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que deseja persuadir verdadeiramente seus interlocutores, também defenderá que
o ser justo e não o parecer justo é o melhor e, portanto, o mais desejável. Faz-se
necessário observar a presença desta questão desde já, porque relativamente ao
discurso mítico, será fundamental para sua crítica distinguir o que nele se refere
ao ser e o que constitui o âmbito da aparência, pois Platão traça uma diferença
entre dois tipos de mitos que implicará em uma classificação da qualidade e da
aceitação ou não destes, como veremos adiante. Ao chegarmos a tal ponto de
nossa investigação, ressaltaremos a unidade conceitual do diálogo presente em seu
desenvolvimento argumentativo, que torna manifesta a unidade de propósito que
encerra.
Após delinear o perfil do homem injusto, Gláucon contrapõe a ele o
paradigma do homem justo. Para ilustrar as características deste, cita uma
passagem de Ésquilo:
“Depois de imaginarmos uma pessoa destas, coloquemos agora
mentalmente junto dele um homem justo, simples e generoso, que,
segundo as palavras de Ésquilo, não quer parecer bom, mas sê-
lo.”
13
É significativo o fato de Platão escolher um trecho de um poeta trágico
para traçar o caráter do homem justo. O verso citado por Platão pertence à
tragédia Os sete contra Tebas, v.592, e narra a desventura de Anfiareu
14
, que é
reconhecido até mesmo por seu inimigo como um homem “sábio, justo, íntegro,
piedoso, profeta distinto, associado, contra a vontade, a homens presunçosos”
15
.
Não podemos crer que Platão seja displicente a ponto de não dimensionar a
importância de suas referências, e, por isso, este passo já insinua a relevância e a
13
Ibid. 361b5 - 8. O grifo é nosso.
14
“Anfiareu é filho de Ecleu e Hipermestra, e um poderoso adivinho protegido por Zeus e Apolo.
Era célebre por sua honestidade e valentia. Nas histórias sobre o início de seu reinado em Argos,
aparece como assassino do pai de Adrasto, Talão, e mandante da expulsão de Adrasto da pólis.
Depois, Anfiareu teria se reconciliado com Adrasto, este guardando rancores, enquanto Anfiareu
fazia-o de coração. Adrasto deu a Anfiareu a mão de sua irmã, Erífile, na condição de que brigas
futuras entre ambos seriam decididas com julgamento desta. Quando Adrasto prometeu a Polinice
ajudá-lo a recuperar o trono de Tebas, pediu que Anfiareu tomasse parte na expedição. Anfiareu,
com seus dons de adivinho, sabia da má sorte do ataque. Adrasto deu à irmã o colar de Harmonia,
e Erífile, comprada pelo presente, determinou que o marido devia seguir para a guerra. Anfiareu
dirigiu-se então a Tebas, fazendo seus dois filhos prometerem que o vingariam posteriormente,
assassinando a própria mãe (...)” ÉSQUILO, Os sete contra Tebas. Tradução Donaldo Schüler.
Porto Alegre: L&PM, 2003. N. do E.
15
Cf. Ibid. v. 610 – 612.
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