Download PDF
ads:
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC/SP
SOLANGE HASSAN AHMAD ALI FERNANDES
DAS EXPERIÊNCIAS SENSORIAIS AOS
CONHECIMENTOS MATEMÁTICOS:
Uma análise das práticas associadas ao ensino e aprendizagem
de alunos cegos e com visão subnormal numa escola inclusiva
DOUTORADO EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA
São Paulo
2008
ads:
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC/SP
SOLANGE HASSAN AHMAD ALI FERNANDES
DAS EXPERIÊNCIAS SENSORIAIS AOS
CONHECIMENTOS MATEMÁTICOS:
Uma análise das práticas associadas ao ensino e aprendizagem
de alunos cegos e com visão subnormal numa escola inclusiva
Tese apresentada à Banca de Qualificação da Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo, como exigência
parcial para obtenção do título de DOUTORA EM
EDUCAÇÃO MATEMÁTICA, sob a orientação do Prof.
Dr. Saddo Ag Almouloud
São Paulo
2008
ads:
Banca Examinadora
A
utorizo, exclusivamente para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial desta
Tese por processos de fotocopiadoras ou eletrônicos.
Assinatura: _______________________________________ Local e Data: ______________
Dedico este trabalho a todas
as pessoas que marcaram minha
vida. Umas por me ajudar na
construção, outras por me
apresentar projetos de sonhos e
outras ainda por me desafiar a
construí-los.
AGRADECIMENTOS
Este trabalho iniciou-se com um sonho. Sua
conclusão é fruto de muito esforço e dedicação, e
não teria sido concluído sem o apoio e carinho de
pessoas especiais que sonharam comigo.
À Lulu Healy, pessoa essencial na minha formação
como pesquisadora. Por sua amizade, seu
companheirismo, sua compreensão, sua orientação,
suas críticas, sempre construtivas, sua dedicação,
seu apoio incondicional e seu incentivo para que
eu concluísse este trabalho mesmo quando os
obstáculos pareciam ser intransponíveis.
Ao Professor Saddo Ag Almouloud, pelas sugestões,
compreensão e confiança, que viabilizaram o
término deste trabalho.
Aos Professores Doutores Ubiratan D’Ambrosio,
Mirian Godoy Penteado e Sandra Maria Pinto
Magina pelas sugestões pertinentes e
enriquecedoras dadas na qualificação.
Aos pesquisadores Ricardo Nemirovsky e Janete
Bolite Frant pelas discussões valiosas e pela
oportunidade preciosa que me ofereceram numa
etapa importante da elaboração deste trabalho.
À coordenação e aos professores do Programa de
Estudos Pós-Graduados da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, nas pessoas do Professor
Doutor Saddo Ag Almouloud e do funcionário
Francisco Olimpio da Silva.
Aos meus pais, Hassan e Zaira, por me ensinarem
que os desafios que me são impostos possuem a
dimensão exata da força que há em mim para
superá-los.
Aos parceiros de caminhada Carlos, Hanna e
Khallil, pelo apoio, carinho e por compreenderem
minhas ausências. A vocês, devo ainda agradecer
por existirem e pelo privilégio de compartilhar
esta existência.
Aos meus irmãos Fátima, Marian, Fauze e
Hassan que tantas vezes tiveram que
compreender minha indisponibilidade.
À Irmã Conceição Jacintho que sempre tem a
palavra certa a me oferecer.
À amiga-irmã Ângela sempre pronta a me ouvir.
Companheira nos momentos de alegria e de
adversidades.
Às amigas: Silvia, Rosana, Edna, Adriana e
Margareth pela amizade sincera, pelo apoio e
pelos momentos de alegria que me proporcionam.
Ao amigo Antônio pela leitura paciente e pelas
sugestões.
Aos amigos do Colégio Nossa Senhora do Rosário,
em especial à Delma Tavares, Maria Inês Rinaldi
Vit e Elisa Martinez Gil, com os quais partilho
dúvidas e esperanças.
À Direção da EE Caetano de Campos, pela atenção
e prontidão com que atenderam nossas
necessidades durante o desenvolvimento do projeto
de pesquisa.
Aos professores e alunos que participaram desta
pesquisa, pela colaboração incansável.
Especialmente ao Toninho pelo feliz reencontro.
À FAPESP pela alegria proporcionada a todos os
envolvidos nesta pesquisa ao financiar o projeto.
À CAPES, pela bolsa a mim concedida, sem a qual
seria difícil a realização deste trabalho.
Aos meus alunos que me permitem aprender
diariamente.
A todos aqueles que direta ou indiretamente
contribuíram para que este projeto se tornasse
realidade.
A Autora
RESUMO
Essa tese destina-se discutir pontos relevantes a respeito da relação corpo –
cognição num cenário constituído por aprendizes sem acuidade visual dentro dos
padrões normais, videntes, tarefas matemáticas e ferramentas materiais e
semióticas. Nosso objetivo é analisar os processos de ensino e de aprendizagem
de alunos inseridos em classes regulares quando os objetos de estudo são
matemáticos, especialmente quando são objetos geométricos. As análises foram
realizadas com base na investigação das práticas matemáticas dos sujeitos
quando trabalham a matemática escolar em dois momentos. Num primeiro
momento focamos a investigação no levantamento de dados que permitissem
compreender como a matemática escolar desenvolvia-se na escola freqüentada
pelos sujeitos. Num segundo momento, passamos a interferir nessas práticas
introduzindo ferramentas materiais e semióticas criadas e testadas no próprio
grupo de pesquisa. Procuramos compreender como as ferramentas semióticas
podem ser usadas para constituir novas práticas quando o conhecimento em jogo
é matemático e exploramos a importância do que é percebido pelos sentidos na
produção de conhecimentos. Apoiamo-nos no trabalho de pesquisadores
contemporâneos que se valem das teorias vygotskianas para discutir a
importância do corpo no desenvolvimento cognitivo. Deste modo, o referencial
teórico que sustenta nossas análises refere-se à apropriação da “voz matemática”
(Renshaw, 1996), no potencial comunicativo e cognitivo dos gestos (McNeill,
1992) e no processo de objetificação do conhecimento (Radford, 2004, 2004a).
Nossos resultados indicam, por um lado, que as práticas atuais nem sempre
permitem uma participação ativa dos deficientes visuais e, por outro, mostram um
possível caminho para criar uma Educação Matemática mais inclusiva. Este
caminho envolve uma abordagem atenta para o papel de vários instrumentos de
mediação (materiais e semióticos) e atividades de exploração e negociação de
conceitos matemáticos de tal forma que os aprendizes tenham a oportunidade de
capitalizar todo seu campo perceptivo.
Palavras-Chave: Educação Matemática, Inclusão, aprendizes cegos, percepção,
cognição, corpo.
ABSTRACT
This thesis examines issues concerning the relationship body – cognition in a
scenario composed of visually impaired students, working with the sighted, with
mathematical tasks and with material and semiotic tools. It aims to analyse the
teaching and learning processes of students included within regular classroom
when the object of study is mathematics, particularly geometrical objects. The
study was divided into two moments. The first concentrated on constructing an
understanding of the school mathematics developed in the school attended by our
subjects and the systems of assessments they were expected to participate in. In
a second moment, the study took a more experimental turn, with the introduction
of material and semiotic tools into learning situations. Analysis centred on the
identification of how these tools could be used to constitute new practices
associated with learning mathematical knowledge and explored the importance of
that which is perceived by the senses in the production of this knowledge.
Theoretical support was drawn from the work of contemporary researchers who
adopt perspectives rooted in the vygotskian tradition. Specifically, analyses were
informed by constructs related to the appropriation of the “mathematical voice”
(Renshaw, 1996), the cognitive and communicate potential of gestures (McNeill,
1992) and the process of objectification of knowledge (Radford, 2004; 2004a). The
results indicate, on the one hand, that the current practices associated with school
mathematics do not always enable the active participation of visually impaired
students while, one the other, suggestion a possible route by which to create a
more inclusive mathematics education. This route involves an approach which
attends to the role of various instruments of mediation (material and semiotic) and
activities based on explorations of and dialogues about mathematical concepts in
forms fine-tuned to allow the learners to capitalise on their whole perceptive field.
Keywords: Mathematics Education, Inclusion, Blind learners, perception,
cognition, body.
ÍNDICE DE FIGURAS
Figura 1.1: Símile da linha ...................................................................................... 32
Figura 4.1 – A letra M ............................................................................................ 132
Figura 4.2 – Decomposição de figura .................................................................. 133
Figura 4.3 – Paralelepípedo .................................................................................. 134
Figura 4.4 – A letra M ............................................................................................ 136
Figura 5.1 – Prancha para o estudo de área e perímetro ................................... 155
Figura 5.2 – Polígonos .......................................................................................... 156
Figura 5.3 – As embalagens ................................................................................. 157
Figura 5.4 – Ferramenta para o estudo da área do quadrado e do retângulo .. 159
Figura 5.5 – O retângulo 5 por 8 ........................................................................... 171
Figura 5.6 – Tornando aparentes impressões subjetivas .................................. 171
Figura 5.7 – O signo de Leandro .......................................................................... 172
Figura 5.8 – Ferramenta para o estudo da área do triângulo ............................ 172
Figura 5.9 – Completando o triângulo ................................................................. 173
Figura 5.10 – Polígonos em papel canson .......................................................... 174
Figura 5.11 – A área do paralelogramo ............................................................... 178
Figura 5.12 – Trabalhando em grupo ................................................................... 178
Figura 5.13 – Somando os lados .......................................................................... 184
Figura 5.14 – Mãos como retângulo .................................................................... 185
Figura 5.15 – Um signo concreto ......................................................................... 185
Figura 5.16 – O Princípio de Cavalieri ................................................................. 188
Figura 5.17 – O cubo e o paralelepípedo ............................................................. 189
Figura 5.18 – Aplicando o Princípio de Cavalieri ................................................ 190
Figura 5.19 – Tornando aparente sua estratégia ................................................ 191
Figura 5.20 – Vendo com as mãos ....................................................................... 192
Figura 5.21 – Imitando os gestos do aprendiz .................................................... 193
Figura 5.22 – Uma onomatopéia .......................................................................... 193
ÍNDICE DE TRECHOS TRANSCRITOS
Trecho 4.1: O eixo de simetria da letra M ............................................................ 137
Trecho 5.1: Concepções iniciais .......................................................................... 158
Trecho 5.2: A área e o perímetro do retângulo por Marcos ............................... 159
Trecho 5.3: A área e o perímetro do quadrado por Caio .................................... 160
Trecho 5.4: Trocando de formas .......................................................................... 161
Trecho 5.5: A área e o perímetro do quadrado por Fábio .................................. 162
Trecho 5.6: A área e o perímetro do retângulo por Leandro ............................. 163
Trecho 5.7: Marcos e o retângulo maior .............................................................. 165
Trecho 5.8: Caio e o quadrado maior .................................................................. 166
Trecho 5.9: Fábio e o quadrado maior ................................................................ 167
Trecho 5.10: Fábio e o retângulo maior............................................................... 167
Trecho 5.11: Leandro e o quadrado maior .......................................................... 168
Trecho 5.12: Marcos e o retângulo maior ............................................................ 170
Trecho 5.13: Fábio e a área do triângulo ............................................................. 173
Trecho 5.14: A fórmula para a área do triângulo ................................................ 174
Trecho 5.15: Revendo concepções sobre área e perímetro .............................. 176
Trecho 5.15: O paralelogramo .............................................................................. 178
Trecho 5.16: Leandro – Gestos dêiticos.............................................................. 184
Trecho 5.17: Leandro – Gestos icônicos ............................................................. 184
Trecho 5.18: O Princípio de Cavaliere ................................................................. 189
Trecho 5.19: O volume do paralelepípedo .......................................................... 190
Trecho 5.20: Explicando sua estratégia à pesquisadora ................................... 191
ÍNDICE DE DIAGRAMAS E TABELAS
Diagrama 2.1 – Procedimentos relativos às práticas avaliativas ........................ 69
Tabela 2.2 – Caracterização dos sujeitos de pesquisa ........................................ 83
Tabela 2.3 – Cronograma do desenvolvimento da pesquisa ............................... 87
Tabela 2.4 – Entrevistas baseadas em tarefas ...................................................... 88
Tabela 2.5 – Fonte de dados coletados por fase da pesquisa ............................ 90
Tabela 3.1 – Número de alunos atendidos na sala de recursos da EE Caetano
de Campos de 2000 a 2007 ............................................................................. 105
Tabela 3.2 – Sala de recursos – Materiais e equipamentos antes do início do
projeto .............................................................................................................. 107
Tabela 3.3 – Materiais e equipamentos adquiridos com verbas do projeto ..... 108
Tabela 4.1 – Desempenho dos alunos ................................................................. 135
Tabela 4.2 – Índice de acertos .............................................................................. 135
Tabela 5.1 – Polígonos: Perímetro e área............................................................ 175
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 19
CAPÍTULO 1
DA PERCEPÇÃO A COGNIÇÃO ............................................................................. 27
1.1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................... 27
1.2 AS CORRENTES FILOSÓFICAS ............................................................................... 28
1.2.1 O PERÍODO PRÉ-SOCRÁTICO .......................................................................... 28
1.2.2 Os sofistas e Sócrates ................................................................................ 30
1.2.3 AS TEORIAS DO CONHECIMENTO DE PLATÃO E DE ARISTÓTELES ....................... 32
1.2.4 OS ILUMINISTAS ............................................................................................ 35
1.3 VYGOTSKY E SEUS SEGUIDORES .......................................................................... 43
1.4 PESQUISADORES PÓS-VYGOTSKIANOS .................................................................. 47
1.4.1 A OBJETIFICAÇÃO DO CONHECIMENTO ............................................................. 48
1.4.2 O CARÁTER FENOMENOLÓGICO DA PERCEPÇÃO ............................................... 50
1.4.3 OS GESTOS .................................................................................................. 52
1.4.4 A LINGUAGEM VERBAL ................................................................................... 58
1.4.5 AS PRÁTICAS DISCURSIVAS ............................................................................ 60
1.5 SÍNTESE ............................................................................................................. 62
CAPÍTULO 2
A TRAJETÓRIA DO ESTUDO .................................................................................. 65
2.1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................... 65
2.2 INVESTIGAÇÃO COLABORATIVA E CO-GENERATIVA ................................................. 67
2.3 LEVANTAMENTO DE DADOS SOBRE AS PRÁTICAS ESCOLARES ................................. 68
2.4 O MÉTODO DA DUPLA ESTIMULAÇÃO ..................................................................... 70
2.5 ENTREVISTAS BASEADAS EM TAREFAS ................................................................. 72
2.6 AS FERRAMENTAS MATERIAIS .............................................................................. 74
2.7 UNIVERSO DA PESQUISA ...................................................................................... 76
2.7.1 PERFIL DOS ALUNOS PARTICIPANTES ............................................................... 76
2.7.1.1 Júlia .......................................................................................................................................... 77
2.7.1.2 DANI .......................................................................................................................................... 78
2.7.1.3 JOÃO ......................................................................................................................................... 78
2.7.1.4 CARLA ....................................................................................................................................... 79
2.7.1.5 LEANDRO ................................................................................................................................... 79
2.7.1.6 ELIAS ......................................................................................................................................... 79
2.7.1.7 ANDRÉ ....................................................................................................................................... 80
2.7.1.8 MARCOS .................................................................................................................................... 80
2.7.1.9 JOSÉ.......................................................................................................................................... 81
2.7.1.10 FÁBIO ...................................................................................................................................... 81
2.7.1.11 MÁRIO ..................................................................................................................................... 82
2.7.1.12 CAIO ........................................................................................................................................ 82
2.7.2 Cronograma da pesquisa ........................................................................... 84
2.7.3 Dados coletados ......................................................................................... 89
2.8 ANÁLISES DOS DADOS VIDEOGRAVADOS NA FASE II ............................................... 90
2.9 TRATAMENTO DOS DADOS ................................................................................... 93
2.9.1 DIMENSÕES DE ANÁLISE FASE I ...................................................................... 93
2.9.2 DIMENSÕES DE ANÁLISE FASE II ..................................................................... 93
CAPÍTULO 3
INTEGRAÇÃO X INCLUSÃO ................................................................................... 95
3.1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................... 95
3.2 OS CAMINHOS DA EDUCAÇÃO ESPECIAL ............................................................... 97
3.2.1 EDUCAÇÃO ESPECIAL NA PRIMEIRA METADE DO SÉCULO XX ............................. 98
3.2.2 INTEGRAÇÃO ............................................................................................... 100
3.2.3 INCLUSÃO ................................................................................................... 101
3.3 A EDUCAÇÃO ESPECIAL E SEUS ATORES ............................................................ 103
3.4 O LÓCUS DO PROJETO ....................................................................................... 104
3.4.1 A SALA DE RECURSOS .................................................................................... 107
3.5 CARACTERIZAÇÃO DO ESTUDO ........................................................................... 109
3.6 A VOZ DOS ATORES ........................................................................................... 110
3.6.1 DOS DIRIGENTES ......................................................................................... 111
3.6.2 DOS PROFESSORES ..................................................................................... 112
3.6.3 DOS ALUNOS .............................................................................................. 116
3.7 SÍNTESE ........................................................................................................... 120
CAPÍTULO 4
O SISTEMA DE AVALIAÇÃO ................................................................................ 123
4.1 INTRODUÇÃO .................................................................................................... 123
4.2 O QUE PREVÊ AS LEIS ........................................................................................ 124
4.3 O CENÁRIO DA AVALIAÇÃO E SEUS ATORES ......................................................... 125
4.4 O SARESP ..................................................................................................... 129
4.5 PROCEDIMENTO EMPÍRICO ................................................................................. 129
4.5.1 OS ALUNOS PARTICIPANTES ......................................................................... 131
4.5.2 OS EXERCÍCIOS E AS FERRAMENTAS MATERIAIS ............................................. 131
4.5.3 TABELAS DOS RESULTADOS ......................................................................... 135
4.6 ANÁLISE DOS RESULTADOS ............................................................................... 136
4.7 NOSSA VOZ ...................................................................................................... 140
CAPÍTULO 5
ANALISANDO AS PRÁTICAS MATEMÁTICAS ................................................................ 149
5.1 INTRODUÇÃO .................................................................................................... 149
5.2 PESQUISAS PRECEDENTES A RESPEITO DA COMPREENSÃO E DESEMPENHO SOBRE
ATIVIDADES DE ÁREA E PERÍMETRO DE FIGURAS PLANAS
............................................ 150
5.3 O ESTUDO ........................................................................................................ 153
5.3.1 AS FERRAMENTAS MATERIAIS ....................................................................... 155
5.3.2 IDÉIAS INICIAIS A RESPEITO DE ÁREA E PERÍMETRO ......................................... 157
5.3.3 A PRIMEIRA TAREFA: REPRESENTAÇÃO CONCRETA DA ÁREA ........................... 158
5.3.3.1 O TRABALHO DE MARCOS .......................................................................................................... 159
5.3.3.2 O TRABALHO DE CAIO ............................................................................................................... 160
5.3.3.3 O TRABALHO DE FÁBIO ............................................................................................................. 161
5.3.3.4 O TRABALHO DE LEANDRO ........................................................................................................ 163
5.3.3.5 REFLEXÕES SOBRE A PRIMEIRA TAREFA ...................................................................................... 164
5.3.4 A SEGUNDA TAREFA: PRIMEIRO MOMENTO DE ABSTRAÇÃO .............................. 164
5.3.4.1 O TRABALHO DE MARCOS .......................................................................................................... 165
5.3.4.2 O TRABALHO DE CAIO ............................................................................................................... 165
5.3.4.3 O TRABALHO DE FÁBIO ............................................................................................................. 166
5.3.4.4 O TRABALHO DE LEANDRO ........................................................................................................ 167
5.3.4.5 REFLEXÕES SOBRE A SEGUNDA TAREFA ...................................................................................... 169
5.3.5 TERCEIRA TAREFA UM MÉTODO GERAL ....................................................... 169
5.3.6 QUARTA TAREFA - A ÁREA DO TRIÂNGULO ..................................................... 172
5.3.7 ÁREA E PERÍMETRO DE POLÍGONOS ............................................................... 174
5.4 CONSIDERAÇÕES SOBRE OS OBJETOS CONCEITUAIS ÁREA E PERÍMETRO ............... 178
5.4.1 EM RELAÇÃO ÀS PESQUISAS PRECEDENTES ................................................... 179
5.4.2 O PAPEL DAS PRÁTICAS DIALÓGICAS NA PRODUÇÃO DE MUDANÇAS CONCEITUAIS180
5.4.3 O PROCESSO DE OBJETIFICAÇÃO .................................................................. 181
5. 4. 3.1 OS GESTOS DE LEANDRO ......................................................................................................... 182
5. 4. 3.2 CONSIDERAÇÕES SOBRE OS GESTOS PRODUZIDOS POR LEANDRO ................................................ 186
5.5 O VOLUME ........................................................................................................ 187
5.5.1 O PROCESSO EXPERIMENTAL ....................................................................... 188
5.5.2 OS GESTOS E O OBJETO CONCEITUAL VOLUME ............................................... 194
CAPÍTULO 6
REFLEXÕES ............................................................................................................ 197
6.1 INTRODUÇÃO .................................................................................................... 197
6.2 O ESTUDO ........................................................................................................ 198
6.3 A BUSCA DA FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA ............................................................. 200
6.3.1 A CORRENTE FENOMENOLÓGICA ................................................................... 203
6.3.2 A PERSPECTIVA SÓCIO-CULTURAL ................................................................. 205
6.3.3 DIMENSÕES DE ANÁLISES ............................................................................. 207
6.4 A RELAÇÃO AÇÃO, EXPERIÊNCIA E COGNIÇÃO ..................................................... 208
6.4.1 APROPRIAÇÃO DA VOZ MATEMÁTICA ........................................................... 210
6.4.2 POTENCIAL COMUNICATIVO E COGNITIVO DOS GESTOS ................................... 212
6.4.3 PROCESSO DE OBJETIFICAÇÃO DO CONHECIMENTO ........................................ 215
6.4.4 A IMPORTÂNCIA DOS RECURSOS MATERIAIS ................................................... 217
6.5 UM CAMINHO A PERCORRER ............................................................................... 220
REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 224
APÊNDICE .............................................................................................................. 236
DESCRIÇÃO DAS FERRAMENTAS MATERIAIS .............................................................. 236
ANEXOS ................................................................................................................. 242
INTRODUÇÃO
Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e
direitos. São dotadas de razão e consciência e devem agir
em relação umas às outras com espírito de fraternidade.
(Declaração dos Direitos Humanos, 1948, Artigo I)
A conscientização de que a Educação é um direito de todos tem tirado do
ostracismo, ao menos em tese, muitos indivíduos que talvez acreditassem não ser
possível fazer parte de uma sociedade estruturada para atender cidadãos cujo
padrão “normal” fora culturalmente estabelecido. Nossos estudos concentram-se
em indivíduos membros desse grupo, denominados alunos com necessidades
educacionais especiais, mais precisamente nosso foco é a Educação Matemática
Especial.
Nossa motivação vem da necessidade enfrentada pelos atores da Educação
– educadores e educandos – que nos últimos anos têm vivido o desafio de
aprender fazendo aquilo que, como sociedade, deveríamos estar aptos a realizar:
uma Educação de qualidade para todos. Os números da Educação Especial são
expressivos e mostram que de alguma forma a sociedade tem acolhido os
portadores de necessidades educacionais especiais. De acordo com dados do
Censo escolar: 1998 a 2006 (MEC/INEP
1
), a evolução das matrículas na
Educação Especial tanto em Escolas Especiais como em Escolas Regulares
passou de 337.326 em 1998 para 700.624 em 2006 (Anexo 1).
Os dados referentes ao número de matrículas na Educação Inclusiva, ou
seja, alunos com necessidades educacionais especiais matriculados em escolas
regulares são ainda mais representativos, considerando que tínhamos 43.923
1
Ministério da Educação e Cultura / Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais.
19
alunos matriculados em Escolas Regulares em 1998 e em 2006 este número
passou a ser 325.136 (MEC/INEP) (Anexo 2).
A Secretaria de Educação Especial do Ministério da Educação e do
Desporto classifica os alunos que necessitam de educação especial de acordo
com suas características. Tal classificação consta na Política Nacional de
Educação Especial 2 como se segue:
portadores de deficiência mental, visual, auditiva, física e múltipla;
portadores de condutas típicas (problemas de conduta);
portadores de superdotação (PCN: ADAPTAÇÕES CURRICULARES,
1998, p.24).
Dentre as deficiências apontadas, desenvolvemos nossos estudos desde
2002 trabalhando com aprendizes portadores de deficiência visual. Segundo o
International Council for Education of People with Visual Impairment
2
(ICEVI), os
dados da Organização Mundial de Saúde (OMS) apontam que há 161 milhões de
pessoas com deficiência visual, entre os quais 37 milhões são cegos e 124
milhões são portadores de visão subnormal. Dessas, 80% vivem em países em
desenvolvimento, o que inclui o Brasil, e pelo menos 6 milhões estão em idade
escolar. No Brasil, de acordo com o Censo 2000 realizado pelo Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatística (IBGE), existem 16,5 milhões de brasileiros com
deficiência visual, dos quais 159,824 mil são incapazes de enxergar.
A deficiência visual, diz respeito à falta, insuficiência ou imperfeição da
resposta visual que acarreta na diminuição ou situação irreversível da visão,
mesmo após tratamento clínico e ou cirúrgico e o uso de correções óticas (óculos
convencionais e lentes de contato). É, portanto, uma limitação sensorial, na qual
os portadores apresentam perdas visuais variáveis, que podem ir desde resíduos
visuais, ausência da percepção de luz, até a ausência total do sentido da visão.
A deficiência visual abrange vários graus de limitações, permitindo assim,
diversos tipos de classificação. As mais usuais são:
2
Uma associação global, constituída em 1952, de indivíduos e organizações que promovem o acesso
equitativo à instrução apropriada para todas as crianças e jovens com deficiência visual de modo que possam
ampliar seu potencial.
20
Visão Normal: se os dois olhos juntos são capazes de projetar sobre a
retina uma imagem nítida tanto para objetos próximos quanto para objetos
distantes.
Visão Subnormal ou Baixa Visão: É considerada portadora de visão
subnormal ou baixa visão, aquela pessoa que mesmo com a limitação
visual utiliza ou é potencialmente capaz de utilizar a visão para o
planejamento ou execução de uma tarefa, ou ainda, que seja capaz de
perceber luminosidade até o grau em que a deficiência visual interfira ou
limite seu desempenho.
Cegueira: caracteriza-se como portador de cegueira, aquela pessoa que
possui perda total da visão ou perda da percepção da luz. A cegueira é
considerada como sendo uma deficiência de grau severo, mas que pode
ser amenizada por tratamento médico, reeducação e uso de tecnologias
como, bengala, sistema Braille, leitores de tela com sintetizador de voz,
Braille eletrônico, impressoras Braille, lupa eletrônica e outros.
De acordo com os dados do Censo escolar: 1998 a 2006 tínhamos, em
2006, 69.838 alunos sem acuidade visual dentro dos padrões normais
3
matriculados em Escolas Especiais e Escolas Regulares. Relacionando esses
números aos apresentados acima, podemos nos certificar que há muito a ser
feito, já que pelos dados apontados temos ainda no Brasil um número expressivo
de jovens portadores de deficiência visual em idade escolar fora das escolas,
sejam essas regulares ou especiais. Somos uma sociedade buscando caminhos,
mesmo que nossas rotas sejam determinadas inicialmente por leis; e, ainda que
lentamente, os números da Educação Inclusiva tenham recebido incrementos
anualmente.
Com a presença crescente de aprendizes com necessidades especiais nas
salas de aulas das escolas regulares, torna-se crucial buscarmos compreender
como a construção do conhecimento é mediada por diferentes meios de acesso
aos sistemas sensoriais do corpo humano. Nos nossos estudos procuramos
3
Na seqüência do texto “Sem Acuidade Visual Dentro dos Padrões Normais” será indicado por
SAVDPN.
21
compreender como as ferramentas semióticas podem ser usadas para constituir a
cultura da sala de aulas quando o conhecimento em jogo é matemático.
Hoje, ao abordar temas que envolvem necessidades educacionais especiais,
o foco das atenções não são as dificuldades específicas dos educandos, mas
suas potencialidades, e o que os educadores podem fazer para favorecer a
capitalização e ampliação dessas potencialidades por parte dos educandos,
respeitando assim a diversidade de cada indivíduo. É acreditando nas
potencialidades inerentes aos educandos que temos desenvolvido nossas
pesquisas. O trabalho aqui apresentado é fruto de um projeto financiado pela
Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado de São Paulo
4
(FAPESP) que
desenvolvemos durante vinte e sete meses. Este projeto contou com a
participação de alunos SAVDPN inseridos em classes comuns da Escola Estadual
Caetano de Campos e com seus professores. Esta escola é uma das escolas
estaduais mais tradicionais de São Paulo, que tem enfrentado o desafio de
trabalhar com alunos com necessidades educacionais especiais desde 1942.
As características do projeto de pesquisa que desenvolvemos orientaram a
estrutura desta tese. Acompanhamos o curso do Ensino Médio de um grupo de
alunos SAVDPN inseridos em classe comum. Nossas atividades empíricas
seguiram o conteúdo programático desenvolvido por esses alunos de acordo com
o proposto pela escola e por seus professores, sendo nossa principal
preocupação favorecer a emergência de uma cultura comunitária, na qual
professores e alunos se sentissem preparados para um fazer escolar satisfatório,
que pudesse ser prazeroso para quem ensina e para quem aprende. Deste modo
procuramos desenvolver meios que viabilizassem o processo de ensino-
aprendizagem, envolvendo, num trabalho colaborativo, os professores e os alunos
participantes do projeto.
Nosso objetivo, nesta tese, é analisar os processos de ensino e de
aprendizagem de alunos SAVDPN inseridos em classes regulares quando os
objetos de estudo são matemáticos, especialmente quando são objetos
geométricos, pela estreita relação que existe entre esses objetos e o campo visual
4
Projeto A Inclusão de Aprendizes com Deficiências Visuais nas Aulas de Matemática: O Caso de
Geometria, financiado pela FAPESP, Processo N
o
. 2004/15109-9.
22
quando se trabalha com aprendizes videntes. Nossas investigações concentram-
se em compreender como ocorre o desenvolvimento de conceitos associados a
termos geométricos para aprendizes que não podem recorrer a experiências
visuais e a influência das ferramentas materiais e semióticas no estabelecimento
de comparações ou relações com objetos que fazem parte do cenário.
Nossas análises foram realizadas com base na investigação das práticas
matemáticas de alunos cegos e portadores de visão subnormal quando trabalham
a matemática escolar em dois momentos. Num primeiro momento focamos nossa
investigação no levantamento de dados que nos permitissem compreender como
a matemática escolar desenvolvia-se na escola freqüentada por nossos sujeitos,
no sentido de averiguar se suas práticas correspondem a suas crenças a respeito
da Educação Inclusiva. Deste modo, buscando contextualizar nossos estudos,
estruturamos a seguinte questão:
Como professores e alunos que vivenciam a experiência da inclusão
sentem-se em relação a esse processo e particularmente em que medida as
práticas avaliativas atuais atendem as necessidades especiais desses
alunos?
As análises dos dados levantados nesta primeira fase nos fizeram perceber
que precisávamos compreender melhor as práticas dos alunos SAVDPN quando
estudam Matemática, principalmente no que se refere aos canais de percepção
que os permitem reconhecer os elementos materiais e semióticos, que compõem
o cenário das situações instrucionais. Em outras palavras, percebemos que para
criar uma Educação Matemática Inclusiva, era preciso entender melhor as
relações entre as experiências sensoriais e perceptivas e a cognição.
Precisávamos compreender como os sentidos físicos, nesse caso vistos como
instrumentos de mediação, favorecem nossas interpretações dos fenômenos
matemáticos e de como criamos e utilizamos signos semióticos para nos
comunicarmos e pensarmos matematicamente. Com esse desígnio, num segundo
momento, usando uma abordagem colaborativa, passamos a interferir nessas
práticas introduzindo ferramentas materiais e semióticas criadas e testadas no
próprio grupo de pesquisa, ou seja, os problemas e suas soluções emergiam da
23
vida cotidiana da comunidade de pesquisa. Esta segunda fase destina-se a
oferecer parâmetros que permitam responder a segunda questão de pesquisa:
Como aprendizes sem acesso ao campo visual empregam recursos físicos e
semióticos para negociar significados matemáticos durante o processo de
aprendizagem?
Acreditamos que somente quando pudermos oferecer resposta a esta
questão poderemos começar a criar situações que podem viabilizar e favorecer o
processo de ensino e aprendizagem de objetos geométricos quando os
receptores desse processo são aprendizes cegos ou com visão subnormal.
Para responder a esta questão complexa, usaremos um quadro teórico
amplo que envolve diálogos e ações, considerando ação como o proposto por
Goodwin (2000a, p.1492), que sugere que a ação humana seja analisada em
termos de “configurações contextuais”: uma abordagem interacional que investiga
o uso simultâneo de múltiplos recursos físicos e semióticos pelos participantes,
tais como diferentes classes de fenômenos sígnicos que emergem do fluxo da
fala, da expressão gestual, da produção e uso de registros materiais e da
manipulação de artefatos.
Com a finalidade de atingir os propósitos a que se destina esta pesquisa, a
dividimos em seis capítulos.
O primeiro capítulo explora a importância do que é percebido pelos
sentidos na produção de conhecimentos, segundo duas vertentes: a filosófica e a
psicológica. Posteriormente apresenta a influência dessas vertentes no
pensamento de pesquisadores contemporâneos que se apóiam nas teorias
vygotskianas para discutir a importância do corpo no desenvolvimento cognitivo.
O estudo que deu origem a esta tese e as escolhas metodológicas são
apresentadas no segundo capítulo. A fundamentação teórica da metodologia
que utilizamos para a estruturação das entrevistas e das tarefas aplicadas aos
sujeitos – método da dupla estimulação (VYGOTSKY, 1998a, 1998b) e por
entrevistas baseadas em tarefas (GOLDIN, 2000) – e os aspectos metodológicos
do desenvolvimento das ferramentas materiais, das entrevistas e das tarefas.
24
No terceiro capítulo apresentamos as concepções sobre integração e
inclusão delineando o caminho da Educação Especial do século XX aos dias de
hoje. Na seqüência apresentamos a escola inclusiva que acolheu nosso projeto:
Escola Estadual Caetano de Campos, o que permitirá um paralelo entre o ideal
planejado para as escolas inclusivas e o real vivenciado. Trazemos ainda as
vozes dos atores da Educação, apresentando reflexões e críticas daqueles que
vivem o processo de inclusão cotidianamente.
O quarto capítulo destina-se a caracterizar a situação atual, discutindo os
processos de avaliação aos quais aprendizes sem acuidade visual são
submetidos pelos sistemas educacionais, seja nas escolas em que estão
inseridos, vestibulares ou provas propostas por órgãos governamentais. Nossa
proposta é apresentar parâmetros que possam colaborar para a estruturação de
instrumentos de avaliação que atendam as necessidades educacionais especiais
de alunos cegos ou com visão subnormal.
No quinto capítulo destina-se ao estudo de área e perímetro de figuras
planas, sendo que as análises serão feitas sob as seguintes perspectivas: a
influência dos instrumentos de medição, das ferramentas materiais e semióticas,
dando atenção especial aos diálogos e aos gestos que acompanham o discurso;
e a transformação dos objetos conceituais em objetos de consciência. O estudo
do conceito de volume de sólidos geométricos será apresentado na seqüência,
ainda orientado pelas práticas estruturadas a partir do estudo de área e perímetro
de figuras planas.
No sexto capítulo apresentamos considerações a partir das nossas
dimensões de análises, que nos permitem destacar aspectos relevantes sobre a
evolução dos significados atribuídos, após a situação instrucional, por aprendizes
cegos, e a influência dos sistemas mediadores (prática discursiva e ferramentas
materiais) nessa evolução.
25
CAPÍTULO 1
DA PERCEPÇÃO A COGNIÇÃO
Todas as pessoas têm capacidade para gozar os direitos e
as liberdades estabelecidas nesta Declaração, sem distinção
de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, língua, religião,
opinião política ou de qualquer outra natureza, origem
nacional ou social, riqueza, nascimento ou qualquer outra
razão.
(Declaração dos Direitos Humanos, 1948, Artigo II)
1.1 INTRODUÇÃO
Existe hoje muito a cerca das necessidades especiais. As discussões, que a
princípio ficavam restritas a poucos, atingem todas as camadas e níveis sociais, e
de algum modo todo cidadão tem uma opinião formada sobre os direitos e os
deveres dos portadores de necessidades especiais, e sobre o papel e a
importância da sociedade no que se refere à formação de uma consciência
inclusiva. Seguindo os passos do homem delineados pela História pode-se
reconhecer que à muito há percepção e reconhecimento de que é preciso
conhecer a diversidade para que se possa aprender com ela.
Neste capítulo exploramos duas vertentes: a filosófica e a psicológica, e o
fazemos seguindo a cronologia histórica. Buscamos algumas referências nas
correntes filosóficas para compreender como a Filosofia, que justifica ser a busca
a sabedoria a força motriz do homem, influenciou o pensamento de
pesquisadores contemporâneos que se apóiam nas teorias vygotskianas para
discutir a influência das sensações e da percepção no desenvolvimento cognitivo.
27
1.2 AS CORRENTES FILOSÓFICAS
A potencialidade inerente ao ser humano de transformar as sensações
percebidas pelos órgãos dos sentidos em idéias; elaborá-las e, a partir dessa
elaboração, produzir conhecimento tem conduzido a humanidade a estudos e
controvérsias por séculos. Nosso foco será discorrer sobre as teses defendidas
por alguns filósofos a respeito das percepções e sensações oferecidas pelos
órgãos dos sentidos, o que nos conduzirá a discussão sobre a importância do
corpo no processo cognitivo.
1.2.1
O PERÍODO PRÉ-SOCRÁTICO
Desde os primeiros estudos filosóficos, discussões a cerca da influência das
sensações e das percepções no conhecimento humano tem se propagado e
gerado conflitos. No Período Naturalista, dos séculos VII a.C. a V a.C., os
filósofos delinearam distinções entre o que é percebido pelos órgãos dos sentidos
através de experiências sensoriais e a verdade ou essência do mundo, um
invisível, racional e lógico – a phýsis
5
que é vista pelo olho do espírito, embora
seja percebida pelos olhos do corpo.
No poema de Parmênides, conhecido como Sobre a natureza, é a razão
quem fala. Representada por uma deusa, a razão sugere a Parmênides que
abandone “o olho que não vê, o ouvido que ensurdece, a língua sonora e passe a
julgar apenas com o pensamento a prova oferecida e suas refutações” (CHAUÍ,
2002, p.93). Para Parmênides os órgãos dos sentidos nos iludem ao contrário do
pensamento puro que se afasta da percepção sensorial e opera com argumentos
lógicos. Empédocles de Agrigento, seguidor de Parmênides, procurou conciliar a
razão e os sentidos valorizando a experiência sensorial. Médico, considerava que
não se pode dispensar a experiência sensorial ou a percepção. Segundo a teoria
5
Natureza. Possui três sentidos principais: 1) processo de nascimento, surgimento, crescimento; 2)
disposição espontânea e natureza própria de um ser; características naturais e essenciais de um ser; aquilo
que constitui a natureza de um ser; 3) força originária criadora de todos os seres, responsável pelo
surgimento, transformação e perecimento deles. A phisis é o fundo inesgotável de onde vem o kósmos; e é o
fundo perene para onde regressam todas as coisas, a realidade primeira e última de todas as coisas (CHAUÍ,
2002, p.509).
28
de Empédocles, o interior do olho é feito de fogo ou de luz e o seu exterior de
água que forma uma membrana fina que protege o fogo, desta forma a visão é
produzida pelo fogo, que vê os objetos brilhantes, e pela água, que percebe os
objetos opacos. Ele descreveu os problemas de visão, que denominou vista fraca,
como sendo excesso de água para os que apresentam distúrbios durante o dia ou
excesso de fogo para os que apresentam distúrbios durante a noite (SOUZA,
2005, p. 167). No entanto, para ele todos os recursos de apreensão da realidade
são igualmente legítimos e devem ter parte em sua constituição.
Nessa linha, Demócrito reafirmando o que foi discutido pelos filósofos pré-
socráticos desenvolveu sua teoria. Para ele os órgãos dos sentidos só nos
permitem formar opiniões sobre as coisas, pois nos dão somente as aparências
das coisas. Na Teoria das percepções dos sentidos, declara que o contato com as
coisas do mundo não é imediato, dando-se por aporrhoaí
6
, que penetram no
corpo pelos sentidos e espalham-se por todas as partes, disso nasce a
representação das coisas. Avançando em relação a seus antecessores,
Demócrito afirmou que as percepções das qualidades das coisas são convenções
estabelecidas entre os homens, sendo assim subjetivas, ou seja, estão ligadas a
muitas variáveis, o que podemos relacionar com a influência sócio-cultural
defendida posteriormente pelos psicólogos marxistas
7
. Para ele diferentes
homens terão diferentes percepções sobre as coisas, e um mesmo homem,
dependendo da disposição do seu corpo, terá percepções diferentes de uma
mesma coisa. Tais qualidades foram chamadas mais tarde de qualidades
sensíveis.
Alguns pesquisadores contemporâneos, como Gareth Evans (1985)
discutido por Campbell (2005), reforçam essa teoria com a idéia dos espaços
egocêntricos caracterizando-o como um espaço definido por eixos acima, abaixo,
à direita, à esquerda, na frente e ao lado e centrado no sujeito. Deste modo, os
conceitos de forma têm seus significados em virtude de suas relações do corpo
do sujeito com o espaço que, por sua vez, usa um repertório de conhecimentos
6
Incapacidade de encontrar caminho ou trajeto; falta de uma via ou caminho de passagem; incapacidade de
chegar a um lugar; por extensão: impossibilidade de deduzir, concluir, inferir. É uma dificuldade insolúvel
(CHAUÍ, 2002, p.495).
7
A título de exemplo, Karl Marx doutorou-se em 1841 com uma tese sobre as "Diferenças da
filosofia da natureza em Demócrito e Epicuro".
29
próprio do sujeito. Assim os conceitos de forma dependem unicamente do que
Evans denomina conteúdo egocêntrico, ou seja, um conteúdo que depende
unicamente dos conhecimentos prévios do sujeito.
Voltando a Demócrito, no princípio, o mundo humano não tinha ordem nem
lei. Foi a descoberta da linguagem que fez com que os homens percebessem a
utilidade da vida em comum e da ajuda mútua. Para ele não bastava os homens
viverem reunidos para haver sociedade, era preciso leis e instituições. Demócrito
é considerado um filósofo de transição, pois sua busca a phýsis marca suas
raízes pré-socráticas e seu interesse pela ética aponta para o período socrático.
1.2.2 Os sofistas
8
e Sócrates
O período filosófico que passamos a discutir inicia-se no século V a.C. e
abrange o século IV a.C. segundo Chauí (2002, p. 129). Esse período
compreende um número relativamente pequeno de grandes pensadores, sendo
os sofistas e Sócrates seus principais representantes.
Reforçando a importância do meio social já postulado por Demócrito, os
sofistas afirmavam que o costume e as leis não-escritas não surgem
naturalmente, mas são determinados por convenção (nómos), sendo assim
relativos a cada sociedade. Declaram que a igualdade e a desigualdade entre os
homens são produzidas pela vida social, portanto determinadas por convenção,
assim como as raças que são agrupamentos sociais.
Dois nomes destacam-se como criadores da sofística: Protágoras de Abdera
e Górgias de Leontini. Protágoras ensinou em Atenas, onde seguiu os princípios
de Heráclito de Éfeso
9
, agregando a esses as variações das sensações para
doutrinar sobre a relatividade do conhecimento. Para ele, o conhecimento
8
Sophistés. Inicialmente significa todo aquele que é excelente numa arte ou técnica, que pratica o sophízein
para tornar-se hábil, sensato e prudente. Em Atenas, a partir da segunda metade do século V a. C., significa
mestre de filosofia e eloqüência. Com Platão, passa a designar pejorativamente o sofista. O verbo
sophízomai possui, além dos sentidos anteriores, o sentido de tornar-se astucioso e engenhoso para enganar
com as palavras, e é nesse sentido que é aplicado ao sofista (CHAUÍ, 2002, p.511).
9
Heráclito de Éfeso (535 a.C. – 470 a.C.) é um dos mais eminentes pré-socráticos. Afirmava que o
conhecimento verdadeiro é inteiramente intelectual, não podendo fundar-se nos dados oferecidos pelas
experiências sensoriais (CHAUÍ, 2002, p. 81).
30
depende da subjetividade a que é sujeita cada experiência sensorial, fazendo com
que a individualidade de cada homem reconheça não a realidade física, mas a
uma forma conhecida. Pela sensação, percepção, imaginação e pensamento,
todas as coisas produzidas pela natureza são opiniões, variando no tempo e no
espaço, de indivíduo para indivíduo e num mesmo indivíduo (CHAUÍ, 2002,
p.171). Essa relação entre indivíduo, percepção e mundo foi objeto de estudo de
muitos filósofos no período Iluminista (ver seção 1.2.4) e, mais recentemente,
para os fenomenologistas (ver seção 1.4).
Górgias foi discípulo de Empédocles, menos profundo que Protágoras,
porém com a dialética mais acentuada, declarou que sua arte é a persuasão que
nos leva a crer sem saber. Para ele, pela palavra comunicamos opiniões sobre as
coisas dadas pelos sentidos, o que é próprio de cada sentido perceber, assim, o
que comunicamos são objetos da visão, do olfato, da audição, do tato e do
paladar, ou seja, comunicamos crenças com base em nossas experiências
sensoriais, não conhecimentos. Tal ponto é rebatido em outros escritos, como,
por exemplo, nos de Merleau-Ponty (2006) que postula ser necessário ver as
palavras como portadoras de significado, devido seu papel no comportamento
intencional.
Sócrates (470 a.C. – 399 a.C.) nasceu em Atenas. Conhecedor das
doutrinas filosóficas contemporâneas e das que o precederam, participou do
movimento de renovação cultural cultivado pelos sofistas, mas acabou contrário a
eles. Os sofistas julgavam-se possuidores do conhecimento (do saber) e capazes
de transmiti-los aos jovens, o que se contrapõe ao pensamento de Sócrates. São
atribuídas a ele duas expressões conhecidas: ”Conhece-te a ti mesmo” e “Sei que
nada sei”, das quais se pode inferir que para ele o conhecimento é um processo
de busca da verdade, não a verdade dos sofistas determinada por convenção,
mas da verdade alcançada a partir de cada conhecimento, que acaba por
desnudar diante de nós uma nova ignorância – “sei que nada sei”. Platão torna-se
discípulo de Sócrates aos vinte anos e estuda os mais importantes personagens
do período pré-socrático, aos quais tece elogios e críticas. Os escritos platônicos
têm a forma de diálogos o que parece ter sido inspirado por Sócrates que, apesar
31
de nada ter deixado escrito, usava o diálogo e o poder da argumentação para
suscitar conhecimentos.
1.2.3 AS TEORIAS DO CONHECIMENTO DE PLATÃO E DE ARISTÓTELES
A Teoria do Conhecimento elaborada por Platão pode ser caracterizada pelo
dualismo: põe de um lado o mundo sensível – mundo físico – percebido pelas
aparências das coisas, que dá origem ao conhecimento sensível, particular e
relativo; e do outro o mundo inteligível ou das idéias puras que origina o
conhecimento intelectual, universal e absoluto (CHAUÍ, 2002, pp. 249-252). Tanto
conhecimento sensível quanto o conhecimento intelectual superam um ao outro
num caminho ascendente (IBID., p.249), o que se assemelha às idéias de
Vygotsky sobre a formação de conceitos, mais especificamente aos conceitos
cotidianos e conceitos científicos. Para Vygotsky, os conceitos cotidianos,
carregados de experiência pessoal, estão diretamente ligados a objetos concretos
do mundo: generalizam coisas, percorrendo um caminho ascendente que vai do
concreto ao abstrato. Os conceitos científicos envolvem uma atitude mediada em
relação aos objetos: são mediados por outros conceitos, são generalizações de
generalizações, e ocupam um lugar dentro de um sistema de conceitos.
Percorrem um caminho descendente que vai do abstrato para o concreto, fazendo
com que o indivíduo num primeiro momento reconheça melhor o próprio conceito
do que o objeto que ele representa (VYGOTSKY, 1998a, 1987).
Na obra intitulada A República, Platão indica quais ações cognitivas
realizadas pelo corpo e/ou pela alma correspondem a objetos do mundo sensível
ou do mundo inteligível. Para tanto, propõe uma figura denominada “Símile da
linha” (Figura 1.1), onde AB representa a totalidade da realidade, AΓ o mundo
sensível e ΓB o mundo inteligível, na qual se pode perceber que o mundo
inteligível corresponde à maior parte da realidade. Cada um desses mundos é
responsável por diferentes tipos de conhecimentos.
A Γ E B
Imagens Opinião Raciocínio Intuição
Figura 1.1: Símile da linha
32
De acordo com Chauí (2002, pp.249-257), A corresponde ao conhecimento
por imagens ou a imaginação, mas as que são apreendidas por uma percepção
de segunda mão como as cópias de coisas sensíveis, reflexos no espelho ou na
água, pinturas ou imagens da memória, nela a atividade cognitiva é a percepção
indireta. ∆Γ é o conhecimento necessário na vida cotidiana, por isso está
diretamente ligada à cultura de cada sociedade. Representa a crença que
depositamos na sensação e na percepção ou a opinião que formamos a partir das
sensações, a atividade cognitiva é a sensação. ΓE é o raciocínio que seleciona os
argumentos para uma dedução, é o conhecimento dos objetos matemáticos que
nos permite passar da aparência das coisas para a essência delas, a atividade
cognitiva associada a ele é o raciocínio discursivo. EB é o conhecimento que
atinge a própria ciência, ou seja, conhece a verdade incondicionada, a atividade
cognitiva relacionada o esse conhecimento é a intuição direta, a forma inteligível
apreendida diretamente pela inteligência assim como as relações entre as idéias.
Poderíamos dizer que são os próprios conceitos científicos na linguagem
vygotskiana.
Platão, a exemplo do que fazem vários pesquisadores contemporâneos,
destaca a importância da linguagem como instrumento instrucional. Em Górgias
10
fala sobre o emprego de diálogos a fim de fazer com que o aprendiz explicite suas
opiniões a partir das intervenções feitas pelo seu interlocutor. Usando um termo
anacrônico, os diálogos favorecem o encaminhamento das discussões para um
exame das atividades cognitivas do sujeito da aprendizagem.
Para explicar a transição entre os níveis de conhecimento, no Livro VII da
República, Platão escreve o Mito da Caverna, um diálogo entre Sócrates e
Glauco, no qual Sócrates, através de metáforas, pretende levar Glauco a
entender o que é, e como se atinge o verdadeiro conhecimento. Traçando um
paralelo entre o conhecer e o ver, Sócrates diz que a visão é uma atividade e uma
passividade dos olhos que nos permite atingir apenas o mundo sensível (luz e
cor, por exemplo). O conhecer é alcançado quando vemos com os olhos da alma
10
Górgias é o título de um dos diálogos escritos por Platão durante a juventude no qual fala sobre a retórica
como mentira, adulação e veneno, uma crítica aos sofistas.
33
(ou com os olhos da inteligência), já que a alma (ou a inteligência) é receptora das
ações que produzem as idéias (as formas inteligíveis, os conceitos).
A Teoria do Conhecimento é um dos temas centrais da teoria platônica,
especialmente a distinção entre o mundo das aparências mutáveis, ligado as
experiências sensoriais (mundo sensível) e o mundo das idéias perenes, ligado a
razão (mundo inteligível), e o modo pelo qual transitamos entre eles; traçando um
percurso que vai das impressões sensíveis, às opiniões estabelecidas, seguindo
pelo pensamento discursivo que constrói o raciocínio, chegando finalmente ao
pensamento intuitivo, as idéias, ao conhecimento. Com a morte de Platão esse
assunto continuou a ser tema de discussão pelas mãos de Aristóteles, seu
discípulo.
A Teoria do conhecimento de Aristóteles contrapõe-se a de Platão pela
importância dada às experiências sensoriais na aquisição de conhecimentos.
Platão separa radicalmente sensação e intelecto, julgando a primeira mutável e,
portanto variável, e o segundo sempre verdadeiro e independente dos dados
sensoriais. Aristóteles afirma que nossos conhecimentos começam com os
objetos oferecidos pela sensação que vem por meio dos nossos órgãos dos
sentidos. Para ele a sensação é condição da ciência e formula tipos distintos de
conhecimentos – conhecimento sensível e conhecimento inteligível (CHAUÍ, 2002,
pp. 437-439).
O conhecimento sensível é aquele que vai de um caso particular para o
geral. Seu percurso vai das sensações às imagens e percepções, daí às palavras,
e delas aos conceitos, proposições e silogismos. Este conhecimento dá-se de
acordo com nossas potencialidades, diferença fundamental entre o conhecimento
sensível e o conhecimento inteligível que percorre o caminho da ciência. Começa
com os princípios universais, conhecidos por intuição intelectual, sobre os quais a
razão operando com axiomas, definições e demonstrações nos permitem ir de um
caso geral para um particular, formulando assim um conceito verdadeiro (IBID.,
2002, p.438).
De acordo com Aristóteles no início do processo de aquisição do
conhecimento somos como “um pedaço de cera” em que nada foi gravado ou não
34
foi dado forma, o que séculos depois Locke (1991) iria chamar de “tábua rasa”, ou
seja, um pedaço de cera com potencialidade para ser transformado. Para
Aristóteles somos seres que por natureza desejam o saber, somos seres
potencialmente sensíveis e intelectuais, no entanto a passagem da sensação para
a intelecção não acontece espontaneamente, mas sim por aprendizagem.
O embate sobre a influência das experiências sensoriais e do racionalismo
na formação dos conhecimentos segue por séculos. No final do século XVI surge
um movimento intelectual que defendia o domínio da razão sobre a visão
teocêntrica que dominava a Europa: o Iluminismo, que acolheu dois grupos
antagônicos, os racionalistas e os empiristas.
1.2.4 OS ILUMINISTAS
O final do século XVI foi uma época marcada por transformações que
surgiram em oposição à visão que prevaleceu durante a Idade Média.
Preocupações nos campos de investigação religioso, filosófico e científico
emergiam e surgem duas grandes orientações metodológicas abrindo as
principais vertentes do pensamento moderno: a perspectiva empirista proposta
por Francis Bacon (1561 – 1626) que preconizava uma ciência sustentada pela
observação e pela experimentação e o racionalismo moderno defendido por
Descartes (1596 – 1650) que buscava na razão os recursos para a certeza
científica (DESCARTES, 1979, pp. IV-X).
Um dos representantes do período Iluminista foi Thomas Hobbes (1588-
1679) cuja obra foi influenciada por essas duas correntes: o empirismo baconiano
graças a sua convivência com Bacon de quem foi secretário por algum tempo, e o
racionalismo cartesiano por discussões travadas com Descartes em
correspondências trocadas entre eles, nas quais Hobbes apresentava suas
objeções a respeito das Méditations sur la Philosophie Prémière
11
(IBID., p.XIV).
Essa dicotomia lhe rendeu um projeto filosófico denominado por alguns autores
de racionalismo empirista ou empirismo racionalista (HOBBES, 1979, pp.IV-XV).
11
Publicada por Descartes em 1641.
35
Pode-se reconhecer o que motivou essa denominação em uma de suas principais
obras, o Leviatã publicado 1651, onde Hobbes declara que “a sensação é o
princípio do conhecimento dos próprios princípios, e a ciência é inteiramente
derivada dela” (IBID., p.XIII), reduzindo assim, o pensamento a uma modalidade
de sensação. Por outro lado, para Hobbes a percepção é explicada
mecanicamente a partir das excitações transmitidas pelo cérebro, para ele o
homem é uma estrutura mecanicista.
A vida de Descartes é marcada pela contradição até 10 de novembro de
1619 quando teve um sonho no qual se revelou sua missão filosófica. Caberia a
ele a tarefa de submeter às leis da natureza as leis matemáticas o que
proporcionaria um conhecimento claro e seguro de todas as coisas do Universo
(IBID., p. XIII). Toda sua obra é fortemente marcada por um lineamento racional o
que o faz considerar que as percepções dos sentidos perturbam e obscurecem a
clareza do entendimento oferecido pela natureza (IBID., p. 171). Em Dióptrica,
publicado em 1637, Descartes concebe o papel dos olhos no ato da visão,
voltando a esse assunto em As paixões da alma. Para ele os olhos são órgãos
intermediários que recebem o movimento ou a luz refletida pelos corpos, que
chega ao cérebro (à alma) através dos nervos ópticos, o que nos faz perceber a
diversidade das coisas. Deste modo, a visão é considerada, então, pensamento
confuso, derivado do contato do pensamento puro com a extensão, mais
precisamente, como a ação da luz sobre os olhos, que a alma recebe e decodifica
(IBID., pp. 222 – 231).
Os filósofos racionalistas do século XVII construíram sistemas abstratos de
explicação da realidade baseando-se no uso da razão, uma capacidade inerente
ao próprio intelecto humano. Leibniz (1646 – 1667) foi profundamente influenciado
pelas idéias de Descartes, algumas refutadas posteriormente.
No Discurso de Metafísica, Leibniz (1974, pp. 100 – 101) debate algumas
idéias de Aristóteles e de Platão, contrapondo-se ao primeiro. Discorrendo acerca
da Teoria de Reminiscência de Platão, na qual Platão relatou que Sócrates, para
36
demonstrar a Mênon
12
que a verdade e o conhecimento são inatos por sermos
seres racionais, propõe-se fazer com que um jovem escravo analfabeto
demonstre o Teorema de Pitágoras. Travando um diálogo, conhecido
posteriormente como a interrogação socrática, faz com que o escravo demonstre
sozinho o teorema (CHAUÍ, 2002, pp.198-202). Para Leibniz, o êxito do escravo
prova que “nossa alma sabe virtualmente todas estas coisas e apenas requer
animadversiones para conhecer as verdades” (LEIBNIZ, 1974, p.100), em outras
palavras, “os sentidos, se bem que necessários para todos os nossos
conhecimentos atuais, não são suficientes para dar-no-los todos, visto que eles só
nos fornecem exemplos, ou seja, verdades particulares ou individuais” (IBID.,
p.114).
Para os racionalistas, como Descartes (1979) e Leibniz (1974), o saber é
assegurado pelo intelecto. A mente ou o espírito percebem e conhecem as coisas
pelas regras da razão. Assim, todas as verdades contidas na Aritmética e na
Geometria poderiam ser conhecidas se considerássemos que temos pronto em
nossa mente um raciocínio lógico, sem ter recorrido às verdades aprendidas pela
experiência. Os empiristas opondo-se a essa tendência defendiam a idéia de que
todo conhecimento é conseqüência da experiência (LOCKE, 1991, pp. XI-XII).
Leibniz investiu principalmente na contraposição das idéias do filósofo inglês John
Locke (1632 – 1704) um dos nomes de maior destaque do empirismo, publicando
em 1704
13
os Novos Ensaios Sobre o Entendimento Humano. Desenvolvido como
uma crítica ao pensamento Locke, os Novos ensaios foram escritos na forma de
um diálogo apresentando um debate entre duas personagens: Teófilo,
representante de Leibniz e Filaleto, representante de Locke (LEIBNIZ, 1974,
p.113).
Nos Novos Ensaios Sobre o Entendimento Humano, Leibniz rejeita a teoria
empirista de Locke publicada em 1690 – Ensaios Sobre o Entendimento Humano,
uma crítica ao inatismo
14
que o levou a conceber a alma humana, no momento do
nascimento, como uma “tábua rasa”, como um papel em branco, no qual
12
Mênon conhecedor dos ensinamentos dos sofistas tenta praticá-los com Sócrates, propondo como tema de
discussão se a virtude pode ou não ser ensinada (CHAUÍ, 2002, p.198).
13
Ano da morte de Locke.
14
Ou racionalismo.
37
inicialmente nada há escrito. Em suas conclusões, Locke postula que se o homem
adulto possui conhecimento, ele é fruto das idéias
15
geradas a partir da
experiência sensível e da reflexão (LOCKE, 1991, p.XII). De certa forma, Locke
aponta uma dicotomia na construção do conhecimento. Por um lado somos
sujeitos passivos, já que nascemos ignorantes e recebemos tudo de nossas
experiências sensíveis, ao mesmo tempo somos sujeitos ativos que refletem
sobre essas experiências elaborando as idéia simples que constroem o intelecto.
Locke postula que o pensamento tem origem nas idéias, dando ao primeiro o
caráter de fenômeno
16
. Para ele o pensamento não cria idéias, e sim combina as
idéias percebidas pelos sentidos, ou seja, idéias resultantes da experiência, sua
única fonte. Para Locke “dá no mesmo dizer ter idéias ou ter percepção” (IBID., p.
29). No entanto, a experiência pode ser externa ou interna. A primeira realiza-se
através da sensação e nos proporciona a representação dos objetos externos:
cores, sons, odores, sabores, extensão, forma, movimento, etc. A segunda
realiza-se através da reflexão, que nos proporciona a representação das próprias
operações exercidas pelo espírito sobre os objetos da sensação, como: conhecer,
crer, lembrar, duvidar, querer, etc (IBID., pp. 27-31).
Em 7 de julho de 1688, William Molyneaux (1656 -1698) enviou uma carta a
John Locke propondo um problema que despertou o interesse de vários filósofos
iluministas e até os dias de hoje diversos pesquisadores discutem tal questão.
Para Locke o problema tornou-se fundamental e permeia todo seu trabalho nos
Ensaios Sobre o Entendimento Humano. O problema de Molyneaux indagava se
um homem que nasceu cego e que aprendeu a distinguir entre uma esfera e um
cubo através do tato seria capaz de distingui-los e nomeá-los usando somente a
visão caso fosse possível torná-lo capaz de ver (RISKIN, 2002, p.19). Locke
responde negativamente (IBID., p.23): “sendo a percepção o primeiro passo na
direção do conhecimento [...] implica que se uma pessoa [...] estiver provida de
menos sentidos, são poucas e embaraçadas as impressões que deixam suas
15
Locke dá o nome de idéias à expressão que adquire o sentido de todo e qualquer conteúdo do processo
cognitivo. Idéia é, para Locke, o objeto do entendimento, quando pensamos, a expressão pensar no sentido
mais amplo, englobando todas as possíveis atividades cognitivas (Locke, 1991, pp. 13-17).
16
Na Filosofia, objeto de experimentação, fato, o que se manifesta a consciência, tudo que é objeto de
experiência possível, isto é, que se pode manifestar no tempo e no espaço segundo as leis do entendimento
(Novo dicionário Aurélio da língua portuguesa, p. 769). O fenômeno é tudo aquilo (material ou ideal) de que
podemos ter consciência, de qualquer modo que seja.
38
marcas nela [...] permanecendo, deste modo, bem distante do conhecimento
descoberto por outras pessoas” (LOCKE, 1991, pp. 43-44). Para ele, o tato
descobre a extensão os corpos sensíveis que estão ao seu alcance, enquanto os
olhos aprendem nos corpos e nas cores o que está ao alcance de sua vista (IBID.,
p. 55), ou seja, já que nossos conhecimentos dependem de nossos sentidos as
qualidades predominantes num objeto são reconhecidas se percebidas pelos
órgãos adequados para percebê-las (IBID., pp. 130-131). Desse modo, como
Locke afirmou, a mente é como um papel em branco ao nascermos, o homem
nascido cego desprovido de experiências visuais, não poderia ter idéias oriundas
da visão e, portanto não teria habilidade para reorganizar objetos visualmente
(RISKIN, 2002, p.19).
Naturalmente, respostas distintas foram oferecidas para este importante
problema da teoria empirista, e podemos perceber nelas diferentes valores
atribuídos as experiências originadas pela sensação e pela percepção,
principalmente no que se refere à influência do corpo na cognição. Leibniz nos
Novos Ensaios, revisitando a questão de Molyneux a responde de forma
afirmativa, distinguindo imagens (produto dos sentidos) de idéias exatas
(constituídas por imagens e constituintes de definições). Para ele, o tato poderia
oferecer ao cego, imagens táteis coincidentes ou não com as idéias exatas, no
entanto essas seriam suficientes para que ele percebesse ao poder ver que a
esfera não tem pontos distintos e que no cubo podem-se perceber oito pontos
distintos (RISKIN, 2002, p.24).
Uma das principais características da filosofia francesa do século XVIII foi a
oposição a esses dois sistemas antagônicos – o empirismo e o racionalismo.
Embora racionalistas, os filósofos desse século concebiam a razão como uma
força que parte da experiência sensível e desenvolve-se juntamente com ela,
sintetizando essas duas vertentes da filosofia moderna.
Em agosto de 1749 o problema de Molyneaux chega às mãos de Diderot
(1713 – 1784) e agregam-se a ele outros fatos que motivaram Diderot a dedicar-
se ao assunto, como as cirurgias de extração de cataratas realizadas por
39
Réaumur
17
na França. Nesse mesmo ano ele publica a Carta sobre os Cegos
para o Uso Daqueles que Vêem obra que determinou sua prisão no castelo de
Vincennes. Nela Diderot assume uma concepção materialista integrando a essa
conceitos das ciências biológicas. Centrando-se na idéia de uma organização da
natureza que constitui um sistema formado por uma cadeia contínua cujo fluxo vai
das formas mais primitivas as mais complexas da matéria, fazendo assim uma
releitura do que foi concebido por Heráclito de Efeso
18
na Antiguidade (DIDEROT,
1979, pp. VII-XIII).
Na Carta Diderot fala a respeito de uma entrevista com um “cego de
nascença” e surpreende-se com os relatos desse sujeito, concluindo que os
cegos adquirem conhecimento através da “imaginação que nada mais é do que a
faculdade de recordar e combinar sensações de coisas palpáveis” percebendo “as
coisas de uma forma muito mais abstrata” que os videntes (IBID., p. 10). Quanto à
resposta para a questão de Molyneaux apresenta inicialmente algumas das
respostas oferecidas por filósofos renomados, como ele mesmo classifica. Inicia
pela do próprio Molyneaux, empirista que declara que o cego que passa a usufruir
da visão não distinguiria entre o cubo e a esfera, pois ele não seria capaz de
reconhecer através dos olhos as características que aprendeu pelo tato (IBID., p.
21). Citando Locke, mostra sua posição de concordância com Molyneaux. No
decorrer da Carta Diderot remete-se a Saunderson
19
por quem demonstra
profunda admiração, e diz que se o cego que passa a ver fosse Saunderson,
inicialmente reconheceria um quadrado e um círculo graças às propriedades que
aprendeu pelo tato dessas formas, mas substituir o círculo pela esfera e o
quadrado pelo cubo necessitaria de um período de experiência, pois “há casos
em que o raciocínio e a experiência [...] podem esclarecer a vista acerca da
relação do tato, e instruí-la de que aquilo que é assim para o olho é assim
também para o tato” (IBID., p. 28).
17
Físico e naturalista francês (1683 – 1757).
18
Para Heráclito reconhece no mundo um fluxo eterno e não caótico, onde tudo flui e move-se sem cessar
(CHAUÍ, 2002, pp. 81-82).
19
Nicholas Saunderson (1682-1739) matemático inglês, professor da Universidade de Cambridge e membro
da Royal Society que perdeu a visão no seu primeiro ano de vida ao contrair varíola. Desenvolveu um método
que ele chamou de “Aritmética palpável” para o estudo da aritmética e do cálculo algébrico (FERNANDES,
2004, p.83).
40
Ao apresentar sua resposta, Diderot declara que a princípio o cego tornado
vidente nada poderia reconhecer. Seria preciso dar-lhe algum tempo para que seu
olho aprendesse a ver, e que mesmo depois desse período de experiência, o
reconhecimento das formas dependeria da inteligência e do grau de instrução do
sujeito (IBID., pp. 22-27). Em seu texto, Diderot vale-se ainda dos ideais
empiristas de Condillac (1715 – 1780) para quem o sujeito de Molyneaux seria
capaz de reconhecer o cubo e a esfera, pois “quando os olhos enxergarem um
círculo a alma entenderá que se trata de um globo (RISKIN, 2002, p.48).
Assumindo uma posição aristotélica, Condillac sustentava os ideais
empiristas agregando a esses ideais sensualistas. Para Condillac, a única fonte
de conhecimento é a sensação que, transformando-se, tudo explica.
Sistematizando e criticando os pontos de vista de Locke publicou em 1746 o
Ensaio sobre a Origem dos Conhecimentos Humanos e em 1754 o Tratado das
Sensações nos quais se refere à questão de Molyneaux. Simulando o processo
de humanização de uma estátua de mármore estuda cada um dos cinco sentidos
separadamente e a influência de uns sobre os outros. Imaginando o homem como
uma estátua de mármore privada de toda sensação organizada internamente
como se fosse um homem, Condillac o vê como uma “tábua rasa” que em um
dado momento passa a ter uma sensação de olfato, e mediante esse sentido, que
é o mais pobre dos sentidos segundo ele, o exercício de todas as suas
faculdades. Contudo é mediante o tato que o espírito, adquire consciência do
mundo físico, do próprio corpo e dos demais corpos, considerando assim o
sentido do tato fonte primeira das informações sobre a existência dos objetos
externos (CONDILLAC e DEGÉRANDO, 1989). Contrapondo-se ao postulado por
Diderot:
Concebe-se sem dificuldade que o uso de um dos sentidos pode
ser aperfeiçoado e acelerado pelas observações do outro; mas de
modo algum que haja entre suas funções uma dependência
essencial. Há seguramente nos corpos qualidades que jamais
perceberíamos sem o toque; é o tato que nos instrui acerca da
presença de certas modificações insensíveis aos olhos, que só as
percebem quando foram advertidos por este sentido; mas tais
serviços são recíprocos; e naqueles que possuem a vista mais
fina do que o tato, o primeiro desses sentidos é que instrui o outro
da existência de objetos e das modificações que lhe escapariam
devido à sua pequeneza (DIDEROT, 1979, p.24).
41
Como resultado de sua investigação Condillac afirma que o conhecimento se
dá a partir das transformações das sensações, o que podemos chamar
percepção, e considera que o novo vidente poderá distinguir entre o cubo e a
esfera assim que estiver treinado para ver, ou seja, assim que seus nervos e
músculos estiverem acostumados a oferecer respostas a luz (CONDILLAC e
DEGÉRANDO, 1989, pp. 46-59) – “é fácil compreender por que só o olho tem
sobre os outros sentidos a vantagem de aprender com o tato a conferir extensão
às suas sensações” (IBID., p.55).
O filósofo escocês Thomas Reid (1710 – 1796) também reporta-se aos
experimentos do doutor Cheselden
20
em sua obra An Inquiry into the Human Mind
on the Principles of Common Sense, publicada em 1764. Fazendo distinções
entre objetos visíveis (os que são percebidos pelos olhos) e objetos tangíveis
(aqueles que são reconhecidos pelo tato) Reid responde positivamente a questão
de Molyneux. Para ele, os olhos dos videntes e as mãos dos cegos oferecem
concepções distintas de um mesmo objeto.
A forma visível conduz o vidente diretamente a concepção da
forma real que é um signo. Mas os pensamentos do homem cego
movem-se na direção oposta: ele deve primeiro conhecer a forma
real, à distância e a situação real do corpo, é a partir disso que ele
lentamente traça uma forma visível aplicando o raciocínio
matemático. Sua natureza não o conduz a conceber essa forma
visível como um signo, é – e ele sabe que é – uma criação de sua
própria razão e imaginação (REID, 1997, p.59) (Tradução nossa).
O fato é que no século XVIII prevalecia nos escritos filosóficos que
pretendiam discutir a questão de Molyneux o exemplo de Saunderson, e pode-se
perceber nesses escritos relativa unanimidade na afirmação de que os cegos têm
talento especial para os estudos relativos à Geometria. Talvez isso não se deva
unicamente a Saunderson, notável geômetra, mas também a posição defendida
por Diderot que argumentou que a privação sensorial a que os cegos são
submetidos os tornam pensadores matemáticos abstratos (RISKIN, 2002, p.53).
Fato que pode corroborar com a assertiva de Diderot é a história de Leonhard
Euler (1707 – 1783) matemático notável que viveu nesse século. Em 1740, Euler
20
Em 1728, Cheselden publicou um estudo que intitulava o relato de um jovem cavaleiro, nascido cego, ou
que perdeu a visão prematuramente, de modo que não possuía lembrança alguma de ter enxergado, e que
foi operado de catarata entre os 13 e 14 anos de idade. Relatava uma cirurgia nova a qual Cheselden fez
uma pupila artificial. A cirurgia funcionou. E a grande questão era como o rapaz veria? (SOUZA, 2004, p.126)
42
perdeu a visão de um dos seus olhos e durante o período que viveu em Berlim
(1741 – 1766) era chamado de ciclope por Frederico II numa referência a sua
característica física. Praticamente metade de sua obra foi produzida depois de
ficar completamente cego
em 1771, mesmo tendo tentado uma cirurgia para
remoção de catarata. Neste período contou com a colaboração de dois de seus
filhos, Johann Albrecht Euler, que seguia seus passos, e Christoph Euler, que
estava na carreira militar, além de dois membros da Academia de São
Petersburgo, A. J. Lexell e W L Krafft e do jovem matemático N. Fuss
(O'CONNOR e ROBERTSON, 1998).
Vygotsky (1997) atribuiu ao período do Iluminismo o início de uma era que
mudou a concepção sobre a cegueira, permitindo que se buscassem respostas
mais adequadas para as sensações originadas a partir do tato e às percepções
que se seguiam a elas (p.101). Fazendo referência a Saunderson e seus estudos
geométricos, destaca ter sido sua limitação visual a força propulsora para a
emergência de uma estrutura de super compensação. Deste modo, Vygotsky
afirma que Saunderson não só venceu os limites impostos pela deficiência, como
também “elevou seu desenvolvimento a um nível superior transformando a
deficiência em talento, o defeito em capacidade, a debilidade em força, a
insuficiência em sobre valor”, o que o permitiu “vencer a limitação espacial
provocada pela cegueira para dominar o espaço e as formas superiores
acessíveis a humanidade somente pelo pensamento científico e pelas
construções geométricas” (p. 103).
1.3 VYGOTSKY E SEUS SEGUIDORES
Nas últimas décadas, teóricos como Piaget e Vygotsky assumiram a
importância das experiências sensoriais para a aquisição de conhecimentos e
influenciaram os estudos sobre a ciência da cognição. Enquanto no referencial
construtivista, o conhecimento se dá a partir da ação do sujeito sobre o meio,
sendo o sujeito considerado ativo, para Vygotsky, esse sujeito não é apenas ativo,
mas interativo, pois é na troca com outros, consigo mesmo e com os artefatos que
constituem o meio que os conhecimentos são internalizados.
43
Em 1924, Vygotsky, convidado para trabalhar no Instituto de Psicologia de
Moscou, conhece Alexander Luria e Alexei Leontiev. Juntos eles desenvolvem
estudos destinados a estruturar uma nova psicologia para a União Soviética pós-
revolucionária permeada pela ideologia do materialismo histórico e dialético de
Marx e Engles (VEER e VALSINER, 1996; OLIVEIRA, 2005). Em 1925, Vygotsky
organiza o Laboratório de Psicologia para Crianças Deficientes que em 1929 seria
transformado no Instituto de estudos de Deficiências.
Os estudos desenvolvidos por Vygotsky na área da Educação Especial
foram difundidos pelos seus trabalhos e pesquisas na área de uma ciência que
ele denominou Defectologia – ciência destinada a estudar os processos de
desenvolvimento de crianças que apresentavam deficiências físicas, mentais ou
múltiplas. Vygotsky (1997) parte das idéias de Alfred Adler
21
e as amplia para
discutir sua concepção de desenvolvimento das crianças com necessidades
especiais. Para Adler, o conflito gerado pela falta de correspondência do órgão
cujas funções estão comprometidas com as tarefas impostas pelo meio, cria
possibilidades e estímulos para a compensação e super compensação no
caminho do cumprimento da tarefa. Para Vygotsky esse processo de
compensação outorga peculiaridades ao desenvolvimento do deficiente, “são elas
que instituem formas de desenvolvimento criativas, infinitamente diversas, às
vezes profundamente raras, iguais ou semelhantes as que observamos no
desenvolvimento típico de uma criança normal” (IBID., p.16).
Ao falar sobre uma abordagem pedagógica destinada aos aprendizes cegos,
Vygotsky (1997, p.227) destaca que a lacuna gerada pela cegueira sobre as
experiências visuais podem ser minimizadas por outros canais perceptivos, por
exemplo, utilizando-se, representações concretas. Para ele, a percepção é parte
de um sistema dinâmico de relações, que ao longo do desenvolvimento humano,
torna-se cada vez mais um processo complexo, agindo num sistema que envolve
outras funções entre as quais a memória e a atenção (IBID., 1998a, pp.41-49). A
memória forma-se a partir da combinação dos elementos – constituídos a partir
dos campos perceptivos – do presente e passado. “A memória da criança não
somente torna disponíveis fragmentos do passado como, também, transforma-se
21
Psicólogo austríaco (1870 — 1937).
44
num método de unir elementos da experiência passada com o presente” (IBID.,
p.48). “Percebo o objeto como um todo, como uma realidade completa, articulada
e não como um amontoado de informações sensoriais” (IBID., p.42), “a atenção é
concentrada basicamente no estímulo” (VEER e VALSINER, 1996, P.129).
Ao discutir percepção e experiências sensoriais, Luria (1992a, pp 1-4)
aproxima-se do pensamento de Diderot, não no que se refere à concepção
materialista, pois essa era uma das marcas do ideal marxista, mas a idéia de que
percepção e experiências sensoriais constituem um sistema cujo fluxo vai das
formas mais primitivas às mais complexas. Descrevendo as percepções visuais,
ele percorre um caminho que segue da percepção primitiva, fortemente conectada
ao universo do sujeito, a percepção do mundo externo, ligada ao sócio cultural.
Luria descreve a visão como resultado de um estímulo que deixa impresso
na retina uma imagem a qual o sujeito atribui qualidades denominadas invariantes
(como: longe, grande ou perto), mas a habilidade para atribuir tais qualidades está
intimamente ligada as experiência do individuo em seu meio sócio histórico. A
princípio a criança vive uma fase que Luria descreve como “fase das percepções
ingênuas”, na qual a criança não possui um repertório significativo de
experiências prévias que favoreça a análise dessas imagens oferecendo
parâmetros que permitam avaliar os objetos inseridos no mundo externo. Essas
percepções ingênuas são modificadas por um mecanismo especial nomeado
eidético
22
que permite a descrição dos objetos mesmo quando eles não estão
presentes no campo visual da criança. Esse mecanismo permite que com o tempo
os olhos da criança assumam o papel de um instrumento perceptivo que,
associado às experiências, favorecem a elaboração das sensações visuais
transformando-as em percepções do mundo externo que passa a ser percebido
com um caráter integral. Luria, a exemplo do que é defendido por Vygotsky,
destaca que a experiência da criança só se adapta ao mundo externo com o
desenvolvimento do pensamento e da linguagem. Falando sobre Defectologia,
estudo que desenvolveu com Vygotsky, ele declara ser uma lenda que as
pessoas cegas são portadoras de um “sexto sentido” conseqüência de dotes
22
Segundo Edmund Husserl relativo à essência das coisas e não a sua existência ou função (Novo dicionário
Aurélio da língua portuguesa, p. 621).
45
especiais desenvolvidos a partir do tato e da audição. Para ele, o
desenvolvimento auditivo e tátil aparentemente superior no cego não é resultado
de um refinamento fisiológico inato ou adquirido dos órgãos receptores, mas
produto de uma “cultura dos cegos” que usa os receptores disponíveis para
compensar sua deficiência (LURIA, 1992b, pp. 1-5).
Leontiev (1978) discute a percepção com base na teoria da cognição de
Marx, que defende a idéia de que a atividade é a base para a cognição humana.
Segundo Marx, é durante a atividade que se origina e desenvolvem-se o
pensamento e as percepções humanas. Falando sobre a Psicologia dos
Processos Cognitivos, possivelmente influenciado por seus trabalhos na área da
Defectologia e ainda sob o aporte marxista, Leontiev postula que o potencial da
percepção depende da estrutura dos órgãos dos sentidos, entretanto para que
uma imagem sensível – visual ou tátil – possa ser concebida é necessário um
relacionamento ativo entre o homem e o objeto.
O ser humano vive como se fosse num círculo cada vez mais
amplo de atividade para si. No começo, é um pequeno círculo de
pessoas e objetos que diretamente o circundam: ele desenvolve
interação com eles, uma percepção sensorial deles, uma
aprendizagem do que pode ser conhecido sobre eles, um
aprendizado de seu significado. Porém, mais para frente, diante
de si começa a se abrir uma atividade que se encontra muito além
dos limites de sua atividade prática e de seu contato direto: os
limites ampliados daquilo que ele pode conhecer e que é
apresentado para ele pelo mundo. O "campo" real que agora
determina suas ações não é aquele que está simplesmente
presente, mas aquele que existe para ele, existe objetivamente
ou, às vezes, apenas como uma ilusão (LEONTIEV, 1978,
Formação da personalidade) (Tradução nossa).
Para Leontiev a atividade humana é sempre coletiva e é durante o seu
desenvolvimento que se produz instrumentos, relações sociais e linguagem.
Desse modo, o produto das atividades é impregnado pela atividade mental ou
física do ser humano e adquire uma existência objetiva humana, ao que Leontiev
denominou processo de objetificação. (DUARTE, 2005, p.33). Assim, o que era
próprio do ser humano transforma-se numa característica corporificada no produto
da atividade o qual passa a ter uma função específica na práxis social. O
processo de objetificação é, portanto o processo de produção e reprodução da
cultura humana (LEONTIEV, 1977, pp. 9-10).
46
O conceito de atividade defendido por Leontiev (1978) carrega em seu bojo
um processo social com o propósito de atingir um objetivo impregnado de
significados culturais, que ocorre a partir de ações mediadas por sistemas
semióticos
23
os quais levam em si a história de gerações passadas. Desse modo,
a atividade é um processo dialético na qual os indivíduos relacionam-se com o
meio e com outros indivíduos adquirindo a experiência humana. É durante esse
processo que ocorre a objetificação das idéias (ou pensamentos) que evocam,
dirigem e regulamentam a atividade. Como resultado dessa atividade os objetos
externos reconhecidos pelos sentidos adquirem o caráter de objetos de reflexão,
em outras palavras, são objetos do pensamento. Para Radford (2006) o
pensamento é o resultado de uma práxis reflexiva, ou melhor, é um movimento
dialético entre uma realidade constituída histórica e culturalmente e um indivíduo
que reflete sobre ela e a modifica de acordo com suas interpretações e sentidos
subjetivos.
Nossas pesquisas abrangem a perspectiva histórico-cultural orientando-nos
a enfatizar a importância da linguagem, do corpo e da interação no
desenvolvimento cognitivo, mais precisamente a influência dessas ferramentas
semióticas no desenvolvimento cognitivo dos indivíduos cuja carência de um dos
órgãos dos sentidos os faz apropriar-se da cultura de modo particular. O olhar de
Vygotsky sobre as deficiências continua sendo inovador por conceber a
deficiência como uma fonte de superação. Focando esses sujeitos e suas
possibilidades de participação nas práticas sociais, especialmente no âmbito
escolar, acreditamos ser propício discutir as formas de intervenções que podem
potencializar tal desenvolvimento. Nesse sentido, os trabalhos de inspiração
vygotskiana direcionam nossas análises das situações empíricas.
1.4 PESQUISADORES PÓS-VYGOTSKIANOS
Pesquisadores contemporâneos, que usam uma abordagem pós-
vygotskiana, têm destacado a importância de revisitar a cognição de tal forma que
23
Esses sistemas semióticos contemplam artefatos, corpo (através da percepção, gestos e movimentos),
linguagem, signos, etc. (RADFORD, 2006, p.21).
47
possamos pensar na atividade cognitiva como algo que não está confinada a
atividade cerebral. Nossa posição é que não é possível dissociar a experiência e
a percepção da atividade cognitiva, corroborando com o trabalho de muitos
pesquisadores como McNeill, Iverson e Goldin-Meadow, LeBaron e Streeck, Kita
que estudam o potencial comunicativo e cognitivo dos gestos espontâneos que
acompanham o discurso; e de Radford (2004, pp.10-14) que usando uma
abordagem semiótica antropológica aproxima-se das idéias defendidas por
Leontiev, afirmando que os objetos conceituais estão diretamente ligados ao
contexto histórico-cultural, e que a transformação de um objeto conceitual cultural
em um objeto de consciência ocorre através do processo de objetificação.
1.4.1 A OBJETIFICAÇÃO DO CONHECIMENTO
Objetificação é uma palavra derivada da palavra objeto, cuja origem é
proveniente do latim objectare que significa “lançar algo no caminho, lançar algo a
frente”. O sufixo tivação provém do verbo também em latim facere, que significa
“fazer”. Desse modo, epistemologicamente objetificação relaciona-se com as
ações destinadas a tornar aparente ou visível, no sentido de se fazer perceber,
algo para alguém (RADFORD, 2004, 2004a).
Radford (2004, pp.10-14) discute a influência do processo de objetificação
em situações instrucionais destinadas ao estudo de objetos matemáticos entre
outros. Para ele, a transformação de um objeto conceitual cultural em um objeto
de consciência – processo de objetificação – associa-se à percepção semiótica,
um processo em que o uso dos signos relaciona-se dialeticamente com o modo
como os objetos concretos se transformam quando percebidos pelo indivíduo
(RADFORD, BARDINI e SABENA, 2005, p. 2).
A idéia da objetificação está intimamente relacionada com a
natureza dos objetos conceituais e com a relação epistêmica entre
sujeito e objeto: dada a idealidade desses objetos, a única
maneira de se fazer referência a eles é através dos signos
(RADFORD, 2004a, p.13). [...] Objetivar o conhecimento é a ação
de convergência entre o signo e o pensamento que torna aparente
o que no mundo conceitual é esboçado meramente como
potencial (IBID., 2004a, p.2) (Tradução nossa).
48
Neste contexto, objetificação é um processo de tomada de consciência de
algo que está pronto na cultura (IBID., 2005b, p.7), ou seja, um processo ativo no
qual se atribui significados para os objetos que se encontram prontos na cultura e
que tem relação direta com a biografia de cada um. Numa perspectiva
educacional os estudantes devem engajar-se num processo interpretativo e
interativo, que tem lugar num cenário no qual se disponibilizam intencionalmente
ferramentas materiais e semióticas, a fim de favorecer o alinhamento dos
significados culturais e subjetivos dos objetos de estudo.
Numa situação instrucional, a fim de favorecer a objetificação do
conhecimento (objeto cultural), professores e alunos mobilizam toda sorte de
artefatos e signos (ferramentas, símbolos, palavras, gestos, etc.), estes meios
Radford (2004)
24
chama meios semióticos de objetificação. No entanto, signos e
artefatos transportam significados da cultura que num processo de interação
social promovem a reconstrução da atividade psicológica que, graças à
flexibilidade semiótica da mente humana, os corporifica através do que Radford
(1998, p.9) denomina sistemas culturais semióticos. Esses sistemas acumulam a
significação conceitual corporificada no uso do signo. Em outras palavras, todo
objeto de estudo, no nosso caso objeto matemático, é um objeto impregnado de
uma conceitualização cultural corporificada que é visto ou percebido pelos
aprendizes de forma subjetiva de acordo com suas interpretações. O alinhamento
entre os significados subjetivos atribuídos aos objetos pelos aprendizes e o
significado cultural corporificado nesses objetos, envolve uma re-interpretação
ativa dos signos pelos aprendizes que é mediada pelo professor (RADFORD,
BARDINI, SABENA, DIALLO e SIMBAGOYE, 2005).
Radford (2005a) tem discutido o papel dos gestos e da atividade percepto-
motora nas aulas de Matemática. Usando uma abordagem semiótica
antropológica afirma que os objetos conceituais estão diretamente ligados a
ambos, o contexto histórico-cultural e a percepção. Associando o construto teórico
sistema cultural semiótico às percepções (especialmente as táteis no caso deste
estudo) e aos gestos produzidos, apresentaremos nossas análises no intuito de
identificar a objetificação de conceitos matemáticos requeridos para a
24
Ver também RADFORD, BARDINI, SABENA, DIALLO e SIMBAGOYE (2005)
49
generalização dos objetos matemáticos em estudo, e o faremos examinando o
papel do processo de percepção semiótica, especialmente os diálogos e os
gestos sincronizados com o discurso produzidos pelos aprendizes durante as
tarefas experimentais.
... os processos de produção do conhecimento estão
intrinsecamente ligados aos sistemas da atividade o que inclui
outros meios de objetificação físicos e sensoriais além da escrita
(como ferramentas e discurso) e que dão também ao
conhecimento uma forma corpórea e tangível (RADFORD, 2003,
p.41) (Tradução nossa).
A perspectiva pós-vygotskiana fez emergir um novo paradigma no que se
refere à relação ação, experiência e cognição. Esse novo paradigma propõe que
a ação estimulada pela percepção é desencadeadora do processo cognitivo.
Desse modo, o corpo passa a ser um elemento fundamental para a cognição, já
que é, por excelência, o lócus da percepção motora. A ênfase dada pelos
pesquisadores contemporâneos à atividade percepto-motora e sua função na
construção de signos semióticos, nos remete a outra corrente filosófica que surgiu
no final do século XIX – a Fenomenologia.
1.4.2 O CARÁTER FENOMENOLÓGICO DA PERCEPÇÃO
Dentre as várias correntes filosóficas que discutiram a percepção, algumas
discutidas anteriormente neste trabalho, nesta seção nos deteremos à
fenomenológica. Na teoria fenomenológica do conhecimento, a percepção é
considerada originária e parte principal do conhecimento humano, mas com
estrutura diferente do pensamento abstrato. A Fenomenologia postula que não há
diferença entre sensação e percepção porque não temos sensações parciais,
pontuais ou elementares. Sentimos e percebemos formas, isto é, totalidades
estruturadas dotadas de sentido ou de significação (CHAUÍ, 2000). A percepção
tem assim forte relação com o corpo, o mundo e os sentidos, e por isso, talvez,
seja mais adequado falar em campo perceptivo para indicar que se trata de uma
relação complexa entre o sujeito e os objetos num campo de significações visuais,
táteis, olfativas, gustativas, sonoras, motrizes, espaciais, temporais e lingüísticas.
50
Neste sentido há duas vertentes fenomenológicas que devem ser avaliadas,
a de Edmund Husserl
25
e a de Maurice Merleau-Ponty
26
. Ambos os
fenomenologistas atribuem ao corpo função cognitiva, no entanto divergem no
que se relaciona a importância do meio sócio cultural. Nossa posição corrobora
com a tese de Merleau-Ponty que salienta: “sentimentos agrupados pelo mesmo
nome são vivenciados de maneira distinta e até mesmo contrastante por pessoas
de culturas diferentes” (FURLAN e BOCCHI, 2003, p.448), reconhecendo assim a
influência do meio sócio cultural na constituição dos signos.
Na obra Fenomenologia da Percepção, Merleau-Ponty (2006) rebate o
racionalismo postulado por Descartes e a dialética transcendental de Kant para
quem “os conceitos do entendimento são pensados a priori antes da experiência e
com vista a ela, estes, contudo, não contêm senão a unidade da reflexão sobre os
fenômenos enquanto devem necessariamente pertencer a uma consciência
empírica possível” (KANT, 1991, p.15), ou seja, o homem não é meramente
empírico, e sim transcendental, trazendo em si formas e conceitos a priori
27
para a experiência concreta do mundo, os quais seriam impossíveis de
determinar de outra forma. Para Merleau-Ponty, existimos no mundo pelo
corpo, e é por ele que conhecemos e sentimos o mundo, não
por ele estar
diante de nossos olhos, mas sim por estarmos nele, vivendo-o por dentro
(MERLEAU-PONTY, 2006, pp. 108-109). Segundo ele, o corpo está
essencialmente presente nas manifestações intersubjetivas, e encarna a
possibilidade de compreensão dos gestos e das palavras, apontando o caráter
corpóreo da significação, cuja apreensão está na reciprocidade de
comportamentos vividos na dimensão social.
Nemirovsky e Ferrara (2005), apoiados na corrente fenomenológica,
destacam a importância cognitiva do corpo, argumentando que o pensamento não
é um processo que ocorre a margem da atividade do corpo. Desta forma a
compreensão de um objeto matemático está intrinsecamente ligada ao modo que
as tarefas destinadas aos aprendizes atingem diferentes áreas de percepção que
25
Filósofo alemão, conhecido como o principal fundador da Fenomenologia (1859 — 1938).
26
Filósofo francês (1908 — 1961) fortemente influenciado pela obra de Edmund Husserl. Merleau-Ponty
publicou em 1947 um conjunto de ensaios marxistas – Humanisme et terreur – uma obra de defesa do
comunismo soviético.
27
Que não vêm da experiência
51
podem direcionar as ações motoras destes sujeitos. A ativação, provocada pela
tarefa, de diferentes áreas de cognição dos aprendizes, promove mudanças nos
estados de atenção, consciência e emocional dando ao entendimento e ao
pensamento o caráter de atividade percepto-motora (NEMIROVSKY, 2003).
A cegueira dos aprendizes de nossas pesquisas nos conduz a destinar
atenção especial a dois canais perceptivos: a audição e o tato um dos principais
canais de aquisição da informação para estes aprendizes, integrando a esses as
práticas comunicativas – a palavra, diagramas, gráficos, escrita, gestos e outros.
O tato, associado às práticas comunicativas, permitem que eles revelem suas
intenções, emoções e idéias. Roth (2001) denomina tais elementos recursos
semióticos, atribuindo a eles uma função comunicativa que associa
simultaneamente três meios: a palavra, os gestos e os recursos (semióticos)
disponíveis no meio que estão ao alcance do campo perceptível do orador. De
fato, normalmente o discurso é acompanhado por numerosos movimentos do
corpo tais como gestos das mãos, assentimentos com a cabeça, mudanças da
postura, entre outros, que evidenciam uma função comunicativa tornando
aparente e enfatizando mensagens do orador (HEALY e FERNANDES, 2008,
p.2). Neste trabalho nos deteremos aos gestos não só a sua função comunicativa,
mas como atividade percepto-motora, ou seja, sua função cognitiva.
1.4.3 OS GESTOS
Vygotsky (1998a) discute os gestos no desenvolvimento de seus estudos
relativos à linguagem escrita. Para ele:
O gesto é o signo visual inicial que contém a futura escrita da
criança [...]. os gestos são a escrita no ar, e os signos escritos
são, freqüentemente, simples gestos que foram fixados. [...] O
próprio movimento da criança, seus próprios gestos, é que
atribuem a função de signo ao objeto e lhe dão significado. Toda
atividade representativa simbólica é plena desses gestos
indicativos (VYGOTSKY, 1998a, pp. 141-143).
Discorrendo sobre a função simbólica do brinquedo, Vygotsky dá indícios a
respeito da função comunicativa e cognitiva dos gestos. Ele afirma que nas
52
brincadeiras as crianças utilizam objetos para simbolizar outros objetos,
executando com esses objetos gestos representativos. Esses gestos atribuem a
função de signo aos objetos e lhes dão significado, e aos poucos os objetos
passam a cumprir a função de substituição, que associados aos gestos
adequados ganham novos significados. Pode-se dizer, então, que as crianças
criam, por meio de gestos e com a utilização de objetos, notações simbólicas
cada vez mais complexas.
... o brinquedo simbólico das crianças pode ser entendido como
um sistema muito complexo de “fala” através dos gestos que
comunicam e indicam os significados dos objetos usados para
brincar. É somente na base desses gestos indicativos que esses
objetos adquirem, gradualmente, seu significado [...]
transformando-se num signo independente (IBID., p.143-144).
Merleau-Ponty também se refere aos gestos quando discorre sobre a
comunicação pela palavra – “a fala é um gesto, e sua significação é o mundo”
(MERLEAU-PONTY, 2006, p. 250). No seu texto pode-se perceber a defesa do
papel comunicativo dos gestos, que ele associa as emoções e a reciprocidade
com o outro,
... eu não percebo a cólera ou a ameaça como um fato psíquico
escondido atrás do gesto, leio a cólera no gesto, o gesto não me
faz pensar na cólera, ele é a própria cólera [...] O sentido dos
gestos não é dado, mas compreendido, quer dizer, retomado por
um ato do espectador. [...] Obtém-se a comunicação ou a
compreensão dos gestos pela reciprocidade entre minhas
intenções e os gestos do outro, entre meus gestos e intenções
legíveis na conduta do outro. (IBID., p.251).
Desse modo, para Merleau-Ponty numa situação de comunicação os gestos
não são oferecidos deliberadamente, eles carregam em si a intencionalidade do
ator que é compreendida pelo espectador, já que ator e espectador compartilham
as significações disponíveis num mundo comum (partilham a mesma cultura).
É consenso entre os pesquisadores contemporâneos que os gestos
sincronizados com os discursos têm função comunicativa. LeBaron e Streeck
(2000, p.118) os classificam como “linguagem d’ação”, desempenhada por
esquemas de ação motora que são abstraídos do mundo material. Partilhando da
visão sensualista de Condillac e Degérando (1772 – 1842), esses autores
destacam que a comunicação gestual é mediada por conhecimentos de origem
53
experimental compartilhados no mundo material. Esse conhecimento é
incorporado em nossas mãos o que nos faz usá-los certos de que seremos
compreendidos por nossos interlocutores (IBID., p.135). Para eles os gestos são
socialmente situados e emergem nos discursos assumindo uma correspondência
com imagens, objetos, ações ou eventos passados (p.136).
Para McNeill e Duncan (2000, p.148), o sincronismo entre discurso e gestos
é indicador de que eles operam como uma unidade inseparável o que revela a
interdependência entre eles. A confluência entre diálogo e gestos sugere que o
interlocutor combina imagens e conteúdos lingüísticos. McNeill (1992, pp.15-18)
identificou diferentes tipos de gestos, classificando-os como se segue:
Gestos icônicos: têm uma relação direta com o discurso semântico, ou seja,
existe um isomorfismo entre o gesto e a entidade que ele expressa. No entanto a
sua compreensão está subordinada ao discurso que o acompanha.
Gestos metafóricos: indica uma representação pictórica de uma idéia
abstrata que não poderia ser representada fisicamente, como quando, por
exemplo, explicamos aos alunos o limite de uma função f(x) quando x tende a
zero.
Gestos dêiticos
28
: têm a função de indicar objetos reais ou virtuais, pessoas,
posições no espaço.
Gestos rítmicos: são curtos e rápidos e acompanham o ritmo do discurso
dando significado especial a uma palavra, não pelo objeto que ela representa,
mas pelo seu papel no discurso.
Segundo McNeill (1992) os gestos são manifestações visuais de aspectos
imagéticos da cognição, podendo oferecer parâmetros para a compreensão da
estrutura subjacente dos aspectos lingüísticos da cognição,
28
Relativo à dêixis. Faculdade que tem a linguagem de designar demonstrando e não
conceituando
(Novo dicionário Aurélio da língua portuguesa, pp. 530-531).
54
... códigos lingüísticos e gestos imagéticos trabalham juntos como
um único sistema [...]. O modo de falar possui dois lados, um é o
discurso e o outro é o imagético, de ação e visio-espacial. Excluir
o lado dos gestos [...] equivale a ignorar parte da mensagem vinda
do cérebro (IBID., p. 139).
Posição compartilhada com Goldin-Meadow (2003, p. 178), que se apoiando
no defendido por McNeill, declara que o pensamento começa com uma imagem
idiossincrática, que no decorrer do discurso é transformada numa forma
lingüística e gestual.
Ao lado da função comunicativa, Kita (2000, p.162-163) discute a função
cognitiva dos gestos denominados representacionais definidos como gestos
icônicos e dêiticos abstratos de acordo com a tipologia proposta por Mc Neill
(1992). Para Kita, esses gestos desempenham importante papel comunicativo,
mas também apresenta função cognitiva, pois,
... ao falar, o indivíduo elege seletivamente os gestos que podem
suprir de significados a informação, afetando assim o processo
mental de quem fala” (KITA, 2000, p.180) (Tradução nossa).
O autor reafirma sua posição destacando que é possível observar a
ocorrência desses gestos mesmo quando o orador não tem contato visual com
seu interlocutor, por exemplo, em conversações telefônicas. O conceito de gestos
representacionais aproxima-se sensivelmente do conceito de gestos
representativos defendido por Vygotsky (1998a) ao discutir o jogo simbólico dos
objetos nas atividades lúdicas. Alibali, Kita e Young (2000, pp.595--609) apontam
ainda, que a ação de gesticular permite ao orador a organização da informação
espacial a ser oferecida ao seu interlocutor, e que além de ser um agente
facilitador no discurso os gestos podem desempenhar uma função nas atividades
cognitivas como pensamento e memória.
Não há muitas pesquisas que discutem o papel dos gestos espontâneos que
acompanham o discurso quando aprendizes cegos integram o cenário
instrucional. Goldin-Meadow (2003) e Iverson e Goldin-Meadow (1998) destacam
que os cegos usam os gestos da mesma forma que os videntes, tanto nas
interações com videntes como nas com cegos e sugerem que há evidências que
55
apóiam a tese de que, nesse caso, os gestos têm ambas as funções –
comunicativa e cognitiva.
Iverson e Goldin-Meadow (1998) em pesquisas realizadas com crianças
portadoras de cegueira congênita destacam que numa situação dialógica esses
indivíduos usam os gestos com a função de comunicar-se. Essas pesquisas
investigaram a ocorrência de gestos espontâneos nas situações dialógicas entre
cego e vidente; vidente e vidente e cego e cego. De acordo com os resultados
obtidos não há diferenças significativas no número de gestos realizados durante
os diálogos em nenhum dos grupos. Essas autoras destacam que mesmo os
cegos congênitos, ou seja, aqueles que nunca tiveram seus interlocutores visíveis
gesticulam, e que esse ato não pode ser considerado um hábito já que eles não
podem ter um modelo visual para os gestos. Para essas pesquisadoras, os gestos
são partes integrantes do processo de diálogo, e muitas vezes carregam
informações que não são expressas no discurso. Goldin-Meadow (2003) levanta a
hipótese de que os cegos não fazem gestos metafóricos, considerando ser
possível que indivíduos cegos produzam gestos somente para representar objetos
e ações concretas.
Goodwin (2000), analisando os gestos produzidos por arqueólogos durante
escavações numa vila pré-histórica, destaca que ao analisarmos os gestos
produzidos durante uma interação não podemos deixar de considerar o ambiente
no qual eles ocorrem. Deve-se combinar nas análises desses gestos os
movimentos, artefatos e discursos que compõem a cena. Assim, os gestos são
mais do que movimentos do corpo – apresentam características distintas quando
consideramos, por exemplo, a intenção dos agentes na situação, mais
especificamente quando investigamos as práticas usadas para construir a ação
na interação humana situada. Considerando esse aspecto e voltando a
Fenomenologia de Merleau-Ponty, na qual a percepção se faz “com o corpo”
através da sua existência num mundo que é temporal e espacial, acreditamos,
que em nossas análises não podemos deixar de considerar o contexto em que as
interações ocorreram – o escolar.
De modo geral, os autores citados têm trabalhos que discutem a importância
dos gestos na hora de aprender Matemática, considerando o potencial
56
comunicativo e cognitivo de movimentos espontâneos do corpo, gestos de mão,
assentimentos com a cabeça, mudanças de postura e como esses acompanham
o discurso. No entanto, Roth (2001) fazendo uma revisão da literatura dos gestos
nas áreas da Antropologia, Lingüística, Psicologia e Educação, destaca que
existem poucas pesquisas na área educacional centradas na importância dos
gestos no ensino e aprendizagem e suas implicações no planejamento e
avaliação dos ambientes de aprendizagem. Para ele, os estudos relativos ao
papel dos gestos em situações instrucionais poderão verter luz sobre questões
que emergem no cotidiano escolar quando o assunto é ensino e aprendizagem.
Voltando a perspectiva cultural semiótica, Radford (2005a, p.143) destaca
que “os gestos são parte daqueles meios que permitem aos estudantes a
objetificação do conhecimento”, ou seja, permite que os estudantes tomem
ciência de aspectos conceituais que por seu caráter de generalização não podem
ser representados inteiramente no concreto. Radford, Demers, Guzmán e Cerulli
(2003) constituem um construto teórico denominado nó semiótico que se destina
a localizar pontualmente momentos na atividade semiótica do estudante, no qual
gestos e palavras (meios semióticos de objetificação) favorecem a coordenação
do tempo, espaço e movimento conduzindo a objetificação de uma relação
matemática espaço-temporal abstrata. A objetificação do conhecimento implica na
construção de novos significados a partir da percepção e da interação dos
estudantes com os artefatos culturais, dando-se através dos gestos e da
linguagem, o que não nega a natureza dos gestos e das palavras como signos,
mas os destaca como meios semióticos de objetificação (FERRARA, 2004-2005,
p.36). Nesse sentido, Radford (2005a, p.143) destaca:
Os gestos destacam-se no contexto da aprendizagem por
cumprirem uma função importante: eles são elementos
importantes no processo de objetificação dos estudantes. Gestos
ajudam os estudantes a revelar suas intenções, a perceber
relações matemáticas abstratas e tornar aparentes aspectos
conceituais dos objetos matemáticos (Tradução nossa).
De acordo com o exposto, tão importante quanto os gestos, a linguagem
verbal é um componente importante no processo de construção de novos
significados pelos estudantes, cabe a próxima seção nossa discussão sobre esse
meio semiótico de objetificação.
57
1.4.4 A LINGUAGEM VERBAL
Segundo Condillac (1989), a sensação por si só não constitui um
conhecimento. Nessa direção, para que cheguemos a ele, é necessário que
determinada sensação relacione-se a outras através dos signos. Para ele, um
conjunto sistematizado de signos é a linguagem verbal que torna possível a
formação de conceitos. Joseph-Marie Degérando (1772-1842) considera que são
três os meios naturais que o homem dispõe para traduzir o pensamento,
... o primeiro esta nos movimentos de seu corpo; o segundo nos
órgãos da voz; o terceiro nos objetos exteriores [...]. Daí
resultaram [...] os três sistemas de linguagem que chamamos a
linguagem da ação, a fala e a escritura (CONDILLAC e
DEGÉRANDO, 1989, p. 217).
Para Merleau-Ponty (2006, p.250), a fala é o gesto que rompe o silêncio, e
sua significação é o mundo. Segundo ele não é possível dissociar fala e
pensamento,
... a fala não é um “signo” do pensamento, se entendermos por
isso um fenômeno que anuncia o outro [...] eles estão envolvidos
um no outro, o sentido está enraizado na fala, e a fala é a
existência exterior do sentido (Grifo do autor).
A dificuldade quanto à exterioridade é superada através da atribuição de um
sentido à palavra. Nessa direção, o autor diferencia fala falante e fala falada,
sendo a primeira aquela que revela o ato criativo da palavra, na qual a aquisição
cultural se mobiliza em prol da expressão em estado nascente. A segunda
constitui a base da comunicação social, porque é instituída pela cultura.
A partir do momento em que o homem se serve da linguagem
para estabelecer uma relação viva consigo mesmo ou com seus
semelhantes, a linguagem não é mais um instrumento, não é mais
um meio, ela é uma manifestação, uma revelação do ser íntimo e
do elo psíquico que nos une ao mundo e aos nossos semelhantes
(IBID., p.266) (Grifo do autor).
Corroborando com a concepção de Merleau-Ponty, Vygotsky descreve a
linguagem como uma manifestação social, estando sua função comunicativa
estritamente conectada ao pensamento. Deste modo, a linguagem (verbal,
gestual e escrita) é um meio de interação social, através do qual nos apropriamos
58
dos sistemas simbólicos de representação, ou seja, do universo de significações
que permite construirmos a interpretação do mundo percebido.
Radford (1998, p.4), citando Vygotsky e Luria, declara que as leis naturais da
percepção observada nos processos receptivos dos homens submetem-se a
mudanças básicas com a inclusão do discurso na percepção humana, fazendo
com que ela adquira um caráter inteiramente novo. Para Vygotsky (1998a, p.33),
“o momento de maior significado no curso do desenvolvimento
intelectual, que dá origem às formas puramente humanas de
inteligência prática e abstrata, acontece quando a fala e a
atividade prática, então duas linhas completamente independentes
de desenvolvimento, convergem”.
O conceito de mediação semiótica, desenvolvida por Vygotsky, enfatiza os
aspectos simbólicos e discursivos de atividades diversas, ainda associando-as a
aspectos sócio-interacionais entre os indivíduos envolvidos numa situação
problema. Vygotsky atribuía um papel central aos instrumentos de natureza
semiótica, dentro destes, se ocupou centralmente da fala como via principal para
a análise das raízes genéticas do pensamento e da consciência (FERNANDES,
2004, p. 45).
“... a criança, com auxílio da fala, cria um campo temporal que lhe
é tão perceptivo e real quanto o visual. A criança que fala tem,
dessa forma, a capacidade de dirigir sua atenção de uma maneira
dinâmica. Ela pode perceber mudanças na sua situação imediata
do ponto de vista de suas atividades passadas, e pode agir no
presente com a perspectiva do futuro” (VYGOTSKY, 1998a, p.47).
Segundo Vygotsky, a linguagem é a fonte de constituição das funções
mentais superiores, e o uso de instrumentos e a fala afeta em particular a
percepção, as operações sensório-motoras e a atenção (IBID., p.41). Para ele o
conhecimento, ou melhor, o desenvolvimento de conceitos, é adquirido nas
relações interpessoais, através da linguagem e da interação social, o que nos
conduz as práticas discursivas.
59
1.4.5 AS PRÁTICAS DISCURSIVAS
Radford (2003, p.65) afirma que as atividades matemáticas oferecidas nas
salas de aulas associadas à linguagem permitem que os aprendizes “entalhem e
dêem forma” às experiências que emergem quando se trabalha com um novo
conceito. Inicialmente, os termos usados pelos aprendizes para referirem-se a
esses conceitos mostram-se conectados ao contexto, ou seja, não apresentam
indícios de conceitos abstratos. Os meios de objetificação usados durante as
intervenções (ferramentas materiais ou semióticas), principalmente as práticas
discursivas, conduzem a um refinamento da linguagem empregada pelos
aprendizes auxiliando na compreensão da experiência matemática culturalmente
incorporada nos conceitos em discussão. Desse modo, os espaços interacionais e
práticas discursivas criados na sala de aula podem conduzir ao desenvolvimento
de oportunidades de ensino-aprendizagem, desde que esses cenários sejam
estruturados com intencionalidade, a fim de ampliarem o potencial dos atores
envolvidos. Por essa perspectiva, os contextos estabelecidos através das práticas
discursivas refletem e reciclam vozes múltiplas dos atores, que na troca de papéis
encontram a possibilidade de transitarem no caminho ascendente do
desenvolvimento de novos conceitos.
Um fator a ser considerado numa situação de aprendizagem é a intervenção
do instrutor e suas tentativas para favorecer o planejamento e a regulação das
atividades de aprendizagem. A transmissão racional e intencional de experiência
e pensamento a outros requer um sistema mediador, cujo protótipo é a fala
humana, oriunda da necessidade de intercâmbio (VYGOTSKY, 1998b, p. 7).
Assim poderíamos definir o ambiente onde acontece um processo de instrução
como o espaço onde se desenvolve o processo de ensino-aprendizagem de um
determinado grupo de aprendizes, sendo esse processo, basicamente, uma
relação de comunicação entre o instrutor e os aprendizes e destes últimos entre si
– diálogos (FERNANDES e HEALY, 2004, p.5).
Em termos de diálogo instrucional, Renshaw (1996, p. 64) destaca que é
particularmente relevante, quando examinamos a aplicação da teoria
60
sociocultural, perceber que os pseudoconceitos
29
ocupam uma posição crucial na
possibilidade destes diálogos. Destacamos o construto pseudoconceito discutido
por Vygotsky (1998a), que se situam entre os conceitos imaturos e uma forma
mais madura de conceitos, e é essa posição intermediária que cria a possibilidade
de diálogo entre aprendiz e instrutor, onde paradoxalmente um desequilíbrio na
estrutura cognitiva do aprendiz pode produzir uma mudança conceitual - ou um
“mal-entendimento produtivo
30
” (NEWMAN, GRIFFIN e COLE, 1989).
Explorando esse paradoxo que ocorre durante a interação com o instrutor, o
aprendiz começa a usar palavras de modo parecido ao usado pelo instrutor, mas,
de fato, o instrutor entende as palavras de maneira mais geral e abstrata que o
aprendiz, ou seja, o instrutor fala a “voz matemática” que pode ser gradativamente
apropriada pelo aprendiz. Dentro dessa perspectiva Vygotsky (1998b) argumenta
que os conceitos científicos não assumem simplesmente o lugar dos conceitos
espontâneos durante os processos interacionais, mas sim, são construídos a
partir deles. Usando a metáfora de “crescimento”, Vygotsky descreve a influência
recíproca dos conceitos científicos “crescendo” a partir dos conceitos
espontâneos e vice-versa.
Nesse sentido, Confrey (1995, p. 40) argumenta que para Vygotsky, o
aprendiz pode sair de uma atividade experimental empregando de forma
sintaticamente correta a linguagem do seu interlocutor mesmo sem ter
desenvolvido completamente um novo conceito, estando assim fazendo uso de
um pseudoconceito.
Por esse ponto de vista, Renshaw (1996, p. 62) aponta o papel do
pseudoconceito na produção da zona de desenvolvimento proximal (ZDP),
citando Newman, Griffin e Cole (1989), que numa interpretação da teoria
sociocultural de Vygotsky aplicam a idéia de produção de “mal-entendimento
produtivo” à ZDP. Renshaw (1996) argumenta que a criação das condições
necessárias para uma mudança conceitual requer uma divergência nos
entendimentos. Neste contexto da ZDP, o pseudoconceito tem origem a partir da
29
Os pseudoconceitos, discutidos por Vygotsky no capítulo cinco de Pensamento e Linguagem, ficam entre
os conceitos complexos e uma forma mais madura de conceitos.
30
Nossa tradução para productive misunderstanding.
61
noção de “mal-entendimento produtivo” que acaba motivando a divergência de
entendimentos.
Segundo esses autores o número de significados atribuídos a uma palavra
não depende somente do nível relativo de desenvolvimento dos participantes do
diálogo, mas também das diferenças de experiências pessoais ou interpretações
da situação presente. Desse modo, a interação colaborativa com os participantes
de uma situação de aprendizagem capacita o aprendiz a ingressar numa forma
nova, mais geral e abstrata, de diálogo que permite a emergência de uma ZDP.
Assim, a apropriação de um conceito matemático não pode ocorrer
automaticamente, é necessário um processo de ensino que construa conexões
entre conceitos cotidianos e conceitos científicos dentro de uma análise
vygotskiana do desenvolvimento.
Renshaw (1996) adota uma posição parecida em sua descrição dos
experimentos de ensino de Davydov, no qual ele descreve como o instrutor de
uma situação de aprendizagem induz os aprendizes a empregarem a voz
matemática. Inicialmente os aprendizes ingressam no diálogo com uma variedade
própria de gêneros de discursos e o instrutor mostra uma maneira particular de
falar, encorajando os aprendizes a “ventricular” (falar com) suas vozes (p. 74).
Para Renshaw (1996, p. 75), por essa perspectiva, ensinar consiste em
introduzir o aprendiz numa comunidade que tem uma forma particular de agir,
falar e representar objetos e experiências. Desse modo o desenvolvimento
conceitual não se limita a aprender falar com novas vozes, mas também aprender
a articular essas vozes para manter a comunicação e se tornar capaz de adotar
uma voz privilegiada em significado para influenciar seus pares.
1.5 SÍNTESE
A visão de Vygotsky, apresentada neste capítulo, tem sido o ponto de
partida para nossos estudos, ou seja, corroboramos com a idéia de que os
indivíduos cegos têm potencial para um desenvolvimento cognitivo normal,
cabendo aos educadores buscar estímulos e instrumentos adequados para que
62
através de intervenções e interações, esses sujeitos possam ter acesso ao
conhecimento.
Percorremos, neste capítulo, uma trajetória destinada a apontar a influência
de teorias oriundas da Filosofia e da Psicologia sobre a importância das
experiências sensoriais e perceptivas nos processos cognitivos. Os teóricos
apontados neste texto mostram que considerar os resultados dessas experiências
como fenômenos leva-nos a compreender que a atividade cognitiva não se
restringe ao cérebro, mas sim a todo nosso corpo, sejam através dos órgãos dos
sentidos, das ações, das práticas discursivas ou dos gestos.
A cegueira dos aprendizes de nossas pesquisas nos conduz a destinar
atenção especial às práticas discursivas e as ações sobre as ferramentas
materiais disponibilizadas a esses aprendizes na hora de aprender Matemática.
Agregam-se a essas ações e as práticas discursivas os gestos, não só sua função
comunicativa, mas como atividade percepto-motora, ou seja, função cognitiva.
Voltando à Fenomenologia de Merleau-Ponty, na qual a percepção se faz
“com o corpo” através da sua existência num mundo que é temporal e espacial,
acreditamos, que em nossas análises não podemos deixar de considerar o
contexto em que as interações ocorreram. Os dados analisados foram coletados a
partir das interações entre sujeitos portadores de cegueira congênita ou adquirida,
assim sendo, as práticas discursivas, entre estas os gestos, são compartilhadas e
compreendidas por todos quando os vemos como indivíduos que partilham
cotidianamente experiências escolares contextualizadas a partir dos instrumentos
culturais que lhes são relativos. As particularidades dos gestos apresentadas no
decorrer deste texto devem-se, além da especificidade dos sujeitos de pesquisa,
aos sistemas mediadores (ferramentas materiais e discursos) que permearam o
cenário instrucional. Na próxima seção detalhamos os construtos metodológicos
que orientaram nossas escolhas para a estruturação deste cenário.
63
CAPÍTULO 2
A TRAJETÓRIA DO ESTUDO
Toda pessoa tem direito à liberdade de opinião e
expressão; este direito inclui a liberdade de, sem
interferência, ter opiniões e de procurar, receber e
transmitir informações e idéias por quaisquer meios e
independentemente de fronteiras.
(Declaração dos Direitos Humanos, 1948, Artigo XIX)
2.1 INTRODUÇÃO
Atualmente, ao abordar temas que envolvem necessidades educacionais
especiais, o foco das atenções não são as dificuldades específicas dos
educandos, mas o que os educadores podem fazer para dar respostas às suas
necessidades específicas, respeitando a diversidade de cada indivíduo. É
acreditando nas potencialidades inerentes aos educandos que temos
desenvolvido nossas pesquisas. Como mencionamos anteriormente essa tese
mostra parte do trabalho empírico de um projeto de pesquisa que desenvolvemos
ao longo de vinte e sete meses. Neste capítulo descrevemos a trajetória que
percorremos. Uma trajetória repleta de conquistas, mas também de frustrações,
de avanços e recomeços, de acertos, tentativas e erros. Uma trajetória construída
com a colaboração e o envolvimento de muitas pessoas da comunidade que nos
acolheu.
Nossas escolhas metodológicas foram feitas a fim de que pudéssemos
estabelecer uma variedade de entendimentos a respeito dos processos cognitivos
dos sujeitos envolvidos nesta pesquisa, quando os objetos de estudo estão
relacionados à área dos conhecimentos matemáticos, mais especificamente a
65
objetos geométricos. Sendo os sujeitos desta pesquisa indivíduos cegos, os
dados empíricos a serem analisados centram-se nas ações e nos processos
interacionais. Observando estes aspectos acreditamos que poderemos
compreender como as experiências sensoriais e perceptivas influenciam nos
processos cognitivos, ou seja, como o tato, os gestos, os diálogos e as
ferramentas materiais – instrumentos de mediação – influenciam as
interpretações dos fenômenos matemáticos por nossos sujeitos e de como eles
criam e utilizam signos semióticos para comunicarem-se e pensarem
matematicamente.
O tempo de duração da pesquisa, o ambiente em que ela se desenvolveu, o
número e a diversidade das pessoas envolvidas, e principalmente os dados que
queríamos observar, nos levaram a utilizar diversas técnicas e instrumentos de
coleta de dados para que pudéssemos ter uma base consistente para nossas
análises.
A pesquisa destinou-se a contemplar dois pólos inter-relacionados de
investigação: as práticas em uma escola inclusiva e os processos associados à
aprendizagem matemática por alunos SAVDPN, para tanto, o aporte
metodológico adotado vem de várias fontes. Tentamos conduzir uma investigação
colaborativa e co-generativa nos moldes propostos por Greenwood e Levin
(2000). A fim de levantarmos dados sobre a situação atual no campo de pesquisa
conduzimos uma série de entrevistas com seus vários atores, sobre as quais
apresentaremos considerações no Capítulo 4 (ver seção 4.4). A concepção das
atividades propostas no pólo da aprendizagem foi inspirada no método da dupla
estimulação formulado por Vygotsky (1998a, 1998b) e também pelos
procedimentos associados a entrevistas baseadas em tarefas por Goldin (2000).
A análise dos dados videogravados coletados durante a realização das atividades
pelos aprendizes foi feita nos moldes das técnicas apresentadas por Powell,
Francisco e Maher (2004) que apresentam um modelo destinado à investigação
do desenvolvimento de idéias e raciocínios matemáticos.
66
2.2 INVESTIGAÇÃO COLABORATIVA E CO-GENERATIVA
No pólo de ensino, a estratégia planejada contou com um desenvolvimento
colaborativo e contínuo entre pesquisadoras e professores de Matemática da EE
Caetano de Campos. Um dos desígnios do nosso projeto era envolver os
professores de Matemática participantes adotando uma metodologia de pesquisa-
ação. Mais especificamente, pretendeu-se conduzir uma investigação co-
generativa com as características apontadas por Greenwood e Levin (2000, p.96):
1. Pesquisa ação é uma investigação na qual, participantes e
pesquisadores co-geram conhecimento através de um processo
de comunicação colaborativa na qual todas as contribuições dos
participantes são levadas a sério. Os significados construídos no
processo de investigação conduzem a ação social, ou essas
reflexões sobre a ação conduzem à construção de novos
significados;
2. a pesquisa ação trata a diversidade de experiências e
capacidades dentro do grupo local como uma oportunidade para o
enriquecimento para o processo de pesquisa/ação;
3. pesquisa ação produz resultados válidos de pesquisa;
4. pesquisa ação centra-se no contexto e objetiva resolver os
problemas da vida real no contexto.
Em outras palavras, optamos por um tipo de pesquisa qualitativa em que os
professores participantes e as pesquisadoras tivessem a oportunidade de co-
gerar o conhecimento por um processo de comunicação colaborativa. Desse
modo, a investigação co-generativa que conduzimos poderia gerar novos
significados que por sua vez conduzissem a uma ação social, ou a reflexão sobre
a ação – prática cotidiana na comunidade – conduziria a construção de novos
significados. A pesquisa-ação proposta por nós trata a diversidade de
experiências e capacidades dentro de um grupo local – professores que têm
alunos portadores de necessidades especiais inseridos em suas salas de aulas –
com o objetivo de resolver os problemas da vida real – como atender de forma
eficaz as necessidades educacionais de seus alunos – no contexto em que esse
grupo está inserido – EE Caetano de Campos.
Mais especificamente, a pesquisa-ação que nos propusemos conduzir
seguiu o proposto por Greenwood e Levin (2000, pp. 94-95), um tipo de pesquisa
social com base empírica que é concebida e realizada em estreita associação
com uma ação ou com a solução de um problema coletivo no qual os
67
pesquisadores e os participantes representativos da situação ou problema estão
envolvidos de modo participativo e cooperativo. Deste modo, as pesquisadoras
desempenham um papel ativo na solução dos problemas encontrados no
ambiente em que se desenvolve o estudo, no acompanhamento e na avaliação
das ações desencadeadas a partir das discussões e do planejamento realizado
pelas pesquisadoras e pelos participantes.
Iniciamos esta pesquisa estabelecendo metas e objetivos comuns entre
nossos interesses e os interesses dos participantes, ou seja, pesquisadoras,
professores e dirigentes da escola passaram a compor um grupo com objetivos e
metas comuns, interessados nos problemas que emergem no contexto escolar
onde atuam. No contexto dos nossos estudos, a exemplo do proposto por
Greenwood e Levin (2000), a pesquisa colaborativa tem por objetivo criar na
escola uma cultura de análise das práticas cotidianas, direcionadas a favorecer
que os professores e dirigentes, com o auxílio das pesquisadoras, transformem
suas ações e práticas pedagógicas. Não é objetivo desta tese, apresentar
análises referentes ao processo de pesquisa-ação que conduzimos, nem focar a
participação dos professores envolvidos no projeto e seu impacto em suas
práticas pedagógicas (uma discussão a respeito deste aspecto do projeto pode
ser lido em HEALY e FERNANDES, 2007), entretanto para compreender as
atividades e análises que serão apresentadas é importante ter em mente que
todos nossos movimentos ocorrem num ambiente que carrega sua própria cultura
e no âmbito de um projeto colaborativo.
2.3 LEVANTAMENTO DE DADOS SOBRE AS PRÁTICAS ESCOLARES
A caracterização da situação escolar foi realizada seguindo dois parâmetros:
as práticas avaliativas aplicadas aos aprendizes SAVDPN da EE Caetano de
Campos na própria escola e pelo sistema educacional oficial, e o levantamento de
documentos da escola como, por exemplo, o número de alunos inclusos de 2000
a 2007 e os equipamentos colocados a disposição desses alunos. No Diagrama
2.1 indicamos os tipos de documentos de avaliação que caracterizam a base de
dados e nossas ações a partir das análises desses documentos e das entrevistas
68
realizadas com os professores e alunos participantes da pesquisa a respeito das
práticas avaliativas. Dentro dessa perspectiva nossas ações destinaram-se a
oferecer parâmetros para a estruturação de avaliações que possam favorecer a
compreensão e execução das mesmas por aprendizes SAVDPN.
Práticas avaliativas
Avaliações escolares
Sistema educacional
Atividades
avaliativas
ENEM FUVEST
SARESP
Entrevistas
Análises dos documentos e entrevistas
Preparação das atividades
experimentais
Aplicação das atividades
Análises das atividades
Ações
Caracterização
Diagrama 2.1 – Procedimentos relativos às práticas avaliativas
69
As provas do SARESP, ENEM e FUVEST nos foram fornecidas pelos
órgãos responsáveis por sua organização. Tivemos acesso às provas do
SARESP e da FUVEST transcritas para o Braille, o que não aconteceu com as
provas do ENEM. Associamos à análise das provas as entrevistas que realizamos
com os alunos sem acuidade visual que cumpriram as mesmas, o que nos
ofereceu parâmetros para o planejamento das atividades destinadas a avaliar a
influência das ferramentas materiais táteis no desempenho dos alunos.
As entrevistas, a análise das avaliações institucionais e o processo empírico
que empreendemos com suas respectivas análises são apresentadas no Capítulo
4. As entrevistas foram conduzidas de acordo com o proposto por Fontana e Frey
(2000) como será descrito no Capítulo 3. Neste ponto, vale destacar que para
esses autores, em pesquisas qualitativas, as entrevistas devem ser conduzidas
como uma interação ativa entre duas ou mais pessoas, que originam resultados
negociados e baseados no contexto dos entrevistados, oferecendo, dessa forma,
entendimentos sobre suas práticas cotidianas e de “como” vivem. As atividades
empíricas propostas nesta fase seguiram as metodologias entregadas em toda
pesquisa que passam a ser descritas nas seções seguintes.
2.4 O MÉTODO DA DUPLA ESTIMULAÇÃO
No pólo aprendizagem, o foco está na apropriação de conceitos
matemáticos por aprendizes SAVDPN. O método a ser empregado nesse pólo de
investigação também é inspirado no trabalho de Vygotsky. Na verdade, o método
da dupla estimulação recebeu inicialmente o nome de método Vygotsky-Sakharov
(LURIA, 2006, p.31). Leonid Solomonovich Sakharov (1900-1928) trabalhou com
Vygotsky no Instituto de Psicologia Experimental e apresentou o método a
comunidade científica em primeiro de janeiro de 1928 no Pedological Congress
em Moscou.
Contrapondo-se aos métodos de experimentos psicológicos baseados numa
estrutura estímulo-resposta, onde os sujeitos eram colocados pelo
experimentador frente a uma situação-estímulo planejada para influenciá-lo de
70
alguma maneira, Vygotsky e seus colaboradores (1998a, pp.77-99) propõem uma
nova metodologia para a experimentação psicológica destinada à análise das
formas superiores, ou seja, uma metodologia pela qual as análises dos dados não
se limitavam ao nível do desempenho como tal, mas aos processos pelos quais o
desempenho foi atingido. Três princípios norteavam a estrutura analítica das
funções psicológicas superiores nos trabalhos de Vygotsky e de seus
colaboradores. O primeiro centrava-se em analisar processos e não objetos, isto
é, centra-se na análise dos processos de desenvolvimento que conduziram o
sujeito experimental a determinada resposta. O segundo explicação versus
descrição, em outras palavras, uma análise explicativa ao invés de descritiva, que
procura determinar as relações dinâmico-causais entre os estímulos externos e as
respostas internas que são à base das funções superiores. O terceiro problema
do “comportamento fossilizado” direciona-se em analisar o desenvolvimento das
formas superiores de comportamento, alterando o caráter mecanicista e
fossilizado dessas formas de comportamento, por exemplo, as reações
formuladas por um treinamento repetitivo.
Para Vygotsky (1998a), o estudo das funções cognitivas não requer que o
experimentador forneça ao sujeito, meios externos ou artificiais para que eles
cumpram satisfatoriamente as tarefas envolvidas no experimento, mas sim
“esperar até que eles, espontaneamente, apliquem algum método auxiliar ou
símbolo novo que eles passam, então, a incorporar em suas operações” (IBID.,
p.97). Vygotsky nomeou o método, destinado a estudar os processos de
desenvolvimento das funções psicológicas superiores, de método funcional da
dupla estimulação, no qual “dois conjuntos de estímulos são apresentados ao
sujeito observado; um como objeto de sua atividade, e outro como signos que
podem servir para organizar essa atividade” (IBID., 1998b, p.70).
Quanto às atividades a serem elaboradas e aplicadas aos sujeitos, Vygotsky
postulava que um experimento deveria ter por objetivo estudar “o curso do
desenvolvimento de um processo” e para isso deveria oferecer o máximo de
oportunidades para que o sujeito experimental se engajasse nas mais variadas
atividades, que deveriam ser observadas e não rigidamente controladas (COLE e
SCRIBNER, 1998, p. 16). Assim, os dados fornecidos por esse experimento não
71
indicariam apenas o nível de desempenho como tal, mas o método pelo qual o
desempenho foi atingido. Deste modo, o ambiente experimental torna-se um
contexto de investigação em que o pesquisador pode manipular sua estrutura
para desencadear (mas não produzir) a construção pelo sujeito de novas formas
de resolver problemas.
Em suma, uma das principais características do método da dupla
estimulação é o modo como se orienta e observa-se o desenvolvimento da
atividade pelo sujeito. Por essa técnica experimental o sujeito é colocado “frente a
uma tarefa que excede em muito os seus conhecimentos e capacidades” (IBID.,
p. 17). Essa tarefa é proposta dentro de uma situação estruturada e o sujeito
recebe uma orientação ativa, por parte do pesquisador, no sentido da construção
de uma estratégia (que ainda não existia para o sujeito) para a realização da
tarefa (VEER e VALSINER, 1996, p. 187), o que o permite acessar a zona de
desenvolvimento proximal (VYGOTSKY, 1998b, p.70).
Em atividades experimentais, as tarefas são propostas e executadas a partir
das ferramentas materiais cujo papel é oferecer a primeira série de estímulos aos
sujeitos. Um segundo conjunto de estímulos é proporcionado pelas ferramentas
semióticas que emergem durante as intervenções feitas pelas pesquisadoras e
pelos parceiros das atividades.
A metodologia proposta por Vygotsky foi inovadora em sua época. Hoje,
aproxima-se dos métodos de pesquisas empregados na Educação Matemática,
como, por exemplo, na metodologia apresentada por Goldin (2000) que
complementa o suporte metodológico no pólo aprendizagem desta pesquisa.
2.5 ENTREVISTAS BASEADAS EM TAREFAS
Goldin (2000) sugere que a coleta de dados feita a partir das entrevistas
baseadas em tarefas oferece um caminho para analisar os conceitos ou
estruturas conceituais, cognição ou estruturas cognitivas, competências, atitudes,
estágios de desenvolvimento, sistemas de representação interna e estratégias
que os sujeitos têm ou utilizam ao executar tarefas.
72
A aplicação do método qualitativo de entrevistas baseadas em tarefas para o
estudo do conhecimento matemático deve envolver, minimamente, um sujeito
(executor da tarefa) e um entrevistador, ambos interagindo em relação a uma ou
mais tarefas que são introduzidas pelo entrevistador de modo pré-planejado. O
termo entrevista baseada em tarefas implica que a interação do sujeito não se dá
somente com o entrevistador, mas também com o ambiente da tarefa (IBID., p.
519). Um dos aspectos metodológicos envolvidos é a necessidade de
considerarem-se as propostas da pesquisa, o que inclui investigação exploratória,
descrição, inferência ou técnicas de análises; desenvolvimento de conjecturas;
investigação ou testes para levantar hipóteses.
Esse método permite que o pesquisador centre o foco de sua atenção
diretamente no processo do desenvolvimento da tarefa matemática executada
pelo sujeito. Mais do que respostas certas ou erradas interessam ao pesquisador
o processo de obtenção dos resultados. O que está em consonância com as
idéias de Vygotsky, ou seja, a pesquisa não se centraliza apenas no resultado
final da tarefa, mas sim em descobrir os meios, métodos e estratégias utilizados
pelos sujeitos para organizar o seu próprio comportamento, ou seja, “permite
estudar o processo total da formação de conceitos em todas as suas fases
dinâmicas” (VYGOTSKY, 1998b, p. 72).
Uma das características da estrutura das entrevistas baseadas em tarefas é
que as intervenções fazem parte do processo de desenvolvimento da metodologia
a ser aplicada à pesquisa. Nessa metodologia as intervenções devem favorecer o
planejamento e o desenvolvimento heurístico de uma forma competente para a
execução da tarefa proposta ao sujeito. Naturalmente as intervenções feitas
durante a solução dos problemas conduzem a resultados diferentes daqueles que
provavelmente seriam apresentados sem intervenções. Acreditamos que a
importância dada por Goldin (2000) as interferências e inferências feitas pelo
pesquisador seja o elo entre essa metodologia e o método da dupla estimulação
desenvolvido por Vygotsky.
Goldin (2000) indica princípios metodológicos para desenhar e construir
entrevistas baseadas em tarefas, desses destacamos os pontos principais que
foram norteadores na estruturação das sessões desta pesquisa. O desenho das
73
entrevistas baseadas em tarefas deve ser endereçado às questões de pesquisa
que devem influenciar o desenvolvimento de instrumentos (a escolha das tarefas
e das ferramentas materiais), os conhecimentos matemáticos que devem ser
observados, o critério para as interferências e outras variáveis controláveis. As
entrevistas e tarefas devem ainda ser cuidadosamente preparadas para a
comunidade de pesquisa a que se destinam, no nosso caso aprendizes cegos. As
tarefas matemáticas devem ser acessíveis aos sujeitos, e escolhidas de tal forma
que permitam ao sujeito flexibilidade nas respostas e que deixem evidente ao
pesquisador a emergência de diferentes capacidades do sujeito. Os sujeitos
devem executar as tarefas livremente, para que o pesquisador possa observar os
seus conhecimentos e reações espontâneas. Sugestões ou novas questões
devem ser oferecidas somente depois de dar ao sujeito a oportunidade de
resolver o problema livremente. Os momentos de assistência não devem ter a
característica diretiva.
Para Goldin (2000) a estrutura das entrevistas deve deixar espaço para que
o pesquisador possa fazer adaptações para o novo ou para possibilidades não
previstas, a exemplo do método da dupla estimulação, proposto por Vygotsky, em
que o controle máximo do pesquisador; sobre o que acontece no experimento,
não é uma regra modal (VEER e VALSINER, 1996, p. 429). As questões devem
ser estruturadas de tal forma que o sujeito tenha a oportunidade de se corrigir,
voltar atrás ou até mesmo comprovar suas hipóteses. Deste modo, a estrutura
das entrevistas permite que o sujeito possa interagir com a diversidade de
representações e com o ambiente externo de aprendizagem.
2.6 AS FERRAMENTAS MATERIAIS
O trabalho com aprendizes SAVDPN exige ferramentas que possam ser
adaptadas à suas necessidades específicas. Neste caso, deve ser dada especial
atenção ao tato, já que esse assume uma posição privilegiada entre os canais de
exploração e percepção desses aprendizes. Segundo os PCN: Adaptações
curriculares (1998) para favorecer a efetiva participação e integração dos
aprendizes não videntes são necessárias: a seleção, a adaptação e a utilização
74
de recursos materiais tanto para desenvolver as habilidades perceptivas táteis
como para construção de estratégias de conhecimento a fim de desenvolver o
processo cognitivo desses sujeitos.
Neste trabalho as ferramentas materiais utilizadas no processo empírico
foram planejadas ou adquiridas, mas em ambos os casos tinham o propósito de
cumprir o papel de meios de objetificação, ou seja, como descrito no Capítulo 1
(Seção 1.4.1) artefatos disponibilizados pelos professores durante as atividades
instrucionais, destinados a oferecer aos alunos acesso aos objetos culturais
(RADFORD, 2004; RADFORD, BARDINI, SABENA, DIALLO e SIMBAGOYE,
2005; RADFORD, BARDINI e SABENA, 2005).
Naturalmente essas ferramentas foram escolhidas e disponibilizadas de
forma intencional. Nossas escolhas levaram em consideração o potencial das
ferramentas na promoção de percepções táteis que por sua vez deveriam
estimular interações discursivas entre sujeito e pesquisadora, sujeito e seu(s)
parceiro(s) e sujeito consigo mesmo questionando-se, procurando validar
conjecturas e refletindo sobre suas ações. Dentro desta perspectiva, as
ferramentas materiais estimulam um segundo sistema de mediação – a semiótica,
pois as ações sobre as mesmas fazem emergir gestos (comunicativos e
cognitivos) e diálogos que podem auxiliar na formação de sistemas simbólicos
que permitam a interpretação dos objetos em estudo por parte dos interagentes.
A inclusão de ferramentas materiais no processo ensino-aprendizagem para
os não videntes deve considerar que tais ferramentas devem torná-los capazes
de construir conhecimentos (DICK e BECKER, 2002). Segundo Vygotsky, citado
por Cole e Wertsch (1996, p.255), a inserção de ferramentas materiais nos
procedimentos instrucionais não serve simplesmente para facilitar os processos
mentais que poderiam ocorrer de outra forma, fundamentalmente elas os formam
e os transformam, já que condicionam o comportamento humano a novas funções
conectadas ao seu uso; tornando desnecessários vários métodos naturais e
alterando o processo mental que compõe o ato instrumental. Para nós, esse é um
dos pontos cruciais que justificam a introdução de ferramentas materiais nas
situações instrucionais com aprendizes SAVDPN. Concordamos com a posição
de Béguin e Rabardel (2000, p.2) quando declaram que a “introdução de um
75
artefato numa dada situação é o melhor modo de resolver um problema, mas
muda a natureza da tarefa”, no entanto, quando esses artefatos assumem o papel
de instrumentos, no sentido proposto por Béguin e Rabardel
31
, é que nossos
aprendizes passam a ter acesso aos objetos matemáticos envolvidos na tarefa.
Nos capítulos que se seguem apresentaremos as análises das atividades
que selecionamos entre as que foram propostas aos sujeitos no âmbito do
projeto. Em cada um destes capítulos, procuraremos analisar a influência das
ferramentas materiais, descritas no Apêndice, aplicadas na fase experimental não
só em relação aos resultados obtidos pelos sujeitos na formação de conceitos
matemáticos, mas também a importância dessas ferramentas no
desencadeamento de ferramentas semióticas.
2.7 UNIVERSO DA PESQUISA
Como mencionamos anteriormente, a pesquisa que deu origem a esta tese,
desenvolveu-se durante vinte e sete meses na EE Caetano de Campos. A escola e
o grupo de professores participantes serão apresentados no Capítulo 3 (Seções 3.4
e 3.6.2 respectivamente), nesta seção pretendemos caracterizar os alunos que
participaram do processo empírico, o cronograma que orientou o desenvolvimento
da pesquisa e a forma escolhida para a coleta de dados.
2.7.1 PERFIL DOS ALUNOS PARTICIPANTES
Durante os meses de realização desta pesquisa, participaram do processo
empírico doze alunos das séries do Ensino Médio, já que são essas as séries que
acolhem o maior número de alunos SAVDPN na EE Caetano de Campos. A
participação no projeto era voluntária, assim nem todos os alunos SAVDPN
matriculados na escola participaram dos nossos estudos.
31
Para esses autores um instrumento é entendido como uma entidade mista que reúne em si um artefato
(material ou simbólico) e os esquemas que permitem sua utilização. Assim, um artefato só se torna
instrumento através da atividade do sujeito, ou seja, quando é um meio para o sujeito realizar determinado
objetivo (processo de gênese instrumental). (BÉGUN e RABARDEL, 2000)
76
Nossos sujeitos carregam suas próprias histórias, motivações e sonhos. Na
seção seguinte procuraremos oferecer aos leitores alguns elementos que possam
ajudar a conhecer um pouco sobre cada um deles. Os nomes usados nesta
descrição são fictícios, e os dados apontados não permitirão a identificação dos
alunos. Os dados apresentados foram levantados em entrevistas gravadas em
áudio ou em vídeo e por meio do preenchimento do formulário apresentado no
Anexo 3.
2.7.1.1 Júlia
Quando iniciamos a pesquisa Júlia estava no terceiro ano do Ensino Médio e
havia completado 18 anos. Portadora de retinose pigmentar
32
, Júlia começou a
perceber queda em sua acuidade visual aos sete anos, quando estava sendo
alfabetizada em tinta. Aos nove anos de idade, quando seu resíduo visual não era
mais suficiente para fazer leituras e escrever, começou a ser alfabetizada em
Braille. Hoje seu resíduo visual é de cinco por cento de visão no melhor olho,
suficiente somente para reconhecer percepções luminosas. Sempre estudou em
escolas públicas e ingressou na EE Caetano de Campos para fazer o nono ano do
Ensino Fundamental.
Não pretende fazer curso superior, mas quer formar-se em Balé, curso que
faz desde 2003. As aulas de balé acontecem quatro vezes por semana e uma vez
por semana faz aulas de Inglês. As matérias escolares as que têm maior
dificuldade coincidem com aquelas das quais não gosta: Matemática, Física e
Química. Tem computador com sintetizador e software de voz Dosvox
33
em casa e
adora usá-lo para chats e pesquisas escolares.
32
Doença que destrói gradualmente as células sensíveis à luz localizada no fundo do olho. Ela tem este
nome porque provoca pontos pretos (concentrações de pigmentos) na retina. Doença degenerativa primária
da retina, de transmissão genética variável que progride rapidamente levando a cegueira.
33
O DOSVOX é um sistema para microcomputadores da linha PC que se comunica com o usuário através de
síntese de voz, viabilizando, deste modo, o uso de computadores por deficientes visuais, que adquirem
assim, um alto grau de independência no estudo e no trabalho.
77
2.7.1.2 DANI
Portadora de cegueira congênita causada por ceratocone bilateral
34
fez o
Ensino Fundamental no Instituto de Cegos Padre Chico
35
. Considera que as
matérias mais difíceis são Matemática, Física e Química, no entanto com a
Matemática que tem menor afinidade, e justifica tal fato por ter sido reprovada em
duas séries do Ensino Fundamental em Matemática. Quando começamos o projeto
Dani estava com 21 anos, matriculada na segunda série do Ensino Médio. Só foi
alfabetizada aos 9 anos quando iniciou seus estudos. Gosta muito das disciplinas
de Inglês, Biologia e Filosofia e de ler sem preferência por estilos literários. Sonha
conhecer a Inglaterra e pretende fazer Faculdade de Letras.
2.7.1.3 JOÃO
Portador de cegueira congênita nasceu com atrofia do globo ocular. Faz canto
e toca teclado, mas não lê partituras, ouve as músicas e as decora. Quando o
conhecemos estava com 20 anos cursando a segunda série do Ensino Médio. Filho
único passou um período fazendo curso de reabilitação integral
36
na Fundação
Dorina Nowill, no entanto seus cursos regulares sempre foram feitos em escolas
públicas inclusivas e declara que não gosta de Matemática, Física e Química,
sendo Língua Portuguesa, História, Geografia e Inglês suas disciplinas favoritas.
Quanto ao futuro pretende seguir carreira de músico, talvez fazendo curso superior
de Música.
34
Condição caracterizada por um afinamento não inflamatório e aumento da curvatura central da córnea.
Quase sempre é bilateral, contudo há sempre assimetria, com um olho mais afetado que o outro.
35
Entidade sem fins lucrativos que mantêm há 78 anos, uma Escola modelo de Ensino Fundamental,
totalmente gratuita, em São Paulo, para Deficientes visuais e baixa visão.
36
Conjunto de procedimentos que possibilitam às pessoas com deficiência visual reconstruir as funções
prejudicadas, diminuírem as dificuldades na execução de tarefas cotidianas e evitar a marginalização do meio
a que pertence. As áreas que fazem parte da Reabilitação Integral são: Comunicação, Orientação e
Mobilidade, AVD (Atividades da Vida Diária), Fisioterapia, Psicologia e Serviço Social.
78
2.7.1.4 CARLA
Portadora de visão subnormal conseqüência de uma patologia denominada
maculopatia
37
, tinha 24 anos quando a conhecemos. Usa óculos de lentes bastante
espessas que lhe permitem ler em tipos ampliados (tamanho de fonte 24). Sempre
estudo em escolas públicas inclusivas, tendo passado por duas escolas diferentes
durante o Ensino Fundamental. Matriculou-se na EE Caetano de Campos para
fazer o Ensino Médio. Distintamente dos outros alunos entrevistados, Carla adora
as aulas de Educação Física, mas assumindo posição concordante com os demais
não gosta de Matemática e também tem dificuldades com as disciplinas de
Química e Física. Extremamente tímida, pretende seguir alguma carreira ligada à
área de Informática.
2.7.1.5 LEANDRO
Quando o conhecemos, Leandro estava com 14 anos, matriculado na primeira
série do Ensino Médio. Nascido em Santa Catarina, estava passando um período,
que se estendeu por dois anos, na casa de uma tia em São Paulo, para tratar-se de
câncer no ouvido que o estava fazendo perder a audição. Leandro perdeu a visão
com dois anos de idade, o que é considerado cegueira congênita
38
, em
conseqüência de um atropelamento que provocou o rompimento do nervo óptico
39
.
Ele sempre estudou em escolas regulares que possuíam salas de recursos visuais,
e em São Paulo, paralelamente aos estudos regulares dedicou-se ao balé,
sapateado e canto. Suas disciplinas favoritas são Biologia, Língua Portuguesa,
História e Filosofia, enquanto Matemática e Física são as que lhe parecem mais
difíceis. Quanto ao Ensino Superior seu sonho é formar-se em Psicologia.
2.7.1.6 ELIAS
Tinha 22 anos quando iniciamos o projeto e cursava a terceira série do Ensino
Médio. Elias é portador da patologia congênita retinose pigmentar que também
37
A degeneração macular é uma doença em que o afinamento e o rompimento da retina prejudicam o
funcionamento da mácula (parte sensível responsável pela nitidez, detalhamento, percepção de cores e visão
para leitura). Uma degeneração do nervo ocular que diminui a visão.
38
A cegueira congênita é identificada em "indivíduo que cegou até um ano de vida".
39
Transporta as sensações visuais do olho para o cérebro onde são descodificadas e interpretadas.
79
provocou o deslocamento da retina
40
. Até os 10 anos de idade freqüentou escolas
regulares, já que nesse período seu resíduo visual permitia que ele lesse e
escrevesse usando tipos comuns, deste modo sua alfabetização deu-se
inicialmente em tinta. Quando esse resíduo deixou de ser suficiente para leitura em
tinta passou a freqüentar a Fundação Dorina Nowill para fazer o curso de
reabilitação integral, incluindo a alfabetização em Braille. Concluiu o Ensino
Fundamental numa Escola Municipal Inclusiva, matriculando-se na EE Caetano de
Campos para fazer o Ensino Médio. Gosta de Matemática, mas sua disciplina
favorita é Filosofia. Sonha com o curso superior de Jornalismo.
2.7.1.7 ANDRÉ
Portador de cegueira congênita em conseqüência de uma patologia
denominada fibroplasia ou retinopatia da prematuridade
41
, André concluiu os
estudos relativos ao Ensino Fundamental no Instituto de Cegos Padre Chico. O
conhecemos com 20 anos de idade quando se matriculou na primeira série do
Ensino Médio na EE Caetano de Campos. A exemplo dos seus colegas, André
também passou um período fazendo reabilitação na Fundação Dorina Nowill.
Quanto ao curso superior pretende dedicar-se a Engenharia Eletrônica ou
Mecânica, embora as disciplinas de Química e Física sejam difíceis para ele. Para
ele a Escola Inclusiva era novidade, e em nossas entrevistas ele parecia fascinado
por estar entre colegas videntes.
2.7.1.8
MARCOS
Matriculado na primeira série do Ensino Médio, com 18 anos, Marcos é
portador de cegueira congênita, conseqüência da Síndrome da Rubéola Congênita
(SRC)
42
. Matriculado na primeira série do Ensino Médio Marcos estudou desde o
40
É uma separação da retina da sua conexão na parte traseira do olho. A separação resulta geralmente de
uma rasgadura na retina.
41
Uma retinopatia bilateral que tipicamente ocorre em lactentes prematuros tratados com altas concentrações
de oxigênio. Caracterizada pela conversão da retina em uma massa fibrosa que pode ser vista sob a forma
de uma membrana retrolental densa; geralmente, o crescimento do olho é interrompido e pode resultar em
microftalmia e cegueira.
42
Conseqüência contaminação por rubéola durante a gestação. O vírus invade a placenta e infecta o embrião,
especialmente durante os primeiros três meses de gestação, o que pode ocasionar: aborto, morte fetal, parto
prematuro e deficiências como cegueira, catarata, glaucoma, surdez, cardiopatia congênita, microcefalia com
retardo mental e deformações nos ossos.
80
curso pré escolar no Instituto para Cegos Padre Chico tendo se encaminhado para
a EE Caetano de Campos para realizar o Ensino Médio. Marcos toca viola e canta
com muita desenvoltura. Sempre que há festivais ou outras atividades
comemorativas na escola, dispõe-se para tocar e cantar, tendo preferência pelo
estilo sertanejo. Para o futuro planeja ser músico, sem mencionar curso superior.
Suas disciplinas favoritas são História, Geografia e Língua Portuguesa. Tem muita
facilidade para argumentações e diz ter maior dificuldade com as disciplinas de
Física, Química, Inglês e Matemática.
2.7.1.9 JOSÉ
José não sabe que curso superior quer cursar, mas tem certeza que tem que
ser algum que não envolva Matemática. Com 18 anos de idade é portador de
catarata congênita
43
e estudou no Instituto para Cegos Padre Chico desde os 5
anos de idade, onde foi alfabetizado em Braille e preparado para ter uma vida
autônoma. Permaneceu no Instituto até concluir o Ensino Fundamental,
matriculando-se na EE Caetano de Campos para fazer o Ensino Médio.
Matriculado na primeira série não tem atividades extracurriculares, mas adora
passar o tempo jogando no computador.
2.7.1.10 FÁBIO
Portador de cegueira congênita, conseqüência da patologia chamada
Retinoplastoma
44
, Fábio foi o sujeito que mais se envolveu nas atividades
desenvolvidas durante o processo empírico da pesquisa. Adora Matemática e
Inglês, mas não gosta de Língua Portuguesa. Matriculado com 16 anos na primeira
série do Ensino Médio na EE Caetano de Campos concluiu o Ensino Fundamental
43
Tem uma incidência de 0,4% ou 1 caso para cada 250 neonatos. Sendo assim, chega-se à conclusão que
a catarata congênita pode ser considerada a maior causa de cegueira na infância. As possíveis causas
apontadas para a catarata são: fator hereditário, embrionária infecciosa, parasitária, tóxica ou por irradiação.
Entre as enfermidades estão: rubéola, toxoplasmose e sífilis materna. Em geral é bilateral e com localização
e formas variáveis. A opacificação do cristalino pode variar indo desde tênue até suficientemente densa para
dar assemelhar com pupila branca.
44
É um tumor maligno originário de células da retina. A apresentação mais comum do retinoblastoma é o
reflexo pupilar branco ou o reflexo do olho de gato. Pode ser congênito ou aparecer durantes os 3 primeiros
anos de vida; e geralmente causa atrofia ocular.
81
no Instituto para Cegos Padre Chico. Fora da escola realiza pequenos trabalhos na
área de computação fazendo manutenção em computadores.
2.7.1.11 MÁRIO
Mário é portador de visão subnormal conseqüência de um glaucoma
45
, desse
modo usa tipos ampliados embora o seu resíduo (atualmente só tem resíduo visual
no olho esquerdo) não seja suficiente para a observação de desenhos. Matriculado
na terceira série do Ensino Médio, com 19 anos, Mário nunca teve a oportunidade
de estudar em escolas especiais, já que nessas escolas só cegos são aceitos. Nem
ao menos curso de reabilitação terá a oportunidade de fazer antes que perca
totalmente a visão. Somente no terceiro ano, ao estar concluindo o Ensino Médio,
começou sua alfabetização em Braille na sala de recursos da EE Caetano de
Campos, já que reconhece que não poderá continuar lendo em tinta por muito
tempo. No curso superior pretende cursar Radio e Televisão ou Jornalismo.
2.7.1.12 CAIO
Caio, portador de glaucoma congênito, completou o Ensino Fundamental no
Instituto para Cegos Padre Chico e ingressou na EE Caetano de Campos para
fazer a primeira série do Ensino Médio, com 17 anos, no ano que iniciamos o
projeto. Paralelamente ao curso do Ensino Médio Caio toca na banda de metais do
Instituto para Cegos Padre Chico. A disciplina de Matemática é a que lhe oferece
maior dificuldade, sendo História, Língua Portuguesa, Geografia e Inglês suas
disciplinas favoritas. Jornalismo e Direito são suas opções para o curso superior.
Apresentamos abaixo uma tabela resumo com o intuito de oferecer aos
leitores facilidade no reconhecimento de cada um dos sujeitos envolvidos na
pesquisa, durante a leitura dos capítulos subseqüentes nos quais apresentamos as
análises do processo empírico.
45
Caracteriza-se pelo aumento da pressão intra-ocular e danos ao nervo óptico, que se inicia com um
bloqueio ao fluido no interior do olho. Depois da perda visual, o problema torna-se irreversível.
82
PERÍODO DE PARTICIPAÇÃO
Segundo semestre de 2005
Segundo semestre de 2005 e ano
de 2006
Segundo semestre de 2005 e ano
de 2006
Segundo semestre de 2005 e ano
de 2006
Segundo semestre de 2005 e ano
de 2006
Segundo semestre de 2005
Segundo semestre de 2005 e anos
de 2006 e 2007
Segundo semestre de 2005 e anos
de 2006 e 2007
Segundo semestre de 2005
Segundo semestre de 2005
Segundo semestre de 2005
Segundo semestre de 2005
SÉRIE
3ª série
2ª série
2ª série
2ª série
1ª série
3ª série
1ª série
1ª série
1ª série
1ª série
3ª série
1ª série
PORTADOR (A)
Cegueira adquirida
Cegueira congênita
Cegueira congênita
Visão subnormal
Cegueira congênita
Cegueira adquirida
Cegueira congênita
Cegueira congênita
Cegueira congênita
Cegueira congênita
Visão subnormal
Cegueira congênita
IDADE
18 anos
21 anos
20 anos
24 anos
14 anos
22 anos
20 anos
18 anos
18 anos
16 anos
19 anos
17 anos
NOME
Julia
Dani
João
Carla
Leandro
Elias
André
Marcos
José
Fábio
Mário
Caio
Tabela 2.2 – Caracterização dos sujeitos de pesquisa
83
2.7.2 Cronograma da pesquisa
Nossa pesquisa aconteceu de agosto de 2005 a outubro de 2007 e iniciou-
se com a proposta de caracterizar duas situações: a situação ideal para uma
inclusão significativa dos portadores de necessidades educacionais especiais no
âmbito escolar e a situação real que tem sido enfrentada na EE Caetano de
Campos. Tal caracterização nos permitiria direcionar as ações a serem aplicadas
na Fase II para o atendimento específico das necessidades da comunidade
envolvida no projeto, assim, o trabalho inicial da pesquisa (Fase I) deu-se em dois
tempos. Num primeiro momento centramo-nos no levantamento dos documentos
oficiais destinados a garantir por lei que aprendizes SAVDPN tenham acesso ao
sistema educacional. Num segundo momento, passamos a levantar dados que
nos permitissem analisar a situação que tem sido vivenciada na EE Caetano de
Campos, para que a partir dessas análises pudéssemos planejar as ações
efetivas aplicadas na fase seguinte durante o processo empírico. Para tanto,
consideramos pontualmente o sistema de avaliação a que os alunos SAVDPN
são submetidos e realizamos uma série de entrevistas com o objetivo de levantar
as expectativas pessoais dos dirigentes, professores e alunos em relação ao que
consideram ser o ideal inclusivo e a inclusão que vivenciam de fato. Além disso,
fizemos um levantamento da estrutura física e de materiais destinados ao
atendimento inclusivo na EE Caetano de Campos. A partir das análises desses
dados estruturamos o desenvolvimento empírico da pesquisa (Fase II) de acordo
com o planejamento apresentado abaixo:
FASE I – Caracterizando a situação atual
o FASE IA – Levantando práticas escolares e avaliativas
Destinou-se ao estudo e levantamento de dados da situação vivenciada
pelos alunos SAVDPN matriculados na EE Caetano de Campos. Este
levantamento considerou as estruturas física e pedagógica da escola, os métodos
de avaliação da escola e do sistema educacional oficial e as ponderações,
através de entrevistas, a respeito destes itens por parte dos alunos cegos e
84
portadores de visão subnormal, dos professores de Matemática, da professora da
sala de recursos e da assistente de direção da EE Caetano de Campos.
o FASE IB – Explorações sobre o sistema de avaliação
A partir das análises relativas às atividades avaliativas aplicadas aos alunos
inclusos na EE Caetano de Campos, elaboramos as ferramentas materiais que
seriam associadas às propostas dos exercícios das provas do sistema
educacional oficial que iríamos reproduzir. Nesta fase também iniciamos o
planejamento da fase seguinte de modo colaborativo com os professores
participantes. Fizemos a seleção dos conteúdos matemáticos, das tarefas a
serem aplicadas aos aprendizes e elaboramos e testamos as ferramentas
materiais criadas ou adaptadas para o processo empírico.
FASE II – Fase de entrevistas com os aprendizes
Iniciou-se com a identificação do conhecimento prévio dos sujeitos de
pesquisa acerca dos conteúdos matemáticos que seriam envolvidos no processo
empírico. Com base nesses dados tivemos a oportunidade de (re)estruturar as
atividades, as ferramentas materiais e as intervenções que fizeram parte das
situações dialógicas. Durante os meses de desenvolvimento desta fase deu-se
todo processo empírico apresentado e analisado nesta tese. Ainda nesta fase, ao
concluirmos o processo empírico, realizamos uma série de entrevistas com os
aprendizes participantes com o propósito de coletar dados complementares para
a análise das intervenções e da influência das ferramentas materiais no processo
de aprendizagem.
Essas fases, embora tivessem cronologia própria muitas vezes ocorreram
simultaneamente. Descreveremos na Tabela 2.3 nossas metas para cada uma
das fases (coluna da direita) e apontamos nossas ações para atingi-las (coluna da
esquerda). Antecipamos que todas as fases e suas respectivas metas foram
regiamente cumpridas, embora sua cronologia tenha sido alterada em alguns
momentos para adequação a realidade da escola.
85
FASE I – Caracterizando a situação atual
FASE IA – Levantando práticas escolares e avaliativas
Observações em sala de aula.
Foram feitas várias observações na sala de aula
no segundo semestre de 2005, no ano de 2006 e
durante o primeiro semestre de 2007
.
Levantamento dos recursos disponíveis (e/ou
adaptados) na escola, destinados a dar
suporte ao Ensino da Matemática.
Levantamento feito pela professora da sala de
recursos em set/2005.
Entrevistas individuais com os professores de
Matemática da EE Caetano de Campos
envolvidos no projeto sobre as estratégias
empregadas e as dificuldades encontradas
para a inclusão dos aprendizes SAVDPN.
Todos os professores envolvidos foram
entrevistados individualmente pelas
pesquisadoras no segundo semestre de 2005.
Entrevistas em grupo com os aprendizes
SAVDPN da EE Caetano de Campos
envolvidos no projeto sobre suas impressões a
respeito da inclusão que vivenciam na escola
e fora dela.
Dois grupos foram entrevistados pelas
pesquisadoras no segundo semestre de 2005.
Levantamento das estratégias de avaliação
oferecidas pelo sistema de ensino (ENEM,
SARESP, FUVEST e na própria escola).
Levantamento das estratégias de avaliação
oferecidas pelo sistema de ensino oficial em
2005 e 2006. Levantamento das estratégias de
avaliação oferecidas pela escola durante os anos
2006 e primeiro semestre de 2007
Fase IB – Explorações sobre o sistema de avaliação.
Criação e pilotos das ferramentas materiais, e
das tarefas a serem aplicadas aos aprendizes
durante o processo empírico.
Atividade contemplada durante todo período de
realização do projeto 2005, 2006 e o primeiro
semestre de 2007. Várias ferramentas materiais
foram criadas.
Elaboração de avaliações com itens
semelhantes àqueles pertencentes às
avaliações analisadas na Fase I, e realização
desses itens utilizando formas distintas de
Elaboração e realização de atividades com
questões das provas de Matemática do SARESP
2005 realizadas pelo Governo do Estado de São
Paulo. As atividades foram propostas em Braille,
86
representação na aplicação dos mesmos, para
posterior análise da influência do modo de
representação (e das ferramentas) no sistema
de avaliação.
como apresentadas nas provas oficiais, e usando
duas ferramentas materiais distintas elaboradas
pelos professores e pesquisadoras.
Fase II – Fase de entrevistas com os aprendizes
Realização de entrevistas individuais com os
aprendizes de caráter exploratório, para
identificação dos conhecimentos prévios sobre
os conceitos geométricos que serão
estudados.
No ano de 2006 essas entrevistas ocorreram em
fevereiro e março. No início do ano letivo de
2007 (em fevereiro) entrevistamos os alunos do
Ensino Médio, recém matriculados.
Realização pelos aprendizes das tarefas
planejadas.
Foram realizadas atividades individuais e em
grupo com os aprendizes, quinzenalmente, de
mar/2006 a jun/2007.
Realização de entrevistas individuais com os
alunos participantes.
Tais entrevistas ocorreram em set/2007
individualmente ou em grupos, de acordo com
interesses específicos da pesquisa. O objetivo foi
identificar possíveis mudanças no processo de
aprendizagem que possam ter sido favorecidas
pelo procedimento experimental.
Tabela 2.3Cronograma do desenvolvimento da pesquisa
No decorrer do projeto foram realizadas vinte e duas sessões de atividades
matemáticas com os alunos. Nesta tese nossas análises concentram-se nas
entrevistas da Fase IA e nas atividades relacionadas às avaliações do sistema
oficial de ensino (Fase IB), e ainda, especificamente em seis sessões de
atividades empíricas relativas a perímetro, área e volume de formas geométricas,
ou seja, em parte dos dados referentes à Fase II, como apresentamos na Tabela
2.4, onde são descritos: número de sessões realizadas, os aprendizes
participantes em cada uma delas, o objeto matemático em estudo, as ferramentas
materiais utilizadas e o número de horas de gravações em vídeo. No Apêndice
desta tese apresentamos a descrição de outras ferramentas planejadas durante a
pesquisa para o trabalho com aprendizes SAVDPN.
87
FERRAMENTAS MATERIAIS
OBJETOS
MATEMÁTICOS
Área e perímetro de
quadriláteros e
triângulos
Perímetro e área por
decomposição de
figuras planas
Volume de sólidos
geométricos
APRENDIZES
PARTICIPANTES
Leandro, Felipe,
Marcos e Caio
Leandro, Felipe,
Marcos e Caio
Leandro, Felipe,
Marcos e Caio
NÚMERO DE
SESSÕES/TEMPO
2 / 1h44min
2 / 2h34min
2 / 1h56min
ATIVIDADE
Área e perímetro
Área e perímetro
Embalagens
Tabela 2.4Entrevistas baseadas em tarefas
88
2.7.3 Dados coletados
Uma pesquisa do tipo pesquisa ação, na qual há a necessidade de se
conhecer com profundidade os problemas do contexto, exige que se considere
uma variedade de instrumentos para coletas de dados. A diversidade das
intervenções que realizamos durante a pesquisa e o tipo de análises pretendidas
foram fatores determinantes para a escolha das técnicas e dos instrumentos
usados nesta coleta. Na seqüência apontamos quais foram as fontes de dados
coletados durante as fases de investigação.
FASE I – Caracterizando a situação atual
o FASE IA – Levantando práticas escolares e avaliativas
Levantamento dos recursos disponíveis – documento produzido pela
professora da sala de recursos.
Entrevistas individuais com os professores – Realizamos cinco
entrevistas que foram gravadas em áudio. O roteiro para cada uma dessas
entrevistas foi estruturado com base na atuação do professor na
comunidade, deste modo foram preparados três tipos de roteiros: para os
quatro professores, para a professora da sala de recursos e para a auxiliar
de direção (Anexo 5).
Entrevistas em grupo com os aprendizes SAVDPN – Foram feitas duas
entrevista, gravadas em áudio, com grupos formados por três e quatro
alunos respectivamente.
Levantamento das estratégias de avaliação – recolhemos algumas
avaliações que haviam sido aplicadas pelos professores da escola, provas
aplicadas pela FUVEST, SARESP e ENEM em tinta e em Braille quando
conseguimos acesso a elas.
o FASE IB – Explorações sobre o sistema de avaliação
Nesta fase de elaboração e testes das ferramentas materiais e
planejamento das tarefas fizemos fotos digitais de todo material produzido.
Alguns desses materiais são apresentados e descritos no Apêndice.
89
FASE II – Fase de entrevistas com os aprendizes
Todas as intervenções feitas com os aprendizes nesta fase, no total de
22, foram gravadas em vídeo. Todo material produzido em papel pelos
aprendizes também foi incorporado à base de dados.
Entrevistas em grupo com os aprendizes SAVDPN – Foram feitas duas
entrevistas, gravadas em vídeo.
Entrevistas individuais com os aprendizes SAVDPN – Foram feitas
quatro entrevistas, gravadas em vídeo.
Em resumo, apresentamos na Tabela 2.5 o instrumento e a fonte de dados
por fase.
Instrumentos Fonte de dados Fase(s)
Documentos
Levantamento dos recursos disponíveis IA
Levantamento das avaliações IA
Gravações em áudio
Entrevistas individuais com os professores IA
Entrevistas em grupo com os aprendizes IA e II
Gravações em vídeo
Realização das tarefas pelos aprendizes IB e II
Entrevistas em grupo com os aprendizes IA e II
Material produzido Realização das tarefas pelos aprendizes II
Tabela 2.5Fonte de dados coletados por fase da pesquisa
A metodologia das entrevistas seguiu os padrões de Fontana e Frey (2000) –
Metodologia da narrativa e auto/biográfica apontados no Capítulo 3 (Seção 3.6). Na
próxima seção apontamos os procedimentos aplicados para as análises dos dados
coletados por meio de gravações em vídeo.
2.8 ANÁLISES DOS DADOS VIDEOGRAVADOS NA FASE II
A condição dos nossos sujeitos de pesquisa – aprendizes cegos ou com visão
subnormal – foi um fator determinante para que optássemos pela tecnologia de
vídeo para a coleta de dados, já que esse tipo de instrumento comporta a coleta de
informações orais e visuais, permitindo assim capturar não somente as falas e suas
90
nuances, mas também os comportamentos não verbais em tempo real. Ao
concluirmos nossa pesquisa, tínhamos em mãos aproximadamente 25 horas de
gravações em vídeo que compõem a base de dados desta pesquisa.
Segundo Powell, Francisco e Maher (2004, p.97) um pré-requisito para o uso
da tecnologia de vídeo para a captura de dados é ter critérios claros tanto para a
opção por esse tipo de instrumento como para os processos analíticos. Nesta
pesquisa as práticas discursivas são elementos relevantes em nossas análises,
mas a condição dos sujeitos de pesquisa coloca os comportamentos não-verbais,
entre os quais destacamos principalmente os gestos, numa posição privilegiada.
Durante a realização das atividades alguns fenômenos só podem ser analisados a
partir das imagens que permitem a observação de implícitos que os sujeitos
revelam em seus comportamentos não-verbais.
De acordo com Powell, Francisco e Maher (2004) as gravações em vídeo
permitem revisitar o cenário instrucional sob múltiplos aspectos como, por exemplo,
o teórico, o matemático, o psicológico e o do ensino. De fato, ao longo do
desenvolvimento da pesquisa, à medida que novos dados eram agregados aos
anteriores ou que intencionávamos abordar uma nova perspectiva de análise
podíamos rever e reorientar os desígnios da pesquisa com base em considerações
relevantes sobre o desenvolvimento de idéias matemáticas pelos aprendizes
participantes. Outra flexibilidade apontada para a utilização dessa tecnologia é a
possibilidade de visualizar os eventos gravados com a freqüência que for
necessária, ou seja, em tempo real, em câmera lenta ou quadro a quadro. Além
disso, com a aplicação de softwares adequados é possível produzir fotos para
capturar momentos significativos para as análises.
Em relação aos sujeitos de pesquisa, esses autores destacam que dois
pontos merecem atenção especial. Um deles relaciona-se ao efeito que a câmera
pode provocar no comportamento dos participantes. Sob esse aspecto é
interessante notar que apesar de estarem conscientes das gravações, em nenhum
momento os sujeitos mostraram-se intimidados ou apresentaram um
comportamento que fosse distinto daquele que tinham quando as câmeras estavam
desligadas, o outro ponto refere-se às questões éticas. Para Powell, Francisco e
Maher (2004) os participantes devem ser bem informados sobre sua participação
91
na pesquisa e devem consentir sobre o uso que se pretende fazer das imagens
gravadas. Para atender a essas questões, solicitamos a autorização dos
responsáveis pelos alunos participantes (Anexo 5A), dos professores (Anexo 5B) e
da EE Caetano de Campos, através do seu diretor (Anexo 5C), tanto para a
divulgação pelas pesquisadoras, das informações provenientes das análises do
material coletado como das imagens em publicações e eventos científicos, desde
que os nomes dos participantes fossem substituídos por pseudônimos.
Ao propor um modelo analítico para estudar o desenvolvimento do
pensamento matemático, Powell, Francisco e Maher (2004, pp. 98-129) propõem
uma seqüência de sete fases interativas e não lineares que são aplicadas em
suas pesquisas. Centrando-nos na questão de pesquisa que pretendemos
responder, adaptamos essas fases ao nosso estudo. As adaptações que fizemos
destinam-se a favorecer a investigação sobre as implicações entre as
experiências sensoriais e perceptivas e a cognição quando interpretamos
fenômenos matemáticos. Iniciamos nossas análises assistindo várias vezes um
mesmo episódio para nos familiarizarmos com seu conteúdo. O passo seguinte foi
identificar os eventos críticos e os momentos contrastantes significativos. Os
eventos críticos são descritos por Powell, Francisco e Maher como aqueles que
demonstram uma mudança significativa ou contrastante em relação ao
pensamento apresentado previamente pelos aprendizes, ou um salto conceitual
em relação a uma concepção anterior. Quanto aos momentos contrastantes
significativos, os autores os descrevem como aqueles que contradizem ou
confirmam as hipóteses da pesquisa, que podem ser revelações cognitivas,
estratégias conflitantes ou qualquer evento que de alguma forma seja significativo
para a agenda da pesquisa. Posteriormente fizemos as transcrições de forma
seletiva, ou seja, aquelas que foram selecionadas a partir do referencial teórico
em jogo para determinada análise. As transcrições das práticas discursivas
incluem além de expressões, ações como os movimentos do corpo que de acordo
com o que será abordado foi codificado, naturalmente de forma a atender a
perspectiva teórica e a questão de pesquisa. Essas transcrições codificadas dão
aporte às análises apresentadas nesta tese.
92
2.9 TRATAMENTO DOS DADOS
O tratamento dos dados adequou-se a metodologia adotada para cada tipo
de fonte. O volume de dados coletados em cada uma das fases exigiu dimensões
de análises bem definidas, a fim de mantermos o foco em nossos objetivos e
podermos oferecer resposta a nossa questão de pesquisa.
2.9.1
DIMENSÕES DE ANÁLISE FASE I
As análises das entrevistas gravadas em áudio basearam-se nas
transcrições das mesmas. Nessas análises, associando os dados documentais
produzidos na própria escola e coletados junto a órgãos oficiais, nosso propósito
será apontar parâmetros, a partir das falas dos atores e de tais documentos, que
nos permitam (re)montar o cenário da situação vivenciada por esses atores em
relação a inclusão de alunos SAVDPN no sistema educacional, viabilizando assim
a formação de critérios para compararmos o “ideal” proposto pelos documentos
oficiais e a situação real.
Quanto às análises relativas aos exercícios propostos a partir da reprodução
dos apresentados na prova do SARESP, essas serão realizadas segundo as
dimensões apresentadas abaixo:
Dimensão 1: número de acertos e erros;
Dimensão 2: opiniões a respeito da acessibilidade oferecida pelas
ferramentas materiais;
Dimensão 3: adequação dos exercícios a alunos SAVDPN.
2.9.2 DIMENSÕES DE ANÁLISE FASE II
Associando a base de dados composta por dados videogravados e o
material produzido pelos aprendizes, nossas análises foram feitas segundo três
dimensões teóricas amplamente descritas no Capítulo 1:
93
Dimensão 1: A apropriação da “voz matemática”.
Faremos a análise da articulação dos pseudoconceitos na apropriação da
“voz matemática” e consideraremos seu papel em eventuais mudanças
conceituais por parte do aprendiz.
Dimensão 2: O potencial comunicativo e cognitivo dos gestos.
Para tanto aplicaremos a classificação de gestos proposta por McNeill
(1992), buscando apontar a quem os gestos espontâneos que acompanham o
discurso se destinam e sua relevância para a comunicação e/ou cognição em
situações de aprendizagem e ensino de Matemática. Em nossas análises para
indicar a ocorrência de cada um dos tipos propostos por McNeill em nossos
diálogos usaremos os índices como representamos abaixo:
Gestos icônicos ()
Gestos metafóricos ()
Gestos dêiticos ())
Gestos rítmicos ()
Dimensão 3: O processo de objetificação do conhecimento.
Analisaremos a influência dos meios semióticos de objetificação mobilizados
por aprendizes e professores durante as interações instrucionais na objetificação
de conhecimentos matemáticos.
Nos próximos capítulos iniciamos nossas análises. O próximo capítulo
destina-se a delinear os caminhos da Educação Especial a partir dos meados do
século XX e alguns aspectos do “ideal” proposto para a inclusão de aprendizes
portadores de necessidades educacionais especiais nas escolas regulares. As
vozes dos atores da Educação Inclusiva vivenciada na EE Caetano de Campos
ofereceram parâmetros para a (re)constituição do cenário em que se deram
nossos estudos.
94
CAPÍTULO 3
INTEGRAÇÃO X INCLUSÃO
Toda pessoa, como membro da sociedade, tem o direito à
segurança social e à realização, pelo esforço nacional, pela
cooperação internacional de acordo com a organização e
recursos de cada Estado, dos direitos econômicos, sociais e
culturais indispensáveis à sua dignidade e ao livre
desenvolvimento de sua personalidade.
(Declaração Universal dos Direitos Humanos, 1948, Artigo XXII)
3.1 INTRODUÇÃO
Jean-Jacques Rousseau (1712 – 1778), um dos maiores escritores e
filósofos iluministas, declara no Discurso Sobre a Origem da Desigualdade,
publicado em 1754:
Concebo na espécie humana duas espécies de desigualdade:
uma, que chamo de natural ou física, porque é estabelecida pela
natureza, e que consiste na diferença das idades, da saúde, das
forças do corpo e das qualidades do espírito, ou da alma; a outra,
que se pode chamar de desigualdade moral ou política, porque
depende de uma espécie de convenção, e que é estabelecida ou,
pelo menos, autorizada pelo consentimento dos homens
(ROUSSEAU, 1754, p.12).
Nossos estudos centram-se na primeira espécie de desigualdade
denominada por Rousseau natural ou física e sobre a qual não temos nenhuma
espécie de autoridade, no entanto é a segunda desigualdade –moral ou política
que determina os aspectos que pretendemos discutir neste capítulo e sobre a
qual somos soberanos: os princípios da integração e da inclusão.
Antes de discutirmos integração e inclusão é importante sabermos mais
sobre os conceitos que envolvem deficiência, incapacidade e desvantagem,
95
termos normalmente associados a pessoas portadoras de necessidades
educacionais especiais. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS),
deficiência é qualquer perda ou anormalidade da estrutura ou função psicológica,
fisiológica ou anatômica, percebemos, então, que o conceito da deficiência se
apóia na identificação de uma menos valia. O conceito da incapacidade, também
de acordo com a OMS é qualquer redução ou falta (resultante de uma deficiência)
de capacidades para exercer alguma atividade dentro dos limites considerados
normais para o ser humano. Quanto ao terceiro conceito, o da desvantagem, é
descrito como sendo o impedimento, resultante de uma deficiência ou de uma
incapacidade, que limita ou impede o desempenho de uma atividade considerada
normal para um indivíduo, levando-se em consideração a idade, o sexo e os
fatores sócio-culturais.
Seguindo a definição da OMS, deficiência e incapacidade são características
individuais, mas a desvantagem é um fenômeno social. Sendo assim, é
responsabilidade da sociedade a eliminação da desvantagem na escola, nas ruas,
no lazer, no trabalho, nos meios de transporte, ou seja, em todos os meios de
convivência social. Esses três conceitos estão intimamente ligados ao nosso
processo histórico que partiu da segregação, passou pela integração, até chegar
ao que chamamos hoje de inclusão.
O princípio da segregação está vinculado ao conceito da deficiência, em
outras palavras, está apoiado na idéia da perda sustentando a postura do
assistencialismo, da caridade e da benevolência. No modelo da integração, as
pessoas com deficiência saem da posição de incapazes que lhes foi imposta pelo
princípio da exclusão (ou segregação) e assumem o papel de super-heróis, se
propondo a participar da sociedade de qualquer forma, convivendo com todas as
barreiras existentes, sem contar com nenhum processo de transformação social.
A referência do princípio da integração é o conceito da incapacidade e, deste
modo, são reforçadas as limitações das pessoas com deficiência,
desconsiderando suas potencialidades. A lógica inclusiva apóia-se no conceito da
desvantagem e na promoção da equiparação de oportunidades. Sendo assim, a
sociedade e as pessoas com deficiência constroem em conjunto as soluções que
garantam a participação de todos no meio social (CINTRA, 2004, pp. 17-24).
96
3.2 OS CAMINHOS DA EDUCAÇÃO ESPECIAL
O movimento “Educação para todos” iniciado em março de 1990 na
Conferência Mundial de Educação para todos promovida pela UNESCO na
Tailândia, tem nos feito encarar o desafio do acesso à educação das crianças
com necessidades educacionais especiais. Desde então, termos como sociedade
inclusiva e educação inclusiva, passaram a fazer parte do nosso vocabulário
cotidiano (FERNANDES e HEALY, 2007).
No entanto, apesar do tempo transcorrido, parece-nos que ainda buscamos
o significado e o sentido da inclusão (CARVALHO, 2001) e temos visto suscitada
à discussão a cerca dos conceitos integração e inclusão. De acordo com os
dados publicados pela Secretaria de Educação Especial em 2006, o atendimento
inclusivo em Escolas Regulares no Brasil tem crescido substancialmente, o que
nos faz refletir sobre o sentido que temos atribuído à inclusão. No entanto, nossas
reflexões e questionamentos deixam de ser acerca de simples números,
envolvendo a qualidade da proposta educativa oferecida aos alunos portadores
de necessidades educacionais especiais pela comunidade educacional. Quanto à
integração, de acordo com a Política Nacional de Educação Especial (1994) a
Educação Especial:
... é um processo dinâmico de participação das pessoas num
contexto relacional, legitimando sua integração nos grupos
sociais. A integração implica reciprocidade. E, sob enfoque
escolar, é processo gradual e dinâmico que pode tomar distintas
formas, de acordo com as necessidades e habilidades dos alunos.
(p.18)
Deste modo a integração envolve relações interpessoais, abarcando
portadores de necessidades educacionais especiais e demais integrantes da
comunidade. Isso implica o envolvimento e a participação efetiva de todos a fim
de que a proposta educativa contemple as necessidades educacionais de todos
os atores que compõem a ecologia de aprendizagem, sem a qual estaremos
incluindo somente fisicamente alunos com necessidades educacionais especiais
em classes comuns.
97
3.2.1 EDUCAÇÃO ESPECIAL NA PRIMEIRA METADE DO SÉCULO XX
Durante as primeiras décadas do século XX, uma concepção determinista do
desenvolvimento humano permeava o sistema educacional. A necessidade de
diagnosticar de modo preciso os transtornos de desenvolvimento e de classificar
as deficiências a que estavam sujeitas as crianças em idade escolar, fez proliferar
os testes de inteligência que se destinavam a padronizar o nível das crianças
comparando-as a população considerada dentro dos padrões normais.
Uma das primeiras escalas de inteligência foi encomendada em 1904 por
Alfred Binet, que ocupava então o cargo de ministro de Instrução Pública na
França (MARCHESI, 2004, pp.15-17), e destinava-se a separar as crianças que
deveriam freqüentar as escolas regulares das que não deveriam. Este tipo de
procedimento promoveu a aceitação de que alguns necessitavam de uma escola
especial destinada a atender suas necessidades e fez consolidar as Escolas
Especiais, que normalmente tinham um ensino distinto das escolas regulares,
professores especializados e recursos próprios (IBID., p.17).
A partir de 1960 surgem movimentos sociais em diversos países sensíveis a
defesa dos direitos das minorias promovendo reflexões inclusive no campo
educacional, o que faz com que a escola, assumindo seu papel de entidade
social, reconheça a necessidade de aceitar a responsabilidade pelos problemas
de aprendizagem que os alunos manifestavam. Dentro desse cenário, os
resultados limitados que os alunos atingiam nas Escolas Especiais levaram a
repensar sua função, enquanto nas Escolas Regulares o número significativo de
abandono escolar antes da conclusão do ciclo básico conduz a uma reavaliação
do conceito de “fracasso escolar” (IBID., pp.18-19). Os fatores apontados,
associados a outros desencadearam uma nova perspectiva educacional que
buscava compreender em que medida a caracterização de uma ou de outra
deficiência poderia interferir diretamente no processo de aprendizagem de um
aluno, favorecendo o surgimento de uma nova terminologia – necessidades
educacionais especiais. Tal conceito, que começou a ser empregado no final dos
anos 60, só passou a ser amplamente aceito a partir da publicação do informe
Warnock em 1978.
98
O informe Warnock, solicitado pelo Secretário de Educação do Reino Unido
a uma comissão de especialistas, teve o mérito de convulsionar os esquemas
educacionais vigentes e de popularizar uma concepção diferente da Educação
Especial (MARTÍN e MARCHESI, 1995, p.11). Em seu texto destacava quatro
pontos de relevância que justificavam o emprego do termo necessidades
educacionais especiais, a serem mencionados: (1) afeta um conjunto de alunos;
(2) é um conceito relativo; (3) refere-se principalmente aos problemas de
aprendizagem dos alunos na sala de aula e (4) supõe provisão de recursos
(MARCHESI, 2004, p.19). Desses quatro pontos daremos atenção especial a
dois. Primeiro o que destaca que a palavra educacional utilizada no termo refere-
se aos problemas dos alunos na sala de aula, deste modo o foco passa a ser a
capacidade da escola para adaptar sua prática educacional às necessidades dos
alunos sem negar, por exemplo, que uma criança cega ou surda apresenta
inicialmente dificuldades que seus pares não têm. O segundo menciona que o
emprego desse termo prevê que sendo a necessidade educacional se faz
imperativo a provisão de recursos suplementares, o que pode compreender, por
exemplo, reformas arquitetônicas, maior número de professores especializados,
sistemas de comunicação alternativos ou adaptados, materiais pedagógicos
adequados ou qualquer outro recurso que facilite o acesso dos alunos a escola e
ao sistema de ensino aprendizagem.
Críticas procedentes da Sociologia da Educação destacam que o emprego
do termo necessidades educacionais especiais não deve ocultar a necessidade
de levar-se em conta a situação individual dos alunos ligada às características
próprias de cada limitação ou da origem do problema de aprendizagem (IBID.,
p.22). De qualquer modo, sob esta perspectiva mais política, surge o princípio da
integração destinado a garantir o princípio de igualdade de direitos aos
educandos independentemente de suas necessidades educacionais serem ou
não especiais.
99
3.2.2 INTEGRAÇÃO
A Educação não segregadora passa a ser a força motriz que propulsiona as
mudanças destinadas a garantir a integração física, social e funcional dos
portadores de necessidades especiais não só nas escolas, mas na sociedade.
Nas escolas, os defensores da integração educativa associavam aos benefícios
oferecidos aos alunos com necessidades educacionais especiais com a
socialização, a atitude de solidariedade e respeito que poderia ser aprendida
pelos seus colegas, destacando que este era um dos objetivos importantes da
Educação.
Uma das principais razões para a integração dos alunos com necessidades
educacionais especiais era promover reformas na Educação Especial que vinha
sofrendo pesadas críticas de diversos setores da sociedade. No entanto, as
escolas que passaram a ser integradoras incorporaram às escolas regulares as
formas tradicionais utilizadas nas Escolas Especiais, oferecendo aos alunos com
necessidades educacionais especiais, dupla jornada ora em classe comum, ora
em classe especial. Deste modo o tempo desses alunos era dividido entre o
atendimento especial e as classes comuns, movimento que não assegurava uma
integração educacional positiva. Martins e Marchesi (1995) destacam que nesse
período, algumas publicações apontavam que o ideal seria usar no lugar do termo
integração o termo educar alunos com necessidades educacionais especiais na
escola regular, o que deveria pressupor que o sistema educacional assumisse a
responsabilidade de oferecer uma resposta a esses alunos, o que diverge de
simplesmente deslocar a educação especial para dentro das escolas regulares
locando somente fisicamente os alunos com necessidades educacionais
especiais em salas comuns. A necessidade de reestruturar a Educação Especial
a ser aplicada às escolas integradoras impulsionou a discussão a cerca do que se
passou a denominar Educação Inclusiva, conceito que supõe garantir a
integração tornando possível uma educação de qualidade a todos sem nenhum
tipo de exclusão (MARCHESI, 2004, p.25).
100
3.2.3 INCLUSÃO
Nas décadas de 60 e 70, trabalhava-se muito com o paradigma da igualdade
e pouco com o da diversidade. Duas perspectivas passam a figurar no cenário
educacional nas décadas seguintes: a exigência de educar todos os alunos na
mesma escola e a necessidade de empreender uma reforma no sistema
educacional (MARCHESI, 2004, p.26). Uma nova visão, com base nas
declarações dos direitos humanos, passa a atribuir ao poder público, a obrigação
de garantir um ensino não segregador de qualidade a todos, realizando as
transformações necessárias para isso.
Em junho de 1994, como resultado da Conferência Mundial, sobre
Necessidades Educativas Especiais, realizada em Salamanca (Espanha),
representantes, de oitenta e oito países e vinte e cinco organizações
internacionais relacionadas à educação, assinaram uma declaração que previa
que as necessidades educacionais básicas fossem oferecidas a todos pela
universalização do acesso, promoção da igualdade, ampliação dos meios e
conteúdos da Educação Básica e melhoria do ambiente de estudo. Assim, o
movimento “Educação para todos” previa uma escola que integrasse os
educandos com necessidades especiais no ambiente escolar, respeitando a
diversidade desses educandos, de modo a contemplar as suas necessidades e
potencialidades (FERNANDES, 2004, p.30). Tal documento estabelece um Marco
de ação com o objetivo de nortear as ações dos governos, dos gestores dos
sistemas de ensino e das organizações que trabalham no âmbito educacional
(MARCHESI, 2004, p.27):
O princípio que rege este Marco de Ação é que as escolas devem
acolher todas as crianças, independentemente de suas condições
físicas, intelectuais, sociais, emocionais, lingüísticas e outras.
Devem acolher crianças com deficiências e crianças bem-dotadas,
crianças que vivem na rua e que trabalham; crianças de
populações remotas ou nômades, crianças de minorias
lingüísticas, étnicas ou culturais e crianças de outros grupos ou
zonas desfavorecidas ou marginalizadas. Todas essas condições
colocam uma série de desafios para os sistemas escolares. No
contexto deste Marco de Ação, o termo “necessidades educativas
especiais” refere-se a todas as crianças e a todos os jovens cujas
necessidades decorrem de sua condição de deficiência ou de
suas dificuldades de aprendizagem. (...) As escolas têm de
encontrar a maneira de educar com êxito todas as crianças,
101
inclusive aquelas com deficiências graves. Há um consenso cada
vez maior de que as crianças e os jovens com necessidades
educativas especiais sejam incluídos nos planos educativos
elaborados para a maioria dos meninos e das meninas. Essa idéia
levou ao conceito de escola inclusiva.
O Marco de ação proposto pela Conferência Mundial sobre Necessidades
Educativas Especiais propõe algo que vai além das práticas educacionais, propõe
um processo de mudanças que conduza a uma participação dos educandos na
cultura e no currículo comum da escola. Tal objetivo, meta ainda hoje, propõe que
as escolas inclusivas tenham um prolongamento natural em sociedades abertas e
não segregadoras, o que, a nosso ver, é uma tarefa permanente e interminável.
No dia 13 de dezembro de 2006, após cinco anos de negociações, a
Organização das Nações Unidas (ONU) em Assembléia Geral constituída por 192
países, aprovam a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência.
Esse documento foi considerado pela imprensa mundial, o primeiro tratado
aprovado na área dos Direitos Humanos do século XXI. O objetivo dessa
Convenção, composta por 50 artigos mais 18 no Protocolo Facultativo (a ser
adotado simultaneamente com a Convenção), não é criar novos direitos para as
pessoas com necessidades especiais, mas garantir meios legais que coíbam a
discriminação a respeito das pessoas com deficiências em todas as suas
expressões de convivência social e cultural. A Convenção de 2006, de certo
modo, ratifica o acordado em convenções anteriores, reafirmando o conteúdo da
Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, dirigindo-se, no caso do
Brasil, a 24.600.256 de pessoas de acordo com o Censo Demográfico do Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística. Entre outros princípios, a Convenção
defende o respeito pela dignidade, o respeito pela diferença, a igualdade de
oportunidades, a acessibilidade, a igualdade entre o homem e a mulher, o
respeito pelas capacidades em desenvolvimento de crianças com deficiência, a
autonomia individual, a não-discriminação e a plena e efetiva participação e
inclusão na sociedade.
Voltando a discussão a cerca do termo integração ou inclusão, a opção por
um ou por outro pouco importa. Na verdade a escolha de um deles não exclui o
outro. Talvez o mais adequado fosse inclusão integradora. Temos vivido um
período de transformação cultural, e a inclusão depende de uma mobilização
102
coletiva e do compromisso com a construção de espaços democráticos que
garantam a convivência e a participação de todos. Quando falamos de inclusão
educacional, não podemos acreditar que basta efetivar a matricula de portadores
de necessidades educacionais especiais em uma sala comum, com essa atitude
estaríamos, no máximo, integrando estes educandos. Respeitar a deficiência
significa, entre outras coisas, não subestimar as possibilidades e nem
superestimar as dificuldades. Para que educandos com deficiência se
desenvolvam e aprendam, precisamos nos centrar na minimização de sua
desvantagem e investir em sua equiparação de oportunidades. Deste modo, o
que deve nos preocupar são as ações efetivas que influenciam a prática
educacional vigente (FERNANDES e HEALY, 2007).
Os benefícios da convivência no âmbito escolar entre alunos denominados
normais e aqueles que são portadores de necessidades educacionais especiais
são inegáveis. Na próxima seção apontamos algumas evidências nesse sentido,
discutindo como a inclusão tem sido vivenciada na prática pelos seus atores, no
nosso caso pelos professores e alunos da Escola Estadual Caetano de Campos.
3.3 A EDUCAÇÃO ESPECIAL E SEUS ATORES
A Educação Especial no Brasil vem se construindo historicamente
acompanhando os processos legais e apelos sociais. No entanto, apesar de sua
especificidade, ela não tem se organizado com e para seus atores "normais" e
"deficientes". Neste sentido, a reflexão passa a situar-se nas condições
educacionais, nas mudanças que as escolas regulares precisam realizar e na
provisão dos recursos para que os alunos com necessidades educacionais
especiais, ou melhor, para que todos os alunos recebam nas escolas um ensino
satisfatório. Estas mudanças não se referem somente à infra-estrutura como
rampas e sala de recursos, dentre outros, mas também aos recursos didáticos, às
estratégias pedagógicas e talvez até ao próprio currículo utilizado em situações
de ensino-aprendizagem por alunos "normais" e "deficientes".
103
Nas próximas seções pretendemos expor como a relação inclusão x
integração tem sido vivenciada na escola que acolheu nosso projeto. Conhecer o
contexto em que se deu a pesquisa oferecerá parâmetros para que se
compreendam as escolhas que fizemos durante o desenvolvimento deste estudo.
3.4 O LÓCUS DO PROJETO
Nosso projeto foi acolhido pela Escola Estadual Caetano de Campos. Criada
em 1846, sob a denominação de Escola Normal de São Paulo, a história da
Escola Caetano de Campos pode ser dividida em três períodos, seguindo uma
seqüência cronológica. O primeiro, que se inicia com a instalação da Escola
Normal, em 16 de março de 1846 e segue até a inauguração do seu prédio
próprio, na Praça da República, em 1894. O segundo período compreende seu
curso desde a inauguração do prédio próprio, passando pela mudança de
denominação em 1913, quando passou a ser "Caetano de Campos" e segue até a
tentativa de demolição do edifício, na década de 1970. O terceiro e último período
é marcado pela reação contra a demolição de seu prédio e por seu
desmembramento em 1978 em duas unidades que passaram a funcionar com o
mesmo nome em endereços distintos. Com a desativação do prédio da Praça da
República, os alunos, no início do ano letivo de 1978, foram divididos em dois
grupos. Um grupo foi locado em um novo edifício construído pelo Governo do
Estado, localizado na Rua Pires da Mota, que recebeu 2373 estudantes e o outro
grupo foi deslocado para outra unidade na Praça Roosevelt, num prédio que havia
abrigado a Deutsche Schule, uma escola alemã, mais tarde Colégio Visconde de
Porto Seguro, que acolheu 2399 estudantes. Ocupando uma posição geográfica
privilegiada na cidade de São Paulo, é a EE Caetano de Campos localizada na
Rua Pires da Mota na Aclimação o lócus do desenvolvimento dos nossos estudos.
O nome da EE Caetano de Campos, uma escola pioneira na área da
inclusão, mistura-se a de muitas personalidades da vida social, cultural e política
de São Paulo e do nosso país, os chamados caetanistas, entre os quais
destacamos: Ubiratan D'Ambrósio, Francisco Matarazzo; Guiomar Novaes; Maria
Rosaria Matarazzo, Cincinato Braga, Mário de Andrade; Cecília Meireles;
104
Francisco Peixoto Gomide; Maria Eugênia de Abreu Sodré; Carmen Montoro;
André Franco Montoro; Ruth Monteiro Lobato; Ricardo Capote Valente; Nelson
Amaral Gurgel; Julio Cerqueira Cesar Netto; Luciano Gomes Cardim; Renato
Consorte; Maria Helena Gomes Cardim; Maria de Lourdes Abreu Sodré; Odete de
Barros Mott; Sérgio Buarque de Holanda; e Dorina de Gouvêa Nowill
46
, a primeira
aluna cega a matricular-se, em São Paulo, numa classe comum. Formou-se
professora na EE Caetano de Campos, e ainda como aluna encabeçou um
movimento para que fosse implementado nessa escola um curso de
especialização de professores para o Ensino de Cegos, o que ocorreu em 1945.
Não encontramos dados referentes ao período de funcionamento desse curso
que, infelizmente, não é oferecido atualmente. Desde Dorina Nowill, a EE
Caetano de Campos tem em seu corpo discente alunos SAVDPN, e oferece
atendimento educacional especializado tanto de acompanhamento paralelo as
atividades dos cursos regulares quanto de alfabetização em Braille. Esse
atendimento é feito na sala de recursos que permanece aberta somente no
período matutino por contar com apenas um profissional especializado. Na Tabela
3.1, mostramos o número de alunos atendidos na sala de recursos e
conseqüentemente inseridos em classe comum nos últimos anos.
Ano Número de alunos
2000 19
2001 26
2002 24
2003 20
2004 13
2005 11
2006 14
2007 12
Tabela 3.1Número de alunos atendidos na sala de recursos da EE Caetano de
Campos de 2000 a 2007
A EE Caetano de Campos funciona nos três períodos. Nos períodos,
matutino e noturno são oferecidos os cursos dos Ensinos Fundamental II e Médio
46
Criou em 1946 a Fundação para o Livro do Cego no Brasil, organização que em 1991, recebeu o seu nome
– Fundação Dorina Nowill para Cegos – pelo merecido reconhecimento de seu trabalho em prol da educação,
reabilitação, cultura e profissionalização de pessoas cegas ou com baixa visão e na prevenção da cegueira.
Atualmente ocupa o cargo de Presidente Emérita e Vitalícia na Fundação.
105
e no vespertino a Educação Infantil e Ensino Fundamental I e II. Quanto ao
Ensino Médio, alvo dos nossos estudos, trabalhamos somente com as turmas do
matutino, já que não havia alunos SAVDPN matriculados no período noturno. Na
ocasião da pesquisa, a escola tinha três turmas de cada uma das séries do
Ensino Médio, funcionando regularmente no período matutino com
aproximadamente quarenta alunos em cada uma delas.
A estrutura arquitetônica da escola atende, em parte, aos padrões de
acessibilidade
47
sugeridos pela ABNT – Associação Brasileira de Normas
Técnicas (2004) para uma escola inclusiva. Esta Norma estabelece critérios e
parâmetros técnicos a serem observados quando do projeto, construção,
instalação e adaptação de edificações, mobiliário, espaços e equipamentos
urbanos às condições de acessibilidade, com o objetivo de proporcionar à maior
quantidade possível de pessoas, independentemente de idade, estatura ou
limitação de mobilidade ou percepção, a utilização de maneira autônoma e segura
do ambiente, edificações, mobiliário e equipamentos urbanos. A escola possui
rampas de acesso com piso em relevo ou piso tátil
48
como sugere a ABNT (2004)
com corrimão e guias de balizamento, banheiros adaptados, portas amplas para
acesso tanto ao interior da escola como a biblioteca o que não ocorre com o
acesso ao laboratório de informática. A área da cantina e o local onde é servida a
merenda escolar não foram planejados com o mesmo cuidado. Não encontramos
área de aproximação
49
nem área rebaixada no balcão de atendimento aos alunos
que possa ser utilizada pelos cadeirantes. Em relação à comunicação e
sinalização, que segundo a ABNT (2004) deve ser visual, tátil e sonora, a EE
Caetano de Campos também apresenta alguns problemas, por exemplo, os
alunos cegos não são capazes, antes de familiarizarem-se com o espaço físico da
escola, de encontrar sozinhos o banheiro ou a biblioteca.
A sala de recursos é para os alunos SAVDPN, um ambiente tão freqüentado
quanto às salas de aulas. Sobre seu funcionamento já discorremos nesta seção,
47
Possibilidade e condição de alcance, percepção e entendimento para a utilização com segurança e
autonomia de edificações, espaço, mobiliário, equipamento urbano e elementos (ABNT, 2004).
48
Piso caracterizado pela diferenciação de textura em relação ao piso adjacente destinado a constituir alerta
ou linha guia, perceptível por pessoas com deficiência visual (IBID.).
49
Espaço sem obstáculos para que a pessoa que utiliza cadeira de rodas possa manobrar, deslocar-se,
aproximar-se e utilizar o mobiliário ou o elemento com autonomia e segurança (IBID.).
106
mas o material e o equipamento disponíveis para utilização e atendimento dos
alunos são tão importantes quanto à existência da própria sala.
3.4.1 A SALA DE RECURSOS
A sala de recursos da EE Caetano de Campos tem seis metros quadrados e
compõe-se por dois ambientes separados por uma estante de livros. Uma das
propostas que tínhamos a oferecer a escola quando formalizamos o convite para
a participação do projeto era viabilizar a aquisição de equipamentos que seriam
adquiridos com as verbas destinadas ao projeto. O primeiro passo foi fazer um
levantamento dos equipamentos e materiais disponíveis na sala de recurso,
resultado que apresentamos na tabela a seguir.
Material ou equipamento
Quantidade Condições de uso
Máquina para escrita em Braille Perkins 5 Boa
Gravador portátil 1 Boa
Globo terrestre em relevo 1 Desatualizado
Mapa-mundi 1 Boa
Pranchetas com feltro 5 Boa
Sorobãs adaptados 6 Boa
Desenhador 1 Boa
Cubarítmos 7 Sem cubinhos
Regletes de alumínio 3 Incompletas
Tábuas de reglete 8 Não adequadas ao uso
Palhaços de encaixe 2 Incompletos
Trenzinho de encaixe 1 Boa
Relógio de madeira 1 Boa
Gavetas com figuras geométricas 6 Regular
Jogos de damas e trilha 2 Incompleto
Bonecas de tecido para reabilitação 2 Boa
TV com telelupa (doação CAPE) 2 Aguardando manutenção
Computadores 3 Aguardando manutenção
Impressora a tinta 1 Aguardando manutenção
Aparelho de som (rádio, cassete e CD) 1 Boa
Microfone 1 Boa
Tabela 3.2Sala de recursosMateriais e equipamentos antes do início do projeto
107
Observando a Tabela 3.2 podemos perceber que mesmo sendo uma escola
classificada como escola inclusiva
50
, os materiais e equipamentos são
inadequados ou em número insuficiente para o atendimento aos alunos. Outro
ponto que merece destaque é que todo material em Braille produzido pela
professora da sala de recurso era feito em máquina Perkins um a um. Até
iniciarmos nossa pesquisa a EE Caetano de Campos não havia conseguido uma
impressora de tipos em Braille, seja através dos órgãos governamentais ou por
doação de entidades com as quais manteve contato. Com a aprovação do projeto
foi possível a aquisição de equipamentos e materiais (Tabela 3.3), oferecendo
melhor estrutura para o atendimento aos alunos e disponibilizando materiais que
os professores poderiam usar em suas aulas. Relacionamos esses equipamentos
e materiais na Tabela 3.3.
Quantidade Material
1 Impressora interpontos (Braille) – Juliet Pro-60
1 Estação de trabalho – microcomputador Pentium 4
1 Software pedagógico: TGD (Tactile Graphics Designer)
1 Software pedagógico: IMAGINE
2 MP3
1 Câmera de vídeo digital – Mini DVD – Sony DCR-HC15
5 Pranchas de desenho
5 Jogos para desenho
2 Jogos de blocos lógicos
2 Jogos de sólidos geométricos
2 Conjuntos de sólidos geométricos planificados
20 Caixas de papel para escrita em Braille
Tabela 3.3Materiais e equipamentos adquiridos com verbas do projeto
A sala de recursos possui ainda uma pequena biblioteca em Braille com sete
títulos de livros didáticos e sete títulos de paradidáticos, doze títulos de livros
falados e três exemplares da Revista Veja em compact disc (CD – MP3). Convém
destacarmos que a Revista Veja não podia ser utilizada pelos alunos cegos na
50
As escolas inclusivas são aquelas nas quais os alunos com necessidades educativas especiais recebem o
apoio suplementar de que precisam para assegurar uma educação eficaz (Declaração de Salamanca, 1994,
p.5). No caso da EE Caetano de Campos os alunos sem acuidade visual dentro dos padrões normais
recebem apoio suplementar de profissional especializado na sala de recursos.
108
sala de recursos, já que mesmo que estivessem em funcionamento os
computadores não possuem equipamento para leitura de CD.
3.5 CARACTERIZAÇÃO DO ESTUDO
A Educação Especial no Brasil vem se construindo historicamente
acompanhando os processos legais e apelos sociais. No entanto, apesar de sua
especificidade, ela não tem se organizado com e para seus atores "normais" e
"deficientes". Neste sentido, a reflexão passa a situar-se nas condições
educacionais, nas mudanças que as escolas regulares precisam realizar e na
provisão dos recursos para que os alunos com necessidades educacionais
especiais, ou melhor, para que todos os alunos recebam nelas um ensino
satisfatório. Estas mudanças não se referem somente à infra-estrutura como
rampas e sala de recursos, dentre outros, mas também aos recursos didáticos
utilizados em situações de ensino-aprendizagem por alunos "normais" e
"deficientes". No que se refere particularmente ao ensino de alunos cegos ou com
visão subnormal devemos considerar que o planejamento das intervenções de
ensino deve considerar, sobretudo, as necessidades específicas do aprendiz
conseqüência, principalmente, da falta ou da degradação de um dos canais de
aquisição da informação – o visual. As informações chegam aos deficientes
visuais mediadas por dois canais principais: a linguagem – pois ouvem e falam –
e a exploração tátil (GIL, 2000, p.24). É através do sistema háptico (ou tato ativo)
que o indivíduo sem acuidade visual é capaz de captar e processar informações
dos objetos que constituem o ambiente. O tato permite analisar um objeto de
forma parcelada e gradual, ao contrário da visão que é sintética e global. Dessa
forma, as informações parciais fornecidas pelo tato têm caráter seqüencial que
devem ser integradas, exigindo uma carga maior de memória (IBID., p.25). Ao
explorar um objeto, as mãos do deficiente visual, assim como os olhos dos
videntes, embora de forma mais lenta e sucessiva - movem-se de forma
intencional captando particularidades da forma a fim de obter uma imagem desse
objeto (OCHAITA e ROSA, 1995, p. 185).
109
Nossa pesquisa destinou-se a investigar os processos envolvidos no ensino-
aprendizagem de conceitos matemáticos por aprendizes SAVDPN inseridos em
classes comuns da EE Caetano de Campos. Procuramos enfocar, especialmente
os conceitos matemáticos ligados a Geometria, uma área da Matemática na qual
o campo visual tem um papel particularmente importante no processo ensino-
aprendizagem com alunos videntes. Dada a particularidade do contexto em que
se desenvolveu a pesquisa, nos concentramos no desenvolvimento colaborativo
de situações didáticas que facilitassem o acesso a objetos geométricos para os
alunos SAVDPN mais. No entanto, antes de apresentarmos nossas
considerações a respeito das atividades aplicadas aos sujeitos descreveremos os
procedimentos iniciais realizados no sentido de nos envolvermos no contexto
específico da pesquisa.
Na primeira fase da pesquisa procuramos nos envolver na realidade do
ambiente em que desenvolveríamos nossos estudos, para isso, buscamos
elementos que pudessem nos oferecer parâmetros para analisar como
professores, alunos e dirigentes da Escola Estadual Caetano de Campos vêm
lidando com questões relativas à inclusão. Nas próximas seções, apresentamos e
analisamos os dados coletados a partir de uma série de entrevistas realizadas
com os três segmentos mencionados acima, que nos permitirá delinear como a
diversidade vem sendo enfrentada na prática, ou seja, na vida real por seus
atores.
3.6 A VOZ DOS ATORES
Os trechos de entrevistas apresentados nesta seção foram extraídos de
entrevistas individuais e em grupo realizadas no início da pesquisa que originou
este trabalho. As entrevistas individuais foram realizadas com profissionais que
trabalham diretamente com os alunos portadores de necessidades educacionais
especiais, a vice-diretora da EE Caetano de Campos e três professores de
Matemática que têm alunos SAVDPN inseridos em suas classes. Nessas
entrevistas almejávamos identificar o tipo de trabalho que esses realizam com
seus alunos, a formação acadêmica ou continuada a que tiveram acesso para
110
trabalhar com classes inclusivas, o material de apoio pedagógico que os auxilia
nesse trabalho, suas angústias e satisfações.
Com sete dos alunos SAVDPN, matriculados nas três séries do Ensino
Médio (14 a 18 anos) fizemos entrevistas dividindo-os em dois grupos, um de três
e outro de quatro participantes. Nossa intenção era promover o debate sobre
questões relativas à inclusão para que pontos positivos ou negativos ficassem
evidentes. As perguntas foram formuladas de forma impessoal e subjetiva, para
isso usamos expressões como: “algumas pessoas consideram”, “há uma
discussão entre duas posições”; de modo que as respostas dadas pelo grupo
pudessem ser concordantes, discordantes ou ambas.
A metodologia das entrevistas seguiu os padrões de Fontana e Frey (2000)
– Metodologia da narrativa e auto/biográfica – que vêem nas entrevistas uma
poderosa ferramenta não neutra de coleta de dados, para compreender como
vivem e contar histórias contemporâneas de indivíduos, grupos ou organizações,
numa sociedade caracterizada pelo individualismo e pela diversidade. Para esses
autores a interação ativa entre duas ou mais pessoas favorece a negociação das
questões apresentadas no contexto no qual as pessoas envolvidas desenvolvem
suas atividades cotidianas. Neste trabalho, tal metodologia nos permite analisar o
cenário em que as histórias acontecem e concede a palavra a seus atores.
3.6.1
DOS DIRIGENTES
A entrevista com um dos membros que participa da direção da escola nos
permitiu compreender melhor os trâmites legais que devem ser seguidos para que
as escolas inclusivas realizem o seu trabalho.
A assistente de direção da escola que participou de nossa pesquisa tem 49
anos e é professora concursada da Rede Estadual de Ensino a trinta anos, dos
quais vinte na E. E. Caetano de Campos. Sua formação acadêmica é em Ciências
Físicas e Biológicas, mas um curso de complementação pedagógica lhe capacitou
a assumir o cargo de assistente de direção que ocupa há dez anos. Em suas
declarações nos revelou que nos vinte anos que está nesta escola os funcionários
111
e professores não tiveram a oportunidade de participar de cursos de capacitação
para o trabalho com alunos portadores de necessidades educacionais especiais
oferecidos pelo Estado. Em relação à aquisição de material adequado aos alunos
deficientes visuais, o único material adquirido pela escola, com a verba destinada
para esse fim, foram bolas de guizos usadas nas aulas de Educação Física.
Quanto ao material para uso individual dos alunos (regletes, punção, material de
desenho) não são conseguidos com facilidade. A atual política de acesso a esse
tipo de material, promovida pelo Estado através dos Centros de Apoio
Pedagógico (CAP) tem se mostrado deficitária tanto em número de funcionários
como na documentação exigida das escolas inclusivas. Em relação à solicitação
de livros em Braille a requisição é feita bienalmente juntamente com os demais
livros solicitados. Apesar de ter sala de recursos e profissional habilitado para o
atendimento educacional especial, o cadastro da escola como inclusiva não é
automático. Assim como deve cadastrar cada um dos alunos com necessidades
educacionais especiais, a escola deve preencher requisitos para efetivar seu
cadastramento junto ao CAP.
A direção da escola reconhece as dificuldades enfrentadas pelos
professores, pela falta de material de apoio, livro didático, apoio de profissionais
especializados e até mesmo, pela falta de tempo para preparar adequadamente
suas aulas, conseqüência das jornadas múltiplas de trabalho.
3.6.2 DOS PROFESSORES
O que denominamos Professor 1 tem 45 anos, é bacharel e licenciado em
Matemática pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUCSP) e
trabalha na E. E. Caetano de Campos há catorze anos. Trabalhando em duas
escolas públicas acumula uma jornada de 44 aulas semanais. O Professor 2 tem
50 anos, concluiu seu curso de Licenciatura em Matemática e Ciências nas
Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU), trabalha na área de Educação desde
1979, mas em escolas públicas, mais especificamente na E. E. Caetano de
Campos, há quatro anos com uma jornada de trinta e três aulas semanais. A
Professora 3 tem 31 anos e trabalha a cinco anos em escolas públicas. Concluiu
112
seu curso de Licenciatura em Ciências e Matemática na Faculdade de Ciências e
Letras de Itapetininga e o curso de Pedagogia na Faculdade de Ciências e Letras
de Itararé. Aluna do antigo curso de Magistério que era oferecido pelas escolas
públicas, teve a oportunidade de fazer estágio na Associação dos Pais e Amigos
dos Excepcionais (APAE) de uma cidade do interior de São Paulo, o que lhe
ofereceu a oportunidade de lidar com alguns alunos portadores de necessidades
educacionais especiais em classes especiais.
Os professores entrevistados relatam que quando se deparam pela primeira
vez com alunos cegos em suas salas de aulas regulares, perguntas como: “o que
fazer; como ensinar, como usar a lousa, que exemplos utilizar”, tomam conta de
seus pensamentos. Nos depoimentos são unânimes ao afirmar que durante a vida
acadêmica não receberam em seus cursos orientação adequada para lidar com
tais aprendizes, e que posteriormente não tiveram oportunidade de fazer cursos
de formação continuada que lhes instrumentalizasse para o trabalho com
aprendizes portadores de necessidades educacionais especiais.
Quando eu encontrei pela primeira vez com um aluno dv na sala pensei que não era
um professor suficientemente bom que pudesse enfrentar aquela situação. Eu já
tinha problemas com os videntes, como eu poderia lidar e ensinar alguma coisa
para os que não podiam ver? Eu não tive formação na Universidade ou algum curso
oferecido pela Delegacia de Ensino ou pelo Governo que me orientasse para o
trabalho com esses alunos... Agora que já tenho alguma experiência com esses
alunos quando chega algum professor novo na escola a gente já prepara para o
encontro com os alunos dvs. Digo que eles são super esforçados, interessados e
que temos o apoio técnico da sala de recursos que ajuda muito. (Professor 1)
O que me deu condições de trabalhar com alunos com necessidades educacionais
especiais foi o estágio que fiz na APAE quando fiz o Magistério. Na época os alunos
especiais estudavam em escolas especiais e eu trabalhava com eles em grupos
menores. Pelo Estado eu não tive a oportunidade de fazer nenhum curso que
pudesse me ajudar para trabalhar com esses alunos. (Professora 3)
Mesmo os mais experientes têm questões que os afligem. A falta de livros
didáticos para alunos cegos ou com visão subnormal é uma das realidades que
enfrentam, principalmente no Ensino Médio. O material impresso que é entregue
113
aos alunos com deficiência visual é feito na própria escola pela professora da sala
de recursos, que os produz um a um em máquina Perkins. Naturalmente, nem
todo material empregado durante as aulas é transcrito para o Braille, já que a
professora da sala de recursos trabalha na Instituição meio período e atende a
todos os professores da escola.
Nem sempre eu consigo prever com uma semana de antecedência a aula que vou
dar. Quando começo um conteúdo é natural por um desenho ou escrever alguma
coisa na lousa. Se o aluno dv não tem a aula em Braille digo a ele que depois
sentarei ao lado dele para explicar. Naquele momento ele fica excluído, e eu não
acho isso certo, mas não sei como fazer de outra forma naquele momento.
(Professor 2)
A falta de material de apoio pedagógico adequado para o trabalho com
alunos portadores de deficiência visual é outra questão que enfrentam. Alguns
materiais são adaptados pelos próprios professores com muita criatividade. Um
deles contou-nos que para introduzir o conceito de matrizes utilizou com um aluno
cego formas de gelo. Elas permitiram que ele mostrasse ao aluno linhas e colunas
e a disposição dos elementos numa matriz. Em outras situações é a falta de
formação que impede a utilização do pouco material disponível na sala de
recursos.
Eu estou nessa escola há doze anos, e é uma escola que trabalha com deficientes
visuais, eu nunca, nunca ouvi dizer que a Delegacia de Ensino está oferecendo
uma palestra, um curso... Nada, absolutamente nada. (Professor 1)
Eu nunca recebi uma formação especial para trabalhar com alunos dvs. O que eu
faço eu aprendi na minha experiência de vida. (Professor 2)
A maior dificuldade para trabalhar com esses alunos é a falta de material didático. A
falta de livro didático, de material adaptado. Você não tem a quem recorrer. Tem
que usar a criatividade. (Professora 3)
Um dos preceitos ditados pelos PCN: Adaptações Curriculares (1998, p. 17)
é que o professor seja especializado em todos os alunos, inclusive os portadores
de necessidades especiais. Para tanto é preciso pensar um modelo de escola que
114
atente para os recursos humanos, mais especificamente para os professores que
precisam ser efetivamente capacitados para transformar sua prática educativa.
Todo material que eu uso nas minhas aulas com os alunos dvs é feitos na própria
escola. Se eu não consigo passar o material para a professora da sala de recursos
transcrever para o Braille, eu dito a aula para os alunos. Quando chega na
Geometria eu mesma confecciono o material que vou usar usando cartolina, lixa ou
coisas assim. (Professora 3)
Em relação ao conteúdo matemático os professores declaram que, de fato,
não são abordados todos os conteúdos destinados ao Ensino Médio, e os motivos
apresentados são diversos. Os professores afirmam que de modo geral os alunos
chegam ao Ensino Médio sem os conhecimentos necessários para o
desenvolvimento do conteúdo programático. Segundo eles, até mesmo os alunos
cegos que vêm de Escolas Especiais não ingressam na primeira série do Ensino
Médio com uma fundamentação sólida em Matemática que permita avançar com
o programa regular.
A gente até inicia os conteúdos, mas como a coisa não anda a gente acaba
escolhendo os exercícios mais fáceis e vai até determinado ponto. Não vamos
muito a fundo. (Professor 2)
Declaram ainda, que alguns conteúdos não são trabalhados por falta de
preparo deles próprios, que se questionam a respeito de como abordá-los tendo
em suas salas alunos SAVDPN.
Eu nunca trabalhei com Geometria Espacial com meus alunos. Já trabalhei
Geometria Analítica, mas eu acho meio complicado. O cara nunca enxergou e eu
quero trabalhar cilindro com ele. Tudo bem que o cara vai poder pegar, mas é uma
coisa que a falta de preparo, a falta de clareza de como eu vou fazer o cara
entender isso. Será que junto com os outros ele vai conseguir entender isso? Isso
me deixa angustiado. (Professor 1)
Em outras situações a falta de material de apoio pedagógico interfere
diretamente na prática do professor.
115
Algumas vezes, quando os alunos trabalham com gráficos ou desenhos, os alunos
dvs fazem outras atividades ou simplesmente esperam que os colegas terminem a
atividade. Nessas horas não acho que eles estão incluídos. (Professor 2)
As dificuldades enfrentadas no processo de ensino-aprendizagem pelos
professores não se restringem aos alunos com necessidades educacionais
especiais, mas sim a todos os alunos. Obviamente os professores, cidadãos
críticos questionam sua formação acadêmica que não os preparou para ajustar o
seu fazer pedagógico às necessidades dos seus alunos, tenham eles
necessidades educacionais especiais ou não.
De acordo com os PCN: Adaptações Especiais (1998) é preciso adequar os
currículos para atender as necessidades dos alunos e flexibilizar o processo de
ensino-aprendizagem, no entanto temos evidências de que esse procedimento
tem sido orientado por restrições pedagógicas e metodológicas dos professores e
não somente para atender as necessidades dos seus alunos. De modo geral os
professores mostram-se dispostos a enfrentar o desafio da inclusão, no entanto
são os alunos os receptores de seus sucessos e frustrações.
3.6.3 DOS ALUNOS
Os alunos entrevistados fazem planos e têm sonhos exatamente como seus
colegas videntes. Planejam o curso superior que pretendem fazer, a família que
querem ter e são otimistas em relação ao próprio futuro e ao futuro do país. Nas
discussões sobre fatos que estão na mídia mostram-se conectados ao mundo que
os cerca.
De um modo geral estão satisfeitos por fazer parte da comunidade escolar.
Sentem-se acolhidos pelos colegas, professores, direção e funcionários da
escola, e a maioria diz não conseguir imaginar-se em Escolas Especiais.
Eu entrei aqui morrendo de medo. Como vai ser a matéria, como vão ser os
professores, os colegas. Eu estava com muito medo. Porque eu estava numa
Escola Especial ... Foi uma mudança muito drástica ... O pessoal aqui me tratou
116
muito bem. Não era tudo aquilo que eu estava imaginando. Devagar eu fui fazendo
amizade com meus amigos na classe. No começo eles não conversavam muito
comigo porque achavam que eu iria ficar chateado, sabe. Essas coisas do pessoal
que enxerga. Eles têm um pouco de medo de conversar com a gente porque acham
que a gente vai se ofender, porque acham que a gente vai ficar chateado. Antes eu
só tinha amigos deficientes [na Escola Especial] e agora não. Eu estou gostando
muito daqui. A diferença é muita, mas eu não estou mais com medo (André).
Dentro da sala de aula nos temos a ajuda de muitas pessoas que enxergam. As
pessoas [os colegas de classe] explicam e quando fazemos trabalhos em grupo
você sempre acaba trocando informações, ajudando e participando (Elias).
Alguns desses alunos concluíram o Ensino Fundamental (6 a 14 anos) em
Escolas Especiais e ao traçar um paralelo entre estas e a Escola Regular deixam
claro que a convivência com colegas videntes os faz sentir parte integrante de um
mundo que classificam como “real”, ou seja, quando recordam das Escolas
Especiais, uma escola totalmente estruturada para cegos lembram-se da
sensação de estar num mundo que não existe, onde todos não podem enxergar,
todos falam a mesma linguagem e todos têm as mesmas necessidades.
A Escola Especial é um mundo fechado, só de deficientes. O legal é você ter
inclusão com as outras pessoas, se comunicar. É bem legal isso (André).
[A inclusão] é um ganho, porque na sociedade vamos conviver com pessoas cegas
e não cegas (Elias).
Realmente, se você ficar num local só com pessoas com deficiência, lá fora você
não vai saber lidar com as pessoas que enxergam porque a maioria das pessoas
enxerga. Você precisa estar num lugar onde têm pessoas com deficiência ou não
(Dani).
Um dos pontos positivos destacado pelos alunos a respeito das Escolas
Especiais são a existência de livros didáticos e a abundância de materiais de
apoio pedagógico, como os professores, os alunos ressentem-se principalmente
da falta do livro didático.
O que falta é livro ... Nossas dúvidas não são tão diferentes das dúvidas das
pessoas que enxergam. Se nos tivéssemos o livro didático ajudaria muito. Só as
117
explicações não ajudam a perceber a estrutura, a seqüência. Na Matemática é
importante ter a parte escrita porque tem muito número, muito símbolo (Elias).
Entretanto outros pontos importantes foram destacados, como, por exemplo,
a falta de materiais didático-pedagógicos que pudessem auxiliar o estudo de
matemática.
O problema mesmo é a falta de material para suprir nossas necessidades (André).
A Matemática para os alunos SAVDPN dessa escola é uma disciplina
especialmente “complicada”, só comparada em grau de dificuldade com a Física e
a Química.
A Matemática tem muito gráfico, símbolos e fórmulas. Depende da abordagem do
professor. Se o professor ajuda dá exemplos e material a matéria fica mais fácil
(Mário).
Matemática é muito difícil. O professor fala “passa pra lá, corta aqui” e eu não
entendo o que ele fala... O professor fala é uma letra deitadinha assim, um tracinho,
e eu fico pensando: o que é isso? (Júlia)
Sobre as aulas de Matemática, destacam a abordagem tradicional usadas
nas aulas, essencialmente expositivas seguidas de exercícios de aplicação e
enfatizam a necessidade de contextualização e a falta de recursos para
pesquisas. Declaram que gostariam de viver outras experiências como aulas
práticas, exercícios de exploração com materiais táteis e ainda de ter acesso a
materiais de pesquisas (livros, internet ou softwares) Acreditam que tais
experiências poderiam ser facilitadoras no caso de, por exemplo, trabalhos com
gráficos. Segundo os alunos atividades que envolvam algum tipo de gráfico ou
diagrama não são realizados por eles, já que não há material de apoio disponível.
Quando os colegas videntes realizam atividades deste tipo, eles envolvem-se em
outros trabalhos ou simplesmente esperam que os colegas terminem a atividade.
Gostaria de ter aulas práticas, exercícios com materiais táteis e ainda de ter acesso
a materiais de pesquisas com livros e internet. (Elias)
118
Eu acho que a matéria deveria ser mais detalhada. Assim, com análise de gráficos,
por exemplo. Não é só colocar exercícios na lousa explicar e pronto. (Mário)
Questionados sobre a existência de conteúdos matemáticos especialmente
complexos para alunos SAVDPN a resposta foi negativa. No entanto, falando
sobre a Geometria afirmam que normalmente este assunto não é abordado pelos
professores. Um dos alunos, atualmente matriculado na terceira série do Ensino
Médio, nos contou que durante sua vida escolar quando os professores
trabalharam conteúdos geométricos ele era submetido a um processo distinto do
da turma.
Geometria estudei muito pouco, porque a gente não faz desenho em sala de aula.
Eu, por exemplo, uso reglete. Então, os professores, geralmente dão uma pulada
nessa matéria. Fazem um trabalho como compensação de nota mais no plano de
conceitos... A coisa mais simples para equivaler a nota. (Elias)
Geometria eu não sei nada. Assim... eu tive alguma coisa dessa matéria, mas não
aprendi nada. (Júlia)
Outro aluno, portador de visão subnormal que utiliza tipos ampliados, nos
conta que a Geometria, para ele, é especialmente difícil, pois com tipos ampliados
consegue enxergar as letras, mas não as linhas do desenho. Mesmo os alunos
entrevistados que fizeram o Ensino Fundamental em Escola Especial declaram ter
estudado muito pouco sobre Geometria.
Praticamente eu não tive Geometria [na Escola Especial]. A professora até iniciou,
mas o ano acabou e eu não vi praticamente nada de Geometria (Elias).
As análises das falas de nossos alunos indicam que o impedimento não está
propriamente no conteúdo matemático ou no potencial cognitivo, mas na
adequação do material usado pelo professor, na falta de material adequado para
os alunos desenharem, e talvez na escolha do tipo de abordagem dos conceitos.
119
3.7 SÍNTESE
Se, como acreditamos, as necessidades especiais dos alunos devem ser
atendidas no âmbito da escola regular isso requer que os sistemas educacionais
se modifiquem, não apenas revendo suas atitudes e expectativas em relação a
esses alunos, mas que se organizem para constituir uma escola para todos e que
de fato gerem condições de igualdade social.
A inclusão exige uma atenção adequada, pois os problemas surgem no dia-
a-dia, em aula, e transcendem âmbito legal, atingindo a responsabilidade da
equipe docente. Não bastam, também, os prometidos apoios institucionais, sem a
participação efetiva do aluno, e principalmente, sem o professor. Na verdade, não
encontramos professores que afirmem estar preparados para receber em classe
um aluno com necessidades especiais. A inclusão é um processo que exige
aperfeiçoamento constante, no entanto, em geral, os profissionais que atuam nas
escolas hoje, inclusive os professores da EE Caetano de Campos, não receberam
formação para trabalhar com educandos portadores de necessidades
educacionais especiais.
Teve casos aqui na escola que a professora chega a primeira vez na sala, olha
para o deficiente e chora, porque não sabe como trabalhar. (Mário)
Os professores sentem que os problemas e as questões multiplicam-se com
a diversificação das atividades nas aulas de Matemática e o crescente destaque
dado a uma pedagogia ativa, de ação e participação de todos, onde as estruturas
são dinâmicas e ensinam-se técnicas de observação, estratégias e
sistematizações matemáticas.
Apesar das iniciativas das políticas públicas há muito a ser feito. Os cursos
destinados à formação de professores devem assumir o compromisso de formar
para o respeito à diversidade dos educandos. Os dados que temos coletado
evidenciam também a necessidade e carência de recursos materiais que possam
favorecer o acesso dos aprendizes com necessidades educacionais especiais aos
conteúdos escolares, mais especificamente aos conteúdos matemáticos, objetos
de nossos estudos.
120
Tanto alunos como professores da escola estadual onde se centrou nossa
pesquisa ressentem-se do material mais primário para seu trabalho – o livro
didático. É preciso que os órgãos competentes criem ou agilizem políticas de
acesso regular a materiais destinados aos alunos com necessidades
educacionais especiais, não só no que se refere aos livros didáticos, mas também
a materiais pedagógicos de uso comum como lupas, computador com sintetizador
de vozes e periféricos adaptados, recursos ópticos, materiais para desenho, para
laboratório de Matemática como, por exemplo, material dourado, que poderiam
ser usados não só pelos alunos SAVDPN, mas também pelos videntes
oferecendo a todos uma abordagem experimental da Matemática.
Devemos ficar atentos às propostas feitas pelo Sistema de Ensino, as
análises e as críticas são necessárias para que possamos auxiliar na construção
da sociedade que almejamos. A inclusão social e escolar que desejamos deve
garantir igualdade de oportunidades e de direitos com autonomia. Temos mantido
sob tutela e monitorado nossos aprendizes com necessidades educacionais
especiais como se oferecêssemos a eles um privilégio e não um direito.
Entendemos que o caminho para a inclusão integradora que propomos inicia-se
com a apreensão de como se dá o desenvolvimento cognitivo de aprendizes
cegos, que não segue necessariamente o mesmo caminho que o dos videntes.
Nesta direção, compreender como podemos facilitar o acesso desses aprendizes
a objetos matemáticos pode influenciar as práticas pedagógicas aplicadas á todos
que compõe classes inclusivas.
Os alunos SAVDPN entrevistados não consideram que o sistema de cotas
proposto pelo PROUNI
51
no Brasil seja adequado às suas pretensões e
aspirações, mas ao analisarem as práticas educacionais a que são submetidos
acreditam que não estão prontos para competir com os demais em pé de
igualdade.
51
Programa Universidade para Todos foi criado pela MP nº 213/2004 e institucionalizado pela Lei nº 11.096,
de 13 de janeiro de 2005. Tem como finalidade a concessão de bolsas de estudos integrais e parciais a
estudantes de baixa renda, em cursos de graduação e seqüenciais de formação específica, em instituições
privadas de educação superior, oferecendo, em contrapartida, isenção de alguns tributos àquelas que
aderirem ao Programa.
121
Atualmente eu acho que esse sistema é até justo, mas o ideal é que nós
tivéssemos as mesmas condições que os outros alunos. Eu fui procurar cursinho
para o ano que vem e não consegui nenhum, não tem cursinho preparado para
atender deficientes visuais. Nem mesmo curso de línguas eu consegui fazer.
Quando eu fui procurar curso de Inglês para fazer não encontrei nenhum que
estivesse preparado para ensinar um dv. (Elias)
Os estudos que temos realizado na área da Educação Matemática com
indivíduos SAVDPN corroboram nossa concepção de uma sociedade consciente
da diversidade, que se estrutura para atender as necessidades de cada cidadão.
É preciso que se deixe de encarar a cegueira como sendo apenas uma condição
limitadora ou mesmo incapacitadora. O cego ou portador de baixa visão
apresenta os mesmos sentimentos e aspirações daqueles considerados
"videntes". Possui, portanto, potencial que precisa ser estimulado e trabalhado a
fim de possibilitar sua inclusão no mundo em que vive. Não de uma forma
complacente, mas sim como um direito.
Nossas pesquisas vêm ao encontro com a necessidade de discutir e buscar
meios de preparar professores e instituições educacionais para o trabalho de
objetos matemáticos com aprendizes com necessidades educacionais especiais.
Buscamos apoio nas teorias contemporâneas sobre o desenvolvimento
psicológico de aprendizes com necessidades especiais – que trazem uma visão
pós-vygotskiana – as quais destacam ser através da ação sobre o ambiente e da
comunicação social que esses educandos podem dominar as habilidades mentais
que os permitem o conhecimento da realidade (COLE e WERTSCH, 1996; VEER
e VALSINER, 1996; OLIVEIRA, 2002).
No próximo capítulo, apresentamos e discutimos pontos relevantes a
respeito do sistema de avaliação a que alunos SAVDPN são submetidos pelo
sistema de ensino, apontando indícios que corroboram com o sentimento a
respeito da inclusão apresentados neste capítulo.
122
CAPÍTULO 4
O SISTEMA DE AVALIAÇÃO
1. Toda pessoa tem direito à instrução. A instrução será
gratuita pelo menos nos graus elementares e
fundamentais. A instrução elementar será obrigatória. A
instrução técnico-profissional será acessível a todos, bem
como a instrução superior, esta baseada no mérito.
2. A instrução será orientada no sentido do pleno
desenvolvimento da personalidade humana e do
fortalecimento do respeito pelos direitos humanos e pelas
liberdades fundamentais. A instrução promoverá a
compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as
nações e grupos sociais ou religiosos, e coadjuvará as
atividades das Nações Unidas em prol da manutenção da
paz.
(Declaração dos Direitos Humanos, 1948, Artigo XXVI)
4.1 INTRODUÇÃO
Atualmente, ao abordar temas que envolvem necessidades educacionais
especiais, o foco das atenções não são as dificuldades específicas dos
educandos, mas o que os educadores podem fazer para dar respostas às suas
necessidades específicas respeitando a diversidade de cada indivíduo. Neste
capítulo queremos discutir os processos de avaliação aos quais aprendizes sem
acuidade visual são submetidos pelos Sistemas Educacionais, o que nos permitirá
caracterizar as práticas avaliativas aplicadas atualmente nas escolas em que
estão inseridos, vestibulares ou provas propostas por órgãos governamentais
123
como, por exemplo, ENEM
52
e SARESP, e os vestibulares de escolas públicas.
Para tanto reproduzimos algumas atividades propostas a alunos videntes e não
videntes pelo Sistema de Avaliação de Rendimento Escolar do Estado de São
Paulo – SARESP realizado em 2005 pelas escolas públicas do Estado de São
Paulo. Além de considerar as práticas atuais das avaliações oferecidas a alunos
SAVDPN trazemos algumas reflexões sobre as possibilidades do uso de
diferentes ferramentas materiais para a aplicação de uma mesma atividade e as
implicações dessas diferentes representações nas respostas dadas pelos alunos
SAVDPN.
4.2 O QUE PREVÊ AS LEIS
Em 1998 a Secretaria de Educação Fundamental e a Secretaria de
Educação Especial numa ação conjunta, produziram um documento intitulado
Parâmetros Curriculares Nacionais: Adaptações Curriculares, com o objetivo de
dar subsídios aos professores e às escolas brasileiras na tarefa de favorecer aos
alunos com necessidades educacionais especiais a ampliação do exercício da
cidadania. Tal documento contempla a adequação curricular, definição de
objetivos, tratamento e desenvolvimento dos conteúdos, o processo avaliativo, a
temporalidade e organização do trabalho didático-pedagógico que possam vir a
favorecer o processo de aprendizagem do aluno (PCN: ADAPTAÇÕES
CURRICULARES, 1998, p. 13).
Em relação às adaptações avaliativas, os PCN: Adaptações Curriculares (p.
36) destacam a importância da seleção das técnicas e dos instrumentos utilizados
para avaliar os aprendizes, propondo que sejam feitas modificações sensíveis em
sua forma de apresentação, linguagem quando necessário e na temporalidade.
De modo geral tais mudanças são apontadas como pouco significativas e de fácil
aplicação já que, supostamente, não implicam em alterações nos objetivos e
conteúdos e podem ser facilmente realizadas se planejadas e aplicadas pelo
professor em suas aulas. No caso de aprendizes SAVDPN, o documento prevê
que o material didático e de avaliação seja apresentado em tipos ampliados ou
52
Exame Nacional do Ensino Médio.
124
em Braille e relevo (p.46). Nesse documento as adaptações significativas na
avaliação envolvem alterações nos objetivos e conteúdos que podem ser
acrescidos ou eliminados influenciando os resultados obtidos pelos alunos. Desse
modo a avaliação é vista como um instrumento flexível que deve considerar a
diversificação de critérios, de instrumentos, de procedimentos levando em conta
diferentes situações de ensino e aprendizagem e as condições individuais dos
alunos (PCN: ADAPTAÇÕES CURRICULARES, pp. 40-42).
O processo avaliativo é de suma importância em todos os âmbitos do
processo educacional em nosso país, seja para nortear decisões pedagógicas ou
para avaliar o desenvolvimento e o nível de competência curricular dos alunos.
Diante deste fato, decidimos dar a palavra aos professores e alunos participantes
do nosso projeto, que vivenciam esse processo em suas classes inclusivas. As
entrevistas realizadas seguiram os padrões de Fontana e Frey (2000) –
Metodologia da narrativa e auto/biográfica – como descrita no Capítulo 2.
4.3 O CENÁRIO DA AVALIAÇÃO E SEUS ATORES
Uma das atitudes sugeridas nos PCN: Adaptações curriculares é “mudar a
temporalidade dos objetivos, conteúdos e critérios de avaliação, isto é, considerar
que o aluno com necessidades educacionais especiais pode alcançar os objetivos
comuns do grupo, mesmo que possa requerer um período mais longo de tempo”
(p. 51). Em uma de nossas entrevistas, perguntamos aos alunos com deficiência
visual matriculados na terceira série do Ensino Médio sobre o período de tempo
que lhes foi concedido para a realização das provas do ENEM no ano de 2005.
Vale destacar que nesse ano a EE Caetano de Campos não recebeu as provas
impressas em Braille ou em tipos ampliados, tendo assim que disponibilizar
ledores
53
para os alunos SAVDPN. Segundo eles, lhes foi oferecido o tempo
53
Segundo o Instituto Benjamin Constant e a Fundação Dorina Nowill, os ledores são considerados
tradutores de texto codificado em linguagem escrita para a linguagem oral. A leitura para cegos envolve
técnicas, que buscam expressar determinados códigos de escrita favorecendo o entendimento do texto. Por
exemplo, a entoação é fundamental para a leitura. A voz deve ter entonação média, ritmo regular, com
variações que devem ser orientadas pelo texto. Os recursos gráficos devem ser decodificados com detalhes,
assim como as notas de rodapé. Alguns sinais de pontuação, como aspas, parênteses, travessão, devem ser
lidos de forma a expressar os destaques do texto, entre outros aspectos.
125
suplementar de trinta minutos, isto é, lhes foi permitido ingressar na sala do
exame trinta minutos antes do horário previsto para os demais candidatos. Será
que este tempo adicional é mesmo suficiente para que o aluno com deficiência
visual leia
54
, interprete e selecione uma das alternativas de uma prova de múltipla
escolha? Há bases investigativas que indiquem ser de trinta minutos tempo
suplementar suficiente para que os alunos cegos atinjam os mesmos objetivos
que os videntes?
O tempo previsto pelos organizadores para a realização das provas do
ENEM e da FUVEST
55
é cinco horas para todos os alunos, no caso dos alunos
sem acuidade visual esse tempo passa a ser de cinco horas e trinta minutos.
Quanto ao SARESP, que pretendemos discutir com mais detalhe neste capitulo, a
prova deve ser realizada no período em que o aluno está matriculado, assim os
alunos matriculados no período matutino, por exemplo, também dispõe de cinco
horas para fazer a avaliação. Ouvindo os alunos e a professora da sala de
recursos da EE Caetano de Campos, nos certificamos que após longos períodos
a leitura em Braille fica prejudicada, para sermos mais precisas, os alunos
declaram que depois da segunda hora de leitura a sensibilidade dos dedos fica
reduzida, prejudicando particularmente a análise de desenhos, gráficos ou
diagramas. Talvez, o mais adequado não somente para os alunos cegos, mas
para todos os alunos, o ideal fosse dividir a avaliação e aplicá-la em dias
consecutivos.
Pode-se ler ainda nos PCN: Adaptações Curriculares em relação às
avaliações, que o professor deve “eliminar, objetivos e critérios de avaliação,
definidos para o grupo de referência do aluno, em razão de suas deficiências ou
limitações especiais” (p. 51). Entrevistando os professores envolvidos com os
alunos portadores de deficiência visual nos certificamos que é exatamente isso
que alguns fazem em suas classes inclusivas. Na EE Caetano de Campos
normalmente os alunos SAVDPN realizam a avaliação com os demais alunos no
horário regular de aula. Geralmente os professores entregam as avaliações com
antecedência para que a professora da sala de recursos as transcreva para o
54
Consideramos leitor cego também os que ouvem as leituras feitas em voz alta pelos ledores.
55
Fundação Universitária para o Vestibular.
126
Braille. No entanto, entre os professores entrevistados não há um procedimento
único relativo à apresentação da avaliação. Um dos professores declarou que as
avaliações oferecidas aos alunos SAVDPN é a mesma que os videntes realizam
transcritas para o Braille, no entanto outro nos diz que as avaliações carregam o
mesmo conteúdo, mas não as mesmas questões.
Por outro lado, é exatamente a eliminação ou substituição de questões ou
conteúdos que preocupa os alunos com deficiência visual. Os alunos
entrevistados afirmam que, algumas vezes, a avaliação realizada por eles em
suas aulas regulares é diferente da realizada pela turma, e justificam ser a falta de
recursos materiais o impedimento para que o professor possa lhes aplicar a
mesma avaliação. Algumas questões, que envolvem gráficos ou desenhos, são
substituídas por questões mais teóricas ou problemas que não envolvam
diagramas.
O problema é que na prova de vestibular não tem como escrever no canto das
questões: Não sei isso porque sou deficiente e não aprendi isso na escola. Tem
que saber ou não saber, e na sala de aula tem muita coisa que pula. Como o
professor vai dar um conceito para você se ele só tem esse ou aquele recurso?...
Então ... ele faz uma prova diferente para a gente (Elias).
O questionamento que fazem a respeito desse tipo de procedimento refere-
se aos outros sistemas de avaliação a que são submetidos. Consideram que
quando sujeitos a um exame de vestibular, SARESP ou ENEM, as provas que
realizam são as mesmas feitas pelos alunos videntes o que pode deixá-los em
desvantagem. De fato, ao analisar os exames nacionais a que esses alunos são
submetidos verificamos que eles realizam exatamente a mesma prova que os
demais alunos que são ampliadas ou transcritas para o Braille. Um aluno com
visão subnormal nos disse que foi “horrível” fazer o ENEM no ano de 2005, onde
mais que a metade das questões exigia interpretação gráfica.
O ENEM tinha mais de cinqüenta por cento da prova envolvendo gráficos. Para
mim foi horrível fazer. Mandaram a prova ampliada, mas não ampliaram o suficiente
para que eu pudesse enxergar. Os desenhos não foram ampliados ou reforçados.
Eu não conseguia ler. Ai veio uma fiscal de sala ler para mim, mas ela não sabia
muito bem como me explicar (Mário).
127
Os que fazem as provas com a ajuda de ledores afirmam que a
interpretação da pessoa que está lendo influencia suas respostas e que essa
influência nem sempre é positiva, principalmente quando a pessoas que faz a
leitura não recebeu nenhum tipo de treinamento. Segundo o depoimento dos
alunos que entrevistamos geralmente as pessoas que fazem a leitura de provas
oficiais são escolhidas aleatoriamente no momento de aplicação da prova.
Neste ponto chegamos a um impasse, de acordo com os PCN: Adaptações
Curriculares “a supressão desses conteúdos e objetivos da programação
educacional regular não deve causar prejuízo” para a escolarização do aluno com
necessidades educacionais especiais. E ainda “deve considerar, rigorosamente, o
significado dos conteúdos, ou seja, se são básicos, fundamentais e pré-requisitos
para aprendizagens posteriores” (p.51). Ora, mas como não considerar a
produção e análise de gráficos estatísticos básicos e fundamentais se, por
exemplo, nos exames realizados pelo ENEM a maioria das questões pauta-se em
análises de gráficos? Não seria o caso de submeter o ENEM e a FUVEST ao
crivo dos PCN: Adaptações Curriculares?
Tal fato pode ser verificado na fala de um dos alunos entrevistados:
O que eu posso perceber é que no SARESP e no ENEM eles não preparam uma
prova especial para você [para os portadores de deficiência visual]. Eles
simplesmente pegam uma prova em tinta e passam para o Braille. No SARESP as
questões que tinham algum desenho ou gráfico eu simplesmente chutei, e errei a
maioria. O ENEM não veio em Braille e a pessoa que tava lendo para mim não
sabia muito bem como me explicar as figuras (Elias).
As preocupações centrais em relação ao sistema de avaliação dos alunos
entrevistados referem-se ao que acontece no âmbito estadual e nacional. Ouvindo
as vozes dos atores, evidencia-se o fato de que a transcrição das avaliações para
o Braille não é o suficiente para garantir o direito de acesso de todos os
estudantes ao Sistema Educacional. Neste sentido, nos propomos a analisar as
provas do SARESP, e a partir dessa análise, estruturamos um processo empírico
com interesse em investigar quais adaptações podem ser feitas na apresentação
das questões e seus efeitos para os aprendizes.
128
4.4 O SARESP
Neste estudo, pretendemos analisar e avaliar os processos seletivos e de
avaliação aos quais aprendizes sem acuidade visual são submetidos pelos
sistemas educacionais, mais especificamente as provas do SARESP de 2005
aplicado pelo governo do Estado de São Paulo.
O SARESP é o Sistema de Avaliação de Rendimento Escolar do Estado de
São Paulo, criado em meados da década de 90, para avaliar o sistema de ensino
paulista, através do rendimento escolar dos alunos de diferentes séries e
períodos, identificando os fatores que interferem nesse rendimento (SARESP,
2005). A participação no SARESP é compulsória para todas as escolas estaduais
administradas pela Secretaria da Educação do Estado de São Paulo (SEE/SP) e
por adesão para as demais redes de ensino (municipal e particular). Centra-se na
avaliação das habilidades cognitivas de Leitura e Escrita e de Matemática,
adquiridas pelos alunos, ao longo de todas as séries dos Ensinos Fundamental e
Médio. Tais habilidades são selecionadas de acordo as Propostas Curriculares da
Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas (CENP/SEE) e os Parâmetros
Curriculares Nacionais (PCN).
O SARESP afere anualmente o rendimento escolar
de centenas de milhares de estudantes, disponibilizando aos educadores,
gestores do ensino e sociedade civil, os resultados da avaliação e uma série de
estudos estatísticos e pedagógicos.
No ano letivo de 2005 realizou-se a 9ª edição do SARESP, quando foram
avaliados todos os alunos do Ensino Fundamental e Médio das escolas urbanas e
rurais da rede estadual na modalidade de ensino regular, o que inclui os alunos
com necessidades educacionais especiais. A EE Caetano de Campos recebeu as
provas em Braille para todos os alunos cegos inscritos e em tipos ampliados para
os portadores de baixa visão.
4.5 PROCEDIMENTO EMPÍRICO
No decorrer do projeto que desenvolvemos, analisamos as provas aplicadas
em 2005 e 2006 pelo ENEM, SARESP e FUVEST além das avaliações da própria
129
escola. Nessas análises nos centrávamos no número, no conteúdo e na forma de
apresentação das questões propostas. Optamos por fazer um estudo empírico
utilizando a prova do SARESP ao qual aprendizes sem acuidade visual foram
submetidos no ano de 2005. Deste estudo escolhemos para exemplificar nossas
análises três questões da prova de Matemática com conteúdo da área de
Geometria por sua estreita relação com o campo visual. Para cada uma dessas
questões, além da versão em Braille oferecida em algumas das provas oficiais
preparamos, com a colaboração dos professores da própria escola, duas
ferramentas materiais que pretendiam favorecer a percepção tátil. Tais
ferramentas, além das características que serão apontadas no decorrer deste
texto, deveriam ter baixo custo e poder ser facilmente reproduzidas. Nosso
objetivo era investigar não apenas a adequação das provas para alunos sem
acuidade visual, mas oferecer subsídios que pudessem auxiliar na reflexão dos
órgãos responsáveis pela elaboração dessas provas.
Os alunos que participaram desse estudo estavam matriculados nas três
séries do Ensino Médio. Inseridos em salas comuns, mostravam-se totalmente
familiarizados com o ambiente escolar e com o cotidiano da escola, ou seja, com
as aulas e avaliações em meio aos alunos videntes e com as atividades, em
período distinto ao das aulas, realizadas na sala recursos.
Para o planejamento e desenvolvimento das ferramentas materiais que
substituiriam as representações geométricas oferecidas nas provas em Braille,
orientamo-nos no descrito nos PCN: Adaptações Curriculares, segundo os quais o
sistema de comunicação com os alunos com necessidades educacionais
especiais deve ser adaptado as possibilidades dos mesmos. No caso dos não
videntes, além do sistema Braille, temos os escritos ampliados e textos escritos
com outros elementos, como ilustrações táteis, que possam favorecer e ampliar a
compreensão (PCN: ADAPTAÇÕES CURRICULARES, 1998, p.45).
Alguns resultados e observações oriundos da pesquisa de Argyropoulos
(2002) também nortearam nosso trabalho de elaboração das ferramentas.
Segundo esses resultados, através do tato os deficientes visuais formam imagens
mentais e a partir dessas imagens fazem ligações com seus conhecimentos,
destacando ainda, que a maior parte das informações sobre formas geométricas é
130
adquirida por esses aprendizes com base em experiências concretas e muito
pouco do seu conhecimento é abstrato.
Cada um dos alunos que participou dessa atividade, respondeu ao mesmo
exercício usando o texto em Braille e as duas outras ferramentas que são
descritas para cada um dos exercícios que apresentamos não seguindo uma
ordem rígida. Para cada atividade, o aluno poderia ratificar a resposta dada na
situação anterior, escolher outra alternativa ou não escolher alternativa. Após a
conclusão do exercício, o aluno deveria apontar qual das ferramentas facilitou a
solução do exercício, para que pudéssemos discutir a influência das ferramentas
nas estratégias de solução.
4.5.1 OS ALUNOS PARTICIPANTES
A cada um dos sete alunos participantes atribuímos um nome fictício: José,
Caio, André, João, Leandro, Dani e Carla. No Capítulo 2 (Seção 2.6.1)
oferecemos detalhes sobre cada um desses sujeitos. Cabe aqui destacar que
neste grupo, alguns alunos sempre estudaram em escolas inclusivas, outros
fizeram o Ensino Fundamental em Escolas Especiais, no entanto, em nossas
análises não encontramos diferenças significativas entre os dois grupos, ao
menos no que se refere aos conhecimentos geométricos.
4.5.2 OS EXERCÍCIOS E AS FERRAMENTAS MATERIAIS
Como mencionamos anteriormente, selecionamos três exercícios para
nossas análises, para os quais além dos desenhos em Braille, elaboramos
ferramentas materiais para serem exploradas de forma tátil. Reproduzimos na
seqüência as questões escolhidas exatamente como propostas nas provas
referentes às séries, descritas entre parênteses, e suas respectivas ferramentas
táteis. Convém destacar que apesar de nossos alunos estarem matriculados no
Ensino Médio, optamos por questões das provas do Ensino Fundamental. Esse
processo empírico aconteceu nos primeiros meses do desenvolvimento da
131
pesquisa e nas entrevistas que realizamos nas primeiras semanas tornou-se
evidente a pouca familiaridade dos alunos com os conteúdos geométricos (ver
Capítulo 4 Seção 4.4.3), já que como eles mesmos declararam Geometria foi uma
área geralmente deixada de lado em seus cursos regulares.
Exercício 1 – (6ª série p.19 exercício 15) Na figura, a reta r é eixo de
simetria da letra M desenhada. Sabemos que a soma dos comprimentos dos
segmentos AB, BC, CD e DE é igual a 20 cm, e que CD = 4 cm. O comprimento
do segmento DE é igual a:
(A) 3 cm
(B) 5 cm
(C) 6 cm
(D) 7 cm
Representação da prova Representação em Braille
Ferramenta 4.1a Ferramenta 4.1b
Figura 4.1 – A letra M
Na Ferramenta 4.1a, o eixo de simetria (reta r) e a letra M foram construídos
com elásticos fixados em pinos presos a uma placa de madeira. A Ferramenta
4.1b mostra a letra M representada por canudos plásticos com o eixo de simetria
representado por um palito de madeira, usando como suporte uma placa de
A
C
E
B D
r
132
papelão. Em ambas as ferramentas a reta e os vértices foram nomeados com
etiquetas em Braille.
Exercício 2 – (6ª série p.20 exercício 19) A figura C pode ser decomposta em
quadrados “B” e triângulos “A” da seguinte maneira:
(A) 3 triângulos “A” e 5 quadrados “B
(B) 4 triângulos “A” e 6 quadrados “B
(C) 4 triângulos “A” e 7 quadrados “B
(D) 5 triângulos “A” e 6 quadrados “B
Representação da prova Representação em Braille
Ferramenta 4.2a Ferramenta 4.2b
Figura 4.2 – Decomposição de figura
A Ferramenta 4.2a apresenta o pentágono como uma depressão em relação
a sua moldura. As figuras que deveriam compor o pentágono seriam usadas
como num quebra-cabeça. Na Ferramenta 4.2b o pentágono foi moldado com
palitos de madeira, e as peças para compô-lo inicialmente foram apresentadas
dentro de suas respectivas molduras, de onde deveriam ser retiradas para a
realização da tarefa, a finalidade dessas peças era fazer medições. Ambas as
1 cm
C
1 cm
B
4 cm
3 cm
1 cm
••
••
••
••
•••
••
••
•••
••
••
1 cm
A
133
ferramentas foram estruturadas sobre placa de papelão e etiquetadas com
símbolos em Braille.
Exercício 3 – (7ª série p.18 exercício 11) No paralelepípedo da figura, são
arestas paralelas:
(A) AB e CG
(B) AE e BC
(C) AD e BF
(D) AE e CG
Representação da prova Representação em Braille
Ferramenta 4.3a Ferramenta 4.3b
Figura 4.3 – Paralelepípedo
Esse exercício exigia uma representação em três dimensões, o que nos
levou a fazer um maior número de tentativas até chegarmos às formas que
utilizamos. Associar a percepção tátil a propriedades particulares dos sólidos
geométricos não era uma habilidade desenvolvida nos alunos participantes, assim
decidimos usar uma representação próxima dos objetos encontrados no cotidiano
desses aprendizes (Ferramenta 4.3a). A Ferramenta 4.3 b pretendia estimular
medições que freqüentemente os alunos cegos fazem com os dedos para que
eles pudessem observar a preservação da distância entre as arestas que formam
o paralelepípedo, ou seja, o paralelismo entre suas arestas.
A B
E
C
D
H G
F
••
••
••
••
134
4.5.3 TABELAS DOS RESULTADOS
Elaboramos duas tabelas que indicam o desempenho dos alunos nos
exercícios mostrados aqui. Na Tabela 4.1 as letras em vermelho representam a
escolha da alternativa correta e onde se lê nenhuma indicamos que o aluno não
escolheu nenhuma das alternativas ou que não soube responder ao exercício
usando a ferramenta em questão. Na coluna intitulada Mais fácil indicamos a
representação escolhida pelo aluno como aquela que facilitou a solução do
exercício.
Nome do aluno Questão
Respostas
Braille
Ferramenta
Mais fácil
a b
José 1 B B nenhuma Braille
Leandro 1 C C C b
Dani 1 C B D a
Carla (Ampliado) 1 A D D b
André 2 Nenhuma D B a
Carla (Ampliado) 2 A D B todos
Caio 3 D nenhuma nenhuma Braille
João 3 B B C b
Dani 3 A A B a
Carla (Ampliado) 3 B C C a
Tabela 4.1 – Desempenho dos alunos
Questão
N° de
soluções
Braille Ferramenta a Ferramenta b
N° de acertos % N° de acertos % N° de acertos %
1 4 2 50 1 25 1 25
2 2 0 0 0 0 2
10
0
3 4 1 25 0 0 1 25
Tabela 4.2 – Índice de acertos
135
É interessante notar que embora utilizassem a mesma proposta de exercício
transcrita para o Braille, os aprendizes que apontam respostas distintas ao usar
ferramentas distintas, o fazem sem aparentar embaraço. Em outras palavras,
quando mudamos as ferramentas as respostas apresentadas pelos aprendizes
também mudaram, aparentemente além de influir nas respostas dadas as
ferramentas atribuem características particulares as atividades.
4.6
ANÁLISE DOS RESULTADOS
Neste momento centraremos nossas análises nos instrumentos de avaliação
propostos aos alunos, o que nos conduz a discutir o tipo de exercícios propostos
e a influência das diferentes ferramentas materiais para a resolução dos mesmos.
O Exercício 1 foi especialmente interessante. O texto refere-se à simetria da
letra M em tinta, o que não tem nenhuma relação com a letra M em Braille (Figura
5.4a), ou seja, a letra M representada em Braille não apresenta simetria, já que
somente os pontos preenchidos de preto ficam em relevo.
Figura 4.4a Figura 4.4b
Figura 4.4 – A letra M
Ao lerem o enunciado desse exercício, os alunos portadores de cegueira
congênita, ou seja, aqueles que foram alfabetizados em Braille fizeram
colocações do tipo:
Cadê a letra M? (Dani)
Por que eu não acho a letra M? (José)
A letra M não está aqui. (Leandro)
136
Deste modo, era preciso aprender a letra M em tinta para posteriormente
realizar a tarefa. A tarefa de ensinar aos alunos a letra M em tinta coube a
pesquisadora. Quatro alunos realizaram essa tarefa. Desses, somente dois
apresentaram a resposta correta – Leandro e Dani.
Leandro indicou a mesma resposta usando as três representações, o que
faz de sua observação em relação à ferramenta que favoreceu a solução do
exercício mais significativa. Antes da atividade ele não tinha idéia de como era a
letra M em tinta, já que perdeu a visão aos dois anos de idade e foi alfabetizado
em Braille. Assim, para ele, a letra M só existia representada em Braille (Figura
4.4a) e as etiquetas com os vértices em escrita Braille o deixou ainda mais
confuso na tentativa de localizar a letra M. Para ele os segmentos que formavam
a letra M eram somente traços no papel, não podendo ser associado a nenhum
tipo de escrita Leandro mostrou-se surpreso ao conhecer a letra M quando a
pesquisadora o ajudou a percorrê-la com os dedos, o obstáculo passou a ser
então o eixo de simetria.
Leandro: Ah! Que legal! Essa é a letra M? Agora que eu entendi, mas o M tem
esse risco no meio?
Pesquisadora: Não, esse risco é o eixo de simetria
Trecho 4.1: O eixo de simetria da letra M
Depois de compreender a proposta do exercício Leandro levou alguns
minutos para dar a resposta correta. Ao receber o enunciado do exercício em
outra folha e a Ferramenta 4.1b fez a leitura e passou a exploração tátil da
representação. Pode-se perceber analisando os gestos de Leandro que essa
ferramenta possibilitou que ele realizasse o exercício sem preocupar-se com a
forma da letra M. Ele pode dar a resposta detendo-se apenas aos segmentos e
suas medidas avaliadas com suas mãos. Destacamos que Leandro para observar
a igualdade das medidas dos segmentos considerou cada uma das duas partes
congruentes da letra M separadas por seu eixo de simetria como sendo figuras
independentes, ou seja, seria indiferente para ele se o enunciado falasse sobre
letras, desenho ou qualquer outra forma geométrica. A Ferramenta 4.1b foi a
indicada, por ele, como facilitadora, possivelmente a utilização de diferentes
137
texturas tenha favorecido a percepção tátil. Em relação à Ferramenta 4.1a,
inicialmente Leandro tem dificuldade para perceber se tratar do mesmo desenho,
em suas interações com a pesquisadora ele sugere que a posição dos elásticos,
ocupando a diagonal dos quadrados que formam a grade, não auxilia no que se
refere à medida de comprimento de segmentos.
Dani também se surpreendeu ao conhecer a letra M. Ela considerou a tarefa
mais fácil quando proposta na Ferramenta 4.1a, mas a resposta correta foi dada
quando a questão foi apresentada em Braille. Observando o trabalho de Dani foi
possível perceber que usando a proposta em Braille, ela contou o número de
pontos que formavam cada uma das quatro partes da letra M, recurso que
procurou transpor para a Ferramenta 4.1a, mas a distância entre os pinos parece
não ter colaborado com seu intento. Deste modo, na representação em Braille, ela
não aplicou propriedades relativas a simetria, oferecendo sua resposta com base
na contagem dos pontos da figura, o que permitiu que ela reconhecesse a
congruência entre segmentos correspondentes. Na Ferramenta 4.1a, ela não
julgou que os segmentos CD e BC eram congruentes, possivelmente por não ter
parâmetros que favorecesse a medição dos segmentos que formavam a letra M.
De qualquer modo, Dani comportou-se como Leandro, ou seja, sendo a intenção
dos dois comparar as medidas dos segmentos que compunham a figura, a
informação dada pelo exercício só gerou conflitos para os aprendizes cegos. Para
eles e para os videntes também, a mesma proposta poderia ser oferecida sem
que se falasse da letra M em tinta. Na verdade, a representação em Braille, que
favoreceu a resposta correta para ambos os alunos, acabou por descaracterizar o
exercício, ou seja, a tarefa proposta deixou de ser a mesma. Nossos sujeitos
“mediram” os segmentos que compunham a figura, estratégia que não podia ser
aplicada pelos videntes, já que na prova em tinta as medidas dos segmentos não
correspondiam às medidas apresentadas no enunciado. Aliás, tal condição não
era mesmo necessária já que a questão pretendia avaliar conceitos ligados a
propriedade de congruência em figuras simétricas.
Carla é portadora de visão subnormal e utiliza tipos ampliados, sendo assim
ela conhece a letra M em tinta. No entanto o exercício foi particularmente difícil
para ela, e observando seus procedimentos ao realizá-lo podemos apontar alguns
138
fatores que influenciaram em suas respostas. Para ela medição de segmentos
usando régua é um método inviável, já que ela não consegue ler os números na
mesma, além disso, o tato não é uma habilidade que ela desenvolveu como seus
colegas. Nem mesmo a presença da grade na Ferramenta 4.1a a ajudou, talvez
porque os elásticos não ocupassem sempre a posição da diagonal dos quadrados
que formam a grade, o que não favoreceu a medição dos segmentos.
Dois alunos realizaram o Exercício 2, e ambos responderam de forma
adequada usando a Ferramenta 4.2b. André escolheu exatamente essa
ferramenta como facilitadora, já Carla considerou que todas as representações
desempenhavam o mesmo papel. A Ferramenta 4.2b permitia que os alunos
realizassem a tarefa usando o mesmo tipo de raciocínio que os videntes, ou seja,
medir e desenhar sobre a figura para contar quantos quadrados e triângulos
“cabem”, o que foi especialmente importante para Carla que nesse exercício pode
usar procedimento de medição. Nossos alunos usaram como padrão de medida
as formas geométricas quadrado e triângulo, o que pode ser associado ao
procedimento de medir com régua dos videntes. Destacamos ainda que, nesse
exercício, ambos os alunos não tiveram êxito com a representação em Braille.
Talvez tal fato possa ser justificado pela fragmentação da informação obtida
através do tato que não os permitiu relacionar as pequenas formas com a
proposta do exercício. De qualquer modo, parece-nos que o que está sendo
avaliado não é a habilidade matemática dos alunos SAVDPN, já que ao
oferecermos a Ferramenta 4.2b o exercício foi respondido satisfatoriamente, o
nos faz questionar que tipo de resultado é oferecido ao SARESP a respeito da
habilidade cognitiva dos alunos. A Ferramenta 4.2a parece ter descaracterizado o
exercício, já que a falta de um dos parâmetros da figura (eixos internos) dificultou
a elaboração das respostas. Ao tentar solucionar o problema os alunos pareciam
estar desorientados para posicionar os quadrados e triângulos pela falta dos eixos
internos à figura.
O objeto matemático dos Exercícios 1 e 2 relacionavam-se a Geometria
Plana, obviamente as ferramentas planejadas para esses exercícios
apresentavam duas dimensões. O Exercício 3, por envolver Geometria Espacial,
exigiu uma representação em três dimensões, o que parece não ter facilitado a
139
realização do exercício para os alunos. Nenhum dos quatro alunos que
responderam ao exercício havia estudado Geometria Espacial, e aparentemente
não conseguiram associar o paralelismo da Geometria Plana a uma figura com
três dimensões, especialmente porque a resposta correta não envolvia duas
arestas que pertenciam à mesma face. Tal fato também pode justificar a resposta
correta de um único aluno – Caio – que indicou como representação facilitadora o
desenho feito em Braille, o que o ajudou perceber “duas arestas no mesmo plano”
(o plano do papel). Aparentemente os alunos não conseguem perceber o
paralelismo entre dois segmentos em formas representadas em três dimensões.
Destacamos ainda que durante a realização da tarefa, percebemos que era difícil
para os alunos relacionarem os rótulos dados aos pontos com a posição dos
mesmos, na forma tridimensional, o que também pode ter sido um elemento
facilitador para a resposta de Caio.
4.7 NOSSA VOZ
O objetivo do trabalho empírico da Fase I era caracterizar a situação ideal
para uma inclusão significativa dos portadores de necessidades educacionais
especiais no âmbito escolar e a situação real vivida na EE Caetano de Campos.
Para tanto, além das vozes dos atores que compõem um cenário inclusivo,
analisamos os processos de avaliação aos quais alunos SAVDPN são
submetidos. Os pontos centrais apresentados neste capítulo devem oferecer
argumentos suficientes para os leitores respondam as seguintes questões: Será
que basta oferecer aos alunos sem acuidade visual as mesmas provas realizadas
pelos videntes transcritas em Braille para lhes proporcionar eqüidade de
oportunidades e direitos? A simples transcrição das provas garante a tão
almejada inclusão?
Para considerar tais questões refletimos em meio a duas perspectivas.
Primeiro a adequação das questões da prova com as recomendações propostas
pelos PCN: Adaptações Curriculares e segundo as relações entre os processos
cognitivos dos alunos SAVDPN e as ferramentas de mediação.
140
Pelos indícios apontados anteriormente, acreditamos ter elementos que nos
permitem apontar algumas discrepâncias entre as propostas dos PCN:
Adaptações Curriculares e os processos de avaliação aos quais os alunos com
deficiência visual vêm sendo submetidos. De acordo com os PCN: Adaptações
Curriculares (p.46), o material didático e de avaliação apresentado em tipo
ampliado para os alunos com baixa visão e em Braille e relevo para os cegos,
isso de fato vem ocorrendo. No entanto, pode-se ler na página 50 do mesmo
documento que os conteúdos e critérios de avaliação devem ser adequados as
condições dos alunos em relação aos demais colegas, o que não tem recebido a
devida atenção no planejamento de avaliações. Esse fato pode ser facilmente
verificado especialmente na formulação do Exercício 2 que se refere à letra M.
Isso nos faz pensar qual a estratégia que os alunos portadores de cegueira
congênita do Estado de São Paulo aplicaram para responder essa questão já que
as provas são individuais. Ainda em relação a esse exercício nossos indicadores
mostram que sendo um dos seus objetivos investigar o conhecimento dos alunos
relativos à simetria por uma reta, o uso da letra M é absolutamente
desnecessário. Qualquer outra figura ou forma geométrica de domínio inclusive
dos alunos SAVDPN poderia ter sido usada para esse intento.
Ainda nos PCN: Adaptações Curriculares (p.36), pode-se ler:
As adaptações avaliativas dizem respeito: à seleção das técnicas
e instrumentos utilizados para avaliar o aluno. Propõem
modificações sensíveis na forma de apresentação das técnicas e
dos instrumentos de avaliação, a sua linguagem, de um modo
diferente dos demais alunos de modo que atenda às
peculiaridades dos que apresentam necessidades especiais.
Não verificamos nas provas analisadas transcritas em Braille (SARESP e
FUVEST) nenhuma modificação na técnica utilizada para a avaliação do aluno
que atenda às peculiaridades dos deficientes visuais, ou seja, as provas à tinta
foram somente transcritas para o Braille, sem que se buscasse explorar a
principal forma de aquisição de informações desses alunos – o tato. Pedimos a
dois alunos portadores de cegueira congênita da terceira série do Ensino Médio
que fizessem o exercício 29 da prova de Matemática da FUVEST 2005, do tipo V
realizada em 28 de novembro de 2004, o qual reproduzimos a seguir:
141
A figura abaixo mostra uma pirâmide reta de base quadrangular ABCD de lado 1 e
altura EF = 1. Sendo G o ponto médio da altura EF e α a medida do ângulo AGB,
então cosα vale:
a)
1
2
b)
1
3
c)
1
4
d)
1
5
e)
1
6
Na reprodução dessa representação em relevo não são apresentadas as
diagonais da base, as arestas em segundo plano são representadas por quatro
pontos seguidos de quatro espaços enquanto as de primeiro plano são
representadas por pontos consecutivos, os vértices são representados por pontos
aproximadamente cinco vezes maiores que os demais e recebem nomes em
símbolos Braille assim como o ângulo AGB. Destacamos que não existem
padrões para representação de objetos geométricos – retas ou pontos – no
sistema Braille. Nossos alunos não foram capazes de fazer o exercício por não
poder compreender o desenho, mesmo depois de várias tentativas e intervenções
da pesquisadora. Nossos resultados indicam que em 80% das respostas dadas,
as ferramentas materiais, projetadas para o estímulo háptico, foram apontadas
como facilitadoras para a compreensão e solução dos exercícios. No entanto, em
alguns casos, as ferramentas materiais parecem descaracterizar a proposta
apresentada fazendo com que os alunos compreendam o exercício como um
novo problema.
As dificuldades se multiplicam quando observamos as questões que se
referem a outras áreas do conhecimento. Somente a título de exemplo citamos os
Exercícios 24 e 25 (p.12) propostos na prova de Leitura da sétima série do
mesmo SARESP 2005. No enunciado destes exercícios utilizou-se uma estória
em quadrinhos do menino “Maluquinho” apresentada em cores na prova em tinta
como reproduzimos abaixo:
142
Elucidamos que nas provas em Braille esse tipo de texto não apresenta as
figuras somente uma legenda que as descreve, por exemplo, no exercício que
estamos discutindo, composto por onze quadrinhos o primeiro quadrinho aparece
assim descrito: Menina conversa com Maluquinho e diz: vamos fazer um bolo! Me
ajuda? Maluquinho responde animado: só se você me deixar quebrar os ovos! As
questões as quais nos referimos são proposta da seguinte maneira:
24. No penúltimo quadrinho, a expressão da menina revela que ela ficou:
(A) assustada.
(B) chateada.
(C) alegre.
(D) desesperada.
25. Entre os recursos utilizados para contar a história do menino Maluquinho,
destaca-se:
(A) As cores de fundo de cada quadrinho.
(B) Os gestos e a fisionomia dos personagens.
(C) Os pensamentos dos personagens em balões.
(D) Os ruídos do ambiente em que se passa a história.
143
O exercício 24 é inviável para os alunos portadores de cegueira congênita, já
que esses não podem avaliar expressões faciais mesmo que a legenda se
apresente com riqueza de detalhes. Quanto ao exercício 25 ele deve ter sido
particularmente difícil, não só para os cegos no que se refere a fisionomia e cores
de fundo dos quadrinhos, mas também para os surdos congênitos que
provavelmente não tem idéia do que vem a ser “ruídos do ambiente”.
Não há a divulgação de quantos alunos SAVDPN realizam os exames
oficiais, mas há dúvidas que as instituições que os organizam tenham estrutura
para produzir ferramentas materiais adequadas que possam viabilizar o acesso
desses alunos a esse tipo de avaliação, ou até mesmo que no momento de
preparação das avaliações os alunos com necessidades educacionais especiais
tenham sido lembrados. A eqüidade das pessoas com necessidades educacionais
especiais depende, muitas vezes, de soluções simples e de baixo ou nenhum
custo. Na verdade, nos parece que há a necessidade de compreender-se melhor
como aprendizes SAVDPN captam e processam as informações.
O indivíduo sem acuidade visual capta e processa informações dos objetos
através do sistema háptico (ou tato ativo). Desta forma, o tato é um dos principais
canais de exploração para os deficientes visuais. Assim para favorecer a efetiva
participação e integração dos deficientes visuais são necessárias: a seleção, a
adaptação e a utilização de recursos materiais tanto para desenvolver as
habilidades perceptivas táteis como para construção de estratégias de
conhecimento a fim de desenvolver o processo cognitivo desses sujeitos (PCN:
ADAPTAÇÕES CURRICULARES, 1998). O trabalho com aprendizes SAVDPN
exige ferramentas que possam ser adaptadas às necessidades específicas do
aprendiz (FERNANDES, 2004, p.39). Para nós a elaboração de ferramentas
materiais deve considerar que:
A inclusão de uma ferramenta no processo de comportamento: (a)
introduz várias novas funções conectadas ao uso e ao controle da
ferramenta; (b) aboli e tornam desnecessários vários processos
naturais, cujo trabalho é efetuado pela ferramenta; e altera o curso
e os recursos individuais (a intensidade, duração, seqüência, etc.)
de todo processo mental que compõe o ato instrumental,
substituindo algumas funções por outras (isto é, ela recria e
reorganiza toda estrutura do comportamento como uma
ferramenta técnica recria toda a estrutura de operações de
144
trabalho) (VYGOTSKY, citado por COLE e WERTSCH 1996,
p.255) (Tradução nossa).
Por esse ponto de vista, as ferramentas materiais não servem simplesmente
para facilitar os processos mentais o que poderia ocorrer de outra forma.
Fundamentalmente elas formam e transformam esses processos (IBID., p.258).
Desse modo, as ferramentas materiais associadas às tarefas devem ativar
diferentes áreas de percepção que favoreçam a emergência e a manutenção da
atividade percepto-motora.
Numa perspectiva fenomenológica merleau-pontyana quando nos
deparamos com um objeto, nossa consciência perceptiva nos permite notá-lo e
percebê-lo em total harmonia com sua forma. Uma vez percebido esse objeto
passa a fazer parte de nossa memória, ou seja, passa a compor um repertório
que Barsalou (2008) denomina representação multimodal
56
que uma vez
constituída durante a experiência fica disponível para ser reativada em situações
de simulação. Para ele, a simulação é a (re)criação dos estados perceptivo,
sensório-motor e introspectivo adquiridos durante a experiência respectivamente
com o mundo, corpo e mente. Esse ponto de vista corrobora com o postulado
pela atividade percepto-motora, ou seja, no caso dos aprendizes SAVDPN, as
ferramentas de mediação devem estimular além do tato outros canais perceptivos
(por exemplo, auditivo, lingüístico e espacial) que possam enriquecer a
interpretação dos dados adquiridos através dos sistemas perceptivos.
A consciência tátil sugere a presença de um campo perceptivo conectado ao
campo motor do aprendiz, nas palavras de Merleau-Ponty (2006):
... para que um objeto possa desencadear um movimento, é
preciso que ele esteja compreendido no campo motor do doente
[do cego], e o distúrbio consiste em um estreitamento do campo
motor, doravante limitado aos objetos efetivamente tangíveis,
excluindo este horizonte do tocar possível que no normal [no
vidente] o circunda. A deficiência referir-se-ia, no final de contas, a
uma função mais profunda do que a visão, mais profunda também
do que o tocar enquanto soma de qualidades dadas, ela estaria
relacionada à área vital do sujeito, a essa abertura ao mundo que
56
É a representação mental de um objeto formulada através de vários elementos perceptivos
durante uma experiência. Por exemplo, quando pensamos numa poltrona confortável, recorremos
a nossa memória para integrar informações de sua aparência, maciez e textura (elementos
perceptivos), da ação de sentar e da introspecção de conforto e relaxamento.
145
faz com que objetos atualmente fora do alcance [...] existam
tatilmente para ele e façam parte do seu universo motor (p 167).
Essa citação nos conduz mais uma vez ao corpo e sua relação com o
mundo que o circunda. Observando as ações dos nossos sujeitos de pesquisa
sobre as ferramentas materiais oferecidas para realização das tarefas,
percebemos que eles iniciam a exploração tátil pela mediana dos seus corpos,
assim como usam ambas as mãos ao explorá-las. As informações fragmentadas
levantadas durante a exploração tátil devem ser relacionadas com o todo para
que os aprendizes possam comparar o que é percebido com os elementos que
fazem parte do seu repertório de representações multimodais. Ao contrário do
sistema visual que permite experiência simultânea da informação, o sistema tátil
proporciona apenas uma experiência gradual da informação, de maneira
sucessiva.
Se observamos que um cego é capaz de localizar estímulos em
seu corpo e de executar movimentos abstratos, além de existirem
exemplos de movimentos preparatórios nos cegos, pode-se
sempre responder que a freqüência das associações comunicou
às impressões táteis a coloração qualitativa das impressões
cinestésicas e soldou estas últimas em uma quase simultaneidade
(MERLEAU-PONTY, 2006, pp.166-167) (Grifo do autor).
A observação das ações dos aprendizes cegos nos permite ainda apontar
que a exploração tátil não acontece de forma desordenada. O aprendiz cego,
durante as atividades exploratórias, obedece a um sistema de exploração. Este
sistema consistiu em explorar inicialmente a forma geral do objeto para
posteriormente distinguir os detalhes que o compõe. Nossos aprendizes buscam
sistematicamente traços característicos do objeto explorado, que os ajudam a
discriminá-lo e compará-lo com os elementos disponíveis em sua memória. Deste
modo, objetos mais complexos ou objetos poluídos graficamente levam mais
tempo para serem explorados e, conseqüentemente, para que os aprendizes
determinem os traços que são significativos para identificá-lo. Destacamos que
nos momentos de interação, ou seja, quando associamos as atividades táteis às
dialógicas
57
, estimulamos as operações mentais, a análise dos elementos
perceptivos, o discernimento de figura/fundo, o reconhecimento das relações
espaciais e a memória dos aprendizes.
57
Meios semióticos de objetificação na teoria de Radford.
146
As discussões a cerca das modificações que devem ser promovidas nas
provas oficiais e escolares para favorecer o acesso de educandos cegos, de
modo que as mesmas conservem os conteúdos a serem avaliados, nos
apresentam grandes desafios. Acreditamos ser necessário o agenciamento de
mais estudos empíricos para determinar quais modificações permitem o acesso
desses aprendizes sem descaracterizar as tarefas.
No próximo capítulo procuramos delinear a relação imbricada entre
experiência e cognição que tem preocupado filósofos, psicólogos e educadores,
explorando estudos sobre perímetro, área e volume de formas geométricas.
147
CAPÍTULO 5
ANALISANDO AS PRÁTICAS MATEMÁTICAS
Todos são iguais perante a lei e tem direito, sem qualquer
distinção, a igual proteção da lei. Todos têm direito a igual
proteção contra qualquer discriminação que viole a
presente Declaração e contra qualquer incitamento a tal
discriminação.
(Declaração dos Direitos Humanos, 1948, Artigo VII)
5.1 INTRODUÇÃO
Neste capítulo, propomos analisar as estratégias empregadas por
aprendizes portadores de cegueira congênita para determinar perímetro, área e
volume de formas geométricas e a influência dos instrumentos de medição
disponibilizados aos aprendizes e dos recursos semióticos, especialmente das
práticas dialógicas e dos gestos emergentes durante a realização das tarefas.
Tais conceitos geométricos foram considerados como exemplos genéricos para
que pudéssemos analisar a relação entre os meios semióticos de objetificação e a
generalização de conceitos matemáticos. Nossa hipótese é que as ferramentas
materiais associadas aos jogos de cena (diálogos, gestos, expressões faciais,
etc.) podem oferecer maior flexibilidade na solução de problemas que envolvam
tais conceitos, o que corrobora com os resultados de pesquisas precedentes com
alunos videntes. As análises das situações dialógicas permitirão ainda destacar a
importância dos pseudoconceitos para a manutenção dos diálogos.
149
5.2 PESQUISAS PRECEDENTES A RESPEITO DA COMPREENSÃO E DESEMPENHO SOBRE
ATIVIDADES DE ÁREA E PERÍMETRO DE FIGURAS PLANAS
Sendo nossa proposta analisar as estratégias empregadas por aprendizes
cegos para a determinação de área e perímetro de figuras planas e a influência
dos instrumentos de medição oferecidos aos alunos para a realização dessa
tarefa, buscamos os referenciais teóricos apropriados para tal intento, no entanto
cabe apontar que tais pesquisas referem-se exclusivamente a estudos realizados
com aprendizes videntes.
No Handbook of Research on the Psychology of Mathematics Education:
Past, Present and Future publicado em 2006, Owens e Outhred destacam
algumas pesquisas relacionadas à Geometria publicadas nos anais do
Psychology of Mathematics Education (PME) nos dez anos que antecederam sua
publicação. De modo geral os autores citados no artigo estabelecem estreita
relação entre os conceitos geométricos e a percepção visual. As autoras
destacam, por exemplo, Gutiérrez
58
(1996) que resume as discussões acerca da
visualização apontando que o processo visual está envolvido tanto na
interpretação das representações externas que promovem a formação de
imagens mentais, quanto na interpretação das imagens mentais que permitem
suscitar informações. No caso dos nossos sujeitos de pesquisa, assumimos o
postulado por Vygotsky (1997, p.83) ao apresentar a idéia de que o olho é um
instrumento servindo a determinada atividade, que pode ser substituído por outro
instrumento, cabendo às pessoas que trabalhavam com aprendizes cegos a
tarefa de conectar os sistemas e signos simbólicos a outros órgãos receptivos
como a pele e o ouvido o que, a princípio, não mudaria nada, pois o signo
simbólico (letras ou escrita Braile) não altera a idéia da leitura (FERNANDES,
2004).
Ler com a mão, como faz uma criança cega, e ler com os olhos
são processos psicológicos diferentes, porém cumprem a mesma
função cultural na conduta da criança e tem, basicamente, um
mecanismo fisiológico similar (Vygotsky, 1997, p.28) (Tradução
nossa).
58
GUTIÉRREZ, A. (1996). Visualization in 3-dimensional geometry: In search of a framework. In L.
Puig and A. Gutiérrez (Eds.), Proceedings of the 20
th
PME International Conference, 1, 3-20.
150
A luz desta perspectiva; guardadas as devidas diferenças, assumimos o
termo visualização como o produto oriundo dos estímulos táteis gerados a partir
da exploração das representações externas, no nosso caso das ferramentas
materiais, que favorecem a constituição de um repertório de representações
multimodais por parte do sujeito possibilitando o acesso aos estudos geométricos
em questão. Deste modo, as dificuldades relacionadas à experiência com objetos
matemáticos mantêm estreita relação com o campo perceptivo ao alcance do
corpo do aprendiz.
No contexto da sala de aula, Owens e Outhred (2006, p. 97) apontam que as
tarefas, as expectativas da classe, os materiais, o professor e os alunos podem
influenciar nas estratégias empregadas na realização das atividades. Perímetro,
área e volume são temas geralmente apresentados em sala de aula nos cursos
regulares, e suas aplicações a variadas situações do cotidiano atribuem especial
importância a esses conceitos na escola básica. Neste sentido, apresentamos na
seqüência alguns estudos desenvolvidos no cenário escolar.
Pavanello (2004), a partir de análises de uma pesquisa realizada com 270
alunos do Ensino Fundamental, declara que a elaboração do conceito de área
necessita da compreensão de dois processos. Um desses processos,
freqüentemente utilizado no Ensino Fundamental para a introdução do conceito
de área de uma superfície plana, consiste em fixar uma unidade de área e a partir
desta escolha, verificar: “quantas vezes a unidade cabe na figura”. Desse modo, a
cada superfície é associado um número e a comparação de duas ou mais
superfícies se reduz à comparação desses números, ou seja, as medidas de suas
áreas. Com esse tipo de procedimento professores incentivam seus alunos a
determinar as fórmulas para o cálculo da área de uma figura. Um segundo
processo permite comparar superfícies tendo como fundamento a igualdade de
figuras por sobreposição. Desta forma, duas superfícies planas têm mesma área
se coincidem, e essa verificação é feita por sobreposição ou
decomposição/composição da figura, sem a utilização do conceito de medida de
área.
Para essa pesquisadora, o primeiro processo permite verificar que, ao adotar
diferentes unidades de superfície, obtêm-se diferentes valores numéricos para
151
sua área, enquanto o segundo pode levar a compreensão de que superfícies
diferentes podem ter a mesma área. Tal perspectiva corrobora com os estudos de
outros autores, como Douady e Perrin-Glorian (1989) e Nunes, Light e Mason
(1993).
Segundo Douady e Perrin-Glorian (1989), a construção do conceito de área
deve envolver a distinção entre área de uma superfície e o valor numérico
atribuído a ela. Essas autoras destacam que certas dificuldades freqüentemente
são observadas nos trabalhos dos alunos, entre elas, dissociar a área de uma
superfície de outras características desta superfície, por exemplo, com freqüência
os alunos consideram que se o perímetro de uma superfície aumenta, a sua área
também aumenta (e reciprocamente), ou então que se duas superfícies têm o
mesmo perímetro devem ter mesma área. Os estudos de Furinghetti e Paola
59
(apud OWENS e OUTHRED, 2006, p.103) reforçam esses resultados ao apontar
que os textos produzidos pelos alunos mostram evidências de confusão entre
área e perímetro e a crença de que existe uma relação direta entre um e outro.
A pesquisa desenvolvida por Douady e Perrin-Glorian, destinada ao estudo
do processo de aprendizagem do conceito de área, baseou-se nas seguintes
hipóteses: (a) desenvolver o conceito de área enquanto grandeza permite que os
alunos estabeleçam relações entre os quadros geométricos e numéricos; (b) uma
identificação precoce entre grandezas e números pode acarretar conflitos entre
comprimento e área. Em suas análises, essas autoras enfatizam que intervenções
de ensino que evocam os quadros geométricos e numéricos propiciam certo efeito
na dissociação entre área e perímetro, mas insuficiente para alterar de maneira
estável as concepções de alguns alunos.
Nunes, Light e Mason (1993), desenvolveram um estudo empírico que
envolveu duas tarefas: a comparação de comprimento de segmentos e a
comparação entre duas superfícies. Para a realização da primeira tarefa, foram
oferecidos aos alunos três diferentes instrumentos de medição, barras sem
graduação, réguas com graduação incomum e réguas graduadas (convencionais).
Na segunda tarefa foi solicitado aos alunos que avaliassem, qual entre duas
59
FURINGHETTI, F.; PAOLA, D. (1999). Exploring students’ images and definitions of area. In O.
Zaslavsky (Ed.), Proceedings of the 23
th
PME International Conference, 2, 345-352.
152
superfícies era a maior, para realização de tal tarefa os alunos foi disponibilizado
aos alunos instrumentos de medição como régua e unidades de área (pequenos
cubos). O modo como foi oferecida a tarefa, desenhos num papel, não permitia
usar a estratégia da sobreposição. Nas análises relativas à primeira tarefa os
autores concluem que o uso de instrumentos convencionais – réguas graduadas –
favorece os resultados positivos obtidos pelos alunos. Na segunda tarefa os
resultados mostraram que há uma estreita relação entre o número de respostas
corretas e a aplicação de uma estratégia de medição baseada na contagem de
unidades de área, sendo esses resultados expressivamente superiores ao
número de acertos quando os alunos determinam a área de figuras planas
usando réguas convencionais. Ainda em relação à área, Doig, Cheseman e
Lindsey
60
(apud OWENS e OUTHRED, 2006, p.102), declaram que numa
atividade experimental os alunos que usaram palitos de madeira para cobrir uma
superfície tiveram duas vezes mais sucesso na determinação da área do que
aqueles que usaram papel quadriculado. Os resultados desses e de outros
estudos indicam que atividades práticas com unidades de medição não
convencionais são recomendáveis, desde que posteriormente haja conexão
dessas atividades com a formalização dos conceitos envolvidos.
Em resumo, estudos realizados com alunos videntes, constatam que a
escolha dos instrumentos de medição utilizados em determinadas tarefas
influenciam os resultados obtidos. Nossa proposta é avaliar se esses resultados
são consistentes no caso de aprendizes cegos, e investigar quais estratégias e
práticas podem ser associadas ao êxito na realização das tarefas.
5.3 O ESTUDO
O estudo de perímetro e área de figuras planas aconteceu em quatro
sessões. Nas duas primeiras usamos formas geométricas bidimensionais fixas
associadas a um instrumento de medida não convencional – cubos de madeira –
60
DOIG, B.; CHESEMAN, J.; LINDSEY, J. (1995). The medium is message: Measuring area with
different media. In B. Atweh and S. Flavel (Eds.), Galtha (Proceedings of 18
th
PME Annual
Conference of MERGA, (pp. 229-234). Darwin, Australia:MERGA.
153
para mensuração dos lados das figuras consideradas, a exemplo das pesquisas
apontadas na seção anterior. Nas duas sessões seguintes oferecemos aos
aprendizes régua com graduação convencional, especialmente preparada para o
uso de cegos, e formas geométricas que favoreciam a estratégia de
decomposição/composição da figura para a determinação de sua área.
Ao estudo de volume de figuras tridimensionais destinamos duas sessões,
ficando área e perímetro como coadjuvantes. Todas as sessões empíricas foram
videogravadas e três tipos distintos de ferramentas foram planejados para essas
atividades que, em comum, tinham o propósito de favorecer estímulos táteis. A
forma como as tarefas foram propostas e a orientação para que os aprendizes
trabalhassem em grupos, destinaram-se a estimular as práticas dialógicas entre
os participantes. Nossas escolhas nos remetem ao postulado por Nemirovsky
(2003) sobre a atividade percepto-motora, pois buscamos estimular
principalmente dois canais perceptivos dos aprendizes – a audição e o tato e
incitar a comunicação de suas percepções por meio da fala e de gestos.
Apresentaremos, inicialmente, as análises relativas às sessões destinadas
ao estudo dos conceitos de área e perímetro, posteriormente trataremos
especificamente do estudo de volume. Os aprendizes que participaram deste
estudo são portadores de cegueira congênita, três deles fizeram o Ensino
Fundamental em Escolas Especiais e somente um sempre estudou em Escolas
Inclusivas. Ingressaram na Escola Pública que acolheu nosso projeto para fazer o
Ensino Médio e atribuímos a cada um deles um pseudônimo: Caio e Marcos são
os aprendizes que trabalharam com a Pesquisadora 1; Leandro e Fábio
desenvolveram a atividade com a Pesquisadora 2. As sessões de
aproximadamente setenta minutos cada uma foram videogravadas o que favorece
a análise das estratégias empregadas pelos alunos, já que elas dependem em
grande parte das ações dos sujeitos sobre as ferramentas materiais oferecidas.
Tão importante quanto às ações são os diálogos estabelecidos entre
pesquisadoras e aprendizes e desses últimos entre si. Nessas análises
empregaremos o construto de Renshaw (1996) apresentado na Seção 1.4.4, que
nos permitirá destacar a importância dos pseudoconceitos para a manutenção
desses diálogos e, associado a eles, pretendemos discutir o papel dos gestos nas
154
práticas discursivas quando os objetos matemáticos em estudo são área e
perímetro de figuras planas e volume de sólidos geométricos. Com esse conjunto,
aspiramos apontar, em nossas análises, indicadores do processo de objetificação
dos objetos matemáticos envolvidos de acordo com o proposto por Radford como
apresentamos na Seção 1.4.1.
Uma conjectura que orienta nossas pesquisas é que as práticas dos
aprendizes em qualquer ecologia de aprendizagem estão intimamente ligadas aos
sistemas mediadores disponíveis durante as interações. Neste caso, queremos
investigar como os recursos – materiais e semióticos – disponibilizados nas
situações instrucionais associadas à determinação da área, do perímetro e do
volume de formas geométricas, influenciam os procedimentos de medições
aplicados por alunos SAVDPN e contribuem para suas concepções sobre os
objetos matemáticos em estudo.
5.3.1 AS FERRAMENTAS MATERIAIS
Na elaboração das ferramentas o foco principal foi o favorecimento de
estímulos hápticos, tendo em vista que este é um dos principais canais de
aquisição de informação para esses aprendizes. Além disso, tais ferramentas
deveriam ser confeccionadas com material acessível e de baixo custo, o que
viabiliza a reprodução das mesmas para que sejam utilizadas em qualquer
instituição de ensino. No Apêndice apresentamos uma descrição detalhada de
cada uma das ferramentas, neste texto elas somente orientam a leitura.
A ferramenta representada abaixo (Figura 5.1) foi desenvolvida
especialmente para o estudo de área e perímetro.
Figura 5.1 – Prancha para o estudo de área e perímetro
155
156
Na atividade seguinte usamos as formas geométricas representadas na
Figura 5.2. Os polígonos variam entre as formas geométricas mais freqüentes nas
aulas de Matemática (p.ex. quadrado, retângulo e triângulos) e formas menos
usuais que podem sugerir a determinação da área por
decomposição/composição. A forma não fixa das figuras permitia que os alunos
fizessem dobras, e as medissem o que poderia auxiliar nos cálculos
principalmente das áreas.
Figura 5.2 – Polígonos
Sendo nosso objetivo desenvolver uma série de atividades cujo objeto
matemático em estudo seria o cálculo do volume de sólidos geométricos, as duas
primeiras atividades aqui apresentadas destinavam-se a identificação do método
empregado pelos aprendizes para o cálculo da área e do perímetro de figuras
planas e a estruturação de tais conceitos para prosseguirmos com nossa
pesquisa. Optamos por trabalhar com unidades de medidas usando a escala 1:1,
para isso, usamos cubos de madeira com arestas medindo um centímetro, ou
seja, trabalhamos exclusivamente com números inteiros. Segundo Pais (2000,
p.2):
... os recursos didáticos envolvem uma diversidade de elementos
utilizados como suporte experimental na organização do processo
de ensino e de aprendizagem. Sua finalidade é servir de interface
mediadora para facilitar na relação entre professor, aluno e o
conhecimento em um momento preciso da elaboração do saber.
Ainda segundo Pais (2000, p.14) o uso de materiais didáticos no ensino da
Geometria deve ser sempre acompanhado de uma reflexão pedagógica, deste
modo, a escolha dos cubos como unidade de medida na primeira atividade foi
influenciada pela pouca familiaridade que os aprendizes que participaram deste
estudo têm com o uso da régua, geralmente as tarefas propostas a estes alunos
157
em suas aulas de Matemática apresentam as figuras geométricas com as
respectivas medidas, ou seja, a prática é medir para eles. Apesar de estarmos
respaldadas por pesquisas precedentes, a utilização de um instrumento de
medida com três dimensões nos causou certa preocupação. Temíamos que a
necessidade de ter que considerar uma de suas dimensões para medir perímetro,
duas para as medidas de área e três para a determinação do volume, pudesse
gerar algum conflito, o que de fato ocorreu, mas foi também o uso desse
instrumento que fez com que alguns impasses fossem superados. Na segunda
atividade destinada ao estudo de área e perímetro, na qual nossos aprendizes
usaram régua, coube às pesquisadoras orientá-los a respeito de sua utilização.
A atividade que envolve volume apresentada nesta tese foi proposta como
um jogo. As duas duplas participantes foram envolvidas numa disputa que
consistia em determinar a embalagem mais vantajosa para uma indústria
acondicionar seu produto, ou seja, os alunos deveriam escolher a de menor custo
em sua confecção (com menor área total) e com a maior capacidade (maior
volume) (Figura 5.3).
Figura 5.3 – As embalagens
No desenvolvimento dessa atividade os alunos tiveram à sua disposição
tanto os cubos de madeira como as réguas com graduação convencional.
5.3.2
I
DÉIAS INICIAIS A RESPEITO DE ÁREA E PERÍMETRO
Considerando que os objetos matemáticos a serem abordados nas
atividades são usualmente desenvolvidos nos Ensinos Fundamental e Médio,
iniciamos a sessão investigando as concepções de cada um dos aprendizes a
respeito dos conceitos de perímetro e área.
Fábio: Perímetro é toda a extensão da figura. Área é o espaço interno.
Leandro: Perímetro é todos os lados. É o contorno da figura. Área é o espaço
interno.
Caio: Perímetro seria o comprimento da figura. Área seria toda a extensão da
figura.
Marcos: Área é o tamanho e perímetro é à volta.
Trecho 5.1: Concepções iniciais
Os trechos transcritos acima indicam que os termos área e perímetro não
são novos para esses aprendizes. No entanto, nem todos explicitaram definições
consistentes para esses conceitos matemáticos. Expressões como área é o
espaço interno e perímetro todos os lados, proferidas pelos dois primeiros
aprendizes, ou mesmo área é o tamanho e perímetro à volta, poderiam indicar
certa apropriação dos conceitos de área e perímetro de figuras planas ou ser
indícios de um ecoar de vozes, ou seja, nos parece que estes aprendizes
ventriculam as palavras dos professores ao trabalhar tal conteúdo em suas aulas
regulares. No entanto este ecoar nos indica que há ao menos um pseudoconceito
que cria a possibilidade de diálogos entre aprendizes e as pesquisadoras. Diante
do apresentado consideramos ser adequado dar início as atividades. Desta forma
as estratégias dos aprendizes poderiam ser indicadoras se o emprego
sintaticamente correto de tais termos matemáticos sugere conceitos abstratos.
5.3.3 A PRIMEIRA TAREFA: REPRESENTAÇÃO CONCRETA DA ÁREA
A cada dupla de aprendizes oferecemos uma prancha (Figura 5.4) para
exploração tátil. A seguir, pedimos a cada um dos aprendizes que escolhesse
livremente uma das formas menores que se apresentavam preenchidas por
pequenos cubos. Assim, o quadrado e retângulo menores foram compostos por
158
16 e 24 cubos respectivamente. A tarefa foi proposta pelas pesquisadoras como
se segue:
A idéia deste exercício é calcular a área e o perímetro dessas figuras. Essas duas
(quadrado e retângulo menores) já estão preenchidas. Vamos ver se vocês
conseguem calcular o perímetro e a área delas.
Figura 5.4 – Ferramenta para o estudo da área do quadrado e do retângulo
5.3.3.1 O TRABALHO DE MARCOS
Marcos escolheu o retângulo pequeno para iniciar a atividade. Após a
exploração tátil da forma preenchida pelos pequenos cubos, inicia-se o seguinte
diálogo:
Marcos: A área é 24 centímetros.
Pesquisadora 1: Como você calculou?
Marcos: Aqui (indicando o comprimento) tem 8, cada um tem um centímetro e na
altura tem 3. Eu multipliquei 8 por 3 deu 24.
Pesquisadora 1: Então você contou uma linha e multiplicou por 3.
Marcos: É eu fiz 8 vezes 3.
Pesquisadora 1: E o perímetro?
Marcos: Perímetro?
Pesquisadora 1: Perímetro é o contorno. Você tem que medir cada um dos lados e
somar.
Marcos: Aqui dá 3 (indicando as duas alturas da figura com as mãos). 3 com 3 dá
6. Aqui tem 8 (indicando o comprimento) com 8 dá 16. O perímetro é 22.
Trecho 5.2: A área e o perímetro do retângulo por Marcos
159
5.3.3.2 O TRABALHO DE CAIO
A figura que restou para Caio foi o quadrado pequeno preenchido pelos
cubos. A Pesquisadora 1 aguarda a exploração tátil e inicia-se o seguinte debate:
Caio: De área tem 12 e de perímetro tem o mesmo.
Pesquisadora 1: Como você calculou?
Caio: Como cada cubo tem um centímetro, aqui temos 4, aqui mais 4 e mais 4
(indicando sucessivamente cada um dos três lados). Seriam 12 certo? Ah não! São
16 (indicando o quarto lado do quadrado). 16 de área, porque cada cubinho tem um
centímetro. E o perímetro também seria 16.
Trecho 5.3: A área e o perímetro do quadrado por Caio
No caso de Marcos e Caio o cálculo da área foi mais simples que a
determinação do perímetro. Ambos obtiveram resultados positivos e
aparentemente o emprego de uma unidade de área não ofereceu obstáculos para
a realização da atividade. Marcos e Caio atribuíram a medida de 1 centímetro
para as arestas dos pequenos cubos, talvez por essa unidade de medida lhes ser
mais familiar. O questionar de Marcos sobre perímetro é um indício de que sua
fala no início da entrevista foi mesmo eco das palavras do seu professor ao
desenvolver tal conteúdo. Sua dúvida sobre esse conceito só foi superada pela
introdução da voz matemática feita durante a intervenção da pesquisadora. Neste
ponto da entrevista não é possível afirmar se Caio, seu parceiro, de fato realizou a
tarefa aplicando seus conhecimentos, ou se ventriculou as palavras de Marcos ou
ainda apropriou-se da voz matemática proferida pela pesquisadora quando
dialogava com Marcos. Na tentativa de obter respostas para essa questão a
Pesquisadora 1 propõe a seguinte tarefa: Vamos ver se vocês concordam um
com a resposta do outro? Assim que a pesquisadora vira a prancha os sujeitos
iniciam a exploração tátil, e passam a oferecer suas respostas
Marcos: (explorando o quadrado pequeno) O perímetro é 16 e a área é 16.
Caio: (explorando o retângulo pequeno) Eu acho que a área e o perímetro é 24.
Pesquisadora 1: Como você fez?
160
Caio: Bom, temos 3 linhas com 8 (indicando uma a uma as três linhas preenchidas
com oito cubos de madeira). Fazendo a soma 8 + 8 + 8 temos 24, e fazendo a
soma das linhas também temos 24.
Pesquisadora 1: Sua segunda resposta é que não tenho certeza.
Caio: Um minutinho só (vira a ferramenta posicionando o retângulo com o lado
maior paralelo ao seu corpo e o explora com as mãos) A área deu 24, então está
certo. O perímetro tem que somar todos os lados. Aqui tem 8, com 8, 16. Aqui tem
3 com 3, 6, então é 22. Eu fiz o cálculo errado. Eu fiz me baseando no quadrado
que tem quatro lados iguais. Eu esqueci que são dois lados iguais e dois diferentes.
O dele está certo (referindo-se ao cálculo do seu parceiro).
Trecho 5.4: Trocando de formas
A troca de figuras trouxe novos indícios. Parece-nos que Marcos tem certo
domínio dos conceitos de área e perímetro de figuras planas. Quanto a Caio,
realizou esta atividade do mesmo modo que a anterior, ou seja, ele aplicou a
igualdade entre a área e o perímetro do quadrado da tarefa anterior no trabalho
com o retângulo. Após o cálculo da área do retângulo ele oferece a mesma
resposta para o perímetro. Caio só teve êxito na realização da tarefa após
ventricular as palavras da pesquisadora oferecidas a Marcos na tarefa anterior, o
que o conduziu aos cálculos adequados. Talvez o objetivo de Caio virando a
ferramenta para posicionar o lado maior do retângulo paralelamente ao seu corpo
seja indicador do que Pais (2000, p.4) denomina configuração geométrica, que
descreve como uma representação que ilustra um conceito ou uma propriedade.
No caso do retângulo, normalmente representado por uma figura não quadrada,
na qual se destaca quatro traços paralelos às bordas laterais da página do
desenho e com a base horizontal ligeiramente maior do que sua altura.
5.3.3.3 O TRABALHO DE FÁBIO
Fábio, parceiro de Leandro nesta atividade escolhe o quadrado pequeno
para trabalhar.
Fábio: Contando os quadradinhos é 4 por 4. O perímetro é 16.
Pesquisadora 2: E a área? Como você calcularia a área?
161
Fábio: Eu não sei.
Pesquisadora 2: Você me disse que a área é todo espaço. E todo espaço ai está
preenchido por esses quadradinhos. Como você pode saber a área composta por
todos esses quadradinhos?
Fábio: Só se for contando (indicando sucessivamente alguns cubos que
preenchiam o quadrado). Ai, no caso, teria 16.
Pesquisadora 2: 16 seria a área, e o perímetro?
Fábio: Eu achei que era 16.
Pesquisadora 2: Mas é a mesma coisa o perímetro e a área?
Fábio: O perímetro é o contorno da área.
Trecho 5.5: A área e o perímetro do quadrado por Fábio
Com muita facilidade Fábio ofereceu a resposta correta para o perímetro da
figura. Quanto à área, mais uma vez a definição apresentada no início da
atividade foi o ecoar da voz do seu professor institucionalizando estes conceitos.
As dúvidas de Fábio em relação à área só foram superadas quando a
pesquisadora ventricula sua voz e a complementa associando área ao
preenchimento da figura, ou seja, atribui a todo o espaço o sentido de composição
de figuras. Deste modo, para Fábio o uso da unidade de área foi decisivo, pois
seu sucesso na atividade deu-se após a intervenção da pesquisadora que
implicitamente sugeriu que a área poderia ser determinada se ele percebesse que
a figura era composta por áreas menores. A última fala de Fábio apresentada no
trecho indica que a intervenção da pesquisadora associada à estratégia
favorecida pela ferramenta material beneficiou uma aproximação entre os
significados atribuídos à área e ao perímetro por Fábio e pela pesquisadora. Essa
evidência fica comprovada na troca de figuras entre Leandro e Fábio, como
podemos nos certificar no trecho transcrito a seguir quando Fábio explorava o
retângulo pequeno:
O perímetro é 22 e a área é 24. O perímetro 8+8+3+3 e a área 8 vezes 3 igual a 24.
162
5.3.3.4 O TRABALHO DE LEANDRO
Leandro: (explorando o retângulo menor) O perímetro da minha figura é 22.
Pesquisadora 2: E a área?
Leandro: Não sei.
Pesquisadora 2: O que vocês disseram que era a área?
Leandro: O espaço interno.
Pesquisadora 2: Nesta figura que está cheia de quadradinhos qual seria a área?
Leandro: Eu acho que é 6.
Pesquisadora 2: E como você calculou?
Leandro: Eu deixei o contorno de lado e contei só os quadradinhos de dentro.
Pesquisadora 2: Mas se eu tirar o contorno ficam espaços vazios (tira alguns
cubos que compõe o retângulo).
Leandro: Então eu acho que tem 22. Porque tem que ser todos.
Pesquisadora 2: Você percebe que se você tirar um desses quadradinhos fica um
buraco, então cada quadradinho desses está compondo a área da figura.
Leandro: Então tem 24.
Pesquisadora 2: E como você fez?
Leandro: 8, 8, 8 (traçando sobre a mesa com os dedos três linhas imaginárias) deu
24.
Pesquisadora: Você fez 8 vezes o 3?
Leandro: É e deu 24.
Trecho 5.6: A área e o perímetro do retângulo por Leandro
Leandro respondeu corretamente sobre o perímetro na primeira tentativa. No
caso da área, apresenta a mesma dúvida que Fábio. Leandro, que havia
presenciado o diálogo entre a pesquisadora e Fábio; não se apropriou do debate.
Talvez sua resposta inicial para o que é área tenha sido um eco da definição dada
por Fábio. A pesquisadora tenta estabelecer com Leandro um diálogo similar ao
estabelecido com Fábio. No entanto sua resposta para a área indicou ser a
escolha da unidade de área um impedimento para a resolução do problema. Ao
concentrar-se no espaço interno da figura, Leandro acabou descartando seu
contorno, sem perceber que a esse se agregava parte da superfície da figura. Tal
impasse só foi resolvido quando a pesquisadora o fez perceber, retirando alguns
cubos do contorno, que ao desconsiderar o contorno da figura, na verdade ele
estava descartando parte de sua área. Ao justificar sua resposta final Leandro dá
163
indícios, através de seus gestos, de que está contando as filas para determinar a
área da figura. Na Seção 5.5.1 daremos atenção especial a esses gestos.
5.3.3.5 REFLEXÕES SOBRE A PRIMEIRA TAREFA
Com o propósito de favorecer a objetificação dos objetos conceituais –
perímetro e área – as pesquisadoras integraram ao cenário instrucional
ferramentas materiais e semióticas. A transição da percepção tátil à percepção
semiótica relaciona-se com o modo como os aprendizes transformam as
informações táteis oferecidas pelos materiais concretos, ou seja, para que
perímetro e área sejam elevados a objetos conceituais pelos sujeitos é necessário
que os aprendizes transformem as informações táteis atribuindo significado a
elas.
Há indícios que apontam mudanças entre as concepções iniciais e após a
primeira atividade para perímetro e área, embora essas estejam, até este
momento, estritamente ligadas à ferramenta material e a uma tarefa específica.
Ao concluirmos a primeira tarefa parece-nos que a coordenação realizada pelos
aprendizes entre as ferramentas materiais e as palavras das pesquisadoras – ora
introduzindo a voz matemática, ora ventriculando as palavras dos próprios
sujeitos – favoreceu o engajamento dos aprendizes num processo interativo e
interpretativo que pode ter dado início ao processo de objetificação dos conceitos
matemáticos em estudo.
5.3.4 A SEGUNDA TAREFA: PRIMEIRO MOMENTO DE ABSTRAÇÃO
A segunda tarefa consistia em calcular o perímetro e a área das formas
maiores, apresentadas na prancha: um quadrado com lados medindo 8
centímetros e um retângulo com dimensões 12 centímetros por 5 centímetros,
utilizando os cubos disponíveis em cada uma das figuras menores como
instrumentos de medida. Os cubos que compunham as duas figuras menores
totalizavam quarenta, número insuficiente para preencher completamente as duas
164
outras formas. Destacamos que os aprendizes trabalharam em duplas numa
mesma prancha, assim os cubos deveriam ser partilhados entre eles. As
pesquisadoras iniciam a atividade com a seguinte fala: É possível calcular o
perímetro e a área das figuras maiores sem preencher toda a figura?
5.3.4.1 O TRABALHO DE MARCOS
Marcos escolhe o retângulo maior e inicia a exploração tátil. A seguir,
completa com os pequenos cubos o comprimento e a altura da mesma.
Marcos: Eu acredito que essa figura tenha 60 de área e perímetro 34.
Pesquisadora 1: Então vamos discutir por quê?
Marcos: Cada linha dessas (indicando uma seqüência de linhas imaginárias no
comprimento) tem 12 quadradinhos desses (cubos). São 5 linhas para preencher a
figura toda (indicando um a um os cubos que compõem a altura), então são 60. E
de perímetro são 12 (indicando o comprimento) mais 5 aqui (indicando a altura), 17
mais 5 aqui, 22 e mais 12, 34.
Trecho 5.7: Marcos e o retângulo maior
5.3.4.2 O TRABALHO DE CAIO
A falta de cubos para preencher toda a superfície da figura com a qual
estavam trabalhando causou certo desconforto inicial. Caio que na primeira
atividade havia trabalhado com o quadrado menor, ao perceber não tinha cubos
suficientes para preencher o quadrado maior, passou a pegar os cubos do
retângulo menor que estavam sendo usados por Marcos nessa atividade. A
intervenção da pesquisadora o fez rever sua estratégia:
Agora Caio você tem um problema porque não tem cubos suficientes para
preencher toda a figura. É possível calcular o perímetro e a área sem preencher
toda figura?
165
Caio que tinha duas linhas do quadrado preenchidas, começou a rearranjar
seus cubos para que pudesse determinar a altura do quadrado. Cabe-nos
destacar que a exploração tátil não foi suficiente para que Caio percebesse que a
figura era um quadrado.
Caio: (explorando o quadrado maior) A área da minha figura é 64 e o perímetro 32.
Pesquisadora 1: E como você calculou?
Caio: A área eu preenchi uma linha (indicando o comprimento) e deu 8. Depois eu
preenchi aqui (indicando a altura) deu 8, então a área é 64. Perímetro, imaginando
que todas estivessem com 8, 8 aqui (indicando o comprimento), mais 8 aqui
(indicando a altura) 16, 16 mais 16 é 32.
Trecho 5.8: Caio e o quadrado maior
Marcos e Caio aplicam a mesma estratégia para a determinação da área e
do perímetro. Completam o comprimento e a altura da figura com cubos e
imaginam um número de linhas igual à altura, completamente preenchidas para
concluírem seus cálculos. A justificativa de Caio para sua resposta sugere que
sua estratégia vai além de uma imitação do procedimento de Marcos, já que ele
descreve em detalhes os passos empregados para chegar à resposta. A
estratégia empregada por Marcos para o cálculo do perímetro indica que a
introdução da voz matemática feita pela pesquisadora na tarefa anterior colaborou
para a formulação de um conceito mais formal, quanto à área, a estratégia de
decompor a figura em linhas e colunas parece ter se fortalecido.
5.3.4.3 O TRABALHO DE FÁBIO
Inicialmente Fábio trabalhou com o quadrado maior e realizou a tarefa com
facilidade. Para medir os lados da figura completou dois lados perpendiculares do
quadrado com os pequenos cubos.
Fábio: O perímetro dele é 32.
Pesquisadora 2: Como você achou 32?
Fábio: Eu contei as bordas. Todas teriam 8 (indicando os quatro lados do
quadrado).
Pesquisadora 2: E a área?
166
Fábio: 64. Eu multipliquei 8 vezes 8 (indicando dois lados perpendiculares do
quadrado).
Trecho 5.9: Fábio e o quadrado maior
Numa segunda etapa, Fábio e Leandro trocaram de figura. As transcrições
abaixo se referem ao trabalho de Fábio com o retângulo que mais uma vez
completa dois lados perpendiculares com os cubos para determinar suas
medidas.
Fábio: (explorando o retângulo maior) O perímetro é 34.
Pesquisadora 2: Como você achou 34?
Fábio: Eu somei 12 com 12 (indica os dois lados paralelos de maior medida), 24,
mais 5 mais 5 (indica os dois lados paralelos de menor medida) dá 34.
Pesquisadora 2: E a área?
Fábio: A área dá 60. Eu multipliquei 12 (indica o comprimento da figura) por 5
(indica cada uma das linhas imaginárias que compõe a figura). Eu tô ficando bom
de Geometria!
Trecho 5.10: Fábio e o retângulo maior
Fábio aplica a mesma estratégia de Marcos e Caio para determinar da área
e o perímetro, completa o comprimento e a altura da figura e imagina a figura
completamente preenchida para concluir os cálculos. Marcos e Caio verbalizam
tal procedimento, enquanto Fábio o deixa explícito através dos gestos que faz
durante sua justificativa à pesquisadora. A ferramenta material associada ou
instrumento de medida facilitam a medição e conseqüentemente os cálculos da
área e do perímetro da figura, o que proporciona a Fábio a satisfação do sucesso.
5.3.4.4 O TRABALHO DE LEANDRO
Antes de iniciar a segunda atividade, Leandro explora voluntariamente o
quadrado menor ainda preenchido pelos cubos. Ao trocar de figura com Fábio na
primeira atividade, ele havia oferecido como resposta para o quadrado pequeno
12 para o perímetro e 16 para a área. No cálculo do perímetro Leandro volta a
desconsiderar parte dos cubos e mesmo tendo recebido orientações para iniciar o
trabalho com as formas maiores faz a seguinte declaração:
167
A área é 16, porque colocando todos os quadradinhos aqui (batendo três vezes
com a mão espalmada sobre o quadrado) ele formaria 16. O perímetro eu deixei de
contar os do canto, porque eu já tinha contado ele aqui (indicando um dos lados
paralelos ao seu corpo). Não contei quando contei aqui (indicando a altura), então
tem área e perímetro 16.
A dificuldade oferecida pelo instrumento de medida para o cálculo da área
parece ter sido superada por Leandro. Em outras palavras, o mesmo instrumento
de medida que favoreceu, a princípio, uma estratégia não adequada para o
cálculo do perímetro, colaborou para que Leandro superasse tal impasse ao
associar os cubos que compunham a área aos cubos que compunham o
perímetro, ou seja, a percepção de que as faces que compõem a área também
são limitadas por lados que não podem ser desconsiderados quando esses
compõem a superfície do quadrado, fato comprovado em seu trabalho com o
quadrado maior.
Pesquisadora 2: E a figura maior?
Leandro: O perímetro é 32 (Leandro tinha dois lados perpendiculares do quadrado
preenchidos por cubos)
Pesquisadora 2: E a área?
Leandro: Eu estou fazendo (reposiciona os cubos que completavam a altura
preenchendo mais uma “linha” da figura). É 64.
Trecho 5.11: Leandro e o quadrado maior
O êxito nesta tarefa sugere que Leandro superou o impasse apresentado na
atividade anterior em relação à área. Explorando o quadrado menor preenchido
pelos cubos, ele confunde-se no cálculo de seu perímetro. Parecia-lhe estranho
contar duas vezes o mesmo cubo, mesmo que considerando dimensões distintas.
Leandro só percebeu que na verdade contaria arestas distintas do cubo ao fazer
as medições no quadrado menor, o que o fez retificar sua primeira assertiva a
respeito da área do quadrado menor. Suas respostas corretas para a segunda
atividade parecem ter sido resultados do seu trabalho com o quadrado menor.
168
5.3.4.5 REFLEXÕES SOBRE A SEGUNDA TAREFA
A ação de imaginar a forma geométrica completamente preenchida pelos
pequenos cubos, estimulada pela percepção tátil proporcionada pela ferramenta
material e pelo instrumento de medida, na primeira atividade, parece ter
desencadeado um processo reflexivo por parte dos sujeitos. Aparentemente os
objetos conceituais – perímetro e área – têm agora uma forma corpórea e tangível
para nossos aprendizes, ou seja, os objetos externos reconhecidos pelo tato –
cubos de madeira preenchendo as formas geométricas – adquiriram o caráter de
objetos de reflexão.
Nesse ponto do processo empírico podemos conjecturar que os recursos
materiais associados aos semióticos, colocados em cena pelas pesquisadoras,
permitiram que os aprendizes direcionassem suas ações motoras para a ativação
de diferentes áreas de cognição favorecendo a atividade percepto-motora. Tal
fato corrobora com a tese de que os sujeitos estão envolvidos num processo de
objetificação dos objetos matemáticos, o que pode ser percebido inclusive nas
elucidações oferecidas por eles ao justificarem suas respostas quando linhas e
colunas que completam a figura são desenhadas através de gestos. Até mesmo a
articulação dos termos área e perímetro parecem ter assumido um tom
privilegiado em significados nas vozes dos aprendizes.
Intencionando proporcionar aos nossos aprendizes autonomia para o cálculo
da área e do perímetro de quadriláteros, demos seqüência as tarefas buscando
estabelecer um método geral para esses cálculos.
5.3.5
TERCEIRA TAREFA UM MÉTODO GERAL
Uma de nossas intenções era verificar se os pseudoconceitos apresentados,
inicialmente pelos aprendizes, haviam se alinhado aos significados culturais e
subjetivos dos objetos matemáticos, o que poderia conduzir a um método geral
para o cálculo da área e do perímetro de quadriláteros indicando a objetificação
desses objetos conceituais. Para tanto colocamos aos sujeitos a seguinte
questão:
169
Se tivéssemos um retângulo com lados 5 e 8, qual seria sua área e seu perímetro?
Inicialmente os aprendizes tiveram dificuldades para realizar a tarefa. Desta
vez, eles não tinham a representação tátil de um retângulo preenchido por cubos
ou uma representação pictórica com as respectivas medidas dos lados. Tinham
somente acesso aos cubos e as réguas. Ambas as pesquisadoras sugeriram aos
aprendizes que usassem os cubos para simular as figuras, o que colaborou para
que as dificuldades fossem superadas e deixou evidente a estratégia empregada.
Marcos e Caio apóiam-se na prancha para simular a figura usando as figuras
maiores da prancha com o número de cubos adequado para compor o
comprimento e a altura do retângulo proposto. Ambos contam o número de
“linhas” que compõe a altura da figura para a determinação da área. Quanto ao
perímetro, o imaginar acaba sendo prejudicado pelo espaço vazio deixado pelos
cubos sobre as formas apresentadas na prancha, e seu valor correto só é
apresentado após intervenções da pesquisadora e o debate que os parceiros
estabelecem entre si.
Caio: 5 por 8. A área seria 40 e o perímetro... é um retângulo. (aproximadamente 2
minutos de pausa)
Marcos: 5 por 8. O perímetro é 22.
Pesquisadora 1: Como você está pensando?
Marcos: Porque 5 por 8 a área seria 40.
Pesquisadora 1: Você está imaginando 5 linhas de 8. (Pausa)
Marcos: É eu imaginei ... mas está errado (Passa a usar a ferramenta para mostrar
sua estratégia onde ainda está a representação do quadrado usada na atividade
anterior) ... que seriam só 3 linhas assim e 3 assim (indicando uma altura do quadrado
formada por cubos e outra imaginária) (Figura 5.5a). Está errado.
Pesquisadora 1: Então faz usando os quadradinhos agora. (posiciona na ferramenta
uma fila com 8 cubos e uma coluna com 5, formando um L). Eu teria aqui 8 e aqui 5
(Faz Marcos reconhecer cada uma das medidas dos lados posicionando sua mão
sobre a representação) (Figura 5.5b).
Marcos: Todas essas linhas estariam preenchidas, não é? (Figura 5.5c)
Pesquisadora 1: Sim.
Marcos: O perímetro é 26.
Caio: É, duas linhas com 8, 16, mais duas com 5, 10, dá 26.
Trecho 5.12: Marcos e o retângulo maior
170
Figura 5.5a Figura 5.5b Figura 5.5c
Figura 5.5 – O retângulo 5 por 8
Sobre o trabalho de Leandro e de Fábio destacamos algumas ações que
dão suporte a nossas análises. Leandro posiciona sobre a mesa uma figura com a
forma de um L (Figura 5.6), cujos lados são compostos por 8 e 5 cubos
respectivamente e que permite tornar aparente, inicialmente para ele mesmo, o
pensamento que tentava estruturar.
Figura 5.6 – Tornando aparentes impressões subjetivas
Logo após anunciar a pesquisadora que já estava pronto para apresentar
sua resposta Leandro desfaz a representação que havia feito sobre a mesa e
declara:
Eu fiz uma carreirinha com 8 e uma com 5 (desenha sobre a mesa duas linhas
perpendiculares entre si imaginárias), então o perímetro é 26. Para a área falta
completar. Eu fiz como se estivesse completando. Eu fiz 8 vezes 5 carreiras
(desenha sobre a mesa linhas imaginárias que completariam a figura) que dá 40
(referindo-se a área).
Leandro criou para si um signo (Figura 5.7) que poderá ajudá-lo a superar os
impasses apontados nas atividades anteriores e o permitirá calcular a área de
figuras planas. Ele passou a decompor as figuras em filas, e destas considerou
171
sua área, bastando assim somar as áreas das filas que compõem a figura para
obter sua área total.
Figura 5.7 – O signo de Leandro
Fábio foi o único participante que não se apoiou nos cubos ou na prancha
para simular a figura. Ao dar sua resposta para o perímetro vai indicando com as
mãos os lados de uma figura imaginária sobre a mesa enquanto faz a soma das
medidas dos seus lados, ações empregadas também para o cálculo da área.
Assim como Leandro, Fábio também estruturou um signo que, no entanto, não
precisou ser representado concretamente, mas que poderá lhe proporcionar maior
flexibilidade nas tarefas que envolvam área e perímetro de figuras planas.
Fábio: Perímetro 26. 8 e 8, 16. 16 mais 10, 26. Área 40, porque 5 vezes 8 é 40.
5.3.6 QUARTA TAREFA - A ÁREA DO TRIÂNGULO
Ocultando em cada uma das figuras maiores metade de sua área, as
pesquisadoras pedem aos aprendizes que determinem a área do triângulo
representado na prancha (Figura 5.8). Exemplificaremos os procedimentos
empregados pelos aprendizes transcrevendo o diálogo estabelecido entre Fábio e
a pesquisadora.
Figura 5.8 – Ferramenta para o estudo da área do triângulo
Fábio: (explorando o triângulo retângulo representado sobre o quadrado maior)
Para descobrir a área eu fui usando uma coisa lógica. Aqui tem 8 (mostrando o lado
do triângulo paralelo a seu corpo), ai depois teria que ter 7, 6, 5, 4, 3, 2 e 1. Daí eu
172
achei 28. Mesmo assim eu acho que está errado, porque eu tenho dúvidas se
ficaria no 7 ou se contaria mais um pontinho aqui (indicando o cateto perpendicular
ao seu corpo) (Figura 5.9).
Pesquisadora 2: Quando colocamos esse triângulo no quadrado (posiciona a mão
de Fábio sobre o triângulo retângulo na prancha) o que aconteceu com o
quadrado?
Fábio: Ficou dividido em dois triângulos.
Pesquisadora 2: (entregando a Fábio o outro triângulo retângulo que completa o
quadrado) E como são esses dois triângulos comparando um com o outro?
Fábio: São iguais (sobrepondo os dois triângulos). Então a área tem que ser 32.
Pesquisadora 2: Como você achou?
Fábio: Lado vezes lado dividido por dois.
Trecho 5.13: Fábio e a área do triângulo
Figura 5.9 – Completando o triângulo
Exatamente como procedeu nas atividades iniciais Fábio tentou completar a
figura com os pequenos cubos (Figura 5.9), mas os vértices dos ângulos agudos
do triângulo o impediam de chegar a uma conclusão a respeito do número de
cubos necessários para completar a figura. A pesquisadora passa a intervir com o
objetivo de levá-lo a estabelecer relações entre a área do quadrado e dos dois
triângulos que o compõe. Fábio percebe tanto a divisão do quadrado quanto a
igualdade dos triângulos retângulos, cabendo destacar que a ferramenta material
foi fundamental nesse intento. Para certifica-se que Fábio havia de fato formulado
um método para o cálculo da área de um triângulo a pesquisadora propõe que ele
repita a atividade usando o retângulo maior.
Fábio: A área é 30.
Pesquisadora 2: Como você fez?
173
Fábio: Bom, agora eu aprendi um truque básico.
Pesquisadora 2: Qual?
Fábio: Se fosse quadrado seria lado vezes lado dividido por dois. Como aqui é
retângulo eu fiz largura vezes altura (indicando essas duas dimensões) que dá 60
(12 vezes 5) e dividi por dois que deu 30. Foi o que eu fiz aqui.
Trecho 5.14: A fórmula para a área do triângulo
Assim como Fábio, os outros três sujeitos que participaram desse processo
empírico concluíram que a área do triângulo representado na prancha era lado
vezes lado dividido por dois, tendo assim deduzido a fórmula para determinar a
área de um triângulo. Mesmo que os aprendizes tenham ingressado nessa
atividade com conhecimentos prévios sobre a área de triângulos, ficou evidente
durante a exploração tátil da figura sobre a prancha e nos diálogos estabelecidos,
que tal conhecimento não foi mobilizado durante a tarefa. A observação dos
gestos dos aprendizes sobre a ferramenta permite-nos afirmar que a fórmula
utilizada por esses aprendizes tem agora um significado geométrico para eles.
5.3.7 ÁREA E PERÍMETRO DE POLÍGONOS
A segunda atividade envolvendo perímetro e área tinha por objetivo ampliar
os conhecidos estabelecidos pelos aprendizes para quadrados, retângulos e
triângulos, para tanto os aprendizes receberam as figuras confeccionadas em
papel canson, como representadas abaixo (Figura 5.10) e como instrumento de
medição usaram réguas com graduação usual.
1
2
3
4
5
6
7
8
9 10
11 12
Figura 5.10 – Polígonos em papel canson
13 14
15
16
17
174
CAIO
ÁREA
(cm
2
)
(20) 49
35
30
28
40
39
84
30
30
51
48
47,5
PERÍMETRO
(cm)
(20) 28
24
30
24
30
31
40
24
26
24
32
36
41
MARCOS
ÁREA
(cm
2
)
(25) 49
35
30
28
44
(40) 39
(42) 84
PERÍMETRO
(cm)
(20) 28
24
30
24
40
26
LEANDRO
ÁREA
(cm
2
)
49
35
30
28
40
39
(42) 84
30
40
30
51
48
108
140
47,5
PERÍMETRO
(cm)
28
24
(17) 30
24
30
40
24
26
24
32
(32) 36
42
54
41
FÁBIO
ÁREA
(cm
2
)
49
35
30
28
40
36
84
30
30
51
54
48
140
47,5
PERÍMETRO
(cm)
28
24
30
24
30
31
40
24
26
24
32
36
36
54
41
RESPOSTAS
ÁREA
(cm
2
)
49
35
30
28
40
39
84
30
40
30
51
42
54
48
108
140
47,5
PERÍMETRO
(cm)
28
24
30
24
30
31
40
24
26
24
32
28
36
36
42
54
41
FIGURA
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
13
14
15
16
17
Tabela 5.1 – Polígonos: Perímetro e área
175
Na Tabela 5.1 indicamos cada uma das figuras enumeradas de 1 a 17 como
as representadas na Figura 5.10, e suas, respectivas, área e perímetro e as
respostas oferecidas pelos aprendizes. As respostas apresentadas entre
parênteses foram dadas numa primeira tentativa.
Os quatro aprendizes trabalharam juntos e ambas as pesquisadoras
participaram das intervenções. A primeira forma geométrica que cada um deles
recebeu foi um quadrado com lados medindo 7 centímetros.
Caio: A área é 20 e o perímetro 20.
Pesquisadora 2: Como você fez?
Caio: Eu medi aqui (indicando um dos lados) tem 5 e como é um quadrado
multipliquei por 4 porque os lados são iguais.
Pesquisadora 2: E você achou o quê?
Caio: A área porque eu calculei toda superfície, e o perímetro também porque a
figura é igual.
Marcos: Caio desculpe, mas está errado.
Pesquisadora 1: Então explique para ele.
Marcos: Se uma linha tem 5 você tem que ver quantas linhas cabem no quadrado
ai vai dar a área. Seria 20 de perímetro e 25 de área.
Fábio: Eu acho que o perímetro é 28 e a área é 49.
Leandro: Eu também acho porque o lado mede 7.
Caio: É! Eu tinha localizado o zero errado (na régua, instrumento de medida que
estava sendo utilizado), mas por que 28 e 49?
Marcos: Lembra aquele negócio dos cubinhos Caio?
Caio: Lembro... É! Está certo.
Trecho 5.15: Revendo concepções sobre área e perímetro
A régua era um elemento novo para nossos aprendizes, esse foi o primeiro
obstáculo a ser superado. Ao retomar as atividades com perímetro e área Caio
pareceu estar relacionando o quadrado dessa tarefa com o quadrado menor da
ferramenta explorada na primeira atividade no qual havia igualdade entre o
perímetro e a área. Seus colegas não mostraram dificuldade para oferecer as
resposta corretas e a transcrição das falas de Marcos indica que, de fato, o
trabalho usando os cubos como instrumento de medição havia favorecido a
formulação de uma estratégia para o cálculo de perímetro e área de alguns
176
quadriláteros. Em vários momentos, nas duas sessões que envolveram esse tipo
de tarefas, os aprendizes reportaram-se aos cubos em situações de conflito.
O trabalho com o triângulo retângulo foi particularmente simples para Fábio
que rapidamente revelou aos colegas que seria possível completar a figura
formando um retângulo, determinar sua área e dividir por dois, procedimento que
ele denominou como truque básico na quarta tarefa. Leandro resolveu aplicar a
mesma estratégia para o cálculo do perímetro, ou seja, somar os lados de um
retângulo com lados de medidas iguais aos catetos do triângulo e dividir por dois,
encontrando a resposta inicial indicada na Tabela 5.1, coube a Fábio e Marcos
justificar porque a mesma estratégia não era válida nesse caso, chamando a
atenção de Leandro para a medida da hipotenusa do triângulo.
O trabalho com a figuras de 1 a 6 foram determinantes para os cálculos da
área e do perímetro dos outros polígonos. As tarefas apresentadas nas seções
anteriores favoreceram a emergência de uma estratégia quando as formas
geométricas consideradas eram quadrados, retângulos e triângulos retângulos,
conhecimentos suficientes para os cálculos das figuras de 1 a 3. Foi o trabalho
com a figura 4 (triângulo eqüilátero) que ofereceu um novo desafio aos
aprendizes. Rapidamente eles perceberam que a estratégia aplicada com o
triângulo retângulo não poderia ser estendida diretamente a essa nova forma. A
necessidade de determinar a altura do triângulo para posteriormente medi-la fez
emergir espontaneamente o trabalho com dobraduras. Esse procedimento foi
aplicado aos outros polígonos de modo que as formas originadas a partir das
dobraduras pudessem formar as figuras já conhecidas favorecendo o emprego do
procedimento de decomposição/composição de figuras para o cálculo da área.
A título de exemplo do emprego das fórmulas enunciadas pelos aprendizes
para retângulos e triângulos, associadas à estratégia de
decomposição/composição de figuras que passou a ser usada para o cálculo da
área e do perímetro de polígonos, apresentamos o trabalho realizado por Fábio
com o paralelogramo.
Fábio: O perímetro é 38 e a área é 84.
Pesquisadora 2: E como você achou?
177
Fábio: Eu dividi a figura aqui (indicando uma altura) e coloquei esta parte deste
lado (indicando o lado oposto), completando um retângulo que ficou com os lados
12 e 7. Ai, eu calculei a área do retângulo 12 vezes 7 (Figura 5.11). O perímetro foi
só somar os lados que eu medi. 12 e 12, 24. 7 e 7, 14 . 24 com 14 deu 38.
Trecho 5.15: O paralelogramo
Figura 5.11 – A área do paralelogramo
As tarefas foram realizadas pelo grupo de forma interativa e colaborativa
(Figura 5.12). As respostas eram discutidas por todos e só iniciava-se o trabalho
com uma nova forma quando todos concordavam com as respostas apontadas.
Figura 5.12 – Trabalhando em grupo
Durante os debates estabelecidos pudemos nos certificar que área e
perímetro deixaram de ser ecos das vozes dos professores de Matemática das
aulas regulares e passam a ser vozes privilegiadas em significado capazes de
manter a comunicação e influenciar os outros participantes.
5.4
C
ONSIDERAÇÕES SOBRE OS OBJETOS CONCEITUAIS ÁREA E PERÍMETRO
A proposta inicial deste estudo era verificar a influência das ferramentas
materiais nos procedimentos de medições para a determinação da área e do
178
perímetro de figuras planas e as estratégias que poderiam colaborar para a
emergência do processo de objetificação desses objetos conceituais. Nossa
hipótese era de que as ferramentas materiais associadas às semióticas poderiam
favorecer, a alunos SAVDPN, maior flexibilidade na solução de problemas que
envolvam os conceitos matemáticos em estudo, como apontado no trabalho com
alunos videntes em pesquisas precedentes, algumas dessas descritas neste
capítulo. Nas seções seguintes refletimos sobre essa hipótese inicialmente
relacionando nossos resultados às pesquisas com alunos videntes e
posteriormente sob o aporte do quadro teórico.
5.4.1 EM RELAÇÃO ÀS PESQUISAS PRECEDENTES
Nossas análises apresentam pontos que nos permitem corroborar com os
resultados obtidos por Douady e Perrin-Glorian (1989). Ao iniciarmos as
atividades, os conflitos apresentados entre os termos área, perímetro e
dimensões e seus significados geométricos, sugerem que esses alunos foram
conduzidos a identificar precocemente as fórmulas e os números associados a
elas. Nesse caso o procedimento de iniciar as tarefas usando instrumentos de
medição não convencionais – cubos de madeira com arestas medindo um
centímetro – adotado neste estudo parece ter sido benéfico, pois permitiu a
identificação dos conceitos com as grandezas. Há indícios que nos permitem
validar os resultados obtidos por Nunes, Light e Mason (1993) também para
alunos SAVDPN. Nas análises relativas às tarefas os resultados mostraram que
há uma estreita relação entre o número de respostas corretas e a aplicação de
uma estratégia de medição baseada na contagem de unidades de área. Mesmo
para Leandro, os obstáculos encontrados no decorrer das atividades só foram
superados pela presença física da unidade de área que o permitiu reavaliar suas
respostas anteriores.
Quando examinamos o tratamento dado a esse tema em classes inclusivas,
verificamos que, em geral, os professores apresentam as fórmulas para o cálculo
das áreas das figuras geométricas mais comuns, que imediatamente são
aplicadas em uma série de problemas padrões, geralmente com as figuras
179
representadas como configurações geométricas nos termos de Pais (2000), os
quais alunos SAVDPN e videntes devem resolver, exatamente como foi apontado
por Pavanello (2004).
Nossos aprendizes mostram que o trabalho com as unidades de área
favoreceu a compreensão dos objetos matemáticos em estudo, e que o emprego
desses procedimentos de medição em ferramentas materiais associados às
ferramentas dialógicas influencia, na maioria das vezes, positivamente os
resultados obtidos, como pode ser verificado nas declarações abaixo.
Caio: Muito mais fácil aqui do que como nós aprendemos na sala. Muito mais fácil
na prática.
Marcos: Usando esse tipo de material é muito mais fácil do que com a figura
(impressa em Braille no papel).
Os próprios aprendizes reconhecem que ao iniciarem as atividades
apresentaram definições que não correspondiam a um conceito matemático ao
qual atribuíam significado.
Caio: Você pode perceber que a gente tinha uma noção (referindo-se a cálculos de
área e perímetro de figuras planas), mas não sabia como era.
5.4.2
O PAPEL DAS PRÁTICAS DIALÓGICAS NA PRODUÇÃO DE MUDANÇAS CONCEITUAIS
As ferramentas materiais e semióticas envolvidas nas tarefas iniciais deste
estudo permitiram que nossos aprendizes desenvolvessem uma estratégia própria
para os seus cálculos, que por diversas vezes foi explicitada verbalmente e
através de gestos. A decomposição das figuras dadas em linhas de área e a
composição dessas linhas para determinar a área da figura dada, parecem-nos
uma associação dos dois procedimentos apontados por Pavanello (2004), ou
seja, nossos aprendizes fizeram a decomposição da figura dada em linhas de
área, e a seguir compuseram a figura verificando quantas vezes a linha cabe na
figura.
180
Já na primeira tarefa a coordenação entre as vozes e as ferramentas
materiais envolveu os aprendizes num processo interpretativo das percepções
táteis que os permitiu atribuírem significados aos objetos matemáticos iniciando o
processo de objetificação dos conceitos. A falta de cubos de madeira para cobrir
inteiramente as formas maiores na segunda tarefa permitiu a ampliação dos
conceitos suscitados na tarefa anterior, favorecendo um processo reflexivo que
revelou um imaginar atribuindo aos cubos de madeira um caráter de objetos de
reflexão. Nossa conjectura, a partir de nossas análises, é que a criação de signos
físicos (considerando a proposta inicial de Leandro), ou de signos subjetivos (a
exemplo do estruturado por Fábio), favoreceu a compreensão e distinção entre
área e perímetro. As vozes iniciais dos sujeitos ao falar sobre perímetro e área, de
fato representavam ecos, mas a criação de signos por parte dos aprendizes indica
que esses termos passaram a ter caráter abstrato.
As transcrições apresentadas no decorrer deste texto apontam que ao
iniciarem as atividades, os aprendizes empregavam de forma sintaticamente
correta os termos área e perímetro – pseudoconceitos trazidos pelos aprendizes
que completaram o cenário instrucional, e que permitiram a emergência e
manutenção das práticas dialógicas favorecendo a formulação de conceitos
sintaticamente e semanticamente mais próximos do significado matemático
estabelecido sócio-culturalmente para esses termos, o que, usando as palavras
de Radford, poderíamos denominar de objetificação dos objetos conceituais que
passaram a regular as atividades dos aprendizes.
5.4.3 O PROCESSO DE OBJETIFICAÇÃO
A busca por um método geral conduziu a uma atividade de generalização
que se distingui de uma atividade prática, já que as ações dos sujeitos deixam de
ser dirigidas por objetos físicos, e passam a ser dirigidas por objetos que existem
objetivamente para os sujeitos – seus objetos de reflexão – indicando que os
objetos matemáticos em estudo estão sendo submetidos a um processo de
objetificação. Nas tarefas que envolvem o cálculo da área e do perímetro dos
polígonos, os cubos de madeira já não faziam parte do campo perceptivo dos
181
sujeitos, mas de um campo subjetivo, ou seja, passaram a ser elementos
disponíveis no repertório de recursos multimodais dos aprendizes. Deste modo,
nas tarefas que envolveram a generalização dos conceitos de área e perímetro,
os aprendizes deixaram de contar cubos de madeira físicos, passaram a imaginar
os cubos e posteriormente enunciaram que poderiam calcular a área fazendo
altura vezes largura, no caso do quadrado e do retângulo, e altura vezes largura
dividido por dois, no caso do triângulo.
Na verdade, argumentamos que a generalização e a formalização são
motivadas pelos diálogos e gestos, na acepção proposta por Radford, que
passam a dirigir as ações dos sujeitos no sentido de tornar aparente o que faz
parte do mundo conceitual. Nesse ponto do processo empírico podemos
conjecturar que área e perímetro têm agora o status de objetos conceituais. Nas
seções anteriores as práticas dialógicas, mais especificamente as vozes dos
participantes foram amplamente discutidas, restando-nos explorar o papel dos
gestos na condução do processo de objetificação do perímetro e da área de
figuras planas, para tanto, nessas análises nos centraremos nas ações de
Leandro.
5. 4. 3.1 OS GESTOS DE LEANDRO
Nesta seção, voltamos a considerar os dados coletados a partir das
interações entre Leandro e Fábio que desenvolveram as atividades com a
Pesquisadora 2 nas tarefas destinadas a estudar área e perímetro de retângulos e
quadrados. Queremos destacar que as práticas discursivas, entre estas os
gestos, são compartilhados e compreendidos por ambos, quando os vemos como
indivíduos que partilham cotidianamente experiências escolares contextualizadas
a partir dos instrumentos culturais que lhes são relativos. As particularidades dos
gestos apresentadas no decorrer deste texto devem-se, além da especificidade
dos sujeitos de pesquisa, aos sistemas mediadores (ferramentas materiais e
discursos) que permearam o cenário instrucional.
182
Para as análises apresentadas nesta seção selecionamos, transcrevemos e
codificamos episódios de duas sessões destinadas ao estudo de área e
perímetro. Nelas, buscamos discutir o potencial comunicativo e cognitivo dos
gestos, para isso aplicaremos o construto nó semiótico proposto por Radford,
Demers, Guzmán e Cerulli (2003), destinado a localizar pontualmente momentos
na atividade semiótica do aprendiz, no qual gestos e palavras favorecem a
coordenação do tempo, espaço e movimento conduzindo a objetificação de uma
relação matemática espaço-temporal abstrata, e a tipologia de gestos proposta
por McNeill (1992), ambas apresentadas na Seção 1.4.2. Para indicar a
ocorrência de cada um deles nos diálogos usaremos os índices como
representamos abaixo:
Nó semiótico ()
Gestos icônicos ()
Gestos metafóricos ()
Gestos dêiticos ())
Gestos rítmicos ()
Não obstante, apesar de usarmos uma definição clássica de gestos, em
nossas análises nosso objetivo vai além de classificá-los. Nossa pretensão é
apontar a quem os gestos espontâneos que acompanham o discurso se destinam
– ouvinte e/ou orador, sua relevância para a comunicação e/ou cognição e em
particular considerar seu papel na aprendizagem e no ensino de Matemática.
Naturalmente nossas análises prendem-se as interações, mas os gestos
analisados pertenceram a um único indivíduo. Leandro, como descrito na Seção
2.7.1.5, tinha 14 anos quando iniciamos nossa pesquisa. Portador de cegueira
congênita sempre estudou em escolas regulares. Nas atividades apresentadas
neste texto Leandro interagiu com Fábio também portador de cegueira congênita.
A pesquisadora oferece a prancha para exploração tátil e Leandro escolhe o
retângulo menor. A tarefa consistia em determinar a área da figura preenchida por
pequenos cubos de madeira. Durante o trabalho de Leandro estabelece-se o
seguinte diálogo:
183
Figura 5.13a Figura 5.13b
Figura 5.13 – Somando os lados
Leandro: (explorando o retângulo menor) O perímetro da minha figura é 22. É isso
daqui tudo, né? ()) (Indicando os lados que somou Figura 5.13a).
Pesquisadora: E a área?
Leandro: Não sei.
Trecho 5.16: Leandro – Gestos dêiticos
A fala de Leandro índica que, de fato, sua definição inicial para área era
apenas um eco, ou seja, ele não conseguia estabelecer relação entre “sua
definição” e a tarefa. Inicia-se um diálogo entre ele e a pesquisadora, no qual a
pesquisadora ecoa a definição dele na tentativa de que a mesma fizesse sentido,
o que conduziu a seqüência:
Leandro: Então minha figura tem 24. () (bate duas vezes com uma das mãos
sobre a figura).
Pesquisadora: E por que você acha que tem 24?
Leandro: Porque tem 24 quadradinhos aqui. ()) (indica a figura).
Pesquisadora: E como você fez?
Leandro: () Eu fiz 8, 8, 8 deu 24. () (Indicando uma a uma as filas de oito cubos
que compõe o retângulo –
Figura 5.13b).
Trecho 5.17: Leandro – Gestos icônicos
Uma de nossas intenções era favorecer estratégias que conduzissem os
aprendizes a elaboração de um método geral significativo para eles para o cálculo
da área e do perímetro de quadriláteros. Na seqüência das tarefas eles deveriam
determinar a área e o perímetro de um retângulo 8 por 5. Os aprendizes tinham a
disposição para realizar a tarefa somente os cubos de arestas 1.
184
Figura 5.14a Figura 5.14b
Figura 5.14 – Mãos como retângulo
Leandro calculou o perímetro do retângulo com facilidade. Traçando lados
imaginários do retângulo sobre a mesa (Figura 5.14a) foi efetuando a soma de
suas medidas e ofereceu 26 como resposta. Neste ponto seus gestos têm
características de icônicos e o remete à atividade anterior, na qual ele tinha o
apoio da ferramenta material. O cálculo da área precisou ser mais elaborado.
Diante da aparente dificuldade de Leandro, a pesquisadora inicia um debate
sugerindo que ele explicite o que está pensando.
Leandro: Eu estou pensando:
()
se eu fizesse aqui 8 e aqui 5 (
) (posicionando
as mãos perpendicularmente Figura 5.14b). Ai eu iria fazer...
O gesto icônico feito por Leandro não colabora para a determinação da área
da figura, e ele volta a usar a estratégia favorecida pela ferramenta. Ele posiciona
sobre a mesa uma figura em forma de L (Figura 5.15), cujos lados são compostos
por 8 e 5 cubos, criando, como já destacamos na Seção 5.3.5, um signo concreto.
A decomposição das figuras planas em “filas de área” é uma estratégia que
passou a fazer parte do repertório de Leandro.
Figura 5.15 – Um signo concreto
185
Leandro: () Eu fiz uma carreirinha com 8 e uma com 5 ()), então o perímetro é
26. Para a área falta completar. () Eu fiz como se estivesse completando. Eu fiz 8
vezes 5 () (desenhando sobre a mesa cinco linhas imaginárias de oito cubos que
compõe a figura) que dá 40.
Nossa hipótese inicial, como descrito no início deste capítulo, era de que
ferramentas materiais associadas às semióticas poderiam favorecer, a alunos
SAVDPN, maior flexibilidade na solução de problemas que envolvam os conceitos
de área e perímetro, como foi apontado no trabalho com alunos videntes em
pesquisas precedentes. De fato, o procedimento de Leandro de decompor a figura
proposta em “linhas de área”, e a seguir compô-la para verificar “quantas vezes a
linha cabe na figura” indica a influência direta das ferramentas materiais
disponibilizadas durante as atividades. Uma evidência que se destaca na
estratégia aplicada por Leandro é a emergência de um gesto icônico, ao qual
atribuímos caráter cognitivo, que permite capturar um possível método geral
aplicado por ele para o cálculo de área. O gesto indicando cinco fileiras
imaginárias compostas por oito cubos sobre a mesa sugere a estruturação de
uma entidade abstrata para este conceito matemático.
5. 4. 3.2 CONSIDERAÇÕES SOBRE OS GESTOS PRODUZIDOS POR LEANDRO
O gesto icônico produzido por Leandro quando empenhado em determinar a
área de figuras planas aparece inúmeras vezes durante as interações. Na
atividade inicial, quando aconteceu pela primeira vez, foi motivado pela
ferramenta material posta à disposição do aprendiz. Neste momento, além de ter
sido empregado com função comunicativa (Leandro – Pesquisadora), podemos
destacar seu caráter cognitivo, já que favoreceu a criação de uma estratégia que
passou a ser empregada em outras tarefas. Em outras palavras, a ativação de
diferentes áreas de cognição provocada pela tarefa e pelos recursos semióticos
disponibilizados (diálogo e ferramentas materiais) permitiu que Leandro
formulasse um signo, a princípio físico (Figura 5.15), que nos permite atribuir ao
seu pensamento e entendimento o caráter de atividade percepto-motora.
186
Leandro usa freqüentemente gestos rítmicos quando discute as tarefas com
seus parceiros. Cabe destacarmos, que na maioria das vezes esses gestos por si
só não têm significado nas interações, mas dão cadência as práticas discursivas.
Sendo seus parceiros cegos, o significado especial atribuído a determinada
expressão acontece muito mais pela entonação de voz dada pelo orador do que
pela ocorrência do gesto. Portador de cegueira congênita, Leandro, tem
consciência da condição de seus ouvintes (cegos ou videntes) e decide com total
naturalidade de que forma oferecerá seus gestos, ou seja, parece haver ciência
de a quem seus gestos se destinam, a ele mesmo ou a seus interlocutores.
Queremos salientar que a cegueira dos aprendizes os impede de imitar
diretamente as estratégias e os gestos usados pelos seus parceiros, assim o
emprego de estratégias e gestos similares são fruto dos diálogos que permitem
que as informações recebidas sejam tratadas e processadas para auxiliarem na
formulação de estratégias para solução dos problemas matemáticos propostos.
Na próxima seção discutiremos a importância dos gestos espontâneos que
acompanham o discurso nas interações cegos-cegos e cegos-videntes quando o
objeto matemático em jogo é o volume de formas tridimensionais. Nossa intenção
é nos verificarmos se os recursos multimodais formulados, principalmente para a
determinação de áreas de figuras planas, através de vários elementos perceptivos
durante as experiências anteriores auxiliam na generalização desse novo objeto
conceitual, para tanto continuaremos a analisar os gestos de Leandro.
5.5 O VOLUME
Owens e Outhred (2006) destacam que há um número considerável de
pesquisas sobre as interpretações de comprimento e área associadas aos
instrumentos de medidas, mas poucas pesquisas abordam o conceito de volume.
Segundo essas autoras pesquisas sobre o volume de formas tridimensionais
mostram uma tendência similar aos estudos a respeito da área de formas
bidimensionais no que se refere aos instrumentos de medição. Collis e
187
Campbell
61
(apud OWENS e OUTHRED, 2006, p.104) postulam que o modo
como os alunos organizam cubos usados como instrumentos de medidas para
contar podem desencadear uma sucessão de habilidades para conceitualizar e
integrar três dimensões. Numa seqüência de atividades os autores destacam que
num nível seguinte os alunos passam a organizar linhas, colunas e camadas,
destacando que as tarefas com cubos requerem dois tipos de habilidades:
domínio de operações numéricas e o entendimento da estrutura interna dos
sólidos.
5.5.1 O PROCESSO EXPERIMENTAL
A estratégia de decompor as figuras planas em linhas de área, aplicada
pelos aprendizes nos estimulou a trabalhar o conceito de volume. Uma de nossas
conjecturas que emergiu durante a realização dos cálculos para área foi que
talvez nossos aprendizes pudessem estender essa estratégia ao cálculo do
volume, aproximando-se do princípio postulado por Cavalieri (1598–1647) para
comparação de volumes de sólidos: duas fatias muito finas, de mesma altura,
cujas bases têm a mesma área, têm aproximadamente o mesmo volume. Para o
cálculo do volume, o método das secções transversais conduz a decomposição
do sólido em fatias de áreas e pode ser utilizado para definir o conceito de volume
de sólidos. Na Figura 5.16 exemplificamos o Princípio de Cavalieri com um
empilhamento de moedas.
Fonte: Cavalieri's_principle.jpg
Figura 5.16 – O Princípio de Cavalieri
61
COLLIS, K.; CAMPBELL, K. J. (1987). Mechanisms of transition in the calculation of volume
during the concrete symbolic mode. In J. G. Bergeron; N. Herscovics and C. Kieran (Eds.),
Proceedings of 11
th
PME International Conference, 3, 292-298.
188
Numa outra sessão, dando seqüência ao estudo de área e a fim de
conduzirmos os aprendizes à determinação do volume de sólidos geométricos,
propomos uma atividade em duplas. Cada dupla recebeu a planificação de um
tipo de sólido (cubo e paralelepípedo Figura 5.17) e a disputa consistia em
determinar qual das duas embalagens seria economicamente mais interessante
para uma indústria embalar o seu produto.
Figura 5.17 – O cubo e o paralelepípedo
As duas duplas começaram a tarefa procurando determinar o volume, e a
primeira dupla apresentou a resposta aproximadamente 20 minutos após a
proposta. Na seqüência continuaremos a nos centrar no trabalho de Leandro que
desta vez realizou a tarefa com Marcos. A análise dos dados nos sugere que,
mesmo implicitamente, os sujeitos estavam aplicando o princípio de Cavalieri,
como apontam as evidências no trecho transcrito abaixo. Tal fato nos
surpreendeu, pois explicitamente os aprendizes declararam não ter estudado
Geometria Espacial em seus cursos regulares, apesar de terem algumas noções
de volume ligadas a Química, ou seja, os sujeitos associavam volume a
capacidade interna.
Marcos: Mede quanto tem aqui. ()) (posicionando a mão de Leandro sobre uma
das faces menores do paralelepípedo que foi denominado “tampa” por eles).
Leandro: 6 por 6.
Marcos: 36 (referindo-se a área da “tampa”).
Leandro: É 36. Cabem 36 em cada carreirinha. ()) (indica a altura do
paralelepípedo).
Marcos: Cada fileira cabe 6 aqui e aqui. ()) (dirigindo os dedos de Leandro para
que ele perceba dois dos lados da “tampa”).
Leandro: Certo! Cabem 36 aqui. () (batendo três vezes em uma das “tampas”).
Trecho 5.18: O Princípio de Cavalieri
189
O gesto dêitico usado por Leandro ao aplicar o Princípio de Cavalieri não
pode ser visto por Marcos, que não pode entender o procedimento que estava
sendo aplicado.
Marcos: Certo. Agora vê se você consegue medir quanto tem daqui até aqui. ())
(Fazendo os dedos de Leandro deslizem pela altura do paralelepípedo).
Leandro: Daqui até aqui? ()) (Deslizando seus dedos pela altura).
Marcos: É.
Leandro: 17. (Mário faz 6 vezes 17 na calculadora que fala, e ao ouvir a resposta
102 Leandro se pronuncia). O que você fez aí?
Marcos: 6 vezes 17!
Leandro: 6 vezes 17?
Marcos: Dentro desta caixa cabem 102 cubinhos. () (batendo duas vezes no
paralelepípedo).
Leandro: 102? (Pausa para exploração tátil) Não! Porque olha. () 36 ()
(passando a mão sobre a superfície de uma das “tampas” Figura 5.18a) por 17 ()
(indicando a altura do paralelepípedo com o dedo Figura 5.18b).
Marcos: 36 vezes 17? () (Pega o paralelepípedo e passa a explorá-lo de forma
tátil, buscando perceber detalhes da “tampa” e da altura. Faz os cálculos na
calculadora). Então Leandro Cabem 612 cubos ai.
Trecho 5.19: O volume do paralelepípedo
Na verdade Leandro estava aplicando uma estratégia similar a estruturada
nas atividades que envolveram área. Na Figura 5.18a Leandro, através de gestos
icônicos, pede ao parceiro que faça 36 – área da base, vezes 17 – altura do sólido
(Figura 5.18b). Em outras palavras, ele dividiu o sólido em filas de áreas e
verificou quantas filas de área caberiam na altura do sólido.
Figura 5.18 – Aplicando o Princípio de Cavalieri
Figura 5.18a Figura 5.18b
190
Na última fala de Leandro, o discurso dirigido ao seu parceiro o faz refletir
sobre o objeto matemático que se pretendia determinar, e talvez esse discurso
tenha sido muito mais produtivo para ele do que para seu parceiro, pois o ajudou
a coordenar seus gestos e palavras para tornar aparente, inclusive para ele, a
estratégia que pretendia empregar. A estratégia usada por Leandro fica mais uma
vez evidente quando ele explica a pesquisadora como o volume foi determinado.
Pesquisadora 2: E como vocês acharam 612?
Marcos: A gente estava fazendo de um jeito meio complicado, mas agora ficou
bem mais fácil.
Leandro: ()
A gente mediu aqui e aqui
36 ()) (indicando dois lados da “tampa”),
ou seja, aqui ()) tem 6 (contornando os quatro lados da tampa). Então a gente
sabe que é 6 por 6, então aqui tem 36 () (Traçando com os dedos linhas
imaginárias sobre a “tampa”) (Figura 5.19). Daqui até aqui ()) cabem 17
(percorrendo com o dedo a altura do paralelepípedo). Aqui 36 () (batendo duas
vezes na “tampa”) vezes 17 () (percorrendo a altura com os dedos), dá 612.
Trecho 5.20: Explicando sua estratégia à pesquisadora
Figura 5.19 – Tornando aparente sua estratégia
Associando gestos icônicos, quando traça linhas imaginárias para justificar
que a área da base é 36, a gestos dêiticos, quando indica a altura, Leandro
comunica a pesquisadora a estratégia usada para o cálculo do volume,
confirmando sua intenção de decompor o sólido em linhas de área para multiplicar
pela altura. Na fala de Leandro pode-se perceber que seus gestos e palavras
(meios semióticos de objetificação) privilegiam a coordenação dos seus
191
movimentos e dos elementos que integram seu campo perceptivo favorecendo a
objetificação do objeto conceitual volume. O próximo passo seria determinar a
área total da embalagem para decidir qual seria a mais econômica. Apesar da
área total não ser o foco nesta seção, alguns gestos produzidos durante as
práticas dialógicas merecem destaque. O debate inicial entre a dupla indicava um
conflito entre área total do sólido e o seu perímetro quando planificado. Neste
debate, podemos identificar grande número de gestos quando os parceiros se
comunicam, a título de exemplo na Figura 5.20, Leandro mostra ao seu parceiro
os lados do sólido planificado que está somando, na tentativa de fazê-lo perceber
que não interessava o contorno e sim o recheio expressão que ele usou para
área.
Figura 5.20 – Vendo com as mãos
Ao perceber o impasse criado pelo conflito, a pesquisadora busca uma
estratégia que possa colaborar para que o mal entendido
62
dos aprendizes
transforme-se o num mal entendido produtivo
63
. Usando expressões que
emergiram durante a realização das atividades, como contorno para o perímetro e
recheio para área, a pesquisadora entra no debate, mas não somente ecoa as
palavras pronunciadas pelos aprendizes, como também imita seus gestos o que
os conduz à reflexão. Durante o diálogo os aprendizes consideram o produto de
17 por 6 (área de uma das faces do paralelepípedo), mas Leandro parece confuso
em relação ao seu significado.
62
Nossa tradução para misunderstanding.
63
Nossa tradução para productive misunderstanding.
192
Figura 5.21 – Imitando os gestos do aprendiz
Leandro: 102 é a área da caixa?
Pesquisadora: Não 102 é a área do que? (Pausa) 17 vezes 6 (pega uma das mãos
de Leandro e imita, sobre uma das faces do sólido, o gesto icônico criado por ele
para calcular área) então é 6, 6, 6, 6, ... (indicando sucessivas linhas imaginárias)
() (Figura 5.21) Lembra Leandro?
Após um diálogo de convencimento travado entre os dois sujeitos, a
pesquisadora volta a perguntar para Leandro, usando uma das faces retangulares
do sólido, sua área:
Leandro: A área dela seria 6 vezes 17.
Pesquisadora: Mostra para mim o que é a área.
Leandro: É aqui. Tum, Tum, Tum,... () (indicando linhas imaginárias que compõe a
superfície) (Figura 5.22).
Figura 5.22 – Uma onomatopéia
193
Depois de percebem o número de faces que compõem o sólido e suas
respectivas áreas, os aprendizes ofereceram a resposta adequada para a área
total do paralelepípedo.
5.5.2 OS GESTOS E O OBJETO CONCEITUAL VOLUME
Nas atividades que envolveram o volume de figuras tridimensionais, os
gestos de Leandro cumpriram o papel de gestos representativos, nos termos de
Vygotsky (1998a). O signo concreto criado por Leandro com os cubos de madeira
para calcular a área do retângulo com dimensões 5 por 8, nas atividades
posteriores foi substituído pelo imaginar que, associado aos gestos que
acompanharam o discurso, transformou-o gradualmente num signo independente.
Nas transcrições apresentadas pode-se perceber que os gestos são parte
integrante dos diálogos e carregam informações que não são expressas no
discurso. Leandro, assim como os outros participantes, passou a desenhar linhas
imaginárias para suprir de significado a informação e tornar aparentes suas
intenções. Além disso, os gestos produzidos por Leandro o permitiram organizar a
informação espacial oferecida aos seus interlocutores, o que além de facilitar o
discurso, também afeta a atividade cognitiva, permitindo que atribuamos aos
gestos caráter comunicativo e cognitivo. A título de exemplo, citamos o episódio
da pesquisadora imitando os gestos de Leandro o que fez emergir sua memória
relativa às atividades com áreas de figuras planas.
Corroborando com os estudos de Goldin-Meadow (2003) e Iverson e Goldin-
Meadow (1998) nossos dados atestam que cegos empregam gestos para
comunicar-se entre si e com videntes. No entanto esses gestos, apesar de
apresentarem características cognitivas e comunicativas, como no caso dos
videntes, apresentam algumas distinções em relação a quem se destinam.
Os gestos dêiticos, no caso dos cegos, podem ser divididos em três grupos
de acordo com a quem se destinam:
194
ao próprio orador – Leandro usa várias vezes gestos dêiticos, indicando
seus referentes, como fazem os videntes, quando interage com seus parceiros
cegos sem que esses possam usufruir das vantagens oferecidas pelos gestos.
Neste caso os gestos têm muito mais a finalidade de dirigir a atenção do próprio
orador, tendo assim, algumas vezes, função cognitiva e não somente
comunicativa;
ao interlocutor cego –o orador cego pega a mão do ouvinte cego e a
dirigi indicando o que deve ser observado. Termos como olha aqui, este lado,
neste daqui, são vistos de forma tátil e, neste caso, destacamos sua função
comunicativa;
ao interlocutor vidente – nas comunicações entre Leandro e
pesquisadora os gestos dêiticos são empregados exatamente da mesma forma
como fazem os videntes quando comunicam-se entre si. A analogia entre os
gestos usados por cegos e videntes nos faz refletir sobre a influência cultural na
concepção de tais gestos.
As análises dos dados levantados a partir do trabalho com o volume de
sólidos geométricos nos permitem apontar que a objetificação do objeto
conceitual área favoreceu o processo de objetificação do objeto conceitual
volume. Os recursos multimodais, suscitados a partir de elementos perceptivos,
que gradualmente passaram a compor o repertório dos aprendizes nos estudos
de áreas de figuras planas tiveram papel fundamental nesse processo.
195
CAPÍTULO 6
REFLEXÕES
Toda pessoa tem direito de ser, em todos os lugares,
reconhecida como pessoa perante a lei.
(Declaração dos Direitos Humanos, 1948, Artigo VI)
6.1 INTRODUÇÃO
Estamos debruçadas sobre temas que buscam uma didática adequada para
o ensino de Matemática em classes inclusivas há alguns anos e atribuímos aos
nossos estudos tanto caráter pragmático como teórico. Pragmático pela
necessidade de pesquisas na área da Educação Matemática que emerge das
práticas sociais destinadas a atender um público que, de fato, se faz presente nas
salas de aulas regulares. Teórico, por conjecturarmos que identificar diferenças e
semelhanças nas práticas matemáticas daqueles cujo conhecimento do mundo é
mediado por diferentes canais perceptivos, nos permitirá uma compreensão
robusta da relação entre experiência e cognição no plano geral da Educação
(HEALY e FERNANDES, 2008, p.138). Nosso desejo é que nossas conclusões e
sugestões destinem-se a auxiliar na promoção de mudanças nas salas de aulas e
a inspirar futuros trabalhos. Deste modo, para nós, este trabalho é somente mais
um trecho do longo caminho que pretendemos percorrer nesta direção, com a
crença que o compartilhar dos resultados e das evidências que temos obtido
poderá auxiliar na busca de caminhos, não só para o trabalho com cegos, mas
para que todos, independentemente de suas necessidades serem especiais ou
não, tenham a oportunidade de construir conhecimentos.
Neste capítulo trazemos algumas considerações feitas a partir do trabalho
empírico, sustentadas no quadro teórico que adotamos.
197
6.2 O ESTUDO
No desenvolvimento deste estudo procuramos analisar os processos de
ensino e de aprendizagem de alunos SAVDPN inseridos em classes regulares
quando os objetos de estudo são matemáticos, especialmente quando são
objetos geométricos, pela estreita relação que existe entre esses objetos e o
campo visual quando se trabalha com aprendizes videntes. Nossas investigações
concentraram-se em compreender como ocorre o desenvolvimento de conceitos
associados a termos geométricos para aprendizes que não podem recorrer a
experiências visuais e a influência das ferramentas materiais e semióticas no
estabelecimento de comparações ou relações com objetos que fazem parte do
cenário.
Nossas análises foram realizadas com base na investigação das práticas
interacionais de alunos cegos e portadores de visão subnormal quando trabalham
a matemática escolar em dois momentos. Num primeiro momento focamos nossa
investigação no levantamento de dados que nos permitissem compreender como
a matemática escolar desenvolvia-se na escola freqüentada por nossos sujeitos.
As análises dos dados levantados nesta primeira fase nos fizeram perceber que
para criar uma Educação Matemática Inclusiva, era preciso entender melhor as
relações entre as experiências sensoriais e perceptivas e a cognição.
Precisávamos compreender como os sentidos físicos, nesse caso vistos como
instrumentos de mediação, interferem em nossas interpretações dos fenômenos
matemáticos e de como criamos e utilizamos signos semióticos para nos
comunicarmos e pensarmos matematicamente. Com essa intenção, num segundo
momento, usando uma abordagem colaborativa, passamos a interferir nessas
práticas introduzindo ferramentas materiais e semióticas criadas e testadas no
próprio grupo de pesquisa.
O reconhecimento de que o mundo chega até nós pelos sentidos nos
conduziu a escolha do quadro teórico que sustenta nossas análises, o qual
abarca temas ligados a Filosofia, Psicologia e Educação. Acreditamos que não é
possível dissociar as experiências apreendidas pelo corpo – sensações e
percepções – da cognição, e para compreender como e quanto um influencia o
outro é preciso que se aprenda mais sobre o processamento sensorial e sua
198
relação com os meios semióticos de objetificação. A particularidade dos sujeitos
envolvidos neste estudo nos faz discutir além da percepção sensorial a
importância do campo perceptivo criado intencionalmente nas situações
instrucionais.
Essa tese destina-se discutir pontos relevantes a respeito dos processos de
ensino e aprendizagem de aprendizes SAVDPN inseridos em classes regulares
quando os objetos de estudo são matemáticos. Os dois momentos de
desenvolvimento da pesquisa nos levaram a estruturar duas questões que
nortearam nossas atividades. A primeira centra-se em compreender como as
práticas escolares têm sido vivenciadas num ambiente de inclusão, para tanto
formulamos a seguinte questão:
Como professores e alunos que vivenciam a experiência da inclusão
sentem-se em relação a esse processo e, particularmente, em que medida
as práticas avaliativas atuais atendem as necessidades especiais desses
alunos?
A segunda questão designa-se a discutir a relação corpo – cognição num
cenário constituído por aprendizes SAVDPN, ferramentas (materiais e semióticas)
e videntes, sendo nosso interesse discutir:
Como aprendizes sem acesso ao campo visual empregam recursos físicos e
semióticos para negociar significados matemáticos durante o processo de
aprendizagem?
Nas seções seguintes apresentamos os parâmetros que nos foram
oferecidos pelo aporte teórico e os principais resultados obtidos a partir de nossas
análises sob esse aporte com o intuito de responder ambas as questões na
ordem inversa em que foram apresentadas aqui.
199
6.3 A BUSCA DA FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
A presença de alunos com necessidades educacionais especiais em salas
regulares é uma realidade a nível mundial, e o incremento dado anualmente aos
números da Educação Inclusiva, especialmente no Brasil, é um dos pontos que
têm motivado nossos estudos, no sentido de procurar compreender como a
construção do conhecimento é mediada por diferentes meios de acesso aos
sistemas sensoriais do corpo humano, já que algumas necessidades
educacionais especiais caracterizam-se pelo comprometimento das funções dos
órgãos sensoriais. Com isso em mente, a fundamentação teórica adotada em
nossos estudos deve nos oferecer parâmetros que permitam compreender as
relações entre as experiências sensoriais e perceptivas e a cognição.
Quando iniciamos nossos estudos, associando a área da Educação
Matemática à Educação Especial fomos profundamente influenciadas por
Vygotsky. Entretanto, durante o processo de construção desta tese, percebemos
que era preciso ir além, incorporando a visão original oferecida por Vygotsky o
papel do corpo nos processos cognitivos. Diante da carência de bibliografias
voltadas aos estudos do processo de ensino e aprendizagem de Matemática para
alunos portadores de necessidades educacionais especiais, o caminho que
percorremos na direção de estruturar esse quadro teórico, que contempla e
integra elementos de teóricos clássicos e contemporâneos, é uma das
contribuições desta pesquisa, sendo apresentada em síntese no texto que se
segue.
Buscamos compreender como o corpo, dotado de atividade perceptiva e
inserido no contexto escolar, pode regular uma existência harmônica e produtiva
no mundo fenomenológico
64
, no sentido de Merleau-Ponty, onde o outro e
experiências passadas têm papel fundamental nas interpretações dos fenômenos
presentes, matemáticos neste caso. Em busca do entendimento sobre a relação
percepção e cognição, percorremos um longo caminho que remonta dos primeiros
64
O mundo fenomenológico não é o ser puro, mas o sentido que transparece na intersecção de
minhas experiências com aquelas do outro, pela engrenagem de umas nas outras; ele é, portanto
inseparável da subjetividade e da intersubjetividade que formam uma unidade pela retomada das
minhas experiências passadas em minhas experiências presentes, da experiência do outro na
minha (MERLEAU-PONTY, 2006, p.18).
200
estudos filosóficos aos contemporâneos. Na leitura dessa literatura, o centro de
nossa atenção foi como os diversos autores vêem a influência da experiência
perceptiva na produção de conhecimento.
Na corrente empirista, a única fonte de conhecimento é a experiência dos
sentidos – as sensações. Os objetos exteriores excitam nossos órgãos dos
sentidos e vemos cores, sentimos sabores e odores, ouvimos sons, sentimos a
diferença entre o áspero e o liso, o quente e o frio, etc. As sensações reúnem-se
e formam uma percepção; ou seja, percebemos um único objeto que nos chegou
por meio de várias e diferentes sensações. As sensações se reúnem e formam as
percepções que, por sua vez, se combinam ou se associam constituindo as idéias
que, levadas à memória, são tomadas pela a razão para formar os pensamentos
(CHAUÍ, 2000).
Em linhas gerais, Locke, assim como Aristóteles, compara o homem ao
nascer com um papel em branco onde tudo seria impresso a partir das sensações
e das percepções. Tudo que conhecemos deriva de duas fontes – a experiência e
a reflexão. Assim, todo o conhecimento provém da experiência, que é obtida
através dos objetos sensíveis externos (do contato com o mundo externo) bem
como das operações internas. Do mesmo modo que o corpo tem o poder de
movimentar-se, a alma (a consciência) tem o poder de pensar, de perceber, de ter
idéias, do mesmo modo que uma das operações do corpo é o movimento, uma
das operações da alma é a percepção.
A corrente racionalista fundamenta-se nos princípios da demonstração
sustentados por um conhecimento a priori. Para os racionalistas nascemos
trazendo em nosso intelecto não só os princípios racionais, mas também algumas
idéias inatas. Descartes postula que as idéias inatas são colocadas em nosso
espírito por Deus, sendo assim, são sempre verdadeiras e, através delas,
podemos julgar o que é verdadeiro ou falso. Uma vertente da teoria de Platão,
para quem conhecer é recordar a verdade que já existe em nós; é despertar a
razão para que ela se exerça por si mesma (CHAUÍ, 2000). Tal fato justifica o
procedimento interrogativo de Sócrates, que ao fazer perguntas conduzia as
pessoas a lembrarem-se da verdade e do uso da razão. Na concepção
racionalista a sensação e a percepção nos iludem e nos oferecem verdades
201
particulares, devendo ser abandonadas quando o pensamento formula as idéias
puras.
Confrontando as duas correntes citadas podemos destacar que para os
empiristas, a sensação conduz à percepção como uma síntese passiva, isto é,
que depende do objeto exterior, enquanto para os racionalistas, a sensação
conduz à percepção como síntese ativa, ou seja, que depende da consciência
que atua de modo dinâmico para elucidar as ambigüidades originadas pela
percepção.
Na corrente fenomenológica, Merleau-Ponty em sua obra Fenomenologia da
percepção apresenta pontos concordantes e discordantes com ambas as
correntes. Com a empirista concorda ao postular que nosso conhecimento
provém das sensações, mas não corrobora com a idéia a respeito da consciência.
Ele observa que os empiristas consideram a consciência passiva que atua como
um depósito das informações vindas do mundo exterior. Quanto ao racionalismo,
não aceita a concepção de uma consciência auto-suficiente que não se valha dos
dados da percepção. Para Merleau-Ponty “todo conhecimento presente em nossa
consciência passou primeiro pelas portas da percepção” (CARMO, 2000, p.31),
tomando suas palavras “o corpo e a consciência não se limitam um ao outro, eles
só podem ser paralelos” (MERLEAU-PONTY, 2006, p.174).
No caso de nossos estudos, nossa posição é antagônica tanto ao
racionalismo proposto por Leibniz quanto ao empirismo ingênuo proposto por
Condillac. A natureza do acesso aos conhecimentos e as coisas do mundo dos
cegos nos conduz a uma associação das duas idéias, na qual o corpo, imerso
num mundo sensível, oferece-nos, a cada instante, sensações e percepções
envolvendo-nos numa atividade reflexiva e interativa não apenas com o mundo,
mas com o outro.
202
6.3.1 A CORRENTE FENOMENOLÓGICA
A teia que Merleau-Ponty tece envolvendo o homem
65
em seu meio natural,
cultural e histórico, ou seja, como ser-no-mundo, foi fundamental para nossos
estudos a respeito da importância da consciência perceptiva, em outras palavras,
“a consciência atada a um corpo que a liga ao mundo” (CARMO, 2000, p.24).
Para Merleau-Ponty, “todo saber se instala nos horizontes abertos pela
percepção” (MERLEAU-PONTY, 2006, p.280), e é a percepção que nos permite a
cada momento uma re-constituição do mundo. Com vistas em discutir as práticas
interacionais, destacamos que de acordo com esta perspectiva a linguagem é
tratada como uma modalidade do corpo, e o uso de ambos – palavras e gestos
mesmo quando espontâneos, carregam em si uma intencionalidade corporal.
Para Merleau-Ponty, são as idéias ou os pensamentos que animam as palavras e
os gestos, assim como nosso corpo é animado pelo mundo natural e cultural.
De acordo com Merleau-Ponty os órgãos dos sentidos são instrumentos de
excitação corporal e não da própria percepção, pois a percepção nos oferece uma
estrutura única do percebido. O corpo é o lócus da percepção, e é ele que permite
a conexão entre os elementos percebidos favorecendo a integração dos dados
oferecidos por cada um dos órgãos dos sentidos ao interrogar o objeto de acordo
com sua especificidade.
Constitui lugar-comum dizer que possuímos cinco sentidos e que,
à primeira vista, cada um deles existe como um mundo sem
comunicação com os outros; que a luz ou as cores que atuam
sobre o olho não atuam sobre os ouvidos nem sobre o tato. E,
todavia, sabe-se, há muito que alguns cegos chegam a exprimir
as cores que não vêem por meio dos sons que escutam. Um cego
dizia que o vermelho deveria ser alguma coisa como um acorde
de clarim (MERLEAU PONTY, apud. CARMO, 2000, p.48).
Essa citação corrobora com a postura que assumimos durante o
desenvolvimento de nossos estudos, ao considerarmos que não há
necessariamente para os cegos, impossibilidade de acesso a objetos que fazem
parte do seu mundo físico, no entanto, esse acesso deve dar-se por meios que
considerem a limitação imposta pela carência ou deficiência das funções de um
65
Merleau-Ponty, no livro Fenomenologia de Percepção (2006), usa como sinônimo para homem,
as expressões: sujeito encarnado e sujeito histórico.
203
dos seus órgãos dos sentidos. Esses dois pontos nos levam a discutir percepção
tátil e campo perceptivo, ambos também discutidos por Merleau-Ponty.
... o movimento do próprio corpo é para o tato aquilo que a
iluminação é para visão. Toda percepção tátil, ao mesmo tempo
em que se abre a uma “propriedade” objetiva, comporta um
componente corporal, e a localização tátil de um objeto, por
exemplo, o situa em relação aos pontos cardeais do esquema
corporal. Essa propriedade, que a primeira vista distingue
absolutamente o tato e a visão, ao contrário permite aproximá-los
(MERLEAU-PONTY, 2006, p.422).
É a unidade do corpo que garante que as percepções táteis obtidas, por
exemplo, pelas mãos do cego sejam traduzidas na linguagem de outros órgãos.
Grosso modo, o que chamamos percepção no caso dos nossos estudos é o
resultado da integração de várias percepções que emergem no desenvolvimento
das situações interacionais entre aprendiz-pesquisadora, aprendiz-aprendiz e
aprendiz consigo mesmo. Consideremos uma situação na qual o cenário seja
composto por um aprendiz, um instrutor e uma ferramenta material. A ferramenta
material proporciona informações táteis, que por sua vez são incrementadas pelas
informações auditivas oriundas dos diálogos entre os atores, que desencadeiam
um processo reflexivo de acordo com biografia de cada um. Na verdade, nas
situações instrucionais com alunos cegos, uma de nossas preocupações é
compor um cenário interacional que favoreça a ampliação do seu campo
perceptivo.
A realização de novas pesquisas deverá levar à utilização mais eficaz da
modalidade tátil no aprendizado de sujeitos cegos ou portadores de visão
subnormal. Um melhor entendimento da modalidade tátil servirá para
compreendermos como as modalidades perceptivas se relacionam, para
favorecer a relação do corpo com o cenário, elevando o potencial de
aprendizagem dos envolvidos sejam esses portadores de necessidades
educacionais ou não. Uma maior compreensão das relações perceptivas
intermodais
66
e intramodais
67
são de suma importância não somente para os
sujeitos cegos, mas para aqueles que têm privação das informações oriundas de
algum dos órgãos dos sentidos, já que podem oferecer meios e canais
66
Entre diferentes modalidades perceptivas, por exemplo, tato e audição.
67
Dentro da mesma modalidade perceptiva, por exemplo, tato e tato.
204
alternativos para facilitar o acesso às informações a uma população de deficientes
sensoriais, favorecendo a emergência de parâmetros para determinar as opções
de aprendizado para portadores de necessidades educacionais especiais.
Ao abordarmos fenomenologicamente a percepção, surgem várias direções
de questionamentos. Nenhuma, porém, contrapõe-se a visão do homem como
parte do seu meio, dotado de capacidade perceptiva e cinestésica que usa o
corpo como instrumento não somente físico, mas um instrumento carregado de
história e cultura.
6.3.2 A PERSPECTIVA SÓCIO-CULTURAL
Eleger Vygotsky quando se pretende desenvolver pesquisas que envolvam
aprendizes com necessidades educacionais especiais nos parece uma escolha
natural. Assumindo uma postura prospectiva em relação às pessoas portadoras
de deficiências, Vygotsky desenvolveu seus estudos na área da Defectologia
centrando-se em compreender de que forma as relações das pessoas com
deficiência e seu meio sócio-cultural podem ser mediadas. Dando ênfase à
linguagem e a interação social, postula que:
...todo defeito cria estímulos para elaborar uma compensação. Por
isso o estudo dinâmico da criança deficiente não pode limitar-se a
determinar o nível e gravidade da insuficiência, mas sim incluir
obrigatoriamente a consideração dos processos compensatórios,
e escolher substitutos reestruturados e niveladores para o
desenvolvimento e a conduta da criança (VYGOTSKY, 1997, p.14)
(Tradução nossa).
Referindo-se aos cegos destaca que o problema da cegueira não é a
deficiência em si, pois essa pode ser compensada pelos outros sentidos ou pelos
olhos do outro, mas o que o isolamento social pode ocasionar.
A cegueira cria uma nova e peculiar configuração da
personalidade, origina novas forças, modifica as direções normais
das funções, reestrutura de forma criativa e organicamente a
psique do homem. Por conseguinte, a cegueira não é somente um
defeito, uma deficiência, uma debilidade, senão também, em certo
sentido, uma fonte de revelação de atitudes, uma vantagem, uma
força (VYGOTSKY, 1997, p. 99) (Tradução nossa).
205
Os estudos realizados por Vygotsky e Luria na área Defectologia, revelam a
importância da linguagem verbal no desenvolvimento cognitivo da criança
deficiente.
O mais característico da personalidade do cego (...) é a
possibilidade de assimilar a experiência social dos videntes com
ajuda da linguagem (p.50). A utilização da palavra é a ferramenta
para superar as conseqüências da cegueira (VYGOTSKY, 1997,
p.109) (Tradução nossa).
Nessa perspectiva, a linguagem verbal foi abordada sob a ótica social,
abrangendo função comunicativa e função de organização e desenvolvimento dos
processos de pensamento – função cognitiva. Para Vygotsky, é através da
linguagem verbal que os deficientes visuais conhecem e aprendem manipular os
objetos, sejam esses reais ou de estudo.
Os trabalhos de inspiração vygotskiana, como é nosso caso, privilegiam a
colaboração e a interação social, considerando a linguagem (verbal e corporal)
fundamental tanto para comunicação entre os sujeitos como para o
estabelecimento de significados compartilhados, permitindo as interpretações dos
objetos e situações do mundo real. Deste modo, corroborando com o postulado
por Vygotsky, nas situações de aprendizagem, a relação do aprendiz com os
objetos matemáticos em jogo, não é uma relação direta, mas uma relação
mediada e complexa, que se realiza através de dois tipos de mediadores: os
instrumentos
68
e os signos
69
. Com isso em mente, nas fases que antecedem a
realização das tarefas por nossos aprendizes, dedicamos um período
exclusivamente à elaboração das ferramentas materiais que serão
disponibilizadas. Além de favorecer o acesso tátil essas ferramentas, vistas como
instrumentos de mediação, devem auxiliar nas relações a serem estabelecidas
pelos sujeitos entre seus conhecimentos prévios e os conceitos matemáticos
envolvidos no processo instrucional, fazendo emergir da experiência a relação
dialética corpo-mente.
68
O instrumento é um objeto social e mediador da relação entre o indivíduo e o mundo (OLIVEIRA, 2002, p.
29).
69
Os signos, também chamados “instrumentos psicológicos”, são elementos orientados para o próprio
indivíduo e auxiliam nos processos psicológicos, ou seja, nas tarefas que exigem memória ou atenção. Nesse
sentido, os signos são elementos de representação da realidade (OLIVEIRA, 2002, p. 30).
206
Sustentando-nos na corrente fenomenológica e na perspectiva sócio-cultural
buscamos construtos teóricos que nos permitissem estruturar dimensões de
análises adequadas para que pudéssemos analisar como aprendizes cegos,
coordenam os recursos físicos e semióticos disponíveis, criando signos que
traduzam os fenômenos matemáticos oriundos de suas experiências perceptivas
e de suas operações sensório-motoras.
6.3.3
DIMENSÕES DE ANÁLISES
O aporte teórico que abordamos atende fundamentalmente nossa
necessidade de discutir diálogos e ações, ou seja, nos oferece parâmetros para
que nos centremos nas análises pertinentes as práticas interacionais entre cegos-
cegos e cegos-videntes que aqui são vistos como atores que compõem e atuam
num cenário em que lhes são disponibilizados de forma intencional múltiplos
elementos e jogos de cena (recursos físicos e semióticos). Deste modo, quando
nos referimos a práticas interacionais, suscitamos a dinâmica da linguagem verbal
e corporal – fala e gestos.
Destacando o papel do corpo como mediador, por excelência, das relações
e ações entre sujeitos e com o mundo, nossas dimensões de análises destinam-
se a apontar a importância e o potencial da experiência perceptiva e da atividade
cinestésica para a cognição e comunicação. São elas:
Dimensão 1: A apropriação da “voz matemática”.
Dimensão 2: O potencial comunicativo e cognitivo dos gestos.
Dimensão 3: O processo de objetificação do conhecimento.
A Dimensão 1 – Apropriação da voz matemática favorece as análises das
práticas discursivas que acompanham a atividade cinestésica durante o processo
empírico, oferecendo elementos que nos permitem analisar eventuais mudanças
conceituais na articulação dos pseudoconceitos trazidos para o cenário pelos
aprendizes. De acordo com McNeill e Duncan (2000) discurso e gestos operam
como uma unidade inseparável; e a confluência entre ambos nos sugere que o
207
que os interlocutores oferecem uns aos outros são combinações de imagens e
conteúdos lingüísticos, o que denota a pertinência das duas outras dimensões.
Aplicando a classificação de gestos proposta por McNeill (1992), a Dimensão 2:
Potencial comunicativo e cognitivo dos gestos nos permite apontar a quem os
gestos espontâneos que acompanham o discurso se destinam e sua relevância
para a comunicação e/ou cognição em situações de aprendizagem e ensino de
Matemática. Sendo gestos e palavras vistos como meios semióticos de
objetificação a Dimensão 3: Processo de objetificação do conhecimento viabiliza
as análises referentes a formulação de signos por parte dos aprendizes que
indiquem a objetificação dos objetos matemáticos conceituais que permeiam o
cenário. Nessas análises, além dos meios semióticos de objetificação, discutimos
a influência dos recursos físicos no processo de objetificação.
Nas seções seguintes destacamos os principais resultados obtidos a partir
das análises com base em cada uma destas dimensões.
6.4 A RELAÇÃO AÇÃO, EXPERIÊNCIA E COGNIÇÃO
A estreita relação entre corpo e cognição tem sido objeto de estudos de
muitos pesquisadores contemporâneos, alguns desses discutidos nesta tese. No
caso de indivíduos cegos essa relação merece maior atenção, já que é o corpo,
mais precisamente a percepção tátil, que proporciona o acesso ao mundo que os
circunda ao mesmo tempo em que limita o campo perceptivo. Só faz parte do
campo perceptivo do cego o que é tangível ao seu corpo. Falando sobre a
bengala do cego, um instrumento capaz de ampliar o seu campo perceptivo,
Merleau-Ponty (2006) destaca que o hábito de usá-la a transforma numa
extensão do próprio corpo.
A bengala do cego deixou de ser para ele um objeto, ela não é
mais percebida por si mesma, sua extremidade transformou-se
em zona sensível, ela aumenta a amplitude e o raio de ação do
tocar, tornou-se o análogo de um olhar (p.198). As pressões na
mão e na bengala não são mais dados, a bengala não é mais um
objeto que o cego perceberia, mas um instrumento com o qual ele
percebe. A bengala é um apêndice do corpo, uma extensão da
síntese corporal (p.211) (Grifo do autor).
208
Uma das metas dos nossos estudos é criar para aprendizes cegos um
campo perceptivo tão rico quanto o campo visual, guardadas as devidas
diferenças. Para tanto, empregamos nos processos empíricos uma diversidade de
recursos materiais e semióticos, o que nos levou ao questionamento proposto
nessa tese:
Como aprendizes sem acesso ao campo visual empregam recursos físicos e
semióticos para negociar significados matemáticos durante o processo de
aprendizagem?
Nossos resultados têm nos apresentado indícios que nos permitem afirmar
que as ferramentas materiais, associadas a outros meios semióticos de
objetificação, favorecem a emergência de signos no sentido vygotskiano. Desse
modo, o que é a princípio físico para os aprendizes passa a ser um imaginar, e
integra-se ao seu repertório de recursos multimodais, indicando que durante as
atividades ocorrem mudanças qualitativas fundamentais no uso dos signos. A
utilização de marcas externas transforma-se em processos internos de mediação,
caracterizando o processo designado por Vygotsky de internalização, enquanto
Leontiev o denomina de apropriação, o que de forma simplista, indica a ação de
fazer seu o que já é dos outros. Desse modo, a apropriação de conceitos dá-se
através de um processo ativo, no qual o sujeito deve fazer uma atividade que o
permita relacionar-se com o objeto e com seu meio sócio-histórico-cultural
adquirindo a experiência humana corporificada nesse objeto, tal processo
caracteriza o processo de objetificação.
Associar o ambiente em que acontece um processo de ensino-
aprendizagem a um cenário estruturado com intencionalidade, onde se dispõe
atores e elementos de cena nos permite analisar os jogos de cena como
instrumentos de mediação que favorecem a comunicação, interação e a cognição.
Nesse cenário, os atores falam, gesticulam e mostram expressões faciais que os
permitem tornar aparentes à si mesmos e aos seus interlocutores suas emoções
e intenções.
209
6.4.1 APROPRIAÇÃO DA VOZ MATEMÁTICA
Renshaw (1996) destaca os pseudoconceitos, discutidos por Vygotsky,
como um veículo que cria a possibilidade para o diálogo instrucional e para a
apropriação de novos conceitos. Complementando essa idéia, esses novos
conceitos são acessíveis quando conectados a experiência perceptiva e ao
repertório de recursos multimodais do indivíduo, sendo assim fundamental que as
atividades experimentais desenvolvam-se de modo colaborativo. Nesta seção
cabe-nos discutir de que modo as práticas discursivas refletem e reciclam vozes
múltiplas dos atores, que na troca de papéis encontram a possibilidade de
transitarem no caminho ascendente do desenvolvimento de novos conceitos.
Ao ingressar nas atividades que compuseram a Fase II, relacionadas à área
e perímetro de figuras planas, nossos aprendizes ventriculavam as definições
apresentadas por seus professores nas aulas regulares. Esse ventricular foi
assumido por nós como pseudoconceitos que nos diálogos instrucionais poderiam
aproximar-se dos conceitos formalmente institucionalizados para esses objetos
matemáticos. A importância desses pseudoconceitos para a manutenção dos
diálogos durante a prática instrucional pode ser percebida já na primeira tarefa
realizada pela dupla Marcos e Caio. Nessa tarefa, Marcos superou suas dúvidas a
respeito do conceito de perímetro, quando a pesquisadora ventricula suas
palavras – Perímetro é o contorno – e na seqüência introduz uma voz privilegiada
em significados – Você tem que medir cada um dos lados e somar. Caio que
presenciou o diálogo, ao ser questionado sobre o perímetro de sua figura ecoa as
palavras de pesquisadora coordenando suas ações e palavras, realizando com
sucesso a atividade. Ecoar e ventricular são verbos que permeiam a descrição e
análises pertinentes a primeira tarefa. Na segunda tarefa podemos perceber que
se inicia um processo de mudanças conceituais para os pseudoconceitos área e
perímetro. Acreditamos que esse processo desencadeou-se a partir do momento
em que a falta de cubos para preencher toda superfície das figuras em estudo,
conduziu os aprendizes a um movimento de transição do plano concreto e
perceptivo para o abstrato e imaginável. Ao final dessa tarefa, os termos área e
perímetro assumiram um tom privilegiado em significados nas vozes dos
aprendizes – O perímetro é o contorno da área.
210
As elucidações oferecidas pelos aprendizes a respeito do método geral a ser
empregado para o cálculo da área e do perímetro de figuras planas indicam que
os pseudoconceitos apresentados inicialmente alinharam-se aos significados
culturais e subjetivos dos objetos matemáticos. Nos estudos de polígonos com
formas e número de lados menos convencionais na escola que acolheu nossa
pesquisa, os termos área e perímetro foram usados várias vezes durante os
diálogos, mas agora carregados de significado para os aprendizes. É interessante
notar, que os debates tornam-se muito mais produtivos nas situações de
divergência. Talvez isso se deva ao fato de que o discurso de convencimento dá-
se a respeito de conceitos cujos significados são compartilhados pelos
interagentes.
Na tarefa destinada a estudar o volume de figuras tridimensionais, os
pseudoconceitos trazidos pelos sujeitos estavam associados à capacidade interna
das formas, ou seja, aos conceitos estudados nas aulas de Química. Ao iniciarem
a tarefa os sujeitos transpuseram esse pseudoconceito para o número de cubos
que devem ser dispostos no interior da forma – Ela quer saber quantos cubinhos
cabem dentro desta caixa. A apropriação de aspectos da voz matemática por
parte dos sujeitos para área, além de permitir que eles criassem estratégias para
a determinação do volume de formas tridimensionais, os ajudou a conectar os
objetos matemáticos em estudo a sua prática cotidiana. As práticas dialógicas
trazem expressões ligadas a situações do cotidiano como recheio, tampa e
contorno, para designar propriedades matemáticas. No caso de Leandro e
Marcos, o conflito entre os conceitos de área e volume produziu um mal entendido
produtivo que os levou a estruturar uma estratégia similar a usada para o cálculo
da área para determinar o volume.
Ao iniciarem as atividades experimentais os sujeitos tinham um discurso
pronto para definir área, perímetro e volume, no entanto esse discurso não tinha
significado geométrico para eles. Foi o procedimento empírico associado, entre
outros, às práticas dialógicas dos atores que favoreceu a (inter)relação de
sistemas complexos articulados (empírico, perceptivo e abstrato) promovendo a
prática reflexiva que permitiu aos aprendizes evocar termos de significação
compartilhada socialmente.
211
6.4.2 POTENCIAL COMUNICATIVO E COGNITIVO DOS GESTOS
Nas pesquisas que temos realizado, assim como nos episódios transcritos
nesta tese, evidencia-se o fato que freqüentemente portadores de cegueira
congênita sincronizam gestos e palavras em situação de discurso, mesmo quando
seus ouvintes são cegos, o que corrobora com as evidências apontadas por
Iverson e Goldin-Meadow (1998). No entanto, cabe destacarmos que durante as
práticas discursivas, percebemos que os sujeitos têm consciência da capacidade
visual dos seus ouvintes, ou seja, sabem se seus ouvintes são capazes ou não de
ver, e ainda, que os gestos que empregam são análogos aos empregados por
videntes. Refletindo sobre esses aspectos há dois pontos que gostaríamos de
assinalar.
O primeiro refere-se a situações dialógicas cotidianas, como contar histórias
ou piadas, e as apontamos neste texto somente com a pretensão de despertar o
interesse para o desenvolvimento de futuras pesquisas. Iniciamos com as
declarações de LeBaron e Streeck (2000) ao afirmarem que os gestos são
socialmente situados e o postulado por Merleau-Ponty (2006, p.251) ao apontar
que “o sentido dos gestos não é dado mas compreendido, quer dizer, retomado
por um ato do espectador”. Desse modo, ambas as declarações sugerem que
existem modelos para os gestos que, tanto para Merleau-Ponty como para Kita
(2000), por exemplo, transcendem o meio do indivíduo alcançando o mundo. Para
justificar suas afirmações ambos referem-se a diálogos estabelecidos entre
interlocutores de nacionalidades diferentes, coincidentemente um oriental e um
ocidental. No caso de cegos congênitos, ou seja, aqueles sujeitos que nunca
enxergaram, nos intriga de que forma eles aprenderam modelos para os gestos.
Nossos sujeitos representam muito para quantidade exatamente como os
videntes, ou seja, aproximando e afastando as pontas dos dedos de uma das
mãos sucessivamente, essa analogia também acontece quando indicam algo que
ocorreu muito tempo atrás jogando uma das mãos para trás da cabeça duas ou
três vezes. Esses são apenas dois dos vários exemplos que poderíamos citar, e
naturalmente, esses gestos ao serem dirigidos aos videntes são totalmente
compreendidos, mas nos intriga de que modo esses gestos foram aprendidos.
212
O segundo ponto refere-se aos gestos empregados pelos sujeitos de
pesquisa nas situações instrucionais. Durante o desenvolvimento das atividades
podemos observar a ocorrência de grande número de gestos, e ainda, que o
número de gestos produzidos quando o ouvinte é cego ou vidente é praticamente
o mesmo, fazendo-nos destacar que alguns desses gestos são dirigidos ao
próprio orador, uma forte indicação da importância cognitiva dessa atividade do
corpo. Apontamos ainda que os gestos produzidos pelos sujeitos neste estudo
dirigem-se ao ouvinte, cego ou vidente, também quando os aprendizes procuram
tornar aparentes os signos subjetivos que foram formulados durante as
interações, ou seja, reportam-se a signos anteriormente físicos que não estão
mais dispostos no cenário, o que atribui a esses gestos, de acordo com a tipologia
proposta por McNeill (1992), características de icônicos.
Como apontamos anteriormente, nossos dados indicam que nas
comunicações entre cegos os gestos dêiticos e os movimentos de mãos são
freqüentes mesmo que o próprio orador e o seu ouvinte não possam vê-los.
Assim como ocorre com os videntes, podemos dizer que no caso de um cego
interagindo com um vidente esses gestos têm o objetivo de comunicação visual,
em outras palavras, o cego os usa para dirigir a atenção do ouvinte vidente.
Entretanto, nossas análises têm mostrado que esses gestos são produzidos
mesmo quando há interação entre cegos, o que nos faz sugerir que o seu uso
destina-se também a orientação do próprio interlocutor, ou seja, é dirigido por e
para sua atividade cognitiva. Em outras ocasiões os gestos dêiticos são feitos
com a própria mão do ouvinte cego, ou seja, o orador toma as mãos do ouvinte e
a dirigem ao objeto a ser indicado fazendo-o experimentar fisicamente o que é
comunicado.
Somente quando analisamos os gestos sincronizados com o discurso,
tornam-se aparentes as características e propriedades dos objetos matemáticos
que estão sendo consideradas. A título de exemplo voltamos a nos reportar aos
pequenos cubos usados como instrumento de medição nas atividades propostas
na Fase II. Inicialmente as mãos do aprendiz cego reconheceram fisicamente
esses cubos, levantando dados que os permitissem medir com eles.
Posteriormente esses cubos assumiram função simbólica e passaram a ser
213
recriados de forma introspectiva nas situações de simulação. O que nos faz
destacar que as mãos dos aprendizes cegos têm, pelo menos, dupla função: em
termos vygotskianos, elas servem como instrumentos em substituição dos olhos
para que esses aprendizes possam alcançar as mesmas metas dos que pode ver,
e também, assim como acontece como os videntes, as mãos têm uma função
comunicativa que é simultaneamente intra e interpessoal, cabendo ao nível
intrapessoal a função cognitiva.
Nossos resultados nos apresentam indícios suficientes para nos convencer
que os gestos fazem parte das práticas matemáticas dos cegos, do mesmo modo
que os resultados de pesquisas precedentes indicam que eles fazem parte das
práticas matemáticas dos videntes. De certo modo os gestos icônicos, como os
apresentados nesta tese, podem ser mais importantes para o processo de
aprendizagem dos cegos, já que os aprendizes videntes podem usar recursos
pictóricos, como, por exemplo, esboçar uma figura genérica, ao invés de
gesticular. Nos episódios que apresentamos neste texto, não houve a emergência
de gestos metafóricos durante as práticas discursivas. Acreditamos que a não
ocorrência de gestos metafóricos pode estar relacionada aos objetos matemáticos
deste estudo – perímetro, área e volume – que sugerem conexões com
experiências perceptivas no mundo físico. Além de poder estar intrinsecamente
relacionado às tarefas e as ferramentas materiais.
Tal fato nos faz refletir a respeito da exploração tátil. As atividades que
temos proposto aos nossos aprendizes têm sido adaptações de situações
planejadas originalmente para aprendizes videntes, assim, inevitavelmente essas
situações são projetadas com base sobre o que sabemos a respeito das
trajetórias de aprendizagem de aprendizes videntes. Pode ser que o
processamento gradual dos dados levantados a partir da percepção tátil, ao
contrário da exploração visual, siga trajetórias distintas no acesso ao
conhecimento matemático. A continuidade de nossas pesquisas e a realização de
pesquisas futuras por outros pesquisadores poderá colaborar para o
planejamento de novas situações de aprendizagem que respeitem a diversidade e
o potencial dos aprendizes, e que contribuam para mudar as experiências
214
matemáticas e as formas de acesso a objetos matemáticos de uma variedade de
aprendizes.
6.4.3 PROCESSO DE OBJETIFICAÇÃO DO CONHECIMENTO
Em busca de compreender a relação imbricada entre experiência sensorial e
atividade cognitiva, dadas às necessidades educacionais especiais dos sujeitos
de nossas pesquisas, as experiências sensoriais que discutimos são distintas das
discutidas, por exemplo, por Radford. Em particular, as informações adquiridas de
forma háptica por nossos aprendizes merecem atenção especial.
Ao explorar um objeto as mãos do cego movem-se de forma intencional
captando particularidades da forma a fim de obter uma imagem deste objeto
(OCHAITA e ROSA, 1995 p.185). Num primeiro contato háptico com um objeto, o
cego (assim como o vidente) insere-se num sistema cultural semiótico no qual o
objeto apresenta-se impregnado de intencionalidade e de uma conceitualização
constituída histórico-culturalmente. As percepções associadas a esse contato
devem ser processadas e conectadas a outros sistemas culturais semióticos que
dependem das interpretações e da biografia do aprendiz. Em outras palavras,
além de constituir sua própria imagem para o objeto, o aprendiz deve engaja-se
ativamente num processo, aqui chamado de objetificação, a fim de adequar um
significado a essa imagem que depende intrinsecamente do seu meio sócio-
histórico.
Com o propósito de favorecer o processo de objetificação dos objetos
matemáticos conceituais envolvidos nesta pesquisa, as pesquisadoras integraram
ao cenário instrucional ferramentas materiais e semióticas, aqui denominadas
meios semióticos de objetificação. Neste estudo, o processo de objetificação é
apontado quando os aprendizes engajam-se num processo interativo e
interpretativo das percepções táteis (oferecidas pelas ferramentas materiais), e
das práticas discursivas realizadas pelos atores (cegos e videntes), denominadas
ferramentas semióticas, entre as quais destacamos os signos subjetivos, as
palavras e as ações realizadas pelo aparelho sensório-motor (os gestos).
215
Inseridos nesse processo interativo e interpretativo os aprendizes passam a
coordenar gestos e palavras com o objetivo de tornar aparente, para si mesmos e
aos seus interagentes, o produto subjetivo de sua atividade cognitiva. Em nossas
análises esses momentos pontuais na atividade semiótica dos aprendizes foram
apontados como nó semiótico de acordo com a concepção de Radford, Demers,
Guzmán e Cerulli (2003).
Nesta pesquisa esse movimento começou quando os objetos matemáticos
em estudo passaram a ter uma forma corpórea e tangível para os aprendizes. Os
pequenos cubos usados como ferramentas já não precisavam estar presentes
fisicamente, pois os aprendizes os estavam reproduzindo subjetivamente o que os
fez introduzir ao discurso o verbo imaginar. Neste momento, os cubos que
compunham subjetivamente as figuras planas passam a ser representados
através de gestos e passam a significar linhas e colunas condicionadas ao
alinhamento de cubos imaginários. Com o desenrolar do processo empírico, o
signo subjetivo criado para os cubos foi substituído por outro de maior relevância
para a ampliação dos conhecimentos associados aos objetos matemáticos. Os
sujeitos passaram a representar inicialmente com as mãos as linhas ou colunas
subjetivas que formavam as figuras planas, atribuindo ao novo signo o valor de
linhas de área. O estudo do volume de figuras tridimensionais promoveu mais
uma vez mudanças no signo subjetivo. As formas geométricas passaram a ser
compostas por linhas de área imaginárias. Desse modo, as ações dos aprendizes
passam a ser dirigidas por objetos que gradativamente foram corporificados pelos
aprendizes, ou seja, com a seqüência das atividades os cubos foram adquirindo
uma existência objetiva e passaram a ter uma função específica na práxis
cognitiva dos aprendizes.
A objetificação dos objetos matemáticos neste estudo foi mediada pela
objetificação dos cubos oferecidos como ferramenta de medição nas atividades
iniciais, que favoreceu a apropriação dos fenômenos oriundos dessa prática.
Dessa forma, os sujeitos desenvolveram aptidões e metodologia própria para
realizar as tarefas e conseqüentemente apropriarem-se dos objetos matemáticos
conceituais, ou seja, daqueles objetos impregnados de significado sócio-histórico.
Resumidamente, a objetificação do conhecimento, no caso dos nossos estudos,
216
implica na construção de novos significados para termos matemáticos não
totalmente desconhecidos, a partir da percepção tátil e da interação dos
aprendizes com os meios semióticos de objetificação, sendo assim mediados por
eles, destacando o papel fundamental de ambos no desencadeamento da práxis
cognitiva.
6.4.4 A IMPORTÂNCIA DOS RECURSOS MATERIAIS
A influência das ferramentas materiais é um tema amplamente discutido por
pesquisadores da área da Educação Matemática em pesquisas realizadas com
aprendizes videntes, alguns apontados nesta tese. No entanto, a importância e a
influência desses elementos no processo de ensino e aprendizagem de alunos
cegos e portadores de visão subnormal demandam mais estudos. As discussões
a respeito da implicação das ferramentas materiais, vistas como elementos de
cena nos cenários instrucionais permeiam todo este texto. Partimos do princípio
que o trabalho com aprendizes SAVDPN exige ferramentas materiais e semióticas
que favoreçam a efetiva participação e integração desses aprendizes nas
situações instrucionais.
Para o campo perceptivo do cego a importância das ferramentas materiais
vai além da promoção de percepções táteis. Essas ferramentas também
estimulam interações discursivas interpessoais e intrapessoais quando o sujeito
passa a questionar-se, para validar conjecturas e refletir sobre suas ações,
ativando diferentes áreas da percepção, o que atribui ao pensamento o caráter de
atividade percepto-motora. Neste estudo, o processo interpretativo e reflexivo
gerado a partir das percepções táteis promovidas pelas ferramentas materiais e
pelos diálogos, auxiliou os sujeitos de pesquisa na formação de sistemas
simbólicos inicialmente físicos e posteriormente subjetivos, que permitiram a
interpretação dos objetos matemáticos em jogo, atribuindo a eles características
de objetos de reflexão. A falta de cubos como instrumento de medição nas tarefas
da Fase II, fez com que os aprendizes passassem a simular a presença deles,
recriando de forma introspectiva a experiência perceptiva e sensório-motora
proporcionada pelo experimento de medir com os cubos.
217
Partindo da premissa de que a disponibilidade de diferentes sistemas
mediadores influencia o desempenho dos alunos cegos, designamo-nos a discutir
o processo de avaliação oferecido a esses alunos pelo sistema de ensino. Para
tanto formulamos a seguinte questão:
Como professores e alunos que vivenciam a experiência da inclusão
sentem-se em relação a esse processo e particularmente em que medida as
práticas avaliativas atuais atendem as necessidades especiais desses
alunos?
Além das vozes dos atores e das análises relativas aos exercícios propostos
na Fase I a partir da reprodução dos exercícios da prova do SARESP que
apresentamos nos Capítulos 3 e 4 respectivamente, cabe deixarmos nossas
impressões e sugestões, com a intenção de colaborar com pesquisas futuras e
para que os processos avaliativos a que alunos portadores de necessidades
educacionais especiais são submetidos promovam eqüidade de direitos entre
todos educandos. Na verdade, consideramos um desafio saber qual é o limiar
entre favorecer o acesso às informações e usar recursos que facilitem os
processos avaliativos para os aprendizes portadores de necessidades
educacionais especiais. As escolhas inadequadas podem privilegiar os alunos
com necessidades educacionais especiais descaracterizando a inclusão que
defendemos. Somente com o desenvolvimento de novas pesquisas poderemos
ter parâmetros mais consistentes não só para determinar esse limiar, mas
também para que discrepâncias como as apontadas no Capítulo 4 deixem de
acontecer.
Deixamos aqui, a título de sugestão, que os organizadores das avaliações
do sistema educacional regular ou oficial procurem responder as seguintes
questões quando da elaboração das provas: Será que basta oferecer aos alunos
sem acuidade visual as mesmas provas realizadas pelos videntes transcritas em
Braille para lhes proporcionar eqüidade de oportunidades e direitos? A simples
transcrição das provas garante a tão almejada inclusão? De modo geral a
resposta para ambas é negativa. É preciso que os conteúdos avaliados e a forma
de apresentação dos mesmos façam parte do mundo perceptivo dos aprendizes.
Assim, não é possível questionar surdos sobre sons ou cegos congênitos sobre
218
imagens no espelho. Do mesmo modo, não será acessível para um aprendiz cego
a representação pictórica, mesmo que feita em relevo, por exemplo, da
condensação da água. O PCN: Adaptações curriculares é um documento oficial
que oferece parâmetros para a elaboração de avaliações, e deve ser norteador no
momento de elaboração das provas, o que não dispensa que as vozes dos atores
– professores e educandos – sejam ouvidas. Há outras necessidades
educacionais especiais que podem ser atendidas com ações mais simples, por
exemplo, prender com fita crepe as bordas das folhas ou usar uma superfície
antiderrapante sobre a mesa para facilitar a execução da prova por um aluno com
pouca coordenação motora.
Dada a complexidade das questões práticas que envolvem a inclusão de
alunos com necessidades educacionais especiais nas salas de aulas regulares e
os parcos estudos destinados a auxiliar nessas práticas, não poderia ser surpresa
que os professores e alunos que participaram desta pesquisa, sintam-se
inseguros e de certo modo insatisfeitos com o processo de inclusão que tem sido
vivenciado. Especialmente em relação às práticas avaliativas, os alunos declaram
que não se sentem seguros de que há garantia de eqüidade nos processos a que
são submetidos. Mais uma vez apontamos a necessidade de pesquisas
destinadas a estabelecer critérios que possam auxiliar na formulação de
parâmetros para orientar no planejamento de avaliações, especialmente no que
se refere ao desenvolvimento de ferramentas materiais que possam ser
integradas não só as práticas avaliativas nas também as cotidianas.
Acreditamos que o uso de ferramentas materiais e dialógicas como as
apresentadas neste texto em salas de aulas inclusivas podem favorecer o
processo de aprendizagem para todos os alunos, portadores de necessidades
especiais ou não. As atividades e ferramentas materiais que utilizamos em nossas
pesquisas são de modo geral bastante simples, e normalmente envolvem
conceitos matemáticos usualmente desenvolvidos nas escolas regulares. A
proposta de inclusão que defendemos é a que favorece ao aluno incluso integrar-
se com seus pares e com o saber. Acreditamos que esse tipo de proposta
beneficia a todos promovendo uma reestruturação da escola que poderá oferecer
uma resposta educativa de qualidade para todos.
219
6.5 UM CAMINHO A PERCORRER
Uma boa parte da filosofia fenomenológica ou existencial consiste
na admiração dessa inerência do eu ao mundo e ao próximo, em
nos descrever esse paradoxo e essa desordem, em fazer ver o elo
entre o indivíduo e o universo, entre indivíduo e os semelhantes
(Merleau Ponty, apud. CINTRA, 2004, p.50) (Grifo do autor).
A palavra existencial na citação de Merleau-Ponty guarda em si toda a
essência do texto que se segue. Somos seres paradoxalmente individuais e
sociais. Seres que habitam o mundo junto de seus semelhantes sem que
deixemos de habitar a nós mesmos, e o instrumento que usamos para ter acesso
a esses elementos é o corpo – outro universo. É o corpo que estabelece o elo
com o próximo e com o mundo, e a necessidade de que essa relação se dê de
forma harmônica nos conduziu à organização que chamamos sociedade.
De acordo com os parâmetros atuais, sociedade é um grupo de pessoas que
compartilham e interagem entre si, o que implica na aceitação da diversidade
humana e no acolhimento das necessidades de cada cidadão. No âmbito escolar
o acolhimento da diversidade estende-se a inserção de educandos com
necessidades educacionais especiais e representa uma forma de tornar a
sociedade mais democrática (MARTINS, 2002). Cada vez mais, os educadores
têm percebido que as diferenças não devem ser somente aceitas, mas também
acolhidas como subsídio para montar (ou completar) o cenário escolar. O que se
deve entender por inclusão é oferecer serviços complementares, adotar práticas
criativas, adaptar o projeto pedagógico, rever posturas e construir uma nova
filosofia educativa (GUIMARÃES, 2003).
Escolher artigos da Declaração Universal dos Direitos Humanos para iniciar
cada um dos capítulos desta tese corrobora com a postura que assumimos diante
do que consideramos Educação Inclusiva. A perspectiva vygotskiana nos trouxe a
percepção de que estar privado de um dos meios de acesso da cultura sócio-
histórica em que estamos inseridos não impõe, essencialmente, limites à
pontecialidade humana, mas estabelece a necessidade de viabilizar esse acesso
por outros canais que se distinguem dos tradicionalmente descritos na literatura,
geralmente centrada nos aprendizes considerados normais. É comum
encontrarmos trabalhos que discutem a atividade cognitiva a partir de estímulos
220
visuais, por exemplo, no entanto, parece-nos um erro nos centrar somente nos
sentidos ou discutir as qualidades de cada um deles quando se pretende discutir
cognição. No caso dos nossos estudos o que importa de fato é a percepção.
Talvez esse seja o cerne da tese que procuramos sustentar neste texto – Não
somos uma mente pensante que basta em si, precisamos do outro e do mundo.
Nossa atividade cognitiva não permanece confinada em nossos cérebros.
Estamos, sentimos e pensamos o mundo com o corpo.
Nossas crenças nos conduzem a pensar que ainda não alcançamos o que
se postula por inclusão. Acreditamos que isso se deve ao fato de que ainda não
compreendemos como os alunos com necessidades educacionais especiais
aprendem Matemática. A questão de integração ou inclusão transcende a visão
da sala de aula, alcançando o indivíduo, ou melhor, o que acontece quando
impressionamos os diversos sentidos dos sujeitos da educação. No caso dos
sujeitos envolvidos nesta pesquisa, associar informações táteis às auditivas é
fundamental para a estruturação de um campo perceptivo que possa conduzir a
emergência da atividade percepto-motora. O campo perceptivo dos cegos envolve
elementos que lhes são tangíveis e é constituído a partir da integração de um
grande número de informações táteis, enquanto o campo perceptivo do vidente
apresenta-se integrado, sintético e global. No entanto, é curioso observar que
quando interagem os cegos usam regularmente expressões como, por exemplo,
“olha aqui” e “está vendo”, verbos com forte associação ao campo visual, talvez
essa seja uma tentativa de envolver seus ouvintes – cegos ou videntes – em seu
campo perceptivo que pode não ser coincidente com o do seu interlocutor.
Como já mencionamos, esta tese apresenta parcialmente resultados
oriundos de uma pesquisa que desenvolvemos durante vinte e sete meses, e
fazer parte do elenco de atores que vivenciam diariamente o desafio de trabalhar
com a diversidade foi uma experiência enriquecedora. Não podemos deixar de
destacar nossa sensação de satisfação e de certeza de termos feito o que estava
ao nosso alcance ao concluir o projeto, e não erramos ao afirmar que a escola
que deixamos não é a mesma que encontramos principalmente no que se refere
ao seu bem mais importante – o material humano.
221
Nossas pesquisas vêm ao encontro da necessidade de discutir e buscar
meios para preparar o professor e as instituições educacionais para os aprendizes
com necessidades educacionais especiais. Neste sentido, um dos pontos a ser
destacado é que o desenvolvimento colaborativo do projeto – pesquisadoras e
professores – favoreceu a emergência de uma prática reflexiva por parte dos
professores conferindo-lhes a oportunidade de rever determinados aspectos de
suas práticas não somente na direção de favorecer o processo de ensino para
seus alunos SADVPN, mas também de lhes proporcionar maior satisfação ao
realizar seu trabalho. Participando do planejamento, desenvolvimento e testes das
atividades e das ferramentas a serem utilizadas no processo empírico, os
professores participantes passam a conhecer mais sobre a potencialidade das
ferramentas materiais no papel de mediadoras entre os sujeitos e os
conhecimentos matemáticos.
Nas pesquisas que temos desenvolvido, entramos no campo da
investigação, mas acreditamos ser mais importante a passagem da investigação
para a ação. O modo de trabalhar Matemática com os cegos pode facilitar a
reflexão e busca para outros grupos de educandos com necessidades especiais
(guardadas as diferenças) e inclusive para a Didática da Matemática em geral,
pois se a metodologia de investigação é análoga, as soluções podem ser
indicadoras de direções a seguir em cada caso. Dentro dessa perspectiva, cada
aprendiz é percebido como um aprendiz com necessidades especiais cabendo a
Educação Matemática, como a todas outras áreas da Educação, estruturar-se
para potencializar suas competências e habilidades, e fazer desaparecer a
palavra e o conceito “deficiente” (FERNANDES, 2004, p.219).
Apesar do tempo que temos nos dedicados aos estudos referentes às
práticas educacionais de aprendizes SAVDPN acreditamos que estamos no
começo dessa aventura. Aos próximos avanços nesta aventura devem envolver
em nossos estudos outras necessidades educacionais especiais. Quanto a esse
trabalho esperamos que ele ofereça uma contribuição, mesmo que pequena, que
desperte interesse para o desenvolvimento de novas pesquisas.
Estamos certas de que há ainda um longo caminho a percorrer até que
possamos afirmar que oferecemos a todos educandos uma Educação que
222
proporcione igualdade de direitos e condições e que de fato vivemos numa
sociedade para todos. Voltando a citação de Jean-Jacques Rousseau:
Concebo na espécie humana duas espécies de desigualdade:
uma, que chamo de natural ou física, porque é estabelecida pela
natureza, e que consiste na diferença das idades, da saúde, das
forças do corpo e das qualidades do espírito, ou da alma; a outra,
que se pode chamar de desigualdade moral ou política, porque
depende de uma espécie de convenção, e que é estabelecida ou,
pelo menos, autorizada pelo consentimento dos homens
(ROUSSEAU, 1754, p.12).
Cabe mais uma vez destacar que quanto à primeira espécie de
desigualdade denominada natural ou física não temos nenhuma espécie de
autoridade, cabendo a todos o papel de criar mecanismos que favoreçam uma
convivência harmoniosa e produtiva. No entanto, sobre a segunda desigualdade –
moral ou política – somos soberanos, e somente quando conseguirmos superá-la
seremos uma sociedade para todos. Uma sociedade na qual somos todos iguais
em direitos e deveres. Talvez esse seja nosso maior desafio.
223
REFERÊNCIAS
ABNT – Associação Brasileira de Normas técnicas. (2004). Disponível em:
http://www.mpdft.gov.br/sicorde/NBR9050-31052004.pdf. Acesso em: 11 fev.
2008.
ALIBALI, M. W.; KITA, S.; YOUNG, A. (2000). Gesture and the process of speech
production: We think, therefore we gesture. Language & Cognitive Processes,
15, 593-613.
ARGYROPOULOS, V. S. (2002). Tactual shape perception in relation to the
understanding of geometrical concepts by blind students. The British Journal
of Visual Impairment, Londres, pp. 7-16, jan. 2002.
BARSALOU, L. W. (2008). Grounded Cognition. Annual Review of Psychology,
Vol. 59, pp. 617-645.
BÉGUIN, P.; RABARDEL, P. (2000). Designing for instrument-mediated
activity. Scandinavian Journal of Information Systems 12, pp. 173-191.
BRASIL. (2007). Ministério da Educação. Evolução da Educação Especial no
Brasil. Secretaria de Educação Especial. Brasília: MEC/SEESP, 11p.
Disponível em: http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/brasil.pdf. Acesso
em 16 mar 2008.
_____. (1994). Ministério da Educação e Cultura. Política Nacional de Educação
Especial. Brasília: SEESP/MEC.
_____. (1998). Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares
nacionais: Adaptações Curriculares / Secretaria de Educação
Fundamental. Secretaria de Educação Especial. Brasília: MEC/SEF/SEESP,
62p.
224
CAMPBELL, J. (2005). Information-Processing, Phenomenal Consciousness and
Molyneux's Question. In: JOSÉ BERMUDEZ (Ed.), Thought, Reference and
Experience: Themes from the Philosophy of Gareth Evans. Oxford: Oxford
University Press, pp. 116-152.
CARMO, P. S. (2000). Merleau-Ponty: uma introdução. São Paulo: EDUC.
Série Trilhas.
CARVALHO, R E. (2001). Inclusão escolar: desafios. In: Seminário Internacional
Sociedade Inclusiva PUCMinas. 1999, Belo Horizonte – MG. Anais:
Seminário Internacional Sociedade Inclusiva. PUCMinas. 16pp.
_____. (2005). Molyneux's Question and Cognitive Impenetrability. In:
ATHANASSIOS RAFTOPOULOS (Ed.), Cognitive Penetrability of
Perception: Attention, Action, Strategies and Bottom-Up Constraints.
New York: Nova Science, pp. 98-126.
CHAUÍ, M. (2000). Convite à Filosofia. São Paulo: Ed. Ática.
_____. (2002). Introdução à história da filosofia: dos pré-socráticos a
Aristóteles. v.1, 2ª ed.; rev. e ampl. São Paulo Companhia das Letras.
CINTRA, F., (2004). A acessibilidade da pessoa com deficiência no ambiente
educacional. Políticas Públicas de Educação Inclusiva. Fórum Mundial de
Educação. Atividade Auto-Gestionada do Fórum Permanente de Educação
Inclusiva, São Paulo. Instituto Paradigma.
COLE, M.; SCRIBNER, S. (1998). Introdução. In: VYGOTSKY, L. S. A formação
social da mente. Org. Michael Cole, et al. Tradução José Cipolla Neto, Luís
Silveira Menna Barreto, Solange Castro Afeche. 6ª ed. São Paulo: Martins
Fontes, pp. 3-19.
COLE, M., WERTSCH, J.V. (1996). Beyond the individual-social antinomy in
discussions of Piaget and Vygotsky. Human Development, 39, pp. 250-
256.
225
CONDILLAC, E. B., DEGÉRANDO, J. (1989). Textos Escolhidos. Tradução: Luis
Roberto Monzani (et al.). São Paulo: Nova Cultura. Os Pensadores.
CONFREY, J. (1995). Student Voice in Examining ‘splitting’ as and Aproach
to Ratio, Proportion and Fractions. PME 19, V. 1 pp. 3-29. Recife. (esp. pp.
3-14)
CONVENÇÃO SOBRE OS DIREITOS. (2006). Disponível em:
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/714_1.pdf . Acesso em 18 mar
2008. Pp. 1-38.
DESCARTES, R. (1979). Discurso do método: meditações objeções e
respostas às paixões da alma cartas. 2
a
.ed. São Paulo: Abril Cultural, 324
p. (originalmente publicado em Paris, em 1641).
DICK, T. P.; BECKER, K. E. A brief historical overview of tactile and auditory
aids for visually impaired mathematics educators and students.
Disponível em: http://www.rit.edu/~easi/itdv03n1/article2.html
. Acesso em: 06
nov. 2002.
DIDEROT, D. (1979). Textos Escolhidos. Tradução e notas: Marilena de Souza
Chauí, J. Guinsburg. São Paulo: Abril Cultural. Os Pensadores; v.33.
DOUADY, R. (1987). Jeux de cadres et dialectique outil-objet. Recherches ET
didactique dês mathématiques, n
o
7.2, pp. 5-31, La pensée sauvage
Grenoble.
DOUADY, R.; PERRIN–GLORIAN, M.-J. Un processus d´apprentissage du
concept d´aire de surface plane. Educational Studies in Mathematics, n. 20,
pp. 387-424. 1989.
DUARTE, N. (2005). O significado e o sentido. Coleção memória da pedagogia,
n.2: Lev Semenovich Vygotsky: Uma Educação Dialética. Rio de Janeiro:
Ediouro; São Paulo: Segmento Duetto.
226
ESCOLA NORMAL DE SÃO PAULO – EE Caetano de Campos. Disponível em:
http://www.crmariocovas.sp.gov.br/pdf/neh/1825-
1896/1846_Escola_Normal.pdf. Acesso em: 10 fev. 2008.
FERNANDES, S. H. A. A. (2004). Uma análise vygotskiana da apropriação do
conceito de simetria por aprendizes sem acuidade visual. São Paulo. 300
f. Dissertação (Mestrado em Educação Matemática), Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo.
FERNANDES, S H A A; HEALY, L (2007). As concepções de alunos cegos para
os conceitos de área e perímetro. In: IX Encontro Nacional de Educação
Matemática, Belo Horizonte. MG. Anais do IX ENEM. Minas Gerais: SBEM. v.
1.
_____. (2006). Mãos que falam; mãos que vêem. O papel do sistema háptico no
processo de objetificação do conhecimento matemático por alunos cegos. In:
VII REUNIÃO DE DIDÁTICA DA MATEMÁTICA DO CONE SUL, Águas de
Lindóia. VII REUNIÃO DE DIDÁTICA DA MATEMÁTICA DO CONE SUL. São
Paulo : PUC São Paulo, 2006. v. 1
_____. (2004). Sistemas mediadores na construção de significados para simetria
por aprendizes sem acuidade visual. In: 27ª Reunião Anual da ANPEd,
Caxambu. Anais da 27ª Reunião Anual da ANPEd, 2004. v. 1. p. 1-20.
FERRARA, F. (2004-2005). Acting and Interacting With Tools to Understand
Calculus Concepts. Torino. Itália. Tese de doutoramento. UNIVERSI
DEGLI STUDI DI TORINO.
FONTANA, A.; FREY J. H. (2000). From Structured Questions to Negotiated Text.
In: DENZIN, N. K.; LINCOLN, Y. S. (Ed.). Handbook of Qualitative
Research. 2
a
ed. USA: Sage Publications, Inc., pp. 645-672.
FUNDAÇÃO DORINA NOWILL PARA CEGOS. Disponível em:
http://www.fundacaodorina.org.br/br/secoes.asp?cod_secao=1&id_site=br
.
Acesso em: 10 fev. 2008.
227
FURLAN, R.; BOCCHI, J. C. (2003). O corpo como expressão e linguagem em
Merleau-Ponty. ESTUDOS DE PSICOLOGIA. Natal, v. 8, n. 3, pp. 445-450.
GIL, M. (2000). Deficiência visual. Brasília: MEC. Secretaria de Educação a
Distância.
GOLDIN, G. A. (2000). A Scientific Perspective on Structured, Task-Based
Interviews in Mathematics Education Research. In: KELLY, A. E.; LESH, R. A.
(Eds.). Handbook of Research Design in Mathematics and Science
Education. Mahwah: Lawrence Erlbaum Associates, Publishers, pp. 517-546.
GOLDIN-MEADOW, S. (2003). Hearing Gesture: How Our Hands Help Us
Think. USA: Harvard University Press.
GOODWIN, C. (2000a). Action and embodiment within situated human interaction.
Journal of Pragmatics, 32, 2000. pp. 1489-1522.
_____. (2000b). Practices of Seeing: Visual Analysis: An Ethnomethodological
Approach. In: van LEEUWEN, T.; JEWITT, C. (Eds.). Handbook of Visual
Analysis. London: Sage Publications, pp. 157-182.
GREENWOOD, D., LEVIN, M. (2000). Reconstructing the Relationships Between
Universities and Through Action Research. In: DENZIN, Y. LINCOLN (Eds).
Handbook of Qualitative Research. 2
nd
Edition. Thousand Oaks. Califórnia:
Sage Publications Inc., pp 85-106.
GRIFFIN, H.C.; GERBER, P. J. Desenvolvimento Tátil e suas Implicações na
Educação de Crianças Cegas. Tradução de Ilza Viegas. Revisão de Paulo
Felicíssimo e Vera Lúcia de Oliveira Vogel. Disponível em:
http://ibcserver0c.ibc.gov.br/index.php?itemid=101#more
Acesso em: 05 jul
2008.
GUIMARÃES, A. (2003). Inclusão que funciona. NOVA ESCOLA. São Paulo:
Abril, n. 165, set. 2003. pp. 43-47.
HEALY, L.; FERNANDES, S.H.A.A. (2008). The role of gestures in the
mathematical practices of blind learners. In: Proceedings of the Joint
228
Meeting of PME 32 and PME-NA XXX. Morelia, México: Cinvestav-UMSNH,
2008. v. 3. p. 137-144.
_____. (2007). A Inclusão de Aprendizes com Deficiências Visuais nas Aulas
de Matemática: O Caso de Geometria. São Paulo: FAPESP. 60p. Relatório
técnico.
HOBBES, T. (1979). Leviatá. Tradução: João Paulo Monteiro e Maria Beatriz
Nizza da Silva. 2ª ed. São Paulo: Abril Cultural. Os Pensadores; v.10.
(originalmente publicado em Londres, em 1651).
ICEVI – International Council for Education of People with Visual Impairment.
(2008). Disponível em: http://www.icevi.org/ . Acesso em: 17 mar. 2008.
IVERSON, J. M., GOLDIN-MEADOW, S. (1998). Why people gesture when they
speak. London. Macmillan Publishers Ltd. Nature, vol. 396. 19 nov. 1998.
KANT, I. (1991). Crítica da pura razão. Tradução: Valério Rohden e Udo Baldur
Moosburger. 4
a
ed. São Paulo: Nova Cultural. Os Pensadores, v. 17 II.
KITA, S. (2000). How representational gestures help speaking. In: McNEILL, D.
(Ed.). Language and gesture. United Kingdom: Cambridge, pp. 162-185.
LeBARON, C., STREECK, J. (2000). Gestures, knowledge, and the world. In:
McNEILL, D. (Ed.). Language and gesture. United Kingdom: Cambridge, pp.
119-138.
LEIBNIZ, G. W. (1974). A Monadologia. Discurso de Metafísica e Outras
Obras. Tradução: Marilena de Souza Chauí Berlinck (et al.). 1ª ed. São Paulo:
Nova Cultura. Os Pensadores; v.19.
LEONTIEV. A. N. (1977). Activity and Consciousness. Disponível em:
http://www.marxists.org/archive/leontev/works/1977/leon1977.htm. Acesso
em: 4 nov. 2007.
_____. (1978). Activity, Consciousness, and Personality. Disponível em:
http://www.marxists.org/archive/leontev/index.htm. Acesso em: 4 nov. 2007.
229
LOCKE, J. (1991) Ensaio Acerca do Entendimento Humano. Segundo Tratado
sobre o Governo. Tradução: Primeira parte Anoar Aiex; segunda parte E.
Jacy Monteiro. 5ª ed. São Paulo: Nova Cultura. Os Pensadores; v.9.
(publicado originalmente em 1690).
LURIA, A. R. (1992a). Works of Luria. The Child and his Behavior: Primitive
Perception. Disponível em:
http://www.marxists.org/archive/luria/works/1930/child/index.htm. Acesso em:
2 nov. 2007.
_____. (1992b). Works of Luria. The Child and his Behavior: Defectology and
Psychology. Disponível em:
http://www.marxists.org/archive/luria/works/1930/child/index.htm. Acesso em:
2 nov. 2007.
_____. (2006). Vigotskii. In: VIGOTSKII, L.S.; LURIA, A.R.; LEONTIEV, A.N.
Linguagem, desenvolvimento e aprendizagem. Tradução Maria da Penha
Vilalobos. 10
a
ed. São Paulo: Ícone.
MARCHESI, A. (2004). Da linguagem da deficiência às escolas inclusivas. In:
COLL, C.; PALACIOS, J.; MARCHESI, A. (Org). Desenvolvimento
Psicológico e Educação 3: Transtornos de desenvolvimento e necessidades
educativas especiais. Tradução Fátima Murad. 2
a
Ed. Porto Alegre: Artes
Médicas, Cap. 1 e 2.
_____. (1995). Da terminologia do distúrbio às necessidades educacionais
especiais. In: COLL, C.; PALACIOS, J.; MARCHESI, A. (Org.).
Desenvolvimento Psicológico e Educação: Necessidades educativas
especiais e aprendizagem escolar. Tradução Marcos A. G. Domingues. Porto
Alegre: Artes Médicas. v. 3, Cap. 1.
MARTÍN, E.; MARCHESI, A. (1995). Desenvolvimento metacognitivo e problemas
de aprendizagem. In: COLL, C.; PALACIOS, J.; MARCHESI, A. (Org.).
Desenvolvimento Psicológico e Educação: Necessidades educativas
especiais e aprendizagem escolar. Tradução Marcos A. G. Domingues. Porto
Alegre: Artes Médicas. v. 3, Cap. 2.
230
MARTINS, V. Quem necessita de Educação Especial? Disponível em:
http://www.deficienteeficiente.com.br/materia01.htm. Acesso em: 22 set. 2002.
McNEILL, D. (1992). Hand and mind: What gestures reveal about thought.
Chicago: University of Chicago Press.
_____. (2000). Gestures in thought. In: McNEILL, D. (Ed.). Language and
gesture. United Kingdom: Cambridge, p. 139-140.
McNEILL, D., DUNCAN, S. D. (2000). Growth points in thinking-for-speaking. In:
McNEILL, D. (Ed.). Language and gesture. United Kingdom: Cambridge, pp.
141-161.
MERLEAU-PONTY, M. (2006). Fenomenologia da percepção Tradução de
Carlos Alberto Ribeiro de Moura. 3
a
ed. São Paulo: Martins Fontes. (Texto
original publicado em 1945).
NEMIROVSKY, R. (2003). Three conjectures concerning the relationship
between body activity and understanding mathematics. In: PATEMAN,
N.A.; DOUGHERTY, B.J.; ZILLIOX, J.T. (eds.), Proceedings of PME 27, 1,
103-135.
NEMIROVSKY, R.; FERRARA F. (2005). Connecting talk, gestures, and eye
motion for the microanalysis of mathematics learning. In: The 29th
International Conference of the International Group for the Psychology of
Mathematics Education-PME 29, 2005, Melbourne. Proceedings of PME29.
Melbourne: University of Melbourne, 2005. v. 1. p. 138-143.
NEWMAN, D., GRIFFIN, P., COLE, M. (1989). The construction zone: Working
for cognitive change in school. Cambridge: Cambridge University Press.
NUNES, T.; LIGHT, P.; MASON, J. (1993). Tools for thought: the measurement of
length and area. Learning and Instruction, vol 3, 1, pp. 39-54.
OCHAITA, E.; ROSA, A. (1995). Percepção, ação e conhecimento nas crianças
cegas. In: COLL, C.; PALACIOS, J.; MARCHESI, A. (Org.). Desenvolvimento
Psicológico e Educação: Necessidades educativas especiais e
231
aprendizagem escolar. Tradução Marcos A. G. Domingues. Porto Alegre:
Artes Médicas, v. 3, Cap. 12.
O'CONNOR, J. J., ROBERTSON, E. F. (1998). Leonhard Euler's biography. In:
MACTUTOR HISTORY OF MATHEMATICS. Disponível em: http://www-
history.mcs.st-andrews.ac.uk/Biographies/Euler.html. Acesso em: 6 jul. 2008.
_____. (2006). Joseph Antoine Ferdinand Plateau. . In: MACTUTOR HISTORY
OF MATHEMATICS. Disponível em: http://www-history.mcs.st-
andrews.ac.uk/Biographies/Plateau.html. Acesso em: 7 jul. 2008.
OLIVEIRA, M. K. (2002). Vygotsky: Aprendizado e desenvolvimento um
processo sócio-histórico. São Paulo: Scipione, pp. 25 – 40.
_____. (2005). História, consciência e educação. Coleção memória da
pedagogia, n.2: Lev Semenovich Vygotsky: Uma Educação Dialética. Rio de
Janeiro: Ediouro; São Paulo: Segmento Duetto.
OWENS, K.; OUTHRED, L. (2006). The Complexity of Learning Geometry and
Measurement. In: GUTIÉRREZ, A.; BOERO,P. (Eds.). Handbook of
Research on the Psychology of Mathematics Education: Past, Present
and Future. PME 1976 – 2006. Netherlands: Sense Publishers, pp. 83-115.
PAIS, L C. (2000). Uma análise do significado da utilização de recursos
didáticos no ensino da geometria. Anais da 23ª reunião anual da ANPED,
Caxambu.
PAVANELLO, R. M. (2004). Que Geometria pode ser significativa para a vida?
Disponível em: www.tvebrasil.com.br/salto/boletins2004/cm/index.htm. Acesso
em 09 de jan 2006.
POWELL, A.B.; FRANCISCO, J.M.; MAHER, C.A. (2004). Uma abordagem à
análise dos dados de vídeo para investigar o desenvolvimento de idéias
e raciocínios matemáticos de estudantes. Bolema, Ano 17, n. 21, pp. 81 a
140.
232
RADFORD, L., DEMERS, S., GUZMÁN, J., CERULLI, M. (2003). Calculators,
graphs, gestures and the production of meaning. In: N.A. Pateman, B.J.
Dougherty & J.T. Zilliox (Eds.), Proceedings of the 27th Conference of the
International Group for the Psychology of Mathematics Education, 4, 55-62.
Honolulu, Hawai.
RADFORD, L., BARDINI, C., SABENA, C. (2005). Perceptual semiosis and the
microgenesis of algebraic generalizations. Fourth Congress of the
European Society for Research in Mathematics Education (CERME 4), 17 - 21
February 2005, Sant Feliu de Guíxols, Spain.
RADFORD, L., BARDINI, C., SABENA, C., DIALLO, P., SIMBAGOYE, A. (2005).
On embodiment, artifacts, and signs: A semiotic-cultural perspective on
mathematical thinking. In Helen L. Chick, Jill L. Vincent (Eds.), Proceedings
of the 29th Conference of the International Group for the Psychology of
Mathematics Education, University of Melbourne, Australia, Vol. 4, pp. 113-
120.
RADFORD, L. (1998). On Culture and Mind, a post-Vygotskian Semiotic
Perspective,with an Example from Greek Mathematical Thought, paper
presented atthe 23rd Annual Meeting of the Semiotic Society of
America,Victoria College, University of Toronto, October 15-18.
_____. (2003). Gestures, speech, and the sprouting of signs. Mathematical
Thinking and Learning. Lawrence Erlbaum Associates, Inc. 5(1), 37-70.
_____. (2004). La généralisation mathématique comme processus
sémiotique. In: ARRIGO, G. (ed.), Atti del Convegno di didattica della
matematica 2004, Alta Scuola Pedagogica. Locarno: Suisse, pp. 11-27.
_____. (2004a). Semiótica Cultural Y Cognición. Conferencia plenaria dada en
la Decimoctava Reunión Latinoamericana de Matemática Educativa.
Universidad Autónoma de Chiapas, Tuxtla Gutiérrez, México, Julio 2004.
_____. (2005a). Why do gestures matter? Gestures as semiotic means of
Objectification. In: CHICK, H.L.; VINCENT, J.L. (Eds.), Proceedings of the
233
29th Conference of the International Group for the Psychology of Mathematics
Education, University of Melbourne, Australia, Vol. 1, pp. 143-149.
_____. (2005b). Body, Tool, and Symbol: Semiotic Reflections on Cognition.
In: SIMMT, E.; DAVIS, B. (Eds.), Proceedings of the 2004 Annual Meeting of
the Canadian Mathematics Education Study Group, pp. 111-117.
_____. (2006). Elementos de una teoría cultural de la objetivación. Relime –
Revista Latinoamericana de Investigación en Matemática Educativa,
Publicación Oficial de Investigación del Comité Latinoamericano de
Matemática Educativa. Número Especial, pp. 103-129.
REID, T. (1997). An Inquiry into the Human Mind on the Principles of
Common Sense. DEREK R. BROOKES (Ed.). University Park: Pennsylvania
State University Press.
RENSHAW, P. (1996). A Sociocultural View of the Mathematics Education of
Young Children. In: MANSFIELD, H.; PATEMAN, N. A.; BEDNARZ, N. (Eds.)
Mathematics for tomorrow’s young children. Netherlands: Kluwer
Academic Publishers, pp. 59-78.
RISKIN, J. (2002). Science in the Age of Sensibility: the Sentimental
Empiricists of the French Enlightenment. Chicago: University of Chicago
Press.
ROTH, W. M. (2001). Gestures: Their role in teaching and learning. Review of
Educational Research. American Educational Research Association. Vol 71,
No. 3, pp. 365-392.
ROUSSEAU, J. J. (1754). Discurso sobre a origem da desigualdade.
Tradução: Maria Lacerda de Moura. Versão para eBook: eBooksBrasil.com.
Ed.: Ridendo Castigat Mores. Disponível em:
http://www.ebooksbrasil.org/adobeebook/desigualdade.pdf. Acesso em: 15
dez 2007.
234
235
SOUZA, J. C. (Org.) (2005). Os Pré-Socráticos: Fragmentos, Doxografia e
Comentários. Tradução: José Cavalcante de Souza (et al.). São Paulo: Nova
Cultura, Os Pensadores; v.39.
SOUZA, L. I. G. (2004) O Redesign da Informação no Processamento da
Imagem. Florianópolis. Tese (Doutorado em Engenharia de Produção),
Universidade Federal de Santa Catarina. Disponível em:
http://teses.eps.ufsc.br/defesa/pdf/1603.pdf. Acesso em: 24 fev. 2008.
VEER, R.; van der; VALSINER, J. (1996). Vygotsky - Uma síntese. Tradução de:
Cecília C. Bartalotti. 4. ed. São Paulo: Loyola.
VYGOTSKY, L. S. (1987).The collected works of L. S. Vygotsky. Problems of
general psychology. RIEBER, R.; CARTON, A., (Eds.). Translation of:
Sobraine Sochinenii. New York: Plenum, v.1.
_____. (1997). Obras escogidas V – Fundamentos da defectología.
Traducción: Julio Guillermo Blank. Madrid: Visor. (coletânea de artigos
publicados originalmente em russo entre os anos de 1924 a 1934).
_____. (1998a). A formação social da mente. Org. Michael Cole, et al. Tradução
José Cipolla Neto, Luís Silveira Menna Barreto, Solange Castro Afeche. 6ª ed.
São Paulo: Martins Fontes, (coletânea de ensaios publicados originalmente
em russo entre os anos de 1930 a 1935).
_____. (1998b). Pensamento e linguagem. Tradução Jefferson Luiz Camargo. 2ª
ed. São Paulo: Martins Fontes. (originalmente publicado em russo, em 1934).
_____. (2001). A construção do pensamento e da linguagem. São Paulo:
Martins Fontes, Cap. 5 e 6.
APÊNDICE
DESCRIÇÃO DAS FERRAMENTAS MATERIAIS
APÊNDICE A
PRANCHA PARA O ESTUDO DE ÁREA E PERÍMETRO
MATERIAL
Prancha de madeira 25 cm x 25 cm.
Placa de E.V.A. 25 cm x 25 cm.
A ferramenta material representada destinou-se ao estudo inicial da área e
do perímetro de quadriláteros. Estruturada sobre uma prancha de madeira
quadrada, recoberta por uma placa de E.V.A., na qual foram recortados dois
quadrados cujas medidas dos lados são 4 cm e 8 cm respectivamente; e dois
retângulos cujas dimensões são 8 cm por 3 cm e 5 cm por 12 cm. Nas atividades
que envolveram medições, essas foram realizadas com cubos de madeira com
arestas de medidas 1 cm. A percepção tátil da depressão oferecida pela placa de
E.V.A. é familiar para os cegos e favorece os procedimentos de medições com os
cubos de madeira.
APÊNDICE B
PRANCHA PARA O ESTUDO DA ÁREA DO TRIÂNGULO
MATERIAL
Prancha de madeira 30 cm x 30 cm.
Placa de E.V.A. 30 cm x 30 cm.
Esta ferramenta material destinou-se ao estudo da área de um triângulo.
Nossa proposta consistia oferecer aos sujeitos a oportunidade de atribuir
significado matemático para a fórmula da área de um triângulo que eles
apresentavam de forma decorada. Para tanto, trabalhamos inicialmente com os
triângulos retângulos constituídos a partir da ocultação de metade da área das
duas figuras maiores (quadrado e retângulo) representadas na ferramenta
apresentada anteriormente. Os procedimentos de medição também foram
realizados com os cubos de madeira.
APÊNDICE C
ÁREA E PERÍMETRO DE POLÍGONOS
Nas atividades que envolviam a determinação do perímetro e da área de
polígonos quaisquer procurávamos favorecer a estratégia de
decomposição/composição das figuras. Nossa opção foi construir os polígonos
em papel canson, já que este tipo de material permite sucessivas dobraduras sem
a deformação das figuras. As dimensões das figuras também são fundamentais
para a percepção tátil global das formas geométricas.
DIMENSÕES
1
2
3
4
5
6
7
8
9 10
11 12
13 14
15
16
17
Figura 1: Quadrado – 7cm.
Figura 2: Retângulo – 7 cm e 5 cm.
Figura 3: Triângulo retângulo – 5 cm, 12 cm e 13 cm.
Figura 4: Triângulo eqüilátero – 8 cm.
Figura 5: Triângulo isósceles – altura: 10 cm e base: 8 cm.
Figura 6: Triângulo escaleno – altura: 6 cm e base: 13 cm.
Figura 7: Paralelogramo – altura: 7 cm e base: 12 cm.
Figura 8: Losango – diagonal maior: 10 cm e diagonal menor: 6 cm.
Figura 9: Quadrilátero qualquer (“pipa”) – diagonal menor de 8 cm com
ponto médio interceptando perpendicularmente a diagonal maior, dividindo-a em 3
cm e 7 cm respectivamente.
Figura 10: Trapézio retângulo – base maior: 9 cm, base menor: 6 cm e
altura 4 cm.
Figura 11: Hexágono qualquer – 7 cm, 9 cm, 4 cm, 4 cm, 3 cm e 5 cm.
Figura 12: Pentágono qualquer – 6 cm, 9 cm, 5 cm, 2 cm e 6 cm.
Figura 13: Octógono qualquer – 9 cm, 9 cm, 3 cm, 3 cm, 3 cm, 3 cm, 3 cm e
3 cm.
Figura 14: Hexágono qualquer – 3 cm, 5 cm, 10 cm, 3 cm, 5 cm e 10 cm.
Figura 15: Pentágono qualquer – 10 cm, 5 cm, 12 cm, 5 cm e 10 cm.
Figura 16: Hexágono qualquer – 7 cm, 16 cm, 7 cm, 8 cm, 8 cm e 8 cm.
Figura 17: Triângulo qualquer – 15 cm, 19 cm e 7 cm.
APÊNDICE D
ESTUDO DO VOLUME AS EMBALAGENS
Nesta tese apresentamos as atividades desenvolvidas com o cubo e com o
paralelogramo planificados. Ambas as figuras foram construídas com cartolina, e
suas arestas vincadas para facilitar a montagem dos sólidos.
DIMENSÕES
Cubo: arestas 7 cm
Paralelogramo: arestas da base 6 cm e altura 17 cm.
ANEXOS
ANEXO 1
NÚMEROS DA EDUCAÇÃO ESPECIAL NO BRASIL
PERÍODO DE 1998 A 2006
ANEXO 2
DISTRIBUIÇÃO DE MATRÍCULAS POR TIPO DE NECESSIDADE
EDUCACIONAL ESPECIAL
ANEXO 3
PERFIL DOS ALUNOS PARTICIPANTES
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
Centro das Ciências Exatas e Tecnologia
Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação Matemática
Rua Marquês de Paranaguá, 111 - Consolação - SP - CEP. 01303-050 - tel. (0--11) 3256.1622 - fax. (0--11) 3159.0189
http://www.pucsp.br/~pgedmat e-mail: [email protected]
Projeto: A Inclusão de Aprendizes com Deficiências Visuais nas Aulas de
Matemática: O caso da Geometria
Financiamento: FAPESP – Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo
Perfil dos alunos participantes
1. Nome_______________________________________________________
2. Endereço ____________________________________________________
3. Telefone ____________________ idade ____________série___________
4. Portador de: ( ) Baixa visão: grau __
( ) Cegueira: ( ) congênita ( ) adquirida
5. Utiliza: ( ) Braille ( ) tipos ampliados
6. Patologia:_____________________________________________________
7. Trajetória escolar:
_________________________________________________________________
_________________________________________________________________
_________________________________________________________________
8. Tem outras atividades fora da escola? ( ) Sim ( ) Não
Quais: ______________________________________________________
9. Como vem para a escola: ________________________________________
10. Quanto tempo leva: ____________________________________________
11. Por que escolheu o Caetano de Campos?
_________________________________________________________________
_________________________________________________________________
12. Disciplinas preferidas:
_______________________________________________________________
13. Disciplinas em que tem maior dificuldade:
_______________________________________________________________
14. Pretender continuar os estudos? ( ) Sim ( ) Não
Qual a carreira pretendida? _________________________________________
ANEXO 4
ROTEIRO DAS ENTREVISTAS
ENTREVISTA DA PROFESSORA DA SALA DE RECURSOS
1. Nome completo, idade e profissão.
2. Qual a sua formação?
3. O seu trabalho com Educação sempre esteve associado a
necessidades especiais? Quanto tempo trabalha com deficientes visuais? Sempre
em salas de recursos? Há quanto tempo você trabalha em salas de recursos?
4. Como aconteceu esse interesse em trabalhar com deficientes visuais.
5. Além da EE Caetano de Campos que é uma escola tradicionalmente
inclusiva, você trabalha em outra instituição particular que atende somente
deficientes visuais – Instituto para Cegos Padre Chico – que é uma escola que
trabalha desde a alfabetização em Braille até o Ensino Fundamental. Você
poderia destacar as principais diferenças entre elas?
6. Que tipo de apoio você recebe do CAP (Centro de Apoio Pedagógico)
do Governo do Estado?
7. Existe alguma possibilidade do aluno deficiente visual carente
conseguir o material como doação?
8. Como é que você requisita material para sala de recursos? E as
solicitações são prontamente atendidas? Quanto tempo demora em média.
9. Você tem na sala de recursos 3 computadores, como eles chegaram
aqui? E eles já estavam prontos para serem usados por deficientes visuais?
10. E como é feita a requisição de livros didáticos em Braille?
11. Você recebe material de apoio para o trabalho com deficientes visuais
mesmo sem requisitá-los? E quando esses materiais chegam você recebe algum
treinamento para trabalhar com eles?
12. O que você sabe sobre a história da EE Caetano de Campos em
relação a Educação Inclusiva?
13. Os professores normalmente têm um programa a seguir em cada série,
preenchem os diários de classe, têm reuniões nas quais devem reportar-se a
direção ou coordenação da escola, reuniões com pais e devem apresentar os
resultados obtidos pelos alunos bimestralmente. Quem orienta o seu trabalho? A
quem você responde?
14. Qual o seu horário de trabalho?
15. Como é feito o atendimento aos alunos? Você atende os alunos da
manhã e da tarde no período vespertino, e os deficientes visuais que estudam no
noturno e trabalham durante o dia? Esta é uma situação comum nas escolas
inclusivas?
16. O que você destaca como “maiores dificuldades” no seu trabalho? E
como “mais gratificante”?
17. Como os deficientes visuais chegam a EE Caetano de Campos?
18. E no Instituto para Cegos Padre Chico como é feito à seleção dos
alunos?
19. Você tem alunos do Ensino Fundamental na EE Caetano de Campos?
Quantos? O maior número de alunos deficientes visuais da EE Caetano de
Campos estão matriculados no Ensino Médio, a que você atribui esta diferença?
20. Você já esteve envolvida em outros projetos financiados pelo Governo?
Quais?
ENTREVISTA DOS PROFESSORES
1. Nome completo, idade e profissão.
2. Qual a sua formação?
3. Há quanto tempo você trabalha na área de Educação? Sempre em
Escolas Públicas?
4. Além de professor você tem outra atividade na escola? E qual o seu
papel?
5. Além da EE Caetano de Campos você trabalha em outra escola? E lá
você também tem alunos com necessidades especiais?
6. Qual o seu horário de trabalho na EE Caetano de Campos?
7. Você considera que sua formação acadêmica lhe capacitou para o
trabalho com as necessidades especiais?
8. Você já fez cursos de capacitação oferecidos pelo Governo do Estado?
Quais?
9. Em algum desses cursos você recebeu treinamento específico para
trabalhar com alunos portadores de necessidades educacionais especiais?
10. Você já teve necessidade de requisitar material específico para
trabalhar algum conteúdo com alunos deficientes visuais? E as solicitações são
prontamente atendidas? Quanto tempo demora em média.
11. A EE Caetano de Campos tem laboratório de informática. Você
costuma usar o laboratório para trabalhar com os alunos? Que tipo de trabalho? E
os deficientes visuais como participam dessas aulas?
12. Durante suas aulas você usa livro didático. Seus alunos deficientes
visuais têm livros didáticos? E como trabalham os deficientes visuais que não
livros didáticos em Braille ou na versão ampliada?
13. Você acredita que os seus alunos deficientes visuais atingem os
mesmos objetivos que os videntes nos conteúdos que você trabalha?
14. Que tipo de material você já usou ou adaptou para trabalhar com seus
alunos deficientes visuais?
15. Os pais de seus alunos deficientes visuais são freqüentes, participam
de reuniões, vem à escola quando chamados?
16. Você faz atendimento individual para os alunos deficientes visuais?
17. E os colegas de classe, se preocupam em ajudar os colegas com
necessidades educacionais especiais?
18. Você acredita que o trabalho que é feito na escola é realmente um
trabalho de inclusão? Se não o que você acredita que é preciso para chegar lá?
19. Em que classes sociais se enquadram seus alunos deficientes visuais?
20. Você sabe se algum aluno deficiente visual continuou estudando
depois do 3º ano do Ensino Médio?
21. O que você destaca como “maiores dificuldades” no seu trabalho? E
como “mais gratificante”?
22. Você já esteve envolvido em outros projetos financiados pelo Governo?
Quais?
ENTREVISTA DA ASSISTENTE DE DIREÇÃO
1. Nome completo, idade e profissão.
2. Qual a sua formação?
3. Há quanto tempo você trabalha na área de Educação? Sempre em
Escolas Públicas?
4. Além de trabalhar na direção da EE Caetano de Campos você exerce a
função de professora? Já exerceu? E você trabalhou com alunos com
necessidades educacionais especiais?
5. Qual o seu horário de trabalho na EE Caetano de Campos?
6. Você considera que sua formação acadêmica lhe capacitou para o
trabalho com as necessidades educacionais especiais?
7. Você já fez cursos de capacitação oferecidos pelo Governo do Estado?
Quais?
8. Em algum desses cursos você recebeu treinamento específico para
trabalhar com alunos portadores de necessidades educacionais especiais?
9. Quem é responsável pela requisição de material didático para os
alunos? E para os alunos deficientes visuais? Você já teve necessidade de
requisitar material específico para trabalhar algum conteúdo com alunos
deficientes visuais? E as solicitações são prontamente atendidas? Quanto tempo
demora em média?
10. Você tem conhecimento de quais escolas trabalham com deficientes
visuais, ou seja, quais têm sala de recursos?
11. Como os alunos sem acuidade visual descobrem quais escolas têm
sala de recursos?
12. Vocês fazem um levantamento de onde estudavam os alunos que
chegam a EE Caetano de Campos? E sobre o histórico deles? Por exemplo, de
como e quando perderam a visão, do nível de alfabetização em Braille...
13. Se o aluno chega a EE Caetano de Campos sem estar alfabetizado em
Braille, vocês têm um programa de alfabetização?
14. Os pais de seus alunos deficientes visuais são freqüentes, participam
de reuniões, vem à escola quando chamados? A relação família-escola com os
alunos deficientes visuais é diferente da relação família-escola com os alunos
videntes?
15. Em comparação com os alunos videntes os alunos deficientes visuais
moram próximos da escola?
16. Há auxilio do Estado para os alunos deficientes visuais chegarem à
escola? E para os videntes?
17. Você acredita que o trabalho que é feito na escola é realmente um
trabalho de inclusão? Se não o que você acredita que é preciso para chegar lá?
18. Você acredita que os alunos deficientes visuais atingem os mesmos
objetivos que os videntes?
19. Quais benefícios você acha que os alunos deficientes visuais têm
estando na EE Caetano de Campos ou invés de numa escola especial?
20. E os alunos videntes que benefícios têm com a inclusão?
21. O que você destaca como “maiores dificuldades” no seu trabalho? E
como “mais gratificante”?
22. Você já esteve envolvido em outros projetos financiados pelo Governo?
Quais?
ANEXO 5
AUTORIZAÇÕES
ANEXO 5 A
AUTORIZAÇÕES DOS ALUNOS PARTICIPANTES
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
Centro das Ciências Exatas e Tecnologia
Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação Matemática
Rua Marquês de Paranaguá, 111 - Consolação - SP - cep. 01303-050 - tel. (0--11) 3256.1622 - fax. (0--11) 3159.0189
http://www.pucsp.br/~pgedmat e-mail: [email protected]
Projeto: A Inclusão de Aprendizes com Deficiências Visuais nas Aulas de
Matemática: O caso da Geometria
Financiamento: FAPESP – Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo
Autorização de participação
Eu, _____________________________________________, autorizo meu
filho _________________________________________ regularmente matriculado
na Escola Estadual Caetano de Campos na _______ série do Ensino Médio, a
participar do projeto de pesquisa acima citado nos dias e horários discriminados
abaixo. Declaro que estou ciente de que sua identidade será preservada em todo
e qualquer material escrito ou videográfico que for produzido.
Freqüência: __________________________________
Horário: __________________________________
São Paulo, de de 2005.
________________________________________
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
Centro das Ciências Exatas e Tecnologia
Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação Matemática
Rua Marquês de Paranaguá, 111 - Consolação - SP - cep. 01303-050 - tel. (0--11) 3256.1622 - fax. (0--11) 3159.0189
http://www.pucsp.br/~pgedmat e-mail: [email protected]
Projeto: A Inclusão de Aprendizes com Deficiências Visuais nas
Aulas de Matemática: O caso da Geometria
Financiamento: FAPESP – Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São
Paulo
TERMO DE COMPROMISSO
O presente termo tem como objetivo esclarecer os procedimentos de nossa
pesquisa, principalmente os relativos à utilização dos dados coletados.
O material coletado – atividades realizadas, gravações em áudio e em vídeo,
transcrições, registros escritos – servirá de base para análises que procuram entender
melhor o processo de aprendizagem matemática por alunos com deficiência visual. O
acesso aos registros em vídeo será exclusivo do grupo de pesquisa e só poderá ser
apresentado com a autorização dos participantes. Nas transcrições e registros escritos os
mesmos terão seus nomes substituídos por pseudônimos preservando a identidade dos
sujeitos. No material escrito produzido a partir dos dados coletados durante a realização
da pesquisa não será feita menção à Instituição onde a mesma realizou-se para que seja
preservada a identidade do grupo.
As informações provenientes das análises do material coletado poderão ainda ser
utilizadas pelos pesquisadores em publicações e eventos científicos.
São Paulo, de de 2006.
________________________________________
Siobhan Victória Healy – Coordenadora do Projeto
_______________________________
Solange Hassan Ahmad Ali Fernandes
_______________________________
Sujeito da Pesquisa
ANEXO 5 B
AUTORIZAÇÃO DOS PROFESSORES PARTICIPANTES
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
Centro das Ciências Exatas e Tecnologia
Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação Matemática
Rua Marquês de Paranaguá, 111 - Consolação - SP - cep. 01303-050 - tel. (0--11) 3256.1622 - fax. (0--11) 3159.0189
http://www.pucsp.br/~pgedmat e-mail: [email protected]
Projeto: A Inclusão de Aprendizes com Deficiências Visuais nas Aulas de
Matemática: O caso da Geometria
Financiamento: FAPESP – Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo
TERMO DE COMPROMISSO
O presente termo tem como objetivo esclarecer os procedimentos de nossa
pesquisa, principalmente os relativos à utilização dos dados coletados.
O material coletado – atividades realizadas, gravações em áudio e em
vídeo, transcrições, registros escritos – servirá de base para análises que
procuram entender melhor o processo de aprendizagem matemática por alunos
com deficiência visual. O acesso aos registros em vídeo será exclusivo do grupo
de pesquisa e só poderá ser apresentado com a autorização dos participantes.
Nas transcrições e registros escritos os mesmos terão seus nomes substituídos
por pseudônimos preservando a identidade dos sujeitos.
As informações provenientes das análises do material coletado poderão
ainda ser utilizadas pelos pesquisadores em publicações e eventos científicos.
São Paulo, 23 de março de 2006.
________________________________________
Siobhan Victória Healy – Coordenadora do Projeto
_______________________________
Solange Hassan Ahmad Ali Fernandes
_______________________________
Assinatura do professor participante
ANEXO 5 C
AUTORIZAÇÃO DA ESCOLA
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
Centro das Ciências Exatas e Tecnologia
Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação Matemática
Rua Marquês de Paranaguá, 111 - Consolação - SP - cep. 01303-050 - tel. (0--11) 3256.1622 - fax. (0--11) 3159.0189
http://www.pucsp.br/~pgedmat e-mail: [email protected]
Projeto: A Inclusão de Aprendizes com Deficiências Visuais nas Aulas
Matemática: O caso da Geometria
Financiamento: FAPESP – Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo
Ilmo. Sr. Donizete Hernandes Leme,
Diretor da E. E. Caetano de Campos
Ref.: Solicitação de deferimento dos procedimentos do projeto supra citado
O presente documento tem por objetivo dar ciência e solicitar autorização para os
procedimentos relativos ao projeto de pesquisa supra citado que está sendo desenvolvido com a
colaboração da comunidade da E. E. Caetano de Campos, principalmente ao que se refere à
coleta e utilização de dados.
A coleta de dados se dará por meio de entrevistas, gravações em áudio e vídeo,
observações em sala de aula, atividades realizadas e registros escritos. Para tanto, sempre que
necessário, nos comprometemos a solicitar autorização dos participantes ou responsáveis no caso
desses serem menores de idade.
O material coletado servirá de base para análises que procuram entender melhor o
processo de aprendizagem matemática por alunos com deficiência visual. O acesso aos registros
em vídeo será exclusivo do grupo de pesquisa e só poderá ser apresentado com a autorização e
concordância dos participantes. Nas transcrições e registros escritos os mesmos terão seus
nomes substituídos por pseudônimos preservando a identidade dos sujeitos.
As informações provenientes das análises do material coletado poderão ainda ser
utilizadas pelos pesquisadores em publicações e eventos científicos.
São Paulo, 19 de dezembro de 2005.
_________________________________________
Siobhan Victória Healy – Coordenadora do Projeto
____________________________________________
Solange Hassan Ahmad Ali Fernandes – Pesquisadora
____________________________________________________
Donizete Hernandes Leme – Diretor da E. E. Caetano de Campos
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo