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JOÃO GUSTAVO VIEIRA VELLOSO
CRIME, MERCADO E CONTROLE SOCIAL DE ELITES:
SOBRE O TRATAMENTO JURÍDICO
DADO AO TRABALHO ESCRAVO
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Sociologia e Direito da
Universidade Federal Fluminense, como
requisito parcial para a obtenção do título de
mestre em Ciências Jurídicas e Sociais.
Orientador: Prof. Dr. WILSON MADEIRA FILHO
Coorientador: Prof. Dr. ROBERTO KANT DE LIMA
Niterói
2005
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2
VELLOSO, João Gustavo Vieira
Crime, Mercado e Controle Social de Elites: sobre
o tratamento jurídico dado ao trabalho escravo/ João
Gustavo Vieira Velloso, UFF/ Programa de Pós-
Graduação em Sociologia e Direito. Niterói, 2005.
90 f.
Dissertação (Mestrado em Ciências Jurídicas e Sociais)
– Universidade Federal Fluminense, 2005.
1. Trabalho escravo. 2. Administração de conflitos em
perspectiva comparada. 3. Ilegalismos dos poderosos. 4.
Controle social. 5. Descriminalização. 6. Polissemia jurídica.
I. Dissertação (Mestrado). II. Título
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CRIME, MERCADO E CONTROLE SOCIAL DE ELITES:
S
OBRE O TRATAMENTO JURÍDICO DADO AO TRABALHO ESCRAVO
JOÃO GUSTAVO VIEIRA VELLOSO
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em
Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense, como
requisito parcial para a obtenção do título de mestre em Ciências
Jurídicas e Sociais.
Banca Examinadora:
_______________________________________________
Prof. Dr. Wilson Madeira Filho – PPGSD/UFF (Orientador)
_______________________________________________
Prof. Dr. Roberto Kant de Lima – PPGA/UFF (Coorientador)
_______________________________________________
Prof.ª Dr.ª
Maria Stella Amorim – PPGD/UGF
_______________________________________________
Prof. Dr. Roberto da Silva Fragale Filho – PPGSD/UFF
Resultado: _______________________.
Grau obtido: ____________________.
Niterói, ______ /______ / _________.
4
Dedico este trabalho a todos aqueles que conviveram
comigo ao longo dos últimos oito anos no ICHF (UFF), no
IFCS e na Praia Vermelha (UFRJ), nas rodas de samba, e,
principalmente, nos bares, botequins e afins, que felizmente
ainda são os principais espaços de interlocução existentes
em nossa sociedade.
E de forma especial, dedico este trabalho àqueles(as)
que tiveram saco de me aturar durante a pós-graduação – o
que de certa forma é um presente de grego, já que
provavelmente estas pessoas não agüentam mais me ouvir.
5
Agradecimentos
Este trabalho é fruto de não apenas de um Mestrado em Sociologia e Direito,
mas das múltiplas institucionalidades as quais percorri nos últimos três anos. As
vezes eu acho que o meu lugar é um pouco o meio, o “&” que se encontra subscrito
em títulos, siglas, nomenclaturas etc. Sempre fui um pouco flâner, estando aqui e ali,
percorrendo diversos caminhos. Não estava a andar por precisar me encontrar como
diria o grande Candeia, mas apenas por andar, conversar com os outros, não me
fechar... Este triênio fechou um ciclo de andanças entre o Rio e Niterói que já se
arrastava por outros quatro anos anteriores. Enfim, os agradecimentos que se seguem
são tão interdisciplinares e esquizofrênicos quanto a minha trajetória. Tenho dádivas
a retribuir, extrema consideração em mencionar e muito a agradecer a inúmeras
pessoas, de muitos lugares, pois foram elas que me permitiram andar e a poder voar.
Neste triênio rompi as amarras com a graduação, aliás, com as graduações. Os
meus ritos de pós-graduação não foram somente associados ao mestrado. Após
terminar a minha graduação (de bacharel) em Ciências Sociais na UFF eu fiquei
vinculado a duas outras graduações: a licenciatura de Ciências Sociais e Comunicação
Social na UFRJ. Este período me ocupou cerca de um ano e meio do triênio, sendo
uma interessante experiência de “pós” graduação. Já não estava tão preso a questões
banais como a implicância com a língua estrangeira, obrigatoriedade de créditos etc.;
foi um tempo de mudança de posturas, de questões, de objetos... Tenho muito a
agradecer neste sentido aos professores Milton José Pinto e Maura Sardinha da
ECO/UFRJ pela amizade e incentivo, e ainda mais por me formarem enquanto
produtor editorial. Assim como devo menção ao professor Marcos Alvito,
História/UFF, que foi de suma importância nesta fase de “pós” graduação como
amigo, interlocutor, flamenguista, sambista etc.; sem o qual talvez não tivesse me
reaproximado das questões jurídicas. E é claro, tenho a agradecer aos companheiros
de curso e de esbórnia, o que era mais ou menos a mesma coisa, são eles: Lenílton,
Belo, Louise, PC, Michele, Raquel, Thiago, Pavuna, Leandro, Danielle, Milena,
Pri(s), Ypuan, Theou etc. (para lembrar dos prováveis esquecidos).
6
Em relação aos espaços “não” universitários, merecem ser ressaltadas três
organizações: o Sindicato Nacional dos Editores de Livros (SNEL), o Centro de
Justiça Global e o Instituto de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro (ISP).
O SNEL foi uma instituição que me acolheu em um período complicado, o que me
permitiu a atuar enquanto produtor editorial e a instrumentalizar recursos para
sobreviver um ano sem bolsa. Do eixo Justiça Global tenho muito que agradecer a
Andressa, Javier, Aninha, Diogo, Sandra, Marcelo, Xanxe, Juliana, Renata e,
sobretudo, às minhas conviventes Nathalie, Fannie, Dida e Emily – especialmente a
esta última por ter me esfregado o tema do trabalho escravo. E finalmente ao ISP,
tenho a agradecer, em especial, à Ana Paula, à Gláucia e à Sabrina, companheiras
também de pesquisa, com as quais espero colaborar certamente por um bom tempo.
No que diz respeito ao fomento e recursos, merece destaque a CAPES,
instituição a qual fui bolsista, e, sobretudo a PROPP/UFF que sempre se mostrou
solícita às demandas para participação em congressos e demais eventos. Neste
sentido, devo especialmente agradecer ao pró-reitor Sidney Mello pelo incentivo,
apoio e disponibilidade em diversas ocasiões.
E já que chegamos à UFF e à pós-graduação e pesquisa, seguimos às menções
que lhe são específicas. Em especial devo extrema gratidão aos dois espaços que me
formaram enquanto pesquisador: o Programa de Pós-Graduação em Sociologia e
Direito (PPGSD) e o Núcleo Fluminense de Estudos e Pesquisas (NUFEP).
Do PPGSD devo agradecer não só aos professores e colegas de curso, mas
também às funcionárias e a própria dinâmica do programa. Eu não aprendi só nas
aulas, um dos maiores espaços de socialização acadêmica foi o dia a dia do Programa,
as reuniões de Colegiado, comissões etc. Aprendi a pós-graduação, eu vivenciei isso e
foi muito importante para minha formação. Com isso, tenho a agradecer a: Roberta,
Graça e Córa pela atenção de sempre no cotidiano do mestrado; Ellen, Marta, Fábio,
Rogério, Evandro, Rita, Leonardo e Felipe, companheiros(as) da turma de 2003, e em
especial aos quatro últimos pela amizade, interlocução e convívio em espaços não
acadêmicos; Maurício, Zé Fernando, Marcelo, Fridman, Daizy, Fragale e Napoleão,
sobretudo aos dois últimos pelo apoio, diálogo e interação fora da sala de aula. E é
claro, tenho muito a agradecer ao Wilson não só por ser meu orientador, mas também
parceiro, amigo e incentivador, que me permitiu uma interessante experiência docente
na Faculdade de Direito e sem o qual esta dissertação jamais se findaria.
7
Do NUFEP devo extrema gratidão a todos e não são poucos: Flávinha, Lucía,
Lenin, Lúcio, Mello, Fabinho, André, Vanessa, Helinho, Roberta, Luis, Ronaldo,
Juliana, Fernanda, Michael, Luciane, Haydée, Rosa, Nígela, Naiana, Maria Fabiana,
Maria de Paula, Lídia, e até mesmo a Renatinha... Sei lá se tem mais gente, é capaz de
ter, mas acho que os que mais contribuíram com minha formação pessoal e de
pesquisador estão supracitados. Considero este grupo muito importante para mim e
todos colaboraram bastante lendo projetos, fazendo comentários, reclamando,
pesquisando, trocando experiências, participando em eventos, bebendo cerveja, sendo
grandes amigos etc. Neste sentido, também incluo neste meio os parceiros do
NECVU (IFCS/UFRJ), em especial Michel, Brígida e Vívian pelos mesmos motivos;
assim como os de Ottawa, em especial a Daniel dos Santos, um colaborador decisivo
para os rumos que tomaram minha pesquisa. E certamente tenho muito a agradecer ao
Roberto Kant por me orientar no núcleo, coorientar no mestrado e me ensinar a ser
competente academicamente, ao lidar com a universidade, agências de fomento etc.
Ainda do eixo pós-universitário há alguns perdidos, pessoas de encontros,
cursos e eventos esporádicos, mas que também foram importantes neste triênio; são
eles: André, Nilton, Lana, Luis e Elane (o casal cabeção), Angelinha e Raquel
(minhas queridas irmãs), e outros tantos que reconheço e cumprimento ao encontrar
nos espaços mais diversos – mesmo que por vezes não me lembre de seus nomes.
Em relação à disponibilização de material para a(s) pesquisa(s), devo
agradecer a algumas instituições jurídico-políticas:
- À Câmara Municipal de São Gonçalo, mais especificamente à Secretaria, à
Procuradoria e ao Arquivo;
- À Secretaria de Inspeção ao Trabalho do Ministério do Trabalho e Emprego
(SIT/MTE), responsável pelos dados sobre a atuação do Grupo Móvel, em especial
ao Marcelo Campos;
- Ao Ministério Público do Trabalho (MPT), sobretudo à coordenadoria atuante no
combate ao trabalho escravo;
- Ao Ministério Público Federal, especialmente à pesquisadora, professora e
subprocuradora geral da república Ela Wiecko e à sua acessora Morgana Pinheiro,
sem as quais esta pesquisa não teria os registros criminais – fruto do trabalho de
sistematização destes dados realizado junto à Procuradoria Federal dos Direitos do
Cidadão.
8
Finalmente, agradeço também aos meus familiares, sobretudo à minha mãe e ao
meu irmão, pela ajuda, afetividade, confiança e paciência que tiveram principalmente
nos períodos difíceis de minha formação. E por último e não menos importante,
agradeço de forma especial à Marie-Eve, minha chérie companheira que cada vez
mais é a família que eu escolhi, pelos motivos supracitados, e sobretudo por uma
importância que é única nesta fase de mudanças pela qual eu passei nos últimos dois
anos. Esta dissertação não é uma obra individual e foi ela certamente quem mais
participou de sua elaboração, cotidianamente, do momento da simples tradução
despretensiosa de um artigo sobre trabalho escravo até as situações limites dos ajustes
finais da dissertação. Não só fonte de inspiração, mas de conhecimento. A melhor
interdisciplinaridade e interlocução que pude ter com o mundo jurídico.
9
“Conflitos podem matar, mas em quantidade
insuficiente podem paralisar.”
A
Nils Christie
(Conflicts as property, p. 1)
10
SUMÁRIO
Prólogo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15
Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17
Parte I: Contextualização . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 20
1- Crime, ilegalismo e mercado: controle social
de elites nos estudos criminológicos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21
2- Panorama sobre escravidão contemporânea no Brasil . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31
Parte II: Formas de controle sobre o trabalho escravo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 37
3- Controles Cíveis: Grupo Móvel, Ministério do
Trabalho e Emprego, Ministério da Justiça,
e Ministério Público do Trabalho . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 38
4- Controle Penal: Ministério Público Federal,
a criminação-incriminação através do artigo 149 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 47
Parte III: Gestão diferencial e controle social . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 56
5- Hipóteses sobre o movimento de descriminalização . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 57
Bibliografia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 68
Anexos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 74
Notas de fim: originais de citações traduzidas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 85
11
Resumo
Dissertação desenvolvida a partir de entrevistas e análise de documentos acerca da
atuação do Grupo Móvel (da SIT/MTE) e do Ministério Público da União (MPT e MPF)
na administração de conflitos condizentes ao chamado trabalho escravo. O objetivo é
analisar as diferentes políticas públicas e ações dos agentes do Estado no controle social
destes ilegalismos. As persecuções geralmente são conduzidas no âmbito cível (SIT/MTE
e MPT), sendo estas apenas de cunho reparatório. A administração via justiça criminal
(de atribuição do MPF) é deixada de lado, salvo raras exceções, apesar de positivada no
artigo 149 do Código Penal. O movimento de descriminalização do trabalho escravo é
bastante sintomático para se pensar a lógica de atuação destes operadores em nossa
cultura jurídica e dos instrumentos de controle disponíveis. Se por um lado à falta de
tratamento jurídico igualitário se apresenta como mais um fator na reprodução de
desigualdades sociais; por outro, a utilização de sistemas normativos cíveis permite
problematizar o Penal enquanto forma de controle social, abrindo novos caminhos para
se pensar uma ordem pública no contexto democrático e republicano.
12
Abstract
This dissertation is based on interviews and analysis of documents on the intervention
of the Ministry of Labor’s Special Mobile Strike Force (SIT/MTE), a roving unit that
conducts surprise inspections of properties accused of exploiting workers, and on the
intervention of the Federal Public Prosecutor Office (including the Public Ministry of
Labor – MPT, and the Public Prosecutor Office – MPF) in the resolution of conflicts
related to slave labor. Its aim is to analyze the different policies and the actions of
State agents in controlling these illegalisms. Legal actions are generally taken in the
civil law sphere (SIT/MTE and MPT) where the remedies are merely compensatory.
Although section 149 of the Brazilian Criminal Code provides for criminal penalties
for slave labor, public authorities apply criminal laws (under the jurisdiction of the
MPF) only exceptionally. The movement towards decriminalizing slave labor is
revealing of the logic within which State agents operate in our legal culture and of the
means of control available to them. On the one hand, unequal legal treatment appears
to be just another factor in the reproduction of social inequalities, but on the other
hand, the use of civil laws gives us the opportunity to think about the use of criminal
law as a mean of social control and opens new paths to think about public order in a
democratic and republican context.
13
Lista de Siglas
ACC – Ação Civil Coletiva
ACP – Ação Civil Pública
AL – Alagoas
ANPOCS – Associação Nacional de Pós-Graduação em Ciências Sociais
BNDES – Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
CAPES – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
CJG – Centro de Justiça Global
CLT – Consolidação das Leis do Trabalho
CONATRAE – Comissão Nacional para Erradicação do Trabalho Escravo
CPI – Comissão Parlamentar de Inquérito
CPP – Comissão Parlamentar Processante
CPT – Comissão Pastoral da Terra
DRPF – Delegacia Regional da Polícia Federal
ECO – Escola de Comunicação
FUNARTE – Fundação Nacional de Artes
GERTRAF – Grupo Executivo de Repressão ao Trabalho Forçado
GT – Grupo de Trabalho
ICHF – Instituto de Ciências Humanas e Filosofia
IFCS – Instituto de Filosofia e Ciências Sociais
ISP – Instituto de Segurança Púbica do Estado do Rio de Janeiro
MA – Maranhão
MEC – Ministério da Educação
MG – Minas Gerais
RO – Rondônia
MPF – Ministério Público Federal
MPT – Ministério Público do Trabalho
MST – Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
MT – Mato Grosso
MTE – Ministério do Trabalho e Emprego
14
NECVU – Núcleo de Estudos da Cidadania, Conflito e Violência Urbana
NUFEP – Núcleo Fluminense de Estudos e Pesquisas
OEA – Organização dos Estados Americanos
OIT – Organização Internacional do Trabalho
ONG – Organização Não-Governamental
PA – Pará
PEC – Proposta de Emenda Constitucional
PFDC – Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão
PGR – Procuradoria Geral da República
PGT – Procuradoria Geral do Trabalho
PPGA – Programa de Pós-Graduação em Antropologia
PPGCP – Programa de Pós-Graduação em Ciência Política
PPGSD – Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito
PROPP – Pró-Reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa
RBA – Reunião Brasileira de Antropologia
RE – Recurso Extraordinário
RJ – Rio de Janeiro
RT – Reclamação Trabalhista
SIT – Secretaria de Inspeção do Trabalho
STF – Supremo Tribunal Federal
TCAC – Termo de Compromisso de Ajustamento de Conduta
TO – Tocantins
UFF – Universidade Federal Fluminense
UFRJ – Universidade Federal do Rio de Janeiro
15
Prólogo
Há cerca de três anos atrás, abril de 2002, comecei a acompanhar o desenrolar
de uma reportagem sobre corrupção na cidade de São Gonçalo (RJ). Achava aquilo
curioso: após a reportagem instaurou-se uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI)
na Câmara de Vereadores, que logo se desdobrou em uma Comissão Parlamentar
Processante (CPP), e o Ministério Público entrou com duas ações na Comarca local,
uma civil e outra penal. Esta é a dissertação que eu não escrevi, mas que merece ser
lembrada aqui; pois, dentre outras coisas, despertou meu interesse para uma área de
pesquisa: a administração de conflitos em uma perspectiva comparada.
Ainda me lembro como se fosse hoje: foi o caso da “reportagem que virou uma
CPI e dois processos” (como eu dizia) que me levou ao Núcleo Fluminense de Estudos e
Pesquisas (NUFEP) em 2002 e ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito
(PPGSD) em 2003. Na minha primeira reunião do NUFEP eu me apresentei falando
sobre isso, como este caso despertava meu interesse etc., queria fazer uma discussão
comparativa da administração daquele evento no legislativo e no judiciário. Na entrevista
do processo de seleção do PPGSD eu também acabei falando da mesma coisa. Estes dois
espaços permitiram que eu desenvolvesse esta pesquisa por pouco mais de um ano:
levantei documentações, cheguei a realizar entrevistas, e li, li um monte de coisas. As
leituras, discussões e conversas que eu tive durante o ano de 2003 na pós-graduação e no
grupo de pesquisa me levavam mais e mais para uma discussão jurídica. Na verdade, a
CPI já não me preocupava tanto, mesmo sem querer assumir isso, o meu problema era os
dois processos. Na medida em que lapidava o meu objeto de estudo percebia que talvez
fosse mais interessante perceber as diferentes administrações de conflitos presentes no
próprio campo jurídico a partir da comparação entre os seus distintos sistemas
normativos. Esta não foi uma mudança fácil, lógica e imediata; não seria nenhum
exagero dizer que só cheguei a este ponto graças à convivência em um ambiente
institucional multidisciplinar que me incentivou e me deu liberdade em ir adiante.
A pesquisa sobre o tratamento jurídico dado ao trabalho escravo começou a
surgir por conta de uma daquelas fatalidades do destino, a roda da Fortuna estava a
16
girar em minha frente, foi por bruxaria. Em janeiro de 2004 uma amiga, uma advogada
americana pesquisadora de ONG, precisava de alguém para traduzir e revisar um artigo
dela sobre trabalho escravo. Ela queria que realizasse este serviço porque era
complicado achar alguém que dominasse a língua e tivesse um mínimo de
conhecimento sobre as diferenças entre as tradições jurídicas do Brasil e dos Estados
Unidos. De início eu repassei para uma outra pessoa, pois estava fazendo campo em
São Gonçalo na ocasião. Mas acabei tendo que fazer a tal tradução por motivos de
enfermidade da tradutora e para não deixar minha amiga na mão.
O artigo era interessante, a pesquisadora levantou documentos, realizou
entrevistas com trabalhadores libertos, agentes do Estado e de organizações atuantes
nestes conflitos (a CPT, por exemplo) etc. No entanto, lá pelo meio do artigo eu
comecei a achar algo meio estranho: falava-se que trabalho escravo era crime, citava o
artigo 149 do Código Penal, mas os dados judiciais eram de ações cíveis (trabalhistas
na maior parte). Estava lá na minha frente: trabalho escravo é crime e não é crime – só
que ela não dizia isto de uma forma explícita. Esta questão me corroeu durante um bom
tempo. Tivemos uma conversa bem inusitada e esclarecedora, em resumo: perguntei se
era aquilo mesmo, crime e não-crime etc., e ela me respondeu “sei lá João, agora que
você falou é que eu me dei conta disso”. Aos poucos fui percebendo como aquilo era
parecido com o que estava estudando a partir de São Gonçalo e resolvi seguir adiante
nesta nova empreitada.
No início, acabei fazendo duas pesquisas ao mesmo tempo: uma sobre corrupção
e a outra sobre condição análoga a de escravo; o que era uma loucura, apesar dos objetos
serem próximos – eventos passíveis de administração em diferentes sistemas normativos
e tidos como um tipo de criminalidade associado às frações dominantes da sociedade.
Cada vez mais tinha prazer em desenvolver a temática relacionada ao tratamento jurídico
dado ao trabalho escravo e percebia limitações em relação à pesquisa sobre as diferentes
administrações do caso de São Gonçalo, sendo uma em especial: durante o ano de 2002 e
no início de 2003, quando fiz campo sobre a gestão jurídica, ative-me ao Civil e deixei
de lado o Penal. Isto era irrecuperável, somente acompanhei as audiências do processo
civil, e quando percebi e me indicaram este outro lado já era tarde. Deixei de lado um
evento associado ao político e me dediquei a observar o fenômeno da administração
diferencial de ilegalismos a partir de eventos associados ao econômico.
E deu no que deu...
17
Introdução
Esta dissertação é resultado de uma pesquisa que teve início em janeiro de 2004
como uma derivação de uma temática anterior – vide prólogo. Crime, Mercado e Controle
Social de Elites surgiu a partir da idéia de analisar os diferentes tratamentos jurídicos dado aos
eventos associados à exploração de trabalhadores que geralmente é denominada de trabalho
escravo ou escravidão contemporânea por dívida, em especial a chamada impunidade penal.
A metodologia adotada nesta pesquisa foi essencialmente qualitativa, consistindo em
dois procedimentos principais: 1) levantamento de documentação pertinente, e 2) realização
de entrevistas; sendo a análise dos dados elaborada a partir do método comparativo.
A documentação (relatórios, estatísticas, normas e informes) foi levantada junto às
instituições responsáveis pelos registros das diferentes ações de “combate” ao trabalho
escravo, são elas: Secretaria de Inspeção ao Trabalho (SIT/MTE), responsável pelos dados
relativos ao Grupo Móvel e à Lista Suja; Ministério Público do Trabalho (MPT), medidas
relativas à Justiça do Trabalho; e Ministério Público Federal (MPF), em relação às ações
criminais. Igualmente, procurou-se levantar documentos de outras instituições como a
Comissão Nacional para Erradicação do Trabalho Escravo (CONATRAE), Ministério da
Justiça, Secretaria Especial de Direitos Humanos, veículos de imprensa etc. para se ter uma
visão mais adequada dos atores atuantes (in loco, promovendo ações, participando de grupos
de trabalho ou comissões e assim em diante), e com isso delimitar as possíveis entrevistas.
Os entrevistados foram selecionados a partir da análise da documentação levantada,
o que resultou na escolha de cinco atores diretamente envolvidos na administração destes
conflitos. Institucionalmente eles são vinculados à SIT (atuantes no Grupo Móvel), ao
MPT e ao MPF; sendo, neste sentido, representativos do universo estudado e a opção mais
viável tendo em vista que em sua maior parte são sediados em Brasília. Todas as
entrevistas foram gravadas, fluíram sem grandes problemas ou restrições, e realizadas ao
longo do segundo semestre de 2004 em vindas dos atores ao Rio de Janeiro. As identidades
dos interlocutores foram preservadas por questões éticas, sendo os mesmos identificados
apenas por vinculação institucional – o que é suficiente para atender os critérios teórico-
metodológicos adotados na presente pesquisa.
18
Cabe aqui um esclarecimento sobre o recorte dado na pesquisa em relação ao
tratamento jurídico: optei por considerar mais relevante o que seria associado ao
movimento em colocar (classificar) o evento nos termos da lei. Trata-se de uma opção
metodológica que em parte é pessoal, pois considero que o interesse maior desta
pesquisa é o de perceber os movimentos de ação do Estado no tratamento de
ilegalismos relacionados ao trabalho escravo; ou seja, a preocupação é muito mais com
a entrada no jurídico do que com a saída. É claro, como veremos na Parte II, que
consideramos dados de saída (sentenças), mas a idéia é demonstrar que a partir dos
registros mais gerais (os de entrada) é que se torna possível perceber mais
adequadamente a gestão diferencial dos ilegalismos – posição que os estudos clássicos
sobre objetos análogos (white-collar crime etc.) corroboram.
Uma primeira versão deste trabalho foi apresentada durante o XXVIII Encontro Anual
da ANPOCS, no GT “Conflitualidade social, acesso à justiça e reformas do poder judiciário”,
com o título “Sobre o tratamento jurídico dado ao trabalho escravo: o movimento de
descriminalização”, em outubro de 2004. E uma segunda, em novembro, na Agenda
Acadêmica 2004 (UFF), no mini-curso “Crime e Mercado – administração de conflitos em
perspectiva comparada a partir do tratamento dado ao trabalho escravo”. Foram duas
oportunidades para apresentação de resultados e para obter retorno de um público interessado.
Os retornos recebidos nestas apresentações resultaram em pelo menos uma
alteração substancial na forma de apresentação dos resultados da pesquisa: a elaboração da
Parte I, o que não existia nos originais. A Parte I corresponde a uma contextualização da
pesquisa do ponto de vista teórico e empírico, dividindo-se em dois capítulos. O Capítulo 1
tem como objetivo inserir a presente pesquisa no horizonte dos estudos sociológicos e
criminológicos que lidam com objetos de pesquisa semelhantes, a saber: ilegalismos
econômicos administráveis em diferentes sistemas normativos (sejam eles jurídicos ou
políticos). Neste capítulo são retomados os estudos clássicos de Edwin Sutherland sobre
esta temática, passando por pesquisas mais recentes – em especial Susan Shapiro e
Vincenzo Ruggiero.
1
Já o Capítulo 2 focaliza o “como, quando e onde” ocorrem os casos
de trabalho escravo. Trata-se de um breve panorama sobre a chamada escravidão
contemporânea por dívida no Brasil, o que ajuda a visualizar o plano dos eventos que
antecede o objeto desta pesquisa – a administração jurídica destes eventos conflituosos.
1
Como boa parte da bibliografia é estrangeira e não disponível em português, optei por traduzir todas as
citações ao longo do texto e disponibilizar os originais em inglês ou francês através do recurso a notas de fim.
Estas notas, alfabetizadas (
A
,
B
,
C
,
...
,
AA
,
AB
etc.), são restritas à remissão aos originais.
19
Estes capítulos são uma parte da apresentação da pesquisa de escrita posterior e onde são
fornecidos subsídios mais adequados para uma melhor compreensão da administração dos
conflitos associados ao trabalho escravo.
A Parte II da dissertação corresponde à parte mais etnográfica da pesquisa: uma
descrição dos movimentos de ação dos atores, de diferentes instituições, envolvidos na
administração destes conflitos, sobretudo no que tange ao acesso à justiça, ao pôr em forma
jurídica. O termo acesso à justiça neste trabalho é entendido, em linha gerais, como acesso
às instâncias sociais legitimadas na administração de conflitos; enfim, o acesso aos
tribunais, à prestação de serviços jurisdicionais por parte do Estado. As Formas de
controle sobre o trabalho escravo são apresentadas em dois capítulos e esta distinção se dá
por imposição do próprio campo – a cisão entre cível e penal é, digamos, uma classificação
nativa. No Capítulo 3 são descritas as estratégias de controle social cíveis, as atuações do
Grupo Móvel, da Secretaria de Inspeção ao Trabalho do MTE, do Ministério da Justiça e
Ministério Público do Trabalho. Já no Capítulo
20
Parte I
Contextualização
“Muitos dos white-collar crimes são cometidos por
corporações. E ainda não foi inventado nenhum método
efetivo de lidar com corporações através do direito penal.
Não é possível condenar uma corporação à morte, ou açoitá-
la, ou mandá-la para prisão, a não ser em um sentido
figurado.”
B
Edwin H. Sutherland
(Crime and Business, p. 114)
21
Capítulo I
Crime, ilegalismo e mercado: controle social
de elites nos estudos criminológicos
Este capítulo foi fomentado pelos debates ocorridos durante o GT jurídico da última
ANPOCS e, sobretudo, pelo seguinte comentário jocoso de uma das participantes a
respeito do pioneirismo de alguns dos trabalhos: “O João também, de alguma forma, se
beneficia porque a gente diz o que a gente quer; os outros que venham depois e critiquem o
que a gente escreveu”. Isto me fez pensar bastante: se por um lado o trabalho é pioneiro ao
propor uma análise comparativa dos diferentes tratamentos jurídicos dado ao trabalho
escravo, por outro ele compartilha de um mesmo objeto em relação aos estudos
sociológicos e criminológicos clássicos sobre criminalidade econômica. Creio que a
associação entre o meu trabalho e tais estudos não é somente sugerida, uma reminiscência
de que não se trata de nenhuma novidade. Na verdade é muito mais do que isso, a presente
pesquisa se vincula diretamente com os estudos sobre white-collar crime
2
, criminalité des
puissants, criminalité d’afaires, corporate crimes, elite deviance, etc.
A referência clássica destes estudos é sem dúvida os trabalhos de Edwin Hardin
Sutherland sobre white-collar crime. Deve-se a Sutherland a introdução deste campo de
pesquisa nos estudos sociológicos e criminológicos ao longo dos 1940’s. Em seus
estudos iniciais, sua preocupação era muito mais confrontar as teorias criminológicas
hegemônicas que associavam crime à pobreza
3
. No entanto, como salienta Vincenzo
2
Não traduzo o termo white-collar crime porque a expressão usada, crime do colarinho branco, não é seu
equivalente. Tratam-se de categorias distintas e para evitar equívocos optei pelo uso do original.
3
“As estatísticas criminais mostram sem equívocos que o crime, como popularmente concebido e
oficialmente medido, tem uma alta incidência nas classes mais baixas e uma baixa incidência nas classes
mais altas (...). Delas, se derivaram teorias gerais sobre o comportamento criminal. Estas teorias
consideram que uma vez que o crime está concentrado nas classes mais baixas classe, ele é causado pela
pobreza ou por de características pessoais e sociais que acreditam ser estatisticamente associadas a ela,
incluindo desvios psicopáticos de debilidade mental, vizinhanças favelizadas, e ‘famílias deterioradas’.
(...) As explicações convencionais são inválidas principalmente porque elas são derivadas de amostras
enviesadas.” (Sutherland, 1940, p. 1-2)
C
22
Ruggiero, Sutherland foi muito otimista neste sentido
4
; apesar de suas contundentes
criticas, seus escritos fizeram bodas de ouro ao som de “janelas quebradas” ecoando
pelos cantos. Mas o fato é que para questionar o par crime/pobreza ele precisou trazer
para os estudos sobre comportamento criminal certos eventos que até então eram
deixados de lado. Da iluminação desta zona cinzenta vem à tona o conceito de white-
collar crime, trilhando o caminho para esta área de pesquisa.
White-collar crime é mesmo crime. Ele é chamado de crime aqui no
sentido de trazê-lo para dentro do escopo da criminologia, o que é justificado
porque se trata de uma violação à lei criminal. A questão crucial nesta análise é o
critério da violação à lei criminal. A condenação penal, que é por vezes sugerida
como o critério, não é adequada porque uma grande parcela daqueles que cometem
crimes não são condenadas pela justiça criminal” (Sutherland, 1940, p. 5).
E
“Um white-collar crime é definido como uma violação à lei criminal por uma
pessoa de classe socioeconômica alta em curso de suas atividades ocupacionais. A classe
socioeconômica alta é definida não só por sua riqueza, mas também por sua
respeitabilidade e prestígio na sociedade em geral. (...) Esta definição é arbitrária e não
muito precisa. Não há necessidade de ser precisa (...). O propósito do conceito de white-
collar crime é chamar atenção para uma vasta área do comportamento criminal que
geralmente é negligenciada como comportamento criminal.” (Sutherland, 1941, p. 112)
F
Além da crítica às teorias hegemônicas, a idéia de white-collar crime traz
consigo algumas contribuições bastante interessantes. Primeiro, ele chama a atenção
para as diferentes manifestações que este tipo de criminalidade pode apresentar,
associando-a a violações a leis penais que ocorrem a partir de práticas espúrias em
diversas áreas profissionais, sobretudo: negócios, política, e medicina (Sutherland,
1940, p. 2 e ss.). Segundo, o fenômeno da relativa invisibilidade dos registros,
principalmente nas estatísticas criminais
5
, associada a uma espécie de vitimização
difusa não percebida – por exemplo, fraudes no mercado de ações. E finalmente, o mais
genial dele nisto tudo: “A mais geral, entretanto não universal, característica do white-
collar crime é a violação da confiança.” (Sutherland, 1941, p. 1)
G
Bingo! Sutherland foi
bastante perspicaz em perceber as condições e implicações institucionais na qual este
tipo de criminalidade se manifesta:
4
“Sutherland (1940: 4) conseguiu, como ele esperava, ‘trazer os white-collar crimes para dentro do
escopo da criminologia’, mas talvez ele tenha sido um pouco otimista sobre a dissolução da correlação
entre crime e ‘as condições psicopáticas e sociopáticas associadas à pobreza’. Ele subestimou a
poderosa pulsão que conduz a maioria dos criminológos para as classes mais baixas, as quais eles
adotam, um pouco filantropicamente e paternalisticamente, como as únicas classes que merecem
atenção.” (Ruggiero, 2002, p.177)
D
23
“O prejuízo financeiro dos white-collar crimes, grande como ele é, é menos
importante do que os danos às relações sociais. Os white-collar crimes violam confiança
e , com isso, criam desconfiança. Outros crimes produzem relativamente poucos efeitos
em instituições sociais ou na organização social.” (Sutherland, 1940, p. 5)
I
Este tipo de criminalidade se fundamenta essencialmente na confiança, e isto
não é pouca coisa. Ao contrário da criminalidade de rua, aqui o grande “q” da questão
se localiza nas relações impessoais (faceless commitments). Os white-collar crimes
possuem a capacidade de colocar em cheque as cadeias de confiança mútua, tão
essenciais para a manutenção dos chamados sistemas peritos (Giddens, 1991, p. 84 e
ss; p. 91). Os recentes casos de fraudes na Enron e na WorldCom ilustram bem esta
situação. Por mais estranho que possa parecer, isto também se relaciona com a
escravidão contemporânea – fundada no aliciamento de trabalhadores a partir de falsas
promessas e ‘aprisionamento’ por dívida, retenção de documentos etc.
Em contexto correlato, Margarida Maria de Moura, fala sobre o sentimento de traição
do trabalhador rural no Vale do Jequitinhonha, quando vê as antigas relações de agrado, trato
e favor serem substituídas pela mediação escrita dos contratos de trabalho. E destaca:
“A invasão e a expulsão da terra são atos separadores dos vínculos com a terra
e o trabalho entre lavradores e fazendeiros, capazes de pagar e fazer evaporar uma
etiqueta de convivência sertaneja que pode incluir: fazer a mesma festa, ir à mesma
igreja, entrar em relações de compadrio e amizade.” (Molina et alli., 2002, p. 138)
A lógica do conceito de white-collar crime e do embate frente às teorias
crime/pobreza é a base do famoso dark number, a “cifra negra”, que em resumo afirma
que os crimes registrados são sempre em menor número do que os eventos crimináveis
ocorridos (Sutherland: 1985); sendo isto ainda ressaltado pelo tipo do registro, e
inserção, que tais eventos possuem nos sistemas de controle
6
. Apesar da construção
interessante, há dois problemas nestas considerações, e que são justamente as principais
críticas às abordagens de Sutherland.
5
“O predomínio do white-collar crime pode ser prontamente apreciado por qualquer um que leia alguns dos
atuais relatórios anuais da Comissão Federal de Comércio e outras comissões que têm responsabilidade na
regulação de negócios.” (Sutherland, 1941, p. 113)
H
6
“Eles diferem principalmente na implementação das leis criminais que se aplicam a eles. Os crimes das
classes baixas são manejados por policiais, promotores, e juízes, com sanções penais na forma de multas,
aprisionamento e morte. Os crimes das classes mais altas não resultam em nenhuma ação oficial em geral, ou
então resultam em processos por danos em tribunais civis ou são manejados por inspetores, e por conselhos
administrativos ou comissões com sanções penais na forma de advertências, ordens de suspensão e renúncia,
ocasionalmente na perda de uma licença, e somente em casos extremos através de multas ou sentenças de
aprisionamento.” (Sutherland, 1940, p. 7-8)
J
24
Primeiro, Sutherland propõe a extensão da categoria crime a outras agências
judiciais que não a justiça criminal, o que de fato existe nos EUA
7
, além de ser uma
posição que ele defende muito bem por sinal. E não devemos nos esquecer que sua
preocupação é com o par crime e pobreza. Neste sentido, ele afirma exatamente o
seguinte: “Outras agências além dos tribunais criminais devem ser incluídas, porque o
tribunal criminal não é a única agência que toma decisões oficiais em relação às
violações da lei penal.” (Sutherland, 1940, p. 6)
K
. Ele argumenta que o mesmo ocorre
nas análises sobre delinqüência juvenil (‘crimes’ que também são administrados fora da
justiça criminal)
8
, leia-se “teorias crime/pobreza”, e que no caso do white-collar crime
tais agências responsáveis são administrativas e civis
9
.
Se, por um lado, já nos 1940’s ele menciona claramente a gestão diferencial de
ilegalismos, como é possível perceber na supracitada epígrafe e em seu trabalho
empírico
10
; por outro lado, praticamente tudo vira crime: é violação a lei penal, tem
pena, então é crime. Este é o problema dele, ele mistura as categorias. Sutherland acha
que mariola e bananada são a mesma coisa, mas se esquece que nem sempre a mariola
é de banana e que muitas vezes a bananada não é mariola. Ele sabia muito bem que tal
ponto era controverso, tanto que se defendia acusando seus adversários de fazerem o
mesmo (delinqüência juvenil) e afirmando que em alguns estados dos EUA a justiça
criminal funcionava sem a aplicação de regras processuais associadas ao penal
(Sutherland, 1945, p.135 e ss.). Enfim, o fato é que existe nos escritos de Sutherland
7
Vide os trabalhos de Jack Katz (1979) e Susan Shapiro (1985, 1987 e 1990). Ambos lidam com
determinadas situações de fraudes onde a lei penal é administrada fora da justiça criminal. No contexto
dos casos estudados no Brasil há um movimento análogo por parte das associações de juízes e
promotores do trabalho que defendem a posição de que os crimes associados ao trabalho escravo devem
ser administrados pela Justiça do Trabalho – o que não ocorre hoje.
8
“White-collar crime é semelhante à delinqüência juvenil no que diz respeito à implementação diferencial da
lei. Em ambos os casos os procedimentos da justiça criminal são modificados na forma de que o estigma de
crime não seja atribuído aos ofensores.” (Sutherland, 1945, p. 138)
L
9
“White-collar crimes são mesmo crime. Se não é uma violação da lei criminal, ele não é white-collar crime
ou qualquer outro tipo de crime. Mas diferenças em procedimentos administrativos não justificam a
designação deste comportamento como algo diferente de crime.” (Sutherland, 1941, p. 115)
M
10
Em resumo: “(...)foi feita uma análise das decisões de tribunais e comissões contra as setenta maiores
corporações industriais e mercantis dos Estados Unidos a partir de quatro tipos de leis, a saber: antitruste,
propaganda enganosa, relações trabalhistas nacionais, infração de patentes, direito autorais e marcas
registradas [todas violações criminais]. Isto resultou no descobrimento de que tinham sido tomadas 547
decisões adversas com uma média de 7,8 decisões por corporação e com cada corporação tendo pelo
menos uma delas. Embora todos estas fossem decisões onde o comportamento era ilegal, só 49 ou 9 por
cento do total foram tomadas através de justiça criminal e eram ipso facto decisões onde o comportamento
era criminal.” (Sutherland, 1945, p. 132)
N
No entanto, após ele estender a análise do tal comportamento
criminal, trabalhando como crime os casos de violações à lei penal administrados em outros sistemas
25
uma certa confusão sobre o que é crime; o que pode ser resolvido com a utilização do
termo ilegalismo
11
(Foucault: 1999a; Acosta: 2005; e outros autores) para caracterizar
as violações em geral e com os operadores analíticos propostos por Misse (1999; 2004)
– tema que é abordado com maiores detalhes no Capítulo 4.
O segundo problema é a sua explicação para este fenômeno: a diferença entre as
posições sociais dos transgressores (vide nota 6). Consideração esta que além de ser
simplista e reducionista demais, focaliza a rotulação de criminal nos criminosos e não
nos ‘crimes’ – ou melhor, nos eventos, nos atos. Susan Shapiro corrobora esta posição
12
brincando com o termo collar, “Collaring the crime, not the criminals”, e sugerindo a
liberação do conceito a partir da retomada de um ponto presente no próprio trabalho de
Sutherland que já foi salientado acima: a noção de “white-collar crime como uma
violação de confiança” (Shapiro, 1990, p.137)
Q
.
Em relação aos estudos mais contemporâneos, devem ser ressaltados os
trabalhos de Susan Shapiro sobre fraude acionária (stock fraud) nos EUA, e de
Vincenzo Ruggiero em relação às diversas associações entre mercado e criminalidade
na Europa de hoje, incluindo o tráfico de seres humanos. Alguns dos trabalhos são mais
próximos da linha que buscamos adotar sobre as administrações dos conflitos
associados à escravidão contemporânea no Brasil, como é o caso de Ruggiero. Outros,
apesar de lidarem com temas completamente distintos, abordam objetos com o mesmo
problema: como se dá a gestão jurídica de ilegalismos econômicos que em geral são
polissêmicos a luz do Direito?
Shapiro retoma a problemática dos white-collar crimes em fins dos anos 70 em
sua pesquisa sobre a atuação das Comissões de Câmbio e Valores Mobiliários dos
Estados Unidos (SEC)
13
na regulação do mercado de capitais.
“A agência pode utilizar mecanismos de execução da lei (enforcement) civis e
criminais ao mesmo tempo, assim como, os administrativos também. Enquanto as
disposições criminais são geralmente apropriadas, elas raramente são prosseguidas até às
fases de sentença. De cada 100 suspeitos investigados pela SEC, 93 cometeram
violações de disposições sobre valores mobiliários que levam a penalidades criminais. A
ação judiciária é iniciada contra 46 deles, mas só 11 são selecionados para tratamento
criminal. Seis destes são indiciados; 5 serão condenados 5 e 3 sentenciados à prisão.
normativos ele chega a seguinte conclusão: “Esta conclusão, nesta parte semântica da discussão, é que 473
das 547 decisões são decisões onde crimes estavam sendo cometidos.” (Sutherland, 1945, p. 135)
O
.
11
Em algumas traduções o termo de Foucault aparece como ilegalidade, opto pela fidelidade ao original.
12
“(...)eles confundem atos com atores, normas com transgressores, o modus operandi com o operador.”
(Shapiro 1990, p. 347)
P
13
United States Securities and Exchange Commissions
26
Assim, na execução da lei (enforcement) pela Comissão de Câmbio e Valores
Mobiliários, a persecução criminal representa freqüentemente um caminho não
utilizado.” (Shapiro, 1985, p. 182)
R
Em resumo ocorre que quando existe uma suspeita de fraude, é realizada uma
breve averiguação, seguida de uma investigação formal, se for o caso. Concluída a
investigação, é preparado um memorando com o detalhamento do caso e encaminham
para os agentes responsáveis pela decisão de ajuizar ações ou não. São quatro as opções
a partir de então: 1) não promover ações, 2) ações administrativas, 3) ações civis, e 4)
ações criminais, sendo que no caso desta última é obrigatório passar antes pelos US
Attorneys – instituição responsável pelo ajuizamento de denúncias (Shapiro, 1985, p.
184 e ss.). E no que diz respeito à administração diferencial dos ilegalismos, ela
elaborou uma tabela e um gráfico que são muito ilustrativos sobre a prioridade para o
não penal quando há outras possibilidades de controle.
(Shapiro, 1985, p. 191)
27
(Shapiro, 1985, p. 206)
Já Ruggiero desenvolve os seus estudos no contexto da globalização, fazendo
associações entre crime e mercado que se desdobram em subtemas relacionados ao
crime organizado, mercado informal, crimes transnacionais
14
, economias sujas etc.,
com o diferencial de se preocupar com as vinculações do lícito com o ilícito e
institucionalidades em jogo
15
. Mas sem dúvida onde Ruggiero mais auxilia a
14
“Este termo, que abraçou todos os empreendimentos ilegais trans-fronteiriços, foi, contudo, ligeiramente
inclinado, como sendo principalmente aplicado às práticas ilícitas adotadas por companhias multinacionais.
Em resumo, crime transnacional sugere a conduta ilegítima de atores e grupos poderosos, cujos recursos
políticos e econômicos os protegeram do monitoramento público e da regulamentação institucional.”
(Ruggiero, 2002, p.178-179)
S
15
“White-collar crime é caracterizado através dos laços fracos com a sociedade civil e da alta integração com
as instituições. A inabilidade dos criminosos de white-collar em ‘compartilhar’ os benefícios de sua
ilegalidade com as comunidades ou seções de clientes deixam-nos distante da sociedade, enquanto a
proximidade deles com os empregadores institucionais torna a conduta deles quase não detectável. Na
variante conhecida como crime corporativo, é freqüentemente o envolvimento sobreposto entre a economia e
28
contextualizar esta dissertação é em sua pesquisa sobre escravidão contemporânea na
Europa. Geralmente os dados apresentados internacionalmente sobre o escravismo atual
classificam este fenômeno como algo associado aos países em desenvolvimento. No
entanto, Ruggiero chama a atenção para o quadro europeu pós-cortina de ferro
16
,
mostrando que isto também ocorre em países desenvolvidos.
“Exemplos são achados pela Europa, onde a indústria têxtil e a construção civil
se beneficiam do trafico de seres humanos. Os empresários não são cobrados pelo
serviço de contrabando provido a eles pelos traficantes, pois normalmente são esses
contrabandeados que pagam. Refugiados do Irã, Iraque, Paquistão e Afeganistão
freqüentemente chegam na ilha de Gotland, na Suécia, e a viagem custa mais do que
US$ 1000. Eles embarcam em barcos oriundos da Estônia ou Latvia, onde os traficantes
agem como recrutadores em nome de empresários.” (Ruggiero, 1997a, p. 235)
V 17
É muito curiosa a maneira na qual é descrito o tráfico de seres humanos na
Europa, pois é exatamente da mesma forma que ocorre no Brasil – guardada as devidas
proporções, é claro. O primeiro caso se refere a fluxos internacionais e o segundo a
migrações regionais, porém em um país de dimensão continental e com peculiaridades
regionais extremas. Pessoas são aliciadas com propostas de trabalho no exterior ou
procuram agências com esta finalidade
18
, a partir de então segue uma dinâmica de
escravidão por dívida que tem no início já no transporte. Além do cativeiro por dívida,
há um outro dado que não ocorre na migração interna (o caso estudado no Brasil): o
tornar-se ilegal e/ou por ser ilegal ser refém do medo de deportação
19
– o controle
também é feito através destas ameaças e da retenção de documentos como passaporte e
permissão de trabalho (Ruggiero, 1997a, p. 238).
as instituições políticas que geram um ambiente criminogênico. Criminosos de white-collar e corporativo
normalmente operam em mercados legítimos com meios e técnicas ilegítimos.” (Ruggiero, 2002, p.187)
T
16
“O tráfico de seres humanos deveria ser analisado levando-se em conta um pano de fundo caracterizado
pelo crescimento de setores ocultos dentro das economias Ocidentais. Estes setores incluem uma variedade
de atividades legais, semi-legais e francamente ilegais que requerem os esforços empresariais de vários
atores, incluindo algumas formas de crime organizado.” (Ruggiero, 1997b, p. 29)
U
17
Na seqüência ele menciona casos de chineses na Itália e Inglaterra, albaneses na Itália etc.
18
“Embora legalmente registradas, estas agências de recrutamento administram valores oriundos de uma
escravidão por dívida daqueles que buscam trabalho em países desenvolvidos. A ilegalidade do negócio deles
também se estende da taxa de recrutamento, que é de longe mais alta do que o oficialmente declarado.”
(Ruggiero, 1997a, p. 236)
W
19
“Antes que eles possam começar a enviar dinheiro às suas famílias, o que é o propósito principal do
trabalho deles no exterior, eles têm que amortizar estas dívidas. Na Inglaterra, a condição de escravo
destes trabalhadores domésticos também é aparente na decisão que indica que, na entrada deles no país,
o nome do empregador deve ser estampado em seus passaportes. Um folheto emitido pela British Home
Office [a imigração inglesa] assinala: ‘O selo colocado em seu passaporte pelo Oficial de Imigração
registrará o nome de seu empregador. Você não pode trabalhar para ninguém além dele’.” (Ruggiero,
1997a, p. 236-237)
X
29
As áreas de atuação destes imigrantes, legais ou não, são as mais diversas:
“Em muitos países europeus os imigrantes ilegais são empregados em fábricas
ou empresas noturnas relativamente grandes que operam em uma variedade de setores
econômicos. Estes setores incluem em particular o alimentício, o têxtil e a construção
civil. Os traficantes podem se limitar à provisão de serviços de contrabando ou podem
também providenciar endereços de prováveis empregadores nestas indústrias.
(Ruggiero, 1997b, p. 29)
Y
“Alguns destes negócios fazem parte do mercado paralelo, da economia
informal, e são subsidiárias de companhias industriais maiores que operam no setor
industrial. Outros fazem parte do setor de agricultura, que necessita de trabalhadores
sazonais não registrados.” (Ruggiero, 1997a, p. 236)
Z
Estes trabalhadores estão presentes no urbano, no rural, nas casas (vide nota 19),
nas fábricas, nas ruas, em todo lugar, vivendo em condições precárias
20
e sem qualquer
reconhecimento senão pelos seus próprios, reproduzindo um círculo vicioso que muitas
vezes fazem com eles se encapsulem ainda mais em pequenas redes de sociabilidade.
Apesar de Ruggiero descrever esta situação a partir da Europa, não é nenhum exagero
supor que isto também ocorre em diversos locais do mundo. Recentemente foi noticiada
em vários jornais a situação de imigrantes bolivianos ilegais na cidade de São Paulo. No
entanto, nem sempre isto é percebido; estas novas velhas dinâmicas do trabalho
21
são
caracterizadas, sobretudo, pela invisibilidade
22
– o que requer técnicas de investigação
mais elaboradas, seja por parte das instituições de controle ou por pesquisadores; e que
20
“Em algumas fábricas invadidas pela polícia foram encontrados trabalhadores alojados nos mesmos locais
onde eles trabalhavam com uma vigilância quase militar. Com o objetivo de pagar a soma pelo transporte
deles para a Europa, muitos destes imigrantes foram mantidos em condições coercitivas, e eram castigados
caso atrasassem com os pagamentos.” (Ruggiero, 1997b, p. 29-30)
AA
21
Há uma controvérsia nos estudos sobre escravidão contemporânea que se relaciona com uma discussão de
base marxista ortodoxa sobre modos de produção. O nó da questão é se trabalho escravo é um instrumento
para o desenvolvimento econômico ou se é com a sua abolição que o capitalismo vai prosperar etc. Isto é
algo bastante equivocado, até mesmo em termos de Marx. Uma abordagem da escravidão contemporânea a
partir de um paradigma marxiano apontaria o seguinte quadro: é uma relação de produção pautada na
superexploração da força de trabalho (FT), esta exploração é de tal ordem que a remuneração da força de
trabalho não é suficiente nem para sua manutenção (vide o sistema da escravidão por dívida, onde o
endividamento é sucessivo e se dá indefinidamente), quem dirá para sua reprodução. Certamente há uma
confusão entre um regime essencialmente escravista e a escravidão contemporânea, este se trata de uma
relação de produção capitalista
tão nefasta que aniquila completamente a força de trabalho – tal ciclo do
capital só se mantém devido à reposição da força de trabalho via exército industrial de reserva: sempre há
novos trabalhadores vindos da África e Oeste Europeu. É uma dinâmica muito parecida com a descrita por
Engels em A situação da classe trabalhadora na Inglaterra.
22
“Em resumo, o tráfico de seres humanos dever ser analisado dentro de uma estrutura de oferta e demanda.
Enquanto que os migrantes ilegais são empregados na economia oculta, inclusive na indústria do sexo, eles
respondem a uma demanda específica de países economicamente desenvolvidos. A invisibilidade caracteriza
a condição destes migrantes, uma invisibilidade que informa ao mesmo tempo o modo no qual eles migram e
a maneira na qual eles são obrigados a trabalhar e a morar no país de destino.” (Ruggiero, 2000, p.194)
AB
30
de forma alguma devem se restringir à justiça criminal
23
. Nos Estados Unidos há
verdadeiros universos paralelos compostos por imigrantes ilegais, comunidades inteiras
que ficam invisíveis durante anos, trabalhando aqui e ali na fronteira entre a legalidade e
a ilegalidade – as leis atuais de imigração abrem alguma brecha para a legalização destas
populações somente após dez anos de residência; o que, aliás, é surreal.
Esta gama variada de ilegalismos de ordem econômica é algo cada vez mais
manifesto nas sociedades pós-industriais e de modernização tardia. O controle social de
elites, ou para ser mais preciso e não cair no mesmo engano de Sutherland, controlar
socialmente os ilegalismos do mercado é a tarefa a ser realizada. Não nos enganemos
em relação aos conflitos: ainda bem que eles existem e que podem ser administrados; o
que não é possível fazer é termos a pretensão de “acabar” com os conflitos, por meio de
sanções de um normativismo punitivo e sem efeitos de controle, expropriando-os dos
mais diretamente interessados: as partes envolvidas (cf. Christie: 1977).
“Estamos voltando agora à formulação que variações no crime espelham
variações no controle social. As formas de controle social alimentadas pela globalização
deixam hierarquias centralmente-estruturadas em redundância, como as relações de
poder tendem em não mais estarem incrustadas em organizações e instituições
centralizadas, mas em redes dispersas nas quais as instruções são processadas. (…)
Negócios criminosos respondem às novas formas de controle social e a reorganização da
soberania a partir do estabelecimento de suas próprias redes que evitam os regulamentos
nacionais.” (Ruggiero, 2002, p.181)
AD
Controle social e punição são coisas distintas. E o que todas as pesquisas
supracitadas apontam é que o penal nem sempre é a solução mais adequada para a
administração dos conflitos associados aos white-collar crimes. Nos capítulos a seguir
veremos como é o tratamento jurídico dado ao trabalho escravo, conflitos bradados
como crimes e administrados em diferentes sistemas normativos.
23
“Nestas circunstâncias, parece-nos interessante elaborar estratégias de pesquisa de tentarão abordar a
criminalidade dos negócios (e o seu contexto político-econômico) da maneira mais ampla possível, a
saber : estudo detalhado de material proveniente de fontes abertas de origem tão variada como possível
(dados econômicos, releases de imprensa, trabalhos parlamentares etc.); estudo etnográfico no campo;
estudo de decisões judiciárias; estudo dos efeitos do trabalho legislativo; etc.” (Ruggiero in: Mucchielli
& Robert, 2002, p. 231).
AC
31
Capítulo II
Panorama sobre escravidão contemporânea no Brasil
Embora a escravidão tenha sido abolida oficialmente em 1888, relações de
trabalho análogas à condição de escravo continuaram existindo em nosso país, sobretudo
no meio rural. Isto não é nenhuma novidade em dois sentidos: 1) a realidade não
necessariamente se adequa às normas e 2) há um consenso na historiografia sobre a
substituição da mão de obra escrava por imigrantes e/ou outros trabalhadores livres que
relata condições de trabalho tão degradantes quanto a dos escravos. Enfim, sejamos
claros, sempre existiram inúmeras formas de trabalho degradante no Brasil, o que não
significa que nosso passado colonial e imperial deva ser reproduzido e legitimado nos
dias de hoje. Abolido o escravismo no final do Império, restou à República criar os
instrumentos jurídicos e políticas públicas necessários para controlar socialmente estes
eventos associados à exploração desumana dos trabalhadores.
É sempre bom lembrar que somente em 1964, com o “Estatuto da Terra”
(regulamentado no governo Castello Branco), que a legislação trabalhista dos anos trinta
(Getúlio Vargas) foi juridicamente estendida ao campo. E mais, ocorre que, na campanha
de 1950 Getúlio prometera tal feito. Porém, o mesmo não ocorreu de imediato e quando
o projeto de estender os direitos trabalhistas ao campo foi votado no governo de JK, em
1957, ele foi rejeitado pelo Congresso terminantemente. O principal instrumento
normativo era o artigo 149 do Código Penal de 1940, que dizia “Reduzir alguém à
condição análoga a de escravo: Pena – reclusão, de 2 (dois) a 8 (oito) anos”; o que
provavelmente não era sequer aplicado – vide o estudo clássico de Victor Nunes Leal
(1997) sobre a estrutura de poder no meio rural (coronelismo). Ou seja, os instrumentos
efetivos de controle são recentes e, portanto, a “ilegalidade” também o é.
É a partir de uma ação planejada, então, que passaram a surgir alguns casos e desde
de 1969
24
vêm sendo documentados diferentes formas contemporâneas de trabalho escravo,
24
Segundo o antropólogo Ricardo Rezende Figueira, que integrou o corpo eclesiástico de Conceição do
Araguaia (sudeste do Pará) entre 1977 e 1996, o primeiro registro da Comissão Pastoral da Terra (CPT)
32
sobretudo da chamada escravidão por dívida. Apesar de prática ilegal sob diversos aspectos
(civil, trabalhista, administrativo e criminal)
25
e de usualmente denunciada por atores da
sociedade civil (sobretudo por integrantes da Comissão Pastoral da Terra), somente a partir
de 1995 o Estado procurou intervir de forma mais sistemática sobre este ilegalismo. É
evidente que existiam medidas anteriores: fiscalização, grupos de discussão no Legislativo e
Executivo federal, programas do governo para erradicação do trabalho forçado (Pefor) e até
mesmo ações criminais; mas é consenso entre os diversos atores envolvidos que o “combate”
efetivo só ganhou mesmo força com a criação do Grupo Executivo de Repressão ao Trabalho
Forçado (GERTRAF, atual Grupo Móvel de Fiscalização) em junho de 1995.
Há uma longa discussão sobre as categorias usadas na classificação “deste tipo de
trabalho” em um contexto pós-abolicionista – isto inclusive ocasiona algumas implicações
jurídicas quando o debate em torno do par trabalho escravo/trabalho degradante ocupou a
agenda em parte dos anos noventa. No entanto, de forma alguma é um anacronismo utilizar
a categoria trabalho escravo para se remeter a tais situações. Além de ser tratar de uma
categoria nativa, ela também é de uso corrente por outros atores em nossa sociedade.
Ricardo Rezende faz um levantamento das categorias utilizadas na imprensa nos últimos
trinta anos para caracterizar tais relações de trabalho e, como é possível verificar abaixo
em seu quadro resumido com as categorias mais incidentes, sua constatação é indubitável:
a categoria escravo/escravidão é hegemônica.
Categorias utilizadas na imprensa brasileira, entre 1972 e 2002,
para classificar o tipo de trabalho sob coerção
Categorias 1972-1998 1999-2002
Escravo/escravidão 83,38% 79,81%
Escravidão branca 3,25%
Semi-escravo 2,60% 1,12%
Análogo a escravo 1,95% 5,60%
Assemelhado a escravo 1,49% 1,49%
Trabalho degradante 2,28%
Trabalho forçado 4,88% 4,12%
In: FIGUEIRA, 2004, p. 434. (adaptado: categorias com valores médios superiores a 1%)
deste tipo de situação remete ao ano de 1969 – mais especificamente ao caso da fazenda “Reunidas
Taine-Rekan” de propriedade do Grupo Bradesco e localizada no município de Santana do Araguaia,
havendo ainda registros de reincidência nos anos de 73, 74, 86 e 87 (Figueira, 2004, p. 415 e ss.).
25
O chamado crime de trabalho escravo é além de violação ao Código Penal, violações às leis
trabalhistas, administrativas e civis, podendo ser gerido, portanto, em diferentes sistemas normativos. O
criminólogo Fernando Acosta desenvolve estudos interessantes sobre a gestão diferencial de ilegalismos
e a polissemia jurídica presente em certos crimes, são os chamados “ilegalismos privilegiados” (Acosta:
1988, 2005) – o que também pode ser percebido nos trabalhos de Susan Shapiro (vide capítulo 1).
Retornarei a este no Capítulo 5.
33
Apenas para situar como se dão as dinâmicas do trabalho escravo em nosso país,
pontuarei brevemente o assunto. O exemplo clássico de escravidão contemporânea
ocorre geralmente em remotas áreas rurais, consistindo basicamente em pessoas que
são empregadas em condições degradantes e perigosas, com pouca ou nenhuma
compensação. Endividados com seus empregadores através dos custos de alimentação,
suprimentos de trabalho (roupas, ferramentas etc.), e outras dívidas, tais trabalhadores
não possuem habilidades ou meios para partir – em vários casos ocorre também coação
física, com o uso de empregados armados. Trata-se de um fenômeno distinto das
chamadas escravidão clássica e moderna, mas que de forma alguma é suficiente para
caracterizar as atuais práticas como não sendo associadas ao trabalho escravo – esta
reminiscência é de fato e de direito.
Comparação entre as escravidões antigas, modernas e contemporâneas
Escravidão antiga e moderna Escravidão contemporânea por dívida
Legal Ilegal
Por guerra, captura, compra Por aliciamento, compra
Longo período para repor o investimento Curto período para repor o investimento
Longa duração Curta duração
Em geral, custo alto Em geral, custo baixo
Falta de escravos potenciais Abundância de escravos potenciais
Ficam com os escravos Dispõem dos escravos
Diferenças étnicas e religiosas importam Diferenças étnicas e religiosas nem sempre importam.
Importa a situação econômica
Mercadoria Mercadoria disfarçada
Não se reproduz socialmente a não ser por
captura ou por compra
Não se reproduz socialmente a não ser por aliciamento ou
por compra
É necessário um local que, por razões
diversas, favoreça a captura
É necessário um local onde, havendo abundância de mão-de-
obra e escassez de oferta de emprego, o aliciamento seja
favorecido. Ou um contingente de imigrantes em situação
política, social e econômica desfavoráveis.
Em geral em situação degradante Em situação degradante
Por pretexto religioso, étnico, racial, de
guerra justa e declarada, e por dívida
Por pretexto de dívida
Estranho, não parente Estranho, não parente
In: FIGUEIRA, 2004, p. 438-439.
Em um esquema bem típico, empregadores contratam trabalhadores para
desmatar áreas florestais, extraindo mogno e outros recursos naturais exportáveis, para
converter a terra em pasto para gado (roça da juquira) ou em plantio de monoculturas
rentáveis como a cana-de-açúcar. Os recrutadores da mão-de-obra, conhecidos como
34
“gatos”, procuram por desempregados em regiões bem pobres do país
26
, seduzindo-os a
trabalhar nas fazendas com promessas de altos salários e boas condições de trabalho.
Mas logo que chegam nos distantes locais de trabalho
27
, eles se afrontam com
condições muito diferentes, bem piores daquelas que foram prometidas.
No momento, a incidência do chamado trabalho escravo tende a estar
concentrada em localidades distantes dos grandes centros urbanos nos estados do Pará,
de longe com o maior número de casos, seguido por: Mato Grosso, Bahia, Tocantins e
Rondônia. Também há registros em menor escala nos estados do Rio de Janeiro, Goiás,
Mato Grosso do Sul e Minas Gerais.
28
O presente trabalho se situa no panorama apresentado, mas a questão é outra.
Trata-se da administração institucional destes conflitos, ou seja, sobre como se dá a
gestão do ilegalismo “trabalho escravo” frente aos vários sistemas normativos à
disposição do Estado. A fim de tentar compreender melhor o fenômeno estou focando
este estudo no período recente, de 1995 aos dias de hoje e, sobretudo, de 2002 para cá.
Os motivos são elementares
, em face de uma gestão efetiva deste ilegalismo a partir
da criação do
Grupo Móvel em 1995
29
, sendo a atuação mais destacada nos últimos
dois, três anos. Além do fato de antes ele não existir ou existir de forma incipiente, este
estudo foca as ações do Grupo Móvel com os seus desdobramentos nos diferentes
sistemas normativos. Este fato ficou destacado em várias de nossas entrevistas:
“De todas as estratégias de combate ao trabalho escravo, eu considero a
criação da fiscalização móvel a maior, melhor e mais eficiente de todas as estratégias.
No princípio, no início da fiscalização móvel, ela tinha um objetivo apenas repressivo,
não havia ainda esta preocupação com a questão da prevenção. Mas nos últimos dois
anos, o Ministério do Trabalho foi ultrapassando estes limites da competência apenas
26
Segundo dados da Organização Internacional do Trabalho e do Ministério do Trabalho e Emprego
divulgados em 2003, os estados do Maranhão, Piauí e Tocantins são a origem do maior número de
trabalhadores escravos – somando mais de 75% dos casos, respectivamente: 39,2%, 22% e 15,5%.
27
A desterritorialização do trabalhador é uma estratégia clássica de todo e qualquer tipo de escravidão,
não se escraviza o “eu” e sim o “estranho”. Somente quando se tira uma pessoa de seu local de origem,
sua terra, cultura, sociedade, enfim, de seu espaço de referência e relacionamentos, é que a escravidão
passa a ser possível e eficaz (por mais mórbido que soe o termo). Apesar da maior incidência de casos
de trabalho escravo ser no Sul e Sudeste do Pará, o aliciamento se dá geralmente em outros estados
(vide nota 26) – para uma melhor percepção destes fluxos veja os mapas presentes no anexo 1.
28
Os dados são da Secretaria da Inspeção ao Trabalho/MTE e da Comissão Pastoral da Terra e referentes à
atuação da fiscalização móvel de 1995 a 2003.
29
O que lembra bastante os comentários que Marx faz no Posfácio a Segunda edição de O Capital em
relação à Economia Política na Alemanha de sua época: antes, “faltava o terreno vivo”, não havia o concreto,
e com isso, a possibilidade daquele objeto.
35
de repressão, e adotando políticas de prevenção.” – fala em entrevista de A, auditor
fiscal do MTE atuante na coordenadoria do Grupo Móvel, junho de 2004.
Recentemente estas questões ganharam o cenário internacional com o debate em
torno do caso Zé Pereira. Em setembro de 1989, José Pereira Ferreira, na época com 17
anos, fugiu da Fazenda Espírito Santo, município de Sapucaia localizado no Sul do
Pará, tendo sido tocaiado por “funcionários” da fazenda, recebido um tiro pelas costas e
“desovado” à beira de uma rodovia. Mas ele foi um dos que acabaram se salvando e sua
trágica experiência
30
foi levada à OEA, mais especificamente à Comissão
Interamericana de Direitos Humanos que considerou o Governo brasileiro também
responsável por tais atrocidades a tanto relatadas – e este reconheceu sua parcela de
culpa
31
, assumindo o trabalho escravo como uma prática de fato existente no Brasil.
Isso por si só já o tornou um ícone da luta contra a escravidão contemporânea, sendo
realçada pela indenização no valor de R$ 52 mil aprovada pelo Congresso em
novembro de 2003 como parte das exigências da OEA
32
.
Logo após sua vitória nas eleições de 2002, o presidente Luis Inácio Lula da
Silva, prometeu fazer da erradicação da escravidão uma prioridade nacional, anunciando
que iria lançar um plano nacional para erradicar o trabalho escravo no país no início de
30
Em entrevista realizada por Leonardo Sakamoto, da ONG Repórter Brasil, Zé Pereira a relata: “Já deviam
muita coisa para a fazenda, segundo o gato? Ferreira – O gato [aliciador de serviço para a fazenda] já
dizia que nós estávamos devendo muito. A gente trabalhava e eles não falavam o preço que iam pagar pra
gente, nem das coisas que a gente comprava deles, nem nada. E aí, nós fugimos de madrugada, numa folga
que o gato deu. Andamos o dia todo dentro da fazenda. Ela era grande. Mas a fazenda tinha duas estradas, e
nós só sabia de uma. Nessa, que nós ia, eles não passavam. Mas eles já tinham rodeado pela outra e tinha
botado trincheira na frente, tocaia, né. Nós não sabia... Mais de cinco horas passamos na estrada, perto da
mata. E quando nós saímos da mata, fomos surpreendidos pelo Chico, que é o gato, e mais três. Que atiraram
no Paraná, nas curvas dele, e ele caiu morrendo. Eles foram, buscaram uma caminhonete com uma lona e
forraram a carroceria. Aí colocaram ele de bruços e mandaram eu andar. Eu andei uns dez metros e ele atirou
em mim. De costas? Ferreira – É. Onde acertou meu olho. Pegou por trás. Aí eu caí de bruços e fingi de
morto. Eles me pegaram também e me arrastaram, me colocaram de bruços, junto com o Paraná, me
enrolaram na lona. Entraram na caminhonete, andaram uns 20 quilômetros e jogaram nós na [rodovia] PA-
150 em frente da [fazenda] Brasil Verde.”; in: SAKAMOTO, Leonardo. Pereira, um sobrevivente,
entrevista disponível em: http://www.reporterbrasil.com.br/reportagens/novalibertacao/entrevista.php
, último
acesso em 21 de março de 2005.
31
“A petição número 11.289, relativa à solução amistosa do caso de Zé Pereira na Comissão
Interamericana de Direitos Humanos da OEA afirma que ‘o Estado brasileiro assume o compromisso de
continuar com os esforços para o cumprimento dos mandados judiciais de prisão contra os acusados
pelos crimes cometidos contra José Pereira’. O caso ainda está aberto, aguardando julgamento de
acusados.”; in: SAKAMOTO, Leonardo. Nova libertação na fazenda dos Mutran, reportagem
disponível em: http://www.reporterbrasil.com.br/reportagens/novalibertacao/iframe.php
, último acesso
em 21 de março de 2005.
32
As outras diziam respeito a basicamente políticas pública de combate ao trabalho escravo.
36
2003
33
. O Plano Nacional é um conjunto de medidas elaboradas por diversos atores
atuantes nesta questão e que descreve uma série propostas (setenta e cinco ao todo)
definindo responsabilidades institucionais e prazos para serem efetivadas. As propostas
são variadas e o que pode se observar é que se destinam a dar mais eficiência aos vários
sistemas normativos passíveis de serem acionados para a administração destes conflitos.
Existe de tudo, de aumento da pena mínima a cláusulas impeditivas para obtenção e
manutenção de crédito, passando por campanhas, programas de renda mínima para as
regiões de origem dos trabalhadores escravizados, melhora da logística dos órgãos
destinados à repressão etc. Estas medidas buscam intensificar e ampliar as medidas
estabelecidas nos governos anteriores (1995-2002).
34
33
O Plano Nacional Para a Erradicação do Trabalho Escravo encontra-se disponível em:
http://www.ilo.org/public/portugue/region/ampro/brasilia/trabalho_forcado/brasil/iniciativas/plano_naci
onal.pdf, último acesso em 21 de junho de 2004.
34
“De uma vez por todas, o combate do trabalho escravo deixou de ser uma tarefa do Ministério do
Trabalho, como se fosse uma exacerbação da violação de uma lei trabalhista; ela é colocada em relação
como uma gravíssima violação dos direitos humanos. Portanto, é uma tarefa da sociedade, do Estado em
todos os seus níveis, de todas as suas instâncias, é uma tarefa de todos. E de fato, de lá para cá, esse
combate se intensificou. Por exemplo, no ano passado, foram libertados 4995 trabalhadores. (...)” –
Ministro Nilmário Miranda, in: Simpósio Multidisciplinar sobre Trabalho Escravo, Rio de Janeiro, de
22 a 24 de junho de 2004.
37
Parte II
Formas de controle sobre o trabalho escravo
“Há um problema de se estudar a justiça, e não é
porque ela é corporativa, é porque ela é naturalizada.”
Roberto Kant de Lima
(Salas de aula e XXVIII ANPOCS)
38
Capítulo III
Controles Cíveis: Grupo Móvel, Ministério do
Trabalho e Emprego, Ministério da Justiça,
e Ministério Público do Trabalho
Este capítulo tem o objetivo de descrever a atuação dos atores responsáveis pelas
formas de controle cíveis em relação aos ilegalismos associados ao trabalho escravo. Ele se
encontra dividido em três seções: 1) Grupo Móvel de Fiscalização, as bases dos registros;
2) Nos arredores do Grupo Móvel, ainda no contexto do MTE; e 3) Ministério Público do
Trabalho, das persecuções cíveis e acordos.
Grupo Móvel de Fiscalização, as bases dos registros:
O ilegalismo de trabalho escravo é, como já apresentado, administrável de
várias maneiras e o Grupo Móvel, de alguma forma, representa uma tentativa de
atenuar a polissemia existente no campo jurídico para se lidar com este plano de
eventos. A idéia é que o grupo que faz a inspeção in loco tenha condições de dar o
prosseguimento das devidas medidas cabíveis, por isso sua composição é multi-
institucional, envolvendo atores que representam os vários sistemas normativos em
jogo
35
(apesar dele ser mais atrelado ao Ministério do Trabalho e Emprego, MTE). No
limite, tudo que é considerado, juridicamente, como trabalho em condição análoga a de
escravo passa pelo Grupo Móvel: aos auditores fiscais cabe lavrar os autos de infração;
se o evento vai ser (in)criminado ou não, se vai ter persecução ou não, é outra história.
35
“Cada ação dessa, do Grupo Móvel de Fiscalização, é acompanhada e/ou por: auditores do trabalho,
Ministério Público do Trabalho, Ministério Público Federal, Polícia Federal, mas há regiões também (...)
que nós estamos contando com o apoio das forças armadas, polícia rodoviária federal, IBAMA (...).”
(Ministro Nilmário Miranda, in: Simpósio Multidisciplinar sobre Trabalho Escravo, Rio de Janeiro, de 22
a 24 de junho de 2004).
39
É interessante começar, pois, por estes registros produzidos pela ação do Grupo Móvel.
Segue abaixo uma tabela que compara sua atuação ao longo dos anos:
Trabalhadores
Ano
Número de
Operações
Número de
Fazendas
Fiscalizadas
Registrados Libertados
Pagamento
de
Indenizações
Autos de
Infração
Lavrados
2004* 35 198 1.906 1.505 2.737.126,47 1.267
2003 66 196 6.785 4.879 5.892.381,62 1.424
2002 33 94 3.352 2.493 2.203.582,42 680
2001 27 147 1.858 1.297 817.952,16 759
2000 25 88 1.159 527 631.282,84 536
1999 19 56 725 411
1998 18 47 159 282
1997 20 95 394 796
1996 26 219 425 1.751
1995** 11 77 84 906
* até junho/julho, segundo a fonte do MTE; ** o GERTRAF foi criado em 27 de junho de 1995.
Fonte: Quadro das Operações de Fiscalização Móvel (anos de 1995-2003), documento elaborado
pela Secretária de Inspeção do Trabalho do MTE.
A ação do Grupo Móvel é um primeiro nível de gestão desse conflito, que possui
um alto grau de variedade interna (dada sua composição) e desdobramentos posteriores à
atividade de fiscalização. Grosso modo, o que ocorre é o seguinte: o Grupo Móvel é
mobilizado através informações que denunciam a prática de trabalho escravo e realiza
uma operação de fiscalização nas fazendas ou estabelecimentos referidos. Na maior parte
das vezes isso ocorre porque alguém conseguiu fugir e pedir ajuda. Nesse sentido, a
Comissão Pastoral da Terra (CPT) e a Secretária de Inspeção do Trabalho (SIT) possuem
um papel importantíssimo, pois geralmente são eles que fazem esta mediação. Enfim, o
Grupo Móvel realiza a operação e, durante a fiscalização, verifica a real situação dos
trabalhadores que lá se encontram. Inspecionam tudo (os locais, as condições de trabalho
etc.), tiram fotos, tomam depoimentos e assim por diante – lembre-se que é uma ação
multi-institucional orientada para diferentes sistemas normativos.
Quando constatadas irregularidades, os diversos atores procuram agir conforme as
suas atribuições. No entanto, os produtos mais diretamente relacionados com a fiscalização
móvel são os atrelados ao MTE: relatórios e autos de infração. A forma mais aparente e
latente do conflito se resolve ali, in loco, na fiscalização. O fazendeiro ou responsável pela
propriedade rural é chamado e confrontado com o “flagrante”. Na maior parte das vezes,
40
ele opta por tentar resolver logo a questão trabalhista, evitando, com isso, a prisão em
flagrante. Os trabalhadores são libertados e/ou registrados, recebendo os seus direitos
trabalhistas – atrasados, indenização e até mesmo fazem cadastro para receber seguro
desemprego. Eles ficam felizes, alegres por estarem livres, como costumam dizer os
participantes do Grupo Móvel; e em geral voltam para as suas localidades de origem.
Ou seja, é disso que falam os dados acima, do trabalho escravo sob o enfoque de
uma das possíveis administrações do conflito e o mais atrelado à ação local. É
necessário explicitar isso por dois motivos que têm a ver com alguns estudos clássicos
de criminologia, sobretudo em relação aos trabalhos sobre white-collar crimes. O
primeiro está relacionado com o que Edwin Sutherland chamou de dark-number, a
“cifra-oculta”, e que também é conhecida como a diferença entre “criminalidade real” e
“criminalidade registrada”; isto é, o número de casos registrados é sempre menor (e é
impossível determinar o quanto) do que as violações que ocorrem de fato.
36
O segundo
se relaciona com o tipo de ilegalidade registrada e o fato de que determinados “crimes”
são mais visíveis em outras estatísticas do Estado do que propriamente nas criminais (o
que é bem comum nestes tipos de estudo). É exatamente este o caso: se nos ativermos
apenas aos dados criminais, a tal “cifra-oculta” ficará maior ainda, pois há uma
diferença dentro dos próprios registros do Estado, entre o ilegalismo registrado e aquele
registrado como crime. No caso do trabalho escravo existe um registro estatal que é do
plano da ilegalidade; em alguns casos, como os de crimes financeiros, por exemplo,
nem isso ocorre, pois os fatos chegam a ser registrados como legais e estes crimes
passam despercebidos em relatórios ou outros documentos.
O que podemos concluir, de maneira preliminar, é que as informações que são
produzidas pelo Grupo Móvel é que vão servir de base para os demais sistemas
normativos, sendo estes dados os registros mais gerais que circulam de maneira válida
(e reconhecida pelo Estado) no espaço público. É um filtro do plano dos eventos e por
isso pode ser considerado como um primeiro pronunciamento no espaço público do que
pode vir a ser criminado ou não. Para além da diferença entre a “criminalidade real” e a
“criminalidade registrada”, o nosso interesse aqui é o que vem depois, é discutir a
disparidade entre os registros, a proporção existente nos prosseguimentos que se dão
36
Note que ainda não estou falando de crime, apesar de Sutherland considerar white-collar crime tanto
as violações às leis penais como as decisões por danos em âmbito civil, penalidades administrativas etc.;
enfim, qualquer sanção normativa (vide Capítulo 1).
41
após a ação do Grupo Móvel. O conflito ainda está em aberto, e sujeito a administração
em outras esferas decisórias regidas por diferentes sistemas normativos.
Nos arredores do Grupo Móvel, ainda no contexto do MTE:
Se por um lado à fiscalização do Grupo Móvel é o primeiro e mais amplo foco
normativo gestor do conflito, ainda há uma série de medidas de controle vinculadas ao
governo federal (no âmbito do MTE e outros) que não estão diretamente associadas ao
judicial. Dentre tais, merece destaque a chamada “lista suja” que segundo diversos
atores envolvidos é o mais eficaz instrumento repressivo que se dispõe hoje no combate
do trabalho escravo.
37
A lista suja ou lista negra é uma relação de “escravocratas” que é liberada pela
Secretária de Inspeção ao Trabalho/MTE (o mesmo órgão que gere o Grupo Móvel)
com o objetivo de restringir crédito a tais infratores. Entra na lista suja o infrator com
ação “que transitou em julgado do ponto de vista administrativo, e não tem para onde
mais recorrer das multas que recebeu.” (Ministro Nilmário Miranda, idem, ibdem.).
“Nós divulgamos esta lista para proibir que os fundos constitucionais sejam
utilizados por eles, negativa de créditos, subsídios, empréstimos, financiamento para
estas empresas, destas supostas empresas e empresários. Isto causou uma fortíssima
apreensão e até um certo pânico nestas pessoas. (...) ou seja, todas as empresas,
empresários, os aventureiros que praticam o trabalho escravo que buscam
financiamento federal. Aliás, até desmentindo aquela idéia que dizem que são
pessoas pobres coitadas que não conhecem a lei, que não sabem o que estão fazendo,
que falta informação para evitar, que não pode chamar de trabalho escravo, que são
exceções. Na verdade a maior parte das empresas fiscalizadas são tão coitadinhas
que são capazes de arrancar dinheiro público dos fundos constitucionais, dos bancos
públicos etc.” (Ministro Nilmário Miranda, idem, ibdem)
A primeira lista suja foi divulgada em 18/11/2003, contendo 52 nomes; e a
segunda em 26/07/2004, contendo 49 nomes (ver anexo 2). “E mais, o Banco Central
preparou uma resolução, que vai ser votada no Conselho Monetário Nacional,
ampliando o espectro da proibição de crédito para estes aventureiros.” (Ministro
Nilmário Miranda, idem). Além de perder a concessão de créditos e financiamentos em
instituições estatais, como o Banco do Brasil, a Caixa Econômica Federal, BNDES,
37
Por exemplo: “Efetivamente nós temos em termos de repressão, com algum retorno, com algum sucesso, a
questão da lista negra que tem trazido uma grande dor de cabeça aos escravocratas modernos.” (informante C
– MPT); ou ainda: “A lista suja, ela mexe com o bolso deles (...), eles ficam desesperados, eles querem sair
da lista e não sabem como”. (informante A - MTE)
42
Banco do Nordeste, entre outros, eles provavelmente também terão restrições a créditos
privados. Uma outra derivação adotada é a verificação da regularidade destas propriedades
junto ao Ministério do Desenvolvimento Agrário:
“Eles estão iniciando uma fiscalização cadastral dos imóveis da ‘lista suja’.
E vejam só, o objetivo desta fiscalização é identificar os vícios na cadeia dominial;
os nomes que estão na lista suja, eles podem estar sendo sustentados por títulos
inválidos e até mesmo em terras de domínio público.” (informante A – MTE)
Estas propostas possuem uma finalidade bem clara, inviabilizar a prática do
trabalho escravo enquanto relação econômica possível.
38
Explorar o trabalho escravo passa
a ter um alto risco do ponto de vista econômico, pois o empreendedor no limite não teria
acesso a crédito e ainda teria sua “propriedade” questionada em casos de irregularidade.
A chamada “PEC do trabalho escravo” vai no mesmo sentido, ao propor a
expropriação das glebas.
39
Trata-se de um esforço normativo que tem recebido grande
atenção dos atores políticos e jurídicos envolvidos nesta temática, mobilizando grandes
debates na Câmara. “Para eles perder a terra é pior até do que ser condenado, a possa
da terra é sagrada ninguém quer perder um centímetro de sua terra (...) fecha o tempo,
fazendeiro não quer perder a terra (...) ainda mais para reforma agrária” (informante A -
MTE). Após alguma relutância a PEC foi aprovada em primeiro turno, e não levou em
consideração apelos da chamada “bancada ruralista” em nome dos direitos dos
herdeiros e da necessidade da “sentença judicial condenatória ou absolutória, exeqüível
após o trânsito em julgado” para respeitar os princípios da ampla defesa e do
contraditório (vide voto em separado do deputado Asdrúbal Bentes(PMDB/PA)
40
). Na
verdade, como afirma o deputado Paulo Rocha (PT/PA) estas questões referentes ao
38
A imprensa noticiou durante o último mês de março que alguns proprietários têm conseguido na justiça a
retirada de seus nomes da lista suja. Com isso eles voltam a ter a possibilidade de utilizar empréstimos de
fundos constitucionais que são administrados por instituições públicas. “Já são nove fazendas retiradas por
ordem judicial da relação feita pelo governo de empregadores que mantinham funcionários em condições
análogas à escravidão. Agora, eles voltam a ter acesso a linhas de crédito operadas por Banco do Nordeste, o
Banco da Amazônia e o Banco do Brasil.”; disponível em: http://www.reporterbrasil.com.br/noticias/ver2.php?id=179
,
último acesso em 18 de abril de 2005. Maiores informações disponíveis no jornal O Globo de 20 de março de
2005, p. 12, e em http://agenciacartamaior.uol.com.br/agencia.asp? coluna=reportagens&id=2722
, último
acesso em 16 de abril de 2005.
39
A Proposta de Emenda à Constituição 438/2001, a “PEC do trabalho escravo”, é uma tentativa de alterar o
artigo 243 da Constituição Federal (que dispõe sobre a expropriação de glebas onde forem localizadas plantas
psicotrópicas), estendendo o princípio aonde for encontrado trabalho escravo, vide Anexo 4. Proposta pelo
Senado em 2001, ganhou maior visibilidade e, de certa forma, empenho político no atual governo e
legislatura como é possível constatar a partir da sua dinâmica atual na Câmara dos Deputados – detalhes em:
http://www.camara.gov.br/internet/sileg/Prop_Detalhe.asp?id=36162
, último acesso em 31 de agosto de 2004.
40
Disponível em: http://200.219.132.4/sileg/integras/215187.htm, último acesso em 31 de agosto de 2004.
43
artigo 243 da Constituição Federal já se encontram decididas em jurisprudência datada
de 1995, inclusive destacando a que independe de ação penal.
41
Outrossim, como salienta um informante, atuante na coordenadoria do MPT que
se destina a esta questão, a expropriação já poderia ser realizada hoje:
“Nós temos a discussão da PEC (...), mas hoje a Constituição já permite
que as terras onde houver trabalho escravo sejam expropriadas. E por que? Porque
estas terras não cumprem a função social
42
. (...) E no meu entendimento é que
tanto o Ministério Público Federal quanto o Ministério Público do Trabalho podem
dirigir estes requerimentos ao INCRA solicitando esta expropriação que vai ser
feita dentro do processo do contraditório, do processo administrativo, lá no âmbito
do INCRA.” (informante B – MPT)
43
A Fazenda Castanhal Cabaceiras foi o primeiro caso de desapropriação por
incidência de trabalho escravo, sendo efetivada através de ato presidencial (vide Anexo
5) fundamentado na função social da terra. E conforme salienta Carlos Henrique
Kaipper, Consultor Jurídico do Ministério do Desenvolvimento Agrário:
“Sobram razões para comemorar a publicação do decreto que declarou de
interesse social para fins de reforma agrária o imóvel rural denominado Fazenda e
Castanhal Cabaceiras, situado no município de Marabá, Estado do Pará, que
ocorreu no diário oficial do dia 19 de outubro de 2004. E não estamos nos
referindo unicamente ao fato de ter declarado de interesse social para fins de
reforma agrária um imóvel de 9.774 hectares, que beneficiará cerca de 340
famílias numa das regiões do país onde a disputa pela terra é das mais sangrentas:
o sul do Pará. O mérito maior do ato presidencial é ter, pela primeira vez na
história, invocado o descumprimento da função social ambiental e da função social
trabalhista da propriedade rural para fins de desapropriação-sanção.”
44
Nesse contexto, Alberto da Silva Jones tem leitura mais rígida e chega a propor
que o não atendimento da função social da propriedade deveria ensejar a expropriação,
41
Detalhes em: http://200.219.132.4/sileg/integras/217717.htm, último acesso em 31 de agosto de 2004.
42
Como disposto no artigo 186 da Constituição de 1988, sobretudo os incisos III e IV: “Art. 186: A função
social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de
exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos: I - aproveitamento racional e adequado; II -
utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente; III - observância das
disposições que regulam as relações de trabalho; IV - exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários
e dos trabalhadores”. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao.htm
,
último acesso em 10 de abril de 2004.
43
Percebe-se claramente que, neste ponto, o informante parece confundir expropriação com desapropriação.
44
In: http://www.mte.gov.br/Noticias/Conteudo/6447.asp, último acesso em 03 de novembro de 2004.
44
não cabendo nenhuma indenização, pelo fato de a propriedade no Brasil possuir origem
pública. E complementa:
“(...) permanecendo públicas, as terras estão disponíveis para o Estado
exercer o poder legal de definir destinação, uso ou apropriação, independentemente
de qualquer procedimento de desapropriação ou indenização. Duas hipóteses
decorrem da geral: (1.ª) para estas terras não cabem processos de desapropriação,
por se tratar de terras públicas; (2.ª) conseqüentemente, não cabem indenizações
territoriais. Pode-se antever questões fundamentais, de cujas respostas depende o
avanço do processo de reorganização da estrutura agrária, no âmbito do qual se
coloca a pobreza no campo e a reforma Agrária.” (Molina et alli, 2002, p. 123)
Outras medidas de âmbito ministerial são mais de cunho preventivo, tais como:
seguro desemprego para os trabalhadores libertos pelo Grupo Móvel; implementação de
políticas sociais de renda mínima nos estados de origem destes trabalhadores;
ampliação da rede dos Balcões de direitos, visando dar mais assistência jurídica a estas
populações; campanhas de conscientização; e outras medidas presentes no Plano de
Erradicação. Ou então visando um melhoramento da logística na administração dos
conflitos em âmbito trabalhista: a capacitação de auditores fiscais e a solicitação (junto
com o MPT) de varas itinerantes são um bom exemplo disso.
Ministério Público do Trabalho, das persecuções cíveis e acordos:
A atuação do MPT na gestão dos conflitos associados à prática de trabalho
escravo se dá, de maneira geral, segundo quatro instrumentos principais: Termo de
Compromisso de Ajustamento de Conduta (TCAC), Ação Civil Pública (ACP), Ação
45
Públicas, nove Ações Civis Coletivas, uma Ação Cautelar, 12 Reclamações
Trabalhistas e uma Ação Anulatória.”
45
Como podemos observar os procedimentos mais típicos são os acordos, uma fez
firmado o TCAC
46
o conflito se resolve em seu plano mais aparente (não há mais a
relação de trabalho anterior e o compromisso desta reparação), não havendo
necessidade de persecução trabalhista – é o que explica o baixo número de RTs.
Segundo os atores do MPT, uma vez firmado o acordo não há porquê encher os
Tribunais. No entanto, em boa parte dos casos o MPT vai além do TCAC, promovendo
persecuções civis, sejam elas ACPs ou ACCs, por danos morais.
“A ação do Ministério Público do Trabalho é a Ação Civil Pública, a Ação Civil
Coletiva é uma ação que está colocada a nossa disposição, mas que por exceção que o
Ministério Público do Trabalho pode se utilizar.” (informante B – MPT). A ACP é
ajuizada não para atender individualmente, ela ataca a lesão aos direitos sociais
homogêneos (direitos difusos e coletivos); isto é, o valor obtido pela indenização vai
para o fundo constitucional da ACP de gestão orçamentária decidida pelo Congresso. É
a ACC que vai postular os direitos de uma coletividade de indivíduos (direitos
individuais homogêneos), sendo neste caso o valor revertido aos trabalhadores
envolvidos na prática de trabalho escravo.
Aliás, a indenização por danos morais é a outra ação que nos dias de hoje é
reconhecidamente efetiva contra a prática de trabalho escravo.
47
O que em geral não
veiculam ao se divulgarem estes números é a distinção entre o destino das indenizações
obtidas nas ACPs e nas ACCs. Enquanto o valor das ACPs, assim como o das multas
45
In: http://www.pgt.mpt.gov.br/escravo/geral/estatisticas.html, último acesso em 14 de julho de 2004).
46
O Termo de Compromisso de Ajustamento de Conduta é um importante instrumento de atuação do
MPT do ponto de vista administrativo. Trata-se da proposição de um ajuste por meio do qual o
empregador assume a obrigação de não mais cometer a infração legal, regularizando a situação. O seu
objetivo é buscar o cumprimento da lei de forma célere, com baixo custo, de forma consensual e ainda
desafogar o Poder Judiciário. Em geral, fixa-se um multa elevada para o caso de descumprimento das
obrigações acordadas; e caso o TCAC seja descumprido, executa-se a multa fixada e requer-se a
execução da obrigação estabelecida, sob pena de uma nova multa a ser fixada pelo juiz – ambas as
multas se revertem ao FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador).
47
“Hoje, pode-se dizer que há basicamente dois avanços significativos, ou duas punições efetivas em relação
aos escravocratas dos dias de hoje: é o pagamento da indenização por dano moral e a chamada lista suja. (...)
Além da lista suja o que nós temos de efetivo é a condenação da Justiça do Trabalho das indenizações por
dano moral.” (informante C – MPT); em alguns casos, como o do Grupo xxxxx [omiti o nome da empresa],
reincidentes, chegam a pedir o valor de 80 milhões de reais [como indenização]. Segundo o informante B
(atuante na coordenadoria de trabalho escravo do MPT) a orientação é jogar o valor lá para cima, em um
patamar da ordem do valor da propriedade. Estas indenizações por “danos morais coletivos; também mexe
com o bolso do fazendeiro. (...) e é uma expropriação indireta, na verdade.” (informante A – MTE).
46
derivadas dos TCACs, são remetidos para o FAT; as da ACCs, ajuizadas em menor
número, é que remuneram diretamente para os trabalhadores envolvidos.
É importante ressaltar que a ACP na defesa de interesses individuais homogêneos
não possui paralelo com uma reclamação trabalhista comum, uma vez que não persegue
o cumprimento de uma reclamação trabalhista específica, como, por exemplo, o adicional
por trabalho noturno. Persegue, pelo contrário, o respeito à ordem jurídica, a partir de
uma tópica social, podendo levar até à satisfação indireta do direitimse.1(s)0e
48
hoje, mesmo sendo a criminalização dada e havendo um certo consenso sobre a
criminação, a incriminação nos casos de trabalho escravo ainda é de difícil realização.
O “trabalho escravo é crime”, mas não era bem assim que estava na lei. A
redação primitiva do artigo 149 do Código Penal consistia em: “Reduzir alguém a
condição análoga à de escravo: Pena – reclusão, de 2 (dois) a 8 (oito) anos.”. Trabalho
escravo era uma das formas de reduzir alguém a condição análoga à de escravo; hoje
com a redação nova, ela é a forma por excelência
50
, como é salienta “D”:
“No entanto, apesar da clareza do dispositivo e da manifestação da
doutrina, a alteração do Código Penal foi feita pela lei 10.803 de dezembro do ano
passado [2003] que ao explicitar condutas restringe as hipóteses que caracterizam
infração penal, já que, ao contrário da lei civil, não se admite analogia em matéria
penal
51
(...) com os artigos que versam sobre cárcere privado (148), violações a
leis trabalhistas e constrangimento ilegal. A norma, pois, toma uma situação pela
outra e não as distingue claramente. O maior problema da lei nova é a
descriminalização de outras condutas [que estão para além da relação trabalhista,
tais como: escravização de mulheres, escravização para tráfico de órgãos etc.]
52
.
Esta nova lei não mais abrange estas condutas no núcleo de reduzir alguém à
condição análoga a de escravo, pois ao exemplificar o modo como se efetiva esta
conduta acaba por reduzir a situações típicas das relações de trabalho. A redação
anterior do artigo 149 do Código Penal, para evitar a sensação de impunidade
precisava de alteração apenas da pena mínima atribuída ao crime; de modo a evitar
a prescrição ou que se atribuísse ao condenado penas alternativas não condizentes
com a gravidade desta infração penal. No entanto, esta pena mínima não foi
alterada.” (informante D – MPF; grifos meu)
Este é sem dúvida o ponto chave da dificuldade em “tornar crime” segundo o
aspecto da criminalização: a descriminalização por excelência. Algumas condutas
deixam de ser criminalizáveis porque as alterações realizadas na lei penal reduziram a
gama de eventos passíveis de serem classificados como o crime previsto no art. 149.
49
Mais adiante retomaremos este ponto com maiores detalhes
50
Versa o Código Penal, na Seção I, do Capítulo VI (Dos crimes contra a liberdade individual), sobre a
Redução à condição análoga à de escravo, em redação dada pela Lei nº 10.803, de 11.12.2003:
“Art. 149: Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a
jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer
meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto:
Pena - reclusão, de dois a oito anos, e multa, além da pena correspondente à violência.
§ 1
o
Nas mesmas penas incorre quem: I – cerceia o uso de qualquer meio de transporte por parte do
trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho; II – mantém vigilância ostensiva no local de trabalho
ou se apodera de documentos ou objetos pessoais do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho.
§ 2
o
A pena é aumentada de metade, se o crime é cometido: I – contra criança ou adolescente; II – por motivo
de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem.”; in: Código Penal Brasileiro, disponível em
https://legislacao.planalto.gov.br/
, último acesso em 10 de abril de 2004.
51
O que criaria uma polissemia jurídica dentro do próprio Código Penal.
52
Esta frase foi reformulada por mim devido a truncamentos na fala e falhas na gravação.
49
Em relação à criminação, já apontamos acima um dado que durante algum
tempo (entre 1999 e 2001) dificultou a interpretação e o encaixe do evento no tipo
penal: a dissensão entre trabalho escravo e trabalho degradante. A nova redação do
artigo 149, conforme vimos acima, pôs fim a esta discussão no final de 2003, como
salienta “E”: “De fato limitou-se o tema (...), mas pôs fim à distinção entre trabalho
escravo e trabalho degradante. (...) Esta é a vantagem, por fim a esta distinção foi
importante.” (informante E – MPF).
No entanto, um outro aspecto deve ser enunciado aqui: a competência do
intérprete. Questões referentes a quem compete julgar o crime do artigo 149, qual o
intérprete qualificado (Justiça Federal ou Estadual), vinha sendo um obstáculo no
ajuizamento de denúncias. Por vezes não se entrava com a ação, pois havia o sério risco
dela não ser aceita por motivos de competência – o evento não seria criminável naquela
esfera, a interpretação seria da ordem de um não crime, algo como “uma absolvição
objetiva”
53
(antes mesmo da responsabilização penal). Hoje há um certo consenso de
que a competência é da Justiça Federal, mas ainda é aguardada a votação de um recurso
extraordinário no Supremo Tribunal Federal que deliberará sobre esta questão.
54
Em relação à incriminação, a dificuldade é maior ainda, confirmando inclusive
o que é apontado pelos estudos clássicos sobre white-collar crime neste sentido (o
problema da responsabilização de corporações e pessoas jurídicas). Os “problemas”
associados à incriminação são talvez mais determinantes para explicar o baixo índice
de ações penais do que as questões apresentadas sobre criminalização e criminação.
Por serem vários os fatores que dificultam a incriminação, resolvi classificá-los
provisoriamente em três grupos, são eles: 1) fatores processuais; 2) relacionamento
com os outros sistemas normativos; e 3) fatores de ordem prática.
Os fatores processuais podem ser divididos em dois subgrupos: aspectos
procedimentais e viabilidade técnica. Em relação a aspectos procedimentais, como a
subsunção da norma ao fato, a grande questão é a exigência da culpabilidade em
matéria penal.
53
“D” utilizou este termo em um sentido figurado, conotando uma situação de não aceitação da denúncia.
54
“Do ponto de vista criminal, eu acredito que este esforço recente ele provocou uma mudança, e a
mudança mais esperada na verdade esta ainda dependente da decisão do Supremo sobre quem é
competente.” (informante D – MPF). O acompanhamento processual do Recurso Extraordinário
Nr.398041 e maiores informações podem ser obtidas a partir do sítio do STF, disponível em:
50
“A prova que serve para o ajuizamento de uma relação de trabalho ou
mesmo de uma Ação Civil Pública por dano moral é muito diferente da prova em
matérias penais. É muito diferente porque..., porque para a relação cível (...)
[explica resumidamente a distinção cível/penal], a matéria do cível se contenta
com a prova objetiva; no penal você exige culpabilidade, isso é uma grande
diferença. Para a Justiça do Trabalho a ação civil pública é ajuizada contra a
pessoa jurídica, empresa xxxxx xxxxx, essa pessoa jurídica, ela tem bens, ela tem
personalidade própria jurídica. A ação penal tem que ser ajuizada contra pessoa
física. E quem escravizou, na condição de responsável, daquela pessoa jurídica?
Isso é muito diferente.” (entrevista – informante D – MPF).
O informante ainda afirma que ajuíza tanto ações cíveis como criminais pelo MPF
e enfatiza: “que é muito diferente mesmo, a diferença é muito grande. Não é
comparável uma situação e outra.” (entrevista – informante D – MPF).
Trata-se da questão já antecipada acima sobre os white-collar crimes
55
e que, em
si, já impõe um problema de viabilidade técnica para a ação penal: certa
impossibilidade de se determinar quem exatamente é o responsável. Neste quesito
existem basicamente mais dois fatores. O primeiro se refere ao tempo de prescrição:
“como a pena é de dois a oito, vai prescrever em mais ou menos 12 anos; depois de
julgado, tem a prescrição pela pena concreta, se for a mínima, 2 anos, cai para 4.”
(entrevista – informante D – MPF).
E quanto ao segundo subgrupo, referindo a viabilidade técnica, trata-se de um
fator que indica não propriamente uma dificuldade em incriminar, mas um recurso
processual que tem um efeito prático de distorção do número de registros entre
sistemas normativos; trata-se da fusão de alguns casos já registrados em uma só ação
56
.
Isso indica o quão complexa é a questão: se nos ativermos apenas aos dados estatísticos
dos registros podemos cometer sérios erros de análise, uma vez que esta não-
incriminação é apenas aparente.
http://www.stf.gov.br/processos/processo.asp?PROCESSO=398041&CLASSE=RE&ORIGEM=AP&RE
CURSO=0&TIP_JULGAMENTO=M, último acesso em 21 de março de 2005.
55
“Uma incapacidade em estabelecer a intenção criminal também é uma das principais razões pela qual
os promotores freqüentemente prosseguem ações civis em vez de acusações criminais. A duvidosa
capacidade para condenar os indivíduos culpáveis e a falta de recursos necessários para uma
investigação mais extensa ou completa, eles optam pela ação civil e pelo padrão menos oneroso de
prova que estas respostas requerem.” (Shover, 2000, p. 143)
AE
56
“Para resumir, destes 681 casos (...) [os registros das inspeções dos nove meses anteriores], eu
acredito que tenha trinta e tantas denúncias. Uma delas, o proprietário da xxxxx [omiti o nome da
propriedade] refere-se a seis inspeções. É uma técnica em matéria penal que por economia de atos
processuais (...) você reúne as seis acusações em uma ação só; isto é vantajoso para quem acusa.”
(entrevista – informante D – MPF). Ou seja, daqueles 681 casos, seis viraram uma ação penal só.
51
Quanto ao relacionamento com outros sistemas normativos em jogo (que, aliás,
são todos cíveis)
57
, há pelo menos dois subfatores que dificultam a incriminação: o
primeiro é articulado com a produção dos registros dos eventos em questão; e o
segundo, com a comunicação interinstitucional. Conforme destacamos nos fatores
processuais, há problemas sérios na relação jurídica entre o cível e o penal; e, como
vimos acima, a fiscalização móvel (o filtro inicial) envolve várias instituições, mas é
essencialmente procedimental em um ponto de cível – vinculada ao MTE.
O primeiro subfator (a produção dos registros) está diretamente relacionado a
isso. Em resumo, o registro do auditor fiscal nem sempre é válido no processo penal.
“O relatório dos fiscais do Ministério do Trabalho (...) [fotos, depoimentos
etc.], os Autos de Infração... é suficiente para instruir uma eventual denúncia
criminal porque são consideradas peças de informação e serão prova documental
no processo tanto da prática do crime de trabalho escravo quanto dos crimes contra
a organização do trabalho.” (informante E – MPF).
De fato, os relatórios servem para criminar, dizer que há crime, mas, no entanto,
muitas vezes a incriminação é prejudicada – vide as considerações já expostas acima
sobre os fatores processuais (p. 55). Neste sentido, “D” acrescenta:
“Então o auditor fiscal do trabalho, ele é um técnico que vai produzir
provas, indícios de prova que interessam para a relação de fiscalização e dentro da
relação jurídico trabalhista. Ela é uma pessoa treinada em ler a CLT. Essa pessoa,
que faz um trabalho excelente, ela não sabe lidar com esta prova para o processo
penal. (...) [comenta sobre o monopólio da prova/investigação na polícia
judiciária]. A prova do auditor fiscal do Grupo Móvel não serve para o processo
penal. É toda uma complicação procedimental que tem sede nos princípios
constitucionais do direito da ampla defesa, do contraditório e tal, que obriga o
Ministério Público a ter muito cuidado no oferecimento da denúncia. Senão,
acontece uma coisa que é uma conseqüência pior que o não oferecimento, que é o
não recebimento da denúncia – que é um ato judicial formal que pode se entendido
como uma absolvição. Então é preciso ter muito zelo, muito cuidado com a
denúncia que se oferece.” (entrevista – informante D – MPF)
E em relação à atuação da Polícia Federal, a produção de registros, em geral,
também não é adequada, ficando a cargo do próprio MPF.
57
Trabalho com a idéia de diferentes sistemas normativos porque mesmo que se considere como uma a
normatividade do Estado, onde a Constituição representa seus princípios fundamentais, ainda assim há
diferenciações o suficiente no campo jurídico para permitir pensar em distintos sistemas normativos com
regras, procedimentos e éticas próprias. Proposição esta reforçada através de situações de campo, onde
inclusive há registros da concorrência entre tais sistemas. Não foram poucas às vezes onde o interlocutor
mencionava “podres” de companheiros do Grupo Móvel originários de outro sistema normativo, no
sentido de desqualificar a atuação da outra instituição e reafirmar a sua própria identidade institucional.
52
“O inquérito policial instaurado pela polícia federal, ele é importante,
principalmente quando ocorre prisão em flagrante daquele que esteja submetendo
o trabalhador imediatamente ao trabalho escravo já que o crime é permanente. E
junto com o citado relatório corrobora a denúncia [em geral o relatório atua na
criminação, o inquérito na incriminação], inclusive podendo incluir outros crimes
que são comuns também. Se o empregador for pessoa jurídica é também através da
investigação policial em que se pode determinar, enfim, se definir quem de fato,
qual representante legal daquela sociedade tinha conhecimento daquela situação. A
atuação da Polícia Federal não pode de forma alguma ficar reduzida a segurança
dos fiscais da equipe que se dirige ao local [o por vezes acaba ocorrendo]. (...)
havendo presença de um delegado da Polícia Federal, ele deve cumprir sua função
[se possível durante a inspeção porque depois ‘já era, não acha ninguém’]. O ideal
é quem instaurou o inquérito, o presida e o relate, encaminhando para a DRPF
mais próxima.” (informante E – MPF).
O inquérito é, portanto, uma peça chave na incriminação, mas como coloca “D”:
“(...) nós estamos conseguindo colher provas, investigando pelo Ministério Público
mesmo, minimamente estamos. [e a polícia neste processo?] Na verdade ela não está
participando. [ela está omissa?] É, está omissa.” (entrevista – informante D – MPF).
Em outra situação, sugere uma maior capacitação de policiais federais para lidar com
estes conflitos, assim como um maior efetivo:
“A nossa dificuldade no Brasil, infelizmente, continua sendo na aplicação
da lei. Nós temos uma dificuldade tremenda disso, seja por falta de capacitação
dos policiais, seja por, às vezes, insuficiência de policiais no número adequado
para fazer frente a estas questões, seja por muitas vezes a morosidade entre o
início de uma investigação e a sua conclusão – o que faz operar muitas vezes causa
de prescrição.” (informante D – MPF).
Em relação ao segundo subfator, a comunicação interinstitucional, apenas
recentemente ela passou a ser mais efetiva. Ao falar sobre as poucas denúncias, “D”
afirma que: “a possibilidade de ajuizar ações criminais começou em março de 2003,
quando nós passamos a receber esta documentação (do Grupo Executivo). Então a
partir daí você pode começar a calcular a velocidade da atuação [do MPF].”. E
comenta, na seqüência, a situação atual:
“(...) na minha opinião, nós tivemos um incremento muito significativo, não
só...: 1º) do fato que agora somos notificados regularmente [na seqüência se referiu a
denúncias envolvendo políticos, nas quais o material tinha ficado ‘preso’ em algum
lugar]; 2º) a possibilidade da gente pensar se houve em algum momento controle
político das informações; 3º) nós estamos conseguindo colher provas, investigando
pelo Ministério Público mesmo...” (entrevista – informante D – MPF).
53
E finalmente os fatores de ordem prática. Nesta categoria procurei colocar aqueles
fatores que se dão na relação do jurídico com o empírico, com os elementos que circundam
o evento em questão. Refiro-me, portanto, a questões como o desaparecimento dos “gatos”
(que em geral são réus nestas denúncias – os “fulano de Tal”, Anexo 3), a impossibilidade
de localizar ex-escravos e arrolar testemunhas etc. O informante “E” ao relatar a situação
na qual encontrou a procuradoria de Marabá no final dos anos 90 atribui a estes fatores um
dos empecilhos em seguir o caminho da justiça criminal.
“A maior parte (dos processos e inquéritos) [estavam] fadados à prescrição.
Por que? Eram denunciados esses gatos, que quase sempre desapareciam,
normalmente não havia a presença do réu durante o curso do processo e do
inquérito policial. As testemunhas, tanto na parte do inquérito quanto da ação
penal, eram os próprios trabalhadores. É importante o depoimento da vítima, mas
no caso do trabalho escravo, após a fiscalização com a rescisão do contrato de
trabalho, eles voltam para o seu local de origem ou vão parar em outra fazenda e
dificilmente eles são localizados.” (informante E – MPF).
Durante alguns anos isso dificultou o oferecimento de denúncias e favoreceu a
prescrição; hoje isso se encontra mais ou menos resolvido, sobretudo em relação às
testemunhas, pois agora são arrolados os fiscais. Foi com este procedimento
58
que “E”
conseguiu uma sentença condenatória, uma das únicas – ela foi convertida no
pagamento de cestas básicas (ver nota 59 a seguir).
Enfim, iniciei abordando as práticas do MPF pelas dificuldades encontradas,
problemas da ordem da criminalização, criminação, e incriminação. Relatadas estas
questões, torna-se necessário abordar suas práticas, a persecução criminal, o movimento de
criminação-incriminação. É claro que, ao pontuar, tais dificuldades de alguma forma já se
adiantou algumas destas práticas, mas é importante abordá-las mais especificamente.
Dado o que está criminalizado, (artigo 149 do Código Penal), “reduzir alguém à
condição análoga a de escravo” atrelado ao aspecto “trabalho” e com pena de 2 a 8 anos,
as estratégias para o ajuizamento de denúncias vão incidir basicamente em três aspectos:
1) associação do crime do artigo 149 com outros crimes; 2) responsabilização dos
proprietários; e 3) arrolamento de testemunhas. Obviamente estou em uma perspectiva
limitada à ação do MPF; ou seja, supõe-se que a questão da competência já esteja
resolvida (na prática está, mesmo sem a posição do STF sobre o RE Nr. 398041) e que as
58
“Aí eu denunciei quatro fazendas na época, em que em algumas eu responsabilizei o fazendeiro sozinho e
em outras conjuntamente com alguns gatos, e arrolei como testemunhas os fiscais que tinham participado das
54
demais instituições envolvidas na administração destes conflitos estejam notificando os
eventos registrados junto ao MPF (o que desde 2003 ocorre regularmente).
Associar o crime do artigo 149 do Código Penal com outros é até simples, já
que, como anunciado acima, a redação nova superpõe o artigo 149 com as condutas
definidas em alguns dos artigos que enunciam os crimes contra a ordem do trabalho
(em especial os artigos 197 e 207); ou seja, em si o artigo 149 é associado a outros
crimes. Além disso, não é difícil encontrar no evento em questão outras condutas
crimináveis que não são necessariamente associadas ao trabalho, tais como: lesão
corporal (artigo 129), cárcere privado (artigo 148), formação de quadrilha (artigo 288),
crimes ambientais diversos etc. No entanto, este movimento mais elementar de associar
o artigo 149 com os chamados crimes contra a ordem do trabalho não possui utilidade
alguma – já que o artigo 149 absorve os demais crimes por ser considerado mais
grave
59
. Resta, portanto, ao MPF tentar associá-lo aos outros crimes descritos, através
de uma melhor investigação ou caracterização do evento
60
; sendo o inquérito da Polícia
Federal de suma importância neste sentido.
A responsabilização dos proprietários tem sido bastante usada como estratégia
de incriminação, sob o argumento que são os beneficiários da exploração da força de
trabalho e que mantém sempre algum contato com a propriedade (visitas mensais, por
exemplo); tendo, portanto, algum grau de ciência do que ocorre. Em geral esta tese é
bem aceita nos tribunais e, com isso, contorna-se o problema dos corporate crimes.
“Para o Ministério Público Federal, a princípio, o autor do crime tem sido
compreendido na pessoa do empregador rural. Porque é o proprietário do imóvel
rural que é responsável pelo o que ocorre em seus domínios. Muitos têm plena
consciência que os trabalhadores permanecem trabalhando sem receber ou
recebendo parte da remuneração porque entendem que estes trabalhadores lhe
devem mesmo em razão da alimentação que é contraída no local de trabalho. (...)
Então a gente não pode dissociar a figura do empregador rural de sua
responsabilidade criminal, mesmo quando ele se utiliza de um terceiro
[administradores e/ou gatos] (...) para fraudar a legislação trabalhista e submeter
operações e não mais os trabalhadores. E, com isso, em seis meses realmente houve a primeira sentença
condenatória de um fazendeiro sozinho pelo crime de trabalho escravo” (informante E – MPF).
59
“Na época, o juiz federal de Marabá (...) entendeu que todos os outros crimes contra a organização do
trabalho eram o meio para a prática do crime de trabalho escravo. Ele utilizou-se de um princípio penal
comum na aplicação da pena e fez com que o crime de trabalho escravo absorvesse os outros crimes por
ser o crime mais grave. E foi aplicada apenas a pena do crime de trabalho escravo, que é pequena, 2 anos,
o fazendeiro tinha a folha de antecedentes criminais limpa, logo ele teve direito a pena alternativa.”
(informante E – MPF)
60
“Nós adotamos a estratégia de denunciar não mais apenas pelo crime do artigo 149, mas aprofundar esta
investigação e também denunciar pela prática, sobretudo, do crime de quadrilha – porque isso é o nefasto
desta história.” (informante D – MPF)
55
seus empregados a trabalhos forçados, pois toda a atividade lucrativa é dele.”
(informante E – MPF).
E em relação às testemunhas, o já referido arrolamento dos fiscais envolvidos
foi um grande fator de mudança e, inclusive, possibilitou a primeira e única sentença
existente. O que acontecia antes era que as testemunham desapareciam ao longo do
processo, e quando encontradas, muitas vezes temiam o depoimento e/ou não queriam
testemunhar contra; isto não ocorria só por conta da outra parte envolvida (“gatos” e
proprietários), mas também devido à relação que aquelas pessoas “humildes” tinham (e
têm) com o judiciário.
61
“Ninguém melhor do que os próprios fiscais para esclarecer ao juiz da
causa como aqueles trabalhadores estão sendo enganados naquele caso concreto,
quais os direitos deles que estão sendo desrespeitados, e eles se encontram também
menos sujeitos a serem desmoralizados pelos advogados da defesa (...). Os fiscais
estão melhor preparados para este confronto.” (informante E – MPF).
Através de mudanças ocorridas nos últimos anos e da utilização destas medidas
em conjunto, é que foi possível promover estas, ainda poucas, persecuções criminais –
25 denúncias, envolvendo 116 pessoas. No entanto, vale ressaltar que “só em 1 ano foi
feito o que não foi feito durante muito tempo” (informante A – MTE). Somente na
atual conjuntura, política e jurídica, é que foi possível chegar ao atual estágio de
administração destes conflitos e adoção de medidas de controle destes ilegalismos,
utilizando-se, inclusive, dos recursos penais.
61
A tese de Ricardo Rezende Figueira, recentemente publicada (2004), é bastante elucidativa neste sentido ao
abordar a questão da escravidão por dívida. O trabalhador pode não se perceber na condição de escravo, ele
não pode sair porque tem uma dívida e ela deve ser honrada. Os informantes “E” e “B” comentaram esta
situação, falando que os advogados de defesa usavam o argumento da dívida para, de certa forma, coagir os
trabalhadores a negarem a situação escravista.
56
Parte III
Gestão diferencial e controle social
“João, não se deve fazer uma igualdade jurídica a
partir da punição... Quando penso nestes casos, creio que é
muito melhor soltar todo mundo do que mandar prender
também os poderosos... Isso não é controle...”
Daniel dos Santos
(Um café no ICHF/UFF)
57
Capítulo V
Hipóteses sobre o movimento de descriminalização
Observamos, de forma inventariada, as diferentes maneiras de se administrar
juridicamente o ilegalismo de trabalho escravo, apresentando dados que ajudam a
visualizar distorções no tipo de tratamento dentro e entre os diferentes sistemas
normativos. O que chamo de movimento de descriminalização é o conjunto de
dificuldades e impedimentos existentes na aplicação da lei penal que impulsionam e
propiciam a administração do conflito em outras vias de resolução que não a penal. O
movimento de descriminalização engloba tanto a criminalização como a criminação e a
incriminação; aliás, trata-se muito mais de um movimento de não criminar-incriminar,
pois apesar de ocorrer no caso estudado, a incidência direta na norma (diminuir o
espectro da lei) é algo raro.
Estes movimentos de descriminalização só são possíveis na gestão dos conflitos
atrelados aos chamados ilegalismos privilegiados, conceito que Fernando Acosta define
da seguinte maneira:
“Chamo de ilegalismos privilegiados ao conjunto de qualificações jurídicas
aplicáveis às situações conflituosas, por vezes muito diversas, que apresentam as
três características seguintes:
i) no plano jurídico: a apreensão dos conflitos pode ser feita à luz de diferentes
sistemas normativos, notadamente o direito civil e, muito particularmente, o
direito administrativo, além do direito penal. É, portanto da natureza desses
ilegalismos, como já sugeri em outros termos, poderem inserir-se em mais de um
registro jurídico de cada vez, sendo assim passíveis de mais de um tipo de
qualificação à luz do direito positivo.
ii) no plano dos eventos: os eventos constitutivos dessas situações conflituosas
guardam uma indiscutível homologia com aqueles cuja qualificação jurídica e
eventual resolução são de competência exclusiva do direito penal. (...).
iii) no plano das práticas de resolução dos conflitos: as situações conflituosas
dispõem, em princípio de um amplo leque de modos de resolução (acordos
amigáveis advertências, sanções disciplinares, multas administrativas, reparações
cíveis, sanções penais de caráter simbólico, etc.). A utilização efetiva de um modo
de resolução de conflito e não de outro depende de diversos fatores que variam
consideravelmente em função do tipo de situação em jogo e do contexto no qual
elas se produzem (...). É essencialmente em razão dessa ampla disponibilidade de
58
modos de resolução e, igualmente, da extrema complexidade que parece
caracterizar a dinâmica de sua operação que eu qualifico de privilegiados os
ilegalismos em questão.” (Acosta, 2005, p.71)
É de fato disso que estamos tratando neste trabalho. Só é, portanto, passível de
um movimento de descriminalização aquilo que está colocado polissemicamente no
ordenamento jurídico.
A racionalidade que em parte orienta este movimento está dada logo no início
deste trabalho e ratificada nas formas de lidar com o conflito. O Plano é de Erradicação
do Trabalho Escravo, isto é muito significativo, ainda mais quando se percebe que se
trata também de um projeto político que almeja resultados em pequeno e médio prazos.
A idéia expressa no Plano é no sentido de se erradicar logo o trabalho escravo – dentro
dos quatro anos de mandato preferivelmente. Erradicar em pouco tempo é algo inviável
de ser realizado em um sistema normativo criminal, em especial na maneira como ele
se apresenta no Brasil de hoje. Sobretudo quando o ilegalismo em questão é percebido
pelos atores responsáveis por administrar o conflito como uma atividade que visa uma
maior lucratividade e que só se consuma porque o Estado se encontra ausente no locus
dos eventos.
O discurso que surge entre os atores é o do crime como uma oportunidade:
comete-se o crime porque existe facilidade de se obter mão-de-obra escrava, os fatores
de risco são baixos e as benesses são altas; e tudo isso é associado à ausência do
Estado.
“Longe dos centros urbanos muitos proprietários rurais apostam na ineficiente
fiscalização da administração pública e disso se aproveita” (informante E – MPF).
Então, como erradicar? Parece receita de bolo: a fórmula mágica é levar o
Estado de maneira preventiva e normativa a fim de se diminuir a facilidade de se obter
a mão-de-obra (programas sociais em geral) e aumentar os fatores de risco (maior
fiscalização e sanções que visam inviabilizar esta atividade econômica), colocando em
cheque as possíveis benesses que passam a não compensar os riscos em jogo. A
racionalidade é toda econômica, os atores do Estado supõem (e, com isso, assumem a
postura de) que o crime é praticado dentro da lógica da oportunidade e da escolha
racional (com fins essencialmente econômicos); a partir daí a administração do conflito
é regida com os mesmos parâmetros:
“(...) muitos deles são reincidentes de dez vezes, de nove vezes, de oito
vezes, sete vezes, são pessoas que tem fazendas modelos perto das grandes cidades
do sul do Pará, tem pista de pouso em sua fazenda, que recebe políticos,
59
promovem grandes festas. Mas lá em São Félix do Xingu eles têm fazenda com
trabalho escravo, aproveitando a ausência do Estado, aproveitando a ausência das
instituições republicanas, (que na verdade é disso que se trata). O trabalho escravo
é fruto da ausência das instituições do Estado, do Estado de Direito, são pessoas
que se aproveitam da ausência do Estado de Direito. Portanto, para combater de
uma forma definitiva e consistente, é preciso levar as instituições republicanas a
todos os lugares, sobretudo a estes, onde é praticado o trabalho escravo.” (Ministro
Nilmário Miranda, idem, ibdem).
E isso funciona? Sim, funciona, mesmo sem criminar-incriminar. Aliás, como já
vimos, a administração da justiça criminal é, hoje, praticamente incapaz de elevar os
fatores de risco.
62
A força do Penal, enquanto um sistema normativo que aumenta o risco
para os infratores, é fundada nos princípios da vigilância e da punição. Nestes dois quesitos
a justiça criminal perde em eficiência quando comparado com a atuação da SIT/MTE, o
impacto da presença dos auditores fiscais e da lista suja é muito maior. Se os objetivos são
ações imediatas e erradicação do trabalho escravo a curto e médio prazo, a saída possível é
o movimento de descriminalização mesmo – os outros sistemas normativos são muito mais
eficientes para administrar este conflito do que a justiça criminal.
E não se trata aqui de propor o aumento da pena, pois a pena, em si, é um dos
fatores que menos influi no ajuizamento de denúncias e nas condenações criminais. Isto
sem contar que o aprisionamento não significa um maior controle e quanto mais o aumento
dos fatores de risco. Da mesma forma, aumentar o efetivo policial também parece não
suscitar tantos efeitos, uma vez que até o momento a polícia federal cumpre mais uma
função de escolta dos seus parceiros de Grupo Móvel do que suas atribuições judiciárias. O
problema não é a pena e/ou o efetivo, mas o Penal: a sua falência enquanto instrumento de
administração de conflitos e de controle social, sobretudo para o caso estudado.
Estas considerações suscitam uma outra questão, que diz respeito à disposição
de diferentes sistemas normativos de controle social em nossa sociedade e aponta para
dilemas dos direitos de cidadania, ordem pública e acesso à justiça no Brasil. Os dados
da pesquisa não se reduzem à temática do trabalho escravo e da impunidade penal uma
vez que as ações das instituições jurídico-políticas sobre o mercado permitem pensar
alternativas civilizatórias em tempos de Estado mínimo.
62
A única sentença obtida só aconteceu porque o fazendeiro aceitou a pena alternativa (pagamento de
cestas básicas) e não recorreu, o MPF também aceitou porque temia a mudança da sentença no Tribunal
Regional Federal. Depois ele foi reincidente e condenado a 4 anos em primeira instância, recorreu e o
Tribunal mudou a sentença alegando que a competência era estadual. O MPF recorreu e hoje o caso está
no Supremo (trata-se exatamente do já referido RE Nr.398041 ainda a ser julgado) – dados do informante
“E”, MPF, participante do processo inicial. Isso sem contar tudo o que fora descrito na seção sobre “a
criminação-incriminação através do artigo 149”; a pena baixa é o de menos, há inúmeros outros fatores.
60
Controle social e punição são coisas distintas, apesar de, geralmente, serem
pensados em conjunto. A idéia de controle social, e ordem, é essencial para as
sociedades modernas. Ela tem a ver com a civilidade e com a continuidade da vida
social, seja através da domesticação dos corpos, do asceticismo, da introjeção da
norma, do autocontrole etc
63
. As instituições de controle estão presentes de forma
variada nas sociedades modernas e nem sempre elas são jurídicas – vide a escola,
hospitais etc. Aliás, em geral a atuação dos sistemas normativos como forma de
controle social fogem à regra. Eles são mobilizados em momentos de ausência de
autocontrole ou para garantir, através da explicitação de regras, a continuidade de um
dado padrão de civilidade.
O Penal, em tese, atua com um sistema de controle de maior exceção ainda, até
mesmo devido aos seus excessos. Ele é acionado quando os outros sistemas normativos
e instituições disciplinares não funcionaram, o que é incomum, a sua justificativa é uma
disciplinarização mais radical, ou o seqüestro dos desviantes (e/ou dos indesejados). No
entanto, o fato dele ser um instrumento de controle para situações de exceção, não
impede que na prática ele esteja disponível, quase que exclusivamente como regra, para
parcelas determinadas da população e com uma lógica simplesmente punitiva. Muitas
vezes é o único sistema normativo disponível, ele nem sequer controla ou disciplina. A
preocupação já não é mais a da manutenção de uma pretensa ordem jurídica, mas de uma
estratégia de contenção de demandas sociais, onde se limita o acesso aos bens jurídicos; a
lógica que impera não é a do (auto)controle, e sim a da punição, da limpeza, da exclusão
(Young, 1999; Wacquant, 2001).
Uma derivação da questão geral colocada acima, “como estão dispostos os
diferentes sistemas normativos de controle social em nossa sociedade?”, para a
especificidade deste estudo seria a indagação: por que os outros sistemas normativos
funcionam e a justiça criminal não? Ora, o que se procurou argumentar ao longo deste
trabalho foi que na própria justiça criminal estão as condições de possibilidade da
impunidade e da sua não capacidade de controle. É nela mesma (no Código Penal, no
Código de Processo Penal e em outras especificidades do campo) que se encontra a
impossibilidade de administrar uma série de conflitos ligados aos ilegalismos das elites,
à criminalidade dos poderosos.
63
Ver em especial os trabalhos de Elias (1993) e Foucault (1995, 1997, 1999a, 1999b).
61
Em uma tradição onde a efetividade dos direitos civis é problemática, e a justiça
criminal possui dificuldades concretas em disciplinar e exercer controle, o movimento
de descriminalização pode se apresentar como uma estratégia eficaz não só de
administração de conflitos, mas também de acesso à justiça, incorporando parcelas da
população que em geral estão restritas a normas punitivas que não educam em prol de
um autocontrole. O acesso à justiça no Brasil é desigual não por bruxaria, uma
fatalidade do destino ou coisa parecida, mas porque historicamente as relações entre
Estado e jurisdicionados se constituíram desta maneira
64
. No mesmo sentido, alguns
aspectos culturais também devem ser destacados; sobretudo, no que tange às
concepções de subjetividade e de ordem pública envolvidas
65
.
O tratamento jurídico dado ao trabalho escravo e as formas cíveis de controle
social em jogo não são descoladas da realidade e nem se encontram em um vazio
sociológico. A exposição de alguns destes aspectos histórico-culturais podem tanto
fornecer subsídios para um melhor o entendimento desta múltipla disponibilidade de
instrumentos normativos que alguns tipos penais possuem
66
, como potencializar a
discussão em torno do movimento de descriminalização como forma de controle e de
direito à justiça
67
. Este argumento é desenvolvido em duas partes: primeiro, do ponto
de vista sócio-antropológico, ele se fundamenta nas subjetividades em jogo no par
indivíduo/pessoa e nas concepções de ordem pública daí derivadas; e segundo, do
ponto de vista histórico, ele remete à historicidade dos direitos de cidadania e à
constituição de uma cultura jurídica punitiva de base não republicana no Brasil.
A individualidade subjetiva não é necessariamente equivalente à idéia de
indivíduo. Indivíduo é um tipo particular de subjetividade individual que reedifica,
64
Como podemos perceber nos estudos de José Murilo de Carvalho (1996, 2002), Wanderley Guilherme
dos Santos (1979), Maria Stella Amorim (2003), Stuart B. Schwartz (1979) e outros sobre a constituição
do Estado brasileiro e heranças ainda presentes de uma ordem imperial.
65
Roberto Da Matta (1985, 1990), Louis Dumont (1993, 1997, 2000) e Roberto Kant de Lima (1999,
2000, 2004).
66
Em geral este “privilégio” se concentra nos tipos que processa em contextos pessoais e associados a
uma criminalidade não-violenta. Estes crimes são mais elaborados e necessitam de condições de
possibilidade que vão além do o uso da força. Eles mobilizam determinados recursos que não são
disponíveis para as camadas populares, e, por isso, se concentram nas classes mais altas.
67
Trabalho esta noção a partir das considerações clássicas de Thomas Humphrey Marshall sobre
cidadania: “(...) pretendo dividir o conceito de cidadania em três partes. (...). Chamarei estas três partes,
ou elementos, de civil, política e social. O elemento civil é composto dos direitos necessários à
liberdade individual – liberdade de ir e vir, liberdade de imprensa, pensamento e fé, o direito a
propriedade e de concluir contratos válidos e o direito a justiça. Este último difere dos outros porque é o
direito de defender e afirmar todos os direitos em termos de igualdade com os outros e pelo devido
62
dentre outras coisas, a noção de indivíduo biológico empiricamente dado. Trata-se de
um certo padrão de subjetividade que se torna mais hegemônico na chamada
modernidade.
Neste sentido, Da Matta resume muito bem as considerações de Dumont:
“Sabemos que não há formação social humana sem o indivíduo. Mas entre
reconhecer a existência empírica do indivíduo e surpreendê-lo como uma unidade
social relevante e ativa numa formação social, capaz de gerar os ideais
concomitantes de individualismo e igualitarismo, é um fato social e histórico,
objetivamente dado, produto do desenvolvimento de uma formação social
específica: a civilização ocidental. É só nesta civilização que a idéia de indivíduo
foi apropriada ideologicamente, sendo construída a ideologia do indivíduo como
centro e foco do universo social.” (Da Matta, 1990, p. 180-181).
O indivíduo possui um conjunto de características e valores derivados de um
processo histórico-cultural atrelado ao desenvolvimento do modelo burguês de
sociedade. O ator social enquanto agente reflexivo e dotado de direitos é fruto desta
tradição que segue os ditames do liberalismo político e econômico. Não pretendo
fornecer de forma específica uma definição de indivíduo, mas apenas reafirmar
algumas idéias gerais: um ente único e diverso, particular e universal, ao mesmo tempo
diferente e igual, um ente dotado de direitos e de poder (capacidade de intervenção na
realidade), de uma consciência individual, e que é centro e foco do universo social.
“Uma outra vertente importante do indivíduo natural ou empiricamente
dado é a elaboração de seu pólo social. Aqui, a vertente desenvolvida pela
ideologia não é mais a da igualdade paralela de todos, mas a da
complementaridade de cada um para formar uma totalidade que só pode ser
constituída quando se tem todas as partes. Em vez de termos a sociedade contida
no indivíduo, temos o oposto: o indivíduo contido e imerso na sociedade. É essa
vertente que corresponde a noção de pessoa como a entidade capaz de remeter ao
todo, e não mais à unidade, e ainda como o elemento básico através do qual se
cristalizam relações essenciais e complementares do universo social. Como se
observa, as duas noções são básicas, e ambas são largamente utilizadas em todas as
sociedades humanas. Ocorre apenas que a noção de indivíduo enquanto unidade
isolada e autocontida foi desenvolvida no Ocidente, ao passo que nas sociedades
holísticas, hierarquizantes e tradicionais, a noção de pessoa é dominante. Mas – e
esse ponto é importante – as duas noções estão sempre presentes, e de fato existe
uma dialética entre elas.” (Da Matta, 1990, p. 182).
A idéia de pessoa não só desequalisa, mas hierarquiza ao colocar, de maneira
segmentada, o complementar preso à totalidade social. O não indivíduo, pensado em
encaminhamento processual. Isto nos mostra que as instituições mais intimamente associadas com os
direitos civis são os tribunais de justiça.” (Marshall, 1967, p. 63-64)
63
termos de pessoa, pode variar tanto para cima, como para baixo do igualitário. Sua
inserção na ordem social pode ser dar por baixo ou por cima da regra geral, a lei, que se
supõe ser válida universalmente para todos aqueles considerados iguais. Estas noções,
indivíduo e pessoa, são concomitantes e de certa forma antagônicas. Em geral, elas
possuem espaços distintos de operacionalidade em uma dada sociedade; e que são
explícitos (por exemplo: o público e o privado, o doméstico e o impessoal etc.). As
regras são dadas, sabemos como operar nestes diferentes espaços. O problema se dá
quando estas noções se superpõem no espaço público de uma forma não explícita, ou
melhor, quando se explicita uma delas como regra e se opera com ambas.
O modelo de ordem burguesa, que Dumont denomina estratificação e Kant de
Lima de hierarquias includentes, trabalha com uma idéia de diferença associada à
igualdade (indivíduo). A desigualdade se dá no mercado, ela não está posta do ponto de
vista nominal, jurídico, mas se manifesta a partir da ação individual no mercado. Neste
sentido, um modelo holístico na civilização ocidental é um retrocesso, dada sua
concepção de ordem pautada em uma hierarquia estamental de parâmetros análogos aos
do Antigo Regime. A desigualdade jurídica limita, por definição, a capacidade de ação
de indivíduo no mercado, uns podem mais do que outros. Esta concepção de hierarquia
excludente de forma alguma equaliza o mercado e acaba reproduzindo desigualdades
para além das do mercado – não se trata de mais de classe social, uma hierarquia
dinâmica, e sim de status. Os ilegalismos associados ao escravismo não são cometidos
por elites, e sim por aristocracias.
“Em uma dessas concepções de ordem – a das hierarquias excludentes –, a
idéia de conflito aparece, em primeiro lugar, como desarrumação da ordem, como
um princípio de desordem, que põe em risco a totalidade da estrutura social. Esta é
concebida aqui como um sólido edifício de arcabouço previamente dado, como um
rol de componentes diferentes e desiguais, mas fixos e complementares. A
diferença é associada à idéia de posições existentes na estrutura social, que são
“natural” e inevitavelmente desiguais: essa estrutura, para ser mantida, depende da
manutenção de tal desigualdade, da mesma relação entre os elementos diferentes
desiguais. A resolução do conflito não é a solução das desigualdades que
incomodam, mas a sua manutenção, ordenadamente. A idéia de igualdade é
associada à semelhança dos pares; a de diferença, à de desigualdade substantiva
entre as pessoas. A formula para administrar o conflito é ou a conciliação ou a
punição das partes nele envolvidas.
Em uma outra – a das hierarquias includentes –, o significado do conflito,
ao contrário, é o de pressuposto necessário para a ordem social. A sociedade se
imagina como constituída de elementos substancialmente diferentes, mas
formalmente iguais e, portanto, opostos, móveis e intercambiáveis em inúmeras
combinações possíveis: os chamados ‘indivíduos’ (individuals). Dessa forma, os
conflitos de interesses são absolutamente inevitáveis, quase naturais. A resolução
64
dos conflitos é a construção de uma nova ordem que elimina as desigualdades,
mantendo as diferenças. A diferença, aqui, é associada à idéia de igualdade formal,
ao direito de ser diferente.” (Kant de Lima, 2000, p. 117)
A superposição dos modelos hierárquico e igualitário no espaço público
proposta por Da Matta, e de uma maneira mais elaborada para o campo jurídico, por
Kant de Lima relaciona-se diretamente à historicidade da cidadania uma vez que
apontam para dilemas na superação de uma concepção de ordem típica do Antigo
Regime e na efetividade de instituições jurídicas republicanas.
Para Marshall a cidadania plena deve ser entendida como uma totalidade composta
por três elementos: direitos civis, políticos e sociais
68
, mesmo que nem sempre eles
estejam presentes e/ou disponíveis em sua plenitude. Em seu entendimento há uma
seqüência lógica entre tais elementos e que para o caso por ele estudado, a Inglaterra,
também é histórica
69
. A lógica da seqüência: civil, político e social, está fundada em
dois princípios. Primeiro, nas condições de possibilidade destes direitos e sua
complementaridade ao se trabalhar em uma perspectiva individual. Faz sentido em
primeiro se conquistar os direitos civis para se ter garantias frente ao Estado e poder
lutar por direitos políticos, que permite a prática necessária para a concretização dos
direitos sociais. E, segundo, no próprio processo histórico de superação do Antigo
Regime por uma ordem republicana (e burguesa).
Estas considerações são importantes porque é exatamente o ponto enfatizado por
historiadores e brasilianistas: tais direitos se constituíram historicamente de uma
maneira diferente, o que resulta em um modelo de cidadania que não opera na mesma
lógica. Aliás, o que nossa historiografia nos mostra é que aqui o movimento foi
completamente outro:
“Aqui não se aplica o modelo inglês. Ele nos serve apenas para comparar por
contraste. Para dizer logo, houve no Brasil pelo menos duas diferenças importantes.
A primeira refere-se à maior ênfase em um dos direitos, o social, em relação aos
outros. A segunda refere-se à alteração na seqüência em que os direitos foram
68
E ele continua: “Por elemento político se deve entender o direito de participar no exercício do poder
político, como um membro de um organismo investido de autoridade política ou como um eleitor dos
membros de tal organismo. As instituições correspondentes são o parlamento e conselhos do Governo
local. O elemento social se refere a tudo que vai desde o direito a um mínimo de bem-estar econômico e
segurança ao direito de participar, por completo, da herança social e levar a vida de um ser civilizado de
acordo com os padrões que prevalecem na sociedade. As instituições mais intimamente ligadas com ele
são o sistema educacional e os serviços sociais.” (Marshall, 1967, pp. 63-64).
69
Marshall não afirma que tal seqüência é lógica e histórica, sugerindo um certo evolucionismo. Ele
explica porque ela é lógica e que para a Inglaterra ela também é histórica.
65
adquiridos: entre nós o social precedeu os outros. Como havia lógica na seqüência
inglesa, uma alteração dessa lógica afeta a natureza da cidadania. Quando falamos
de um cidadão inglês, ou norte-americano, e de um cidadão brasileiro, não estamos
falando exatamente da mesma coisa.” (Carvalho, 2002, pp. 12-13)
O termo “conquistados” encontra-se, de certa forma, ausente em nosso processo
histórico e está articulado, dentre outras coisas, à referida alteração da seqüência. Antes
de terem se constituído os direitos civis elementares (igualdade jurídica, liberdade de
contrato e até mesmo a propriedade), alguns dos outros elementos eram antecipados
66
civis iguais para todos e essencialmente protetivos do cidadão, tal como integram o
paradigma do Estado de Direito oriundo do século XVIII.
Com razão, alguns de nossos estudiosos apontam no Brasil, a presença de
um Estado patrimonialista, situação própria de uma sociedade marcada por
privilégios estruturados em desigualdades jurídicas, como as existentes no Antigo
Regime europeu (...).” (Amorim, 2003, p. 212-213)
O acesso à justiça pressupõe um direito à justiça, este pressupõe o elemento
civil da cidadania (e suas respectivas instituições), que por sua vez é impensável sem a
idéia de indivíduo. Acesso à justiça não é apenas a resolução do litígio, mas a
administração do conflito em instituição jurídica, legitimamente reconhecida pela
coletividade, sendo as partes envolvidas iguais enquanto entes dotados de direito. A lei
republicana vale para iguais, ela vale para os indivíduos. A nossa tradição histórico-
cultural deixou traços que ainda se fazem presentes nos dias de hoje. A oscilação entre
indivíduo e pessoa no espaço público, e a superposição de concepções de ordem
públicas paradoxais, são alguns deles. E configuram uma real possibilidade da
utilização de vias para-jurídicas de administração de conflitos (percebidas como
legítimas), da inserção diferenciada no conjunto de sistemas normativos presentes no
ordenamento jurídico, e em alguns casos no uso personalizado da regra da lei (seja sob
a ótica da punição ou através da reificação de privilégios) – até mesmo porque eles
encontram guarida em normas, procedimentos e práticas jurídicas atuais.
71
A desigualdade de tratamento dado aos conflitos rurais hoje no Brasil – onde
temos situações nas quais os proprietários de terra, em geral, não são criminados-
incriminados por cometerem certos ilegalismos privilegiados e certos movimentos
sociais (o MST, por exemplo) o são, por danos (e formação de quadrilha), quando da
ocupação de propriedades alheias –, revelam a insuficiência dialógica do presente
modelo. Uma igualdade não punitiva é muito mais preferível ao seu outro lado punitivo
perverso, com sua bizarra ilusão de pacifismo. Gestão violenta e aprisionamento não irão
resolver um problema, nem o outro; e muito menos “levar paz ao campo”.
Não pretendo, de forma alguma, propor uma espécie de igualdade punitiva, algo
como um “Estado Penal” (Wacquant: 2001) mais igualitário. Muito pelo contrário, pois
uma das coisas que procuro mostrar neste estudo é o fato de que as estratégias de
controle social dos sistemas normativos cíveis são mais eficientes do que o sistema
criminal, pelo menos para o ilegalismo em questão. Se esse raciocínio pode vir a ser
71
É bastante ilustrativo neste sentido os trabalhos de Regina Lucia Teixeira Mendes da Fonseca (2003,
2004) sobre igualdade jurídica.
67
estendido a outros crimes é uma outra questão; porém, certamente, há formas mais
eficazes de se gerir democraticamente os conflitos no espaço público do que a solução
penal geralmente adotada.
Isto não quer dizer necessariamente que os sistemas cíveis trabalhem numa lógica
mais igualitária, não punitiva, centrada do indivíduo ou coisa do gênero. A idéia que se
apresenta é que quanto mais opções de entrada nas instituições jurídicas melhor, a
capacidade de realização de escolhas faz parte do exercício da cidadania. Esta é a lição
das relações entre crime e mercado: quem controla os excessos do econômico não é o
penal, ele é uma exceção enquanto sistema normativo e não controla estes ilegalismos.
A repressão não é a única forma de controle social possível. Do mesmo modo,
nenhuma concepção de cidadania se sustenta em um contexto onde a solução penal é a
forma de acesso à justiça de uma boa parte da população, quiçá a maior. Para além do
movimento de criminalização de condutas, o movimento de descriminalização pode ser
muito mais propício a ser utilizado como uma estratégia de controle de ilegalismos,
sejam eles privilegiados ou não. A disponibilidade de normas não punitivas são mais
suscetíveis ao aprendizado, e, com isso, permite uma maior possibilidade de adesão por
parte dos jurisdicionados. Neste sentido, a existência de opções ao penal previne, ao
contrário do que pregam as correntes hegemônicas da área de segurança pública e
controle social, uma vez que promove civilidade via normalização e autocontrole.
68
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74
ANEXO 1: Mapas
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Fonte: Figueira, 2004, p. 96.
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Fonte: Figueira, 2004, p. 97.
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Fonte: Figueira, 2004, p. 98.
77
ANEXO 2: Listas Sujas
1ª LISTA SUJA – divulgada pelo MTE em 18/11/2003
Empregador Localidade
Trabalhadores
Libertados
Destilaria Gameleira Fazenda Gameleira, MT 318 pessoas
Açaí Florestal Ltda Fazenda Medalha, MA 265 pessoas
Agropecuária Carajás Ltda Fazenda Primavera, PA 248 pessoas
Agro Industrial Nova Aurora Ltda Fazenda Nova Aurora, MA 203 pessoas
Agropec São Pedro S.A Fazenda São Pedro, PA 186 pessoas
André Mitsuo Igarashi Fazenda Igarashi, MA 168 pessoas
Fernando Luiz Quagliato Fazenda Rio Vermelho, PA 167 pessoas
Senor Ltda Fazenda Senor, PA 153 pessoas
José Coelho Vitor Fazenda Santa Lúcia, PA 133 pessoas
Sebastião Doujas Xavier Fazenda Santa Luzia, MT 129 pessoas
ATS Serviços Ltda ME Fazenda Tuerê, PA 127 pessoas
Agropecuária Umuarama Ltda Fazenda Santa Fé, PA 118 pessoas
Edmilson José Cesílio Agropecuária Progresso Agropol, MT 98 pessoas
Jairo de Andrade Fazenda Forkilha, PA 97 pessoas
Márcio Carvalho Ribeiro Fazenda Primavera, PA 97 pessoas
José Vaz da Costa Fazenda N.S.Aparecida, PA 90 pessoas
Vale Bonito Agro Pecuária S.A, PA PA 88 pessoas
Florestal Maracaçumé Ltda Fazenda Entre Rios, MA 86 pessoas
Roque Quagliato Fazenda Colorado, PA 81 pessoas
Ediones Bannach Fazenda 5 Irmãos, PA 77 pessoas
Marcus Ribeiro de Carvalho Fazenda Taguará, PA 77 pessoas
Pedro Lopes Lima Fazenda Pai Eterno, PA 77 pessoas
Wellington Francisco Rosa Fazenda Maranata, PA 76 pessoas
Reinaldo José Zucatelli Fazenda Sol Nascente, PA 71 pessoas
Miguel de Souza Rezende Fazenda Zonga, MA 70 pessoas
Antônio das Graças Almeida Murta Fazenda Lagoinha, MA 65 pessoas
Newton Cunha Lemos & Outros Fazenda Marapaí, PA 64 pessoas
Carmo Guimarães Giffone Fazenda Acapulco, PA 62 pessoas
Francisco Donato Linhares de Araújo PA 60 pessoas
Lima Araújo Agropecuária Ltda Fazenda Estrela de Alagoas, AL 59 pessoas
Inocêncio Gomes de Oliveira Fazenda Caraíbas, MA 56 pessoas
Romualdo Alves Coleho Fazenda São Paulo, PA 55 pessoas
Divino Andrade Vieira Fazenda Santa Luzia Tuerê II, PA 52 pessoas
Aziz Mutran Neto Fazenda Mutamba, PA 48 pessoas
Jorge Multran Exportação e Imp. Fazenda Castanhal Cabaceiras, PA 47 pessoas
Humberto Rubens Cansanção Filho Fazenda Ouro Verde, PA 43 pessoas
(continuação)
78
Empregador Localidade Trab. Libert.
Eutimo Lippaus Fazenda 1200 (Fazenda Boa Fé), PA 36 pessoas
Gilberto Andrade MA 36 pessoas
Sebastião Vieira Fazenda Gleba Porta do Amazonas, MT 35 pessoas
Josemar da Costa Filho Fazenda Marcélia IV e V, MT 30 pessoas
Jairo Carlos Borges Fazenda Ouro Preto, PA 27 pessoas
Sandra Nancy de Souza Cunha Fazenda Buriti II, PA 27 pessoas
Wilson Moreira Torres Fazenda Rio Lages, PA 27 pessoas
Iolandes Bannach Fazenda e Irmãos, PA 26 pessoas
Milton Alonso Fazenda Dona Francisca, PA 25 pessoas
Constantino de Oliveira Guimarães Fazenda Colorado, PA 23 pessoas
Pedro Castanheira de Oliveira Silva Fazenda Ribeirão Bonito, PA 23 pessoas
José Humberto de Oliveira Fazenda Palmar, PA 20 pessoas
Eurélio Piazza Faz. Diadema IV ou Faz. Surucucu, PA 18 pessoas
José Gilberto Borges de Freitas Faz. Stº André Agropec. Fischer, MT 17 pessoas
Miguel Vieira Messias Fazenda Boca Quente, PA 13 pessoas
Fonte: Secretaria de Inspeção do Trabalho/MTE e Secretaria Especial de Direitos Humanos.
2ª LISTA SUJA – divulgada pelo MTE em 26/07/2004
UF Nome do Empregador Trabalhadores Libertados
MA Adailto Dantas de Cerqueira 45
MA Agropecuária Vale do Mutum Ltda 44
MA Alcides Reinaldo Gava 18
MA Antônio das Graças Murta 48
MA João José de Oliveira 32
MA João Soares Filho Pessoa 20
MA Mauro Rossati 19
MA Max Neves Cangussu 19
MA Miguel de Souza Rezende 64
MA Olindo Chaves dos Santos 54
MG Reginaldo Freire Leite 24
MT Agropecuária Tupy S/A 69
MT Alcomat - Companhia Sucro Alcooleira de Mato Grosso S/A 78
MT Antenor Duarte do Valle 188
MT Antenor Santos Alves Junior 45
MT Ari Giongo 129
MT Carlos Neston Vasconcelos Bonfim Júnior 124
(continuação)
79
UF Nome do Empregador Trabalhadores Libertados
MT José Francisco de Morais 15
MT José Pupim 56
MT Maeda S/A Agroindustrial 135
MT Nélio Piva 7
MT Neuri Antonio Frozza 44
MT Osamu Yabuta e Outros 79
MT Pinesso Agropecuarista Ltda 52
MT Roberto Guidoni Sobrinho 17
MT Sandra Vilela de Freitas 14
MT Sidney Polato 49
RO Agropecuária Itauna LTDA. 11
RO Agropecuária Pimenta Bueno S/A 18
RO Osvaldo Marcelino de Mendonça 12
TO Joaquim Faria Daflon 23
TO Nivaldo Carlos Barbosa 13
PA Alvany Dias Santana 13
PA Antônio Barbosa de Melo 20
PA Antônio Luiz Fuchtel 169
PA Dalva Navarros 1
PA Evandro Liegie Chukuia Mutran 54
PA Geraldo Bernardino de Souza 14
PA Haroldo Vieira Passarinho 152
PA Jairo Carlos Borges 18
PA José Braz da Silva 10
PA José de Ribamar Oliveira 58
PA Lázaro José Veloso 3
PA Marcos Antônio Eleutério Neto 15
PA Pecuária Rio Largo LTDA. 54
PA Romar Divino Montes 15
PA Romualdo Alves Coelho 56
PA Valfredo Macedo da Costa 41
PA Yasuhide Watanabe 42
Fonte: Secretaria de Inspeção do Trabalho/MTE e Secretaria Especial de Direitos Humanos.
80
ANEXO 3: Denúncias Ajuizadas no período de 03/2003 até 03/2004.
Fazenda Município UF Nº Processo / Vara
Denunciados
(Em negrito, os proprietários)
Nº de
pessoas
atingidas
CARAÍBAS
Gonçalves
Dias
MA
IP 2054 STF Min. Ellen
Gracie
Inocêncio Gomes de Oliveira
Sebastião Cesar Marques de
A
ndrade
2
AGROVÁS – Agropecuária
Vale do Suiá S/A
São Félix do
Araguaia
MT
2003.02.01.010356-6 / TRF
Jorge Sayed Picciani
1
RECANTO OU 5
ESTRELAS
Novo Mundo MT 2003.36.00.009842-0 / 2ª
Sebastião Neves de Almeida
Raimunda Abreu Maciel
Luiz Carlos Machado
Paulo Nonato de Oliveira
Maria do Socorro Araújo Feitosa
5
FAZENDA MARINGÁ
Novo São
Joaquim
MT
2004.36.00.001851-6 / 2ª
Vara
Antenor Santos Alves Júnior
Sinvaldo Fernandes de Oliveira
Antônio Eugênio Pereira
3
FAZENDA BRASÍLIA -
Bial algodoeira Industria e
Comérco LTDA.
Alto Graças MT
2004.36.00.001891-7 / 5ª
Vara
Carlos Newton Vasconcelos B.
Jr.
José Bonfim da Silva Neto
Lourival Francisco de Oliveira
3
FAZENDA MARINGÁ Comodor MT
2004.36.00.001930-9 / 2ª
Vara
Antenor Duarte do Vale
Antônio Donizete Nogueira
Marques
2
FAZENDA SÃO PEDRO
Santa Rita
do Trivelato
MT
2004.36.00.002031-7 / 5ª
Vara
Luiz Viero Trevisan
Evandro Viero Trevisan
Ayrton Luiz Darcol Trevisan
Dacy João de Deus
Jamil Adão dos Anjos
5
FAZENDA PRATA Cuiabá MT
2004.36.00.002066-3 / 5ª
Vara
Clóvis Patriota
Alaelson José Minzon
Edilson Pereira Neto
3
FAZENDA PORANGA
Agropecuária Daroit LTDA
Sorriso MT
2004.36.00.002293-4 / 5ª
Vara
Valdir Daroit
Elirio Daroit
Elpidio Daroit
3
FAZENDA JAÓ Xavantina MT
2004.36.00.002295-1 / 1ª
Vara
Roberto Guidoni Sobrinho
Romes Farias da Costa
2
FAZENDA VÓ GERCY
Campo
Verde
MT
2004.36.00.02294-8 / 1ª
Vara
José Francisco de Moraes
Agenor dos Santos Pereira
2
LAGOA DAS VACAS
São Félix do
Xingu/Regiã
o do Iriri
PA
2003.35.01.000763-1 /
Marabá
Aldimir Lima Nunes
Francisco Sérgio da Silva Siqueira
Manoel de Tal
Raimundo Nonato
Zé Roque
Francisco Ferreira
6
(continuação)
81
Fazenda Município UF Nº Processo / Vara
Denunciados
(Em negrito, os proprietários)
Nº de
pessoas
atingidas
VALE DO RIO FRESCO
Santana do
Araguaia
PA
2003.39.01.000458-4 /
Marabá
José Silva Barros
Antônio Lucena de Barros
Marcelo Lessa
Josué Messias Filho
Eduardo Coelho Araújo
João Batista de Souza
Nelson Felix de Paiva
Vanice Alves da Silva
Odilon de Tal
9
SANTA ANA
Santa Ana Agropecuária e
Industrial S/A
Cumaru do
Norte
PA
2003.39.01.000497-0 /
Marabá
Augusto Farias
Eleuza Farias
Flávio Mendonça Santana
Hilton Cezar Rodrigues da Silva
Pedro Silvio Bento Freire
Jairo Soares Lima
7
SÃO ROBERTO
Agropecuária São Roberto
S/A
Santana do
Araguaia
PA
2003.39.01.000539-3 /
Marabá
Antônio Lucena de Barros
Adriana Villarinho
Euvio Luiz Techie
Alcides Nogueira Queiroz
Arnaldo de Tal
Cleber de Tal
Iron Martins Cardoso
Dino de Tal
Canetão
9
ESTÂNCIA DO PONTAL
São Félix do
Xingu/Regiã
o do Iriri
PA
2003.39.01.000811-4 /
Marabá
Wanderley Dias Vieira
Admilson Dias Vieira
Francisco José Ferreira
Reginaldo Pereira Maranhão
4
LAGO AZUL Xinguara PA
2003.39.01.000957-9 /
Marabá
Adauto José Galli
Marcelo Guimarães Galli
Elviro Faria Arantes
Juarez Feitosa Gomes
Francisco Souza Santos
Raimundo Nonato Soares
Desuíta Lima da Silva
Cícera Lopes de Oliveira
Maria Cristina Araújo
Antônia dos Santos Machado
Maria das Dores Soares
11
TAXI AEREO
Agropal – Agropecuária
Palmeira S/A
Redenção PA
2003.39.01.001405-0 /
Marabá
Maria de Lourdes Miranda
Donizete de Miranda Alves
Ricardo de Miranda Alves
Dayse Ubelina Alves
Edmilson Dantas de Santana
5
(continuação)
82
Fazenda Município UF Nº Processo / Vara
Denunciados
(Em negrito, os proprietários)
Nº de
pessoas
atingidas
FAZENDA ESTRELA DE
MACEIO e DE ALAGOAS
Lima Araújo Agropecuária
LTDA.
Santana do
Araguaia
PA
2004.39.01.000293-6 /
Marabá
José Maria Coelho Bandeira
Antônio Luiz Coelho Bandeira
Gilvan Passos Filho
Antônio Abadio Fostal
José Monteiro Silva
Henrique Pereira dos Santos
Filho
7
FAZENDA BAGUÁ
Eldorado
dos Carajás
PA Não cadastrada
Celso Chuquia Mutran
José Gomes de Almeida
José Maria Diogo da Silva
3
FAZENDA SOSSEGO
Canaã dos
Carajás
PA Não cadastrada
Milton Ribeiro de Oliveira
Elton João Zimemrnnn
João Calixto
3
Agroindustrial São João
S.A – AGRISA –
Agropecuária LTDA
São Pedro
da Aldeia
RJ
2004.51.08.000019-0 / 1ª
Vara
Demétrios Fontes Tourinho
Adilson de Barbosa de Jesus
Mário Rubens Viana Higino
Manoel Messias Santos
Ramilton Pereira da Silva
5
SÃO JOAQUIM
(MEQUENS), Roberto
Caldas Agropecuária e
Transporte Ltda
Pimenteiras
do Oeste
RO
2003.41.00.003384-1 / 2ª
Vara
Roberto Demário Caldas
Valdir de Melo
Jair Bispo Gusmão
3
TAPYRATYNGA Corumbiara RO
2003.41.00.003385-5 / 3ª
Vara
José Carlos de Souza Barbeiro
Lídio dos Santos Braga
2
ASSENTAMENTO
REMANSÃO
Nova Olinda TO
2002.43.00.000023-0 / 1ª
Vara
Wagner Luis Gratão
Wilson Gratão
Luis Carneiro Filho
Arnaldo Campos da Silva
Enoque Viana Souza
Jose Gouveia Caminha
Luis Carlos dos Santos Alves
Luis Carlos Ferreira da Silva
Luiz José Carneiro
Mauro Atanael de Oliveira
11
Fazenda Ouro Verde Piçarra PA
INQ 2131 / Min Gilmar
Mendes
João Batista de Jesus Ribeiro
Osvaldo Brito Filho
2
Fonte:PFDC/PGR.
83
ANEXO 4: PEC 438/2001
84
ANEXO 5:
Presidência da República
Casa Civil
Subchefia para Assuntos Jurídicos
DECRETO DE 18 DE OUTUBRO DE 2004.
Declara de interesse social, para fins de reforma
agrária, o imóvel rural denominado "Fazenda e
Castanhal Cabaceiras", situado no Município de
Marabá, Estado do Pará, e dá outras providências.
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso das atribuições que lhe conferem os arts. 84,
inciso IV, e arts. 184 c/c 186, I, II e III da Constituição, e nos termos dos arts. 2
o
da Lei
Complementar n
o
76, de 6 de julho de 1993, 18 e 20 da Lei n
o
4.504, de 30 de novembro de 1964, e
2
o
e art. 9º, incisos I, II e III c/c 6º da Lei n
o
8.629, de 25 de fevereiro de 1993,
DECRETA:
Art. 1
o
Fica declarado de interesse social, para fins de reforma agrária, nos termos dos arts.
18, alíneas "a", "b", "c" e "d", e 20, inciso VI, da Lei n
o
4.504, de 30 de novembro de 1964, e 2
o
e
art. 9º
, inciso I, II e III c/c 6º da Lei n
o
8.629, de 25 de fevereiro de 1993, o imóvel rural
denominado "Fazenda e Castanhal Cabaceiras", com área de nove mil, setecentos e setenta e quatro
hectares, quatro ares e cinco centiares, situado no Município de Marabá, objeto dos Registros n
o
R-
2-11.505, fls. 01, Livro Ficha 2 e R-11-394 (remanescente), fls. 2v, Livro Ficha 2-B, do Cartório de
Registro Geral de Imóveis da Comarca de Marabá, Estado do Pará (Proc/INCRA/SR-27/N
o
54600.002168/99-97).
Art. 2
o
Excluem-se dos efeitos deste Decreto o domínio direto relativo ao imóvel registrado
na matrícula n
o
11505, os semoventes, as máquinas e os implementos agrícolas, bem como as
benfeitorias existentes no imóvel referido no art. 1
o
e pertencentes aos que serão beneficiados com
a sua destinação.
Art. 3
o
O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - INCRA fica autorizado a
promover a desapropriação do imóvel rural de que trata este Decreto, na forma prevista na Lei
Complementar n
o
76, de 6 de julho de 1993, e a manter a área de Reserva Legal prevista na Lei n
o
4.771, de 15 de setembro de 1965
, preferencialmente em gleba única, de forma a conciliar o
assentamento com a preservação do meio ambiente.
Art. 4
o
Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação.
Brasília, 18 de outubro de 2004; 183
o
da Independência e 116
o
da República.
LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA
Miguel Soldatelli Rossetto
Este texto não substitui o publicado no D.O.U. de 19.10.2004
In: http://www.presidencia.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2004/Dnn/Dnn10316.htm
, último
acesso em 03 de novembro de 2004.
85
Notas de fim: originais de citações traduzidas
A
. “Conflicts might kill, but too little of them might paralyse.” (Christie, 1977, p. 1)
B
. “Many of the white-collar crimes are committed by corporations. No effective method of dealing with
corporations under the criminal law has yet been devised. It is not possible to put a corporation to death,
or whip it, or commit it to prison except in a figurative sense.” (Sutherland, 1941, p. 114)
C
. “The criminal statistics show unequivocally that crime, as popularly conceived and officially
measured, has a high incidence in the lower class and a low incidence in the upper class (...). From
them, they have derived general theories of criminal behavior. These theories are that since crime is
concentrated in the lower class it is caused by poverty or by personal and social characteristics believed
to be associated statistically with poverty, including feeblemindedness psychopathic deviations, slum
neighborhoods, and ‘deteriorated’ families. (...) The conventional explanations are invalid principally
because they are derived from biased samples.” (Sutherland, 1940, p. 1-2)
D
. “Sutherland (1940: 4) did succeed, as he hoped, ‘to bring white-collar crime within the scope of
criminology’, though perhaps he was slightly optimistic about severing the correlation between crime
and ‘the psychopathic and sociopathic conditions associated with poverty’. He underestimated the
powerful drive leading most criminologists towards the lower classes, whom they adopt, somewhat
philanthropically and paternalistically, as the only classes deserving attention.” (Ruggiero, 2002, p.177)
E
. “White-collar crime is real crime. It is called crime here in order to bring it within the scope of
criminology, which is justified because it is a violation of the criminal law. The crucial question in this
analysis is the criterion of the violation of the criminal law. Conviction in the criminal court, which is
sometimes suggested as the criterion, is not adequate because a large proportion of those who commit
crimes are not convicted in criminal courts” (Sutherland, 1940, p. 5)
F
. “A white-collar crime is defined as a violation of the criminal law by a person of the upper
socioeconomic class in course of its occupational activities. The upper socioeconomic class is defined
not only by its wealth but also by its respectability and prestige in the general society. (...) This
definition is arbitrary and not very precise. It is not necessary that it be precise (...). The purpose of the
concept of white-collar crime is to call attention to a vast area of criminal behavior which is generally
overlooked as criminal behavior.” (Sutherland, 1941, p. 112).
G
. “The most general, although not universal, characteristic of white-collar crime is violation of trust.”
(Sutherland, 1941, p. 1)
86
H
. “The prevalence of white-collar crime can be readily appreciated by anyone who reads a few of the
current annual reports of the Federal Trade Commission and others commissions which have
responsibility of regulating business.” (Sutherland, 1941, p. 113)
I
. “The financial loss from white-collar crime, great as it is, is less important than the damage to social
relations. White-collar crimes violate trust and therefore create distrust. Other crimes produce relatively
little effect on social institutions or social organization.” (Sutherland, 1940, p. 5)
J
. “They differ principally in the implementation of the criminal laws which apply to them. The crimes
of the lower class are handled by policemen, prosecutors, and judges, with penal sanctions in the form
of fines, imprisonment and death. The crimes of the upper class either result in no official action at all,
or result in suits for damages in civil courts or are handled by inspectors, and by administrative boards
or commissions with penal sanctions in the form of warnings, orders to cease and desist, occasionally
the loss of a license, and only in extreme cases by fines or prison sentences.” (Sutherland, 1940, p. 7-8)
K
. “Other agencies than the criminal court must be included, for the criminal court is not the only agency
which makes official decisions regarding violations of the criminal law.” (Sutherland, 1940, p. 6)
L
. “White-collar crime is similar to juvenile delinquency in respect to the differential implementation of
the law. In both cases the procedures of the criminal law are modified so that the stigma of crime will
not attach to the offenders.” (Sutherland, 1945, p. 138)
M
. “White-collar crimes is real crime. If it is not a violation of the criminal law it is not white-collar
crime or any other kind of crime. But differences in administrative procedures do not justify the
designation of this behavior as something different from crime.” (Sutherland, 1941, p. 115)
N
. “(...)an analysis was made of the decisions by courts and commissions against the seventy largest
industrial and mercantile corporations in the United States under four types of laws, namely, antitrust,
false advertising, National Labor Relations, and infringement of patents, copyrights and trademarks
[todas violações criminais]. This resulted in the finding that 547 such adverse decisions had been made
with an average of 7,8 decisions per corporation and with each corporation having at least one.
Although all of these were decisions that the behavior was unlawful, only 49 or 9 per cent of the total
were made by criminal courts and were ipso facto decisions that the behavior was criminal.”
(Sutherland, 1945, p. 132)
O
. “This conclusion in this semantic portion of the discussion is that 473 of the 547 decisions are
decisions that crimes were committed.” (Sutherland, 1945, p. 135)
P
. “(...) they confuse acts with actors, norms with normbreakers the modus operandi with the operator.”
(Shapiro 1990, p. 347)
Q
. “white-collar crime as a violation of trust” (Shapiro, 1990, p.137)
R
. “The agency may draw on both criminal and civil as well as administrative enforcement mechanisms.
While criminal dispositions are often appropriate, they are rarely pursued to the sentencing stages.
87
Out of every 100 suspects investigated by SEC, 93 have committed securities violations that carry
criminal penalties. Legal action is taken against 46 of them but only 11 are selected for criminal
treatment. Six of these are indicted; 5 will be convicted and 3 sentenced to prison. Thus, for
Securities and Exchange Commission enforcement, criminal prosecution most often represents the
road not taken.” (Shapiro, 1985, p. 182)
S
. “This term, which embraced all cross-border illegal ventures, was nevertheless slightly skewed, as it
mainly applied to the illicit practices adopted by multinational companies. In brief, transnational crime
was suggestive of the illegitimate conduct of powerful actors and groups, whose political and economic
resources shielded them from public monitoring and institutional regulation” (Ruggiero, 2002, p.178-179)
T
. “White-collar crime is characterised by weak bonds with civil society and high integration with
institutions. The inability of white-collar criminals to ‘share’ the benefits of their illegality with
communities or sections of customers make them distant from society, while their proximity to
institutional settings renders their conduct hardly detectable. In the variant known as corporate crime, it
is often the overlap between the economy and political institutions that generates a criminogenic
88
the building industries. Traffickers may limit themselves to the provision of smuggling services or may also
provide addresses of prospective employers in these industries.” (Ruggiero, 1997b, p. 29)
Z
. “Some of these businesses are part of the parallel, unofficial economy, and are subsidiaries to larger
industrial companies operating in the manufacturing sector. Others are part of the farming sector, which
is in need of seasonal unregistered workers.” (Ruggiero, 1997a, p. 236)
AA
. “In some workshops raided by the police illegal workers were found to be housed under quasi-
military surveillance in the same rooms in which they worked. In order to pay the sum for their
transportation to Europe, many of these immigrants were kept under coercive conditions, and punished
if they fell behind with payments.” (Ruggiero, 1997b, p. 29-30)
AB
. “In sum, tracking in human beings should be analysed within a demand-supply framework, as illegal
migrants employed in the hidden economy, including the sex industry, meet a specific demand in
economically advanced countries. Invisibility characterises the condition of these migrants, an
invisibility informing both the way in which they migrate and the way in which they are required to
work and live in the country of destination.” (Ruggiero, 2000, p.194)
AC
. “Dans ces circonstances, il nous semble intéressant d’élaborer des stratégies de recherche qui
tenteront d’aborder la criminalité d’affaires (et son contexte politico-économique) de la manière la plus
large possible, comme: l’étude détaillée de matériel provenant de sources ouverts d’origine aussi variée
que possible (données économiques, communiqués de presse, travaux parlementaires etc.); l’étude
ethnographique sur le terrain; l’étude de décisions judiciaires; l’étude de l’effet du travail législatif;
etc.” (Ruggiero in: Mucchielli & Robert, 2002, p. 231).
AD
. “We are now returning to the formulation that variations in crime mirror variations in social control.
The forms of social control fostered by globalisation make centrally-structured hierarchies redundant, as
power relationships tend no longer to be embedded in centralised organisations and institutions, but in
dispersed networks in which instructions are processed. (…) Criminal business responds to the new
forms of social control and the reorganisation of sovereignty by establishing its own networks which
bypass national regulations.” (Ruggiero, 2002, p.181)
AE
. “An inability to establish criminal intent also is a major reason that prosecutors frequently pursue
civil action instead of criminal charges. Uncertain of their ability to convict culpable individuals and
lacking the resources needed to investigate more extensively or thoroughly, they instead opt for civil
action and the less onerous standard of proof these responses require.” (SHOVER, 2000, p. 143)
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