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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
CENTRO DE CIÊNCIAS EXATAS E DA TERRA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS E
MATEMÁTICA
LUZIÂNIA ÂNGELLI LINS DE MEDEIROS
COSMOEDUCAÇÃO:
UMA ABORDAGEM TRANSDISCIPLINAR NO ENSINO DE ASTRONOMIA
NATAL
2006
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LUZIÂNIA ÂNGELLI LINS DE MEDEIROS
COSMOEDUCAÇÃO:
UMA ABORDAGEM TRANSDISCIPLINAR NO ENSINO DE ASTRONOMIA
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação de Ensino de Ciências Naturais e
Matemática da Universidade Federal do Rio
Grande do Norte, como requisito para
obtenção do título de mestre em Ensino de
Astronomia.
Orientador: Prof. Dr. Luiz Carlos Jafelice
NATAL
2006
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Catalogação da Publicação na Fonte. UFRN / SISBI / Biblioteca Setorial
Especializada do Centro de Ciências Exatas e da Terra – CCET.
Medeiros, Luziânia Ângelli Lins de.
Cosmoeducação : uma abordagem transdisciplinar no ensino de astronomia /
Luziânia Ângelli Lins de Medeiros. – Natal, 2006.
118 f. : il.
Orientador : Luiz Carlos Jafelice.
Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Centro
de Ciências Exatas e da Terra. Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências
Naturais e Matemática.
1. Astronomia – Educação – Dissertação. 2. Cosmologia – Dissertação. 3.
Psicologia transpessoal – Dissertação. I. Jafelice, Luiz Carlos. II. Título.
RN/UF/BSE
-
CCET
CDU 52:37
LUZIÂNIA ÂNGELLI LINS DE MEDEIROS
COSMOEDUCAÇÃO:
UMA ABORDAGEM TRANSDISCIPLINAR NO ENSINO DE ASTRONOMIA
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação de Ensino de Ciências Naturais e
Matemática da Universidade Federal do Rio
Grande do Norte, como requisito para
obtenção do título de mestre em Ensino de
Astronomia.
Aprovada em ____/____/_____
BANCA EXAMINADORA
________________________________________________________
Prof. Dr. Luiz Carlos Jafelice - Orientador
Universidade Federal do Rio Grande do Norte
________________________________________________________
Prof. Dr. Amâncio César Santos Friaça
Universidade de São Paulo
________________________________________________________
Profª.Drª. Maria da Conceição de Almeida
Universidade Federal do Rio Grande do Norte
Dedico esta dissertação,
Aos meus pais e educadores Francisca e Melquíades que com
determinação, trabalho e amor cultivaram em nosso lar a árvore
do conhecimento.
À querida filha Manuela pela doçura de sua companhia e apoio
fraterno.
AGRADECIMENTOS
Agradeço...
Ao amigo e orientador Luiz Carlos Jafelice pela ousadia e despojamento de transpor os muros
conceituais dos centros acadêmicos das ciências humanas e exatas, visando essencialmente o
desenvolvimento integral do ser humano;
Ao Programa de Pós–Graduação em Ensino de Ciências Naturais e Matemáticas por acolher
propostas dessa natureza que contribuem para o enriquecimento e integração do saber;
Aos estudantes de Astronomia, graduandos em geografia das turmas de 2003 e 2004, esta
primeira graduada este ano, por disponibilizar seu tempo e espaço para vivenciar as primeiras
experiências de nossa proposta cosmoeducativa, nos estimulando a seguir adelante;
Aos educadores da Escola Estadual Alceu Amoroso Lima pela participação, ânimo e postura
aberta no curso de extensão: Laboratório em Cosmoeducação, colaborando para a validação
da nossa proposta;
A todos os colegas do programa, em especial aos amigos da Base de Pesquisa em Ensino de
Física e de Astronomia, pelas discussões abertas e provocadoras que alimentavam as reflexões
do nosso papel enquanto educadores;
Aos amigos Emanuel Duarte, Milton Schivani, Walter Romero e Manuela Lamartine pelo
apoio técnico e visual necessário em vários momentos desta jornada;
À Cirlene Melo pelas orientações técnicas necessárias;
À amiga Luciene pelo apoio contínuo e cumplicidade;
À minha família que sempre me acolheu com carinho e respeito;
Finalmente agradeço ao cosmo que nos inspira a ir além...
RESUMO
Este trabalho propõe uma abordagem transdisciplinar que integra exercícios da psicologia
transpessoal e ensino de astronomia, visando possibilitar ao sujeito reincluir o céu na sua
vivência diária, expandir sua consciência ambiental e eventualmente vivenciar a unidade ser
humano-cosmo. Esta proposta pretende colaborar para suprir a carência em educação de
iniciativas que promovam uma integração do conhecimento científico e da experiência
humana que transcenda os objetivos materialistas e fragmentadores do sistema educacional
atual. Fruto dessa carência, também a formação dos professores é precária no que se refere a
uma abordagem integralizadora e transdisciplinar. Além disto, faz-se necessário propor
alternativas para que os educadores possam lidar de modo mais assertivo com a crise
ambiental e antropológica que vivenciamos, o que também abordamos nesta pesquisa. Nossa
hipótese de trabalho é que conteúdos de astronomia, quando trabalhados segundo um enfoque
holístico-antropológico e relacionados com práticas da psicologia transpessoal, podem vir a
ser um eficiente veículo cultural-acadêmico, capaz de propiciar uma expansão de consciência
e mudanças na concepção de mundo dos sujeitos em questão. Tais mudanças se fazem
necessárias para que a existência de uma vida mais solidária, justa e ecologicamente
equilibrada comece a prevalecer no planeta. O método utilizado em parte da coleta de dados
foi o etnográfico, uma vez que uma interpretação de caráter antropológico está
inextricavelmente associada a este tipo de intervenção educacional, a qual vai envolver de
modo natural tanto etno-visões do universo, como elementos culturais específicos. O universo
desta pesquisa foi inicialmente um grupo de estudantes da disciplina de Astronomia (Curso de
Licenciatura em Geografia/UFRN), onde realizamos observação participante, entrevistas
semi-abertas e as primeiras práticas vivenciais mencionadas. Após o tratamento dos primeiros
dados coletados com esse grupo inicial, elaboramos um curso de extensão universitária,
Laboratório em Cosmoeducação, e o oferecemos a professores do 1º e 2º ciclos do nível
fundamental da Escola Estadual Alceu Amoroso Lima, localizada na zona Norte de Natal.
Valorizamos nesse curso a auto-experimentação, para que os professores enriquecessem o seu
repertório de vivências pessoais, estimulando reflexões meditativas e eventuais mudanças na
concepção de mundo e na prática pedagógica dos mesmos. A atitude transdisciplinar permeou
toda a nossa ação educacional, visto que esta abordagem transcende as fronteiras
disciplinares, visando essencialmente o desenvolvimento integral do ser humano. O processo
nos tem revelado o quanto a prática de “olhar o céu”, no sentido de reincluí-lo na vida diária,
provoca um processo de expansão da consciência e de reintegração do eu em um patamar de
inter-relação ambiental mais amplo. De acordo com os resultados alcançados, ficou evidente a
ocorrência de mudanças conceituais e existenciais em relação à visão de mundo dos
professores participantes, reforçando a idéia de que a interface entre o ensino de astronomia e
as práticas de psicologia transpessoal pode contribuir para a recuperação de uma relação
holística entre o ser humano e o cosmo e inspirar o surgimento de uma ética mais abrangente,
fundamentada em princípios universalistas, equânimes e sustentáveis.
Palavras-chave: Ensino de astronomia. Psicologia transpessoal. Consciência cósmica.
Transdisciplinaridade. Cosmoeducação. Consciência ambiental ampliada.
ABSTRACT
This work proposes a transdisciplinary approach that integrates transpersonal psychology
exercises with astronomy teaching, seeking to allow one to reintegrate the sky in his/her daily
life, expand his/her environmental awareness and eventually experiment the unity between
human and cosmos. This proposal intends to collaborate with the supplying of education,
which lacks initiatives of this kind, with the promotion of an integration of the scientific
knowledge with the human experience that transcends the materialistic and fragmentary
objectives of the current educational system. As a result of that lack, the teachers’ formation is
also poor as for an integral and transdisciplinary approach. Besides, we also approached in
this research the necessity to propose alternatives so that the educators may work in a more
assertive way with the environmental and anthropological crisis in which we are living. Our
working hypothesis is that the contents of astronomy, when they are dealt in a holistic-
anthropological focus and are related with transpersonal psychology practices, can come to be
an efficient cultural-academic vehicle, capable of propitiating an expansion of consciousness
and changes in the way one conceives the world. Such changes are necessary so that a more
solidary, fair and ecologically balanced life may come to exist and prevail in the planet. Part
of the collection of data was done through the ethnographic method, once an anthropological
interpretation is inextricably associated with this kind of educational intervention, which will
naturally include ethno-visions of the universe as well as specific cultural elements. In the
beginning the scope of this research was a group of students attending the Astronomy
assignment in an undergraduate Geography course (UFRN), in which we accomplished
participant observation, half-open interviews and the first experimental practices mentioned.
After the evaluation of the first data collected from that initial group, we elaborated an
academic extension course, Laboratory in Cosmoeducation, and we offered it to teachers of
the 1st and 2nd cycles of the fundamental level of the Alceu Amoroso Lima State School,
located in the North Zone of Natal. We prized self-experimentation in that course, so that the
teachers could enrich their repertoire of personal experiences, stimulating meditative
reflections and eventual changes in the ways of conceiving the world and in their pedagogical
practice. The transdisciplinary attitude permeated all our educational action, because this
approach transcends the boundaries of disciplines, seeking essentially the integral
development of the human being. The process has made us realize that the practice of
“looking at the sky”, as a way of reintegrating it into daily life, provokes a process of
expansion of the consciousness and of reintegration of the self in a wider level of
environmental interrelation. According to the results, the occurrence of conceptual and
existential changes of the world vision of the participant teachers was evident, reassuring
ourselves of the idea that the interface between astronomy teaching and the practices of
transpersonal psychology can contribute to the recovery of a holistic relationship between the
human being and the cosmos and to inspire the arising of a more wide-ranging ethics, based
on universal, impartial and sustainable values.
Keywords: Astronomy teaching. Transpersonal Psychology. Cosmic conciousness.
Transdisciplinarity. Cosmoeducation. Expanded environmental awareness.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Quadro 1 Visões educacionais
22
Esquema 1 Cartografia da consciência
29
Quadro 2 Reflexões adicionais: exemplos específicos para educação em
astronomia
37
Figura 1 Momento coletivo durante a vivência do eclipse lunar interiorizado
49
Figura 2 Compartilhando experiências da vivência som e respiração
51
Figura 3 Exemplo de mandala feito durante a prática
56
Figura 4 Instrumento tibetano citado na(s) prática(s)
60
Figura 5 Dinâmica de observação
68
Figura 6 Observação do sol pelas crianças
70
Figura 7 Exemplo de modelo mandálico para as origens
72
Figura 8 Exemplo de modelo de forças opostas para as origens
72
Figura 9 Exemplo de modelo de intervenção divina para as origens
72
Figura 10 Montagem do calendário lunar
76
Figura 11 Guarda-chuva=abóbada celeste
78
Figura 12 Observação do céu com telescópio em Santana do Matos/RN
81
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO
11
2 SEPARAÇÃO ENTRE O SER HUMANO E O COSMO:
UM OLHAR SOBRE O PROBLEMA
16
2.1 CRISE CONCEITUAL E FRAGMENTAÇÃO
17
2.2 PARADIGMAS E MODELOS DE REALIDADE
18
2.2.1
Percepção e realidade: o sujeito e sua concepção de mundo
20
2.3 VISÕES EM EDUCAÇÃO
22
3 CULTIVANDO A UNIDADE SER HUMANO-COSMO:
UMA PROPOSTA DE SUPERAÇÃO
25
3.1 BREVE HISTÓRICO DA PSICOLOGIA NO OCIDENTE
25
3.2 DEFINIÇÃO DE PSICOLOGIA TRANSPESSOAL
27
3.3
ESTADOS DE CONSCIÊNCIA 28
3.3.1
Consciência Cósmica
30
3.3.1.1 Cosmoeducação
32
3.4 PRIMEIRAS ASSOCIAÇÕES ENTRE PSICOLOGIA TRANSPESSOAL E
ASTRONOMIA
32
3.5 O POTENCIAL AUTOTRANSFORMADOR DA ASTRONOMIA
34
3.5.1
Abordagem antropológica no ensino de astronomia
35
3.6 HIPÓTESE DE TRABALHO
37
3.7 TRANSDISCIPLINARIDADE: A BUSCA DA UNIDADE NA
DIVERSIDADE EM EDUCAÇÃO
38
4 INTEGRANDO O ASPECTO TRANSCENDENTE À FORMAÇÃO DE
PROFESSORES: A PROPOSTA NA PRÁTICA
42
4.1 FERRAMENTAS DE INVESTIGAÇÃO 43
4.1.1
Questionário
43
4.1.2
Observação participante
44
4.1.3
Entrevista Semi-Estruturada
45
4.2 PRIMEIRAS EXPERIMENTAÇÕES
45
4.2.1
Expressão corporal e sonora do eclipse lunar interiorizado
46
4.2.2
Som e respiração
50
4.2.3
Representação mandálica da origem do universo
52
4.3 CURSO DE EXTENSÃO: “LABORATÓRIO EM COSMOEDUCAÇÃO”.
57
4.3.1
Identificando a cosmologia prévia do sujeito
58
4.3.2
Motivação mais profunda
59
4.3.3
Exercício de imaginação
60
4.3.4
Autobiografia
61
4.3.5
Exercício de percepção seletiva
63
4.3.6
Exercício de percepção visual em 180º
64
4.3.7
No topo do planeta terra
65
4.3.8
Filme zoom cósmico
66
4.3.9
Dinâmica de observação
68
4.3.10
Observando o sol
69
4.3.11
Representação pictórica: das origens e do céu
71
4.3.12
Texto coletivo
73
4.3.13
Ache a lua no céu
73
4.3.14
Montagem do calendário lunar
75
4.3.15
Representando a abóbada celeste com um guarda-chuva
76
4.3.16
Aula de campo
78
4.3.17
Retrospectiva do curso
81
5 RESULTADOS E CONCLUSÃO
83
5.1 COSMOLOGIA PRÉVIA DO SUJEITO
83
5.1.1
Concepção de Universo
83
5.1.2
Significado do céu
85
5.1.3
Concepção de origem
87
5.1.4
Concepção da relação entre seres humanos e tudo o mais que existe no
universo
88
5.2 MUDANÇAS NA CONCEPÇÃO DE MUNDO
89
5.3 COMENTÁRIOS FINAIS
94
REFERÊNCIAS
98
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
103
APÊNDICES
105
APÊNDICE A: Ementa do curso de extensão universitária “laboratório em
cosmoeducação”
106
APÊNDICE B: Questionário inicial aplicado no curso de extensão
“laboratório em cosmoeducação”
110
APÊNDICE C: Avaliação final do curso
111
ANEXOS
113
ANEXO A: Descobertas sobre a lua
114
ANEXO B: Texto coletivo sobre início de tudo que existe 118
11
1 INTRODUÇÃO
As motivações para este trabalho são inúmeras. Porém, a que considero mais profunda
é a que visa propor práticas e reflexões que contribuam para a expansão da consciência
humana além dos limites conceituais que estamos habituados. Com isto esperamos propiciar o
desenvolvimento de uma concepção de mundo mais ampla e a emergência de valores éticos
mais equânimes e solidários, que não se restrinjam à moral humana, mas que incluam toda a
biodiversidade do planeta e do cosmo, sendo pautados na responsabilidade universal.
A idéia base deste trabalho consiste em reunir elementos de astronomia, incluindo
práticas sistemáticas de observações do céu, com vivências da psicologia transpessoal e
aplicá-las no contexto educacional com professores do ensino fundamental, a fim de facilitar
um contato existencial dos mesmos com as coisas do céu e favorecer uma expansão da visão
de mundo e da consciência ambiental desses sujeitos.
Esta proposta cosmoeducativa é uma iniciativa de inspiração claramente
transdisciplinar, uma vez que transcende as fronteiras disciplinares em questão, visando o
desenvolvimento integral do ser humano. É importante destacar que tal iniciativa é pioneira
ao propor a aplicação dessa conjunção teórico-vivencial de caráter psico-cognitivo no
contexto educacional. Neste sentido ainda há muito a ser desenvolvido e implementado nesta
linha de trabalho.
Convém ressaltar que esta proposta faz confluir de maneira construtiva e integradora
vários domínios do conhecimento, como, por exemplo, psicologia transpessoal, física
quântica, astronomia, ecologia profunda e todo um conjunto de reflexões filosóficas
associadas. Embora estes domínios já existiam isoladamente ou com interconexões parciais
entre eles, eles começam aqui a dialogar entre si a fim de comporem uma matizada e rica
urdidura em direção à educação do ser humano como um ser cósmico.
Consideramos que grande parte da pertinência deste trabalho vem da constatação de
que há uma enorme carência em educação de iniciativas que promovam uma integração do
conhecimento em prol do autoconhecimento e que transcendam os objetivos materialistas e
fragmentadores do sistema educacional atual. Observa-se também que há uma precária
formação dos professores segundo uma abordagem transdisciplinar, visto que as atuais
formações curriculares e continuadas dos professores dos ensinos médio e fundamental ainda
são muito teóricas e reducionistas, aderindo ao paradigma cartesiano. Estes cursos de
formação carecem de uma abordagem mais vivencial, que propicie aos professores
12
oportunidades de autoconhecimento e autotransformação, que servirão de base para as
mudanças a serem levadas para a sala de aula, inclusive no que diz respeito aos conteúdos
transversais do meio ambiente.
Este trabalho também pretende ser nossa resposta à crise ambiental e antropológica
que experienciamos nos dias atuais, caracterizada pela destruição dos recursos naturais, pela
discriminação cultural, sem falar nos genocídios conseqüentes de guerras. O detalhe é que
habitamos o mesmo planeta, que dentro da escala macrocósmica é uma pequena casa. Neste
sentido, somos parte de uma mesma família planetária que precisa aprender a se colocar no
lugar do outro e a respeitar as diferenças. Este tipo de reflexão é proposto no nosso trabalho
com o intuito de expandir a consciência ambiental e de ampliar a visão de mundo,
estimulando a emergência de valores éticos mais universalistas, uma vez que essa crise
multifacetada decorre, em grande parte, da forma fragmentada e mercantilista que nós,
humanos, passamos a ver e a nos relacionar com o meio ambiente em que estamos inseridos.
Na maioria das vezes, quando falamos em meio ambiente, apontamos para fora de nós,
considerando-o como tudo aquilo que nos cerca. Geralmente não nos damos conta de que
somos parte integrante deste ambiente e, portanto, somos o ambiente. Também é comum não
incluirmos o céu e todo o cosmo quando nos referimos ao meio ambiente em que vivemos.
Este modo fragmentado de ver o mundo e a nós mesmos é decorrente do modelo mecanicista
prevalecente para explicar a realidade. Esse modelo determina uma atitude predatória em
relação ao ambiente, que está fora. Esta visão tem acarretado danos ambientais sem
precedentes na história humana, sendo uma questão vital a emergência de uma nova forma de
perceber e interagir com a natureza.
Neste ponto é pertinente repetir reflexões constantes do livro Meio Ambiente e Saúde –
Temas Transversais, dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) do 3
o
e 4
o
Ciclos do
Ensino Fundamental (BRASIL, 1998, p. 179):
Faz parte dessa nova visão de mundo a percepção de que o ser humano não é
o centro da natureza, e deveria se comportar não como seu dono, mas
percebendo-se como parte dela, e resgatar a noção de sua sacralidade,
respeitada e celebrada por diversas culturas tradicionais antigas e
contemporâneas.
Nos dias atuais, a ecologia já inclui uma análise ecocêntrica mais universal, que
transcende as bases físicas da visão antropocêntrica, na qual o ser humano é o centro da
natureza e que prevaleceu (e ainda é vista, com freqüência, de modo acrítico) durante muito
13
tempo na cultura ocidental. É importante destacar que esta mudança de foco central, com as
muitas implicações e reorientações associadas, tem suas conseqüências inevitáveis e grandes
em educação e que estas já começaram a ser devidamente contempladas por alguns
educadores (HUTCHISON, 2000; MORIN, 2002; O’SULLIVAN, 2004; vide discussões e
referências lá contidas).
De acordo com esse novo olhar, o ser humano é tido como parte integrante do meio
ambiente circundante e o conceito de ambiente é ampliado, uma vez que este inclui, de uma
maneira equânime, não só os ambientes físicos e os seres humanos, como também todos os
seres vivos e as complexas inter-relações entre todos esses elementos. Mesmo nesse novo
olhar, contudo, ainda não está explícito, ou enfatizado como deveria, o fato de que uma
concepção realmente ampliada de meio ambiente implica incluir-se no mesmo também “o
céu”, isto é, “o resto” do universo, física e simbolicamente falando.
Neste sentido, o discurso existencial decorrente da visão ecocêntrica mais recente
consiste em significativo avanço, ao apontar a necessidade da reconexão do ser humano com a
natureza, com o planeta. Porém, tal visão ainda é relativamente limitada ao conceber as reais
interconexões em um nível de fato cósmico. Portanto, cientes dessa carência, ou viés, que
continua presente nessa nova visão, em nosso trabalho vamos ainda além. Por isto, visamos
trabalhar a reconexão do ser humano com o cosmo, explicitando a importância desse tipo de
reconexão e propondo formas de se explorar as implicações da mesma. Esta necessidade de
reconectar-se com o cosmo, incluindo o planeta, a natureza e além do ambiente puramente
terrestre, ao qual estamos fisicamente restritos, tem inspirado fortemente este trabalho, que
denominamos, portanto, de cosmoeducação. Este se ergue e se estrutura a partir de conteúdos
de astronomia aliados a exercícios de psicologia transpessoal, trabalhados numa perspectiva
transdisciplinar.
Esta proposta educacional visa diminuir a fenda existente entre conhecimento
científico e experiência humana, no sentido de propiciar, em primeira instância, ao educador a
vivência da unidade ser humano-cosmo, como também a ocorrência de potenciais mudanças
na concepção de mundo dos sujeitos envolvidos. Tal proposta é realizada tendo em vista o
desenvolvimento de uma cidadania fundamentada em valores ético-morais mais
universalistas, ao mesmo tempo em que compatíveis com a existência plural das culturas.
Este trabalho também objetiva oferecer elementos para que a educação, e o ensino de
astronomia, em particular, possam fomentar a superação da fragmentação intelectual e
valorizar a experiência subjetiva, o imaginário e o aspecto transcendente como sendo
relevantes para o desenvolvimento integral do aluno. Ainda com este trabalho, buscamos
14
expandir o conceito de meio ambiente, incluindo o céu no mesmo, e instrumentalizar os
professores para tratar temas básicos de astronomia desde o início do primeiro ciclo do ensino
fundamental.
Finalmente, pretendemos com esta dissertação disponibilizar subsídios teórico-práticos
que sirvam de instrumento motivacional e orientador de práticas educacionais e pedagógicas
para aqueles educadores mais inquietos diante da multifacetada crise que vivenciamos na
sociedade (pós-)moderna e que estão em busca de inovar sua prática pessoal e profissional.
Na seção 2 apresentamos o problema da separação entre o ser humano e o cosmo
cultivado há alguns séculos na cultura ocidental e suas conseqüências nos dias atuais,
especialmente no que diz respeito à crise ambiental sem precedentes que vivemos.
Abordamos os atuais paradigmas científicos e respectivas concepções de realidade, bem como
os níveis de percepção do sujeito segundo a fenomenologia. Apresentamos algumas visões
educacionais propostas por O’Sullivan (2004) e discutimos o importante papel que a educação
tem a desempenhar no cenário global.
Na seção 3 apontamos uma proposta de superação para a crise de fragmentação
decorrente da visão dualista herdada pelo paradigma newtoniano-cartesiano. Tal proposta se
fundamenta na interface entre a psicologia transpessoal e o ensino de astronomia. Definimos a
psicologia transpessoal bem como seu objeto de estudo e cartografia da consciência.
Refletimos sobre o potencial autotransformador da astronomia quando tratada segundo uma
abordagem antropológica e holística. Defendemos aqui, nesse capítulo, que a astronomia é
uma porta cultural através da qual o homem moderno (re) estabelece suas relações com o céu,
podendo readquirir, através da mesma, o hábito do contato com as coisas do céu,
redescobrindo-o. Apresentamos nossa hipótese de trabalho e explicitamos as bases da
abordagem transdisciplinar utilizada na realização da proposta.
Na seção 4 compartilhamos o percurso metodológico trilhado por nós, o qual foi sendo
definido a partir da estratégia que adotamos. A proposta, estruturada a partir de temas de
astronomia associados a exercícios da psicologia transpessoal, foi aplicada inicialmente a um
grupo de estudantes graduandos em Geografia, que cursavam a disciplina de Astronomia, e,
num segundo momento, a professores do 1º e 2º ciclos do nível fundamental (antiga 1ª a 4ª
séries), uma vez que estes lecionam todas as disciplinas para a mesma turma, tendo, assim,
maior possibilidade de atuar numa perspectiva inter, multi e transdisciplinar com seus alunos.
Durante a pesquisa realizada com os professores, utilizamos instrumentos como
questionário, entrevista semi-estruturada e observação participante, por exemplo, devido ao
método etnográfico ter sido, em parte, adotado na coleta de dados, sendo tais instrumentos,
15
então, componentes do repertório operacional desse método. Consideramos tal método
relevante neste caso porque uma interpretação de caráter antropológico está inextricavelmente
associada ao tipo de intervenção educacional que propomos, a qual vai envolver de modo
natural tanto etno-visões do universo, como elementos culturais específicos. Ainda nessa
seção, descrevemos as primeiras experiências que contribuíram para a elaboração do curso de
extensão: “Laboratório em Cosmoeducação”, bem como os exercícios e vivências propostos
no próprio curso e eventuais comentários feitos pelos participantes sobre aqueles.
Na seção 5 comentamos os resultados de nossa prática com base na análise dos
discursos, tanto orais, quanto escritos e simbólicos (desenhos, mandalas, comunicação não-
verbal), dos professores participantes, assim como as conclusões obtidas a partir dessa análise.
Observamos que os conteúdos abordados em astronomia causam uma forte repercussão na
psique humana, possivelmente, por um lado, por tais conteúdos apresentarem dimensões que
extrapolam a nossa imaginação e, por outro lado, por nos remeterem a um passado longínquo
(ancestralidade) e mesmo à nossa própria origem, contida na origem do universo. A
psicologia transpessoal encara este fato como uma predisposição da pessoa em transcender
seus limites conceituais, para entregar-se ao movimento de transformação contínua do
universo e descobrir sua identidade cósmica e infinita.
De um modo geral, concluímos que os resultados reforçaram o pressuposto de que
temas de astronomia, se trabalhados segundo abordagem holístico-antropológica e, em
particular, relacionados com exercícios e técnicas da psicologia transpessoal, funcionam como
uma porta cultural e acadêmica para a conscientização da unidade existencial entre o ser
humano e o cosmo, favorecendo mudanças na visão de mundo dos educadores.
16
2 SEPARAÇÃO ENTRE O SER HUMANO E O COSMO: UM OLHAR SOBRE O
PROBLEMA
“O ser humano vivencia a si mesmo, seus pensamentos, como algo separado
do resto do universo – numa espécie de ilusão de ótica de sua consciência. E
essa ilusão é um tipo de prisão que nos restringe a nossos desejos pessoais,
conceitos e ao afeto apenas pelas pessoas mais próximas. Nossa principal
tarefa é a de nos livrarmos dessa prisão, ampliando o nosso círculo de
compaixão, para que ele abranja todos os seres vivos e toda a natureza em
sua beleza. Ninguém conseguirá atingir completamente este objetivo, mas
lutar pela sua realização já é por si só parte de nossa liberação e alicerce de
nossa segurança interior.”
(Einstein)
O século XX se caracterizou por grandes contrastes no que se refere à relação do ser
humano com o meio ambiente em que vive. À medida que se foi adquirindo conhecimento
acerca do universo, se foi, por outro lado, perdendo a intimidade com o mesmo. Este estado
de coisas é peculiar e seria paradoxal se ele não nos dissesse, na verdade, mais sobre como se
dá, e o que significa, o conhecimento na cultura ocidental, do que sobre as potencialidades e
formas de conhecimento disponíveis aos seres humanos. No caminho epistemológico que foi
sendo consagrado como privilegiado em nossa cultura, portanto, um aumento de
conhecimento implica, de modo quase inevitável, em um afastamento de possíveis integrações
do conhecedor com o que vai sendo conhecido.
Assim, atualmente, a pesquisa espacial, por exemplo, vem realizando avanços sem
precedentes na história da astronomia, no entanto a maioria das pessoas perdeu o contato com
o céu. Ao contrário de nossos ancestrais, que tinham um contato direto e vivencial com as
coisas do céu, o ser humano ocidental moderno, especialmente habitante de grandes centros
urbanos, tem excluído metade do espaço de sua vida. Segundo o arqueoastrônomo Aveni
(1993, p. 20):
Tudo o que aprendemos sobre o céu hoje é adquirido por meio de livros e,
ocasionalmente, da visita a um planetário. Exceto, talvez, quando abrimos a
porta à noite para colocar o lixo para fora ou quando saímos do carro no
caminho para casa e damos uma olhada para cima para ver se poderá chover
amanhã, vivemos em um mundo basicamente sem consciência da metade de
espaço visível que está acima do nível de nossos olhos.
O trecho acima ilustra o quanto nos distanciamos da experiência direta com o
ambiente circundante que inclui as coisas do céu, bem como torna explícita a enorme fenda
existente entre conhecimento científico e experiência humana. Segundo Varela, Thompson e
Rosch (2003, p. 31), “A não ser que nos posicionemos para além dessas oposições, o abismo
17
entre a ciência e a experiência em nossa sociedade irá aumentar. [...] A experiência e a
compreensão científica são como duas pernas sem as quais não podemos caminhar”.
Os avanços tecnológicos aeroespaciais nos permitem viajar fisicamente além da órbita
planetária e, no entanto, a maior parte das pessoas está desconectada de uma instância
existencial, que não só representa a outra metade do meio ambiente físico, mas que reflete em
nosso imaginário uma estrutura de unidade, constância e harmonia precisa, devido às
repetições diárias e sazonais regulares dos ciclos realizados pelos corpos celestes.
É relevante destacar, seguindo Jafelice (2006a), que ao longo da história da
humanidade, especialmente em seus primórdios, o céu inspirou fortemente a organização de
estruturas espaciais, temporais e sócio-culturais em nossos antepassados mais distantes, como,
por exemplo, as orientações celestes para a elaboração de calendários lunares, de arquiteturas
de templos, de rituais e festejos de equinócios e solstícios ou a realização das grandes
navegações. “A relação do céu com a terra constituiu a nossa forma de estar no mundo
enquanto espécie animal e, portanto o céu está constitutivamente em nós” (JAFELICE,
2006a; grifo do autor e nosso).
Segundo Jafelice (2003a, p.1):
astronomia e autoconhecimento na história antiga da humanidade estão
indissociáveis e caminham paralelos. Essa relação sempre esteve presente
pela vertente da forma que o ser humano existe no planeta: em estreita
relação com o ambiente que o cerca. Esse ambiente, por sua vez, mantém
estreita conexão com o céu, pois este determina, em última instância, o que
ocorre com aquele. Portanto, a conexão entre céu (astronomia), terra (meio
ambiente) e seres humanos (parte do todo) é direta e clara.
2.1 CRISE CONCEITUAL E FRAGMENTAÇÃO
A condição de distanciamento do ser humano moderno do ambiente em que vive,
incluindo a natureza, o céu, os outros seres e suas inter-relações, tem causado graves
problemas de ordens diversas, com sérias implicações para o equilíbrio pessoal e planetário.
Vivemos um momento de crise generalizada, especialmente devido aos desequilíbrios
ambientais e culturais, provocada por um modo fragmentado e reducionista de perceber a nós
mesmos e ao mundo.
18
Segundo Capra (c1996, p.23, grifo nosso), físico e ecologista, no seu livro Teia da
vida:
[...] Defrontamos-nos com toda uma série de problemas globais que estão
danificando a biosfera e a vida humana de uma forma alarmante, e que pode
se tornar irreversível. [...] Tais problemas não podem ser entendidos
isoladamente. São problemas sistêmicos, o que significa que estão
interligados e são interdependentes. Por exemplo, somente será possível
estabilizar a população quando a pobreza for reduzida em âmbito mundial. A
extinção de espécies animais e vegetais numa escala massiva continuará
enquanto o Hemisfério Meridional estiver sob o fardo de enormes
dívidas.[...] Esses problemas refletem diferentes facetas de uma única crise:
a crise de percepção.
Nesse sentido, tal crise descrita por Capra (c1996) deriva da maneira que vemos a nós
mesmos e a realidade à nossa volta, a qual, conseqüentemente, determina a maneira como
agimos em relação a outros seres humanos, à biosfera e ao universo. Segundo citação do livro
Meio Ambiente e Saúde – Temas Transversais, dos PCN do 1
o
e 2
o
Ciclos do Ensino
Fundamental (BRASIL, 1997, p. 22, grifo nosso):
[...] a questão ambiental representa quase uma síntese dos impasses que o
atual modelo de civilização acarreta. Consideram que aquilo a que se assiste,
no final do século XX, não é só uma crise ambiental, mas uma crise
civilizatória. E que a
superação dos problemas exigirá mudanças profundas na concepção de
mundo, de natureza, de poder, de bem-estar, tendo por base novos valores
individuais e sociais. Faz parte dessa nova visão de mundo a percepção de
que o homem não é o centro da natureza.
A partir das citações acima e seguindo o pensamento de Matthews (1994), é possível
inferir que essa série de problemas humanos e ambientais necessita de uma compreensão
científica mais ampla, da qual ainda estamos muito carentes, uma vez que a prática
educacional, especialmente a educação em ciência no ocidente, também está fortemente
caracterizada pela fragmentação.
2.2 PARADIGMAS E MODELOS DE REALIDADE
Um paradigma científico consiste num sistema de referências constituído de
concepções, valores, técnicas, etc. compartilhado por uma dada comunidade científica e
utilizado pela mesma para definir e lidar com problemas.
19
De acordo com Matos (1992), atualmente pode-se observar no mundo ocidental
científico a presença de duas realidades básicas originadas a partir de dois paradigmas
científicos distintos: a realidade cartesiana-newtoniana e a realidade da física moderna.
O paradigma cartesiano, o qual vem modelando a sociedade moderna ocidental há
mais de três séculos, teve início com a chamada revolução científica caracterizada por
descobertas em física, astronomia e matemática no final do século XVI e início do séc. XVII,
associadas principalmente aos nomes de Copérnico, Galileu, Descartes, Bacon e Newton. A
denominação deste paradigma como cartesiano-newtoniano é devido à forte influência do
pensamento conceitual de Descartes (cartesiano), cujo todo pode ser entendido através da
análise das pequenas partes que o compõem, mais tarde coroado com a mecânica de Newton
(newtoniana).
Podemos dizer que algumas palavras-chaves que caracterizam o paradigma
mecanicista são: racionalismo, reducionismo e linearidade. Tal paradigma se edifica a partir
do princípio da separação entre mente e matéria, e concebe o mundo como sendo formado por
objetos cuja existência é independente da consciência humana. Segundo essa visão de mundo,
o universo é formado por um conjunto de objetos mais ou menos separados entre si, ou visto
como um sistema mecânico onde o ser humano é percebido como uma máquina ou uma parte
elementar isolada, onde a vida em sociedade é baseada na crença de que o progresso material
ilimitado pode ser obtido pelo desenvolvimento econômico e tecnológico.
A realidade da física moderna, onde esta é fundamentada em conceitos da teoria
quântica e da teoria da relatividade, vai de encontro à realidade descrita pela mecânica de
Newton. Segundo Toben e Wolf (1982), a teoria quântica aponta para uma conexidade, de
acordo com a qual as observações efetuadas sobre um objeto de fato afetam os resultados
observados, pois o ato de observação afeta o estado quântico do próprio objeto observado,
interferindo na dinâmica futura do mesmo, isto é, afetando-o mesmo quando não haja mais
entre ambos qualquer tipo de contato físico conhecido. Segundo Heisenberg (1971 apud
CAPRA, c1996, p.41-42), um dos fundadores da teoria quântica: “O mundo aparece assim
como um complicado tecido de eventos, no qual conexões de diferentes tipos se alternam, se
sobrepõem ou se combinam e, por meio disso, determinam a textura do todo”.
Segundo este paradigma, o universo consiste numa teia dinâmica onde tudo está
interligado com tudo, onde não existe separação entre o sujeito e o objeto, sendo o ser
20
humano parte integrante deste todo, refletindo em si mesmo o macrocosmo, tal qual uma
holografia
1
.
Dois termos que a nosso ver sintetizam estas realidades fundamentadas nesses dois
paradigmas – cartesiano-newtoniano e da física moderna –, são, respectivamente: Dualismo e
Unidade.
2.2.1 Percepção e realidade: o sujeito e sua concepção de mundo
O foco do nosso trabalho é a concepção de mundo dos sujeitos envolvidos, a qual
determina a forma de estes lidarem com o universo em que vivem. Com a finalidade de
entender como o sujeito constrói a concepção de mundo, utilizaremos como referência a
abordagem fenomenológica.
Como explica Bertolucci (1991), a realidade, segundo a fenomenologia, é uma
experiência do sujeito, o qual é ativo em sua percepção, mesmo que inconscientemente. De
acordo com esta abordagem, a realidade percebida depende da atividade da consciência, a
qual consiste no princípio fundamental que produz significado do mundo, estando vinculada a
algumas variáveis como, por exemplo, o condicionamento social, a cultura, os estímulos do
meio ambiente, a idade.
Enquanto, em oposição a esta proposta, o naturalismo advoga que as coisas externas
existem tais como são vistas e o sujeito capta a realidade sensorialmente, através dos
estímulos que lhes chegam aos sentidos, a fenomenologia argumenta que o indivíduo tem, em
cada momento vivido, uma “posição” afetiva, imaginária, perceptiva ou cognitiva, que é a
origem do sentido que capta do mundo.
Dessa forma, perceber muda de acordo com o estado de consciência e, portanto, as
realidades existem de acordo com estes estados de consciência que o sujeito experiencia num
1
Imagem tridimensional, também chamada de holograma, onde cada parte reflete o todo da figura.
Segundo Morin (2003, p. 34), “o holograma é uma imagem física, concebida por Gabor, que,
diferentemente das imagens fotográficas e fílmicas comuns, é projetado ao espaço em três dimensões,
produzindo uma assombrosa sensação de relevo e cor. O objeto holografado encontra-se restituído, em
sua imagem, com uma fidelidade notável. [...] Como afirma Pinson, cada ponto do objeto holografado
é ‘memorizado’ por todo o holograma, e cada ponto do holograma contém a presença do objeto em
sua totalidade ou quase. Desse modo a ruptura da imagem holográfica não determina imagens
mutiladas, mas imagens completas, que se tornam cada vez menos precisas à medida que se
multiplicam. O holograma demonstra, portanto, a realidade física de um tipo assombroso de
organização, na qual o todo está na parte que está no todo, e na qual a parte poderia ser mais ou menos
apta a recriar o todo”.
21
dado momento. Em suma, deverão existir tantas realidades quantos forem os estados de
consciência vivenciados pelo sujeito perceptivo. Portanto, não é possível explorar a realidade
sem explorar a nós mesmos, tanto por sermos como por criarmos a realidade que exploramos.
De acordo com Matos, o que nos faz ficar na 1ª realidade descrita pelo paradigma
cartesiano, e perceber a separação entre nós e tudo o mais que existe são nossos
exteroceptores (agarradores de fora) ou nossos cinco sentidos (tato, olfato, paladar, audição e
principalmente a visão), os quais funcionam como pinças. Neste sentido, passamos a vida
toda tentando segurar as coisas, imprimindo aquela forma na memória sem perceber a
transformação (informação verbal)
2
. Ainda segundo Matos (1992), se olharmos para um
sólido edifício possivelmente iremos experienciar esta construção como algo imutável, sem
pensar que aqueles materiais não estavam ali há quinhentos anos atrás ou que não estarão,
quinhentos anos à frente. Raramente pensamos que todos aqueles materiais compostos de
moléculas e átomos estão em movimento e transformação constante. Perceber este nível de
atuação, ou pelo menos se conscientizar deste estado, exige o exercício da observação em
profundidade, a qual requer uma mudança na forma de estar no mundo.
Portanto, num estado de consciência usual ou ordinária de vigília, não somos capazes
de perceber a “conexidade” proposta pela mecânica quântica, mas, sim, aptos a ver o universo
num contexto de separação proposto pelo paradigma newtoniano-cartesiano. Isto também se
deve ao condicionamento de pelo menos três séculos de inculcação quanto à forma de
perceber a realidade segundo as premissas deste paradigma dualista.
No entanto, pesquisas de vanguarda na área da psique humana no ocidente, desde o
final da década de 60 do século passado, exploram os estados modificados de consciência,
diferentes da vigília, que transcendem o conceito de identidade individual e permitem ao
sujeito vivenciar a interconexão descrita pela física quântica, ou pelo menos um tipo de
interconexão que, quando expressa em palavras, se assemelha muito à verbalização da
interconexão oriunda da abordagem quântica. Neste movimento de expansão da percepção de
si mesmo, o ser humano pode se sentir um com o universo, celebrando sua identidade
cósmica e despertando em si valores éticos como responsabilidade universal, solidariedade e
fraternidade.
Como disse o poeta William Blake: se as portas da percepção fossem purificadas,
tudo apareceria ao homem tal como é infinito”.
2
Informação obtida durante aula do módulo IV - Percepção e realidade - do Curso de Especialização
em Psicologia e Psicoterapia Transpessoal, realizado em setembro de 1996 em Recife-PE.
22
2.3 VISÕES EM EDUCAÇÃO
No âmbito do sistema educacional, o paradigma mecanicista se expressa através de
propostas educacionais modernistas que atuam no sentido de alimentar os interesses
mercadológicos do sistema industrial, reforçando valores individualistas, materialistas e
competitivos, que, por sua vez, contribuem para um distanciamento de si mesmo, do outro, da
natureza e do universo. Em seu livro Aprendizagem Transformadora, O’Sullivan (2004)
assume a existência de três visões em educação: uma progressista, de acordo com o
paradigma mecanicista newtoniano- cartesiano, outra tradicional e uma terceira emergente e
biocêntrica. O quadro seguinte ilustra e especifica mais em detalhe cada uma dessas visões.
Características / Visão Tecnozóico-progressista Orgânico-conservado
r
Ecozóico-transformado
História / visão de
mundo educacional
Moderna
Antimoderna
Pós-moderna
Relação com a
comunidade e com o
mundo natural
Exploradora
Tradicional
Reflexiva / interativa
Visão do tempo Evolutiva
Cíclica / estática
Desenvolvimento
temporal
Visão do espaço Pluralista
Essencialista orgânica
Orgânica / interativa
Metáfora básica Mecanicista
Orgânica antropológica
(corpo humano)
Biocêntrica (isto é, rede
orgânica da vida), "o
círculo da vida"
Visão do conflito
Superficial/ amenizadora
Perversão / anarquia
Criativa
Características
educacionais
contemporâneas
Progressista
Tradicional
Emergente
Quadro 1 - Visões educacionais
Fonte: O’Sullivan (2004, p. 86)
O sistema educacional ainda se encontra fortemente caracterizado pela visão
tecnozóico-progressista, cujos valores de natureza egocêntrica e fragmentada têm contribuído,
em grande escala, para promover a crise ambiental que vai se agravando e pondo em risco o
sistema de vida da terra, deixando o planeta num estado emergencial de alerta. De acordo com
O’Sullivan (2004, p.26), “a tarefa educacional essencial de nosso tempo é fazer a opção em
favor de um hábitat planetário sustentável para seres vivos interdependentes, além e contra o
apelo disfuncional do mercado competitivo global”.
Neste sentido, reconhecemos o importante papel que a educação tem a desempenhar
no cenário global, como agente transformador, fomentando a quebra de paradigmas e o
desenvolvimento de valores elevados compartilháveis, especialmente no que diz respeito a
23
uma relação mutuamente benéfica entre os seres humanos, o planeta e o cosmo, visando a
construção de uma sociedade menos progressista e mais evoluída.
De acordo com Vajpeyi (1995), a proposta de qualquer sistema educacional é, de
alguma forma, promover o desenvolvimento integral do indivíduo, contextualizando o
aprendizado, para que esclareça o aluno sobre si mesmo e as relações com o meio ambiente
que o cerca. Neste ponto, o atual sistema educacional tem falhado em grande escala,
especialmente no que diz respeito à relação com o meio ambiente natural que o cerca. Ao
contrário disso, a educação tem, até certo ponto, ignorado o impacto desta forma predadora do
ser humano em relação à natureza em prol de servir a uma visão global baseada no comércio e
no progresso econômico. Esta visão modernista em educação, voltada para atender as
necessidades industriais, funciona mais como problema que solução para a crise ambiental
que põe em risco a vida do planeta. Diante disso, são necessárias profundas mudanças no
sistema educacional para que os educadores se posicionem de modo mais assertivo frente aos
graves problemas ambientais dos dias atuais. Vide também, nestas mesmas linhas de
argumentação e discussão, Hutchison (2000).
“Estamos adquirindo uma consciência planetária global mediante processos que
envolvem o terror, bem como a atração” (SWIMME ; BERRY, 1992 apud O’SULLIVAN,
2004, p.45). Estes autores consideram que estamos vivenciando um período de transição, que
leva ao fim um longo termo da história da terra que chamam de “cenozóico” e dá início a um
novo período de sua história, que eles denominam “ecozóico”.
Como exemplos do terror que nos cerca em escala planetária, podemos citar o
aquecimento global (efeito estufa), envolvendo as mudanças climáticas, o buraco na camada
de ozônio, o lixo tóxico, as chuvas ácidas, a poluição do ar, a escassez de água potável à
medida que a demanda aumenta acima do ritmo da reposição, a redução das florestas
tropicais, a extinção de várias espécies, entre outros assombros que exige de nós uma resposta
urgente no sentido de reparar a relação do ser humano com o planeta. Ainda segundo
O’Sullivan (2004, p. 48), “o desafio educacional é saber como atingir um nível constante de
conscientização em relação a esses problemas e mantê-lo em primeiro plano em nossa
percepção cultural”.
Essa tarefa não será fácil uma vez que não fomos educados para ter consciência
planetária. Neste sentido, O’Sullivan (2004) propõe uma educação planetária transformadora,
para a qual sinaliza a necessidade de um grau de alfabetização mais ampla, a qual denominou
“alfabetização terrestre” ou “alfabetização ecológica”.
24
Segundo Morin (2002, p. 75-76) “a união planetária é a exigência racional mínima de
um mundo encolhido e interdependente. Tal união pede a consciência um sentimento de
pertencimento mútuo que nos una à nossa terra, considerada como primeira e última pátria”.
Ainda de acordo com Morin (2002, p. 76-77):
[...] todos os humanos, desde o século XX, vivem os mesmos problemas
fundamentais de vida e de morte e estão unidos na mesma comunidade de
destino planetário. Por isso é necessário aprender a ‘estar aqui’ no planeta.
Aprender a estar aqui significa: aprender a viver, a dividir, a comunicar, a
comungar; é o que se aprende somente nas - e por meio de – culturas
singulares. Precisamos doravante aprender a ser, viver, dividir e comunicar
como humanos do planeta terra, não mais somente pertencer a uma cultura,
mas também ser terrenos. Devemo-nos dedicar não só a dominar, mas a
condicionar, melhorar, compreender. Devemos inscrever em nós: a
consciência antropológica, que reconhece a unidade na diversidade; a
consciência ecológica, isto é, a consciência de habitar, com todos os seres
mortais, a mesma esfera viva (biosfera): reconhecer nossa união
consubstancial com a biosfera conduz ao abandono do sonho prometéico do
domínio do universo para nutrir a aspiração de convivibilidade sobre a terra;
a consciência cívica terrena, isto é, da responsabilidade e da solidariedade
para com os filhos da terra; a consciência espiritual da condição humana que
decorre do exercício complexo do pensamento e que nos permite, ao mesmo
tempo, criticar-nos mutuamente e autocriticar-nos e compreender-nos
mutuamente. É necessário ensinar não mais a opor o universal às pátrias,
mas a unir concentricamente as pátrias - familiares, regionais, nacionais
européias - e a integrá-las no universo concreto da pátria terrestre.
Entendo que neste tipo de alfabetização ecogica e planetária se faz necessário
cultivar aspectos humanos altamente desprezados pela educação formal, voltada para a
produtividade, que são a contemplação, a imaginação e a subjetividade. Considero que estes
elementos são essenciais para o conhecimento e o autoconhecimento, bem como para o
desenvolvimento de uma relação mais integrada com o planeta e com o universo.
Enquanto educadores preocupados com o desenvolvimento integral do ser humano e
suas relações com o ambiente em que está inserido, incluindo-se neste o céu, como também
com o desenvolvimento de uma sociedade sustentável, buscamos refletir neste trabalho sobre
soluções para superar essa fragmentação e propiciar condições para que os professores
possam promover potenciais mudanças na concepção de mundo e, conseqüentemente, na
prática pedagógica, através de ações no âmbito da educação, segundo um enfoque
transdisciplinar.
25
3 CULTIVANDO A UNIDADE SER HUMANO-COSMO: UMA PROPOSTA DE
SUPERAÇÃO
“A base social de nossa percepção deveria ser a certeza física de que a
energia é tudo que existe. Deveria ser feito um esforço gigantesco para
levar-nos a perceber energia como energia”
(Juan Matos).
A necessidade de recuperar uma relação holística com o universo, e de vivenciar mais
a unidade, a harmonia e suas implicações na vida diária, através de uma mudança na nossa
concepção de mundo e de nós mesmos, parece ser imprescindível, uma vez que os problemas
globais apontados exigem de nós uma visão sistêmica da realidade, onde todas as coisas estão
integradas, formando uma teia interativa e complexa. Neste contexto, o paradigma
mecanicista se revela insuficiente para cultivar uma visão mais integrada da realidade, sendo,
pois, emergencial adotar-se um novo paradigma que comporte tais anseios.
Neste sentido, recorremos a uma abordagem transdisciplinar em educação, ou seja, um
enfoque que segundo Nicolescu (2001) comportasse naturalmente a transgressão das
fronteiras entre as disciplinas, que, no presente caso, trata-se de astronomia e de psicologia
transpessoal, com o objetivo de criar uma seqüência experimental a partir da interface entre
essas duas áreas do conhecimento, visando, por assim dizer, o cultivo existencial da unidade
entre o ser humano e o cosmo. Portanto, consideramos útil, para fins didáticos de
entendimento do caminho que percorremos, definirmos de forma breve a psicologia
transpessoal e a astronomia enquanto áreas do saber.
3.1 BREVE HISTÓRICO DA PSICOLOGIA NO OCIDENTE
Como descreve Saldanha (1997), a origem da psicologia no ocidente remonta à Grécia
antiga, a partir das reflexões de filósofos que buscaram sistematizar seus questionamentos
sobre a natureza humana. Dentre eles, destacam-se Sócrates, que com ênfase na racionalidade
lançou o postulado norteador da busca interior: Conhece-te a ti mesmo, e Platão, que teorizou
a imortalidade da alma, constituindo um esboço da primeira teoria em psicologia. Ainda na
Grécia antiga, vale ressaltar o pensamento aristotélico, evidenciando a mortalidade e a
pertinência da alma em relação ao corpo.
26
Na idade média, predominou o conhecimento religioso, cujos principais representantes
foram Santo Agostinho e São Tomás de Aquino. No renascimento, o conceito de dualidade
corpo e mente, proposto por Descartes, favoreceu o surgimento da psicofisiologia, já no
século XIX.
Ao final do século XIX, com o intuito de ser legitimada enquanto ciência, a psicologia
se separa da filosofia, adquire um método experimental e renega o aspecto subjetivo do
humano, reduzindo-o ao comportamento observável, passível de ser validado cientificamente.
Surge então, na Alemanha, o behaviorismo, considerado primeira força em psicologia.
Paralelamente a esse movimento desenvolviam-se estudos na área clínica, no que se refere ao
tratamento das patologias, onde não se abandonou o aspecto subjetivo, culminando com a
teoria do inconsciente de Sigmund Freud e o surgimento da segunda força em psicologia - a
psicanálise. Como sintetizou Berger (2001, p. 44-45): “behaviorismo e psicanálise lançaram
as bases da psicologia experimental e clínica que perdurou por grande parte do século XX”.
Na década de 60 do século passado, surge nos EUA um novo movimento na área da
psicologia, que se opõe às idéias das escolas anteriores e critica a ênfase no aspecto
patológico em detrimento do aspecto sadio, por um lado, e o interesse unilateral pelas
experiências passíveis de experimentação, por outro, ignorando aspectos cruciais, como a
consciência e o bem estar psicológico. Surgia então, o movimento humanista, a terceira força
em psicologia, cujo foco de interesse era o crescimento pessoal com base nos aspectos
positivos do humano. Um dos principais expoentes dessa linha de pensamento foi Abraham
Maslow, que desenvolveu um estudo sobre experiências culminantes, caracterizadas por
sentimento de grande êxtase, deslumbramento, admiração e a perda de localização no tempo e
no espaço.
No final da década de 60, como desdobramento da psicologia humanista, surge,
também nos EUA, uma abordagem em psicologia que visa explorar as dimensões
transcendentes da natureza humana e seu potencial de auto-realização, a qual se denominou
psicologia transpessoal, termo preconizado por Carl Gustav Jung, psiquiatra e psicólogo
suíço, nascido no séc. XIX e atuante até meados do séc. XX. Considerada a quarta força em
psicologia, a transpessoal surge como resposta ao materialismo científico e avança
preocupando-se com a humanidade do homem, a busca do sentido da vida e da existência.
É importante ressaltar que estas linhas psicológicas, humanista e transpessoal, com
raízes no existencialismo e na fenomenologia, surgiram em meio ao contexto cultural do
movimento pós-guerra nos EUA, onde o sonho materialista começava a ser questionado e
buscavam-se novas formas de se estar no mundo. O desejo de paz e harmonia se revelava na
27
disseminação de práticas orientais, como yoga, zen-budismo, diferentes tipos de meditação,
nas experiências com drogas psicodélicas, na sensibilidade por questões ambientais
ecológicas.
3.2 DEFINIÇÃO DE PSICOLOGIA TRANSPESSOAL
Matos (1992, p. 9), resume da seguinte maneira o percurso e o significado da
psicologia transpessoal, desde suas formas originais no oriente até sua formalização no
ocidente:
A psicologia transpessoal que oficialmente foi fundada na primavera de
1969 com a publicação da primeira revista científica: the journal of
transpersonal psychology, na Califórnia, já existia em parâmetros científicos
diferentes dos nossos atuais há vários milênios. Há mais de 5 mil anos atrás
já se praticava a psicologia transpessoal na Índia, há 4 mil anos atrás no
antigo Egito e há mais de 10 mil anos no Tibet de uma forma bastante
complexa e sofisticada. No entanto, desde os primórdios do homem, num
contexto xamanístico, se tem praticado esta forma de Psicologia que estuda o
indivíduo per si, o indivíduo como um ser cósmico.
Pode-se observar, a partir deste trecho, o aspecto transcultural presente nesta
abordagem psicológica, visto que a experiência de transcendência é comum ao ser humano
desde os primórdios da civilização, sendo independente da cultura, da etnia, da localização
geográfica e temporal e tendo despertado o interesse de vários povos em diferentes contextos.
O termo transpessoal vem do latim: trans significa além de, e pessoal que é da pessoa.
Portanto, diz respeito ao que está além do pessoal, que extrapola a noção do eu ou os limites
do ego.
A psicologia transpessoal estuda o ser humano em sua totalidade, contemplando os
aspectos individuais, sociais, culturais, ecológicos e cósmicos. Este último aspecto é inovador
e diferencial, pois inclui o céu e o universo como sendo parte integrante do meio ambiente,
ampliando-o para o infinito.
Uma vez que tudo está interconectado, o ser humano também está conectado com tudo
que existe, inclusive com o cosmo, sendo parte integrante deste e em última análise pode ser
considerado o próprio universo, legitimando a associação entre microcosmo e macrocosmo,
onde cada micro-parte integrante do universo reflete o macro em níveis diferentes de
complexidade.
28
3.3 ESTADOS DE CONSCIÊNCIA
A psicologia transpessoal tem como objeto de estudo os estados de consciência,
incluindo aqueles invulgares ou modificados. Como vimos na seção anterior, os estados de
consciência delineiam a percepção de diferentes níveis de realidade e são considerados
manifestações da psique humana.
Segundo Saldanha (1997), Charles Tart, pioneiro na conceituação de estados de
consciência, os define como padrões generalizados de funcionamento psicológico. “É um
sistema constituído por subsistemas e subestruturas, onde determinada quantidade de energia,
sob a forma de atenção, mantém determinado estado de consciência ou provoca ruptura desse
sistema, passando, então, o experienciador, para outro sistema ou estado de consciência”
(SALDANHA,1997, p. 52).
De acordo com esta abordagem transpessoal, a experiência humana apresenta-se
dentro de um vastíssimo espectro de possibilidades. Para uma maior compreensão dessa
dinâmica, faz-se necessário um mapeamento das regiões do inconsciente, a fim de
hierarquizar e ordenar esses diferentes níveis. Nas palavras de Bertolucci (1991, p. 19), “se
ficarmos apenas ‘no interior’ da vivência subjetiva, cairemos em um excesso de relativismo e
na ausência de um ponto de vista que permita uma correta avaliação das diversas formas de
consciência”.
Utilizando diferentes terminologias, autores consideram de uma forma geral três
domínios conscienciais: o autobiográfico, que se refere às experiências desde o nascimento
até o momento presente da história de vida do sujeito; o perinatal, que corresponde às
experiências vivenciadas no período intra-uterino; e o transpessoal, que engloba todas as
experiências que se diferenciam e transcendem os domínios anteriores.
Diferentes cartografias da consciência foram propostas por diferentes autores
transpessoais como, por exemplo, Stanislav Grof, Ken Wilber e Pierre Weil. Assim como
Saldanha (1997), optamos por adotar a cartografia proposta por Kenneth Ring, devido ao
aspecto didático da mesma.
De acordo com o mapa proposto por Ring (1978 apud SALDANHA, 1997, p. 62), a
consciência possui regiões pessoais e transpessoais de acordo com o esquema e
caracterizações abaixo:
29
Esquema 1 – Cartografia da Consciência
Fonte: Saldanha (1997, p. 62)
Estado de vigília: estado usual de consciência, caracterizado por conteúdos do cotidiano, bem
como por atividade de ondas cerebrais com freqüência de 14 a 30 ciclos por segundo, onde a
maioria das pessoas se mantém a maior parte do tempo.
Pré-consciente: conteúdos facilmente acessados a partir de evocações diretas, devido à
proximidade destes do estado de vigília.
Inconsciente psicodinâmico: trata-se do inconsciente individual descrito por Freud e que
compreende conteúdos autobiográficos que vão desde o nascimento até o momento atual. Tais
conteúdos possuem carga afetiva normalmente esquecida, porém atuante no psiquismo
humano.
Inconsciente ontogenético: compreende as experiências intra-uterinas, descritas por Grof
através do modelo das matrizes perinatais básicas (MPB), elaborado a partir das fases do
nascimento biológico. Este nível de consciência inclui as experiências de morte-nascimento e
representa uma zona de transição do nível pessoal ao transpessoal.
Inconsciente transindividual: envolve: a) experiências ancestrais, onde o sujeito revive
episódios das vidas dos seus ancestrais e sente-se explorando o próprio código genético; b)
experiências coletivas e raciais, em que o sujeito vivencia episódios provenientes de outras
culturas, de acordo com um inconsciente coletivo que contém toda a história da humanidade;
30
c) experiências arquetípicas, aquelas correlacionadas com a idéia de inconsciente coletivo de
Jung, constituindo-se por símbolos universais da experiência humana, imagens primordiais ou
arquétipos; e d) as vivências de existências anteriores, que transcendem a vida atual do sujeito
e são constituídas por experiências com conteúdos de forte teor emocional que reportam a
outro tempo e lugar, extrapolando a biologia e a genética, dando ao sujeito uma compreensão
da evolução através das sucessivas existências.
Inconsciente filogenético: envolve experiências além das formas humanas, da própria
seqüência evolutiva do planeta terra, tanto orgânicas como inorgânicas. Tais vivências podem
vir acompanhadas por mudanças nos reflexos neurológicos e por fenômenos motores
anormais, que parecem estar relacionados com a ativação das redes nervosas arcaicas.
Inconsciente extraterreno: estado de consciência que se estende para além do planeta, por
exemplo, experiência de estar fora do corpo, e encontros com entes queridos em outras
dimensões. Aqui se incluem os fenômenos de percepção extra-sensorial, como clarividência e
telepatia, entre outros amplamente estudados pela parapsicologia e atual conscienciologia
3
.
Superconsciente: denominado por outros autores como supraconsciente, este nível se
caracteriza pela percepção ampla da realidade e apreensão intuitiva do fenômeno da unidade e
da relação homem-cosmo.
Vácuo: estado além de qualquer conteúdo, além do tempo e do espaço, que transcende toda a
dualidade, correspondente ao nirvana, na filosofia budista, ou à cosmoconsciência, na
conscienciologia.
É importante lembrar que no nosso psiquismo esses níveis de consciência e seus
conteúdos interagem num todo complexo e interligado. Muitas vezes se interpenetram ou são
experienciados em frações de segundo, demonstrando que consciente e inconsciente são
dimensões de uma mesma realidade.
3.3.1 Consciência Cósmica
Dentro deste espectro dos estados de consciência estudados pela psicologia
transpessoal, identificamos o estado da consciência cósmica e suas implicações na relação ser
humano-cosmo como elemento de interseção com os conteúdos de astronomia, a serem
3
Conscienciologia é uma neociência fundamentada no paradigma consciencial, que pesquisa a
consciência de forma integral, com vários corpos interagindo energeticamente em múltiplas
dimensões, dentro de um ciclo multiexistencial.
31
adaptados e inseridos na formação de professores, como um poderoso agente de possíveis
mudanças na visão de mundo e de valores dos educadores em questão.
O termo consciência cósmica traduz uma experiência onde o sujeito vivencia um senso
de profunda unidade com o universo, percebendo-se como parte indissociável do mesmo.
Observando os relatos de quem já vivenciou esta experiência, constata-se um enorme
potencial autotransformador no que diz respeito aos princípios e valores pessoais.
Na definição de Weil (1989, p. 19), consciência cósmica trata-se de:
[...] uma experiência em que determinadas pessoas percebem a unidade do
cosmos, se percebem dentro dela (e não fora, como muitos poderiam
imaginar), a experiência é acompanhada de sentimentos de profunda paz,
plenitude, amor a todos os seres. Compreende-se de um relance o
funcionamento e a razão de ser dos universos, a relatividade das três
dimensões do tempo e do espaço, a insignificância e ilusão do mundo em
que vivemos, os erros monumentais cometidos por muitos seres humanos;
uma iluminação acompanha muitas destas percepções. A morte é vista
apenas como uma passagem para outra espécie de existência e o medo dela
desaparece totalmente. Ela pode ser e é, em geral o resultado de uma longa e
lenta evolução; às vezes no entanto, ela constitui o início de uma profunda
transformação no sentido dos valores mais elevados da humanidade; neste
último caso ela acontece em momento inesperado.
Grof (1994 apud SALDANHA, 1997, p. 52) define a consciência como “a expressão e
reflexo de uma inteligência cósmica que permeia todo o universo e toda a existência. Somos
campos ilimitados de consciência, transcendendo tempo, espaço, matéria e causalidade
linear.”
O cerne da psicologia transpessoal é a vivência da unidade cósmica como algo
desejável e curativo. Para se ter esta vivência faz-se necessário mudar de um estado de
consciência de vigília ordinária, onde geralmente não somos capazes de experienciar esta
interdependência ou interconectividade, para um estado de consciência ampliado, onde a
visão do eu, separado do ambiente, tende a ser transcendida, dando lugar a uma cosmovisão
que integra o microcosmo ao macrocosmo.
Neste sentido, elevar o estado de consciência representa condição sine qua non para se
experienciar a realidade da unidade com o universo. A compreensão dos conteúdos de
astronomia requer uma capacidade de abstração e de se colocar além da nossa perspectiva
pessoal e planetária. Este exercício, ao nosso ver, favorece a ampliação da visão de mundo,
que, aliado às práticas de psicologia transpessoal, propicia condições para que o sujeito
vivencie um estado elevado de consciência capaz de promover a emergência de insights,
intuições e descobertas sobre este estado de interdependência existente entre todas as coisas
32
do universo. Conforme já mencionado, esta experiência que agrega temas de astronomia e
técnicas da psicologia transpessoal é apresentada aqui como uma possibilidade de superação
para a crise de fragmentação.
3.3.1.1 Cosmoeducação
Entende-se por cosmoeducação o desenvolvimento vivencial da unidade ser humano-
cosmo. Este conceito foi proposto pelo psicólogo transpessoal Weil (1989, p. 72), a partir da
hipótese de que “a dissolução do ego através da ampliação do campo dos níveis de realidade,
da desidentificação dos diferentes planos experienciais e do controle dos diferentes degraus da
consciência, é o caminho para a consciência cósmica”. Ou seja, para vivenciar esta realidade
de total integração com o cosmo é necessário uma ampliação da consciência para níveis
elevados que transcendem a dualidade espaço-tempo.
Este termo foi sugerido de forma visionária, onde o autor vislumbrou a possibilidade
do surgimento de uma cosmopsicologia, que estuda a unidade ser humano-cosmo, a qual
fundamentaria uma cosmoeducação e uma cosmoterapia.
Desde o primeiro momento em que me deparei com o termo cosmoeducação me senti
estimulada a criar algum programa que propiciasse o desenvolvimento prático dessa teoria.
3.4 PRIMEIRAS ASSOCIAÇÕES ENTRE PSICOLOGIA TRANSPESSOAL E
ASTRONOMIA
Nos PCN do 3º e 4º ciclos do Ensino Fundamental em Ciências Naturais, Eixo
Temático: terra e universo encontramos um trecho que traduz nossa idéia inicial (BRASIL,
1999, p. 41):
Compreender o universo, projetando-se para além do horizonte terrestre,
para dimensões maiores de espaço e de tempo, pode nos dar novo
significado aos limites do nosso planeta, de nossa existência no cosmos, ao
passo que, paradoxalmente, as várias transformações que aqui ocorrem e as
relações entre os vários componentes do ambiente terrestre podem nos dar
dimensão da nossa enorme responsabilidade pela biosfera.
33
Aqui se propõe uma ampliação da visão de mundo numa perspectiva cósmica.
Entendemos que quando o nosso referencial é ampliado, sai do nosso “umbigo”, do nosso
bairro, da nossa cidade, país, continente, planeta, galáxia, etc., há uma tendência a
minimizarmos as diferenças, preconceitos, e a desenvolvermos uma atitude mais universalista
e solidária. Conseqüentemente, tomamos consciência que não só estamos influenciando o
nosso lar, o nosso trabalho, mas todo o planeta e todo o universo. Ou também, se recorrermos
a uma leitura mediada por conceitos de física moderna atualmente aceitos para uma
modelização de muitos aspectos fundamentais da realidade, podemos interpretar que tudo está
interligado de acordo com a realidade energética proposta pela física quântica.
O conteúdo deste trecho retirado dos PCN teve ressonância com algumas idéias que
haviam me ocorrido há alguns anos, quando participei de um minicurso em cosmologia
chamado O universo em que vivemos
4
. Durante aquele curso, foram abordados temas como
nascimento das estrelas, galáxias, buracos negros, origem do universo, tempo de vida do sol,
entre outros. A escala das grandezas e dimensões macrocósmicas proporcionou uma expansão
da visão de universo, antes limitada por uma perspectiva desde a terra.
A partir de então, percebi o potencial de tais conteúdos de astronomia em proporcionar
uma ampliação da visão de mundo, de meio ambiente e da conseqüente responsabilidade
pessoal
frente aos problemas globais, na medida em que a pessoa se percebe de modo mais integrado
no universo. Nesta ocasião, apareceram para mim as primeiras associações entre psicologia
transpessoal e astronomia, bem como a curiosidade em investigar a interface entre estas duas
áreas do conhecimento e aplicá-la em educação, visando potenciais mudanças na visão de
mundo dos educadores e conseqüentes mudanças de valores.
À medida que começamos a relacionar temas de astronomia com vivências de
psicologia transpessoal e a vivenciá-las com os alunos, naturalmente esta prática foi remetida
para o termo cosmoeducação. Esta palavra traduz bastante a nossa proposta de que através do
conhecimento do cosmo (astronomia) e da conscientização de que fazemos parte deste
(psicologia transpessoal), é possível desenvolver o senso cosmológico, que, em última
instância, nos faz sentir um só com o universo.
4
Minicurso com carga horária de 6 horas, ministrado por professores do Instituto Nacional de
Pesquisas Espaciais (INPE), durante a 50ª Reunião Anual da SBPC, realizada de 12 a 17 de julho de
1998, na Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
34
3.5 O POTENCIAL AUTOTRANSFORMADOR DA ASTRONOMIA
Astronomia constitui uma sub-área da física, que trata da posição, movimentos,
constituição e evolução dos astros. Em outras palavras, estuda as coisas do céu do ponto de
vista exclusivamente científico, isto é, de sua constituição material-energética
quantitativamente falando, conforme o conhecimento construído através da ciência (ocidental)
foi se caracterizando. Através desta área do saber acessamos informações sobre as dimensões
do universo conhecido e tentamos inferir previsões sobre sua parte desconhecida. A tentativa
de compreendermos estes conteúdos exige de nós uma capacidade de abstração que
normalmente nos transporta para domínios incomuns de nossa imaginação, promovendo,
quase que via de regra, uma ampliação da consciência. Neste sentido, é possível perceber o
potencial da astronomia enquanto porta cultural acadêmica para o despertar de uma identidade
cósmica.
Contudo, como destaca Jafelice (2006c)
5
:
Essa ‘porta de entrada’ não pode ser adequadamente explorada, por quem
defende uma perspectiva de educação integral do ser humano, se a
abordagem ao estudo da astronomia continuar restrita aos seus aspectos
técnico-científico formais, como habitualmente é feito em cursos, disciplinas
e materiais de ensino e de divulgação de astronomia existentes. Nestas
abordagens convencionais, não há, por um lado, uma discussão crítica sobre
o significado do conhecimento científico, nem há, por outro lado, uma
ampliação de interpretações que incorpore possibilidades não racionais
significativas para nós, humanos, de nos relacionarmos com os conteúdos
daquela área do saber, possibilidades de caráter fortemente integrador em
termos psíquicos, cognitivos, culturais e sociais. Estas são possibilidades de
teor simbólico-representacional, aceitas como constitutivas do humano em
outras áreas do conhecimento, como em psicologia, sociologia, antropologia,
por exemplo, mas normalmente excluídas, enquanto aporte válido à
construção do conhecimento relevante, nas áreas de ciências exatas e
biológicas. A compartimentação do saber, que foi se estabelecendo em nossa
cultura e as implicações para o pensamento daí decorrentes – tanto aquelas
de ordem organizativa e estruturadora, como as de ordem enviesadora e
limitante –, precisam ser revisadas com urgência e determinação. E a área de
educação, desde que também se submeta a tal revisão paradigmática e
metodológica, é particularmente sensível e estratégica nesse
empreendimento revisionista e na transformação dessa revisão em ações
inovadoras e crescedoras para os sujeitos envolvidos. A reaproximação e um
diálogo frutificador entre as culturas humanística e científica precisam ser,
em parte, restaurados e, em parte, recriados em nossa cultura, pois
constituem etapas fundamentais a colaborar na solução da crise civilizatória
em que vivemos.
5
Vide também Jafelice (2002c, 2004, 2006b), onde essas discussões são mais aprofundadas.
35
Desde os primórdios da história da humanidade pode-se observar que as coisas do céu
despertavam a curiosidade e o fascínio do ser humano. Consideramos que a chave deste
processo está na capacidade de vivenciar tais conteúdos de forma integral, não só através da
intelectualidade supervalorizada pela educação atual, mas através das sensações, intuições e
subjetividade próprias da construção do saber. De acordo com esta forma de pensar, supomos
que os conteúdos de astronomia trabalhados apenas do ponto de vista tradicional (no sentido
mais conservador e limitador deste termo), de modo a valorizar somente o acúmulo de
informações, dados matemáticos e tecnicidades em geral, não propiciam condições favoráveis
para potenciais mudanças na visão de mundo do sujeito em questão.
Por mais fascinante e envolvente que seja um conhecimento, isso não garante que ele,
por si só, seja transformador. A forma como esse saber será vivenciado é que proporcionará,
ou não, mudanças no modo do educando perceber o mundo.
3.5.1 Abordagem antropológica no ensino de astronomia
As sementes desse trabalho transdisciplinar encontraram solo fértil na iniciativa
humanística que o Prof. Luiz Carlos Jafelice vem desenvolvendo ao longo de pelo menos uma
década de atuação docente em ensino de astronomia, onde ele tem lecionado esta disciplina
sob uma ótica antropológica, holística e cultural. Enfim, como ele mesmo explicita:
Uma ótica transdisciplinar, tanto pela forma de abordar, re-significar e
encaminhar os conteúdos ditos específicos das muitas áreas participantes,
quanto pela perspectiva pós-moderna com que as questões de método, de
referenciais teóricos e de práxis são encaradas e redefinidas, para atender à
educação integral de ordem maior almejada (JAFELICE, 2006c).
De acordo com essa abordagem, a astronomia é um excitante e provocador
instrumento através do qual o indivíduo pode desenvolver a observação do céu, buscando
reconectar-se com este, ampliando a noção de meio ambiente e eventualmente modificando
sua visão de si mesmo e do mundo ao seu redor. Nesta abordagem o foco é o
desenvolvimento humano integral.
Explicitando mais ainda este ponto básico, Jafelice (2006c) resume:
O foco não é apenas a construção (ou ‘aquisição’, como se costuma
pressupor nas abordagens convencionais) de conhecimentos específicos em
astronomia, desde as perspectivas disciplinar e tecnocrata-progressista
convencionais. Da forma que entendemos uma abordagem antropológica
36
holística, a astronomia, embora continua tendo uma importância e interesse
em si mesma, é uma desculpa, pode-se dizer – por ser biológica e
historicamente relevante ao humano e trazer muitas vantagens dos pontos de
vista psicológico, cognitivo e cultural associadas a isto – para ser usada
como estímulo e incentivo àquilo que, de fato, mais carecemos atualmente,
que são o sentir, o pensar e o agir solidários, cooperativos, éticos, desde uma
cosmovisão biocêntrica e sistêmica, decorrentes do aprofundamento de um
processo comprometido de autoconhecimento
.
Segundo, por exemplo, Jafelice (2005a) a abordagem antropológica se justifica devido
aos elementos culturais e, portanto, educacionais permearem nosso imaginário através de
representações simbólicas criadas e vividas por nós enquanto seres humanos. Essa abordagem
investe na recuperação vivencial da relação humana com o ambiente, com as outras culturas
humanas e com o cosmo. Portanto, de tal enfoque pode-se extrair “substância, contextura e
inspiração para práticas educacionais diversas” (JAFELICE, 2002d, p. 64)
6
.
Outro ponto fundamental desta abordagem, para o desenvolvimento de nossa proposta,
é o exercício de tentar se colocar no lugar do outro e, até onde possível, ver o mundo segundo
a perspectiva do outro. Nota-se que este aspecto é extremamente necessário, por um lado, para
o desenvolvimento de uma genuína solidariedade, uma vez que ao se colocar no lugar do
outro o sujeito sai do seu ego, se reconhece no outro, e cria possibilidades de empatia e de
sensibilização, e por outro lado, para promover a conscientização da existência de múltiplas
formas de entender e se relacionar com o ambiente ao redor, seja na mesma cultura ou em
culturas diferentes (vide, neste sentido, JAFELICE, 2002c, p. 9-10).
Essa abordagem comporta também naturalmente elementos sobre o meio ambiente,
por entender que a própria origem e desenvolvimento de nossa forma de ser e pensar enquanto
espécie foi definida pela relação dos seres humanos com o ambiente, ao longo da história da
humanidade. Aqui, entenda-se por meio ambiente tudo que compõe o céu e a terra, lembrando
que esta última é regida por ritmos e ciclos astronômicos e, portanto, de origem celeste.
Então, ao longo da disciplina de astronomia, segundo essa abordagem, o desafio é
reintegrar essas questões, ligadas a essa outra metade do espaço, e descobrir como que
poderíamos recuperar isso de modo reintegrador em nossas vidas.
A perspectiva aqui é dupla: primeiro recuperar o contato com as coisas do
céu pelo simples enriquecimento de cada um enquanto pessoa, enquanto ser
humano, e, depois, como instrumentalização de cada um como educador,
que lecionará tais assuntos
(JAFELICE, 2006a).
6
vide também Jafelice (2001a).
37
Segue abaixo um quadro comparativo entre a educação astronômica tradicional e a
antropológica em questão.
Educação astronômica tradicional:
a imagem pela imagem, vazia; apelo
visual
Educação astronômica antropológica:
A o que há de significativo por trás das
projeções; processos psicológicos
nosso lugar no universo (fisicamente
falando)
A o lugar do universo em nós
(simbolicamente falando)
jovem não se interessa por ciência
A o natural é o ser humano procurar sentido
maior em tudo em que se envolve
a abóbada celeste é esférica; etc., etc.,
etc.
A o céu não é único; há tantos céus quantas
culturas humanas
a astrologia: grande bobagem e perigo;
exemplo do mal pensar; ramo equivocado
das origens históricas da astronomia
A a astrologia: pensamento analógico;
unidade cósmica; ricos conteúdos e processos
psíquicos envolvidos
a alquimia: idem, ibidem (química)
A a alquimia: idem/ibidem
aquilo que contribuiu direta ou
indiretamente para a moderna astronomia
ocidental serve, caso contrário é pitoresco
ou curiosidade para quem tem tempo para
essas coisas
A aquilo que não contribuiu diretamente para
a moderna astronomia ocidental é mais um
exemplo da diversidade de formas culturais e
de possibilidades de pensamentos humanos
fundamentais
Quadro 2 – Reflexões adicionais: exemplos específicos para educação em astronomia
Fonte: Jafelice (2004, p. 36)
3.6 HIPÓTESE DE TRABALHO
Em consonância com o que temos argumentado, pensamos na hipótese de que
conteúdos de astronomia, quando trabalhados segundo um enfoque antropológico do caráter
acima exposto, e associados com práticas da psicologia transpessoal, podem vir a ser um
eficiente veículo cultural-acadêmico capaz de proporcionar uma expansão de consciência e
promover mudanças na concepção de mundo dos sujeitos em questão, mudanças essas que se
fazem necessárias para que a existência de uma vida mais solidária, justa e ecologicamente
equilibrada comece a prevalecer no planeta.
O espírito de solidariedade humana e de parentesco com toda a vida é
fortalecido quando vivemos com reverência o mistério da existência, com
gratidão pelo presente da vida, e com humildade considerando o lugar que
ocupa o ser humano na natureza. Necessitamos com urgência de uma visão
de valores básicos para proporcionar um fundamento ético à emergente
comunidade mundial. (Carta..., 2004, p. 40)
38
Para testar a hipótese proposta foi elaborada uma seqüência experimental
fundamentada na abordagem transdisciplinar, que teve como mote gerador temas de
astronomia associados a vivências de psicologia transpessoal adaptadas para o contexto
educacional de formação de professores dos primeiros ciclos do ensino fundamental.
3.7 TRANSDISCIPLINARIDADE: A BUSCA DA UNIDADE NA DIVERSIDADE EM
EDUCAÇÃO
A educação contemporânea sofre profundamente com o eclipse da dimensão
espiritual de nosso mundo e universo. Em nosso tempo, a espiritualidade foi
seriamente comprometida por sua identificação com as religiões
institucionalizadas. (O’SULLIVAN, 2004, p. 376, grifo nosso.)
De acordo com Weil (1997 apud O’SULLIVAN, 2004, p. 376), “a religião procura
institucionalizar a espiritualidade e, em muitos casos, isso é feito mais pela perpetuação da
instituição do que pelo bem-estar explícito do indivíduo”. Portanto, a espiritualidade referida
aqui não é sinônimo de religião, mas, sim, refere-se a dimensões não físicas, imateriais, de
nosso ser, o qual transcende a materialidade da nossa existência física, bem como as barreiras
conceituais da nossa cultura. Esta dimensão faz parte da vivência do ser humano, quer queira
a ciência ou não.
Atualmente, especificamente na sociedade ocidental, o predomínio da ideologia
cientificista tem ignorado as dimensões humanas, as quais não se pode manipular através de
leis e de métodos objetivos. Qualquer outro conhecimento que não seja científico é
considerado fantasia, fruto da imaginação, algo sem valor e que não merece nossa atenção
nem respeito. Esta cegueira tem sido uma ameaça para nossa própria espécie, uma vez que a
complexidade da crise civilizatória ou de percepção, que comentamos no capítulo anterior,
exige da sociedade global (nós) uma compreensão e atitude complexa, a qual requer a
valorização do desenvolvimento integral do ser humano, e este inclui funções psíquicas, como
emoção, sensação e intuição.
A transdisciplinaridade é uma abordagem recente que comporta este anseio
transcendente, uma vez que transgride as fronteiras das disciplinas e vai além delas,
reconhecendo a unidade na diversidade bem como percebendo a diversidade na unidade.
Como esclarece D’Ambrósio (1997, p. 9):
39
A transdisciplinaridade não constitui uma nova filosofia. Nem uma nova
metafísica. Nem uma ciência das ciências e muito menos, como alguns
dizem, uma nova postura religiosa. Nem é, como insistem em mostrá-la, um
modismo. O essencial na transdisciplinaridade reside numa postura de
reconhecimento onde não há espaço e tempo culturais privilegiados que
permitam julgar e hierarquizar - como mais corretos ou mais verdadeiros -
complexos de explicação e convivência com a realidade que nos cerca. [...]
Na sua essência a transdisciplinaridade é transcultural.
Como escreve O’Sullivan (2004, p. 377): “a diversidade é um dos ingredientes
necessários à espiritualidade saudável [...]”. Segundo Nicolescu (2005), a unidade na
diversidade e a diversidade através da unidade é inerente à transdisciplinaridade. Ou ainda,
com Barbosa (2005, p. 361):
A atitude transdisciplinar precisa ser entendida como abertura para perceber
o novo na educação, disposição para a mudança de paradigma
epistemológico, compreensão do movimento que propõe a incerteza,
articulação dos saberes e aceitação de que a transdisciplinaridade possibilita
a compreensão do mundo presente.
Para alcançar esta compreensão do mundo presente, o caminho ou método
transdisciplinar, trilhado por um número significativo de pesquisadores em diversos países, se
ergue a partir de três pilares, sendo estes: a complexidade, os níveis de realidade e a lógica da
inclusão.
A complexidade compreende a interdependência entre todas as coisas e fenômenos
dos universos físicos, sociais, culturais, constituindo uma teia multidimensional de relações
onde nada está isolado. Neste sentido, a complexidade exalta a riqueza de elementos contidos
na diversidade, indo de encontro ao empobrecimento da visão humana limitada pela ilusão da
fragmentação e pela ênfase na racionalidade (em particular na limitante racionalidade
cientificista dominante). Segundo Barbosa (2005, p. 363), “a educação transdisciplinar
possibilita desenvolver uma pedagogia da incerteza que propõe condições para o educando
buscar soluções para problemas concretos apresentados pela existência”. Nesta perspectiva o
educando aprende a aprender.
Os níveis de realidade, já discutidos na seção anterior, em 2.2.1, percepção e
realidade: o sujeito e sua concepção de mundo, são entendidos aqui de forma semelhante,
admitindo-se a existência de diferentes níveis de realidade correspondentes aos diferentes
níveis de percepção; estes últimos, por sua vez, são determinados pela posição em que se
encontra o sujeito-observador e seu repertório cultural como um todo. Assim sendo, “a gestão
educacional transdisciplinar possibilita ao educador perceber a vida da escola de diversos
40
pontos e notar que o que se vê de um ponto do espaço da escola pode ser visto de outra
maneira de outro ponto” (BARBOSA, 2005, p. 365).
O terceiro pilar que sustenta a metodologia transdisciplinar é a lógica da inclusão, a
qual defende a valorização do conhecimento prévio do educando através de suas vivências e
de sua cultura. Esta visão vai de encontro à lógica da educação positivista, onde o que mais
interessa é o professor e as informações que ele ‘tem que’ passar para o aluno e depois avaliá-
lo para ver o quanto o aluno é capaz de reproduzir.
De acordo com a lógica da inclusão, o ponto de partida é a valorização do educando,
de sua interioridade. Para perceber a interioridade do aluno é preciso que o educador esteja
fazendo esse caminho de reconhecimento e valorização da sua própria subjetividade. Só assim
desenvolverá a sensibilidade para perceber os movimentos mais sutis da subjetividade do
aluno. Esta percepção mais sutil, que vai além da superfície dos fatos e nos permite ver em
profundidade, pode ser vivenciada através da prática reflexiva e meditativa, a qual ainda não é
comum no meio educacional.
Neste sentido, estamos diante de uma necessidade de mudança na forma de entender o
processo educacional e a quem ele atende. Se, enquanto educadores, estamos preocupados
com o desenvolvimento integral do ser humano e, conseqüentemente, com a construção de
uma sociedade mais equânime, parece ser mais lógico nos voltarmos para nós mesmos num
movimento de redescobrirmos nossa própria subjetividade, valorizá-la a fim de estimular essa
descoberta pessoal no nosso aluno. Dessa forma, mudamos o foco da ação educacional para o
estudante em sua complexidade existencial.
Segundo Barbosa (2005, p. 367-368),
A percepção da interioridade do sujeito é um aprendizado de meditação. O
professor que medita consegue alcançar o sentimento dos seus alunos além
da exterioridade que apresentam.[...] Na nossa prática educacional não
estamos acostumados a exercícios de reflexão que desperte a subjetividade
meditativa.
Esta colocação do autor é bastante pertinente ao nosso ver e presente ao longo das
práticas que realizamos com nossos sujeitos, pois entendemos que a vivência meditativa
geralmente nos permite elevar o nosso estado de consciência, ampliar nossas percepções e ver
em profundidade as inter-relações das coisas e fatos que nos cercam.
41
Nesse processo de aprofundar nossas percepções nos deparamos com as faculdades de
ver o invisível que permeia o imaginário dos sujeitos e de ouvir o meio ambiente além do
audível. Faculdades estas tão importantes para criar empatia com nossos alunos e nos
tornarmos um só com estes.
Para ilustrar, reproduzimos aqui uma lenda chinesa citada em Barbosa (2005, p. 368).
Na antiga China um certo príncipe procurou o mestre para aprender a
relacionar-se com outras pessoas. O mestre deu-lhe um exercício que o
príncipe deveria ir à floresta para ouvir os sons que ali se manifestavam. O
príncipe dirigiu-se à floresta e por um ano ficou ouvindo os sons. Voltou ao
mestre e disse: “Mestre pude ouvir o canto dos cucos, o roçar das folhas, o
alvoroço dos beija-flores, a brisa batendo suavemente na grama, o zumbido
das abelhas e o barulho do vento cortando os céus”. Quando terminou a
explicação o mestre mandou-o de volta à floresta para ouvir tudo o mais que
fosse possível. Foram longos dias e noites que o príncipe esteve sozinho na
floresta, ouvindo, ouvindo. Mas não conseguiu distinguir nada de novo.
Certa manhã, sentado entre as árvores da floresta começou a distinguir sons
vagos, diferentes de tudo que já tinha ouvido e sem pressa passou horas e
horas ouvindo pacientemente.Quando retornou ao templo, o mestre lhe
perguntou o que mais ele tinha conseguido ouvir e então o príncipe disse:
“quando prestei mais atenção, pude ouvir o inaudível - o som das flores se
abrindo, do sol aquecendo a terra e da grama bebendo o orvalho da manhã”.
O mestre acenou com a cabeça em sinal de aprovação.
42
4 INTEGRANDO O ASPECTO TRANSCENDENTE À FORMAÇÃO DE
PROFESSORES: A PROPOSTA NA PRÁTICA
Caminante, son tus huellas el camino, y nada más;
caminante, no hay camino,se hace camino al andar.
Al andar se hace camino,y al volver la vista atrás
se ve la senda que nunca se ha de volver a pisar.
Caminante, no hay camino,sino estelas en la mar.”
(Trecho de Provérbios y Cantares, de Antonio Machado)
Este trecho do poema de Antonio Machado traduz bastante o nosso percurso
metodológico, uma vez que, ao longo de nossa jornada, pensamos o método em função da
estratégia e não em função do programa, como tradicionalmente se faz. Segundo Morin,
Ciurana e Motta (2003, p. 29):
O programa constitui uma organização predeterminada da ação. A estratégia
encontra recursos, faz contornos, realiza investimentos e desvios. O
programa efetua a repetição do mesmo no mesmo, ou seja, necessita de
condições estáveis para sua execução. A estratégia é aberta, evolutiva,
enfrenta o imprevisto, o novo. O programa não improvisa nem inova, mas a
estratégia sim. O programa só pode experimentar uma dose fraca e
superficial de risco e de obstáculos em seu desenvolvimento. Para alcançar
seus fins, a estratégia se desdobra em situações aleatórias, utiliza o risco, o
obstáculo, a diversidade. O programa tolera apenas uma dose fraca e
superficial de erros em seu funcionamento. A estratégia tira proveito de seus
erros. O programa necessita de um controle e de uma vigilância. A estratégia
não só necessita deles, mas também, a todo o momento, de concorrência,
iniciativa, decisão e reflexão.
Neste sentido, a nossa prática foi dando o tom de como fazer, por onde ir, quando
parar. Fomos escolhendo o caminho a ser trilhado ao mesmo tempo em que fomos escolhidos
por ele. Primamos pela integração dos elementos envolvidos na pesquisa e nos incluímos
neste processo. Seria, inclusive, incoerente com a proposta de caráter transdisciplinar que,
desde o início, pretendíamos desenvolver e implementar, adotarmos outra postura no que
concerne a questão metodológica.
Iniciamos as experimentações com estudantes da disciplina de Astronomia, do Curso
de Licenciatura em Geografia da UFRN. Elaboramos algumas vivências associando
conteúdos de astronomia, que estavam sendo trabalhados na disciplina, com exercícios de
psicologia transpessoal, com o objetivo de despertar outros sensores cognitivos que possam
apreender de um modo sensível a inter-relação entre tudo o que existe. Este foi nosso primeiro
grupo real de indivíduos, para testar a aplicabilidade e a pertinência da proposta concebida e
corrigir pontos falhos detectados. Esta escolha se deu principalmente devido à facilidade de
43
acesso a esse grupo e porque ele estava vivenciando exatamente aspectos fundamentais para
nosso trabalho, que envolve, em particular, o tratamento de temas de astronomia segundo uma
abordagem antropológica holística, no contexto da formação de professores.
Após o tratamento dos primeiros dados coletados a partir deste primeiro grupo,
construímos uma seqüência experimental que, ao nosso ver, pudesse atender aos objetivos
propostos. Essa seqüência foi aplicada a professores do 1º e 2º ciclos do nível fundamental
(antiga 1ª a 4ª séries) de uma Escola Estadual localizada na zona Norte de Natal através de um
curso de extensão universitária. A escolha do universo de nossa pesquisa se justifica devido a
esses professores lecionarem todas as disciplinas para a mesma turma, apresentando uma
maior possibilidade de interconectar conteúdos, bem como ir além deles, atuando numa
perspectiva interdisciplinar e transdisciplinar.
Pretendíamos responder às duas questões básicas enunciadas abaixo:
1. É possível promover mudanças na concepção de mundo dos educadores, através da
utilização de temas de astronomia aliados às práticas de psicologia transpessoal?
2. Quais temas astronômicos e vivências psicológicas são mais favoráveis para promover
a ampliação da visão de mundo pretendida?
4.1 FERRAMENTAS DE INVESTIGAÇÃO
Adotamos em nossa coleta de dados, em parte, o método etnográfico. Tal método é
relevante neste caso porque uma interpretação de caráter antropológico, como a pretendida
por nós, está inextricavelmente associada ao tipo de intervenção educacional que propomos, a
qual vai envolver de modo natural tanto etno-visões do universo, como elementos culturais
específicos. Isto explica nossa adoção também de instrumentos de investigação como
questionário, entrevista semi-estruturada e observação participante, por exemplo.
4.1.1 Questionário
Elaboramos e aplicamos um questionário inicial e final aberto, para os professores-
experimentadores da proposta em questão. O uso do questionário se justifica devido ao fato de
que este instrumento possibilita que, para cada pessoa, as perguntas sejam feitas da mesma
forma, permitindo assim uma melhor comparação entre as respostas.
44
A vantagem do questionário aberto para esta pesquisa é a possibilidade de recolher
dados ou informações mais ricas e variadas. Aqui não nos prendemos à possível desvantagem
do uso do questionário com perguntas abertas, devido às maiores dificuldades envolvidas no
processo de redução dos dados, pois as respostas têm que ser codificadas e analisadas uma a
uma. Ao contrário, exploramos o objetivo desse instrumento, que é o de é captar a
complexidade da realidade subjetiva dos sujeitos envolvidos. Assim, identificamos
ressonância com Morin (1998, p. 170), quando este fala sobre o método que elaborou em
Plozévet:
O princípio do método consiste em favorecer a emergência dos dados
concretos, em apreender as realidades humanas sob diversas dimensões, em
não procurar anular, mas sim revelar, os caracteres individualizados do
terreno, a começar pelo indivíduo sociológico que é uma comuna, em
reconhecer os traços originais da dupla natureza, singular e microcósmica,
do fenômeno estudado.
Buscamos apreender esta complexa teia produzida a partir da percepção de mundo do
sujeito. Ao final de cada prática os participantes produzem relatos de experiência, que
complementam o questionário e revelam, em maior escala, a subjetividade dos envolvidos.
4.1.2 Observação participante
O fato de o pesquisador integrar-se e participar do dia-a-dia escolar dos alunos e
professores permite uma compreensão mais ampla e realista a respeito do grupo. Embora sua
disponibilidade como observador é relativamente limitada, a integração lograda pode levar o
pesquisador a alcançar uma qualidade e profundidade de informação que seriam inacessíveis
de outra forma. Estamos falando de capacidade perceptiva, a qual exige muita disciplina do
observador de participar e ao mesmo tempo observar de fora, de ser igual a todos e ao mesmo
tempo diferente, num perfeito movimento de expande-contrai contínuo, obedecendo à lógica
do terceiro incluído, de ser um observador e um não observador simultaneamente.
Segundo Morin (1998, p. 172), as disposições necessárias à observação são:
Um interesse constante pelas idéias gerais, pela humanidade singular e as
realidades concretas. Em compensação, a atitude puramente profissional
atrofia a percepção; o interesse monomaníaco por uma idéia única mutila-a;
a indiferença pelos seres humanos é cegueira; a indiferença pelas idéias não
deixa ver a proliferação de sinais que o mundo fenomenal constitui; a
carência da função decifradora conduz à carência da função perceptora, e
reciprocamente.
45
4.1.3 Entrevista semi-estruturada
Este instrumento foi utilizado ocasionalmente para buscar maior clareza além das
respostas dadas, criando um espaço de maior interação. Assim, as entrevistas realizadas neste
trabalho foram elaboradas a partir de conteúdos já mencionados pelo sujeito, podendo vir à
tona, durante a interação, questões relacionadas que não estavam previstas, legitimando o tipo
da entrevista. A vantagem de se usar este instrumento é a investigação além das respostas
escritas, podendo nos revelar mais a intimidade do sujeito em questão, bem como trazer à tona
componentes fundamentais expressos através de outras linguagens (como a corporal, a
gestual) e níveis (como o emocional, o interacional), além de outros elementos relevantes e
inusitados para a pesquisa.
4.2 PRIMEIRAS EXPERIMENTAÇÕES
Na disciplina de Astronomia, obrigatória para estudantes do Curso de Licenciatura em
Geografia da UFRN, elaboramos e aplicamos ao longo do primeiro semestre letivo de 2003,
em horários extra-aula, normalmente antes desta, algumas práticas que mesclavam elementos
de astronomia, que estavam sendo trabalhados em sala de aula, e exercícios da psicologia
transpessoal
7
. O objetivo inicial deste trabalho experimental era avaliar até que ponto esta
combinação poderia estimular a afloração de conteúdos imaginários significativos para a
interação subjetiva dos estudantes com as coisas do céu. A partir daí, pretendia-se fomentar a
compreensão existencial das relações de interdependência do sujeito com tudo o que existe,
bem como a conscientização do senso cosmológico e reconhecimento de sua identidade
cósmica. Exploramos aqui mudanças de estado de consciência e a percepção de conteúdos
associados à astronomia (MEDEIROS; JAFELICE, 2003).
Propusemos, ao longo daquele semestre, vivências opcionais que incluíam, por
exemplo, exercícios de relaxamento, meditação, sons autóctones, expressão corporal,
imaginação ativa, pinturas de mandalas pessoais e redescoberta do céu diurno e noturno. Vale
salientar que essas práticas, com exceção das que envolveram a redescoberta do céu diurno e
noturno, foram aplicadas na própria sala de aula onde a disciplina era lecionada, espaço físico
7
É pertinente ressaltar que esta fase exploratória da pesquisa foi iniciada antes do meu ingresso oficial
no Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências Naturais e Matemática da UFRN, o qual veio
ocorrer em 2004.
46
que não apresentava condições ambientais adequadas para tais vivências. Porém, foi o único
espaço de que dispusemos, embora este inconveniente não chegou a impedir que as práticas
pudessem atingir seus objetivos. Outro inconveniente para a realização destas práticas foi a
indisponibilidade de tempo de vários estudantes. Portanto, cerca de 30% da turma participou
das práticas propostas durante o semestre.
As práticas descritas a seguir foram realizadas com esse grupo de estudantes em dias
diferentes, envolvendo temas variados da astronomia. Em decorrência da dificuldade de
coincidir as respectivas disponibilidades de tempo dos interessados em experienciar
voluntariamente as práticas propostas, tivemos, ao longo das vivências realizadas com esse
grupo, uma variação de participantes dentro do percentual de participação citado.
4.2.1 Expressão Corporal/Sonora do Eclipse Lunar Interiorizado
O primeiro exercício experimentado por este grupo envolvia a representação simbólica
do eclipse lunar. Estávamos a dois dias de acontecer um eclipse lunar, os rumores sobre o
assunto eram uma constante entre os estudantes e os elementos curiosidade e fascínio estavam
em evidência. Aproveitando este momento propício de sensibilização por parte do grupo em
relação a este tema, decidimos propor uma vivência que tivesse como mote gerador o eclipse
lunar.
O objetivo desta prática consistiu, de um modo geral, em mobilizar os estudantes de
astronomia para as relações existentes entre eles mesmos e os eventos que acontecem no
ambiente ao redor, neste caso o fenômeno natural do eclipse da lua. Num nível específico,
pretendia-se promover no estudante um contato subjetivo com o eclipse lunar bem como uma
conscientização das inter-relações entre o que acontece dentro e fora de si mesmo.
É importante frisar que se havia chamado a atenção para tal fenômeno na disciplina,
porém nada sobre eclipse havia sido trabalhado ainda em aula, nem os participantes desta
prática haviam estudado ou lido nada sobre o assunto; além disto, eles não tinham nenhum
conhecimento sobre o que consistia essa prática.
Após exercícios de consciência corporal e espacial, como, andar na sala em diferentes
direções, ritmos e níveis, redescobrindo o ambiente, foi sugerido que cada um dos alunos
encontrasse um lugar na sala e se acomodasse ali, relaxando o corpo de olhos fechados. Foi
dado o comando de que seriam mencionadas duas palavras e que eles deveriam observar as
47
imagens e sensações que eventualmente pudessem emergir como resposta espontânea dentro
deles. As palavras mencionadas foram 'Eclipse Lunar'. Em seguida foi sugerido que cada um
buscasse um som e um movimento capaz de expressar a imagem e/ou sensação que tiveram.
Por fim, de pé e ainda no mesmo lugar, eles deveriam expressar através do corpo e da voz o
seu som/movimento e, posteriormente, movendo-se pelo espaço, deveriam expressar-se no
coletivo, buscando uma unidade entre os vários sons/movimentos ali presentes, dentro e fora
de cada um. Após a prática sentamos em círculo e cada um compartilhou a experiência
vivenciada.
Em síntese, a vivência constituiu-se de três momentos: um de sensibilização, onde o
objetivo central foi desconstruir condicionamentos operantes em relação ao meio ambiente, ao
corpo e a utilização dos sentidos, de modo a facilitar um contato com o imaginário e o
subjetivo. Os outros dois momentos tiveram caráter pessoal e coletivo, pois inicialmente foi
proposto um contato subjetivo pessoal com o eclipse lunar, o qual deveria ser representado
através do corpo (som e movimento) e depois compor um cenário coletivo formado pelas
representações individuais e suas inter-relações.
Seguem alguns trechos dos relatos verbais dos alunos relativos ao momento pessoal da
prática:
Eu não tive uma sensação boa. Eu não consegui ver. Mesmo tendo visto várias imagens
de eclipse, tanto do sol quanto da lua, mas não conseguia visualizá-lo na prática. Ficou
muito escuro e veio um tipo de sensação RUIM e uma imagem muito recorrente de um
cavalo preto, como se eu estivesse meio embaixo do cavalo. O cavalo aparecendo num
plano mais alto e o eclipse por trás, entenderam? Eu via um cavalo refungando, meio
torcendo a cabeça, relinchando. O cavalo eclipsou o eclipse. Eu estava até com medo de
falar isso, mas foi exatamente esta imagem. Eu sabia que tinha o eclipse por trás, tinha
aquela pouca luz da lua, mas o cavalo sempre na frente, e também muito assustado.
Quando você falou as palavras eclipse lunar, eu vi um monte de gente gritando e
correndo com medo, se afastando. Depois vi um monte de gente formando um círculo e
batendo o pé, como se aquela força, aquele batido de pé fosse para espantar algo ruim. E
continuaram batendo, batendo, batendo pé, ao redor de uma fogueira como se a força da
marcha de várias pessoas ia espantar aquele mal. Era uma coisa que nunca ninguém
tinha visto e sentiam muito medo. Sempre viam a lua lá, no caso, ela estava cheia e de
repente uma coisa encobriu a lua e o medo tomava conta das pessoas que nem sabiam o
que era e só queriam espantar. Até que depois a sombra sumiu e aí veio o alívio por
saber que aquilo não era definitivo, mas passageiro.
Eu tive a sensação de que no eclipse tinha algo que não era bom. Uma sensação de
escuridão, como se a terra chegasse num local onde se lutava... Tinha alguma coisa
errada. Fiquei me sentindo só, e incapaz de mudar alguma coisa. Algo parecido com
destruição. Tentei visualizar o eclipse mas havia muita escuridão, algo muito estranho no
ar, um vento frio, uma solidão, as nuvens se movimentando, uma sensação ruim. A
imagem que me veio é que eu estava fugindo de alguma coisa.
48
Observamos nos três relatos acima claros conteúdos míticos aflorados. É constante
nestes a recorrência de elementos de caráter nefasto e destrutivo, provocadores de medo e
maus presságios, tal como foram vivenciados pelos estudantes quando em contato imaginário
e subjetivo com o eclipse lunar. É interessante nos reportarmos à teoria do inconsciente
coletivo, proposta por Jung, onde registros ancestrais continuam latentes na nossa memória
individual (inconsciente pessoal), como um legado da humanidade em cada um de nós, e
podem ser acionados mediante estímulos específicos.
É pertinente lembrar que inúmeras culturas interpretavam o eclipse lunar como algo
que é pernicioso e mau. Como exemplo, podemos citar a “lua Cris”, que está relacionada a
doenças, sofrimentos e desgraças:
“Cris” é corruptela de eclipse (eclipse ecris cris), e é como era
popularmente chamado o eclipse lunar em Portugal, em um passado mais
remoto. Os medos associados ao evento também vieram para o Brasil com os
colonizadores portugueses. A mudança de cor que ocorre com a lua durante
o eclipse, por exemplo, era associada a doença, coisa nefasta. Por empatia,
quem olhasse para a lua enquanto ela estivesse nessa crise corria o risco de
pegar sua doença. Por isto era muito importante se prevenir. Aconselhava-se
também acordar as pessoas que estivessem dormindo nesse momento, para
evitar que elas ficassem dormindo para sempre. Em muitos lugares as
pessoas saiam para o quintal ou plantações gritando para as árvores frutíferas
acordarem e atentarem para a lua cris, para que não lhe adviessem
malefícios. (JAFELICE, 2003b, com base no Dicionário do Folclore
Brasileiro, de L. C. Cascudo, Rio de Janeiro: Ediouro, 1998).
Após expressarem-se individualmente, através de representações corporais e sonoras,
os participantes foram convidados a interagir com o coletivo, sem, no entanto, perderem o
referencial de sua representação pessoal. Seguem alguns trechos compartilhados pelos
mesmos ao final da vivência coletiva:
Eu fiquei no meio e os meninos ficaram me rodeando, eu me senti como se eu fosse a
fogueira e eles tivessem fazendo a mesma coisa que as pessoas estavam fazendo ao redor
da fogueira na minha imaginação. Eu parei, mas foi para vivenciar a minha fogueira, os
meninos começaram a me rodear e pensei: está tudo certo.
Eu fui atraído por L. porque ela estava como que marchando. Eu fui atraído para seguir
o passo dela... [t]entando me integrar no que ela viu com o que eu vi, foi o que fazia mais
sentido.
Os passos dela me atraíram, não sei porque. A pisada me atraia. Eu estava tentando sair
de algum canto e me aproximar de alguém.
49
Figura 1 - Momento coletivo durante a vivência do eclipse lunar interiorizado.
Foi possível observar que houve uma atração generalizada pelo som vigoroso
provindo das pisadas de uma das participantes. Segundo os relatos, o ritmo dava força e
firmeza para enfrentar as emoções aflitivas vivenciadas durante esta prática. É interessante
refletir sobre a importância do ritmo em nossas vidas. Ainda no ventre de nossas mães
conhecemos o som ritmado das batidas do coração de nossa genitora. É comum em algumas
comunidades indígenas, o xamã ou pajé ‘bater o tambor’ para representar as batidas do
coração da mãe terra, a fim de obter uma maior conexão com o arquétipo da mãe cósmica. As
batidas ritmadas do tambor, em algumas culturas também servem de ponte para acessar
estados mais profundos do inconsciente.
Nesta prática podemos inferir que tal atração pelo som ritmado do ‘pisar’ de um deles
sugere uma identificação com um inconsciente arcaico, uma busca de conexão com os ritmos
cósmicos. Os estudantes demonstraram em seus relatos uma necessidade de se agrupar, de
sentir calor, de se unir. A fogueira sentida por um dos participantes parece expressar a luz que
nos é ocultada durante o eclipse lunar pela sombra da terra. Observamos, durante o momento
coletivo, que os participantes criaram uma unidade dinâmica, onde a expressão corporal e
50
sonora de cada um encontrou sentido e complementação enquanto interagiam, gerando
sentimentos de integração, tranqüilidade e segurança.
Aparentemente o contato existencial com o fenômeno do eclipse lunar, realizado
daquela maneira inesperada e espontânea pelos sujeitos, tornou possível a emergência de
estados arquetípicos e de partes integrantes de um inconsciente arcaico e coletivo. Essa
vivência propiciou aos participantes uma maior conexão entre o seu mundo interno e externo.
Para eles, o espaço entre o "si mesmo" e o fenômeno do eclipse lunar passou a ser um
significativo elo entre suas manifestações psíquicas interiores e o evento eclíptico lunar.
4.2.2 Som e Respiração
Esta prática iniciou-se com todos sentados e de olhos fechados. Pediu-se que todos
ficassem atentos aos sons do ambiente. Em seguida a professora-facilitadora produziu um som
ressonante a partir de um instrumento tibetano, composto de metal e madeira, com o objetivo
de promover nos experimentadores um estado de ‘centração cognitiva’. Voltou-se ao silêncio
e foi sugerido ao grupo que observasse o movimento da respiração sem interferir no ritmo da
mesma, atentos às manobras de entrada e saída do ar. Quando tomamos a respiração como
foco de nossa atenção, há uma tendência natural de ela se tornar mais profunda, permitindo
que desfrutemos deste movimento natural e vital de cada instante. Após alguns momentos
concentrados neste movimento, foi sugerido que cada um buscasse identificar-se com o ar e
sua natureza fluida. Ao imaginar-se transformado no ar, a pessoa deveria sentir-se como o ar,
preenchendo os espaços dentro e fora de si e ampliando cada vez mais estes espaços,
vivenciando a realidade dentro de si e fora de si. Após alguns instantes de silêncio, foi dado o
comando para que voltassem a identificar-se com o corpo físico, tomando consciência dos
sons e do ambiente ao redor, e que abrissem os olhos. Neste momento lhes foram dadas
algumas questões para serem respondidas por escrito que promoviam reflexões sobre as
impressões do dentro e do fora, diferenças e/ou semelhanças, bem como as relações, entre
estas duas instâncias.
51
Figura 2 - Compartilhando experiências da vivência “som e respiração”.
Seguem algumas expressões pessoais compartilhadas a partir da vivência:
Eu me senti um plasma indo para dentro e para fora.
Fora é mais liberto, dentro tem limites.
O dentro é difícil de compreender, de andar por ele, é escuro. E o fora é o horizonte, é
claro, mais fácil para andar. Porém, um não fica sem o outro.
Senti que não consegui me desfazer ou desbloquear minha 'pequena consciência.
Pra mim, depois de um tempo, dentro e fora era a mesma coisa. Eu senti uma leveza, uma
fluidez.
Dentro é abstrato e fora é mais real. A gente conhece muito pouco dentro.
O dentro era infinito, o fora era infinito, quanto mais eu entrava mais fundo ficava.
De acordo com os depoimentos dos alunos, ficou evidenciado que alguns vivenciaram
o dentro e o fora como duas realidades bem diferentes. Outros, entretanto, experienciaram
ambos os ambientes como realidades semelhantes. Para o primeiro grupo, o fora está
associado à imagem do horizonte e a sentimentos de liberdade e leveza, enquanto que o
dentro está relacionado à prisão, medo e limites. Ao passo que o segundo grupo parece que
transcendeu o mundo conceitual e, portanto, percebeu uma única realidade.
Isto sugere que quando o diálogo interno é diminuído, abre-se espaço para uma
percepção mais ampliada do real. O mundo conceitual parece funcionar como uma barreira
que impede a visão da unidade.
52
4.2.3 Representação mandálica da origem do universo
Este tema sobre as origens é bastante provocador. Na primeira aula da disciplina de
astronomia é aplicada a prática não-verbal de representação pictórica sobre o início de tudo o
que existe
8
. Observa-se, nesse momento da prática, uma reação de surpresa dos alunos frente
ao inesperado. Ao longo de anos da aplicação dessa prática, notou-se a recorrência de
estruturas circulares e concêntricas como resultado expressivo dos desenhos feitos. A partir
deste fato, um tanto animador, pensou-se em adaptar esta prática pedagógica ao contexto da
psicologia transpessoal, utilizando exercício de relaxamento e a prática da arte transpessoal do
mandala.
Mandala é uma palavra em sânscrito que quer dizer círculo. Etimologicamente,
significa essência de si mesmo. Segundo Matos (1998), podemos encontrar em diversas
culturas, ao longo do tempo, o mandala como uma expressão artística, refletindo a busca de
todos os seres humanos pela essência de sua natureza, podendo ser encontrados nas pinturas
rupestres em inúmeros sítios arqueológicos no Brasil, em particular no Rio Grande do Norte,
nas danças circulares de povos indígenas brasileiros, nas pirâmides maias e astecas, muitas
vezes tridimensionais, nos vitrais de inúmeras catedrais, como a de Notre Dame, em Paris,
entre outros mais sofisticados como os mandalas tibetanos feitos de areia colorida,
representando vários aspectos do cosmo. Estes são mandalas com medidas extremamente
exatas, símbolos e cores específicas, com o objetivo de levar a pessoa a vivenciar estados
elevados de consciência, visando a iluminação.
Esta técnica milenar foi adaptada para o contexto da psicologia transpessoal por
Kellog (1984 apud MATOS, 1998), que dedicou grande parte da sua vida a pesquisar
mandalas e iniciou a experimentação com pacientes, em hospital psiquiátrico, com vários
tipos de problemas mentais, a qual resultou na descoberta do teste projetivo do mandala. A
proposta era de trabalhar os arquétipos
9
e resgatar a conexão com as memórias escondidas,
bem como com o aspecto da infinitude.
A técnica desenvolvida por Kellog tem sido amplamente aplicada e divulgada pelo
psicólogo e psicoterapeuta transpessoal Léo Matos, em cursos de especialização e workshops
que ministra no Brasil e no exterior há pelo menos duas décadas. Segundo Matos (1998, p. 6-
8
Vide Jafelice (2004, p. 38-39) e Jafelice (2005, p. 9) para detalhamentos e discussões mais
aprofundadas sobre as estratégias e práticas adotadas nessa primeira aula.
9
Segundo Jung, arquétipos são estruturas psíquicas antigas ou imagens primordiais que integram o
inconsciente coletivo. Por exemplo, a criança divina, o herói, o velho sábio, a mãe primordial.
53
7): “o mandala é basicamente representado como um círculo dentro de um quadrado [...] o
quadrado no mandala simboliza o finito, o nível pessoal e cartesiano de percepção dos
objetos. O círculo simboliza o infinito, o nível transpessoal”. O círculo também está
relacionado ao céu e o quadrado à terra
10
.
O material necessário para a realização do mandala é um papel branco quadrado
(40x40cm), com gramatura variando entre 40 e 60 mg, um círculo de diâmetro de
aproximadamente 30 cm e giz pastel.
Neste contexto, que não é psicoterapêutico, mas visa acessar níveis transpessoais de
consciência, utilizou-se o tema da origem do universo como estímulo inicial, a fim de
provocar a emergência de conteúdos arquetípicos relacionados a este assunto tão intrigante,
que nos remete à origem de tudo o que existe, inclusive de nós mesmos.
A prática iniciou-se com exercícios corporais envolvendo as articulações, visando
aliviar tensões e liberar mais o corpo. Em seguida, ouviu-se música africana vibrante e se
estimulou a soltura corporal através de movimentos espontâneos, a fim de desformatar
posturas corporais cotidianas, por vezes reprimidas, e dinamizar a energia vital. Após esta
saturação corporal foi sugerido um exercício de relaxamento, por se entender que este é
necessário para promover diminuição na freqüência de ondas cerebrais, propiciando uma
maior abertura para os canais psíquicos inconscientes, transpondo as barreiras conceituais e
resistentes do estado de vigília. Este momento foi realizado com todos sentados, coluna ereta,
com o ambiente na penumbra. Sugeriu-se que fechassem os olhos para diminuir os estímulos
visuais, a fim de facilitar a relaxação físico-mental e seguissem o comando de voltar a atenção
para o corpo e a respiração.
O momento central desta prática é quando a facilitadora sugeriu que os alunos, os
quais ainda estavam de olhos fechados, observassem que imagem, ou imagens, emergiram à
mente quando ouviram as palavras 'Origem do universo'. Deu-se um tempo para que tais
imagens viessem à tona e, em seguida, pediu-se para que todos abrissem os olhos e, ao
encontrar o material de mandala à frente, a pessoa concentrasse a atenção no centro do círculo
10
Como destaca Jafelice (2006c): “A circunferência está associada, em muitas culturas humanas, ao
celeste, ao divino, ao inacessível ao ser humano, representando, assim, a equanimidade, isotropia,
imutabilidade, perfeição, à qual aquela figura geométrica pode simbolicamente remeter, e o quadrado
costuma estar associado ao terrestre, ao humano, àquilo acessível, representando, então, as quatro
direções cardeais, anisotropia, mutabilidade, imperfeição (quebra), em parte também pelo contraste ou
antagonismo geométrico em comparação com a circunferência. Contudo, ambas as representações
abrigam um simbolismo organizador - que expressa uma unidade desdobrada na complementaridade
das duas representações -, criado em resposta às nossas necessidades de estrutura, orientação e
significado para os intermundos físico, psíquico, natural, cultural, enfim, para o que significa ser parte
imanente do cosmo”.
54
desenhado na folha quadrada e relaxasse o olhar em silêncio, tendo como fundo mental as
imagens que emergiram ao pensar na origem do universo. Sugeriu-se que, se mantendo em
silêncio, cada um criasse um desenho partindo do centro para as extremidades do papel,
sempre entrando em contato com o sentimento que aquilo estava dando para a pessoa. Após a
conclusão do desenho, deu-se o comando de que a pessoa relaxasse mais a visão e buscasse
perceber o mandala à sua frente como um espaço tridimensional, e daí imaginar-se adentrando
no espaço do seu desenho. Em seguida, pediu-se que a pessoa se conscientizasse do
sentimento e da vibração que esse espaço estava lhe dando naquele momento.
Após a conclusão desta vivência, foram disponibilizadas folhas de papel A4 em
branco e foram enunciadas algumas questões, uma por vez, com tempo de cerca de 2 minutos
para responderem cada questão (só então a questão seguinte era formulada). As questões
propostas, e a ordem de apresentação, foram: 1) O que sentiu quando entrou no seu desenho?;
2)Como se originou tudo que há?; 3) De que substância você é feito?; 4) De que substância é
feito o universo?; 5) Como você se relaciona com o cosmo?; 6) O que é o universo?; 7) Quem
é você?; 8) O que mais gostou e menos gostou na prática?
Seguem abaixo alguns comentários dos alunos após esta vivência:
Relaciono o desenho com o olho humano. Ao ouvir as palavras origem do universo senti
que há uma força centrífuga que está atraindo tudo o que há no universo para o centro.
Parece que o universo foi criado meio do nada. É como um ponto se expandindo, como
quando uma pedra caindo num lago de águas paradas.
Tudo começou de uma partícula em algum lugar. Esta partícula caiu no meio e foi se
chocando com outras partículas e se propagando.
Na hora de imaginar sobre a origem do universo vi um ponto de luz que origina tudo.
Tudo está sendo atraído por esse ponto que não sai do lugar. Tudo que está no espaço é
atraído por esse ponto. Isso me dá um sentimento de dependência total. Se eu me soltasse
agora, o único lugar que eu iria era para este ponto.
Quando me imaginei entrando no desenho me senti muito pequena, como se fosse a
cabeça de uma agulha no palheiro, ou um labirinto sem fim.
Conforme eu ia entrando na figura o espaço aumentava e era uma espécie de espiral que
ia me puxando para o infinito.
Senti um aquecimento muito intenso durante a vivência.
É interessante notar nesses relatos a recorrência de um ponto original aglutinador, de
onde surge tudo o que há no universo. Esta expansão da matéria a partir de um ponto
luminoso assemelha-se à descrição da teoria científica da grande explosão (“Big Bang”) para
a origem do universo. De acordo com esta teoria, a expansão universal hoje verificada pelos
55
astrônomos ainda seria conseqüência da “explosão” inicial, que teria ocorrido em torno de 15
bilhões de anos atrás.
Neste sentido, nossos resultados com esta prática podem reforçar, em princípio, a
hipótese levantada por Jafelice (2004, p. 39) na subseção “Big Bang” e Psique Humana
Ocidental?, de que apesar daquela teoria receber oposições científicas sérias e, pelo menos em
parte, procedentes, ela “sobrevive com tantos adeptos, antes por atender a necessidades
psicológicas fundamentais humanas, do que por suas justificativas de caráter científico”. Em
particular, como destaca Jafelice (2006c), “necessidades ocidentais, com forte matiz
monoteísta em suas estruturações”.
Esta hipótese se baseia em levantamentos, feitos por Jafelice, após muitas aplicações
da prática do desenho sobre o início de tudo que existe, mencionada, com diferentes grupos, e
das discussões e análises dos desenhos resultantes com quem os fez. Segundo Jafelice (2004),
esses levantamentos, inclusive quantitativos, mostram que a recorrência de figuras mandálicas
envolvendo desenhos de origens, ocorre com relativa freqüência (em mais de 30% dos casos),
mesmo em pessoas que declararam não estar pensando conscientemente na referida teoria ao
desenhar tais figuras. Tal hipótese ainda é apenas especulativa e carece de algum estudo
consistente que possa confirmá-la ou refutá-la.
Levantamos aqui a possibilidade de que o presente estudo pode corroborar a hipótese
de que o modelo da grande explosão está sendo incorporado pela cultura ocidental não só pela
questão determinista das supostas verdades científicas, mas também, e talvez principalmente,
porque, de alguma maneira, tal teoria ressoa com conteúdos psíquicos arcaicos e
inconscientes, forjados nessa cultura, como Jafelice (2004) sugere.
Ou, talvez, ainda, as associações espontâneas que afloraram através dessa prática
podem estar indicando, conforme Jafelice (2006c) reflete, que:
Por outro lado, a recorrência daquelas figuras mandálicas, no contexto em
que surgem, pode até mesmo estar expressando, eventualmente, processos e
fenômenos de caráter ontológico primordial propriamente dito, uma vez que
as conexões entre física, psicologia e cultura ainda pertencem a uma área
inexplorada cientificamente.
Outro aspecto recorrente nos comentários dos alunos sobre esta vivência é a
indefinição, o vazio, o nada. Estes elementos representam a grande interrogação sobre as
origens e o quanto este tema transcende a nossa capacidade conceitual. Como reforça Jafelice
(2006c), “esses são elementos de caráter nitidamente mítico”.
56
Igualmente importante é o senso de infinitude, que aparece nos relatos dos alunos,
especialmente em suas definições de universo, e o senso de unidade, presente nas definições
sobre si mesmo. Ambos são descritos abaixo:
Figura 3 - Exemplo de Mandala feito durante a prática.
O que é o universo?
Tudo aquilo que existe. Podendo ser ainda somente pra mim o que eu idealizo (sonhos),
no meu pensamento sendo o meu universo.
É um espaço infinito, sem limitações e que está repleto de inúmeras coisas.
Um conjunto de várias coisas desconhecidas que geraram algo grandioso, porém
inexplicável.
O universo é uma abstração.
É parte de mim.
Onde tudo está.
Quem é você?
Sou um movimento circular.
Me acho uma formiga em relação ao mundo.
Uma pequena partícula de todo o universo existente e a maior parte do meu universo.
57
Continuando a minha espécie.
Na imensidão do universo eu me vejo como um grão, uma pequena parte deste conjunto
de energia.
O objetivo desta vivência foi o de propiciar, através da arte transpessoal do mandala,
um contato subjetivo com conteúdos psíquicos e arquetípicos relacionados ao tema das
origens, o qual ecoa em nosso inconsciente como uma das curiosidades mais remotas e
fundamentais do ser humano – Como tudo surgiu? Quem sou? De onde vim e para onde vou?
4.3 CURSO DE EXTENSÃO: “LABORATÓRIO EM COSMOEDUCAÇÃO”
A partir deste trabalho experimental com estudantes de astronomia da licenciatura em
Geografia, elaboramos um curso de extensão onde incluímos as práticas mencionadas acima e
criamos outras, utilizando elementos de astronomia e de psicologia transpessoal. O curso se
destinou a professores do 1°. e 2°. ciclo do ensino fundamental. A escolha deste público alvo
se justifica por entendermos que o professor polivalente tem maiores probabilidades de
acompanhar a evolução dos alunos nas diversas áreas do seu desenvolvimento integral.
O plano inicial foi o de oferecer este curso nas dependências da UFRN, e ele foi
divulgado em diversas escolas públicas, especialmente do entorno desta universidade. Porém,
encontramos extrema dificuldade por parte dos educadores de participarem efetivamente,
devido à incompatibilidade de horários. Depois de mais de uma tentativa frustrada, decidimos
por eleger uma escola interessada em realizar o curso nas suas dependências.
A Escola Estadual Alceu Amoroso Lima, localizada em Nova Natal, na zona Norte da
cidade, apresentava iniciativa pedagógica interdisciplinar envolvendo astronomia, o que
facilitou o contato inicial com a diretoria da escola. A proposta foi bem acolhida pela equipe
pedagógica e de docentes, que se mostraram interessados em experimentar novas práticas.
Nos foi aberto um espaço para participar da semana pedagógica, onde propusemos uma
vivência e apresentamos, em linhas gerais, a ementa do curso de extensão, intitulado:
Laboratório em cosmoeducação para professores de 1° e 2° ciclos do nível fundamental.
O curso se realizou nas dependências da própria escola, de 04 de março a 18 de junho
de 2005, e contou com a participação de 15 professores do 1° e 2° ciclo do nível fundamental.
A carga horária foi de 40 horas, compreendendo dezesseis encontros semanais, mais aulas de
campo. Tratou-se de uma proposta vivencial-teórica, que teve como mote gerador temas de
58
astronomia, com a finalidade de refletir e ampliar a concepção de mundo dos professores e os
valores vinculados a esta, como também observar a influência dessa visão pessoal na prática
pedagógica dos mesmos.
Dentre os objetivos propostos, destacou-se: promover e valorizar a vivência pessoal do
professor; refletir sobre a concepção de mundo adotada e a prática educacional no nível
fundamental; propor exercícios vivenciais que possam facilitar uma ampliação desta
concepção de mundo; discutir a aplicação dos conteúdos relativos ao eixo temático “terra e
universo” na disciplina de ciências, bem como em outras disciplinas; elaborar práticas
educacionais inéditas visando o desenvolvimento de uma atuação pedagógica mais integrada e
integradora; favorecer e estimular o autoconhecimento.
Buscamos, através de exercícios de relaxamento, meditação, sons autóctones,
expressão corporal, imaginação ativa, pinturas de mandalas pessoais, redescoberta do céu
diurno e noturno, entre outras práticas, sensibilizar o participante a entrar em contato consigo
mesmo, identificar sua concepção de mundo e refletir de forma crítica sobre suas percepções e
realidades. A seguir descrevemos tais práticas.
É importante fazer a ressalva de que os educadores interessados em aplicar tais
vivências com seus respectivos alunos, devem investir numa formação plural, buscando obter
suas próprias experiências coletivas e individuais no campo do autoconhecimento.
Destacamos esta recomendação porque consideramos que, para aplicar as técnicas aqui
propostas, o facilitador ou educador precisa ter sensibilidade, intuição, razão e afetividade.
Desta forma, ele estará melhor preparado para lidar com os conteúdos emergentes de outro ser
humano e encaminhar as práticas e discussões com o máximo de discernimento, ponderação e
cuidado constantes, respeitando sempre os limites dos envolvidos.
4.3.1 Identificando a cosmologia prévia do sujeito
O primeiro encontro teve como objetivo identificar a cosmologia prévia do sujeito,
participante do curso, incluindo aspectos relativos a: 1. Concepção de universo (mundo); 2.
Concepção de origem, ou não, desse universo; e 3. Concepção da relação entre seres humanos
e tudo o mais que existe no universo.
Para isso foi sugerido que, no primeiro momento, cada participante discorresse sobre a
afirmação: “O que significa o universo para mim”. Em seguida, aplicou-se um questionário
aberto com as seguintes perguntas: 1) O que significa o céu para você?; 2) Como você se
59
sente quando olha para o céu?; 3) O que lhe chama mais atenção no céu?; 4) Com que
freqüência você costuma olhar para o céu?; 5) Quais as relações que você percebe entre o céu
e a terra?; 6) Quais as relações que você percebe entre tudo o que existe no cosmo?; 7) Você
acha que o universo teve uma origem ou não? Por quê e/ou como?; 8) Qual o lugar ou o papel
do ser humano no universo?
Tais questões foram enunciadas uma por vez, que era quando cada participante tomava
conhecimento da referida questão, só passando para a seguinte quando a anterior tivesse sido
respondida por todos. Com este procedimento visamos evitar que, ou pelo menos minimizar a
possibilidade de que, a pessoa se armasse, ou se prevenisse, em função da seqüência de
perguntas futuras e/ou passadas que tivesse pela frente, e respondesse uma pergunta tentando
atender supostas expectativas da professora-facilitadora ou do que seria “mais certo” ou “mais
conveniente” se responder.
No segundo momento foi aberto um espaço para eventuais comentários sobre as
questões propostas e/ou a redação, os quais são analisados na sub-seção 5.1.
4.3.2 Motivação mais profunda
Este exercício foi adotado no início do curso e teve como objetivo propiciar ao
participante um clima favorável à introspecção e ao contato com sua motivação mais profunda
para estar participando do curso. Estar consciente da motivação mais profunda pode dar ao
participante mais poder de ação na direção do que ele necessita obter do curso e favorecer que
ele tire o maior proveito do mesmo. Esta prática, claro, pode e deve ser aplicada no dia a dia,
para nos dar mais consciência sobre o que nos move a tomar as atitudes que tomamos,
servindo, assim, como uma ferramenta para o autoconhecimento.
Inicialmente foi sugerido que os participantes buscassem um local na sala e
acomodassem seu corpo numa posição confortável (neste caso se acomodaram em carteiras
dispostas na sala) e, de olhos fechados, concentrassem a atenção no movimento fisiológico da
respiração, a fim de “aterrissarem” no momento presente. À medida que se concentram na
respiração, esta tende a se tornar mais longa, ou seja, desde o abdômen, e, portanto, tende a
promover um estado de relaxamento, facilitando o contato com o corpo. Em seguida foi
sugerido que cada um se perguntasse sobre “o que está me motivando a participar deste
curso” e ficasse atento às inúmeras respostas que pudessem emergir à consciência, e, então,
continuasse a ecoar esta pergunta no interior de si mesmo, a fim de obter a resposta mais
60
profunda, ou aquela que estava mais latente. Ao identificarem a motivação mais profunda,
pediu-se para observarem se havia alguma associação desta com alguma parte do corpo. Com
isto, estava-se estimulando o conhecimento de si mesmo ao se integrar mente e corpo, uma
vez que o nosso pensamento emite uma “vibração” que reverbera no corpo.
Segundo a filosofia do budismo tibetano: “O efeito de nossas ações depende
inteiramente da intenção ou motivação que es por trás delas, e não da sua magnitude”
(RINPOCHE, 1999, p. 130).
4.3.3 Exercício de imaginação
Esta prática costuma ser realizada de preferência de olhos fechados. A facilitadora deu
um comando aos participantes para que buscassem um estado de relaxamento corporal a partir
da respiração e se conscientizassem das partes do corpo que estivessem em contato com a
superfície, das sensações de temperatura, dos cheiros e odores, dos sons do ambiente,
buscando desta forma ampliar as percepções através dos sentidos físicos. Em seguida, a
facilitadora tocou um instrumento tibetano produzindo um som mântrico e facilitando um
estado de centração cognitiva nos participantes. Após alguns instantes de repetição deste som,
este cessa e foi sugerido que a pessoa lembrasse de um momento em que parou para
contemplar o céu, se era dia ou noite e o que chamou mais atenção. Em seguida, foi proposto
que a pessoa se imaginasse revivendo aquela experiência e observasse como se sentia
enquanto contemplava o céu. Depois, ao abrir os olhos, a pessoa encontrou, à sua frente, uma
folha A4 e giz pastel, para que expressasse a sua vivência através de um desenho livre.
Figura 4 - Instrumento tibetano citado na(s) prática(s).
61
Esta vivência foi aplicada no início do curso, com o objetivo de trazer à tona
experiências pessoais de contato com o céu e os sentimentos agregados, bem como
sensibilizar os participantes para a temática a ser vivenciada ao longo do curso.
Seguem comentários pessoais compartilhados pelos participantes após esta vivência:
Quando você começou a produzir o som então ali foi como se eu fosse entrando num
túnel, como se eu fosse com o som. Foi indo e quando você disse para observar o céu que
é uma coisa que eu me identifico muito aí melhorou ainda mais e veio para mim a época,
que foi o que coloquei no desenho, que eu era criança e vivia no interior, em Jandaíra.
Eu sou de João Câmara e ia passar férias lá, pois minhas primas iam para lá. E foi lá
que eu descobri o céu.
Desenhei o círculo porque para mim foi um seguimento, simbolizando o grupo fechado, a
união do grupo. E ao mesmo tempo quando nós fechamos os olhos tudo para mim foi
uma experiência que levou à oportunidade de emoções interiores e que no final quando
abri os olhos foi uma sensação de paz.
4.3.4 Autobiografia
Esta prática consistiu no participante escrever sobre si mesmo, relatando as
experiências mais relevantes que compõem a sua história de vida e que o faz único em sua
individualidade. O objetivo foi de facilitar ao participante um entendimento sobre si mesmo
através de uma auto-reflexão acerca da sua história de vida.
Antes de iniciar a autobiografia propriamente dita, foi proposto um exercício de
imaginação, realizado, de preferência, com os olhos fechados, em que a pessoa deveria
lembrar de quando era criança e observar como percebia o mundo naquela idade e o que
sentia. Este exercício visou sensibilizar a pessoa para as memórias anteriores, facilitando a
emergência da história de vida, bem como possibilitar maior empatia com o seu aluno, que
está criança agora.
Após o exercício foi sugerido um roteiro de perguntas para estimular que as
lembranças antigas da infância viessem à tona e facilitar o registro da autobiografia. Exemplo
de questões mencionadas: Como aprendi a ver o mundo e com quem aprendi? Onde passei a
infância? Como foi a vivência familiar? Como foi a relação com a vizinhança? Como foi o
período escolar? O que acontecia de mais interessante na cidade? O que acontecia de mais
interessante na escola? Qual a experiência mais importante vivenciada até hoje? (seja onde ou
quando for), entre outras.
A autobiografia também contribuiu para perceber o perfil do professor com o qual
estávamos trabalhando. Neste caso, a maioria viveu, durante a infância, em municípios no
62
interior do estado, tendo, muitos deles, experimentado a palmatória, como ferramenta punitiva
para promoção do saber, o que, geralmente, em vez disto promoveu dificuldades de
aprendizagem e repressão do espírito criativo. Em todas as histórias, a família e a escola
influenciaram consideravelmente a forma de ver e de se relacionar com o mundo. Isso pode
fazer refletir, enquanto educadores hoje, como estamos influenciando na construção da visão
de mundo do nosso aluno. Esta reflexão traz em si, para aqueles com certa sensibilidade de se
perceber no lugar do outro, maior responsabilidade quanto às suas atitudes para com os
alunos.
Percebemos que a religião cristã está bastante presente na maneira como percebem o
mundo ao seu redor, especialmente no que diz respeito à origem do universo
11
, como indicam,
por exemplo, os relatos a seguir:
[...] meus pais falavam que o mundo era coberto pelas águas e não havia dia; tudo era
trevas e que o espírito de Deus andava sobre as águas.
comecei a compreender o mundo através da religião [...] quando pequena meus pais me
levavam para as novenas, espécie de reuniões religiosas da igreja católica feitas nas
casas no interior.
aprendi desde criança ouvindo os mais velhos que Deus criou o universo, hoje sei que há
várias teorias que explicam o seu surgimento.
É interessante notar nas autobiografias, que cerca de 20 a 30 anos atrás, a poluição
luminosa ainda não era predominante, mesmo nos centros urbanos, e os astros celestes tinham
uma maior participação e influência no cotidiano das pessoas, como ilustra o relato abaixo:
[...]quando criança morávamos em um bairro de Natal hoje conhecido como Lagoa
Nova, mas que anteriormente só havia mato e algumas casinhas e por isto tínhamos
poucos vizinhos. Minha mãe só nos deixava brincar em frente de casa nas noites de lua
cheia.
11
Segundo Jafelice (2006c): “Isto reforça a hipótese de Jafelice (2004, p. 39) [comentada
anteriormente (em 4.2.3)], de que aspectos culturais envolvendo um deus criador, responsável pelo
início e evolução de tudo que existe, predispõem fortemente as pessoas dessas culturas, do ponto de
vista psicológico, a identificarem a teoria cosmológica da grande explosão como sendo a expressão da
verdade ontológica sobre a cosmogênese, em vez de aquela ser vista como é, isto é, apenas como uma
teoria científica, resultado da construção humana de um conhecimento limitado às informações a que
se teve acesso até o momento e passíveis de serem apreendidas e trabalhadas segundo a racionalidade
científica atual e limitado às possibilidades cognitivas humanas. Tal conhecimento não deve ser visto
como sendo de caráter teleológico; ele não está, necessariamente, se aproximando de A Verdade (se é
que esta existe e é acessível e compreensível), e é, pela própria forma de construção, transitório.”
63
4.3.5 Exercício de percepção seletiva
A facilitadora pediu para que todos caminhassem, individualmente, em silêncio, pela
área da escola e observassem, especialmente, todas as coisas de cor AZUL. Ao retornarem à
sala foi solicitado que recordassem aquilo que viram de cor LARANJA, no ambiente.
Este é um exercício de ativação do sentido visual, com o objetivo de avaliar e refletir
sobre a percepção do foco, sem perder a visão de conjunto.
Dos quinze participantes, apenas três professores (20%) recordaram o que haviam
visto no ambiente de cor laranja. Os demais (80%) reagiram com ar de surpresa e
simplesmente não lembravam de qualquer coisa de cor laranja no ambiente.
Isto acontece devido ao modo de percepção seletiva, muito comum em nossa cultura
ocidental, em particular. Neste tipo de percepção, selecionamos uma parte e isolamos esta
parte do resto, ou seja, fixamos o olhar num objeto em particular e excluímos o contexto em
que este está inserido. Este exercício pode nos levar a refletir o quanto nos auto-sugerimos a
ver o mundo sobre determinado ponto de vista que não é o nosso, ou melhor, de um ponto de
vista que certamente não é o único, nem é o mais conveniente, no sentido de comportar uma
convivência fundamentada na justiça e na harmonia, que acolhe o plural e o diverso desde
uma perspectiva de solidariedade e cooperação, de respeito ao outro e consciência ambiental
cósmica.
Pediu-se para identificar o azul no ambiente da escola e a maioria dos participantes
focou a atenção simplesmente neste elemento, desprezando outros elementos dispostos no
meio ambiente em questão. Isso demonstra o despreparo para perceber as partes e o todo,
vício cognitivo reforçado pelos caminhos que a educação tradicional tem adotado há muito
tempo, em especial a educação científica. Se ampliarmos esta reflexão para o sistema
educacional, em particular para a formação de professores, podemos dizer que muitas vezes a
prática docente é orientada no sentido de desenvolver apenas o aspecto intelectual, atendendo
à ideologia fragmentadora dominante, sem ao menos questionar as necessidades vitais dos
estudantes. Estas transcendem, em muito, sua mera formação intelectual. E mesmo esta
formação, por mais pertinente e importante que seja, e o é, quando trabalhada ela não precisa
tampouco se restringir aos moldes, prescrições e limitações ditados pela referida ideologia,
como costuma acontecer.
64
O objetivo desta vivência foi de trazer a reflexão e a conscientização de alguns
condicionamentos e vícios da prática educacional de cada um e propiciar a ativação do senso
crítico sobre qualquer comando que nos é sugerido, para que possamos exercitar o
questionamento, a reflexão e promover possíveis mudanças na prática pedagógica.
4.3.6 Exercício de percepção visual em 180º
Este exercício foi realizado no pátio da escola ao ar livre e teve dois momentos.
Inicialmente os participantes foram estimulados a caminharem num ritmo que lhes permitisse
contemplar o ambiente, incluindo o céu diurno, sem pressa. Foi sugerida a suspensão da
comunicação verbal durante o exercício.
Percebemos a contemplação como um atributo importante para o desenvolvimento de
uma sociedade mais justa e solidária. A contemplação, porém, não é nada estimulada e,
portanto, é pouco desenvolvida na sociedade ocidental, uma vez que tal atributo não atende à
lógica de produção do sistema capitalista. A escola, por sua vez, vinculada a este sistema, não
estimula aquele tipo de atributo.
Contemplar, segundo o Houaiss (2002), quer dizer “fixar o olhar em (alguém, algo ou
si mesmo); com encantamento; com admiração; observar atentamente”; quer dizer ainda,
“aprofundar-se em reflexões; meditar; fazer suposições; imaginar”. Nestas definições
aparecem elementos fundamentais para o desenvolvimento integral do ser humano, que, volto
a dizer, são raramente estimulados pelo sistema educacional vigente, tais como: o
encantamento, a meditação e a imaginação. Estes elementos parecem representar um
contrafluxo aos interesses mercadológicos que atualmente predominam, e a maior
conseqüência disso é o empobrecimento do ser humano, que se reflete principalmente na
relação abusiva e predatória com o meio ambiente.
No segundo momento desta prática foi sugerido aos participantes transcenderem o
sentido da visão como a utilizamos no dia-a-dia. Normalmente focalizamos o olhar para
perceber as coisas ao nosso redor. Além do processo fisiológico de formação da imagem,
temos um sistema de associação entre aquilo que vemos e o significado que nos é dado
culturalmente através da língua nativa. Com essa prática foi proposto que cada participante
buscasse relaxar a visão, desfocalizando a mesma, na tentativa de perceber o ambiente a partir
de uma visão de 180°. Ou seja, a pessoa deveria optar por não focalizar ou fixar a visão em
algum alvo, ou imagem, no ambiente, mas, sim, se esforçar em ampliar o campo de visão
incluindo um plano semi-circular.
65
Este momento da prática teve como objetivo a diminuição do diálogo interno, próprio
do estado usual de vigília, onde nos comunicamos internamente através de nosso repertório de
imagens internas e em seguida com o ambiente ao nosso redor. Esta forma usual de
comunicação é útil para nos definirmos enquanto indivíduos, contudo implica numa visão
fragmentada da realidade. Ao desfocalizar o olhar de um alvo específico e ampliar o campo
visual é possível ir além do diálogo interno, que, na maioria das vezes, separa o sujeito do
ambiente, e criar possibilidades para a emergência de novas formas de se relacionar com o
meio ambiente, como, por exemplo, experimentando-o de maneira mais direta, estimulando o
processo da intuição.
Com esta prática buscou-se, então, instigar funções psíquicas tais como a
contemplação e a intuição, às quais é atribuído imenso valor no (re)estabelecimento de
contato com o céu, bem como na construção de valores humanos éticos em favor da vida e do
bem-comum.
4.3.7 No topo do planeta terra
A idéia de que somos egos isolados, existindo no universo e separadamente deste, nos
mantém no nível dualístico da realidade. Esta vivência teve como objetivo expandir a nossa
percepção, partindo da escala do microcosmo pessoal para o macrocosmo, no sentido de
despertar a cosmicidade de nós mesmos.
Inicialmente foi dado o comando para que a pessoa colocasse o corpo numa posição
confortável, de preferência de olhos fechados, e mantivesse a coluna ereta, enquanto se
conscientizava da sua respiração. Como já descrito anteriormente, a prática psicoterápica em
psicologia transpessoal tem revelado que à medida que mantemos a atenção repousando sobre
a respiração, esta tende a se tornar naturalmente mais profunda, ou seja, desde o abdômen, e,
portanto, tende a promover um estado de relaxamento.
A partir desse estado de relaxamento, foi sugerido que a pessoa expandisse a sua
consciência para a sala de aula e se conscientizasse daquele espaço, incluindo os sons do
lugar. Em seguida, sugeriu-se que ela fosse mais além e tomasse consciência da escola, do
bairro. Naquele caso, estávamos num bairro localizado na zona Norte de Natal, então foi dado
o comando para que os alunos ampliassem a consciência para o rio Potengi, divisa com a zona
Sul da cidade, até que expandissem a consciência para a cidade Natal e daí para o estado do
Rio Grande do Norte, e suas fronteiras, como os estados da Paraíba ao sul, Ceará a oeste e
66
oceano atlântico a leste e a norte, e expandissem suas percepções em todas as direções.
Visualizassem o Brasil, a América Latina, as Américas Central e do Norte, os continentes
africano e europeu, depois Ásia e Oceania.
Este esforço circular em perceber o globo visou à tomada de consciência de que se
está no topo do planeta terra. Foi se estimulando a pessoa a integrar a percepção de que se está
no topo do planeta terra, na costa do Brasil, na cidade de Natal e no corpo simultaneamente.
Foi sugerido para que a pessoa relaxasse mais ainda e se conscientizasse de que a terra está
girando em torno do sol, assim como os outros oito planetas
12
do sistema solar, e daí, então,
expandisse a consciência para a via Láctea, uma ilha de estrelas no universo, contendo da
ordem de cem bilhões de estrelas. Neste contínuo de ampliar a consciência, pediu-se para que
a pessoa relaxasse mais ainda e buscasse expandir a consciência para todo o universo e sentir
que estava consciente do corpo e do universo, do qual também era uma parte, ao mesmo
tempo.
4.3.8 Filme zoom cósmico
Esse filme é de produção canadense, da década de 70, do tipo curta-metragem, com 8
minutos de duração, que ilustra as relações de grandezas e escalas entre o macrocosmo e o
microcosmo.
O filme tem início numa imagem de um menino remando um pequeno barco num
lago, levando consigo seu cachorro. A imagem é congelada e, então, as lentes começam a se
distanciar mais e mais, até que o lago passa a ser um ponto azul no mapa geográfico. O foco
das lentes se amplia mais ainda e passamos a ver a terra viajando ao redor do sol, bem como
outros planetas, a via Láctea e além da galáxia. Ao chegar nas escalas galácticas, as lentes
percorrem o caminho de volta, agora em um ritmo mais acelerado, até focalizar a imagem
inicial do menino remando no lago. Agora as lentes vão se aproximando cada vez mais, e a
pele do menino, sendo picada por um mosquito, passa a ser vista como uma imensa
superfície. Entramos, então, no mundo dos tecidos orgânicos e das células, dos átomos e até a
escala subatômica de um próton, ou seja, no universo de menor escala, para depois retornar,
também em ritmo acelerado, ao ponto de referência, que é o menino remando no lago. A
12
Agora, o correto seria “assim como os outros sete planetas”, pois, após meados de agosto de 2006, a
União Astronômica Internacional decidiu, em Assembléia, reclassificar Plutão para a recém criada
categoria de planeta-anão. Porém, na época da referida prática, o sistema solar ainda tinha,
oficialmente, nove planetas.
67
imagem volta ter movimento e som, com o cachorro latindo, e o menino prossegue remando
até finalizar o filme.
Este filme, apesar de ser relativamente antigo
13
, ainda pode ser considerado um
pertinente recurso didático-pedagógico para ilustrar a complexidade dos universos em que
vivemos. Em particular no que concerne aos constituintes físicos dos mesmos, bem como para
ilustrar as relações entre o micro e o macrocosmo tendo como referencial a escala humana,
que, em nosso caso, serve de ponto de transição entre essas duas dimensões de grandeza.
Para efeitos didáticos, seguindo procedimento e orientações que Jafelice tem aplicado
ao trabalhar com esse filme, é recomendado que este seja visto pelo menos duas vezes. A
primeira vez – sem nenhuma interferência, nem comentário prévio, do professor –, deve
permitir que os estudantes apreciem e sintam sobre o que se trata o conteúdo do vídeo a partir
de suas próprias perspectivas, níveis de informação e concepções até aquele instante. Em um
segundo momento desta prática, abre-se a discussão, estimulando os participantes a
compartilharem o que sentiram e entenderam sobre o filme. No terceiro momento, o filme é
exibido novamente. Desta vez, o professor deve fazer pausas em alguns pontos, para enfatizar
as relações entre micro e macrocosmo, bem como prestar esclarecimentos sobre os elementos
versados no filme, seja de ordem cosmológica, fisiológica ou subatômica, e atualizar ou
complementar informações, que conhecimentos mais recentes aceitos exigiriam, corrigindo ou
modificando o que está sendo mostrado no filme. No quarto e último momento da prática,
retoma-se a discussão sobre o que foi sentido e entendido do filme, até que ponto ele interfere
e transforma visões de mundo que os participantes tinham antes daquela prática e como esse
filme poderia, eventualmente, ser aproveitado em sala de aula.
No caso desta nossa prática, o filme contribuiu para enriquecer e agregar valores às
experiências vivenciadas pelos participantes, especialmente nas práticas que envolveram som,
respiração e exercício de imaginação, cujo objetivo comum foi o de promover um paralelo
entre o microcosmo pessoal, “o que está ‘dentro’”, e o macrocosmo, “todo o ‘resto’”.
13
E, portanto, necessitar de atualizações quanto à estrutura e constituição do universo em escala
cosmológica (com a inclusão de componentes como: matéria escura, “vazios”, quasares etc.; além do
prosseguimento do afastamento da terra em escalas maiores, para incluir aglomerados,
superaglomerados e, eventualmente, super-superaglomerados de galáxias), como também quanto aos
constituintes e domínios da matéria nas dimensões subatômicas (com o prosseguimento da
aproximação até escalas que incluíssem quarks, léptons etc.), da forma que tais constituintes,
estruturas e domínios são conhecidos hoje, segundo as evidências observacionais, experimentais e
modelos teóricos mais aceitos pela comunidade científica.
68
4.3.9 Dinâmica de observação
Esta é uma prática de aquecimento adaptada e aplicada por Jafelice há vários anos,
vide sua sistematização mais recente em Jafelice (2005b). Ela é feita em pares e trata-se de
contato visual mútuo entre a dupla, disposta frente a frente. A tarefa se sub-dividiu em dois
momentos. Inicialmente os parceiros da dupla que se encontraram frente a frente tiveram um
minuto para se olharem mutuamente, buscando obter uma percepção global e detalhada do
outro. Após este tempo, ambos viraram as costas para o outro e realizaram três mudanças em
sua aparência. Ao fazê-las, a pessoa levantava o braço para que o facilitador, no caso o
professor, soubesse que já havia realizado tais mudanças, mas a pessoa devia permanecer de
costas, aguardando o comando para virar outra vez. Após o comando do professor, as duplas
se observaram outra vez, descobriram as mudanças e foram descrevendo o que estava
diferente do visual anterior. Após todos terem descoberto, as duplas voltaram ao visual do
início, se observaram entre si e, novamente, se deram às costas, a fim de realizar outras três
mudanças, diferentes daquelas feitas anteriormente. De novo repetiu-se o mesmo
procedimento de esperar o comando do professor para se virar e então observar o outro no
intuito de identificar as novas mudanças feitas. Ainda poderíamos repetir o processo uma
terceira vez e, é claro, iria se tornando cada vez mais difícil achar o que mudar na aparência;
por outro lado, iria se aguçando mais e mais a observação, o poder de discernimento, a
atenção para os detalhes sem perder de vista o todo.
Figura 5 – Dinâmica de observação.
69
Esta prática tem como objetivos propiciar a descontração e integração do grupo, bem
como conscientizar os alunos sobre o processo de observação criteriosa, especialmente em
relação às coisas do céu (JAFELICE, 2005b). Em astronomia, a observação deve ser
continuada e sistemática, não basta a pessoa olhar uma vez, só quando lembrar. Quando você
olha o céu, visando estabelecer uma relação duradoura, de troca e também de construção de
um conhecimento sobre o mesmo, sobre seus objetos, fenômenos, regularidades e
excepcionalidades, precisa olhá-lo de uma certa maneira, buscando uma certa relação, uma
certa correlação. Este exercício ajuda na educação desse olhar atento do todo e das partes ao
mesmo tempo, ele estimula exatamente esta observação de permanências e mudanças, quer
dizer o que se manteve e o que se alterou, em relação a algo (um todo) que se está conhecendo
em seu processo dinâmico.
Em geral, estamos “correndo” tanto que não vemos as coisas. Para perceber os passos
dos astros no céu, em particular, precisamos acompanhá-los dia após dia ou noite após noite.
Então, este exercício pode ser diretamente associado à observação dos astros, ao
acompanhamento sistemático do que é que muda no céu, quando e como, de um dia para
outro. Neste sentido, é válido enfatizar a importância do tempo e do espaço para vivenciarmos
os ritmos e ciclos cósmicos.
4.3.10 Observando o sol
A maior atração do nosso céu, da perspectiva topocêntrica (isto é, desde o ponto de
vista do lugar em que estamos, na superfície terrestre), é o sol, o nosso astro rei. Ele é a estrela
mais importante para nós, habitantes deste planeta. Esta prática, de simples observação do sol,
que tem como condição minimamente indispensável
14
o uso de um vidro de soldador n° 14
(ou maior), objetivou propiciar contato com essa estrela, literalmente vital para nós. Esta
oportunidade foi vivenciada pelos professores como algo inusitado e que despertou grande
encantamento.
14
É importante ressaltar que todos os cuidados em relação à observação do sol foram muito
enfatizados junto aos alunos. Foi particularmente destacado o grande perigo que significa da
observação direta do sol, seja a olho nu ou, pior ainda, através de qualquer instrumento óptico de
aumento. Insistiu-se também para que tais recomendações e cuidados fossem trabalhados com as
crianças, alunos daqueles nossos alunos, e com quaisquer pessoas com quem eles tivessem contato.
Estes são cuidados com a saúde, que precisam ser devidamente abordados pelos professores.
70
Do ponto de vista simbólico, o sol representa, em diversas culturas humanas primeiras,
um grande poder proveniente do céu, que ilumina a tudo e a todos na terra, uma divindade que
merece nossa reverência. A luz representa o aspecto transcendente, transpessoal que atua em
múltiplas direções, dimensões e sem diferenciações. Durante este contato breve, através do
vidro de soldador, ficaram evidenciados elementos arquetípicos na reação generalizada de
entusiasmo profundo. As professoras expressaram uma estonteante alegria, como se tivessem
estreitado as relações com algo tão além, com algo, de certa forma, até aquele instante, tão
inacessível a um contato visual mais direto e “próximo”, que me fez lembrar um trecho do
livro O Ar e os Sonhos: Ensaio sobre a imaginação do movimento, de Bachelard (2001, p.
187), que diz: “[...] a contemplação é tão naturalmente uma confidência, que tudo o que
olhamos com olhar apaixonado, na aflição ou no desejo, nos devolve um olhar íntimo, um
olhar de compaixão ou de amor”.
Esta cumplicidade parece ter ocorrido entre os observadores e o sol, que naquele
instante íntimo, propiciado graças ao vidro de soldador, intermediador protetor, perceberam
que a estrela veio até cada um. O sentimento relatado após a observação era de unânime
alegria. Esta experiência vem se somar a outras que vivenciamos neste curso, levando-nos a
constatar a influência benéfica da contemplação das coisas do céu no estado de consciência
dos humanos, no sentido de trazer e estimular harmonia e vitalidade.
Figura 6– Observação do sol pelas crianças (com vidro de soldador No. 14).
71
Observação sobre os próximos itens: as atividades descritas em 4.3.11, 4.3.12,
4.3.13, 4.3.14 e 4.3.15, foram extraídas da abordagem antropológica holística com que o Prof.
Luiz Carlos Jafelice vem ministrando a disciplina de Astronomia, para o Curso de
Licenciatura em Geografia da UFRN, de 2001 a 2006, e fazendo outras intervenções em
cursos e palestras e nas orientações de estudantes sobre o assunto, e foram aqui adaptadas
para o contexto do curso de extensão Laboratório em Cosmoeducação. Para maiores
fundamentações, informações e orientações, vide Jafelice (2002c; 2003a; 2004) e, em
particular, Jafelice (2005a; 2006a).
4.3.11 Representação Pictórica das Origens e do Céu
Esta atividade vem sendo praticada no primeiro dia de aula da disciplina de
Astronomia segundo uma abordagem antropológica. Neste laboratório em cosmoeducação ela
foi realizada nas primeiras aulas, como parte do processo de identificar a cosmologia pessoal.
A prática consiste, inicialmente, em distribuir uma folha de papel A4 em branco para
cada participante e disponibilizar, no centro da sala, giz de cera, lápis de cor e canetas
hidracor de cores variadas. Após a distribuição do material, o professor solicita que os
participantes desenhem “o início de tudo o que existe”, e escreve este texto entre aspas na
lousa. Por se tratar de uma prática inusitada, normalmente gera inquietação por parte da turma
e, eventualmente, surgem questionamentos sobre o que quer dizer esta atividade. Convém
que, neste momento, o professor se abstenha das explicações complementares e simplesmente
repita o comando e a frase que escreveu no quadro, estimulando o aluno a lidar com o
inesperado e expressar aquilo que lhe ocorrer em seu imaginário. É importante dispensar a
identificação de autoria do desenho, a fim de deixar o autor mais livre para expressar-se, já
que este tema normalmente ativa regiões psíquicas ancestrais, desconhecidas do próprio autor,
podendo causar algum desconforto na exposição à crítica e julgamento dos colegas mais
racionais.
Após todos terem concluído esta parte da atividade, recolhemos os desenhos sobre o
início de tudo que existe e distribuímos uma segunda folha para cada um, e pedimos que
desenhassem “o céu”. Utilizamos o mesmo procedimento anterior, de escrevermos este tema
na lousa e de nos abstermos de maiores comentários (por exemplo, se era céu diurno ou
noturno, visto desde onde, etc.). Enquanto os participantes executam este último desenho, os
desenhos anteriores são dispostos sobre uma mesa grande. Após concluírem o desenho sobre
72
o céu, eles devem entregá-lo e se dirigirem ao local de exposição, para observar as diversas
representações do início de tudo o que existe. Ao redor dos desenhos, cada participante que
sentisse vontade de compartilhar com o grupo o que inspirou o seu desenho, tinha algum
tempo para fazê-lo.
Observamos que os participantes demonstraram maior familiaridade (e declarada
facilidade bem maior em realizar seus desenhos) com o tema do céu do que com o das
origens.
A partir das representações pictóricas deste grupo, identificamos alguns padrões que
se repetiram e que foram agrupados nas categorias
15
definidas como “mandálicas”; “forças
opostas”; “intervenção divina explícita”; “figuras circulares”; onde a segunda e terceira
categorias foram confirmadas a partir dos relatos dos respectivos autores, posteriormente.
Figura 7-Exemplo de modelo mandálico Figura 8- Exemplo de modelo de forças
para as origens. opostas para as origens.
Figura 9-Exemplo de modelo de intervenção divina para as origens.
15
É válido ressaltar que as categorias mencionadas foram criadas, originalmente, a partir de centenas
de exemplos oriundos das aplicações dessa prática que o Prof. Luiz Carlos Jafelice fez, com os mais
diversos grupos, durante muitos anos. Nesse nosso grupo, em particular, temos uma representatividade
relativamente pequena daquelas categorias, devido às peculiaridades inerentes a ele. Dentro deste
contexto, então, as ilustrações acima foram as que melhor se aproximaram das referidas categorias.
73
4.3.12 Texto coletivo
No sentido de construir uma história coletiva própria do grupo em questão,
adotamos esta prática, que consiste na elaboração grupal de um texto baseado no tema do
primeiro desenho: “o início de tudo o que existe”. Inicialmente o grupo define o tamanho que
terá a história, tendo ao menos três opções de espaços demarcados na lousa. Definido o
tamanho, são enunciadas as regras para a construção da história, que consistem basicamente
em falar um por vez para o professor e não haver comunicação entre os alunos participantes; é
importante enfatizar que ninguém deve corrigir ninguém. O professor vai escrevendo na lousa
aquilo que for sendo dito, obedecendo a ordem de quem for falando, até preencher o espaço
acordado anteriormente para o tamanho da história. Ao concluir o texto, deve-se decidir, em
grupo, se este terá um título ou não, sem que eles falem entre si. Se a maioria decidir (por
votação simples, levantando o braço) que o texto terá um título, então, seguindo procedimento
semelhante ao da composição da história, eles vão sugerindo alguns nomes (até completar a
altura da lousa, para delimitar um espaço que garanta que não surjam nem títulos de menos,
nem demais), que o professor escreve na lousa para serem votados. O título mais votado dará
nome à história deste grupo. Uma vez concluídas essas etapas, o processo se completa com
todos lendo juntos, em voz alta, o título e a história que fizeram. Em seguida, todos copiam da
lousa o resultado daquela criação coletiva deles.
4.3.13 Ache a lua no céu
Esta atividade é sugerida, como tarefa para casa, no primeiro dia de aula, para ser
cobrada na segunda aula, e tem o objetivo de que a pessoa retome o contato com as coisas do
céu. Este exercício inicial consiste em achar a lua no céu, desfrutar dessa visão sem
expectativas, nem pressa, nem pensamentos dispersivos em paralelo, e, em seguida, imaginar-
se um habitante nativo do Brasil de 500 anos atrás; e, ao final, escrever um relato sobre essa
vivência pessoal para compartilhar com os colegas.
Por que começar o contato com as coisas do céu através da lua? Por ser este astro mais
familiar? Por estar mais próximo da terra? Por ser dos mais notáveis à noite? Por sofrer
mudanças que exemplificam os ciclos e ritmos cósmicos? Todas as questões acima podem
justificar o fato de eleger a lua como foco de nosso olhar para o céu, em particular como foco
inicial de um exercício de re-contato com as coisas do céu. Contudo, talvez o motivo mais
74
significativo esteja na correspondência analógica entre nós, humanos, e a lua, especialmente
por esta apresentar um ciclo de nascimento, esplendor e morte a cada mês.
O fato de esse astro ressurgir no céu, reiniciando um novo ciclo mensalmente, inspira
no ser humano a esperança da vida após a morte e estimula o gosto por dimensões
desconhecidas da psique humana. É nestes termos que o historiador das religiões Mircea
Eliade nos ensina sobre a relação ancestral que vem sendo tecida e enriquecida entre esse
astro e nós, dos pontos de vista simbólico e psicológico. No texto didático “A lua e a Mística
Lunar” (JAFELICE 2001b, a partir de excertos de Tratado de História das Religiões, de M.
Eliade, São Paulo: Martins Fontes, 1993), essa questão é evidenciada na seguinte citação:
O homem reconheceu-se na “vida” da lua, não somente porque sua própria
vida tinha um fim, como a de todos os organismos, mas sobretudo porque ela
tornava válidas, graças à “lua nova”, a sua sede de regeneração, as suas
esperanças de renascimento. (ELIADE, 1993 apud JAFELICE, 2001b, p. 2)
Diante dessa relação tão significativa entre a lua e nós, humanos, a lua pode ser um
valioso elo entre nós e as coisas do céu. A exemplo disso, segue um relato feito por uma aluna
do curso, durante a última aula:
A experiência mais importante que vivenciei foi as observações feitas com a lua. Com ela
tirei dúvidas e compreendi que a lua caminha, transforma-se, ilumina, orienta e modifica
alguns momentos da vida dos seres que habitam o universo.
Uma segunda etapa desta tarefa é entrevistar pessoas do nosso convívio, perguntando-
lhes qual a sua relação com a lua; qual sua relação com a estrela d’alva; e ainda, para que
servem as estrelas. Estas questões têm o objetivo de trazer à tona reflexões, informações e
conscientizações sobre a relação do ser humano com as coisas do céu.
No geral, se constata com este exercício o quanto a maioria das pessoas está distante
das coisas do céu e, para muitas delas, o quanto essas questões são do domínio do absurdo,
causando, em alguns casos, inclusive constrangimento para o próprio entrevistador. Por outro
lado, em um extremo oposto, algumas poucas respostas podem nos surpreender como este
tipo de conhecimento ainda está presente na vida de algumas pessoas. Como, por exemplo,
nos relatos de um senhor, de aproximadamente 75 anos de idade, entrevistado por uma das
alunas:
A estrela D’alva é uma estrela grande e muito bonita. Ela passa seis meses nascendo no
norte e seis meses nascendo no sul. Ela aparece antes do sol se pôr ou antes do sol
nascer. Quando o sol nasce ela está bem mais alta que o sol.
A lua minguante não é boa para o nascimento das aves e animais, pois não há força; a
lua crescente é a lua do nascimento, é muito boa; a lua nova e a cheia é lua de muita
força.
75
As informações dadas pelo senhor entrevistado, quanto à estrela d’alva, são
claramente frutos da vivência de observação sistemática das coisas do céu, mesmo que elas
não correspondam aos ciclos astronômicos precisos de Vênus, conforme se conhece
cientificamente. Notemos que para se constatar que um astro muda de posição a cada seis
meses é preciso observá-lo pelo menos durante 1 ano e, para se ter alguma segurança de que
isto é algo regular, é preciso continuar observando-o pelo menos por alguns anos, e, ao que
tudo indica, este senhor o fez. Claro que existem as tradições orais, que suprimem a
necessidade de experiência pessoal direta de observação sistemática para se chegar a essas
informações. No caso desse senhor, porém, pelo seu relato, elas foram obtidas por iniciativa e
constância de acompanhamento dele.
As informações sobre a lua, os astros e as coisas do céu, em geral, envolvem
conhecimentos populares que merecem o nosso respeito, além de serem de grande
importância do ponto de vista antropológico. Tais informações vêm sendo tema recorrente de
pesquisa científica há algumas décadas, sobre trabalhos envolvendo conhecimentos
autóctones e populares sobre o céu no Rio Grande do Norte, ver Romero et al.(2004) e
Jafelice et al.(2004). Esses assuntos têm fomentado discussões na comunidade científica, em
particular ao ressaltar a freqüente arrogância do saber acadêmico e o quanto a maioria das
pessoas está bitolada ao modo cientificista de enxergar as coisas, promovendo muitas vezes
alienação e acriticidade, ou seja, exatamente o oposto do que o discurso da cientificidade diz
almejar e promover.
4.3.14 Montagem do calendário lunar
A lua é o instrumento de medida universal. [...] O tempo controlado e
medido por meio das fases da lua é, como dizíamos, um tempo “vivo”.
Refere-se sempre a uma realidade biocósmica, a chuva ou as marés, as
sementeiras ou o ciclo menstrual. (ELIADE, 1993 apud JAFELICE, 2001b,
p. 2)
Os primeiros calendários que se tem conhecimento são de origem lunar. A presente
prática visa montar o calendário lunar desse grupo, a partir dos desenhos diários da lua feitos
pelos participantes.
Desenhar a lua diariamente, ou mesmo parte do céu, quando não dá para ver a lua, é
tarefa complementar do exercício anterior, de achar a lua no céu e curtir esta visão. Nesta
76
segunda tarefa, cada um deve desenhar a lua, da forma que a enxerga no céu, em um pedaço
de papel quadrado de 10cmX10cm. No verso, deve anotar a data, horário e direção em que
olhava quando fez o desenho. Notemos que, neste caso, estaremos utilizando o pensamento
analítico.
Aqui, a observação detalhada do que está mudando na lua, de como está mudando ao
longo dos dias em relação a um conjunto de estrelas, ou mesmo o que muda na lua numa
mesma noite, são aspectos muito importantes para entrarmos na intimidade deste astro,
aprendermos a encontrá-lo no céu e a acompanhar os tipos, formas e ritmos das mudanças
pelas quais passa, partilhando de uma cumplicidade com o cosmo. Após pelo menos um ciclo
de observação da lua, registramos, juntos, as descobertas feitas por cada um e reunimos as
informações num único documento (ver Anexo A).
Figura 10 – Montagem do calendário lunar.
4.3.15 Representando a abóbada celeste com um guarda-chuva
Os saberes de astronomia exigem do aluno uma capacidade de abstração, de
pensamento espacial e de se colocar no lugar do outro, na tentativa de compreender os
movimentos cósmicos, numa escala de grandezas infinitamente maior do que a conhecida por
nós aqui, no planeta. Para tanto, incluímos algumas práticas vivenciais no sentido de tornar
possível, ou pelo menos de favorecer, a elaboração desses saberes através de associações com
elementos já acessíveis ao cotidiano do aluno.
Esta prática de representar a abóbada celeste através de um guarda-chuva, tem o
objetivo de demonstrar a movimentação diária aparente da lua no céu, bem como de
77
concretizar o movimento real deste astro medido pelo seu deslocamento em relação a um
grupo específico de estrelas, ao fundo, deslocamento este perceptível principalmente de um
dia para o outro
16
.
Neste caso, recortamos e colamos na parte interna do guarda-chuva figuras da lua em
sua fase crescente e figuras de estrelas dispostas em conjunto. Após o professor ter
identificado os pontos cardeais na sala onde a aula está acontecendo, ele posiciona a haste
central do guarda-chuva na direção Sul-Norte (com a ponta do mesmo indicando o Sul), de
modo que parte da tela do guarda-chuva aberto fique oculta, por trás de uma mesa, a fim de
reproduzir um pouco mais de 180° da abóbada celeste vista por nós da perspectiva
topocêntrica em que nos encontramos
17
. Aqui, especificamente, esta prática serviu como
analogia para demonstrar, de modo um pouco mais concreto e acessível, o movimento real da
lua com o passar dos dias, orientando e facilitando a observação do céu noturno e da lua.
16
Embora tal deslocamento seja notável em único intervalo de tempo entre o nascer e o respectivo
ocaso da lua, para quem já está mais acostumado a acompanhar esse astro e refinou seu poder de
observação.
17
Como salienta Jafelice (2006c): “O Rio Grande do Norte, em particular Natal, onde o curso
aconteceu, tem latitudes em torno de 5º Sul. Isto significa que os alunos desse curso vivem em locais
relativamente próximos à linha do equador. Por isto, a abóbada celeste vista por eles (isto é, a parte do
céu sobre o horizonte, naturalmente) corresponde quase aos 180º a que o texto acima se refere (ou
seja, seriam 180º se estivéssemos sobre um plano horizontal exatamente sobre a linha do equador).
Portanto, a inclinação da haste do guarda-chuva aberto (sempre com aquela orientada na direção Sul-
Norte e com o cabo do guarda-chuva no sentido Norte e a ponta do guarda-chuva apontando para o
pólo celeste Sul) precisa ser devidamente levada em conta e adaptada a cada latitude onde esta prática
for realizada. Isto deve ser feito porque tal haste deverá sempre ter uma direção paralela ao eixo de
rotação da terra, uma vez que a “abóbada” representada pela tela do guarda-chuva simulará o
movimento aparente que observamos no céu diariamente, o qual é conseqüência do movimento real da
terra em torno de si mesma. Por isto é fundamental garantir, o melhor possível, o paralelismo entre a
haste daquele e o eixo desta, pois é a terra girando de Oeste para Leste (movimento este que não
sentimos, não percebemos, diretamente) que nos dará a impressão da abóbada celeste girando de Leste
para Oeste (e, portanto, dos astros que “estão incrustados” naquela abóbada, “nascendo” no lado Leste
e “se pondo” no lado Oeste).”
78
Figura 11 – Guarda-chuva representando a abóbada celeste.
O relato a seguir, de uma das alunas do curso Laboratório em Cosmoeducação, sobre
esta prática, é ilustrativo da pertinência pedagógica da mesma, para o objetivo que aquela
almeja:
No início das aulas achei difícil entender as fases da lua e o caminho que ela faz no céu,
até chegar a aula em que a professora utilizou um guarda-chuva e a figura da lua.
4.3.16 Aula de Campo
Indispensável e enriquecedora, a aula de campo realizada fora da luminosidade da
cidade representa uma oportunidade de grandes revelações para aqueles que a vivenciam. O
contato com o céu noturno requer baixa luminosidade (isto é, um local com a menor poluição
luminosa possível), para que se tenha um céu de melhor qualidade para a observação, bem
como silêncio e tempo para se contemplar
18
.
Realizamos nossa aula de campo no sítio Mineiro, distrito de Santana do Matos, no
estado do Rio Grande do Norte, há aproximadamente 290 km de Natal. A lua estava em sua
fase nova, condição ideal para se observar o céu noturno (pois significa uma fonte de
18
Além disto, claro, é preciso que as condições meteorológicas contribuam. Este fator está fora de
nosso controle organizacional. Mesmo assim, porém, podem-se minimizar as condições desfavoráveis.
Para tal, é preciso conhecer o calendário anual de chuvas da região onde a aula de campo se dará e
escolher datas mais convenientes, planejando aulas de campo em épocas sem chuvas, nem céu
nublado. Convém, ainda neste sentido, marcarem-se aulas envolvendo pelo menos duas noites de
observação, para se aumentar a chance de se ter pelo menos uma noite com céu propício para as
finalidades pretendidas. Outros cuidados, relacionados à fase da lua, são comentados no texto.
79
luminosidade relativamente intensa, neste caso de origem celeste, a menos; a luz da lua
interfere na visibilidade, se o objetivo for a observação de estrelas, planetas e objetos de céu
profundo).
Depois de uma longa viagem, chegamos ao sítio ao anoitecer. Após nos instalarmos no
sítio, nos reunimos ao ar livre para dar início às atividades práticas de observação. No
primeiro momento sugerimos a cada participante simplesmente desfrutar a visão do céu
noturno, sem a poluição luminosa dos centros urbanos, e curtir este momento, sem se
preocupar em achar algo já conhecido ou que tenha ouvido falar. Durante este momento o
professor-facilitador deve orientar as pessoas para que evitem qualquer expectativa e se
permitam atribuir significados próprios ao que estão vendo.
Sugerimos, nesse momento, que a pessoa busque permanecer num estado de
passividade alerta, onde ela se predisponha àquela experiência sem expectativas, porém, ao
mesmo tempo, que fique atenta ao que está acontecendo com ela, em termos de associação de
idéias, sentimentos, sensações e percepções. Após certo tempo nos reunimos outra vez para
compartilhar o que cada um vivenciou e percebeu.
O estado de admiração e êxtase quanto àquele céu estrelado foi uma constante entre as
primeiras afirmações de nossos professores-alunos, encantados pela imagem daquele céu
isento da poluição luminosa, tão comum nos centros urbanos. Outro ponto comum entre os
professores foi o estado de paz que descreviam ao compartilhar a experiência de desfrutar
aquele céu. Mais uma vez me ocorreu na lembrança de um trecho de Bachelard (2001, p.
184):
O céu estrelado é o mais lento dos móbeis naturais. Na ordem da lentidão, é
o primeiro móbil. Essa lentidão confere um caráter suave e tranqüilo. É o
objeto de uma adesão inconsciente que pode dar uma impressão singular,
uma impressão de leveza aérea total.
Aqui é importante trazer à tona o fato de que o céu, no sentido físico, é um só. Porém,
este mesmo céu pode parecer diferente para diferentes pessoas da mesma cultura e pode
parecer mais diferente ainda para pessoas de culturas diferentes; para maiores reflexões e
aprofundamentos sobre estes pontos, vide Jafelice (2005c). Se fizermos uma viagem
imaginária para a Babilônia de há 4000 anos, encontraremos o início de uma estruturação
acerca do céu. Aquele “mesmo céu” (fisicamente falando) também estava sendo visto e
interpretado pelas civilizações pré-colombianas e pelos índios brasileiros. Pode-se dizer que
esses diferentes povos, diante do mesmo céu, quer dizer, da mesma influência ambiental
física, enxergaram significados diferentes, conforme a sua cultura. Nossa cultura ocidental
80
herdou muito da visão do céu originalmente dos babilônios, à qual se agregaram as
influências e modificações posteriores dos gregos. Neste momento da prática, então,
convidamos os participantes a identificarem algumas coisas que fazem parte desta cultura. E
sugerimos que achassem o Cruzeiro do Sul e, a partir deste, o pólo sul celeste; Alfa e Beta de
Centauro; a constelação de Escorpião; entre outros astros celestes mais notáveis que
estivessem visíveis, como Júpiter estava, naquela época, por exemplo.
Após nos deleitarmos um bom tempo com o prazer de ligar mentalmente as estrelas no
céu, para obter uma figura que é significativa para nossa cultura, partimos para a observação
do céu através do telescópio. Este momento também é estimulante para todos, uma vez que
desperta outros aspectos, como a curiosidade e a expectativa de se tornar mais próximo de um
astro e, quem sabe, poder desvendar algum segredo longínquo. Muitas vezes, contudo, o
telescópio tem frustrado tais expectativas, uma vez que as imagens que visualizamos através
de seus espelhos e lentes não correspondem àquilo imaginado, não indo muito além,
principalmente no caso de estrelas, daquilo a que já temos acesso a partir da visão a olho nu.
Com este grupo, observamos a estrela mais próxima da terra (depois do sol): a alpha
centauri (como é tecnicamente chamada a estrela Alfa de Centauro, a estrela mais brilhante
desta constelação), que está a 4,4 anos-luz de distância da terra. Neste caso, em particular,
sim, foi possível ter algum resultado surpreendente, diferente do que notamos a olho nu, pois
pudemos observar que se trata de um sistema estelar formado por duas estrelas (quer dizer, na
verdade formado por três estrelas, conforme explicamos para os alunos, porém, isto só é
observável com telescópios muito grandes; o nosso nos permitiu apenas enxergá-la como uma
estrela dupla; mas isto já causou um grande impacto nos alunos). Depois observamos Júpiter e
suas luas galileanas.
81
Figura 12 – Observação do céu com telescópio em Santana do Matos/RN.
Como última atividade desta noite, voltamos a observar, em silêncio, o céu noturno a
olho nu, numa atitude contemplativa. Foram dados os comandos de escolher algum astro ou
conjunto de astros delimitado; fixar o olhar no(s) astro(s) escolhido(s); buscar estabelecer uma
relação íntima com o(s) mesmo(s); registrar internamente qualquer percepção, ou idéia, ou
sentimento, que surgir; ampliar ao máximo esta relação com o cosmo e, ainda em silêncio,
recolher-se ao leito, neste caso a rede, e dormir impregnado das imagens e das sensações
provocadas por esta vivência. No dia seguinte, na ocasião do café da manhã, comentamos
sobre a qualidade do sono e a ocorrência, se rememorada, de algum sonho. Aqui expressamos
a valorização por funções imaginárias e subjetivas próprias do sonhar. Segue outra citação
retirada de Bachelard (2001, p. 201), que traduz a relação do sonho e sua função
cosmogônica:
O sonho é a cosmogonia de uma noite. Todas as noites o sonhador recomeça
o mundo. Todo ser que sabe desprender-se das preocupações do dia, que
sabe dar ao seu devaneio todos os poderes da solidão, devolve ao devaneio
sua função cosmogônica.
4.3.17 Retrospectiva do curso
Aqui o participante é estimulado a relembrar a sua própria jornada no curso e tem
como objetivos propiciar a auto-avaliação e integrar as experiências vividas no curso à sua
vida pessoal, comunitária, social e pedagógica (neste caso). Este momento é realizado de
82
preferência de olhos fechados e o professor vai citando as atividades que foram propostas
desde o primeiro dia até o momento atual, enfatizando práticas vivenciadas, conteúdos
aprendidos, trocas de experiência, aula de campo, etc. Nesta retrospectiva é importante incluir
tarefas de casa, momentos de insights, vivências com parentes e amigos relacionadas ao céu,
que foram relevantes para a pessoa e vivenciados fora da sala de aula. Este aspecto é muito
importante do ponto de vista da aprendizagem significativa, uma vez que boa parte do
aprendizado se dá fora da sala de aula, no dia-a-dia, onde o sujeito associa o conteúdo
trabalhado no curso (isto é, em uma situação de ensino formal qualquer) com sua vivência
diária. Consideramos importante sugerir tarefas de casa estimulantes, que facilitem que o
aluno experiencie o aprendizado como algo contínuo, ininterrupto e integrado com suas
experiências cotidianas.
Por fim, pedimos para que a pessoa entre em contato com a experiência mais
importante vivenciada por ela durante este período e reviva essa experiência. Ao abrir os
olhos e retornar ao estado de vigília física, lhe serão dadas algumas questões para serem
respondidas em seguida, tais como: “Qual a experiência mais importante que você vivenciou
durante este período? Que implicações práticas isto teve na sua vida em geral (por exemplo,
na interação com familiares) e, em especial, na sua atuação em sala de aula com os alunos?
Dê exemplos reais.” Estas questões foram respondidas por escrito e, depois, compartilhadas
com o grande grupo.
As auto-avaliações gerais e particulares, e as discussões desencadeadas nessa etapa
final, encerraram formalmente o curso.
83
5 RESULTADOS E CONCLUSÃO
Nesta seção apresentamos uma breve análise da cosmologia prévia dos sujeitos em
questão, abrangendo sua concepção de universo (mundo), sua concepção de origem, ou não,
desse universo e a concepção da relação entre seres humanos e tudo o mais que existe no
cosmo. Em seguida discorremos sobre as mudanças ocorridas com os alunos (professores) ao
longo do curso e as influências dessas mudanças em suas práticas pedagógicas e em suas
vidas diárias.
5.1 COSMOLOGIA PRÉVIA DOS SUJEITOS
Como explicitado em 4.3.1, o primeiro encontro do curso de extensão Laboratório em
Cosmoeducação teve como objetivo identificar a cosmologia prévia do sujeito, participante do
curso, incluindo aspectos relativos a: 1. Concepção de universo (mundo); 2. Concepção de
origem, ou não, desse universo; e 3. Concepção da relação entre seres humanos e tudo o mais
que existe no universo. A seguir em 5.1.1, 5.1.2, 5.1.3 e 5.1.4, comentamos cada aspecto
mencionado a partir das respostas dos participantes.
5.1.1 Concepção de universo
De acordo com as redações sobre “o que significa o universo para mim”, aplicada no
primeiro encontro do curso de extensão Laboratório em Cosmoeducação, criamos algumas
categorias para representar as palavras-chaves identificadas nos relatos dos alunos.
Expressões que traziam em seu bojo alguma dúvida, como, por exemplo expressões do tipo:
“enigmático”; “indecifrável”; “indefinido”; “espaço finito ou infinito?”, foram identificadas
como indefinição ou incognoscível, conforme exemplificadas nas transcrições literais dos
relatos feitas abaixo, cujo grifo é nosso; este tem o objetivo de destacar palavras-chaves das
categorias de análise do discurso definidas por nós.
O universo para mim é indefinido. É um conjunto de astros luminosos que não sei nem
explicar.
Penso que o universo é um mundo de descobertas. Nele vivemos uma viagem imaginária,
dentro de uma nave apropriada a levar pessoas para lugares distantes e desconhecidos,
84
onde jamais iremos chegar. Nesta imagem, iremos passar pelo centro da terra e conhecer
as maravilhas do espaço sideral em que muitas vezes de longe sonhamos com estes
milhões de pontos luminosos que brilham no imenso céu. As dúvidas são muitas quando
falamos no universo, quem sabe um dia o homem possa conhecer o verdadeiro sentido de
sua existência.
Quando penso em universo me vem logo a idéia de mundo, esse espaço finito ou infinito,
formado por bilhões ou milhões de galáxias, em uma das quais está situado o meu
planeta terra; a nossa galáxia chama-se via Láctea. Segundo os cientistas as galáxias
que formam o universo continuam se expandindo, isso significa que o universo pode ser
infinito, mas muitas vezes me pergunto até onde irá essa expansão. Enfim o universo é o
que conheço por mundo, finito ou infinito é real e certamente expressa a grandeza do
seu criador, sim, pois pra mim há um criador, a ciência tem suas teorias para tentar
explicar a formação do mesmo, mas deixa muito a desejar, prefiro acreditar que acima
de toda essa grandeza há um grande criador.
Outras redações que se caracterizaram por expressões que se referiam à dimensão de
grandeza, tais como, “imensidão”; “abrangente”; “espaço ilimitado”; “longe do alcance”;
foram interpretadas aqui como sendo de caráter transcendente, conforme mostram os
exemplos de relatos a seguir, também literais e com grifo nosso, pelo motivo já exposto:
O universo representa a imensidão por ser algo longe do nosso alcance. Para mim o sol
representa a vida porque é fundamental para a nossa sobrevivência. As estrelas são
misteriosas porque é algo que nos dá curiosidade, e a lua é bela por sua imensidão.
Quando falo em universo vejo o quanto é abrangente este vocábulo para mim.
O universo é um espaço celeste onde vivemos e convivemos com tudo e com todos. O
universo é o espaço que abrange a todos e a tudo que queremos saber.
O universo representa a imensidão do que já foi descoberto, do que se está por descobrir
e também do imaginário. E principalmente nesse universo que ainda é desconhecido
meus pensamentos e imaginação podem passear e constatar que ainda temos muito que
descobrir e aprender.
Eu acho que o universo é um espaço ilimitado.
Outras “definições” de universo fizeram referência às coisas do céu e da terra, como
“estrelas”; “astros”; “sol”; “lua”; “planetas”; “águas”; “seres”; e foram codificadas como
sendo do âmbito da materialidade e da forma, conforme demonstradas nos relatos abaixo
(grifo nosso):
Tudo que há no universo é de grande importância para mim, assim como a beleza da lua
e das estrelas, a grandeza e o calor do sol, a imensidão das águas dos rios e mares, tanto
quanto os demais seres que convivem entre nós.
O universo para mim é tudo que está ligado a ele, ou seja, o sol, a lua, as estrelas e os
planetas.
85
O universo para mim é tudo que existe, como: os astros, as estrelas, os cometas, os
animais, os vegetais e os minerais, ou seja, tudo que forma o mundo cientificamente.
Constatamos, neste grupo de professores, uma maior ocorrência de respostas do tipo
transcendente e incognoscível. A cosmologia desses sujeitos pode revelar que pensar em
definir o universo transpõe a nossa capacidade cognitiva, retratando assim a limitação
conceitual do ser humano para apreender o macrocosmo. Por outro lado, o aspecto
transcendente inerente à natureza humana pode ser ativado e despertar outros sentidos capazes
de perceber a imensidão do universo.
Observamos, contudo, dos relatos expostos, que praticamente todos ainda mantêm,
naturalmente, o forte viés de nossa cultura ocidental, que reforça o pensamento dicotômico, a
compartimentação cartesiana, a separação entre sujeito e objeto, terra e céu, e coloca “o
universo” como sendo algo exterior a cada um de nós, e mesmo extraterrestre.
Como enfatiza Jafelice (2002c, p.4, grifo do autor), “em vez de nos perguntarmos,
conforme escutamos com freqüência, qual é nosso lugar no universo? – questão que, em geral,
trai uma limitada visão, tentando encaminhar a discussão apenas sobre qual é nosso lugar
físico no universo –, ‘[u]ma pergunta mais pertinente seria: qual é o lugar do universo em
nós?’”
19
Jafelice (2006c) chama a atenção de que:
aquele viés está presente nos cursos, textos, veículos da mídia e materiais de
divulgação de astronomia, praticamente sem exceção. Ele representa um
desvio grave, que afeta muito a percepção das pessoas e a possibilidade de
formularem uma outra concepção de si mesmas, do universo, da inter-
relação entre o que existe.
5.1.2 Significado do céu
O que significa o céu para você?” Esta questão é bastante pertinente para este
trabalho, uma vez que se busca aqui um re-contato com essa parte do meio ambiente física e
simbolicamente falando.
Ao se depararem com essa questão, 40% das respostas dos participantes se referiram
aos astros celestes, ao céu astronômico, como mostram os relatos abaixo:
19
Vide também, neste sentido, o quadro comparativo entre a educação astronômica tradicional e a
antropológica, que reproduzimos na subseção 3.5.1, contendo reflexões de Jafelice (2004, p. 36).
86
O céu significa o universo, onde podemos estudar os corpos celestes que nele existe.
O céu é parte do universo pois é lá que estão os satélites, e para mim significa brilho, luz.
O céu é uma parte do universo onde se encontra diversos astros como: satélites, cometas,
estrelas,etc.
Um espaço onde fica os astros.
É a abóbada celeste e é nela que vemos bilhões de estrelas, a lua, o sol, etc.
Espaço onde se movem os astros.
Observando essas definições do céu, notamos que as mesmas refletem uma visão
dicotômica do mesmo em relação a nós. Ou seja, mais uma vez, o céu aparece como algo
separado do ser humano; o céu está lá, é a morada dos astros. Não nos damos nem conta de
que a terra é um corpo celeste, um planeta, e, portanto, está no céu, e, se estamos na terra,
conseqüentemente estamos no céu e este céu está em nós, pois nos relacionamos com ele o
tempo inteiro, quer tenhamos consciência deste fato ou não.
Outros 35% das respostas dadas pelos professores sobre o significado do céu estavam
relacionados ao céu da religião cristã, conforme exemplificam os relatos a seguir:
O céu significa para mim o lugar onde um dia eu irei morar com Jesus.
O céu para mim é a casa celestial, morada de Deus, onde com certeza eu um dia
vou morar.
Um lugar de rara beleza; morada de Deus e do que é eterno e muitas vezes
enigmático.
Do ponto de vista religioso, é o lugar para onde vão as pessoas que seguiram a
palavra de Cristo aqui na terra.
É pertinente mencionar que 100% da turma têm formação religiosa de orientação
cristã, seja católico ou protestante. A partir deste dado, é importante notar as forças culturais
predominantes, particularmente no ocidente, na formação de nossas opiniões e pontos de
vista. Neste grupo, notadamente, ora o aspecto científico, ora o religioso, determinou o
significado do céu.
O conflito entre o aspecto espiritual, claramente influenciado por conceitos religiosos
judaico-cristãos, e o aspecto materialista, exposto pelos conceitos científicos, fica
evidenciado, em particular, no seguinte relato:
Antigamente eu via o céu como se fosse o teto da terra, e acima dele morava Deus, Jesus
e os anjos. Hoje como sei que a terra não é fixa, e que é apenas um pontinho no universo,
esse céu lindo que durante o dia posso contemplar o sol, as nuvens e seu azul
maravilhoso, e a noite ele é revestido pela lua e as estrelas, formando assim um
87
espetáculo maravilhoso, não passa apenas de uma camada de ar. Mas, mesmo assim
acredito que onde meus olhos não podem contemplar há realmente um céu que não é teto
da terra, mas o revestimento do universo que realmente é a morada do meu criador.
O conflito entre essas duas forças fica claramente exposto quando essa aluna diz: “[...]
esse céu lindo que durante o dia posso contemplar o sol, as nuvens e seu azul maravilhoso, e a
noite ele é revestido pela lua e as estrelas, formando assim um espetáculo maravilhoso, não
passa apenas de uma camada de ar. [...]”. Aqui há uma quebra de sensibilidade. Aquele céu
que encantava e inspirava com sua beleza, não passa de uma mera camada de ar. Percebe-se
nesse pequeno trecho, o quanto o saber científico pode ser refletido pela pessoa como a perda
da sensibilidade e de qualquer poesia. Como se o conhecimento científico reduzisse o
“objeto” a um conceito de materialidade fria, que anula toda a beleza, a representação
simbólica e o pensamento imaginário existentes.
Cabe aqui questionar se a intenção do saber científico é a de anular ou de subestimar a
fantasia, a imaginação e a poesia inerentes ao humano e à sua interpretação da natureza. E se
assim o for, a quem serve esta ideologia?
Os outros 25% das respostas relacionadas ao significado do céu, apontaram para o
aspecto infinito, inacessível e idealizado, conforme podemos ver nos relatos abaixo:
Significa uma imensidão por ser algo inacessível, longe do nosso alcance.
O céu para mim, é um espaço infinito onde só existem coisas interessantes para serem
descobertas a cada dia.
O céu significa paz, um lugar onde não existe violência, discriminação, nem doença,
lugar que nos dá a sensação de liberdade.
5.1.3 Concepção de origem
De acordo com as respostas dos professores-alunos sobre a questão: “Você acha que o
universo teve uma origem ou não? Por quê e/ou como?”, 80% do grupo respondeu
afirmativamente, que o universo teve, sim, uma origem. Enquanto que apenas 20% tinham
dúvidas e não sabiam explicar. Daqueles que responderam “sim”, 80% remetem a origem do
universo a Deus, alguns, inclusive, fazendo referência direta ao Gênesis (início da Bíblia),
conforme, por exemplo, explicitado abaixo no relato de uma aluna:
Porque só Deus pode separar a água da terra. A separação entre o mar e a terra, eu
creio que só Deus fizera com o seu poder.
88
Como explica Martins (1994, p. 9), “no mito bíblico da criação, existe apenas uma
divindade, que produz todas as coisas. Nada surge por si próprio: parecem não existir forças
ativas da matéria. É necessária a decisão e o poder de um deus para que tudo possa surgir”.
Tem-se notado na cultura ocidental duas fortes tendências para explicar a origem de
tudo o que existe: uma de natureza religiosa, e na maioria das vezes fundamentada no
Gênesis, e outra de natureza científica, baseada na teoria da grande explosão ou do “Big
Bang”.
Neste grupo, fortemente caracterizado pelo pensamento cristão, surgem conflitos para
explicar as origens, conforme expressado nos relatos abaixo:
Alguns cientistas dizem que foi da explosão do “big bang”, mas na Bíblia há a afirmação
de que tudo passou a existir pelo poder da palavra de deus.
Sim. A teoria que a ciência usa para explicar a origem do mesmo é uma explosão que
ficou conhecida como big bang, mas mesmo que tenha ocorrido a mesma, acredito que
por traz dessa explosão há o poder e o querer de Deus e ele quis fazer tudo assim tão
grande e maravilhoso para mostrar sua grandeza.
Eu acho que Deus criou tudo e não que o universo surgiu de uma explosão como falam
os cientistas.
Mesmo não abrindo mão de sua crença, os professores mencionam o modelo da
grande explosão e percebe-se o incômodo que esta teoria provoca, uma vez que ameaça as
arraigadas concepções míticas de origem.
5.1.4 Concepção da relação entre seres humanos e tudo o mais que existe no universo
Segundo análise da questão: “Quais as relações que você percebe entre o céu e a
terra?”, cerca de 60% dos relatos dos alunos mencionaram os raios solares e o ciclo dia-noite,
40% citaram o ciclo da água, que provoca as chuvas. É interessante notar que ambos os
elementos (raios solares e água) são vitais e imprescindíveis para as diversas manifestações da
vida na terra. A ocorrência desses temas permitiu adentrar no tema transversal meio ambiente
e saúde e abordar situações ambientais que colocam em risco a vida da terra e do ser humano
como, por exemplo, o aquecimento global e o esgotamento da água potável no planeta.
Dentre os demais relatos, um, em particular, expressou uma concepção de mundo
geocêntrica
20
, como se mostra a seguir:
20
A terra vista como centro do universo. Todos os astros estariam girando ao redor da terra, que se
manteria estática.
89
É que no céu tem astros; e os astros se movem ao redor da terra.
A questão seguinte abordou “quais as relações percebidas entre tudo o que existe no
cosmo?”; e, segundo a análise, 50% dos alunos sentiram dificuldades de refletir a respeito,
tendo justificado a omissão da resposta pela falta de elementos disponíveis em seu repertório
intelectual.
Essa dificuldade ficou mais explicita à medida que se fez essa ampliação na questão
(para abarcar as relações percebidas entre tudo o que existe no universo). Esse tipo de coisa,
mais uma vez, remete para o modo fragmentado que estamos no mundo e nos relacionamos
com o mesmo.
Outros 40% admitiram existir relação entre tudo o que existe no cosmo, conforme
podemos ver nos exemplos de relatos abaixo:
Percebo que há uma relação entre todos os elementos, já que esse todo é composto de
todas as partes e que são indissociáveis.
Percebo que há uma relação de harmonia entre tudo o que existe no cosmo.
Percebo uma relação de dependência e equilíbrio entre tudo o que existe.
A força de atração é uma energia muito grande que permite uma organização
maravilhosa.
5.2 MUDANÇAS NA CONCEPÇÃO DE MUNDO
Ao final do curso foi aplicado um questionário com o objetivo de avaliar conteúdos
vivenciados pelos participantes e as potenciais mudanças ocorridas a partir dessas vivências.
A primeira questão consistia em descrever qual era a concepção de mundo antes de ter
qualquer aula desse curso. A maioria das respostas (60%) enfatizou a limitação anterior, de
perceber o mundo como sendo apenas a terra, conforme, por exemplo, nesses relatos escritos
pelos alunos e citados abaixo:
Antes do curso eu não costumava observar o céu.
Antes eu via o mundo como sendo só a terra, hoje vejo o universo.
Minha concepção de mundo era bastante limitada, pois só via o que estava próximo
(terra).
Eu via o mundo como se o mesmo fosse um círculo; se uma pessoa andasse em linha reta
chegaria ao seu fim.
90
Os outros 40% apontaram para uma insuficiência de conhecimento sobre o universo,
como mostram alguns dos relatos abaixo:
Antes eu não tinha conhecimento do universo.
Antes do curso a concepção que tinha do universo era solta, sem muito respaldo teórico e
prático.
Anteriormente só tinha a concepção do criacionismo. Este curso só veio enriquecer e
acrescentar mais elementos acerca das origens do universo que são múltiplas.
As mudanças ocorridas durante o curso foram relatadas pelos professores, que também
apontaram elementos, conteúdos ou práticas que facilitaram tais mudanças. A pergunta era se
durante o curso havia sido observada alguma mudança na forma de a pessoa ver o mundo e se
relacionar com este e, caso a resposta fosse positiva, quais mudanças foram identificadas pela
pessoa. Em caso negativo, pedia-se para responder por que ela achava que não houve
mudança.
Todos identificaram algum nível de transformação na sua cosmologia pessoal, tendo
sobressaído como mudança verificável a inclusão da prática de olhar o céu na vivência do dia-
a-dia, conforme mostram alguns dos registros abaixo:
Para mim mudou a forma de observar o céu.
Aprendi a observar melhor o universo e suas mudanças.
Passei a observar a lua.
Passei a ver o mundo com admiração e interesse, valorizando o universo e suas
transformações.
Após o curso comecei a ver o mundo de forma abrangente, em sua totalidade como um
universo repleto de coisas descobertas e muitas a serem encontradas pelo homem.
A minha vida profissional e particular também sofreu mudanças, pois como evangélica
creio no que está na Bíblia, porém após o curso penso que não podemos nos fechar para
outras formas de conceitos, pois podemos estar jogando fora oportunidades de
aprendermos. Devido ao curso deixei de ser tão radical em relação a todos os assuntos
que abordam as coisas relacionadas ao universo.
Notamos que a atitude de observar as coisas do céu foi uma constante dentre os relatos
dos participantes. Consideramos o desenvolvimento deste hábito de extrema importância para
esta proposta cosmoeducativa, uma vez que o primeiro passo para reintegrarmos algo em
nossas vidas é nos conscientizarmos de sua existência. Assim, o fato de esses professores
91
terem citado a inclusão da prática de observação do céu como mudança efetiva em suas vidas
é interpretado por nós como condição inicial do processo de reconexão cósmica.
Portanto, de acordo com as auto-avaliações dos professores participantes, ficou
evidente a ocorrência de mudanças conceituais e existenciais em relação à visão de mundo
anterior ao curso.
Quando questionados sobre os elementos, conteúdos e/ou práticas que facilitaram tal
mudança, a origem do universo foi citada em vários relatos como tendo sido um tema gerador
de reflexões e questionamentos, enquanto outros mencionaram os exercícios propostos pela
psicologia transpessoal, conforme exemplificados nos relatos abaixo:
As práticas da psicologia transpessoal, que me possibilitaram ver o quanto precisamos
fazer com que nossos alunos agucem as suas percepções através dos sentidos.
A origem do universo.
As observações e reflexões sobre como tudo começou.
As oficinas de gravuras da representação do universo.
As dinâmicas dos momentos de reflexão e observação do interior e exterior.
O filme zoom cósmico.
A prática envolvendo a respiração.
Estes relatos demonstram o quanto o tema das origens incita a curiosidade humana e
propicia reflexões e potenciais mudanças na forma de encarar o ainda não desvendado
mistério da origem do universo, o qual inclui a nossa própria origem enquanto seres humanos.
O reconhecimento explícito da importância das práticas em psicologia transpessoal por
uma fração significativa dos participantes (40%) reforça a pertinência desse tipo de iniciativa,
que valoriza e estimula o autoconhecimento, a subjetividade e a intuição.
Quando questionados sobre se o curso influenciou na sua prática pedagógica e como,
todos admitiram que o curso influenciou especialmente dando subsídios teórico-práticos para
trabalhar com a criança a observação das coisas do céu. Uma das alunas acrescentou que: “o
curso influenciou no sentido de desenvolver e trabalhar com meus alunos e buscar por essa
autoconsciência de si neste cosmos e de outros corpos”.
A questão seguinte pedia pelo menos dois exemplos de atividades que o professor
pretende desenvolver em sala de aula, mas que não o faria se não tivesse participado do curso.
Do grupo em questão, 80% dos professores mencionaram as práticas observacionais como um
elemento a ser introduzido em sua prática pedagógica, incluindo a observação e registro das
92
fases da lua e a construção do calendário lunar, conteúdos que não seriam abordados caso não
tivessem participado do curso.
Outro exemplo que apareceu na maioria dos relatos dizia respeito aos exercícios e
dinâmicas da psicologia transpessoal, as quais inspiraram os professores a adaptá-las à sua
prática pedagógica. Notamos o quanto, na prática, as observações do céu e os exercícios
meditativos visando expandir a visão de nós mesmos, parecem constituir elementos
complementares para a promoção de potenciais mudanças na visão de mundo. Ainda durante
o curso, alguns professores (cerca de 30%) relataram que já estavam experimentando a
aplicação de alguns conteúdos vivenciados no Laboratório em Cosmoeducação com seus
alunos.
Quando perguntados sobre a segurança deles nos conteúdos do Eixo-temático: terra-
universo que foi visto no curso, os participantes deveriam escolher entre as alternativas abaixo
e comentar sua resposta, citando alguns dos conteúdos vistos no curso :
(a) Ficou praticamente a mesma.
(b) Confundiu algumas coisas que você já sabia.
(c) Melhorou em alguns aspectos.
(d) Melhorou bastante no geral.
A análise das respostas mostrou que 80% optou pela alternativa (c) e 20% assinalou a
letra (d). Seguem abaixo alguns comentários das respostas:
Aprendi melhor a observar o universo.
Esclareceu sobre orientação através dos pontos cardeais.
A minha prática pedagógica e pessoal melhorou bastante, pois aprendi, através de uma
prática tão simples de respirar, o quanto não fomos trabalhados para percebermos as
pequenas e grandes coisas que são tão importantes e essenciais para nossas vidas.
Aprendi a observar a terra e o céu de forma diferente.
Criação do universo; mitologia e religião; sistema solar, galáxias e constelações,
satélites e astronomia cultural.
Os professores participantes do curso citaram como pontos positivos do mesmo a
forma de trazer os conteúdos da Astronomia sempre fazendo a relação entre teoria e prática,
proporcionando assim uma maior possibilidade de aplicação prática daqueles, bem como a
criação do hábito da observação e investigação científica na prática pedagógica e no dia-a-dia.
Como pontos negativos, os participantes foram unânimes em apontar o aspecto do pouco
tempo das aulas e do curso, e sugeriram o aumento da carga horária para maior
aprofundamento dos conteúdos trabalhados e das vivências experimentadas.
93
De fato, o tempo é fator essencial para o desenvolvimento e consolidação dos
conhecimentos sobre as coisas do céu
21
. Além disso, os temas propostos pela astronomia
favorecem diversas discussões envolvendo relações com outras disciplinas, com o meio
ambiente, com outras culturas, entre outras inter-relações que estimulam o pensamento crítico
dos professores e que, portanto, demandam mais tempo. Sendo assim, para um trabalho futuro
em formação de professores com o presente enfoque cosmoeducativo, precisaremos ampliar a
carga horária, a fim de propiciar um maior espaço-tempo de aprendizagem.
Por fim, quanto à experiência mais significativa vivenciada durante o curso, foi
unânime aquela associada às práticas de observação do céu, sejam da lua, do sol ou de
constelações. Isso demonstra o quanto redescobrir o céu diurno e noturno é importante para
ampliar a noção de meio ambiente e promover potenciais mudanças na visão de mundo.
Seguem abaixo relatos dos alunos sobre a experiência mais importante vivenciada durante o
período do curso Laboratório em Cosmoeducação, conforme escritos pelos mesmos na última
aula do curso:
A experiência mais importante para mim foi a observação da lua. Essa vivência foi algo
novo para mim. Depois disso passei a levar as crianças para observar a mudança da fase
da lua.
A experiência mais marcante entre muitas que tivemos e vivenciamos neste curso foi a
observação do sol naquela aula anterior a esta, pois foi maravilhoso vê-lo. Após este dia
comentei com meus alunos do 1° ciclo (2ª fase) sobre a beleza do sol, afinal, já havíamos
trabalhado sobre a sua formação e importância dele para todos os seres vivos. Como
Ana Lígia e Pedro Ivan (meus alunos) também tinham visto o sol através do vidro de
soldador chamei-os para dar relatos sobre aquele espetáculo, porém como desde o início
quando começamos o trabalho de observar sombras através da medição de um pau,
adverti-os para que não olhassem diretamente para ele, pois assim como Galileu morreu
cego de tanto observar as manchas do sol eles poderiam ter problemas de visão caso
tentassem fazê-lo.
A experiência mais importante que vivenciei foi as observações feitas com a lua. Com ela
tirei dúvidas e compreendi que: a lua caminha, transforma-se, ilumina, orienta e
modifica alguns momentos da vida dos seres que habitam o universo.
Na vivência foi possível descobrir a importância de observarmos o céu e as coisas que
fazem parte deste universo, com mais satisfação e aprendizagem.
Em geral, as observações vieram lembrar que é importante passarmos a valorizar o
universo e passar também esses momentos de descobertas para meus familiares e alunos.
Com os familiares envolvi os mesmos a dar mais importância ao universo através das
observações feitas comigo.
21
Este, em particular, é um dos motivos pelo qual o Prof. Luiz Carlos Jafelice inicia e desenvolve sua
intervenção na disciplina de Astronomia, para o Curso de Licenciatura em Geografia da UFRN,
através de atividades de (re)estabelecimento do contato dos alunos com as coisas do céu que permitam
“dar tempo ao tempo, pois este é um elemento constituinte primordial dessa área do conhecimento”
(Jafelice 2006c; vide discussões e aprofundamentos dessa estratégia pedagógica em Jafelice 2002c,
2004, 2005a e 2006a).
94
Na sala de aula, despertei os alunos para o contato com o céu e o que eles notavam que
nele existe.
A experiência mais importante foi a observação da lua.
Passei a ver a lua com mais importância, pois antes não tinha essa visão de que a lua é
tão importante para nós.
Uma grande dificuldade que tive foi de observar a estrela Dalva, pois em momento
algum consegui vê-la.
Durante o período do curso a experiência mais importante para mim foi na aula 14
quando fomos olhar o sol. Como é belo. Olhando-o senti vontade de chegar mais perto
do mesmo. Pensei que se Deus é luz, o sol é o olho de Deus. Levei aos alunos a prática de
relaxamento, de olhos fechados sair da sala de aula e ir ao ambiente familiar pensando
coisas boas para os familiares.
A experiência mais importante foi na aula de campo no dia 04/06, pois eu nunca tinha
visto um céu tão estrelado como naquela noite. Naquele momento eu não tinha
conseguido achar escorpião, mas ao retornarmos da aula após as orientações dadas, eu
consegui identificar no céu o escorpião tão falado e isso me deixou bastante realizada,
pois se todas as minhas colegas tinham identificado o escorpião eu também iria
conseguir.
5.3 COMENTÁRIOS FINAIS
Ao longo deste trabalho buscamos explorar a interface psicologia/astronomia através
de vivências da psicologia transpessoal com base em temas astronômicos e avaliar as
conseqüências das mesmas nos processos de autoconhecimento, consciência ambiental e
aprendizagem de conteúdos de astronomia. Como disse Jafelice (2005a), “todas essas tarefas
visam recuperar, de modo vivencial, uma inter-relação maior e plena entre todos os seres
vivos e as coisas da terra, do céu e do cosmo inteiro”.
O processo nos tem revelado o quanto a prática de “olhar o céu”, no sentido de
reincluí-lo na vida diária, provoca um processo de expansão da consciência e reintegração do
eu em um patamar de inter-relação ambiental mais amplo. O propósito deste trabalho foi
estimular tal processo, intensificá-lo, por assim dizer, e analisar as implicações desse tipo de
intervenção nas vidas dos sujeitos que passam por tal experiência.
A nossa hipótese de que astronomia, desde que abordada segundo um enfoque
antropológico ou humanístico, pode servir como uma porta cultural muito estratégica e
conveniente, através da qual o ser humano moderno (re) estabelece suas relações com o céu,
podendo readquirir, através daquela, o hábito do contato com as coisas do céu ,
95
redescobrindo-o, reintegrando-o em sua vida e ampliando sua consciência ambiental, tem se
apresentado, a partir da análise dos resultados que obtivemos, bastante pertinente.
Na prática, os exercícios que propusemos - de relaxamento, meditação, sons
autóctones, expressão corporal, imaginação ativa, pinturas de mandalas pessoais, redescoberta
do céu diurno e noturno, por exemplo -, efetivamente contribuíram para se acessar dimensões
adormecidas em nós devido ao excesso da razão cartesiana e do condicionamento à vigília
física ordinária a partir dos cinco sentidos físicos.
O que se constata, em geral, é que quando o nosso aluno está em sala de aula, isto é,
no estado de consciência usual de vigília, ele se percebe separado do conteúdo que está sendo
estudado. Por exemplo: eu e a terra, eu e o sol, eu e a Via Láctea, eu e a lua, eu e os anéis de
Saturno, eu e o Cruzeiro do Sul, eu e o universo. Enfim, neste contexto o “eu” se vê separado
dos corpos astronômicos ou do universo como um todo, parecendo não haver relação maior
entre eles, a não ser aquela existente entre “sujeito” e “objeto” (no caso, todo o resto) e,
conseqüentemente, aquela do “eu” estar no universo (como já discutimos nas subseções 3.5.1,
4.3.1 e 4.3.7). Ao passo que num estado mais expandido de consciência, a realidade é
vivenciada como uma unidade dinâmica, onde todas as coisas são interdependentes. Aqui, o
estudante começa a se relacionar existencialmente com os objetos e fenômenos astronômicos
e cósmicos. Ou seja, nesta situação estão simultaneamente presentes, com igual aporte, tanto
eu na terra, eu no sistema solar, eu na Via Láctea, eu no cosmo, como o cosmo em mim, o sol
em mim, etc.
Nesse contexto, o estudante inicia um processo de percepção sistêmica das relações de
interdependência que existem entre tudo. Em particular, das relações entre ele e tudo o mais
que há no universo, ao mesmo tempo em que mantém sempre consciente o fato de ele ser uma
parte deste e, como destaca Jafelice (2006c), “de ser uma parte tão essencial quanto qualquer
outra para caracterizar o universo como este é, independente da grandeza ou miudeza,
dimensionalmente falando, que essa parte tenha em termos relativos”. Com a repetição dessa
vivência, pode-se consolidar um novo aprendizado que, conseqüentemente, propiciará a
emergência de valores éticos mais universalistas no repertório existencial do sujeito.
O estado de consciência usual do dia-a-dia, que normalmente experienciamos, não nos
permite ter uma visão mais integrada entre o que existe “fora” de nós e nós mesmos e,
freqüentemente, nos percebemos como estando dissociados dos eventos que ocorrem na
natureza e no cosmo.
96
A partir de nossas intervenções e reflexões, observamos que esta emergente aliança
entre a astronomia e a psicologia transpessoal vem se revelando para nós, experimentadores,
como uma eficiente ferramenta para expandir a percepção, não só nos níveis conceitual e
intelectual, mas principalmente nos níveis vivencial e transcendente.
Vimos, ao longo da aplicação prática desta proposta cosmoeducativa, que os
conteúdos abordados em astronomia têm grande repercussão na psique humana. Como já
mencionamos, isto se dá, possivelmente, por um lado, pelo caráter inacessível de muitos
daqueles conteúdos à nossa manipulação e imaginação e, por outro lado, pela própria
identificação do céu com aspectos ancestrais, que remetem, inclusive, à nossa própria origem.
A psicologia transpessoal aproveita este impacto como uma predisposição para a pessoa
transcender seus limites conceituais, para entregar-se ao movimento de transformação
contínua do universo e descobrir sua identidade cósmica e infinita. A vivência destes dois
elementos, cosmicidade e infinitude, apresenta influência positiva no estado de equilíbrio
psicológico do indivíduo, facilitando, a nosso ver, uma convivência mais harmoniosa com o
meio ambiente (terra e céu) e com os demais seres existentes.
À medida que esse estado de consciência expandida vai sendo cada vez mais
vivenciado pelos professores e alunos é possível que ocorra uma mudança profunda de
valores, capaz de levar ao desenvolvimento de uma ética cósmica baseada na responsabilidade
universal, que se inicia pelo desejo de incorruptibilidade pessoal, instância onde começamos a
superar nossas próprias incoerências e nos melhorando enquanto humanos. Daí a importância
de se cultivar a valorização e a vivência do autoconhecimento e da autotransformação na
prática educacional aqui proposta, para sermos capazes de superar o empobrecimento do
humano, causado pela fragmentação com ênfase no racional, e exercer a atitude
transdisciplinar de compreender o mundo presente.
Dessa forma, podemos vir a legitimar o pensamento de Vajpeyi (1995), de que a
proposta de qualquer sistema educacional é, de alguma forma, promover o desenvolvimento
integral do indivíduo, contextualizando o aprendizado, para que esclareça o aluno sobre si
mesmo e as relações com o meio ambiente que o cerca. Neste trabalho incluímos o céu como
parte do ambiente.
97
Concluímos que a aplicação da proposta transdisciplinar que denominamos de
cosmoeducação contribuiu para a recuperação do contato dos professores envolvidos com as
coisas do céu, bem como para o processo de expansão do estado de consciência dos mesmos,
e promoveu potenciais mudanças na concepção de mundo dos professores. Tais mudanças,
portanto, refletem-se diretamente nas suas vidas (conforme reforçado, inclusive, pelos relatos
colhidos), implicando em mudanças também em suas práticas pedagógicas. E com isto
completa-se, assim, um grande circuito, aberto, que cresce, em espiral, possibilitando a
inclusão e o benefício dos muitos alunos, atuais e futuros, desses professores, nesse processo
transformador de consciências e ações.
98
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99
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3p.
100
______. Educação holística, consciência ambiental e astronomia cultural. In:
ENCONTRO BRASILEIRO PARA O ENSINO DE ASTRONOMIA, 8., 2004. São Paulo.
Atas... São Paulo: PUC-SP, 2004. 45p. 1 CD-ROM.
______. Astronomia no 1º e 2º ciclos do ensino fundamental. Natal: UFRN - Depto. de
Física, 2005a. Material para o Curso de Ensino Médio Modalidade Normal para Educadores
de Áreas de Reforma Agrária do Estado do Rio Grande do Norte. 65p.
______. Exemplo de aquecimento. Natal: UFRN - Depto. de Física, 2005b. Texto de apoio
para a disciplina Astronomia, ministrada no Curso de Licenciatura em Geografia da UFRN.
1p.
______. O céu, a terra, a realidade. Natal: UFRN - Depto. de Física, 2005c. Texto de apoio
para a disciplina Astronomia, ministrada no Curso de Licenciatura em Geografia da UFRN.
2p.
______. Anotações das aulas de L. C. Jafelice na disciplina Astronomia, para licenciandos em
geografia, na UFRN, no primeiro semestre de 2006. 2006a.
______. Educação científica, pós-modernidade e transdisciplinaridade. In: ENCONTRO
DE FILOSOFIA E HISTÓRIA DA CIÊNCIA DO CONE SUL, 5., 2006, Florianópolis.
Atas... Florianópolis: Associação de Filosofia e História da Ciência do Cone Sul. 2006b. 20p.
1 CD-ROM.
______. Comunicação particular. 2006c.
JAFELICE, Luiz C.; et al. The sky in the indigenous oral tradition in the Rio Grande do
Norte state, Brazil. In: CONGRESS ON SCIENTIFIC KNOWLEDGE AND CULTURAL
DIVERSITY, 8., 2004, Barcelona. Forum Universal de las Culturas 2004 - Public
Communication of Science and Technology. Barcelona: 2004.
MARTINS, R. A. O universo: teorias sobre sua origem e evolução 3.ed. São Paulo:
Moderna, 1994. (Coleção Polêmica).
101
MATOS, L. Caderno de debates plural. Belo Horizonte: Homo Sapiens, 1992.
______. Terapia da Arte Transpessoal do Mandala. Belo Horizonte: ABPT, 1998. Material
adquirido durante o curso de Psicologia e Psicoterapia Transpessoal, módulo Mandala.
MATTHEWS, M.R. History, philosophy, and science teaching. New York: Routledge;
London: Routledge, 1994.
MEDEIROS, L. A. L.; JAFELICE, L. C. Cosmoeducação: uma proposta para o ensino de
astronomia. In: REUNIÃO ANUAL DA SOCIEDADE ASTRONÔMICA BRASILEIRA,
29., 2003, São Pedro. Atas... São Paulo: Boletim da Sociedade Astronômica Brasileira, v. 32,
p. 76, 2003.
______. Cosmoeducation: The emerging alliance of astronomy teaching and transpersonal
psychology. In: CONGRESS ON SCIENTIFIC KNOWLEDGE AND CULTURAL
DIVERSITY, 8., 2004, Barcelona. Atas… Barcelona: Forum Universal de las Culturas, 2004.
Disponível em <http://www.pcst2004.org>. Acesso 28 jun. 2004.
______. Cosmoeducação: uma proposta para o ensino de astronomia. In: ENCONTRO
BRASILEIRO PARA O ENSINO DE ASTRONOMIA, 8., 2004, São Paulo. Atas... São
Paulo: PUC-SP, 2004. 1 CD-ROM.
MORIN, E. Sociologia: a sociologia do microssocial ao macroplanetário. Portugal: Europa-
América, 1998.
______. Os sete saberes necessários à educação do futuro. Tradução de Catarina Eleonora
F. da Silva, Jeanne Sawaya; São Paulo: Cortez; Brasília, DF: UNESCO, 2002.
MORIN, E.; CIURANA, E. R.; MOTTA, R. D. Educar na era planetária: o pensamento
complexo como método de aprendizagem pelo erro e incerteza humana. Tradução de Sandra
Trabucco Valenzuela; São Paulo: Cortez; Brasília, DF: UNESCO, 2003.
NICOLESCU, B. O Manifesto da Transdisciplinaridade. Coleção Trans. 2001. 120p.
102
______. Transdisciplinarity: Past, present e future. In: CONGRESSO MUNDIAL DE
TRANSDISCIPLINARIDADE, 2., 2005, Vitória. Manuscrito pré-impressão.
O’ SULLIVAN, E. Aprendizagem transformadora: uma visão educacional para o século
XXI. Tradução de Dinah A. de Azevedo. São Paulo: Cortez, 2004.
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Paulo: Talento: Palas Athena, 1999.
ROMERO, W.; et al. Conhecimentos populares do céu no Rio Grande do Norte. In:
REUNIÃO ANUAL DA SOCIEDADE ASTRONÔMICA BRASILEIRA, 30., 2004, São
Pedro, Atas... São Paulo: Boletim da Sociedade Astronômica Brasileira, v. 24, p. 75-76,
2004.
SALDANHA,V. A psicoterapia transpessoal. Campinas: Editora Komedi, 1997.
TOBEN, B.; WOLF, F. A. Espaço, tempo e além. São Paulo: Cultrix, 1982.
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1989.
103
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1997.
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aos 27/03/02. 26p.
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Estadual do Pará, 2002.
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Brasiliense, 1979.
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ECE, 1977.
SCHLÖGL, E. Expansão criativa: por uma pedagogia da autodescoberta. Petrópolis: Vozes,
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psicologia e educação. São Paulo: Cultrix, 1993.
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WILBER, K. Uma breve história do universo. Rio de Janeiro: Nova Era, 2001.
105
APÊNDICES
106
APÊNDICE A: Ementa do Curso de Extensão Universitária Laboratório em Cosmoeducação
Laboratório em Cosmoeducação
Para Professores de 1
o
e 2
o
Ciclos do Nível Fundamental
Curso de Extensão Universitária - Informações gerais
LOCAL
Escola Estadual Alceu Amoroso Lima.
PROFESSORES
Luiz Carlos Jafelice – Coordenador e Professor esporádico (Depto. de Física/UFRN)
Luziânia Ângelli Lins de Medeiros – Vice-Coordenadora e Professora do Curso
(mestranda do PPGECNM/UFRN)
PÚBLICO ALVO
Professores do 1
o
e 2
o
ciclos do ensino fundamental (antiga 1
a
a 4
a
séries).
CRONOGRAMA E EMENTA
Serão dezesseis encontros semanais com dia e horário a serem definidos em consenso com o
grupo, mais algumas aulas de campo, em datas, locais e horários a serem especificados.
Ementa do Curso:
Percepção e realidade: o sujeito e sua concepção de mundo.
Consciência cósmica: integração entre o microcosmo e macrocosmo.
Astronomia cultural, meio ambiente e educação holística.
Psicologia transpessoal na educação: autoconhecimento e pedagogia.
Ensino de alguns conteúdos básicos de astronomia no nível fundamental: uma
abordagem transdisciplinar.
107
APRESENTAÇÃO
Trata-se de uma proposta vivencial-teórica cujo mote gerador são temas de astronomia, com a
finalidade de refletir e ampliar a concepção de mundo e os valores vinculados a esta, como
também observar a influência desta visão pessoal na prática pedagógica.
JUSTIFICATIVA
A motivação para realizar este trabalho surgiu da necessidade constatada de apresentar
elementos capazes de enriquecer a prática pedagógica no século XXI. Nos dias de hoje muito
se fala sobre a interdisciplinaridade, multidisciplinaridade e transdisciplinaridade no ensino,
todavia, será que o professor foi formado com esta orientação? Partindo da premissa de que
estas metodologias que primam pela inter-relação e interconexão de diversos elementos são
frutos de uma maneira integrada de pensar e agir, elaboramos uma proposta vivencial-teórica
onde a atuação do professor tem como referencial a experiência subjetiva e pessoal.
Portanto, esta proposta foi pensada no sentido de contribuir para a formação do professor,
tendo em vista o desenvolvimento integral do ser humano.
OBJETIVO GERAL
Conscientizar-se da concepção de mundo pessoal e influências desta na prática pedagógica.
OBJETIVOS ESPECÍFICOS
Promover e valorizar a vivência pessoal do professor;
Refletir sobre a concepção de mundo adotada e a prática educacional no nível
fundamental;
Apresentar elementos que possam facilitar uma ampliação desta concepção de mundo;
Discutir a aplicação dos conteúdos relativos ao eixo temático “terra e universo” na
disciplina de ciências bem como em outras disciplinas;
Elaborar práticas educacionais inéditas visando o desenvolvimento de uma atuação mais
integrada e integradora;
Favorecer e estimular o autoconhecimento.
METODOLOGIA
A filosofia norteadora de nosso trabalho habitual está fundamentada na adoção de uma
abordagem holística e no uso de uma variedade de práticas pedagógicas centradas no aluno.
No presente caso estaremos adentrando em um campo relativamente inexplorado e propondo
vivências inéditas no contexto em questão. As práticas desenvolvidas são tão diversas quanto,
por exemplo: redescobrir o céu diurno e noturno; integrar o ensino de astronomia a aspectos
culturais regionais; modelar utensílios autóctones em argila; montar calendários lunares;
representar sentimentos envolvidos na relação com o cosmo e com as origens através de
mandalas pessoais; etc.
108
Estão previstas também a realização de avaliações ao início e ao final do curso para
aferir como, e até que ponto, as atividades desenvolvidas com o enfoque proposto
modificaram a visão de mundo e a prática profissional dos participantes. Com base nessas
avaliações da efetividade das práticas feitas e de suas implicações nos aspectos cognitivos,
afetivo-emocionais e comportamentais, nossa proposta será enriquecida e aperfeiçoada para
posteriores aplicações da mesma em outras instâncias.
INFORMAÇÕES GERAIS
Carga horária deste Curso: no mínimo 40 horas.
A obtenção do certificado de conclusão deste Curso dependerá: a) da participação dos
professores-alunos nas atividades desenvolvidas em classe, em campo e solicitadas para casa;
b) da avaliação que faremos das mesmas; e c) da presença em no mínimo 80% das aulas (isto
é, presença em no mínimo 32 horas de aula).
A discussão sobre aulas de campo e eventuais assuntos pendentes será feita em classe.
BIBLIOGRAFIA BÁSICA
1. AVENI, Anthony Conversando com os Planetas. São Paulo: Mercuryo, 1993.
2. BOCZKO, Roberto Conceitos de Astronomia. São Paulo: Edgard Blücher, 1984.
3. CAPRA, Fritjof. A Teia da Vida: Uma Nova Compreensão Científica dos Sistemas
Vivos. São Paulo: Cultrix, 1996.
4. HUTCHISON, David Educação Ecológica: Idéias sobre Consciência Ambiental. Porto
Alegre: Artes Médicas Sul, 2000.
5. JAFELICE, Luiz C. Nós e os Céus: um Enfoque Antropológico para o Ensino de
Astronomia. In: Vianna, Deise M. et al. (Eds.). ENCONTRO DE PESQUISA EM ENSINO DE
FÍSICA, VIII, 2002, Águas de Lindóia. Atas... São Paulo: Sociedade Brasileira de Física,
2002. (CD-ROM, arquivo: CO19_1.pdf) (oral; trabalho 20p) [Também disponível no
endereço: http://www.sbf1.if.usp.br/eventos/epef/viii/PDFs/CO19_1.pdf (acesso em
28/01/03).]
6. _______ . Educação Holística, Consciência Ambiental e Astronomia Cultural. In:
Cardoso, Walmir et al. (Eds.) Encontro Brasileiro para o Ensino de Astronomia, VIII,
2004, São Paulo. Atas ... São Paulo: Sociedade Brasileira de Ensino de Astronomia, 2004.
(CD-ROM) (conferência de encerramento; trabalho 45p).
7. MARTINS, Roberto A. O universo: Teorias sobre sua Origem e Evolução. São Paulo:
Moderna (Coleção Polêmica; 3a. edição), 1994.
8. M
EDEIROS, Luziânia A. L.; JAFELICE, Luiz C. Cosmoeducação: uma Proposta para o
Ensino de Astronomia. In: Cardoso, Walmir et al. (Eds.) Encontro Brasileiro para o
Ensino de Astronomia, VIII, 2004, São Paulo. Atas ... São Paulo: Sociedade Brasileira de
Ensino de Astronomia, 2004. (CD-ROM) (painel; trabalho 5p).
9. M
ORIN, Edgar Os Sete Saberes Necessários à Educação do Futuro. São Paulo: Cortez;
Brasília, DF: UNESCO, 2000a.
10. PANZERA, Arjuna C. Planetas e estrelas: um guia prático de carta celeste. Belo
Horizonte: Editora UFMG, 2003.
11. ROZMAN, Deborah Meditando com Crianças: a Arte da Concentração e
Interiorização. Sào Paulo: Brasiliense, 1979.
12. S
ALÓ, Julia; BARBUY, Santiago terra, Água, Ar, Fogo: para uma Oficina-Escola
Inicial. São Paulo: ECE, 1977.
109
13. SCHLÖGL, Emerli Expansão Criativa: por uma Pedagogia da Autodescoberta.
Petrópolis: Vozes, 2000.
14. SECRETARIA DE EDUCAÇÃO FUNDAMENTAL. Parâmetros Curriculares Nacionais – 1º e
2º ciclo. Brasília: MEC/SEF, 1997.
15. WEIL, Pierre A Consciência Cósmica: Introdução à Psicologia Transpessoal.
Petrópolis: Vozes, 1989.
110
APÊNDICE B - Questionário inicial aplicado na 1ª aula do curso de extensão Laboratório em
Cosmoeducação
Aula 01
Redação
Tema: “O que significa o universo para mim”.
(Note: não é uma pergunta; é uma afirmação.)
Questionário:
Instrução: o questionário deve ser passado na forma de ditado, uma questão por vez. Ou
anotar a questão na lousa e após todos responderem passar para a seguinte.
1) O que significa o céu para você?
2) Como você se sente quando olha para o céu?
3) O que lhe chama mais atenção no céu?
4) Com que freqüência você costuma olhar para o céu?
5) Quais as relações que você percebe entre o céu e a terra?
6) Quais as relações que você percebe entre tudo o que existe no cosmo?
7) Você acha que o universo teve uma origem ou não? Por quê e/ou como?
8) Qual o lugar ou o papel do ser humano no universo?
111
APÊNDICE C - Avaliação final do curso
Avaliação do Curso de Extensão “Laboratório em Cosmoeducação”
Público Alvo: Professores de 1º e 2º ciclo Nível Fundamental
Local: Escola Estadual Alceu Amoroso Lima
Período: 04/03-18/06/05
1-Informações Pessoais:
Nome:
___________________________________________________________________________
End:
___________________________________________________________________________
Fone E-mail:
___________________________________________________________________________
Escolaridade:
( ) 2º Grau ( ) 3º Grau ( ) Pós-Graduação
Instituição(s) onde concluiu o 2º grau, 3º grau e/ou pós-graduação.
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
Principais cursos que participou como aluno e/ou como professor:
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
Tempo que leciona nesta escola. Cite as duas escolas anteriores a esta e o período em que
lecionou.
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
Ciclo:
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
112
II - Avaliação do Curso propriamente dita:
1) Você lembra qual era sua concepção de mundo antes de ter qualquer aula deste curso?
Descreva.
2) Durante o curso ocorreu alguma mudança na forma de você ver o mundo?
2.1) Se sim, quais mudanças você identifica?
2.2) Ainda se você respondeu sim, cite quais foram os elementos, conteúdos e/ou
práticas que facilitaram essa mudança?
2.3) Se a resposta tiver sido não, por que você acha que não ocorreu nenhuma
mudança?
3) O curso influenciou na sua prática pedagógica? Como?
4) Dê pelo menos dois exemplos de atividades que você pretende desenvolver em sala de
aula, mas que não faria se não tivesse participado do curso?
5) Quanto à sua segurança nos conteúdos do Eixo-temático: terra-universo, que foram
vistos no curso:
(a) Ficou praticamente a mesma.
(b) Confundiu algumas coisas que você já sabia.
(c) Melhorou em alguns aspectos.
(d) Melhorou bastante no geral.
Comente sua resposta citando alguns dos conteúdos vistos no curso.
6) Liste os pontos positivos e negativos do curso.
7) Comentários:
ª Na sua opinião o que faltou neste curso?
ª Se o curso continuasse o que você gostaria de ver?
ª Que conteúdo(s) ou aula(s) você mais gostou? E qual(is) você menos
gostou?
ª O que achou mais difícil de entender? O que achou mais fácil?
8) Sugestões:
Na sua opinião o que poderia ser acrescentado para o melhoramento deste curso?
113
ANEXOS
114
ANEXO A: Descobertas sobre a lua
Descobertas sobre a lua
Verbalizações dos participantes quanto às suas descobertas sobre a lua feitas durante o curso
de extensão Laboratório em Cosmoeducação (descobertas feitas por eles só através de suas
observações diretas, sistemáticas e diárias da lua durante cerca de 28 dias, isto é, durante
quase um ciclo lunar
22
, intervalo de tempo em que não houve nenhuma intervenção expositiva
ou explicação da facilitadora sobre as questões que foram descobertas independentemente
pelos alunos):
1. A lua caminha no céu de leste para oeste numa única noite;
2. No decorrer dos dias ela começa a nascer mais tarde;
3. A parte iluminada vai crescendo e depois diminuindo ao longo do ciclo;
4. A lua muda de posição numa única noite;
5. A lua muda de cor: um dia está mais amarelada, noutro mais branca;
6. A forma dela está decrescendo de cima para baixo;
7. O desenho que vemos na lua muda ao longo de uma mesma noite;
8. De um dia para outro a posição da lua mudou em relação a um grupo de estrelas.
Como parte do trabalho feito com os professores, para análise e elaboração formal
dessas descobertas, partimos das verbalizações acima e utilizamos algumas outras
informações sobre o assunto retiradas do texto Descobertas sobre a lua, de Jafelice (2003c).
Desse trabalho, elaboramos um documento sistematizando e resumindo as principais
descobertas que eles fizeram sobre a lua e incluindo informações adicionais importantes sobre
o tema, que não haviam vindo à tona ainda. Cada participante do curso recebeu uma cópia
desse documento, o qual achei importante incluir aqui:
22
Esse foi o tempo em que quase se completou uma lunação, isto é, foi o tempo entre o dia em que os
alunos começaram a acompanhar a lua no céu sistematicamente e o momento da discussão na data
mais próxima a se completar uma lunação (que é período que a lua leva para repetir uma dada fase e
que é de, aproximadamente, 29,5 dias). Como as discussões eram feitas nos dias de aula e, no nosso
caso, os encontros eram semanais, tivemos cerca de 28 dias para coletar e trabalhar os relatos aqui
reproduzidos.
115
1. A lua caminha no céu de leste para oeste numa única noite;
2. No decorrer dos dias ela começa a nascer mais tarde; ou seja, sua posição no céu
muda, para um dado horário, de um dia para o outro, e notamos que ela se desloca de
oeste para leste com o passar dos dias;
3. Este deslocamento contínuo da lua de oeste para leste pode ser comprovado se
tomarmos como referência um grupo de estrelas qualquer próximo a ela; de um dia
para outro a posição da lua mudou em relação a este grupo de estrelas; pode-se
perceber que a lua vai se afastando um bom tanto de distância desse conjunto em
direção ao leste de dia para dia; e para notar isto não é preciso olhar a lua sempre no
mesmo horário; basta memorizar sua posição relativa ao conjunto de estrelas, pois se
constatará que a lua se afastou para o leste em relação ao conjunto de estrelas;
4. O movimento de leste para oeste é semelhante ao de todos os astros (como o sol, as
estrelas, os planetas, os cometas, etc.). Pode-se dizer que este movimento é aparente;
uma vez que todos os astros o realizam. Na verdade é a terra que está executando o
movimento real, que é de oeste para leste, porém não sentimos esse movimento, então
parece que são os astros que estão se movimentando de leste para oeste;
5. O movimento aparente da lua, de leste para oeste, entre seu nascer e seu ocaso, é bem
mais notável que seu movimento real, de oeste para leste, que, em geral, só
percebemos entre um dia e outro; porém é preciso ter claro que tal movimento real,
apesar de menos acentuado, está acontecendo, praticamente no mesmo ritmo, o tempo
todo, ininterruptamente;
6. A parte iluminada vai crescendo e depois diminuindo ao longo do ciclo; ou seja, a
parte iluminada muda o tempo todo;
7. A lua muda de posição numa única noite; isso diz respeito à “inclinação” de suas
“pontinhas” iluminadas ou das suas manchas. Enquanto ela percorre o céu, do
nascente para o poente, a posição relativa entre suas partes iluminada e escura muda,
uma começa “em cima” da outra e termina “embaixo”;
116
8. Observou-se mudança de cor: “um dia está mais amarelada, noutro mais branca”. A
lua muda de coloração de dia para dia, ou mesmo durante um mesmo dia, dependendo
do momento em que a vemos em seu caminho no céu. Isso se deve às camadas da
atmosfera;
9. Às vezes se forma uma roda luminosa, um arco bem circular, em volta dela, com ela
bem no centro; este fenômeno é conhecido popularmente como “bolandeira” (arco-íris
da lua);
10. O desenho que vemos na lua muda ao longo de uma mesma noite, devido à parte
iluminada que muda de inclinação. Porém, as manchas da lua continuam as mesmas de
dia para dia; isto é, a face da lua que está voltada para nós, na terra, é sempre a
mesma; isto é, muda a fração dessa face que podemos enxergar, porque parte dessa
face não fica iluminada, mas conforme a lua vai ficando cheia, dá para ver todas as
manchas dessa face da lua, e são sempre as mesmas o mês todo;
11. A forma dela está decrescendo de cima para baixo. Em que fase ela está quando isso
acontece? Enquanto você ainda não está habituado aos ciclos lunares, só dá para saber
a fase quando você a observa pelo menos dois dias consecutivos, ou próximos um do
outro; aí é possível comparar as partes iluminadas dos dois dias e concluir se tal parte
está aumentando (e, portanto a lua está na fase crescente, ou indo de nova para
crescente, ou de crescente para cheia) ou está diminuindo (e, portanto ela está na fase
minguante, ou indo de cheia para minguante ou de minguante para nova);
12. Quando a parte iluminada da lua está aumentando, nós a enxergamos pela tarde e na
primeira metade da noite do mesmo dia (isto é, a parte da noite entre 18hs e meia-
noite, cada dia em uma “altura” diferente, para um mesmo horário de observação);
quando sua parte iluminada está diminuindo, nós a enxergamos na segunda metade da
noite (isto é, a parte da noite entre meia-noite e 6h, também cada dia em uma altura
diferente, para um mesmo horário de observação) e pela manhã seguinte;
13. A lua aparece, e bastante, durante o dia (isto é, aparece durante muitos dias e grande
parte do dia claro ao longo de um mês, apesar de ser considerada o astro da noite ou a
rainha da noite);
117
14. Ela não aparece no céu pelo menos uns três dias por mês;
15. Os formatos da lua nas fases crescente e minguante são parecidos, mas são invertidos,
em relação à direção oeste, por exemplo, e além disto tais luas aparecem no céu, para
uma dada altura, em horários diferentes. Durante a parte inicial da noite a fase
crescente se assemelha a letra “C” e, umas três semanas depois, durante a parte final
da noite, mais ou menos à mesma “altura” em que a lua crescente foi vista antes, a
fase minguante se assemelha à “barriga” da letra “D”;
16. A lua tem infinitas faces, embora tenha sido estabelecida pelos gregos a existência de
quatro fases para melhor organizar; contudo, é só observá-la todas as noites para
descobrir que ela está mudando a todo o momento;
ATENÇÃO: Que estes conhecimentos mais objetivos sirvam para aprofundar a sua relação
com a lua, sem, entretanto, deixar de lado a subjetividade e as boas sensações que a
contemplação desse astro pode promover no seu interior e irradiar para o meio externo.
O que falta descobrir sobre a lua ainda? Muita coisa. Continue observando-a!
118
ANEXO B: Texto coletivo sobre o início de tudo que existe, criado pelos participantes do
curso de extensão “Laboratório em Cosmoeducação”
Certezas e Dúvidas
No princípio não havia nada. Deus fez a terra. A terra vivia em trevas. O homem surgiu e
começou a modificar a natureza e com isso surgiram coisas belas. Deus percebeu que em
trevas o homem não podia viver, por isso criou o sol para governar o dia e a lua para governar
a noite. Foi Deus que fez a separação entre a terra e as águas. Com o passar do tempo, o
homem foi modificando tudo que Deus criou, os céus e as estrelas. Porém, há quem diga que
tudo surgiu de uma grande explosão, a qual deu origem a tudo o que existe no céu e na terra.
Hoje, estudos continuam sendo feitos sobre a origem do mundo e, mesmo com todos esses
estudos, até hoje não se chegou a uma conclusão ou verdade sobre tal fato. A dúvida
continua...
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