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DA NATIREZA E LIMITES
PO
PODER MODERADOR
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DA NATUREZA E LIMITES
DO
PODER
MODERADOR
DO
Z. de Góes e Vasconcellos
RIO DE JANEIRO
TYPOGRAPHIA UNIVERSAL DE LAEMMERT toa
dos Invalidos, 61 B
1862
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AO LEITOR
Tendo publicado em Julho de 1860 o opusculo Da
Natureza e Limites do Poder Moderador, comprehendi,
desde logo, que nova edão desse escripto se tornava
indispensavel.
O numero de exemplares da primeira edição
fôra mais limitado mesmo do que pedia ura tra
balho destinado apenas a ser, como em verdade
foi, distribuído por amigos e conhecidos, e tanto
que as solicitões de muitos não foi possível sa
tisfazer. ,
Além disso, recebido por uns com summa be-
nignidade, e por outros atacado com rigor, era justo
que áquelles agradecesse, como agradeço, a sua
benevolencia, e a estes oppuzesse, defendendo o
opusculo, algumas reflexões.
Subio, porém, de ponto a necessidade dessa defesa
quando uma obra do Sr. Visconde de Uruguay,
VI
ha tempos anciosamente esperada pelo Publico,
sahindo á luz em Abril ultimo-, com o titulo de
Ensaio ,sobre o Direito Administrativo, e referindo-
se ao meu pequeno trabalho, não combate idéas
que elle contém, mas promettendo pôr termo á
gravíssima questão da responsabilidade ministerial
pelos actos do poder moderador, que, segundo
affirma, até aquelle momento não tivera solução
definitiva, estabelece, com a autoridade do nome do
seu autor, -as mais estranhas doutrinas.
. Ahi, por exemplo, se diz :
« Que é perfeito engano acreditar-se que o chefe
do Estado possa escapar a' responsabilidade moral
ou censura imposta pela opinião publica, sendo que
quanto mais altamente collocado se acha, mais a
provoca.
« Que no Brasil, por falta notabilidades da
ordem de Guizol, e pois que no senado refugiamse
contra a instabilidade das nossas eleições populares,
os homens que tocam á idade de 40 annos, e que
teçm adquirido nome, pratica e tino,, não pode
prevalecer o governo parlamentar.
Que a corôa, na impossibilidade de acompa-
nhar ministros, novos e sem importancia, deve as-
sumir efficaz iniciativa na direcção «los "negocios
publicos. »
Taes doutrinas estão reclamando algumas obser-
VII
vações que sirvam ao menos de protesto contra ellas pelo
perigo e desanimo que são capazes de produzir.
Nesta edição, pois, encontra o leitor:
1.° A materia do opusculo impresso em 1860, sem
alteração substancial.
2.* A parte dos discursos proferidos por mim na
camara temporaria em 1861, que tem relação com o
assumpto do poder moderador.
3.° A apreciação de varias idéas que se contém
no tomo 2.º, caps. 27, 28 e 29 do Ensaio sobre o
Direito Administrativo, relativas á questão da res-
ponsabilidade dos ministros pelos actos do poder
moderador, e á formula: « O rei reina e não
governa. »
Não lance alguem á conta de motivo reprovado a
insistencia com que sustento minhas humildes
opines. Tenho profunda convicção da verdade
delias, e demais cedo a esta refleo que me parece
mui sensata:
« O mal especial de calar uma opinião é que com
isso mais soffrera os que a combatem do que os que a
sustentam; porque se a opinião é verdadeira, ficam
aquelles privados da opportunidade de trocar o erro
pela verdade, e se falsa, perdem outra vantagem quasi
tão consideravel como essa, a saber: a percepção mais
clara, a impressão mais
VIII
viva da verdade, que sempre resulta do seu
contrate com o erro. »
Assim que até com o erro serve-se a causa da
verdade: isto tranquillisa-me.
Rio, 30 de Julho de 1862.
ADVERTENCIA DA PRIMEIRA
EDIÇÃO
-iiK'r-
Estava prestes a publicar-se o pequeno escripto
que ahi vai — sobre a natureza e limites do poder mo-
derador -, quando a tribuna da camara temporaria
veio a tocar nesse mesmo assumpto, de que, havia pouco,
a imprensa tão largamente se occupára.
Na sessão de 2 do corrente, um distincto membro do
gabinete, repellindo a responsabilidade ministerial em
objectos da competencia do poder moderador, disse:
i « Que de jure constituendo a opinião dos que sus-
tentam a responsabilidade ministerial nos actos do poder
moderador, é mui plausível.
2.º «Que, pom, á yista da constituição, e por effeito
dos prinpios, que encerra a obra de B. Constant, que
neste e em muitos pontos servio de base ao nosso pacto
politico, aquella opinião deixa de ser sustentavel.
3.° «Que todavia nenhum ministro ainda deixou, nem
deixará jamais de aceitar toda a responsabilidade, que
lhe cumpre (
*
).
(*) Supplemenío do Jornal do Commercio de 5 de Junho de 1860.
X
A primeira dessas proposições é mais favoravel aos
contrarios do que a quem a enunciou.
Quanto à segunda, se á constituição servio de base a
obra de B. Constant, mais uma rao è isso para con-
cluir pela responsabilidade dos ministros em materia
do poder moderador, porque tal é a doutrina formal-
mente professada por esse publicista na obra a que
se allude.
Pelo que pertence à terceira, ou os ministros são com
elTeilo responsaveis pelos aclos do poder moderador, e
não tem, em tal caso, que aceitar aquillo a que os obri-
ga a lei, ou o o responsaveis, e nessa hypothese a
aceitação o póde ter lugar, porque responsabilidade
à vontade e por mera deferencia é cousa que se não
com prebende.
Outro não menos illustre ministro, abundando nas
ias de seu referido collega, disse em sessão de 20 do
mesmo mez :
1.° Que sempre fóra sectario das doutrinas da escola
politica, que não concebe poder neutro sem irrespon-
sabilidade.
2«Que nega aos ministros influencia em os actos
do poder moderador, porque a doutrina contraria é
subversiva das instituões constitucionaes.
3.° «Que se um ministro pudesse recusar sua
XI
assignatura a um acto do poder moderador.por julgar
esse acto inconveniente, se pudesse deixar de fazer publi-
car os actos, que são da privativa competencia desse po-
der, os ministros constituiriam o unico poder neste paiz.
4Que é necessario fazer uma distincção acerca da
assignalura dos ministros nos actos do poder mode-
rador, e do poder executivo. Quando um ministro as-
sigua um acto do poder moderador, toma perante o
paiz a responsabilidade de afirmar. que esse acto fôra
determinado pelo poder moderador, em virtude de sua
prerogativa. Outra, è a responsabilidade, que elle as-
sume nos actos do poder executivo.
5.° Que uma só hypothese basta para derrocar a opi-
nião, que elle combale, e vem a sera da demissão de
um ministerio no caso, em que o gabinete, estando con-
vencido de que grande mal poderia resultar ao paiz de
sua retirada, não quizesse tomar sobre si a responsa-
bilidade de assignar a sua dissolução ('). »
Tambem aquelle, que escreve estas linhas, quer, o
não ha homem sensato no paiz que não queira o po-
der neutro sem responsabilidade. — Mas entendamo-
nos.
Só ha, só podem haver dous reis Irresponsaveis, o
absoluto o o das monarebias representativas, ou, por
(*) Jornal do Commercio de 23 de Junho.
XII
outros termos, o da Ordenão do reino, ou o da Cons-
tituição do imperio.
O rei absoluto è irresponsavel peia natureza das cou-
sas, pois que não póde ser sujeito as leis aquelle que
as faz ou desfaz a seu sabor, ou para usar da pbrase
energicamente expressiva da nossa Ord. L. 3
o
, T. 75,
§ 1.º, porque o rei è lei animada sobre a terra, e de
fazer lei e revoga-la, quando vir que convém fazer-se
assi.
Ora a irresponsabilidade do poder monarchico nes-
sas condições, ninguem a quer: è objecto fóra de
debate, e de que se não occupa o direito publico mo-
derno.
A outra irresponsabilidade é a do monarcha constitu-
cional, e essa sim, todos a queremos, todos a presamos;
mas essa a theoria e a pratica, que a derão ao mundo,
não a comprehenderam jamais nem a explicaram senão
fazendo-a em tudo e por tudo essencialmente depender
da responsabilidade ministerial, de sorte que se o
concebe poder neutro irresponsonsavel sem ser, com
effeito, neutro, sem ministros que, com a propria res-
ponsabilidade, completamente o resalvem.
Assim que a irresponsabilidade do poder neutro, de
que falia a primeira proposição do honrado ministro, a
quem neste momento me refiro, es escripta com letras
de ouro em nossa constituição, e é um dogma politico
que todo o Brasileiro traz gravado no coração; mas
XIII
para que esse dogma o produza schisma cumpre que
sejam falsas, substancialmente falsas, todas as outras
proposições enunciadas por S. Ex., como estou per-
suadido que são, e o demonstra o meu humilde es-
criplo.
O que seria da Constituição, o que seria do paiz se
os ministros o pudessem recusar a sua assignatura a
actos do poder moderador, que julgassem inconve-
nientes ?
Se quando o chefe do Estado dissesse, por exemplo:
convoque-se a Assembléa geral extraordinariamente,
ou adie-se a Assembléa geral, ou dissolva-se a Camara
temporaria, ou conceda-se amnistia , os ministros
nunca tivessem o direito de dizer respeitosamente á
coroa que não referendam taes actos, e que nomêe
outros ministros, pois que resignam os cargos"?
Á hypothese de que, dada a responsabilidade minis-
terial em objectos da competencia do poder moderador,
poderia um gabinete, quando se tratasse da respectiva)
dissolução, recusar a sua referenda, e assim pôr em
embaraço a coroa, oppõe-se as duas seguintes res-
postas.
Primeiramente o é admissível que haja ministerio
tão desconhecedor da propria dignidade e da natureza
de sua missão, que, em presentindo, quanto mais reco-
nhecendo positivamente, não merecer a confiaa da
coroa, deixe de immediatamente dar sua demissão.
xrv
Depois, quando para ser em tudo exacto o nihi
sub sole novum, houvesse gabinete o aferrado ás
pastas, que, a pretexto de bem publico, quizesse perma-
necer, máo grado á coa, na administração do Estado,
recusando referendar a nomeação de seus successores,
um meio haveria mui legal e ao mesmo tempo heroico
de refrear as exagerões desse exaltado patriotismo :
era dispensar a referenda dos ministros, que para bem
do paiz quizessem ficar, substituindo-a pela dos que
fossem chamados a succeder-lhes.
O essencial é que o acto da corôa tenha a indispen-
savel referenda: se os ministros, que devem sahir, lh'a
não prestam, referendem-no os que entram, e é quanto
basta.
Assim opinava um lucido expositor de direito pu-
blico francez, quando a França possa instituições
analogas ás que nos regem :« Comme aucun acte du
roi n'est valable sans le contreseing d'un ministre, il
esl évident que si les ministres sortant ne vonlaient pas
contresigner la nomination de leurs successeurs, ceux-ci
devraient le fáire eux-mêmes (
*
).»
Rio, 26 de Junho de 1860.
(*) Rogron C.odes Français expliques. Tom. I
o
, pag. 50, 3 ""
édilion.
DA NATUREZA E LIMITES
DO
PODER MODERADOR
PRIMEIRA PARTE
« There can not be a atronger proof
of lhat genuine freedom, which is the
hoast of this age and counlry than lhe
power of discussing, with decency and
respect, lhe nalure and limits of lhe
prerogalive. »
BLACKSTONE
A supposta demora na solução de um recurso de
graça em processo de homicídio levou um dos jornaes
da rte a fazer reflees, que, envolvendo censura ao
ministerio, a outros órgãos de publicidade pareceu lan-
çarem efectivamente a mira a ponto mais alto, e como
taes forão repeladas.
Nesse meio tempo a nomeação de um senador pela
província de Minas, effectuada pelo poder moderador,
havendo provocado da parte de certo candidato, que se
julra preterido, uma circular aos seus cornprovincia-
nos, em que lhes dizia que, por evitar lhos novo dosar,
abstinha-se de nova candidatura, veio atear aquella.já
desanimada controversia.
Então, de hypolhese em hypothese, foi se alargando
a discussão na imprensa, até que, perdidos por fim de
16
vista os dous casos— de gra e de nomeão de sena-
dor—, que originaram a polemica, travou-se esta sobre
a índole, em geral, do poder moderador e condições
de seu exercício.
De um lado sustentou-se que os actos do poder mo-
derador, visto como se não podem reputar indifferentes,
pois que, ao contrario, o da mais elevada importan-
cia, devem de ser comprehendidos na regra funda-
mental do regimen representativo a responsabili-
dade,— e por consequencia sujeitos á discussão e
censura, como quaesquer actos que propriamente per-
tencem ao poder executivo, entendendo-se que os mi-
nistros tanto devem responder por estes como por
«aquelles, á vista da Constituição (*).
De outro lado procurou-se mostrar que, em face da
mesma Constituição, tal se o póde affirmar: que os
ministros apenas são obrigados a referendar os actos do
poder executivo, e por elles conseguintemente o
responsaveis: que se assignam os actos do poder mode-
rador é para authentica-los, para fazer constar que são
com effeito da corôa, e nada mais (").
Os orgãos da imprensa, que se inclinaram á responsa-
bilidade ministerial no que toca aos actos do poder mo-
derador, citaram nomes de estadistas do paiz, ou já
mortos, ou ainda vivos, mui vantajosamente reputados na
opinião geral.
Não faltaram lambem aos propugnadores da opinião
opposta autoridades respeitaveis entre os publicistas
nacionaes, e o nome do autor do Direito Publico
Brasileiro— prestou, como era de esperar, aos seus ar-
gumentos alguma plausibilidade.'
(*) Drio do Rio e Correio Mercantil.
(**) Jornal do Commercio, Correio da Tarde, Imperio, etc.
Em tal conjunctura, admirado de vêr postas em dis-
cuso doutrinas, que parecia-me deverem estar bem
assentadas e fóra de duvida, pois formam a base do sys-
tema representativo, admirado de que, depois de mais
de 36 annos de monarchia constitucional no paiz, se
proclame seriamente a existericia de um'poder, cujos
actos se expeçam e obriguem sem haver quem por elles
responda, aventurei-me tambem a examinar a questão,
e as reflexões, que o estudo desse ponto de nosso direito
constitucional me suggerio, são as que adianteo
expostas.
Hei de primeiramente fatiar da natureza do poder
moderador em geral, averiguando se ha ou não quem
responda por seus actos.
Depois direi algumas palavras sobre o direito de no-
mear senadores, e de perdoar e moderar pernas aos réos
condemnados por sentença.
Nada, certamente, escreverei de novo, nem no pen-
samento, nem na fórma, sobre o importante assump-
to; mas verdades vulgares o azadas a debellar erros
vulgares, e não ha erro mais vulgar nem mais perigoso
do que o que tenho em vista combater: Quand l'erreur
est vulgaire, c'est par la vêrité vulgaire qu'il fant lui
repondre (").
(*) Guizot— De la peine At mort.
.
18
I
O que é o poder moderador.
Diz a Constituição do Imperio no art. 98:
O poder moderador é a chave de toda a orga-
nisão politica, e é delegado privativamente ao
Imperador, como chefe supremo da nação e seu
primeiro representante, para que incessantemente
vele sobre a manutenção da independencia, equi-
líbrio e harmonia dos mais poderes políticos. '»
E no art. 99 dispõe:
A pessoa do Imperador é inviovel e sagrada.
Elle não está sujeito a responsabilidade alguma. >
Reflectindo-se um pouco sobre o nosso poder mode-
rador» imposvel é não descobrir nelle a theoria enge-
nhosa de um livro francez traduzida na Constituição
Politica do Imperio. .
Refiro-me ao Curso de Politica Constitucional de
B. Constant.
« Consulte-se a obra em que Mr. B. Constant, diz
um distincto historiador, representou tio engenho-
samente a realeza como um poder neutro, modera-
dor, elevado acima dos accidentes, das lalas da socie-
dade, intervindo nas grandes crises. Essa idéa
cumpre que encerre alguma cousa propria a convencer
os espíritos, pois que com singular rapidez passou dos
livros aos factos. Um soberano fez delia, na constitui-
19
çâo do Brasil, a base de seu lhrono, sendo abi represen-
tada a realeza como poder moderador, collocado acima
dos poderes activos, como espectador e juiz (*).
E com effeito a instituição do poder moderador pas-
sou quasi litteralmente da theoria do publicista francez
para a Constituição do Imperio.
Assim que se B. Constant chama a distincção
entre o poder real e o poder executivo « la clef de
toute organisation politique, » o art. 98 da Consti-
tuão diz que o poder moderador— « é a chave de
toda a organisação política.»
Se o publicista francez chama os tres poderes legis-
lativo , executivo e judicial les trois ressorts, qui
doivent coopêrer, chacun dam sapartie, au mouvement
general, e o poder real une force qui les remette á
leur place,o art. 98 da Constituão diz: que a missão
do poder moderador é velar incessantemente sobre a
manutenção da independencia, equilíbrio e harmonia
dos mais poderes políticos.
Desta sorte arremedou-se B. Constant até na phra-
se figurada, com que se enuncia sobre o poder real,
incluindo-se no art. 98 definões sempre improprias
de uma lei, expressões ambíguas, como essas que
ficaram indicadas, as quaes dão azo á polemica, ponde-
rando alguns que a chave da organisação politica é menos
este ou aquelle poder em si do que a divisão dos poderes,
e que a missão de manter a independencia, equilíbrio e
harmonia dos poderes o é característica de nenhum
delles, mas destino de lodos. O certo é, dizem, que se o
elemento monarchico, com as suas prerugativas, con-
tém em suas espheras respectivas os poderes legisla-
tivo, executivo e judicial, tambem estes limitam a acção
Guizol Cours d'Hist.mod.
20
daquelle e embaraçam que elle, de vontade unica, passe a
considerar-se vontade infallivel e mesmo divina, como de si
suppunha Alexandre, argumentando logicamente com a
plenitude de seu poder.
Nem a precedente observão é bebida em pura theoria.
Publicistas inglezes, tratando do que elles chamambalança
da Constituiçãodo seu paiz, assim se exprimem:« Herein
indeed consists the true excellence ofthe english govemment
íhat all the paris of it form a mutual check upon each other
(*).»A verdadeira excellencia do governo inglez consiste em
que todas as suas partes componentes reciprocamente se
moderam.
Como quer porém que seja, comprehende-se que o art.
98 da Constituão, fallando do poder moderador; allude a
esse poder que, na moderna lheoria politica, exerce a
suprema inspecção, e rma o laço entre todos os poderes
(*').
O poder, de que se trata, consiste, entre nós, na somma
de attribuões conferidas ao primeiro representante da
não pelo art. 101 da Constituição, assim concebido:
« O Imperador exerce o poder moderador:
« 1.° Nomeando os senadores, na fórma do art. 43.
« 2 Convocando a assembléa geral extraordinariamente
nos intervallos das sessões, quando assim o pedir o bem
do Imperio.
« 3 Sanccionando os decretos e resolões da
assembléa geral para que tenhão força de lei: art. 62.
(*) Blakstone e Stephen— Commentaries on the
latis of England. (**) Ahrens—Court de Droit
Naturet, 5"" éd.
2!
< 4 Approvando e suspendendo interinamente as
resolões dos conselhos provinciaes: arte. 86 e 87.
« 5.º Prorogando ou addiando a assernblea geral e
dissolvendo a camara dos deputados, nos casos em que
o exigir a salvação do Estado, convocando immediata-
mente outra, que a substitua.
« 6.° Nomeando e demittindo livremente os minis-
tros.
< 7.° Suspendendo os magistrados nos casos do
art. 154.
« 8.° Perdoando e moderando as. penas impostas
aos rèos condemnados por sentença.
« 9 Concedendo amnistia em caso urgente, e que
assim aconselhem a humanidade e bem do Estado.»
Conhecida a natureza do poder moderador, ou o
complexo de attribuições que o constituem, resta averi-
guar, e aqui surgem as questões, de que ultimamente a
imprensa tanto se occupou, e sobre que me proponho
por minha vez dizer o que penso, resta averiguar se no
exercício desse poder, privativamente delegado ao
Imperador, influem, ou o, directa ou indirectamente,
os ministros de estado, se são ou não responsaveis
pelo uso do direito de nomear senadores, perdoar e mo-
derar penas, etc.
Todas as theses da Constituição, relativas ao poder
moderador, são, como se vê, dominadas por aquella que
solemnemente declara a pessoa do Imperador invio-
lavel, sagrada, não sujeita a responsabilidade alguma.
Ora diz o bom senso que declarar (em pajz livre)
irresponsavel uma pessoa, a quem se confiam tão
22
transcendentes funões, implicaria grave absurdo, se a
sua inviolabilidade não fosse protegida pela respon-
sabilidade de funccionarios, sem os quaes nada pudesse
levar a effeito.
A inviolabilidade do Chefe do Estado sem a corres-
pondente responsabilidade de ministros, que seja in-
separavel daquella, como a sombra é do corpo, im-
plicaria, disse eu, grave absurdo, porque o ha na
natureza das cousas, nem pôde haver nas leis meio de
evitar que, de qualquer modo, responda por seus actos
aquelle que não tiver agentes, que tomem, ante a lei e
a opinião, a responsabilidade de taes actos. A lem-
brança do rei inglez, que assentado em uma cadeira
de estado na praia ordenára ao mar que retrocedesse,
teria um símile na do chefe de nação livre, que,
desacompanhado de agentes responsaveis no exer-
cício de funões importanssimas, pretendesse oppôr
barreira as ondas da opinião, tão indomitas como as
do oceano, para que lhe respeitassem a inviolabi-
lidade.
Isto posto, pretendo mostrar que, pela Constituição,
qual foi promulgada em 1824, os ministros de estado
respondiam por todos os actos do poder moderador,
como os conselheiros de estado pelos máos conselhos,
que nessa materia dessem.- que, depois do Acto addi-
cional, a responsabilidade ficou pesando sobre os
ministros: que, com a promulgação da lei de 23 de
Novembro de 1841, do novo o conselho de estado
partilha com o ministerio, cada um na sua orbita, a
responsabilidade dos actos do poder moderador.
23
II
A responsabilidade dos actos do poder mode-
rador segundo a constituição primitiva.
Aquelles, que negam a responsabilidade dos mi-
nislros pelos actos do poder moderador, allegam:
4 Que o poder moderador, conforme o art. 89 da
Constituição, è privativamente delegado ao chefe da
não, ao passo que o art. 102 diz que o Imperador è o
chefe do poder executivo, e o exercita pelos seus mi-
nistros de estado.
2.º Que o art. 132 determina que os ministros de
estado assignaráõ todos os actos do poder executivo,
sem o que não podeo ter execão, o dizendo o
mesmo dos actos do poder moderador, donde se infere
que os ministros de estado não assignam os actos
do poder moderador, ou assignando-os, o fazem
para < authentiçar o reconhecimento, a veracidade da
firma imperial » (
*
}.
3.° Que toda a garantia contra o abuso possivel
das funcções do poder moderador cifra-se na respon-
sabilidade dos conselheiros de estado, os quaes, con-
forme o art. 142, devem ser ouvidos em todos os
negocios graves e medidas geraes da publica admi-
nistração, principalmente sobre a declarão de guerra
e ajustes de paz, negociações com as nações estran-
(*) Direito Publico Brasileiro e Anatyse da Constituição do Imperio,
pelo Ur. José Antonio Pimenta Bueno.
24
geiras, assim como em todas as occasiões, em que o
Imperador se propõe exercer qualquer das attribui-
ções proprias do poder moderador, indicadas no art.
101, á excepção da do § 6.
4 Que sendo a miso do poder moderador velar
sobre a manutenção da independencia, equilíbrio e
harmonia dos mais poderes poticos, se os ministros
tivessem interferencia nos actos desse poder, acon-
selhando-os ou respondendo por elles, um dos po-
deres activos, o executivo, aproximando-se do mo-
derador, prevalecer-se-hia disso para pôr em perigo
a independencia, o equilíbrio, a harmonia dos po-
deres que, ao poder moderador incumbe manter.
Apreciarei cada um desses quatro argumentos.
1
No dizer dos adversarios da responsabilidade mi-
nisterial em assumptos do poder moderador, a palavra
privativamente, de que se serve o art. 98 da Consti-
tuição, ergue um moro de bronze entre a corda e os
ministros no que toca ao exercio daquelle poder,
significando que aos ministros de estado, nem com o
seu conselho ao resolver-se, nem com a sua responsa-
bilidade ao executar se qualquer dos actos previstos no
art. 101, toca o direito de auxiliar e servir o chefe su-
premo do Estado.
Tal, porém, o é, mas outra e bem distincta, a sig-
nificação daquelle termo.
A Constituão no art. 10 reconhece quatro poderes
políticos: o poder legislativo, o poder moderador, o po-
der executivo, e o poder judicial.
25
Desde o art. 13 até o arl. 97 trata a Constituição do
poder legislativo e do que com elle tem relão, come-
çando por declarar—que o poder legislativo é delegado
a assemba geral com a sancção do Imperador , a
saber: que esse poder não é delegado a uma só
pessoa physica ou moral, mas a tres que são a ca-
mara dos deputados, o senado, e o Imperador.
Passando depois a tratar do poder moderador diz
então no art. 98 a lei fundamental, e não podia deixar
de dize-lo, que esse poder é privativamente delegado
ao Imperador, isto é, que é delegado a elle com
excluo de mais pessoas, e não a diversos como a res-
peito do poder legislativo ficára determinado.
Com effeito, se no terreno da legislação a pluralidade
tem todo o lagar, se o concurso do chefe do Estado e das
doas camaras para fazer leis é da essencia do regimen
representativo, a suprema inspecção do Estado, assim
como a prompta e regular execução das leis, reclamam
indispensavelmente—unidade—, e, pois, a divisão,
que alli cabia, era aqui impraticavel, impraticavel a
ponto de que, se a admittissem, desappareceria da
Constituição o elemento monarchico.
Desfarte a phrase delegado privativamente —,
que o art. 98 applica ao poder moderador, quer sim-
plesmente dizer que, nesta parte da soberania nacional,
differentemente do que ficara assentado sobre o poder
legislativo, a delegação é feita a um , ao monarcha,
como as mais sãas nões de organisação politica e a
experiencia dos seculos exigiam, mas ao monarcha, esta
subentendido, aconselhado pelas luzes de homens'com-
petentes, porque elle não de saber tudo, e servido
por agentes responsaveis, porque é, e para que seja,
inviolavel e sagrado.
O adverbio privativamente , elevado á altura de
26
argumento irrespondivel para dar ao poder moderador
o caracter de um poder por assim dizer pessoal, com o
qual nada tenham que ver os ministros de estado, deve
de certo pôr em serios embaraços os que assim pensam,
se quizerem explicar como, sendo esse poder puramente
pessoal, a propria Constituição determina, em o art. 142,
que o Imperador, todas as vezes que se proponha exer-
cer qualquer das attribuições, de que se elle compõe,
exceptuando sómente a do § 6.º do art. 101, ouça o
conselho de estado, e no art. 143 que os conselheiroso
responsaveis pelos conselhos, que a tal respeito derem,
como geralmente o são pelos que proferem em negocios
c medidas da publica administração, sendo oppostos ás
leis e interesses publicos.
Se a delegação privativa do poder moderador ao mo-
narcha o impede a intervenção dos conselheiros de
estado com os seuS conselhos, e com a garantia de sua
responsabilidade pelos que derem oppostos ás leis e aos
interesses do Estado, manifestamente dolosos, não é na
circumstancia de ser privativa a delegação que se ha
de achar motivo sufficiente para arredar os ministros de
estado não do conselho, se não da responsabilidade
pela execução dos actos do poder moderador, que forem
offensivos das leis ou dos interesses do paiz.
Onde, pois, achar-se o motivo de tal exclusão ?
Aqui os propugnadores da doutrina, que reduz os
ministros ao papel de automatos em negocios do poder
moderador, invocam o art. 102 da Constituição, o qual,
declarando o Imperador chefe do poder executivo,
determina que o exercite por seus ministros de estado,
e seu argumento é que, uma vez que a respeito do
poder executivo a Constituição manda que o Impera-
dor o exerça por seus ministros e o mesmo não dispõe
quanto ao moderador, os ministros de estado tudo
27
tem com o exercício do poder executivo, e nada com o
do moderador.
Ponderarei primeiramente que o argumento, dedu-
zido do art. 102, pecca em que, se alguma cousa pro-
vasse, provaria de mais; porque excluídos, como se pre-
tende com a citação desse artigo, os ministros de estado
de serem medianeiros nos actos do poder moderador,
segue-se que, não havendo, como não ha, na Constitui-
ção outro funecionarios por meio dos quaes possa o
imperador legalmente exercer os actos do poder mode-
rador, deve se chegar á conclusão que o poder mode-
derador è exercido pelo Imperador' directamente
absurdo de tal quilate em uma monarchia constitucional,
que o mesmo é enuncia-lo que refuta-lo.
Depois, os que combatem a todo o transe a interven-
ção do conselho e responsabilidade ministerial no exer-
cício do poder moderador, de medo que esse poder,
com tal contacto, perca o privativo de sua delegação,
esquecem-se de que, se o seu presupposto fosse verda-
deiro, o poder executivo, que, conforme o art. 102 por
elles citado, è exercido pelo Imperador por meio de
seus ministros, seria, contra todas as idèas recebidas,
um poder delegado não a um individuo , mas a
grande numero de pessoas, isto è, ao primeiro repre-
sentante da nação e a seis secretarios de estado, se
maior ou menor o fôr, como permitte o art. 131 da
Constituição, o numero dos secretarios de estado.
Ora tal supposição é inadmissível.
No plano da Constituição, traçado nesta parte pelos
verdadeiros prinpios de organisão política, o poder
executivo é delegado só ao Imperador, tão privativa-
mente ao Imperador como o è o poder moderador.
Com effeito o art. 102 da Constituição diz: « O Impe-
rador é o chefe do poder executivo e o exercita pelos
seus ministros de estado.
Por essa disposição quem exercita o poder exe-
cutivo é o Imperador. Logo o poder executivo è priva-
tivamente delegado ao Imperador, porque o cargo é de
quem o exerce.
Verdade é que a Constituição, no art. citado, suppõe
o Imperador exercitando o poder executivo por meio de
ministros de estado, mas considere-se bem a posão
destes em relão áquelle. Um é o chefe, os outros são
seus ministros, que quer dizer seus agentes, seus
medianeiros. Os actos do poder executivo partem do
Imperador: os ministros tudo fazem em nome, e por
ordem do Imperador.
E', logo, evidente que os ministros de estado, no que
toca ao. poder executivo, não são, não podem ser co-
delegados do Imperador.
Quaesquer que sejam, em verdade, o seu numero e
designações, desde que são livremente nomeados e de-
mitdos pelo Imperador, desde que em tudo procedem
como agentes seus, os ministros não compartem com o
chefe supremo da nação a delegação do poder executivo
e deixam salva a unidade , que è substancial-
mente indispensavel, em rmas de governo como a
nossa, àquelle poder.
E tanto isto é verdade que, na linguagem da Cons-
tituição, geralmente, poder executivo quer dizer
Imperador.
O art. 53, por ex., diz: «O poder executivo exerce
por qualquer dos ministros de estado a proposição que
lhe compete na formação das leis.
29
E o art. 56: « Se a camara não puder adoptar a pro-
posição, participará ao Imperador etc.
O art. 141 determina que os conselheiros de estado,
antes de tomar posse, prestem, nas mãos do Impe-
rador, juramento de lhe ser fieis e o aconselhar seguudo
as suas consciencias, e o art. 142 declara que elles se-
rão ouvidos sobre todos os negocios graves e medidas
gèraes da administração, e sobre os casos da compe-
tencia do poder moderador, de sorte que, ou se trate de
negocio do poder executivo (administrão) ou do po-
der moderador, quem é o aconselhado, quem tem di-
reito á fidelidade é o Imperador, signal de que o Impe-
rador é o poder executivo, como é o moderador.
« A plenitude do poder executivo pertence ao rei,
diz um escritor francez, logo que a carta declara-o
chefe supremo do Estado (')•
Tambem na Inglaterra a corôa exerce por meio de nu-
merosos conselheiros e agentes o poder executivo, e
comtudo é geralmente admittido que o poder exe-
cutivo è só do rei:
« The king or queen of England is not only the
chief, but properly the sole executive magisirate
of the nalion, ali other acting by commission from
and in due subordination to him or her("). »
O rei ou a rainha de Inglaterra o é sómente
chefe, seo unico magistrado executivo da nação,
visto que todos os demais procedem em virtude
de commissão da corôa e a ella subordinados.
Se, pois, os ministros de estado, com serem oros
(*) Poucarl Elements de droit public et administratif.
(**) Stephen — Nem commentaries.
30
necessarios ao Imperador no exercício do poder exe-
cutivo, o compartem com elle o mesmo poder, ele-
vando-se â categoria de co-delegados, a unidade mo-
narchica fica iliesa no poder moderador e sempre
privativa para o Imperador a respectiva delegação,
apezar dos conselhos e responsabilidade dos ministros
de estado em negocios da competencia desse poder.
A muitos affigura-se que a intervenção, por leve que
seja, dos ministros de estado nos actos do poder mode-
rador, oblitera a linha divisoria entre os dous poderes
executivo e moderador a ponto de os reduzir a
um só.
Discorrem assim como se os ministros constituíssem
um poder o poder executivo , segundo alguns
publicistas pretendem; mas acabei de mostrar que,
pela Constituição do Imperio, o poder executivo é dele-
gado sómente ao Imperador, de quem os ministros são
apenas conselheiros e agentes, supposto que de eleva-
díssima categoria, por isso mesmo que o responsa-
veis, e sua responsabilidade è a egide da inviolabilidade
da corôa.
A difficuldade de bem discriminar o poder executivo
do moderador, desde que ambos o confiados a uma
mesma entidade, eu a reconheço. Qualquer porém que
ella seja, deve antes correr por conta da metaphysica
constitucional, que a engendrou, semelhante, talvez, a
algumas dessas divisões, que a analyse as vezes inspira,
mas que a natureza das cousas tende a contrariar, do
que autorisar a concluo de que a inviolabilidade do
imperador, no exercio do poder moderador, não tem
o apoio do conselho e responsabilidade dos ministros
de estado, porque essa doutrina, dando entrada pela
cupula ao arbítrio em nosso magestoso edifício politico,
é de todas as hypolheses, que na materia se possam
figurar, a menos admissível.
31
Pela minha parte eis como considero a divisão dos
dous poderes.
Todas as attribuições do poder moderador e do poder
executivo, por isso que demandam unidade no pensar,
vigor e promptidão no levar a effeito, forão delegadas
ao elemento monarchico da nossa Constituão.
Mas a divisão do trabalho, que em todos os ramos da
actividade humana produz uleis resultados, recebeu
tambem aqui uma justa applicação.
D'ahi veio que das referidas attribuões proprias do
elemento monarchico se fizeram duas grandes cate
gorias.
Na primeira agruparam-se os attributos que se jul-
garam apropriados a exercer suprema inspeão sobre
o todo da organisão politica, a corrigir excessos pos-
síveis da parte dos poderes constitdos, a chama-los,
em caso de luta, á indispensavel concordia, e esse grupo,
com o nome de poder moderador, declararam-no
objecto especial da solicitude e atlenção do Imperador,
que do ponto culminante que lhe foi designado, melhor
podia apreciar as tendencias do espirito publico e dos
partidos, as necessidades mais urgentes do Estado, a
marcha dos poderes políticos, etc.
A outra parte de attribuões, dizendo geralmente
respeito à administração activa, á marcha ordinaria dos
negocios, consideraram tarefa especial dos ministros de
estado.
A indicada divisão, porém, não embarga que, na va-
riedade de indivíduos, a cujas mãos o chefe do Estado
confia os negocios da administração, e na immensa di-
versidade de assumptos, que por ella correm, a unidade
caractestica do poder executivo subsista inalteravel,
32
fazendo os ministros tudo etn nome e por ordem do Im-
perador, centro e nexo de todos os elementos do governo
do Estado, porque se os ministros procedessem com
autoridade propria e como se constituíssem um poder
politico, o gabinete, em vez de ser, como a Constituição
manda, um certo numero de agentes, por meio de quem
o Imperador regesse o Estado, seria um arredo de
directório executivo.
Da mesma sorte a divisão de que se tratao emba-
ra que os ministros se cheguem á corôa no exercido
do poder moderador para esclarecê-la com os seus con-
selhos, e cobri-la com a sua responsabilidade, porque,
de outra sorte, tornar-se-hia ella irremediavelmente
alvo de imputações de que, por utilidade publica, deve
estar isenta.
2.º
O 'segundo dos argumentos acima indicados deriva-se
do art. 132 da Constituição, que dispõe: Os ministros
de estado referendarão ou assignaõ todos os actos do
poder executivo, sem o que não poderáõ ter execão. »
E a supposta foa desse argumento es em que o
impondo a Constituição aos ministros obrigão de as-
signar ou referendar outros actos, queo sejam os do
poder executivo, segue-se, quanto aos do poder mode-
rador, uma de duas, ou que os o assignam, ou que,
no caso de assignarem-nos, é para aulhenlicar a im-
perial assignatura.
Que não são de grande valor os argumentos a contra-
rio sensu, a logica o ensina, e neste caso bem se verifica.
Se os actos do poder moderador prescindissem da
assignatura dos ministros, teriam de ser expedidos
com o nome do Imperador, porque o conselho de
33
estado foi instituído sómente para dar conselhos, e por-
tanto o ha, absolutamente, na Constituição, quem.
na falta dos ministros de estado, possa dar á execução
taes actos.
Isso, porém, que a rao politica chamaria rematado
absurdo, a pratica felizmente nunca tolerou no paiz,|
sendo certo que lodos os actos do poder moderador são
expedidos por intermedio dos ministros de estado.
A idèa de que a referenda dos ministros nos actos
do poder moderador serve apenas para attestar que a
assignatura è realmente do Imperador, tem o duplo
inconveniente de descobrir a coa e de rebaixar o
ministerio.
Descobre a corôa, porque dado que o acto do poder
moderador se opponha, o que é factível, ás leis ou aos
interesses do Estado, não havendo responsabilidade no
executor, fica a coa, que o resolver e fizer cumprir,
exposta pelo menos á discussão e censura, emquanto
se não descobrir meio (além do da responsabili-
dade ministerial) de impedir que as más consequencias
de um acto reflictam sobre quem o pratica.
Rebaixa o ministerio, porque attestar que uma assig-
natura é effectivamente da coa, mais parece proprio
de tabellião que de um funccionario da ordem e cate-
goria de um ministro e secretario de estado nas monar-
chias constitucionaes.
Digonas monarchias constitucionaes,porque nas
absolutas, sim, a assignatura ministerial só presta para
attestar que o acto è do rei, o que não admira, porque
ahi o rei absorve tudo.
Mas entre monarchias illímitadas em que o rei diz:
eu sou o Estado, e as monarchias livres, onde a realeza
34
descansa na maxima—que o monarcha sò pôde fazer o
bem e nunca o mal, a differença è immensa Nas pri-
meiras, diz Dupin, a referenda é uma formalidade des-
tinada a evitar sorprezas, nas segundas o seu grande
fím é assegurar a responsabilidade ministerial (*). »
3.'
Pretende-se que a unica responsabilidade, com que
a Constituição primitiva julgou sufficiente manter a
corôa em sua legitima esphera de actividade, no que
toca ao poder moderador, foi a dos conselheiros de es-
tado estabelecida no art. 143, que dispõe o seguinte:
o responsaveis os conselheiros de estado
pelos conselhos que derem, oppostos ás leis, e ao
interesse do Estado, manifestamente dolosos. >
Basta comtudo um momento de reflexão para conhe-
cer-se a improcedencia de tal argumento.
Os conselheiros de estado, cuja missão é, pelo art. 441, |
serem ouvidos sobre negocios graves e medidas geraes
da publica administração, como em todas as occases
em que o Imperador se proponha exercer qualquer das
attribuições do poder moderador, menos a do § 6, o
responsaveis, como diz o artigo supra-transcripto, quan-
do e só quando derem mãos conselhos.
Logo, pois, que os conselheiros de estado derem con-
selhos conformes às leis e aos interesses do Estado,
cessa para elles toda a responsabilidade. Entretanto a
corôa, que não tem obrigação de adherir aos votos de
(*) Opuscules de Jurisprudente.
35
seus conselheiros de estado, pôde resolver e mandar
cumprir precisamente o contrario do que pensarem
aquelles altos funccionarios.
Em tal caso, cuja possibilidade devêra occorrer ao
legislador constituinte, a coa poderia fazer o mal que
quizesse sem encontrar quem lhe dissesse: * â tal ordem
o dou cumprimento, porque teria de responder á
nação. »
Bem triste idéa teriam dado de sua capacidade os
autores da Constituição se, no desígnio de estabelecer,
como estabeleceram, uma monarchia limitada, talvez a
mais livre de que haja exemplo, devendo tomar todas
as providencias legalmente posveis para que na pra-
tica o resultado o desdissesse de suas intenções, pro-
cedessem como o architecto que, no remate de custosa
fabrica, no assentar a pedra, que tem de cerrar-lhe a
abobada, deixasse de tomar precaões para que essa
pedra se o abatesse, arrastando á ruina todo o edi-
fício!
A garantia, portanto, da responsabilidade dos conse-
lheiros de eslado é absolutamente vãa, porque limita-
se aos conselhos oppostos ás leis e ás conveniencias
publicas, e deixa de existir quando elles são diclados
pelos interesses nacionaes, e a corôa resolve outra
cousa.
Ainda na hypothese de serem mãos os conselhos, a
responsabilidade nos actos do poder moderador seria
insignificante comparativamente á dos actos da admi-
nistração, mesmo de pequena importancia.
Nos actos do poder executivo em geral haveria dupla
garantia contra os abusos, porque o conselheiro de es-
tado seria responsavel por seu mão conselho, e o minis-
tro pela execução do acto.
Entretanto nos actos do poder moderador, aliás mui
elevados e importantes, o conselheiro que aconselhasse
mal, seria responsabilisado, o ministro que executasse
o acto irreflectido, e por ventura criminoso, o teria
pena alguma!
Desfarte, contra as mais triviaes noções de direito
penal, em um delicto dado achar-se-hia no conselho
todo o elemento de criminalidade, na execução ne-
nhum !
Não é essa a doutrina que expende a obra, onde os
autores da Constituição beberam as suas idéas de poder
moderador, quando diz: « Nossa ultima Constituição
dirigia exclusivamente a responsabilidade contra os mi-
nistros, declarando inviolaveis os conselheiros de esta-
do, o que era um erro: a responsabilidade deve pesar
sobre lodos os grãos da hierarchia constitucional (*). »
O erro da nossa Constituição seria mais indesculpavel
do que o da Constituão franceza, a que se faz referen-
cia, porque se esta punia o executor, e não o conselheiro,
a nossa puniria o conselheiro e não o executor.
Não era essa tambem a opinião dos autores da lei de
15 de Outubro de 1827 sobre a responsabilidade dos
ministros e secretarios de estado, e dos conselheiros de
estado, quando no art. 17 escreveram:
« Os conselheiros de estado pelos conselhos que
derem oppostos ás leis e aos interesses do Estado
se fôrem manifestamente dolosos, incorrem nas
mesmas penas, em que os ministros e secretarios
de estado incorrem por factos analogos a estes.
'(*) B. Constani, Couri de Pol. Comi,, C. III.
37
Quando porém ao conselho se não seguir effeito,
soffreráõ a pena no gráo médio, nunca menor que
a suspeno do emprego de um a dez annos. »
D'ahi claramente se infere que-, no sentir dos autores
da lei de 15 de Outubro, os ministros e secretarios de
estado e os conselheiros de estado, qualquer que seja
a ordem de negocios de que se trate, incorrem nos
mesmos delidos, e por consequencia na mesma
responsabilidade, com uma unica differença, fundada
na natureza das cousas, e è que aquelles respondem
pelos conselhos, estes pelos factos.
Nenhuma outra distincção fez essa lei entre elles: a
definão dos delictos de responsabilidade é a mesma
para todos, a mesma a maneira de proceder, a mesma
a penalidade contra uns e outros.
Querem alguns explicar a exclusão da responsabili-
dade ministerial do exercício do poder moderador,
observando que os actos desse poder, se não são sempre
em si mesmos inoffensivos. tambem o dão nunca
lugar a crimes bem caracterisados.
Essa observação, porém, deixa de ter valor para quem
ler com alguma attenção as diversas attribuições do
poder moderador enunciadas em o art. 101, porque
nenhuma ha de cujo abuso se não possam seguir males
mais ou menos graves, sendo que a aquellas, que em
apparencia o mais inoffensivas, pedem o correctivo
da responsabilidade ministerial.
Sirva de exemplo a sancção das leis, attribuão da
qual, mais que de qualquer outra, se poderia dizer que
ê incapaz de causar damuo, porque ou o poder mode-
rador a sancção, e tem o apoio das duas camaras, ou
denega o seu consentimento, e neste caso, tendo a dene-
gão effeito suspensivo sómente, a idéa repellida, se é
boa, no fim de certo período triumphará: ahi mesmo
comtudo é necessaria a responsabilidade.
As camaras podem erradamente, e a por paixão,
adoptar projectos que firam os interesses nacionaes, a
que portanto deva a corôa negar o seu assentimento:
-lo, em tal caso, è fazer um grande mal, e alguem,
visto que a corôa é irresponsavel, deve por elle respon-
der á nação.
A recusa da sancção, por outro lado, a projectos uteis,
traz comsigo damno consideravel, apezar de ter effeito
suspensivo sómente, porque primeiro que termine o
peodo da suspensão, podem ter de todo ou em grande
parle cessado as razões que solicitavam a sua promul-
gação : neste caso tambem, pois, ha possibilidade de mal,
deve haver quem por elle responda.
« Não se julgarão criminosos, diz o nosso Cod.
Criminal no art. 9
o
, § 3
o
, os que fizerem analyses ra-
zoaveis da Constituição, não se atacando as suas
bases fundamentaes, e das leis existentes, o se
provocando a desobediencia a ellas. >
É, logo, permitlido recorrer á imprensa para apreciar
em seus motivos e tendencias uma lei qualquer, e se
esses motivos não fôrem plausíveis, se essas tendencias
fôrem perigosas, nada veda que todos esses defeitos se
patenteem com a devida critica e censura.
Mas o terceiro ramo do poder legislativo « a corôa com
a sancção », por força de sua inviolabilidade e iseão
de qualquer responsabilidade, não pôde, marchando as
cousas normalmente, ser sujeito á censura e a ctica, e
então cumpre que o ministerio defenda a sancção e
carregue-lhe com as culpas;
D'ahi vem que, embora os projectos de lei fiquem
39
sanccionados (segundo o art. 68 da Constituão) só
com as palavraso Imperador consente—, assignando
o Imperador dous autographos, um para ser enviado
para o archivo da camara que o remetteu, e outro para
a respectiva secretaria de estado, manda o art. 70 que
se o promulgue a lei sem ser assignada pelo Impera-
dor e referendada pelo secretario de estado competente:
a referenda aqui não tem outro fim se não abrigar a
corôa de qualquer censura no exercido do seu direito
de sancção.
E a prova mais irrecusavel de que, do exercicio das
funcções descriptas no art. 101, de vir o bem ou o
mal, è que a Constituição declara expressamente os con-
selheiros de estado responsaveis pelos conselhos que
sobre essa materia derem, oppostos às leis ou aos inte-
resses do Estado, e supe, como se collige da lei de 15
dé Òutubro de 1827, a possibilidade de commetterem
elles no exercicio de suas attribuições, os mais graves
crimes desde aquelle que offende a liberdade do cidadão
até o que ataca a independencia do Estado e a fórma de
seu governo.
Para que o bem seja attribuido ao monarcha c o
malo, è absolutamente indispensavel lançasse o mal
á conta de alguem que por elle seja censurado, quando
não punido: esse alguem ê o conselho de estado e o
ministerio, ou o ministerio , o ministerio em todo
caso.
Nem se supponha que, por ter sido o nosso pacto fun-
damental conceso de um pncipe, e não aclo que par-
tisse do povo, talvez o príncipe se reservasse, no poder
moderador, uma reminiscencia do regimen antigo, uma
parcella daquelle poder sem limites, que, suppondo ter
as raizes no céo, não admittia na terra fiscalisação nem
responsabilidade.
40
Prescindindo de tantas theses da Constituão, que
provam de sobejo o espírito liberal com que foi traçada,
o «veto suspensiv nella introduzido, é argumento
sem plica de que, em parte alguma da organisação po-
litica e menos na chave delia, tolerar-se-hia uma se
de poder delegado, que escapasse ás apreciações da
não, que o delegara, e por consequencia á sua censura
e aecusação quando se deslisasse do bom caminho. Veto
suspensivo, quer dizer a possibilidade de fazer, o
monarcha executar leis que passaram sem sua interven-
ção ou assentimento—,quer dizer que dos Ires elemen-
tos do poder legislativo—Imperador, senado e camara
dos deputados—, o primeiro, unico que tem veto limi-
tado, è obrigado a ceder aos outros, que o tem absoluto
e não estes aquelle.
« Em 1824, diz um escriptor estrangeiro, quasi sem-
pre bem informado de nossas cousas, o princípio da mo-
narchia achava-se em presença da invasão de theorias
democraticas, que então dominavam ao meio-dia da
Europa e particularmente em Portugal, e, pois, as pre-
rogativas do soberano tiveram de soffrer na Constituição
que no referido anno se promulgou, em razão dos ciu-
mes e calculos dessa tendencia (*). >
Ora, não é crivei que, predominando esses calculos e
ciumes, sem duvida exagerados da democracia contra
a realeza, se commettessem ao chefe do Estado altri-
buições tão elevadas como as do art. 101, com a so
garantia da responsabilidade dos conselheiros de es-
tado, restricta, como se mostrou c era justo,, ao caso
de darem conselhos oppostos ás leis e interesses na-
cionaes.
(*) Straten Ponthoz Le Budget du Brésil.
41
O 4
o
argumento suppõe que a missão, reservada ao
poder moderador, de velar sobre a manutenção da Inde-
pendencia e equibrio dos mais poderes poticos, o
seria cabalmente preenchida, que a perturbão da har-
monia dos poderes seria inevitavel, desde que os mi-
nistros, a pretexto de serem responsaveis pelos actos do
poder moderador, de algum modo tomassem parte no
exercício desse poder, porque assim um dos poderes
que deveriam ser inspeccionados, subtrahindo-se á fis-
calisação commum, assumiria uma attitude ameaçadora
aos outros (*).
A responsabilidade ministerial, conforme esse argu-
mento, produziria um effeito diametralmente opposto ao
que na realidade produz, porque teme-se que ella emba-
race a manutenção da,harmonia, quando sem a respon-
sabilidade ministerial não se comprehende que haja
equilíbrio possível nos poderes constitdos.
E' seguramente vão o temor de ser a suprema inspec-
ção, que se commettéra á coa, embaraçada pela res-
ponsabilidade ministerial, uma vez que os ministros,
como já acima se fez sentir, não são o poder executivo,
e desde que elleso deixam de ser óros que a corôa
nomêa e demitte livremente, porque è evidente que,
assim collocados em sua esphera legal, não se compre-
hende como sejam os ministros capazes de alterar as
posições respectivas de dous poderes — o moderador e
executivo, a ambos os quaes servem, e de nenhum dos
quaes compartem a delegação.
Para se conceber a responsabilidade ministerial nos
(*) Jornal do Gommercio de 1, 3 e 5 de Maio.
42
actos do poder moderador, longe de ser preciso elevar
os ministros á altura de fiscaes importunos desse poder,
nem sequer è indispensavel supr que effectivamente
tenham aconselhado á corôa as medidas de cuja censora
ou criminalidade se tratar. Basta que, tendo elles o di-
reito de deixar as pastas, conservem-nas para que, execu-
tando as resoluções do poder moderador, quaesquer que
ellas sejam, as fam, por assim dizer, suas, e lhes caiba
a competente responsabilidade.
Se os ministros fossem o poder executivo, o lemor da
influencia ministerial em funões moderadoras, teria
alguma explicação; mas ainda assim a responsabilidade
dos ministros seria necessaria como condão da invio
labilidade da coroa.
B.Constant escreveu: « O poder real deposita-se nas
mãos do rei e o poder executivo é confiado aos minis-
tros. » E todavia o citado publicista o hesita em de-
clarar que os ministros são responsaveis pelos actos do
poder real, prendendo indissoluvelmente essa responsa-
bilidade ao principio de ser a pessoa do rei inviolavel e
sagrada. Eis como elle se exprime:
« A pessoa do rei è inviolavel c sagrada. . .
Tornar o poder supremo inviolavel o mesmo é que
constituir seus ministros juizes da obediencia que lhe
devem. o que lhe recusem obediencia de outro
modo que dando sua demissão; mas em tal caso a
opino publica torna-se por sua vez juiz entre o poder
superior e os ministros, e prestará naturalmente seu
apoio e favor áquelles que parecerem ter feito á sua
consciencia o sacrifício de seus interesses, o que o
tem inconveniente em uma monarchia hereditária,
onde, respeitada a
43
permanente dignidade do monarcha, os esforços
dos partidarios dos ministros, que sahem digna-
mente, se dirigem contra o novo ministerio (*). »
Assim na responsabilidade ministerial, em que alguns
descobrem estorvo à manuteão do equilíbrio dos
poderes, vejo eu a condição tutelar da harmonia delles.
Com effeito, no mecanismo da nossa Constituição,
temos quatro poderes, dos quaes o que ella denomina
moderador, poder á parte, collocado no cume do edifício,
è constituído o juiz, o fiscal dos demais poderes.
Mas a pessoa, a quem esse poder superior se delega
quaesquer que sejam as suas virtudes e talentos, é um
homem, e o homem, collocado no cume do poder, está
naturalmente exposto ao erro, se não ao abuso-
O poder moderador vigia as camaras, os ministros,
os tribunaes. Mas o poder moderador quem o vigiará?
< Quis custodiei custodem ? »
Se se disser que ninguem vigia o poder moderador,
que os seus actos são verdadeiros inysterios—arcana
imperii, ter-se-ha exbibido prova de veneração ao
elemento monarcbico, mas de uma veneração excessiva,
só propria das monarchias absolutas; digo mal, nem das
monarchias absolutas propria, porque ahi mesmo no
afan, com que se desvirtua e comprime a opinião, tri-
buta-se-lhe homenagem.
No regimen representativo ha quem vele sobre o
poder real ou moderador, como sobre todos os poderes:
é a opinião nacional, por meio das camaras e pela im-
prensa,
(*) B. Constani.—Coura de Pol. Consl, c. 2e 3.
44
Com effeito, se o poder moderador 1 destinado pelo
art. 98 a velar na manutenção dos poderes, a assembléa
geral vela na guarda da Constituição, e por consequencia
inspecciona e fiscalisa tambem o modo por que o poder
moderador desempenha a sua missão, como é expresso
no art. 15 da Constituição, que tratando das attribuões
da assembléa geral, diz no § 9;: '
« Velar na guarda da Constituão e promover
o bem geral da nação. »
A imprensa, orgão irresistível da opino, igualmente
está no seu direito, quando, dentro dos limites da de-
cencia e polidez, procura indagar como os negocios
correm nas mais altas reges do Estado e os aprecia.
Trata-se, por exemplo, de uma amnistia concedida a
despeito de todos os dictames da politica, trata-se de
uma dissolução irreflectida da cqmara temporaria; ou da
suspensão caprichosa de um magistrado.
A opinião publica sempre competente para avaliar
como os negocios do paiz são geridos, pela imprensa e
pelo oro dos representantes da nação na assembléa
geral, quer manifestar a sua desapprovação a esses actos
no presente, quer que de futuro se proceda mais em
harmonia com os seus grandes interesses.
Se não se intere a responsabilidade ministerial, a
nação, que acha dignos de reprovação esses actos, ha
de dizê-lo á corôa, ha de lançar-lhe a culpa, o que
atacaria pela base a maxima de inviolabilidade do mo-
narcha
Se, porém, se interpõe, como é minha profunda cren-
ça, a responsabilidade ministerial, a opinião publica
acha vias legaes para reprovar o passado e prevenir o
futuro, sem faltar á venerão que deve cercar a pessoa
45
inviolavel e sagrada do monarcha, a saber:
censurando, accusando os ministros por seusos
conselhos a co a, a qual se suppõe outra cousa
houvera deliberado, se melhor esclarecida.
Se o legislador constituinte imitou B. Constam na
creação do poder moderador, sabido é que B. Constant,
escrevendo a sua tbeoria constitucional, tinha olhos
fixos na Inglaterra.
Ora, na Inglaterra, onde a realeza é venerada como
um principio, onde reina a crença de que o rei é incapaz
de fazer mal «the king can do no wrong » tem-se
por inconcussa a seguinte doutrina:
« Na legislatura, o povo contém a nobreza, assim
como a nobreza reprime o povo, mediante o mutuo
privilegio que cada um tem de regeitar aquillo que
o outro resolve, ao passo que o soberano refrêa
ambos, o que preserva o poder executivo de ser in-
vadido, sendo por sua vez o mesmo soberano re-
primido o conservado em seus devidos limites pelas
duas camaras, graças ao privilegio que ellas têm
de examinar, accusar e punir o procedimento, o
do soberano, porque isso destruiria a sua indepen-
dencia constitucional, mas o que mais convem ao
publico, de seus mãos e perniciosos conselhei-
ros (
*
).«
Tenho percorrido os argumentos mais notaveis, ainda
ha pouco mui calorosamente invocados em ordem a
persuadir que, em nosso regimen politico, qual foi tra-
çado pela Constituição em 4824, a realeza, no exercício
das funcções do poder, que é a chave da organisão
(*) Slephen, New Commentaries.
constitucional, pôde prescindir e de facto prescinde dos
conselhos e da responsabilidade dos ministros de estado,
não havendo outra responsabilidade além da dos conse-
lheiros de estado, e penso haver mostrado que, desde o
dia em que no paiz se estabeleceu a monarchia repre-
sentativa, repousando na mas fundamental— « que
a pessoa do monarcha è inviolavel e sagrada » — desde
esse dia o principio da responsabilidade dos ministros
por todos os actos emanados do Imperador ficou tambem
implicitamente estabelecido.
47
III
A responsabilidade dos actos do poder moderador a
vista do Acto addicional.
A lei de 42 de Agosto de 1834, supprimindo, pelo
art. 32, o conselho de Estado de que trata o lit. 3
a
,
cap. 7
o
da Constituição, veio, no pensar dos que sus-
tentam a opinião, que eu combato por eminente-
mente contraria ao regimen monarchico-constitocional,
privar a coa de seus unicos conselheiros officiaes,
deixa-la desguarnecida da unica responsabilidade, que,
no exercício das funcções do poder moderador, ante-
riormente a defendia.
Para que taes fossem os resultados previstos da lei
citada, na parte em que supprimio o conselho de es-
tado, fôra mister supr de duas uma, ou que os auto-
res do acto addicional eram inimigos radicaes do re-
gimen monarchico e o queriam ver promptamente
desconceituado e destruído no paiz, ou que eram de-
dicados apostolos do governo arbitrario.
Em verdade, se os reformadores da Constituição, no
momento em que acabassem com o conselho de estado,
destinado a aconselhar a corôa e responder pelos máos
conselhos que désse, alimentassem a persuasão de que o
de ministros não tinha que dar conselhos á corôa,
nem que responder pelos actos do poder moderador,
razão haveria para dizer-se que outro intento não .
tinham elles, deixando a coa entregue ás proprias
inspirações, sem conselheiro algum official, sem ne-
nhum responsavel, se não comprometté-la, descobrindo-
a para melhor feri-la.
Attribuir, pom,. essa malícia satanica aos autores
do Acto addicional ra uma calumnia, que nada au-
torisa, porque, quaesquer que fossem as tendencias
e aspirações dos homens, que se haviam posto á frente
do movimento de idéas, que produzio o Acto addicío-
nal, é certo que elles, conhecedores, como eram, do
caracter da nação,o profundamente affeoada ás
fórmas monarchicas, estavam longe de querer, com
a suppressão do conselho de estado, o comprometti-
mento da corôa.
Por outro lado, suppôr que o desígnio da reforma
constitucional, realisando a indicada suppressão, fôra
soltar as rédeas ao arbítrio do elemento monarchico
em damno do democratico, é hypothese repugnante aos
factos de todos s conhecidos, porque são bem recen-
tes, e ao caracter dos indiduos e idéas eno predo-
minantes, não menos do que á índole da não.
Liberaes eram os que promoveram a adopção do
Acto addicíonal, e a sua aversão ao conselho de es-
tado nascia talvez de que, dando a Constituição aos
conselheiros de estado completa immobilidade e am-
pla interveão nos principaes negocios do Estado,
vinha essa instituão a ser um contrapeso notavel ás
innovões precipitadas e às tendencias descentralisa-
doras da época.
< O conselho de estado da carta de 1824, diz um
escriptor, que tive occasião de citar, foi levado á
sua rna pela propria importancia de suas funcções,
como instituão de influencia conserva lora, e amiga
da centralisação (*). >
Como quer que seja, derrocando o conselho de es-
tado, não era intenção da reforma apartar da corôa
49
no exercício do poder moderador os ministros,
com os seus conselhos, com a sua responsabili-
dade, era, ao contrario, aproxima-los mais, se fosse
possível, da corôa, visto que só assim ter-se-hia ver-
dadeiramente no paiz monarchía parlamentar, como
entrava nos calculos dos reformadores.'
Nas monarchias parlamentares a norma para se re-
gerem os negocios publicos, quem a é a nação,
mas, não podendo esta fazê-lo directamente, conse-
gue-o por um expediente indirecto, porém efficaz,
que lhe offerece o regimen representativo, e vêm a
ser: influir por intermedio das camaras na organi-
sação e dissolução dos gabinetes, e fazê-los tirar em
geral do seio do parlamento, de modo que a opinião
do paiz reflicta nas camaras, e a destas nos conse-
lhos da corôa.
Ora para a reforma alcançar que a vontade do povo
se traduzisse em governo do paiz na accepção mais
ampla da palavra, segundo as maximas das monar-
chias parlamentares, era rigorosamente indispensa-
vel que, em vez de querer que os ministros o
aconselhassem nem respondessem pelos actos de um
poder tão importante, como o moderador, tivesse em
vista acerca-los desse poder o mais que possível fosse,
á semelhança da monarchía ingleza, da qual escreve
Macaulay: « Our sovereigns are under the necessity of
acling in conformity with the advice of ininisters ap-
proved by the house of commonsf).» Quer dizer: Nossos
soberanos são obrigados a proceder de acordo com o
parecer de ministros, que tenham o apoio da camara
dos communs.
(*) History of England.
.
A responsabilidade dos actos do poder mo-
derador em face da lei de 23 de Novembro de
1841.
Depois dos triumphos do espirito democratico em
1834, começou a reacção favoravel aos princípios mo-
narchicos, e o restabelecimento do conselho de estado,
tão impoliticamente supprimido, foi um dos seus pri-
meiros cuidados.
A lei de 23 de Novembro de 4 841 restabeleceu, pois,
o conselho de estado, mas fê-lo a medo, como era de
esperar de uma lei ordinaria, que propunha-se res-
taurar uma instituição constitucional, qual a de que
se trata.
Ao conselho de estado da lei de 1841 incumbe con-
sultar em todos os negocios em que o Imperador
houver por bem ouvi-lo para resolvê-los, com diffe-
rença do conselho de estado da Constituição, cuja
audiencia, principalmente em certas materias, era
rigorosamente indispensavel.
A audiencia do conselho de estado da Constituição,
no que toca ao poder moderador, abrangia todos os
casos do art. 101, menos o do § 6°, relativo á livre
nomeação e demissão dos ministros: a do conselho
de estado da lei de 1841 abrange esse mesmo caso do
art. 101§ 6.º
Os conselheiros de estado da Constituão eram
responsaveis pelos conselhos que dessem oppostos ás
51
leis e interesses do paiz, qualquer que fosse a sua
natureza: os da lei de 1844 (art. 4
o
) são responsaveis
por seus mãos conselhos nos negocios relativos ao
exercício do poder moderador.
Desse parallelo resulta que a audiencia do conselho
de estado, ganhando em extensão pela nova lei, pois
comprehende até o caso expressamente delia excep-
tuado pela Constituição, perdeu em intensidade, porque
de necessaria que era, tornou-se facultativa, e como tal
de ser dispensada, resolvendo a corôa todos os ne-
gocios, os do poder moderador, como os de qualquer
outro, sem, ouvi-lo.
Parece tambem resultar, do indicado parallelo, que a
responsabilidade dos conselheiros de estado, outr'ora
relativa aos negocios e medidas da publica adminis-
tração e do poder moderador, agora se restringe a
estes sómente, dando lugar a inferir se que, assim
como a responsabilidade dos conselheiros de estado
parece limitar-se aos actos do poder moderador, a
dos ministros deve cingir-se aos actos da adminis-
tração
Não contestando aos adversarios das idéas, que
reputo sãas, o enfraquecimento, a extincção mesmo
de tal qual garantia, que, na Constituição primitiva,
derivava-se da audiencia necessaria do conselho de
estado, com a audiencia facultativa do novo conse-
lho, nego todavia que, inutilisada por esse modo a
garantia da responsabilidade dos conselheiros, per-
desse alguma cousa do sua efficacia a dos ministros
de estado.
Sobre o assumpto da responsabilidade ministe-
rial a lei de 1841 e seu regulamento, lançam com
effeito bastante luz em abono das idéas, que tenho
sustentado
Haverá um conselho de estado, composto de doze
membros ordinarios, além dos ministros de estado,
que, ainda não o sendo, terão assento nelle.»
O regulamento do conselho de estado diz no art. 18;
Os ministros de estado, ainda que tomem
parte nas discussões do conselho, não votaráõ,
nem mesmo assistirão ás votações quando a con
sulta versar sobre dissolão da camara dos de
putados ou do ministerio
E no art. 20:
« A resolão imperial tomada sobre parecer
da secção ou consulta do conselho de estado, se
expedida por decreto.»
Os textos supra-transcriptos legitimam as seguintes
conclusões:
1.a
, que os ministros, com assento no conselho de
estado, podem tomar parte em todas as suas discussões,
ou versem sobre actos de administração, ou do poder
moderador, inelusive o de dissolução da camara, ou
do ministerio.
2", que toda resolão imperial, quer seja concer-
nente a medidas da administração, quer a attribui-
ções do poder moderador, expede-se pelas respectivas
secretarias de estado.
É, pois, innegavel, em face da lei e do regulamento
do conselho de estado, que os ministros em a resolução
dos actos do poder moderador exercem influencia,
porque tem o direito de discuti-los no conselho de es-
tado (como discutiriam qualquer medida de adminis-
53
tração propriamente dita) não exceptuando o de dis-
solução da camara ou gabinete, a cuja votação apenas
não podem assistir.
Tambem é certo, á vista da mesma lei, que execu-
tores dos actos do poder moderador são exclusivamente
os ministros de estado.
Isto posto, que difficuldade podem encontrar, em
face do nosso dircilo constitucional, a influencia e
responsabilidade dos ministros nos actos do poder
moderador ?
D'esse poder es demonstrado que o ha acto al-
gum, em que os ministros não tenham direito de tomar
parte discutindo-o, e que possa levar-se a effeito sem o
seu intermedio, ou, por outros termos, que nenhum
escapa, nem na deliberação, nem na execução, á es-
phera ministerial.
Trata-se, por exemplo, da suspensão de um ma-
gistrado em conselho de estado. O ministro compe-
tente fornece à secção respectiva do conselho de estado
todos os esclarecimentos necesrios, discute em con-
selho o negocio e abunda no sentido da suspeno,
que, uma vez resolvida, não pôde ter effeito sem um
decreto com a referenda do mesmo ministro.
Supponha-se agora que essa suspensão envolve uma
injustiça ao magistrado, um abuso do poder modera-
dor. Quem responde por elle?
Os conselheiros de estado sómente, responderão
os propugnadores da opinião, que combato. Mas eu
responderei: os conselheiros de estado, se aconselha-
ram mal a coroa, e o ministro que não
aconselhou-a mal, mas incumbiu-se de, por um
decreto, que leva a sua referenda, dar à execução o
abuso.
2
Assim, ou se attenta á Constituão primitiva, ou ao
Acto addicional, ou a lei e regulamento do conselho de
estado, uma bem entendida influencia nos actos do po-
der moderador e consequente responsabilidade por
esses actos, não se pôde recusar aos ministros de estado,
se se quer respeitar, como cumpre, a maxima funda-
mental de nosso governo: que a pessoa do Imperador è
inviolavel e sagrada. »
Uma tal conclusão nasce espontaneamente dos prin-
cípios cardeaes da rma do governo, que felizmente
nos rege, e nada tem de repugnante á indole das
funões do poder moderador, as quaes, porque podem
muitas vezes tomar o caracter de verdadeiros meios
de governo, não devem exercer-se como se o poder,
a que dizem respeito, não tenha que ouvir os
ministros e secretarios de estado, e prescinda de sua
responsabilidade.
Com effeito tem succedido, e nada impede que um
gabinete fa de uma amnistia, do adiamento ou pro-
rogão da assemblea geral e dissolução da camara
temporaria, e assim de outras funcções do poder mo-
derador, uma questão d'alta administração, um meio
de governo do Estado, e peça á coa qualquer d'essas
medidas sob pena de resignar o poder, ou de não aceita-
lo, pratica, a meu vêr, que assaz demonstra o serem
as attribuões do poder moderador de tal modo alheias
ao gabinete, que, quando a coa por propria
inspiração queira ouvir os ministros, possam estes
tocar em assumptos d'esse poder.
Resta-me examinar as duas questões particulares,
sobre que fiquei de dizer algumas palavras.
55
V
Nomeação de senadores.
A attribuição de nomear senadores na forma do
art. 43, como todas as outras do poder moderador men-
cionadas no art. 101 da Constituição, es sujeita á lei
da responsabilidade, a qual, não podendo recahir sobre
o Imperador, porque é inviolavel e sagrado, deve pesar
sobre os conselheiros natos do throno, os ministros de
estado.
Quando se falia em responsabilidade, deve estar sub-
entendido queo ha responsabilidade legal, isto é,
a que sujeita o individuo a uma jurisdião constitda
mas tambem moral, que expõe á critica e censura, ás
vezes o fatal como a primeira, porque, se o castiga
com a pena da lei, mina e abala a autoridade.
Na nomeão de senador dificilmente pode verifi-
car-se o caso de responsabilidade legal, porque, emfim
trata-se de uma eleão, eleição em que, de listas tri
plices, offerecidas pelo corpo eleitoral, a coa escolhe
o teo, salvo ainda ao senado o seu direito de, na ve-
rificão dos poderes do nomeado, examinar e decidir
se foi ou não regular a eleição respectiva.
Mas a responsabilidade moral em todo o caso existe,
e dessa mesmo cumpre resguardar a corôa, não ha-
vendo para isso outro meio seo laar francamente
a culpa á conta dos ministros, os quaes que se desacre-
ditem não è cousa de grande consequencia, porque, des-
cendo do governo para passa-lo a os mais dignas,
não causam á sociedade o menor abalo.
Na polemica ultimamente agitada na imprensa figu-
rou-se, por uma parte, a coroa em a nomeação dos se-
nadores livre como o pensamento, e por outra se disse
que, deixando ella de fazer recahir a escolha em alguem
que uma provincia lhe apresente diversas vezes segui-
damente, e mais collocando-o em primeiro lugar, causa
com isso desar á mesma província.
O desar de que se falia, è sem duvida imaginario,
porque a ordem, que os nomes guardam na lista, não
é thermometro infallivel do gráo de merecimento rela-
tivo dos propostos, quando na luta eleitoral o tão fre-
quentes os caprichos e incidentes, que podem fazer
antepôr o menos digno ao de mais merito, e é certo que
em geral a coa, nomeando dos tres nomes incluídos
na lista, o que lhe parece preferível, usa de um direito
seu, e, por consequencia, o offende. não injuria os
eleitores.
Isto digo na supposição de que o corpo eleitoral na
escolha dos tres cidadãos, que devem compôr a lista,
procedesse com lisura e boa fé; mas no caso de que in-
tencionalmente colloque em a lista um nome, que
faça vulto, acompanhado de dous sem importancia al-
guma, ainda nessa hypothese creio que a preterição do
predilecto cavillosamente imposto, não seria um motivo
de justa queixa da parte do corpo eleitoral, que, ao
contrario, dera ver, nesse acto do poder moderador, a
correcção de um abuso deploravel, e reflectir quão
absurdo ra querer tirar de suas más inteões o cal-
culado proveito.
Se assim penso pelo que toca ao supposto desar ás
proncias, muito mais francamente inclino-me a con-
demnar queixas de preterões formuladas pelos can-
didatos, que deixam de ser escolhidos, porque ahi o
que, em ultima analyse, se vê é o individuo fazendo-se
57
juiz do seu proprio merito, proceder, que a modestia
reprova, e que, seguido por todos como um direito, ar-
rastaria a sociedade á completa subversão, visto como
esse defeito da natureza, a que devemos o vêr nos olhos
alheios um argueiro e nos nossos nem uma trave, faz
com que cada um se tenha quasi sempre em melhor
conta que os outros.
Postas de parte, pom, a idéa de injuria ás provín-
cias, e as reclamões dos preteridos, fica ainda, na
eleição de senador, assumpto bastante para exigir ria
reflexão da corôa, e mostrar que até nisso a prerogativa
encontra justos limites.
E o grave em verdade é o assumpto da nomeão
de um senador, que a Constituição, no art. 142, com-
prehendia-o era o numero dos casos, sobre que a corôa
não podia deixar de ouvir o conselho de estado, e ainda
hoje, com ser facultativa a sua audiencia, é esse um
dos negocios principaes, conforme o art. 7, § 1" da lei
de 23 de Novembro de 1844, sobre que o Imperador,
quando o haja por bem, tem de ouvi-lo.
A Constituição faz depender a eleão de senador de
varias condões de elegibilidade, entre as quaes figura a
seguinte: < que seja pessoa de saber, capacidade e
virtudes, com preferencia os que tiverem feito servos á
patria. »
A' vista de tal preceito, ainda suppondo que o corpo
eleitoral haja organisado convenientemente a lista, in-
cluindo nella os nomes de pessoas as mais dignas,o è
livre á corõa designar indilTerentemente um dos tres,
mas de sua obrigação tirar dos tres o melhor, de sorte
que se o corpo eleitoral tem cumprido o seu dever apu-
rando de todos os candidatos os tres de mais mereci-
mento, a corôa só cumpre o seu quando d'entre os tres
58
escolher o que realmente tiver mais saber, mais capa-
cidade, mais virtudes e serviços.
Não é, pois, exacto dizer que, sobre uma lista tríplice
offerecida á corôa, está ella em seu direito nomeando
indjstinctamente qualquer dos tres candidatos, e bem
o diz o art. 43 da Constituão nas palavras I « sobre
listas tríplices o Imperador escolhe o teo. «'
As listas tríplices não são, portanto, trabalho feito que
dispense a coa de escrupulos na designão do terço.
Cada uma delias, por assim dizer, traz o. seu -. « detur
meliori», e o supremo eleitor, incumbido de dar o
pomo a quem o merecer, não por evitar indisposições,
que o não attingem, mas por amor do dever, que a lei
lhe impõe de escolher , tem que prestar a mais
accurada atlenção ao acto da nomeação de um dos
tres candidatos, entrando no exame comparativo do
saber, da capacidade, das virtudes, e dos servos do
cada um delles , afim de que aquelle dos tres, que
em tudo isso primar sobre os demais, esse tal seja o
escolhido.
Assim, apresentada uma lista tríplice, a escolha não
é, nãode ser obra de simples benevolencia, o effeito
de pura sympalhia do monarcha, mas um juizo grave e
severo proferido sobre o merito dos indivíduos, de que
que a lista se come: não è decio do coração, mas
da cabeça.
Nesse exame, que a Constituição primitiva incumbia
necessariamente ao conselho de estado antigo, que a
lei de 23 de Novembro de 1841, ainda que facultativa-
mente, commette ao moderno conselho de estado, to-
mam, ou (e é quanto basta) podem tomar parte, como
acima se demonstrou, os ministros de estado, e, feita a
eleão, ella ha de constar de uma carta imperial, onde
59.
a referenda dos ministros esteja indicando a sua in-
fluencia, e, no caso de abuso, sua responsabilidade.
Todo o receio de que os ministros respondam pela
nomeão de senadores, es, segundo alguns, em que
«admittindo-se a hypothese de um ministerio de longa
durão, de um gabinete, que por cinco ou seis annos
dirigisse o governo do Estado, esse ministerio trataria
de reunir e accuniular no seio do senado uma phalange
de mantenedores de seu credo politico, e em tal caso
deixariam de equilibrar-se as opines na camara vita-
lícia, convertida assim em fortaleza de partido em vez
de ser, como cumpre, instituição conservadora e inde-
pendente. »
O vicio desse argumento è manifesto.
Suppõe elle que a intervenção e responsabilidade
ministerial em materia de nomeação de senadores
habilitaria o ministerio, sahido de um partido politico, a
fazer entrar para o senado, durante a sua administração,
só quem fosse de sua parcialidade.
Ou as eleições são livres no paiz, ou o governo as faz
á sua vontade.
Se as eleições são livres, é incomprehensivel como o
conselho e responsabilidade ministerial no exercicio
do direito, que tem a corôa de nomear senadores, possa
fazer accuniular no senado uma phalange de alliados
políticos do gabinete, quando tal eleição póde haver em
que não venha um dos amigos da administração.
Se as eleões não são livres, e o governo influe efi-
cazmente nellas, eno o ministerio, para fazer entrar
gente de seu lado no senado, não ha mister acon-
selhar o Imperador na escolha, ne.n assumir-lhe a
62
were without limit, the english government could scar-
cely be distinguished from a pure despotism (*). »
É sempre com o maior escrupulo que se deve exer-
cer o direito de gra, depois de maduramente exa-
minar-se o caso e suas circumstancias em ordem a
que o acto de perdoar ou moderar a pena imposta
por sentença do poder competente, não seja outra
cousa mais do que a— conciliação da lei geral com a
equidade particular,-— isto é, da lei que em regra pôde
ser justa infligindo tal pena á tal acção, e não se-lo
em sua applicação a um facto particular em rao de
circumstancias occurrentes, que ella não prevenio, com
a equidade, que avalia essas circumstancias, e as toma
em consideração.
Bem se vê que a prerogativa de perdoar ou moderar
penas, fundando-se essencialmente na impossibilidade
de tudo precaver-se no texto das leis, supe algum
arbítrio na pessoa, a quem é confiada; mas por isso
mesmo que certa latitude cumpre deixar ao exercício
do direito de graça, é indispensavel contrabalançar essa
necessidade imperiosa de arbitrio pelo unico meio de
cohibi-la— «a responsabilidade. >
o é debalde que nenhuma petição de graça se
dirige ao monarcha senão por intermedio do ministro
e secretario de estado dos negocios da justiça, e que
este a não apresenta ao poder moderador sem exame
na respectiva secção da secretaria de estado, sem
parecer do consultor, nos termos do art. 30, § I
o
do
decreto n. 2350 de 5 de Fevereiro de 1859, tudo na-
turalmente seguido de um relatorio do proprio ministro
ao Imperador.
(•) Hitory of Englarnd. c 2.
63
Todos esses trabalhos e diligencias que, na secre-
taria de justiça, precedem a imperial resolução em
materia de perdão e moderão de penas, assaz re-
velam que o direito de graça não è negocio de mera
indulgencia e compaixão do chefe supremo da nação,
mas um negocio de estado sempre grave, porque im-
porta effectivamente a revisão e reforma do acto de
um poder independente— o judicial, e em que tanio
ou mais que nas medidas de administração, elle ha
mister o conselho de seus ministros para illustra-lo
na decisão que tem de proferir e sua responsabili-
dade para o expôr-se, em caso de erro ou injustiça,
a imputações, que a Constituição quiz, Com toda sabe-
doria, arredar de sobre o chefe da nação, declarando-o
inviolavel.
Não é, repito, a clemencia e benignidade pessoal
do Imperador quem lhe deve inspirar o pero ou
moderação de penas impostas pelo poder judicial,
mas a sua alta intelligencia, apoiada nas luzes e res-
ponsabilidade dos ministros; porque direi como Gui-
zot:" Bem mesquinha idèa cabe que tenha do direito
de graça quem o reputar exclusivamente proprio a
fazer sobresahir a bondade do rei e abençoar seu nome.
Sem duvida o direito de graça de, e è mesmo essa
uma de suas vantagens, produzir tal effeito; mas real-
mente elle funda se em causas de mór alcance, em
interesses mais geraes (").
Quaes sejam precisamente as causas e interesses que
motivam o exercio do direito de graça fôra longo e
difficil enumerar; roas ao roeu intento, que é mostrar
que o direito de gra não è uma prerogativa pessoal
ao monarcha, basta apontar algumas das razões de
(*) Dt la peine de mort, c. 10.
64
utilidade publica, que determinam o pero ou mode-
ração das penas, figurando varias hypotheses.
Ha em um julgamento excessivo rigor, porque o
gráo maximo da penalidade, applicado ao o, é mais
do que elle realmente merecia, ficando, por outro lado,
o gráo dio e nimo muito aquem do castigo, que
deve soffrer: em tal caso o direito de gra vem a pro-
posito corrigir essa excessiva severidade.
- Existe um erro no julgamento, que já pelos meios
ordinarios se ode remediar: ê outro caso, em que
o direito de graça tem a sua justa e bem entendida ap-
plicação.
Suppondo porém a pena applicada sem excesso de
severidade e sem erro, é ainda assim necessario, como
altamente o preconisa a moderna theoria do direito
criminal, o poder de diminuir ou mesmo de fazer ces-
sar de todo o castigo áquellesos que, depois de
condemnados, derem, por seu proceder, provas ine-
qvocas de se haverem corrigido. O direito de gra,
admiravelmente adaptado a esse intento philantro-
pico. promette ao arrependimento e reforma dos con-
demnados o merecido premio, riscando de sobre as
portas das pries os caracteres de côr negra, de que
falia o Dante .-
« Lasciate ogni speranza, voi che entrate. »
O direito de gra, segundo a opino de distinctos
publicistas, torna-se tambem ás vezes, nas os da
politica, um instrumento, um meio de governo geral
capaz de produzir, se delle se usar com prudencia,
optimos effeitos: tal é o pensar do autor do Espirito
das Leis.
65
Em semelhantes casos o direito do graça está a bem
dizer em seu elemento; mas o que ahi ha que revele
o caracter de uma prerogaliva pessoal, que o monar-
cha exerça sob os-impulsos do coração, sem audiencia
nem responsabilidade dos ministros de estado? Nada
de certo.
CONCLUAMOS
No exercício do direito de graça, ou de qualquer
outra funcção do poder moderador, assim como no
das do poder executivo, a responsabilidade ministe-
rial è, em nossa rma de governo, uma consequen-
cia necessaria, irrecusavel da inviolabilidade do im-
perante.
O actual imperador dos Francezes o se apoia na
responsabilidade de seus ministros; mas a rao disso
está no art. 5
o
da constituão daquelle paiz, que de-
clara o chefe do Estado responsavel perante o povo
frances.
O chefe do Estado da União Anglo-americana não de-
pende da responsabilidade ministerial, mas ahi esse
chefe é directamente responsavel e sujeito a uma juris-
dicção constituída.
o ha meio termo: em paiz livre, ou, pelo menos,
não de todo escravo, ou o chefe do Estado é responsa-
vel, e neste caso decide e governa como entende, sem
necessidade de firmar-se na responsabilidade do seus
agenles, ou elle ò irresponsavel, e então o ha func-
ção, não ha prerogaliva, que possa exercer sem o arrimo
66
da responsabilidade ministerial, responsabilidade que,
ainda não estando expressamente estabelecida, não é
menos incontestavel, visto que decorre da índole do
systema politico consagrado na lei fundamental do
paiz.
E com effeito para que os ministros o respondes-
sem enlre nós pelos actos do poder moderador, dous
artigos, am de outros, fôra preciso cancellar da Cons-
tituição do Imperio, a saber:
O art. 3
o
, cujo theor éO governo do Brasil é monar-
chico hereditario, constitucional c representativo
E o art. 99 que diz : « A pessoa do Imperador é
inviolavel e sagrada. Elle não está sujeito a respon-
sabilidade alguma.
SEGUNDA PARTE
DISCURSO PROFERIDO NA SESSÃO DE 5 DE JULHO DE 1861.
O SR. ZACARIAS,
É tempo, Sr. presidente, de fazer algumas reflexões re
a responsabilidade dos ministros pelos actos do poder
moderador, queso agitada, como eu disse DO princípio
do men discurso, pela imprensa da rte ha cerca de um
anno, e discutida nesta tribuna a por dous ministros
de estado.
Desses nobres ex-ministros, um sustentou que a re-
ferenda ministerial, em actos do poder moderador,
apenas tinha por objecto authentica-los, não importan-
do consequentemente aos ministros responsabilidade
alguma. O outro ex-ministro admittia sempre alguma
responsabilidade, não obrigatoria, mas voluntaria, e por
effeito de simples cortezia e deferencia!
Prevalecendo essa theoria, a corôa ficava descoberta,
contra as intenções da lei fundamental, que a quer
sempre inviolavel e não sujeita a responsabilidade algu-
ma no exercício das numerosas e importantíssimas
funcções do poder moderador.
Cu combali pela imprensa, Sr. presidente, semelhante
doutrina, sustentando, em substancia, que não ha acto
68
do poder moderador que não seja acompanhado de
responsabilidade ministerial, qual no caso couber.
E. pois, tendo o nobre deputado pelo 1.
a
districto de
S. Paulo pedido ao honrado ministro da justiça expen-
desse a esse respeito a sua esclarecida opinião, avaliara
a camara o interesse com que ouvi as palavras do nobre
ministro.
S. Ex. disse: « Declaro que a responsabilidade mi-
nisterial è tão extensa quanto è posvel; o ministro
desde que é ministro, e emquanto é ministro é respon-
savel por todo quanto se faz na governança do Estado,
e por tudo quanto deixa de se fazer. Entretanto, no
que toca as funcções do executivo a responsabilidade do
ministro o fica no domínio da censura e da ani-
madversão, pode ser traduzida em processo; pelo que
diz respeito as funccões do poder moderado a respon-
sabilidade è moral pelo facto de estar adherente ao chefe
do Estado. *
O nobre ministro podia ser mais claro no que disse a
respeito da responsabilidade moral, declarando precisa-
mente em que consiste essa responsabilidade; mas
parece que S. Ex. chama responsabilidade moral a res-
ponsabilidade da censura, aquella (que alguns publi-
cistas chamam politica) em virtude da qual o ministro
pôde ser interpellado, censurado; assim o entendeu a
imprensa, e creio ser o pensamento (dirigindo-se ao Sr.
ministro da justiça, que faz signal affirmativo) de
S. Ex.
Supposta essa explicação do nobre ministro, direi que
em parte estou satisfeito, e em parte não, com a resposta
de S. Ex.
o estou satisfeito,Sr. presidente, na parte em que
o nobre ministr negando a responsabilidade criminal
69
dos ministros nos actos do poder moderador,'dá como
razão disso o excluir a índole das attribuições do poder
moderador a ia de crime, e, por consequencia, de
processo e de punição.
Sr. presidente, se o poder moderador é a chave da
organisão politica, se as diversas e valiossimas attri-
buições que constituem esse poder, sendo bem exer-
cidas asseguram a harmonia dos poderes e fazem a
felicidade do paiz, è de rigorosa consequencia que o
abuso nessa elevada região-póde trazer a desharmonia
dos poderes, o transtorno da ordem social, males e
crimes de immenso alcance: a corrupção do optimo e o
pessimo.
Não entro aqui, Sr. presidente, no desenvolvimento
dessa these, porque julgo ocioso fazê-lo, parecendo-me
bastante, para combater o pensamento de que o exer-
cício das attribuições do poder moderador é por sua
natureza sempre innocente e repelle a idéa de crime e
de pena, accrescentar apenas ao que já disse o seguinte
argumento: que tanto no exercício irregular das func-
ções do poder moderador póde haver delicio, e portanto!
entrar o elemento da penalidade, que a Constituão
mandando no art. 442 que os conselheiros de estado
fossem ouvidos sobre as attribuições proprias do poder
moderador, no art. 14.3 declara os mesmos conselheiros
responsaveis pelos conselhos dolosos que a tal respeito
derem.
A responsabilidade criminal pelos conselhos dolosos
no exercício das attribuições do poder moderador de-
monstra, a meu ver, de um modo terminante, que na
pratica de taes funcções póde haver crime, porque é
absurdo punir a deliberação, e não o acto que é resul-
tado delia.
Deixando, porém, o muito que poderia dizer para
70
provar que os ministros eso sujeitos mesmo á res-
ponsabilidade criminal pelos abusos que possam occorrer
no exercido das attribuições do poder moderador, ex-
penderei as raes por que estou satisfeito com a res-
posta do nobre ministro quando reconhece a responsa-
bilidade politica dos ministros, no que toca ao exercício
daquellas attribuições.
Pronunciando-me pela responsabilidade ministerial
como regra fundamental no regimen representativo, eu
não a faço consistir essencialmente na applicão de
severa penalidade, como pensava esse membro da as-
semba nacional de França, que ao tratar-se da respon-
sabilidade ministerial, brau do seu lugar: La res-
ponsabilitê ministerielle c'est la mort.»
A responsabilidade judica, mesmo quando a pena
não è tão grave como a que pedia esse membro da as-
semba nacional, o é, em meu conceito, a responsa-
bilidade que mais convenha opr aos ministros, tanto
mais quanto è certo que a penalidade, qualquer que
seja, póde ser perdoada.
No regimen representativo a responsabilidade que os
publicistas julgam mais efficaz e poderosa è a que se
exercita pela interpellão, pela censura. Por meio delia
as assemblèas podem fazer triumphar suas idéas, e o
governo do paiz pelo paiz tende a tornar-se uma rea-
lidade.
Antes que um ministro tenha commettido um delicio
com as circumstancias definidas na lei, póde haver dado
aos negocios do Estado uma direcção altamente preju-
dicial, a que so a responsabilidade politica pôde pôr em-
baro, chamando-se o ministro a explicar-se, e ne-
gando-se-lhe a confiança de que depende para manter-se
no poder.
71
Por outro lado, estando o delicio já commettido, mais
importa muitas vezes precipitar o ministro do poder,
mediante a divulgação e censura do seu procedimento,
do que promover-lhe processo e castigo; d'onde vem que
em todos os paizes constitucionaes são tão raros os pro-
cessos de responsabilidade contra ministros.
A' vista do exposto, Sr. presidente, desde que o nobre
ministro da justa declarou que no que toca ao exercício
das attribuições do poder moderador são os ministros
responsaveis, se o pela pena, pela censura publica,
entendi que estavão salvos os princípios constitucionaes
que eu julgava gravemente compromettidos com a dou-
trina professada por alguns membros do gabinete trans-
acto, de que nos aclos do poder moderador a referenda
dos ministros servia para authentica-los, doutrina
que descobria a coa e a expunha a censura.
A responsabilidade da censura publica, a que o nobre
ministro declara sujeito o ministerio pelos actos do
poder moderador, revela que a esses aclos não são intei-
ramente alheios os ministros, porque ninguem responde
por aquillo em que directa ou indirectamente não tem
parte, o que o anno passado negaram nesta tribuna ho-
mens revestidos do poder.
Sr. presidente, que os ministros o o alheios aos
aclos do poder moderador, que podem aconselha-los,
solicita-los, é o a crença de muitos de nossos
homens de estado distinctos, mas um facto de que
o é licito duvidar.
Ha bem pouco tempo um ministerio se dissolveu, por-
que pedindo a corôa o adiamento das camaras, o não
conseguio. O Sr. V. de Abaete, como presidente que era
do gabinete, declarou às camaras que da negativa desse
adiamento nasceu a sua retirada do poder.
72
O Sr. Eusebio de Queirós, este anho, defendendo no
senado osros do seu partido, disse que o partido con-
servador, se era prompto em reprimir e chamar á ordem
pela foa os perturbadores da tranquillidade publica;
lambem era facil e prestes na clemencia: dando a en-
tender com isso, sem duvida, que os gabinetes conser-
vadores, em cuja administração se concedião o
amnistias e perdões aos autores de movimentos
anarchicos, o eram de todo alheios a esses actos de
clemencia.
Assim que o proceder do Sr. V. de Abaete na conjunc-
tura indicada, e a declarão do Sr. Eusebio de Queirôs,
provam que os actos do poder moderador, podendo ser,
como são frequentemente, verdadeiros meios de governo,
não excluem certa interveão da parle dos ministros.
Tem-se procurado definir a posição da corôa, em
relão ao poder executivo, já em relação ao poder
moderador; tem-se aventado aqui a questão se a corda
reina ou governa.
Admira, Sr. presidente, como taes questões se possam
suscitar e discutir em face de nossa Constituição, tão
clara, tão terminante a esse respeito.
A posição da corôa, em relação ao executivo, está de-
finida nestas palavras:« O Imperador ó o chefe do poder
executivo, e o exercita por SEUS MINISTROS DE ESTADO. *
A posição da corôa, em relação ás attribuições do
poder moderador tambem acha-se claramente determi-
nada nos seguintes termos da Constituição: « O poder
moderador é delegado privativamente ao Imperador. »
O Imperador, senhores, que tem a delegação privativa
do poder moderador, e é o chefe do poder executivo,
que exercita por seus ministros, o Imperador governa,
e não reina.
73
E uma prova sem réplica de que, segundo a lei fun-
damental, o Imperador não reina só, mas governa,
acha se no art. 126, assim concebido:« Se o Imperador,
por causa physica ou moral, evidentemente reconhecida
pela pluralidadejde cada uma das camaras da assembléa
geral, se impossibilitar para governar, em seu lugar
governará como regente o Principe Imperial, se r
maior de 18 annos. »
Mas de que modo governa a corôa? Vou dizer com
franqueza o meu pensamento.
No governo compre distinguir a deliberação da acção.
Na deliberação, que se toma no gabinete e é negocio
do reposteiro para dentro, a corôa de, conforme as
luzes e experiencia que tiver, exercer a mais extensa e
decisiva influencia, pôde inspirar alvitres, reprovar al-
vitre, e dominar pela intelligencia. Ao publico não im-
porta levantar o reposteiro e devassar o que no gabinete
se passa-, è lhe de algum modo indifferente saber se o
imperante discute com os seus conselheiros os negocios
graves do Estado, ou se os entretém com questões de
pouco alcance, como Affonso IV em sua joventude en-
tretinha os seus com a narração miuda de suas cadas,
emquanto não achou um conselheiro que teve a coragem
de lh'o exprobrar.
Se na deliberão compete a coa a maior influencia
em todos os ramos da administrão e no exercício de
todas as suas attribuões, o mesmoo de ter lugar
na acção.
A acção, essa pertence exclusivamente a quem é res-
ponsavel, e consequentemente aos ministros Em
sabindo do gabinete para cahir no domínio da publici-
dade, a deliberão passa a ser um acto, e esse para ser
74
da realeza ha mister a referenda de um ministro; de
sorte que qualquer que tenha sido no conselho a posição
da corôa, ou a iniciativa da medida, fosse sua, ou apenas
approvasse-a, o acto entende-se do ministro, e do mi-
nistro toda a responsabilidade.
deste modo, Sr. presidente, se concilo as prero-
gativas da coa com os direitos da não. Se no im-
perante se reunem, como felizmente ora succede, grande
iilustração e os melhores desejos de fazer prosperar o
paiz, franqueam-se-lhe no conselho a expano de suas
ias e os meios de fazê-las realisar. No caso, pom,
de que no decurso dos annos venha a governar um
pncipe que o esteja, nas mesmas condões, esse
deixará de fazer no conselho a mesma brilhante figura
que o outro; mas como a sua vontadeo póde transpôr
o gabinete para produzir effeito na sociedade sem o con-
curso e responsabilidade dos ministros, a sociedade nada
tem que receiar.
Digo que nada tem o paiz que receiar, porque a res-
ponsabilidade ministerial não só cobre com a referenda
todos os actos da realeza, mas a as palavras que pro-
fere em occasiões solemnes: refiro-me á falia do throno.
Sr. presidente, quando outras razões eu o tivesse
para adherir ás vistas da administração actual, bastava
a declaração que fez um membro do gabinete de que o
ministro desde que é, e em quanto é ministro responde
por tudo quanto se faz ou se deixa de fazer na gover -
nança do Estado. Essa declaração dissipa as appreheu-
es que suscitaram as doutrinas contrarias expostas
nesta tribuna o anno passado, e importa o triumpho
das idéas que sempre tive por mais adequadas a con-
servar puro o brilho da coa e sem quebrar os direitos
do povo.
75
DISCURSO PROFERIDO NA SESSÃO DE 16 DE JULHO DE 1861.
O SR. ZACARIAS.
. Antes de fazer a declarão politica que me levou a
pedir a palavra, permitta-me ainda V. Ex., Sr. presi-
dente, que me occupe de outro assumpto mui discu-
tido, ê verdade, mas nem por isso esgotado: refiro-me á
questão da responsabilidade dos ministros de estado
pelos actos do poder moderador.
Essa queso, Sr. presidente, tem-se protraindo além
do que era conveniente ; mas a culpao è minha, que
no meu anterior discurso havia procurado r-lhe um
termo razoavel. E' innegavel que os debates tem feito
os amigos da liberdade constitucional ganhar muito
terreno; mas, cumpre confessa-lo, ainda ha alguns argu-
mentos, derivados de idèas confusas e equivocas, que
devem ser tomados em consideração.
E' precisamente o que vou fazer, procurando antes de
tudo, de accordo com o preceito philosophico que
manda, para evitar equivocões, definir bem os termos
da questão que se quer ventilar; procurando, digo, fixar
a significação do que seja responsabilidade em geral, e
qual seja a especie ou quaes as especies delia que á
materia sujeita tem applicação.
A responsabilidade ou è moral, civil, politica, ou
jurídica. A primeira resulta do juizo que se faz das
acções de um ente racional, juizo de que depende a
confiança ou falta de confiança nelle, conforme as
76
suas acções são boas ou más. A segunda é a daquelle
que, sem commetter delido, causa todavia um damno
que deve reparar.
Essas duas primeiras especies de responsabilidade são
alheias ao objecto da queso proposta, sendo que a res-
ponsabilidade moral de que nos debates se tem feito
menção, definida nos termos que acima expendi, esten-
de-se a todo o ente racional e por consequencia aos pro-
prios monarchas, eleva-se mesmo, se pode-se dizê-lo sem
blasphemia, á razão increada.
Quando s, os catholicos, dizemos que amamos a
Deos por ser digno de ser amado sobre todas as cousas,
exprimimos com essas palavras o juizo que formamos
da bondade sem limites do Ente Supremo, e a confiança
illimitada que nos inspira. Mas o estrangeiro, de que
faliam os híst riadores da revolução franceza, que no
tempo daquella revolução inculcava-se inimigo pessoal
de Deos; mas os discípulos aproveitados da philosophia
de Voltaire, que, o acreditando na Providencia de
Deos, derrubaram dos altares as imagens do culto ca-
tholico para collocarem nelles prostitutas; mas os que
combatem os planos evidentes da Providencia, preten-
dendo substitui-los pelos seus, todos esses não deposi-
tam no Creador a confiança devida, porque (entes dege-
nerados) não fazem o juizo conveniente da bondade sem
limites de Deos.
Se da magestade divina o homem fórma o seu juizo,
e conforme esse juizo rende a Deos profunda veneração,
ou deixa de prestar-lhe culto, não é posvel que a ma-
gestade humana escape ao juizo do povo, juizo favoravel
se procede bem, desfavoravel se se comporta desvaira-
damente. O povo, que reune em si a soberania em.ma-
teria de língua, - que lhe concede Horacioquem penes
atbitriun est et norma toquendi, a soberania politica,
77
que lhe reconhece a civilisação moderna, é por fim a da
philosophia que lhe attribuem aquelles que pensam que
o verdadeiro criterio para avaliar os systemas philoso-
phicos é aferi los pelo bom senso do povo, tendo-se por
bons os que se lhe conformarem, e corno extravagancias
os que deite se apartarem, o povo reduz a sua philoso-
phia a anexins.
Ora, Sr. presidente, o povo portuguez sempre teve o
seguinte anexim:—El-rei tem costas. E isso quer
dizer que o povo julga e pensa dos reis como elles me-
recem por effeito dessa responsabilidade moral a que
em virtude da lei natural estão sujeitos todos os entes
racionaes. Mas faltemos da responsabilidade politica c
jurídica.
A responsabilidade que chamo politica é a da censura
publica, exercida pelos meios usados no regimen repre-
sentativo, e juridica é a que se faz effecliva mediante
processo e punição.
o a responsabilidade da censura e a juridica as que
unicamente cabem na ordem de idéas que ora nos occu-
pa, e ambas a Constituição do Imperio, reconhece e con-
sagra, uma tacita, outra expressamente.
A responsabilidade politica não ha disposão ex-
pressa na lei fundamental que a determine; ella sub-
entende-se e deriva-se virtualmente dos artigos que
declaram delegações da nação lodos os poderes políticos
e garantem a liberdade de pensar; porque é evidente,
senhores, que, dada a idéa de delegão, aquellc que
delega tem o direito de indagar como procede o dele-
gado, e de censura-lo se elle se aparta de seu dever.
A responsabilidade juridica está definida no art. 133
s paragraphos da Constituão do Imperio e na lei
78
de 15 de Outubro de 1827, que especificou a natureza
dos delidos dos ministros e a maneira de proceder
contra piles.
Isto posto, entro na questão, e começo reconhecendo
que felizmente os debates lem apurado e posto fóra de
toda a duvida dous pontos importantes delia.
O primeiro ponto è que todos os actos do poder mo-
derador o referendados pelos ministros de estado e
por elles postos em pratica, e não é isso pouco, Sr. pre-
sidente, porque o ha muitos mezes publicou-se no
Jornal do Commercio uma serie de artigos inculcando a
necessidade de quanto antes ter o poder moderador uma
repartição especial por onde corressem os seus actos,
independentemente de referenda de ministros.
Actos do monarcha sem referenda de ministro de
estado pensa-se geralmente e cu creio que o são pro-
priamente actos de realeza, e pois o alvitre de dar ao
poder moderador uma repartição especial para os actos
de sua competencia attestara talvez engenho, mas de
certo o se conforma com a nossa Constituição.
O outro ponto incontestavel, á vista do debate, é, que
pelos actos do poder moderador cabe censura publica
contra os ministros que os referendam e executam, o
que é para a opino que sustento de uma vantagem
decisiva.
Em primeiro lugar, a responsabilidade da censura
publica, atacando o ministerio desde que elle se cons-
tituo, se ha motivos para desconfiar de sua organisação,
devassando os planos da administrão antes mesmo
de comarem a ter execução, previne os delictos, ao
passo que a responsabilidade judica castiga os crimes
commettidos, e não ha quem duvide que é sempre
79
melhor prevenir do que ler de castigar delictos. Assim
a responsabilidade politica, que se o reduz a cen-
sura, mas que de, pela negação de voto de confiança,
precipitar do poder os ministros, é o meio mais energico
para conter os ministros em sua esphera legal.
Em segundo lugar, cabe advertir que, com differença
de outros paizes onde a realeza, podendo perdoar as
penas impostas aos seus subditos delinquentes, não tem
direito de perdoa-las aos seus ministros se incorrem em
crime de responsabilidade, entre nós o direito de per-
doar pode exercer-se em favor de quem quer que seja;
e sendo assim, torna-se evidente que, no caso de um
ministerio que, protegido pela corôa, se deslisasse dos
seus deveres, a pena seria frustrada mediante o perdão,
p. conseguiu temente o processo organisado em pura
perda. Esta razão mostra a necessidade de confiar sobre
tudo na censura exercida peia imprensa, não de-
balde comparada à mão invivel que traçara na parede
palavras mysteriosas com que perturbou Balthazar em
seus festins, já pela tribuna, que todos que foram ou que
são ministros sabem quanto incomamoda. -
Uma terceira razão em favor da concessão feita pelos
adversarios da responsabilidade ministerial em assump-
tos da competencia do poder moderador, quando dizem
que os ministros sujeitam-se á censura por esses actos,
vem á ser que a responsabilidade politica, uma vez
concedida, logica e irresistivelmente traz as si a res-
ponsabilidade criminal toda a vez que effectivamente
houver delicto.
Com effeilo, Sr. presidente, ou nenhuma responsabi-
lidade toca aos ministros por actos do poder moderador,
ou, se cabe a responsabilidade politica, lambem a cri-
minal póde em certos casos ter lugar; porque, se o mi-
nistro está sujeito a censura por aquelles actos em rao
80
de os ter referendado, e posto em execução, a refe-
renda e execução dos mesmos actos, quando encerrarem
crime, o podem deixar de os fazer incorrer em pro-
cesso e punição.
E tal é em verdade, Sr. presidente, a força irresistível
da logica, que o nobre ministro da justa, que ad-
mittio no seu primeiro discurso sobre esta materia a
responsabilidade politica dos ministros nos actos do
poder moderador, no seu segundo discurso reconheceu
mais de uma vez a responsabilidade legal dellesa respeito
desses actos, quando disse e repetio que, embora o
exercício privativo das attribuões do poder modera-
dor repugne com a responsabilidade legal, nem por isso
(o palavras do nobre ministro da justiça fica desabri-
gada a sociedade brasileira, porque em todos os casos
em que pelo abuso da força, pelo desregramento do
poder venha damno, ou se os actos do poder mo-
derador pelos seus corollarios na pratica ordinaria do
governo affectarem a sociedade causando-lhe detri-
mento, neste caso ahi está a responsabilidade legal do
ministerio, que nunca falta nos casos de traição, peita,
suborno ou concussão, abuso de poder, falta de obser-
vancia de lei, e finalmente por tudo quanto obrar contra
a liberdade, seguraa ou propriedade dos cidadãos, ou
por qualquer dissipação dos bens publicos.
Ora, Sr. presidente, o que o nobre ministro da justiça
concede nas palavras a que acabo de alludir, era pre-
cisamente o que eu sempre sustentei e o que pretendem
todos os verdadeiros amigos do regimen constitucional O
que todos con effeito queremos e sustentamos è que nada
se deve fazer no Estado, ou seja na esphera do poder
executivo ou na do moderador, sem que alguem seja
respousavel pelas consequencias que possam d'ahi
resultar em detrimento quer seja dos particulares, quer
do publico. E o nobre ministro da justiça, como bem se
81
vé, chega, embora negando a responsabilidade legal dos
ministros nos actos do poder moderador, ao mesmo re-
sultado, á mesma doutrina que tenho sustentado.
Em geral, para que qualquer acto constitua verda-
deiramente um crime è indispensavel que elle cause
damno á sociedade ou aos indivíduos: um tiro dispa-
rado para o ar em lugar povoado do assustar os vizi-
nhos., mas só seria um crime propriamente dito se, dado
em outra direcção, fôsse ferir ou matar alguem.
Da mesma sorte nas altas regiões do poder, o act
quer seja do executivo, quer do moderador, se não causa
detrimento ao paiz em geral ou aos particulares, de
merecer censura por indiscreto ou escusado, mas o é
motivo de processo e de pena propriamente dita.
Se o nobre ministro da justa reconhece na respon-
sabilidade legal dos ministros um abrigo efficaz contra
esse detrimento, ou os actos perteam á esphera do
poder executivo ou á do moderador, tem cessado toda
a divergencia de opines na questão, ficando liquido
que, em relação aos actos do poder moderador, ha não
só a responsabilidade politica dos ministros, que se faz
effecliva pela censura publica, mas a responsabilidade
jurídica, que, na phrase do nobre ministro, nunca falta
toda a vez que dos actos do poder resulta damno á
sociedade.
A reluctancia, Sr. presidente, do nobre ministro a
declarar-sc francamente de accordo com as idéas que
tenho expendido nasce, a meu ver, de algumas equivo-
cações que me proponho deslindar.
Uma dessas equivocações que vejo varias vezes repe-
lidas rios discursos do honrado ministro é a seguinte.
Que o exercicio do poder moderador é privativo do
chefe supremo do Estado e primeiro representante da
nação.
O art. 98 da Constituição diz que o poder moderador
é delegado privativamente ao Imperador, mas nem esse
artigo, nem nenhum outro da lei fundamental diz que
o Imperador exerça privativamente o poder mode-
rador.
Uma cousa é delegação privativa, outra exercício
privativo. O poder moderador é delegado privativamente
ao Imperador, porque não o foi, nem podia ser a diver-
sos, como succera ao legislativo. O exercício, porém,
do poder moderador, se a lei dissesse que era privativo
do Imperador, poderia autorisar a inlelligencia de que o
Imperador teria direito de praticar os actos desse poder
directamente, como alguns entendem, e sem necessi-
dade de referenda e responsabilidade ministerial. Pdr
isso julgo não ser indifferente a equivocão a que me
refiro, e o certo 6 que a Constituição ajunta o privativa-
mente á delegão, e o ao exercício. Ella diz: « O
poder moderador é delegado privamente ao Imperado,
e não—o Imperador exerce privativamente o poder mo-
derador.
Para que bem se comprehenda, Sr. presidente, que o
chefe do Estado no exercio do poder moderador não
exclue o concurso e auxilio dos ministros, bastaria o
exemplo de um acto que é de todos o mais frequente no
exercio do poder moderador o perdão.
Como exerce a corôa o direito de graça? O ministro
apresenta o processo, já visto e examinado na secreta-
ria de estado, exe o estado da questão, sobre a qual
cada ministro tem faculdade para fazer as reflexões
que entender convenientes, e por fim o sim ou não
imperial' decide a questão, corno decide lodos os
83
negocios. O que ha, perguntarei eu, de privativo no
exercício de tal direito?
A dissolução da camara é lambem exemplo conclu
dente de que nem a iniciativa no lembrar, nem o con
curso do conselho, se recusa aos ministros de estado no
que toca aos actos do poder moderador. Ninguem con
testa seriamente, sem contestar as praticas do regi
men representativo, que os ministros possam suggerir á
corôa a necessidade de dissolver a camara, e que se faça
da dissolução delia a condão de aceitar ou continuar
no poder um ministerio.
Desses exemplos conclue-se que as atlribuões do
poder moderador em geral não excluem na pratica o
concurso dos ministros, e que, ao contrario, podendo ser,
como são muitas vezes, verdadeiros meios d governo,
admittem mui naturalmente a intervenção minis-
terial.
Outra equivocação que lenho notado nos discursos
do nobre ministro da justiça ê dizer S. Ex. que não pôde
haver responsabilidade juridica nos actos do poder mo-
derador, porque o poder moderador, conforme o art. 98
da Constituição, é delegado ao Imperador como primeiro
representante da nação, e os representantes da nação
nas funcções que exercem não eso sujeitos á responsa-
bilidade legal.
Se não estou cm erro, Sr. presidente, vou demonstrar
cabalmente o engano do nobre ministro e a improce-
dencia do seu argumento.
Antes de tudo ponderarei, e esta observação me pa-
rece peremptoria, que se a inviolabilidade do Impera-
dor, a quem è delegado o poder moderador, lhe proviesse
só da qualidade de primeiro representante da nação,
84
não haveria razão para ser elle inviolavel como chefe do
poder executivo, visto como o poder executivo lhe não
è delegado na qualidade de primeiro representante da
não, entretanto que o dogma constitucional da invio-
labilidade do Imperador entende-se com relão a todos
os actos da realeza, de qualquer ordem e natureza que
sejam.
A inviolabilidade do Imperader o nasce só da qua-
lidade de representante da nação, nem é inherente ex-
clusivamente a elle como poder moderador; mas é uma
immunidade da realeza constitucional, que se estende a
todas as suas attribuões legitimas, e tem por funda-
mento raes politicas de ordem mais elevada (To que
as em que se baseam as immunidades dos deputados e
senadores, a quem só por inadvertencia se de com-
parar, sob esse ponto de vista, á corôa.
Com effeito, Sr. presidente, a inviolabilidade do de-
putado ou do senador nada tem de comparavel á do
primeiro representante da nação.
O deputado e senador são inviolaveis, diz o art. 26 da
Constituição, pelas opiniões que proferirem noexercicio
de suas funcções, isto é : o podem ser mettidos em
processo. Mas essa inviolabilidade dos membros de cada
uma das camaras não os exime da censura publica. O
deputado ou senador, contrariado na sua camara por
seus adversarios, combatido na imprensa, alvo, muitas
vezes, de injurias c calumnias, apenas escapa ã respon-
sabilidade legal pelas opines, que proferirem. A pes-
soa do Imperador, porém, é não só inviolavel, mas sa-
grada, o estando sujeita a responsabilidade alguma,
o. que quer dizer que, além de não responder perante
autoridade alguma constituída, deve ser objecto de res-
peito e veneração.
85
Demais, a inviolabilidade do senador e deputado diz
respeito as opiniões que proferem no exercicio de suas
funcções. A corôa, porém, não profere, nem tem opi-
niões, o que ella pensa, o que sabe em materia do
governo do Estado, só se manifesta no interior dos seus
conselhos, o transpira fóra delles' senão sob a refe-
penda de seus ministros, e como actos pelos quaes o
responsaveis.
Assim que entre a inviolabilidade do deputado e se-
nador, e a do imperante, ha uma distancia que repelle
toda comparão, e sobretudo convem notar, Sr. presi-
dente, que a inviolabilidade do Imperador não é dada a
um poder, qualquer que elle seja, mas á pessoa do
imperante - A Constituiçãoo diz que o poder mode-
rador é inviolavel; mas, depois de declarar no art. 98
que o poder moderador ê delegado ao Imperador, diz no
art. 99:
A pessoa do Imperador é inviolavel e sagrada; elle
o esta sujeito a responsabilidade alguma. »
É mente a pessoa do Imperador, senhores, que é
inviolavel e sagrada, e não sujeita a responsabilidade
alguma. Nenhum poder dos que a Constituão creou
tem semelhante privilegio; todos elles, ou seja o legis-
lativo on o moderador, o executivo ou o judiciario,
como delegões da nação, o-lhe responsaveis, a
saber: o legislativo pela censura, os outros, pela
censura, e, quando o caso é de processo, pela punão.
Sr. presidente, o corpo legislativo no seu todo, ou em
Qualquer dos tres ramos de que se compõe, isto é, a as-
rembléa geral com a sancção do Imperador, está
sujeito i censura e á critica: o direito de analysar a
Constituicão e as leis e critica-las, uma vez que se não
provoque i desobediencia, ó reconhecido expressamente
cm nossos
codigos. Mas o corpo legislativo não está nem podia
estar sujeito á responsabilidade jurídica por nenhum
de seus actos.
Um acto legislativo, Sr. presidente, o de existir
sem o concurso desta augusta camara, do senado e da
sancção; é um acto deliberado, por assim dizer, na pre-
sença da nação, em razão da publicidade dos debates
das camaras.
Nestas circumstancias, para haver crime em um acto
legislativo, seria mister o abuso c a connivencia de todos
os mandatarios da nação, e a mais decidida inercia da
opino publica, o que se não póde suppôr.
D'ahi vem, Sr. presidente, que se o poder legislativo é
sujeito á censura e á critica, não o os seus actos su-
jeitos a nenhuma outra responsabilidade, tanto mais
que não pôde haver sobre a terra autoridade constituída
que seja superior á do legislador para lhe tomar coutas.
No mesmo caso, porém, Sr. presidente, não estão os
outros poderes constituídos: o moderador, o executivo
e o judiciario. Em todos elles o abuso é facil, e pôde o
delicto ter lugar em damno quer dos indivíduos, quer
da sociedade, se não houver o freio da censura e da
punição.
Costuma-se dizer: O poder moderador è irresponsa-
vel. Não, senhores, o poder moderador não é irres-
ponsavel. Inviolavel e sagrada é a pessoa do Impera-
dor, que o está sujeito a responsabilidade alguma;
mas os actos daquelle poder não estão sujeitos á
censura publica, senão tambem á responsabilidade ju-
rídica que no caso couber. [Muito bem.)
Sr. presidente, o nobre deputado pelo 1º dislricto
87
da proncia de S. Paulo, combatendo o honrado minis-
tro da justiça, enunciou, por sua parte, uma proposição
que não me parece exacta. S. Ex. disse que o poder mo-
derador consiste sómente em deliberação.
Não o entendo assim, senhores. No poder moderador,
como no executivo, ha deliberação que precede o acto,
e acto que resulta da deliberação: e, pois, o me pa-
rece razoavel fazer consistir o poder moderador em pura
deliberação.
Temos actos do poder moderador como do executivo,
bons ou mãos, innocenles ou prejudiciaes, e até crimi-
nosos, conforme as circumstancias; porque, embora
alguem diga que os actos que emanam do poder mode-
rador são por sua natureza inoffensivos, è mister fechar
os olhos á luz da evidencia para o vêr as consequen-
cias fataes que poderiam resultar do abuso das attribui-
ções do poder moderador.
O temor das penas, Sr. presidente, tranquillisa a so-
ciedade; e pois, se cm perdoar as que fossem impostas
pelos tribunaes não houvesse medida e circumspeão,
mas arbitrio e capricho, a sociedade marcharia para a
sua ruina.
Se o direito de dissolver a camara temporaria fosse
posto em pratica sem prudencia, se o capricho chegasse
ao ponto de decretar-se em varios annos seguidamente
a dissolução, convocando-se nova camara, onde iriam
parar as instituições ? para onde marcharia o paiz?
(Apoiados.)
Notarei ainda, Sr. presidente, antes de passar adiante,
que na discussão um certo odio tem transpirado contra
os publicistas estrangeiros, citados para esclarecimento
da questão de que se trata. Pela minha parte, Sr. pre-
88
sidente, não citei publicista, algum estrangeiro na ques-
tão vertente, limitando-me a abrir a nossa Constituão
e a ler attentamente as suas disposições. Maravilha-me
porém essa repugnancia contra publicistas europêos,
quando è certo que a parle da nossa Constituição, rela-
tiva ao poder moderador, além de outras disposições,
é quasi textualmente copiada da theoria de Benjamin
Constant. [Apoiados.) De sorte que a instituição do poder
moderador, tal qual existe em nossa Constituição, é
imolo do cerebro de um publicista francez, e não se deve
citar publicista estrangeiro para bem comprehender-se
a mesma instituição! [Apoiados.)
Terminarei, Sr. presidente, o que tinha a dizer a res-
peito do poder moderador com uma declaração inteira-
mente opposta á com qne o nobre ministro da justiça
acabou um de seus discursos.
S. Ex. disse que estava o convencido da doutrina
qne sustenta, que vollarã á questão sempre que hou-
ver qualquer contradita. Eu, porém, declaro acamara
que, convencido profundamente da exactidão das idéas
que defendo, e julgando o assumpto completamente dis-
cutido, prometto o voltar mais a semelhante debate,
cuja continuão não pôde deixar de ser inconveniente.
89
DISCURSO PROFERIDO NA SESSÃO DE 25 DE JULHO DE 1861.
O SR. ZACARIAS.
Foi, Sr. presidente, em uma das sessões passadas
qualificado pelo nobre ministro da justiça de pregoeiro
do direito de revolução: S. Ex. deu-me patente de tri-
buno e de turbulento.
O SR. MINISTRO DA FAZENDA : Não teve essa in-
tenção .
O SK. ZACARIAS:—Lerei as suas palavras, mas antes
de o fazer lembrarei á cAmara, que as idéas por mim
aqui expendidas e que provocaram tão inesperada qua-
lificação do nobre ministro, foram em substancia que os
poderes políticos reconhecidos pela Constituição, como
delegações da nação, são-lhe responsaveis no exercício
do mandato, mediante a censura ao menos; idéas que
julguei e julgo conterem ouro puro da doutrina consti-
tucional. Entretanto o nobre ministro da justiça, em-
prestando-me palavras que não proferi, pretendeu collo-
car-me em posição desvantajosa, que não quero, nem
devo aceitar.
S. Ex. attribue-me esta proposição: « O mandante
conserva-se sempre em posição activa e decisiva sobre
o mandatario, e d'ahi vem a necessidade da responsabi-
lidade. »
E tirando pretexto de tal asserção, que eu não pro-
nunciei, estabelece a seguinte doutrina...
90
No systema de nossa Constituição, e nisto es a
excellencia do nosso systema, todas as queses resol-
vem-se regular e pacificamente, todas tem solução regu-
lar e natural pelos meios pautados e estabelecidos na
Constituição. Qualquer caso de responsabilidade em que
por ventura incorra este ou aquelle individuo tem se -
guramente solução natural perante o poder competente,
poder politico encarregado de fazer effectiva a respon-
sabilidade.
« O soberano primitivo só se manifestou na época da
promulgação da Constituição do Imperio; depois des-
appareceu, porque ficou encarnado nos quatro poderes
políticos delegados aos representantes da soberania.
Dizer-se que este soberano que desappareceu, que o
tem mais occasião de manifestar-se, ainda está vigilante
e prestes a chamar a contas os mandatarios, os quatro
poderes políticos, é o mesmo que apregoar o direito de
resolução. »
-se pois, Sr. presidente, que o nobre ministro da
justiça attribue-me doutrina de pregoeiro do direito de
revolão; mas tambem é manifesto que para chegar a
essa concluo S. Ex. empresta-me palavras que nunca
sahiram de minha boca, sendo certo que o que eu disse
foi que os delegados ou mandatarios da não o-lhe
responsaveis em termos habeis, nos limites constitu-
cionaes, e o que a não se conservo sempre em posi-
ção activa e decisiva sobre os mandatarios, e menos
ainda que esteja prestes a tomar-lhes contas por meios
não regulares e pacíficos, em casos de responsabilidade
de que cabe aos poderes constituídos tomar conheci-
mento.
Pregoeiro de revolão e de anarchia seria quem taes
idéas enunciasse; mas o nobre ministro, c o eu, pro-
ferio-as, lançando-as á minha conta.
91
O SR. ARAUJO LIMA:E' que V. Ex. o comprehen-
deu mal.
O SR. ZACARIAS:—elle è quem não me comprehen-
deu: estou referindo me ás palavras de seu discurso
que acabei de ler. Parece que o nobre ministro queria
dar-me patente de" tribuno, e com esse intento foi em-
prestando-me as palavras—posição decisiva—, como
equivalentes de posição armada ,para d'ahi concluir
que eu apregoava a tomada de contas por meios não
pacificos, não regulares, de casos de simples responsa-
bilidade!
Conferida assim a patente de tribuno, o nobre mi-
nistro julgou conveniente oppôr ao veneno da minha
doutrina (aliás filha da imaginação de S. Ex.) um antídoto
efficaz, expendendo a seguinte Theoria:
Tal é a verdadeira doutrina constitucional (que o
soberano primitivo desappareceu, porque ficou encar-
nado nos quatro poderes políticos delegados), tal è a
excellencia de nossa Constituição que esse direito de
revolução não sò não existe, como não é necessario, visto
que sempre, em qualquer hyypothese que se dê, ha uma
solução regular, pacifica e a mais conveniente ao bern-
estar da sociedade. »
Ha dous systemas, Sr. presidente, um mais especioso
do que o outro, porem ambos falsos, de explicar a posi-
ção dos poderes publicos em relação ao povo.
O primeiro è o dos doutores da escola de Rousseau,
em que os poderes políticos se consideram, relativamen-
te à nação, em circumstancias semelhantes às do mor-
domo para com o proprietario cujos bens administra,
ou ás do servo para com o amo, quasi, emfim, na posi-
ção de obedecer e não de governar. E' essa a escola da
92
posição activa e decisiva do mandante sobre o manda-
tario, ou, o que vem a ser o mesmo, da anarchia.
O outro systema, a que alludo, ensina que a
soberania., da nação, uma vez creados os poderes
publicos, abdica, por assim dizer, nelles, que a ficam
"representando em toda a sua exteno. Essa é a escola
do despotismo puro e simples e do direito divino.
isto posto, è evidente que o nobre ministro da justiça
offereceu-me o primeiro systema, reservando para si o
segundo, sob o nome, que ficará para sempre lembrado
nos annaes do nosso parlamento, de encarnação da so-
berania do povo nos quatro poderes delegados.
O primeiro systema é o falso, mas pernicioso,
porque avilla e humilha o poder, estimulando conse-
guintemente a turbulencia.
O segundo, dando força de mais ao poder, produz ne-
cessariamente a oppressão e acaba com a responsabili-
dade. Era em virtude da encarnação da soberania do
povo no poder que Luiz XIV dizia:O Estado sou eu.
Era nessa encarnação que se firmavam Cromwell, a con-
venção e Bonaparte. (Apoiados.)
Como quer que seja, eu recuso por falso e perigoso o
systema da posição decisiva, e se o nobre ministro da
justiça insiste em adoptar o segundo, fórma uma idéa
singular de nossa Constituição, porque, senhores, se a
delegação importasse encarnação da soberania nacional
nos poderes delegados, a Constituão não ra um
pacto fundamental, senão um testamento; o existi-
riam delegações, mas legados. (Apoiados.)
Em todo o caso a verdade é que nem o systema que
o nobre ministro me attribue, nem o que S. Éx. adopta,
93
são o regimen representativo. O systema representa-
tivo repelle a soberania inquieta e turbulenta da es-
cola de Rousseau, da mesma fórma que não aceita a que
se encarna nos poderes delegados. Justo meio entre
taes extremos, o regimen representativo, reconhecendo
o direito de governar na intelligencia, assignala ao
poder uma posição-de superioridade, sem eximi-lo da
necessidade de constantemente attender á opinião pu-
blica, antes obrigando-o a não perdê-la de vista, por-
que, sendo a sua miso promover por meio de leis e
medidas adequadas a felicidade do paiz, e sendo certo
que o poder constituído, por melhor organisado que
seja, não resume toda a sabedoria da nação, d'ahi resul-
ta-lhe o dever de prestar attenção e acolhimento á voz da
opino publica, o debalde chamada rainha do mun-
do, em ordem a não perder a mínima parcella de luz,
d'onde quer que provenha.
No regimen representativo por esse modo entendido
combina-se perfeitamente o direito da maioria com o
da minoria : aquella governa porque suppõe-se com-
prehender melhor as necessidades do paiz e os meios
de satisfazê-las, sem que esta deixe de ter o direito de
mostrar que a maioria está em erro e sem que perca a
esperança de trazer as suas idéas a opino geral do paiz.
Se pom prevalecesse o modo de pensar do nobre mi-
nistro da justiça sobre a encarnação da soberania da
não nos poderes constitdos, o sei que papel fi-
caria reservado á opposição: para a maioria a encar-
nação do direito de governar o paiz, para a minoria a
encarnação permanente da derrota!
Imputando ás minhas idéas sobre a responsabilidade
dos poderes delegados o resultado de apregoar o di-
reito de revolução, o nobre ministro da justiça achou
motivo para dizer: o direito de revolução não só não
existe como não é necessario.
94
Ora, Sr. presidente, não tendo eu nem de leve allu-
dido, quanto mais apregoado tal direito, e sendo por
outro lado o nobre ministro da justiça o illustrado e
incapaz de enunciar proposições de tal ordem a esmo,
fiquei entendendo que o nobre ministro, enunciando
essa these.teve em vistas lançar sobre o tapete um cartel
a r quem o levantaria, se a opposição ou se alguem
do grupo que apoia o governo com reservas.
Se a opposição, Sr. presidente, contestasse nessa
parte o nobre ministro da justa, diriam os seus adver-
sarios : não perde as tendencias de recorrer á
força.
Se algum membro do grupo a que me refiro contra-
riasse o honrado ministro, dir-se-hia logo: está anga-
riado, mudou de partido.
Eu pom, Sr. presidente, apoiado em meus prece-
dentes ouso dizer ao nobre ministro, que o direito que
elle o formalmente nega, è attestado pela historia de
todos os tempos e nações, e reconhecido pela sciencia
não por abusos ordinarios, nem para um partido ou
fracção do povo, mas para a nação em geral, e quando
na ordem de cousas estabelecida ella não encontra se-
gurança nem recurso.
No magisterio que outr'ora exerci sempre guardei a
maior reserva na exposição do direito de resistencia
que compete à não no caso de extrema necessidade;
ha nesta casa alguns membros, cujo testemunho posso a
tal respeito invocar. (Apoiados.)
Ha dez annos, Sr. presidente, combati desta tribuna
com toda a foa a doutrina de compendios adoptados
em uma de nossas faculdades onde o direito de resis-
tencia era exposto com extrema franqueza. Impugnando
95
essa direcção do ensino o meu pensamento não era
contestar o direito em si, mas fazer sentir a
conveniencia de se dar grande desenvolvimento á sua
exposão, facilitando-o talvez. Mas, Sr. presidente, se
ha inconveniente no largo ensino do direito de
resistencia da nação cm caso de necessidade, maior
inconveniente ha em negar absolutamente um tal
direito.
Ora, o nobre ministro, sem que a isso fosse provo-
cado, veio á tribuna sustentar que não existe jámais
para a nação o direito de recorrer á força, quaesquer
que sejam as circumstancias a que se veja reduzida; e
pois ha de permittir que o contrarie.
Ha, Sr. presidente, grande analogia entre o direito de
defesa que compete aos indivíduos em caso de ag-
gressão, e o de resistencia activa com que as nações
procuram libertar-se da oppressão.
Porque os indiduos não precisam usar frequente-
mente do direito de defesa, o se segue que esse di-
reito não exista. Da mesma sorte, porque nem sempre,
nem por motivos de pouca monta, deva ter lugar a re-
sistencia activa da nação, porque esse direito seja mesmo
terrível, não se segue que deixe de manifestar-se nas
occasiões graves.
Sr. presidente, a civilisação com todas as suas tenden-
cias beneficas encaminha-se a inutilisar nos indiduos o
uso da foa privada em propria defesa, sendo certo que
em numero sem limites nascem e morrem indiduos e
famílias sem que jamais no curso da vida tivessem
occasião de usar desse meio extremo de segurança; mas
se, apezardas providencias das leis e das autoridades, o
homem è assaltado, o sen direito de defesa, em que talvez
elle nunca seriamente cogitasse, surge tão vivaz e
energico como é de razão.
96
Semelhantemente entendo que o regimen represen-
tativo estabelece uma ordem de cousas o mais possível
adaptada a fazer reinar a liberdade e seguraa, sem
que a nação, que delegou os poderes, precise recorrer
á força para defender esses direitos sagrados. Mas, se,
o obstante todas as previes, chegasse um dia em
que a nação o encontrasse, como eu disse acima, na
ordem estabelecida seguraa nem recurso, nesse dia
perdendo o poder publico o direito á fidelidade, a nação
teria incontestavelmente o direito de proteger-se pela
força.
E' essa a opino dos escriptores mais illustrados e
respeitaveis, que abstenho-me de citar por ser desne-
cessario .
Lembrarei todavia a passagem do doutrinario Guizot
relativa à guerra da independencia dos Estados-Unidos,
da America do Norte, em que o exímio escriptor diz:
Evidentemente esse dia era chegado, em que nasce
para os povos o direito de proteger-se pela força, dia
terrível e desconhecido, que nenhuma sciencia humana
póde prever, que nenhuma constituão de regular,
mas que não obstante surge ás vezes designado pela
mão de Deos, sendo certo que, se do ponto mysterioso
onde reside, esse grande direito social não pesasse so-
bre a cabeça dos poderes mesmo que o negam, o genero
humano, de ha muito tempo subjugado, teria perdido
toda a dignidade, assim como toda a ventura
Tambem referirei as palavras com que Stuart Mill,
no seu escripto este anno publicado sob o titulo de Con-
siderões sobre o governo representativo, laconica,
mas concludentemente, reconhece o direito em questão
dizendo que com toda probilidade o ha de gozar
por muito tempo da liberdade o povo que não tiver
97
disposição de combater por ella quando directamente
atacada.
Eu não comprehendo, Sr. presidente, o horror que a
certas pessoas inspira a idéa de resistencia contida nos
termos que tenho definido, quando é certo que, graças
a esse recurso, somos nação independente, e que se não
fóra a resistencia que produzio a independencia, não
teríamos hoje liberaes, è verdade, leríamos só conser-
vadores, mas conservadores de jugo e de ferros colo-
níaes.
Diz-se que, feita a delegação, o tem mais a sobe-
rania nacional occasião de manifestar-se, e todavia ahi
está a manifestação de 7 de Abril de 1831 com todos
os seus effeitos !
Voltando á ia que acima enunciei, repito, Sr. pre-
sidente, que o direito que tem a nação de cm certos
casos resistir ao poder publico não ha mister ser apre-
goado, mas tambem não deve ser negado por pessoa
alguma, e muito menos por um ministro de Estado.
O verdadeiro meio de evitar o poder publico a resis-
tencia o é negar ao povo o direito de emprega-la em
caso extremo, mas proceder de modo a não excitar o
resenlimento do paiz. E' o que deve fazer todo go-
verno esclarecido, e é o que acredito fará sempre o
nosso.
.
TERCEIRA PARTE
O autor do Ensaio sobre o direito administrativo
declara que a questão do poder moderador, por vezes
agitada entre nós, nunca cbegou a uma solução defini-
tiva, solução, que elle propõe-se dar por meio daanalyse,
que faz, objecto dos capítulos 28 e 29 do 2
o
tomo da sua
Obra, precedida no capitulo 27 da apreciação dos deba-
tes, a que o assumpto tem dado lugar nas camaras
legislativas
Não pretendo acompanhar o autor em todos os argu-
mentos e observões que adduz em seu extenso traba-
lho (o qual abrange seguramente a quarta parle do
Ensaio) para concluir que os actos do poder moderador
não carecem de referenda, nem de responsabilidade
ministerial: a minha apreciação tornar-se-hia em ex-
tremo longa.
Discutirei apenas, nos seguintes artigos, o que no
mencionado trabalho me parecer mais importante, co-
mando pela analyse e indo depois á historia da ques-
tão, no que protesto haver-me com a franqueza que a
verdade exige, mas sempre com o respeito devido ao
nome e elevada posição do autor.
100
1
Porque razão o poder moderador é uma
delegado nacional.
Diz o Ensaio á pag. 61:
« E' o poder moderador (bem como outros)
delegação da nação, porque offerecida a Consti-
tuição (assim o declara o seu preambulo pelo
Sr. D. Pedro I ás observações dos povos deste
Imperio para serem ellas depois presentes a uma
nova assembléa constituinte, requereram os
mesmos povos juntos em camara que fôsse ju-
rada e executada approvando-a. »
E em uma nota correspondente a esse período ob-
serva o autor:
« Na Carta Constitucional da monarchia por-
tugueza não é o poder moderador (nem o são os
outros poderes) delegação da nação, porque essa
Carla não foi offerecida á approvação dos povos,
foi decretada, dada e mandada jurar pelo Sr.
D. Pedro IV, como se vê do seu preambulo. Não
contem por isso, como contém a nossa Consti-
tuão, artigo algum que declare os quatro po-
deres delegações da não. E tratando do poder
moderador diz simplesmente no art. 71: « O
poder moderador é a chave de toda a organi-
sação politica e compete privativamente ao Rei,
como chefe supremo da nação, para que vele
sobre a manuteão da independencia, equilí-
brio e harmonia dos mais poderes poticos
101
Certo, nem o texto, nem a nota citados, abonam-se
com a sciencia do direito publico antiga ou moderna.
O poder moderador no Brasil è delegação nacional, não
porque o preambulo da Constituição diga que foram
ouvidas as camaras municipaes a respeito do projecto
da mesma Constituição, nem porque o art. 12 da lei
fundamental declare os quatro poderes poticos (em
cujo numero entra o moderador) delegões da nação,
mas por uma rao mais alta, a que aquelle preambulo
e o referido art. 12 tributam homenagem, sem comtudo
serem necessarios ao reconhecimento effectivo da dele-
gação.
Por outro lado, e attenta a mesma razão, a falta de
audiencia do povo portuguez e de artigo expresso da
sua Constituão Politica, declarando que o poder mode-
rador e os demais poderes políticos são delegações da
nação, não inhibe que naquella monarcbia taes poderes
sejam tão efficazmente delegados pelo povo, como o são
no Brasil.
A razão, a que alludo, e que dominando toda a Consti-
tuição, não depende do laconismo ou prolixidade com
que por ventura fôsse redigido o pacto fundamental, ó a
da soberania.
Ora a respeito de soberania ha duas escolas oppostas:
uma que a reconhece no príncipe por direito divino,
outra que a faz residir no povo, ou seja, conforme
inexactamente, a meu vêr, pretende Rousseau, o resul-
tado de pequenas porções de soberania inhércules a
cada individuo, ou resida immediatamente em toda a
communhão civil como direito essencial á entidade
collectiva, ás famílias constituídas em sociedade, no
sentido de S. Thomaz: < Non cujuslibet ratio fac le-
gem, sed multitudinis aut principis vicem multitudinis
gerentis.
102
Na escola do direito divino o príncipe, que, desejando
outorgar ao povo uma constituição, ouve-o previamente
e leva a sua deferencia ao ponto de aceitar delle emen-
das e correcções, nem por isso deixa de ser o unico de-
positario do poder: em tal escola o pncipe de fazer
favores ao povo, mas este não tem poderes que delegar-
lhe.
Na escola, porém, da soberania do povo não ha poder
que não seja delegação nacional, ou a delegão se ache
declarada em disposição expressa, como succede em
nossa Constituição, ou, o que é mais do que bastante, se
subentenda do contexto da lei fundamental, como acon-
tece na carta da monarchia portugueza.
Assim, pois, o poder moderador no Brasil é delega-
ção nacional, porque a Constituão aqui se hasêa no
principio da soberania do povo, da mesma sorte que
tambem o é em Portugal, porque a Carta Constitucional
tem alli o mesmo fundamento.
Se o autor do Ensaio professa a escola do direito
divino não devia reconhecer delegação no Brasil, nem
em Portugal, qualquer que fôsse a redacção das respec-
tivas Cartas. Se, porém, aceita o principio da soberania
nacional, cumpria vér nelle o fundamento da Constitui-
ção dos dous povos, e a razão por que n'um e n'outro
paiz o poder moderador e todos os mais poderes políti-
cos são delegações nacionaes.
Os proprios reis de Portugal, e sobre tudo D. Pedro V,
de saudosa memoria, não deduziram jamais, das omis-
sões que nota o autor do Ensaio na Carta Constitucional
da monarchia portugueza, a consequencia que elle tira
de que o poder, que exercem, lhes pertence, e não é
delegação nacional.
Tambem não consta que publicista algum portuguez
103
tenha entendido, como entende a o illustre publicista
brasileiro, a Carta portugueza, deduzindo a mencionada
illação, antes é certo que Silvestre Pinheiro na presença
do art. 12 da nossa Constituição, que declara os poderes
políticos do Imperio delegações da nação, escreveu as
seguintes reflees, que são a condemnação formal da
hermeneutica do autor do Ensaio:
« Este art. 12 (da Constituição do Brasil) é
puramente didactico, e dizendo que os poderes
políticos o delegação da nação, suppõe que
elles possam ser outra cousa em outro paiz, sup-
posição inadmissível, porque o pretenderem
alguns soberanos que o seu poder o é dele-
gão nacional, prova a ignorancia dos povos
que os acreditam .... (
*
) »
E, pois, D. Pedro IV, autor das Constituições quasi
identicas das duas nacionalidades, não pôde sem injus-
tiça ser arguido, como implicitamente o é pelo autor do
Ensaio, de ter sobre a origem do poder publico duas
opiniões diversas e oppostas, reconhecendo ao mesmo
tempo que o povo brasileiro delegou poderes politicos,
o portuguez não.
Qual seja positivamente a opinião do autor do Ensaio
sobre a questão de soberania, mal pôde o leitor conhecer,
porque se por um lado lêem-se á pag. 70 estas palavras:
A massa da nação é fonte de todo o poder, logo â
pag. 71 se encontram as seguintes bem significativas
expressões:
< O poder de agraciar suppõe necessaria-
mente a faculdade de pôr de lado as leis, cuja
, (*) Silv. Pinh., Observações sobre a Const. do Imp. do Brasil e sobre a
Corta do Reino de Portugal.
104
applicação rigorosa circomslancias cspeciaes
tornam menos justa. E' um poder, o qual
como Deos de quem emana, em parte alguma
tem limites. E' o unico de que se pôde dizer:
Princeps a legibus solutus est. »
Ahi está o poder de agraciar não declarado isento
de toda restricção e quasi incompavel com a obser-
vancia das leis, que suppõe postas de parte, quando
realmente o direito de graça o é mais do que a con-
ciliação da lei geral com a equidade particular, mas
formalmente reconhecido como emanação de Deos !
Ora o direito de perdoar è uma das attribuões do
poder moderador, e se esta emana de Deos, as outras
o ha rao para que deixem de ter a mesma origem,
e consequentemente eis o poder moderador fundado na
theoria do direito divino, quando a Constituão do Im-
perio tão formalmente o humara, chamando-o —de-
legação nacional . como qualquer dos outros poderes
políticos.
N'um sentido, cumpre reconhece-lo, pôde-se dizer que
o poder de agraciar emana de Deos, isto è : no sentido
da palavra de S. Paulo Omnis potestas a Deo est,
palavra profunda e de eterna verdade, por que o poder,
snppondo de um lado o direito de ordenar e do outro
a obrigação de obedecer, não é producto da vontade e
do esforço do homem, mas só de Deos procede.
Em tal accepção, porém, note-se bem, não é só o po-
der de agraciar que vem do céo, mas todo e qualquer
poder, e pois tanto vem de Deos o poder paternal como
o poder publico, e no poder publico tanto tem origem
divina o poder moderador coiro o legislativo, o poder
executivo como o judicial; porque as sagradas letras
105
o dizem: Non est princeps nisi a Deo; mas: Non est
potestas nisi a Deo (
*
).
De sorte que longe de pensar, com o autor do Ensaio,
que o príncipe no exercício do poder de perdoar põe as
leis de lado, ou é absoluto, que tanto importam as ex-
presse esprinceps a legibus soluius, preferível é dizer
com um grave historiador, a quem o mesmo autor do
Ensaio, n'oulro lugar encarecidamente elogia:
« A realesa, para poder existir em perfeita
harmonia com as liberdades do povo, não ha de
ostentar titulo algum que seja mais elevado nem
mais veneravel que aquelle, em virtude do
qual o mesmo povo sustenta as suas
liberdades. O principe d'ora em diante deve ser
considerado como um magistrado, magistrado
elevadíssimo e altamente veneravel, mas
sujeito a lei e derivando o seu poder do cèo no
mesmo sentido em que é licito asseverar que
as duas casas do parlamento derivam do o
os seus poderes .
(*) Ventura — Pouroir public.
(**) Macaulay—history of. England, vol. 2, pag. 623
Qual a rasão porque o poder moderador é delegado
privativamente.
0 autor do Ensaio, como todos os que seguem a opi-
nião que elle abra, recorre, cheio de confiaa, ao
privativamente do art. 98 da Constituição, para dahi
concluir que o chefe supremo da nação em o exercício
das attribuições do poder moderador o ha mister as-
signatura nem responsabilidade dos ministros de estado.
Cumpre, porém, observar que esse adverbio famoso
na questã de que se trata, em discurso ou escripto de
ningm recebeu ainda significação mais claramente in-
admissível, do que na obra do Sr. Visconde do Uruguay.
Com effeito diz o Ensaio á pag. 62 :
« O poder moderador é privativo, isto é, per-
tence privativamente ao Imperador como chefe
supremo da nação : art. 98 da Constituição. >
« Privativamente em portuguez (vejam-se
os diccionarios) quer dizer com exclusão dos
outros. Foi sempre essa a significação que
teve esta palavra: com excluo de outros. Que
outros? o póde ser seo de outros poderes,
a saber o legislativo, o executivo e o judicial.
Se pertencesse ao Imperador como chefe do
poder executivo, não seria mais privativo, por-
que os agentes deste ultimo poder, os ministros,
teriam quino nelle. o se daria a exclusão
que a Constituição quer.»
107
E á pag. 66 lè-seainda:
« observei em outro lugar que a palavra
privativamente em portuguez quer dizer com
exclusão de outros, e portanto aqui com exclu-
são de outros poderes.
« Logo o poder moderador, por força do
art. 98 da Constituição exerce as suas attribui-
ções, isto é, as atlribuições marcadas no art. 101
da Constituição com excluo dos outros pode-
res e portanto do executivo.
« Com exclusão do poder executivo !
< Será com exclusão do Imperador que è
chefe do poder executivo 1 Não; porque a Cons-
tituição confere o poder moderador expressa e
nomeadamente ao Imperador, que declara tam-
bem chefe do poder executivo.
« Quem é, pois, o excldo pelo privativa-
mente ? o o podem ser seo os ministros. »
Uma breve analysc mostrará o que vai de inexacto
e confuso nos periodos supra transcriptos.
Suppondo, por um momento, com o autordo Ensaio,
que privativamente quer dizercom exclusão dos outros
poderes, observarei que a exclusão assim definida não
é caractestica do poder moderador como pretende o
illusire escriptor, mas propria de cada um dos quatro
poderes poticos reconhecidos pela Constituição.
Em verdade lodos os poderes políticos o indepen-
dentes entre si, e, pois, cada um no exercio das res-
pectivas atlribuições procede com excluo dos outros.
Assim, por exemplo, o poder judicial na esphera de sua
108
legitima actividade exclue intervenção de qualquer
outro poder, sendo certo que até o moderador não
pôde perdoar ou moderar as penas, em que os os
incorrem, senão depois de sentença condemnatoria.
O poder executivo exercita-se com independencia e
exclusão do judicial. No poder legislativo não tem
parte o judicial.
E se. o privativamente do art. 98 caracterisasse, como
pretende o Ensaio, o poder moderador tornando o
respectivo exercício independente ou exclusivo de ou-
tros poderes, forçoso seria admittir que os demais po-
deres, o legislativo, executivo e o judicial, estão sujeitos
á interferencia, á perturbão dos outros na sua esphera
especial de actividade, o que è absurdo.
Privativamente, diz o Ensaio, quer dizer: com exclu-
são do poder executivo. Pois bem: o poder executivo
è delegado ao Imperador, e, portanto, o chefe da
não a si proprio se exclue do exercício do poder
moderador!
Ante essa conclusão incommoda foge o Ensaio dizen-
do que a exclusão se entende só com os ministros e não
com o Imperante, o qual, ao mesmo tempo que tem da
Constitução o poder moderador, è declarado chefe do
poder executivo.
Mas então quebrais o encanto do vosso privativa-
mente. Já elle não quer dizer com exclusão de outro
poder,raas de uma parte sómente, e não a parle mais
nobre, porem a mais humilde e secundaria de certo
poder.
E depois mostrar-so-ha adiante que o privativamente,
que por vossa propria confissão, não exclue a parte mais
nobre do poder executivo, tambem não se applica á parte
109
menos nobre desse poder, que chamais—ministerio—,
porque, segundo a Constituição do Estado, o minis-
terio não é poder executivo, nem parte do poder execu-
tivo: o poder executivo o tem partes, é indivivel, e
toca a uma só pessoa physica.
Emquanto pom não chego no artigo seguinte á de
monstração dessa tbese constitucional, basta-me, para
refutar o Ensaio, a autoridade do proprio Ensaio, o qual
chamando aqui os ministros parle do poder executivo,
esquece que á p. 61 escreveu « que alguns com a dou
trina da responsabilidade ministerial nos actos do po
der moderador querem pôr essa delegação privativa na
dependencia não de outro poder, mas dos ministros,
agentes de outro poder. »
Esquece igualmente o autor que, fatiando da intelli-
gencia que exige a referenda e responsabilidade minis-
terial nos actos do poder moderador, escrevêra á pag. 69 o
seguinte: « Confunde o primeiro representante, o chefe
supremo, o delegado privativo da nação com os agentes
de um outro poder, os quaes não o representantes, nem
chefes, nem delegados da nação. >
Eis ahi nesses dons períodos reconhecido de plano,
pelo escriptor do Ensaio, que os ministroso são poder
executivo, mas simplesmente agentes desse poder o qual
é, sem duvida, delegado da nação, entretanto que os
seus agentes não possuem semelhante attributo.
Ora se os ministros, na theoria do proprio autor do
Ensaio, o são relativamente ao poder moderador,
outro poder, mas apenas agentes de outro poder, como
pretende elle, apoiando-se na palavra privativamente
que, no seu entender significa, em ultima analyse,
exclusão do poder executivo, arredar de todo o contacto
110
com o poder moderador, esses funccionarios que não
são o poder executivo, mas seus agentes ?
O autor do Ensaio, ha de, pois, confessar que, á vista
mesmo de ias contidas em seu livro, se insistir em dar
á palavra privativamente o sentido de —exclusão do
poder executivo, o ha remedio seo chegar ao se-
guinte resultado: que o Imperador no exercício do po-
der moderador leva a excluo dos outros poderes a
ponto de excluir-se a si mesmo, porque elle è poder
executivo.
Taes absurdos e inconsequencias se evitam dando-se
ao termo privativamente, a sua verdadeira significação.
Se não veja-se :
Diz o autor: « Privativamente em portuguez (ve-
jam-se os Diccionarios) quer dizer com exclusão de
outros: »
Abrindo-se os Diccionarios de nossa lingua na pa-
lavra privativamente, vê-se que significa: Com exclusão
de mais pessoas. Dir-se-hia que o autor do Ensaio leu
nos Diccionarios com exclusão de outros para suave-
mente fazer concordar outros com poderes, e assim
melhor chegar á sua desejada conclusão.
Como quer, porém, que seja, sustento que o pri-
vativamente do art. 98 da Constituição contrapõe-se
a collectivamente, e quer dizer que o poder mode-
rador é delegado a uma pessoa só, ao Imperador, e não
a elle e a mais pessoa, ou a elle e a outros indiduos.
Conforme a Constituição o poder legislativo é dele-
gado ao Imperador com a sua sancção, mas não a elle
só, seo tambem e muito essencialmente ao Senado
e á Camara electiva: art. 45. A delegação nacional, com
respeito ao poder legislativo, é pois collectiva e não
privativa, porque confere-se a varias e o a uma
pessoa.
Pela mesma rao o poder judicial não é delegado
privativamente a ninguem, porque (segundo o art. 151
da Constituão) come-se de juizes e de jurados, isto
é: de muitas pessoas.
Quanto ao poder moderador a delegão foi, nem
podia deixar de ser, privativamente feita ao Imperador,
porque a pluralidade, admissível e necessaria a respei-
to de outros, não cabia nesse poder, mas a unidade em
todo o rigor do termo.
Nesta accepção, que é, creio eu, conforme aos Dic-
cionarios, o privativamente do art. 98 caracterisa
bem o poder moderador, porque indica uma circum-
stancia que lhe não é commum, nem com o poder le-
gislativo nem com o judicial: naquellc domina a uni-
dade, neste a pluralidade, alli a delegação é privativa,
aqui é collectiva.
Supposta a intelligencia que dou á delegação priva-
tiva do art. 98 da Constituição, sou o primeiro a re-
conhecer, e o disse expressamente na primeira parte
deste pequeno trabalho, que o poder moderador dis-
tinguindo-se no tocante ao modo da delegação dos
demais poderes,o differe do poder executivo, porque
tambem este poder é delegado ao Imperador.
Essa doutrina é acoimada pelo illustre autor do En-
saio de subversiva, porque (diz elle á pag. 54) tende a
mudar completamente a nossa Constituição.
Cumpre fazer de tal doutrina no artigo seguinte um
estudo especial.
112
Se o poder executiva é ou não delegado só ao
Imperador.
A Constituão do Imperio, no art. 102, exprime-se
assim: « 0 Imperador é o chefe do poder executivo, e
o exercita pelos seus ministros de estado. >
Em face do citado artigo, o autor do Ensaio escreve
á pag. 55:
< O Imperador não é o poder executivo, não
constitue por si só o poder executivo. E' sim-
plesmente o chefe do poder executivo. o
confundamos a parte com o todo. E' o chefe de
um corpo composto de agentes de cuja referenda
dependem os actos desse poder, e sem a qual não
podem ser executados. Por mais importante que
seja a parte que possa caber ao Imperador como
chefe do poder executivo nesse corpo, não é elle
o mesmo corpo. Podem dizer ao seu chefe Eu
sou o responsavel, e o tomo sobre mim essa
responsabilidade. »
De semelhante construcção deprehende-se: 1.º que o
poder executivo é delegado, não a um individuo, mas a
um corpo politico; 2
o
, que desse corpo, a quem a Cons-
titpição delega o poder executivo, uma parte é o Impe-
rador, a outra os ministros e secretarios de estado;
3/ que na composição desse corpo a corôa representa a
113
cabeça, os ministros talvez braços e pernas, roas braços
e pernas com direito de dizer, quando fôr preciso, á
caba: « Alto, hoje o seguiremos para onde nos
apontais, nem faremos o que nos prescreveis. »
Certo semelhante todo, com cabeça de rei e membros
de agentes do rei, se o é comparavel ao monstro
horaciano, parece merecer bem a qualificação que no
1.
o
tomo do Ensaio, pag. 184, se dá á organisão admi-
nistrativa do nosso paiz, a saber E' uma cabeça
enorme em um corpo entanguido !
A letra e o espirito da nossa Constituão, a sã theo-
ria do direito publico philosophico, o direito publico
positivo comparado, e até o proprio Ensaio do Sr. Vis-
conde de Uruguay, protestam contra a idéa de ser o
poder executivo, pela nossa Constituição, uma delegação
collectiva. Irei por parles.
1.º
A nossa lei fundamental, que segue B. Constam na
instituição do poder moderador, repellio muito inten-
cionadamente as ias desse publicista no tocante ao
poder executivo.
O publicista francez entendia que o poder real re-
side em mãos do rei, e que o executivo é confiado
aos ministros (
*
). Theoria com que, observa um gravo
historiador reduzia B. Constant na monarchia con-
stitucional o chefe do Estado ao papel neutro e pura-
mente moderador no centro dos princípios activos, pois
que tendo o ministerio o poder executivo, limitava-se a
(*) Gours de Pol. Const. ed. de Brux, 1837 pag. 4 e 12.
prerogaliva do monarcha a manter as autoridades em
sua esphera, óu mudando o minislerio,.ou dissolvendo
as camaras, pensamento que foi posteriormente tradu-
zido (para os que a exageravam) na formula:O rei
reina e não governa (*).
E' para notar-se que a doutrina de B. Constant, que
eleva o ministerio á categoria de poder, foi sempre re-
pellida dos publicistas francezes, sendo que Chateau-
briand (), combatendo tal idêa, contempla o ministerio
na organisão do governo constitucional não como um
poder, mas como um elemento, e Charsau (), applaudindo
o pensamento de Chateaubriand, faz a critica do de B.
Constant nestes termos: O que vem a ser um poder
constitucional (o do ministerio), que é sujeito á
jurisdicção de um dos ramos de outro poder qualificado
igualmente de poder constitucional?
Ora, o nosso legislador constituinte, adoptando em-
bora de B. Constant a idéa do poder moderador, teve o
bom senso de repellir a doutrina do poder ministerial
ou do poder executivo confiado a ministros, e fez bem
patente o seu pensamento quando disse na segunda
parte do citado art. 102: « O Imperador exercita o poder
executivo pelos seus ministros de estado. >
Exercita pelos seus ministros. Logo o poder executivo
pertence ao Imperador, visto que aquelle a quem o poder
é delegado é que o exerce. Se a Constituição suppuzesse
o poder executivo delegado a um todo composto do Im-
perador e de ministros, como pretende o Sr. V. de Uru-
guay, a phrase devêra ser: — O Imperador exercita o
(*) César Cantu, Histoire Vniversette, cap. 18, pag.504.
(**) Monarchie selon la charle.
(***) Délits et conlraventions de la parole.
115
poder executivo com os seus (e não pelos seus) ministros.
O dizerpelos ministros indica bem que estes
não formam com o Imperador um todo, a quem se ache
delegado o poder executivo, mas apenas tem o caracter
de agentes, agentes de uma categoria elevadíssima, sem
cujo intermedio nada faz o Imperador, mas que não
compartem com elle corno seus co-delegados o poder
executivo.
Parece entretanto que para evitar toda a duvida a
respeito do papel dos ministros de estado com respeito
ao exercício do poder executivo, acrescentou a Consti-
tuão muito de proposito um termo que fôsse o mais
possivel significativo, o termo — seus.
O que produz duvida no espirito de alguns e os tem
levado a crer que o poder executivo não pertence exclu-
sivamente ao Imperador, mas a elle e aos ministros, é a
phrase da primeira parte do art. 102: « O Imperador é
o chefe do poder executivo. >
E' o chefe do poder executivo. Logo, concluem, o
Imperador o é a unica pessoa a quem foi delegado o
poder executivo, mas tem companheiros na delegação, a
saber.- os ministros de estado.
A etymologia da palavra—monarchia, que quer
dizer governo de um só chefe, responde satisfactoria-
mente a esse argumento, que pretende, porque o Impe-
rador é chefe, repartir o poder executivo entre elle e os
seus ministros. Todavia, se a expreso —chefe—, que
se encontra na primeira parte do art. 102, pudesse ra-
zoavelmente suscitar alguma duvida a respeito da dele-
gão privativa do poder, a que se refere, essa duvida
dissipar-se-hia não só na presea dos termos positivos .
e claros com que logo na segunda parte, como acabamos
de ver, define a posão do ministerio relativamente ao
116
poder executivo, mas pela confrontação do mesmo
art. 402 com outros da Constituição.
N'outra parte citei os arts. 53,56, 141 e 142 da
Constituão com que se mostra que tanto o poder exe-
cutivo é delegado ao Imperador, que referindo-se
nesses artigos a attribuões e negocios do poder execu-
tivo, substitue-se indifferentemente a expressão Impe-
rador á de poder executivo.
Citarei agora outras disposições.
Pelo art. 403, §§ 3 e 4, é altribuição do poder execu-
tivo nomear os magistrados e prover os mais empregos
civis e poticos. E comtudo o art. 465 dise que ha-
verá em cada província ura presidente nomeado pelo
Imperador, que o pode remover quando entender que
assim convem ao bom serviço do Estado: Imperador
aqui significa poder executivo. .
Além disso, o obstante ser attribuição do poder
executivo prover os empregos civis e poticos, é doutri-
na dos arts. 33 e 34 da Constituição que no intervallo
das seses pode o Imperador empregar um senador
ou deputado, ainda fóra do Imperio, quando isso não os
impossibilite de se reunirem ao tempo da convocação da
assembléa geral ordinaria ou extraordinaria, e, durante
as sessões, fazè-los sahir para qualquer commiso, uma
vez que a respectiva camara o determine: outro caso em
que Imperador c synonimo de poder executivo.
Convocar a nova assembléa geral ordinaria, no dia
3 de Junho do terceiro anno da legislatura existente, é
attribuição do poder executivo, pelo art. 103, § 1."
No emtanto a Constituição, no art. 47 § 3
o
, encerra
uma justa providencia (tambem applicavel á hypothese
117
de convocação por motivo de ter sido dissolvida a ca-
mara temporaria), conferindo ao senado a attribuição
de expedir cartas de convocação da assembléa, caso
o Imperador o o tenha feito dous mezes depois do
tempo que a Constituão determina: cabe aqui a ob-
servação feita nos periodos precedentes.
Em todos os artigos, que vem de ser citados, trata-se
de attribuões do poder executivo, e comtudo a Consti-
tuição diz o Imperador, prova evidente de que, tendo
sido o poder executivo delegado em sua plenitude
ao Imperador, não ha impropriedade em designar algu-
mas vezes pela palavra Imperador aquelle poder.
Accresce que tanto o poder executivo é 'delegado
ao Imperador, que a Constituição, no tit. 5
o
cap. 2, que
se inscreve—do poder executivo—, havendo apenas
fallado em ministros para dizer que por meio delles o
Imperador exercita o poder executivo, não trata ahi
senão do Imperador, marcando a formula do seu jura-
mento, prohibindo a sua sabida do Imperio sem consen-
timento da assembléa geral, etc., ao passo que do minis-
terio se occupa em outra parte, isto é, uo cap. 6.º do
mesmo tit. 5.°
2.°
A sã theoria do direito publico oppõe-se á delegação
collectiva do poder executivo, por um principio de todos
bem conhecido, e é que a deliberão compete a
muitos, a acção a um só.
A unidade na delegação do executivo, que até as re-
publicas, quando bem organisadas, adoptam, tendo em
vista a alta conveniencia de tomar prompta e ener-
gica a execão, em bossa fôrma de governo torna-se
uma condição sem a qual deixaria de ser, o que realmen-
te è, a saber: monarchia.
Montesquieu diz, que a monarchia é a especie de
governo em que um só governa: è a definão de todos
os publicistas.
Mas para que um homem governe, e, por conse-
quencia, exista o governo monarchico, uma de duas ha
de necessariamente succeder.
Ou o imperante concentra em suas os os poderes
legislativo e executivo, o então a monarchia é abso-
luta.
Ou participando, com o parlamento nacional, do poder
legislativo, elle possue a plenitude do poder executivo, e
nesse caso a monarchia e limitada ou constitucional.
Silvestre Pinheiro Ferreira, resume em poucas pa-
lavras essa doutrina, dizendo: < Si le monarque qui
possède déjà le pouvoir exècutif, coopere avec d'au-
tres representants do la nation à la confection des
lois, la monarchie est dite constitutionnelle ou repre-
sentativo. Mais s'il a, a lui scul,.la plenitude du pou-
voirgislatif, on le nomme monarque absólu. (*) »
De sorte que a unidade na delegação ao menos do
poder executivo (a par com a perpetuidade da mesma
delegão), é condição essencial para que se salve em
uma fórma de governo a idéa de monarchia.
rma de governo em que o principe, constitdo
apenas um dos tres ramos do poder legislativo, não
(*) Gours de Droit Public interne et externe. T. 1, § 34.
119
tivesse a plenitude do poder executivo, mas parti-
lhasse, em uma proporção qualquer, com certo numero
de funccionarios, quasi como um presidente de con-
selho de ministros, o poder executivo, decididamente
seria tudo, menos forma de governo monarchico.
Nem se diga que a. nossa rma de governo ficava
isenta de tal inconveniente com a creação do poder
moderador conferido exclusivamente ao Imperador,
porquanto sendo esse poder, como lhe chamam, neu-
tro, poder que não frequentemente, mas, por assim
dizer, com largas intermittencias exerce a sua acção,
a posse delle conferida exclusivamente ao Imperante
não seria motivo bastante para asseverar se a exis-
tencia da mona/chia ou do governo de um só.
Como disse acima, B. Conslant, com o seu romance
(assim chama Cesar Cantu ás tbeorias desse publi-
cista) de poder executivo ou ministerial separado ou
independente, foi precursor daquelles que alguns an-
nos depois usaram c abusaram da formula: o rei reina
e não governa.
E na verdade o príncipe que fosse reduzido a pos-
suir a plenitude das funcções, cujo complexorma
o que B. Constant denomina poder real, que é, com
pequenas differeas, o nosso poder moderador, tendo
apenas no poder executivo uma parte, esse pncipe
reinaria sómente, não governaria, porque, se entre
taes palavras de haver differença, como em outro
lugar examinarei, reinar è o papel daquelle que
observa e inspecciona para intervir em casos de desin-
telligencia e desharmonia, ao passo que governar é
attributo de quem mesmo ra d'essa hypolhese põe
mãos no leme da náo do Estado, e a dirige a bom porto.
E o que admira é que o autor do Ensaio, seguindo
na questão o rei reina e o governa , o pare-
cer de que o Imperador não só reina, mas governa, e
governa, em casos graves, sem dependencia de re-
ferenda, nem responsabilidade de ministr seja quem
tão abertamente venha aqui sustentar as idéas do
poder ministerial, ou de poder executivo condado a
ministros, idéas de que a formula o rei reina c
não governa , em sua maior exageração, é filha le-
gitima.
3.°
O direito publico positivo comparado, não menos con-
demna a intelligencia, que o escriptor do Ensaio dá á
delegação do poder executivo pela nossa Constituição,
em virtude de dizer esta que o Imperador é chefe do
poder executivo.
No direito publico ecclesiastico o pontífice é cha-
mado Chefe Supremo da Igreja Universal, mas apezar
da qualidade de Chefe da Igreja, ou antes por isso
mesmo que è Chefe Supremo da Igreja, nelle reside
a plenitude do poder espiritual no grande interesse
da unidade catholica, e ninguem disse jamais, sem
ferir a orthodoxia, que ahi o ser chefe implicasse a
idéa de partilhar com outros o poder supremo.
Segundo a Constituição franceza de 1791 o rei se
denominava Chefe Supremo da administração ge-
ral,— e comtudo o poder executivo era delegado ex-
pressamente só ao rei.
A Constituição de 1830 tambem designava o rei
pelo titulo—chefe Supremo do Estado—, e todavia
o poder executivo era delegado exclusivamente ao
121
mesmo rei. Dizia o arl. 12 dessa Constituição:.< La
personne du roi est inviolablc et sacrée. Ses ministres
sont responsables. Au roi seul appartienl la puissunce
exécutive. >E o art. 43: « Le roi est le chef supmo
de l'ètat, etc. >
Desfarte aquelle codigo politico autorisa duas illa-
ções inteiramente desfavoraveis á doutrina do Ensaio.
A primeira é que a qualidade de chefe do poder
executivo, dada ao principe, não exclue. antes supe,
a plenitude do mesmo poder.
A segunda é que exercitar o príncipe o poder exe-
cutivo por seus ministros responsaveis não significa
de modo algum que estes formem com. aquelles um
todo, ao qual se ache delegado e distribuído o poder
executivo.
Ficou dito acima que mesmo nas republicas a uni-
dade na delegação do poder executivo assenta me-
lhor que a pluralidade.
Assim é que a Constituição franceza de 1848 no
art. 43 dispunha: < O povo francez delega o poder
executivo a um cidadão com o titulo de Presidente
da Republic -; artigo que suggerio a um grande ju-
risconsulto as seguintes reflexões: «A Constituão de
4848 è, no que toca á organisação do poder execu-
tivo, muito superior á do anno m, porque em lugar
dessa hydra de cinco cabas (o directorio) que re-
ciprocamente se mordiam, manteve-se o grande prin-
cipio da unidade do poder, unidade, não nominal,
mas fortemente organisada » (*}.
(*) Consíitution de La République Française accompagneé -de notes,
par M. Dupin.
Nos Estados-Unidos, diz M. de Toqueville, fez-se do
Presidente o e unico representante do poder exe-
cutivo da União, sendo que a vontade desse func-
cionario não depende da de ura conselho ().
A' vista disso seria bem estranhavel que, quando nas
formas republicanas mais regulares o poder executivo
só tem como representante um individuo, o poder exe-
cutivo na monarchia brasileira fosse representado por
um todo !
4.'
Por ultimo, ninguem faz mais justiça ao erro de con-
siderar o poder executivo da nossa Constituão dele-
gado em parte ao Imperador e em parte aos ministros,
ou, na phrase do Ensaio, a um todo, do que o proprio
autor dessa obra em mais de uma passagem, a que
n'outro artigo alludi, e que de novo acho conveniente
trazer á memoria do leitor.
N'uma dessas passagens, a de pag. 61, se diz expres-
samente que os ministros não são poder executivo, mas
agentes desse poder:« querem pôr o poder moderador
na dependencia, não de outro poder (o executivo) mas
dos ministros, agentes de outro poder. *
N'outra passagem (pag. 69) o escriptor, faltando dos
ministros, designa-os assim: « agentes de outro poder
(o executivo), os quaes não são representantes, nem che-
fes, nem delegados da nação. »
Não são os ministros delegados da nação! Logo elles
(*) De la démocratie en Amérique.
123
não formam com o Imperador um todo a quem fosse
delegado o poder executivo. Isto me parece decisivo.
Creio haver assim demonstrado a com a autoridade
do Ensaio que em nossa Constituão o poder executivo
é delegado só ao Imperador.
Mas se não ha differença no modo por que o dele-
gados o poder moderador e o executivo, se ambos per-
tencem ao Imperador, refunde-se (pondera o autor á
pag. 112) o poder moderador no executivo, e-se o
exercício de suas attribuições na absoluta dependencia
dos ministros,as cousas mudaram completamente, e ter-
se-ha dado um grande passo para a exlinão da mo-
narchia no Brasil!!
Avaliarei a força desse argumento ad terrorem com a
devida pausa.
Se a doutrina da delegação exclusiva tanta do
poder moderador como do executivo ao
Imperador é nociva a monarchia.
A Constituição do Imperio diz no art. 9:
« A divisão e harmonia dos poderes políticos
é o principio conservador dos direitos dos cida-
dãos e o mais seguro meio de fazer effectivas
as garantias* que ella offerece. »
E' esse artigo didactico a consagração do preceito
que Montesquieu estabeleceu do seguinte modo:
< Quando na mesma pessoa ou no mesmo
corpo de magistratura o poder legislativo se
reune ao executivo, deixa de haver liberdade,
por que è de temer que o mesmo monarcha ou o
mesmo senado faça leis tyrannicas para ty-
rannicamente executa-las. Da mesma sorte .
soffre a liberdade se o poder judicial o é se-
parado do legislativo e do executivo. Se estivesse
reunido ao legislativo seria illimitadamente ar-
bitrario o poder sobre a vida e a liberdade s
cidadãos, e, rnindo-se ao executivo, o juiz po-
deria ter a foa de um oppressor (*).
Montesquieu exprimindo-se assim, não se referia á
divio de attribuições monarchicas como formando
dous poderes distinctos, porque, segundo observa
(*) De l'Esprit des tois, L. 11, cap. 6.
125
Madisson (*) elle tinha os olhos sobre a Consti-
tuição de Inglaterra como os poetas epicos sobre Ho-
mero, e na Constituição Ingleza o chamado poder real
ou moderador não se destaca do acervo de attribuições,
que constituem o poder executivo para fazer um poder a
parte. Nem julgava essa divisão interessante á liber-
dade dos cidaos, porque, o obstante a accumula-
ção de funcções de que a corôa está de posse, o cidao
inglez é livre, e tanto mais altivamente livre, quanto só
a elle nos tempos modernos é dado repetir, em qual-
quer parte do mundo, o civis romanus sum.
Convertido, pois, no art. 9 da Constituão do Impe-
rio o preceito de Montcsquieu, é obvio que esse artigo
se applica especialmente á divisão daquelles poderes
cuja promiscuidade envolveria perda da liberdade para
os cidadãos brasileiros, isto é, dos poderes legislativo,
executivo e judicial.
Separando o poder moderador do executivo, o legis-
lador constituinte não podia tornar essa divisão perfeita
como a dos outros poderes: a natureza das cousas lh'o
vedava.
Comníetter ás camaras com a sancção do Imperador
a faculdade de legislar, a de executar ao elemento mo-
narchico, e ajuízes e jurados a de julgar, isto é, a pes-
soas não diversas mas entre si independentes, é
dividir o poder de um modo o claro e real quanto é
possivel; mas, desannexar das faculdades que em
todas as monarchias competem ordinariamente ao chefe
do Estado um grupo com o nome de poder moderador
para conferi-lo, como um poder á parte, á corda, que
aliás possue, em o meu entender, a plenitude, e no do
(•) The Federatist,cap.47.,
126
autor do Ensaio, a melhor parte (pois que é chefe) do
poder «executivo, é apenas fazer dous grupos de attri-
buões porque no moderador o rei é unico, ou
executivo unico, ou, pelo menos, principal : em ambos,
consequentemente, prepondera a mesma individuali-
dade, o que propriamente o importa divisão de poder,
se dividir o poder e colloca-lo emos diversas.
Que a divisão entre o poder moderador e exe
cutivo não é caracterisada como a que existe entre
os outros poderes, o autor do Ensaio, apezar de se mos
traro estrenuo adversario da necessidade da referenda
e responsabilidade ministerial nos actos do poder mo
derador, solemnemente o reconhece escrevendo os pe
ríodos, que vou transcrever.
Diz o autora pag. 404:
< Em quanto o poder moderador e o execu-
tivo estão conformes o ha necessidade de
istinguir e separar seus actos. Formam um todo
politico. Vis unita fortior. »
E accrescenta á pag. 113:
Quando se pretende que, conforme a Con-
stituição, os actos *do poder moderador sejam
exequíveis sem referenda, e sem a responsabi-
lidade quer legal, quer moral dos ministros, não
se quer excluir sempre os ministros e a sua
responsabilidade moral, o se pretende que
cada poder marche para seu lado em direões
diversas. Semelhante pretenção seria absurda
e funesta.
O que se pretende é que fique bem entendido
e patente que, havendo desacordo entre os dous
127
poderes, quando perigara independencia dos
poderes, quando estiver perturbado o seu equibrio
e harmonia (hypotheses da Constituição} possa o
poder moderador, coberto pelo conselho de estado,
obrar efficazmente como e nos termos que a
mesma Constituição determinou, e que ninguem
possa obstar á execução de seus actos com o
fundamento de que não estão revestidos da
referenda dos ministros de outro poder.
« Quer-se que sobre tudo, nas grandes crises,
a coroa tenha a necessaria largueza e foa para
evitar ou fazer abortar as revoluções. »
Resulta da expendida doutrina do Ensaio:
i.° Que o poder moderador e executivo, em, quanto
existe acordo entre elles, formam um todo politico
vis unita fortior,—enão é necessario distinguir e
separar os seus actos.
2.° Que só em casos extraordinarios e havendo des-
acordo entre o poder executivo e moderador, cumpre
que este prescinda da referenda dos ministros sobre
tudo para evitar ou fazer abortar revoluções.
Deixando para outro lugar a apreciação da virtude
que o autor do Ensaio descobre na falta de referenda
para evitarou fazer obstar revoluções, creio concluir
com toda lealdade, dos peodos supra-Transcriptos,
que na opinião do Sr. V. de Uruguay a separação
do poder moderador e executivo não é igual á dos
outros poderes.
A separação dos outros podereslegislativo, execu-
tivo e judicial, — o autor não póde deixar de reconhe-
ce lo, é e deve ser completa em todos os tempos e
circumstancias, porque no momento em que se con-
fundirem , desapparecendo o meio seguro de tornar
128
effectivasa as garantias constitucionaes, de que falia o' art. 9 da
Constituição, feito é da liberdade.
Não assim a respeito da separação do poder. moderador e
executivo, seguudo a theoria do proprio
Ensaio.
Elle a quer a
bem dizer latente a maior parte do tempo, e que so se faça sentir
em occasiões de crise. Quer que annos e annos se não trate de
distinguir, de separar o poder executivo do moderador, com
tanto que em conjuncturas graves o poder moderador se
divorcie do executivo e faça economia separada até que voltem
os tempos normaes.
Que analogia ha, logo, entre a separação dos poderes
legislativo, executivo e judicial, e a do moderador e executivo?
Ou que motivo tendes para recear confusão de dous poderes
que vós mesmos desejais vêr sempre unidos de modo a não se
distinguirem os seus actos? E, com franqueza, onde foi o autor
buscar essa theoria de dous poderes ora unidos—v
irtus unito
fortior,
ora divididos conforme as circumstancias?
Uma Constituição regular não podia acolher semelhante
subtileza.
129
V
Se da referenda e responsabilidade ministerial
nos actos do poder moderador vem o
aniquilamento desse poder.
Todo o horror, que o íllustrado publicista tem á refe-
renda e responsabilidade dos ministros nos actos do
poder moderador como condão indispensavel da exi-
quibilidade desses actos, nasce da persuao, clara-
mente por elle enunciada, de que os ministros, desde
que houvesse consciencia de serem necessarios á expe-
dão de taes actos, dominariam a corôa 1
Elle bem claro revela o seu pensamento, dizendo á
.pag
t
111 e 112:
« Porque os ministerios não tem procurado
dominar a corôa? Porque a não podem domi
nar? Porque a Constituição constituio-o não
satellite dos ministros, mas primeiro represen
tante da nação,e fez delle um ente intelligente
e livre.... Ponde o exercício de suas attribui-
ções na absoluta dependencia dos ministros e
as cousas mudarão completamente. »
Assim na opinião do autor do Ensaio a necessidade
da referenda nos actos do poder moderador faz a corôa
perder a sua independencia, tornando-o satellite dos
ministros.
Pois bem! Vós reconheceis como expresso na Cons-
tituição que os actos do poder executivo não o exe-
qveis sem referenda e consequente responsabilidade
dos ministros. Admittís, logo, por força de vossa dou-
trina, que, em relação ao executivo, a corôa é satellite
dos ministros, é dominada pelos ministros, é aniqui-
lada pelos ministros I
.
130
De sorte que o Imperador, que como chefe do poder
executivo, possue, segundo eu penso, a plenitude desse
poder, e que, conforme mesmo o autor do Ensaio, é a
cabeça do corpo, a quem tal poder é delegado, por-
que nada pde ordenar nem pralicar, no que pertence a
esse poder, sem assignatura e responsabilidade dos mi-
nistros, deixa de ser chefe, de ser cabeça, de ser a um
ente intelligente e livre, e torna-se em tudo dependente
dos ministros e seu satellite !
Ora absurdo de tal gravidade convence que a dou-
trina, de que emana, é falsa, c, por consequencia, que
a referenda do ministro, a qual de certo o não eleva
acima da corôa quando se traia de actos do poder exe-
cutivo, não produziria jámais, nos actos do poder mo-
derador, semelhante effeito.
O que o os ministros? Como já mostrei, e o re-
conhece als o Ensaio, elles não são poder, mas agen-
tes de um poder. E, pois, a Constituição, quando asse-
gura a independencia dos poderes, garante á corôa
sua perfeita independencia em relação a poderes reco-
nhecidos (legislativo e judicial) e não em attenção a
ministros, seus agente?, que ella nomêa e demitte li-
vremente, e que jamais lhe podem por isso mesmo es-
torvar seriamente o exercício de suas altríbuões con-
stitucionaes.
O mais que o ministerio pode fazer, no caso de jul-
gar contrario ao bem publico qualquer acto da coa,
é, negando-lhe a referenda, pedir a sua demissão. Nesse
caso ou a medida è justa e conveniente, ou não.
Se a medida é justa e popular a corôa, demittindo
o ministerio que irreflectidamente recusar a referenda,
com extrema facilidade achará outros que se prestem
á realisação de suas idéas. « Em tal conjunctura (diz
131
B. Constant, tralando desta queso) basta ao rei demittir
os miuistros, porque, ao passo que o encontrasse
alguem que quizesse affrontar a opinião publica e as
luzes do tempo, acharia mil para serem orgãos de
medidas uteis, a que a nação prestasse o apoio de seu
assentimento (*).
Se, porém, a medida o é realmente proficua, mas,
ao contrario infensa aos interesses do paiz. então a
recusa do ministerio nada tem de estranharei, antes
muito seria para desejar que o seu exemplo fosse a op-
tado por quantos houvessem de ser successivamente
chamados aos conselhos da corôa até que esta. re-
considerando a materia, se abstivesse de insistir em
seus errados pensamentos.
Assim que da recusa da referenda não provém
damno, mas utilidade: a corôa conserva intactos
o direito e os meios de fazer o bem, e póde ficar
privada de fazer o mal.
Se o regimen representativo não tivesse esse meio,
ao menos, de obstar que se traduzisse em actos a von-
tade do monarcha quando (pois que como homem póde
errar) o se. encaminhasse ao bem geral, o regimen
representativo, digo, seria peior que anarchia feudal
ou christãa, porquanto nesta, como observa uma auto-
ridade competente, o poder era unico, perpetuo e limi-
tado, unico na pessoa do rei, perpetuo em sua familia,
limitado, porque encontrava por toda parte uma resis-
tencia material em uma hierarchia organisada.... visto
que um poder sem limites é um poder anti-chriso que
ultraja a um tempo a magestade de Deos e a dignidade
do homem, um poder sem limites não póde ser nem
(*)
Politique Constitutonnelle,
pag. 74.
132
um ministerio nem um serviço, e o poder politico,
sob o imperio da civilisação christãa, outra cousa não é
(*).
A referenda, pois, incapaz absolutamente de emba-
raçar o bem, podendo apenas servir ás vezes de bar-
reira ao mal, è uma idéa que não se pôde atacar como
aniquilara do poder, quando evidentemente ella ten-
de a preserva-lo, entretanto que o poder moderador
sem referenda, isto é, sem um limite tão razoavel como
tenho mostrado, pôde, segando as ideas do insuspei-
to Donoso, considerar-se um fragmento de poder anti-
christão.
(*) Donoso Cortês—OEures. Tit. 2, pag. 259.
133
VI
Se a referenda é inutil porque não impede as
revoluções, e prejudicial porque as provoca.
Sob o nome de iros terriveis da responsabilidade,
designa o Ensaio pagina 53) aquelles que pensam
ser indispensavel nos actos do poder moderador a re-
ferenda dos ministros como importante garantia con-
stitucional, garantia que à pagina 77 denomina teia de
aranha, e que portanto sustenta ser completamente
inutil.
« Por ventura (pergunta o autor á pag. 20) os
actos que provocaram a queda de Carlos X o
foram referendados pelos seus ministros ? Não
foram referendados todos os actos do reinado
de El-Rei Luiz Felippe? o foram referendados
todos os actos do reinado do Senhor D. Pedro I?
Evitou por ventura a referenda e respon-
sabilidade dos ministros, as invenções dos ga-
binetes secretos, da Camarilha, da Joanna, da
Olygarchia? »
E o mesmo autor responde:
servio de escudo. »
A referenda não lhes
o conheço argumentação mais improcedente e
falsa do que essa.
Em primeiro lugar, se o argumento provasse, pro-
varia de mais, porque da inutilidade da referenda nos
actos do poder moderador seguia-se que sem proveito
algum é exigida nos actos do poder executivo.
Em segundo lugar, discorrer assim é como se al-
guem perguntasse: « Por ventura a medicina salva lo-
dos os enfermos? Não ha molestias que zombam de
todas as diligencias da arte? Por ventura as penalida-
des do Codigo contém e reprimem sempre com effica-
cia o braço do sicario,' as 'sinistras intenções do ho-
mem sem costumes e sem religião?'» E respondesse:
Dispense-se a medicina, são inuteis as punições legaes.
Sem duvida, tem havido revoluções apezar da refe-
renda, e as que derribaram Carlos X, Luiz Felippe e
D. Pedro I, o provam; mas essa não é a questão.
Quando se insta pela necessidade da referenda geral-
mente nos actos da realeza, e portanto nos do poder
moderador, o se pretende (seria absurdo pretendê-lo)
que os reis ou mal intencionados ou illudidos, que
acham infelizmente ministros ou o mal intenciona-
dos ou o illudidos como elles, conservem illesos os
seus thronos pela força magica dessa formula con-
stitucional.
Todos sabem que, assim como o guerreiro antigoo
ia ao campo da batalha sem um escudo, o que não
impedia que a lança do adversario atravessasse ás ve-
zes o escudo e ferisse o guerreiro, tambem a referenda,
que, no regimen constitucional, é a egide da corôa,
em certas conjuncturas não a protege eficazmente, e
são victimas reis e ministros.
Em taes conjuncturas, porém, se attentamente se
considerarem as cousas, ou houve abuso da referenda,
e o abuso o é argumento, ou causas poderosas im-
pelliam os povos ao abysmo das revolões, e nesses
casos extraordinarios a referenda não podia ser ga-
rantia efficaz.
135
Os que pedem a referenda em todos os actos.da
realeza consideram na uma garantia excedente para os
tempos regulares, e capaz mesmo de prevenir esses
tremendos abalos, se ministros dignos desse nome
usarem delia discretamente, porque assim, e só assim,
a corôa, ao abrigo de censuras que naturalmente se
dirigio aos ministros, adquirirá no paiz aquelle go
de respeito e veneração, que é o primeiro e mais so-
lido apoio dos thronos.
Teia de aranha a responsabilidade! Mas sem a res-
ponsabilidade dos ministros, sem essa teia de aranha,
os reis expostos á censura por actos que directamente
praticam, não se comprometteriam mais de pressa, e
o seriam mais certas e inevitaveis as catastrophes?
Essa é a questão.
Alguem comparou o orgulho dos reis ao furor do
oceano. Pois bem! O oceano que, bramindo, parece
querer engolir a terra, recua ante as aréas movediças de
suas margens.
Não é muito, portanto, que a leia de aranha da res-
ponsabilidade possa algumas vezes no regimen repre-
sentativo impedir o mal, indicando á vontade irrespon-
savel o melhor caminho.
£ não é isso um grande merito?
O autor do Ensaio não sómente opina, como acabei
de mostrar, que a referenda é cousa escusada, porque
não obsta invcncívelmente as revoluções, mas acoima-a
de positivamente damnosa, porque tem sido causa de
haverem cabido muitas constituições, e com ellas as mo-
narchias, que consagravam.
As Cartas francezas de 1814 e 1830 (diz o Ensaio
pag. 112) desappareceram em consequencia da necessi-
dade da referenda em todos os actos da corôa, de que
resultavam entre o rei e os ministros lutas, surdas intri-
gas e enredos parlamentares, que foram fataes á monar-
chia: o mesmo succederia à nossa fôrma de governo, se
o poder moderador não ra independente da referenda
e responsabilidade ministerial.
Não são somente as Cartas francezas de 1814 e 1830
que o Ensaio suppõe terem perecido por falta de poder
real ou moderador, independente de referenda de mi-
nistros: de todas as modernas constituições que pouco
duraram, o autor do Ensaio explica a perda, attribuin
do-a ao facto de não terem distinguido do poder execu-
tivo o moderador, e dado a este, como supe ler feito
a nossa Constituição, a faculdade de obrar directa-
mente.
Muito se tem escripto a respeito das causas por, que na
França, desde fim do seculo passado para cá, se succedem
umas ás outras as revoluções e o ha governo que es-
teja seguro; mas não me consta que alguem se lembrasse
jamais de attribuir essa espantosa instabilidade á cir-
cumstancia de não ter tido o chefe do Estado nas mo-
narchias constitucionaes alli estabelecidas o direito de
exercer certas attribuições sem referenda de ministros.
Uns explicam essas vissicitudes dizendo que o exces-
sivo despotismo dos antigos reis de Fraa de tal sorte
provocou as iras do povo, que este, quebrando emfim o
jugo, reagio de modo a perder todo o respeito á auto-
ridade.
Outros, remontando-se a causas que não são especiaes
à França, mas communsa Europa, e talvez ao mundo,
vão buscar na impiedade a origem de taes calas trophés,
e nesse sentido abunda Donoso Cortés no seu famoso
discurso de 4 de Janeiro de 1849, dizendo:
137
« existem duas repressões possíveis, uma
interna, outra externa, uma religiosa, outra politica. E
são ellas de tal natureza que, se o thermometro
religioso sobe, o thermometro da repressão politica
desce, e se aquelle desce, este necessariamente
sobe... de sorte que, quan do o thermometro
religioso chega abaixo de zero, uma de duas, ou
apparece uma reacção religiosa que salve o paiz, ou
não vem essa reacção, e em tal caso o ha governo
que resista
Foi o que succedeu em França: enfraquecida, e um
tempo até extincta, a repressão religiosa com os trium-
phos do philosophísmo, era natural que instituões e
governos, sem base na religião, decahissem, como
se desmoronam edicios levantados na arêa.
Ora,-nesse estado melancolico da sociedade, que bar-
reira poderia offerecer ao desregramento das paixões
populares uma subdivisão do poder executivo com o
nome do poder moderador, e confiada ao rei para delia
usar directamente sem depender de referenda?
Em todo o caso, para rebater victoriosamente o argu-
mento deduzido contra a referenda, do máo fado de
algumas monarchias.em que ella se achava em vigor, ahi
es a Inglaterra, onde não ha acto da realeza sem refe-
renda e sem responsabilidade de ministros, e que entre-
tanto não ha cessado de prosperar a sombra do regimen
represemativo, tendo ainda diante de si, como lhe
agoura Montalembert, risonho e brilhante futuro (*).
(*) L'avenir de l'Angleterre.
Se o poder moderador como inoffensivo dispensa a
responsabilidade ministerial.
Os adversarios da responsabilidade ministerial nos
actos do poder moderador costumam recorrer a um
argumento, que lhes parece sem plica. O poder mode-
rador, dizem elles, é naturalmente benefico e inoffen-
sivo, e, pois, a responsabilidade, que presuppõe o mal,
não cabe em actos de um poder, que, pela natureza de
suas atlríbuições constitucionaes, só póde fazer bem.
Esse argumento não escapou ao autor do Ensaio, que
largas paginas escreveu (desde 48 a 53 e de 65 a 82)
para demonstrar «que o poder moderador por sua índole
é incapaz (textualmente; de invadir, de usurpar, de en-
grandecer-so e prejudicar as liberdades publicas, nem
prejudicar os direitos e liberdades dos cidadãos»,
submettendo á analyse cada uma das attribuições desse
poder.
Eu conheço um poder incapaz de fazer mal: é o
poder de Deos. Não ha (permitta-se a expressão) de
telhas abaixo poder, que não seja suscepvel de abusos,
e grandes abusos.
O poder paternal, de todos os poderes humanos o
mais santo, o que mais raízes tem no coração, é com-
tudo tão sujeito a desvairar-se que não se conhece legis-
lação de povo culto, em que se não tomem bem calcu-
ladas precauções para con-lo nos limites do justo
Os poderes políticos, em que se resolve a soberania
nacional, tem todos por fira, cada um em sua esphera,
139
promover o bem da sociedade, o legislativo fazendo leis
conformes á utilidade publica, o judicial julgando com
justa e equidade, o execulivo dando ás leis boa e fiel
execução, o moderador, emfim, desempenhando, em
proveito do paiz, as suas attribuões conservadoras.
Ora, se os legisladores podem abusar de suas attribui-
ções, se os juizes e tribunaes deslisam-se dos seus deve-
res, se o executivo infringe as suas obrigações, porque
razão particular, porque especie de privilegio só o poder
moderador, escapando á lei commum dos poderes hu-
manos, ha de sempre fazer o bem e nunca o mal?
Se pela posição de príncipe, que o torna eminente-
mente e mais do que ninguem, interessado na prospe-
ridade do paiz e no esplendor do throno, que se deve
perpetuar em sua família? Mas o príncipe, apezar de
suas melhores intenções, è homem e como tal sujeito a
enganar-se, além de que, segundo o pensamento de um
philosopho, assim como as grandes eminencias physicas
produzem vertigens, tambem costumam as grandes
eminencias moraes, e a historia exuberantemente o
prova, inspirar grandes desvarios.
Será que a natureza das attribuições do poder mode-
rador exclua o mal? Mas tal supposição é repugnante ao
bom senso que nos mostra por toda a parte o mal ao lado
do bem, em lula mesmo com elle, de tal arte que não ha
instituição por mais veneranda e santa que seja, que se
não desvirtue e degenere, se as tendencias ao abuso se
não reprimem convenientemente, parecendo até que o
mal produzido pela instituição, que se corrompe, esta
sempre na rao do bem, que ella era destinada a pro-
duzir.
Isto posto, o poder moderador, por isso mesmo que é
a chave da organização politica, assim como está no caso
140
de fazer grandes benefícios velando sobre a manutenção
da independencia, equilíbrio e harmonia dos mais po-
deres políticos, é capaz de causar os maiores damnos, se
não velar como determina a Constituição, ou se, velando,
o apreciar devidamente as circumstancias, em que a
sua efficaz intervenção se torne precisa.
Que as attribuições do poder moderador não o sem-
pre inoffensivas, e que, ao contrario, no exercio delias,
podem haver não só faltas, senão crimes merecedores de
severo castigo, mostra-o a propria Constituição, quando
no art. 143 declara responsaveis os conselheiros de es-
tado pelos conselhos que derem oppostos ás leis e inte-
resses do Estado, manifestamente dolosos, ou os actos
sejam do poder executivo ou do moderador
O que significaria a responsabilidade imposta aos
conselheiros de estado por causa de conselhos dados em
negocios concernentes ao poder moderador, se esse
poder fosse por sua natureza sempre inoffensivo e quasi
angelico?
Contra a innocencia intrínseca dos actos do poder
moderador protesta energicamente a seguinte proposi-
ção, que copio do tomo 1°, pag. 288 do Ensaio.
A audiencia do conselho de estado sobre os
actos do poder moderador deveria ser obrigada,
e não (como é) facultativa. Porquanto será então
o conselho de estado o antemural que sempre
cobrirá a corôa, que deve estar sempre coberta,
como a cobria sempre a Constituão, como a
cobre sempre o conselho de estado em Portugal.
E' do maior interesse da nação, e não só da corôa,
que esta esteja sempre coberta.»
Da passagem supra-referida deduz-se:
141
1Que na opino do autor o poder moderador ca-
rece indispensavelmenle de antemural, quê o traga
sempre coberto.
2.° Que, no sentir do mesmo autor, o antemural da
corôa no exercício do poder moderador è o conselho de
estado, se a sua audiencia nos negocios d'esse poder, em
vez de facultativa, como presentemente é, r neces-
saria.
Ora, tão inconsistente é o pensamento do autor
contido na segunda deducção, como verdadeira e incon-
testavel o da primeira.
Com effeíto o conselho de estado, seja facultativa ou
obrigatoria a sua audiencia em actos do poder modera-
dor, o pôde ser o antemural que cubra sempre a co-
rôa; porque, pela natureza das instituões constitucio-
naes, o conselho de estado è apenas consultivo, e, pois, a
sua responsabilidade, limitando-se aos conselhos que dá,
se são manifestamente dolosos, não de resguardar e
defender a corôa nos casos em que o chefe da nação, não
se conformando com o parecer emittido, decidir em
sentido contrario á consulta, como é do seu direito e
prerogativa.
Agora que a corôa, por maximo interesse da nação,
deva estar, segundo a phrase do Ensaio, sempre coberta,
é uma verdade incontestavel, e em que estou de perfeito
acordo com o autor. Mas essa necessidade, que ambos
reconhecemos, de constante amparo e defesa para a
eorôa no exercício do poder moderador, ao mesmo
tempo que se explica bem na doutrina que sigo, é para
a do autor do Ensaio uma dupla incoherencia.
Na doutrina que sigo, a corôa, ainda prescindindo-se
da responsabilidade do conselho de estado, quando não
é ouvido, ou, sendo consultado, não se adopta o seu pa-
recer, tora, para resguarda-la, a responsabilidade dos
ministros.
Na doutrina do Ensaio, porém, ha dupla incoheren-
cia: 1.°, porque por um lado sustenta que o poder mode-
rador o invade, não usurpa, não offende as liberdades
publicas nem particulares, e por outro lado exige para
elle como altamente indispensavel um antemural; ,
porque o antemural lembrado, sendo mais curto do que
o objecto sagrado, que tem por fim amparar, deixa-o em
parte exposto a golpes que, por conveniencia do paiz,
nunca devêra soffrer.
A analyse, que o autor faz dos diversos paragraphos
do art. 101 da Constituição, que contêm as attribuões
do poder moderador, no desígnio de mostrar que não
podem envolver prejzo, nem ás liberdades nacionaes,
nem ás dos cidadãos, póde-se avaliar pelo que vou dizer
da sua opino a respeito de alguns delles, visto que
além de ser enfadonho acompanha-la no que diz acerca
de todos, occorre que, conhecer o seu pensamento em
um, é conhecê-lo em todos: ab uno disce omnes.
Fallando do direito que tem o poder moderador de
dissolver a camara temporaria, diz o autor á pag. 51:
« A dissolução tem o caracter de uma appel
lação, e o poder moderador tem de convocar im-
mediatamente outra camara que substitua á
dissolvida, e que tem de ser o juiz da questão
que provocou a dissolução. Não é o poder mo-
derador que a resolve. E' a nação, que escolhe
homens que pensem corna ella para julgar a
queso.... O poder moderador apenas provoca
o juizo da nação, recorre á origem e fonte de
todos os poderes. Póde a dissolução embaraçar
143
alguma medida que se pretendia fazer passar, adia-a
mente se a nação a quer, dá-lhe occa sião de a
reprovar mais categoricamente se a não quer, e em
todo o caso conserva o que es e o confere
poderes e força que a Constituão não tenha dado
A faculdade de dissolver a camara temporaria, con-
forme essa theoria, é tão simples e inoffensiva, pois que,
emfim, é um appello que a coa interpõe para a nação,
corno entre os particulares é innocente o direito de ap-
pellar das sentenças da primeira instancia para Os tribu-
naes superiores: é um direito, em cujo exercício se não
offende a ninguem.
Não é isso, porem, o que determina a Constituição do
Imperio.
A Constituição diz que o poder moderador tem a
attribuição de dissolver a camara dos deputados nos
casos em que o exigir a salvação do Estado,
convocando immediatamente outra que a substitua.
Nos casos em que o exigir a salvação do Estado. Logo,
não dissolver a camara em casos semelhantes póde im-
portar a perdão do Estado, c por outro lado, dissol-
la quando o o exija a salvação publica, seria, em
certas circumstancias, uma calamidade.
Assim, julgar se é ou não opportuno o momento de
dissolver a camara temporaria, ê sempre uma questão
gravíssima, e um erro a esse respeito, demida absten-
ção, ou de acção precipitada, póde ser origem de males
incalculaveis, como a repetão caprichosa de tal medi-
da trazer a aniquilação da forma de governo estabele-
cido e a ruina do Estado.
144
Se ha, pois, hypothese. em que a coa precise de
antemaral, e a nação de garantias, é quando se trata
de dissolver a camara temporaria, e o antemural e as
garantias não são autros senão a responsabilidade dos
conselheiros da corôa, incluindo nesse numero e em
primeira plana os ministros de estado.
Mas diz o autor á pag. 71:
« O poder moderador dissolve a camara.
Exerce uma attribuição, que a Constituão lhe
dá. Não invadio, o usurpou. Está no seu di-
reito. o pude haver responsabilidade pelo
exercício de um direito, que a lei compare sem
condições »
o incade, não usurpa, está no seu direito; mas
quem o que pode invadir e usurpar asando o.
mas abusando de sen direito? De que arma com
preferencia serviram-se os Stuarts na Inglaterra para
seus fins sinistros, senão de repetidos adiamentos e
dissoluções do parlamento?
o ha responsabilidade pelo exercicio de um di-
reito que á lei confere sem condições ! MAS a Con-
stituicão não faz depender o exercio do direito de
dissolver a camara de uma condição indispensavel
quando diz: nos casos em que o exigir a salcão do
Estado?
Ninguem o contestara.
Sobre a attribuição de' suspender magistrados, eis
como discorre o autor â pag. 52:
« Se o magistrado suspenso é condemnado
pelo poder judicial, ao qual é entregue, nenhum
145
inconveniente, antes vantagem prom do exercício
do poder moderador. Se é absolvido, lucra o
magistrado na sua independencia. Nada perde na
sua antiguidade e honorarios. Em todo caso o é
por ahi que póde o poder moderador invadir, usurpar e
prejudicar as liberdades publicas. »
Não sei o que o dilemma, a que se reduz a opi
nião acima enunciada, mais offenda, se as leis do ra-
ciocínio, se a dignidade do juiz.
O magistrado suspenso, diz o illustre publicista, ou
é condemnado ou absolvido.
Se condemnado, queixe-se dos tribunaes, do poder
moderador não. N'ísso estamos de acordo.
Se é absolvido, o magistrado nada perde, antes lu-
cra: nada perde porque vence antiguidade e hono-
rarios, e lucra porque triumpha a sua innocencia e
requinta a sua independencia. Aqui está o vicio do
argumento e o insulto á magistratura.
Com effeito a absolvição do magistrado, que fôra
suspenso pelo poder moderador, revela que o acto da
suspensão fôra injusto, e, por ventura, caprichoso, que o
magistrado fôra portanto victima de uma arbitrarie-
dade.
Em tal hypothese, que o é gratuita, mas mui fac-
tível, é irrio dizer ao magistrado absolvido: o vos
queixeis de pessoa alguma, contentai-vos com a ab-
solvição que vos declara innocente, com os honora-
rios, que vos são restituídos, e com a antiguidade,
que se vos conserva.
146
O magistrado não é o pariá da sociedade, não
póde estar em peiores condões que os mais humildes
cidadãos.
Ora a qualquer é permitlido, pelo artigo 235 do
Codigo Criminal, quando prove ser calumniosa e in-
tentada de a accusação proposta em juizo, pe-
dir contra o accusador as penas do crime imputado,
e essa garantia é indispensavel para amparar em toda
sua plenitude a honra e dignidade de cada um contra
seus inimigos, os quaes de outra sorte teriam o
privilegio de incommodar e affligir sem expor-se a
soffrimento algum.
Entretanto ao magistrado que, depois de injusta-
mente suspenso por falsas e calumniosas imputações,
é absolvido, nega-se, na theoria do Ensaio, um justo
e indispensavel desaggravo, e dá-se-lhe para socega-lo
antiguidade e dinheiro correspondente ao tempo da
suspensão!
Essa theoria pois é falsa. O magistrado que, victi-
ma de perseguição e de calumnias, fôr suspenso por
acto do poder moderador, tem direito de queixar-se
não dos conselheiros de estado pelo conselho, se
o houve, mas dos ministros pelo acto da injusta sus-
pensão, e de pedir contra elles a vindicta da lei nos
termos do artigo 133 da Constituição, e nos da Lei de
15 de Outubro de 1827.
Nem se diga que em todo o caso não é por ahi
que o poder moderador póde invadir, usurpar e
prejudicar as liberdades publicas; porquanto não
o as liberdades publicas sómente que cumpre res
guardar dos abusos e violencias do poder, mas as
individuaes tambem, e, além disso, se não impedirse
eficazmente que o poder moderador suspenda sem
147
justas razões qualquer magistrado, a arbitrariedade
praticada contra um deve assustar a todos, e reproduzida
contra diversos abalará profundamente a independen-
cia do poder judiciario. E, sem perfeita independen-
cia do poder judiciario, o que será das liberdades
publicas ?
Fica, assim, demonstrado que os actos do poder
moderador, da mesma sorte que os de qualquer po-
der, assim como produzem bens, podem produzir dam-
no e ser materia de crime, cuja responsabilidade,
pois que a nenhuma está sujeita a corôa, deve re-
cahir nos ministros de estado, sob pena de falsear-se
completamente o regimen representativo no paiz.
VIII
Se é bastante a responsabilidade moral dos ministros
o se pense que o autor recusa, toda a respon-
sabilidade ministerial em os actos do poder mode-
rador. A sua opinião, ao que parece, é que alguma
responsabilidade sempre lhes cabe por laes actos, a
saber: a responsabilidade moral, que elle pag. 95)
define < a censura imposta pela opinião publica (*) ».
A verdadeira doutrina segundo a Constituição (diz o
livro á pag. 97; é a seguinte:
« O ministerio pelo facto de estar adherente
ao chefe do Estado, áquelle a quem privativa-
mente confere a Constituição esse poder, é res-
ponsavel moralmente. o incorre porém em
responsabilidade legal, porque no que téca ás
funões e prerogativas do poder moderador
não ha nem de haver responsabilidade legal,
pois o ha autoridade constituída que possa
tomar conta dos actos do poder moderador....
Se assim não fosse admittir-se-hia o absurdor
de estar acima do primeiro representante da
não, do seu chefe supremo, uma autoridade
constituída, e esta então substituiria aquelle,
occuparia a primeira plana. •
Não ha responsabilidade legal para os ministros
nos actos do poder moderador, porque o existe au-
toridade constituída que tome conta de taes actos, e se
(*) Digo « ao que parece » ; porque no mesmo Ensaio pag. 113
uma vez citada) está; escripto: « Quando se pretende que, conforme á
Constituição, os actos do poder moderador sejam exequíveis sem a refe-
renda e sem a responsabilidade, quer legal, quer moral dos ministros, etc»
149
existisse, essa autoridade estaria acima do Imperador,
occuparia a primeira plana: eis toda a argumentação
do Ensaio.
Mas os conselheiros de estado, pelo artigo 143 da
Constituição, são responsaveis legalmente pelos mãos
conselhos, que derem em materia de competencia
do poder moderador. Isto não de ser contestado
pelo douto publicista.
Ahi es, portanto, uma autoridade constitda (o se-
nado) a conhecer de conselhos sobre negocios da com-
petencia do poder moderador, sem por isso ficar acima
do chefe da não, sem substitui-lo nem occupar a
primeira píana. E, pois, essa mesma autoridade de
conhecer dos delidos dos ministros no que pertence
á especialidade do poder moderador, sem por isso
ficar acima do Imperador, nem tomar-lhe o lugar.
A falsa argumentação, que combato, affirma dos
actos do poder moderador o que se applica á pes-
soa do Imperador. A pessoa do Imperador é invio-
lavel, sagrada e completamente irresponsavel: para
ella não ha autoridade constituída. Os actos porém
que partem do Imperador, quer como poder execu-
tivo, quer como poder moderador, esses ou se con-
siderem em relação ao conselho, ou quanto á execu-
ção, podem ser julgados pelo senado como tribunal
judicial, punindo-se os conselheiros de estado e os
ministros, que houverem delinquido.
A preteão de distinguir a responsabilidade moral
da legal para reconhecer os ministros sujeitos sómente
aquella e não a esta, è totalmente inadmissível, porque,
como diz o Ensaio â pagina 93, a verdade é esta:
«o ha meio termo.... O exercício das attri-
buições do poder moderador depende ou não
depende de referenda.
150
Se o dependem de referenda, se os ministros o
totalmente estranhos a esses actos, então não o res-
ponsaveis legal nem moralmente, porque ninguem res-
ponde de qualquer modo que seja por aquillo a que
é alheio, e de que o tem culpa alguma. O direito
desconhece o que seja responsabilidade de pura cor-
tezia.
Se, porém, dependem de referenda, tem lugar a
responsabilidade não moral, mas legal, o de
censura, mas de pena, qual no caso couber.
Tem o autor para si que os sectarios da respon-
sabilidade ministerial em actos do poder moderador
querem-na applicada frequente e inexoravelmente,
como o a entender expressamente nos períodos
que vou transcrever. Eis aqui um extrahido de pag. 97 :
< Certos poticos nossos o uma importancia
exagerada á responsabilidade legal, ao medo das penas.
Para alguns o remedios para tudo, a cadéa para os
ministros, a revolução para o chefe do Estado. E' gente
carrancuda, sombria e tervel. Comtudo é na pratica a
responsabilidade legal, na maxima parte dos casos,
uma verdadeira burla. Ainda não tivemos um
ministro condemnado.»
Outro da pag- 100 ;
« Deixemos isso (continuas accusáções e pro-
cessos contra ministros) para algumas de nos-
sas alas onde as odientas parcialidades,
alcunhadas politicas, que as dividem, se batem
e procuram desmontar-se com pronuncias. In-
felizmente não falta quem queira transportar
esse espirito e meios mesquinhos para a alta
politica! »
151
E da pag. 101:
< Outros querem tudo apurar e levar a res-
ponsabilidade ao mais pequeno recanto, como
se fosse isso possível em negocios políticos, em
sociedades de homens
A gravidade de publicista, a lealdade devida a ad-
versarios que se estimam, quadravam bem à questão,
de que se trata; mas a linguagem dos períodos aci-
ma transcriptos permitte duvidar que fossem guar-
dadas no Ensaio.
Aquelles que sustentam que os ministros respon-
dem pelos actos do poder moderador são, como se
acaba de vêr, acoimados de ler como panacéa, con-
tra todos os males publicos, a cadêa para os mi-
nistros, a revolução para o chefe do Estado.! São
arguidos de querer transportar para a alta politica
do paiz as paixões odientas e desregradas das alas,
onde, á força de processos, os partidos procuram inu-
tilisar senão extinguir os adversarios!
O que autorisava, entretanto, semelhante exagera-
ção, não em uma gazela partidaria, mas em uma
obra de direito administrativo?
Os que opinam pela responsabilidade ministerial
nos actos do poder moderador, sustentam uma dou-
trina que esta longe de prestar-se a tão malignas in-
sinuações.
Elles combatem, em nome dos princípios consti-
tucionaes, a opino que declara existir no Estado um
poder confiado ao monarcha irresponsavel, sem que
pelos actos desse poder respondam os ministros, excepto
moralmente, e isso mesmo por simples deferencia.
152
Combatendo, porém, essa opinião perigossima, em
ver de provocarem, arredam as revolões, que pro-
vocam aqulles que nos tempos presentes compre-
hendem e defendem a existencia de um poder» frac-
ção da soberania nacional, exercendo importantes
attriboições sem ser posvel opr-se jamais aos seus
actos de repressão legal.
E todavia, pugnando peia repressão legal, como
um principio, cuja falta importaria uma lacuna ex-
traordinaria em nossa fôrma de governo, nem por isso
a consideram remedio unico, universal.
Todos os que assim pensam tem por certo que a
responsabilidade moral em regra é sufficiente para
chamar o poder i orbita de seus deveres, por que de-
vassando as más inteões do governo antes mesmo
que tomem a consistencia de plano resolvido, quanto
mais de actos consuminados, a censura tende a pre-
venir delictos e a dispensar a imposição de penas que
só terão de applicar-se em casos mais graves e ex-
traordinarios.
Não é aqui sómente que o raros os processos e
punições de ministros: tambem o são e muito na In-
glaterra e em todos os paizes, onde prevalecem as
formas representativas. Nesse sentido não deixa de
ler alguma razão o illustre autor do Ensaio quando
(á pag. 95) diz:
Nos paizes regidos pelo systema represen-
tativo e sobretudo nos nossos tempos, a res-
ponsabilidade moral representa ura papel muito
mais importante, é muito mais efficaz, do que
a responsabilidade legal, a qual fica reservada
para os Testes e Cubières. Os homens políticos
temem muito mais a responsabilidade moral,
até porque è infallivel e inevitavel. A penal não
153
Mas pergunto eu: se aos abusos uos actos do po-
der moderador, aconselhados e executados pelos mi-
nistros, é dado oppôr-se a responsabilidade moral,
quando apparecerem Testes e Cubières, quando o freio
da censura fôr fraco para ministros sem pudor, o que
se ha de fazer? Deixa-los gozar em paz o fructo de
seus abusos e prevaricações? Tal seria, entretanto, a
consequencia da doutrina do Ensaio, e o resultado,
que os que seguem a doutrina opposta, proe-se com
a sua opinião, embaraçar.
154
IX
Os artigos 101 e 102 da Constituição.
Com essa epigrapbe escreve o autor o paragrapho que
vai de pag. 82 a 84, julgando levar á ultima evidencia
que os actos do poder moderador não carecem de refe-
renda nem responsabilidade de ministros. Eis o seu
raciocínio:
« O artigo 101 diz simplesmente: O Imperador
exerce o poder moderador.
« A phrase do art. 102 é: O Imperador exercita o
poder executivo pelos seus ministros de estado.
Logo se morando (são expressões textuaes do Ensaio)
na Constituição paredes meias o artigo 101 e 102,
aquelle o declara por intermedio de quem o Impe-
rador exerce o poder moderador, e este expressamente
determina que exercita o poder executivo pelus minis-
tros de estado, os quaes conforme o artigo 132, devem
referendar todos os actos desse poder, entra pelos olhos,
que as palavras < por seus ministros»do artigo 102 con-
firmam, tornam mais patente a sua exclusão no
artigo 101, isto é: no exercido do poder moderador.
Aos olhos do corpo, sem duvida, patentea-se que no
artigo 101 não existem as palavras < por seus ministro,
que se lêem no artigo 102; mas os olhos do espirito des-
cortinam logo que essa o nissão notada no artigo 101
não tem o alcance, que lhe o autor do Ensaio, de
tornar escusada, no exercício do poder moderador, a re-
ferenda ministerial.
155
A hermeneutica jurídica está-nos advertindo que,
quando da letra da lei segue-se absurdo, devemos bus-
car-lhe o espirito, não acolhendo facilmente illações, que,
deduzidas de suppostas lacunas, vão de encontro ao
pensamento e ao fim conhecido da lei. Ora o absurdo da
intelligencia litteral do artigo 101 é manifesto.
Sem sahir-se mesmo dos capítulos da Constituição,
relativos ao poder moderador e executivo, depara-se
com mais de uma illação nas circumstancias indicadas.
Assim no capitulo do poder moderador se declara o
Imperador (art. 99) inviolavel, sagrado, não sujeito a
responsabilidade alguma: no capitulo do poder execu-
tivo não se affirma que o imperador, como chefe desse
poder,e inviolavel e sagrado. Dir-se-hia, a contrario
sensu, que a inviolabilidade do Imperador só prevalece
em relão ao poder moderador e o quanto ao
executivo?
No capitulo do poder executivo se diz que o Impe-
rador prestará juramento, e determina-se a fórmula
desse juramento. Por ventura ba-de-se sustentar que o
juramento prestado pelo Imperador só se refere ao po-
der executivo e não aos actos do poder moderador,
como se o Imperante, que, no exercício desse poder e a
certos respeitos é, na phrase do Ensaio « princeps a
legibus salutus » para ser bem solto e livre, até dos
influxos da religião deve ser isento?
Por outro lado, no capitulo do poder moderador é
que se designam os títulos e o tratamento do Imperador.
Segue-se d'ahi que taes títulos e tratamento lhe não
competem como chefe do poder executivo ?
Da mesma sorte o dizer-se no capitulo do poder exe-
cutivo (artigo 102) que o Imperador exerce pelos mi-
nistros esse poder, omittindo-se igual declaração no
156
capitulo do poder moderador (artigo 101), o inhibe
que pelos ministros exercite igualmente o ultimo poder,
visto que, com a intetligencia contraria, se ataca directa-
mente a inviolabilidade da coa, principio fundamen-
tal da monarchia representativa.
Attentando nos artigos, a que o Ensaio allude, Sil-
vestre Pinheiro Ferreira chegava a conclusão inteira-
mente diversa da do nosso publicista. Dizia elle:
A collocão deste capitulo em que se trata
do poder executivo, depois do que tinha por
objecto o poder moderador, induz o leitor a
crer que a clausula de que o rei exercita o
poder executivo por via dos seus ministros
de estado, se restringe ao poder executivo,
mas que quanto ao poder moderador, bem
como ao poder legislativo, o monarcha os
de exercer sem depen dencia dos
ministros de estado: conclusão diaetralmente
opposta aos princípios do systema
constitucional, conforme ao qual nada se
deve fazer no Estado sem que alguem seja
responsavel pelas consequencias que possam
d'ahi resultar em detrimento quer seja de
particulares» quer seja do publico. Sendo,
pois, o monarcha irresponsavel por tudo o
que praticar no exercício das funcções da
realesa, quaesquer que cilas sejam, é fooso
que por todas fiquem responsaveis os
ministros de estado > (*).
A omiso das palavras < por seus ministros > no
artigo 102 diz o Ensaio (ápag. 85 e 86) que está per-
feitamente de acordo com a independencia do poder
moderador, porque assim como o poder judicial, por
(*) Observações sobre a Constituão do Imperio do Brasil e sobre a
Carta Constitucional do Reino de Portugal.
157
ser independente, faz obrigatorias as suas sentenças,
independentemente de acordo e execução de outro
poder, assim como a camara dos deputados, decretando
a pronuncia de um ministro, ao seu acto força de
obrigar por si mesmo, apenas é conhecido, assim como,
emfim, o senado, tendo de convocar a assembléa geral
legislativa, expede e executa o seu acto directamente,
tambem o Imperador, para exercer o poder moderador,
não ha mister soccorrer-se a outro poder.
Reproduz-se aqui, bem se vè, a equivocão.com que
o Ensaio suppõe que os ministros são um poder, e que,
consegnintemente, exercer por meio delles o poder mo-
derador seria torna-lo dependente de um poder estranho;
mas já sufficientemente demonstrei que os ministros não
são um poder, são apenas agentes do poder, que em
nada alteram a independencia do poder a quem
servem.
De acordo com essa falsa idéa de independencia do
poder moderador, o autor pretende que uma lei regu-
lamentar indique pessoa (estranha ao ministerio), por
intermedio de quem os actos do poder moderador se
expeçam e executem, e que em quanto semelhante lei
não se promulgar, pôde o Imperador empregar nesse
mister quem lhe parecer.
Eis as palavras do autor, à pag. 87:
< Quem ha-de escrever os actos do poder
moderador, quem ha-de authentica-los, quem ha-
de fazeras communicações necessarias ?
Certamente quem e como uma lei regulamentar
mui simples determinar, e quem e como o
I.nperador resolver na occasião, em quanto não
existir essa lei. >
Uma tal opinião ê dissonante dos prinpios que re-
gem esta materia, segundo os quaes longe de ser licito
158
ao nionarcha chamar quem lhe parecer para executar
seus actos, o actos de monarcha os que elle exe-
cutar por pessoas que, sendo, na fôrma da lei, habeis
para ministros de estado, tenham sido com effeito inves-
tidos dessa dignidade com as formalidades, que a mesma
lei deve ler prescripto.
E' essa opinião dissonante até do pensamento ver-
dadeiro e luminoso, que o autor expende á pag. 139
nas palavras :
< Quererão dizer que os actos do poder
moderador sejam referendados por qualquer
pessoa a quem se imponha a responsabilidade
legal ? o é possível exigir a referenda e
consequente responsabilidade (nos actos do po-
der moderador) de entidade o conhecida e o
destinada para. esse fim pela Constituição, sem
alterar a mesma Constituição. »
Eis a verdade escripta pelo autor como para refutar
toda a sua falsa doutrina: designar uma pessoa, não
conhecida, o destinada pela Constituição, para refe
rendar e responder pelos actos do poder moderador,
seria alterar a mesma Constituição.
Ora bem: se em vossa opinião só uma entidade re-
conhecida pela Constituição póde referendar e respon-
der pelos actos do poder moderador, como sustentais
que uma lei regulamentar póde indicar pessoa não co-
nhecida pela Constituão, por meio de quem o Impe-
rador exea esse poder impondo-lhe a consequente
responsabilidade ?
Ainda mais: se não sede, sem oflensa da Consti-
tuição, designar por uma lei entidade não reconhecida
na mesma Constituição para referendar e responder
pelos actos do poder moderador, como é que, em falta
dessa lei, o Imperador póde chamar na occasião quem
lhe parecer idoneo para esse fim?
159
Só uma entidade conhecida pela Constituição é capaz
de referendar e responder pelos actos do poder mode-
rador : concordo com o autor do Ensaio.
Mas na Constituão o ha entidade que esteja no
caso de referendar e responder pelos actos do poder
moderador senão o conselheiro e o ministro de estado,
um pelo conselho sómente, e outro não so pelo conselho,
mas tambem pela execução.
Se chamais o ministro de estado a referenda e res-
ponsabilidade dos actos do poder moderador, salva-se
a maxima da inviolabilidade do Imperante, base da
monarchia representativa. Se, porém, apartais o minis-
tro da referenda e responsabilidade de taes actos, sois
obrigados a admittir uma de duas: ou que o Imperador
seja o seu proprio ministro dispensando a referenda e a
responsabilidade de quem quer que seja, ou que elle
possa, no momento de expedir qualquer acto do poder
moderador, chamar quem lhe parecer para a referenda
e responsabilidade. Num e n'outro caso quebranta-se a
inviolabilidade da corôa, e exe-se a monarchia ao
mais serio perigo; porque, em qualquer delies, o chefe
do Estado arrogar-se-hia uma verdadeira dictadura!
Assim para que os ministros de estado deixassem de
referendar os actos do poder moderador, não bastava a
omissão do nome delles no artigo 101 da Constituição,
mas era preciso que a lei fundamental indicasse expres-
samente outra entidade, a quem, apezar das regras da
boa organisão constitucional, competisse tal referenda
e responsabilidade.
Se houvesse tal disposição expressa, seria ella opposta
aos principios constitucionaes, mas, emfim, seria uma
lei: não havendo-a porém, está entendido que o ministro
ó a entidade competente pela nossa Constituição para
referendar e responder pelos actos do poder moderador,
160
Petição de principio.
0 esclarecido escriptor do Ensaio considera os sens
adversarios desprovidos de tal sorte de razões solidas
em favor de sua opinião, que os snppõe reduzidos a não
apresentarem mais do que um argumento (textual)
diversamente guisado, e esse mesmo vicioso por ser uma
petição de principio. Voa citar o que se A pag. 63 e
64:
Os que pretendem que os actos do poder
moderador dependem da referenda para a res
ponsabilidade dos ministros, demonstram essa
these, descarnadas as demonstrações, da seguinte
maneira: E' absurdo que a inviolabilidade do Im
perador não seja coberta e protegida pela refe
renda dos ministros do executivo. Logo os actos
do poder moderador, para que sejam exeqveis,
dependem da referenda pela qual assumam os ministros
a responsabilidade de taes actos. E' uma verdadeira
petição de principio, porque o membro principal do
syllogismo é aquelle mesmo que 6 questionado. * .
Em nota correspondente observa o autor:
« O folheto (refere-se ao folheto de que dou
agora segunda edão) que acima citei, colloca
nelle as suas baterias como se dos seguintes
trechos: Todas as theses da Constituição relati-
vas ao poder moderador são, como se, domi-
nadas por aquella, que solemnemente declara a
pessoa do Imperador inviolavel e sagrada eo
, sujeita a responsabilidade alguma.
161
< Ora diz o bom senso que declarar (em paiz livre)
irresponsavel uma pessoa, a quem se confiam tão
transcendentes funcções implicaria grave absurdo se a
sua inviolabilidade não fosse protegida pela
responsabilidade de funcciona- rios sem os quaes
nada podesse levar a effeito. »
Denunciada a petição de principio dos contrarios,
diz o Ensaio :
Póde-se retaliar do modo seguinte: E'ab- surdo
formar com todas as attribuições de natureza neutra
um quarto poder, eleva-lo á categoria de poder
politico, declara-lo delegado da nação, confia-lo ao
chefe supremo e primeiro representante da não
exclusivamente, isto è, com exclusão de todos os
outros poderes, e portanto do executivo, distingui-lo
e separa-lo acuradamente do executivo, tratar delle em
capitulo separado da Constituição, e logo depois, por
uma inexplicavel reviravolta, convertê-lo em rabadi-
lha do executivo. »
Quem confrontar com a doutrina do folheto, citado
pelo autor do Ensaio, o que elle, depois de descarnar á
sua vontade e reduzir a esqueleto, chama petição de
principio, nota sem duvida que o autor do folheto
não está incurso no vicio de argumentação com que a
anatomia do Ensaio o aquinhôa.
Não disse o folheto (nem o dizem os que tem as mes-
mas ias) com a transgressão de logica supposta pelo
Ensaio: < O Imperador não póde ser inviolavel sem a
referenda de ministros. Logo a referenda e responsabi-
lidade dos ministros é indispensavel aos actos do poder
moderador. »
o é dando por liquido o que esta em duvida, mas
partindo de princípios inconcussos e geralmente
aceitos, e mostrando que taes princípios eslão
adoptados em nossa Constituão, que os defensores da
responsabilidade ministerial nos actos do poder
moderador chegam á conclusão que ella é
indispensavel.
Argumentam assim:
O primeiro principio da monarchia representativa é
a inviolabilidade do monarcha.
A inviolabilidade do monarcha suppõe que elle
póde fazer o bem e nunca o ma).
O presupposto de fazer o rei só bem e não mal, é uma
ficção do systema representativo.
Essa fião legal da monarchia representativa implica
necessariamente a idèa de serem os agentes do príncipe
responsaveis pelo mal que appareça em qualquer acto
da realesa.
Agentes responsaveis na monarchia constitucional
são essencialmente os ministros, isto è—aquelles func-
cionarios que, merecendo a confiaa do rei e do parla-
mento, aproximam, por assim dizer, um do outro, fat-
iando nos conselhos da coa com a autoridade de ho-
mens que tem por si a opinião do paize das camaras.e nos
conselhos da nação com a de homens versados nos
grandes negocios e de posse dos segredos do Estado,
funccionarios que, portanto, constituem na monarchia
representativa, elemento indispensavel para a realisa-
ção do governo parlamentar.
A Constituição do Imperio adopta e consagra esses
princípios cardeaes do regimen representativo.
Os actos do poder moderador, que ella creou, são
actos de realesa, capazes de produzir bem ou mal, como
163
todos os actos dos poderes humanos, e portanto sujeitos
á responsabilidade.
Taes são as premissas com que os seguidores da res-
ponsabilidade ministerial em actos do poder moderador
tecem os seus racionios para concluir que os
ministros de estado devem referendar e responder
pelos actos do poder moderador.
Podem estar em erro os que assim pensam; mas é
certo que não o por liquido o que es em duvida,
não cahem n'uma petição de principio.
Verdadeira petição de principio é o argumento do
Ensaio.
Ahi, sim,parte-se da supposão «que os ministros
são poder executiv para concluir que, sendo o poder
executivo separado do moderador, não é admissível
que os ministros referendem e respondam pelos actos
do poder moderador sem ficarem desde logo
confundidos, contra o pensamento e a letra da
Constituição, os dous poderes, convertendo-se o poder
moderador em um appendice, e appendice indecente,
dos ministros.
Supposição, o só duvidosa, mas positivamente fal-
sa, porque os ministros, já o demonstrei,o são poder
executivo,e pois, não é do contacto delles com o Impe-
rador, nos actos do poder moderador, que ha de vir a
inculcada confusão dos dous poderes.
164
XI
Benjamin Constant mal comprehendido.
Não falta quem tenha querido apadrinhar a opi-
nião de que os ministros não respondem pelos actos
do poder moderador, com o nome de B. Constant,
reputado autor da theoria desse poder.
O escriptor do Ensaio sobre o direito administrativo
diz á pag. 57:
« B. Constant esboçou a distincção entre o
poder moderador e o executivo nos seguintes
termos: O poder ministerial, bem que emanado
do poder real, tem com tudo uma existencia real-
mente separada deste ultimo, e a differença è
essencial e fundamental entre a autoridade res-
ponsavel e a autoridade invertida da irrespon-
sabilidade. O poder ministerial é o realmente
a unica mola para a execução em uma consti-
tuição livre, que o monarcha nada proe senão
pelo intermediario de seus ministros, nada or-
dena sem que a sua assignatura offereça a nação
a garantia de sua responsabilidade. Quando se
trata da nomeação dos ministros o monarcha
decide so: é direito seu incontestavel. >
E acrescenta em nota correspondente do periodo
supra transcripto:
Estas e outras preposições de B. Constant
pela sua letra, e porque de outro modo seria
completamente contradictorio, referem-se aos
165
actos do poder executivo ou ministerial como elle
lhe chama. Tenho-as lido citadas com applicação aos
actos do poder moderador, o que prova que os que
assim as citaram e argumentavam, ou por falta de
reflexão mais detida ou pelo habito de estudar as
queses ás pressas de um dia para outro, não
haviam comprehendido bem aquelle distincto
publicista. »
Não obstante a sobranceria, com que o autor do
Ensaio assevera que os que, divergindo de sua opi-
nião, soccorrem-se á autoridade de B. Constant, ou
não reflectem detidamente, ou tem o habito de es-
tudar as questões ás pressas de um dia para outro, é
facil de mostrar que, desta vez ao menos, é no
Ensaio que se encontra a falta de reflexão detida ou
o habito de estudar as questões ás pressas.
E por que o autor omitisse, na citação que fez de
alguns períodos da obra de B. Constant, orna parte
mui importante, eu os reproduzirei por inteiro, e,
para que o leitor melhor os aprecie, na propria lingua
desse publicista:
« Le pouvoir ministériel, bien qu'émané du
pouvoir royal, a cependant une existence réel-
lement separée de ce dernier; et la différence
est essentielle et fondamentale entre Fautori
responsableet l'autorité invertie de Finviolabili.
« Le pouvoir ministériel est si réellement
le seul ressort de 1'éxécution, dans une consti-
tution libre, que le monarque ne propose rien
que par Finterdiaire de ses ministres, il
n'ordonne rien que leur signature n'offre á la
nation la garantie de leur responsabilité.
166
Quaud il est question de la nomination des
ministres, te monarque decide seul.c'est son droit
incontestable. Mais dès qu'il est question d'une
action directe, ou même seulement d'une
proposition, le pouvoir ministeriel est obligé de
se mettre en avant pour que jamais la discussion
ou la résistence ne comprometa le chef de ltat
(*). »
Em vista dessa passagem, cujo final, omittido na
citação do Ensaio, tanta luz derrama a respeito do
pensamento do publicista francez, torna-se evidente
que, na tbeoria de B. Constant, os ministros, apezar
de separar-se o poder ministerial do real, respondem
pelos actos deste ultimo poder, porque nella o
distincto publicista declara formalmente:
1.° Que o poder ministerial, em uma constituão
livre, è a unica mola de execução.
2.º Que, em consequencia, o monarcha nada pro-
põe senão por intermedio dos seus ministros.
3.º Que o rei nada ordena sem que a assignatúra
dos ministros offereça á nação a garantia de sua res-
ponsabilidade.
4 Que dessa regra apenas exceptua-se a nomeação
dos ministros, por ser direito incontestavel do monar-
cha decidir só por si.
E a razão da regra é bem explicita: < desde que
se trata de uma acção directa ou sómente de uma
proposição, o poder ministerial deve collocar-se na
frente para que jamais a discussão ou a resistencia
comprometia o chefe do Estado.
(*) Court de Pol. Gonst., pag. 78.
167
Diz o autor do Ensaio que B. Constant, faltando
de execução na passagem por elle citada, refere-se á
execução do que propriamente pertence à aada do
poder, que o mesmo publicista denomina executivo ou
ministerial, e não á dos actos do poder real: ha nisto
manifesto engano.
Precedentemente o publicista francez dividira, no
seu Esbo de Constituição, o poder real do ministe-
rial ou executivo, e designára as attribuições de um
e outro.
O poder real (Esboço de Const., Ç. % pag. 4 a 11)
tem por attribuões: nomear e destituir o poder exe-
cutivo, sanccionar as resoluções das camaras, adiar
e dissolver a camara electiva, nomear os magistrados,
perdoar as penas, resolver a paz e a guerra, etc..
O poder ministerial (Esboço C. 3, pag. 13 a 14)
tem, por seu lado, a attribuição de propôr leis, em
seu proprio nome, no seio das assembléas represen-
tativas, concorrentemente com os membros das mes-
mas assembléas, assignar, tambem em seu nome, todos
os actos do poder executivo, etc..
Isto posto, e entrando o publicista no que chama
< desenvolvimentos do seu Esboço de Constituão >,
é evidente que quando escreve a passagem, citada pelo
Ensaio, affirmando, que o monarcha nada faz nem propõe
sem ser por intermedio e com a responsabilidade dos mi-
nistros, refere-se aos actos do poder real, por tres
razões bem simples e peremptorias: 4.ª,que a nomea-
ção de ministros, apontada como excepção da regra,
é da competencia do poder real, e, pois, a regra, que
essa exceão limita, concerne tambem às attribui-
ções daquelle poder: 2», que seria uma futilidade,
168
inadmissivel em um escriptor da ordem de B.
Conslant esforçar-se por demonstrar que o poder
ministerial deve assignar e responder pelos actos de
sua especial competencia: 3
a
, que o capitulo dos
desenvolvimentos—, de que o autor do Ensaio
extrahio a passagem, de cuja intelligencia se trata,
inscreve-se do poder real —, d'onde ainda resulta
que a execução de que nessa passagem se diz ser
unica mola o poder ministerial é, e não póde ser
outra» a execução de actos da competencia do poder
real.
Assim que, na theoria de B. Constant, o poder
ministerial é um poder duplamente executivo: execu-
tivo, porque tem attribuições proprias, que lhe dão o
caracter de um poder constitucional separado do real,
e executivo, porque é por intermedio deite que o po-
der real tudo faz e mesmo propõe, excepto unicamente
a nomeação dos ministros: « Le pouvoir ministériel
estellement te seul ressort de l'exécution. »
Diversas outras passagens confirmam que tal é o
pensamento do publicista francez.
Diz e lle á pag. 13:
< A irresponsabilidade do monarcha força-o
a nada fazer senão por intermedio dos seus
ministros»
Tratando do direito de graça attribuido ao rei, diz à
pag. 190:
< A inviolabilidade é o primeiro principio da
monarchia constitucional. A inviolabilidade sup
põe que o monarcha não póde fazer mal, fião
legal que entretanto o isenta dos affectos e
169
fraquezas da humanidade o individuo collocado
sobre o throno....
Conforme esse principio, na aão do poder
cumpre r os ministros que ahi estão para
responder. »
Lê-se àpag. 378 a seguinte proposão:
« Tal é o mecanismo da monarchia constitu-
cional. O poder real é o poder conservador: o
poder ministerial o poder activo, sem o qual o
poder real nada de fazerle pouvoir minis-
tériel est le pouvoir actif, sans le quel le pouvoir
royal ne peut rien faire.
Mas para que se dissipem todas as incertezas, se al-
guma incerteza pudesse haver, sobre o pensamento de
B. Constant no assumpto em questão, vou encerrar este
artigo com uma passagem terminante, decisiva.
O direito de paz e de guerra é, segundo B. Constant,
attribuição do poder real. Elle diz no Esboço da Consti-
tuão, á pag. 11: « O rei decide da paz e da guerra
E passando aos desenvolvimentos, entra de novo em o
exame dessa these, formulada assim, á pag. 77:
« O direito de paz e de guerra o pode, em
uma monarchia, pertencer senão ao poder
real. »
Ora bem: se o direito de paz e da guerra pertence ao
poder real, quem responde pelo exercício desse di-
reito? Eis uma questão que naturalmente occorre e a
que o publicista responde de modo a não deixar duvida
a respeito da má inteliigencia, que deu á sua obra o
170
Ensaio sobre o direito administrativo. Vou citar da
pag. 77 suas próprias palavras: -
« Mais alors oú sera, dira-t-on, la responsa-
bilité? Dans les ministres, non pour avoir de-
claré la guerre, ce que n'est pas un acte de
leur ressort, mais pour avoir conserve une place
et continué leurs services, si le sujet de la
guerre se trouve n'avoir pas été juste et
légitime.
« On n'entend pas bien la nature du pouvoir
royal et de la responsabilité tant qu'on ne sent
pas que le but de cette admirable combinaison
politique est de conserver au roi son inviolabi-
lité, en lui ôtanl ses instruments s que cette
inviolabilitè menace les droits ou la sureté de la
nation. Cesttout le secret: si pour conserver
l'inviolabilito royale on exigeait que la volonle
royale fut á l'abri de toute erreur, l'inviolabilite
serait une chimere. Mais en la combinant avec la
responsabili des ministres, on fait qu'elle peu-
tetre respectée ellement, parce que s'il
advenait que la volon royale s'égarât, elle ne
serait plus exéculée ). »
Quer isso dizer:
1.' Que na theoría de B. Constant, a separação do
poder ministerial ou executivo do poder real, não veda
(quanto mais perante a nossa Constituão, que não
reconhece no ministerio um poder constitucional) que
o poder executivo responda pelos actos do poder real.
2.° Que a rao da referenda e da responsabilidade
não é pertencerem ao poder ministerial actos que são da
(*) Court de Pol. Const., pag. 77.
171
competência do poder real, mas o prestarem-se os mi-
nistros á respectiva execução, continuando a conservar
os seus lugares e a servir ao chefe do Estado.
3.° Que o segredo e fim da combinação politica, con-
sistente em separar o poder real do ministerial, é manter
a inviolabilidade do monarcha, privando-o, mediante a
responsabilidade ministerial, de instrumentos para o
mal.
4.* Que a inviolabilidade do monarcha, sem o apoio
da responsabilidade dos ministros, e fundada na sup-
posão de que a vontade real è naturalmente isenta de
desvairar-se e de errar, seria uma chimera.
Em face dessas proposões, que são fiel traducção
dos citados peodos de B. Constant, avalie o leitor a
sem razão com que o Ensaio sobre o direito adminis-
trativo pensa ter de seu lado esse autor, o Ensaio que
adhere e sustenta com affinco a opinião daquelles que
descobriram o segredo de conservar illesa a inviola-
bilidade do chefe do Estado no exercício do poder mo-
derador pela eminencia de sua posição, pelo grande
interesse de transmittir aos seus descendentes o throno
que lhe deixaram seus gloriosos ascendentes, pela inno-
cencia intrínseca das attribuões moderadoras, pela
foa da disposição constitucional que a consagra, pela
responsabilidade, quando muito do conselho de estado,
mas arredada e bem arredada a idéa de ser necessaria
a referenda e responsabilidade dos ministros !
E dizem, em cima disso, que os que seguem opinião
diversa o reflectem detidamente, ou tem o habito de
estudar as questões de um dia para outro!
172
XII
Os arte. 132, 133 © 135 da Constituição.
Dise o art. 132:
« Os ministros de estado referendaras ou
assignao todos os actos do poder executivo,
sem o que não poderás ser executados
Art. 133:
« Os ministros de estado são responsaveis:
< 4 .* Por traição.
2.° Por peita.
« 3.º Por abuso de poder.
< 4 Pela falta de observancia da lei.
« 5.° Pelo que obrarem contra a liberdade,
segurança ou propriedade dos cidadãos.
< 6.° Por qualquer dissipação dos bens
publicos. »
Art. 135:
«o salva o ministro da responsabilidade a
ordem do Imperador vocal ou por escripto. »
Observa o autor do Ensaio (pag, -83, 108 e 109) que
todos esses artigos da Constituição acham-se collocados
no capitulo que trata especialmente e tem por titulo
< Do poder executivo », inferindo d'ahi que, pois
173
todoso relativos aos actos do executivo, a referenda
e a responsabilidade ministerial, que estabelecem, só
em relão ao executivo devem ser entendidas, e não
ao moderador.
Elle se exprime assim:
•« Os arts. 132, 433, 134 e 135, todos relativos ao
poder executivo, tem uma concatenão logica tão
cerrada, todos elles eso tão fixados pelo art.1
(132), e pela rubrica do capitulo na hypothese de que
os actos são do poder executivo, que nem a mariello
sede nelles dar ingresso ao poder moderador.»
Antes de tudo direi o ser exacto, que o capitulo em
que se acham taes artigos, se intitule < Do poder execu-
tivo. » O titulo do capitulo em questão é« Do
ministerio.»
Dir-se-hia que o autor do Ensaio, imbuído no falso
prestipposto de achar-se adoptada pela nossa Constitui-
ção a theoria de B. Constant, na parte que elevou o mi-
nisterio ao gráo de um poder constitucional, sob o nome
de « Poder ministerial ou executivo », tomou as pala-
vras < Do ministerio , que se acham no alto do cap. 6
o
do tit. 5
o
da Constituição, como equivalentes dest outras
Do poder executivo , e assim as foi traduzindo, per-
suadido talvez, de que tal equipolencia muito aprovei-
tava à sua causa.
O certo è, porém, que a nossa Constituição não con-
funde poder executivo com ministerio: daquelle trata no
cap. 2
o
, deste no cap. 6
o
do tit. 5.° E, pois, da inscripção
do capitulo, a que pertencem os artigos de que se
trata, não ha argumento em favor da opinião do Ensaio.
Examinarei cada um desses artigos.
174
Pelo art 132 da Constituão, pondera o Ensaio, os
ministros são obrigados a referendar os actos do poder
executivo, sem o que não poderáõ ser executados. Logo,
os do moderador dispensam a referenda dos ministros,
ou estes a prestam (expressões que se lêem á pag. 107)
como tabelles do Estado, que certificam em publico e
raso que o documento e assignatura imperial o ver-
dadeiros !
Contra a dispensa da referenda ministerial nos actos
do poder moderador protesta energicamente a pratica
não interrompida no paiz, desde que comou a execu-
tar-se a Constituição até o presente, pois ê certo, e o
autor do Ensaio o reconhece, que jámais deixaram elles
de ser referendados como são os do executivo'.
Nem diga o autor do Ensaio.- < Do facto não se con-
cilie o direito.» Porquanto, responde lhe o aphorismo: «
Optima est legum interpres consuetudo. » E com effeito,
se ha mais de 40 annos e em dous reinados, nenhum
de tantos ministerios que se tem succedido na
administração dos negocios publicos, ministerios de
opiniões e tendencias diversas, hesitou ainda em refe-
rendar os actos do poder moderador, esse estylo cons-
tante prova que acertada interpretação da lei funda-
mental è a dos que julgam necessaria a referenda minis-
terial nos actos do poder moderador, e assim de-se
affoutamente dizer que a jurisprudencia constitucional
tem fixado nesta parte a verdadeira intelligencia da
Constituição.
Contra a ia de serem os ministros tabelles do Es-
tado, que certifiquem em publico e raso ser com effeito
do monarcha a assignatura imperial exarada em qual-
quer acto do poder moderador, protestam o menos
energicamente até as proprias idéas do Ensaio.
175
Ás idess do Ensaio, sim, porque, segundo ellas, os
ministros respondem se o legal, moralmente pelos
jactos do poder moderador, e a responsabilidade moral
ou censura por taes actos, quer dizer que os ministros,
referendando-os, fazem alguma cousa mais do que o
simples officio de tabellião, porque o tabellião desde que
a identidade das pessoas de que fé, é verdadeira,
a nenhuma increpação mais es sujeito, qualquer que
seja o acto expedido, entretanto que o ministro o se
isenta de arguão dizendo que a assígnatura do acto
do poder moderador é verdadeiramente do monarcha,
mas responde por elle expondo-se (na doutrina do En-
saio) á censura, a qual póde elevar-se á propoão de o
fazer perder o lugar, se as camaras por isso lhe retira-
rem a confiança.
Quanto aos arts. 133 e 135, entendem muitos que,
declarando aquelle os ministros responsaveis pelas clas-
ses de delictos que estabelece, e dizendo este que o
salva o ministro da responsabilidade ordem do Impera-
dor, vocal ou por escripto, resolvem litteralmente a ques-
tão, de que se trata, no sentido da responsabilidade mi-
nisterial pelos actos do poder moderador, visto como a
disposição, quer do art. 133, quer do 135, è geral, não
fazendo distincção alguma entre actos do poder execu-
tivo e moderador. E nessa interpretação abundou o dig-
no senador o Sr. Marquez de Olinda no importante dis-
curso que na respectiva camara proferio em sessão de
14 de Agosto de 1861.
O autor do Ensaio diz que nem a martello se pô-
de dar ingresso nos dous citados artigos aos actos do
poder moderador !
Mas eu acho que, sem auxilio d'esse instrumento me-
canico, com que talvez o Ensaio d'esse ingresso no alto
do cap. 6° do til. 5
o
da Constituição a uma rubrica, que
176
lá não existe, é facil mostrar que a responsabilidade es-
tabelecida no art. 133 o se restringe exclusivamente
aos actos do poder executivo, e mostra-lo com a autori-
dade de uma lei importanssima: a de 15 de Outubro
de 1827.
Em verdade a lei de 15 de Outubro de 1837, promul-
gada, nos termos do art. 134 da Constituição para espe-
cificar a natureza dos delictos, de que trata o art. 133, e
a maneira de proceder contra elles, a qual tem por titulo
« Lei da responsabilidade dos ministros e conselheiros
de estado », depois de haver no capitulo 1 especificado,
pelo que diz respeito aos ministros, a natureza dos delic-
tos de—traão, peita, suborno, concuso, abuso de
poder, falta de observancia de lei, offensa de liberdade,
segurança ou propriedade dos cidadãos, e marcado as
penas correspondentes a esses delidos, limita-se, no
cap. 2
o
, constante de um unico artigo, a estabelecer,
quanto aos conselheiros de estado, o seguinte :
Art. 7.° Os conselheiros de estado são
responsaveis pelos conselhos que derem :
< 1.° Sendo oppostos ás leis.
« 2.° Sendo contra os interesses do Estado,
se forem manifestamente dolosos.
« Os conselheiros de estado por taes conselhos
incorrem nas mesmas penas em que os ministros
e secretarios de estado incorrerem por factos
analogos a estes
Quando porém ao conselho o se seguir
effeito, soffreõ a pena no gráo médio, nunca
menor que a suspeno do emprego de 1 a 10
annos. »
Do citado artigo deprehende-se que perfeita analogia
177
existe entre a responsabilidade do conselheiro de estado
e a de ministro: tanto um como outro póde incorrer,
exercendo as suas funões, no crime de traição, peita,
suborno, abuso de poder, offensa de liberdade etc., nos
delictos em summâ, referidos no art. 133, e nas penas,
que a lei regulamentar desse artigo da Constituição es-
tabeleceu, só com a differença que o ministro responde
pelo acto, o conselheiro pelo conselho, sendo a penali-
dade, em que esle incorre, menor quando ao conselho se
não seguio, do que seguindo-se-lhe, o effeito.
Ora, a responsabilidade dos conselheiros de estado,
conforme os arts. 142 e 143 da Constituição, e art. 7
o
da
Lei de 15 de Outubro de 1827, abrange expressa e in-
questionavelmente os actos tanto do poder executivo
como do moderador,e estes com especialidade, porque a
audiencia do conselho de estado sobre negocios do
poder moderador o era como a respeito dos do exe-
cutivo, meramente facultativa, mas necessaria.
E, pois, deve-se concluir que o autor da Lei de 15 de
Outubro de 1827 não considerou, como considera o es-
criptor do Ensaio, a responsabilidade de que falia o art.
133 da Constituição, circumscripta exclusivamente aos
actos do poder executivo, e só propria deites, porque se-
ria absurdo applicar a delictos de conselheiros de es-
tado, no que toca ao poder executivo ou ao moderador,
disposições legaes que só coubessem a crimes de minis-
tros em assumptos do poder executivo.
O Imperador é sujeito a responsabilidade
moral ?
0 Ensaio agitando essa importantíssima questão,
resolve-a no cap. 29 § 42, pag. 95 e 400, como se
dos períodos abaixo transcriptos:
Ha uma especie de responsabilidade chamada
moral, ou censura imposta pela opinião publica » em
muitos casos mais efficaz do que a legal. Ninguem a
póde evitar e produz sempre todos os seus effeitos.
Vai direita ao causador do mal, não respeita condições e
jerarchias; pelo contrario quanto mais elevada é a
posição do individuo mais o persegue, mais com elle
se agarra, o ha soberano, por mais poderoso, que a
não tema, porque ella mina e destróe a força moral,
sem a qual não póde durar um poder.
« o se limita aos actos exercidos em vir-
tude de officio publico, estende-se ainda mesmo
aos particulares de funccionarios publicos, e en-
fraquece ou deste o privilegio dos que exer-
cem os altos cargos do Estado. Penetra por
toda a parte.
« E' um perfeito engano -acreditar que o
chefe do Estado, se der justa causa, possa
escapar a essa responsabilidade. Pelo
contrario, porque está muito alto, è muito visto
e mais a provoca.
179
« A audiencia necessaria do conselho de es-
tado remove a responsabilidade moral do Impe-
rante para aquella corporação... E se o a re-
mover completamente, certamente a attenuará
de um modo consideravel, dividindo-a. »
Mais clara e terminante não de ser a opinião do
autor. Elle sustenta:
1.° Que a responsabilidade moral é a censura da
opinião publica, ás vezes mais efficaz que a responsabi-
lidade legal.
2.° Que nenhum poder sobre a terra é capaz de evi-
tar essa responsabilidade moral..
3 Que, pois, o chefe do Estado, se der justa causa,
o de escapar ã mesma responsabilidade, antes
porque se acha mais altamente collocado mais a pro-
voca.
Sinto dizê-lo, essa doutrina é uma heresia constitu-
cional.
O art. 99 da Constituão dise: < A pessoa do
Imperador è inviolavel e sagrada: elle não es sujeito
a responsabilidade alguma. »
A phrase « não está sujeito a responsabilidade
alguma > quer dizer que quaesquer que sejam as es-
pecies de responsabilidade, nenhuma se applica ao chefe
do Estado.
Ora o escriptor do livro, que estamos procurando
apreciar, reconhece duas especies de responsabilidade,
uma legal, outra moral.
E, pois, a nenhuma dessas responsabilidades, nem a
legal nem a moral, ê sujeita a pessoa do Imperador.
Esta e a concluo logica, irrecusavel da letra do art.
99 da Constituição quando isenta o chefe do Estado
de toda responsabilidade.
Tal é tambem a concluo unica que permitte o es-
pirito do artigo citado.
A monarchia representativa assenta na ia de que o
rei é inviolavel, sendo a origem de todo o bem e não po-
dendo fazer mal algum: e o príncipe que se acha em taes
condições, deixando quasi de ser um homem para se
converter n'um principio, n'uma instituição, não é muito
que se considere impeccayel e por tanto o mereça, já
não digo repressão legal, mas censura alguma, por mais
indirecta e remota que seja.
Ora o art. 99 tem evidentemente por fim consagrar
em toda a sua plenitude essa maxima cardeal, a impec-
cabilidade do pncipe, e portanto o seu espirito como
a sua letra condemnam a distincção altamente repro-
vada com que o Ensaio isenta o chefe do Estado da
responsabilidade legal, mas sujeita-o, ainda que reparti-
damente com os seus conselheiros, á responsabilidade
moral, ou á censura.
Que differença haveria, se fosse exacta a opinião do
autor, entre o Imperador primeiro representante da
não e os demais representantes do povo? Nenhuma;
porque seo Imperadornão está sujeito á responsabilidade
judica, tambem os membros de cada uma das duas ca-
maras o respondem juridicamente pelas opines que
proferem no exercício de suas funcções,e se os membros
das camaras não podem subtrahir-se á censura publica,
o chefe do Estado, pela theoria âo.Ensaio, acha-se igual-
mente sob a influencia desse meio de repressão, ás vezes
mais efficaz que a responsabilidade legal, e que quanto
mais alto o poder mais se lhe agarra.
181
A verdade porém é que entre o primeiro represen-
tante da nação, e os membros das camaras, no que toca
á inviolabilidade, ha uma distancia inaccessivel.
A inviolabilidade do senador e do deputado entende-
se sómente quanto á responsabilidade legal, e quer dizer
que não estão sujeitos por suas opiniões a nenhum tri-
bunal constituído; roas á censura eso elles expostos
coroo lodo o funccionario publico de qualquer categoria,!
e convem que assim seja.
A inviolabilidade do pncipe é incomparavelmente
mais extensa: isenta-o da jurisdicção de tribunaes
constituídos, e lambem das penas com que o tribunal da
opinião publica, sob o titulo de censura, fulmina os que
se deslisam da senda do justo e do honesto.
Ainda mais: pelo art. 99 o príncipe não é só inviolavel
legal e moralmente, é tambem sagrado, e esta expressão,
que não foi debalde acrescentada áquellas, designa no
imperante uma pessoa digna de respeito e da veneração
de todos.
Pouco ter-se-hia feito em favor da corôa em nossa or-
ganisação constitucional, se sòmente a isentassem da res-
ponsabilidade judica, e não da moral; porque, como
observa o mesmo autor do Ensaio, esta responsabilidade
mina e destróe a força moral, sem a qual não pode durar
o poder, e no dizer de Hello: « Avant l'inviolabilité
légale, il y a une inviolabilitè morale sans laquelle la
premre est mutile: c'en est fait de celle-ci, quand on
se dispense de l'autre. On ote tout au prinee dont on
s'habitue à dire; rien ne resiste à l'action continue
da dènigrement et du sarcasme, et il n'y a pas de ma-
jeshumaine qui ne s'evanouisse dans les outrages (*)
(*) Du régime constitutionnel,
Entretanto o Ensaio sobre o direito
administrativo o hesita em sujeitar o imperante á
aão da censura, que mina e deste o poder, á
influencia da censura, a que nada resiste, e diante da
qual não ha niagestade humana que não succumba !
E' tão absona a doutrina do Ensaio nesta parte, que
quasi o posso acreditar que os períodos supramencio
nados sejam prodi do Jurisconsulto que escreveu
essa obra; mas as duvidas se dissipam á foa de r a
doutrina repetida em diversas passagens do livro como
estas:
< Quando a responsabilidade (pag. 96) moral
não affecta, quando a censura publica o re-
prehende o chefe do Estado por um acto, como
emanado delle, reprehende-o muitas vezes por
tolera-lo e por havê-lo deixado praticar.
« O rei deixa fazer o mal—responsabilidade
moral. O rei o deixa os ministros governa-
rem, envolve-se em tudo, impõe-lhes a sua von-
tade—é a.causa do mal.
< Os actos o dos ministros e são elles os
responsaveis, dizem uns. Mas, dizem outros,
não
vê o chefe do Estado esses actos, não preside o
conselho, não os assigna, e porque não
busca
outros ministros? E' elle o pedaço de pão, que,
como narra o fabulista, deu Jupiter ás as, as
quaes se queixavam porque era um rei que não
se mechia? »
Ha nada mais positivo do que essa censura publica
reprehendendo o chefe do Estado até por actos que são
propriamente dos ministros, e principalmente se elle
é pacato e inalteravel como o rei das as?
183
Cumpre, porém, advertir que se a doutrina exarada
nas differentes passagens do Ensaio, que acima ficaram
referidas, é heterodoxa, essa doutrina decorre todavia
naturalmente da opinião professada pelo autor—de
que no exercício do poder moderador o imperante obra
directamente.
Com effeito, não es ao alcance de preceito delei nem
de expediente de qualquer natureza embaraçar que, dada
uma acção, deixe o autor delia de responder pelas con-
sequencias que da mesma se derivem, e se o imperante
possue uma fracção de soberania nacional de tal fórma
delegada que o habilite a exercê-la directamente, nesse
caso é um perfeito engano acreditar que o chefe do Esta-
do, se der justa causa, possa escapar á responsabilidade
moral, e justa causa de elle dá-la por erro de intelli-
gencia ou de vontade, a que todos os seres humanos, sem
distincção, estão sujeitos.
Se o autor, fatiando da responsabilidade, que attinge
os reis, se referisse á responsabilidade historica, isto é,
aquella que avaliando os monarchas como avalia todos
os homens, recommenda-os ás bençãos ou á execração
da posteridade, conforme os seus merilos ou demeritos,
teria rao de sobra, porque a historia, como a morte,
não respeita condões, e tanto penetra os palacios dos
reis, como as mais humildes moradas.
Ainda mais: se o autor dissesse que os reis não po-
dem evitar que cada um de seus subditos pense delles
conforme as suas obras, estimando os com dedicação,
seo bons, e detestando-os se mal inclinados, alguma
razão teria. Os reis como entes racionaes e livres estão
sujeitos á apreciação de seus subditos, que são tambem
entes dotados de intelligencia e liberdade, e que nada
neste inundo póde constrangir a amar o mão e aborrecer
o bom.
Mas o autor, tratando da responsabilidade dos reis,
o se restringe á responsabilidade perante a historia,
nem a que se exerce noro interior dos cidaos, e que,
quando muito, se revela em conversações intimas: al-
lude á responsabilidade que a opinião publica torna
effectiva pela censura, e diz que a corôa está-lhe sujeita,
já dividindo-a com outros, já assumindo-a toda.
Dividindo-a (diz elle á pag. 99 e 101) com o conselho
de estado, quando este é ouvido, assumindo-a toda
quando não ouve o mesmo conselho, « como aconteceu
(palavras de uma nota á pagina 99) ultimamente na
retirada do ultimo ministerio do Sr. Visconde de A baeté,
que insistia pelo adiamento da camara dos deputados.
Não foi ouvido o conselho de estado, o qual mente
então podia cobrir a corôa. »
Quanto mais se examina, pois, a opinião do autor,
mais transparece que, arredando os ministros dos
actos do poder moderador, entende que o chefe do
Estado, se não ouve o conselho de estado a respeito de
negocios pertencentes a esse poder, fica descoberto e
exposto ás censuras que taes actos provocarem, e que
consultando-o apenas reparte e attenúa a sua respon-
sabilidade.
Importa isso a negação do principio cardeal da mo-
narchia constitucional < a inviolabilidade da corôa em
todo o sentido », importa o nivelamento do primeiro
representante da nação ás condições de um senador
ou deputado; mas está escripto no Ensaio I
O certo, todavia, é que quando a coa, sem ouvir o
conselho de estado, recusou em i 859 ao Sr. Visconde de
Abae o adiamento, que solicitava da camara dos de-
putados, o ficou descoberta, da mesma sorte que o
ficou exposta á censura, recusando a dissolução daquella
185
camara, aos gabinetes de 2 de Março de 1861 e de 24
de Maio do corrente anno, sem audiencia daquella cor-
porão : em todos esses casos a responsabilidade dos
ministros que se retiraram, e dos que entraram, res-
guardara perfeitamente a corôa.
Eis aqui como um abysmo chama outro. Admittese
como ponto de partida que o Imperador exerce ou
póde exercer o poder moderador directamente grande
erro ! keconhece-se depois que o chefe do Estado póde
ser censurado pelo modo por que exerceu o poder mo-
derador. Outro erro, consequencia necessaria do pri-
meiro, e que ataca pela base a monarchia. E' a lo-
gica do abysmo, ou a logica infernal, de que faltava
o Sr. Marquez de Olinda no discurso, de que fiz
menção.
Ao passo que o autor do Ensaio professa ás claras
no | 12 do cap. 29, d'onde extrahi as proposições su-
pra-citadas, a doutrina da responsabilidade moral do
chefe do Estado no exercício do poder moderador, es-
creve no 110 do mesmo cap., pag. 29, uma nota, que
merece alguma observação. Ei-la:
« E com effeito, se dependesse (a persisten-
cia da monarchia representativa no paiz) da
andrajosa cobertura que podiam offerecer al-
guns ministerios, que temos tido, já não existi-
ria a monarchia ha muito tempo. A legislação
criminal necessaria para tornar effectivo, prin-
cipalmente na imprensa, o art. 99 da Consti-
tuição, isto é, a inviolabilidade do Imperador,
está ainda por fazer, e é entretanto indispen-
savel. Ha de cobrir a coa tanto ou mais
efficazmente do que a referenda ás vezes de
ministros sem importancia. Pois que! Um re-
presentante da não não pôde chamar a coa
á discussão o qualquer o poderá fazer na im-
prensa ! »
Essa nota, bem considerada, quer dizer:
1.º Que assim como nas camaras o se chama á
discussão a corôa, tambem na imprensa não se de
fa-lo, em virtude do art. 99 da Constituão.
2.º Que esse art. 99 pede uma lei penal que em-
barace principalmente na imprensa o abuso de allusões
e referencias á corôa.
3.º Que a legislação penal que no sentido indicado
se fizer, ha de cobrir a coa tanto ou mais do que a
referenda de ministros sem importancia!
A primeira observação, que occorre, é que a nota
está em contradicção com o texto.
O texto diz que a coa o escapa á responsabili-
dade moral, a que tambem está sujeito o conselho de
estado, e geralmente qualquer depositario de poder.
A nota o consente que nas camaras se façam al-
lusões á coa, e pede com razão uma lei penal que
reprima na imprensa qualquer abuso nesse sentido.
O texto admitte a censura á corôa; a nota prohibe-a
completamente.
A doutrina do texto é totalmente falsa e perigosa,
como já mostrei.
A doutrina da nota, sendo em parte verdadeira, não
deixa de ser em parte falsa e perigosa. E', por um lado
verdadeira, porque presta homenagem ao principio da
187
inviolabilidade completa e absoluta do monarcha, in-
dicando a conveniencia de resguarda-lo da menor
censora publica.
E', pom, falsa por outro lado e mui perigosa, porque,
ao passo que julga um crime qualquer censura á coa,
combate a responsabilidade ministerial (que chama
relativamente a certos ministros « andrajosa cobertura »), de
sorte que, no caso de haver motivos de queixa a respeito
de actos do poder moderador, não se deixa ao paiz
(permitta-se a expressão) valvula alguma legitima por onde
o resentimento produzido por suppostas ou verdadeiras
queixas, se faça conhecer sem exploo. Da corôa nada se
de dizer: o ministerio, esse nada tem com os actos do
poder moderador: o conselho de estado, porque a sua
audiencia não é necessaria, de ter deixado de ser
ouvido. Soffra-se, pois, em silencio, ou quando muito recite
se (é o remedio que para taes casos aponta o autor á pag.
102) o verso de Horacio:
Verum ubo plura nitent... non ego paucis
Offendar maculis...
Não terminarei este artigo sem fazer um reparo. O
general Foy (e mais tinha a desculpa do arrebatamento da
tribuna e era um orador militar) chamou andrajos as vestes
ministeriaes comparativamente ao manto do rei: o autor do
Ensaio (escrevendo como publicista no remanso do seu
gabinete) falia em andrajosa cobertura de alguns
ministerios, que temos tido e desdenha a referenda de
ministros sem importancia.
De sorte que n'um livro de direito estabelece-se differença
entre ministerio e ministerio, entre referenda e referenda:
ha ministerios, cuja cobertura é andrajosa;
outros capazes talvez de abrigar convenientemente a
corôa de toda responsabilidade: ha referenda que pres-
ta, porque os ministros gozam de considerão, outra
que de nada serve, porque os ministros o tem im-
portancia!
Assim se amoldam os prinpios de direito ás conve-
niencias de pessoas e de partidos!
189
XIV
Das discussões a que tem dado lugar a questão
do poder moderador nas camaras legislativas.
As observões historicas a respeito da queso do
poder moderador, com que o autor do Ensaio sobre o
direito administrativo se propoz esclarecer o assumpto
no sentido de suas doutrinas, eso, em meu humilde
conceito, longe de terem a procedencia que lhes attri-
bue.
Aprecia-las-hei acompanhando o autor nos tres para-
graphos, de que se compõe o cap. 27, por elle exclusi-
vamente consagrado a esse objecto.
§1.°
DISCUSSÃO DA LEI DA REGÉNCIA EH 1831 NA CAMARA DOS
DEPUTADOS.
À lei de 14 de Junho de 1831 no art. 10 dispõe:
« A regencia nomeada exercerá, com a refe-
renda do ministro competente, todas as attri-
buições, que pela Constituição do Imperio com-
petem ao poder moderador e ao chefe do poder
executivo, com as limitações e excepções se-
guintes. »
Pensa o autor que a clausula desse art. com a refe-
renda do ministro competente importava uma limita-
ção da autoridade da regencia quanto aos actos do po-
der moderador, os quaes assim ficavam dependentes
de referenda, e é portanto uma prova irrefragavel de
que os actos desse poder, quando praticados peio im-
perante no pleno exercício de suas attribuições con-
slitucionaes, dispensam referenda e responsabilidade
de ministros.
E assevera o illustre escriptor (pag. 7) que tal era
com effeito o pensamento da grande maioria dos ora-
dores, que na camara tomaram parte na discussão da
citada lei:
« -se portanto que a grande maioria dos
oradores da camara dos deputados entendia que
os actos do poder moderador, exercidos pelo
Imperador, não tinham, pela Constituão, ne-
cessidade de referenda e era justamente por
isso que a respeito delles se tratava delimitar
o poder da regencia. _»
O argumento, que o autor deriva da indicada clau-
sula do art. 10 da lei da regencia, concludentíssimo
em sua opinião e na de alguns indiduos, que a este
respeito seguem as mesmas idéas, o se de susten-
tar em face da lei, nem dos debates que ella provocou.
a-se a lei de 14 de Junho de 1831, attente-se es-
pecialmente na redacção de seu art 10, e vêr-se-ha
que a referenda, de que declara dependerem todos os
actos da regencia, ou perteam ao poder moderador
ou ao executivo, não constitue limitação ou excepção do
que a Constituão estabelece relativamente ao exercí-
cio dos dous poderes.
A regencia, diz a lei, exercerá, com a referenda do
ministro competente, todos os actos __ com as limi
tações e excepções seguintes.
191
Logo, as limitações e excepções, de que falia a lei, hão
de encontrar-se nos artigos que se seguem ao 10, e,
pois, a referenda dos ministrosnos actos do poder mo-
derador e executivo, incluída logo na primeira linha
desse artigo, não se deve considerar como uma das
limitações ou excepções, que ella se propõe estabe-
lecer.
O art. 10 firma a regra que a regencia exerce todas
as attribuões que competem pela Constituição ao poder
moderador e executivo, e annuncia logo exceões e
limitações a essa regra, as quaes constam do art. 11 em
diante, e realmente são muitas e gravíssimas.
Taes o, por exemplo, no que teca ao poder execu-
tivo, o provimento de certos empregos da competencia
do chefe do poder executivo, concedido na côrte á re-
gencia, nas províncias aos respectivos presidentes; a
prohibão de conceder tulos, honras, ordens milita-
res e distinões, etc.; e, no que diz respeito ao poder
moderador, a faculdade de suspender os magistrados
exercida pela regencia cumulativamente com os presi-
dentes das respectivas proncias ; a prohibição de dis-
solver a camara temporaria; de perdoar aos ministros e
conselheiros de estado em crimes de responsabilidade;
de conceder amnistia, etc.
A referenda do ministro competente nos actos do
poder moderador e executivo, o era, nem podia ser,
limitação ou excepção concernente a regencia, quando
è fôra de duvida, e o autor do Ensaio não o nega, que
no primeiro reinado nunca houve, como no segundo
não tem havido, acto algum do poder moderador sem
referenda do ministro respectivo, e que, pois, não im-
portando a clausula innovão da pratica anteriormente
seguida, a sua presea no artigo em questão não res-
tringe, apenas confirma e ratifica o que estava em uso.
Desta sorte a clausula com a referenda dos minis
tros foi posta naquelle artigo, o porque sse neces
saria, mas provavelmente por entender o legislador que:
quod abundai non nocet—, não se lembrando de
que essa regra falha ás vezes, como nesse caso succedeu,
porquanto é precisamente da inserção da mencionada
clausula no art. 10 que tem-se pretendido tirar o ar
gumento que combato: « A regencia precisava de refe
renda para exercer actos do poder moderador. Logo,
fóra do governo regencial, essa referenda se dispensa
nos actos desse poder. »
Releva ponderar que a clausula de que se trata, tanto
entrava por demais no referido artigo e não teve por fim
restringir as faculdades da regencia quanto ao poder
moderador, que abrange em sua generalidade os actos
do poder moderador e do executivo, isto é, não os
actos de um poder em cujo exercício é possível, supposto
que não razoavel, questionar se ha ou não necessidade
de referenda, como os actos de outro em que semelhante
duvida é impossível.
Fosse ou não expressa na lei da regencia a disposição
concernente á referenda de todos os actos que exercesse,
desde que, conforme o art. 429 da Constituão, a regen-
cia ou regeate è irresponsavel, a referenda dos ministros
era indispensavel em todos esses actos, quer fossem do
poder executivo, quer do moderador, como condição
sem a qual aquella irresponsabilidade não poderia
existir.
Assim a allegada clausula do art. 10 da lei de 14 de
Junho de 1831, não pôz limite á autoridade constitucio-
nal da regencia, o que fez foi indicar expressamente, o
que aliás podera omittir, a condão indeclinavel para
que aquella autoridade fôsse exercida normalmente.
193
Os debates, que houve nas camaras por occaso da
lei a que se allude, tambemo autorisam o argumento
do Ensaio.
Nove oradores menciona o autor como havendo toma-
do parte na discuso da lei na camara temporaria, a
saber: os Srs. Evaristo, Carneiro da Cunha, Ferreira
Fraa, Lino Coutinho, Rebouças, Ernesto França,
Araujo Lima (hoje Marquez de Olinda), Feijó e Paula
Souza.
Pois bem: o Sr. Fei votou pela clausula do art. 40
como confirmação do que era modo.
O Sr. Paula Souza opinou no mesmo sentido, porque
não tendo havido até aquelle momento acto algum que
não fosse referendado, não convinha então retro-
gradar.
O Sr. Araujo Lima ponderou que, sem embargo de
não marcar expressamente a Constituição que os actos
do poder moderador precisassem de referenda para
serem executados, ella, todavia, era indispensavel, por-
que todas as vezes que o exercio de um poder esta
sujeito a regras, como está o moderador,fazia-se precisa
uma garantia da execão dessas regras... e concla
que era, portanto, necessario sujeitar á referenda dos
ministros tudo quanto pertencia ao expediente e tinha
de ser por elles executado.
Não é, pois, exacto o Ensaio affirmando, como affir-
ma, que os unicos oradores, que na discuso susten-
taram clara e abertamente que a Constituão exigia a
referenda para os actos do poder moderador, foram os
deputados Feie Paula Souza. O deputado Araujo
Lima opinou inteiramente de accordo com os dous-dis-
tinctos Paulistas.
.
194
Acresce que o Sr. Lino Coutinho, que o autor do
Ensaio inclue na grande maioria dos oradores oppostos
á referenda ministerial nos actos do poder moderador,
quando exercidos pelo imperante, discorria, entretanto,
coro manifesta incerteza sobre o assumpto, dizendo: que
alguns actos do poder moderador admittiam responsa-
bilidade, mas não a sancção das leis, e talvez outros
mais.
Dos novo oradores indicados, portanto, apenas cinco
clara e abertamente sustentaram que a Constituição não
exigia a referenda dos ministros nos actos do poder mo-
derador. E è isso o que o autor chama uma grande
maioria?
Como quer que seja, o que da discussão da lei resulta
é que a clausula do art. 10 passou indistinctamentc com
votos dos que admittiam a necessidade da referenda dos
ministros nos actos do poder moderador, quando exer-
cidos pelo imperante, e dos que a impugnavam; e, pois,
a adopção dessa clausula não tem o alcance que lhe attri-
bue o Ensaio, o exprime o pensamento de que a refe-
renda, desnecessaria ao imperante, quando exerce attri-
buições do poder moderador, torna-se, como excepção,
precisa á regencia no exercio de semelhantes attribui-
ções.
§ 2
DISCUSSÃO NO SENADO EM 1832 DO PROJECTO DE LEI DE REFORMA
DA CONSTITUIÇÃO, DE QUE RESULTOU A LEI DE 3 DE OUTUBRO
DAQUELLE ANNO.
Existiam no projecto de lei da reforma da Constitui-
ção os dous seguintes paragraphos.
195
« § 2.° A Constituição reconhecerá sómente
tres poderes políticoso legislativo, o executivo
e o judicial.
« § 6 Passaõ para o poder executivo as
attribuições do poder moderador que fôr conve-
niente conservar, as outras seo supprímidas
Esses paragraphos do projecto de lei de reforma da
Constituição foram rejeitados pelo senado.
Historiando os debates do mencionado projecto, affir-
ma o autor do Ensaio que a disposição, que supprimia o
poder moderador, e a que passava as respectivas attri-
buições, que conviesse manter, para o poder executivo,
baseavam-se na persuasão de que os actos do poder
moderador o dependiam de referenda, sendo esse o
motivo real e ostensivo da pretendida suppreso, que
allegavam os mais estrenuos propugnadores da medida,
como os senadores Vergueiro e José Ignacio Borges.
Observa, por outro lado, o autor, que no senado os
dous paragraphos foram vivamente impugnados pelos
senadores Marquez de Caravellas e Almeida Albuquer-
que, os quaes procuraram salvar o poder moderador,
sustentando que os seus actos estavam sujeitos á refe-
renda dos ministros, offerecendo o primeiro desses
senadores (Marquez de Caravellas) uma emenda de
suppressão dos mencionados paragraphos, que veio a
ser adoptada.
Grande temeridade fôra querer devassar as intenções
desses dous senadores para attribuir-lhes o pensamento
(que as suas palavras de certo o revelam, e que até
seria offensivo de seu caracter) de procurarem salvar o
poder moderador por um argumento sophislico, qual
seria o da necessidade da referenda ministerial nos
actos do poder moderador, estando elles convencidos do
contrario, como se faltassem a gente inculta que se pu-
desse facilmente embair.
E' certo, entretanto, que se o motivo allegado dos
§§| 2
o
e 6.º que supprimiam o poder moderador, era a
falta de referenda ministerial nos actos desse poder, e
se a emenda de suppreso daquelles paragphos fun-
dava-se, ao menos ostensivamente, em negar que os
actos do poder moderador não estivessem sujeitos á
referenda, a votação que, fundidas as camaras, rejeitou
os referidos paragraphos, e deu vencimento de causa á
emenda do Marques de Garavellas, se não é um argu-
mento irrespondivel em favor dos que sustentam a
responsabilidade ministerial nos actos do poder mode-
rador, é decididamente mais favoravel a essa opinião
que á do autor do Ensaio.
Outra é porém a conclusão do Ensaio. Diz elle á
pag. 15:
« A opinião liberal de então forcejava para
fundir o poder moderador com o executivo, por
que entendia que pela Constituição os actos do
poder moderador o tem referenda, e que por
elles o são responsaveis os ministros.
< (A opinião liberal de hoje é de opinião dia-
metralmente contraria). Mas a assembléa geral
rejeitou a disposição que tinha por fim
consagrar essa referenda e responsabilidade.
Logo, a as-
sembléa geral sustentou por uma votação solem-
ne, posto que tacitamente, a verdadeira intelli-
gencia da Constituição que os actos do poder
moderador são exequíveis, sem dependencia de
referenda
A historia e a logica protestam contra esse apparatoso
syllogismo.
197
Primeiramente a historia, porque não é exacto que
fosse artigo de fè da opinião liberal de eno a intelli-
gencia de que os actos do poder moderador não tem
referenda. Fei e Paula Souza eram vultos conside-
raveis do lado liberal e sustentavam o contrario com a
franqueza e tenacidade, que os distinguia
Agora a logica. À assemba geral não rejeitou dis-
posão que tivesse por fim consagrar a referenda e
responsabilidade ministerial nos actos do poder mode-
rador.
O que a assemblèa geral rejeitou foi a suppreso do
poder moderador, deixando de adoptar os §§ 2
o
e 6
o
do
projecto de reforma da Constituição, que acabavam com
esse poder, e bem se vê que umá cousa é votar contra a
suppressão do poder moderador, e outra decidir que
semelhante poder funccione sem a referenda de agentes
responsaveis, e o exemplo es no citado Marquez de
Caravellas, que com a sua emenda salvou o poder mode-
rador, e todavia não o desejava exercido sem referenda,
antes combateu os adversarios desse poder, mostrando
que a razão por elles allegada de não serem os respecti-
vos actos sujeitos á referenda, era falsa.
E, pois, do facto de haver a assemblèa geral legislativa
votado contra os paragraphos do projecto de lei da re-
forma da Constituição, que extinguiam o poder mode-
rador, não è licito concluir que sustentou por uma
votão solemne, se bem que tacitamente, que os actos
do poder moderador o exeqveis sem dependencia
de referenda: è conclusão fundada em um falso presup-
posto, e como tal sem valor.
QUESTÃO DO PODER MODERADOR EM 1841 E POSTERIORMENTE.
Em 1841, por occasião de discutir-se no senado a lei,
que creou o actual conselho de estado, o senador Alves
Branco (depois Visconde de Caravellas) proz a se-
guinte emenda:
< Nestes casos (em que ao conselho de estado
incumbe consultar, havendo-o por bem o Impe-
rador) poderá o Imperador ouvir o seu conselho
e expedir suas resoluções sem assistencia ou
dependencia dos ministros do executivo.»
O autor da emenda sustentou-a com todos os recursos
de sua intelligencia, e foi nesse empenho grandemente
auxiliado pelo senador Bernardo Pereira de Vascon-
cellos.
Ambos opinaram que o poder moderador exercita as
suas attribuões directamente e sem dependencia de
referenda e responsabilidade de ministros, e de trechos
dos discursos de um e outro abunda, se não se come
exclusivamente, o paragrapho do Ensaio, de cuja apre-
ciação se trata.
Tomar aqui em considerão todos os argumentos
produzidos pelos dous distinctos senadores, fôra escu-
sado, porque taes argumentos são pela maior parte
precisamente os mesmos que o autor do Ensaio apre-
senta e desenvolve em sua analyse, e que tiveram
neste trabalho a aprecião conveniente. Farei todavia
a respeito desses discursos algumas considerões.
199
Uma circumstancia surprende-me nesta parte do Ensaio
sobre o direito administrativo, e vem a ser: o elogio
pomposo que se tece ao finado Sr. Alves Branco
(Visconde de Caravellas).
« O senador Alves Branco, diz o Ensaio, uma das
cabeças mais profundamente conservadoras que
lenho conhecido, de quem sómente pelas suas
allianças, nos tempos em que eu militava, não fui
amigo politico, empregou os recursos de sua
formosa intelligencia em levar a questão á sua
maior altura.»
Grande exemplo è esse de justiça posthuma! Em vida do
Visconde de Caravellas o me consta que de pennas
profundamente conservadoras sahisse jamais elogio tão
cabal como esse que a do Sr. Visconde de Uruguay ora
lhe traça nas linhas, que acima ficam transcriptas.
Durante a vida era aquelle Visconde a miude tratado de
poeta, e, como tal, embora lhe reconhecessem mere-
cimentos, desejavam vê-lo arredado dos negocios publi-
cos, da mesma fórma que Platão diz que baniria de sua
republica, se lhe apparecesse, o proprio Homero, lançan-
do-lhe todavia flôres e perfumes.
Agora que já não existe aquelle Visconde proclama-se
formosa a sua intelligencia, e até na sua cabeça se des-
cobrem protuberancias as mais salientes de conservador!
Associo-me sinceramente ao autor do Ensaio nas
homenagens, que tributa ao talento eminente do finado
Visconde de Caravellas, de todo o Imperio bem conhe
cido e avaliado; mas essas homenagens me o privam
de considerar a sua emenda e os discursos, com que
a sustentou, não merecedores da benevolencia postera,
que o Ensaio lhe assegura.
Vejo que a razão cardeal, com que o autor da emen-
da pretende isentar o poder moderador da necessidade
da referenda, é esta :
< Em politica, diz elle, não posso considerar um
poder independente senão aquelle que de libera e
faz obrigatorias suas deliberações sem dependencia
de outro poder, ou que dentro de si mesmo tem todos
os meios de deliberar, como acontece com o poder
judicial e executivo. »
E d'abi conclue que o poder moderador não seria um
poder independente, se por si mesmo não executasse os
seus actos.
Ora esse principio é falso; porquanto o poder legisla-
tivo, por exemplo, é um poder independente, e comtudo
delibera e resolve, maso faz obrigatorias as suas de-
liberões sem dependencia de outro poder, porque é
aos poderes executivo e judicial, cada um na sua espe-
cialidade, que incumbe dar-lhes o devido cumprimento.
A independencia do poder moderador, portanto, o
involve a necessidade de ter dentro de si mesmo todos
os meios de deliberar e obrar.
Tambem leio no discurso do autor da emenda esta
outra proposição, que está bem longe de ser verdadeira:
« O poder moderador é o supremo do Estado,
não porque possa fazer tudo, mas porque póde
conservar todos os direitos, todos os interesses,
todas as instituões a o tempo em que possam
sem damno destruirem-se, etc. »
Disse que está longe de ser verdadeira tal proposição;
porque, segundo a Constituição, aquelle dos quatro
201
poderes por ella reconhecidos, que, relativamente aos
demais, se deve considerar supremo por excelencia, é o
legislativo.
Conforme o art. 11 da Constituição, os representan-
tes da nação brasileira o o Imperador e a Assembléa
geral, a saber: as pessoas a quem, segundo o art. 13 da
mesma Constituição, o poder legislativo é delegado.
Essa qualidade de representantes da nação brasileira,
attribuida aos tres ramos do poder legislativo, indica a
preeminencia de tal poder.
E como não ser assim? Na organisação politica o
poder legislativo está para com os outros poderes no
mesmo caso, em que a razão no homem para com as ou-
tras faculdades, de que é dotado. Aquelle poder pres-
creve a regra á sociedade, como esta faculdade aponta
ao individuo a norma de suas acções: occupam portanto
o primeiro lugar, aquelle no corpo social, esta no indi-
viduo.
O art. 98 da Constituição diz que o poder moderador
é delegado ao Imperador, como chefe supremo da nação
e seu primeiro representante.
Isto significa que o Imperador, a quem o poder mode-
rador é delegado, é o chefe supremo da não e seu pri-
meiro representante, mas o que o poder moderador
em si seja o poder supremo do Estado.
O Imperador é chefe supremo da nação porque è um
dos tres ramos da representação nacional, porque tem o
poder moderador, porque exerce o poder executivo.
Essa accumulação de poderes colloca o Imperador no
vertice da pyramide social -, mas isso não embarga que,
202
comparados entre si os diversos poderes políticos reco
nhecidos pela Constituição, seja o legislativo o poder
supremo do Estado: ninguem reune tantos elementos
de soberania como o Imperador, mas d'entre os poderes
políticos o primeiro e principal é sempre o poder legis
lativo, que lhe é delegado e á assembléa geral.
E' assim que na Inglaterra o parlamento, de que são
partes constitutivas a magestade do rei e as duas casas
legislativas, è no dizer de Blackstone, o poder verdadei-
ramente soberano « parliatnent is the sovereign po-
wer », sendo todavia, o rei nessa grande corporação
politica caput, principium et finis », porque sem o rei
o ha começar parlamento, e porque o rei póde
dissolvê-lo (*).
Os argumentos, pois, derivados da supremacia do
poder moderador para combater a necessidade da refe-
renda nos actos respectivos, não o procedentes.
Outro argumento especioso se encontra no discurso
do finado Visconde de Caravellas:
« A lei elevou tão alto este poder (moderador)
encheu-o de tantos bens da fortuna, fê-lo guarda
de o rico patrimonio a transmittir a sua suc-
cessão, -loo inaccessivel á ambição e ás vi-
cissitudes da vida, que não é possível, em boa
razão, que se acredite que essa personagem po-
nha em risco tudo isto para ter o gosto de sub-
verter a sociedade ou praticar actos illegaes. »
E' a primeira vez que na propria grandeza e precio-
sidade do deposito se faz consistira garantia delle, e
que
(*) Commentarios, vol. 1, pagl53.
203
a avultada somma dos bens da fortuna, com que alguem
è favorecido, se diz trazer em si mesma a segurança de
perfeita conservação. A experiencia, ao contrario, mos-
tra, que na rao do valor do deposito deve estar a fiaa
exigida, e que fortunas de Creso frequentemente se dissi-
pam, se a tempo não se impede o desbarato.
E a que vem exagerações? Para justificar-se a refe-
renda e responsabilidade ministerial nos actos do poder
moderador, não ha mister suppôr que o príncipe queira
pôr,em risco tudo para ter o gosto de subverter a socie-
dade, como esse despota romano, que mandou pôr fogo
à capital do mundo para ter o prazer de assistir ao incen-
dio, não ha mesmo mister suppôr a concepção de crimes
propriamente ditos: basta a possibilidade de erros, de
falsas apreciões, a que o escapa homem algum por
mais sabio e altamente collocado que seja.
Acha-se mais no discurso o seguinte:
« E' impossível haver um pensamento de
crime na realeza, tal como deve ser constituída,
tal como está constituída entre nós: taes suppo-
sões só cabem aos chefes de republicas, aos
Jacksons e outros, que por agradarem á multidão
frenetica, atacam as fortunas e creditos dos seus
concidadãos e do mundo inteiro: que monarcha
faria isto, senhores ? Certamente nenhum. »
Tal como deve ser, tal como é entre nós a monarchia,
certo não ha crime na realeza nem mesmo erros: o rei
goza do privilegio da perfeição, é impeccavel. Porquanto
se ha erros no governo, se ha crime na suprema direc-
ção dos negocios, toda a culpa recahe sobre os seus con-
selheiros e agentes responsaveis: os ministros de estado.
Fóra dessa supposição, a historia protesta contra a
204
affirmativa do orador, e obriga-lo-hia a reconhecer que
Washington o era monarcha, nem Carlos II ou Jay-
me II, presidentes de republica.
Um outro argumento do autor da celebre emenda é
este:
«Se succeder que algum ministerio procure
subverter a ordem publica e desorganisar tudo,
o have (na supposão de ser necessaria a
referenda) meio legal de o fazer parar em sua
carreira, não vejo meio legal para isso... O poder
moderador para evitar essa posição violenta não
tera remedio seo organisar ministerios fracos,
desunidos e impossibilitados de fazer o bem. Que
dous resultados da necessidade da referenda dos
ministros nos actos do poder moderador
impossibilidade de fazer parar o mal, Impossibi-
lidade do fazer o bem ! »
Esses dous resultados o chimericos: assentam no
falso presupposto de que, sendo necessaria a referenda
ministerial nos actos do poder moderador, um ministe-
rio perverso tem em suas mãos o meio de, negando-a,
perpetuar-se no governo.
A corôa tem meio legal e muito efficaz de evitar taes
resultados na faculdade, que lhe compete, de nomear e
demittir livremente os seus ministros. A referenda, se
os demittidos a recusarem, nada obsta que a prestem os
nomeados; o essencial é que haja referenda.
Noto ainda no discurso:
Sim o poder executivo ficará menos exposto
(no caso de não ser necessaria a referenda) aos
odios dos partidos contrarios que attribuiráõ
tudo ao conselho de estado e serão por isso os
ministerios mais duradouros do que são.
205
Sem duvida a estabilidade dos ministerios é de evi-
dente interesse publico; mas não para ser conseguida a
troco de injustiças e tortuosidades, fazendo-se do conse-
lho de estado o bode emissario, que carregue com as
suas e com as alheias culpas. Elle que soffra a propria
responsabilidade pelos os conselhos que der; mas
não è possível que se lhe impute o mal que foi inspirado
realmente e executado pelos ministros.
E depois quem póde acreditar que, de ficar atado só o
conselho de estado ao poste da censura pelos actos do
poder moderador, resultaria a estabilidade, que se de-
seja, dos ministerios? A suppressão da responsabilidade
dos ministros nos actos do poder moderador seria um
onus de menos no cargo, conservadas todas as vanta-
gens que lhe são inherentes: era, pois, natural que mais
estimulasse do que arrefecesse os candidatos ás pastas.
Quanto ao respeitavel estadista o Sr. B. P. de Vas-
concellos è certo que elle se inclinava á opinião dos
que negam a referenda e responsabilidade dos minis-
tros nos actos do poder moderador, mas, no conceito
mesmo do autor do Ensaio, não levou o assumpto á
altura a que, sob a palavra do outro orador, havia
subido.
Dizia elle:
« Entendo que o poder moderador delibera
em conselho, e que seus actos podem ser execu
tados pelos mesmos ministros do poder excuti
vo, os quaes devem adoptar uma denominação
apropriada para esses actos afim de ficar enten-
dido que tal ou tal deliberação foi tomada pelo
Imperador em conselho e não é ministerial. E se
algum ministro tiver escrupulo em sua execução,
tem remedio, que é pedir ao monarcha a gra
de o dispensar. »
Bem se vê quanto essa doutrina differe da que se con-
tinha na emenda. Segundo esta o Imperador podia ex-
pedir as actos do poder moderador sem assistencia ou
dependencia de ministros do executivo, entretanto que
na opinião do senador Vasconccllos os ministros são os
executores naturaes das resoluções do poder moderador,
sem com tudo as referendarem nem terem outra respon-
sabilidade que a moral.
A rao principal que o analisado orador dava para
repeli ir areferenda em taes actos, era, dizia elle,deduzida
de um acto legislativo. Eis aqui suas palavras :
Esse acto é a lei da regencia: esta lei diz
que a regencia continuara a exercer actos
do poder moderador com a referenda dos
ministros. Para que esta declarão se os
mesmos actos do monarcha deviam ser
referendados? Se os legisladores estivessem
convencidos de que os actos do poder
moderador deviam ser referendados pelos
ministros,de certo não fariam a declarão, que
fizeram, de que durante a regencia, esses actos
fossem referendados pelos ministros .
esta declaração era escusada. »
A resposta não é difficil.
Essa lei da regencia, como já fiz ver, no mesmo art. (1 0),
na mesma clausula e pelas mesmas palavras, com que
faz a declarão, a que o orador allude, diz tambem que
a regencia continuará a exercer os actos do poder exe-
cutivo com a referenda dos ministros competentes, e fi-
zeram os legisladores semelhante declaração apezar de
profundamente convencidos de que os actos de seme-
lhante poder nunca prescindiram, nem podiam pres-
cindir de referenda.
207
Se a exigencia da referenda dos actos do poder exe-
cutivo durante a regencia o significa que, sendo
exercidos pelo Imperador, dispensam essa garantia, a
exigencia da referenda nos actos do poder moderador
durante a regenciao póde importar a significação de
que os actos do poder moderador, estando a coa no
pleno gozo dos seus direitos, o exequíveis sem refe-
renda.
A clausula « exercerá com referenda os actos do po-
der moderador e executivo », que se encontra na lei da
regencia, sendo uma e a mesma para os actos de ambos
os poderes, não póde soar de um modo para este, e de
outro modo inteiramente differente para aquelle.
A declaração que essa cláusula encerra, se fôra escu-
sada para os actos do poder moderador no caso de que
elles antes da regencia tivessem, como tinham, refe-
renda, seria escusadíssima para os actos do poder
executivo, que decididamente nunca deixaram de a ter.
Mas se para estes uma tal clausula faz continuar o que
já achava em vigor por effeito de lei expressa, como para
aquelles o ha de significar continuão da pratica
anterior, fundada em justa e razoavel interpretação da
mesma lei?
Continua o orador:
« Euo entro no exame da doutrina; o que
eu quizera é que se decidisse esta questão, ques-
tão importante. Até o presente o que está deci-
dido é que, pelos actos do poder moderador,
são responsaveis, não os conselheiros de estado,
mas os ministros, que são os que se suppõe con-
selheiros do Imperador. »
E mais adiante diz:
« Entretanto eu reconho a differença da
questão, desejo que a materia seja ventilada, que
se tome sobre ella uma decisão, afim de que, em
nossos juízos, nas censuras que fizermos á admi-
nistração, saibamos como nos devemos compor-
tar. Até o presente parece que os ministros
respondem pelos actos do poder moderador, não
como ministros, mas como conselheiros, por isso
que ha a presumpção de que o monarcha o
póde fazer mal; mas de muito bem acontecer
que o conselho todo seja opposto á deliberão
do monarcha, nesse caso cabe ainda ao conselho
demittir- se, e, se se o demilte, a elle cabe toda
a responsabilidade de que o acto è suscepvel.
Dos dous trechos que ahi ficam citados, cumpre reco-
nhece lo, a doutrina do Ensaio, no tocante á queso do
poder moderador, mais recebe golpes que auxilio. Bem
claro dão elles a entender:
4.º Que a questão do poder moderador, apezar da lei
da regencia e do projecto de lei da reforma da Constitui-
ção e seus respectivos debates, continuava ainda em
4841 a ser difficil.
2.° Que ha mister uma decisão, afim de que cada um
saiba como deve proceder quando tiver de dirigir cen-
suras à administração.
3Que entretanto o que até aquelle tempo (1844)
estava decidido era que pelos actos do poder modera-
dor são responsaveis os ministros, por isso que ha pre-
sumpção de que o monarcha não póde fazer mal.
Agora comprehende-se perfeitamente o motivo por
que a respeito do assumpto do poder moderador a me-
lhoria na admiração e no encomio do Ensaio coube não
ao senador Vasconcellos, mas ao Visconde de Caravellas !
209
Com relação aos debates de 1841 cita o Ensaio
(pag. 18) a opinião do Sr. Carneiro Leão (depois
Marquez de Paraná),o qual respondendo ao Sr. Andrada
Machado dizia:
« O poder moderador é delegado privativa-
mente ao Imperador, e por consequencia os
actos do poder moderador não precisam de
referenda. »
Mas a nenhuma procedencia dessa opinião o mesmo
Ensaio encarrega-se de mostrar, copiando (à pag. 92) a
continuão do discurso do Sr. Carneiro Leão, em que
elle se enunciava assim:
« Nós divergimos (o Sr. Carneiro Leão do
Sr. Andrada Machado), porque eu entendo que
em ultimo resultado, para execução do acto, è
precisa a referenda, mas para que o Imperador
faça o acto tal referenda não é necessaria. Esta
doutrina julgo dever-se liquidar
Ora ahi temos reconhecendo a necessidade da refe-
renda o mesmo orador (Sr. Carneiro Leão) que, pouco
havia, a contestara, e tanto isso não escapou ao autor do
Ensaio, que em seguida ao período, que acabo de citar,
pondera:
< Essa doutrina que o distineto estadista não
dava por liquida, pois a queria liquidar, impor
tava praticamente contradicção. »
No que toca ás discussões posteriores ao anno de 1841,
o autor do Ensaio enfeixa-as todas em algumas linhas
e duas breves notas.
Diz elle à pag. 33:
Depois de 1841 esta queso tem reappa-
210
recido sporadicamente na nossa imprensa, e tri-
buna, sumindo-se logo como o relampago. Appa-
rece ordinariamente nas camaras mettida a
martello em discussões estranhas, na fixação de
força de terra, por exemplo, e sem que nin-
guem saiba d'onde veio, por que e para que veio
e para onde se foi. »
Esse trecho faz lembrar as palavras, com que o autor
procura desculpar-se por ir consagrar ao exame de uma
queso politica, qual a do poder moderador, a quarta
parte do seu. Ensaio sobre o direito administrativo,
dizendo á pag. 2:
« Cuido que tendo acabado de tratar do con-
selho de estado, o me leva a mal o leitor,
se, como espero, fôr benevolo, que enxerte essa
queso em um trabalho, ao qual se não per-
tence, o é, pelo menos, totalmente estranho
Que triste sina, no conceito do Ensaio, pesa sobre a
questão do poder moderador! Nas discussões das cama-
ras entra sporadica e a martello, nas obras de Direito
administrativo por via de enxerto! E talvez, n'um e
n'outro caso, sem que ninguem saiba d'onde veio, por
que e para que veio, e para onde se foi!
Continua:
Reappareceu em 1860 primeiramente na
imprensa, por occasião de não haver o poder
moderador escolhido um cidadão incluído em
lista tríplice para senador, nomeando outro
tambem nella contemplado. »
Ha nisto engano. A questão reappareceu em 4860,
por motivo de demora no recurso de graça de um Hes-
211
panhol, que assassinara um Brasileiro: a nomeação de
senadores veio algum tempo depois. Isto seja dito de pas-
sagem para que seo pense que a questão reappareceu
em 1860 a impulso de amor proprio offendido.
Prosegue o Ensaio:
Essa discussão da imprensa repercutio na
camara dos deputados na seso desse anno
(4860) em discursos e occasiões destacadas, de
passagem e envolvida com assumptos estranhos.
Reappareceu na camara dos deputados, do
mesmo modo, extemporaneamente, destacada,
cortada, na sessão de 1861, e tambem nella não
deu um passo para a sua solução. »
Sempre sporadica, sempre mal cabida, a questão do
poder moderador ainda em 1861 não dera passo algum
para sua solução, até que por fim veio o Ensaio em 1862
resolver o problema, o Ensaio, que aliás nada acrescen-
tou ao que fôra dito pela caba eminentemente conser-
vadora, pela formosa intelligéncía, que ha mais de 20
annos (em 1841) levara a questão á sua maior altura,
nem podia accrescentar, porque aquillo que attinge o
zenith não póde subir mais.
Fallando das discussões de 1861, o autor não é
fiel á verdade historica, mencionando sómente o que
leve lugar na camara dos deputados. No senado
tambem se discutio essa importante questão, tomando
parle nos debates os Srs. Marquez de Olinda, D. Manoel,
e Souza Ramos, então ministro do imperio, e o discurso
que por essa occasião proferio o digno membro daquella
camara, Sr. Marquez de Olinda, sustentando a
referenda e responsabilidade dos ministros pelos actos
do poder moderador,admira não merecesse ser
mencionado pelo ENSAIO
212
que de tantos outros fez menção, sendo que tal discurso,
am do valor inherente á palavra sempre autorisada de
tão eminente orador, tem o merito de estar em perfeita
harmonia com as idéas que já em 1831 sobre o mesmo
assumpto elle expendera na tribuna da camara electiva;
Esse discurso póde ser lido nos Annaes do Senado do
anno de 1861, vol. 3
o
. pag. 99 a 105.
Depois do que fica expendido é muito para notar-se a
proposição, que ao concluir escreve o douto publicista
á pag. 110:
« A opinião geral e a dos nossos principaes
homens de estado, como já vimos, tem sido que os
actos do poder moderador são exequíveis sem
referenda.»
Como já vimos ! Maso que vimos nós? Não foi que
Andrada Machado, Feijó, Paula Souza, Marquez de Cara-
vellas, Araujo Lima. e outros, sustentavam decididamente
a necessidade de referenda e responsabilidade ministerial'
nos actos do poder moderador? Não foi que o senador
Vasconcellos, supposto contestasse a referend reco-
nhecia que o que estava decidido era que os ministros
respondiam pelos actos do poder moderador como con-
selheiros do Imperador, e que em certas circumstancias
cabia-lhes toda a responsabilidade de que o caso fosse
susceptível? o foi que o Marquez de Para, contra-
dizendo-se admiltia, era ultimo resultado, a necessidade
da referenda que antes e no mesmo discurso nera?
E' certo que vimos o Sr. Alves Branco em 1841 com
uma emenda ao projecto de lei do conselho de estado,
tendente a acabar com a referenda dos ministros nos
actos do poder moderador; mas vemo-lo tambem reti-
rando a sua emenda para depois apresenta-la separada-
mente, e nunca mais tratar disso até o seu fallecimento.
213
Se a sua convicção profunda era, como dizia então, que
a necessidade da referenda ministerial nos actos do
poder moderador convertia a monarchia em republica,
por que rao não apresentou depois essa emenda sob
fórma conveniente ? Para se não dizer, e fôra isso grave
injuria a tão illuslie varão, que desde 1841 « até
faílecer acquiescéra ao altenlado de, mediante a
referenda, desvirtuar-se áquelle ponto a fórma do
governo jurada, não è licito conjecturar que as suas
idéas a tal respeito se modificaram?
214
XV
O Imperador reina e não governa, ou reina e
governa?
Propondo-se discutir o grave assumpto, o autor do
Ensaio começa nestes termos:
< A melhor resposta que se pôde dar a essa
questão seria a seguinte: o nosso Imperador
exerce as attribuições que a nossa Constituição
lhe confere. »
E' o mesmo que dizer: A melhor resposta a tal ques-
tão fora não dar resposta alguma.
Excellente methodo de discutir, que seguido em
grande escala tornaria do mister de publicista a tarefa
mais facil deste mundo!
Mas, emfim, posto de lado o commodo expediente de
não responder-se á queso que se provoca, o autor do
Ensaio persuadido de que, não resolvendo-a, ficaria In-
completo o seu trabalho a respeito do poder moderador,
procura resolvê-la, e o faz, Como era de esperar, de ac-
cordo com as idéas, que já lhe conhecemos, acrescenta-
das de outras, que juntas constituem a negação formal
do governo parlamentar no paiz.
o é certamente no sentido ordinario das palavras
< reinar e governar » que cumpre buscar a solão do
problema. Foi em França que o problema nasceu, e ahi
2IS
*. * ' a Academia considera
synonimas essas duas palavras, como são synonimas
em nossa língua.
Compete, pois, a sciencia politica determinar, se é
possível, o sentido das palavras « reinar e governar ,
habilitando-nos a decidir se no systema representativo
o chefe do Estado reina e governa, ou se reina sómente.
Para emittir sua opinião o autor examina: 1.
o
, o que
significa, segundo Thiers, a locução « o rei reina e não
governa »2.º,o que é.conforme Guizo , a maxima o rei
reina e governa»; 3
o
, como se entendem na Inglaterra
praticamente taes maximas; 4
o
, que applicação podem
ellas ter ao Brasil.
o outros tantos pontos sobre que vai versar este
estudo.
DOUTRINA DE THIERS.
Sendo Thiers o autor da formula < o rei reina e não
governa », justo é que pela sua lheoria comecem as
nossas averiguações.
Ao aproximar se da revolução de Julho de 1830 em
França, quando os publicistas de Carlos X assoalhavam,
a respeito da prerogativa real, doutrinas subversivas d
regimen representativo, como estas:' que o rei tinha o
direito de nomear ministros sem lhe importarem o pen-
samento e a fiscalisação das camaras, e que as camaras
não tinham direito de recusar-lhe o budget, Thiers for-
mulou e explicou definitivamente pela imprensa essa
216
maxima, que annos depois, em 1846, defendeu na tri'
buna, tornando-se sua profiso de fé politica:
« Le roi regue et ne gouverne pas. >
Que significação linha essa maxima no espirito do
distincto publicista ?
Responde o Ensaio, á pag. 139:
< A questão reduzia-se e reduz-se ao seguinte.
Tratava-se de saber, e essa formula a simplifica
se no governo constitucional de Fraa era a
corôa um poder, ou se era cousa nenhuma. »
Eá pag. 140 e 141.
« Pela doutrina de Mr. Thiers preponderam
exclusivamente as camaras e, para melhor dizer,
a dos deputados. -E' o astro em derredor do qual
gravitam os poderes do Estado. Elias indicam os
ministros. O rei nomêa a quem ellas indicam.
Quasi que completamente se refunde um dos ra-
mos do poder legislativo com o executivo.
< As prerogativas reaes de nomear membros
da segunda camara, de dissolver a dos deputa
dos, as attribuões beneficas de perdoar, de am
nistiar, etc, dependem exclusivamente dos
ministros e de sua referenda e portanto das
maiorias que os fazem nomear e os sustentam.
« Segundo esse systema a condição da invio-
labilidade da corôa é a nuttidade pessoal do rei .
O rei,reina eo governa; isto éo rei é nullo.
Não hasta que a Constituição o declare inviola-
vel. Logo que se quer elle envolver no exercício
217
de suas attribuições, logo que governa, logo que
suspeitam que governa, logo que convem gritar
que governa, deixa de ser inviolavel. »
Não ha maior exageração. Com a sua maxima Thiers
pretendia reprimir as exorbitancias de Carlos X e seus
ministros,mas o annullar o rei e torna-lo uma entidade
de todo nominal, estranha á administração: desejava
que o rei não administrasse absolutamente, e isso
queria.
O pensamento de Thiers transparece nas seguintes
palavras do seu artigo sobre a « prerogaliva » publicado
a 7 de Janeiro de 1830 no Nacional:
< A Carta, origem da nova realeza, fonte de
seu poder limitado, o que é que lhe concede?
A administrão exclusiva do Estado, interna e
externa, o direito de convocar os collegios eleito-
raes, de reunir as camaras, de dissolver a dos
deputados, de augmentar a dos pares, de con-
correr ao fazimento das leis, pela iniciativa e pela
sancção; pela iniciativa, que lhe confere meio de
apresentar as que lhe parecem mais convenien-
tes, pela sancção que lhe permitte regeitar as com
que não concorda. Revestido, porém, de tão im-
portantes faculdades, não ê o rei todavia o direc-
tor absoluto da administrão do Estado. Seus
agentes são responsaveis, e a marcha de seu go-
verno é submettida á fiscalisação do paiz, repre-
sentado pelas camaras. Em tal systema.... o
paiz tem meio de defender se de um partido que
se apodere da administração, como o rei possue
o de defender-se de um pairtido, que se apodere
da camara. Este meio é, para o rei, a dissolão
da camara, e, para a camara, a recusa dos sub-
sídios. »
218
É, pois, certo que Thiers o negava ao rei o direito
de intervir na administração, no governo do Estado,
mas queria que elle deixasse de ser o director absoluto
da mesma administração, ponderando que seus agentes
são responsaveis e que o paiz, representado pelas cama-
ras» tem o direito incontestavel de fiscalisar a marchado
governo.
O rei, diz noutro artigo Thiers, è o paiz feito homem,
e o homem que assim identifica-se com o paiz e o repre-
senta, o podia esse publicista querer que fosse apenas
um nome, uma nullidade, como lhe attribuo o Ensaio,
e como exageradamente lhe attribuiam os seus adver-
sarios.
Em 1846 Thiers sustentava na tribuna a mesma dou"
trina, ponderando:
« Que era necessario que a realeza não se
comprometlesse nas lutas do governo, que ap
parecesse nellas o menos possível... que o governo
representativo era tanto mais conforme á sua índole
quanto ao lado do rei se encontrassem ministros
efficazmente responsaveis. »
E que o pensamento de Thiers, formulando a maxima
em queso, o era tornar o rei uma nullidade, bem se
deduz das sensatas reflexões, com que, na Historia do
Consulado e do Imperio, aprecia a instituição do grande
eleitor da Constituição do anno VIII, arremedo da rea-
leza ingleza que Sies inseriu nessa sua famosa obra.
O grande eleitor de Sieyés era um magistrado supremo
que com, 6 miles de renda e sumptuosas habitões,
só tinha um acto a praticar: eleger um consul da paz c
outro da guerra.
219
Esse grande eleitor, que não de resistir aos sarcas-
mos de Napoleão, bem diverso da realeza na Inglaterra,
seria dentro em pouco tempo, diz Thiers (*), como um
doge de Veneza faustoso e nullo, incumbido de, cada
anno, casar-se com o mar adriatico!
E no intento de fazer sobresahir a differea entre o
rei inglez e o grande eleitor, accrescenta:
« Simples e natural em seus meios, a Consti-
tuição britannica admitte a realeza, a aristocra-
cia, a democracia, mas uma vez admittidas, ella
deixa-as obrar livremente sem outra condição
que a de governarem de commum acordo. o
limita o rei a tal ou tal acto... deixa sahir a rea-
leza e aaristocracia de sua origem natural, — a
herança, : admitte um rei, pares hereditario
mas em compensação deixa ao povo o cuidado de
designar directamente, conforme os seus gostos
ou suas paixões do dia, uma camara que, poden-
do dar ou recusar à realeza os meios de gover-
nar, obriga-a a tomar por directores do governo
os homens que tem sabido conquistar a confiança
publica.
< A acção da realeza, da aristocracia, o
passa dos limites desejados: ellas moderam um
impulso que seria, sem a sua interveão, mui
rapido. A camara electiva, cheia das paixões do
paiz, mas refreada pela realeza e aristocracia,
escolhe em verdade os verdadeiros-chefes do
Estado, leva-os ao governo, mantém-nos nelle,
ou os derriba senão correspondem aos seus sen-
timentos. Eis uma constituição simples, verda-
(*) llist. du Consulat et de l'Empire, Tom. I
o
, Liv. I
o
pag. 86.
220
deira, porque é o producto da natureza e do
tempo, e não, como a de Sieyés, obra artifi-
cial, ele.»
Um escriptor, que tem taes idéas sobre o regimen
representativo nas monarchías constitucionaes, que
assim proclama a necessidade de governarem de com-
mum acordo os diversos elementos que a come, certo
não pretende reduzir a zero o elemento da realeza na
administrão e governo do Estado. Elle quer, e com
razão, que, pois a realeza nas monarcas limitadaso
è o unico elemento de governo, mas concorre com a
aristocracia (onde existe aristocracia e com a democracia
que existe em toda parte,não governe a realeza como se
não tivesse concurrentes no poder, como se a autoridade
que lhe compete não fôsse uma delegação do paiz, e se
este o tivesse o direito de por meio de seus immediatos
representantes, de ministros da confiança destes, ter um
voto e voto muito importante na direcção dos negocios
que lhe pertencem.
A maxima de Thiers « O rei reina e o governa »
não teve, pois, em vista aniquilar a influencia do rei,
torna-lo, na phrase de Lamartine, a magettosa inutili-
dade da Constituição, ou, na de Napoleão, um pregui-
çoso, mas restringir a prerogativa da realeza aos limites
necessarios, obrigando-a a, perder esses laivos de monar-
chia asiatica, a não envolver-se mais do que con n nas
lutas politicas» a exercer sempre suas legitimas attribui-
ções por meio de ministros seriamente responsaveis, de
sorte que influa, e influa poderosamente, nos destinos
do paiz, mas nunca descobrindo-se.
221
DOUTRINA DE GUIZOT.
Quem attender sómente ao teor das palavras pensará
que na theoria do autor desta locução entra algum pen-
samento substancialmente diverso do da precedente no
tocante ao papel da realeza nas monarchias constitucio-
naes; mas o exame da doutrina de Guizot mostra o
contrario.
Em 1846 Guizot, combatendo na tribuna a
maxima O rei reina e não governa », dizia:
« O dever do rei, porque todos tem deveres,
igualmente sagrados para todos, o seu dever,
digo, e a necessidade de sua situão, vem a ser:
« não governar senão de acordo com os gran
des poderes publicos instituídos pela Carta com
sua adhesão e apoio », assim como o dever dos
ministros, conselheiros da pessoa real, é fazer
prevalecer junto delia as mesmas idéas, as mes
mas medidas, a mesma politica que julgam-se
capazes de sustentar nas camaras. Certo o é
dever de um conselheiro da corôa fazer prevalecer a
corôa sobre as camaras, nem as camaras sobre a corôa:
trazer esses poderes diversos a um pensamento, a um
proceder communs, á unidade pela harmonia, eis a
missão dos ministros do rei em um paiz livre, eis o
governo constitucional, não o unico verdadeiro, seo
o unico legal, o unico digno; porque, cumpre que todos
nós respeitemos a corôa, lembrando-nos de que ella
descansa sobre a cabeça de um ser intelligente e
222
livre, com quem (ratamos, e que não é uma
simples e inerte machina destinada a occupar
um lugar que, se alli não estivera, não faltariam
ambiciosos que desejassem occupar ('). >
Allundindo ás preveões de Casimir Périer contra
Luiz Felippe e do rei contra o seu ministro, do ministro
que receiava quizesse o rei dominar o gabinete, do rei'
que suppunha o primeiro ministro com desígnio de nul-
lifica-lo, Guizot recorda a sua opinião de 1846, acima
expendida, e acrescenta:
« Estou convencido de que se em 1831|
alguem perguntasse a Luiz Felippe e a
Casimir rier o que pensavam desse resumo
de sua situão e relações constitucionaes, lhe
teriam
amb os sinceramente e sem reserva prestado
seu assentimento. Périer, como homem
sensato e bom monarchista que era, o
quereria estabelecer como base da monarchia
constitucional a maxima « o rei reina e não
governa », e o
rei Luiz Filippe, por seu lado, dotado de intelli-
gencia e moderação politica, não pretenderia
governar contra o parecer dos conselheiros que
procuravam ao seu poder o concurso das cama-
ras e do paiz: Leroi avait trop d'intelligcnce et
de moration politique pour prétendre à gou-
verner contre 1'avis des conseillers qui procu-
raienl à son pouvoir le concours des chambres
et
du pays
Os citados trechos patenteam que o autor da maxima
o rei reina e não governa >, oppondo-se á idéa, que
(*) moirr» pour servir à l'histoire de num temps. T. 3, c. 12.
(**) Memoires. Ibidem.
223
altamente condemnava de reduzir a realeza a machina
inerie, estava, comtudo, longe de admittir que ella
exercesse attribuições constitucionaes sem ser por inter-
medio de ministros responsaveis.
Era essa, aliás, a opinião de Guizot muitos annos
antes que Thiers formulasse a sua famosa maxima, pois
que já em um escripto datado de 26 de Junho de 1822,
elle firmava e desenvolvia esta these:
< Sous le régime constilutionnel, et quand
Pinviolabili du monarque se fonde sur la res-
ponsabili des ministres, nul pouvoir de fait ne
saurait lui appartenir, nul acte saurait éma-
ner de lui que cette responsabilité n'en soit la
compagne inparable. Sans cela, Pinviola-
bilitè royale prendrait-elle sa raison, c'est-à-dire
sa garantie?
« Plus nous ferons de progrès dans cesystème,
plus nous nous convaincrons que la responsa-
bilitè, sous toutes les formes, par les moyens les
plus divers, morale ou légale, directe, ou indi-
recto, en est le caractere essentiel et le plus puis-
sant ressort (*). »
Assim que, bem consideradas as doutriinas de Thiers
e de Guizot, e as formulas que a respeito da questão
sujeita estabelecem, póde-se dizer que entre laes formu-
las o existe completo antagonismo, como dá a enten-
der o Ensaio'.
A formula de Thiers « o rei reina e não governa »,
(*) De la peine de mort, cap. 10.
224
abstem-se de reduzir o rei á nuilidade ou á inercia
absoluta, de recusar-lhe influencia na governação do
Estado, como se na cadeira de rei não estivesse um ser
intelligente e livre: quer que a realeza governe, mas com
a concurrencia dos outros poderes do Estado.
A formula de Guizot, dizendo que o rei governa, está
longe do admittir que a realeza constitucional possa, no
exercício de suas atribuões, praticar acto algum sem
a referenda e consequente responsabilidade de mi-
nistros.
Ambos os publicistas são sectarios do governo parla-
mentar, e da essencia deste governo é que as camaras
exercam influencia na organizão dos.ministerios, e
que os ministros sejam os agentes responsaveis da rea-
leza na expedão de todos os actos de sua competencia.
Sem tal clausula nas monarchias representativas o paiz
deixaria de governar-se por si. Quaesquer, pois, que
sejam as apparentes divergencias de Thiers e Guizot,
elles estão de acordo, e a isso se reduzem as referidas
maximas.em pensar que a corôa não pratica acto algum
publico sem a concurrencia e intermedio de ministros.
§ 3.°
COMO SÃO COMPREHENDIDAS NA INGLATERRA AS MAXIMAS
EM QUESTÃO.
No conceito do autor do Ensaio é esse um ponto que
deve ser examinado e resolvido com autoridades ingle-
zas de primeira ordem, e com effeilo soccorrendo-se
aos nomes respeitaveis de Hallam, Macaulay e Lord
Brougham, escreve á pag. 131:
225
« se , portanto, que praticamente na
Inglaterra não c seguido á risca o aphorismo —o
rei reina e não governa, e que a Constituão
ingleza está mui longe de ter a applicação que ás
Cartas francezas queriam dar os sustentadores
d'aquelle principio. A differença es principalmente
em que estes apresentavam meras e estereis
theorias para seus fins, e em que os Inglezes, como
homens praticos, querem e contentam-se com o que
é humanamente possível. »
Assim fundado, segundo diz, em escriptores inglezes
de primeira plana, opina o autor:
< Que na Constituição da Inglaterra não
tem apoio as maximas de que se trata.
« 2.° Que na pratica não são cilas alli seguidas
a risca. »
E' bom não confundir as duas questões. Uma cousa ê
averiguar se a Constituição ingleza estabelece que o
rei reina eo governa, como lhe attribue Thiers, ou se
dispõe que governa, nos termos que lhe assigna Guizot, e
ficaram acima expostos. Outra inquirir se de facto os
reis inglezes tem ou o constantemente observado
essas maximas.
Os factos podem estar em desharmonia com a lei, c
nem por isso deixar de ser incontestavel a existencia da
mesma lei.
Isto posto, direi que as proprias autoridades de pri
meira ordem citadas pelo autor, e outras que se lhes
podem addiccionar, longe de combaterem, apoiam deci
didamente a crença de que a realeza ingleza, sem ser
226
uma inutilidade, sem ser zero, não póde todavia praticar
actos publicos prescindindo de referenda e responsabili-
dade de ministros.
Hallam,na obra e passagem indicadas pelo Ensaio,diz
com effeito que, sem reportar-se a tempos mais remo-
tos, sabe-se que Henrique VII, Henrique VIII, Isabel e os
quatro Stuarts, posto que não tão habeis quanto activos,
eram os principaes directores de sua politica, o ou-
vindo conselhos que dispensavam, e que muito especial-
mente Guilherme III assim procedêra, sendo com effeito
o seu proprio ministro, e mais capaz de -lo que qual-
quer dos que o serviam (*).
Note-se, porém, que Hallam, faltando de Guilher-
me III, havia na mesma obra dito anteriormente
:
« Guillaume III, par sa disposition reservée
aussi bien que par sa grande superiori sur nos
anciens is, en fait de capacite politique, ètait
beaucoup moins dirigé par ses conseillers respon-
sables que ne l'exige Vesprit de notre consti-
tution. » (").
D'onde resulta com evidencia que, no conceito desse
historiador, o espirito da Constituição ingleza vedava que
os reis de Inglaterra, Guilherme III ou qualquer outro,
procedessem no exercício de suas attribuições sem con-
selho e responsabilidade de ministros, mas que alguns
delles, por motivos mais ou menos plausíveis, sendo um
dos primeiros a supposta superioridade de suas luzes,
apartavam-se nessa parte do espirito da Constituição.
(*) Histoire Constitutíonnelle de l' Angleterre, tom. 5, pag. 132.
(**)
Mesma obra, Tom. A, pag. 380.
227
A maxima que o rei o pratique actos exteriores e
obrigatorios sem concurso de ministros, é do espirito da
Constituição: os reis, porém, ás vezes tem-se desviado
dessa regra, tem na desprezado.
Eis o que nos diz Hallam.
Macaulay igualmente recusa o apoio, que delle solicita
o autor do Ensaio, e aqui, porque a autoridade é mais
grave e roais extensa a citão, a resposta tambem deve
ser um pouco mais detida.
O autor do Ensaio traduz de Macaulay o período, que
tambem vou trasladar, da sua Historia da
Inglaterra, e é assim concebido:
O principio da irresponsabilidade do sobe-
rano é sem duvida tão antigo como qualquer
daquelles em que se firma a nossa Constituição.
Que os ministros são responsaveis é tambem dou-
trina de antiguidade immemorial. A doutrina
que sem responsabilidade não ha garantia suffi-
ciente contra os abusos da administrão, nin-
guem em nosso paiz e no presente seculo contes-
ta. Dessas tres proposições segue-se irrecusa-
velmente que o melhor governo é aquelle em que
o soberano não exerce acto algum publico sem
assistencia de seus ministros: when the sovereign
performs no public act without the concurrence
and instrumentatity ofuminisler. O argumento
é perfeitamente verdadeiro. Cumpre, pom,
não esquecer que argumento é uma cousa e go-
verno outra. Em logica, uma vez admittidas as
premissas, só o idiota nega a conclusão legitima.
Mas, na pratica, vemos muitas vezes grandes
e [Ilustradas nações persistir, gerações após
228
gerações, em proclamar certas principies, e ab-
ster-se comtudo de obrar em'harmonia com elles
E' mesmo licito duvidar que governo algum tenha
jámais realizado, de um modo completo, a idéa
pura que representa. Segundo a idéa pura da
realeza constitucional, o pncipe reina e não go-
verna, e a realeza constitucional, como existe na
Inglaterra, aproxima-se mais a essa idéa do que
em nenhum outro paiz. Fôra todavia grande
erro suppôr que nossos príncipes reinam e
jámais governam. No seculo xvn°, Whigs e To-
ries pensavam que era o direito seo de-
ver do primeiro magistrado governar. Todos os
partidos estranharam que Carlos II o fosse o
seu primeiro ministro, assim como todos louva-
ram Jayme por ser seu proprio High Admiral, e
achavam justo que Guilherme fosse seu secreta-
rio dos negocios estrangeiros (*) ,
Na primeira parte desse extenso periodo Macaulay
demonstra, com admiravel clareza, qual a idéa pura da
realeza constitucional da Inglaterra e é: que a corôa
não pratique aclospublicos sem assistencia de ministros
responsaveis.
Nas egunda se esforça o historiador por desculpar,
por justificar mesmo, os desvios dessa idèa pura da
realeza constitucional praticados, além de outros reis,
por Guilherme III, que elle procura defender das
increpões, que lhe fazem muitos de haver violado a
Constituão do paiz, despresando ás vezes os
conselhos e a responsabilidade de ministros.
E para que bem se conheça o pensamento que
(*) Hislory of Engtand, vol 4, cap. 17,.pag. 9.
229
Macaulay teve em vista escrevendo o período que o autor
do Ensaio copiou e que acabo de transcrever, basta r
os dous periodos immediatamente anteriores, que o En-
saio omittiu, e de que o acima transcripto é desen-
volvimento.
Diz o historiador no primeiro :
« Nesta occasião (no Congresso de Haya) como
em muitas outras conjuncluras graves de seu
reinado, Guilherme foi o seu proprio ministro
dos negocios estrangeiros. Para guardar as
formulas constitucionaes elle devia ser assistido
de um secretario de estado, e para esse fim ha-
via-o acompanhado Nottingham á Hollanda.
Mas Nottingham, que lograva grande confiaa
de seu soberano no tocante ao governo interior
da Inglaterra, sò tinha noticia dos negocios que
se discutiam no Congresso pelo que lia nas ga-
zetas. »
E no segundo:
« Esse modo de tratar negocios fôra conside-
rado hoje como absolutamente, inconstitucional
would nowbe thoughtmost inconstitutional,
e muitos escriptores, julgando segundo as ias
de nosso tempo esses actos, que pertencem a
uma época anterior, tem arguido severamente
Guilherme por haver obrado sem o concurso de
seus ministros, e estes por terem tolerado que
o rei os apartasse do conhecimento de negocios
que no mais elevado grão interessavam à honra
da coa e aos interesses da não. Entretanto
presume-se que aquillo que foi não feito, mas
approvado por homens os mais consideraveis
e honestos dos dous partidos, por Nottingham,
230
por exemplo, d'entre os Tories, e por Somers d'en
tre os Whigs, não podia ter sido inteiramente
indesculpavel, e com effeito não é difficil achar
escusa sufficiente de tal proceder < cannot
have been altogether inexcusable, and a very
sufficient excuse will without difficulty be
found.»
Fica assim nem manifesto que o escriptor da Historia
da Inglaterra trata na passagem invocada pelo Ensaio de
defender Guilherme III e seus ministros das censuras que lhes
fazem, ao rei por ter tratado directamente com os alliados no
Congresso de Haya graves negocios sem assistencia de
ministros, e a estes por haverem soffrido impassíveis uma
tal injuria.
Note-se, porém,que propondo-se defendero rei,aquem
a cada passo e tão encarecidamente exalta, Macaulay
reconhece: 1, que as formulas constitucionaes exigiam
em Haya a presença dos ministros, sendo que por isso
havia Nottingham acompanhado o rei; 2.
o
que a pre-
terição de taes formulas hoje seria absolutamente offen-
siva da Constituição; 3
o
. que todavia essa preterição, pelo
tempo e circumstancias em que teve lugar, merece des-
culpa.
E na verdade, para completa defesa de Guilherme»
o escriptor assignala raes que incontestavelmente
abonam o procedimento do rei naquella conjuctura.
Uma dessas razões era que naquelle tempo, exceptuan-
do-se Sir W. Temple, que não havia meio de fazer arre-
dar do seu retiro para entrar na vida publica, o se
encontrava um Inglez sufficientemente habilitado a di-
rigir a prospero e honroso exito qualquer negociação
importante com potencias estrangeiras there was no
231
Englishman who had prove himself capable of conduc-
ting an important negociation with foreign powers to a
successful and honourable issue (*). No entanto que Gui-
lherme em talento de negociador nunca leve quem o
excedesse, e sabia elle a respeito dos interesses e dis-
posões das rtes do continente mais que todo o seu
conselho privado.
Outra razão, e só essa vinha a ser mais que bastante,
que o Papa Alexandre era um dos adiados, com quem
o rei tinha de tratar, e que muito convinha ler por ami-
go, e, pois, não havia ministro inglez que ousasse enten-
der-se com o pontífice—such was the temper of lhe
english nation that an english minister might well shrink
from having any dealings, direct or indirect, with lhe
Vatican (").
Na presença de razões tão ponderosas, desculpado por
certo está Guilherme III de haver negociado directamente
com os adiados sem assistencia de ministro. Não é só o
parlamento, a historia tambem (que julga os proprios
parlamentos)de concederbill de indemnidade, e o rei
Guilherme mais que nenhum outro merecia esse que lhe
deu Macaulay.
D'ahi, porém, não é permittido concluir que a Con-
stituição ingleza repelle como humanamente impossível
a maxima, que a realeza constitucional deve sempre
exercer suas attribuões com assistencia de ministros.
{*) Hisiory of England, Vol. 3.º cap. 11, pag. 14. (**)
Mesma obra, Vol. 4, cap. 17, pag. 12.
232
A terceira autoridade, que o Ensaio menciona, é Lord
Brougham, o qual, tanto ou mais que Haliam e Macaulay,
lhe é contrario.
O autor cita duas obras de Brougham, a saber: o
seus « Historical Sketches of Statesmen » e a sua
recente publicação « The British Constitution: its
history, structure, and working. >
Na primeira o escriptor inglez falia de Jorge III, como
de um rei queo só zelava a sua prerogativa, querendo
com firmeza mante-la, mas desejava amplia-la, e mostra
que, em virtude dessas disposições de seu espirito,
esforçava-se por prestar sempre a maior attenção a todos
os negocios e occurrencias, formando sobre todos os actos
do governo sua opinião e exercendo sobre elles a sua in-
fluencia.
Não assevera, porém, Lord Brougham que Jorge III
praticasse actos formaes de realeza independentemente
de assistencia de seus ministros.
Que Jorge III procurava influir em tudo, que tinha a
veleidade de dominar, ninguem ignora. Que procurava
pôr embaraços aos ministros por todos os meios de in-
fluencia, de que dispunha, a historia o diz. Mas que tra-
duzisse as suas veleidades em actos exteriores, dispen-
sando a assistencia de seus ministros, não consta que
houvesse acontecido. De sorte que a historia póde dizer,
como diz por oro de Cesar Cantu (*), que o reinado
de Jorge III, sempre fraco de espirito, e ás vezes louco,
é a mais valente prova do merito das instituições repre-
sentativas, porque como a influencia do rei não se resol-
via jamais em actos exteriores, as suas aspirações de
(*) Histoire Universelle, til. 19, pag. 105.
233
predomínio deixavam de fazer o mal que aliás produzi-
riam se exercesse directamente actos da prerogativa, e tal
era o vigor da maxima que o rei è inviolavel e tudo faz
por seus ministros que, quando o mesmo Jorge III foi de-
clarado demente e confiada a regencia ao principe de
Galles, sanccionou elle a propria interdicção, isto é: a
sua incapacidade de sanccionar cousa alguma (*).
Da mesma obra de Lord Brougham cita o Ensaio um
extenso peodo, que, depois de repellir a idéa de fazer
da realeza um cargo nominal, corno o grande eleitor de
Sieyès, e de alludir aos epigrammas, com que Napo-
leão combatia esse pensamento do seu collega, ter-
mina por uma phrase que revela todo o pensamento do
escriptor: « Certo, diz elle,se a nação tem um sobe-
rano é para que a voz deste seja ouvida, e se fa sentir
nos negocios publicos a sua influencia. *
Isto importa querer que a voz do rei seja ouvida, que
elle influa nos negocios do Estado, mas não que o fa
directamente, sem assistencia de ministros responsaveis.
Da segunda obra « The British Constitution, o autor
do Ensaio cita, do cap. 17, pag. 266, a seguinte pro-
posição :
< O espirito da Constituição exige que o mo-
narcba não seja simples zero, mas um poder
independente no systema politico, e que sirva
para conter os outros poderes. »
E do mesmo capitulo, pag. 279, est'outra propo-
sição :
« O rei não póde governar sem o parlamento,
mas nem por isso fica reduzido á condição de
(*) Hello, Du regime contitutionnel, tit. 2
o
, pag. 187.
234
zero, de mera apparencia, ou de um ser depen-
dente. Tem elle influencia bastante par fazer
sentir em todas as operações do Estado as suas
opiniões. >
De nenhuma dessas transcripções, a que se apega o
Ensaio, nasce argumento em favor de sua doutrina,
porque em todas o pensamento de Brougham é que o
rei influa nos negocios publicos e faça sentir na admi-
nistração do Estado o peso de sua opinião» mas não
que pratique actos sem dependencia de referenda de
ministro.
Ora, entre ser zero e exercer directamente actos da
realeza, ha um meio termo, que é o papel do rei
constitucional, na opinião de Brougham.
A seguinte passagem, de que o Ensaio não fez cabedal,
corta entretanto toda a possibilidade de invocar-se a
autoridade do publicista, inglez em apoio da doutrina
constrda pelo mesmo Ensaio. Acha se à pag. 277, e
diz assim:
« Above all, for every act done by the Crown there
must be a responsible adviser and responsible
agents; so that all minislers, from the highest
officers of State down to the most humble
instrument of government, are liable to be both
sued at law by any one whom they oppress, and
impeached by parliament for their evil deeds
Quer dizer:
< E mais que tudo, não ha acto que possa ser
praticado pela corôa sem um conselheiro e
agentes responsaveis, de sorte que, desde os
mais elevados funccionarios do Estado até o
mais humilde instrumento do governo, estão
235
todos nas circumstancias de serem perseguidos
judicialmente por aquelle a quem opprtmirem,
e accusados, em rao de seus mãos feitos, pelo
parlamento. »
Tal è a realeza ingleza no conceito de Brougham:
ella de e deve influir nos negocios publicos e ter no
resultado final delles uma parle não pequena, conforme
as luzes e discernimento que possuir, mas essa influen-
cia só è admissível nos termos constitucionaes, a saber:
mediante assistencia de ministros responsaveis.
Que a interpretação que o Ensaio á obra de Lord
Brougham, buscando apoio para a sua theoria de
governo pessoal, não é exacta, não o digo só eu: dizem-
no todos aquelles que em attenlamente essa recente
publicação do sabio Inglez.
Na Revista dos Dom Mundos, do 1.
o
de Junho do
corrente anno, appareceu uma aprecião da obra de
Brougham por M. le duc d'Ayen, e, certo, o juizo, que
delia fórma, em nada se parece com o do Ensaio.
M. d'Ayen, tendo examinado a > British Constitution,
its history, structure, and working, ficou entendendo
que Brougham não entra francamente na apreciação da
grande difliculdade dos governos representativos, a
saber: « os conflictos entre o governo pessoal do rei.e
o das camaras », dizendo, por um lado, que o rei não é
zero no governo, antes exerce grande influencia nelle, e
por outro lado, indicando importantes restricções que
limitam de um modo notavel essa influencia, d'onde
parece que sustenta os direitos e privilegios do parla-
mento no governo do paiz por meio de ministros esco-
lhidos de seu seio.
Eis o que diz o escriptor francez:
236
« A corôa de todo o edifício politico e social é
a realeza, que representa o poder executivo; mas
essa coa è uma força ou um ornamento da
Constituição? Como sahiram os Inglezes da
grande difficuldade dos governos representa-
tivos, isto è, dos conflictos difficeis de evitar
entre o governo pessoal do rei e o das camaras ?
Lord Brougham não responde precisamente a
essas importantes queses. Diz que o rei repre-
senta o poder executivo; mas esse poder es na
realidade em mãos dos ministros, que o rei tem
a prudencia de escolher antes que ih os impo-
nham, mas que, em compensação, fazem timbre
em respeitar e resguardar sempre a magestade
real, quaesquer que sejam as rivalidades, dissen-
sões c odios pessoaes ou políticos, que elles
cuidadosamente occultam em seus triumphos,
como em suas derrotas.
* Se os Inglezes fôssem bem francos e since-
ros, talvez confessassem que em sua essencia o
verdadeiro espirito e ultima perfeão da Consti-
tuição de seu paiz seriam que todos os reis fôssem
rainhas —, não á moda de Isabel, mas represen-
tando, como a que actualmente reina, a mages-
tade, a virtude e a moderação coa da, e bem
assim o amor dedicado á prosperidade, á gran-
deza e ás liberdades do Imperio Britannico, pois
que no cume do seu edifício politico os Inglezes
não querem senão um throno occupado: o espec-
taculo de um throno vasio parece-lhes perigoso
e temível para a tranquillidade de um paiz. >
Sem duvida, como diz Brougham, o rei no
governo inglez o é sempre um zero ou ob-
jecto de pura ostentão, antes exerce bastante
237
influencia para fazer sentir em todos os actos do Estado
o peso de suas opiniões e de suas preferencias ; mas
importantes restriões, indicadas peio proprio Lord
Brougham, cercêam notavelmente essa mesma
influencia (*). »
Assim que M. d'Ayen que bem parece, por suas idéas
de governo varonil dos reis, ainda quando são rainhas,
da escola daquelles que desejam a realeza constitucional
um pouco mais activa e forte do que as theorias do syste-
ma representativo aconselham, deixou, não obstante, de
r na obra de Brougham o que o Ensaio descobre,
a saber: apoio para a opinião de que o rei constitucio-
nal póde a certos respeitos, pondo de parte o ministerio,
exercer directamente o munus da magestade.
Como Brougham expõe a Constituição ingleza, assim
a tem comprehendido a Rainha Victoria, assim eminen-
temente a comprehendeu o Principe Alberto, a cujo bom
senso declara Lord Russell dever a Inglaterra no reinado
actual a applicação a mais real e sincera dos verdadeiros
princípios constitucionaes, abstendo-se a coa de toda
influencia indiscreta e perigosa (*).
§ 4.»
QUE APPLICAÇÃO PODEM TER AO BRASIL AS MAXIMAS DE
QUE SE TRATA.
São de tal fórma essenciaes ao regimen representativo
as maximas que tem sido objecto de exame dos para-
(*) Révue des Deux Mondes, 1" Juin 1862. (*)
Révue des Deux Mondes, 15 Février 1862.
238
graphos antecedentes, que perguntar se ellas tem appli-
cão ao Brasil, importa r em duvida se a nossa fór-
ma de governo é ou o uma monarcbia constitucional.
Que significam em substancia essas maximas?
Mostrei que, postas de parte divergencias apparentes,
essas maximas se reduzem a uma verdade fundamental,
a saber: que a realeza é na organisação politica um
elemento importantíssimo com direito de exercer a mais
legitima influencia nos destinos do paiz, mas sempre
com assistencia de ministros responsaveis.
E' a opinião de Thiers, de Guizot, de Lord Brougham,
e, de-se dizer, de quantos tem escripto sobre o as-
sumpto, e fôrem conscienciosamente consultados.
Na sessão de 5 de Julho do anno passado sustentei na
camara temporaria que, pela nossa,lei fundamental, a
queso « se o Imperador governa ou o », desappa-
rece em face das disposições que lhe conferem o poder
moderador, a qualidade de chefe do poder executivo, e
particularmente do art. 126, que manda passar o Impe-
rio a um regente logo que o Imperador, por causa physica
ou moral, for reconhecido pela maioria das camaras
achar-se impossibilitado para governar.
Mas ponderei logo que o governo, permíttido á corôa,
entende-se em termos habeis, com referencia ao conse-
lho, á deliberação e não a actos exteriores, sendo que no
conselho a influencia do imperante deve proporcionar-
se indispensavelmente ao gráo de suas luzes e experien-
cias, mas nos actos exteriores não se de fazer sentir
sem a referenda e responsabilidade de um ministro, sob
pena de infringir-se o principio cardeal da monarchia:
a inviolabilidade do chefe da nação.
239
O autor do Ensaio, fazendo-me a honra de tomar em
consideração esse argumento, combate-o, dizendo que a
palavra governar que se encontra no art. 126 o resolve
a queso, porque a formula « o rei reina, não gover-
na », é posterior á nossa Constituição, como se não
saltasse aos olhos que o facto de agitar-se em certo
tempo uma questão de direito constitucional não impe-
de que relativamente a certo paiz essa questão se des-
vaneça, á vista de lei expressa anterior!
Eu entendi então, e ainda entendo, que á palavra
governar do art. 126 da Constituão ligam-se essencial-
mente est'outras que se subentendem; por meio de
ministros responsaveis. » O autor do Ensaio pretende
que o governo que o mesmo arligo suppõe na corôa, se
não é independente da entidade « ministerio » deixa de
ser governo. A' pag. 137 diz elle:
< o é possível sahir deste dilemma: ou os
actos do poder moderador são exeqveis sem
referenda, ou não.
« Se o são, o Imperador reina e governa.
« Se o não são, não sei mesmo se reina, mas
tenho por certo o só que não governa, como
tambem que não é o Imperador da Consti-
tuição. »
Com o seu dilemma o autor do Ensaio vai ser con-
vencido de ser, contra as suas intenções sem duvida,
um sectario exagerado da formula * o rei reina e o
governa»,o qual a entende Thiers, que vimos conceder
á corôa larga influencia nos negocios do paiz, mas qual
a interpretam os publicistas adversos á monarchia.
No seu modo de sentir, onde não ha referenda o
240
Imperador reina e governa, mas onde ha referenda o
Imperador o governa, nem mesmo é certo que reine.
Ora, nos actos do poder executivo (repetirei ainda
uma vez este argumento, pois que sob diversas formas
repete-se o erro que combato) ha incontestavelmente
referenda.E pois, com relão ao poder executivo o
Imperador em vossa theoria não governa nem reina, é
zero, è apparencia vã, é___ tudo isso que dizeis ser a
corôa em virtude da maxima < o rei reina e o gover-
na », quando mal interpretada.
Na vossa doutrina, sim, o Imperador que a Consti-
tuição declara chefe do poder executivo torna-se zero
em materia da competencia desse poder, porque ahi,
fóra de toda a contestação, não póde elle dar um passo
sem a assistencia de ministros responsaveis!
Assim reduzido o Imperador a nullidade, por effeito
dos vossos racionios, no que toca ao poder executivo,
e ainda concedendo-vos, só por argumentar, que os actos
do poder moderador dispensem referenda ahi tendes no
vosso rei constitucional a imagem desse rei preguiçoso,
de que fallava Napolo, incumbido apenas de praticar
com largos intervallos actos que de sua natureza não são
frequentes.
Que partilha leonina! Os actos do poder executivo,
incessantes e importantíssimos, que constituem por
excellencia o que se chama governo, as nomeações de
bispos, magistrados e geralmente de todos os funccio-
narios, as nomeações de embaixadores e agentes diplo-
maticos, a direcção das negociações publicas com os
pzes estrangeiros, a celebração de tratados, a decla-
ração de guerra, a conceso de tulos e honras, etc,
tudo isso, em que ha referenda, pertence aos ministros.
241
Àhi o Imperador è perfeita nullidade.
Os actos comparativamente raros do poder mode-
rador, em que dizeis que os ministros intervem como
tabelliães do Estado para authenticarem sómente a firma
do Imperador, esses ficam reservados á corôa para osten-
tar a sua independencia, não tolhendo-se todavia aos
ministros que lembrem, que solicitem mesmo seme-
lhantes actos talvez com compensação do reconhecimento
da firma I
É, pois, essa doutrina do Ensaio que, por intelli-
genciadoque seja referenda, nullifica a coa,excluindo-a
da legitima intervenção que lhe compete no exercício do
poder executivo, ao passo que, na que se lhe ope, a
corôa exerce a mais extensa influencia nos diversos ra-
mos do poder de sua competencia, com o concurso,
porém (inoffensivo para a sua prerogatiya) de ministros
responsaveis.
Ao terminar o seu estudo sobre o poder moderador,
o illustre autor do Ensaio occupa-se especialmente
de mostrar que o governo parlamentar, resultado das
maximas que passou era resenha, o póde existir entre
nós.
Cumpre examinar essa opinião.
Governo parlamentar ê aquelle, cujo pensamento
reside, em ultima instancia, nas camaras, com espe-
cialidade na electiva, que se come dos immediatos
representantes do povo.
A Constituição, que declara os poderes políticos de-
legação do povo, a corôa impeccavel, os ministros res-
ponsaveis, a Constituição, que, conferindo ao chefe
do Estado a nomeação dos ministros, dá ás camaras,
e principalmente á temporaria (pelo voto do imposto
e do recrutamento) o direito de recusar-lhes meios de
existir, essa Constituição, qualquer que seja, confere
ás camaras (e com especialidade á electiva) uma justa
participação no governo do Estado, ou, por outros
termos, estabelece o governo parlamentar.
Ora, todos esses caracteres do governo parlamentar
são bem legíveis em nossa Constituição, na qual, de mais,
se nota, com differença da de outros paizes, o véto sus-
pensivo, que, segundo Thiers (*) converte a denegação de
assentimento da corôa aos projectos de lei das camaras
em um verdadeiro appello á autoridade nacional. Como
é, logo, possível, sem negar a mesma Constituição, com-
bater a existencia do governo parlamentar em nosso
paiz ?
Na opinião do autor a nossa camara electiva não
de por duas razões exercer a influencia, que delia
exige o regimen parlamentar.
A primeira é que o ha partidos.claramente defi-
nidos.
A segunda que a camara compõe-se geralmente de
moços, embora esperançosos, sem essa reputação, que só
vem do tempo e das grandes lutas. A' pag. 151 diz elle:
« Seria o systema do governo das maiorias
parlamentares praticavel entre s, sobretudo
hoje quando não ha partidos claramente defini-
dos e do modo peio qual é composta, e é de crer
continue a sê-lo, a camara dos deputados? Conta
muitos moços de talentos e esperançosos mas
que não se subordinariam aos que julgam seus
emulos, e que não receberam ainda aquella
(*) Histoire de la révolutiou française. Turno 1 pag. 145.
243
consagração que o o tempo ou grandes feitos
em grandes lutas. Os homens apparecem menos em
tempo de calmaria.
Os homens, que entre nós adquirem .com o tempo
nome, relação, maior numero de adhesões, pratica e certo
tino, apenas tocam os 40 annos buscam no senado
refugio contra a instabilidade das nossas eleições
populares, cansados do trabalho, que o e da extrema
dependencia em que os põe as candidaturas. »
Não ha partidos definidos! Se os não ha definidos na
camara temporaria, e se esta é fiel expressão do estado
do paiz, nem por isso devem os ministerios, que se or-
ganisarem, ser escolhidos fóra do parlamento e sem que
tenha a camara temporaria na respectiva organisação a
parte, que lhe compete. O que se segue é que, na ausen-
cia ou nas tregóas dos partidos, o parlamento e o minis-
terio, sahido de seu seio aproveitando a quadra, poderás
dotar o paiz de medidas e de instituões, que n'outras
circumstancias e sob a luta renhida das parcialidades
politicas, fôra difficil conseguir.
Será porém exacto que não existem entre nós partidos
definidos? O asserto do livro contrasta com os factos,
de que todos tem noticia: é um asserto que aquelles
mesmos que ás vezes o enunciam com accentos da mais
profunda convicção, d'ahi a pouco desmentem com a pa-
lavra c com os actos mais significativos; maso vale a
pena discuti-lo, porque, como disse, ainda na hypothese
de ser elle exacto, é falso que fique a camara electiva
desherdada da justa influencia, a que tem direito, na
organisação dos gabinetes.
Mas a camara electiva não possue homens de nome,
de relações, de adhesões, de tino, porque, em tendo 40
annos, refugiam-se no senado !
244
Essa objeão agora é mais séria1
Onde não ha, El-rei o perde. Se, pois, a camara tem-
poraria o tem, não pôde ter em seu seio notabilidades
maiores de 40 annos, justo é que renuncie a esperança
de influir no governo do paiz, como als lhe promette e
assegura a índole do regimen representativo!
O abbade Sies,no seu famoso projecto de constitui-
ção a que alludi, creava um senado com a faculdade,
que elle denominava, de absorver,isto é: a faculdade de,
chamando para seu seio todo o cidadão, cuja impor-
tancia e talentos podessem inspirar receio, de certo
modo inutilisa-lo.
No pensar do autor do Ensaio o senado do Brasil,
supposto que sem o intuito malicioso que presidira á
creão de Sies, absorve tambem todas as intelligen-
cias superiores, precisamente quando vão attingindo
certo gráo de reputação, muitas das quaes, dirá alguem,
chegando áquellas alturas, ou quebram, na phrase de
Guizot, a escada por onde subiram e dormem tran-
quillas sem medo de rivaes, ou dizem á politica o que
o outro dizia à esperança e á fortuna:
Inveni portum spes et fortuna ,valete!
sat me lusistis;budite nunc alios!
Se as apreciações do Ensaio nesta parte são verdadei-
ras, se a camara electiva não possue nem póde possuir
homens capazes de influir efficazmente na administração
do Estado, por effeito da tendencia a refugiarem-se cedo
na oulra camara, e se em fim por esse motivo o governo
parlamentar, máo grado a Constituição, é uma chimera
no paiz, o autor desse livro, releve di-lo, tornou-se,
seguramente sem o pretender, o publicista das reformas
radicaes; porque a nação, eu o creio, não resignará
245
por consideração alguma a fortuna de possuir e a espe-
rança de continuar a ter o governo parlamentar, fora
do qual só è posvel ou o governo pessoal, ou oligar-
chico, que ella condemna.
Por fortuna a situão da camara electiva o é
exactamente apreciada no Ensaio.
E' certo que mais cedo, talvez, do que convem.perde
a camara electiva talentos distinctos, que vão brilhar
na outra casa do parlamento, se os gelos da Siberia lhes
não embaçam o fulgor.
Mas nem por isso faltam jamais áquelle ramo da as-
semblea geral legislativa talentos, que possam ser cha-
mados ao ministerio com grande proveito da causa
publica e credito da camara, a que pertencem.
Sem ir além do anno de 1848, lembrarei, por exemplo,
que no ministerio que em 29 de Setembro daquelle anno
subiu ao poder, nenhum voto tinha por certo mais peso
e influencia que o de um ministro deputado (o Sr. Con-
selheiro Eusebio): que o gabinete de 6 de Setembro de
1853 não possuía membro de illustração superior a de
outro ministro deputado (o Sr. Conselheiro Nabnco):
que ainda no recente gabinete de 2 de Março de 1861
o elemento do senado estava longe de avantajar-se
em luzes e influencia ao elemento fornecido pela
camara temporaria.
A allegação de falta de homens habilitados na camara
electiva para figurarem conspicuamente em gabinetes
regulares o passaria, pois, jamais de um pretexto para
arredar o elemento popular da posão, que, por bom
direito, lhe toca na politica do paiz.
Transpira de todos os póros do Ensaio a aversão ao
governo parlamentar, mas ha paginas em que essa
246
ogerisa se manifesta de um modo mais especial. O leitor
vé-lo-ha, iendo á pag. 157 e 158 os seguintes períodos:
« Póde marchar este systema (o governo par-
lamentar) com ministerios fortes, compostos de
estadistas de primeira ordem que gozem de
grande considerão da corôa e das camaras,
por meio da qual consigam o necessario accor-
do. de marchar com Guizots, mas os Guizots
são raros e por ora ainda não nos tocou
nenhum. de marchar um ministerio com esse
systema quando se apoia em um forte e grande
partido. Então poderá melhor dispensar meios
que gastam e desacreditam o poder e que o cor-
rompem. Mas podeo aquellas circumstancias
ser permanentes ?
« Na mesma França e Inglaterra, onde abundam
mais os homens de estado
r
não seria possível
seguir tão difficil systema permanentemente.
E' possível que um monarcha intelligente, mais
interessado do que ninguem na boa gestão dos
negocios, o qual presidindo o conselho de
ministros, ouvindo a todos, acompanhando no
centro da administração, passo a passo, e isto
por largos annos, a marcha dos acontecimentos,
adquire profunda experiencia dos homens e das
cousas, se limite a acompanhar ministros ainda
sem importancia suficiente, e que vão comar
o seu tirocínio f Poderia uma Constituição dizê-
lo, mas na pratica havia de succeder inteira-
mente o contrario.
* Ora na minha opinião, ao «menos, convem
247
pôr de lado tudo quanto não póde passar de theoria,
ou que è mui raramente praticavel.
Assim que é opinião do autor :
1 Que o governo parlamentar é possivel por al-
gum tempo com estadistas da ordem de Guizot.
2.° Que permanente não poderia elle ser, nem
mesmo na Fraa c Inglaterra que, aliás, possuem em
mais abundancia homens eminentes.
3.º Que o Imperador se quizesse seguir o governo
parlamentar, attendendo á camara electiva na organisa-
ção dos gabinetes, teria ministerios de homens novos.
4 Que um monarcha intelligente e grandemente
versado nos negocios do Estado o de acompanhar
ministerios assim organisados.
O governo parlamentar è o governo do paiz pelo paiz.
Que este governo exige capacidades, ninguem o con-
testa : o que, porém, admira è que pretendendo o autor
do Ensaio dar-nos a craveira por onde se o de medir
os estadistas do regimen representativo, indicasse logo
Mr. Guizot como exemplo, Mr. Guizot, em cujas mãos
perdeu-se, em França, o governo parlamentar.
Seria para indicar que o destino do regimen parla-
mentar è succumbir ainda quando dirigido por seus
mais dignos mantenedores?
Mas porque o governo do paiz pelo paiz exija (e qual è
o governo que as não requeira ?) capacidades, não segue-
se que as nões deixem de governar os seus negocios
quando não tenham homens extraordinarios para as
importantes funões da suprema administração.
248
Stuart Mill observa com razão que grandes ministros
são phenomenos quasi o raros como grandes reis, os
quaes providenciaimenle apparecem em conjuncturas
extraordinarias, sendo que os Themistocles e Pericles,
Washington e Jefferson foram brilhantes excepções em
suas democracias, como os Chatams e Peeis na aristo-
cracia representativa da Grãa-Bretanha e os Sullys e
Colberts na monarchia aristocratica de França (*).
E' crença mesmo do publicista inglez, a que me refiro,
que a tendencia geral das cousas no mundo é tornar a
mediocridade collectiva o poder ascendente entre os
homens, e a razão disso elle expende nos seguintes
termos:
« Na historia antiga, na meia idade e durante
a transão da feudalidade aos tempos actuaes o
individuo era por si mesmo um poder conside-
ravel, ou posssse grandes talentos ou uma
elevada posição. Hoje os individous perdem-se
na multidão. Em politica è trivial dizer-se que a
opinião publica rege o mundo. O unico poder
digno desse nome é o das massas e o dos gover-
nos que se fazem orgão das tendencias e instinc-
tos das massas. Verdade tão reconhecida nas
relações moraes e sociaes da vida privada, como
nas transacções publicas.. E o mais notavel é
que as massas formam as suas opiniões, menos
por livros, por chefes ostensivos, do que por indi-
viduos que mais se lhes assemelham, e que se
lhes dirigem por meio de jornaes »(").
E estudando esse phenomeno com relão ao seu
proprio paiz, o citado publicista não hesita em dizer:
(*) Consideraons on repretentative goverrnment.
(**) On Liberty.
249
« Os caracteres energicos vão já tornando-se
meramente tradicionaes. Agora apenas existe
neste paiz consideravel energia para o negocio. O
que sobra d'esse emprego despende-se.. .era
cousas de pouca importancia. Presentemente a
grandeza da Inglaterra é collectiva. Individual
mente pequenos, podemos fazer grandes
cousas mediante o habito, que temos, de asso-
ciação » (*).
Nestes termos é obvio que Stuart Mill vai adiante
do autor do Ensaio no que toca ao receio de
escassez de grandes homens para reger os destinos
dos povos.
O autor do Ensaio pensa que entre nós os não ha,
mas que em França e Inglaterra encontram-se com
fartura homens de primeira ordem.
Stuart Mill, ao contrario, entende que a escassez
é geral na Europa, fazendo-se sentir na Inglaterra
como em qualquer outra parte.
O autor do Ensaio da falta de homens, que
chama da primeira ordem, conclue que o regimen
parlamentar
deve ser proscripto.
Stuart Mill porém é de opinião diversa.
Reconhece que o regimen representativo, quanto
mais alarga ás massas populares as franquezas
constitucionaes, mais tende a tornar preponderante
a mediocridade collectiva; porém, contra esse
effeito natural e previsto da intervenção e
influencia do elemento democratico, elle busca
remedio em combinações da sciencia politica, que
assegurem ás minorias a parte que lhes compete na
representação
(*)
On Liberty.
250
nacional, mas não negar e combater a participação
efficaz do elemento democratico na direcção do paiz,
que tanto importa repellir o governo parlamentar.
Conter, dirigir o elemento democratico em suas
incontestaveis aspirações a participar do governo do
Estado, eis o problema da sciencia politica moderna.
Supprimir o governo parlamentar, que, em ultima
analyse, é a influencia do elemento democratico, é
portanto uma pretenção anachronica e consequente-
mente desarrazoada.
Desfarte o publicista inglez, confessando a falta
de caracteres da tempera dos estadistas, que nos
tempos passados, dirigiram os destinos da Grãa-
Bretanha, bem longe de aconselhar á realeza ,do seu
paiz que tome a si a direcção dos negocios publicos,
faz ardentes votos pela prosperidade do regimen parla-
mentar, melhorando-se no que fôr possível, entretanto
que o autor do Ensaio, que é o exemplo vivo do que
vale o regimen parlamentar, esquece a soa gloriosa
origem para sustentar que a camara electiva, attento
o modo por que é composta, não possue no presente
nem provavelmente possuirá no futuro, elementos
para combinações ministeriaes, que meram a con-
fiança da corôa, e aconselhar bem ás claras que se
dispense o regimen parlamentar, tomando a corôa
iniciativa efficaz na governação do Estado)
Ministerio de homens novos não pôde inspirar con-
fiança á corôa!
Mas que preceito obriga a corôa a nomear gabinetes
compostos sómente' de homens novos? O regimen
parlamentar não quer dizer influencia exclusiva da
251
camara electiva, mas influencia das duas camaras, vita-
lícia e temporaria, tendo-se esta ultima na devida
consideração como a que se compõe dos immediatos
representantes do povo. E pois ainda que a camara
temporaria contasse, como diz o Ensaio, moços
de talentos e esperançosos, e não possuísse homens
carregados de annos e de serviços, as condições
do systema ficariam satisfeitos combinando-se, como
ordinariamente se pratica entre s nas organisações
ministeriaes, a mocidade com a velhice, de modo que
nem a demasia das cans tornasse a administração
mui arrastada, nem o verdor dos annos irreflectida e
temeraria.
Mas, diz-se, um monarcha intelliyente e versado nos
negocios do paiz não póde acompanhar ministerios que
sabem menos do que elle! Póde a Constituição' dizê-lo,
mas na pratica succederia o contrario.
Supponha-se que o saber e pratica do monarcha
são superiores á pratica e saber do gabinete, que,
em uma conjunctura dada, pôde organisar.
Pois bem: esse profundo saber, essa* experiencia
dos negocios publicos, que possue o chefe do Estado
o são perdidos para a nação. No conselho brilharão
a sabedoria e experiencia da corôa, e os seus ministros
responsaveis executao as suas ordens e porão por
obra os luminosos pensamentos que tiver, sem prejuízo
algum da gloria do príncipe, de quem procede, con-
forme a fião (neste caso realidade) da monarchia
constitucional, todo bem que no seu reinado o povo
receber do governo.
Agora o reverso da medalha. Supponha-se que o
príncipe não se distingue nem por grande talento,
nem por vasta experiencia dos negocios do Estado.
252
Esta supposição o é Imaginaria: a historia vem em
seu apoio. Em tal hypolhese o imperante, sem grandes
luzes, sem suficiente pratica dos negocios, Isento de
recorrer á assignatura e responsabilidade de ministros,
conforme a doutrina do Ensaio, não é um perigo para
as instituições e grandes interesses do paiz?
A Constituição é uma só, tanto para o príncipe de
talento superior, como para o de mediana ou de mes-
quinha inteligencia. Se, pois, em virtude delia o mo-
narcba, que è intelligente e pratico nos negocios, tem a
faculdade, que o Ensaio lhe confere, de, no exercício do
poder moderador, prescindir de ministros, o principe
que o fór dotado de bastante intelligencia, e não tiver
pleno conhecimento dos negocios do Estado, nem por
isso deixará de ter a mesma faculdade. De sorte que o
Ensaio concede ao primeiro uma faculdade elevadís-
sima em atteão ás suas luzes e experiencia, e o a
nega ao segundo, embora essas qualidades lhe falleçam!
Na theoria, porém, que sustento, nega-se essa absurda
faculdade tanto ao principe illustrado, como ao que o
não é. Aproveita-se do primeiro todo o saber e illustra-
ção por meio de seus agentes responsaveis; entretanto
que do segundo nada ha que temer, porque o achará
instrumentos para seus desacertos em ministros res-
ponsaveis.
A theoria do Ensaio é a dos governos absolutos, em
que a segurança e felicidade do povo dependem do acci-
dente do nascimento de príncipes de coração bem for-
mado e de intelligencia vigorosa.
A doutrina, com que combato tal opino, é a do regi-
men representativo, por meio de cujas combinões a
segurança e prosperidade do paiz tornam-se indepen-
dentes, quanto é possivel, d'aqueile accidente.
253
Acha o Ensaio que o de ter lugar no paiz o go-
verno parlamentar, contra o qual desabridamente se
declara. Bem: todas as convicções sinceras o respei-
taveis.
Desprezado, porém, o governo monarchico parla-
mentar, ou, por outros termos, rasgada a Constituição
do Imperio que associou a monarchia e a democracia,,
dando a esta assignalada influencia, o que resta?
Resta, na opinião do autor, o governo do paiz pela
corôa sem ministros responsaveis.
Governo do paiz pela corôa tem exemplo no governo
francez presentemente, no da Prussia, etc.
Esse governo conta grandes apologistas, e, cumpre
confessa-lo, nem sempre é desprovido de legitima razão
de ser.
Ters, que o autor do Ensaio suppõe inclinado ás
monarchias nominaes, escrevia, entretanto, n'um dos
artigos do Nacional, a que acima se alludio, o se-
guinte :
O governo das sociedades pertence a quem é
capaz de exercê-lo. Quando em paizes pouco
adiantados so as côrtes são esclarecidas, justo é
que ellas governem; ninguem lhes disputa o seu
direito, baseado sobre a capacidade. O mesmo
já não succedenaquelles paizes, em que os povos
tem o preciso grão de civilisação para se rege-
rem: então elles querem governar-se, porque
podem fazê-lo. Na Russia, por exemplo, sob uma
administrão civilisadora, cabe á côrte gover-
nar, porque ella sabe mais do que o paiz. Na
Prussia o povo pôde reger-se, mas entrega-se
ainda ao governo, cujas boas intenções e su-
254
perior illuslração reconhece. Na França, o paiz
sabe mais que a corte e quer governar-se a si
mesmo. Na Inglaterra isso assim é de ha
muito: a realeza entregou-se ao paiz, e longe de
perder entregando-se-lhe, tornou-se a realeza
mais tranquilla, mais venerada de todo o
mundo. »
Eis, sem disfarce, a questão: pôde ou não o povo do
Brasil reger-se a si mesmo ?
Se não pôde, governe-o quem melhor souber e puder
fazê lo, acabando-se primeiro, bem entendido, com a
Constituição.
Mas, se o povo do Brasil tem attingido o grão de civi-
lisação necessario para governar-se, como suppõe a lei
fundamental, então observe-se o regimen parlamentar,
que essa lei, escripta á luz das idéas do seculo, estabe-
leceu, e não haja receio de que entre os representantes
do paiz na camara temporaria faltem-lhe jamais homens
de talentos para bem desempenharem o elevado cargo
de ministro de estado.
Genios,é verdade, não os tivemos ainda, não os temos;
mas console-nos a ia de que elles são raros em toda a
parte e inspire-nos cada vez -mais ago ao regimen
parlamentar, estabelecido pela Constituição do Imperio, a
convicção de que se sob o domínio da liberdade, que esse
regimen presuppõe, não brotarem talentos e mesmo
genios, o ha de ser sob o regimen opposto que elles
nasçam e medrem com abundancia. O maior elogio .
que se possa fazer á liberdade, resume-se nestas palavras
de Stuart Mill: « genius can only breathe freely in an
aimosphere of freedom. »
INDICE
Paginas.
Aoleitor ........................................................................... . . III
Advertencia da primeira edição ................... ............................... Ix
Da natureza e limites do poder moderador................................... IS
PRIMEIRA PARTE.
I. O que é o poder moderador ............................................18
II. A responsabilidade dos actos do poder moderador se
gundo a Constituição primitiva.......................................23
III. A responsabilidade dos actos do poder moderador á vista
do Acto addicional . . .................................................47
IV. A responsabilidade dos actos do poder moderador em
face da lei de 23 de Novembro de 1841..............................50
V. Nomeação de senadores.................................................55
VI. Direito de gra...........................................................61
SEGUNDA PARTE.
Discurso proferido na sessão de 5 de Julho de 1861. . . . 67
Discurso proferido na sessão de 16 de Jullio de 1861. . . . 75
Discurso proferido na sessão de 25 de Julho de 1861 ... 89
TERCEIRA PARTE.
I. Porque razão o poder moderador é uma delegação na
cional .................................................... . . . . ..........
100
II. Qual a razão porque o poder moderador 6 delegado pri
vativamente ................................................................ .
106
ÍNDICE.
0III. Se o poder executivo é ou não delegado só ao Imperador. 112
IV. Se a doutrina da delegarão exclusiva tanto do poder
moderador como do executivo ao Imperador é nociva á
monarchia.................... , ........................................................134
V. Se da referenda e responsabilidade ministerial nos actos
do poder moderador vem o aniquilamento desse poder. . 139
VI. Se a referenda é inútil porque não impede as revoluções,
e prejudicial porque as provoca . . ....... . . , ................ 133
VII. Se o poder moderador como inoffensivo dispensa a res
ponsabilidade ministerial . . . . . . . , , . 138
VIU. Se é bastante a responsabilidade moral dos ministros . 148
IX. Os artigos 101 e 102 da Constituição . . * ... 184
X. Petição de principio .• . . . . ". . .. . . . . 160
XI. Benjamin Constant mal comprehendido.............................. 164
XII. Os artigos 133,133 e 135 da Constituição ......................... 173
XIII. O Imperador é sujeito á responsabilidade moral ? . . • 178
XIV. Das discussões a que tem dado lugar a questão do poder
- moderador nas camaras legislativas. • . . . . . , . 189
XV. O Imperador reina e não governa, ou reina e governa? . 314
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