É o lorde!
Um processo instaurado contra três agentes de policia, implicados numa grande fraude
financeira e acusados de terem feito escapar um certo número de falsários notáveis, tem
chamado as atenções críticas para a organização da polícia inglesa. E reconhece-se com
melancolia que, neste ponto, a Inglaterra está muito abaixo, como sistema e como pessoal,
das nações continentais.
Os agentes da policia (detectives) são decerto suficientes, como estratégia e como finura para
capturar o ladrão vulgar, bronco e assustado, que abre com chave falsa uma porta traseira ou
vasculha as algibeiras de um sujeito distraído: mas desde que se trata de um criminoso astuto,
com meios, vastas relações, inventivo e expedito, o detective actual é invariavelmente logrado.
Isto provém de que são escolhidos sem educação. A policia é uma ciência que devia ter a sua
aprendizagem, os seus compêndios, a sua prática. Mas aqui tudo o que se exige num
detective é que ele conheça bem Londres e que tenha uma certa coragem; ora os grandes
ladrões conhecem Londres ainda melhor e são, por profissão, mais destemidos! O perigo dá-
lhes a invenção, a ideia, a faísca; e enquanto o detective vai farejando e seguindo antiquados
e rotineiros meios de caça (que os criminosos sabem de cor e que evitam a rir) o pássaro
desaparece. Em França, na Áustria, na Itália, a polícia é composta de homens que recebem na
prefeitura uma educação demorada, que trabalham ao principio sob a direcção de chefes
hábeis e que se vão assim iniciando lentamente nas tácticas, nas regras, nos segredos, nas
invenções recentes da profissão: ganham deste modo um tacto, um hábito de expediente
rápido, um faro, um espírito de intriga e de enredo, uma percepção repentina, um talento
inventivo, que os tornam temíveis.
Enquanto ao polícia ordinário, o policeman, que vigia a rua, pode dizer-se que em Inglaterra,
pouco a pouco, um sistema errado tem-nos tornado inúteis para tudo que não seja policiar o
movimento das ruas, dar indicações a quem não conhece a cidade e acompanhar os bêbados
mais sonolentos. Não se lhes peça mais nada. Isto provém de que ultimamente todos os
comissários e chefes de policia são antigos oficiais do exército; e o seu primeiro cuidado é, por
consequência, com o hábito do regimento, dar à força policial. à sua disposição, um aspecto
militar» Escolhem os homens não pela sua aptidão, mas pela sua estatura. Contanto que
sejam enormes, barbados, de movimentos secos, direitos como um poste e agranadeirados,
não se lhes reclama mais nada» Fardam-nos, ensinam-lhes a marchar com tesura e entregam-
lhes a protecção da cidade. Isto explica porque se vê a cada esquina de Londres um
policeman colossal, hercúleo, imóvel, rolando em roda olhares severos, e na esquina oposta,
risonho, um pickpocket – é que se procurou um tambor-mor e não um hábil.
Os comissários têm orgulho nestas colecções de corpanzis, fazem manobras a desfilar a dois
de fundo, e no entanto o cidadão é roubado e assassinado com um doce sossego de facínora.
É que estes gigantes são ordinariamente estúpidos, como todos os gigantes. Naquela imensa
massa de músculos e osso, há lá no alto, num canto, um bocadinho de miolos, bastante para
que ele saiba distinguir o nome das ruas. De resto, força de braço, sério! Se se trata de
levantas um bêbado, bem! Agarram nele, como numa pele, metem-no debaixo do braço e vão
a marche-marche; mas se se trata de descobrir um crime, boas noites! O gigante, a quem se
pede um esforço do intelecto, arregala os olhos e baba-se!
O herdeiro presuntivo do herdeiro presuntivo, isto é, o filho mais velho do príncipe de Gales,
está perigosamente doente há semanas, com uma febre tifóide. Recentemente uma recaída
tem-no colocado em perigo. O que me espanta é a indiferença gelada que o público inglês,
sempre tão sôfrego de fazer espalhafato com o seu amor à dinastia, tem mostrado por esta
infeliz criança. Nem uma linha oratória nos jornais, nem uma expressão dedicada de simpatia,
nada! Apenas, nas notícias da corte, as quatro palavras secas que o declaram mal. Não me
espanta menos ler logo, mais abaixo, nessas notícias, as caçadas, os jantares, as corridas de
que o príncipe de Gales é o centro glorioso: enfim, a realeza tem certas escravidões de
etiqueta, que não deixa tempo aos deveres da paternidade, ou às inquietações do sentimento.
Mas porque é que, na ocasião em que o príncipe está pior, a princesa de Gales, sua mãe, uma
senhora de tão altas virtudes, um carácter tão nobre, tão dedicado, vai para o Teatro do
Criterion ouvir as pilhérias de uma farsa picante – os Dominós Cor-de-Rosa. Decerto não é por
sua vontade; a princesa de Gales tem as qualidades antigas da mãe de família romana: o seu