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Durante essa morada deslocada (Geertz, 1978) neste campo, para mim até então
desconhecido, pude conviver com a equipe de profissionais, especialmente no ano de 2004. A
equipe era composta por uma psicóloga, uma assistente social, um pedagogo e uma graduanda
em Direito que, naquele momento atuava como coordenadora. Havia ainda um estagiário de
Psicologia e outro, estudante do curso de Direito. No ano de 2005 tive a chance de aprofundar
o meu contato com estas pessoas e passei a conviver mais de perto com a psicóloga, a
pedagoga e a assistente social. No âmbito desta convivência e de posse de algumas
informações pesquisadas, nasceu a oportunidade para elaborar algumas questões sobre o
fenômeno das violências e sobre a gestão do Programa Sentinela enquanto política pública
destinada às crianças e aos adolescentes.
Como um fenômeno multidimensional e complexo, vou considerar a violência sexual
no plural, portanto como violências, em razão da multiplicidade de aspectos que constituem
cada ato realizado. Um estupro, uma conduta exibicionista, uma prática sexual qualquer,
quando envolve uma criança e um adulto, não podem ser acontecimentos interpretados pelo
ato singular. Neles estão presentes inúmeras singularidades, atravessadas pela dor de um e
pelo prazer do outro, conjugando os medos com a dominação, a sujeição, a agressão física, o
não-compreendido, o imediato e o duradouro, pelo menos.
Acredito que distintas e emaranhadas manifestações de violências estão presentes na
dinâmica relacional: simbólicas, físicas, psicológicas. No contato com as crianças atendidas
pude constatar que as violências não acontecem separadas, geralmente são concomitantes,
pois marcam dimensões específicas de cada uma delas. As violências são corporificadas, no
entanto, as violências físicas aparecem algumas vezes nas marcas corporais (lesões,
queimaduras, hematomas); já as práticas simbólicas e psicológicas causam sofrimento interno,
dano à sua integridade emocional e social. Estas manifestações, entre outras, têm em comum a
violação dos direitos das infâncias, das suas humanidades, das suas escolhas, entre outros.
Assim, nesta multidimensionalidade, as violências são tecidas conjuntamente. Por isso,
vou tratar como formas abusivas as manifestações de negligência, coação, tortura corporal,
humilhação, punições, exploração sexual, trabalho infantil ilegal e insalubre, estimulação
sexual, realização ou tentativa de penetração sexual, seja pela via oral, anal ou genital. Tais
violências são concretas, são históricas, são culturais, produzidas no tecido social e dele se
nutrem. Contudo, são também fluídas, porque se escondem e se revelam num mesmo
movimento, cuja dinâmica nunca expressa a mesma face.