Download PDF
ads:
1
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
INSTITUTO DE PSICOLOGIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA SOCIAL E
INSTITUCIONAL
ALINE GONÇALVES MACHADO
CUIDADORES: SEUS AMORES E SUAS DORES - O PRAZER E O
SOFRIMENTO PSÍQUICO DOS AUXILIARES E TÉCNICOS DE ENFERMAGEM
DE UM HOSPITAL CARDIOLÓGICO
PORTO ALEGRE
2006
ads:
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
2
ALINE GONÇALVES MACHADO
CUIDADORES: SEUS AMORES E SUAS DORES - O PRAZER E O
SOFRIMENTO PSÍQUICO DOS AUXILIARES E TÉCNICOS DE ENFERMAGEM
DE UM HOSPITAL CARDIOLÓGICO
Dissertação apresentada como requisito parcial
para obtenção do grau de Mestre em Psicologia
Social e Institucional. Programa de Pós
Graduação em Psicologia Social e Institucional.
Instituto de Psicologia
Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Orientador: Dr. Álvaro Roberto Crespo Merlo
Porto Alegre
2006
ads:
3
Aline Gonçalves Machado
A Comissão Examinadora, abaixo assinada, aprova a Dissertação Cuidadores:
Seus Amores e Suas Dores – O Prazer e o Sofrimento Psíquico dos Auxiliares
e Técnicos de Enfermagem de um hospital cardiológico, como requisito parcial
para obtenção do Grau de Mestre em Psicologia Social e Institucional pela
Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Dissertação defendida e aprovada em: 27/03/2006.
Comissão Examinadora:
_________________________________________________________________
Orientador Dr. Álvaro Roberto Crespo Merlo
UFRGS
_________________________________________________________________
Professor Dr. Henrique Caetano Nardi
UFRGS
_________________________________________________________________
Professora Dra. Jussara Maria Rosa Mendes
PUCRS
_________________________________________________________________
Professora Dra. Maria da Graça Oliveira Crosseti
UFRGS
4
Agradecimentos
Ao meu dedicado e amoroso esposo Daniel, pela sua infinita
paciência, singular compreensão e acima de tudo pelo amor e
respeito que dedicou a mim ao longo de nossas vidas e em
especial, durante o período de escrita desta dissertação.
Ao meu orientador Professor Álvaro Roberto Crespo Merlo pela
sua acolhida, sua orientação e por acreditar em mim,
possibilitando tornar este sonho real.
Aos meus pais, Ivone e Nilton, e meus irmãos, Alice e Marcos
por sempre acreditarem em mim.
Aos amigos, Jaqueline, Isabel, Paulo e Ronaldo, porque mais
do que cunhados, são pessoas muito especiais em minha vida.
A Mariana por sua meiguice e afeto.
As minhas colegas de trabalho Luciana Dereti, Thaís Rauber,
Ângela Arcari e Aline de Ávila por compartilharem esta
trajetória comigo.
Ao Instituto de Cardiologia do Rio Grande do Sul, que entende
o incentivo a produção científica como alicerce do
conhecimento.
Ao João Laureano R. Martins, pelo apoio e incentivo, e por
promover o investimento no bem-estar dos que aqui trabalham.
À Coordenação de Enfermagem, por proporcionar o espaço
necessário à realização deste estudo.
Àqueles que se dedicam com amor ao cuidar.
5
Mito do Cuidado
“Quando um dia o Cuidado atravessou um rio, viu ele terra em
forma de barro; meditando, tomou uma parte dela e começou a
dar-lhe forma. Enquanto medita sobre o que havia criado,
aproximou-se Júpiter. O Cuidado lhe pede que dê espírito a
essa figura esculpida em barro. Isso Júpiter lhe concede com
prazer. Quando, no entanto, o Cuidado quis dar seu nome à
sua figura, Júpiter o proibiu e exigiu que lhe fosse dado o seu
nome. Enquanto o Cuidado e Júpiter discutiam sobre os
nomes, levantou-se também a Terra e desejou que à figura
fosse dado o seu nome, já que ela lhe tinha oferecido uma
parte de seu corpo. Os conflitantes tomaram Saturno para juiz.
Saturno pronunciou-lhes a seguinte sentença, aparentemente
justa: “Tu, Júpiter, porque deste o espírito, receberás na sua
morte o espírito; tu, Terra, porque lhe presenteasse o corpo,
receberás o corpo. Mas, porque o Cuidado primeiro formou
essa criatura, irá o cuidado possuí-la enquanto ela viver. Como,
porém, há discordância sobre o nome, irá chamar-se homo
(homem), já que é feito de húmus (terra).” (HEIDEGGER, 1995,
p. 263-64)
6
RESUMO
Este estudo visa investigar as implicações do trabalho na saúde psíquica dos
auxiliares e técnicos de enfermagem que trabalham em unidades críticas do Instituto
de Cardiologia do Rio Grande do Sul – Fundação Universitária de Cardiologia. O
aporte teórico utilizado foi o da Psicodinâmica do Trabalho. Participaram da pesquisa
17 trabalhadores de ambos os sexos, na faixa etária de 24 a 52 anos, que trabalham
nos três turnos. Os dados foram obtidos através de entrevistas individuais, sendo
analisados de forma qualitativa baseando-se na análise de conteúdo. O estudo do
material permitiu evidenciar que o trabalho proporciona aos profissionais equilíbrio
psíquico na medida em que eles encontram um espaço de criação e reconhecimento
daquilo que fazem. Porém pode-se mostrar nocivo a este equilíbrio na medida em
que o trabalhador também sofre com a dor dos pacientes e com o desgaste físico
que o trabalho exige e ainda, a organização do trabalho mostra-se nociva ao
equilíbrio psíquico dos auxiliares e técnicos de enfermagem.
Palavras chaves:
Trabalho – prazer e sofrimento psíquico – enfermagem – unidade crítica
7
ABSTRACT
This study aims investigating the work implication in psycological health of
nursing assistants who work at Rio Grande do Sul Cardiology Institute. The
theoretical underpinting used was that of work psychodynamics. Seventeen
professionals of both sexes participated in this investigation, with ages ranging from
twenty-four to fifty-two years old, who work during night and day. The informations
were obtained trough individuals interviews, and they were analised qualitative way
by content analysis. The material study evidenced they found a criation space and
recognicion at work. However the wok can be dangerous to psychic balance because
the worker can to suffer with the patient´s pain and with wear away physical that the
work demands, and the work´s organization can be dangerous to nursing assistants
psychic balance.
Key words:
Work – pleasure and psychic suffering – nursing – critical
8
SUMÁRIO
RESUMO__________________________________________________________ 6
ABSTRACT________________________________________________________ 7
LISTA DE QUADROS_______________________________________________ 10
INTRODUÇÃO_____________________________________________________ 11
1. PERCURSO TEÓRICO____________________________________________ 14
1.1 Preocupando-se com o trabalhador ______________________________ 18
1.1.2 Níveis do trabalho___________________________________________ 19
1.2 Sofrimento e Normalidade______________________________________ 23
1.3 O Hospital ___________________________________________________ 26
1.4 O Trabalho no hospital_________________________________________ 30
2. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS ______________________________ 40
2.1 Percurso para a pesquisa ______________________________________ 41
2.2 Questão norteadora central_____________________________________ 42
2.3 Objetivos da pesquisa _________________________________________ 42
2.4 Estratégias metodológicas _____________________________________ 43
2.5 Sujeitos do Estudo ____________________________________________ 45
2.7 Análise do material____________________________________________ 47
3. CENÁRIOS DA PESQUISA ________________________________________ 49
9
3.1 O Instituto de Cardiologia do Rio Grande do Sul – Fundação Universitária
de Cardiologia___________________________________________________ 49
3.2 Perfil da Instituição____________________________________________ 52
3.2.1 Serviços __________________________________________________ 52
3.3 Ensino e Pesquisa ____________________________________________ 53
4. CONHECENDO O TRABALHO DO CUIDADOR________________________ 55
4.1 O trabalho do cuidador ________________________________________ 55
4.1.2 O trabalho do cuidador no Instituto de Cardiologia – Fundação
Universitária de Cardiologia _______________________________________ 56
4.1.3 O trabalho na Emergência ____________________________________ 59
4.1.4 O trabalho na Unidade Pós-Operatória (UPO) ____________________ 61
5. ANÁLISE DOS RESULTADOS _____________________________________ 63
5.1 Cuidar: prazeres e realizações __________________________________ 63
5.2 Cuidador: a valorização profissional _____________________________ 72
5.3 Cuidar da dor_________________________________________________ 78
5.4 A dor do cuidador_____________________________________________ 85
5.5 O descuido com o cuidador ____________________________________ 93
REFLEXÕES FINAIS ______________________________________________ 100
REFERÊNCIAS___________________________________________________ 102
APÊNDICES _____________________________________________________ 106
ANEXO _________________________________________________________ 111
10
LISTA DE QUADROS
Quadro 1: Distribuição dos participantes do estudo por turno e unidade de trabalho____46
Quadro 2: Descrição dos participantes do estudo_______________________________47
Quadro 3: Número de atendimentos no hospital no ano de 2005___________________52
Quadro 4: Distribuição da equipe de enfermagem na Emergência__________________60
Quadro 5: Número de atendimentos na Emergência em 2005______________________60
Quadro 6: Distribuição da equipe de enfermagem na UPO________________________62
11
INTRODUÇÃO
Esta dissertação surgiu da prática profissional desta psicóloga que trabalha
no Recursos Humanos do Instituto de Cardiologia do Rio Grande do Sul -
Fundação Universitária de Cardiologia, onde o objetivo das ações de trabalho está
vinculado a prevenção da saúde psíquica daqueles que trabalham em meio a dor e o
sofrimento dos pacientes.
Compreender as questões que perpassam o ambiente hospitalar do ponto de
vista do trabalho aí desenvolvido e quais as repercussões na saúde destes
trabalhadores, norteam as ações desta profissional.
Entender a importância do trabalho realizado por aqueles que cuidam
diariamente de sujeitos doentes e que estão sofrendo, e como isso pode ser gerador
de prazer ou sofrimento para estes trabalhadores, e ainda como prevenir o
adoecimento psíquico destes, se faz necessário.
De acordo com Dejours (1999), o trabalho tem efeitos muito poderosos sobre
o aparelho psíquico, contribuindo para agravar o sofrimento ou, ao contrário, o
12
trabalho contribui para subverter o sofrimento, para transformá-lo em prazer. Assim,
o trabalho pode ser, ora patogênico, ora estruturante.
Assim, busca-se através desta dissertação, articular os processos
determinantes da díade trabalho-saúde no exercício profissional dos auxiliares e
técnicos de enfermagem no contexto de um hospital especializado em cardiologia, a
partir da compreensão da inter-relação do trabalho enquanto fonte geradora de
prazer e/ou sofrimento psíquico e quais as implicações na saúde psíquica destes
profissionais.
Inicialmente, apresenta-se uma revisão bibliográfica acerca da centralidade
do trabalho na vida do homem, buscando evidenciar elementos que identifiquem o
prazer e o sofrimento psíquico no trabalho, a partir dos pressupostos teóricos da
Psicodinâmica do Trabalho, bem como sobre a natureza do trabalho no ambiente
hospitalar.
Em seguida, aborda-se o percurso metodológico utilizado para o
desenvolvimento desta dissertação e ainda, as considerações éticas implicadas.
Posteriormente, descreve-se as características do hospital onde realizou-se a
pesquisa e apresenta-se o trabalho prescrito dos auxiliares e técnicos de
enfermagem.
A seguir, são apresentados os resultados a partir das entrevistas realizadas
com os sujeitos da pesquisa, bem como a análise acerca das implicações do
13
trabalho na saúde psíquica dos auxiliares e técnicos de enfermagem que trabalham
em unidades críticas.
Na última parte, retoma-se algumas idéias construídas ao longo do trabalho
realizando algumas reflexões finais e ressaltando aspectos significativos do cotidiano
do trabalho dos auxiliares e técnicos de enfermagem.
14
1. PERCURSO TEÓRICO
Uma das maiores preocupações de Dejours (1992) se refere à centralidade
do trabalho, sendo necessário o entendimento acerca do que se passa no trabalho
para entender o que se passa na sociedade, pois segundo Codo, Sampaio e Hitomi
(1994), a vida dos homens não se resume ao trabalho, mas também não pode ser
compreendida sem ele.
O trabalho ocupa lugar de destaque na vida do homem. Destaque, pois é
através deste que o homem estabelece diferentes formas de relacionamento com o
mundo: a de sustento, a de convivência com outras pessoas, o de aprendizagem, de
reconhecimento, de sofrimento, de prazer, a de se expressar, além de diversas
outras possibilidades que o trabalho pode proporcionar.
O homem é um ser social, necessita do convívio com outras pessoas para se
transformar, viver e experimentar sons, gostos, sentimentos, enfim, é através do
convívio que se torna sujeito que pensa, sente, analisa, reflete, opina, transforma,
deseja, conquista e trabalha.
15
Beck (2001) destaca a necessidade de se entender as demandas sociais e
particulares do homem pelo trabalho, pois este compõe a vida das pessoas desde
as sociedades mais primitivas produzindo a sua hominização, e vem se
transformando, ao longo da história, para dar conta e atender às demandas sociais e
particulares. Justifica-se, então, a preocupação de estudar as implicações do
trabalho na saúde psíquica dos trabalhadores.
O trabalho está situado na hierarquização social dos valores, segundo
Sampaio (1995), remetendo-nos para possibilidades diferentes de consumo,
felicidade, hierarquia e morte. Portanto, existe uma onipresença do trabalho humano
em todas as expressões da vida social.
O trabalho é uma atividade básica e genérica do homem para Heller (1991),
caracterizando-se como o intercâmbio entre a sociedade e a natureza, natureza esta
entendida não como realidade contemplativa e dada, mas enquanto construção do
homem. Assim, o trabalho deve ser a ação do homem que favorece as trocas entre
os homens, o que permite uma relação com a natureza, através de sua manipulação
e favorecendo o desenvolvimento humano.
Vaz (1995) refere que o trabalho possibilita a subsistência do homem, a
transformação de si mesmo, a transformação da natureza e a superação da
cotidianidade, não tendo, necessariamente, que produzir a alienação do sujeito.
Os modos de produção influenciam na forma como nos relacionamos com o
trabalho. Estes passaram por modificações ao longo da história do homem.
16
Inicialmente, o vínculo que muitos homens mantinham com o trabalho era o de
escravidão, produzindo apenas dor, sofrimento, constrangimento, ausência de
liberdade e morte aos que “trabalhavam”.
Com o advento da manufatura, o trabalhador detinha o conhecimento de todo
o processo de trabalho, executando todas as etapas para produção, contudo este
domínio do conhecimento e esta forma de produzir exigia tempo para a finalização
de uma unidade do produto.
A revolução industrial transformou o cenário da manufatura, desapropriando o
conhecimento do então artesão, para parcializar as etapas de produção através da
introdução da máquina no processo de trabalho, buscando a otimização do tempo e
o aumento da produção, e consequentemente o lucro.
Para Marx (1972) o trabalho é considerado uma atividade para produzir
valores-de-uso, a fim de satisfazer as necessidades do homem; é entendido como
uma condição universal entre o homem e a natureza, uma condição eterna e natural
da vida humana.
Visto desta forma, entende-se o trabalho como esforço físico ou mecânico a
fim de transformar os elementos ou estados da natureza, ou ainda, a produção,
manutenção e modificação dos bens ou serviços essenciais à sobrevivência dos
homens, conforme Liedke (2002).
17
Taylor (1985) contribuiu para a manutenção deste esforço físico com a sua
Organização Científica do Trabalho, descrevendo a necessidade da separação das
funções de concepção e planejamento de quem executa, ou seja: quem planeja e
organiza a tarefa não é o mesmo que a realiza. Tendo como base, o estudo de
tempos e movimentos, eliminando os movimentos desnecessários para a execução
do trabalho e intensificando a divisão das tarefas. Buscando extinguir o tempo
ocioso do trabalhador, através do controle e da disciplina, a fim de aumentar a
produção, e consequentemente a remuneração, conforme o desempenho de cada
trabalhador.
Com o taylorismo, o trabalho tornou-se fragmentado, repetitivo, monótono e
sem sentido, pois o trabalhador perde a sua autonomia e sua capacidade de usar a
criatividade durante o processo de trabalho, segundo Cattani (2002).
Henry Ford foi outro contribuinte para a fragmentação do trabalho, refere
Laranjeira (2002), pois introduziu em sua fábrica, a Ford Motor Co. em Detroit, no
ano de 1913, um novo modelo de produção, introduzindo novas técnicas que
visavam à produção e o consumo em massa. O processo de produção fordista
fundamenta-se na linha de montagem acoplada à esteira rolante, evitando assim o
deslocamento dos trabalhadores e tornando o trabalho simplificado, com ciclos
operatórios muito curtos. Mantendo um fluxo contínuo e progressivo de produção,
eliminando o tempo ocioso do trabalhador. Contribuindo para um trabalho monótono,
repetitivo e parcelado. O ritmo de trabalho era determinado por uma rígida disciplina
imposta pela velocidade da esteira. Nestas condições de trabalho, o trabalhador
perde as suas qualificações, as quais são incorporadas à máquina.
18
1.1 Preocupando-se com o trabalhador
Para compreendermos os laços entre trabalho e saúde, é indispensável que
se investigue as fontes de sofrimento e de prazer dos trabalhadores, conforme
coloca Merlo (1999).
O início da preocupação acerca do sofrimento psíquico do trabalhador é
relativamente recente. Dejours (2001) refere que esta questão ganhou amplitude nos
movimentos sociais de 1968, na França. Ainda assim, houve dificuldades para o
desenvolvimento de pesquisas no campo do sofrimento psíquico, devido a
resistências dos sindicatos e da condenação da esquerda que entendiam a análise
da subjetividade como sendo,
...mero reflexo fictício e insignificante do subjetivismo e do idealismo. Tidas
como antimaterialistas, tais preocupações com a saúde mental tolheriam a
mobilização coletiva e a consciência de classe, favorecendo um
‘egocentrismo pequeno-burguês’ de natureza essencialmente reacionária.
(DEJOURS, 2001, p. 38).
Posteriormente, nos anos 80, com o desenvolvimento de novas concepções
e métodos de gestão em recursos humanos, possibilitaram a introdução da
subjetividade ao sentido do trabalho e novos conceitos como: cultura empresarial,
projeto institucional, mobilização organizacional, etc., permitiram a inserção da
pesquisa relacionada ao sofrimento e ao prazer no trabalho.
Com este novo conceito de recursos humanos, encontrou-se espaço para o
estudo da “interrelação entre o trabalho e os processos Saúde/Doença cuja
dinâmica se inscreve mais marcadamente nos fenômenos mentais, mesmo quando
19
sua natureza seja eminentemente social.” (SELIGMANN-SILVA, 1994, p.51). Assim,
surgiu espaço para a discussão sobre a saúde mental e trabalho.
A Psicodinâmica do Trabalho, que tem como principal pesquisador o francês
Christophe Dejours, procura evidenciar as formas de expressão de sofrimento e
prazer oriundos da inserção do sujeito no mundo do trabalho. Dejours (1994) propõe
uma análise no que diz respeito à necessidade de se situar a relação entre saúde
mental e trabalho dentro daquilo que a especifica como relação social. Dejours
(2001), aponta, ainda, que o eixo de análise deve ser deslocado da loucura para a
normalidade, pois a maioria dos trabalhadores, apesar das pressões que enfrentam
no trabalho, não descompensam psiquicamente.
Atualmente, menciona Tittoni (2002), a abordagem da saúde mental em
conjunto com a problemática da saúde do trabalhador, propõe uma redefinição do
conceito de saúde mental: o trabalho aparece como fator constitutivo de
adoecimento e de saúde mental, aproximando assim a temática da subjetividade, em
que a saúde passa a ser percebida como um movimento dos trabalhadores em
direção a melhores condições para viver e trabalhar, e não como um modelo a ser
seguido.
1.1.2 Níveis do trabalho
Sabendo-se que a subjetividade é estruturada na relação com o outro, sendo,
portanto, uma relação intersubjetiva, Jardim (2001) analisa o trabalho sobre quatro
níveis: sociocultural, subjetivo, biológico e político referindo que tais níveis não são
20
excludentes entre si, mas são essenciais para o entendimento integrado da relação
saúde e trabalho.
No nível sociocultural, o trabalho é percebido como um lugar de convivência,
como mediador de vinculação social, onde são estabelecidas relações de
solidariedade, de coletivos de trabalho, bem como de criação de valores e bens
compartilhados ou não, obtendo-se assim o prazer no trabalho. O sofrimento no
trabalho só é gerado, pois, de algum modo, é um lugar marcado para dar prazer,
ou seja, satisfação. Portanto a satisfação com o trabalho faz parte da dinâmica do
trabalho. O trabalho no nível sociocultural garante a subsistência e a aquisição do
“status” de ser trabalhador, e ainda o reconhecimento pelos pares e pelas figuras da
hierarquia, pela comunidade e na sociedade, podendo produzir, assim, a identidade
social de quem trabalha.
Dejours (2001) também refere a importância do reconhecimento do trabalho
como sendo indispensável para a vivência de prazer, bem como para a construção
da identidade do sujeito. Reconhecimento este que dá sentido ao sofrimento vivido
durante o processo de trabalho.
Com relação ao nível subjetivo, conforme Jardim (2001), observa-se que no
trabalho há a medida do valor. Onde o trabalho e o trabalhar, como valores,
perpassam e marcam os objetos, os fatos, as idéias e os ideais, as fantasias e os
desejos que importam aos sujeitos trabalhadores. Assim, pode-se compreender a
dimensão do trabalho como produtora de subjetividade, pois a organização do
trabalho pode determinar situações de punição, desrespeito, humilhação, o que
21
pode produzir situações psiquicamente traumáticas; mas também, de satisfação e de
júbilo. E a magnitude de qualquer situação traumática advém da importância
subjetiva dos objetos, dos fatos, das idéias, etc., para cada sujeito.
Na relação do homem com o conteúdo significativo do trabalho, Dejours
(1992) considera dois componentes: o conteúdo significativo em relação ao sujeito e
o conteúdo significativo em relação ao objeto.
Durante o trabalho, muitos elementos interagem na formação da imagem de
si, isto é, do narcisismo. A qualificação do profissional, referente a formação, não é,
via de regra, suficiente em relação às aspirações, contudo, o sofrimento começa
quando a evolução desta relação é bloqueada.
No conteúdo significativo do trabalho em relação ao sujeito, perpassa a
dificuldade prática da tarefa, a significação da tarefa acabada em relação a uma
profissão, e o estatuto social ligado ao posto de trabalho determinado.
O conteúdo significativo do trabalho em relação ao objeto: a atividade
comporta uma significação narcísica e concomitantemente pode suportar
investimentos simbólicos e materiais destinados a um outro, ou seja, ao objeto. A
significação em relação ao objeto considera a vida passada e presente do sujeito,
sua vida íntima e sua história pessoal, de forma que, para cada trabalhador, esta
dialética do objeto é específica e única, conferindo complexidade ao fato de que o
essencial da significação do trabalho é subjetivo.
22
Quanto ao nível biológico do trabalho, Jardim (2001) refere-se às condições
ambientais a que o trabalhador está submetido e suas conseqüências ao bem estar
físico do sujeito. Os processos e as condições de trabalho insalubres podem gerar
riscos de acidentes e de vida, podendo ocasionar mutilações, seqüelas físicas
e morte, gerando trauma psíquico, incapacidade ou invalidez que, após o
evento, continuarão produzindo efeitos desgastantes para a saúde do
trabalhador, observando que estas questões estão relacionadas com a organização
e as condições de trabalho.
A organização do trabalho é a divisão de tarefas, o conteúdo das tarefas, o
modo de execução, o sistema hierárquico e as relações de poder. E as condições de
trabalho são:
...as pressões físicas, mecânicas, químicas e biológicas do posto de
trabalho. As pressões ligadas às condições de trabalho têm por alvo
principal o corpo dos trabalhadores, onde elas podem ocasionar desgaste,
envelhecimento e doenças somáticas. (DEJOURS E ABDOUCHELI, 1994,
p. 125)
Quanto a dimensão política do trabalho, Jardim (2001) diz respeito às
negociações da saúde, que englobam a reivindicação por melhores salários e
condições de trabalho, bem como o estabelecimento de um diagnóstico que
relaciona o trabalho como causador de doenças.
Dejours (2001) se questiona sobre o fato de o trabalho ora ser patogênico, ora
estruturante, ou seja, o trabalho pode ser fonte de prazer e de sofrimento ao sujeito,
pois as condições nas quais o trabalho é realizado pode transformá-lo em algo
penoso e doloroso, conforme relata Mendes (2002), levando ao sofrimento. Tal
23
sofrimento provém do confronto entre a subjetividade do trabalhador e as condições
sócio culturais e ambientais, bem como, a organização do trabalho.
1.2 Sofrimento e Normalidade
Para Dejours e Abdoucheli (1994) o sofrimento trata-se de uma vivência que
se articula entre a saúde e a doença, ou seja, é uma vivência intermediária
entre estas duas instâncias. E a normalidade não supõe ausência de sofrimento. A
normalidade é o resultado das diversas estratégias utilizadas pelos sujeitos para
enfrentarem as situações geradoras de sofrimento transformando-as em prazer,
mantendo a estabilização psíquica e somática. E ainda, tal sofrimento é inerente ao
mundo do trabalho, isto é, ao encontro de um sujeito, com sua trajetória individual e
singular, com uma organização do trabalho.
Identificam-se dois tipos de sofrimento: o sofrimento criativo e o sofrimento
patogênico. O sofrimento patogênico acontece quando foram explorados todos os
recursos defensivos do trabalhador, quando todas as margens de liberdade na
transformação, gestão e aperfeiçoamento da organização do trabalho já foram
utilizados, dando início à destruição e ao desequilíbrio psíquico do sujeito, e
consequentemente a doença. Isto acontece quando não há nada além das pressões
fixas e rígidas, ocasionando a repetição e a frustração, o medo, ou o sentimento
de impotência. Quando o sujeito consegue elaborar soluções originais, que possam
favorecer a sua saúde, é o sofrimento criativo. Tem-se como origem de ambos os
sofrimentos a organização do trabalho.
24
Diante das adversidades das situações de trabalho, os trabalhadores podem
desenvolver estratégias coletivas defensivas, que podem alterar a percepção que
eles têm da realidade geradora de sofrimento. Segundo Dejours e Abdoucheli
(1994), as estratégias defensivas são uma convenção do grupo que alivia a tensão,
diminuindo o desprazer e, muitas vezes, gera mais trabalho, pois estas estratégias
surgem devido às pressões organizacionais do trabalho, contra as quais são
construídas e que para funcionarem requerem a participação de todos os membros
do coletivo.
As defesas individuais são necessárias para lutar contra a doença mental e
aliviar o sofrimento, e podem ter como conseqüência a doença do corpo. Sendo
assim, o sofrimento é sempre, antes de tudo, expressado no corpo, engajado no
mundo e nas relações com o outro, menciona Dejours (1999). As condições
oferecidas pela organização do trabalho podem possibilitar ao trabalhador uma
posição psicológica penosa, entrando em conflito com os valores do trabalho bem
feito, o senso de responsabilidade e a ética profissional.
Beck (2001) coloca que o enfrentamento das dificuldades oriundas da
organização do trabalho e também do próprio trabalhador, pode auxiliá-lo a realizar
o seu trabalho com mais prazer, visualizando-o como uma possibilidade de
construção e reconstrução de si mesmos.
Dejours e Abdoucheli (1994) reafirmam este posicionamento quando colocam
que um trabalho que permite a diminuição da carga psíquica é equilibrante, e
referem que o trabalho pode tornar-se perigoso para o aparelho psíquico quando ele
25
opõe-se a sua livre atividade. No entanto, o bem-estar, em matéria de carga
psíquica, não advém só da ausência de funcionamento, mas, pelo contrário, de um
livre funcionamento. O prazer do trabalho resulta da descarga de energia psíquica
que a tarefa autoriza, o que corresponde a uma diminuição da carga psíquica. O
sofrimento adquire sentido quando os trabalhadores investem esforços para lutar
contra o sofrimento, enfrentando as dificuldades e as adversidades das situações de
trabalho, tornando-se um desafio. É a criatividade a responsável por esse sentido,
oferecendo identidade e reconhecimento ao trabalhador.
Por outro lado, quando o rearranjo do trabalho não é possível e a relação do
trabalhador com a organização do trabalho é bloqueada, o sofrimento começa, pois
a energia que não é descarregada no exercício do trabalho é acumulada no
aparelho psíquico ocasionando um sentimento de desprazer e tensão.
O trabalhador se experimenta e se transforma através das descobertas,
recorrendo à inteligência prática ou astuciosa, a qual é descrita por Dejours (1997)
como a inteligência que é mobilizada frente ao real do trabalho, aquilo que emerge
por sua resistência ao domínio dos saberes e do conhecimento disponível. Esta
inteligência é utilizada diante de situações inéditas, do imprevisto e frente a
situações móveis, e está vinculada aos processos psíquicos utilizados pelos
trabalhadores na construção de macetes das regras de ofício que transgridem e
subvertem as normas prescritas pela organização do trabalho.
São necessárias algumas condições para a utilização da inteligência
astuciosa, segundo Dejours e Abdoucheli (1994). Os requisitos individuais dizem
26
respeito à curiosidade do sujeito mobilizada pelo trabalho. Para que esta curiosidade
seja acionada pelo encontro com a situação de trabalho, a tarefa deve fazer sentido
para o sujeito, considerando sua história singular. Esta curiosidade é herdeira do
conflito edípico descrito pela teoria psicanalítica de Freud que descreve o processo
que as crianças perpassam sobre a curiosidade referente a sexualidade. Quando
este processo transcorre com sucesso surge a curiosidade dirigida para outros
objetos, pois ocorreu um deslocamento de interesse e de energia para o que era
destinado à sexualidade para outros interesses, dando origem ao prazer de
pesquisar, estudar, trabalhar, etc.
Os requisitos sociais para a utilização da inteligência astuciosa referem-se às
regras de ofício e os macetes necessitam ser validados no campo social. Através do
reconhecimento dos superiores hierárquicos comprova-se a utilidade do que foi
criado para a organização do trabalho. Outros requisitos são a organização real e o
prescrito do trabalho, pois deve haver um espaço de liberdade entre a organização
prescrita e real do trabalho, onde o trabalhador possa exercitar a inteligência
astuciosa.
1.3 O Hospital
A origem do termo hospital vem do latim hospitalis, decorrente de hospes
(hóspede, estrangeiro, viajante) e, ainda, o que dá agasalho, que hospeda. No início
da era cristã, segundo Mirshawka (1994), a terminologia mais usada relacionava-se
ao grego e o latim:
27
Nosocomium: lugar para tratar doentes, asilo de enfermos; Nosodochium,
lugar para receber doentes; Ptochotrophium, asilo para pobre;
Poedothophium, asilo para crianças; Xenotrophium, asilo e refúgio para
viajantes estrangeiros; Gynetrophium, hospital para mulheres;
Gerontokomium, asilo para velhos; Hospitium, lugar onde os hóspedes eram
recebidos.(p.16).
Segundo Ribeiro (1993) é impossível encontrar uma única origem para o
hospital, pois sua trajetória é secular e universal, surgindo simultaneamente em
vários continentes e lugares no mundo antigo. O hospital já existia na Grécia e na
Roma Antiga, onde templos eram criados para homenagear deuses e serviam de
abrigo aos pobres, velhos e enfermos. Na China, no Ceilão, no Egito, antes e depois
de Cristo há registros de hospitais.
O surgimento do hospital, segundo Foucault (1996), foi devido a necessidade
de se higienizar o meio social dos pobres, moribundos e vadios para que morressem
isolados, sem incomodar a sociedade. Era um lugar de internamento onde se
misturavam doentes, loucos, devassos, prostitutas, como uma espécie de
instrumento de exclusão, assistência e transformação espiritual. O hospital era
administrado por religiosos e leigos que buscavam a sua própria salvação
através do ato de caridade, portanto não contava com a presença do médico.
O personagem central do hospital até o século XVIII não era o doente que
necessitava ser curado, mas o pobre que estava morrendo, segundo Pitta (1994).
Somente a partir do tecnicismo científico, o hospital transforma-se em local de cura,
quando se dá a organização do conhecimento médico-clínico. Na segunda metade
do século XIX, na Inglaterra, é que outras camadas da sociedade passaram a
compor a clientela dos hospitais.
28
Assim, inicia-se uma preocupação com as condições insalubres dos hospitais,
devido a sujeira, a promiscuidade e a superlotação contribuíam para o contágio e o
aumento dos índices de doenças. O hospital passa a executar ações terapêuticas
efetivas e potencialmente eficazes junto aos doentes.
O hospital passa a ter uma função importante na recuperação dos enfermos,
necessitando de trabalhadores qualificados. Na segunda metade do século XIX, na
Inglaterra, surgiu o processo de profissionalização da enfermagem com Florence
Nightingale, introduzindo a idéia de que esta profissão tinha uma característica
diferente da medicina.
Após ter retornado da Guerra da Criméia, onde era voluntária na
assistência aos soldados ingleses, Florence Nightingale fundou no ano de 1860 no
Saint Thomas Hospital, em Londres, a primeira escola de formação para
enfermeiras, segundo Rocha (1994).
Contudo, foi a partir da segunda metade do século XX que o hospital adquiriu
suas características contemporâneas, com a produção industrial dos quimioterápicos
e de novos equipamentos. Ribeiro (1993) diz que apesar do hospital se fazer uma
instituição diferente em cada tempo, cultura e sociedade nos quais foi instalado,
ainda pode se identificar elementos comuns como: a sala cirúrgica, o laboratório de
patologia, a enfermaria e o quarto de hospital, os serviços de diagnóstico, a
administração, a equipe médica, etc.
29
Ribeiro (1993) aponta que o hospital também é uma empresa, onde o trabalho
é vendido e, deste modo, ele reproduz o capital, pois realiza uma atividade
econômica, em que o capital se multiplica direta ou indiretamente. A necessidade do
uso de tecnologias implicam em investimentos e custos elevados, cujo retorno se faz
necessário e obrigatório no hospital.
Em conformidade com esta questão, Gonçalves (1987) aponta a expansão do
papel do hospital na sociedade contemporânea, pois hoje os hospitais são
organizações complexas, utilizando-se de tecnologia sofisticada e necessitam
acompanhar às exigências de um meio ambiente em constante mudança e Pitta
(1994) menciona que o hospital é o local onde pode-se encontrar as maiores marcas
do avanço tecnológico e científico.
Apesar do avanço tecnológico, ainda podemos encontrar no hospital
características de aspectos mágicos e sacerdotais, pois perpassa o cotidiano dos
trabalhadores a possibilidade de salvar vidas. Salvar remete-nos a ordem do divino.
Todo o aparato tecnológico a disposição, o principal objetivo é adiar a morte o
máximo possível. Pitta (1994) coloca que a morte foi propriedade do homem por
milênios, e hoje foi direcionada para o hospital, onde os cuidadores são os
responsáveis por esta sina, a de acompanhar o processo de morrer dos que aí são
internados, porque o homem moderno tem horror de adoecer e de morrer e procura
adiar o momento da morte. Ribeiro (1993) também contribui com esta questão
referindo que o que era uma cerimônia, tornou-se um processo tecnológico,
necessitando da intervenção médica.
30
Tornando, assim, o processo de cuidar do doente uma mercadoria, Ribeiro
(1993) salienta que a matéria prima do hospital é humana, o trabalho aí realizado é
feito por mãos humanas contudo necessita ser remunerado, ocorrendo assim uma
relação capitalista. Antes o que era feito por aqueles que estavam em busca de
salvação, hoje é realizado por aqueles que buscam um meio de sobrevivência.
1.4 O Trabalho no hospital
No ambiente hospitalar, as adversidades são inúmeras: a dor, o sofrimento e
a constatação da finitude humana, observada pela doença e pela morte, o
profissional da saúde se confronta com outros aspectos descritos por Silva (1998),
que também podem originar sofrimento psíquico, tais como a estrutura hierárquica
centralizadora que acaba impossibilitando a ação criativa, gerando conflito entre o
ideal e o possível, competição entre as especialidades das áreas e a existência de
corporativismos, onde a divisão do trabalho assume características tayloristas ( o
cuidado passa a ter um caráter de mercadoria e surge um conflito em relação a
dedicação e afeto dispensados para o paciente, já que estes são mediados pelo
salário), falta de comunicação entre as equipes e familiares.
Beck (2001) coloca que no ambiente hospitalar se concentram riscos em
todos os lados, sejam relacionados ao paciente, sejam sob a forma de inabilidade
dos profissionais no relacionamento com os pacientes. Por outro lado, o avanço
tecnológico e a exigência da utilização da tecnologia em unidades críticas para a
manutenção da vida do paciente, tem contribuído para a emergência de efeitos nos
31
trabalhadores, familiares e pacientes, inclusive sobre os modos de enfrentamento do
sofrimento.
A reflexão sobre o processo de trabalho em unidades críticas não pode
acontecer sem que o cotidiano destes trabalhadores seja trazido à tona, pois as
situações experienciadas, seja pela densidade do trabalho, seja pela
responsabilidade contínua que ele gera, não se esvaem quando o trabalho termina.
Assim, as conseqüências podem ser mais duradouras pela implicação cotidiana dos
trabalhadores com o sofrimento e a dor em suas formas extremas, todos estes
carregados de significados potentes.
Em uma unidade crítica de trabalho que exige do profissional ação rápida e
eficiente diante de alterações do quadro do paciente, como a Unidade Pós-
Operatória e a Emergência, o paciente encontra-se em risco iminente de morte,
sendo que, neste sentido, a assistência ao paciente com este tipo de demanda
assume características específicas em relação a necessidade de intervenções mais
complexas, exigindo assistência de saúde ininterrupta e atenção constante, em
função das alterações súbitas no quadro clínico do paciente, o que implica em
intervenções imediatas e eficazes por parte da equipe, refere Beck (2001).
Trabalhar com pacientes em unidades críticas envolve a imprevisibilidade, a
complexidade, a satisfação intermitente de decisões rápidas e precisas por parte do
profissional destaca-se a intensa relação deste profissional com as questões
relacionadas ao processo de morte e morrer, traduzidas por um cotidiano de trabalho
32
permeado por vivências ligadas à dor, sofrimento, impotência, angústia, medo,
desesperança, desamparo e perdas de diversos tipos.
Assim como a dor, o sofrimento e a morte estão presentes como
“companheiros de jornada”, conforme descreve Beck (2001), e por serem
imprevisíveis, os trabalhadores não têm tempo para se preparem, ou seja, no
trabalho em unidade crítica, a situação de risco iminente de morte está sempre
presente.
A satisfação e a insatisfação podem estar presentes no cotidiano dos
trabalhadores, como resultado desses eventos, sendo elementos importantes a
serem considerados quando se fala de qualidade de vida no trabalho. Por outro lado,
as características do trabalho de enfermagem predispõem à utilização de
mecanismos de defesa, de resistência ou de enfrentamento, com os quais os
trabalhadores buscam alcançar um relativo equilíbrio e o desenvolvimento do
trabalho propriamente dito, Beck (2001).
Segundo Pitta (1994), a morte na Idade Média era entendida como algo
natural e percebida espontaneamente ou informada para outros de forma natural. As
doenças acometiam os homens sem grandes intervenções, acostumando os corpos
a um desfecho natural.
Assim, na Idade Média, a morte encontrava-se nas salas de visitas; hoje, ela
se esconde nos hospitais, nas unidades de tratamento intensivo, nas emergências
onde o homem diante da dor, do sofrimento e morte busca negá-los como um fim
33
inevitável do percurso da vida humana, tentando prolongar esta até não mais
poder, utilizando-se de todos os dispositivos disponíveis nos hospitais, afastando
desta forma a morte do convívio social, reforçando-lhe o caráter de presença
incômoda.
Os homens vendem a sua força de trabalho para administrar estes
incômodos, construindo histórias e, socialmente, um processo de trabalho onde o
poder e a técnica se encarregam de diluir o impacto e o sentimento de impotência
desconcertante, Pitta (1994).
A diferença fundamental entre a forma de lidar com a doença e a morte do
homem medieval e do homem moderno é a absoluta dissociação que se estabelece
hoje entre a vida, sua enfermidade, a naturalidade do adoecer e a fatalidade de
morrer, pois a morte não é mais vista como um limite natural para o sofrimento
humano.
Diante deste cenário, a dor, o sofrimento e a morte são controladas, segundo
Pitta (1994) por guardiões nem sempre esclarecidos de sua penosa e socialmente
determinada missão: o trabalhador de saúde. Cabe aos trabalhadores de saúde
produzirem um equilíbrio entre a vida e a morte, entre saúde e doença, entre
cura e óbito que tende a transcender suas impossibilidades pessoais de
administrar o trágico.
Osório (2003) refere que os cuidadores, ou seja, os profissionais da área da
saúde, ao fornecerem os cuidados ao paciente, promovendo o bem-estar físico,
34
psicológico e social, acabam adotando uma postura que vai além de suas
competências técnicas de lidar com o sofrimento que acompanha a perda da saúde,
exercendo suas atividades na fronteira entre a vida e a morte, o que acaba
ocasionando uma sobrecarga emocional diária, também evidenciada a partir das
relações com equipe de trabalho e pelo contexto institucional em que atuam.
Para se compreender os sentimentos dos profissionais da área da saúde,
Pitta (1994) diz que é necessário compreender o cotidiano do trabalho hospitalar
com as cargas de tensão e conflito, a mobilizar os sujeitos que se situam nos limites
geográficos desta atividade humana, onde as tarefas dos auxiliares e técnicos de
enfermagem são as mais exigentes, repetitivas e social e financeiramente pouco
valorizadas.
Estes profissionais convivem mais tempo com os enfermos, os acompanham
diariamente durante o período de permanência no hospital, anotando com detalhes
suas reações, cumprindo toda a estratégia de vigiar a vida e a morte dos internados.
Necessitam, ainda, conter e administrar os problemas emocionais provocados pelos
doentes e sua doença e toda a rede de relações sociais que a eles se vinculam.
O profissional de saúde
... além das ações e procedimentos técnicos ligados a sua área específica,
estabelece sempre, com as pessoas que atende, relações interpessoais.
Seu trabalho depende portanto da qualidade técnica e da qualidade
interacional. (NOGUEIRA-MARTINS, 2001, p.7)
a qual mostra-se complexa, na medida em que o profissional da assistência de
enfermagem necessita identificar o contexto pessoal, familiar e social onde o
35
cliente está inserido, bem como observar as necessidades pessoais e sociais
deste, a fim de que possa atender às necessidades do paciente de forma efetiva.
Além da existência de um constante movimento identificatório dos profissionais com
as pessoas que atendem.
A subjetividade do trabalhador manifesta-se, também, menciona Beck (2001),
em situações próprias da unidade crítica e que se relacionam à morte dos pacientes,
a gravidade da doença, ao sofrimento da pessoa que se percebe morrendo e de
seus familiares, bem como a associação que o profissional faz desse momento com
outros já vividos. Esses fatores fazem com que a complexidade do trabalho seja
potencializada, exigindo dos trabalhadores um modo particular de enfrentamento
destas situações, tornando esta experiência especial e intensa para cada indivíduo.
Pitta (1994) coloca que sentimentos como depressão e ansiedade de doentes
e familiares são naturalmente projetados nos trabalhadores que os atendem,
levando estes a se identificarem com tais sentimentos. Além destes profissionais se
depararem com a possibilidade de também adoecerem, percebendo assim a sua
própria finitude, tendendo a usar mecanismos de defesa a fim de evitar o sofrimento
suscitado.
Conforme coloca Sebastiani (2002), o estresse e a pressão emocional aos
quais estão submetidos os profissionais de saúde estão fora de seu controle,
impondo-lhes inúmeros prejuízos que, por sua vez, podem ser repassados aos
pacientes à medida que sua concentração, capacidade de decisão, limiar de
36
irritabilidade, raciocínio, reflexos, serenidade, sensibilidade, etc; encontram-se
bastante comprometidos.
Além do óbito inesperado, a inexistência de leitos para atender pacientes
graves que possuem poucas chances de sobreviver se não receberem assistência
intensiva, contribuem para evidenciar ao trabalhador de saúde sua incapacidade de
manter o outro vivo, mobilizando muitos sentimentos, dentre eles a impotência, a
tristeza, a ira, a perda do controle da situação, Beck (2001). Além do sofrimento da
equipe de assistência de enfermagem está vinculado a aspectos que não dependem
deles, carência econômica dos pacientes, falta de material, dentre tantos outros.
Eles tendem a assumir esses problemas como unicamente seus, sobrecarregando-
se de responsabilidades que deveriam ser compartilhadas no seu cotidiano com a
instituição e com os demais trabalhadores.
Além de suas questões internas, o profissional da saúde ainda lida com as
expectativas e fantasias da cultura, dos familiares e do paciente, podendo aumentar
ainda mais as pressões internas e externas. Beck (2001) relata que a família
participa do processo de internação com um nível elevado de angústia e medo do
desconhecido. Encontrando-se fragilizada e pode reverter este sofrimento em
atitudes agressivas ou hostis, o que requer da enfermagem compreensão, bem
como manejo firme mas afetivo, compreensivo e comprometido. Isso exige ainda
mais dispêndio de energia destes profissionais.
Valorizar e reconhecer o trabalho destes profissionais se faz necessário,
pois é uma forma de encontrar prazer e satisfação com sua obra, realçando suas
37
potencialidades enquanto ser humano, conforme Beck (2001). Esses componentes,
junto à evolução histórica da profissão e o contexto sócio-político em que se
encontra a saúde na atualidade, estruturam o papel social estabelecido aos
trabalhadores de enfermagem, sendo que o cumprimento do mesmo, com a
conseqüente aprovação e aceitação da sociedade, possibilita um sentimento de
pertencimento imprescindível a todos os trabalhadores de uma maneira geral.
Dejours (2001) coloca que o reconhecimento é condição indispensável na
dinâmica de mobilização subjetiva da inteligência e da personalidade no trabalho,
contribuindo na possibilidade de transformar o sofrimento em prazer, pois o
reconhecimento dá sentido ao sofrimento, e, ainda, o reconhecimento do trabalho
pode ser reconduzido pelo sujeito ao plano da construção de sua identidade.
A importância da instauração de uma ética se faz necessária. Nesta são
estabelecidos alicerces de confiança recíproca e o fortalecimento da identidade
através do reconhecimento de todos os sujeitos do trabalho, respeitados em suas
capacidades e sentimentos, segundo Dejours e Abdoucheli (1994). Sem este
processo não poderá haver a construção de um sentido do trabalho na vida mental
do trabalhador. E sem esse sentido, será impossível a mobilização conjunta de
sentimentos de inteligência para a sublimação
1
e para a criatividade.
1
Sublimação é o processo que foi postulado por Freud para explicar as atividades humanas sem
qualquer relação aparente com a sexualidade, mas que encontrariam o seu elemento propulsor na
força da pulsão sexual. Freud descreveu como atividades de sublimação principalmente a atividade
artística e a investigação intelectual. Diz-se que a pulsão é sublimada na medida em que é
direcionada para um novo objetivo não sexual e em que visa objetivos socialmente valorizados.
(LAPLANCHE e PONTALIS, 1992).
38
Do reconhecimento depende o sentido do sofrimento. Assim, quando a
qualidade do trabalho desenvolvido pelos sujeitos é reconhecida, também seus
esforços, angústias, decepções e desânimos adquirem sentido. De modo que o
sofrimento passa a ter um papel importante, contribuindo para a transformação e
evolução do sujeito. Assim, Dejours (2001) afirma que este reconhecimento pode ser
reconduzido pelo sujeito ao plano da construção da identidade, inscrevendo-se na
dinâmica da realização do ego.
Merlo (2002) refere que o trabalho necessita proporcionar condições psíquicas
adequadas para a sublimação, a fim de que o sujeito jogue com o seu desejo de
entender a realidade. O trabalho necessita apresentar algo de enigmático para o
sujeito, mobilizando assim a sua curiosidade, a qual será recompensada pela
compreensão obtida. Essa compreensão provocará uma diminuição no sofrimento e
possibilitará que a sublimação aconteça.
Dessa forma, Pitta (1994) em seu estudo sobre as vicissitudes do trabalho
hospitalar coloca que o reconhecimento social do trabalho realizado por estes
profissionais é uma via possível para que ocorra a sublimação das pulsões e,
consequentemente, para que haja a obtenção do prazer na atividade profissional.
A possibilidade que o cuidador tem de promover o alívio do sofrimento do
outro, pode significar a reposição de energias, a busca de equilíbrio e bem-estar.
Para Beck (2001), essa situação possibilita outros ganhos como o aprendizado que
estas experiências podem proporcionar ao trabalhador, a admiração pelos demais
colegas por ele ter coragem de trabalhar em unidades que têm um processo de
39
trabalho extenuante, o que lhe confere “status” diferenciado dos demais
trabalhadores do hospital. Isso também pode ser identificado e manifestado pelos
pacientes e seus familiares, o que confere uma das situações mais importantes para
o trabalhador, que é o reconhecimento e a valorização.
Pitta (1994) ressalta que a generosidade dos que tratam versus a gratidão
dos tratados e suas famílias constitui uma troca simbólica que se materializa e
modifica através dos tempos e das mudanças concretas, das regras gerais de
produção da sociedade.
40
2. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
Entendendo que as relações de trabalho são sempre dinâmicas, optou-se por
um método qualitativo de pesquisa para a realização desta, pois a pesquisa
qualitativa é essencialmente descritiva e de acordo com Minayo (2002), responde a
questões muito particulares, preocupando-se com um nível de realidade que não
pode ser quantificado, ou seja, ela trabalha com o universo de significados, motivos,
aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço mais
profundo das relações, dos processos e dos fenômenos que não podem ser
reduzidos à operacionalização de variáveis. Trabalha-se com a vivência, com a
experiência, com a cotidianidade e também com a compreensão das estruturas e
instituições como resultados da ação humana objetivada. Assim, a linguagem, as
práticas e as coisas são inseparáveis.
Com esta pesquisa, não se buscou generalizar os resultados, mas sim
compreender a realidade que os auxiliares e técnicos de enfermagem enfrentam e
como esta interfere na saúde psíquica destes trabalhadores.
41
2.1 Percurso para a pesquisa
Hoje sou psicóloga, vinculada ao setor de Recursos Humanos do Instituto de
Cardiologia do Rio Grande do Sul – Fundação Universitária de Cardiologia onde foi
realizada esta pesquisa. Minha trajetória neste hospital iniciou-se com meu estágio
curricular de psicologia organizacional, durante minha graduação, onde tive o
primeiro contato com a realidade hospitalar. Desde então, questionava-me sobre
como estes trabalhadores suportavam conviver diariamente com a responsabilidade
de cuidar do processo de cura e de morte dos pacientes. Como mantinham, ou não,
o equilíbrio psíquico necessário. O que acontecia neste processo de saúde ou
adoecimento psíquico.
De forma empírica, observava no cotidiano que muitos sentiam-se realizados
com o que faziam e outros adoeciam, necessitando afastar-se do trabalho.
Após o estágio, fui contratada e os questionamentos continuavam. Fui em
busca de uma Especialização em Saúde e Trabalho, realizada no CEDOP – Centro
de Documentação, Pesquisa e Formação em Saúde e Trabalho, na UFRGS.
Realizei, então, uma pesquisa
2
cujo objetivo era identificar as vivências
geradoras de prazer e de sofrimento psíquico dos auxiliares e técnicos de
enfermagem que trabalhavam em emergência cardiológica, onde evidenciou-se as
vivências de prazer no trabalho estarem relacionadas ao reconhecimento do
trabalho realizado, tanto por parte da chefia quanto do paciente, bem como as
2
MACHADO, Aline Gonçalves e SPERRY, Larissa. Um estudo exploratório sobre o prazer e o sofrimento
psíquico dos auxiliares e técnicos de enfermagem que trabalham em uma emergência cardiológica em
Porto Alegre – RS. Porto Alegre: UFRGS, 2003. Monografia (Especialização em Saúde e Trabalho), Faculdade
de Medicina, Departamento de Medicina Social, Centro de Documentação, Pesquisa e Formação em
Saúde e Trabalho, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2003.
42
possibilidades de aprendizados vividas no dia-a-dia desta unidade, e, ainda, o sentir-
se satisfeito e realizado com as atividades desenvolvidas e o trabalho de equipe.
Contudo, o óbito, a superlotação, a própria convivência com a dor e o sofrimento do
paciente e de seus familiares revelaram-se vivências geradoras de sofrimento
psíquico para os sujeitos pesquisados. Porém, este resultado atendia de forma
parcial minhas inquietações, pois tenho o compromisso ético e profissional de
promover a saúde psíquica destes trabalhadores. Foi assim que surgiu o interesse
de realizar o Mestrado, na tentativa de entender de forma profunda a realidade
destes trabalhadores, a fim de buscar subsídios para uma atuação profissional
coerente e adequada com a demanda destes sujeitos.
2.2 Questão norteadora central
Quais as implicações do trabalho na saúde psíquica dos auxiliares e técnicos
de enfermagem que trabalham em unidades críticas de um hospital especializado
em cardiologia?
2.3 Objetivos da pesquisa
- Investigar a existência de uma relação entre o trabalho dos auxiliares e
técnicos de enfermagem e os processos de saúde e adoecimento psíquico destes
trabalhadores e analisar as implicações do trabalho na saúde psíquica dos auxiliares
e técnicos de enfermagem;
43
- Conhecer as experiências geradoras de prazer e sofrimento psíquico no
exercício profissional de enfermagem;
- Compreender como o ambiente e a organização de trabalho podem
influenciar na geração de prazer e sofrimento psíquico e, ainda, conhecer sintomas
entre os trabalhadores de enfermagem como indicativos de sinal de sofrimento
psíquico;
2.4 Estratégias metodológicas
Para Minayo (2002), a metodologia consiste no caminho do pensamento e a
prática exercida na abordagem da realidade. Nesse sentido, a metodologia ocupa
um lugar central no interior das teorias e está sempre referida a elas. Desta forma, a
metodologia inclui as concepções teóricas de abordagem, o conjunto de técnicas
que possibilitam a construção da realidade e a criatividade do investigador.
Esta consistiu em uma pesquisa exploratória descritiva com análise de dados
qualitativos.
Objetivando obter informações que pudessem compreender e analisar as
implicações do trabalho dos auxiliares e técnicos de enfermagem na sua saúde
psíquica, optei por duas estratégias metodológicas distintas: a pesquisa documental
e a realização de entrevistas.
44
Com a pesquisa documental, busquei descrever o trabalho prescrito dos
auxiliares e técnicos de enfermagem, apresentados no capítulo 4, para tanto foram
utilizados documentos internos elaborados pela Coordenação de Enfermagem do
hospital pesquisado e a Legislação que regulamenta a profissão do Auxiliar e do
Técnico de Enfermagem.
Com as entrevistas semi-estrutura (Apêndice 1), busquei obter informações
que pudessem contribuir para a compreensão do trabalho dos auxiliares e técnicos
de enfermagem a fim de analisar as implicações desta realidade na saúde psíquica
destes sujeitos.
A coleta de dados foi realizada nos meses de março, abril e maio de 2005, no
setor e no horário de trabalho dos funcionários que aceitaram participar da
pesquisa.
Em se tratando de pesquisa que utilizou os dados fornecidos pelos
funcionários da instituição, foi garantido a estes o sigilo das informações bem como
respeitada a sua vontade de participação ou não nesta, através do Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido, que foi disponibilizado para leitura, explicação de
eventuais dúvidas e, após, assinatura. (Apêndice 2).
Os registros das entrevistas foram realizados através de gravações em fitas
cassete, os quais foram posteriormente transcritos para a análise, sendo isto
transcrito no Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, no momento da
divulgação do estudo aos participantes. As fitas e as transcrições serão guardadas
45
pela pesquisadora pelo prazo de 5 anos, conforme orientações de Goldim (2000)
para pesquisas com seres humanos.
As informações foram utilizadas exclusivamente com a finalidade científica,
não interferindo, desta forma, na sua relação de trabalho com a instituição, o que foi
comunicado e garantido aos participantes durante a apresentação da proposta de
estudo.
Goldim (2000) refere que a avaliação dos aspectos éticos de um projeto de
pesquisa é mais do que a simples adequação à legislação e diretrizes existentes,
sendo uma busca de argumentos que justifiquem a sua realização.
Desta forma, o projeto de pesquisa foi submetido à apreciação do Comitê de
Ética em Pesquisa do Instituto de Cardiologia, sendo aprovado na reunião do dia 19
de janeiro de 2005, conforme anexo A.
2.5 Sujeitos do Estudo
Os sujeitos de pesquisa foram os auxiliares e técnicos de enfermagem que
atuam na Unidade Pós-Operatória (UPO) e na Emergência do referido hospital,
considerando que auxiliares e técnicos de enfermagem realizam as mesmas tarefas,
totalizando 17 funcionários entrevistados. Este número foi demarcado pelo critério de
saturação, pois observei que nas últimas entrevistas não se evidenciavam outros
elementos que já não tivessem sido abordados e apontados por entrevistados
anteriores. Não havia a intenção de escolher uma “amostra” estatisticamente
46
significativa, já que a metodologia escolhida foi a qualitativa, mas sim construir um
conjunto de entrevistas que pudessem reunir material suficiente para análise.
O critério de escolha para a entrevista foi através de sorteio, a fim de qualquer
funcionário ter potencial para participar da pesquisa, de forma aleatória. A
pesquisadora sorteou os nomes e fez contato com a enfermeira da unidade daquele
turno, verificando a possibilidade de se deslocar até a unidade e realizar a entrevista
com o funcionário sorteado. Diante desta autorização, a pesquisadora se dirigia até
a unidade e convidava o funcionário para a participação da pesquisa através de uma
entrevista.
Quando o funcionário se recusava a participar, a pesquisadora agradecia e
realizava novo sorteio. Os 17 participantes estão assim distribuídos por unidade e
horário de trabalho:
Quadro 1: Distribuição dos participantes do estudo por turno e unidade de trabalho
UPO EMERGÊNCIA
Manhã
1 4
Tarde
4 2
Noite
4 2
Segue a descrição dos 17 funcionários que aceitaram participar da pesquisa.
A descrição consiste em um nome fictício objetivando manter o sigilo da identidade
destes sujeitos, cargo ocupado, tempo de trabalho no Instituto de Cardiologia e
idade, os nomes fictícios serão mantidos na análise dos dados no capítulo 5.
47
Quadro 2: Descrição dos participantes do estudo
NOME CARGO TEMPO DE
TRABALHO NO IC
IDADE
Alexandre Técnico de
Enfermagem
4 meses 25 anos
Beatriz Técnico de
Enfermagem
1 ano 24 anos
Rodrigo Técnico de
Enfermagem
7 anos 32 anos
Marina Técnico de
Enfermagem
3 meses 30 anos
Débora Técnico de
Enfermagem
2 anos 23 anos
Marta Auxiliar de
Enfermagem
11 anos 51 anos
Noeli Técnico de
Enfermagem
15 anos 53 anos
Andréia Técnico de
Enfermagem
11 anos 31 anos
Carmem Técnico de
Enfermagem
4 anos 23 anos
Sandro Técnico de
Enfermagem
2 anos 24 anos
Vanessa Auxiliar de
Enfermagem
13 anos 50 anos
Lourdes Auxiliar de
Enfermagem
6 anos 43 anos
Cristiane Técnico de
Enfermagem
7 anos 34 anos
Kelly Auxiliar de
Enfermagem
7 anos 34 anos
Tatiana Auxiliar de
Enfermagem
11 anos 48 anos
Melissa Técnico de
Enfermagem
1 ano 33 anos
Laura Técnico de
Enfermagem
4 anos 32 anos
2.7 Análise do material
Para a tarefa de analisar e interpretar os dados obtidos através das
entrevistas com os sujeitos desta pesquisa utilizou-se a técnica de Análise de
48
Conteúdo de Bardin (1977), cujo objetivo é compreender criticamente o sentido das
comunicações, seu conteúdo manifesto ou latente e as significações explícitas ou
ocultas.
Num primeiro momento, realizou-se a transcrição das entrevistas e a leitura
flutuante das mesmas, objetivando criar categorias para análise. Após diversas
leituras das entrevistas, busquei separar os depoimentos dos sujeitos em categorias:
Cuidar: prazeres e realizações; Cuidar: o reconhecimento profissional; Cuidar da dor;
A Dor do cuidador, e, O descuido com o cuidador, a fim de realizar a análise do
presente estudo que será apresentado no capítulo 5.
49
3. CENÁRIOS DA PESQUISA
Devido ao fato do hospital onde se realizou a presente pesquisa possuir
características singulares; neste capítulo se descreverá tais características,
apresentando sua história bem como suas principais atividades.
3.1 O Instituto de Cardiologia do Rio Grande do Sul – Fundação Universitária
de Cardiologia
A Fundação Universitária de Cardiologia (FUC)
3
é uma instituição de caráter
técnico-cultural, de utilidade pública, instituída por um grupo de professores da
Disciplina de Cardiologia da Faculdade Católica de Medicina de Porto Alegre em 8
de outubro de 1956.
O Instituto de Cardiologia do Rio Grande do Sul – Fundação Universitária de
3
<http://www.cardiologia.org.br/cardiologia/Templates/fuc_hist.htm>
50
Cardiologia, dentro das premissas básicas estabelecidas na sua criação, propõe-se
a atender de forma integrada o paciente portador de anomalias cardíacas em todas
as faixas etárias, desde o período pré-natal até a terceira idade.
Sua filosofia de atenção à comunidade enfatiza a prevenção, em nível
primário, mas também, reconhece a necessidade de estar preparado para a
realização do diagnóstico de todas as situações de risco cardiovascular e do
tratamento adequado, desde as cardiopatias mais simples até as mais complexas.
A atividade-fim do Instituto de Cardiologia é o atendimento cardiológico global
do cidadão, com base na busca de novos conhecimentos e na multiplicação dos
mesmos.
De acordo com seu regimento interno, são objetivos da Fundação
Universitária de Cardiologia:
a) Desenvolver o ensino em Cardiologia clínica e cirúrgica;
b) Aprimorar a assistência ao cardiopata;
c) Incentivar estudos e pesquisas no domínio da Cardiologia clínica e
cirúrgica;
d) Aperfeiçoar a terapêutica cardiovascular clínica e cirúrgica;
e) Organizar e manter um centro de informações de pré e pós graduação em
clínica e cirurgia cardiovascular infantil e de adultos;
f) Conceder bolsas de estudo aos interessados em estudar Cardiologia
clínica e cirúrgica;
51
g) Realizar cursos, palestras, reuniões, simpósios, etc. sobre assuntos
realizados com a Cardiologia clínica e cirúrgica.
Um ano após a criação da Fundação Universitária de Cardiologia, mediante
um acordo celebrado com a Secretaria da Saúde e Meio Ambiente do Rio Grande
do Sul, passou a administrar o Instituto de Cardiologia do Estado, com sede a Av.
Princesa Isabel, 395, em Porto Alegre.
A Fundação Universitária de Cardiologia é administrada por um Conselho
Diretor e uma Diretoria e suas atividades operacionais são desenvolvidas por quatro
unidades:
- Assistência Médica;
- Ensino;
- Pesquisa;
- Administração.
A Unidade de Assistência Médica presta atendimento amplo e geral aos
portadores de cardiopatias.
A Unidade de Administração compete a gerência das atividades da Fundação,
com vistas da maior eficácia da mesma.
52
3.2 Perfil da Instituição
Criado para proporcionar ao paciente portador de anomalias cardíacas,
atendimento cardiológico global em todas as faixas etárias, o Instituto de Cardiologia
é o único hospital gaúcho totalmente voltado à assistência, ensino e pesquisa em
doenças cardiovasculares.
Instituto de Cardiologia dispõe de 290 leitos e conta com 1144 funcionários.
Em 2005 foram realizadas:
Quadro 3: Número de atendimentos no hospital no ano de 2005
Tipo de Atendimento Quantidade
Ambulatorial 86.643
De emergência 48.679
Internações 8.403
Cirurgias 2.588
Procedimentos hemodinâmicos 18.374
Exames laboratoriais 593.154
Exames radiológicos e angiográficos 34.133
Ecocardiogramas e ergometrias 20.350
Eletrocardiogramas 83.738
Exames na Unidade Fetal 8.972
3.2.1 Serviços
- Ambulatório;
- Cardiologia Fetal:
53
- Cirurgias Cardíacas;
- Centros de Tratamentos Intensivo Adulto e Pediátrico;
- Ecografia Geral;
- Emergência 24 horas;
- Holter – Eletrocardiograma Digital;
- Internação clínica e cirúrgica;
- Laboratório de Análises Clínicas;
- Laboratório de Eletrofisiologia:
- Laboratório de Hemodinâmica e Cardiologia Intervencionista:
- Medicina Nuclear:
- Métodos Gráficos:
- Monitorização da Pressão Arterial – MAPA;
- Radiologia;
- Radiologia Vascular (Arteriografia);
- Serviço de Fisioterapia;
- Tilt Test (Diagnóstico de Síncope);
- Tomografia Computadorizada Espiral.
3.3 Ensino e Pesquisa
A Unidade de Ensino está dedicada a organizar, promover e implementar as
atividades de ensino em nível de Graduação e Especialização em Cardiologia.
A Unidade de Pesquisa tem por finalidade o fomento à investigação
cardiológica, geração de novos conhecimentos, divulgação regional, nacional e
54
internacional da produção técnico-científica, busca de recursos junto às agências
financiadoras e fornecimento de infra-estrutura essencial para as atividades de
pesquisa básica e aplicada.
Desenvolve-se paralelamente às unidades o Curso de Pós-Graduação em
Medicina: Cardiologia, nos níveis de Mestrado e Doutorado, credenciado pelo
CAPES – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior.
Desde que foi criada a Fundação Universitária de Cardiologia, há 39 anos,
mais de 400 médicos realizaram sua residência médica na Instituição.
A Fundação Universitária de Cardiologia conta com a Escola
Profissionalizante, oferecendo os cursos de Técnico de Enfermagem, Técnico de
Radiologia e Técnico de Nutrição. Oferece também o curso complementar de
Técnico de Enfermagem para Auxiliares de Enfermagem, oportunizando, através de
bolsas gratuitas aos seus funcionários, a possibilidade de complementarem sua
formação, capacitando-se para a troca de cargo.
E a partir de 2005 conta com a Residência também em: Enfermagem,
Fisioterapia, Nutrição e Psicologia.
55
4. CONHECENDO O TRABALHO DO CUIDADOR
A fim de conhecer o trabalho do auxiliar e do técnico de enfermagem, neste
capítulo será descrito o trabalho prescrito destes profissionais, tendo como base o
Regimento Interno do Serviço de Enfermagem do Instituto de Cardiologia do Rio
Grande do Sul e a Lei nº 7.498 que regulamenta o trabalho desta categoria.
4.1 O trabalho do cuidador
Segundo a Lei nº 7.498, Art. 2º, parágrafo único “A enfermagem é exercida
privativamente pelo Enfermeiro, pelo Técnico de Enfermagem, pelo Auxiliar de
Enfermagem e pela Parteira, respeitando os respectivos graus de habilitação.”
(BRASIL, 1986).
E ainda, segundo a mesma Lei, Art. 7º “ São Técnicos de Enfermagem: I – O
titular do diploma ou do certificado de Técnico de Enfermagem, expedido de acordo
com a legislação e registrado pelo órgão competente.” (BRASIL, 1986). E Art. 8º
“São Auxiliares de Enfermagem: I – o titular do certificado de Auxiliar de
56
Enfermagem conferido por instituição de ensino, nos termos da Lei e registrado no
órgão competente.” (BRASIL, 1986).
A Lei nº 7.498 regulamenta:
Art. 12 – O Técnico de enfermagem exerce a atividade de nível
médio, envolvendo orientação e acompanhamento do trabalho de
enfermagem em grau auxiliar, e participação do planejamento da
assistência de enfermagem, cabendo-lhe especialmente:
a) participar da programação da assistência de enfermagem;
b) executar ações assistencias de enfermagem, exceto as privativas do
Enfermeiro, observado o dispositivo no parágrafo único do art. 11 desta
Lei;
c) participar da orientação e supervisão do trabalho de enfermagem em
grau auxiliar;
d) participar da equipe de saúde.
Art. 13 – O Auxiliar de Enfermagem exerce atividades de nível médio,
de natureza repetitiva, envolvendo serviços auxiliares de enfermagem sob
supervisão, bem como a participação em nível de execução simples, em
processos de tratamento, cabendo-lhe especificamente:
a) observar, reconhecer e descrever sinais e sintomas;
b) executar ações de tratamento simples;
c) prestar cuidados de higiene e conforto ao paciente;
d) participar da equipe de saúde.” (BRASIL, 1986).
4.1.2 O trabalho do cuidador no Instituto de Cardiologia – Fundação
Universitária de Cardiologia
Considerando os artigos da Lei nº 7.498, o Regulamento Interno do Serviço
de Enfermagem do Instituto de Cardiologia – Fundação Universitária de Cardiologia,
descreve as atividades do técnico de enfermagem e/ou auxiliar de enfermagem
4
, sob
a supervisão dos enfermeiros:
4
Desde o ano de 2000 são contratados apenas técnicos de enfermagem, porém estes realizam as
mesmas atividades dos auxiliares de enfermagem, pois esta função será extinta futuramente,
conforme informação do Conselho Regional de Enfermagem.
57
1. Preparo da unidade do paciente: material de unidade do paciente, arrumação da
cama do paciente, cabeceira do leito;
2. Higienização do paciente;
3. Controle dos sinais vitais;
4. Aprazamento da prescrição médica;
5. Assistência ao paciente Pré e Pós Operatório;
6. Aplicação de calor e frio.
7. Assistência ao paciente no Pré e Pós Operatório;
8. Instalação e cuidados gerais na oxigenioterapia;
9. Montagem e cuidados gerais em respirador artificial;
10. Montagem e cuidados gerais com bomba de infusão;
11. Montagem e cuidados gerais com equipamentos;
12. Instalação e cuidados com nebulização;
13. Alimentação oral ao paciente dependente;
14. Alimentação por sonda;
15. Remoção da sonda: nasogástrica, nasoentérica e vesical;
16. Aspiração traqueal e oral;
17. Lavado gástrico;
18. Aspiração nasogástrica;
19. Inserção de sonda retal;
20. Instalação e troca de dispositivo urinários externos;
21. Enteróclise (lavagem intestinal);
22. Troca de bolsa de colostomia;
24. Realização de teste de glicosúria;
25. Realização do teste de glicemia (HGT);
58
26. Balanço hídrico (controle de ingestas e excretas);
27. Fechamento do balance hídrico;
28. Controle e cuidados com diálise peritoneal;
29. Controle e cuidados na hemodiálise;
30. Verificação de dados antroporáticos (altura, peso, perímetro cefálico,
abdominal e torácico);
31. Cuidados e controle da pressão venosa arterial, pressão arterial média,
pressão do átrio esquerdo;
32. Cuidados e controle swan-ganz, subclávia, argaler, átrio esquerdo.;
33. Curativo pequeno;
34. Curativo médio;
35. Retirada de pontos;
36. Coleta de material para exame;
37. Preparo e instalação de antibioticoterapia;
38. Punção venosa com dispositivo simples;
39. Cuidados gerais com hemoderivados;
40. Administração de medicação: oral, endovenosa, tópica, intramuscular,
subcutânea, sublingual, ocular, nasal, retal, vaginal e por sonda;
41. Cuidados com pacientes sedados;
42. Instalação e cuidados com restrição de movimentos;
43. Acompanhamento do paciente na realização de exames;
44. Transporte do paciente;
45. Preparo do corpo pós-morte.
59
4.1.3 O trabalho na Emergência
O setor de Emergência atende pacientes clínicos e cirúrgicos em caráter de
pronto-atendimento e ou emergência (envolve risco de morte do paciente) que
procuram o Instituto de Cardiologia. A Emergência possui 11 leitos de atendimento,
sendo um desses destinado a pacientes com parada cardio-respiratória. O setor de
Emergência é divido em: 2 Prontos Atendimentos, um para o convênio SUS e o
outro para demais convênios e particulares, para atendimentos não caracterizados
como emergência conforme o estado clínico do paciente. A Emergência atende
todos os convênios, dando assistência à pacientes em situações de emergência.
O setor de Emergência (foto Apêndice 3) possui 2 salas de espera, uma para
o SUS e a outra para demais convênios e particulares, cada uma com um guichê de
atendimento para a realização do boletim de atendimento, realizado por um
funcionário do setor de internação que ali trabalha. Conta, ainda, de duas salas de
triagem, uma destinada ao atendimento do SUS e a outra demais convênios, uma
sala para a realização do eletrocardiograma, duas salas de medicação, 4
consultórios médicos para o atendimento do convênio SUS e outros 2 para demais
convênios e particulares e uma sala onde se localiza os 11 leitos de atendimento de
emergência.
A Emergência conta com uma equipe de 40 funcionários: 4 enfermeiros, 1
enfermeiro chefe, 33 técnicos/auxiliares de enfermagem, 2 secretárias de posto,
assim distribuídos:
60
Quadro 4: Distribuição da equipe de enfermagem na Emergência
Manhã Tarde Noite I Noite II
Enfermeiros 1 1 1 1
Auxiliares/Técnicos de
Enfermagem
8 8 8 8
Secretária de Posto 1 1 0 0
Existe, ainda, um enfermeiro supervisor e um técnico de enfermagem, os
quais possuem uma carga horária de 8 horas por dia, atendendo os turnos da
manhã e da tarde, de segunda a sexta-feira. Os turnos da manhã e da tarde
trabalham com uma carga horária de 6 horas por dia, seis dias por semana; e o
turno da noite trabalha 12 horas numa escala de trabalho de 12X36, ou seja:
trabalha 12 horas e descansa 36 horas. A secretária de posto realiza as atividades
administrativas da unidade: solicitação de medicação para farmácia, solicitação de
serviços ao setor de nutrição, internação, hemodinâmica, radiologia, laboratório, etc.
No ano de 2005, os registros de atendimentos desta unidade foram:
Quadro 5: Número de atendimentos na Emergência no ano de 2005
Número de
atendimentos em 2005
Pronto Atendimento 23.873
Emergência 28.520
TOTAL 52.393
Revelando uma média de 4366 atendimentos por mês.
61
O paciente que chega à unidade de Emergência realiza uma triagem com um
técnico ou auxiliar de enfermagem que verifica a temperatura corporal, pressão
arterial, pergunta ao paciente o que está sentindo e o encaminha para a realização
do exame de eletrocardiograma, realizado por uma funcionária do setor de
eletrocardiograma. Após, é encaminhado à consulta médica. O médico solicita, se
necessário, o uso de alguma medicação e a realização de algum exame adicional:
de sangue ou radiológico, os quais serão realizados na sala de medicação. Ali o
paciente aguarda o resultado dos mesmos para uma nova consulta médica onde
será finalizado o atendimento de Pronto Atendimento. O paciente pode receber alta,
ser mantido na Emergência para observação ou realização de outro procedimento,
ou ser solicitada sua internação.
Se o paciente, ao chegar para atendimento, é detectado o seu estado clínico
como sendo de emergência é encaminhado imediatamente a sala onde há os 11
leitos e atendido conforme a sua demanda, cujo desfecho pode culminar em uma
internação, encaminhamento imediato para cirurgia ou procedimento hemodinâmico.
4.1.4 O trabalho na Unidade Pós-Operatória (UPO)
A unidade de tratamento intensivo de pacientes pós-operatório adultos de
cirurgias cardíacas e transplantes (foto Apêndice 4), recebe pacientes provenientes
do centro cirúrgico, onde são realizados em média 220 cirurgias por mês. O paciente
permanece internado a cerca de 48 horas, tendo alta para as unidades de
62
internação, exceto pacientes com complicação no trans ou pós operatório que
permanecem por tempo indeterminado, até a sua estabilidade clínica.
O setor UPO possui 18 leitos, sendo 2 para pacientes transplantados,
mantidos em isolamento, contando com 67 funcionários assim distribuídos:
Quadro 6: Distribuição da equipe de enfermagem na UPO
Possui, uma enfermeira supervisora. A carga horária desta e dos demais
funcionários seguem a mesma descrição do setor de Emergência.
O paciente que é recebido nesta unidade, após a cirurgia, precisa ser
monitorado. Primeiramente ele é colocado no respirador, o auxiliar ou o técnico de
enfermagem precisa estar controlando: a pressão arterial média, o
eletrocardiograma, o nível de oxigênio no sangue, a temperatura corporal, cuidado e
controle com drenos, a ferida operatória, avaliar os níveis sensórios e o balanço
hídrico. Todo esse controle deve ser realizado durante as 48 horas de permanência
deste paciente na unidade. Após este período, conforme avaliação médica, são
transferidos para o quarto ou permanecem na unidade.
Manhã Tarde Noite I Noite II
Enfermeiros 2 2 1 1
Auxiliares/Técnicos de
Enfermagem
15 15 14 14
Secretária de Posto 1 1 0 0
63
5. ANÁLISE DOS RESULTADOS
Esta pesquisa tem como questão norteadora investigar as implicações do
trabalho na saúde psíquica dos técnicos e auxiliares de enfermagem que trabalham
em unidades críticas de um hospital especializado em cardiologia. Apresenta-se, a
seguir, as categorias criadas: Cuidar: prazeres e realizações; Cuidador: a
valorização profissional; Cuidar da dor; A Dor do cuidador; e, O descuido com o
cuidador. A partir do levantamento e análise dos depoimentos obtidos através das
entrevistas realizadas para esta pesquisa, tendo como pressuposto teórico a
Psicodinâmica do Trabalho.
5.1 Cuidar: prazeres e realizações
- Aqui tem que ter muita atenção né. Tem que ter
responsabilidade, a gente tá lidando com vidas. (Laura)
Cuidar exige de quem o faz atenção, desvelo, dedicação, renúncia, solicitude,
compromisso, esses são apenas alguns adjetivos que acompanham a tarefa de
cuidar de alguém, assim como tantos outros. O cuidado é constitutivo do sujeito.
64
Somos cuidados desde o momento de nossa concepção, pois a gestação exige isso
da mulher, para que este período transcorra com sucesso.
Ao nascermos devemos ser cuidados, atendidos em toda a nossa fragilidade
e necessidade, e assim seguimos ao longo de nossa trajetória de vida. Somos
cuidados por aqueles que nos amam, que nos querem bem, que se preocupam com
nosso futuro, com nossa segurança, com nossa felicidade, com nosso sucesso.
Somos cuidados pela mãe, pelo pai, pelo irmão, pelos avós, pela vizinha, pela
amiga, pela professora, pelo guarda que fica na faixa de segurança em frente à
escola, pelo pediatra, somos cuidados, observados, orientados, ensinados,
encaminhados ao longo de nossa vida. O cuidado nos acompanha ao longo de
nossa existência. Também cuidamos, não somos apenas cuidados.
Cuidamos o primeiro amor, a primeira paquera, cuidamos do namorado, do
marido, do filho, da amiga, do amigo, dos pais, dos avós, da tia, do sobrinho, enfim
a rede de quem cuida e é cuidado é cheia de tramas. Talvez não se possa definir
quem faz o que, já que o cuidado nos constitui e nos remete à convivência com o
outro. Todo relacionamento, independente de que natureza seja: amoroso, fraterno,
de amizade, de trabalho, de cumplicidade, enfim, exige cuidado, zelo, envolvimento,
exercício, preocupação, atenção e ansiedade. Cuidar exige coragem, exige coração,
exige emoção.
Algumas pessoas escolheram como profissão o cuidar. E não é um cuidado
qualquer, é cuidar de quem se encontra fragilizado, enfermo, moribundo, sofrendo,
65
desesperado, cuidar daquele que está doente e pode ficar curado, ou cuidar daquele
que está morrendo e vai chegar ao fim de sua trajetória.
Cuidar como profissão, como meio de sobrevivência, como forma de ganhar o
seu sustento financeiro. Cuidar que demanda enfrentar o medo e o desamparo de
quem não sabe o que vai acontecer: se vai ficar curado, se vai ficar com limitações
da enfermidade ou se vai encontrar com a morte.
Cuidar do frágil, do desconhecido e do incerto. Quando não se tem nenhuma
esperança, o imprevisto ocorre: a cura. Ou ainda, quando não se está preparado
para partir, morre. Uns estão resignados, outros inconformados e rebelam-se com a
doença, com a limitação, com a submissão em que se encontram, pois o paciente
submete-se ao médico, aos remédios, à enfermeira, aos exames, às agulhas, aos
auxiliares e técnicos de enfermagem, à alimentação, ao horário e ao controle.
Submetem-se na esperança de continuar vivendo, de curar-se, de voltar a sua vida,
a sua rotina, ou não. Na esperança de sair dali curado, fazer tudo o que não fez, de
mudar o que incomoda, de rever-se, de reinventar-se.
E diariamente há espectadores que acompanham e interferem neste
processo, o auxiliar e o técnico de enfermagem que cuidam, que orientam, que são
ouvintes, confidentes daqueles que se encontram muitas vezes só. Necessitam de
alguém que lhes escute, que preste atenção em sua dor, pois a dor pode ser da
ferida, do tumor, ou pode ser do coração cardiopata, ou do coração sadio. Do
coração que está amargurado, solitário ou ressentido cujo corpo não agüentou e
adoeceu.
66
- Eles vêm procurar apoio, além da doença que eles têm, eles
querem apoio, querem ser escutados e eu sei escutar eles, e
às vezes tu precisa dar uma palavra de carinho naquela hora
e tu sabe dar. (Kelly)
- Muitas pessoas que adoecem, a doença é física, mas em
muitas vezes tá doente o físico e o emocional, precisa
daquele algo mais que é a necessidade de ter alguém do
lado, a necessidade de chamar a atenção das pessoas. É a
necessidade, as pessoas precisam de atenção. Então de
repente elas pensam que se ficar mal, vai para um hospital e
as pessoas vão ficar em volta dela querendo saber. Acho que
é isso... as pessoas estão carentes. (Melissa)
- A gente passa o tempo todo interagindo né, sempre junto,
sempre auxiliando o paciente, não só na técnica, mas dando
apoio. Tem paciente que chora, a gente tá sempre do lado.
(Carmen)
Diante deste cenário de dor e sofrimento, existe o trabalho do auxiliar e do
técnico de enfermagem, acompanhando a fragilidade, o desamparo e a necessidade
do paciente, atendendo-o, alimentando-o, medicando-o, cuidando-o. Entendendo o
trabalho como sendo uma forma de expressão do sujeito, onde ele pode encontrar
prazer e satisfação com sua obra, ou seja, sentir-se satisfeito acompanhando o
desfecho de quem está doente. Tendo a possibilidade de aliviar o sofrimento do
outro.
Existem aqueles que escolheram e são felizes com o que fazem, os
cuidadores. Realizaram uma escolha e se dedicaram a ela, pois para tornar-se
auxiliar ou técnico de enfermagem realizaram um curso profissionalizante, que os
habilitam para a profissão conforme a Lei nº 7.498 (Brasil, 1986). Portanto,
67
escolheram e investiram em sua escolha, e ao escolher, estão em busca de
realização. Ousa-se concluir que esta escolha foi baseada na vontade e no desejo
de ser auxiliar ou técnico de enfermagem, tendo em vista a necessidade de uma
formação técnica, a qual exige investimento financeiro e de tempo.
Escolheram trabalhar investindo emoção neste trabalho, pois além da técnica
e do conhecimento que o trabalho exige, o paciente necessita de investimento
afetivo, precisa de atenção e de uma palavra de consolo. O cuidar exige a
humanidade do homem e demanda carinho e dedicação. O trabalho do auxiliar e do
técnico de enfermagem vai para além dos cuidados de higiene e conforto, da
medicação e do exame. O trabalho pede e necessita dos sentimentos que estes
profissionais tenham para oferecer àqueles que estão sendo cuidados.
- A parte humana é o cuidado humanizado, tu cuidar do
paciente que tá sentido dor e não pode deixar ele no
desamparo, tu tem que ter um lado profissional presente
porque a pessoa precisa da tua responsabilidade, fazer com
dedicação. Mas tu tem que ter o lado humano. Às vezes, tu
quer dar uma palavra, nem que seja rápida, uma palavra de
conforto para aliviar. (Marta)
O trabalho do auxiliar e do técnico de enfermagem demanda sensibilidade
destes profissionais e percepção das necessidades do paciente. Esta percepção vai
além do prescrito pelo médico no prontuário como tratamento. Estas características
tornam este trabalho complexo, pois exige do trabalhador o investimento de
sentimentos que precisam ser oferecidos a um estranho, o paciente.
68
O cuidador não convive com o paciente fora do hospital, não conhece sua
história, sua família, não freqüenta a casa dele, não é seu amigo de longa data, não.
O paciente é uma pessoa com uma história e, doente, encontra-se internado por um
período no hospital para tratamento, e, é neste cenário, que o auxiliar ou técnico de
enfermagem e o paciente se conhecem.
Sendo assim, encontram-se numa situação enigmática, pois não sabem o
que vai acontecer. Não sabem o desfecho desse período de internação. O paciente
muitas vezes nem sequer conhece o hospital, não conhece o médico que o está
tratando, não conhece a enfermeira, a nutricionista, a atendente de nutrição que lhe
traz as refeições, não conhece o coletador que vem lhe picar duas, três vezes por
dia para tirar seu sangue para exame, não conhece o auxiliar ou o técnico de
enfermagem que está lhe despindo para lhe dar banho.
Cuidador e cuidado não se conhecem e ao mesmo tempo tornam-se tão
íntimos num curto espaço de tempo. Pois, o paciente chora, lastima, reclama, elogia,
conta sua tragédia, conta suas alegrias, suas dores, seus remorsos, suas
esperanças, fala, fala, fala. Ou ainda, fica silencioso, sem ação diante do novo, do
inesperado, da incógnita, “será que ficarei curado?” E, ao lado dele, convivendo com
toda esta angústia está o auxiliar e o técnico de enfermagem realizando o seu
trabalho.
O trabalho destes profissionais está além da realização da medicação a cada
quatro horas, verificação de sinais vitais a cada cinco horas, exames, dieta
hiposódica e hipocalórica, para além do oferecimento de líquidos a cada duas horas
69
para combater a desidratação. A capacidade de percepção do cuidador está
vinculada aos sentimentos deste paciente, de convencê-lo a aderir ao tratamento, de
enfrentar a depressão que muitos pacientes são acometidos durante o período de
internação. Em diversas situações não está descrito no prontuário: paciente
encontra-se em estado depressivo, solicitar avaliação da psicologia clínica. Não,
muitas vezes o médico não percebe este aspecto, e o auxiliar e o técnico de
enfermagem que acompanham diariamente o paciente percebem que alguma coisa
pode não estar bem, e não apenas a doença que o acomete, mas sim o estado
emocional em que ele se encontra.
O cuidador que acompanha esse processo oferece um ombro amigo para o
paciente que chora, lhe diz palavras de consolo e de esperança. E onde está escrito
que ele precisa fazer isso? Não está escrito. Provavelmente o que ele tem de
humano para oferecer ao outro, o seu coração, é que prescreve as palavras e o
ombro consolador.
- Atender um paciente que entra grave e sai bem, ele até te
agradece pelo que tu tá fazendo. Às vezes nem é em palavras,
um sorriso, uma maneira de tu vê ele saí daqui bem. Tu vê um
paciente com dores fortes, com o psicológico dele abalado, e a
gente pode no dia-a-dia trabalhar esse psicológico com ele, pra
recuperação dele. (Cristiane)
- Tu cresce trabalhando na enfermagem. Crescimento é
convívio, conhecimento, é saber o que o outro sente, tu
compartilha com ele o que ele ta sentindo, um sentimento, uma
troca, isso te faz crescer. (Laura)
70
Assim, o auxiliar e o técnico de enfermagem convivem diariamente com o
desamparo, com a desesperança, com a angústia que assola aquele que adoece.
Tem a missão de acompanhar, cuidar e oferecer recursos que possam auxiliar o
paciente a superar seus sofrimentos.
Este trabalho mostra-se singular, único, pois demanda deste profissional
investimento afetivo e isto não está prescrito. Entendendo o prescrito do trabalho, o
que é determinado, ou seja o que é pré-escrito a fim de ser executado pelos
trabalhadores, segundo Oliveira (2002). O que não está descrito na Lei, nem
tampouco no Regulamento Interno. Esta dedicação e investimento estão por conta
do profissional, da sua criatividade, da sua invenção, percebendo-se aí um espaço
de criação previsto por Dejours e Abdoucheli (1994) como necessário para o
profissional se sentir realizado com a tarefa, potencializando este sujeito.
Este espaço permite ao profissional inventar-se e reinventar-se como sujeito,
pois como não está prescrito, torna-se de pura criação, de superação de si mesmo,
única e exclusiva de cada trabalhador, permitindo, assim, sentir-se construtor de seu
próprio trabalho, um espaço de invenção que oportuniza a ele realização pessoal.
Isso torna o trabalho um desafio a ser desbravado, a ser descoberto, a ser
solucionado, levando o trabalhador ao exercício de si mesmo, possibilitando sua
própria transformação, possibilitando o uso da inteligência astuciosa. Destaca-se nos
depoimentos dos auxiliares e técnicos de enfermagem, a afirmação desta
possibilidade de realização que o trabalho oferece.
71
- O que me deixa feliz é que eu gosto do que eu faço.
Trabalhando tu te sente útil para alguma coisa, ainda mais na
enfermagem. (Marina)
- É uma satisfação pessoal, por eu tá trabalhando em uma
coisa que eu gosto, o que eu escolhi, só o fato de eu tá
trabalhando e gostar tanto da profissão já me satisfaz. Eu me
sinto realizado. (Alexandre).
- Fazer curativo, ajudar... Ajudar as pessoas, cuidando delas,
eu gosto, gosto de cuidar das pessoas. (Cristiane)
Sentir-se realizado com o que se faz revela o lugar de destaque que o
trabalho ocupa na vida dos homens, pois a humanidade está em busca da
felicidade. É pertinente considerar que a escolha de um ofício possa contribuir para
alcançar a almejada felicidade.
- Me sinto muito bem, totalmente realizada. Tu conclui que é
isso o que tu queria fazer, que tu tá certo naquilo que tu
escolheu. (Noeli)
Diante desse depoimento, entende-se que é de relevante importância a
possibilidade de se escolher uma profissão, já que o trabalho pode ser uma fonte de
prazer e realizações pessoais. Isso vai ao encontro da afirmação de Muller (1988) de
que o sujeito necessita realizar a sua escolha profissional, devendo se conhecer,
entender a realidade e tomar decisões reflexivas e de maior autonomia, que levem
em conta suas próprias determinações psíquicas, bem como circunstâncias sociais.
Para o sujeito realizar a sua escolha profissional, faz-se necessário que ele possa
descobrir em que ocupação e com que estilo próprio de viver melhor pode fazer
aquilo que produza prazer e desenvolver seus potenciais criativos. Winnicott (apud
72
Muller, 1988) afirma que “sem criatividade não há sobrevivência.” (p.114) e
Mannonni (1980) aprofunda esta questão, apontando que a possibilidade do sujeito
escapar da monotonia da vida “adaptada”, é tornar-se ator em um mundo em que a
criação é a própria vida.
Dejours (2001) diz que é essencial para transformar o trabalho fatigante em
um trabalho equilibrante, a necessidade de flexibilizar a organização do trabalho, de
modo a deixar maior liberdade ao trabalhador para rearranjar seu modo operatório e
para encontrar gestos que são capazes de lhe fornecer prazer, isto é, uma expansão
ou uma diminuição de sua carga psíquica de trabalho.
Portanto, como o trabalho do auxiliar e do técnico de enfermagem possibilita
criação, talvez se possa afirmar que este espaço entre o prescrito e o que de real o
trabalho oferece, possibilita a este profissional um lugar de invenção, de criação, de
investimento de si mesmo, que o permita ser feliz, por poder contemplar a sua
própria obra. Esta ligação afetiva que ele estabelece com o paciente e que contribui
para a melhora deste, é sem dúvida única e singular, pertencendo a cada
profissional. É exclusiva com cada paciente, a cada instante, a cada momento. Um
momento ímpar, o encontro do cuidador e de quem é cuidado no ambiente
hospitalar.
5.2 Cuidador: a valorização profissional
Os auxiliares e técnicos de enfermagem escolheram esta profissão pela
própria natureza deste trabalho, pelo fato de ter que cuidar de alguém doente.
73
- Eu gosto muito do que eu faço. Até já me perguntaram porque
eu não faço faculdade, mas tu ser enfermeira não é a mesma
coisa do que tu ser técnica. A diferença é o contato que tu tem
com o paciente, o contato direto, por mais que tu saiba que a
enfermeira é importante, que a gente precisa dela, mas quem
tá tocando no paciente, quem tá administrando a medicação,
quem tá salvando, entre aspas, o modo de falar, diretamente o
paciente é a gente, o técnico de enfermagem. (Melissa)
- O que me faz gostar da enfermagem é que a gente tem um
contato bem direto com o paciente, consegue ter uma visão
global, do que ele precisa. E é bem diferente da medicina né,
que é aquela coisa mais impessoal. (Débora)
Destaca-se nesses depoimentos a proximidade que os cuidadores mantém
com os pacientes, e é esta proximidade que justifica o gostar daquilo que eles
fazem, revelando o quanto sentem-se satisfeitos acompanhando este paciente,
mostrando o quão prazerosa é esta tarefa para este profissional. Ainda, percebe-se
que este profissional é aquele que tem maior contato com o doente, o que
reconhece suas necessidades pela proximidade que mantém durante o período de
permanência do enfermo no hospital.
Além da satisfação encontrada no trabalho, para que este possa ser fonte de
prazer, o reconhecimento do que ele faz é imprescindível, pois a valorização
profissional também é vivida como prazerosa. Para tanto, é necessário o
reconhecimento das ações do trabalhador, porque o trabalho envolve a expressão
do sujeito, e ele encontra prazer e satisfação com sua obra, salientando assim suas
potencialidades enquanto ser humano.
74
O reconhecimento do trabalho possibilita a transformação do sofrimento em
prazer, pois dá sentindo ao sofrimento, e ainda pode conduzir o sujeito para a
construção de sua identidade, contribuindo assim para a sua auto-realização.
Mostra-se um processo de construção de um sentido do trabalho na vida mental do
trabalhador. Sem esse sentido é impossível a mobilização conjunta de sentimentos e
inteligência para a criatividade. Desta forma, quando a qualidade do trabalho
desenvolvido pelos sujeitos é reconhecida, os seus esforços, suas angústias, suas
decepções e seus desânimos adquirem sentido, contribuindo para que o sofrimento
tenha um papel importante na transformação e na evolução do sujeito, Dejours
(2001).
Este prazer, esta satisfação dos auxiliares e técnicos de enfermagem, e
conseqüentemente o reconhecimento de seus feitos, estão intimamente
relacionados às características do trabalho que desempenham.
- Pra mim é super satisfatório. Eu gosto de ver eles saindo
bem, e te agradecem, pedem pra te ligar. Eles tentam criar um
vínculo contigo. Eu gosto dessa parte, pra mim é o que
gratifica. (Vanessa)
- Ah! A recuperação do paciente gratifica a gente. A gente pega
um paciente crítico e ele sai bem. E ele vem e te agradece, isso
é o que mais conta no trabalho da gente. (Lourdes)
- O contato, o poder ajudar é muito gratificante. O paciente
melhora, vai embora agradecendo tudo o que tu fez por ele, e
isso dá uma alegria por dentro assim. (Tatiana)
- O que tem de bom é a melhora deles, vê o paciente bem indo
embora, depois de 4, 5, 6 meses de degradação né, muitas
vezes tu não pode fazer nada, só fazer a parte técnica, ter todo
o recurso que o hospital oferece. Mas aí tu trabalha, tu fica ali
75
fazendo as coisas e ele vai melhorando, melhorando e no final
fica bom e vai embora te agradecendo. Isso é que é
gratificante, tu supera tudo com isso. (Andréia).
Pitta (1994) também aponta que o reconhecimento social acerca do trabalho
realizado pelos auxiliares e técnicos de enfermagem leva a obtenção de prazer na
atividade profissional. Beck (2001) salienta que o reconhecimento e a gratificação do
trabalho realizado pelos auxiliares e técnicos de enfermagem podem possibilitar um
sentimento de pertencimento devido à aprovação e à aceitação da sociedade
daquilo que eles fazem. Este sentimento manifesta-se quando eles conseguem
alcançar as possibilidades oferecidas pelo trabalho.
Além deste sentimento de pertencimento, observa-se um sentimento de ser
útil, e esta utilidade é que pode dar sentido ao trabalho que se faz, permitindo
suportar a dor e o sofrimento do paciente.
- Trabalhando tu sabe que tu tá sendo útil.Tu te sente útil,
ficando ao lado da pessoa. Cuidando dela, vendo o que ela
precisa, ficando do lado dela. A gente faz o que ta ao nosso
alcance. (Beatriz)
- Eu vejo o que a pessoa tá precisando de ajuda e eu to
disposta a ajudar, a ser útil. Ela não consegue fazer as coisas
sozinha, e eu to ali pra ajudar. (Rodrigo)
Dejours e Abdoucheli (1994) afirmam que o trabalho permite a diminuição da
carga psíquica tornando-se equilibrante, porém, quando se opõe à livre atividade
para o aparelho psíquico, pode tornar-se perigoso. Contudo, o bem-estar
76
relacionado à carga psíquica advém da descarga de energia psíquica que a tarefa
permite correspondendo a uma diminuição desta carga.
Possivelmente o sentimento de pertencimento e o de utilidade expresso pelos
auxiliares e técnicos de enfermagem conduzem a uma diminuição da carga psíquica,
tornando o trabalho equilibrante para o aparelho psíquico destes profissionais,
evitando assim o desequilíbrio e a doença.
Outro fator que contribui para encontrar satisfação no seu ofício, é o espaço
para a sublimação. O trabalho pode ser considerado um objeto socialmente
valorizado, portanto, o processo de sublimação pode contribuir para estabelecer uma
relação entre trabalho e prazer, tendo em vista que um dos alvos da pulsão sexual
na sublimação é a investigação intelectual.
- Tu aprende muita coisa. Cada dia uma coisa nova, nunca é a
mesma coisa. Na Emergência chega várias patologias, e tu
aprende coisas novas. Tu vai aprendendo cada vez mais.
(Sandro)
- Eu to começando agora, eu comentei com as minhas colegas,
elas olham pra pessoa e elas já sabem, acho que a gente que
ta começando esse clique falta, porque isso não se aprende
em sala de aula, isso se aprende trabalhando. (Marina)
Merlo (2002) menciona que o trabalho precisa proporcionar condições
psíquicas adequadas para a sublimação, a fim de que o sujeito jogue com o seu
desejo de entender a realidade. Necessita apresentar algo de enigmático para o
sujeito, mobilizando assim a sua curiosidade, a qual será recompensada pela
77
compreensão obtida. Provocando uma diminuição do sofrimento e possibilitando que
a sublimação aconteça.
- É gratificante porque são pessoas que estão precisando de ti
e tu tá ali pra ajudar, utilizando o teu conhecimento, o teu
embasamento. (Marta)
Beck (2001) também aponta para os ganhos que o aprendizado pode
proporcionar ao trabalhador, principalmente os de unidades críticas, pois também
ganham a admiração dos demais colegas por terem coragem de trabalhar nestas
unidades, vivenciando assim o reconhecimento e a valorização de seus pares;
Dejours (2001) também salienta esta importância para a obtenção do prazer no
trabalho.
O trabalho é uma das formas do homem se expressar e conviver socialmente,
foi constatado nos depoimentos dos entrevistados, a importância do trabalho em
equipe.
- Eu acho que esse vínculo se estabeleceu por uma empatia,
como uma ... como vou dizer ... ah! Uma segurança de colega
para colega, um respeito, e... como vou te dizer... a gente tem
muita segurança. (Andréia)
- O que tem de bom é o trabalho em equipe, trabalha junto, um
ajuda o outro. Isso é muito bom, porque na enfermagem não
tem como trabalhar sozinho. (Lourdes)
Dejours (1999) refere que o essencial para a saúde mental individual nas
relações de trabalho é a ação sobre o funcionamento do coletivo, pois este não é
78
apenas um grupo, porque o que o define é a construção comum de regras de ofício.
Uma vez que o trabalho pressupõe relações sociais, uma das grandes causas de
sofrimento no trabalho está na má qualidade desse tipo de relações.
Continua Dejours (1999), a saúde é uma construção intencional, onde o
trabalho ocupa lugar de destaque. A construção da saúde vincula-se a uma série de
relações, em que de um lado estão as relações interindividuais, para a construção
da saúde no registro do amor, e de outro, as relações no campo do trabalho. Além
de que nossa capacidade de resistir ou de adoecer está diretamente relacionada à
qualidade das relações de trabalho, portanto a qualidade do convívio com as
pessoas no ambiente de trabalho pode interferir na saúde psíquica dos auxiliares e
técnicos de enfermagem.
5.3 Cuidar da dor
Ser cuidador pode proporcionar prazeres e realizações aos profissionais que
escolheram ser auxiliares e técnicos de enfermagem e optaram em cuidar da dor do
outro. Cuidar é uma atitude e característica primeira do ser humano, pois o cuidado
revela a natureza humana e a maneira mais sensível de ser humano. Sem o
cuidado, o homem deixa de ser humano desestrurando-se, definhando, perdendo o
sentido e morrendo, pois, ao longo da vida se não fizer com cuidado tudo o que
empreender, pode prejudicar a si mesmo e talvez destruir o que estiver a sua volta,
segundo Boff (1999).
79
Os auxiliares e técnicos de enfermagem escolheram conviver com inúmeras
adversidades: a dor, o sofrimento e a constatação da finitude humana percebidas
pela doença e pela morte. Os cuidadores que participaram desta pesquisa ainda
enfrentam outras adversidades, como a de trabalhar em uma unidade crítica, o que
exige deste profissional ação rápida e eficaz, competência e segurança, devido ao
risco iminente de morte em que se encontra o paciente da Emergência e da Unidade
Pós-Operatória (UPO), não há espaço para dúvidas e insegurança.
Além disso, convivem com a imprevisibilidade, a complexidade e o processo
de morte e morrer, que podem ser vivenciados com sofrimento por parte do
trabalhador, pois necessita experimentar diariamente angústias, medo,
desesperança, desamparo e perda.
Desta forma, nem só prazeres, realizações e reconhecimento profissional
fazem parte do trabalho dos auxiliares e técnicos de enfermagem. Eles também
sofrem. Muitas vezes sofrem junto com o paciente.
- Às vezes dá vontade de chorar, mas a gente tem que pensar,
eu to aqui para ajudar e não posso ficar assim. Tem coisas que
são mais difíceis, mas a gente tem que continuar trabalhando.
(Vanessa)
- Às vezes a gente chora, lava o rosto e volta de novo, como se
nada tivesse acontecido. E disfarça, para não mostrar para os
outros que a gente tá triste. (Cristiane)
- O mais difícil é isso, tu saber que ele tá em fase terminal, não
tem como recuperar, pronto, acabou. Essa é a pior parte, tem
vezes até que eu choro, porque eu quero ajudar, mas não
adianta ele vai morrer mesmo. (Kelly)
80
- Difícil é saber controlar o teu lado emocional. Todo mundo é
humano, e tem hora que te choca alguma coisa. Daí eu acho
que tem que saber controlar, não pode chorar na frente do
paciente. (Carmen)
Sabendo que o ato de cuidar exige o que o homem tem de mais humano,
parece ser natural o fato dele sofrer com a dor do paciente ou com a morte de
alguém, pois ela toca as pessoas, talvez por ser enigmática nos afeta mesmo que
seja a de um desconhecido. Ver alguém morrer pode remeter-nos a pensar em
nossa própria morte. Ou ainda, negar o fato e ignorar a situação. Porém mesmo
ignorando, esta morte já nos afetou, nem que seja pelo fato de não querermos
pensar nela. E este não pensar demanda esforço psíquico, pois precisa-se encontrar
um pensamento de imediato para distrair, a fim de não pensarmos naquele
indivíduo que morreu.
Cuidar exige cautela, exige emoção, zelo, solicitude, carinho, coração e
dedicação, por que então, o cuidador tenta disfarçar sua tristeza? Pois conviver com
o sofrimento do outro, afeta, toca os sentimentos. Por que esconder que também dói
no profissional? Se o cuidador necessita de sua sensibilidade para realizar o
trabalho, parece razoável o fato dele sentir a dor do outro. Afinal ele precisa
demonstrar compreensão aos sentimentos do paciente para poder auxiliá-lo e
inevitavelmente ele vai acabar sentindo, e deixando-se tocar por esse sentimento
que assola o doente.
E como não sofrer também? Por que esconder? Seria vergonha? Demonstrar
sua dor, seria algum sinal de fraqueza? Talvez estas perguntas fiquem sem
81
respostas pois estas questões não faziam parte desta pesquisa, surgiram a partir da
análise dos depoimentos. Contudo, parece pertinente registrá-las, e quem sabe
servir para outros estudos.
Mas parece compreensível que o auxiliar e o técnico de enfermagem também
sofram, o importante é tornar este sofrimento significativo o suficiente para que ele
possa fazer sentido e não provocar um desequilíbrio psíquico no profissional,
levando-o a doença.
Contudo, negar estes sentimentos não parece ser o melhor caminho para
significar e compreender estes sentimentos a ponto de não se tornarem perigosos
para a saúde psíquica destes profissionais. E pelos depoimentos anteriores, parece
que este é o caminho que muitos profissionais seguem, o de negar, esconder, ou
fingir que eles não existem. O que pode tornar perigoso, podendo ocasionar
acúmulo de tensão não permitindo a descarga de energia psíquica, o que para
Dejours e Abdoucheli (1994) pode ser perigoso podendo ocasionar o desequilíbrio
psíquico do trabalhador, pois o lugar que é marcado para gerar prazer, acaba
gerando apenas sofrimento.
E este sofrimento é sem sentido, pois ele só ganha sentido e
consequentemente pode reverter-se em prazer, quando o trabalhador investe
esforços para lutar contra ele, ocasionando o enfrentamento das dificuldades e as
adversidades. O que acionaria a criatividade que é responsável pelo sentido do
trabalho e consequentemente prazer, oferecendo reconhecimento do esforço e do
sofrimento.
82
Contudo, negar a própria dor não remete a esse caminho equilibrante
apontado por Dejours e Abdoucheli (1994). E sim, demonstra o uso de defesas
individuais e as defesas servem para amenizar a percepção da realidade, evitando
muitas vezes o sofrimento. Mas não apaga o sofrimento, esse continua existindo.
Porém encontra-se escondido, disfarçado.
Um sofrimento escondido ou disfarçado pode ficar acumulado e outros vão
surgindo, pois outros pacientes virão, outras situações difíceis o acompanharão e
provavelmente este profissional continuará escondendo a sua dor acarretando um
acúmulo de tensão que poderá ocasionar desequilíbrio psíquico ou adoecimento.
Parece que muitos profissionais encontram outra maneira de esconder este
sofrimento, “deixando ele no trabalho”:
- Depois que eu saio daqui eu procuro me desligar de tudo que
aconteceu. No momento que sai do portão do hospital. Eu
procuro me desligar, porque aí já vem aquela rotina de casa,
de comida, roupa, supermercado e tu não pensa mais no que
aconteceu no trabalho. (Marina)
- Quando eu saio daqui eu separo bem, bati meu cartão ponto,
eu esqueço tudo. Até em casa não falo nado do que aconteceu
aqui. Eu procuro não levar para casa. Eu sempre trabalhei
assim. (Noeli)
- Não tem receita, eu consigo separar bem, eu entro aqui, eu
sou a técnica de enfermagem, não falo da minha vida pessoal,
procuro não tocar em assuntos nem querer saber da vida do
fulano e do siclano, acho que é isso aí saber separa, tem que
tá aqui. Saber que tu tem que cuidar daquela pessoa ali, saber
separar bem as coisas. O que é problema de casa é de casa e
o que é do trabalho é do trabalho. (Beatriz)
83
- Eu evito entrar nos detalhes das coisas que aconteceram no
trabalho em casa, justamente para não me lembrar. Eu me fiz
esse bloqueio assim na minha mente, procuro não pensar.
(Alexandre)
Esta tentativa de “esquecer” os problemas do trabalho, é uma maneira que
muitos profissionais encontram para também evitar se conectar com a própria dor,
com o seu próprio sofrimento. Contudo, como as pessoas são únicas, elas não são
várias: o profissinal, o cônjuge, o pai ou a mãe, o filho, o irmão, o amigo, o cunhado,
etc., todos somos uma pessoa só, porém com diversos papéis que nos constituem,
contudo nos constituem em um conjunto e não em unidades separadas. Assim,
como esquecer os problemas do trabalho lá? Os auxiliares e técnicos de
enfermagem são as mesmas pessoas que retornam para seus lares a
desempenharem outros papéis que a vida lhe exige. Porém, é a mesma pessoa que
retorna para casa, o profissional não ficou no trabalho, foi junto. Pois ao retornar
para casa não se esquece o conhecimento técnico adquirido, a rotina diária da
unidade em que trabalha, as dificuldades que enfrentou ao cuidar de alguém, nem
tampouco, as alegrias que a tarefa possa ter lhe proporcionado.
Parece que o cuidador está carecendo de um espaço onde ele possa falar da
sua dor, compartilhar com os demais colegas o seu sofrimento e perceber que ele
não é o único que também sofre com o trabalho que exerce. Um espaço onde ele
possa dar sentido a este sofrimento e o mais importante aceitá-lo, assumir que ele
existe, entendê-lo e aprender a conviver com ele sem lhe causar desequilíbrios ou
adoecimentos futuros. Poder proporcionar este espaço pode contribuir para este
84
profissional compreender o que se passa com ele e, assim, prevenir o seu
adoecimento.
Mas parece que a estratégia é a de evitação, assim finge-se que nada
acontece e segue-se em frente. Mas onde esta estratégia vai levar este profissional?
Ao adoecimento? Possivelmente sim. Talvez alguns profissionais não consigam
mais evitar o sofrimento e encontraram outra estratégia para não se conectar ao
sofrimento do paciente e consequentemente ao seu, o de evitar o trabalho.
- Muitas vezes falta colaboração dos colegas. A gente encontra
os colegas com mal-humor. Até os médicos muitas vezes estão
de mal-humor. E tem pessoas que saem para passear e não
voltam, só depois. Tu cuida dos pacientes deles, e fica
sobrecarregado. (Rodrigo)
- Acho que algumas pessoas estão cansadas. Elas já estão
cansadas. Elas já estão tipo por obrigação. Já não tem outra
coisa por fazer, então eu vou ficar aqui. Daí tu leva a não fazer
o trabalho com alegria, com satisfação, faz só por fazer. Aí tu
começa a adoecer com certeza, mais psicologicamente do que
fisicamente. (Melissa)
- É que tem pessoas aqui dentro que são difíceis de se lidar né,
tipo assim, eu acho que é deles mesmos, todo mundo tem
problemas. As pessoas se tornam mais áspera, mais
agressivas. Tu pede ajuda, aqui tu tem que trabalhar muito com
o outro, e as pessoas não querem ajudar, ou com cara feia.
(Cristiane)
Percebe-se através destes depoimentos que a tensão gerada pelo trabalho
parece não ser mais “controlada” por estes profissionais que saem da unidade e não
retornam, ou estão mal-humorados no trabalho. Parece que a estratégia de evitar,
negar ou esconder o sofrimento está falhando e quando uma defesa falha, o que ela
85
tenta amenizar se torna insuportável para o indivíduo. E ele precisa encontrar outra
estratégia para se proteger.
Novamente, essas estratégias não apontam para a busca de um equilíbrio
estruturante apontado por Dejours e Abdoucheli (1994). Parece que se encaminham
para um desfecho ainda mais doloroso para estes profissionais, o adoecimento.
E os colegas que permanecem trabalhando costumam criticar e se queixar de
tais atitudes, possivelmente porque eles também não entendem por que o colega faz
isso, talvez pela inexistência de um espaço onde se poça compartilhar e
compreender as dificuldades do trabalho. Parece imprescindível que este possa ser
criado, a fim de prevenir e de auxiliar estes profissionais a entenderem as
vicissitudes do trabalho a que estão sujeitados. Podendo assim, construir sua saúde
de forma ativa.
5.4 A dor do cuidador
- A gente pode perder um paciente se não atender de forma
adequada. (Alexandre)
Uma das fontes de sofrimento do auxiliar e do técnico de enfermagem é a
morte. Este sofrimento está vinculado a maneira como atualmente os homens a
percebem. Pitta (1994) lembra que na Idade Média a morte era entendida como algo
natural. Hoje ela se esconde nos hospitais, nas unidades críticas e nas emergências.
Escondendo-a, buscando afastá-la do convívio social, caracterizando-a como
86
incômoda, o homem nega aquilo que é inevitável na vida de todo ser vivo: a morte.
Dissociando assim, a trajetória natural da vida, que é viver, adoecer e morrer. A vida
não é percebida como limitada.
- É frustrante quando o paciente vai a óbito. (Marina)
- Tu saber que ele tá em fase terminal, não tem como tu
recuperar, pronto, acabo. Essa é a pior parte. (Noeli)
Como a vida não é percebida como limitada, observa-se a negação desta
realidade, e a negação é um mecanismo de defesa do ego. A função primordial do
mecanismo de defesa é ajudar o indivíduo a fugir da ansiedade, da culpa, da dúvida
e da incerteza, conforme aponta Pitta (1994). Negando a realidade, o trabalhador
não possibilita a oportunidade de compreendê-la e até mesmo se aliviar da angústia
dos eventos que a proporcionam.
Beck (2001) também contribui para esta questão, salientando que o confronto
do trabalhador com as poucas chances de sobreviver do paciente, evidenciam a ele
sua incapacidade de manter o outro vivo, mobilizando desta forma muitos
sentimentos, dentre eles a impotência, a tristeza, a ira e a perda do controle da
situação. Ela ainda mostra que este convívio com a morte obriga o trabalhador a se
confrontar com a sua própria finitude, pode aparecer um sentimento de onipotência,
seguido por uma impotência, principalmente quando estes profissionais não têm
claro o significado do sofrimento e da morte para si mesmos.
Negando esta realidade, não oportuniza a compreensão destes sentimentos,
bem como a sua livre expressão, podendo estar interferindo na descarga psíquica,
87
ocasionando tensão ao aparelho psíquico e consequentemente possibilitando o seu
adoecimento, pois a energia pulsional não está sendo descarregada no exercício do
trabalho, ficando acumulada, gerando um sentimento de desprazer e tensão. A
evolução deste processo pode ocasionar distúrbios de ordem física e psíquica no
trabalhador, segundo Dejours (1992).
Gonzales (1995) refere que o trabalho da enfermagem apresenta
características que o tornam uma atividade ambígua, pois o sofrimento do
trabalhador é também decorrente da percepção do sofrimento do outro, pois de um
lado há uma certa gratificação pelo alívio do sofrimento do outro; de outro, uma certa
insatisfação com as condições e limites impostos por si mesmo e pelo ambiente de
trabalho.
E ainda, a própria natureza do trabalho desempenhado pelos auxiliares e
técnicos de enfermagem pode levar ao adoecimento do corpo.
- A coluna, geralmente os técnicos sofrem da coluna. Aqui a
gente pega bastante peso, tem pacientes mais gordos e
pacientes que já estão crônicos são mais pesados ainda, pra
trocar, dá banho, isso aí prejudica a coluna. (Sandro)
- Eu tô detonada, é a dor na coluna porque tanto que puxa
paciente pra cá, puxa paciente pra lá. O maior problema da
enfermagem é as pernas e a coluna, acho que não tem quem
não reclame. ( Beatriz)
- As doenças mais comuns na nossa área são as musculares
né, tendinite, burcite, problemas de joelho, mas é por causa
que a gente faz muita força né. (Lourdes)
- Eu tenho problema de coluna, já tá crônico. (Marta)
88
- Já me afastei pelas varizes, problema de varizes, é porque a
gente fica muito tempo de pé no trabalho. (Tatiana)
Num levantamento realizado junto a Medicina do Trabalho do Instituto de
Cardiologia, constatou-se que no ano de 2005 uma média mensal de 125
funcionários mantiveram-se afastados do trabalho para tratamento de saúde. Este
afastamento caracterizou-se em encaminhamento ao INSS
5
. Este número
representa um percentual de 11% do total de 1144 funcionários do hospital. E destes
125 funcionários, 52% deles são auxiliares ou técnicos de enfermagem.
No total são 354 auxiliares e técnicos de enfermagem que trabalham no
hospital, representando 31% do total de funcionários. Portanto, verificar que mais da
metade daqueles que se encontravam em tratamento de saúde pertencem a
enfermagem, revela um dado bastante significativo. Remetendo-nos a pensar que
se deva dar maior atenção a estes profissionais, a fim de buscar um trabalho
preventivo junto a estes.
Estes dados em conjunto com os depoimentos acima citados, justificam a
necessidade de preocupar-se com a saúde desses profissionais. Pois os mesmos
revelam que eles estão adoecendo.
E por que adoecem? Adoecem por que não são cuidados? Fazer um trabalho
que exige esforço físico seria justificativa para adoecer? Será que não existem
medidas que possam evitar este adoecimento?
5
Instituto Nacional do Seguro Social
89
Certamente há, e muitas. Inicialmente, há uma ciência especificamente
preocupada com estas questões, a Ergonomia. Essa se preocupa em otimizar o
bem-estar humano ao trabalho, buscando através de estudo e análises
desenvolver conhecimento científico relativos ao homem e necessários para a
concepção de ferramentas, máquinas e dispositivos que possam proporcionar o
máximo de conforto, segurança e eficácia ao trabalhador, segundo Oliveira (2002a).
E isso inclui posturas adequadas, manejos corretos com o paciente,
equipamentos que auxiliem na movimentação de pacientes, altura do leito
adequada, número adequado de funcionários em uma equipe de trabalho, além de
inúmeras outras medidas a fim de evitar o adoecimento do trabalhador. Contudo,
percebe-se que as situações de trabalho consideradas ideais, nem sempre são
oferecidas ao trabalhador, e pelo visto neste hospital também não, considerando o
elevado número de afastamentos do trabalho para tratamento de saúde.
- O profissional de enfermagem tem uma tendência a ter
problema muscular e não tem como evitar, porque faz parte da
profissão. (Kelly)
- Eu tenho muitas vezes problema de coluna, tendinite, muita
dor no braço, praticamente eu não consigo me virar. Essa
tendinite é em função do trabalho, mas isso é normal do
pessoal que trabalha na enfermagem. Não tem como fugir,
como escapar, não adianta. Eu acho que isso faz parte do
trabalho, é da vida. ( Andréia)
- Bem, foi uma coisa que eu escolhi, sei que é uma coisa pro
bem. Se eu tiver algum problema de saúde futuramente, se
tiver que me tratar eu me sentiria conformada, me sentiria até
feliz, se eu não ficar doente melhor, mas se eu ficar eu fiquei
pro bem, foi pra ajudar uma pessoa. (Vanessa)
90
- Eu não consigo vê o paciente precisando de alguma coisa, eu
vou lá e ajudo. Mesmo que isso vai me gerar um sofrimento
depois. ( Débora)
- Quando eu to aqui dentro, eu não me importo de ter que fazer
força, mesmo que doa depois. Tem que agir com naturalidade,
faz parte da vida, se tiver que acontecer vai acontecer. É
levantar a cabeça e continuar. (Laura)
Esses profissionais aceitam com naturalidade o fato de poderem ficar doente.
O que faz eles se conformarem com isso? Seria uma herança, do tempo em que
aqueles que cuidavam dos moribundos estavam em busca da sua própria
purificação? Será que eles também a buscam?
Ou seria a aceitação de que o trabalho tem sua origem na palavra tripalium,
um instrumento de tortura. Será que os cuidadors entendem que o trabalho precisa
ser este instrumento de tortura?
Por que agem de forma tão passiva a própria possibilidade de adoecerem?
Seria outra defesa, uma estratégia de aceitar esta possibilidade para não sofrer
agora o que acontecerá com o seu corpo depois? Mas por que esta conformidade
com a dor? Por que eles aceitam esta dor do corpo e não aceitam a dor da tristeza,
da perda do paciente, da angústia de conviver com pessoas que estão sofrendo?
Fingem que essas dores não existem e aceitam a possibilidade do corpo adoecer.
Por quê? Seria porque a pesquisadora pertence ao recursos humanos e eles têm
medo de serem demitidos pelas informações que estão prestando? Mesmo sendo
explicado a questão do sigilo?
91
Difícil responder, talvez novos questionamentos para outros estudos, tendo
em vista que eles não se incluem nos objetivos desta dissertação. Contudo são
questionamentos que inquietam, que incomodam.
Observa-se nos depoimentos uma “naturalização” do sofrimento, onde tudo é
aceito como fazendo parte da profissão que escolheram, portanto deve ser aceito
sem espanto, sem queixas, remetendo a uma banalização do sofrimento.
Dejours (2001) fala da condição da banalização do sofrimento, onde o
trabalhador desenvolve um amortecimento do corpo e do espírito como forma de
sobreviver. Banalizar esse sofrimento todo é como se o trabalhador não
percebesse o seu real significado. É como seus corpos estivessem anestesiados
para a dor provocada pela necessidade de fazer força ao movimentar o paciente, de
ficar em pé horas sem fim, de carregar maca, cadeira de rodas, etc., mas o
sofrimento continua existindo.
Com esta atitude o auxiliar e o técnico de enfermagem impedem a sua própria
visão do evento e a banalização passa a ser uma estratégia de esquecimento, pois
admitir o sofrimento pode implicar em reconhecer os seus próprios limites, e
consequentemente, sentir-se impotente diante destes eventos.
Banalizar o sofrimento pode torna-se uma tentativa de amenizá-lo, pois já que
“faz parte do trabalho” e “é da vida” como foi dito nos depoimentos, não é
considerado importante para ser valorizado. Esse recurso pode auxiliar o cuidador a
92
continuar o seu trabalho, contudo pode acarretar num desfecho ainda pior, o
adoecimento do próprio trabalhador.
O trabalhador pode vir a adoecer porque o sofrimento mesmo sendo
banalizado, não deixa de existir, ele permanece, a angústia não ganha acomodação,
não são resolvidos e os auxiliares e técnicos de enfermagem vão continuar se
deparando com novos sofrimentos, até um dia não agüentarem mais.
O trabalho do auxiliar e do técnico de enfermagem pode lhe proporcionar
adoecimento, se medidas preventivas não forem aplicadas. Tendo em vista os que
apontaram os problemas de saúde dos profissionais de enfermagem foram
questionados sobre medidas preventivas, nenhum referiu que tais medidas sejam
oferecidas neste hospital e muitos desconhecem até que essas possam existir.
Este conformismo, esta aceitação do adoecimento do próprio corpo e que
nada pode ser feito para mudar, revelam uma certa alienação. A busca do
conhecimento é uma ferramenta eficaz que pode intervir neste processo,
possibilitando o início de um processo de desalienação. Novamente, aponta-se para
um espaço de discussão, de compartilhamento destes profissionais, a fim de que
possam se tornar sujeitos ativos na busca de melhores condições de trabalho, na
busca da sua própria saúde e na busca de um espaço de compreensão e alívio para
o sofrimento. A instituição precisa estar atenta para atender esta demanda do
trabalhador, tendo em vista que é dela a responsabilidade de oferecer condições
adequadas de trabalho e ainda, zelar pela saúde dos profissionais.
93
5.5 O descuido com o cuidador
- Tem a rotina que estressa a gente, por exemplo: o paciente
fica hipertenso, precisa de uma medicação, aí tu tem que entrar
no computador, solicitar para a farmácia, alguém tem que ir na
farmácia buscar e isso vai atrasando o atendimento, e tu fica
estressado e isso porque não tem em estoque na unidade.
(Alexandre)
- O sistema sai do ar. Dificulta o atendimento que tu vai fazer.
Parece que não anda. O paciente tu trata, chega na burocracia
que também tem que fazer, então se torna difícil pra gente.
(Vanessa)
O trabalho do cuidador vem modificando-se ao longo do tempo. Antes sua
tarefa era medicar o paciente conforme a prescrição médica, alimentá-lo, cuidar de
sua higiene e conforto, ministrando os cuidados necessários, conforme a técnica
aprendida. Atualmente, o auxiliar e o técnico de enfermagem necessitam preocupar-
se também com outras questões: o controle de estoque, a burocracia, débitos e
registros.
Os novos procedimentos de controle de estoque, a papelada que envolve a
burocracia e os cuidados necessários com os débitos e registros na conta hospitalar
do paciente têm a sua justificativa de existir e têm como objetivo otimizar o resultado
financeiro das instituições de saúde, tendo em vista que essas medidas são exigidas
pelos convênios de saúde e SUS (Sistema Único de Saúde). Contudo, este
acréscimo de responsabilidades para este profissional, representa atraso no
atendimento ao paciente, gerando ainda mais tensão no seu cotidiano de trabalho.
94
Além do fato dessas rotinas serem herdeiras do taylorismo: quem as define e
as planeja está distante daqueles que as executam. Isto facilita a inadequação das
rotinas com relação a real necessidade enfrentada no cotidiano de trabalho, como
fica explicito nos depoimentos anteriores.
Com o advento da tecnologia que foi desenvolvida para facilitar o cotidiano de
qualquer cidadão, parece, às vezes, não colaborar tanto assim. O hospital é
totalmente informatizado, tudo deve ser registrado de forma on-line na conta
hospitalar e no prontuário do paciente, a fim de facilitar os procedimentos sejam eles
médicos ou financeiros. Contudo, se o sistema sai do ar, todos os setores ficam sem
informações, pois até mesmo a água que o paciente necessita deve ser solicitada
via sistema informatizado para o setor de nutrição. A tecnologia que deveria facilitar
pode aprisionar.
E essas dificuldades que surgem no cotidiano não são discutidas, para que
haja soluções que otimizem e facilitem os processos de trabalho dos cuidadores,
podendo ocasionar desgaste, deixando o trabalhador numa posição psicológica
extremamente penosa, conflitando com os valores do trabalho bem feito, o senso de
responsabilidade e a ética profissional.
O cuidador está preocupado com o imediatismo da ação necessária ao
atendimento do paciente, enquanto os registros atrasam este imediatismo. Tais
registros são necessários, contudo os depoimentos mostram as dificuldades
enfrentadas pelos auxiliares e técnicos de enfermagem que buscam atender o
paciente. Constata-se assim, a necessidade de buscar espaços de discussão entre a
95
equipe, a fim de encontrarem soluções que atendam as necessidades do
trabalhador, do paciente e da área financeira.
- O difícil é não ter material para trabalhar. Às vezes falta as
coisas, tu tem que ficar improvisando. Falta de funcionário, fica
com excesso de paciente, tu não consegue dar atenção
necessária, isso é que dificulta. ( Laura)
- Quando falta material atrapalha o desenvolvimento da cura do
paciente. Aí tu tem que tá correndo atrás de material, aí tu
atrasa um monte, tu deixa de fazer. Outra coisa, às vezes o
paciente não pode tomar banho, porque não deu tempo, aí ta
atrasado tudo. (Vanessa)
- Quando a gente tá com pouco funcionário. Aí tem muito
funcionário pro cateterismo, tu tem que fica deslocando toda
hora. Leva no Raio-X, leva na eco, leva no SIDI, isso aí fica
muito cansativo. A gente sai daqui cansado, louca pra chegar
em casa, tomar um banho e te jogar na cama. Aí tu deita e
dorme. (Marina)
- Quando dá muita correria. Correria no sentido da super
lotação. E tu sabe lá dentro que tem muita gente e aqui fora
esperando pra ser atendido e tu acaba te sentindo mal porque
tu não consegue atender todo mundo bem. A gente deixa a
desejar muita coisa, porque tu não atende bem, nem quem ta
deitado, nem quem ta lá fora esperando. É aquela coisa, tira
um do leito porque tem um pior pra deitar. E aquele não tá tão
bem o suficiente que deveria ficar deitado. (Melissa)
- Não dá tempo, tu trabalha duas, três vezes mais, ta lotada a
Emergência. Então tu não tem tempo, ai isso gera insatisfação.
Tu fica meio angustiada. (Lourdes)
Esses depoimentos refletem a realidade do Sistema de Saúde no Brasil: falta
de material para trabalhar, número inadequado de trabalhadores para atender a
96
demanda e o excesso de pacientes em relação à capacidade de atendimento dos
Serviços de Saúde.
O Instituto de Cardiologia atende uma demanda de 70% de todos os
procedimentos realizados pelo Sistema Único de Saúde - SUS. Materiais
hospitalares: remédios, soros, órteses, próteses, fios cirúrgicos, oxigênio,
marcapassos, etc., tudo o que é necessário para o tratamento do paciente, são
materiais caros, cujo reembolso do Sistema Único de Saúde é infinitamente menor
que o valor real desses, provocando um déficit financeiro permanente nas
instituições de saúde que atendem pelo SUS. E isso é apenas parte do problema.
O valor da consulta médica custa atualmente R$2,00 pelo SUS, o tempo de
permanecia do paciente no hospital também é determinado, caso o paciente seja
acometido de alguma complicação e necessite permanecer um tempo maior que o
previsto no hospital, o SUS não cobre essa despesa, gerando apenas custo para o
hospital. Enfim, o objetivo aqui não é discutir um problema de saúde pública e sim
tentar ilustrar as dificuldades financeiras enfrentadas pelas instituições da saúde,
buscando compreender a realidade dos profissionais que escolheram trabalhar como
cuidadores.
Trata-se aqui de um problema que não é exclusivo deste hospital, e sim um
problema social. Contudo, os cuidadores acabam assumindo para si a
responsabilidade destes problemas, sobrecarregando-se. Esses problemas afetam o
trabalhador, gerando-lhe angústia e sobrecarga de tensão.
97
Para Beck (2001) a possibilidade que o cuidador tem de promover o alívio do
sofrimento do outro, pode significar a reposição de energia, a busca do equilíbrio e
bem-estar. O que diante deste cenário descrito pelos depoimentos anteriores, não
está acontecendo, podendo estes aspectos também contribuir para o adoecimento
do trabalhador, pois estes eventos causam apenas tensão.
Como são problemas relacionados a uma realidade nacional, que envolve
investimento financeiro e mudanças nas políticas públicas, entende-se que seja um
problema cuja solução não será imediata, portanto estes trabalhadores continuarão
a enfrentar esta realidade diariamente em seu trabalho.
Outro advento que traz para alguns dificuldades é o trabalho noturno.
- No começo eu sentia uma náusea durante o dia, muda tudo, é
outra rotina né. Dia sim, dia não tu dorme de dia outro dia de
noite. Mas depois ficou normal. E também no começo eu
dormia quase o dia todo, agora não, durmo 3 ou 4 horas e já ta
bom. (Marta)
- No começo foi difícil, porque a gente trabalha 12 horas e às
vezes eu dormia as outras 12 e não sobrava tempo para nada.
Mas agora eu consigo administrar melhor, mas a gente fica
muito cansada quando sai daqui. (Noeli)
Fica evidente nos relatos acima a estranheza para o ritmo biológico o trabalho
noturno, contudo nenhum dos pesquisados gostaria de trocar de horário,
provavelmente porque trabalhar no turno da noite represente uma forma de um
incremento na remuneração pelo fato de se ganhar adicional noturno. Novamente,
evidencia-se a banalização do sofrimento, pois o corpo sofre com o ritmo estranho
98
ao natural, pois a noite foi feita para dormir e não para trabalhar. Contudo, esses
profissionais aceitam mais esta adversidade no seu cotidiano de trabalho.
E atualmente, existe uma lista de espera de funcionários do diurno que estão
aguardando uma oportunidade para trocarem de turno, desejando ir para à noite.
Acredito que isso possa estar relacionada com outra adversidade que
enfrenta o cuidador e que lhe atinge de forma direta na sua vida privada, a sua
remuneração, pois os cuidadores vendem a sua força de trabalho para administrar
os incômodos da doença e do morrer, são os guardiões, e segundo Pitta (1994) nem
sempre são esclarecidos de sua penosa missão. E a remuneração que recebem por
estarem cuidando do trágico, é na maioria das vezes pouca, proporcionando um
precário poder aquisitivo, refletindo direto na sua qualidade de vida.
- O salário pra mim tá sendo pouco, eu não to conseguindo
pagar minhas contas. ,Não faço nada fora daqui porque tudo
precisa de dinheiro. Eu fazia academia, adorava, mas fiquei
sem dinheiro, aí não consegui pagar, aí resolvi saí. (Beatriz)
- Só com um emprego não tem como viver. Aí tu acaba tendo
que trabalhar em dois hospitais. (Carmen)
Esta também é outra questão que atravessa o cotidiano do cuidador, a baixa
remuneração, outro problema social. O salário pago no Instituto de Cardiologia está
dentro da média paga pelos hospitais de Porto Alegre, excetuando os hospitais
públicos federais e municipais que pagam uma remuneração melhor que a média
paga pelos demais hospitais.
99
Este profissional que é tão exigido no seu cotidiano de trabalho, não vê seu
esforço traduzido em uma remuneração adequada e que atenda suas necessidades,
empurrando-o muitas vezes ao segundo emprego o que pode colaborar ainda mais
para um possível adoecimento, pois todo o cenário aqui descrito ele enfrenta em
dobro no seu dia-a-dia.
Conviver com esta realidade faz parte da vida do cuidador. E como trabalham
com tamanha dedicação, se a instituição não está cuidando destes profissionais
adequadamente? Novamente se revela urgente a necessidade de buscar medidas
que possam estar cuidando desses profissionais que se dedicam com tanto zelo ao
trabalho de cuidar do doente. A instituição necessita cuidar do cuidador para ele
continuar cuidando do paciente.
100
REFLEXÕES FINAIS
O cuidar é constitutivo do sujeito e algumas pessoas escolheram como
profissão o cuidar. Cuidar de quem se encontra fragilizado, enfermo, moribundo,
sofrendo, desesperado, cuidar daquele que está doente e pode ficar curado ou
daquele que pode morrer.
O cuidador escolheu acompanhar a trajetória dos pacientes enquanto estes
encontram-se internados. E esse acompanhamento pode lhe proporcionar prazeres
e sofrimentos.
Ele encontra prazer no que faz porque o seu trabalho proporciona um espaço
de criação onde ele pode inventar-se e reinventar-se como sujeito, pode construir
sua identidade, pode realizar e contemplar sua própria obra. Tudo isso porque existe
um espaço entre o trabalho prescrito e o trabalho real que permite ao cuidador
construir a relação que estabelece com o paciente, e esta é única, pertence a cada
trabalhador.
Além de encontrar através de seus pares e dos próprios pacientes o
reconhecimento de seu trabalho e esse é propiciador de sentido ao que ele faz,
101
possibilitando aos auxiliares e técnicos de enfermagem gostarem daquilo que fazem
e serem felizes com a sua profissão, transformando assim o sofrimento em prazer.
Contudo, nem só de amores eles vivem. Existe o sofrimento que acompanha
a tarefa de presenciar a dor e o sofrimento do paciente. Este trabalho, onde assistir
ao paciente, oferece também sofrimento ao trabalhador, pois ele procura esconder a
sua própria dor gerada por acompanhar o doente e isso pode proporcionar acúmulo
de tensão podendo levar, com o tempo, o cuidador ao adoecimento.
Foi constatado o número significativo de profissionais da enfermagem que
encontram-se afastados em licença saúde, sinalizando que o trabalho pode estar
causando problemas de saúde e necessitam ser prevenidos, a fim de evitar mais
sofrimento a estes trabalhadores.
Criar um espaço onde ele possa compartilhar e compreender este sofrimento
e ainda, significar estes eventos para que possa continuar com saúde faz-se
necessário e urgente.
Refletir e discutir sobre as vicissitudes do trabalho, os eventos geradores de
prazer e de sofrimento parece ser uma medida necessária para estes trabalhadores
encontrarem meios de continuar trabalhando de forma saudável, bem como este
hospital preocupar-se e agir a favor da saúde destes profissionais.
102
REFERÊNCIAS
BARDIN, Laurence. Análise de Conteúdo. Lisboa: Edições 70, 1977.
BECK, Carmem Lúcia Colomé. O sofrimento do trabalhador: da banalização a re-
segnificação ética na organização da enfermagem. Florianópolis: UFSC,2001.
BOFF, Leonardo. Saber cuidar: ética do humano – compaixão pela terra. Rio de
Janeiro: Vozes, 1999.
BRASIL. Lei 7.498, de 25 de junho de 1986. Dispõe sobre a regulamentação do
exercício da enfermagem e dá outras providências. In: Conselho Regional de
Enfermagem do Rio Grande do Sul – Legislação.
CATTANI, Antonio D. Dicionário crítico sobre trabalho e tecnologia. 4. ed. Porto
Alegre: Vozes, 2002.
CHIZZOTTI, Antônio. Pesquisa em ciências humanas e sociais. 5. ed. São Paulo:
Cortez, 2001
CODO, Wanderley. SAMPAIO, José J. Coelho.; HITOMI, Alberto Haruyoshi. (Org.)
Indivíduo, Trabalho e Sofrimento: uma abordagem interdisciplinar. Rio de
Janeiro: Vozes, 1994.
DEJOURS, Christophe. A banalização da injustiça social. 4.ed. Rio de Janeiro:
Fundação Getúlio Vargas. 2001.
DEJOURS, Christophe. A loucura do trabalho – estudo de psicopatologia do
trabalho. 5.ed. São Paulo: Cortez, 1992.
DEJOURS, Christophe. Conferências Brasileiras – Identidade, reconhecimento e
transgressão no trabalho. São Paulo: Fundap, 1999.
DEJOURS, Christophe. O Fator Humano. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas,
1997.
DEJOURS, Christophe. Trabalho e Saúde Mental: da pesquisa à ação. In: BETIOL,
Maria Irene Stocco (Coord.). Psicodinâmica do Trabalho – Contribuições da
103
Escola Dejouriana à Análise da Relação Prazer, Sofrimento e Trabalho. São
Paulo: Atlas, 1994.
DEJOURS, Christophe e ABDOUCHELI, Elisabeth. Itinerário Teórico em
Psicopatologia do Trabalho. In: BETIOL, Maria Irene Stocco (Coord.).
Psicodinâmica do Trabalho – Contribuições da Escola Dejouriana à Análise da
Relação Prazer, Sofrimento e Trabalho. São Paulo: Atlas, 1994.
FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. 12.ed. Rio de Janeiro: Graal, 1996.
GOLDIM, José Roberto. Manual de Iniciação à Pesquisa em Saúde. Porto Alegre:
Dacasa, 2000.
GONÇALVES, Ernesto Lima. Administração de Recursos Humanos nas
Instituições de Saúde. São Paulo: Pioneira, 1987.
GONZALES, Rosa Maria Bracini. Na busca da autopercepção: um trajeto
vivenciado por enfermeiras. Florianópolis: UFSC, 1995. Dissertação (Mestrado em
Assistência de Enfermagem); Universidade Federal de Santa Catarina, 1995.
HEIDEGGER, Martin. Ser e tempo. Petrópolis: Vozes, 1995.
HELLER, Agnes. Sociologia de la vida cotidiana. Barcelona: Península, 1991.
<http://www.cardiologia.org.br/cardiologia/Templates/fuc_hist.htm > Acesso em: 23
out. 2005.
JARDIM, Sílvia R. Trabalho e doença mental. In: BORGES, Luiz H.; MOULIN, Maria
das Graças B.; ARAÚJO, Maristela D. Organização do trabalho e saúde:
múltiplas relações. Vitória: EDUFES, 2001.
LAPLANCHE e PONTALIS. Vocabulário de Psicanálise. São Paulo: Martins
Fontes, 1992.
LARANJEIRA, Sonia M. G. Fordismo e Pós-Fordismo. In: CATTANI, Antonio D.
Dicionário crítico sobre trabalho e tecnologia. 4. ed. Porto Alegre: Vozes, 2002.
LIEDKE, Elida Rubini. Trabalho. In: CATTANI, Antonio D. Dicionário crítico sobre
trabalho e tecnologia. 4. ed. Porto Alegre: Vozes, 2002.
MANNONNI, Maud. A primeira entrevista em psicanálise. Rio de Janeiro:
Campus, 1980.
MARX, Karl. Manuscritos de 1844. Buenos Aires: Ed. Polêmica, 1972.
MENDES, Ana Magnólia; BORGES, Lívia de Oliveira; FERREIRA, Mário César.
Trabalho em transição, saúde em risco. Brasília: Universidade de Brasília, 2002.
MERLO, Álvaro Roberto Crespo. A informática no Brasil – Prazer e sofrimento no
trabalho. Porto Alegre: Ed. da Universidade/UFRGS. 1999.
104
MERLO, Álvaro Roberto Crespo. Psicodinâmica do Trabalho. In: JACQUES, Maria
da Graça e CODO, Wanderley (org). Saúde Mental e Trabalho – Leituras. Rio de
Janeiro: Vozes, 2002.
MINAYO, Maria Cecília de Souza et al. Pesquisa Social – teoria, método e
criatividade. 21. ed. Porto Alegre: Vozes, 2002.
MIRSHAWKA, Victor. Hospital: fui bem atendido a vez do Brasil. São Paulo:
Makron Books do Brasil, 1994.
MÜLLER, Marina. Orientação Vocacional – Contribuições clínicas e
educacionais. Porto Alegre: Artes Médicas, 1988.
NOGUEIRA-MARTINS, Maria Cezira Fantini. Humanização das relações
assistenciais: a formação do profissional de Saúde. São Paulo: Casa do
Psicólogo, 2001.
OLIVEIRA, Paulo Antônio Barros. Ergonomia. In: CATTANI, Antonio D. Dicionário
crítico sobre trabalho e tecnologia. 4. ed. Porto Alegre: Vozes, 2002a.
OLIVEIRA, Paulo Antônio Barros. Trabalho Prescrito e Trabalho Real. In: CATTANI,
Antonio D. Dicionário crítico sobre trabalho e tecnologia. 4. ed. Porto Alegre:
Vozes, 2002.
OSÓRIO, Luiz Carlos. Psicologia Grupal: uma nova disciplina para o advento de
uma era. Porto Alegre: Artmed, 2003.
PITTA, Ana. Hospital dor e morte como ofício. 3.ed. São Paulo: HUCITEC, 1994.
RIBEIRO, Herval Pina. O hospital: história e crise. São Paulo: Cortez, 1993.
ROCHA, Ruth Milyus. Enfermagem psiquiátrica: que papel é este? Rio de
Janeiro: Instituto Franco Basaglia/Te Cora, 1994.
SAMPAIO, José Jackson Coelho et. al. Saúde e trabalho: uma abordagem do
processo e jornada de trabalho. In: CODO, Wanderley. Sofrimento psíquico nas
organizações: Saúde mental e trabalho. Petrópolis: Vozes, 1995.
SEBASTIANI, Ricardo Werner. A equipe de Saúde frente às situações de crise e
emergência no hospital geral: aspectos psicológicos. In:ANGERAMI-CAMON,
Valdemar Augusto. Urgências psicológicas no hospital. São Paulo: Pioneira, 2002
SELIGMANN-SILVA, Edith. Desgaste mental no trabalho dominado. Rio de
Janeiro: Ed. UFRJ/Cortez. 1994.
SILVA, Cláudia Osório da. Trabalho e Subjetividade no Hospital Geral. Psicologia
Ciência e Profissão, v. 18, n.2, p.26-33, 1998.
105
TAYLOR, Frederick Winslow. Princípios de Administração Científica. 7ªed. São
Paulo: Atlas, 1985.
TITTONI, Jaqueline. Saúde Mental. In: CATTANI, Antonio D. Dicionário crítico
sobre trabalho e tecnologia. 4. ed. Porto Alegre: Vozes, 2002.
VAZ, Marta Regina Cezar. Reflexões concernentes ao conceito de trabalho e a
cotidianidade. Revista Brasileira de Enfermagem. Brasília, v. 48, n.2, p.168-171,
abr/jun. 1995.
106
APÊNDICES
107
__________________________Apêndice 1_______________________________
Roteiro de entrevista
Idade:
Sexo:
Unidade de trabalho:
Tempo de trabalho no hospital:
Horário de trabalho:
Importância atribuída ao trabalho:
O que você considera bom no seu trabalho?
O que você considera ruim no seu trabalho?
Relacionamento com colegas:
Relacionamento com enfermeiras, supervisores,médicos:
Relacionamento com pacientes e familiares:
Condições de trabalho:
O que lhe dá mais prazer no trabalho?
O que você não gosta no seu trabalho?
Condições emocionais e físicas ao final da jornada de trabalho:
Licença para tratamento de saúde:
Acidente de trabalho:
108
___________________________Apêndice 2____________________________
Universidade Federal do Rio Grande do Sul
Instituto de Psicologia
Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social e Institucional – Mestrado
Projeto: O prazer e o sofrimento psíquico dos auxiliares e técnicos de enfermagem
que trabalham em intensivismo e emergência de um hospital especializado em
cardiologia
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Esta pesquisa visa compreender e analisar as implicações do trabalho na
saúde psíquica dos auxiliares e técnicos de enfermagem que trabalham em
unidades críticas. As questões que norteiam o trabalho são: investigar a existência
de uma relação entre o trabalho dos auxiliares e técnicos de enfermagem e os
processos de saúde e adoecimento destes trabalhadores; identificar as experiências
geradoras de prazer e sofrimento psíquico para estes profissionais; verificar como o
ambiente e a organização de trabalho podem influenciar na geração de prazer e
sofrimento psíquico, conhecendo sintomas que possam ser indicativos de sofrimento
psíquico.
Com a pesquisa, busca-se contribuir na produção de conhecimento sobre as
implicações do trabalho de enfermagem na saúde destes trabalhadores,
colaborando para uma discussão que possibilite a construção de um trabalho
preventivo para estes profissionais.
Eu, ________________________________________ me disponho a
participar deste estudo. Fui informado de seus objetivos e de que dentre os
procedimentos previstos para sua realização está uma entrevista individual, a qual
será gravada em fita de áudio, da qual me proponho a participar voluntariamente.
Informo que todas as minhas dúvidas foram respondidas com clareza e sei que
poderei solicitar novos esclarecimentos, bem como pedir o meu afastamento do
estudo a qualquer momento. Estou ciente ainda, de que os dados serão divulgados
de forma a não me identificar pessoalmente (caráter sigiloso) e que somente serão
divulgados dados gerais da pesquisa. Fui informado de que, caso desista da
participação nesta pesquisa, poderei solicitá-lo a pesquisadora responsável, Aline
Gonçalves Machado, assim como qualquer alteração ou situação imprevista que
venha a ocorrer, através do telefone (51) 3230.3632.
Porto Alegre, de de 2005.
__________________________ _________________________
Participante Aline Gonçalves Machado
Pesquisadora
109
__________________________Apêndice 3_____________________________
Leito de atendimento na Emergência
Posto de enfermagem na Emergência
110
__________________________Apêndice 4____________________________
Sala de atendimento para parada cardio-respiratória na Emergência
Unidade Pós-Operatória
111
ANEXO
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo