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estudo teórico e análise pessoal. Portanto, da acusação às professoras, passamos ao
questionamento do nosso posicionamento, acreditamos ser esta uma posição ética.
Consideramos, agora, que apenas a partir do percurso sobre pesquisa em
psicanálise e a construção dos casos houve uma mudança efetiva em nosso
posicionamento.
Assim, para discorrermos sobre o percurso do trabalho que vai da problemática
da pesquisa até os dias de hoje, fazemos uma alusão a As mil e uma Noites
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. Segundo
Malba Tahan (2004), nessas histórias chamadas pelos árabes “histórias em cadeia”, em
que cada conto se encerra com uma deixa para o conto seguinte, existe a problemática
inicial que funda o percurso das mil e uma noites. No trilhamento dessas histórias, essa
problemática vai tomando novas características: muda sua relevância e posição.
Assim como Chahriar, nós possuíamos uma certeza íntima que parecia
inabalável e que nos posicionava em um tom acusativo. Enquanto a certeza de Chahriar
era a de que todas as mulheres tinham uma tendência à traição, acreditávamos que o
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As crônicas se iniciam com a história de dois irmãos – Chahzenã e Chahriar – que foram traídos por
suas esposas. O primeiro, após matar a esposa e o seu amante, vai para o palácio do segundo, que é o
sultão e descobre que a sultana, mulher do seu irmão, traiu Chahriar. Após esse acontecimento, Chahriar
sai com seu irmão até o mar e encontra um gênio maligno e uma mulher que fora raptada por ele na noite
de núpcias, para se tornar, desde então, sua amante. A mulher vê os irmãos e os ameaça dizendo que irá
acordar o gênio se eles não satisfizerem seus desejos. Depois de dormir com os dois irmãos, a mulher
pede para eles seus anéis e, assim, completa a centena de amantes que possuiu desde que o gênio a
raptara. Após esse acontecimento, o sultão tem a certeza de que todas as mulheres são inclinadas à traição
e que o gênio é mais infeliz que eles.
Quando retorna para o palácio, Chahriar ordena ao grão-vizir que mate a sultana e seus amantes. Após a
partida de Chahzenã, Chahriar pede ao grão-vizir que traga a filha de um dos seus generais, com quem
dorme. No dia seguinte entrega-a para morrer, e ordena ao grão-vizir que procure outra mulher. Essa
história acontece várias vezes, o que deixa todos da Índia muito tristes e assustados com a escolha do
sultão.
O grão-vizir tinha duas filhas, a mais velha, chamada Cheherazade, a mais nova, Dinarzade. Cheherazade
tem uma idéia para deter as maldades do sultão: entregar-se ao seu leito para poder dissuadi-lo com suas
histórias. Cheherazade fala para sua irmã, que uma hora antes do nascer do sol, implore-a para contar
histórias. Após as núpcias, Cheherazade pede ao sultão a última noite junto à irmã. Esta dorme aos pés da
cama do sultão e uma hora antes do sol nascer pede para Cheherazade contar suas histórias maravilhosas.
Quando o sol nasce, a história permanece sem um fim e o sultão, muito ocupado com suas tarefas, poupa
a noiva para que continue a história na próxima noite.
Por mil e uma noites Cheherazade conta histórias para o sultão, o que impede seu sacrifício a cada dia,
sempre com novos personagens que apareciam modificando o sentido anterior da história. Passadas as mil
e uma noites, a cólera de Chahriar se evade e o sultão retira a lei que foi por ele imposta. Cheherazade
consegue salvar as mulheres da morte e os cortesãos saúdam o sultão e a sultana com suas bênçãos.