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hoje, mesmo sendo a criminalização dada e havendo um certo consenso sobre a
criminação, a incriminação nos casos de trabalho escravo ainda é de difícil realização.
O “trabalho escravo é crime”, mas não era bem assim que estava na lei. A
redação primitiva do artigo 149 do Código Penal consistia em: “Reduzir alguém a
condição análoga à de escravo: Pena – reclusão, de 2 (dois) a 8 (oito) anos.”. Trabalho
escravo era uma das formas de reduzir alguém a condição análoga à de escravo; hoje
com a redação nova, ela é a forma por excelência
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, como é salienta “D”:
“No entanto, apesar da clareza do dispositivo e da manifestação da
doutrina, a alteração do Código Penal foi feita pela lei 10.803 de dezembro do ano
passado [2003] que ao explicitar condutas restringe as hipóteses que caracterizam
infração penal, já que, ao contrário da lei civil, não se admite analogia em matéria
penal
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(...) com os artigos que versam sobre cárcere privado (148), violações a
leis trabalhistas e constrangimento ilegal. A norma, pois, toma uma situação pela
outra e não as distingue claramente. O maior problema da lei nova é a
descriminalização de outras condutas [que estão para além da relação trabalhista,
tais como: escravização de mulheres, escravização para tráfico de órgãos etc.]
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.
Esta nova lei não mais abrange estas condutas no núcleo de reduzir alguém à
condição análoga a de escravo, pois ao exemplificar o modo como se efetiva esta
conduta acaba por reduzir a situações típicas das relações de trabalho. A redação
anterior do artigo 149 do Código Penal, para evitar a sensação de impunidade
precisava de alteração apenas da pena mínima atribuída ao crime; de modo a evitar
a prescrição ou que se atribuísse ao condenado penas alternativas não condizentes
com a gravidade desta infração penal. No entanto, esta pena mínima não foi
alterada.” (informante D – MPF; grifos meu)
Este é sem dúvida o ponto chave da dificuldade em “tornar crime” segundo o
aspecto da criminalização: a descriminalização por excelência. Algumas condutas
deixam de ser criminalizáveis porque as alterações realizadas na lei penal reduziram a
gama de eventos passíveis de serem classificados como o crime previsto no art. 149.
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Mais adiante retomaremos este ponto com maiores detalhes
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Versa o Código Penal, na Seção I, do Capítulo VI (Dos crimes contra a liberdade individual), sobre a
Redução à condição análoga à de escravo, em redação dada pela Lei nº 10.803, de 11.12.2003:
“Art. 149: Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a
jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer
meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto:
Pena - reclusão, de dois a oito anos, e multa, além da pena correspondente à violência.
§ 1
o
Nas mesmas penas incorre quem: I – cerceia o uso de qualquer meio de transporte por parte do
trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho; II – mantém vigilância ostensiva no local de trabalho
ou se apodera de documentos ou objetos pessoais do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho.
§ 2
o
A pena é aumentada de metade, se o crime é cometido: I – contra criança ou adolescente; II – por motivo
de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem.”; in: Código Penal Brasileiro, disponível em
https://legislacao.planalto.gov.br/
, último acesso em 10 de abril de 2004.
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O que criaria uma polissemia jurídica dentro do próprio Código Penal.
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Esta frase foi reformulada por mim devido a truncamentos na fala e falhas na gravação.