Download PDF
ads:
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: FUNDAMENTOS DA EDUCAÇÃO
EDINÉIA FÁTIMA NAVARRO CHILANTE
A EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS BRASILEIRA PÓS-1990: REPARAÇÃO,
EQUALIZAÇÃO E QUALIFICAÇÃO
MARINGÁ
2005
ads:
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
EDINÉIA FÁTIMA NAVARRO CHILANTE
A EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS BRASILEIRA PÓS-1990: REPARAÇÃO,
EQUALIZAÇÃO E QUALIFICAÇÃO
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Educação, Área de
Concentração: Fundamentos da Educação da
Universidade Estadual de Maringá, como
requisito parcial à obtenção de Título de
Mestre em Educação, sob a orientação da
professora Dra. Amélia Kimiko Noma.
MARINGÁ, maio/2005
ads:
Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP)
(Biblioteca Central - UEM, Maringá – PR., Brasil)
Chilante, Edinéia Fátima Navarro
C535e A educação de jovens e adultos brasileira pós-1990 :
reparação, equalização e qualificação / Edinéia Fátima
Navarro Chilante. – Maringá, PR : [s.n.], 2005.
213 f. : il.
Orientador : Prof. Dr. Amélia Kimiko Noma
Dissertação (mestrado) - Universidade Estadual de
Maringá. Programa de Pós-Graduação em Educação, 2005.
1. Educação de adultos. 2. Educação pública. 3.
Política educacional neoliberal. 4. Educação de jovens e
adultos - Brasil - Pós-1990. I. Universidade Estadual de
Maringá. Programa de Pós-Graduação em Educação. II. Título.
CDD 21.ed.374
370.9
TERMO DE APROVAÇÃO
EDINÉIA FÁTIMA NAVARRO CHILANTE
A EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS BRASILEIRA PÓS-1990: REPARAÇÃO,
EQUALIZAÇÃO E QUALIFICAÇÃO
Dissertação aprovada como requisito parcial à obtenção do grau de Mestre em
Educação, Curso de Pós-graduação em Educação, Centro de Ciências Humanas, Letras
e Artes da Universidade Estadual de Maringá, pela seguinte banca examinadora:
____________________________________________
Orientadora: Profª. Dra. Amélia Kimiko Noma (UEM)
____________________________________________
Profª. Dra. Ângela Maria Hidalgo (UEL)
____________________________________________
Profª. Dra. Maria Aparecida Cecílio (UEM)
Para Claudemir amigo e
companheiro que esteve ao meu lado em
todos os momentos dessa caminhada.
Para Bruno que dá um
sentido especial à minha vida.
Para Henrique que vem
completar nossa família.
Para Amélia que com
paciência e dedicação me
orientou nos passos dessa
pesquisa.
RESUMO
O objeto de estudo dessa dissertação é a Educação de Jovens e Adultos (EJA) no Brasil, a
partir da década de 1990. Tomando como ponto de partida a investigação sobre a
configuração assumida pela EJA no período delimitado, o trabalho tem como objetivo a
análise das funções de reparação, equalização e qualificação atribuídas a essa modalidade da
educação básica no concomitante processo de reforma da educação nacional. Utiliza-se a
abordagem histórica, contextualizando o objeto no processo mais amplo das relações sociais,
em âmbito internacional e nacional, e estabelecendo suas mediações com as condições
históricas específicas nas quais ocorreu a sua constituição. Parte-se do pressuposto de que as
funções atribuídas à EJA não podem ser explicadas por si mesmas, nem podem ser
compreendidas restringindo-se a aspectos da legislação educacional brasileira e ao campo
estritamente educacional. A pesquisa explicita sua vinculação com questões econômicas,
políticas e culturais da fase monopolista e imperialista de desenvolvimento do capitalismo
mundial. Por meio da articulação entre as esferas do singular e do universal evidencia sua
subordinação à reorganização do capital sob novos parâmetros de produção e acumulação,
resultantes da resposta do capitalismo mundial à crise geral que se tornou mais evidente a
partir da década de 1970. O estudo, de caráter teórico, tem como principais fontes primárias
documentos oficiais nacionais e declarações internacionais pertinentes à educação e à EJA. O
trabalho questiona a concepção da EJA como reparação de uma dívida social e sua tarefa de
estender a todos o acesso e o domínio da escrita e da leitura como bens sociais e a oferta de
certificação escolar como garantia de acesso ao mercado de trabalho. O estudo evidencia a
posição marginal atribuída à EJA no sistema educacional brasileiro, ao explicitar a
manutenção do caráter supletivo que sempre marcou as ações do Estado nesta área. Conclui
com a argumentação sobre a impossibilidade do cumprimento pleno da EJA como reparadora,
equalizadora e qualificadora, em razão da natureza excludente do sistema capitalista e das
políticas sociais neoliberais.
Palavras-chave: Educação pública. Política educacional neoliberal. Educação de jovens e
adultos. Brasil pós-1990.
ABSTRACT
The object of this study is the Youth and Adult Education (EJA) in Brazil starting from the
1990 decade. Taking the investigation about the configuration assumed by EJA in the
delimited period as starting point, this dissertation has as objective the analysis of the
repairing functions, equalization and qualification that are attributed to that modality of basic
education in the concomitant process of national education reform. We use the historical
approach, contextualizing the object in the widest process of social relationships, in
international and national extent, and establishing their mediations with the specific historical
conditions in which its constitution has happened. We start of the presupposition that the
functions attributed to EJA cannot be explained by themselves, nor they can just be
understood limiting to aspects of the Brazilian educational law and in a strictly educational
field. This work explicits its bond with economical, politic and cultural subject in monopolist
and imperialist phase of global capitalism development. Through the articulation between the
singular and the universal spheres that evidence its subordination to the reorganization of the
capital under new production and accumulation parameters, as resultant of global capitalism
answer to the general crisis that became more evident starting from 1970 decade. The
theoretical character of this study, has as main sources official national documents and
international declarations pertinent to education and EJA. The work questions the conception
of EJA as reparation of a social debt and its task of extending to everybody the access and the
domain of the writing and of the reading as social goods and the offer of school certification
as access warranty to the job market. This study evidences the marginal position attributed to
EJA in Brazilian educational system, when it makes explicit the maintenance of
supplementary character that always marked the actions of the State in this area. This work
ends with the argument about the impossibility of execution of EJA in a whole as reparative,
equalizing and examining, due to excluding character of the capitalist system and the social
neoliberals politics.
Key-Word: Public Education. Educational Neoliberal Politics. Youth and Adult Education.
Brazil after 1990.
LISTA DE SIGLAS
AID – Associação Internacional de Desenvolvimento
AMGI – Agência Multilateral de Garantia de Investimentos
BIRD - Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento
CCQs - Círculos de Controle de Qualidade
CEAA - Campanha de Educação de Adolescentes e Adultos
CEAAL - Conselho de Educação de Adultos da América Latina
CEAD - Centro Estadual de Educação Aberta Continuada a Distância
CEB - Câmara de Educação Básica
CEEBJA - Centro Estadual de Educação Básica para Jovens e Adultos
CES - Centro de Estudos Supletivos
CIADI – Centro Internacional para Arbitragem de Disputas sobre Investimentos
CNBB – Conferência Nacional dos Bispos do Brasil
CNE - Conselho Nacional de Educação
CNER - Campanha Nacional de Educação Rural
COEJA - Coordenadoria da Educação de Jovens e Adultos
CONFITEA - Conferência Internacional de Educação de Adultos
CONSED - Conselho Nacional de Secretarias de Educação
COP - Movimento de Cultura Popular
Cruzada ABC - Cruzada Ação Básica Cristã
DEJA - Departamento Estadual de Jovens e Adultos- Paraná
EPT – Educação para Todos
E.U.A – Estados Unidos da América
ENEJA - Encontro Nacional de Educação de Jovens e Adultos
FAT - Fundo de Amparo ao Trabalhador
FMI - Fundo Monetário Internacional
FNDE - Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação
FUNDEF – Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de
Valorização do Magistério
G-7 - Grupo dos Sete países mais ricos do mundo
GATT - Acordo Geral de Tarifas e Comércio
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
ICAE - Conselho Internacional de Educação de Pessoas Adultas
IDE - Investimentos Diretos no Exterior
IDH - Índice de Desenvolvimento Humano
IIEP - Instituto Internacional de Planejamento da Educação
IFC – Corporação Financeira Multilateral
INCRA - Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
INEP – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais
IOF-Ouro – Imposto sobre Operações Financeiras sobre Ouro,
IPVA – Imposto sobre Veículos Automotivos.
IRRF – Imposto de Renda Retido na Fonte
ISS – Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza
ITBI – Imposto sobre Transferência de Bens Intervivos
ITCM – Imposto sobre Transmissão Causa Mortis
ITR - Imposto Territorial Rural.
IUE - Instituto da Unesco para a Educação
MEB - Movimento de Educação de Base
MEC - Ministério da Educação
MOBRAL - Movimento Brasileiro de Alfabetização
MOVA – Movimento de Alfabetização de Adultos
MST – Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra
MTE - Ministério do Trabalho e Emprego
OCDE – Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico
OMC - Organização Mundial do Comércio
ONGs – Organizações não Governamentais
OREALC - Oficina Regional de Educação para a América Latina e o Caribe
OTAN – Organização do Tratado do Atlântico Norte
PAS - Programa Alfabetização Solidária
PEA - População Economicamente Ativa
PLANFOR - Plano Nacional de Qualificação do Trabalhador
PNAD - Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílios
PNE – Plano Nacional de Educação
PNUD - Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
PRELAC - Projeto Regional de Educação para América Latina e o Caribe
PROMEDLAC - Projeto Principal de Educação para a América Latina e Caribe
PRONERA - Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária
SEA - Serviço de Educação de Adultos
SEEA - Secretaria Extraordinária de Erradicação do Analfabetismo
SEED-PR - Secretaria do Estado da Educação do Paraná
SEF - Secretaria do Ensino Fundamental
SEFOR/MTB - Secretaria de Formação e Desenvolvimento Profissional do Ministério do
Trabalho
SENAC - Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial
SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial
SENAR - Serviço Nacional de Aprendizagem Rural
SFI – Sociedade Financeira Internacional
SIRENA - Sistema Rádio-Educativo Nacional
SESI - Serviço Social da Indústria
TQC – Controle de Qualidade Total
UNDIME - União Nacional dos Dirigentes Municipais e Educação
UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e para a Cultura
UNICEF – Fundo das Nações Unidas para a Infância.
WCEFA - Conferência Mundial sobre Educação para Todos
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................ 11
2 A CONFIGURAÇÃO DA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS NO BRASIL
A PARTIR DE 1990 ................................................................................................................
17
2.1 Breve histórico das políticas públicas de EJA no Brasil ........................................ 18
2.2 Bases legais da EJA.................................................................................................... 30
2.2.1 A Constituição Federal de 1988.................................................................................... 31
2.2.2 A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB 9394/96).......................... 35
2.2.3 A Resolução CNE/CEB 1/2000.................................................................................... 39
2.3 Diretrizes Curriculares Nacionais para EJA .......................................................... 44
2.4 A EJA no Plano Nacional de Educação.................................................................... 56
2.5 Programas federais de Educação de Jovens e Adultos........................................... 62
3 O CONTEXTO DA REESTRUTURAÇÃO CAPITALISTA....................................... 73
3.1 A mundialização do capital........................................................................................ 73
3.2 A reestruturação produtiva ...................................................................................... 80
3.3 Neoliberalismo............................................................................................................. 89
3.4 Reforma do Estado..................................................................................................... 94
3.5 Reforma da Educação................................................................................................ 100
4 A INFLUÊNCIA DAS AGÊNCIAS INTERNACIONAIS: DEFINIÇÃO DE
PRIORIDADES E ESTRATÉGIAS PARA A EDUCAÇÃO..................................
106
4.1 O Banco Mundial........................................................................................................ 107
4.2 A Comissão Econômica para América Latina (CEPAL)........................................ 121
4.3
A Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura
(UNESCO)................................................................................................................... 125
4.4 Conferências Internacionais de Educação................................................................ 132
4.4.1 A Conferência Mundial sobre Educação para Todos .................................................. 134
4.4.2 O Relatório Jacques Delors .......................................................................................... 139
4.4.3 A V Conferência Internacional sobre Educação de Adultos (CONFITEA)................. 145
5 A EJA REPARADORA, EQUALIZADORA E QUALIFICADORA.......................... 154
5.1 A função reparadora ................................................................................................. 154
5.2. A função equalizadora .............................................................................................. 169
5.3 A função qualificadora .............................................................................................. 175
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS..........................................................................................
196
REFERÊNCIAS.....................................................................................................................
203
1- INTRODUÇÃO
O nosso trabalho tem como objeto de estudo a educação de jovens e adultos (EJA), que se
configurou, a partir dos anos 1990, no Brasil, como resultado do conjunto de amplas
modificações realizadas sob a coordenação do Ministério da Educação na educação nacional.
O objetivo é, a partir da focalização centrada na configuração assumida pela EJA no período
delimitado, analisar a funcionalidade atribuída a essa mesma modalidade da educação básica no
processo de reforma da educação brasileira pós-1990.
Entendemos por educação de jovens e de adultos a modalidade integrante da educação básica
destinada ao atendimento de alunos que não tiveram, na idade própria, acesso ou continuidade de
estudo. Atualmente a EJA nacional compreende o processo de alfabetização, cursos ou exames
supletivos nas suas etapas fundamental e média.
Nos documentos legais pertinentes, a EJA, mais do que um direito, é considerada a chave para o
século XXI, por ser conseqüência do exercício da cidadania e condição para a participação plena
na sociedade, incluindo aí a qualificação e a requalificação profissional. Os documentos
orientadores das políticas públicas de EJA, produzidos no Brasil ao final do século XX,
argumentam que a EJA pode auxiliar na eliminação das discriminações e na busca de uma
sociedade mais justa e menos desigual, a qual resultaria da inclusão do conjunto de brasileiros
vítimas da história excludente de nosso país. A EJA é tratada como uma dívida social a ser
reparada, devendo, portanto, assumir a tarefa de estender a todos o acesso e o domínio da escrita
e da leitura como bens sociais, seja na escola seja fora dela.
12
Ao nosso ver, é atribuída à EJA uma tarefa bastante ambiciosa e abrangente. Por essa razão,
consideramos que essa questão merece ser abordada em profundidade. Assim, delimitamos a
nossa problemática de pesquisa indagando qual o significado histórico das promessas de
reparação, de equalização e de qualificação apresentadas como funções da EJA no Parecer
CNE/CEB 11/2000 e na Resolução CNE/CEB 1/2000.
Entendemos que a análise dos fundamentos teóricos que dão forma às políticas estratégicas
adotadas pelos governos é essencial para a compreensão de como essas idéias e essas políticas
são geradas e quais são os efeitos pretendidos. Em função dessa compreensão, o objeto em estudo
é analisado em estreita relação com o contexto histórico de sua produção, pois partimos do
pressuposto de que as funções atribuídas à EJA não podem ser explicadas por si mesmas, nem
podem ser compreendidas apenas restringindo-se a aspectos da legislação educacional brasileira e
ao campo estritamente educacional.
Ao contrário, buscamos explicitar sua vinculação com questões econômicas, políticas e culturais
da fase monopolista e imperialista de desenvolvimento do capitalismo mundial, bem como sua
expressão em nosso país, por meio da articulação entre as esferas do singular e do universal.
Evidencia-se que a configuração assumida pela EJA, a partir dos anos 1990, está subordinada à
reorganização do capital, sob novos parâmetros de produção e acumulação resultante da resposta
do capitalismo mundial à crise geral, que se tornou mais evidente a partir da década de 1970.
A reorganização do capital significou a ressituação das idéias neoliberais, que se encontravam em
quarentena desde os anos de 1940, conforme explicitamos nesse trabalho. Adquirindo
hegemonia, a qual se manifesta em graus diversos, o neoliberalismo forneceu a sustentação
necessária às práticas político-econômicas inspiradas no ideário liberal. Foi precisamente sob
13
essa égide que o Brasil viveu as transformações na década de 1990, regidas por influências de
países hegemônicos e por seus agentes internacionais, com a participação e o consentimento de
atores nacionais.
As repercussões dessas transformações na área da educação foram muito significativas, uma vez
que a educação se torna o campo para o qual o capital catalisa, de forma direta ou indireta, os
elementos relevantes de seu projeto de hegemonia. A lógica que se torna normativa é a de que a
educação deve atender às exigências do mercado, adaptando-se aos conteúdos exigidos nessa
nova fase do capitalismo. À educação, em especial à educação básica, é atribuído um papel
decisivo no crescimento econômico, na redução da pobreza e na superação das desigualdades
entre os países e entre os indivíduos de uma mesma nação.
Desde o início dos anos de 1990 vêm sendo implementadas no Brasil várias medidas
institucionais que podem ser caracterizadas como uma ampla reforma na área da educação. Tal
reforma efetivou-se por meio da apresentação da nova LDB (1996), da implantação de planos
setoriais e decretos executivos que versam principalmente sobre financiamento, gestão, avaliação
institucional e parâmetros curriculares nacionais.
Em decorrência da implementação de tais reformas, no Brasil, os programas de alfabetização e
ensino fundamental de jovens e de adultos têm sido desenvolvidos principalmente pelos
municípios e pelos estados. As ações do Governo Federal nessa modalidade de ensino têm se
caracterizado por intervenções focalizadas e de caráter compensatório.
A retirada do Governo Federal das ações diretas de EJA não significou a ausência de
participação, e sim, a sua atuação na coordenação e apoio financeiro suplementar às ações
14
descentralizadas. O Ministério da Educação constituiu-se como um coordenador nacional e
indutor de políticas educacionais públicas, incluindo as de alfabetização e educação básica de
jovens a de adultos. Enquanto o apoio financeiro aos estados e aos municípios, na área da EJA,
era dado pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento Educacional (FNDE), a Coordenadoria de
Educação de Jovens e Adultos (COEJA), órgão do quarto escalão do governo, estabeleceu
referenciais curriculares, disseminou materiais didáticos e implementou o programa de formação
de educadores das redes estaduais e municipais.
Não obstante, a ausência das ações diretas do Estado sobre a EJA permitiu que as ações
educativas nessa área fossem concretizadas por programas desenvolvidos pelas parcerias entre
governos municipais e organizações da sociedade civil. Essas parcerias desenvolvem-se em duas
frentes: a) assessoria, pesquisa, planejamento, avaliação de programas educativos, formação de
professores, produção de material didático-pedagógico; b) realização de cursos para trabalhadores
analfabetos ou pouco escolarizados, organizados pelas centrais sindicais, empresas, federações e
cooperativas dos trabalhadores.
Em estudo analítico da produção discente no Brasil sobre a EJA, representada por teses e
dissertações, no período de 1986 a 1998, Haddad (2002) concluiu que os trabalhos analisados
compõem-se, em sua maioria, em estudos de caso, relatos analíticos ou sistematizações de
experiências, práticas, projetos de objetivos reduzidos. Na maior parte dos trabalhos, os autores
buscaram a compreensão de aspectos referentes a poucas unidades escolares, salas de aula, ou
quando muito, a programas de âmbito municipal e estadual, sendo, por isso, restrita a validade
das conclusões a que chegam. O estudo em questão também aponta para a carência de trabalhos
15
de natureza teórico-filosófica que abordem a EJA num marco conceitual mais amplo e permitam
uma visão nacional desse campo educativo.
A relevância da presente dissertação está na abordagem histórica utilizada, analisando a EJA a
partir de mediações mais gerais e de um marco conceitual mais amplo, não restrito ao campo
educacional. Esperamos que o nosso esforço em desvendar o ideário neoliberal que orienta a
propalada educação inclusiva, base da educação para todos, como uma das principais estratégias
de consolidação de preceitos de uma sociedade justa, humana, igualitária e aberta à diversidade,
represente uma contribuição aos debates que vêm sendo feitos na área e à pesquisa em educação.
Para dar conta do proposto, o trabalho está dividido em quatro capítulos. O primeiro trata das
políticas públicas para a EJA no Brasil, no qual explicitamos as normas legais que regulam essa
modalidade de ensino e enfatizamos a forma como a educação escolar de jovens e de adultos vem
sendo operacionalizada nos principais programas federais de EJA desenvolvidos no Brasil, a
partir da década de 1990.
O segundo capítulo explicita o contexto histórico em que as políticas educacionais focalizadas
foram formuladas, estabelecendo mediações da problemática abordada com condições históricas
específicas da atual fase de desenvolvimento do modo de produção capitalista. Nesse capítulo
buscamos os fundamentos que dão sustentação à Reforma do Estado e da Educação realizadas no
Brasil no final dos anos 1990.
No terceiro capítulo, analisamos a influência das agências internacionais, sobretudo do Banco
Mundial, da Cepal e da Unesco para a formulação das políticas educacionais no Brasil a partir
das orientações das conferências internacionais de educação e dos documentos produzidos por
16
estas agências no período estudado.
No último capítulo discutimos a funcionalidade atribuída à EJA, expressa no Parecer CNE/CEB
11/2000 e na Resolução CNE/CEB 1/2000. O propósito é explicitar os vínculos das funções de
reparação, de equalização e de qualificação da EJA com as noções de empregabilidade, inclusão
social e cidadania, estabelecendo mediações desses conceitos com as mudanças estruturais do
capitalismo desse fim de século.
2 - A CONFIGURAÇÃO DA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS NO BRASIL A
PARTIR DE 1990
O objetivo desse capítulo é apresentar a conformação atual da educação de jovens e adultos
(EJA) no Brasil. Para isso fundamenta-se nas seguintes fontes documentais: 1) a Resolução
CNE/CEB nº. 1/2000, que institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para a EJA; 2) o
Parecer CNE/CEB nº. 11/2000, que apresenta um relatório sobre a EJA; 3) a Seção V do
capítulo V da LDBEN 9.9394/96, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional;
4) a Lei 10.172, de 09 de janeiro de 2001, que estabelece o Plano Nacional de Educação.
Pretende-se depreender nessa documentação os elementos que expressam as proposições para
a política nacional para a EJA.
Para dar conta do proposto iniciaremos com um breve histórico das políticas públicas para
educação de jovens e de adultos no Brasil. Em seguida, explicitaremos as bases legais da EJA
e, na seqüência, analisaremos o contido na Resolução CNE/CEB 1/2000, no Parecer
CNE/CEB 11/200 e nos capítulos da LDB 9.394/96. Essas fontes serão analisadas juntamente
com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação anterior (Lei 5.692/71) e as determinações da
Constituição Federal de 1988. Serão focalizados, nesse trabalho, os artigos que se referem à
organização do sistema educacional no Brasil bem como os objetivos e metas do Plano
Nacional de Educação para a EJA. Por último, apresentaremos os principais programas
federais para a EJA desenvolvidos a partir dos anos 1990.
18
2.1 . BREVE HISTÓRICO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS DE EDUCAÇÃO DE JOVENS E
ADULTOS NO BRASIL
A ação educativa junto a adolescentes e adultos no Brasil não é algo novo. Só é possível
considerar a existência de uma política de EJA para analfabetos a partir de 1940. Antes disso,
explica Beisiegel (2001, p. 207), as iniciativas nesse campo eram dispersas e não
representavam uma política na área. Haddad (1991, p. 67) esclarece que no período colonial a
educação, inicialmente direcionada aos índios e depois aos negros, sob a responsabilidade dos
jesuítas, transmitia, além do evangelho, normas de comportamento e os ofícios necessários ao
funcionamento da economia colonial. Acrescenta Paiva (1987, p. 165) que raramente se
ensinava um adulto a ler e a escrever.
Haddad (1991, p. 67) explicita que a Constituição de 1824 trouxe, sob a influência das idéias
liberais européias, a garantia de “uma instrução primária e gratuita a todos os cidadãos”,
inclusive aos adultos. Todavia, esse dispositivo constitucional não chegou a se materializar,
não passando de uma intenção legal. Podemos dizer que no período imperial não houve
grandes alterações, em relação ao período anterior, quanto à oferta de educação aos adultos
analfabetos no país.
O distanciamento entre o proclamado pela Constituição de 1824 e o realizado, no campo
educacional dos adultos, é apontado por Haddad (1991, p. 68) como decorrência, em primeiro
lugar, do fato de que a cidadania só era concedida a uma pequena parcela da população e, em
segundo lugar, da política de descentralização da educação básica no Brasil, após o Ato
Adicional de 1834, que resultou na transferência de responsabilidades às províncias, sem que
houvesse um plano ou programa nacional de educação a ser seguido por elas. Ao Governo
Federal era reservado o direito sobre a educação das elites. Em 1890, devido a essa estrutura
19
de organização, Haddad (1991, p. 68) aponta que 82% da população acima de cinco anos de
idade era de analfabetos.
No início da República, a Constituição de 1891 manteve a ação do ensino básico como ação
descentralizada sob a responsabilidade dos estados e dos municípios e, mais uma vez, a
educação das elites foi garantida em detrimento da educação para as camadas sociais
marginalizadas. Ressalte-se também que a mesma Constituição proibiu o voto do analfabeto,
em um período em que a maioria da população adulta encontrava-se à margem da sociedade
letrada.
Alterações significativas no quadro educacional brasileiro ocorreram a partir da Primeira
Guerra Mundial, quando teve início uma intensa campanha contra o analfabetismo. Na
primeira metade do século XX a necessidade de alfabetizar a população adulta justificava-se
pelo serviço militar obrigatório, pela nacionalização do ensino nos estados do Sul e também
como contribuição ao desenvolvimento econômico do país. Esse movimento em favor da
expansão quantitativa do ensino, predominante até meados da década de 1920, abrangia tanto
o ensino das crianças quanto o dos adultos e o ensino profissionalizante. Haddad (1991, p. 70)
expõe que no censo de 1920, trinta anos após o advento da República no Brasil, 72% da
população acima de cinco anos de idade ainda eram constituídos de analfabetos.
Beisiegel (1974, p 67) afirma que em meados da década de 1940 a educação dos adultos
apareceu como uma prática educativa vinculada às demandas sociais e educacionais do
período. Postulava-se a educação de todos os habitantes e a administração pública viu-se
obrigada a providenciar vagas para o atendimento a todos.
20
De 1930 a 1945, período do governo de Vargas, alterações mais significativas quanto à
educação no Brasil são percebidas em três posições distintas. De acordo com Shiroma,
Moraes e Evangelista (2002), a primeira evidenciou-se logo após o golpe de 1930, com a
difusão do ensino público e a construção dos liceus industriais em alguns estados, em uma
preocupação principalmente técnico-profissional. No período de 1934 a 1937, a União apoiou
os estados na tarefa de difusão do ensino elementar, com preocupações voltadas à qualidade
do ensino. No período de 1937 a 1945, a educação novamente voltou-se para o aspecto
quantitativo, com o incentivo a sua expansão. Em todo o período, no entanto, uma
característica manteve-se constante: o interesse pela educação rural e pelo ensino técnico-
profissional. A educação rural justificava-se como forma de conter a migração do campo para
as cidades, e a formação técnico-profissional dos trabalhadores deveria resolver o problema
das agitações urbanas (SHIROMA, MORAES, EVANGELISTA, 2002, p.18-19).
Segundo Beisiegel (1974, p. 68), são considerados como marcos significativos do processo de
inclusão de adultos e de adolescentes analfabetos, entre os objetivos da atuação do Estado no
Brasil no final da década de 1930 e na década de 1940, a criação do Instituto Nacional de
Estudos Pedagógicos (INEP), em 1938, a instituição do Fundo Nacional de Ensino Primário,
em 1942, e sua regulamentação em 1945 e, principalmente, a criação do Serviço de Educação
de Adultos no âmbito do Ministério da Educação e Saúde, em 1947. Nesse mesmo ano, foi
elaborado o Plano Nacional de Educação Supletiva para adolescentes e adultos analfabetos,
para o qual foram destinados 25% dos recursos do Fundo Nacional do Ensino Primário.
De 1942 a 1946 foram regulamentados o Ensino Industrial com o SENAI (Serviço Nacional
de Aprendizagem Industrial), o Ensino Comercial com o SENAC (Serviço Nacional de
Aprendizagem Comercial) e o Ensino Agrícola. Evidenciou-se, pois, o seguinte dualismo:
21
enquanto as camadas mais favorecidas podiam ingressar no ensino secundário e superior, as
camadas menos favorecidas só tinham acesso ao ensino técnico-profissional para uma
formação rápida.
Depois de 1946, ao final do governo ditatorial de Vargas, discutiu-se novamente a questão das
eleições, e o voto do analfabeto voltou a ser considerado. Segundo Paiva (1987 p. 136), o
aumento do número de eleitores no Brasil seria conseguido por intermédio de dois caminhos:
o primeiro, em longo prazo, seria a difusão do ensino elementar para população em idade
escolar, e o outro, em curto prazo, seria a alfabetização dos adultos analfabetos. Isso, segundo
a autora citada, explica o fato de a educação dos adultos ter sido tão bem aquinhoada nas
quotas do Fundo Nacional do Ensino Primário.
As grandes campanhas de alfabetização de adultos no Brasil datam do final dos anos 1940 e
início dos anos 1950. Em 1947 foi lançada, sob a coordenação do Departamento Nacional de
Educação, a Campanha de Educação de Adolescentes e Adultos (CEAA) e, no mesmo ano
realizou-se o Primeiro Congresso de Educação de Adultos, que evidenciou a concepção do
analfabeto como incapaz, e a idéia de que a educação dos adultos era essencial para o pleno
funcionamento da democracia no país.
A CEAA iniciou suas atividades com base em um plano de ensino supletivo, segundo o qual
cada estado deveria criar seu Serviço de Educação de Adultos (SEA) para cuidar do
andamento da Campanha. A SEA deveria orientar a instalação das classes de adultos e seriam
usados, para isso, os sistemas escolares já existentes. Justificava-se, na década de 1950, a
necessidade de alfabetizar os adultos como forma de impedir a desintegração social, lutar pela
paz social e otimizar a utilização das energias populares, recuperando a população analfabeta,
22
que ficara à margem do processo de desenvolvimento do país (PAIVA, 1987, p. 190).
A partir de 1951 a CEAA iniciou um trabalho voltado ao ensino profissionalizante, e, para
isso, o Ministério da Educação e Saúde idealizou a Campanha Nacional de Educação Rural
(CNER), tendo como objetivo principal evitar o êxodo rural, por meio da melhoria nas
condições de vida da população do campo. Para alcançar esse objetivo, a CNER utilizou-se de
uma metodologia de desenvolvimento comunitário “com atividades dirigidas no sentido da
educação de base, da organização de cooperativas, da assistência sanitária, cívica e moral, da
introdução e melhoria das técnicas agrícolas, etc” (PAIVA, 1987, p. 201). Ressalte-se também
que, para auxiliar a CEAA e, ao mesmo tempo, incentivar a criação de sistemas rádio-
educativos regionais, foi criado em 1957 o Sistema Rádio-Educativo Nacional (SIRENA).
A partir de 1954, as atividades da CEAA começaram a declinar, e voluntários abandonaram
suas atividades. A má qualidade do ensino ministrado nas campanhas e sua atuação fictícia
em muitos estados tornaram-se evidentes e passaram a ser alvo de críticas. A campanha foi
oficialmente extinta em 1963 (PAIVA, 1987, p. 191-193).
No Rio de Janeiro, em 1958, auge do declínio da Campanha, realizou-se, com o patrocínio de
entidades públicas e privadas e apoio do Ministério da Educação e Cultura, o Segundo
Congresso de Educação de Adultos. Esse encontro foi fortemente marcado pelas críticas à
CEAA, apontada como uma fábrica de eleitores. Paiva (1987, p. 209) destaca, nesse
congresso, emergência das idéias de Paulo Freire, as quais apontavam para as causas sociais
do analfabetismo. Evidenciou-se, também, a orientação para ênfase na educação elementar da
população em idade escolar, justificada pela idéia de que a população adulta não possuía
perspectivas de alteração existencial. Sobre essa questão assim se pronuncia Beisiegel (2001,
23
p. 220):
A campanha Nacional de Erradicação do analfabetismo marcou o início de
uma nova etapa nas discussões sobre a ação educativa da União junto às
massas iletradas. Seus organizadores entendiam que a mera alfabetização do
adulto não tinha significado. Toda a prioridade seria dada à educação de
crianças e os jovens para quem a educação ainda pudesse significar alterações
de perspectivas existenciais.
Ao final da década de 1950, sob a influência da política desenvolvimentista do populismo, a
educação dos adultos passou a ser vista como parte do esforço para o desenvolvimento
econômico do país. Dizia-se que o crescimento econômico da nação exigia pessoas capazes
de se iniciar profissional e tecnicamente na sociedade moderna. Ressaltava-se que a
modernidade requeria dos trabalhadores a capacidade de ler e escrever, de compreender os
valores morais, espirituais e políticos da cultura brasileira (PAIVA, 1987, p. 207-208).
A idéia da educação como formadora de consciência se impôs com maior força depois de
1960, e teve como principal expressão a Igreja Católica, com o Movimento de Educação de
Base (MEB). Esse movimento foi reconhecido pelo Ministério da Educação em 1961, por
meio de um convênio entre o governo da União e a Conferência Nacional dos Bispos do
Brasil (CNBB) com a finalidade de desenvolver trabalhos nas regiões subdesenvolvidas do
Norte, do Nordeste e Centro-leste do país utilizando-se de sistemas radiofônicos
(BEISIEGEL, 2001, p. 223). Além do MEB, nesse mesmo período surgiram outros
movimentos educacionais de orientação marcadamente política, como o Movimento de
Cultura Popular (COP) do Recife, a campanha “De Pé no Chão Também se Aprende a Ler”,
da Prefeitura de Natal, e os Centros Populares de Cultura, da União Nacional dos Estudantes
(UNE) (BEISIEGEL, 2001, p. 225).
Em 1963 foi organizada, em Brasília, a Comissão Nacional de Alfabetização com o propósito
de elaborar um programa de alfabetização de adultos. Sua meta era preparar quatro milhões de
24
novos eleitores com base no “método Paulo Freire”. O golpe militar de 1964, entretanto,
interrompeu as atividades da Comissão Nacional de Alfabetização, por considerar sua atuação
subversiva (BEISIEGEL, 2001, p. 232). O Movimento de Educação de Base pôde continuar
suas atividades, porém, sem o caráter político que marcou seu início.
Conclui-se com o exposto até aqui que os esforços empreendidos durante as décadas de 1940
e 1950 fizeram cair os índices de analfabetismo. No entanto, Haddad (1991, p. 76) esclarece
que, no início da década de 1960, 46,7% da população acima de cinco anos de idade no país
ainda eram de analfabetos.
O regime militar que se instaurou a partir de 1964 no Brasil adotou uma posição estritamente
econômica de desenvolvimento, submetendo a educação a esse imperativo. Para isso, o
governo implementou uma série de leis garantindo o controle político e ideológico sobre a
educação escolar, dentre elas, a Lei 5.379, de 15 de dezembro de 1967, que aprovou o Plano
de Alfabetização Funcional e Educação Continuada e autorizou a instituição de uma fundação
denominada Movimento Brasileiro de Alfabetização (Mobral).
Antes do início efetivo dos trabalhos da Fundação Mobral, a União atuava na alfabetização de
adultos de forma indireta, apoiando financeiramente os trabalhos da Cruzada Ação Básica
Cristã (Cruzada ABC), que contava, também, com apoio financeiro dos governos estaduais,
do USAID
1
e de entidades privadas. O objetivo inicial da Cruzada era alfabetizar um milhão
de pessoas em 5 anos. No decorrer dos trabalhos esses objetivos foram ampliados, no sentido
de levar à população, além da alfabetização, a educação continuada, incluindo o ensino
profissional e educação sanitária.
1
A Agency for International Development (AID) assina com o Ministério da Educação uma série de convênios
para a assistência técnica e financeira desta agência à organização do sistema educacional brasileiro. São os
conhecidos “Acordos MEC-USAID” assinados durante período do regime militar no Brasil.
25
Os principais problemas enfrentados pela Cruzada referiam-se principalmente aos poucos
recursos financeiros para a manutenção do programa, pois, à medida que a despesa com a
educação dos adultos era incorporada ao orçamento da União, os recursos para Cruzada
escasseavam. A Cruzada recebeu também duras críticas quanto ao “material didático, sua
atuação comunitária, sua escassa rentabilidade, seu alto custo-aluno, sua concepção do
analfabeto como incapaz e sua orientação estrangeira” (PAIVA, 1987, p. 276). Outro ponto
criticado era seu caráter assistencialista, pois distribuía alimentos aos alunos que
freqüentavam o programa.
As atividades do Mobral tiveram início efetivamente a partir de 1970, e, segundo Paiva (1987,
p. 295-296), o movimento fazia restrições ao método Paulo Freire, usava material didático
que associava o sucesso de cada um unicamente ao esforço individual, exaltando os padrões
de vida modernos, contribuindo para a aquisição de novas possibilidades de consumo. Além
disso, eram enaltecidos os valores urbano-industriais, o que acabou incentivando o êxodo
rural.
As bases legais do chamado ensino supletivo foram produzidas no contexto das reformas
autoritárias. Na Lei 5.692/71 o sistema ganhou capítulo próprio e destinava-se a suprir a
escolarização regular de adolescentes e de adultos que não a tivessem concluído em idade
própria. Esse ensino podia abranger o processo de alfabetização, a aprendizagem, a
qualificação, algumas disciplinas e também a atualização. Os cursos podiam ser a distância
(correio), e os exames seriam realizados em estabelecimentos oficiais ou reconhecidos, com
validade e indicação anual, sob a responsabilidade dos Conselhos Estaduais de Educação. A
carga horária para os cursos seria estabelecida de forma a ajustar-se com o tipo especial de
26
aluno a que esses se destinavam, resultando em uma grande flexibilidade curricular (BRASIL,
2000, p. 56).
A Lei 5.692/71, ao estabelecer as diretrizes e bases do ensino de 1º. e 2º. graus, não incluiu no
Sistema de Ensino aqueles que não estudaram em idade considerada apropriada (dos 7 aos 14
anos), no entanto, criou um sistema de atendimento paralelo ao sistema de Ensino Regular. O
Ensino Supletivo estabelecido nesse período configurou-se em um subsistema independente
do Ensino Regular, mas a ele relacionado. Ao mesmo tempo, buscava-se uma forma
alternativa de atendimento com uma metodologia que se ajustasse às características dessa
modalidade de ensino, voltada para aqueles que estavam inseridos no mercado de trabalho ou
estavam tentando a ele integrar-se.
No Parecer 699/72 do Conselho Nacional de Educação, que regulamentava o então ensino
supletivo, relatado por Valnir Chagas, a este foram atribuídas quatro funções: suplência,
substituição compensatória do ensino regular - via cursos ou exames -, suprimento,
complementação do inacabado por meio de aperfeiçoamento e atualização; aprendizagem e
qualificação, que só teriam certificados de conclusão nas etapas de 5ª a 8ª série ou 2º grau
quando incluíssem disciplinas, áreas de estudo e atividades que os tornassem equivalentes ao
ensino regular (BRASIL, 2000, p. 58).
Em 1974 o MEC propôs a implantação dos Centros de Estudos Supletivos (CES), por meio
dos quais se conseguiria a efetivação da modalidade supletiva de ensino, atendendo a uma
clientela jovem e adulta já inserida no mercado de trabalho. Assim criou-se uma estrutura que
permitiria compatibilizar a atividade produtiva com o estudo. Beisiegel (2001, p. 237) assim
descreve a organização dos CESs:
27
Os centros atuariam mediante o ensino à distância, com utilização de blocos
integrados de trabalho, baseados no princípio do ensino personalizado.
Recomendava-se a adoção do estudo dirigido, da orientação individual e em
grupo, do rádio e da TV, da correspondência, da instrução programada, das
séries metódicas e dos multimeios. O ensino seria desenvolvido através de
módulos. Cada módulo compreenderia um fascículo, abrangendo os textos a
serem estudados pela clientela. A atividade nos Centros não ficaria restrita ao
fornecimento do material didático ou à realização dos exames supletivos:
haveria permanentemente esforço de orientação e de avaliação do nível de
adiantamento dos clientes. O tempo dedicado aos estudos de cada um dos
módulos, o ritmo de freqüência aos Centros, a duração total dos trabalhos nos
cursos e suas respectivas cargas horárias seriam variáveis, dependendo,
sobretudo, das características individuais da clientela.
Em 1986 o Mobral foi extinto e em seu lugar foi criada a Fundação Nacional para Educação
de Jovens e Adultos (Fundação Educar), que deveria apoiar indiretamente as ações
educacionais na condição de órgão de fomento e apoio técnico aos órgãos estaduais e
municipais, empresas e entidades comunitárias por intermédio de convênios.
O período da Nova República, iniciado com o governo de Jose Sarney em 1986, caracterizou-
se pela expansão de ações educativas desenvolvidas por organizações da sociedade civil,
assumindo o caráter de movimento de educação popular. Tais movimentos, segundo Di Pierro
(2000, p. 67) têm como origem os movimentos educativos da década de 1970 relacionados
com as associações comunitárias nas zonas rurais e urbanas que faziam resistência ao regime
militar. Quase sempre esses movimentos eram impulsionados pelas pastorais da Igreja
Católica e suas Comunidades Eclesiais de Base (CEB). Dentre esses movimentos havia os que
se destinavam à população jovem e adulta, por exemplo, as Escolas Comunitárias, surgidas no
início dos anos 1980 nas periferias dos grandes centros urbanos, as quais, embora se
dedicassem à educação das crianças, empreendiam também ações de educação de jovens e de
adultos. Com o apoio técnico financeiro de algumas organizações não-governamentais,
possibilitado, em 1986, pela Fundação Educar, muitas Escolas Comunitárias estabeleceram
parceria com esse órgão. Com a extinção da Fundação Educar, as Escolas Comunitárias
28
aproximaram-se dos poderes públicos municipais. Em alguns casos, surgiram os Movimentos
de Alfabetização de Adultos (MOVA).
Outro movimento de EJA foi o Projeto Seringueiro, criado em 1981 pelo movimento sindical
seringueiro, com o objetivo de levar a alfabetização e noções de saúde preventiva aos
trabalhadores da floresta amazônica. Inicialmente o Projeto construiu com recursos da
cooperação internacional, uma rede de escolas comunitárias no interior dos seringais. Além
disso, produziu materiais didáticos e formou educadores das próprias comunidades. Com o
desenvolvimento do projeto as escolas passaram a ser mantidas pelo poder público, sem,
contudo perder a autonomia pedagógica.
A educação no Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) teve início em 1979,
em assentamentos no Rio Grande do Sul. O Setor de Educação do MST estruturou-se no Rio
Grande do Sul em 1986 e no restante do país a partir de 1987. No início dos anos 1990 o Setor
de Educação formulou uma proposta pedagógica própria fomentando o enraizamento no
campo e a luta pela terra. O ensino nos assentamentos compreendia a educação infantil,
educação de jovens e de adultos e o ensino fundamental, para os quais foram organizadas
comissões específicas no Setor de Educação do MST. No decorrer dos anos 1990 o MST
estabeleceu convênios para educação de jovens e de adultos com o MEC, a Unesco, e o
Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (PRONERA) e as secretarias estaduais
de educação do Ceará, Paraná e Rio Grande do Sul (DI PIERRO, 2000, p. 68-75).
O Movimento de Educação de Base (MEB), surgido 1961 com o golpe militar de 1964,
continuou a existir, embora a maior parte de suas atividades fosse concentrada na Região
Amazônica e se confundisse com as atividades do Mobral (DI PIERRO, 2000, p. 77). Na
29
segunda metade dos anos 1980 o MEB teve modificadas as suas orientações, adotando
concepções e práticas progressistas e mobilizadoras de educação popular. O MEB procurou
qualificar as ações de alfabetização e de escolarização de jovens e de adultos, permitindo
melhores condições de formação e de trabalho aos assessores e aos monitores. Para tanto, o
movimento contou com recursos internacionais e beneficiou-se da assinatura de convênios
com a Fundação Educar (DI PIERRO, 2000, p. 78).
Em meio ao processo de redemocratização e efervescência dos movimentos populares, teve
início a elaboração da nova Constituição do Brasil. Em março de 1987 iniciou-se os trabalhos
da Assembléia Nacional Constituinte, os quais se estenderam até 1988. Na questão da
educação, segundo Di Pierro (2000, p. 80), as discussões diziam respeito:
À unicidade e/ou pluralidade da educação escolar, à participação relativa dos
setores público e privado no sistema nacional de educação, á admissão ou não
do ensino religioso nas instituições públicas, à extensão da obrigatoriedade e
gratuidade em relação os níveis e modalidades de ensino, às formas de
inserção do ensino profissionalizante no sistema e aos mecanismos de
controle social sobre sua gestão.
A Constituição Federal, aprovada em 1988, ampliou o atendimento aos jovens e aos adultos,
ao considerar como dever do Estado a oferta do ensino fundamental obrigatório e gratuito,
inclusive para aqueles que não tiveram a ele acesso na idade apropriada. No final da década
de 1980 criou-se, internamente, uma expectativa de ampliação da Educação de Jovens e
Adultos no Brasil, já que, institucionalmente, com a nova Constituição, criaram-se condições
legais para isso. Além do clima nacional favorável a ações de EJA, internacionalmente, com a
Conferência Mundial sobre Educação para Todos
2
realizada em 1990, em Jomtien, na
Tailândia, a alfabetização e a educação dos adultos passaram a ser tratadas como parte
2
A Conferência Mundial sobre Educação para Todos foi realizada com a participação da Unesco, Unicef,
PNUD e do Banco Mundial, em março de 1990 em Jomtien, na Tailândia. Do encontro resultou a Declaração
Mundial de Educação para Todos, assinada pelos países participantes, dentre eles o Brasil. Ver capítulo terceiro
desse trabalho.
30
integrante da Educação Básica. A expectativa era de que, nos anos 1990, as ações voltadas à
educação dos jovens e dos adultos no Brasil fossem viabilizadas em termos de investimento
público, em atendimento à demanda existente para essa modalidade de ensino.
2.2 BASES LEGAIS DA EJA
A legislação educacional produzida ao final do século XX e início do século XXI no Brasil
prevê que haja flexibilidade no atendimento aos jovens, aos adultos e aos portadores de
necessidades especiais. A implicação disso é que o ensino fundamental público e gratuito
continua sendo dever do Estado e direito do cidadão, porém na última década do século XX, a
participação da iniciativa privada foi muito incentivada, o que significa que o Estado deixou
de ser o único responsável pela sua oferta e financiamento.
A EJA, na década de 1990, ocupou posição marginal na agenda das reformas educacionais do
período. Tal fato, para Di Pierro (2001, p. 323), explica-se no contexto mais geral das
reformas educacionais no Brasil implementadas no final do século XX. Para essa autora, essas
reformas tiveram como diretriz premissas econômicas e políticas, cujo objetivo foi dotar os
“sistemas educativos de maior eficácia com o menor impacto possível nos gastos do setor
público”, e com isso, “cooperar com as metas de estabilidade monetária, controle
inflacionário e equilíbrio fiscal”. Essa reforma teve a assessoria do Banco Mundial
3
, que
atribui ao ensino primário maior taxa de retorno econômico individual e social, o que explica
a focalização do gasto público no ensino fundamental dos sete aos quatorze anos, em
detrimento da Educação Infantil, Ensino Médio e modalidades de ensino como Educação de
Jovens e Adultos e Educação Especial.
3
Trataremos dessa questão no terceiro capítulo desse trabalho.
31
O que podemos observar é que não há carência de legislação sobre a EJA. Disso depreende-se
que o problema não está nas leis, mas sim, na política educacional adotada pelos governos do
Brasil nos últimos anos. Conforme poderemos constatar nos principais documentos analisados
nesse capítulo, existe uma distância entre o acordado em lei e o realizado pelos poderes
públicos estaduais e municipais e o Governo Federal nesse campo educativo. No entanto,
nosso trabalho não pode se limitar a aferir o nível de proximidade entre o previsto em lei e o
concretizado em ações estatais, visto que esses não podem coincidir integralmente, porque a
implementação dessas políticas depende dos condicionantes socioeconômicos e políticos
vigentes.
2.2.1
A Constituição Federal de 1988
Entendemos que, para a discussão das políticas públicas de Educação de Jovens e de Adultos
no Brasil nos anos 1990, devemos remeter-nos ao texto da Constituição Federal de 1988,
artigos 205 aos 213, no qual estão assegurados os direitos educativos dos brasileiros. O artigo
205 estabelece as diretrizes a partir das quais são estruturados todos os níveis e as
modalidades de ensino. O direito à educação é estendido inclusive aos que a ela não tiveram
acesso em idade apropriada, nos seguintes termos:
Constituição Federal de 1988
Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada
com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o
exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.
Art. 208. O dever do Estado com educação será efetivado mediante a garantia de:
I – ensino fundamental obrigatório e gratuito, inclusive para os que a ele não tiveram acesso na idade
própria.
Embora o artigo 208 estabeleça a obrigatoriedade e a gratuidade do ensino fundamental, a
Emenda Constitucional 14/96 suprime a obrigatoriedade àqueles que não tiveram acesso à
32
escola em idade apropriada, mantendo somente sua gratuidade. Na redação modificada pela
Emenda 14/96 o mesmo artigo passou a ter o seguinte conteúdo:
Constituição Federal de 1988
Art. 208. O dever do estado com a educação será efetivado mediante a garantia de:
I – ensino fundamental obrigatório e gratuito, assegurada sua oferta gratuita para todos os que a ela
não tiveram acesso na idade própria.
A mesma emenda, ao tratar da universalização do ensino médio gratuito aos jovens e aos
adultos, acrescentou, ao texto da lei, o termo progressivo, desobrigando, com isso, o poder
público da imediata universalização dessa modalidade da educação. A atual redação do artigo
208 pressupõe a educação básica para todos, todavia, restringe a definição de “básico” ao
ensino fundamental dos sete aos quatorze anos. O próprio Parecer CEB 11/2000 reconhece
que a redação original do artigo 208 “era mais larga na medida em que coagia à chamada
universal todos os indivíduos não-escolarizados”, independentemente da faixa etária. A
redação atual desse artigo, sob os princípios do liberalismo, deixa para o indivíduo a escolha
por exercer o seu direito público subjetivo de acesso à escola (CNE/CEB 11/2000, p. 23).
Outra questão importante, referente à Constituição Federal de 1988, é o uso do termo “idade
própria”, (Art. 208), deixando entender, em primeiro lugar, que existe uma idade apropriada
para aprender e, em segundo lugar, tornando a educação de jovens e de adultos política
compensatória, com o objetivo de repor a escolaridade não realizada na infância e
adolescência, consideradas idades apropriadas (DI PIERRO, 2000, p. 211).
A preparação para o trabalho tem também relevante destaque pelo fato de a população
atendida pela EJA, em sua maioria, ser constituída por aqueles que estão inseridos no
mercado de trabalho ou nele buscam inserir-se. Destaca-se na política educacional para EJA a
continuidade do pensamento utilitarista que sempre marcou sua posição na agenda das
33
reformas educativas da América Latina, ou seja, a “prioridade à esfera econômica da vida
societária ordenadora dos meios e fins da educação” (DI PIERRO, 2000, p. 26). Esse caráter
utilitarista das ações e concepções de governantes e do pessoal responsável por definir os
rumos da educação nacional tem direcionado uma política pública baseada no oferecimento
de uma EJA restrita à qualificação para o trabalho. Seguindo o princípio de que a EJA deve
restringir-se às necessidades da esfera da produção, o direito universal à educação básica
pública e gratuita em qualquer idade foi substituído por políticas de focalização de programas
dirigidos "a subgrupos etários, socioculturais, áreas geográficas e segmentos profissionais
considerados prioritários” (DI PIERRO, 2000, p. 27).
O artigo 214 da Constituição Federal de 1988 estabelece o Plano Nacional de Educação com o
objetivo, entre outros, de erradicar o analfabetismo e universalizar o atendimento escolar, e
dispõe sobre a matéria da seguinte forma:
Constituição Federal de 1988
Art. 214 A lei estabelecerá o plano nacional de educação, de duração plurianual, visando à articulação
e ao desenvolvimento do ensino em seus diferentes níveis e à integração das ações do poder Público
que conduzam à:
I – erradicação do analfabetismo;
II – universalização do atendimento escolar;
III – formação para o trabalho
IV – promoção humanística, científica e tecnológica do País.
Podemos dizer que os artigos 208 e 214 da Constituição Federal são complementares e se
compõem com o artigo 60 das Disposições Transitórias, o qual versa sobre os recursos para a
erradicação do analfabetismo e a universalização do ensino fundamental, nos seguintes
termos:
34
Constituição Federal de 1988 – Ato das Disposições Transitórias
Art. 60. Nos 10 (dez) primeiros anos da promulgação desta Emenda, os Estados, do Distrito Federal e
os Municípios destinarão não menos de 60% (sessenta por cento) dos recursos a que se refere o caput
do art. 212 da Constituição Federal, à manutenção e ao desenvolvimento do ensino fundamental, com
o objetivo de assegurar a universalização de seu atendimento e a remuneração condigna do magistério.
§ A União aplicará na erradicação do analfabetismo e na manutenção e no desenvolvimento do ensino
fundamental, inclusive na complementação a que se refere o § 3º, nunca menos que o equivalente a
30% (trinta por cento) dos recursos a que se refere o caput do art. 212 da Constituição Federal.
O inciso sexto do art. 60 das Disposições Transitórias foi acrescentado pela Emenda 14/96,
dando uma nova configuração à responsabilidade dos entes federativos quanto ao
financiamento do ensino fundamental e à erradicação do analfabetismo no Brasil. A lei que
operacionalizou a distribuição de responsabilidades e recursos entre os estados e os seus
municípios, a Lei 9.424, de 24 de dezembro de 1996, criou o Fundo de Manutenção e
Desenvolvimento do Magistério (Fundef) e deixou a EJA de fora dos cálculos desse Fundo,
com o veto do presidente Fernando Henrique Cardoso ao inciso II do parágrafo 1º do art. 2º, o
qual lia-se da seguinte forma:
Lei 9.424/96 - Fundef
Art. 2º. os recursos do Fundo serão aplicados na manutenção e desenvolvimento do ensino
fundamental público, e na valorização de seu magistério.
§ 1º. A distribuição dos recursos, no âmbito de cada Estado e do Distrito Federal, dar-se-á, entre o
Governo Federal e os Governos Municipais, na proporção do número de alunos matriculados
anualmente nas escolas cadastradas das respectivas redes de ensino, considerando-se para esse fim:
I. as matrículas de 1ª à 8ª séries do ensino fundamental;
II. as matrículas do ensino fundamental nos cursos de educação de jovens e adultos, na função
suplência.
Após o veto presidencial o mesmo artigo passou a ter a seguinte redação:
Lei 9.424/96 - Fundef
Art. 2º. os recursos do Fundo serão aplicados na manutenção e desenvolvimento do ensino
fundamental público, e na valorização de seu magistério.
§ 1º. A distribuição dos recursos, no âmbito de cada Estado e do Distrito Federal, dar-se-á, entre o
Governo Federal e os Governos Municipais, na proporção do número de alunos matriculados
anualmente nas escolas cadastradas das respectivas redes de ensino, considerando-se para esse fim:
I. as matrículas de 1ª à 8ª séries do ensino fundamental;
II. vetado
O Fundef é, por nós, considerado um mecanismo para assegurar a focalização dos recursos
financeiros para o ensino fundamental dos sete aos quatorze anos. Com as restrições à
35
inclusão dos alunos da EJA nos cálculos do Fundo, muitos estados e municípios se viram
impedidos de oferecer educação continuada a população jovem e adulta, impedindo a
propalada universalização do ensino fundamental.
2.2.2
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB 9394/96)
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) de 1996 prevê a organização do
sistema educacional brasileiro em dois níveis: a educação básica - formada pela educação
infantil, ensino fundamental e ensino médio - e o ensino superior. A mesma LDB apresenta as
seguintes modalidades de educação: educação de jovens e de adultos, educação profissional,
educação especial, educação indígena e educação a distância. A educação de jovens e de
adultos, tratada na lei como modalidade integrante da educação básica, destina-se ao
atendimento daqueles que não tiveram, na idade própria, acesso ou continuidade de estudo no
ensino fundamental e médio. A denominação “Educação de Jovens e Adultos” substitui o que
na Lei nº. 5.692/71, era chamado de “Ensino Supletivo
4
”.
Na LDB – 1996, a educação de jovens e de adultos é objeto dos artigos 37 e 38 da seção V,
que compõem o Título V – Dos Níveis e Modalidades de Educação e Ensino - Capítulo II -
Da Educação Básica. Nesses artigos explicita-se que compete aos sistemas de ensino
assegurar gratuitamente oportunidades educacionais, de maneira apropriada a essa parcela da
população, por meio dos cursos e de exames supletivos e, ainda, que o poder público
viabilizará o acesso e a permanência dessa população jovem e adulta na escola. A EJA, na
LDB 9394/96 é normatizada nos seguintes termos:
4
No Estado do Paraná, atendendo a mudança os antigos Centros de Estudos Supletivos (CES) tiveram seu nome
alterado primeiramente para - Centro Estadual de Educação Aberta Continuada à Distância (CEAD), conforme
Resolução 3.120/98. E, a partir de 1999, Centro Estadual de Educação Básica para Jovens e Adultos (CEEBJA),
por meio da Resolução 4561/99 do Conselho Estadual de Educação.
36
LDB 9.394/96
CAPÍTULO II - DA EDUCAÇÃO BÁSICA
Seção V - Da Educação de Jovens e Adultos
Art. 37. A educação de jovens e adultos será destinada àqueles que não tiveram acesso ou
continuidade de estudos no ensino fundamental e médio na idade própria.
§ 1º Os sistemas de ensino assegurarão gratuitamente aos jovens e aos adultos, que não puderam
efetuar os estudos na idade regular, oportunidades educacionais apropriadas, consideradas as
características do alunado, seus interesses, condições de vida e de trabalho, mediante cursos e
exames.
§ 2º O Poder Público viabilizará e estimulará o acesso e a permanência do trabalhador na escola,
mediante ações integradas e complementares entre si.
Art. 38. Os sistemas de ensino manterão cursos e exames supletivos, que compreenderão a base
nacional comum do currículo, habilitando ao prosseguimento de estudos em caráter regular.
§ 1º Os exames a que se refere este artigo realizar-se-ão:
I - no nível de conclusão do ensino fundamental, para os maiores de quinze anos;
II - no nível de conclusão do ensino médio, para os maiores de dezoito anos.
§ 2º Os conhecimentos e habilidades adquiridos pelos educandos por meios informais serão
aferidos e reconhecidos mediante exames.
Observamos que a LDB 9.394/96, ao falar em cursos e em exames, ainda utiliza o adjetivo
supletivo. Todavia esse termo deve ser aplicado para designar apenas a modalidade de
exames. A novidade mais expressiva trazida pela LDB 9394/96 é o rebaixamento da idade
mínima para os exames supletivos de 18 para 15 e de 21 para 18, nas etapas de ensino
fundamental e médio respectivamente. Quando se tratar de cursos, com avaliação no processo,
os alunos matriculados só poderão concluir os correspondentes estudos quando atingirem a
idade considerada para cada nível de estudo.
Quanto à estrutura dos cursos de EJA, a LDB 9394/96 define que essa modalidade deverá
seguir a base nacional comum dos componentes curriculares do ensino fundamental e médio.
Sendo assim, a previsão de carga horária, para os cursos, é de competência dos entes
federativos, por meio de regulamentação dos respectivos conselhos estaduais de educação
5
.
5
No Estado do Paraná, o Conselho Estadual de Educação determina o cumprimento de carga horária presencial
para todos os alunos matriculados no sistema semipresencial, especificado na Proposta Pedagógica, da seguinte
forma: no Primeiro Segmento do Ensino Fundamental deverão ser cumpridas 720 h/a de forma não presencial e
720 h/a de forma presencial, em um total de 1440 h/a; o Segundo Segmento do Ensino Fundamental tem um
total de 1440 h/a, sendo 432 h/a presencial e 1008 h/a não presencial; para o Ensino Médio, são previstas 1440
h/a somando-se 432 h/a sob a forma presencial e 1008 h/a de forma não presencial do curso (PARANÁ, 2001,
p.23-25).
37
Os exames supletivos, de que trata o art. 38 da LDB 9394/96, segundo o Parecer CNE/CEB
11/2000, não podem ser considerados como um fim da EJA; eles existem por constituir-se em
um direito a ser requisitado pelo cidadão
6
. O inciso 2º do art. 38 da LDB prevê que
conhecimentos adquiridos de maneira informal sejam aproveitados e certificados pela EJA
utilizando-se de exames. Evidencia-se aqui a propalada flexibilidade dessa modalidade da
educação básica.
A Lei 9.394/96, segundo Arelaro e Krupa (2002, p. 97), não trouxe melhorias significativas à
EJA, pois nela apenas dois artigos tratam dessa modalidade de ensino. Também Rummert
(2002, p.119) chama a atenção para o conteúdo marcadamente flexível da LDB de 1996,
evidenciando a lógica segundo a qual as políticas de EJA estão pautadas: a relação
custo/benefício. Di Pierro (2000, p. 113-114) conclui que essa LDB, em sua redação final,
frustrou muitos que trabalhavam com a EJA, devido às “lacunas, incoerências, estreiteza
conceitual, falta de inventividade e funcionalidade aos interesses privados no ensino”. A
autora aponta como incoerência ou ambigüidade a retomada do adjetivo supletivo, relegando
essa modalidade de ensino a um subsistema paralelo ao formal, como já existia na LDB
5.692/71. Acrescenta que a flexibilidade dessa modalidade de ensino permite sua utilização
como forma de aceleração de estudos, admitindo o acesso a ela por meio de avaliações de
conhecimentos adquiridos de maneira informal.
Outra questão a ser ressaltada, na configuração da EJA trazida pela nova LDB, é a indefinição
da idade mínima para ingresso nessa modalidade da educação. Isso permitiu que alguns
6
No Estado do Paraná no período de 1998/1999 a Secretaria do Estado da Educação (SEED) por meio do
Departamento Estadual de Jovens e Adultos (DEJA) passou a incentivar a realização de exames supletivos
utilizando-se dos CEEBJAs, que foram orientados pelo Ofício-Circular 013/98 de 20/01/1998, a oferecer cursos
preparatórios, de forma presencial ou não para os inscritos nos exames. Nesses cursos os candidatos realizavam
atividades sob a forma não-presencial. Às atividades realizadas pelos alunos que optassem pelo curso
preparatório era atribuída a nota 2,0, que se somava à nota da avaliação com valor de 0 - 10,0.
38
conselhos estaduais de educação normatizassem seu uso como forma de correção de fluxo do
sistema escolar. Além disso, rebaixar a idade mínima para a entrada na EJA, inclusive para os
exames supletivos, teve como conseqüência o ingresso de um “contingente expressivo de
adolescentes”, contribuindo para tornar mais complexa a questão da heterogeneidade das salas
de EJA (SOARES, 2002, p. 21). O rebaixamento da idade mínima, para os exames supletivos,
para quatorze e dezesseis anos para o ensino fundamental e médio respectivamente, trouxe um
aumento significativo no número de inscritos em 1997 e 1998, elevando o número de
concluintes da educação básica sem assegurar uma formação correspondente ao certificado
obtido. Isso representou “uma válvula indesejável de escape para que o Estado se desobrigue
de responsabilidades que lhe cabem na oferta de um ensino universal e de qualidade”
(CNEJA, 1996, apud HADDAD, 1997, p. 119). A prática dos exames supletivos, os quais não
podem ser considerados como política pública de educação de jovens e de adultos evidencia a
ênfase dos poderes públicos na promoção de uma EJA cuja função principal seja suprir a
escolaridade interrompida, prevalecendo a ação supletiva do Estado nessa modalidade da
educação.
A partir de meados os anos 1990, as ações do Governo Federal, nessa modalidade de ensino,
caracterizaram-se por intervenções focalizadas e de caráter compensatório, dentre as quais se
destacam: o Programa Alfabetização Solidária (PAS); o Programa Nacional de Educação na
Reforma Agrária (Pronera)
7
; o Plano Nacional de Qualificação do Trabalhador (Planfor)
8
; o
Programa Recomeço e, atualmente o Programa Brasil Alfabetizado (DI PIERRO;
GRACIANO, 2003, p. 17). Esses programas contam, ou contaram, com a participação de
7
Esse Programa é parte integrante das propostas de Reforma Agrária e é desvinculado do MEC. Suas ações
compreendem a Educação Básica compensatória e o ensino superior.
8
O Planfor foi substituído pelo Plano Nacional de Qualificação – PNQ por meio da Resolução n º 333 de 10 de
julho de 2003, sua implantação ocorreu a partir de 2004.
39
empresas, sindicatos, federações e universidades caracterizando uma intensa mobilização da
sociedade civil na oferta de EJA, sob regime de parceria
9
.
2.2.3
A Resolução CNE/CEB 1/2000
O Conselho Nacional de Educação (CNE), por intermédio da Câmara de Educação Básica
(CEB), expediu a Resolução CNE/CEB n. 1, de 05 de julho de 2000, a qual, ao tomar como
referência o Parecer CNE/CEB 11/2000, homologado pelo Ministro da Educação em 07 de
julho de 2000, instituiu as Diretrizes Curriculares Nacionais para a EJA. A Resolução
CNE/CEB 1/2000 apresenta 25 artigos que normatizam, em âmbito nacional, a educação de
pessoas jovens e adultas em todas as suas modalidades. A função do documento é estabelecer
diretrizes nacionais e devem, obrigatoriamente, ser observadas na oferta da EJA, nas etapas
fundamental e média, em instituições que integrem a organização da educação nacional,
considerando o caráter próprio desta modalidade de educação (Art. 1º).
O art. 2º da referida Resolução submete a organização da EJA aos termos dos artigos 4º e 5º
da LDB-1996, que tratam do direito à educação, dos artigos 37 e 38, que versam
especificamente sobre a EJA, e do artigo 87, que trata da Educação profissional em nível
técnico, quando essa se tornar viável.
Os artigos da LDB de 1996 aos quais se reporta o art. 2º da Resolução se referem à gratuidade
do ensino (art. 4º), e que o direito público subjetivo à educação (art.5º) aplica-se plenamente
9
Segundo Di Pierro (2001, p. 327), a palavra parceria incorporou-se ao vocabulário desse campo educativo. A
noção de parceria passou a ser utilizada para definir: a “relação contratual estabelecida entre governos estaduais
e fundações privadas”, para “designar convênios mantidos por governos municipais ou estaduais com
organizações comunitárias”. Consideram-se parceiras “redes de educação comunitária lideradas por igrejas e
aquelas capitaneadas pelos serviços sociais da indústria e comércio”.
40
aos jovens e aos adultos somente na etapa fundamental, o que significa o adiamento da
imediata universalização do ensino médio. Os referidos artigos são aqui destacados para uma
melhor compreensão dos pontos neles desenvolvidos:
LBB 9.394/96
Art. 4º O dever do Estado com a educação escolar pública será efetivado mediante a garantia de:
I - ensino fundamental, obrigatório e gratuito, inclusive para os que a ele não tiveram acesso na idade
própria :
II - progressiva extensão da obrigatoriedade e gratuidade ao ensino médio;
VII - oferta de educação escolar regular para jovens e adultos, com características e modalidades
adequadas às suas necessidades e disponibilidades, garantindo-se aos que forem trabalhadores as
condições de acesso e permanência na escola;
Art. 5º O acesso ao ensino fundamental é direito público subjetivo, podendo qualquer cidadão, grupo
de cidadãos, associação comunitária, organização sindical, entidade de classe ou outra legalmente
constituída, e, ainda, o Ministério Público, acionar o Poder Público para exigi-lo.
§ 1º Compete aos Estados e aos Municípios, em regime de colaboração, e com a assistência da União:
I - recensear a população em idade escolar para o ensino fundamental, e os jovens e adultos que a ele
não tiveram acesso;
II - fazer-lhes a chamada pública;
§ 2º Em todas as esferas administrativas, o Poder Público assegurará em primeiro lugar o acesso ao
ensino obrigatório, nos termos deste artigo, contemplando em seguida os demais níveis e modalidades
de ensino, conforme as prioridades constitucionais e legais.
Art. 87. É instituída a Década da Educação, a iniciar-se um ano a partir da publicação desta Lei.
§ 1º A União, no prazo de um ano a partir da publicação desta Lei, encaminhará, ao Congresso
Nacional, o Plano Nacional de Educação, com diretrizes e metas para os dez anos seguintes, em
sintonia com a Declaração Mundial sobre Educação para Todos.
II - prover cursos presenciais ou à distância aos jovens e adultos insuficientemente escolarizados;
O parágrafo 2º. do art. 5º da LDB, acima destacado, expressa a tendência à focalização das
ações do governo, ao assegurar em primeiro lugar o acesso ao ensino obrigatório, ou seja,
ensino fundamental dos sete aos quatorze anos. Tal fato traz sérias conseqüências para EJA,
como já explicamos anteriormente, pois a Emenda 14/96 retirou dessa modalidade da
educação o termo obrigatório, tornando a EJA apenas gratuita. Dessa forma, a EJA não
consta das prioridades do Governo Federal quanto à alocação de recursos para um
atendimento que não esteja restrito a programas de alfabetização focalizados em determinadas
regiões do país.
41
Voltando à Resolução CNE/CEB 1/2000, o seu art. 5º estabelece que os componentes
curriculares e o modelo pedagógico da EJA devem respeitar as Diretrizes Nacionais
Curriculares para o Ensino Fundamental (CEB 4/98), as Diretrizes Curriculares Nacionais
para o Ensino Médio (CEB 15/98) e as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação
Profissional de Nível Técnico (CEB 16/99). Utilizar-se dos componentes curriculares do
ensino fundamental, ensino médio e educação profissional não deve descaracterizar a EJA,
pois, a fim de assegurar a identidade própria da educação para jovens e para adultos prevê que
se faça uma adaptação dos programas seguindo os critérios de eqüidade, diferença e
proporcionalidade. Dispõe sobre isso da seguinte forma:
Resolução CNE/CEB 1/2000
Art. 5º Os componentes curriculares conseqüentes ao modelo pedagógico próprio da educação de
jovens e adultos e expressos nas propostas pedagógicas das unidades educacionais obedecerão aos
princípios, aos objetivos e às diretrizes curriculares tais como formulados no Parecer CNE/CEB
11/2000, que acompanha a presente Resolução, nos pareceres CNE/CEB 4/98, CNE/CEB 15/98 e
CNE/CEB 16/99, suas respectivas resoluções e as orientações próprias dos sistemas de ensino.
Parágrafo único. Como modalidade destas etapas da Educação Básica, a identidade própria da
Educação de Jovens e Adultos considerará as situações, os perfis dos estudantes, as faixas etárias e
se pautará pelos princípios de eqüidade, diferença e proporcionalidade na apropriação e
contextualização das diretrizes curriculares nacionais e na proposição de um modelo pedagógico
próprio, de modo a assegurar:
I - quanto à eqüidade, a distribuição específica dos componentes curriculares a fim de propiciar um
patamar igualitário de formação e restabelecer a igualdade de direitos e de oportunidades face ao
direito à educação;
II - quanto à diferença, a identificação e o reconhecimento da alteridade própria e inseparável dos
jovens e dos adultos em seu processo formativo, da valorização do mérito de cada qual e do
desenvolvimento de seus conhecimentos e valores;
III - quanto à proporcionalidade, a disposição e alocação adequadas dos componentes curriculares
face às necessidades próprias da Educação de Jovens e Adultos com espaços e tempos nos quais as
práticas pedagógicas assegurem aos seus estudantes identidade formativa comum aos demais
participantes da escolarização básica.
O artigo 6º expressa uma tendência à flexibilização, que permite a organização da EJA
desenvolvida sob diversas formas: no espaço escolar ou extra-escolar, pela iniciativa pública,
privada ou cooperação da sociedade civil
10
, associada à educação profissional ou não. O
10
Sociedade civil no que se refere a EJA pode compreender tanto o cidadão que contribui com campanhas como,
por exemplo, “Adote um Aluno”, quanto centrais sindicais de trabalhadores, fundações empresariais,
42
caráter flexível do atendimento à EJA permite que cada sistema de ensino organize a estrutura
e a duração dos cursos de EJA.
Resolução CNE/CEB 1/2000
Art. 6º Cabe a cada sistema de ensino definir a estrutura e a duração dos cursos da Educação de
Jovens e Adultos, respeitadas as diretrizes curriculares nacionais, a identidade desta modalidade de
educação e o regime de colaboração entre os entes federativos.
Os artigos 7º e 8º da Resolução obedecem ao princípio da LDB que determina a
obrigatoriedade do ensino fundamental dos sete aos quatorze anos e estabelecem o limite
mínimo de idade para os exames supletivos e para a conclusão do nível fundamental.
Resolução CNE/CEB 1/2000
Art. 7º Obedecidos o disposto no Art. 4º, I e VII da LDB e a regra da prioridade para o
atendimento da escolarização universal obrigatória, será considerada idade mínima para a inscrição
e realização de exames supletivos de conclusão do ensino fundamental a de 15 anos completos.
Art. 8º Observado o disposto no Art. 4º, VII da LDB, a idade mínima para a inscrição e realização
de exames supletivos de conclusão do ensino médio é a de 18 anos completos.
A incumbência do poder público quanto ao acompanhamento, credenciamento e avaliação das
instituições que aplicarão os exames supletivos está expressa nos artigos 10 e 15, nos
seguintes termos:
Resolução CNE/CEB 1/2000
Art. 10. No caso de cursos semi-presenciais e a distância, os alunos só poderão ser avaliados, para
fins de certificados de conclusão, em exames supletivos presenciais oferecidos por instituições
especificamente autorizadas, credenciadas e avaliadas pelo poder público, dentro das competências
dos respectivos sistemas, conforme a norma própria sobre o assunto e sob o princípio do regime de
colaboração.
Art. 15. Os sistemas de ensino, nas respectivas áreas de competência, são co-responsáveis pelos
cursos e pelas formas de exames supletivos por eles regulados e autorizados.
Em concordância com o art. 5º dessa Resolução, os artigos 18, 19, 20 e 21 submetem os
cursos e exames supletivos às Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental e
organizações não-governamentais, comunidades ligadas a igrejas, que venham a desenvolver atividades de
alfabetização de adultos em parceria ou não com o Estado.
43
Médio. Aos exames tornam-se necessários a autorização e o reconhecimento das instituições
aplicadoras pelos respectivos sistemas de ensino.
Resolução CNE/CEB 1/2000
Art. 18. Respeitado o Art. 5º desta Resolução, os cursos de Educação de Jovens e Adultos que se
destinam ao ensino fundamental deverão obedecer em seus componentes curriculares aos Art. 26,
27, 28 e 32 da LDB e às diretrizes curriculares nacionais para o ensino fundamental.
Art. 19. Respeitado o Art. 5º desta Resolução, os cursos de Educação de Jovens e Adultos que se
destinam ao ensino médio deverão obedecer em seus componentes curriculares aos Art. 26, 27, 28,
35 e 36 da LDB e às diretrizes curriculares nacionais para o ensino médio.
Art. 20. Os exames supletivos, para efeito de certificado formal de conclusão do ensino
fundamental, quando autorizados e reconhecidos pelos respectivos sistemas de ensino, deverão
seguir o Art. 26 da LDB e as diretrizes curriculares nacionais para o ensino fundamental.
Art. 21. Os exames supletivos, para efeito de certificado formal de conclusão do ensino médio,
quando autorizados e reconhecidos pelos respectivos sistemas de ensino, deverão observar os Art.
26 e 36 da LDB e as diretrizes curriculares nacionais do ensino médio.
§ 1º Os conteúdos e as competências assinalados nas áreas definidas nas diretrizes curriculares
nacionais do ensino médio serão explicitados pelos respectivos sistemas, observadas as
especificidades da educação de jovens e adultos.
§ 2º A língua estrangeira é componente obrigatório na oferta e prestação de exames supletivos.
§ 3º Os sistemas deverão prever exames supletivos que considerem as peculiaridades dos
portadores de necessidades especiais.
O elemento novo de que trata o art. 22 é a possibilidade de certificação de habilidades e
conhecimentos obtidos em processos formativos extra-escolares, via exames aplicados por
instituição de ensino credenciada e autorizada. As normas e os procedimentos desse tipo de
exames devem ser fixados pelos sistemas de ensino correspondentes, sempre primando pela
qualidade.
Resolução CNE/CEB n. 1/2000
Art. 22. Os estabelecimentos poderão aferir e reconhecer, mediante avaliação, conhecimentos e
habilidades obtidos em processos formativos extra-escolares, de acordo com as normas dos
respectivos sistemas e no âmbito de suas competências, inclusive para a educação profissional de
nível técnico, obedecidas as respectivas diretrizes curriculares nacionais.
Dada a flexibilidade atribuída à EJA em seus principais documentos normativos, essa
modalidade da educação básica tem sido ofertada pelos entes federativos sob diferentes
formas. A questão principal que se observa é a concepção da EJA apenas como alfabetização
44
e o uso das etapas fundamental e média como formas de correção do fluxo do sistema escolar,
o que caracteriza a suplência como a principal função da EJA no Brasil.
2.3 DIRETRIZES CURRICULARES NACIONAIS PARA A EJA
O Parecer CNE/CEB 11/2000, relatado por Carlos Roberto Jamil Cury, trata das Diretrizes
Nacionais Curriculares para a Educação de Jovens e Adultos. O texto completo consta de duas
partes: I - Relatório e voto do relator; II - a Decisão da Câmara.
O Relatório, parte primeira do referido Parecer, objeto de análise nessa seção, está dividido
em dez partes, aqui agrupadas em forma de sumário, para uma maior visibilidade dos pontos
nele desenvolvidos.
I- Introdução
II- Fundamentos e Funções da EJA
1. Definições prévias
2. Conceitos e funções da EJA
III- Bases Legais das Diretrizes Curriculares Nacionais da EJA
1. Bases legais: histórico
2. Bases legais vigentes
IV- Educação de Jovens e Adultos Hoje
1. Cursos da EJA
2. Exames
3. Cursos à distância ou no exterior
4. Plano Nacional de Educação
V- Bases históricas da EJA
VI- Iniciativas públicas e privadas
VII- Indicadores estatísticos
VIII- Formação docente para a EJA
IX- Diretrizes Curriculares Nacionais para EJA
Direito à Educação
A apresentação que segue objetiva destacar as orientações do Parecer consideradas
importantes para a compreensão das funções atribuídas à EJA no Brasil.
45
O relator inicia o texto fazendo considerações sobre a aprovação do Parecer CEB n. 4 de 29
de janeiro de 1998 e o Parecer CEB n. 15 de 1 de junho de 1998, cujas homologações
resultaram nas respectivas Resoluções CEB n. 2 de 15/04 e CEB n. 3 de 23/06, ambas de
1998, que tratam das Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental e das
Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio, respectivamente. Esclarece, o autor
do Parecer, que inicialmente a idéia era que as diretrizes tratadas nos documentos acima
mencionados vigessem tamm para a EJA. De acordo com a Lei 9.394/96, a EJA deveria
receber um tratamento diferenciado ao passar a ser uma modalidade da Educação Básica, nas
etapas fundamental e média, e possuir uma especificidade própria (BRASIL, 2000, p. 25-26).
O Parecer se dirige aos sistemas de ensino e aos seus respectivos estabelecimentos que se
ocupam da EJA, nas formas presencial e semipresencial de cursos que tenham como objeto a
certificação de conclusão de etapas da educação básica. Para esses estabelecimentos, as
Diretrizes Curriculares são obrigatórias. As mesmas Diretrizes, diferentemente, são somente
referenciais pedagógicos às iniciativas da sociedade civil que desenvolverem programas de
educação que não visem certificação oficial de conclusão de estudos das etapas da educação
básica (BRASIL, 2000, p. 29). Trata-se da flexibilização da EJA a que nos referimos
anteriormente.
Ao estabelecer os conceitos e funções da EJA, o relator aponta para a existência, no Brasil, de
uma dualidade
11
, e caracteriza a separação entre os alfabetizados/analfabetos
12
11
Do Brasil e de suas presumidas identidades muito já se disse. São bastante conhecidas as imagens ou modelos
do país cujos conceitos operatórios de análise se baseiam em pares opostos e duais: “Dois Brasis”, “oficial e
real”, “Casa Grande e Senzala”, “o tradicional e o moderno”, capital e interior, urbano e rural, cosmopolita e
provinciano, litoral e sertão assim como os respectivos “tipos” que os habitariam e os constituiriam (BRASIL,
2000, p. 28)
.
12
A professora Magda Becker Soares (1998) esclarece: ...alfabetizado nomeia aquele que apenas aprendeu a ler
e escrever, não aquele que adquiriu o estado ou a condição de quem se apropriou da leitura e da escrita (p. 1
apud BRASIL, 2000, p.28).
46
letrados/iletrados
13
, como se constituíssem um “novo divisor entre cidadãos” (BRASIL, 2000,
p. 28).
O Relator explica que, apesar dos esforços e dos reconhecidos avanços na tarefa de levar a
escolarização básica às crianças, o Brasil possui um grande contingente de analfabetos.
Reconhece que as condições sociais adversas, herdadas de um passado ainda mais perverso,
associadas a fatores administrativos e de planejamento inadequados, condicionam o insucesso
de muitos alunos. Tal realidade pode ser observada nos altos índices de repetência, reprovação
e evasão, “mantendo-se e aprofundando-se a distorção idade/ano e retardando um acerto
definitivo no fluxo escolar” (BRASIL, 2000, p. 30). Com fundamento nessa análise,
estabelece-se que cabe, então, à EJA cumprir as funções de reparação, de equalização e de
qualificação
14
.
Quanto à forma de organização do atendimento à população jovem e adulta, o Parecer reforça
o reconhecimento da EJA (BRASIL, 2000, p.72) como modalidade da Educação Básica e
direito público subjetivo na etapa do Ensino Fundamental, como reconhecido na Constituição
1988. Assim, ela é regular enquanto modalidade de exercício da função reparadora, sendo
oferecida na forma de cursos e de exames supletivos.
Os cursos e os exames, segundo o Parecer, são os meios pelo qual o poder público viabilizará
aos jovens e aos adultos o acesso à escola. Os egressos dos cursos e dos exames de EJA
poderão, após certificação, continuar seus estudos em caráter regular. Embora a legislação
13
A mesma autora diz: Letramento é, pois, o resultado da ação de ensinar ou de aprender a ler e escrever: o
estado ou a condição que adquire um grupo social ou um indivíduo como conseqüência de ter-se apropriado da
escrita... (SOARES, 1988, p. 18 apud BRASIL, 2000, p.28) Assim... não basta apenas saber ler e escrever, é
preciso também saber fazer uso do ler e do escrever, saber responder às exigências de leitura e de escrita que a
sociedade faz continuamente... (SOARES, 1988, p. 18 apud BRASIL, 2000, p. 20) Segundo a professora Leda
Tfouni (1995) enquanto os sistemas de escrita são um produto cultural, a alfabetização e o letramento são
processos de aquisição de um sistema escrito (p. 9 apud BRASIL, 2000, p.28).
14
As funções da EJA serão objeto de análise do capítulo quarto desse trabalho.
47
não preveja a freqüência e a duração dos cursos de EJA, ela prevê que a “oferta dessa
modalidade é obrigatória pelos poderes públicos, na medida em que os jovens e os adultos
queiram fazer uso do seu direito público subjetivo” (BRASIL, 2000, p. 72).
Consta no referido Parecer (BRASIL, 2000, p.73) que os exames supletivos “são uma
decorrência de um direito e não uma finalidade da EJA”. Daí decorre a imperatividade da
oferta dos exames e a importância do acompanhamento, por parte dos poderes públicos, às
instituições responsáveis por sua aplicação. As Diretrizes Curriculares Nacionais para EJA
tornam-se indispensáveis na oferta dos cursos e “serão referência exigível nos exames para
efeito de aferição de resultados e do reconhecimento de certificados de conclusão”.
Outra questão esclarecida pelo Parecer é o acolhimento do caráter flexível da LDB 1996 em
seu art. 24, II, c
15
, que permite ao aluno o ingresso no ensino médio sem ter passado pelo
ensino fundamental, mesmo reconhecendo seu caráter obrigatório e imprescindível na faixa
etária dos sete aos quatorze anos. Essa flexibilidade permite que se possa fazer
aproveitamento de estudos, instrumento que serve para todos os alunos e em especial dirige-se
aos atendidos pela EJA, “cujas práticas possibilitaram um saber em vários aspectos da vida
ativa e os tornaram capazes de tomar decisões, ainda que, muitas vezes, não hajam tematizado
ou elaborado essas competências” (BRASIL, 2000, p. 75).
O Parecer também explicita que o aproveitamento dos “‘saberes’ nascidos dos ‘fazeres’” não
pode significar um “aligeiramento das etapas da educação básica como um todo”, e
15
Art. 24. A educação básica, nos níveis fundamental e médio, será organizada de acordo com as seguintes
regras comuns:
II - a classificação em qualquer série ou etapa, exceto a primeira do ensino fundamental, pode ser feita:
c) independentemente de escolarização anterior, mediante avaliação feita pela escola, que defina o grau de
desenvolvimento e experiência do candidato e permita sua inscrição na série ou etapa adequada, conforme
regulamentação do respectivo sistema de ensino (BRASIL, 2003, p. 35);
48
argumenta que “acelerar quem está com atraso escolar significa não retardar mais e
economizar tempo de calendário mediante condições apropriadas de aprendizagem que
incrementam o progresso do aluno na escola” (BRASIL, 2000, p. 78). A afirmação
concernente à necessidade de acelerar o que está em atraso, referindo-se a uma população que
sempre esteve à margem do processo educacional, confirma a imperatividade do caráter
supletivo da EJA.
Outra questão importante apresentada no documento em pauta se refere à articulação entre
formação profissional e educação de jovens e adultos, a partir do Decreto regulamentador
CEB n. 2.208/97
16
, que permite aos jovens e adultos cursar, concomitantemente, o ensino
médio e a educação profissional. Para esclarecer essa questão cita-se o seguinte conteúdo do
Parecer CNE/CEB 16/99:
A possibilidade de aproveitamento de estudos na educação profissional de nível
técnico é ampla, inclusive de “disciplinas ou módulos cursados”, interhabilitações
profissionais (§ 2
º
do art. 8
º
.), desde que o “prazo entre a conclusão do primeiro e
do último módulo não exceda cinco anos” (§ 3
º
do artigo 8
º
). Este aproveitamento
de estudos poderá ser maior ainda: as disciplinas de caráter profissionalizante
cursadas no ensino médio poderão ser aproveitadas para a habilitação profissional
“até o limite de 25% do total da carga horária mínima” do ensino médio
“independente de exames específicos” (parágrafo único do artigo 5
º
), desde que
diretamente relacionadas com o perfil profissional de conclusão da respectiva
habilitação. Mais ainda: através de exames, poderá haver “certificação de
competência, para fins de dispensa de disciplinas ou módulos em cursos de
habilitação do ensino técnico” (BRASIL, 2000, p. 81).
Quanto aos exames supletivos, o Parecer ressalta que devem “primar pela qualidade, pelo
rigor e pela adequação” (BRASIL, 2000, p. 82-83). É importante que sejam organizados sob o
primado da lei, em instituições públicas ou privadas especificamente credenciadas e avaliadas
para esse fim. Cada sistema de ensino possui, de acordo com a LDB, atribuições no que se
refere ao oferecimento de cursos e de exames supletivos; assim, tanto as instituições de ensino
16
O Decreto regulamentador CEB 2.208/97 foi substituído pelo Decreto CEB 5.154 de 23 de julho de 2004, que
caracteriza a Educação Profissional de forma específica (Disponível em: www.http://portal.mec.gov.br/setec
Acesso em 12 abr. 2005).
49
mantidas pelo poder público estadual e pelo Distrito Federal como as instituições de ensino
fundamental e médio criadas e mantidas pela iniciativa privada, de acordo com o inciso III do
art. 17
17
, podem oferecer cursos da EJA. Segundo o art. 18
18
da LDB 1996, as instituições de
ensino fundamental fazem parte das competências dos municípios.
Com relação à idade mínima para prestar os exames supletivos, alerta o Relator que o seu
rebaixamento não pode significar um caminho mais fácil para a certificação, e com isso, a
negação da obrigatoriedade escolar de oito anos
(BRASIL, 2000, p. 84). Explicita-se no Parecer
que deve haver um esforço para universalizar o acesso e a permanência no ensino
fundamental e médio. As políticas públicas
19
devem empenhar-se no sentido de que a função
qualificadora, verdadeiro fim da EJA, prevaleça e, “venha a se impor com o seu potencial de
enriquecimento dos estudantes já escolarizados nas faixas etárias assinaladas em lei”
tornando-se cada vez mais “residual a função reparadora e a equalizadora” (BRASIL, 2000, p.
92).
Considera-se, no Parecer em questão, que os cursos a distância ou no exterior
20
constituem-se
em um meio capaz de superar obstáculos e cumprir várias funções, entre as quais o ensino a
distância. Os cursos podem ser realizados de várias formas, o que permite uma proximidade
“não-presencial, indireta, virtual entre o distante e o circundante, por meio de modernos
aparatos tecnológicos”, tornando-se quase inexistentes as fronteiras, as divisas e os limites da
educação a distância (BRASIL, 2000, p. 93-94).
17
Art. 17. Os sistemas de ensino dos Estados e do Distrito Federal compreendem:
III - as instituições de ensino fundamental e médio criadas e mantidas pela iniciativa privada; (BRASIL, 2003,
p.33)
18
Art. 18. Os sistemas municipais de ensino compreendem:
I - as instituições do ensino fundamental, médio e de educação infantil mantidas pelo Poder Público municipal;
(BRASIL, 2003, p.33)
19
Por políticas públicas, entendemos, como Höfling (2001, p. 31), o “Estado implantando um projeto de
governo, por meio de programas, de ações voltadas para setores específicos da sociedade”.
20
O Estado do Paraná, com autorização do governo da União oferece exames supletivos para brasileiros que
moram no Japão.
50
A LDB 1996 faz várias referências tanto à educação a distância como ao ensino a distância
em todos os níveis e modalidades. Incentiva o poder público a sua oferta, exceto no Ensino
Fundamental na faixa etária obrigatória, “salvo quando utilizado como complementação da
aprendizagem ou em situações emergenciais” (BRASIL, 2000, p. 94).
Enfatiza o Parecer, em tese, que o Decreto 2.494/98, que regulamenta a educação e os cursos
a distância, reserva à competência da União sua autorização e funcionamento. No que se
refere à EJA, o mesmo Decreto permite a oferta de exames por instituições públicas e
privadas e exige a obediência às diretrizes curriculares nacionais fixadas nacionalmente
(BRASIL, 2000, p. 96).
Outro ponto importante, ressaltado no referido documento, conforme consta no Parecer
CNE/CEB 11/2000, é a visão da existência de múltiplas agências que ofertam a EJA, “sendo
no âmbito público, ou privado, no qual se mesclam cursos presenciais com avaliação no
processo, cursos à distância” ou ainda cursos livres mantidos pela iniciativa civil. (BRASIL,
2000, p. 94).
Nessa multiplicidade de atores envolvidos na EJA, à União cabe o papel de articular as várias
ações nesse campo educativo, a fim de que essas sejam contínuas e integradas. Cabe ao
Ministério da Educação, portanto, “propor orientações mais gerais e comuns, coordenar as
várias iniciativas, inclusive com vistas ao emprego eqüitativo e racional dos recursos públicos
e sua redistribuição no âmbito das transferências federais” (BRASIL, 2000, p. 94).
51
Essa função articuladora da União tem sido operacionalizada por intermédio da
Coordenadoria da Educação de Jovens e Adultos (COEJA), vinculada à Secretaria do Ensino
Fundamental (SEF) do Ministério da Educação (MEC). Entre os objetivos e finalidades do
trabalho da COEJA, o Parecer cita: “estabelecer e fortalecer parcerias e convênios com
Estados e Municípios”, sob o “princípio da função supletiva e redistributiva da União junto
aos sistemas de ensino” (BRASIL, 2000, p. 107). Destaca, também, que os convênios, antes
de assinados, são avaliados e, só então, podem obter financiamento
21
. O MEC também tem
editado, co-editado e distribuído livros pedagógicos e materiais didáticos apropriados para os
alunos dessa modalidade da educação básica
22
, deixando aos Estados e aos municípios a ação
direta de atuação na EJA.
Desde 1997, consta no Parecer em questão (BRASIL, 2000, p. 107) que a Presidência da
República apóia ações de alfabetização por meio do Conselho da Comunidade Solidária, o
qual, a partir de 1999, tornou-se uma organização não-governamental (Ong). A atuação do
Programa Comunidade Solidária é realizada em parceria com o MEC, prioritariamente nas
regiões Norte e Nordeste do Brasil. Desde 1999 o Comunidade Solidária tem sido estendido
aos grandes centros urbanos.
Há ainda, de acordo com o Parecer, a participação do Ministério de Assuntos Fundiários e da
Reforma Agrária no desenvolvimento de ações diretas de educação de jovens e de adultos
junto aos assentamentos, e a forte presença do Ministério do Trabalho no âmbito de projetos
educacionais voltados para a capacitação dos trabalhadores com o uso de recursos do Fundo
21
De 1995 a 1999, o MEC, por meio da SEF/COEJA , formalizou 95 convênios com Secretarias Estaduais de
Educação, 2.468 com Secretarias Municipais, 25 com Universidades e 54 com ONGs. Esses convênios implicam
recursos públicos com o objetivo de oferta de ensino da EJA sob a forma presencial. (BRASIL, 2000, p. 54)
22
Para o Ensino fundamental fase I são distribuídos os livros Viver e Aprender, proposta pedagógica elaborada
pela Ong. Ação Educativa. Para o ensino fundamental fase II, em 2002 foi lançada uma Proposta Curricular para
EJA, a fim de orientar o trabalho nos Estados. (GRACIANO; DI PIERRO, 2003, p.24)
52
de Amparo ao Trabalhador (FAT). Além disso, registra-se a participação de empresários e dos
próprios trabalhadores no processo de educação de jovens e de adultos, relatado nos seguintes
termos:
Os empresários, dentro de seus objetivos, reconhecendo a importância da
educação e incorporando sua necessidade, têm tomado iniciativas próprias ou
buscado o fortalecimento de parcerias seja com os poderes públicos, seja com
organizações não - governamentais e redefinindo ações já existentes no âmbito
do "Sistema S". Os trabalhadores, conscientes do valor da educação para a
construção de uma cidadania ativa e para uma formação contemporânea,
tomam a EJA como espaço de um direito e como lugar de desenvolvimento
humano e profissional (BRASIL, 2000, p. 109).
Reproduzimos a seguir alguns dados estatísticos, em forma de tabela, por nós elaboradas com
as informações apresentadas pelo Parecer CNE/CEB 11/2000 (p. 110-112), no qual são
utilizadas como referência as estatísticas do IBGE e da Pesquisa Nacional de Amostra por
Domicílios (PNAD), realizadas em 1996. Foi considerado um universo de 105.852.108
pessoas com quinze anos ou mais de idade e, como resultado, apontou-se 15 milhões de
analfabetos no Brasil, ou seja, 14,7% da população da faixa etária considerada, sendo
8.274.448 mulheres e 9.365.517 homens. A tabela 1 mostra a distribuição desse contingente
de analfabetos nas regiões do país.
Tabela 1
Índice de analfabetos distribuídos por regiões do país.
Região %
Norte – urbana 11,7
Nordeste 28,7
Sudeste 8,7
Sul 8,9
Centro Oeste 11,6
Apesar dos esforços dos últimos anos na tarefa de acabar com o analfabetismo no Brasil, o
número de pessoas nessa situação ainda é muito grande, como evidencia a tabela 2. Embora
os números relativos demonstrem uma significativa queda, os números absolutos evidenciam
a continuidade da produção do analfabetismo no Brasil.
53
Tabela 2
Taxas de analfabetismo na população de 15 anos ou mais no período de 1920 a 1996.
Período Números absolutos %
1920 11.401.715 64,9
1940 13.269.381 56,6
1960 15.964.852 39,6
1980 18.651.762 25,4
1996 15.000.000 14,1
O Parecer chama a atenção, também, para o fato de que, se somássemos o número de
analfabetos funcionais (aqueles de têm menos de quatro anos de estudo) aos atuais índices de
analfabetismo teríamos um total de 34,1% da população brasileira com mais de 20 anos
incluídos nesta estatística.
A distribuição das matrículas de EJA entre os entes da federação evidencia um número maior
de matrículas no ensino fundamental nos municípios, apontando uma tendência à
municipalização dessa modalidade de ensino, em sintonia com as diretrizes apontadas pelas
reformas educacionais brasileiras dos anos 1990, conforme mostra a tabela 3.
Tabela 3
Número de estabelecimentos que ofertam EJA (1999)
Rede Pública Estadual 6.973
Rede Pública Municipal 8.171
Rede Pública da União 15
Rede Privada 2.075
Total 17.234
De acordo com os dados apresentados pela tabela 4, entre 1997 e 1999, período de
implantação do Fundef, houve um crescimento nas matrículas de EJA sob responsabilidade
dos municípios. Nos estados os números tiveram uma variação muito pequena.
54
Tabela 4
Crescimento do número de matrículas nos âmbitos municipal e estadual
Matrículas 1997 1999
Municipal 683.078 821.321
Estadual 1.808.161 1.871.620
A partir do quadro estatístico exposto sobre o analfabetismo no Brasil, o Parecer CNE/CEB
11/2000 considera a impossibilidade de uma visão otimista quanto à “imediata efetivação do
direito ao acesso e permanência na escola, nos termos da função reparadora e equalizadora”.
E conclui com a afirmação de que os índices apresentados expressam um “cenário de
exclusão característico de sociedades que combinam uma perversa redistribuição de riqueza
com formas expressivas de discriminação” (BRASIL, 2000, p. 113).
Quanto à formação docente para EJA, o Parecer CNE/CEB 11/2000 (BRASIL, 2000, p. 114-
115) enfatiza a necessidade de se considerar que a formão de profissionais da educação
deve levar em conta o atendimento aos objetivos dessa modalidade de ensino e às
características de cada fase do desenvolvimento do educando. Tornam-se necessárias, além
das exigências formativas, para todo e qualquer professor, aquelas relativas à complexidade
diferencial da educação de pessoas jovens e adultas. Ressalta, também, que se deve buscar a
profissionalização dos docentes da EJA sob a forma de cursos de nível superior ou
especialização.
Sobre a questão curricular, o Parecer aponta ser perigosa a elaboração de diretrizes
curriculares específicas para a EJA, por poder isso se configurar como em uma nova
dualidade. Seguir os referenciais curriculares para o Ensino Fundamental e Médio, expresso
nos Pareceres CEB 04/98 e 15/98 e as respectivas resoluções CEB 02/98 e 3/98 não significa
55
uma “reprodução descontextualizada face ao caráter específico da EJA. Os princípios da
contextualização e do reconhecimento de identidades pessoais e das diversidades coletivas
constituem-se em diretrizes nacionais dos conteúdos curriculares” (BRASIL, 2000, p.122).
Requer-se, então, levar em consideração, na organização do trabalho escolar de EJA, os
seguintes aspectos:
a) flexibilizar o horário de atendimento, especialmente no noturno.
b) flexibilizar o currículo de forma a aproveitar as experiências diversas dos
discentes.
c) combinar momentos presenciais e não-presenciais.
d) distinguir as duas faixas etárias consignadas nessa modalidade (jovem e
adulto) considerando as expectativas e experiências de cada um.
e) dar destaque à inserção profissional de modo a ser capaz de se adaptar com
flexibilidade às novas condições de ocupação ou aperfeiçoamento posteriores
(BRASIL, 2000, p. 123-125).
A contradição existente nessas orientações evidencia-se no fato de o Parecer apontar para a
necessidade de pensar especificamente a EJA, e ao final do documento o Relator concluir ser
perigoso o estabelecimento de diretrizes curriculares nacionais específicas para essa
modalidade de ensino. Desconsiderando toda a situação precária do atendimento a essa
modalidade da educação, devida principalmente à impossibilidade de usar recursos como os
do Fundef, ou ainda, à inexistência no Brasil de cursos de formação de professores
especificamente para EJA, o Parecer remete às escolas e aos professores a tarefa de ressituar
os componentes curriculares do ensino fundamental e médio aos jovens e aos adultos.
56
A nova concepção expressa pela mudança de denominação supletivo para a educação de
jovens e de adultos significa, na visão do relator, a “sua forma de inserção no corpo legal e
indica um caminho a seguir” (BRASIL, 2000, p. 129). Concluímos os pontos principais
desenvolvidos do Parecer com a idéia, nele contida, de que a EJA deve ser vista como um
direito, e não como uma compensação de uma herança de exclusão.
2.4 A EJA NO PLANO NACIONAL DE EDUCAÇÃO
Em janeiro de 2001, o Plano Nacional de Educação (PNE) foi aprovado como lei, conforme a
Constituição de 1988 o determinou, para assegurar-lhe maior força e garantia de execução. A
Lei 10.172/2001, Plano Nacional de Educação, não estabelece penalidades, mas é, na verdade,
definida como uma lei de compromisso.
Na primeira parte do PNE estabelecem-se objetivos e prioridades de atendimento, princípios
sob os quais se organizará cada nível de ensino. Alegando “recursos financeiros limitados”
(BRASIL, 2001a, p. 35), o PNE elege prioridades de atendimento, sendo a primeira a garantia
do ensino fundamental obrigatório de oito anos a todas as crianças de sete a quatorze anos. A
segunda se ocupa do ensino fundamental a jovens e a adultos, apontando a alfabetização como
ponto de partida. A terceira prioridade corresponde à extensão de forma gradual do acesso ao
ensino médio aos jovens e aos adultos.
No capítulo reservado a EJA o diagnóstico apresentado (BRASIL, 2001a, p. 74) aponta para a
existência de 16 milhões de analfabetos no Brasil, apesar do progresso com relação à
universalização da educação básica (ver tabela 2). Apresentam os dados estatísticos uma
profunda desigualdade regional na oferta de oportunidades educacionais e, ao mesmo tempo,
57
apontam para a concentração da população analfabeta nas regiões mais pobres do país (ver
tabela 1). As mesmas estatísticas apresentadas no PNE evidenciam que se tomarmos como
referência a população que não concluiu as oito séries do ensino fundamental, teremos um
aumento da população potencial para EJA.
O documento em questão esclarece que, embora o analfabetismo esteja concentrado nas faixas
etárias mais avançadas, ele ainda tem se reproduzido. Consta no texto do PNE que “o
problema não se resume a uma questão demográfica”, pois há uma “reposição do estoque de
analfabetos”. Conclui-se que, para acelerar a redução do analfabetismo no Brasil, é preciso
“agir ativamente tanto sobre o estoque existente quanto sobre as futuras gerações” (BRASIL,
2001a, p. 71).
Tomando o diagnóstico feito como referência, o PNE aponta as diretrizes para a EJA,
considerando as “profundas transformações que vêm ocorrendo em escala mundial”, ligadas
ao avanço “científico e tecnológico e o fenômeno da globalização” que têm implicado em
uma “reorganização do mundo do trabalho”. A educação, segundo o documento, deixou de
ser restrita a um período particular da vida, desenvolvendo-se o conceito de educação ao
longo da vida
23
- processo que se inicia com alfabetização, mas que só pode realmente
efetivar-se com a formação equivalente às oito séries iniciais do ensino fundamental
(BRASIL, 2001a, p. 73).
Para concretizar o direito público subjetivo da educação fundamental ao jovem e ao adulto, no
PNE é apontada a necessidade de conceder incentivos financeiros como bolsas de estudos, a
23
A idéia de educação ao longo da vida e educação permanente é reforçada no documento-base da Conferência
Mundial de Educação para Todos, realizada em Jomtien na Tailândia em 1990 e, posteriormente, reafirmada no
Relatório da Comissão de Educação para o Século XXI produzido pela Unesco, o Relatório Jacques Delors.
Ambos os documentos serão analisados no terceiro capítulo desse trabalho.
58
exemplo de experiências exitosas nesse sentido, o que denota o caráter supletivo dado a essa
modalidade de ensino não se constituindo em uma política pública que atenda a toda a
população existente nessa área. Além disso, o PNE aponta como ação a se concretizar na
oferta da EJA a diversificação dos programas com participação solidária de toda a
comunidade, envolvendo as organizações da sociedade civil diretamente nessa área e
transferindo para a sociedade a responsabilidade quanto ao atendimento à população jovem e
adulta.
Quanto à integração da EJA com a educação profissional e sua associação com as políticas de
emprego e proteção contra o desemprego, o que observamos é o cumprimento da função
qualificadora dessa modalidade de ensino, de forma focalizada e sob o princípio de que o
problema do desemprego está no indivíduo, e não no mercado de trabalho.
Outra questão a ser ressaltada no PNE é a orientação para a implementação de políticas
dirigidas à escolarização das mulheres, por auxiliar na “diminuição do surgimento de novos
analfabetos” (BRASIL, 2001a, p. 73). É preciso lembrar que essa idéia ganhou força nos
documentos produzidos na década de 1990, sob a tutela do Banco Mundial, no qual a
educação das mulheres é colocada como forma de garantir o aliviamento da pobreza
24
.
Destacamos ainda a idéia de ampliação gradativa da oferta do ciclo completo das oito séries
do ensino fundamental aos jovens e aos adultos e da contribuição da sociedade civil no
trabalho de erradicação do analfabetismo, pois, segundo o PNE, só o financiamento público é
insuficiente para garantir o fim do analfabetismo. Conforme apresentado no PNE, as metas
estabelecidas, em um total de 26, são consideradas importantes para a construção da
24
A idéia de aliviar a pobreza nos países de periferia, como o Brasil, aparece em documentos do Banco Mundial.
Especificamente sobre a educação como forma de aliviar a pobreza nessas regiões, o Banco Mundial produziu o
documento Prioridades e Estratégias da Educação em 1995, objeto de análise do terceiro capítulo desse trabalho.
59
cidadania, requerendo “um esforço nacional, com responsabilidade partilhada entre a União,
os Estados e o Distrito Federal, os Municípios e a sociedade organizada” (BRASIL, 2001a,
p.75).
Os objetivos previstos no PNE para a EJA concentram-se na necessidade de priorizar ações de
alfabetização, associar o ensino fundamental de jovens e de adultos à educação profissional e
facilitar parcerias entre o governo e a sociedade civil, de modo a que se alcance em cinco anos
a oferta das quatro primeiras séries iniciais pelo menos a 50% da população, com 15 anos ou
mais, que não tenham concluído a primeira etapa do ensino fundamental, além de dobrar em
cinco anos e quadruplicar em dez a oferta do ensino médio (BRASIL, 2001a, p.74-75). Para
uma melhor compreensão, destacamos alguns desses objetivos, na ordem em que aparecem no
documento.
Lei 10.172/2001 – Objetivos e Metas - EJA
1)Estabelecer, a partir da aprovação do PNE, programas visando a alfabetizar 10 milhões de jovens e
adultos, em cinco anos e, até o final da década, erradicar o analfabetismo.**
2) Assegurar, em cinco anos, a oferta de educação de jovens e adultos equivalente às quatro séries
iniciais do ensino fundamental para 50% da população de 15 anos e mais que não tenha atingido este
nível de escolaridade.**
3) Assegurar, até o final da década, a oferta de cursos equivalentes às quatro séries finais do ensino
fundamental para toda a população de 15 anos e mais que concluiu as quatro séries iniciais.**
4) Estabelecer programa nacional, para assegurar que as escolas públicas de ensino fundamental e
médio localizadas em áreas caracterizadas por analfabetismo e baixa escolaridade ofereçam programas
de alfabetização e de ensino e exames para jovens e adultos, de acordo com as diretrizes curriculares
nacionais.**
8) Estabelecer políticas que facilitem parcerias para o aproveitamento dos espaços ociosos existentes
na comunidade, bem como o efetivo aproveitamento do potencial de trabalho comunitário das
entidades da sociedade civil, para a educação de jovens e adultos.**
12) Elaborar, no prazo de um ano, parâmetros nacionais de qualidade para as diversas etapas da
educação de jovens e adultos, respeitando-se as especificidades da clientela e a diversidade regional.*
13) Aperfeiçoar o sistema de certificação de competências para prosseguimento de estudos.**
14) Expandir a oferta de programas de educação a distância na modalidade de educação de jovens e
adultos, incentivando seu aproveitamento nos cursos presenciais.**
15) Sempre que possível, associar ao ensino fundamental para jovens e adultos a oferta de cursos
básicos de formação profissional.
16) Dobrar em cinco anos e quadruplicar em dez anos a capacidade de atendimento nos cursos de nível
médio para jovens e adultos.**
17) Implantar, em todas as unidades prisionais e nos estabelecimentos que atendam adolescentes e
jovens infratores, programas de educação de jovens e adultos de nível fundamental e médio, assim
como de formação profissional, contemplando para esta clientela as metas n° 5 e nº 14.**
22) Articular as políticas de educação de jovens e adultos com as de proteção contra o desemprego e
de geração de empregos.**
60
23) Nas empresas públicas e privadas incentivar a criação de programas permanentes de educação de
jovens e adultos para os seus trabalhadores, assim como de condições para a recepção de programas de
teleducação.
26) Incluir, a partir da aprovação do Plano Nacional de Educação, a Educação de Jovens e Adultos nas
formas de financiamento da Educação Básica.
(*) A iniciativa para cumprimento deste Objetivo/Meta depende da iniciativa da União. (**) É exigida a
colaboração da União.
O PNE, ao constituir-se como um documento que tem por objetivo subsidiar a implantação da
última meta estabelecida no PNE para a EJA prevê que ela seja incluída, a partir da
EJA nos estados e nos municípios, colabora para operacionalizar as diretrizes de
flexibilização, focalização e parceria, seguindo orientações das agências internacionais e dos
grandes eventos educacionais da última década do século XX, idéia que explicitaremos no
capítulo terceiro desse trabalho.
A
aprovação do Plano, nas formas de financiamento da educação básica. Como o financiamento
possui capítulo próprio no PNE, destacaremos as metas que se referem à EJA.
Lei 10.172/2001 – Objetivos e Metas – Financiamento da Educação
7) Orientar os orçamentos nas três esferas governamentais, de modo a cumprir as vinculações e
subvinculações constitucionais, e alocar, no prazo de dois anos, em todos os níveis e modalidades de
ensino, valores por aluno, que correspondam a padrões mínimos de qualidade de ensino, definidos
nacionalmente. (VETADO)
10) Estabelecer a utilização prioritária para a educação de jovens e adultos, de 15% dos recursos
destinados ao ensino fundamental cujas fontes não integrem o FUNDEF: nos Municípios (IPTU
25
,
ISS
26
, ITBI
27
, cota do ITR
28
, do IRRF
29
e do IOF-Ouro
30
, parcela da dívida ativa tributária que seja
resultante de impostos), nos Estados e no Distrito Federal (IPVA
31
, ITCM
32
, cota do IRRF e do IOF-
Ouro, parcela da dívida ativa tributária que seja resultante de impostos).
11) Estabelecer programa nacional de apoio financeiro e técnico-administrativo da União para a oferta,
preferencialmente, nos Municípios mais pobres, de educação de jovens e adultos para a população de
15 anos e mais, que não teve acesso ao ensino fundamental.*
(*) A iniciativa para cumprimento deste Objetivo/Meta depende da iniciativa da União.
(**) É exigida a colaboração da União.
25
IPTU - Imposto Predial Territorial Urbano.
26
ISS – Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza.
27
ITBI – Imposto sobre Transferência de Bens Intervivos.
28
ITR – Imposto Territorial Rural.
29
IRRF – Imposto de Renda Retido da Fonte.
30
IOF-Ouro – Imposto sobre de Operações Financeiras sobre Ouro.
31
IPVA – Imposto sobre Veículos Automotivos.
32
ITCM – Imposto sobre Transmissão Causa Mortis.
61
Podemos perceber que o único objetivo estabelecido pelo PNE, a meta sete, quanto ao
oncluímos que as metas estabelecidas no PNE são muito ambiciosas no que se refere à
financiamento a todas as modalidades de ensino, aí incluindo a EJA, de forma a suprir as
necessidades dos estados e dos municípios para atendimento nessa área, foi vetado. As metas
para o financiamento da EJA, metas 10 e 11, conforme consta no PNE, continuam a se pautar
pela diretriz da focalização dos recursos para atendimento às áreas emergenciais, como forma
de aliviar a pobreza nessas regiões.
C
erradicação do analfabetismo, todavia no momento de concretizá-las os recursos financeiros
são alocados segundo os critérios de focalização, e a sociedade é chamada a assumir a tarefa
de escolarização dos jovens e dos adultos pelo sistema de parcerias. Toda a expectativa em
torno da elaboração do PNE quanto à inclusão da EJA nas formas de financiamento da
educação frustrou-se com sua aprovação. Esse fato se explica no entendimento de que a
reforma educacional empreendida na década de 1990 teve como principal diretriz a
desconcentração
33
do financiamento e das competências de gestão do ensino básico, com
forte impacto sobre as políticas públicas de educação de jovens e de adultos, pelo princípio da
focalização no ensino fundamental dos sete aos quatorze anos. Seguindo essa diretriz, a tarefa
de escolarização de jovens e de adultos, na última década do século XX, foi atribuída aos
estados, aos municípios e aos programas federais implementados em regime de parceria a
partir de 1995. Observamos também que o PNE prioriza o processo de alfabetização sem
considerar a necessidade de uma educação continuada aos jovens e aos adultos.
33
Di Pierro (2001, p. 323) define um serviço educacional desconcentrado aquele em que, embora a oferta escolar
seja realizada predominantemente pelos estados ou em convênio com os municípios e organizações civis, a
política educacional e o desenho dos programas são definidos no âmbito federal e desenvolvidos em regime de
co-financiamento.
62
2.5 PROGRAMAS FEDERAIS DE EDUCAÇÃO DE JOVENS E DE ADULTOS
O Programa Alfabetização Solidária (PAS), iniciativa do Governo Federal idealizada pelo
MEC em 1996 e implementada pelo Programa Comunidade Solidária, inicialmente presidida
pela então primeira dama Ruth Cardoso, desenvolve ações de combate à pobreza em três
programas: Alfabetização Solidária, a Capacitação Solidária e o Universidade Solidária. O
projeto piloto do PAS previa a focalização do atendimento aos jovens entre 15 e 19 anos em
regime de colaboração com o MEC, os municípios, as empresas parceiras e as
universidades
34
, reservando-se a coordenação e articulação do PAS exclusivamente à
Comunidade Solidária (MACHADO, 2002, p. 4).
A partir do segundo semestre de 1999, o PAS passou a ser desenvolvido também nos grandes
centros urbanos das regiões de São Paulo e Rio de Janeiro, com o propósito de alfabetizar 10
mil jovens em cada uma dessas regiões. Em 2000, o projeto estendeu-se para o Distrito
Federal e em 2001 para Goiânia e Fortaleza. Nessa nova fase do PAS os recursos seriam
captados por meio de doações espontâneas, para o que se iniciou a campanha “adote um
aluno
35
”, no qual os “cidadãos solidários”, com contribuição mensal de dezessete reais,
“financiariam metade do custo de cada aluno” e o MEC contribuiria com a mesma quantia
(ALFABETIZAÇÃO SOLIDÁRIA, 2002b, p. 29-31).
34
Ao MEC cabe o fornecimento de materiais didáticos, escolares e a avaliação do PAS junto às universidades.
Estas últimas fariam a seleção, capacitação e acompanhamento pedagógico da avaliação da aprendizagem, aos
municípios era atribuída a tarefa de organizar espaço físico e o recrutamento dos alfabetizando e alfabetizadores.
Por último as empresas parceiras colaboram com as despesas referentes a cursos de formação e salário e bolsas
aos monitores.
35
A campanha “adote um aluno” tem como estímulo à doação peças publicitárias com a participação de artistas
conhecidos. Os doadores individuais podem fazer sua contribuição mensal por meio de débito em cartão de
crédito (DI PIERRO; GRACIANO, 2003, p 31).
63
Em 1998, o PAS “constituiu a personalidade jurídica de uma sociedade civil sem fins
lucrativos e passou a ser gerenciada pela Associação de Apoio ao Programa Alfabetização
Solidária (AAPAS)” o que lhe permitiu maior flexibilidade de manejo dos recursos
orçamentários, fugindo da burocracia estatal (DI PIERRO; GRACIANO, 2003, p.31).
Podemos dizer que o PAS concretiza a transferência de atividades que antes eram exclusivas
do Estado para instituições sem fins lucrativos, entendidas como organizações públicas não
estatais, as quais são definidas por Di Pierro (2000, p. 241) nos seguintes termos:
[...] uma organização social pública não estatal que recebe a concessão das
tarefas executivas de um serviço público de educação de jovens e adultos,
para os quais recebe financiamento estatal, atuando sob as diretrizes políticas
e coordenação do governo federal.
Quanto aos programas federais de alfabetização de jovens e de adultos, algumas pesquisas
evidenciam pontos de tensão. Um exemplo é o estudo em que Machado (2002, p. 5-6),
cotejou as propostas tiradas na Plenária do Encontro Nacional de Educação de Jovens e
Adultos (ENEJA) ocorrido em Natal, Rio Grande do Norte, em 1996, com as diretrizes
publicadas pelo PAS. A autora concluiu que o documento final do Seminário de Natal
apontou para a necessidade de “estruturar programas de alfabetização, escolarização básica,
complementação e profissionalização” aos jovens e aos adultos independentemente da idade,
promover a valorização dos profissionais de ensino através de condições de trabalho e
remuneração adequadas e contar com um programa de formação permanente desses
educadores. O objetivo seria a garantia da qualidade no atendimento, a adoção mecanismos
de acompanhamento e avaliação periódica das políticas e programas de EJA e a elaboração
de uma proposta pedagógica adequada às características culturais, condições de vida e
realidade política e econômica dos educandos. O documento do ENEJA recomendou que as
parcerias só fossem efetivadas mediante aprovação do Conselho Nacional de EJA.
64
Na contramão das propostas do ENEJA, as diretrizes e a concretização do PAS apontaram
para um programa estritamente voltado para alfabetização, focado nos jovens de quinze a
dezenove anos, contando com o trabalho de alfabetizadores leigos, os quais recebiam bolsa-
salário, sendo capacitados em um mês para exercer a função de alfabetizador. Além disso,
houve um aligeiramento do processo de alfabetização, realizado durante cinco meses, com
aulas três vezes por semana, utilizando, em todas as regiões nas quais o programa se
desenvolve, material didático elaborado pela Secretaria Municipal de Curitiba. A avaliação
dos alunos no PAS, de acordo com as diretrizes do programa, seria realizada por um
professor da instituição de ensino superior parceira uma vez por mês.
Outra questão referente ao PAS é o fato de que nos grandes centros urbanos o Programa
Alfabetização Solidária excluiu a participação das secretarias estaduais e municipais de
educação da oferta de EJA, o que levou as suas iniciativas a terem um “impacto muito
pequeno sobre os sistemas públicos de ensino”, não garantindo a continuidade de estudos dos
egressos dos cursos (DI PIERRO, 2000, p. 231-232).
Embora tenha sido apontado em divulgação e publicidade do governo pelos meios de
comunicação como forma de universalização do acesso à alfabetização, o PAS “não se
propôs e nem demonstrou capacidade de modificar a posição subalterna atribuída à educação
de jovens e de adultos na política federal de ensino básico” (DI PIERRO, 2000, p. 241). Esse
programa padece das mesmas limitações que caracterizaram as campanhas de alfabetização
realizadas até hoje no Brasil, pois não garante a continuidade de estudos, recorrendo a
alfabetizadores leigos, “muitos dos quais com reduzida escolaridade”. Além disso, permite a
mobilização de setores da sociedade que “não têm raízes no contexto sociocultural em que se
65
propõe intervir”, concretamente não “incidem sobre os fatores socioeconômicos e culturais
que geram e reproduzem o analfabetismo” (HADDAD; DI PIERRO, 2000, p. 38).
Com o propósito de dar continuidade de estudos aos egressos do PAS, os municípios
esbarraram nas restrições do Fundef quanto aos investimentos em EJA, fato que levou o
MEC a buscar outras parcerias, como a estabelecida com o Ministério do Trabalho e
Emprego (MTE) por meio do Plano Nacional de Qualificação do Trabalhador (Planfor).
Esse plano, que teve início em 1995, foi implementado de forma participativa e
descentralizada, com objetivo de: “reduzir o desemprego e o subemprego da População
Economicamente Ativa (PEA); combater a pobreza e a desigualdade social e elevar a
produtividade, a qualidade e a competitividade do setor produtivo”. Tendo como meta
qualificar 20% da PEA maior de 16 anos, focalizou ações nas “pessoas desocupadas, pessoas
em risco de desocupação permanente ou conjuntural; empreendedores urbanos/rurais; pessoas
autônomas, cooperadas e autogeridas” (BRASIL, 2004a, p. 1).
Os recursos para o programa, vieram do Fundo de Amparo ao Trabalhador
36
(FAT) e foram
distribuídos aos programas desenvolvidos pelos planos estaduais e aos parceiros nacionais e
regionais do Ministério do Trabalho e Emprego, segundo critérios de focalização, eficiência,
continuidade e contrapartida (BRASIL, 2004a, p. 1).
36
Criado em 1990, o Fundo de Amparo ao Trabalhador – FAT é um fundo especial, de natureza contábil-
financeira, vinculado ao Ministério do Trabalho e Emprego – MTE, destinado ao custeio do Programa do Seguro
desemprego, do Abono Salarial e ao financiamento de Programas de Desenvolvimento Econômico. A principal
fonte do FAT é composta pelas contribuições pagas por trabalhadores para o Programa de Integração Social –
PIS, para o Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público – PASEP. As principais ações de
emprego financiadas com recursos do FAT estão estruturadas em torno de dois programas: o Programa do
Seguro-Desemprego (com as ações de pagamento do benefício do seguro-desemprego, de qualificação e
requalificação e de orientação e intermediação do emprego) e os programas de Geração de Emprego e Renda.
(DI PIERRO; GRACIANNO, 2003, p. 27)
66
Quanto ao Planfor, o que podemos observar é que ele foi considerado, equivocadamente,
como alternativa à exclusão social e ao combate ao desemprego e à pobreza, sem considerar o
atual momento histórico, em que assistimos à precarização do emprego e concorrência dos
trabalhadores. Sendo uma formação de nível básico, sob a responsabilidade do MTE, o
Planfor atua na “preparação para o trabalho simples” orientando-se pelo conceito da
empregabilidade
37
que joga para o indivíduo a busca por alcançar competências e habilidades
requeridas pelo mercado de trabalho (VENTURA, 2004, p. 5).
Salientamos também que a aproximação entre a EJA e a educação profissional, tem ocorrido
sob a ótica “utilitarista e pragmática do mercado”, vinculada à chamada empregabilidade,
como resposta à idéia sobre “a importância da educação básica no mundo globalizado”,
reforçando a dualidade entre a formação escolar e a formação do trabalhador. Isso tem
consagrado o termo “formação do cidadão produtivo”, no qual o produtivo “refere-se ao
trabalhador capaz de gerar mais-valia”, submetendo-se às exigências do capital em uma
posição subalterna (FRIGOTTO; CIAVATTA, 2003, p.52-53).
O Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera), criado em 1998, é definido
pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário como “uma parceria estratégica entre o
Governo Federal, as instituições de ensino superior e os movimentos sociais rurais”. Tem por
objetivo promover a educação em todos os níveis nos projetos de assentamentos da reforma
agrária (BRASIL, 2001b, p. 8).
37
Segundo Paiva (2001, p. 58-59), o conceito empregabilidade não é novo, todavia na década de 1990, marcada
pelo desemprego, esse conceito diz respeito “à qualificação, às habilidades, disposição, atitudes do indivíduo
ante um mercado de trabalho que já não mais está em expansão”. Com o conceito empregabilidade “transfere-se
do social para o individual a responsabilidade pela inserção profissional dos indivíduos”.
67
Pensado e idealizado a partir de estatísticas que apontaram para um índice de analfabetismo
com média nacional de 45%
38
entre os assentados, o Pronera propõe metodologias
específicas às demandas sociais por educação nessas áreas. O programa propõe-se a atender
os jovens e os adultos moradores de projetos de assentamentos da reforma agrária criados
pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) ou por órgãos estaduais de
terras, desde que haja parceria formal com o Incra.
O Pronera conta com uma gestão nacional da qual faz parte uma comissão pedagógica que
coordena as atividades escolares, define indicadores de desempenho e instrumentos de
avaliação, propõe metodologia e instrumentos didáticos, apóia, orienta e monitora as ações
dos colegiados executivos estaduais, aprecia e emite parecer técnico sobre propostas de
trabalho ou projetos para o colegiado executivo e, ainda, articula o programa junto ao MEC.
O colegiado executivo estadual divulga, coordena, articula, implementa, acompanha,
supervisiona e avalia o programa, além de ser responsável pela dinamização das atividades de
alfabetização avaliando-as em seu estado e buscando parcerias com governos estaduais e
municipais, ongs, movimentos sociais e instituições de ensino superior (BRASIL, 2001b,
p.15-16).
A EJA, em projetos de assentamento da reforma agrária, é a principal ação desenvolvida pelo
Pronera, com projetos organizados sob três ações básicas:
1- alfabetização, com no mínimo 400 horas presenciais durante, no máximo, um
ano;
38
Em alguns estados o índice chega a 70% (BRASIL, 2001b, p. 8).
68
2- capacitação pedagógica para alfabetizadores de jovens e de adultos e
escolarização no ensino fundamental de monitores e coordenadores locais na
modalidade suplência, a ser realizada ao longo de 14 meses com o total de
1200 horas de ensino presencial e 600 horas de ensino a distância, esse último
com auxílio de universitários.
3- formação técnico-profissional de jovens e de adultos em cursos que objetivam
formar técnicos de nível médio em Administração de Cooperativas e de
Assentamentos de Reforma Agrária e cursos técnicos de nível fundamental e
médio para o desenvolvimento de prática sustentável nos assentamentos
(BRASIL, 2001b, p. 26-29).
Dentre os objetivos específicos do Pronera destacamos também o de oferecer formação
continuada e escolarização média e superior aos educadores de jovens e adultos - EJA - e do
ensino fundamental nos Projetos de Assentamento da Reforma Agrária.
Durante os anos de 1998, 2000 e 2002 o índice de cobertura do Pronera, em relação ao
número de assentados, foi bastante reduzido (0,5% em 1998, 3,85% em 2000 e 2,45% em
2002). Das ações previstas para o período de 1998-2002, 46% não se realizaram devido às
restrições orçamentárias do programa. A Região Nordeste foi a mais beneficiada, tendo
recebido 47% do total dos recursos destinados ao Pronera entre 1998 e 2001 (DI PIERRO;
GRACIANO, 2003, p. 29-30). Para 2004 estavam previstos trinta milhões de reais em
recursos para o Pronera. Em abril de 2004
39
, o governo federal anunciou que triplicaria esse
valor, o que significaria um total de 110 mil assentados atendidos pelo programa.
39
O anúncio foi feito pelo Ministro do Desenvolvimento Agrário, Miguel Rosseto, durante a abertura do II
Seminário Nacional de Educação na Reforma Agrária, no dia 28 de abril de 2004. Disponível em
<http://
www.mda.gov.br>. Acesso em 27 jul. 2004).
69
O Programa Recomeço teve início em 2001 e consistia em um programa de apoio aos estados
e aos municípios para a educação fundamental de jovens e de adultos. Esse programa foi
concebido para apoiar financeiramente as regiões Norte e Nordeste do Brasil, além de 389
municípios de microrregiões nas quais o índice de desenvolvimento humano (IDH) estivesse
inferior a 0, 5, conforme identificado pelo Atlas de Desenvolvimento Humano elaborado pelo
Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) em 1998.
O programa recebia recursos do Fundo de Amparo à Pobreza
40
e tinha duração prevista para
o triênio 2001 – 2003. Sua principal ação era a transferência de recursos aos estados e aos
municípios para ampliação das ofertas de vagas para o ensino fundamental de jovens e de
adultos.
Em 2003, sob o governo Lula, o programa teve seu nome alterado para “Apoio a Estados e
Municípios para a Educação Fundamental de Jovens e Adultos”, com a mesma dotação
orçamentária do período anterior
41
e, sem alteração dos municípios atendidos pelo programa
(GRACIANO; DI PIERRO, 2003, p. 36). Em 16 de março de 2004, a Medida Provisória n.
173 criou o “Programa de Apoio aos Sistemas de Ensino para Atendimento à Educação de
Jovens e Adultos”, em substituição ao “Apoio aos Estados e Municípios para a Educação
Fundamental de Jovens e Adultos”.
40
A Lei complementar nº. 111 de 06 de julho de 2001, que institui o Fundo de Erradicação e Amparo à Pobreza
determina como fonte de recursos: parcela do produto da arrecadação correspondente a um adicional de 0,008%
da alíquota de contribuição social; parcela do produto da arrecadação correspondente a um adicional cinco
pontos percentuais na alíquota do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI); produto da arrecadação do
imposto sobre grandes fortunas; dotações orçamentárias e doações de qualquer natureza de pessoas físicas ou
jurídicas do país ou do exterior.
41
Em 2001, o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) transferiu aos governos subnacionais
selecionados aproximadamente R$ 189,7 milhões, para 2002, o Orçamento da União reservou ao Programa
Recomeço R$ 340 milhões e, para 2003, foram orçados R$ 325 milhões (DI PIERRO; GRACIANO, 2003, p.
36).
70
Esse novo programa, criado no âmbito do Ministério da Educação, de acordo do art. 2º da MP
173, deve ser executado pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE),
com o objetivo de ampliar a oferta de vagas na educação fundamental pública de jovens e de
adultos, em cursos presenciais com avaliação no processo, por meio de assistência financeira
aos sistemas de ensino estaduais e municipais e do Distrito Federal. O art. 3º da MP 173
esclarece que o repasse dos recursos aos sistemas públicos de ensino será automático, sem
necessidade de convênio, acordo, contrato ou instrumento congênere. Como base de cálculo
para o repasse dos recursos servirão os dados oficiais do Censo Escolar, realizado pelo INEP,
relativo ao ano imediatamente anterior ao do atendimento (BRASIL, 2004e, p.1-2).
O elemento novo, desse programa é o repasse de recursos financeiros aos sistemas públicos
de ensino sem focalizar ações em determinadas regiões do país (BRASIL, 2004e, p.1-2).
Aqui considerado um avanço por fortalecer os sistemas públicos de ensino existentes,
contribuindo para a garantia de uma educação continuada aos jovens e aos adultos,
distanciando-se dos programas de alfabetização com um fim em si mesmos. Todavia, afirmar
isso não significa desconsiderar a natureza e, portanto, os limites desse programa.
Outro programa do Governo Federal iniciado sob o governo Lula, em 2003, é o Programa
Brasil Alfabetizado. Nesse mesmo ano foi criada a Secretaria Extraordinária de Erradicação
do Analfabetismo (SEEA), que tem como meta principal erradicar o analfabetismo nos quatro
anos de mandato do atual governo. Para atingir esse objetivo, foi lançado o Programa Brasil
Alfabetizado, que, por meio do MEC, fará o repasse financeiro a órgãos públicos estaduais e
municipais, instituições de ensino superior e organizações sem fins lucrativos que
desenvolvam ações de alfabetização. Além da alfabetização, o programa incentiva a leitura e
a difusão de livros para os recém-alfabetizados (GRACIANO; DI PIERRO, 2003, p. 39).
71
Os rumos do programa serão definidos por um Conselho Nacional de Alfabetização,
considerando as iniciativas e a diversidade de metodologias na área de alfabetização
existentes no país. Os recursos financeiros serão repassados pelo FNDE, conforme Resolução
FNDE/CD n. 14 de 25 de março de 2004, da seguinte maneira: bolsa aos alfabetizadores no
valor fixo de cento e vinte reais por mês, acrescido de variável de sete reais por mês por
aluno a ser alfabetizado, com limite de até 25 alunos por sala de aula. Os projetos deverão
apresentar carga horária de alfabetização entre 240 horas/aula e 320 horas/aula, equivalente a
seis a oito meses de duração do curso, com carga horária semanal mínima de 10 horas/aula
(BRASIL, 2004d) .
Para formação dos alfabetizadores serão repassados ao órgão ou entidade convenente ou
parceiro um valor fixo de quarenta reais, acrescido de dez reais por mês por alfabetizador, no
valor máximo de cento e vinte reais por mês, destinado à formação inicial e contínua. O
período de formação inicial do alfabetizador será de no mínimo 30 horas e a formação
contínua, de no mínimo 2 horas/aula semanais, presenciais e coletivas
42
.
Concluímos com a análise de Beisiegel (1997) ao explicitar que, apesar de o art. 208 da
Constituição de 1988 estabelecer o ensino fundamental obrigatório e estender a gratuidade
àqueles que não tiveram acesso em idade própria, o art. 211, ao distribuir as responsabilidades
aos entes da federação, não explicita a obrigação dos municípios no atendimento às
necessidades educativas dos jovens e dos adultos. Não fica claro quem deve oferecer a EJA,
nem mesmo quem seria responsabilizado por seu não-oferecimento, relativizando o
42
No Paraná, no mês de junho de 2004, foram cadastrados os interessados em participar do Programa como
alfabetizandos e, com o Edital 39/2004 a Diretoria Geral da Secretaria do Estado da Educação iniciou o processo
de seleção de professor para prestação de serviços de alfabetização a fim de atuar no “Programa Paraná
Alfabetizado”.
72
imperativo constitucional e permitindo ao Estado desobrigar-se de suas responsabilidades
(BEISIEGEL, 1997, p. 27-28).
O que pode ser evidenciado das políticas públicas de EJA, na última década do século XX, é
que a ampliada concepção de educação básica, presente nas recomendações estabelecidas na
Conferência Mundial sobre Educação para Todos realizada em 1990, em Jomtien, Tailândia,
foi sofrendo restrições no confronto com a realidade dos mais populosos países considerados
em desenvolvimento. O processo não foi diferente no Brasil, quando se explicitou o limite da
ação e da responsabilidade estatal para com a educação básica, no qual o básico passou a ser o
ensino fundamental dos sete aos quatorze anos.
Encerramos o capítulo com a conclusão de que a EJA, no período pós 1990, ainda tem
assumido a funcionalidade de ação supletiva do Estado, o qual, para essa modalidade da
educação, não destinou recursos financeiros suficientes, inviabilizando o atendimento a essa
parcela da população por parte dos governos municipais e estaduais. Ao mesmo tempo,
verificou-se a chamada à sociedade civil para o cumprimento da tarefa de escolarização dos
jovens e dos adultos, situação que, por um lado, cria a ilusão de que está havendo uma
democratização do poder público, e por outro, permite ao governo desobrigar-se da imediata
universalização da educação básica.
3 - O CONTEXTO DA REESTRUTURAÇÃO CAPITALISTA
A análise do modo como a educação de jovens e de adultos vem sendo configurada a partir da
década de 1990 no Brasil implica partir da compreensão da política estatal pertinente a essa
modalidade da educação escolar, como fizemos no capítulo anterior. Ressaltamos, no entanto,
que temos consciência de que devemos avançar, ultrapassando, assim, a propensão de explicar
tal processo restringindo-nos à esfera da política educacional. Em consonância com esse
pressuposto, definimos como objetivo deste capítulo a contextualização histórica de nossa
discussão, o que implica em relacionar a problemática tratada com questões da fase
monopolista e imperialista de desenvolvimento do capitalismo mundial.
O capítulo está estruturado em três partes. A primeira analisa as transformações do
capitalismo do final de século XX, evidenciando a reestruturação capitalista e apontando as
decorrentes mudanças na forma de produzir. Na segunda, apresentamos as principais
orientações neoliberais para a adequação do Brasil às exigências do capital internacional e,
por último, os desdobramentos dessas orientações na reforma do Estado e da educação no
Brasil durante os anos 1990.
3.1 A MUNDIALIZAÇÃO DO CAPITAL
O contexto histórico no qual está inserido o objeto de estudo é caracterizado por István
Mészáros (2003, p. 10) como um estágio histórico do desenvolvimento transnacional do
capital ou, mais especificamente, uma “nova fase do imperialismo hegemônico global”.
74
Referindo-se ao mesmo contexto, François Chesnais (1997b, p. 46) utiliza-se do termo
mundialização do capital
85
para designar “um modo de funcionamento específico do
capitalismo predominantemente financeiro e rentista”.
O significado histórico das transformações do capitalismo desse fim de século é explicado por
Chesnais (1997a, p. 8), quando afirma que a mundialização do capital exprime um "contexto
de liberdade quase total para o capital desenvolver-se e valorizar-se, deixando de submeter-se
aos entraves que fora obrigado a aceitar no período pós-1945, principalmente na Europa". Isso
não quer dizer, em absoluto, que se trate de um capitalismo renovado. Acrescenta Chesnais:
"ele simplesmente reencontrou a capacidade de exprimir brutalmente os interesses de classes
sobre os quais está fundado”.
Chesnais (1997b, p. 19) enumera as características do contexto macroeconômico mundial dos
anos 1990: baixas taxas de crescimento do BIP, inclusive no Japão, que se encontrava à frente
da economia mundial; taxas de crescimento muito fortes dos indicadores relativos ao valor
nominal dos ativos financeiros; desenvolvimento do desemprego estrutural elevado e níveis
muito baixos de salários; desenvolvimento de rendimento de origem financeira; conjuntura
mundial muito instável com espera prolongada de uma retomada conjuntural significativa;
deflação com aspectos de deflação aberta ou rasteira em muitos produtos primários;
marginalização do sistema de trocas de regiões inteiras do globo e concorrência internacional
mais intensa, gerando conflitos comerciais entre as grandes potências tríades (América do
Norte, Europa Ocidental e Japão).
85
Preferimos adotar o termo “Mundialização do Capital” em contraposição ao termo “globalização”. De acordo
com Chesnais (1996, p. 23), o termo globalização tem um cunho ideológico, encobrindo o lado político-
econômico desse processo em curso, no qual as grandes empresas transnacionais e os conglomerados financeiros
dominam o mercado mundial, ditando as regras e critérios de seletividade para a exploração.
75
Para o autor citado, as características acima descritas devem ser analisadas como parte de um
todo, evidenciando a emergência de um “regime de acumulação mundial predominantemente
financeiro” com características rentistas marcantes (CHESNAIS, 1997a, p. 21-22). O
funcionamento desse regime de acumulação é ordenado, sobretudo, pelas operações e pelas
escolhas de formas de capital financeiro mais concentradas e centralizadas do que em
qualquer período anterior do capitalismo.
A “mundialização do capital”, segundo Chesnais (1997b, p. 16), só pode ser entendida como
um segmento da fase mais longa na evolução do modo de produção capitalista. Os traços
principais dessa fase foram descritos por Lênin em 1916. De acordo com o autor, o século XX
marca o advento do que Lênin (1987, p. 69) chamou de “novo capitalismo”, fundado no
domínio do capital financeiro
86
.
Para Lênin, o que “caracterizava o antigo capitalismo, no qual reinava a livre concorrência,
era a exportação de mercadorias, e o que caracteriza o capitalismo atual, no qual reina o
monopólio, é a exportação de capitais” (grifo no original). Lênin (1987, p. 88) definiu esse
período como sendo a fase monopolista do capitalismo, no qual a concentração da produção e
do capital originou o monopólio, a fusão do capital bancário e do capital industrial criou um
capital financeiro e uma oligarquia financeira. Trata-se, segundo o autor, da fase imperialista,
quando o capitalismo chegou a uma etapa de desenvolvimento na qual ocorre a dominação
dos monopólios e do capital financeiro. A exportação de capitais assumiu particular
importância ao lado da exportação de mercadorias, formando-se a união internacional
86
Diferentemente do que explicou Lênin, o capital financeiro, na fase da mundialização do capital é aquele que
se valoriza conservando a forma dinheiro. Para Alves (2001, p. 65), o capital financeiro deve ser entendido não
como capital a juros, mas como capital fictício em sua forma “exacerbada, parasitária e rentista”. Adquirindo um
caráter estruturante da mundialização do capital, a partir dos anos 1980, com o movimento de desregulamentação
monetária e financeira impetrado pelas políticas neoliberais e monetaristas impostas pelos países da OCDE –
EUA e Reino Unido.
76
monopolista que resulta na partilha do mundo entre as maiores potências econômicas e entre
os trustes internacionais.
Lênin (1987, p. 60) explica também que “o aumento das trocas, tanto nacionais como,
sobretudo, internacionais, é um traço distintivo característico do capitalismo”. Assim, o
desenvolvimento desigual de empresas, indústrias e dos países torna-se inevitável em regime
capitalista, e constitui-se na característica excludente do capitalismo.
Duménil e Lévy (2004) avançam na discussão iniciada por Lênin e não consideram o
imperialismo uma fase do capitalismo, mas sim uma característica geral e permanente do
sistema capitalista. Justificam essa idéia com a explicação de que o capitalismo, mesmo em
sua fase comercial, sempre esteve aliado a processos de dominação que iam desde a
imposição de abertura de fronteiras de países com o desenvolvimento inferior até a busca e
exploração de colônias. Argumentam os autores que o imperialismo se define pela procura de
lucros por meio da sujeição fora de suas metrópoles. Se o imperialismo constitui-se numa
etapa do capitalismo, ele próprio passa por várias fases em decorrência das transformações
que ocorrem nos países imperialistas. Ressaltam os autores que o imperialismo não é obra de
um só país, mas de um conjunto de países, envolvendo ao mesmo tempo relações de luta e de
cooperação por meio de um sistema de alianças. Trata-se de uma hierarquia de poderes na
qual o mais forte explora o mais fraco.
Chesnais (1996, p. 290) esclarece que quando Karl Marx se referia a capital financeiro
87
,
dizia respeito aos banqueiros de negócios e outros senhores das finanças, no qual o dinheiro
gera mais dinheiro valorizando-se a si mesmo. Dessa operação financeira surgiu uma
87
Sobre isso ver mais em: O Capital, Livro III, Capítulo XXIV de Marx.
77
burguesia de caráter essencialmente rentista usufruindo dos rendimentos provenientes de
transferências da esfera da produção e da circulação. Nos anos 1980, houve uma explosão de
transações financeiras alicerçadas naquilo que Marx explicou, todavia, em um patamar
completamente diferente.
Na década de 1980, apareceram novas formas de centralização do capital monetário de
instituições financeiras como os fundos de pensão, fundos mútuos de aplicação e gestão de
carteiras de títulos, além das companhias de seguros voltadas para os sistemas de seguro de
vida e aposentadoria complementar. Com o surgimento dessas instituições financeiras não
bancárias, houve importantes modificações nas formas de relações entre finanças e grandes
indústrias, as quais estão longe de concluir-se. “São esses operadores financeiros, de tipo
qualitativamente novo, que têm sido, de longe, os principais beneficiários da ‘globalização
financeira’” (CHESNAIS, 1996, p.292, grifo no original).
Toussaint (2002, p. 87) chama a atenção para a adaptação das multinacionais à nova paisagem
financeira mundial. Esclarece que essas empresas tem tido um crescente engajamento em
operações financeiras, distanciando-se, muitas vezes, de sua vocação inicial, que era
essencialmente industrial. Ocorre que muitas empresas antes ligadas à produção têm
funcionado como grupos financeiros, fazendo suas escolhas em função da rentabilidade dos
capitais engajados em suas diversas atividades e filiais. O autor chama essas empresas de
“grupos financeiros com dominância industrial”. A atividade industrial passa a ser
considerada uma forma, entre outras, de valorização do seu capital. Tais grupos assumem o
conceito de global que pode, em razão da natureza das operações dessas empresas, significar
que, em primeiro lugar, seu horizonte tornou-se planetário e, em segundo lugar, que a
valorização de seus ativos se dá tanto em termos financeiros quanto industriais.
78
A superacumulação de capitais tem sido acompanhada por uma superprodução de
mercadorias, fato que tem levado as empresas a não reinvestir seus lucros na produção
(TOUSSAINT, 2002, p. 91). Os capitais adicionais, então, são transferidos para o setor
imobiliário e para as ações, com objetivo de especular nas bolsas e realizar operações de
aquisição/fusão. Além disso, observa-se a crescente especulação com taxas de cambio,
compras de títulos da dívida e operações com derivativos
88
.
Na atual fase de mundialização do capital, três setores ou complexos de indústrias ocupam
posição central na concorrência capitalista mundializada e ao mesmo tempo a projeção de
“ideologia da qual depende o enraizamento dos ‘hábitos’ indispensáveis à estabilidade
mínima desse regime de acumulação globalizada”, a saber: o setor financeiro; complexo de
indústrias de informática e as telecomunicações, estas últimas conectadas de modo a serem
conhecidas como de “comunicação e informação e de cultura mercantilizada” (CHESNAIS,
1997a, p. 22).
No atual período de acumulação mundializada, dominam a paisagem industrial os grandes
grupos manufatureiros, mesmo estando o comando do modo de acumulação do sistema nas
mãos do setor financeiro. Prova disso, segundo Chesnais (1997a, p. 30-31), é que nos anos
1980 mais de 80% dos investimentos diretos externos aconteceram entre países capitalistas
88
“Derivativo é uma operação a termo que deriva de ativo “subjacente” (que pode ser uma divisa, uma ação,
uma matéria-prima ou qualquer ativo financeiro). Um exemplo de derivativo é a opção de compra (call): um
banco emite no mercado uma opção de compra relativa, por exemplo, ao curso da ação Monsanto (ação
“subjacente”, da qual deriva a opção) ao preço de cem e a dez meses; por meio do pagamento de um prêmio, um
investidor vai comprar essa opção de compra e assim deter um direito de compra da ação Monsanto ao preço de
cem e num prazo de dez meses. Nesse prazo, ou a ação vale mais, ou, no caso inverso, se a ação vale menos de
cem no fim dos dez meses, o investidor abandona sua ação e o banqueiro embolsa o prêmio. Se esses produtos
foram criados, na origem, para responder às flutuações (espécie de seguro oferecido por um operador que aceita
correr o risco), de fato eles as produzem mais ainda, provocando ondas especulativas (o emissor e o comprador
da opção vão assim especular com relação à ação subjacente durante os dez meses da opção). Existe uma
infinidade de derivativos, todos eles complexos. Alguns são negociados em mercados organizados e controlados,
mas a maioria das operações se desenvolve bilateralmente, isto é, fora de qualquer controle e com total falta de
transparência” (TOUSSAINT, 2002, p. 369-370).
79
avançados, sendo que ¾ dessas operações tiveram como objeto a aquisição e a fusão de
empresas existentes. Sobre isso o autor explica que houve apenas uma mudança de
propriedade do capital, e não uma criação de novos meios de produção.
Giovanni Alves (2001, p. 33) chama a atenção para o surgimento da ideologia da globalização
com a mundialização do capital, ocorrido a partir da década de 1980. Nesse período,
apareceram, por meio de exposição midiática, as idéias de “aldeia global” ou “sociedade
global”, que apontaram a globalização como um processo homogêneo e homogeneizador,
capaz de “conduzir ao progresso e ao bem-estar universal, à globalização da democracia e à
desaparição progressiva do Estado-nação”. Alves (2001, p. 34) esclarece que a “globalização
não é um processo hegemônico e homogeneizador”, é “desigual e combinado, seletivo e
excludente”, não conduz ao progresso e ao bem-estar universal, ao contrário “tende a acentuar
a desigualdade, a exploração e a exclusão universal”.
Também sobre a característica excludente do capitalismo, Chesnais (1996, p.18) esclarece que
a “mundialização”, como a concebemos hoje, torna-se evidente a partir da crise da década de
1970, quando o capital recupera sua “possibilidade de voltar a escolher, em total liberdade,
quais os países e as camadas sociais que têm interesse para ele”. Esse processo leva à
exclusão de países, de certas regiões dentro de países, e até de áreas continentais inteiras,
como, por exemplo, África, Ásia e mesmo América Latina. Essa característica excludente da
atual fase do desenvolvimento capitalista foi observada, nos seguintes termos, por Chesnais
(1996, p. 33):
O movimento da mundialização é excludente. Com exceção de uns poucos
‘novos países industrializados’, que haviam ultrapassado, antes de 1980, um
patamar de desenvolvimento industrial que lhe permite introduzir mudanças
na produtividade do trabalho e se manterem competitivos, está em curso um
nítido movimento tendente à marginalização dos países em desenvolvimento.
80
A emergência do capital rentista (especulativo) como centro da atividade capitalista, segundo
Chesnais (1997b, p. 14-15), tem sido acompanhada pela volta da exploração em suas formas
mais explícitas. À classe operária dos países capitalistas têm sido impostas condições de
exploração, usando as tecnologias contemporâneas como armas de dominação com a
implantação do modelo norte-americano e inglês fundado sobre a desregulamentação e a
flexibilização dos contratos de trabalho, denominado de acumulação flexível, que
explicitaremos no próximo item.
3.2 A REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA
O termo reestruturação produtiva refere-se às transformações na esfera da produção ocorridas
no processo de rearticulação do capital para superar a crise de rentabilidade e valorização
capitalista da década de 1970. Essa crise, apontada por Batista (2002, p. 143) como um
sintoma da crise estrutural do capitalismo, obrigou o capital a desenvolver uma reestruturação
da forma de produzir, por meio do estímulo à produção flexível com base na inovação
tecnológica e em novas formas de gestão da produção e do trabalho.
A produção flexível confronta-se com a rigidez do fordismo/taylorismo. Deve-se observar que
este último foi desenvolvido como forma de buscar soluções para as tendências de crise do
capitalismo, principalmente após a grande crise de 1929
89
e durante o período da Segunda
89
As perturbações e complicações políticas do tempo da Primeira Guerra explicam em parte o colapso
econômico do pós-guerra no mundo. Outras questões de ordem econômica devem ser consideradas. Hobsbawm
(2003, p. 103-104) aponta duas: primeiramente o desequilíbrio na economia internacional causado pela
assimetria do desenvolvimento entre os EUA e o resto do mundo. Os EUA, para esse autor, não dependiam do
resto do mundo. A segunda se refere à fraca base de sustentação da prosperidade dos anos 1920, evidenciada
pela depressão em que se encontrava a agricultura norte-americana desse período, e, pela estagnação dos salários
em dinheiro. Os salários ficando para trás, os lucros cresceram desproporcionalmente, e os prósperos tiveram
uma fatia maior do bolo nacional. Como a grande maioria da população não podia acompanhar a grande
81
Guerra Mundial, como forma de “racionalização do processo de trabalho” e o “planejamento
em larga escala” (HARVEY, 1999, p. 123). O fordismo/taylorismo era fundado na produção
em massa, levando também a uma padronização do produto e do consumo. Nascido nos
Estados Unidos, o fordismo se implantou com mais firmeza na Europa e no Japão, depois de
1940, como parte do esforço de guerra, consolidando e expandindo-se no pós-guerra por meio
do Plano Marshall
90
ou do investimento direto dos Estados Unidos naquelas regiões
(HARVEY, 1999, p.131).
Se, por um lado, o fordismo trouxe novas possibilidades de consumo para a classe
trabalhadora, é inegável que esses benefícios não se estenderam a todos. O modelo
taylorista/fordista de centralização teve intensa ligação com o Estado Keynesiano
91
, que,
todavia, não foi exportado para a periferia
92
do capitalismo.
Assim, é importante esclarecer que, quando se fala de modelo fordista/keynesiano deve-se
considerar que ele foi “um modo de regulação com desenvolvimento no tempo e no espaço de
maneira desigual” (LEHER, 2003a, p. 3). O Brasil, país de periferia, não contou com o
modelo fordista/ keynesiano, como os países da Europa e EUA no pós-guerra. Como
produção em massa do período fordista, a conseqüência foi a superprodução e a especulação, crise que, iniciada
nos EUA, propaga-se por todo o mundo capitalista.
90
“Programa de recuperação européia, lançado em 1947 pelo secretário de Estado norte-americano Georg C.
Marshall, com objetivo de reconstituir, com ajuda financeira dos EUA, a economia da Europa Ocidental
arruinada pala guerra. (...) além de reconstruir e desenvolver o aparelho produtivo europeu abriu caminho para a
penetração do capital norte-americano na Europa e serviu de obstáculo à expansão comunista na região,
particularmente na Itália e na França.” (SANDRONI, 1994, p. 269).
91
“Modalidade de intervenção do Estado na vida econômica, com a qual não se atinge totalmente a autonomia da
empresa privada, e que prega a adoção, no todo ou em parte, das políticas sugeridas na principal obra de Keynes,
A teoria geral do emprego, do juro e da moeda, 1936. Tais políticas propunham-se a solucionar o problema do
desemprego pela intervenção estatal, desencorajando o entesouramento em proveito das despesas produtivas, por
meio da redução da taxa de juros e do incremento dos investimentos públicos” (SANDRONI, 1994, p. 184 -
grifos do autor).
92
Pochmann (2002, p. 16-17) ressalta haver diferentes interpretações sobre a evolução histórica do capitalismo.
Todavia o ponto em comum é o fato de haver desigualdades na repartição do trabalho no mundo. Acrescenta
que, para uma melhor compreensão desse tema, adotou-se “como referencial o entendimento de que a economia
mundial encontra-se estruturada nas relações entre centro e periferia”. Mais recentemente, foi introduzido o
conceito de semiperiferia para apontar uma diferenciação entre os países que estão fora do centro capitalista.
Para ler mais sobre, ver Arrighi, 1997.
82
conseqüência, criou-se uma grande insatisfação nos países que não desfrutaram dos benefícios
dos modelos fordista e keynesiano. Também Harvey (1999, p. 132-133) registrou a
insatisfação causada pela expansão desigual dos benefícios do fordismo, que provocou “sérias
tensões sociais por parte dos excluídos” da Europa e EUA. Tal processo foi acentuado pelos
insatisfeitos do Terceiro Mundo
93
, que, em troca da promessa de modernização e
desenvolvimento, promoveram a “destruição de culturas locais com forte opressão e
numerosas formas de domínio capitalista”. Soma-se a isso o fato de que os benefícios do
fordismo, nessas regiões periféricas, só se fizeram sentir pela elite nacional, que colaborou
ativamente com o capital internacional.
Evidencia-se que, após 1973, o núcleo central fordista deu sinais de enfraquecimento, e a crise
desse período abriu caminho para a transição ao regime de acumulação flexível. Esse
processo consolidou-se por meio da aceleração do progresso técnico, que veio a constituir-se
em uma das características centrais do período de estruturação da produção vivenciadas nas
últimas décadas.
Antunes (1999, p. 29) define a crise do taylorismo e do fordismo como uma expressão
fenomênica da crise estrutural
94
do capitalismo e enumera, da seguinte forma, os traços que a
evidenciam:
93
A expressão “países do terceiro mundo”, embora em desuso, segundo Sandroni (1994, p. 348) refere-se ao
“conjunto de nações pobres da Ásia, da África e da América Latina, que se situam entre os dois grandes blocos
formados pelos grandes países capitalistas e pelos países socialistas industrializados (União Soviética e Europa
Oriental)”.
94
A crise do fordismo e do keynesianismo, segundo Antunes (1999, p. 31) era a “expressão fenomênica de um
quadro crítico mais complexo. Ela exprimia, em seu significado mais profundo, uma crise estrutural do capital,
onde se destacava a tendência decrescente da taxa de lucro”, constituía-se também na “manifestação da
tendência destrutiva da lógica do capital, presente na intensificação da lei de tendência decrescente do valor de
uso das mercadorias”. Sobre isso ver mais em Mészáros (2003); Chesnais (1996).
83
1- queda da taxa de lucro, causada, entre outros fatores, pela elevação do preço da força de
trabalho, o que tem levado a uma redução dos níveis de produtividade do capital e à
tendência decrescente da taxa de lucro;
2- incapacidade de consumo, que se acentuou devido ao desemprego estrutural que se
iniciava gerando o “esgotamento do padrão de acumulação taylorista/fordista”;
3- aumento das atividades especulativas do capital financeiro, que se sobrepunha ao
produtivo, no processo, em andamento, de internacionalização do capital;
4- intensificação das fusões entre empresas, levando à centralização de capitais;
5- crise do estado de bem-estar social associada à necessidade de transferir investimentos do
setor público para o privado;
6- aumento das privatizações e da “tendência à desregulamentação e à flexibilização do
processo produtivo dos mercados e da força de trabalho” (ANTUNES, 1999, p. 29 e 30).
Para Hobsbawm (2003, p. 393), os vinte anos que se seguiram a 1973 mostram um mundo
que “perdeu suas referências e resvalou na instabilidade e na crise”. De 1965 a 1973, afirma
Harvey (1999, p.135), tornou-se evidente a “incapacidade do fordismo e do keynesianismo de
conter as contradições inerentes ao capitalismo”. Os problemas com a rigidez no
planejamento, nos investimentos, nos mercados, na alocação e nos contratos de trabalho,
tornaram-se empecilhos ao crescimento das taxas de lucro.
Iniciou-se, então, um processo de busca por novas tecnologias com base na automação, novas
linhas de produtos e mercados, novas regiões no qual o controle sobre o trabalho se daria de
forma mais fácil (HARVEY, 1999, p.137). Esse processo, a acumulação flexível, assenta-se
na flexibilidade dos processos de trabalho, dos mercados, dos produtos e dos padrões de
consumo.
84
Para Harvey (1999, p. 140-143), esse novo padrão de centralização confrontou-se diretamente
com a rigidez do fordismo, tanto no que se refere ao mercado de trabalho quanto aos produtos
e padrões de consumo, surgindo, para isso, nos setores de produção, maneiras de
“fornecimento de serviços financeiros, mercados e taxas altamente intensificadas de inovação
comercial, tecnológica e organizacional”.
O toyotismo
95
, por seus princípios e nexos organizacionais, tornou-se, de acordo com Batista
(2002, p. 26), “adequado às necessidades do capitalismo ocidental de responder à crise de
rentabilidade e valorização do capital” e, por isso, constitui-se como “momento
predominante” do complexo de reestruturação capitalista. No entanto, ressaltamos que
durante os anos 1970 e 1980 houve uma mescla do fordismo e taylorismo com outros
processos produtivos. Tome-se como exemplo o Modelo Italiano que recebeu o epíteto de
Terceira Itália, da região do Vale do Silício, o modelo da região de Kalmar na Suécia, e
modelos de algumas regiões da Alemanha (ANTUNES, 1999, p.16).
Nascido no Japão, a partir da fábrica Toyota, e expandido pelo Ocidente capitalista, em países
avançados ou não, o toyotismo, para Antunes, (1999, p. 54-55), diferencia-se do fordismo nos
seguintes traços: 1) sua produção vinculada à demanda, atendendo a uma produção mais
individualizada do mercado consumidor; 2) fundamenta-se no trabalho em equipe, com
multivariedade de funções; 3) sua produção estruturada sobre um processo produtivo flexível
que permite ao operário manipular até cinco equipamentos simultaneamente; 4) tem como
princípio o just in time, ou seja, o melhor aproveitamento possível do tempo de trabalho; 5)
95
“Denominação genérica surgida na década de 1980 para definir as técnicas de organização e gestão da
produção e do trabalho industrial desenvolvidas principalmente pelo engenheiro Taiichi Ohno (1912-1990), na
fábrica Toyota Motor Company. A essas técnicas estariam relacionados os ganhos de produtividade e qualidade
atingidos pela indústria japonesa já no seu período de recuperação após a Segunda Guerra Mundial (1939-1945)
e, sobretudo na década de 1970, quando, diante de uma conjuntura recessiva e instável, as indústrias ocidentais e
o próprio paradigma fordista-taylorista passaram a ser ameaçados pela competitividade japonesa” (PEREIRA,
2004, p. 904).
85
funciona sob o sistema de reposição de peças e de estoque por meio de senhas, o kanban; 6) a
estrutura horizontalizada das empresas que transfere para terceiros grande parte do que antes
era produzido dentro de seu espaço produtivo; 7) organização dos chamados círculos de
controle de qualidade (CCQs), no qual grupos de trabalhadores discutem seu trabalho, seu
desempenho, com o objetivo de melhorar a produtividade da empresa; 8) implantação do
emprego vitalício para uma parcela dos trabalhadores, exceto para as mulheres.
Segundo Harvey (1999, p. 143), o mercado de trabalho passou por uma reestruturação devido
à volatilidade do mercado, ao aumento da competição e ao estreitamento das margens de
lucro. A partir dessas mudanças, os patrões tiraram proveito do enfraquecimento do poder dos
sindicatos e da grande quantidade de desempregados ou subempregados existentes e
impuseram regimes e contratos de trabalho mais flexíveis
96
aos trabalhadores, o que
significou um maior controle. O autor acrescenta que mais importante do que os contratos de
trabalho flexíveis é a aparente redução do emprego regular em favor do crescente uso do
trabalho em tempo parcial, temporário ou subcontratado.
Antunes (1999, p. 34) esclarece que o “desemprego em dimensão estrutural, precarização do
trabalho de modo ampliado e destruição da natureza em escala globalizada, tornaram-se traços
constitutivos dessa fase da reestruturação produtiva do capital”. Soma-se a isso o processo,
em curso desde os anos 1980, de “desproletarização do trabalho industrial fabril”, com a
diminuição da expansão do trabalho assalariado Ao mesmo tempo em que aumenta a
“subproletarização”, por meio do “trabalho parcial, temporário, subcontratado, ‘terceirizado’,
96
A flexibilidade característica desta fase do capitalismo tornou-se uma categoria amplamente utilizada na
produção, no trabalho, no sistema financeiro e na educação entre outros. É possível dizer que a “lógica do capital
é flexibilizar tudo o que for possível, desde que favoreça a sua rentabilidade e valorização” (BATISTA, 2002, p.
29).
86
leva ao desemprego estrutural, atingindo o mundo em escala global” (ANTUNES, 2000, p.
49).
A conclusão a que chega Antunes (2001, p. 42-43) é que essa nova forma de organização, a
acumulação flexível, trouxe grandes conseqüências para o mundo do trabalho, assim
enumeradas por ele:
1- redução do proletariado fabril estável;
2- aumento do trabalho precarizado sob a forma da subcontratação;
3- aumento significativo do trabalho feminino;
4- aumento do número de assalariados nos setores de serviço;
5- exclusão de jovens e idosos do mercado de trabalho, principalmente nos países
intermediários de industrialização subordinada;
6- aumento do trabalho social combinado, no qual “os trabalhadores de várias partes do
mundo participam do processo de produção e de serviço”.
Além das conseqüências para o mundo do trabalho apontadas anteriormente, devemos
ressaltar a intensificação da utilização do trabalho infanto-juvenil, a qual, segundo Silva
(2005, p. 4), está mais presente no setor informal, dominado por empresas não registradas,
subcapitalizadas, terceirizadas e dependentes de mercados instáveis ou sazonais. Essas
empresas existem em grande número nas zonas urbanas e rurais dos países em
desenvolvimento. O trabalho infanto-juvenil, por ser mais facilmente admitido do que o dos
trabalhadores adultos e remunerado com menos de um salário-mínimo, sem acesso aos
direitos trabalhistas, sem representação sindical está presente mais nos países do capitalismo
periférico, mas também nos países ricos, entre as classes pobres.
87
Paiva (2001, p. 52) evidencia que nos anos 1990 altas taxas de desemprego excluíram do
mercado de trabalho formal e, em conseqüência, dos benefícios sociais associados ao
emprego, uma grande quantidade de pessoas. Aponta que, diante desse quadro de
precarização do trabalho e de retirada do Estado de assumir diretamente parte das atividades
produtivas e sociais, retornaram as práticas da meritocracia como forma de chegar ao
mercado laboral e passou-se a valorizar a capacidade de vencer as dificuldades por meio de
iniciativa pessoal, jogando para o indivíduo a busca de sua capacidade de manter-se
empregado.
Não podemos negar a existência de desigualdades no plano da divisão internacional do
trabalho, acentuadas a partir da crise de rentabilidade do capital, fazendo com que países
periféricos, que antes ofereciam mão-de-obra e matérias primas baratas, deixassem de ter
importância significativa para o atual padrão tecnológico (MACHADO, 1994, p. 171). A
mudança nos padrões tecnológicos, no entanto, não se dá de maneira uniforme e
concomitante, devido à dinâmica da concorrência intercapitalista. Como exemplo, destacamos
Machado (1994, p. 172), que evidencia a existência, dentro de uma mesma empresa, de
grupos de trabalhadores atuando segundo a organização fordista e outros organizados sob
sistemas flexíveis, lembrando que sua combinação obedece à lógica da centralização do
capital.
Segundo Pochmann (2002, p. 26-30), desde a década de 1970 ocorreu uma modificação
substancial na divisão internacional do trabalho, cujo comando pertence à dimensão
financeira. Explica o autor que dois vetores estruturais influenciam a divisão internacional do
trabalho, a partir do centro do capitalismo mundial. O primeiro está associado ao processo de
reestruturação empresarial, que veio acompanhado pela nova Revolução Tecnológica. As
88
grandes corporações transacionais têm tido importância significativa nesse processo, com o
aprofundamento da concorrência intercapitalista e a concentração e centralização do capital
nesse período. Têm-se formado oligopólios mundiais que respondem pela dominação dos
principais mercados. Essas grandes corporações ganham tamm maior dimensão no
“comércio internacional que tende a ser cada vez mais entre empresas do que entre nações”. O
segundo vetor se refere à expansão dos investimentos diretos no exterior (IDE), que
permanecem ainda muito concentrados nas economias centrais. Mesmo sendo direcionados,
uma parte importante dos IEDs para os países de renda intermediária (semiperiferia), observa-
se que os países de baixa renda (periferia) perderam “participação no fluxo dos recursos
internacionais, sem alterar a parte do bolo que fica com as economias avançadas”.
Ao longo dos anos 1990, as corporações transnacionais buscaram investimentos de curta
duração, “abrindo e fechando quantas plantas produtivas fossem necessárias”. Os países
periféricos ou semiperiféricos, com objetivo de atrair as corporações transnacionais para seu
território, aceitam, em grande parte das vezes, o programa das agências multilaterais, como
Fundo Monetário Internacional (FMI) e Banco Mundial, o que termina por provocar o
rebaixamento ainda maior do custo do trabalho. As cadeias produtivas mundiais estão
divididas em dois níveis. O primeiro, considerado de maior importância e desenvolvido nas
economias centrais, pressupõe “as atividades vinculadas aos processos de concepção do
produto, definição do design, marketing, comercialização, administração, pesquisa e
tecnologia e aplicação de finanças empresariais”; o segundo é realizado nas nações não
pertencentes ao centro da economia mundial, com a continuidade do movimento de
periferização da indústria por meio do “deslocamento de partes menos complexas das
atividades manufatureiras”, ancoradas “na alta escala de produção, no baixo preço unitário, na
simplificação tecnológica e na rotinização das tarefas realizadas pelos trabalhadores”.
89
Paralelamente às mudanças na forma de produzir levada a efeito nas últimas décadas do
século XX, assistimos à implantação de uma série de reformas inspiradas nas idéias
neoliberais, com objetivo de levar os países a se adequarem às exigências do capital
internacional.
3.3 NEOLIBERALISMO
Pode-se afirmar que o neoliberalismo é a ideologia do capitalismo na era em que há a
emergência de um regime de acumulação predominantemente financeiro. Adotaremos, no
âmbito desse trabalho, a definição de neoliberalismo de Moraes (2001, p. 10), que explicita
que, atualmente, o termo assume vários significados. Pode ser concebido como "uma corrente
de pensamento e uma ideologia, isto é, uma forma de ver e julgar o mundo social". Outra
concepção é a de "um movimento intelectual organizado, que realiza reuniões, conferências e
congressos, edita publicações, cria think-tanks, isto é, centros de geração de idéias e
programas, de difusão e promoção de eventos". Pode denotar também "um conjunto de
políticas adotadas pelos governos neoconservadores, sobretudo a partir da segunda metade
dos anos 1970", os quais foram "propagados pelo mundo a partir das agências multilaterais
criadas pelo acordo de Bretton Woods
97
(1945), isto é, o Banco Mundial e o Fundo Monetário
Internacional (FMI)".
97
Conferência Monetária e Financeira das Nações Unidas, realizada em julho de 1944, em Bretton Woods (New
Hampshire, EUA). A Conferência contou com a participação de representantes de 44 países, com o objetivo de
planejar a estabilização da economia internacional e das moedas nacionais que haviam sido prejudicadas pela
Segunda Guerra Mundial. Desta conferência nasceram o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco
Internacional par Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD). Os acordos assinados nesse evento tiveram validade
para o conjunto de países liderados pelos Estados Unidos (SANDRONI, 1994, p.68).
90
As idéias neoliberais estavam de certo modo adormecidas desde a década de 1940, quando
houve a publicação, em 1944, do livro "O Caminho da Servidão" de Friedrich Von Hayek.
Anderson (2000, p. 10) explica que Hayek e seus companheiros diagnosticaram que as raízes
da crise de centralização do capital localizavam-se "no poder excessivo e nefasto dos
sindicatos" e, dito de maneira mais geral, "do movimento operário, que havia corroído as
bases de centralização capitalista com suas reivindicativas sobre salários e com sua pressão
parasitária para que o Estado aumentasse cada vez mais os gastos sociais".
Moraes (2001, p. 47) observa que a forma como o neoliberalismo compreende e tenta modelar
a política social não se apresenta de forma homogênea. Assim, no Hemisfério Norte, os
neoliberais atacam o Estado de bem-estar e as instituições políticas que permitem o
gerenciamento estatal da economia. Enquanto ideologia. O neoliberalismo opõe-se ao
keynesianismo. No Hemisfério Sul, os grandes inimigos do neoliberalismo são as “políticas
sociais e regulamentações trabalhistas”, de um lado, e o “Estado protecionista e
industrializante” de outro. Para os neoliberais, essas instituições estariam impedindo o
funcionamento das virtudes criadoras do mercado, ao tornar a economia rígida com seu
controle excessivo. O desenvolvimentismo praticado pelo nacionalismo populista e o
socialismo terceiro-mundista são considerados doutrinas a serem combatidas nessas regiões
(MORAES, 2001, p. 61).
Petras (1997, p. 36) aponta o neoliberalismo como “uma forma histórica de capitalismo”
(grifo do autor) e, nesse sentido, enfatiza que sua aplicação deve ser analisada sob
circunstâncias históricas. Anderson (2000, p. 13) explica que na Inglaterra o neoliberalismo
foi pioneiro e mais puro. O governo Tatcher aplicou as seguintes medidas: elevação das taxas
de juros; rebaixamento drástico dos impostos sobre os rendimentos altos; abolição dos
91
controles sobre os fluxos financeiros; criação de níveis altos de desemprego; contenção de
greves; imposição de leis anti-sindicais; corte dos gastos sociais e, por último, a privatização
de serviços e indústrias básicas. Nos Estados Unidos, onde praticamente inexistia o estado de
bem-estar do tipo europeu, a política neoliberal foi concebida como competição militar com a
União Soviética. Internamente, o governo Reagan elevou as taxas de juros, reduziu os
impostos em favor dos ricos e combateu o movimento grevista. Na Europa, o neoliberalismo
foi mais cauteloso, mantendo a ênfase na disciplina orçamentária e nas reformas fiscais, com
pouco impacto nos cortes com gastos sociais ou enfrentamentos com os sindicatos. Todavia,
deve-se ressaltar, segundo Anderson (2000, p. 14), que mesmo com diferenças em cada país,
o neoliberalismo enquanto ideologia tornou-se hegemônico.
Saes (2001, p. 81-82) chama a atenção para o fato de que o neoliberalismo e sua implantação
em determinado Estado capitalista, como o Brasil, por exemplo, devem ser analisadas
levando-se em consideração a conjuntura desse país, bem como os interesses de classe nele
presentes. Dessa forma, “as políticas neoliberais implementadas pelos Estados capitalistas não
podem coincidir integralmente com a doutrina do liberalismo econômico que, em geral, as
inspira”, posto que elas são implementadas em sociedades capitalistas históricas nas quais as
questões estatais sofrem influência de princípios econômicos específicos daquela região. O
autor denomina de políticas neoliberais todas as ações do Estado que contribuam para o
“desmonte das políticas de incentivo à independência econômica nacional, de promoção do
bem-estar social (Welfare State), de instauração do pleno emprego (keynesianismo) e de
mediação dos conflitos socioeconômicos”.
O neoliberalismo apresentou-se como uma das possíveis soluções para a crise capitalista da
década de 1970, por meio da implementação de uma série de reformas nas quais deveriam
92
figurar os princípios da privatização de empresas estatais e serviços públicos e a
desregulamentação ou criação de novas regras, diminuindo a interferência do Estado nos
negócios privados.
Torna-se importante ressaltar, também, os estudos de Milton Friedman, sobretudo no seu
trabalho “Capitalismo e Liberdade”, 1962, como contribuição ao ideário neoliberal,
principalmente no que se refere ao papel que o governo deve ter em uma sociedade livre.
Friedman (1988)
pregava a necessidade de o Estado agir como árbitro, deixando que o
mercado regulasse a sociedade, sem que para isso decisões políticas devessem ser tomadas.
Assim dizia:
O uso amplo do mercado reduz a tensão aplicada sobre a intrincada rede
social por tornar desnecessária a conformidade, com respeito a qualquer
atividade que patrocinar. Quanto maior o âmbito de atividades cobertas pelo
mercado, menor o número de questões para as quais serão requeridas decisões
explicitamente políticas e, portanto, para as quais será necessário chegar a
uma concordância (
FRIEDMAN, 1988, p. 30).
A respeito do papel do Estado, o próprio Friedman (1988, p. 33) argumentou que, em
algumas áreas, o Estado, no âmbito nacional, deveria se fazer presente. Assim, o papel do
governo seria o de “fazer alguma coisa que o mercado não pode fazer por si só, isto é,
determinar, arbitrar e pôr em vigor as regras do jogo”.
A manutenção de um Estado forte "em sua capacidade de romper o poder dos sindicatos e no
controle do dinheiro" e, concomitantemente, "parco em todos os gastos sociais e nas
intervenções econômicas", é a terapêutica indicada para a superação da crise da década de
1970. A meta principal de qualquer governo deveria ser a estabilidade monetária. Uma
disciplina orçamentária seria necessária para "a contenção dos gastos com bem-estar e a
93
restauração da taxa 'natural' de desemprego". Também seria imprescindível uma reforma
fiscal, visando incentivar os agentes econômicos (ANDERSON, 2000, p. 11).
No plano internacional, “os Estados Nacionais cedem parte de suas competências a outros
tipos de organizações”, dentre as quais se destacam: o "Grupo dos Sete (G-7), Acordo Geral
de Tarifas e Comércio (Gatt), Organização Mundial do Comércio (OMC), Comissão
Européia, etc". O Estado Nacional deixa de ser a única fonte do direito e das regulamentações,
não deliberando sobre políticas econômicas, monetárias, tributárias, entre outras. As decisões
sobre essas prerrogativas reguladoras transferem-se para as administrações supranacionais,
que se apresentam como “guardiãs de uma racionalidade superior, imune às perversões,
limites e tentações [...] presentes nos sistemas políticos identificados com os Estados
Nacionais” (MOARES, 2001, p. 39).
Fiori (2002, p. 11) considera as reformas neoliberais implementadas no Brasil nos anos 1990
uma “opção consciente de nossas elites que, desde o início dos anos 1980, trocaram o seu
desenvolvimento das décadas anteriores por uma estratégia de abertura e desregulamentação
econômica” com objetivo de se incorporar no mundo globalizado.
Assim, na década de 1990, assistiu-se no Brasil, “em nome da eficácia da ‘mão invisível’ do
mercado” (FIORI, 2002, p. 78), a redução ao mínimo da intervenção do Estado na vida social.
Esse processo teve forte impacto na formulação das políticas públicas de educação de jovens
e de adultos, que, sob a alegação de recursos financeiros limitados, foi incluída no conceito de
educação básica apenas no âmbito do discurso.
94
Soares (2003, p. 11) caracteriza os resultados dos ajustes neoliberais implementados na
América Latina como um desastre social. Para essa autora, a ortodoxia neoliberal foi imposta
não só na área econômica e política, mas também na área social, nessa última, de forma ainda
mais intensa que nas demais. Esse processo tem levado à “naturalização da desigualdade
social ou a aceitação da existência [...] da pobreza como inevitável”. A idéia difundida é a de
que o bem-estar social “pertence ao âmbito privado”. Dessa forma, “as famílias, e as
‘comunidades’ devem responsabilizar-se pelos seus problemas sociais, tanto pelas causas
como pelas soluções”.
As propostas neoliberais têm direcionado as modificações no papel do Estado quanto ao
oferecimento das políticas sociais de forma a garantir a governabilidade do país. Essa idéia é
utilizada como instrumento de garantia de implementação do processo de reestruturação
capitalista, para o qual o Estado tem papel fundamental.
3.4 REFORMA DO ESTADO
Adotamos, no âmbito desse trabalho, a concepção de Estado na perspectiva materialista da
história. Concebemos que o Estado não pode ser entendido por si mesmo, mas nas relações
materiais de sua existência, que tem na vida material dos indivíduos a sua base. Entendemos,
de acordo com Marx e Engels (1986, p. 36), que a base material da vida dos indivíduos,
condicionada pelo modo de produção capitalista, constitui-se em relações reais, que, longe de
serem criadas pelo poder do Estado, são, pelo contrário, o poder criador dele.
95
A concepção de Estado que utilizamos é o Estado histórico, concreto, de classe. Nesse
sentido, como expõe Peroni (2003, p. 22), “Estado máximo para o capital, já que, no processo
de correlação de forças em curso, é o capital que detém a hegemonia”.
Entendemos que as mudanças na política educacional dos anos 1990 devem ser analisadas
como parte da materialidade da redefinição do papel do Estado, a qual se insere em um
movimento maior de mudanças que vem ocorrendo na esfera da produção, do mercado e do
próprio Estado. São processos distintos, mas que fazem parte do mesmo movimento histórico,
no qual a reestruturação capitalista é a resposta do capital a sua crise de rentabilidade. O
movimento de reestruturação do capital para o enfrentamento da crise explicitada no início
dos anos 1970 foi orientado segundo os princípios neoliberais expressos no Consenso de
Washington, considerado um marco ao se analisarem as políticas neoliberais. Tais princípios
são assim sintetizados por Montaño (2003, p. 16):
[...] flexibilização dos mercados nacional e internacional, das relações de
trabalho, da produção, do investimento financeiro, do afastamento do Estado
de suas responsabilidades sociais e da regulação social entre capital e trabalho,
permanecendo, no entanto, instrumento de consolidação hegemônica do
capital mediante seu papel central no processo de desregulação e (contra-)
reforma estatal, na reestruturação produtiva, na flexibilização produtiva
comercial, no financiamento do capital, particularmente financeiro.
Entendemos que a reforma do Estado dos anos 1990 objetivou liberar, desimpedir e
desregulamentar a acumulação de capital, retirando a legitimação sistêmica e o controle social
da lógica democrática e passando para a lógica da concorrência do mercado.
Salientamos que o Consenso de Washington teve o papel de orientar o processo de adequação
dos países periféricos às exigências do capital internacional, recomendando disciplina fiscal,
priorização nos gastos do setor público, ampla reforma tributária, liberalização comercial e
96
financeira, além da privatização de empresas estatais e desregulamentação na legislação
trabalhista.
Segundo Montaño (2003, p. 29), reuniu-se em 1993 em Washington um grupo de
especialistas de vários países, com o objetivo de discutir ações que ajudariam os países a
implementar o programa de estabilização e reforma econômica, iniciado no Consenso de
Washington. O ex-ministro da Fazendo no governo José Sarney e, depois, da Reforma no
governo Fernando Henrique Cardoso, Bresser Pereira, o qual foi o mentor da Reforma do
Estado no Brasil, participou dessa reunião.
Leher (2003, p. 206) explica que a reforma do Estado é uma questão muito atual, já que o
capitalismo não pode prescindir dele. A crise estrutural do capitalismo, segundo o autor,
buscará novos meios de subordinação do trabalho ao capital, por intermédio da flexibilização
das movimentações financeiras, para o qual o Estado deve contribuir, encolhendo cada vez
mais no social em detrimento do bem público. Assim, no Brasil, a partir do governo Collor de
Mello, concretiza-se a implementação da agenda neoliberal que estava sendo erigida desde a
crise da dívida de 1982 (LEHER, 2003, p. 214). Sobre os efeitos da reforma do Estado na
questão social no Brasil o mesmo autor argumenta:
Doravante, os mais importantes direitos republicanos – educação, saúde,
previdência – deveriam ser ‘adquiridos’ no mercado. Aos pobres, restariam as
políticas caritativas e focalizadas, como, por exemplo, programas alimentares,
alfabetização e treinamento. É relevante destacar que nem essas políticas são
rigorosamente públicas. A chamada sociedade-civil é convocada a dividir
parte de sua renda e de seu tempo com o atendimento dos pobres para ‘aliviar’
seu sofrimento e sua ‘ignorância’ (vide alfabetização solidária e sua campanha
‘adote um aluno’) com objetivo de manter as condições de governabilidade.
Os impostos que deveriam custear políticas consistentes e duradouras são
direcionados ao pagamento do serviço da dívida, enquanto as grandes fortunas
pouco ou nada contribuem para o futuro público (LEHER, 2003, p. 214).
97
Parece-nos importante nesse ponto, resgatar algumas idéias de Bresser Pereira no documento
Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado (Plano MARE) de 1995, que justificam a
necessidade de tal reforma no Brasil.
A justificativa para uma reforma no Estado brasileiro reside em primeiro lugar nos desafios
que o mundo globalizado impõe a países como o Brasil. Assim, para enfrentar esses desafios
torna-se necessário um Estado mais eficiente. A segunda questão, apontada no Plano MARE,
refere-se à crise das décadas de 1970 e 1980, que têm como raiz a crise do Estado. O Estado
em crise, nesse sentido, constitui-se na “causa da desaceleração econômica nos países
desenvolvidos e dos graves desequilíbrios na América Latina e no Leste Europeu” (BRASIL,
1995, p. 10).
O modelo de administração proposto por Bresser Pereira no Plano MARE é o gerencial, no
qual predominam os valores da eficiência e da qualidade na prestação dos serviços públicos e
desenvolvimento de uma cultura gerencial nas organizações. A administração pública
gerencial vê o cidadão como contribuinte de impostos e como cliente de seus serviços
(BRASIL, 1995, p. 16 e 17).
Leher (2003, p. 216) destaca dois eixos em torno dos quais a nova aparelhagem estatal,
proposta por Bresser Pereira, teria de ser construída: “um núcleo burocrático, voltado para a
consecução das funções exclusivas do Estado e um setor de serviços sociais e de obras de
infra-estrutura”. A reforma do Estado assenta-se em quatro setores, apontados por Bresser
Pereira no Plano MARE (1995 p. 41-42): 1- núcleo estratégico do Estado; 2- atividades
exclusivas do Estado; 3- serviços não exclusivos do Estado; 4- produção de bens e serviços
98
para o mercado. No primeiro setor, a função é a tomada de decisões e seu efetivo
cumprimento, pois, segundo o documento, a efetividade é mais importante que a eficiência. O
que interessa é se as decisões tomadas pelo governo atendem de forma eficaz ao interesse
nacional e correspondem aos objetivos mais gerais para os quais a sociedade brasileira está
voltada; e, por fim, se as decisões tomadas são de fato cumpridas. Os demais setores têm por
objetivo atender um número maior de cidadãos a um custo baixo.
Interessa-nos discutir, no âmbito deste trabalho, os objetivos específicos propostos pelo Plano
do Ministério da Administração e Reforma do Estado, para os serviços não-exclusivos do
Estado. Esses objetivos expressam a transferência para o setor público não-estatal de serviços,
por meio de um programa de “publicização”, ou seja, a participação da sociedade na
formulação e avaliação do desempenho da organização social que, segundo o documento,
viabilizaria um maior controle social. Por meio do processo de publicização, objetiva-se uma
maior parceria entre o Estado e as entidades de direito privado sem fins lucrativos, que
tenham autorização para celebrar contratos de gestão com o Poder Executivo, com direito a
dotação orçamentária.
Segundo Montaño (2003, p. 46-48), para operacionalizar a publicização, três conceitos
tornaram-se palavras de ordem nas políticas públicas adotadas pelos governos do Brasil nas
últimas décadas do século XX e início do século XXI: descentralização, organização social e
parceria. A descentralização é entendida como a transferência de decisões para os municípios
ou a delegação de autoridade a administradores de nível mais baixo. Tem sido amplamente
utilizada na esfera educacional, fato que se torna explícito no que se refere à EJA, pelo fato de
nos últimos anos termos verificado um aumento significativo do número de matrículas nos
municípios (ver tabela 5).
99
No Plano MARE, as organizações sociais tidas como entidades públicas não-estatais
aparecem sob o conceito de “terceiro setor”, mas são apontadas como uma forma de a
sociedade participar e controlar as atividades sociais antes desenvolvidas somente pelo
Estado. Em princípio, isso levaria ao fortalecimento do “capital social”, termo que, para
Montaño (2003, p. 47) é “mistificador e ideologizado, supostamente contrário ou alternativo
ao ‘capital econômico’”. O que ocorre é que organizações sociais, em acordo com o Estado,
passam a oferecer serviços que antes eram exclusivos do Estado, sob o nome de parceria. Na
EJA o sistema de parceria tem se efetivado mediante convênio entre os poderes públicos
estaduais, federais e municipais com empresas, sindicatos ou Ongs, como a Alfabetização
Solidária. Sobre o processo de publicização e suas reais motivações, Montaño (2003, p. 47-
48) explica:
A verdadeira motivação desta (contra-) reforma o que está por trás de tudo
isto, no que se refere à chamada ‘publicização’, é por um lado, a diminuição
dos custos desta atividade social – não pela maior eficiência destas entidades,
mas pela verdadeira precarização, focalização e localização desses serviços,
pela perda das suas dimensões de universalidade, de não-contratualidade e de
direito do cidadão -, desonerando o capital; por outro lado, o retiro destas
atividades do âmbito democrático-estatal e da regência conforme o direito
público, e sua transferência para o âmbito e direito privados
(independentemente de os fins serem privados ou públicos), e seu controle
seguindo os critérios gerenciais das empresas, e não um alógica de prestação
de serviços e assistência conforme um nível de solidariedade e
responsabilidade sociais.
A partir da reforma do Estado implementada no Brasil na década de 1990, a educação passou
a ser entendida como um setor público não-estatal, e sua gestão tem se pautado pela
administração dos resultados, abrindo espaço para atuação da iniciativa privada. Na EJA a
privatização se apresenta sob a forma de parcerias, já que a demanda potencial para essa
modalidade de ensino não tem se constituído num mercado promissor para o setor privado.
100
A legislação educacional brasileira de EJA, produzida nos anos 1990, é o resultado das
reformas neoliberais promovidas pelo Brasil em seu sistema público de ensino. Nesse
processo, podemos entender as palavras de Soares (2003, p. 12) sobre os efeitos dos ajustes
neoliberais na área social: “[...] a filantropia substitui o social. Os pobres substituem os
cidadãos. A ajuda individual substitui a solidariedade coletiva”. As ações educativas junto a
jovens e a adultos na década de 1990, no Brasil, seguiram as orientações da reforma do
Estado, restringindo suas ações a programas compensatórios, focalizados nas camadas sociais
mais pobres da população, com o objetivo de atenuar as tensões sociais.
3.5 REFORMA DA EDUCAÇÃO
Na década de 1990, o mito da globalização foi usado para justificar a inevitabilidade das
reformas estruturais, restando às populações adaptar-se às exigências do mundo globalizado.
A chamada à inserção do país no mundo globalizado promoveu a aceitação das reformas,
dentre elas a educacional. A educação assumiu, nesse contexto, um importante papel no
sentido de levar os “países em desenvolvimento para a sociedade globalizada” (LEHER,
1998, p. 80).
Na América Latina, sob o auspício do Banco Mundial, a educação passou a ser "discutida,
sobretudo sob a ótica dos ‘homens de negócios’ e dos especialistas em ‘governabilidade
98
’”.
Estes têm como horizonte "a subordinação do ensino às necessidades mais imediatas e míopes
do capital, por isso enfatizam que aos países do Sul bastam apenas o ensino elementar e o
98
Roberto Leher (1998, p. 168) assim define governabilidade para o Banco Mundial: “é a maneira pela qual o
poder é exercido na gestão econômica do país, bem como na gestão de seus recursos sociais para o
desenvolvimento”. O Banco identifica três níveis de governabilidade: 1) a forma do regime político; 2) o
processo pelo qual a autoridade é exercida na gestão econômica do país; 3) a capacidade dos governos para
desenhar, formular e implementar políticas e desempenhar funções.
101
treinamento para o trabalho". Assim, desejam "difundir ‘habilidades mínimas’, ‘competências
específicas’ e ‘valores favoráveis ao mercado’, conforme os postulados da ‘sociedade do
conhecimento
99
’" (LEHER, 1998, p. 89-90).
É nessa perspectiva que devem ser entendidos os ajustes neoliberais, incluindo a reforma
educacional latino-americana, realizada durante a década de 1990: uma estratégia para
garantir a governabilidade, a fim de trazer a essas regiões a estabilidade política (LEHER,
1998, p. 92). As reformas empreendidas na América Latina na última década apontaram para
a focalização das políticas sociais aos excluídos, “agora redefinidos como pobres” (LEHER,
1998, p. 185), tornando os sistemas educacionais conformados à atual divisão internacional
do trabalho.
Segundo Krawczyk (2002, p. 59), a reforma educacional em curso na América Latina, tendo
como eixo central a organização e gestão do sistema educativo na escola, constitui-se em um
elemento importante das transformações que vêm ocorrendo na economia, nas instituições
sociais, culturais e políticas na região.
A descentralização da educação tem sido apresentada nos documentos produzidos em âmbito
nacional e internacional como uma tendência moderna dos sistemas educativos mundiais. Sob
o discurso da necessidade de realizar mudanças nessa área para garantir a qualidade na
educação, um conjunto de mudanças estruturais vem sendo implementado (OLIVEIRA, 2002,
p. 127; KRAWCZYK, 2002, p. 59). Para Krawczyk (2002, p. 63), o modelo de organização e
99
O termo “sociedade do conhecimento”, surgido na década e 1970 nos Estados Unidos, voltava-se para
discussão, naquela época e lugar, sobre o acesso universal ao ensino superior. Esse termo, agora ressignificado,
oculta a grande diferença existente entre países como o Brasil, por exemplo, no qual não se esgotaram, ainda, as
discussões acerca do acesso universal ao ensino fundamental. Segundo Bianchetti (2001, p. 51), a discussão atual
sobre a sociedade do conhecimento pressupõe uma homogeneidade das questões sociais, políticas, econômicas e
culturais. Fala-se em “sociedade do conhecimento”, como se houvesse uma harmonia entre produção e consumo
de bens materiais e culturais para todas as pessoas e em todos os lugares.
102
gestão da educação, estruturado com a Reforma Educacional no Brasil, define-se pela
descentralização em três dimensões: descentralização entre as diferentes instâncias de
governo (municipalização); descentralização para a escola (autonomia escolar) e
descentralização para o mercado.
A descentralização entre as diferentes instâncias do governo constitui-se na transferência do
financiamento e da administração das escolas de ensino fundamental para os estados e para os
municípios. No entanto, Souza (2002, p. 99) alerta para o fato de que a municipalização
representa, de fato, uma desconcentração de procedimentos administrativos e políticos do
Estado para racionalizar ou agilizar suas ações, sem, contudo, deixar o controle e gestão dos
processos decisórios centrados em âmbito federal.
A autonomia escolar, segundo aspecto da descentralização da educação, tem sido
implementada por uma série de medidas, que focalizam sua atenção na gestão da escola,
como resultado da preocupação dos órgãos centrais em redefinir quem deve assumir a
responsabilidade pela definição de conteúdos, financiamento e resultados (KRAWCZYK,
2002, p. 64; SOUZA, 2002, p. 91). Com a reforma educacional, a escola passou a ser o
espaço privilegiado para a introdução dos princípios de flexibilidade, liberdade, diversidade,
competitividade e participação, princípios esses que têm sua origem no modelo de gestão da
produção toyotista com a chamada Qualidade Total
100
.
A descentralização para o mercado constitui-se em uma espécie de privatização da educação,
não realizada prioritariamente pela transferência dos serviços públicos para o setor privado,
100
Na busca por uma economia mais competitiva, produtiva e lucrativa foram desenvolvidos os princípios do
Programa de Qualidade Total em 1946 com a fundação da American Soiety for Quality Control. Nos anos 1950,
o modelo Total Quality Control (TQC) foi introduzido no Japão na tentativa de auxiliar na recuperação da
indústria daquele país, na qual a qualidade significava a queda nos custos em razão da eliminação daquilo que
encareceria a produção, ou seja, defeitos, desperdícios e não-trabalho (LARANJEIRA, 2002, p. 249-250).
103
mas aproximando as decisões públicas das do mercado, criando uma forma de gestão do
sistema e da escola com formas de financiamento, fornecimento e regulação que simule o
mercado (KRAWCZYK, 2002, p. 68). Isso permite que se possa gerir a tensão resultante das
exigências pelo cumprimento dos direitos sociais e a diminuição cada vez mais drástica dos
recursos para o setor social.
A descentralização para o mercado é feita por duas vias: a primeira com a constituição de um
mercado de consumo de serviços educacionais pela lógica da oferta e da procura, no qual os
“direitos individuais do consumidor passam a prevalecer sobre os direitos sociais de educação
do cidadão”. Para isso “elabora-se um ranking de premiação às escolas fomentando a
competitividade entre elas pela captação de recursos e prestígio”. A segunda via que vem se
adequar à modalidade de educação destinada à população jovem e adulta é identificada pela
transferência de funções e responsabilidades para a comunidade, por meio de envolvimento
privado e voluntário no funcionamento e gestão da escola. Assim, o Estado deixa de ser o
único fornecedor de serviços educacionais e a qualidade do processo educacional passa a ser
medida pela capacidade de produzir, obter e gerir recursos e, também, pelos atos de
filantropia a ela ligados (KRAWCZYK, 2002, p. 69-70).
O processo pelo qual o Estado vem se isentando de sua responsabilidade de intervenção
social, repassando recursos públicos para entidades parceiras, para Montaño (2003, p. 199),
justifica-se por ser mais barato para o Estado, pois as ongs ou entidades solidárias prestam
serviços pontuais/locais, evitando que o Estado, “pressionado por demandas populares e com
necessidades/condições da ‘lógica democrática’ desenvolva políticas sociais universais
permanentes e de qualidade”.
104
Casassus (2001, p. 10-11) destaca alguns marcos significativos no contexto das reformas da
educação na América Latina. O primeiro é a Conferência Mundial de Educação para Todos,
realizada em Jomtien, na Tailândia, em 1990, cujo principal propósito foi gerar um contexto
político favorável para educação e orientar as políticas educacionais com o intuito de
fortalecer a educação básica, proporcionando mais atenção aos processos de aprendizagem na
busca pela satisfação das necessidades básicas de aprendizagem.
O segundo marco foi o Promedlac IV, ocorrido em Quito em 1991, a reunião dos ministros de
educação convocada pela Unesco para analisar o desenvolvimento do Projeto Principal de
Educação para a América Latina e Caribe (Promedlac). O evento foi coordenado pela Oficina
Regional de Educación para la América Latina y el Caribe (Orealc), entidade vinculada à
Unesco e sediada em Santiago do Chile
101
. Nessa reunião ficou acertado que a gestão seria o
instrumento principal para a reforma educacional na América Latina.
O terceiro marco da reforma educacional na América Latina foi a 24ª. Reunião da Cepal,
ocorrida em Santiago do Chile, em 1992. O propósito desse encontro foi analisar a ressituação
da educação e do conhecimento no cerne das estratégias de desenvolvimento para os países
latino-americanos.
Como quarto marco, Casassus (2003, p. 13) cita o Promedlac V, realizado em 1993, também
em Santiago do Chile, com objetivo de “criar, identificar e esboçar ações que permitissem
melhorar os níveis de qualidade das aprendizagens”. Para isso chegou-se à conclusão de que
era preciso a criação de sistemas nacionais de avaliação e, ao mesmo tempo, voltar a atenção
101
O Promedlac teve duração de 1981 a 2000. Em 2001 foi elaborado novo projeto intitulado “Projeto Regional
de Educación para América Latina y el Caribe” (Prelac). O Prelac I foi realizado em Havana, Cuba, em
novembro de 2002.
105
para a escola e seus processos. Como última referência destaca-se o Seminário Internacional
organizado pela Unesco sobre a descentralização e currículo, ocorrido em 1993, no Chile.
A forma como têm sido concretizadas as políticas sociais no Brasil, dentre elas a da educação,
está ancorada nas idéias neoliberais, que se apresentaram como uma das possíveis soluções a
crise capitalista evidenciada a partir da década de 1970. No Brasil a aplicabilidade das
orientações neoliberais tem significado uma atuação descentralizada e focalizada do Estado a
determinados grupos sociais. Para a EJA o processo de descentralização e focalização tem
significado uma ruptura entre o que se esperava para essa modalidade da educação ao final
dos anos 1980, quando foram criadas suas bases legais atuais, e a EJA passou a ser
considerada parte integrante da educação básica. Todavia, no Brasil, a EJA mantém seu
caráter de suplência, em detrimento das funções de equalização e qualificação, apresentadas
como o principal sentido dessa modalidade da educação básica. Para a implantação das
reformas do Estado e da Educação no Brasil, foi necessária a construção de um consenso
sobre o caráter e a necessidade de tais reformas. Para essa tarefa contribuíram as agências
internacionais, com eventos e documentos sobre o tema, que analisaremos no capítulo
seguinte.
4 - A INFLUÊNCIA DAS AGÊNCIAS INTERNACIONAIS: DEFINIÇÃO DE
PRIORIDADES E ESTRATÉGIAS PARA A EDUCAÇÃO
Analisar a política nacional para Educação de Jovens e Adultos implica a inserção do debate
sobre os processos de construção e execução de políticas públicas educacionais a partir da
década de 1990. Em termos metodológicos, articular as esferas do singular e do universal
significa ter consciência de que os fundamentos que dão sustentação à política educacional
adotada pelo governo brasileiro, obviamente, não são exclusivamente gerados no âmbito
nacional. Ao admitir que as mesmas não sejam essencialmente “tupiniquins” temos que
considerar a influência, direta ou indireta, das agências internacionais nas reformas
implementadas pelos governos de cunho neoliberal e no direcionamento das políticas
públicas, dentre elas a educação.
Consideramos que as políticas públicas sociais, em especial as referentes à educação, tornam-
se um meio pelos quais as agências financiadoras conseguem consolidar o modelo neoliberal
de sociedade, visto que os países tomadores de empréstimos são obrigados a aceitar as metas,
os prazos e os ajustes a eles propostos como parte das condicionalidades cruzadas. O Banco
Mundial e as demais instituições, a ele associadas, surgem como os principais articuladores
de propostas educacionais cujo alvo central são os países considerados “em desenvolvimento”
ou periféricos. Para essas regiões atribui-se à educação papel central como fator de
desenvolvimento social e garantia de estabilidade do sistema capitalista mundial.
O objetivo desse capítulo é identificar a posição de destaque atribuída à educação como fator
de desenvolvimento individual e social nos documentos produzidos pelo Banco Mundial e
107
pelas demais instituições a ele associadas, relacionando-os com a reforma educacional
implementada no Brasil na última década do século XX. Período no qual a EJA, que até a
década de 1980 era tratada como sistema paralelo ao ensino regular, ganhou destaque e
passou, nos documentos oficiais, a figurar como parte integrante da educação básica, sendo-
lhe atribuída as funções de reparação, de equalização e de qualificação.
Para atingir o objetivo proposto esse capítulo está estruturado em duas partes. Na primeira,
explicitamos a influência das agências internacionais como o Banco Mundial, a Unesco e a
Cepal para a formação do consenso sobre o caráter e a necessidade das reformas educacionais
no Brasil na última década. Por último, analisamos as principais recomendações para a
Educação nos países periféricos, constante em três documentos orientadores para a reforma
da educação: o Documento Síntese da Conferência Mundial de Educação para Todos,
realizada em Jomtien na Tailândia em 1990, o Relatório para a Unesco da Comissão
Internacional sobre Educação para o século XXI: “Educação um Tesouro a Descobrir” de
Jacques Delors, de 1996 e os documentos síntese da V Conferência Internacional de
Educação de Adultos realizada em Hamburgo, na Alemanha em 1997: a Declaração de
Hamburgo e a Agenda para o Futuro para a Educação de Adultos.
4.1 O BANCO MUNDIAL
Paralelo às mudanças ocorridas na organização do trabalho, com a mundialização do capital
financeiro, a ideologia e as políticas neoliberais foram impostas por meio das agências
internacionais, como o Banco Mundial, a Unesco e a Cepal as quais possuem enorme
importância como disseminadores de conceitos e diretrizes utilizando-se de documentos,
assessorias técnicas, estudos e outros. Dada sua influência nos rumos do desenvolvimento
108
mundial, não só pelo volume de empréstimos por ele concedidos, mas, também, pela sua
ascendência na forma como tem sido realizados os ajustes estruturais neoliberais, em especial
na área da educação, consideramos importante entender o que chamamos, hoje, de Banco
Mundial. A Unesco e a Cepal, merecem destaque nesse trabalho por tornaram-se
disseminadoras das idéias sobre o caráter e a necessidade das reformas educacionais na
América Latina e no Brasil, utilizando-se de eventos regionais.
O que nós conhecemos como Banco Mundial (BM), na verdade é o Banco Internacional para
a Reconstrução e o Desenvolvimento (BIRD). Criado na Conferência de Bretton Woods, em
julho de 1944, foi idealizado para servir de instrumento para financiar a reconstrução dos
países destruídos pela Segunda Guerra Mundial. Contudo, sua atuação não se restringiu a
Europa, tendo um importante papel na política mais recente das nações em desenvolvimento.
Atualmente o Banco Mundial é uma agência-irmã do Fundo Monetário Internacional (FMI),
esse último, criado na mesma ocasião que o BIRD, tem como objetivo “trabalhar pela
estabilidade do sistema monetário internacional” (AZEVEDO, 2001, p. 115).
O Banco Mundial é composto por instituições lideradas pelo BIRD, e abrange outras quatro
agências: Agência Internacional de Desenvolvimento (AID), Corporação Financeira
Internacional (IFC), Agência Multilateral de Garantia de Investimentos (AMGI) e o Centro
Internacional para Arbitragem de Disputas sobre Investimentos (CIADI) (BANCO
MUNDIAL, 2005).
O quadro a seguir nos dá uma visão do Grupo Banco Mundial e as instituições que o
integram:
109
Instituição Criação Funções
BIRD 1944 È a principal fonte de financiamento para o desenvolvimento dos países de
renda intermediária, e possui um importante papel como catalisador de
financiamentos junto a outras fontes de recursos. O BIRD levanta grande
parte dos seus fundos com a venda de títulos nos mercados internacionais de
capital
AID 1960 Desempenha um papel importante na missão do Banco que é a redução da
pobreza. A assistência da AID concentra-se nos países mais pobres, aos quais
proporciona empréstimos sem juros e outros serviços. A AID depende das
contribuições dos seus países membros mais ricos - inclusive alguns países
em desenvolvimento - para levantar a maior parte dos seus recursos
financeiros.
IFC 1956 Promove o crescimento no mundo em desenvolvimento mediante o
financiamento de investimentos do setor privado e a prestação de assistência
técnica e de assessoramento aos governos e empresas. Em parceria com
investidores privados, a IFC proporciona tanto empréstimos quanto
participação acionária em negócios nos países em desenvolvimento.
AMGI 1988 Ajuda a estimular investimentos estrangeiros nos países em desenvolvimento
por meio de garantias a investidores estrangeiros contra prejuízos causados
por riscos não comerciais. A AMGI também proporciona assistência técnica
para ajudar os países a divulgarem informações sobre oportunidades de
investimento.
CIADI 1966 Proporciona instalações para a resolução - mediante conciliação ou
arbitragem - de disputas referentes a investimentos entre investidores
estrangeiros e os seus países anfitriões.
(Fonte: BANCO MUNDIAL. http://www.obancomundial.org. Acesso em: 07 fev 2005).
Segundo Azevedo (2001, p. 116) embora a expressão Banco Mundial seja utilizada
genericamente para designar a qualquer uma das instituições que fazem parte desse grupo,
Banco Mundial “faz referência, por excelência, ao BIRD e a AID”. Essa é a concepção que
adotaremos nesse trabalho.
Compõem o Banco Mundial 183 países como acionistas (BANCO MUNDIAL, 2005). Os
estatutos do BM, segundo Fonseca (1995, p. 16), estabelecem que a “influência nas decisões e
votações é proporcional à participação no aporte de capital” do país ao BIRD. Com isso, os
Estados Unidos tem presidido o Banco desde a sua fundação. Evidencia-se no quadro a seguir
a ponderação de votos de acordo com o peso acionário de cada país:
110
BIRD AID
Países G - 5
1991 2000 1991 2000
Estados Unidos da América 17,89% 16,95% 16,22% 14,79%
Japão 8,13% 8,12% 9,77% 10,58%
Alemanha 6,28% 4,63% 6,87% 6,91%
Grã-Bretanha 6,02% 4,44% 5,51% 4,90%
França 6,02% 4,44% 3,93% 4,21%
Total 44,24% 38,58% 42,70% 41,39%
Fontes: La documentation Française, 1993: 70; Banco Mundial, 2000a, Internet; Banco Mundial,
2000b, Internet apud: AZEVEDO, 2001, p. 118.
Podemos perceber, pela leitura dos dados do quadro acima, que os cinco países mais ricos do
mundo detêm o poder de voto no Banco Mundial, com a hegemonia absoluta dos Estados
Unidos. Chomsky (2002, p. 23) diz que os Estados Unidos já era a maior economia do
mundo, mesmo antes da Segunda Guerra Mundial, durante a qual prosperou. Ao fim da
Guerra, os Estados Unidos possuíam a “metade da riqueza do planeta e uma posição de poder
sem precedentes da história”. O que vemos hoje, segundo esse mesmo autor, é o uso desse
poder para “criar um sistema global que viesse ao encontro de seus interesses”.
A partir dos anos 1970, o Banco Mundial tornou-se uma das mais importantes fontes de
financiamento para o setor social, assumindo uma atuação política quanto ao monitoramento
do processo de ajustes estruturais nos seus países membros. Isso tornou o Banco o “principal
articulador político entre os países, suplantando, em prestígio, a atuação de outras agências
internacionais ligadas à Organização das Nações Unidas (ONU)” (OLIVEIRA, 2000, p. 109).
Dada a sua importância no mercado internacional, com a crise e o aumento da dívida externa
dos países da América Latina nos anos 1980, as agências financeiras internacionais
encontraram um terreno propício para a promoção de ajustes estruturais necessários à
implantação do modelo neoliberal, orientando para mudanças necessárias por meio de
políticas liberalizantes, privatizantes e de mercado. O enfoque do Banco deixou de ser
centralizado apenas no desenvolvimento social, focalizando-se também, no cumprimento dos
111
compromissos assumidos com as agências financiadoras internacionais para o pagamento das
dívidas pelos países. O resultado foi que muitos países acabaram deixando de lado seus
projetos de desenvolvimento nacionais para atenderem às metas e condicionalidades
estabelecidas pelas instituições emprestadoras (SOARES, 1998, p.20-21).
Dessa forma, assistiu-se a implantação, nos anos 1980, de programas de ajuste econômico
neoliberais como condição de renegociação das dívidas dos países latino-americanos
(MORAES, 2001, p.33), já que a insolvência dos credores ameaçava diretamente os bancos
privados internacionais (BATISTA, 2001, p. 24). O FMI passou, nesse contexto, a
recomendar e supervisionar uma série de programas de ajuste recessivo aos países em crise,
para garantir o pagamento integral dos juros da dívida. Como conseqüência, nos países latino-
americanos houve um aumento do desemprego aprofundando, ainda mais, a miséria
(BATISTA, 2001, p. 24).
Para liberação de empréstimos o Banco Mundial juntamente com o FMI passou a impor uma
série de condicionalidades, representadas por um amplo conjunto de reformas estruturais aos
países endividados proposto no Consenso de Washington
119
.
Ao final dos anos 1980 o Brasil, assim como outros países da América Latina, passou a
aplicar o receituário proposto pelo Banco Mundial como a reforma do sistema previdenciário,
a revisão do sistema tributário, a flexibilização dos monopólios, a concentração dos recursos
para a educação básica (SOARES, 1998, p. 37), como saída para a crise econômica. Na área
119
O programa de ajuste e estabilização proposto por meio do Consenso de Washington inclui, segundo Gentili
(1998, p. 15) dez tipos específicos de reformas, aqui enumeradas: 1) disciplina fiscal; 2) redefinição das
prioridades do gasto público; 3) reforma tributária; 4) liberalização do setor financeiro; 5) manutenção de taxas
de cambio competitivas; 6) liberalização comercial; 7) atração das aplicações de capital financeiro; 8)
privatização de empresas estatais; 9) desregulamentação da economia; 10)proteção dos direitos autorais.
112
educacional, se delineou o consenso de centralidade na educação básica, pois o investimento
na educação fundamental traria consigo um alto retorno de investimento. Evidencia-se nas
orientações do Banco Mundial a visão de que a escola apresenta-se como um “mecanismo de
construção da cidadania e preparação para o trabalho, condição de conter/administrar a
pobreza e promover a segurança” (FIGUEIREDO, 2001, p.14).
O enfoque do Banco na redução da pobreza é explicado, pelo próprio Banco, utilizando-se da
idéia de que a exclusão social e a pobreza constituem-se em uma ameaça à estabilidade dos
países. Leher (1998, p. 99) justifica a valorização da educação como ideologia, pelo Banco,
que entende a globalização como um processo excludente e diz:
[...] o Banco recomenda acomodar os ‘excluídos’ para evitar o uso da força
(simbolizada pela OTAN), mantendo uma forma de crença capaz de garantir a
coesão social. A globalização é então apresentada como uma era de
possibilidades ilimitadas, embora requeira alguns sacrifícios (como parte do
ajuste estrutural) para todos aqueles que pretendem nela ingressar. Por isso, a
educação é tão valorizada enquanto ideologia.
As orientações quanto à centralidade na educação básica, evidenciam-se no documento do
Banco Mundial “Prioridades e Estratégias para a Educação” de 1995. Esse documento
apresenta-se como uma síntese de várias publicações anteriores do Banco, entre as quais se
destacam: Educação Primária
120
(1990), Educação e Treinamento Técnico Vocacional
121
(1991), Educação Superior
122
(1994) (LEHER, 1998, p. 211).
A partir dos documentos citados acima, o Banco conseguiu configurar uma agenda mundial
de educação dos países em desenvolvimento. Leher (1998, p. 211) alerta que a prioridade
120
Primary Education.
121
Vocation and Tenical Education and Training.
122
Higher Education.
113
conferida ao ensino fundamental não pode ser explicada apenas pela questão do
financiamento. É antes de tudo uma questão ideológica, o que se justifica pelos altos
investimentos feitos, pelo próprio Banco, com conselheiros e consultores de especialistas em
treinamento, reformas curriculares, gestão, avaliação, entre outros.
Uma das questões fundamentais em “Prioridades e Estratégias para a Educação” é a
concepção de que a educação possui um papel basilar na redução da pobreza e, como
conseqüência, no crescimento econômico do país (BANCO MUNDIAL, 1995, p. III). De
acordo com o Banco (1995, p. 69) o investimento na educação básica deve constituir-se em
prioridade máxima de todos os países, pois, proporciona atitudes e conhecimentos básicos
necessários para a ordem cívica e para a plena participação na sociedade e no trabalho. Dessa
forma, os conhecimentos adquiridos no ensino secundário e universitário aplicam-se ao
mercado, enquanto a educação básica deve priorizar o trabalho com conceitos sobre ética,
cidadania e desenvolvimento de atitudes e valores para a convivência em uma sociedade de
mercado, ou seja, uma sociedade desigual, na qual a desigualdade se justifica a partir das
competências de cada um (FIGUEIREDO, 2001, p. 69).
O entendimento da focalização na educação básica como forma de alívio da pobreza, deve ser
apreendido como um meio de “viabilizar ideologicamente as contradições que o capital não
tem alternativas para oferecer”. Sendo assim, a educação é chamada para promover a
inculcação de valores e idéias de um mundo subordinado às exigências do mercado. O
discurso do Banco idealiza a conquista da cidadania dentro de uma democracia liberal, nela, a
igualdade é preconizada como única alternativa para os homens (FIGUEIREDO, 2001, p. 40).
Outra questão, que também aparece no documento “Prioridades e Estratégias para Educação”,
é a noção de que a educação pode resolver o problema do desemprego para o indivíduo.
114
Amparado na idéia de que o desenvolvimento do país só será alcançado mediante investimento
tecnológico e a inserção do país no mercado internacional, o Banco (1995, p. XXXI) propõe,
então, investimento em capital humano
123
, idéia que é justificada nos seguintes termos:
O papel destinado à educação como veículo para o desenvolvimento sustentado
da sociedade, o crescimento econômico e a redução da pobreza tem sido
reconhecido cada vez mais. Para a maioria das famílias o bem estar é
determinado pela entrada no mercado de trabalho. Sem dúvida, a produtividade
do trabalho está determinada em grande parte, pelos conhecimentos das
pessoas, que são resultado, sobretudo da educação. A fonte principal das
diferenças de capital humano, o que também são em grande parte, produto da
educação
124
.
Para o Banco as exigências atuais sobre os sistemas de ensino, quanto à sociedade do
conhecimento e as habilidades e competências que o trabalhador atual deve ter, são fruto das
transformações no mercado de trabalho, em decorrência da facilidade de trocas e comunicação,
intensificada pelos avanços nos sistemas de comunicação e informação. O Banco entende, com
isso, que a economia mundial, hoje, está centrada em conhecimentos que só podem ser
apropriados pelos indivíduos. Assim, os países que desejam utilizar-se da “economia do
conhecimento” devem investir em sistemas educacionais que transmitam conhecimentos
tecnológicos a pessoas que tenham receptividade a inovações. A tecnologia oferece ao país a
possibilidade de produzir trabalhadores adaptáveis, capazes de aprender por toda a vida
(BANCO MUNDIAL, 1995, p. XXXII).
123
O conceito de Capital humano implica na noção de que “a melhor capacitação do trabalhador aparece como
fator de aumento de produtividade”. Devido às mudanças no gerenciamento do trabalho, a Teoria do capital
Humano passou a ter um prestígio muito grande na última década. Essa teoria agora aparece ressignificada nas
idéias acerca da segmentação do mercado de trabalho, da politecnia, da flexibilização, e ainda, da qualidade total
(CATTANI, 2002, p. 51).
124
El papel que cumple la educación como vehículo para el desarrollo sostenible de la sociedad, el crecimiento
econômico y la redución de la pobreza se está reconeciendo cada vez más. Para la mayoria de las unidades
familiare el bienestar esta determinado por el ingreso procedente del trabajo. Sin embargo, la produtividad del
trabajo está determinada em gran parte por los conocimientos de las personas, que son resultado sobre todo de la
educación. La fuente principal de las diferencias de nível de vida entre las naciones son las diferencias de capital
humano, las que también son, em gran medida, producto de la educación” (BANCO MUNDIAL, 1995, p. XXXI).
115
A educação é vista como forma de aumentar a produtividade do trabalhador e de reduzir a
pobreza. Não apenas o nível de educação é importante para o indivíduo adaptar-se à rápida
evolução dos mercados de trabalho, mas, também, seu conteúdo. O Banco defende que a
profissionalização pode aumentar a produtividade do trabalho, mas só para os que já estão em
serviço. Dessa forma, o melhor é o investimento na educação básica, que poderá garantir ao
indivíduo conhecimentos necessários às exigências de um mercado de trabalho flexível
(BANCO MUNDIAL, 1995, p. 8).
A educação básica, segundo o Banco Mundial, pode trazer conhecimentos que levem ao bom
funcionamento da sociedade. A escola deve formar indivíduos que tenham o pleno domínio
das capacidades e atitudes exigidas pela sociedade, desenvolver habilidades de informática e
conhecimentos gerais, além, da resolução de problemas, ligados à esfera produtiva, e também,
a capacidade de relacionar-se em uma sociedade excludente (BANCO MUNDIAL, 1995, p.
71).
As transformações ocorridas nos últimos anos no mercado de trabalho (avanços tecnológicos,
integração do comércio mundial) tem tido conseqüências importantes sobre a educação. Para
países em desenvolvimento o Banco aponta que, as tarefas relacionadas com o trabalho
abstrato estão cada vez mais substituindo os processos físicos da produção, tendo como
conseqüência uma diminuição do trabalho manual. Com isso a educação é chamada a
satisfazer a crescente demanda por novos conhecimentos. Argumenta que anteriormente,
exigia-se um trabalhador com determinados conhecimentos técnicos que o acompanhariam
para a vida toda. Agora, se exige um trabalhador polivalente, capaz de assimilar novas
funções, em decorrência das transformações tecnológicas.
116
Tomando como referência as idéias expostas sobre a educação básica o Banco Mundial
orienta as reformas que devem ser realizadas pelos países periféricos a fim de que esses
alcancem o desenvolvimento. Aponta o documento “Prioridades e Estratégias para a
Educação” que para enfrentar os problemas educacionais dos países considerados em
desenvolvimento torna-se necessário um conjunto de reformas que modifiquem o
financiamento e a administração da educação. São indicadas seis reformas visando resolver os
problemas de acesso, eqüidade e qualidade educacional.
A primeira recomendação refere-se a dar mais prioridade à educação, tornando-se essa um
problema de toda a sociedade e do governo como um todo e não apenas dos ministros de
educação. A justificativa para essa idéia assenta-se na visão de que a educação é um
importante fator de desenvolvimento econômico e redução da pobreza, posto que os
investimentos em capital humano geram uma força de trabalho flexível e assim o país pode
atrair mais investimentos econômicos (BANCO MUNDIAL, 1995, p. 65-68).
Em sua crítica ao documento do Banco Mundial, em questão, no que concerne a primeira
recomendação, Lauglo (1997) explicita que o relatório do Banco estabelece as prioridades
que devem ser seguidas pelos governos para os quais empresta dinheiro, induzindo-os a
desenvolver projetos na direção estabelecida pelo Banco. O documento do Banco confere à
educação básica uma alta prioridade e desconsidera a educação profissional que deve ficar a
cargo das instituições privadas. Além disso, propõe a privatização do ensino superior e
secundário (LAUGLO, 1997, p. 11-13).
Lauglo ressalta também (1997, p. 16-17), que o documento do Banco conferiu prioridade ao
ensino formal e seus benefícios desaparecendo a preocupação anterior do Banco quanto à
117
educação não-formal. Outro aspecto desconsiderado pelo Banco são as tensões que podem
advir das transformações modernizantes da sociedade como, por exemplo, o enfraquecimento
comunitário e de laços familiares. Outra crítica, apontada por esse autor ao Documento
“Prioridades e Estratégias á Educação”, refere-se à validade dos cálculos sobre as taxas de
retorno que supostamente têm os investimentos na educação básica, no qual as habilidades
cognitivas básicas podem significar uma visão estreita da educação e artes, artesanato,
educação física, estudos sociais e outros conhecimentos podem ser descartados por não serem
considerados prioritários (LAUGLO, 1997).
Como segunda recomendação da reforma, o BM propõe que se preste mais atenção aos
resultados, para se determinar as prioridades da educação e medir o rendimento utilizando-se
de avaliações de desempenho. Os recursos serão destinados aos locais que realmente se
fizerem necessários, priorizando o investimento público em setores da educação que
apresentem maior taxa de rentabilidade. A prioridade no ensino primário e secundário se
justifica pela necessidade de proporcionar atitudes e conhecimentos básicos necessário para a
ordem cívica, para a plena participação na sociedade e no mercado de trabalho. A relação
custo/benefício deve ser medida considerando a maior produtividade do trabalhador. As taxas
de rentabilidade social e privada podem contribuir para estabelecer as prioridades do setor
público em matéria de educação (BANCO MUNDIAL, 1995, p. 69-70).
Quanto à questão da taxa de retorno do ensino primário Lauglo (1997, p. 24-25) argumenta
ser muito difícil a existência de uma escala para medir seus benefícios líquidos para a
sociedade. Explica o autor, que para embasar decisões no presente seriam necessários estudos
sobre futuros ganhos, associados a diferentes tipos de educação, o que não existe. O que se
dispõe, na realidade, é de dados do passado, que não levam em consideração as diferenças de
118
mercado de trabalho e tomam por base aqueles que receberam escolarização há muito tempo,
quando a educação primária, por exemplo, era muito mais escassa do que hoje. Conclui esse
autor que a análise das taxas de retorno, como propõe o Banco, tem sido utilizada não apenas
como um instrumento de planejamento, mas, como base para generalizações sobre certos
tipos de investimentos que são mais justificados que outros, como a prioridade de recursos na
educação básica.
A terceira proposta para a reforma educacional do BM para os países periféricos é o
investimento público prioritário na educação básica o que significa que o ensino primário e
secundário de primeiro ciclo seja gratuito. Porém, propõe cobrança no ensino secundário para
aqueles que podem pagar e bolsas de estudo para as famílias carentes. O ensino superior deve,
segundo o Banco, ser custeado pelas famílias, para esse nível do ensino devem estar
disponíveis empréstimos para custear os estudos ou para aqueles que não têm condições de
pagar, deve ser viabilizado o sistema de bolsas de estudos (BANCO MUNDIAL, 1995, p. 70-
84).
Em quarto lugar, o Banco recomenda prestar mais atenção à eqüidade de acesso à educação.
Isso significa cuidar para que todos tenham educação básica a fim de adquirir as atitudes
básicas necessárias para viver na sociedade. Deve-se também, cuidar para que não seja
negado o acesso às instituições de ensino àqueles que são qualificados, mas são pobres:
mulheres, pertencentes a alguma minoria étnica, pessoas que vivem em regiões isoladas ou
ainda aqueles que possuem necessidades especiais. Para garantir a eqüidade o Banco
recomenda a educação dos adultos, como forma de valorizar a educação dos filhos, e a
educação das meninas como contribuição para a diminuição das taxas de natalidade. E
argumenta que, para se garantir a eqüidade, os governos devem destinar investimentos para
119
manter as crianças pobres na escola, compensando seu afastamento das atividades
econômicas como forma de garantir a renda familiar (BANCO MUNDIAL, 1995, p. 85-86).
Aumentar a participação das famílias no sistema de educação para sua maior eficiência é a
quinta recomendação de reforma da educação para os países periféricos. Para isso, o BM
indica a participação da comunidade escolar na gestão da escola. Isso significa que as escolas
devem ter mais autonomia quanto à aplicação dos investimentos e quanto à forma como
ensinam, diferenciando-se umas das outras, deixando liberdade aos pais que queiram buscar o
que consideram melhor para seus filhos. Importante tamm, segundo o Banco, que haja uma
oferta maior de ensino particular para garantir o direito de escolha das famílias. Quanto ao
ensino superior, o Banco propõe que nem todas as instituições públicas se dediquem a
pesquisa por ser essa muito onerosa
125
(BANCO MUNDIAL, 1995, p. 87-95).
A última recomendação do BM é dar mais autonomia às instituições escolares. Essa
recomendação se refere também à aplicação dos recursos públicos destinados às escolas.
Sobre isso esclarece que a autonomia das escolas pode ser conseguida com medidas
administrativas e financeiras, o que pressupõe certa flexibilidade para que as escolas decidam
sobre carga horária e currículo, desde que obedecendo a um plano nacional. As unidades
escolares podem conseguir investimentos locais e públicos, esses últimos não devem diminuir
na proporção em que aumenta os recursos locais conseguidos pelas escolas mantendo-se
constantes (BANCO MUNDIAL, 1995, p. 97-103).
125
Quanto à questão da educação superior o Banco Mundial no ano de 2000 publicou um novo documento
intitulado “Ensino superior em países em desenvolvimento: perigo e promessa”, no qual reconhece alguns
equívocos das orientações anteriores, como em Prioridades e Estratégias para Educação (1995). Sobre isso ver
mais em Sguissardi, 2000.
120
Sobre a proposta de descentralização e maior flexibilidade para as escolas o documento do
Banco recomenda maior privatização para que, com o aumento do número de
estabelecimentos privados, haja mais competição entre elas. Além disso, postula que o
gerenciamento seja pautado por objetivos, utilizando-se de indicadores de desempenho para
aferir os resultados. Como crítica, Lauglo (1997, p. 24) afirma que tais medidas poderiam
trazer uma pressão maior sobre os professores e, por outro lado, maior poder de decisão local,
em alguns países isso significaria mais poder patronal para aqueles que dominam a política
clientelista.
Quanto aos escassos recursos financeiros do Estado para a Educação, o documento do Banco
Mundial recomenda que o ensino secundário e superior seja custeado pelas famílias, por meio
de empréstimos ou bolsas de estudos. O que, segundo Lauglo (1997, p. 22-23), não podem ser
consideradas medidas adequadas para garantir o acesso a esses níveis de ensino a todos.
Justifica o autor que a incerteza de que o certificado garantirá um posto no mercado de
trabalho compromete o pagamento dos empréstimos tomados para o financiamento do curso.
Concordamos com a análise de Lauglo (1997, p. 30-31) que as recomendações feitas pelo
Banco Mundial estão enquadradas na idéia de custo-benefício. Idéia própria de uma
instituição financeira que trabalha com medidas monetárias. Segundo esse autor, a cultura
institucional do Banco é influenciada pelos princípios econômicos neoclássicos que definem
o ser humano como um ator racional que procura informação, mede custos e benefícios e
busca, a partir daí, realizar suas preferências de forma maximizadas. Justifica-se, dessa forma,
a valorização no documento do Banco Mundial, em um núcleo curricular, composto de
linguagem, matemática, ciência e comunicação enquadrado em um modelo racionalista de ser
humano.
121
4.2 A COMISSÃO ECONÔMICA PARA AMÉRICA LATINA (Cepal)
A Comissão Econômica para América Latina (Cepal)
126
, foi estabelecida em 25 de fevereiro
de 1948 e em 1984 por meio da resolução 1984/67 passou a denominar-se Comissão
Econômica para América Latina e Caribe.
No sistema das Nações Unidas, a Cepal é uma das cinco comissões regionais que integram o
Conselho Econômico e Social dessa instituição. Sua sede está em Santiago do Chile e
segundo os dados da Cepal, sua criação teve como objetivos: contribuir para o
desenvolvimento econômico da América Latina, coordenar ações e reforçar as relações
econômicas dos países do Caribe. Mais tarde, a essa instituição foi estabelecido o objetivo de
promover o desenvolvimento social das regiões por ela atendidas (CEPAL, 2004a).
Segundo Bielschowsky (2004, p. 1-2) a Cepal nunca foi uma instituição acadêmica, tendo se
desenvolvido como uma escola de pensamento especializada no exame das tendências
econômicas e sociais de médio e longo prazo dos países da América Latina e Caribe.
Consta nas informações da Cepal (2004a) que os historiadores identificam cinco etapas nas
obras dessa instituição:
1. origens e anos cinqüenta: industrialização por substituição de importações;
126
A CEPAL possui sedes regionais, uma para a região da América Central, no México, outra para o Caribe,
situada em Porto Espanha e, ainda, oficinas regionais em Buenos Aires, Brasília, Montevidéu e Bogotá. Conta
também com uma oficina de entrosamento em Washington nos Estados Unidos (CEPAL, 2004a). Os 33 países
da América Latina e do Caribe são membros da
Cepal juntamente com os Estados Unidos da América do
Norte, Canadá, Espanha, França, Itália, Países Baixos, Portugal e Reino Unido. No total são 41 estados membros
e 7 membros associados, esse últimos territórios não independentes do Caribe - Anguila, Antilhas Neerlandesas,
Aruba, Ilhas Virgens Britânicas, Ilhas Virgens dos Estados Unidos, Montserrat e Porto Rico.
122
2. anos sessenta: reformas para desobstruir a industrialização;
3. anos setenta: reorientação dos estilos de desenvolvimento com objetivo de
homogeneização social e para diversificação da exportação;
4. anos oitenta: superação do problemas da dívida externa mediante ajuste com
crescimento;
5. anos noventa: transformação produtiva com eqüidade.
Segundo Oliveira (2004, p. 1) embora a Cepal não seja uma instituição preocupada com a
política educacional, na última década do século XX tornou-se uma das principais
disseminadoras de idéias direcionadas para o setor educacional. Nos anos 1990 a Cepal
recuperou a agenda de análises e de políticas de desenvolvimento adaptando-a ao contexto de
globalização da economia. Seu objetivo foi promover alterações no papel do Estado e na
economia de modo a ampliar sua eficiência e adotar uma prática de intervenção mais seletiva
(CEPAL, 2004b, p.7).
Na década de 1990 a Cepal publicou o documento “Transformação Produtiva com Eqüidade”
no qual propõe uma mensagem a respeito de uma nova forma de atuação do Estado. A
proposta da Cepal nos anos 1990 é diferente do Estado intervencionista do passado, porém
capaz de influenciar significativamente nos destinos dos países (CEPAL, 2004b, p. 7).
O documento inaugural dos anos 1990 visa uma maior competitividade internacional
fundamentada na incorporação do progresso técnico ao processo produtivo. Para isso propõe
a vinculação dos agentes produtivos com a infra-estrutura física e educacional dos países.
Enfatiza a formação de recursos humanos e das políticas tecnológicas ativas como forma
decisiva para se alcançar à transformação produtiva.
123
A proposta educacional da Cepal foi desenvolvida em parceria com a Unesco no documento
“Educação e conhecimento: eixo da transformação produtiva com eqüidade” de 1992.
Segundo Oliveira (2004, p. 2), nesse documento, a educação foi considerada como
instrumento principal para atingir a reestruturação econômica com eqüidade, levando a
construção de uma nova realidade econômica e social para os países em desenvolvimento.
A proposta educacional da Cepal/Unesco é justificada com o argumento de que nos países
desenvolvidos ou nos chamados países de industrialização tardia com experiências exitosas,
existe um reconhecimento do caráter central da educação e da produção do conhecimento em
seus processos de desenvolvimento. E assim argumenta:
A difusão de valores, a dimensão ética e os comportamentos próprios da
geração de capacidades e destrezas indispensáveis para a competitividade
internacional (cada vez mais embasada no progresso técnico) recebem uma
contribuição importante da educação e da produção de conhecimento na
sociedade (CEPAL/ UNESCO, 1992, p.17)
127
.
Segundo o documento da Cepal/Unesco, em questão, para alcançar a transformação produtiva
com eqüidade tendo como eixo principal a educação, faz-se necessário uma ampla reforma no
sistema educacional dos países da América Latina. Essas reformas baseiam-se, em primeiro
lugar, na garantia de mais autonomia às escolas (CEPAL/UNESCO, 1992, p. 142), em
segundo, na necessidade de que o Estado tenha um sistema de avaliação de desempenho
dessas escolas a fim de avaliar o cumprimento das metas, bem como para resguardar as
orientações gerais do sistema e sua eqüidade (CEPAL/UNESCO, 1992, p. 149). O terceiro
127
“La difusion de valores, la dimensión ética y los comportamientos propios de la moderna ciudadanía, así
como la generación de capacidades y destrezas indispensables para la competitividad internacional
(crecientemente basada em el progreso técnico) reciben um aporte decisivo de la educación y de la producción
Del conhecimiento em la sociedade” (CEPAL/UNESCO, 1992, p.17).
124
ponto das recomendações para a reforma educacional na América Latina é o estabelecimento
de instâncias de coordenação e cooperação. A coordenação entre as unidades e de um mesmo
nível educativo permite aumentar o poder de decisão local e diminuir os custos. Com isso as
escolas se agrupam a um estabelecimento central, especialmente equipado, que serve de
centro de apoio e recursos para as demais escolas (CEPAL/UNESCO, 1992, p. 153). A
cooperação ocorre por meio da atuação ativa das organizações sociais na elaboração dos
projetos educacionais, com especial participação do setor produtivo no campo da capacitação
(CEPAL/UNESCO, 1992, p.153-154).
Quanto à educação de adultos o documento da Cepal/Unesco, “Educação e Conhecimento:
eixo da transformação produtiva com equidade” evidencia que na América Latina essa
modalidade da educação é realizada de três formas: a primeira compreende os processos de
alfabetização e educação dos adultos, que mostrou muitos progressos na região, já que o
número absoluto de analfabetos na América Latina estacionou a partir da década de 1980.
Todavia reconhecem-se ainda as deficiências dos programas de alfabetização nos quais se
destaca o limite do alcance desses programas, os problemas com a qualidade e a ausência de
atividades de pós-alfabetização que assegurem a continuidade da aprendizagem de forma
sistemática (CEPAL/UNESCO, 1992, p. 69 e 71). A segunda, a capacitação nas empresas
que, segundo o documento da Cepal, deveria ser mais utilizada, as empresas deveriam gastar
mais com a elevação do nível profissional de seus empregados (CEPAL/UNESCO, 1992, p.
72-73). A terceira é realizada nos institutos públicos de capacitação como modalidade de
formação de mão-de-obra, como o Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (SENAC),
o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI), o Serviço Nacional de
Aprendizagem Rural (SENAR) e o Serviço Social da Indústria (SESI), existentes no Brasil. A
avaliação da Cepal/Unesco é que na maior parte dos países da América Latina esses institutos
125
trabalham para formação de mão-de-obra para as indústrias, porém com a crise dos anos 1980
os recursos escassearam e os institutos não foram capazes de adaptarem-se as novas
exigências do setor produtivo (CEPAL/UNESCO, 1992, 74-75).
Concordamos com a análise de Oliveira (2004, p. 12) que esclarece que a preocupação da
Cepal/Unesco em garantir o acesso à escolarização mínima a uma grande parcela da
população assenta-se em uma leitura na qual “a problemática educacional da América Latina
decorre da diferença de acesso ao mercado educacional existente”. A Cepal/Unesco tem
proposto uma estrutura educacional mais próxima do processo produtivo, o que para o autor
citado redunda em um “reducionismo no campo pedagógico”. Assim a Cepal/Unesco
desenvolveu nos anos 1990 uma proposta educacional estritamente subordinada aos interesses
do capital, idéia presente na Teoria do Capital Humano, que desloca a importância da
educação exclusivamente para o ingresso no mercado de trabalho, exatamente em um
momento histórico do modo de produção capitalista com crescente incapacidade de absorção
da mão-de-obra disponível.
4.3 A ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A EDUCAÇÃO, A CIÊNCIA
E A CULTURA (Unesco)
A Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) foi criada
em 16 de novembro de 1945 com a missão de modificar o homem e a política por meio da
educação e da razão. A Unesco compõe o Conselho de Administração Fiduciária das Nações
Unidas como Organismo Especializado. Desse Conselho ainda fazem parte o Grupo Banco
Mundial e o FMI, entre outros
128
.
128
Essas informações foram obtidas por meio do site: http://www.onu-brasil.org.br. Acesso em: 29 jul. 2004.
126
A Unesco tem como principal objetivo construir a paz na mente dos homens mediante a
educação, a cultura, a ciência e a comunicação. É a agência das Nações Unidas especializada
em Educação que desde a sua criação trabalhou para aprimorar a educação mundial. Para isso
realiza acompanhamento técnico, estabelece parâmetros e normas, cria projetos inovadores,
agindo como catalisador de propostas e disseminador de soluções para os desafios
encontrados. Sua principal diretriz nos anos 1990 é a Educação para Todos
129
(UNESCO,
2005).
A Unesco desenvolve ações nas áreas da educação, das Ciências Naturais e Exatas, das
Ciências Humanas e Sociais, da Cultura, da Comunicação e da Informação. Quanto a
Educação os temas principais desenvolvidos são: direito à educação; políticas e planos de
educação; primeira infância e família; educação primária; educação secundária; ensino
superior; educação técnica e profissional; educação científica e técnica; formação docente;
educação não formal; educação inclusiva; diversidade cultural e lingüística na educação;
educação e novas tecnologias; educação em situação de emergência, crises e reconstrução;
educação física e desporte; direitos humanos, democracia, paz e educação para a não
violência.
A Unesco estabelece estratégias em médio prazo para alcançar seus objetivos e contribuir
para a realização dos objetivos de desenvolvimento da ONU para o Milênio
130
. As estratégias
para o período de 2002 a 2007 têm como objetivos para educação: a promoção da educação
como direito fundamental, conforme a Declaração Universal dos Direitos Humanos; a
melhoria na qualidade da educação mediante a diversificação de seus conteúdos e métodos; a
129
Desenvolveremos discussão sobre essa questão na próxima seção desse capítulo.
130
Seus objetivos atuais são: reduzir a população que vive na pobreza extrema pela metade até 2015;
universalizar o ensino primário em todos os países até 2015; eliminar as desigualdades de gênero no ensino
primário e secundário até 2005 e ajudar os países a adotar estratégias nacionais para o desenvolvimento
sustentável até 2015, revertendo a perda de recursos ambientais (UNESCO, 2004).
127
promoção de valores universais, a experimentação, a inovação e a difusão compartilhada da
informação e as melhores práticas educacionais, bem como o diálogo sobre políticas em
matéria de educação (UNESCO, 2004).
A Conferência Geral é o principal órgão de tomada de decisões da Unesco. É formada por
todos os estados membros e determina as políticas e orientações de trabalho da organização.
É ela que aprova o programa e o orçamento da Unesco e designa seu Diretor Geral. O
orçamento previsto para o período 2004-2005 é de seiscentos e dez milhões de dólares,
advindos de contribuições dos estados membros, que em outubro de 2003 somavam 190
países (UNESCO, 2004).
Ressaltamos a atuação da Unesco, por meio do Instituto Internacional de Planejamento da
Educação
131
(IIEP), o qual foi criado em 1963 em Paris, França, sendo mantido com
contribuições vindas da própria Unesco e contribuições voluntárias dos estados membros
132
.
Na Argentina, em Buenos Aires, o IIEP possui representação sendo a primeira sede regional
criada pelo IIEP em abril de 1997. A criação da sede regional do IIEP é justificada pela
especificidade da situação latino americana e, principalmente, pelo interesse, na região, em
função do processo de reformas educacionais que estão sendo implementadas na maioria dos
países da região. A função principal do IIPE Buenos Aires é definida como sendo a de
promover o desenvolvimento de uma educação de qualidade para todos, por meio: 1) da
formação de especialistas na área do planejamento e gestão da educação; 2) do
desenvolvimento de linhas de investigação em aspectos importantes dos processos de
131
Instituto Internacional de Planeamiento de la Educación.
132
Os Principais provedores de fundos que financiam continuamente as atividades operacionais do IIPE desde
1997 são: Alemanha, Argentina, Banco Mundial - BIRD (Banco Internacional para a Reconstrução e o
Desenvolvimento) Colômbia, Comunidade Européia, Conferência Episcopal Italiana, Dinamarca, França,
Fundação Ford, Fundação Kellogg, Itália, Japão, México, Noruega, (Programa Conjunto das Nações Unidas
sobre o HVI Aids para Colômbia (ONUSIDA), Países Baixos, PNUD, Suécia, Suíça e UNICEF (IIEP, 2005).
128
transformação na educação na região; 3) da assistência técnica para satisfazer as demandas de
governos, organizações e instituições envolvidas na melhoria da educação; 4) da difusão de
novos paradigmas conceituais e novas metodologias; 5) da elaboração e execução de acordos
de cooperação que respondam as necessidades dos países da América Latina (IIEP, 2005).
A Oficina Regional de Educação para a América Latina e o Caribe (Orealc) da Unesco com
sede em Santiago do Chile desde 1969 apóia, em colaboração com outras oficinas da Unesco
e as Comissões Nacionais de Cooperação, os países da América Latina na definição de
estratégias políticas em educação. Possui papel de destaque na mobilização dos países em
torno das discussões sobre os grandes temas propostos pelas Conferências Internacionais
(UNESCO, 2005).
A Oficina Regional de Educação da Unesco colabora com os países latino-americanos
ajudando-os a divulgar suas experiências, realizando e promovendo estudos, análises e
avaliações sobre a situação da educação na região e publicando seus resultados. Além disso,
incentiva a participação da sociedade civil na área da educação e estabelece parcerias com
outras agências das Nações Unidas para atingir a eqüidade quanto aos serviços educativos na
região (UNESCO, 2005).
No Brasil a Unesco possui uma representação estabelecida em 19 de junho de 1964, em
Brasília. O escritório da Unesco iniciou suas atividades em 1972 e a partir de 1992 suas ações
ganharam novo impulso em função da Declaração Mundial de Educação para Todos. Nesse
período a representação da Unesco no Brasil iniciou entendimentos com o Ministério da
Educação objetivando criar um espaço permanente para o diálogo entre as instituições com
objetivo de contribuir para a concretização dos ideais de Jomtien. Em 1993, foi assinado o
129
primeiro plano de trabalho com o MEC e a Unesco passou a auxiliar o Governo na elaboração
do Plano Decenal de Educação para Todos (UNESCO, 2004).
A Unesco no Brasil atua por meio de projetos de cooperação técnica com o governo. Esses
projetos têm por objetivo auxiliar a formulação e operacionalização de políticas públicas que
estejam em sintonia com as grandes metas acordadas entre os seus Estados Membros. Sua
atuação ocorre também junto à sociedade civil em ações que venham a contribuir para o
desenvolvimento humano (UNESCO, 2004).
A Unesco no Brasil com seu setor de publicações tem editado livros, realizado pesquisas e
avaliações sobre uma diversidade de temas. Para esse fim, conta com uma equipe
multidisciplinar de pesquisadores responsáveis pela elaboração, coordenação e supervisão das
pesquisas e avaliações, sejam elas realizadas autonomamente ou em parceria com outras
organizações.
A Unesco tem influenciado ações na área da educação de adultos muito antes da criação do
escritório de Representação no Brasil. A posição da Unesco sobre a educação dos adultos
junto aos seus países membros data de 1948 quando foi aprovada a Declaração dos Direitos
Humanos na III Sessão Ordinária da Assembléia Geral das Nações Unidas em dez de
dezembro desse mesmo ano. O artigo 26 da Declaração diz que todo homem tem direito à
instrução, tornando-a um direito de todos em qualquer idade. Sob a influência da Unesco
foram criados, nos países membros, centros de atividades com adultos. Além disso, a Unesco
tem publicado livros relacionados ao tema e realizado as Conferências Internacionais de
Educação de Adultos. A Primeira Conferência Internacional realizou-se em Elsinor na
130
Dinamarca em 1949, a Segunda, ocorreu em 1960 em Montreal no Canadá e a Terceira foi
realizada no Japão em 1972 (DI ROCCO, 1979, p. 87-93).
Di Rocco (1979, p. 99-101) explicita que no Brasil as ações de educação de adultos refletem
as influências da Unesco desde o início das campanhas em prol da erradicação do
analfabetismo na década de 1940. Sob influência dos estudos realizados pela Unesco, o
governo brasileiro estabeleceu como necessidade enfrentar o problema do analfabetismo no
país. Com essa idéia foi organizada em 1947 a Campanha Brasileira para Erradicação do
Analfabetismo e, ainda, realizados o Primeiro Congresso de Educação de Adultos, em 1947, o
Seminário Interamericano de Alfabetização em 1949 e o Segundo Congresso de Educação de
Adultos em 1958.
Segundo Beisiegel (1974, p. 82-84) as realizações na área da educação dos adultos na década
de 1940 e 1950 refletiam a idéia de que o analfabetismo mais do que a expressão de atraso
educacional era uma deficiência a ser eliminada. O movimento nacional iniciado a partir de
1945 sob a inspiração e incentivo da Unesco apresentou-se como um “movimento em favor
da educação das massas, constituídas pelos adultos analfabetos das regiões mais ‘atrasadas’,
com ênfase na alfabetização”.
Quanto a atuação da Unesco junto à EJA nos anos 1990, destacamos o acordo MEC/ Unesco
para a realização da Conferência Regional Preparatória à Conferencia de Hamburgo, realizada
em Brasília em fevereiro de 1997. Esse evento contou com a participação de especialistas de
vários países e da Oficina Regional de Educação para a América Latina e Caribe (Orealc).
131
Além da Conferência Preparatória à Confitea, outras ações de educação de jovens e de
adultos estão sendo desenvolvidas pela Unesco em convênio com o Programa Comunidade
Solidária. A Unesco acompanha as atividades do Comunidade Solidária por considerar um
importante programa brasileiro para a erradicação do analfabetismo, além de poder servir de
exemplo para outros países. A Unesco, entidade parceira do Programa Comunidade Solidária,
provê competência técnica aos consultores, aos participantes e parceiros, para juntos
alcançarem a realização das metas do Programa, para isso organiza reuniões periódicas,
seminários, congressos, publicações e troca de experiências (UNESCO, 2005). No ano de
2000, de 4 a 8 de setembro quando foi comemorada a Semana de Alfabetização, a Unesco em
parceria com o PAS e o MEC organizou o Simpósio Internacional sobre Alfabetização de
Jovens e Adultos, no qual foi realizada uma avaliação do Programa, novas abordagens
correlatas e atualização do tema em questão (UNESCO, 2005).
Ainda em relação à educação de adultos, a Unesco assinou, no dia 10 de abril de 2003, por
ocasião da realização do Seminário do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária,
realizado nos dias 8 a 10 de abril de 2003, em Brasília, um Protocolo de Cooperação com o
Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) e o Instituto Nacional de Colonização e
Reforma Agrária (INCRA) para a ampliação do Pronera (UNESCO, 2004).
A Unesco tem exercido grande influência na disseminação das idéias acerca da reforma
educacional dos anos 1990 como promotora de grandes eventos educacionais em geral e
especificamente sobre a educação dos adultos, no Brasil e no âmbito internacional, como
veremos a seguir.
132
4.4 CONFERÊNCIAS INTERNACIONAIS DE EDUCAÇÃO
As Conferências Internacionais de Educação da Organização dos Estados Iberoamericanos
para a Educação a Ciência e a Cultura (OEI)
133
e Unesco, realizadas nos anos 1990
constituíram-se em um espaço importante de articulação internacional entre os Estados
membros e de discussão das orientações das políticas educativas. Esses eventos foram
importantes para a construção de consenso em torno das principais idéias e propostas sobre
educação do período. Segundo Silveira (1998, p. 16) no âmbito das Conferências
Internacionais se configura uma relação inter-estatal de poder, caracterizada pela capacidade
do conjunto dos atores envolvidos, de aceitar e aprovar recomendações, propostas e sugestões
para a concretização das políticas educativas.
Podemos afirmar que nos anos 1990 houve uma revalorização do papel da educação,
principalmente a educação primária, em âmbito internacional, por influência da teoria
econômica. No início dessa década estabeleceu-se um novo marco educativo que tem seus
fundamentos na teoria econômica e administrativa, sobretudo com o paradigma tecnológico e
os modelos de gestão e administração fundamentados na produção toyotista. Esse marco
educativo parte da premissa de que o conhecimento é um fator essencial para o
desenvolvimento econômico e das relações sociais (SILVEIRA, 1998, p. 47). As
Conferências Internacionais de Educação, juntamente com a literatura das agências
internacionais como o Banco Mundial, a Cepal e as oficinas regionais da Unesco tornaram-se,
133
A OEI é uma agência internacional de caráter governamental para a cooperação entre os países
iberoamericanos no campo da educação, da ciência e tecnologia e da cultura. Foi criada em 1949 como
desdobramentos do I Congresso Iberoamericano de Educação realizado em Madri. A partir da I Conferência
Iberoamericana de chefes de Estado e de Governo (Guadalahara, 1991), a OEI tem promovido e convocado as
Conferências de Ministros de Educação, como instância de preparação dessas reuniões, além de cumprir,
programas educativos, científicos e culturais que são delegados para sua execução (OEI, 2005).
133
nos anos 1990, espaço de divulgação das idéias a cerca da centralidade da educação. De
acordo com a mesma autora as Conferências Internacionais são lugar de construção de
consensos nos quais não se pode negar estão presentes os conflitos, as diferenças de opiniões
e as resistências. Para se chegar ao referido consenso a autora evidencia o importante papel
do contexto preparatório dos eventos internacionais por meio das Conferências Regionais.
Em abril de 2000 em Dakar por ocasião Fórum Mundial de Educação
134
, a Unesco foi
escolhida para coordenar as atividades de cooperação com o programa Educação Para Todos
(EPT). A Oficina Regional de Educação para a América Latina e o Caribe (Orealc) da Unesco
com sede em Santiago do Chile tem o encargo de mobilizar e articular a ação regional de
todas as instituições envolvidas na EPT com objetivo de que em 2015 todas as pessoas
tenham uma educação de qualidade (UNESCO, 2005).
Na América Latina a Unesco tem promovido encontros regionais sobre EPT. O primeiro
encontro regional foi realizado em abril de 2002 no qual se buscou fazer um diagnóstico da
situação da educação na região e constituiu-se o Fórum Regional de EPT. O segundo
encontro regional foi realizado em setembro de 2003 e foram avaliados os avanços
alcançados na preparação dos planos nacionais. Mereceu destaque nesse encontro o tema da
educação rural que se tornou um projeto piloto de estudos em seis países da América
Latina
135
(UNESCO, 2005).
134
No ano de 2000 em Dakar no Senegal, durante reunião dos participantes da Cúpula Mundial de Educação foi
assinado o Marco de Dakar, um compromisso coletivo de ação no qual os governos ali subscritos obrigaram-se a
assegurar que os objetivos e metas de EPT sejam alcançados e mantidos, reafirmando a Declaração Mundial de
Educação para Todos de Jomtien -1990. O mesmo processo já havia ocorrido durante a reunião dos nove países
em desenvolvimento mais populosos do mundo (Indonésia, China, Brasil, Egito, México Nigéria, Paquistão e
Índia) em 1993 em Nova Delhi, nos quais os países citados reiteraram o compromisso de buscar com zelo e
determinação as metas definidas pela Conferencia de Jomtien, em atender as necessidades básicas de
aprendizagem para crianças, jovens e adultos. O mesmo grupo reunido na China em agosto de 2001, reitera os
compromissos de Jomtien (1990), Nova Delhi (1993) e Dakar (2000).
135
Brasil, Chile, Colômbia, Honduras, México e Peru.
134
No contexto da mobilização pela EPT na América Latina, sob a coordenação da Orealc-
Unesco constituiu-se o Projeto Regional da Educação para a América Latina e o Caribe
(Prelac).
136
Aprovado pelos ministros de educação da região em Havana em novembro de
2002, o Prelac tem por objetivo estimular as troca de experiências sobre políticas públicas a
fim de alcançar a efetiva Educação para Todos até 2015. O Prelac definiu cinco temas
estratégicos para sua ação: o sentido da educação, os professores, a cultura escolar, a gestão
das escolas e a responsabilidade social pela educação (UNESCO, 2005).
A seguir, analisaremos os principais documentos que orientaram a reforma educacional
brasileira nos anos 1990: a Declaração de Jomtien (1990), o Relatório Jacques Delors (1996)
e a Declaração de Hamburgo e a Agenda para o Futuro para a Educação de Adultos (1997),
todos elaborados sob a influência das agências internacionais, nos grandes eventos por elas
promovidos na última década do século XX.
4.4.1
A Conferência Mundial sobre Educação para Todos
A Conferência Mundial sobre Educação para Todos (WCEFA) é considerada o grande marco
na formulação de políticas governamentais para a educação em vários países, inclusive o
Brasil, nos anos 1990 (OLIVEIRA, 2000 p. 105). Realizada com a participação da Unesco, do
Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), do Programa das Nações Unidas para o
Desenvolvimento (PNUD) e do Banco Mundial, em março de 1990, em Jomtien na Tailândia,
apontou para a importância da satisfação das necessidades básicas de aprendizagem para
136
O projeto intitulado “Projeto Regional de Educación para América Latina y el Caribe” (Prelac) foi elaborado
em substituição ao Projeto Principal de Educação para a América Latina e Caribe (Promedlac) Coordenado pela
Oficina Regional de Educación para la América Latina y el Caribe (Orealc), vinculada à Unesco e que teve
duração de 1981 a 2000.
135
todos. Desse encontro, resultou a Declaração Mundial de Educação para Todos
137
, assinada
pelos países participantes, dentre eles o Brasil.
No preâmbulo da Declaração Mundial de Educação para Todos, ao evidenciar a realidade
educacional no mundo, há referência à quantidade de analfabetos existentes hoje em âmbito
mundial. O diagnóstico (WCEFA, 1990, p. 1) é feito nos seguintes termos:
[...] mais de 960 milhões de adultos - dois terços dos quais mulheres são
analfabetos, e o analfabetismo funcional é um problema significativo em todos
os países industrializados ou em desenvolvimento; - mais de um terço dos
adultos do mundo não têm acesso ao conhecimento impresso, às novas
habilidades e tecnologias, que poderiam melhorar a qualidade de vida e ajudá-
los a perceber e a adaptar-se às mudanças sociais e culturais; e mais de 100
milhões de crianças e incontáveis adultos não conseguem concluir o ciclo
básico, e outros milhões, apesar de concluí-lo, não conseguem adquirir
conhecimentos e habilidades essenciais.
Complementa o quadro anteriormente exposto, o diagnóstico que aponta problemas a
enfrentar, entre eles: a dívida externa de muitos países, crescimento demasiado rápido da
população, diferenças econômicas entre as nações e, dentro delas, violência, guerras e
degradação do meio ambiente. Diante desse quadro perverso, constata que muitos países,
durante a década de 1980, não conseguiram financiar a expansão da educação para todos.
A Declaração de Jomtien vislumbra, para o início do século XXI, a possibilidade de “um
autêntico progresso rumo à dissensão pacífica e uma maior cooperação entre os países”.
Contribui para esse otimismo, em relação ao século que se avizinha o volume de informações
disponível no mundo, conhecimentos que “incluem informações sobre como melhorar a
qualidade de vida ou como aprender a aprender (WCEFA, 1990, p.2-3)”.
137
Aos nos referirmos a Declaração Mundial de Educação para Todos o faremos apenas como a “Declaração de
Jomtien”.
136
Diante desse quadro de problemas e possibilidades, os países reunidos na WCEFA aprovaram
a Declaração Mundial sobre Educação para Todos, em um total de dez artigos e o Plano de
Ação para Satisfazer as Necessidades Básicas de Aprendizagem, que se tornaram referência na
formulação das políticas públicas de educação também no Brasil na década de 1990.
O art. 1º da Declaração esclarece quais seriam as necessidades básicas de aprendizagem de
toda criança, jovem e adulto, divididas em instrumentos e conteúdos básicos de aprendizagem.
Os primeiros são: “a leitura, a escrita, a expressão oral, o cálculo, a solução de problemas” que
se constituem em instrumentos essenciais para aprendizagem. Os conteúdos básicos da
aprendizagem apresentam-se como os “conhecimentos, habilidades, valores e atitudes”
necessários à sobrevivência e ao desenvolvimento pleno das potencialidades do indivíduo de
“viver, trabalhar com dignidade, participar plenamente do desenvolvimento, melhorar a
qualidade de vida e continuar aprendendo” (WCEFA, 1990, p. 4).
A educação básica aparece como sendo a realizadora das potencialidades acima descritas,
tornando-se, assim, “a base para a aprendizagem e o desenvolvimento humano permanente”, a
partir dos quais, poderá se “desenvolver níveis mais adiantados de educação e capacitação”
(WCEFA, 1990, p. 5).
A Declaração de Jomtien aponta para a necessidade em se aumentar a eficácia da educação
básica. Para isso, o art. 3º. propõe universalizar o acesso à educação e promover a eqüidade. A
ênfase é quanto à qualidade da educação básica oferecida, bem como a sua oferta prioritária
aos grupos dos excluídos, com objetivo de garantir eqüidade (WCEFA, 1990, p. 6). Evidencia-
se na Declaração, a idéia de que para concentrar a atenção na aprendizagem, a educação básica
deveria estar centrada na aquisição e nos resultados efetivos da aprendizagem, medidos por
meio de sistemas de avaliação de desempenho (WCEFA, 1990, p. 7).
137
O conceito de educação básica, presente na Declaração de Jomtien, é de uma educação que
começa com o nascimento, tornando-se importante os programas de educação infantil e
educação de jovens e de adultos. Nesse sentido, esclarece que outras necessidades podem ser
atendidas, além da alfabetização, assim diz:
As necessidades básicas de aprendizagem de jovens e adultos são diversas, e
devem ser atendidas mediante uma variedade de sistemas. Os programas de
alfabetização são indispensáveis, dado que saber ler e escrever constitui-se
uma capacidade necessária em si mesma, sendo ainda o fundamento de outras
habilidades vitais. A alfabetização na língua materna fortalece a identidade e a
herança cultural. Outras necessidades podem ser satisfeitas mediante a
capacitação técnica, a aprendizagem de ofícios e os programas de educação
formal e não formal em matérias como saúde, nutrição, população, técnicas
agrícolas, meio-ambiente, ciência, tecnologia, vida familiar - incluindo-se aí a
questão da natalidade - e outros problemas sociais
(WCEFA, 1990, p. 8).
Há orientação, na Declaração de Jomtien, que para concretização dos programas de educação
básica, torna-se necessário o fortalecimento de alianças, e o desenvolvimento de uma política
de apoio dos setores social, cultural e econômico (WCEFA, 1990, p. 10). As autoridades
responsáveis pela educação no âmbito nacional, estadual e municipal têm como obrigação
prioritária proporcionar educação básica para todos. Porém, segundo a Declaração de Jomtien,
não se pode esperar que eles supram sozinhos, a totalidade dos requisitos humanos, financeiros
e organizacionais necessários a essa tarefa. Novas parcerias serão necessárias em todos os
níveis (WCEFA, 1990, p. 9). A Declaração (WCEFA, 1990, p. 18) esclarece, assim, quem
seriam os parceiros ou colaboradores do Estado nessa área e como podem atuar:
Isso implica que uma ampla gama de colaboradores - famílias, professores,
comunidades, empresas privadas (inclusive as da área de informação e
comunicação), organizações governamentais e não-governamentais,
instituições, etc. - participe ativamente na planificação, gestão e avaliação das
inúmeras formas assumidas pela educação básica.
A focalização das ações aparece na premissa de que as parcerias devem atuar em programas
que objetivem a satisfação das necessidades básicas de aprendizagem de grupos desassistidos,
138
jovens fora da escola e adultos com pouco ou nenhum acesso à educação básica. A Declaração
orienta que todos os parceiros deverão concentrar seus financiamentos para a educação básica
em categorias e grupos específicos como, por exemplo: mulheres, camponeses pobres,
portadores de deficiências, contribuindo assim para alcançar a eqüidade (WCEFA, 1990, p.
35).
Embora não seja um evento específico para EJA, podemos perceber que seus
encaminhamentos foram aceitos e orientaram a elaboração das políticas públicas para essa
modalidade da educação. Devemos considerar também que a EJA é parte integrante da
chamada Educação Básica e, portanto, pautada pelos mesmos princípios.
Especificamente para os jovens e os adultos, a Declaração aponta que os programas de
alfabetização, de conhecimentos básicos e capacitação em habilidades para a vida cotidiana,
devem ser avaliados, quanto a sua eficácia, em função de mudanças de comportamento e
impactos na saúde, no emprego e na produtividade. O que significa dizer que a educação pode
melhorar as condições de vida da população por meio da mudança de atitudes (WCEFA, 1990,
p. 17).
Por último, destacamos a orientação, constante na Declaração de Jomtien, de que para que as
necessidades básicas de aprendizagem, para todos, sejam satisfeitas, mediante ações de alcance
muito mais amplo, será essencial mobilizar atuais e novos recursos financeiros e humanos,
públicos, privados ou voluntários. Sendo assim, todos os membros da sociedade teriam uma
contribuição a dar, lembrando sempre que o tempo, a energia e os recursos dirigidos à
educação básica constituem, certamente, o investimento mais importante que se pode fazer no
povo e no futuro de um país.
139
4.4.2
O Relatório Jacques Delors
O Relatório para a Unesco da Comissão Internacional sobre Educação para o século XXI:
Educação um tesouro a descobrir
138
(1996), conhecido como Relatório Jacques Delors, possui
forte influência sobre as políticas educacionais públicas em âmbito mundial.
Em novembro de 1991, foi convocada uma comissão internacional com objetivo de refletir
sobre o educar e o aprender para o século XXI. A presidência dessa comissão, composta por
14 membros de várias regiões do mundo, ficou com o francês Jacques Delors. Contando com
apoio financeiro e vasto material de consulta e pesquisa da Unesco, a comissão elaborou um
documento final entendido como um programa de renovação e ação destinado aos
responsáveis por tomar decisões relativas à educação em diversos países.
De acordo com o Relatório Delors, nesse contexto de globalização, a educação poderia ajudar
a transformar a interdependência entre os países em solidariedade, preparando cada indivíduo
para compreender a si mesmo e ao outro, por meio de um melhor conhecimento do mundo. A
globalização aproxima povos e nações e a educação pode contribuir para tornar o indivíduo
mais consciente de suas raízes, a fim de dispor de referenciais que lhe permitam situar-se no
mundo, além de ensinar-lhes o respeito pelas outras culturas (DELORS, 1999, p. 47- 48).
138
O Relatório, concluído em 1996, constitui-se de três partes: a primeira, denominada “Horizontes” apresenta o
cenário mundial sobre a qual se assenta a educação atualmente. O texto faz referência aos problemas que a
humanidade enfrenta em relação ao crescimento populacional. Aponta a globalização e as novas tecnologias de
comunicação e informação como sendo responsáveis pelo encurtamento das distâncias, mas, ao mesmo tempo,
apresentando uma contrapartida negativa, que se manifesta por meio de seu domínio, por parte das grandes
potências. Nesse trabalho usaremos a denominação de “Relatório Delors”.
140
Além disso, consta no Relatório Delors que a educação pode contribuir para a luta contra a
exclusão, pois com a aceitação das diferenças entre as pessoas, pode-se alcançar uma coesão
social. Completa, que uma das formas de se acabar com a exclusão é permitir o ingresso e o
regresso de todos para a escola. Também, a educação deve dar a cada um, ao longo de toda a
vida, a capacidade de participar ativamente de um projeto de sociedade, mostrando-lhe os
seus direitos e deveres e desenvolvendo as suas competências sociais (DELORS, 1999, p. 61).
As sociedades da informação, que estão surgindo no mundo todo, são “um dos fenômenos
mais promissores do final do século XX”, segundo o Relatório Delors. Cabe aos sistemas
educativos responder aos desafios que se impõem com as transformações na tecnologia, por
meio de um “enriquecimento contínuo dos saberes e do exercício de uma cidadania adaptada
às exigências do nosso tempo” (DELORS, 1999, p. 68).
Quanto ao mundo do trabalho, o Relatório reconhece o aumento do desemprego, da economia
informal e diz que a educação “não serve, apenas, para fornecer pessoas qualificadas ao
mundo da economia: não se destina ao ser humano enquanto agente econômico, mas
enquanto fim último do desenvolvimento”. A educação permanente, idéia essencial de nossos
dias, “deve ir além de uma simples adaptação ao emprego, na concepção, mais ampliada, de
uma educação ao longo da vida” (DELORS, 1999, p. 85).
A segunda parte do Relatório, denominada “Princípios”, estabelece os quatro pilares da
educação: aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a viver juntos e aprender a ser.
O aprender a conhecer torna-se essencial na sociedade do conhecimento com a velocidade de
informações disponíveis. As pessoas não podem mais achar que aprendem alguma coisa hoje
141
e esse conhecimento os acompanhará pelo resto da vida, torna-se importante, hoje, aprender a
aprender, mais do que se especializar em determinado assunto (DELORS, 1999, p. 90).
O aprender a fazer está mais estreitamente ligado à questão profissional, sem, contudo, ter o
significado de preparar alguém para uma tarefa material bem determinada. Para o Relatório,
aprender a fazer, significa abandonar o conceito de qualificação pelo conceito de
competência. Esse último leva em consideração as modificações do mercado de trabalho, no
qual o trabalho está cada vez mais desmaterializado e a economia informal assume papel
preponderante. Nesse sentido, aprender a fazer “trata-se mais de uma qualificação social do
que de uma qualificação profissional” (DELORS, 1999, p.96).
Aprender a viver juntos apresenta-se hoje como um grande desafio à humanidade. Para isso, a
escola deve ensinar a não violência, deve estimular a descoberta da diversidade, “tomar
consciência da semelhança e a interdependência entre todos os seres humanos do planeta”.
(DELORS, 1999, p. 97).
O aprender a ser implica em uma educação que contribua para o desenvolvimento da pessoa:
inteligência, sensibilidade, sentido estético, responsabilidade pessoal, espiritualidade.
Aprender a ser torna-se condição fundamental para melhor desenvolver a personalidade e
estar a altura de agir com maior capacidade de autonomia, de discernimento e de
responsabilidade pessoal.
Ainda na segunda parte do Relatório Delors, explicita-se que a educação deve ser um
processo para toda a vida, já que a tradicional divisão da existência em períodos distintos,
como o tempo da infância e da juventude consagrado à educação escolar, o tempo da
142
atividade profissional adulta, o tempo da aposentadoria, não corresponde mais à realidade da
vida contemporânea e as necessidades do futuro. Aprender por toda a vida, “é a chave que
abre as portas do século XXI e, bem além de uma adaptação necessária às exigências do
mundo do trabalho, é condição para o domínio mais perfeito dos ritmos e dos tempos da
pessoa humana” (DELORS, 1999, p. 103-104).
A necessidade da educação ao longo da vida justifica-se, pois, com o progresso científico e
tecnológico e a transformação dos processos de produção, esses últimos, exigência de uma
maior competitividade entre as empresas, no qual os saberes e as competências, adquiridos,
tornam-se rapidamente obsoletos, exigindo uma formação profissional permanente. Por isso,
argumenta sobre a importância da educação, da seguinte forma:
Esta dá a resposta, em larga medida, a uma exigência de ordem econômica e
faz com que a empresa se dote das competências necessárias para manter o
nível de emprego e reforçar a sua competitividade. Fornece, por outro lado, às
pessoas, ocasião de atualizarem os seus conhecimentos e possibilidades de
promoção (
DELORS, 1999, p. 104-105).
Complementando o conceito do aprender para toda a vida, o Relatório Delors (1999, p. 107)
destaca que a educação básica se bem sucedida suscita o desejo de continuar aprendendo e
impõe como desafio oferecer igualdade de oportunidades a todos, acabando com o
analfabetismo existente em todo o mundo. Todavia, promover a educação ao longo da vida
requer repensar os espaços nos quais essa educação acontece. A escola por si só não pode
prover todas as necessidades educativas da vida humana. Flexibilizar os sistemas de ensino
139
é tarefa imperiosa para garantir uma educação que prepare competências para o futuro. A
139
Flexibilizar os sistemas de ensino, para a EJA, significou a possibilidade de transferir para a iniciativa privada
e a sociedade civil as ações que deveriam ser desenvolvidas pelos sistemas formais de ensino. Abriu-se espaço
para realização de projetos educativos em parceria com os poderes públicos que oferecem cursos de
alfabetização sem garantir a continuidade dos estudos.
143
educação, nesse sentido, pode se efetivar de várias formas, dentre as quais o Relatório Delors
(1999, p. 108) destaca:
Formação básica num quadro educativo não-formal, inscrição a tempo parcial
em estabelecimentos universitários, cursos de línguas, formação profissional e
reciclagem, formação no seio de diferentes associações ou sindicatos, sistemas
de aprendizagem aberta e de formação à distância.
Consta no Relatório que as mudanças nos processos de produção, com a possibilidade de
acabar com o pleno emprego e a flexibilização que fez surgir uma multiplicidade de estatutos
e de relações de trabalho, como o emprego em tempo parcial, com duração limitada ou
precária, com duração indeterminada e ainda o desenvolvimento do auto-emprego, trouxeram
consigo o aumento do “tempo livre” e a necessidade de aumentar o tempo consagrado à
educação, seja a educação inicial ou a educação dos adultos (DELORS, 1999, 110).
Na terceira e última parte do Relatório Delors estão expostas as orientações para todos os
níveis e modalidades de ensino. A educação básica é colocada como a educação inicial,
abrindo as possibilidades de escolhas futuras e caminho para continuar aprendendo.
Considerando o art. 1º da Declaração Mundial sobre Educação para Todos, que diz que “cada
pessoa - criança, jovem ou adulto - deve estar em condições de aproveitar as oportunidades
educativas voltadas para satisfazer suas necessidades básicas de aprendizagem e continuar
aprendendo”, o Relatório Delors (1996, p. 126) aponta como ações necessárias a melhoria nas
condições de acesso à escola, para crianças, jovens e adultos com atenção particular à
qualidade do ensino oferecido.
144
A EJA aparece nessa terceira parte do Relatório Delors, em um item específico, no qual se
enfatiza uma educação de adultos voltada para a alfabetização e o trabalho artesanal e
agrícola ou outras atividades econômicas. Explicita que os cursos de educação e adultos
constituem-se em espaço propício de trabalho com temas sobre saúde, meio-ambiente,
estudos de população e valores éticos e morais. Por último, ressalta a necessidade de levar a
essa população o acesso à tecnologia moderna (DELORS, 1999, p. 130). Deixa claro que a
educação dos adultos tem como finalidade a inserção do adulto no mundo de trabalho,
todavia, com funções que não exigem maior grau de qualificação. Também destaca a
necessidade da participação da sociedade civil na concretização de ações para a educação
básica de jovens e de adultos.
O Relatório Delors, com sua orientação para uma EJA voltada para a alfabetização e a
preparação de uma mão-de-obra pouco qualificada, serviu de justificativa para a
concretização de ações públicas nesse campo educativo em que a principal função ainda é a
suplência. Ao final dos anos 1990 tendo como base as orientações contidas nesse documento
e, em outros produzidos nos anos 1990, como a Declaração de Jomtiem, iniciou-se um
processo de redefinição da forma como deveria se configurar a EJA no Brasil. Essa
redefinição apontou para um atendimento a população jovem e adulta no qual a certificação
nas etapas fundamental e média tornou-se o principal objetivo dos programas desenvolvidos
nessa área, como se os problemas do indivíduo e da sociedade fossem se resolver com a mera
certificação. Evidencia-se que o apelo a uma educação ao longo da vida e o aprender a
aprender restringem-se ao âmbito privado, estando sob responsabilidade do indivíduo a busca
de uma educação permanente, para o qual a EJA constitui-se como ponto de partida. Idéia
que desconsidera os problemas vividos pela maior parte da população da América Latina no
qual a luta pela sobrevivência afasta a população jovem e adulta dos processos escolares.
145
4.4.3
A V Conferência Internacional sobre Educação de Adultos (V Confitea)
Sob coordenação da Unesco, com a cooperação de agências internacionais do sistema das
Nações Unidas e contando com a participação de organizações governamentais e não
governamentais, realizou-se, de 14 a 18 de julho de 1997, a V Conferência Internacional de
Educação de Adultos (V Confitea) em Hamburgo, na Alemanha, tendo como objetivo
manifestar a importância da aprendizagem de adultos e conhecer os objetivos mundiais em
uma perspectiva de aprendizagem ao longo da vida.
Para a V Confitea foi prevista a realização de conferências regionais com objetivo de
identificar os avanços, os problemas, as necessidades existentes e os obstáculos à
concretização de políticas públicas de qualidade à população jovem e adulta.
O Brasil foi sede da Conferência Regional preparatória acontecida em Brasília em janeiro de
1997, fato que, segundo Soares (2002, p.19), impulsionou a rearticulação dos responsáveis
pelo ensino supletivo nas secretarias municipais e estaduais, dos pesquisadores e de outros
segmentos da sociedade envolvidos nessa área. Encontros regionais foram agendados para
quatro capitais do país
140
, antes da Conferência em Brasília. Destacamos, dos encontros
regionais, o Seminário de Educação de Jovens e Adultos, ocorrido em setembro de 1996 em
Natal, Rio Grande do Norte, quando foi lançado oficialmente o programa Alfabetização
Solidária pela Primeira Dama D. Ruth Cardoso
141
.
140
Salvador, Curitiba, Campo Grande foram sede dos encontros regionais. Natal foi sede do Seminário Nacional
de Educação de jovens e Adultos.
141
“A abertura solene do Seminário Nacional contou com a presença de numerosas autoridades, dentre as quais o
Ministro da Educação Paulo Renato de Souza, a Presidente do Conselho da Comunidade Solidária Ruth Cardoso
e o Governador do Rio Grande do Norte. Para surpresa dos delegados e membros do CNEJA, a cerimônia foi
dedicada ao lançamento público do Programa Alfabetização Solidária, do qual não tinham conhecimento prévio
146
A Realização do V Confitea em Hamburgo teve segundo Di Pierro (2000, p.139), pela
primeira vez na história das Conferências de Educação de Adultos, a participação de
organizações da sociedade civil, inclusive influenciando decisões finais, evidenciando a nova
configuração da EJA para os próximos anos: a parceria entre governo e sociedade civil. Como
documentos finais da Conferência foram produzidos a Declaração de Hamburgo e a Agenda
para o Futuro da Educação de Adultos.
A Declaração de Hamburgo afirma que a educação de adultos, mais do que um direito é a
“chave para o século XXI”, configurando-se como instrumento necessário à “plena
participação na sociedade” (BRASIL, 1998, p. 89). Aponta como meta principal da EJA a
construção de uma “sociedade educativa” com o desenvolvimento da autonomia e o sentido
de responsabilidade, “fortalecendo a capacidade de lidar com as transformações que ocorrem
na economia, na cultura e na sociedade como um todo” (BRASIL, 1998, p. 90). Deve ao
mesmo tempo, promover a coexistência tolerante e a participação consciente e criativa dos
indivíduos e comunidades (DI PIERRO, 2000, p. 139).
Consoante com a Declaração de Jomtien, a Declaração de Hamburgo amplia o conceito de
educação incluindo a educação não-formal e a alfabetização é considerada como direito
básico, sem a qual não há participação cidadã. O Estado continua tendo papel importante na
efetivação do direito à educação, todavia, esse deixa de ser um prestador de serviços nessa
área para assessorar, financiar, supervisionar e avaliar, além de propiciar formas de
participação do setor privado no oferecimento dessa modalidade de ensino (BRASIL, 1998, p.
91).
senão pela imprensa, malgrado compusessem um colegiado que deveria assessorar a formulação da política
nacional de educação de adultos” (DI PIERRO, 2000, p. 134).
147
A Declaração de Hamburgo evidencia o papel importante da educação tanto de crianças
quanto dos adultos, respeitando a especificidade de cada um no que se refere ao conteúdo,
para a concretização de uma visão renovada da educação “onde o aprendizado acontece
durante a vida inteira”. Torna-se, essa educação para toda a vida, de fundamental importância
para a ”criação de uma sociedade tolerante e instruída”, para o “desenvolvimento
socioeconômico, para a erradicação do analfabetismo, para a diminuição da pobreza e para a
preservação do meio ambiente” (BRASIL, 1998, p. 90).
A educação dos adultos, em longo prazo, dentro do objetivo de formação para a vida toda,
desenvolve a autonomia e o senso de responsabilidade dos indivíduos e das comunidades,
permite uma capacidade de lidar com as transformações que ocorrem na vida econômica,
social, cultural, além de permitir a “coexistência, a tolerância e a participação criativa e crítica
dos cidadãos em suas comunidades”, com isso os indivíduos podem controlar seus destinos e
enfrentar os desafios que se apresentam (BRASIL, 1998, p. 90).
Segundo a Declaração de Hamburgo durante a década de 1990, a educação dos adultos sofreu
profundas alterações no que se refere a sua abrangência e escala e, nesse período, em
decorrência de “sociedades do conhecimento que estão surgindo em todo o mundo”, a
educação continuada e dos adultos tornou-se um imperativo, “tanto nas comunidades como
nos locais de trabalho”. A sociedade do conhecimento trouxe novas demandas de
conhecimentos e habilidades que devem estar em constante atualização. O Estado assume um
papel central nesse processo como veículo principal para assegurar o direito a todos à
educação, principalmente os “grupos menos privilegiados da sociedade”. Todavia, a principal
ação do Estado deve ser o financiamento, o monitoramento e a avaliação das ações
148
impetradas pela sociedade civil em regime de parceria. A Declaração de Hamburgo
(BRASIL, 1998, p. 91) caracteriza a importância da participação da sociedade no processo
educativo dos jovens e dos adultos argumentando que “os desafios do século XXI não podem
ser enfrentados por governos, organizações e instituições isoladamente; a energia, a
imaginação e a criatividade das pessoas, bem como sua vigorosa participação em todos os
aspectos da vida são igualmente necessárias”.
A alfabetização de adultos, conforme a Declaração e Hamburgo, torna-se um direito humano
fundamental em um mundo em constante transformação. Ela é um dos pilares para o
desenvolvimento de outras habilidades. O desafio que se apresenta aos países é oferecer esse
direito àqueles que não têm oportunidade de aprender ou a ele não têm acesso. E assim,
apresenta a importância do reconhecimento desse direito:
O reconhecimento do ‘Direito à Educação’ e do ‘Direito a Aprender por Toda
a Vida’ é, mais do que nunca, uma necessidade: é o direito de ler e de
escrever; de questionar e de analisar; ter acesso a recursos e de desenvolver e
praticar habilidades e competências individuais e coletivas (BRASIL, 1998, p.
91).
A Declaração de Hamburgo também enfatiza a necessidade de se dirigir atenção especial à
educação das mulheres, respeitando a cultura própria de cada sociedade, mas eliminando
preconceitos e estereótipos, que limitam o seu acesso à educação e que restringem, a elas, os
seus benefícios (BRASIL, 1998, p. 93).
Outra questão apresentada é a relação entre educação de adultos e promoção de saúde. Assim,
enfatiza que a educação continuada também pode contribuir de maneira significativa, “para a
promoção da saúde e para a prevenção de doenças. A educação dos adultos democratiza a
149
oportunidade de acesso à saúde” (BRASIL, 1998, p. 94). O mesmo raciocínio se aplica
quanto ao desenvolvimento de ações na área ambiental, para o qual a educação dos adultos
pode desempenhar papel fundamental quanto à mobilização das comunidades e de seus
líderes.
Quanto às transformações na economia trazidas pela globalização, as mudanças nos padrões
de produção, o desemprego crescente e a dificuldade de levar uma vida estável, a Declaração
de Hamburgo aponta que são necessárias ações políticas trabalhistas mais efetivas e tamm
investimentos em educação. Esse último permite que “homens e mulheres desenvolvam suas
habilidades e possam participar do mercado de trabalho e da geração de renda”. Nesse
processo de transformações, o desenvolvimento de novas tecnologias nas áreas de informação
e comunicação tem trazido consigo a possibilidade de novos tipos de exclusão social para
aqueles (indivíduos ou empresas) que não consigam a elas se adaptar. Assim, “uma das
funções da educação de adultos, no futuro, deve ser a de limitar esses riscos de exclusão, de
modo que a dimensão humana das sociedades da informação se torne preponderante”
(BRASIL, 1998, p. 95).
A Declaração de Hamburgo também faz referência aos idosos e orienta para que esses tenham
as mesmas oportunidades de aprender que os mais jovens, tendo suas habilidades
reconhecidas, respeitadas e utilizadas. Quanto às pessoas portadoras de necessidades
especiais, que se promova a sua integração e participação na educação como direito de todos
(BRASIL, 1998, p. 95).
A Agenda para o Futuro adotada na Conferência de Hamburgo visa à consecução dos
objetivos até aqui expostos e define de modo detalhado, os novos compromissos em favor do
150
desenvolvimento da educação de adultos preconizados pela Declaração e Hamburgo. Para
promover o acompanhamento da concretização dos compromissos assumidos na Conferência
de Hamburgo, em âmbito internacional, a Unesco foi escolhida para exercer papel de
destaque quanto à interação com outros agências, redes e organizações. O Instituto da Unesco
para a Educação (IUE), em Hamburgo, deveria ser reforçado, a fim de tornar-se um centro de
referência internacional em matéria de educação permanente e de adultos.
No Brasil, várias foram as tentativas de dar prosseguimento às discussões iniciadas na V
Confitea, resultando na criação de fóruns estaduais e Encontros Anuais de Educação de
Jovens e Adultos (ENEJAs). Esses últimos são considerados por Soares (2002, p. 9) como
“espaço de pluralidade e de vitalidade do que acontece na Educação de Jovens e Adultos”.
Depois de reiniciado o processo de discussão em 1998, no sentido de cumprir os
compromissos assumidos na Confitea, o governo brasileiro, até o primeiro semestre daquele
ano, não havia dado sinais de interesse em mobilizar esforços nessa direção (DI PIERRO,
2000, p. 142).
Como estratégia, então, os representantes da Unesco, Conselho de Educação de Adultos da
América Latina (CEAAL), articularam-se à União Nacional dos Dirigentes Municipais e
Educação (UNDIME) e ao Conselho Nacional de Secretarias de Educação (CONSED)
buscando atrair o Ministério da Educação e do Trabalho para promoção de um Encontro
Nacional de Educação de Jovens e Adultos. Do referido, encontro ocorrido em Curitiba em
outubro de 1998, destaca-se a moção de repúdio, aprovada em plenária final, ao veto
presidencial à Lei 9.424, que exclui dos cálculos do Fundef as matrículas dos alunos da EJA.
151
Em setembro de 1999, novo encontro sobre EJA foi realizado, desta vez na cidade do Rio de
Janeiro, por meio do convênio entre Unesco e a Secretaria de Formação e Desenvolvimento
Profissional do Ministério do Trabalho (SEFOR/MTB). O MEC, no entanto, “restringiu-se a
apoiar a participação de municípios, conferindo prioridade àqueles envolvidos nos programas
do Comunidade Solidária” (DI PIERRO, 2000, p. 144) evidenciando a prática de focalização
e a falta de uma política nacional para a EJA.
O ano de 2003 marcou o início da Década de Alfabetização da Organização das Nações
Unidas (ONU) e foi apresentado como o ano da Confitea+6, ou seja, seis anos após a
assinatura da Declaração da Hamburgo, na qual deveria se fazer uma avaliação dos
compromissos assumidos em 1997.
Na 5ª Conferência Internacional de Educação de Adultos ficou acertado que o monitoramento
dos signatários da Conferência, quanto ao cumprimento dos compromissos assumidos, estaria
a cargo da Unesco, sob a coordenação do Instituto de Educação de Hamburgo. Paralelo ao
monitoramento da Unesco, o Conselho Internacional de Educação de Pessoas Adultas
(ICAE), uma organização não-governamental, também acompanharia a realização dos
compromissos assumidos em Hamburgo. Di Pierro (2003, p. 6) expõe que o trabalho da
ICAE, contou com a participação de 16 países. No Brasil, o processo de acompanhamento
dos compromissos assumidos em Hamburgo, foi coordenado pela Ação Educativa
142
, que
elaborou um relatório sobre a EJA seis anos após a Confitea. Esse relatório foi publicado com
o título “Agenda para o futuro, seis anos depois” e, segundo a autora, constituiu-se em uma
preparação para a 6º. Confitea a realizar-se em 2009.
142
Fundada há 10 anos, a Ação Educativa é uma ONG com atuação reconhecida nas áreas de educação e
juventude. Sua linha de trabalho está voltada à formação de educadores e jovens, animação cultural, pesquisa,
informação, assessoria a políticas públicas, participação em redes e outras articulações interinstitucionais. A
Ação Educativa trabalha, tamm, na elaboração de material didático e na área de pesquisa que resulta na
proposição de projetos, além de discussões das políticas públicas voltadas à educação.
152
O quadro que se segue sintetiza a avaliação feita pela Ação Educativa, com apoio da ICAE e
da Oficina Regional de Educação para a América Latina e Caribe da Unesco sobre a EJA no
Brasil seis anos após a Conferência de Hamburgo. Di Pierro (2003), na avaliação feita sobre
os compromissos assumidos pelo Brasil por ocasião da V Confitea, conclue que o Brasil
ainda está longe de garantir a propalada educação para todos, principalmente no que se refere
a educação dos jovens e dos adultos. Mesmo considerando os índices de analfabetismo que
tiveram uma redução ao longo dos anos 1990, a EJA não deixou de ser um mecanismo de
correção de fluxo do sistema escolar, cumprindo a função supletiva que sempre marcou as
ações nesse campo educativo. A supletividade das ações de EJA no Brasil, ainda segundo a
avaliação da autora, tem sido mantida pelas precárias condições de financiamento destinadas
a essa modalidade da educação básica.
Compromissos assumidos A EJA na década de 1990
Melhoria das condições e da
qualidade da educação dos
adultos
Na década de 1990 observou-se um aumento das matrículas na
educação básica e a redução dos índices de analfabetismo.
Todavia, apesar disso, o Brasil está longe de atingir as metas
propostas pela Confitea, na Agenda para o Futuro.
Garantir o direito universal à
alfabetização e à educação
básica
A redução dos índices de analfabetismo de 14,7%, em 1996 para
12,4%, em 2001não se deve a implementação de políticas
públicas educacionais contínuas e adequadas para a população
jovem e adulta, e sim ao esforço de universalização do ensino
fundamental para crianças e adolescentes, acompanhado por
programas de correção de fluxo escolar e aceleração de estudos
para alunos com defasagem idade/série. O atendimento aos
jovens e adultos, no Brasil, representa apenas 4% da demanda
potencial para essa modalidade de educação.
Melhorar o financiamento da
educação de adultos
Evidencia-se na década de 1990 uma redução nos gastos com a
EJA, representando 1% da despesa total das três esferas do
governo com educação e cultura. Entre 1994 e 1998 a EJA
recebeu menos de 0,5% do gasto federal total com educação e
cultura. Em 2000 e 2001 houve uma melhora de 578%, nos
gastos da União com a EJA, creditados ao Programa Recomeço.
Melhorar as condições de
trabalho e as perspectivas
profissionais dos educadores
de adultos.
A formação de carreira específica para educadores de EJA não
tem se efetivado pela ausência de políticas de educação de
jovens e adultos nas redes públicas de ensino básico. Muitos
docentes que atuam com os jovens e adultos são, em geral, os
mesmos do ensino regular, que procuram adaptar a metodologia
utilizada com crianças e adolescentes aos alunos adultos. Muitos
153
docentes de EJA atuam em turmas noturnas de educação de
jovens e adultos como atividade complementar à jornada de
trabalho com crianças e adolescentes no período diurno. A alta
rotatividade de docentes e a falta de equipes especialmente
dedicadas à educação de jovens e adultos prejudicam a formação
de um corpo técnico especializado.
As agências internacionais e os eventos por ela patrocinados em âmbito nacional ou
internacional tornam-se importantes no processo de formação do consenso e o
estabelecimento da cooperação entre os atores envolvidos no processo de reformas e a
implementação de mudanças. Assim, a idéia de focalização, descentralização e parceria
presentes na legislação e na prática educacional dos anos 1990, como explicitado nesse
capítulo, são recomendações dos principais documentos produzidos sob orientação das
agências internacionais, no período citado, como a solução para os problemas educacionais do
país.
Ao tornar-se claro para nós o fato de a educação ocupar posição de destaque na agenda das
agências como Banco Mundial, Cepal, Unesco a partir dos anos 1990, evidenciou-se que a
educação tem sido usada para resolver as contradições que o capital não tem condições de
superar, transferindo para o indivíduo a busca por sua capacidade de manter-se empregado
exatamente em uma época em que o capital necessita de cada vez menos mão-de-obra.
5 A EJA REPARADORA, EQUALIZADORA E QUALIFICADORA
O objetivo desse capítulo é refletir sobre a funcionalidade da educação de jovens e adultos,
com foco nas funções de reparação, equalização e qualificação atribuídas a essa modalidade
da educação básica pela Resolução CNE/CEB 1/2000, que institui as Diretrizes Curriculares
Nacionais para a EJA, e no Parecer CNE/CEB 11/2000.
A seguir, cada uma das três funções da EJA recebe destaque em separado. Em cada uma das
partes do capítulo são discutidos os argumentos apresentados no citado Parecer para
fundamentar e justificar as funções reparadora, equalizadora e qualificadora, buscando-se
evidenciar sua estreita vinculação com as transformações econômicas do fim do século XX e
início do século XXI. Parte-se do pressuposto de que a discussão sobre a funcionalidade
atribuída à EJA não ocorre em espaço social vazio, pois se deve levar em consideração as
condições históricas específicas em que ela foi constituída e instituída.
5.1 A FUNÇÃO REPARADORA
A primeira função da EJA, a reparadora, é justificada, no Parecer CNE/CEB 11/2000, pelo alto
número de analfabetos existente no Brasil. Considera o documento em questão que a
focalização das políticas públicas no ensino fundamental teve como resultado a ampliação do
número de crianças na escola. Aponta que, nos últimos anos, foram grandes os avanços quanto
155
à universalização do Ensino Fundamental, em obediência ao princípio da obrigatoriedade
escolar. Argumenta, contudo, que condições sociais adversas e as seqüelas de um passado
ainda mais perverso, associadas a inadequados fatores administrativos e de planejamento e
dimensões qualitativas internas à escolarização têm condicionado o insucesso de muitos alunos
(BRASIL, 2000, p. 30). O Parecer reconhece os avanços das políticas públicas em garantir a
universalização da Educação, e, ao mesmo tempo, considera que condições histórico-sociais
comprometem o empenho dos poderes públicos em assegurar uma educação básica para todos.
Em decorrência dos condicionantes do insucesso escolar de muitas crianças tem-se que: 1) a
média nacional de permanência na escola, no Brasil, fica entre quatro e seis anos, quando
deveria ser de oito; 2) o tempo médio de conclusão do ensino fundamental se converte em
onze anos, quando os alunos já deveriam estar cursando o ensino médio. Após diagnosticar
essa distorção idade/série, o Parecer enfatiza a problemática da repetência, da reprovação e da
evasão, e conclui que “o quadro sócio educacional seletivo continua a reproduzir excluídos do
ensino fundamental e médio, mantendo adolescentes, jovens e adultos sem escolaridade
obrigatória completa” (BRASIL, 2000, p. 30).
Para amenizar os efeitos da exclusão educacional, no Parecer são apontadas algumas ações que
propiciariam atendimento mais aberto a adolescentes e jovens: as classes de aceleração e os
programas de renda negativa como o Bolsa-Escola
167
. As primeiras objetivariam a correção da
167
A Lei n
o
10.219, de 11 de abril de 2001, criou o Programa Nacional de Renda Mínima vinculada à educação
denominado de "Bolsa Escola”. A população a ser atendida foi definida segundo dois parâmetros e um requisito:
faixa etária, renda e freqüência à escola. Assim, todas as famílias com renda per capita mensal inferior a R$
90,00, cujas crianças de 6 a 15 anos estivessem freqüentando o Ensino Fundamental regular, poderiam ser
beneficiadas pelo Bolsa Escola Federal. Uma vez beneficiária, a família passava a receber R$ 15,00 mensais por
aluno, com limite em R$ 45,00, ou três crianças por família. O dinheiro era pago diretamente à população por
meio de cartões magnéticos, nas agências da Caixa Econômica Federal, postos de atendimento do Caixa ou
lotéricas. A cada três meses, a freqüência das crianças bolsistas era analisada e o pagamento do benefício a seus
pais ou responsáveis poderia ser suspenso quando houvesse mais de 15% de faltas em um dos meses do período
apurado. A lei no 10.836, de 9 de janeiro de 2004, criou o Programa Bolsa Família unificando os procedimentos
de gestão e execução das ações de transferência de renda do Governo Federal, especialmente as do Programa
156
distorção idade/série escolar e os programas permitiriam a permanência da criança na escola,
com a diminuição do trabalho infantil. A distinção entre as classes de aceleração e a EJA é
esclarecida nos seguintes termos:
As primeiras são um meio didático-pedagógico e pretendem, com metodologia
própria, dentro do ensino de 7 a 14 anos, sincronizar o ingresso de estudantes
com distorção idade/ano escolar [...] já a EJA é uma categoria organizacional
constante da estrutura da educação nacional, com finalidades e funções
específicas (BRASIL, 2000, p. 31).
Mesmo considerando os esforços de correção idade/série escolar e os incentivos à permanência
das crianças na escola, as estatísticas educacionais no Brasil apontam um grande número de
analfabetos, um total de 14,7% (ver tabela 1), para a população de 15 anos de idade ou mais.
Para esses, o Parecer aponta a EJA como uma forma de acabar com o analfabetismo,
considerado uma dívida social, pois a população analfabeta constitui-se de pessoas que não
tiveram acesso nem domínio da leitura e da escrita como bem social, sendo a mão-de-obra
empregada na constituição de riquezas do nosso país. Ser analfabeto – argumenta - significa a
“perda de um instrumento imprescindível para uma presença significativa na convivência
social contemporânea” (BRASIL, 2000, p. 32).
Ressalta o Parecer que a ausência de escolarização não pode justificar uma visão
preconceituosa do analfabeto ou iletrado, já que na sociedade atual, ser analfabeto não
significa estar totalmente de fora das práticas sociais de leitura e escrita. Usa como argumento
a citação de Soares, que diz:
Nacional de Renda Mínima vinculado à Educação (Bolsa Escola), do Programa Nacional de Acesso à
Alimentação - PNAA, criado pela Lei n.º 10.689, de 13 de junho de 2003, do Programa Nacional de Renda
Mínima vinculada à Saúde (Bolsa Alimentação), instituído pela Medida Provisória n o 2.206-1, de 6 de setembro
de 2001, do Programa Auxílio-Gás, instituído pelo Decreto nº 4.102, de 24 de janeiro de 2002, e do
Cadastramento Único do Governo Federal, instituído pelo Decreto nº 3.877, de 24 de julho de 2001.
(
http://www.pnud.org.b. Acesso em: 12 fev. 2005)
157
[...] um adulto pode ser analfabeto, porque marginalizado social e
economicamente, mas, se vive em um meio em que a leitura e a escrita têm
presença forte, se interessa em ouvir a leitura de jornais feita por um
alfabetizado, se recebe cartas que outros lêem para ele, se dita cartas para que
um alfabetizado as escreva..., se pede a alguém que lhe leia avisos ou
indicações afixados em algum lugar, esse analfabeto é, de certa forma,
letrado, porque faz uso da escrita, envolve-se em práticas sociais de leitura e
de escrita (SOARES, 1998, p. 24, apud. BRASIL, 2000, p. 33).
Mesmo considerando a participação do iletrado na sociedade letrada, o Parecer argumenta que
é uma problemática a ser enfrentada o fato de o analfabeto não estar em iguais condições no
interior de uma sociedade “predominantemente grafocêntrica”, na qual a escrita é privilegiada.
Sendo assim, o não-acesso a degraus mais elevados de letramento torna-se danoso para a
conquista de uma cidadania plena (BRASIL, 2000, p. 33).
Nesse ponto, o Parecer reconhece que as raízes do analfabetismo no Brasil são de ordem
“histórico-social”, e aponta que a elite dirigente do país sempre atribuiu um papel subalterno à
“educação escolar de negros escravizados, índios reduzidos, caboclos migrantes e
trabalhadores braçais” (BRASIL, 2000, p.33). Hoje os descendentes desses grupos sofrem as
conseqüências dessa realidade histórica. Cumpre, então, à EJA “fazer a reparação dessa
realidade”, recuperando, para todos, o princípio da igualdade. A idéia é que a EJA garantiria
“uma reparação corretiva, ainda que tardia, de estruturas arcaicas, possibilitando aos
indivíduos novas inserções no mundo do trabalho, na vida social, nos espaços da estética e na
abertura dos canais de participação” (BRASIL, 2000, p. 38).
Com os argumentos até aqui expostos, o Parecer apresenta a primeira função da EJA: a
reparadora. Essa funcionalidade, além da entrada no circuito dos direitos civis, pela
restauração do direito a uma escola de qualidade, é o “reconhecimento da igualdade ontológica
158
de todo e qualquer ser humano” (BRASIL, 2000, p. 34). A justificativa para essa idéia está
ancorada na Declaração de Hamburgo (1998, p. 92), na qual consta:
[...] a alfabetização, concebida como o conhecimento básico, necessário a
todos, num mundo em transformação, é um direito humano fundamental. Em
toda a sociedade, a alfabetização é uma habilidade primordial em si mesma e
um dos pilares para o desenvolvimento de outras habilidades. [...] O desafio é
oferecer-lhes esse direito [...] A alfabetização tem também o papel de
promover a participação em atividades sociais, econômicas, políticas e
culturais, além de ser um requisito básico para a educação continuada durante
a vida.
Continuando a argumentação acerca da função reparadora da EJA, o Parecer explicita que, em
nossa sociedade, o caráter comum da linguagem esconde quanto o acesso a esse bem é
importante. Sendo assim, a ausência da leitura e da escrita pode levar a novas formas de
estratificação social, além de ser um instrumento de poder dos que a dominam. Nesse ponto, o
Parecer aponta o analfabetismo como uma das causas das diferenças sociais existentes na
sociedade burguesa, deixando a entender, também, que o domínio da leitura e escrita pode
contribuir para o fim da estratificação social. Diz que o acesso ao conhecimento sempre teve
um papel importante na divisão social, processo que se acentua, hoje, com as exigências
intelectuais básicas requeridas pela chamada sociedade do conhecimento (BRASIL, 2000, p.
35).
Para reforçar a idéia de que a escola constitui-se em um meio de alterar a posição do
indivíduo na sociedade, no Parecer explicita-se que a aquisição da leitura e escrita pode:
1. possibilitar a existência de um espaço democrático de conhecimento e postura
tendente a assinalar um projeto de sociedade menos desigual;
2. auxiliar na eliminação das discriminações e, nessa medida, abrir espaço para outras
modalidades mais amplas de liberdade ;
159
3. contribuir para universalização do ensino fundamental e médio, levando ao acesso aos
conhecimentos científicos, que permitem a superação de poderes assentados no medo
e na ignorância;
4. constituir-se em uma via de reconhecimento de si, da auto-estima e do outro como
igual ;
5. abrir caminho para que os cidadãos possam apropriar-se de conhecimentos
avançados, contribuindo para a consolidação de pessoas mais solidárias e de países
mais autônomos e democráticos;
6. permitir a participação no mercado de trabalho, no qual a exigência sobre o ensino
fundamental impõe-se como realidade (BRASIL, 2000, p. 36-37).
A alfabetização, a aquisição da leitura e escrita, portanto, constituir-se-ia em um meio de
inclusão social e a reparação de uma dívida histórica para com a classe trabalhadora.
Também, o Parecer considera que o Estado tem papel importante na promoção de políticas
públicas que atuem no campo das desigualdades sociais. A função reparadora, segundo o
documento, se tornaria uma oportunidade para a inclusão dos jovens e dos adultos na escola e
uma opção viável para um grupo com especificidades socioculturais para o qual se espera
uma efetiva atuação das políticas sociais implementadas pelo Estado (BRASIL, 2000, p.38).
Argumenta-se no Parecer que as várias instituições da sociedade civil também devem ser
chamadas à reparação dessa dívida, em regime de colaboração com os poderes públicos.
Percebemos a estreita vinculação entre as diretrizes expostas no Parecer e as orientações das
agências internacionais, que apontam para a necessidade de participação da sociedade civil na
efetivação das políticas sociais
168
e a focalização das ações do Estado na educação básica.
168
Quanto às políticas sociais assim esclarece Höfling (2001, p. 31): “E políticas sociais se referem a ações que
determinam o padrão de proteção social implementado pelo Estado, voltadas, em princípio, para a redistribuição
160
A função reparadora da EJA é apresentada no Parecer (BRASIL, 2000, p. 36) como
propiciadora do ingresso no mercado de trabalho. Argumenta-se que a EJA constitui-se em
uma oportunidade de atender à atual exigência das competências requeridas pela vida cidadã e
do mercado de trabalho. Enfatiza-se que a existência do desemprego, do subemprego, do
desemprego estrutural e do trabalho informal, decorrentes de mudanças nos atuais processos de
produção, podem produzir uma instabilidade para os indivíduos, sendo muito mais atingidos
aqueles que são desprovidos da leitura e da escrita.
A nosso ver, a idéia central da função reparadora atribuída à EJA é a inclusão. Busca-se por
meio da EJA a inclusão no sistema educacional daqueles que estão fora da escola. O raciocínio
é que, como conseqüência da inclusão escolar, haveria a inclusão na vida cidadã e, com ela, o
acesso ao mercado de trabalho. Podemos inferir que, de acordo com o Parecer, torna-se
imperioso, para tornar-se cidadão, estar inserido no mundo produtivo. A inserção ou inclusão,
nesse caso, depende do acesso aos conhecimentos produzidos pela sociedade do
conhecimento.
O documento da Câmara de Educação Básica reconhece que os problemas do analfabetismo e
da exclusão social e educacional são de ordem histórico-social, mas transfere para a escola e
para o indivíduo a busca pela superação desse estado. Nesse ponto inserimos a questão da
individualização do fracasso, desenvolvida por Neto (2001, p. 35). Para esse autor nas
condições da atual fase do desenvolvimento capitalista, ou seja, um prolongamento direto da
sua fase monopolista, o caráter público com que as questões sociais são tratadas “incorpora o
substrato individualista da tradição liberal” [...]; assim, “o destino da pessoa é função do
indivíduo como tal”, como conseqüência, “tanto o êxito como o fracasso social são creditados
dos benefícios sociais visando a diminuição das desigualdades estruturais produzidas pelo desenvolvimento
socioeconômico. As políticas sociais têm suas raízes nos movimentos populares do século XIX, voltadas aos
conflitos surgidos entre capital e trabalho, no desenvolvimento das primeiras revoluções industriais”.
161
ao sujeito individual”. O Estado burguês, ao mesmo tempo em que intervém nos problemas
sociais, debita a continuidade das seqüelas sociais aos indivíduos por elas afetados, na
concepção de políticas sociais (NETTO, 2001, p.36).
Montaño (2003, p. 189) aponta que as políticas sociais estatais são alteradas
significativamente sendo aos poucos retiradas da órbita do Estado, em um processo de
privatização por meio da sua transferência para o mercado ou a sociedade civil, em
decorrência da nova estratégia hegemônica do grande capital (o neoliberalismo), da
reestruturação produtiva, da reforma do Estado e da globalização da produção. Como
decorrência desse processo de privatização, a própria sociedade e as famílias passam a ser os
responsáveis pelas políticas de bem-estar, como educação e saúde.
O que fica para o Estado neoliberal, em termos de políticas sociais, é realizado com ações
focalizadas em determinados serviços oferecidos a grupos específicos da sociedade. Sobre
esse assunto, Montaño (2003, p. 195) acrescenta:
[...] os ‘serviços estatais para pobres´ são, na verdade, ´pobres serviços
estatais´. Aqueles que tiverem condições de contratá-los na órbita privada
terão serviços de boa qualidade; quemo puder fazê-lo e, portanto, tiver que
recorrer à prestação de serviços estatais, receberá um tratamento de má
qualidade, despersonalizado. E essa precarização e diminuição dos serviços
estatais ocorre justamente num contexto de crise em que se desencadeia um
aumento real das necessidades, carências e demandas sociais.
Ainda sobre o papel do Estado em relação ao social, Silva Júnior (2002, p. 35) explicita que,
no processo de mundialização do capital, o Estado torna-se “muito forte e pouco interventor
162
no social”, porque o econômico o configura, tornando-o um Estado gestor
169
, que se mostra
democrático quando, nas questões sociais, transfere para a sociedade civil os direitos sociais
e sua concretização. E acrescenta: “a cidadania que deriva daí é uma cidadania produtiva”,
ou seja, vinculada ao processo de trabalho e a serviço dos interesses do capital.
Devemos refletir sobre o conceito de inclusão, apontado por nós como o próprio sentido da
função reparadora da EJA. Garcia (2004, p. 22) explica que o conceito de inclusão tem sido
usado em oposição a exclusão. Evidencia que sua utilização, na última década do século XX,
vinculava-se mais às políticas sociais, sobretudo na aérea educacional, aparecendo como
uma novidade capaz de “superar a ordem social estabelecida” (GARCIA, 2004, p.23).
Quem seriam então os incluídos? Os incluídos seriam aqueles que têm acesso aos bens
materiais e culturais produzidos pela sociedade e disponíveis no mercado. Assim, os que não
têm emprego, não estão inseridos no mundo produtivo seriam os excluídos da sociedade.
Percebemos aqui um contra-senso: a inclusão seria dada via escola, enquanto a exclusão
completa-se via mercado. Revela-se que a inclusão escolar é a única possível no capitalismo,
já que a cidadania capitalista só se completa com a participação no mundo produtivo e no
mercado. Trata-se de aspecto que Ramos (2003, p. 22) aponta como paradoxal, pois os
processos da educação para a cidadania e para o trabalho se confundem “justamente no
momento em que o mercado de trabalho reserva espaço para cada vez menos pessoas”.
169
O Estado a serviço do capital financeiro tem sua ação na esfera pública restringida, mas continua forte como
um estado gestor. Sua atuação na esfera privada, contudo, expande-se por meio de nova regulamentação no qual
“impulsiona, segundo a ideologia liberal, um movimento de transferência de responsabilidades de sua alçada
para a sociedade civil, ainda que as fiscalize, avalie e financie, conforme as políticas por ele produzidas e
influenciadas pelas agências multilaterais. O poder regulador, sob a forma do ‘político’, é agora o poder
econômico macrogerido pelo capital financeiro, com graves conseqüências para a cidadania e para a educação”
(SILVA JÚNIOR, 2002, p. 33).
163
Refletir sobre a idéia da exclusão via mercado e inclusão via escola leva-nos a pensar sobre a
materialidade na qual estão assentadas atualmente as noções de inclusão e exclusão.
Devemos considerar que as mesmas relações nas quais se produz a riqueza, se produz a
miséria, sendo, portanto, a miséria e a exclusão “resultado continuado e crescente do
desdobramento do modo de produção capitalista” (DEL PINO, 2001, p.69). Marx (1998, p.
19-20) explicou que a condição essencial para a existência e o domínio da classe burguesa é
a acumulação de riqueza em mãos de particulares. Enquanto não houver a superação do
modo de produção fundamentado na divisão social em classes com interesses antagônicos,
na qual a produção é cada vez mais socializada, mas a apropriação da riqueza social é
privada, não há como superar a desigualdade social fundamental e reparar a dívida social,
apontada no Parecer, a não ser parcialmente, exatamente porque são de ordem histórico-
social. Quanto mais se produz a riqueza em um pólo mais a contrapartida é a miséria no
outro, quadro agravado com a magnitude dos processos de concentração e centralização do
capital na fase do capitalismo mundializado.
Sendo assim, a idéia da chamada inclusão social via escola baseia-se em um reducionismo,
não se sustenta empiricamente, pois, a escolarização na atual fase do desenvolvimento
capitalista tem sido utilizada para justificar a seletividade no mercado do trabalho (DEL
PINO, 2001, p. 81), já que não há lugar para todos. A idéia que o Parecer CEB 11/2000
apresenta é que a inclusão na sociedade, ou seja, no mercado, só pode ser alcançada via
investimento pessoal, adquirindo características individuais apreciadas pelo capital, como a
capacidade “para enfrentar o emprego, o desemprego, e o auto-emprego...” (PAIVA, 2001, p.
56).
164
Depreende-se que o discurso atual sobre a inclusão e a exclusão social, expressão da função
reparadora da EJA, tem transferido para o indivíduo a responsabilidade por adquirir a
capacidade de incluir-se, ou não, nessa sociedade. Isso contribui para encobrir a realidade
social que produz a exclusão, além de impedir uma discussão sobre as possibilidades reais de
sua superação.
A estreita vinculação entre a EJA e o mundo do trabalho, ao definir as novas competências
exigidas pelas transformações da base econômica do mundo contemporâneo, está expressa no
Parecer CEB 11/2000 da seguinte maneira:
As novas competências exigidas pelas transformações da base econômica do
mundo contemporâneo, o usufruto de direitos próprios da cidadania, a
importância de novos critérios de distinção e prestígio, a presença dos meios de
comunicação assentados na microeletrônica requerem cada vez mais o acesso a
saberes diversificados. A igualdade e a desigualdade continuam a ter relação
imediata com o trabalho. Mas seja para o trabalho, seja para a multiformidade
de inserções sociopolítico-culturais, aqueles que se virem privados do saber
básico, dos conhecimentos aplicados e das atualizações requeridas podem se
ver excluídos das antigas e novas oportunidades do mercado de trabalho e
vulneráveis a novas formas de desigualdades (BRASIL, 2000, p. 37-38).
Rummert (2000, p. 61) destaca ser hoje idéia comum que o acesso ao mercado – material
social e simbólico – torna-se uma questão de mérito pessoal. E acrescenta: “recompõe-se,
assim, o mito da permanente vitória do bem sobre o mal, do forte e capaz sobre o medíocre,
sobretudo, reforça-se uma leitura maniqueísta e positivista da realidade”. Adverte, também,
que nesse processo naturalizam-se a riqueza e a miséria, que expressam a maior ou menor
capacidade de cada um obter sucesso. Soma-se isso a idéia de que a cidadania constitui-se em
um prêmio para os vencedores, tornando-se ela mesma uma cidadania voltada aos interesses
do mercado de trabalho.
165
Frigotto (2004, p. 7), ao discutir a questão da cidadania e a formação profissional como
desafios para o fim do século XX, chama a atenção para o processo que ele denomina
“exclusão sem culpa”. Explicita o referido autor que a desigualdade existente na sociedade
capitalista não se explica pelas relações sociais de classe, de violência e de exclusão,
intrínsecas ao modo de produção capitalista, mas pela “vontade e comportamento individual”.
O livre-mercado constitui-se como o “lócus onde vontades livres e supostamente iguais por
natureza, oferecem os seus serviços à sociedade ao mesmo tempo satisfazendo suas
necessidades”. O mesmo autor alerta para o fato de que a “classe trabalhadora que se constitui
na gênese da sociedade capitalista é preliminarmente constituída por excluídos dos meios e
instrumentos de produção”. As situações que se apresentam como escolhas igualitárias, na
realidade, constituem-se na legitimação da desigualdade, e a conseqüência disso, como nos
aponta Frigotto (2004b, p. 7) é que:
É sob este ideário que a sociedade capitalista estatui a cidadania de direitos
sociais, econômicos, culturais, lúdicos, educacionais para poucos, e uma
cidadania de segunda categoria para as maiorias. Também, sem a necessidade
de apelar pela vontade dos deuses, mas justificando pela má escolha
individual, legitima processos educativos e formativos dualistas onde à classe
que vive da venda da força de trabalho se reserva o ensino técnico-profissional
marcado pelo adestramente, treinamento, requalificação, formação de
competências, no limite numa perspectiva da polivalência, regulada pelas
necessidades da produção sob a égide do mercado capitalista. (grifos no
original)
Ressaltamos que no tocante aos discursos das agências internacionais ou dos próprios
empresários nacionais, a educação é vista como condição essencial de superação dos
problemas da sociedade e do indivíduo. Se a exclusão do mercado de trabalho é fruto do
despreparo do indivíduo, a solução apresenta-se via retomada dos estudos para jovens e
adultos que não concluíram o ensino fundamental e médio em idade considerada apropriada.
A educação que se apresenta como reparadora, destinada aos jovens e aos adultos analfabetos
ou pouco escolarizados, deve, segundo a ótica empresarial: ser ofertada com caráter especial;
166
voltada para o atendimento emergencial da demanda reprimida; contar com recursos
metodológicos, materiais e financeiros próprios além, também, da participação da sociedade
civil em sua concretização. Essas prerrogativas, primeiramente apontadas pelos documentos
produzidos pelas agências internacionais, encontram-se materializadas na legislação
educacional brasileira produzida no final dos anos 1990.
Em termos de discurso oficial, a EJA tem recebido destaque enquanto instrumento de
reparação da dívida social, que é a educação para os jovens e para os adultos analfabetos ou
pouco escolarizados. Devemos considerar que na prática a adequação do Brasil às exigências
internacionais do capitalismo mundializado torna a educação um serviço social que deve
atender às necessidades básicas da população. O básico em termos educacionais passou a ser
o ensino fundamental dos sete aos quatorze anos, fazendo com que os investimentos na EJA
sigam as estratégias de focalização e descentralização, premissas das reformas educacionais
da última década do século XX. Nos anos 1990 a EJA reparadora efetivou-se principalmente
por meio de cursos aligeirados ou exames de suplência conformados com a questão da
qualidade e eficiência, que passaram a ser entendidas como a apresentação de dados
estatísticos com altos índices de conclusão.
A EJA reparadora leva-nos a refletir sobre o fracasso escolar, os altos índices de analfabetismo
no Brasil, a reprovação e a evasão - entre outros problemas. No âmbito desse trabalho
interessa-nos refletir sobre a motivação que leva os jovens e os adultos analfabetos ou pouco
escolarizados a buscar a conclusão dos estudos nas etapas fundamental e média.
No Brasil, no início do século XX, as transformações ocorridas com o processo de
industrialização e urbanização foram acompanhadas por um “aumento de ocupações não
167
manuais e uma maior demanda da população pela educação formal”. Na década de 1950 o
nível primário de escolarização garantia o acesso ao mercado de trabalho em muitos postos.
Nas décadas seguintes e principalmente nos anos 1990, a tendência a se exigir maior grau de
instrução para a inserção no mercado de trabalho se acentuou, (ZAGO, 2000, p.23). Esse
fenômeno é atribuído por Saes (2004, p.75) à sobrequalificação produzida pela pressão da
classe média pelo ensino superior, e não à intenção dos empresários.
Podemos afirmar, segundo conclusões da pesquisa empírica realizada por Zago (2000, p. 24)
com jovens oriundos das camadas médias e populares, que a volta à escola se apresenta como
requisito básico para responder às exigências do mercado de trabalho e, sobretudo, como
“possibilidade de romper com as condições de pobreza familiar”. A autora citada evidencia
que as famílias das camadas populares valorizam a instrução escolar ancoradas em dois
aspectos: o primeiro vê a escola como propiciadora dos domínios dos saberes fundamentais e
integração ao mercado de trabalho, e no segundo a escola se apresenta como espaço de
socialização e proteção dos filhos do contato com a rua e as drogas.
Não obstante, a mesma pesquisa revela que embora haja o reconhecimento da família e do
jovem/adulto da “valorização pró-escola”, há uma clara percepção dos “limites impostos pelas
condições materiais objetivas” que obriga a uma opção pelo trabalho em detrimento da vida
escolar (ZAGO, 2000, p. 30). Assim,
Pressionados pelas exigências do mercado de trabalho, os jovens que não
freqüentaram a escola na idade prevista tentam ou fazem projetos para retomar
os estudos, geralmente através do ensino regular noturno ou de fórmulas mais
rápidas que podem ser viabilizadas pelos cursos supletivos. Nas camadas
populares, é sempre dentro destas modalidades que o futuro escolar é
projetado, na perspectiva de uma conciliação entre estudo e trabalho (ZAGO,
2000, p. 27).
168
Tomados pela idéia de que a retomada dos estudos poderá lhes garantir um lugar no disputado
mercado de trabalho formal, muitos jovens, ainda de acordo com a pesquisa de Zago (2000, p.
32), voltam à escola com uma preocupação maior em relação à obtenção do certificado do que
com o saber escolar em si mesmo. A posição assumida por aqueles que não conseguiram um
certificado escolar é a de transferir para si mesmos a responsabilidade pelo fracasso escolar,
considerando-se os “principais responsáveis pelo baixo nível escolar e, quanto aos resultados
obtidos, os atribuem principalmente às características individuais como incompetência e
desinteresse”.
Sobre a pesquisa de Zago (2000), Saes (2004, p. 74) complementa explicando que para os
trabalhadores manuais a instrução rudimentar (ler, escrever e contar) torna-se importante para
o acesso ao mercado de trabalho. O cálculo da renda familiar perdida com a manutenção dos
filhos na escola faz com muitos pais trabalhadores relativizem a importância da conclusão do
ensino fundamental, assumindo uma posição fatalista ao verem seus filhos de doze, treze e
quatorze anos ingressarem no mercado de trabalho informal ou eventual, abandonando a
escola. Ainda para esse autor, as classes populares sabem que somente uma parcela muito
pequena dos trabalhadores manuais com formação profissional ampla é absorvida pelo
marcado de trabalho, e explicita:
Na prática, o proletariado desconfia do apelo tecnocrático para que “todos”
obtenham uma “formação polivalente”; e percebe que o aparelho produtivo do
capitalismo pede à maioria dos trabalhadores tão-somente a capacidade
adaptativa de passar rapidamente, no “canteiro de obras”, de uma tarefa
limitada para outra tarefa limitada (SAES, 2004, p 74-75).
O Parecer CEB 11/2000, ao apresentar a EJA como reparadora de uma dívida social para com
aqueles que não tiveram oportunidade de concluir seus estudos em idade apropriada, colabora
com a idéia de que por meio da escola é possível a inserção profissional e a melhoria das
169
condições de vida do indivíduo, que vê nas suas características pessoais a responsabilidade
pelo fracasso escolar e profissional. Percebemos, nessa premissa, um incentivo à competição,
corroborando a atomização social, na medida em que a idéia que se difunde é a de que cada um
deve buscar a superioridade sobre os demais por meio da luta isolada por seus interesses e
necessidades (RUMMERT, 2000, 59). Podemos relacionar essa idéia à idéia-chave de que o
acréscimo marginal de instrução, treinamento e educação constitui-se em um acréscimo de
capacidade de produção, noutras palavras, de capital humano, indicativo de um determinado
volume de conhecimentos, habilidades e atitudes adquiridos capazes de potencializar a
produção (FRIGOTTO, 1996, p. 41). Esse é o sentido do termo empregabilidade que revigora
a idéia de que investir no capital humano torna-se rentável, tanto para as nações quanto para os
indivíduos.
5.2. A FUNÇÃO EQUALIZADORA
A função equalizadora da EJA articula-se com os interesses daqueles que tiveram sua
trajetória escolar interrompida e apresenta-se como possibilidade de um novo ponto de partida
para a igualdade de oportunidades. Argumenta-se que essa função constitui-se em uma “chave
indispensável para o exercício da cidadania, na sociedade contemporânea”, tornando-se cada
vez mais necessária nesses tempos de grandes mudanças e inovações nos processos
produtivos. Voltando à escola, o indivíduo jovem e adulto pode “retomar seu potencial,
desenvolver suas habilidades, confirmar competências adquiridas na educação extra-escolar e
na própria vida e, possibilitar um nível técnico e profissional mais qualificado”. A educação
de jovens e de adultos representa a promessa de abrir um caminho de desenvolvimento de
todas as pessoas, de todas as idades (BRASIL, 2000, p.40).
170
A função equalizadora parte do princípio da discriminação positiva, ou seja, dar maiores
oportunidades aos que precisam mais
170
. Nesse ponto, o Parecer traz argumentos de que a
EJA não pode ser vista apenas como alfabetização, é preciso trabalhar as múltiplas linguagens
visuais juntamente com as dimensões da cidadania e do trabalho. E completa que a função
equalizadora pauta-se pela garantia da eqüidade, que é definida no Parecer nos seguintes
termos:
A eqüidade é a forma pela qual se distribuem os bens sociais de modo a
garantir uma redistribuição e alocação em vista de mais igualdade,
consideradas as situações específicas. Segundo Aristóteles, a eqüidade é a
retificação da lei onde esta se revela insuficiente pelo seu caráter universal
(Ética a Nicômaco, V, 14, 1.137 b, 26 apud, BRASIL, 2000 p. 39- grifos no
original).
É preciso considerar que algumas palavras, hoje muito comuns na literatura educacional e nos
documentos ou recomendações de agências internacionais como o Banco Mundial e seus
afiliados, são fruto de uma forma de pensar, de uma dada concepção de mundo e de
sociedade, em sintonia com determinados grupos, classes ou frações de classe. Argumentam
Frigotto e Ciavatta (2003, p.46) que
:
[...] a atitude mais adequada a se adotar, tanto do ponto de vista da produção
do conhecimento quanto da ação político-prática, é a da vigilância crítica,
buscando desvendar o sentido e o significado das palavras e dos conceitos,
bem como perceber o que nomeiam ou escondem e que interesses articulam.
Devemos refletir sobre a função de equalização da EJA, partindo do entendimento do próprio
conceito de eqüidade, que aparece pela primeira vez em Aristóteles (384-355 a.C.), na Ética a
Nicômaco, conforme é citado pelo autor do Parecer. Nessa obra, Aristóteles justifica a
aplicação de medidas diferentes para pessoas iguais. A eqüidade seria, assim, uma forma “de
170
Deve-se enfatizar que esse princípio coaduna-se muito bem com a política de focalização, cujo fundamento é
não mais criar direitos universais, mas, o atendimento seletivo apenas aos que precisam mais.
171
correção da lei quando ela é deficiente em razão de sua universalidade”. O eqüitativo seria
“justo, superior a uma espécie de justiça – não à justiça absoluta, mas ao erro proveniente do
caráter absoluto da disposição legal” (ARISTÓTELES, 1984, p. 136). A eqüidade justifica um
tratamento diferenciado para alguns, com o objetivo de corrigir distorções na aplicabilidade
de ações que deveriam ser iguais para todos.
Segundo Oliveira (2001, p. 74), o termo eqüidade refere-se à disposição de reconhecer o
direito de cada um, o que não significa obedecer ao direito objetivo. A eqüidade pauta-se pela
busca da justiça e moderação. Noronha (2002, p. 73) explicita que o termo eqüidade pode ser
entendido como o equilíbrio entre o mérito e a recompensa, e ressalta que o termo tem sido
muito utilizado nos documentos elaborados pelas agências internacionais e suas afiliadas, bem
como em documentos sobre política educacional em âmbito nacional produzidos nos anos
1990, nos quais se percebe um deslocamento do conceito de igualdade para eqüidade. No
contexto das reformas neoliberais dos anos 1990 o termo eqüidade corresponde a
“desregulamentação do direito possibilitando tratamentos diferenciados e ampliando em
escala sem precedentes a margem de arbítrio dos que detêm o poder de decisão” (SAVIANI,
1998, p. 18-19 apud NORONHA, 2002, p. 72).
Oliveira (1993, p. 33), ao explicitar o surgimento do conceito de direito subjetivo, dá-nos uma
idéia clara sobre o entendimento do termo eqüidade. Enfatiza a autora que:
O ‘direito de cada um’ será o produto da divisão, e não será o mesmo para
todos. Não que inexista uma idéia de ‘isonomia’, mas o ison não deve ser
traduzido como igualdade, e sim por eqüidade. A aequitas expressa melhor
esta idéia de proporção justa, que se obtém na distribuição de certas
quantidades de coisas em função da qualidade das pessoas.
172
Atualmente, o termo eqüidade ganhou força e passou a ser usado na literatura educacional,
nos discursos e nos documentos oficiais. O que podemos apreender é que houve uma
ressignificação desse conceito na formulação e concretização das políticas sociais pelo Estado
representante do capitalismo monopolista. Tendo como base o princípio da eqüidade, as
propostas de educação para todos transformaram-se, no Brasil, em educação fundamental dos
sete aos quatorze anos, e o fundamental reduz-se a ler, escrever e contar.
Os documentos produzidos nos anos 1990 – estudos realizados no âmbito da Cepal/Unesco –
1990/1992 e Banco Mundial 1995 - têm como marca principal a busca pela eqüidade social
aliada à idéia da discriminação positiva, no qual a questão principal que se coloca é a
possibilidade de estender certos benefícios obtidos por alguns grupos sociais a toda a
população, mas sem que haja um aumento das despesas públicas para esse fim. Conforme
Oliveira (2001, p. 74), a “educação com eqüidade implica em oferecer o mínimo de instrução
indispensável às populações para a sua inserção na sociedade atual”.
A EJA, com a reforma educacional dos anos 1990, ganhou a função específica de garantir a
equalização da população que por motivos diversos teve sua escolaridade interrompida ou não
realizada. O que se apresenta é que por meio dessa modalidade da educação poderia ser
garantida a eqüidade, termo utilizado como sinônimo de igualdade. Pelos princípios
neoliberais, justifica-se a existência das desigualdades como fruto das escolhas individuais do
cidadão-cliente, ou ainda, como necessárias para o bom funcionamento do mercado. Isto vem
ao encontro da idéia anteriormente exposta, de que o Estado burguês busca formas de
conciliar os interesses da classe trabalhadora sem prejudicar os interesses do capital. Nesse
caso, a forma encontrada foi a sutil substituição do conceito de igualdade por eqüidade, pois a
ressignificação, que resulta na equivalência entre igualdade e eqüidade, pressupõe uma ordem
173
social na qual o fundamento é a diferença, a desigualdade, esse último, princípio básico do
liberalismo.
O argumento das orientações das agências internacionais, ao propor as reformas do Estado e
da Educação no final da década de 1990, foi tornar os indivíduos e os países pobres
competitivos no mercado, posto que o processo de mundialização é desigual. Idéia que reforça
a desigualdade entre os países e as regiões. Para Noronha (2002, p. 79-80), a centralidade dos
termos trabalho, educação e conhecimento nos documentos do Banco Mundial revela que se
espera que os indivíduos adquiram habilidades que os capacitem minimamente a saber buscar
conhecimentos de forma permanente. Nessa linha de raciocínio não é preciso que se
desenvolva “uma formação sistemática, ampla e profunda tendo como base os conhecimentos
significativos produzidos e acumulados pela humanidade”. Segundo o Banco Mundial, a
escola não precisaria propiciar tal formação, já que o conhecimento está disponível a todos.
Basta que cada um os acesse, por intermédio dos recursos da modernidade (informática,
telecomunicações). A inclusão do indivíduo ao mundo globalizado se daria de forma
individual e sem limites, por meio do conhecimento.
Podemos dizer, com o exposto até aqui, que a idéia presente na atribuição da função
equalizadora à EJA é a da não-existência de classes sociais, mas sim, da existência de
indivíduos aptos ou não a se integrar na sociedade. Sobre isso Noronha (2002, p. 80)
acrescenta que “a eqüidade social se materializaria nesse enfoque, na medida em que o
indivíduo fosse capaz de associar as competências para operar os códigos com o mérito
(reconhecimento de sua competência pelo mercado)”.
174
O termo eqüidade, a nosso ver, contribui para dissimular a relação de classes existente na
sociedade capitalista, pois, ao tratar diferentemente os iguais, faz as pessoas acreditarem que
não existem direitos sociais e bens públicos. A idéia é que o estado gestor, mínimo em suas
funções internas, deve ir ao encontro daqueles que realmente necessitam, dando-lhes o
mínimo, aproximando as políticas sociais do neoliberalismo às políticas compensatórias
(MORAES, 2001, p. 66), o que não elimina as diferenças sociais, só garante a eqüidade
neoliberal.
A promessa de inserção no mundo produtivo e na vida cidadã constitui-se também traço
marcante dos anos 1990, como forma de ao mesmo tempo se generalizar o discurso de que as
“exigências de perfil profissional mais flexível e adaptável recaem sobre uma formação
calcada não mais em saberes específicos, mas em modelos de competência” (OLIVEIRA,
2001, p. 75).
Além do que foi exposto até agora, a idéia principal veiculada nos documentos produzidos
tanto no âmbito internacional quanto no nacional é que a educação básica tem por função
levar às populações o acesso a rudimentos de instrução que favoreçam a vida em sociedade.
Esses rudimentos de instrução são explicitados por Oliveira (2001, p. 75) da seguinte forma:
Através da escola básica, noções de higiene, de disciplina, de civilidade, códigos
indispensáveis à vida moderna são transmitidos a todos os indivíduos, inclusive
àqueles alijados do emprego formal e regulamentado. Nesse sentido, a educação
básica, entendida como um mínimo de escolaridade a ser oferecido pelo poder
público, pode estar a serviço de contribuir na gestão do trabalho e da pobreza nos dias
atuais.
A autora explica que as reformas educacionais dos anos 1990 implementadas no Brasil
procuraram resguardar a possibilidade de continuar formando uma força de trabalho adequada
175
às necessidades do setor produtivo, substituindo a igualdade de direitos pela eqüidade social
“entendida como a capacidade de estender para todos o que se gastava só com alguns”
(OLIVEIRA, 2001, p. 75).
A EJA tem cumprido, no contexto neoliberal, a sua função de equalização, oferecendo o
básico para aqueles que procuram a escola para retomar seus estudos tentando incluir-se no
mercado de trabalho ou nele buscando se manter. Para a EJA a idéia do básico significou a
atuação do Estado direcionada para as campanhas de alfabetização como um fim em si
mesma, pois assistimos, na última década do século XX, à focalização da política educacional
no ensino fundamental gratuito, obrigatório e presencial para aqueles que estão na faixa etária
dos sete aos quatorze anos, o que tem contribuído para o retardamento quanto à imediata
universalização das outras etapas da educação básica.
5.3 A FUNÇÃO QUALIFICADORA
A função qualificadora da EJA é relacionada com a tarefa de levar a todos a atualização de
conhecimentos por toda a vida. De acordo com o Parecer CNE/CEB 11/2000, trata-se de uma
função permanente da EJA; mais do que uma função, esse é o seu próprio sentido. A função
qualificadora procura levar o jovem e o adulto a se atualizarem em quadros escolares ou não-
escolares. Aqui, torna-se claro o “apelo para a educação permanente e criação de uma
sociedade educada para o universalismo, a solidariedade, a igualdade e a diversidade”
(BRASIL, 2000, p. 41). Para dar força a seu argumento, o Parecer cita o Relatório Jacques
Delors:
176
Uma educação permanente, realmente dirigida às necessidades das sociedades
modernas não pode continuar a definir-se em relação a um período particular
da vida - educação de adultos, por oposição à dos jovens, por exemplo, - ou a
uma finalidade demasiado circunscrita _ a formação profissional, distinta da
formação geral. Doravante, temos de aprender durante toda a vida e uns
saberes penetram e enriquecem os outros. (DELORS, 1996, p. 89)
Justifica o Parecer que por essa função a pessoa pode se qualificar, requalificar e “descobrir
novos campos de atuação da descoberta de uma vocação pessoal” (BRASIL, 2000, p.41),
tarefa até então obstaculizada “por uma sociedade onde o imperativo do sobreviver comprime
os espaços da estética, da igualdade e da liberdade”. Argumenta que o desemprego ou o
avanço tecnológico, aplicados aos processos produtivos, têm gerado um tempo liberado.
Muitos “jovens ainda não empregados, desempregados, empregados em ocupações precárias e
vacilantes” podem encontrar na EJA, em suas funções de reparação e de equalização, ou
qualificação, “um lugar de melhor capacitação para o mundo do trabalho e para a atribuição
de significados às experiências sócio-culturais trazidas por eles” (BRASIL, 2000, p. 42).
A conclusão é que, seja-se jovem ou adulto, em qualquer idade e em qualquer época da vida,
“é possível se formar, se desenvolver e constituir conhecimentos, habilidades, competências e
valores que transcendam os espaços formais da escolaridade e conduzam à realização de si e
ao reconhecimento do outro como sujeito” (BRASIL, 2000, p.43).
A promessa de desenvolver novas competências exigidas pela sociedade nessa fase de
estruturação da produção, por meio da educação, leva-nos a refletir sobre o conceito de
competências. Batista (2002, p. 56) esclarece que esse conceito emerge com força no contexto
de reestruturação produtiva, sobretudo ligado aos discursos sociais e científicos, e na escola
não é um conceito totalmente novo. Para esclarecer a noção de que esse conceito não se
177
constitui em uma novidade, Ropé e Tanguy (2003, p. 16) indicam a definição de competência
que consta no Dicionário Larousse Comercial, editado em 1930:
Nos assuntos comerciais e industriais, a competência é o conjunto de
conhecimentos, qualidades, capacidades e aptidões que habilitam para a
discussão, a consulta, a decisão de tudo o que concerne seu ofício... Ela supõe
conhecimentos fundamentados [...] geralmente, considera-se que não há
competência total se os conhecimentos teóricos não forem acompanhados das
qualidades e da capacidade que permitem executar as decisões sugeridas.
Ao apontar o significado do conceito de competência, nos anos 1930, as autoras esclarecem
que esse conceito só pode ser avaliado em uma situação específica. A noção de competência
tem substituído, na esfera educativa, o que antes se chamava saberes e conhecimentos. No
âmbito do trabalho essa noção substitui o da qualificação (ROPÉ; TANGUY, 2003, p.16). Por
outro lado, embora a noção de competências, segundo Stroobants (2003, p. 137), seja usada na
área do trabalho, ela não é utilizada por aqueles que estudam as tensões do mercado de
trabalho, o que “reforça o contraste singular entre a situação do trabalho em que parecem se
desenvolver os conhecimentos e, as condições precárias de emprego nesse período de
desemprego maciço e prolongado”.
O Parecer (BRASIL, 2000, p. 36-40) relaciona o termo competência aos saberes adquiridos na
vida extra-escolar, quando diz que, na da educação o jovem e o adulto podem “desenvolver
habilidades e confirmar competências”. O caráter de confirmação dos saberes extra-escolares
reforça a ação supletiva da EJA, uma vez que a aquisição dos saberes fora da escolarização
formal torna sua passagem pela escola mais rápida ou até mesmo desnecessária. Além disso,
podemos questionar a valorização do que é feito fora da escola formal (mantida pela própria
pessoa, pelas ongs, pela sociedade civil) como forma de o Estado desobrigar-se do
financiamento para tal formação.
178
Associa-se também ao século XXI o chamado “século do conhecimento”, o qual diz demandar
“competências indispensáveis para a vida cidadã e para o mundo do trabalho”; ou ainda, às
exigências de novas competências relacionadas às transformações da base econômica do
mundo contemporâneo. Podemos perceber que o uso do termo competência associado ao
mundo produtivo aplica-se à EJA pela promessa de qualificação e inserção no mundo do
trabalho. As competências que a EJA pode desenvolver nos jovens e nos adultos não se
vinculam a uma atividade profissional específica, mas ao desenvolvimento de competências
mais gerais, visando à constituição de pessoas aptas a assimilar mudanças. Busca-se o
desenvolvimento de pessoas com capacidade de enfrentar novos desafios e escolhas, suportar
esse período (século XXI) de incertezas e imprevisibilidade quanto à própria existência.
Consideramos importante um resgate do sentido histórico da questão da qualificação do
trabalhador na sociedade capitalista, porquanto a relação entre capital e trabalho impõe a esse
último sua adaptação ao instrumental de trabalho modificado, como forma de continuar a dele
extrair mais-valia. A preocupação quanto à qualificação do trabalhador deve ser percebida
como uma relação social, em uma sociedade heterogênea na qual estão em jogo interesses
diferentes e por vezes conflitantes.
A questão do trabalhador frente ao desenvolvimento das forças produtivas era objeto de
preocupação para Marx em O Capital nos textos “Divisão do Trabalho e Manufatura” e “A
Maquinaria e a Indústria Moderna”, (Livro I v. I). Nesses textos, Marx evidenciou a situação
do trabalhador que se viu diante de uma tarefa parcial, pois a especialização natural que se
encontrava na sociedade foi levada ao extremo dentro da oficina (MARX, 1987, p. 90). Esse
processo de fracionamento extremado das atividades tornou-se exigência pela necessidade de
extração de mais-valia, o que, segundo Marx, acabou com a perícia profissional do trabalhador
179
do ofício manual, tornando o trabalho na manufatura um trabalho que não exigia dele maior
“habilidade” ou “competência”, pois na manufatura todo o processo de produção exige certos
manejos simples que qualquer ser humano é capaz de realizar. Para exemplificar, Marx
comparou a atividade manufatureira à atividade do tecelão indiano, para a qual se exigia
“perícia profissional acumulada e transmitida de pai a filho, através das gerações. [...] E o
tecelão indiano realiza um trabalho muito complicado em comparação com a maioria dos
trabalhadores da manufatura” (MARX, 1987, p. 391). A manufatura, ao parcelar o trabalho,
criou uma atividade que não exigia mais o trabalho complexo, simplificou as atividades de
modo que qualquer pessoa pudesse realizá-las. Ao mesmo tempo, os trabalhadores foram
“destacados de sua conexão dinâmica com as operações mais importantes e ossificados em
funções exclusivas” (MARX, 1987, p. 401). Esclarece Marx o que ocorre no período
manufatureiro:
Em todo ofício de que se apossa, a manufatura cria uma classe de trabalhadores
sem qualquer destreza especial, os quais o artesanato punha totalmente de lado.
Depois de desenvolver, até atingir a virtuosidade, uma única especialidade
limitada, sacrificando a capacidade total de trabalho do ser humano, põe-se a
manufatura a transformar numa especialidade a ausência de qualquer formação.
Esse processo que simplificou as tarefas, acompanhado pela diminuição do valor da força de
trabalho em decorrência do desenvolvimento das forças produtivas do trabalhador coletivo,
resultante da diminuição ou mesmo da eliminação dos custos da aprendizagem, redundou
“para o capital em acréscimo imediato de mais-valia, pois tudo o que reduz o tempo de
trabalho necessário para reproduzir a força de trabalho, aumenta o domínio do trabalho
excedente” (MARX, 1987, p. 402).
180
Desde a produção manufatureira o trabalhador individual tornou-se trabalhador desqualificado,
ser mutilado com habilidades específicas e parciais. Quem ganha em forças produtivas
(competências e habilidades do conjunto de trabalhadores parciais) é o trabalho coletivo, a
manufatura. Esse que se constitui no mecanismo vivo da manufatura, possui agora todas as
qualidades produtivas em um grau elevado de virtuosidade. Assim, a estreiteza e as
deficiências do trabalhador parcial tornam-se perfeições quando ele é parte integrante do
trabalhador coletivo (MARX, 1987, 420).
A simplificação das atividades dentro da manufatura completou-se com o surgimento da
indústria moderna. A máquina, desenvolvimento da força produtiva do trabalho constituiu-se
em um meio para extração de mais-valia, ampliando o grau de exploração sobre o trabalhador
e permitindo o emprego de mulheres e crianças. Sob a maquinaria viu-se aumentada,
sobremaneira, a produtividade do trabalho (MARX, 1987, p. 424).
Marx (1987, p. 449-450) explica que a máquina, com sua aplicação no processo de produção,
trouxe consigo a possibilidade de aumentar a produtividade e, ainda, a intensidade do trabalho.
De um “poderoso meio de substituir trabalho e trabalhadores transformou-se em meio de
aumentar o número de assalariados”, com o emprego de mulheres e crianças e, tornou-se meio
de aumentar a intensidade de trabalho, já que o trabalhador em uma jornada reduzida passou a
produzir a mesma quantidade que no tempo de trabalho ampliado (MARX, 1987, p. 467). Essa
intensificação do trabalho foi conseguida com a maior eficiência do trabalhador, pois, “o que
se perde em duração, se ganha em eficácia” (MARX, 1987, p. 468). Isso significou, inclusive,
o trabalhador tornar-se capaz de vigiar mais de uma máquina ao mesmo tempo (MARX, 1987,
p. 470). Cita Marx a Declaração de Ferrand, na Câmara dos Comuns em 1863, que dizia que
“antes, uma pessoa com dois auxiliares atendia a 2 teares; hoje, sem auxiliares, atende a 3 e
181
não é raro uma pessoa atender a 4” (MARX, 1987, p. 475). Sobre a simplificação do trabalho
frente ao desenvolvimento das forças produtivas esclarece Marx:
[...] mas a produção mecanizada elimina a necessidade que havia na
manufatura, de cristalizar essa distribuição anexando permanentemente o
mesmo trabalhador à mesma função [...] pode-se mudar o pessoal a qualquer
hora sem interromper o processo de trabalho. [...] a velocidade com que os
menores aprendem a trabalhar à máquina elimina a necessidade de se preparar
uma classe especial de trabalhadores para operar exclusivamente coma as
máquinas. Os serviços dos simples auxiliares podem, até certo ponto, ser
substituídos por máquinas, e, em virtude de sua extrema simplicidade,
permitem que se mude a qualquer momento o pessoal atribulado com sua
execução (MARX, 1987, p. 481-482).
A habilidade do trabalhador, que foi incorporada pela máquina e apropriada pelo capitalista,
simplificou a atividade do trabalhador, que pôde aprender em apenas seis meses o trabalho na
fábrica. Marx evidenciou (1987, p. 481) a incorporação, pela máquina, da ferramenta, e com
ela a “virtuosidade” do trabalhador no seu manejo, tornando-se desnecessária a existência de
um número maior de trabalhadores mais qualificados dentro da fábrica, explicitando a
diferença entre o trabalho simples e o trabalho complexo. Sendo assim, apontou que apenas a
alguns estariam destinadas as funções mais qualificadas, como o controle de toda a maquinaria
e a sua reparação contínua. Essas funções estariam a cargo dos engenheiros, mecânicos,
marceneiros e outros, que, segundo Marx, constituir-se-iam em “uma classe de trabalhadores
de nível superior, uns possuindo formação científica, outros dominando um ofício”. Esses
trabalhadores de nível superior seriam diferenciados dos trabalhadores da fábrica, estando
apenas agregados a eles. Sua divisão de trabalho, como aponta Marx, é puramente técnica
(MARX, 1987, p. 481).
Percebemos que as exigências, acentuadas nos anos 1990, sobre a formação do trabalhador não
incidem sobre todos. Nas empresas em que a produção é informaticamente programada os
182
operadores têm a função de promover testes de ajustes e informar ao técnico-programador os
procedimentos adotados e as dificuldades. Deve-se lembrar, também, que nem todos os
conteúdos são revelados pelo fabricante do equipamento que se responsabiliza pela assistência
técnica do mesmo (MACHADO, 1994, p. 181). A exigência sobre a qualificação do
trabalhador não pode ser entendida como democratização do saber produzido pela sociedade,
pois esse saber, apropriado pelo capital, torna-se, cada vez mais, fonte de centralização de
capital. Afinal, na “sociedade do conhecimento” o saber torna-se mercadoria a ser apropriada
de forma privada por quem puder comprá-la.
Considerando as diferenças históricas do que Marx escreveu para a sociedade atual, podemos
questionar: que habilidades têm sido requeridas do trabalhador atual para garantir sua inclusão
no mercado de trabalho? A ciência e a tecnologia, a serviço do capital, incorporam o
conhecimento do trabalhador, transferindo-o para a máquina e tornando supérfluo esse mesmo
trabalhador. Qual então o sentido de se terem trabalhadores adaptáveis, senão aquele descrito
por Marx no qual o trabalhador individual deveria estar pronto a mudar de função assim que
seu conhecimento tivesse sido incorporado pela máquina? Que capacidade de manter-se
empregado pode ter alguém em um sistema que substitui o trabalho vivo pelo trabalho
morto
171
, ou melhor, por um sistema que produz o desemprego estrutural?
Mészáros (2002, p. 1004) esclarece que de 1950 a 1980 o desemprego caracterizava-se pela
exclusão do mercado de trabalho de grupos oriundos dos “bolsões de subdesenvolvimento”;
mas, atualmente, a constatação a que se chega é que com a substituição do trabalho não
171
“Ontologicamente prisioneira do solo material estruturado pelo capital, o saber científico e o saber laborativo
mesclam-se mais diretamente no mundo contemporâneo. [...] As máquinas inteligentes não podem extinguir o
trabalho vivo. Ao contrário, a sua introdução utiliza-se do trabalho intelectual do operário que, ao interagir com a
máquina informatizada, acaba também por transferir parte de seus novos atributos intelectuais à nova máquina
que resulta desse processo. [...] a transferência de capacidades intelectuais para a maquinaria informatizada, que
se converte em linguagem da máquina, própria da fase informacional, por meio dos computadores, acentua a
transformação de trabalho vivo em trabalho morto. Mas não pode eliminá-lo” (ANTUNES, 2000, p. 161).
183
qualificado pelo qualificado, a justificativa estava no fato de que o desemprego era
conseqüência da modernização da sociedade. Aqueles que não se inserissem no mercado de
trabalho eram considerados os próprios culpados pelo seu infortúnio. A tendência da
modernização capitalista fez com que o desemprego atingisse também aqueles que eram
mais qualificados, processo explicado pelo autor nos seguintes termos:
[...] a contradição dinâmica subjacente que conduz a uma drástica reversão da
tendência de modo algum é inerente à tecnologia empregada. Mas à cega
subordinação tanto do trabalho como da tecnologia aos devastadores e
estreitos limites do capital como árbitro supremo do desenvolvimento e do
controle social (MÉSZÁROS, 2002, p. 1004- grifos no original).
O autor vê o novo padrão emergente de desemprego como um indicador da crise estrutural
do capitalismo, que na atualidade se aprofunda, pois os mais qualificados estão somando-se
ao estoque anterior de desempregados. As conseqüências dessa situação se fazem sentir por
todas as categorias de trabalhadores qualificados e não-qualificados”, ou seja, “a totalidade
da força de trabalho da sociedade” (MÉSZÁROS, 2002, p. 1005 – grifos no original).
Nesse período de desemprego crônico, a confrontação entre a força de trabalho e o capital
intensifica-se. Idéias surgem para amenizar esse embate, tornando-se conceitos que procuram
dar conta das diferenças inconciliáveis entre os interesses do capital e do trabalho. E, nesse
processo, a educação é chamada a cumprir o seu papel histórico de formação do homem para
a sociedade, colocando-se como redentora, mediante a promessa de mudança situacional do
indivíduo isolado e, ao mesmo tempo, vista como incapaz de resolver essas questões, devido
aos altos índices de evasão e repetência, que indicam de acordo com os padrões de qualidade
total, a necessidade de rever sua forma de administração e o conteúdo escolar. A contradição
desse discurso se acentua quando se refere à educação de jovens e de adultos, e, explicita-se
184
em discursos que ora prometem a redenção via escola ora mostram-na como um suicídio
econômico
172
.
Mais uma vez é Marx quem esclarece a questão, ao explicitar que o fato central quanto à
situação da classe-que-vive-do trabalho, frente às novas tecnologias de produção e
informação, deve ser entendido pela forma social de sua aplicação. Assim, não é o avanço
tecnológico o problema a ser enfrentado pelo trabalhador, mas a sua aplicação capitalista
(MARX, 1987, p. 490-491). E sobre isso diz:
É incontestável que a maquinaria em si mesma não é responsável de serem
os trabalhadores despojados dos meios de subsistência... A maquinaria como
instrumental que é, encurta o tempo de trabalho, facilita o trabalho, é uma
vitória do homem sobre as forças naturais, aumenta a riqueza dos que
realmente produzem, mas, com sua aplicação capitalista, gera resultados
opostos: prolonga o tempo de trabalho, aumenta a intensidade, escraviza o
homem por meio das forças naturais, pauperiza os verdadeiros produtores
(MARX, 1987, p. 506).
Depreende-se que a produção converte-se em processo tecnológico a partir das necessidades
da produção material que estimulam o desenvolvimento progressivo e inter-relacionado da
ciência e da técnica. Assim, a questão do conhecimento mostra-se presente na organização do
trabalho, tornando-se esse, mediador da relação capital/trabalho, “transformando a ciência em
força produtiva direta” torna-se apoio ao processo de produção, bem como área específica de
investimento produtivo capitalista (MACHADO, 1994, p. 170).
172
Em 1991 o então Ministro da Educação José Goldemberg manifestou-se quanto à EJA, em entrevista ao
Jornal do Comércio do Rio de Janeiro, argumentando ser contra a alfabetização de adultos, pois, segundo ele, o
adulto analfabeto já estava inserido no mercado de trabalho, em posições que não exigiam maior grau de
qualificação ou conhecimento. Por isso a prioridade do MEC deveria ser a alfabetização da população jovem. Na
mesma linha de pensamento Sérgio Costa Ribeiro, em 1993, expressava ser a alfabetização de adultos “um
suicídio econômico” já que o analfabeto já estaria adaptado a sua condição (DI PIERRO, 2000, p. 100).
185
Na atual fase do desenvolvimento tecnológico, as novas descobertas no campo da física,
química e matemática, entre outros
173
, aplicadas à microeletrônica trouxeram consigo
resultados positivos no campo da informática, da microbiologia e da engenharia nuclear. Essas
possibilidades restringem-se a um pequeno grupo, já que a grande maioria da população
encontra-se, pelo processo capitalista, excluída dos avanços técnicos alcançados. Decorre que
o desenvolvimento por si só não garante a emancipação da pobreza para toda a sociedade, uma
vez que sua “utilização volta-se, sobretudo, para a intensificação do trabalho e para uma maior
concentração da riqueza” (MACHADO, 1994, p.170).
Bianchetti, em estudo sobre o impacto das novas tecnologias de informação e Comunicação
(TICs) nas empresas de telefonia de Santa Catarina, ressalta que as novas tecnologias
deixaram de ser opção técnica da sociedade para tornar-se uma “compulsoriedade histórica”,
não havendo, com isso, alternativa a não ser adaptar-se a essa realidade. Hoje as novas
tecnologias assumiram o papel que os espíritos e a vontade divina desempenharam no passado,
ou seja, algo alheio à vontade dos próprios homens, mas que determina suas vidas
(BIANCHETTI, 2001, p. 46).
Mercado e comunicação tornaram-se as palavras-chave do final do século XX e início do
século XXI, e a escola é chamada a organizar-se segundo a lógica produtivista, na qual o lucro
tem sido o critério orientador dos processos de formação da classe operária. Com isso, o
desenvolvimento tecnológico passa a demandar as exigências para o ensino e a formação
humana (FRIGOTTO, 1996, p. 123). Dessa forma, os “homens de negócios” tornam a escola
173
“Às atuais transformações no sistema de conhecimentos científicos tem-se atribuído, graças à sua
radicalidade, um caráter revolucionário”. Esse novo sistema de conhecimentos e essa transformação radical da
técnica decorrem de descobrimentos significativos em pelo menos cinco áreas: na compreensão da estrutura
atômica e molecular da matéria, permitindo-se a produção de novos materiais sintéticos; na química, com a
obtenção de substancias com propriedades pré-definidas; nos estudos dos fenômenos elétricos que ocorrem nos
corpos sólidos e gases, ensejando o aparecimento da eletrônica; no domínio do núcleo atômico, dando origem à
exploração da energia atômica, e no plano da matemática, abrindo amplas perspectivas para a automatização
(MACHADO, 1994, p. 170).
186
um meio de consecução dos seus “pragmáticos, utilitários e imediatistas objetivos”, assumindo
o espaço/tempo do capital como o único possível (BIANCHETTI, 2001, p. 29).
Segundo Bianchetti (2001, p. 51), a discussão atual sobre a sociedade do conhecimento, à qual
o Parecer CEB 11/2000 faz referência, pressupõe que exista uma homogeneidade das questões
sociais, políticas, econômicas e culturais no nosso país. Fala-se em sociedade do conhecimento
como se houvesse uma harmonia entre produção e consumo de bens materiais e culturais para
todas as pessoas e em todos os lugares, levando-nos a ignorar o fato de que o capitalismo, ao
mesmo tempo em que produz a riqueza e o conhecimento, produz a miséria e a ignorância.
As orientações que apontam a educação como remédio para o desemprego, jogando no próprio
mercado de trabalho as suas causas, ocultam a realidade histórico-social do capitalismo. Dizer
que a EJA permitiria capacitar o jovem e adulto a manterem-se empregados “repassa o
desemprego para quem o sofre”, dissimulando a relação existente entre as “agrupações
oligopólicas que instrumentalizam as grandes mutações tecnológicas, econômicas e
sociológicas em escala mundial” (CASTRO, 2004, p. 4-5).
A educação aparece atualmente como tema central na agenda de discussões das principais
agências internacionais. Rummert (2000, p. 66) aponta que essa aparente centralidade da
educação “encobre as reais origens dos problemas socioeconômicos, transformados,
estritamente, em decorrências de fracassos, seja do sistema educacional como um todo, seja
dos indivíduos, ao ingressarem nesse sistema”.
A educação como propiciadora de uma formação geral, segundo Rummert (2000, p. 66), é
uma orientação fundamentada na “idéia de que as novas tecnologias e formas organizacionais
187
requerem uma mão-de-obra qualificada”. A educação, assim, é apontada como a forma de
inserir o país no mercado internacional competitivo. O investimento prioritário no ensino
básico (ensino fundamental dos sete aos quatorze anos) torna-se, sob esse aspecto, em uma
opção estratégica política, e não uma compulsoriedade dada pela escassez de recursos. Os
investimentos são levados em conta pelas necessidades do capital não apenas locais, mas no
sentido de sustentar a atual divisão internacional do trabalho. Dessa forma, o investimento
educacional no Brasil, conforme recomendação das agências internacionais deve restringir-se à
leitura, escrita, matemática, soluções de problemas, sem definir orientações mais específicas,
preparando uma mão-de-obra adaptável. Soma-se a essa idéia aquela trazida pelas agências
internacionais, sobretudo o Banco Mundial, de que o investimento em educação básica traz
uma maior taxa de retorno social (CORAGGIO, 1998, p. 105-106). A educação, portanto,
conforma-se às exigências do capitalismo para o seu desenvolvimento nessa nova fase.
As diretrizes propostas pelos documentos de Jomtien orientam uma política educacional
caracterizada pela expressão “para todos”. Ressalta-se que esse serviço está acompanhado pelo
adjetivo “básico”, segmentando-se a população em dois setores: o primeiro, daqueles que não
podem pagar e recebem somente o “básico” que lhes é oferecido; o segundo, daqueles que
podem buscar no mercado os serviços “básicos” de melhor qualidade (CORAGIO, 1998, p.
87). Isso leva ao que Leher (1998, p. 13) chamou de um verdadeiro “apartheid educacional”.
Assim, países como o Brasil teriam a ação do Estado restringida ao ensino fundamental,
voltado a aliviar a pobreza. Essa é a política da focalização e da seletividade.
Essas prerrogativas se agravam no que concerne à EJA. Nela “persiste uma série de problemas
quanto ao uso diferenciado de termos tais como alfabetização, educação de adultos, educação
básica, educação básica de adultos” (TORRES, 1994, p. 59, grifos no original). A autora
188
citada aponta que a separação entre a concepção de alfabetização e educação de adultos tem
contribuído para consolidar antigas concepções e práticas voltadas para as campanhas de
alfabetização.
As reformas educacionais que se seguiram nos anos de 1990, em especial as que configuraram
a EJA, estão claramente predefinidas como parte do ajuste estrutural que desencadeia as
reformas do Estado nos planos político-institucional, econômico e administrativo. Tais
reformas, em todos os níveis da educação no Brasil, tiveram como caráter básico a integração
daqueles “que adquirem ‘habilidades básicas’ que geram ‘competências’ reconhecidas pelo
mercado” (FRIGOTTO, 2004a, p. 16). Entendemos que a idéia sobre as “novas habilidades -
de conhecimento, de valores e de gestão, - e, portanto, de novas competências” para alcançar o
mercado de trabalho - contribui para apagar e distanciar a educação e formação técnico-
profissional como direito subjetivo de todos. “Trata-se, agora, de serviços ou bens a serem
adquiridos para competir no mercado produtivo – uma perspectiva educativa mercadológica,
pragmática e, portanto, desintegradora” (FRIGOTTO, 2004a, p. 16).
O final do século XX e início do século XXI possui como característica a “ruptura crescente
da proteção ao trabalho” com o aumento dos “trabalhadores sobrantes”, que se tornam
dependentes dos “programas emergenciais de alívio à pobreza, da filantropia e da caridade
social”. Soma-se a isso a tendência dos governos neoliberais de atacar os problemas pelos
seus efeitos com políticas focalizadas de inserção social. Além disso, a tendência dos anos
1990 de conclamar os excluídos à auto-organização “alternativa do trabalho” implica a
naturalização de conceitos como economia popular, economia de sobrevivência e mercado
informal. Por último, a emergência de teses de que estamos vivendo na “sociedade do
conhecimento”, sociedade do entretenimento, do lúdico com o fim do trabalho ou o tempo
189
liberado citado pelo Parecer CEB 11/2000, dissimula a realidade de que o tempo livre não é
tempo de prazer, mas “tempo torturado de precariedade – existência provisória sem prazo
(FRIGOTTO, 2004a, p. 13, grifos no original).
Katz (1996, p. 87) aponta o uso da tecnologia como forma de acentuar a dualidade do
mercado de trabalho entre trabalhadores estáveis e os flexibilizados, e explicita que essa
dualidade, assim como o próprio desemprego, não vem preestabelecidos pela natureza da
informática. Essas prerrogativas ajustam-se às necessidades das corporações em manter um
grupo de trabalhadores mal-remunerados e desqualificados, confirmando a tendência explícita
do capital a uma sempre crescente exploração do trabalho assalariado.
Pode-se dizer que a questão da qualificação dos trabalhadores não deve ser vista como
garantia de ingresso no mercado de trabalho formal, pois se observa que ao mesmo tempo em
que aumenta o número de trabalhadores mais qualificados para exercer atividades mais
complexas, da mesma forma aumenta a massa dos operários empurrados para atividades
degradantes, para as quais não se exige maior qualificação. E sobre isso, Katz (1996, p. 87)
enfatiza: “é, portanto, hipócrito apresentar o treinamento do pessoal como remédio para o
desemprego ou para a deterioração do trabalho, quando a organização patronal do trabalho
informatizado está premeditadamente segmentada para produzir ambos os males”.
A utilização capitalista das novas tecnologias, como forma de aumentar as taxas de lucro das
empresas para se manter em um mercado cada vez mais competitivo, impõe ao trabalhador
um regime de intercâmbio de funções, com o objetivo de reduzir os custos da rotação de mão-
de-obra. A tecnologia, que deveria ser acompanhada de uma maior exigência de
responsabilidade, compromisso e criatividade no trabalho, que redundaria em uma melhora
190
qualitativa do trabalho, choca-se com a meta patronal de elevação dos lucros (KATZ, 1996,
p.88).
Depreende-se, da análise, que o discurso quanto à necessidade do aumento da qualificação
dos trabalhadores para inserção do mercado de trabalho é enganosa, já que o objetivo
principal da aplicação das novas tecnologias na sociedade capitalista é o lucro, e para esse ser
obtido torna-se necessário encontrar formas de extração de mais-valia, para o que a
informatização constitui-se em um instrumento. O mesmo se verifica em relação ao discurso
de que uma formação geral com noções básicas faz-se necessária para a obtenção do emprego
formal para todos os brasileiros. Esse engodo fica evidente na pesquisa realizada por
Nogueira (2002, p. 64) com alunos provenientes das famílias da elite brasileira, nas quais fica
claro que, para esse grupo social, apenas no âmbito público, a escola se apresenta como
propiciadora das qualidades requeridas pelo mercado de trabalho, enquanto no âmbito privado
é no mundo dos negócios que os jovens terão êxito econômico. Para esse grupo, o
empreendedorismo deve começar cedo, e por isso os filhos passam a acompanhar os pais nos
negócios. Tal fato não pode ser entendido como um “estudante trabalhador”, já que seu
horário de trabalho mostra-se mais flexível e os jovens não trabalham por necessidade de
auto-sustento ou de complementação da renda familiar. Percebe-se por meio da pesquisa, que
o valor simbólico do certificado é reconhecido mesmo sem estarem convencidos de que esse
certificado possua um papel importante na promoção social, no sentido de sucesso material.
Ainda sobre o valor simbólico da educação escolar, Saes (2004, p. 73) explicita sua reduzida
importância para boa parte dos grupos sociais característicos da sociedade capitalista.
Contudo, a idéia de que a educação escolar é essencial para o desenvolvimento da sociedade é
utilizada para justificar fracassos em outros domínios da política do Estado, por exemplo:
191
crescimento econômico, emprego, distribuição de renda, saúde, entre outros, servindo ao
individualismo neoliberal.
Não obstante, esse mesmo autor evidencia que é a classe média o grupo social que mais
investe recursos materiais e financeiros na educação escolar, posto que “esse é o único grupo
social cuja trajetória socioprofissional depende estritamente da trajetória escolar. O que
significa dizer que:
O desempenho de um trabalho não-manual (isto é, uma atividade mental de
caráter reiterativo e não-inovador) ou de um trabalho mais especificamente
intelectuais (isto é, uma atividade mental com caráter inovador ou criador)
exige conhecimentos teóricos e elementos culturais que a escola ministra de
modo organizado, sistemático e planejado. Por isso, a classe média está
organicamente comprometida coma educação escolar
(SAES, 2004, p.75).
A conclusão de Saes (2204, p. 75) é que a classe média possui uma aspiração educacional
sempre crescente, fato que pressiona para a ampliação de vagas no ensino superior. Essa
pressão leva a um número de profissionais diplomados superior ao que pode ser absorvido
pelo mercado e pelo Estado. Essa situação causa uma tendência à sobrequalificação nos países
capitalistas, tendência essa absorvida pelo sistema capitalista sob a forma de degradação dos
diplomas do ensino superior, com tendência à ocupação de postos de trabalho para os quais se
dispensavam tais diplomas.
Termo muito utilizado na literatura que trata da relação trabalho-educação, o qual merece
destaque nesse trabalho, é a chamada empregabilidade. Esse termo, que ganhou espaço e
centralidade a partir dos nos 1990 nos documentos oficiais ou recomendações das agências
internacionais, passou a ser definido como eixo fundamental de um conjunto de políticas
destinadas a acabar com o desemprego. Para Gentili (2002, p. 52), o termo empregabilidade
192
exerce um papel de extrema importância na construção e legitimação de um novo senso
comum sobre o trabalho, a educação, o desemprego e sobre a individualidade, e conclui que:
[...] a empregabilidade desempenha uma função simbólica central na demonstração do
caráter limitado e aparentemente irrealizável dessa promessa na sua dimensão
econômica: a escola é uma instância de integração dos indivíduos ao mercado, mas
não todos podem ou poderão gozar dos benefícios dessa integração já que, no
mercado competitivo não há espaço para todos. (
GENTILI, 2002, p. 52 - grifos no
original).
A valorização do papel econômico da escola ganhou força no contexto das políticas
keynesianas de bem-estar social e resultou no surgimento da Teoria do Capital Humano, que
trouxe consigo a idéia de que a educação constituir-se-ia em uma forma de integração dos
indivíduos à vida produtiva, ao formar, via transmissão, difusão e socialização dos
conhecimentos e saberes, capital humano que, como um poderoso fator produtivo, permite
tanto um aumento da renda individual quanto o crescimento econômico das sociedades.
O termo empregabilidade constitui-se, para Gentili (2002, p. 53-54), em uma “neoteoria do
capital humano, metamorfoseado com as novas condições de acumulação do capitalismo
globalizado”. Para esse autor, o termo recupera a concepção individualista da Teoria do
Capital Humano, porém não relaciona mais o desenvolvimento individual ao
desenvolvimento social. Assim, “as economias podem crescer e conviver com uma elevada
taxa de desemprego e com imensos setores da população fora dos benefícios do crescimento
econômico [...]”. Isso significa que aumentar as condições de empregabilidade não garante
que os indivíduos tenham seu lugar no mercado de trabalho.
Outra questão importante e merecedora de destaque sobre o termo empregabilidade é que a
concepção de renda e emprego, sob a perspectiva de que só os melhores conseguirão chegar
193
ao emprego formal, deixa de ser entendida como direito de todos os cidadãos. Sobre isso
Gentili (2002, p. 55) esclarece que:
[...] fazem parte da empregabilidade conhecimentos vinculados à formação
profissional, mas também o capital cultural socialmente reconhecido, além de
determinados significados ou dispositivos de diferenciação que entram em
jogo nos processos de seleção e distribuição dos agentes econômicos: ser
branco, ser negro, ser imigrante, ser gordo, ser surdo, ser nordestino...
Sobre a valorização do capital cultural socialmente reconhecido quando da busca pela
inserção profissional, ressaltamos a pesquisa de Nogueira (2002, p. 53) junto às famílias da
elite brasileira, a qual apontou como fator decisivo na escolha da escola para os filhos a
seguinte questão:
Com relação aos critérios de escolha declarados pelas famílias, menos
importante do que a qualidade do ensino oferecido pelo estabelecimento,
parecem, para esse grupo social, a dimensão moral do processo pedagógico
(‘abertura moderada’) e a qualidade da clientela. Isto é, esses pais optam por
instituições que imaginam oferecer um ambiente social seleto, homogêneo e
consoante com os padrões da família (‘continuação da casa’, para empregar
uma expressão recorrente nos depoimentos recolhidos).
Para as classes populares a idéia recorrente é que a posse do certificado poderá garantir-lhes
as condições de empregabilidade. Isso tem contribuído para o surgimento de cursos
aligeirados de formação profissional em substituição à escolarização básica ou à certificação
formal das etapas fundamental e média, por meio de cursos supletivos que não conferem rigor
e seriedade à formação de jovens e de adultos. O mesmo ocorre com as instituições de ensino
superior de idoneidade discutível. A esse conjunto de alternativas em busca da
empregabilidade Kuenzer (2002, p. 93) denomina de “certificação vazia”, e explicita que
essas estratégias de escolarização constituem-se em “modalidades aparentes de inclusão que
fornecerão a justificativa, pela incompetência, para a exclusão do mundo do trabalho, dos
direitos e das formas dignas de existência”. A mesma autora chama esse processo de
194
“inclusão excludente”, para o qual a escola oferece ao capital a força de trabalho técnica e
socialmente disciplinada.
A conclusão a que se chega é a de que, a despeito das funções de reparação, equalização e
qualificação atribuídas à EJA no Brasil a partir dos anos 1990, essa modalidade da educação
continua a se caracterizar pela suplência, substituição compensatória do ensino regular, via
cursos ou exames e suprimento, complementação do inacabado por meio de aperfeiçoamento
e atualização, conforme orientava o Parecer CNE/CEB 699/72. Dessa forma, percebemos que
a propalada alteração do caráter da EJA no Brasil tem um efeito mais ideológico do que
prático. Esse efeito, apontado por Saes (2004, p. 75), significa que para o capitalismo na sua
fase mundializada, com políticas estatais neoliberais, torna-se necessário garantir, no âmbito
do discurso, a idéia de que a educação escolar é essencial para o desenvolvimento da
sociedade. Assim, ao sinal de fracasso da política estatal, a responsabilidade recai sobre as
carências efetivas de escolarização da população.
Outra questão que deve ser ressaltada é a manutenção do dualismo histórico que sempre
marcou o sistema educacional brasileiro, a saber, escolarização distinta para as massas
trabalhadoras e para os trabalhadores qualificados, esses últimos provenientes das camadas
médias e parcelas da burguesia. Dessa forma, para aqueles que venham a realizar o trabalho
simples, o sistema educacional oferece somente o básico. Para aqueles que irão desempenhar
funções de maior complexidade são destinadas atividades curriculares e estrutura
organizacional de nível superior com o objetivo de que esses trabalhadores utilizem os
conhecimentos de ciência e tecnologia trazidos pelos grandes grupos transnacionais de forma
adaptada a nossa realidade (NEVES, 1999, p. 135). A ideologia liberal está justamente do
fato de o fracasso ou sucesso da sociedade ou do indivíduo serem debitados aos cidadãos que
195
não souberam buscar a educação que melhor se adaptasse às suas características, tamm
individuais.
Concordamos com a análise de Noronha (2002, 70-74) de que conceitos como eqüidade e
empregabilidade são complementares, pois transferem para o indivíduo a capacidade de
manter-se nessa sociedade. Os termos eqüidade e empregabilidade partem do pressuposto do
mérito e da recompensa, definidos pelo modo como o indivíduo se coloca no mercado,
associando o êxito ou o fracasso às características individuais de cada um. A busca pela
eqüidade ou a empregabilidade passa a ser tarefa individual. A não-inserção no mercado de
trabalho ganha explicação pela ausência de requisitos exigidos pelos novos padrões de
gerenciamento e das exigências da chamada sociedade do conhecimento, deixando a entender
que o problema está no indivíduo, e não na aplicação capitalista das novas tecnologias,
conforme vimos nesse capítulo.
A dificuldade em se buscar uma educação que atenda à população jovem e adulta com
qualidade está justamente no fato de que essa modalidade da educação, embora atenda a
alunos oriundos das camadas médias e da elite, é, em sua maior parte, composta de pessoas
vindas das camadas populares, para as quais apenas o básico é destinado, porém sem
abandonar a idéia de que a educação escolar torna-se fator de desenvolvimento pessoal e
social.
6 - CONSIDERAÇÕES FINAIS
Realizar os objetivos propostos neste trabalho revelou-se uma tarefa árdua, devido à
complexidade da apreensão histórica das relações entre o educacional, o político e o
econômico. Compreender o processo de configuração da EJA pós-1990 e a atribuição da
funcionalidade de reparação, equalização e qualificação a esta modalidade da educação levou-
nos a alargar nosso campo de visão, com a conseqüente ampliação de nossa bagagem teórica.
Assim, avançamos para além da análise do objeto encerrado no âmbito dos processos
escolares, das ações dos poderes públicos e da legislação pertinente.
No processo de nossa pesquisa, o desafio de estabelecer a articulação entre as esferas do
singular e do universal levou-nos a buscar na organização da sociedade capitalista, em sua
luta histórica para superar a crise estrutural, os condicionantes da reforma educacional
realizada – não apenas no Brasil - a partir da década de 1990, da qual resultou a conformação
do nosso objeto de estudo.
Analisar o modo como a educação de jovens e adultos vem sendo configurada a partir da
década de 1990 no Brasil implicou partir da análise da política estatal pertinente a essa
modalidade da educação escolar e, além disso, ultrapassar a explicação de tal processo, não
nos restringindo à esfera da política educacional. Assim, foi necessária a contextualização
histórica de nossa discussão, o que nos levou a relacionar a problemática tratada com questões
da fase monopolista e imperialista de desenvolvimento do capitalismo mundial.
197
O que se tornou claro para nós foi a explicitação do significado histórico da reestruturação do
capitalismo, no processo de mundialização do capital, da função dos ajustes estruturais e
políticos neoliberais e das políticas sociais excludentes, incluindo as educacionais. Dessa
forma, compreendemos que a centralidade adquirida pela educação básica e da inclusiva
proposta de educação para todos dos anos 1990, nos documentos das agências internacionais,
nos documentos normativos e orientadores oficiais referentes à educação nacional, para citar
os mais importantes, na prática, representou a diminuição da responsabilização do Estado pela
oferta e manutenção do bem-estar social com subsídios, incluindo-se, principalmente, o
financeiro.
Entendemos que a política educacional gestada nos anos 1990 só pode ser devidamente
analisada como parte do processo de redefinição do papel do Estado, processo este inserido
num conjunto de mudanças que vêm ocorrendo na esfera da produção, do mercado e do
próprio Estado. Apreendemos que as mudanças na forma de produzir, no mercado e no
Estado, embora se constituam em processos distintos, fazem parte do mesmo movimento
histórico, o da reestruturação capitalista em resposta à sua crise de rentabilidade, que se
tornou evidente a partir dos anos 1970.
Apreendemos, no transcorrer deste estudo, que as políticas sociais estatais focalizadas, ou
seja, dirigidas a setores da sociedade com carências pontuais, têm contribuído para a negação
do princípio universalista dos direitos sociais. Dessa forma, a educação deixa de ser vista
como um direito de cidadania e torna-se uma mercadoria adquirida por aqueles que podem
pagar, ou oferecida de forma emergencial para aqueles que dependem da proteção estatal.
198
Analisar a política nacional para educação de jovens e adultos implicou em compreender que
os fundamentos da política educacional adotada pelo governo brasileiro não são
exclusivamente gerados no âmbito nacional. Isso nos levou a considerar a influência, direta
ou indireta, das agências internacionais nas reformas de cunho neoliberal implementadas
pelos governos e no direcionamento das políticas públicas, dentre elas a educação.
A partir daí buscamos apreender a forma como foram gestadas as idéias acerca da
centralidade na educação básica em âmbito internacional e como essas idéias chegaram até o
Brasil. Associa-se o início da articulação em torno do tema da centralidade da educação
básica à Conferência Mundial sobre Educação para Todos (1990), evento que se constituiu
em marco importante no panorama de discussão mundial sobre educação e de aproximação
entre os países para discutir uma agenda comum sobre educação. Tais aproximações
receberam contribuição de algumas iniciativas internacionais importantes, entre as quais o
Encontro de Nova Delhi em 1993, o encontro de Dakar, Senegal, em abril de 2000, e -
especificamente para a EJA - a V Conferência Internacional de Educação de Jovens e Adultos
(1997).
Além do cenário mais amplo dos eventos e reuniões de cúpula, nos quais participaram
dirigentes e especialistas de organismos nacionais e internacionais que formularam políticas
para a educação, destacamos a articulação íntima entre os grandes compromissos
internacionais e as propostas regionais trazidas pelas agências internacionais localizadas na
América Latina. Depreendemos, por meio da análise realizada, que foi se configurando uma
agenda global a partir das propostas educativas acordadas em eventos internacionais e
balizadas em encontros regionais. Destacamos a atuação da Cepal, que se articula em torno do
entendimento de que o progresso técnico impulsiona a transformação produtiva e promove a
199
eqüidade e a democracia. O mesmo ocorre em relação ao documento da Unesco (1999),
“Educação: um tesouro a descobrir”, conhecido também como “Relatório Jacques Delors”, e
o Projeto Principal de Educação para a América Latina e Caribe (Promedlac) e o seu sucessor,
o Projeto Regional de Educação para a América latina e Caribe (Prelac).
Com o estudo em questão, pudemos evidenciar que a aceitação da agenda educacional em
países como o Brasil se dá pela via da cooperação e da intervenção. A aceitação da agenda
não é feita sem restrições, todavia percebemos uma sintonia entre os organismos
internacionais e os governos que buscam recursos para investimentos, sobretudo no tocante
aos empréstimos do Banco Mundial, que, por meio das condicionalidades cruzadas, impõe
uma agenda de ajustes estruturais a serem seguidos pelos países tomadores de empréstimos.
Ademais, a despeito da mobilização nacional e internacional sobre o tema da educação de
jovens e adultos, entendemos que as políticas de educação voltadas para esse segmento
podem ser vistas como uma resposta do Estado às pressões do sistema internacional. Além
disso, indicadores de prestígio internacional consideram crucial o alcance de certos níveis de
desenvolvimento e de alfabetização, o que justifica o interesse pela alfabetização retomado
por parte de muitas sociedades no final do século XX, sem que isso correspondesse a uma
oferta de educação continuada aos jovens e adultos, pois o que interessa é a redução dos
índices de analfabetismo do país, e não a universalização da educação básica.
Evidenciou-se neste trabalho que as políticas públicas de EJA, na última década do século
XX, a despeito da ampliada concepção de educação básica presente nas recomendações
estabelecidas na Conferência Mundial de Jomtien, tomadas como orientadoras na legislação
educacional produzida no período, foi sofrendo restrições no confronto com a realidade de
200
países considerados em desenvolvimento, como o Brasil. A ação e a responsabilidade estatal
para com a educação básica restringiram-se ao ensino fundamental dos sete aos quatorze anos,
em detrimento de modalidades de ensino como a EJA.
A funcionalidade da EJA, contrariando as promessas de reparação, equalização e qualificação,
permanece restrita a uma ação supletiva do Estado que, para esta modalidade da educação,
não destinou recursos financeiros suficientes e, além disso, transferiu para a sociedade civil
parte da tarefa de escolarização dos jovens e adultos. Tal fato contribui para criar a ilusão de
que está havendo a democratização do poder público, e ainda permite ao governo desobrigar-
se da imediata universalização da educação básica em todas as suas etapas.
Para a EJA isto tem significado uma atuação estatal caracterizada por intervenções
focalizadas e de caráter compensatório, como é o caso do programa Alfabetização Solidária, o
Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera), o Plano Nacional de
Qualificação do Trabalhador (Planfor), o Plano Nacional de Qualificação (PNQ), o Programa
Recomeço e o Programa Brasil Alfabetizado. Todos esses programas foram ou são
desenvolvidos com a participação de empresas, sindicatos e federações, caracterizando uma
mobilização da sociedade civil na oferta de EJA, sob o regime de parceria.
Quanto às funções da EJA, evidenciamos a sua estreita vinculação com as noções de
competência, inclusão social, cidadania, e sua vinculação com as mudanças na forma de
produzir do capitalismo do fim de século XX e início do século XXI. Compreendemos que a
idéia da chamada inclusão social via escola, promessa da função reparadora da EJA, baseia-se
em um reducionismo, pois a escolarização, na atual fase do desenvolvimento capitalista, tem
201
sido utilizada para justificar a seletividade em um mercado do trabalho em que não há lugar
para todos.
Sendo assim, entendemos que o discurso atual sobre a inclusão e a exclusão social tem
transferido para o indivíduo a responsabilidade por adquirir a capacidade de incluir-se, ou
não, nesta sociedade. Tais idéias têm contribuído para encobrir a realidade social que produz
a exclusão, além de impedir uma discussão sobre as possibilidades reais de superação dessa
realidade. Soma-se a isso a idéia de que a cidadania constitui-se num prêmio para os
vencedores, tornando-se ela mesma uma cidadania voltada aos interesses do mercado. Não
obstante, é esse discurso de inclusão que tem levado muitos jovens e adultos a retornar para a
escola e retomar seus estudos, fato que muitas vezes tem gerado novo abandono escolar, pois
as condições materiais de existência obrigam jovens e adultos a uma opção pelo trabalho em
detrimento da escola. Para as camadas médias e populares, isso significa a individualização
do fracasso, já que o insucesso escolar e profissional justifica-se pelas características
individuais de cada um como incompetência e desinteresse.
Explicitamos que o termo eqüidade, utilizado com freqüência nos documentos nacionais e
internacionais sobre educação, deve ser entendido como o equilíbrio entre o mérito e a
recompensa, e pudemos perceber um sutil deslocamento do conceito de igualdade para o de
eqüidade. Pelos princípios neoliberais, justifica-se a existência das desigualdades como fruto
das escolhas individuais do cidadão-cliente, ou ainda, como necessárias para o bom
funcionamento do mercado. A idéia da eqüidade tem servido para que o Estado burguês
promova a aparente conciliação dos interesses da classe trabalhadora, sem prejudicar os
interesses do capital e para a manutenção da coesão social.
202
Na fase do capitalismo mundializado o desemprego torna-se uma das maiores dificuldades
para a classe que vive do seu trabalho, o que intensifica a confrontação entre a força de
trabalho e o capital. Para amenizar esse embate, surgem elaborações ideológicas que
procuram dar conta das diferenças inconciliáveis entre os interesses do capital e do trabalho.
Nesse processo, a educação é chamada a cumprir o seu papel histórico de formação do
homem para a sociedade, colocando-se como redentora, mediante a promessa de mudança
situacional do indivíduo. Porém, percebemos que a promessa de romper com a característica
que sempre a marcou essa modalidade da educação no Brasil se restringe à natureza das
políticas sociais neoliberais. Na prática, o discurso inclusão social via escola revela-se na
exclusão social via mercado, pois a exclusão deixa de ser percebida como condição do modo
de produção capitalista para tornar-se fruto das características individuais daqueles que não
conseguiram seu lugar na competitiva sociedade capitalista que se manifesta no mercado de
trabalho.
Concluímos nosso trabalho com a argumentação sobre a impossibilidade do cumprimento
pleno da EJA reparadora, equalizadora e qualificadora, em razão da natureza excludente do
sistema capitalista e das políticas sociais neoliberais. Desvendamos, portanto, o significado
histórico das promessas de reparação, equalização e qualificação apresentadas como funções
da EJA no Parecer CNE/CEB 11/2000 e na Resolução CNE/CEB 1/2000.
REFERÊNCIAS
ALFABETIZAÇÃO, Solidária. Série Avaliando, n. 2, Brasília, 2002a.
ALFABETIZAÇÃO, Solidária. Trajetória 6 anos. Brasília, 2002b.
ALMEIDA, José Ricardo Pires de. Instrução pública no Brasil (1500-1889). Tradução de
Antônio Chizzotti. 2.ed. rev. São Paulo: EDUC, 2000.
ALVES, Giovanni. Dimensões da globalização: o capital e suas contradições. Londrina: Práxis,
2001.
ANDERSON, Perry. Balanço do neoliberalismo. In: SADER, Emir; GENTILI, Pablo (Orgs).
Pós-neoliberalismo: as políticas sociais e o estado democrático. 5. ed. São Paulo: Paz e Terra,
2000. p. 9-23.
ANTUNES, Ricardo. Os sentidos do trabalho. Ensaio sobre a afirmação e a negação do
trabalho. São Paulo: Boitempo, 1999.
________________ Adeus ao trabalho? ensaio sobre as metamorfoses e a centralidade do
mundo do trabalho. 7. ed. ver. ampl. São Paulo: Cortez, 2000.
_______________ Trabalho e precarização na ordem neoliberal. In: GENTILI, Pablo;
FRIGOTTO, Gaudêncio. A cidadania negada: políticas de exclusão na educação e no trabalho.
São Paulo: Cortez, 2001. p. 35-48.
ARELARO, Lisete Gomes; KRUPPA, Sônia Portella. A educação de jovens e adultos. In:
OLIVEIRA, Romualdo Portela; ADRIÃO, Theresa (Orgs.). Organização do ensino no Brasil:
níveis e modalidades na Constituição Federal e na LDB. São Paulo: Xamã, 2002. p.89-107.
ARISTÓTELES, 384-355 A. C. Metafísica: livro I e II; Ética a Nicomaco; Poética. Seleção de
textos de José Américo Motta Pessanha; traduções de Vicenzo Cocco et al. São Paulo: Abril
Cultural, 1984. (Os Pensadores).
ARRIGHI, G. A ilusão do desenvolvimento. São Paulo: Vozes, 1997.
AZEVEDO, Mario L. N. A universidade argentina em tempos menemistas (1989-1999):
reformas, atores sociais e a influencia do Banco Mundial. 2001. 288 f. Tese (Doutorado em
educação). FEUSP, São Paulo, 2001.
BANCO MUNDIAL. Prioridades y estrategias para la educación: estudio sectorial del Banco
Mundial. Versión preliminar. Washington, DC, 1995.
204
BANCO MUNDIAL. Informações sobre o Banco. Disponível em:
<http://www.obancomundial.org.br>. Acesso em: 07 fev. 2005.
BATISTA, Roberto Leme. A educação profissional da década neoliberal: o caso Planfor.
Dissertação de Mestrado. 2002. 188 f. Universidade Estadual Paulista - UNESP, Marília, 2002.
_____________________ Toyotismo: racionalização e controle do trabalho. Cadernos de
Metodologia e Técnica de Pesquisa, Maringá, ano 9, n. 8, p. 239-276, 1997.
____________________. Reestruturação produtiva, ideologia e qualificação: crítica às noções de
competência e empregabilidade. In: BATISTA, Roberto Leme; ARAÚJO, Renan. Desafios do
trabalho: capital e luta de classes no século XXI. Londrina: Práxis, 2003.
BEISIEGEL, Celso de Rui. Considerações sobre a política da união para a educação de jovens e
adultos analfabetos. Revista Brasileira de Educação, São Paulo, n.4, p.26-34, jan./fev./mar./abr.
1997.
______________________.A política de educação de jovens e adultos analfabetos. In:
OLIVEIRA, Dalila Andrade (Org.). Gestão democrática da educação: desafios
contemporâneos. Petrópolis, RJ: Vozes, 2001. p. 207-245.
_____________________. Estado e educação popular: um estudo sobre a educação de adultos.
São Paulo: Pioneira, 1974.
BIANCHETTI, Lucídio. Da chave de fenda ao laptop. Tecnologia digital e novas qualificações:
desafios à educação. Petrópolis: Vozes, 2001.
BIELSCHOWSKY, Ricardo. Evolução de las ideas de la CEPAL. Revista de la Cepal.
Disponível em: http://www.eclac.org. Acesso em: 25 nov. 2004.
BRASIL. (2001a) Ministério da Educação. Plano Nacional de Educação - PNE. Brasília: Inep,
2001.
BRASIL. (2001b) Ministério do Desenvolvimento Agrário - MDA; Instituto Nacional de
Colonização e Reforma Agrária. Manual de operações - Pronera. Brasília, 2001b.
________.(2004a) Ministério do Trabalho e do Emprego. Conheça o Planfor. Disponível em:
<http//www.mte.gov.br/temas/qualprof/Conteúdo>. Acesso em: 05 abr. 2004.
________.(2004b) Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei 5.692/71). Disponível em:
http://www.pedagogiaemfoco.pro.br/l5692_71.htm. Acesso em: 16 maio 2004.
________
. (2004c) Ministério do Desenvolvimento Agrário. Governo Federal quer triplicar
recursos para a educação na reforma agrária. Disponível em: < http://www.mda.gov.br > .
Acesso em: 26 jul. 2004.
205
BRASIL. (2004d) Ministério da Educação. Fundo de desenvolvimento da Educação. Conselho
deliberativo. Resolução n. 14/2004, de 25 de março de 2004, que estabelece orientações e
diretrizes para a assistência financeira suplementar no âmbito do programa Brasil Alfabetizado.
________. (2004e) Presidência da República. Subchefia para assuntos jurídicos. Medida
Provisória n. 173/2004, de 16 de março de 2204, que institui o Programa Nacional de Apoio ao
Transporte Escolar e o Programa de Apoio aos Sistemas de Ensino para Atendimento à Educação
de Jovens e Adultos, dispõe sobre o repasse de recursos financeiros do Programa Brasil
Alfabetizado.
________. (2004f) Ministério do Desenvolvimento Agrário. Governo Federal quer triplicar
recursos para a educação na reforma agrária. Disponível em: < http://www.mda.gov.br> .
Acesso em: 26 jul. 2004.
________. Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 05 de outubro de
1988. São Paulo: Saraiva, 2002. (Coleção Saraiva de Legislação).
________. Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei 9.394/96). Rio de Janeiro: DP&A, 2003.
BRASIL. Lei 4.024, que institui o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação. Rio de
Janeiro: DP&A, 2003.
________. Ministério da Educação. V Conferência Internacional sobre Educação de Adultos.
Brasília: MEC/SEF, 1998.
________. Conselho Nacional de Educação. Câmara de Educação Básica. Carlos Roberto Jamil
Cury (relator). Parecer CEB11/2000 - Diretrizes curriculares nacionais para a educação de jovens
e adultos. In: SOARES, Leôncio. Educação de jovens e adultos. Rio de Janeiro: DP&A, 2002.
p. 25-133.
________.
Conselho deliberativo do Fundo de Amparo ao Trabalhador (CODEFAT). Resolução n.
333/2003, de 14 de julho de 2003, que institui o Plano Nacional de Qualificação - PNQ.
________
. Conselho Nacional de Educação. Câmara de Educação Básica. Resolução n. 1/2000, de
3 de julho de 2000, que estabelece as Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação de Jovens
e Adultos.
________. Presidência da República. MARE. Câmara da reforma do Estado.
Plano diretor da
reforma do aparelho do Estado
. Brasília, 1995.
BRUNO, Lúcia. Reestruturação capitalista e Estado Nacional. In: OLIVEIRA, Dalila Andrade;
DUARTE, Marisa R. T (Orgs.). Política e trabalho na escola: administração dos sistemas
públicos de educação básica. Belo Horizonte: Autêntica, 2001. p. 13-42.
206
CASTRO, Ramón Pena. Desvalorização social do trabalho e ilusória centralidade da
educação. Disponível em: <http//www.educacaoonline.pro.br/art>. Acesso em: 06 maio 2004.
CATTANI, Antônio (Org.). Dicionário crítico sobre trabalho e tecnologia. 4. ed. rev. ampl.
Petrópolis: Vozes; Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2002.
CASASSUS, Juan. A reforma educacional na América Latina no contexto da globalização.
Cadernos de Pesquisa, São Paulo, n. 114, p. 7-28, nov. 2001.
CEPAL/UNESCO. Educación y conocimiento: eje de la transformación productiva con
equidad. Santiago: CEPAL/UNESCO, 1992.
CEPAL. (2004a) Información histórica- evolução de las ideas de la CEPAL. Disponível em:
<http://www.eclac.org>. Acesso em: 26 nov. 2004.
CEPAL. (2004b) Informação geral. Disponível em: <http://www.eclac.org>. Acesso em: 26
nov. 2004.
CHESNAIS, François. Capitalismo de fim de século. In: COGGIOLA, Osvaldo (Org.).
Globalização e socialismo. São Paulo: Xamã, 1997a. (Coleção Fora de Ordem). p. 7 – 33.
________. A emergência de um regime de acumulação mundial predominantemente financeiro.
Praga, São Paulo, n.3, p.19-46, set. 1997b.
_________. A mundialização do capital. Tradução Silvana Finzi Foá. São Paulo: Xamã, 1996.
CHOMSKY, Noam. O lucro ou as pessoas? Neoliberalismo e ordem global. Tradução de Pedro
Jorgensen Júnior. 2. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002.
CORAGGIO, José Luis. Propostas do Banco Mundial para a Educação: sentido oculto ou
problemas de concepção? In: TOMMASI, Lívia de; WARDE, Mirian Jorge; HADDAD, Sérgio
(Orgs.). O Banco Mundial e as políticas educacionais. São Paulo: Cortez, 1998. p.75-124.
DELORS, Jacques. Educação um tesouro a descobrir. 4. ed. São Paulo: Cortez; Brasília: MEC:
UNESCO, 2000.
DEL PINO, Mauro. Política educacional, emprego e exclusão social. In: GENTILI, Pablo;
FRIGOTTO, Gaudêncio. A cidadania negada: políticas de exclusão na educação e no trabalho.
São Paulo: Cortez, 2001. p. 65-88.
DI PIERRO, Maria Clara. As políticas públicas de educação básica de jovens e adultos no
Brasil do período 1985/1999. 2000. 314 f. Tese (Doutorado em História e Filosofia da
Educação) - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2000.
207
DI PIERRO, Maria Clara. Descentralização, focalização e parceria: uma análise das tendências
nas políticas públicas de educação de jovens e adultos. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 27,
n. 2, p. 321-337, jul./dez. 2001.
___________________. Seis anos de educação de jovens e adultos no Brasil: os
compromissos e a realidade. São Paulo: Ação Educativa, 2003.
_________________;GRACIANO, Mariângela. A educação de jovens e adultos no Brasil.
Informe apresentado à Oficina Regional da Unesco para a América Latina y caribe. São Paulo:
Ação Educativa, 2003.
DI ROCCO, Gaetana Maria Jovino. Educação de adultos: uma contribuição para seu estudo no
Brasil. São Paulo: Loyola, 1979.
DUMÉNIL, Gérard; LÉVY, Dominique. O imperialismo na era neoliberal. Crítica Marxista.
Campinas, n. 18, p. 11-36, maio 2004.
FIGUEIREDO, Ireni Marilene Zago. Políticas educacionais do estado do Paraná na década de
80 e 90: da prioridade à “Centralidade na Educação Básica”. 2001. 162 f. Dissertação (Mestrado
em História, Filosofia e Educação) - UNICAMP, Campinas, 2001.
FIORI, José Luis. 60 lições dos 90. Uma década de neoliberalismo. 2. ed. Rio de Janeiro: Record,
2002.
FONSECA, Marília. O financiamento do Banco Mundial à educação brasileira: vinte anos de
cooperação internacional. In: TOMMASI, Lívia de; WARDE, Mirian Jorge; HADDAD, Sérgio
(Orgs.). O Banco Mundial e as políticas educacionais. São Paulo: Cortez. p. 229-252.
FRIEDMAN, Milton. Capitalismo e liberdade. Tradução de Lúcia Carli. 3. ed. São Paulo: Nova
Cultural, 1998.
FRIGOTTO, Gaudêncio; CIAVATTA, Maria. Educar o trabalhador cidadão produtivo ou o ser
humano emancipado? Trabalho, Educação e Saúde, Rio de Janeiro, v. 1, n. 1, p. 45-60, mar.
2003.
________________ Educação e a crise do capitalismo real. 2. ed., São Paulo: Cortez, 1996.
________________( 2004a) Cidadania e formação técnico profissional. Desafios neste fim de
século. A Página da Educação. Disponível em: < http//www.apagina.pt/arquivo/artigo>. Acesso
em: 16 maio 2004.
________________ (2004b) Globalização e crise do emprego: mistificações e perspectivas da
formação técnico-profissional. Boletim Técnico do SENAC. Disponível em
<http//www.senac.br/informativo>. Acesso em: 16 maio 2004.
208
GARCIA, Rosalba Maria Cardoso. Políticas públicas de inclusão: uma análise no campo da
educação especial brasileira. 2004. 214 f. Tese (doutorado em Educação). Universidade Federal
de Santa Catarina. Florianópolis, 2004.
GENTILI, Pablo. A falsificação do consenso: simulacro e imposição na reforma educacional do
neoliberalismo. Petrópolis, RJ: Vozes, 1998.
________________. Três teses sobre a relação trabalho e educação em tempos neoliberais. In:
LOMBARDI, José Claudinei; SAVIANI, Dermeval; SANFELICE, José Luis (Orgs.).
Capitalismo, trabalho e educação. Campinas: Autores Associados; HISTEDBR, 2002. p. 45-
60.
HADDAD, Sérgio. A educação de pessoas jovens e adultas e a nova LDB. In: BRZEZINSKI, Iria
(Org.). LDB interpretada: diversos olhares se entrecruzam. São Paulo: Cortez, 1997.
______________. Estado e educação de adultos 1964-1985. 1991. 360 f. Tese (Doutorado em
Educação). Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo. São Paulo, 1991.
HADDAD, Sérgio; DI PIERRO, Maria Clara. Aprendizagem de Jovens e Adultos. Avaliação da
década de educação para todos. São Paulo em Perspectiva, São Paulo, v. 1, n. 14, p. 29-40,
2000.
______________. Educação de jovens e adultos no Brasil (1986-1998). Brasília:
MEC/INEP/Comped, 2002. (Série Estado do Conhecimento).
HARVEY, David. Condição pós-moderna: uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural.
Tradução de Adail Ibirajara Sobral; Maria Stela Gonçalves. 8. ed. São Paulo: Loyola, 1999.
HOBSBAWM, Eric. Era dos extremos: o breve século XX: 1914-1991. Tradução Marcos
Santarrita. São Paulo: Companhia das Letras, 2003.
HÖFLING, Eloísa de Mattos. Estado e políticas (públicas) sociais. Cadernos Cedes, São Paulo,
ano XXI, n. 55, p. 30-41, nov. 2001.
IIEP. Instituto Internacional de Planejamento da Educação. Disponível em:
<http//www.unesco.org//iiep/spa/about.htm>. Acesso em: 05 abr. 2005.
KATZ, Cláudio; KATZ, Claudio. Sete teses sobre as Novas tecnologias da informação. In:
COGGIOLA, Osvaldo. Neoliberalismo ou crise do capital? São Paulo: Xamã, 1996. p. 71-118.
KRAWCZYK, Nora. Em busca de uma nova governabilidade na educação. In: OLIVEIRA,
Dalila Andrade; ROSAR, Maria de Fátima Felix. Política e gestão da educação. Belo Horizonte:
Autêntica, 2002. p. 59-72.
209
KUENZER, Acácia Zeneida. Exclusão includente e inclusão excludente: a nova forma de
dualidade estrutural que objetiva as novas relações entre educação e trabalho. In: LOMBARDI,
José Claudinei; SAVIANI, Dermeval; SANFELICE, José Luis (Orgs.). Capitalismo, trabalho e
educação. Campinas: Autores Associados; HISTEDBR, 2002. p. 77-96.
LARANJEIRA, Sonia Maria G. Programas de Qualidade Total. In: CATTANI, Antônio (Org.).
Dicionário crítico sobre trabalho e tecnologia. 4. ed. rev. ampl. Petrópolis: Vozes; Porto
Alegre: Editora da UFRGS, 2002.
LAUGLO, Jon. Crítica às prioridades e estratégias do Banco Mundial para a Educação.
Cadernos de Pesquisa, São Paulo, n. 100, p. 11-36, mar. 1997.
LEHER, Roberto. Da ideologia do desenvolvimento à ideologia da globalização: a educação
como estratégia do Banco Mundial para “alívio” da pobreza. 1998. 266 f. Tese (Doutorado em
Educação) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 1998.
LEHER, Roberto. Reforma do estado: o privado contra o público. Trabalho, Educação e Saúde,
Rio de Janeiro, ano 1, n. 2, p. 203-228, 2003.
______________ Tempo, autonomia, sociedade civil e esfera pública: uma introdução ao debate
a propósito dos “novos” movimentos sociais na educação. In: GENTILI, Pablo; FRIGOTTO,
Gaudêncio. A cidadania negada: políticas de exclusão na educação e no trabalho. São Paulo:
Cortez, 2001. p.145-176.
LÊNIN, Vladimir Ilich. O imperialismo: fase superior do capitalismo. Tradução Olinto
Beckerman. 4. ed. São Paulo: Global, 1987.
MACHADO, Lucília Regina de Souza. A educação e os desafios das novas tecnologias. In:
FERRETTI, Celso João et al. Novas tecnologias, trabalho e educação. Petrópolis, RJ: Vozes,
1994.
MACHADO, Maria Margarida. A trajetória da EJA na década de 90 - políticas públicas sendo
substituídas por “solidariedade”. Disponível em: <http://www.educacaoonline.pro.br>. Acesso
em: 22 out. 2002.
MARX, Karl. O Capital: crítica da economia política. 11. ed. São Paulo: Bertrand Brasil-DIFEL,
1987. L.1, v. 1.
___________; ENGELS, Friedrich. A ideologia alemã. 5. ed. Tradução de José Carlos Bruni e
Marco Aurélio Nogueira. São Paulo: Hucitec, 1986.
_____________________________. Manifesto do partido comunista. Prólogo de José Paulo
Netto. São Paulo: Cortez, 1998.
MÉSZÁROS, István. O século XXI: socialismo ou barbárie? São Paulo: Boitempo, 2003.
210
_________________ Para além do capital: rumo a uma teoria da transição. Tradução de Paulo
César Castanheira e Sérgio Lessa. São Paulo: Editora da UNICAMP, Boitempo, 2002.
MONTAÑO, Carlos. Terceiro setor e questão social: crítica ao padrão emergente de
intervenção social. São Paulo: Cortez, 2003.
MORAES, Reginaldo C. Correa de. Neoliberalismo: de onde vem, para onde vai? São Paulo:
Editora SENAC, 2001.
NETTO, José Paulo. Capitalismo monopolista e serviço social. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2001.
NEVES, Lúcia. Educação: um caminhar para o mesmo lugar. In: LESBAUPIN, Ivo (Org). O
desmonte da Nação. Balanço do governo FHC. 3. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 1999.
NOGUEIRA, Maria Alice. Estratégias de escolarização em famílias de empresários. In:
ALMEIDA, Ana Maria F.; NOGUEIRA, Maria Alice. A escolarização das elites. Um panorama
internacional da pesquisa. Petrópolis, RJ: Vozes, 2002, p. 49-65.
NORONHA, Maria Olinda. Políticas neoliberais conhecimento e educação. Campinas, SP:
Editora Alínea, 2002.
OIE. Organização dos Estados Ibero-americanos. Informações Gerais. Disponível em:
<ttp://www.oeibrpt.org/oei_es.htm>. Acesso em: 05 abr. 2005.
OLIVEIRA, Dalila Andrade. Educação básica: gestão do trabalho e da pobreza. Rio de Janeiro:
Vozes, 2000.
_______________________. Mudanças na organização e na gestão do trabalho na escola. In:
OLIVEIRA, Dalila Andrade; ROSAR, Maria de Fátima Felix. Política e gestão da educação.
Belo Horizonte: Autêntica, 2002. p. 125-144.
__________, Dalida Andrade. As reformas em curso nos sistemas públicos de educação básica:
empregabilidade e eqüidade social. In: OLIVEIRA Dalida; DUARTE, Marisa R. T. (Orgs).
Política e trabalho na escola: a administração dos sistemas públicos de educação básica. 2. ed.
Belo Horizonte. Autêntica, 2001. p. 69-97.
OLIVEIRA, Isabel de Assis Ribeiro de. Direito subjetivo – base escolástica dos direitos
humanos. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 14, n. 41, p. 31-43, out. 1999.
OLIVEIRA, Ramon. O legado da CEPAL à educação dos anos 90. OIE- Revista
Iberoamericana de Educação. Disponível em: <http://www.campus-oie.org>. Acesso em: 24
nov. 2004.
PAIVA, Vanilda. Qualificação, crise do trabalho assalariado e exclusão social. In: GENTILI,
Pablo; FRIGOTTO, Gaudêncio. A cidadania negada: políticas de exclusão na educação e no
trabalho. São Paulo: Cortez, 2001. p. 49-64.
211
PAIVA, Vanilda. Educação popular e educação de adultos. São Paulo: Edições Loyola, 1987.
PARANÁ (Estado). Ofício Circular DESU/SEED 013/98. Descentralizar Exames Supletivos de
Educação Geral. Curitiba, 1998.
_______________. Proposta pedagógica - ensino semipresencial. Educação de Jovens e
Adultos. Curitiba, 2001.
_______________. Resolução 3120/98 do Conselho Estadual de Educação sobre a mudança de
nome dos Centros de Estudos Supletivos (CES) Centro Estadual de Educação Aberta Continuada
à Distância (CEAD). Curitiba, 1998.
_______________. Resolução 4561/99 do Conselho Estadual de Educação sobre a mudança de
nome do Centro Estadual de Educação Aberta Continuada à Distância (CEAD) para Centro
Estadual de Educação Básica para Jovens e Adultos (CEEBJA). Curitiba, 1999.
PEREIRA, Sérgio Martins. Toyotismo. In: SILVA, Francisco Carlos Teixeira (coordenador)... [et
al.] Enciclopédia de guerras e revoluções do século XX: as grandes transformações do mundo
contemporâneo. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004.
PERONI, Vera. Política educacional e o papel do Estado: no Brasil dos anos 1990. São Paulo:
Xamã, 2003.
PETRAS, James. Os fundamentos do neoliberalismo. In: OURIQUES, Nildo Domingos;
Rampinelli, José Waldir. No fio da navalha. Crítica das reformas neoliberais de FHC. São Paulo:
Xamã, 1997. p. 15-38
POCHMANN, Márcio.
O emprego na globalização: a nova divisão do trabalho e os caminhos
que o Brasil escolheu. São Paulo: Boitempo Editorial, 2001.
___________, Márcio. O trabalho sob fogo cruzado: exclusão, desemprego e precarização no
final do século. 3. ed. São Paulo: Contexto, 2002.
RAMOS, Marise Nogueira. O “novo” ensino médio à luz de antigos princípios: trabalho, ciência
e cultura. Boletim Técnico do Senac. Rio de Janeiro, v. 29, n. 2, p. 19-27, maio/agosto de 2003.
ROPÉ, Françoise; TANGUY, Lucie (orgs). Saberes e competências: o uso de tais noções na
escola e na empresa. 4. ed. São Paulo: Papirus, 2003.
RUMMERT, Sônia Maria. Jovens e adultos trabalhadores e a escola. A riqueza de uma relação a
construir. In: FRIGOTTO, Gaudêncio; CIAVATTA, Maria (Orgs.). A experiência do trabalho e
a educação básica. Rio de Janeiro: DP&A, 2002. p.117-129.
212
RUMMERT, Sônia Maria. Educação e identidade dos trabalhadores: as concepções do capital
e do trabalho. São Paulo: Xamã, 2000.
SAES, Décio. República do capital. São Paulo: Boitempo Editorial, 2001.
SAES, Décio Azevedo Marques de. Educação e Socialismo. Crítica Marxista. Campinas, n. 18,
p.73-83, maio de 2004.
SANDRONI, Paulo. Novo dicionário de economia. 7. ed. São Paulo: Editora Best Seller, 1994.
SGUISSARDI, Valdemar. Educação superior: o Banco Mundial reforma suas teses e o Brasil
reformará sua política? Educação brasileira. Brasília, v. 22, n. 45, p. 11-53, jul./dez. 2000.
SILVA, Francisco Carlos Lopes. O trabalho infanto-juvenil na sociedade capitalista.
Disponível em: <
http://www.educaremrevista.ufpr.com.br>. Acesso em: 07 fev. 2005.
SILVA JÚNIOR, João dos Reis. A reforma do Estado e da educação no Brasil de FHC. São
Paulo: Xamã, 2002.
SILVEIRA, Elisabete Cristina Cruvello da. El rol de lãs Conferencias Internacionais de
Edicación de La OIE-Unesco y lãs políticas educativas em los años 90. 1998.168f.
Dissertação de Mestrado. Faculdade Latino-americana de Ciências Sociais - FLACSO, Buenos
Aires, 1998.
SHIROMA, Eneida Oto; MORAES, Maria Célia Marcondes; EVANGELISTA, Olinda. Política
educacional. 2. ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2002.
SOARES, Laura Tavares. O desastre social. Rio de Janeiro: Record, 2003.
SOARES, Leôncio Gomes. Educação de jovens e adultos. Rio de Janeiro: DP&A, 2002.
(Diretrizes Curriculares Nacionais).
SOARES, Maria Clara Couto. O Banco Mundial: políticas e reformas. In: TOMMASI, Lívia de;
WARDE, Mirian Jorge; HADDAD, Sérgio (Orgs.). O Banco Mundial e as políticas
educacionais. São Paulo: Cortez, 1998. p. 15-40.
SOUZA, Antônio Lisboa Leitão de. Estado e educação pública: tendências administrativas e de
gestão. In: OLIVEIRA, Dalila Andrade; ROSAR, Maria de Fátima Felix. Política e gestão da
educação. Belo Horizonte: Autêntica, 2002. p. 89-104.
STROOBANTS, Marcelle. A visibilidade das competências. In: ROPÉ, Françoise; TANGUY,
Lucie (orgs). Saberes e competências: o uso de tais noções na escola e na empresa. 4. ed. São
Paulo: Papirus, 2003.
TORRES, Carlos Alberto. Política para educação de adultos e globalização. Currículo sem
Fronteiras. Los Angeles, USA, v.3, n.2, p.60-69, Jul/Dez 2003.
213
TORRES, Rosa Maria. Que (e como) é necessário aprender? Necessidades básicas de
aprendizagem e conteúdos curriculares. Campinas, SP: Papirus, 1994.
TOUSSAINT, Eric. A bolsa ou a vida. A dívida externa do terceiro mundo: as finanças contra o
povo. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2002.
UNESCO. Oficina Regional de Educación para América Latina y el Caribe.
OREALC/UNESCO- Santiago. Disponível em: <http://www.unesco.cl.> Acesso em: 26 jan.
2005.
UNESCO BRASIL. Histórico. Disponível em: < http://www.unesco.org.br> . Acesso em: 25 nov.
2004.
VENTURA, Jaqueline Pereira. O Planfor e a educação do jovens e adultos trabalhadores: a
subalternalidade reiterada. Disponível em: <http//www.educacaoonline.pro.br/artigo >. Acesso
em: 05 abr. 2004.
XAVIER. Guilherme G. de F. Modelo Italiano. In: CATTANI, Antônio (Org.). Dicionário
crítico sobre trabalho e tecnologia. 4. ed. rev. ampl. Petrópolis: Vozes; Porto Alegre: Editora da
UFRGS, 2002.
ZAGO, Nadir. Processos de escolarização nos meios populares: as contradições da
obrigatoriedade escolar. In: NOGUEIRA, Maria Alice; ROMANELLI, Geraldo; ZAGO, Nadir.
Família e escola: trajetórias de escolarização em camadas médias e populares. 2000. p. 17-44.
WCEFA- Declaração mundial sobre educação para todos. Disponível em:
<http://www.interlegis.gov.br>. Acesso em: 04 fev. 2004.
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo