corpo” (Idem, p.299. Grifo nosso). Bakhtin lembra que a época medieval contribuiu
para a evolução da noção de corpo grotesco, na medida em que partes do corpo dos
santos eram consideradas relíquias:
As relíquias, que tinham um papel tão grande no mundo
medieval, exerceram também a sua influência sobre a evolução das
noções de corpo grotesco. Pode-se afirmar que várias partes dos
corpos dos santos estavam espalhadas por toda a França (até mesmo
por todo o mundo cristão). Mesmo a igreja ou mosteiro mais
modestos tinham que ter essas relíquias, isto é, uma parte ou parcela,
às vezes das mais extraordinárias (por exemplo, uma gota de leite do
seio da Virgem; o suor de santos, de que fala Rabelais); braços,
pernas, cabeças, dentes, cabelos, dedos, etc., poderíamos assim
entregar-nos uma interminável enumeração de estilo puramente
grotesco! (1987, p.306. Grifo nosso).
Como mencionamos anteriormente, o cronotopo da capela integra elementos que
compõem o espaço sagrado. Diante do exposto na citação acima, observamos que as
relíquias eram consideradas, no mundo medieval, essenciais na composição espacial das
igrejas ou mosteiros. Em Nenhum olhar, a capela também abriga uma relíquia:
A um canto, dentro de uma caixa de vidro salpicada de
porcaria das moscas e a escorrer gotas paradas e secas de cera, estava
uma mão enorme, arrancada pelo pulso, segura por arames, com os
dedos parados no gesto de querer agarrar algo. Estava ali há muitos
anos. Logo no dia em que desenterraram o caixão para tratar dos ossos
e deram com a mão intacta, o demônio mandou fazer a caixa de vidro
e começou a espalhar a notícia de que tinham encontrado um santo. A
terra tinha abatido sobre o caixão e, entre os ossos que estavam
embrulhados na trouxa feita com um lençol, estava a mão incólume.
Era a mão do gigante (PEIXOTO, 2005, p.151. Grifo nosso).
Desse modo, na mesma proporção que o Espírito Santo é rebaixado e
destronado, o gigante é elevado e coroado. Nesse mundo às avessas, pois, o mesmo
gigante que, no Livro I, estraçalha o corpo de José e estupra a sua mulher, no Livro II
tem sua mão transformada em relíquia e ele é comparado a um santo.
Na Bíblia, Maria, que nunca havia conhecido antes um homem, concebe seu
filho sagrado por uma intervenção divina, através do Espírito Santo:
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