Embora não fosse preparado por nenhum gourmet, há que se considerar
que o quadro alimentício
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não seria dispensado por alguém em condições de
desemprego, faminto e sem perspectivas. Além disso, a Liga não queria contrariar
seu ideário sequer no plano alimentar, o que significava que todo o planejamento
nutricionista era orientado por concepções eugênicas, segundo as quais a
alimentação interferia no desenvolvimento racial. A orientação era clara: “[...]
seleccionar os alimentos que tonifiquem e acalmem, eis um objectivo que
concorrerá para que se aperfeiçôe a raça” (LOPES, 1929, p. 35). Preservar esses
princípios no hospício custava caro, principalmente num país de famintos.
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Esses eram os gastos que, a exemplo dos Estados Unidos, os membros da
Liga queriam evitar no Brasil. Daí a importância dos testes como critério definidor
daqueles que iriam trabalhar e daqueles que, desclassificados, retornariam a seu
país. Portanto, o que os higienistas queriam evitar era o ingresso no país destes
imigrantes que, em última instância, no caso dos “indesejáveis”, estavam mais
próximos dos hospícios que do trabalho.
O maior problema, entretanto, residia no fato de que esses “indesejáveis”
tomassem conta das ruas, aderindo ao processo de luta que desnudava a crise
em que o país vivia. O discurso eugênico por trás dos testes não era mais que um
arremedo ideológico dos países imperialistas, que, por sua superioridade
econômica, imaginavam-se também superiores como raça. A incongruência
ideológica da Liga residia no fato de que, no Brasil, essa “raça superior” não
encontrava justificativa econômica como país dependente e “inferior” aos países
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No “Hospital Colonia de Psychopathas”, por exemplo, o regime alimentar era o seguinte: “[...] às
6 horas da manhã – café (infuso de 100 grs.) com 20 grs. de assucar, 1 pão de 85 grs. de
manteiga com sal. Ás 10 ½ horas – almoço, consistente em 330 grs. de arroz, 350 grs. de carne de
vacca ensopada com 90 grs. de batatas; sobremesa de 2 bananas prata. Ás 13 horas – merenda
de mate com 20 grs. de assucar, 1 pão de 85 grs. e 8 grs. de manteiga com sal. Ás 16 horas –
jantar constante de 200 grs. de feijão preto, com 20 grs. de farinha de mandioca, 150 grs. de arroz,
100,0 de carne ensopada, 2 grs. de banha” (LOPES, 1934, p. 304).
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Basbaum (1986, p. 162), conta que, no Brasil, no início do século XX, a “[...] produção alimentar
comercializada não é partilhada entre os 50 milhões de indivíduos, mas entre 25 ou 30” (p. 162).
Na década de 40, a população brasileira consumia cerca de 2.300 calorias, “[...] bem menos que
para o Egito” (BASBAUM, 1986, p. 162). No Hospital Colônia, como ressaltou Lopes (1934, p.
305), o número “[...] attinge um total de 2.458 calorias”.