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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
ESCOLA DE EDUCAÇÃO FÍSICA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DO
MOVIMENTO HUMANO
CORRIDA DE AVENTURA E RISCO:
UM ESTUDO ETNOGRÁFICO
Raphael Loureiro Borges
Porto Alegre
2007.
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2
Raphael Loureiro Borges
CORRIDA DE AVENTURA E RISCO: UM ESTUDO
ETNOGRÁFICO
Dissertação de Mestrado Apresentada
ao Programa de Pós-graduação em
Ciências do Movimento Humano da
Escola de Educação Física da
Universidade Federal do Rio Grande
do Sul. Como requisito parcial para
obtenção do titulo de Mestre em
Ciências do Movimento Humano.
Orientador: Prof. Dr. Marco Paulo
Stigger
Porto Alegre,
2007
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Dedico esta dissertação a todos aqueles que, um
dia, decidiram arriscar-se e viver de forma mais intensa
uma aventura em contato com a natureza. Que sentiram
na “pele” sua força, e apreciaram de perto sua beleza,
muitas vezes hostil, mas encantadora.
Agradeço ao PPGCMH pela oportunidade de
realizar esta pesquisa, e ao meu orientador Marco Paulo
Stigger pela confiança e atitude em me orientar num
estudo com esta temática. À minha família pelo apoio, em
especial a minha irmã Liza e minha mãe Suzana, pelas
noites viradas e compreensão nos momentos de stress.
Agradeço, principalmente a minha filha Anna
pelos momentos passados juntos nessa longa trajetória,
sempre ao meu lado “do jeito dela”: capítulos riscados...
páginas rasgadas...e muitos apelos para brincar.
“A mente é como um pára-quedas,
só funciona aberta”
Escola do Lúdico
4
RESUMO
Esta dissertação é resultado de um estudo etnográfico desenvolvido dentro do
contexto das atividades físicas de aventura e risco, praticadas no meio natural e,
realizadas no âmbito competitivo. Com base nas interpretações estabelecidas a partir da
triangulação de dados obtidos por observação participante e entrevistas, articuladas com
as teorias envolvidas, este estudo investigou quatro grupos de praticantes de corrida de
aventura, sob diferentes perspectivas. Reconhecendo estas modalidades como uma
prática social inserida no âmbito do esporte, como algo que interfere nos estilos de vida
de seus praticantes, o objetivo principal desta investigação foi entender os “sentidos de
aventura e risco nas atividades realizadas por praticantes de corrida de aventura na
perspectiva competitiva, e como estas práticas se inserem no seu modo de vida”. Fica
evidente ao final do trabalho, a existência do risco, que deve ser entendido e estudado
no contexto em que ocorre. A ele foi atribuído o momento da ação, da execução da
modalidade que carrega em si, certa racionalidade. À aventura restou os sentimentos, o
momento vivido que resulta na emoção.
Palavras chave: esporte, competição, risco e aventura.
5
ABSTACT
This dissertation is a result of na ethnographic study developed in a context of
adventurous and risky physical activities, practiced in a natural environment and in a
competitive way. Based on the interpretations established and on the contrast with the
theories envolved, this study investigated four groups under different perspectives. My
efforts were conducted to show how this practice is unknown, however, there is no
intention on creating a discussion of the differences between these extreme activities
and the ones I called “traditional sports”. Understanding these activities as a social
practice inserted in a sport field, as something that interferes in the life styles of the ones
who practice them, the main goal of this investigation was to understand the “meanings
of adventure and risk faced by the ones who realize them in a competitive perspective,
and how these actions influence their way of life”. It´s evident at the end of this work,
the existence of risk, which must be understood and studied in the context where it
happens. To this risk it was assigned the moment of the action, the practice of this
activity that takes in itself a certain rationality. What´s left after the adventure race are
the feelings, the memories and the moments lived which result in emotion.
KEY WORDS: sport, competition, risk and adventure.
6
RESUMEN
Esta disertación es resultado de un estudio etnográfico desarrollado dentro del
contexto de las actividades físicas de aventura y riesgo, practicadas en el medio natural
y, realizadas en el ámbito competitivo. Con base en las interpretaciones establecidas y
en la triangulación con las teorias envueltas , este estudio investigó cuatro grupos de
practicantes, bajo diferentes perspectivas. Mis esfuerzos fueron direccionados para
mostrar como es está práctica “poco conocida”, sin, no entanto, privilegiar la discusión
de las diferencias en relación a lo que llame de “deportes tradicionales”. Reconociendo
estas modalidades como una práctica social inserida en el ámbito del deporte, como algo
que interfiere en los estilos de vida de sus practicantes, el objetivo principal de esta
investigación fue entender los “sentidos de aventura y riesgo en las actividades
realizadas por practicantes de la carrera de aventura en la perspectiva competitiva, y
como estas prácticas insierense en su modo de vida”. Queda evidente al final del
trabajo, la existencia del riesgo, que debe ser entendido y estudiado en el contexto en
que ocurre. A el fué atribuido el momento de la acción, de la ejecución de la modalidad
que carga en si, cierta racionalidad. En relación a la aventura solamente restó los
sentimientos, el momento vivido, que resultó en la emoción en si misma.
Palabras claves: deporte, competición, riesgo y aventura.
7
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.............................................................................................................
9
1 ENTRANDO NA CORRIDA DE AVENTURA.......................................................
16
1.1 Um esporte entre os esportes...................................................................................
16
1.2 As Corridas...............................................................................................................
22
1.3 Entrando na Aventura............................................................................................
24
1.4 Problematização e Questões de Pesquisa...............................................................
31
2 ASPECTOS METODOLÓGICOS...........................................................................
34
2.1 Objeto de Estudo e Instrumentos de Pesquisa......................................................
42
3 DESCRIÇÃO ETNOGRÁFICA DOS CONTEXTOS EM ESTUDO...................
51
3.1 A Corrida de Aventura............................................................................................
51
3.2 As Equipes................................................................................................................
63
3.2.1 Equipe Caverá.......................................................................................................
63
3.2.2 Equipe Ratos de Trilha.........................................................................................
67
3.2.3 Equipe Buff Nike ACG………………………………………………………….
72
3.3 As Corridas em Estudo............................................................................................ 75
3.3.1 Circuito Ecoatitude............................................................................................... 75
3.3.2 Desafio dos Espigões............................................................................................. 76
3.3.3 Famastil Adventure…………………………………………………………… 77
3.3.4 Ecomotion Pro....................................................................................................... 80
3.4 Breve histórico.......................................................................................................... 83
3.4.1 Orientação..............................................................................................................
84
3.4.2 Breve Histórico das Corridas de Aventura Através de uma Cronologia de
Eventos Desta Natureza.................................................................................................
86
3.4.3 Corrida de Aventura no Brasil............................................................................ 88
4 O RISCO...................................................................................................................... 90
4.1 ... Etimologicamente falando................................................................................... 90
4.2 O risco no contexto da aventura............................................................................. 95
4.3 Os riscos e as corridas de aventura........................................................................ 105
5 RETOMANDO AS DESCRIÇÕES ETNOGRÁFICAS DO CONTEXTO EM
ESTUDO.........................................................................................................................
125
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS..................................................................................... 137
REFERÊNCIAS.........................................................................................
141
ANEXOS......................................................................................................................... 145
ANEXO 1........................................................................................................................ 145
ANEXO 2........................................................................................................................ 148
ANEXO 3........................................................................................................................ 151
8
ANEXO 4........................................................................................................................ 153
ANEXO 5........................................................................................................................ 154
ANEXO 6........................................................................................................................ 155
ANEXO 7........................................................................................................................ 157
9
INTRODUÇÃO
Um dos maiores fenômenos socioculturais da atualidade é o esporte. Esta prática
está por todos os lugares sendo vivenciada de diversas maneiras. É capaz de mobilizar
multidões, pequenos grupos ou apenas um indivíduo, de diferentes classes sociais, idade
ou sexo. Com o passar dos anos, com o crescimento da população e a urbanização do
planeta, o homem passou a viver mais nas metrópoles, afastando-se muitas vezes do
entorno natural. A busca por esse contato com a natureza vem crescendo cada vez mais.
O esporte, que muitas vezes acompanhou o desenvolvimento sociocultural de sua época,
hoje não caminha diferente, e desenvolve-se de maneira expressiva nessa direção.
A partir de um olhar para o cotidiano das grandes metrópoles, não são raros os
momentos em que parques, “os corações naturais das grandes cidades” encontram-se
cheios, onde os indivíduos praticam inúmeras atividades esportivas. Podemos compará-
los à pequenas “mudas” da natureza, que sobraram em meio ao concreto e o asfalto.
Mas não é a essas práticas que este estudo i se dedicar, trata-se dos esportes de
aventura na natureza, um esporte “novo” que tem suas características próprias e que
merece ser problematizado e estudado.
Os esportes de aventura e risco são encontrados tanto no meio natural como no
meio urbano, e estão associados a muitos mitos e símbolos da cultura a qual pertencem.
Este segmento desenvolveu-se principalmente na área do lazer, e, além de seus
esportistas, também se desenvolveu no setor eco-turístico e empresarial.
Apesar de o esporte estar presente no cotidiano de muitas pessoas, as práticas de
aventura representam apenas uma ramificação desse segmento. O setor responsável pelo
crescimento e uma valorização mercadológica significativa das práticas de aventura,
tem sido o eco-turístico, que, além disso, vem estimulando o reconhecimento e a
popularidade dessas modalidades.
Entretanto, considerando as atribuições acima, não podemos considerar essas
modalidades como fenômeno esportivo de massa, razão pela qual muitos intelectuais
têm negligenciado os estudos das atividades de aventura na natureza. É importante
destacar que, além de poucos estudos destinados a esta prática cultural, muitos deles são
10
reflexões teóricas e observações distanciadas, além de serem desenvolvidos dentro do
contexto de uma prática isolada, e muitas vezes vivenciados apenas no âmbito do lazer.
O universo dos esportes de aventura e risco possui muitas categorias. Dentro
desta diversidade de práticas, optei por estudar as modalidades praticadas na natureza
no âmbito competitivo. Como tantas outras modalidades esportivas, as práticas de
aventura e risco na natureza desenvolveram-se, e passaram por um “processo de
esportivisação”. Um exemplo disto são as Corridas de Aventura (CA), que entre outras
modalidades competitivas realizadas no meio natural adquiriram algumas características
esportivas a que estamos acostumados, como as regras, federações e circuitos
internacionais. Podemos dizer que, de certa forma, estas características adquiridas com
o desenvolvimento dessas práticas para um contexto mais competitivo, são uma forma
de diferenciá-las da prática de lazer, um pensamento que segue a linha de raciocínio
desenvolvida por Guttmann (1978) para distinguir o esporte moderno dos esportes de
outras épocas. Esta questão será melhor apresentada no próximo capítulo para situar
estas práticas no universo esportivo.
Este estudo irá se dedicar a competições que podem durar algumas horas ou até
dez dias, como acontece nas Expedition Racing”, as chamadas corridas de expedição, o
ponto máximo dessas provas. Para resistir tanto tempo em um meio muitas vezes
selvagem e não familiar, é necessário que seus atletas sejam experts em múltiplas
modalidades de aventura, que saibam administrar e transportar a comida, água e os
equipamentos que vão precisar por vários dias, isolados, com o mínimo de descanso e
sono.
Para Kay e Laberge (2002) este esporte, por possuir características próprias,
resiste a definições estritas. Elas o definem como “uma competição de resistência, sem
paradas, auto suficiente, de múltiplos dias, multidisciplinar, de times de gênero misto,
que acontece no ambiente selvagem, em um curso designado, mas não marcado”(p.17).
Complementam ainda, que estas provas requerem que seus atletas sejam mestres em
múltiplas habilidades outdoor, que arrisquem doenças e ferimentos e que agüentem
privação de sono, perda de peso, clima extremo e terrenos severos.
Tendo em vista a relevância social dessas práticas, este trabalho será
desenvolvido através de olhares de uma investigação sociológica, entendendo estas
atividades como parte do universo esportivo, um campo amplo repleto de significações,
mas que me interessa conhecê-lo em alguma de suas expressões particulares. A intenção
é entender enquanto prática social inserida no âmbito competitivo, que possui sentidos e
11
interfere no modo de vida de seus praticantes, constituindo diferentes estilos de vida.
Por estas questões, ao tentar entender o esporte não em seus aspectos mais gerais, mas
em suas particularidades, foram adotados procedimentos metodológicos da investigação
etnográfica. Esta opção de análise busca compreender uma determinada prática cultural,
privilegiando o entendimento das particularidades e das diferenças entre contextos
culturais.
O presente estudo diferencia-se por abordar as modalidades de aventura
quando inseridas no contexto competitivo “mais sério”
1
, tendo como objetivo
compreender, com profundidade, o sentido que os praticantes atribuem a elas. Dentro do
contexto da análise sociocultural das práticas de aventura, tem-se como objetivo
desvendar os sentidos de aventura e risco nas atividades realizadas por praticantes de
corrida de aventura, na perspectiva “competitiva”, e compreender como essas atividades
se inserem no modo de vida dos praticantes. Este trabalho visa analisar e interpretar as
representações que determinados indivíduos e grupos sociais constroem acerca das suas
práticas, assim como refletir sobre elas através de confrontos de análises e teorias
vinculadas ao tema.
Para alcançar o objetivo, o trabalho do investigador deu-se no movimento de
imersão no campo, na tentativa de absorvê-lo, entender os sentidos que seus indivíduos
atribuem as essas práticas, uma forma de interpretação, para depois dirigir todos os
esforços para transcrevê-la, apresentando na forma escrita para terceiros. Este esforço
intelectual do pesquisador na busca de interpretar/descrever um fator cultural de dentro,
Geertz (1989) designou de “descrição densa”.
Foi nesta perspectiva que se determinaram os aspectos metodológicos da
pesquisa, desenvolvidos em competições na região da serra gaúcha. Foram observadas
três corridas heterogêneas (Ecomotion Pro, Circuito Ecoatitude, Famastl Adventure), e
investigadas práticas esportivas de atletas de diferentes equipes, que foi a base do estudo
etnográfico.
Esta investigação apoiou-se em múltiplos modos de geração de dados para
auxiliar no entendimento das corridas, com a intenção de estabelecer relações entre os
diferentes autores, discursos dos atletas e diários de campo.
Nesta perspectiva, a análise qualitativa do campo das corridas de aventura está
focada nas idéias de diferentes autores, descrições dos Diários de Campo, por mim
1
Expressão apresentada por Dunning (1992), referindo-se às formas de esportes que se orientam para os
resultados e se desenvolveram esforços no sentido da luta e da identidade e de recompensas pecuniárias.
12
realizados desde o segundo semestre de 2004
2
, uma crônica escrita pela capitã da equipe
Buff Nike ACG
3
, e 12 entrevistas semi-estruturadas.
Após delimitado o campo e identificados os protagonistas, iniciou-se o diário
de campo, através da observação participante, elementos estes considerados essenciais
para realização de estudos etnográficos deste gênero. Os diários de campo foram
realizados em provas de âmbito nacional (Circuito Ecoatitude e Desafio dos Espigões,
corridas curtas de 50 a 100 km), e internacional (ecomotion pro 2005), chamadas de
expedição (provas de 400 km ou mais, durante vários dias sem parar). O estudo
desenvolveu-se também através da observação participante em diferentes perspectivas:
como apoio das equipes, fazendo parte da organização, em caminhadas realizadas com
grupos de competidores e como atleta (competindo). Esta experiência, além de auxiliar
na construção das relações entre as diferentes percepções dos atletas das corridas de
aventura, foi uma importante entrada no campo de estudo, ou seja, uma forma de ser
bem recebido pela comunidade das CA. A coleta de dados consistia nas observações
dos fatos, discussões e relacionamentos entre atletas, organizadores e outras pessoas
envolvidas.
As entrevistas foram realizadas com atletas de CA, os quais foram divididos em
três grupos diferentes: atletas de elite, atletas nacionais e os funcionários (atletas de final
de semana). Temas específicos foram abordados nas entrevistas, como experiência nas
corridas, a equipe, as relações de convivência, o cotidiano, e questões como o risco e a
competição Apesar dos entrevistados terem sido guiados por um roteiro pré-
estabelecido, desvios espontâneos foram incentivados como agentes elucidativos das
percepções e conhecimentos individuais do campo.
Sendo assim, iniciou-se o processo de consolidação dos dados obtidos,
realizando uma triangulação, articulando estas duas realidades com a análise de
documentos. Com a intenção de revelar certos sinais da cultura estudada, ampliar a
compreensão destas modalidades, e entendendo que o conhecimento específico de
grande parte da população pode ser considerado restrito, optou-se por recorrer a
estratégias visuais, articulando com conteúdo teórico.
Estas questões serão adotadas para que um estranho ao mundo da aventura possa
2
Desde 2004 venho realizando diários de campo de diferentes corridas de aventura (circuito Ecoatitude,
Ecomotion pro, Desafio dos espigões, Famstil Adventure,) e de algumas outras atividades ligadas às
corridas, em especial da Equipe Caverá com quem tive uma maior aproximação.
3
Emma Roca capitã da equipe BUF Nike ACG, escreveu uma crônica ao ser Campeã do Ecomotion Pro
2005, a maior corrida de aventura da América Latina, na qual eu e o Prof. Oscar Pignone Silva, fizemos
parte da equipe, na condição de apoio.
13
entender de forma mais clara as coisas como elas são. Por isso objetiva-se interagir a
descrição etnográfica com a utilização de imagens e análise sociológica, como utilizou
Wacquant (2002
4
), para demonstrar o mundo do pugilismo.
De acordo com os pressupostos apresentados acima, no decorrer deste trabalho
serão apresentadas as categorias analisadas e contextualizadas da cultura dos esportes de
aventura e risco dos grupos investigados. Este estudo está apresentado em cinco
capítulos.
No capítulo I, Entrando na Corrida de Aventura, está a problematização do
estudo, elaborada a partir de uma discussão sociológica sobre o esporte. Uma pequena
descrição do que são estas práticas foi apresentada para que o leitor tenha um primeiro
contato com esse universo. A partir da posição de alguns autores, no que se refere à
pluralidade das práticas esportivas, uma pequena provocação aos autores, cujas
intenções de pensamento direcionam-se à conceitualização do esporte baseada em
critérios rígidos, é estabelecida.
Ao destacar as práticas deste estudo como “novos esportes” que direcionam para
uma visão heterogênea deste universo, algumas questões são destacadas. Os esportes de
aventura e risco na natureza podem ser considerados como exemplos da heterigeneidade
do esporte. Mas esta relação que ocorre com a aventura e o risco pode, muitas vezes, ter
significados diferentes quando nos referimos às corridas em que existe competição.
Entretanto, este estudo não se direciona para abordagens destas questões, apenas
indicam que elas existem e podem ter significados diferentes. Na verdade, este estudo
tem a preocupação de mostrar como é esta prática “pouco conhecida”, sem, no entanto,
privilegiar a discussão das diferenças na relação com o que chamei de “esportes
tradicionais”. Ainda dentro deste capítulo, são apresentadas algumas questões que
situam a aventura neste estudo, e a relacionam com as corridas de aventura.
No capítulo II, serão apontados os aspectos metodológicos que embasaram e
justificaram a necessidade de uma investigação etnográfica. Idéias de diferentes autores
estarão sendo abordadas e comparadas, para formular/compor a metodologia deste
trabalho, desenvolvido no contexto da análise sociocultural das práticas de aventura.
4
O autor, referindo-se à sua obra, posiciona-se no sentido de romper com o discurso moralizante
produzido pelo “olhar distante” de um observador externo ... O livro é composto de três textos com
estatuto e estilo deliberadamente spares, que justapõem descrição etnográfica, análise sociológica e
evocação literária, de modo a comunicar, ao mesmo tempo, o percepto e o concepto, as determinações
ocultas e as experiências vividas, os fatores externos e as sensações interiores que, ao mesclarem-se,
formam o mundo do pugilismo (Wacquant,2002 p.23).
14
Neste capítulo serão identificados os locais onde foi realizado o estudo e os grupos que
foram acompanhados. Em seguida, serão destacados os instrumentos de coleta de
informações, ferramentas importantes para alcançar os objetivos propostos.
As descrições etnográficas dos contextos em estudos foram desenvolvidas no
capítulo III. Uma longa descrição foi realizada para destacar algumas questões
relacionadas às peculiaridades destas corridas, e para desenvolver uma análise
comparativa dos respectivos grupos aprofundando a compreensão da realidade estudada.
No decorrer do capítulo, foram esclarecidas às razões de estudar essas equipes no
contexto de uma investigação que quer abordar a “cultura” da corrida de aventura.
O texto foi dividido em quatro partes principais: a primeira, relaciona-se com a
descrição geral de uma corrida de aventura. A segunda destina-se às equipes
acompanhadas. A terceira está focada nas provas que foram estudadas e acompanhadas
por mim. E por fim, a quarta destaca alguns dados relacionados a duas modalidades das
corridas de aventura e a história dessas competições. Além das informações coletadas
em campo, alguns trechos dos diários de campo e das entrevistas foram acrescentados
para evidenciar a realidade estudada.
No IV capítulo, são desenvolvidos em diferentes perspectivas os sentidos de
aventura e risco, articulando os diferentes autores aos discursos dos protagonistas e aos
diários de campo. Dividido em três partes principais, este tópico inicia destacando
alguns significados da palavra risco relacionados a sua etimologia. A segunda parte, que
intitulei de risco no contexto da aventura, são destacadas as questões de escolhas
pessoais, comportamentos de risco, prazer nas atividades e outros fatores relacionados
com os sentidos da aventura nestas competições. Por último, a terceira parte, que aborda
o risco nas corridas de aventura. São estabelecidos alguns fatores ligados ao risco, como
o ambiente de prática, a competição, as responsabilidades dos atletas e da organização,
o trabalho em equipe, as estratégias e outras questões relacionadas aos significados de
ganhar, ultrapassar os limites e etc.
O capítulo V, que tem como objetivo destacar algumas peculiaridades
retomando a descrição etnográfica dos contextos em estudo. Propõem-se associar o
texto com algumas imagens (fotografias), para que o leitor tenha outros recursos para
auxiliá-lo no entendimento do universo da aventura.
Na introdução, optei por abordar alguns elementos para situar o estudo no
universo da aventura, assim como a estrutura na qual será desenvolvido. Dando
continuidade à este capítulo, no próximo serão aprofundadas as questões relacionadas à
15
aventura, destacando as intenções deste estudo em práticas competitivas, inseridas no
contexto do esporte. Ao final deste tópico será apresentada a problematização e as
questões de pesquisa.
16
1 ENTRANDO NA CORRIDA DE AVENTURA
1.1 Um esporte entre os esportes
Após apresentar a introdução, este capítulo será destinado a conduzir o leitor ao
universo da aventura. Para tanto, serão abordadas algumas questões relativas ao esporte
de modo geral, identificando as práticas desse universo cultural. Dessa forma, será
enfatizado que estão acontecendo mudanças no mundo dos esportes, e as diferentes
abordagens sobre o tema, já empreendidas por alguns autores.
Em pleno século XXI, com tantas transformações que o cenário esportivo vem
sofrendo nos últimos anos, ainda existem discursos circunscritos nesse campo,
oferecendo uma imagem homogênea do esporte. Neste tópico serão apresentados
elementos que se direcionam para uma visão heterogênea deste universo, identificando
diferentes significados que dele possam surgir, indo em sentido contrário a qualquer
intenção de conceitualização baseada em critérios rígidos.
Este pensamento se na direção de alguns autores, como Padiglione (1995),
Pociello (1993) e Stigger (2002), que propõem uma mudança de perspectiva, uma visão
mais diversificada das práticas esportivas. A idéia antes pautada numa abordagem
unificada, estabelecendo este campo como homogêneo, estruturado e previsível, não se
adapta às novas formas e significados de práticas emergentes, como as práticas deste
estudo.
Stigger (2002), em seu estudo Esporte, lazer e estilos de vida: um estudo
etnográfico, teve a intenção de mostrar a diversidade cultural do esporte
(heterogeneidade), analisando-o como uma prática “de lazer”. Ou melhor, buscou
estudar esportes tradicionais” e discutir sobre as suas “apropriações” por “pessoas
comuns”, que os inserem nas suas vidas como atividades de lazer.
Ao tentar compreender o esporte enquanto fenômeno cultural, elemento do estilo
de vida e parte do cotidiano das populações urbanas, analisou, primeiramente, diferentes
abordagens sociológicas sobre o esporte, destacando os limites e possibilidades
referentes à sua compreensão. A segunda abordagem do autor, diferentemente da
primeira, identifica o conflito como um aspecto importante da realidade social.
17
Investiga o esporte entendendo-o como um processo de longa duração e abre
possibilidades para uma interpretação a partir das suas diversidades. A terceira, em que
existe uma maior aproximação com as intenções deste trabalho, o autor explicita a
existência da heterogeneidade dos significados do esporte, identificando-o como um
elemento da cultura, que faz parte do cotidiano e dos estilos de vida.
No primeiro capítulo, ao estabelecer os elementos para a caracterização e
compreensão do esporte, Stigger (2002) chama a atenção para evidências de
ambigüidades nas inúmeras tentativas de defini-lo, revelando assim um processo de
sucesso discutível:
poder-se-ia atribuir esta dificuldade (de definir) ao grande número
de atividades já existentes no âmbito da chamada cultura corporal,
às quais nos dias atuais- tenta-se atribuir o status de esporte, à
medida que passam a ser praticadas de forma organizada, ou seja,
com regras padronizadas, com regulamentos rígidos, vinculadas às
federações etc. Da mesma forma, poder-se-ia pensar nas novas
práticas emergentes (candidatas a esporte) que aparecem todos os
dias no mercado esportivo como, por exemplo, os esportes radicais
ou esportes californianos (p.14-15).
Este método de definição do esporte, abordado por diferentes autores, muitas
vezes, ao buscar a constituição da lógica do esporte, prende-se ao processo de
racionalização dos dias atuais, que tende a procurar características comuns a todos os
esportes. Este olhar, que caracteriza uma certa hegemonia do esporte, descarta uma de
suas características principais, as diferentes formas de praticá-lo. Tal questão é
apresentada por Stigger (2002), da seguinte forma:
uma visão homogeneizada prevalece sobre o fenômeno esportivo, o
qual é identificado como uma forma monolítica que prioridade
às regularidades e continuidades, sem levar em conta as possíveis
descontinuidades da realidade das suas práticas concretas (p.26).
O autor apresenta este quadro num esforço de identificar algumas críticas nesse
aspecto, atribuindo que não podemos estabelecer os mesmos sentidos, objetivos e
motivações a todas as práticas esportivas sem levar em consideração os fatores
referentes aos seus protagonistas. Para ele, a questão nos “conduz a desconsideração das
diferentes possibilidades de manifestação do esporte e ao obscurecimento de uma
heterogeneidade” (idem, p.27).
18
È nessa perspectiva que este estudo irá se desenvolver. Em vez de “considerar a
realidade esportiva como consensual e constituída por um padrão único” (idem, p.31),
esta investigação é norteada por uma visão heterogênea, que busca identificar as suas
diferentes expressões e relacioná-las com as diferentes formas de vivenciá-las. Esta
questão vai ao encontro das idéias de outros autores que também abordam o tema, como
Pociello e Padiglione.
Embora Stigger tenha desenvolvido a questão da heterogeneidade do esporte,
seu trabalho tem como foco as atividades de lazer, estudando os “esportes tradicionais”.
Pociello e Padiglione trabalham com a mesma questão, mas em outras dimensões. Seus
estudos se referem aos novos esportes que estão surgindo. Estes autores abordam uma
nova dimensão do esporte, relacionada aos novos gestos, lugares e valores, que se
relacionam de forma direta com a investigação que aqui se apresenta.
Em um estudo sobre a diversidade e pluralidade do cenário esportivo, Vincenzo
Padiglione (1995) propõe uma análise dessas transformações, com especial atenção aos
denominados “esportes extremos”, esportes californianos e esportes ecológicos. Ele
destaca a dificuldade de conceitualização do universo esportivo baseado em critérios
rígidos, devido às variações internas e das práticas serem cada vez mais heterogêneas.
Não concorda, e de certa forma desafia, quem defende uma imagem homogênea do
esporte, estabelecendo-o como um fenômeno previsível, estruturado, com tendências
identificadas. Padiglione (1995) coloca em evidência que “hoje em dia os esportes são
acima de tudo diversificados, no sentido que sua diversidade interior parecer ser cada
vez mais visível e significativa que sua homogeneidade” (p.30). Para ele, nem ao menos
são defensáveis os discursos unificadores desse campo.
Padiglione, ao questionar como poderia mostrar a debilidade dos discursos
unificadores e como colocar em evidência a pluralização das formas esportivas,
evidencia algumas reflexões em diferentes níveis, articulando seu pensamento com o de
outros autores. Ao reconhecer a importância de tais considerações para este tópico, irei
destacar algumas questões atribuições estabelecidas pelo pesquisador.
O primeiro ponto destacado se refere à impossibilidade de reduzir o universo em
um único pano de fundo, que, segundo Padiglione, se deve não a “crescente
autoreferenciabilidade do esporte” (p.30), mas também a uma pluralidade de vários
esportes, que, conseqüentemente, formam um quadro bastante amplo para apenas um
entendimento, dificultando dessa forma a tentativa de submeter esse universo em uma
19
única fração ideológica. Sublinha a diversidade e pluralidade do cenário esportivo,
referindo-se principalmente ao alcance que tomaram as últimas provas de trekking e
endurance (corridas de aventura).
O segundo ponto, diz respeito aos modelos evolutivos que tentam verificar no
esporte as transformações experimentadas por outros fenômenos sociais. Ao estabelecer
esta questão, chama atenção também para a visão do esporte como um fenômeno
racionalizado e burocratizado. A sua proposta de análise vai em sentido contrário. Nos
esportes que define como “californianos” o que se é: “uma crescente preferência por
práticas individualistas e pouco reguladas, a exaltação do risco e da aventura em
empresas que oferecem não adversários humanos como também uma natureza
imprevisível e hostil” (idem, p.31).
O autor descreve que os esportes estão se multiplicando, mas sua difusão não
segue apenas uma direção: “a tribo dos esportistas tem aumentado exageradamente, mas
suas preferências não o nem uniformes nem totalmente previsíveis” (idem, ibdem).
Este ponto está ligado a pluralização de concepções e práticas em que as atividades de
aventura estão inseridas, e que apresentam um cenário caracterizado por diferentes
culturas, que não pode ser entendido e analisado como se fosse um conjunto unitário.
O último ponto que gostaria de destacar, que coloca em evidência a debilidade
dos discursos unificadores, refere-se à grande variabilidade de uma mesma prática e os
sentidos que dela podem surgir. É utilizado o exemplo de uma partida de futebol jogada
por crianças na rua e uma organizada pela federação, chamando a atenção para o fato de
que não podemos duvidar da existência de significativas diferenças culturais: “um
esporte, mesmo bem estruturado por regras, valores e cenário simbólicos, pode sempre
ser manipulado de maneira lúdica e consciente por parte de grupos sociais e realidades
locais” (idem, p.32).
Entretanto, ao identificar essa pluralização do universo esportivo, surge a
necessidade de refletir a respeito de uma definição conceitual, pois não se pode atribuir
como esporte qualquer prática que exija habilidades corporais. Para não me estender
nesse ponto, que em certa medida foge das intenções deste trabalho, algumas questões
devem ser estipuladas nessa direção, relacionadas principalmente a um conflito interno
do universo esportivo longe de ser concluído, e as habilidades físicas muito exigidas
nessas modalidades.
A procura por extremos e sensações vertiginosas ultrapassa, muitas vezes, um
20
senso de racionalidade humana. São essas atividades carregadas de emoções mais
fortes, que configuram um campo de conflito cultural entre práticas, disciplinas e
concepções. Como definir algumas modalidades realizadas de forma individual,
geralmente com grandes chances de morte (por exemplo, subir o Everest sem oxigênio
ou escaladas com grande dificuldade sem o uso de equipamentos), como atividades
esportivas exigem muito estudo. Quais são seus adversários? Quais são as regras? O que
buscam estes atletas? etc. Estes aspectos são elementos entrelaçados às novas práticas
que têm aumentado o número de adeptos a cada ano, e a competição está presente,
não se sabe ao certo contra quem. Quebram com a hegemonia do esporte moderno,
desfazendo uma visão racionalizadora e burocrática, e fazem crescer um conflito interno
no universo esportivo. Segundo Padiglione (1995), “nascem práticas e concepções do
esporte baseadas na não competição e se alargam em grande escala a gama da
variabilidade do conflito esportivo” (p.34). Esse tipo de conflito, é focalizado em dois
pontos principais: uma “extrareflexão ecológica”, voltada ao desafio da aventura, contra
o mundo e a natureza hostil, e uma “intrareflexão”, o desafio contra mim mesmo, contra
a própria imagem corporal. Essas observações que remetem ao extremo, sem a intenção
de generalizar, são uma forma de desconstrução de um conceito rígido desse universo,
uma forma de colocar em evidência a heterogeneidade do fenômeno esportivo.
Outro ponto relevante estabelece que, por mais ambíguas e diversificadas que
possam ser estas práticas, para executar suas modalidades, seus praticantes necessitam
mostrar uma certa eficácia em seus movimentos, uma grande habilidade nos gestos. Em
outras palavras, bastante próximas do pensamento de Padiglione, Pociello (1993)
desenvolveu um estudo chamado Os desafios de leveza: as práticas corporais em
mutação, em que aborda, entre outros, um novo tipo de gesto esportivo, relacionado às
práticas de aventura.
Logo nas primeiras linhas, chama a atenção para uma das características mais
marcantes das atividades de aventura junto à natureza, são os “adornos coloridos que
enfeitam o gesto lúdico e esportivo” (idem, p.115). Ele se refere não apenas a grande
quantidade de equipamentos que são utilizados nessas modalidades, como a mochila, o
capacete e as cordas para escalada, mas também as roupas que normalmente são
coloridas e grudadas, modelando a musculatura e chamando a atenção para as curvas
dos atletas. Pociello (1993) destaca a questão da seguinte forma: “desde então, o corpo,
em jogo, seria exposto à visão, ‘produzido’, e ter-se-ia mudado de registro de expressão:
21
o esporte é belo e, em todo caso, é mais alegre!” (p.115).
Esses novos esportes estão cercados de tecnologias e equipamentos, associados
às habilidades acrobáticas e vertiginosas, esbanjando equilíbrios sutis e noções espaciais
em alta velocidade. Esses aspectos são fundidos com harmonia aos elementos da
natureza, formando o cenário para o espetáculo. Junto a todos estes aparatos, estão as
indumentárias, que dão segurança e constituem o “figurino” chamando a atenção de
quem aprecia de perto. Entretanto, para iniciar o que chamei de “espetáculo”, é
necessário, além da coragem, muita habilidade e coordenação para conduzir esses
equipamentos e explorar as energias exteriores ao corpo. Este conjunto (equipamentos,
habilidades motrizes e meio natural) forma o que Pociello (1993) designou de “um novo
tipo de gesto esportivo”. O autor destaca que: “a hábil pilotagem dessas quinas (surf,
skates, pranchas, asas delta, caiaque...) produz novos gestos acrobáticos ou aéreos,
permite a exploração de novas energias, busca novas sensações e abre novos espaços de
jogos” (idem, ibdem).
Essa busca por alguns limites, como a vertigem, a queda, desequilíbrios de todas
as espécies, é uma forma de experimentação excitante, um jogo direcionado a gestos de
“domínio e controle informacional do corpo” (idem, p.118), que delimitam “um
universo lúdico que curiosamente faz das sensações de instabilidade uma fonte de
prazer” (idem, ibdem). Contudo, o prazer não limita-se apenas em fazer parte dessas
exibições de coragem e dos gestos que exigem um refinamento das habilidades para
executá-las, estão associados a imagem de fazer parte da “família” da aventura, em
outras palavras “... em meio ao prazer de praticar esportes, tão elegantemente, a parte
secreta e inconfessável que vem do prazer de ser visto nesta prática cresceu
sensivelmente, ao longo dos últimos vinte e cinco anos...” (idem, p.116).
Para Pociello (1993), uma forma de entendermos estes novos esportes, seria
evocarmos a influência de uma “cultura adolescente”, que impõe um sentido de
transgressão de regras tradicionais, pautadas desde muito no esporte, como uma forma
de renovar, vivenciar de outras maneiras, com outros sentidos que são próprios das
novas gerações:
flexibilidade e rapidez de adaptação, leveza e mobilidade, pequenos
grupos, domínio de tecnologias avançadas, organização em rede,
senso de iniciativa e capacidade de assumir riscos calculados, dão a
nossos jogos um gosto pronunciado pelas aventuras (idem, p.119).
22
Entretanto, não podemos esquecer que, mesmo nessas atividades, existe uma
procura pelo rendimento e produção de performance, configurando muitos elos em
comum relacionados aos treinamentos dos atletas dos esportes tradicionais com as
práticas de aventura. Mesmo assim, existe uma distância entre estas duas realidades
(esportes tradicionais e práticas de aventura). Dentro do universo dos esportes de
aventura, estão as “corridas de aventura”, que são as práticas deste estudo. Essas provas
são organizadas por federações, possuem regras pré-estabelecidas, circuitos
internacionais e muitos outros elementos agregados aos grandes eventos esportivos com
os quais estamos familiarizados.
Ao iniciar este capítulo, “um esporte dentro dos esportes”, mencionei que este
esporte se diferencia dos outros, por isso deve ser investigado. Estas explanações
provisórias que destacam problemas referentes a definições rígidas e uma busca de
hegemonia num campo rico em conflitos, destacam a importância deste estudo. Para
estabelecer as últimas considerações deste tópico, compartilho com as idéia inseridas na
introdução e conclusão do estudo de Padiglione (1995), que me auxiliaram nas decisões
metodológicas, onde o autor considera, que a compreensão do cenário esportivo que
aqui se apresenta, tão rico em diferenças, seguramente será mais apto para a
investigação etnográfica e comparação antropológica.
1.2 As Corridas
Corrida de ventura pode ser descrita como uma competição de resistência física,
de múltiplos dias, sem paradas obrigatórias, multidisciplinar, com a participação de
equipes mistas, composta por quatro pessoas. Caracteriza-se por ser uma competição
esportiva de longa distância, algumas chegam a 500 quilômetros ou mais, como é o caso
da prova do Eco-Challenge e do Ecomotion Pro. Envolvem múltiplas modalidades de
aventura na natureza, como raftng
5
i, Duck
6
, rapel
7
, cascading
8
, canoagem
9
, tirolesa
10
,
5
Descida de corredeiras com bote inflável (capacidade de 4 a 8 pessoas).
6
Descida de corredeira com caiaque inflável (capacidade de 2 pessoas).
7
Descida de paredes naturais utilizando técnicas de montanhismo.
8
Descida de cachoeiras por cordas com ou sem trekking.
9
Travessia de rios e lagoas com canoas ou caiaques.
10
Travessia de dois pontos elevados por cabo (cordas) aéreo.
23
montain bike
11
, trekking
12
, canoeing
13
, orientação
14
, entre outros, onde os atletas
utilizam além dos equipamentos específicos para cada modalidade, apenas o mapa e a
bússola para auxiliá-los na escolha do trajeto. Outras disciplinas foram incluídas nas
corridas como patins in-line, paraquedismo, vela, corrida com camelos, costeira e
cavalgada. Existem deferentes formatos e durações de eventos, indo dos triatlons off-
road até expedições de dez dias. O percurso leva os competidores através de locais
remotos e selvagens, onde devem ser auto-suficientes. Cada equipe deve ter uma boa
estratégia para determinar a melhor rota, equipamento, comida e ritmo para vencer. O
espaço de jogo não está totalmente demarcado, e o trabalho em equipe é essencial. O
objetivo da competição é ser a primeira equipe completa a cruzar a linha de chegada.
Os aventureiros devem carregar consigo o material para poder executar a
modalidade específica, e alguns equipamentos obrigatórios de segurança exigidos pela
organização. Caso haja uma desistência de um dos atletas por algum motivo, seja ele
um ferimento, uma contusão, ou outro fator qualquer que o impeça de continuar, toda a
equipe será desclassificada. Negar ajuda a alguém que esteja em perigo, ou não passar
por algum posto de checagem, são consideradas infrações graves e também
desclassificam a equipe.
Ao longo do percurso são montados postos de controle (PC), que são locais de
passagem obrigatória da equipe durante a corrida. Nestes pc's os atletas registram sua
passagem para confirmar que estão no caminho certo, e para controle da organização
sobre onde estão as equipes. Os pc´s são numerados e devem ser encontrados na ordem
correta. Caso a equipe não encontre um dos postos de controle estará automaticamente
desclassificada.
Em alguns postos de controle determinados pela organização, as equipes trocam
de modalidade e nesse caso são chamados também de área de transição (AT). Nesses
locais os atletas terão contato com sua equipe de apoio
15
, (caso seja permitido), ou suas
caixas de reabastecimento, e aonde podem trocar de equipamentos e roupas e se
11
Trajeto feito de bicicleta por estradas ou trilhas.
12
Caminhada por trilhas ou estradas em ambientes naturais.
13
Travessia de canyon pelo rio com ou sem atividades de montanhismo
.
14
Orientação na corrida de aventura pode ser entendida como uma atividade ao ar livre que combina
movimentos, habilidades de navegação e intensa percepção espacial. O praticante deve visitar vários
postos de controle, utilizando uma bússola para auxiliá-lo na escolha das rotas.
15
Equipe de apoio são os outros integrantes da equipe que auxilia os competidores quando permitido,
ou seja, “que trabalham nos bastidores” e muitas vezes carregam os equipamentos extras (que não são
carregados durante toda a prova pelos atletas). Geralmente nas corridas mais longas, a equipe de apoio
fica encarregada de montar o acampamento, regular as bicicletas, preparar a alimentação, os cavalos e
todo o tipo de apoio necessário.
24
alimentar melhor. Como qualquer outra modalidade esportiva, essas competições
possuem algumas variações, como corrida solo
16
, categoria turismo
17
, corrida
feminina
18
, e algumas outras variações que algumas empresas organizadoras podem
oferecer para estimular a prática.
Entre as corridas, as diferenças situam-se na distância da prova, no número de
PC’s, nos equipamentos obrigatórios, nas modalidades, no uso de apoio, nos valores das
inscrições e nas exigências para a participação na competição. Entretanto, este estudo
será desenvolvido com provas de quarteto misto, realizadas tanto em âmbito nacional
como internacional.
As modalidades das corridas de aventura, em sua maioria, são muito parecidas,
mas podem variar de acordo com alguns fatores culturais e geográficos (que não se situa
nos interesses deste trabalho) da região que sedia a prova, como, por exemplo, um estilo
de barco que existe somente num lugar (Havaí), ou modalidades que se pratiquem no
gelo.
1.3 Entrando na Aventura
A palavra Aventura vem do Latim adventura, que quer dizer coisas que estão
por vir. Segundo Ferreira (1986), significa experiência arriscada, perigosa, incomum,
cujo fim ou decorrências são incertos; acontecimento imprevisto, surpreendente;
peripécias. Estas palavras, de certa forma, expressam o desejo dos aventureiros pela
novidade e o desafio.
Se observarmos as atividades que antes eram realizadas para sobrevivência,
como atravessar a selva amazônica ou descer um rio por suas corredeiras, hoje são
oferecidas à população em geral, com sensações muito parecidas àquelas vivenciadas
por nossos antepassados, mas se diferenciam principalmente por serem realizadas de
forma organizada e auxiliada por instrutores. Este ponto é abordado por Costa (2000),
16
Variação das corridas de aventura, que, ao invés de competir em equipe, se compete sozinho.
17
Categoria para pessoas com pouca (ou nenhuma) experiência nas corridas, mas que tenham vontade de
participar. As distâncias são menores e os cuidados com a segurança são diferenciados. A prova de
Canela (circuito ecoatitude) já ofereceu esta categoria em uma das provas oficiais.
18
Corridas em equipe (3 ou 4 atletas) só para mulheres.
25
quando afirma que: “se aqueles eram movidos em suas conquistas por interesses
econômicos expansionistas ou por sonhos de conquista, estes, hoje, conquistam, de
modo simbólico, a si mesmos, desafiando seus próprios limites” (p.5).
Esta questão ligada aos aspectos simbólicos é mencionada por Feixa (1995),
quando aponta que: “a identidade diferenciada dos denominados esportes de aventura
não provém de seus aspectos práticos ou materiais, se não de sua dimensão imaginária
ou simbólica” (p.36). O autor destaca o simbólico e o imaginário, mas se restringe a um
determinado grupo de praticantes que usufrui das atividades de aventura de maneira
padronizada dentro dos limites de segurança que, na maioria das vezes, se através de
empresas particulares. Elas oferecem este tipo de serviço a um público variado. Mas
esta observação, muitas vezes, não se estende ao objeto de estudo deste trabalho: os
competidores. O que podemos afirmar é que “o que fez o esporte moderno foi
regulamentá-las e dotá-las de um sentido competitivo que transcende o sentido original
de caráter produtivo, religioso e festivo” (idem, p.38).
Assim, independentemente do grupo de participantes (aqueles que praticam no
lazer ou na forma mais competitiva), estas atividades estimulam a crescente
heterogeneidade interna do fenômeno esportivo, onde são identificadas algumas
dificuldades na definição conceitual. “As práticas esportivas parecem exercitar-se em
uma experimentação intensa e criativa, uma redefinição de formas, de propriedades e
significados” (PADIGLIONE,1995, p.34).
Sem o intuito de chegar a conclusões precipitadas e dando continuidade às
questões acima, acredito que as atividades de aventura assumem o papel que Elias
(1992), atribui ao esporte (entre os que são praticados no lazer), como fórmulas de
resolução pacífica dos conflitos, de guerras simuladas que convertem o meio em
adversários. Este ponto é abordado por Garcia e Pereira (2002), ao afirmarem que:
o esporte evolui em uma aparente contradição: nega a dor e se
desenvolve através do conhecimento; e-se limites, e por sua vez,
busca as limitações do corpo; ilude-se no discurso virtuoso que
acaba em práticas violentas, tal e qual está documentado na história
dos jogos (p.66).
No mesmo sentido deste pensamento, Pociello (1993) reforça enfocando alguns
26
aspectos complementares:
os esportes coletivos permanecem como substitutos simbólicos da
guerra, guerras eufêmicas de conquista e de defesa de território
(que a recuperação dos nacionalismos não vai reduzir) e que
conservam, em suas estruturas regulamentares e em sua inteligência
de jogo, todos os esquemas táticos fundamentais (p.119).
Em uma investigação sobre o âmbito da oferta e procura de esportes no setor
empresarial do turismo de aventura na Cataluña (região da Espanha), foram
estabelecidas três categorias de praticantes. A primeira categoria é formada por aqueles
que procuram as atividades de aventura com intenções pedagógicas. Em sua grande
maioria são jovens e uma de suas motivações é aprender as técnicas das diferentes
disciplinas. Outro grupo observado, é o daqueles que buscam intenções turístico-
recreativas. E, por último, aqueles que fomentam o corpo deste trabalho, ou melhor,
aqueles indivíduos para os quais a aventura está pulsante e não os abandona na sua
forma de viver, onde a procura pela adrenalina
19
parece “nutrir a alma”. São os que
buscam intenções competitivas dentro do setor, como os autores da pesquisa mesmo
relatam:
(...) finalmente os que demandam intenções competitivas dentro do
setor, entendendo esta competição como uma superação contínua e
uma incessante busca de novos rumos pessoais fundamentados em
um incremento do risco e no exótico e insólito da aventura, este
grupo está composto por expertos praticantes, muito autônomos e
exigentes que se identificam com estas práticas e formam parte de
seu estilo de vida;(...) (BERTRÁN; BERTRÁN, 1999,p.87).
Como esse universo de esportes de aventura e risco é muito amplo, optei por
estudar os praticantes das corridas de aventura, que estão inseridos no contexto
competitivo. Estas atividades polissêmicas, carregadas de símbolos e representações que
devido aos seus fatores constituintes, ou seja, de distinção de outras modalidades da
mesma vertente, fazem com que sua compreensão não seja apreensível de imediato pelo
observador. Após algumas participações nessas corridas, pude observar que alguns
elementos presentes para não ceder diante dos desafios impostos pela natureza entre os
diferentes competidores são os mais variados possíveis.
Dentro deste enfoque, alguns autores salientam a tendência do
19
Expressão muito repetida neste contexto.
27
desenvolvimento das práticas de aventura para uma dimensão onde a competição é uma
questão central, que as torna mais próximas das observações acima. Garcia e Pereira
(2002) consideram que a evolução destes novos esportes seja para uma lógica
competitiva, que consideram estar mais próximas do modelo tradicional de esporte. Esta
questão não se estende a todas práticas de aventura. Dentre sua diversidade de
modalidades, que destacar as corridas de aventura que, além de formarem a base
deste estudo, são as que mais se aproximam do modelo de esporte com que estamos
familiarizados, ou melhor, se assemelham às práticas que possuem maior visibilidade
social.
Tendo em vista a relevância social destas práticas identificadas no aumento de
adeptos dessas modalidades que configuram um campo que vem em crescente
desenvolvimento, Garcia e Pereira (2002), estabelecem que este crescimento
acompanha a situação sociocultural na qual vivemos, refletindo-a. Estes autores
destacam que: a compreensão destas novas manifestações esportivas terão que fazer
referência aos valores da época atual. O homem, o novo homem desta sociedade atual
que se está perfilando, buscará esportes que o reflita” (p.70). Esta interpretação é
confirmada por Fernández (2002), que coloca em destaque o papel das competições de
esportes de aventura (raids) tanto a nível nacional como internacional, que se
desenvolveram “de forma estável e duradoura nos últimos anos” (p.24).
Seria muito cedo para me referir a essas atividades como práticas de massa,
mas sim numa aproximação muito grande no que diz respeito ao esporte espetáculo.
Sem querer aqui tentar encontrar formas de definir este campo, mas apontar algumas
características que se destacam, Garcia e Pereira (2002), apresentam ser curioso o fato
de que junto aos grandes acontecimentos clássicos do esporte, “já existam torneios de
tais dimensões nos chamados esportes radicais, esportes vinculados à natureza” (p.70), e
que estes novos torneios sejam financiados pelas mesmas empresas que apóiam o
esporte tradicional.
As empresas que financiam estes torneios, entram no mercado de forma
concreta, utilizando-se dos eventos, da organização e dos próprios atletas para
divulgarem as suas marcas e produtos. As camisetas são um exemplo disso, pois não se
limitam apenas a uma vestimenta: são um meio de comunicação de grande impacto:
28
as empresas, que estimulam a multiplicação das equipes de
corredores, colocam nelas o seu logotipo e, oferecendo uma
vestimenta a seus empregados, transformam-nos numa espécie de
homens e mulheres-sanduíche, seus emblemas humanos
(SEGLAEN, 2002, p.83).
Alguns elementos que constituem a moda e alguns comportamentos nestas
provas, num primeiro olhar, também parecem ser diferentes. Em minha primeira
experiência na corrida de aventura, ao nos locomovermos no meio da mata, em uma
espécie de “serpente humana”, entre atropelos, empurrões e muito barro, aprendi que
não existe espaço para retrair algumas necessidades, mesmo que esteja em grupo. Não é
inadequado, por exemplo, cuspir ou comer com as mãos
20
. A impressão que se tem, é
que as roupas, quanto mais sujas parecem mais bonitas. Se estiverem rasgadas, estão
elegantes. Seguem a moda da aventura.
Um outro aspecto relaciona-se à aprendizagem. Ao mesmo tempo em que o
conhecimento das técnicas, a coragem e a resistência são elementos individuais, essas
corridas são de caráter extremamente coletivo. Não quero dizer com isso, que a
aprendizagem das modalidades se de forma individual, mas as qualidades
apreendidas sim. A desistência de um atleta da equipe, por qualquer que seja o motivo,
acarretará a desclassificação do grupo. Não adianta um atleta da equipe ter o
conhecimento das técnicas e o outro possuir bom preparo físico. A equipe tem que
andar junto. Talvez não seja uma pedagogia totalmente oposta ao boxe, como mostra
Wacquant (2002)
21
, mas seguem caminhos diferentes, quase lados opostos.
Tendo como foco principal estas práticas que adquirem, de certa forma, um
caráter peculiar, e colocando em evidência sua realidade concreta na atualidade, é
possível inferir que está ocorrendo de fato uma diversidade de formas de expressão,
onde aparecem novas práticas emergentes (candidatas a esporte), em que existe uma
multiplicidade de relações. Esta ligação ultrapassa as fronteiras dos grupos de
20
“Fazer aquilo que é proibido fantasiar-se, cuspir no chão, assoar o nariz com a mão, urinar e defecar
em via pública, exibir-se suado, quase nu é participar de um certo excesso que adquire sentido em
sua dimensão coletiva. Nem a caça, o futebol ou a tauromaquia oferecem ao indivíduo um tal sentimento
de comunhão como esse momento em que cada um, dentro da maré humana adiante e atrás dele, avança
num movimento catártico que produz, segundo Aristóteles, uma purificação das más paixões”
(SEGLAEN, 2002, p.85).
21
“A uma prática essencialmente corporal e pouco codificada, cuja lógica se pode ser apreendida em
ação, corresponde um modo de inculcar implícito, prático e coletivo. A transmissão do pugilismo efetua-
se de uma forma gestual, visual e mimética, sob o custo de uma manipulação regulada do corpo. A nobre
arte apresenta, nesse sentido, o paradoxo de um esporte ultra-individual, cuja aprendizagem é totalmente
coletiva” (WACQUANT, 2002, p.120).
29
praticantes, expandindo-se às relações com as atividades e com os locais onde são
praticados.
Este universo capaz de mobilizar indivíduos de muitos lugares e extratos sociais,
sem discriminação de sexo, idade ou posições ideológicas, não recebeu a atenção que
merece por parte dos intelectuais, se comparado aos estudos realizados sobre o esporte
desenvolvido no âmbito oficial. Tomando este referencial, devemos analisar estas
atividades de forma mais ampla, para entendê-las sem tentar simplificá-las, para não
obscurecê-las. Estas idéias foram observadas por Stigger (2002), referindo-se a práticas
de lazer, mas acredito que estas observações possam ser atribuídas a esportes que
recentemente estão se constituindo. Este autor destaca que:
(...) uma grande diferença de atenção em favor de estudos feitos
sobre o esporte desenvolvido no âmbito oficial, se comparados aos
elaborados sobre os esportes praticados especificamente no
contexto do lazer (...) muitas vezes o esporte federado é estudado e,
a partir dele, são feitas generalizações para outras manifestações
esportivas, dentre as quais, as que acontecem no lazer (p.212).
Sob esse aspecto Bourdieu (1990) compreendendo da mesma forma, preocupou-
se em relacionar e analisar primariamente estes elementos e valores, a temática
específica, considerando que, nos espaços das práticas esportivas, cada elemento recebe
seu valor distintivo. “Para compreender um esporte, qualquer que seja ele, é preciso
reconhecer a posição que ele ocupa no espaço dos esportes” (idem p.208), para
posteriormente estendê-lo ao universo social para que não haja um entendimento
superficial nem lhe atribuir conotações errôneas:
é preciso relacionar esse espaço de esportes com o espaço social
que se manifesta nele. Isso a fim de evitar os erros ligados ao
estabelecimento de uma relação direta entre um esporte e um grupo
que a intuição comum sugere (idem, p.208).
Estas citações foram trazidas ao texto com a intenção de expor possíveis fatores
geradores destas práticas, sem tentar restringi-los apenas aos condicionantes sociais, e
sim como um fenômeno que ainda não foi apresentado, por muitos fatores, em toda sua
amplitude.
30
Dentro deste processo de constituição das práticas, é possível que existam
lacunas devido à complexidade do campo a que elas pertencem, e que fatores
subjacentes apresentem aspectos múltiplos e contraditórios.
Entre as modalidades de aventura, existe uma distinção muito grande dos
motivos pelos quais as pessoas procuram essas atividades, ou mesmo o que elas buscam
e suas expectativas com a prática. Em uma pesquisa realizada por Betrán e Betrán
(1999), o Rafting destacou-se como a atividade mais praticada segundo os usuários, a
mais popular e conhecida segundo os não usuários e a que apresentava mais
expectativas de prática. Outras atividades foram mencionadas, como as excursões a
cavalo, asa delta e bicicleta
22
. Eles destacam ainda, que estas evidências são
confirmadas pelos empresários, e que o rafting é a atividade que possui a maior
demanda e, portanto, a que tem mais oferta.
As questões referidas acima se relacionam diretamente com estas corridas, pois
praticamente todas atividades pertencem às modalidades das corridas. Na maioria das
provas, as mais comuns
23
são: bike, trekking, canoagem e técnicas verticais. Outras não
são tão comuns, como as provas no gelo, em cavalo etc.
Nesse mesmo estudo, foi observado que cerca de 36% dos praticantes buscam
essas atividades para passar bem, mas que 21% buscam pela tendência ao risco e
sensação de perigo
24
. Este último percentual somado com os 7% que possuem uma
tendência pela competitividade, são os que mais se identificam com os sujeitos deste
estudo. Destaquei esses pontos para evidenciar que existe sim, e de forma bastante
significativa, quem procure essas atividades mesmo que nos momentos de lazer, na
busca de emoções fortes, em que o risco e competitividade estejam presentes. Para
concluir, gostaria ainda de enfatizar as “corridas de aventura” como um esporte
22
“Os resultados analisados a respeito da demanda, nos permitem conhecer conclusões realmente
interessantes. Destaca-se de novo o rafting, com 20%, como a atividade com maior demanda por sua
espetacularidade e sua sensação de risco controlado, seguida de perto pelas excursões à cavalo, com 19%,
o parapente e a asa delta com um 18% de todas as solicitadas pelos usuários. (15% bicicleta, 9%
barranquismo, 9% vôos, 6% trekking, 4% Puenting)” ( BETRÁN; BETRÁN, 1999, p.90).
23
Refiro-me a este termo “mais comuns” porque em praticamente todas as corridas de aventura, as
modalidades citadas acima estão incluídas.
24
“Qual é a tendência que mostram os usuários de acordo com as suas preferências? Consideramos
valiosa a resposta que nos permite comparar as respostas dos empresários, frente às tendências que
mostram os usuários segundo suas preferências, e cujo resultado pode nos dar uma orientação importante
para conhecer o que é que buscam os usuários e quais são suas expectativas de prática. 36% dos
praticantes buscam o desejo de passar bem, frente a um 21% que buscam pela tendência ao risco e a
sensação de perigo. Uns 17% buscam um contato com a natureza e a sensação de liberdade, enquanto que
uns 15% desejam experimentar o prazer que oferecem algumas destas atividades (7% tendência pela
competitividade, 4% outros)” (BETRÁN; BETRÀN, 1999, p.90).
31
“alternativo” que merece ser problematizado e investigado.
1.4 Problematização e Questões de Pesquisa
Apesar das diferenças de enfoques, fica evidente a existência de novas práticas
emergentes, que aumentam a universalidade e pluralização da prática esportiva. Sobre
estes aspectos, as pretensões não são de investigar algo que justifique ou destaque os
meios pelos quais se deram às transformações históricas destas atividades, ou ainda
conceituá-las. O presente estudo irá se desenvolver através de idéias e noções, e o
através de uma definição de conceitos, para não limitar o objeto de estudo.
Para chegarmos a uma compreensão mais expressiva desta realidade que se
instala no campo das práticas esportivas, dentro da globalidade de relações estabelecidas
em que se situam, surgem novos questionamentos que vão permitir uma melhor
compreensão deste fenômeno, e por conseqüência da indagação principal deste estudo.
As atividades de aventura foram observadas e analisadas com o intuito de obter
respostas mais específicas que englobem a complexidade do tema, permitindo que se
possa apreciá-lo desde diferentes olhares, revelando assim, diferentes aspectos dos que
já foram apresentados.
Reconhecendo estas modalidades como uma prática social inserida no âmbito do
esporte, como algo que interfere nos estilos de vida de seus praticantes, se estabelece a
intenção principal desta pesquisa. De acordo com as questões até aqui apresentadas, o
estudo realizado, somando-se às leituras, ao trabalho de campo e experiências por mim
vividas nessa área, têm como objetivo responder à indagação principal: Qual o sentido
de aventura e risco nas atividades realizadas por praticantes de corrida de aventura
na perspectiva competitiva, e como estas práticas se inserem no seu modo de vida?
Para chegar o mais próximo da realidade da questão aqui apresentada,
relacionada ao âmbito do esporte das práticas de aventura e risco, procurou-se encontrar
elementos ligados a outras esferas da vida da população a ser investigada. Foi neste
sentido, que se mostrou necessário à formulação de outras questões que dizem respeito
32
ao objeto de estudo:
- Quais são as pessoas que optam por atividades de risco na natureza e por que a
praticam no âmbito competitivo?
- Que sentido dão à noção de risco/aventura/competição?
- Como estas atividades se inserem na vida dessas pessoas no que se refere ao
trabalho, atividades de lazer e outros investimentos da sua vida cotidiana?
Outras questões mais específicas foram formuladas, em diferentes âmbitos.
No que se refere às relações internas das equipes, pretendeu-se compreender as
relações que se estabelecem no interior dos grupos: como se deu a formação dos atletas?
Como foram constituídas as equipes? Como se a divisão de papéis? De que forma
são realizados os treinos? Como se estabelece a decisão no interior das equipes?
Quanto às relações com as outras equipes, buscou-se compreender a
ligação/convivência com outros competidores: os praticantes do grupo investigado
possuem relações de amizade (ou conflituosas) com outras equipes? fizeram parte de
outras equipes? Existe troca de informações entre os grupos? Como são estabelecidas as
relações de competitividade entre os diferentes grupos?
É importante entender também as relações com a questão do risco e da aventura:
o que é/representa risco para eles? O que é/representa aventura no contexto das
corridas? Quais sentidos são atribuídos à aventura? Como a competição (busca de
resultados) se insere neste contexto?
Observar as relações estabelecidas com as corridas, objetivando compreender
como passaram a fazer parte do universo da aventura: quanto tempo participam das
provas? Quais os tipos de corrida competiram? Quais as expectativas quanto ao
resultado? O que significa ganhar?
A interpretação das respostas às questões acima, fornece subsídios para formar
as categorias analisadas e contextualizadas no decorrer deste estudo. As respostas destas
e outras perguntas que por ventura surgiram no decorrer da pesquisa resultaram na
tentativa de interpretar a realidade estudada.
É neste sentido que a pesquisa baseia-se nas análises desenvolvidas por Stigger
(2002), onde apresentam a visão de que o esporte pode ser entendido na sua
heterogeneidade. Esta questão se relaciona aos sentidos atribuídos às práticas esportivas,
ou melhor, as diferentes formas de apropriação de seus praticantes.
33
Para complementar esta questão, tratando-se de práticas diferenciadas das
tradicionais, Christian Pociello propõe uma abordagem sociocultural que se direciona
para uma mudança de perspectiva, relacionando-se aos esportes californianos, que estão
muito próximos das atividades deste estudo. O autor propõe uma substituição de uma
abordagem global, unitária e unificante do esporte, por uma concepção mais
diversificada das práticas esportivas.
Estas contribuições foram fundamentais no processo de identificação e
consolidação destas práticas no âmbito do esporte. Através das articulações de
diferentes autores que seguem esta linha de pensamento, foram estabelecidas às
condições necessárias para a realização deste estudo interpretativo do universo da
aventura.
34
2 ASPECTOS METODOLÓGICOS
Nas páginas anteriores procurei delimitar o contexto em estudo, e entender de
que forma as atividades de aventura e risco podem adquirir diferentes significados. Ao
estabelecer os contornos desta pesquisa no âmbito do esporte, é possível entendê-la
como uma prática que se desenvolveu para modalidades competitivas, diferenciando-se
de outras do mesmo gênero, praticadas no campo do lazer.
Baseado nessas questões, proponho reconhecer essas corridas e identificá-las
como uma prática social, talvez sem uma visibilidade que atinja grandes patamares na
sociedade, mas como atividades que possuem seus significados peculiares e expressem
a diversidade cultural do esporte. Foi sob esta perspectiva que procurei entender as
corridas praticadas no meio natural, sem medir esforços na tentativa de captar diferentes
significados relacionados à apropriação de seus protagonistas e as relações com o
cotidiano.
Nesse sentido, após identificar o contexto e os sujeitos deste estudo, irei apontar
os aspectos metodológicos que embasam e justificam a necessidade de uma
investigação etnográfica. O trabalho foi desenvolvido dentro do contexto da análise
sociocultural das práticas de aventura, e tem como objetivo desvendar os sentidos de
aventura e risco nas atividades realizadas por praticantes de corrida de aventura na
perspectiva “competitiva”, além de compreender como essas atividades se inserem no
modo de vida dos praticantes.
Esse tipo de investigação é caracterizado por uma análise interpretativa da
cultura, a qual não está à procura de leis sociais, mas preocupa-se em compreender o
significado que as práticas têm para seus praticantes em universos culturais diferentes
(GEERTZ, 1989). Pesquisar a organização em que se desenvolvem essas práticas e os
significados que os indivíduos atribuem a seus comportamentos, explicita a intenção
desse estudo: entender o esporte de aventura não nos aspectos mais gerais, mas em suas
particularidades, como um elemento da cultura e inserido no seu modo de vida.
Etnografia é um termo muito utilizado por diversos autores e nomeia toda uma
tradição de pesquisa. Hoje, é possível dizer que este termo pode ser aplicado em todos
os lugares e circunstâncias, “mas com pleno conhecimento teórico de causa” (WINKIN,
35
1998, p.132). Para Winkin, a etnografia hoje é, ao mesmo tempo, uma arte e uma
disciplina científica, em que o pesquisador deve primeiramente saber ver, e depois
saber estar, quando se encontra perante outras pessoas. Neste sentido, descreve a
etnografia como “uma arte que exige que se saiba retraduzir para um público terceiro
(terceiro em relação àquele que você estudou) e, portanto, que se saiba escrever. A arte
de ver, arte de ser, arte de escrever” (WINKIN, 1998, p.132).
Essas três competências da etnografia estabelecidas por Winkin estão associadas
às idéias da análise feita por Oliveira (1998), que também articula a pesquisa empírica
com a interpretação de seus resultados, mas destaca o caráter constitutivo do olhar, do
ouvir, e do escrever.
Para Oliveira (1998), o olhar seria a primeira experiência do investigador no
campo, ou seja, o momento em que acontece a domesticação teórica de seu olhar: “seja
qual for esse objeto, ele não escapa de ser apreendido pelo esquema conceitual da
disciplina formadora de nossa maneira de ver a realidade” (OLIVEIRA, 1998, p.19). Tal
questão destaca que esse olhar não corresponde apenas a uma mera curiosidade no
campo, mas sim que o processo é diretamente influenciado pela teoria disponível. O
ouvir, por sua vez, é uma espécie de complementação do olhar, visto que participa das
mesmas precondições, ao entendermos que ele “está preparado para eliminar todos os
ruídos que lhe pareçam insignificantes” (idem, p.21). Isto relaciona-se com a entrevista,
que o autor destacou como “saber ouvir” (idem,p.21).
Se o olhar e o ouvir estão diretamente relacionados com nossa percepção da
realidade no trabalho de campo, o escrever seria, portanto, a configuração final desse
trabalho, ou seja, seria o momento de “trazer os fatos observados vistos e ouvidos
para o plano do discurso” (idem, p.25). Oliveira (1998) afirma ainda que, mais do que
uma tradução da “cultura nativa”, é nesse processo que realizamos uma interpretação
balizada pelas categorias ou pelos conceitos básicos constitutivos da área de estudo.
Nessa perspectiva, os atos de olhar e de ouvir são, de certa forma, os meios pelos
quais “o pesquisador busca interpretar ou compreender a sociedade e a cultura do
outro de dentro, em sua verdadeira interioridade” (idem, p.34). Esse esforço intelectual
do pesquisador na busca de interpretar/descrever um fator cultural de dentro, Geertz
(1989) designou de “descrição densa” (p.15). Para ele, praticar etnografia é “estabelecer
relações, selecionar informantes, transcrever textos, levantar genealogias, mapear
campos, manter um diário, e assim por diante” (GEERTZ, 1989, p.15).
Contudo, para realizar a “descrição densa” os dados não devem provir de
36
outrem, eles devem ser coletados em campo pelo próprio pesquisador. Essa idéia é
apresentada por Stigger (2002), ao considerar que:
Esse aspecto significa a busca do conhecimento sustentado na
observação direta dos acontecimentos sociais, os quais ocorrem a
partir de uma relação de comunicação entre o investigador e
aqueles que são os protagonistas do contexto cultural que se
pretende conhecer (p.5).
Desenvolvendo dessa maneira, de acordo com Geertz (1989), os estudos
etnográficos são estudos microscópicos que abordam análises e interpretações amplas a
partir de um conhecimento bastante extensivo acerca de assuntos extremamente
pequenos. Tal processo se no decorrer da pesquisa de campo, quando o pesquisador
tenta entender o contexto cultural, entrando no processo de socialização. Nesse sentido,
Dumazedier (1962) avança a reflexão, sublinhando que não adianta apenas dizer que
eles existem, é preciso entender como eles funcionam:
Para que uma teoria cultural possa ser considerada viva, precisa
corresponder não a um conjunto de valores como também ao
modo como esses valores são vividos pelas várias classes ou
categorias sociais (DUMAZEDIER, 1962, p.35).
Essa abordagem é situada neste estudo, quando identifico o processo como uma
construção social, considerando as inter-relações emergentes de um determinado
contexto, que situam a realidade social e a realidade cultural.
O antropólogo social tem o sistema social (ou a sociedade), e,
observando-o e entendendo por meio de entrevistas e conversas as
motivações que o sustentam, espera poder chegar aos seus valores e
ideologias (DAMATTA, 1993 p.57).
Como o propósito do presente estudo é recolher informações para interpretar e,
num segundo momento, contextualizá-las sem generalizar, as análises serão
desenvolvidas numa perspectiva de corte qualitativo. Para situar algumas dessas
argumentações, irei destacar dois estudos da etnografia do esporte, nos quais este
trabalho baseou-se em muitos aspectos. O primeiro, Esporte, Lazer e Estilos de Vida,
37
um estudo etnográfico, escrito por Stigger (2002), foi desenvolvido no contexto do
lazer. O autor procurou compreender o esporte praticado por pessoas comuns, quando
inserido no seu modo de vida, que possuem uma proximidade muito grande com as
intenções do estudo que venho desenvolvendo. Além disso, outro ponto destacado por
Stigger (2005) pode ser atribuído a esta pesquisa, no que se refere à “prioridade à
análise por dentro, vinculada à experiência pessoal do investigador no campo
25
” (p.80).
O segundo exemplo relaciona-se com as intenções do trabalho de campo, na
condição expressa de que ele seja teoricamente instrumentado, se direcionará para a
linha de raciocínio apresentada por Wacquant (2002):
se é verdade, como afirma Pierre Bourdieu, que nós ‘aprendemos com
o corpo’,(...) então impõem-se que sociólogo submeta-se ao fogo da
ação in situ, e que ele coloque, em toda a medida do possível, seu
próprio organismo, sua sensibilidade e sua inteligência, encarnadas no
cerne do feixe das forças materiais e simbólicas que ele busca
dissecar,(...) (WACQUANT, 2002, p.12).
Esta observação pontua a intenção deste estudo em utilizar o conhecimento
adquirido com o passar dos anos como praticante dessas modalidades, ou seja, um
conhecimento mais íntimo da realidade estudada, utilizando as técnicas de uma
etnografia do esporte. A questão foi apresentada por Mata (2001), quando destaca que:
para abordar um estudo de etnografia do esporte, devemos não
conhecer as técnicas próprias da etnografia, se não também possuir
uma experiência profunda do terreno esportivo para obter uma posição
privilegiada para abordar estes conteúdos, e uma percepção mais
íntima da realidade que a de um investigador sem experiência prévia
neste campo (p.8).
Partindo do pressuposto destacado acima, as intenções não são de afirmar que
pesquisas desta dimensão devem, necessariamente, possuir tais características. Este
ponto enfatiza de forma positiva minha experiência como atleta, organizador e
integrante da equipe de apoio. De certa forma, fez com que as ansiedades por não ser
um “estranho” favorecessem a minha atividade como investigador. Por outro lado, pode
ter influenciado meu trabalho investigativo por não conseguir me distanciar o bastante
dos meus “pré-conceitos”. Este aspecto está relacionado ao meu esforço de “estranhar o
25
Segundo o autor, foram trinta meses de observação participante, além da realização de entrevistas semi-
estruturadas (nota de rodapé, p.80).
38
familiar”, movimento contrário à maioria dos estudos etnográficos, em que o
pesquisador deve preocupar-se em familiarizar-se com o estranho. Em outras palavras,
este estudo estabelece um movimento contrário às etnografias na “aldeia”.
Para complementar a questão estabelecida, buscando deixar esse
quadro o mais claro possível, minha escolha investigativa se direciona
para a “...Etnografia do esporte, nascida como uma especialidade da
ciência antropológica cujo objeto é o estudo de campo de grupos e
manifestações que apresentam o esporte como feito cultural
fundamental” (MATA, 2001 p.6).
Concluindo o quadro metodológico formulado, no momento da ação, ou seja, na
aproximação com o campo, é importante destacar que:
o que o etnógrafo enfrenta de fato (...) é uma multiplicidade de
estruturas conceptuais complexas, muitas delas sobrepostas ou
amarradas umas às outras, que são simultaneamente estranhas,
irregulares e inexplícitas, e que ele tem que, de alguma forma,
primeiro apreender e depois apresentar (GEERTZ, 1989, p.20).
Nessa perspectiva, procurei analisar e interpretar as diversas representações que
determinados indivíduos e grupos sociais fazem das suas práticas, através de confrontos
de análises e teorias. (...) É por este motivo que os estudos etnográficos não podem ser
meras descrições de um fenômeno cultural a partir do discurso nativo (...)” (STIGGER,
2003 p.14). Nesse entendimento, e de acordo com as idéias do autor, esta pesquisa não
possui o interesse de encontrar identidades substantivas entre fenômenos similares, mas
estabelecer relações sistemáticas entre eles, na perspectiva de compreendê-lo a partir
das suas semelhanças e diferenças.
Em se tratando de um esporte como as corridas de aventura, um universo pouco
conhecido e ainda não explorado em sua totalidade, em que existem mais perguntas do
que repostas, talvez seja preciso direcionar uma atenção especial para a prática e
ampliar algumas considerações. Foi inspirado neste panorama, que lancei mão de
algumas estratégias relacionadas às ações e técnicas na utilização dos procedimentos
metodológicos. Nessa vertente, algumas considerações ligadas à etnografia do esporte e
a antropologia visual parecem “provocar” as intenções desse estudo.
Ao compreender que as atividades de aventura não são muito conhecidas pela
população em geral, como outras modalidades do campo esportivo, é possível afirmar
39
que o conhecimento sobre as corridas de aventura se limita a um público mais restrito.
Poderíamos designá-las, de certa forma, como práticas “marginais”. Nesse sentido,
Mata (2001) apresenta na forma de resumo as aplicações que podem ter os estudos da
etnografia do esporte
26
, e algumas questões que as vezes passam despercebidas por
muitos estudiosos:
adquirem importância científica setores que tradicionalmente não
têm suscitado o interesse por parte dos investigadores,(...). O
etnógrafo, mediante o estudo, compreende e domina as
manifestações sociais marginais (p.14).
Com relação à utilização de materiais visuais, Malysse (2002), descrevendo os
estudos de Banks & Morphy, determina o que seria esse método etnográfico
27
e afirma
que toda a imagem produzida em uma sociedade por ela pode ser utilizada
antropologicamente para revelar certas facetas ou sinais culturais dessa sociedade.
A questão apresentada direciona-se para um trabalho de campo, em que o
pesquisador, para enriquecê-lo e conferir-lhe maior profundidade, poderá fazer uso de
uma variedade de técnicas. Segundo Achutti (2004),
muito tempo, o gravador, a máquina fotográfica, a câmera de
cinema e o vídeo vieram se juntar ao tradicional bloco de notas. Cada
uma dessas ferramentas engendrou novas técnicas de coleta e de
descrição dos dados mais ou menos específicas conforme o tipo de
material pesquisado (p.94).
Sem o intuito de introduzir uma discussão acerca da utilização do texto e da
imagem, pretende-se apenas destacar que “mesmo que o texto seja fundamental, sua
associação a outras formas de linguagem não pode se não enriquecer os enunciados
antropológicos” (idem p.94).
26
“Esta disciplina nos aporta ao método e técnicas necessárias para conhecer com rigor o acervo material
e espiritual que constitui a cultura do esporte, a mais importante manifestação social de nossos dias.
Podemos conhecer os elementos que definem cada um dos coletivos, suas senhas de identidade, e os
fatores que mantêm a vinculação de um grupo a outro de maior tamanho. Com o conhecimento íntimo
dos diferentes grupos se recolhe uma informação absolutamente específica e original, que ao ir evoluindo
com as novas tendências se perderia. Os esporte, da mesma forma que a sociedade em que se desenvolve,
está submetido a uma evolução que não se exclui grandes trocas ou revoluções produzidas pela inclusão
de novos valores, técnicas e artefatos na sociedade” (MATA, 2001,p.13).
27
“A antropologia visual diz respeito à utilização de material visual ou audiovisual em estratégias de
pesquisa de campo, mas também ao estudo e à representação de sistemas visuais e de culturas visíveis, do
modo como o mundo é visto e de quais são suas imagens, assim filtradas, que constituem o consenso
visual da sociedade estudada” (BANKS & MORPHY, 1997, apud MALYSSE 2002, p.88).
40
Esses apontamentos tornam-se importantes para explicitar a opção metodológica
da utilização de recursos visuais, que neste caso, restringem-se a fotografias. Tendo o
conhecimento e domínio de algumas técnicas fotográficas
28
, pretende-se, dentro de
certos limites, realizar um capítulo com esta temática. Estou me referindo, que às
pretensões da utilização de imagens neste trabalho, abordadas no capítulo V, não tem o
propósito de um estudo fotoetnográfico, como a pesquisa realizada por Achutti, e sim
fazer com que o leitor tenha mais uma referência para auxiliá-lo no entendimento do
esporte de aventura.
Essas questões foram resgatadas para que um estranho ao mundo da aventura
possa entender de forma mais clara as coisas como elas são. Por isso, objetiva-se
interagir a descrição etnográfica com a utilização de imagens e a análise sociológica,
como utilizou Wacquant
29
para demonstrar o mundo do pugilismo.
Para concluir este tópico e estipular minhas pretensões com este estudo,
descreverei uma passagem muito importante para quem pretende pesquisar neste
campo:
a vocação essencial da antropologia interpretativa não é responder às
nossas questões mais profundas, mas colocar à nossa disposição as
respostas que os outros deram e assim incluí-las no registro de
consultas sobre o que o homem falou (GEERTZ, 1989, p.40-41).
Nesse sentido, a etnografia foi feita no contexto das práticas de aventura com
quatro grupos: a equipe Caverá, a equipe Ratos de trilha, a equipe Buff Nike ACG e os
funcionários da empresa Famastil. O primeiro grupo, o Caverá, foi escolhido devido ao
fácil acesso (estão próximos/treinam e moram na região); pelo fato de ter construído
uma aproximação com eles (já estou inserido); e por serem sistemáticos (a equipe está
formada há um longo tempo, participa de muitas corridas e os integrantes praticam
28
Ao realizar um estudo de campo para o GESEF-UFRGS (grupo de estudos socioculturais em educação
física), senti a necessidade de utilizar imagens para transcrever a realidade estudada. Conseqüentemente,
tive a oportunidade de fazer um curso no núcleo de fotografias da UFRGS, adquirindo alguns
conhecimentos das técnicas visuais.
29
O autor, referindo-se a sua obra, posiciona-se no sentido de romper com o discurso moralizante
produzido pelo “olhar distante” de um observador externo “O livro é composto de três textos com estatuto
e estilo deliberadamente díspares, que justapõem descrição etnográfica, análise sociológica e evocação
literária, de modo a comunicar, ao mesmo tempo, o percepto e o concepto, as determinações ocultas e as
experiências vividas, os fatores externos e as sensações interiores que, ao mesclarem-se, formam o mundo
do pugilismo” (WACQUANT, 2002 p.23).
41
outras atividades no âmbito da aventura). Esses fatores facilitaram minha presença em
diferentes atividades por um longo período de tempo, que é o que a observação
participante propõe.
O outro grupo, Ratos de trilha, também foi acompanhado por algum tempo, e
tive uma aproximação muito grande com esta equipe por que um dos integrantes é meu
estagiário, o que facilitou e ampliou as relações de contato com a equipe.
O terceiro grupo, a equipe internacional Buff Nike ACG, foi acompanhado por
um período intenso, ou seja, ficamos muito próximos por pouco tempo, cerca de dez
dias. A equipe foi escolhida, principalmente, pela riqueza dos dados obtidos neste
tempo de convivência, e por representarem o contato com uma equipe de “ponta”
internacional.
Por último, os funcionários que participaram do Famastil Adventure I e II, que
se diferenciam dos demais por serem aventureiros de “final de semana”. Este grupo foi
escolhido sobretudo por que organizo o evento para a empresa, tendo acesso a todas as
informações do evento, estabelecendo outra relação com as formas de apropriação da
corrida.
Os dados obtidos em campo foram apoiados, comparados e mediados com o que
foi apreendido (observado) nas diferentes equipes. Esse processo forma uma
triangulação que busca estudar diferentes grupos dentro de um mesmo contexto,
iluminando algumas idéias e ampliando o entendimento do universo principal a ser
estudado.
Em linhas gerais, no decorrer deste tópico, procurei situar as opções
metodológicas que foram adotadas neste estudo, e como são entendidas neste trabalho.
Foram destacados os grupos nos quais foi feito o trabalho etnográfico. Com isso, foram
apresentados elementos relacionados a um conhecimento mais íntimo da realidade
estudada (minha experiência no campo), argumentados nos pressupostos da etnografia
do esporte apresentada por Mata (2001). Os instrumentos de pesquisa serão
apresentados no próximo tópico com suas respectivas explicações, argumentações e
suas formas de utilização durante o trabalho de campo.
42
2.1 Objeto de Estudo e Instrumentos de Pesquisa
Após apresentar os aspectos teórico-metodológicos, no tópico anterior,
identificarei o local onde foi realizado o estudo e os grupos que foram acompanhados.
Em seguida, apontarei os instrumentos de coleta de informações, que foram ferramentas
importantes para alcançar os objetivos propostos. Ao desenvolver algumas idéias sobre
os instrumentos de pesquisa, alguns argumentos relacionados ao conhecimento corporal
também serão apresentados, destacando sua importância nas práticas de aventura e sua
relação com o processo de aprendizagem.
Como objetivo principal deste estudo é desvendar os sentidos de aventura e risco
nas atividades realizadas por praticantes de corrida de aventura na perspectiva
“competitiva”, e compreender como estas atividades se inserem no seu modo de vida.
Estes pressupostos designaram a escolha do local de estudo, que se deu onde as
atividades tiveram grande incidência, no âmbito competitivo.
Em se tratando de Brasil, com sua imensa extensão e sua natureza exuberante,
propícia para as atividades de aventura, seria impraticável, ao menos no que diz respeito
às condições de pesquisa deste estudo, estender-se a níveis nacionais para coleta de
dados. Ciente da impossibilidade de abranger a totalidade de amplitude das práticas, e
ciente de que os estudos etnográficos são “microscópicos”, o presente estudo foi
desenvolvido na serra gaúcha com três grupos distintos.
Esse processo de investigação foi desenvolvido durante um longo período de
imersão no campo. Iniciou em 2003, com a minha primeira participação como atleta, e
se estendeu até início de 2007, fase final da conclusão deste estudo e coleta de dados,
com o intuito de captar informações para compreender a cultura dos grupos estudados,
através de observação participante e entrevistas.
O primeiro grupo que acompanhei, designado como “profissionais”, foi formado
pelos integrantes da equipe Buff Nike ACG, campeã do Ecomotion Pro 2005, realizado
em Gramado. A aproximação com esta equipe foi facilitada pela minha participação
como equipe de apoio na competição. Esses atletas, de renome internacional, constituem
uma equipe com uma heterogeneidade de etnias muito interessante, composta por dois
atletas espanhóis, um americano e um francês. Acredito que esta equipe de elite, com
43
sua grande experiência, trouxe grandes informações para o enriquecimento deste
trabalho.
No segundo grupo, que denominei como “atletas nacionais”, foram
acompanhados e entrevistados integrantes da equipe Caverá e da equipe Ratos de trilha.
As duas equipes, além de competirem no Circuito Ecoatitude e em provas de âmbito
nacional, também participaram da prova internacional Ecomotion Pro 2005.
O terceiro grupo foi composto pelos funcionários da empresa Famastil Taurus
Ferramentas SA, que participaram das corridas de aventura que organizei, I e II
FAMASTIL ADVENTURE. Este grupo foi composto, em sua grande maioria, por
pessoas que não conheciam as corridas de aventura, e não estavam familiarizadas com
as técnicas desse esporte. Nessas competições, foram mantidos todos os elementos
constituintes de uma corrida, exceto as questões relacionadas com a segurança. Quando
comento que segue todos os fatores constituintes de uma corrida, estou falando das
etapas (inscrição, briefing, checagem de equipamentos, largada, chagada e premiação),
o funcionamento da corrida (PC’S, AT’S, materiais obrigatórios), equipes mistas,
cartões de checagem etc.
Acredito que, com estes três grupos heterogêneos (equipe de elite, atletas
regionais e “aventureiros de final de semana”), este estudo conseguiu abranger um
conjunto de informantes significativo que compõe o universo da aventura.
Os grupos foram acompanhados em três provas que compõem contextos
esportivos diferentes. Uma prova de âmbito nacional (Circuito Ecoatitude), uma prova
de âmbito internacional, equiparada às grandes corridas de expedições (Ecomotion pro
2005, que teve a participação dos dois primeiros grupos investigados), e duas corridas
para a empresa Famastil (Famastil Adventure). Este estudo desenvolveu-se também
através da observação participante em diferentes perspectivas: como apoio das equipes,
como parte da organização, em caminhadas realizadas com grupos de competidores e
como atleta (competindo).
Nessa perspectiva, a análise qualitativa do campo das corridas de aventura está
focada nas idéias de diferentes autores, nas descrições de 32 diários de campo, e 12
entrevistas semi-estruturadas, as quais foram transcritas na forma de texto, em 87
páginas. Seguindo essa linha de raciocínio, a pesquisa etnográfica utilizou-se dos
seguintes instrumentos, para alcançar os objetivos propostos: observação participante,
44
entrevistas semi-estruturadas, análise de documentos e fotografia.
Para a realização deste trabalho etnográfico, entende-se que “observação
participante” consiste:
(...) - em linhas gerais- na vivência do investigador, por um longo
período, no contexto que pretende investigar; é nesta experiência
que ele um estrangeiro no universo cultural em que está agora
envolvido estará em contato com os modos de vida nos quais
estão presentes diferentes sistemas de significação, valores
e.comportamentos sociais que é preciso desvelar (...) (STIGGER,
2002, p.8).
Esse processo significa dizer que o pesquisador “assume um papel perfeitamente
digerível pela sociedade observada, a ponto de viabilizar uma aceitação senão ótima
pelos membros daquela sociedade, pelo menos afável, de modo a o impedir a
necessária inteiração” (OLIVEIRA, 1998, P.24). O pesquisador, ao tentar
compreender/interpretar elementos que lhe são estranhos, em que se torna importante a
elaboração do texto, pontua a importância do diário de campo, que “passa a ser evocado
durante toda a interpretação do material etnográfico no processo de sua inscrição no
discurso da disciplina” (idem, p.34).
Antes de prosseguir com os instrumentos de pesquisa, gostaria de destacar outro
fator relacionado ao trabalho antropológico. Além das questões estabelecidas por
Oliveira (1998), “olhar, ouvir, escrever”, e por Winkin (1998), “arte de ver, arte de ser e
arte de escrever”, incluiria a “arte de sentir”. Este aspecto do conhecimento relaciona-se
ao sentido corporal, um processo mais próximo da experimentação do que do
conhecimento concreto que comumente é associado a estas práticas e que podemos
entender como um ponto de aproximação entre as formas de praticá-las e o processo de
aprendizagem. Sob este último aspecto, Bruhns (2002) salienta que “essa aprendizagem
da experimentação, onde está presente certa sensibilização, revela uma forma de
conhecer especial, ou seja, o conhecimento do ambiente decodificado por meio de
informações do corpo” (p.13).
Alguns aspectos relacionados ao conhecimento corporal foram desenvolvidos
no âmbito de outras práticas corporais e podem ser assim apresentados sem maiores
aprofundamentos:
45
um modo de compreensão totalmente particular, em geral
esquecidos nas teorias da inteligência, e que consiste em
compreender com o corpo. uma infinidade que coisas que
compreendemos somente com o nosso corpo, aquém da
consciência, sem ter palavras para exprimi-lo (...) as práticas
esportivas são essas práticas nas quais a compreensão é corporal
(...) olhe, faça como eu (BOURDIEU, 1990, p.219).
Considero de suma importância essa observação de Bourdieu, referindo-se ao
conhecimento com o corpo que adquirimos com a prática. Nessas atividades, em
especial, tal processo acontece na forma de um mecanismo diferenciado e diferenciador.
Diferenciado, porque em algumas das modalidades de aventura a prática se manifesta ao
extremo, ou seja, produz sensações e repostas do organismo, imprevisíveis até então
30
.
Diferenciador, porque, muitas vezes, quem colocou seu corpo a vivenciar a prática é
capaz de dissecar, entender seus símbolos e captar as sensações e sensibilidades que se
manifestam no organismo durante a aventura vivida.
A minha “porta de entrada” no universo da ventura foi como atleta na segunda
Corrida de Canela. Não sabia ao certo se iria estudar essas atividades, mas estava
conhecendo os “bastidores”. Meus primeiros escritos nos diários foram de uma pessoa
distante, ainda muito espantada e admirada com um “esporte novo”, o qual eu não
conhecia e se apresentava de forma fascinante. Minha experiência com as atividades de
aventura vinham de longa data, mas não sabia que existiam essas competições. Foi
nessa perspectiva que meus primeiros diários de campo foram escritos como atleta, e
pude sentir na “pele” algumas das razões que movem esses atletas a superar tantas
adversidades para participar de uma corrida desse porte.
As práticas de aventura não possuem uma pedagogia própria, diferentemente de
outras modalidades sedimentadas no campo dos esportes. Por serem atividades
compostas por diferentes estilos, não possuem normas explícitas ou etapas claramente
30
“O corpo do corredor é ao mesmo tempo instrumento e finalidade da ação. Na medida em que a corrida
exige um engajamento sico muito importante, a atividade oferece um aspecto catártico, a possibilidade
de passar para o outro lado, de ultrapassar o limiar do corpo, geralmente tabu. (...) Para cada corredor, o
sagrado da corrida consiste então no uso específico do seu corpo, semelhante a essas novas atividades
chamadas “esportes radicais”que se desenvolveram a partir dos anos de 1980 (...) faz passar de um estado
físico e psíquico a outro. A corrida pode ser vista como uma sucessão de etapas de separação e em
seguida de retorno ao mundo civil, após a purificação. A analogia com o parto não é desprovida de
sentido: do esforço físico da passagem, se sai vermelho ou pálido, viscoso de suor e saliva, e após a
ducha, homens e mulheres retomam suas vestimentas habituais e renascem para o mundo civilizado”
(SEGLAEN, 2002, p.81).
46
definidas. Pelos aspectos aqui apresentados, entende-se “o corpo como um vetor de
conhecimento”, um mecanismo para tentar alcançar uma maior compreensão da
totalidade dessas práticas, aproximando-me o máximo da teoria exposta por Wacquant
(2002) sobre
a necessidade de uma sociologia não somente do corpo, no sentido
de objeto ( o inglês fala of de body), mas também a partir do
próprio corpo como instrumento de investigação e vetor de
conhecimento (from the body) ( p.12).
Esta observação demonstra a complexidade da interação entre investigador e
sujeito investigado. Na mesma linha, Da Matta (1993) destaca outro ponto da relação,
“(...) tanto o pesquisador quanto sua vítima compartilham, embora muitas vezes não se
comuniquem, de um mesmo universo das experiências humanas (...)” ( p.23).
Seguindo essa abordagem, neste estudo, a observação participante foi realizada,
num primeiro momento, através de minha experiência em campo, passando pelas
dificuldades que os atletas atravessam, ou seja, colocando o meu corpo como um
instrumento para coleta de dados. Foram relatadas as quatro corridas do Circuito
Ecoatitude que participei. Essa experiência, além de auxiliar na construção das relações
entre as diferentes percepções dos atletas das corridas de aventura, foi uma importante
entrada no campo de estudo, ou seja, uma forma de ser bem recebido pela comunidade.
A coleta de dados consistiu na observação dos fatos, discussões e relacionamentos de
atletas, organizadores e outras pessoas envolvidas.
A identificação com a comunidade da aventura foi uma forma de interagir e ter
acesso às outras equipes como, por exemplo, um dos principais grupos deste estudo, o
Caverá, que conheci em uma corrida em 2003. Através de uma amiga em comum,
trocamos informações, e passei a ser convidado para outras atividades, ou seja,
acompanhei o grupo por aproximadamente três anos, conhecendo três formações
diferentes desta equipe, exceto dois atletas que nunca mudaram (Heitor e Jean). A
observação participante desenvolvida com esses atletas foi realizada em competições
(estavam ganhando todas as corridas, eram observados por muitas equipes), alguns
treinos, para os quais me convidaram, como, por exemplo, uma caminhada com atletas
de outras equipes, em que caminhamos da cidade de Tainhas (RS) até a cidade de Praia
47
Grande (SC), atividades extras
31
, e atividades do cotidiano (jantar, almoçar em outra
cidade com alguma equipe local para trocar informações, divulgar corridas, etc). Outro
momento relatado, diz respeito à montagem das corridas para a empresa Famastil, pois
os integrantes do Caverá (Heitor e Jean) fazem parte da minha equipe de trabalho. Os
dois auxiliam no mapeamento, na escolha das rotas, nas oficinas e no dia da corrida
também.
No Famastil Adventure, meus diários foram construídos através de olhares mais
de “fora”. Observei durante as duas corridas a forma com que os atletas (funcionários)
se portavam durante as oficinas, o briefing e a competição. Foram apenas dois
momentos, mas intensos, pois passamos dois dias inteiros praticamente juntos. Relatei
também o processo de montagem das corridas, em que observei a reação da comunidade
local (principalmente os colonos, fazendeiros).
Com a equipe Buf Nike ACG foi realizado um diário de campo de
aproximadamente 50 folhas, descrevendo todo o tempo em que estivemos juntos para a
prova do Ecomotion Pro, cerca de dez dias. Iniciou quando chegaram ao Brasil e fui
buscá-los no aeroporto Salgado Filho (Porto Alegre, RS), e se estendeu até o dia em que
foram embora para os países onde moram. Foram muitos momentos descritos, pois uma
das condições do apoio, segundo Benjamin (o navegador da equipe), era que
convivêssemos bastante, para nos conhecermos. Fizemos praticamente todas as
refeições juntos, as compras no supermercado para corrida e montagem de sacos slip
bag. Ficamos na minha casa preparando e dividindo as refeições, estabelecendo
estratégias e dinâmicas do apoio, separando os materiais. Fizemos também uma saída de
campo, para que os membros conhecessem os mapas e identificassem as nomenclaturas
(como descrevemos as estradas, nomenclaturas, se estava aferido).
Para complementar e fortalecer a coleta de dados foram realizadas entrevistas
semi-estruturadas, que, por ter um sentido de liberdade, aproxima o investigador do
entrevistado, assumindo uma característica de conversa. Em conjunto com a observação
participante, a entrevista foi “tomada no sentido amplo de comunicação verbal, e no
sentido restrito de colheita de informações sobre determinado tema científico”
(MINAYO, 2000, p.107).
31
Esta equipe, além de competir nestas provas, possui loja de equipamentos, organiza uma prova
(Desafio dos Espigões), e, de vez em quando, organiza algumas caminhadas, convidando vários atletas
das corridas de diferentes equipes para participarem.
48
Minayo desenvolve o conceito de entrevista de pesquisa, baseado em Kahn &
Cannell (1962), descrevendo que a entrevista tomaria rumo de uma conversa a dois,
destinada a fornecer informações pertinentes à pesquisa em questão, e a possibilidade
(do entrevistador) abordar temas importantes. A autora salienta ainda que
o que torna a entrevista um instrumento privilegiado de coleta de
informações para as ciências sociais é a possibilidade de a fala ser
reveladora de condições estruturais, de sistemas de valores, normas e
símbolos (sendo ela mesma um deles) e ao mesmo tempo ter a magia
de transmitir, através de um porta-voz, as representações de grupos
determinados, em condições históricas, socioeconômicas e culturas
específicas (MINAYO, 2000, Ps. 109, 110).
A partir desta reflexão, foram desenvolvidas as entrevistas com diferentes
praticantes das corridas de aventura. Ao primeiro grupo, dos atletas nacionais, foram
feitas em dois momentos: primeiro com o Caverá. Fui a Caxias (cidade onde reside a
equipe) e entrevistei dois atletas: Jean e Heitor. Selecionei os dois porque foram os
fundadores da equipe, e estão nela desde o início. Possuem papéis bem definidos, o Jean
é o orientador e o Heitor é o capitão. A entrevista foi feita num dia de sol, ao lado da
loja de sociedade dos dois. Sentamos na grama com algumas frutas e ficamos
conversando. Gravei em um mp3, e algumas vezes tivemos alguns ruídos de caminhões
da rua. Durante a gravação com Jean, fomos interrompidos duas vezes por outros atletas
(eles iam treinar depois da entrevista com outra equipe).
Da equipe Ratos de trilha, entrevistei outros dois atletas. Tive como critério de
seleção os mesmos quesitos da Caverá, entrevistei os dois atletas integrantes desde o
surgimento da equipe: Mateus e Amanda. Mateus é o navegador e a Amanda, como ela
mesmo diz, “eu sou a mulher da equipe”. A entrevista foi feita na minha academia,
individualmente, gravada no mp3.
A entrevista com a equipe Buf Nike ACG foi realizada na forma de entrevista
coletiva, principalmente, por falta de tempo, tomando assim o sentido de conversa
citado anteriormente. A entrevista foi feita no quarto do hotel. Estavam os quatro
atletas, eu e a minha filha de um ano e meio na época. Como todos eram estrangeiros,
três atletas (Emma, David e Benjamim) falaram em espanhol. Shine falou em inglês.
Foi uma hora e meia de entrevista, que está gravada em fita, transcrita na forma de texto
e traduzida por mim.
49
Na empresa foram escolhidos quatro funcionários de diferentes equipes, com
diferentes perspectivas e níveis, relacionados ao sexo, conhecimento das atividades e
que participaram das duas corridas. Foram selecionados duas mulheres e dois homens.
Um dos rapazes acabou em último lugar na primeira corrida e foi campeão da segunda.
O outro tem muito medo das atividades verticais (esportes de aventura). Na primeira
corrida acabou não competindo e auxiliando apenas na organização. Na segunda,
“tomou coragem” (disse ele) e resolveu participar como atleta. Realizou todas as
atividades e enfatizou que foi uma das melhores coisas que vez na vida, pois
conseguiu superar os medos, mas afirmou que não participa de novo. As entrevistas
foram realizadas na empresa, mediante autorização da direção, gravadas em diferentes
momentos e nos locais disponibilizados. As gravações foram feitas no mp3 e o
questionário adaptado
32
para os funcionários.
Apesar dos entrevistados terem sido guiados por um roteiro pré-estabelecido
(ANEXO 1), desvios espontâneos foram incentivados como agentes elucidativos das
percepções e conhecimentos individuais do campo. Após as entrevistas, foram
realizados termos de consentimento (ANEXO 2), para que o material coletado fosse
autorizado pelos informantes. Entretanto, os atletas fizeram questão de que seus nomes
fossem mantidos, ou seja, os nomes lidos no trabalho são os nomes verdadeiros dos
atletas, uma forma de divulgar suas equipes e seu orgulho em participar da comunidade
de aventura. A exceção são os atletas da empresa, cujos nomes serão caracterizados
como informante famastil I,II,..., para preservar suas identidades.
O terceiro instrumento, a Análise de Documentos, não irá se limitar apenas aos
arquivos de papel, visto que este universo da aventura possui outras fontes de dados.
Serão entendidos como parte desse item reportagens dos jornais, revistas, folders, fotos,
registros estatísticos, cartazes, documentos da mídia, sites da internet, ou seja, tudo que
apresentar informações acerca da cultura estudada.
Os dados obtidos através desta análise são de grande utilidade principalmente
quando interpretados e correlacionados:
32
Digo adaptado, por que algumas perguntas referentes ao patrocínio, aos custos, a como conheceram as
corridas, como formaram as equipes, são restritas à relação com a empresa. Este é um dos fatores que
serão melhor apresentados no decorrer deste trabalho.
50
as informações de periódicos, através de ensaios, colunas,
reportagens, entrevistas ou notícias, publicadas no dia a dia e que
ilustram com perfeição os valores e os rasgos característicos das
pulsações sociais do momento a nível mundial, devem formar parte
essencial do material documental do trabalho versado em esportes
profissionais (MATA, 2001, p.10).
Além de todos os instrumentos de coletas de dados citados acima, este estudo
apresentará alguns trechos de um texto escrito por Emma Roca, no qual a atleta
descreveu sua participação na corrida Ecomotion Pro 2005. Essa crônica foi passada a
mim e a um escritor que estava descrevendo o evento, o qual, posteriormente, iria editar
um livro. Para que se diferencie dos demais dados, os trechos da crônica destacados
neste estudo serão mantidos em sua forma original, ou seja, serão referenciados em
espanhol.
Como último instrumento, foram realizadas fotografias. bastante tempo que
antropólogos utilizam a fotografia como técnica de pesquisa aplicada ao trabalho de
campo. Suas funções são inúmeras nessa tarefa. Segundo Achutti (2004), “a fotografia
ajuda da mesma forma, recolher mais rapidamente certos detalhes a rituais ou a cultura
material – adornos, vestimentas, ferramentas de trabalho, etc” (p.95).
Nessa perspectiva, gostaria de destacar a idéia expressa por Mata (2001), que
acentua e complementa as intenções dos instrumentos de coleta de dados dessa
pesquisa: “é imprescindível a utilização das diferentes técnicas de recolhimento de
informação, tratando dos dados de forma rigorosa e variada” (p.9).
Após explicitar os sujeitos, o local onde foi desenvolvido o estudo e os
instrumentos de pesquisa para a coleta de informações, serão descritos os contextos em
estudo, ou melhor, serão apresentadas descrições etnográficas da Corrida de Aventura,
das equipes e das provas acompanhadas.
51
3 DESCRIÇÃO ETNOGRÁFICA DOS CONTEXTOS EM ESTUDO
Nos tópicos anteriores, apresentei as corridas de aventura de forma resumida,
para que o leitor tivesse um primeiro contato com esse universo. Também esclareci os
métodos de pesquisa utilizados para atingir os objetivos aqui propostos, e relatei os
instrumentos de pesquisa. Todos estes aspectos estão dirigidos para o esforço de
esclarecer a cultura esportiva das práticas de aventura e risco na natureza, no contexto
dos grupos estudados.
Para desenvolver uma análise comparativa dos respectivos grupos, apresentarei
as descrições etnográficas de cada grupo, aprofundando a compreensão da realidade
estudada, e esclarecendo as razões de estudar essas equipes no contexto de uma
investigação que quer abordar a “cultura” da corrida de aventura.
O texto a seguir está dividido em quatro partes principais: a primeira, relaciona-
se com a descrição geral das corridas de aventura, a segunda, destina-se às equipes
acompanhadas, a terceira está focada nas provas que foram estudadas e acompanhadas
por mim, e a quarta destaca alguns dados relacionados a duas modalidades e a história
dessas competições. Além das informações coletadas em campo, alguns trechos dos
diários de campo e das entrevistas foram acrescentados para evidenciar a realidade
estudada.
3.1 A Corrida de Aventura
Era quase 1 hora da manhã quando terminei meus últimos
preparativos para a corrida. O despertador irá tocar às 3h e
30 min. O corpo está agora esticado sobre a cama numa
tentativa de relaxar os músculos, que serão muito exigidos
daqui a algumas horas. Nesta hora não existe sono, o corpo é
tomado pela ansiedade da antecipação, pela angústia, pelos
medos e pela curiosidade do que está por vir. Uma forte
energia parece tomar conta do corpo e da alma, mas esses
sentimentos são sentidos com prazer. Na hora em que o
relógio despertar, não existirá mais lugar para o medo,
porque agora o imaginado se tornará real, o risco verdadeiro
se fará presente para poder vencer os desafios da aventura.
Foram estas as palavras que escrevi para tentar transmitir os momentos que
52
antecediam a terceira corrida de aventura que eu participava, anotadas com o lápis num
papel. Em forma de diário, isso foi escrito no momento em que me esforçava para que
meu corpo descansasse. Precisava repor minhas energias, dormir, nem que fosse por
alguns minutos, e confesso que o máximo que consegui foi pensar em nada por alguns
instantes, o que já foi bastante.
Essa prova (segunda prova que participei como atleta) fez parte de um circuito
de corridas de aventura do RS, uma pequena “amostra” se comparada às grandes
competições como o Ecomotion Pro, uma das provas mais longas e difíceis das
inúmeras provas das modalidades de Adventure Racing”, que tiveram início no final
dos anos 80.
No Ecomotion Pro 2005, vinte e quatro horas por dia, os atletas avançaram sob
grandes dunas à beira-mar, atravessaram lagoas, corredeiras, e tiveram que subir e
descer algumas vezes os canyons da serra gaúcha. Lugares de natureza exuberante e
selvagem, ainda pouco explorados. O palco está montado para o espetáculo. A corrida
iniciou quatro dias e a espera começa. O primeiro colocado ichegar nos próximos
instantes. Não se sabe quem, pois muitas equipes não irão nem concluir a prova. O
último poderá levar dias (no caso desta corrida, foi permitido no máximo sete dias para
concluir o trecho).
Grandes outdoors anunciam patrocinadores, televisão, fotógrafos, últimos
lançamentos da moda em roupas de aventura, equipamentos de última geração. Na
chegada, os competidores trazem estampada a marca do sacrifício: arranhões, bolhas, o
corpo tomado pelo barro e a barba por fazer demonstram o tempo passado longe da
civilização. Um extremo cansaço é visível. Mas um olhar mais detalhado consegue
captar em meio a tudo isso um toque sutil de beleza, cabelos com trancinhas, curvas
salientes e o rosa sobressaindo às indumentárias. Em todas as equipes existe pelo menos
uma mulher, mas não há espaço para “sexo frágil”. Tudo isso é a grandiosidade do
reencontro com quem superou ou tentou superar mil obstáculos!É o “Gran Finale”.
Mas acorrida inicia antes, começa com a inscrição
33
e a verificação dos materiais
obrigatórios
34
. Após a checagem de equipamentos, existe o Briefing
35
. É o primeiro
33
Ver ANEXO 3. As inscrições que realizei no Famastil Adventure foram inspiradas nas inscrições das
corridas comuns.
34
Ver ANEXO 4, em que constam os materiais obrigatórios para a corrida da Famastil. São os mesmos
materiais exigidos nas corridas nacionais, exceto os equipamentos relacionados às modalidades, que
necessitam, por exemplo, de bóias (para o bóia cross), remo, patins, etc.
35
Briefing é uma reunião que antecede a prova, em que todos os competidores devem estar presentes. É
neste momento que a organização apresenta a corrida para os competidores e esclarece dúvidas quanto a
53
momento em que todos os atletas estão reunidos, e onde se conhece alguns detalhes
importantes da prova. É o instante em que a curiosidade e a ansiedade do que está por
vir começam a ser sentidas com maior intensidade. É um momento de muita tensão. Os
olhares concentrados entre os atletas expressam certa desconfiança, tentam
“radiografar” quais equipes estão presentes, quais estão desfalcadas ou com atleta novo,
enfim, quem são as favoritas. Existe uma atenção especial para aquelas mais
conhecidas, que estão na disputa pelo rank, ou que vêm se destacando nas últimas
provas. Sempre que aparecem equipes de fora (fora do estado ou estrangeiras
geralmente Uruguai, nas provas do Sul do Brasil), ou equipes uniformizadas com
patrocínio conhecido estampado na roupa, estas recebem algum destaque.
As equipes são chamadas à frente, geralmente num palco, para receber o
material (mapas, camisetas, adesivos com os números para carro de apoio, para as bikes,
para os capacetes, etc). Nesta hora, as atenções estão todas voltadas para os atletas que
são chamados. É nesse momento que se conhece o nome das equipes
36
, um aspecto
interessante de ser observado. Esse início de competição é muito marcante. É a primeira
dose de adrenalina
37
, de emoções fortes, excitação. Elias e Dunning (1992), destacam
que existe “grande prazer na excitação proporcionada pelo jogo e pela diminuição das
restrições” (p.176-177), referindo-se as atividades de lazer. Nas corridas de aventura, as
restrições durante a prova são mínimas, e a excitação provocada pela prática torna-se
visível mesmo antes de começar a corrida. É nessa hora, quando as equipes estão todas
reunidas na presença de amigos e familiares, que os atletas ficam agitados e nervosos,
mas abraços e sorrisos são o que não falta. Os autores complementam, afirmando que:
as pessoas esperam das suas atividades de lazer não só, como
muitas vezes se afirma, ‘relaxação’ mas antes estimulação e
alegria(...) neste tipo de atividade de lazer as pessoas procuram um
despertar emocional agradável e excitação, em resumo, a produção
de tipos específicos de aumento de tensão em companhia dos
outros (idem, p.182).
prova. São entregues os mapas e o restante do material para a corrida.
36
Para exemplificar, destaco alguns nomes da última corrida do Desafio dos Espigões, que ocorreu em
Setembro de 2006. Alguns nomes são estranhos e curiosos (Quanto Pior Melhor, Lesma Louca, Brigada
Militar Bombeiros), outros são relacionados com região da prova ( Coração do RS, Chimarrão, Pampa
Sul, Minuano), e outros com a Fauna e Flora da região (Guará, Aguapé, Saracura Anfíbios e Lobos da
Serra).
37
Este termo é muito utilizado pelos praticantes destas modalidades. A adrenalina é um hormônio
produzido pela parte medular das glândulas supra-renais e tem numerosos efeitos no organismo
(circulatórios, metabólicos e outros).
54
As equipes na “vitrine”, em meio aos gritos da platéia, são observadas por seus
uniformes, porte físico, apoio e alguma outra coisa que possa chamar a atenção. Em
suma, é neste momento que começa a corrida.
Depois de uma noite árdua, geralmente com poucas horas de sono, ansiosos, por
ficarem até tarde estudando o mapa e elaborando estratégias, tomam o último café da
manhã, com as comodidades da vida moderna (mesa, xícara, prato, comidas quentes,
talheres, banheiro...). A roupa ainda está limpa e seca, e eles imaginam quando será a
próxima refeição.
Os participantes partem para o local de largada, onde geralmente forma-se uma
“serpente de fogo”
38
, uma fila enorme de carros de apoio levando os atletas e os
equipamentos para o local onde será iniciada a corrida, que pode ser uma trilha no meio
do mato, uma estrada de chão, um vale ou numa praça da cidade local. Pode variar
também a modalidade do início da prova. A largada pode ser em qualquer modalidade
de aventura, a pé, de bicicleta, de caiaque, ou até mesmo de rapel, como ocorreu na
prova do Ecomotion Pro 2005.
Na largada, os minutos que antecedem à prova são repletos de energia,
ansiedade e nervosismo. Alguns se alongam, outros olham o mapa. Existem pequenas
discussões entre membros da mesma equipe e algumas “conversas de compadres” entre
os que estão mais calmos. Cerca de duzentos atletas aglomeram-se em volta do arco da
largada. Algumas vezes estão montados em bicicletas, disputando os lugares da frente,
outras vezes a pé, no empurra-empurra. Usando roupas coloridas e mochilas carregadas
de equipamentos e alimentos, esperam ansiosos à contagem regressiva. Alguém da
organização grita “DEZ”, e todos começam a gritar: 9, 8, 7, 6, 5, 4, 3, 2, 1, e o sinal da
largada é acionado. A gritaria é geral. As pessoas que assistem à largada ficam
emocionadas e arrepiadas, é visível a emoção. Os atletas partem para a aventura, nesse
momento a adrenalina está pulsando nos atletas, o batimento cardíaco acelera, a
“emoção” se faz presente.
Os passos são em direção ao próximo PC/AT. As melhores equipes começam a
se distanciar das menos preparadas, impondo o ritmo de prova: “(...) Nosso combinado
38
Designei como “serpente de fogo” a carreata, que geralmente ocorre de madrugada, quando os carros
seguem o veículo da organização. Todos andam com a sinaleira vermelha e o pisca alerta ligado.
Algumas vezes, também utilizo este termo para falar do momento da largada, quando acontece à noite,
em que os atletas, independente da modalidade (bike, trekking, caiaque,...), saem todos juntos, e, em
seguida, formam uma espécie de fila. A “serpente de fogo” acontece porque quando a largada é a noite, os
atletas são obrigados a utilizar as estrobos (luzes obrigatórias, uma para cada atleta, que pode ser presa na
mochila, no corpo ou em qualquer outro equipamento) ligadas.
55
é largar dando tudo (...) então nós vamos dar o máximo até aquele PC, quando chegar
naquele PC, vamos dar o máximo até o próximo, e se alguém tiver pior, tu puxa, e aí um
vai puxando o outro” (Amanda).
Aos poucos, as equipes começam a colocar em prática suas estratégias. Muitas
entendem que andar com uma equipe na frente pode atrapalhar, por isso geralmente
largam forte para, o quanto antes, estarem à frente. É o que demonstra o atleta da
Caverá: “Procuramos estar em algum momento na frente da corrida. Para não ter
nenhuma influência de outra equipe na hora da orientação (...) se tiver alguma saída da
estrada, a gente entra, para as pessoas que vêm atrás não verem que nós saímos da
estrada...”(Heitor).
A estratégia se parece, em alguns fatores, com a estratégia do navegador da
equipe Buff Nike ACG: “Gostaria que estivesse chovendo nos primeiros dias, que daí
existiria uma seleção natural, e depois, tempo bom, e poderíamos fazer uma boa corrida
com os melhores, sem que eles nos atrapalhassem ...”(Benjamin).
Aos poucos, os duelos começam a ser formados, pois a disputa pelos primeiros
lugares tende a ser acirrada, principalmente no começo da prova, quando os atletas
ainda estão descansados. As equipes, ao se dissiparem, começam a formar diferentes
grupos. O primeiro escalão é formado por equipes mais competitivas, que possuem mais
experiência e estratégias bem definidas. O outro escalão vem num ritmo mais lento, mas
também é competitivo. Geralmente nos primeiros PC`S o segundo grupo anda muito
próximo das primeiras equipes. O pessoal que vem atrás se preocupa mais em acertar o
percurso e adquirir experiências nesse tipo de prova. Conversam com outras equipes
sobre o trajeto, o melhor caminho, e se este está correto ou não. Trocam alimentos,
ajudam uns aos outros, e muitas vezes andam por um determinado percurso em grupo,
como se fossem apenas uma equipe.
Decorrente da minha imersão no campo de estudo, foi possível fazer uma
classificação dos atletas em quatro grupos distintos. Existem os “feras”
39
, que são
aqueles praticantes das modalidades de aventura com bastante experiência e com papel
bem definido dentro de sua equipe. Podem competir por outra equipe, geralmente como
convidados de uma corrida em que a sua própria equipe não vai estar presente. Possuem
um grande condicionamento físico e conhecimento das técnicas. Geralmente são
especialistas em alguma modalidade. Competem nas provas curtas e longas, e possuem
39
“Os feras” é uma expressão “nativa” para designar as melhores equipes, os mais habilidosos ou os mais
experientes.
56
expectativas quanto aos resultados. Participam de todas as provas que puderem, sejam
elas regionais, nacionais ou internacionais.
Outro grupo, os “medianos”
40
, são atletas que podem ou não ter bastante
experiência nas modalidades, mas que possuem um bom conhecimento de algumas das
técnicas exigidas. Geralmente concluem a prova (chegam ao final), mas suas
expectativas são mais direcionadas para a conclusão da prova do que para o resultado.
Caso pertençam a uma equipe definida, dificilmente competem por outra. Mas, se não
fazem parte de nenhuma equipe, tentam formar uma, e não apenas entrar em outra
como substituto de um atleta em determinada corrida. Seu condicionamento é regular ou
bom, mas, como fazem parte de uma equipe, pode haver outros integrantes que não
possuem o mesmo condicionamento físico, influenciando no desenvolvimento durante a
prova. Geralmente competem nas provas regionais ou nacionais, o que não os impede
de participar de uma prova internacional, principalmente se ocorrer perto da região onde
vivem.
O terceiro grupo, os “circulantes”
41
, é constituído por aqueles atletas que não
possuem uma equipe, mas que conhecem bem as técnicas e modalidades das corridas. Já
possuem experiência, mas como essas corridas exigem um trabalho em conjunto, por
algum motivo eles não permanecem por muito tempo nas equipes. Muitas vezes
colocam-se à disposição da organização para serem encaixados em uma equipe que
estiver desfalcada (precisar do quarto atleta), ou, muitas vezes, conhece sua equipe pela
internet
42
, através da publicação eletrônica de um pequeno currículo. Podem participar
de qualquer corrida (regional, nacional e até mesmo internacional). Como as exigências
para a participação em uma corrida internacional são maiores, as equipes geralmente
estão formadas e treinam um bom tempo juntas, o que dificulta, de certa a forma, a
participação deste tipo de atleta em tais competições. Para exemplificar, apresento, na
íntegra, a nota publicada na internet por um atleta que busca uma equipe para competir:
40
Expressão apropriada por mim para designar atletas menos experientes, que possuem um grau de
conhecimento razoável.
41
Expressão que irei utilizar associando ao fato destes atletas circularem/mudarem constantemente entre
as diferentes equipes.
42
Estas provas (regionais, nacionais e internacionais) utilizam muito a internet. Além da divulgação, as
inscrições são praticamente todas feitas via email, assim como as regras, o termo de compromisso, o
termo de responsabilidade, as modalidades que serão exigidas durante a prova e a listagem dos
equipamentos obrigatórios. Neste site existem alguns espaços para divulgação de fotos das provas
anteriores, espaços para recados, dicas de hospedagem, e um espaço para atletas que estejam atrás de uma
equipe para participar da corrida, ou equipes nas quais está faltando algum atleta.
57
ATLETA PROCURA EQUIPE
Fiz algumas provas no período de 99 até 2002 e então dei uma parada por motivos
profissionais. Mas já fiz algumas boas provas, um EMA grande, umas outras 3 provas médias
(200-300km) e algumas pequenas. Pratico mountain bike desde muitos anos (6-7), mas
sempre pedalei, corro freqüentemente (participei a pouco de uma prova em Camburiú de 18
km) e já remei muito, embora agora esteja um pouco parado na canoagem (mas tenho
surfado, que ajuda)
Trabalho como piloto de helicóptero, o que me ajuda um pouco na navegação (não muito
mas ajuda), e tb tenho experiência como navegador. Posso desempenhar o papel tranqüilo.
Enfim, tenho condições de fazer uma boa prova, já corri com gente que anda bem, mas estou
disposto apenas a fazer a prova com pessoas que estejam afim de dar o máximo de si, com
um ambiente legal na equipe.
Meu tel ainda é do Rio (onde eu morava), mas em breve terei um tel de Santa Catarina, onde
vou morar.
(oo) 0000-0000
E-mail:xxxxxx@xxxx.com.br
valeu, abraço,
XXXXX
Obs: contatos direto com o atleta
www.atitude.tur.br/ecoatitude
2004 CIRCUITO ECOATITUDE
AT!TUDE Ecologia&Turismo
Por fim o grupo dos “novatos
43
”, constituído por aqueles atletas que geralmente
formam suas equipes de última hora e não possuem nenhuma experiência sobre as
provas. Podem ter bastante conhecimento de algumas modalidades, mas não têm um
conhecimento mais profundo do funcionamento da corrida. Na maioria dos casos não
concluem as provas. Conhecem as corridas pelos meios de comunicação, por algum
amigo que participou ou somente ouviu falar da corrida. São os mais nervosos e
ansiosos, e não possuem uma estratégia definida. Esta geralmente se limita a seguir a
maioria. Não apresentam grandes expectativas quanto ao resultado, e participam, na
maioria das vezes, apenas das corridas curtas, sobretudo as que ocorrem na redondeza
de onde moram.
Isso não quer dizer que em uma mesma equipe não possam existir diferentes
tipos de atletas. Nas quatro corridas que participei, dois atletas (eu e meu primo) se
mantiveram na equipe durante as quatro provas, e uma atleta (menina) em três. Apesar
da equipe repetir a formação nas duas últimas provas, pertenço ao grupo dos
medianos e não nos circulantes.
43
Nome por mim escolhido para representar os atletas sem experiência.
58
Esta pesquisa está focada no primeiro grupo, em que os atletas são competitivos
e procuram estar entre os primeiros. Entretanto, se observarmos, dependendo da corrida,
uma equipe pode mudar de grupo. Foi o que ocorreu com a equipe Ratos de Trilha ao
participar do Ecomotion Pro 2005, ou seja, nas provas nacionais eles estão entre os
primeiros na disputa pelo pódio, mas na corrida internacional eles enquadram-se no
último grupo, onde os objetivos limitam-se a conseguir completar a prova.
Nas provas pequenas (de um dia), não é raro encontrar no último grupo equipes
que não tenham nenhuma experiência nas corridas, e o que pode ser curioso e ao mesmo
tempo preocupante é que não é difícil encontrar um atleta que nunca tenha praticado
alguma das modalidades exigidas durante prova. Ao realizar uma caminhada
44
com as
equipes de corrida de aventura, pude observar como é comum ocorrer essa situação:
a primeira vez que eu participei de uma corrida era um outro
colega que fazia orientação. Mas ele não sabia. Na largada a gente
nem sabia para onde ir... a gente seguia os outros ...houve uma
corrida em que nós perdemos o mapa, a gente tava quase perdido,
então, no meio do campo, vimos uma equipe correndo e fomos
atrás... quando chegou no PC, eles desistiram, então nos deram o
mapa deles e pudemos acabar a prova...(Vinil).
Depois de algumas horas de prova, muitas equipes ficam isoladas, sem contato com
os outros competidores. Quando chegam em algum AT, elas encontram os apoios. É o
momento de saber a colocação da equipe, há quanto tempo estão distanciados das
outras, reabastecerem a comida, bebida e outros suplementos, fazer curativos nos
ferimentos e outras providências que julguem necessário. Nessas transições também
existem estratégias bem definidas. Na corrida do Ecomotion Pro 2005 tinham 35 PC´s.
Os atletas da Buff tentaram ficar o menor tempo possível em cada transição: “Vamos
ficar o mínimo possível em cada PC. Por que se for calcular, cinco minutos a mais em
cada pc, no final são algumas horas, o que pode ser decisivo na prova ...”(Emma Roca).
Ao final desta corrida, depois de quase quatro dias, a diferença entre a Buff Nike
ACG e a segunda colocada era de aproximadamente 1 hora e 40 min., o que demonstra
a eficiência da estratégia adotada pela equipe.
Algumas equipes aproveitam o apoio para descansar um pouco, fazer
alongamento e estudar o mapa. Outras preferem perder o menor tempo possível e fazer
tudo correndo. O apoio auxilia até na hora de comer, dando comida na boca, amarrando
44
Fui convidado para participar de uma caminhada em que estariam reunidas várias equipes de corrida de
aventura, foi em 4 junho de 2005 – caminhada de Tainhas (RS) à Praia Grande (SC).
59
o tênis, ajudando a colocar uma roupa seca.
Os apoios são peças fundamentais nas corridas. As equipes dependem deles
durante toda a prova. Além dos apoios terem que chegar a tempo e encontrar o lugar
correto dos PC’s demarcados pela organização, eles têm que preparar o local onde vai
ser realizada a transição. Isto significa preparar um toldo, se tiver chovendo, arrumar
iluminação, se for à noite, colocar todos os equipamentos a vista, as roupas, fazer a
comida, reparar, lubrificar e regular as bicicletas quando necessário, preparar os barcos
ou bóias, ou seja, dar condições para que as equipes prossigam na competição sem
perder tempo e assim economizar energia. Ao recebermos instruções, antes do início da
corrida, fomos solicitados a dar comida na boca de Benjamim durante a transição
(PC/AT), porque, por ser ele o navegador
45
e ficar muito concentrado no mapa, seria
possível que ficasse algumas vezes sem comer. Tivemos que ter este cuidado inúmeras
vezes durante a prova, mas parece ser de “prache” esta atitude para a equipe, como
Emma assim reconhece:
Como sempre, Benjamim é o orientador , que sofre maior pressão
na corrida e que devemos cuidar mais, é uma pessoa que em todo
momento tem que estar atento ao Mapa, temos que vigiá-lo para
que coma, beba, que não gaste mais energias para que não faça
falta a ele (...).
Essas corridas ocorrerem num contexto competitivo, e são realizadas em
equipes. É exigido que para avançar de um PC para outro as equipes estejam completas,
ou seja, não adianta um atleta chegar antes de seus companheiros em um PC, porque ele
poderá seguir sem desclassificar sua equipe no momento em que todos estiverem
juntos. Ter habilidade e destacar-se em uma modalidade não representa muita vantagem
se não existir um conjunto, pois todos terão que realizá-la e completá-la. Também
existem muitas decisões a serem tomadas durante a prova, e muitas vezes devem ser
discutidas e acordadas pelo grupo. Spink (2003), ao referir-se a este aspecto, destaca um
fator de suma importância e, de certa forma, curioso:
45
É nome dado ao atleta responsável em conduzir a equipe durante a corrida. É ele quem olha o mapa e
estabelece qual vai ser o melhor trajeto. É o único que não descansa nunca. o pode se descuidar, deve
sempre estar observando o mapa e olhando ao redor. Tem que saber sempre onde estão. Se errar, a equipe
pode se perder e não conseguir mais voltar para a competição.
60
O espírito de equipe manifesta-se também na habilidade de tomar
decisões de forma democrática; uma espécie de liderança às
avessas que faz com que justamente as equipes de militares,
provenientes de tropas de elite, tenham péssimo desempenho (p.2).
A questão destacada está relacionada ao trabalho em equipe. Esta é uma
competição em grupo, em que as tarefas devem ser divididas e todos devem se ajudar,
contrariamente a dinâmica militar, em que um é responsável pelo pelotão inteiro, e o
que ele decidir “está decidido”! Além disso, dentro de uma equipe existem divisões de
papéis bem definidos, como pode ser verificado na crônica de Emma:
Shane nos enseñó como portear los caiacs con las cuerdas de
seguridad y avanzamos muchísimo en los tramos de porteo. Era el
crac de las actividades de agua. David era el de la bici, Benja el del
mapa y yo aguantaba como podía, siempre con la moral alta y
apretando los dientes… (Emma).
Geralmente, um dos atletas é o navegador oficial. É ele quem estuda o mapa
durante a prova e escolhe o melhor caminho. Às vezes, pode compartilhar com a equipe
alguma decisão a ser tomada. Seu papel é fundamental, pois muitas vezes um erro
mínimo pode desclassificar a equipe ou acarretar a perda de algumas colocações. Existe
o capitão da equipe, que deve assinar a passagem da equipe em cada PC. Em alguns
casos o navegador é o capitão. Pude observar que muitas equipes utilizam a seguinte
estratégia: o navegador segue na frente da equipe com o mapa e é incomodado o menos
possível, pois sua concentração tem que ser constante. Os outros dois atletas ficam
responsáveis por ajudar a “mulher
46
da equipe. É comum terem nas bicicletas um cabo
preso na parte de trás para rebocar outra bicicleta, ou mesmo auxiliar empurrando pelo
banco. No trekking muitos empurram pela cintura ou colocam a fita utilizada na
escalada entre dois atletas, puxando o que está atrás. Outras estratégias são muito
utilizadas, como carregar a bike para o companheiro numa subida muito íngreme ou
levar a mochila quando o colega está muito cansado. A exaustão é o grande que
alguns gramas fazem diferença no rendimento. A cooperação torna-se fundamental
quando competimos em equipe, principalmente quando os esforços exigidos estão muito
próximos aos limites individuais. Para colocar em evidência estes fatores, destaco um
trecho da entrevista de Emma, em que ela fala de Shine e David:
46
Digo mulher, porque, na grande maioria das vezes (praticamente todas equipes), utilizam-se desta
estratégia. Entretanto, todos tendem sempre a ajudar o que estiver mais debilitado. Outro fator
interessante, que se diferencia desta realidade, é que uma das melhores equipes nacionais é composta por
três mulheres e um homem.
61
Quando necessitávamos que alguém fechasse as porteiras, ele
fechava, quando tinha que tirar peso da mochila, entregava para ele,
entre ele e David, também fez muito este papel de me ajudar,
também na bici, formou um pouco do apoio, ao complementar-se a
mim, a pessoa mais debilitada fisicamente e para tentar colocar
todos a um mesmo ritmo(...)
Como as corridas de aventura são provas longas, que duram vários dias, o final
dessas competições é marcado pelo sacrifício, pela conquista e pela superação de
limites, algo que muitas vezes se torna agonizante. Para Huizinga (2001), existe uma
relação muito próxima entre a competição e esses sentimentos. O autor destaca que:
aqui uma união entre as idéias de competição, luta, exercício,
aplicação, resistência e sofrimento. Se nos lembrarmos que na
sociedade primitiva a maior parte das atividades agonísticas são na
realidade ‘agonizantes`, implicando severas provações tanto física
quanto espirituais ...(p.59).
Estas questões se estendem a todos os atletas que competem, independente do
escalão em que se encontram. Os primeiros buscam uma boa colocação e os últimos
tentam concluir a prova. Além do preparo físico para agüentar horas de competição, os
atletas são muito exigidos psicologicamente. Talvez este último fator explique porque
os atletas das melhores equipes do mundo, que competem em provas de 600 km ou
mais, têm em média trinta anos de idade, o que diferencia esta de outras práticas
esportivas que exigem muito do condicionamento físico. Muitas equipes se emocionam
ao cruzar a linha de chegada. Choros, gritos e abraços emocionados são muito comuns e
geralmente intensificados pela presença do público que espera na chegada, “o
sentimento de prazer ou de satisfação aumenta com a presença de espectadores, embora
esta não seja essencial para esse prazer” (HUIZINGA, 2001, p.57). Chegar ao final de
uma corrida, independente da colocação, depois de superar os desafios, passar fome,
sede, comer com a mão embarrada, os alimentos esmagados e molhados da chuva ou
dos rios que atravessaram, fazer as necessidades no mato, ter sentido angústia e passado
por atividades de adrenalina, resistir à vontade de parar em um PC e abandonar tudo,
manter a equipe unida e ajudar seus companheiros a dar ao máximo se si, são fatores
associados ao prazer de cruzar a linha de chegada. Atravessar o arco de chegada é como
se fosse um segundo batismo, uma forma de nutrir a alma e dizer: quero competir de
novo “Às vezes eu me pergunto por que eu gosto de fazer isso, por que a gente força, a
62
gente passa frio, a gente passa fome. Quando termina a sensação é inexplicável né”
(Amanda).
O trecho acima representa bem a complexidade do tema em questão. Entretanto,
acredito que sejam muitos os motivos que impulsionam os atletas a superarem os
obstáculos, como a competição, a superação de limites, ou mesmo motivados por um
espírito lúdico, como o autor assim reconhece:
A essência do lúdico está contida na frase alguma coisa em
jogo’. Mas esse ‘alguma coisa’ não é resultado material do jogo,
nem o mero fato de a bola estar no buraco, mas o fato ideal de se
ter acertado ou de o jogo ter sido ganho (Huizinga, 2001, p.57).
No caso das corridas, o simples fato de conseguir acabar a prova, chegar ao final,
depois de longos dias, e conseguir passar pelos desafios são levados muito a sério,
diferentemente de outras modalidades esportivas em que o foco principal é a vitória.
Além disso, saber que depois de todos esses esforços existirá um “retorno higiênico”, ou
seja, o competidor voltará às comodidades da civilização: comer bem e devagar, tomar
um banho com água quente, dormir em uma cama limpa e, principalmente, descansar o
corpo e o espírito. Tal é o que podemos apreender das palavras que encerram a crônica
escrita pela capitã da equipe Buf Nike ACG:
Yo sólo llegar al hotel me puse debajo la ducha durante más de
20minutos y casi me duermo. Cuando me estiré en la cama ya
limpia y aseada casi no me lo creía. Como se valoran los pequeños
detalles de la vida cotidiana después de 3 días sin dormir,
comiendo mal y sin parar de caminar, pedalear, remar, ... pero
valió mucho la pena! (Emma)
Em linhas gerais, neste capítulo, descrevi as corridas de aventura com o objetivo
de apresentar o contexto em que essas provas estão inseridas, situando o leitor no
universo estudado.
63
3.2 As Equipes....
3.2.1 Equipe Caverá
O que significa ganhar?
Ganhar significa superar, superar a tudo. Superar
dor, superar frio, às vezes superar as outras equipes
também, né, faz parte também do jogo, da corrida.
Mas é aquela sensação de vitória, de tu se sentir
bem no final. Pô, conseguimos fazer tudo, navegar
bem, e acabar a prova bem, e a gente chegar
inteiro, e é muito bom (Jean).
A equipe Caverá foi formada para participar da primeira prova feita no RS,
organizada pelo EMA (Expedição Mata Atlântica) em 2001. A vinda dessas corridas
para o Sul do país estimulou o crescimento e a popularidade das provas. Desde então,
dois de seus atletas sempre foram os mesmos, Heitor e Jean, entrevistados neste estudo.
A pesquisa que aqui desenvolvo, está focada principalmente no estudo etnográfico dessa
equipe, (por considerá-la com grande riqueza para este estudo).
Além de ser considerada uma das melhores equipes gaúchas por muitos atletas, o
vínculo com as atividades de aventura não se limita apenas às corridas. Seus integrantes
não são apenas competidores, eles organizam uma prova anual, Desafio dos Espigões,
promovem passeios/caminhadas no meio natural com atletas e simpatizantes, possuem
uma loja de equipamentos de esportes de aventura e são fundadores de um grupo de
orientação. Todos esses fatores demonstram o envolvimento desta equipe com essas
modalidades, além de estarem ligados de forma direta com o universo cultural da
aventura que forma este estudo. Outro fator que influenciou minha escolha remete à
acessibilidade e proximidade com este grupo (além de morarem na cidade de Caxias do
Sul, próxima da cidade onde moro, tínhamos alguns amigos em comum).
A equipe, durante bastante tempo, foi considerada a melhor equipe do RS,
vencendo muitas provas. Entre elas, o circuito Ecoatitude, maior circuito do Sul do
Brasil. Um de seus atletas, Jean, participou de uma prova no exterior, na Suíça, uma
das grandes corridas que fazem parte do circuito internacional. A Caverá foi a décima
colocada no Ecomotion Pro 2005, a primeira equipe gaúcha acabar a prova, ficando
64
atrás apenas das equipes internacionais e de duas equipes nacionais. Apesar de
ganharem alguns prêmios e já terem conseguido algum tipo de patrocínio (tinham
patrocínio da Mormaii
47
), destacam que ainda não ganharam dinheiro nessas provas: “A
gente ganhou mas para cobrir despesas assim né. Agente teve premiação em uma,
mas dava para cobrir as despesas e não sobrava talvez para uma janta” (Jean).
Antes de participarem dessas corridas, eles conheciam as corridas de aventura
pela mídia, através da televisão e revistas, como Heitor mesmo destaca:
Ah! corrida de aventura a gente assistia às competições
internacionais no discovery channel, do canal dicovery, o eco
chalenger, especificamente o ecochalenger. A gente viu algumas
edições e nós imaginávamos assim, na verdade, nós não
imaginávamos, mas era tão energia, adrenalizante, assim, só de
estar olhando e acompanhando os atletas passarem por aqueles
tipos de obstáculos naturais né, e que a que, a que a pouco com o
advento das cor. Av. aqui no Brasil, principalmente me Canela e
Gramado, que aconteceram em 2001 ou 2002, próximos da gente,
foi o que precisou pra gente entrar no esquema.
Entretanto, a relação deste grupo com as atividades no meio natural é de longa
data, pois são integrantes do Clube de Orientação (CO) TRAMONTANA, ou seja, antes
de competirem nas corridas de aventura, competiam nas provas de orientação, que
também são feitas no meio natural e são competitivas, que realizadas
individualmente. Esta modalidade (orientação) é o ingrediente fundamental para a
participação nas corridas, podemos destacar, sem generalizar, como a modalidade mais
importante das corridas. Os aspectos de similaridade entre as provas de orientação e as
corridas serão desenvolvidos no tópico destinado às explicações da Navegação (nome
dado à orientação colocada em prática).
O clube referido é uma sociedade civil de caráter esportivo, recreativo,
educacional, cultural, voltado para a prática de Orientação e outras atividades afins, bem
como a defesa e conhecimento do meio ambiente, e não visa fins lucrativos. Ele foi
fundado em 04 de julho de 1994 por atletas praticantes de Orientação da cidade de
Caxias do Sul, Rio Grande do Sul, o que revela anos de experiência nessas atividades.
Heitor Ângelo Bianchi e Jean Carlo Finkler são, respectivamente, o presidente e o
tesoureiro.
47
Mormaii é uma empresa de equipamentos de esporte, especializada em equipamentos de surf. A ajuda
que eles davam para a equipe Caverá era em equipamentos, como roupas de neopreme (roupas para
agüentar baixas temperaturas na água), óculos, jaquetas, camisetas de lycra entre outros.
65
Segundo eles, o interesse por essas atividades surgiu da união das modalidades
de aventura, orientação e o contato com a natureza. Quando questionei por que se
inseriram nas corridas de aventura, Jean destacou esta relação de forma bem clara: “Por
que juntava o jogo na natureza, que é orientação, juntava navegação com atividade
física e paisagens muito bonitas, que agente nunca vai ver de outra forma se não
participando de eventos desse tipo”.
Além de atletas, os dois são sócios em uma loja: GUENOA APETRECHOS
PARA AVENTURA. Trata-se de uma loja especializada em artigos para esportes de
aventura e risco, fator que facilita muito o acesso a equipamentos para as modalidades e
influencia no custo de aquisição de utensílios de alta qualidade. Possuem uma boa
estabilidade econômica e um carro, considerado o mais adequado para o apoio de quem
participa deste tipo de prova, um Land Rover. Toda essa estrutura influencia no
rendimento do grupo, mas não é fator determinante, temos que ir mais além.
Eles também organizam uma corrida de aventura, O Desafio dos Espigões,
corrida de excelente nível técnico em que participam as grandes equipes do sul do país e
algumas internacionais, mais especificamente do Uruguai.
A preocupação com o meio ambiente é fácil de perceber, e está inserida no
discurso dos atletas da equipe. Para demonstrar a relação que eles têm com o meio
natural, fator este que facilita no avanço da equipe em meio às matas fechadas, em meio
aos ambientes selvagens, que muitas vezes a natureza apresenta nestas provas, destaco
dois trechos das entrevistas:
e esta questão de envolvimento com a natureza, ver as coisas com
outros olhos, ver de uma forma diferente, estar mais presente, ver
problemas que a gente tem no nosso ambiente, não importa se é
urbano, se são áreas preservadas, mas a gente coisas que agente
sempre nota que o ser humano influencia muito, que o ser humano
interfere muito no ambiente, numa trilha, numa estrada, num rio.
Agente a poluição e que a gente tem que tomar atitude muito
diferente, isso eu acho que mexe mais com o ser humano quando
ele participa de esportes ao ar livre, né, a gente a poluição no ar.
São questões ruins de se falar, mas a gente tem que ter essa
consciência (Jean).
Uma das coisas que mudou sobre a maneira foi a minha
preocupação e o meu gosto pelo meio ambiente. Eu tava muito
integrado, e sempre gostei muito de mato, sou filho da floresta, mas
o fato de estar fazendo um esporte e a gente em contato
permanente durante a corrida e durante treinos com a natureza, me
fez perceber de uma maneira mais ampla o conceito de meio
66
ambiente, o conceito de preservar o meio ambiente, o conceito de
ver o ambiente natural não agredido, não modificado né, enfim, eu
acho que o principal foi esse aspecto assim,(...) (Heitor).
Apesar de muitos atletas que participam dessas corridas apresentarem
preocupação em relação à preservação da natureza e uma consciência nesta direção, eu
não vou entrar na questão relacionada à preservação do meio ambiente, pois
seguramente é um campo bastante discutível. As regras das corridas são bem claras:
todos são responsáveis pelo material que carregam, principalmente pelo lixo produzido.
Se alguém for flagrado jogando qualquer material na mata, a equipe estará
desclassificada. Mas acredito que nunca tenha participado de uma corrida em que não
encontrasse plásticos e outros materiais jogados pelos atletas. É certo que a maioria tem
cuidado com o seu lixo, mas é complicado controlar duzentos atletas pelo meio da mata.
A relação com a natureza também pode ser observada sob diferente enfoque, como o
atleta destaca:
...Mudou minha vida. Por que hoje eu tenho outra consciência
assim tanto de esporte, eu acho que os esportes não desmerecendo,
mas os esportes em áreas fechadas eles não mexem tanto com o ser
humano, com tudo, com o integral, assim integralmente falando,
não mexem tanto como o ser humano como (os praticados na)
natureza, ela sempre te apresenta alguma coisa inusitada, de
improviso de resolver na hora, problemas, questões que tu tens que
pensar rápido, de resolver,(...) sempre tem alguma coisa de
inesperado, que é muito interessante, (....) (Jean).
Essas questões constituem o conjunto de fatores que ajudam a entender a
complexidade dos elementos que estão ligados para a formação de uma boa equipe. É
claro que não podemos esquecer da preparação física. Mas a forma de treinamento desta
equipe também demonstra um quadro bastante curioso. Primeiro, pela facilidade de
horários, depois, pela questão da forma que costumam treinar, pois essas competições
exigem muitas vezes treinos longos, algumas vezes de mais de um dia. Para
exemplificar, destaco dois relatos com esta temática, um de cada atleta, em que
estabelecem relações com o lazer e o trabalho bastante interessante:
Eu penso mais, eu mais em competição, mais em treinamento, mais
nessas provas de corrida de aventura do que no trabalho. Então,
mesmo trabalhando eu to pensando no horário que eu vou sair para
dar uma corrida, no horário que eu vou treinar, na competição que a
gente está inscrito. Então eu consigo me organizar por que eu
67
tenho os horários bem flexíveis, eu posso sair do meu trabalho, da
loja ali, posso dar uma hora e meia de corrida, voltar tomar um
banho e voltar para a loja (Jean).
Cara, eu faço, a gente faz como atividade de lazer o nosso treino.
Eu não sei se ta certo ou não, mas o nosso treino normalmente são
momentos de lazer. A gente não sofre muito com o treino entendeu.
É um tipo de escolha nossa, assim, a gente costuma treinar levando
a família, levando amigo. A gente costuma praticar estes as
atividades da corrida com o espírito de lazer normalmente. Tem
momentos que a gente sai pra dar pegada, pra pegar o treino. Assim
em alguns momentos, a gente pratica as modalidades como forma
de treino, mas é muito de lazer. A gente pratica o esporte por que
nos dá prazer, como lazer, e a gente gosta de competição. São
coisas diferentes, e a gente, eu pessoalmente gosto disso das duas
formas, assim, gosto de passear e gosto de pegando também
(Heitor).
Todos os elementos apresentados neste tópico contribuem para destacar a
relação desses aventureiros com as práticas abordadas neste estudo, como influenciam
no seu cotidiano, no seu dia-a-dia. Tais fatores contribuem para a construção de seus
estilos de vida, que estão enraizados no universo da aventura. Todas as questões
apresentadas, relacionadas a esta equipe, serviram para descrever os motivos pelos quais
estabeleci realizar um estudo etnográfico com o grupo.
3.2.2 Equipe Ratos de Trilha
Eu acho corrida de aventura uma filosofia de vida,
sai um pouco do, da competição e tu leva isto
para a vida toda assim, espírito de equipe,
companheirismo, dedicação que tu tens que ter no
treino, na competição, eu acho que vai além, não
que os outros esportes não tenham isto, acho que
todos têm uma participação, mas , em particular, a
corrida de aventura é o esporte que eu mais gosto
(Mateus).
O primeiro fator que me chamou a atenção nesta equipe foi a imagem de
“Casulas” do grupo de aventura. Esta equipe também foi formada para o EMA, primeira
corrida de aventura do RS, que aconteceu em Canela, cidade de origem dos integrantes
68
da equipe. O grupo participou da primeira corrida com idade média de 15,5 anos, o que
o caracteriza como equipe mais jovem do mundo a participar deste tipo de prova, pois
até onde tenho conhecimento, nos outros países, não é permitida a participação de
atletas com idade inferior a 18 anos.
Estes atletas conheceram as corridas de aventura pelas informações advindas da
mídia (revistas, TV), como todos os outros entrevistados. Os dois atletas que investiguei
(Mateus e Amanda) fazem parte da equipe desde que foi fundada. A relação deles com
os esportes junto à natureza vêm de mais tempo, eram escoteiros, ou seja, já realizavam
caminhadas longas e outras atividades no meio do mato. Eles apontaram que já
contavam com alguns quesitos, como companheirismo, passar necessidades com pouca
infra-estrutura, trabalho em equipe, entre outros.
Além disso, Mateus já competia em montain Bike, que se caracteriza por ser uma
atividade de risco desenvolvida no âmbito competitivo. Esta competição também é
realizada no meio natural, mas diferencia-se por ser praticada individualmente e com o
trajeto todo demarcado. O atleta destaca algumas relações entre as atividades:
Porque eu era escoteiro já, aí eu queria um esporte que tivesse
relacionado com a natureza também, a corrida de aventura veio,
gostava de pedalar, participava de competições de montain bike,
aí , corrida de aventura veio (Mateus).
Trata-se de uma equipe modesta, que tem que se “agilizar/mexer” muito para
poder participar das corridas, pois não possui muita estrutura, como carro de apoio,
patrocínio, nutricionista e alguns equipamentos que não são essenciais, mas que
facilitam a “vida” dos atletas (mais de um par de tênis para aprova, sapatilhas para
pedalar, uma mochila para cada tipo de corrida, equipamentos mais leves, acessórios
para trekking, como bastão, etc). Outro aspecto importante, dentro desta temática, está
relacionado à idade, pois, como são muito jovens, ainda não possuem uma estabilidade
econômica. Dos quatro atletas da equipe, apenas um completou o grau. Um é
universitário, a menina da equipe faz um curso técnico, e o quarto integrante está
terminando o segundo grau.
Conseguem concretizar sua participação nessas corridas através de apoios,
pequenos patrocínios, e algumas outras estratégias criativas para arrecadar algum
dinheiro, como, por exemplo, rifas, pedem combustível nos postos de gasolina para
economizar no transporte, vendem camisetas (tentam conseguir camisetas com alguma
69
gráfica, conseguir a serigrafia, depois vendem os espaços na camiseta, e por último
vendem a camiseta), chá comercial (a equipe vai em confeitarias, tenta conseguir
alguma torta ou salgados, e monta um pequeno prato com um pedaço de torta e
salgadinhos. Depois vende, como um lanche, que eles entregam no trabalho. Na maioria
das vezes vão de bicicleta ou a para aumentar os lucros). Algumas outras estratégias
para obter algum lucro também podem ser tomadas, como descreve Mateus em um
trecho da entrevista:
De onde vem o recurso para participar destas competições?
- Ah!, esse é complicado. Desde que a gente começou a gente
nunca teve patrocínio fixo assim, agora esse ano é a primeira vez, a
gente sempre tinha uma prova, começava a ir nos lugares, assim,
que a gente conhecia mais, Canela ou Gramado e pedia apoio. A
gente nunca teve patrocínio, sempre apoio né, o cara dava 50 pila
aqui. A primeira prova que a gente correu fora do Rio Grande do
Sul que foi em Santa Catarina , a gente conseguiu 2.500,00 reais
em duas semanas, mas batemos de porta em porta, era 300 ,
outro deu 50 pila aqui, um deu 5 pila, um deu 15 pila, e agora a
gente fez um projeto para tentar esse patrocínio fixo né.
- Ta, mas vocês sempre conseguiram então, dinheiro para participar
através de patrocínios assim, de apoio?
- É mas sempre tivemos que tirar do bolso. Não teve nenhuma
prova até hoje, se teve das trinta que eu fiz, umas duas ou três
que eu corri sem tirar um pila do bolso. Ecomotion a gente tirou
R$2 000,00 cada um (Mateus).
Uma questão que me chamou a atenção, diz respeito à diferenciação que esta
equipe faz entre apoio e patrocínio. O apoio é uma ajuda de custo, sem compromisso,
em que a equipe vai de “porta em porta” pedindo um auxílio para as competições. Já os
patrocínios são valores pré-determinados, ou seja, a empresa tem o compromisso
mensal com a equipe. Para estabelecer uma diferença entre os valores e,
conseqüentemente, os benefícios, a equipe determinou uma forma de cotas:
COTAS VALORES
Cota Exclusividade R$ 2.000,00 mensais
Cota Ouro R$400,00 a R$700,00 mensais
Cota Prata R$250,00 a R$400,00 mensais
Cota Bronze R$100,00 a R$250,00 mensais
Cota Apoio R$50,00 a R$100,00 mensais
70
A equipe já esteve bem “ranquiada” no circuito Catarinense e foi campeã em
2003, na categoria iniciante do circuito “Paz na Terra”. O auge foi participar de uma
prova internacional, o Ecomotion pro 2005, em que foi a última equipe a completar a
prova, demorando seis dias para terminar o percurso. Com a desistência de muitas
equipes, sua classificação ficou na 34° colocação, na frente de muitas equipes
conhecidas no circuito nacional. Como estavam muito atrás dos primeiros colocados
(cerca de três dias e meio), receberam alguns cortes
48
, não podendo passar por todo o
trajeto da prova. Para participar do Ecomotion pro 2005 a equipe, por ser de uma das
cidades sede da corrida, conseguiu, através da prefeitura, a inscrição para participar da
competição. Esta taxa tinha o valor de cerca de U$ 2.500,00. O organizador do evento,
Said, após o contato com a prefeitura de Canela, acabou dando a inscrição, mas fez
questão de realizar uma reunião com os integrantes da equipe para verificar se eles
tinham condições de participar da prova, e se tinham conhecimento desse tipo de
corrida.
A Ratos de Trilha vem evoluindo, e apresenta um bom potencial, adquirindo
experiência, inclusive na maneira de competir:
Como se dá a relação entre vocês (atletas) durante a corrida?
Isso foi mudando bastante né, (...) no começo a gente não
conseguia se concentrar muito bem assim nas provas, a gente ia
indo he,he,he, daqui a pouco um estava contando piada, daqui a
pouco, hoje em dia, as últimas cinco provas que a gente fez, a gente
tá correndo bem concentrado, a gente quase não conversa, durante a
prova assim, a gente fala muito pouco, a gente fala o necessário,
(...), eles têm que ter confiança em mim, e eu tenho que passar
confiança, tipo uma vez a gente sempre ficava um perguntando:
tem certeza, tem certeza, isso acaba tirando a confiança do
navegador, se eu errar eles vão errar comigo, hehehe se eu acertar a
gente vai acertar junto também (Mateus).
Para demonstrar que essas considerações estão direcionadas para uma equipe
mais qualificada, destaco uma passagem da entrevista de Emma, que enfatiza
exatamente este ponto, da concentração e da confiança. “Bem, quando começa, a
48
Os cortes são estipulados antes das provas, no briefing. São determinados tempos limites para chegar
até um PC. Por exemplo, nas provas pequenas, em que a continuidade de um rapel é num vale
(canyonismo), se a equipe chegar depois do horário determinado, ela deve passar para outro PC ou ser
cortada da corrida. Isso acontece porque se está no final do dia e se a equipe descer, pode se perder.
Outra maneira de determinar um corte nas provas de expedição é quando a primeira equipe está mais de
48 horas na frente das outras equipes, ou seja, quem estiver 48 horas atrás da primeira equipe será
automaticamente desclassificada quando chegar no próximo PC.
71
estratégia de Buff é estar concentrada, e sempre falar tudo, falar, falar de tudo, nunca
guardar nada, e confiança, confiança em cada um de nós, e na equipe”.
Apesar da Ratos de Trilha não ter ganho o circuito do Rio Grande do Sul, está
entre as seis primeiras equipes do estado. Por serem muito jovens, os integrantes têm
potencial para estar entre os primeiros nos próximos anos. Segundo eles, ainda não
conseguiram ganhar algum dinheiro com as corridas, relacionando-se com as
premiações das provas, que muitas vezes são escassas nos circuitos nacionais,
“Consegues ganhar algum dinheiro com as corridas? Ainda não. Nunca ganhei nada.
investi por enquanto (Mateus)”.
Costumam levar o treino muito a sério, treinando todos os dias. Eduardo,
integrante da equipe, é formado em Educação física e pós-graduado em Musculação e
Treinamento de Força. É ele quem estabelece os treinos. Possuem uma planilha diária,
com uma folga por semana. Quando conseguem, treinam juntos, mas isso ocorre
principalmente nos finais de semana. Durante a semana costumam pedalar por voltada
cidade mesmo, que tem muitos morros. Para eles, o fruto da vitória vem do treinamento
e da sintonia da equipe:
O que achas mais importante para se dar bem/ ter bons resultados
em uma corrida de aventura?
- Treinar muito sério, nas provas, antes da competição, por que se
tu não treinar o adianta, não têm mágica né, navegação também,
treinar navegação antes também, e a equipe está sintonizada, tem
que estar em sintonia, a hora em um que quebrar, teve casos de
prova que um passou mal e deu né, ou outro (...) (Mateus).
O acesso a este grupo foi fácil, pois mantenho contato diário com um dos
integrantes da equipe. É impressionante o entusiasmo com que lidam com os treinos e
as provas. Motivação parece não faltar para esses atletas, mesmo que não consigam
ganhar a corrida. A prioridade é sempre concluir a prova e chegar o mais perto possível
dos primeiros.
72
3.2.3 Equipe Buff Nike ACG
49
Eu cada vez estou impressionado pela capacidade
do corpo a acertar o que lhe perguntamos com, sem
sono e também estou impressionado como se pode
esquecer a dor somente. A mim me cai a
sensação pela dor e a esqueço sempre e não sei
como é cada vez é uma surpresa de ver como
´podemos ah, como podemos ir, depois de três
noites quase sem dormir e comer poucas coisas é
sim, impressionante (Benjamim).
Não sei o que leva as pessoas a fazer, suponho o
que havíamos dito, viver uma experiência única,
estar em países diferentes, de estar em equipe , de
passar mal e de passar bem, e sobretudo aprender
mais sobre a força de ti mesma, e aprender muitas
coisas de teu corpo, de tua pessoa, de tudo
(Emma).
A Buff Nike ACG é uma equipe muito conhecida no circuito internacional, pois
venceram algumas das maiores e mais conhecidas provas do mundo. Em sua
composição consta uma variedade nas nacionalidades. Sua formação, na prova que
participaram no Brasil (Ecomotion pro 2005), era composta por dois espanhóis (Emma
e David), um francês (Benjamin) e um Americano (Shine). Segundo Emma, a capitã da
equipe:
Buff tem um coração que somos David, eu e Beijamin, e tem gente
que vai vindo em função de que corrida seja, (...), pode ser Shine,
também temos José agora, mas José deixou de correr, digamos que
a equipe está aberta e isto ajuda muito que nós não tenhamos que
fazer tudo, e que em certas/outras corridas se busca um especialista,
e isto está, está muito bom.
A equipe foi formada na década de 90 para participar de uma corrida muito
famosa que acontecia na Espanha. Inicialmente era uma equipe de mulheres. Com o
passar dos anos entraram os homens. Apesar deste grupo não ser fechado, os atletas
procuram competir sempre com a Buff. Entretanto, se por algum motivo sua equipe não
49
O nome da equipe, são os nomes dos patrocinadores. Buff, é um lenço sem costura, que tem muitas
utilidades durante a prática. Serve para proteger a cabeça do sol, pra proteger o pescoço do frio, proteção
de punho, e muitas outras coisas, como observei durante a corrida a Emma colocar no remo que tinha
quebrado. O outro nome Nike ACG (All Conditions Gear), que significa equipamentos para “todos os
caminhos possíveis”.
73
vai a alguma prova, eles aceitam o convite para competir com outros, como assim
reconhecem:
Eu comecei com a equipe Buff , comecei com uma equipe toda de
mulheres. E depois elas tiveram diferentes facetas da vida e
deixaram de correr, e eu segui com equipe de homens. Fomos
buscando homens que podiam correr com a Buff, e bem, sempre
estava a equipe Buff. (...). Quando a Buff não ia em uma corrida, e
outra me chamava, eu ia nessa, sempre que a Buff não ia (Emma).
O vínculo desses atletas com as atividades de aventura não se limita às corridas.
Todos (na formação que veio ao Brasil) fizeram outras atividades no meio natural ou
mesmo trabalham na área. Emma, além de ser atleta e capitã da equipe desde sua
criação (foi a fundadora da Buff), é bombeira e organiza uma corrida para mulheres,
que é muito conhecida na Espanha. É casada com David, outro integrante da equipe.
David é policial, mas trabalha com resgate na montanha, principalmente no inverno,
quando a colina está tomada pela neve. Ele tem que cumprir no mínimo duas horas de
treino por dia para seu trabalho. Como faz parte de sua profissão, é um especialista nas
técnicas de salvamento e modalidades de escalada.
Shine é engenheiro e vive na Nova Zelândia. Iniciou nos esportes junto à
natureza quando ainda era muito jovem. Praticava remo, e foi durante alguns anos da
seleção dos EUA de remo (Emma fala sobre isso na sua crônica).
O último integrante, Benjamin, trabalha com eventos na área de esportes de
aventura, principalmente com corridas. Aprendeu a navegação no exército, e
competia há bastante tempo nas corridas de orientação.
Este grupo diferencia-se dos demais que compõem meu estudo, por ser formado
por atletas de alto vel, que estão entre os melhores atletas do mundo. Possuem
patrocínios, são famosos, têm uma experiência de longa data, competem com freqüência
em provas do circuito internacional, como Ecochallenge, Southern Traverse, da Nova
Zelândia, entre outras.
Chegaram a participar de uma corrida no Vietnã, onde tiveram que assinar um
termo de risco específico, relacionado a bombas que ainda poderiam existir dos tempos
da Guerra: “eu a mais longa foi no Vietnã, sim, foram oito dias e 1.100 Km” (David).
Ganham dinheiro de patrocinadores, além de muitos equipamentos. Alguns, são eles
mesmos que testam e dão opiniões quanto a durabilidade, temperatura, utilidade, etc.
Juntam as notas de tudo para poder reaver o dinheiro com os patrocinadores. As
74
premiações, como a do Ecomotion Pro, quando ganharam U$35.000,00, são divididas
entre os atletas que competiram na prova, já que todos os custos são pagos pelos
patrocinadores. Se não ganham nenhuma premiação, não recebem nada em dinheiro, são
apenas ressarcidos dos gastos.
Ao saber que teria uma corrida internacional no Sul do país, fiz minha inscrição
como equipe de apoio. Fui escolhido pela Buff, porque ao responder um questionário,
escrevi que falava espanhol e inglês. Ao me informarem a equipe em que faria o apoio,
não tinha a menor idéia de quem seriam, nem o quão profissionais eram, nem se iriam
acrescentar algo ao meu estudo. Depois de convivermos alguns dias antes da corrida,
soube que a equipe era uma das mais famosas, e que a capitã Emma era considerada
uma das melhores atletas femininas do mundo. Para que se possa ter uma idéia do vel
de experiência desta equipe, vou destacar um fato curioso que aconteceu. Benjamim é
quem faz a navegação da equipe, é ele quem comanda o grupo. No primeiro dia, após
um almoço, estávamos muito cansados, então comentei que iria para casa. Benjamim
falou para não sair, para que descansasse ali, pois tínhamos que ficar o maior tempo
possível juntos para nos conhecermos. Teríamos que adquirir intimidade, fator muito
importante para que pudéssemos vir a entender as necessidades uns dos outros. Comecei
a perceber que estava lidando com atletas profissionais, que tinham muita experiência, e
algo começou a me preocupar bastante: minhas responsabilidades com aquele grupo.
Estavam dizendo que daquele momento em diante eu fazia parte da equipe, e que
estavam contando comigo:
sim, como Benjamin disse, uma corrida que tem assistência, é claro
que (o apoio) forma uma parte da equipe porque, se a assistência
não funciona bem, a equipe não pode levar tudo e inclusive pode
quebrar (David).
O acesso a este grupo foi muito bom. Aprendi da alimentação à estratégia da
equipe. Sempre foram muito acessíveis, andamos praticamente juntos os quatro dias que
antecederam à corrida. Fizeram questão de me falar sobre tudo, como deveríamos deixar
as comidas, como organizar as roupas e equipamentos, como proceder na assistência, e
uma aula de manutenção de bike me foi passada. Durante os quatro dias de prova, dormi
duas horas e perdi quatro quilos. Uma exigência física e mental, foi muito difícil
acompanhá-los, ou melhor, foi “duro” assistir e ao mesmo tempo participar de um
espetáculo. Após o primeiro PC, lideramos a corrida, ou seja, sempre fomos os
75
primeiros a chegar aos lugares, arrumar acampamento, achar as estradas, procurar água,
etc. Tivemos que entender na prática a frase que David falou, quando questionei sobre o
espírito de aventura: “eu creio que é enfrentar o desconhecido e solucioná-lo, ou seja, se
sair bem sem conseqüências, de uma coisa que não conheces”.
3.3 As Corridas em Estudo
3.3.1 Circuito Ecoatitude
Meu interesse em pesquisar as Corridas de Aventura iniciou após a participação
em uma prova deste circuito. Foi a II Corrida de Canela, em 2003. Fiquei
impressionado com o mero de atletas que estavam competindo, mais de 200 atletas
divididos em 53 equipes. Ao chegar no local de checagem de equipamentos, nunca tinha
visto tantas bicicletas juntas, tantas bóias (uma das modalidades era o bóia cross),
parafernália de equipamentos (coletes salva-vidas, roupas de borracha, mochilas, etc).
Também não imaginava o número de pessoas envolvidas, pois estavam presentes as
equipes de apoios, familiares, espectadores, e o pessoal da organização, que passava de
100 pessoas.
Este circuito é anual e dividido em quatro etapas que acontecem na serra gaúcha.
As provas geralmente variam entre 60 e 80 Km de distância, mas algumas podem ser
mais longas. Normalmente ocorre uma prova em cada cidade, que pode ser: Canela,
Gramado, Três Coroas, Igrejinha, Cambará do Sul e Bento Gonçalves, todas da mesma
região do RS.
Este circuito é organizado pela empresa ATITUDE Ecologia & Turismo, que
tem o apoio de Secretaria de Turismo de Canela. A empresa, além de organizar as
corridas, também trabalha com turistas locais, oferecendo atividades como: Arborismo,
Duck, Tour Rural, Pêndulo, cavalgada, tirolesa, rafting, canyoning, cascading, entre
outras atividades do gênero.
Este é o evento com maior participação de atletas do sul do país, e o maior do
estado. Desde 2005, integrou-se ao Circuito Try On Meeting, o maior circuito de
corridas de aventura do Brasil, são 41 provas em 13 estados.
76
Meu primeiro contato com estas provas foi como atleta. Participei de três
corridas em Canela e uma em Bento Gonçalves, em diferentes anos. Este circuito valia
pontos para o CBCA (Circuito Brasileiro de Corrida de Aventura) e para o RGCA
(Circuito Gaúcho de Corrida de Aventura).
Esta corrida foi escolhida por ser de grande representação no circuito gaúcho,
pelo nível de prova e dos atletas que nela competem, e por estar na região das
hortênsias, local onde moro desde 2002. As inscrições custam em torno de R$250,00
por equipe. Cerca de 200 atletas competem em diferentes modalidades de aventura.
3.3.2 Desafio dos Espigões
Uma corrida anual que também é realizada na região da serra do Rio Grande do
Sul. Alguns atletas consideram esta a melhor prova do RS para competir, sobretudo
pelos aspectos relacionados aos equipamentos utilizados nas verticais, e pela qualidade
dos mapas.
A prova é organizada pela equipe Caverá, em que está baseada a etnografia
deste estudo. Também faz parte do CBCA e do CGCA. Foi escolhida principalmente
por ser organizada pela equipe, pelo nível dos atletas que participam e pelo grau de
dificuldade. É uma corrida bastante técnica, que exige muitos conhecimentos
relacionados à navegação. Grande parte dos esforços é direcionada para os mapas, como
atualização, escalas e nitidez dos detalhes da região, sejam eles vegetação, córregos,
rede elétrica, entre outros. Este fato se dá, principalmente, porque a formação do grupo
que organiza a corrida (Heitor e Jean) é bem desenvolvida nesse setor (orientação).
Além disso, as provas inovaram alguns aspectos relacionados a essa modalidade.
Foi a primeira prova no RS a entregar o mapa pilotado (com os PC`s e AT`s
marcados no mapa, como acontece no Ecomotion), e a entregar dois mapas por equipe,
uma forma de não deixar apenas o navegador com o mapa da corrida, ou seja, outro
integrante do grupo pode auxiliar na navegação sem tirar a concentração do navegador.
Essa prova está em sua 4° edição (2007). As anteriores foram as seguintes:
77
ANO CIDADE (RS)
2004 Caxias do Sul
2005 São Marcos
2006 Carlos Barbosa
A inscrição custa em média R$300,00 por equipe. Cerca de 200 atletas
competem em aproximadamente 80 km, nas diferentes modalidades de aventura. A
premiação é muito boa se comparada com as outras corridas da mesma categoria, cerca
de R$ 8.000,00. Nesta prova também participam algumas equipes estrangeiras, do
Uruguai.
Minha participação nessas corridas foi apenas na organização. Controlei o PC do
rapel, uma modalidade de risco. Nesta corrida, tive a liberdade de circular pelo circuito
de prova, numa distância de cerca de 90Km. Além de ajudar, pude ficar observando os
fatos que aconteciam no PC de uma modalidade de aventura e risco, bater algumas fotos
e conversar com alguns atletas.
3.3.3 Famastil Adventure
É uma corrida anual, organizada para os funcionários da empresa Famastil
Taurus Ferramentas S/A. Trata-se de uma prova que segue as mesmas etapas de uma
corrida normal: divulgação, inscrições, termos de responsabilidade e implicações do
risco, regras, briefing e a prova propriamente dita. A divulgação é feita através de
email`s dentro da empresa, algum material impresso, colocado nos corredores, quadros
de aviso dos setores, e principalmente através do “boca a boca”.
A participação no evento não é obrigatória, e quem não quiser competir pode
auxiliar na organização. É obrigatório assinar os termos de concessão de risco (ANEXO
5), ficha médica (ANEXO 6) e autorização de uso das imagens. Também faz parte desse
processo a aquisição de alguns itens, que designamos, de equipamentos obrigatórios
para cada equipe, que geralmente são: apito, espelho, lanterna (luz estrobo), faca ou
canivete, lençol térmico, etc.
O valor da inscrição é de R$ 40,00 por pessoa, pago em duas vezes. Este custo é
mínimo, visto que está incluso transporte, hospedagem, alimentação para dois dias e a
78
corrida. A taxa serve mais como forma de compromisso dos funcionários.
São dois dias de provas, sábado e domingo. No sábado, os atletas assistem a
algumas oficinas teóricas e práticas (navegação, técnicas verticais, técnicas na água, e
outras que serão exigidas na prova), e no domingo, geralmente ao amanhecer, é dada a
largada. Na chegada, é oferecido um almoço, que se trata, na verdade, de uma refeição,
porque muitos chegam no final da tarde.
O nome do evento sofreu algumas variações por questões de logística, como
podemos observar no quadro abaixo:
ANO NOME N° DE
INSCRITOS
LOCAL DISTÂNCIA MODALIDADES
2005
I Famastil
Adventure
53
Três
Coroas
20 Km
Orientação,
Trekking,
Travessia de Rio,
Tirolesa, Rapel e
Rafting
2006
Famastil
Adventure
2
90
Gramado,
São
Francisco
de Paula e
Canela
34Km
Orientação,
Trekking, Bóia
Cross, Bike Ram,
Rapel e Tirolesa
2007
Famastl
Adventure
2007
Estima-se em
torno de 120
São
Francisco
de Paula
?
?
O nome do evento deste ano teve esta mudança por uma questão ligada aos
interesses da empresa relacionados ao aspecto de longevidade do evento, uma estratégia
de visualização, visto que os objetivos estão voltados para etapas futuras. O número de
participantes também aumentou, principalmente devido aos comentários internos feitos
pelos funcionários que participaram. As equipes são formadas através de sorteios.
Primeiro, são selecionados alguns cabeças de chave, pessoas escolhidas conforme
conhecimento de algumas modalidades, o restante através de sorteio.
Para o ano de 2006, foi realizada uma enquete que antecedeu à prova, destinada
a recolher informações relacionadas às habilidades na água (saber nadar) e com as
79
bicicletas, para que assim pudéssemos formar equipes parelhas, como mostra o quadro a
seguir. O total de respostas do formulário do Famastil Adventure foi de 97, porque
alguns funcionários que responderam não participaram da corrida (ANEXO 7).
Podemos observar que muitos, apesar de não saberem nadar ou andar de
bicicleta, inscreveram-se no evento, mesmo sabendo que teriam que passar por
modalidades como rafting, travessia de rios e bóia cross.
Este evento foi criado dentro da empresa com o intuito de melhorar a integração
social, o trabalho em equipe, a superação das dificuldades e o comprometimento com a
organização, ganhando dessa forma espírito inovador, produtividade e vantagem
competitiva.
Tais questões foram apresentadas por mim para a diretoria de empresa, baseadas
no estudo de Kay e Laberge (2002), em que abordam o novo habitus corporativo nas
corridas de aventura. Segundo eles,
o sucesso de uma companhia é dito ser baseado na sua habilidade
de adaptar-se às circunstâncias mutantes. Os valores da
improvisação, flexibilidade, inovação, comunicação, formação de
equipe, regeneração, previsão, experimentação, confiança,
gerenciamento de risco e ritmo são todas definidas como
necessárias para uma estratégia que pode ajudar uma companhia a
sobreviver senão competir em um ambiente que exige
mudanças constantes (p.7).
Dada a importância do evento, no início deste ano, durante a reunião de
fechamento do semestre e elaboração das metas da empresa para 2007, foi realizado um
jantar que iniciou com a apresentação do vídeo filmado na competição. Neste encontro,
o Diretor Marketing da empresa iniciou seu discurso pedindo para que os presentes
mentalizassem os dez dias mais felizes de suas vidas. Após um minuto de silêncio,
mencionou que duvidava que o Famastil Adventure não estivesse presente em algum
desses dias. O consentimento do grupo veio através do silêncio e da expressão de
afirmação.
Apesar deste evento ser muito próximo das corridas em ênfase neste estudo,
diferencia-se da realidade estudada nos aspectos relacionados ao ricos (existem maiores
cuidados com a segurança dos competidores), à distância das provas, aos materiais
exigidos, e outros pequenos detalhes das dinâmicas externas. Essas questões tornam, em
muitos aspectos, este grupo limitado. Os funcionários não são atletas, a grande maioria
80
não pratica exercícios regulares, nem ao menos se prepara para a participação nessas
corridas. Observei que a relação da grande maioria que participou das corridas com essa
prática limita-se ao evento da empresa, ou seja, não participa de outras atividades no
meio natural, diferenciando-se muito dos atletas das corridas de aventura. Sua relação
com o universo da aventura se restringe a uma competição por ano, em outras palavras,
não está inserido no seu dia a dia nem interfere de forma significativa no seu cotidiano.
Algumas adaptações no roteiro de entrevistas também foram necessárias, como as
questões ligadas à imersão nas corridas, como foi formada a equipe, a equipe de apoio, a
relação com outros atletas, dinâmicas de treinamento, recursos para competir e
patrocínios.
De acordo com os fatores acima, na tentativa de seguir o rumo do estudo e sua
fidedignidade, optei por manter os dados obtidos na imersão deste campo em específico,
apenas como elementos constituintes de uma comparação da realidade estudada, de
forma a ampliar o entendimento e destacar as similaridades.
Esta questão, para mim, um novato no universo da investigação, forma um
quadro bastante complicado. Implica, de certa forma, na perda de horas de trabalho e
estudo, observações, descrições e mapeamentos, além de uma frustração sentimental.
3.3.4 Ecomotion Pro
A Ecomotion Pro é maior corrida de aventura da América latina que acontece
em território nacional e se equipara às grandes provas internacionais, como
Ecochallenge, Desafio de Los Vulcoñes, XPD da Austrália, entre outras organizadas em
diversos cantos do mundo. Este evento está em sua Edição, e a prova de 2007 terá
500 km de distância. As modalidades serão: Montain Bike, Trekking, Técnicas
Verticais, Caiaque Duplo, Rafting, Caiaque inflável, Patins On Line e Orientação,
passando por praias, montanhas, cachoeiras, trilhas e serra.
A premiação atrai equipes de ponta de todo o mundo, que o prêmio deste ano
(2007) será de U$ 60.000,00, distribuídos entre as 8 melhores equipes da competição.
As inscrições custam U$2.200,00 para as equipes brasileiras e U$2.700,00 para as
equipes internacionais. Além de prêmios generosos, o Ecomotion Pro serve como
81
inspiração para as outras corridas menores que acontecem no país. Esta prova é
conhecida pelas inovações, como aconteceu na largada no RS, que foi no litoral, em
Torres. Apesar da prova ter sido denominada por Ecomotion Pro Serras Gaúchas, a
competição iniciou à beira mar. A modalidade da largada, pela primeira vez, ocorreu em
rapel. Foi lindo, um espetáculo! Mas também muito trabalhoso e técnico. Foram
montadas 53 vias (nome dado aos caminhos fixados por grampos nas pedras, para que
os escaladores possam atingir o cume dos paredões com segurança) para que os atletas
pudessem descer o morro, sem que atrasasse a largada. Cada equipe estava em uma
corda.
Outro exemplo, que coloca em evidência a peculiaridade deste universo e
demonstra o quanto são criativas e variadas as modalidades das corridas, ocorreu no
Qualifyting Ecomotion Pro 2005, em uma etapa de SP (são pequenas provas que
antecedem a grande corrida, em que a colocação vale pontos na classificação para
participar do Ecomotion). A prova teve largada no centro de SP. Os competidores
deveriam entrar em um vagão de trem, sem destino conhecido. As coordenadas para o
próximo PC seriam recebidas a cada PC alcançado. Quando o trem parou, abriram-se as
portas, “pé na tábua”, porque foi dada a largada. A partir daquele momento teriam que
mostrar suas habilidades, colocar em prática as estratégias e correr, correr muito. O
problema é que alguns não sabiam para onde! Esta é uma pequena amostra de que não
limites quando tratamos com o incerto, com o inesperado, um universo de estímulos
em que a questão é adaptar-se ao inusitado.
O histórico desta corrida forma o seguinte quadro:
EDIÇÃO ANO ESTADO LOCAL
2003 Bahia Costa do Dendê
2004 Bahia Chapada Diamantina
2005 Rio Grande do Sul Serras Gaúchas
2006 Rio de Janeiro Costa do Sol
2007 Rio de Janeiro ---
82
A competição, maior prova das Américas, tem o papel de inserir o Brasil como
uma das sedes do campeonato mundial, AR - WORLD SERIES. Este circuito mundial,
além de fazer parte da história das corridas de aventura, é uma forma de realizar uma
competição para ver quem são os melhores do mundo nas provas de expedições. Para
serem os melhores, têm que competir em diferentes climas, vegetações e, porque não,
diferentes aventuras. Como as provas são realizadas em diversos países, cada lugar pode
explorar as riquezas naturais de sua região, inovando algumas atividades, como
travessias de geleiras, andar de camelo no deserto, mergulho em mares com tubarões ou
rios com crocodilos.
O circuito está dividido em sete provas, de diferentes regiões do planeta. Uma
em cada país ( França, Espanha, Portugal, Polônia, Brasil, Austrália e Nova Zelândia),
e, a cada ano, uma das provas é escolhida para sediar a grande final, que varia de 800 a
1.100 Km. Para fazer parte desta corrida tem que conseguir uma boa colocação durante
o circuito. A grande final de 2008 será no Brasil. As etapas são as seguintes:
- BERGSON WINTER CHALLENGE POLAND
- XPD AUSTRÁLIA
- ECOMOTION BRASIL
- ESTORIL PORTUGAL XPD
- RAIS IN FRANCE
- BIMBACHE EXTREM - SPAIN
- SOUTHERN TRAVERSE - NEW ZELAND
Durante o Ecomotion Pro 2005, tive a oportunidade de participar de um evento
internacional, acompanhando uma equipe de elite. Um fator crucial na escolha desta
corrida para fazer parte do meu estudo, foi a localização da prova, realizada no Sul do
país, o que possibilita o acesso ao evento. Esta prova foi uma maneira de trocar
informações com atletas de ponta, conhecer os bastidores, contatar alguns ídolos que
formam este espetáculo. Os conteúdos que provém da imersão no campo são de grande
relevância para este estudo, e serão tratados com esta importância. No decorrer de todo
o processo deste trabalho, algumas coisas me marcaram bastante, entre elas a sensação
de subir ao pódio da maior corrida de aventura que já vi!
Para encerrar este tópico, julgo importante outras descrições relacionadas à
corrida. Para ampliar o entendimento de alguns significados e facilitar algumas
83
interpretações aqui apresentadas, serão descritos certos detalhes de duas modalidades da
corrida, que são muito importantes e estão presentes em todas elas. Para finalizar, será
exposta uma cronologia de eventos, que formam uma seqüência de acontecimentos, e
que, de certa forma, são elementos constituintes da história das competições deste
estudo.
3.4 Breve histórico
Entre todas as atividades de aventura, existem duas modalidades que podem ser
consideradas indispensáveis nessas competições, são elas: o trekking e a orientação.
O trekking é uma atividade muito conhecida e muito praticada no meio natural.
Não precisa estar em uma competição para praticá-la, muito menos possuir alguma
habilidade especial. Qualquer pessoa que consiga caminhar e que goste de usufruir o
entorno natural pode realizá-la sem maiores esforços. É uma atividade de fácil
conceituação, pois é comumente conhecida como “uma caminhada por trilhas em
ambientes naturais”.
A outra modalidade, orientação, acompanha as corridas de aventura desde seu
início. Sem esta atividade as corridas de aventura perderiam seu significado peculiar,
nem ao menos poderiam ser chamadas por este nome. A navegação (orientação posta
em prática) pode ser considerada como o ponto mais importante das corridas, uma
modalidade indispensável para que os atletas consigam avançar no trajeto designado
para a prova.
As competições dessa modalidade isolada, conhecidas como corridas de
orientação possuem muitas semelhanças com as corridas de aventura. A descrição da
dinâmica das provas, do local onde são praticadas, dos objetivos e dos mapas, pode
muitas vezes, ao serem explicados, confundirem-se. As principais diferenças entre as
duas são: as corridas de aventura são competições em equipe; e também apresentam
uma variedade de modalidades. Existem outras pequenas diferenças, como a escala dos
mapas, distância das provas, que são identificadas numa relação mais próximas com
essas competições. Não é por acaso que as grandes equipes possuem atletas que
84
aprenderam a orientação no exército ou, antes de competirem nas provas de aventura,
participavam de campeonatos de orientação.
Para que estas diferenças sejam melhor visualizadas, e para que os leitores
possam entender melhor os significados das provas deste estudo, apresento de forma
sucinta um breve histórico da modalidade de orientação, assim como das corridas de
aventura.
3.4.1 Orientação
Os dados apresentados a seguir foram pesquisados junto aos registros do Clube
de Orientação Tramontana, com sede em Caxias do Sul, Rio Grande do Sul, um dos três
mais antigos clubes do Brasil.
A Orientação nasceu na Escandinávia, em meados do século XIX. O que
inicialmente era uma atividade militar de entretenimento, desenvolvida nas horas de
lazer, logo se transformou em esporte, tendo em vista o incremento dos mapas e
bússolas e a definição de regras. Em 13 de maio de 1897, na Noruega, realizou-se a
primeira prova de Orientação e, no início do século XX, o esporte ganhou popularidade
entre os participantes de rústicas, que viram, na nova modalidade, uma sedutora magia
que transforma o desafio do procurar na satisfação do encontrar. Em 1961, criou-se a
Federação Internacional de Orientação (atualmente com sede em Oslo, Noruega) tendo
como objetivo organizar e divulgar as regras, os eventos e o próprio esporte em todos os
continentes.
Em 1970, a Orientação chegou ao Brasil, trazida por militares, porém não
encontrou campo fértil, sendo reconhecida e utilizada unicamente para adestramento de
tropas e em competições das Forças Armadas. Foi somente em 1995, vinte e cinco anos
mais tarde, quando seis atletas brasileiros participaram de uma clínica na Suécia e
também dos Cinco Dias de Orientação (evento que reúne aproximadamente 20.000
atletas todos os anos naquele país), que a Orientação iniciou sua ascensão entre os
esportes brasileiros, com a organização de eventos regionais e criação de clubes.
85
O Clube Tramontana participou da fundação da Federação Gaúcha (1996) e
Confederação Brasileira de Orientação (1999) e atualmente ocupa o terceiro lugar no
Ranking de Clubes do Brasil.
A Orientação é um esporte desenvolvido ao ar livre que combina movimento,
habilidade de navegação e intensa percepção espacial. O praticante deve passar por
vários postos de controle, marcados em um mapa especialmente preparado e
materializados no terreno por um prisma, podendo utilizar-se de uma bússola para
auxiliá-lo na escolha das rotas.
Praticar Orientação significa avançar sobre um terreno de um ponto ao outro
com o auxílio de um mapa e uma bússola, determinando pessoalmente as vias
percorridas, levando em conta as condições do terreno, da rede de estradas, das trilhas,
dos obstáculos, das zonas perigosas ou de acesso proibido, procurando avaliar qual o
percurso mais rápido e vantajoso para alcançar à meta prefixada. O mapa representa,
detalhadamente, o terreno escolhido para a prática da Orientação. É constituído por uma
simbologia precisa e uma escala de grandeza, que exprime a redução que é feita na
representação do terreno.
O objetivo de cada praticante é terminar o percurso no menor tempo possível. O
orientador deve ter em conta sua condição física e sua habilidade para orientar-se e
escolher a melhor rota com as informações contidas no mapa. Escolher uma rota correta
e ter habilidade para segui-la até o controle sem perder tempo, isto constitui a arte de
orientação.
Estas questões tornam-se relevantes para compreender o universo da aventura, e
relacionam-se diretamente com alguns objetivos aqui propostos, em que se prioriza uma
análise que privilegia as particularidades e as diferenças entre contextos culturais.
Apesar das modalidades de aventura não estarem inseridas nestas corridas, as
semelhanças são muito grandes. Para ampliar a compreensão dos elementos destacados
e compreender a corrida como um todo, serão apresentados dados de sua história nos
âmbitos nacional e internacional. As questões que virão a seguir foram retiradas de sites
da internet ligados ao tema.
86
3.4.2 Breve Histórico das Corridas de Aventura Através de uma Cronologia de
Eventos Desta Natureza
50
As origens das corridas de aventura estão ligadas à corrida multiesportiva
(corrida em montanha, canoagem, montain bike) realizada na Nova Zelândia, chamada
Coast to Coast. A primeira edição aconteceu em 1980, e foi o primeiro evento
multiesportivo realizado junto à natureza. A corrida surgiu quando souberam que os
norte americanos estavam criando um desafio selvagem, o próximo passo na procura
interminável do desafio e conhecimento do limite humano. Com o intuito de vencer os
americanos, a Coast to Coast e outra corrida conhecida como Alpine Ironman foram
criadas. Logo depois, os americanos lançaram o Alasca Montain Wilderness Classic,
com início em 1983. Enquanto o Coast to Coast se tornou um dos mais prestigiados
eventos esportivos, o Alasca Montain Wilderness não ficou muito conhecido.
O próximo passo foi a criação do Raid Gauloises (comumente conhecido como
raid), realizado pela primeira vez na Nova Zelândia, em 1989, primeira corrida
multiesportiva de longa duração em que foram exigidos a formação de equipes mistas.
Criado por Gerard Fusil, o raid rapidamente popularizou as corridas de aventura na
Europa (principalmente na França, país de Fusil), Austrália e Nova Zelândia, através do
marketing da empresa de Fusil.
Para muitos, o evento foi visto como o maior teste de resistência humana. O
Raid Gauloises, hoje chamado de Raid World Championshi, passa anualmente por
localizações diferentes em todo o mundo, e deixou um espaço no país de criação do
esporte para o surgimento de outra corrida, o Southern Traverse. Realizado desde 1991,
o Souther Traverse procura manter o verdadeiro espírito das corridas de aventura
estabelecidas pelo Raid, mas em um período mais curto, entre 3 e 5 dias.
Apesar de ser bastante conhecido e ter um rápido crescimento na Europa,
Austrália e Nova Zelândia, o esporte era praticamente desconhecido na América do
Norte. Até o momento em que Mark Burnett, empresário e competidor de duas edições
do Raid Gauloises, criou o Eco-Challenge e firmou parceria com o Discovery Channel
para transmitir o evento em todo o mundo. A primeira corrida aconteceu em Utah, em
1995, e conseguiu alcançar o mesmo status do Raid. Desde então o Eco-Challenge foi
50
As informações dessa cronologia, foram pesquisadas na internet no endereço: http://
www.adventuremag.com.br – Acessado em 13/08/07 às 20:00 horas
87
realizado na Columbia Britânica, Marrocos, Argentina, Malásia, Nova Zelândia e a
última edição aconteceu em Fiji, em 2002. A partir daí muitas corridas surgiram em
todo o mundo, principalmente os eventos com 1 e 2 dias de duração.
Em 2001 foi criado o AR World Championship, com o objetivo de organizar o
esporte no mundo e definir um campeão mundial do esporte. Ao mesmo tempo, foi
criado o AR World Series, com a escolha de provas ao redor do mundo, que servem
como seletivas para a grande final, realizada em um país diferente a cada ano.
No mesmo ano em que aconteceu a última edição do Eco-Challenge, foi
realizada nos Estados Unidos a primeira edição do Primal Quest, que ofereceu uma das
maiores premiações das corridas de aventura internacionais (US$ 250.000,00) e atraiu
equipes de todo o mundo. Após a quarta edição, realizada em 2006, em Utah (em 2005
não houve corrida), a organização divulgou que nos próximos anos a corrida passaria a
ser itinerante e seria realizada em um local diferente do mundo a cada ano, ocupando
assim o espaço deixado pelo Eco-Challenge. Até esta edição, todas as provas foram
realizadas em solo norte-americano.
A cada objetivo alcançado, um evento novo e maior é organizado. Para alguns, a
corrida de aventura representa o próximo passo na procura do desafio final. Quando as
pessoas sentiram que a maratona estava se tornando “fácil”, o triatlon foi criado.
Quando todos estavam ficando cansados do triatlon, foi criado o Ironman, o maior dos
triatlons. Agora, algumas pessoas passaram a completar dois Ironmans e
ultramaratonas, enquanto outras seguiram para as corridas de aventura. Mas as corridas
de aventura são muito mais do que aumentar as distâncias e dificuldades físicas. Uma
nova geração de esporte foi criada com a exigência de mais habilidade técnica,
estratégia e planejamento.
A corrida de aventura é uma oportunidade das pessoas se desafiarem. É uma
chance de testar seus limites ou até mesmo redefinir seus limites. muito mais nas
corridas de aventura do que estar em forma.
Qualquer um que queira testar seus limites pode participar de uma corrida de
aventura. De fato, não se precisa terminar uma corrida para colher os louros, porque não
são todos os percursos que são montados para que todos os participantes terminem. De
71 equipes que largaram no Eco-Challenge (columbia britânica), apenas quatorze
completaram a corrida e apenas quatro fizeram o percurso completo.
88
3.4.3 Corrida de Aventura no Brasil
Em 1997, o empresário Alexandre Freitas, envolvido 17 anos no mundo das
finanças, ao participar de uma corrida de aventura na Nova Zelândia, gostou tanto do
que vivenciou que resolveu implantá-la em nosso país, dedicando tempo integral a este
novo projeto, que alia o prazer do esporte a uma nova visão, um novo estilo de vida.
Alexandre criou a Sociedade Brasileira de Corrida de Aventura (SBCA),
organizadora da primeira corrida de aventura brasileira, a Expedição Mata Atlântica
EMA. A primeira edição da Expedição Mata Atlântica aconteceu em 1998, com
duração de três dias e 220 km de distância. Neste mesmo ano, o Brasil foi representado
pela primeira vez no Eco-Challenge, considerada uma das maiores corridas do mundo,
com a equipe mineira Brasil 500 anos.
No ano seguinte, a EMA se deslocou do litoral norte para o litoral sul de São
Paulo e aumentou de tamanho, passando a ter um percurso de 400 km e até 5 dias de
duração.
Com a visibilidade do esporte no país, começaram a surgir eventos mais
acessíveis para a maioria das pessoas. As corridas com 1 ou 2 dias de duração
possibilitaram a participação dos atletas de final de semana, que não dispõem de muito
tempo e dinheiro para os treinos e corrida.
No inicio do ano de 2000, dois circuitos são lançados quase simultaneamente:
Circuito eco aventura, organizado por Mário Lopes, e o Circuito brasileiro, organizado
pela SBCA. Nesse mesmo ano foi organizada também a primeira edição do Rio Eco e a
primeira corrida do Ecomotion Circuit.
Em 2001, a EMA mudou de região e realizou a quarta edição na Amazônia,
enquanto novas corridas começavam a ser organizadas em outros estados brasileiros.
Essa foi a última edição da prova, e fez parte do recém criado AR-World Series.
Atualmente são organizadas corridas em praticamente todo o país, mas a grande
concentração ainda está na região sudeste, mais especificamente em São Paulo. Por
outro lado, os outros estados estão se organizando e criando circuitos independentes,
como o nordestino, e associações, como a criada pelos organizadores de Santa Catarina
(naturesporte), Espírito Santo (FCCA- Federação Capixaba de Corrida de Aventura) e a
APCA (Associação Paulista de Corrida de Aventura).
89
Atualmente, a maior corrida de aventura no Brasil é o Ecomotion Pro, que teve
sua primeira edição realizada em novembro de 2003 na Chapada Diamantina. A corrida
teve um percurso de 460 km em até 6 dias de duração, passando a fazer parte do AR-
World Series.
90
4 O RISCO
4.1 ... Etimologicamente falando
As práticas deste estudo são geralmente descritas ou conhecidas como:
atividades físicas de aventura e risco na natureza. Para desenvolver este pico, irei
abordar o risco nas corridas de aventura, designando-o como fator R”. Nesta
perspectiva, apresentarei alguns significados da palavra risco, para posteriormente
relacioná-la as atividades de aventura.
Segundo Spink (2003), o “risco” que caracteriza essas atividades, “implica a
reorientação das relações das pessoas com os eventos futuros” (p.1), e o conceito de
risco moderno “emerge em oposição ao de fatalidade e destino” (idem, p.1)
51
, como se
acreditava antigamente. A autora destaca ainda que
a palavra risco tem seu primeiro registro no século XIV. Inexistia
em grego, em árabe e no latim clássico. Tem registro em espanhol
desde o século XIV, mas ainda sem a clara conotação de ‘risco que
se corre’. É no culo XVI que adquire o significado moderno. E
apenas em meados de do século XVII tem registro nos léxicos da
língua inglesa. Etimologicamente, suscita mais hipóteses do que
certezas. A mais plausível é que risco seria um derivativo de
resecare, ou seja, cortar. A palavra parece ter sido usada para
descrever penhascos submersos que cortavam os navios,
emergindo daí seu uso moderno de risco como possibilidade mas
não como evidência imediata (idem, p.1).
Dentro deste foco, Berstein (1996), escreveu um livro sobre a história do risco,
e aborda este tema sob diferentes aspectos. Para ele:
a idéia revolucionária que define a fronteira entre os tempos
modernos e o passado é o domínio do risco: a noção de que o
futuro é mais do que um capricho dos deuses e de que homens e
mulheres não são passivos ante a natureza (p.1).
Como a navegação era considerada a atividade comercial mais importante da
época, a palavra risco emergiu neste contexto, sua associação com o perigo e a
51
SPINK, Mary. Link Risco como repertório lingüístico, (p. 01), in Suor, arranhões e diamantes: As
contradições do risco na modernidade reflexiva, 2003.
91
incerteza, possibilitaram o surgimento de pensamentos de que o futuro seria possível de
controle. A mudança foi nos aspectos ligados aos significados, surgindo uma
perspectiva de “domesticação do futuro”.
Sem grandes interesses em aprofundar questões relacionadas à etimologia da
palavra risco, apenas destacar a sua relação com o sentido de incerteza, para tentar
entender os sentidos e significados dos novos aventureiros. Estes, por sua vez, não
precisam se apoiar nos sentidos metafóricos da fatalidade:
embora em franca oposição à fatalidade, esta permanece como
repertório disponível para dar sentido à imprevisibilidade do
futuro. À medida que a confiança na capacidade de gerenciar os
riscos começa a esvanecer em face da complexidade dos riscos da
sociedade globalizada, a fatalidade hoje assume novos contornos,
especialmente no contexto dos riscos corporificados decorrentes
das novas tecnologias (SPINK, 2003, p.2).
Os atletas das corridas de aventura são integrantes do grupo de formadores de
novas concepções de risco, conquistam desafios cheios de perigo e obstáculos que a
natureza impõe, retirando de seu discurso o apelo apenas à sorte. São atletas treinados,
experientes e determinados, mas para alcançar seus objetivos, precisam de uma boa
estratégia e planejamento. Entretanto, segundo a mesma autora, “não deixa de ser uma
modalidade de 'correr riscos' e para entender a ação - e não ficar apenas no plano das
práticas discursivas - é preciso entender as novas conformações do risco na sociedade
reflexiva (idem, p.3).
É sob esta perspectiva que este capítulo será desenvolvido. Para isto devemos
esclarecer algumas características do risco nas atividades de aventura. Podemos
estabelecer duas dimensões incorporadas pelo risco: a primeira destina-se à regularidade
dos fenômenos, ou seja, relaciona-se ao possível e ao provável. Esses dois aspectos
estão ligados à ocorrência dos fatos. A segunda refere-se aos valores, aproximando-se
com aquilo que está em jogo. Um mesmo carro possui valores diferentes de seguro
devido ao local onde o mesmo trafega (grandes metrópoles ou cidades do interior). Em
contrapartida, numa mesma cidade, os seguros de carro têm preços diferentes devido ao
valor que é assegurado.
Estas dimensões são a base para os cálculos sobre os riscos “são os cálculos
sobre risco que têm papel fundamental na formatação da moderna valorização da
92
segurança(idem, p.1).
52
Não é de se estranhar, que hoje podemos assegurar qualquer
coisa: carro, imóvel, seguros de vida etc. Tudo está diretamente relacionado com a
probabilidade de algo acontecer e com o valor do que está sendo assegurado.
Seguindo esta seqüência de idéias, os seguros invadiram o universo do esporte,
através de grandes seguros de celebridades do esporte, como ocorre no basquete norte
americano, em que, um time abre mão do jogador participar de uma competição pelo
seu país de origem, mediante seguro compatível com o valor daquele jogador. Nas
práticas de aventura, repletas de perigos e risco, este movimento não foi diferente. Este
setor, no decorrer de seu desenvolvimento, tem estabelecido algumas ações e elaborado
algumas questões para que os fatores ligados ao risco nestas atividades possam ser
melhor entendidos, como demonstra a mesma autora:
mas avaliar riscos depende intrinsecamente da definição do que
vem a ser risco. Abre-se, assim, um campo fértil de investigação
sobre a percepção do risco que congrega psicólogos cognitivistas,
sociólogos e antropólogos da linha cultural. Abre-se, sobretudo, o
debate entre as vertentes tecnicistas e culturalistas. Morre, nesse
debate, o sonho racionalista de riscos objetivamente avaliados,
diante do golpe mortal da aceitação de que os riscos implicam
valores: risco é a possibilidade de perda de algo que tem valor para
nós.(idem, p.1)
53
.
Nas atividades de aventura realizadas no âmbito do lazer, algumas iniciativas
foram feitas, mas não o suficiente. Um exemplo disto são as indústrias de seguros que
vêm respondendo à crescente exposição deliberada ao risco no contexto do turismo de
aventura, realizando seguros com aqueles que pretendem experimentar uma atividade de
aventura através de uma empresa especializada. Existem alguns programas como “férias
vivas”
54
que têm como objetivo conscientizar empresas, entidades e consumidores. O
órgão que regulamenta estas atividades é a Embratur, e conceitua turismo de aventura
como:
52
SPIINK, Mary. Link Do Risco Probabilístico à Sociedade de risco, in Suor, arranhões e diamantes: As
contradições do risco na modernidade reflexiva, 2003.
53
SPIINK, Mary. Link A centralidade da regulação na sociedade de risco, in Suor, arranhões e diamantes:
As contradições do risco na modernidade reflexiva, 2003.
54
A férias vivas (decorrente da morte de uma garota de nove anos) (...) tem por missão conscientizar os
consumidores de turismo e lazer, empresas de turismo e entidades governamentais para exigirem e
definirem normas reguladoras visando às condições de segurança para as atividades turísticas e de
lazer(p.81).
93
segmento do mercado turístico que promove a prática de atividades de
aventura e esporte recreacional, em ambientes naturais e espaços
urbanos ao ar livre, que envolvam emoções e riscos controlados,
exigindo o uso de técnicas e equipamentos específicos, a adoção de
procedimentos para garantir a segurança pessoal e de terceiros e o
respeito ao patrimônio ambiental e sócio cultural (informação obtida
no site www.embratur.com.br).
Em um artigo escrito em conjunto por alguns autores
55
, que teve como objetivo
entender como a indústria de seguros vem respondendo a essa crescente exposição
deliberada ao risco, consideram atividades risco-aventura, se envolverem desafios
consideráveis (e até extremos) às habilidades que podem gerar conseqüências pessoais
graves (especialmente a morte) no caso de erro (p.82). Estes autores destacam também,
a importância da tecnologia, mas consideram que esta não é suficiente para garantir a
segurança de seus praticantes. “Cabe aos monitores gerenciar os riscos objetivos,
deixando aos usuários dos serviços apenas à sensação de risco: a emoção, a adrenalina,
enfim, o risco subjetivado” (idem, p.82).
Entretanto, não podemos estender às corridas de aventura como a citação acima,
pois além dessas modalidades estarem inseridas em uma competição, os atletas não são
monitorados por guias o tempo todo. Algumas empresas que organizam as provas
realizam seguro (de vida, danos pessoais...), além de fornecerem (obrigatório estar
preenchido e assinado) uma declaração de isenção de responsabilidade civil. Este termo
é designado como: TERMO DE RESPONSABILIDADE E ACORDO DE
IMPLICAÇÃO DE RISCOS
56
. Em vias de demonstração, irei apresentá-lo na íntegra
apenas os itens 1, 2, 3 e 7 dos termos utilizados nas corridas. No anexo XX, está o
termo completo utilizado na corrida da Famastil.
55
Spink, M.J.; Galindo, D.R.; Cañas,ª; Souza,D.T. “Onde está o risco? Os seguros no contexto da
Aventura”.Psicologia & Sociedade; 16 (2): 81-89; maio/ago.2004.
56
O termo de responsabilidade foi retirado da “IV Corrida Canela Aventura – 2005”
94
DECLARAÇÃO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE CIVIL
TERMO DE RESPONSABILIDADE E ACORDO DE IMPUCAÇÃO DE RISCOS
do participante da IV CORRIDA CANELA AVENTURA - 2005.
(Leia atentamente antes de assinar)
1- Minha inscrição para a IV CORRIDA CANELA AVENTURA - 2005 dá-se por minha livre e espontânea
vontade nesta data, na qualidade de participante; e
2- Os riscos de acidentes nas atividades envolvidas nesta competição são significativos e envolvem
possibilidade de deslocamentos, luxações, fraturas, queimaduras, mordidas, picadas de animais, de insetos
contato com plantas venenosas, acidentes nas modalidades de técnicas verticais, ciclismo, marcha, risco de
possível paralisia permanente e morte. Apesar de regras especificas, equipamentos e disciplina
poderem reduzir os perigos inerentes, o risco de sérios danos existe; e
3- EU RECONHEÇO E ASSUMO LIVREMENTE TODOS OS RISCOS, CONHECIDOS OU NÃO,
mesmo os originados por negligência dos Organizadores ou outros e assumo total responsabilidade pela
minha participação; e
que a prova alcance seus objetivos esportivos e sociais. Reconheço estas prioridades e comprometo-me a
respeitá-las totalmente; e
7- Eu, por mim mesmo, meus herdeiros, representantes legais, responsáveis e parentes próximos, isento e
desobrigo a ORGANIZAÇÃO da IV CORRIDA CANELA AVENTURA - 2005, seus
funcionários sob qualquer vinculo, autoridades, agentes ou empregados, outros participantes, entidades
patrocinadoras, patrocinadores, anunciantes, voluntários, e, se aplicável, proprietários de locais
usados para realizar o evento, de qualquer responsabilidade legal, COM RESPEITO A QUALQUER E
TODO DANO, INVALIDEZ, MORTE, perda ou dano a pessoa ou propriedade, mesmo que originadas pela
negligência dos organizadores; e
Este termo de responsabilidade e implicação de riscos destaca a seriedade com
que devemos tratar das questões relacionadas a essa temática, e que os organizadores
estão cientes das implicações que podem acarretar um acidente. Além disso, apresenta
um quadro bastante diferente daquele estabelecido para as atividades turísticas e de
lazer de aventura. Cabe destacar, que os riscos presentes nas atividades de aventura
realizadas no contexto competitivo são mais presentes, e as responsabilidades mais
voltadas para o praticante, onde as habilidades individuais devem ser entendidas como
fatores de distinção para ocorrência de riscos. Estas são questões que exigem um estudo
com maior profundidade.
95
4.2 O risco no contexto da aventura
Apesar das atividades de aventura na natureza possuírem tecnologias avançadas
relacionadas às técnicas e equipamentos para praticá-las, o risco está presente de forma
concreta, e relaciona-se diretamente com questões referentes à postura de seus
praticantes.
A palavra risco deriva do italiano antigo risicare, que significa ousar. Neste
sentido, Berstein (1996), defende que o risco é uma opção, e não um destino, “É das
ações que ousamos tomar, que dependem do nosso grau de liberdade de opção, que a
história do risco trata. E essa história ajuda a definir o que é um ser humano” (idem,
p.8).
Se relacionarmos esta afirmação com os riscos presentes nas atividades de
aventura, originamos uma ferramenta de grande utilidade para ajudar-nos a
compreender estes “novos aventureiros”. Apesar de o termo risco possuir uma variante
muito grande relacionada a questões probabilísticas (cálculos), estes esportes destacam
uma ramificação voltada para as relações humanas, ampliando este entendimento:
uma coisa é estabelecer um modelo matemático que parece
explicar tudo. Mas quando enfrentamos a luta do dia-a-dia, das
constantes tentativas e erros, a ambigüidade dos fatos, assim como
o poder das emoções humanas, pode destruir rapidamente o
modelo (idem p.6).
Cabe aduzir que as questões acima apresentadas apontam para o que pode ser
chamado de sentido polissêmico do risco. Isso se encontra em Spink (2003), quando se
refere a uma polissemia de sentidos e de posições de sujeito:
riscos que assumimos individualmente, comportando-nos com
base na racionalidade clássica: valorizamos positivamente a
ousadia que nos leva a encarar certos riscos e confiamos na
informação e na capacidade racional de avaliar os riscos para
sobreviver a eles. O exemplo prototípico são os esportes radicais
(idem, p.1).
Este aspecto relacionado à escolha pessoal, também é abordado por Costa
(2000), quando a autora descreve a sociedade como promotora de prevenção de riscos,
mas menciona uma relação dúbia, destacando a existência de uma procura individual
96
que se volta à exposição voluntária ao risco, principalmente nas práticas físicas e
esportivas. Nestas práticas é que se situam as atividades de aventura, em especial as
corridas de aventura, em que existe uma exposição deliberada ao risco por vontade
própria.
Para exemplificar esta questão, irei apresentar um diálogo que descrevi em meu
diário de campo, na terceira noite de prova do Ecomotion Pro, no PC de uma barragem,
que antecedia à descida do rafting. Por volta das quatro horas da manhã.
Era visível o stress da equipe, dando a impressão de que eles, às
vezes, não falavam “nada com nada” (parecia que estavam em
transe, falavam dos equipamentos e pediam comida. Passavam
a idéia de que estavam presentes com o corpo, e que a cabeça
estava descansando).
Havia muitas pessoas na nossa volta, a maioria da organização.
Então Shine começou a falar (seu papel era bem definido dentro
da equipe quando a modalidade desenvolvia-se na água).
- Shine – Acho que deveríamos descansar umas duas horas, e
quando amanhecer descemos o rio.
- Emma Não temos tempo. Se não descermos agora, as outras
equipes vão nos alcançar.
- Shine - Eu só desci uma vez um rio à noite, e nunca desci de
noite um rio que eu não conhecesse.
- Emma Se a organização escolheu este rio, é por que não tem
perigo. Eles são responsáveis pelo que acontecer com a gente. O
que acha Benja? David?
- David Acho que Shine tem razão, podemos descansar um
pouco.
- Benjamim – Não sei bufffffff, acho que devemos descer.
- Shine O que acha Rapha? (foi a primeira e última vez que fui
solicitado para ajudar em uma decisão tão importante)
- Eu – Este rio é tranqüilo, eu já desci muitas vazes, não precisam
se preocupar. Eu desço seguido de bóia. Para vocês vai ser
tranqüilo.
Todas estas falas, no meio de um “buruburim” do pessoal que
estava em volta. Então Emma pediu para chamarem alguém da
organização. Na verdade ele estava e pediu para que eu e
Oscar servíssemos de intérprete.
- Emma - Como é o rio, muito perigoso?
- Homem (da organização) Não, o rio é tranqüilo, é de grau 3.
Nós operamos sempre neste rio. Este aqui (apresentando um rapaz
que estava ao seu lado), é o campeão brasileiro de canoagem e
pode falar melhor.
- Campeão de canoagem – Podem ir tranqüilos, o rio é bem
seguro, não vão ter problemas. As bifurcações estão bem
sinalizadas onde vocês devem entrar. Tem bastante luz neste
trecho.
Shine insistia em não ir, e me perguntou de novo. Eu falei com
ele, abraçando-o e dizendo para irem tranqüilos, mas que eles é que
tinham que decidir. David e Benjamin não estavam opinando
muito, mas ninguém parava de se arrumar, colocando os
97
equipamentos para a descida. Emma insistia que tinham que ir.
Nesse momento, algumas luzes começam a chegar, alguns gritos e
uma correria do nosso lado: era outra equipe. A expressão da
Emma era de horror, ela arregalou os olhos e disse: “vamos,
vamos”. Eles não demoraram nem dois minutos. Pegaram tudo e
saíram correndo. Ninguém exitou. Não esperavam outra equipe tão
próxima. Desde o início da corrida, mais precisamente desde o
segundo pc, eles não encontravam nenhuma equipe. Foi um
desespero. Foi o ponto crucial para que eles descessem o rio. Não
pensaram em mais nada e se foram corredeira abaixo.
Para tornar mais amplo o entendimento da situação, irei apresentar a descrição
desta mesma situação, sob o ponto de vista da capitã Emma Rocca:
Llegamos a las 4 de la noche, faltaban 2h para que se hiciera de
día y no teníamos claro de entrar en el agua. Como hacía dos días
que no había parado de llover el cauce del río había aumentado
mucho y los rápidos de clase III habían pasado a ser de clase
IV+... y de noche! Estuvimos discutiendo con la organización la
seguridad que tenía el río y que responsabilidades tenían ellos y
nosotros, no sacamos el agua clara y de pronto vino Merrell. Eso sí
fue un cubo de agua fría, no esperábamos a ningún equipo a
menos de 1h! Nos decidimos rápido, nos vestimos y con los
frontales Tikka
57
salimos al río.(...) No se veía casi nada y las
piedras aparecían como por arte de magia. Pocas veces he pasado
tanto miedo, esta es una de ellas. Fue una hora y media de rápidos
continuos, algunos de ellos peligrosos, no había descansos en el
río, estaba lleno de vegetación y árboles en los lados, el ruido era
ensordecedor...
Ao observarmos os parágrafos acima, os papéis dos atletas dentro da equipe
ficam em evidência. Estes diálogos demonstram como são negociadas algumas decisões
do grupo, e destacam a liderança da capitã. Apesar da indecisão dos atletas, foi apenas
aparecer outra equipe para que todas as outras questões fossem deixadas de lado e o
“competir” falou mais alto.
Neste sentido, Huizinga (2001), atribui que a competição possui todas as
características formais e a maior parte das características funcionais do jogo. Aponta o
mesmo autor, que entre as características gerais do jogo, estão a tensão e a incerteza.
A tensão e a incerteza, segundo Elias e Dunning (1992), são entendidas nas
atividades de lazer como um desenvolvimento incontrolado das emoções, uma forma de
excitação e/ou tensão vividas nestas atividades, mas sentidas com prazer.
Estas questões estão diretamente ligadas às corridas. Situam-se muito próximas
57
Marca de lanternas de cabeça, que deixa as mãos livres para remar ou fazer qualquer outra atividade.
98
das atividades de lazer, quando as equipes estão treinando para as competições, ou seja,
praticando-as fora do contexto competitivo. “Já referimos que numerosos tipos de lazer
integram, como uma das suas características principais, um elemento de risco, um /
brincar com o fogo” (idem, p.176). Eles, também abordam o elemento do risco, como
parte integrante destas atividades: “a excitação no lazer implica o risco de se
transformar a si mesma nos outros tipos. O risco indo até ao limite é essencial para
inúmeras atividades de lazer. Com freqüência constitui parte integrante do lazer” (idem,
p.151).
Estes elementos ganham visibilidade nas provas, quando são relacionados às
questões pelas quais se busca a vitória. São fatores que podem facilitar a compreensão,
os significados de tanto esforço para “apenas” chegar ao final.
A tensão e a incerteza quanto ao resultado aumentam enormemente
quando o elemento antitético se torna efetivamente agonístico nos
jogos entre grupos. A paixão de ganhar ameaça por vezes destruir a
ligeireza própria do jogo (HUIZINGA, 2001, P.55).
Alguns destes aspectos acima, podem ser facilmente observados ao
destacarmos a seguinte descrição:
eran las 12 del medio día del miércoles, casi tres días después de
haber empezado esta aventura. No faltaron Mortirolos para acabar de
rematar a un cuerpo que sólo pedía descanso, dormir, comer y
ducharse, pero sobretodo ganar, después de tanto sufrimiento nos lo
merecíamos…(Emma).
Se as questões abordadas acima, forem entendidas numa perspectiva de função
sanitária (ligada à saúde), podemos identificar que estes atletas possuem o que
poderíamos designar de “comportamento de risco”, ou seja, as escolhas ligadas ao seu
estilo de vida aumentam consideravelmente as possibilidades de algo danoso ocorrer.
Essa observação não se limita apenas às escolhas relacionadas às práticas, mas podem
ser estendidas às relações com o corpo, as roupas, entretenimento, alimentação, o carro,
opções de férias etc. Esses fatores relacionados ao estilo de vida, pontuando para um
estilo de risco, são observados por Castiel, (2003, p.91), ao considerar que:
99
se são atribuídas às pessoas suas escolhas de estilo de vida (...),
estão embutidos fatores/elementos considerados responsáveis por
possibilidades de ocorrências danosas à saúde. Então, não é
absurdo supor este subconjunto como o estilo de risco, como se, de
alguma forma as pessoas também “escolhessem” exposições a
riscos como formas de levar suas vidas (...).
Estas afirmações reproduzem, de certa forma, aspectos que constituem os modos
possíveis com que se lida com o mundo da vida, ligados às opções individualmente.
Essas escolhas podem ser entendidas como “estilos” mais perigosos, seja ele para o
próprio indivíduo ou para aqueles que participam do mesmo meio e/ou atividade.
Quando de fato é observado esse quadro, esses “estilos” podem constituir o que Meyer,
Mello, Valadão e Ayres destacam como “identidades desviantes”, ou seja, “correr risco
apresenta certo caráter definidor de identidades desviantes” (p.3).
O aspecto citado acima, ligado à dimensão social, deve ser entendido num
contexto mais amplo, relacionando-se aos fatores culturais. As atividades de aventura
estão repletas de símbolos, conjunto de códigos e sistemas de significação, que dão
sentido a essas práticas nos diferentes grupos, sentidos esses que são passíveis de serem
compartilhados entre os praticantes (aventureiros).
Mas o sentido atribuído a estas atividades, muitas vezes, difere entre os
diferentes grupos de praticantes. Para estes autores, devemos “entender a cultura como
um processo arbitrário, uma vez que cada grupo pode viver de forma diferente ou
atribuir um significado diferente a um mesmo fenômeno ou objeto” (idem ,p.5). Assim,
as atividades de aventura e risco só adquirem determinados sentidos no contexto da
cultura e da linguagem em que são compreendidas e experienciadas.
Para estabelecer uma reflexão mais “densa” relacionada a esta questão, algumas
reflexões sobre o conceito de habitus de Pierre Bourdieu. Para o autor habitus é um
conjunto de esquemas de disposição incorporados, percepções e apreciação que orienta
nosso treino e sentido para ele. Os vários bitos sociais são estabelecidos numa
referência direta das diferentes posições existentes em um espaço social, e opera como
“princípios de geração” (contra fatores determinados ou determinantes) do gosto,
levando em conta as práticas e os produtos oferecidos em um certo tempo, em uma certa
sociedade. O estudo de Kay e Laberge (2002) apóia-se no conceito de habitus e
estabelecem esta relação da seguinte forma:
100
gostos distintos podem ser explicados por diferenças de percepção e
apreciação (gerados pelo habito) dos benefícios sejam eles sociais,
econômicos, simbólicos, ou físicos esperados de práticas diferentes.
Bourdieu deu atenção especial ao gosto distinto por esportes e
atividades físicas (p.1 – 2)
Nesta perspectiva, o conceito de habitus se torna uma ferramenta de grande
utilidade para entendermos a preferência de um grupo social especifico por uma prática
especifica de esporte. Está ligada com a sua posição relativa no espaço social, e aos
benefícios em particular esperados pela prática. Entretanto, esse estudo não irá se
prender às questões relacionadas ao espaço social, mas para a construção dos sistemas
simbólicos, valores e crenças, que de certa forma, contribuem para a construção das
identidades:
na verdade, é ter um melhor entendimento da corrida de aventura
como uma pratica simbólica e portanto algo significativo em grupo
social, portanto um valor simbólico particular na construção da
identidade e das diferenças de um indivíduo como parte de um mais
amplo entendimento do campo de suprimentos de esporte (idem, p.2).
Bourdieu (1990) defende a idéia de que o “gosto” pela prática de um
determinado esporte é o resultado do encontro entre o hábito particular de um individuo
com a dinâmica especifica de campo. Conseqüentemente, se este é de fato gerado pela
posição de um indivíduo no espaço social, e se este entra no campo esportivo como um
hábito particular, poderia esperar que a maioria dos participantes de Corrida de
Aventura entendesse o esporte com o novo hábito, o habitus da aventura”. Se podemos
estabelecer que cada grupo de praticantes vincula a sua prática a um habitus próprio,
podemos entender certas posturas e atividades de risco escolhidas pelos atletas das
corridas de aventura.
Sob este aspecto, podemos destacar a existência de uma relação disto com certas
escolhas, no caso deste estudo, de algumas “escolhas de risco”. Se o risco está presente
nas atividades de aventura, e optamos por realizá-las, existe uma probabilidade de
ocorrência de fatores que podem vir a causar danos, ou seja,
101
traduzidas como uma probabilidade de ocorrência, tais relações de
causa-efeito fornecem explicações parciais dessas chances de
adoecimento, permitindo que, aplicadas aos comportamentos
relacionados à saúde, sejam descritas como “um risco que as
pessoas [ou grupos] decidem correr” por ignorância, por
irresponsabilidade ou por livre escolha (idem, p.6).
De acordo com o que foi até aqui apresentado, podemos considerar que as
atividades de aventura na natureza estão repletas de riscos e que seus “aventureiros”
optam por praticá-las. É justamente esta escolha, que diferencia esta prática de outras
esferas da vida cotidiana relacionadas ao risco. Segundo Costa (2000),
o risco deliberadamente escolhido é mais aceitável que o imposto
pelas circunstâncias (...). Ele se lança em situações que lhe
permitem calcular o risco e lhe dão condições de controlar o
imponderável. Ele não é um suicida, apenas gosta de vivenciar
situações de risco que lhe causam prazer (p.95).
Esta questão, relacionada à sensação de prazer nas atividades de risco, Elias e
Dunning (1992), afirmam que sentimentos antagônicos como o medo e o prazer,
proporcionam sensações agradáveis em muitas atividades de lazer:
(...) não são apenas opostos um ao outro (como /logicamente/
parecem estar) mas partes inseparáveis de um processo de
satisfação de lazer (...), alternância – medo e alvoroço – resultando
num clímax catártico, no qual todos os medos e ansiedades podem
resolver-se temporariamente, deixando por breves momentos, o
gosto da fruição da agradável satisfação (...) ( idem,p.160).
Nesta perspectiva, seria importante destacar aqui, alguns questionamentos
indicados por Elias e Dunning (1992), que são de grande relevância para este estudo.
Relacionam-se com a questão da tensão em práticas de lazer. Este termo também é
freqüentemente associado às práticas de aventura e transita no campo de similaridades
referido anteriormente.
se as tensões devem ser aliviadas, pura e simplesmente, como
perturbações das quais as próprias pessoas se preocupam ver livres,
por que é que no seu tempo de lazer elas voltam sempre a procurar
intensificação das tensões? Em vez de condenar as tensões como
algo que prejudica, não se deveria entes explorar as necessidades
que as pessoas revelam por uma dose de tensão, enfim, como um
102
ingrediente normal de suas vidas? Não deveria antes tentar
distinguir com maior clareza entre as tensões que são sentidas
como agradáveis e tensões que são sentidas como desagradáveis?
(p.142-143).
As questões apresentadas relacionam-se de forma direta com as atividades de
aventura. Estou me referindo às tensões sentidas como agradáveis que estão presentes
nos discursos dos competidores, e podem ser observadas também entre os praticantes
das atividades de aventura realizadas no âmbito do lazer. Para maior clareza dessas
observações, que se destacar algumas referências que se relacionam com o risco e
foram relatadas por diferentes autores, em estudos sobre a modalidade do rafting. De
acordo com Souza e Costa (2005), analisando os discursos dos praticantes de rafting,
interpretam que o momento de diversão nessas práticas está ligado ao risco
58
. A outra
questão refere-se ao momento de excitação na atividade de lazer. “O respondente (9)
descreve o momento de risco igualmente à descrição do momento mais excitante
passando uma idéia de que para ter emoção no rafting é necessário a existência do
risco” (p.22).
Em conseqüência disso, estas observações não devem limitar-se apenas às
práticas de lazer por pessoas que não tenham experiência na modalidade. Podemos
observar esta procura por momentos mais excitantes relacionados com o risco, em
pessoas que possuem certo domínio das modalidades. Isso é demonstrado em um
estudo feito por Filho e Schwartz (2005), com instrutores de rafting, ao afirmarem que:
é interessante observar também que, provavelmente, depois que
uma pessoa experimentou diversas vezes esta atividade, ele
comece a procurar elementos mais desafiadores, que podem ser
outros rios com corredeiras mais difíceis, ou a prática em dias de
chuva, quando o volume de água é maior ou, até mesmo, um
rafting noturno (p. 26).
Isso demonstra, de certa forma, uma procura por momentos de tensão dentro da
atividade, mas sentidas como agradáveis, mencionado anteriormente por Elias e
Dunning (1992). Nos discursos apresentados, a tensão ou excitação estão relacionadas
com o risco que estas atividades propiciam. Na corrida de aventura, isso depende da
58
“(...) Os respondentes dois e seis, a suas maneiras, ligam o momento de diversão ao risco, a vertigem, a
excitação, a adrenalina, ou seja, a um momento em que eles se encontram fora de si, como se uma força
estivesse tomando o controle de suas vidas (...)” (SOUZA; COSTA, 2005, p.20).
103
experiência de seus integrantes e da estratégia utilizada pela equipe. Betrán (1995),
salienta da seguinte forma:
(...) para os mais bem preparados, a elite destas novas práticas que
buscam emoções fortes e competitivas por meio de uma
multicompetição, uma espécie de maratona de modalidades das
AFAN
59
, baseada na integração do homem com a natureza por
meio da superação de obstáculos que esta lhe apresenta (p.6).
Estes obstáculos, muitas vezes, podem ultrapassar os limites, ocasionando uma
situação fora de controle. Este quadro não é raro nessas multicompetições de variadas
atividades de aventura. Para exemplificar, vamos observar duas passagens relacionadas
com o risco mencionado no decorrer desse tópico, escritos na crônica de Emma Rocca,
sobre a corrida de aventura do Ecomotion Pro 2005:
- A equipe da Costa Rica na noite passada viveu a pior
experiência de sua vida ao embocar de noite [no rio, na
modalidade de rafting] e perder sua ma, por sorte a
encontraram ainda viva.
- A notícia chegou quando nos disseram que os Suecos da
Cross [nome de uma equipe adversária] vinham a uma hora
atrás de nós, mas apenas ha 8 km antes de chegar ao final, um
de seus integrantes sofreu um colapso mental e desmaiou por
mais de uma hora. Tiveram que retirar-se quase na chegada!
Um fator curioso que geralmente acorre nessas atividades, é que a
possibilidade de acontecer algo, e, quando de fato acontece, os meios de comunicação
ressaltam o fato, principalmente a área jornalística, com suas estratégias persuasivas e
seus apelos populares, colocam em evidência a idoneidade e autenticidade das
atividades de aventura ligadas ao risco
60
.
São muitos os casos de acidente nas corridas, mas a maioria fica nos contornos
e comentários das provas. As exceções são os casos mais graves, que resultam em
mortes. Apesar dos atletas das grandes corridas serem experientes e bem treinados,
59
AFAN - nomenclatura criada por Javier Oliveira Betrán, utilizada por diversos autores que significa
Atividade Física de Aventura na Natureza.
60
“Os acidentes mortais que freqüentemente informam os meios de comunicação social, põem em
evidência a idoneidade a o perigo destas práticas, suscitam o eterno debate da regulação e controle deste
setor, mas no fundo resultam ser o pedágio necessário para dotar as atividades físicas de aventura na
natureza o selo de autenticidade imprescindível para manter o status de atividades de risco e aventura”
(BETRÁN; BETRÁN, 1999, p.87).
104
esses casos não são tão raros como se imagina. Na prova Fundy Multi-Sport Race de
1999, no Canadá, o atleta canadense René Arsenault morreu de hipotermia, em águas
geladas, numa etapa de caiaque. No último Raid Gauloises, no Quirkstão, morreu
afogada Dominique Robert, uma excepcional atleta de 46 anos. Na etapa suíça do World
Championship, em Saint Moritz, a atleta inglesa Carolyn Jones ficou presa mais de 20
minutos sob a água gelada, num cânion, e foi resgatada quase morta. Conseguiram
ressuscitá-la e ela ficou 2 meses em coma. As últimas informações que tive relatam que
ela hoje está numa cadeira de rodas, com sérias seqüelas neurológicas. No mesmo mês
da morte de Tatiana Goldoni, foi divulgada a morte de um atleta em alta montanha,
numa corrida nas Filipinas.
Assim, podemos entender as grandes corridas, como atividades não saudáveis,
uma agressão ao corpo. Segundo Dr. Clemar Corrêa, “É, sim, uma prova cruel de
sobrevivência. Pergunte às equipes brasileiras que estiveram lá. Muitos consideraram
aquela prova um inferno, um absurdo”. A agressão e o perigo vêm da privação de sono,
das infecções, das intoxicações, dos inúmeros traumas, das lesões de pele
principalmente nos pés, da alimentação, desidratação, exaustão física, da exposição
contínua ao Sol, do calor, do frio, do perigo dos animais selvagens, do risco de
afogamento, avalanches, da dor, do stress, do sofrimento e da queda brutal da
imunidade. Esse é o preço da aventura no seu limite máximo. No entanto, temos que
reconhecer que em praticamente todos os esportes, muitos atletas de ponta também
bastante machucados. Mas nos outros esportes, as lesões por acidentes possuam outra
conotação:
na Medicina Esportiva uma frase clássica que diz “O esporte
não é saudável o treinamento sim”. A grande diferença a meu
ver, é que nos esportes olímpicos as lesões e o sofrimento são
acidentais e nas corridas de aventura gigantes a lesão e o
sofrimento são “o espetáculo” o “ Reality Show” (Dr. Clemar
Corrêa).
O envolvimento nestas atividades ultrapassa, muitas vezes, alguns sentidos da
razão. A tensão, ocasionada devido à emoção vivida em algumas circunstâncias durante
a corrida, relaciona-se com que Huizinga (2001), descreveu: “a essência do espírito
lúdico é ousar, correr riscos, suportar a incerteza e a tensão. A tensão aumenta a
importância do jogo, e esta intensificação permite ao jogador esquecer que está apenas
jogando” (p.59). Dentro deste entendimento, estas idéias referentes ao aumento da
105
importância do jogo, estão ligadas ao sentido de ganhar, e são abordadas por este autor:
o que é “ganhar”, e o que é realmente “ganho”? Ganhar significa
manifestar sua superioridade num determinado jogo. Contudo, a
prova desta superioridade tem tendência para conferir ao vencedor
uma aparência de superioridade em geral. Ele ganha alguma coisa
mais do que apenas o jogo enquanto tal. Ganha estima, conquista
honrarias: a estas honrarias e estima imediatamente concorrem para
o benefício do grupo ao qual o vencedor pertence (idem, p.57-58).
Esses relatos nos fornecem um conteúdo importante para entendermos a relação
do risco nessas atividades. No caso do risco, diríamos que o foco é definido pelas
configurações da sociedade em diferentes instantes: há momentos (ou domínios) em que
correr riscos passa a ser comportamento eminentemente negativo e outros em que a
positividade do risco pode encontrar ressonância nas práticas sociais. Em algumas
épocas da história, correr riscos era sinônimo de ignorância. Em períodos mais
próximos aos atuais, o risco ganhava a marca de irracionalidade. As corridas de
aventura parecem ser herdeiras de um sentido de positividade de risco. A participação
nestas competições surge como um sentido positivo de vivência do risco, de
crescimento pessoal, como apresenta Spink (2003):
correr riscos assume assim a positividade da energia e das emoções
que fazem emergir o sentido da existência. Ressurge, dessa forma,
a velha figura do risco como possibilidade de crescimento pessoal
figura antiga, mas nem por isso desgastada, que volta a circular
nas práticas discursivas ciclicamente (p.3).
4.3 Os riscos e as corridas de aventura
Entre as diversas atividades de aventura, existem muitos fatores que se
relacionam com o risco. Podemos destacar entre eles, uma diferença muito significativa
em relação ao espaço onde são praticadas e que refletem diretamente nesta questão. Nas
atividades realizadas ao ar livre, como rafting, montanhismo e rapel, entre tantas outras,
mesmo com a tecnologia dos equipamentos e profissionais especializados, os
praticantes estão expostos ao risco.
Diferentemente disto, as atividades em ambientes artificiais possuem uma maior
106
segurança, pois não sofrem influência do meio natura
61
. O risco, praticamente inexiste,
adquirindo sentidos mais aparentes que reais. O espaço de jogo encontra-se
domesticado. Nesta perspectiva, Marinho e Bruhns (2001), afirmam que:
desta forma, as atividades, vividas nos ambientes naturais e
artificiais, devem ser compreendidas cada uma em seu contexto, de
acordo com seus diferentes códigos, comportamentos e sentidos de
aventura, pois as formas de experimentação de emoções
compartilhadas serão sempre diferentes (p.110).
A distinção relacionada ao ambiente de prática, na maioria das vezes, é descrita
como outdoor e indoor. Este quadro é apresentado por Marinho e Bruhns (2001b), com
diferente terminologia. Elas distinguem estas nomenclaturas como “pólo selvagem” e
“pólo domesticado”. Segundo as autoras, “O pólo selvagem corresponde a um meio não
condicionado, incerto e instável, no qual se requer, constantemente, tomada de
informação e decisão motoras dotadas de riscos da improvisação” (p.44). Para
exemplificar, utilizam a escalada em rocha, na qual sua prática se no meio natural
62
.
O outro pólo, chamado de “pólo domesticado”
63
, corresponde ao meio estável e
previsível, ou seja, um espaço mais controlado, em que os equipamentos e a
interferência humana conseguem minimizar (praticamente eliminar) o risco.
Em contrapartida, há quem acredite que, mesmo nas atividades de aventura
realizadas em contato com a natureza, o risco está controlado. Trata-se de um ato
mimético, uma dimensão simbólica ou imaginária. Um exemplo disto é a posição de
Feixa (1995), quando atribui que os riscos nestas atividades são mais aparentes que
reais, que são caracterizadas por emoções limitadas, controladas, de certa forma
fictícias. Riscos provocados, artificiais, de certa forma imaginários” (p.37). No mesmo
sentido destas idéias, se encaminham os pensamentos de Martín e Encinas (2004), ao
afirmarem que:
61
“Se poderia dizer que o conceito de aventura nos recódromos artificiais de escalada, se aproxima mais
de um tipo singular de vivência lúdica, manifestada por um jogo de movimentos corporais, em que os
companheiros e equipamentos compõem o cenário” (MARINHO; BRUHNS , 2001, p.107).
62
Na escalada esportiva realizada nas rochas, na natureza, apesar de certo controle, possibilitado pelo
equipamento, não se pode, previamente, deduzir seqüências motoras, muito menos controlar, totalmente,
os fatores externos. (MARINHO; BRUHNS, 2001b, p.44).
63
“Meio estável e previsível. Nesse espaço mais controlado, é possível programar as seqüências de
comportamento em formas de estereótipos motores eficazes. Os aspectos de informação e decisão da
conduta motora, em resposta a esse meio ‘imutável’, reduzem-se a sua expressão mais
simples”(MARINHO; BRUHNS, 2001b p.44).
107
baseando-se na evidência de que nenhuma pessoa, em são juízo,
queira realizar atividades que colocariam em perigo sua
integridade, o conceito de aventura dentro da atividade físico-
desportiva no meio natural deve entender-se como um ato
mimético (p.45).
Estas interpretações me permitem discordar destes autores, quando colocam em
dúvida a existência do risco em atividades de aventura realizadas ao ar livre. Devemos
desenvolver este quadro com bastante cuidado. Nas atividades de aventura realizadas ao
ar livre com instrutores treinados e equipamentos adequados
64
, a possibilidade de
acontecer algo diminui consideravelmente, mas não é descartada. Na realidade, estas
práticas caracterizam-se por serem “atividades rodeadas de riscos e perigos, calculadas
na medida do possível” (MARINHO; BRUHNS, 2001 p.105).
Este quadro pode ser facilmente observado e, de certa forma, agravado ao
destacarmos as corridas de aventura. Muitas vezes, seus atletas chamados de
“aventureiros”, podem, dentro de uma diversidade de escolhas, optar por diferentes
caminhos e conseqüentemente de diferentes níveis de riscos que pretendem vivenciar ou
mesmo estão aptos para tal. Num mesmo paredão de rocha, podem existir caminhos
bem diferentes. Um mais rápido e íngreme e, por conseqüência, mais perigoso e, outro,
menos íngreme e demorado
65
. Na corrida de aventura, isto depende da experiência de
seus integrantes e da estratégia utilizada pela equipe.
Este estudo situa-se nas atividades ao ar livre, ou seja, outdoor. Mas as questões
ligadas ao fator R não se limitam apenas ao espaço de jogo. É importante entendermos a
ligação do risco com os aventureiros/atletas. Como perceber esta relação quando existe
uma procura por atividades de risco, e as atividades praticadas estão inseridas em uma
competição? Para destacar algumas questões relacionadas ao risco em diferentes
perspectivas, irei apresentar um trecho da entrevista feita com a equipe Buff, que
64
“O grau de segurança depende da experiência do escalador com os equipamentos, com a atividade e
suas variáveis; da mesma forma que está diretamente relacionado com determinado tipo de escalada
realizado em seu respectivo ambiente. Existem mais variáveis que interferem na segurança em uma
escalada na rocha, por exemplo, que em uma escalada indoor” (MARINHO; BRUHNS , 2001, p.107).
65
“Com o meio estável, se jogam esportes como o basquete ou a natação; com o meio instável
(cambiante) os elementos atmosféricos, ou espaciais exigem uma adaptação a situação (por exemplo, a
mesma pista de esqui podemos encontrá-la com neve dura, placas de gelo, banheiras ou neve em flocos).
O espaço de jogo pode estar catalogado segundo a forma em que se manifesta (...) que indicam
dificuldades graduais” (MATA, 2001, p.11-12).
108
consegue, em poucas linhas, abordar a complexidade deste tema.
(...) mas quando tem uma equipe atrás ou uma competição pelo
meio, pois, às vezes subestimas o nível e isto pode ser arriscado e
perigoso, pois te atiras na piscina, e depois olhas as conseqüências.
É um pouco sui generis, um pouco assim. Penso que há muito risco
nas corridas de aventura. O corredor tem que ser responsável, mas
também a organização para minimizar todo o tipo de problemas,
porque o corredor vem cansado, o corredor vem sem dormir, sem
comer, muitas horas sem parar e tudo, mesmo muito mais difícil do
que seria um dia normal descansado, é mais difícil botar de noite, é
mais difícil rapelar, mais difícil remar bem, ver para onde vai o rio,
tudo. Então é muito arriscado sim, a vantagem é que vais em
equipe. A equipe equilibra as possíveis deficiências de um ou de
outro se olhas algum com a bici, que está indo à valeta, agarras, o
tira, tens mais recursos para evitar acidentes e, às vezes, a
experiência, a experiência de conhecer teus limites e saber onde
podes chegar e de ver pois aqui não passo, ou agora eu paro, ou
agora comemos ou o que seja. Penso que é um pouco cada um
também conhecer-se para evitar (Emma).
A parte do risco de acidentes, também está um risco que não
conhecemos, que é o que pode acontecer contigo, uma reação do
teu corpo que não conheces, como aconteceu com o rapaz Sueco
66
esta vez, ou, não sei, que tenhas alguma doença que não conheces
alergias, e numa corrida de aventura isso é muito, é muito mais
fácil que te aconteça do que a via normal porque leva o corpo
muito ao limite e com isto não contamos nunca e existe (David).
Nestas duas passagens, tornam-se explícitos alguns itens relacionados ao risco
nas corridas de aventura. O primeiro relaciona-se à competição, quando a atleta
menciona que, quando estão pressionados por outra equipe, “te jogas”, para depois ver
as conseqüências, ou seja, não são avaliadas, muitas vezes, certas atitudes ou tomadas
de decisões em modalidades que podem ser arriscadas. A atleta admite o risco, e
estabelece alguns agravantes nessas atividades. As questões com a competição serão
abordadas mais profundamente no decorrer deste capítulo.
Outro ponto destacado refere-se à questão de responsabilidade do atleta para
minimizar alguns riscos, pois está competindo em uma prova de vários dias, em que
suas condições físicas tornam-se cada vez mais debilitadas, interferindo na execução das
modalidades. Essa questão está relacionada ao conhecimento individual e na
66
No Ecomotion Pro 2005, a equipe segunda colocada estava apenas 8 km da chegada, quando um de
seus atletas não passou bem e desmaiou, ficando por quase duas horas inconsciente. Foi levado ao
hospital da cidade, mas segundo os médicos e a organização, não passou de um susto.
109
experiência de cada atleta nessas provas, em saber seus limites e suas deficiências em
algumas atividades. Para Mateus, o grau de responsabilidade do atleta é muito grande:
“é, eu acho que tu tens que assumir o risco né, tu estás te dispondo a fazer um esporte
ali,(...)é uma prova que te exige muito, disposto a competir ali, está correndo risco”.
Nesta mesma perspectiva, Heitor assume a existência do risco, e considera que a
responsabilidade do atleta pode ser minimizada com algumas atitudes: “cara eu acho
que existe o risco. O atleta ele pode minimizar muito esse risco estando com o seu
equipamento em ordem, e tendo treinamento para as modalidades, tendo noções básicas
para as atividades” (...).
Entretanto, esta responsabilidade deve ser repartida com a equipe responsável
pela organização da prova. Além de profissionais capacitados e equipamentos
adequados, devem ter coerência na escolha do trajeto. Muitas vezes, os atletas confiam
nestes preceitos, e encaram esses desafios muito perto de seus limites, confiando na
capacidade das informações cedidas pela organização. É o que podemos facilmente
observar a seguir:
eu acho que principalmente, quem pode minimizar muito o risco de
acidentes é o organizador, por que muito dos equipamentos de
verticais e de rafting e tal, o fornecidos pela organização. Tem
que ter o critério também de seleção de percurso pro rafting, ou
seleção de percurso até pro trekking, pode ser, ele pode
proporcionar acidente fatal se não tiver uma segurança razoável
assim né (Heitor).
(...) confiar que a organização tentou amenizar os riscos, isto
agente conversa às vezes nas provas, os caras não iam, se botaram
aqui é por que dava para passar, agente sempre tenta entender
assim né (Mateus).
Infelizmente, não foi difícil encontrar nos discursos dos praticantes elementos
que emergem em sentido oposto ao que estabelecemos acima: “com Benjamim, também
na Suíça, no ano passado, tivemos um acidente, mas não um acidente por culpa nossa,
mas por culpa da organização porque tinham as cordas mal montadas, e isso é um erro,
que não é vontade tua” (Emma).
110
Ás vezes no rapel, já aconteceu numa prova de acorda está na alma
67
já, e a gente ter que descer sabe, tipo, ali uma vontade de não
descer, mas tu ta naquela adrenalina, naquela pressão das equipes
descendo, e tu foi, mas é um risco, que eu acho, não devia acontecer,e
a organização devia ter este cuidado.(Amanda )
Além de destacar a questão do risco por imprudência da organização,
sentimentos de impotência foram destacados:
vimos os acidentes. Vimos tipos de acidentes e a sensação é de raiva e
impotência, que tu poderias estar ali também e sofrido o mesmo
acidente que sofreu ela e que é ma sorte e “replantear-teonde estás e
o que faz. É um pouco, é muito duro, é muito duro (Emma).
Também se refere ao trabalho em equipe como um fator positivo, pois como a
atleta mesmo salientou, “equilibra as possíveis deficiências” e “têm mais recurso para
evitar acidentes”.
(...)eu acho que o maior, é tu consciente, é difícil mas é tu
manter a equipe junta, por que quando um está sozinho, mais na
frente ou num canyoning ou num rafting, quando um ou dois estão
afastados, quando a equipe tá, anda muito afastada, há mais chance
de acontecer um acidente grave assim, quando a equipe está toda
junta, agente alivia os obstáculos, avalia os acidentes, avalia toda
esta questão de risco de vida até né (Jean)
Outra questão está ligada às atividades praticadas durante a noite, quando
diminui a visibilidade e dificulta a execução da maioria das atividades.
Participar destas corridas não é arriscado?
- Bastante (Mateus).
Não tem perigo?
- Tem. Acho que tem bastante, a gente passa em cada lugar,
principalmente prova tipo Ecomotion, assim, ou prova de dois a
três dias que pega noite é mais perigoso ainda. Às vezes tu passas
por lugar, tu nem tem muita noção do que está fazendo, (Mateus)
67
Chamamos de alma da corda o miolo, a parte que fica por dentro do tecido que reveste. Enquanto o
revestimento não sofrer alterações, é a alma quem resiste a grandes pressões. Mas se a parte externa da
corda estiver danificada, ela se rompe com facilidade, ou seja, um toque sutil em uma fenda pode ser
fatal.
111
Não tens medo?
- Não (Mateus).
Nunca teve medo numa corrida de aventura?
- Não, tive. No Ecomotion já tive, teve uma noite que eu tive
medo assim, que nós estávamos no cânion do fortaleza e começou
a armar um temporal assim, e nós estávamos perdidos, e
relâmpago, começou a armar um temporal, nós no meio do campo
ali, eu, foi uma das únicas vezes que eu fiquei com medo em uma
corrida de aventura, por que geralmente tu está perto de alguma
coisa e tu recorre né, e não tinha muita coisa que recorrer, tanto
é, por que a gente não sabia aonde tava direito. (Mateus)
No trecho da entrevista de David, podemos destacar outro item, relacionado a
doenças que podem vir a acontecer, que não temos conhecimento por que ainda não se
manifestaram em nosso organismo, ou até mesmo alergias que o contato com a
vegetação mais selvagem pode causar, principalmente quando trabalhamos muito
próximo ao limite durante bastante tempo, baixando consideravelmente as imunidades
dos atletas. Para abordar este assunto, irei destacar uma passagem da entrevista do Dr
Clemar Corrêa
68
:
muitas vezes o atleta tem uma lesão silenciosa, sem sintomas,
principalmente cardíaca ou cerebral, e durante o esforço brutal essa
lesão se manifesta, matando-o. É como você tivesse um pequeno
problema no motor do seu carro, que não compromete seus
percursos aqui na cidade. Mas quando você faz uma viagem de 500
quilômetros, ele pára na estrada pela exigência maior do motor.
Além disso, vale lembrar que nas corridas de aventura, numa
emergência dessas, o atleta está geralmente muito longe do resgate
e da equipe médica. Isso leva quase a zero a chance dele
sobreviver.
Para dar continuidade a alguns elementos associados ao risco nestas
competições, irei apresentar um trecho que observei no último desafio dos espigões,
relatado em meu diário de campo:
quando chegou a equipe LESMA LOUCA, parecia estar tudo bem.
68
Dr Clemar Corrêa da Silva é neurocirurgião, especialista em resgate e medicina esportiva, coordenador
médico do Rally Internacional dos Sertões e das principais corridas de aventura do Brasil (o Ecomotion
por exemplo). É diretor do Departamento Médico da Associação Brasileira de Esportes de Aventura
(ABEA).
112
Estavam bem atrasados em relação aos primeiros. Notei que a
menina só colocou a cadeirinha, mas não prendeu as presilhas.
Chegou para o rapaz das verticais e levantou os braços, para ele
amarrar a cadeirinha. Imaginei que ela estivesse cansada, ou que a
cadeirinha não fosse dela. Ela disse: “não sei colocar a
cadeirinha”. Isto me chamou a atenção. Desceram primeiro os
dois rapazes. A menina seria a terceira a descer. Quando seus
companheiros de equipe começaram a descer ela disse que estava
nervosa. O outro atleta disse: “se acalma que não dá nada, não fica
nervosa”. Então ela informou para a o pessoal da organização
(responsáveis pelo rapel) que nunca tinha feito rapel, e não
participou da oficina da organização (antes da prova é feita uma
oficina que explica e ensina a fazer as modalidades que serão
exigidas durante a prova. Tem uma parte teórica e outra prática,
mas não é obrigatória a presença). Pude observar que ela estava
muito nervosa e ansiosa. Seu companheiro de equipe tentava
acalmá-la. Quando a prenderam na corda, ela tremia e estava com
a boca roxa, meio esbranquiçada. Ela dizia que estava com muito
medo. Seu colega de equipe dizia que não era para ela se
preocupar que era seguro. Algumas instruções de como fazer o
rapel foram passadas para ela na hora de descer. Quando ela
começou a descer, disse: “eu não vou conseguir! Eu não tenho
coragem! Estou com medo!” Seu colega estava ansioso, e dizia:
“vamos lá, coragem. Não precisa ter medo!” Quando ela desceu
cerca de um metro, disse que “não vai dar, estou com muito
medo”, nisto ela já começou a gritar, e com voz de desespero
disse: “Ai gente, eu acho que vou chorar!”. Seu colega de equipe
dizia: “calma, calma, não olha para baixo”. Então, muito nervoso
pediu para a organização para descer pela corda do lado, junto
com sua companheira (o que não poderia pelas regras da prova). A
organização disse que não. Então ele começou a insistir bastante, e
também gritava com ela para que ela ouvisse, pois estava muito
nervosa. Dizia para ela descer. A menina começou a chorar e disse
que não iria descer. Estava com uma expressão de desespero.
Estávamos todos ficando apreensivos. Então ele disse de novo:
“não olha para baixo, e vai descendo bem de vagarinho”. Ela
respondeu: “não consigo, eu quero sair!” Nisso conversamos por
rádio com o pessoal que estava embaixo no rapel, para que
fizessem a segurança dela. O companheiro de equipe ainda
insistia, e disse que se ela não descesse, eles estariam
desclassificados. Devido à pressão que seu companheiro de equipe
estava exercendo sobre a atleta, e o desespero que ela aparentava,
o pessoal da organização resolveu interceder. Disseram para ela se
acalmar, e disseram para ele parar: “calma cara, não é bem assim.
É melhor ela não descer, isto pode traumatizá-la. Ela pode não
querer fazer nunca mais por tu forçar”. Então eu disse que eles
não estariam desclassificados, apenas tomariam uma penalização
de meia hora por atleta que não descesse. Aí ele disse: “então tá, te
acalma, que não tem mais problema”.
Nesta passagem, podemos destacar algumas questões. É fácil observarmos
alguns riscos existentes através deste relato, não apenas da modalidade praticada
(rapel), mas dos aspectos fisiológicos (batimento cardíaco, perder a consciência...) e
113
psicológicos. Esta atividade (rapel) depois de realizada algumas vezes torna-se
tranqüila, ou seja, pode ser vivenciada primeiramente de uma forma prazerosa, com
calma, desfrutando da paisagem e do gosto pela emoção que geralmente esta atividade
propicia. Para depois, termos habilidade suficiente para realizá-la sob pressão, com
pressa (ligeiro), como acontece na maioria das vezes durante a corrida. Se não for desta
forma, (nessa seqüência de aprendizagem), alguns aspectos podem torná-la, para
algumas pessoas, traumatizante.
Outro ponto a ser destacado, relaciona-se à falta de experiência, ou seja, uma
atleta que entrou na corrida sem nunca ter praticado uma das modalidades de risco
exigidas na prova. Este fato parece não ser tão raro, pois não é a primeira vez que me
deparo com esta situação. Entre os entrevistados, Amanda refere-se a uma prova em que
perderam a liderança, ou melhor, saíram da corrida, por que ela teve medo de realizar
uma das modalidades. Isso se deve ao fato de que, nem nos treinos, ela já tinha
praticado alguma atividade na corredeira.
tive medo de entrar na água. Uma vez nós estávamos em primeiro
na prova, e chegou na hora eu travei, não tinha quem me fizesse entrar
na água, não tinha. Bóia cross , deu um nico assim sabe, mas já
foi superado. Era corredeira, largava na barragem das laranjeiras.
E por último, um fator de grande importância que se relaciona com a
competição. Por alguns momentos, a insistência de seu companheiro de equipe
demonstrou o grau de competitividade que existe nessas corridas. Além da atleta não
estar em condições de realizar a atividade (condicionamento psicológico e
conhecimento técnico), ele estava mais preocupado com a prova e com a
desclassificação da equipe. O fator competitivo “falou mais alto”, e tornou-se mais
importante do que o risco de ocorrer algo com sua companheira de equipe.
Nesse contexto, as corridas de aventura apresentam, de certa forma, o fator R e a
competição interligados. A competição interfere na questão do risco, principalmente
quando influencia diretamente nas atitudes e posturas dos atletas durante a corrida, ou
melhor, durante as decisões da equipe. Um exemplo disto é observarmos, quando os
atletas estão pressionados ou disputando uma colocação, em que a ousadia pode trazer
algumas colocações, mas há um custo bem alto se algo der errado.
114
Com relação a esse aspecto, a competição, irei abordá-lo sob diferentes
perspectivas, pois considero um dos elementos mais importantes para entendermos os
sentidos destas práticas para seus aventureiros. Durante minha imersão no campo, pude
observar diferentes posturas relacionadas a este aspecto.
As posturas, geralmente, diferenciam-se nas perspectivas quanto aos resultados.
Para demonstrar este enfoque, irei destacar alguns trechos das entrevistas. Os três
primeiros relacionam-se com a vitória:
há, sempre a gente larga para ganhar, sempre tentando chegar o mais,
se não ganhar, chegar o mais perto possível do primeiro, nunca larguei
numa corrida assim pensando, a gente vai tentar chegar entre os
vinte... (Mateus).
a gente sempre quer ficar bem. Sempre quer chegar entre os primeiros
né. A gente , e na minha cabeça tem assim: fazer o meu melhor. Fazer
o meu melhor , não preciso chegar em primeiro. Saber que naquele dia
eu fui bem o quanto eu poderia ir.(...), então acho que a perspectiva é
sempre de ir bem, tu te superas superar enquanto indivíduo, enquanto
equipe (Jean).
cara, a gente, a gente já tipo, acostumou a se sair bem, assim , nas
provas, costumou a vencer prova, e a gente normalmente entra na
prova pra vencer entendeu, entra na prova pra o ver ninguém na
nossa frente, assim, é andar na frente de cara. Eu gosto de chegar e
andar na frente o tempo todo, prefiro do que, não gosto de andar atrás
de ninguém pô (Heitor).
Este trecho destaca o quanto são competitivas estas provas. Mas existem
equipes em que o objetivo principal não se limita a ganhar, e sim em concluir a prova,
uma espécie de vitória às avessas. Entretanto, um fator ainda mais peculiar destas
práticas, deve-se ao fato, de uma mudança de postura, relacionada a forma de competir.
Um exemplo é a equipe Ratos de trilha (Mateus), quando participaram da corrida de
expedição (sete dias), que o objetivo maior foi concluir a prova. Conseguiram. Foram à
última equipe a terminar o Ecomotion Pro 2005. A equipe Caverá, demonstra uma
postura bem definida relacionada a esta questão:
115
(...) a gente vai participar de uma prova de vel nacional, de nível
internacional, a gente sabe, sabe o nosso lugar né. a gente tem os
nossos objetivos dentro de cada competição. Às vezes o objetivo
numa prova internacional tipo Ecomotion é chegar entre as 10
melhores equipes. Como a gente fez isso, já, chegou bem
também, então a gente cara, a gente gosta de andar bem, andar na
frente, andar forte. Pra mim não gosto muito do espírito de participar
de uma competição, assim o cara, é participar e chegar bem, assim.
(Heitor)
Mas outras equipes portam-se diferentemente, independente da prova que
participam: com certeza, tenho na verdade, um espírito de competição. Mas se
acabamos a corrida e tenhamos tido prazer, não importa realmente a colocação, é o mais
importante é que a equipe tenha funcionado bem. E basta” (Benjamim). A fala de seu
companheiro de equipe David, segue a mesma linha: “primeiro eu mentalmente saio
observando tudo para ver o máximo que podemos fazer e, se quando vai acabando,
estamos na frente, melhor, e se não, também porque o que eu gosto mesmo é a
experiência geral da corrida, não o resultado”. Estas duas colocações foram
complementadas pela capitã da equipe:
eu sempre quando perguntam: quais são tuas expectativas em uma
corrida? Sempre digo fazer o melhor que a equipe pode, sempre, fazer
o melhor que podemos dentro de nossas possibilidades. Se, depois,
com isso, consegues estar à frente, bem, se fazendo o que podes não
estás à frente, é porque as outras equipes são mais fortes. Então tens
que aceitá-lo e continuar tanto quanto tu podes. (Emma)
Ao observarmos o ponto de vista da capitã, percebemos o grau de envolvimento
desta atleta com as competições, e o nível que a equipe se encontra. Existem muitos
outros fatores importantes que “nutrem” esses aventureiros a passar dias sem descanso,
numa competição árdua em meio aos desafios da natureza. Apesar das duas posturas
perante a competição serem diferentes, e esta ser considerada em muitos casos como um
agravante na relação com o risco, podemos destacá-la como um fator motivacional para
muitos:
tu podes fazer por tua conta e sem competição, mas esse é o
cúmulo de tudo, o que te atrai também, não uma coisa. Em tua
casa tu também podes ir de bicicleta e logo irá correr, e logo irá
remar, mas é muito diferente não faz acompanhado de tanta gente e
nem com orientação, nem tantas horas, nem passando fome é o que
116
dizia Shine também, não é, esse desafio, mental e pessoal que, que
é este tipo de corrida (David).
pois igual a eles, o que é tudo o mesmo, poderá fazê-los em lugares
que em casa não faria, e poder chegar a lugares impossíveis em
carro e, sobretudo, pois, fazer em equipe, que muda muito tu fazer
sozinha que com todos eles. É outra maneira de enfrentar todas
essas atividades sócio-culturais. (...) Penso que a competição
movimenta um pouco de tudo, é um motor que temos dentro e que
nos faz, pois, exprimirmos o máximo (...) (Emma).
Durante as entrevistas, pude observar que os atletas não dão muita importância
para o risco nas atividades. Eles estão cientes da existência, mas abordam o tema
relacionando com outras atividades de aventura no meio natural, como se fosse a mesma
coisa. Mas é aparente a “relação de atração” quando falamos do fator risco, sendo este
comentado como um dos fatores propulsores de suas práticas, um dos motivos pelos
quais praticam, como demonstra Benjamin:
creio que o risco é uma parte da corrida de aventura, que se não
houvesse risco creio que não, que eu não correria corridas. O risco é a
“salsa, a pimenta”. O que eu gosto é de pensar que estamos autônomos
em todas as atividades (...). Creio que a atividade onde há mais risco é
a bici de montanha, nas corridas de aventura, porque é muito fácil
dormir-se e de cair das bicis (Bemjamin).
bem, como eles, como eles, mas diferentes maneiras de portar na
competição. pessoas que gostam de competir para, para comparar-
se com as outras pessoas. E outras pessoas que gostam de competir
para ver seu próprio nível, independentemente das pessoas que esteja
e é, mais este caso que eu gosto, ver o nível que eu tenho, meu pessoal
a ver se chegado a este ou a outro, ou até onde podes chegar (David).
Antes de concluir este tópico relacionado ao risco nas corridas de aventura,
gostaria de destacar um elemento de suma importância nesta relação, que faz parte das
estratégias das equipes, e considerado por muitos como um fator decisivo para o êxito.
Trata-se de uma necessidade que faz parte do dia-a-dia: o “sono”. As grandes corridas
são uma agressão ao corpo. A exaustão física, as inúmeras lesões, alimentação, o
stress e a privação do sono, formam um dos maiores perigos destas provas. Para
muitos, não é possível que esses atletas fiquem dias sem dormir, se alimentando mal e
sem parar de fazer exercícios. Mas de fato este quadro acontece e, entre todos estes
fatores citados, o maior problema, segundo os atletas, é o sono. Muitos colocam esta
questão como sendo central para a regulação do risco. Segundo eles, a maior incidência
117
de acidentes provém de momentos de descuidos por causa do sono. Para exemplificar,
vou destacar o sono como integrante do risco e aspecto ligado às estratégias das
equipes:
a questão do sono que é bem importante, por que muitas vezes os
acidentes acontecem quando a pessoa está dormindo, está de olhos
abertos, mas de tão cansada, ela acaba querendo continuar com a
equipe, a equipe esbem mas ela está dormindo, e acaba querendo
superar o sono, e não consegue. O sono quando vem, tens que dar uma
paradinha, tem que dormir, e vem pra todas as pessoas em momentos
diferentes, em horários diferentes do dia (Jean).
é o mais duro. O sono que te vem depois da noite para superá-lo,
tens que cantar, que falar , que trilhar, para não dormir. Quando vais
na bici, é o mais perigoso e quando vais a pé consegues dormir
correndo atrás do outro. Remando é o mais monótono, é o que te vem
mais sono , o mais sonífero, remar em caiaque, em raftting não nos
nada de sono durante os primeiros 5 ou 6 km depois quando o rio se
acalmou um pouco, um pouco dormimos sem querer, segundos, e é
curioso como , às vezes, dormir segundos te compensa muitíssimo. O
corpo necessita desconectar nem que seja uns segundos e depois te
encontras muito melhor, é o mesmo mais duro nas corridas (Emma).
Estes fatores, característicos dessas provas, colocam em evidência o elemento
muito peculiar nestas corridas. Chega um momento em que o atleta não consegue
raciocinar adequadamente, fica com o humor alterado, facilitando assim erros de
navegação, de logística, de administração de conflitos, tomada de decisões, por
exemplo. Nesse momento ficam comprometidos também reflexos importantes para
evitar, por exemplo, uma queda séria da bike, uma remada rápida no duck, um controle
na corda, entre outros. Inúmeros atletas se perderam assim ou tiveram acidentes
importantes. Para entendermos este teste de resistência humana, irei destacar um trecho
de entrevista do Dr. Clemar Corrêa, que demonstra como esta situação é possível ou
pode ser enfrentada:
e como os atletas conseguem ficar tanto tempo sem dormir ? Não é
absolutamente por causa da cafeína, que nem todos usam, ou de
outras drogas. A própria euforia da prova é um grande estimulante. É
aquela “gana” de chegar na frente ou pelo menos poder completar a
prova, sem cortes, de ampliar seus limites. Suponhamos que uma mãe
tenha um filho pequeno que fique muito doente e seja hospitalizado.
Se for preciso ficar acordada ao lado dele por 72 horas pode ter
certeza que essa mãe ficará e sem drogas. Ou seja, o corpo e a mente
têm seus próprios estimulantes muito potentes, que são recrutados
quando necessário. Além disso, o atleta tem o desconforto do
118
sofrimento físico e mental, a dor das lesões, e um aumento da
temperatura corporal pelo exercício intenso. A hipertermia leve
dificulta o sono. E você tentou dormir com dor? tentou dormir
num quarto muito quente e desconfortável? Isso sem contar os locais
onde há o frio violento.
Nesta perspectiva, torna-se difícil estabelecer algumas das razões que
impulsionam os atletas a terem certas atitudes. A determinação para vencer as
dificuldades dos desafios, os perigos, as regiões mais inexploradas com seus terrenos
árduos, são elementos enraizados nessas atividades que formam o espírito de aventura,
ingrediente fundamental para resisti-la. Mas existe muito mais para ser desvelado,
absorvido, entendido e explicado. Não é apenas uma competição que está em jogo, em
que o objetivo limita-se a chegar entre os primeiros. Esses fatores formam um quadro
bastante complexo. Sob esse aspecto, Huizinga (2001), apresenta algumas relações
interessantes referentes aos jogos em que existe competição:
jogamos ou competimos “por” alguma coisa. O objetivo pelo qual
jogamos é, antes de mais nada e principalmente, a vitória, mas a
vitória é acompanhada de diversas maneiras de aproveitá-las como
por exemplo e celebração do triunfo por um grupo, com grande
pompa, aplausos e ovações. Os frutos da vitória podem ser a honra, a
estima, o prestígio. Via de regra, contudo, está ligada à vitória alguma
coisa mais do que a honra: uma coisa que está em jogo, um prêmio, o
qual pode ter um valor simbólico ou material, ou então puramente
abstrato (p.58).
São nessas corridas que podemos destacar algo “a mais” para chegar ao final, o
que muitas vezes não significa a vitória. Apesar das modalidades destas corridas serem
as mesmas praticadas no âmbito do lazer, suas atividades diferem de outras modalidades
de aventura praticadas no meio natural principalmente por estarem inseridas em uma
competição, ou seja, os que tiverem o melhor desempenho recebem gratificações em
valores monetários. Esse fator limita em alguns aspectos o campo das similaridades, no
que se refere às formas de praticá-las (lazer e competitivo), pois influencia de forma
direta nas questões relacionadas à motivação, qualificação e nos investimentos em
treinamentos e equipamentos.
Um aspecto relacionado à vivência competitiva é bem apresentado por Spink
(2003), onde menciona a descrição feita por Mueller, referindo-se à corrida de aventura
do Eco-challenge:
119
o espírito de aventura é outro integrante fundamental. Mueller assim o
reconhece: Obviamente este evento não se limita apenas a chegar
primeiro, ou até mesmo conseguir acabar a prova. Atinge o cerne da
motivação humana, uma força convencionalmente atribuída a partes
específicas da anatomia coração, vísceras, coluna -, mas na verdade
muito mais difícil de ser localizada com precisão. Suscita algumas
questões interessantes. Seria esta uma corrida contra os outros ou
contra mim mesmo? O que significa ganhar? (p.77 – 78).
As questões destacadas por Spink que foram abordadas por Mueller,
constituem o universo das corridas de aventura e apresentam a complexidade e
diversidade desse campo.
As questões destacadas por Spink que foram abordadas por Mueller,
constituem o universo das corridas de aventura e apresentam a complexidade e
diversidade desse campo.
Foi esta diversidade, que no decorrer do trabalho de campo, me surpreendeu
inúmeras vezes. Muitos de meus pré-conceitos foram derrubados e novas formas de ver,
e por que não viver o esporte surgiram.
Uma das questões que mais me surpreendeu, foi a relação dos funcionários da
empresa com a pesquisa. Ao leitor mais atento, algo deve estar intrigando (estamos nos
direcionando ao final do estudo): onde estão as relações com os
funcionários/informantes? Por que não apareceram nos discursos nem nas relações das
categorias analisadas? Por que a empresa praticamente sumiu do trabalho? Realmente
esse fato ocorreu. Ao iniciar o terceiro instrumento de pesquisa para coleta de dados, as
entrevistas
69
, comecei a perceber que algo estava saindo do contexto do estudo. Os
funcionários da empresa pareciam estar cada vez mais distantes da pesquisa,
principalmente por que observei que eles não faziam atividades de aventura, não
treinavam, não trocavam informações com outros atletas, e nunca estavam presentes nas
corridas.
Esta questão veio “à tona” logo nos primeiros passos: a aplicação do
questionário. Quando fui entrevistar a primeira funcionária, tive que adaptar várias
perguntas. Como tinha feito um levantamento, sabia de antemão que entre todos os
funcionários que participaram do evento Famastil, apenas quatro pessoas já tinham
conhecimento do que era uma corrida de aventura. Então, perguntas como: de que
forma conheceram as corridas? Como se inseriram nestas competições? Que tipo de
69
Considerei a ordem que apresentei na metodologia os instrumentos de pesquisa, o primeiro foi a minha
participação como atleta, o segundo os diários de campo e o terceiro as entrevistas e assim por diante.
120
provas já tinham participado? Como conheceram ou como formaram a equipe? E muitas
outras perguntas relacionadas a patrocínios e custos também não tinham necessidade de
serem feitas.
Ao refletir sobre esta questão, no primeiro momento pensei em retirá-los do
trabalho, era um grupo que estava bastante distanciado das pretensões do estudo.
Observei que o universo da aventura para eles, limitava-se às corridas da empresa. Suas
relações com esse esporte restringiam-se a uma atividade por ano, como demonstrou o
Informante Famastil I em sua entrevista: “hã eu faço isso na, quando é no Famastil
Adventure então, porque tu ta fazendo alguma coisa diferente”.
Mas, no decorrer das entrevistas, fui novamente surpreendido. Ao realizá-las
com os funcionários pude observar que, por mais distantes que eles pareciam estar, e de
fato estavam, dos outros atletas das corridas de aventura, os motivos pelos quais
participavam das corridas eram os mesmos. Eles destacaram que, o que os atrai nas
atividades de aventura é a superação de limites, é passar pelos desafios em equipe,
viajar e estar em companhia dos outros. Este fato reforça as igualdades, pois os dois
grupos são atraídos praticamente pelos mesmos motivos.
Para demonstrar os aspectos citados, alguns trechos das entrevistas serão
apresentados e comparados. A questão de estar com os outros e conhecer lugares
diferentes é facilmente observada nos discursos dos grupos entrevistados como
apresenta Benjamim:
...as corridas de aventura nos permite de ir em lugares que nunca
em nossa vida poderíamos ir e fazemos coisas que nunca se poderá
fazer em outra ocasião. Fazer raffting de noite, se pode fazer
somente em corridas. E creio que é porque fazemos corrida de
aventuras.(...) O que me motiva pelas corridas é o lugar onde se
corre, a competição também e o trabalho em equipe e é isto.
Seguindo, o informante famastil II relata o que mais gosta nas corridas de
aventura:
Bah, eu acho que a adrenalina que a gente tem é muito bom. O
pessoal que a gente conhece e as coisas que a gente faz acho que é
muito o fato da gente ta todo muito junto, conhecendo pessoas que
a gente nunca viu que a gente nunca ouviu sabe falar. Saber que
bah, passou trabalho é da nossa equipe Famastil no caso aquela
hora assim que a gente no almoço e na janta é muito legal é
muito saudável acho prá gente que trabalha aqui sair um pouco
disso aqui também, sabe, e pra ficar lá fora junto também eu acho
muito legal.
121
Se observarmos, similaridade entre os dois discursos. Entretanto, no segundo
discurso, parece existir uma ligação de companheirismo, uma lógica mais voltada para a
cooperação. Esta relação faz parte de um grupo distinto, assemelha-se ao que Emma
chamou de “grande família”:
Sempre que vamos a corridas, nos encontramos com equipes que
fazem muitos anos que os vemos, é muito bom por que nos
vemos em corridas, então é como aproveitar quando vens aqui,
podes falar, como vai a vida, como tudo, sabe que se vai ao seu
país, poderá vê-los, é verdade que é uma grande família, se
vivencia situações muito extremas em corridas, muitas vezes as
vive com eles, ou as compartilha quando se acaba, por que o
importante é que tu passou sofrendo e ele também passaram
sofrendo, então, bem, com todo mundo não, mas com a grande
maioria tens uma ótima relação.
Entretanto, o que é mais comum nos discursos dos praticantes relaciona-se à
superação de limites, que pode ser um esforço intenso para agüentar horas de
competição, ou uma relação pessoal de conseguir realizar uma atividade em que se
tenha dificuldade. Amanda estabelece suas motivações mais voltadas para um esforço
físico e mental, e também faz relação com as questões destacadas anteriormente,
referentes às pessoas e aos lugares:
(...) é aquela coisa de superar teus limites,(...), parece que quanto
pior é melhor a corrida sabe, quanto mais difícil mais tu te supera,
mais tu consegue dar sabe.(...) Eu acho que tipo, na corrida de
aventura além de superar todos os limites que às vezes não é o
físico, é a tua cabeça que supera, é e também os lugares que tu
passas, as pessoas que tu conheces, sabe que as pessoas que fazem
corrida de aventura são diferentes né,(...).
A relação da superação de limites com as questões do preparo físico foi bem
enfatizado pelos funcionários da empresa. O informante famastil I destaca da seguinde
forma: “A resistência tem que ser, tem que ter, tem que ter a motivação né, a garra, a
vontade de chegar até o final, não desistir porque tu vais sofrer no meio do caminho.
Vai sofrer (...)”. Muito parecido com estas colocações, o informante famastil IV coloca
o seguinte:
Preparo físico é importante e garra, assim, vontade mesmo que tu,
eu acho que eu mesmo eu um pouco com preparo. Eu chegava
horas em que doía as pernas assim e tem que ir, aquela coisa assim
tipo bah vai, agora eu estou aqui e vou ir até o fim não vai ser por
122
uma dorzinha que eu acho que garra , preparo e garra porque senão
na metade tu abandonas tem que ter (...) então eu fui para me
testar mesmo assim, pra testar os limites assim.
No decorrer da entrevista, o informante famastil I avança um pouco mais nestas
considerações, e estabelece que estes limites são superados quando o objetivo é traçado.
Segundo ele, esses aspectos relacionam-se com outras esferas da vida, e que marcaram
da seguinte forma:
Olha mudou, mudou assim que eu vi que a gente pode, que a gente,
que a gente consegue chegar num objetivo isso que eu achei muito
interessante porque eu achei difícil tanto na primeira como na
segunda que hãã eu fiz eu achei difícil mas vi que foi um objetivo
traçado põe aquilo na cabeça e vai até o final mesmo, mesmo
sendo difícil, mesmo doendo tu vai. Isso eu achei muito
interessante. Isso mudou mesmo.
Por conseguinte, muitos, ao traçar os objetivos, necessitam estar concentrados
em elaborar suas estratégias. Esta questão Heitor estabelece como um dos elementos
que ele mais gosta: “um nível constante, assim de estratégia, que agente tenha que
desenvolver essa estratégia ao longo de toda a corrida, antes da corrida e durante a
corrida também”. Nesta perspectiva, a estratégia traz uma das modalidades mais
importantes para ter bons resultados nesse esporte, que teve atenção especial nas
entrelinhas deste trabalho. Não como avançar e conseguir uma boa colocação nas
corridas, sem uma correta navegação. Também não é de se estranhar que esta seja uma
das modalidades que os atletas mais apreciam. Segundo a maioria dos entrevistados,
uma corrida só é boa quando existe uma ótima navegação, ou melhor, quando a
navegação é difícil, “Eu gosto das corridas de aventura porque é mais um chalásque
uma competição. É a orientação o seu primeiro adversário” (Benjamim).
Como mencionado anteriormente, são muitos os motivos pelos quais estes
atletas propõem-se a passar por todas estas atividades, não podemos restringi-los a um
só aspecto e nem a uma só modalidade específica, como Benjamim mesmo coloca:
Não só uma coisa. Em tua casa também podes ir a de bicicleta e
logo irá correr, e logo irá remar. Mas é muito diferente, não faz
acompanhado de tanta gente nem com orientação, nem tantas hora,
nem passado fome. (...) Esse é o desafio, este mental e pessoal que,
que é este tipo de corrida (...) Para mim, as corridas de aventura eu
gosto porque cada vez são diferentes e que o espírito secreto é
adaptar-se.
123
Seu companheiro de equipe David, segue a mesma linha de raciocínio, mas
destaca outra questão: “Eu creio que é enfrentar o desconhecido e solucioná-los, ou seja,
sair bem, sem conseqüências de uma coisa que não conheces”. Nessa direção, entendo
este universo inserido numa pluralidade de sentidos e significados. Os aspectos citados
acima, compõem um quadro bastante diversificado e, que em muitos aspectos, nem
mesmo seus atletas compreendem muito o sentido que atribuem a essas práticas.
Podemos observar esta questão na resposta de Amanda, ao afirmar que não sabe por que
pratica este esporte: “Haaa, por que é um vício né. Às vezes eu me pergunto por que eu
gosto de fazer isso, por que agente força , agente passa frio, agente passa fome. Quando
termina a sensação é inexplicável né”.
No decorrer deste capítulo, muitas questões foram levantadas e considerações
foram feitas. Estas corridas fazem parte de um campo ainda pouco explorado, repleto de
muitas contradições. Para tentar ampliar o entendimento do sentido das corridas de
aventura para seus praticantes, e como esta relação se em outras esferas da vida, irei
apresentar um trecho destacado por Spink (2003, p.2)
70
referindo-se à colocação de
David Le Breton sobre estes aspectos:
O manifesto do neo-aventureiro tem uma fórmula breve: 'Eu o faço
para me conhecer, descobrir meus limites'. Medir-se corpo a corpo
com a natureza, com o risco de morte, esse é o objetivo. Não se
trata de ir ao mundo, ou buscar a alteridade dos modos de vida ou
de paisagens distantes, mas de fazer vir a si o mundo de modo a
testar sua coragem, sua resistência ou sua força física. E fazer valer
a seguir sua performance. A nova aventura é uma ecologia a
minimum mais do que uma etnografia ou uma antropologia (p.
147).
Estabelecendo uma relação com o primeiro capítulo deste estudo “esporte entre
os esportes”, um “novo esporte” instala-se de forma concreta, diferente em muitos
sentidos, mas que, de certa forma, agrega novos valores a esse Universo.
Para concluir este tópico, destinado ao sentido de aventura e risco, entendo o
risco como as atividades colocadas em prática. É o momento da ação, onde os
aventureiros com seus equipamentos, treinamentos e conhecimentos práticos superam
70
SPIINK, Mary. Link , Retomando o suor, os arranhões e, por que não?, os diamantes: o papel das
aventuras na sociedade de risco.In: Suor, arranhões e diamantes: As contradições do risco na
modernidade reflexiva, 2003.
124
os obstáculos do esporte (modalidades) em conjunto com as adversidades impostas pela
natureza, que formam o espaço de jogo. Estes, por sua vez, constituem o segundo
aspecto central deste estudo: a aventura. A esta, restam o sentimento, as emoções
vividas intensamente na busca de desafios, cada vez maiores, em que os limites não se
estabeleceram ainda. A aventura é o momento in situ”, é o sentimento puro, vivido,
que motiva e atrai, cada vez mais novos adeptos.
Sob diversos aspectos, foram apresentadas as questões relacionadas às corridas
de aventura e ao risco. Foram abordados e discutidos elementos centrais para a
realização desta pesquisa. Antes de nos direcionarmos para as conclusões finais, será
apresentado um capítulo destinado a demonstrar o que foi, até aqui apresentado,
utilizando-se de estratégias visuais, para que o leitor possa entender, sob diferentes
perspectivas, a realidade em foco.
125
5 Retomando as Descrições Etnográficas do Contexto em Estudo
Neste capítulo, serão apresentadas algumas fotos relacionadas às considerações
abordadas durante toda esta pesquisa. No trabalho, foram descritas atividades de
aventura e risco no meio natural, inseridas em uma competição.
Todas as fotos são da corrida Ecomotion Pro 2005 e estão ordenadas em páginas
de acordo com a seqüência em que ocorreram. Estas imagens demonstram os esforços, a
questão de superação de limites e as exigências físicas destas competições. Podem ser
observados os locais onde aconteceram as modalidades da prova e algumas questões
ligadas aos apoios e preparativos.
A opção de utilizar fotos neste estudo, como mencionado anteriormente, dá-se
para que o leitor tenha mais uma referência para auxiliá-lo no entendimento do esporte
da aventura, destacando certos detalhes na associação do texto a outras formas de
linguagem.
126
PREPARATIVOS
As duas fotos superiores mostram os preparativos que antecedem à corrida. A do
lado esquerdo é um baú de plástico (mala). Podemos observar a maneira que são
organizados os equipamentos, alguns pares de tênis, e um fator curioso: na tampa do
lado esquerdo, Shine colocou uma foto da namorada que, segundo ele, serve para
motivá-lo. As duas fotos de baixo são os carros de apoio. Do lado esquerdo o comboio,
e do lado direito o nosso carro carregado.
“A corrida é boa ... quando tem um nível constante, assim de estratégia, que a gente tenha que desenvolve
essa estratégia ao longo de toda a corrida, antes da corrida e durante a corrida também. A corrida longa
tu aprende muito, e tu desenvolve muito a questão de estratégia né” (Heitor).
127
MAPAS
Na primeira foto à esquerda, Benjamin está observando o meu mapa local,
verificando se algumas marcações são iguais aos mapas que estão acostumados, como
estradas vicinais, trilhas, declinações, etc. A foto à direita, foi na madrugada que
antecedeu a prova. Após recebermos os mapas, fomos para o hotel estudá-los e
plastificá-los para não estragar com a água, marcando com caneta colorida alguns
trechos importantes. Neste momento, são observados alguns trechos e estabelecidas
algumas estratégias para a corrida. A foto inferior é uma foto tirada do mapa da
organização. As setas em vermelho são as marcações dos PC`s.
“Para mim, a competição, não creio que não está bem ... é a
orientação o seu primeiro adversário. É meu porque tenho
que fazer meu caminho”(Benjamim).
128
LARGADA
Esta largada foi inédita, pois saíram na modalidade de rapel. Um participante de
cada equipe ficava na parte superior do morro e os outros três atletas aguardavam
embaixo. Na foto da esquerda podemos observar alguns competidores em cima, e os
outros formando um aglomerado embaixo. A foto da direita é um recorte da foto da
esquerda, para que se torne mais tida a formação dos competidores no sopé do morro.
Um dos atletas de cada equipe segura a corda, para dar segurança ao colega que vai
descer. Podemos observar, também, a quantidade de equipamentos que eles carregam e
as cores brilhantes mencionadas durante o trabalho.
“Ah, sempre a gente larga para ganhar, sempre
tentando chegar o mais, se não ganhar, chegar o
mais perto possível do primeiro, nunca larguei numa
corrida assim pensando, ah a gente vai tentar chegar
entre os vinte, o objetivo maior é sempre tentar
completar a prova né, nunca sabe o que pode
acontecer, mas sempre tenta chegar o mais perto do
primeiro"(Mateus).
129
O MOMENTO DA LARGADA
O helicóptero que aparece na foto à esquerda, deu três voltas no morro para dar
o sinal da largada. Os atletas que estavam em cima prestavam atenção ao sinal, por que
este momento é muito importante, e pode dar uma pequena vantagem em relação ao
grande grupo. Na foto da direita é retratado o momento da descida. O sinal foi dado e
podemos observar que algumas equipes mostram seu favoritismo e habilidade na
modalidade. Enquanto alguns atletas ainda estão no começo do rapel, outros estão
chegando ao solo nos seus companheiros e preparando-se para a próxima atividade.
Segundo alguns atletas, esta pequena vantagem pode fazer muita diferença para
progredir na corrida, sem outros competidores para atrapalhar.
“... mas há diferentes maneiras de se portar na
competição. Há pessoas que gostam de competir
para comparar-se com as outras pessoas. E
outras pessoas que gostam de competir para ver
seu próprio nível, independentemente das pessoas
que estejam e é, mais este caso que eu gosto, ver o
nível que eu tenho, meu pessoal a ver se chegado a
este ou a outro, ou até onde podes chegar”
(David).
130
MODALIDADES
A foto superior mostra o treking após alargada. Os atletas correm numa
formação de fila. Se fosse noite, as luzes estariam acessas, e formaria o que chamei no
trabalho de “serpente de fogo”, fato que também acontece com as luzes dos carros
quando seguem em comboio para fazer o apoio nos PC`s. A foto de baixo, mostra a
modalidade de caiaque. Dois atletas em cada caiaque (dois barcos por equipe). Nesta
modalidade existem muitas estratégias. Alguns unem um caiaque no outro; outros
carregam com sigo uma vela para prender na frente do barco e utilizar o vento ao seu
favor. É importante saber dividir bem a equipe, para que fiquem bem equilibradas e
possam avançar juntos e não se separar. Pude observar que muitas equipes não possuem
conhecimento das técnicas de remo.
“Não sei o que
leva as pessoas a
fazer, suponho o
que havíamos
dito, viver uma
experiência única,
estar em países
diferentes, de
estar em equipe ,
de passar mal e de
passar bem, e
sobretudo
aprender mais
sobre a força de ti
mesma, e
aprender muitas
coisas de teu
corpo, de tua
pessoa, de tudo”
(Emma).
131
PAISAGENS
A foto da esquerda foi o segundo rapel da corrida; 130m de descida ao lado de
uma cachoeira com grande volume de água. Este rapel teve que ter uma autorização
especial para ser realizado. É um dos motivos pelos quais comentei que algumas
atividades, os atletas podem fazer nas corridas. Outro exemplo é o rafting à noite,
que alguns países não permitem que se faça, a não ser nas corridas de aventura. A foto à
direita, mostra um atleta em um momento de contemplação das paisagens que estes
atletas têm a oportunidade de conhecer. Talvez também seja um momento de pedir
ajuda aos Deuses, já que está acima das nuvens e mais perto do céu.
“A competição, as corridas de aventuras nos permite de ir a
lugares que nunca em nossa vida poderíamos ir e fazemos
coisas que nunca se poderá fazer em oura ocasião”
(Benjamim).
132
PC`S
“Adrenalina, superação, haaaa visual também, os lugares que a gente passa, eu acho que é isso” (Amanda).
Estas imagens são do mesmo local, mas de ângulos diferentes. Na foto da
esquerda, mal para enxergar o ponto amarelo na ponta do cânion. Na foto da direita,
podemos notar que o PC possui apenas um guarda sol para estrutura do local, que além
de dificultar a visualização de longe, mostra como as pessoas que trabalham nos PC`s
permanecem durante dias, até que a última equipe passe pelo local.. Esta foto do PC
realça a dificuldade enfrentada pelos atletas, e a variabilidade de estratégias que podem
ser estabelecidas. Tendo iniciado a corrida ao nível do mar, encontram-se agora a uma
altitude de cerca de 800m. Para alcançar este ponto, os atletas podem chegar pela mata,
escalar o cânion ou andar por trilhas. As primeiras equipes alcançaram este ponto
durante a madrugada, fator que demonstra a habilidade dos competidores na navegação,
e a precisão exigida durante a corrida.
133
APOIOS
Estas imagens mostram a estrutura por trás das equipes. Estes são os
acampamentos que os apoios montam e desmontam muitas vezes durante a corrida. Na
foto da esquerda, podemos observar as tendas para os atletas pararem para as refeições,
com cadeiras, mesas, luz, alimentos, equipamentos e todo o resto necessário para as
equipes avançarem na competição. A foto da direita mostra a manutenção dos
equipamentos. Num dia de sol, os apoios limpam o barro e tentam secar todo o material
molhado. Estas equipes estavam mais atrás na corrida. Neste momento tínhamos
terminado a corrida, pois não tivemos nenhum dia de sol, e os equipamentos e as roupas
ficaram molhadas até o final da prova. Além dos equipamentos visíveis acima, as
bicicletas devem ser sempre limpas, lubrificadas e reguladas, e algumas vezes o apoio
deve recompor, ou mesmo improvisar alguma peça que quebrou.
“Como disse é imprescindível, uma parte integrante da equipe, porque todas as equipes necessitam para poder ir
avançando. E é um pouco a pequena motivação que tens quando está na corrida, que chegarás a esse ponto, que os
encontrarás, porque comerás, porque te mudarás, porque vais estar com gente que te anima e são como um pequeno
respirador, não? Pequenos pontos que te ajudam a seguir adiante ...” (Emma).
134
DESGASTE FÍSICO
A foto em que aparece os três atletas, demonstra a expressão do cansaço sico
dos competidores. Apesar de um sorriso no rosto de um dos atletas, é fácil observarmos
a expressão de desânimo dos outros companheiros. As outras duas fotos foram tiradas
no hotel, após terminada a corrida. Na foto em que aparecem os pés, podemos notar
hematomas nos joelhos e muitos arranhões. Também foram perdidas algumas (pelo que
sei foram sete) unhas da atleta após alguns dias da competição. A foto inferior é de um
outro atleta, que também possui muitos arranhões e cortes, e está com tornozelo e
inchado e roxo.
“Eu cada vez estou impressionado
pela capacidade do corpo em acertar
o que lhe perguntamos com, sem
sono e também estou impressionado
como se pode esquecer somente a
dor. Para mim me cai a sensação
pela dor e a esqueço sempre e não sei
como. Cada vez é uma surpresa de
ver como podemos ir, depois de três
noites quase sem dormir e comer
poucas coisas, é assim,
impressionante” (Benjamim).
135
A CHEGADA
Destaquei estas fotos para mostrar a diferença entre as primeiras equipes e as
últimas a completar a prova. Na foto superior da esquerda Emma está dando uma
entrevista. Na da direita, estou abraçando Benjamin. Quase não podíamos nos mexer,
era televisão, repórteres e curiosos. Todos faziam perguntas ao mesmo tempo, e por
incrível que pareça, depois de quatro dias de prova sem parar, passando frio e fome,
ainda tinham fôlego para dar entrevista. Na foto inferior está toda a equipe (do lado
esquerdo para direita): Oscar, Emma, Shine, David, Benjamin e Eu. A bandeira que
estamos segurando possui o símbolo da Buff.
“Ganhar. Significa superar, superar a tudo.
Superar dor, superar o frio, às vezes superar as
outras equipes também né, faz parte também do
jogo, da corrida. Mas é aquela sensação de
vitória, de tu se sentir bem no final.
conseguimos fazer tudo, navegar bem, e acabar a
prova bem, e a gente chegar inteiro, e é muito
bom” (Jean).
“Sim, é verdade o que disse Benjamim, que está
sofrendo e quando acaba já não lembras, te
recordas do bom” (David).
136
A CHEGADA SOB OUTROS OLHARES
Como mencionado na página anterior, é fácil notarmos muitas diferenças entre
as chegadas. A corrida é a mesma, o lugar de chegada é o mesmo, mas cadê os
repórteres? Os curiosos? A quantidade de gente que cercava e aguardava pelos finalistas
não estavam mais. Longe da dia, solitários e quatro dias atrasados em relação aos
primeiros, ainda podemos notar um lindo sorriso da Amanda da equipe Ratos de Trilha
(foto da esquerda). Na imagem da direita, está toda a equipe, que foi a última a
completar a prova. O que fez estes atletas não desistirem e superarem seus limites
durante dias, por lugares naturais hostis, longe das câmeras e sem chance de alcançar os
primeiros colocados para tentar chegar ao pódio. Estas e muitas outras questões ainda
pairam sobre meus pensamentos, e, sem dúvida, são elementos cheios de significados
que merecem mais estudos de atitudes dessa magnitude.
“Às vezes eu me pergunto por que eu gosto de fazer
isso, por que a gente força , a gente passa frio, a gente
passa fome. Quando termina a sensação é inexplicável
né” (Amanda).
137
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Após vários meses de trabalho de campo, colocando todas as energias, tanto em
leituras como na vivência corporal, busquei, através de um estudo interpretativo,
compreender o universo do esporte nas práticas de aventura e risco. Este estudo
desenvolveu-se nas práticas competitivas, procurando triangular com diferentes autores
do campo esportivo, assim como apresentar os grupos estudados e as categorias de
análise que foram formuladas no decorrer da pesquisa.
Entretanto, ao compreender o esporte como um fenômeno sociocultural, procurei
estudar os comportamentos nos contextos em que ocorrem. Refiro-me ao modo de viver
desses aventureiros, as relações com as atividades de aventura que interferem e
influenciam no seu estilo de vida.
Este movimento permitiu-me realizar um estudo com práticas pouco conhecidas,
trazendo-as ao universo dos esportes tradicionais. No primeiro capítulo, foi estabelecida
uma discussão sociológica acerca do esporte, destacando uma visão heterogênea do
universo esportivo. A partir da posição de alguns autores, destacou-se uma relação de
pluralidade do campo dos esportes, o que provoca, de certo modo, aqueles que
direcionam suas idéias a um campo uniforme e linear, que conceituam o esporte
baseado em critérios rígidos. Ao desenvolver as noções e idéias deste estudo, torna-se
evidente que as práticas de aventura e risco são exemplos de atividades que constituem
a heterogeneidade do esporte. Nesta direção, abre-se um espaço para algumas
contradições, pois o mesmo não pode ser afirmado com tanta certeza com as corridas de
aventura competitiva. Mas as margens da pesquisa conduziram os conteúdos em outra
direção, com a preocupação de mostrar que existem novas práticas, que se tornam cada
vez mais significativas, e que merecem ser problematizadas e estudadas.
Foi nesta perspectiva, que os esforços foram para mostrar o que é esta
competição, e como a mesma se insere no modo de vida de seus praticantes. As corridas
de aventura se constituem em uma competição, com regras, possuem confederações e
circuitos internacionais. Estes aspectos distanciam estas provas da maioria das práticas
de aventura e risco, relacionando-as com os esportes que a maioria das pessoas estão
familiarizadas, os quais designei como “esportes tradicionais”.
Ao realizar uma descrição etnográfica do contexto do estudo, e, mais adiante,
retomando algumas considerações através de fotografias, acredito que foi possível,
138
“transportar” o leitor para o universo estudado, para que fiquem mais “claras” as
categorias analisadas, e os significados atribuídos pelos praticantes a estas modalidades.
A experiência prolongada nesse universo esportivo, somando-se aos estudos empíricos
sobre a temática, foram fundamentais para obter resultados e ampliar o conhecimento
acerca do assunto. Essas atitudes criaram as condições para poder abordar as diferentes
formas de viver o esporte assistidos dentro de uma diversidade cultural. Com base
nestas interpretações, durante o trabalho, procurou-se apresentar o esporte como um
fenômeno sócio cultural hegemonicamente difundido, sendo evidenciado em diferentes
versões.
Dessa forma, as corridas de aventura, na medida em que são praticadas por um
grupo distinto, apresentam-se como um “novo esporte” exercido num grupo diferente,
num contexto social particular.
Acredito que este estudo demonstrou que, mesmo dentro da “comunidade da
aventura”, é possível existir diferentes formas de apropriação desta prática social pelos
seus atletas, desenvolvendo maneiras específicas de praticar o esporte. Foi neste sentido,
com o olhar mais detalhado, que se iniciaram as aproximações com os sentidos de
aventura e risco. A não linearidade com que este grupo “vive” o esporte, amplia as
possibilidades de estudo, podendo resultar em diferentes rumos. Ao estabelecer a
direção deste estudo, situada nas práticas competitivas, diferentes significados
desenvolvem-se com relação a uma mesma temática.
Isto se refere às diferentes formas de competir, de relações com o risco e de
significados da aventura. Ao estabelecer estas questões, identificaram-se várias
possibilidades em diferentes contextos. Esta realidade tornou-se mais explícita nas
relações com a competição. As corridas são muito competitivas, tanto as nacionais,
como as internacionais e também as corridas da empresa. As melhores equipes, ou as
que estão em condições de brigar pelo pódio (até quinto lugar), a competição está
explícita, e as formas de competir são as mais variadas. Os estímulos para tanto
sacrifício, não estão apenas ligados a vitória, perpassam por provas em grupo, mas
testam-se limites pessoais. Outros contrapontos podem ser destacados relacionados a
esta temática como, por exemplo, a mudança de objetivos, como foi destacado durante o
texto, como uma mudança de “escalão”. Aqueles que nas provas regionais chegam
como favoritos, são conhecidos e estão em lugar de destaque, a vitória é a meta. Ao
participar de provas internacionais, caem no anonimato,e os objetivos limitam-se a
concluir a prova, quem sabe, sem “cortes”.
139
Esta questão também é estabelecida com as duas questões principais que se
propôs este estudo. Na relação com o risco, e os inúmeros aspectos que interferem entre
eles, alguns foram mais citados. A competição, por exemplo, está diretamente ligada ao
risco, como observamos no decorrer do trabalho. Sem o intuito de me prolongar com os
dados citados no estudo, as questões com o espaço de jogo podem ser consideradas
como um aspecto muito importante. Se durante uma prova de expedição, uma equipe
atravessa um rio, e após doze horas de chuva intensa chega outra equipe para atravessar
o mesmo rio, no mesmo lugar, as condições são totalmente adversas. Estas
considerações chamaram a atenção no decorrer do trabalho para discussões dos dados.
Alguns trabalhos apresentados estabelecem a questão do risco como algo
controlado, vivenciado como um ato “mimético”. Este estudo trouxe algumas
evidências das dificuldades de formulações generalizantes sobre o risco, estabelecendo
alguns pontos a serem discutidos. Sustentou-se nas interpretações e na literatura da área,
que apontaram para uma fragilidade de muitas questões com visões pautadas apenas na
racionalidade, afastando-se da realidade empírica estudada.
Isto por que, conforme os resultados, este trabalho sugere, ainda que possam
existir outras interpretações, que o risco existe de forma concreta nestes esportes, e que
os organizadores de tais eventos e seus atletas estão cientes dessa realidade.
Com isto, estabeleceram-se categorias com a competição, o espaço de jogo, a
organização, os equipamentos, os treinamentos, articuladas ao risco, configurando
outras formas de uma prática particular, diferente das outras.
Em síntese, este “esporte alternativo”, ao ser praticado numa forma competitiva,
exige uma dedicação e muitos investimentos, não apenas relacionados aos fatores
monetários, mas outros, como dedicar muito do seu tempo de lazer, do convívio com a
família, o que significa uma adequação às obrigações diárias e à procura de espaços na
relação com o tempo de trabalho. O que fazem estes indivíduos é inserir estas atividades
de aventura no seu modo de viver influenciando nos estilos de vida.
Dessa forma, embora os riscos estejam sempre presentes nessas atividades, não
são os repertórios do risco que permeiam suas falas. Entre os locutores (entrevistados) a
palavra risco quase não aparece; também a palavra morte, ou mesmo acidente, não são
utilizadas. Após alguns minutos de conversa, e sempre com certa resistência, se admite
a existência do risco. Fala-se muito de superação, testar os limites, adrenalina, dor,
desafio, obstáculos da natureza, etc. Mas todas estas palavras vêm seguidas de um
sorriso, uma espécie de orgulho por fazer atividades em que se admite o risco,
140
atividades carregadas com jargão da aventura: “o perigo”.
A maioria dos entrevistados, num primeiro momento, omitiu a questão do risco.
Ao serem questionados, o primeiro aspecto que perpassa os seus discursos é que o risco
“está por toda parte”, em todos os lugares. Depois vem a justificativa de que passaram
por longo treinamento, que têm conhecimentos e experiências nestas modalidades, que
existem inúmeras regras de segurança que os protegem. Após, admitem a existência do
risco e relatam que todas as equipes, sem exceção, já passaram por momentos de
acidentes sérios.
O que está em jogo nestas provas, não é apenas uma competição, é algo além,
uma questão de conhecer os limites para superá-los, de se submeter-se a estas
provações: passar fome, frio e dor em esforços subumanos, onde em grande medida -
é a natureza quem impõe o ritmo. Para enfrentar estas dificuldades e desafios, e ver até
aonde conseguem agüentar, por suas características e limitações, consegue enfrentá-
los em equipe.
A questão de superação dos limites está muito presente nos discursos, como algo
que motiva os atletas a participarem das corridas. Outras questões também foram muito
repetidas, como a competição, dificuldade na navegação e estratégia, variedade das
modalidades de risco e trabalho em equipe. Mas outros motivos externos à corridas
também influenciam, como viajar, as relações de convivência, trocar experiências, ou
seja, estar no ambiente de prova.
Estes elementos atribuem uma pluralidade de significados a estas práticas,
estabelecendo diferentes apropriações por indivíduos e grupos particulares. Na
constituição deste estudo, desta prática esportiva particular, não generalizei nem tentei
formular teorias fechadas, mas sim entender uma nova prática esportiva, que se instala
de forma concreta no cenário esportivo.
141
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145
ANEXOS
ANEXO 1
ROTEIRO DA ENTREVISTA
1- Apresentação do entrevistador
2 - Permissão para gravar a entrevista “termo de consentimento livre e esclarecido”
3 –Quebra gelo
Entrevista
Nome Idade:
Profissão
Experiência
Praticas esporte? Quais?
Tua vida está vinculada à esportes?
Como conheceu a corrida de aventura? (por amigo/ mídia,...) Já tinhas ouvido falar em
corrida de aventura?
Quando e como começou a te inserir nas corridas de aventura?
Por que te inseriu?
Como isto mudou a tua vida?
Que tipo de provas já participou? (pequenas/grandes/internacionais)
Equipe
Participas de alguma equipe?
Qual o nome da tua equipe? Como foi formada?
Já fez parte de outra equipe? Quantas vezes?
O que um atleta deve possuir para participar da tua equipe?
O que tu esperas de um companheiro de equipe?
Qual o teu papel na equipe? (função / fica responsável por alguma coisa?)
146
Como se dá a relação entre vocês(atletas) durante a corrida?
O que vocês conversam antes da corrida (combinam alguma coisa / estratégia)?
Tens amigos em outras equipes? Costumam conversar e trocar informações sobre as
corridas, treinos equipamentos?
Tens equipe de apoio? Qual o vínculo do apoio com a equipe?
Achas importante ter equipe de apoio? Por quê?
O que tu esperas da equipe de apoio?
Risco
Participar destas corridas não é arriscado? Não têm perigo?
Como tu vês este risco?
Não tens medo?
Já viu algum acidente em uma corrida de aventura?
Já sofreu alguma lesão?
Acredita que corre algum risco ao participar de uma corrida de aventura?
Como tratas disto? O que fazes para evitar correr riscos?
Competição
As corridas de aventura são muito competitivas?
Quais as suas perspectivas quanto aos resultados?
Existe alguma competição interna na equipe?
O que significa ganhar?
O que achas mais importante para se dar bem/ ter bons resultados em uma corrida de
aventura?
Com tantas opções de praticar atividades de aventura no âmbito do lazer, por que
praticá-las no meio competitivo?
Cotidiano
Costuma treinar? Quando? (com que freqüência)?
Costumam treinar todos juntos?
Como faz para organizar o tempo de trabalho, lazer , treinos e competição?
Depois que passou a fazer parte de uma equipe, isto passou a mudar o teu dia-a-dia? No
quê?
De onde vêm o recurso para participar destas competições?
Tens apoio/ patrocínio para competir?
Consegues ganhar algum dinheiro com as corridas?
Achas este esporte caro? È acessível para pessoas de classe menos favorecida?
Para encerrar
O que mais gosta/ atrai numa corrida de aventura?
O que é uma corrida boa? Quando uma corrida é boa?
147
Tem diferença de praticar este esporte dos outros? No que vês a maior diferença?
Tens algo mais que gostarias de dizer sobre o que estivemos tratando?
Muito obrigado, vou desligar o gravador!
148
ANEXO 2
Gramado, Janeiro 2006
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
Você está sendo convidado a participar de um estudo sobre corrida de aventura.
Dessa forma, pedimos que você leia este documento e esclareça suas dúvidas
antes de consentir, com a sua assinatura, sua participação neste estudo.
Você receberá uma cópia deste termo, para que possa questionar eventuais
dúvidas que venham a surgir, a qualquer momento, se assim o desejar.
Objetivo do estudo:
a) Compreender os sentidos de aventura e risco das atividades realizadas por
praticantes de corrida de aventura, na perspectiva “competitiva”, e entender
como estas atividades se inserem nos modos de vida dos praticantes;
b) Analisar e interpretar as representações que determinados indivíduos e grupos
sociais constroem a cerca das suas práticas, assim como refletir sobre elas
através de confrontos de análises, e teorias vinculadas ao tema;
c) Inserir o leitor no universo das corridas de aventura através de uma discussão
mais geral dessas provas;
d) Publicar resultados da pesquisa em revistas e congressos relacionados com as
áreas de conhecimento da Educação Física;
Procedimentos:
Participar de uma entrevista, previamente agendada, e ser realizada em local
estipulado pelo entrevistado, com a duração máxima de uma (1) hora.Esta entrevista
será gravada, transcrita e desenvolvida para a sua confirmação das informações
coletadas.
Riscos e Benefícios do Estudo:
Primeiro: Sua adesão como colaborador com o nosso estudo, não oferece
nenhum risco a sua saúde, tão pouco o submeterá a situações constrangedoras.
Segundo: Este estudo poderá contribuir no entendimento científico nas modalidades de
aventura, assim como divulgar e estimular novos estudos no meio acadêmico
relacionados a esta temática.
149
Confidencialidade:
Todas as informações coletadas, sob a responsabilidade do pesquisador,
preservarão a identificação dos sujeitos pesquisados e ficarão protegidas de utilização
não autorizadas.
Voluntariedade:
A recusa da participante em seguir contribuindo com o estudo será sempre
respeitada, possibilitando que seja interropindo o processo de coleta de informações, a
qualquer momento, se assim for seu desejo.
Novas Informações:
A qualquer momento os participantes do estudo poderão requisitar informações
esclarecedoras sobre o projeto de pesquisa e as contribuições prestadas, através de
contato com o pesquisador.
Contatos e Questões:
Escola de Educação Física da Universidade Federal do Rio Grande do Sul
ESEF/UFRGS
Professor Marco Paulo Stigger
Rua Felizardo, nº 750, Jardim Botânico, Porto Alegre/RS
Fone: (51) 33165853
Rafael Loureiro Borges
Fone: (54)99331069
____________________________________________
Raphael Loureiro Borges
(Mestrando do PPGCMH da ESEF/UFRGS)
150
Declaração de Consentimento
Eu_____________________________________________________, tendo lido as
informações oferecidas acima e tendo sido esclarecido das questões referentes à
pesquisa, concordo em participar livremente do estudo.
Assinatura_______________________________________ Data_____________
Declaração de Consentimento
Eu_____________________________________________________, tendo lido as
informações oferecidas acima e tendo sido esclarecido das questões referentes à
pesquisa, concordo em participar livremente do estudo, e estou de acordo com a
utilização de meu verdadeiro nome.
Assinatura________________________________ Data____________________
151
ANEXO 3
FICHA DE INSCRIÇÃO
Nome da equipe
Capitão
Nome
Idade
RG
Sexo
Setor
Principais
aventuras e
esportes que
praticou
Integrante 2
Nome
Idade
RG
Sexo
Setor
Principais
aventuras e
esportes que
praticou
Integrante 3
Nome
Idade
RG
Sexo
Setor
Principais
aventuras e
esportes que
praticou
152
Integrante 4
Nome
Idade
RG
Sexo
Setor
Principais
aventuras e
esportes que
praticou
Apoio
Nome
Idade
RG
Sexo
Setor
Principais
aventuras e
esportes que
praticou
153
ANEXO 4
Equipamentos Obrigatórios
Segue relação dos equipamentos obrigatórios por equipe, para participar do Famastil
Adventure.
Este material deverá ser apresentado para a organização da prova na manhã de sábado,
dia 02.12, na checagem de equipamento.
2 Lanternas*
*Estas lanternas serão usadas à noite, quase ao amanhecer. Uma sugestão é o uso
da Lanterna de Cabeça, que possibilita deixar as mãos livres.
- 1 Faca ou canivete
- 1 Espelho (deve ser pequeno. Pode ser espelho feminino, de maquiagem)
- 4 apitos
- 1 Caneta
- 1 Régua pequena
- 2 Isqueiros
- 2 Bóias (ideal câmera de S10)
- 2 Capacetes
- 2 Colchonetes
- 4 Coletes de TNT personalizados
- 1 Bicicleta
- 1 Kit de 1º Socorros**
**Este kit será composto por: 1 rolo de Esparadrapo, 1 rolo de Gaze, 20ml de
Bactericida, 10 comprimidos de Analgésico e 10g de sal.
Todos os equipamentos que não podem ser molhados, devem ser vedados para protegê-
los dentro d´água.
Na falta de qualquer material obrigatório, a equipe será desclassificada,
impedindo a sua participação na competição.
154
ANEXO 5
Termo de Responsabilidade e Acordo de Implicação de Riscos
Eu, ________________________________, RG nº_____________________________
declaro e concordo através deste documento que:
1-Minha participação no Primeiro Famastil Adventure dá-se por minha livre e
espontânea vontade;
2-Assumo toda e qualquer conseqüência de meus atos no período de duração do evento;
3-Comprometo-me a seguir atentamente às instruções e orientações dos organizadores
do Primeiro Famastil Adventure;
4-Prestarei socorro a todo e qualquer indivíduo que possa necessitar em caso de perigo
ou emergência, e/ou ainda informar o mais brevemente possível a pessoas responsáveis
pela organização do Primeiro Famastil Adventure;
5-Eu atesto que estou apto a participar deste evento, sou maior de idade, responsável por
meus atos;
6-Tenho conhecimento e aceito que, aos organizadores, cabe o direito de adiar ou
cancelar o evento ou parte dele, por questões que envolvam a segurança dos
participantes e da equipe de trabalho. Reconheço que as atividades dos organizadores
restringem-se a contribuir para que a etapa se realize com sucesso, o qual depende
também dos participantes do evento;
7-Quanto ao uso da imagem, aceito ser divulgado através de fotos, filmes e entrevistas
em veiculações em rádios, revistas, televisão e demais mídias para fins informativos,
promocionais ou publicitários pertinentes ao Primeiro Famastil Adventure , sem
acarretar ônus ao organizador, patrocinadores ou aos próprios meios de veiculação.
8-Eu, meus herdeiros, representantes legais e parentes próximos, sei dos riscos
potenciais de acidentes durante as atividades envolvidas no Primeiro Famastil
Adventure isento, e desobrigo aos organizadores, autoridades, entidades patrocinadoras,
anunciantes e voluntários, com respeito a qualquer dano que eu possa vir a sofrer, seja
físico ou moral, enquanto o organizador compromete-se a utilizar equipamentos de
excelente qualidade, bem como pessoal bem treinado para conduzir as atividades com
segurança e minimizar a chance de haverem tais acidentes.
APÓS TER LIDO ESTE TERMO DE RESPONSABILIDADE E ACORDO DE
IMPLICAÇÃO DE RISCOS E TENDO COMPREENDIDO SEUS TERMOS,
ENTENDO QUE ESTOU DESISTINDO DE DIREITOS SUBSTANCIAIS
ATRAVÉS DE SUA ASSINATURA, A QUAL FAÇO LIVRE E
VOLUNTARIAMENTE, SEM QUALQUER COERSÃO, NA PRESENÇA DE
DUAS TESTEMUNHAS.
Gramado, _____de __________________de 2005.
Ass.:___________________________________________
Testemunhas:
Ass.:___________________________________________
Ass.:____________________________________________
155
ANEXO 6
FICHA MÉDICA
Equipe:______________________________________________________
Nome:_______________________________________________________
1 - Você tem algum problema de saúde? Qual?
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
2 - Você está em tratamento médico? Qual?
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
3 - Você é alérgico a algum tipo de medicamento? Qual?
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
4 – Você têm ou já teve algum destes problemas de saúde? Assinale:
( ) Hepatite. Tipo______________; ( ) Anemia ( ) Problemas cardíacos
( ) Hipertensão ( ) Febre ( ) Reumática ( ) AIDS ( ) Sífilis
( ) Alergias ( ) Diabetes ( ) Hipertireoidismo ( ) Hipotireoidismo;
( ) Tuberculose ( ) Desmaios.
5 - Você tem tido alguns dos seguintes sintomas? Assinale:
( ) Dor no peito ( ) Falta de ar ( ) Taquicardia ( ) Náusea/Vômitos
( ) Dores de Cabeça ( ) Tonturas ( ) Visão turva ( ) Palpitações
( ) Perda de audição ( ) Sangue na urina ( ) Sangue nas fezes
( ) Dormência dos braços e das pernas.
6 - Você já foi submetido a alguma cirurgia? De que tipo?
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
7 - Qual é o seu tipo sangüíneo e fator RH?
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
8 – Se você for do sexo feminino, existe alguma chance de você estar grávida?
( ) Sim ( ) Não.
156
9 - Existe alguma outra informação pertinente à sua saúde que nós deveríamos saber?
( ) Sim:____________________________ ( ) Não.
Quais:
___________________________________________________________________
EM CASO DE EMERGÊNCIA ENTRAR EM CONTATO COM:
Nome:_________________________________________________________________
Grau de parentesco:______________________________________________________
Endereço:______________________________________________________________
___________Cidade:_______________ Telefone:______________________________
Declaro que as informações que prestei são verdadeiras e assumo a responsabilidade por
sua exatidão.
Gramado, ______ de _________________de 2005.
Ass.:______________________________
157
ANEXO 7
1- Sabe Nadar?
Sim: 64% (62 pessoas)
3% 3 Nado muito bem (4 estilos)
24%
23 Nado bem
16%
16 Nado mais ou menos
10%
10 Nado mal
10%
10 Nado muito mal, apenas não me afogo
Não: 34% (33 pessoas)
8% 8 Não nado, mas não tenho medo de água
18%
17 Tenho um pouco de medo de água
7% 7 Tenho muito medo de água
1% 1 Tenho pavor de água (estilo CASCÃO)
Obs: Duas pessoas não responderam.
2- Sabe Andar de Bicicleta?
Sim eu ando: 94% (91 Pessoas)
14%
14 Muito bem
73%
71 Bem
6% 6 Mal
0% 0 Muito mal
Não: 6% (6 pessoas)
3% 3 Já andei de bicicleta, mas faz muito tempo que não ando
0% 0 Andei, mas não me lembro mais
2% 2 Não ando
1% 1 Nunca andei
0% 0 Tenho pavor só de “pensar”em andar de bicicleta
3- Tem bicicleta?
Sim, tenho uma bicicleta: 40% (39 pessoas)
10%
10 Montain bike
5% 5 Bicicleta com marcha para estrada de chão
22%
21 Normal com marcha
3% 3 Ruim sem marcha
0% 0 Minha bicicleta é horrível
158
Não tenho bicicleta, mas consigo uma: 27% (26 pessoas)
2% 2 Montain bike
2% 2 Bicicleta com marcha para estrada de chão
19%
18 Normal com marcha
1% 1 Ruim sem marcha
3% 3 Minha bicicleta é horrível
Não: 33% (32 pessoas)
Obs: Somente os funcionários que se inscreveram na corrida receberam este material,
totalizando 97 pessoas.
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