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UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE
PROGRAMA DE PÓS-GRAUDAÇÃO EM EDUCAÇÃO
MESTRADO EM EDUCAÇÃO
AURÉLIA LOPES GOMES
A EDUCAÇÃO INTEGRAL E A IMPLANTAÇÃO DO PROJETO ESCOLA PÚBLICA
INTEGRADA
CRICIUMA, 2007
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1
AURELIA LOPES GOMES
A EDUCAÇÃO INTEGRAL E A IMPLANTAÇÃO DO PROJETO ESCOLA PÚBLICA
INTEGRADA.
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Educação da Universidade do
Extremo Sul Catarinense como requisito parcial
para a obtenção do título de Mestre em Educação.
Orientador: Profº Dr. Vidalcir Ortigara
CRICIUMA, 2007.
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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação
Bibliotecária: Flávia Cardoso – CRB 14/840
Biblioteca Central Prof. Eurico Back – UNESC
G633e Gomes, Aurélia Lopes.
A educação integral e a implantação do projeto escola
pública integrada / Aurélia Lopes Gomes; orientador: Vidalcir
Ortigara. -- Criciúma: Ed. do autor, 2008.
99f. ; 30 cm.
Dissertação (Mestrado) - Universidade do Extremo
Sul Catarinense, Programa de Pós-Graduação em
Educação, 2008.
1. Educação integral. 2. Escolas públicas - Planejamento.
3. Educação e Estado.
I. Título.
3
Aos meus pais, Maria e José (in
memoriam), pela vida, e aos meus filhos
Eduardo e Gabriel, expressões mais
sublimes do amor.
4
AGRADECIMENTOS
A todos que contribuíram para a realização deste trabalho, expresso meus
agradecimentos, em especial...
... ao Professor Dr Vidalcir Ortigara pela orientação, compreensão e amizade.
... ao Professor Dr Ademir Damázio pela demonstração inequívoca da paixão
pela educação, que nos anima a continuar e Professor Dr Ilton Benoni da Silva pela
atenção, carinho e amizade.
... a Professora Dra Maria da Graça Nóbrega Bollmann pelo reencontro nesta
caminhada e pela presença neste momento especial.
... aos educadores da E.E.B. Profª Dolvina Leite de Medeiros, companheiros
desta caminhada.
... aos colegas do mestrado, que se tornaram amigos e companheiros num
caminho produzido com determinação e empenho, especialmente: ao Cássio pela
companhia; ao Daniel e à Ângela pela parceria; à Claudete pela acolhida carinhosa;
à Marlene, à Paula e ao Paulinho.
... ao Eduardo e Gabriel, filhos queridos, por quem a vida vale a pena ser
vivida.
... ao Manolo e a Méia, amigos especiais e incondicionais neste tempo de
estudo.
... à minha família e meus amigos pelo apoio, compreensão e incentivo na
realização deste sonho.
5
A educação é o ponto em que decidimos
se amamos o mundo o bastante para
assumirmos a responsabilidade por ele e,
com tal gesto, salvá-lo da ruína que seria
inevitável, não fosse a renovação e a
vinda dos novos e dos jovens. A educação
é, também, onde decidimos se amamos
nossas crianças o bastante para o
expulsá-las de nosso mundo e abandoná-
las a seus próprios recursos, e tampouco
arrancar de suas mãos a oportunidade de
empreender alguma coisa nova e
imprevista para nós, preparando-as, em
vez disso, com antecedência, para a tarefa
de renovar um mundo comum.
Hannah Arendt
6
RESUMO
O Projeto Escola Pública Integrada, implementado em algumas escolas da rede
estadual de ensino de Santa Catarina, apresenta como características principais a
ampliação do tempo de permanência do aluno na escola e a educação integral.
Neste trabalho pretende-se analisar a concepção de educação integral do referido
projeto e a sua manifestação na experiência desenvolvida na E.E.B. Profª Dolvina
Leite de Medeiros. Com essa finalidade optou-se, inicialmente, por buscar na
bibliografia da educação, aspectos referentes a educação integral nas perspectivas
teóricas anarquista e pragmatista que desenvolveram uma proposta de educação
integral. Nota-se que ambas pensam a educação integral como formação humana,
como o desenvolvimento pleno das capacidades intelectuais, físicas, emocionais e
culturais, obtidos pela ampliação do tempo de permanência do aluno na escola. O
que as diferencia é que uma a anarquista propõe a superação da sociedade de
classes e outra a pragmatista de cunho liberal, propõe a adaptação dos
indivíduos no modelo de sociedade vigente. Num segundo momento busca-se traçar
uma aproximação ao conceito de educação integral no materialismo histórico-
dialético, que fundamenta teórica e filosoficamente a Proposta Curricular de Santa
Catarina e, por conseqüência, deve orientar as experiências de escolas em tempo
integral do projeto Escola Pública Integrada. Propõe-se a perspectiva gramsciana de
escola unitária como o conceito possível de ser adotado e estudado pelo respectivo
projeto. Feitas essas aproximações realiza-se também a análise dos documentos
que orientam a implementação do projeto Escola Pública Integrada. Por fim, é
apresentada e analisada a experiência do Projeto Escola blica Integrada
desenvolvida na E.E.B. Profª Dolvina Leite de Medeiros, em Araranguá. Constata-se
que na implementação do projeto na escola houve uma preocupação maior com a
questão da ampliação do tempo de permanência do aluno na escola do que com o
desenvolvimento de uma concepção de educação integral baseada nos
pressupostos da Proposta Curricular de Santa Catarina. Percebe-se que a proposta
catarinense de escola de tempo integral avançou no que se refere à integralização
curricular, representada pelo oferecimento das disciplinas de forma integrada nos
dois turnos de funcionamento na escola, mas precisa avançar na discussão de uma
perspectiva progressista de educação na linha da pedagogia histórico-crítica que é a
tendência pedagógica que melhor se insere na perspectiva materialista histórico-
dialética.
Palavras-chave: Educação Integral. Escola Pública Integrada. Tempo Integral.
7
ABSTRACT
The project of Integral Public School present in the some schools of state Santa
Catarina, presents how principal characteristics the ampliation of the time of
permanence of the pupul at school and integral education. In this work intend to
analyse the conception of integral education of the referided project interest and
your manifestation in the experience develops at EEB Prof Dolvina Leite de
Medeiros . The referided project announcers how principal characteristics the
amplification of the time of permanence of the pupil at school and the integral
education. In this sense is important to comprehend what conception of integral
education anuncied. With this finality choose it, initial, to search in the education
bibliography the conceptions of integral education present in the Anarchist movement
and the Pragmatism , that developed a proposition of integral education. Observe
that both think the integral education how human formation, how the full development
of the intellectual, physics, emotional and cultural capacities, that is obtained for the
simple amplification of the time of the permanence of the pupil in the school. What its
differentiate is that the Anarchist – proposes the overcome of the class society and
other Pragmatism of liberal coiner’s, proposes the adaptation of the persons in
the model of valid society. In second moment I trace an approximation at idea of
integral education in the historical dialectic material that founds theoretical and
philosophy the Proposta Curricular de Santa Catarina and, for consequense, would
need to orient the experience integral schools proposals by project Integral Public
School. It proposes the Gramisciniana perspective of unique school how the
possible idea of to be adapted and studied by respective project. It makes this
approximations realizes too the analyses of the documents that orientam the
implementation of the project of the Integral Public School. In the end is presented
and analysed, the Integral Publicschool developed experiences in the EEB Prof
Dolvina Leite de Medeiros, in Ararangua. We verify that in the implantations of the
project in the school had a larger preoccupation with the question of the amplification
of the time of the permanence of pupil at school that with the development of a
conception of a integral education based in the presupposition of the Proposta
Curricular de Santa Catarina. We perceive that the Catarinense presupposition
integral time of school to go in that refere at curriculum intregralization, represented
by offering of the subject of integral form in two turns of functioning at school, but it
needs to go in the discussion of a progressive perspective of education in the line of
the historical critic pedagogy that is a pedagogical tendency that best insert in the
material historical perspective material, historical and dialect.
Key-words: Integral education. Integral Public School. Integral time.
8
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO.........................................................................................................9
2 AS PROPOSIÇÕES DE EDUCAÇÃO INTEGRAL: ANARQUISTA E
PRAGMATISTA........................................................................................................19
2.1 A concepção de educação integral na perspectiva anarquista ................20
2.2 A concepção de educação integral na perspectiva pragmatista...............26
2.3 Sobre as tendências educacionais fundamentadas pelas teorias
anarquista e pragmatista: algumas considerações..........................................33
3 A PROPOSTA CURRICULAR DE SANTA CATARINA: UMA POSSÍVEL
APROXIMAÇÃO AO CONCEITO DE EDUCAÇÃO INTEGRAL..............................40
3.1 O contexto da produção da PCSC................................................................40
3.2 A opção teórica filosófica e metodológica presente na PCSC..................43
3.3 Uma possibilidade de concepção de educação integral no materialismo
histórico-dialético................................................................................................48
4 - O PROJETO ESCOLA PÚBLICA INTEGRADA DO ESTADO DE SANTA
CATARINA................................................................................................................54
5 A EXPERIÊNCIA DO PROJETO ESCOLA PÚBLICA INTEGRADA NA E.E.B.
PROFª DOLVINA LEITE DE MEDEIROS.................................................................70
5.1 Caracterização da escola e da comunidade................................................71
5.2 A efetivação das Classes de Aceleração e do Programa Tempo de
Aprender...............................................................................................................74
5.3 O contexto escolar para a implantação do Projeto Escola Pública
Integrada...............................................................................................................78
CONSIDERAÇÕES FINAIS......................................................................................90
REFERÊNCIAS.........................................................................................................96
9
1 INTRODUÇÃO
A Secretaria de Estado da Educação de Santa Catarina SED apresentou
como uma das metas do Plano de Trabalho Integrado: gestão 2003/2006, o Projeto
Escola Pública Integrada - EPI. No eixo “Ampliação das oportunidades de
aprendizagem na educação básica”, o plano define como ponto prioritário a
“Implementação da Escola Pública Integrada, com currículo em tempo integral, com
o objetivo de ampliar as oportunidades de aprendizagem, viabilizando a educação
integral (apoio UNESCO)”. (SANTA CATARINA, 2003a, f. 02).
Uma vez encarregada de coordenar o processo de implementação do Projeto
Escola Pública Integrada EPI na Escola de Educação Básica Profª Dolvina Leite
de Medeiros, no município de Araranguá, em maio de 2003, onde exerço a função
de especialista em assuntos educacionais, passei a me preocupar com esta
temática. Percebi que eram poucas as pesquisas nesta área, mas crescia o mero
de municípios brasileiros que têm implementado esta nova modalidade de ensino.
Isso me levou a investigar, inicialmente, as experiências deste tipo de escola no
Brasil.
Ao sistematizar meus estudos em função da elaboração deste trabalho
buscando, na bibliografia educacional e junto aos órgãos responsáveis pela
educação dos estados e municípios brasileiros, as perspectivas e experiências sobre
as escolas de tempo integral, constatei que necessidade de aprofundar o debate
sobre a temática, pois as experiências e projetos de ampliação do período de
permanência do aluno na escola estão ocorrendo de forma acelerada e, muitas
vezes, sem que a ela seja dada a devida atenção.
10
Embora a implementação das escolas em tempo integral ainda não tenha sido
efetivada como política pública nas escolas brasileiras, têm surgido programas de
atendimento extra-escolar, inclusive alguns oficialmente criados pelos órgãos
nacionais e estaduais de educação, em turnos opostos àquele da freqüência regular
do aluno à escola. Eles estão relacionados às mais diversas áreas do conhecimento,
como apoio e suporte às atividades curriculares propriamente ditas, ampliando o
período de permanência do aluno na escola.
As experiências com educação integral, a ampliação do período de
permanência do aluno na escola e a criação de escolas em período integral não são
assunto novo no meio educacional. Em alguns períodos da história da educação
brasileira o tema ganhou projeção, com programas de governo que implementaram
as escolas de tempo integral como políticas públicas em educação nas redes
estaduais e municipais de ensino.
As primeiras tentativas de implementação da escola de tempo integral devem-
se a Anísio Teixeira e datam de 1934, quando cinco delas são criadas no Rio de
Janeiro. Essa experiência é repetida em 1950, na Bahia, quando o educador baiano
cria as chamadas “Escolas Parque”. No período de 1983 a 1986 e de 1991 a 1994,
Darcy Ribeiro, então Secretário de Estado da Educação do Rio de Janeiro, criou e
pôs em funcionamento os Centros Integrados de Educação Pública – CIEPs.
E, também, no período compreendido entre 1986 a 1993, no governo Franco
Montoro, em São Paulo, foi instituído o Programa de Formação Integral da Criança
(PROFIC). Em 1991, no governo Fernando Collor, foram criados os Centros
Integrados de Atendimento à Criança CIACs, que seguiram o modelo dos CIEPs,
cujo objetivo era disseminar as escolas de tempo integral para todo o território
brasileiro.
11
Essas experiências foram implementadas com um caráter de prioridade pelos
governos que a instituíram enquanto política pública, no entanto sofreram problemas
na sua continuidade. Ademais não foram assumidas como políticas públicas pelos
governos que os sucederam. Tem-se como exemplo o caso dos CIEPs no Rio de
Janeiro que, embora ainda ofereçam o tempo integral em algumas escolas, não tem
recebido atenção suficiente para sua efetivação com qualidade.
O assunto volta a ser discutido a partir da promulgação da Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional LDB, Lei 9394 de 20 de dezembro de 1996, que
em seu artigo 34 prevê a progressiva ampliação do tempo de permanência do aluno
na escola.
Art. 34. A jornada escolar no ensino fundamental incluirá pelo menos quatro
horas de trabalho efetivo em sala de aula, sendo progressivamente
ampliado o período de permanência na escola. [...]§ O ensino
fundamental será ministrado progressivamente em tempo integral, a critério
dos sistemas de ensino (BRASIL, 1996).
No teor deste artigo legal está presente a idéia de tempo integral como o
progressivo aumento da jornada escolar, remetendo para os sistemas estaduais de
ensino os critérios relativos à ampliação do período de permanência do aluno na
escola e a sua regulamentação.
Saviani (1997, p. 213) ao analisar a LDB e comentar o referido artigo diz
que, embora este aspecto do ensino fundamental tenha sido abordado de
forma tímida na lei, espera-se que os sistemas de ensino sejam mais
ousados e adotem o critério da efetiva expansão da jornada escolar,
visando atingir, em futuro próximo, o regime de tempo integral.
O Plano Nacional de Educação PNE na parte do documento destinada às
diretrizes para o ensino fundamental no país, também faz referência ao atendimento
em tempo integral como possibilidade de democratização das oportunidades de
aprendizagem e diminuição das desigualdades sociais.
12
O atendimento em tempo integral, oportunizando orientação no
cumprimento dos deveres escolares, prática de esportes, desenvolvimento
de atividades artísticas e alimentação adequada, no mínimo em duas
refeições, é um avanço significativo para diminuir as desigualdades sociais
e ampliar democraticamente as oportunidades de aprendizagem. (BRASIL,
2001, p. 23).
Nesta diretriz está caracterizado o atendimento em tempo integral como o
acréscimo de atividades de aprendizagem além daquelas já existente na grade
curricular oficial, evidenciando as atividades artísticas e esportivas e o oferecimento
de refeições no ambiente escolar. Encaminhamentos que, de certa forma, são
contemplados em algumas iniciativas de oferecimento de atividades no contraturno
das atividades escolares regulares.
O Ministério de Educação MEC, no início do governo do Presidente Luiz
Inácio Lula da Silva (2003-2006), lançou o Projeto Segundo Tempo, em parceria
com o Ministério dos Esportes, e o Programa Escola Ideal como mecanismos para a
implantação das escolas em turno integral. Estabeleceu a meta de que até o ano
2010 todas as escolas de ensino fundamental venham a oferecer os dois turnos de
aulas
1
.
Pesquisadores do Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e
Ação Comunitária CENPEC a partir de levantamento sobre a bibliografia
referente à educação integral realizado para buscar uma aproximação teórico-
conceitual do tema, identificaram que ela abrange as perspectivas de formação
integral, de articulação entre conhecimentos e disciplinas, de articulação entre
aprendizagens a partir de projetos temáticos e de tempo integral.
A concepção de educação integral na perspectiva da formação integral
“agrega-se à idéia filosófica de homem integral, realçando a necessidade de
desenvolvimento integrado de suas faculdades cognitivas, afetivas, corporais e
1
A ausência de investimentos para a efetivação deste processo, estabelece a perspectiva de que,
novamente, não se cumpra esta meta.
13
espirituais, resgatando, como tarefa prioritária da educação, a formação do homem
compreendido em sua totalidade” (GUARÁ, 2006b, p. 16).
Os que se referem à concepção de educação integral na perspectiva da
articulação entre aprendizagens a utiliza como princípio organizador do currículo
escolar em que se enfatiza a integração dos conhecimentos em abordagens
interdisciplinares, transdisciplinares e transversais (GUARÁ, 2006a)
Aqueles que entendem a educação integral como a articulação de
aprendizagens, a partir de projetos temáticos dão ênfase ao desenvolvimento
integral a partir de uma área ou tema do conhecimento como eixo de organização
para o desenvolvimento de outras competências. Neste caso, o trabalho, a arte, o
esporte, o lazer, a sexualidade, o meio ambiente, a saúde, entre outros, não são
temas transversais mas, ao contrário, constituem um projeto que aglutina
conhecimentos e estabelece conexão com outras necessidades dos sujeitos.
(GUARÁ, 2006a)
O enfoque dado às questões referentes à educação integral na perspectiva do
tempo integral, segundo Guará (2006b, p. 18), teve como objetivo:
ministrar o ensino fundamental que abrangia atividades diversificadas,
organizando-se a escola para dar, ao aluno de uma escolarização formal
ampliada por um conjunto de experiências esportivas, artísticas, recreativas
ou temáticas, em complementação ao currículo escolar formal
.
O debate contemporâneo sobre a viabilidade da adoção das escolas de
tempo integral como política pública em educação tem girado em torno,
principalmente, do aumento de permanência do aluno na escola, pela consideração
de que o tempo dedicado à educação escolar está abaixo do necessário para que se
desenvolva uma educação de qualidade e, na perspectiva da educação integral, que
vise o desenvolvimento da formação do homem pleno. No entanto, o que se tem
14
percebido nas experiências que se concretizaram no Brasil é a preocupação com o
tempo de permanência em detrimento da formação integral.
O Projeto Escola Pública Integrada, em implementação nas escolas de
Ensino Fundamental da Rede Estadual de Ensino de Santa Catarina desde 2003,
traz a educação integral e o currículo em tempo integral como aspectos inerentes ao
processo de criação das escolas de tempo integral. Tal condição consta da diretriz
emanada do documento norteador das políticas educacionais a serem adotadas pela
SED no Estado de Santa Catarina.
A E.E.B. Profª Dolvina Leite de Medeiros foi uma das duas primeiras escolas
a implementar o Projeto EPI, na rede pública estadual de ensino de Santa Catarina,
o que faz desde agosto de 2003, quando ainda não estavam elaborados, de forma
oficial, os documentos sobre o projeto. O processo de implementação do projeto na
escola ocorreu juntamente com as discussões e decisões que estavam sendo
tomadas, pelo órgão central, sobre esta política educacional.
Este fato levou a escola a definir, inicialmente, as formas de adoção do tempo
integral a partir das decisões tomadas pelo grupo coordenador da implementação do
projeto, no interior da própria escola, formado por representantes de professores,
direção e Associação de Pais e Professores.
Nesse processo de discussão, as perspectivas de tempo integral e educação
integral se fazem presentes como aspectos complementares. Nos encaminhamentos
e decisões tomadas pelo grupo torna-se, por vezes, difícil perceber a diferenciação
que existe nas duas concepções anteriormente referenciadas com base em Guará
(2006). A preocupação com a ampliação do tempo de permanência do aluno na
escola tornava-se prioritária em detrimento da reflexão acerca da educação integral,
enquanto determinação necessária para a formação do homem integral.
15
É neste contexto que desenvolvo o presente trabalho, cujo objetivo central é
compreender como a concepção de educação integral está expressa no Projeto
Escola Pública Integrada e sua manifestação na experiência desenvolvida na E.E.B.
Profª Dolvina Leite de Medeiros.
As questões que norteiam o desenvolvimento da pesquisa estão assim
formuladas: Que concepções de educação integral estão presentes nas experiências
das escolas de tempo integral? O Projeto Escola Pública Integrada orienta-se pela
concepção de educação integral coerente com os pressupostos teóricos da PCSC?
Essas concepções contribuem para a construção de uma educação integral com
formação integral ou conduzem para o aumento do período de permanência dos
alunos na escola? Enfim, procurarei estudar respostas que indicam como o conjunto
das determinações que suscitam os questionamentos anteriores ocorrem na
experiência da E.E.B. Profª Dolvina Leite de Medeiros?
Para compreender a concepção de educação integral presente no Projeto
Escola blica Integrada, inicialmente localizo as concepções que trabalham com o
conceito de educação integral.
Apresento a concepção de educação integral nas perspectivas anarquista e
pragmática, uma vez que são as duas correntes que discutiram este conceito e
implantaram escolas de educação integral baseada em seus pressupostos e em
tempo integral. Analiso a influência destas perspectivas teóricas nas tendências
pedagógicas presentes no cenário histórico da educação brasileira.
Uma vez que a rede estadual de ensino vem discutindo a sua Proposta
Curricular PCSC exposta em documentos publicados de 1990 a 1998
2
, busco
apresentar o entendimento do conceito de educação integral nas abordagens
2
Em 2005 a Secretaria de Estado da Educação lança um novo documento da PCSC, que não será
discutido neste trabalho, tendo em vista que a presente pesquisa se encontrava em andamento
quando da publicação do mesmo.
16
teóricas que a fundamentam. Neste sentido, contextualizo a produção da PCSC,
identifico e reflito sobre o materialismo histórico-dialético e a abordagem histórico-
cultural que são, respectivamente, a perspectiva teórico-filosófica e teórico-
metodológica anunciadas pela proposta e aponto uma perspectiva de educação
integral coerente com seus pressupostos.
Apresento e analiso o Projeto Escola Pública Integrada que se caracteriza, de
acordo com o documento que o regulamenta, pela ampliação progressiva do tempo
pedagógico da escola, pela implantação de um currículo integral em tempo integral
(SANTA CATARINA, 2003a) para, em seguida, expor a experiência da E.E.B. Profª
Dolvina Leite de Medeiros. Tal projeto propõe um currículo que, além das atividades
convencionais, ofereça atividades de caráter esportivo, artístico, cultural e lúdico.
Prevê, assim, o funcionamento da escola em tempo integral na perspectiva da
educação integral e do aumento do período de permanência do aluno na escola.
Para alcançar o objetivo estabelecido para a realização deste trabalho, adoto
a metodologia da abordagem materialista histórico-dialética, acompanhando o
pensamento de Frigotto (1991, p. 77), quando afirma que
o método está vinculado a uma concepção de realidade, de mundo e de
vida no seu conjunto. A questão da postura, neste sentido, antecede ao
método. Este constitui-se uma espécie de mediação no processo de
aprender, revelar e expor a estruturação, o desenvolvimento e
transformação dos fenômenos sociais.
Enfatizo que a postura frente à investigação e à análise dos fatos que adoto,
está vinculada à concepção de mundo que acredito e defendo: a de uma
pesquisadora que concebe a realidade como resultante do processo histórico e
dialético da realidade vivenciada.
Utilizo a pesquisa bibliográfica e documental para a realização desta
dissertação. Pesquisa bibliográfica, que de acordo com Silva e Grigolo (2002, p. 33),
17
“consiste na procura de referências teóricas publicadas em livros, artigos,
documentos, etc., para que o pesquisador [...] tome conhecimento e analise as
contribuições científicas aos assuntos em questão”.
A metodologia que julguei adequada para o desenvolvimento da pesquisa
documental foi a análise de conteúdo baseada em MORAES (1999, p. 9) que a
define como “uma técnica para ler e interpretar o conteúdo de toda uma classe de
documentos que analisados adequadamente nos abrem portas ao conhecimento de
aspectos e fenômenos da vida social de outro modo inacessíveis”.
O autor indica cinco etapas na realização da análise de conteúdo, as quais
passo a explicitá-las, para descrever a forma como as apliquei no meu trabalho. A
primeira etapa, a preparação das informações, consiste em identificar os materiais e
informações referentes à pesquisa e codificá-los de modo a facilitar a busca de
dados. Nesta etapa do trabalho realizei a busca das informações na PCSC (1998) e
nos documentos que foram enviados pela SED/SC para a implementação do Projeto
EPI: Plano de Trabalho Integrado da SED.2003/2006 (2003a), Projeto Estruturante
Escola Pública de Tempo Integral (2003b) o Documento Base para Implementação
da EPI (2003c); o Parecer nº 249/05 e o Decreto 3867/05.
A segunda etapa, a da unitarização ou transformação dos conteúdos em
unidades, consiste na definição das unidades de análise nos documentos no sentido
de codificá-las e localizá-las nos textos estudados (MORAES, 1999). As unidades de
análise que defini inicialmente foram educação integral e tempo integral.
A categorização ou classificação das unidades em categorias é a terceira
etapa proposta por Moraes (1999). Constitui-se no agrupamento de dados por
semelhança, que podem ser estabelecidos previamente ou definidos no processo da
pesquisa. A categorização que adotei no decorrer do estudo encontra-se expressa
18
no desenvolvimento do capítulo quatro deste trabalho e estão agrupadas em torno
de: concepção de escola, gestão escolar, currículo, matriz curricular, educação
integral e tempo integral e integralização curricular.
A quarta e quinta etapas do desenvolvimento da análise de conteúdo
propostas por Moraes (1999) que se constituem da descrição momento da
comunicação do resultado do trabalho e da interpretação aprofundamento sobre
o conteúdo da pesquisa – encontram-se expressas no teor da presente dissertação.
19
2 A PROPOSIÇÕES DE EDUCAÇÃO INTEGRAL: ANARQUISTA E
PRAGMATISTA.
A idéia de formação integral do homem está presente na história da educação
desde a antiguidade clássica, mas é no período entre os Séculos XIX e XX que a
referida concepção por meio da educação integral, ganha força e passa a ser
proposta e a fundamentar algumas experiências desenvolvidas a partir de então.
Historicamente, o século XIX é marcado pelos impactos oriundos das
promessas da modernidade. Se por um lado o advento das máquinas, a introdução
de novas técnicas na agricultura, os avanços do conhecimento científico e a
consolidação da burguesia no poder levam a idéias de progresso por outro, o
fortalecimento e a expansão do capitalismo e da divisão de classes acentua
drasticamente a diferença entre ricos e pobres, entre burguesia e proletariado. Isso
gera na classe operária problemas sociais que a levam ao enfrentamento com a
burguesia em ascensão. Conforme Aranha (1996, p. 138), “Para enfrentar essas
dificuldades o proletariado surge como a classe revolucionária que opõe aos
interesses burgueses suas próprias reivindicações”.
No século XX, essa diferenciação se acentua. O capitalismo se fortalece
como o sistema econômico dominante no mundo, principalmente com a queda dos
regimes socialistas do leste europeu e da Ásia, e acrescenta àquela situação de
exclusão e alienação outros problemas, como a possibilidade de destruição do
planeta pelo próprio homem.
No campo das ciências e da filosofia duas correntes teóricas direcionam as
discussões na busca de soluções para os problemas surgidos com o advento da
modernidade.–.o idealismo e o materialismo –.que passam a combater, de forma
20
diferenciada, o modelo vigente. Isso se reflete também no campo político com o
liberalismo e o socialismo que propõem o fim do modelo conservador predominante.
O embate entre esses posicionamentos ocorre também na educação fazendo
surgir, por um lado, teorias educacionais que se apresentam como elementos de
manutenção e aperfeiçoamento do sistema vigente e, do outro lado, as que
percebem a educação como elemento que traz em si a possibilidade de superação
deste sistema.
Nesse contexto histórico, filosófico, político e educacional surgem as
proposições de educação integral, que ocorrem de forma mais significativa nos
movimentos anarquista e pragmatista, cujas concepções são o objeto de análise
deste capítulo. Estas duas teorias, além de ser as que mais claramente defenderam
esta nova forma de pensar a educação, também realizaram experiências com
escolas que adotaram a perspectiva da educação integral.
2.1 A concepção de educação integral na perspectiva anarquista.
O Anarquismo, movimento de tendência socialista, tem como princípio
fundamental a negação a qualquer tipo de governo formal, como determina a própria
origem etimológica da palavra, formada por archon, que em grego significa
governante, e an, que significa sem. Os seguidores desse movimento consideram
qualquer forma de governo, seja ele revolucionário ou não, nocivo à sobrevivência
dos homens e defendem a liberdade e autogestão como seus princípios básicos..
A educação para os anarquistas tem papel importante no que se refere ao
processo de fundar uma nova ordem social pela formação política do indivíduo. Eles
não a consideram o único e nem o mais importante agente de mudanças, mas
21
entendem que sem a formação das consciências o processo de transformação o
pode acontecer.
No campo educacional a rejeição por qualquer forma de interferência do
governo, seja pelo oferecimento ou pela manutenção de propostas educacionais, é
também premissa da proposta anarquista, que está, segundo Gallo (2002, p.14),
coerente com a idéia de que o proletário deve conquistar ele próprio sua
liberdade, com o princípio proudhoniano de que a emancipação dos
trabalhadores pode ser obra deles mesmos, criticou implacavelmente a
perspectiva ideológica burguesa, rejeitando sumariamente qualquer
proposta de educação oferecida pelo governo, ou que devesse em ultima
instância ser mantida por ele.
A educação anarquista, também denominada educação libertária, dá especial
atenção ao princípio da liberdade e da igualdade como a base da vivência social,
propondo uma educação que elimine as relações autoritárias presentes na
pedagogia tradicional. Conforme Kassick (2004, p.16), buscava “a superação do
conhecimento filtrado pelos dogmas e interesses da Igreja bem como a ruptura com
o sistema estatal dual, onde o conhecimento parcelizado era passado de forma
distinta para ricos e pobres”.
Os anarquistas criticam o sistema burguês de ensino oferecido pelo Estado e
propõem novas bases e objetivos para a educação, dentre os quais encontra-se a
educação integral. Estas bases constam da moção aprovada pelo Congresso da
Associação Internacional dos Trabalhadores de 1868 em Bruxelas, de autoria de
Paul Robin, destacado pedagogo anarquista, que propunha uma educação integral e
igualitária como condição de auto-emancipação dos trabalhadores e, portanto, de
toda a sociedade.
De acordo com Robin (1989, p. 88), a idéia moderna de educação integral
Nasceu do sentimento profundo de igualdade e do direito que cada homem
tem, quaisquer que sejam as circunstâncias do seu nascimento de
22
desenvolver, da forma mais completa possível, todas as faculdades físicas e
intelectuais. Essas últimas palavras definem a Educação Integral.
A integralidade proposta pelos anarquistas, de acordo com Moryón (1989, p.
21), é entendida em diversas dimensões
Por um lado [....] o ensino tem como objetivo desenvolver todas as
possibilidades da criança, tirar tudo o que ela traz dentro de si sem
abandonar nenhum aspecto, mental ou físico, intelectual ou afetivo. Por
outro lado, o ensino integral enfrenta diretamente o problema da divisão
social e levanta a questão da necessidade de uma divisão entre trabalho
braçal e trabalho intelectual que costuma justificar a divisão em classes
sociais, dominante e dominada. Por ultimo, a teoria e a prática pedagógica
anarquista rompem com os estreitos marcos da escola [...] multiplicando os
centros em que se tenta levar à prática todo um plano de educação
permanente
.
O autor destaca o pleno desenvolvimento da criança, a indiferenciação entre
trabalho braçal para uns e trabalho intelectual para outros e a criação de novas
escolas como aspectos definidores desta nova forma de se conceber a educação.
A perspectiva anarquista propõe o desenvolvimento harmônico entre
inteligência, saúde, vigor físico e bondade, significando o pleno desenvolvimento da
criança, rompendo com a educação excessivamente livresca do modelo tradicional.
De certa forma, acaba por relegar a preocupação com o conhecimento produzido
pela humanidade a um papel secundário no processo educacional, dando mais
ênfase.aos aspectos físicos, culturais, sociais e emocionais.
Gallo (2002, p. 32-33) ao desenvolver estudos sobre os princípios filosóficos,
políticos, sociais e epistemológicos que fundamentam a educação integral na
perspectiva do movimento anarquista, aponta que a educação é um processo de
formação humana que deve ser permanente, contribuir para a superação da
alienação e articular a individualidade e a coletividade.
Ela é considerada um processo de formação humana, porque, para os
anarquistas a educação é parte de algo mais amplo, que envolve necessariamente a
23
sociedade em uma estreita e ativa inter-relação entre as suas partes. É a partir da
educação que o homem se faz plenamente humano.
Ela deve ser permanente, uma vez que não se pode conceber o término do
processo educativo, pois o homem é um ser em constante mutação e construção. A
formação profissional é também um dos elementos desta formação permanente,
visto que a profissão é dinâmica e requer uma atualização permanente.
O processo educativo deve contribuir para a superação da alienação, pois o
conhecimento é fundamental para a conscientização do indivíduo, o que torna a
educação uma tática de luta ao igualar, no seu processo, explorados e exploradores,
e oportuniza a igualdade dos saberes que possa superar a dominação
historicamente produzida.
A individualidade e a coletividade devem ser instâncias plenamente
articuladas, o que significa dizer que elas não o mutuamente excludentes mas, ao
contrário, a coletividade é formada por indivíduos que se relacionam e se
complementam.
Ainda de acordo com Gallo (2002, p. 33), a concepção e a prática da
educação integral se desenvolve pela articulação de três instâncias sicas: a
educação intelectual; a educação física e a educação moral.
No que se refere à educação intelectual, o movimento anarquista faz uma
critica ao intelectualismo da educação tradicional, reconhece a importância do
acesso ao patrimônio cultural produzido pela humanidade, mas afirma que em
termos metodológicos a “educação intelectual deve privilegiar a construção pessoal
do conhecimento” (GALLO, 2002, p. 34).
A educação física, de acordo com os anarquistas, compreende três aspectos:
a) educação recreativa e esportiva cuja função sica seria a socialização dos
24
exercícios corporais; conhecimento do corpo e dos exercícios coletivos, visando a
solidariedade e a cooperação entre as equipes; b) educação manual que
oportunizaria o refinamento sensório motor, percepção e desenvolvimento das
habilidades manuais; c) educação profissional em que se desenvolve a formação
profissional, o conhecimento sobre as diversas profissões, adotando a politecnia
como o conceito.
A educação moral, na perspectiva anarquista, ficaria encarregada de
organizar uma nova prática social baseada nos valores de solidariedade e de
liberdade, entre a comunidade escolar, os alunos e professores. Ou seja, fundar uma
nova ordem em que estes princípios de respeito, igualdade, solidariedade fossem
construídos pelo conjunto da comunidade a que a escola se destina.
No que se refere às desigualdades existentes entre o ensino voltado aos
filhos da burguesia, considerado de maior e melhor qualidade, e aos da classe
camponesa e operária, uma instrução insuficiente, os anarquistas propunham uma
educação integral e igual para todos, que inclua o trabalho braçal e intelectual,
eliminando as diferenças e dualidades existentes.
É Mickail Bakunin, importante teórico anarquista, quem faz a reflexão sobre a
desigualdade entre as classes surgidas do capitalismo e levanta o seguinte
questionamento:
Pode ser completa a emancipação das massas operárias enquanto
recebam uma instrução inferior à que se aos burgueses, ou quando
em geral uma classe qualquer, numerosa ou não, que, pela origem está
destinada aos privilégios de uma educação superior e de um ensino mais
completo?” (BAKUNIN, 1989, p. 34)
Como resposta ele propõe a educação integral, para o povo, “a fim de que por
cima das classes operárias não se encontre no futuro nenhuma classe que saiba
mais e que, exatamente por isso, possa dominá-las e explorá-las” (BAKUNIN, p. 34).
25
Em relação ao terceiro aspecto citado, ou seja, a criação de novas e
diferenciadas escolas, a educação anarquista ou libertária coloca em prática seus
pressupostos sobre educação integral, multiplicando experiências, ao criar e manter
escolas que seguiam seus princípios, dentre elas: o Orfanato de Cempius (1880-
1894), dirigido por Paul Robin; a Colméia (1904-1917) de Sebastain Faure, a Escola
Moderna de Ferrer y Gárdia.
Paul Robin, na sua experiência com o orfanato de Cempius, propõe a divisão
estrutural e metodológica da educação integral em duas fases: 1) A educação da
primeira infância, que se dirige ao ser isolado, é inteiramente espontânea e o
acúmulo de conhecimento se ao acaso; 2) A educação da adolescência, quando
se inicia o ensino dogmático das ciências.
O autor ainda estabelece que o ensino espontâneo característico da primeira
infância desenvolve-se a partir de uma vivência em comum, em que o intercâmbio
entre os serviços ocorra de forma agradável entre as crianças, o que se constituirá
na base prática da moral. Isso formará o fundamento para a aprendizagem do
trabalho entre a coletividade e o estímulo para favorecer a curiosidade que prepara o
espírito para o conhecimento. O ensino dogmático, por sua vez, envolve o ensino
das áreas do conhecimento, com noções acerca da aplicação das ciências abstratas
às concretas. Da mesma forma, deve se dar o conhecimento acerca de algumas
profissões, que levarão o aluno a escolher um trabalho.
Podemos verificar na historiografia da educação contemporânea autores que
defendem uma educação baseada na autogestão, na autonomia do indivíduo, na
liberdade e solidariedade, originadas do movimento anarquista, que compõem hoje o
grupo que estuda e defende educação libertária.
No Brasil, o mais destacado representante da educação libertária, Maurício
26
Tragtemberg, se refere à educação integral, dizendo que “esta 'educação integral'
não requer a introdução de artes manuais nas academias, nem de parcializações
acadêmicas, trata-se de definir temas a partir de centros de interesses comuns e a
estruturação da apreensão do conhecimento se dar como conseqüência deste
processo". (TRAGTENBERG, 1980, p. 57).
Apresentados os aspectos referentes à educação integral na perspectiva
anarquista, passo a expor, a seguir, a concepção de educação integral na corrente
pragmatista.
2.2 A concepção de educação integral na perspectiva pragmatista..
A proposta de educação integral teve um papel de destaque nas discussões
sobre educação na corrente filosófica pragmatista. Para melhor entender a
educação integral nesta perspectiva teórica, inicialmente, faço uma breve indicação
das idéias básicas desta corrente. Em seguida situo a sua proposta educacional e a
sua concepção de educação integral e, por fim, ilustro com algumas experiências de
escolas que adotaram a educação integral baseadas nestes pressupostos.
Willian James foi o sistematizador da filosofia pragmatista e seu principal
representante. O termo pragmatismo, segundo James (apud ARANHA, 1996, p. 170)
“deriva da mesma palavra grega, prágma, que significa ação, do qual vêm as nossas
palavras ‘prática’ e ‘prático’. Foi introduzido pela primeira vez em Filosofia por
Charles Peirce, em 1878”.
A ênfase à utilidade prática do conhecimento é o eixo central da teoria
pragmatista. De acordo com Nunes (1996, p. 88), o pragmatismo “como método de
conhecimento afirma que a verdade é aquilo que pode constituir-se como
27
necessário, num processo permanente. Prega que se pode acreditar no que seja
empírico e útil”.
Para Aranha (1996, p. 171),
Quando o pragmatista reduz o verdadeiro ao útil, compreende a utilidade
em sentido amplo. Não como a satisfação das necessidades materiais,
mas tudo quanto sirva para o desenvolvimento da sociedade. [...] Mesmo
que as crenças não se fundem em bases lógicas e racionais, ninguém
duvida de sua utilidade na vida prática como guia da ação.
John Dewey é outro pensador norte americano que teve um papel relevante
para a produção do pensamento pragmático. Ele desenvolveu este tema em vários
campos do conhecimento como a filosofia, a psicologia, a sociologia e a política.
Mas são seus estudos em educação que interessam nesta pesquisa, que exponho a
seguir, mesmo resumidamente, com o intuito de indicar suas implicações na
educação brasileira.
A teoria deweyana, fundamentada nos pressupostos pragmatistas, aborda
com especial atenção o conceito de democracia. Em relação à concepção de
democracia, Teitelbaum e Apple (2001, p. 197) afirmam que, para Dewey,
a democracia genuína não se referia simplesmente a agências e rituais
governamentais, mas, pelo contrário, prendia-se com o processo dinâmico
de uma participação diária activa e igual que incluía, não apenas o aparelho
político formal, como também a cultura e a economia, em essência, todas as
esferas da vida.
Aliada à idéia de democracia como modo de vida, e não uma forma de
governo ou de gerir a política, os pragmatistas acrescentam a sua teoria o conceito
de experiência. De acordo com Cavaliere (2002, p. 257-258), Dewey considera que
A experiência é um modo de existência da natureza. No âmbito da vida
humana, a experiência gera modificações de comportamento, ou seja, gera
aprendizagens, mais ou menos conscientes, que modificam as experiências
subseqüentes. Em outras palavras, experiências ensejam mudanças que
são transformações mútuas nos elementos que agem uns sobre os outros.
28
Cabe a escola, segundo esta perspectiva, o papel de reconstrução da
experiência. Neste sentido, a escola torna-se, para Dewey, o espaço formal próprio
da sociedade democrática para o desenvolvimento de experiências reflexivas, que
não se dão de maneira natural, mas de formas intencionalmente planejadas e
selecionadas. A escola transforma-se numa “micro-sociedade”. Surgem daí as
escolas-modelo, propostas e criadas a partir dos seus estudos que foram difundidas
por todo mundo.
Resultado das reflexões sobre a escola progressiva desenvolvida por Dewey
e dos métodos ativos propostos pelo italiano Pestalozzi surge no cenário mundial o
movimento da Escola Nova. Desencadeado na primeira metade do Século XX, na
Europa e na América, o movimento tinha como proposta a renovação do ensino para
por fim ao autoritarismo, à rigidez, à centralidade do papel do professor no processo
educacional e à ênfase à memorização característicos da educação tradicional.
Sobre tal movimento Anísio Teixeira (2000, p. 40) considera que
A reorganização importa em nada menos que trazer a vida para a escola. A
escola deve ser o lugar aonde a criança venha a viver plena e
integralmente. vivendo, a criança poderá ganhar os hábitos morais e
sociais de que precisa, para ter uma vida feliz e integrada, em um meio
dinâmico e flexível tal qual o de hoje.
No Brasil, este movimento influenciou os educadores reunidos na Associação
Brasileira de Educação – ABE – que, em 1932, lançam o Manifesto dos Pioneiros da
Educação Nova. O manifesto, de acordo com Paschoal Lemme (2006, p. 172)
“tornou-se, indiscutivelmente, um documento histórico, não somente pelo seu caráter
abrangente, como dissemos, na definição de uma política nacional de educação e
ensino, mas também porque foi o único no gênero em toda história da educação no
Brasil”.
No teor do manifesto estão postas as intenções do seu redator, Fernando de
29
Azevedo, e dos outros vinte e cinco educadores que o assinam, afirmando a
necessidade de uma renovação educacional como reação ao que consideravam o
empirismo dominante, discussão que vinha sendo produzida pelos integrantes da
Associação Brasileira de Educação ABE, propondo que se transferisse do campo
administrativo para o plano político-social a solução para os problemas escolares
(GHIRALDELLI, 2000).
O manifesto foi produzido baseado na inspiração dos novos ideais da
educação e nas proposições da Escola Nova. E é nessa perspectiva, a do
escolanovismo, que surge e ganha força a concepção de educação integral, como
se percebe na citação de Aranha (1996, p. 62) quando menciona como
características deste movimento: “educação integral (intelectual, moral e física);
educação ativa; educação prática, sendo obrigatórios os trabalhos manuais;
exercício de autonomia; vida no campo; internato; co-educação; ensino
individualizado”.
Tal concepção também se faz notar no Manifesto dos Pioneiros da Educação
Nova, que menciona várias vezes os termos educação integral e formação integral e,
embora não a defina, quando os utiliza, acompanha as premissas anunciadas no
movimento da Escola Nova de Dewey.
Inicialmente, o documento situa a educação integral como um direito do
indivíduo e dever do Estado, defendendo-a como uma função blica, um princípio
do direito biológico de cada indivíduo, que o Estado deve oportunizar a todos para
poder-se obter o máximo de desenvolvimento de suas aptidões vitais.
(GHIRALDELLI, 2000).
A formação integral das novas gerações é outra forma de tratar o tema
presente no manifesto, quando se refere às questões de autonomia das instituições
30
públicas, autonomia sem a qual a citada formação não tem condições de se realizar.
Em outra passagem o documento reitera a necessidade da formação integral
quando ressalta, o que define como a questão nevrálgica, a necessidade de uma
atividade criadora do aluno da escola infantil à universidade.
A partir da escola infantil (4 a 6 anos) à Universidade, com escala na
educação primária (7 a 12 anos) e pela secundária, a ‘continuação
ininterrupta de esforços criadores’ deve levar a formação da personalidade
integral do aluno e ao desenvolvimento de sua faculdade produtora e de seu
poder criador, pela aplicação. Na escola, para aquisição ativa de
conhecimentos, dos mesmos métodos (observação, pesquisa e
experiência), que segue o espírito maduro, nas investigações científicas.
(GHIRALDELLI, 2000, p. 63)
Encontram-se nesta citação alguns dos principais pressupostos da
perspectiva pragamatista da educação e da Escola Nova, que embora sejam ora
defendidas, ora atacadas pelos estudiosos na atualidade, é inegável o seu caráter
renovador que altera o pensamento educacional naquele momento da história. Elas
fundamentaram experiências de escola de tempo integral no decorrer da história da
educação brasileira e encontram-se muito presentes ainda hoje nas discussões
sobre o tempo integral e educação integral.
A efetivação destas experiências no Brasil deu-se com Anísio Teixeira, que a
partir dos pressupostos do Manifesto e baseado nas idéias de Dewey sobre a escola
nova e o método ativo, enquanto Diretor de Instrução Pública no Rio de Janeiro, no
período de 1931 a 1935, e como Secretário de Educação e Saúde do Estado da
Bahia, no Governo Otávio Mangabeira, em 1950, promoveu modificações no sistema
educacional criando escolas de tempo integral com ênfase na concepção
pragmatista de educação integral.
Anísio Teixeira primeiramente instalou cinco escolas experimentais no Rio de
Janeiro, com a proposta de implementar educação integral e em período integral. De
acordo com Chaves (apud. TEIXEIRA, 2002, p. 48), estas escolas “deveriam ser
31
vistas como escolas laboratório, onde estão ensaiando com grande proveito para as
crianças e para os professores e em condições tão favoráveis quanto possível,
algumas técnicas da escola renovada”.
Dentre as cinco escolas implantadas, três delas adotaram o “Sistema Platoon”
que, segundo Chaves (2002, p. 50-51) “significa que se estabeleceram a partir de
um horário rodízio que previa não o aumento das matérias como, também, a
reorganização do horário escolar com base em dois ou três pelotões de ensino”. A
autora explica que Anísio Teixeira conheceu o Sistema Platoon quando de sua
viagem para os Estados Unidos. Esse sistema tinha como objetivo “estruturar o
ensino sob o ponto de vista do trabalho, do estudo e da recreação, uma vez que se
acreditava que a educação deveria abarcar todos os aspectos da natureza infantil.”
No estudo sobre a experiência nas escolas do Rio de Janeiro, percebe-se a
preocupação com o oferecimento de novas disciplinas a serem acrescidas ao
currículo, que envolvessem a recreação e aspectos relativos ao que denominaram
“da natureza infantil”. Aqui se expressa uma das características próprias do
movimento escolanovista, que coloca a criança como centro do processo educativo.
Anísio Teixeira implementou ainda uma proposta de educação integral com a
criação do Centro Educacional Carneiro Ribeiro, em Salvador, também chamado de
Escola-Parque. Estas escolas eram formadas por duas instalações: as “escolas
nucleares” e os “parques escolares”.Nos prédios em que funcionam as “escolas
nucleares” seriam desenvolvidas as atividades referentes ao ensino propriamente
dito, com as matérias existentes na escola regular. Nos “parques escolares” se
daria a educação “propriamente social, a educação física, a educação musical, a
educação sanitária, a assistência alimentar e o uso da leitura em bibliotecas infantis
e juvenis” (TEIXEIRA, 1997, p. 24).
32
Ébole (apud CAVALIERE, 2004, p. 8) apresenta a estrutura do espaço físico
dos “parques escolares”, com os seguintes setores: 1) pavilhão de trabalho; 2) setor
socializante; 3) pavilhão de educação física, jogos e recreação; 4) biblioteca; 5) setor
administrativo e almoxarifado; 6) teatro de arena ao ar livre; e 7) setor artístico.
Desta forma, as crianças freqüentavam em um turno as escolas nucleares e
no outro as escolas-parque, passando assim o dia inteiro no centro educacional,
onde ainda recebiam alimentação e os cuidados de higiene, inclusive banho. As
crianças que freqüentavam as Escolas Parque tinham entre 7 e 15 anos e a divisão
escolar era feita por grupo conforme a idade cronológica.
Para o funcionamento do Centro Educacional Carneiro Ribeiro em Salvador,
pode-se perceber que uma relação necessária, para o empreendimento de
educação em tempo integral, entre as condições físicas do prédio escolar e a
qualidade do ensino.
Segundo Chaves (2002, p. 58), as experiências desenvolvidas por Anísio
Teixeira, inspiram
a educação integral nos dias de hoje muito mais pelo seu modo globalizado
de enxergar o ensino que ainda pressupõe uma construção arquitetônica
escolar adequada, do que pelo seu tempo escolar integral que, apesar de
tudo, naquela época constituía-se como uma possibilidade para o futuro
de uma escola primária de boa qualidade.
Vale ressaltar que nessa experiência as atividades acrescidas aos horários
normais de aula aconteciam no contraturno da freqüência regular do aluno na
escola, ou seja, num período é desenvolvido o aspecto cognitivo, através das
matérias de estudo e no outro atividades artísticas, de lazer e esportivas. Esta é
forma como ainda são constituídas as Escolas de Tempo Integral, na maioria das
experiências brasileiras na atualidade.
Até aqui analisamos as perspectivas teóricas anarquista e pragmatista e seus
33
desdobramentos na educação, com ênfase na concepção que essas teorias trazem
de educação integral. Além de terem discutido e proposto a educação integral em
seus pressupostos, elas efetivaram na prática as escolas cuja finalidade era oferecer
a educação integral e em tempo integral aos seus alunos. Ou seja, trazia no seu
ideário a ampliação do tempo de permanência do aluno na escola como uma
necessidade para que a educação integral acontecesse.
Na terceira parte deste capítulo, pretendo localizar no pensamento
pedagógico brasileiro as duas perspectivas teóricas, a anarquista e pragmatista,
para perceber as suas influências no cenário da educação nacional na atualidade.
Vou utilizar as contribuições de Libâneo (1999), Saviani (2005) e Duarte (2001) para
a classificação e caracterização das tendências pedagógicas. Estes três autores se
aproximam em suas trajetórias de pesquisa, no entanto fazem a classificação e
sistematização das tendências pedagógicas e teorias educacionais com algumas
diferenciações, pois são pesquisadores que se posicionam frente aos problemas do
seu tempo.
2.3 Sobre as tendências educacionais fundamentadas pelas teorias anarquista
e pragmatista: algumas considerações..
Libâneo (1999, p. 21), cuja obra de 1985 tornou-se referência para o estudo
do pensamento educacional brasileiro, utilizando como critério “a posição que cada
tendência adota em relação aos condicionantes ciopolíticos da escola”, situa as
tendências pedagógicas em dois grupos: a pedagogia liberal e a pedagogia
progressista. O autor analisa como se apresentam em cada uma das tendências o
papel da escola, os conteúdos de ensino, os métodos, o relacionamento professor-
34
aluno, os pressupostos de aprendizagem e a manifestação na prática escolar.
A pedagogia liberal é apresentada pelo autor como uma manifestação de
defesa da sociedade de classes própria do sistema capitalista de produção, teve
início com a pedagogia tradicional, evoluiu para a pedagogia renovada, que se
apresenta em duas versões: a renovada progressivista e a renovada não diretiva, e
envolve ainda a pedagogia tecnicista.
A tendência renovada progressivista, segundo Libâneo (1999, p. 22), é aquela
que se fundamenta na teoria pragmatista “principalmente na forma difundida pelos
pioneiros da educação nova, entre os quais se destaca Anísio Teixeira”. Aponta
como característica desta tendência àqueles aspectos pragmatistas de organização
da escola: como um retrato da vida, a valorização da experiência, a ênfase ao
individualismo, a importância dada à questão da aquisição do saber, em detrimento
do saber propriamente dito. Sobre o relacionamento professor-aluno percebe-se que
esta tendência apresenta o professor como um auxiliar e o aluno como o centro do
processo.
Já as pedagogias progressistas, que partem “de uma análise crítica das
realidades sociais, sustentam implicitamente as finalidades sócio-políticas da
educação (LIBÂNEO, 1999, p. 32). Tratam-se, segundo o autor, de idéias que o
podem institucionalizar-se no sistema capitalista, daí serem naquele momento ”um
instrumento de luta dos professores ao lado de outras práticas escolares”.
Libâneo apresenta como tendências da pedagogia progressista: a libertadora,
a libertária e a crítico social dos conteúdos. A pedagogia libertária é fundamentada
pela teoria anarquista e, fiel aos seus pressupostos, defende a “autogestão
pedagógica” o “antiautoritarismo” e a “valorização da experiência”. Nesta
perspectiva, o papel da escola é realizar a transformação na personalidade dos
35
alunos num sentido libertário e autogestionário. Os conteúdos de ensino são
colocados à disposição do aluno, mas não são exigidos. O todo de ensino
prioriza a vivência grupal que é a base para a autonomia. O relacionamento
professor-aluno é baseado na liberdade, cabendo ao grupo a direção do seu papel
no processo. A aprendizagem ocorre de maneira informal, de forma que não haja
qualquer tipo de repressão.
As duas tendências, a liberal progressivista e a progressista libertária
apresentam pontos em comum no que se refere ao papel do professor e do aluno no
processo educacional, ao papel secundário dos conteúdos no processo de ensino
com ênfase na criação e liberdade aos alunos. Elas apresentam também uma
divergência de princípios, qual seja, a primeira busca a reprodução da sociedade,
enquanto a segunda, a libertária, propõe a sua transformação.
Outra forma de análise das pedagogias que retratam a situação da educação
no Brasil é realizada pelo professor Dermeval Saviani. No primeiro capítulo do livro
Escola e Democracia, publicado em 1983, apresenta as teorias da educação a partir
da análise que cada uma realiza sobre a marginalização no contexto da
escolarização. Neste aspecto, aponta dois grupos: as teorias não-críticas e as
teorias crítico-reprodutivistas.
No rol das teorias não críticas encontram-se: a pedagogia tradicional, a
pedagogia nova e a pedagogia tecnicista. Como teorias crítico-reprodutivistas estão:
a teoria dos sistemas de ensino como violência simbólica, a teoria da escola como
aparelho ideológico do Estado e a teoria da escola dualista.
Saviani (2005, p. 29) chama atenção para o fato de que no primeiro grupo, o
das teorias não críticas, encontra-se as perspectivas ou proposições pedagógicas e
no segundo grupo somente estão as teorias sem proposições pedagógicas.
36
Quando me referi às teorias não-críticas após expor brevemente o conteúdo
de cada uma, procurei mostrar a forma de organização e funcionamento da
escola decorrente da proposta pedagógica veiculada pela teoria. Já em
relação às teorias crítico-reprodutivistas isto não foi feito. Na verdade essas
teorias não contêm uma proposta pedagógica. Elas empenham-se tão
somente em explicar o mecanismo de funcionamento da escola tal como
está constituída
.
Em contraposição as pedagogias não críticas e à superação das teorias
crítico-reprodutivistas, Saviani (2205) propõe a pedagogia Histórico-Crítica.
Ao realizar uma aproximação entre as análises de Saviani e as teorias
pragmatista e anarquista, percebe-se que a perspectiva pragmatista está localizada
no que ele chamou de pedagogia nova. a perspectiva anarquista, por seu caráter
de uma proposta crítica, não se enquadra como reprodutivista, pois esta teoria
elaborou estudos e colocou em prática um modelo de escola na forma do que se
denomina educação libertária.
Então, pode-se dizer que a pedagogia libertária, de cunho anarquista,
encontra-se no grupo denominado por Saviani de teorias críticas, pois tem como
base a proposta de superação do sistema de produção capitalista. No entanto, a
proposta pedagógica da pedagogia libertária transfere para o aluno a
responsabilidade pela sua aprendizagem, assim como faz a pedagogia nova.
Uma outra reflexão sobre o posicionamento que as teorias anarquista e
pragmatista assumem no contexto das tendências pedagógicas discutidas no Brasil
é propiciada por Duarte (2001). Em seus estudos o autor aponta duas teorias
presentes nos projetos educacionais atualmente: as teorias do aprender a aprender
e a abordagem histórico-cultural.
As teorias do aprender a aprender são aquelas cujo núcleo definidor
Reside na desvalorização da transmissão do saber objetivo, na diluição do
papel da escola em transmitir esse saber, na descaracterização do papel do
professor como alguém que detém um saber a ser transmitido aos seus
alunos, na própria negação do ato de ensinar.(DUARTE, 2001, p. 08),
37
Os aspectos, citados pelo autor, tomam corpo a partir do movimento da
escola nova que, ao propor a superação da escola tradicional, acabam por transferir
do professor para o aluno a centralidade do processo de aprendizagem escolar. Da
mesma forma, podemos verificar esta preocupação na pedagogia libertária. Ambas
transferem para o aluno a responsabilidade de escolher o que aprender (auto-
aprendizagem), restando à escola o papel de oportunizar que o aluno aprenda a
aprender, colocando em segundo plano a apropriação, pelo aluno, do conhecimento
já produzido pela humanidade.
Duarte (2003, p. 06-10) aponta os quatro posicionamentos valorativos das
teorias que têm como lema o aprender a aprender. O primeiro posicionamento
refere-se ao fato que para estas teorias “são mais desejáveis as aprendizagens que
o indivíduo realiza por si mesmo, nas quais está ausente a transmissão, por outros
indivíduos, de conhecimentos e experiências”. O segundo posicionamento é a
consideração que “o todo de construção do conhecimento é mais importante que
o conhecimento já produzido socialmente”. O terceiro, “seria o de que a atividade do
aluno, para ser verdadeiramente educativa, deve ser impulsionada e dirigida pelos
interesses e necessidades da própria criança”. E como quarto posicionamento
valorativo encontra-se o entendimento de que “a educação deve preparar os
indivíduos para acompanharem a sociedade em acelerado processo de mudança”.
Segundo o autor, esses posicionamentos precisam ser superados pelo que
chamou de concepção afirmativa frente ao ato de ensinar, que restitui à escola, ao
conhecimento historicamente produzido pelo homem e ao professor o devido espaço
no processo educacional. Determina ao ensino deste conhecimento pelo professor
um papel afirmativo e não mais o papel negativo como pregavam as teorias do
aprender a aprender.
38
Duarte (1998, p. 89) reafirma o ato de ensinar, baseado em Saviani, quando
assegura que o trabalho educativo
implica um posicionamento afirmativo sobre o ato de ensinar, isto é, trata-se
de construir uma concepção pedagógica que contenha em seu cerne esse
posicionamento afirmativo e que, conseqüentemente, se posicione
polemicamente em relação às concepções negativas frente ao ato de
ensinar.
Pelos estudos sobre as teorias anarquistas (educação libertária) e
pragmatistas (escola nova) percebe-se a presença destes aspectos. Ou seja, nestas
duas teorias encontram-se presentes posições que podem conduzir para as
perspectivas pedagógicas que Duarte classifica como teorias do aprender a
aprender. E das quais ele propõe a superação pela abordagem histórico-cultural.
A abordagem histórico-cultural, de base teórico-filosófica marxista, é
resultante dos estudos da psicologia histórico-cultural da escola soviética. Tem como
seu criador Lev S. Vigotski. Vigotski fez seus estudos a partir da psicologia, mas ele
mesmo e seus seguidores, dentre eles Luria e Leontiev, desenvolvem em sua teoria
uma concepção de desenvolvimento cognitivo que possui fortes implicações no
campo da educação e da aprendizagem escolar.
Esta teoria passa a ser estudada no Brasil a partir dos anos de 1980. No final
daquela década, torna-se a base teórico-metodológica da Proposta Curricular de
Santa Catarina PCSC que pretendeu dar ao currículo escolar catarinense uma
certa unidade a partir da contribuição das concepções educacionais derivadas desse
marco teórico.
Como a abordagem histórico-cultural é a que representa de forma mais
coerente o materialismo histórico-dialético, torna-se importante buscar nela os
aspectos sobre qual se consubstancia na perspectiva de educação e, a partir dela,
como se desenvolveu a concepção de educação integral. Este é o objeto de estudo
39
do capítulo três deste trabalho. Com base na análise dos fundamentos destas duas
teorias e as sua implicações no contexto escolar catarinense, realiza uma
aproximação ao conceito de educação integral e seus desdobramentos na PCSC e
no Projeto Escola Pública Integrada.
40
3 A PROPOSTA CURRICULAR DE SANTA CATARINA: UMA POSSÍVEL
APROXIMAÇÃO AO CONCEITO DE EDUCAÇÃO INTEGRAL.
O objetivo neste capítulo é analisar os fundamentos teóricos que compõem a
PCSC apresentando seus pressupostos no intuito de estabelecer uma relação entre
a Proposta e o Projeto Escola Pública Integrada, uma vez que ambas são projetos
da SED/SC.
Para tal apresento o contexto em que se desenvolveu a elaboração da PCSC
evidenciando os aspectos históricos e políticos referentes ao período de 1988 a
2003 e analiso os pressupostos teóricos filosófico e metodológico que a
fundamentam. Por fim, verifico as aproximações ou distanciamentos da concepção
de educação integral presente nas teorias que fundamentam a PCSC, para
posteriormente situá-la no projeto Escola Pública Integrada.
3.1 O contexto da produção da Proposta Curricular de Santa Catarina.
O processo de elaboração da PCSC coincide com o período da história do
Brasil conhecido como a “retomada da democracia” na década de 1980, quando a
queda da ditadura militar propicia a abertura política e com ela a discussão de novos
encaminhamentos para as políticas educacionais, aentão restrita aos movimentos
dos educadores.
Em grande parte do país as eleições diretas oportunizam que partidos de
centro esquerda assumam o poder político e, com eles, chegam aos cargos de
41
chefia dos órgãos educacionais educadores com uma postura crítica em relação à
realidade educacional do país, fundamentados nas teorias consideradas
progressistas.
Neste período acontece, também, a discussão e elaboração da Nova
Constituição Federal, promulgada em 1988 que desencadeou a modificação e
regulamentação de toda legislação brasileira, para atender aos princípios emanados
da Carta Magna. Na educação, inicia-se a elaboração da.Lei de Diretrizes Bases da
Educação Nacional e a reorganização dos Sistemas Estaduais e Municipais de
Educação.
Estes documentos passaram por uma longa discussão que envolveu os
aspectos políticos, pedagógicos, administrativos e financeiros. Processos que se
efetivaram na Lei Federal 9394, de 20 de novembro de 1996, que estabelece as
diretrizes e bases da educação nacional e, em nível estadual, na Lei Complementar
Estadual 170, de 07 de agosto de 1998, que dispõe sobre o Sistema Estadual de
Educação de Santa Catarina.
Concomitante a reelaboração da legislação referente ao ensino, deflagrada
pela promulgação da nova Constituição Federal, a Secretaria de Estado da
Educação SED inicia, em 1988, o processo de reorganização curricular, que
tinha como meta a elaboração da nova Proposta Curricular para o Estado.
O governador eleito, em 1987, desencadeia, o que foi denominado pelo novo
grupo, um processo “democrático” de educação, em contraposição ao processo de
“democratização da educação”
3
desenvolvido pelo governo anterior. Interrompeu-se
3
Processo iniciado em 1983 com a constituição de uma comissão responsável pela elaboração do
Plano Estadual de Educação designada pelo Governador do Estado, que diferentemente do que
ocorreu no restante do país era uma seqüência do governo ditatorial. Esta comissão era formada por
representantes do magistério e técnicos da Secretaria da Educação. A partir deste momento
desencadeou-se no Estado um processo de legitimação do que vinha sendo decidido pela comissão
42
o que estava sendo realizado e se inicia um novo processo que vai culminar com a
elaboração da PCSC.
Foi constituído um grupo de discussão para elaborar os primeiros estudos
referentes à reorganização curricular, que subdividido em três subgrupos de trabalho
encarregaram-se da elaboração das propostas a partir dos temas: alfabetização;
documento preliminar da proposta curricular; fase inicial da escolarização.
Em 1989, em Seminário Interno da Coordenadoria de Ensino da SED, é feita
uma reorganização dos grupos de trabalho. Passa a ser formado os grupos de
trabalho por disciplina curricular para a continuidade da elaboração da PCSC,
visando dar conseqüência à fundamentação teórica e filosófica da proposta de cada
uma das áreas do conhecimento constantes do currículo escolar, acrescidos dos
temas: eixos norteadores; intersciplinaridade; projeto político pedagógico; pré-
escolar; e das áreas de conhecimento referente aos conteúdos.curriculares do curso
de magistério.
Como resultado destes estudos e discussões iniciais foram elaborados quatro
documentos impressos em formas de jornal, que ficaram conhecidos pelo coletivo
dos educadores do Estado como “os jornais da proposta”
4
. Em 1991, o conteúdo dos
jornais foi revisto e editado em forma de caderno que recebeu o seguinte título:
Proposta Curricular uma contribuição para a escola pública do Pré-escolar,
grau, grau e educação de adultos. Este documento foi encaminhado para as
através do.Congresso Estadual de Florianópolis, em março de 1984, cuja participação era restrita no
que se refere a totalidade dos educadores envolvidos, passou pelos seminários regionais e culminou
com o Congresso Estadual de Lages, em outubro deste mesmo ano, com a publicação das
deliberações do Congresso no documento “Democratização da educação: a opção dos catarinenses”.
Neste mesmo congresso foi eleita a comissão que se encarregou da redação do Plano Estadual de
Educação.
4
Jornal 1- Primeira edição da Proposta Curricular, discutida pelos segmentos educacionais da
rede pública do Estado (s/d); Jornal nº 2 Conteúdo/forma nas diversas áreas do conhecimento
básico (24/11/89); Jornal 3 Uma contribuição para a escola pública do pré-escolar, grau,
grau e educação de adultos; Jornal 4 Uma contribuição para a escola pública do pré-escolar,
grau, 2º grau e educação de adultos.
43
Unidades de Coordenação Regional de Educação UCRES que, por meio das
Subunidades de Ensino SUBENS deveriam coordenar o processo de estudo da
proposta com vistas a sua implantação em nível estadual e regional. Estes estudos
ocorreram de forma diferenciada entre os diversos órgãos regionais pelo Estado.
No período compreendido entre 1992-1995, assumiu o governo um partido de
oposição que desenvolveu outros projetos em detrimento da Proposta Curricular,
sem, no entanto, substituí-la. Em 1997, a Secretaria de Estado da Educação retoma
de forma sistemática os estudos sobre a proposta curricular, mediante a constituição
do Grupo Multidisciplinar que tinha como responsabilidade a revisão do documento
de 1991.
Como resultado deste trabalho, em 1998, são editados os três volumes da
PCSC para a Educação Infantil, Ensino Fundamental e Médio, cada volume
contemplando uma especificidade do trabalho docente: 1) Disciplinas Curriculares;
2) Temas Multidisciplinares; 3) Formação Docente para Educação Infantil e ries
Iniciais.
Em continuidade aos estudos sobre a Proposta Curricular do Estado, ainda
foram produzidos mais três documentos para o aprofundamento da compreensão
sobre os seus fundamentos. São eles: o livro “Tempo de Aprender” (2000), as
“Diretrizes 3” (2001) e a “PCSC: estudos temáticos” (2005)
5
.
3.2 A opção teórica filosófica e metodológica presente na PCSC.
Os princípios teóricos que definem os pressupostos filosóficos e
metodológicos escolhidos pelo grupo para fundamentar a PCSC estão explicitados
5
A edição da A Proposta Curricular de Santa Catarina: estudos temáticos foi apresentada aos
educadores do estado em 2005, no período de elaboração desta pesquisa, razão pela qual optamos
por não incluí-lo neste estudo.
44
no texto inicial da versão da Proposta de 1998, intitulado “Eixos norteadores da
Proposta Curricular”. Considero que é com base nestes pressupostos que deve
emergir a concepção de educação integral do Projeto Escola Pública Integrada.
Paulo Hentz, coordenador Geral de Ensino da SED e Coordenador do Grupo
Multidisciplinar no período entre 1996 a 1999, indicou como eixos fundamentais da
PCSC uma concepção de homem e uma concepção de aprendizagem, afirmando
que:
Entendemos com eixos fundamentais uma concepção de homem e uma
concepção de aprendizagem. Pela primeira, decide-se que homem se quer
formar, para constituir qual modelo de sociedade. Conseqüentemente,
escolhe-se o que ensinar; pela segunda (que não está descolada da
concepção de homem), escolhe-se a maneira de compreender e provocar a
relação do ser humano com o conhecimento (HENTZ, apud SANTA
CATARINA, 1998, p. 12)
A concepção de homem adotada pela PCSC é a do materialismo histórico-
dialético. O texto evidencia como princípios fundamentais desta teoria a
compreensão do homem como ser histórico, cujo processo de formação é conduzido
pelo próprio homem e indica a dialética como componente para a compreensão
deste processo de formação, pois ao mesmo tempo em que faz história, o homem é
determinado por ela.
A citação de Marx, feita no texto da Proposta, ilustra o que se entende como a
possibilidade de pensar histórica e dialeticamente, portanto, de forma não linear, o
ser humano:
Os homens fazem sua própria história, mas não a fazem como querem: não
a fazem sob circunstâncias de sua escolha e sim sob aquelas com as quais
se defrontam diretamente, legadas e transmitidas pelo passado. A tradição
de todas as gerações mortas oprime como um pesadelo o cérebro dos
vivos. (MARX, 1974, p. 335)
As concepções de homem e de sociedade do materialismo histórico-dialético,
no entanto, avançam.a partir destes dois princípios e precisam ser conhecidos
45
minimamente para que se possam entender quais as possibilidades da adoção
desta teoria na efetividade das práticas escolares cotidianas. Torna-se necessário
então abordar um pouco mais detalhadamente alguns de seus pressupostos.
O.materialismo histórico-dialético surge dos estudos de Karl Marx (1818-1883)
que conta com a parceria de Friedrich Engels (1820-1895). A partir de seus estudos,
os autores propõem uma forma diferente de pensar a realidade, pois para eles: “Não
é a consciência que determina a vida”, como afirmava o idealismo “mas é a vida que
determina a consciência”. Afirmam que, para entender a realidade tem-se que partir
de pressupostos reais. “São os indivíduos reais, sua ação e suas condições
materiais de vida, tanto aquelas por elesencontradas como as produzidas por sua
própria ação” (MARX E ENGELS, 1999, p. 26) que determinam as formas de vida
dos seres humanos.
Esse princípio orienta a dialética materialista, proposta por Marx e Engels,
para a compreensão da formação humana. Implica o entendimento do ser humano
como um ser histórico, ou seja, como um ser que necessita agir na natureza,
transformando-a, para garantir a produção e reprodução da vida. Ao transformar a
natureza, transforma a si mesmo e às relações entre os próprios homens. A partir
desses pressupostos fundamentais, os autores passam a analisar a sociedade
burguesa, a economia capitalista e a propor a sua superação através do que
denominam como revolução do proletariado, uma idéia que está inscrita na própria
condição de ser da classe trabalhadora. (TONET, 2006, p. 28-33)
A educação não foi a preocupação central dos estudos de Marx, mas ele traz
nas suas obras alguns aspectos que contribuem para o desenvolvimento de uma
proposta marxista de educação, que foi realizada pelos seus seguidores, dentre os
quais Antônio Gramsci. Um destes aspectos é a compreensão de que o processo
46
educativo é uma prática social determinada pelos contextos sociais, econômicos e
político em que se desenvolve. Numa sociedade de classes regida pelo princípio do
capital, em que prevalece a propriedade privada e a divisão social do trabalho, a
educação acaba por gerar, também, uma divisão entre a educação para o trabalho
intelectual destinada à classe que detém o poder político e econômico, e a educação
voltada para o trabalho manual, para quem vai vender a sua força de trabalho no
mercado.
Uma proposta de superação desta dicotomia educativa, segundo Gadotti
(2001, p. 58), reside na integração destas duas faces, integrando ensino e trabalho
que de acordo com o autor
Constitui-se da maneira de sair da alienação crescente, reunificando o
homem com a sociedade. Essa unidade, segundo Marx, deve dar-se desde
a infância. O tripé básico da educação para todos é o ensino intelectual
(cultura geral), desenvolvimento físico (ginástica e esporte) e aprendizagem
profissional (técnico e científico).
Aliada à concepção de homem na perspectiva do materialismo histórico-
dialético constante da PCSC, está o desenvolvimento do segundo eixo, a concepção
de aprendizagem. De acordo com Hentz, a Proposta tem como referencial teórico-
metodológico a abordagem histórico-cultural.
Esta concepção, na sua origem, tem como preocupação a compreensão de
como as interações sociais agem na formação das funções psicológicas
superiores. Estas não são consideradas uma determinação biológica. São
resultado de um processo histórico e social. As interações sociais vividas
por cada criança são, desta forma, determinantes do desenvolvimento
dessas funções. (SANTA CATARINA, 1998, p. 14).
Encontra-se nesta citação a principal categoria apresentada por Vigotski ao
propor a teoria histórico-cultural como alternativa às teorias existentes até então.
Refere-se à predominância da determinação dos condicionantes sociais e históricos
sobre os biológicos, no desenvolvimento das funções psicológicas superiores.
47
No campo da aprendizagem escolar, assim como no da psicologia, Vigotski
se contrapõe ao construtivismo ou interacionismo piagetiano, defendendo a tese de
que a aprendizagem precede o desenvolvimento. Significaria dizer que, uma criança
que vive em um ambiente de não falantes não vai desenvolver a função da fala,
embora tenha as condições físicas e biológicas para tal. É na relação com a cultura
falada que esta criança vai aprender para que se desenvolva nela esta função
psicológica. A formação do homem se dá, nesta visão, do plano interpsicológico
resultante da interação entre as pessoas para o plano intrapsicológico, que se no
próprio sujeito.
Segundo a Proposta, a criança é o sujeito do processo de aprendizagem, o
conhecimento é o objeto e o professor tem o papel de interagir entre os dois num
processo mediatizado pelo conhecimento. Neste sentido, “a ação educativa que
permite ao aluno dar saltos na aprendizagem e no desenvolvimento, é a ação sobre
o que o aluno consegue fazer com a ajuda do outro, para que consiga fazê-lo
sozinho” (SANTA CATARINA, 1998, p. 14).
Nesta citação encontra-se referência a outro aspecto relevante da perspectiva
teórica vigotskiana. É o conceito de zona de desenvolvimento proximal ou potencial,
entendido pelo autor, como a etapa do desenvolvimento, entre o nível de
desenvolvimento real e o nível de desenvolvimento potencial, em que a criança com
a ajuda do professor ou dos próprios colegas se apropria do conhecimento
historicamente produzido, estabelecendo um novo patamar de desenvolvimento real.
Os trabalhos de Vigotski se encaminharam para as questões da pedagogia e
da aprendizagem escolar, quando ao estudar os aspectos referentes ao
desenvolvimento das funções psicológicas superiores, em suas pesquisas com
crianças, ele explicita as categorias que se tornaram fundamentais para entender a
48
abordagem histórico-cultural. Estas categorias são importantes para a educação,
dentre elas destaco: a mediação, a linguagem, o pensamento, o desenvolvimento, a
aprendizagem.
A Proposta Curricular de Santa Catarina, em vigência desde 1998, opta
claramente pelo materialismo histórico-dialético como concepção de homem e pela
abordagem histórico-cultural como a concepção de aprendizagem, instituindo-os
como seus eixos norteadores. Estas duas perspectivas teóricas, a partir de então,
direcionam teórica, filosófica e metodologicamente o currículo e o ensino no Estado.
Todos os documentos que são produzidos a partir de então tem como subsídio ou
referência os cadernos de 1998.
Os encaminhamentos e os pressupostos foram lançados, está oficializado no
Estado, desde 1988, a opção por este encaminhamento teórico. Não quero dizer
com isso que a sua implementação tenha se efetivado na prática escolar
catarinense. Isto tem sido tema de estudo de alguns educadores catarinenses, que
concluíram existirem ainda algumas inconsistências e distanciamentos entre a teoria
anunciada e a prática vivenciada. Mas é sob estes pressupostos teóricos, filosóficos
e metodológicos que todos os projetos e políticas educacionais catarinenses
deveriam se basear.
3.3 Uma possibilidade de concepção de educação integral no materialismo
histórico-dialético.
Para realizar uma aproximação ao conceito de educação integral baseada na
Proposta Curricular de Santa Catarina, faz-se necessário estudá-lo naquelas
correntes teóricas que a fundamentam. Visto que a opção da Proposta é pelo
49
materialismo histórico-dialético vou buscar nos estudos e proposições desta teoria
os fundamentos para esta aproximação.
Como apontei, anteriormente, a educação não foi o objeto principal da teoria
marxiana e nem a discussão central no materialismo histórico-dialético. São
encontradas, nas obras de Marx e Engels, apenas referências sobre a educação
necessária para a formação do homem socialista.
No teor do Manifesto do Partido Comunista estão colocadas algumas
referências que demonstram a proposta de Marx e Engels sobre a educação, dentre
elas: a integração entre educação e trabalho; a reivindicação de uma escola pública
e gratuita para todos; o papel da educação como um dos elementos para a
transformação da sociedade capitalista; o encargo da educação da criança pelo
Estado, quando esta passe a prescindir dos cuidados da mãe; a educação como
elemento para acabar com a divisão social do trabalho entre trabalhadores e
intelectuais.
Segundo Jesus (2005, p. 48), na “Instrução dos Delegados do I Congresso da
Associação Internacional dos Trabalhadores” ocorrido em Genebra em 1866, Marx
apresenta uma definição do conceito de ensino socialista.
Por educação entendemos três coisas: primeira - educação mental;
segunda - educação física, como a que se nos ginásios e nos exercícios
militares; terceira educação tecnológica, responsável pelos princípios
gerais de todos os processo da produção e que por sua vez, inicia a criança
e o jovem no manejo dos instrumentos elementares de todos os ofícios.
Percebe-se nessa afirmação, tendo presente a concepção de formação
humana, que estes três aspectos não estão dissociados, mas compõem um mesmo
elemento, a educação.
A pedagogia se apresenta como forma e método de integração do homem ao
trabalho, a educação é encarada como um instrumento do materialismo dialético que
50
evidencia a instrução tecnológica no plano teórico e prático. De acordo com Jesus
(2005, p.49), “Marx e Engels insistem que a participação dos operários na produção
esteja intimamente associada à formação intelectual”.
Foram os seguidores do marxismo que produziram, a partir das suas
referências, uma proposta de educação. Neste estudo vou utilizar principalmente as
contribuições de Gramsci, por considerar, dentre os teóricos marxistas aquele que
tem influenciado o desenvolvimento do pensamento pedagógico contemporâneo e
que trata mais explicitamente das questões referentes à educação integral.
Antônio Gramsci (1891-1937), teórico italiano que exerce uma inegável
influência sobre os pensadores marxistas brasileiros, em especial no campo da
educação, desenvolveu sua produção teórica sobre a educação no período de sua
prisão, através das cartas e cadernos do cárcere.
As cartas que ele trocava com a família tinham como ponto de partida a
discussão sobre as questões educacionais referentes à vida escolar dos seus filhos
e sobrinhos, que viviam na Rússia e na Itália, respectivamente. Nestas cartas ele
fazia uma apresentação e análise sobre os temas pedagógicos, que eram
aprofundados posteriormente nos cadernos.
Para Gramsci a escola contemporânea devia ser pensada para a sociedade
contemporânea, ou seja, a sociedade industrial que, apresentando como
característica principal a divisão social do trabalho, introduz a dualidade educação
intelectual e educação profissional. Por isso, a nova escola deveria levar em
consideração a cultura e o trabalho.
Partindo da tese de Marx e Engels de que o trabalho é a chave da produção
do próprio homem e que o homem se humaniza pelo trabalho, Gramsci propõe o
trabalho como o princípio educativo, que libertará o jovem do caráter da divisão
51
social do trabalho e deste como fator de alienação.
Nesse sentido, ele propunha uma “escola desinteressada” que não tivesse um
interesse, o deveria ser destinada a uma classe social privilegiada, mas uma
escola para toda população. Nosella (1991, p. 22) define o adjetivo “desinteressado”
em Gramsci como: “um horizonte amplo, de longo alcance, isto é, que interessa
objetivamente não apenas a indivíduos ou a pequenos grupos, mas a coletividade e
até a humanidade inteira”.
Ele propõe a Escola Unitária como solução para unir: o trabalho intelectual e o
trabalho industrial; a formação humana geral e a profissionalização; a teoria e a
prática. Uma escola única do trabalho.
Em oposição à escola burguesa Gramsci propõe a Escola Regular Unitária,
cuja definição é, segundo Gramsci (apud JESUS, 2005, p. 67) “uma escola inicial de
cultura geral, humanista, formativa, que equilibre eqüitativamente o desenvolvimento
de se trabalhar manualmente (tecnicamente, industrialmente) e o desenvolvimento
do trabalho intelectual.” Esta nova escola vai preparar o novo homem ao produzir
nele a capacidade de especialização e de direção, para a profissionalização, para a
hegemonia.
A proposta da Escola Única envolve modificações nos conteúdos, nos
métodos e também na organização dos graus escolares. Será formada pelo Primeiro
Grau (elementar ou primário) com duração que não ultrapasse quatro anos e
Escola Média, seis anos.
Segundo Jesus (2005), a proposta de Gramsci no primeiro grau envolve o
ensino das “noções instrumentais” ler, escrever, fazer contas, história, geografia
as noções de “direitos e deveres” e as primeiras noções para um entendimento da
concepção histórico dialética do mundo. Aliados a esses fatores, o autor italiano
52
propõe ainda que as atividades desenvolvidas com as crianças nesta fase escolar
sejam intencionalmente organizadas. Ele entende que a escola elementar deva
preocupar-se com o que ele chama de ensino dogmático, ou seja, que desenvolva o
ensino do conhecimento produzido historicamente pela humanidade.
A escola média conduzirá o jovem às suas escolhas profissionais. Cabe a ela
“criar os valores fundamentais do humanismo, a auto disciplina intelectual e a
autonomia moral, necessárias a posterior especialização, seja ela de caráter
científico (estudos universitários) ou de caráter imediatamente prático produtivo
(indústria, burocracia, organização comercial, etc.)” (JESUS, 2005, p. 69). Deve
oportunizar o estudo da história das coisas e dos homens.
Nesta etapa da escolarização, Gramsci anuncia como método didático a
possibilidade do esforço espontâneo do educando, embora tenha sido contrário ao
espontaneísmo dos métodos ativos e da proposta libertária, entendendo que nesta
fase o educando tem alicerçados solidamente os valores referentes ao
conhecimento das ciências e da história social do homem.
Os conceitos de politecnia e omnilateralidade produzidos a partir da teoria
marxiana e de sua proposta sobre educação se refletem na possibilidade de uma
aproximação à concepção de educação integral e formação integral. O termo
politecnia aparece vinculado ao de educação tecnológica, de formação para o
trabalho, principalmente nos estudos referentes ao ensino médio.
Mas considerando o trabalho como princípio educativo em todos os níveis de
ensino, de acordo com Saviani, (1989, p. 13) “a noção de politecnia se encaminha
na direção da superação entre trabalho manual e trabalho intelectual, entre instrução
profissional e instrução geral”. Ele possibilita então superar a divisão entre trabalho
manual e intelectual, proporcionando a familiaridade entre os princípios científicos
53
gerais e as habilidades práticas necessárias aos processos de produção.
A omnilateralidade, que se refere à formação humana, significa
“desenvolvimento total, completo, multilateral, em todos os sentidos, das faculdades
e das forças produtivas, das necessidades e da capacidade de sua satisfação”
(MANACORDA,1991, p. 78-79).
Em carta a sua esposa, quando discute as inclinações dos filhos para
determinadas áreas do conhecimento ou cursos, Gramsci confirma uma de suas
premissas teóricas de que todas as crianças nascem aptas para tudo, portanto as
inclinações não são inatas. Daí o início da escolarização devia primar de acordo com
Manacorda (1990, p. 106), pela
necessidade de formar o rapaz, dosando harmoniosamente nele todas as
faculdades, uma vez que [...] opções que não sejam pura aparência são
feitas não com base em presumíveis qualidades inatas, mas antes com
base no conjunto de uma personalidade desenvolvida global e
integralmente através de múltiplas experiências.
Percebe-se que Gramsci enfatiza o desenvolvimento global e integral da
personalidade que se dá pelas múltiplas experiências que o ser humano vivencia.
A meu ver, e apoiada nas proposições de Gramsci, as caractesticas que
formam a concepção de educação integral na perspectiva teórica materialista
histórico-dialética, são: o desenvolvimento global e harmonioso de todas as
faculdades; a recusa pelo espontaneísmo dos métodos ativos; a ênfase à
necessidade de um ensino elementar dogmático; a proposta de uma escola única de
cultura geral, humanística, que equilibre a formação intelectual e profissional ou
tecnológica inerente à formação do novo homem.
54
4 - O PROJETO ESCOLA PÚBLICA INTEGRADA DO ESTADO DE SANTA
CATARINA
Nesta parte do trabalho pretendo realizar a análise do projeto Escola Pública
Integrada, a partir dos documentos encaminhados às escolas pela Secretaria de
Estado da Educação que regulamentam a sua criação e implementação na rede
estadual de ensino.
A análise de conteúdo dos documentos, com base em Moraes (1999), parte
de duas unidades de análise, que julgo fundamentais para realizar a discussão
sobre o tempo integral e a educação integral. Classifico como categorias de análise:
concepção de escola, gestão escolar, política de parcerias, currículo, matriz
curricular, educação integral, tempo integral e integralização curricular.
Foram três os documentos objetos desta análise: o Plano de Trabalho
Integrado da Secretaria de Estado da Educação de Santa Catarina (2003a); o
Projeto Estruturante Escola Pública de Tempo Integral (2003b) e o Documento Base
para Implantação da Escola Pública Integrada (2003c).
O Plano de Trabalho Integrado da Secretaria de Estado da Educação de
Santa Catarina, gestão 2003-2006, foi o documento que anunciou as políticas
públicas e programas a serem desenvolvidos no estado, na gestão 2003-2006. A
ampliação das oportunidades de aprendizagem na educação básica foi um dos eixos
programáticos, para o desenvolvimento das políticas educacionais. Dentre os
projetos estratégicos deste programa encontra-se o Projeto Escola Pública
Integrada
6
EPI cuja implementação prevê o “currículo em tempo integral” como
forma de viabilizar a “educação integral”.(SANTA CATARINA, 2003a)
6
O.Projeto Ambial (Ambiente e Alimentação) e os Projetos Especiais são os outros dois projetos
considerados estratégicos neste eixo, pela gestão que assumiu a SED/SC.
55
Currículo em tempo integral e educação integral são os dois componentes
presentes nas intenções iniciais do lançamento do projeto que são previstos neste
documento, embora não determinem ainda como se dará seu desenvolvimento.
O plano anuncia o apoio da UNESCO ao Projeto EPI, revelando que a
ampliação do tempo de permanência do aluno na escola não é um fato isolado na
conjuntura das políticas estaduais de educação, mas reflete o contexto das políticas
internacionais indicados pelos organismos submissos aos ditames da sociedade
capitalista. Este encaminhamento está presentes nas atuais exigências das reformas
educacionais propostas pelos organismos multilaterais, que interferem diretamente
nas políticas públicas em educação no Brasil e, por conseqüência, nos Estados
(SHIROMA; MORAES; EVANGELISTA, 2000).
O Programa de Promoção das Reformas Educacionais na América Latina e
Caribe, o PREAL, por exemplo, no eixo de política referente à equidade e qualidade
cita a extensão da jornada escolar e o aumento das horas de aula como estratégia a
ser implementada nestes países.
7
(MAUÉS, 2003) A influência destas
determinações internacionais pode ser observada também na Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional e no Plano Nacional de Educação que estabelecem a
progressiva efetivação, na prática, do aumento do tempo de permanência diária do
aluno na escola.
Em Santa Catarina, o governo que assume em 2003 anuncia no seu plano de
trabalho o Projeto Escola Público Integrada, acompanhando as discussões travadas
em Brasília, no âmbito do governo federal, sobre a implementação do tempo integral
no Ensino Fundamental.
Para o desenvolvimento do projeto é organizado na SED/SC o Grupo de
7
Os países que fazem parte desse programa são: Argentina, Bolívia, Brasil, Colômbia, Chile,
Republica Dominicana, Costa Rica, El Salvador, Guatemala. México, Nicarágua, Panamá, Paraguai,
Peru, Uruguai.
56
Trabalho Intersetorial da Escola Publica Integrada
8
, encarregado de sistematizar as
discussões sobre a sua implementação.
Este grupo, no primeiro semestre de 2003, elabora o Projeto Estruturante
Escola Pública de Tempo Integral, o segundo documento objeto desta análise, que
se caracteriza como o projeto de implementação do Projeto EPI, cujo teor aborda os
objetivos, justificativa, conceitos norteadores. Enfim, projeta e prevê as ações a
serem desenvolvidas para a sua efetivação.
O terceiro documento, tem como título Documento Base para Implantação da
Escola Pública Integrada, foi resultado das discussões realizadas pela equipe
técnica da SED, Gerentes Regionais de Ensino e profissionais da área da educação.
Chegou às escolas em setembro de 2003, quando o projeto estava em
desenvolvimento em algumas escolas da rede estadual, dentre elas a E.E.B. Profª
Dolvina Leite de Medeiros. O documento contém os subsídios e encaminhamentos
para a criação de novas Escolas Públicas Integradas, a partir do ano de 2004.
Como estes dois últimos documentos se complementam nos aspectos
referentes à implementação do projeto, passo a explicitá-los e analisá-los
concomitantemente de acordo com as categorias selecionadas para a análise
documental.
A proposta da Escola Pública Integrada, descrita nos documentos, busca re-
significar substancialmente o conceito de escola
Agrega de modo articulado as categorias de “Escola” como espaço social
integral de aprendizagem, de “Pública” como direito inalienável e
intransferível de todos e de “Integrada” como prática aglutinadora de todas
as experiências do processo de educabilidade humana. (SANTA
CATARINA, 2003c, p. 01)
8
Integraram o grupo: Paulo Hentz (Diretor de Educação Básica), Juarez Thiesen, Lauro Carlos
Wittmann, Lauro Gesser, Antonio Pazzeto e Lucia Dallagnelo.
57
A explicitação das categorias que compõem a Escola Publica Integrada, e que
exprime a concepção de escola adotada para o desenvolvimento do Projeto EPI,
desmembra a expressão e identifica cada uma delas.
Inicialmente reconhece que a escola é o espaço social integral de
aprendizagem, o que remete ao entendimento da educação integral como dimensão
presente no projeto, embora não a defina. Depois, reconhece a escola pública como
direito de todos, inalienável e intransferível, atendendo ao princípio do direito
subjetivo constante na legislação de ensino. O conceito de “integrada” apresenta a
forma como as partes que compõem o currículo serão articuladas, que é a dimensão
que passa a ser predominante no projeto, ou seja, por ser “integrada” aglutina todas
as experiências do processo de educabilidade humana, expressão que nos parece
delimitar a idéia de educação integral na perspectiva da formação humana.
De acordo com o documento, o objetivo geral do projeto Escola Pública
Integrada é “oferecer Educação Básica em horário integral, gratuita e de qualidade
nas escolas públicas de Santa Catarina” (SANTA CATARINA, 2003b, p. 01), o que
evidencia o tempo integral como objetivo principal.do projeto..Apresenta como
objetivos específicos:
- Implantar e implementar uma proposta educativa em tempo integral;
- Implantar um processo de gestão compartilhada entre os Estados e os
Municípios;
- Estabelecer parcerias com outros setores da sociedade;
- Ampliar a gestão democrática em nível institucional.
Aliada à ampliação do tempo de permanência do aluno na escola como
objetivo central do projeto, também uma ênfase ao processo de gestão tanto no
que se refere a gestão compartilhada entre os poderes estaduais e municipais, como
à implementação da gestão democrática em nível institucional.
No que se refere à gestão democrática e compartilhada entre a equipe
58
escolar e os demais segmentos da comunidade, torna-se relevante mencionar que o
projeto propõe também a ampliação da gestão democrática. Este tema merece ser
rediscutido com toda comunidade escolar, pois um dos encaminhamentos básicos
de demonstração desta face democrática da gestão escolar ainda não acontece, que
é a escolha dos dirigentes e gestores escolares pela própria comunidade. O Estado
de Santa Catarina ainda nomeia seus diretores pela via da indicação política do
governador do Estado, gerando a mais antiga das formas de ingerência político
partidária na educação.
O projeto introduz na discussão sobre as Escolas Públicas Integradas o
caráter das parcerias, definida como “uma associação entre pessoas e organizações
baseada na complementaridade de recursos financeiros ou técnicos, para atingir um
coletivo comum” (SANTA ACATARINA, 2003c, p. 10). A busca de parcerias e a co-
responsabilidade junto às diversas entidades da sociedade civil organizada são
considerados aspectos principais na realização do projeto. Cita as Universidades,
Instituições Civis e empresas como co-responsáveis na gestão, financiamento e
manutenção da EPI. Enumera como parâmetros para o relacionamento entre os
parceiros, os seguintes princípios: a coexistência e coerência da proposta de
trabalho; a integração de pessoas e organizações externas à equipe pedagógica da
escola; a definição clara da responsabilidade de cada parceiro; o compromisso de
continuidade; a remuneração de profissionais e a.avaliação sistemática da parceria.
Inaugura, assim, o caráter de parceria na gestão das escolas de tempo
integral em substituição ao voluntariado
9
, que vinha sendo bastante difundido como
auxiliar na manutenção e desenvolvimento das atividades escolares. Essa
substituição demonstra a possibilidade de transferência das obrigações do estado
9
O projeto amigos da escola é um exemplo da ênfase dada aos projetos de voluntariado como uma
das soluções para o problema de insuficiência de recursos financeiros e humanos do estado para
com a educação.
59
para com a educação, delegando aos parceiros, atribuições que são de sua
responsabilidade.
É um aspecto que precisa ser refletido, tendo em vista que esta é uma política
pública desenvolvida nas escolas da rede pública oficial de ensino, por isso, de
acordo com a legislação vigente, o Estado é encarregado de sua manutenção,
inclusive financeira. Essa transferência de responsabilidades pode gerar uma
ingerência do setor privado nas instituições de ensino.
O documento aponta ainda que a relevância do projeto como proposta
educativa é demonstrada pela possibilidade de melhoria da qualidade de ensino por
meio do aumento do tempo de permanência do aluno na escola, pela vinculação
entre o oferecimento de novas oportunidades de atividades educativas ao pleno
desenvolvimento do educando e pela vinculação desse projeto aos projetos
desenvolvidos em nível nacional.
Mais uma vez torna-se difícil perceber nesta justificativa a concepção de
educação integral na perspectiva da formação integral das crianças, como categoria
fundante para o oferecimento do tempo integral. No entanto, a articulação com as
políticas públicas de ampliação do tempo de permanência do aluno na escola,
anunciadas pelo MEC, fica mais uma vez evidenciada.
As proposições sobre o currículo, elemento imprescindível para a realização
de uma proposta educativa de qualidade, definem como conceitos norteadores da
Escola Pública Integrada os princípios explicitados na Proposta Curricular do Estado
de Santa Catarina.
De acordo com o documento, estes princípios estão centrados na formação
humana e cidadã, mediada pelos professores, na qual os “processos curriculares
são trabalhados através da interação humana, da afetividade e do exercício da
60
vontade.” (SANTA CATARINA, 2003b, p. 02)
Dentre os princípios constantes da Proposta Curricular o projeto indica, como
imprescindíveis à construção da escola de tempo integral:
- valorização dos conteúdos curriculares (linguagem, ciências e arte) como
condição e direito da formação das gerações mais jovens;
- abordagem do processo ensino-aprendizagem (razão de ser da escola)
numa perspectiva histórico-cultural [...];
- abordagem da aprendizagem como processo ativo, o que está no contexto
da capacidade de todos os seres humanos, o que conduz a posturas
pedagógicas essencialmente inclusivas. A Teoria da Atividade, gestada e
gerada no contexto da concepção histórico-cultural, agrega a afetividade, a
vontade e a interação humana no processo de ensinar e aprender. (SANTA
CATARINA, 2003b, p. 02)
A Teoria Histórico-Cultural, concepção adotada desde 1988 na primeira
versão da Proposta Curricular de Santa Catarina, como abordagem teórica do
processo ensino aprendizagem e a teoria da atividade, como abordagem
metodológica, são reafirmadas como as que nortearão as questões pedagógicas da
EPI. Por isso, a necessidade de pensar a escola de tempo integral baseada nestas
concepções teóricas, evitando o ecletismo que por ventura possa surgir no processo
de criação e implementação das Escolas Públicas Integradas.
A organização pedagógica das atividades da escola em tempo integral,
anunciada pelo documento, gira em torno dos seguintes eixos temáticos: Linguagem
e Comunicação, Ciências e Matemática, Ciências Humanas e Sociais. Tais eixos
proporcionariam, segundo o documento, ampliar a oferta de atividades educativas
que integram o currículo. Esse, por sua vez, é entendido como “eixo organizador,
integrador e dinamizador do conjunto das ações desenvolvidas e projetadas pela
escola” (SANTA CATARINA, 2003a, p. 3), que deverão estar inseridas no Projeto
Político Pedagógico.
Como ainda não foi legalmente instituída no Estado como política pública
atesta a caráter provisório dos documentos analisados. Porém a SED aponta
61
algumas condições que julga importantes para encaminhar a efetiva implantação
das escolas de tempo integral, as propostas de atividades e as formas de sua
organização e operacionalização. Para isso, faz-se necessário, de acordo com os
documentos, prestar atenção aos seguintes aspectos:
a) Ao caráter relativamente permanente dos projetos inseridos na proposta da
EPI, atendendo ao PPP da escola, que deverá atender às novas atividades
de aprendizagem para garantir a sua continuidade, uma vez que a matriz
curricular ainda não foi regulamentada.
b) À compatibilidade da remuneração entre os profissionais que atuam na EPI
e os servidores do quadro do magistério, pois algumas das novas atividades
não fazem parte do rol de disciplinas constantes da legislação estadual.
c) À otimização dos espaços físicos existentes na escola, incluindo aqueles
disponíveis na comunidade, neste sentido, busca garantir que somente
aquelas escolas que comprovem capacidade física poderiam almejar a
implementação da EPI.
d) Ao acompanhamento, controle e avaliação pedagógica de todas as
atividades desenvolvidas pela escola, com o devido registro nas fichas da
vida escolar do aluno para que não ocorra a diferenciação entre as disciplinas
da grade normal e aquelas que compõem parte diversificada do currículo.
e) À organização dos horários escolares com a inclusão das atividades
disciplinares e não disciplinares, em ambos os turnos de funcionamento, para
descaracterizar o oferecimento aos alunos de atividades no contraturno.
f) À implantação gradativa do tempo integral, nas séries e níveis escolares.
Evidencia-se nesses requisitos levantados pela SED a preocupação com o
tratamento diferenciado que pode ser dado às disciplinas da parte diversificada da
62
matriz curricular das EPIs. Tal situação foi considerada como o ponto negativo em
outras experiências de implementação do tempo integral, no Brasil, como no caso
dos CIEPs no Rio de Janeiro.
Aparece aqui a preocupação com a integralização do currículo da EPI, ponto
que é a ênfase determinada pelo projeto, juntamente com a efetivação da ampliação
do tempo de permanência do aluno na escola, em detrimento das reflexões e
proposições acerca da educação integral. Perspectiva esta que vai enfraquecendo
no decorrer do encaminhamento do projeto.
Isto se evidencia pela meta prevista no Plano, que é de
Ampliar progressivamente a oferta de educação escolar para até oito horas
diárias através de atividades curriculares integradas, de modo a garantir aos
estudantes catarinenses a aprendizagem e a apropriação do conhecimento
historicamente acumulado e o acesso a experiências científico-artístico-cultural
relevantes para a formação humana. (SANTA CATARINA, 2003b, p. 2)
Encontram-se presentes na citação aspectos referentes à integralidade do
currículo, não aparecendo mais o termo educação integral, mas outros termos que
evidenciam a presença de um currículo integral, tais como: a ampliação progressiva
do tempo de permanência do aluno na escola e de atividades curriculares
integradas. Isso, de certa, forma transfere para a questão da integralização do
currículo a possibilidade da educação integral, que pode ser entendida como um
fator a mais neste processo de ampliação do tempo de permanência do aluno o
tempo integral e não como elemento norteador desta nova modalidade
educacional.
As razões e a demanda para a implantação da EPI, citadas no documento
são de ordem pedagógico-didática, sócio-potica e político-programática. No que se
refere ao aspecto pedagógico-didático, é justificado que a ampliação do tempo de
permanência do aluno na escola por si não garante a qualidade na educação.
63
Entretanto possibilita incorporar ao currículo escolar outras experiências necessárias
ao “desenvolvimento de competências cognitivas e atitudinais necessárias para
formar cidadãos ativos e autônomos” (...). (SANTA CATARINA, 2003b, p. 3).
Mais uma vez ocorre a vinculação da questão da qualidade da educação às
novas atividades, ou experiências acrescentadas ao currículo, evidenciando a
questão da integralização curricular ou currículo integrado, o que demonstra a
perspectiva da educação integral como articulação entre conhecimentos. Também o
documento introduz o desenvolvimento das “competências cognitivas e atitudinais”
como garantia da qualidade da educação nas Escolas Públicas Integradas.
Considero que o documento, ainda no que se refere à ordem pedagógico-
didática, apresenta uma contradição teórica com os pressupostos teóricos que
fundamentam a proposta Curricular do Estado de Santa Catarina o materialismo
histórico-dialético e a abordagem histórico-cultural quando faz referências à
formação de cidadãos na perspectiva da teoria neotecnicista das competências. Os
teóricos marxistas na atualidade, apontam como teorias do “aprender a aprender”,
própria das tendências pedagógicas liberais, como pontuei no capítulo 3.
Essa constatação revela a necessidade de um estudo mais aprofundado do
Projeto que auxilie na superação do ecletismo existente no teor da PCSC, agregado
aos conceitos e categorias de outras correntes teóricas, que vão surgindo no
contexto educacional brasileiro e catarinense, devido a falta de uma tomada de
posição coerente frente às teorias adotadas.
Como aspecto sócio-político, o documento entende que “a ampliação do
tempo pedagógico e um currículo de atividades em tempo integral são um
instrumento imprescindível para a democratização da educação e para a inclusão
social” (SANTA CATARINA, 2003b, p. 3). Fica evidenciada aqui a idéia de que ao
64
oferecer novas oportunidades de aprendizagem está se democratizando o acesso e
a inclusão social, numa perspectiva de levar à sociedade os conhecimentos em
áreas que não estão sendo garantidos na escola regular.
Este é um dos aspectos que justificam a necessidade de ampliar o tempo de
permanência do aluno na escola, como possibilidade de oferecer “mais e melhores”
conhecimentos, que o tempo reduzido da jornada escolar diária não tem permitido se
efetivar na escola que funciona com quatro horas diárias.
No aspecto político-programático, a proposta pretende que a educação
cumpra a sua função indispensável para o desenvolvimento regional, pois se arroga
como um processo que:
fundamenta-se nos princípios de descentralização democrática e da
democracia participativa; integra-se com o novo paradigma de governo
ampliando a flexibilidade para a organização e funcionamento da escola de
acordo com as necessidades e condições das diferentes regiões; apóia-se e
integra-se com a política catarinense de municipalização implantando o
regime de colaboração entre os Estado e os Municípios na oferta de uma
única escola pública (SANTA CATARINA, 2003c)
Pelo que se percebe a proposta da escola blica integrada pretende estar
vinculada aos programas e políticas de democratização do ensino, descentralização
e participação, ou seja, aspectos da gestão que têm que ser efetivados nas escolas
catarinenses, que v~em sendo discutidos pelos educadores do Estado desde a
promulgação da LDB e do Sistema Estadual de Educação. Integra-se também com a
política governamental de descentralização regional de acordo com as necessidades
e condições regionais, aspecto que se efetivou na criação e implantação das
Secretarias de Desenvolvimento Regionais. E vincula a EPI á política de
municipalização do ensino com a implantação do regime de colaboração entre
Estado e Municípios no sentido de que estes dois sistemas de ensino implantem
uma única escola de tempo integral.
65
O documento aponta essa iniciativa como um elemento de articulação com as
políticas do MEC, de implantação do ensino integral até 2010, com os Programa
Escola Aberta e Cidadã
10
e o Programa Escola Ideal
11
. Ou seja, ele não se desvia
das proposições da política educacional que são encaminhadas tanto do nível local
para o regional, como a proposta de municipalização; quanto.do nível central
(nacional) para o local, em consonância com.as políticas do MEC.
Determinados os princípios que nortearão o currículo da EPI, os três
documentos não apresentam a matriz curricular, embora definam que a organização
das atividades em torno de três eixos temáticos: Linguagem e Comunicação;
Ciências e Matemática; Histórico e Social. Não apontam um detalhamento dos eixos
temáticos, no que se refere aos novos componentes curriculares que deverão ser
acrescidos à matriz curricular regular. Porém determinam que esta deve contemplar:
- a totalidade das ações educativas,
- a flexibilidade dos processos pedagógicos,
- uma gestão educativa que garanta a ação efetiva de todos os envolvidos,
- uma concepção de avaliação que oriente as diversas formas de ação educativa
- uma concepção de formação que “permita a adoção de critérios consistentes na
seleção de conteúdos, na definição de objetivos, no estabelecimento de estratégias
metodológicas e nas decisões sobre formas de organização dos processos
pedagógicos” (SANTA CATARINA, 2003b, p. 5)
A matriz curricular para a EPI deverá, de acordo com o documento, manter
um equilíbrio entre as atividades lúdicas e acadêmicas, prevendo espaços para
10
Este programa promove a abertura das escolas nos finais de semana, para sua utilização pela
comunidade escolar para o desenvolvimento de atividades de cultura, esporte, lazer, geração de
renda, formação para a cidadania e ações complementares às de educação formal.
11
Programa lançado por Cristóvão Buarque, quando ministro da educação, que visava a reforma
física, aquisição de equipamento a valorização do magistério com incentivos a formação,
primeiramente em escolas pólo e depois seriam disseminadas para o restante de escolas do país,
gradativamente.
66
realização de atividades de lazer, artes, esporte, acesso às novas tecnologias,
evitando as disciplinas tradicionais num turno e as novas no outro.
O aspecto levantado procura evitar o que aconteceu nas escolas propostas
por Anísio Teixeira e pelos CIEPs, que acrescentaram, em espaço próprio e no turno
oposto ao funcionamento do currículo, dito regular, as atividades relacionadas ao
lazer, as artes e ao esporte. também uma desvalorização destas disciplinas em
detrimento das ditas disciplinas tradicionais.
No que se refere aos princípios para a implantação da EPI, embora o
documento evidencie que este não é um modelo pronto, mas que deve respeitar as
diversidades de cada Projeto Político Pedagógico. Isto indica que eles serão
definidos respeitando às políticas educacionais mais amplas apontadas pela
legislação escolar, na PCSC e as especificidades regionais e locais previstas nos
PPP de cada escola.
Durante os anos de 2003 e 2004, as escolas puderam adotar a matriz
curricular a partir de projetos temáticos, criados pelas próprias unidades escolares,
que foram autorizadas pela SED, enquanto eram realizados cursos e encontros de
estudo com os integrantes das EPIs para definir a matriz curricular.
Resultou deste processo a aprovação, em 13 de dezembro de 2004, do
Parecer 249 do Conselho Estadual de Educação CEE, cujo voto do relator tem o
seguinte teor
Favorável a aprovação da matriz complementar para a Escola Pública
Integrada, proposta pela Secretaria de Estado da Educação e Inovação, a
título de experiência pedagógica, pelo prazo de 2 (dois) anos, para as
escolas que se enquadrem no Projeto Escola Pública Integrada, na rede
estadual de ensino. (SANTA CATARINA, 2004)
. A referida matriz curricular acrescenta aos componentes curriculares
existentes as disciplinas consideradas da parte diversificada, que complementam o
67
currículo e a carga horária referente a cada uma delas.
A complementação curricular apresentada no Parecer, que se caracteriza
como as disciplinas da parte diversificada, acrescidas à matriz antiga, ora são
formadas por atividades referentes ao componente curricular que forma cada eixo;
ora são formadas por temas que representam a disciplina correspondente, como
acontece com as disciplinas complementares da educação física. Isto demonstra ser
necessário um estudo mais aprofundado de qual é o papel das disciplinas
complementares propostas na matriz curricular da EPI.
Passo a apresentar a seguir a matriz curricular instituída oficialmente pelo
parecer do CEE:
Quadro nº 1 – Matriz Curricular Complementar da EPI.
EIXOS
DISICPLINAS
COMPLEMENTAÇÃO CURRICULAR
CARGA
HORÁRIA
Língua
Portuguesa
Literatura Infantil e Juvenil, Informática Educativa 4
Língua
Estrangeira
Inglês, Espanhol, Francês, alemão, Italiano 2
Artes Música, Artes Plásticas, Artes Cênicas, Artesanato 4
Linguagem e
Comunicação
Educação
Física
Dança, Karatê, Tênis de Mesa, Futsal, Vôlei,
Cultura e Movimento, Jogos Educativos. Xadrez
4
Ciências Iniciação a Pesquisa, Educação Tecnológica 3 Ciências e
Matemática
Matemática Jogos Matemáticos 2
Geografia Estudos Regionais, Turismo 2 Histórico e
Social
História História Local, Educação Patrimonial 2
Todos os eixos Orientação de Aprendizagem 2
Fonte: Parecer 249 de 13.12.2004
Percebe-se pelo quadro apresentado acima, que a matriz curricular aprovada
contém mais de uma disciplina complementar em cada componente.curricular por
68
eixo. Por exemplo: no eixo linguagem e comunicação, na disciplina língua
estrangeira a escola pode optar por uma outra língua, dentre as cinco apresentadas,
no entanto pode acrescentar somente duas aulas nesta disciplina.
Essa situação amplia o leque de possibilidades de disciplinas a serem
adotadas pela escola, constantes da matriz curricular, embora não garanta por a
autonomia de escolha pela unidade escolar, de uma disciplina que atenda a sua
especificidade e que não conste da referida matriz, além do engessamento
estabelecido pela carga horária definida.
Outro problema, de cunho administrativo e gerencial que esta matriz não
solucionou, foi o choque de informações entre os setores pedagógicos,
administrativos e de recursos humanos da SED. Pois o Sistema Estadual de
Registro e Informação Escolar SERIE que trata da gestão dos dados e
informações sobre as unidades escolares referentes aos alunos, aos funcionários e
aos professores com objetivo de subsidiar a Gestão Escolar, o aceita o
processamento dos novos professores contratados para atuar nas disciplinas da
parte diversificada, em virtude da falta de códigos e espaço no sistema para eles.
Essas situações foram sendo resolvidas mediante a elaboração de
normativas, aque em 19 de dezembro de 2005 foi aprovado o Decreto 3867
que regulamentou a implantação e implementação das EPIs para o ensino
fundamental da rede pública estadual de ensino de Santa Catarina, quando fica
então instituída esta política pública, de acordo com o que vinha acontecendo desde
2003.
Dentre os critérios que foram definidos para serem atendidos pelas escolas
interessadas quando da operacionalização da EPI, encontram-se:
a) a manutenção do acesso e permanência dos alunos na escola;
69
b) a implantação gradativa a partir das séries iniciais;
c) a realização de um estudo prévio de viabilidade e adesão;
d) a universalização das atividades educativas acessíveis a todos os alunos;
e) a continuidade e consistência da atividade educativa;
f) a otimização e/ou ampliação da equipe pedagógica;
g) otimização/reforma do espaço físico;
h) articulação com as esferas regionais e municipais;
i) as parcerias com a comunidade;
j) avaliação sistemática das atividades educativas.
O Plano de Implementação das Escolas Publicas Integradas estabelece como
condição para a criação das EPIs: primeiro, em escolas que estejam localizadas em
município de baixo Índice de Desenvolvimento Social IDS e Índice de
Desenvolvimento Educacional IDE relativos ao censo de 2001; segundo, em
escolas que tenham condições materiais e de recursos humanos para tal; e, por
último, em escolas que tenham possibilidade concreta de realizar parcerias.
Apresentado o Projeto Escola Pública Integrada e as considerações e
análises realizadas quanto às possibilidades de sua implementação nas escolas da
rede estadual de ensino, passo agora a tratar sobre a experiência e articulação com
este Projeto na E.E.B. Profª Dolvina Leite Medeiros.
70
5 A EXPERIÊNCIA DO PROJETO ESCOLA PÚBLICA INTEGRADA NA E.E.B.
PROFª DOLVINA LEITE DE MEDEIROS
Nesta parte da dissertação, meu objetivo é apresentar e analisar a
experiência da E.E.B. Profª Dolvina Leite de Medeiros com a implementação do
Projeto Escola Pública Integrada. A opção por ampliar o período de permanência do
aluno na escola, de quatro para oito horas diárias, e a implementação do Projeto
Escola Púbica Integrada, foi resultado do processo de reflexão e ação por que
passaram a escola e a educação nas duas últimas décadas do século XX.
É conseqüência de uma série de tentativas realizadas pelos segmentos
envolvidos na escola pais, estudantes e professores para solucionar os
problemas vivenciados pela comunidade, no sentido de oferecer novas
oportunidades de aprendizagem e de melhorar a qualidade da educação ali
desenvolvida.
Acompanho este processo desde 1989, quando iniciei minhas atividades
como especialista em assuntos educacionais da escola, na função de administradora
escolar. Este é então o lugar de onde apresento e analiso esta experiência: como
um dos componentes do grupo de profissionais que buscam, nas reflexões sobre o
processo educativo, oferecer uma educação de qualidade àqueles que fazem parte
da comunidade escolar. Reflexões que são realizadas levando-se em consideração
as possibilidades oferecidas pelas políticas educacionais desenvolvidas pelos
órgãos estaduais de educação e pelas condições da escola em encaminhar os
projetos.
Para o desenvolvimento deste capítulo, inicialmente, realizo a caracterização
71
da escola e da comunidade na qual ela está inserida, pois o processo vivenciado
naquele contexto, embora apresente algumas especificidades locais, não foge ao
contexto determinado pelos aspectos econômicos, políticos e sociais do estado e do
país, como condicionantes para o encaminhamento dos projetos e políticas
educacionais adotados.
Faço, em seguida, a descrição e análise das experiências desenvolvidas pela
escola, a partir de 1988, quando em nível estadual iniciaram-se as discussões sobre
a PCSC e, em nível local, realizaram-se estudos para encaminhar os trabalhos no
sentido de efetivar os pressupostos teóricos e metodológicos apontados na
Proposta
12
.
Esse processo explicita a integração da E.E.B. Profª Dolvina Leite de
Medeiros no panorama da política em educação na rede pública estadual de ensino,
na qual a escola é parte integrante. A comunidade escolar buscava com isso
melhorar a qualidade do ensino oferecido e acompanhar as mudanças ocorridas em
relação à educação de um modo geral. E, finalmente, apresento e analiso o
processo de implementação do Projeto Escola Pública Integrada nessa unidade
escolar.
5.1 Caracterização da escola e da comunidade
Para realizar a análise da experiência vivenciada de implementação do
Projeto Escola Pública Integrada, considero necessário caracterizar a escola e a
comunidade, no que se refere ao tempo e ao espaço, para descrever e
12
Este processo de elaboração e discussão da Proposta Curricular está indicado no capítulo 3 deste
trabalho.
72
contextualizar o percurso realizado por toda comunidade escolar na busca de
implementar uma educação que atenda aos seus anseios, explicitando as
experiências que foram sendo colocadas em prática na escola no período entre
1988 até os dias atuais.
A E.E.B. Profª Dolvina Leite de Medeiros, localizada no bairro Urussanguinha,
em Araranguá, foi criada como Escola Reunida Felipe Bacha, passando a
denominar-se Grupo Escolar Profª Dolvina Leite de Medeiros, em 1962, quando foi
construído seu primeiro prédio próprio. Seguindo as modificações emanadas da
legislação vigente e devido ao aumento do número de alunos, em 1971, é
transformada em Escola sica e, em 1988, passa a adotar o Ensino Noturno para
as séries finais do Ensino Fundamental, desativado em 2002. Atualmente, a escola
funciona em período integral diurno, atendendo ao Ensino Fundamental. A educação
infantil que é oferecida pela escola funciona em tempo parcial.
Está situada em um dos bairros da periferia urbana da cidade de Araranguá,
no extremo sul do Estado de Santa Catarina. Embora seja um bairro antigo da
cidade, o seu desenvolvimento se intensificou na década de 1980 em torno da
produção calçadista. No entanto, quando a crise econômica atinge as indústrias do
ramo, entre o final da década de 1980 e início de 1990, acaba por refletir na
população do bairro, por depender do trabalho nas fábricas de calçados de pequeno
e médio porte ali instaladas e sofre, com isso, um processo de empobrecimento.
A população sentiu este golpe, pois de uma maioria de calçadistas que eram,
passaram à condição de desempregados e ter que buscar sua sobrevivência em
outros ramos de produção. A grande maioria passa a trabalhar na construção civil ou
submete-se à produção parcelizada de confecções em regime doméstico. Muitas
mães começam a trabalhar como empregadas domésticas e diaristas, num regime
73
de trabalho informal precarizado. Outros ainda buscam emprego em locais diferentes
mudando o ramo de atividade, mudança essa que se reflete na diminuição
significativa da matrícula na escola.
Como resultado destes aspectos no campo econômico, a escola presencia
então duas situações. Por um lado, diminuiu sensivelmente o número de alunos e,
por conseqüência, diminui também o número de aulas dos professores que ali
estavam lotados. Por outro, passa a receber crianças cuja família, devido às
precárias condições de trabalho e de vida, transfere suas responsabilidades no
campo educativo para o âmbito escolar, o que passa a exigir uma nova forma de se
pensar a educação, para atender a este contexto.
A situação econômica brasileira desastrosa, deste período, atinge não só esta
comunidade, mas gera uma crise interna no país, ocasionando, no campo político e
no educacional, o movimento que ficou conhecido como.a “redemocratização” do
país. As eleições de 1986 permitem a ascensão de forças políticas de centro-
esquerda ao poder em vários estados brasileiros e oportunizam a discussão, nos
meios educacionais por uma educação de qualidade, pública e gratuita.
No Estado de Santa Catarina, as questões sobre as políticas educacionais
sofrem um processo de discussão, principalmente no meio acadêmico e sindical,
que refletem no desencadeamento do processo de reorganização curricular, que
resultou na PCSC
A reflexão acerca dos pressupostos da PCSC e a elaboração do Projeto
Político Pedagógico
13
, levou os educadores da escola a perceberem a necessidade
de repensar a sua prática pedagógica. Dentre os temas que estavam em debate no
âmbito do Estado, a escola passou a desenvolver a discussão sobre a abordagem
13
As discussões sobre o projeto político pedagógico se intensificaram com a aprovação da Lei
9394/96 que delega à comunidade escolar, pais, professores e alunos, a responsabilidade pela sua
elaboração e aprovação.
74
histórico-cultural e a Teoria da Atividade, cujo interesse foi desencadeado pelas
discussões acerca da Proposta e, em âmbito geral, a avaliação escolar e o conselho
deliberativo, discussões surgidas a partir da promulgação da LDB.
Como resultado dessas discussões, foram implementadas pelo grupo de
professores da escola algumas mudanças na tentativa de incorporar à sua prática
cotidiana o que o coletivo da escola, baseado no estudo realizado, pensava ser o
caminho para a busca da melhoria da qualidade do processo ensino aprendizagem.
Uma das primeiras mudanças adotadas pela escola foi a criação das classes
de aceleração. A base legal foi a LDB, no item V do artigo 24, referente à
organização do ensino fundamental e médio, especificamente sobre a verificação do
rendimento escolar do alunos, prevê:
b) possibilidade de aceleração de estudos
para alunos com atraso escolar”
.
Da mesma forma, está previsto na alínea d, item
VI, do artigo 26 da Lei Complementar 170, de 07 de agosto de 1998, que dispõe
sobre o Sistema Estadual de Ensino de Santa Catarina.
5.2 A efetivação das Classes de Aceleração e do Programa Tempo de
Aprender.
As classes de aceleração, regulamentadas no Estado de Santa Catarina pela
Portaria 0005 de 08 de dezembro de 1998, tinham como objetivo “proporcionar
melhores condições para a recuperação de aluno em situação de defasagem na
aprendizagem e em relação à idade/série, possibilitando-lhe real avanço no seu
processo de apropriação do conhecimento” (SANTA CATARINA, 1998).
Tais classes foram organizadas inicialmente em dois níveis: o nível um, que
envolvia alunos das primeiras e segundas ries em situação de defasagem
75
idade/série e o nível dois, com alunos da terceira e quarta séries do Ensino
Fundamental.
Em 2001, pela Portaria nº 010 de 19 de dezembro, ampliou-se o atendimento
das classes de aceleração para o nível 3, correspondente às séries finais do ensino
fundamental, para as quais foi organizada toda uma nova estruturação de tempo e
espaço. Inicialmente, houve uma adaptação da grade curricular, no que se refere ao
número de aulas por componente curricular. Cada um passou a ter cinco horas aulas
semanais
14
.
Foi designado um professor para ser o “articulador” da classe de aceleração,
que deveria ser efetivo na escola, com carga horária de trabalho de 40 horas
semanais. Este, além de ministrar as aulas referentes à sua matéria, no restante de
sua carga horária seria o responsável pela coordenação do programa na escola.
O desenvolvimento do trabalho com as classes de aceleração desencadeou,
no Estado, um processo de formação continuada dos professores que nelas
atuavam. Nesses cursos surgem as primeiras reflexões sobre a adoção da Teoria da
Atividade. Outro aspecto do programa diz respeito ao processo de avaliação, cujo
resultado final da aprendizagem era expresso por um parecer descritivo que traduzia
o alcance dos objetivos propostos no planejamento, elaborado pelo grupo de
professores e informado aos pais dos alunos em cada bimestre.
A descrição desses aspectos, ocorridos durante a implementação das classes
de aceleração tem sua importância, pois foi a partir deles demais professores da
escola passaram a perceber que alguns fatores relacionados ao processo
pedagógico eram passíveis de mudança e que existia a possibilidade, agora real, de
serem implementadas na escola sem ferir a legislação vigente.
14
Na grade curricular regular o número de aulas por componente curricular era o seguinte:
matemática e língua portuguesa, 4 aulas; ciências, história, geografia, educação física, 3 aulas; língua
estrangeira moderna e artes, 2 aulas e ensino religioso escolar 1 aula.
76
O grupo responsável pela implementação das classes de aceleração definiu
que três aulas, das cinco que compunham a carga horária de cada componente
curricular, fossem utilizadas para ministrar as aulas junto aos alunos e as demais
destinadas ao trabalho conjunto entre os professores e ao planejamento das
atividades. Assim cada professor passou a dispor de duas horas aulas, por turma,
em sua carga horária destinadas ao planejamento e acompanhamento dos trabalhos
realizados coletivamente. Tal situação se tornou fator fundamental para o
andamento do processo pedagógico e o desenvolvimento dos estudos em torno da
Teoria da Atividade, que contou com a participação do professor articulador como
responsável pela coordenação do processo.
A adoção da Teoria da Atividade, como base teórico-metodológica para o
desenvolvimento da ação pedagógica, trouxe uma nova forma de encaminhar o
processo ensino aprendizagem na escola. Como síntese dos estudos foram
elaborados pelo grupo de articuladores das classes de aceleração, em nível
estadual, os três fascículos da série Tempo de Aprender
15
para subsidiar os
trabalhos nas classes de aceleração.
A vivência de encaminhar a avaliação da aprendizagem, por meio de parecer
descritivo, demonstrou aos professores a possibilidade de repensar este processo,
que decidiram por estendê-lo para as classes regulares.
Paralelo aos trabalhos com as classes de aceleração, a Secretaria de Estado
da Educação, por meio da Portaria 009 de 19 de dezembro de 2001, cria o
Programa Tempo de Aprender com objetivo de reestruturar a organização e o
15
Documentos resultantes dos encontros de capacitação com os grupos de educadores com
representantes de todo o Estado que atuavam como articuladores da Classe de Aceleração, que se
reuniam com o objetivo de estudar a Teoria da Atividade. O livro 1 traz subsídios para as Classes de
Aceleração de Aprendizagem para toda a escola e orientação aos professores; os fascículos 2 e 3
trazem atividades a serem desenvolvidas junto aos alunos, segundo os pressupostos da Teoria da
Atividade.
77
funcionamento das séries finais do Ensino Fundamental. Esta portaria estendeu a
estrutura das classes de aceleração para as turmas de quinta a oitava séries. Dando
continuidade ao trabalho realizado com as classes de aceleração, a escola passou a
desenvolver, também, o Programa Tempo de Aprender.
Conforme foi descrito anteriormente sobra as classes de aceleração, cada
professor foi contratado para cinco aulas por turma em cada disciplina, das quais
três ele ministrava as aulas e duas eram utilizadas para uma reunião semanal de
planejamento coletivo ou para atuação conjunta de dois ou mais professor por sala
de aula, quando necessário, e planejamento individual das atividades de
aprendizagem. Todo este trabalho era coordenado pelo especialista em assuntos
educacionais da escola.
A possibilidade de implementar uma nova forma de encaminhar o processo
ensino aprendizagem oportunizada pelos estudos sobre a teoria da atividade nas
reuniões semanais, o.planejamento coletivo e o desenvolvimento das atividades de
forma colaborativa, produziram nos professores, momentos significativos de reflexão
sobre a sua prática pedagógica.
A escola funcionou durante todo ano de 2002 e o início de 2003 com o
Programa Tempo de Aprender e a Classe de Aceleração nível 3, o que oportunizou
avanços nos encaminhamentos das ações políticas e pedagógicas. No entanto, em
2003, com a troca da administração estadual
16
, o Programa Tempo de Aprender e
as classes de aceleração foram extintos, o que causou impacto na comunidade
escolar.
A informação sobre a impossibilidade de desenvolver o Programa Tempo de
Aprender e as Classes de Aceleração gerou problemas no encaminhamento das
16
No processo eleitoral de 2003 o PMDB, partido de oposição ao governo, vence a eleição.
78
atividades escolares, visto que todo planejamento para o ano letivo de 2003 havia
sido realizado, no final de 2002, com a perspectiva da sua continuidade.
O problema que mais afligia o corpo docente, naquele momento, era o fato de
que vários professores tiveram a sua carga horária alterada em função do aumento
do número de aulas com as Classes de Aceleração e o Programa Tempo de
Aprender. Com o fim dos programas, eles corriam o risco de ficar sem aulas
suficientes e teriam, com isso, sua carga horária diminuída.
Tendo em vista as discussões sobre o encaminhamento do ano letivo o
Gerente Regional de Educação e Inovação foi convidado a comparecer a uma
reunião na escola com o objetivo de, juntamente com os professores, direção e
funcionários, buscar uma solução para o impasse vivido pela instituição naquele
momento. A alternativa oferecida à escola, pelo gerente, foi a implementação da
escola de tempo integral. Segundo ele, o projeto havia sido anunciado pelo
Secretário de Estado da Educação em uma reunião com todos os Gerentes
Regionais de Educação do Estado, estando prevista pelo governo como uma das
metas do seu plano de ação. Naquele mesmo dia, lançou o desafio à escola de
elaborar um projeto que seria encaminhado para analise e aprovação junto a SED.
5.3 O contexto escolar para a implantação do Projeto Escola Pública Integrada
Algumas reflexões iniciais sobre as possibilidades de implantação desta nova
modalidade de educação foram realizadas pela comunidade escolar no início de
2003, envolvendo direção, professores, funcionários e Associação de Pais e
Professores. Antecedeu, portanto, a elaboração do Projeto EPI. Tal debate focalizou
problemas que a escola enfrentava referentes às questões administrativas dada a
79
mudança no governo estadual e pedagógicas que conduziu à análise dos
possíveis fatores que contribuiriam para a implantação da escola de tempo integral.
Dentre os fatores julgados favoráveis à implementação desta nova
modalidade estavam:
a) o novo prédio da escola que possuía salas ambientes de informática,
vídeo, línguas, laboratório de ciências, biblioteca, sala de artes e mais 17
salas de aula;
b) o trabalho de planejamento coletivo, realizado pelos professores nos dois
últimos anos em função do Programa Tempo de Aprender, propiciava a
utilização de novas formas de encaminhar o processo pedagógico o que
fortalecia o grupo dos professores na tomada de decisões;
c) a adoção da teoria da atividade como forma diferenciada de subsidiar a
ação pedagógica, oportunizou ao grupo vivenciar uma nova possibilidade de
desenvolver experiências que acrescentassem qualidade ao processo
educativo.
A partir dessas considerações, o grupo decidiu que seria aceito o desafio
lançado pelo gerente regional de implantar a escola de tempo integral. Vale lembrar
que o Projeto EPI fora previsto no plano de ação do governo e a sua implementação,
como política pública estadual, estava prevista para 2004. Portanto, não havia,
naquele momento, documentos ou encaminhamentos emanados do órgão central
que regulamentassem sua implantação.
Neste sentido, a escola teve uma relativa autonomia para elaborar o seu
projeto, visto que ele foi surgindo das discussões realizadas em nível local. Digo
relativa autonomia porque as ações planejadas pelo coletivo da escola passavam
pela aprovação da SED e estavam sujeitas às normas institucionais vigentes no que
80
se refere às questões administrativas de pessoal e financeiras do Estado.
Nessa condição, o grupo considerou que para dar início à experiência eram
necessários alguns encaminhamentos. O primeiro foi a criação de um grupo que
teria sob sua responsabilidade a coordenação e a organização de todo processo de
implementação da Escola Pública Integrada. Competia-lhe a elaboração e efetivação
do projeto, com o envolvimento de toda comunidade escolar e o seu
encaminhamento para aprovação pela e SED.
O grupo foi formado pela Diretora da Escola, dois professores de 5ª a 8ª série,
dois do pré-escolar e a 4ª rie e uma especialista em assuntos educacionais.
Esse grupo teve uma participação efetiva no início das atividades da escola em
tempo integral. Nos anos de 2003 e 2004, foi quem orientou e organizou o
funcionamento do Projeto EPI na escola, o que pôde ser chamado de gestão
compartilhada, participativa do coletivo da escola e com certa autonomia no que se
referia às questões pedagógicas, administrativas e financeiras.
No entanto, a partir de 2005, houve uma diminuição na participação e na
autonomia do grupo como conseqüência dos encaminhamentos, referentes ao
projeto EPI, recém definidos e regulamentados em nível de Estado para todas as
escolas que ofereceram esta modalidade de ensino. Embora ainda exista o grupo na
escola, o seu campo de atuação fica restrito às questões pedagógicas.
Outra condição estabelecida pelo grupo se referia aos recursos humanos da
escola. Solicitou que, além dos professores que seriam contratados para ministrar as
novas disciplinas, o corpo técnico administrativo teria que ser ampliado com a
contratação de um diretor adjunto, um orientador educacional, um assistente técnico
pedagógico e dois coordenadores de turno. Tais funções foram consideradas
imprescindíveis para o desenvolvimento de um programa em fase de organização e
81
que também requeria um processo de acompanhamento.
A alimentação dos estudantes foi outra condição julgada indispensável para o
funcionamento da escola em tempo integral. Definiu-se que a escola teria que
oferecer três refeições diárias: dois lanches, um pela manhã e um a tarde e o
almoço.
E, por fim, sentiu-se a necessidade de buscar a construção de mais alguns
espaços como o ginásio de esportes, o parque infantil e dependências mais amplas
para a cozinha e refeitório. Acresce-se ainda a aquisição de móveis equipamentos e
utensílios para as salas de aula e salas ambiente.
Estas condições iniciais, exigidas pelo grupo, foram sendo atendidas em parte
pela Secretaria de Estado da Educação e outras pelo próprio grupo, a partir das
suas discussões e das disponibilidades oferecidas via Gerência Regional de
Educação.
Passo a apresentar e analisar como as condições estabelecidas foram
atendidas ou não no processo de implementação do projeto.
O grupo da escola foi definindo os rumos pelos quais julgava possível a
escola seguir para criar a EPI. Com base nas decisões tomadas pelo coletivo da
escola iniciou-se a elaboração do projeto que seria encaminhado para a análise e
aprovação, aos órgãos competentes da SED.
O projeto Escola Publica Aberta e Integrada elaborado na escola pelo grupo
coordenador, como estabelece como objetivo geral
Implantar a Escola Aberta de Tempo Integral a fim de ampliar as
oportunidades para o desenvolvimento dos alunos no aspecto sócio-
educacional, através do oferecimento de atividades regulares e
diversificadas do currículo, em horário integral, mediados por profissionais
qualificados. (SANTA CATARINA, 2003d, p. 02)
Ao expressar os objetivos específicos, o projeto elaborado pela comunidade
82
escolar, na realidade, acabou por enumerar as ações que consideraria
imprescindíveis para realizar tal proposta
- Organizar as atividades regulares e diversificadas do currículo nos dois
períodos de funcionamento da escola;
- Oferecer três refeições, dois lanches e almoço aos alunos que freqüentam
a escola em tempo integral;
- Adquirir equipamentos e materiais para o desenvolvimento das atividades
regulares e diversificadas do currículo;
- Proceder a contratação dos profissionais envolvidos no projeto e
remanejamento do pessoal efetivo;
- Realizar curso de capacitação para todos os profissionais envolvidos com
a questão pedagógica da proposta;
- Encaminhar a construção e/ou adaptação dos ambientes físicos para o
desenvolvimento das atividades;
- Organizar os tempos e o espaço para o funcionamento da Escola Aberta
de Tempo Integral. (SANTA CATARINA, 2003d, p. 02)
Percebe-se que estão demonstradas ali aquelas condições estabelecidas
anteriormente pelo grupo, como necessárias ao desenvolvimento do projeto EPI.
Expressa, por um lado, a inexperiência do grupo com relação à educação integral e,
por outro, as precárias condições objetivas para o trabalho que interferem
diretamente na efetivação de um projeto de escola de tempo integral.
O início do funcionamento da escola em tempo integral ocorreu no segundo
semestre de 2003, com suas turmas regulares num período e no contraturno os
estudantes desenvolviam as atividades diversificadas do currículo, aqueles projetos
acrescidos ao núcleo comum. Isto oportunizou um período de experiência
relacionado às questões pedagógicas, enquanto a escola receberia os
equipamentos e mobiliário necessário às atividades pedagógicas e daria à
comunidade tempo para familiarizar-se com esta modalidade de ensino. Por isso,
não foi obrigatória a freqüência das crianças ao turno integral.
Em relação à parte diversificada do currículo, construída a partir da reflexão e
proposta do grupo desenvolvida por meio de projetos nas diversas áreas do
conhecimento, envolveu: artes, jogos, recreação, música, teatro, informática, dança,
83
capoeira, meio ambiente, língua e leitura. Ou seja, as atividades, de modo geral,
tratavam de questões artísticas, literárias, lúdicas, científicas.
Há, pois, uma aproximação das ações realizadas nas escolas parque da
Bahia idealizadas por Anísio Teixeira com as escolas parque, e dos CIEPs no Rio de
Janeiro. Tal similaridade tem razão de ser, pois eram as experiências que o grupo
teve acesso e procurou conhecer. Pode-se dizer então, que a concepção de tempo
integral e educação integral presente no início dos trabalhos se caracterizava pela
perspectiva pragmatista.
A comunidade escolar foi chamada a inscrever seus projetos, cuja analise e
seleção, se constituíram tarefa do grupo. Esse processo tinha por base um
regulamento elaborado pelo grupo coordenador disponibilizado a todas as escolas
da região para que fosse amplamente divulgado. A prioridade recaiu aos projetos
apresentados pelos profissionais que atuavam na escola desde que apresentasse
coerência com os objetivos do projeto. Estes professores atuavam foi oportunizada
prioridade na escolha e execução de seu projeto, caso esse fosse um projeto
coerente com os objetivos propostos. Esses professores atuavam 20 horas na sua
disciplina/área de atuação e 20 horas com projeto da parte diversificada.
Outras ações consideradas relevantes para o andamento do projeto foram
executadas durante o mês de julho. Uma delas foi a apresentação do projeto em
uma reunião, na Secretaria de Estado da Educação em Florianópolis, de lançamento
do programa em nível estadual. Estavam presentes todos os Gerentes Regionais de
Educação e Inovação os técnicos da SED que constituíam o grupo responsável pela
EPI e alguns políticos convidados para o evento. Na oportunidade o do grupo da
escola foi representado pela diretora, duas professoras e a especialista em assuntos
educacionais.
84
Nesta reunião, outras duas escolas da rede estadual,
a Escola Olívia Bastos,
de Tijucas, e a Escola Professora Valdete Zindars, de Jaraguá do Sul, apresentaram
seus projetos. Dessas três escolas a E.E.B. Profª Dolvina Leite de Medeiros era a
única que funcionaria em tempo integral com todas as turmas.
Ainda no s de julho, foi realizado um curso de capacitação para os
profissionais que atuariam na EPI, com o objetivo de apresentar o projeto e
organizar a sua implementação. Constou da programação do curso, discussões
sobre a PCSC, Programa Tempo de Aprender, Teoria da Atividade, Escola Pública
Integrada. Também ocorreu a apresentação e discussão dos projetos que
constituíam a matriz curricular daquele ano.
Em agosto, a escola iniciou as atividades em tempo integral e no mês de
setembro do mesmo ano foi inaugurada oficialmente. Constou da solenidade a
exposição de alguns trabalhos realizados pelas crianças, no projeto com o tema
“Nova escola para a comunidade”. Uma das ações do projeto foi o resgate da
história da escola e do bairro, que serviu de base para a apresentação da escola
para a comunidade.
No ano de 2004, a Secretaria de Educação, através do grupo intersetorial,
divulgou o Documento Base para Implementação do projeto EPI (SANTA
CATARINA, 2003b), cujo teor era compatível, em parte, com o que a escola
planejara.
No entanto, alguns aspectos do projeto desenvolvido pela escola, em 2003,
foram modificados em função da avaliação feita pelo grupo no final do ano letivo.
Algumas mudanças ocorreram opção do próprio grupo, outras se tornaram
obrigatórias devido à estrutura administrativa e de pessoal existente na SED, que
não comportava alguns encaminhamentos realizados pela escola. Pelo caráter
85
experimental do Projeto, eram feitas apenas adaptações à estrutura das escolas
regulares.
Nesse sentido, dois aspectos devem ser mencionados: a questão da
disponibilidade de horas aula para a realização das reuniões semanais e a
contratação de pessoal de apoio às atividades escolares em função da ampliação do
tempo de permanência do aluno na escola.
Até 2005, o grupo conseguiu permanecer com as suas reuniões semanais de
planejamento das atividades pedagógicas, pois dispunha de duas horas aula para o
referido fim.
Embora duas aulas semanais para o desenvolvimento das atividades de
planejamento e organização das atividades escolares fossem insuficientes para que
o grupo encaminhasse as discussões sobre uma escola de tempo integral e
educação integral, ainda assim, conseguiu-se manter um planejamento coletivo com
a participação de todos os professores que atuavam no projeto. Esse aspecto é
julgado por todos como de fundamental importância para a efetivação das atividades
previstas.
Isso ocorreu porque a Secretaria Estadual disponibilizou um total de carga
horária para a escola mesmo excedendo o número de aulas acrescentada à grade
curricular. Também, porque a matriz da EPI ainda não havia sido regulamentada, o
que ocorreu em 2006, fazendo com que a escola passasse a disponibilizar somente
do número de aulas da grade. Conseqüentemente houve a diminuição daquela
carga horária disponível no ano anterior e por extensão resultou na perda do tempo
disponível para as reuniões semanais. Fato que ocasionou uma perda na qualidade
do trabalho pedagógico realizado.
O tempo para o estudo coletivo dos professores da escola é, sem dúvida,
86
condição que determina o sucesso de uma experiência deste porte e precisa estar
prevista na carga horária de cada profissional que atua nesta nova forma de se
pensar a escola catarinense.
No que se refere às reivindicações sobre o quadro de pessoal necessário ao
desenvolvimento das atividades da escola de tempo integral, a escola não foi
completamente atendida. Por isso teve que contar com o remanejamento de
profissionais de outras instituições escolares.
Foi disponibilizada, por parte da SED, uma carga horária para admissão dos
coordenadores de turno, considerada insuficiente para o desenvolvimento das
atividades escolares. A diminuição da carga horária para a referida função se tornou
outro problema que ainda não chegou a bom termo. Existe na SED uma proposta de
criação deste cargo para as EPIs, mas ainda não foi aprovada.
As reduções de carga horária para as reuniões e coordenação de turno
manifestam as preocupações dos órgãos centrais na racionalização e contenção de
despesas diante de um projeto educativo. Entretanto não se pode pensar uma nova
forma de escola sem a garantia de uma estrutura própria para a sua efetivação.
A organização da matriz curricular foi outro aspecto da proposta de Escola
Pública Integrada que mereceu destaque ao ser implementada. Para o ano de 2003,
resultado da construção do grupo coordenador da escola, a grade curricular
contemplava as disciplinas do núcleo comum, obrigatório em âmbito nacional, e as
disciplinas da parte diversificada, que ficou dividida em três eixos temáticos,
conforme o que segue:
1) Linguagem e Comunicação: SOS Leitura e Escrita, Educação
Permanente de Língua Espanhola, Estudo Dirigido, Musicalização, Pinturas
Especiais, Esporte na Escola, Capoeira, Dançando na Escola, Jogos, Brincadeira e
87
Brinquedos, A Língua Inglesa apresentada de forma lúdica às séries iniciais e
Representando também se aprende, Teatro.
2) Ciências e Matemática - Vivendo Ciências, Brincando e Aprendendo com
a Informática, Jogos Matemáticos, Informática e Linguagem de 5ª a 8ª série, Xadrez.
3) Ciências Humanas e Sociais - Humanização na Escola, Relacionamento
interpessoal e auto-estima
17
.
Uma das análises realizadas pelo grupo neste ano foi a de que houveram
muitas disciplinas com uma carga horária pequena em cada uma delas,- uma ou
duas aulas por disciplina por isso a matriz curricular para o ano de 2004 foi revista
e ficou assim constituída:
Quadro nº 2 – Matriz Curricular EPI, 2004.
DISCIPLINAS
PORTUGUÊS X X X X 5 5 5 5
ESTUDO DIRIGIDO 4 4 4 4 - - - -
INGLÊS 2 2 2 2 3 3 3 3
ESPANHOL - - - - 2 2 2 2
VALORES 2 2 2 2 - - - -
MÚSICA 2 2 2 2 2 2 2 2
ARTES 3 3 3 3 3 3 3 3
Linguagem
e Comunicação
TEATRO 2 2 2 2 2 2 2 2
MATEMÁTICA X X X X 5 5 5 5
CIÊNCIAS X X X X 4 4 4 4
Ciências e
Matemática
INFORMÁTICA 2 2 2 2 2 2 2 2
HISTÓRIA X X X X 4 4 4 4
GEOGRAFIA X X X X 4 4 4 4
EDUCAÇÃO FÍSICA 4 4 4 4 4 4 4 4
RELIGIÃO X X X X 1 1 1 1
CAPOEIRA 2 2 2 2 2 2 2 2
Ciências
Humanas e
Sociais
DANÇA 2 2 2 2 2 2 2 2
Fonte: Projeto Político Pedagógico da escola.
Houve, como se pode perceber, uma diminuição do número de disciplinas que
foram acrescentadas ao currículo, sendo oferecidas, então, menos disciplinas com
maior número de aulas em função de que algumas delas não atenderam às
17
O grupo coordenador definiu por manter o nome dos projetos encaminhados pelos professores
como nome das disciplinas da parte diversificada.
88
expectativas da comunidade. Ocorreu, também, o que se convencionou chamar de
integralização do currículo. Ou seja, as disciplinas da parte comum e diversificada do
currículo foram oferecidas em turno integral sem diferenciação entre elas. Cumpria-
se dessa forma a condição estabelecida nos documentos da SED que
regulamentam a criação do projeto no Estado.
Em 13 de dezembro de 2004, pelo Parecer 249 do Conselho Estadual de
Educação, é aprovada a grade curricular para as Escolas Públicas Integradas.
Dentre os componentes curriculares considerados como complementares a matriz
curricular da EPI, o grupo escolheu a seguinte grade para o ano de 2005.
Quadro nº 3 – Grade Curricular da EPI, 2005.
DISCIPLINAS
PORTUGUÊS 4 4 4 4
INFORMÁTICA 2 2 2 2 2 2 2
INGLÊS 1 2 2 2 3 3 3 3
ESPANHOL 2 2 2 2
ARTE 2 2 2 2 2 2 2 2
ED. FÍSICA 3 3 3 3 3 3 3 3
TEATRO 2 2 2 2 2 2 2
MÚSICA 1 1 1 1 1 1 1
CAPOEIRA 1 2 2 2 2 2 2 2
Linguagem
e Comunicação
DANÇA 2 2 2 2 2 2 2
CIÊNCIAS 3 3 3 3
LABORATÓRIO 1 1 1 1
MATEMÁTICA 4 4 4 4
Ciências e
Matemática
JOGOS
MATEMÁTICOS
1 2 2 2 2 2 2 2
GEOGRAFIA 3 3 3 3
HISTÓRIA 3 3 3 3
HISTÓRIA LOCAL 1 1 1 1 1 1 1
Ciências
Humanas e
Sociais
ENSINO
RELIGIOSO
1 1 1 1
Fonte: Projeto Político Pedagógico da Escola.
Percebe-se com o desenvolvimento da experiência na escola, que embora
tenha havido a institucionalização da EPI como política pública no Estado, com a
aprovação do Decreto 3867 de 19 de dezembro de 2005, não houve a criação na
SED de uma estrutura própria para as escolas de tempo integral O novo passo seria
89
uma adaptação da estrutura já existente, tanto no que se refere aos aspectos
administrativos quanto financeiros e pedagógicos. Como decorrência acarretam
problemas pedagógicos e gerenciais para o oferecimento desta modalidade de
ensino com a qualidade necessária para a sua real efetivação na escola.
90
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nos primeiros estudos realizados para a contextualização do objeto de
pesquisa, constatei que eram dois os aspectos que concorriam de forma mais
significativa para a efetivação das propostas de escolas de tempo integral: a
ampliação do tempo de permanência do aluno na escola e a educação integral.
A educação integral foi a categoria que estabeleci como objeto dessa
investigação na busca de compreender a concepção de educação integral que está
no projeto Escola Pública Integrada do Estado de Santa Catarina e sua efetivação
na E.E.B. Profª Dolvina Leite de Medeiros.
O Projeto EPI na E.E.B. Profª Dolvina Leite de Medeiros é caracterizado por
duas etapas. A primeira quando os encaminhamentos eram feitos pelo coletivo da
escola, frente às decisões tomadas pelo próprio grupo, pois a SED ainda não havia
elaborado os documentos oficiais sobre a EPI. E a segunda quando ocorre a
normatização pela SED, por meio de documentos legais e a implantação oficial da
política de tempo integral nas escolas da rede estadual de ensino.
Na primeira etapa, houve um processo de decisão coletiva e participativa
organizada pelo grupo que coordenava a implementação do projeto. As decisões
sobre o currículo e o tempo foram definidas de acordo com as especificidades da
escola. Neste período, a discussão sobre a concepção de educação integral iniciou-
se sob a orientação da perspectiva pragamatista.
Essa constatação fundamenta-se no estudo que realizei no capítulo 2 sobre
as concepções de educação integral desenvolvidas pelas teorias que se
preocuparam com este objeto de estudo. A perspectiva anarquista e a pragmatista
91
são as duas abordagens teóricas que, além de estudar este conceito, realizaram
experiências com as escolas de tempo integral no Brasil.
Encontrei semelhanças e divergências entre as propostas de educação
integral desenvolvidas nestas duas perspectivas teóricas. Ambas propõem a
educação integral como o pleno desenvolvimento dos indivíduos, que envolve os
aspectos intelectuais, físicos, afetivos, culturais e artísticos dos educandos de uma
forma harmoniosa. Também se assemelham em seus pressupostos, quando atribui
um papel secundário à transmissão do conhecimento historicamente produzido, no
processo ensino aprendizagem. A anarquista ao enfatizar a autonomia do aluno e a
pragmatista ao propor a centralidade da construção do conhecimento pelo aluno
nesse processo. Elas adotam nas suas experiências uma escola de tempo integral
que complementa a educação regular com atividades físicas, artísticas e culturais
em que os métodos autônomos e ativos de aprendizagem prevalecem.
As diferenças se apresentam com um teor complexo, pois dizem respeito à
manutenção e superação. A perspectiva anarquista, com os encaminhamentos da
educação libertária propõe a superação do modelo social vigente. A pragmatista,
identificada pelas pedagogias liberais, propõem o aperfeiçoamento do sistema
vigente.
A experiência da E.E.B Profª Dolvina Leite de Medeiros e sua articulação
com o Projeto EPI traz marcas destas perspectivas teóricas, quando a escola iniciou
os debates sobre a educação integral.
Mas, mesmo tendo como referência as experiências das duas perspectivas, a
proposta desenvolvida pela Escola avançou no sentido da aproximação a uma
concepção de educação integral coerente com o que está previsto na Proposta
Curricular de Santa Catarina. Tal avanço foi motivado por três aspectos julgados
92
relevantes ao processo: a participação da comunidade escolar nas decisões
referentes a implementação do Projeto; o espaço físico escolar que favoreceu o
atendimento em tempo integral; e o nível de discussão dos professores oportunizado
pelo tempo que a escola destinava às reuniões semanais de planejamento coletivo
das atividades escolares.
Vale ressaltar que o debate oportunizado decorreu da possibilidade de
participação coletiva, em que se viabilizou os dias de estudos semanais na carga
horária de cada professor. Só assim foi possível produzir uma orientação que
privilegiava a articulação entre os conhecimentos e disciplinas, por meio de projetos
temáticos. Portanto, a escola realizou um percurso de aproximação com uma
perspectiva de educação integral com fundamentos em pressupostos da PCSC.
A PCSC tem como fundamentação teórico-filosófica o materialismo histórico-
dialético e como pressupostos teórico-metodológicos a abordagem histórico-cultural.
Acredito que as discussões acerca dessas abordagens teóricas presentes na
referida Proposta precisam ser aprofundadas.
Faz-se necessário uma discussão sobre a articulação entre a psicologia
histórico-cultural, com a contribuição dos teóricos da Escola Soviética que deram
continuidade aos estudos de Vigotski, e a pedagogia histórico-crítica, idealizada por
Dermeval Saviani, discussão esta que tem influenciado as pesquisas dos
educadores que propõem a superação das pedagogias tradicionais e não críticas,
entre elas a pragmatista.
Um dos conceitos chave nesta perspectiva é o de omnilateralidade que prevê
o desenvolvimento harmônico e pleno do ser humano. Ao contrário do pragmatismo
e do anarquismo, o materialismo histórico-dialético ênfase à apropriação, pelo
sujeito, do conhecimento historicamente produzido, que se traduz na função da
93
educação escolar, por oportunizar a formação humana. O conceito de politécnica,
que também contribui para as discussões sobre a educação integral nessa
perspectiva, evidencia a necessária vinculação ou relação entre educação e
trabalho, ensino intelectual e ensino profissional. Estes são os pressupostos que
fundamentam a proposta da Escola Unitária para Gramsci.
Quanto à produção de uma concepção de educação integral, na perspectiva
do materialismo histórico-dialético e histórico-cultural, tenho a clareza de que apenas
lancei as primeiras reflexões, que muito ainda a ser discutido pelos educadores
do Estado. Inclui-se a contribuição de outros autores que vêm estudando a
educação integral como uma dimensão do processo educativo escolar, tanto na
escola regular como na escola de tempo integral.
A segunda etapa caracteriza-se pela implantação do Projeto EPI em nível de
estado. Com isso a escola foi perdendo o tempo de estudo na carga horária semanal
dos professores na medida em que o Projeto dadas as suas orientações,
determinações curriculares e a não adequação burocrática a processos gerenciais
limitava ainda mais a relativa autonomia da escola.
Portanto o processo de avanço, percebido no início da implementação do
tempo integral na E.E.B. Profª Dolvina Leite de Medeiros, foi dificultado pelos limites
estabelecidos quando do lançamento do Projeto Escola Pública Integrada. Este
apresentou, inicialmente, a educação integral como um dos aspectos presentes na
implementação das escolas de tempo integral. Porém perde-se ao longo do seu
desenvolvimento e não explicita qual a concepção de educação a ser adotada. Isso
determinou que eu fosse buscá-la nos documentos que orientam a criação das EPIs.
No projeto, propriamente dito, e nos documentos que orientam o
planejamento da criação das EPIs, os aspectos referentes ao currículo encaminham
94
para uma idéia de educação integral definida como integralização curricular. A
integralização curricular pode ser explicitada como a integração entre as disiciplinas
da grade curricular regular e as novas matérias que a complementam em função do
oferecimento do tempo integral.
Contudo, o que pode ser considerado um avanço sobre as escolas de tempo
integral que oferecem atividades diversificadas no contraturno de funcionamento da
escola regular. Mas isso não pode substituir a reflexão e a discussão coletiva sobre
a educação integral como formação integral. É necessário que os professores e
demais integrantes da comunidade escolar tenham condições efetivas.
Com referência ao processo de gestão escolar proposto, acontece uma
divergência com os rumos que tomou a gestão escolar no estado. O projeto propõe
uma gestão democrática e compartilhada com autonomia pedagógica e financeira.
Entretanto tal determinação não tem se efetivado no cotidiano da escola catarinense
em função do modelo centralizador de gestão que ainda nomeia os gestores
escolares pela via da indicação político partidária. Ademais, a indisponibilidade de
carga horária para os professores planejarem em conjunto se apresenta como um
elemento antidemocrático, pois impede o planejamento de atividades com maior
participação da comunidade escolar.
A partir de então, percebeu-se na experiência da E.E.B. Profª Dolvina Leite de
Medeiros uma maior preocupação com os aspectos referentes à: ampliação do
tempo de permanência do aluno na escola, integralização das disciplinas
curriculares, realização dos projetos temáticos em detrimento das discussões sobre
a educação integral.
Entendo que os aspectos referentes à educação integral como formação
integral não são específicos das escolas de tempo integral, mas da educação
95
escolar como um todo. Como tal deve ser objeto de estudo dos educadores
comprometidos com uma educação que promova a transformação da sociedade.
Mas ao se propor a criação das escolas de tempo integral este tema se evidencia.
Nesse sentido, compartilho da afirmação de Tonet (2006) de que existe uma
dualidade difícil de ser vencida na educação, atualmente, demonstrada na
experiência da efetivação do Projeto EPI que se reflete na E.E.B. Profª Dolvina Leite
de Medeiros. Esta dualidade é o embate entre o discurso e a realidade objetiva.
Segundo o autor, o discurso oficial primeiro proclama uma formação integral, isto é,
livre, participativa, cidadã, crítica para todos os indivíduos. a realidade objetiva
reflete, no seu movimento real, a impossibilidade daquela formação anunciada.
É possível entender a dualidade, pois as proposições oficiais apresentam um
modelo de escola que atenda aos ditames do sistema capitalista de produção que
requer uma educação que o aperfeiçoe em vez da transformação, na busca da
formação humana plena, livre, crítica e cidadã. Porém, se uma educação integral
plena não é possível no atual sistema social, o estudo demonstrou que, com a
participação da comunidade escolar, é possível produzir um percurso que avance na
direção de uma escola que contribua para estabelecer a possibilidade de uma
educação integral.
96
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