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Abda de Souza Medeiros
COSMOLOGIAS DO ROCK EM FORTALEZA
Trabalho de dissertação para obtenção do
título de Mestra em Sociologia no
Programa de Pós Graduação em
Sociologia, UFC.
Orientadora: Dra. Lea Carvalho Rodrigues
Junho de 2008
Fortaleza – CE
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Interessa-me agora tão somente as impressões captadas pelos sentidos,
e estas livro algum, pintura alguma oferece. O fato é que meu interesse
pelo mundo se renova; testo meu poder de observação e examino até
onde vão minha ciência e meus conhecimentos, se meus olhos estão
limpos e vêem com clareza, quanto posso aprender em meio à
velocidade, e se as rugas sulcadas e impressas em meu espírito podem
ser de novo removidas.
Goethe
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Dedico à memória de papai e ao amor-companheiro de mamãe -
Sr. Medeiros e Sra. Vilani.
Aos roqueiros, especialmente aos que compõem a Associação
Cultural Cearense do Rock (ACR), pela bravura e bom humor
na arte de “bater cabeça”.
Obrigada!
Em 2001, decidi percorrer os caminhos aparentemente indecifráveis do Rock. Tomei esta
aventura como ofício. Mas, na verdade, desde os quatro anos de idade o Rock pulsa em meu corpo. A
mistura entre a paixão pelo universo do Rock e a dedicação no estudo sistemático, criterioso e
racional do mesmo, resultaram no trabalho que aqui exponho. Para isso, contei com o apoio de certas
pessoas e instituições que me ofereceram regalos em forma de dados cuja apresentação vem no
formato de vozes guturais, batidas aceleradas de bateria e muita festa, por um lado protagonizada
pelas bandas e, por outro, pelos que as assistem e com elas interagem.
Registro, então, meus agradecimentos em primeiro lugar à Associação Cultural Cearense do
Rock (ACR), minha porta de entrada no universo do Rock, em Fortaleza, por me aceitar nos mais
diferentes momentos e pela generosidade em tolerar meus inevitáveis questionamentos.
Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) pela bolsa
concedida entre 2006 a 2008.
A amiga e orientadora Dra. Lea Carvalho Rodrigues pela dedicação, sugestões e apoio,
permitindo assim, o meu fluir na pesquisa e na escrita do texto.
Aos professores, alunos e funcionários do Departamento de Ciências Sociais da Universidade
Federal do Ceará (UFC) com quem estabeleço laços sinceros de amizade e compartilhamento de
saberes.
Aos amigos Clístenes Chaves, Fátima Almeida, Manu Giffoni, Monik Régia, Monalisa Dias,
Herberth Monteiro, Ana Maria, Efísio, Clarissa Brasil, Josáfá, Joyce Mota e Fábio Barros que estão
sempre por perto e cujos encontros são permeados por alegria e aprendizado.
Ao jornalista Ricardo Batalha da revista paulista Roadie Crew que contribuiu com
informações significativas na construção deste trabalho.
A Isabelle Rabelo e Alvanir Fernandes, amigas terapeutas que me ajudam a descobrir as
potencialidades e os limites da mulher que existe em mim.
À energia e força que transcende o mundo físico, seja Deus, A, Pai Oxalá etc, e que atua
como a maestrina da orquestra de ópera-rock, misteriosa e fascinante, denominada Universo.
Roteiro de Capítulos
1. Apresentação: Rituais de iniciação - aventuras, descobertas e caminhos da
pesquisa...........................................................................................................................06
1.1.Etnografias do Rock em Fortaleza: das experiências pessoais às experiências de
campo..............................................................................................................................11
1.2.A cidade como cenário para os shows......................................................................13
1.3.Os “metaleiros” em movimento................................................................................20
1.4.Ofício de etnógrafo, ofício do detalhe.......................................................................23
2. A diversidade dos cenários, atores e encenações do Metal pela cidade...............28
2.1. Como e onde ocorrem os espetáculos?....................................................................35
2.2. Encenações covers...................................................................................................44
2.3. A explosão do Metal no Teatro................................................................................52
2.4. Os “metaleiros” encenam a céu aberto..................................................................58
2.5. Encenações no Anfiteatro do Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura................74
2.6. Caricaturas do Metal...............................................................................................86
3. Dinâmicas de significados no underground em Fortaleza.....................................92
3.1. A Associação do Rock como promotora dos eventos de Metal em Fortaleza.........92
3.2. Metal e underground: “inversão da tradição” e “invenção da tradição”.............95
Considerações finais...................................................................................................102
Bibliografia.................................................................................................................105
1. Apresentação: Rituais de iniciação - aventuras, descobertas e caminhos da
pesquisa
Este trabalho tem como objetivo tomar os shows de rock, mais especificamente os
shows de Metal
1
, sob a perspectiva dos rituais a fim de identificar e compreender as diferentes
linguagens que ordenam e expressam as cosmologias (partes que em conjunto formam um todo
dotado de sentidos de acordo com o contexto no qual estão inseridos, Tambiah, 1985) que configuram
os referidos shows em determinados espaços na cidade.
Do ponto de vista conceitual, algumas definições podem ser consideradas a fim de que
compreendamos porq os shows de Metal podem ser analisados sob a perspectiva dos rituais.
Vejamos: a) é algo ordenado, sistemático, cuja lógica obedece a certos princípios em sintonia com o
universo do Rock e o contexto social; b) o show se apresenta como um momento de diferenciação das
atividades cotidianas e onde se compartilha assuntos de interesses comuns no que se refere a bandas,
músicos, instrumentos; c) é um momento de encontros, trocas simbólicas e materiais, circulação e
efetivação de espaços; d) e revelam os mecanismos de aceitação e de conflitos inerentes ao universo
no qual os participantes seja organizados como banda ou platéia, estão inseridos.
Os shows são protagonizados por grupos juvenis e que se denominam
metaleiros/metalheads/headbangers, cujo significado é batedores de cabeça
2
. Além disso, esses
1
Observe que me refiro a essa vertente do Rock como Metal, e não, Heavy Metal como é popularmente conhecida. Esta
é apenas uma das possíveis subdivisões dentro do Metal, sendo que, as duas maiores e mais impactantes subdivisões são
o Thrash Metal(cujo significado é batida) e o Death Metal (cujo significado se refere à morte, falecimento) que se
fundiram com outras subdivisões do Rock, configurando não apenas um estilo de música mas, acima de tudo, um estilo
de vida. Tom Leão (1997), jornalista da crítica especializada em Metal, diz que as primeiras bandas a soarem “heavy
metal” antes que o termo fosse usado foram Kinks, The Who, Cream e Yardbirds; as bandas pioneiras e fundamentais
para o estilo dos anos 1960 para os 1970 foram Led Zeppelin, Steppenwolf, Iron Butterfly); as bandas dos anos 1970
como Blue Cheer, Vanilla Fudge, Gran Funk Railroad, Black Sabbath, Deep Purple, Kiss, AC/DC, Motorhead, Van
Halen. Após a Nem British Metal e o Punk (anos 1980), vieram o Death Metal, o Hardcore americano e o Thrash-speed
metal nas figuras de Venom, Deicide, Black Flag, Dead Kennedys, Minutemen, Husker-Du, Slayer, Metallica,
Megadeath e Anthrax; há também o crossover e o funk-o-metal de Faith No More, King ´s X e Primus; o hip-hop metal
do Biohazard e Clawfinger; o glam metal de bandas como Slade, Poison, Faster Pussycat que influenciaram bandas
como Guns N´Roses e Skid Row(Leão, 1997,p.16).
2
Os headbangers, que também o chamados de heavys, metaleiros, metalheads, metal,os de camisas pretas, formam
um grupo urbano que estabelecem redes de relações sociais por compartilharem, entre outros aspectos, os mesmos
eventos configuram-se e realizam-se seguindo os princípios da filosofia denominada por eles
underground,ou seja, orientam-se pela idéia “faça você mesmo” independente de patrocinadores,
apoios institucionais públicos e/ou privados, seguindo uma lógica de mercado diferenciada da
difundida pela “cultura de massa”; ainda que em certos ocasiões, na busca por espaços, apoios
financeiros para a realização dos eventos, como também nas formas de divulgação e difusão dos
trabalhos produzidos pelas bandas e consumidos pela platéia e por outras bandas ligadas ao estilo,
recorram às formas de organização, produção, difusão e distribuição características da indústria
cultural para o estabelecimento de trocas simbólicas, materiais e novos laços de sociabilidade, o que
provoca, na maioria das vezes, um enriquecimento cultural por meio desses contatos, embora
antagonismos de interesses venham a surgir.
Entre as questões que esta proposta pretende responder, indago se os shows de rock contribuem
ou não para o fortalecimento e diferenciação dos “metaleiros” em relação a outros agrupamentos que
se ligam à música. E mais, que significados os shows expressam para os participantes e se esses
significados permitem repensar as dinâmicas juvenis e mudanças culturais na contemporaneidade.
Esclareço que meu interesse pelo estudo do fenômeno aqui citado partiu de minhas
experiências com a música do rock. Inspirada na idéia do antropólogo britânico Edmund Leach
(2000) que ao se referir a Malinowski, no que concerne ao trabalho do antropólogo, afirma que “o
antropólogo que faz pesquisa de campo deve usar seus olhos e suas experiências pessoais, em vez de
apenas perguntar aos ‘informantes’ sobre ‘costumes’ que, na opinião dele, talvez fossem apenas
produto da imaginação” (Leach, 2000, p.31-32).
Assim, foram os primeiros contatos com o universo do Rock, em 1985, por influência do
Rock In Rio, que passei a ouvir aquilo que denominado por quem “curte” rock como um som de tipo
“mais leve”. Inclui-se nessa classificação algumas músicas dos Beatles e Elvis Presley. Com o passar
do tempo, passei a ouvir outras ramificações do Rock, quando, desta vez, o Metal passou a ser o meu
estilo musical preferido e, assim, provocou alterações na composição de meu visual, audição das
músicas e freqüência nos shows de Rock. Ouvi de Black Sabbath aos temas cantados pelo Black
Metal (uma das principais ramificações do Metal) e acredito que, a partir daí, esta pesquisa começava
a se configurar.
na Universidade, por volta dos anos 2000, certo dia, no intervalo de almoço de um dia
lotado de aulas no curso de Ciências Sociais, na Universidade Federal do Ceará (UFC), estava eu,
posta a uma das mesas do restaurante universitário quando um moço de estatura baixa, moreno,
gostos musicais; ou seja, apreciam um tipo de música rotulada heavy metal. (Pacheco, s.d.p.01)
cabelos pretos e curtos, vestido com bermudão vermelho, camisa com a foto de Malcom X e
adornando-se com uma corrente de metal no pescoço, aproximou-se de mim e pediu licença para
sentar-se ao meu lado. Concedi-lhe o pedido. Sentou-se ao meu lado e me perguntou se fazia Ciências
Sociais, que, por algumas vezes, havia me visto em uma das salas do curso. Respondi que sim.
Então, ele me perguntou se eu gostava de rock. Respondi que sim. E ele retrucou: “deu pra perceber,
vestida de preto...”. Perguntei como ele se chamava e ele me disse: Batista.
A partir daí, enquanto almoçávamos, Batista falava da música do rock e eu pensava sobre
como Durkheim, Marx e Weber (os três clássicos das Ciências Sociais) explicariam o rock como
sistema cultural, pois ao entrar em contato com as teorias ministradas no curso de Ciências Sociais,
UFC, percebia a possibilidade de investigar o Rock por meio de uma pesquisa racional, sistemática e
criativa
3
. Mesmo diante da iminente possibilidade de transformar o Rock, até então para mim apenas
lazer e vivências, em fenômeno de pesquisa, naquele momento eu me sentia desmotivada que
terminara de sair de uma investigação cuja pretensão era meu trabalho de monografia e que por
questões empíricas não foi possível ser realizado
4
.
Rapidamente Batista declarou que não havia obstáculos para que eu concretizasse uma
pesquisa sobre rock, o que significou para mim uma “injeção” de ânimo para iniciar os trabalhos de
campo e enfrentar os desafios que o mesmo oferece. E acrescentou: “tem eu, o Jônatas, o Edson
[amigos de curso]... tanta gente que pode te ajudar... tem o Amaudson (presidente da ACR) que é
sociólogo... muita gente pode te ajudar, Abda”. Após essa observação, Batista me fez um convite para
estar na Associação Cultural Cearense do Rock (ACR) onde sua banda Mercado Negro seria uma
das atrações do show.
A “porta de entrada” para o universo do Rock, em Fortaleza, foi a Associação Cultural Cearense
do Rock, ONG fundada em 25 de Abril de 1998 por Amaudson Ximenes, 38 anos, sociólogo e músico
de Metal cuja finalidade por um lado é promover shows, cursos, seminários e debates referentes à
música do Rock e, por outro, intervir por meio de oficinas de informática e eventos musicais na
comunidade do bairro Jacarecanga, zona oeste de Fortaleza, onde está localizada a sede da mesma.
Além disso, a ACR é uma das instituições de maior visibilidade no que se refere ao trabalho musical
3
Em Junho de 2004, concretizei a pesquisa sobre Rock que se transformou no trabalho de monografia intitulado O
espetáculo dos metaleiros” em Fortaleza: cenários e encenações corporais; orientada pela profª Glória Diógenes, do
Departamento de Ciências Sociais. O referido trabalho contou com o apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico (CNPq) do qual eu era bolsista de iniciação científica.
4
Refiro-me à pesquisa sobre Cooperativas no Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) que foi
inviabilizada por ameaças, perseguições e enfrentamentos entre Governo Federal e o Movimento, fato este que
culminou na proibição de qualquer integrado ao MST que não se caracterizasse como “sem terra”.
(como o festival Forcaos que será detalhado posteriormente) e de intervenção social congregando
atualmente não apenas grupos de Metal, como também grupos que executam outros tipos de rock.
No dia cinco de maio de 2001, às 17h, a convite de Batista, estive na esquina da Avenida
Tristão Gonçalves, 358, num local chamado Casarão cultural” onde se realizavam os eventos da
Associação do Rock e os eventos de um partido político comandado pela ex-prefeita de Fortaleza
Maria Luíza Fontenelle. Eram exatamente 18h e o show que estava marcado para as 17h ainda não
havia começado. Enquanto isto se ouviam os ruídos que saíam desse lugar. Os garotos e as garotas
foram chegando, sozinhos (as) ou não. Alguns desceram dos ônibus que passavam na rua à frente da
ACR. Outros desceram de carros particulares e dirigiram-se à portaria do Casarão, onde outros jovens
se encontravam sentados à espera do show. Alguns desses jovens bebiam cerveja, outros fumavam
(cigarro comum) e outros conversavam.
Em sua grande maioria trajavam-se de preto e camisas de bandas internacionais: Metallica,
Iron Maiden, Sepultura, Rage Against the Machine e tantas outras de nomes de difícil compreensão.
O o compreender consistia em não saber o que estava escrito naquelas camisas. São nomes e
desenhos estranhos àqueles que não compartilham as mesmas categorias partilhadas por aqueles
jovens. São letras com vieses, escritas de forma declinada ou de cabeça para baixo ou com pontas nas
bordas que dificultam o entendimento da mensagem, para aqueles que desconhecem (ou possuem
pouco contato) com elementos alusivos ao universo do Metal. Trajavam calças leves e soltas. Além
disso, adornavam-se com colares metálicos, brincos e piercings em suas faces. Vi raras tatuagens, pois
as camisas cobriam a região peitoral e a das costas (somente via as tatuagens escritas sobre os braços).
O cabelo longo marcava presença, principalmente entre aqueles que se apresentavam com camisas de
bandas de Metal. Estavam todos eufóricos e falavam alto.
Eu notava que estes jovens possuíam um andar “desajeitado” e percebia o quanto a música do
rock consegue agregar tantos jovens, como também, pessoas de fase adulta. As roupas que eles
usavam, transmitiam um “tom” de liberdade. Camisas por cima da calça, geralmente atingindo um
pouco abaixo do abdômen, calças frouxas ou bermudões frouxos até os joelhos, tênis preto de alguma
etiqueta conhecida. Na voz, a presença das expressões “macho”, “cara” e “brother
5
. Falavam alto e
5
Expressões classificatórias recorrentes na comunicação principalmente entre os jovens. De forma singular, no Ceará, a
expressão “macho” é uma das mais freqüentes.
com rapidez. Quando fumavam, trocavam cigarros entre amigos, compravam refrigerantes e os
dividiam entre si. Eu percebia que esses signos expressavam a polimorfia e a significação que o rock
construiu ao longo dos anos. Ou seja, para eles o rock não está apenas em melodias, harmonias ou
ritmo.
Enquanto para mim essas questões se colocavam, as bandas Dose Lethal, Mercado Negro e
Jumenta Parida se apresentavam, respectivamente. O som era alto, as vozes dos vocalistas eram
agudas, as guitarras soavam potentes e a rítmica acelerada na bateria fazia com que o público pulasse,
inclinasse o corpo para frente e para trás e balançasse a cabeça de um lado para o outro; de vez em
quando, alguém subia no palco e pulava sobre o espaço destinado ao público para que os
companheiros que estavam embaixo o segurassem. Antes de pular, alguns tiravam a camisa,
cumprimentavam o vocalista (chegando às vezes a puxar o microfone de forma que pudessem cantar
com o mesmo) e, em seguida, dirigiam-se à platéia, acenavam com as mãos para que o grupo mais
próximo se juntasse, davam as costas e pulavam. Alguns chegavam a se jogar de frente para a platéia
e, enquanto eram sustentados, “passavam de mão em mão” até que ninguém mais os conduzisse e,
então, voltavam-se para junto da platéia e ficavam de pé próximos ao palco.
Os contatos com os shows na Associação Cultural Cearense do Rock (ACR), foram se
intensificando após esse evento, marcado então pela conversão do olhar familiar em exótico e do
exótico em familiar (Da Matta, 1974). Posteriormente, fui apresentada, por intermédio de Batista, ao
presidente da Associação do Rock Amaudson Ximenes que, por sua vez, convidou-me para
assistir a uma das reuniões na sede alugada da ACR que, meses após esses shows, teve seu endereço
mudado para a Avenida João Pessoa, 455, bairro Damas, região centro-sul da cidade.
Freqüentei inúmeras reuniões onde percebi que a ACR busca lugares, delimita espaços e nos
shows em que ela não é a produtora percebe-se a marca da mesma, seja nas falas dos integrantes das
bandas que fazem parte da instituição e que são convidadas para shows produzidos por outras
pessoas, nos folders de divulgação ou na presença de algum dos membros da entidade que se faz
presente no show.
Fig.1. Sede da ACR, nas paredes fotos de shows. Fig. 2. Show realizado na parte externa – “calçadão” - da ACR.
1.2. Etnografias do rock em Fortaleza: das experiências pessoais às experiências de campo
Orientada pelas lições de método etnográfico, nós pesquisadores em Antropologia, somos
iniciados no ofício de antropólogo (Cardoso de Oliveira, 2000) onde, a “conversão do olhar” torna-se
o ponto de partida de tudo o mais que virá nesta aventura do conhecimento. Experiências pessoais,
relatos, descrições, conversas, tabelas, organização do espaço físico onde habitam os pesquisados,
expressão dos sentimentos e tantas outras informações que podem ser apreendidas pelo pesquisador
expressam o esforço por aquilo que tentamos compreender, construir significados e atribuir sentidos à
existência do pesquisador como pessoa e como estudioso. Todos esses movimentos são possíveis
porque “tudo começa numa afinidade, numa simpatia do sujeito da percepção e da ação pelo objeto”
(Bosi, 1977), construindo, assim, uma explicação entre outras possíveis do fenômeno em estudo.
Trilhando por esses caminhos, considero que minhas vivências no rock, os encontros na ACR
ou fora dela, as pesquisas em revistas da crítica especializada no Metal
6
, as consultas nos sites e
comunidades no orkut relativos ao Metal, sejam no Ceará ou fora deste, as informações trocadas na
6
A exemplo das revistas Roadie Crew e Rock Brigade com sede na cidade de São Paulo.
calçada da ACR após as reuniões ou ao final de algum show, as visitas aos ensaios de algumas bandas
que compõem a ACR e as “baladas” dos finais de semana onde eu tive a oportunidade de estar mais
próxima dos “metaleiros” da instituição, representaram momentos de significativa sutileza para a
obtenção de dados que resultaram em um trabalho de monografia
7
como requisito básico para a
obtenção do grau de bacharel no referido curso. Contudo, a reflexão ficou restrita ao estilo corporal
(gestos, adereços e vestimentas) apresentado pelos “metaleiros” integrantes da ACR.
Depois de defendida a monografia, continuei meus contatos com os “metaleiros” da ACR,
como também me dediquei ao trabalho social desenvolvido pela instituição com crianças e
adolescentes do bairro Jacarecanga, onde funciona a sede da mesma. Assumi, por indicação da
direção da ONG, um dos postos no conselho fiscal e a coordenação das atividades pedagógicas. Além
dessas tarefas, trabalhava como assistente de palco na produção dos shows e dos festivais promovidos
pela Associação nos mais diferentes espaços da cidade, como também, freqüentava, seminários e
encontros dos parceiros institucionais da Associação, como por exemplo, o encontro promovido pela
Fundação Banco do Brasil em Fortaleza, realizado em 2006, no convento Filhas de São José, onde
proferi a conferência intitulada “Espaço Jovem Associação Cultural Cearense do Rock: um espaço de
encontros e aprendizagem”. Considerei esses momentos como forma de retribuir os anos de pesquisa,
que encaro esta, como uma relação de reciprocidade onde o dar, receber e retribuir são as medidas
equivalentes entre os regalos, sendo que estes estão para além de regalos materiais; envolvem também
valores, honras e posições sociais (Mauss, 1974).
Após essas primeiras vivências com a “turma da ACR”, continuei mantendo contato com os
integrantes da instituição que me mantinham atualizada com a agenda de shows na cidade. Assim,
novos encontros foram se construindo nos mais diferentes espaços de Fortaleza quando pude então
conhecer outros shows, diferentes públicos e, é claro, constatar a diversidade, os conflitos e
estratégias de afirmação na busca pela visibilidade pública, reconhecimento e divulgação do rock
Metal.
Assim, desenhavam-se novos horizontes de pesquisa e eu percebia que a hora de iniciar novas
incursões pelo universo do rock Metal se aproximava. Em vários momentos, senti-me envolvida em
demasia pelas questões, posicionamentos, conflitos e problemas que me eram relatados nos shows
que freqüentava. Percebia, então, que nessas horas era necessário fazer o movimento de introspecção
e refletir sobre o papel que eu ocupava como pesquisadora. Além disso, como eu pensava em dar
7
Trabalho orientado pela professora Glória Diógenes e apoiado pelo Conselho Nacional de Pesquisa e
Desenvolvimento Tecnológico CNPq do qual eu era bolsista de iniciação científica (como citei anteriormente na
nota 1). O referido trabalho foi apresentado ao curso de Ciências Sociais, UFC, no dia 01 de Junho de 2004.
continuidade ao trabalho de monografia, o distanciamento físico foi o melhor caminho a ser traçado a
fim de obter o distanciamento analítico necessário na construção do estudo que aqui apresento.
O mestrado, então, revelou-se como uma oportunidade de aprofundar as questões relativas aos
shows de rock em outros espaços, em outros palcos e com outras platéias ainda que a ACR
significasse, em muitas ocasiões, o ponto de partida para que eu chegasse a esses eventos. Desta vez,
os shows seriam analisados sob a perspectiva dos rituais, uma vez que, como citei no início do texto,
por meio dos rituais apreende-se as diferentes nuances que ordenam e configuram os shows de Metal
nos mais diferentes espaços na cidade, permitindo, assim, compreender as cosmologias de sentidos
que os mesmos (shows) trazem em si e que dizem respeito ao universo do Metal.
Contudo, todos esses movimentos realizados por mim foram permeados de dificuldades e
facilidades. Nem sempre foi fácil realizar deslocamentos num universo como o do Metal, onde a
maior parte do público é masculina, predominando as palavras de ordem “agressividade e
velocidade”. Acrescente-se a isso, as dificuldades de se aproximar de certos integrantes de bandas em
razão da desconfiança e/ou ciúmes por parte das namoradas ou esposas. em relação à platéia, a
desconfiança gira em torno da estigmatização para com os apreciadores do Metal. Em muitas
ocasiões, quando me aproximei de algumas pessoas na intenção de solicitar uma entrevista, fui
questionada a respeito dessa questão em meu trabalho, pois os participantes organizados como platéia
temiam em relação ao meu interesse de construir informações que viessem a comprometer a imagem
do Metal e daqueles que com ele possui afinidade. E mais, durante as entrevistas era difícil questionar
a respeito de valores morais, religiosos e musicais que configuravam a visão do entrevistado. Não
adiantava chegar para um deles e dizer: “Agora me diga o que você pensa da relação entre o que você
ouve e o que você é”. Seria o mesmo que, diz Evans-Pritchard, dizer para um Zande: “Agora me diga
o que vocês Azande pensam da bruxaria”. Trata-se de um tema amplo e demasiadamente vago quando
se trata de pessoas cuja “resposta é a ação, não a análise” (Evans-Pritchard, 1978, p.70)
8
.
Nestes momentos, é necessário ao pesquisador paciência, tranqüilidade e, acima de tudo,
respeito para com o entrevistado a fim de que as respostas fluam da forma mais criativa e inteligível
para as questões a que a pesquisa se propõe responder. Este é o segredo do fascinante encontro com o
“outro” que na linguagem antropológica denominamos de encontro etnográfico. Marcado pela
singularidade, falseios, aceitações, rejeições e perspicácia, quando falamos no encontro etnográfico, é
como falar “numa particular aventura marcada pelo duplo esforço, de uns para contar, e de outros para
8
Refiro-me ao trabalho Bruxaria, Oráculos e Magia, realizado pelo antropólogo britânico Evans-Pritchard entre os
Azande, grupo localizado no Sul da África, atual Sudão.
compreender” (Magnani, 1991). E nessa aventura, o olhar do pesquisador, o trato para com os dados
recolhidos em campo, como também a leveza e a sutileza de sua escrita, contribuem para a
relativização do “outro”.
1.3. A Cidade como cenário dos shows
Em um desses encontros, por meio de conversas que tive com os “metaleiros”, percebi o quanto
a temática dos eventos sempre esteve em evidência entre eles. Eventos, aqui, referem-se aos shows
por eles protagonizados em determinados espaços urbanos de Fortaleza e que adquirem significância
histórica e cultural de acordo com as cosmologias de sentidos a eles atribuídos (Sahlins, 1990).
O espaço social onde esses shows ocorrem é a cidade. Quando falamos em cidade, a idéia
parece evocar anonimatos, relações impessoais, homogeneidade, violência e solidão. Contudo, caso se
resolva conversar um pouco com os moradores da vizinhança e observar o cenário no qual se reside,
percebem-se as diferenças, elos de amizade, regras para a apropriação e uso do espaço no qual se
habita.
Esses e outros elementos permitem concluir que em meio à complexidade e à fragmentação em
que as cidades ocidentais estão imersas, principalmente as metrópoles, são perceptíveis a presença de
arranjos estabelecidos pelos indivíduos, cujos sentidos atribuídos evocam formas de sociabilidade,
modalidades de lazer e entretenimento, além das diferentes formas de cultos e festejos.
Essas variáveis se tornam visíveis cada vez mais quando se adentra espaço mais diversificado e
caracterizado pelas marcas impregnadas por grupos que se ligam a determinadas práticas sociais,
deixando assim, demarcadas ou sobrepostas às preferências, os gostos e os estilos por eles
vivenciados.
Assim, a cidade por muitas vezes apresentada pelos meios de comunicação e pelo senso
comum em razão dos altos índices de desemprego e violência, como no caso brasileiro, configura-se
como pedaços
9
ocupados por determinados grupos que por meio de suas “práticas sociais (...) dão
significado ou resignificam tais espaços, através de uma lógica que opera com muitos eixos de
9
Pedaço, aqui, refere-se ao termo cunhado por Magnani (1984): “o termo na realidade designa aquele espaço
intermediário entre o privado (a casa) e o público, onde se desenvolve uma sociabilidade básica, mais ampla que a
fundada nos laços familiares, porém mais densa, significativa e estável que as relações formais e individualizadas
impostas pela sociedade” (Magnani, 1984, p.138).
significação: casa/rua; masculino/feminino; sagrado/profano; público/privado; trabalho/lazer e assim
por diante” (Magnani, 2000, p.39).
Entretanto, os estudos que tomaram a cidade como espaço das práticas culturais nem sempre a
apreenderam da forma como citei anteriormente. Segundo Rita Amaral (2000), os que analisaram a
cidade dividiram-se em dois grandes grupos:
“o dos autores que viam no modo de vida urbano um fator de desintegração dos
valores tradicionais (como a família e a religião) e o dos que viam esse modo de
vida não como desintegrador mas gerador de um novo padrão cultural, surgido da
diversidade: o da sociedade secular, racional, cujas relações se baseariam em
interesses práticos e na qual os valores tradicionais seriam substituídos por outros,
mais adequadamente a essa formação social moderna, que substituíra o teocentrismo
pelo antropocentrismo” (Amaral, 2000, p. 255 )
10
.
Assim, em detrimento da regressão da autoridade do líder religioso, as cidades (e me refiro
às cidades ocidentais) se configuraram como símbolos da racionalidade cientificista, instituições de
saber e elos de ligação entre a sociedade e o Estado. Quais as implicações dessas visões? Com a
secularização dos modos de vida nas cidades, a religiosidade e os festejos parecem desaparecer,
quando, na verdade, muitos estudos têm apontado a multiplicidade de crenças e de festejos que se
apropriam de determinados espaços urbanos e, assim, reconfiguram os trajetos e os usos onde se
mesclam práticas tradicionais a práticas modernas.
No Brasil, entre outros, temos os estudos de Vagner Gonçalves (1992) e Rita Amaral (1992)
que se referem às práticas religiosas e festivas do Candomblé na cidade de São Paulo. Além disso,
os estudos de Janice Caiafa (1989), Márcia Regina da Costa (1993) e Helena Abramo (1994)
referem-se ao estudo de jovens que se ligam a determinados estilos musicais que concebem a
cidade não apenas como fonte de onde esses estilos se originaram, mas, também, como cenário de
suas práticas culturais e objeto de protestos.
Entre esses jovens podemos citar os punks, skinheads e os “metaleiros”. A título desta
proposta, destacarei os “metaleiros” que, a partir da década de 1970, influenciados por jovens
ingleses provenientes de classes operárias, organizavam-se em gangues e passavam a adquirir
visibilidade nas ruas das cidades utilizando o corpo (gestos, adereços, vestimentas e
comportamentos impactantes), a música tocada em alto volume ou se organizando como militantes
10
O primeiro grupo de autores pertence à Escola de Chicago, enquanto que, no segundo, Simmel e Max Weber são os
referenciais.
políticos cujos sentidos imbricados em suas ações supunham revolta, agressividade e desprezo
pelos padrões impostos pela sociedade, além de selecionarem, conforme as situações em que estão
envolvidos, elementos que caracterizavam os padrões sociais estabelecidos.
Entre os “metaleiros”, ocupar determinados espaços públicos como praças, esquinas, clubes
e às vezes estádios se constituiu como estratégia fundamental das práticas dos mesmos. Cabe-me
aqui uma indagação: porque esses espaços e não outros? Em que implicam essas ocupações, no
que concerne às formas como se dão esses shows e ao reconhecimento dos “metaleiros” como
pessoas que ouvem e tocam a música do metal em alto volume, vestem-se de preto e têm na busca
pela visibilidade pública um de seus principais caminhos a fim de se tornarem conhecidos?
É interessante observar que para se entender a razão da ocupação desses espaços (onde
ocorrem esses shows) devemos diferenciar as noções entre lugar e espaço - propostas por De
Certeau - e espaço social e espaço simbólico propostas por Bourdieu. Segundo De Certeau (1994),
lugar se refere à delimitação geográfica, enquanto que espaço é o lugar praticado, segundo as
regras de um determinado contexto cultural, construído por um grupo determinado de atores.
para Bourdieu (1996), espaço simbólico se refere ao espaço construído mediante relações
simbólicas tecidas entre os indivíduos de acordo com o capital simbólico por eles acumulado que
termina por condicionar as diferentes posições que surgirão dentro de um determinado campo, ou
seja, no lugar onde se manifestam relações de poder distribuídas de forma desigual entre os agentes
de um campo particular.
O espaço social, diz o autor, é construído de tal modo que os agentes ou os grupos são
distribuídos em função de sua posição nas distribuições estatísticas de acordo com os dois
princípios de diferenciação - o capital econômico e o capital cultural (Bourdieu p.19,1996). As
distâncias espaciais, no papel desempenhado pelo agente ou pelo grupo de agentes, equivalem às
distâncias sociais por eles ocupadas.
Tomando como referência os pares conceituais acima propostos por Bourdieu (espaço
simbólico e espaço social), pode-se pensar que, ao ocuparem determinados lugares no espaço
social denominado cidade, os “metaleiros” parecem clarificar as diferenças entre eles e outros
grupos sociais mobilizando no espaço social questões relativas à visibilidade pública,
questionamentos, reconhecimento da música que executam e, acima de tudo, demarcando lugares
que estão intrinsecamente ligados às demarcações construídas no espaço simbólico. Dessa forma, a
expressão das relações estabelecidas no espaço simbólico orientadas por um conjunto de ações,
percepções e apreciações tem no espaço social, a cidade, a retratação da interiorização da
exterioridade e a exteriorização da interioridade apreendidas pelo grupo ao longo de sua
constituição (Bourdieu,1996).
No Brasil, entre os anos 1970 e 1980, a apropriação dos espaços sociais para a realização dos
shows de Rock eram retratados nos bailes com covers de Rolling Stones e Beatles, segundo o
jornalista Ricardo Batalha, da revista paulista Roadie Crew. Além disso, as passagens de Alice
Cooper (EUA), Queen (ING) e Van Halen (EUA), em meados dos anos 1970 e início dos anos
1980, despertaram o interesse das platéias brasileiras pela música do Metal. Contudo, é o
surgimento da banda inglesa Iron Maiden, em 1977 que, proporciona não apenas no Brasil, como
também na Europa e nos EUA, o interesse do público pela música do Metal e, principalmente, por
suas festas
11
. O New Wave Of British Metal, movimento de ruptura e renovação após o período
clássico do Metal (ou seja, final dos anos 1960 e início dos anos 1970, com as bandas Led
Zeppelin, Cream, The Who, Black Sabbath) não o colocou em destaque como, proporcionou
diversas ramificações em termos de som e dos tipos de shows nos mais diferentes espaços sociais.
O reflexo dessas transformações concretizou-se na vinda ao Brasil da banda norte-americana
KISS, em julho de 1983, com apresentações no Morumbi (SP) e no Maracanã (RJ), fato este que,
em 1985, proporcionou a realização no Rio de Janeiro do Rock In Rio que contou com as
bandas AC/DC (Austrália), Iron Maiden (ING) e Ozzy Osbourne - ex-vocalista da considerada
pelos “metaleiros`” como a precursora do Metal – Black Sabbath, entre outras.
Do ponto de vista histórico, o interesse pela música do Metal e a busca por parte dos
produtores para a realização desses shows e dos que viriam, tem na conjuntura social dos anos
1970 e no modelo econômico adotado pelo regime militar entre 1968 a 1973, a ampliação do
acesso aos bens de entretenimento e da cultura de massas por parte dos jovens e adultos por meio
de lojas especializadas em produtos de Rock (cds, camisas, revistas, filmes, adereços) que
posteriormente vieram a se tornar as famosas “galerias do rock”, a exemplo de São Paulo, Rio de
Janeiro e Fortaleza é que permitiam o contato desse público com o que de mais novo em termos de
lançamentos musicais, as modas, as bandas e os solistas do universo do Rock exibiam.
Em Fortaleza, quais as informações que temos a respeito dos shows dos “metaleiros”?
Como as demais cidades brasileiras, Fortaleza, entre 1860 a 1930, passou por uma série de
reformas urbanas e sociais que atendiam aos anseios de modernização dominantes na sociedade e
11
O interesse por esses shows pode ser compreendido levando-se em conta as possíveis definições do que sejam os
shows para os “metaleiros”, tal como descritas no início desta proposta.
que tinham como objetivo alinhar os centros urbanos locais aos padrões de civilização e progresso,
segundo os padrões europeus. Assim, grupos sociais ligados ao comércio e profissionais liberais
(médicos, bacharéis e engenheiros) foram os responsáveis por essas reformas que modificaram a
paisagem urbana no que tange ao aformoseamento de praças, higienização pública e
disciplinarização social.
Sebastião Ponte (1993) cita em seu estudo sobre o aformoseamento da cidade de Fortaleza, o
contexto assumido pela Praça do Ferreira, o chamado “coração da cidade”, no final do século XIX
e início do século XX
“justamente ali onde desfilavam bondes, automóveis, modas, novidades e gente de
todos os segmentos sociais e onde se concentravam os principais cafés, as mais
elegantes lojas e a chefatura de polícia, desfilavam também as vaias, o escárnio, os
apelidos e os ditos mais jocosos (...) Qualquer pessoa, coisa ou episódio que
sugerisse exagero ou quebrasse a normalidade do cenário urbano a arrancar
gargalhadas ou ser motivo para vaias” (Rogério, 1993, p.175-176).
Tomo como exemplo a Praça do Ferreira, atores e comportamentos por observados que
permitem compreender as formas de ocupação de determinados espaços na cidade de Fortaleza.
Além disso, o trecho acima ajuda a entender o porquê de certos atores sociais terem de ocupar
outros espaços a fim de exibirem suas vivências cotidianas.
Isso se deve à idéia de que a cidade e os espaços a serem ocupados foram planejados para
serem utilizados por determinados grupos e se apresentavam como interditados para todos aqueles
que não quisessem se submeter às regras estabelecidas pelo projeto de aformoseamento da cidade.
Assim, qualquer comportamento que não fosse contemplado pelos padrões estabelecidos era
motivo de indiferença e estigmatização.
No que diz respeito aos estigmas construídos pelos grupos de indivíduos cujo principal
sentimento por eles evocado é a indiferença, Norbert Elias contribui para que se reflita acerca da
construção de categorias dentro de determinados contextos, daquilo que o autor denomina
figuração. Esta se refere “a uma formação social, cujas dimensões podem ser muito variáveis (...)
em que os indivíduos estão ligados uns aos outros por um modo específico de dependências
recíprocas e cuja reprodução supõe um equilíbrio móvel de tensões” (Elias, 2001,p.13). Além
disso, figurações não incluem apenas o intelecto dos indivíduos que compõem o grupo, mas,
também, toda a sua pessoa, as ações e as relações recíprocas.
Estigmas, então, são ferramentas das quais os indivíduos de um determinado grupo, dentro
de certa figuração, lançam mão, diz o autor, a fim de manterem entre si a crença de que são não
apenas mais poderosos, mas, também, seres humanos melhores do que os outros (Elias, 2001,
p.20). As referidas crenças são produtos de um habitus por eles internalizados e que se constitui ao
longo da formação do grupo, orientando, assim, os modos de perceber, agir e sentir em relação a
outros cujos habitus se orientam por outras matizes.
O exemplo colocado pelo autor refere-se ao estudo de Winston Parva, cidade fictícia
localizada no interior da Inglaterra como em Os estabelecidos e os outsiders (2001). O que de fato
ali se observa é um estudo sobre delinqüência juvenil onde, para se compreender a construção dos
estigmas diferenciadores entre os grupos juvenis do local, Elias lança mão da observação das zonas
de moradia dos mesmos, uma vez que, moradores com mais tempo de residência na primeira zona
eram considerados estabelecidos, enquanto que nas duas outras zonas os moradores eram recentes,
socializados segundo formas diferentes de ação, percepção e apreciação diferentes das dos
moradores da zona 1, como também, existindo diferenciação entre moradores das zonas 2 e 3.
Assim, Elias constrói a relação estabelecidos e outsiders para compreender que as referidas
categorias só têm sentido, no caso em estudo, devido às relações sociais estabelecidas dentro dessa
figuração. O autor avança na análise evidenciando que os motivos dos conflitos entre as zonas de
moradia não são justificáveis apenas por relações de força entre os grupos, pobreza ou violência.
Para, além disso, deve-se levar em conta que denominações (sejam elas pejorativas ou não)
expressam lutas a fim de satisfazer outras aspirações humanas ligadas ao inconsciente, laços de
intimidade emocional, razão e manutenção ou rebaixamento de status entre os indivíduos que
compõem os grupos (Elias, 2001).
Seguindo as pistas oferecidas por Norbert Elias em seu estudo em Winston Parva, pode-se
compreender, no presente estudo, porque certas denominações como as de barulhento e desordeiro
são atribuídas aos “metaleiros” como, também, buscar dados que justifiquem as escolhas de certos
espaços na cidade a fim de protagonizarem seus shows.
Nos anos 1980, na falta de espaços sociais mais adequados que permitissem a expressão das
relações estabelecidas no espaço simbólico por eles construído, os “metaleiros” começaram, então,
a ocupar em bairros “populares” da cidade de Fortaleza clubes como o Secai e o Círculo Operário
onde se configuraram os primeiros shows de rock que na época não se definiam nem como
“punks” nem como “metaleiros”. Quem transitava por esses locais assistia a “competições” onde
os participantes imitavam cantores e bandas como Robert Plant e Ramones e recebiam como
prêmio guitarras de papelão, conforme relata Amaudson Ximenes, presidente da ACR. Assim, os
principais protagonizadores eram bandas covers, como por exemplo, a banda Ramortes (cover da
banda Punk americana Ramones).
Isso contribuiu para que, no final da década de 1980, alguns “metaleiros” que hoje
integram a Associação do Rock, constituíssem não uma banda, mas, também, a Associação do
Rock como Organização Não Governamental (ONG). Assim, o papel desses shows, significa,
como fala Rita Amaral (2000)
“‘mais que mera ‘válvula de escape’, mais que ser ‘contra’ ou a ‘favor da sociedade
tal como se encontra organizada, podem também ser o modo próprio de expressão
de um dado grupo ou mesmo seu instrumento político, uma vez que boa parte
mobiliza grande contingente de pessoas e recursos com finalidades assistenciais, no
sentido de cumprir um papel de apoio a seus membros ou de outros grupos, que
terminam gerando uma consciência política que origem a associações...”
(Amaral, 2000, p.258).
Assim, a Associação do Rock surge em Fortaleza agregando vários grupos de rock, entre
eles os “metaleiros”, como também inspirando na formação de bandas e constituindo uma platéia
significativa que, nos shows, parecem assustar e/ou despertar por meio de elementos que,
posteriormente agregados de forma a constituírem uma totalidade, caracterizam a figuração
simbólica e social que vivenciam. Aqui, esses elementos representam a consonância entre
consciência social (ou opinião grupal) e autoconsciência apresentada pelos indivíduos cujo
repertório é buscado nas crenças, atitudes comuns e pressões sociais inspiradas no desejo e no
medo do contato contínuo com a experiência (Elias,1996).
É inspirador o pensamento de Elias para o fenômeno em estudo, que os “metaleiros”,
cujos shows, para além de essencialmente urbanos, como citei anteriormente, estão impregnados
de elementos que permitem entender o porquê da categoria juventude ter sido tomada como ponto
de partida para a compreensão do fenômeno a que me proponho nesta investigação.
1.4. Os “metaleiros” em movimento
Para que se identifiquem os elementos constituidores dos shows dos “metaleiros” sob a
perspectiva dos rituais, faz-se necessário problematizar a categoria juventude. Juventude é,
portanto, categoria fundamental nas sociedades modernas industriais e definidas, como no caso das
sociedades ocidentais, como um problema da modernidade (Abramo, 1994, p.4). Isso advém de
um comportamento apresentado pelos jovens contrastando com os padrões colocados pela
sociedade. Segundo Abramo (1994)
“a peculiaridade desse período de espera constituído pelos anos escolares faz com
que as metas previamente estabelecidas e os papéis desempenhados não
respondam às necessidades surgidas na personalidade dos adolescentes, que tendem,
então a formar grupos espontâneos de pares, nos quais possam elaborar essas
respostas, que se tornam importantes locus de geração de símbolos de identificação e
de laços de solidariedade” (Abramo, 1994, p.4).
Daí, denominações como delinqüentes, contestadores e excêntricos surgem como
definidoras dos jovens em razão dos comportamentos apresentados pelos mesmos sejam em locais
públicos ou não. Além disso, uma possível explicação para que determinados grupos juvenis
recebam as denominações citadas anteriormente residem na questão de que
“a idéia central é a de que a juventude é o estágio que antecede a entrada na ‘vida
social plena’ e que, como situação de passagem, compõe uma condição de
relatividade: de direitos e deveres, de responsabilidades e independência, mais
amplos do que os da criança e não tão completos quanto os do adulto. Assim como
os limites de início e término dessa transição não são claros nem precisos, nem
demarcados por rituais socialmente reconhecidos, nas sociedades modernas, esses
direitos e deveres não são explicitamente definidos nem institucionalizados,
imprimindo-se à condição juvenil uma imensa ambigüidade”(Abramo, 1994, p.11).
Como atores vivenciando essa fase intermediária entre juventude e vida adulta, os jovens
percebem em determinadas práticas culturais uma forma de ter acesso a uma condição mais estável
em termos de direitos, deveres, aceitação e identificação negada ou omitida pela sociedade. No
caso dos “metaleiros”, cuja maioria experimenta essa fase intermediária, os shows assumem o
caráter de eventos que têm seu início a partir do momento em que os indivíduos acionam códigos
que não estão inscritos no espaço oficial, o contexto social, de forma a criarem um universo com
regras criadas e estabelecidas pelos grupos que o constroem (Duvignaud, 1983). Vale ressaltar,
também, que o início de eventos com essas características podem se utilizar de regras estabelecidas
socialmente para posteriormente, no ponto máximo do mesmo, invertê-las de acordo com a
dinâmica dos atores e encenações.
Seguindo os caminhos teóricos de Bourdieu e Elias, especificamente, os shows de rock
aqui tratados expressam um habitus internalizado pelos “metaleiros” que, dentro de uma
determinada figuração social (ou campo no sentido dado por Bourdieu) datada historicamente,
num determinado tempo e em um certo local (ou espaço social), estabelecem a articulação entre o
aprendido e o vivido que, por sua vez, carregam em si os caracteres selecionados conforme as
circunstâncias exigem, passando, então, a constituir um universo cujas semelhanças e diferenças
indicam os elementos que orientam as ações dos atores envolvidos.
Entre os “metaleiros”, de que forma se constitui esse universo de regras por eles muitas
vezes ritualizadas? Para muitos, os “metaleiros” são reconhecidos como grupos juvenis que
sempre estão vestidos de preto, gesticulam com as mãos um chifre (denominado cornuto), tocam
em alto volume e se utilizam de distorcedores
12
, feedbacks
13
e uma variabilidade de pedaleiras
14
na
produção do som. Pode-se acrescentar a esse repertório, a escolha de determinados espaços
urbanos, a performance e a relação entre banda e platéia como elementos norteadores dos shows.
Esses dados foram por mim colhidos por meio das observações nos shows, nas entrevistas e
na análise de documentos impressos e eletrônicos e indicam que o repertório acima utilizado pelos
“metaleiros” nega qualquer idéia de que o universo construído por esses indivíduos, e no qual se
inserem, é fixo, rígido e atemporal. Além disso, os shows dos “metaleiros” podem ser pensados
como formas que, segundo Duvignaud, restituem o “que as culturas nos proíbem de atingir a
liberação e o desabrochar do ser (...) que para exprimir-se tem que superar ou desprezar os
preceitos, os modelos e as regras estabelecidas...” (Duvignaud, p.208-209).Para autores como Rita
Amaral (2000), por exemplo, eventos desse caráter são momentos “em que a identidade dos grupos
se expressa plenamente [por meio] da circulação de riquezas, das trocas, da distribuição do que se
tem de melhor” (Amaral, 2000, p.262 – 264).
12
Distorção é o ato de deformar uma imagem, um sentido ou um som. Neste último, faz-se necessário o uso de
equipamentos eletrônicos, os distorcedores de guitarras, que produzem o efeito de distorção nos riffs.
13
Pedaleiras o equipamentos eletrônicos, semelhantes a um teclado de computador, utilizados na produção de
diferentes sons quando acionado pelo executante.
14
Feedback é o nome dado ao procedimento através do qual parte do sinal de saída de um sistema (no caso o som) é
transferida para a entrada deste mesmo sistema, com o objetivo de diminuir, amplificar ou controlar a saída do sistema.
No caso específico do Metal, os feedbacks são utilizados para amplificar a quantidade de decibéis emitidos pelas caixas
de som.
Tomando essas duas concepções teóricas, ou seja, Duvignaud e Rita Amaral, pode-se afirmar
que as duas não se excluem, ao contrário, complementam-se que Amaral concebe esses eventos
como algo que engloba diferentes esferas da vida social que, na concepção de Duvignaud, devem
ser superadas a fim de que um universo com regras estabelecidas pelos próprios integrantes seja
criado. É dessa forma que, para o último, isso implica em uma retomada de questionamentos não
comportados pelo quadro social. E é por isso mesmo que a alucinação que esses shows gera em
seus participantes é um estímulo único para a mudança e a renovação.
Ainda que as definições acima citadas tenham predominado durante muito tempo (décadas de
1970 e 1980) como possíveis explicações para as dinâmicas juvenis, o que hoje se observa é uma
flexibilidade entre a retomada de valores sociais vigentes e a contestação dos mesmos,
(re)significando, assim, categorias sociais que uma determinada figuração social permite. Além
disso, questiona-se se o Metal é composto exclusivamente por jovens, caracterizando-se assim,
como um estilo composto apenas por pessoas cuja faixa etária varia entre 18 a 25 anos, definidos
como jovens do ponto de vista jurídico brasileiro.
Esta é uma das problematizações que incremento neste texto e, na medida em que o mesmo
for sendo construído, perceber-se-á o quanto essas idéias serão questionadas a partir das próprias
descrições aqui apresentadas. A reflexão parte da premissa de que os indivíduos tomam contato
com novos elementos a serem incorporados em seus esquemas de significação e que a história
configura-se por outros caminhos que anunciam uma possível alteração no habitus gerador das
ações do grupo. Alteram-se, então, as relações entre espaço social e espaço simbólico que, por sua
vez, permitirão novas vivências proporcionadas pelos momentos de efervescência grupal nos
shows e na forma de produzirem os mesmos.
Os shows dos “metaleiros”, vistos como rituais, reforçam o habitus por eles incorporado,
mas, também, exteriorizam novas propostas a serem dadas para as inúmeras respostas que a vida
requer e que podem se utilizar de instrumentos como a música, o corpo ou a interação com a
platéia; ou como mero veículo de visibilidade pública nos espaços urbanos. Todos esses elementos
são levados em consideração nesse estudo. Isso porque ora eles podem se excluir, ora podem estar
sobrepostos, de tal forma que a dinâmica entre eles permite compreender como esses elementos
configuram esses shows.
Quando Magnani, em Festa no Pedaço (1984), descreve quais opções integram as diferentes
modalidades de lazer entre moradores de bairros populares na cidade de São Paulo, do circo aos
programas de rádio, o autor aponta de que forma essas opções, quando compreendidas em sua
totalidade, possibilitam a compreensão das diferentes maneiras como esses indivíduos
experimentam a vida. Além disso, coloca que o espaço social, a cidade, é muito mais do que
dimensões físicas planejadas e arquitetadas para determinados grupos. Ela é o resultado das
práticas de uma diversidade de grupos que, a partir de determinados horizontes, constroem suas
vivências, ora se utilizando do que socialmente está estabelecido, ora invertendo essas posições,
ora sobrepondo essas modalidades de forma a darem sentido à própria existência, como na situação
por ele estudada.
Norbert Elias, a partir do estudo em Winston Parva afirma que, quando se estuda
figurações, o objetivo não é enaltecer um lado e censurar o outro. O importante é perceber que na
construção de seus esquemas de significação, um dos lados envolvidos em uma determinada
figuração social, estabelece(m) relações de interdependência com outro(s) lado(s) da mesma e/ou
de outra figuração social. Com relação a esta pesquisa, para que os “metaleiros” se construam
como “metaleiros”, cujos shows apresentem características como as aqui descritas, dependem
reciprocamente de outros rockeiros e seus shows, mesmo que o compartilhem as mesmas idéias
e os mesmos valores (como em relação aos punks, por exemplo) a fim de se caracterizarem como
“metaleiros” que realizam shows cujos contrastes apresentados os permitem encaixar-se, ora como
estabelecidos em relação aos outros, ora como outsiders dentro ou fora da própria figuração social
a qual pertencem, ora como estabelecidos na mesma.
1.5.Ofício de etnógrafo, ofício do detalhe
O ofício do etnógrafo é o ofício do detalhe. Detalhe este que exige saber olhar, ouvir e
escrever (Cardoso de Oliveira, 2000). Além disso, como sugeriu Malinowki, “não é suficiente, que
o etnógrafo coloque suas redes no local certo e fique à espera que a caça caia nelas. Ele precisa ser
um caçador ativo e atento, atraindo a caça, seguindo-a cautelosamente até a toca de mais difícil
acesso (...) Mas, quanto maior for o número de problemas que leve consigo para o trabalho de
campo, quanto mais esteja habituado a moldar suas teorias aos fatos e a decidir quão relevantes
eles são às suas teorias, tanto mais estará bem equipado para o seu trabalho de
pesquisa”(Malinowski, 1978, p.22).
Para tanto, necessário é que o pesquisador disponha de determinados instrumentos que lhe
possibilitem “receber a caça” ainda que não saiba para onde deva direcioná-la. Para isso, o caderno
de campo é o grande aliado. Seja aquele das antigas folhas amareladas pelo tempo ou aqueles cujo
designer e tecnologia nele investidos denunciem sofisticação. O caderno de campo além de exercer
uma função catártica (...) evoca e supõe um estado de aprendiz, daquele que, por nada saber, tudo
anota, não deixa passar nada (Magnani, 1997).
A mesmo os trajetos a serem percorridos na pesquisa, questionários, impressões visuais do
que foi observado em campo e procedimentos no campo de pesquisa, estão no caderno de campo:
rabiscados, apagados, registrados a fim de que possam ser concretizados. Dada a importância do
caderno de campo no ofício do antropólogo, li por diversas vezes os dois cadernos de campo que
guardo em meu arquivo. Entre 2001 a 2008 foram muitos os dados registrados e para a construção
deste trabalho muitas informações foram repensadas e novos horizontes foram se desenhando.
Baseada nestes insights produzidos pelo exercício da reflexão do conteúdo dos cadernos de
campo, inicialmente mapeei os eventos protagonizados pelos “metaleiros” que ocorrem pela
cidade de Fortaleza, de forma a obter uma visão geral por meio de observações diretas sobre os
espaços e motivos pelos quais realizam os eventos. A técnica de pesquisa utilizada foi a descrição
com enfoque nos cenários, atores e regras gerais de ordenamento e ocupação dos espaços
possivelmente identificados.
No segundo momento da pesquisa, reduzi o campo de observação a um trabalho mais
sistemático, destacando os shows covers, os realizados nos teatros, as encenações em via pública
(FORCAOS 2006), os caricaturados e as apresentações no FORCAOS 2007. Esse procedimento
foi acompanhado das descrições dos cenários, atores envolvidos e regras identificadas ao longo das
observações. Incl nessa segunda fase uma prévia escolha dos entrevistados, entre bandas e
platéia, para a fase seguinte.
Ao todo foram realizadas 15 entrevistas que versaram sobre a trajetória dos entrevistados no
Metal, os motivos pelos quais se agregaram a esses grupos juvenis e os shows dos mesmos. As
observações diretas, em conjunto com as entrevistas, ofereceram-me dados que possibilitaram
refletir e redigir os relatórios e o texto final sobre o fenômeno aqui proposto. Além disso, recorri às
reportagens publicadas nos jornais de Fortaleza - Diário do Nordeste e O POVO, as revistas
paulistas Roadie Crew e Rock Brigade, como também visitei os sites (ver listagem completa na
Bibliografia) que noticiavam a respeito dos eventos e servem de elo entre os “metaleiros”como
também entre eles e outros segmentos sociais.
Sob a luz dos procedimentos metodológicos acima citados, posso apontar de forma mais
específica possível elementos que constituem os shows dos “metaleiros” e que comporão as
partituras da composição musical que é este texto. Estes são:
→Cenários O aspecto mais importante nos shows dos “metaleiros”, que é levado em
consideração nesta pesquisa são os cenários. Estes não se referem apenas aos espaços públicos dos
quais se utilizam a fim de protagonizarem os shows que, por sua vez, variam entre uma esquina
mal iluminada, passando pelos clubes dos bairros “populares”, até se utilizarem de espaços como
o Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura (CDMAC), localizado no bairro Praia de Iracema, que
reúne museus, bares, lojas de produtos artesanais, praças e um Anfiteatro e que se constitui em
importante ponto turístico da cidade. Na composição dos cenários dos shows dos metaleiros”,
considera-se o palco, os jogos de luzes (alternando entre tons claros e escuros), os equipamentos de
som, as bancas de venda de produtos fonográficos produzidos pelos grupos que se apresentam, a
diversidade da platéia onde se incluem os admiradores do estilo musical, as bandas após a
apresentação, os operadores de palco e iluminação e os vendedores de bebidas e doces que por
circulam. Aqui inclui a análise das noções de tempo e espaço na constituição dos shows no rock.
→Atores entre os atores sugiro nesta investigação a heterogeneidade que se faz presente.
Existem as bandas que protagonizam o som frenético do Metal, mas, também, para que o show
alcance o momento de efervescência é necessária a interação com a platéia. Não show se a
platéia não for para junto do palco interagir com o grupo que se apresenta. Pular, gesticular, “bater
cabeça” e empurrar um ao outro são sinais de que o show está acontecendo.
→Música a música tocada de forma intensa e rápida move todo esse acontecimento que é o
show de Metal quando na apresentação das bandas. Estas, divididas segundo a corrente musical
Death Metal, Thrash Metal etc, aglutinam admiradores, atraem ou repulsam desconhecidos do
universo do Metal ou, em algumas ocasiões, constituem grupos de fãs que freqüentemente
percorrem as apresentações dessas bandas pela cidade.
→Corpo se como foi dito anteriormente, a música é um dos elementos que definem os shows
de Metal, o que dizer, então, do corpo? Na pesquisa anterior, cujo recorte foi o estilo corporal
apresentado pelos “metaleiros” da ACR, constatei que o corpo é elemento imprescindível nas
apresentações. O uso da cor preta, dos longos cabelos, das correntes de metal e dos movimentos
que realizam (tanto as bandas como a platéia ) se configuram como símbolos de identificação e
diferenciação do grupo em relação a outros grupos juvenis. uma atenção especial na
caracterização do corpo nos shows. Talvez ele seja um dos elementos mais visíveis nos shows
(Medeiros, 2004) pelo fato de que é pelo corpo que se atingem as sensações e o êxtase que as
vivências grupais proporcionam.
→Custeios e estratégias de divulgação o Metal é um estilo musical de grande valor comercial
do ponto de vista das bandas que assinam contratos com as grandes gravadoras, as denominadas
majors. Entretanto, ao se tratar do Metal produzido orientado pela lógica underground, o estilo
musical, os eventos, a manutenção e divulgação das bandas, como também, a formação de platéia,
encontra seus obstáculos centrados na estigmatização, desinteresse e desconfiança por parte de
patrocinadores, apoiadores culturais e meios de comunicação. São poucos os grupos que
conseguem contratos com gravadoras sob a ameaça de não terem a música que executam e os
desdobramentos da mesma controlados pelas exigências musicais, performativas e mercantis do
universo fonográfico. Apesar do Rock ter obtido sua consolidação como cultura de massa, por
muitas vezes ele se diferenciou por optar por duas vias, a saber: a de superação do consumo no
sentido de não se adaptarem completamente as leis de produção, distribuição, troca e consumo
estabelecidos pelo sistema capitalista e a outra, quando a opção por um caminho independente das
regras do mercado capitalista é superior a qualquer tentativa de superação do consumo,
prevalecendo a idéia de destruição da lógica difundida pela cultura de massas (Morin, 1986). Em
Fortaleza, os eventos de Metal e aqueles que o vivenciam como experiências de vida, cruzam as
diferentes linhas de mercado que orientam o universo do Metal. Os custeios dos shows e os meios
de divulgação dos quais se utilizam podem variar entre os jornais da cidade, os sites mantidos por
eles, contribuições dos próprios “metaleiros” seja como banda ou como platéia que contribui na
compra de ingressos e, em caso de shows que exigem maiores gastos, recorrem às instituições
públicas de incentivo à cultura, sempre tendo em vista disporem de meios que contribuam, de
forma a obter lucros não só os meios acionados como também o universo do Metal, na realização
dos shows. Fica, aqui, então, uma indagação: de que forma esses dispositivos influenciam na
configuração dos shows mediante os contatos entre diferentes lógicas culturais de se produzirem?
Esta questão será respondida no desenrolar deste texto por meio dos dados que serão
apresentados.
→Noções de Sagrado-Profano inspirada em Durkheim, que tratava as respectivas esferas que
contornam os rituais religiosos como opostos binários, ainda que, ao final do texto As formas
elementares da vida religiosa (1996) reconheceu que as duas categorias não se opunham de forma
rígida, pretendo neste trabalho abordar a esfera sagrada e a esfera profana como noções que se
sobrepõem e que estão para além da análise dos rituais religiosos.
Termino esta introdução, apresentando um resumo do conteúdo descrito. Iniciei o texto
apresentando o objetivo do trabalho que se concentra descrever os shows de rock em Fortaleza
sob a perspectiva dos rituais, mais especificamente os shows de Metal, nos mais diferentes
espaços na cidade de Fortaleza. O motivo pelo qual optei por tomar os referidos shows do ponto
de vista dos rituais, é metodológico e analítico, uma vez que por meio do mesmo podem-se
apreender as diferentes linguagens que ordenam e expressam as cosmologias de sentidos que
configuram esses eventos (shows) tornando explícitos os conflitos, as convergências, os valores,
as crenças e os sentimentos experimentados pelos participantes que constroem juntos esses
momentos.
Seguindo a seqüência, relatei as primeiras experiências que me levaram ao estudo do
referido fenômeno para, posteriormente, problematizar a temática investigativa por meio das
categorias intrinsecamente ligadas à mesma, a saber: cidade (lugar/espaço/tempo onde acontecem
os shows de Metal) e juventude (“metaleiros” - atores que proporcionam e participam dos shows
de Metal), sendo que, no que diz respeito a esta última, questionarei os diferentes sentidos que a
ela (juventude) estão agregados. Inclui-se, aqui, desde a conceituação jurídica do que seja
juventude até a definição proposta pelo contexto em que estão inseridos os “metaleiros”. Finalizo
com os caminhos metodológicos percorridos na pesquisa em busca de dados a fim de inferências
interpretativas quando, no primeiro momento, apresento os mais diferentes shows de Metal que
percorri pela cidade de Fortaleza.
Nos capítulos seguintes, apresento a descrição das diferentes apresentações de Metal em
Fortaleza a fim de centralizar a reflexão nas noções lugar-espaço-tempo, música-corpo,
liminaridade-communitas (momentos de ambigüidade e comunhão perceptíveis nos rituais,
Turner, 1974), incluindo neste capítulo a importância das esferas sagrado-profano para a
compreensão das simbologias no Metal.
Seguindo a linha de reflexão, abordo questões relativas ao universo underground no qual
os shows aqui descritos estão inseridos. Ressalto a idéia de que os contatos com as regras de
ordenamento do sistema mundial, o sistema capitalista, configuram as diferentes formas de
produzir os eventos, não significando, necessariamente, uma perda dos referenciais que delineiam
o universo do Metal, e sim, um enriquecimento cultural para a perpetuação do mesmo.
Por fim, retomo as discussões que permearam o texto e suas respectivas conclusões a fim
de que as sutilezas dessas práticas juvenis, captadas pelo meu olhar, revolucionado por um
conjunto de autores que me ajudaram a pensar essas questões desvende o universo das práticas
sociais e de sua relevância para a manutenção e/ou transformação das diferentes maneiras de se
fazer presente na história (Viveiros de Castro, 2002), fazendo assim, de cada página aqui descrita
uma nova experiência nas dimensões física, cultural e psicológica de todos nós.
2. A diversidade de cenários, atores e encenações do Metal pela cidade
Nas linhas que se seguem, descrevo as minhas incursões como pesquisadora, ao longo de sete
anos, aos mais diferentes tipos de shows de Metal em Fortaleza. Esses shows eram e ainda costumam
ser realizados em espaços fechados como: Metrópole Shows (localizado no bairro Parangaba, região
Centro-Sul), Anfiteatro e Praça Verde (ambos no Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura, localizado
no bairro Praia de Iracema, Zona Norte) e Hey Ho Rock Bar (localizado, também, no bairro Praia de
Iracema); e em espaços abertos, como o show realizado na Rua José Avelino em frente ao Hey Ho
Rock Bar e, por fim, os eventos realizados nos teatros do SESC Emiliano Queiroz e do Centro
Cultural Banco do Nordeste (ambos localizados no Centro da cidade).
Partindo desses espaços, apresento a diversidade dos shows, procurando expressar as homologias
e as diferenças que os mesmos guardam entre si, sejam eles denominados shows autorais (quando as
bandas executam as músicas compostas por elas próprias), covers(quando se referem a eventos cujas
bandas executam canções dos grandes ídolos do Metal) ou caricaturados (quando se trata de shows
pautados na imitação dos elementos que caracterizam o Metal). Levarei em conta as singularidades
dos cenários, atores e encenações. Vale ressaltar que, de uma forma geral, esses eventos têm como
protagonistas quase sempre as mesmas bandas e platéias que, por sua vez, participam de shows
organizados ora por iniciativas individuais, na sua grande maioria composta por homens ligados ao
universo do Rock, ora por instituições governamentais ou não governamentais, como a Prefeitura de
Fortaleza, Secretaria de Cultura do Governo do Estado do Ceará e Associação do Rock, que focalizam
suas ações de visibilidade pública, difusão cultural e interesses políticos por meio desses eventos.
Conforme o que observei durante a pesquisa de campo, em Fortaleza, os eventos de Metal
costumam ocorrer nos finais de semana, em lugares fechados (como os citados anteriormente) e com
a cobrança de ingresso. Esses eventos oscilam no período entre 19h às 05h do dia seguinte e quando
contam com o apoio de patrocinadores para serem realizados, os altos custos com aluguel de espaços,
contratação de som, iluminação, seguranças, assistentes de palco e pagamento pelo trabalho dos
organizadores e assistentes dos eventos são barateados.
Considero que à luz dessas descrições a reflexão aos poucos se constrói e, principalmente,
responde às indagações levantadas no cap.1 desta dissertação, fazendo com que por esse caminho as
falas dos entrevistados, as consultas em jornais, revistas, vídeos e sites não sejam utilizados apenas
como ilustrações do texto etnográfico, e sim como um entrelaçamento entre descrição e interpretação
das informações obtidas em campo que, em conjunto, permitem compreender as cosmologias do rock
em Fortaleza.
Meus primeiros deslocamentos em busca dos shows de Metal em Fortaleza tiveram como “porta
de entrada” os eventos na ACR, em 2001, conforme relatei no capítulo anterior deste trabalho.
Posteriormente, os contatos que pormantive e o rotineiro transitar pelas ruas da cidade de Fortaleza
nos transportes coletivos me permitiram identificar outros espaços onde ocorriam esses shows. Isso se
deu por meio dos cartazes colados, na maioria das vezes, próximos às escolas de ensino fundamental
e médio - tanto particulares como privadas -, onde eu observava a divulgação de algum show que
estava para acontecer. Vez ou outra encontrava algum conhecido divulgando, inclusive nos portões
que dão acesso à Universidade Federal do Ceará, folders sobre festivais, tertúlias, feirinhas e
calouradas onde bandas de rock estariam se apresentando.
No caso de shows de médio e grande porte, eu percebo que os organizadores se utilizam de
meios para divulgação como programas de rádio e de televisão, como os veiculados pelas rádios Maxi
(Programa CE 85) e Cidade (Programa Cidade Sport Rock no dia); programa Stúdio Arte (TV Diário,
canal 22), Jornal Diário do Nordeste e Jornal O POVO (Agenda Cultural) e lojas localizadas na
Galeria do Rock como a Nocaute Discos, Opus Discos e Chakal Discos.
Vale ressaltar que os meios de divulgação acima citados são considerados recentes para
divulgação dos shows de Metal. Nos anos 1980, época dos primeiros eventos na cidade de Fortaleza,
os canais utilizados para divulgação eram as redes e relações construídas pelos amigos, os próprios
shows onde eram divulgadas novas apresentações e a distribuição de panfletos. E quem passasse pela
Galeria do Rock, no Centro da cidade, obtinha mais informações sobre os acontecimentos no universo
do Rock.
Com o passar dos anos e o crescente número de shows que acontecem na cidade, novos
caminhos de divulgação foram seguidos. Contudo, percebi em minhas incursões na pesquisa de
campo, as inúmeras dificuldades que os organizadores de shows de Metal, realizados pelas vias do
underground, encontram para a captação de patrocinadores e apoiadores culturais na realização dos
mesmos. Algumas dessas limitações encontram-se na resistência pessoal de alguns organizadores em
buscar esses recursos por receio de serem acusados pelo público do Metal como “vendidos para o
sistema”; para outros organizadores, as dificuldades centram-se na não-aceitação das empresas
privadas de receberem e avaliarem as propostas de shows sugeridas pelos seus produtores em razão da
estigmatização e falta de credibilidade para com o universo do Rock.
No processo de captação de recursos para a realização dos eventos de Metal, além da
estigmatização e a falta de informações de que o Metal é um dos tipos de rock que mais gera lucros na
indústria cultural
15
, segundo dados da Associação Brasileira de Produtores de Discos, falta aos
patrocinadores, apoiadores e organizadores de shows a percepção de que os shows de Metal
despertam o interesse e a curiosidade de garotos, jovens e adultos que se deslocam em direção a esses
espaços, utilizando-se dos terminais metropolitanos ou dos seus automóveis particulares em busca dos
shows, sejam estes nos bairros Parangaba, Centro, Praia de Iracema ou eventualmente em algum outro
bairro ou cidade do Estado onde acontecem os eventos. Além disso, os shows proporcionam o
fortalecimento e o surgimento de novos laços de sociabilidade com outras pessoas que têm na música,
nos gestos, adereços e vestimentas uma forma singular de se fazerem presentes na vida.
Acompanhei os circulantes pelos referidos terminais de ônibus, ocasião em que eu observava o
quanto eles chamavam a atenção dos demais usuários de transportes coletivos pelo uso das
vestimentas pretas, colares de metal, coturnos (botas de cano alto), pulseiras, brincos, piercings,
tatuagens, gestos e tom de voz, não importando se fossem homens ou mulheres. Além disso, eles
dividem a atenção dos seguranças privados, guardas municipais e/ou policiais militares que fiscalizam
os terminais de ônibus, quando, no mesmo horário, as torcidas de futebol se dirigem aos estádios.
Essa diversidade de atores sociais que compõe a paisagem da cidade expressa não apenas as
escolhas de lazer e sentidos que os mesmos atribuem à vida, mas, acima de tudo, fixam com essas
preferências e no corpo, a idéia de que a cidade, aqui, não se refere apenas a uma estrutura física,
15
Não é por acaso que bandas como Led Zeppelin, Black Sabbath, Iron Maiden, Metallica e a brasileira Sepultura
vendem milhões de cópias de seus discos mais antigos. Além dos direitos autorais sobre as músicas, essas bandas
possuem suas canções em trilhas sonoras de filmes, ganham em número de público e conseguem manter, na maioria das
vezes, a mesma quantidade de shows e reconhecimento por parte dos antigos e novos iniciados no estilo. Ver também -
LOPES, Pedro Alvim L., 2006. Além disso, incluem-se os inúmeros sites na internet que relatam contra ou favor do
Metal, comunidades no orkut, as revistas especializadas (a exemplo no Ceará, o periódico Guerrilha de única edição),
programas de TV( Rock Collection e Stay Heavy transmitidos pela TV União, em Fortaleza) e os constantes shows que
são realizados dentro ou fora do Brasil.
planejada e resultado da modernidade do século XVIII. Ela se caracteriza muito mais como “uma
obra coletiva que desafia a natureza” (Rolnik, 1988, p.08), um registro das experiências humanas
delineadas nos espaços que se configuram de acordo com os grupos que os ocupam.
“A cidade é o pretexto. E a cultura local que se firma como elemento de composição
regional não é uma desculpa para justificar alguns vazios, alguns ecos urbanos. Uma
cena rock na cidade grifa alguns elementos ilegíveis nos seus mbolos urbanos,
rasuram suas tradições porque é possível cifrar outras culturas para iniciar uma
conversa entre pares (...) Uma coisa é certa, o caos não se domestica, o rock muito
menos e uma cidade como Fortaleza, caótica por natureza, deve mostrar também
coisas que não são belas. Caso contrário, estamos condenados a terminar pintados
em uma praia, contemplando as jangadas e à venda na calçada da beira-mar ou quem
sabe alguém nos leve a outro país, dentro de uma garrafinha de areia com a legenda:
lembrança do Ceará” (Eduardo Jorge, ex-baixista da banda Diagnose mencionando a
cidade no livro FORCAOS: muito além do sexo, drogas e rock and roll, p.83).
Assim, a cidade pode também ser pensada como uma escrita produzida pelos corpos, cheiros e
gestos que não se fixa, antes se caracteriza pelos movimentos de territorialidade e desterritorialidade
que, por meio do caminhar de seus habitantes, permite o fluir das vivências de cada indivíduo para a
cidade e vice-versa.
Por isso, quando os participantes dos shows de Metal se deslocam em direção aos mesmos, não
apenas caminham, acima de tudo, trazem impressos nos gestos, vestimentas, sentimentos e emoções o
jeito próprio de falar, as características das vivências de cada bairro, as experiências vivenciadas nas
esferas pessoal, musical e em grupo, permitindo assim que “o corpo deixe de ser uma unidade na
medida em que o espetáculo-cidade tem sua escritura desenhada através dos movimentos dos corpos,
de seus itinerários que riscam e territorializam o urbano” (Diógenes, 2001, p.09). Dessa forma, o que
os participantes carregam em si e expressam para o “outro” possui intrínseca relação com o conjunto
de idéias e valores que orientam suas condutas.
E quando os afinados com o Metal caminham em busca dos lugares que eles transformam em
espaços de sociabilidade e que proporcionam a liberação de si com vistas ao reconhecimento e à
visibilidade pública, geralmente estão acompanhados dos amigos com quem estabelecem discussões
calorosas a respeito de uma banda e/ou de um determinado músico e levam consigo cigarros, bebidas
e o ingresso comprado nas lojas credenciadas ou, quando não, optam em comprar nas bilheterias
das casas de shows.
Os cenários escolhidos para esses eventos que agregam “metaleiros” que participam como
banda ou platéia, caracterizam-se pela presença de barracas de bebidas, pipoqueiros, taxistas, tendas
de lanches e vendedores de balas que por ali transitam. Esses espaços também se caracterizam por
estarem localizados, na maioria das vezes, em ruas pouco iluminadas e desertas exceto nos locais de
shows. Isto faz com que muitas pessoas sigam em grupo ou sigam as demais em direção aos locais
dos eventos.
Ainda sobre os cenários, pode-se pensá-los, sob a luz do pensamento do sociólogo americano
Erving Goffman (1981), que os caracteriza por uma mobília fixa, como por exemplo, no caso dos
shows, as tendas de lanches e bebidas, pipoqueiros, taxistas e outros atores que contribuem para a
composição da ação teatral, os shows prestes a se realizar. Além disso, os cenários se modificam, do
ponto de vista dos espaços, mas, acima de tudo, do tipo de representação que será encenada.
As dramatizações a serem exibidas nos shows exigem que não apenas a mobília adequada, mas
os sentimentos, as emoções e as idéias que norteiam a linha de ação dos indivíduos, no caso os
participantes dos shows, contribuam para uma melhor representação deles para si mesmos e para os
outros, pois, afinal, os cenários e os territórios nele delimitados, não apenas carregam os suportes de
palco ou panos de fundos necessários para as dramatizações, mas, acima de tudo, eles são parte da
história que esses indivíduos contam para si mesmos conforme afirma Geertz (1974).
O entorno desses cenários está delineado muito mais por estabelecimentos comerciais
(restaurantes, bares, outras casas de shows não necessariamente ligadas ao universo do Rock,
estacionamentos, concessionárias de carros) do que residenciais. Além disso, podem-se encontrar
praças próximas a essas localidades e pontos de paradas para táxis, carros particulares e ônibus
metropolitanos. Daí compreende-se o intenso movimento de freqüentadores que chegam das mais
diferentes localidades da cidade em direção a esses locais de eventos.
Os freqüentadores oriundos dos terminais metropolitanos chegam e se agregam aos que já estão
presentes nos locais. Paulatinamente, grupos de amigos se formam em torno das tendas de bebidas,
doces e lanches que ocupam a área externa. Alguns bebem, fumam, cantam e contam aventuras dos
shows passados. Em outros momentos, relatam em suas conversas assuntos profissionais ou
conquistas amorosas. Os que não se conhecem, tratam de se sentar junto ao muro das casas de shows
ou nas cadeiras de tendas de lanches, cumprimentando quem passa com um “oi” ou um sorriso e, com
o passar do tempo, já estão enturmados aos outros freqüentadores.
Em alguns casos, os freqüentadores chegam acompanhados da família, que na maioria das vezes
apenas os deixa nos shows, e volta quando os mesmos terminam. Mas existem pais e mães que
acompanham os filhos jovens desde a entrada, o desenvolvimento e a conclusão dos shows, como
também casais que levam crianças que se divertem correndo, brincando e pulando durante todo o
evento.
Coloco uma questão quanto a este ponto: quais os sentidos atribuídos por esses participantes que
os motivam a acompanhar os shows? Para que um indivíduo se desloque de sua residência e em
muitas ocasiões leve consigo os pais, os amigos ou quais forem os acompanhantes, não pode ser
compreendido apenas do ponto de vista lúdico da questão. Acima de tudo, esses shows possuem uma
razão simbólica para que os participantes se façam presentes e demonstrem quão significativa é essa
presença acompanhando-se de outras pessoas.
Quando indaguei os entrevistados sobre o significado dos shows para os mesmos, as respostas
que ouvi foram as referentes aos eventos como motivo para “sair da rotina escola-casa-escola” como
a declarada pelo entrevistado Naudiney Gonçalves, 26 anos, Historiador. Para ele, os shows também
são motivo de diversão, de festa, lugar onde se fazem e se encontram amigos; escolhe-se
determinados shows, diz ele, pela banda que executa o som e a qualidade da música. Já para Tauan,
um estudante de 18 anos, o que mais o motivava a se fazer presente nos shows de Metal era que esse
tipo de música é de “muita emoção, escutar Metal é muito emocionante; é porque é um tipo de som
que eles fazem com os instrumentos que ninguém consegue fazer; eu acho os instrumentos de Metal
muito mais massa que o punk, é muito bem trabalhado”, conclui.
Além das emoções e das experiências que os shows proporcionam para a platéia, eles representam
para as bandas muito mais o marcar presença ou uma reafirmação do pacto estabelecido consigo no
que diz respeito a ser “metaleiro”. Nas palavras de Amaudson Ximenes, um dos guitarristas da banda
Obskure que executa Death Metal
16
em Fortaleza, os “shows são a forma de se mostrar o trabalho,
encontrar pessoas, trocar idéias, combinar alguma coisa”. Seja participando como platéia ou como
banda, os eventos de Metal não podem ser compreendidos por si mesmos, mas, explicam-se muito
mais por aquilo que eles proporcionam para cada indivíduo que os freqüenta. E essas explicações se
tornam ainda mais inteligíveis à medida que, como pesquisadora, eu procurava me aproximar dos
freqüentadores antes do início das longas noites de Metal.
Em algumas ocasiões esta aproximação se dava por meio de convite por parte do próprio
freqüentador, ocasião que facilitava discutirmos sobre Rock; em outros momentos, essa aproximação
se dava de forma tímida ou soava como uma aproximação estranha por parte do freqüentador. Sendo
assim, eu me retirava e buscava outro interlocutor. Fluía em mim, um sentimento de desconforto,
ansiedade, medo e estranhamento. Possivelmente, um estranhamento que é “antes de tudo um
estranhamento de si mesmo (...) um movimento interno do pensamento no seu exercício com os
conceitos teóricos e com as experiências no grupo estudado” (Caiafa, 1989, p.22). Contudo, após
16
Nas próximas páginas esse termo será mais bem desenvolvido.
essas sensações inerentes a qualquer pesquisador, seja qual for seu campo de estudo, fui aos poucos
aprendendo a lidar com as mesmas, movimento então que me despertou ainda mais a curiosidade para
investigar o universo do Metal.
Novas oportunidades de conversas com os freqüentadores dos shows iam surgindo. Assim,
descobri que nesses momentos de diálogos amistosos os freqüentadores mantêm a atenção nas
bilheterias e nos portões de acesso aos salões de eventos. Quando percebem por mínimo que seja o
movimento próximo às bilheterias, eles se aglomeram em torno dos portões de entrada que são
controlados por três ou mais seguranças, sendo que um deles sempre é uma mulher. Formam-se as
filas para a entrada no salão. As pessoas trocam conversas em alto volume, sendo na grande maioria
jovens. De vez em quando, ouve-se um ou outro que grita por um amigo e alguém que empurra as
pessoas na fila que acesso ao salão dos shows; os “metaleiros” que participam como banda se
mesclam aos que estão ali para formar a platéia. Aparentemente não se sabe quem é quem. Exceto os
conhecidos entre o grupo ou aqueles que adentram os locais dos eventos com algum instrumento
musical em mãos, sabe-se quem toca ou não em alguma banda que apresentará no show.
Aos poucos as pessoas adentram o lugar. Antes de adentrarem o salão onde ocorrem os shows,
entrega-se o ingresso ao responsável pelo recebimento do mesmo e passa-se por uma revista por parte
dos seguranças. Na entrada dos salões onde ocorrem os shows sempre alguém divulgando os
próximos eventos que acontecerão na cidade. Mais à frente avista-se o bar, ao centro a mesa de som,
do outro lado os banheiros masculino e feminino e ao fundo do salão o palco do show. Tudo isso num
espaço ora longo, ora estreito, erguido sob paredes altas e com um teto de onde pendem ventiladores.
Por detrás do palco fica o camarim, local onde as bandas ajustam o som e compõem o visual para a
apresentação.
Na maioria dos salões dos shows que freqüentei, o acesso ao palco se dava entrando pelo
camarim e tomando uma escada pela qual chegava-se ao mesmo. Ao fundo, onde geralmente ficam os
bateristas, outro palco diferente daquele utilizado pelos demais componentes da banda, uma
espécie de suporte onde se coloca a bateria, permitindo que a mesma e o seu executante se
sobressaiam dos demais músicos.
Durante a preparação dos shows têm acesso ao palco somente técnicos, roadies
17
e bandas que
ajustam o som antes e durante os eventos propriamente ditos. Isso ocorre ao cair da tarde quando toda
a estrutura física e de palco está sendo preparada. No início da noite, ainda se ouve, do lado de fora
17
Roadies o profissionais que atuam como ajudantes na montagem e ajuste do som de uma determinada banda ou
show.
dos shows, ajustes de som, técnicos agitados e produtores correndo de um lado para o outro para que
tudo esteja pronto no horário anunciado pelos organizadores dos eventos.
A partir dessas classificações, não apenas em relação aos espaços demarcados nos shows, como às
pessoas que podem ou não ter acesso a eles, pode-se pensar sob a perspectiva de uma poética dos
espaços, percebendo de que maneira os mesmos classificam e hierarquizam quem os ocupa. É com
Gaston Bachelard (1998) que a expressão “poética do espaço” se torna conhecida, mas, a inspiração é
buscada na escola francesa representada por Durkheim (1974). A partir desses dois autores pode-se
refletir que quando os homens classificam suas coisas e pessoas
18
, eles se remetem a categorias
sociais, que são categorias mentais e traduzem suas respectivas visões de mundo. Por isso, falar de
uma poética do espaço, e das pessoas ocupando estes espaços, é falar da ação cognitiva dos
indivíduos, mas, também, da “imaginação construir ‘paredes’ com sombras impalpáveis, reconfortar-
se com ilusões de proteção ou, inversamente, tremer atrás de grossos muros, duvidar das mais
sólidas muralhas” (Bachelard, 1998, p.25) e demarcar para os freqüentadores, no caso dos shows de
Metal, quem desempenha os papéis de produção, técnica, iluminação, assistentes de palco, músicos,
seguranças e vendedores nos eventos.
As divisórias que dão acesso à entrada nos shows, ao camarim, ao palco principal, ao palco do
baterista, como também os espaços territorializados por técnicos, roadies e produção dos shows,
representam, como diz Bachelard, as conchas onde se escondem esses indivíduos. Nestas, os homens
trabalham suas habilidades que os animam de corpo inteiro, acolhem os desejos e os medos, cobrem-
se de pompas e ocultam os deslizes a fim de saírem de lá mais vigorosos e menos dissimuladores.
A questão é que a casa, nosso canto no mundo, nos dá subsídios necessários para que possamos
criar os ninhos, os cofres, os cantos que habitaremos e as conchas onde nos abrigamos, permitindo
assim que, nos espaços onde colocarmos nossos pés, todas essas simbologias assumam em nossas
experiências, aquilo que Bachelard considera “um convite à ação”. Ação esta que é demarcada nos
shows a partir das funções que cada divisória e cada profissional exerce. E a primeira passagem para a
seqüência de ações que descrevo nas linhas que se seguem começa pelo como e onde ocorrem os
eventos.
2.1. Como e onde ocorrem os espetáculos?
18
Ver DURKHEIM E MAUSS. Algumas formas primitivas de classificação, p.339-455. In: Sociologia e
Antropologia, São Paulo: Edusp, 1974.
Inicio sugerindo que de perto e de dentro (Magnani, 1996) estarei abordando os shows sob a
perspectiva dos rituais, pois, a partir desta, é possível compreender o quanto os cenários, atores e as
encenações observadas nos dizem algo sobre o contexto no qual os eventos estão inseridos, além de
apontar as categorias sociais que orientam a ação dos indivíduos que os protagonizam.
Ritualizar é inerente a qualquer grupo social. A literatura antropológica a respeito dos rituais
aponta os mais diferentes tipos de rituais nas mais diferentes sociedades. Seja entre os Arunta
(Spencer,B; Gillie, 1926), os Kachin (Leach, 1978), os Nuer e os Azande (Evans-Pritchard, 1978),
desfiles de carnavais, paradas militares e procissões (Da Matta, 1997), investiduras no ato de
“nascimento de um cavalheiro britânico (Leach, 2000) e entre grupos juvenis por mim observados
que se utilizam de certos instrumentos que expressam suas visões de mundo.
Os rituais são uma expressão do social servindo como ponte entre o indivíduo e o coletivo,
afirmando-se, assim, a posição que se ocupa no grupo social, como também, reavivando crenças que
possuem a idéia de que “viver é passar, passar é ritualizar” (Da Matta, 1997).
No caso empírico específico deste trabalho, as descrições por mim realizadas apontam para
uma interpretação das cosmologias características de um show de Metal, os lugares, os espaços, os
atores, a música, o corpo e o tempo de efetivação do processo ritual que, como já salientei, aguçam os
momentos de liminaridade e communitas como instrumentos categóricos para se compreender as
possibilidades oferecidas pela estrutura social, ora para sua afirmação, ora para sua negação, ora para
sua inversão.
Durkheim, em As formas elementares da vida religiosa (1996), classifica esses momentos
sociais em ritos miméticos, ritos representativos ou comemorativos, ritos recreativos, ritos estéticos e
ritos piaculares. Essa tipologia ajuda a pensar a singularidade dos ritos na reafirmação de crenças,
alteração destas e que se apresentam sobrepostos como demarcadores sociais num determinado grupo
social.
Os ritos miméticos ou de imitação dizem respeito a modos de ação cujo objetivo é produzir
movimentos, como, por exemplo, gritar como maneira de exaltar o objeto de culto do grupo. os
ritos representativos ou comemorativos ocupam-se em encenar e espetacularizar dramas cuja ação
seja capaz de interferir no curso da natureza. Os ritos recreativos e estéticos estão intrinsecamente
ligados ao aspecto lúdico e enaltecedor de valores relativos à beleza, o bom e o melhor significativos
para o grupo.
As festas, por exemplo, levam em si muitas dessas características ainda que não se possa afirmar
que as mesmas se definam exclusivamente por essas características. Além dessas, as festas podem vir
a celebrar na inquietude ou na tristeza vivenciadas por um grupo social, as mudanças, as perdas ou o
distanciamento das relações sociais que ali antes se estabeleciam. É importante ressaltar que, por
detrás da execução desses modos de ação, Durkheim nos ensina que só se pode entendê-los levando-
se em conta os estados de opinião e as crenças que possibilitam a realização e o alcance do objetivo
desses atos.
Intrínseco a esses dois fenômenos crenças e ritos apontados por Durkheim como
constituintes da esfera religiosa, mas que estão para além dela, apresenta-se as noções de sagrado e
profano. Aquela relativa às coisas proibidas e protegidas pelas interdições aplicadas às profanas.
Durkheim aponta que essas duas noções são antagônicas do ponto de vista etimológico e de
aplicabilidade, contudo, em muitas ocasiões pode-se observar que elas se sobrepõem uma a outra
colocando em relevo o caráter ambíguo de que as práticas ritualizadas estão embutidas. Posto isso,
Durkheim inspira muitos outros autores a construírem novas leituras no que diz respeito aos rituais,
expandindo a interpretação para além dos ritos referentes à esfera religiosa.
Essas novas leituras permitiram uma melhor sistematização dos rituais, não apenas
classificando-os em categorias, como, também, observando e nomeando as etapas constituintes dos
mesmos. Van Gennep (1974) e Turner (1974), entre outros, ocuparam-se desse papel e permitem
analisar os rituais de perto e de dentro como linguagens que “acompanham toda mudança de lugar,
estado, posição social e de idade” (Turner, 1974) cuja utilização de códigos sobrepostos (ou como
afirma Da Matta, “contaminação de códigos”) “dizem as coisas tanto quanto as relações sociais
(sagradas ou profanas, locais ou nacionais, formais ou informais). Tudo indica que no mundo ritual, as
coisas são ditas com mais veemência, com maior coerência e com maior consciência. Os rituais
seriam instrumentos que conferem maior clareza às mensagens sociais” (Da Matta, 1997, p.89).
Van Gennep (1974) ocupou-se em sistematizar as etapas constituintes dos rituais de passagem.
Ao afirmar que o ritual era constituído por fases, as quais ele denominou como segregação, margem e
agregação, o referido autor permite perceber quais elementos caracterizam o início, o meio e o fim de
todo e qualquer ritual. Além disso, chama a atenção para o fato de que, assim como a sociedade
possui uma estrutura que ordena as relações entre indivíduos e delimita posições, valores e
comportamentos, os rituais, como momentos de expressão do social, revelam e/ou obscurecem,
conforme as circunstâncias, questões ambíguas e de vida em comum.
A primeira etapa constituinte dos shows, vistos como processo ritual, dá-se quando os
participantes saem de casa em direção aos eventos, munidos de ingresso, trajados com roupas (sic) e
portando adereços que caracterizam o universo do Metal e na maioria das vezes acompanhados pelos
amigos. Ao chegar ao local do show, buscam interagir com as demais pessoas posicionadas na área
externa, providenciam o ingresso e quando percebem que os portões de entrada foram liberados
compõe a fila, passam pela revista dos seguranças e finalmente se posicionam no salão de shows.
As divisórias que separam a área interna da externa nos locais dos shows, representam a
passagem e o deslocamento que, nos termos de Van Gennep (1974), expressa o “momento dialético e
retorno ao curso rotineiro e normal” (Van Gennep, 1974, p.19), ou seja, a partir do momento em que
se adentra ao lugar-espaço-tempo do Metal, os participantes separam-se da rotina diária para
após a realização do show a ela retornarem.
Inspirada em Maria Laura Viveiros de Castro (2002) que, ao analisar os desfiles das escolas de
samba no Rio de Janeiro e a festa do Boi de Parintins no Amazonas, atenta para as formas de espaço
no formato de linhas e círculos como instrumentos para se pensar as diferentes concepções de lugar-
espaço-tempo no respectivo espaço ritual.
No caso desta pesquisa, onde os shows de Metal são analisados a partir da perspectiva dos
rituais, observa-se que linhas e círculos que circunscrevem os shows de Metal apresentam-se de forma
diferente que assim como a linha está para o espaço o círculo está para o tempo. Os lugares e os
espaços que compõem os espetáculos de Metal se configuram como territórios em movimento,
deslocamentos, uma espécie de caminho que se constrói na medida em que se passa e se segue
adiante. o tempo é o elemento-chave em que as narrativas constituidoras das apresentações de
Metal encontram a base de sustentação: em formato circular, percebida nas apresentações, na
performance e nos valores ali embutidos e renovados a cada show e em algumas ocasiões trazendo
certas modificações.
Enquanto o espaço é algo que deixa de habitar em um lugar para habitar em outro e assim dá
continuidade, passando dos lugares mais periféricos da cidade onde ocorrem esses shows para os mais
centralizados, o tempo que embora “não queira passar, passa e muda, mas retorna sempre, ainda que
diferente” (Viveiros de Castro, 2002, p.63) em uma outra apresentação. Nos shows, percebe-se que as
pessoas transitam, freqüentam nos intervalos a “banquinha” de produtos produzidos pelas bandas,
atentas aos sorteios realizados pelo apresentador, mas, logo que percebem o recomeço das
apresentações, ficam atentas ao que ocorre no palco.
Dessa forma, as categorias lugar, espaço e tempo permeiam todo o processo ritual, e, no caso
dos shows de Metal, desde o momento em que se chega para a apresentação, ao longo desta e depois
desta. Isso me conduz a pensar que por meio dessas categorias o Metal se perpetua ao longo dos anos,
ainda que ocupando diferentes espaços, possibilitando assim a manutenção dos valores de rebeldia,
“choque” e contestação colocados ou não nas entrelinhas das narrativas visuais, corporais e sonoras
de suas apresentações.
É pela continuidade das apresentações em espaços que mesmo mudando de endereço exibem a
estrutura necessária para o show, como, por exemplo: pontos de venda de bebidas e de compra de
ingressos, monitoramento na entrada dos shows, um salão onde se realizam as apresentações, bares,
banheiros, palco, camarim, iluminação, profissionais especializados na área musical (como roadies,
técnicos de som e músicos), platéia, enfim, por esses e outros elementos que se a linearidade na
configuração dos espaços que caracterizam os shows de Rock.
O caráter circular do tempo se expressa nas formas de se vestir a cor preta, cantar com vocais
agudos, guturais ou rasgados e gesticular com a mão o formato de um chifre que sempre podem ser
percebidos nos shows desde os anos 1960, quando o Metal se firmou como estilo de vida, até os dias
de hoje. São elementos exibidos a cada show ainda que constantemente (re) significados conforme o
contexto histórico e cultural no qual os grupos que freqüentam esses shows estão inseridos.
É importante pensar que lugar-espaço-tempo nos shows de Metal são representações simbólicas
que estabelecem intrínseca relação com as atividades que ordenam esses eventos, ou seja, a
demarcação do lugar, a ocupação do mesmo por um grupo específico (espaço) e a efetivação das
referidas atividades que os constituem (o tempo), indicam a realização de um acontecimento de Metal
que, por sua vez, faz referência, no presente, a outros acontecimentos ao longo de seu
desenvolvimento trazendo o passado para o presente.
Inspirada em Evans-Pritchard (1930) ao se referir ao povo Nuer, localizado no Sudão, África, o
que na verdade os indivíduos manifestam publicamente quando em conjunto, no lugar-espaço-tempo
de seus acontecimentos, é a concretização do que “eles pensam em função das atividades e da
sucessão de atividades e em função da estrutura social e das diferenças estruturais do que em unidades
puras...” (Evans-Pritchard, 1930) de lugar-espaço-tempo.
A passagem das bandas pelo lugar-espaço-tempo do Metal e a forma como os participantes do
show as recebem, contribui para a efetivação das características visuais, comportamentais e
ideológicas referentes ao Metal que os afinados com esse estilo necessitam imortalizar sob pena de
verem seus laços identitários (des)simbolizados por uma cultura de massa que os apreende, ou,
quando no máximo, sob pena de os verem desfeitos.
Penso que os shows de Metal tornam-se inteligíveis não apenas pela produção do lugar-espaço
por parte dos participantes como territórios em movimento, cidades efetivadas tendo como suporte os
corpos, as gestualidades, as mentes e os espíritos que têm na linha do tempo das experiências pessoais
em conjunto com as experiências de cada um vivenciadas no Metal, a concretização de que o passado,
o presente e o futuro representam os fios da narrativa dos próximos espetáculos que ocorrerão.
Além disso, os shows aqui descritos são as expressões máximas do caráter “estrangeirista” do
Rock que, ao mesmo tempo em que invoca valores “de fora” (concebidos como internacionais),
adapta-se e funde-se àqueles “de dentro” (nacional, regional, local), numa dinâmica transnacional
19
que, transforma as apresentações de Metal outrora virtuais em reais, permitindo, assim, “o
desenvolvimento de sentimentos e companheirismos transnacionais (...) [que] pretendem passar um
sentido de unidade planetária, um sentido de ‘we are the world’ (...) [numa] demonstração da forma
homogeneizadora da língua inglesa que estão evidentemente em jogo” (Ribeiro, 1997, p.22-23)
observadas nas letras das músicas e na linguagem visual expressa nas estampas das camisas, nos
símbolos, na estrutura física e sonora compatíveis aos decibéis emitidos pelas caixas de som e nas
gestualidades que unificam a gramática do Metal.
O importante é que o show aconteça e aonde quer que ele ocorra, seja num Anfiteatro, na via
pública ou no Teatro, o som deve ser ecoado no mais alto volume, os pescoços se contorçam, as
cabeças “batam”, os cabelos longos (para quem os têm) voem e “captem” as ondas sonoras que
estremecem o apenas os corpos dos presentes, mas, acima de tudo, estremeçam, “choquem” e
tornem visíveis para as estruturas físicas, sonoras e sociais da cidade, que a partir das minhas
observações em campo, anunciam que outra cidade - viva, pulsante e oxigenada pelo “sangue” de cor
preta - performatiza suas ações no lugar-espaço-tempo onde ocorrem os shows de Metal. O Rock,
como estilo originado nas cidades operárias da Inglaterra e dos Estados Unidos, carrega em si os
desejos, as vontades e as aspirações libertárias, contestadoras e chocantes para as demais cidades do
mundo, permitindo que em cada espaço onde os shows são realizados, esses valores, de uma forma ou
de outra, componham o repertório de sua performance.
E essa performance começa a se revelar quando o jogo de luzes intercalando entre cores azul,
amarelo, vermelho, verde e branco iluminam o palco e um apresentador ou uma voz mecânica de
fundo anunciam os shows, os freqüentadores que se fazem presentes no espaço correm para a frente
do palco, enquanto os que ainda estão fora do salão de eventos, dirigem-se aos portões de entrada e
ocupam os lugares junto aos demais. A explosão do som, guitarras distorcidas, vozes guturais e/ou
agudas, rítmicas aceleradas de bateria, luzes e a grande maioria das pessoas em pé, possibilitam que
muitos comecem a “bater cabeça”, batam-se uns contra os outros (denominado entre eles como “roda
de pogo”) ou fiquem isolados apenas observando os movimentos no palco.
19
Transnacional, transnacionalidade se refere, segundo Gustavo Lins Ribeiro (1997), “a consciência de fazer parte de
um corpo político global” (p.03).
Na platéia, as pessoas trajam jaquetas de couro, capas pretas, calças spandex ou couro, blusas
estampadas em cinza e preto, camisas de bandas, como por exemplo, Iron Maiden, Sepultura,
AC/DC, Gun´s Roses, Shaaman e tantas outras, nas mais diferentes estampas, a saber: anjos, caveiras,
fotos e símbolos da banda, figura de um xamã, cruzes invertidas, pentagrama etc. Em sua grande
maioria, os freqüentadores usam adereços de metal no pescoço, lenços na cabeça alusivos a bandas ou
bandeiras nacionais como a da Inglaterra. Alguns homens usam saias, longos vestidos pretos por cima
da calça e camisa, maquiagem preta no rosto (aludindo a cruzes invertidas) e, as mulheres, acentuam
os cílios, contornos dos olhos e lábios com as cores marrom ou preta. Vale ressaltar que, os homens
calçam tênis ou coturnos pretos e as mulheres variam entre vestidos pretos longos, combinando com
botas, ou calça/saia jeans combinando com tênis.
Os gestos, as vestimentas e a performance descritos acima estão registrados no corpo. Marcel
Mauss (1974) relatou, em As técnicas corporais, que o corpo aprende e é cada sociedade específica
em seus diferentes momentos históricos e com sua experiência acumulada que o ensina. E, no que
ensina o corpo, nele se expressa. E essas formas de expressar traduzem-se no andar, dormir, vestir,
dançar, gesticular e olhar. No caso específico do Metal, os corpos dos participantes expressam
movimentos proporcionados pela música e pela interação com a platéia e no momento em que
gesticulam, para que esta atuação seja possível, necessário é que o corpo seja cada vez mais
“trabalhado, preparado e transtornado” (Caiafa, 1989, p.86).
Além do corpo, da estrutura física e do comportamento da platéia nos shows de Metal, deve-se
mencionar o cheiro das bebidas, dos cigarros e da maconha que exalam no ambiente. Esta última,
sempre utilizada de forma mais discreta, seja pelos cantos dos salões onde a luz não tem muita
intensidade ou dentro dos banheiros masculino e feminino. Mas, também, existem aqueles que curtem
o show, como eles dizem, “de cara”. Não bebem e não fumam, mas certificam que sentem as mesmas
emoções e exalam suor pelo corpo como a grande maioria dos presentes após tantos movimentos
performatizados ao longo do evento.
Em decorrência dessas combinações, produz-se euforia, liberação e odores (como o suor, por
exemplo), numa espécie de líquido sagrado a exemplo do utilizado pelos profetas bíblicos nos rituais
judaicos para fins de unção dos neófitos e renovação de pactos entre os iniciados. O que significa
santificar, separar e isolar as esferas de contato entre o antes, ao longo e o depois do ritual. Essas
dicotomias ainda que o se apresentem como sistemas classificatórios rígidos, possibilitam
apreender os significados que os indivíduos atribuem às experiências por eles vivenciadas.
Além disso, essas experiências ajudam a pensar, inspirada em Durkheim (1996), o princípio de
contagiosidade do sagrado puro que previne o grupo a não se misturar ao sagrado impuro, ou seja,
basta a euforia e a liberação de odores se manifestarem no ambiente dos shows para que os neófitos e
os iniciados percebam nestas manifestações a característica sagrada cujos elementos que
configuram os eventos representam. Para o autor, “todas essas interdições têm uma característica
comum: advêm, não do fato de haver coisas sagradas e outras que não o são, mas de existirem entre as
coisas sagradas relação de inconveniência e de incompatibilidade” (Durkheim, 1996, p. 320) com
aquelas que o caracterizam os shows como sagrados.
Ao longo dos eventos, há os intervalos que, entre outros desempenhos, permitem a recomposição
das energias liberadas a cada apresentação para serem armazenadas e extravasadas tão logo recomece
a execução do som. Esses intervalos sempre variam entre 10 a 20 minutos e são utilizados no palco
para desmontagem, montagem e ajustes dos equipamentos; além disso, é neste momento que a banda
os últimos retoques na afinação dos instrumentos, aquecimentos vocais e eventuais trocas de
roupas. Enquanto o som não recomeça, um apresentador divulga novos eventos, realiza sorteios de
brindes oferecidos pelos patrocinadores, como cds, dvds, camisas, patches e tatuagens e o som
mecânico é executado a fim de não dispersar a platéia ali presente, como é comum durante os
intervalos na maioria dos shows de Metal. Observa-se que muitos aproveitam esses momentos para ir
ao banheiro, comprar cerveja, conversar com os amigos e namorar. Enquanto isso, no palco, os
roadies e os técnicos de som trabalham para a próxima apresentação.
É interessante notar que alguns freqüentadores aproveitam esses intervalos para fazerem uma
visita à chamada “banquinha” onde estão expostos os materiais produzidos pelas bandas. Refiro-me a
uma mesa que é posta, preferencialmente, próxima ao palco ou aos portões que dão acesso aos salões
dos eventos, onde são vendidos Cds, Dvds, camisetas, patches(espécie de tecido com alguma estampa
alusiva ao Metal para ser anexado numa peça de roupa), adesivos e tantos outros produtos referentes a
bandas nacionais e/ou internacionais. Na maioria das vezes, os próprios integrantes das bandas
vendem o material. Mas acontece também de muito dos lojistas ligados ao universo do Rock
oferecerem os materiais vendidos em suas lojas ou trocarem os mesmos por outros materiais
oferecidos por outros lojistas e/ou bandas. O movimento em torno da “banquinha” varia, ocorrendo
em certos shows intensa negociação de produtos e em outros uma menor escala de trocas. E assim
decorre o período dos intervalos.
As trocas efetuadas no momento dos intervalos têm suas teias de significados construídas a partir
de um olhar que não seja exclusivamente financeiro. A troca simbólica é aqui, muito mais relevante
para os freqüentadores, pois, por meio dela, eles conhecem novos lançamentos no universo do Metal,
estabelecem contatos com organizadores, integrantes de bandas e lojistas que integram o circuito do
rock na cidade e, além disso, os participantes que visitam a “banquinha” reforçam para si mesmos os
laços identitários que estabelecem com o estilo de vida pelo qual fizeram opção (Mauss, 1974).
Os materiais expostos para serem adquiridos por eles não necessariamente estão ligados aos
grupos musicais que o possuem contratos com gravadoras. Percebe-se ali, desde o DVD produzido
por bandas, como por exemplo, a finlandesa Children Of Bodom, até os Cds-demonstrativos
produzidos por bandas locais. A questão é que o que move essa relação de consumo e trocas que não
se encontra fora do modo capitalista, mas também o o segue à risca, é que a estrutura de
funcionamento para produção, divulgação e consumo nos shows é buscada dentro da visão de que o
universo por eles criado, denominado underground, é um meio, e aqui me coloco de acordo com a
socióloga paulista Helena Abramo, onde se negocia “espaços e sentidos no campo da luta cultural,
entendida como uma luta pela manutenção/conquista da hegemonia, entre classes dominantes e
subordinadas” (p.37) cujo objetivo é “conquistar espaços efetivos, como tempo e lugares de diversão,
de circulação e manifestação”(Abramo, 1994,p.37).
O que de fato acontece, é que mesmo o Metal sendo produto da cultura de massas, assim como o
Rock como um todo, o underground é a opção de produção, divulgação e consumo nos eventos onde
a intensidade do círculo produtivo não se de acordo com as regras de investimento e obtenção de
lucro, sugeridas pelo modo de produção capitalista. Aquela tem seus contornos delineados pelas
rivalidades e antagonismos entre os que estão inseridos no próprio meio e os externos a este; além
disso, o combate contra quem está fora dos contornos, e a derrubada se possível dos mesmos na
intenção de que o underground se estabeleça como uma lógica operacional diferenciada, dinamiza os
eventos de Metal sob pena de perder essa espécie de mana, esta autoridade, esse talismã e esta fonte
de riqueza que movimentam esse universo musical e de vida (Mauss, 1974) conferindo ao mesmo
algo de sagrado que deve ser velado pelos seus participantes.
Por isso, após essa parada nos shows a fim de conferirem o que de mais recente está ocorrendo em
termos das tendências do Metal, os freqüentadores retomam seus lugares na platéia assim que escutam
o recomeço do som no palco. Existem aqueles que se dirigem para junto do referido a fim de
“curtirem o som, enquanto outros optam por ficar bebendo pelos cantos ou namorando, interagindo
de forma indireta com as bandas. De vez em quando eles observam o palco e as pessoas que com ele
interagem, mas raramente, juntam-se a elas. Preferem ficar em seus lugares e ao lado de suas
companhias à espera do final do evento.
Os finais das apresentações, como dos próprios eventos, dão-se após os agradecimentos da banda
e o anúncio de que a última música será executada. A platéia começa a se dispersar ou fica à espera do
final do show após a descida da banda do palco e dos cumprimentos finais por parte do apresentador.
Lentamente, os freqüentadores saem aos pares ou em grupos pelos portões por onde haviam entrado.
À medida que caminham para a saída, de vez em quando um ou outro volta o olhar para o fundo do
salão onde está localizado o palco e onde técnicos e roadies desmontam os equipamentos de som.
Alguns, às vezes, chegam a esperar pela saída dos integrantes das bandas conduzindo seus
equipamentos musicais para cumprimentá-los e fazerem algum comentário sobre o show.
Após a saída pelos portões que dão acesso aos locais dos shows, do lado de fora dos cenários,
encontram-se pessoas bêbadas caídas ou sendo conduzidas por amigos e em muitas ocasiões os
freqüentadores que optam em entrar madrugada adentro a espera de um transporte coletivo ou
particular. Sentados em rodinhas, entre amigos, bebem e/ou fumam comentando sobre o show que
passou. Enquanto isso, as tendas de lanches são desmontadas, sendo que um ou outro vendedor
procura esgotar o estoque de lanches, doces e bebidas oferecendo àqueles que ficam por últimos a
saírem após o encerramento dos eventos.
Dentro dessa perspectiva, ao final dos eventos, o processo ritual vivenciado não apenas motiva o
acontecimento de outros eventos, mas, além disso, os motiva porque permite aos participantes,
liberarem-se de si mesmos, conforme afirma Duvignaud, e enfrentarem uma diferença radical no
encontro com o universo sem leis nem forma, que é a natureza na sua inocente simplicidade
(Duvignaud, 1983). Aqui, sem leis e sem forma é uma contraposição ao ordinário vivenciado no
cotidiano que, em momentos como os shows de Metal, têm na subversão e na desestabilização de
categorias sociais suas principais linhas de ação.
2.2. Encenações covers
É inegável que essas vivências observadas nos shows de Metal, seja em que lugares aconteçam,
são exacerbadas pela aceleração rítmica das músicas que os shows proporcionam aos freqüentadores.
O retorno dessas energias se manifesta por meio de gritos, gestos, consumo de bebidas, correria de um
lado para o outro do palco, constantes tentativas de subidas por parte da platéia a fim de cantar com o
vocalista ou imitar um dos guitarristas tocando.
Ao falar em imitação de músicos tocando ou subidas de palco a fim de executar a música com o
vocalista, não se pode esquecer que nessas casas de shows, que apresentam uma estrutura física como
a descrita anteriormente e é freqüentada pelo público do Metal, que quase sempre é o mesmo,
realizam-se os shows covers ou tributos ao Rock como às vezes são denominados.
Refiro-me aos shows onde as bandas que se apresentam executam as canções consideradas
“clássicas” do Rock, mais especificamente do Metal. Esses grupos musicais nem sempre são
denominados por um nome específico, apenas são conhecidos como o cover do Led Zeppelin ou o
cover do Deep Purple”. O mais importante é que essas apresentações conseguem lotar essas casas de
shows aos finais de semana, em Fortaleza, cobrando por um ingresso cujo valor não ultrapassa R$
5.00.
Os freqüentadores desses shows variam desde pessoas adultas até garotos e garotas na faixa etária
entre 12 a 17 anos que trajam roupas pretas, adereços de Metal e acenam cornutos buscando em
parceria com os amigos, as bebidas e os cigarros, a audição do som executado pelas bandas que desde
o final dos anos 1960 até os dias de hoje atraem cada vez mais público para o Metal.
Os covers variam entre Black Sabbath, Judas Priest, Iron Maiden, Death, Metallica, Sepultura,
Angra e incluem bandas como System of a Down e Nirvana, classificadas como fora do estilo Metal.
As principais canções de cada um desses grupos musicais são executadas num período de tempo de
até 40 minutos, onde o público participa vibrando, cantando e recordando as primeiras canções que os
fizeram curtir esse tipo de rock, o que enfatiza uma das características centrais dos rituais: reafirmar
pela repetição os valores sociais que conferem identidade aos participantes.
O interessante é que os músicos que executam essas canções por muitas vezes gesticulam algum
movimento que os mais afinados com o estilo associam algum músico ou algum vocalista de Metal.
Além disso, as vestimentas se caracterizam de acordo com as vestimentas utilizadas pela banda da
qual se faz o cover. Por isso, alguns utilizam calças mais apertadas, outros optam pelas calças largas,
predominam os coturnos e nem todos utilizam adereços de Metal no corpo. Os gestos são mais
enfatizados, ainda que para compô-lo seja necessário que as vestimentas e os adereços estejam em
consonância.
Nas linhas abaixo, descrevo um desses shows covers, realizado na casa de eventos
denominada Metrópole Shows, atualmente conhecido como Ilha da Folia. Localizado na Avenida José
Bastos, 3200, bairro Parangaba, região Centro-Sul da cidade. O referido espaço se caracteriza por ser
um grande galpão cercado por muros baixos situado em uma das avenidas de grande movimento e
próximo de um dos terminais metropolitanos (o de Lagoa), uma lanchonete (Habibs),
estacionamentos, uma casa de shows para forró e mais à frente a praça onde se realiza a “feira dos
pássaros” aos domingos.
Do ponto de vista de sua estrutura física, o Metrópole shows foi projetado para comportar até
10.000 pessoas e possui custo de aluguel pelo espaço amplo. Além disso, uma bilheteria, quatro
entradas que dão acesso ao salão de festas e um bar próximo ao qual se colocam mesas e cadeiras; ao
centro observa-se o salão, que por sua vez se localiza de frente para o palco, onde os participantes dos
shows passam a maior parte da noite. Neste não há cadeiras e nem mesas, apenas ao fundo, a mesa de
som controlada pelos técnicos.
Caminhando pelas laterais, avistam-se os banheiros masculino e feminino, como, também, a porta
que acesso aos camarins e à escada que conduz ao palco. Este se caracteriza por ser de grandes
dimensões e de estatura elevada, sendo que, na parte superior está posicionado o jogo de luzes que,
por sua vez, é controlado por um técnico de iluminação que divide o palco com as bandas. Vale
ressaltar que, apenas convidados, bandas e técnicos têm acesso a esse espaço da casa de shows, mas,
em certas ocasiões, os organizadores do evento permitem o acesso de alguns fãs a fim de
cumprimentarem as bandas que se apresentam nos shows. Quando não são permitidos, esses
participantes tratam de burlar os seguranças e terminam adentrando aos camarins.
O Metrópole Shows somente é alugado quando da realização de shows que atraiam um
considerável contingente de pessoas. Na maioria das vezes, o shows de bandas nacionais ou
internacionais, incluindo-se os festivais que, são realizados no Metrópole e que reúnem uma platéia
composta por pessoas das mais diferentes idades, ainda que o blico predominante seja de jovens
que se deslocam dos mais diferentes bairros de Fortaleza em busca dos eventos.
Já passaram pelo palco do Metrópole bandas como Angra, Shaman, Sepultura, festivais covers e
um dos ex-vocalistas (Blaze Bailey) da banda que é considerada no universo do Metal a maior do
planeta : a banda inglesa Iron Maiden.
Em algumas ocasiões, ouvi de alguns organizadores sobre os obstáculos que pessoas moradoras
dos bairros nobres da cidade, e que “curtem” Metal, colocam para chegarem e participarem de shows
no Metrópole. Essas se referem desde a distância para a locomoção até as especificidades da platéia
que, segundo esses participantes, na sua grande maioria o da denominada “periferia”. Contudo, caso
o show seja cover, a presença desses participantes no show em virtude do prestígio e importância que
os “clássicos” do Metal recebem por parte do público.
Em um show ocorrido em 07 de Junho de 2003, realizou-se o encontro “3º Rock Summer: um
grande tributo ao Rock” com a participação de bandas covers que tocavam Metal em Fortaleza,
reunindo assim, mais de mil pessoas naquela noite. Entre essas bandas estavam os covers de Iron
Maiden, Judas Priest, Deep Purple, Death e muitas outras, sendo que as bandas que os executavam
podiam fazer o cover de mais de uma banda ou, em certos casos, o grupo de músicos que executava o
cover não recebia um nome específico para a banda.
O ingresso custou R$ 5,00 e, no início do show, uma garota alcoolizada que aparentava entre 16
a 18 anos chamou a atenção dos presentes: na hora da apresentação da primeira banda, ela subiu no
palco para pular em direção à platéia, mas, foi tomada de surpresa por um outro rapaz que a agarrou
pela cintura e pularam os dois juntos, sendo que, os próximos ao palco abriram o espaço e eles
terminaram caindo no chão e, por sorte, não sofrendo nenhum acidente.
Enquanto momentos como esses eram vivenciados na platéia, as bandas executavam o Metal com
guitarras distorcidas, alto volume, rítmicas aceleradas de bateria e pedidos de músicas conhecidas
eram solicitados pelos presentes. Subitamente, outra garota subiu no palco e beijou o vocalista da
banda cover do Judas Priest, denominada Acrópole.
Entre uma banda e outra havia os intervalos que variavam entre 10 a 30 minutos. Enquanto isso,
apenas o som mecânico animava a platéia que aproveitava para beber, namorar ou sentar no chão.
Mas, logo que percebiam movimentos no palco e identificavam o apresentador, posicionavam-se
diante daquele já que tudo indicava o recomeço do som. Depois de apresentada a banda, os gestos, os
gritos, acenos de cornuto e o som em alto volume permitiam a agitação do show, além da diversidade
de camisas com estampas referentes às bandas que os covers imitavam.
O interessante é que os shows covers reúnem pessoas entre 13 a 40 anos de idade, sendo que os
mais adultos não se misturam aos mais jovens; participam do show aqueles mais à distância pelas
laterais da casa, enquanto estes participam junto ao palco, misturando-se uns aos outros e acenando
em direção à banda. Vale ressaltar que, o maior número de pessoas alcoolizadas pelas laterais do
espaço são jovens, cuja idade varia entre 15 a 20 anos.
Outro momento me chamou atenção ainda neste show. Próximo ao final do mesmo que, por sua
vez, prolongou-se até 03h do dia seguinte, quando a banda que executava o cover do System of Down
incentivava a platéia para os “pulos de palco”, uma garota subiu no referido (vestida de saia azul e
top) e quase não conseguia se equilibrar de tão bêbada. Ao se preparar para o pulo, os garotos
embaixo gritavam para que ela pulasse em cima deles e assim ela fez. Após ter saltado, a garota foi
abraçada por um dos garotos por alguns minutos aquela noite.
Em meio a esses momentos, eu registrei a diversidade de comportamentos que os shows covers
proporcionam ao unir os afinados com a música do Metal por mais tempo e aqueles que recentemente
começaram a freqüentar e ouvir esse tipo de música. Outro detalhe interessante é que nos shows de
Metal cover predominam, nesse público jovem, a mistura de uns com os outros na platéia e isso se
prolonga até o momento da saída. Somente após ultrapassarem os portões é que os integrantes se
separam tomando cada um o caminho de volta para casa.
Ao relatar sobre as apresentações covers, sempre me questionei o que eles imitam, por que e
qual a relação que essas imitações estabelecem com o contexto do Metal. A partir das anotações de
campo, refleti sobre a idéia de que o próprio Rock, incluindo todas as suas vertentes, é um dos estilos
que embora possua seus primeiros momentos vivenciados na Inglaterra e EUA, ele não se preocupou
em fincar raízes nesses países. Ao contrário, a própria dinâmica do estilo, o levou para os demais
países, sendo que nestes, o Rock assumiu características do próprio contexto, variando assim, na
diversidade dos shows, comportamentos, públicos e bandas, ou como sugere Janice Caiafa (1989)
“tantas línguas quantos desejos houver”.
Por isso, ao imitar os ídolos do Metal mundial no contexto de Fortaleza, o que as bandas retratam
é uma alusão àqueles que possibilitaram tornar esse tipo de música, o seu próprio estilo de vida.
Também se pode pensar que ao imitar os trejeitos que relembram músicos e solistas do estilo, as
bandas desejam ser um deles, ainda que tenham por certo que ser um deles significaria exumá-los da
característica de ídolos. Semelhante analogia pode ser feita com relação aos rituais tribais em que
determinados indivíduos encarnam os ancestrais do grupo.
Mesmo os shows covers sobrepondo em seus momentos de aparição pública a noção de imitação
em relação à banda de origem, como também a noção de semelhança com a mesma, apontam por
meio da noção de similitude, a necessidade de “inovar” em relação ao original. O que de fato é
colocado em jogo nas apresentações covers, é que bandas como Iron Maiden, Judas Priest, Deep
Purple, Death, System of a Down etc. representam os “espelhos” nos quais as bandas covers se olham,
montam-se e visibilizam-se publicamente.
De acordo com minhas observações, os covers desejam criar, registrar e marcar com
características próprias as apresentações que encenam, contudo, compreendem que é partindo das
referências intrínsecas ao universo do Metal de que esse reconhecimento será possível. o é a
imitação pela imitação. Mas, a imitação daquelas bandas que identificam os primeiros anos do Metal,
entre o final dos anos 1960 e metade dos anos 1970, trazendo à memória dos participantes dos shows
a recordação de um gesto, da voz, de uma peça de roupa semelhantes ao utilizado pela banda que se
propõem a imitar e que consiga “reunir fragmentos de imagens, vestígios de lembranças e tecer fios
emaranhados da memória individual na “tapeçaria coletiva do grupo” (Diógenes, 2001, p.2)
assimiladas em forma de gestos, gritos, acenos em direção ao palco e vestimentas proporcionados
pela quantidade de decibéis captados pelos ouvidos dos presentes.
E esses comportamentos, por outro lado, contribuem para a consolidação do que diferente venha
a surgir nas performances apresentadas no palco e na platéia. Segundo Juliana Jayme (1996), “esses
sujeitos podem ser pensados como possuindo uma ambigüidade intrínseca que, ao mesmo tempo em
que revela o desejo de ser como o outro, mostra uma visão pejorativa com relação à imitação, um
desejo claro de também ser diferente” (Jayme, 1996, p. 20). Assim, os covers partem de um modelo
estabelecido, mas que não é fixo nem rígido, movendo diferentes imagens referentes ao universo do
Metal.
Dinâmicas assim, rítmicas e não menos velozes observadas no Metal, favorecem a
desestabilização de um ordenamento externo e imposto pela racionalidade moderna que marca o
surgimento e engendramento das cidades. À medida que uma garota sobe no palco e cai debruçada
nos braços da platéia ou no momento da queda o corpo antes denso, pesado e volumoso
proporcionado pelo Metal vai direto ao chão, significa que a desestabilização expressa em
comportamentos, gestos, sons e atitudes nos shows de Metal, especialmente nos covers, apontam não
para uma desorganização, uma espécie de caos instalado pelos participantes nos shows. Ao contrário,
trata-se de algo intencional, retirado das próprias entranhas do Metal, dos valores contestadores e
desafiadores que ele apregoa em direção a uma ordem estabelecida pela sociedade que, quando no
momento de efervescências como os dos shows, terminam por colocar em perigo o estabelecido.
E são esses momentos que fazem da cidade, ou melhor, do habitar a cidade por esses
participantes de shows, importantes mecanismos de afirmação e defesa das experiências vivenciadas
pelos mesmos. Isso porque, quando se promove e se permite a desestabilização, o habitar e se fazer
responsável pelas dinâmicas citadinas, “ganha uma dimensão completamente nova, uma vez que se
fixam na memória [as ordens, os inventários, os documentos, a arquitetura e as próprias pessoas]”
(Rolnik, 1998, p.16) colocados em jogo nesses momentos.
Vale refletir, também, aqui, sobre a não-associação do Metal como um estilo exclusivamente
juvenil. É certo que as interpretações sugeridas entre os anos 1970 a 1990 nos estudos que encaravam
uma associação direta entre jovens e determinados estilos musicais, como por exemplo, punks e
“metaleiros”, denominavam esses grupos como “culturas juvenis”, “subculturas” ou
“microrebeldias”
20
. Essas reflexões, a meu ver, o limitadas diante das descrições aqui apresentadas,
como também, diante das transformações vivenciadas por esses grupos, esses estilos musicais e as
relações entre estes e aqueles.
Segundo as observações aqui descritas e nas entrevistas realizadas, observe que os afinados com
o Metal estão para além daqueles que, do ponto de vista jurídico, são definidos como adolescentes ou
jovens por apresentarem a faixa etária compreendida entre 12 a 18 anos e 18 a 25 anos,
respectivamente. O universo do Metal se revela, e os shows covers são a expressão disso, como um
aglutinador de pessoas das mais diferentes faixas etárias cuja dinamicidade e adaptação de gostos e
modas é permitida a partir dos horizontes de possibilidades propostos pelo mesmo. Inclui-se, aqui, a
crescente presença de mulheres nos shows que motivadas pelos mais diferentes objetivos se fazem
notórias nos eventos.
O interessante é pensar as pessoas que se afinam com o Metal como indivíduos que consomem
certos bens materiais e simbólicos, apropriam-se de certos espaços sociais e imprimem aos mesmos
um novo ordenamento orientado por novos valores, associados ao compartilhamento de sentimentos e
atitudes e que, acima de tudo, optam pela noite, como signo que possui intrínseca relação com a cor
preta tão predominante nos shows e os demais signos característicos do estilo (Gadeso, 2004),
provocando, impactando e alardeando pelas ruas, avenidas, terminais de ônibus metropolitanos, casas
de espetáculos, seguranças e taxistas que os denominam como “os pretinhos” ou “os bichos de preto”,
conforme ouvi em algumas saídas de shows.
Desta forma, a diversidade de atores que participam dos shows covers e compactuam com esses
signos, ora converge, ora diverge em valores estruturados de acordo com o espaço social ocupado por
cada um deles na vida cotidiana. Inspirada em Bourdieu (1994), o que aqui chamo de espaço social
depende da quantidade de capital simbólico acumulado pelo indivíduo que o permite se diferenciar
em outro espaço, o espaço simbólico, conferindo ao mesmo uma melhor posição no espaço social.
Essas diferenciações provocam as disparidades e as recusas entre os participantes dos shows,
como por exemplo, o desejo de não compartilhar os mesmos espaços freqüentados por aqueles cujo
capital simbólico é menor, ou, em algumas ocasiões, como nos shows covers, até freqüentam em
nome de uma causa maior, mas, passado o momento de comunhão (Turner, 1974), deixam evidentes
as distâncias sociais entre os mesmos. Segundo Gadeso (2004), “en un recital de rock se establece
uma relación más interactiva entre público y los protagonistas ‘estrellas de rock’, que en su mayoría
20
Ver Mafessoli (1987), Costa (1990), Abramo (1994).
intentan generar mística alrededor de su figura. Se establece de esta forma un juego verbal, festivo
entre las partes...” (Gadeso, 2004, p.11).
Isso nos permite compreender que, do ponto de vista da estrutura dos mitos, os shows covers
estão para além dos níveis geográfico (dimensão lugar-espaço-tempo em que se realizam),
sociológico (da diversidade dos atores e dos comportamentos exibidos pelos mesmos) e econômico
(do ponto de vista das trocas estabelecidas nesses shows e das disparidades visíveis). Existe o nível
cosmológico, ou seja, das visões que orientam os comportamentos dos indivíduos e que para eles são
histórias de grande significância para as esferas biológica, psicológica, sociológica e cultural..
Os mitos evocados nas apresentações covers representam a estrutura subjacente, mas que é
comum a todos os indivíduos que dela compartilham. Mais do que isso, diz Levi-Strauss (1990), essa
estrutura expressa “a relação estabelecida entre o mito e o real que possui, pois, uma estrutura
folheada que transparece na superfície se é lícito dizer, no, e pelo processo de repetição” (Levi-
Strauss, 1990, p.264).
A repetição observada entre os covers relaciona o mito e o real numa linguagem que estrutura
seqüência de ações, como as aqui narradas tendo como referência os esquemas, ou seja, o conteúdo
que preenche e dinamiza as seqüências, sob pena de se tornarem - os mitos - esvaziados, imprecisos e,
no último caso, mortos pelas transformações vivenciadas em suas repetições.
Ao se tocar canções do Iron Maiden ou de outra banda referência no Metal, não apenas uma
alusão ao som em si; mais do que isso permite-se aos participantes dos shows covers “a compreensão
do agora a partir do outrora, é sentimento, reaparição do feito e do ido” (Bosi, 1998, p.20) que trazem
à memória os primeiros momentos de quando se ouviu o primeiro riff de Metal como se nele estive
“guardado um poder oculto” como me relatou na entrevista Jonathan, 20 anos, estudante; ou, quem
sabe, quando se deixou o cabelo crescer como marca de uma época ou por influência da família, como
foi o caso do entrevistado Cleiton Lima. E existem aqueles que recordam o primeiro show da vida, de
forma que nunca se esquece, porque nele se vivenciou “um lance diferente, uma energia diferente”,
como diz Alfredo Júnior, 28 anos, estudante de História, permitindo que ele e tantos outros se
enveredassem por esse caminho que povoa as cosmologias de sentido para a vida.
Já os comportamentos exibidos pela platéia efetivam as imitações, além do que, para ela, ouvir as
canções de seus ídolos acompanhadas de uma performance impecável que torna esses referenciais do
Metal “corpo-presente” nos shows, é uma espécie de validação daquilo que eles optaram como estilo
de vida. Além disso, permite que a platéia compartilhe com valores e idéia difundidas por esses
ídolos, mesmo estando em um contexto diferente dos mesmos. É a eficácia simbólica dessas
referências que permite que mais shows covers sejam realizados no formato de tributo, o que significa
dizer que se prestam honras, prestígio e glórias para os ídolos, mas, ao mesmo tempo, recebem-nas de
volta numa sincronia de gestos, vestimentas, músicas e som entre palco e platéia, não importando até
que horas da noite a resistência física, cultural e emocional suportem.
Do ponto de vista da produção, enquanto os demais eventos são realizados sempre tendo uma
instituição governamental ou não governamental à frente de sua produção, os shows covers sempre
são organizados por iniciativas individuais partindo de alguém que gosta de ouvir Rock e que investe
do próprio bolso na produção do evento ou consegue o apoio de alguma loja especializada em
produtos de Rock.
Aqui se pode refletir a respeito das intenções subjacentes aos rituais. Se de um lado, as
organizações de cunho social os organizam para divulgação de suas ações a fim de que sejam
reconhecidas e assumam o papel de fomentadoras de políticas públicas por meio de eventos onde
música, política e economia se cruzam freqüentemente, os shows covers, por sua vez, partem de
interesses individuais que os motivam a divulgar grupos musicais que o participam dos eventos
produzidos pelas demais instituições e que desejam ganhar espaços de visibilidade pública na cidade
ou o produtor almeja o reconhecimento de si próprio.
Atitudes assim não são estranhas ao universo do Rock, pois o mesmo caracteriza-se pelo glamour,
brilho, força e personalidades excêntricas cujos significados de preenchimento e vazio da vida estão
relacionados aos anseios primordiais que estas desejam satisfazer. O que de fato acontece é que a vida
faz sentido ou não para essas pessoas de acordo com as aspirações que elas conseguem realizar,
entretanto, os anseios pelos quais elas tanto lutam não se definem antes mesmo das experiências por
elas vivenciadas (Elias, 1994).
A produção dos shows covers simboliza uma dessas experiências vivenciadas pelos organizadores
e onde se percebe, com maior clareza, as características citadas acima. É, portanto, ao final do show,
ao perceberem na saída dos freqüentadores ou serem informados que os participantes gostaram do
show e que se despediram do mesmo cantarolando e eufóricos por aqueles momentos, além dos
aplausos em direção ao palco e gritos de “lindo, lindo, lindo” ou “do caralho”, que esses
organizadores enfrentam e resistem, ainda que nos dias de hoje em menor número, ao embate
ideológico que as instituições produtoras de eventos, como a Associação do Rock, que seguem outras
linhas de ação no underground, declararam contra eles.
Isto porque, após dois anos consecutivos de shows covers, entre 2002 a 2004, lotando casas de
shows em Fortaleza, com muita bebida, material fonográfico para vender e muitos garotos e garotas
que independentemente de onde moravam se deslocavam em direção aos bairros Parangaba, Praia de
Iracema ou qualquer outro lugar em busca dos eventos, algumas instituições que realizam shows de
Metal pela cidade, como a ACR, por exemplo, sentiram-se prejudicadas com a baixa freqüência do
público em seus eventos e o desprestígio para com as bandas locais, formando-se, assim, uma frente
contra os shows covers por meio de mensagens críticas que eram divulgadas em seus eventos,
conforme presenciei em shows realizados pela Associação do Rock na cidade.
Acrescentou-se a isso, algumas abordagens policiais realizadas em algumas dessas casas de shows
em razão das denúncias de que esses organizadores de shows de rock ofereciam ou vendiam bebidas a
jovens menores de 18 anos e, em certos casos, foram os decretos municipais de fechamento dos
estabelecimentos que culminaram na desistência ou diminuição dos eventos produzidos por esses
organizadores.
Todos esses movimentos evidenciam uma competição entre shows autorais e shows covers. O
fato é que atualmente esses shows não são mais realizados com a mesma freqüência anterior. Novos
espaços para shows de Metal estão surgindo, produzidos por antigos organizadores,que desta vez,
sozinhos ou estabelecendo parcerias com instituições blicas e/ou privadas, permitindo que outros
shows de Metal, como os caricaturados pela banda paulista Massacration, por exemplo, venham a
ocorrer em Fortaleza, como será descrito no item adiante.
2.3. A explosão do Metal no Teatro
Entre esses novos espaços para shows de Metal, destaca-se o teatro. É interessante observar que
quando os shows de Metal começaram a sair dos salões convencionais e passaram a ocupar as salas de
teatro, modificaram-se não apenas os cenários, mas as maneiras como as encenações são
protagonizadas. Recentemente, em Fortaleza, muitos shows de Metal foram realizados no Teatro Sesc
Emiliano Queiroz e Teatro do Centro Cultural Banco do Nordeste, ambos localizados no Centro da
cidade. O motivo pelo qual os “metaleiros” ocupam estes espaços deve-se não apenas ao fechamento
de alguns salões de shows para a execução desse tipo de música, como também, representam uma
tentativa de atraírem os novos freqüentadores que se ligam à música do Metal, segundo Amaudson
Ximenes
21
.
21
A banda da qual faz parte Amaudson Ximenes, Obskure, criada em 1989, na cidade de Fortaleza, gravou seu DVD
no Teatro do SESC Emiliano Queiroz no dia 09 de Novembro de 2006, onde fui integrante da equipe de produção. O
grupo é formado pelos irmãos-fundadores da banda e da ACR Amaudson (guitarra base) e Jolson Ximenes
(contrabaixo), além de Fábio Barros (teclados), Daniel Boyadjian (guitarra solo) e Wilker D´Angelo (bateria).
As diferenças entre shows de Metal realizados em casas de shows e teatros começam pelo
horário, passando pelo comportamento da platéia e pelas apresentações das bandas. No teatro, as
apresentações só podem se estender até 22h, o número de assentos é reduzido, fato que faz com que a
platéia busque antecipar o ingresso; além disso, ao longo da execução das músicas os movimentos
permitidos, em decorrência das limitações do espaço, se referem ao bater cabeça, marcar o ritmo da
música com os pés e as mãos ou no máximo ficar de nas laterais do teatro. É proibida a entrada
com bebidas, cigarros e qualquer barulho que venha a ecoar, pois apenas aplausos e leves assobios são
permitidos.
O registro que apresento nas próximas linhas se refere aos shows realizados no festival do Rock-
Cordel, em Fortaleza, no teatro do Centro Cultural Banco do Nordeste. Este compreende um edifício
localizado na Rua Floriano Peixoto, 941, Centro de Fortaleza, climatizado e que, nos fundos, abriga a
agência central do Banco do Nordeste do Brasil no Ceará. Além disso, o Centro Cultural Banco do
Nordeste é composto por três andares. No primeiro encontram-se a recepção, o pátio, os elevadores, a
cozinha e os espaços destinados às exposições. O pátio é formado por um grande corredor onde se
podem observar bancos de madeiras e um móvel onde estão expostas as publicações financiadas pelo
próprio Banco.
Tomando as escadas localizadas no centro do pátio, chega-se ao segundo andar onde está
localizado o teatro, um espaço destinado para apresentações musicais, exibição de clipes e encenações
teatrais, conforme a programação mensal disponibilizada pelo Centro Cultural. No andar seguinte,
localizam-se as salas da administração da instituição, ocupadas pelos funcionários, exceto os da
recepção e os seguranças, que trabalham na maior parte do tempo no primeiro andar.
O 1º festival do Rock-Cordel, realizado no período de 03 a 31 de Janeiro de 2007, nas cidades de
Fortaleza e Juazeiro do Norte, no Ceará, e na cidade de Sousa, no Estado da Paraíba, foi patrocinado
pelo Banco do Nordeste do Brasil e co-produzido pela ACR. O dia 18 de Janeiro de 2007, entre 14 às
20h, foi dedicado à execução da música do Metal e marcado por gritos e empurrões entre funcionários
do Centro Cultural Banco do Nordeste e freqüentadores que na entrada em buscavam ingressos para o
teatro. Além disso, muitos clipes de Metal referentes às bandas AC/DC, Black Sabbath, Metallica e
Iron Maiden eram veiculados por um telão localizado no pátio do Centro Cultural Banco do Nordeste,
em Fortaleza.
Na data acima citada, por ocasião do dia dedicado ao Metal no festival do Rock-Cordel, o espaço
se transformou em território exclusivo dos metaleiros”, sendo que das oito bandas que se
apresentaram, sete executavam a música do Metal. O público era formado por jovens e adultos, entre
homens e mulheres que, trajando roupas pretas e adereços de metal, aguardavam no tio a entrega do
ingresso (que era gratuito) para o show de sua preferência.
No palco, os instrumentos musicais eram guitarra, contrabaixo, bateria e teclados, além das
cortinas (em azul ou vermelho) que foram abertas no início do show. Além disso, microfones, jogo de
luzes, técnicos e roadies ocupavam o estreito espaço. Por detrás do palco, encontra-se o camarim
utilizado pelas bandas na composição de sua performance, como também, pela produção do show.
As apresentações de cada banda duraram no máximo até 30 minutos. Da primeira a última
apresentação, as bandas procuraram manter a platéia em consonância com a música executada, a fim
de evitar dispersão, que as pessoas, cada uma em seu assento, o podiam se misturar umas às
outras. Assim, as bandas mantiveram o som sempre alto, procurando sempre executar solos maiores e
com maior distorção possível, além dos vocais guturais e rasgados e dos movimentos, ainda que
menos intensos, de um lado para o outro do palco.
Vale ressaltar que nos shows em teatros, no tom das vestimentas o preto e os adereços de metal
são perceptíveis. Mas os discursos ideológicos, como, por exemplo, os das bandas integrantes da
ACR, referem-se à Ordem dos Músicos do Brasil (OMB), à instituição onde o show é realizado e aos
produtores do evento. Além disso, comentários sobre as músicas a serem executadas, os futuros
trabalhos das bandas, como também, os discursos alusivos ao fortalecimento do Metal em virtude de
mais um espaço conquistado, no caso, o teatro, ficam bem acentuados nas falas, principalmente dos
vocalistas, sejam de bandas integrantes da Associação do Rock ou bandas convidadas pela mesma
para participarem dos eventos.
Muitos dos presentes no dia 18 de Janeiro desejavam participar de todos os shows, mas, isso era
impossível devidos aos horários de apresentações que eram um seguido do outro, impedindo que a
platéia tivesse permissão de continuar assistindo a shows seguidos no teatro. Então, a saída foi optar
pelas bandas de preferência. Os ingressos mais procurados foram para as bandas Clamus, Obskure,
Quarto 237 e Facada. Esta última foi a banda mais disputada para ser assistida já que voltava de uma
turnê pelo Brasil com passagens pelo programa de João Gordo, exibido pela MTV paulista, onde teve
a oportunidade de lançar seu 1º CD.
A seqüência de shows foi iniciada com a apresentação da mídia institucional focando as ações do
Banco do Nordeste do Brasil em relação às manifestações culturais. Em seguida, a primeira banda
entrou no palco montado pelos roadies e executaram suas canções no tempo de 30 minutos. As
demais apresentações seguiram o mesmo formato, variando apenas, quanto à intensidade do som e
afinidade com a platéia.
Entre uma apresentação e outra, os intervalos variavam entre 05 a 10 minutos a fim de que os
roadies retirassem os equipamentos da banda que terminava de se apresentar e iniciassem os
preparativos para a próxima apresentação. Quando o som recomeçava, as pessoas na platéia
mantinham os olhares atentos no palco e aos poucos se envolviam com as apresentações, sendo que as
primeiras músicas executadas sempre eram mais rápidas a fim de que esse envolvimento entre palco e
platéia não demorasse muito.
Ao longo dos shows, as bandas intercalaram canções menos aceleradas com as mais aceleradas
em bateria e distorções com guitarras. Nas finalizações, ficava sempre reservada para execução a
música mais conhecida pelo público, de preferência aquela que provocasse a platéia fazendo com que
o espaço “viesse abaixo” em virtude da intensidade e velocidade sonoras bem como da performance
da banda.
Os comportamentos entre banda e platéia, respectivamente, seguiram mais ou menos o mesmo
padrão, variando quando na apresentação da banda de grindcore Facada, marcada por vaias, gritos,
aclamações de hey, hey, hey, pei, pei e expressões por parte da platéia, como por exemplo, “do
carallho, porra!”, “vocês são foda”, “conta piada” ou “mais rápido”. Além disso, o vocalista Carlos
James, 31 anos, contabilista, publicitário e designer gráfico, provocou a platéia, principalmente,
quando executou em português as músicas “Apocalipse Agora” e “Quem tem medo da verdade tem
culpa” seguidas das palavras de ordem “libera o mosh” (pulos de palco). O som marcado pela voz
gutural, guitarras distorcidas e rítmicas de bateria mais do que aceleradas, davam a impressão de que
o público com mais de 140 pessoas presentes iriam trazer o teatro “abaixo”.
O fato é que a banda Facada preparou o espaço que receberia ainda naquele dia o som Thrash
Metal (que significa pancada, batida) e Death Metal (que significa morte, falecimento) executado
pelas bandas Obskure e Clamus, além do MetalCore da contestadora Quarto 237, seguindo o mesmo
número de público e a mesma empolgação e contagiante execução de som, performances e discursos,
variando entre as temáticas referentes à violência e à religião como por exemplo, as abordadas nas
músicas: “Fury And Motion” e “Christian Sovereign” (Obskure), “Literatura do fim” e “The Simple
Complex” (Clamus), “Unidade 3B” e “Fome de viver”(Quarto 237).
As expressões contidas nas letras de música ou proferidos pela platéia (como as expressões “do
caralho, porra!” ou “vocês são foda”) invocam, aqui, expressões constatativas, nos termos de Austin
(1975), “expressando a idéia de algo sendo alguma coisa”, sob a perspectiva dos rituais e, em muitas
ocasiões, os referidos discursos centrados na crítica às desigualdades sociais, ao fanatismo religioso e
à corrupção na política seguidos de gritos de guerra que invocam atitude, velocidade ou
agressividade, performatizam a omissão e/ou a dissimulação de situações de conflitos, contradições e
diferenças entre os grupos, sejam eles participantes de banda ou platéia, presentes no show.
Para Austin, deve-se atentar para o contexto no qual o uso de certas expressões deve ser
examinado, levando-se em conta quando, como, porque e por quem determinadas expressões podem
ser usadas e outras não (Austin, 1975, p.10). Ainda pensando com o referido autor, podemos notar que
“quando examinamos o que se deve dizer e quando se deve fazê-lo, que palavras
devemos usar em determinadas situações, não estamos examinando simplesmente
palavras (ou seus ‘significados’ ou seja o que isto for) mas sobretudo a realidade
sobre a qual falamos ao usar estas palavras – usamos uma consciência mais aguçada
das palavras para aguçar nossa percepção (...) dos fenômenos” (Austin, 1979,
p.182).
O que se revela por meio dessas expressões é o caráter de mito materializado em palavras e atos
que invocam o eterno retorno dos elementos que o Metal cristalizou e que o configuram com os
elementos que aqui tenho descrito.
A idéia do “eterno retorno” aos mitos do Metal pode ser contextualizadas a partir das referências
musicais e estéticas que as bandas do estilo fazem em relação à banda Black Sabbath (anos 1970).
Utilizando-se da estética negra, monstros e letras que se referem à bruxaria e terror, o Black Sabbath
que tinha à frente o vocalista Ozzy Osbourne (chamado por muitos de “louco satanista”) forneceu
elementos que caracterizam o Death Metal, influenciado por sua vez, pelo hardcore (a rítmica
acelerada da bateria) e o estilo faça-você-mesmo do punk.
Por outro lado, o Death Metal inovou com a voz gutural nos vocais e o uso de símbolos como
cruzes de cabeça para baixo, cabeças de bode e cruzes de cinco pontas negando toda e qualquer tipo
de religião, principalmente o Cristianismo. Assim, ao ouvirem este tipo de música, os freqüentadores
e ouvintes desse estilo “batem cabeça” de acordo com o ritmo da música. Quanto mais acelerada a
batida mais os pescoços se contorcem e, a cada final de música, acenam em direção ao palco com o
dedo indicador e mindinho levantados em formato de chifre.
O fato é que desde os anos 80 até hoje, o Death Metal é o tipo de rock que mais cresce,
principalmente no Brasil, fato este que justificou a procura por tantas pessoas a assistirem aos shows
do dia 18 de Janeiro no Teatro do Centro Cultural Banco do Nordeste que possuem as influências
desse tipo de Metal. A quantidade de bandas que surgem em nosso país reflete o quanto esse tipo de
música se perpetuou, como também, as transformações nas formas de cantar e compor. O que antes
era conhecido como música que só falava em “diabo” transformou-se crítica social.
Agora, é importante ressaltar que ao lado do Death Metal, a execução do Thrash Metal que é uma
fusão do punk com o rock progressivo, caracteriza-se pelos pulos de palco (que é uma herança do
punk), o modo como a platéia se bate um contra o outro (chamada “roda de pogo”) nos lugares em
que esses movimentos são permitidos, os cabelos compridos para “captarem” as ondas sonoras e os
grandes solos de guitarras com distorção.
Se por um lado a música é a linguagem do rock como ritual, feita de movimentos, sensações,
odores e por um público que “sabe que ninguém pensa em zombar dele” (Barraud, 1975), por outro, é
no corpo que ela se materializa e proporciona, de acordo com as distorções de guitarras, rítmica
acelerada de bateria e cabelos jogados sobre o rosto, por meio do “bater cabeça”, a transcendência, o
êxtase e as alucinações características das cerimônias rituais.
Dentro dessas perspectivas, os shows se realizaram no Centro Cultural Banco do Nordeste até às
20h. Os freqüentadores que acompanharam o som executado pelas bandas não contaram com um
apresentador na condução dos shows; além disso, eu percebi que eles não se sentiam cansados quando
na apresentação da última banda. Ao final do último show, com o Death Metal executado pela
Obskure e recebido pela platéia com muitos aplausos e olhares atentos à técnica exibida pelos
músicos, o blico começou a se levantar das cadeiras e se dirigir lentamente ao portão de saída.
Pareciam sentirem-se tristes com o fim de mais um festival de Metal, mas, ao mesmo tempo, restava a
esperança de que novas apresentações aconteceriam com toda a força, velocidade e exuberância,
principalmente no que concerne às experiências, que o universo do Metal produz.
Percebe-se então, que o contexto do teatro exige um tipo de comportamento diferenciado dos
demais espaços onde ocorrem os shows de Metal. Isso porque, o teatro é definido socialmente como o
lugar-espaço da representação, das máscaras possíveis, onde ficção e realidade se misturam de forma
que a fantasia e a imaginação orientem as vicissitudes do corpo e da alma. Interessa aos
comportamentos no teatro, a forma e a composição que permitam a contemplação, a audição, a
visualização e as encenações que traduzem na disposição de cadeiras, da acústica do espaço, do palco
e das cortinas um lugar socialmente voltada para a elite.
Quando os shows de Metal são realizados no teatro, o que de fato ocorre, é uma adaptação de
comportamentos que têm como linha de ação “a matéria da música [ou seja] o rock está preocupado
com o modo como o ouvinte sente a música ou o modo como ela afeta seu corpo”(Baugh,1993,p.15-
16) que, neste espaço, passa a ser limitado e, portanto, comprometedor das encenações viscerais e
desestabilizadoras observadas no Metal, conforme expressa um dos entrevistados, Alfredo Júnior, que
relatou-me da seguinte forma: “não gosto de shows de Metal em Teatro, pois, deixa a pessoa presa,
não tem como se soltar, sem liberdade de bater cabeça, marcar a música apenas com os pés e as
mãos”, conclui. Mesmo diante das limitações que o espaço do teatro impõe, os shows de Metal
continuam acontecendo, não menos barulhentos e nem menos impactantes.
2.4. Os “metaleiros” encenam a céu aberto
Uma das características que definem os shows de Metal em Fortaleza é o fato de pouquíssimos
serem realizados em espaços abertos, ao ar livre. Quando isso ocorre, a busca por parte dos
organizadores dos eventos em conjunto com as bandas que se apresentam, por locais localizados em
áreas da cidade de significativa visibilidade pública, como por exemplo, as casas de espetáculos na
Praia de Iracema, expressam a veemente vontade dos afinados com esse tipo de música “mostrarem-
se para o mundo”, serem reconhecidos e provocarem, seja por meio da música tocada em alto volume
e/ou comportamentos que expressam o ruir do Metal pelos cantos da cidade que venham a ser
ocupados.
Isso faz da cidade um lugar-espaço diversificado, tipo uma colcha de retalhos, montada com as
mais diferentes texturas, linhas e cores e que pode ser usada para as mais diferentes ocasiões, os mais
diferentes gostos. Além disso, revela os diferentes interesses que estão em jogo, pelos mais
diferentes grupos que lutam, num jogo por muitas vezes silencioso, registrar, firmar e difundir as
marcas que os identificam.
Seguindo pelos caminhos do Metal, encontrei, ainda que de forma rara, eventos realizados ao ar
livre, a exemplo do FORCAOS 2006, realizado na Rua José Avelino, bairro Praia de Iracema, em
frente ao Hey Ho Rock Bar. Do ponto de vista da estrutura física, os shows para serem realizados
nesses espaços, necessitam da instalação de caixas trifásicas que suportem um som mais potente,
maior quantidade de iluminação, o palco principal e a mesa de som, esta localizada no centro do
espaço onde o show ocorrerá. Além disso, exige-se que mais seguranças sejam contratados e que a
revista dos mesmos nos freqüentadores seja mais rigorosa a fim de evitar assaltos, brigas e acidentes
físicos entre as pessoas.
A estrutura de palco necessariamente é montada próxima a um local onde as bandas possam
guardar os equipamentos, no caso, o salão de eventos do Hey Ho Rock Bar, objetivando realizarem
ajustes antes de subirem no palco e se produzirem visualmente para o show. Inclui-se neste espaço
locais reservados para alimentação da equipe de produção, bandas e seguranças, além de cadeiras
disponíveis para descanso ou uma rápida conversa entre as pessoas que freqüentam esse camarim
improvisado.
Adentram esses espaços, organizadores do evento, técnicos, roadies, bandas que se apresentam e
amigos conhecidos da equipe de produção. Vez ou outra alguém da platéia pede para acessar algum
músico “mais conhecido” e o pedido é concedido. Mas vale ressaltar que, em razão das dimensões
pequenas do espaço, as pessoas são advertidas por um segurança, posicionado na entrada do camarim
improvisado, de que não podem demorar muito tempo.
As apresentações se processaram mais ou menos parecidas com as realizadas nas casas de
shows. O que diferencia é a quantidade de pessoas que comparecem em maior número já que se trata
de um espaço aberto, sem cobrança de ingresso e onde se pode curtir o Metal “batendo cabeça”,
batendo-se uns contra os outros, gritando e acenando cornutos mediante a audição das guitarras,
bateria e vocais guturais e/ou rasgados que ecoam em via pública. Isso permite que elas (as pessoas)
se misturem umas as outras de forma mais intensa e sem a preocupação de saber quem é quem
naquele meio, focadas apenas, em proporcionarem o melhor desenvolvimento possível dos shows por
meio de olhares e corpos atentos ao que se passa no palco.
Por ser realizada em via pública, a produção dos eventos se utiliza ainda mais do apresentador,
principalmente nos intervalos, para as divulgações de outros eventos de Metal e condução do show a
fim de evitar a dispersão dos freqüentadores que ameaça a cada apresentação encerrada. Além disso,
na rua José Avelino preparada naqueles dias especificamente para o show, a “banquinha” com o
material produzido pelas bandas foi exposta, sendo que, nesta condição exigiu-se atenção redobrada
por parte dos vendedores, a fim de que se evitasse furtos ou algo semelhante por parte de alguém que
passasse pelo local ou por algum freqüentador que na falta de dinheiro para comprar os produtos ali
expostos terminasse levando-os de forma ilegal; afora essas questões, os eventos se prolongaram até
às 02h do dia seguinte e atraíram os curiosos que eventualmente transitavam próximo a esses espaços.
Os eventos são finalizados de maneira similar às casas de shows que, quando o som é encerrado,
apenas os técnicos e roadies desmontam os equipamentos. Ao final de todas as noites do evento, eu
observei de cima do palco, a saída dos freqüentadores retirando-se do local.
Nas linhas abaixo, descreverei as apresentações do FORCAOS 2006, especificamente às
dedicadas ao Metal, que revela essa idéia da cidade como lugar-espaço diversificado, conquistado e
marco referencial para determinados momentos de confraternização, diversão, afirmação e difusão de
idéias por parte daqueles que promovem e agregam os shows, as bandas e o público do Metal.
O FORCAOS foi criado em 1998 como alternativa ao FORTAL, caracterizado como um evento
cuja predominância musical é o Axé baiano. Participam do FORCAOS trinta bandas (incluindo locais
e nacionais) dos mais diferentes tipos de Rock, distribuídas ao longo dos três dias de sua duração. O
evento é organizado pela Associação Cultural Cearense do Rock (ACR). Por isso, além das
apresentações musicais, caracteriza a programação do evento FORCAOS (iniciada dias antes dos
shows) seminários e workshops musicais realizados em parceria com docentes e discentes das
universidades públicas do Ceará que trabalham em suas pesquisas acadêmicas temáticas relacionadas
às manifestações juvenis.
As edições anteriores do FORCAOS foram realizadas no antigo Casarão Cultural (anos 1998 e
1999) e Metrópole Shows (anos 2000-2004). Em 2006, o evento concretizou sua edição e foi
realizado em parceria com a Prefeitura Municipal de Fortaleza, o Banco do Nordeste do Brasil e a
Universidade Estadual do Ceará (UECE). Nesta última foram realizados os seminários temáticos que
contaram com a participação de integrantes de bandas, estudantes da própria universidade, músicos e
estudiosos de temáticas relacionadas à música, doenças sexualmente transmissíveis e produção
cultural.
É importante notar que o FORCAOS é um festival que traz à visibilidade pública a diversidade
de relações pessoais e profissionais que a ACR estabelece em Fortaleza e fora desta. A articulação que
a instituição tece entre poder público, bandas de rock a ela associadas, professores universitários que
de alguma forma contribuem em seus diálogos para novas diretrizes a serem tomadas pela mesma,
além de outras Ong´s que contribuem no fortalecimento desta rede de debates e sociabilidade,
refletem a demarcação de territórios na cidade por parte da instituição, as tentativas de se conquistar
os mais diferentes públicos para os seus eventos, a divulgação de suas ações em prol da música do
rock no Ceará, firmando-se com a ajuda da legitimidade do poder público, a Prefeitura Municipal de
Fortaleza. Este por sua vez, é ovacionado e reafirmado nos shows no campo da produção cultural
underground.
E esses momentos não anulam as intempéries que venham a ocorrer ao longo do processo ritual,
no caso, o show de Metal. É parte integrante do mesmo, pois à medida que as formalidades exigidas
pelas instituições legitimadas socialmente revelam-se e recebem o devido respeito, é a vez da festa
explodir, trazendo consigo o pretexto “de desregramento, recusa de tabus e deveres, sob o disfarce da
brincadeira e, com mais freqüência, graças às máscaras, do anonimato” (Heerz, 1983, p.181).
Sob essa perspectiva, passadas as primeiras programações que caracterizaram o FORCAOS, foi
a vez dos shows serem exibidos na rua, especificamente na rua Jo Avelino, à altura do 604, na
Praia de Iracema, onde está localizada uma das casas de shows predominantemente roqueira
denominada Hey Ho Rock Bar
22
, tornando a via pública o palco das encenações, vicissitudes e
singularidades que o Metal proporciona.
O referido bar recebeu este nome em homenagem à música “Hey Ho, Let´s Go” gravada pela
banda Punk americana Ramones em 1977. Na referida rua, há o bar e restaurante Docas, e as demais
construções são uma espécie de galpões utilizados para estacionamentos no período noturno.
Seguindo esse percurso, antes de chegar ao principal local do evento, percebe-se a presença de
barracas de bebidas, pipoqueiros, taxistas, tendas de lanches e vendedores de balas que por ali
transitam. Além disso, a Rua José Avelino nesses dias tem um trânsito mais lento por ela. Outra
característica pode ser acrescentada à referida rua: mal-iluminada e deserta nos dias comuns, torna-se
agitada neste point de shows. Isso possibilita que muitas pessoas sigam em grupo em direção ao local.
Nas proximidades da Rua JoAvelino, há também estacionamentos cujo valor gira em torno de
R$ 4.00, como também, carros dispostos em fileiras. Na esquina da mesma, uma danceteria
conhecida como Noise 3D cujo público é composto por alternativos e emos
23
que se diferenciam em
vestimentas e gosto musical daqueles que freqüentam o Hey Ho nos dias de shows de Metal, ainda
que nos dias de sica dance e rock cover eles estejam presentes no Hey Ho Rock Bar.
Descritas as características da rua onde ocorreu o festival, deve-se acrescentar que a mesma foi
interditada pelos órgãos de trânsito, policiais, guardas municipais e seguranças particulares a fim de
que o tráfego de pessoas para o evento fosse realizado de forma segura e tranqüila. Além disso,
montou-se o palco no final da rua, ou seja, entre a danceteria Noise 3D e o Hey Ho Rock Bar, sendo
22
O Hey Ho Rock Bar está paralelo ao Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura (CDMAC), que é um complexo
formado por bares, restaurantes, museus, livraria, feiras de artesanato e praças que funcionam no período noturno e
servem como uma das principais referências de lazer e entretenimento da cidade de Fortaleza.
23
Alternativos são aqueles queo se definem por determinado tipo de música e/ou estilo de vida, buscando sempre a
inovação na arte, nas vestimentas, indumentárias e nos laços de sociabilidade. São consideradas pessoas “mais abertas”
para a vida. os emos são, atualmente, a categoria de acusação dos “metaleiros” semelhante ao que ocorria com os
punks anos 1980. Ser emo é sinônimo de sensibilidade, músicas melódicas apesar de serem tocadas no estilo hardcore,
franjinhas na testa, roupas coloridas e preferência por figuras de desenhos animados infantis, como por exemplo,
ursinho punh, garotas superpoderosas, ursinhos carinhosos etc.
que este último funcionou como camarim para as bandas, convidados e ponto de alimentação para a
produção e seguranças do evento.
No centro da referida rua foi instalada a mesa de som, nas laterais as bancas com o material de
divulgação das bandas, banheiros químicos e ao final ela foi fechada por estruturas de ferro que
delimitavam o espaço externo e interno dos shows. Todos aqueles que por ali transitavam eram
revistados pelos seguranças particulares, uma vez que não havia cobrança de ingresso para a entrada
no evento.
Durante os dias 21, 22 e 23 de Julho o FORCAOS foi realizado neste espaço. Contudo, o dia
22 foi dedicado à execução de músicas do Metal, enquanto nos outros dias foram executadas músicas
do Hardcore(21/07) e Pop-Rock-Regional(22/07). Reservo minhas descrições para o dia de
apresentação do Metal, considerado por muitos participantes como o “sábado negro” e o dia mais
esperado do festival.
Ao cair da tarde do sábado, 22 de Julho de 2007, iniciaram-se os primeiros movimentos para as
próximas oito horas de shows, que se iniciou às 18h e se encerrou por volta das 02h do dia 23.
Enquanto técnicos, roadies e a primeira banda a se apresentar ajustavam o som no palco, os primeiros
freqüentadores chegavam e iam ocupando lugares na rua. Vez ou outra se deslocavam em busca das
tendas de bebidas colocadas do lado de fora do “portão” de entrada.
Enquanto isso, no camarim, a produção do evento (sendo que nesta esfera da produção a maioria
são mulheres que a compõem) conferia água e alimentação para a produção e as bandas, como
também, delimitava os espaços e horários que cada grupo poderia freqüentá-lo, por causa do espaço
delimitado cedido pelo Hey Ho Rock Bar. Além disso, algumas mesas, cadeiras e frezeers podiam ser
observadas no local. Do camarim para a rua José Avelino, havia uma escada que dava acesso ao palco
e por onde só trafegavam os autorizados pela produção.
Neste ponto da descrição, faz-se necessário refletir a respeito do papel das mulheres no universo
do Metal. Essa inserção feminina é algo recente, dos anos 1990 para os dias atuais, acompanhada
pelas transformações estético-musicais que o Metal vem passando desde o final dos anos 1980. O que
então era marcado como um espaço estritamente masculino cuja exaltação da força, velocidade e
agressividade advindas do som eram assimiladas ao estilo de vida dos “metaleiros”, a partir dos anos
1990, nos shows de Metal começaram a surgir mulheres que se interessaram pelo estilo (até por conta
da sua popularização que se tornou maior e do sucesso de bandas com vocalistas femininas como a
inglesa Girlschool e a sueca Arch Enemy) e passaram a buscar os espaços de visibilidades antes
ocupados por uma platéia exclusivamente masculina.
Dessa forma, surgiram produtoras, assistentes, bandas e platéias de Metal compostas por
mulheres, como também, garotas que buscavam e buscam nos homens cabeludos ou não, músicos ou
participantes como platéia nos shows, um companheiro. Não saberia dizer até que ponto os esquemas
inconscientes influenciam nessas escolhas, até porque isso demanda outra pesquisa, o que não é meu
objetivo.
Contudo, o que ouvi de algumas mulheres que conheci pelos caminhos do Metal foram relatos
referentes “ao gostar de verdade do tipo de música e vivê-lo” conforme me declarou Fátima Almeida,
43 anos, Massoterapeuta ou, simplesmente por conta do envolvimento do namorado com esse tipo de
música, daí a mesma o acompanhar nos shows.
Existem aquelas, a exemplo desta pesquisadora, que além de gostar de ouvir e se dedicar aos
estudos sobre os shows de Metal trabalha pelo bom andamento das produções dos shows. É inegável
que as funções destinadas às mulheres nas produções estão relacionadas à montagem e controle de
camarim, auxílio de palco, portaria, verificação de ingressos e nos atos de servir alimentação e água
para quem trafega pelos bastidores do show. Seguidas dessas funções, a essas mulheres são exigidas
dedicação, disciplina, organização e vestimentas adequadas, sendo que as últimas, não
necessariamente sejam de cor preta, mas, que não exiba em decotes seios, barriga e pernas, conforme
fui alertada pela produção do FORCAOS.
Vale ressaltar que a relação homem-mulher no universo do Metal não se trata de uma posição
hierárquica onde um manda e o outro obedece, mas se refere muito mais a uma relação de
dependência entre homens e mulheres, onde um depende do outro para que o espetáculo aconteça e
onde se preza a participação de mulheres que busquem não passar uma imagem negativa de si e do
estilo para o público, preocupando-se muito mais em revelar o simbolismo e a ritualização que vão
juntos na dramatização dos eventos sociais que são os shows (Da Matta, 1997).
Ainda que o Metal opere com a inversão das regras no campo simbólico, a participação
feminina e a relação com os homens que organizam e participam dos festivais recaem sobre as
representações que se tem da mulher socializada para a esfera privada e em sua exibição na esfera
pública, buscando despertar no imaginário dos freqüentadores as idéias de “pureza”, responsabilidade,
docilidade e paciência num universo onde os homens ainda predominam, mas não menos tornaram-se
independentes do feminino e o tomam como referência na construção das identidades masculina.
Quando participei da organização do FORCAOS 2006, compus o grupo feminino que trabalhou
ao longo de todo o festival. Ao lado de mais cinco mulheres, cumpri conforme o que estava ao meu
alcance, a função designada pelos organizadores, além de opinar e questionar algumas sugestões por
eles colocadas. Entretanto, não podia me desaperceber ao que se passava no show em razão da
pesquisa de campo realizada para este trabalho.
Em um desses momentos de observação, ao voltar o meu olhar para a rua José Avelino, por
volta das 18h, observei um número maior de pessoas junto ao palco que aguardavam o início do show.
Em seguida, o apresentador se preparava com as devidas instruções passadas pela produção do
evento sobre como deveria conduzir o show. Depois de liberado o palco, um som mecânico divulgava
o evento e o apresentador subia no palco e anunciava o início. A primeira banda, então, iniciou a
execução do repertório.
As primeiras bandas a se apresentarem contaram com um público menor de participantes.
Ainda assim, eles procuravam agitar o show e aplaudiam a banda a cada final de música. Somente
pela quarta ou quinta banda, era que o público estava em maior quantidade e, assim, dava-se ao show
maior movimentação. Entre uma banda e outra, os intervalos duravam entre 10 a 15 minutos e eram
preenchidos pelas mensagens do apresentador referentes às realizações da ACR.
As pessoas permaneciam junto ao palco aguardando o reinício do show. E quanto mais gente
juntava-se aos presentes, mais lotado e mais agitado ficava o show. Eram “batidas de cabeça”, uns
jogando-se contra os outros e constantes tentativas de “pulos de palco”. Estavam todos trajados de
pretos, camisas com estampas de bandas, cabelos longos que voavam à medida que eram embalados
pelos longos solos de guitarra ou rítmicas aceleradas de bateria. Os vocais guturais ou rasgados
caracterizavam as apresentações.
A articulação entre a música e os corpos fornece o caráter rítmico, de cheiros e sensações
apreendidas ao longo das apresentações, originando no imaginário de muitas pessoas que por
curiosidade assistem ao show de Metal, a idéia de um som “diabólico”.
Se por um lado a música é a linguagem do ritual de Rock, feita de movimentos, sensações,
odores e por um público que “sabe que ninguém pensa em zombar dele” (Barraud, 1975), pois confia
nos laços identitários ali construídos, por outro, é no corpo que ela se materializa e proporciona, de
acordo com as distorções de guitarras, passadas aceleradas de bateria e cabelos jogados sobre o rosto,
mediante o “bater cabeça”, a transcendência, o êxtase e as alucinações características de um certo
momento do ritual.
O corpo não é apenas um elemento orgânico dotado de necessidades, sentimentos, emoções e
capaz de realizar atos. O corpo é também um acontecimento construído dentro da cultura na qual está
inserido. Retomo a idéia de Marcel Mauss (1974) que refletiu sobre o corpo como algo construído,
afirmando que cada sociedade específica, em seus diferentes momentos históricos e com sua
experiência acumulada que o ensina. E, no que ensina o corpo, nele se expressa. E essas formas de
expressar estão no andar, dormir, vestir, gesticular, olhar e dançar.
É o corpo que dá rosto ao homem e a vida se constitui pelo corpo e os símbolos que sobre ele são
construídos. É o “tratamento social e cultural que é dado a esse objeto [o corpo], as imagens que
dizemos densamente escondidas, os valores que o distinguem nos falam também da pessoa, das
variações que essa definição e seus modos de existência conhecem de uma estrutura social à outra”
(Le Breton, 1990, p.2).
Cada grupo social desenvolve um saber sobre o corpo. As categorias que possibilitam esse
desenvolvimento advém das “experiências pelas quais o corpo passou”. E essas experiências estão
relacionadas ao período histórico e com os valores atribuídos pela sociedade no referido momento.
Se, nas chamadas “sociedades primitivas”, o corpo não se distinguia do indivíduo, ou seja, falar do
corpo era falar da pessoa, na sociedade moderna, tem-se outra visão do corpo.
Na sociedade individualista, da velocidade, da disciplina e da informação, o corpo
“implica na ruptura do sujeito com os outros(.. ) com o cosmos (as matérias-primas
que compõem o corpo não possuem nenhuma correspondência fora disso), consigo
mesmo (Ter um corpo mais que Ser um corpo) (...) o corpo é então o signo do
indivíduo, o lugar de sua diferença, de sua distinção e ao mesmo tempo
paradoxalmente, ele é freqüentemente dissociado de si, devido à herança dualista
[corpo e alma] que pesa sobre sua caracterização ocidental’’(Le Breton, 1990, p.3-
4).
O estilo corporal é a maior ruptura expressa pela música do Rock. Este ensina àqueles que se
decidem a iniciar na audição desse tipo de música, formas de andar, vestir e se movimentar, conforme
já descrevi anteriormente. O corpo torna-se uma extensão dos ideais de rebeldia, contestação política,
social e religiosa que o Rock, especialmente o Metal, sempre apregoou.
“A galera gritando o som vem mais potente e instiga você também a fazer[o som].
Eu transmito de outra forma: pelo estilo, a vontade (pô, o cara é massa!), tocar forte,
termino destruindo a bateria no show. Tocar leve não transmite nada. Transmitir
monstruosidade e gordo e barbeado, é que transmite mesmo[referindo-se à
monstruosidade]” (Wilker Angelo, 27 anos, baterista das bandas Obskure e
Facada).
“Eu tenho um sentimento (...) essa identificação com o Metal, acho que é um pouco
de sentimento que eu carrego em mim que é despertado com uma guitarra
distorcida, com um vocal forte, gritado, com letras de protesto (...) não atém a
superficialidade cotidiana” (Lucas Gurgel, 23 anos, guitarrista e vocalista da banda
Clamus).
A partir dos relatos acima, pode-se observar os significados que os sentimentos de partilha trazem
à visibilidade pública, não apenas o que se passa no interior de cada participante, conforme declarou
Lucas, mas, acima de tudo, é nas gestualidades que esses sentimentos se concretizam trazendo
consigo as lutas, resistências e vontades que cada um percebe no show a oportunidade de “colocar
para fora”.
Além disso, como afirmou, o baterista Wilker D´Angelo, é no show que referenciais como o de
“monstruosidade”, deixam de ser meras fantasias e ganham impulso à medida em que o volume, peso
e densidade do som em articulação com as indumentárias sobre o corpo possibilitam os momentos
mais efervescentes nos shows, proporcionando assim, as expressões “bichos de preto” ou “os
pretinhos” por parte dos não iniciados no universo do Metal, conforme relatei no item 2.2 deste
trabalho.
Nos shows de Metal não há uma dança nos termos tradicionais como os teóricos a concebem.
Há movimentos de corpos que não ensaiam, não combinam o que há de ser exibido, mas, mediante a
música que ouvem, conforme o ritmo que ela imprime aos corpos, estes começam a se contorcer, a
baterem-se uns contra os outros e a intensificação dos contatos físicos refletem a intensificação dos
estados mentais dos indivíduos e conduz dessa forma à efervescência grupal e à revificação das
crenças de que a música do Metal garante a liberdade do movimento dos corpos, caracterizando assim
que
“o movimento, em sua brevidade, pode dizer muito mais do que ginas e páginas
de descrições verbais (.. ) A fluência de idéias deve ser expressa em sentenças. As
seqüências de movimento são como as sentenças da fala, as reais portadoras das
mensagens emergentes do mundo do silêncio”(p.141). O que significa, também, que
“os movimentos internos do sentimento e do pensamento se refletem nos olhos dos
homens, bem como na expressão de seus rostos e mãos (...) a qualidade musical das
palavras, porém, também colore as palavras com emoção” (Laban, 1978, p.141-
146).
O corpo acionado pela música executada no palco é aqui, o “instrumento de expressão por via
do movimento. Para Laban, o corpo age como uma orquestra na qual cada parte está relacionada às
outras formando o todo. As várias partes podem se combinar para uma ação em concerto ou uma
delas poderá iniciar a execução sozinha de um certo movimento como ‘solista’. Também a
possibilidade de que uma ou várias partes encabeçam e as demais acompanham o movimento”
(Laban, 1978, p.67) de acordo com as descrições apresentadas, o que prevalece no Metal é o
movimento coletivo, de todos que estão junto ao palco ou nas arquibancadas, gesticulem e exibam a
coreografia característica nos shows de Metal.
Nos shows de Metal o corpo funciona como superfície de escrita cuja lei - o estilo musical - nele
será escrita. Ao ser inscrita no corpo, a lei marca as diferenças que o grupo deve reconhecer e/ou
estabelecer. E essas diferenças podem ser de sexo, posição social, idade, forma de vestir ou forma de
se comportar.
Pierre Clastres (1978:128) diz que “as sociedades sem escrita escrevem no corpo as suas leis.
Imprimem suas marcas nos corpos, porque o corpo é uma memória: espaço e tempo. Quando nos
rituais de iniciação, um jovem passa à idade adulta, é no e através de seu corpo que se marca a
passagem”. Para ele, o ethos tribal é escrito nos corpos individuais, para que definitivamente não se
esqueça que o indivíduo é membro da comunidade. Diz ele: “... pois o problema é não perder a
memória do segredo confiado pela tribo, a memória desse saber de que doravante são depositários os
jovens iniciados (...) A marca proclama com segurança o seu pertencimento ao grupo: ‘És um dos
nossos e não te esquecerás disso’” (Clastres, 1978, p.128).
A articulação entre a linguagem musical e a linguagem corporal no show de Metal, permite-me
pensar, inspirada em Leach que, “o ritual em seu contexto cultural é um modelo de símbolos (...) os
indivíduos que compõem uma sociedade devem de tempos em tempos ser lembrados, pelo menos em
símbolo, da ordem básica que presumivelmente guia suas atividades sociais. Os desempenhos rituais
têm essa função para o grupo participante como um todo; eles tornam momentaneamente explícito
aquilo que de outro modo é ficção” (Leach, 1976, p.78).
Na medida em que cada banda se apresenta no palco, os participantes em conjunto com aquela,
trazem à memória coletiva a importância de se reunirem constantemente como forma de celebrarem a
música de Metal fortalecerem-se uns com os outros e animando-se para a próxima apresentação que
virá. Afinal, é da música “pesada” e tocada em alto volume que os corpos retiram as condições
necessárias para a efetivação dos shows como rituais.
Contudo, por volta das 22h, de cima do palco, eu percebi uma grande “nuvem negra” formada
por pessoas das mais diferentes idades trajadas de preto que cobriam a rua José Avelino e explodiam
em movimentos e sons. Estima-se que naquela noite o FORCAOS conseguiu reunir mais de 4.000
pessoas e, assim, quem passasse por ali, sentia-se atraído ao ver tantas pessoas gritando, pulando e
“batendo cabeça”. Por vezes, ouvi pelos camarins comentários de bandas que se diziam
impressionadas com a quantidade e a euforia da platéia. Desta, quando eu tentei caminhar entre os
participantes, ouvi comentários do tipo “o show foda” e “tem muita gente, cara”. O certo é que
embaixo o clima fervia, não apenas do ponto de vista de que Fortaleza é uma cidade de temperaturas
elevadas, mas, também, pelas pessoas que se apertavam cada vez mais umas as outras em busca de
um lugar que desse melhor visibilidade ao palco.
Apresentaram-se naquela noite as seguintes bandas: Betrayal (CE, que executou o cover
“Vitória” da banda carioca Dorsal Atlântica), Rabujos (PE), Facada (CE), Winds of Creation (DF),
Obskure (CE), Disgrace and Terror (PA), Clamus (CE), Expose Your Hate (RN), Diagnose (CE,
conhecido entre os admiradores como “heróis da ignorância” em virtude das letras e palavras
provocativas em relação à sociedade) e Dominus Praelli (PR). Todas elas contaram com um tempo de
25 a 30 minutos para apresentação, exceto a última que, por ser a principal atração da noite, tocou
durante 60 minutos.
Todos os shows foram marcados por muita velocidade no som e uma interação entre platéia e
palco jamais vista em Fortaleza, conforme me descreveu um dos organizadores do evento. Contudo,
foi nas apresentações de Obskure e Dominus Praelli que o público mais vibrou. A cada convite dos
vocalistas a platéia cantava, ainda que para a primeira o vocal era gutural, enquanto na segunda, o
vocal era agudo e em certas ocasiões rasgado. Outros detalhes interessantes devem ser mencionados:
enquanto a Obskure é uma das bandas de Death Metal mais antigas e ainda em atividade na cidade de
Fortaleza, a Dominus Praelli era, no festival, a banda de Heavy Metal com influências musicais e
estéticas de Judas Priest, Iron Maiden e Van Halen, consideradas bandas “clássicas” do Metal e que
se caracterizam por longos solos de guitarra, rítmicas menos aceleradas de bateria, roupas apertadas,
jaquetas de couro, cintos e colares de metal.
Ao longo dessas apresentações, bebidas e cigarros eram consumidos pela maioria dos
participantes, ainda que as tendas que vendiam as mesmas ficassem do lado externo da estrutura de
ferro que delimitava a entrada que dava acesso ao evento. Em certa ocasião, um jovem alcoolizado e,
possivelmente drogado, chutou uma das mesas onde estavam expostos o material de divulgação das
bandas. Imediatamente, os policiais presentes o imobilizaram e um dos seguranças particulares do
evento tomou o jovem pelo braço, conversou com o mesmo e o levou para fora do local. Afora esse
episódio, os shows se desenvolveram de forma tranqüila incluindo a participação de crianças e um
bebê que de frente para o palco nos braços da mãe, acenava para as bandas e limitando-se aos gestos
que a platéia expressava.
Partindo desse momento de efervescência grupal que articula não apenas a música e os corpos,
como também a concepção de espaço, como algo em constante deslocamento, e o tempo que assume
caráter circular no show de Metal aqui descrito, pode-se apontar as noções de liminaridade e
communitas (Turner, 1974) como norteadoras do ritual. A referida articulação possibilita pensar o
ritual no plano da estruturação e/ou desestruturação do social.
Os referidos planos se articulam em torno da linguagem (no sentido austiniano de que “dizer é
fazer”), da performance e do componente semiótico (acionamento de diferentes códigos indexicais de
acordo com o contexto cultural vivenciado por esses indivíduos cujo efeito são os mais significativos
para o momento) segundo os quais Tambiah (1985) definiu como componentes estruturantes da
Cosmologia:
“‘cosmology’ I mean the body of conception that enumerate and classify the
phenomena that compose the universe as an ordered whole and the norms anda
processes that govern it. From my point of view, a society´s principal cosmological
notions are all those orienting principles anda conceptions that are held to be sacrosanct,
are constantly used as yardsticks, and are considered worthy of perpetuation relatively
unchanged. As such, depending on the conceptions of the society in question, its legal
codes, its political conventions, and its social class relations may be as integral to its
cosmology as its `religious´ beliefs concerning gods and supernaturals. In other words,
in a discussion of enactments which are quintessentially rituals in a ‘focal’ sense, the
traditional distinction between religious and secular is of little relevance, and the idea of
sacredness need not attach to religious things defined only in the Tylorian sense”
(Tambiah, 1985, p.128).
Cosmologia pode ser pensada, no caso dos shows de Metal, como um conjunto de elementos, a
saber, cenários, atores, encenações, lugar-espaço-tempo, música-corpo, momentos de liminaridade e
comunitas permeados pelas noções de sagrado e profano que valoram, enumeram, classificam e
ordenam as dinâmicas do processo ritual. Ela é pensada e colocada em prática de acordo com esses
elementos advindos do mundo empírico, o universo do Metal, compondo dessa forma uma linguagem
geográfica, temporal, visual, sonora, sagrada, profana, legitimada e aperfeiçoada todas as vezes que
esses rituais o realizados. Apontada a noção de Cosmologia, pode-se pensar que as idéias de
liminaridade e communitas possuem seus significados inscritos nos processos de constituição do
ritual, o show de Metal, quando se considera as regras de ordenamento e as possibilidades de
alterações permitidas pelo mesmo.
Turner (1974) é o autor que trabalha as zonas ambíguas - as quais ele chamou de liminaridade -
e momentos de vida em comum na liminaridade denominados por ele de communitas. Essas duas
noções não podem ser concebidas separadamente quando se analisa momentos sociais sob a
perspectiva dos rituais. É a articulação entre ambas que permite pensar o comportamento orientado
por certas normas costumeiras e padrões éticos que vinculam os incumbidos de uma posição social,
num sistema das referidas posições a qual Turner denomina estrutura.
Comportamentos de inversão ou elevação de posições sociais podem ser pensados à luz da
articulação entre liminaridade e communitas. É a saturação da estrutura que impulsiona inversão de
posições e elevação de posições sociais como novas formas de ordenamento do grupo social.
Contudo, Turner salienta que na busca pela sistematização das diferentes fases constituintes do ritual
(inspiração que ele busca em Van Gennep), pode-se pensar a fase de separação como aquela que
“abrange o comportamento simbólico que significa o afastamento do
indivíduo ou de um grupo, quer de um ponto fixo anterior na estrutura social, quer
de um conjunto de condições culturais (um ‘estado’), ou ainda de ambos. Durante o
período `limiar´ intermédio, as características do sujeito ritual (o ‘transitante’) são
ambíguas; passa através de um domínio cultural que tem poucos, ou quase nenhum,
dos atributos do passado ou do estado futuro. Na terceira fase (reagregação ou
reincorporação) consuma-se a passagem. O sujeito ritual, seja ele individual ou
coletivo, permanece num estado relativamente estável mais uma vez ...”(Turner,
1974, p.116-117).
Dessa forma, Turner orienta a pensar que o processo ritual não é algo cujos elementos
constituintes são selecionados de forma aleatória. Cada fase envolve lugares, espaços, valores e
pessoas que numa temporalidade dada introduzem os neófitos em outro universo, como também,
revivifica nos iniciados a memória da tradição do grupo via crenças em seus objetos e pessoas
sagradas. Mas, antes mesmo de agregar um novo alguém à estrutura social, diversos atos são
manipulados e posições sobrepostas no que diz respeito às regras de ordenação do grupo.
Se no período de separação o indivíduo se afasta do grupo para uma espécie de “purificação” de
idéias, valores e comportamentos passados, na liminaridade passado, presente e futuro se revelam
como imbricados, códigos contaminados, passagem para a constituição de um vir-a-ser futuramente,
pois os indivíduos “não se situam aqui nem lá; estão no meio e entre as posições atribuídas e
ordenadas pela lei, pelos costumes, convenções e cerimonial” (Turner, 1974,p.117). Dado esse
momento, Turner afirma que “algo da sacralidade da transitória humildade e ausência de modelo toma
a dianteira e modera o orgulho do indivíduo incumbido de uma posição ou cargo mais alto” (Turner,
1974, p.119).
A essa nova posição social, via agregação, é que o indivíduo demarca a sua nova forma de
atuação no mundo social. O show de Metal é uma situação de liminaridade e communitas que assim
se configura a partir do momento em que o indivíduo se dedica, ainda jovem, a ouvir os primeiros
riffs de Metal. Ele se dedica a constante audição nessas canções, conhece as bandas e as diferentes
correntes que compõem o Metal, adquire camisas com estampas das bandas preferidas, estabelece
contato com alguém que tenha a mesma afinidade e, a partir daí, é que se introduz no universo dos
shows, conforme me relataram todos os entrevistados.
Nestes um novo momento de liminaridade é vivenciado pelo indivíduo, ainda que se diferencie
do descrito anteriormente. Na medida em que as pessoas vão chegando para o show e se aglomerando
em frente ao lugar-espaço onde ele ocorrerá, ali não se distingue com exatidão quem é platéia e quem
é banda, iniciados ou neófitos. Encontram-se todos muito imbricados.
É somente quando se ultrapassa a divisória que separa o portão de entrada do Anfiteatro onde
ocorreram os shows que as posições começam a ser mais delimitadas. Começa-se a diferenciar os
diferentes tipos de atores presentes no ritual e, assim, classificamos quem está ali para interagir,
para “ver de dentro e de fora” o espetáculo, para namorar, beber, encontrar amigos e os que estão
pela primeira vez.
Inspirada em Gluckman (1987) pode-se pensar que a participação dos indivíduos, a exemplo dos
shows de Metal nesta pesquisa, na definição de situações sociais, denominada pelo autor como
seleção situacional, vincula-se às diferentes maneiras que os mesmos utilizam para se fazerem
presentes num dado lugar, num tempo determinado e de forma específica. Dessa forma, diz
Gluckman, os “indivíduos podem, assim, assumir vidas coerentes através da seleção situacional de
uma miscelânea de valores contraditórios, crenças desencontradas, interesses e técnicas variadas
“(Gluckman, 1987, p. 259).
Como na pesquisa desenvolvida pelo mesmo autor, na Zululândia, entre os anos 1936 e 1938 o
que ele percebeu nas relações entre grupos zulus e brancos refletia uma espécie de seleção situacional
dos mesmos a fim de se fazerem notados em certas ocasiões sociais. Além disso, Gluckman afirma
que os próprios conflitos, contradições e diferenças entre e dentre grupos sociais (como no caso
específico de sua pesquisa entre e dentre zulus e brancos) constituem a estrutura do grupo ou da
comunidade onde se observa esses acontecimentos.
Voltando a descrição do show, observo que após a apresentação da Dominus Praelli, o
apresentador subiu no palco e anunciou o fim das apresentações, como também, agradeceu a presença
de todos. Aos poucos, as pessoas se deslocaram em busca de ônibus e táxis na volta para casa.
Enquanto isso, outros se arriscaram adentrar a madrugada sentados na praça principal do Centro
Dragão do Mar de Arte e Cultura, localizado de frente para a rua José Avelino, à espera de que o dia
amanhecesse e eles pudessem retornar a suas casas.
Na descrição de um evento aqui realizado, o espaço público em conjunto com suas nuances,
influencia na qualidade da performance que os participantes exibem ao longo do show, como também
nos comportamentos, palavras e estrutura física do mesmo. É que a via pública, quando tomada como
palco de encenações sociais, principalmente de grupos específicos, “exalta os poderes” dos
envolvidos na exibição; nos ambientes privados, as encenações “reforçam as clientelas e as
audiências sociais”. Não são nem jogos nem meros espetáculos, mas sim forças que pesam muito nos
equilíbrios ou nas hierarquias, elementos decisivos para forjar ou conservar reputação (Heers, 1983,
p.18).
A respeito desses momentos não significa afirmar que são dotados de irracionalidade,
banalidades e apontam para a loucura dos participantes, como por exemplo, o garoto que chutou a
“banquinha” com o material das bandas. Os shows quando realizados nesses locais abertos exigem
muito mais em termos de produção, performances e apresentações para que seus objetivos sejam
alcançados, satisfazendo, assim, os anseios do público que se deslocou até o mesmo. Mais do que um
espetáculo onde se dramatiza as vivências pessoais no mundo público, os eventos são “a confirmação
de um espaço real e imaginário que assume características simbólicas muito fortes, estabelecendo um
contato produzido e efêmero entre público e banda” (Jorge, 2002, p.47).
Em outras palavras, à medida que os shows de Metal são realizados no espaço público, leva-se
para este as experiências individuais vivenciadas no mundo da música do rock, mas também, aquilo
que no imaginário de cada indivíduo ali presente é possível ser concretizado a partir da interação
promovida entre palco e platéia, surgindo assim, um território onde as simbologias inerentes ao
universo do Metal são expressas por meio dos comportamentos exibidos pelos participantes.
Quando se vai para a rua, ainda que as performances tragam em seus trejeitos a ilusão de que se
está separada e estável do cotidiano, ela na verdade, expressa uma máscara que de caráter
diferenciado onde, o mais importante, é convencer o “outro” do que se dramatiza naquele momento
(Sennet, 1988). Assim, o que de fato ocorre nesses eventos, é que os significados que estruturam os
mesmos têm no cenário, atores e encenações a prova de que o Metal é o “monstro”- semelhante ao
Godzilla - segundo Dio (ex-integrante da banda inglesa Black Sabbath) definiu certa vez, que veio
para destruir a cidade com os equipamentos de palco e iluminação potentes que permitem o som fluir
no maior volume possível, ao lado de participantes que “batendo cabeça” e acenando em direção às
bandas, invadem as ruas da cidade retirando de seus bairros, vilas, pórticos, praças e vivências na
família a tonalidade preta, símbolo das contestações, das sombras e das noites que adormecem a
cidade.
Nos shows de Metal realizados em espaços públicos, o que entra em jogo não é apenas a
qualidade da música a ser executada, o corpo, o palco ou a platéia; é tudo isso em conjunto que
permite chocar a si mesmo e aos outros que os vêem, permitindo que a platéia interaja entre si e com a
banda, ainda que não se conheçam, rompendo, dessa forma, os laços da formalidade, acrescentando
mais expressividade à performance e, acima de tudo, desafiando os limites por meio dos estímulos
proporcionados pela música, pelo contato entre os corpos, as “palavras de ordem” vindas do palco e,
em alguns casos, contando com a ajuda de bebidas e das drogas ilegais.
“... ao se juntarem (...) as pessoas atuam de um modo nunca sonhado, engrandecidas
por sua força numérica, sucumbido a um sentimento de poder invencível, diante do
qual cada uma delas cede às tendências naturais que, isoladamente, trataria de
manter sob controle. Quando está só,qualquer um ‘pode ser educado, mas em bando
converte-se num bárbaro, agindo por instinto’” (LE BOM Apud Sennet, 2001,
p.236).
A partir dessas observações, pode-se pensar o Metal semelhante a uma substância que faz efeito
sobre a vida de todos aqueles que com ele se afinam. Uma espécie de yagé indígena, conforme
relatado por Taussig (1983) em Xamanismo, Colonialismo e o Homem Selvagem, que confere ao
Metal e a todos os seus meios de exibição, como por exemplo, o lugar-espaço-tempo, o corpo e a
música, algo similar ao que ocorreu aos personagens narrados por Taussig.
Em sua pesquisa sobre o terror e a cura na Colômbia, o referido antropólogo conheceu José
García. Este era aprendiz de Xamã com Santiago Mutumbayo, um renomado líder espiritual e de cura
do grupo indígena. Sabe-se que no ritual xamânico o paciente é submetido a sessões de orações, chás
e, principalmente, deve obedecer às palavras de ordem do Xamã que, por sua vez, não toca no corpo
do paciente, de modo que, o próprio paciente passe a compreender a origem de seu sofrimento a partir
das palavras proferidas pelo líder de cura.
No caso, José García é um argentino que se submete a sessões de tortura, xamanismo, sincretismo
religioso e alucinações. Taussig o conhece e passa a tê-lo como principal informante na pesquisa.
Contudo, José García o apresenta ao Xamã Mutumbayo em uma de suas sessões que, consistia entre
outras coisas, ter alucinações sob efeito de uma planta chamada yagé. Taussig descobre que José
García quer ser um xamã. Além disso, descobre que a aflição pela qual passa García decorre de
problemas históricos passados, desde a época da chegada dos europeus na região de Putumayo, em
1541.
A partir da história relatada por Taussig quero estabelecer uma comparação entre o que mencionei
a respeito dos signos presentes nos shows de Metal que, ao lado do lugar-espaço-tempo e corpo-
música, tornam as experiências vivenciadas pelos participantes dos shows mais inteligíveis, vivas e
estimuladoras a fim de continuarem a vivê-lo como estilo de vida.
Enquanto Taussig, sob o efeito do yagé, não sentia seu corpo e se percebia como um polvo
pequeno que visualiza novas formas de mundo na medida em que a bebida faz efeito no corpo, nos
shows de Metal, os signos visuais, físicos e sonoros permitem que alguns sob o efeito de bebidas ou
drogas ilegais se sintam mais livres como se “as estrelas e o vento” pairassem sobre eles por meio do
som altíssimo, rápido e eletrizante que ouvem.
É interessante pensar que a bebida é o estimulante mais freqüentemente utilizado pela maioria
dos participantes, sejam eles organizados como bandas ou como platéia, nos shows de Metal. Pelos
bastidores dos shows, brinca-se utilizando a expressão de que o “Metal é movido a álcool” em razão
do consumo que varia desde uma “latinha” a várias de cerveja. O certo é que não estou
estigmatizando o Metal por causa desses signos que o caracterizam, mas não se pode ocultar a
importância que a bebida exerce nos movimentos do corpo para que estes fluam de forma mais livre,
tornem os mais tímidos mais espontâneos, conforme observei nos comportamentos exibidos por
alguns participantes e aqui narrados, mas, acima de tudo, deve-se considerá-la como uma espécie de
“combustível” necessário para aqueles que dela se utilizam para que os shows se tornem mais
satisfatórios, potencializando o peso, a densidade e o volume do som emitido e mais uma vez
revelando-se como essência sacralizadora que caracterizam os shows de Metal.
Esses signos exibidos pelos participantes expressam o desprendimento em relação ao medo, à
autocensura e trazem à memória situações passadas quando nos primeiros momentos em que se
iniciaram nesse tipo de música. O importante é pensar que esses signos atuam da mesma foram que o
xamã e a eficácia de seus gestos, na relação que estabelece com os demais na platéia e na perpetuação
dos shows de Metal pelos diferentes cenários na cidade.
2.5. Encenações no Anfiteatro do Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura
Neste capítulo, descreverei um evento de Metal específico, no caso, as apresentações realizadas na
edição do FORCAOS, realizado no Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura, nos dias 20, 21 e 22
de Julho de 2007, sendo que o dia dedicado aos shows de Metal foi o último, um domingo ensolarado
e que levou ao esgotamento dos ingressos à venda nas bilheterias antes mesmo do início das
apresentações. Vale ressaltar que o evento é produzido pela Associação do Rock, composta por uma
equipe de produção formada por homens e mulheres que se distribuíram da seguinte forma: três
técnicos de som, dois de iluminação, três roadies, uma recepcionista, quatro assistentes de bilheterias,
uma fotógrafa, uma assessora de imprensa, uma assistente de palco, um apresentador, dois produtores,
um contador, um cinegrafista, duas camareiras, além dos seguranças particulares, polícia militar e
guarda municipal.
O FORCAOS em 2007 completou a edição e teve em sua programação inicial, no dia 19 de
Julho, seminários temáticos que versaram sobre experiências intervencionistas em comunidades de
baixa renda por parte de diferentes organizações não governamentais e direitos autorais para músicos.
As instituições participantes foram: o Instituto Tecnológico Vocacional e Avançado (ITEVA), na
pessoa do Físico Fábio Beneducce, localizado em Aquiraz, interior do Estado e que desenvolve com
jovens trabalhos relacionados à produção de multimídias; o ENCINE, representado pela coordenadora
do programa e punka Flor Fontenelle, que produz o programa MEGAFONE exibido pela TVC, canal
5, destinado ao público jovem; a Central Única das Favelas de Fortaleza que trabalha break, grafite e
rap na comunidade conhecida como “das quadras” e tem como coordenador o rapper “preto Zezé”; a
Associação do Rock (ACR) que na pessoa desta pesquisadora apresentou o trabalho “Paisagens no
Monte Castelo”, em alusão aos 62 anos do bairro onde está localizada a sede da instituição, e, por fim,
a palestra proferida pelo advogado carioca Neheemias Gueiros sobre direitos autorais para músicos e
solistas. Todas essas palestras foram proferidas no Auditório do Centro de Negócios do Sebrae, em
Fortaleza, para um público de no máximo 30 pessoas, incluindo músicos, amigos e curiosos, nos
períodos da manhã e da tarde.
Contudo, no dia seguinte, as apresentações musicais se iniciaram no Anfiteatro do Centro Dragão
do Mar de Arte e Cultura. O Anfiteatro comporta 700 pessoas e a estrutura é composta na parte
inferior, ao fundo, por um palco de madeira equipado com jogo de luzes, espaço para exposição de
material produzido pelas bandas, portas de saída e um camarim que se localiza atrás do palco; nas
laterais escadas e na parte superior as bilheterias e os portões de acesso às arquibancadas, sendo estas
situadas ao centro. Além disso, esse espaço está cercado por outros compartimentos que integram o
Centro Dragão do Mar, como por exemplo, a praça principal, a Praça Verde, o espaço de exposições,
o auditório e as passarelas que dão acesso ao piso superior. No piso inferior, os bares, cinemas,
estacionamentos e banheiros compõem o cenário.
Entre os diferentes programas agendados mensalmente pela direção do Centro Dragão do Mar
que, por sua vez, está subordinado à Secretaria de Cultura do Estado, nos meses de Julho e Agosto de
2007 foram marcados dois grandes festivais de rock, a saber: o Forcaos 2007 realizado nos dias 20,21
e 22 pela Associação Cultural Cearense do Rock (ACR) e o Ponto.Ce, descrito anteriormente,
realizado nos dias 03, 04 e 05 pela parceria Empire Records e Hey Ho Rock Bar.
É interessante ressaltar que os custos desembolsados para com o aluguel do Anfiteatro são
relativamente elevados, cabendo à produção providenciar o som, os técnicos e roadies para o evento.
Inclui-se, também, nas exigências colocadas pela direção do Anfiteatro do Centro Dragão do Mar, o
encerramento dos shows pontualmente a meia noite, sob pena da produção ser multada caso não avise
o ultrapassar do horário estabelecido em contrato.
Os ingressos do domingo, cujos valores cobrados foram R$ 5.00 (meia) e R$ 10.00 (inteira),
foram vendidos duas horas antes do início dos shows pelos próprios funcionários do Centro Dragão
do Mar que, ao final do evento, prestaram contas à produção do evento. Entretanto, por volta do meio
dia, existiam, segundo informações me fornecidas pelos próprios funcionários do Dragão do Mar,
inúmeras pessoas ocupando a praça central do Centro à espera de um ingresso para o evento. Nem
todos puderam adquiri-lo por causa do número limitado e, dessa forma, assistiram da passarela do
Anfiteatro não apenas todas as apresentações referentes ao dia do Metal, como também a passagem de
som realizada por volta das 16h. Esta marcada por aplausos, fotos e assobios por parte da platéia que,
do lado de fora, já “batia cabeça” e acenava em direção ao palco.
Contudo, vale ressaltar que, além da expectativa do público em torno da noite do festival
dedicada às bandas de Metal locais, como por exemplo, S.O.H., Somberlain, Obskure, Clamus e de
outros Estados do Brasil como a Cremador e Paradise In Flames, respectivamente dos Estados do
Maranhão e Minas Gerais o foco das atenções foi a banda gaúcha Krisiun que passou o som minutos
antes do início dos shows, sendo aplaudida pela platéia posicionada na passarela e que é, atualmente,
uma das bandas brasileiras de Metal, além do Sepultura, mais conhecidas no exterior. A rítmica
acelerada na bateria e riffs
24
de guitarras que impõe um ritmo frenético às apresentações da mesma por
várias partes do Brasil e do Mundo eram aguardados ansiosamente, sendo que antes de começar
aquela noite do festival, às 17h os ingressos estavam esgotados.
É interessante relatar que a vinda da Krisiun para um evento como o FORCAOS, que trabalha
com valores financeiros inferiores à necessidade dos custos, foi possível por meio de negociações
entre o presidente mundial do fã-clube da banda, residente em Fortaleza, amigo dos organizadores do
festival, e o empresário do grupo. Os valores cobrados pela banda equivalem a R$ 10.000 em cachê,
além das passagens áreas, translado e hospedagens para as cinco pessoas que viajam com a banda.
Em hipótese alguma seria possível a vinda dos gaúchos caso os valores não fossem negociados.
Isso porque a ACR além de cobrir as despesas com a estrutura física do show, remunera os envolvidos
na organização, ainda que sejam valores simbólicos. Além disso, as bandas locais recebem um cachê
de R$ 300.00, enquanto que as bandas de outras cidades do Brasil, recebem uma ajuda de custo ou um
cachê que é negociado com a banda. Mas, nada se compara aos valores pagos para uma banda como a
Krisiun, por exemplo.
Contudo, depois de três meses de negociação, a Associação do Rock conseguiu fechar todos os
custos – passagens, translado, hospedagem e cachê – pelo valor de R$ 7.000 para a vinda da Krisiun à
Fortaleza. Esses e os demais custos foram pagos com o dinheiro captado junto à Prefeitura de
Fortaleza, o Banco do Nordeste do Brasil, além do lucro obtido na bilheteria e os empréstimos
realizados entre amigos ligados à instituição para pagamento à vista do espaço onde as apresentações
ocorreram.
E foi após a passagem de som, sob o olhar atento e apreensivo de outros três funcionários do
Anfiteatro que acompanhavam os últimos ajustes de palco e iluminação, que a entrada dos
freqüentadores que portavam o ingresso foi autorizada. Por volta das 16h30, formou-se uma fila para
a entrada e revista por parte dos seguranças. Além disso, pessoas designadas pela produção do evento
colocavam pulseiras nos braços do público a fim de que pudessem ser identificados, caso quisessem
sair e retornar ao longo do show; por medida de segurança, não foi permitida a entrada com bebidas,
exceto água mineral.
Ao adentrarem o Anfiteatro do Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura, cada um procurava se
acomodar nos lugares mais próximos do palco. Pontualmente às 18h, a noite do Metal no último dia
de Forcaos, o domingo, foi iniciada com a apresentação do som mecânico e subida do apresentador no
palco anunciando as atrações da noite. Depois de iniciadas as apresentações, a platéia demonstrava
24
Seqüência de notas tocadas de forma incompleta no que concerne ao tempo de cada nota.
em gestos, vestimentas e atitudes, o quanto a “noite do Metal” prometia: muitas guitarras distorcidas,
vocais guturais, rítmicas aceleradas de bateria, jogo de luzes, visual preto, cruzes invertidas, colares
de metal e pulseiras de pontas (spikes). Além disso, um pano de fundo com o nome do festival
decorava todo o palco.
Na seqüência das apresentações, a banda Luto (de Maracanaú, Região Metropolitana de Fortaleza)
iniciou o evento e, em seguida, foi a vez da banda Somberlain (de Fortaleza). A 3ª banda da noite foi a
maranhense Cremador que exibiu no palco carisma para com a platéia; posteriormente, veio a S.O.H
(Siege of Hate), de Fortaleza, que possui um número significativo de admiradores em suas
apresentações.
A banda a se apresentar foi a Clamus, de Fortaleza, exibindo um Thrash-Death Metal cantado
por três vocalistas, nos idiomas inglês, português e francês, além de guitarras distorcidas e rítmicas
aceleradas de bateria que possibilitam que cada vez mais a banda ganhe novos admiradores, sempre
presentes a cada apresentação desta. a brasiliense Terror Revolucionário, exibiu no contrabaixo
uma mulher e nos vocais o vocalista Felipe “cara-de-cachorro” que com seus guturais “tenebrosos”
encantou a platéia que foi presenteada com uma participação especial nos vocais de Jorge “mata-
gato” da banda Diagnose, de Fortaleza.
Entre uma apresentação e outra, um rápido intervalo era realizado para que sorteios fossem
realizados entre a platéia, como também, divulgação de outros shows e atividades da ACR. Além
disso, nesses momentos, a visita dos participantes às bancas de venda com material de divulgação das
bandas (CDs, DVDs, camisetas etc) eram mais intensas e de grande “empurra-empurra” para
apreciação dos produtos expostos.
Ora, passados os momentos de compartilhamento de estados mentais, comportamentos e
sensações mais intensas ou menos intensas vivenciadas entre os diferentes atores presentes no show
de Metal, é nos intervalos que cada um volta (ainda que momentaneamente) ao interstício social de
antes, ao carregamento de energia, a uma espécie de “normalidade” onde se abastece seja com
bebidas, cigarros, visita à “banquinha” ou uma rápida troca de palavras com um conhecido. Mas, logo
que o som recomeçava, as pessoas retomavam os seus lugares na platéia objetivando apreciarem a
apresentação seguinte que se iniciava.
Dando prosseguimento às apresentações, foi a vez da mais antiga banda de Metal em atividade de
Fortaleza, a Obskure. Exibiu um Death Metal marcado por piano clássico, guitarras distorcidas, os
vocais guturais de Germano Monteiro, além do cover em homenagem ao Black Sabbath, oferecido à
platéia. Em seguida, apresentaram-se os mineiros da Paradise In Flames que animaram a platéia não
apenas com as distorções em guitarras e rítmica acelerada de bateria, mas, principalmente, pelo
constante “bater cabeça” dos integrantes no palco. Encerraram o show por volta das 22h30min. Mas
ainda faltava a última atração da noite.
Ao longo de todos essas apresentações, o público se manteve quase sempre na mesma
quantidade. Do lado de fora do Anfiteatro, mais de mil pessoas, segundo informações a mim
fornecidas pelos organizadores do evento, não haviam conseguido ingresso e foram obrigadas a
assistirem aos shows da passarela que dá acesso ao local.
No show de Metal, as diferentes maneiras como cada um participa, sendo da passarela do
Anfiteatro ainda na passagem no som ou quando nas apresentações na parte interna do Anfiteatro,
possibilita-me pensar que o valor que cada um atribui aos momentos do ritual e/ou ao ritual em si,
hierarquiza posições e traz à tona as posições que cada um ocupa no mundo social. É uma espécie de
texto que antes composto por palavras que não traduziam a seqüencialidade das idéias, começa então
a ordenar-se e a tornar inteligíveis as diferentes mensagens que ali se tornam explícitas. As
combinações espaço/tempo e música/corpo representam combinações possíveis, entre outras, que
contribuem na clarificação dos textos ali sobrepostos que começam a se delimitar.
Contudo, quanto mais se aproximava a apresentação final, as últimas pessoas que haviam
adquirido o ingresso por último adentravam o Anfiteatro e se juntavam as demais que gritavam
“Krisiun, Krisiun, Krisiun!”. Percebi que, no meio da platéia, algumas pessoas se sentiam cansadas e
reclamavam bastante da demora para que a última banda se apresentasse. Parecia até que o festival
transformara-se exclusivamente no show dos gaúchos e a ansiedade e euforia tomavam conta do
público à espera da apresentação.
Até que, próximo das 23h, toda a atenção no palco se voltou para os gaúchos da Krisiun. Antes da
banda entrar no palco,foram realizados os últimos ajustes de som e iluminação, além do palco ter sido
montado especialmente para a mesma. Em uma das caixas de som, foi colocado um baphomet que,
segundo relatou-me um dos participantes que estava de ao meu lado, era o símbolo alusivo ao
diabo, formado por dois chifres, a barbicha e o pêlo lateral, sugerindo assim, a imagem de um bode de
cabeça para baixo. Depois da espera pelo início do show, uma fumaça escura, um canhão de luz e um
som mecânico que saía pelas caixas de som, anunciavam a entrada no palco do trio Moisés Kolesne
(guitarra), Alex Camargo (contrabaixo e vocais) e Max Kolesne (bateria). Iniciava-se a apresentação
da banda que encerraria o FORCAOS 2007, a Krisiun.
É interessante perceber que o universo do Metal possui alguns elementos que compõem uma
linguagem visual e sonora que, para aqueles estranhos aos signos característicos do mesmo, suscita
medo, aversão e preconceito. Refiro-me aos signos como distorções em guitarras, roupas pretas,
caveiras, cruzes com bordas coloridas, botas no estilo coturno, cruzes invertidas, gesticular com as
mãos a imagem de um chifre, baphomet
25
como o observado no show da Krisiun, tatuagens,
acessórios em formato circular e entrelaçados por pedras de metal e correntes do mesmo produto,
além de homens trajando longos casacos pretos que mais se assemelham a vestidos femininos.
Quando indaguei os participantes dos shows a respeito desses signos, as respostas que me foram
colocadas sugerem algumas possíveis interpretações para esta questão nos shows de Metal:
“Acho que é quase impossível você ir a um show de Metal e não se empolgar
fazendo os famosos ‘chifrinhos’! Isso faz parte do estilo, pelo fato de estar
enraizado no meio underground. O mesmo acontece com as roupas: camisas pretas,
calças rasgadas, jaquetas jeans cheias de patches, colares, etc. Acho, também, que se
não tivessem essas coisas no meio Metal, seria até um pouco sem graça, não acha?
Agora, não confundir ‘caracterização do estilo’ com ‘moda’! não dá! Porque têm
pessoas que acham que toda aquela indumentária é moda, tipo: Ah, fulaninho
vestido todo de preto, então vou me vestir de preto também, pra entrar na onda!’.
Sem comentários! As roupas pretas dizem respeito à essência obscura que o estilo
‘Metal’ passa, essência essa que se nota nas letras das músicas. Peguemos como
exemplo o Black Sabbath. Naquela época (final dos 60’s e início dos 70’s) a
predominância era das bandas de rock progressivo, com todo o seu psicodelismo,
paz e amor, músicas que duravam o lado inteiro de um disco, etc. Surge então uma
banda que revoluciona os meios musicais, falando sobre ocultismo, misticismo,
guerras, deixando de lado o ‘paz e amor (sem deixar de lado o psicodelismo) e com
um som bem mais ‘pesado’. Pronto, o caldo tinha entornado! Foi o começo do fim!
Depois vieram Venom, Celtic Frost, Possessed, Slayer, Death e por
vai...”(Alfredo Júnior, 28 anos ,estudante de História).
“Se uma banda está fazendo bem o dever de casa em cima do palco, o público tende
a fazer esse sinal de aprovação, de que compartilha com a energia que está sendo
propagada e mostrando que aprova a atitude que está sendo tomada. Reflete bem o
sentimento de compartilha e confraternização comum entre os apreciadores da boa
música” (Naudiney Gonçalves, 26 anos, Historiador).
Eu acho que é uma forma de expressar; pra mim, no meu caso, é uma maneira que
eu tenho de expressar a minha indignidade pra com essa sociedade hipócrita. Nessa
sociedade você tem de ser marionete e andar de acordo com o que eles impõem e
quando você é diferente você é visto como marginal que é dessa forma que as
pessoas que se vestem assim são chamadas. Exatamente pra ser oposto; que as
pessoas pensam que somos marginais vamos nos opor a tudo isso. Faz parte do
Metal. É uma maneira de se você se identificar (com o estilo); não existe metaleiro
que o ande de preto, que não use tachinhas, cruz de metal. Pra mim eu uso que
faz parte da minha ideologia de vida e integra tudo isso. Ser roqueiro, ser metaleiro
não é você ouvir uma musiquinha e ir embora; é você gostar e viver aquilo”
(Fátima Almeida, 43 anos, Massoterapeuta).
25
Ver algumas explicações em: http://www.espada.eti.br/n1601.asp; http://www.iot.org.br/baphomet.html;
http://paginas.terra.com.br/lazer/mundoeuro/baphomet.htm
As narrativas aqui apresentadas revelam imagens que são percebidas e caracterizam o show de
Metal. Essas imagens, exibidas e coreografadas pelos participantes dos shows, sejam eles organizados
como banda ou platéia, têm como base a idéia de que o corpo, é uma espécie de arquivo mítico do
homem, segundo definição de Cleide Campelo (1997), pois, é no corpo e pelo corpo, onde se pode
encontrar todo o material germinativo do espaço-tempo sagrado que orientam as ações dos
indivíduos, no caso, os participantes dos shows de Metal.
As descrições acima me sugerem refletir uma dupla referência que caracteriza as esferas onde
estão alocados esses signos. Trata-se das noções de sagrado-profano que soam tão familiares e
atrativas aos afinados com o Metal e que, por sua vez, foram analisadas pelo sociólogo francês Émile
Durkheim (1996).
A dicotomia sagrado-profano quando pensada num sentido relacional e não numa posição fixa,
pode ser pensada da seguinte forma: sagrado está para respeito e se refere à atitude que os
participantes têm para com os elementos intrínsecos ao Metal (cruzes invertidas, cruzes com bordas
coloridas ou em posição normal, chifre e acessórios) e que estão relacionadas intimamente as idéias
de contestação para com as normatizações impostas pela sociedade, no caso, a Ocidental. Por outro
lado, acredito que a referida dicotomia passa por uma resignificação por parte dos participantes. Em
outras palavras, eu diria que os signos aos quais fomos socializados a associarmos ao “mal” e,
portanto, não sagrado, o Metal absorveu e os resignificou para a esfera sagrada, de acordo com a
cosmologia do que seja sagrado nesse tipo de música.
Tomando-se como exemplo o signo mais característico do Metal, o aceno de chifres, mencionado
por um dos entrevistados, a referência ao mesmo se inicia com Ronnie James Dio (ex-integrante da
banda inglesa Black Sabbath). Segundo ele relata no documentário Metal: A headbanger’s journey,
produzido pelo antropólogo canadense Sun Dunn em parceria com MC Fadyen Scott e ssica Joy
Wise, em 2006, a idéia do chifre, o malocchio, advêm de sua avó italiana que ao sair pelas ruas na
Inglaterra, lançava este sinal como forma de evitar mal olhado. Ele cresceu ao lado dela e foi ensinado
a fazer isto. Fato que, em uma das primeiras apresentações do Black Sabbath, ele sinalizou no palco
os chifres e desde então em todos os shows de Metal, bandas e platéia, passaram a exibi-lo.
Outros signos como o uso do preto nos shows, as cruzes que representam o cristianismo serem
exibidas invertidas e as botas tipo coturnos fazerem parte do vestuário de bandas e participantes,
remetem-se a três questões: a primeira é que o uso do preto no mundo ocidental e cristianizado é
tomado como referência do “mal”, do diabo, enquanto que no Metal o preto soa como algo libertador,
segundo afirma a socióloga Deena Weinstein no referido documentário(2006), pois vai ao encontro do
que foi estabelecido socialmente; a segunda questão é a inversão das cruzes como negação do
cristianismo e de toda uma civilização ocidental socializada sob os valores do pecado, da redenção e
da salvação por intermédio de seu mito fundador, Jesus Cristo, morto numa cruz
26
. A terceira questão,
o uso das botas tipo coturnos, é uma expressão da força que a música do Metal possui e uma crítica ao
militarismo, as formalidades que orientam as condutas dos exércitos de cada país, principalmente
Inglaterra e Estados Unidos; nações onde a música do Rock surgiu em meio a um contexto histórico
de colonizações em direção aos países em desenvolvimento e censura por parte das novas tendências
comportamentais, via contracultura e movimento hippie, que surgiram a partir dos anos 1960.
Com relação aos signos sonoros, as guitarras distorcidas no Metal lembram o barulho das motos
que circulavam pelas cidades americanas, principalmente nos 1960, quando Tommi Omni, inspirado
nos filmes de James Jean que em sua motoca percorria de forma veloz e barulhenta as ruas
americanas, cria os primeiros riffs que viriam a compor as canções do Black Sabbath. Além disso,
Alex Werbster, integrante da banda americana Cannibal Corpse, relata no documentário citado
anteriormente que, é a nota musical SI bemol, a diminuída, executada nas canções de blues dos
anos 1950 que, permitem com que o som do Metal, soe “diabólico”, já que esta nota era o tipo de som
utilizado na invocação das bestas na Idade Média. Estas por sua vez caracterizadas pela igreja como
demônios.
É interessante perceber o contraponto entre a música do Metal e a música Clássica. Refiro-me à
obscuridade encontrada na música de Mozart, na rapidez e no peso das composições de Wagner, além
das influências de Bach e Beethoven que podem perfeitamente serem executadas sob os efeitos de
pedaleiras e distorcedores, conforme se colocam de acordo os etnomusicólogos apresentados no
documentário de Sun Dunn (2006).
Toda essa gramática que orienta as condutas nos shows de Metal consegue sua eficácia em
razão da inversão de noções retiradas do mundo social que, no palco e na platéia, passam a serem
compartilhadas e identificadas no universo do Metal com um novo sentido, apontando para a
constante paixão e exibição daquilo que é proibido socialmente, mas permitido nos shows de Metal
como uma provocação, um desafio e uma construção de que uma nova realidade, ainda que
imaginária, pode ser experimentada no momento dos eventos.
Na fala de personagens do Metal, como, por exemplo, Ozzy Osbourne (ex-vocalista da banda
Black Sabbath, considerada a primeira banda de Metal), esses elementos estão presentes nesse estilo
musical porque o mesmo, segundo ele, é uma contestação de idéias e valores até então cristalizados
26
A corrente do Metal conhecida como White Metal se caracteriza por todos os demais elementos aqui citados, exceto as
letras das músicas focadas em Jesus Cristo e nas mensagens da Bíblia.
pela e na sociedade. Para outros, como o ex-baterista da banda Sepultura, Igor Cavallera, a intenção é
“chocar as pessoas” (Leão, 1997). Penso que esse choque advém do fato de conhecermos todos os
signos citados pelos entrevistados e nas descrições como elementos que podiam estar em uma
esfera da vida, a profana, conforme os princípios cristãos do mundo ocidental; daí vêm o Metal e os
recoloca em outra categoria, possibilitando, assim, uma resignificação de elementos afrontando os
sentimentos e as crenças que a sociedade toma como referência.
A partir de determinados critérios classificatórios tomados do contexto cultural no qual os
indivíduos estão inseridos, estes pensam e repensam os significados que atribuem às coisas. Essas
significações advêm do sistema cultural no qual esses participantes estão inseridos e que fornece
certas categorias que possibilitam a construção e apreensão do mundo. Nos termos de Sahlins (1990),
é por esses caminhos que as resignificações são passíveis de conferirem aos indivíduos alterações
históricas. Assim, havendo alterações de certos sentidos, muda-se também a posição entre categorias
culturais. Desta forma, uma “mudança sistêmica é possível, ainda que, ora entre em choque com os
valores vigentes, ora convirja para a afirmação dos mesmos.
O universo do Metal é um terreno fértil para esse tipo de mudança. Retomo, aqui, a visão de um
outro entrevistado, o guitarrista da banda Obskure, Amaudson Ximenes. Segundo ele, o Metal é como
uma encenação da morte, “morte dos preconceitos e dos padrões homogeneizados pela indústria
cultural”. Pode-se concluir que é por meio dessa “morte simbólica” que as dicotomias sagrado-
profano explicitem as noções de respeito-terror respectivamente. Não se pode esquecer que, em
algumas situações, no trocadilho dessas noções, o terror e a morte tornam-se sagrados e o respeito
torna-se profano. Tudo depende da intenção que se quer passar e do objetivo que se quer alcançar. A
proeminência do sagrado como positivo, bom e belo sobre o profano, percebido como negativo, ruim
e feio não tem suas fronteiras rígidas. A qualquer momento mudam-se os desejos e as línguas,
construindo-se novas trajetórias no estilo Metal.
Todo esse processo é produto da capacidade humana de classificar e abstrair as suas formas de
pensar, sentir e agir (Durkheim & Mauss, 1974). Semelhante às técnicas mágicas que são muito mais
do que manobras materiais externas, a operacionalização de resignificação de noções advindas do
próprio contexto cultural em que se es inserido, é uma forma de linguagem cujo conteúdo se
revela eficaz porque expressam as imagens que os indivíduos fazem de si mesmos e da dualidade que
estabelecem com as esferas sagrado-profano.
Do ponto de vista de um show de Metal, esses momentos não são apenas a expressão daquilo que
eles acreditam ser o Metal, mas a possibilidade de criações e (re) criações de algo explícito que pelo
fato de ter se tornado tão familiar aos indivíduos, exige que sejam ritualizadas e rememoradas a fim
de se tornarem cada vez mais claras entre eles. E é por isso que entre eles as imagens sígnicas
encenadas nos shows significam muita coisa. Alfredo relatou-me que mais do que significar, os signos
no Metal se referem à “toda uma mística envolvendo um estilo (não só musical, mas de vida!) ímpar,
que aborda diversos temas, sendo, por si só, dinâmico, abrangente e, ao mesmo tempo, apaixonante”,
conclui.
As primeiras músicas executadas pela Krisiun levaram a platéia (incluindo a produção do evento) a
aproximar-se do palco, a “bater cabeça” e acenar em direção à banda. Entre uma música e outra,
ouvia-se gritos de exaltação à banda, incluindo aqueles que participavam ativamente do show como
aqueles que ficavam apenas observando a apresentação à distância. Todas as músicas foram cantadas
em inglês e evocavam críticas referentes à religião, dominação política e comportamentos sociais. Na
metade para o final da apresentação da banda Krisiun, em meio aos agradecimentos feitos pela mesma
pela presença do público, uma bandeira brasileira foi jogada no palco e colocada por um dos
integrantes da banda na caixa de som localizada no centro do mesmo.
A euforia em forma de aplausos, gritos e assobios tomou conta do Anfiteatro onde se realizou o
show. Este fato chamou a atenção dos seguranças privados, como também, do corpo de guardas
municipais que faziam a segurança do patrimônio e dos freqüentadores do show. A platéia assistiu ao
acontecimento em clima de euforia sob a vigilância dos guardas. O vocalista e baixista Alex Camargo
aproveitou a ocasião para proferir discursos referentes ao respeito que o Metal brasileiro tem de
receber, seja dentro ou fora do Brasil, além de citar que toda aquele show era “do caralho” e que “o
buraco era mais embaixo” antes de qualquer crítica que alguém viesse a fazer ao Metal brasileiro.
Quanto a este momento do show, a energia proporcionada pelo som e pelo contato entre os
corpos na platéia, permitiram explodir, ainda que nada tenha sido combinado explicitamente, o
sentimento de partilha de interesses entre aqueles que freneticamente interagiam entre si e com a
banda. Por mais que esta ocupe naquele espaço um lugar de destaque, brilho e status, ao longo da
apresentação ela promove (via música, corpo e discursos) certo obscurecimento dessas posições
possibilitando o contato entre os corpos, as subidas para pulos de palco, o acolhimento do vocalista e
os discursos alusivos à constituição daquele espaço para manifestações de identidades e diferenciação
com relação aos que não congregam com aqueles que ali se fazem presentes.
“...o Zely se entrega, vai pro meio da roda de pogo [roda punk],mosh [pulos de
palco], pula, porque música pra mim corre nas veias mesmo. Eu digo que meu
sangue é distorcido, distorcido por causa de som, distorção de guitarra, né? Eu não
consigo ficar parado assim, vendo uma banda que eu gosto tocar, se entrega mesmo,
entra no meio, leva cotovelada, chute nas canelas; fiquei com olho roxo, levei
murro na boca, mas, é a forma da gente se expressar, demonstrar gratidão por estar
ali naquele local, gostar mesmo do negócio” (Josely ou “Zely”, 28 anos,
participante de show e músico).
Compreender esse momento do processo ritual é perceber que
“a vida social é um tipo de processo dialético que abrange a experiência sucessiva
do alto e do baixo, de communitas e estrutura, homogeneidade e diferenciação,
igualdade e desigualdade. A passagem de uma situação mais baixa para outra mais
alta é feita através de um limbo de ausência de ‘status’. Em tal processo, os opostos
por assim dizer constituem uns aos outros e são mutuamente indispensáveis. Ainda
mais, como qualquer sociedade tribal é composta de múltiplas pessoas, grupos e
categorias, cada uma das quais tem seu próprio ciclo de desenvolvimento, num
determinado momento coexistem muitos encargos correspondentes a posições fixas,
havendo muitas passagens entre as posições. Em outras palavras, a experiência de
vida de cada indivíduo o faz estar exposto alternadamente à estrutura e à
communitas, a estados e a transições”(Turner, 1974,p.120).
Vale ressaltar, também, que na passagem dos momentos de liminaridade para os momentos de
communitas, comportamentos como os referentes ao lançamento da bandeira nacional ao palco,
revelam que o show de Metal em seus momentos de efervescência trazem em si a afirmação de
valores nacionais, considerados sagrados e que teoricamente não caberiam em espetáculos como os de
Metal, estereotipados como profanos, por se tratarem de signos formais e normatizados pela
sociedade.
Contudo, não se pode esquecer que os rituais, como esquemas simbólicos que são, retiram dos
interstícios da estrutura social algumas de suas regras de ordenamento e categorias delineadoras na
sua reprodução. Entretanto, regras e categorias podem ser invertidas momentaneamente a favor de
uma nova lógica, diferentemente daquela, ainda que possibilitada por ela.
No caso da bandeira brasileira, esta se caracteriza como signo intrínseco ao terreno das
formalidades e das normatividades, conforme aqui mencionado, mas, partindo deste, em certas
ocasiões, à medida que situações delicadas da vida social são simbolizadas e ritualizadas, as regras de
ordenamento e normatização passam por um deslocamento, seja este o de “deslocar um objeto, das
propriedades do seu domínio de origem e da adequação ou o do seu novo local. Por isso, os
deslocamentos conduzem a uma conscientização de todas as reificações do mundo social, seja no que
elas têm de arbitrário, seja no que têm de necessário” (Da Matta, 1997, p.98-99).
Com Sahlins, pode-se refletir a respeito da dinâmica desses deslocamentos a partir do
entendimento de que as relações simbólicas de ordem cultural, às quais ele denomina estrutura, são
um objeto histórico, por isso, dinâmica em seu funcionamento. A questão maior dessa dinamicidade
consiste na “existência e na interação dual entre a ordem cultural enquanto constituída na sociedade e
enquanto vivenciada pelas pessoas: a estrutura na convenção e na ação, enquanto virtualidade e
enquanto realidade” (Sahlins, 1990, p.9). Diante desse movimento, o que os indivíduos fazem é
submeter constantemente a “riscos empíricos” os significados atribuídos às coisas e às pessoas de
acordo com os contextos históricos vivenciados pelos mesmos.
No caso empírico mencionado por Sahlins, o capitão Cook fora tragado pela própria cultura
havaiana. No primeiro momento ele é significado como o deus Lono e, posteriormente, movido pelos
interesses britânicos de descobertas de “novas terras”. Cook retorna ao território havaiano no
momento em que as categorias empíricas constituídas por aquele grupo social possibilitava a crença
na imolação do deus havaiano (Lono) e, conseqüentemente, permitir a continuidade da existência do
grupo.
O que de fato sucedeu é que no primeiro momento Cook é recebido com pompas e glórias entre o
povo havaiano, enquanto que, no segundo momento, o capitão inglês é morto e sua morte é
comemorada entre o grupo. Esses dois momentos foram orientados segundo as visões de mundo, de
acordo com as cosmologias de sentido que ordenavam a existência dos havaianos. Sahlins denomina
esses deslocamentos de visões de mundo como “reavaliação funcional de categorias” que, segundo os
relatos do autor, foram submetidas pelos havaianos naquela ocasião entre o acontecido e a estrutura
havaiana, denominada por Sahlins de evento.
O evento, por sua vez, só se torna o que é por meio da significação histórica que adquire
permitida por uma conjuntura que revela, na forma e na composição de seu conteúdo que, “os
significados são, em última instância, submetidos a riscos subjetivos, quando as pessoas, à medida
que se tornam socialmente capazes, deixam de ser escravos de seus conceitos para se tornarem
senhores” (p.11). “O sistema social é desse modo constituído da paixão e a estrutura, constituída do
sentimento” (Sahlins, 1990, p.11 -49).
A partir dessa perspectiva, os shows de Metal, principalmente no que concerne aos momentos de
communitas, não apenas se configuram como instantes de compartilhamento de interesses em comum
entre os presentes, mas deve-se levar em consideração que, nesses momentos, é possível ocorrer
deslocamentos ou resignificações de comportamentos que surgem nos eventos, como o exemplo da
bandeira brasileira colocada ao lado de um símbolo considerado “diabólico” – o baphomet.
Os participantes como banda e platéia podem tanto “curtir” o som de forma a entrarem em
êxtase expresso pelo contorcimento dos pescoços, uns batendo-se contra os outros e muita energia
transpirada em suor, ou, como no caso da bandeira jogada ao palco, vê-se na efervescência do ritual a
possibilidade de reverter a lógica que imprime o momento por meio dos movimentos deliberados que
chamam para si a atenção dos participantes.
É o encontro entre o empírico (aquilo que se vivencia no show) e a ocorrência de situações (o
lançamento da bandeira, por exemplo) que permitem fluir, segundo Laban (1978), as idéias expressas
em sentenças que transmitem nos e pelos rituais as mensagens até então emergentes do mundo do
silêncio expressas nas músicas, nas gestualidades e nos momentos de ambigüidade e comunhão nos
shows. Quando os “metaleiros” deslocam objetos socialmente cristalizados como sagrados e/ou
profanos, caminham adornados com seus acessórios e gritam nos palcos, principalmente no palco do
Anfiteatro do Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura de Fortaleza, eles não buscam apenas o
reconhecimento público do que “curtem, eles buscam despertar em cada transeunte que por ali circula
ou que faz a segurança do local uma forma diferenciada de se fazer cidade e que, nem por isso, se
exclui dos interstícios sociais da vida cotidiana.
Passados esses momentos, o som recomeçou e mais duas músicas foram executadas para
finalizar o show. Quando o som parou e os técnicos e roadies se preparavam para desmontar os
equipamentos de som, Alex se jogou nos braços da platéia próxima ao palco que o acolheu para, em
seguida, devolvê-lo ao mesmo. A saída da banda, entretanto, foi tumultuada e com muitas pessoas na
porta do camarim, inclusive querendo invadir, em busca de um autógrafo, uma foto ou um beijo na
boca de um dos integrantes, tal como ocorreu entre uma garota e o baterista Max Kolesne.
Em seguida, os integrantes da Krisiun se dirigiram à praça central, localizada em frente ao
Anfiteatro, a fim de cumprimentarem aqueles que não puderam entrar por falta de ingresso e
agradeceram pela presença, ainda que à distância, na apresentação da banda. Enquanto isso, a
organização do festival temia represálias por parte dos freqüentadores que não haviam conseguido
entrar e ameaçavam “quebrar” o Dragão do Mar se, num próximo evento em que uma grande banda
viesse a se apresentar, as limitações do espaço não acolhessem todos os presentes. Contudo, a saída
dos integrantes da produção do festival se deu apenas horas depois de encerrado o show e o Anfiteatro
fora fechado pelos funcionários.
2.6. Caricaturas do Metal
Os shows de Metal descritos até aqui apresentam estruturas semelhantes variando de acordo
com os espaços onde são realizados, comportamentos mais ou menos expansivos por parte da platéia
e as diferentes maneiras que as bandas conduzem suas apresentações. Mas vale ressaltar que, dos anos
1990 até os dias de hoje, surgiram no Brasil grupos caricaturando os eventos de Metal.
Trata-se de pessoas que falam, gesticulam e se vestem como as bandas e os freqüentadores de
Metal descritos anteriormente. Contudo, os trejeitos imitativos do Metal representam para os
“metaleiros”, conforme comentários por mim ouvidos logo quando foi divulgada a vinda à Fortaleza
de um grupo caricaturado, como uma espécie de zombaria ou um mero “produto da indústria cultural”
que apreende os elementos que caracterizam o estilo de vida que eles optaram em viver, objetivando
os lucros e atraindo admiradores para esse tipo de música que os grupos que a imitam sabem que são
rentáveis; para outro tipo de platéia, essas imitações são motivos de risos, chacotas e prendem a
atenção de um público infantil, jovem e adulto que não necessariamente “curte” Metal.
O que esses grupos caricaturados expressam em relação ao Metal, de forma mais clara ainda que
exagerada, é que, nesse tipo de rock, a montagem para a realização dos shows, tanto por parte das
bandas quanto da platéia, valorizam as imagens dos “metaleiros” como cabeludos, exibidores de
bíceps, homens que se trajam constantemente de preto, cujos nomes, em algumas ocasiões, são
acrescidos dos nomes de referência do Metal mundial e exaltadores de valores profanos que eles
sacralizam à medida em que jogam com essas categorias sociais. Além disso, essa montagem reforça
as noções de que quem curte Metal é “vendido para o sistema”, pôser (aquele que se traja e se
comporta como “metaleiro” apenas para se exibir) e que se constrói para ser “ser notado, visto,
reparado” (Jayme, 1996).
Mas esse caricaturar se fortalece à medida que a indústria cultural percebe a eficácia das
simbologias do Metal sobre as pessoas. Assim, a indústria de massa absorve e coloca em movimento
os elementos inerentes ao universo desse tipo de música, o que para “metaleiros” como Amaudson
Ximenes, por exemplo, significa “falsificação” que os mesmos o retratam “a morte dos
preconceitos, dos padrões homogeneizados produzidos pela indústria cultural” que, segundo ele, o
Metal celebra em suas apresentações. Os caricaturados, diz Amaudson, “tentam cooptar esses
significados e estigmatizam”, prejudicando, assim, as imagens construídas no Metal pelas pessoas e
bandas que se dedicam à audição e à execução desse tipo de música desde os anos 1960 até os dias de
hoje.
Nas linhas abaixo, descrevo a passagem de um desses grupos por Fortaleza. Trata-se da banda
paulista Massacration, considerada atualmente o “fenômeno” da caricatura do Metal, em sua
apresentação na Praça Verde do Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura no dia 05 de Agosto de
2007. O festival para o qual o Massacration foi convidado se chama Ponto.Ce e foi organizado por
um grupo de músicos e produtores musicais ligados ao estilo musical denominado Hardcore,
realizado com o patrocínio de empresas conhecidas, como por exemplo, a Coca Cola, o Buonis
Amicis Restaurante e Pizzaria, Cervejaria Sol e marcas como as do energético Burn e a da Vip
Fashion. Além disso, os ingressos cobrados na entrada eram vendidos a um preço mínimo de R$
15.00, além da estrutura física do show que contemplava dois grandes palcos posicionados ao fundo
da praça, camarins montados atrás dos mesmos, stands para vendas de bebidas, comidas, material
produzido pelas bandas e espaço para dança de música tecno, house e trance que ocorriam
simultaneamente aos shows realizados nos palcos.
O cenário escolhido para a realização do evento foi a Praça Verde, um dos espaços que compõe
o Centro Dragão do Mar e que comporta até 8.000 pessoas. Esta se localiza próximo à entrada deste,
com vistas para as ruas que o cercam. Tem um gramado, plantas e arquibancadas em formato de meia
lua. Nos dias de shows, a Praça Verde é murada por toldos pretos, reforçada por seguranças e
iluminada por um jogo de luzes, tendo ao fundo, dois palcos montados que exigem um potente
equipamento de som. Tudo isso encarece a produção do evento já que o referido espaço é alugado.
Além disso, dispõem de um apresentador, ainda que seja uma voz mecânica, transmitida pelos
telões posicionados nas laterais do espaço, além de contarem com tendas montados dentro do salão de
shows que executam música dance, vendem lanches, bebidas e material produzido pelas bandas.
Durante três dias inúmeras pessoas freqüentaram este espaço montado no centro da Praia de
Iracema, sendo que o dia mais esperado era o dia da apresentação da banda denominada
Massacration (de São Paulo), uma imitação alusiva ao Metal, surgida na MTV paulista no ano de
2002. Segundo entrevista fornecida pela banda no dia da apresentação ao site do jornal Diário do
Nordeste
27
, eles contaram que tudo começou como um quadro humorístico no Programa Hermes e
Renato, da referida emissora, onde eles parodiavam os elementos ligados ao universo do Metal,
ganhando assim, grande aceitação de seu público e a repulsa por parte dos “metaleiros”.
Posteriormente, o Massacration ganhou um programa no mesmo canal onde a banda como VJS,
apresentava clipes de Metal e realizava comentários a respeito das bandas e músicas do Metal.
Em 2005 gravaram o primeiro disco, intitulado “Gates of metal fried chicken of death”, pela
Dek Discos e produzido por João Gordo, sendo o primeiro clip a música “Metal is the law”. A partir
de então, surgiram os convites para as apresentações em várias cidades do Brasil, o que proporcionou
o sucesso de muitas outras canções, como, por exemplo, “Evil Papagali”, “Metal Bucetation” e
“Oração ao Deus Metal”. Dessa forma, os integrantes da banda perceberam que podiam criar mais
27
Ver matéria completa em: http://diariodonordeste.globo.com/materia.asp?codigo=457833
músicas, piadas e imitações que, por sua vez, estarão sendo apresentadas ao público no próximo disco
“Good Blood Headbangers” e contará com a participação do cantor cearense de “música brega”
Falcão.
Por causa da aparição pública repentina e humorística, eles mesmos declararam que “não temos
culpa de ser a maior, melhor e mais conceituada banda de Heavy Metal do mundo! Seria hipocrisia
dizer que não somos os melhores!”, ironizam. O fato é que no festival Ponto.Ce, o Massacration
atraiu a atenção de crianças de colo, jovens que riam de suas piadas e cantavam suas canções, como
também, senhoras e senhores aparentando entre 50 a 65 anos que esperaram até 02h da manhã para
assistirem à apresentação da banda.
O interessante é que 11 bandas (incluindo uma do Rio de Janeiro, uma do Pará e uma da
Austrália) se apresentaram antes da Massacration, considerada a banda principal daquela noite. Eram
bandas dos mais diferentes tipos de Rock que com seus vocais rasgados, melódicos ou gravíssimos
(como os apresentados pela banda Vulcani, de Fortaleza), guitarras distorcidas ou não e rítmicas de
bateria rápidas, ora conseguiam manter muitos frequentadores diante do palco, ora os mesmos
preferiam frequentar o espaço dance ou, então, ficavam conversando com os amigos.
A cada intervalo, quando a voz mecânica anunciava as próximas atrações, a cada citação do nome
Massacration, o público gritava e assobiava. Além disso, todas as bandas que subiam no palco,
pareciam estar com a missão de preparar o público para o show que era o mais esperado da noite.
Expressões do tipo “vamos pular”, “vamos bater cabeça”, “canta com a gente” e “vocês são do
caralho” constantemente eram repetidas pelas bandas, exceto a Vulcani que enfatizou com voz aguda
a expressão: “galera, vocês vão curtir daqui a pouco o Metal com o Massacration”.
De todas as bandas que se apresentaram antes da banda principal, apenas a Vulcani apresentou o
visual cabeludo, jaquetas de couro, calças spandex e vocais agudos, característicos do estilo Heavy
Metal. As demais, apresentaram-se trajando bermudões, alguns com cabelos coloridos, vocais
melódicos e calçando tênis, caraterizando o estilo skatista.
Após todas essas apresentações, um dos palcos foi preparado para o Massacration com luzes
focadas nos microfones, onde os vocais se posicionariam, tela de fundo com o nome da banda,
técnicos e roadies apostos e a expectativa do público para a entrada da banda. Esta se deu mais ou
menos com uma demora de 20 minutos e, até então, o público gritava pela banda e acenava
cornutos em direção ao palco.
Às 02h do dia 05 de Agosto de 2007, o Massacration iniciou seu show com uma música de
fundo de teor tenebroso para, em seguida, um humorista entrar no palco e contar uma piada. Em meio
aos risos, entrou o vocalista da banda conhecido como “Detonator” e iniciou a primeira música com
muita velocidade e participação do público. Entre o intervalo de uma música para a outra, o vocalista
ou um outro humorista entrava no palco e contava uma piada sobre mulheres e música. Em um desses
intervalos, o humorista pergunta: “tem headbanger nessa porra, meu?” E o público responde aos
gritos. E ele complementa: “os cara são foda meu”. Em seguida, a música foi reiniciada e na platéia as
pessoas gritavam, pulavam e aplaudiam a banda.
Quando então me retirei da platéia e fui autorizada a subir no palco, a então cercado por
seguranças, percebi que apenas o baterista e o roadie de guitarra tocavam na banda, os demais apenas
simulavam que estavam tocando. Todos eles trajavam perucas com longos cabelos, calças apertadas e
um deles com jaqueta de couro; o baterista usava uma máscara que não consegui identificar e o
vocalista expunha seu peitoral para a platéia e se adornava com cintos e braceletes de metal.
Do ponto de vista dos comportamentos, a platéia expressava as sensações proporcionadas pela
música por meio do “bater cabeça”, pulos de palco, gritos, acenos de cornutos e mãos levantadas em
direção ao palco, além das vestimentas pretas adornadas pelos adereços alusivos ao universo do
Metal, bermudões no meio da perna, coturnos e tênis; o som era executado em alto volume,
preenchido de distorções, baterias e muitos vocais guturais e rasgados.
Após terminar uma das músicas, o vocalista explicou que o idioma no qual eles cantavam se
chamava “Metal Land” em referência ao país natal dos integrantes da banda. Relatou também que
muitas pessoas diziam por que o Massacration não é Rock; segundo ele, na verdade, eles não são
uma banda de rock, e sim, uma banda de Heavy Metal! O público então aplaudiu e ele continuou sua
fala afirmando o que disse na entrevista ao jornal Diário do Nordeste no que diz respeito aos que
criticavam o Massacration. Disse ele: “isso é desculpa de quem não tem competência. Inveja e falta
de caráter desses desgraçados que foram esquecidos e excomungados pela glória e poder do Deus
Metal. E digo mais: quem ousar profanar o nosso nome vai queimar no fogo da dor eterna e
agoniante...”. E a platéia dirigia cada vez mais aplausos, gritos, assobios e acenos de cornuto em
direção à banda.
Vale ressaltar que o Massacration proferiu todas essas palavras provocando comportamentos
eufóricos na platéia, sempre mantendo a expressão facial de seriedade, glamour e superioridade em
relação ao que fazem, que é executar a músical do Metal, expressando-a com todos os trejeitos
característicos desse estilo. Em nenhum momento eles riram, ao contrário, permitiram que as pessoas
duvidassem de sua performance no palco, muito menos chacoteassem com os nomes fictícios
referentes aos integrantes da banda, que por sua vez, são trocadilhos com sobrenomes de músicos
famosos no estilo - Metal Avenger, Jimmy Hammer, Headmaster e Blondie Hammet. Segundo o
próprio “Detonator”, a banda é a representante do Deus Metal aqui na terra e por isso devem levar as
coisas a sério – Death to all those who play false Metal - concluiu.
Depois de tantos proferimentos, com um tom de voz imperativo, irônico e sempre em alusão ao
Metal como uma divindade, eles terminaram o show após tocar todas as músicas gravadas no
primeiro CD. Agradeceram ao público pela participação, batendo no peito, afirmando que todos
tinham sido “foda” naquela apresentação. Após a descida de palco, inúmeras pessoas se aglomeraram
na entrada que dá acesso ao camarim em busca de um autógrafo ou uma foto com a banda. Enquanto
os demais frequentadores se dirigiram em busca dos amigos ou sozinhos para voltarem a suas
residências, outros esperaram o dia amanhecer para tomarem o transporte coletivo.
As características diferenciadoras entre estes e os demais shows de Metal centram-se no público,
no teor humorístico do evento, nas caricaturas e, principalmente, nos sentidos atribuídos por parte da
banda e da platéia para elementos alusivos a um universo que para os “metaleiros” é, como eu disse
anteriormente, o estilo de vida.
Até que ponto os shows caricaturados se aproximam dos shows covers? Ambos fazem
referências aos ídolos do Metal e aos comportamentos exibidos pelos mesmos. Contudo, enquanto nos
covers é transmitida a idéia pelas bandas e pela platéia que se faz presente de que se está assistindo a
algo conforme o original, aludindo assim, aos diálogos entre o particular (o que acontece no Metal em
Fortaleza) e o universal (o que se passa no Metal mundial), nos shows caricaturados a intenção é
exacerbar esses detalhes, torná-los mais visíveis, de modo que mais e mais pessoas sejam atraídas
pelo teor humorístico, sarcástico e de diversão que as caricaturas proporcionam.
Ao contrário do que aparentemente esses últimos transmitem, ou seja, uma visão antimetal, o
que de fato acontece é que os shows caricaturados se interelacionam com os demais tipos de shows de
Metal e dependem deles para montarem suas performances. É a interdependência entre essas esferas
que permite que os shows de Metal, no momento de suas exibições e reconhecimento público,
guardem suas devidas singularidades objetivando originarem novas platéias, com gostos diferenciados
e diversificados que constituem na audiência dos mesmos.
Fig.4.. Platéia acena em direção ao palco
3. Dinâmicas de significados no underground em Fortaleza
Fig.6. Em destaque, Felipe Ferreira, baixista e um dos vocalistas da banda cearense Clamus
O rock é muito mais do que um tipo de música: ele se tornou uma maneira de ser,
uma ótica da realidade, uma forma de comportamento”.
Paulo Chacon
3.1. A Associação do Rock como promotora das encenações no Dragão do Mar
Ao longo desta dissertação venho mencionando o nome da Associação Cearense do Rock como
uma das promotoras dos shows de Metal em Fortaleza. Não que ela seja a única, mas, certamente, é a
mais reconhecida como instituição não-governamental, como também produtora do maior evento
underground da música do Rock no Nordeste, o FORCAOS, cujo reconhecimento ultrapassou os
limites geográficos do Estado do Ceará, sendo inclusive, mencionado em uma das rádios na
Romênia
28
.
Vale destacar neste ponto, o papel que a ACR desempenha como articuladora de shows e com as
instituições públicas do Estado do Ceará pela divulgação do Rock. Relatei que a ACR surgiu em 1998
por iniciativa de dois irmãos, Amaudson e Jolson Ximenes, que desde pequeninos já ouviam a música
28
Além da ACR existe a ONG Rock Pró-Cultura, localizada no bairro Antônio Bezerra, que, além da música exibe
esportes radicais em seus eventos, e o já citado “grupo do Hardcore”, que organizam o festival Ponto.Ce
do Metal. Daí, a ACR ser considerada o reduto mais barulhento do Rock, no Ceará, ainda que,
atualmente, a maioria das bandas agregadas à instituição não estejam ligadas à música do Metal, e sim
à música do Hardcore, uma das influências do Metal.
Não apenas a dedicação dos dois irmãos à música do Metal, como também a participação em
movimentos políticos no Ceará, como, por exemplo, a campanha contra os covers, as constantes
intervenções contra a Ordem dos sicos do Brasil (OMB), questionando a legitimidade da mesma;
os debates com o Escritório de Arrecadação dos Direitos Autorais (ECAD) e a participação em
passeatas estudantis, permitiram à ACR a fama de roqueiros “intelectualizados”, cuja maioria dos
agregados possui formação superior e sempre estão em busca de reconhecimento e alianças com o
poder público na promoção dos shows por ela organizados.
Tomando o FORCAOS 2007, narrado no capítulo anterior, percebe-se o quanto a Associação do
Rock movimenta-se em busca de parcerias com a Prefeitura Municipal de Fortaleza, a Secretaria de
Cultura do Estado do Ceae o Banco do Nordeste do Brasil (BNB). Trata-se de negociações que se
iniciam no mínimo seis meses antes da realização do festival e que são conduzidas por meio de
reuniões, esperas, exigências e conflitos de interesses entre ambas as partes.
Por um lado, a ACR busca reconhecimento, legitimação e ajuda financeira do poder público,
apontando, assim, para uma necessidade não apenas pessoal como “grupo do Rock”, mas também
financeira, para a realização dos shows nos locais de maior visibilidade pública da cidade, quando as
condições físicas e comerciais desses espaços exigem da Associação a viabilização de recursos que
cubram todas as despesas, além da certificação de que a música do rock, principalmente a do Metal, é
rentável e possui um público significativo em Fortaleza. De outro lado, os espaços que são alvos para
a realização dos shows de Metal, principalmente o Centro Dragão do Mar, em virtude da posição
estratégica, segundo a direção da ACR, exigem de forma sutil que essa certificação da música do
Rock esteja legitimada pelas instituições públicas aqui citadas. O fato é que, diante dessas situações, a
Associação conseguiu incluir o FORCAOS no calendário de festas da cidade, por meio de uma
reunião realizada no Conselho Estadual de Cultura, em 2005, facilitando as negociações com as
instituições apoiadoras e, principalmente, com o Centro Dragão do Mar.
Esta legitimação tão buscada pela ACR, não só facilitou as parcerias, mas trouxe para a cidade,
por meio da mídia impressa e televisionada, a divulgação do FORCAOS antes mesmo dele ser
realizado, no penúltimo final de semana de Julho. Mas, também, suscitou em mim, na qualidade de
pesquisadora e participante como membro do Conselho Fiscal e Coordenadora Pedagógica da
Associação do Rock, a curiosidade pelos significados dessas alianças e articulações na promoção do
FORCAOS, como também, da música do Metal.
Ponho-me de acordo com Rita Amaral (2000) ao afirmar que instituições promotoras de festas
pela cidade, não buscam a diversão pela diversão. Este seria um pretexto sem grande eficácia para
quem deseja o reconhecimento blico e a legitimação de que aquilo ao qual eles atribuem sentido, no
caso a música do Rock, merece atenção das políticas públicas e de investimento por parte das
mesmas. Além disso, quando o FORCAOS “invade” a cidade, ocupando o Anfiteatro do Centro
Dragão do Mar, ele remete à história do Rock como movimento de contestação, mas, também, busca
despertar novas platéias não apenas para a diversão, e sim para as necessidades sociais enfrentadas
pelos participantes dos shows.
O impacto de shows como os do FORCAOS, realizados no centro do bairro Praia de Iracema,
onde se localiza o Dragão do Mar, coreografados com todos os elementos intrínsecos ao universo do
Metal, chamam a atenção para as singularidades da vida social, além de, nos momentos de sua maior
efervescência, possibilitar no imaginário dos participantes e dos que ali observam, a idéia de que o
mundo social é heterogêneo, quando diferentes linguagens convergem para a produção do espetáculo
que tem na música, nos corpos e nos momentos de liminaridade-comunitas, a explosão da festa, na
sua forma mais densa e mais significativa.
Na medida em que isso ocorre, não apenas a ACR, como todos os órgãos públicos que
promovem o “ato de festejar”, levam para dentro dos espaços onde se realizam os shows a figura das
instituições, do poder, do Estado e das hierarquias, sob o risco de terem essas estruturas invertidas
e/ou afirmadas, conforme o desenvolvimento do ritual. Durkheim, Van Gennep, Turner, Sahlins,
Maria Laura Viveiros de Castro, Roberto Da Matta, Tambiah e tantos outros teóricos da Antropologia
dos Rituais afirmaram que, por de trás destes, jaz uma configuração social que por meios de suas
instituições políticas, econômicas e culturais buscam revivificar na memória dos participantes não
apenas o papel que elas desempenham no ordenamento da vida social, mas, acima de tudo, clarificam
o papel que cada participante do ritual tem a desempenhar para que constantemente esses momentos
inerentes ao grupo, no caso os “metaleiros”, vivifiquem suas experiências pessoais no grupo e para a
música do Metal.
Vale ressaltar que no próprio slogan do FORCAOS tem-se a seguinte frase: FORCAOS o
maior festival underground do Nordeste. Pode-se pensar, então, a partir dessas parcerias com
instituições blicas que a ACR estabelece, como fica a questão do underground. Será que essas
alianças que envolvem interesses políticos, comerciais, financeiros e culturais com diferentes esferas
do sistema mundial capitalista possibilitam uma nova configuração ao que é denominada cultura
underground ou, de outra forma, fazem parte deste modo de fazer os shows acontecerem? Esta é uma
questão que será analisada no próximo tópico.
3.2. Metal e underground: “inversão da tradição” e “invenção da tradição”
Na introdução desta dissertação, expus meu objetivo de tomar os shows de Metal sob a
perspectiva dos rituais, pois, a partir desta abordagem as relações identitárias e de conflitos que
permeiam as esferas sociais tornam-se mais evidentes, pela clareza com que se percebem as noções
que orientam as linhas de ação dos indivíduos inseridos nos rituais. Além disso, mencionei que os
shows e os participantes aos quais me referiria ao longo deste texto compunham aquilo que eles
denominam underground.
Para este capítulo, trago esta reflexão que surgiu recorrentemente em todas as conversas que
estabeleci com bandas e platéias de shows ao longo de sete anos de pesquisa. Apreendi de “dentro e
de perto” (Magnani, 2005), as alegrias, os medos, as angústias, os desafios e os questionamentos
vivenciados pelos participantes dos shows de Metal quando se referem à cultura underground; cultura
aqui entendida como um conjunto de práticas e saberes que orientam as condutas dos indivíduos num
determinado contexto cultural e histórico (Sahlins,1990).
Muitas vezes, os shows de Metal, na medida em que buscam parcerias com instituições públicas
e/ou obtêm, ainda que raramente, patrocínio de alguma instituição privada, são percebidos por uma
parcela dos participantes ou noticiados por jornais impressos como eventos não mais underground por
estarem “vendendo-se” ao sistema ou “popularizados” de forma a criar modismos e não “verdadeiros”
adeptos que se liguem ao Metal. O sentimento entre aqueles que produzem esses shows, a exemplo da
ACR, é de indignação e inquietação por não compreenderem o porq dessas críticas ao fato de
negociarem com os governos estadual e municipal; como, por exemplo, ocuparem o Centro Dragão
do Mar de Arte e Cultura, divulgarem (em alguns eventos) os shows em outdoors e participarem de
eventuais programas de televisão centrados em temáticas relacionadas à música.
Esses posicionamentos soam para aqueles que “curtem Metal desde o final os anos 1970 e
início dos anos 1980, como “perda”, “aculturação” e “traição”, conforme expressos nas palavras de
um freqüentador que pediu para o ser identificado na entrevista. Mais do que isso, o underground
parece estar, segundo a visão dessas pessoas, condenado à extinção e, repetem, conforme faziam os
punks nos anos 1970, o discurso de que “os metaleiros” sempre foram “presas” fáceis do sistema
capitalista, via indústria de massas, faltando-lhes aos mesmos a politização de suas músicas e
condutas, de acordo com o que era defendido pelos punks (Caiafa, 1989).
Contudo, para refletir sobre estas questões, proponho tomar como referência dois textos: O
“pessimismo sentimental” e a experiência etnográfica: porque a cultura não é um “objeto” em
extinção (partes I e II) e Cosmologias do Capitalismo: o setor trans-pacífico do “sistema mundial”,
ambos escritos pelo antropólogo americano Marshall Sahlins
29
. Assim, questiono de que forma as
reflexões propostas por Sahlins ajudam a pensar fenômenos como o underground, em relação às
mudanças culturais, especialmente nas formas de se fazer os shows de Metal. E mais, o que faz com
que as vivências dos “metaleiros” não se extinguem perante uma “integração global e uma
diferenciação local?” (Sahlins, 1997). São essas questões que nortearão esta reflexão.
Inspirada na reflexão desenvolvida por Sahlins (1990,1997), proponho pensar os diferentes
significados que configuram os shows de Metal e os “metaleiros” na medida em que contatos, trocas
e/ou alianças são estabelecidas com determinados setores da sociedade inseridos e orientados pelas
regras de ordenamento do sistema mundial capitalista. Minha idéia tem como argumentação central as
dinâmicas que caracterizam o underground, e a não extinção das mesmas, pelo fato de transitarem
entre o “estabelecido” pela indústria cultural, os interesses políticos, culturais e econômicos que
fomentam os shows e o inventado e (re) inventado constantemente por eles como forma de não
entrarem no esquecimento pois isso significaria passar pela vida sem provocar as perguntas e
respostas que ela exige.
29
A reflexão desenvolvida por Sahlins se refere ao conceito de Cultura, enquanto objeto da Antropologia, e na
impossibilidade da mesma desaparecer por meio dos contatos estabelecidos entre povos do Pacífico e os elementos
que configuram o sistema mundial, característico das sociedades ocidentais. O mais importante, segundo Sahlins,
não é tomar a experiência etnográfica como instrumento capaz de evitar o desaparecimento dessas culturas. Não é o
trabalho de campo, o testemunho do antropólogo de algo aparentemente em via de extinção que clareará a questão, e
sim, atentar para uma “reflexão sobre a complexidade desses sofrimentos, sobretudo no caso daquelas sociedades
que souberam extrair, de uma sorte madrasta, suas presentes condições de existência. Para Sahlins”, em lugar de
celebrar (ou lamentar) a morte da ‘cultura’, portanto, a antropologia deveria aproveitar a oportunidade para se
renovar, descobrindo padrões de cultura humana”(Sahlins, 1997, p.58). Além disso, afirma que a grande idéia do
Sistema Mundial é de que os povos colonizados e “periféricos” são objetos passivos, não autores da própria história
e encarados como povos que não agiriam diante das pressões externas, a não ser por meio dos elementos oferecidos
pela dominação capitalista. O que aqui podemos considerar, seguindo o raciocínio de Sahlins, são as diferentes
maneiras pelas quais os povos asiáticos e americanos “organizam os impactos do capitalismo e fizeram o curso da
história mundial. Do ‘ponto de vista do nativo’, uma exploração pelo sistema mundial pode representar um
enriquecimento do sistema local”(Sahlins, 1998, p.54). Assim, constituem-se novas experiências que justapõem
tradição e modernidade mediante os impactos vividos num determinado contexto histórico que, ao se inscrever no
sistema cultural, denomina-se evento”.
Dizer que o underground, por onde transitam os shows e os “metaleiros”, está fadado ao fracasso
por causa das transformações nos modos de produzir, divulgar e consumir os produtos inerentes ao
universo do Metal é encarar o subterrâneo (significado para underground) como uma via de mão
dupla e perigosa. Diante disso, necessário é que se opte à unilateralidade, percebendo-o como um
território, um lugar ou um espaço estático, “desorganizado” e não rentável do ponto de vista
mercadológico. Mas underground não se refere a isso. Underground diz respeito a fluxos, trocas
intensas e dinâmicas, negociadas “a dedo”, que os participantes dos shows de Metal estabelecem entre
eles e os de outras localidades; envolve trocas de CDs, fitas cassetes, vinis, fotos, flyers, fanzines,
endereços eletrônicos, downloads de músicas pela internet, roupas, adereços, gestos, aparição em
programas de TVs, reportagens em jornais impressos, revistas, livros, equipamentos musicais e gente.
Dessa forma, o que é uma “busca de exposição para o externo, um grande anseio de
comunicação” (Abramo, 1994, p.118). Comunicação esta que se estabelece dentro e fora dos shows,
de forma verbal e não-verbal; articulando sempre símbolos do externo (que podem ser os famosos do
Rock) com os do interno (a casa, a região, o grupo); comunicação que possibilita muito mais um
enriquecimento cultural, conforme afirma Sahlins, do que a perda da autoconsciência. Esta última se
referindo à idéia dos homens como donos de seus conceitos.
Abramo (1994) afirma, e eu me coloco de acordo com a mesma, que esses símbolos
normalmente são criados por “um pequeno grupo, solidário e coeso [que] vão suscitando identificação
por parte de outros grupos e indivíduos, em situações ou com problemas semelhantes. Esses novos
grupos e indivíduos vão incorporando e acrescentando novos elementos a essa criação, ampliando
esta identificação para além dos grupos onde primeiro se originaram” (Abramo, 1994, p.89).
A partir daí, pode-se pensar na idéia de “invenção da tradição” e “inversão da tradição” que,
segundo Sahlins, refere-se a novos modos de ser e expressar práticas culturais de um determinado
grupo que, tomando categorias culturais advindas da tradição, confere-lhes novos significados por
meio dos contatos interpessoais e pela conscientização dos costumes que configuram o sistema
mundial, cuja diversidade, apesar das perdas, persiste. Isso significa no presente estudo que, ao invés
dos “metaleiros” fecharem-se em guetos, eles migram no tempo e no espaço movidos pelo espírito
rebelde e mobilizador difundidos pelo Rock desde os anos 1950, passando pelo Metal, até os dias
atuais. É a busca pela sobrevivência de ser “metaleiro” que está em jogo. É preciso cruzar fronteiras.
Integrá-las aos mais diferentes setores do sistema mundial para poderem se manter e se diferenciarem.
Isso envolve, também, as novas tecnologias – humanas e materiais. Os “metaleiros” buscam em
cada uma delas uma fonte de alternatividade quando sentem que as crises identitárias (grupais e
individuais) se aproximam. Mas essas fontes alternativas têm de serem adaptadas ao esquema cultural
que tem na música o eixo de condução. O interessante é perceber que mesmo no sistema capitalista,
nas sociedades que o tiveram como parte de sua história e desenvolvimento econômico, há um campo
de conflitos e lutas simbólicas, independente da situação de contato.
A música é uma das esferas eficazes que permeia a insistente vivência dos “metaleiros” e de
seus shows. O prazer em ouvi-la e expressá-la seja via corpo e/ou nos eventos, advém da dedicação
pela audição da mesma, conforme me relataram todos os entrevistados. A partir do momento em que
se mantém contato com esse tipo de música, passando pelo consumo de CDs, DVDs, vinis, VHS,
camisas e freqüência nos shows, clarifica-se para si e para os “outros” as escolhas, os contrastes e os
sentimentos de respeito cultivados pelos “metaleiros” pelos elementos que configuram o Metal.
Dessa forma, finca-se no grupo a necessidade de o “dar as costas” para as transformações vigentes
e vindouras, e sim, organizarem-se e enfrentarem os desafios colocados pela indústria cultural, no
caso dos shows de Metal e os “metaleiros”, como estratégia de manutenção da vida, do estilo musical
e de suas práticas culturais.
Outra característica marcante dos chamados grupos underground é que sempre se organizam em
formato de banda. Estas não dispõem de gravadora e nem de meios de comunicação de massa que
veiculem suas produções artísticas. O que fazer então para se tornar visível, fazer-se presente no
contexto cultural em que vivem?
O caminho trilhado no underground pelos participantes dos shows que se organizam como
banda é o de que nem se inserem completamente, como músicos, no sistema de trocas capitalistas
formais, nem o negam. Eles inventam um “meio-termo”. Criam um sistema de trocas onde eles
mesmos estabelecem as formas de produção, distribuição e circulação de mercadorias, sempre tendo
como fios condutores os laços de amizade, os amigos dos amigos, a internet, outros grupos de
“metaleiros” de outras localidades ou de onde residem e os possíveis amigos com maior inserção na
mídia. É uma troca que está para além do que é trocado; envolve posições, honras e prestígio (Mauss,
1974).
Em apresentações de dimensões maiores, o FORCAOS e o Ponto.Ce, por exemplo, quando se
busca o apoio financeiro e institucional de algum órgão público e/ou privado ligado à produção de
bens simbólicos voltados ou não para o público especificamente jovem, no caso a Prefeitura de
Fortaleza via Fundação de Cultura, Esporte e Turismo (FUNCET), Secretaria de Cultura do Estado
(SECULT) e Banco do Nordeste do Brasil (BNB) e, eventualmente, alguma loja situada na Galeria do
Rock ou shopping da cidade, essas negociações configuram a cultura underground não como “ilhotas
perdidas em um mar distante” (Sahlins, 1997, p.107), e sim, construtos de práticas cujos eventos
“se desenrolam justamente no cruzamento dos campos do lazer, do consumo, da
mídia, da criação cultural e lidam com uma série de questões relativas às
necessidades juvenis desse momento. Entre elas, a necessidade de construir uma
identidade em meio à intensa complexidade e fragmentação do meio urbano, e que
se reflete no peso sinalizador e na velocidade das modas; a necessidade de
equacionar os desejos estimulados pelos crescentes apelos de consumo e as
possibilidades de realizá-los; a necessidade de situar-se frente à enxurrada de
informações veiculadas pelos meios de comunicação; a necessidade de encontrar
espaços de vivência e diversão num meio urbano modernizado mas ainda pobre e
segregacionista, adverso aos jovens com baixo poder aquisitivo; e a necessidade de
elaborar a experiência da crise, com as dificuldades de articular perspectivas de
futuro para si próprios e para a sociedade” (Abramo, 1994, p.82 –83).
Aqui, vejo cabível retomar a questão colocada por Sahlins no que concerne à continuidade e
sistematicidade das práticas vivenciadas pelos grupos humanos. O autor sugere que a
configuração cultural depende muito mais do repertório do qual lançam mão os indivíduos
ameaçados do que das oportunidades colocadas pelos ameaçadores.
Nos shows de Metal, os participantes, seja como banda ou como platéia, lançam mão de seus
arranjos culturais, com suas afirmações e negações ao que não se adequa ao esquema cultural no
qual estão inseridos, possibilitando que suas experiências atreladas ao estilo musical não se
extingam. Possivelmente as ameaças de serem engolidos pela indústria cultural e suas estratégias
de aniquilamento, imitação ou armação, os faz bradar em suas músicas ou participar de
manifestações políticas o quanto estão dispostos a lutar contra as constantes investidas de
estrangulamento de seus modos de existência.
Mas, sabe-se que, conforme nos diz Sahlins: “O sistema mundial não é uma física de relações
equilibradas entre ‘impacto econômico’ e ‘reações’ culturais. Os efeitos específicos das forças
materiais globais dependem dos diversos modos como são mediados em esquemas culturais
locais” (Sahlins, 1997, p.53). Tudo depende dos sentidos que os indivíduos atribuem ou não a
determinados elementos externos que os ameaçam. Assim, em último caso, inverte-se a tradição.
Não com a intenção de apagá-la da memória do grupo no qual estão inseridos e de si mesmo, e sim
com a intenção de contrapô-la para afirmá-la posteriormente em um novo evento. E é assim que as
formas culturais deram-se e dão-se à existência.
No que se refere à transculturalidade como riqueza e dinamismo operacionada no universo
underground, mediante os contatos que estabelecem, sugerem sempre o estrangeirismo tão
característico do Rock que, segundo Caiafa (1989), configura-o como quase sem origem e que
funciona mesmo mais como uma canção dos jovens, música do planeta Terra, um instrumento de
intervenção na forma da música, das letras e da atitude (Caiafa, 1989, p.11). Além disso, a música
do Rock e seus respectivos eventos operam, segundo Gustavo Lins Ribeiro (1997), “na unificação
de diferentes segmentos sócio-políticos, na criação da comunnitas”, representando “terreno fértil
para o desenvolvimento de sentimentos e companheirismo transnacionais” (Ribeiro, 1997, p.22-
23).
Dessa forma, conferem às características adquiridas via estrangeirismos uma codificação que
variará de importância de acordo com o momento, a necessidade e o tempo-espaço em que estão
inseridos. Podem ser letras em inglês, francês ou português, novas expressões verbais, roupas ou
gestos. O importante é que acrescentam a eles novos caracteres de afirmação, diferenciação e
concretização de novos horizontes de possibilidades.
E isso não significa ruptura entre o “velho” e o “novo”. Quando falo em transculturalidade,
penso em um movimento centrado numa espécie de “terra natal” (a música do Metal e os produtos
por ela originados) e que se une a outros elementos por uma contínua “circulação de pessoas,
idéias, objetos e dinheiro” (Sahlins, 1997, p.110) que ultrapassam fronteiras geográficas,
lingüísticas e culturais.
Não se pode negar que em meio à transculturalidade, da mesma forma que abre-se um campo
positivo de possibilidades como afirmações de ações grupais e individuais, ela também pode
ocasionar disputas, suspeitas e desconfianças entre os grupos. Em um dos pontos do capítulo 1,
quando rapidamente mencionei a noção de underground, afirmei que a realização de alguns shows,
como, por exemplo, os autorais versus os covers ou os autorais versus os caricatos, transformam-
se em jogos de poder, disputas por espaços e maior visibilidade pública. Dessa forma, brigas,
acordos de shows não cumpridos, pactos violados tendo em vista o benefício próprio, transformam
o que seria um enriquecimento cultural, motivo de união tendo em vista cada vez mais a afirmação
do estilo de vida e musical a qual aderiram, em desavenças, intrigas e enfrentamentos entre si,
semelhante ao exemplo citado por Sahlins ao se referir ao caso “Ilhas Sanduich” cujos chefes
havaianos não souberam aproveitar os contatos com brancos americanos e terminaram
envolvendo-se em uma “guerra” de egos que ocasionou a perda do controle das tribos pelos
mesmos.
A questão aqui, mais uma vez, é saber que os dispositivos apresentados pelo sistema
mundial, que antes de tudo é um sistema cultural (porque primeiramente é codificado pelos
indivíduos como coletividade), podem ser selecionados conforme as condições solicitam sem
perder de vista que a existência do “outro” é antes de mais nada a existência de si, do grupo no
qual se está inserido e das diferentes formas que se utiliza para se manter.
Tomar, portanto, novos saberes e adaptá-los ao esquema cultural é percebê-los não como
ameaça, e sim, como enriquecimento cultural. Penso que estas reflexões ainda podem render
inúmeros debates, pois demarcação de diferenças, continuidade, sistematicidade e
transculturalização das condições de existência, e o underground é uma dessas condições para o
universo do Metal, não é um privilégio apenas das situações aqui mencionadas. Todas essas
questões dizem respeito a todos nós, pois se referem às dinâmicas, fluxos e mudanças que as
práticas culturais, a exemplo das experimentadas pelos “metaleiros”, possibilitam.
Considerações finais
Partindo da frase de Da Matta (1997) de que “viver é passar, passar é ritualizar”, não posso
deixar de enfatizar que as vivências por mim experimentadas no campo e ao longo da escrita do
texto, significam uma passagem, um avanço na materialização de idéias: num primeiro momento,
as narrativas alusivas aos shows de rock e as possíveis interpretações relacionadas ao universo do
Metal e, em um segundo momento, o requisito necessário para a obtenção do título de mestra no
Programa de Pós Graduação em Sociologia, UFC.
As trilhas por mim traçadas na construção dos shows de Metal, sob a perspectiva dos rituais
se iniciaram com as descrições de minhas primeiras experiências no universo do Rock para, em
seguida, problematizar as questões aqui postuladas, focando as dimensões da cidade e da
juventude a partir de um universo ritualizado, mediado pelos lugares, espaços, tempo, música,
corpos e momentos de liminaridade e communitas contornados pela sobreposição das esferas
sagrado e profano que configuram os shows de Metal pela cidade de Fortaleza.
Entre as questões por mim discutidas, pode-se perceber que o Metal não é um tipo de música
ligado especificamente ao público jovem, ainda que ele tenha surgido dos interstícios sociais das
cidades operárias da Inglaterra e dos Estados Unidos, trazendo consigo a rebeldia, os ideais
libertários e a contestação social por meio das barulhentas motocas que inspiraram o apenas as
distorções em guitarras. Também o visual dos motoqueiros influenciou na composição das
indumentárias exibidas nos shows, ao longo de seus trajetos pelo mundo. O Metal adaptou-se ao
contexto cultural de cada lugar e desperta nos jovens e nos adultos o prazer pela audição desse
tipo de música, permitindo a incorporação para as situações cotidianas da vida de cada um o
conteúdo das letras, os gestos e a presença nos shows.
Além disso, para que os shows provoquem o impacto compatível à altura, peso e densidade
do volume da música do Metal, necessário é que esses eventos sejam realizados em locais de
maior visibilidade pública, onde transitam diferentes pessoas e haja o maior número de
equipamentos de lazer a fim de que novos públicos sejam conquistados. Mais do que isso, na
medida em que os shows são realizados nesses locais, têm-se na ocupação dos pontos estratégicos
da cidade as maneiras como os participantes dos shows, organizados como banda ou platéia,
concretizam a idéia de que a cidade se constrói a partir da ocupação de determinados espaços, por
grupos específicos e que projetam nesses territórios as vivências pessoais (da casa, da rua, do
bairro) e as vivências na música do Metal por meio dos laços de sociabilidade que mantêm entre
si, das rivalidades com aqueles que divergem de suas maneiras de se fazer presente na história;
das seqüencialidades, elevações e inversões de valores socialmente cristalizados que nos
momentos de efervescência dos shows possibilitam que os participantes criem e recriem espaços
urbanos.
Esta forma como se organizam os participantes dos shows e a intenção de se permitirem
vivenciar todas essas experiências significa, a partir da pesquisa de campo, novos arranjos que
desloque objetos ligados ao bem e ao mal, ao belo e ao feio, à natureza e à cultura.
A noção de cosmologias sugere exatamente essa possibilidade de sobreposições de
diferentes esferas da vida social num evento específico, os shows de Metal. Incluem-se, aqui, os
cenários, atores, encenações e as noções lugar-espaço-tempo, música-corpos e sagrado-profano
que configuram de forma sublimada, ainda que visível, os momentos de ápice, de reposição e
liberação de energias que caracterizam os shows, sejam eles covers, autorais ou caricaturados.
E é importante ressaltar a forma como tudo isso é planejado, organizado e executado.
Dispostos dentro de uma cultura underground que está em constante movimento com a cultura de
massas, os shows, para serem realizados, não excluem a possibilidade de recorrer às grandes
instituições públicas e/ou privadas, patrocinadores e apoiadores como caminhos de legitimação,
investimento financeiro e interesses políticos que envolvem as partes. Ainda que todo esse
processo corra o risco de críticas, desavenças e o surgimento de novas maneiras de se fazer
eventos de Metal, faz-se necessário compreender que nas mudanças de uma determinada maneira
de fazer acontecer um show ou nas influências de novos valores ao que consiste “ser metaleiro”,
haja um enriquecimento cultural e não uma perda de valores, sentimentos e atitudes que orientam
essas condutas.
A argumentação central é que, na medida em que se lida com o sistema mundial, o sistema
capitalista, e o Metal é produto desse sistema, não se pense em extinção em relação ao modo de
fazer underground, ou seja, aquele que não está e nem conta com o apoio incondicional da cultura
de massas, mas, também, o exclui a possibilidade de recorrer a ela. É interessante que na
construção desse modo de fazer, aperfeiçoem-se as relações entre amigos, busquem-se novos
contatos e surjam novos espaços e novos laços de sociabilidade que venham a contribuir para o
fortalecimento do Metal como música e como modo de ser.
Finalizo esta dissertação, sentindo-me fortalecida e revivificada pela coercitividade,
animação do espírito e inteligibilidade da alma que os shows de Metal me proporcionam. E
recorro neste momento, quando na lembrança dos primeiros passos e das primeiras dificuldades
surgidas na construção deste trabalho, ao pensamento do antropólogo americano Clifford Geertz,
falecido em 2006, que resume de forma densa e significativa o que o trabalho etnográfico
representa para o pesquisador. Diz ele: “eu gostava imensamente do trabalho de campo (certo, não
o tempo todo) e essa experiência contribuiu mais para me alimentar a alma, e até para criá-la, do
que a academia jamais conseguiu” (Geertz, 2001, p.26).
Espero que este trabalho desperte o interesse pelo estudo no campo da Antropologia dos
Rituais. Penso que novos caminhos devem ser trilhados para que se construam novos olhares
sobre as questões relacionadas aos mais diferenciados rituais, levando-se em consideração as
sutilezas e as aspirações daquilo que os mesmos têm a nos dizer. Afinal, afirmara James
Hillman (1993) que “sentir e imaginar o mundo não se separam na reação estética do coração (...)
Mas o coração percebe tanto sentindo como imaginando: para sentir penetrantemente devemos
imaginar e, para imaginar com precisão, devemos sentir”.
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Vídeos
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Films Seville Pictures,2005.96min.,color.,legendado.(Tradução de: Postmaster - DVD)
Caminhos virtuais do Rock
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►http://sextarock2007.blogspot.com/ ( Blog do projeto Sexta Rock/ACR )
►http://www.orkut.com/Community.aspx?cmm=149324 ( Comunidade FORCAOS )
►http://www.orkut.com/Community.aspx?cmm=2564309 ( Comunidade ABCDIGITAL )
►C:\Documents and Settings\Abda\Meus documentos\Minhas imagens\FotosACR
►http://www.clamus.org ( banda Clamus)
►http://www.myspace.com/clamusce (site de dowloads contendo músicas da banda Clamus )
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►www.obskure.zip.net (banda Obskure)
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►www.roadiecrew.com.br (revista paulista especializada em reportagens sobre Metal de publicação
mensal )
►www.opovo.com.br/vidaarte ( periódico cearense de publicação diária )
►www.diariodonordeste/cultura ( periódico cearense de publicação diária )
►www.heyhorockbar.com.br ( site de uma das principais casas de shows de Metal em Fortaleza )
►http://www.orkut.com/Community.aspx?cmm=932494 ( Comunidade “Hey Ho Rock Bar”,
localizado na Rua José Avelino, 604, Praia de Iracema, Fortaleza, Ce )
►http://www.orkut.com/Community.aspx?cmm=7752664 ( Comunidade “Galeria do Rock” de
Fortaleza, localizada na Rua Senador Pompeu,834, Centro, Fortaleza – Ce )
►http://www.orkut.com/Community.aspx?cmm=74565 ( Comunidade “Metal Ceará” )
►http://www.orkut.com/Community.aspx?cmm=426700 ( Comunidade do Programa Rock
Collection exibido pela TV União, domingo às 21h e reprise às segundas-feiras às 23h, apresentado
por Rodrigo Vargas, canal 17, Fortaleza – Ce )
►http://www.orkut.com/Community.aspx?cmm=16823722 ( Comunidade do festival de rock Ponto
Ce, realizado em Fortaleza no mês de Agosto e organizado pelo selo musical Empire Records cujas
bandas agregadas executam um tipo de rock denominado Hardcore ). O responsável pelo referido selo
é Maurílio Fernandes,vocalista da banda de hardcore Switch Stance.
►www.heyhorockbar.com.br/pontoce/ ( Site do Festival Ponto Ce )
Rock Pró-Cultura Segmento de Rock em Fortaleza que agrega as bandas localizadas no bairro
Antônio Bezerra (zona oeste de Fortaleza ) tendo como sede o Centro Social de Cidadania César Cals,
localizado na Av. Coronel Matos Dourado, s/n – Pici. O segmento é coordenado por Márcio Andrade.
*Todas as fotografias são do arquivo pessoal de Abda Medeiros.
VITÓRIA
Carlos “Vândalo” Lopes (Banda Dorsal Atlântica, RJ)
Eu fazia força para entender
Porque as coisas tinham que ser assim
E não de outra maneira
Vivendo coincidências
Acontecendo, tudo serviu de lição.
Quase desisto, mas quando olho para trás
E vejo o que construí
Um sentimento inabalável como história
Certo da vitória.
Me senti como uma arma descarregada
Para enfrentar os animais
Não preciso de balas
Os cães latem porque estão mortos.
Nascemos com a missão de fazer um sonho viver
Mesmo com pessoas e pedras fechando o nosso caminho
Fazem necessário que não tenhamos nenhuma paz
Porque a alma descansada não brilha jamais.
Inabalável
Certo da vitória.