira greve, e os problemas de
décadas tornam-se visíveis para toda população local e regional, o STR de
Bocaiúva sob a coordenação de Juarez já tinha feito um estudo preliminar
da situação, mas ainda não tinha dado conta da gravidade do problema. A
atuação do STR foi averiguar algumas denúncias de violência, de abusos,
falta de respeito ao direito dos trabalhadores. Com a greve de 1986, foi
exposta a dimensão do problema vivido pelos trabalhadores rurais de
Engenheiro Dolabela e somente a partir daí é que o sindicato conseguiu
quebrar algumas barreiras
125
e iniciar um trabalho de mobilização e luta
junto aos trabalhadores assalariados da empresa. Nesse período
(1986/1989), Juarez não estava na coordenação do STR de Bocaiúva.
“Mas, como os problemas foram se agravando lá
dentro, o sindicato teve uma oportunidade de entrar e
trabalhar com os assalariados da cana. A luta lá era por
124
Entrevista. Juarez. Janeiro de 2001
125
O STR de Bocaiúva envolve-se com os problemas de Engenheiro Dolabela, somente após a sua
estruturação interna, minimização de conflitos envolvendo posseiros, meeiros, e relações entre
empregados/patrões. Além disso, a estrutura de funcionamento da empresa dificultava a entrada do
sindicato de trabalhadores, e esses por sua vez também eram resistentes ao sindicato.
153
melhores salários,ver situação de equipamentos e proteção
ao trabalho, era a questão de preço do corte de cana.”
126
A tomada de consciência da gravidade do problema vivido pelos
trabalhadores de Engenheiro Dolabela, faz com que o STR inicie um
processo de busca de auxílio de ouros órgãos e entidades para solucionar o
problema.
Com a volta de Juarez ao STR em 1989, inicia-se um processo de
intensificação de assistência sindical aos trabalhadores rurais de Engenheiro
Dolabela.
Contudo, a disponibilidade de intensificação do STR, de Bocaiúva,
na defesa dos direitos trabalhistas junto aos trabalhadores rurais da empresa,
não minimizou o desrespeito por parte da empresa no que se refere ao
cumprimento da legislação trabalhista.
Esse desrespeito ao cumprimento da legislação trabalhista, iria
intensificar ainda mais a atuação do STR, e de Juarez como liderança, que
passa a organizar os trabalhadores para recorrer junto à Justiça do Trabalho
para o recebimento das dívidas trabalhistas. Mesmo quando deixa a
coordenação do STR, ficando apenas como Delegado Sindical ou como
secretário rural da CUT regional Norte de Minas, Juarez teve papel
destacado na condução do processo de organização dos trabalhadores para
recebimento das dívidas trabalhistas.
Depois de mais de uma década de lutas constantes na defesa dos
direitos trabalhistas, o STR e suas lideranças perceberam que o caso exigia
outra forma de luta. Paralelamente ao crescimento de números de processos
pelo recebimento de dívidas trabalhistas e contra a empresa por desrespeito
ao trabalhador, assistiu-se o processo de decadência da mesma.
126
Entrevista, Juarez, janeiro 2001
154
De tanto a gente lutar com as autoridades constituídas
do Ministério do Trabalho no caso para solucionar esse
problema de relação patrão/empregado, a gente viu que não
tinha jeito. Era um caso tão velho, tão monótono, repetitivo
de levar laudo, e o fiscal só multar e ficar do mesmo jeito, a
gente viu que tinha que ser uma luta diferente.”
127
Dessa conjuntura, surge a idéia de reivindicar as casas da empresa
para os trabalhadores como pagamento de parte das dívidas e para a
melhoria de suas condições de vida, uma vez que os aluguéis cobrados por
essas eram altos e comprometiam a qualidade de vida dos trabalhadores.
“No início, nós até começamos, o primeiro plano nosso de trabalho lá era
reivindicar as casas para os trabalhadores.”
128
A idéia de reforma agrária nas terras da empresa até ai não existia. As
lideranças sindicais não tinham embasamento legal para tal reivindicação,
uma vez que as terras eram produtivas. A luta era para resolver as questões
trabalhistas e melhores condições de vida para o trabalhador da empresa,
para emancipação da fazenda-cidade.
“A luta naquela época nossa era emancipação do
distrito, porque os aluguéis eram cobrados, muito despejo
de famílias, condições de moradias nos barracos era
absurda, subumanas, era ver se a gente conseguia que o
pessoal passasse a ser donos daquelas casas.”
129
A idéia de reforma agrária surgiu com o envolvimento de Ricardo
Afonso Veloso (PSDB), então prefeito de Bocaiúva/MG no quadriênio
127
Entrevista, Juarez, janeiro 2001
128
Entrevista, Juarez, janeiro 2001
129
Entrevista, Juarez, janeiro 2001
155
1996/2000 no debate para a resolução do problema. O prefeito solicita ajuda
do então governador de Estado Eduardo Azeredo (PSDB) para solucionar o
problema. Essa estratégia dá resultados, visto que a empresa endividada
com o fisco estadual é adjudicada pelo Estado para fins de reforma agrária.
A organização do processo de reforma agrária iria intensificar ainda
mais a atuação do STR e suas lideranças junto aos trabalhadores da
empresa, preparando-os para trabalhar a terra numa outra dimensão, a de
produtor, e não mais de assalariados e no embate das divergências políticas
para a consolidação da reforma agrária nas terras da empresa Malvina.
Com Manuel Xisto de Souza na presidência do STR de Bocaiúva,
Juarez ocupando a função de Delegado Sindical, prioriza sua atuação como
liderança sindical na luta pela reforma agrária. Além de atuação destacada
no processo de reforma agrária da Malvina, Juarez, atua também no projeto
de assentamento na Fazenda Bahia financiado pelo “Cédula da Terra”,
conhecido em Minas Geris como Paraterra.
Embora, a idéia e a execução tenham sido de responsabilidade do
Estado de Minas Gerais, coube ao STR de Bocaiúva e suas lideranças papel
destacado na sua consolidação.
Os embates enfrentados com os proprietários da empresa e lideranças
políticas ligados ao STR de Bocaiúva, vão garantir a projeção de Juarez e
Ricardo Veloso enquanto lideranças na consolidação desse processo de
reforma agrária.
A consolidação do processo de reforma agrária nas terras da empresa
Malvina, reflete o empenho das lideranças que souberam aproveitar a
conjuntura política nacional favorável à definição de mecanismos pontuais
para solução de problemas fundiários.
156
Questionado sobre a articulação entre sua atuação individual e a do
STR de Bocaiúva, Juarez apresenta argumentos que permitem conjugar
aspectos políticos e econômicos à sua atuação individual no movimento de
reforma agrária investigado.
“Naquele momento, realmente foi muito eu, tanto é que nos
casos, não só de Dolabela, mas em outros casos, onde a
Pastoral da Terra teve que intervir aqui em Bocaiúva, eu
cheguei a ser ameaçado de morte.... não tínhamos ainda um
grupo maior, mais preparado para assumir isso. Nesse
momento, eu acho que o meu papel foi importante, a minha
presença foi fundamental.”
130
Juarez acredita que sua atuação individual resultou do seu
comprometimento com a questão da terra e também do fato do movimento
contar com poucas pessoas disponíveis para assumir o comando da luta
naquele momento. Para ele, o movimento sindical como um todo hoje no
Brasil carecer de formação de líderes firmes e comprometidos com os
propósitos e interesses dos trabalhadores.
B Pedro Amauri de Souza: Um assentado que veio de fora e se
transformou em presidente de Associação no Assentamento.
Natural de Claros dos Poções, região norte de Minas Gerais, filho de
pequenos produtores, Pedro Amauri, passou praticamente toda sua vida
acompanhando os pais no trabalho da roça, onde produziam para a própria
sobrevivência. A árdua luta pela sobrevivência não permitiu que Pedro
130
Entrevista, Juarez, janeiro 2001
157
avançasse muito nos estudos, não chegando a concluir o ensino
fundamental. Com a morte do pai, ficou difícil a administração da
propriedade pela mãe e seus nove filhos, a maioria ainda criança. Venderam
a propriedade e no final dos anos 80, sua família mudou-se para Bocaiúva
adquirindo um pequeno sítio e continuando o trabalho no campo. A ida para
Bocaiúva, não mudou o destino da família. A falta de chuvas na região,
dificultou um pouco o trabalho da família nesse pequeno sítio. A
necessidade de buscar instrumentos visando melhorar a vida do homem do
campo, faz com que Pedro ingresse na associação da comunidade rural da
localidade. Ocupando o cargo de secretário da Associação da Comunidade
rural de Torquato Leite, a necessidade de mudança, associado ao trabalho
nessa comunidade rural desperta em Pedro uma nova postura política, a da
organização da vontade coletiva e o desejo de ter o seu próprio pedaço de
terra.
Almejando de ter seu próprio pedaço de terra, Pedro ingressou no
movimento de organização do projeto de reforma agrária em Engenheiro
Dolabela município de Bocaiúva.
Acreditando que a terra ainda pode ser sua fonte de sobrevivência,
Pedro Amauri, cadastrou-se para receber um pedaço de terra no projeto de
Assentamento Herbert de Souza ainda em fase de implementação em
Engenheiro Dolabela.
Ao cadastrar-se no projeto citado, Pedro Amauri percebeu que a
viabilização desse projeto ainda carecia de muita luta. Até ai, não tinha
nenhum envolvimento com qualquer movimento de luta pela terra, a única
experiência de organização que tinha era como secretário da Associação da
Comunidade rural de Torquato Leite, onde ficava o sítio de sua mãe.
158
Somente a partir do cadastramento para receber o pedaço de terra é
que Pedro Amauri teve o seu primeiro contato com o movimento sindical.
Entretanto, a possibilidade de obter um pedaço de terra foi o fator
fundamental para sua participação no movimento pela reforma agrária na
Malvina.
“Eu fiz o cadastro em Bocaiúva, esperei um ano, e quando
chegou a época da gente vim para cá, que reuniu lá no
sindicato é que eu comecei a participar do movimento. E foi
ai que comecei a entrosar mais com as pessoas, e a
descobrir que a gente tem que entrar mais na luta, tentar
fazer alguma coisa também pra ajudar. Parece que é uma
coisa que nasce na gente, não sei como, mas a gente vai se
envolvendo, e as pessoas vão depositando confiança na
gente.”
131
Para satisfazer o interesse individual, Pedro, aproximou de entidades
de luta pela terra e de lideranças políticas envolvidas no processo como
Ricardo Veloso.
Chegando ao local, começa a trabalhar arduamente em seu lote de
terra, e logo sentiu a necessidade de organizar uma associação para auxiliar
na implementação do assentamento. Percebendo que muito tem a ser feito
para que a reforma agrária se torne uma realidade, e utilizando a
experiência de secretário de associação, funda a Associação dos Pequenos
Produtores Rurais do Assentamento Herbert de Souza -APPRAB na qual
foi eleito presidente.
Acreditando que a associação tem uma função social, e a cooperativa,
uma função mais de comercialização, Pedro como presidente da associação
159
tem procurado fazer um trabalho de parceria com a cooperativa. Afirma não
haver disputa de poder entre as duas entidades na operacionalização da
reforma agrária.
O envolvimento na luta pela concretização do projeto de reforma
agrária despertou também a necessidade da militância partidária. Em 1999,
Pedro Amauri, filiou-se ao Partido dos Trabalhadores, por acreditar que
esse partido representa melhor os interesses da classe trabalhadora como um
todo, e pela própria postura que adquiriu na participação na luta no processo
de reforma agrária citado.
“O PT é um partido que identifica mais com os
trabalhadores rurais, os trabalhadores em si, então pela
luta que a gente tem na reforma agrária, o PT é um partido
que está sempre com a gente.”
132
Pedro é um exemplo de liderança que emerge com a implementação
de um projeto de reforma agrária e representa uma experiência de
organização social de associativismo que tem gerado efeito multiplicador
no nível local, favorecendo também outras oportunidades a outros
assentados.
5.2 LIDERANÇAS ORGÂNICAS DOS TRABALHADORES DA
MALVINA E EXTERNAS DOS TRABALHADORES RURAIS
A Almir Brasilino: De trabalhador da lavoura açucareira a vereador
atuante na luta por melhores condições de vida em Engenheiro
Dolabela
131
Entrevista, Pedro Amaury, Fevereiro 2001
132
Entrevista, Pedro Amaury, Fevereiro 2001
160
A infância no povoado de Engenheiro Dolabela, a convivência com
trabalhadores da usina Malvina e a percepção da necessidade de melhorar
as condições de vida naquele local marcaram o envolvimento de Almir na
luta pela reforma agrária nas terras daquela empresa. Filho de trabalhador
da usina mecânico industrial Almir nasceu em Engenheiro Dolabela em
1960 e começou trabalhar aos 14 anos na lavoura, como a maioria dos
adolescentes daquela região. Durante quatro anos trabalhou nessa
atividade, conhecendo um pouco como era o dia-a-dia dos trabalhadores
rurais assalariados.
Aos 18 anos, Almir deixou a lavoura para trabalhar no laboratório da
empresa como analista. Durante dezoito anos, trabalhou como operador de
caldeira na usina. Apesar de conhecer bem o dia-a-dia dos trabalhadores,
suas dificuldades, Almir não havia ainda se dado conta da necessidade da
busca de instrumentos para promover mudanças na relação trabalhador
/patrão e das próprias condições de trabalho dentro da empresa.
Numa região carente, como o norte de Minas, a existência de uma
empresa que chegava a oferecer 4000 empregos na época da safra e que
pagava em dia o salário dos funcionários, ainda que baixos, não era vista
como motivo para questionamentos.
Tendo ficado toda sua vida em Engenheiro Dolabela, e começado a
trabalhar cedo, concluiu apenas o primeiro grau. Somente em 1989, três
anos após a primeira greve realizada pelos trabalhadores da empresa
Malvina em que os problemas enfrentados por esses vêm à tona é que Almir
despertou para a necessidade de sair do campo do discurso, da fala e partir
para ações mais concretas. Sua primeira ação reveladora na tomada de
consciência para as ações práticas é o engajamento no movimento sindical,
filiando-se ao Sindicato da Indústria, Açúcar e Álcool de Bocaiúva. O
161
sindicato acima citado, era composto por trabalhadores da usina. O fato de a
usina possuir funcionários de funções diversificadas, faz com que estes
tenham a necessidade de ter o seu próprio sindicato. Somente a partir da
crise da empresa, é que o Sindicato dos Trabalhadores Rurais torna o
representante legal e instrumento de luta dos trabalhadores da empresa.
Essa nova postura garante a Almir informação e conhecimento sobre
as demandas dos trabalhadores de Engenheiro Dolabela. A partir daí, passa
a envolver-se mais nas reuniões do sindicato. Até esse momento, a noção de
reforma era ainda a oficial e nem era cogitada como solução para os
problemas que começaram a vir à tona.
A idéia de luta e organização já se delineava em sua cabeça como
única maneira de buscar uma solução de mudança para os trabalhadores de
Engenheiro Dolabela. Entretanto, pensava-se em luta e organização para
solucionar questões como: direitos trabalhistas e condições de trabalho.
Após três anos de militância no movimento sindical, Almir inicia em
1991 sua trajetória como sindicalista, ocupando o cargo de Diretor do
Sindicato dos Trabalhadores do Açúcar e do Álcool de Bocaiúva. A
permanência de Almir como diretor sindical, vai coincidir exatamente com
período do auge da crise da empresa.
A crise atravessada pela empresa, exigira da diretoria coordenada por
Almir, atuação destacada e combativa frente aos problemas apresentados e
uma aproximação entre o STR de Bocaiúva, Pastoral da Terra, FETAEMG,
e o Sindicato dos Trabalhadores do Açúcar e Álcool.
“Em 1991, começou a dispensa dos trabalhadores em
massa. Muitos trabalhadores foram dispensados, o Atalla
que era o dono da Industrial Malvina, tinha passado para
um outro grupo, o grupo Vanguard, que é um grupo de
162
Newton Cardoso e companhia. Daí para cá, a empresa
entrou em decadência mesmo, não pagava trabalhadores, e
ai a gente começou um movimento junto com a Pastoral da
Terra, a Cut, Ricardo que nessa época fazia parte do
sindicato de professores nessa caminhada
133
.
Participando ativamente da luta pelo cumprimento dos direitos
trabalhistas por parte da empresa e por melhores condições de trabalho,
Almir percebe que a luta organizada pode promover a superação dos
problemas que permeavam a vida dos trabalhadores da usina. Ao mesmo
tempo, percebeu a necessidade de atuar conjuntamente com outras
entidades para conduzir essas transformações. Assim a defesa do
cumprimento dos direitos trabalhistas passa a ser a principal referência de
suas ações.
A possibilidade de acesso a terra ainda não fazia parte de seu campo
de atuação.
O engajamento na luta pelo cumprimento dos direitos trabalhistas,
tanto para sindicalistas, quanto para os trabalhadores é o elemento
referencial na construção de um habitus político. A medida em que
ampliava o seu capital político, foi se constituindo um habitus específico de
liderança comprometido com os interesses dos trabalhadores.
Nesse sentido, de acordo com Bourdieu (1989), o capital político
dessa liderança está associado à capacidade que ela tem em processar na
esfera coletiva representada pelo movimento sindical, o conjunto articulado
do interesse dos trabalhadores em conquistar direitos trabalhistas usurpados.
A militância sindical e a percepção da necessidade da militância
partidária, levaram Almir a filiar-se no PDT em 1992. Desejoso de um
133
Entrevista, Almir, Fevereiro, 2001
163
partido político mais combativo e comprometido de fato com a causa dos
trabalhadores da empresa, Almir deixou o PDT e filiou-se ao PT em 1994,
onde concorreu ao cargo de vereador. Mesmo não sendo eleito, Almir não
perde sua disposição de lutar por melhores condições de vida em
Engenheiro Dolabela.
A disposição em atuar pela causa dos trabalhadores de Engenheiro
Dolabela, seria potencializada pela conjuntura pela qual passava a empresa.
Naquele período, o STR, FETAEMG, Pastoral da Terra e Ricardo Veloso
estavam buscando uma nova solução para o recebimento das dívidas
trabalhistas. E apesar de ainda não haver uma idéia concreta, já havia sido
discutido a possibilidade de repassar as casas da empresa aos trabalhadores
como pagamento de dívidas. As entidades acima citadas, e Ricardo Veloso,
buscavam organizar as lideranças internas de Engenheiro Dolabela para
atuarem nesse processo.
“A idéia que tinha era tornar aqui distrito, há muito tempo.
O primeiro caminho que a gente ia tentar era conseguir as
casas. Já tínhamos conversado com Ricardo que se ele fosse
prefeito, ele ajudava a gente a conseguir essas casas.”
134
Nesse momento, a necessidade de ampliar a luta fez com que as
lideranças locais agissem como catalizadores nesse processo. Até ai, a idéia
de reforma agrária não permeava o movimento.
Paralelo a esse quadro, surge à possibilidade legal de desapropriação
das terras da empresa para fins de reforma agrária. A idéia de reforma
agrária gera um processo de envolvimento das lideranças locais, municipais
e regionais no debate. Essa estratégia teve como resultado o envolvimento
134
Entrevista, Almir, Fevereiro, 2001
164
de Almir, Balbino, Eugênio e Elvídio no processo de luta pela reforma
agrária.
A proposta de reforma agrária nas terras da usina feita pelo governo
de Estado como solução para o problema apresentado é recebida por Almir
com satisfação e a partir daí passa a ser a referência principal de suas ações.
Entretanto, a idéia sofreu uma certa resistência por parte de um número
significativo dos trabalhadores da empresa em aceitar a reforma agrária
como solução para o problema.
Aproximando-se de outras entidades que receberam a proposta com
satisfação, Almir percebeu que a reforma agrária só se tornaria uma
realidade com o empenho articulado de todas as entidades de luta pela terra.
“No início, quando a gente começou, houve uma resistência
muito grande por parte dos trabalhadores que trabalhavam
na indústria. Aqui em Dolabela, a gente era preparado para
trabalhar na empresa, todos nós, os pais, os filhos e assim
por diante. Então quando começou esse projeto, muita
gente ignorou, não aceitam o projeto, queriam a empresa
funcionando e até hoje alguns não aceitam. Mas acredito
que 80% da população está envolvida no projeto, foram
cadastrados e aprovados.”
135
A falta de uma unidade sólida em torno da proposta de reforma entre
os trabalhadores da empresa possibilita que lideranças locais como Almir,
Balbino, Eugênio ocupem os espaços que, formalmente, o MSTR e a
Pastoral da Terra deveriam desempenhar na mobilização dos trabalhadores
na luta pela terra e na organização dos assentados.
135
Entrevista, Almir Brasilino, Fevereiro 2001
165
Essa falta de unidade entre os trabalhadores, quanto à reforma
agrária, tem impedido que o MSTR consiga consolidar sua influência no
assentamento que ele mesmo ajudou a implementar. A Cooperativa Nossa
Lavoura, onde estão presentes as lideranças locais como Almir, Balbino,
Eugênio e outros têm sido a referência para os trabalhadores assentados.
Percebendo que a reforma agrária seria a única alternativa para
aquele problema, Almir se dispõe a lutar ativamente na luta pela terra.
Acreditando que além de defender a reforma agrária, era preciso
também atuar na vida política visando melhorar a qualidade de vida dos
assentados e da população de Engenheiro Dolabela, Almir candidata-se em
2000, novamente ao cargo de vereador pelo Partido dos Trabalhadores.
Eleito com uma expressiva votação, ele têm se dedicado a cooperativa e
atuado na vida política do município.
A Cooperativa tem sido um instrumento de apoio ao trabalhador
assentado, e uma referência para esses. Além de gerenciar o projeto, a
cooperativa também cumpre dentro do assentamento uma função social. A
atuação da Cooperativa como principal instrumento de operacionalização
da reforma agrária no assentamento deu visibilidade não apenas a entidade,
mas também projetou lideranças como Almir que vem se projetando na vida
política local.
B _ Marcos Antônio Miranda “Balbino”: De operador de
supermercado da Industrial Malvina à vice-presidente de uma
cooperativa de assentados.
Considerando-se dolabelense, Balbino chega a localidade de
Engenheiro Dolabela aos 7 anos de idade. Sua trajetória de vida está
166
articulada a vida da empresa Malvina e a vida da população de Engenheiro
Dolabela.
Em Engenheiro Dolabela, Balbino concluiu o ensino primário e por
aproximadamente 30 anos prestou serviços no supermercado da empresa
Malvina até se transformar em assentado, num projeto de reforma agrária
que ele mesmo ajudou a operacionalizar.
Ainda jovem ingressou na empresa como empregado no
supermercado que a empresa possuía na localidade. De simples empregado
chegou a encarregado do supermercado. É importante destacar que em
vários momentos, o vale para supermercado era a única forma de
pagamento que os empregados possuíam. Embora percebendo as
contradições existentes entre os direitos dos trabalhadores e a forma de
pagamento feito pela empresa, Balbino ainda não havia despertado para a
necessidade de buscar instrumentos para mudar essa situação até a crise da
empresa na década de 90.
As dificuldades advindas com a crise da empresa, na década de 90,
apontavam a agricultura como uma fonte de renda alternativa para Balbino
que até então tinha trabalhado no comércio e não tinha experiência com a
terra. Sua primeira experiência com a terra nessa época foi na condição de
meeiro numa fazenda de particular próxima a localidade de Engenheiro
Dolabela. “Com esse trabalho na lavoura é que eu peguei um pouco de
experiência para lidar com a terra.”
136
O trabalho de meeiro despertou em Balbino o desejo de ter o seu
próprio pedaço de terra. Entretanto, o trabalho como meeiro mostrava
apenas o descompasso entre a existência de inúmeros latifúndios e a
possibilidade de acesso a eles.
167
A falta de pagamento de salários aos trabalhadores da empresa,
incluindo o do próprio Balbino, passa a ser interpretada como um descaso, e
como forma de melhor resolver essa situação, os próprios trabalhadores
decidem ir diretamente ao juiz de Bocaiúva buscar uma solução para o caso.
Balbino, interessado em receber a sua parte e solidário aos demais
trabalhadores dispõe o seu automóvel para levar os trabalhadores até o
fórum de Bocaiúva. Como represália, a empresa dispensa Balbino, que a
partir daí passa a envolver-se mais nas discussões a cerca do destino da
população de Engenheiro Dolabela. Até esse momento, a idéia de reforma
agrária ainda não fazia parte de suas propostas de mudança.
Com a possibilidade de realizar um projeto de reforma nas terras da
empresa levantada pelo governo de Estado Eduardo Azeredo, Ricardo
Veloso, liderança política em Bocaiúva buscou o apoio de alguns líderes
locais para organizar esse processo de luta. Entre esses líderes estava
Balbino.
“Ricardo por ser uma pessoa da Pastoral da Terra, ele
convidou as pessoas que queriam ajudar....ai nós fizemos
um grupo de umas dez pessoas, que ficaram umas quatro.
Quando o povo percebeu que era contra a empresa, a
empresa pagava o povo para não participar, e quem tinha
medo da empresa não participava.”
137
O primeiro contato de Balbino com a organização de um processo de
luta contra a empresa foi orientado pelo desejo inicial de receber seus
direitos trabalhistas e salários atrasados. No entanto, a possibilidade de
obter uma parcela de terra seria o fator determinante na intensificação de
136
Entrevista, Balbino, Fevereiro, 2001
137
Entrevista, Balbino, Fevereiro, 2001
168
sua participação. O interesse individual em obter um pedaço de terra, soma-
se ao interesse de participar da organização coletiva dos trabalhadores para
recebimento de dívidas trabalhistas e encontrar uma saída para sobreviver
naquela localidade após a falência da empresa.
“O que me fez aderir à causa da reforma agrária foi
interesse da terra. Quando eu percebi que eu podia pegar ai
40 hectares de terra de graça eu tive o interesse de pegar....
e tirar o povo do sofrimento que era a Malvina.”
138
Motivado pelo desejo de ter um pedaço de terra, passa a freqüentar
reuniões referentes à organização da luta e tomar conhecimento das
discussões sobre a reforma agrária. Muito simpático, percebe logo que a
reforma agrária estava associada ao processo de organização dos
trabalhadores. Embora não tivesse experiência em movimentos populares
de luta, Balbino goza de “reconhecimento” por parte da população de
Engenheiro Dolabela.
Com a vitória do projeto de reforma agrária nas terras da Industrial
Malvina, Balbino juntamente com Almir, Eugênio e Elvídio, apresentou
uma proposta de organização uma cooperativa para operacionalizar o
projeto de reforma agrária. O impacto dessa proposta foi positivo entre os
trabalhadores, e seis meses após a adjudicação das terras pelo governo de
Estado, a Cooperativa Nossa Lavoura já estava em funcionamento. Balbino,
juntamente com os companheiros acima citados, organizaram uma chapa e
concorreram as eleições da cooperativa.
Aproximadamente dois anos após sua primeira experiência com o
movimento coletivo organizado, Balbino ocupou o cargo de vice-presidente
138
Entrevista, Balbino, Fevereiro, 2001
169
da cooperativa de assentados. Essa cooperativa que tem Almir na
presidência e Balbino na vice-presidência, vem marcando os rumos da
reforma agrária no assentamento. A operacionalização da reforma agrária
tem sido a referência das ações da Cooperativa.
Enquanto aguardam o titulo da terra, e a liberação de recursos
financeiros e materiais advindos com o mesmo, a cooperativa tem sido a
entidade capaz de dar sustentação a esse projeto de fixar o homem a terra.
E nesse contexto, a atuação da cooperativa vai dar projeção a seus diretores
no processo da reforma agrário.
Apesar de formalmente vinculado a FETAEMG, o Projeto de
Assentamento Herbert de Souza tem forte conteúdo pessoal, em razão das
ações específicas de determinadas lideranças locais.
5.3 LIDERANÇA ORGÂNICA ENTRE OS TRABALHADORES
RURAIS E TRABALHADORES DA MALVINA
A- Eugênio da Conceição dos Santos: De trabalhador da lavoura à
experiência da organização social na Cooperativa “Nossa Lavoura”.
Filho de trabalhadores rurais sem-terra, os quais viviam como
agregados em fazendas na região de Diamantina/MG. Eugênio passou
praticamente toda sua vida desempenhando atividades ligadas a agricultura
e não conseguiu estudar.
Na sua luta pela sobrevivência, Eugênio trabalhou de cozinheiro, no
plantio de eucalipto, até chegar em Engenheiro Dolabela na década de 80.
Durante toda sua estada em Engenheiro Dolabela trabalhou a maior
parte do tempo na lavoura.
170
Eugênio, considerava Engenheiro Dolabela, como um lugar bom para
trabalhar até meados da década de 80. “Aqui era um ouro de bom, a gente
trabalhava e tinha seu salário, era pouquinho, mas, a gente recebia.”
139
Pelo depoimento de Eugênio, pode-se perceber que já havia uma
contradição entre o que os empregados pensavam de Engenheiro Dolabela.
Considerava a empresa um local bom para trabalhar porque recebiam
salários em dia, mesmo admitindo ser baixos.
No final da década de 80, os problemas da empresa começaram a
ficar evidentes para os trabalhadores, quando a mesma começou a atrasar
salários e deixar de cumprir com dívidas trabalhistas. Despertados para a
contradição, os trabalhadores iniciam um processo de resistência e luta por
melhores condições de trabalho, campanha salarial e cumprimento dos
direitos trabalhistas.
Fatores conjunturais nacionais favorecera e estimulara a organização
do movimento, bem como fatores conjunturais locais: a entrada de
entidades como STR de Bocaiúva e Pastoral da Terra em Engenheiro
Dolabela. Até essa época, havia pouca abertura para a atuação dessas
entidades no país e especificamente em Engenheiro Dolabela, que tinha um
regime de trabalho fechado.
Até então, Eugênio não tinha participado de nenhum movimento de
luta e nem mesmo de associações, movimentos religiosos ou qualquer
outro movimento popular.
Marcado por uma vida de dificuldades, Eugênio desperta para o
problema em Engenheiro Dolabela e disposto a auxiliar na organização da
luta ingressa no Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Bocaiúva em 1990.
Eugênio foi convidado a ajudar no sindicato, pelo fato de ser trabalhador da
139
Entrevista. Eugênio. Fevereiro 2001
171
lavoura e demonstrar interesse e aptidão para o trabalho de organização e
mobilização da classe trabalhadora em Engenheiro Dolabela. Entretanto,
como as demais lideranças e trabalhadores, a idéia de reforma agrária nas
terras da empresa, ainda não permeava o seu ideal de luta. Sua filiação no
STR de Bocaiúva e a disponibilidade e aptidão em mobilizar os
trabalhadores de Engenheiro Dolabela para a defesa de melhores condições
de vida, salários, trabalho vão fazer com que Eugênio se envolva cada dia
mais no dia-a-dia da instituição e seja convidado para compor a diretoria do
sindicato.
“Com essa luta que fomos descobrindo as covardias aqui e
todas. O pessoal confiou muito no meu trabalho e foi com
isso que descobrimos todas as coisas de ruim que tinha aqui
em Dolabela. Se não tava até hoje o trabalhador sugado
sem ninguém para correr atrás.
140
Sua participação no sindicato, vai lhe proporcionar uma bagagem de
conhecimentos sobre a situação de Engenheiro Dolabela e experiências de
lutas para reverter tal situação, além da sua projeção local. Dotado de
grande sensibilidade para se comunicar com os trabalhadores e coragem
para dizer verdades sobre a estrutura perversa do funcionamento da
empresa, Eugênio passa a ser referência no processo de reforma em
Engenheiro Dolabela.
Essa disposição em defender melhores condições de vida, a partir do
movimento sindical, seria potencializada com a crise da empresa na
segunda metade da década de 90. Nesse período, a empresa entra em
processo de decadência, e a solução apresentada para o problema dos
trabalhadores, embora partindo de cima para baixo foi à reforma agrária nas
172
terras da empresa. Apesar de não existir uma demanda por reforma agrária
por parte dos trabalhadores da empresa, a proposta contava com o apoio de
Ricardo Veloso, prefeito de Bocaiúva no quadriênio 1996/2000, do STR de
Bocaiúva, Pastoral da Terra região Norte de Minas e FETAEMG/ Norte de
Minas. Essas entidades buscavam organizar lideranças locais para atuarem
no processo de mobilização dos trabalhadores da empresa para apoio à
proposta de reforma agrária.
Nesse momento, Eugênio passa a atuar como um catalizador no
processo de mobilização e apoio à proposta de reforma agrária nas terras da
industrial Malvina.
A participação ativa no processo de mobilização para apoio à reforma
agrária, e maior trânsito junto a mediadores da luta pela reforma agrária,
levou Eugênio juntamente com outras lideranças locais a fundar uma
cooperativa para viabilizar a reforma agrária e a candidatar-se a diretoria da
mesma, ocupando o cargo de conselheiro fiscal. “Não sei ler e escrever,
apenas assino meu nome, o que eu tenho mesmo é coragem de lutar.”
141
O envolvimento institucional na cooperativa levou Eugênio a
ingressar num curso de alfabetização para adultos. Embora ainda
analfabeto, Eugênio já ampliou seu capital cultural e político, o que têm lhe
dado condições de conduzir em pé de igualdade com os interlocutores da
cooperativa, associação, STR, FETAEMG, Cut, o debate sobre a reforma
agrária nas terras da Industrial Malvina.
Eugênio sabe que esse capital político e cultural adquirido no
envolvimento do processo de reforma citado, pode ser um ponto de partida
140
Entrevista Eugênio. Fevereiro/2001
141
Entrevista Eugênio. Fevereiro/2001
173
para o envolvimento na vida política partidária e não descarta essa
possibilidade no futuro.
“Outra coisa de eu tá junto desse povo, é muito melhor, eu
fico mais conhecido, o pessoal acredita em mim, graças a
Deus. Se mais na frente eu chegar a uma condição política,
eu já conto com esse povão.”
142
O espaço ocupado por essa liderança, aponta para existência de
lideranças orgânicas no processo de luta pela reforma agrária nas terras da
Industrial Malvina por um lado. Por outro, aponta também que a
emergência dessa liderança ainda está articulada a atuação de mediadores
externos.
142
Entrevista Eugênio. Fevereiro 2001
174
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao longo desse trabalho, buscou-se construir um diálogo com o
conceito “intelectual de tipo rural” de Antônio Gramsci, com vistas em
compreender o processo de organização de luta na implementação de
projetos de reforma agrária. A compreensão desse processo, e de qualquer
outro que envolva a necessidade de ação coletiva e de organização de
interesses, não pode centrar-se apenas em fatores conjunturais e estruturais
de um lado, e na atuação do indivíduo do outro.
No caso do projeto de reforma agrária nas terras da Industrial
Malvina, a diferença qualitativa das entidades ligadas ao processo como
STR, Pastoral, FETAEMG, governo não foi resultado apenas de fatores
conjunturais e estruturais, comuns em todo país. Foi resultado da
intervenção qualitativamente diferenciada de determinadas lideranças que
possibilitaram uma atuação mais efetiva, a partir de uma estrutura
institucional. Nesse contexto, o projeto de reforma agrária em fase de
operacionalização por si só já em impacto, embora que ainda que pouco
visível. O que se pretendeu mostrar ao longo do trabalho a grandiosidade
do impacto político, cuja visibilidade ainda não foi apresentada. E para
compreender esse impacto político, o assentamento em fase de
implementação foi entendido como um ponto de partida. A partir da
constituição do projeto foi analisada a trajetória de indivíduos que emergem
desse contexto e através de sua ação individual alteram os rumos da ação
coletiva.
Em seu livro “Os intelectuais e a organização da Cultura”, Gramsci
difere a posição dos intelectuais urbanos e rurais, bem como faz a distinção
entre intelectuais como categoria orgânica de cada grupo social, e
175
intelectuais como categoria tradicional. Apesar de considerar todos os
homens como intelectuais, admite que nem todos exercem a sua função de
intelectual. Quanto à massa camponesa afirmava no início do século XX,
que esta ainda estava em sua maioria subordinada aos intelectuais
tradicionais e que todo desenvolvimento orgânico das massas camponesas,
até certo ponto, está ligado aos movimentos dos intelectuais e dele depende.
Assim, os intelectuais orgânicos das massas camponesas, estariam
subordinados aos intelectuais tradicionais e para compreender bem o
desenvolvimento da ação coletiva no campo torna-se necessário
compreender essa subordinação. A forma como o autor constrói e articula
esses argumentos dificulta a defesa de que os camponeses possuem seus
intelectuais orgânicos, independentes dos intelectuais tradicionais. Contudo,
o que o presente trabalho se propõe é verificar a aplicabilidade do conceito
de Gramsci no processo de organização da reforma agrária hoje no Brasil.
O ponto central da questão continua a ser a distinção entre
intelectuais como categoria orgânica de cada gruo social e intelectuais
tradicionais entre as massas camponesas.
A investigação feita partiu de Gramsci e chegou até Gramsci, sobre o
dos “Os Intelectuais e a organização da Cultura”, onde seu pensamento
reflete a organização dos camponeses na sociedade italiana do início do
século XX. O uso de conceitos como intelectuais de tipo rural, intelectuais
orgânicos e tradicionais foi útil para discutir a atuação de lideranças no
processo de reforma agrária e luta pela terra, hoje no Brasil.
Para Gramsci sem os intelectuais não há organização, não há vontade
coletiva organizada. Ao analisar a sociedade italiana, indicou como ponto
nodal a emperrar a transformação de uma sociedade ainda com
características rurais a presença dos intelectuais de tipo rural. Pensar em
176
intelectuais para Gramsci, significa pensar em organizar a vontade coletiva,
mas, como ele próprio pensava, só conhecendo geneticamente as relações
em seu movimento de formação poderá obter uma modificação bem mais
radical do que parecia possível a primeira vista. Ai, entra o papel do
intelectual orgânico, pois apenas este conhece geneticamente as relações do
grupo de que originou.
Para Gramsci, o homem deve concebido como uma série de relações
ativas (um processo), no qual deve-se considerar na individualidade os
seguintes elementos: o indivíduo, os outros elementos e a natureza. O
homem entra em relação com os outros homens organicamente, e com a
natureza mais ativamente por meio do trabalho e da técnica. Essas relações
são ativas e conscientes. Daí ser possível dizer que cada um transforma a si
mesmo e modifica-se na medida que modifica e transforma todo conjunto
das relações do qual ele é ponto central. A ação individual, à medida que é
socialmente referenciada, não se inicia, nem se esgota no indivíduo.
A ação política é sempre um exercício coletivo, ainda que possa em
determinadas circunstâncias, ser organizada e manipulada por referências
individuais.
Embora, a implementação do projeto de reforma agrária nas terras da
Industrial Malvina tenha ocorrido de maneira bastante peculiar, ou seja não
ter partido dos próprios trabalhadores, mas sim de uma proposta pontual do
governo de Estado para solucionar um problema colocado, ela não pode ser
apontada como uma luta centrada apenas nos interesses de algumas
lideranças. O processo de transformação das terras da Industrial Malvina
em assentamento foi resultado de um longo processo histórico, sempre
travado na esfera coletiva. Desde os primeiros embates políticos de
negociação para pagamento das dívidas trabalhistas à implementação do
177
assentamento todas as negociações e discussões foram realizadas na esfera
do coletivo, mesmo quando a atuação de algumas lideranças determinou os
rumos da luta, esta foi não foi individual.
E é exatamente o caráter social da atuação política que confere
importância à ação individual. Somente o indivíduo que através de sua ação
política é capaz de migrar do privado e individual para o público e coletivo
realiza a sua condição humana de ser político, de “estar entre os homens”.
A utilização do conceito “intelectual de tipo rural” para designar
lideranças envolvidas na organização do processo de reforma agrária ainda
hoje no Brasil, não apenas reconhece e aceita a existência de lideranças
externas no movimento de luta pela terra, mas, principalmente, reconhece
que essas lideranças não orgânicas da terra, são ainda capazes, a partir de
suas ações individuais, interferir nos rumos assumidos pela ação coletiva,
mesmo daquela institucionalmente orientada.
Enfim, este trabalho, buscou analisar, utilizando-se como referência
teórica o conceito de intelectuais de tipo rural de Gramsci, a atuação dos
intelectuais tradicionais junto às massas camponesas e a subordinação
desses aos intelectuais.
178
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Anexo 1: Propaganda comercial da empresa Dolabella, Portela & Cia C. Ltda publicada em
Jornal Granjas Reunidas de 15 de abril de 1929. Engenheiro Dolabella.
188
Anexo 2: Autuações sofridas pela empresa em 1991.
189
Anexo 3: Convite para Assembléia
190
Anexo 4: Greve por melhores condições de trabalho.
191
Anexo 5: Justiça para moagem da usina Malvina Jornal Hoje em Dia Belo Horizonte. 08/10/97
192
Anexo 6: Alerta ao Exmo. Sr. Governador do Estado de Minas Gerais publicado no Jornal
Estado de Minas Gerais de 7/10/97 pela Diretoria da Industrial Malvina
193
Anexo 7: Panfleto de esclarecimento divulgado pela Diretoria da Industrial S/A desmentindo
reforma agrária nas terras da referida empresa.
194
Anexo 8: Decreto de criação do Assentamento de Produtores Rurais Herbert de Souza Betinho
publicado no Diário do Executivo de 26/06/98 Caderno I
195
Anexo 9: Mandato de Entrega de Bens
196
Anexo 10: Contrato de doação das terras adjudicadas da Industrial Malvina pelo Estado de Minas
Gerais a União Federal
197
198
199
200
Anexo 11: Distribuição Regional dos Projetos de Assentamentos (PA’s Minas Gerais out/1999).
O Assentamento de Produtores Rurais Herbert de Souza está localizado no Município de
Bocaiúva, na região Norte de Minas.
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