Download PDF
ads:
MATO GROSSO
INSTITUTO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: EDUCAÇÃO, CULTURA E SOCIEDADE
LINHA DE PESQUISA: MOVIMENTOS SOCIAIS, POLÍTICA E EDUCAÇÃO POPULAR
A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL QUE NÃO ACONTECEU EM MATO
GROSSO (1995 – 2002)
AIDÊ FÁTIMA DE CAMPOS CAETANO
Cuiabá-MT
2005
ads:
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO
INSTITUTO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL QUE NÃO ACONTECEU EM MATO
GROSSO (1995 – 2002)
AIDÊ FÁTIMA DE CAMPOS CAETANO
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em
Educação do Instituto de Educação da Universidade Federal de
Mato Grosso, sob a orientação do Prof. Dr. Antonio Carlos
Maximo, na área de concentração Educação, Cultura e
Sociedade e na Linha de Pesquisa Movimentos Sociais, Política
e Educação Popular, como requisito para obtenção do título de
mestre.
Cuiabá-MT
2005
ads:
C 128 e Caetano, Aidê Fátima de Campos
A educação profissional que não aconteceu em Mato Grosso
(1995 – 2002)/ Aidê Fátima de Campos Caetano. -- Cuiabá: UFMT/
IE, 2005. 159 p.:il
Dissertação apresentada ao programa de Pós-Graduação em
Educação do Instituto de Educação da Universidade Federal de
Mato Grosso, como parte dos requisitos para obtenção do título de
mestre em Educação, Área de concentração, Educação, Cultura e
Sociedade, e na linha de Pesquisa Movimentos Sociais, Política e...
Bibliografia: p. 149 – 159
CDU – 377.014.3(817.2)
Índice para catálogo sistemático
1. Educação
2. Trabalho
3. Educação Profissional
4. SEDUC – MT
DEDICATÓRIA
À meus filhos Lauro, Paolla e Aline, as razões pelas
quais renovo minha esperança na possibilidade de
lutar por uma educação de qualidade para todos.
À meu pai Antonio João, velho guerreiro e
exemplo de que é possível vencer.
Às mulheres, mãe Eurídice e irmã Therezinha,
que sempre me incentivaram e estiveram
presentes (in memorian).
AGRADECIMENTOS
Não se constituiu tarefa muito fácil escrever sobre o próprio tempo de vida
profissional, ou melhor, foi um grande desafio. E isso só foi possível graças à contribuição de
várias pessoas. Agradeço, sinceramente a todos, e de modo muito especial aos:
Prof. Dr. Antonio Carlos Máximo, pela sua orientação e crítica;
Fátima Mattos, Clotildes, Marilza, Luciene, Maria Auxiliadora, Maria Silvia, Sueli
Cavalcanti e Dirce (in memorian), colegas da Seduc;
Marilza Brescovisci, Abimael, Andréa, Cássia, Cândida, Cleusa Bernardete (Bê)
Danusa, Débora, Edna, Edmara, Francisca Novantino (Chiquinha), Ivonete, Ivone, Maria de
Fátima, Marcia Pasuch (Marcinha), Maricélia, Maria Ubaldina (Marilu), Nara, Nádia, Olga,
Olinda, Paulo, Regisnei, Ramos Deogaris, Ulisses, Vilma, colegas e amigos da longa jornada
de estudos no mestrado, meu afeto;
Drª Acácia Zeneida Kuenzer, Drª Artemis Torres e Dr Manoel Motta pelo zelo ao
examinar o texto, comentar e apresentar valiosas sugestões, as quais nem sempre tive
competência de aproveitá-las;
Sônia da comissão de licença para qualificação da Seduc;
Abimael, Julice, Jocimar e Margarida pela leitura e correção do texto;
E aos meus irmãos Maria, Antonio, José Gonçalo, Manoel, Francisco e Jocimar, pelo
carinho e paciência.
Assim, todos, continuaram a sua vida
cotidiana, cada um a seu modo, com ou
sem reflexão; tudo parecia seguir o seu
rumo habitual, como em situações
extremas, nas quais tudo está em jogo,
e a vida continua como se nada
acontecesse.
Goethe ( Afinidades Eletivas)
RESUMO
O presente estudo procurou localizar nas formulações políticas do período de 1995-
2002 os condicionantes que determinaram o vazio de práticas de educação profissional no
sistema estadual de ensino de Mato Grosso. Em dezembro de 1995, a Secretaria de Educação
–Seduc suspendeu a oferta da educação profissional em nível médio e, apesar de, nesse
interregno, ter elaborado projetos que resultaram nos convênios com o Ministério da
Educação MEC para a reforma da educação profissional, não foi possível verificar a oferta
desse vel de ensino no sistema. Para compreender o problema partiu-se de uma reflexão
acerca da trajetória histórica das categorias educação e trabalho, num aspecto mais global, e
da forma que assumem, no modo de produção capitalista, no caráter parcelar do trabalho, que
separa a concepção da ação e influencia nas definições políticas. Educação e trabalho
constituem-se categorias que se baseiam nas relações sociais, dadas pela base material de
produção e, por conta disso, estão sujeitas a conflitos e jogos de interesses. Assim, tendem a
seguir as determinações dominantes, apesar das resistências, propostas alternativas e pressões
da classe trabalhadora. Outras reflexões mais específicas referiram-se ao modo de governar
pluripartidário, no período em questão, marcado pela complexa aliança entre diversos
partidos, à realidade socioeconômica do Estado e às implicações no processo de definição de
políticas educacionais. Particularmente no que refere às formulações para a educação
profissional em nível médio, identificou-se uma tensão entre duas tendências: uma
progressista, de orientação teórica socialista e outra conservadora, de matriz neoliberal, que
velava a luta entre um projeto de educação do ponto de vista da classe trabalhadora e outro,
do capital. Tratava-se de um ponto de clivagem entre, por um lado, a defesa de uma educação
que assegurasse meios para a integração ao mundo do trabalho produtivo, tomando-se o
conceito de trabalho compreendido como práxis e fonte criadora da existência humana,
educação essa que fosse contemplada no currículo e, por outro lado, os projetos técnicos
carregados de influências ideológicas da reforma propalada pelo governo federal, centrada na
formação estreita para o mercado. Essa problemática, na verdade, expressava uma relação
velada entre a Seduc, que tencionava receber recursos financeiros externos e o MEC, que
dispunha de meios para proporcionar ao Estado a implementação de suas políticas via projetos
financeiros, mas condicionava-os à adesão aos princípios do Decreto 2.208/97, que
desarticulava os estudos propedêuticos e profissionais. Isso aconteceu num contexto interno
de relações políticas instáveis, expressas nas seis trocas de secretários e na rotatividade de
técnicos nas equipes da Secretaria. Foi possível verificar-se que as diretrizes para o ensino
médio, que a princípio se apresentavam inovadoras, resultaram na perspectiva liberal de
unificação curricular através da proposta de conteúdos gerais abstratos e na ruptura com a
possibilidade de articular estes com os conhecimentos técnicos, inclusive porque a educação
profissional foi transferida, no final de 2002, para a Secretaria de Estado de Ciência,
Tecnologia e Educação Superior.
Palavras-chave: educação, educação profissional, trabalho, Seduc.
ABSTRACT
The present study tried to locate in the political formulations of the government, the
conditional mood that would give form to the empty of professional education practices in the
state system of education, seen that the Education State Office of the Secretary suspended the
offering of professional education in medium level in state schools in December of 1995, and
in the interregnum of seven years elaborated eleven projects that resulted convenant with
Ministry of Education- MEC, for the construction of eight Publics Centers of Professional
Formation and physical reform and curricular of 24 schools of the Medium Education. For
comprehension of the problem left of a reflection about the historical path of the categories
education and work, in a more global character, and the form that assume in the capitalist
output way transversally of the character parcelar of the work that separates conception of the
action and blasts in the political practices, have sight that the element while State that
compose the superstructure would not be able to alter. Education and Work constitute
historical categories that itself in given social relations by the output stuff base, and, in view
of, are you subject to the conflicts and games of interests. Therefore, always intended for the
determined trials by the demands of output of the elites dominant, despite of the resistances,
alternative proposals and pressures of the subordinate class. Had an another one more specific
reflection regarding the way of govern pluralistic marked by the complex alliance between
broken heterogeneous, the socio-economic reality of the State of Mato Grosso and the
implicações in the educational politics definition trial. Privately, in what refers the
formulations for professional education in medium level, identified herself a tension between
two tendencies: a progressive one, of theoretical orientation socialist and another one
conservative, of liberal matrix that watched fights between a project of education of the point
of sight of the industrious class and another of the capital. Treated of a point of break up
between a political directive that sought to exceed the mere model of professional instruction
route the basic education of quality, that assured meanses for the integration to the world of
the productive work that took the concept of work as axis of curriculum understood like
praxis and creative spring of the human existence, and the elaborate projects by the
technicians of the Seduc, that expressed of the scientific loaded one of ideological influences
of the reform publish for the Federal Government centered in the formation, narrow for the
market. In fact treated of a relation watched between Seduc, that intended to receive external
financial resorts and the MEC that arranged of meanses for provide to the State the
implementation of his politics, road financial projects for build, equip, do reforms physical
and curricular.this happened in an internal context of unstable political relations I express in
the six you change of Secretaries and turnaround of technicians in the teams. Therefore, it was
possible verify that the directives for the medium education that to beginning innovative were
presented resulted in the perspective liberal of unification curricular,crosswise of the proposal
of abstract general contents and in the break with any possibility of articulation with the seen,
professional education that was transfered in the end of 2002, for the Science State Office of
the secretary, Technology and Upper Education.
Key-Words: education, professional education, work, Seduc.
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
BID Banco Interamericano de Desenvolvimento
CEE Conselho Estadual de Educação
CEFET-MT Centro Federal de Educação Tecnológica de Mato Grosso
CENFOR Centro Público de Formação Profissional
CEPROTEC-MT Centro Estadual de Educação Profissional e Tecnológica de Mato
Grosso
FAT Fundo de Amparo ao Trabalhador
FEE Fundo Estadual de Educação
FIEMT Federação das Indústrias do Estado de Mato Grosso
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
LDBEN Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
MEC Ministério da Educação
MT Mato Grosso
MTE Ministério do Trabalho e Emprego
PAER Pesquisa de Atividade Econômica Regional
PC do B Partido Comunista do Brasil
PDT Partido Democrático Trabalhista
PEA População Economicamente Ativa
PEC Projetos Escolares dos Cenfor
PEP/MT Plano de Expansão da Educação Profissional de Mato Grosso
PFL Partido da Frente Liberal
PIB Produto Interno Bruto
PL Partido Liberal
PMDB Partido do Movimento Democrático Brasileiro
PMN Partido da Mobilização Nacional
PPS Partido Popular Socialista
PROEP Programa de Expansão da Educação Profissional
PROMED Programa de Expansão do Ensino Médio
PSB Partido Socialista Brasileiro
PSC Partido Socialista Cristão
PSDB Partido da Social Democracia Brasileira
PT Partido dos Trabalhadores
PTB Partido Trabalhista Brasileiro
PV Partido Verde
SEADE Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados
SEDUC Secretaria de Estado de Educação
SEMTEC Secretaria de Ensino Médio e Tecnológico
SEPLAN-MT Secretaria de Estado de Planejamento
SINTEP Sindicato dos Trabalhadores do Ensino Público
SUDEB Sistema Único e Descentralizado de Educação Básica
UFMT Universidade Federal de Mato Grosso
UNED’s Unidades de Ensino Descentralizadas do Ceprotec
UNEMAT Universidade do Estado de Mato Grosso
INDICE DE TABELAS
Tabela 1 – População, Residente no estado............................................................................127
Tabela 2 - Participação das atividades econômicas no Produto Interno Bruto do estado... 129
Tabela 3 - Demonstrativo da escolaridade da população ocupada......................................130
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.......................................................................................................................12
Os caminhos da pesquisa ...................................................................................................19
CAPITULO I ...................................................................................................................... 35
1. Trabalho: origem e conceito.........................................................................................35
1.1 A relação entre trabalho e educação.............................................................................42
1.2 Educação profissional no Brasil....................................................................................52
CAPITULO II.........................................................................................................................62
2. A reforma dos anos noventa: uma nova ênfase na educação para o trabalho?...............62
2.1 O dissenso no governo de Mato Grosso........................................................................73
2.2 Os vetores das formulações políticas............................................................................80
CAPITULO III........................................................................................................................87
3 A tensão entre duas concepções:articulação ou desarticulação?......................................87
3.1 Como a educação profissional foi tratada nos Planos do governo..............................107
3.2 Os limites dos trabalhadores frente à expansão do capital no estado.........................125
CONSIDERAÇÕES FINAIS...............................................................................................137
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS................................................................................149
INTRODUÇÃO
A Secretaria de Estado de Educação de Mato Grosso Seduc suspendeu a oferta de
cursos técnicos de nível médio nas escolas estaduais em dezembro de 1995 e no interregno de
sete anos elaborou diretrizes e projetos. Celebrou convênios com o Ministério da Educação
MEC para implementar Centros Públicos de Formação Profissional Cenfor com o intuito
de enfrentar o déficit da força de trabalho qualificada no estado. No entanto, observou-se que
até o ano de 2002 a proposta de funcionamento do Cenfor não saiu do papel. Assim, o
objetivo do presente estudo foi tentar desvelar quais foram os condicionantes, as derivações
que determinaram o vazio de práticas de educação profissional no sistema estadual de ensino,
no período em questão.
Para compreender o problema apresentado partiu-se da reflexão sobre as origens e o
desenvolvimento histórico das categorias educação e trabalho, num caráter mais global, e de
como elas se relacionam no modo de produção capitalista.
Educação e trabalho constituem categorias históricas construídas nas relações sociais
que se baseiam nos modos de produção e, por conta disso, estão sujeitas a conflitos e jogos de
interesses. O estudo dessa trajetória mostrou que sempre tenderam para os processos
determinados pelas exigências de reprodução das elites dominantes, apesar das resistências e
propostas alternativas da classe trabalhadora.
Quanto à relação educação e trabalho, a princípio ela se deu por meio do atendimento
aos menos favorecidos da fortuna, para que adquirissem hábitos de trabalho, e para afastá-los
do ócio e do crime. Posteriormente, com o advento da industrialização, o eixo da relação
educação e trabalho passou a ser as necessidades econômicas.
13
O estudo do modo de produção capitalista evidenciou que as relações engendradas
caracterizam, no geral, o trabalho parcelar por meio da divisão cada vez mais acentuada entre
o planejamento e a produção em si. A necessária acumulação do capital leva as empresas a
buscarem alternativas de redução dos custos e do tempo destinado à produção das
mercadorias. Desta forma, deixam-se de lado as antigas práticas de confeccionar os produtos
no mesmo espaço geográfico: eles passam a ser produzidos em partes e distribuídos em
diversas instâncias. Desse fato emergem ideários da separação entre concepção e ação, que
influi nas relações sociais e, por conseguinte, constitui desafios para as definições políticas.
Kuenzer (1988, p.12) argumenta que a falta de compreensão teórica acerca da relação
educação e trabalho, bem como a dificuldade de apreender como ela tem ocorrido no interior
das formas concretas que a contradição entre capital e trabalho vai assumindo, tem concorrido
para a formulação de políticas educacionais discutíveis.
O resgate histórico da trajetória da educação profissional mostrou que a problemática
acerca de articular ou desarticular ciência e técnica passava pela questão de que estava
inculcada nos sujeitos a ruptura entre pensamento e ação e ela se colocava no âmbito das
relações sociais e das bases materiais de produção. No Brasil, em particular, inseria-se ainda
nessa dimensão o preconceito
1
a respeito do trabalho manual. Daí as políticas educacionais
conferirem a tendência de fortalecer os ideais das elites dominantes: a história da educação
demonstrou priorizar-se a instituição de um sistema escolar acadêmico-cientificista voltado à
formação de dirigentes.
1
Segundo Cunha, (2000a, p.90), numa sociedade em que o trabalho manual era destinado aos escravos ndios e
africanos), a característica do trabalho desqualificado e do desprezo “contaminava” todas as atividades que lhes
eram destinadas, as que exigiam esforço físico ou a utilização das mãos. Para o autor aí está a base do
preconceito contra o trabalho manual, inclusive e, principalmente, daqueles que estavam socialmente mais
próximos dos escravos: mestiços e brancos pobres.
14
Neste sentido, foi possível verificar que, desde o início, ainda no Brasil colônia, a
oferta de educação profissional deu-se de forma muito limitada. Nos primeiros anos da
economia baseada na agroindústria açucareira predominava o modo de organização do
trabalho escravocrata, que não exigia mão-de-obra qualificada. Da expansão da agroindústria
somada ao crescimento das atividades de mineração, aos poucos surgiam, também, novos
ofícios nas áreas de comércio e serviços, na zona urbana. Neste particular é importante
registrar a contribuição dos jesuítas na formação de mão-de-obra especializada para atividades
como as de sapateiros, pedreiros, carpinteiros, ferreiros, etc., nas “escolas-oficina”.
No Império, devido à transferência da sede do reino para o Brasil, ocorreram
significativas mudanças na economia e na política local, entretanto a implantação do sistema
educacional tendeu a fortalecer o ensino acadêmico.
A República Velha também manteve a marca das mudanças na economia,
principalmente porque havia, ocorrido a extinção da escravatura, a cristalização do projeto
de imigração e a expansão da atividade cafeeira, porém a educação profissional manteve sua
característica de ser restrita às camadas menos favorecidas. Apesar da criação, nesse período,
das escolas de aprendizes e ofícios, elas voltavam-se à formação para atividades que pouco
tinham a ver com o modelo de economia encontrado nos centros urbanos.
No Estado Novo, já estavam dadas as condições materiais para a concretização do
caráter de classe da educação profissional. O crescimento da burguesia industrial conferia
necessidades de expansão desse nível de ensino; observa-se a definição de uma política de
formação profissional como um subsistema em relação ao ensino regular, com a criação de
algumas escolas técnicas voltadas para a formação de mão-de-obra, mas sem negar a
característica que já vinha sendo institucionalizada, o atendimento das “classes menos
favorecidas”. Para sintetizar, o modelo de ensino brasileiro expressava sistemas diferenciados:
15
por um lado, voltava-se para a formação de dirigentes e, por outro, focava a formação de mão-
de-obra qualificada para a indústria. Essa realidade estende-se até a reforma educacional do
início dos anos setenta.
A educação profissional ganhou espaço na política educacional brasileira com a Lei
5.692 de 1971, que propunha unificar educação acadêmica e técnica, mas não conseguiu
eliminar a diferença fundamental entre estudos propedêuticos e profissionais. Julga-se que o
fracasso da reforma proposta na Lei do governo militar deveu-se, em última instância, à
tentativa de mudar a estrutura do ensino a partir do alto, contrariamente às demandas da base
material. Isto levou à sua reformulação, com a Lei 7.044 de 1982, que retomou os sistemas
diferenciados de ensino.
Com a instauração da Nova República, em 1985, iniciou-se no nível nacional uma
longa trajetória marcada por alterações do contexto político e pelo esforço em favor das
reformas. No que concerne à elaboração e aprovação das diretrizes para a educação, elas se
deram com avanços e recuos nas negociações e análises dos textos que tramitavam na Câmara
dos Deputados e no Senado. O resultado foi a homologação do projeto do senador Darcy
Ribeiro, no final de 1996. A reforma educacional indicada pela Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional 9.394 possibilitou a articulação entre ciência e tecnologia no âmbito do
ensino médio, mas o Governo Federal optou, na regulamentação da LDBEN através do
Decreto 2.208 de 1997, pela desarticulação.
Cláudio de Moura e Castro, um dos mentores da reforma da educação do governo
federal nos anos noventa, argumentava que a opção pela separação entre ensino acadêmico e
técnico significava aterrissar no mundo real, uma vez que a alternativa apresentada pelo grupo
da esquerda, pela qual se pretendia resolver definitivamente a questão da separação entre
16
escola para ricos e escolas para pobres, partia de uma análise superficial da realidade concreta
(CASTRO, 2003, p.142-146; CASTRO, 1994, p.139-141).
Foi preciso, também, no presente estudo, fazer uma outra reflexão, mais específica,
sobre o modo de governar pluripartidário no estado de Mato Grosso. A complexa aliança
entre partidos que por si são pluralistas indicava aspectos que evidenciavam a busca do
consenso possível nas diretrizes políticas.
Foram analisadas questões referentes ao contexto socioeconômico e as suas
implicações no processo de definição política para a educação, dada a premissa de que o
Estado reproduzia a forma de organização da economia. A realidade dos anos noventa
revelava que a população do estado apresentava baixos índices de escolaridade e o primeiro
setor da economia presenciava uma mudança sem precedentes na sua história: a modernização
da produção na agricultura. Nessa época, o cenário político anunciava novos ares, através da
ruptura do poder com a classe política de marcas liberal-conservadoras
2
, que perdera espaço
para um outro grupo de características mais progressista-democráticas
3
. Pode-se dizer que o
primeiro apresentava traços próprios de um modo de governar autoritário no estado, e o
segundo se destacava pelo compromisso com a consolidação de um processo democrático
amplo e pluralista.
2
Tratava-se do grupo União por Mato Grosso, que consistia na aliança entre os Partidos Frente Liberal (PFL),
Trabalhista Brasileiro (PTB) e Liberal (PL) caracterizados pela ligação orgânica às elites rurais do estado, com
oligarquias familiares e pela alternância no poder.
3
A formação deste grupo deu-se com a aliança Frente Cidadania e Desenvolvimento a qual elegeu no primeiro
mandato Dante Martins de Oliveira, que representava o Partido Democrático Trabalhista (PDT), constituindo
com este, ao todo, dez partidos: Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), Partido da Social
Democracia Brasileira (PSDB), Partido Comunista do Brasil (PC do B), Partido dos Trabalhadores (PT), Partido
Verde (PV), Partido Socialista Cristão (PSC), Partido da Mobilização Nacional (PMN), Partido Socialista
Brasileiro (PSB) e Partido Popular Socialista (PPS). Tratava-se da coligação de distintos ideais que passavam
pela defesa de um Estado moderno e enxuto e do fortalecimento da economia voltada para inserção no mercado
nacional e internacional e, ainda, pela defesa da necessidade de se garantir políticas sociais básicas.
17
No que se refere às políticas para a educação, indícios de que o Plano de Metas do
Governo de Mato Grosso de 1995-1998 priorizou, particularmente, as contribuições
oferecidas pela comunidade escolar nas reuniões realizadas durante a campanha, no sentido de
reclamar a construção de uma educação pública democrática de qualidade. Especificamente
quanto à educação profissional, constava do referido Plano a perspectiva de articulação entre
cidadania, cultura e trabalho e também a implantação de Cenfor em algumas regiões pólo de
desenvolvimento do estado.
A análise indicou que as diretrizes políticas formuladas pela Seduc para a educação
profissional de nível médio apresentavam características que velavam uma tensão
articulação/desarticulação de conteúdos científicos e técnicos. Entretanto, foi possível
verificar que essas concepções ao longo da trajetória de oito anos enfrentaram momentos de
aproximação, afastamento e mudança e guardavam uma contradição sica, um ponto de
clivagem entre as formulações políticas fortemente influenciadas pelos consultores
contratados pela Secretaria e as orientações dos tecnocratas do Ministério da Educação para
os projetos técnicos. As constantes trocas dos titulares da Seduc, contrato e distrato de
consultores e a rotatividade dos técnicos nas equipes de ensino médio e de educação
profissional evidenciavam o contexto de oscilações políticas no âmbito do governo.
Pôde-se ainda observar nas formulações conceitos distintos de educação: a defesa da
superação do modelo de instrução profissional da perspectiva taylorista/fordista rumo a “uma
educação básica de qualidade que assegurasse continuidade e fornecesse meios para a
integração ao mundo do trabalho produtivo”, (SEDUC, 1997, p.29), bem como os ideais
contrários, nos projetos financeiros elaborados pelos técnicos sob a orientação do MEC.
Havia uma diretriz política que considerava as múltiplas realidades dos jovens, voltada para a
oferta de alternativas que lhes garantissem condições de escolha e compreendia o conceito de
trabalho como práxis e fonte criadora da existência humana, tomando-o como eixo do
18
currículo. No oposto, expressava-se a idéia da educação profissional desarticulada da
científica, via Cenfor, assumindo como foco o mercado de trabalho na sociedade capitalista;
tratava-se de projetos financeiros para implementar oito Centros Públicos de Formação
Profissional e a reforma física e curricular de vinte e quatro escolas do ensino médio.
Com o estudo constatou-se que as formulações das diretrizes para o ensino médio, que
a princípio eram inovadoras, resultaram na perspectiva de unificação curricular por meio da
proposta de conteúdos gerais abstratos e, na ruptura com a educação profissional, que foi
transferida no final de 2002 para a Secretaria de Estado de Ciência, Tecnologia e Educação
Superior.
Na verdade, constatou-se que havia uma relação velada entre a Seduc, que pretendia
receber recursos financeiros externos e o MEC, que dispunha de meios para proporcionar ao
Estado a implementação de suas políticas desde que, este, se comprometesse, para tal, com os
ideais da reforma pretendida pelo mencionado Decreto Federal 2.208/97. No entanto, não
se deixou de considerar que, num governo pluralista que procurava se embasar nos princípios
da participação democrática, fatalmente as formulações políticas também sofreriam
influências internas e externas advindas dos diversos sujeitos que interagiam com a Seduc.
Foi possível observar que os impasses nas formulações refletiam, de certa forma, momentos
de avançar e de recuar como uma estratégia de luta do governo, o que leva a interpretar que se
tratava de uma alternativa para se conseguir consolidar um modo de governar democrático.
O ato de optar pela suspensão da oferta da educação profissional no início do governo
representou a intenção de dar início à reforma, todavia, pode ter sido uma ação precipitada,
uma vez que foi negada aos alunos a possibilidade de escolher entre cursar o propedêutico ou
o técnico.Os trabalhadores mato-grossenses, nesse período, deparavam com uma realidade
econômica que apresentava destaque ao crescimento de parte da agroindústria e, na outra
19
ponta, o setor de serviços como o responsável pela maioria da população ocupada. Tal
situação, conseqüentemente, evidenciava os determinantes para que se garantissem
alternativas educacionais diversificadas voltadas para a legitimação de saberes que passavam
não só pela educação de caráter científico-humanista mas, também, técnico.
Na verdade, essas contradições representavam uma realidade social sobre a polêmica
que sempre houve no concernente a educação profissional. Isto posto, o presente trabalho teve
o intuito de buscar uma compreensão acerca da problemática da educação profissionalizante
pautada no caminho que somente o método científico dialético pode proporcionar.
Os caminhos da pesquisa
A Dialética trata da “coisa em si”, e para se compreender a realidade em si, que não se
manifesta de imediato ao pesquisador, segundo Kosik 1989, é necessário não fazer um
certo esforço, mas também um détour. A realidade é complexa, dinâmica, resulta da
totalidade de múltiplas dimensões, e sua interpretação depende do lugar e do “olhar” de cada
sujeito. Portanto, fez-se a opção pelo método dialético devido à compreensão de que somente
os caminhos por ele proporcionados dariam conta de traduzir com fidedignidade a realidade
concreta.
As constantes questões que aos poucos surgiam no decorrer do estudo reforçavam a
idéia de que o processo de construção do conhecimento não é linear, nem uniforme. Da
construção do percurso da pesquisa emergiam novas problemáticas, que exigiam a busca de
informações fundamentadas, não “enxergadas”, na proposta inicial de investigação.
O propósito deste trabalho surgiu a partir da necessidade de a pesquisadora sair do
nível do senso comum, proporcionado pela sua atuação como técnica nas equipes do ensino
médio e de educação profissional no período em estudo. O exercício da função técnica
20
resultou na sistematização de uma noção que não oferecia clareza suficiente para o
entendimento da ausência de educação profissional nas duas gestões do governo da Frente
Cidadania e Desenvolvimento.
Neste ponto, convém lembrar que, segundo Minayo 2000, o pensamento e a
consciência são frutos da necessidade que tem como base o próprio processo histórico. Logo,
tanto os indivíduos como os grupos e também os pesquisadores são dialeticamente autores e
frutos de seu tempo histórico.
A identidade da pesquisadora com a trajetória do objeto facilitou o levantamento e
triagem do material a ser analisado, frente à infinidade de informações e riqueza de materiais
disponíveis, que poderiam levar o pesquisador a correr o risco de se perder ou ainda, a trilhar
outros caminhos que resultariam em novas interpretações. Por outro lado, no início da
pesquisa, a experiência acumulada constituiu-se, de certa forma num obstáculo para a
superação da mera descrição do real, tornando-se necessário o total afastamento das
atividades profissionais cotidianas. Na verdade, as representações de alguns “pré-
conhecimentos” arraigados se, por um lado, tinham que ser o ponto de partida, o caminho
para a construção do novo conhecimento, por outro, dificultavam sair da análise superficial
rumo ao caráter crítico da dissertação.
O cotidiano do trabalho técnico desenrolava-se por meio de um agir rotineiro e
burocrático em que não se permitiam espaços e momentos para se refletir a respeito da ação e
conseqüentemente construir um conceito mais aprofundado acerca da prática de todos os dias.
Isto lembra os escritos de Kosik ao argumentar que a “práxis utilitária cotidiana cria o
pensamento comum” que “[...] é a forma ideológica do agir humano de todos os dias”.
Segundo o autor, o homem se esforça para descobrir a verdade e o que está por trás das coisas
“porque, de um modo qualquer, pressupõe a existência da verdade, porque possui uma segura
21
consciência da existência da coisa em si” (KOSIK, 1976, p.13, 15). A busca, portanto, de uma
construção teórica que aclarasse a prática rotineira exigiu um esforço consciente para a
superação dos graus de dificuldade dados pelo envolvimento técnico da pesquisadora. Foi
necessário estabelecer constante relação entre o método e a teoria, de modo a manter a
contínua reflexão sobre o objeto. Neste sentido o processo de construção da nova concepção
da realidade foi aos poucos desconstruindo os conceitos próprios da prática burocrática a qual,
certamente, não será mais a mesma.
No início da pesquisa apresentava-se somente uma idéia sistematizada acerca do
problema em si: a ausência de práticas de educação profissional no período de 1995-2002, e
não se tinha a definição das linhas concretas a serem discutidas e analisadas para a
composição da totalidade do objeto de estudo. Portanto, este trabalho fugiu um pouco da
formalidade de se apresentar desde o início uma lista de hipóteses que orientariam o caminho
da pesquisa. O processo de questionamento para a construção da totalidade do real deu-se
juntamente com o desenvolvimento da pesquisa. A própria dinâmica que a dialética
proporciona por meio de uma primeira análise do dado levantado, depois da negação da “pré-
síntese” do real e da busca de uma nova construção, possibilitava enxergar a totalidade do
objeto, uma vez que revelava que a construção do conhecimento realiza-se por meio da
interação do pesquisador com o objeto, da qual emerge uma nova realidade. Desta forma,
houve necessidade de se buscar um referencial teórico que fosse capaz de iluminar as
categorias a serem estudadas para poder se aproximar e fazer a mediação com o objeto com a
maior claridade possível; caso contrário, corria-se o risco de tomar rumos que poderiam
resultar numa apropriação opaca do real. Portanto, o exercício de construção do recorte
teórico foi demorado e deu-se às custas de muita reflexão e tentativas de formulação e
reformulação.
22
Isto posto, deve-se reconhecer que o desafio é devido ao fato de se optar para o ponto
de partida pela tentativa de construir conceitos acerca das categorias educação e trabalho das
quais podem decorrer múltiplas possibilidades de análise devido ao seu caráter complexo.
Portanto, havia certa consciência de que as problemáticas que envolvem essas duas categorias
na sociedade ocidental capitalista, além de estarem relacionadas entre si, podem levar a
questões muito generalizadas e ainda ramificar-se para múltiplas interpretações, exigindo
necessidade e o cuidado de delimitar de forma abrangente e ao mesmo tempo sintética sua
identidade.
A reflexão acerca da realidade não constitui tarefa muito fácil e, de certa forma, exige
um processo de tentativas de elaboração e reelaboração, à luz dos conhecimentos existentes a
respeito do tema, de maneira a buscar a cooperação entre as pesquisas, uma vez que a
construção do real passa pelo caráter da “inacessibilidade do objeto que se explica pelo fato
de que as idéias que fazemos sobre os fatos são sempre imprecisas, mais parciais, mais
imperfeitas que ele” (MINAYO, 2000, p.90).
Então, se o objeto em análise passava pelo entendimento da negação, por parte de
determinado governo, de um projeto de educação profissional à classe trabalhadora mato-
grossense, optou-se por construir na presente pesquisa um conceito de uma parte do todo que
compreende em quais momentos e condições da trajetória histórica da sociedade capitalista a
educação foi considerada importante para a economia, a política e os trabalhadores. Isto
possibilitou a compreensão acerca da relação educação e trabalho como resultado de uma luta
de classes e de que a educação profissional tem por natureza o atendimento à classe
trabalhadora. Acreditava-se, portanto, que, a interpretação da educação para a classe
trabalhadora a partir dessa realidade daria conta de iluminar o que se propusera no início da
investigação.
23
A sistematização de conceitos acerca da educação para a classe trabalhadora como
resultado de um processo de luta, de conflitos, de jogos de interesses permitiu aclarar que o
Estado enquanto responsável pela formulação e implementação de políticas públicas
constituiu um representante importante nessa trajetória para que se garantisse a ideologia
dominante. Nesse momento, surge mais uma pergunta: ao negar a educação profissional, a
Seduc teria exercido o papel fundamental de reproduzir as relações sociais do modo de
produção que lhe servira de base? Isto exigiu alargar o campo da pesquisa para tentar
enxergar o papel do Estado no processo de materialização das relações sociais dominantes,
haja vista que o governo propalava a educação profissional articulada à agroindústria e a
análise mostrava que este setor da economia demandava pouca exigência de mão-de-obra
qualificada.
Por outro lado, foi possível perceber que no interior do governo também ocorriam
pontos de tensão entre reproduzir a ideologia política daquele contexto econômico e o seu
contrário; um projeto de educação do ponto de vista da classe trabalhadora. Julga-se que ai
estaria o eixo principal para as oscilações das diretrizes políticas.
Não se tratava da compreensão por parte da pesquisadora acerca do conceito de modo
de governar enquanto um bloco monolítico que traça políticas lineares, mas do entendimento
da necessidade de se avançar no sentido de implementação de políticas educacionais
coerentes que garantissem a continuidade possível num mesmo governo, que no Brasil se
tornou senso comum a descontinuidade de políticas a cada final de gestão. Assim, optou-se
por fazer a análise detalhada das formulações para tentar identificar um aspecto que depunha
contra o outro, mas que na verdade ocultaria um jogo de interesses em detrimento da oferta de
mais uma alternativa de educação aos trabalhadores.
24
É sabido que buscar consenso de idéias num mesmo grupo impõe determinadas
dificuldades, o que remete a inferir sobre o exercício das negociações que deveriam ter
ocorrido diante da necessidade de se buscar consenso num governo pluripartidário. A partir
dessa análise buscou-se identificar nas formulações pontos de conflito que ocorriam no
interior do governo instituído, evidenciados no processo de reprodução das relações sociais
que lhe eram inerentes: grupos ligados às elites ruralistas e empresários que defendiam a
modernização do Estado e, de outro lado, grupos aliados aos que reivindicavam a melhoria e
democratização da educação. Nesse particular, ficou evidente que os conflitos que emergem
da divisão social do trabalho, na sociedade capitalista, resultam em relações sociais que
influenciam na política no nível do Estado.
Estas questões faziam-se presentes em meio à preocupação com a necessidade de
analisá-las com o cuidado de verificar as possíveis influências da reforma da educação
profissional instituída pelo governo federal, que preconizava a sua adequação à modernização
da economia. Isso exigiu a busca da compreensão do conceito de educação profissional
presente no Decreto Federal 2.208/97.
Assim, compreendeu-se que a reforma defendida pelo governo federal nos anos
noventa concretizava os ideais do movimento de modernização da economia, que, embora
buscassem agregar ciência e tecnologia na produção para garantir competitividade,
flexibilidade, eficiência e maiores lucros, não superavam a divisão social e técnica do trabalho
e não geravam postos de trabalho. O modelo da economia demonstrava a exigência de
profissionais altamente qualificados para atuarem em determinadas bases materiais.
Esses ideais expressavam-se nas definições políticas por meio da separação entre o
ensino médio de educação geral e o técnico. Assim, para a maioria da população, oferecia-se
educação de caráter unitário e abstrato, no estado de Mato Grosso, particularmente em escolas
25
públicas, visto que as restritas possibilidades no mercado de trabalho demandavam políticas
de educação generalista. Para a população a que era destinada a educação profissionalizante,
uma outra proposta de formação aligeirada, que tendia a desqualificar mais ainda o
trabalhador. Isso também ocultava a opção do governo pela otimização da aplicabilidade dos
recursos em educação, evidenciada na proposta de redução dos custos decorrente da
diminuição do tempo curricular, por meio da formação técnica em uma média de um ano e
meio e de curso em nível básico aligeirado sem exigência de escolaridade.
Daí surge também uma outra preocupação: por que o governo federal disseminou um
suposto novo modelo de educação profissional sob a ótica da adequação de perfis e da
necessidade de formação rápida para o mercado? Estaria a economia brasileira realmente
necessitando de um “novo tipo” de mão-de-obra ou haveria um processo de ocultação da
realidade? Percebeu-se, então, na leitura de pesquisas
4
sobre educação e mudanças no mundo
do trabalho que havia certo consenso acerca da necessidade de uma educação que associasse
ensino técnico aos conteúdos científicos, uma vez que a realidade díspar nas bases materiais
de produção exigia do trabalhador a capacidade de manejar conhecimentos.
4
Outras informações poderão ser obtidas em Kuenzer, Acácia Zeneida.
As mudanças no mundo do trabalho e da
educação: novos desafios para a gestão Texto apresentado no IX ENDIPE, Águas de Lindóia, 4 a 8 de maio de
1998a. memo; em Hirata. Da polarização das qualificações ao modelo de competência. In Ferreti, Celso João;
Zibas, Dagmar et al. Tecnologias, trabalho e educação, um debate multidisciplinar. Petrópolis –Vozes.1994; em
Frigotto, Gaudêncio. Educação e formação humana: ajuste neoconservador e alternativa democrática. Formação
e qualificação abstrata e polivalente e a defesa do Estado mínimo: nova (de) limitação dos campos educativo na
lógica da exclusão; em
Saviani, Demerval. O trabalho como princípio educativo frente às novas tecnologias. In
Ferretti, Celso João et al. Novas tecnologias, trabalho e educação: um debate multidisciplinar. Petrópolis: Vozes,
1994;
em
Machado, Lucília Regina de Souza. A educação e o desafio das novas tecnologias. In Ferreti, Celso
João; Zibas, Dagmar et al. Tecnologias, trabalho e educação, um debate multidisciplinar. Petrópolis: Vozes,
1994.
26
Então, se alguns setores da economia demonstravam modernização da sua produção e
requeriam determinados padrões culturais da classe trabalhadora, por que o governo federal
procurou o caminho oposto através da proposta de educação profissional que reproduziria a
divisão social e técnica do trabalho? O processo dessa reflexão resultou na compreensão de
que as novas exigências do mundo produtivo demandavam associação de cultura geral a
conhecimentos técnicos, para determinada casta da classe trabalhadora, mas convivia-se, por
outro lado, com um modelo de economia marcado pelo uso precário da força de trabalho. Essa
realidade na sociedade capitalista e, em particular, na economia brasileira, ainda reflete
relações contraditórias que emergem da luta de novos paradigmas econômicos e
socioculturais para a superação da antiga prática que resulta na cisão entre pensar e fazer,
concepção e ação.
A constante busca pela redução de custos e maior produtividade tem levado empresas
a juntarem-se em conglomerados que operacionalizam a produção de forma parcelar em
ambientes distintos, o que, por um lado, gera postos de trabalho que exigem do trabalhador a
associação e o domínio de ciência e tecnologia, por outro, no geral, revela um modelo de
gestão empresarial caracterizado por velhas práticas tayloristas/fordistas que centralizam na
gerência o planejamento das ações e impedem o domínio, por parte de quem executa, do
conhecimento da totalidade do seu ofício.
O processo educativo decorrente dessa realidade pode inculcar nos trabalhadores
relações sociais fragmentadas que refletem uma sociedade ainda mais dividida marcada pela
desigualdade. Portanto, a reforma da educação profissional, regulamentada pelo Decreto
2.208/97, ao não permitir a articulação de cultura geral e tecnológica no âmbito da política
educacional e ao optar por um modelo de qualificação aligeirada, impossibilitou que se
proporcionasse aos trabalhadores uma formação que lhes garantisse condições de fazer a
27
mediação entre a complexa realidade do mundo do trabalho e as relações sociais e, assim,
permitisse a eles atuar de forma crítica e política na sua realidade.
Além disso, a análise da trajetória histórica da educação na sociedade capitalista
sustentou a interpretação de que, por trás da proposta de reforma da educação profissional dos
anos 90, apresentava-se o eixo da empregabilidade, que passava pelo entendimento de que a
qualificação e o trabalho sob a forma de emprego centravam-se no indivíduo, fato que
ocultava a responsabilidade social do Estado e escamoteava uma característica das mudanças
no modo de produção capitalista moderno. A modernização tecnológica condicionada à
reestruturação produtiva ocorrida no nível internacional não era uma realidade democratizada
na economia brasileira.
As análises de tais condicionantes também foram importantes para se compreender a
realidade das propostas políticas da Seduc no período em estudo. O estado de Mato Grosso
presenciava um crescimento sem precedentes na história da agricultura, que se modernizava e
era responsável por colocá-lo no cenário econômico nacional e internacional, apesar do
quadro caótico de escolaridade da sua população economicamente ativa PEA. Tornou-se
evidente que o primeiro setor da economia não demandou do Estado políticas de expansão da
educação profissional, mas da educação básica.
A sociedade mato-grossense, por sua vez, também convivia com um modelo de
economia com base em poucas indústrias ligadas à transformação dos produtos advindos da
agricultura e grande parte das atividades reservada ao setor de serviços. Isso revelava que a
modernização da economia que se propalava era polarizada, e a sua democratização ainda
estava por ocorrer neste estado.
Procurou-se então compreender por que, mesmo diante dessa realidade, o governo do
estado de Mato Grosso propalara, desde o seu Plano de Metas 1995-2006, versão 1999-2002,
28
a idéia da importância da formação de mão-de-obra para fortalecer a economia do estado
tendo como base as mudanças da agroindústria. As constantes formulações de projetos
financeiros resultaram nos convênios com o governo federal para a construção de oito Cenfor.
A análise levou a inferir que a parceria com o Ministério da Educação pode ter logrado
resultados positivos para o estado, visto que foram aprovados onze projetos para a reforma do
ensino médio e da educação profissional, apesar do vazio de práticas de educação profissional
nos mencionados Centros.
O esforço para levantar na presente pesquisa quais foram os condicionantes da
ausência de prática de educação profissional no período estudado permitiu desvendar
dimensões não pensadas a respeito dessa realidade, que passaram pela questão da trajetória
histórica da educação dos trabalhadores ao se revelar uma não prioridade nas políticas
educacionais do Brasil e pelo reconhecimento de que a reforma na educação profissional
indicada pelo governo federal não se fez sentir a partir das realidades verificadas nas bases
materiais de produção deste estado.
Portanto, o resgate do perfil socioeconômico mato-grossense permitiu a compreensão
do consenso do governo na prioridade dada à política de educação básica, contudo não
justificou os impasses apresentados nas formulações e no rumo dado ao ensino médio como
proposta unitária, generalista e abstrata, visto que o Estado, naquele momento histórico, mais
uma vez optara por atender aos reclamos da classe econômica. O ziguezague nas formulações
seria também uma estratégia de recuo para adiar a prática da educação profissional nos
Cenfor, uma vez que a realidade da base material de produção apresentava a necessidade de
se investir no ensino fundamental da população ocupada.
A busca de resposta para o problema levantado no início deu-se, portanto, com o
exame de vasta bibliografia acerca da relação educação e trabalho, educação profissional,
29
reestruturação produtiva e educação, reforma educacional, a qual, porém, por si não daria
conta de responder à questão. Tornou-se necessário aproximar esse referencial teórico dos
documentos disponíveis nos arquivos da Seduc, nas publicações em jornais de circulação
estadual e revistas, na busca de dados que melhor se aproximassem do problema em análise.
Quanto a essas fontes utilizadas, caracterizaram-se em documentos oficiais e não
oficiais. A análise efetivou-se não apenas em relação ao ponto de vista das formulações do
governo, mas também dos técnicos e dos consultores contratados pela Secretaria, para tentar
captar as manifestações dos sujeitos que perpassavam os documentos e, assim, identificar
possíveis impasses e confrontos entre as diretrizes políticas, as formulações de caráter técnico
e o exercício de governar por meio de planejamentos.
Foram observados, então, momentos de coerência e consistência teórica nos textos que
apresentavam um modelo de educação na perspectiva da contribuição das escolas, dada nos
seminários realizados pelo interior do estado, bem como dos consultores contratados pela
Seduc. Estes intelectuais, ligados ou não a algum partido político, concebiam um modelo de
educação do ponto de vista da classe trabalhadora. Contudo, percebeu-se que, quando os
técnicos precisaram caminhar sozinhos, submeteram-se às interferências externas que
indicavam o oposto das diretrizes anteriores. O afastamento das consultorias abria espaços
para sujeitar as equipes técnicas às determinações políticas do titular da pasta da Secretaria e
do Ministério da Educação.
Apesar das estratégias que buscavam alargar a participação da comunidade escolar na
definição dos rumos para o ensino médio, as formulações técnicas apresentaram fortes
influências dos ideais reformistas do governo federal ao aderir, no ano de 1997, aos princípios
de reforma do Decreto 2.208/97, que a Seduc demonstrava interesse nos recursos
30
financeiros acenados pelo Programa de Reforma e Expansão da Educação Profissional –
Proep/MEC.
O governo de Mato Grosso, ao formalizar um compromisso junto ao MEC no sentido
de implementar a reforma preconizada por esse Decreto, negou a história construída no
interior da própria Secretaria. Numa primeira análise, nota-se que isto passou pela questão de
buscar flexibilidade no processo de negociação, uma vez que, na prática, pretendia-se dar
continuidade às linhas gerais definidas a partir dos seminários com a comunidade. Por isso a
existência, desde 1997, de duas equipes na Seduc: a primeira preparava-se para deflagrar a
reforma curricular nas escolas com base no documento Novas Perspectivas para o Ensino
Médio, e a segunda atendia às orientações técnicas oriundas do Proep por meio da elaboração
dos projetos financeiros para construir e equipar os Cenfor.
Buscar consenso entre as equipes parecia ser possível, uma vez que as linhas gerais
definidas nas Novas Perspectivas para o Ensino Médio iam além da simples idéia de educação
profissional via Cenfor preconizada na reforma do Decreto 2.208/97: propunham cursos
técnicos articulados ao ensino médio nas escolas estaduais, de maneira a contemplar com tais
medidas uma parcela maior da sociedade. Apesar da existência da aparente unidade, notou-se
que essas equipes se distanciaram a partir de 1999, passando a coexistir de maneira
desarticulada duas frentes de trabalho: a equipe de educação profissional, que procurava
envolver em seminários determinados segmentos da sociedade, para disseminar os princípios
da reforma acordados com o governo federal e a do ensino médio, que, por outro lado,
deflagrava um debate a respeito da reforma curricular em 24 escolas.
A existência de equipes para trabalhar em frentes diferenciadas colocava mais uma
problemática: por que a despeito das linhas gerais estabelecidas no documento Novas
Perspectivas para o Ensino Médio, que indicavam alternativas de ensino médio com a
31
educação profissional, a Seduc deu ênfase à educação de caráter geral em detrimento da
proposta de educação profissionalizante desarticulada?
Importante lembrar que no ano de 1998 o governador do estado havia sido reeleito
para o seu segundo mandato e, daquela vez, pelo Partido da Social Democracia Brasileira,
afinando-se às políticas do governo federal. Avalia-se que este fato também tenha
influenciado nas definições do seu novo Programa de Governo, que na segunda parte não
contemplava a educação profissional, apesar da propagação das alternativas e perspectivas
para o ensino médio, nas possibilidades de currículos científicos e técnicos articulados, ou
pós-médio.
A partir desse momento passou-se a priorizar nas análises as formulações mais
específicas que correspondiam ao objeto de estudo, ainda que as questões inerentes ao ensino
médio estivessem a ele relacionadas. Entendia-se que a análise dos documentos referentes à
educação profissional não exigia que todas as questões relacionadas à totalidade do objeto
fossem necessariamente estudadas, optando-se por, no final, retornar a esses problemas para
fazer uma alusão aos resultados dos trabalhos da equipe do ensino médio no ano de 2002. A
aproximação da análise teórica com o objeto indicava, aliás, que o estudo da parte
específica daria conta de enxergar a totalidade do real.
Considerou-se documento, na pesquisa, toda base de conhecimento fixado em material
gráfico suscetível de ser utilizado como fonte para consulta, estudo ou prova, relacionadas
diretamente ao objeto, e assim foram caracterizados impressos: livros; folhetos; textos
oficiais; pareceres; relatórios técnicos; correspondências; periódicos: revistas; jornais;
anuários.
Foram utilizados e considerados como fontes os documentos conservados em
arquivos no MEC, Seduc, CEE, Sintep, no Arquivo Público do Estado e no arquivo particular
32
da professora aposentada Orlene Lopes da Silva
5
; os Anuários Estatísticos do IBGE referentes
aos anos de 1995, 1998 e 2002, da Secretaria de Estado de Planejamento Seplan MT–
2003, a pesquisa realizada pela Fundação Seade 2002 e pela Federação das Indústrias do
Estado – Fiemt – 2002.
Optou-se ainda pela designação objetiva das equipes técnicas da Seduc da seguinte
forma: equipe do ensino médio e equipe de educação profissional, devido à já referida
existência de duas frentes de trabalho que surgiram no ano de 1997 e caminhavam, no
princípio, em sentidos paralelos, depois opostos, mas que no final acabaram atendendo às
diretrizes da reforma do governo federal.
O levantamento realizado sobre o perfil socioeconômico do estado realizou-se com a
comparação de dados disponíveis nas pesquisas do IBGE, Seplan, Fiemt, Fundação Seade e
Seduc e as informações referentes aos contratos e convênios financeiros foram obtidas em
documentos arquivados no setor responsável pela prestação de contas no Fundo Estadual de
Educação – FEE e relatórios do Proep – MEC.
A organização desta pesquisa desenvolveu-se em quatro momentos: primeiro, a busca
de informações gerais sobre o assunto e levantamento do material; segundo, a triagem do
conteúdo levantado com vistas ao tema em foco; terceiro, a coleta dos dados por meio de
leitura e elaboração de um longo relatório circunstanciado de todos os passos do governo
referentes à política para o ensino médio e educação profissional no período focalizado; feito
isso, efetuou-se a análise das informações consideradas mais importantes à luz do referencial
teórico.
5
A professora exerceu função cnica na equipe de ensino médio da Secretaria de Educação por mais de vinte
anos e, por conta disso, acumulou dados e informações importantes em seu arquivo particular sobre a temática.
33
Procurou-se destacar, por meio de citações de fragmentos extraídos dos documentos
que evidenciavam os ideais do governo, as pressões vividas pela Secretaria, uma divergência
de ordem epistemológica e técnica e uma prática que depunha contra a educação dos
trabalhadores.
Tal opção amparou-se na busca constante da relação entre o referencial teórico e o
material levantado, de maneira tal que, na construção da reflexão, fossem mantidas de forma
organizada as categorias em análise. Os conceitos de trabalho e de educação enquanto
categorias históricas que se constroem a partir das relações dadas no âmbito das bases
materiais de produção na sociedade capitalista que influenciam na definição das políticas
permitiram compreender que as mudanças que se fizeram sentir na economia e na política
mato-grossense indicavam necessidades de reformas educacionais voltadas para a garantia de
ensino fundamental à população e para a expansão da oferta do ensino médio de caráter geral.
Enfim, esperava-se que o referencial teórico sistematizado nesta pesquisa daria conta
de oferecer suporte suficiente para interpretar as circunstâncias reais de negação da educação
profissional à classe trabalhadora mato-grossense enquanto alternativa para a democratização
das oportunidades de formação.
Finalmente, a tentativa de garantir uma organização lógica para o presente trabalho,
optou-se por dividi-lo em capítulos que não devem ser vistos como textos fragmentados, mas
como partes que se complementam e perpassam, ao mesmo tempo, o todo. O resultado desta
pesquisa, portanto, assim se apresenta: no capítulo I, buscou-se a compreensão das categorias
educação e trabalho do ponto de vista histórico, num contexto econômico e político,
caminhando para o entendimento da concepção da reforma da educação profissional dos anos
90. O capítulo II dedicou-se a uma análise das concepções da reforma em pauta e dos
impasses teóricos e práticos das formulações políticas para a educação profissional do período
34
de 1995-2002, em que foram abordadas questões relativas aos distintos ideais de um governo
pluripartidário e aos vetores do projeto de reforma educacional no estado de Mato Grosso. No
capítulo III, fez-se uma análise detalhada dos documentos, planos de metas, planos
plurianuais, planos estratégicos, planos de ação e projetos financeiros e ainda, uma breve
caracterização do perfil socioeconômico do estado no período em foco. Por fim,
acrescentaram-se, nas considerações finais, dados que buscam alargar e aclarar a compreensão
do tema.
CAPÍTULO I
1 Trabalho: origem e conceito
O entendimento acerca da categoria trabalho do ponto de vista de capitalistas e
socialistas é controverso. Os primeiros entendem que toda riqueza provém do uso da força de
trabalho, e para os socialistas o trabalho se expressa como elemento de humanização, mas eles
alertam que as condições históricas cujo objetivo é somente a acumulação do capital vêm
contribuindo cada vez mais para a degradação do trabalho humano e dessa forma impõe-lhe o
caráter alienante.
Do ponto de vista da classe dominante, o trabalho teve, em contextos e épocas
distintas da sua história, uma conotação de desprezo ou de exaltação, o que revela aspectos da
sua múltipla e contraditória realidade. Por seu lado, a abordagem pelo método histórico-
dialético nega que se trate de uma mera atividade natural realizada pelo homem, mas leva a
identificar na sua longa trajetória os condicionantes que influenciaram e deram forma em cada
época a essa categoria.
A palavra trabalho remete ao latim tripalium, nome do instrumento formado por três
paus utilizados para manter presos bois ou cavalos difíceis de ferrar. No latim vulgar, essa
categoria significa pena ou servidão do homem à natureza. Inicialmente considerado esforço
de sobrevivência, o trabalho transformou-se ao longo da história da humanidade em ação
produtiva, ocupação e atualmente resulta em mercadoria (CARMO, 1992, p.16).
Pode-se dizer que devido ao trabalho ter se constituído no alicerce da civilização
ocidental capitalista, a sua realização dá-se de maneira tão natural a ponto de a maioria das
pessoas não se darem conta de que as relações por ele produzidas estão carregadas de
36
influências ideológicas. Julga-se que isso tende a esconder o que está por trás da sociedade do
trabalho: a luta desigual entre as classes e o fato de que o sistema capitalista não consegue
democratizar as oportunidades. Então, torna-se imprescindível, para este estudo, ir à busca do
conceito e da origem da atividade denominada trabalho, compreendendo a trajetória e as
relações que o engendram.
A crise e deterioração das comunidades primitivas forma de organização social em
que prevalecia o regime de propriedade coletiva dos meios de produção evoluiu para uma
sociedade de classes. Com a fixação do homem na terra, seu principal meio de produção, foi
surgindo a propriedade privada e uma nova forma de relação que passava pela divisão dos
homens entre proprietários e não proprietários. Esse fato proporcionou a alguns a
possibilidade de poder viver sem trabalhar às custas do trabalho dos que não tinham posses.
Gradativamente surgiam relações de produção em que a minoria passou a deter em regime de
propriedade privada a posse da terra, dos instrumentos de trabalho e também do próprio
trabalhador, que foi reduzido à condição de escravo.
Nessa época marcada pelo modo de produção escravista com base na agricultura, o
ócio correspondia a um direito nobre para que a classe dirigente pudesse se dedicar à
contemplação e à política, mas o trabalho era desprezado e visto como uma atividade
praticamente insignificante que deveria ser executada por pessoas consideradas inferiores,
pois preferiram viver submissas. No auge da civilização grega, a escravidão era encarada
como uma lei natural e um subterfúgio para livrar os homens das tarefas servis, permitindo-
lhes tempo para consagrarem-se às coisas do espírito. Nesse período, as relações sociais
passavam pela nítida separação entre os considerados cidadãos, com direito a voto nas
assembléias e à participação na vida política e os demais, excluídos dessa condição.
37
O movimento de transição do modo de produção escravista para o servil do regime
feudal deu-se de forma lenta, porém não deixou de provocar importantes mudanças na vida
das pessoas. Nesse período o meio de produção dominante continuava sendo a terra, sob
relações que passavam pela posse de grandes propriedades e pelo fortalecimento do poder dos
feudos. O que marcou a diferença nas relações de trabalho, nessa época, foi o rompimento
com o antigo regime de escravidão na adoção do trabalho servil.
No contexto da crise do escravismo é importante destacar a presença da Igreja
Católica, que criticava o regime social e político dominante em defesa dos “oprimidos” e, ao
conquistar adeptos no meio aristocrático, tornou-se uma forte organização econômica, política
e ideológica.
A terra como medida de riqueza conferia aos proprietários o poder e autoridade para
controlar a produção dos bens necessários à sobrevivência e a autoridade de subjugar na
condição de servos os que recebiam em arrendamento terras para cultivar. Nesse contexto,
novas relações sociais, econômicas e políticas surgiam; o poder e autoridade significavam
beneficiar-se do trabalho dos camponeses ou se apropriar da maior parte da produção. O
arrendatário, ao não conseguir produzir o excedente necessário para pagamento das terras,
submetia-se cada vez mais às condições impostas pelos proprietários.
É importante salientar que no feudalismo as classes dividiam-se entre a nobreza, que
era constituída pelos reis, condes, duques, marqueses e barões; o clero, por meio do papa, os
cardeais, bispos e padres; e o povo, a grande maioria de camponeses, artesãos, pequenos
comerciantes, médicos, dentistas, pedreiros, carpinteiros, etc. Nesse período, por mera
conveniência o clero foi aliado da nobreza para disseminar a ideologia do poder divino dos
reis. Nota-se a dicotomia no trato com o trabalho, visto pela nobreza e pelo clero como uma
atividade necessária para evitar o ócio do povo.
38
Nosella, ao se referir ao trabalho nas sociedades escravista e servil, observa que, num
contexto de sistemas socioeconômicos em que a
produção material é fundamentalmente de consumo, onde a terra é a
dimensão do poder sócio-político das classes aristocráticas, em que a
afirmação de que os homens são por natureza desiguais é tida como racional,
o trabalho humano só poderia ser concebido como estigma natural ou castigo
(NOSELLA, 2002, p.30).
Pode-se dizer que o fato de associar a atividade humana a um instrumento de
dominação de animais já evidenciava a compreensão, pela classe dominante nos contextos
dessas sociedades, de que os trabalhos do escravo e do servo eram dignos de sua condição de
coisa, visto que estes, segundo o autor ora focalizado, eram considerados como peças que
completavam naturalmente com os animais e a terra o processo de produção.
Em paralelo ao poder centralizado dos feudos, as vilas, os burgos, foram crescendo e
formando seu próprio sistema de defesa contra a dominação dos nobres. O desenvolvimento
de novas relações de produção foi criando condições para o aparecimento dos burgos
vinculados ao artesanato e comércio, que aos poucos se fortaleciam e ampliavam o mercado
nacional em oposição ao poder centralizado nos feudos. O crescimento do comércio fortalecia
a burguesia mercantil e, associado ao desenvolvimento das cidades e, posteriormente, às
revoluções burguesas do século XVIII, contribuíram significativamente para a transição do
regime feudal para o capitalismo. Importante registrar que nesse período os homens já haviam
se livrado dos antigos regimes de trabalho escravo e servil, visto que o crescimento do
comércio fez surgir uma casta de “homens livres”. Portanto, “dos servos da Idade Média
surgiram os homens livres das primeiras cidades; deste estamento urbano saíram os primeiros
elementos da burguesia” (MARX e ENGELS, 1982, p.13).
Dessa forma, o modo de produção capitalista foi se estruturando por meio da ocupação
das terras pelos grandes proprietários, da crescente urbanização, da proibição do extrativismo
39
e da pesca, da capitalização das explorações agrárias e da expansão do comércio, somadas a
ruína dos ofícios artesanais. Essa estrutura gradativamente expropriava qualquer possibilidade
de subsistência e de resistência do então chamado homem livre, que teve que “se curvar
diante do capital”.
6
No modo de produção capitalista adota-se o trabalho assalariado e a
aplicação de capital numa atividade produtiva com a finalidade de obter lucro.
A organização do trabalho que hoje se apresenta é o resultado de um longo jogo de
forças revelado nos conflitos entre patrões e trabalhadores que se desenvolveram e ainda se
desenvolvem no próprio local de trabalho e lentamente foram resultando nas sucessivas
vitórias dos patrões. Para ganhar essa luta, os capitalistas valeram-se não apenas de seu
aparato econômico, mas também do poder policial e militar do Estado (CRUDO, 1999, p.26).
No modo de produção capitalista, procurou-se associar ao trabalho, em termos
econômicos, aspectos que passavam pela sua positividade, que ele era considerado gerador
de riqueza; mas se apresentava carregado de uma ocultação da realidade devido ao seu caráter
alienante. O trabalho no capitalismo torna-se alienado porque transforma o trabalhador em
mercadoria de compra e venda. Tal alienação revela-se mais perversa quando se nega ao
trabalhador a visão do conjunto do que ele está fabricando.
O trabalho, assim como todos os processos vitais e funções do corpo, é uma
propriedade física e mental inalienável do ser humano, visto que constitui elemento
inseparável da pessoa que o possui, e a força de trabalho é a capacidade de executar uma
tarefa, portanto constitui elemento de barganha. Porém, a forma que assume sob as relações
dominantes capitalistas, na incapacidade de comprar o trabalho em si e na necessidade de
comprar a força para executá-lo, foi e ainda continua sendo repleta de conseqüências para a
classe trabalhadora. O modelo de economia marcado pelo capitalismo industrial exige
6
Kerche, Neuza Maria Erthal. Vadiagem ou trabalho ordeiro: uma visão sobre o trabalhador mato-grossense.
2ªed. Cuiabá: CAGEL, 1999, p.91.
40
intercâmbio de relações, mercadorias e dinheiro, mas o que o difere de outros momentos da
história da economia são as relações dadas por meio da venda da força de trabalho pelo
trabalhador e a sua compra pelo empregador (BRAVERMAN, 1987).
Saviani define o trabalho como o ato de agir sobre a natureza, adaptando-a às suas
necessidades. Para o autor, o trabalho define a essência humana, e para que o homem possa
dar continuação à espécie precisa constantemente produzir a própria existência através do
trabalho. Isto faz com que a vida do homem seja determinada pela maneira como ele produz
seu modo de viver (SAVIANI, 1994, p.152). Portanto, infere-se que o trabalho, fonte criadora
da existência humana, converte-se na sociedade capitalista, de afirmação da essência humana
em negação de sua humanidade, dada pelo processo de degradação, expropriação e
desqualificação do trabalhador.
O movimento que constitui a trajetória do trabalho no modo de produção capitalista,
desde o período manufatureiro até ao capitalismo moderno capitaneado pelas grandes
multinacionais, evidencia profundas transformações, marcadas, principalmente, no que se
refere à divisão social e técnica do trabalho, à associação de métodos científicos na gestão da
produção por meio do “taylorismo/fordismo”
7
e, por fim, à articulação de ciência e
tecnologia no aparelho de produção.
7
Os cientistas clássicos foram os primeiros a cuidar, de um ponto de vista teórico, dos problemas da organização
do trabalho no seio das relações capitalistas de produção, através da aplicação dos métodos da ciência aos
problemas complexos e crescentes do controle do trabalho nas empresas. A gerência científica parte não do
ponto de vista da força de trabalho humano, mas do ponto de vista do capitalista. Não procura descobrir e
confrontar as causas das relações antagônicas entre capital e trabalho, mas as aceita como um dado “natural”.
Não investiga o trabalho em geral, mas a sua adaptação às necessidades do capital. Taylor desenvolveu
princípios fundamentais que expressavam cada vez mais a dominação do modo de produção capitalista. Esses
princípios, tais como dissociação do processo de trabalho das especialidades dos trabalhadores que passava
fundamentalmente pela defesa da independência do ofício em si do conhecimento do trabalhador; separação da
concepção da ação “todo possível trabalho cerebral deve ser banido da oficina e centrado no departamento ou
projeto” e utilização deste monopólio do conhecimento para controlar cada fase do processo de trabalho e seu
modo de execução foram se tornando prática rotineira na maioria dos processos, que aumentavam em
complexidade enquanto ao trabalhador não era permitido partilhar desse movimento; ficou cada vez mais difícil
para a classe trabalhadora compreender os processos nos quais atuava. (BRAVERMAN, 1987). Acrescente-se
ainda o entendimento de que fordismo, fundamentalmente, é o modo pelo qual a indústria e o processo de
41
O trabalho sob o signo da produção necessária à sobrevivência, ao ceder lugar para as
máquinas, assumiu a condição da produtividade e do consumo exagerado em detrimento da
concepção do seu uso para a promoção equilibrada do bem-estar de todos. A sua
transformação em mercadoria de compra e venda na sociedade capitalista adquiriu
importância central nas vidas de homens e mulheres, visto que com ele construiu-se um mito
da acumulação de riqueza, da aquisição de bens. Contudo, revela também aspectos de uma
contraditória realidade nas relações que destroem, promovem a união e o contrário e desse
movimento resulta a história da civilização.
Se analisar os avanços da tecno-ciência, nota-se que eles favoreceram grandes
transformações na vida social, promovendo a melhoria da qualidade de vida de determinado
grupo social. Porém, convive-se também com o contrário, no aumento cada vez maior do
número dos que não têm acesso à produção e aos bens produzidos. Se levar em conta as
condições históricas impostas pelo regime de acumulação do capital, verifica-se que o homem
também se depara com situações degradantes reveladas nas práticas de expropriação da força
de trabalho.
À luz dos referenciais teóricos adotados, pode-se considerar que a história do trabalho
evidencia que o mesmo criou o homem, e das relações por ele e por meio dele engendradas é
que a sociedade se auto-produz, mas a forma que ele assume no modo de produção capitalista
é de alienação. Em função do dito, toma-se como referência para este estudo o conceito de
trabalho como toda atividade do homem que transforma os elementos encontrados na natureza
em produtos necessários ao seu bem-estar e, nesse processo, vai construindo novas formas de
relações sociais. No entanto, as condições históricas impostas pelo regime de acumulação do
trabalho consolidaram-se ao longo dos séculos XX, cujas características básicas constituíam-se na produção em
massa, na linha de montagem e em produtos mais homogêneos; no controle do tempo e movimento pelo
cronômetro fordista e na produção em série taylorista; na existência do trabalho parcelar e na fragmentação das
funções, na existência de unidades fabris concentradas e verticalizadas e, principalmente, na separação entre
elaboração e execução no processo de trabalho (ANTUNES, 1997).
42
capital revelam um lado perverso da relação capital-trabalho: a distância e as diferenças entre
as classes sociais estão se cristalizando, e o sistema capitalista não consegue democratizar as
oportunidades. Trata-se de reconhecer que ocorre uma luta entre o pólo da acumulação de
riqueza e a grande maioria. Portanto, nessas condições que se revelam contraditórias, os
homens também estabelecem determinadas relações econômicas, sociais, políticas e
ideológicas e, nesse movimento, transformam-se e constroem a sua história.
1.1 A relação entre trabalho e educação
A realidade concreta revela no modo de produção capitalista a divisão entre os
proprietários dos meios de produção e a classe que dispõe da força de trabalho, da qual
emergem relações econômicas, políticas, sociais e ideológicas que resultam num processo
educativo; portanto, “os fatos educacionais podem ser convenientemente entendidos
quando expostos conjuntamente com uma análise sócio-econômica das sociedades em que
têm lugar” (PONCE, 2003, p.10) o que exige para o presente estudo a busca da compreensão
das condições em que trabalho e educação se relacionam.
Importante registrar que ambas as categorias são amplas e complexas, fato que torna
impossível, num único capítulo, descrever as suas longas trajetórias com riqueza de detalhes.
Portanto, a intenção deste texto não foi historicizar com pormenores a educação em si, mas
compreender aspectos da relação entre educação e trabalho, em linhas gerais, para que se
aclarasse a interpretação do objeto educação profissional nos anos noventa, ainda que se
pudesse incorrer no risco de omitir fatos importantes que lhes deram e ainda dão o real
formato.
Isto encontra suporte nos escritos de Marx, que elucida:
a sociedade burguesa é a organização histórica da produção mais
desenvolvida e mais variada que existe. Por esse fato, as categorias que
43
exprimem as relações desta sociedade e que permitem compreender a sua
estrutura e as relações de produção de todas as formas de sociedade
desaparecidas, sobre cujas ruínas e elementos ela se edificou, de que certos
vestígios, parcialmente ainda não apagados, continuam a subsistir nela, e de
certos signos simples, desenvolvendo-se nela, se enriqueceram de toda a sua
significação (
MARX, 1983, p.223).
À luz do que foi analisado até agora, infere-se que trabalho e educação coincidem com
a existência humana, visto que as distintas características do fazer humano decorrente de cada
modo de produção resultam num processo educativo variado, porque marcado por diferentes
épocas: as relações de produção comunal primitiva, o modo de produção escravocrata na
Antiguidade, o trabalho servil no feudalismo e, no sistema capitalista, a compra e venda da
força-de-trabalho. Deve-se lembrar que os processos de transição ocorridos entre cada um
desses momentos deram-se de forma lenta, mas, significativa, influenciando nos
comportamentos das pessoas e, por conseguinte, nas formas de se relacionarem.
Inicialmente, os homens produziam sua existência em regime comunal através da
ajuda mútua entre homens, mulheres e crianças no desenvolvimento das atividades
necessárias à sobrevivência. Isto assegurava a todos os membros da comunidade o domínio
das técnicas de trabalho e permitia o crescimento do grupo, e nesse intercâmbio de relações e
interesses comuns ocorria um aprendizado espontâneo. Nessa sociedade, “o dever ser, no qual
estava a raiz do fato educativo, lhes era sugerido pelo seu meio social desde o momento do
nascimento das crianças” (PONCE, 2003, p.21).
Entretanto, o próprio estágio de desenvolvimento dessa sociedade permitiu que
surgisse no seu interior determinado grupo de indivíduos
8
que se mantinha às custas do
trabalho da maioria. Isso possibilitou aos primeiros irem, aos poucos, se ocupando de
atividades que lembram a administração e organização das relações de produção e, dessa
8
As relações de trabalho nos primórdios da comunidade primitiva foram aos poucos engendrando novas formas
de organização através da distribuição dos produtos, da administração da justiça, da direção das guerras, da
supervisão dos sistemas de irrigação, que aos poucos foram exigindo certas formas de trabalho social
ligeiramente diferentes do trabalho material propriamente dito. Cf. Ponce, 2003, p.22.
44
forma, com o tempo foram se estabelecendo interesses distintos e desiguais. Assim, o
conhecimento, a educação, que ocorria como algo natural e implícito no meio social da
sociedade primitiva ia passando para um ideário pedagógico, separado do meio e concernente
aos “superiores”.
O desaparecimento desse ideário pedagógico coincidia com o momento em que
ocorria a substituição da propriedade comum pela privada, que engendrava novas formas de
relações de trabalho. O processo educativo passava a consistir em um meio do qual os
proprietários se utilizavam para manter a classe oprimida presa à sua condição de explorada.
Assim, julga-se que, com o aparecimento das classes sociais, os proprietários dos
meios de produção procuraram manter seu status quo, expresso nas estratégias
9
de
expropriação do conhecimento acumulado ao longo dos anos pelas antigas tribos, que é
substituído por uma outra concepção: a da aceitação da hierarquia que apareceu na estrutura
econômica daquela sociedade. Pode-se, portanto, concluir, que na sociedade primitiva o
surgimento da educação foi um privilégio utilizado para inculcar novos ideais, notadamente o
da condição de subalternidade.
É importante lembrar que essas transformações ocorreram lentamente, mas deram base
ao aparecimento da sociedade escravocrata, por volta do século VII a.C. No modo de
produção escravocrata evidenciava-se, grosso modo, um meio de “educar” para a aceitação da
condição de classe submissa: a adoção de várias estratégias que caracterizavam o treinamento
“militar” severo para manter os dominados obedientes e embrutecidos. Isso leva a
compreender que, no contexto socioeconômico daquela sociedade, a educação apresentava
9
Registraram-se práticas coercitivas adotadas pelos sacerdotes, magos e sábios, para “desvelar” aos jovens o que
estava por trás dos mitos e superstições oriundos da larga experiência das tribos, como uma maneira de criar um
novo e diferenciado processo educativo do qual emergiria uma nova concepção de realidade e, mais tarde, a
escola a serviço de uma classe. Surgem também como conseqüências necessárias, uma religião com deuses, a
educação secreta, a autoridade paterna, a submissão da mulher e dos filhos e a separação entre trabalhadores e os
sábios ( Verificar Ponce, 2003, p. 27; 31).
45
um ideário dicotômico, porque “por um lado, reforçava o poder dos exploradores, e por outro,
fortalecia a condição de explorado da grande maioria” (PONCE,2003,p.42).
Já no contexto do modo de produção feudal, a educação aparecia, cada vez mais e com
maior nitidez, como o contrário do trabalho e da produção. “O campo do educativo, tal como
ia se configurando, tinha uma função social específica: cultivar o espírito e a cabeça, não as
mãos” (ARROYO, 2002, p.84). Assim, a institucionalização da prática educativa para os
trabalhadores “nascia muito mais para destruir e negar os processos educativos por onde eles
se davam, na prática social e produtiva, do que para transmitir sob controle o saber
sistematizado”(ARROYO, 2002, p.85). Nessas sociedades, a vinculação entre educação e
trabalho era marcada por uma separação entre, por um lado, a nobreza e o clero e, por outro, o
povo e pelo cultivo do conhecimento como um privilégio da classe dominante.
Notadamente, as condições materiais do modo de produção feudal foram gerando no
seu interior novas castas de comerciantes oriundos das camadas populares, e disso emergiram
novas formas de relações sociais que influenciaram, particularmente, no antigo ideário
pedagógico que se destinava à formação da aristocracia, estendendo-a para a denominada
pequena burguesia que aos poucos se fortalecia.
De forma sintética, é importante afirmar-se que no interregno entre o século XIII e o
XVIII ocorreram importantes mudanças no interior da sociedade feudal, que passaram desde
as disciplinas dos dogmas religiosos, a luta pela expansão da educação para a pequena
burguesia, o confronto entre a submissão e a afirmação da própria personalidade até o
fortalecimento da classe burguesa e que, mesmo assim, a proposta pedagógica defendida pela
sociedade emergente para o povo ainda se caracterizava como necessária ao controle das suas
condutas e “aprimoramento” no seu ofício; permanecia, ainda a tendência ao ideário da
educação como um meio para inculcar a condição de subalterno. È possível perceber na
46
trajetória da história da economia à medida que se vai aclarando a distância entre as classes,
que também, aos poucos, coincidem concepções diferenciadas de educação.
A preocupação com a busca de maior produtividade e acúmulo de capital fez surgir no
capitalismo industrial a articulação de ciência e tecnologia no aparelho da produção. Com a
Revolução Industrial, o capitalista aos poucos começava a perceber que a operação de
máquinas modernas e complicadas por um trabalhador sem escolaridade mínima traduzia-se
ineficaz e trazia prejuízos àquele. Dessa realidade emergiam ideais de um novo modelo de
escola, bem diferente daquela que já possuía um largo conhecimento acumulado e a cultura de
educar a classe dominante, mas uma outra escola, que tomasse o trabalho como um elemento
educativo na produção do novo trabalhador.
Neste sentido, era necessário revolver o campo educativo construído durante séculos;
“nesse campo deveria caber o trabalhador, sua produção, instrução e educação, para tirá-lo da
ignorância e, [...] para reeducá-lo nos novos hábitos de disciplina, [...] a disciplina do tempo,
do trabalho, da economia, do esforço” observa-se Arroyo (2002, p.87). Os escritos do autor
remetem a interpretar que, no contexto da sociedade industrial, a preocupação dos donos dos
meios de produção não se centrava apenas em estender a educação aos trabalhadores para
torná-los instruídos, mas na necessidade de a escola qualificá-los para o novo modo de
organização da produção.
Isto explica o reduzido número de horas para as aulas teóricas destinadas à síntese do
que ocorria na produção, visto que os proprietários já haviam percebido que existia um
processo educativo muito significativo na fábrica, a tal ponto que, apesar da expansão da
escola pública à população pobre, esta se via impedida de freqüentá-la diante da necessidade
de buscar o seu sustento e da sua família. Avalia-se que a presença de homens, mulheres e até
47
crianças nas longas jornadas de trabalho nas fábricas revela o caráter de classe da educação
defendida pela burguesia da Revolução Industrial.
O modo de produção capitalista evidencia um caráter ambíguo que se expressa no fato
de que quanto mais o capital se desenvolve exige cada vez menos qualificação do trabalhador,
visto que desenvolve meios de separá-lo do processo do conhecimento total do seu ofício,
mas, contraditoriamente, com o desenvolvimento em si criam-se relações sociais e formas de
viver que exigem que este mesmo trabalhador tenha cada vez mais conhecimentos que lhe
permitam compreender, manipular e usufruir os benefícios da alta tecnologia, segundo
Kuenzer (1988, p.122). Os escritos de Braverman (1987), apesar de neles perpassarem
aspectos que lembram posturas radicais e pessimistas, também apontaram nessa mesma
direção, ao defender, um ano antes, a tese da degradação do trabalho no século XX no livro,
Trabalho e capital monopolista.
A trajetória do crescimento da economia capitalista, que de início se apoiava na
destreza e na habilidade individual do trabalhador, apresenta, aos poucos a criação de novos
processos de divisão do trabalho e de um novo ideário educativo que se revela cada vez mais
específico por meio da separação entre concepção e ação. A pedagogia decorrente de tal
modelo de economia marcava-se por cnicas de memorização, pela disciplina e por
conteúdos fragmentados. Sabe-se que tais estratégias podem dificultar ao trabalhador a
possibilidade de abarcar a totalidade de conhecimento que envolve a sua prática, pois o fato
de lhe restar o domínio de uma habilidade específica faz com que ele fique cada vez mais
alheio ao seu ofício.
Embora as alterações nas bases materiais de produção apresentem novas
características, reveladas na intensificação de práticas transnacionais na economia com altos
padrões de produção e de consumo, nas formas de comunicação com as redes interplanetárias,
48
no acesso às informações, na uniformização e integração de hábitos comuns, essas
características não superam a divisão social e técnica do trabalho (KUENZER, 1998a, p.2).
Ao contrário, fragmentaram cada vez mais o domínio da totalidade do ofício e expropriaram o
direito do trabalhador ao conhecimento da ciência e tecnologia referentes à sua atividade.
Nesse sentido, infere-se que enquanto houver a cisão entre capital e trabalho, que
influi na divisão da sociedade em classes e dessas relações são engendradas as políticas ,
corre-se o risco de a escola continuar sendo uma simples engrenagem dentro do sistema
geral de exploração” (PONCE, 2003, p.182), pois “as ciências da educação se mostram mais
resistentes do que outras ciências a superar velhas concepções em que a educação das classes
trabalhadoras não tem espaço” (ARROYO, 2002, p.92). Qualificado-desqualificado,
emprego-desemprego, educação-trabalho, proprietário-trabalhador representam resultados das
contradições que surgem das bases materiais de produção. Não como negar que o
conhecimento acumulado na sociedade capitalista está carregado de influências ideológicas e
que a educação, por sua vez, constitui-se uma peça da engrenagem da superestrutura, que
pode contribuir para inculcar nos trabalhadores essas representações do ponto de vista da
ideologia dominante.
Buscando compreender o problema da relação entre educação e trabalho no Brasil,
verificou-se que as discussões tendem a analisar as políticas de ensino médio e
profissionalizante, e passam pela crítica à dualidade concretizada em currículos voltados para
a preparação do desempenho de funções intelectuais e/ou para atividades práticas e pela
defesa da categoria trabalho como princípio educativo.
49
Existem, ainda, os que denunciam
10
que a falta de aprofundamento teórico constitui
um ponto frágil no trato dessa questão, reconhecendo que em função da superficialidade ou da
insuficiência teórica resulta um caráter ambíguo das análises. Aliás, Kuenzer alertava, na
década de 80 que
a falta de compreensão teórica da relação entre educação e trabalho, bem
como a dificuldade de apreender como ela tem cotidianamente ocorrido no
interior das formas concretas que a contradição entre capital e trabalho
assume tem concorrido para a formulação de políticas educacionais e
propostas pedagógicas discutíveis (KUENZER, 1988, p.12).
Para a autora, na medida em que, no sistema capitalista de produção, ocorre a ruptura
entre concepção e ação que passa pela exigência de profissionais atuando em cargos e funções
diferenciadas sem o domínio total do seu ofício, a educação também se constitui conseqüência
natural desse princípio.
A problemática da relação trabalho e educação, especialmente no nível do sistema
educacional e de instituições de formação profissional, evidencia a reprodução da concepção
dominante de trabalho, que tende a reduzir este a uma simples mercadoria de compra e venda
e, dessa forma, exerce uma relação velada que impede a visão mais ampliada de que o
trabalho na sociedade capitalista é uma relação social fundamental que define o modo humano
de existência e que, contraditoriamente, é também relação de força, de poder e de violência.
Essa visão mais alargada deve tomar como referencial pedagógico uma concepção de trabalho
que supere a mera questão que responde somente ao mundo das necessidades mas,
principalmente, envolva as dimensões sociais, estéticas, culturais, artísticas, de lazer, ou seja,
o mundo da liberdade (FRIGOTTO, 2002a, p.13-26).
10
Cf. Frigotto, Gaudêncio. Trabalho, conhecimento, consciência e a educação do trabalhador: impasses teóricos
e práticos; Nosella Paollo, Trabalho e educação (...); Arroyo, Miguel. O direito do trabalhador à educação, in:
Trabalho e conhecimento: dilemas na educação do trabalhador. Minayo, C. Gomes (et al). 4. ed. São Paulo,
Cortez, 2002; Arroyo, Miguel. Trabalho-educação e teoria pedagógica, In. Educação e crise do trabalho:
perspectivas de final de século. Gaudêncio Frigotto, Org. Petrópolis, RJ: Vozes, 1998, p.139.
50
Acrescente-se a isto, no tocante à problemática da educação, que
a luta pela escola tem sido uma luta secular da classe trabalhadora. Mas
certamente o saber, o conhecimento que a classe trabalhadora busca na
escola não coincide, necessariamente, com o saber historicamente
acumulado sob a hegemonia da burguesia (FRIGOTTO, 2002a, p.19).
Minayo, ao se referir aos estudos que valorizam as iniciativas de empresários para a
qualificação de seus profissionais, chama a atenção para o fato de que aqueles não levam em
conta os meandros da dominação exercida pelo capital sobre o trabalho e desconsideram que
“o privilégio da formação no interior da unidade produtiva revela, além da eficiência nos
aspectos práticos, a importância para o capital da criação de uma relação de dependência entre
patrões e empregados” (MINAYO, 2002, p.46). Desta forma, a expansão da educação, que se
constitui em produto da luta de classes, exerce a função de veículo de dominação e disciplina.
A partir desta compreensão, ainda que diante da possibilidade de superestimar os
limites e contradições da educação escolar pública na tentativa de apreender formas de
articular “o saber que se produz na prática com o saber teórico” (KUENZER, 1985), esta
educação deve se constituir num esforço coletivo realizado pelas diretrizes políticas e escola,
visando a uma nova práxis. É necessário que esta esteja calcada não na percepção de que o
trabalho em si constitui o princípio educativo, mas na compreensão de que a produção do
conhecimento crítico deve partir das reais relações sociais de produção. Em face disso,
compreende-se que uma política de educação que desconsidere tais contradições e não aponte
a necessidade de superá-las, ao determinar elementos para a construção de um projeto de
educação do trabalhador na perspectiva de formação específica para o mercado de trabalho
por meio de cursos de caráter profissionalizante separados da educação científica e sócio-
histórica, contribui ainda mais com a desqualificação da classe trabalhadora.
51
Portanto, compreender que o trabalho na sociedade capitalista resulta em mercadoria
de compra e venda e que dessa relação derivam formas de poder, políticas, econômicas e
sociais deve constituir o ponto de partida para o entendimento da relação trabalho-educação.
Isso requer, além da simples ruptura com o conceito de educação “funcionalista, utilitária e
unilateral”
11
da lógica capitalista, mas, sobretudo, o reconhecimento do processo educativo
que ocorre por meio do trabalho numa concepção alargada que passa por múltiplas
dimensões. Esse novo princípio educativo, ao orientar as políticas educacionais e a prática dos
docentes, talvez possa contribuir para que os responsáveis pela educação se constituam em
mediadores para que os alunos possam atuar de forma crítica e política no mundo do trabalho.
Como se pôde ver, educação e trabalho constituem-se categorias históricas que se
constroem nas relações sociais e, por conta disso, são vulneráveis a conflitos e jogos de
interesses. A trajetória dessas categorias mostra que sempre tencionaram para os processos
determinados pelas demandas das elites dominantes, apesar das resistências, iniciativas e
pressões da classe trabalhadora.
A busca do conhecimento acerca da realidade que revela as tramas da luta de classes
que se no cotidiano da produção por meio da divisão social do trabalho constitui um
grande desafio para se garantir políticas e práticas educacionais na perspectiva da classe
trabalhadora. Entretanto, a escola no capitalismo constitui um acessório indispensável à
produção, visto que lhe compete a função de preparar para acompanhar a modernidade e
preencher as lacunas técnicas e políticas através da teorização da prática, pois ela permite
manipular os requisitos e exigências de forma a possibilitar maiores lucros (MACHADO,
1989a, p.31).
11
Pode-se dizer que esse modelo de educação passa pela questão do ensino conteudista, livresco,
descontextualizado e abstrato, que procura consolidar nas cabeças dos alunos os divórcios característicos da
própria divisão de trabalho do capital mundial: entre escola e sociedade, entre trabalho intelectual e trabalho
manual, entre saber erudito e saber popular, entre o individual e o social, entre ciência e técnica, entre teoria e
prática. Cf. Arruda, Marcos A articulação trabalho-educação visando uma democracia integral. In Minayo, C.
Gomes et al. Trabalho e conhecimento: dilemas na educação do trabalhador. São Paulo: Cortez, 2002, p. 66.
52
1.2 Educação profissional no Brasil
O objetivo do texto que ora se desenvolve implica no esforço de identificar as
possíveis demandas da economia brasileira que deram forma à educação profissional, que o
estudo da trajetória histórica da educação para a classe trabalhadora conduz à interpretação de
que ela ocorreu e ainda hoje ocorre num cenário de trama de relações sociais. Desta forma,
pretende-se compreender que o Estado, enquanto responsável pela implementação de
políticas, constituiu elemento importante no papel de reprodução das demandas dominantes, e
a realização dessa tarefa baseia-se nos estudos
12
disponíveis sobre a temática.
Enquanto na Europa o modo de produção capitalista havia se concretizado e o
direito para a educação à população deixara de ser uma luta para ser uma realidade, no Brasil,
ainda na primeira metade do século XX, a sociedade brasileira convivia com a herança
cultural
13
da exploração da mão-de-obra escrava e indígena do antigo sistema colonial, cuja
idéia era a de que os trabalhadores brasileiros eram preguiçosos e indolentes. Esse preconceito
“foi estendido ao longo da história a toda a população livre e pobre, que resistia a se submeter
ao trabalho nos moldes exigidos pelo capitalismo” (CRUDO, 1999, p.28). Por outro lado, essa
visão depreciativa se estendia também à educação, uma vez que havia o receio por parte da
classe dirigente de garantir ao trabalhador o direito à instrução para não se deparar com um
operário que soubesse ler e discutir os seus direitos. Na verdade, ainda hoje, “a educação
precisa ser defendida com a ênfase que merece” (ARROYO, 2002, p.76).
12
Ver Cunha, Luiz Antonio. O ensino de ofícios nos primórdios da industrialização, São Paulo. Ed. Unesp;
Brasília:Flacso,2000; Machado, Lucília Regina de Souza. Educação e divisão social do trabalho: contribuição
para o estudo do ensino técnico industrial brasileiro. 2. ed. São Paulo: Autores Associados; Cortez, 1989b:
(Coleção educação contemporânea); Manfredi, Silvia Maria. Educação profissional no Brasil. São Paulo: Cortez,
2002.
13
Segundo Manfredi (2002, p.71), o sistema escravocrata deixou marcas profundas na construção das
representações sobre o trabalho como atividade social e humana, pois a imposição de um padrão civilizatório
europeu aos nativos e escravos afugentava os trabalhadores livres.
53
Alíás, segundo Cunha (2000a, p.89), a atenção dada pelos próprios historiadores da
educação brasileira demonstra a tendência “a preocupação com o ensino das elites e do
trabalho intelectual”, assim como a análise da história da educação profissional no Brasil
demonstra a tendência a se constituir uma alternativa para determinados grupos sociais. Pode-
se observar essa concepção nas primeiras escolas a dar ênfase ao trabalho, criadas para
atender a presidiários, bandidos, jovens rebeldes necessitados de correção e castigo.
No Brasil colônia, foi pequena a oferta da educação profissional, visto que nos
primeiros anos, num contexto de economia baseada na agroindústria açucareira, predominava
o modo de organização escravocrata, o qual não exigia mão-de-obra qualificada. Todavia,
com a expansão da agroindústria associado ao crescimento das atividades de mineração, aos
poucos surgem, na zona urbana, novos ofícios nas áreas de comércio e serviços. Vale registrar
a atuação dos jesuítas na formação de mão-de-obra especializada “nos primeiros núcleos de
formação profissional, as escolas-oficina” (MANFREDI, 2002, p.68) para formar sapateiros,
pedreiros, carpinteiros, ferreiros, etc.
No Império, com a transferência da sede do reino para o Brasil, em 1808, ocorreram
significativas
14
mudanças na economia e na política; a implantação do sistema educacional
voltou-se para o ensino acadêmico com vista à educação superior.
Na República Velha, continuaram a ocorrer mudanças na economia principalmente
pela concretizada extinção da escravatura, e pela expansão da atividade cafeeira e o início
da aceleração do processo de industrialização e urbanização, bem como a cristalização do
projeto de imigração, fatores que influenciavam novas relações nos trabalhadores brasileiros.
Nessa época, apesar de apenas determinadas camadas da sociedade terem acesso à educação
14
Foi possível observar, dentre outras, o estabelecimento de novas relações de intercâmbio e de exploração.
Ocorreu empreendimento industrial estatal e privado, assim como gestou-se o Estado Nacional e a constituição
do aparelho educacional (Manfredi, 2002, p. 72).
54
acadêmica, são criadas no governo de Nilo Peçanha dezenove escolas de aprendizes e ofícios,
em algumas capitais do país.
O uso do trabalho como uma forma de disciplina ou para ensinar um ofício se exercia
sob a concepção de educação assistencialista. “Se hoje, tal concepção, pelo menos no vel
governamental, é escamoteada por um discurso que se supõe democrático, naquele contexto
histórico, o próprio Estado assumia aquele ensino como predestinado para as camadas mais
desfavorecidas” (MACHADO, 1989b, p.30) e, assim, o Estado tomava para si o papel de
legitimador dos ideais das relações sociais dominantes.
Machado (1989a, p.22), ao realizar uma retrospectiva histórica do ensino técnico-
industrial no Brasil, tenta demonstrar que as mudanças que lhe deram forma não ocorreram de
modo isolado das transformações que também aconteceram nas bases das relações sociais.
Assim, até 1930 predominava no país um tipo de economia agroexportadora sob a
concentração em grandes propriedades, que acabava influenciando políticas voltadas para os
interesses das oligarquias rurais.
No período pré-revolução de 30 explicitavam-se políticas educacionais voltadas para
os cursos propedêuticos e preparatórios para a universidade, apesar da defesa de propostas
diferenciadas entre segmentos da sociedade. Um grupo defendia a equiparação de todas as
escolas ao status do Colégio Pedro II ensino de qualidade para todos que tivessem acesso
e um outro grupo lutava pela diferenciação e fragmentação do currículo. Essas controvérsias
velavam uma questão fundamental: “quem e como se poderia controlar o acesso à cultura
sistematizada e a quem se poderiam conferir privilégios educacionais” (MACHADO, 1989a,
p.204). Diante do jogo de forças, o governo federal, ao optar pela manutenção da qualidade de
ensino nos cursos acadêmicos, assumia as concepções e os valores da classe dominante, visto
que naquele contexto social e econômico somente uma minoria tinha condição de acesso.
55
“Este zelo, num momento de clientela ainda muito reduzida e de escassez de estabelecimentos
de ensino era, na verdade, o selo a imprimir o caráter de classe do ensino secundário”
(MACHADO, 1989a, p.204).
No processo tardio de industrialização brasileira o privilégio do ensino humanista
tradicional assegurava a cultura para as minorias que constituíam a elite do país, num contexto
de exploração de mão-de-obra analfabeta para as poucas demandas do mercado, visto que o
direito dos trabalhadores de se tornarem esclarecidos e cultos ainda não era visto pelos
proprietários como uma necessidade dos meios de produção.
A partir da década de 30, ocorre um movimento na economia marcado pela ascendente
sociedade industrial que aos poucos se fortalecia economicamente e influenciava na
aceleração do processo de divisão social do trabalho com a busca das novas formas de gerir o
processo de produção em bases científicas. A concretização dessas condições materiais
demandaria novas relações de trabalho e um outro caráter para a educação profissional,
evidenciando que o empresariado passava a reconhecer que o trabalhador brasileiro, cuja
maioria possuía experiência no trato com a agricultura, precisaria ser “educado” para as novas
técnicas científicas já em experiência na Europa e nos Estados Unidos da América.
Entendia-se, portanto, que o ensino que apresentava a prática histórica de um currículo
voltado para as humanidades e ciências era abstrato e não daria conta de preparar o perfil de
trabalhador adequado às necessidades daquela economia, tornando-se necessário um outro
modelo de educação voltada para o trabalho que ganhava espaço nas políticas públicas.
O avanço das forças produtivas do modo de produção capitalista no país imprimia uma
guinada nas concepções acerca da educação profissional como um fator importante para a
melhoria da capacidade dos trabalhadores; diante disso, o Estado passou a assumir uma outra
postura e a divulgar novos valores a respeito desse nível de ensino, visto que era necessário
56
que mais e mais pessoas se interessassem em se constituir como força de trabalho
(MACHADO, 1989b, p.30).
As antigas instituições dedicadas ao ensino compulsório de ofícios artesanais e
manufatureiros cederam lugar a redes de escolas profissionalizantes que se ocupariam da
qualificação dos homens livres dos setores urbanos para o trabalho assalariado (MANFREDI,
2002, p.80). Verifica-se, neste ponto, que a especial atenção dada nas políticas públicas à
educação profissional, sob o enfoque de formação para o mercado de trabalho, nascia em
função do movimento do capital, que anunciava a necessidade de mão-de-obra qualificada.
No Estado Novo, o fortalecimento das condições materiais da indústria conferia a
concretização do caráter de classe da educação profissional, pois esta apresentava cada vez
maior necessidade de se configurar numa estrutura educacional sintonizada com a divisão
social do trabalho. Portando, apesar da sua expansão, observa-se a definição de uma política
de formação profissional como um subsistema em relação ao ensino regular, com a criação de
algumas escolas técnicas destinadas á formação de mão-de-obra de acordo com as demandas
do sistema produtivo.
No contexto do Brasil que vivia o intervencionismo estatal na economia, o Estado
criava grandes companhias
15
para impulsionar o desenvolvimento econômico nacional,
notadamente nos setores de indústria. Verifica-se a preocupação com a elevação dos cursos de
qualificação profissional no mesmo nível dos cursos de 2º ciclo, o que equivale hoje ao ensino
médio. Contudo, nas tantas reformas do ensino ocorridas desde as Leis orgânicas de 1901,
1911, 1915, 1925, 1932, era possível observar que a característica dos níveis escolares foi
15
Nesse período criaram-se a Companhia Siderúrgica Nacional (1941), a Coordenação de Mobilização
Econômica (1942), o Conselho Nacional de Política Industrial e Comercial (1944) e a Conferência das Classes
Produtoras no Brasil (1945).
57
sempre a do ensino primário seguido do ensino secundário geral e completada pelo ensino
superior profissionalizante como último estágio.
Paralelamente a esses modelos de educação, as próprias reformas criavam alternativas
de estudos para as áreas profissionais. Finalmente com a Reforma Capanema de 1942, ao criar
os ramos de ensino secundário, agrícola, industrial, comercial e, um pouco mais tarde, o
normal, o ensino profissionalizante passa a atrair os alunos que aspiravam a um emprego e
não tinham condições de acesso ao nível superior. Tal reforma tinha como objetivo qualificar
força de trabalho para os setores da produção e da burocracia que passaram a exigir políticas
profissionalizantes, mas de não garantia, aos trabalhadores que freqüentassem os cursos, do
direito à equivalência dos estudos no nível secundário. Pode-se considerar que a elevação do
ensino profissionalizante ao nível de grau foi uma conquista da classe trabalhadora, pois
aconteceu num contexto caracterizado pelas pressões sobre a estrutura do Estado. Na verdade,
não resta dúvida que houve motivos para um crescimento acentuado do
ensino técnico industrial no Brasil, entre 1930 e 1945. Este crescimento, por
sua vez, contou com a ingerência da própria empresa industrial e
principalmente com o estímulo e a pressão do Estado, de tipo claramente
intervencionista. Entretanto, pelo tipo de industrialização gestado, o
problema dos recursos humanos disponíveis, apesar de ser caracterizado,
muitas vezes, como fator de estrangulamento, não encontraria solução segura
em matéria de absorção pelo mercado de trabalho. [..]com as oscilações no
movimento de importação e exportação, não havia garantia de que, uma vez
qualificada uma quantidade maior de recursos humanos, esta seria absorvida
pelo mercado de trabalho (MACHADO, 1989b, p.42, 43).
Aos poucos o crescimento industrial criou nas cidades uma casta de trabalhadores
assalariados e desqualificados. Nesse período fortaleciam-se intensos debates educacionais no
âmbito da sociedade, motivados pela discussão em torno da proposta da primeira Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional, de 1961, que não conseguiu romper com o já criado
sistema de educação profissional paralelo, mas apresentou avanço ao reconhecer a
equivalência dos estudos oriundos dos cursos profissionalizantes.
58
Na realidade, ocorria que
os mecanismos legais e as estruturas formativas, historicamente construídas
ao longo das décadas de 40 a 70, foram cristalizando concepções e práticas
escolares dualistas: de um lado, a concepção de educação acadêmico-
generalista e [...] de outro, a educação profissional, na qual o aluno recebia
um conjunto de informações relevantes para o domínio de seu ofício
(MANFREDI, 2002, p.102).
Após dez anos do reconhecimento, na Lei 4.024/61, da equivalência dos cursos em
nível de grau, a Lei 5.692/71 procurou articular ensino acadêmico e profissionalizante, na
proposta de integração de ciência e técnica no currículo, porém não conseguiu eliminar na
prática a diferença entre estudos propedêuticos e técnicos. A tentativa do Governo Militar de
mudar a estrutura do ensino a partir do alto ficou em meio a uma tensão, pois, ao contrariar as
demandas da realidade concreta, não encontrou sustentáculo para a sua efetivação.
A aplicabilidade da habilitação para o trabalho no ensino de grau aos poucos foi
sofrendo ajustes e reajustes por meio dos Pareceres que procuravam dar abertura para ofertas
de currículos flexíveis. Na verdade, a tendência à educação acadêmica estava materializada
tanto nas escolas particulares como nas escolas públicas, para atender aos que aspiravam ao
ensino superior.
Nota-se que as tentativas de unificação
16
curricular no nível de grau resultavam em
um contra-senso, visto que os objetivos dos homens se brotam “quando se dão ou, pelo
menos, se estão gestando, as condições materiais para sua realização” (MARX, 1983, p.10), e
a realidade concreta das relações sociais anunciava a não possibilidade de a educação por si
eliminar a diferença fundamental entre estudos científicos e profissionais. Assim, pode-se
completar com a idéia de Cattani, o qual enfatiza que “o sistema pode até se pretender
16
Lucília Machado (1989a, p. 212-213) argumenta que o movimento de unificação escolar, apesar de fazer
parte de debates anteriores, ganhou espaço somente na lei de 1971, sem, no entanto, conseguir atingir a realidade
educacional, provavelmente por não dispor das condições objetivas necessárias à sua materialização. Entretanto
paralelamente observava-se o crescimento de um sistema de formação da força de trabalho.
59
unificado, encarregando-se as dificuldades de acesso e a seqüência do aprendizado de fazerem
a triagem” (CATTANI, 1996, p. 139).
Como não vingou a tentativa de articular ciência e técnica por meio da escola, no nível
de 2º grau, assumiu-se a velha dualidade com a Lei 7.044 de 1982, que ao referendar o ensino
das ciências no nível médio pode ter contribuído para distanciar os sistemas educacionais. A
consagração do caráter formal e acadêmico da referida Lei “acabou por se constituir em um
novo arranjo conservador, reafirmando a escola como um espaço para os já incluídos nos
benefícios da produção e do consumo de bens materiais e culturais” (KUENZER, 1997, p.25).
Na verdade, a sua homologação resultava no reconhecimento do caráter distinto da lógica da
divisão social e técnica do trabalho que exigia especialistas, por um lado e dirigentes, por
outro.
A instauração da Nova República, em 1985, anunciava a retomada do processo
democrático no país e trazia a necessidade de reformas. Iniciava-se então uma longa trajetória
marcada por alterações do contexto político e conseqüente correlação de forças nas
construções e desconstruções das propostas de Lei. No que concerne à elaboração das
diretrizes para a educação, elas ocorreram com avanços e recuos nas negociações e análises de
um projeto de lei que tramitava na Câmara dos Deputados e outro no Senado. A homologação
do projeto do Senador Darcy Ribeiro resultou na Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional nº. 9.394/96, na qual a educação profissional ganhava um capítulo específico.
A reforma educacional indicada por essa Lei possibilitou a articulação de ciência e
tecnologia no âmbito do ensino médio, mas o Governo Federal, por meio do Decreto 2.208 de
1997, optou pelo contrário. Infere-se que a realidade expressa pelas relações na economia e
política de cada estado se incumbiria de decidir que caminho seguir.
60
A análise da trajetória histórica da educação profissional no Brasil permitiu perceber
que ela nasceu sob o signo de atendimento às pessoas cuja condição de classe se revelava
desfavorecida em relação aos bens socialmente produzidos, como uma forma de
assistencialismo e/ou de aceitação da condição social e, posteriormente, de formação de mão-
de-obra para atender às demandadas do mercado. Percebeu-se que os momentos de ajustes e
reajustes das políticas públicas caracterizavam-se em arranjos do Estado para atender aos
interesses oriundos da base material de produção, ou seja, aos reclamos da classe dominante.
A história mostra que as constantes lutas e pressões pela educação entre elites-massas,
estado-povo, burguesia-proletariado caracterizam-se pela negação-expansão da educação.
Esse movimento enquanto práxis social resulta, na essência, de um processo pedagógico que
também educa a classe trabalhadora (ARROYO, 2002, p.79). Entretanto, ainda hoje,
[...] o direito à educação, os avanços das classes trabalhadoras na formação
do saber, da cultura e da identidade de classe continuam sendo
sistematicamente negados, reprimidos e, enquanto possível, desestruturados,
por serem radicalmente antagônicos ao movimento do capital (ARROYO,
2002, p.78).
Assim, verificou-se que os estudos
17
sobre a educação profissional no Brasil
procuraram entendê-la, a partir da década de 60, do ponto de vista da sua associação ao
desenvolvimento econômico do país como um meio de enfrentar as desigualdades sociais.
Nos anos 70, a defesa do oposto, através do reconhecimento de que a educação não passava
de mero elemento de reprodução da sociedade dividida. A década de 80 marcava-se pela
crítica às concepções anteriores e pela busca de aprofundamento teórico acerca das categorias
17
Maiores informações poderão ser encontradas na resenha elaborada por Kuenzer no livro Ensino de grau: o
trabalho como princípio educativo, Cortez, 1988, no qual procurou classificar os momentos de produção teórica
brasileira acerca da temática trabalho e educação. Frigotto também procurou comentar as inúmeras pesquisas
desenvolvidas no Brasil sobre educação e trabalho, contribuindo significativamente com uma análise crítica,
ampla e no particular da educação brasileira. Importante destacar sinteticamente a sua interpretação sobre a
Teoria do Capital Humano como meio de subordinar os processos educativos ao capital. Para o autor, por essa
via, o educativo não é concebido como tendo o locus no conjunto das relações e práticas sociais mundo do
trabalho como a escola, enquanto aparelho de luta hegemônica, passa a ser entendida como constituinte das
relações sociais. Cf. Educação e a crise do capitalismo real, Cortez,2003. p.25-53.
61
trabalho-educação
18
, a qual passava pelo reconhecimento da superficialidade dos estudos até
então desenvolvidos. Esse período foi muito importante, pois marcado pela reflexão e
avaliação do modo de pesquisar, da metodologia adotada e das formas concretas em que
trabalho e educação se imbricavam e que representavam nas práxis dos sujeitos. O balanço
reconhecia que a problemática da relação educação-trabalho na sociedade capitalista revestia
de conteúdos a preparação de indivíduos para a aceitação e incorporação das relações de
produção dominantes.
Portanto, a reflexão leva a interpretar que a natureza da educação profissional no
Brasil tomou em distintos momentos formas diferenciadas ao longo de sua trajetória, que
passou pela concepção de uma proposta de educação assistencialista, legitimadora da
condição social, pelo treinamento de mão-de-obra para uma indústria emergente e, por fim,
configura-se em qualificação profissional para atender à modernização tecnológica.
Demonstra ainda uma caminhada paralela à educação científica, como um subsistema e, nos
anos noventa, ganha um capítulo específico na Lei de Diretrizes e Bases da Educação, a ser
analisado no próximo capítulo deste trabalho.
18
São exemplos os trabalhos de: Frigotto, Gaudêncio. A produtividade da escola improdutiva. Um (re)exame das
relações entre educação e estrutura econômico-social capitalista. São Paulo: Cortez e Autores Associados, 1984;
Kuenzer, Acácia. Pedagogia da fábrica. As relações de produção e a educação do trabalhador. São Paulo: Cortez
e Autores Associados, 1985; Kuenzer, Acácia. Ensino de grau. O trabalho como princípio educativo. São
Paulo: Cortez, 1988; Machado, Lucilia de Souza. Politecnica, escola unitária e trabalho. São Paulo: Cortez e
Autores Associados, 1989a.
CAPÍTULO II
2 A reforma dos anos noventa: uma nova ênfase na educação para o
trabalho?
A racionalidade das mudanças no âmbito educacional é o resultado de suas inter-
relações com as demais esferas sociais das práticas humanas e destas com as transformações
gerais da sociedade (SILVA JÚNIOR, 2002, p. 86). Esse movimento, por sua vez, funda-se
nas mudanças que ocorrem na economia e no trabalho. Portanto, a busca de um entendimento
das reformas educacionais, particularmente na educação profissional, vista deste ângulo,
exigiu, necessariamente, no presente estudo, uma análise do desenvolvimento econômico.
Pode-se dizer que parece ser consenso no debate entre economistas e estudiosos da
economia que a relação capital e trabalho, a partir da segunda metade do século XX,
enfrentava profundas transformações na base material, marcadas pelo processo de
internacionalização da economia. O novo modelo da economia “mundializada” desde os anos
1970 transcendia as relações da economia de cada país e trazia conseqüências sobre essas
relações, visto que aquelas mudanças fizeram-se sentir nas estruturas jurídico-políticas e,
portanto, influenciavam em todas as relações e marcavam a maneira de agir e de saber de
homens e mulheres. Exerciam influencia, em particular no caso brasileiro, sobre um
movimento no sistema produtivo caracterizado pelo fortalecimento do desenvolvimento
tecnológico rumo à garantia da qualidade dos produtos, à competitividade entre as empresas e
à inserção do país nas relações internacionais.
63
Frigotto comenta na sua resenha
19
trabalhos que abordam as representações da classe
empresarial sobre educação. O conceito do educativo do ponto de vista dos “homens de
negócio” apontava que as demandas do novo modo de produção tendiam a exigir uma nova
qualificação para o trabalhador com base na formação geral, da qual deveriam emergir
propostas de alargamento da profissionalização. Segundo o autor, essa questão evidenciava
uma necessidade de se estabelecer e garantir novas formas de acumulação do capital no
embate da economia globalizada e competitiva.
Tal racionalidade mostra no terreno real a lógica da eficiência não mais apenas no
âmbito da esfera privada, mas, principalmente, nas políticas públicas. Então se nota a partir da
segunda metade dos anos noventa o empenho do Estado na transformação do Brasil num país
de reformas: econômica; tributária; fiscal; previdenciária e educacional. Neste contexto, a
reforma educacional dessa década, especialmente da educação profissional, pareceu ser uma
das mais complexas, pois dava materialidade a essas alterações.
Particularmente no que se refere à educação profissional, o Estado, ao buscar a
separação entre ciência e técnica com o Decreto Federal 2.208/97, na verdade assumiu as
formulações objetivas oriundas da base real. Sabe-se que o treinamento para uma função
restrita lembra a pedagogia advinda do taylorismo e acaba desqualificando ainda mais a
função do trabalhador, que já se depara com o processo de transferência para as máquinas da
operação de funções mais complexas.
Saviani, ao analisar as contradições de uma concepção liberal de LDB, argumenta que
os objetivos reais podem se opor aos objetivos proclamados, situação em que estes últimos
tendem a mascarar os primeiros. Para ele, isto se constitui numa característica da ideologia
19
Cf. Frigotto, Gaudêncio. Educação e a crise do capitalismo real. 5.ed.São Paulo, Cortez, 2003, p.53-58.
64
liberal, dada a sua condição típica do modo de produção capitalista que introduziu, pela via do
“fetichismo da mercadoria”, a opacidade das relações sociais (SAVIANI, 2003, p.191).
Entretanto, a opacidade que perpassava a reforma ia além da simples ruptura entre
ciência e trabalho, que já estava inculcada nas pessoas, mas abarcava elementos que poderiam
ser interpretados como questões que passavam por racionalidade da aplicação de recursos
públicos, restritas possibilidades de trabalho e formação cultural da sociedade globalizada.
Verifica-se, assim, que os ideais defendidos pelo grupo dirigente da gestão
presidencial de Fernando Henrique Cardoso, ao tomar a educação profissional como
necessidade de adequá-la aos reclamos do mercado, representavam as forças dominantes
estabelecidas no plano das bases materiais de produção, apesar de procurar se esconder sob
argumentos da necessidade de atender aos avanços tecnológicos, que não se apresentavam
democratizados.
Naquele momento histórico a educação profissional, por si, não era mais interessante
para o capital, mas um outro modelo de educação que conseguisse garantir a determinada
casta de trabalhadores possibilidades de articular ciência e técnica, capacidade de trabalhar em
equipe, tomar decisões, interpretar, analisar, dominar a comunicação oral e escrita, o que
remete aos conteúdos oriundos da educação científica, sócio-histórica e humanística associada
a conhecimentos tecnológicos.
Frigotto, ao analisar as construções teóricas acerca do trabalho e educação das últimas
décadas, faz um balanço das críticas e da positividade dessas contribuições para a visão de
uma educação situada “no plano de mediações concretas constitutivas dos processos sociais,
em que a estrutura e superestrutura formam, na expressão gramsciana, um bloco histórico”
(FRIGOTTO, 2003, p. 51-52).
65
Diante disso, infere-se que as políticas educacionais com suas respectivas diretrizes
curriculares refletem as mudanças do capitalismo moderno marcado pelas transformações no
modo de organização da produção expressas na redução de postos de trabalho. Para o autor
em pauta, as dimensões apontadas pela reforma da educação nos anos noventa explicitam a
velha função econômico-social da educação:
este dilema, entre nós, se apresentava de um lado, pela demanda de
ampliação da escola básica e uma nova qualidade da mesma como exigência
das necessidades da nova base técnica do processo produtivo, dos processos
de reconversão tecnológica e, de outro, pela dificuldade de liberar o campo
educativo da esfera privada do mercado (FRIFOTTO, 2003. p.53).
Assim, se os conceitos que orientavam a nova ordem econômica tinham foco nas
relações de flexibilidade, competitividade e qualidade total, no plano da educação surgia uma
proposta de ensino médio marcada pela formação geral abstrata que fosse capaz de preparar
sujeitos para a vida e um sistema paralelo de formação específica para o mercado de trabalho
calcada na idéia de “pedagogia das competências”
20
de modo a formar trabalhadores para a
“empregabilidade”.
21
20
Tanguy analisa a pedagogia de competências como “uma atividade social que engloba a seleção de saberes a
serem transmitidos pela escola, sua organização, sua distribuição numa instituição diferenciada e hierarquizada,
na transmissão por agentes especializados e sua avaliação por métodos apropriados”Cf. (orgs.) Ropé, F. &
Tanguy, L. Saberes e competências: o uso de tais noções na escola e na empresa.Trad. Patrícia Chitoni Ramos e
equipe Campinas, SP, 1997, p. 20. Para Perrenoud, competência é a capacidade de articular um conjunto de
esquemas, permitindo [...] “mobilizar os conhecimentos na situação, no momento certo e com discernimento”
[...]. Cf. Perrenoud, Ph. Construir as competências desde a escola. Porto Alegre: Artmed, 1999. p. 31.A noção de
competência abordada pelas DCNs para a educação profissional procura relacionar-se à autonomia do
trabalhador diante da instabilidade do mundo do trabalho e das mudanças nas relações de produção; desta
maneira, o agir competente significa a "capacidade de mobilizar, articular e colocar em ação valores,
conhecimentos e habilidades necessários para o desempenho eficiente e eficaz de atividades requeridas pela
natureza do trabalho" .Brasil, Resolução n
o
4/99, art. 6
o
.
21
Segundo Olgamir, F. de Carvalho (2003, p.77), este conceito, que responde a um nível de competência
adquirido pela classe trabalhadora - àqueles responsáveis pela geração de renda - adquire novos matizes, quando
associado ao processo de transformação no mundo do trabalho. Percebe-se um contra-senso por parte das
formulações técnicas do Ministério da Educação, no período em estudo, uma vez que, mesmo diante da
estruturação do currículo dos cursos técnicos e básicos com base na formação aligeirada, propagava-se um
conceito de empregabilidade que tendia a delegar ao trabalhador a responsabilidade de manter-se no emprego,
visto que se previa a formação de um conjunto de habilidades e competências no trabalhador de modo a ajudá-lo
a se manter no emprego mesmo diante das restritas possibilidades de trabalho. Entretanto, a natureza das
transformações na economia indicava para Estado a associação de ciência e técnica no currículo e um programa
de geração de emprego e renda. A sua negação tencionava ocultar o papel do Estado na democratização dos
66
Apesar da defesa da articulação, a reforma da educação profissional baseada no
Decreto Federal 2.208/97, ao definir esta como um sistema paralelo à educação básica,
resgatou a dualidade entre os sistemas e a antecipação da formação profissional para os que
não tinham escolaridade, através da substituição do ensino fundamental pela qualificação
profissional de nível básico. Tal proposta remetia aos limites impostos pelo mercado e à idéia
de formação de mão-de-obra barata e rápida. Ao invés da articulação do ensino técnico com o
médio anunciada no referido Decreto, na prática, tratou-se de consagrar a total desarticulação
dos mesmos, não obstante o argumento de que, com a possibilidade da concomitância e/ou do
ensino pós-médio, não haveria qualquer perda ou esvaziamento do lado acadêmico no
currículo da educação profissional. Conforme a então conselheira do Conselho Nacional de
Educação,
a nova situação desenhada pela LDB e regulamentada pelo Decreto 2.208/97
poderia ser comparada, metaforicamente, a um divórcio para que um
segundo casamento se realizasse em bases mais pertinentes, sem diluir a
individualidade dos cônjuges. A fim de evitar as distorções do passado, que
tornaram a escola básica um arremedo de escola técnica ou transformaram a
escola cnica em escola propedêutica, as normas legais e a política delas
decorrente propunham uma articulação que poderia dar-se pelos seguintes
mecanismos: (a) possibilidade de realizar estudos técnicos após ou
concomitantemente ao ensino médio; (b) ampla liberdade para que as escolas
de ensino médio e as de ensino técnico estabelecessem articulações entre
seus projetos pedagógicos para aproveitamento de estudos básicos na
formação profissional de acordo com as modalidades deste último e as
necessidades de alunos e regiões (MELLO, 2003).
O Decreto orientou a reforma com base na separação entre ciência e técnica com vistas
a atender às demandas do mercado e á redução do papel do Estado no financiamento da
educação profissional, visto que posto que resultou na ampliação de matrículas no ensino
propedêutico e trouxe como conteúdo conceitos que sugeriam qualificar ou requalificar,
profissionalizar ou reprofissionalizar, especializar ou habilitar, cujo foco seria uma pedagogia
conhecimentos científicos e tecnológicos e individualizar no trabalhador a responsabilidade pelos problemas do
aparelho produtivo.
67
que deveria dar conta de construir competências no aluno para enfrentar as instabilidades do
mercado.
O governo da cada de noventa, atento à nova conjuntura econômica, propunha a
qualificação dos trabalhadores de maneira rápida e flexível para aumentar suas possibilidades
de manter-se no emprego; contudo, o modelo defendido, na verdade, o formaria sujeitos
para enfrentar um mercado complexo e altamente dinâmico, que passava por uma proposta
de formação estreita porque desvinculada da educação científica. Na verdade, isso leva a
inferir que por trás da proposta do sistema de educação profissional separado da educação
básica estava a negação da histórica luta da classe trabalhadora pelo direito à educação
humanística e sócio-histórica.
Na realidade, tratava-se do antigo modelo de educação capitalista que procurava
consolidar na mente dos alunos “os divórcios característicos da própria divisão de trabalho:
entre escola e sociedade, entre trabalho manual e trabalho intelectual, entre saber erudito e
saber popular, entre ciência e técnica [...]” (ARRUDA, 2002, p.66), que lembram a pedagogia
taylorista/fordista. Para Arruda (2002), o desafio se constitui na superação do caráter prático-
formal ou funcionalista dos métodos capitalistas de ensino, responsáveis pela multiplicação
das escolas profissionalizantes como parte de um processo que homogeiniza, massifica e
especializa unilateralmente o trabalho.
Percebe-se que a educação para a classe trabalhadora, nos anos em estudo, evidenciava
o que a realidade demonstrava: a dicotomia nas relações sociais que se davam a partir do
modelo capitalista de produção, que não se apresentava democratizado, o que remete à antiga
proposta de separação entre escola acadêmica para os futuros dirigentes e escola do trabalho
para as camadas populares. Essa contradição significava legitimar a natureza da educação
68
para a classe trabalhadora como subalterna às mudanças do mundo produtivo, que
apresentavam restritas oportunidades aos trabalhadores.
Com isto, verifica-se que a reforma não tratava apenas de mudar o conceito da
profissionalização para uma suposta melhoria da qualidade da educação do trabalhador, sob o
revestimento de uma complexidade maior caracterizada pela adoção de novos termos como
“competência” e “empregabilidade”. Assumir que o lugar da educação profissional era longe
da educação básica configurou-se em uma simples adoção de um conceito diferente, não
significando um processo de avanço.
Acolher os conceitos de competência e empregabilidade como condição necessária à
formação do trabalhador supunha o entendimento de uma nova educação profissional que
daria conta de superar o antigo modelo taylorista/fordista, em função de um novo paradigma
técnico-econômico, mas isto não ocorreu na prática (CARVALHO, 2003, p. 77). Para se
compreender isto, considere-se que a adoção da alta tecnologia no aparelho produtivo vem
demandando necessidades de articular cada vez mais ciência e tecnologia na formação dos
trabalhadores, negadas pela reforma em pauta.
Também basta verificar a trajetória da educação profissional no Brasil, que sempre
tendeu a caminhar para a dualidade, para se compreender que esta modalidade de ensino
sempre esteve atrelada aos interesses econômico-sociais e que “a simples adoção de novos
conceitos não tem mudado a essência dessa política” (CARVALHO, 2003, p.79). Porém,
apenas atualiza uma mesma concepção: a de uma educação científica destinada aos dirigentes;
uma educação científica e técnica para determinada casta da classe trabalhadora e outra
representada pela qualificação aligeirada para os demais, que não terão acesso às mudanças
do aparelho produtivo.
69
O processo de qualificação dos trabalhadores, contudo, não pode restringir-se ao mero
adestramento para a ocupação de determinado posto, como supunha a concepção de educação
profissional dos anos noventa. Ele deveria, pelo contrário, buscar uma qualificação que desse
conta da formação integral, passando principalmente pela educação básica (CARVALHO,
2003, p.83-86).
Os desafios para o enfrentamento da problemática da separação entre educação e
formação profissional requerem o reconhecimento de que a dupla função de preparar para o
mundo do trabalho e para a continuidade dos estudos constitui-se em uma questão complexa
que extrapola os aspectos pedagógicos, mas remete-se à política, determinada pelas mudanças
nas bases materiais de produção (KUENZER, 1997, p.10).
Não obstante, o Decreto 2.208/97, embora admitisse a oferta
articulada/concomitante entre o ensino médio e o técnico, não estabelecia as regras para a
articulação. Tal norma sugeria que a educação profissional deveria ser desenvolvida em
articulação com o ensino regular, mas com organização curricular própria e independente do
ensino médio. Em face disso, nota-se que se tentou, nos anos noventa, imprimir um aparente
avanço teórico sobre a relação trabalho e educação ao se propagar o ensino articulado.
Porém, a história destas categorias evidencia que isso está longe de ocorrer de fato,
uma vez que ainda hoje as escolas refletem uma prática marcada pela interiorização da
concepção burguesa de trabalho. Portanto, as análises das dimensões dos embates sobre a
conjugação ou não da educação científica com a tecnológica podem ser compreendidas
adequadamente se vistas sob o ângulo da divisão social e técnica do trabalho; em particular, a
política educacional dos anos noventa demonstrou reestruturar-se em função dessa
racionalidade. Na sociedade capitalista, não se permite que a ruptura com a dualidade
estrutural aconteça pela via da escola.
70
Por outro lado, a propagação de um modelo de educação geral no nível médio
pressupunha, de forma desigual, a formação de sujeitos para a vida a partir de uma proposta
única para todos, que seriam responsáveis pela sua inserção no mercado de trabalho e/ou
prosseguimento dos estudos. Não se tratava de uma proposta de escola unitária que defendia
um currículo que trouxesse as relações que se dão a partir do trabalho e, assim, caminharia no
sentido de superar a cisão entre teoria e prática para a formação de homens críticos e
produtivos com condições de intervir no seu meio, mas de uma proposta de formação
generalista abstrata, visto que se baseava na subdivisão dos componentes curriculares em
áreas do conhecimento que em si não possibilitam a apreensão dos conteúdos emergentes da
práxis social e produtiva. Desse modo, na sua essência, a reforma dos anos noventa para a
educação profissional contaria com conteúdos meramente instrumentais advindos do ensino
médio e, assim, não teria condições de dar ao trabalhador bases para a articulação entre as
dimensões do pensar e do fazer que passam pela necessária compreensão da complexa
realidade do seu ofício e, tão pouco, estaria apta a estabelecer novos conhecimentos e novas
relações a partir da sua prática.
A negação da articulação entre ciência e técnica, a internalização da prática do modo
de produção da sociedade capitalista, que conduz à substituição do homem pela máquina,
revelava nas políticas o intuito de ocultar uma compreensão de que o trabalho na sociedade
competitiva dá-se em meio a uma relação de poder e de individualidade e, subestimava o fato
de que trabalho também é a relação social fundamental que define não só o modo de existir do
homem que passa pela questão do mundo da necessidade, mas deve envolver as dimensões do
acesso aos bens materiais e culturais.
Percebe-se que as preocupações dos intelectuais da reforma contrariavam essa
concepção, por entenderem que a perspectiva da reforma da educação profissional abriria a
possibilidade de quebrar uma das maiores distorções do ensino brasileiro: as escolas técnicas
71
ofereciam um ensino caro e gratuito para a elite; com a separação, ficariam os alunos ricos
apenas com o acadêmico, liberando oficinas e laboratórios para os que por estes se
interessassem (CASTR0, 2003, p.141,142).
isso evidenciava a falta de compromisso do MEC em relação às escolas técnicas
federais, provavelmente uma das melhores experiências, cuja proposta assentava-se na busca
da concepção que articulava formação geral de base científica com o trabalho produtivo, de
onde poderia se originar um novo modelo de ensino médio unificado e suscetível de ser
generalizado para todo o país (SAVIANI, 2003, p.216).
O Parecer 16/99, que orientava as Diretrizes Curriculares para a Educação Profissional
de Nível Técnico, ao considerar essa modalidade um fator estratégico de competitividade e
desenvolvimento humano diante da nova ordem econômica mundial, com a fragmentação do
currículo em módulos de cargas horárias reduzidas, aligeiradas e divorciadas da educação
geral acabou cristalizando a desqualificação da educação profissional e dos trabalhadores. As
mudanças na base material exigiam novos profissionais com domínio de conhecimentos
científicos e técnicos, mas essa realidade se apresentava seletiva, pois a modernização não era
homogênea no Brasil; assim, o próprio Estado reforçava políticas educacionais massivas para
a formação abreviada e precária de trabalhadores para atuarem em outras frentes do mercado.
Quanto à articulação da educação profissional com o ensino médio, havia um
entendimento genérico no Parecer 15/99, que traçava as Diretrizes Curriculares para este nível
de ensino, o qual se daria por uma via de mão dupla, por meio das diversas formas de
preparação básica para o trabalho e ainda do aproveitamento de possíveis competências
construídas no ensino médio, correlatas ao curso pleiteado pelo aluno. Acreditava, então, que
o trabalho seria o princípio organizador do currículo para tal ensino.
72
Esse entendimento também ocorreu em relação às Diretrizes Nacionais para a
educação profissional, as quais tentavam, porém, alargar o conceito ao sugerir que as
propostas curriculares de ensino médio e técnico deveriam comungar os mesmos princípios,
no desenvolvimento de valores estéticos, políticos e éticos.
Na verdade, a análise a respeito da problemática da articulação entre a educação
profissional e o ensino médio, impressa no corpo do Decreto Federal 2.208/97 e,
posteriormente, reconhecida pela inteligentsia do Conselho Nacional de Educação nos
conteúdos mencionados nos Pareceres 15/99 e 16/99 evidenciava a necessidade de ocultar os
problemas decorrentes da histórica separação entre a educação acadêmica para uma
determinada classe e técnica para uma outra.
A realidade tem demonstrado que “o domínio puro e simples de formas operacionais,
de modos de fazer determinados por tecnologias estacionárias, passa a ser substituído pela
necessidade de conhecimentos mais gerais” (KUENZER, 1998a, p.109). E isto não está
refletido nos textos que instruíam a reforma da educação profissional dos anos 90. Ao
contrário, nota-se que as mudanças que se fizeram sentir na economia mundial ocorreram em
várias dimensões, em todos os países e refletiram profundas implicações e interferências nas
políticas dos Estados que não apresentavam relações sólidas.
Neste sentido, a forte presença de organismos financeiros internacionais no incentivo e
patrocínio às reformas, em todos os âmbitos, no país, de certa forma, apresentava-se carregada
de influências ideológicas. Particularmente o Banco Interamericano de Desenvolvimento
BID fez-se presente como financiador e “intelectual orgânico” das reformas políticas e
sociais, em específico da reforma do ensino médio e da educação profissional efetuada pelo
governo brasileiro, na década em foco, apontando para o caminho da relativização custo-
benefício desses cursos, fato expresso na parceria com esse organismo, por meio do Programa
73
de Expansão e Reforma da Educação Profissional PROEP, que objetivava disseminar a
reforma educacional nos estados brasileiros.
Diante dessa análise, infere-se que a opção pelo divórcio entre o ensino médio e
profissional não se deu pelo intuito de garantir um perfil às escolas dos trabalhadores, mas
pela lógica da preocupação com o excesso de demanda para o nível médio, diante da escassez
de recursos e, principalmente, de oportunidades de trabalho.
A reforma educacional dos anos 90 colocou, a partir do alto, desafios aos estados
brasileiros: a possibilidade de seguir a via indicada pela LDB/96, que abria espaço para a
integração da ciência e tecnologia no âmbito do ensino médio ou o oposto, encontrado nos
escritos do Decreto 2.208/97. Julga-se que o caminho que se poderia abrir teria que enfrentar
as realidades dadas pelas relações na economia e na política de cada estado, caso contrário
tais condicionantes se incumbiriam de fazer a escolha pelos e para os trabalhadores.
As mudanças no mundo do trabalho, por sua vez, têm apresentado desafios para os
trabalhadores, o que leva à seguinte reflexão: se, diante de uma outra realidade educacional,
as múltiplas possibilidades de escolha, marcadas pela garantia de educação de qualidade à
população, representariam, em última instância, parafraseando os escritos de Forrester (1997),
uma arma contra a injustiça e qualquer forma de exclusão. As mudanças no mundo do
trabalho remetem à incerteza, flexibilidade, empregabilidade, individualidade, que talvez
sejam possíveis enfrentar por um trabalhador fortemente armado de ferramentas que
envolvem “conhecimentos científicos e tecnológicos, de modo articulado, para resolver
problemas da prática social e produtiva” (KUENZER, 1998a, p.7).
As novas determinações advindas do processo de modernização no mundo do
trabalho, caso fossem democratizadas, mudariam radicalmente o eixo da formação dos
trabalhadores, visto que as pesquisas reforçam a tese da polarização das competências: sólida
74
formação científico-tecnológica para a minoria incluída no mundo do trabalho; e o oposto
para os demais (KUENZER, 1998a, p.6).
2.1 O dissenso no governo de Mato Grosso
Na década de noventa, a sociedade mato-grossense protagonizava mudanças nas bases
da economia e na política, marcadas pela incorporação de tecnologias modernas na
agricultura, que passava à condição de destaque nacional do primeiro setor, e uma guinada
nos rumos da política estadual.
O processo de transição política que se verificou no estado na segunda metade dos
anos noventa efetivou-se com o pacto dos partidos de variadas correntes de pensamento
político, e, apesar disso, não se pode negar que possibilitou a abertura de espaço para a
consolidação da democracia, uma vez que o grupo que até então ocupava o poder ainda se
caracterizava por práticas de alternâncias políticas com base nas antigas oligarquias
familiares.
A eleição do representante do Partido Democrático Trabalhista, no pleito de 1994,
deu-se, com o apoio da Aliança Frente Cidadania e Desenvolvimento, que assumiu o Estado
em um cenário de grandes expectativas da população, criadas a partir das quinze reuniões
realizadas durante a campanha, que, posteriormente, subsidiaram a elaboração do Plano de
Metas.
O estado de Mato Grosso, em 1995, encontrava-se em profundo desequilíbrio fiscal,
pois gastava 41% a mais do que arrecadava e uma situação político-social conturbada. Isso fez
com que Oliveira enfrentasse, no primeiro ano de sua gestão, grandes desafios (SIQUEIRA,
2002, p.218).
75
A aliança política que garantiu a eleição de Oliveira abrangia grupos com
características antagônicas, que passavam por representantes das elites ruralistas liberal-
democráticas e partidos ligados à classe trabalhadora e, dessa forma, abria espaços para
“múltiplas possibilidades”. Mesmo diante do mosaico político, a Aliança Frente Cidadania e
Desenvolvimento conseguiu apresentar no Programa de Governo ideais demandados pela
população e pelos partidos que a compunham.
Apesar de ser tão heterogênea a Frente, acreditava-se na possibilidade de buscar idéias
compatíveis entre correntes socialistas e liberal-democráticas a partir de um programa de
governo. Isto remete aos escritos de Bobbio, ao lembrar que a história do pensamento político
tem demonstrado que uma sociedade é tão mais bem governada quanto mais repartido for o
poder (BOBBIO, 1999, p.15).
Porém, para esse autor há uma diversidade de pluralismos, inclusive há o “arcaizante e
o modernizante”, e não se constitui uma tarefa muito fácil “separar em cada corrente pluralista
a nostalgia pelo passado da projeção para o futuro, a reprodução do antigo da formulação do
novo”(BOBBIO, 1999, p.20). À luz destas idéias, percebia-se algo novo na história do
pensamento político do estado de Mato Grosso, a aliança entre correntes que por si
constituíam-se pluralistas e defendiam ideais distintos: o pluralismo socialista e o pluralismo
liberal-democrático.
Deve-se registrar que a busca de analogia entre partidos socialistas e liberais
democráticos significou, antes de tudo, a junção de forças para fazer frente à aliança liberal-
conservadora do grupo União por Mato Grosso na campanha de 1994. Porém, vencido o
pleito, teria que se buscar governabilidade em meio aos múltiplos ideais de cada partido,
marcados tanto pela defesa de uma proposta voltada para um modelo de desenvolvimento
76
com base na industrialização e exportação e na modernização do Estado, quanto pela idéia de
garantia de políticas sociais básicas para a população, como saúde e educação.
Sendo assim, partiu-se da estruturação do Plano de Metas para definir as políticas que
representaram a bandeira de luta da campanha no ano anterior e que abarcaram significativas
contribuições da sociedade mato-grossense. Desta forma, infere-se que não deve ter sido
muito fácil para um governo que acabava de se instituir o fato de ter que reunir num único
Plano as aspirações, os anseios da população e os acordos com os partidos que compunham a
complexa aliança.
Particularmente no que se refere à definição das linhas políticas para a educação, o
Plano de Metas sofreu importante influência
do Partido dos Trabalhadores PT
que era parte da composição de forças
que apoiava a candidatura majoritária de Dante de Oliveira
que por sua vez
exercia a hegemonia no Sindicato dos Trabalhadores da Educação Pública de
Mato Grosso SINTEP
com um poder de articulação capaz de mobilizar
em todo o Estado a classe. Esse poder articulador podia ser observado nas
regiões em que aconteciam os seminários e debates do Plano de Metas
(SOUTO, 2001, p.7).
Tudo isto indica que, para a elaboração da política educacional do Plano de Metas
1995-1998, levaram-se em conta as contribuições dos professores e do Sindicato dos
Trabalhadores da Educação Pública apresentadas nos seminários realizados durante a
campanha e as críticas dirigidas ao modelo educacional da época, que apontavam caminhos
para a construção de uma educação pública democrática e de qualidade.
22
A dialética entre Estado e sociedade no processo de construção e implantação de
políticas públicas também representa uma relação de força, na qual um pode impor ao outro a
22
O diagnóstico levantado indicava a necessidade de um modelo de educação que garantisse a melhoria das
condições de trabalho dos profissionais da educação; melhoria da qualidade do ensino ministrado; formação dos
professores e o acesso à educação pública. Maiores informações poderão ser encontradas no Plano de Metas,
Mato Grosso, 1995-2006, Cuiabá-MT.
77
sua vontade. Isto lembra a realidade desigual que se estabelece nas relações sociais de
produção em que parcela da sociedade se constitui subalterna à minoria dominante que detém
o poder do capital.
Apesar dos debates e diagnósticos realizados junto à população, que elegiam como
prioridade a democratização e qualidade na educação, as ações do governo demonstravam
outros rumos ao optar pela reforma do Estado. Deste modo, nota-se uma espécie de jogo de
forças na luta pela ruptura com a herança política própria dos países subdesenvolvidos, nos
quais o Estado se constitui líder legítimo do processo de implementação de políticas públicas.
Se as condições que se estabelecem a partir das relações que partem das bases
materiais de produção não permitem à massa o acesso a determinados direitos, essa lógica
também interfere nas formas de determinar o grupo que pode ou não enfrentar o Estado para
fazer valer as suas necessidades e decisões. Desta maneira, prevaleceu a força que defendia
como
estratégia de construção de um Estado necessário e eficiente o saneamento
das finanças públicas; o fortalecimento da ação reguladora do Estado; a
descentralização e a melhoria do planejamento, da coordenação e dos níveis
de produtividade e eficiência na implementação de políticas governamentais;
a elevação dos padrões de qualidade e de gestão dos serviços públicos
(PLANO DE METAS, 1995-2002, p.15).
Com vistas a isso, teria que se adotar como norte para o exercício de governar “um
novo marco teórico e uma nova prática para a administração pública – a abordagem gerencial
que substituiria a perspectiva burocrática anterior”
(PLANO DE METAS, 1995-2002, p.32).
Esse modelo de estado gestor adotado marcou-se por uma estrutura enxuta através da venda
das estatais e demissões de funcionários públicos, celebração de parcerias com a iniciativa
privada e políticas de ajuste econômico.
78
Neste sentido, o Estado foi visto, por um lado, como o principal instrumento para a
implementação de reformas nos diversos níveis que explodiram nas estruturas administrativas
das Secretarias, inclusive com a terceirização de alguns setores; por outro, como um
importante formulador de políticas para promover o desenvolvimento econômico e social e,
desse modo, atender aos anseios e aspirações da sociedade mato-grossense.
Daí a reorganização, no âmbito interno e externo da estrutura administrativo-
pedagógica da Secretaria de Estado de Educação, caracterizada pela extinção de
coordenadorias, criação de outras, substituição maciça de técnicos nas equipes e extinção das
Superintendências Regionais de Educação localizadas nos municípios.
No que se refere à defesa da educação pelos distintos grupos aliados ao governo, nota-
se que a determinação do seu espaço passou pela eficácia da aplicação dos recursos sob a
alegação de sua escassez até a defesa da expansão e democratização de alternativas públicas
de cursos de nível médio.
A junção de distintas correntes ideológicas possibilitou a existência de um grupo que
se alinhava com as políticas neoliberais do governo federal. Tal corrente saiu em defesa da
reforma da educação calcada nos ideais do modelo que vinha sendo delineado no país. Para
isso, justificava que para o Estado ingressar num novo patamar de desenvolvimento seria
preciso investir na qualificação rápida da sua força de trabalho.
Não obstante, em particular na esfera da educação profissional de nível médio, houve
divergências no âmbito do Estado quanto ao princípio reformador, assinaladas pela existência
de distintas correntes que defendiam a reforma da educação dos trabalhadores na perspectiva
da integração da educação científica com a técnica e uma outra que apresentava características
hegemônicas da educação capitalista, voltada para a criação de um sistema dicotômico, de
79
modo a atender de imediato ao mercado ou, ainda, para a defesa de sua implementação por
meio da parceria com o setor privado.
Infere-se que, apesar da presença do Partido dos Trabalhadores na aliança com o
governo do período de 1995-1998, os conflitos internos do partido, acentuados pela sua
histórica desconfiança do modo de governar, podem ter impedido a soma de esforços para que
se definisse e implementasse a educação do ponto de vista da classe trabalhadora. Segundo
Cunha (2001, p.42), os partidos com bases socialistas traziam ainda a herança ideológica da
defesa de um projeto de educação popular com ênfase na formação política dos trabalhadores
com o intuito de prepará-los para mudanças revolucionárias.
Pode-se notar também que, diante de certa omissão de determinadas forças políticas, o
movimento que representou a ruptura com um modelo de Estado intervencionista e
conservador, definido pelo aumento da participação política e social da população, por
diversas vezes foi contra-arrestado pela intervenção de forças de características autoritárias e
conservadoras que insistiam em se constituir num obstáculo para a consolidação do processo
democrático.
Verifica-se, portanto, no âmbito do governo, a presença de forças distintas: uma, em
favor dos reclamos da população em direção à busca de políticas democratizantes com um
perfil de políticas sociais e outra, utilizando-se da lógica do Planejamento Estratégico que
procurava focalizar dimensões de um planejamento econômico cujas tomadas de decisões
para ajustes e reajustes não incluíam a participação das equipes técnicas da Secretaria, menos
ainda de representantes das escolas estaduais.
Dessa forma, os esforços políticos e técnicos para materializar os projetos e determinar
as prioridades, no âmbito da educação dos trabalhadores, sofreram interferências de forças
que se alternaram no controle da Seduc, o que resultou no uso de seu aparato para o
80
fortalecimento da relação com a classe empresarial e a não implementação da educação
profissional.
Trata-se de reconhecer que tiveram lugar no espaço da burocracia estatal as práticas
rotineiras de formulações de projetos com fins de busca de financiamento externo para obras,
equipamentos e materiais de ensino-aprendizagem, cujo beneficiado pode ter sido um
pequeno grupo em detrimento da democratização da oferta daquela modalidade de educação.
Quando se procuraram as causas da omissão da prática de educação profissional nas
escolas estaduais e da lentidão para que se autorizasse o funcionamento dos Cenfor, foi
preciso lembrar da herança escravocrata que influiu nas concepções discriminatórias que
ainda sobrevivem na sociedade capitalista a respeito da classe trabalhadora. Entretanto, não se
esqueceu também do jogo de interesses e de forças que perpassavam um modo de governar
pela via do pluripartidarismo.
2.2 Os vetores das formulações políticas
O exercício do governo do Estado de Mato Grosso da segunda metade dos anos
noventa, desde o início, deu-se com a busca da prática de formulações de um número variado
de projetos decorrentes das estratégias definidas no Plano de Metas. Então, destacavam-se, no
âmbito da Seduc, entre outros, o Projeto Escola Ciclada do ensino fundamental; o Projeto
Centro de Formação dos Professores; o Projeto TUCUM para formação de professores
indígenas; o Projeto PEM-Apoena; a Escola Jovem de Mato Grosso e, especificamente para a
educação profissional, o Plano de Expansão da Educação Profissional e os Projetos Escolares
para os Cenfor. Resta indagar se havia coerência entre os projetos e o Programa do Governo
ou, se este apenas, se constituiu em mera agregação de sugestões ou solicitações dos políticos
que se aliavam ao governo.
81
Contudo, não se deve deixar de reconhecer a importância da abertura de espaço no
poder para o pluripartidarismo, que pode evitar o fortalecimento de um único grupo
hegemônico e assim incorrer no risco da escolha de um caminho tortuoso rumo à democracia.
Pode-se dizer que a soma de projetos coesos, articulados e de políticas bem definidas é
característica da ditadura no antigo governo dos militares, por onde passaram práticas
políticas discutíveis, cujo resgate não representa item importante para este trabalho.
Tomou-se então para esta análise, como linha diretriz, tentar identificar os vetores das
formulações para os projetos do ensino médio e da educação profissional. Na verdade, foi
possível identificar uma tendência que defendia o modelo de reforma à luz do Decreto Federal
2.208/97, que tinha como escopo o mercado, embora as ocorrências de inovações tecnológicas
se fizessem presentes em apenas parte do primeiro setor da economia, que, na década de
noventa, assentava-se em investimentos tecnológicos na agroindústria. Apesar de o resultado
dessas inovações explodir na alta produtividade, nota-se, no geral, que as alterações profundas
na base da produção, no estado, ainda estão por ocorrer.
Sem ignorar a importância do primeiro setor no crescimento da economia do estado,
deve-se observar este crescimento quanto à perspectiva que se apresentava aos trabalhadores,
pois a maior parte das empresas, sejam industriais ou de prestação de serviços, situava-se na
faixa de pequeno porte. Isto significa que as transformações na economia do estado revelavam
um grau de divisão técnica do trabalho relativamente pouco acentuado. Neste sentido, as teses
sobre ensino médio e educação profissional deveriam levar em conta essa diversidade, de
modo a garantir um currículo que privilegiasse diversas alternativas.
Como a economia do estado ainda não se assentasse na intensa divisão do trabalho e
especialização funcional em que os trabalhadores executam tarefas rotineiras relativas àquela
parcela do ofício, entende-se que as relações de trabalho ainda não se tornaram totalmente
82
parcelares e fatalmente desqualificadas. Ainda que, no geral, o trabalho degradado
desqualifique o trabalhador, no caso específico de Mato Grosso a natureza dos diversos
setores da economia apresentava a exigência, para determinado ramo, de trabalhador
qualificado e, no geral, para os demais setores, demonstrava não desqualificar nem requeria
requalificação em massa da força de trabalho.
Diante das evidências anteriormente mencionadas, buscava-se compreender o porquê
da prevalência da luta pela reforma da educação profissional, segundo os ditames do mercado,
com propostas de cursos modulares e cargas horárias mínimas para a inserção rápida de
trabalhadores no mundo produtivo.
Apesar da defesa, nas formulações, da ênfase na educação para o mercado numa
perspectiva mais cnica e restrita, nota-se a existência de uma outra corrente que lutava pela
educação profissional com base num conceito mais alargado que englobava as diversas
dimensões da categoria trabalho, cujo desafio se constituiria em
[...] reestruturar o ensino médio de modo tal que ele não continuasse a
proporcionar uma formação propedêutica cientificista e anacrônica; por
outro lado [...] avançaria no que diz respeito a inserir os conteúdos e os
métodos, as ciências e o conhecimento das técnicas, hoje exigidas pelo
mundo do trabalho, no interior da escola (MATO GROSSO, 1997, p.9).
A divergência apresentada é perfeitamente compreensível num contexto de regime de
governo pluripartidário que se pautava pelos princípios da democracia, porém demonstrava a
ausência da construção da arte de fazer política, que deveria calcar-se não somente na criação
do consenso ou, ainda, com a alimentação do contrário, no confronto de idéias, mas, que,
sobretudo, soubesse, “sobre a simultânea presença de um consenso que não excluísse o
dissenso e sobre um dissenso que não excluísse nem tornasse vão o consenso, dentro das
regras do jogo” (BOBBIO, 1999, p.48), trabalhar as divergências em cima de uma direção.
83
Nota-se que as teses e antíteses evidenciadas nas formulações representavam o
consenso dos grupos que compunham o governo e que se destacavam em cada momento
como uma força nos meandros do poder. Portanto, a análise tem demonstrado que, mesmo
diante da existência de conflitos de natureza epistemológica e das reflexões e contribuições de
especialistas acerca da relação educação e trabalho e da realidade socioeconômica do Estado,
acentuava-se a influência da força que saía em defesa de uma concepção de educação para os
trabalhadores marcada pelo paradigma de formação em cujo foco era o mercado.
Os embates teóricos e as tensões entre a articulação defendida pelos socialistas e a
desarticulação, pelos neoliberais, apesar de terem refletido quase nada no âmbito do campo
prático, revelavam um exercício de governar fortemente influenciado por grupos sociais que
tinham seu gérmen no modo de produção econômico, que representavam relações
hegemônicas da divisão entre capital e trabalho.
A evidência da contradição no exercício do governo pode ser um reflexo da junção de
vários partidos representando cada qual sua concepção de realidade e de classe. O grupo que
se posicionou em defesa de uma proposta de educação profissional desarticulada da educação
básica e ligada ao mercado remete aos ideais da camada da sociedade que concebia o trabalho
centrado na divisão social e técnica, que rompe com a unidade entre teoria e prática. Isto,
conseqüentemente, exige a separação da formação técnica da concepção de ciência humanista
e histórica, sem a qual se consegue apenas uma formação restrita. Este modelo de educação
tinha por finalidade bem específica: preparar a população que não possui condições sociais
para acesso a uma outra forma de educação que lhe garanta o conhecimento de ciência e
técnica com qualidade.
Tornava-se discutível esta compreensão restrita da relação trabalho e educação, uma
vez que negava a historicidade das duas categorias e tendia a reduzir a força de trabalho a uma
84
simples mercadoria, na vertente taylorista, cuja tendência é desqualificar o processo de
trabalho, o que evidencia a origem da classe que defendia a ruptura.
Por outro lado, a tendência que tomou a defesa da articulação da educação profissional
com o ensino médio demonstrava resgatar o trabalho enquanto elemento de constituição da
sociedade que gera riquezas e desenvolvimento e que, sobretudo, humaniza o homem.
Portanto, passavam a coexistir no interior da Seduc duas propostas: a educação profissional
separada da educação acadêmica e a educação técnica articulada à científica.
Há indícios de que, num contexto de impasses entre atender aos ideais defendidos pelo
governo federal, aos dos grupos que compunham a Aliança e às pressões advindas do Sintep,
a Secretaria realizou reuniões, seminários, contratou consultores, celebrou convênios com o
MEC e formulou um arsenal de documentos a respeito do ensino médio e da educação
profissional que ora representavam a defesa das aspirações de determinado grupo, ora
marcavam-se pelo atendimento aos ideais do Ministério da Educação, por meio das diretrizes
advindas do Programa de Expansão e Reforma da Educação Profissional – Proep
23
– que tinha
como objetivo estimular os estados brasileiros a deflagrarem a reforma da educação
estabelecida pelo Decreto nº 2.208/97.
Esse Programa teve início em 24 de novembro de 1997, com a assinatura de uma
operação de crédito de US$ 250 milhões entre o governo brasileiro e o Banco Interamericano
de Desenvolvimento BID e a contrapartida nacional de 50% oriundos dos orçamentos em
igual valor do MEC e MTE/FAT. O Proep designara recursos para a preparação e
implementação dos Planos Estaduais de Educação Profissional, dos Planos Estaduais de
23
Programa de Expansão e Reforma da Educação Profissional PROEP. Os dados aqui utilizados são dos
Relatórios de Atividades referentes ao ano de 2002 e ao 1º semestre de 2003. Ministério de Educação. Secretaria
de Educação Média e Tecnológica, 2003.
85
Ensino Médio e implementação de Projetos Escolares da rede federal, das redes estaduais e do
segmento comunitário.
Numa rápida avaliação da aplicação desses recursos no âmbito das políticas do
governo federal, notam-se expressivos investimentos nos projetos do segmento comunitário e
a tendência a se ampliar as matrículas no ensino particular e nos cursos de vel básico.
Observa-se, ainda, a influência do organismo financiador na formação de uma equipe para
gerenciar o Programa no âmbito do MEC ao designar consultores para essa finalidade. Desta
maneira, fizeram-se presentes, desde a elaboração dos manuais de planejamento estratégico,
dois consultores do BID e dois da Unesco. Esses manuais resultaram numa espécie de fôrma a
moldar qualquer instituição interessada no financiamento.
Particularmente para o estado de Mato Grosso, foram contemplados três projetos para
escolas da rede federal e um do segmento comunitário; do Projeto de reforma do ensino
médio e da educação profissional da Seduc, derivaram vários projetos, dos quais se torna
importante destacar para este trabalho o montante de recursos ali destinados. Assim, no curso
das negociações foram assinados convênios, conforme se pode verificar no quadro seguinte.
Quadro 1- Demonstrativo da execução dos convênios do Governo de Mato Grosso com o PROEP/MEC
Finalidade dos convênios convênio valor R$ % de execução em
2002
Pré-projeto de Reforma da Educação
Profissional
093/97 123.943,00 100
Pré-projeto de Reforma do Ensino Médio 029/98 56.057,00 100
CENFOR “André Franco Montoro”,
Rondonópolis
201/99 1.477.957 78,82
CENFOR “Darcy Ribeiro”, Barra do
Garças
202/99 1.470.432 81,96
CENFOR de Sinop 203/99 1.480.069 89,88
CENFOR “Blásio Germano Schmitz”,
Alta Floresta
204/99 1.482.173 80,40
Plano de Expansão da Educação
Profissional-PEP-MT
019/00 371.484,00 90%
Plano de Expansão do Ensino Médio-A
Escola Jovem de Mato Grosso
267/00 2.914.987,00 Não consta
CENFOR de Diamantino 023/02 3.182.084,00 em construção
CENFOR de Pontes e Lacerda 024/02 3.239.118,00 em construção
CENFOR de Tangará da Serra 025/02 3.515.159,00 em construção
Valor total dos convênios: R$ 19.313.423,00
Fonte: PROEP/MEC. Relatório de atividades – 2003 e os próprios convênios.
86
A percentagem de execução apontada no quadro 1 representa o índice de satisfação
dos responsáveis pela educação profissional na Seduc, após validação, pelos tecnocratas do
Proep, dos processos de prestação de contas. A alta representatividade de aplicação dos
convênios referia-se à estrutura física e administrativa, consistindo na aplicação dos recursos
em construção, compra de equipamentos para os laboratórios e mobiliários permanentes.
Entretanto, as negociações demonstraram ir além da simples liberação de recursos para os
Cenfor, visto que o Proep pode ter logrado garantir os objetivos e princípios da reforma ao
afiançar e impor, no âmbito interno da Seduc, meios para que os mesmos fossem acolhidos. O
lado positivo dessas negociações pode ter ficado restrito ao benefício orçamentário do Estado,
que contou com um grande aporte de recursos externos, ainda que esses benefícios fossem
esgotados à medida que os projetos físicos e administrativos eram executados.
A realidade da aprovação dos convênios evidencia a receptividade que o Ministério da
Educação demonstrou com os projetos do governo do estado de Mato Grosso. Tudo indica
que isso se deu mais no âmbito da política do que da qualidade técnica dos projetos, visto que,
a partir de 1998, o governo instituído apresentava-se alinhado aos ideais da Social
Democracia do governo federal, período em que todos os convênios foram assinados.
Assim, em meio a uma tensão entre duas tendências, o processo de construção da
política de educação profissional de nível médio seguiu por trilhos tortuosos, com avanços
nos projetos financeiros e recuos na implementação das propostas pedagógicas, que são
discutidas em detalhes no próximo capítulo.
CAPÍTULO III
3 A tensão entre duas concepções: articulação ou desarticulação?
[...] não dissociar a formação profissional da educação básica [...] consistia, pois, em
nos contrapormos ao divisionismo e à criação de entraves ao sistema de formação
técnica, visto que, entendíamos que o enfoque da educação secundária deveria
mudar de eixo, não mais incidindo sobre o dilema “educação técnica” versus
“educação geral”. [...] ambas as modalidades poderiam ter rico significado para o
desenvolvimento dos jovens, caso contrário, tornar-se-iam meros instrumentos
credenciadores e disciplinadores para um posto de trabalho. [...] Para tanto, tornar-
se-ia importante discutir quais conteúdos e quais métodos poderiam constituir uma
aproximação das exigências de formação intelectual, cultural, profissional, social e
política dos jovens (SEDUC, 1995a, p.47).
Este enunciado, num dos primeiros documentos do governo instituído, demonstrava,
logo de início, a vontade política de superar a polêmica que se travava quanto à definição da
LDB, no âmbito nacional, naquele ano de 1995, apontando linhas gerais para a construção
coletiva, já que demonstrava interesse na busca de novas metodologias que pudessem articular
conhecimentos científicos e tecnológicos para, assim aproximar as duas vertentes em que se
constituía esse nível de ensino no estado.
Para isso, propunha-se a criação de Centros Públicos de Formação Profissional que,
com flexibilidade, deveriam oferecer atividades voltadas para o desenvolvimento humano
mais geral, não concorrendo com a formação escolar e nem a substituindo, mas sendo
complementar a ela de modo a superar a proposta centrada no mero adestramento. Pretendeu-
se partir de uma proposta emergencial de correção e mudanças na estrutura curricular do
ensino médio profissionalizante que deveria ser implantada de imediato e, para um segundo
momento, previa-se a realização de um estudo mais aprofundado, com vistas a consolidar a
idéia dos Centros de Excelência na rede pública.
O denominado plano emergencial visava a reestruturar as habilitações técnicas em
Administração, Contabilidade e Secretariado por meio da organização do currículo em um
88
núcleo comum constituído de disciplinas de formação propedêutica e um outro chamado
mínimo profissionalizante subdividido em tronco comum e núcleo profissional. O empenho
de concentrar numa única proposta esses três cursos baseava-se no argumento de que os
mesmos possuíam naturezas idênticas. Entretanto, avalia-se que por trás disso permeava uma
lógica cujo eixo era a eficácia na aplicação dos recursos destinados ao ensino médio.
Os pontos obscuros foram evidenciados pelos participantes atentos durante o
seminário realizado no Instituto de Educação da UFMT em fevereiro de 1995, no qual o
Sintep, demonstrando poder de embate, levantou pontos frágeis do documento, dentre os
quais se destacavam a necessidade de garantir a reformulação do currículo com amparo na
definição de recursos e equipamentos para as escolas, como laboratórios e bibliotecas e um
programa de formação continuada para os professores. Diante da problemática, a Seduc, sob a
alegação de necessidade de reformulação da proposta, optou pelo recuo, pois se observou a
sua não retomada nos anos subseqüentes.
Como a proposta de reformulação dos referidos cursos “vinda do alto” não decolou, o
governo, no mesmo ano, demonstrava reconhecer a necessidade de dar um passo “à frente da
prática da social-democracia que consistia no alargamento da participação além das fronteiras
do Estado” (BOBBIO, 1999, p.71), com a busca da construção coletiva de um rumo para o
ensino médio ao envolver a comunidade escolar no debate, num grande seminário
24
, na capital
Cuiabá.
24
“Para consolidar a nova política educacional a Secretaria de Estado de Educação promoveu no período 19 a 21
de abril de 1995 o Seminário de Ensino Médio no Estado de Mato Grosso, envolvendo professores das
unidades escolares num total de 340 representantes, técnicos das Superintendências Regionais de Educação
(posteriormente extintas, ainda no ano de 1995) e Coordenadoria de Políticas Pedagógicas, UFMT, UNEMAT e
SINTEP. Contou ainda com a assessoria do Professor Dr. Gaudêncio Frigotto, da Universidade Federal
Fluminense, que contribuiu para o enriquecimento das questões” [...] “Ficou definido neste seminário o
redirecionamento para mais um conjunto de discussão em nível de micro-regiões, a fim de que maior número de
educadores pudessem ser envolvidos nas discussões que envolvem o ensino médio e tecnológico”. Conferir
maiores informações no relatório “Políticas do Ensino Médio para o Estado de Mato Grosso”, julho/1995-
SEDUC.
89
Contudo, deve-se atentar para o fato de que o método de construção de políticas por
meio do diálogo governo-sociedade pode também permitir ao Estado um controle a partir da
base, visto que houve um primeiro seminário na capital, realizado em abril de 1995, com a
presença de representantes de algumas escolas estaduais de ensino médio e do pesquisador
Frigotto
25
, da Universidade Federal Fluminense.
Tudo indica que a Seduc esperava, nesse encontro, coletar elementos para definir as
diretrizes para o ensino médio, apesar de ter encontrado resistência por parte dos participantes
e de representantes do Sintep que sugeriam o alargamento da participação através de vários
outros seminários no interior do estado.
Desse primeiro encontro, saiu um documento, com as características dos anais, que
indicava fortes influências das idéias de ensino médio politécnico defendidas por Frigotto, que
serviram de base para as discussões a se realizar nas onze cidades pólos no interior do estado.
È importante destacar que se fizeram presentes, para a coordenação dos seminários
regionais, técnicos recém-selecionados nas escolas para compor a coordenadoria pedagógica
da Seduc, com pouca ou nenhuma experiência acerca da temática. Portanto, isso pode ter se
constituído num entrave para a ampliação das discussões ou, por outro lado, num ponto
positivo, uma vez que, nessa circunstância, a Secretaria pouco influenciava nas definições.
Desse modo, os relatórios dos encontros nos pólos acabaram de certa forma
reproduzindo as linhas gerais definidas no relatório do seminário realizado em Cuiabá,
como pode ser observado no quadro seguinte.
25
Gaudêncio Frigotto é formado em Filosofia e Pedagogia, mestre em educação pela Fundação Getúlio Vargas,
doutor em educação pela PUC/SP, professor titular da disciplina Economia Política da Educação na
Universidade Federal Fluminense, UFF/RJ. Coordena, desde 1987, a linha de pesquisa sobre trabalho e educação
da UFF. Autor e co-autor de vários livros e artigos. Conferir estas informações in Frigotto,Gaudêncio. Educação
e a crise do capitalismo real São Paulo,Cortez, 2003 (capa).
90
Quadro 2 – Aspectos das contribuições dos seminários para as diretrizes políticas
Anais do 1º seminário de abril de 1995. Diretrizes finais após realização de onze
seminários, julho/1995.
Garantir oportunidades de formação e capacitação
continuada aos recursos humanos da educação,
buscando a sua valorização profissional e
possibilitando a melhoria do processo ensino-
aprendizagem no ensino médio.
Garantir a profissionalização e valorização do
magistério, possibilitando a melhoria do processo
ensino-aprendizagem no ensino médio.
Proporcionar condições para que a escola de
grau se torne unitária, laica e democrática, sem
perder de vista a politecnia, através de uma gestão
democrática que garanta a sua autonomia
didática, científica, técnico-pedagógica e
financeira.
Assegurar condições para que as unidades
escolares de Ensino Médio se tornem unitárias,
laicas e democráticas, sem perder de vista a
politecnia, através de uma gestão democrática que
passa pela garantia da sua autonomia didática,
científica, técnico-pedagógica e financeira, que ao
mesmo tempo assegure condições de acesso e
permanência dos alunos na escola.
Oferecer uma estrutura curricular de formação
geral e específica, respeitando os projetos
pedagógicos das escolas, preocupando-se com a
formação do homem cidadão para o pleno
exercício da cidadania, para o mundo do trabalho
e não apenas suprir o mercado de trabalho.
Oferecer uma estrutura curricular respeitando as
peculiaridades regionais e o projeto político
pedagógico das escolas, preocupando-se com a
formação integral do homem para o pleno
exercício da cidadania, para o mundo do trabalho e
não apenas para suprir o mercado de trabalho.
Proporcionar um ensino de grau com duração
de três anos, para a formação geral e com um
quarto ano, optativo, para a formação
profissional, respeitando as peculiaridades e
vocação dos municípios, assegurando ao mesmo
tempo condições de acesso e permanência dos
alunos na escola.
Elaborar e desenvolver um projeto de formação
profissional para o Estado, num processo de ampla
discussão com a sociedade.
Fonte: SEDUC. Relatório Políticas do Ensino Médio para o Estado de Mato Grosso, julho/1995.
Ao comparar os escritos dos “Anais” e o documento final, elaborado após a realização
dos seminários nas cidades-pólo, nota-se a incorporação das idéias do seminário às
contribuições dos protagonistas dos encontros nos pólos regionais, resultando numa espécie
de ponto consensual entre as várias linhas de ação, o reconhecimento de que as exigências do
mundo moderno impunham a necessidade de se garantir formação crítica aos alunos, o
domínio de técnicas específicas que informam o trabalho e conhecimentos sobre cultura geral
e ciência. Neste sentido, os princípios norteadores da política para o ensino médio passariam
pela busca da relação educação-trabalho, pela valorização e profissionalização docente,
reorganização curricular, gestão democrática e expansão da oferta.
91
Dessa maneira, havia a compreensão de que o conhecimento a ser construído na escola
deveria considerar a interação complexa e contraditória do mundo do trabalho, definido este
como toda produção humana que se dava nas relações do homem com a natureza e com o
outro. Assim, esperava-se romper com o modelo de profissionalização marcado por técnicas
repassadas de maneira descontextualizada e superficial (SEDUC, 1997, p.69). Pretendia-se
também que o ensino médio atendesse à diversidade socioeconômica e cultural do estado,
dada sua população dispersa, a escassez de vagas, a dificuldade de acesso ao ensino superior e
as restritas possibilidades de trabalho.
Porém, a aparente abertura do espaço democrático se desvelava contraditória, visto
que, apesar das linhas gerais definidas naqueles seminários e sistematizadas no documento
final em julho de 1995, a Seduc indicava no seu plano de ação a “expansão das estruturas
curriculares dos cursos propedêuticos e extinção dos cursos profissionalizantes”
26
o que
resultou, em dezembro, na Portaria 1266/95, que assim promulgava:
Art.1º-Ficam extintos os cursos de Ensino Médio Profissionalizante,
oferecidos pelas unidades escolares da rede pública estadual. [...] Art.3º-
Determinar que as escolas da rede pública estadual, paralelamente à extinção
dos cursos profissionalizantes, abram matrículas para o ensino médio não
profissionalizante (SEDUC, 1995d).
Entretanto, esse novo aspecto não se tratava de uma ação isolada e interna, pois não se
poderia negar que a imposição dada à reforma do ensino médio e da educação profissional, no
âmbito das escolas estaduais, derivava de parte de um movimento de reforma educacional no
Brasil, bem como decorria da reforma do Estado, transformado em Estado gestor que, por sua
vez, relacionava-se com dimensões que eram
parte orgânica do movimento de reorganização da economia mundial e do
trabalho, que impunha um novo metabolismo social e, com isso, novas
estruturas sociais, para o que concorria a educação, especialmente, como
26
Ações que deveriam ser desencadeadas para a reorganização do ensino médio no Estado de Mato Grosso -
uma proposta. In. Seduc.Políticas do ensino médio para o Estado de Mato Grosso julho, 1995.
92
indicado, para o ensino médio, em face de suas peculiaridades de possuir
como objetivos a formação geral e propedêutica e a formação específica para
a terminalidade da trajetória escolar do indivíduo (SILVA JUNIOR, 2002,
p.100).
A justificativa da Seduc para a extinção dos cursos técnicos nas escolas estaduais, por
meio da Portaria, apresentava-se sob o argumento de que as diretrizes da política para o
ensino médio e tecnológico contemplavam a instalação de Centros Públicos de Formação
Profissional em municípios do estado. Isso negava os meses de um árduo trabalho de
envolvimento da comunidade que vinha sendo construído e implicava reconhecer que o
discurso democrático era superficial e sofria as influências de um passado ainda muito recente
naquela época.
Os debates nos seminários e, posteriormente, a imposição à comunidade escolar
faziam lembrar a conjugação de elementos novos à velha prática de governar, fazendo
emergir o veio autoritário e conservador determinante das ações de parte do coletivo ou,
ainda, de iniciativas individuais nos grupos que compunham o governo. Tais dificuldades
emperravam ainda mais a luta pela superação de antigas concepções em que a educação dos
trabalhadores não se constituía prioridade.
É importante destacar a forte tendência dos alunos em freqüentar os cursos
profissionalizantes: naquele ano de 1995, do total de 53.071 alunos matriculados no ensino
médio da rede estadual, 32. 255 cursavam o ensino técnico, enquanto que, e na rede
particular, representavam apenas 2.396 matrículas.
O projeto de reorganização do ensino médio pela via da unificação do currículo ao
determiná-lo propedêutico não levou em conta as desigualdades de acesso, pois no ano em
estudo acima de 50% das matrículas destinavam-se aos cursos cnicos. Julga-se que isso se
dava não pela livre escolha do aluno, mas por se constituírem propostas voltadas para a
93
preparação para uma determinada área de trabalho, em cursos geralmente noturnos, fato que
mostra, portanto, que as próprias condições sociais dos alunos se encarregavam de decidir por
eles.
As contradições no exercício de governar denunciavam as formas variadas que
assumia o Estado, com práticas que em alguns momentos procuravam envolver a comunidade
escolar para construir uma política a partir da base, no entanto, antes do seu desfecho,
demonstravam uma vontade política operando em sentido contrário, com a suspensão
repentina dos cursos técnicos e determinando às escolas estaduais a oferta do curso
propedêutico.
A opção pelo propedêutico em nível médio indicava a ruptura entre cultura geral e
tecnológica e contrariava a proposta inicial do próprio governo para a implantação de Centros
Públicos de Formação Profissional-Cenfor. Estes pressupunham práticas de currículos
flexíveis e complementares à educação acadêmica, com vistas a romper com as concepções da
pedagogia taylorista/fordista e, assim, oferecer aos alunos do ensino médio a oportunidade de
uma profissionalização que acompanhasse os avanços científicos e tecnológicos.
A concepção de ensino profissionalizante complementar e articulado ao ensino médio
caminhava na direção da idéia destacada em epígrafe no início deste capítulo e no relatório-
síntese dos seminários sobre os ideais necessários à reforma da educação profissional. Porém,
há indícios de que a opção pela extinção dos cursos técnicos, por parte da Seduc, desrespeitou
a vontade dos professores, alunos e pais que estiveram envolvidos nas discussões naqueles
seminários, evidenciando interesses antagônicos no exercício de governar.
Apesar das pressões e do descontentamento por parte da comunidade escolar durante o
ano de 1996, mesmo sob a gestão do representante do Partido dos Trabalhadores, na pasta da
Secretaria, a educação profissional de nível médio ficou adormecida no âmbito da Seduc.
94
Desta vez, as discussões centravam-se em uma nova prioridade: a criação do Sistema Único e
Descentralizado da Educação Básica – Sudeb.
A trajetória histórica do trabalho e da educação evidencia a luta da classe trabalhadora
por ter acesso aos mesmos direitos que a classe dirigente obtém com maior facilidade. Assim,
dever-se-ia reconhecer que a democratização do ensino médio e a garantia do direito à
educação científica, à cultura e ao domínio das técnicas que informam o ofício constituíam
grande expectativa dos trabalhadores e desafio para os dirigentes.
Tratava-se da necessidade do reconhecimento do déficit histórico que constituía o
vazio de qualquer projeto voltado para a formação científica, humanística, técnica e política
do ponto de vista da classe trabalhadora. Contudo, não se deveria esquecer que, mesmo com a
proposta de articular conhecimentos científicos e técnicos, a dicotomia que se verificava na
forma de organização da sociedade capitalista continuaria intacta e insistiria em inculcar nos
alunos o que já se dava no mundo do trabalho.
Por conta disso, e mediante a necessidade de se buscar consenso na relação conflituosa
entre os interlocutores do governo, MEC, Sintep e determinados grupos políticos, nota-se a
tese do enfrentamento da velha dicotomia: a Seduc, no ano de 1997, estava sob a gestão do
seu terceiro secretário, e este contratava consultores que procuraram resgatar as discussões
dos seminários de 1995 num documento que admitia ser o ensino médio uma área
extremamente complexa, de difícil solução e desafiadora diante do problema histórico que
constituía o seu dilema: um pêndulo que sempre oscilou entre a formação para a universidade
e a preparação para o trabalho (MATO GROSSO. Seduc, 1997, p.9).
Dessa forma, o desafio era exatamente qualificar o trabalhador para compreender de
maneira adequada o complexo universo do trabalho e também aumentar o seu poder de
barganha e ainda, ao mesmo tempo, dar-lhe sólida formação para que continuasse a se
95
desenvolver intelectualmente, seja pela via da universidade, seja por outros caminhos (MATO
GROSSO. Seduc, 1997, p.8).
A idéia sistematizada no documento Novas Perspectivas para o Ensino Médio
incorporava a diversidade socioeconômica do estado e apontava alternativas para atender a
esse mosaico por meio da oferta de cursos de formação geral de caráter científico-tecnológico
e sócio-histórico, de cursos de educação profissional integrados e, ainda, de uma outra
proposta de educação profissional complementar ou concomitante à educação básica que
deveria ser ofertada via Cenfor.
Assim, o atendimento à demanda por formação profissional de nível técnico não
deixaria de explicitar a totalidade das relações estabelecidas no mundo do trabalho pretendida
nas escolas da rede pública, que dependiam a priori da aprovação de seus projetos pelos
técnicos da Secretaria, após a verificação do atendimento a 14 critérios que passavam, no
geral, pela articulação de formação geral e específica ao longo do curso, existência preliminar
de condições materiais mínimas e corpo docente qualificado.
Os cursos nos Cenfor se dariam na perspectiva de um currículo que tomasse o trabalho
como eixo para, a partir dele, promover a compreensão e articulação das ciências aos
conhecimentos técnicos de modo a formar trabalhadores com capacidade crítica em relação às
dimensões que envolviam a complexa realidade do mundo produtivo.
Na verdade, as propostas, tanto para o ensino dio geral como o profissionalizante,
demonstravam que para atender às exigências do mundo do trabalho e das relações sociais,
dever-se-ia buscar, no currículo, a apreensão da categoria trabalho numa dimensão de
construção da existência humana e não apenas enquanto práxis produtiva. Assim, fugir-se-ia
da mera formação geral abstrata desarticulada do mundo do trabalho e de propostas que
proporcionassem apenas a instrumentalização para uma determinada área profissional.
96
O desafio que se colocava aos dirigentes, portanto, era buscar a garantia de uma
política flexível de formação dos trabalhadores baseada na melhoria da qualidade de sua
qualificação técnica calcada numa sólida formação geral, de maneira a não usar esse nível de
ensino como estratégia de contenção da demanda rumo ao ensino superior. Isto pode ser
expresso como se segue:
[...] não se tinha dado a devida importância para a articulação entre as duas
dimensões, ou seja, proporcionar uma formação para o trabalho casada com
a formação geral. [...] novamente, notava-se uma tendência ao
“descolamento”. [...] Em Mato Grosso, no entanto, acho que conseguimos
elaborar uma proposta mais avançada. Trabalhávamos com a idéia de
flexibilidade (MAXIMO, 1997).
Diante das possibilidades e dos limites no âmbito dos marcos legais do governo
federal, os intelectuais daquela nova proposta indicavam alternativas e o caminho para o
Estado buscar o equilíbrio entre a LBD e o Decreto Federal 2.208/97. Desta maneira,
estabelecer-se-ia o consenso em meio às pressões advindas do Sindicato dos Trabalhadores da
Educação, da comunidade escolar que se apresentava descontente com a extinção dos cursos
técnicos nas escolas e de grupos do próprio governo, interessados nos recursos financeiros do
MEC para a reforma.
Particularmente no que se refere a esta idéia de reforma, que já vinha sendo
incorporada no âmbito interno da Seduc, com base nas diretrizes do Decreto 2.208/97,
observa-se que ela sofria forte influência dos consultores quanto à sua interpretação, o que
remete aos escritos de Lima Filho:
ainda que os instrumentos jurídicos e normativos, as diretrizes de política
educacional e os agentes e recursos financeiros que articulavam a
implementação das medidas reformadoras tinham força impositiva, esse
poder pode ser muitas vezes contra-arrestado, ou outras vezes facilitado
pelos movimentos de resistências ou de adesões negociadas ou
incondicionais [...] (LIMA FILHO, 2003, p.74).
97
Kuenzer, uma das intelectuais da proposta de 1997, argumentava o porquê da
necessidade de romper com aquela idéia de currículo único e totalizante de ensino médio
iniciada desde a Portaria de dezembro de 1995:
então, quando eu discuto que essa Escola Média não deveria ter sido
precocemente limpada do seu conteúdo voltado pro mundo do trabalho [...]
faço essa afirmação não porque eu entendia que aos jovens trabalhadores
cabia a educação profissional. [...] defendemos que todos tenham o direito a
uma sólida educação básica que os igualitarize. Agora, [...] eles são
desiguais do ponto de vista de acesso aos bens sociais e materiais produzidos
por uma sociedade capitalista. [...] Mas, ele não pode ter cerceado o seu
direito de conhecer o pressuposto que não adianta conhecer porque ele não
terá essas escolas.
27
Mas, para isso não bastaria apenas definir as linhas gerais para esse nível de ensino; o
que asseguraria a sua materialização requeria, sobretudo, a necessária reestruturação
curricular, a formação continuada de professores e a garantia de recursos materiais, que
também passava pela questão da disponibilidade de recursos financeiros.
Apesar da possibilidade desse novo caminho, retornava à cena a velha dicotomia
curricular com a retomada da idéia de reforma da educação profissional introduzida com a
antiga Portaria de 1995. Desta vez, utilizavam-se como ponto de apoio os princípios do
Decreto Federal já homologado; a Seduc assinara um termo de adesão no qual se
comprometia perante o MEC a empreender a reorganização do sistema estadual para o ensino
médio e a educação profissional à luz das diretrizes da reforma.
A própria assinatura do Termo de Adesão aos princípios da reforma do governo
federal, no dia 05/11/97, pelo mesmo secretário que assinara o documento Novas Perspectivas
para o Ensino Médio, deixava claro que se tratava de uma exigência para a habilitação do
pré-projeto de Mato Grosso ao subprograma Reordenamento dos Sistemas Estaduais de
27
Profª. Drª. Acácia Zeneida Kuenzer, In SOUTO, Rosiley Aparecida Teixeira. Dissertação de Mestrado.
Mediadores do consenso: conflitos e ambigüidades nos encaminhamentos da educação mato-grossense (1997-
1998) Volume II, Cuiabá, UFMT. Programa Integrado de Pós-Graduação em Educação, 2001, p. 129.
98
Educação Profissional do Proep, no qual a sintonia com as definições políticas do MEC era
condição prioritária, com uma espécie de pressão velada.
Diante do fato, coube uma indagação: o que levou o governo de Mato Grosso a
sujeitar a definição da política para a educação profissional às influências externas, uma vez
que os debates se apresentavam avançados com base em um outro caminho?
Isto implicava em reconhecer que a luta pela superação da dualidade emperrava-se
pela falta de compromisso maior do governo com a mudança. Os interesses nos recursos
acenados pelo MEC resultaram em onze convênios para o Estado de Mato Grosso: “para
reformar o ensino médio no Mato Grosso, haveria que se levar em conta, além dos princípios
corretamente adotados, das teorias e dos métodos adequados, o significativo volume de
recursos que este grau de ensino demandava" (KUENZER, 2000b, p.10) e tal necessidade
pode ter influenciado fortemente na definição do rumo dado aos trabalhos. Os enunciados de
Bobbio ajudam a interpretar o dissenso que novamente se apresentava:
é inútil pensar que a desunião pode ser superada com táticas sagazes, com a
simulação de acordos aparentes e com a dissimulação de desacordos reais,
sem ir a fundo na busca das causas que a determinaram (BOBBIO, 1999,
p.83).
O aparente consenso no documento do ensino médio buscava na verdade atender às
aspirações da comunidade por reformas desde o ano de 1995 e ideais de pequena parcela do
governo; entretanto, percebe-se que os acordos políticos tiveram maior peso no traçado dos
meandros do poder e, dessa forma, o projeto que se baseava na idéia de articular ciência e
técnica sofria recuo.
Contudo, deve-se reconhecer também que os momentos de descontinuidade, reverso e
avanço no processo de construção da política educacional num governo que tentava pautar-se
99
pelos princípios da participação democrática constituíam uma estratégia para a busca do
consenso possível no contexto dos vários partidos que compunham o poder político.
no ano 2000, após um período de interrupção, que representou um vazio de três
anos, no qual a equipe do ensino médio se encarregara de estudos e trabalhos rotineiros
internos, percebia-se a segunda tentativa, desta vez sob a gestão do 5º secretário, no sentido de
buscar a consolidação dos trabalhos deflagrados em 1997, novamente com a mediação da
Profª. Drª Acácia Kuenzer. Nesse período, a equipe de educação profissional tinha
conseguido junto ao MEC recursos para “pré-investimentos”, informação referendada no
capítulo II deste trabalho, para financiar a elaboração do projeto de reforma da educação
profissional no Estado.
Naquele momento, o novo secretário de educação concordava com a idéia dos
intelectuais da proposta de 1997, que passava pela questão de que para uma sociedade
complexa “as medidas tomadas na esfera do poder público não poderiam ser únicas e
totalizantes [...] ao fugir da pluralidade poder-se-ia deixar de lado parcelas da população e
implantar políticas que refletiam o desejo e a influência dos setores hegemônicos” (MATO
GROSSO, 1997, p.18; KUENZER, 2000b, p.10).
Há, portanto, indícios de interesse em retomar novamente as linhas gerais definidas no
documento Novas Perspectivas para o Ensino Médio à luz das Diretrizes Curriculares
Nacionais para o Ensino Médio, uma vez que seria impossível negá-las por apontarem na
direção possível de uma formação científico-tecnológica e sócio-histórica para todos, de
modo a construir a democratização da oferta do ensino médio.
Novamente a Secretaria demonstrava a preocupação com o enfrentamento das
condições desiguais com que se deparavam os trabalhadores do estado de Mato Grosso diante
do caráter díspar do modelo de economia que se marcava pela tendência à informalidade no
100
setor de serviços. Portanto, a proposta curricular teria que ousar ao tratar diferentemente os
desiguais em busca da alternativa possível. Assim,
não havia como fazer concessão ao caráter básico do Ensino Médio, supondo
ser possível sua substituição pela educação profissional independente de
escolaridade. Contudo, já no Ensino Médio, a formação científico-
tecnológica e sócio-histórica deveria ser completada, na parte diversificada,
por conteúdos do mundo do trabalho, sem que se configurassem em cursos
profissionalizantes típicos do taylorismo-fordismo (MATO GROSSO, 1997,
p.18; KUENZER, 2000b, p.37).
Porém, não bastava apenas realizar seminários em todo o estado para se discutir a
reestruturação curricular com base em uma nova concepção de ensino médio. Do ponto de
vista da real implantação dessa proposta, deveria existir a clareza de que havia necessidade de
um engajamento maior de dirigentes, trabalhadores e comunidade escolar. A vontade política
teria que ter um peso maior; porém, a força que advinha da base material e de determinados
grupos conservadores contra-arrestava qualquer projeto que viesse no sentido contrário, pois
permaneciam no âmbito das negociações políticas os interesses pelos recursos do governo
federal. Desta vez, inclusive, para o ensino médio de educação geral, o que resultaria no
Projeto Apoena: a Escola Jovem de Mato Grosso.
Essa nova retomada evidenciava a alternância nas formas de poder e políticas
ziguezagueantes, ficando claro que ora o Governo se pretendia social-democrático, ora
economicista e conservador. Foi possível observar desde maio de 1997, no interior da Seduc,
a coexistência de duas frentes de trabalho. Nota-se que, da antiga equipe de ensino médio, que
contava com oito técnicos, foram designados três
28
para compor a equipe de educação
28
A antiga equipe de ensino médio no início do ano de 1997 era composta por: Aidê Fátima de Campos Caetano,
Arvelina Néris de Assunção, Jair Reck, Luzinete Reis Barroso, Maria de Fátima Mattos, Orlene Lopes da Silva,
Vanete Gonçalina de Pinho. Porém, a Portaria nº. 846/1997/SEDUC-MT assinada em 14/05/1997 pelo secretário
Fausto de Souza Faria, designou para compor a equipe técnica de educação profissional os seguintes servidores:
Aidê Fátima Caetano, Orlene Lopes Silva, Luzinete Reis Barroso e Deusalina Maria de Arruda Assunção da
Silva ( Diário Oficial de 15/05 p. 6). Porém, no ano seguinte, desfez-se a equipe, ficando somente uma técnica
desse primeiro grupo, e em 1999, pela terceira vez, montava-se uma nova equipe para a educação profissional.
101
profissional; dois juntaram-se à nova equipe de ensino médio de educação geral e os demais
assumiram outras funções no âmbito da Secretaria.
A equipe técnica de educação profissional, sob a orientação de consultores
representantes das escolas da rede federal de ensino em Mato Grosso, também elaborou um
outro documento, Educação profissional: alternativas para o exercício competente da
cidadania, no qual se procurou “não repassar os ditames da educação profissional sem a
precedência de observações que nos seus entendimentos eram oportunas e modestamente
desocultadoras dessa modalidade” (MATO GROSSO, 1998, p.17).
Numa análise criteriosa no documento percebe-se que não houve total negação da
história construída até então pela Seduc. evidência da preocupação com a problemática da
elevação do nível de escolaridade dos trabalhadores e do reconhecimento de que os princípios
da ciência deveriam estar contemplados na educação básica. Assim,
A educação profissional não é descolada tampouco é uma oferta educacional
com ênfase no mercado. necessidade de dirigentes educacionais,
educadores e demais atores da sociedade perceberem a educação profissional
como articuladora entre o mundo do trabalho-tecnologia e o mundo
propedêutico ciência e valores éticos. [...] Embora o Decreto Federal
preceitue a não exigência de escolaridade prévia para o nível básico [...]
sugere-se às instituições responsáveis pela educação profissional, buscar
articulação com a rede regular de ensino para que se garanta o ingresso,
continuidade e terminalidade da educação básica fundamental,
oportunizando a elevação da cultura do trabalhador e ascensão aos níveis
mais avançados da educação profissional (MATO GROSSO, 1998, p.20-36).
Apesar da aparente pretensão, o conteúdo do documento evidenciava o acordo com as
diretrizes do Decreto 2.208/97. Tudo indica que os rumos dados nas elaborações para a
educação profissional seguiram em direção às diretrizes do Ministério e da sistemática dos
manuais do Proep, demonstrando que, num governo no qual o dissenso se tornava uma
constante, as políticas se revelam instáveis e frágeis e abriam espaço para as interferências
externas.
102
Os documentos produzidos pela equipe técnica a partir do acordo com o MEC
incorporaram as concepções de reforma do governo federal, configurando uma relação de
parceria subalterna em detrimento do avanço das concepções até então desenvolvidas. Por
esta razão, os interesses do Estado nos recursos do Proep determinariam a prioridade e
decidiriam para a classe trabalhadora a educação profissional desarticulada.
Aliás, foi possível identificar aspectos que evidenciavam conflitos de natureza
conceitual nos próprios textos dos projetos que preconizavam a reforma de acordo com as
orientações do Proep. A defesa de ideais contrários, num mesmo documento, leva a inferir
que no interior da equipe técnica não havia clareza teórica acerca da temática. Pode-se
verificar no texto que expressava a missão dos Cenfor:
promover a educação profissional através da estreita parceria com a
comunidade, para garantir ao trabalhador contemporâneo o domínio dos
conhecimentos científicos e tecnológicos, proporcionando-lhes a melhoria de
qualidade de vida e conseqüentemente fortalecimento da economia (PEC’s,
1999, formulário 3),
na epígrafe, que essa missão dos Centros se alargava ao englobar a garantia de
conhecimentos científicos e tecnológicos ao trabalhador contemporâneo. Isso demonstrava o
reconhecimento, por uma parte da equipe, da necessidade de se insistir em propostas
pedagógicas para formar trabalhadores com condições de enfrentar as exigências desiguais do
mundo do trabalho.
O movimento dessas contradições também se expressava no texto da Lei
Complementar nº. 49/98, que reorganiza o sistema educacional de Mato Grosso, em que se
explicitam de duas tendências: a que saía em defesa da educação profissional articulada ao
ensino médio nas escolas estaduais e outra que propunha a educação profissional nos Cenfor.
Assim, observam-se características baseadas na concepção de currículo centrado no trabalho
enquanto fator de humanização:
103
o ensino médio, etapa final da educação básica, terá como finalidade: [...] a
compreensão dos fundamentos científico-tecnológicos dos processos
produtivos, relacionando a teoria com a prática. [...] a preparação básica para
o trabalho de modo a ser capaz de adaptar com flexibilidade a novas
condições de ocupação ou aperfeiçoamento posteriores (LC nº 49/98).
Na seção IV da referida Lei nota-se que o ensino médio estaria voltado para a
complementação do ensino fundamental e prosseguimento de estudos e garantiria a
articulação com conteúdos voltados para a preparação das bases científicas e tecnológicas do
mundo do trabalho. Essa proposta demonstrava uma compreensão de currículo que tomaria o
trabalho como eixo na busca da superação da dualidade estrutural e, assim, não se submeteria
a clientela a um curso acadêmico de caráter abstrato e unitário. Percebe-se na epígrafe que tal
proposta não se referia aos Cenfor, mas a educação profissional poderia se dar nas escolas
estaduais. Isso remetia à proposta do documento Novas Perspectivas para o Ensino Médio do
ano de 1997.
O desafio, portanto, estava posto: a legislação garantiria a possibilidade de formação
científico-tecnológica associada à sócio-histórica nas escolas da rede estadual de ensino. Mas
deve ser lembrado que uma concepção, mesmo que seja a ideal, a desejada, “só ganha
concretude quando tomada em relação às condições reais de sua implantação” (KUENZER,
2000b, p.37). Esta verificação passa pelos problemas das condições estruturais das escolas,
como laboratórios, bibliotecas, espaços físicos adequados ao tipo de clientela; de programas
de formação continuada para os professores e, ainda, da reforma curricular.
Entretanto, é importante registrar que, naquele ano de 1998, a matrícula no ensino
propedêutico de caráter abstrato atingia um total de 71.598 alunos, uma vez que a Seduc
ainda permanecia no âmbito das formulações políticas, o que demonstrava que apesar da
abertura na LC 049/98, a realidade mostrava o caminho oposto.
104
Percebe-se, durante a análise, que os dirigentes da Secretaria haviam omitido, na
primeira versão do texto da Lei, a educação profissional via Cenfor, visto que foi referendada
em apenas dois parágrafos na seção do ensino médio, para que, no caso de vir a acontecer,
fosse “[...] mediante projetos específicos articulados com a vocação econômica da região na
qual a escola estava situada. [...] de forma concomitante ou posterior ao Ensino Médio”.
29
Nota-se que a educação profissional se daria de forma simultânea ou posterior ao
ensino de nível médio. Contudo, percebe-se o acréscimo de uma outra seção, composta de seis
artigos e respectivos parágrafos, para tratar exclusivamente da educação profissional,
representando, desta vez, a tendência da defesa dos cursos nos Cenfor.
Avalia-se que o texto que referendava a educação profissional nos Cenfor foi incluído
na última hora, pois, apesar de sua reformulação, permaneceram os dois parágrafos na seção
referente ao ensino médio, ficando, portanto, contemplada nas duas seções a educação
profissional. É o que se pode ver no quadro a seguir.
Quadro 3 - Diretrizes na Lei Complementar 049/98
Seção IV - do ensino médio Seção V - da educação profissional
A educação profissional pode se dar
mediante projetos específicos articulados
com a vocação econômica da região na
qual a escola está situada.
A educação profissional articulada ao ensino
médio deverá atender a situações de demandas
específicas ligadas ao desenvolvimento local e
regional, mediante projetos solidamente
justificados.
A educação profissional poderá se dar de
forma concomitante ou posterior ao ensino
médio.
A educação profissional concomitante ou
seqüencial à educação básica de nível
fundamental e médio, porém sem substituí-la,
poderá se dar nos Centros Públicos de Formação
Profissional, implantados em regiões los de
desenvolvimento do Estado.
Fonte: Mato Grosso. LC 049/98.
29
Lei Complementar 49 de de outubro de 1998. Dispõe sobre a instituição do Sistema Estadual de Ensino
de Mato Grosso e outras providências. Seção IV. Do Ensino Médio. Art. 74, incisos III e IV; Art. 77 §§ e
2º.
105
Tratava-se da influência dos consultores representantes das Escolas Agrotécnica
Federal de Cuiabá e Técnica Federal de Mato Grosso (hoje Cefet’s), os quais, ao tomar
conhecimento do conteúdo da primeira versão, encaminharam uma carta ao secretário de
Educação com uma cópia para a Assembléia Legislativa, na qual argumentavam:
ainda que o Plano de Metas do Governo Estadual tinha identificado como
itens de solução dos problemas regionais a expansão do ensino
profissionalizante; a orientação e capacitação tecnológica; a valorização do
trabalho como estímulo à profissionalização e a qualificação da força de
trabalho nota-se que em Mato Grosso não havia diploma legal que inserisse
a educação profissional como forma de atendimento educacional a ser
oferecido pelo Estado aos cidadãos [...] a educação formal mato-grossense
não poderia ter como escopo a mera ascensão da educação básica para a
educação superior.
30
Esse documento alertava os dirigentes da Secretaria para o fato de que o Estado de
Mato Grosso havia formalizado um compromisso junto ao Ministério da Educação que
resultara na sua participação nos recursos do PROEP para implementar Centros Públicos de
Formação Profissional.
É importante destacar que, naquele ano de 1998, o Governador, então candidato à
reeleição, encontrava-se em plena campanha para o seu segundo mandato e enfrentava
momentos de negociação entre os dez aliados para a formação de uma nova Frente,
31
evidenciando que possivelmente existia “um aliado que queria a aliança com quem não a
queria e não a queria com quem a desejava” (BOBBIO, 1999, p.192), uma vez que ocorria a
ruptura entre aliados e a necessidade de agregar novos parceiros para garantir a sua reeleição.
Nesse contexto político, avalia-se que deixar de atender a uma solicitação das escolas da rede
federal não se constituiria em um bom negócio.
30
Carta de três laudas endereçada ao Secretário de Estado de Educação médico Fausto de Souza Faria, com uma
cópia para a Assembléia Legislativa, no dia 08 de junho de 1998, assinada pela equipe de professores da Escola
Técnica Federal de Mato Grosso e da Escola Agrotécnica Federal de Cuiabá: Abimael Antunes Marques, Dorval
Rodrigues Júnior, Luiz Carlos de Figueiredo, Noel Alves Constantino e Nelson Yoshio Ito Suzuki, consultores e
mentores do Projeto de Reforma da Educação Profissional da Secretaria.
31
A coligação Frente Cidadania e Desenvolvimento, no ano de 1998, reelege o representante do PSDB para o
segundo mandato (período 1998-2002), desta vez aliando-se com o PMN, PSB e PV.
106
No entanto, entre negar a educação profissional ou assumi-la, ganhavam espaço os
princípios que demonstravam consolidar as leis do mercado, passando pela idéia de separação
entre ciência e técnica e que estavam explícitos nos textos dos projetos financeiros orientados
pelos tecnocratas do Proep.
Notadamente nos momentos de formulação de natureza epistemológica, a partir das
consultorias contratadas pela Seduc, percebem-se sustentação teórica e coerência no rumo a
ser dado para as políticas. Julga-se que nos instantes em que as equipes técnicas se submetiam
ao trabalho burocrático e rotineiro este se tornava desqualificado, lento e restrito ao espaço de
atuação de cada equipe, o que é evidenciado nas constantes reformulações dos projetos. O
PEP foi aprovado após a versão, e os PEC na edição. indícios de que as influências
dos tecnocratas do Proep para que os projetos se adequassem às suas orientações ocorreram
num contexto de trabalho técnico precário, com espaços reduzidos para a reflexão da ação.
Leiam-se a respeito as observações seguintes.
[...] na verdade há um processo de desqualificação em curso, por essa doença
da burocracia [...] A burocracia não é para ser competente, é para sustentar
um conjunto de relações políticas que são mantidas muito mais por
interesses partidários e/ou individuais do que por interesse de projeto
político. [...] desse ponto de vista, a equipe técnica constrói a sua própria
submissão.
32
Na verdade, observava-se que o tempo político não se adequava ao tempo técnico,
pois foi possível notar certo “atropelamento” nas ações ao se verem aprovados em primeiro
plano os projetos escolares sem antes se definir o Projeto Estadual de Educação Profissional.
Pode-se considerar que se constituía prioridade assinar convênios e não o amadurecimento de
um conceito de projeto de educação profissional claro, amplo e consistente. Isso evidencia
que o modo de organização do trabalho interno da Seduc apresentava características da gestão
32
Profª Drª Acácia Zeneida Kuenzer, na época, consultora do ensino médio na SEDUC. Cf. em SOUTO,
Rosiley Aparecida Teixeira. Dissertação de Mestrado. Mediadores do consenso: conflitos e ambigüidades nos
encaminhamentos da educação mato-grossense (1997-1998), volume II Cuiabá, UFMT, Programa Integrado de
Pós-Graduação em Educação, 2001, p.135.
107
empresarial do modelo taylorista/fordista segundo a qual as decisões são feitas na gerência, a
quem compete o monopólio do conhecimento.
Para Kuenzer, mesmo um modelo de Estado absurdamente orgânico no concernente ao
movimento de reestruturação da economia [...] teria que ter um corpo técnico permanente,
altamente qualificado, estável, bem remunerado e comprometido com a utopia e, com certeza,
tais Estados, mesmo nos limites da sua proposta capitalista, seriam mais eficazes.
33
Enquanto o modo de organização interno da Seduc se deparava com os limites
impostos pela separação entre o trabalho dos técnicos e a tarefa de definição da política para a
educação profissional, a realidade social e o desenvolvimento das forças produtivas do estado
de Mato Grosso demandavam propostas educacionais voltadas para a democratização possível
de distintas alternativas para os jovens.
3.1 Como a educação profissional foi tratada nos Planos do governo
Em 1994, a Frente Cidadania e Desenvolvimento promoveu uma ampla
mobilização da sociedade civil organizada para a construção de um novo
modelo de gestão pública para Mato Grosso. Como resultado do
engajamento de lideranças políticas, comunitárias, empresariais e dos
trabalhadores, que contribuíram através do intenso debate de idéias e
formulação de propostas, pela primeira vez, na história, concebeu-se o Plano
de Metas-Mato Grosso 1995/2006
(FRENTE CIDADANIA E
DESENVOLVIMENTO, Plano de Metas, 1995).
O governo, desde o início, demonstrara a busca de estratégias que permitissem o
envolvimento da sociedade, de modo a fazer com que os diversos grupos se “expressassem
politicamente, participassem, direta ou indiretamente, na formação da vontade coletiva
(BOBBIO, 1999, p.16). Este esforço evidenciava características da política de socialização do
poder por um governo que trilhava os caminhos da democracia.
33
Cf.Kuenzer. Acácia Zeneida. Entrevista. In: SOUTO, Rosiley Aparecida Teixeira. Dissertação de Mestrado.
2001, p. 121.
108
As diretrizes expressas no Plano de Metas 1995-2006 anunciavam “promover a
transformação do Estado em instrumento de desenvolvimento para a cidadania” (PLANO DE
METAS, 1995, p,10), com fundamento, principalmente, no paradigma educacional e, no que
se referia à educação profissional, marcaram-se por uma proposta de caráter complementar
voltada para o alargamento dos direitos sociais dos trabalhadores. Apresentava, entre as
propostas do governo para responder aos diagnósticos levantados na comunidade mato-
grossense, a de “implantar Centros de Formação Tecnológica, visando a formação
profissional no nível de ensino médio, em regiões pólos do Estado, de acordo com as
potencialidades do mercado regional” (FRENTE CIDADANIA E DESENVOLVIMENTO,
Plano de Metas, 1995).
Porém, ao analisar a negação da oferta de cursos técnicos desde 1996, segundo ano de
governo, percebe-se que a preocupação em se estender os direitos sociais os trabalhadores se
revelou numa política envolta de artificialidade. Existem indícios de que a extinção dos cursos
técnicos deu-se de forma autoritária e representou a vontade política dos “superiores” no
âmbito da gestão da Seduc, naquele dezembro de 1995, contrariando a vontade da maioria que
se fez presente aos seminários do primeiro semestre do mesmo ano. Como a própria
comunidade escolar e os trabalhadores não organizaram um movimento para a garantia dos
seus direitos,
essa minoria participante, então, definiu os rumos históricos a serem
seguidos pela comunidade [...] sem oposição dos maiores interessados [...]
que ao apresentar-se indiferente à participação, a classe subalterna reforça a
visão do mundo dominante e admite o consenso em relação à ideologia em
vigor (MARTINS, 2000, p.40).
em março de 1996, o governo do Estado de Mato Grosso demonstrava a pretensão
de levantar recursos para a implantação de Centros Públicos de Formação Profissional. No
documento encaminhado ao MEC, destacava que a prioridade, entre as ações do Plano de
109
Metas, seria a reorganização do ensino médio e tecnológico, baseada na criação dos Cenfor. O
MEC por sua vez orientava as condições para o direito do Estado ao financiamento:
O Estado interessado em participar do PROEP deverá apresentar uma
CARTA CONSULTA contendo informações referentes a: identificação da
instituição, Termo de Adesão aos Princípios da Reforma e dados
preliminares sobre a Proposta Educacional a ser elaborada (MEC, 1997d).
Lima Filho elucida que a consecução das orientações de reformas educacionais aos
Estados
[...] se dava por mecanismos de adequação variados, como por exemplo, o
estabelecimento de condicionalidades para a concessão de financiamentos
internacionais e critérios de utilização dos recursos. Esse foi o caso da
Reforma da Educação Profissional no Brasil, com recursos do BID (LIMA
FILHO, 2003, p.75).
No final da primeira gestão desse governo, a Secretaria solicitava à Procuradoria Geral
do Estado providências legais quanto à criação dos Cenfor para cumprir determinações do
Decreto 2.208/97 e da Portaria 1266/95/SEDUC. Propunha-se que “esses Centros iriam
oferecer educação profissional compreendendo os veis básico e técnico: o nível básico [...]
independente de escolaridade e o nível técnico [...] a alunos matriculados ou egressos do
ensino médio”.
34
O texto do Plano de Governo referente ao período 1998-2002 apresentava nas
primeiras páginas o contexto das transformações econômicas, sociais e políticas que vinham
ocorrendo no mundo, as quais afetavam, particularmente, a economia nacional e os estados, e
argumentava que, em função disso, seria imperioso adotar como estratégia de
desenvolvimento e competitividade para Mato Grosso a “construção de um Estado necessário
e eficiente; redução dos desequilíbrios regionais e sociais; integração, inserção competitiva e
34
Este trecho evidencia que, naquele ano de 1997, a SEDUC, procurava atender às diretrizes do PROEP. Ver.
Ofício 1.459/97 de 30 de dezembro de 1997, assinado pelo Secretário Fausto de Souza Faria e endereçado ao
Ilmo. Dr. João Virgílio do Nascimento Sobrinho, Procurador Geral do Estado.
110
modernização produtiva (FRENTE CIDADANIA E DESENVOLVIMENTO, Plano de
Metas, 1995).
Destacava-se em tais dimensões a necessidade de ajustar o aparelho estatal como parte
orgânica do movimento da economia e do trabalho que, conseqüentemente, impunha novas
formas de relações sociais, alterando a política.
Nesse Plano de Governo, observa-se uma concepção de política governamental
centrada em quatro macroquestões: econômica; social; político-institucional e ambiental, as
quais compreendiam os eixos estruturadores do processo de desenvolvimento do estado.
Daquela vez a educação e capacitação profissional eram consideradas categorias ligadas à
questão econômica por serem vistas como indispensáveis para assegurar competitividade à
agroindústria e, por conseguinte, ao crescimento da economia do estado.
Todas as regiões do país são afetadas pelos cenários macroeconômicos [...]
mas os rebatimentos sobre a estratégia de desenvolvimento de Mato Grosso
são particularmente significativos, especialmente em termos de [...]
investimentos em ciência e tecnologia educação e capacitação profissional,
para elevar os padrões de competitividade das atividades econômicas
regionais (FRENTE CIDADANIA E DESENVOLVIMENTO, Plano de
Metas, 1998, p.15,16).
O fato de o governo optar por associar a educação aos processos econômicos remete
aos escritos de Frigotto, o qual argumenta que a educação apresenta-se historicamente como
um campo de disputa, que se de diferentes formas, inclusive dos interesses de classes. Para
o autor, na perspectiva das classes dominantes, “a educação dos diferentes grupos sociais de
trabalhadores deve dar-se a fim de habilitá-los técnica, social e ideologicamente para o
trabalho” (FRIGOTTO, 2003, p.26). A proposta do Plano de Governo lembrava, de fato, a
concepção voltada para a adequação dos processos educacionais às restritas mudanças
tecnológicas.
111
No que concerne à política de qualificação profissional, nota-se uma nova
racionalidade, visto que o governo apontava para a inversão do papel da educação e
capacitação profissional, que passava de condição básica para a cidadania, referendada no
Plano referente à primeira gestão, a eixo estruturante do processo de desenvolvimento e de
competitividade.
Isto é o que se vê descrito no trecho seguinte.
A educação transcende a obrigação social do Estado. Associada ao
desenvolvimento científico e tecnológico, ela é, também, uma pré-condição
fundamental para o sucesso da estratégia de desenvolvimento. Sem educação
e sem tecnologia, não como assegurar um nível adequado de eficiência,
produtividade e competitividade para a economia regional, indispensável à
ampliação dos seus mercados, nos planos nacional e internacional
(FRIGOTTO, 2003, p. 27).
Por esta trilha, pode-se perceber que a defesa da educação básica geral no Plano
referente ao segundo mandato ficava subordinada à globalização, competitividade, eficiência,
integração regional e nacional, flexibilidade e tecnologia, conceitos que, embora revestidos de
um novo conteúdo, representavam na prática as mesmas contradições da relação capital-
trabalho.
A classe política, nesse aspecto, parecia reconhecer que o baixo nível de escolaridade
da população mato-grossense se constituía em obstáculo para o crescimento da economia,
pois a “educação de qualidade passou a ser condição básica para o sucesso da estratégia de
desenvolvimento do Estado, [...] ampliar a oferta de vagas no ensino médio em 50% e reduzir
para 10% as taxas de evasão e repetência no ensino fundamental” (
FRENTE CIDADANIA E
DESENVOLVIMENTO, Plano de Metas,
1998, p. 47).
No segundo mandato, o Governo admitira a necessidade de convergência com as
ações do Governo Federal, aliás, o próprio Governador, que iniciara seu mandato no PDT,
mudara para o PSDB. Assim, a política pública para Mato Grosso “deveria convergir com a
112
política nacional para a realização de objetivos comuns de desenvolvimento econômico e
avanço social, numa ação sinérgica e de mútuo esforço” (
FRENTE CIDADANIA E
DESENVOLVIMENTO, Plano de Metas,
1998, p.18).
A concepção de Estado do Governo Federal baseava-se em um modelo de
administração pública empresarial, centrado na lógica eficientista, o que constituiu um dos
condicionantes do movimento de consolidação da reforma do Estado de Mato Grosso e, em
particular, da educação. Isto lembra as idéias de Luxemburgo sobre o caráter do modo de
produção da sociedade capitalista, que influi na política:
Sem dúvida, o próprio desenvolvimento capitalista modifica essencialmente
o caráter do Estado, [...] se ele se impõe a si mesmo, no interesse do
desenvolvimento social, funções de interesse geral, é unicamente porque e
somente na medida em que esses interesses e o desenvolvimento social
coincidem, de uma maneira geral, com os interesses da classe dominante
(LUXEMBURGO, 2001, p. 50-51).
A omissão das diretrizes para a educação profissional na segunda parte do Programa
de Governo, referente ao segundo mandato, entre as vinte e três políticas contidas em cinco
grandes objetivos de longo prazo, negou-se que se operacionalizasse a educação dos
trabalhadores e pode ter nascido de um consenso político:
1-Promover o Desenvolvimento para a Cidadania abrangendo as
seguintes políticas: emprego e renda; educação; saúde; saneamento;
habitação; cultura; justiça e cidadania; segurança pública; desporto e lazer;
promoção social; e povos indígenas; [...] 2-Transformar Mato Grosso em
Importante Pólo Agroindustrial- contemplando as políticas de energia;
transporte; desenvolvimento agropecuário e florestal; desenvolvimento
industrial e comercial; desenvolvimento científico e tecnológico; [...] 3-
Assegurar a Conservação da Biodiversidade - a partir das políticas de meio
ambiente; desenvolvimento mineral e desenvolvimento do turismo; [...] 4-
Promover a integração Regional e Internacional - abrangendo as políticas
de promoção e integração econômica e cultural; [...] 5- Assegurar o
Equilíbrio Fiscal - contemplando as políticas de administração fiscal,
administração geral, patrimonial, de recursos humanos e de planejamento
(FRENTE CIDADANIA E DESENVOLVIMENTO. Plano de Metas
[...]&Programa de Governo [...], 1998, p.42).
113
Contudo, parece que esta ampla proposta ia além do pacto entre as forças políticas,
daquela vez com apenas quatro partidos, visto que se pode inferir que também passava pela
questão de manter o apoio da população, que ainda apostava nas possibilidades de
crescimento econômico-social do Estado.
Nota-se, na primeira parte do Programa de Governo, que ao estabelecer as políticas
estratégicas para o período 1999/2002, a educação dos trabalhadores se constituía um
privilégio da agroindústria. Porém, na organização da segunda parte do mesmo documento, ao
se desdobrar e estruturar cada um desses objetivos em tópicos específicos com suas
respectivas políticas, a educação profissional foi omitida. Ao analisar detalhadamente cada
meta no corpo de todo o documento, verifica-se que a operacionalização da educação dos
trabalhadores deste estado ficou no vazio.
Priorizou-se a ênfase na expansão da oferta do ensino médio de educação geral em até
50% no Programa de Governo. Todavia, não se poderia deixar de considerar que a formação
profissional é também um componente fundamental para o processo de democratização dos
direitos sociais dos trabalhadores mato-grossenses, pois a proposta de currículo unitário e
abstrato no ensino médio, por si só, não lhes garantiria tais condições. Compreende-se, por
outro lado, que o destaque dado à ampliação da oferta da educação básica, no caso específico
do estado de Mato Grosso, não se tratava da gica marcada pelo uso da formação generalista
como um mecanismo regulador de tensões frente a um mercado restrito, mas, sobretudo,
devia-se à existência de significativa parcela da população economicamente ativa que
demonstrava total ausência ou poucos anos de escolaridade.
Além disso, entende-se que a ampliação da educação básica e a oferta da educação
profissional não deveria se restringir apenas às políticas de promoção do crescimento
114
econômico, mas, sobretudo, constituir um pressuposto para o alargamento das possibilidades
e condições de acesso aos bens culturais e sociais.
Particularmente, verificou-se que o fato de o Governo propalar a necessidade de
fortalecer a agroindústria e o desenvolvimento econômico do estado, atrelado a um programa
de capacitação técnica, ocorreu sob a alegação de que permanecia entre as causas do
desenvolvimento incipiente a serem reduzidas o déficit de mão-de-obra qualificada. Mas,
apesar dessa propagação, indícios de que os interesses e esforços para a implementação da
política de educação profissional centravam-se na elaboração de projetos técnico-financeiros.
Os escritos do Plano de Expansão da Educação Profissional, PEP-MT,
35
organizavam
a oferta pública através de oito Cenfor e 80 escolas da rede estadual, para proporcionar
qualificação a 60% da massa trabalhadora do estado. O atendimento se daria com a garantia
de cursos básicos de curta duração para os sem escolaridade e cursos técnicos para os
matriculados ou egressos do ensino médio. Entretanto, nota-se que tais alternativas de
educação para a classe trabalhadora emperravam frente à máquina burocrática no âmbito
interno da Secretaria, nos aspectos econômicos e nas decisões políticas.
Para se constatar quais eram as bases financeiras para o sustento dessas propostas,
optou-se, neste trabalho por realizar uma análise nos planejamentos orçamentários a partir do
ano de 1999, época em que os Projetos Escolares foram aprovados pelo PROEP/MEC, que
conseqüentemente passaria a exigir da Secretaria a definição de orçamento para a manutenção
da educação profissional nos CENFOR e nas 80 escolas estaduais.
35
O PEP/MT/2000 propunha a reorganização da educação profissional através da ampliação da oferta de
vagas; diversificação dos cursos, atendendo à demanda de mercado em cada região do estado; modernização das
instalações físicas e dos equipamentos escolares; qualificação dos gestores e docentes dos CENFOR; adequação
dos currículos ao mercado de trabalho; modernização das metodologias de ensino; instituição de sistemas de
avaliação, do sistema e dos egressos; criação de oito Centros Públicos de Formação Profissional; oferta de
cursos técnicos através de escolas via projetos previamente aprovados pela SEDUC; criação da mara de
Educação Profissional no âmbito do Conselho Estadual de Educação; fortalecimento do modelo de gestão
participativa através da criação dos Conselhos Multi-Institucionais; fortalecimento do Órgão Gestor na SEDUC,
através do desenvolvimento de vários cursos de capacitação e contratação de Consultoria.
115
A busca da governabilidade frente à diversidade de partidos dava-se com o Programa
de Governo, o Plano de Metas e a utilização de outros Planos: Plurianual, Planejamentos
Estratégicos e Planos de Ação. Esses instrumentos, bases do planejamento para o serviço
público, tinham a finalidade de estabelecer as diretrizes, objetivos e metas da administração
pública para a organização das despesas de capital e outras delas decorrentes. Portanto, nota-
se que essas estratégias metodológicas evidenciavam a opção do governo de Mato Grosso no
período 1998 a 2002 por estabelecer um esforço para implementar uma administração
gerencial voltada para resultados.
Tratava-se do que se registrou anteriormente: estavam postas as condições de
legitimação de um modelo de Estado gestor com ênfase na eficiência e eficácia. Há evidências
deste modelo na distribuição dos recursos no Plano Plurianual do Governo, em que se definiu,
particularmente para a diretriz “implementação de oito Centros Públicos de Formação
Profissional”, apenas parte de recursos do Tesouro do Estado e se delegou à Secretaria de
Estado de Educação a responsabilidade pela sua implementação:
ação 01- Construção e implementação de Centros Públicos de Formação
Profissional nos Municípios de Rondonópolis; Barra do Garças; Sinop; Alta
Floresta; Tangará da Serra; Matupá; Juara e Diamantino, até dezembro de
2003. [...] Fontes de Financiamento : Tesouro do Estado R$ 4.316.000,00
(quatro milhões, trezentos e dezesseis mil reais); [...] Outras Fontes:
R$17.323.000,00 (dezessete milhões, trezentos e vinte e três mil reais)
(MATO GROSSO. Governo do Estado. Plano Plurianual, 1998-2003).
Observa-se que, tanto no Planejamento Estratégico como no Plano de Ação da Seduc
(1999–2003), também está garantido, nos objetivos e suas respectivas estratégias e ações para
a educação profissional, “[...] Implementar 08 Centros Públicos de Formação Profissional, em
municípios pólos do Estado. [...] Implementar em 80 escolas estaduais o Plano de
Reordenamento da Educação Profissional”.
116
Apesar de se demonstrarem, no âmbito dos planejamentos, as ações referentes à
educação profissional, ao confrontar esses planos com o resultado dos relatórios de atividades
desenvolvidas pela equipe de educação profissional, nota-se que os objetivos propalados nos
documentos oficiais não ocorreram na prática. Portanto, foi possível verificar que para as
metas definidas não havia base financeira no tesouro do Estado.
Esse vazio de práticas de educação profissional em Mato Grosso remete à reforma
proposta pelo governo federal, que refletia a sua falta de responsabilidade para com o ensino
técnico nas escolas da rede federal de ensino, podendo-se inferir da mesma forma no Estado
de Mato Grosso.
Os embates apresentados entre as formulações que ora defendiam a criação de uma
rede paralela ora reivindicavam a sua união podem ter a ver também com a perspectiva de
redução do papel do Estado na educação dos trabalhadores. Sabe-se que o custo do aluno do
curso profissionalizante é maior que o custo do aluno do ensino médio regular. Assim, o fato
de a Secretaria optar pela separação das redes, ou melhor, pela extinção dos cursos
profissionalizantes, priorizou a via da expansão da oferta do ensino de formação propedêutica,
que ensejava menor custo.
A universalização do ensino fundamental e a expansão do ensino médio para atender
ao déficit histórico de escolaridade da população contrariavam o conceito de eqüidade,
definido como um dos tripés da educação no Plano de Metas. Avalia-se que a negação aos que
conviviam com múltiplas realidades da possibilidade de acesso ao ensino médio
profissionalizante mostrava a omissão do Estado com esse conceito. A análise conduzia a
interpretar que a reforma do ensino médio profissionalizante teve como pressuposto a opção
pela racionalidade financeira e a redução do espaço público democrático, marcadas pelo
mesmo realinhamento às políticas educacionais do governo federal.
117
Isto posto, julga-se que a reforma instituída no Mato Grosso legitimou, apesar das
contradições, um projeto consensual que ia além das fronteiras de um governo pluripartidário,
mas representava influências externas ao absorverem ideais do mercado e da política do
governo de âmbito federal.
Não obstante a evidência da proposta flexível de 1997 para atender às peculiaridades
e diversidades do estado, quando se analisa o Planejamento Estratégico da Seduc nota-se que
a alternativa de integração de ciência e técnica, no âmbito do ensino médio das escolas da
rede estadual, não saiu do papel, que esta meta foi posteriormente reformulada, reduzida e,
finalmente, cortada.
Pode-se verificar no quadro abaixo que as ações propostas no Planejamento
Estratégico que dependiam, para a sua realização, de recursos do Tesouro do Estado sofreram
um processo de estagnação. As reformulações posteriores nos Planos de Ação apresentaram a
redução da meta “implantar cursos técnicos em 80 escolas estaduais” que, por fim, apontavam
no Plano de Ação de 2002 para apenas 2 escolas, as quais também não foram contempladas.
Dessa forma, pode-se constatar que a proposta de articulação de ciência e técnica era
escamoteada diante da concretização de propostas pedagógicas para o ensino médio na
perspectiva de currículo abstrato voltado para a formação generalista.
Quadro 4 - Síntese das ações da Equipe de Educação Profissional
Ação Período Recursos Situação até dezembro de 2002
Realizar seminários sobre matrizes
curriculares dos cursos técnicos a serem
implantados em 80 escolas estaduais.
2001/2003 SEDUC /
PROEP
Ação não realizada.
Realizaram-se 3 seminários para
difundir a reforma via CENFOR.
Divulgar o Plano da Educação
Profissional nas regiões a serem
atendidas: 1ª etapa: 2001-15 escolas; 2ª
etapa: 2002-25 escolas; 3ª etapa: 2003- 40
escolas.
2001/ 2003 SEDUC Ação não realizada.
Foram realizados 2 seminários em
Cuiabá para divulgar o Plano de
Expansão da Educação Profissional.
Capacitar e adquirir equipamentos para a
Equipe Central na SEDUC.
2000/2002 PROEP Parcialmente realizada.
Elaborar projeto para implantar a
educação profissional nas escolas:
etapa: 2001-15 escolas; etapa: 2002-25
escolas; 3ª etapa: 2003- 40 escolas.
2001/2003 SEDUC No Plano de Ação de 2002 a meta foi
reduzida para apenas 2 escolas.
118
Edificar e equipar com material de
ensino-aprendizagem e laboratório 03
salas nas 80 escolas estaduais para
implantação de cursos técnicos.
2001/2003 SEDUC Ação não realizada constava do
Plano de Ação de 2002 previsão para
2 escolas.
Capacitar docentes para atuar nos cursos
técnicos das escolas e nos CENFOR;1ª
etapa: 2001-15 escolas; etapa: 2002-25
escolas; 3ª etapa: 2003- 40 escolas.
2001/2003 SEDUC Ação não realizada.
Não houve aprovação de projetos
para os cursos técnicos nas escolas.
Assessorar as escolas públicas e privadas
que implantarem cursos de educação
profissional.
2000/2003 SEDUC Realização de assessoria técnica às
escolas privadas.
Elaborar Ante-Projeto de Lei que
regulamenta a estrutura organizacional do
sistema dos CENFOR.
2000/2001 SEDUC Lei aprovada em dezembro de 2002.
Construir e equipar 08 (oito) CENFOR.
1ª etapa - Barra do Garças; Rondonópolis;
Sinop e Alta Floresta .
etapa-Tangará da Serra; Juara;
Diamantino e Matupá.
2001/2002 PROEP Ação parcialmente realizada: quatro
primeiros Centros foram construídos
e parcialmente equipados.
Constituir o Conselho Multi-institucional
dos 08 CENFOR: 1ª etapa 2001;
etapa – 2002
2001/2002 PROEP Ação realizada nos CENFOR de Alta
Floresta, Barra do Garças,
Rondonópolis e Sinop através de
consultoria.
Repassar, bimestralmente, recursos
financeiros para a manutenção de cursos
nos 08 CENFOR.
2001/2002 SEDUC Repasses efetuados nos CENFOR
inaugurados em 2002 para serviços
de limpeza e vigilância.
FONTE: SEDUC/Plano de ão e relatórios de atividades da Equipe de Educação Profissional de 2000, 2001,
2002.
O recuo no Plano de Ação da Seduc em relação ao previamente concebido leva a
considerar que a junção de socialistas e neoliberais no mesmo governo ocasionou um campo
de disputa quanto à função social da educação. indícios de defesas de um conceito de
educação que tomava as transformações tecnológicas como pressuposto determinista da sua
função e de um outro, voltado para a garantia da relação entre educação e trabalho para a
apreensão crítica da realidade e condições de oportunidade para todos. A política educacional
implementada nas escolas caminhou em direção ao currículo de ensino médio generalista. Por
esta razão, pode-se inferir que as idéias antagônicas nas formulações políticas para o ensino
médio e para a educação profissional não se tratavam da explicitação de um embate que fosse
novo, mas, “apenas de questões e problemas que assumem um conteúdo histórico específico
dentro das novas formas da sociabilidade capitalista” (FRIGOTTO, 2003, p.29).
119
No contexto do embate político, teórico e técnico nota-se, no caso específico da
temática em questão, que não houve democratização do espaço público, uma vez que a
organização das diretrizes e metas foi direcionada para a redução das possibilidades de
alternativas de formação em nível médio.
Neste contexto, avalia-se que o controle do fundo público atendeu à propagação da
eficácia nos Plano do Governo, pois, “face à aguda escassez dos recursos públicos, é
fundamental que eles sejam utilizados da forma mais econômica e eficaz possível. Para a
objetivação da maximização dos resultados, os instrumentos devem ser aperfeiçoados [...] no
sentido de fazer certo as coisas certas” (FRENTE CIDADANIA E DESENVOLVIMENTO.
Plano de Metas, 1998, p.20).
Assim, pode-se inferir que, naquele contexto econômico e político vivido pela
Secretaria, o corte realizado na meta que garantiria a oferta da educação profissional para os
trabalhadores mato-grossenses, do ponto de vista dos dirigentes, estaria se constituindo numa
adequação de mecanismos para o direcionamento de uma política de redução de custos. Aliás,
o próprio governo admitia, já no início da sua segunda gestão, que
a incapacidade do Governo para uma ação mais abrangente que possa
atender todo o amplo espectro de carências e dificuldades que afligiam as
regiões e comunidades pobres do Estado, [...] impunham-se o penoso dever
de fazer opções, eleger prioridades [...] (FRENTE CIDADANIA E
DESENVOLVIMENTO. Plano de Metas, 1998, p.20).
Diante disso, julga-se que o corte realizado pela equipe de planejamento da Secretaria
de Estado de Educação na ação “implantar cursos técnicos em 80 escolas da rede estadual”
ocorreu em um contexto de processo de seletividade das ações prioritárias. A exclusão das
possibilidades de educação técnica nas escolas públicas e o longo período de espera para o
funcionamento dos Cenfor pressupunham a negação à classe trabalhadora de mais uma
possibilidade de emancipação frente às exigências e ao estreitamento das oportunidades no
120
mercado de trabalho do estado. Em função disso, torna-se importante refletir se a busca da
ampliação do espaço democrático difundida nas formulações teóricas e nos Planos de
Governo revelou-se negada diante do controle antidemocrático do fundo público e da
definição das ações nos planejamentos.
O fato de o governo optar por reorganizar o Estado baseando-se na alegação da
necessidade de concentrar suas ações nas áreas em que sua presença seria essencial se dava
sob a gica de que “o viés estatizante e centralizador deveria ser substituído pelo
compromisso firme de desestatização, de descentralização e de delegação de competências
[...]” (FRENTE CIDADANIA E DESENVOLVIMENTO. Plano de Metas, 1998, p.61), que
pode ter aberto precedentes para a ausência do Estado na educação técnica e alargado as
possibilidades para a atuação das instituições particulares de ensino.
Os dados do Censo confirmavam a ampliação do espaço privado na educação
profissionalizante e a desresponsabilização das instâncias governamentais estadual e federal,
visto que a história deste nível de educação mostra que ele nunca mereceu a atenção dos
setores públicos (MANFREDI, 2002, p.147).
Observou-se que o rumo dado às diretrizes de 1997 resultou no Plano Estadual de
Ensino Médio-PEM através do Projeto Apoena: a Escola Jovem de Mato Grosso, financiado
pelo PROEP. O PEM previa investimentos nas áreas técnico-pedagógicas e administrativas
em 24 escolas do ensino médio de 19 municípios do estado. O texto do referido projeto
apontava a criação da “nova” identidade para o ensino médio com base na concepção de
currículo acadêmico, proposta que negava a história que vinha sendo construída juntamente
com a comunidade escolar nos longos momentos de debates na capital e no interior do estado.
Verificava-se, novamente, que, à medida que a parceria do governo estadual se estreitava com
121
o MEC, este demonstrava ser influente na definição do caminho a ser dado para as
formulações políticas.
A compreensão de que para Mato Grosso as propostas de mudanças para o ensino
médio não deveriam se constituir em uma via de mão única, como uma fôrma a ser usada de
maneira idêntica para todas as regiões, demonstrava novamente a ação de influências de
grupos internos e externos. Apesar da tentativa de retomada dos trabalhos nos anos 2000, na
prática já estava se programando o oposto.
Deste modo, infere-se que os limites impostos pela falta de recursos para a reforma
curricular e a forte pressão da demanda pela ampliação da oferta da educação básica podem
ter contribuído para o não avanço da proposta de 1997. Esta situação indicava aspectos
estruturais que ainda estão por ser resolvidos, concernentes à realidade social, econômica e
política.
Não se pode negar, por outro lado, que a tentativa de iniciar a reforma do ensino
médio a partir de experiências piloto em um grupo de escolas significava uma atitude
comprometida com a gestão de recursos públicos. Porém, corria-se o risco de criar um
“gueto” de escolas diferenciadas que poderiam não produzir o efeito multiplicador esperado,
dadas as condições e realidades das demais escolas do Estado, que dependiam em primeira
instância de investimentos em infra-estrutura física.
O governo do Estado, ao definir a educação básica como política prioritária por meio
do Projeto Apoena, propunha uma nova concepção de currículo que buscava pensar o jovem
em sua totalidade e considerava a relação dinâmica que se estabelecia entre ele e o mundo
onde se inseria. Resta saber se as escolas por si apreendem as contradições das relações
sociais que perpassam a realidade concreta dos jovens e dos professores, realidade essa que
inclui a questão do desenvolvimento de um intenso programa de formação continuada para
122
todos os docentes e da garantia de estrutura física, financeira e pedagógica para as escolas.
Aliás, verificou-se que até dezembro de 2002, o Projeto Apoena também não tinha saído do
papel. Ainda que segundo a proposta a reestruturação curricular ocorreria em apenas 24
escolas do ensino médio, a Secretaria emperrava em meio à burocracia para a liberação e
aplicação dos recursos necessários para que se viabilizasse o projeto.
Pode-se ver, portanto, que a proposta de características socialistas e a reforma
preconizada à luz do Decreto Federal de marcas conservadoras não foram colocadas em
prática. Verificavam-se apenas formulações marcadas por embates teóricos e técnicos e que
resultaram na busca de recursos externos junto ao Proep. Infere-se disto que a ausência de um
caminho concreto para a política educacional que contemplasse as diretrizes definidas para o
ensino médio e a educação profissional no âmbito do Estado fatalmente abriu espaços para
manobras e concessões.
Aliás, torna-se importante registrar que a equipe da educação profissional também
procurou alargar o debate com a sociedade, no seminário Educação Profissional, princípios e
conceitos para Mato Grosso,
36
que teve o objetivo de propagar junto à sociedade civil
organizada a idéia de que se pretendia uma nova educação profissional no estado de Mato
Grosso a partir da parceria entre setor produtivo e os Cenfor. Apesar de o governo ter
demonstrado mais uma vez o esforço de criar espaço para a participação dos diversos
segmentos da sociedade, com a mobilização e o envolvimento dos mesmos na produção de
36
Evento realizado nos dias 08 e 09 de outubro, que contou com a participação maciça de representantes das
diversas instituições como o Conselho Regional de Serviço Social, o Conselho Estadual de Educação, a escola
Fundação Bradesco, a Universidade Federal de Mato Grosso, a Secretaria Estadual de Agricultura, o SEBRAE, a
Associação Comercial de Cuiabá, a Junta Comercial de Mato Grosso, a FAMATO, o SENAC, a Prefeitura
Municipal de Cuiabá, Secretaria de Estado de Turismo, Secretaria de Estado de Meio Ambiente, Delegacia
Regional do Trabalho, Associação Comercial de Várzea Grande, Faculdade Cândido Rondon, CREA, SESI,
SESC, SENAR, Escolas Federais, Assembléia Legislativa, Faculdades Unidas de Várzea Grande, FIEMT, SINE,
Instituto Euvaldo Lodi, Sindicato dos Trabalhadores do Ensino Público, Secretaria Municipal de Cuiabá, SENAI
e UNIC, inclusive professores e diretores de escolas, contando com a presença de palestrantes como Francisco
Aparecido Cordão, do Conselho Nacional de Educação: tor Brum, representante da SEMTEC-MEC: Valter
Albano, Secretário de Fazenda: Orenci Francisco da Silva, presidente da CUT e outros.
123
políticas públicas, nota-se que não houve críticas por parte dos presentes ao modelo de
educação que se estava difundindo. Isto evidencia, tanto no caso das diretrizes para o ensino
médio de caráter articulado como para a educação profissional de natureza desarticulada, a
tendência da comunidade no sentido de acatar os rumos apontados pela Seduc.
Entretanto, um outro seminário foi realizado, em agosto de 2000, para o lançamento da
Proposta de Reorganização da Educação Profissional aprovada pelo Proep, que contou, desta
vez, com uma platéia composta em sua maioria de adolescentes, alunos da rede pública,
professores e diretores de escolas, o representante do MEC, Prof. Raul David do Valle, então
diretor executivo do Proep e o governador do Estado de Mato Grosso. Conclui-se, então, que
mobilizar o setor produtivo para ser parceiro na implantação de políticas de formação de
trabalhadores, diante do descompasso apresentado entre um setor que se modernizava e se
fortalecia na economia e na política do Estado e demais segmentos menos expressivos da
economia, não mais se constituiria uma necessidade do governo, posto que os projetos
financeiros já haviam sido aprovados pelo Proep/MEC.
Nesse vazio de prática de educação profissional houve seis trocas de secretário,
conforme se demonstra no quadro 5 abaixo, e a equipe de educação profissional mergulhou
num trabalho intenso, burocrático e rotineiro de elaboração de documentos que resultaram nos
convênios assinados com o MEC e nos processos de licitação para as obras dos Cenfor de
Alta Floresta, Sinop, Barra do Garças e Rondonópolis e aquisição de equipamentos. Por outro
lado, não se adotava o mesmo empenho em relação à necessidade de se definir a
aplicabilidade da proposta pedagógica dessas instituições, que passava pela necessária seleção
de currículos, capacitação dos docentes, elaboração dos Projetos Político Pedagógicos,
aprovação de Planos de Curso e matrículas dos alunos.
124
Quadro 5- Titulares da pasta da SEDUC no período 1995/2002
Ord. Titular da pasta da SEDUC Formação
profissional
Partido Período
Valter Albano da Silva economista PDT 01/01/1995 a 09/01/1996
Carlos Alberto Reis Maldonado advogado PT 10/01/1996 a 04/03/1997
Fausto de Souza Faria médico PMDB 05/03/1997 a 04/01/1999
Antonio Joaquim Rodrigues Neto engenheiro PSDB 05/01/1999 a 27/03/2000
Carlos Carlão do Nascimento engenheiro PSDB 28/03/2000 a 05/04/2002
Marlene Silva de Oliveira Santos pedagoga PSB 06/04/2002 a 31/12/2002
Fonte: SEDUC. Assessoria de Eventos, agosto/2005.
Ainda que a realidade de uma estrutura burocrática na Secretaria não permitisse a
fluidez das ações relacionadas à educação profissional, que por diversas vezes ficaram
pulverizadas entre as demais equipes
37
do aparelho estatal, vê-se que houve empenho político
e técnico para viabilizar a aplicação dos recursos destinados às obras e aquisição de
equipamentos.
Sugere-se que no final de governo a Seduc reconhecia o fracasso da proposta de
educação profissional via Cenfor, visto que procurava preencher o vazio por meio do contrato
de alguns cursos prontos da antiga Escola Técnica Federal, atualmente Cefet-MT. Tratava-se
então de delegar a uma instituição com trajetória histórica na educação profissional a
responsabilidade de organizar a confusão permitida pelo governo estadual. O contrato com o
Cefet tomou como fundamento a transferência da coordenação e funcionamento de cursos
técnicos e básicos nas áreas da informática, construção civil e hotelaria dos Cenfor de Alta
Floresta, Barra do Garças, Rondonópolis e Sinop.
37
Assim, notava-se a soma de esforços de diversas equipes no interior da Secretaria: à Rede Física coube o
acompanhamento dos projetos de construções; a equipe de licitação do Fundo Estadual de Educação se
responsabilizou pela aquisição dos equipamentos e de livros para biblioteca; o Departamento de Material e
Patrimônio recebia e conferia os materiais. Isto facilitou a ocorrência de alguns entraves, como falhas
constatadas na construção dos prédios e a existência de vários equipamentos adquiridos que não atendiam às
especificações técnicas contidas no PEC de Alta Floresta.
125
Finalmente, o governo do Estado, em dezembro de 2002, homologava a Lei 7.819, que
criava a Superintendência de Educação Profissional e os Centros Públicos de Formação
Profissional no âmbito da estrutura da Secretaria de Estado de Ciência, Tecnologia e
Educação Superior.Acredita-se que o fato de delegar a uma Secretaria, criada havia pouco
menos de 1 ano e que, por conta disso, apresentava a necessidade de definir estruturas e
diretrizes políticas para as referidas frentes de atuação, somado a ausência de conhecimento
acumulado acerca da trajetória histórica da educação, poderia dificultar ou, ainda, adiar a
busca de articulação entre conteúdos de cultura geral e tecnológica.
Na verdade, os compromissos do governo, no Plano de Metas, com a participação
popular expressaram-se na convocação da comunidade escolar para a definição de rumos
políticos. Contudo, isso não se deu no âmbito do sentido dado às formulações que visavam
interesses políticos e econômicos.
3.2 Os limites dos trabalhadores frente à expansão do capital no estado
38
Neste ponto, pode-se perceber que a questão da educação profissional no estado de
mato Grosso passava pelo problema da sua propagação e omissão que exigiria, para o seu
entendimento, a análise de condicionantes mais amplos que diziam respeito ao contexto
socioeconômico que acabavam se refletindo na política do governo. Esta verificação se
embasa no fato de que as discussões feitas com autores nos capítulos precedentes indicavam
que o modo de produção da vida material exerce fortes influências no desenvolvimento da
vida social e política. Sabia-se, também, que havia um certo consenso que reconhecia o
crescimento do primeiro setor da economia do estado. Mas havia, ainda, a necessidade de
adentrar no campo da análise das diferenças com relação aos demais segmentos, que revelou
38
Utilizou-se, para a contextualização de dados disponíveis em pesquisas realizadas pela Fundação Sistema
Estadual de Análise de Dados–SEADE; Pesquisa de Atividade Econômica Regional–PAER– indicadores
socioeconômicos, 1998, p.44,45; IBGE/PNAD, 1995-1998-2002 e Anuário Estatístico de Mato Grosso. Vol.25,
2003.
126
que o setor de serviços respondia pela maior contribuição no PIB do Estado e absorção de
mão-de-obra.
Verificou-se então que a lógica do capitalismo tinha demonstrado uma transformação
sem precedentes na história da agricultura mato-grossense, que produzia praticamente, para o
consumo interno e que se colocou em destaque no cenário nacional e internacional, por meio
das culturas de soja e algodão, seguidas de arroz, milho, feijão e café. Esse crescimento devia-
se à congregação de planejamento, pesquisas de solo, investimento em altas tecnologias,
investimentos públicos e privados em novas pesquisas e variedades, o que evidenciava o
incentivo do governo ao primeiro setor.
o setor industrial possuía pouco mais de três mil unidades no estado. Desse total,
cerca de 90% eram micro ou pequenas empresas, dentre as quais se destacavam a indústria de
madeira e de mobiliário e a de produtos alimentícios ligados ao beneficiamento dos derivados
da soja e à produção de bebidas, álcool carburante, milhões de sacas de açúcar cristal e
refinado provenientes da cultura de cana-de-açúcar.
Podia se perceber, apesar da modernização apresentada nesses setores, a tendência da
População Economicamente Ativa–PEA de migrar para atividades não agrícolas, pois o
processo de mecanização na agricultura reduzia a necessidade de força de trabalho humano e,
conseqüentemente, elevava o aumento de ocupações na área de serviços, na zona urbana.
O estado de Mato Grosso apresentava, na primeira metade dos anos noventa, uma
situação peculiar: 50% de sua população era constituída de migrantes das diversas regiões do
país em busca de oportunidades de trabalho e melhoria de condições de vida. Tratava-se do
movimento de migração que vinha ocorrendo desde o início dos anos setenta.
127
Dados do IBGE apontavam que, já no ano de 1995, do total da população do estado de
2.329.938 de pessoas, o expressivo número de 1.734.134 de pessoas residiam na zona urbana
e apenas 595.804 na rural. A tendência da população a exercer atividades não agrícolas, na
cidade, como se pode verificar na tabela 1, evidenciava um movimento no grau de
urbanização do estado.
Tabela 1- População residente no estado
Total da população Pessoas ocupadas
em atividades
agrícolas
Pessoas ocupadas
em atividades não
agrícolas.
1995 2002 1995 2002 1995 2002
2.329.938 2 080 670 369 521 311 166 706 526 870 257
Total da População Ocupada
1995 2002
1.076.047 1.181.423
Fonte: Fonte IBGE. PNAD. Mato Grosso. 1995/2002.
A reestruturação ocorrida num dos setores importantes da economia do estado
mostrava a redução das possibilidades de emprego; entretanto, a análise revelava que a
adoção de novos paradigmas cnico-produtivos resultava em maior produtividade na
agricultura, inserção e competitividade do estado no nível internacional, num processo de
crescimento que, contudo, não era homogêneo. Observava-se o distanciamento entre
atividades econômicas menos expressivas e as de significativa modernização dentro do
mesmo setor, o que evidenciava a ocorrência de seletividade em parte de tal setor e em poucos
segmentos da economia.
Segundo a Federação das Indústrias do Estado de Mato Grosso FIEMT,
39
os
empresários das cadeias produtivas da soja e do milho entendiam, no ano de 2002, que o
fator tecnológico era de extrema importância para a competitividade do setor. Os dados
39
A
Federação das Indústrias do Estado de Mato Grosso
FIEMT realizou no ano de 2002 o mapeamento do
perfil competitivo do estado nas cadeias produtivas da soja e do milho, através de vários seminários com
empresários do setor nos municípios do estado, o que resultou no documento Projeto Estratégico Regional do
SENAI. Perfil Competitivo do Estado de Mato Grosso. 2002, p. 9, 138, 139, 140, 141, 142.
128
também revelaram que, apesar de reconhecerem que a mão-de-obra era um ponto frágil,
poucos deles investiram em qualificação de seus funcionários e não reconheciam a
necessidade de contratação de recursos humanos, o que pode revelar, nesse caso, que os
trabalhadores eram treinados no próprio ambiente de trabalho.
Ressalte-se, no entanto, que a incapacidade de geração de novos empregos e o avanço
de ocupações precárias não podem ser associados somente às exigências do novo paradigma
técnico-produtivo, mas, sobretudo, devem-se à ausência de uma política de desenvolvimento
que democratize as oportunidades (POCHMANN, 2002, p.126).
Segundo a Fundação Seade (1998), o meio rural neste estado apresentava, nos anos
noventa, aspectos bastante heterogêneos, pois se convivia, por um lado, com atividades
econômicas com base no extrativismo, como o garimpo, a exploração da madeira e a pesca e
por outro, com uma exploração agrícola praticada segundo um moderno padrão tecnológico
que se caracterizava como poupador de mão-de-obra.
Efetivamente, sabe-se que o processo de mecanização, não da agricultura, mas de
qualquer outro ramo da economia, funciona como liberador de mão-de-obra e, que
conseqüentemente, impacta na taxa do setor de serviços. Particularmente a economia de Mato
Grosso, apesar de apresentar investimentos nas atividades ligadas à agroindústria e de ter
trazido significativo crescimento para a economia do estado, não se refletiu com a mesma
intensidade na demanda por novos postos de trabalho.
Pode-se verificar, na escala do PIB (1995 a 2001), constante na tabela 2 a seguir, a
crescente participação do setor agropecuário a partir de 1998, resultando, em 2001, em
aproximadamente 25% da economia; a indústria, com apenas 10% e a importante contribuição
do setor de serviços, com expressivos 65% de participação. Nesse último setor, observava-se
129
a incidência, especialmente, de atividades referentes ao comércio e reparação de veículos e
objetos pessoais e de uso doméstico, seguidas da atuação na administração pública.
Tabela 2- Participação das atividades econômicas no Produto Interno Bruto do estado
Atividades Econômicas 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001
TOTAL 100 100 100 100 100 100 100
Agropecuária 16,53 16,92 18,82 17,58 21,6 26,83 24,5
Indústria extrativa mineral 1,75 2,03 1,82 1,66 1,84 1,93 1,4
Indústria de transformação 10,74 10,14 9,26 9,13 9,15 9,87 10,5
Eletricidade, gás e água 1,79 3,38 1,92 1,95 2,14 1,97 2,9
Construção 8,88 8,08 8,59 8,64 7,7 7,65 7,4
Comércio e reparação de
veículos e objetos pessoais e
de uso doméstico
15,68 12,84 0,12 11,92 12,22 12,06 12,9
Alojamento e alimentação 3,38 3,02 2,71 2,74 2,42 2,18 2,3
Transportes e armazenagem 2,73 2,49 2,42 2,31 2,18 2,14 2,1
Comunicações 1,24 1,79 2,02 2,18 2,59 1,88 2,3
Intermediação financeira 3,86 3,01 2,87 2,94 2,45 3,41 3,9
Atividades imobiliárias,
aluguéis e serviços prestados
a empresas
5,69 7,01 0,07 6,83 6,3 5,64 5,9
Administração pública,
defesa e seguridade social
21,11 22,99 22,46 24,95 23,38 18,35 17,9
Saúde e educação mercantis 4,07 4,59 5,42 4,35 3,52 3,68 3,5
Outros serviços coletivos,
sociais e pessoais
2,07 2,14 2,24 2,13 2,01 1,92 1,9
Serviços domésticos 0,48 0,55 0,55 0,54 0,51 0,5 0,5
Fonte: Pesquisa SEPLAN-MT. Anuário estatístico, 2003. Produto Interno Bruto, 1994-2001.
Ao se remeter a análise de tais indicadores econômicos ao Plano de Metas (1998),
nota-se que a ênfase dada ao fortalecimento da agroindústria culminou com significativo
crescimento deste setor a partir desse período. Entretanto, percebe-se pelos dados do IBGE–
1998
40
que a distribuição do emprego naquele ano apresentava relevante participação do setor
de serviços, visto que acima de 60% da população ocupada já se concentrava na cidade,
atuando em diversas áreas como prestadores de serviços: em serviços não especificados, no
comércio, indústria de transformação, construção civil, administração pública e outras
atividades, ligadas à indústria. É importante destacar que mais de 17% representavam o ramo
de prestação de serviços, no qual se incluíam atividades de alojamento, alimentação,
40
Cf.Síntese de indicadores sociais 1998/IBGE. Departamento de População e Indicadores Sociais Rio de
Janeiro: IBGE, 1999. pp. 85, 86, 104 e 105. No ano em análise, a PEA era de 1 727 107 pessoas.
130
reparação e conservação; pessoais, domiciliares, nas diversões, radiodifusão e televisão. Sabe-
se que algumas dessas atividades exigiam baixa escolaridade dos trabalhadores e
apresentavam conseqüente rotatividade dos mesmos. Nessa realidade da economia, a compra
e venda da força de trabalho demonstrava menor custo, precárias condições de trabalho e
baixa qualificação profissional.
Não obstante a evidência de maior absorção de trabalhadores no setor de serviços e de
sua expressiva participação no PIB do Estado, o governo apresentava no seu Programa, para o
segundo mandato (1998), a necessidade de capacitar força de trabalho para fortalecer a
agroindústria. O descompasso, a incoerência apresentada entre a primeira e a segunda parte do
documento, ao propalar a necessidade de qualificação profissional num primeiro momento e
omiti-la num segundo, confirmava o dissenso entre as tendências no modo de governar.
Entretanto, a realidade educacional da população ocupada do estado, exposta na tabela
3 abaixo, mostrava, essencialmente na base da pirâmide, que muito ainda estava por ser feito
para a garantia de melhores condições sociais aos trabalhadores. A análise dos dados permitia
observar que a sua situação educacional demandava a necessidade da intervenção do Estado
como garantidor de políticas para o ensino fundamental e educação de jovens e adultos, como
uma forma de enfrentar um dos condicionantes da fragilidade da mão-de-obra, que se
resultava barata e desqualificada e, conseqüentemente, exposta às desigualdades sociais.
Tabela 3- Demonstrativo da escolaridade da população ocupada
Anos de escolaridade Zona urbana Zona rural
Sem instrução 166.077 105.875
1 ano 44.972 32.870
2 anos 90.977 47.054
3 anos 122.137 60.204
4 anos 211.406 99.640
8 anos 118.331 18.337
11 anos 129.402 10.379
Fonte IBGE. PNAD. Mato Grosso, 1995
131
Ainda segundo o IBGE, expressivos números revelavam, no ano de 1995, que um total
de 662.579 trabalhadores recebiam de ½ até 3 salários mínimos, e significativos 830.736
trabalhadores declararam não ter recebido rendimentos. Isso evidenciava uma realidade
alarmante no início da primeira gestão do governo em foco: mais de 60% da população
ocupada apresentava baixo índice de escolaridade seguido de remuneração mínima, cujo
resultado seria o subemprego revelado nas práticas cotidianas de sobrevivência. Nestas
circunstâncias, fatalmente o trabalhador lutaria para ser mercadoria e se submeteria à
condição de mão-de-obra barata.
Essa realidade pode estar mascarada, tendo em vista que o IBGE considerou
população ocupada aquela que havia desenvolvido algum tipo de atividade na semana da
pesquisa. Isto pode ter ocultado uma parte menos visível do desemprego no estado, que,
segundo Pochmann (2002, p.78), “trata-se do desemprego oculto pelo trabalho precário e pelo
desalento”. A prática do subemprego e de outras formas de sobrevivência responde pela parte
do excedente de mão-de-obra que menos se oferece à vista, porque envolve os trabalhadores
que fazem “bicos” para sobreviver.
Tais realidades emergiam de relações sociais em que uma classe minoritária que detém
o poder do capital se constitui dona dos meios de produção e, portanto, vive da exploração
dos trabalhadores que vendem sua força de trabalho.
Evidentemente, em consonância com as exigências apontadas por essa realidade, a
política educacional no estado de Mato Grosso nos anos noventa caminhou para a expansão
da oferta do ensino fundamental, apesar das tentativas de formulações da política de ensino
médio e profissional. A Seduc assim se pronuncia a respeito:
Consciente de que o quadro educacional da população do Estado de Mato
Grosso não contribuiu para alavancar seu desenvolvimento econômico e
social [...] o governo decidiu colocar o sistema educacional do Estado em
132
outro patamar de qualidade e eficiência. Para isso colocou o ensino básico
como prioridade pela sua dimensão e contribuição ao desenvolvimento
econômico e social (SEDUC, 1995a, p.7).
A análise conduzia, na verdade, a compreender que as realidades da base material de
produção da década em pauta demandavam educação básica para a população do estado; mas,
sobretudo, deve-se reconhecer que também o histórico dilema da baixa escolaridade da grande
maioria da classe trabalhadora constituía empecilho para o consumo, produtividade e acesso
aos bens culturais.No tocante à questão da escolaridade, vê-se a seguir, na figura 1, ao somar
o número de analfabetos ao montante referente às pessoas com até 5 anos de estudo, apesar
do aumento de escolaridade mínima em relação ao ano de 1995,que no ano de 2002 ainda
persistiam aproximadamente 53% da população ocupada com baixo índice de escolaridade.
Figura 1
Pessoas de 10 anos ou mais de idade segundo os anos de estudo, 2002
Fonte: SEPLAN-MT. ANUÁRIO ESTATÍSTICO, 2003.
11%
19%
23%
19%
20%
3%
4%
1%
Sem instrução e
menos de 1 ano
1-3
anos
4-
5 anos
6-
8 anos
9-
11 anos
12-
14 anos
15 anos ou mais
Não determinados e
sem declaração
133
No âmbito da Seduc, constava nesse mesmo ano, um aumento para 104. 705
matrículas no ensino médio de educação geral. isso demonstrava que a proposta de
atender de formas diferentes às demandas de jovens no nível médio tinha sofrido revés.
Diante disso, julga-se que prevalecia a influência da tese de que a emergência do novo
paradigma tecnológico e organizacional impunha exigências no plano educacional dos
trabalhadores cujas características tendiam a valorizar conhecimentos científicos e sócio-
históricos que tinham a ver com os ensinos fundamental e médio. Apesar da não ocorrência de
novos paradigmas técnicos produtivos de forma heterogênea no Mato Grosso, notava-se que a
modernização apresentada se revelava importante para a economia do estado, mesmo diante
da precária realidade educacional da maioria da população economicamente ativa.
Os problemas apresentados tanto pelo mercado de trabalho como pela população
ocupada se caracterizavam pela precariedade das ocupações, liberação de mão-de-obra e
ainda baixa qualificação dos trabalhadores. Avalia-se que tais condicionantes indicavam para
o poder público necessidades de desenvolver políticas para a elevação da escolaridade básica
dos trabalhadores e de prática da educação profissional como mais uma alternativa de
formação.
Aliás, a análise do perfil econômico do estado revelava que os novos paradigmas
técnicos produtivos foram marcados pela busca de maior produtividade, especialmente nos
grandes latifúndios. Na realidade, pode-se observar o distanciamento entre atividades
econômicas menos expressivas e a de significativa modernização, a qual melhor contribuía
para a elevação do Produto Interno Bruto do Estado, evidenciando a seletividade no setor.
Porém, a ausência da prática de educação profissional no sistema estadual de ensino
demonstrava o descompasso entre o divulgado, o planejado e o objetivo real e revelava que a
indefinição de uma política para a educação profissional no Programa de Governo referente
134
ao mandato subordinou-se às necessidades do mercado. Isso remete ao que ocorria no
sistema educacional brasileiro no nível nacional: o Estado se omitia de participar da formação
profissional e delegava a mesma aos domínios da iniciativa privada.
A ausência do Estado na prática de educação profissional também se ocultou sob a
propagação da parceria com a iniciativa privada, da descentralização da gestão, da abertura de
espaços para a participação popular e da eficácia financeira, pois houve corte nos recursos
destinados à manutenção dos cursos técnicos nas escolas da rede.
Do paradoxo verificado com o crescimento na área da agroindústria, que apresentava
como que ilhas de excelência e, por outro lado, constituía pequenas oportunidades de
trabalho, infere-se que as demandas que se fizeram sentir por mão-de-obra qualificada
poderiam ser atendidas pelas instituições do “Sistema S”, pela rede federal de ensino e,
principalmente, por meio das próprias empresas. Ademais, no ano de 2002, do total da
população ocupada do estado, 20% demonstravam possuir entre 9 e 11 anos de
escolaridade.
No entanto, quando se analisa o conjunto da economia do estado, nota-se que não
havia condições favoráveis às exigências da generalização de uma educação profissional
pública.
O que nos leva relativizar as teses que sustentam a necessidade de uma
ampla reforma do sistema educacional como condição à incorporação do
progresso técnico. [...] Uma reforma ampla do sistema educacional seria
imperativo se houvesse uma modernização ampla, que fosse capaz de unir
competitividade e equidade.
41
41
Marco Antonio Oliveira. Coordenador Geral do Depto. de Estudos Sócio-econômicos e Políticos da CUT e
pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho do IE/UNICAMP. Contribuições no
debate In: Ferreti, Celso João et al. (orgs.). Novas Tecnologias, trabalho e educação: um debate multidisciplinar.
6ª edição. Petrópolis, RJ: Vozes, 1994, p.219.
135
Apesar disso, observavam-se constantes divulgações nos jornais
42
a respeito da
educação profissional nos Cenfor, demonstrando um perfil mais político do secretário da
Seduc, o qual, pode ter optado por dar ênfase à propagação como uma forma de velar a
ausência de educação profissional no sistema escolar e a morosidade na implementação dos
Cenfor.
A essa altura, infere-se que os longos sete anos passados haviam contribuído para
amenizar os traumas oriundos da extinção dos cursos profissionalizantes e a disseminação da
prática da educação generalista nas escolas estaduais. Já em final de mandato, o governador
demonstrava-se bastante otimista:
com a retaguarda de primeiro produtor brasileiro de soja, de algodão,
terceiro rebanho bovino, com o seu potencial madeireiro, turístico e
industrial, Mato Grosso se abriu para uma economia interna e externa. [...] A
nossa visão pessoal era a de que o Centro-Oeste era o Brasil que estava
dando certo, e por onde o desenvolvimento da economia brasileira passaria
nos próximos anos (OLIVEIRA, 2002, p.9).
Entretanto, a precária realidade educacional da população ocupada em Mato Grosso
demandava que o Estado priorizasse políticas sociais. Aliás, a própria equipe de educação
profissional da Seduc, no final de 2002, ao atender a uma solicitação do Proep, numerou por
ordem de prioridade os cinco problemas e entraves considerados mais graves para a não
implementação do Plano Estadual de Educação Profissional, conforme se segue:
[..] (1) Indefinição do Modelo de Gestão Estadual para a Educação
Profissional; (2) Formação deficiente dos técnicos atuantes na Educação
Profissional; (3) Mecanismos de sustentabilidade dos Centros; (4)Empenho
político do Estado na implementação das ações e, (5) envolvimento do
órgão gestor com o setor produtivo (PROEP/MEC, 2002).
Torna-se importante destacar na avaliação feita pela equipe técnica os itens 2 e 4, os
quais remetem à necessidade de um programa de formação continuada para os profissionais
42
Publicações em jornais: A Gazeta, 24/08/2000; 18/11/2000; 27/05/2000; 05/12/2001;Folha do Estado,
18/05/2000; 27/07/2000; 27/08/2000; 04/11/2000; 20/12/2001; Diário de Cuiabá, 24/08/2000; 24/01/2001;
19/10/2001;Sonotícias, 27/07/2000; Midianews, 17/08/2000.
136
que atuam no aparelho do Estado e ao empenho político do governo, não apenas no sentido
de garantir recursos financeiros mas, inclusive, de tratar com atenção a educação dos
trabalhadores, como condicionantes importantes para que esta se implemente.
Nas considerações finais do presente trabalho foram apresentadas informações
complementares a este capítulo de maneira a alargar a interpretação da totalidade do objeto,
bem como elucidar os encaminhamentos dados a partir do ano de 2003, após a transferência
da educação profissional para a Secretaria de Estado de Ciência e Tecnologia, período em que
se instaurou um novo governo.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Depois de um longo período de estudo acerca da ausência de práticas de educação
profissional nos anos 1995-2002, retoma-se o problema central da presente dissertação: por
que o governo definiu a educação profissional como necessária à superação do déficit de mão-
de-obra qualificada mas, após extinguir os cursos técnicos nas escolas estaduais em dezembro
de 1995, apresentou um vazio de prática de educação profissional até 2002?
O processo de reflexão acerca da problemática permitiu verificar que a proposta de
implantação de Centros Públicos de Formação Profissional em 1995 constituía uma iniciativa
inovadora, pois aspirava a complementar a educação científica e sócio-histórica. Os cursos
técnicos a serem oferecidos nas escolas da rede estadual promoveriam a articulação de ciência
e técnica na perspectiva da superação da dicotomia que representava o trato entre estes dois
aspectos da realidade.
O governo demonstrava pautar-se pelos princípios democráticos ao alargar os espaços
para a participação popular na definição dos rumos para o ensino médio: educação
profissional nos Centros Públicos especializados para essa finalidade; educação técnica nas
escolas, integrada aos conteúdos acadêmicos e, ainda, ensino médio com foco no mundo do
trabalho para não se constituir em ensino generalista e abstrato.
Apesar disso, a análise dos documentos formulados no longo período 1995-2002
desvendava que a idéia de oferecer alternativas educacionais de qualidade à classe
trabalhadora, afinada com as discussões com a sociedade, na contramão resultou numa outra
proposta, fortemente influenciada pelo MEC e com ele e acordada.
138
Verificou-se, portanto, que os resultados dos projetos não caminharam rumo à reforma
no currículo do ensino médio de educação geral, como proposto inicialmente, em cuja base
centrava-se a articulação trabalho-educação, que pressupunha uma concepção de educação
que garantisse ao aluno a compreensão crítica das complexas relações no mundo do trabalho.
Tratava-se, então, da proposta de reforma do ensino médio intitulada Apoena A Escola
Jovem de Mato Grosso, que, à luz das orientações dos tecnocratas do MEC, caminhou em
direção a uma política educacional que priorizava o atendimento a uma minoria, pois previa
reformas em 24 escolas de ensino médio. Tal ideário evidenciava a negação a todos da
possibilidade de uma formação integral que requer a práxis do currículo centrado no trabalho
e nas relações sociais enquanto fator de humanização do homem.
Percebeu-se nas formulações a ênfase dada a ideais que representaram a necessidade
de cada momento político, visto que o governo ora procurava apresentar propostas para
atender à realidade diversa do estado e da população, ora interpretava a educação do ponto de
vista da natureza econômico-financeira. Essa postura contraditória, num mesmo governo,
resultava na negação de mais um projeto de educação para a classe trabalhadora.
Foi verificado, ainda que, diante da tensão entre as tendências conservadoras e
progressistas, prevaleceram as fortes influências do organismo financiador, o Proep e, por
conseguinte, os interesses e aspirações das classes ligadas à economia do estado. A educação,
naquele momento histórico, não poderia ser outra coisa a não ser um reflexo necessário da
base material. Conclui-se que, em função do aceno de recursos do Proep, o governo animou-
se a estabelecer uma reforma “fora do lugar”, uma vez que a realidade demandava políticas de
universalização do ensino fundamental e expansão do ensino médio.
Apesar do vazio de prática de educação profissional nas escolas e nos Cenfor, houve
um esforço político e cnico para as constantes formulações, por meio da instauração de
139
mecanismos burocráticos referentes ao preenchimento de formulários e elaboração de projetos
para levantar recursos. Isso colocou a equipe de educação profissional num intenso processo
de trabalho desqualificado e, por conseguinte, submeteu-a as influências externas advindas
dos ideais defendidos no Programa de Reforma da Educação do governo federal.
Ao se examinar a questão por esse ângulo, observou-se que as tensões de natureza
epistemológica ocorreram na medida em que os técnicos das equipes de ensino médio e da
educação profissional mergulharam no trabalho administrativo e rotineiro sem a presença dos
consultores que, de certa forma, proporcionavam momentos de reflexão a respeito da ação. O
problema da burocracia excessiva não permite a ação-reflexiva, fato que, somado à questão do
atendimento ao tempo político, impede a elaboração de projetos com a necessária qualidade.
Nota-se ainda que, apesar de a burocracia ter também contribuído para alongar o
período para o funcionamento dos Cenfor, houve momentos de agilidade dos processos com
a assinatura, no ano de 1999, dos convênios de Alta Floresta, Barra do Garças, Rondonópolis
e Sinop, antes da aprovação do Plano Estadual de Educação Profissional, que representava um
aporte menor de recursos. Na verdade, a gica demonstrava a necessidade de primeiramente
se viabilizar a aprovação do Plano “matriz”, no qual a Seduc teria que traçar as linhas
políticas e diretrizes da reforma, para, somente depois, se definirem os projetos dos Centros.
Todavia, ocorreu o inverso: as diretrizes gerais no PEP tiveram que se adequar aos textos dos
projetos de cada pólo.
A confusão se evidenciava até mesmo nos projetos arquitetônicos para os Cenfor de
Alta Floresta, Barra do Garças, Sinop e Rondonópolis, elaborados por empresa de engenharia
contratada pela Seduc, a qual definira como espaço para o laboratório de construção civil um
ambiente com características próprias de uma sala de aula, com piso de cerâmica, conforme se
pode verificar no trecho do relatório técnico, aqui descrito:
140
quanto ao Laboratório de Construção Civil, sugerimos a construção de um
galpão com pisos rústicos e instalações adequadas para o funcionamento do
mesmo. Existem equipamentos pesados como a betoneira que não podem
funcionar num espaço com piso de cerâmica e principalmente ao lado de
laboratórios com equipamentos sensíveis a vibrações.
43
Avalia-se que a construção de estruturas inadequadas e a aquisição de equipamentos
diferentes dos que foram anteriormente especificados nos projetos colocavam a equipe de
educação profissional em situação de constrangimento, uma vez que, diante do trabalho
desqualificado, tornava-se difícil enfrentar as relações de poder nas dimensões de forças que
compunham o modo de governar da Seduc e do governo federal. Assim, infere-se que os
meandros da burocracia permitiram determinadas acomodações, impasses e certo caos”, que
exigiriam futuras correções.
Torna-se importante somar aos problemas levantados os dilemas dos constantes
formalismos próprios dos acordos com o MEC, através das orientações “engessadas” que
definiam a priori o que o Estado deveria fazer, diante de um contexto representado pela
oscilação política do governo, que resultou em seis secretários no âmbito da SEDUC. A
descontinuidade administrativa possibilitou a mudança do foco da idéia inicial de política de
educação profissional complementar ao ensino médio e evidenciou que não houve empenho
político para manter uma equipe permanente, uma vez que ocasionou constante rotatividade
dos membros das equipes de ensino médio e educação profissional.
Essa falta de compromisso político constituiu-se um empecilho à destinação de
recursos financeiros, contrapartida para funcionarem os cursos. Ainda que as planilhas nº 54 e
55 dos PEC de Alta Floresta, Barra do Garças, Rondonópolis e Sinop tenham apresentado o
planejamento operacional de custos recorrentes de cada Centro e especificado recursos do
43
Relatório do levantamento de instalações e de equipamentos realizado no Centro Público de Formação
Profissional “Blásio Germano Schimitz” de Alta Floresta no Período de 14 a 18/07/2003 assinado pelas técnicas
Clotildes B. Maciel de Arruda e Marilza Conceição Rodrigues, p. 2.
141
Tesouro do Estado para pagamento de pessoal, encargos, manutenção de equipamentos e
material de consumo, os projetos não lograram eficiência.
Perceberam-se, ainda, equívocos nos contratos com algumas construtoras que,
posteriormente, tiveram que ser anulados, como é o caso dos Cenfor de Sinop e Diamantino.
Isso ocorreu após o Ministério de Educação realizar auditoria nos processos e nas obras, que
resultou em entraves para o andamento das obras, o qual diversas vezes foi interrompido.
Observa-se também que a divulgação, pelo governo, do propósito de se associar a
educação profissional via Cenfor ao projeto de desenvolvimento econômico da agroindústria e
do estado deveu-se à utilização de argumentos em bases materiais e ao apoio das forças
políticas influentes deste setor, na tentativa de justificar a busca por recursos financeiros
externos. Via-se tal propagação em constantes reportagens de jornais, com ênfase nos
investimentos de fortes recursos nos Centros, sempre associada à idéia de que a meta do
governo era transformar Mato Grosso em um dos mais importantes pólos da agroindústria
brasileira. Pôde-se verificar que isso ocorria com mais freqüência no período 1999-2002 e
coincidia com os momentos em que os projetos eram aprovados e os recursos liberados.
Apesar da necessidade educacional da classe trabalhadora e da ênfase dada à
qualificação profissional dos trabalhadores, vinculadas nos discursos ao crescimento da
economia, no geral percebeu-se que as divulgações se deram, excessivamente, em torno de
um setor específico da economia, que na realidade não demandou fortes necessidades de mão-
de-obra qualificada. Os impactos decorrentes da alta mecanização e produtividade em parte
do primeiro setor da economia demonstravam aumento de serviços nos setores de vestuário,
pessoal, comércio de veículos e outros, evidenciando que para o estado de Mato Grosso não
haveria possibilidade de consolidar um ensino médio unitário e generalista.
142
È possível inferir que a indefinição de um caminho permanente para a política
educacional, por parte da Seduc, e a ausência de prática de educação profissional podem ter
trazido conseqüências para a formação dos trabalhadores que não tiveram oportunidade de
freqüentar o ensino médio de educação geral ou de seguir os estudos no nível superior, na
medida em que as condições materiais não lhes permitiriam tal escolaridade. Não se pode
considerar que somente a formação escolar básica geral daria conta da heterogeneidade das
demandas da economia e das múltiplas culturas da população do estado, nem deixar de
reconhecer que a formação profissional pode ser também um componente fundamental para a
democratização do processo de formação da classe trabalhadora.
Em suma, a análise permitiu verificar que a prática de formulações para a educação
profissional na Seduc expressava o dissenso entre, por um lado, a proposta defendida pela
comunidade educacional, validada pelos consultores e determinado grupo do governo e, por
outro, os objetivos propalados de uma outra tendência hegemônica, alinhada ao modelo
dominante de economia, que culminou com grande aporte de recursos financeiros para o
Estado.
A idéia se encontra nos textos dos projetos para os Cenfor ligava-se à proposta de uma
infinidade de cursos aligeirados, com grande predomínio do setor de serviços, desarticulados
da educação básica e à questão de se construírem instituições financeiramente auto-
sustentáveis, as quais deveriam desenvolver ações voltadas para a “venda” de cursos para a
iniciativa privada. Nota-se que a proposta de educação profissional nos Cenfor já nasceu sob a
hegemonia de uma nova institucionalidade: almejada, com o processo de aproximação rumo
aos setores produtivos e a conseqüente absorção de um modelo de gestão centrado na lógica
do mercado. Isto pode ter contribuído para a idéia de redução das responsabilidades do Estado
em garantir orçamento para a educação profissional.
143
Pode-se inferir que a crise da educação dos trabalhadores foi caracterizada pela
ausência de soma de esforços para enfrentar as dificuldades apresentadas no plano financeiro
do Tesouro do Estado e nas diferenças ideológicas do âmbito político, o que fortalece a idéia
de que esta modalidade de ensino não se constitui prioridade na política de governo.
Verificou-se, também, que, coincidência ou não, o modelo de Estado Gestor adotado indicava
a direção da busca da eficiência de ordem político-econômica, o diagnóstico apontou para a
ocorrência do crescimento da agroindústria e da reeleição do governador no pleito de 1998.
Quanto aos resultados físicos e pedagógicos em relação às diretrizes do Planejamento
Estratégico da Seduc, os projetos não conseguiram alcançar as metas previstas, pois houve
corte na proposta de implantar cursos técnicos em 80 escolas cursos, e no final de 2002 a meta
de implementar 8 Centros Públicos de Formação Profissional foi parcialmente cumprida.
No que se refere à aplicabilidade dos recursos financeiros advindos do PROEP/MEC,
foi considerada como execução dos componentes a construção dos 4 primeiros Cenfor,
atingindo uma média de 98% da proposta, bem como o item aquisição de materiais
permanentes, num total de 95% das metas. Por outro lado, o componente pedagógico, que
dependia da contratação de professores, capacitação e manutenção dos cursos técnicos via
orçamento da Seduc, não logrou resultado. Diante dos dados levantados, pode-se concluir que
a experiência vivenciada por meio da parceria com o Proep/MEC resultou na incoerência
administrativa por parte dos executores diretos e indiretos dos convênios e contratos e não
contribuiu para que se democratizasse a educação para os trabalhadores mato-grossenses.
Outra razão de ordem administrativa que impediu a eficácia dos projetos relacionava-
se à descontinuidade dos técnicos no âmbito do MEC, pois, a cada rodada de equipe, novas
orientações eram dadas ao Estado, exigindo a reformulação dos manuais e formulários.
144
Ainda que os Cenfor não estivessem funcionando, a análise dos dados financeiros
mostrou que os projetos fizeram incidir custos no orçamento da Seduc, visto, que houve
despesas decorrentes de viagens políticas e cnicas para negociações junto ao MEC, bem
como da morosidade e atraso na elaboração, reelaboração, aprovação e ajustes que se fizeram
necessários em virtude das modificações ou falhas técnicas nos projetos arquitetônicos e da
confusão na aquisição de determinados equipamentos.
A ineficácia dos projetos remete aos escritos de Forrester (1997, p.71) sobre o vazio e
a ausência de “qualquer projeto, de qualquer futuro, de qualquer felicidade pelo menos
visualizada, da mínima esperança, mas que determinado saber poderia compensar, suscitando
até certo prazer em percorrer esses caminhos” permitidos pela democratização da oferta da
educação, o que “tende a quebrar a carapaça de que somos prisioneirose, se o caminho vai
no sentido contrário, supõe-se um trabalhador sem ferramentas para lutar por melhores
condições de vida.
Julga-se que o insucesso advindo da não consolidação da política para a educação
profissional no âmbito das escolas da rede estadual e dos Cenfor pode ter contribuído para a
sua transferência para a Secretaria de Estado de Ciência, Tecnologia e Educação Superior em
dezembro de 2002. O fracasso evidenciou também aquilo em que de fato o governo
acreditava: o lugar da educação profissional deveria ser longe da educação básica. Esta opção
pode dificultar as possibilidades de amenizar a divisão entre estudos científicos e técnicos.
A Secretária de Estado de Ciência e Tecnologia, Professora Drª. Flávia Maria de
Barros Nogueira (2005), apontava em entrevista elementos importantes que levam a refletir
sobre a temática em questão.
Nós recebemos na verdade a chamada educação profissional, num clima
meio de susto no início de 2003, porque [...] no momento de transição de
governo isso foi muito pouco discutido, pelo menos comigo. [...] o secretário
145
de educação Gabriel Novis Neves, no governo Blairo Maggi, tinha muito
pouco a me dizer sobre isso, porque, na realidade, não tinha tido nem tempo
de receber, de entender o que significava realmente gestão da educação
profissional. A única coisa que ele sabia e me passou foi que existiam alguns
prédios no interior, construídos com recursos do PROEP e que esses prédios
necessariamente tinham que ser usados para a educação profissional. Isso era
a única informação que nós tínhamos. [...] então era urgente que se tomasse
uma posição, e também sentia essa urgência porque quando eu viajava para o
interior ou conversava com pessoas que vinham ao meu gabinete, ou
encontrava na rua, que diziam da aflição que tinham ao ver seus filhos
saírem do ensino médio, principalmente do interior do Estado, por não terem
absolutamente nenhuma alternativa com relação ao que fazer, pois não
tinham escola e nem emprego.
Os argumentos da entrevistada levam a inferir que a educação profissional foi pouco
discutida nas reuniões do final de 2002, por ocasião dos contatos com a equipe de transição do
governo que se anunciava. Portanto, a Secretaria de Estado de Ciência e Tecnologia tomou a
iniciativa de desconstruir o conceito de educação profissional estreita voltado para o mercado
de trabalho que vigorava por meio do Cenfor. Partia-se do princípio da necessidade de
diversificar a oferta com qualidade, “dentro de escolas”, para elevar o nível de escolaridade
dos trabalhadores.
Para isso era necessário que se garantisse uma estrutura. Foram criados o Fundo
Estadual de Educação Profissional e Tecnológica e o Ceprotec, que é uma autarquia ligada à
Secretaria com estrutura de gestão própria e autônoma, bem como a carreira do profissional
da educação profissional no Estado. Isto possibilitou a realização de concurso público, ainda
em 2004, para a formação de quadros de professores e funcionários para as Unidades de
Ensino Descentralizadas – UNEDs, os antigos Cenfor.
Segundo o relato de Nogueira(2005),
[...] depois o nosso grande desafio passou a ser realmente transformar
prédios em escolas, e esse é o desafio que hoje estamos enfrentando. [...]
fazer o professor entender que ele tem que ter uma concepção de trabalho
muito clara, pra que ele possa fazer um ensino e educação, de qualidade, que
passa pela questão da produção do conhecimento tanto por parte do
professor como do aluno. [..] Aliás, para as pessoas, de uma maneira geral, a
educação profissional é apenas um curso que elas fazem para ocupar uma
determinada vaga no mercado de trabalho, pois não entendem que “aquilo” é
146
uma escola, porque a consciência geral, o entendimento geral, é de que
escola do Estado é a escola da Seduc. [...] O outro grande desafio é o que nós
já começamos a viver também que é a integração com o ensino médio
(NOGUEIRA, 2005).
Foi possível observar que o interesse de se aproximar do ensino médio ligava-se à
preocupação de alargar a oferta da educação profissional, diante do reconhecimento de que
somente as quatro primeiras UNEDs, funcionando, e as de Diamantino, Pontes e Lacerda e
Tangará da Serra ainda em construção, não dariam contra de democratizar a oferta. È sabido
que a decisão de polarizar educação profissional em instituições privilegiadas, pode fortalecer
a idéia da formação de uma casta de trabalhadores e reafirmar a tese do acesso à apropriação
de conhecimentos de qualidade para aqueles que conseguem ultrapassar a barreira da
seletividade. Para se fugir a esta cisão, surge a proposta de se integrar ensino médio e
profissionalizante,
Porque eu acho que teremos realmente educação profissional com
resultados massivos pro Estado se conseguirmos atingir um número grande
de pessoas. Apenas conseguiremos isso, com o ensino médio, porque por
mais escolas de educação profissional que implantemos, por mais recursos
que coloquemos nessa escola, sempre teremos um número muito limitado de
vagas, de possibilidade de abertura de vagas. Hoje com a estrutura que
temos, conseguimos abrir 1.600 vagas por ano em 4 escolas (UNED’s-
CENFOR) em 2004, coisa que nunca aconteceu antes, mas, isso não é nada
pro Estado (NOGUEIRA, 2005).
Importante ênfase dada pela entrevistada acerca da contribuição dos princípios do
antigo Decreto 2.208/97, no sentido de inculcar nas pessoas que ciência e técnica são coisas
que devem ser tratadas em lugares diferentes e separados;
Na verdade fazer a articulação da educação profissional com o ensino médio
é um desafio grande porque o Brasil desaprendeu isso. Tivemos quase uma
década de “desaprendizagem”, então foi isso que na verdade mudou a
concepção das pessoas com relação a educação profissional, separou
completamente, acham que isso não deve ser feito na escola. Temos que
147
voltar a criar essa condição que é difícil porque mesmo os professos têm
resistência.
44
A criação de Unidades de Ensino Descentralizadas, no interior do estado, ligadas a
uma Instituição Central, faz lembrar a antiga idéia do governo federal, surgida em 1986, por
meio do Programa de Expansão do Ensino Técnico Protec, o qual preconizava a criação de
UNEDs em regiões pólos de desenvolvimento do país. Porém, as mesmas não dispunham de
autonomia pedagógica e administrativa, porque estavam vinculadas diretamente à escola-
matriz. Resta saber se o Ceprotec/MT, instituído na capital Cuiabá, caminhará no avanço
possível para a construção de uma relação mediadora entre diretrizes políticas e a práxis
pedagógica de docentes e funcionários das UNEDs, que passa pelas questões da abertura de
espaços e do apoio técnico de qualidade para o debate coletivo e o estímulo à construção, a
partir de cada escola, de cada projeto político pedagógico.
Na verdade, é necessário que se diga que não se pode deixar de reconhecer que os
problemas concernentes à educação profissional de nível médio são históricos e que oito anos
não é um tempo suficiente para concretizar mudanças que dependem das transformações
verificadas nas bases reais da produção, na política e na sociedade.
Por fim, o percurso tortuoso permitiu à SEDUC acumular um conhecimento que
reflete a necessidade da busca de uma democratização da “síntese historicamente possível na
diversidade para o ensino médio” (KUENZER, 2000; KUENZER, 1996), mediante um
movimento concreto e recíproco, no qual governo e sociedade constituam-se parceiros em
todas as etapas da implementação das políticas educacionais.
44
Profª. Drª.Flávia Maria de Barros Nogueira, secretária de Estado de Ciência e Tecnologia do Estado de Mato
Grosso. In. Entrevista realizada no dia 10/05/2005 no seu Gabinete. Na verdade foram homologadas a Lei
Complementar 152 de 09 de janeiro de 2004 do Fundo Estadual de Educação Profissional FEEP; a LC
153 de 09 de janeiro de 2004 que cria o Centro Estadual de Educação Profissional e Tecnológica de Mato Grosso
– Ceprotec/MT, na qual foram denominados Unidades de Ensino Descentralizadas – UNED’s os antigos Cenfor;
e a LC nº. 154 de 09 de janeiro de 2004, que instituiu a carreira dos profissionais da educação profissional e
tecnológica.
148
Conclui-se, portanto, que a realidade de um governo pluripartidário, num contexto de
economia com tendência à seletividade e modernização de um setor e de baixa escolaridade
da população ocupada e a influência do organismo financiador Proep, associada às
inconstâncias de pessoal no âmbito da gestão da Seduc, constituem múltiplas determinações e
condicionantes da ausência de práticas de educação profissional nas escolas estaduais e nos
Cenfor inaugurados em 2002.
No limite, ainda que a educação profissional não tenha logrado o sucesso esperado, a
semente foi lançada, a qual resultou nas UNEDs. Enfim, espera-se que Seduc, Secites,
políticos, estudiosos do assunto, pesquisadores, professores e população conjuguem esforços
para experimentar um novo projeto de educação do ponto de vista das necessidades da classe
trabalhadora.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ANTUNES, Ricardo. Adeus ao trabalho? Ensaio sobre as metamorfoses e a centralidade do
mundo do trabalho. 4. ed. São Paulo: Cortez, 1997. Campinas, SP: Editora da Universidade
Estadual de Campinas, 1997.
AQUINO, Rubin Santos Leão de et. al. História das sociedades: das sociedades antigas às
sociedades modernas. 2.ed., revisada e atualizada. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico, 1983.
AQUINO, Rubin Santos Leão de et. Al. História das sociedades: das sociedades modernas
às sociedades atuais. 2. ed., revisada e atualizada. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico, 1983.
ARROYO, Miguel. O direito do trabalhador à educação. In: Trabalho e conhecimento:
dilemas na educação do trabalhador. GOMES, Carlos Minayo et al. 4. ed. São Paulo:
Cortez, 2002.
________. Trabalho-educação e teoria pedagógica. In:FRIGOTTO, Gaudêncio. (org)
Educação e crise do trabalho: perspectivas de final de século. Petrópolis, RJ: Vozes, 1998.
BAUMGARTEN, Maíra (org.). A era do conhecimento: Matrix ou Agora? Porto
Alegre/Brasília: Ed. UFRGS/ Ed. UnB, 2001.
BERMAN, Marshal. Tudo que é sólido desmancha no ar: a aventura da modernidade. São
Paulo: Companhia das Letras, 1986.
BOBBIO, Norberto. As ideologias e o poder em crise. 4. ed. Trad. de João Ferreira. Brasília:
Editora Universidade de Brasília. 1999.
________. A teoria das formas de governo. 10. ed. Trad. de Sérgio Bath, 10. ed. Brasília:
Editora Universidade de Brasília, 1997.
________. Estado, governo, sociedade: para uma teoria geral política. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 1987.
BRAVERMAN, Harry. Trabalho e capital monopolista: a degradação do trabalho no século
XX. ed.Trad. Nathanael C. Caixeiro. Rio de Janeiro: Livros Técnicos e Científicos editora.
1987.
CARMO, Paulo Sérgio. A ideologia do trabalho. São Paulo: Moderna, 1992.
CARNOY, Martin e LEVIN Henry M. Escola e trabalho no Estado capitalista 2. ed. trad.
Lólio Lourenço de Oliveira. São Paulo: Cortez, 1993.
CARVALHO, Olgamir Francisco de. Educação profissional trabalho e tempo livre.
Brasília: Plano Editora, 2003.
CASTRO, Cláudio Moura. O despertar do gigante: com menos ufanismo e mais direção, a
educação brasileira acorda. Belo Horizonte - Minas Gerais: Ed. Universidade, 2003.
_______. Educação brasileira: consertos e remendos. Rio de Janeiro: Rocco, 1994.
150
_______ e CARNOY, Martin et. Al. Como anda a reforma da educação na América
Latina?. São Paulo: Fundação Getúlio Vargas, 1997.
CATTANI, Antonio David. Trabalho & Autonomia. Petrópolis: Vozes, 1996.
CENTRO PAULA SOUZA. A nova educação profissional. São Paulo: Secretaria de
Ciência, Tecnologia e Desenvolvimento Econômico, 2000.
CRUDO, Matilde Araki. Os aprendizes do Arsenal de Guerra de Mato Grosso: trabalho
infantil e educação. 1842-1899. Tese (Doutorado) - Instituto de Educação, Programa de Pós-
Graduação em Educação, Universidade Federal de Mato Grosso, Cuiabá – MT, 1999.
CUNHA, Luiz Antônio. Educação, Estado e democracia no Brasil. 4. ed. São Paulo:
Cortez; Niterói, RJ: Editora Universidade Federal Fluminense; Brasília, DF: FLACSO do
Brasil, 2001.
_______. O ensino industrial-manufatureiro no Brasil. Revista Brasileira de Educação,
São Paulo, n.14, maio/jun./jul./ago. 2000ª, p. 89-107.
_______. O ensino de ofícios nos primórdios da industrialização, São Paulo. Ed. Unesp;
Brasília:Flacso,2000b.
_______. Educação brasileira: projetos em disputa: Lula x FHC na campanha eleitoral. São
Paulo: Cortez, 1995.
DANIEL, John. Educação e tecnologia num mundo globalizado. Brasília. UNESCO, 2003.
DEMO, Pedro. Conhecimento Moderno: sobre a ética e intervenção do conhecimento.
Petrópolis, RJ: Vozes, 1997.
DE TOMMASI, Lívia. Financiamentos do Banco Mundial no setor educacional brasileiro: os
projetos em fase de implementação. In Lívia de Tommasi; Miriam Jorge Warde; Sérgio
Haddad; (orgs.). O Banco Mundial e as Políticas Educacionais. 4. ed. São Paulo: Cortez,
2003.
ENGELS, Friedrich. O Papel do trabalho na transformação do macaco em homem. 4. ed.
Rio de Janeiro: Global editora, 1990.
FERRETI, Celso João; ZIBAS, Dagmar et al. Tecnologias, trabalho e educação, um debate
multidisciplinar. 6. ed. Petrólis – RJ: Vozes, 1994.
FILMUS, Daniel et al. Ensino Médio, cada vez mais necessário, cada vez mais
insuficiente. trad. José Ferreira Brasília: UNESCO, SEMTEC/MEC, 2002.
FONSECA, Marília. O financiamento do Banco Mundial à educação brasileira: vinte anos de
cooperação internacional. In: O Banco Mundial e as Políticas Educacionais. 4. ed. São
Paulo: Cortez, 2003.
FORRESTER, Viviane. O horror econômico. Trad. Álvaro Lorencini. São Paulo: Editora da
Universidade Estadual Paulista, 7. ed. 1997.
151
FRANCO, Luiz Antonio Carvalho. A escola do trabalho e o trabalho da escola. 3. ed. São
Paulo: Cortez Autores Associados, 1991.
FRIGOTTO, Gaudêncio (org.). Ensino médio: ciência, cultura e trabalho. Secretaria de
Educação Média e Tecnológica. Brasília: MEC, SEMTEC, 2004.
_________. Educação e a crise do capitalismo real. 5. ed. São Paulo: Cortez, 2003.
_________. Educação como campo social de disputa hegemônica. In: FRIGOTTO,
Gaudêncio. Educação e a crise do capitalismo real. 5. ed. São Paulo: Cortez, 2003.
_________. Educação e formação humana: ajuste neoconservador e alternativa democrática.
Formação e qualificação abstrata e polivalente e a defesa do Estado mínimo: nova (de)
limitação dos campos educativo na gica da exclusão. In: FRIGOTTO, Gaudêncio.
Educação e a crise do capitalismo real. 5. ed. São Paulo: Cortez, 2003.
_________. Trabalho, conhecimento, consciência e a educação do trabalhador: impasses
teóricos e práticos; In: Trabalho e conhecimento: dilemas na educação do trabalhador.
Carlos Minayo Gomes et al 4. ed. São Paulo: Cortez, 2002a.
_________. A dupla face do trabalho: criação e destruição da vida. In FRIGOTTO,
Gaudêncio; CIAVATTA, Maria (orgs.). A experiência do trabalho e a educação básica.
Rio de Janeiro: DP&A, 2002b.
_________. Modelos ou modos de produção dos conflitos às soluções. Tecnologia
Educacional, v. 29. n.147. out./nov./dez.1999.
_________ (org.) Educação e crise do trabalho: perspectiva de final de século. 3. ed.
Petrópolis, RJ: Vozes, 1998 (Coleção estudos culturais em educação).
_________. Educação, crise do trabalho assalariado e do desenvolvimento: teorias em
conflito. 3. ed. In FRIGOTTO, Gaudêncio (org.). Educação e crise do trabalho: perspectiva
de final de século. Petrópolis, RJ: Vozes, 1998 (Coleção estudos culturais em educação).
___________. A produtividade da escola improdutiva. Um (re)exame das relações entre
educação e estrutura econômico-social capitalista. São Paulo: Cortez e Autores Associados,
1984.
___________e CIAVATTA, Maria (orgs.) Ensino médio: ciência, cultura e trabalho.
Brasília: MEC, SEMTEC, 2004.
FUNDAÇÃO Sistema Estadual de Análise de Dados-SEADE. Pesquisa de Atividade
Econômica Regional-PAER. Indicadores Socioeconômicos, Região Centro-Oeste, 1998.
GRAMSCI, Antonio. Os intelectuais e a organização da cultura. Trad. Carlos Nelson
Coutinho. 9. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1995.
_________. Os cadernos do cárcere. Trad. Carlos Nelson Coutinho. 3. ed. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2002.
HOBSBAWM, Eric. Era dos extremos. trad. Marcos Santana. São Paulo: Companhia das
Letras, 2003.
152
HIRATA, Helena. Da polarização das qualificações ao modelo de competência. In:
FERRETI, Celso João; ZIBAS, Dagmar et al. Tecnologias, trabalho e educação, um debate
multidisciplar. 6. ed. Petrópolis, Vozes, 1994.
KERCHE, Neuza Maria Erthal. Vadiagem ou trabalho ordeiro: uma visão sobre o
trabalhador mato-grossense. 2ªed. Cuiabá: CAGEL, 1999.
KOSIK, Karel. A Dialética do Concreto, trad. Célia Neves e Alderico Toribio, 2. ed. Rio de
Janeiro, Paz e Terra,1976.
KUENZER, Acácia Zeneida. Entrevista. In. SOUTO, Rosiley Aparecida Teixeira.
Mediadores do consenso: a relação intelectuais da academia e funcionários de carreira que
atuam na Secretaria de Estado de Educação de Mato Grosso. Volume II. Dissertação
(Mestrado em Educação), Universidade Federal de Mato Grosso, Programa Integrado de Pós-
Graduação em Educação, Cuiabá, 2001. p.117-138.
________. As políticas de formação profissional: a precarização como limite. In: XXIII
Reunião Anual da ANPED. Caxambu: 2000a. memo.
________.(org) Ensino Médio: construindo uma proposta para os que vivem do trabalho.
São Paulo: Cortez, 2000b.
________. O ensino médio agora é para a vida: entre o pretendido, o dito e o feito. Educação
& sociedade. V. 21, n. 70. Campinas, abr. 2000c.
________. As mudanças no mundo do trabalho e da educação: novos desafios para a
gestão. Texto apresentado no IX ENDIPE, Águas de Lindóia, 4 a 8 de maio de 1998a. memo.
________. Desafios teórico-metodológicos da relação trabalho-educação e o papel social da
escola. edição. In: FRIGOTTO, Gaudêncio (org.). Educação e crise do trabalho:
perspectiva de final de século. Petrópolis, Vozes, 1998b. (Coleção estudos culturais em
educação).
________. Ensino médio e profissional: As políticas do Estado neoliberal. v. 63. São Paulo:
Cortez, 1997.
________. O ensino médio no contexto das políticas públicas de educação no Brasil. In.
ANPED.1996. memo.
________. Ensino de grau: o trabalho como princípio educativo. São Paulo: Cortez,
1988.
________. Pedagogia da fábrica. As relações de produção e a educação do trabalhador. São
Paulo: Cortez e Autores Associados, 1985.
KUMPFER, Canrobert Werlang. A Reforma da Educação Profissional. Uma reflexão no
Colégio Agrícola de Santa Maria. Rio Grande do Sul. Imprensa Universitária-UFSM.1999.
LIMA FILHO, Domingos Leite. A desescolarização da escola: impactos da reforma da
educação profissional (período 1995 a 2002) Curitiba : Torre de Papel, 2003.
153
LUXEMBURGO, Rosa. Reforma ou Revolução? ed.Tradução de Lívio Xavier. São
Paulo: Editora expressão popular, 2001.
MACHADO, José Nilson. Disciplinas e competências na Educação Profissional. Texto
apresentado no Seminário Internacional sobre os Desafios para a Educação Profissional, em
São Paulo, abril, 2000.
MACHADO, Lucília Regina de Souza. A educação e o desafio das novas tecnologias. In:
FERRETI, Celso João; ZIBAS, Dagmar et al. Tecnlogias, Trabalho e educação, um debate
multidisciplinar. 6.ed. Petrópolis, Vozes, 1994.
_________. Politecnia, escola unitária e trabalho. São Paulo: Cortez: Autores Associados,
1989a.
_________. Educação e divisão social do trabalho: contribuição para o estudo do ensino
técnico industrial brasileiro. 2. ed. São Paulo: Autores Associados; Cortez, 1989b (Coleção
educação contemporânea).
MANFREDI, Silvia Maria. Educação profissional no Brasil. São Paulo: Cortez, 2002.
MANHÃES, Luiz Carlos Lopes. Legislação Escolar Básica: para estrutura e
funcionamento do ensino de 1º e 2º graus. Cuiabá, UFMT - Imprensa Universitária, 1985.
_________. Legislação Escolar Básica: para estrutura e funcionamento do ensino de e
2º graus. Cuiabá, UFMT - Imprensa Universitária, 1980.
MARCO ANTONIO DE OLIVEIRA. Contribuições para o debate. In: Novas Tecnologias,
trabalho e educação: um debate multidisciplinar. 6. ed Org. Celso Ferretti. et al. Petrópolis,
RJ: Vozes, 2000.
MARCOS ARRUDA. A articulação trabalho-educação: visando uma democracia integral. In.
GOMES, Carlos Minayo et al. Trabalho e conhecimento: dilemas na educação do
trabalhador. São Paulo: Cortez, 2002.
MARX, Karl, Contribuição à Crítica da Economia Política. 2. ed. trad. Maria Helena
Barreiro Alves, São Paulo: Martins Fontes, 1983.
MARX, Karl e ENGELS, Friedrich. Manifesto do Partido Comunista. 3. ed.Versão
brasileira do texto de Rodolfo Marcenaro: Edson da Silva Coelho. Editora Versus, 1982.
MARTINS, Marcos Francisco. Ensino técnico e a globalização: cidadania ou submissão?
Campinas, SP: Autores Associados, 2000.
MAXIMO, Antonio Carlos. Os intelectuais e a educação das massas. O retrato de uma
tormenta. Campinas. São Paulo: Autores Associados, 2000.
_________. Os dois lados da moeda. In: Repensando o ensino médio. Revista Recado.
Nº.03/setembro de 1997.
MELLO, Guiomar Namo. A articulação entre Ensino Médio e Ensino Profissional de Nível
Técnico, segundo a LDB e as novas Diretrizes Curriculares. Texto disponível no Sitio do
PROEP/ MEC/ no dia 10 de outubro de 2003.
154
MINAYO, Maria Cecília de Souza. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em
saúde. 7. ed. São Paulo: Hucitec; Rio de Janeiro: Abrasco, 2000.
MINAYO, C. Gomes. Processo de trabalho e processo de conhecimento. In: GOMES,
Carlos Minayo et al. Trabalho e conhecimento: dilemas na educação do trabalhador. São
Paulo: Cortez, 2002.
___________,et. al Trabalho e conhecimento: dilemas na educação do trabalhador. 4. ed.
São Paulo: Cortez, 2002.
MOURA, Alexandrina Sobreira. O Estado e as políticas públicas na transição
democrática. São Paulo: Vértice, 1989.
MORIN, Edgar. Ciência com consciência. Tradução Maria D. Alexandre e Maria Alice
Sampaio Dória. Ed. revista e modificada pelo autor. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1996.
NOSELLA, Paollo. Trabalho e educação: do tripalium da escravatura ao labor da burguesia;
do labor da burguesia à poésis socialista. In: GOMES, Carlos Minayo et al. Trabalho e
conhecimento: dilemas na educação do trabalhador. São Paulo: Cortez, 2002.
_________. A escola brasileira no final de século: um balanço. 3. ed. In: FRIGOTTO,
Gaudêncio (org.). Educação e crise do trabalho: perspectiva de final de século. Petrópolis,
RJ: Vozes, 1998. (Coleção estudos culturais em educação).
NOGUEIRA, Flávia Maria de Barros. Entrevista realizada no dia 10/05/2005 com a
Secretária de Estado de Ciência e Tecnologia do Estado de Mato Grosso no seu Gabinete,
2005.
OLIVEIRA, Dante Martins de. Opinião. In: Projeto Estratégico Regional do SENAI. Perfil
Competitivo do Estado de Mato Grosso, 2002, p.9.
PAIVA, Vanilda (org)Transformação produtiva e equidade: a questão do ensino básico.
Campinas. SP. Papirus, 1994.
PARENTE FILHO, José. Escolas Técnicas Federais: um universo diversificado.
Dissertação (Mestrado em Educação) Universidade de Brasília: 2001.
PERRENOUD, Philippe. Pedagogia diferenciada: das intenções à ação. Trad. Patrícia
Chittoni Ramos. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 2000.
__________. Construir as competências desde a escola. Trad. Patrícia Chittoni Ramos.
Porto Alegre: Artmed. 1999.
POCHMANN, Márcio. O emprego na globalização a nova divisão internacional do
trabalho e os caminhos que o Brasil escolheu. 2. ed. São Paulo. SP: Boitempo editorial. 2002.
__________. O trabalho sob fogo cruzado. São Paulo: Editora Contexto, 1999.
PONCE, Aníbal. Educação e luta de classes. Tradução de José Severo de Camargo Pereira.
20. ed. São Paulo: Cortez, 2003.
155
RICO, Elizabeth Melo (org.). Avaliação de políticas blicas: Uma questão em debate. 2.
ed. São Paulo: Cortez, 1999.
ROSA, Maria Torres. Melhorar a qualidade da educação básica? As estratégias do Banco
Mundial. In: O Banco Mundial e as Políticas Educacionais. Orgs. Lívia De Tommasi,
Miriam Jorge Warde, Sérgio Haddad, 4. ed. São Paulo: Cortez, 2003.
ROPÉ, Françoise; TANGUY Lucie (orgs). Saberes e Competências: o uso de tais noções
na escola e na empresa. Trad. Patrícia Chitoni Ramos e equipe, Campinas, SP, 1997.
SALVADOR, Sandoval. Os trabalhadores param: greves e mudança social no Brasil: 1945-
1990. São Paulo: Ed. Ática, 1994.
SAVIANI, Demerval. A Nova Lei da Educação: trajetória, limites e perspectivas. 8. ed. Ed.
Reformulada. São Paulo, autores associados, 2003.
________. O trabalho como princípio educativo frente às novas tecnologias. In: FERRETTI,
Celso João et al. Novas tecnologias, trabalho e educação: um debate multidisciplinar.
Petrópolis: Vozes, 1994.
SIQUEIRA, Elizabeth Madureira. História de Mato Grosso. Da ancestralidade aos dias
atuais. Cuiabá: Entrelinhas, 2002.
SILVA JÚNIOR, João dos Reis. Reforma do Estado e da educação no Brasil de FHC. São
Paulo: Xamã, 2002.
SOUTO, Rosiley Aparecida Teixeira. Mediadores do consenso: conflitos e ambigüidades
nos encaminhamentos da educação mato-grossense (1997-1998). Dissertação (Mestrado em
Educação) Universidade Federal de Mato Grosso, Programa Integrado de Pós-Graduação em
Educação, Cuiabá, 2001.
__________. Mediadores do Consenso: a relação intelectuais da academia e funcionários de
carreira que atuam na Secretaria de Estado de Educação de Mato Grosso. Volume II.
Dissertação (Mestrado em Educação), Universidade Federal de Mato Grosso, Programa
Integrado de Pós-Graduação em Educação. Cuiabá, 2001.
TEIXEIRA, Francisco Maria Pires. História do Brasil: da Colônia à República. 2. ed. São
Paulo: Ed. Moderna, 1979.
DOCUMENTOS
BRASIL. Conselho Nacional de Educação. Parecer 016 de 05 de outubro de 1999.
________. Resolução nº 04 de 05 de outubro de 1999.
________.Contrato de Empréstimo 1052/OC-BR, entre a República Federativa do
Brasil e o Banco Interamericano de Desenvolvimento Programa de Reforma da Educação
Profissional – PROEP, 1997c.
________. Decreto-Lei nº 2.208, de 17 de abril de 1997.
________.Lei n 5.692/71
156
_______.Ministério da Educação. Educação Profissional / Legislação Básica. 5. ed.
Brasília, 2001.
_______.
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. PROEP. Diretrizes nacionais para a educação
profissional de nível técnico. Brasília: MEC, 2000.
_________.Ministério da Educação. Ensino de grau Habilitação Profissional. Brasília.
1979.
_________.Ministério das Relações Exteriores. Seminário Internacional sobre Emprego e
Relações de Trabalho. São Paulo: 1997b; Brasília: 2000.
_________. Ministério do Trabalho. Questões críticas da educação brasileira. Brasília,
1995.
Carta ao Dr. Fausto de Souza Faria. Secretário de Estado de Educação. Assunto: educação
profissional de Mato Grosso. Junho/1998.
FRENTE CIDADANIA E DESENVOLVIMENTO. Plano de Metas, Mato Grosso 1995-
2006: Plano Estratégico e Programa de Governo. Cuiabá, 1995.
_________.Plano de Metas, Mato Grosso 1995-2006: Visão Estratégica & Programa de
Governo. Versão: 1999-2002. Frente Cidadania e Desenvolvimento. Cuiabá, 1998.
_________. Plano de metas do governo do Estado de Mato Grosso. Cuiabá: Governo do
Estado de Mato Grosso, 1995/98.
Governo do Estado de Mato Grosso. SEPLAN. Plano Plurianual 1998-2003. Diretriz
3.13.
IBGE. Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa Nacional por
Amostra de Domicílios – PNAD. 1995 e 1998. Mato Grosso
MATO GROSSO. Convênios s. 093/97; 029/98; 201; 202; 203; 204/ 1999; 019/2000;
267/2000 e 22; 23; 24/2002, entre o Governo do Estado de Mato Grosso e o Ministério da
Educação/PROEP.
_________. Gabinete do Governador. Of. GG 160/2001. Ao Exmo. Sr. Paulo Renato de
Souza. Ministro da Educação. Brasília-DF, junho/2001.
_________. Governo do Estado. Plano Plurianual. Período 2000-2003: Cuiabá, Governo do
Estado de Mato Grosso, 1999.
_________. Lei nº.7.819, de 09 de dezembro de 2002. Dispõe sobre a educação profissional,
institui o Fundo de Educação Profissional, cria a Superintendência de Educação Profissional e
os Centros Públicos de Formação Profissional. CENFORs, na estrutura da Secretaria de
Estado de Ciência Tecnologia e Educação Superior.
_________. Plano de ação – período 1999-2003. Cuiabá, Governo do Estado de Mato
Grosso, 2000.
157
_________. Plano de ação período 1999-2003 (reformado). Cuiabá, Governo do Estado de
Mato Grosso, 2002.
_________. Projeto Estadual de Reforma da Educação Profissional de Mato Grosso -
PEP-2000.
_________.Projetos Escolares dos Cenfors-PEC’s/1999 de Alta Floresta, Sinop,
Rondonópolis, Barra do Garças , Diamantino, Tangará da Serra e Pontes e Lacerda/2002.
_________. Secretaria de Estado de Ciência, Tecnologia e Educação Superior.Relatório de
levantamento e instalações de equipamentos realizado no Centro Público de Formação
Profissional “Blásio Germano Schimitz”. Alta Floresta - equipe de educação profissional
da Secretaria de Estado de Ciência Tecnologia e Educação, 2003.
_________. Secretaria de Estado de Educação: Programa Reorganização do Sistema
Estadal .Políticas do Ensino Médio para o Estado de Mato Grosso. Cuiabá: Secretaria de
Estado de Educação de Mato Grosso, julho/1995a.
__________. Secretaria de Estado de Educação: Programa Reorganização do Sistema
Estadal .Centros Públicos de Formação Profissional (pré-projeto). Cuiabá: Secretaria de
Estado de Educação de Mato Grosso, agosto/1995b.
_________. Secretaria de Estado de Educação. Centros Públicos de Formação Profissional
(ante-projeto). Cuiabá: Secretaria de Estado de Educação de Mato Grosso, março/1995.
_________. Secretaria de estado de educação. Revitalização e redefinição das escolas
estaduais/municipais do Estado de Mato Grosso (ante-projeto). Cuiabá, 1996.
___________.
Secretaria de Estado de Educação. Novas perspectivas para o ensino médio.
Cuiabá, 1997.
_________. Secretaria de Estado de Educação. Educação profissional: alternativas para o
exercício competente da cidadania. Cuiabá, 1998.
_________. Secretaria de Estado de Educação. Conselho Estadual de Educação. BATÁRU 40
anos. Ed. Especial – Cuiabá: Central de Texto, 2002.
_________. Secretaria de Estado de Educação. Avaliação da ação governamental -2002.
Programa Ensino Profissionalizante: implantação de Centros Públicos de Formação
Profissional. Cuiabá, junho/2002.
_________. Secretaria de Planejamento e Coordenação Geral. Anuário estatístico 2003.
Volume 25.
_________. Relatório Anual de atividades da equipe de Educação Profissional/1995-2002.
_________.Relatório–Síntese de Processos Licitatórios de Equipamentos e de
Capacitação/2002.
158
MEC/PROEP. O.f. nº. 1.145/99/PROEP/SEMTEC/MEC. ao Sr. Dep. Antonio Joaquim
Moraes Rodrigues Neto. Secretário de Estado de Educação de Mato Grosso, dez. 1999.
MEC/PROEP. Of. 271/MEC/SEMTEC/PROEP ao Sr. Antonio Joaquim Moraes Rodrigues
Neto. Secretário de Estado de Educação de Mato Grosso, março/2000.
MEC/PROEP. Relatório de Inspeção 01/2003 no Cenfor de Alta Floresta. Engenheiro
Consultor Messias Inácio Franco
MEC/SEMTEC/PROEP/ Carta Consulta. Brasília,setembro/1997d.
MINISTÉRIO DE EDUCAÇÃO. Programa de Reforma da Educação Profissional. Relatório
de atividades, MEC, 2002.
________. Relatório de atividades.MEC, 1º semestre 2003.
Ofício 162/GB/SEDUC/1996 no qual o Governo de Mato Grosso encaminha ao Ministério da
Educação o Termo de Adesão dos Princípios da Reforma, 1996.
Ofício nº 1.459/97 de 30 de dezembro de 1997. À Procuradoria Geral do Estado,1997.
PROEP/MEC. Perfil estadual do Órgão Gestor da Educação Profissional. Os problemas
considerados mais graves na implantação da Educação Profissional. 2002.
PROGRAMA DE EXPANSÃO E REFORMA DA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL-PROEP.
Manual de Planejamento Estratégico Escolar: construindo a nova educação profissional.
MEC/SEMTEC/PROEP. Brasília, setembro/1997a.
PROJETO ESTRATÉGICO REGIONAL DO SENAI. Perfil Competitivo do Estado de
Mato Grosso. 2002. Artigo Opinião do então governador Dante Martins de Oliveira.
PROJETO MEC/BID, Instrutivo 1: orientações básicas para configuração do
Subprograma Reordenamento dos Sistemas Estaduais de Educação Profissional, 1996.
SEDUC, MT. APOENA: a escola jovem de Mato Grosso. Coletânea I.editoração: Jowen,
2001.
SEDUC. Conselho Estadual de Educação. BATÁRU 30 anos. Ed. Especial Cuiabá,
Entrelinhas, 1996.
_________.Contrato. Fundo Estadual de Educação/CEFET/MT,2002.
_________. Governo do Estado. Lei Complementar nº 049/98 de 1º de outubro de 1998.
_________.Planejamento Estratégico da SEDUC – 1995-1998.
_________.Planejamento Estratégico da SEDUC – 1999-2003.
________.Política Educacional para o Estado de Mato Grosso uma proposta janeiro
de 1995a.
________. Plano emergencial, reestruturação do ensino médio/ profissionalizante,
Cuiabá: Secretaria de Estado de Educação de Mato Grosso, jan/1995b.
159
________. Políticas do ensino médio para o Estado de Mato Grosso (Relatório) Programa
Reorganização do Sistema Educacional. Projeto Reorganização do Ensino Médio e
Tecnológico, julho/1995c.
_________.Portaria 1266/95/SEDUC-MT. Publicada no Diário Oficial de dezembro de
1995d.
_________.Relatórios de seminários realizados em 1999 e 2000 pela equipe de educação
profissional na Capital. Cuiabá, 1999/2000.
_________.Síntese do Plano Estadual de Ensino Médio PEM. Projeto de Investimento
PI, Cuiabá, 2000.
PUBLICAÇÕES EM JORNAIS
A Gazeta, 24/08/2000; 18/11/2000; 27/05/2000; 05/12/2001;Folha do Estado, 18/05/2000;
27/07/2000; 27/08/2000; 04/11/2000; 20/12/2001; Diário de Cuiabá, 24/08/2000;
24/01/2001; 19/10/2001;Sonoticias, 27/07/2000; Midianews, 17/08/2000.
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo