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vida, de Fellini; temas políticos já no limiar de se tornarem históricos, como
Kanal, do polonês Wadja, ou Guerra e humanidade, do japonês Cobaiaxe,
repensando, em termos cinematográficos, a guerra mundial finda poucos
anos antes; e questões pertinentes à própria linguagem do cinema, como O
ano passado em Marienbad, do francês Resnais, e praticamente toda a
filmografia de outro francês, Jean-Luc Godard (BORGES, 1983, p. 20,
grifos do autor).
A originalidade desses cineastas, diante do cinema que se fazia no resto do mundo, residia
“[...] exatamente no fato de representar a ‘fome latina’ e sua ‘mais nobre manifestação
cultural’: a violência” (HOLLANDA, 1986, p. 44, destaques do autor).
O momento era de luta
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. Pode-se dizer que, aos primeiros anos da década, ainda
vigorava no horizonte de boa parte das esquerdas, em geral composta por estudantes, jovens e
intelectuais das classes médias, a confiança no triunfo da revolução nacional-popular – uma
herança dos recém passados anos 50
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, nos quais muitos intelectuais acreditaram na
possibilidade de aliança com o povo, geralmente identificado nas classes trabalhadoras e
pouco favorecidas. Como se pode perceber no depoimento de Alípio Freire:
“O sujeito básico, agente das transformações nesse nacional-popular, era o
camponês nordestino; de preferência o retirante, os pescadores naquelas
canções pioneiras todas. Supunha-se que a aliança retirante-favelado seria a
grande força motriz da História. [...]. Não era só o pessoal do CPC. Existia
isso posto no conjunto da sociedade. Esses temas invadiram toda a arte, toda
cultura” (FREIRE apud RIDENTI, 2000, p. 21).
É bem verdade que, nos anos 60, havia outras produções além das denominadas
cinemanovistas, todavia, pode-se dizer que a época foi, sobretudo, marcada por filmes
dirigidos pelos cineastas do movimento ou, de alguma forma, ligados a este, caso, por
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De acordo com o cineasta Arnaldo Jabor, havia, nos anos 60, “[...] um clima eufórico de realizações, de
esperança política e cultural [...]. Era a grande euforia de uma geração [...], uma esperança talvez ingênua,
infantil, de um país que ainda não tinha tido uma experiência política mais traumática [...]. Uma espécie de
impressão generalizada de que as coisas seriam fáceis de realizar no Brasil. De que a história se acomodaria
porque o bem teria um caminho livre e largo. [...] a gente conversava, nessa época, sobre como o mundo era
infeliz lá fora, (enquanto) nós, no Brasil, tínhamos uma chance, uma das chances privilegiadas da
humanidade, porque estávamos em condições de ser sujeitos da nossa História [...]. Havia a sensação de que
se ia fazer a História indolormente [...]. Em suma, nós estávamos iludidos” (JABOR apud BERNARDET,
1983, p. 134).
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Luiz Carlos Borges, só para citar alguns exemplos, lembra que foram nestes anos que Oscar Niemayer e
Lucio Costa projetaram o plano piloto da futura capital da República, “símbolo da era de modernização em
que o país ingressava”; iniciava-se uma renovação no teatro, a partir de peças como Eles não usam black-tie,
de Gianfrancesco Guarnieri, e da criação de grupos teatrais como o Arena e o Oficina; Guimarães Rosa, com
O grande sertão veredas, inovava o vocabulário convencional da literatura brasileira; Haroldo de Campos,
Décio Pignatari e Augusto Campos lançavam as bases para a poesia concreta; um grupo de jovens, dentre os
quais pode-se destacar João Gilberto e Tom Jobim, fundavam as bases do que depois se intitularia Bossa
Nova, marco inicial da moderna música popular brasileira, o qual, assimilando experiências jazzísticas,
influenciaria o próprio Jazz; compositores como Damiano Cozzella, Júlio Medaglia, Rogério Duprat, Gilberto
Mendes e Willy Correia de Oliveira, entre outros, expunham, no manifesto “Música Nova”, suas idéias
acerca da necessidade de atualização da música erudita, do Brasil, frente às invenções sonoras do século XX.
Para mais detalhes ver, BORGES, L. C. 1960 – 1980: o cinema à margem. Campinas: Papirus, 1983. (Coleção
Krisis).