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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
FACULDADE DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
MESTRADO EM EDUCAÇÃO
CORPO E JUVENTUDE:
A NOMEAÇÃO DO OUTRO NA ESCOLA
Dissertação de Mestrado apresentada ao
Programa de Pós-graduação em Educação da
UFRGS, na Linha de Pesquisa Ética, Alteridade
e Linguagem na Educação, sob orientação da
Professora Dra. Rosa Maria Bueno Fischer
MARCELO SLOMKA
Porto Alegre, agosto de 2006
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SUMÁRIO
1. APRESENTAÇÃO................................................................................................6
Reflexões sobre a evidência do corpo em tempos pós-modernos
2. CORPO, SUJEITO E REPRESENTAÇÃO..........................................................14
2.1 CULTURA SOMÁTICA E O MERCADO DO CORPO.......................19
2.2 IDENTIDADES (DES) ENCARNADAS................................................24
2.3 CORPO, ALTERIDADE E EDUCAÇÃO..............................................28
3. PROCEDIMENTOS INVESTIGATIVOS
3.1 UMA BREVE DESCRIÇÃO SOBRE A METODOLOGIA..................37
3.2 O USO DAS IMAGENS NA PESQUISA...............................................42
3.2.1. A FOTOGRAFIA.....................................................................45
3.2.2 O CINEMA ..............................................................................48
4. ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS
4.1 OS JOVENS E AS IMAGENS FOTOGRÁFICAS.................................56
4.2 SOBRE A DISCUSSÃO..........................................................................68
5. CONCLUSÕES......................................................................................................85
REFERÊNCIAS.........................................................................................................88
ANEXO 1...................................................................................................................91
ANEXO 2...................................................................................................................95
ANEXO 3...................................................................................................................98
ANEXO 4..................................................................................................................112
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AGRADECIMENTOS
Agradeço a minha querida orientadora Rosa Fischer, que mesmo sem me
conhecer, me acolheu como orientando. Obrigado por me estimular e abraçar quando
precisei. Teus questionamentos e pensamentos foram vitais. Obrigado pela atenção e o
cuidado. Serei sempre grato.
À Valéria, que me apoiou e incentivou nos momentos bons e ruins, vibrando e
sofrendo comigo; sempre com amor.
À Jane, que, com calma e atenção abriu clareiras onde havia mato fechado.
À minha doce, artista e tia, Quica.
À Beatriz Kulisz, que me incentivou a realizar o mestrado e me ajudou a
acordar. Sempre serei grato.
Ao Chico, que me ajudou na edição dos filmes. Obrigado amigo.
Ao Fabian, sempre amigo e irmão.
À Maria Claudia Dal Igna.
Aos colegas de mestrado; gostaria de poder ter passado mais tempo com vocês.
Obrigado por terem me recebido com carinho. Sempre contem comigo.
Ao Carlos Skliar pela inspiração, olhar e carinho.
À Selene Lima Barbosa, que torceu por mim e me incentivou a procurar a
UFRGS.
Agradeço ao meu professor de português Tadeu Rossato Bisognin, que,
espontaneamente, abriu as portas do Colégio de Aplicação para mim. Também sou grato
ao professor Paulo Ricardo que abraçou a idéia e me cedeu seu espaço de trabalho.
Aos jovens que participaram do grupo de discussão e acolheram a proposta.
Aos meus colegas de trabalho da KINDER, que todos os dias me fazem ver que
a vida pode ser melhor. Obrigado pela torcida e a amizade.
Aos meus amigos.
À minha família, por me apoiar com amor.
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RESUMO
A presente pesquisa trata de uma temática específica: as formas e contornos que
o corpo adquire na subjetivação de si e do outro, como lugar de identificação na
contemporaneidade. O objetivo geral da pesquisa consiste em procurar compreender a
relevância que o corpo assume atualmente nos modos de nomeação do outro jovem, e
de que modo isso estaria afetando os sujeitos. Para tanto, realizamos uma análise de
imagens sobre corpos jovens e um estudo sobre depoimentos de estudantes a respeito do
tema, a fim de problematizar discursos e práticas diversas que se produzem e circulam
relacionadas a esse debate. Em termos metodológicos, trabalhamos com dois grupos
focais, de 12 alunos do Ensino Médio, na faixa de idade entre 15 e 18 anos, que
discorreram sobre 28 fotografias de corpos jovens e sobre seqüências de dois filmes.
Utilizando conceitos como alteridade, corpo, juventude, diferença e subjetividade, de
autores como Jurandir Freire Costa, Francisco Ortega, Michel Foucault e Denise
Sant’Anna, entre outros, pudemos concluir, mesmo provisoriamente, que a imagem do
corpo parece estar regulando, em grande medida, as relações entre os jovens, de forma a
qualificar, caracterizar e ordenar o outro, assim como definir seu respectivo
pertencimento nas esferas sociais. Os depoimentos coletados indicam que as relações
nessa sociedade e cultura parecem estar construídas em torno de um apelo fortemente
idealizado sobre a imagem, em relação à qual os indivíduos se vêem entre a resistência e
a submissão.
Palavras-chave: corpo, juventude, alteridade, subjetivação.
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ABSTRACT
The present research deals with a specific theme: the shapes and outlines that the
body acquires in the subjectivation of oneself and the other, as a place of identification
in contemporaneity. The general objective of the research is to try and understand the
relevance taken on by the body nowadays in the ways to name another youngster, and
how this could be affecting the subjects. For that purpose, we have analyzed images of
young bodies and a study about students’ testimonies concerning the theme, in order to
problematize discourse and various practices that originate and circulate related to this
debate. In terms of methodology, we have worked with two focal groups, of 12 students
from Secondary School, between the ages of 15 and 18, who talked about 28
photographs of young bodies and about excerpts of two films. Using concepts such as
alterity, body, youth, difference and subjectivity, from authors like Jurandir Freire
Costa, Francisco Ortega, Michel Foucault and Denise Sant’Anna, among others, we
could get to the conclusion, even if not definitely, that the image of the body seems to
be regulating, to a great extent, the relations among youngsters, qualifying,
characterizing and arranging the other, as well as defining their respective belonging in
the social spheres. The testimonies collected indicate that the relations in this society
and culture seem to be built around a strongly idealized appeal about the image, in
relation to which the individuals see themselves between resistance and submission.
Key words: body, youth, alterity, subjectivation.
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1. APRESENTAÇÃO
A presente pesquisa tem como tema a investigação de relações entre alteridade e
corpo com os modos de nomeação do outro e seus possíveis efeitos. O objetivo desta
dissertação é analisar como essa relação se dá nas práticas cotidianas dos jovens, a partir
de uma experiência de “escuta” de um grupo de estudantes, colocados em situações de
debate sobre imagens de corpos jovens.
As razões que me motivaram a realizar esta pesquisa passam por
questionamentos a respeito de qual é, está sendo ou pode ser, o papel do educador e do
psicólogo dentro de uma sociedade em que o corpo passa a ser o principal lugar de
identidade, fato associado à força das imagens e do consumismo generalizado. Como o
jovem se vê e se identifica com o corpo (seu corpo e o do outro)? Como o jovem pensa
sobre o corpo e sua relevância na constituição das identidades? A partir dessas questões,
procuro os fios condutores que unem jovem, cultura, identidade e imagem na
contemporaneidade.
Meu objetivo é, portanto, escutar e identificar sentimentos, pensamentos e idéias
nas experiências narradas, produzidas e expostas por jovens, relativos ao corpo e à
imagem e seus efeitos, a partir do relacionamento com os colegas na escola.
A abordagem assumida nesta investigação é a de olhar o corpo como um
continente de representações, através das quais são constituidas as relações humanas;
trato do corpo como produção e produto de diversos campos de saber e poder, no
âmbito da educação, saúde e cultura. O propósito foi pesquisar como o corpo está
exposto a uma moral e a uma estética que estariam afetando as relações entre os jovens.
O corpo, neste trabalho, será visto como um campo de significação que atinge cada vez
mais força, como marca de um estatuto social e especialmente como modo e acesso ao
outro e a uma identidade própria.
Ao desenvolver a discussão teórica desta pesquisa, analisei a relação entre os
conceitos de corpo e alteridade, principalmente no âmbito da escola. Para tanto,
relaciono as idéias dos seguintes autores:
a) Michel Foucault, filósofo que lançou um olhar para o corpo como uma
superfície de inscrição da história. Foucault trata da questão de como o corpo é alvo de
controle principal das relações de poder, saber e políticas, especialmente nas obras:
Vigiar e punir (1975), Os anormais (1974-1975) e Microfísica do poder (1979).
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b) Denise Bernuzzi de Sant`Anna, autora que trata de questões históricas a
respeito do corpo: o corpo no passado e os usos que estamos conferindo a ele no
presente. Em seus textos, ela nos questiona sobre as exigências que a “forma
homem” (inventada no séc. XIX) vem trazendo ao “mercado da saúde” e do prazer;
c) Jorge Larrosa, teórico que me interessa principalmente ao refletir sobre o
aplanamento dos corpos em nossa sociedade, bem como sua negação e diminuição,
introduzido por ele em dois ensaios, no livro Linguagem e educação depois de Babel
(2004): “O corpo da linguagem”, que explana sobre a questão de políticas do corpo;
e “Diminuição e educação”, em que o estudioso fala a respeito do corpo e sua relação
com a educação.
d) Jurandir Freire Costa, psicanalista brasileiro, que nos ajudou a tratar do tema
do sujeito contemporâneo em relação às questões da personalidade somática de nossos
tempos, a partir dos conceitos de “subjetividade exterior” e “cultura somática”;
e) Luis Henrique Sacchi dos Santos, estudioso do Rio Grande do Sul, que traz
contribuições quanto às relações entre corpo, pedagogia e escola, bem como quanto às
suas diferentes representações;
f) Carlos Skliar, estudioso que nos oferece amplo material sobre o tema da
alteridade e sobre questões teóricas relativas à exclusão/inclusão, mesmidade,
representação do outro, normalidade/anormalidade e pedagogias, políticas, filosofias e
poéticas da diferença. Com ele, somos instigados a um olhar sobre o nosso olhar,
ressignificando assim as formas habituais e familiares de existência e relação com os
“diferentes”.
g) Francisco Ortega, que escreve sobre questões ligadas à ascese e à bio-ascese,
que ele estuda a partir da obra de Foucault. Ortega trata de pensar sobre as bio-
identidades contemporâneas, num tempo em que o corpo estaria “assumindo” uma auto-
reflexividade que correspondia outrora à alma, e analisa como se processa essa prática
moderna em uma operação de uniformidade, conformismo e egoísmo.
Através desses autores, analiso e problematizo meu objeto de pesquisa. Procuro
compreender a representação e a relevância que o corpo assume atualmente, nos modos
de nomeação do outro, e como estes afetam os sujeitos. Tenho como campo de
investigação um grupo de estudantes em seu ambiente escolar, cujos depoimentos foram
estudados buscando entender a repercussão dos ideais de corpo e imagem, bem como
sua reverberação na educação e relação dos jovens.
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Muito tem se falado sobre o corpo na modernidade. Costa escreve que o “mal do
século é o mal do corpo” (Costa, 2004, p. 200). Já ouvimos e lemos sobre o culto ao
corpo, a época do corpo, a corpolatria ou a voga do corpo. Os corpos historicamente têm
sido investidos de poderes, tecnologias, ciências e éticas, mas nas últimas décadas
talvez se possa dizer que há uma espécie de centralidade do corpo na vida e na cultura.
Tais novidades geram novas experiências e afecções e, conseqüentemente, inventam e
produzem novos modos de vida, fato que suscita uma intensa curiosidade e inquietação
investigativa.
Nós nos relacionamos com o corpo de uma forma muito diferente do que o
experimentado há pouco tempo. Jorge Larrosa, no ensaio “Corpo da Linguagem”,
afirma que essa diferença atualmente se apresenta de forma doentia, como um
problema. Revela que “o culto do corpo do mundo contemporâneo é tão doentio como o
horror do corpo de outros tempos” (Larrosa, 2004, p.169).
Essa chamada obsessão pelo corpo, assim como sua produção e fabricação,
como alerta Larrosa nesse texto, gera que mudanças de perspectiva referentes ao corpo?
Ela torna as relações diferentes? Ela é necessariamente, ou unicamente, doentia? Apesar
de o ser humano estar buscando cada vez mais a vitalização de seu corpo, sua
“vitaminação”, um alcance performático e estético, o que acontece também é que
estamos nos tornando mais conscientes de nosso corpo. Poderíamos pensar hoje em
formas alternativas de usá-lo ou valorizá-lo, no contato com o outro? Ou será que
nossos corpos sofrem algum tipo de pressão, no sentido de uma uniformização quanto
aos padrões de beleza, de usos do próprio corpo, etc?
As formas de coação do corpo sempre existiram, mas hoje, por vezes, aparecem
sob novas configurações em medidas talvez extremas, baseadas na beleza, na saúde, na
performance e no espetáculo acima de quaisquer outras qualidades. Com isso, procuro
justificar a pesquisa feita, já que nela busquei problematizar e desassossegar questões
relativas ao corpo do jovem, na tentativa de tentar caminhar para além dos discursos
dicotômicos que opõem a cultura somática e da beleza como lei e o discurso do corpo
como corruptor da mente – já que ambos se caracterizam como formas de regulação e
coação dos corpos jovens.
A análise do tema do corpo na educação se faz necessária, já que o ambiente
escolar tem produzido e reproduzido, segundo uma expressão de Larrosa (2004), um
“aplanamento dos corpos”, fato que talvez ainda não tenha sido discutido tão
abertamente. Acredito que Larrosa (2004) se refere ao aplanamento dos corpos como
9
sendo uma forma ou prática de tornar os corpos sempre parecidos, jovens, belos,
cuidados, saudáveis e “normais”.
Nessa perspectiva, Louro (2000) realça o disciplinamento dos corpos como uma
condição fundamental na educação, no engendramento das estratégias e das práticas
pedagógicas. O disciplinamento dos corpos é também o disciplinamento das mentes,
como nos ensina Foucault (1975), que descreveu a modelagem do corpo e sua
docilização por meio das tecnologias disciplinares, que, desde a dita modernidade,
otimizaram as forças do homem.
De acordo com Larrosa (2004), a educação ergue uma história das operações de
marcação, configuração e distribuição dos corpos: a escola se configura como uma
instituição cujas regras se reconhecem pelas formas e pelas distribuições corporais que
produz e exibe. Penso que Larrosa (2004) se refere às divisões produzidas pela escola,
tais como as divisões por idade, inteligência, classe, tempo e espaço. Nela, nada parece
ter chances de estar fora do lugar.
Atualmente, a colonização, a exclusão e a docilização do outro estão sendo
exercidas sob novas formas de poder, como o do marketing da imagem e do
individualismo, que Costa (2004) denuncia como sendo a moral do espetáculo e do
narcisismo. Em relação a outras novas formas de apropriação dos corpos, Pelbart (2003)
afirma que nunca, tanto como agora, nossos corpos foram tão sujeitos do capital, que
penetrou nossos genes, nosso imaginário, nosso psiquismo e nossa inteligência. Nossos
corpos estão, ao que parece, sendo comprados e artificializados. O corpo é representado
de acordo com o que o mercado dita como ideal de consumo e beleza em uma
determinada época.
Diante dessa realidade metamórfica ambulante, procuro “olhar”, como Skliar
(2000) sugere: com o desassossego, e não com a total compreensão. Não pretendo
esgotar toda a discussão sobre o corpo; entretanto, procuro nesta dissertação aprofundar
algumas idéias relativas à discussão e à articulação entre corpo, juventude e a nomeação
do outro, abrindo, talvez, mais um caminho em relação à reflexão ética e à ação de
novos olhares e alteridades quanto a esse tema.
Por que hoje, mais do que em qualquer época, o culto ao corpo, principalmente
desde a liberação dos costumes, na década de 60, vem chegando ao seu extremo? Essa
mudança provoca novos e outros sujeitos? Essa obsessão empobrece outros aspectos
que abarcam nossa existência? A obsessão por uma estética da beleza produz novos
10
sintomas, define modos de vida, cria necessidades, qualidades e valores? Acredito que o
corpo identifica, normaliza, regulariza, vende, produz, singulariza, subjetiva e atravessa
o outro. De uma maneira invisível, incorporamos objetos que estão no mercado para
termos uma determinada qualidade, valor ou estilo, pertencer a uma comunidade, estar
dentro dos paradigmas estéticos. Acredito que esses objetos são ilusões e, muitas vezes,
frutos de uma política hiper-capitalista articulada pela mídia, pela propaganda, pelos
modelos representados na televisão, sobre imagens de sucesso, aparências de felicidade.
Vivemos a cultura da imagem, da pose e da beleza como uma forma de obter saúde,
alegria e bem-estar. As pessoas, ao que parece, estariam mais preocupadas em perder
seus “excessos” ou preencher suas “faltas” físicas do que em viajar ou em desenvolver
algum talento (como tocar um instrumento musical), em se apaixonar ou em olhar-ver o
outro.
Esse complexo modo de ser de nossos corpos, hoje, teria sido desencadeado,
segundo Sant’Anna (2000), a partir da década de 60, quando uma preocupação cada vez
maior foi sendo revelada em relação à saúde e ao bem-estar do corpo. A autora revela
que, não só na mídia como em tantos outros espaços sociais, inclusive nas
universidades, milhares de imagens e de discursos sobre a beleza corporal, assim como
sobre o cotidiano sexual e alimentar de jovens e idosos, foram sendo expostas. Apostou-
se na liberação do corpo em face de antigos pudores morais. Sant’Anna revela que
“valorizava-se o corpo cada vez mais amplamente, como se ele tivesse sido descoberto
pela primeira vez e se tornasse importante como outrora havia sido a alma” (Sant´Anna,
2000, p. 51).
Ora, houve muitas mudanças dos anos 60 para os dias atuais; entre elas, destaca-
se a que se refere a uma quase instituição da valorização do corpo, como forma quase
exclusiva de linguagem, de expressão de pensamento, afeto e identidade.
Tudo indica que novas formas de exclusão foram inventadas: parece que para
um jovem estar “dentro” precisa mostrar um excessivo cuidado de si mesmo, corporal.
Muitas vezes, esse excesso de cuidado de si mesmo, de tempo reservado para olhar
somente para si acaba prevalecendo sobre o envolvimento com o outro ou mesmo sobre
o cuidado com habilidades afetivas ou intelectivas.
Esse novo modo de se tratar o corpo pode ser identificado, segundo diversas
pesquisas e estatísticas, em lugares e épocas diferentes. Na Itália, em 1976, 33% dos
homens queriam emagrecer, contra 47% das mulheres (Fischler, apud Stenzel, 2002).
Nos Estados Unidos da América (EUA), trinta e três mil mulheres afirmaram a
11
pesquisadores que preferiam perder de cinco a sete quilos a alcançar qualquer outro
objetivo (Wolf, apud Stenzel, 2002). Um estudo sobre comportamento alimentar
anormal, realizado com mulheres jovens de Porto Alegre, demonstrou que 45,8 % das
mulheres tinham o desejo de pesar menos. O mesmo estudo traz dados da literatura
referindo que 70% das mulheres americanas e 48% das mulheres espanholas querem ser
mais magras, enquanto que 50% das australianas querem pesar menos sete quilos
(Nunes, apud Stenzel, 2002). No Brasil, segundo Cohen e Cunha (2004), estima-se que
existam 10 a 15 milhões de obesos. Cerca de 40% da população têm excesso de peso; e,
paradoxalmente, hoje são inúmeras as exigências feitas ao corpo: é preciso ter um corpo
mais saudável, jovem, cuidado e belo. Ressalte-se que o Brasil está, em comparação
com outros países, nos primeiros lugares em relação a cirurgias estéticas,
emagrecedoras e “corretivas”. Esse dado revela a relevância e o estatuto dado aos
imperativos morais de saúde e de beleza na vida dos brasileiros, entre outros.
Apesar do boom do corpo na atualidade, constato que poucos estudos se
propuseram a analisar a constituição que a cultura somática provoca na juventude. Em
relação a esse tema, coloco-me inúmeras questões, como: que tipos de sujeitos, que
novas morais, que estéticas e discursos a cultura somática produz? Que relações esses
novos modos produzem? Elas excluem os que não estão dentro dessa nova condição?
Através deste estudo, busco perguntas que complexifiquem os enunciados do
“culto ao corpo”, e tratarei dos efeitos que esse discurso e essas imagens produzem na
contemporaneidade. Penso que tais estados provocam sobre a juventude um modo
diferente de se relacionar com seu corpo e com o corpo do outro. Acredito que, em
grande parte, o corpo aparece submetido a modismos uniformizantes; então, quem não
está no padrão não é acolhido, é muitas vezes é humilhado
1
, diminuído ou excluído.
A questão que a presente pesquisa se propôs a responder é: como um grupo de
estudantes de Ensino Médio, em situação escolar, interage com imagens fotográficas e
fílmicas, relacionadas a modos de existência de corpos jovens em nossa cultura? A
partir dessa questão central, busquei discutir sobre os discursos e as práticas que se dão
no cotidiano escolar sobre os corpos dos jovens que estão fora dos modelos vigentes.
No decorrer da investigação, surgiram outros questionamentos, quais sejam: como são
vividos esses modelos imperativos no outro da beleza? Para a juventude, quais são os
1
Muito se tem comentado atualmente sobre o Bullying, que não passa de uma forma de humilhação do
outro através do corpo, acredito que o bullying sempre existiu, talvez, agora com uma nova composição
dos modelos de corpo e de saúde houve um aumento desse tipo de violência, já que o ideal aparece dentro
de uma média cada vez mais reduzida dentro de uma suposta curva de Gauss.
12
rituais de passagem ao grupo e de acesso ao outro e de exclusão? Como essa aceitação
se dá através do corpo e, indo mais além, da imagem consumista do corpo? Que
atributos um corpo deve possuir segundo esses jovens? Que valor tem o corpo para
eles?
Para tratar dessas questões e dos dados que serão levantados, estabeleci
articulações entre corpo, juventude e alteridade e a nomeação do outro, tratando de dar
visibilidade a como esses estados e essas condições podem constituir formas de
subjetividade jovem. Penso que a educação não pode deixar de tratar dessas
inquietações e dos modos pelos quais os referidos temas se imprimem na condição de
juventude, no caso, e de como eles formam julgamentos, se relacionam e se identificam,
baseados em características físicas.
Uma das hipóteses do estudo é a de que a esse corpo é dado o valor máximo de
identidade, uma nomeação baseada em um modelo a priori, físico. Qualquer diferença,
em meio ao aplanamento do corpo, é nomeada como uma marca que se cola sobre a
imagem de uma pessoa. Um jovem com o peso acima do padrão estabelecido vai ser
chamado de “gordo”, “bola”, “baleia”; alguém com os dentes diferentes do normal vai
ser chamado de “dentinho”; outro com estatura inferior a considerada mediana, de
“baixinho”; e assim por diante, ressaltando a diferença, e, nesse caso, explorando e
identificando o outro com um nome ou apelido que marque esse lugar da diferença (ou
identificando a diferença com um nome). Tento, nesse estudo, entender como os jovens
resistem e se posicionam frente a tais nomeações no sujeito. Utilizo, para tanto, o que
afirma Foucault (2004) sobre o discurso. Os discursos, segundo o autor, não devem
mais ser tratados como um “conjunto de signos [elementos significantes que remetem a
conteúdos ou representações], mas como práticas que formam sistematicamente os
objetos de que falam” (Foucault, 2004, p. 55).
Tendo como base toda essa discussão, aqui iniciada, realizei minha pesquisa a
partir de grupos de discussão e questionários baseados em fotos. Procurei descrever
como as relações na juventude se vinculam às questões da imagem. Quis ver também
como a diferença é fonte dessa mesma nomeação, já que, ela pode determinar o lugar do
outro no grupo.
Esta dissertação está dividida em três capítulos. O primeiro capítulo contém a
apresentação inicial; o segundo capítulo é dividido em quatro partes, a primeira,
apresentará a tríade: corpo, sujeito e representação. A seguir, desenvolverei a
13
articulação entre cultura somática e o mercado do corpo; depois tratarei de discutir
sobre a formação de identidades na sociedade atual, analisando como o lugar da
identidade parece estar basicamente nos corpos e finalmente a quarta parte versará sobre
as relações entre corpo, alteridade e educação. O terceiro capítulo trata dos
procedimentos metodológicos, e de como foram feitos os levantamentos de dados em
busca dos principais enunciados que circulam entre juventude, corpo, alteridade e
nomeação do outro. Após esse capítulo, apresento a análise dos dados e as conclusões.
14
2. CORPO, SUJEITO E REPRESENTAÇÃO
“Quero romper com meu corpo, quero enfrentá-lo, acusá-lo, por abolir minha
essência, mas ele sequer me escuta e vai pelo rumo oposto” (Carlos
Drummond de Andrade).
Quem, no poema de Carlos Drummond de Andrade, deseja romper com o corpo
senão o seu próprio corpo? O corpo segue o rumo oposto do seu desejo segundo ele,
mas, que rumos segue o corpo? Podemos pensar na morte, é claro, esse é o rumo final
do corpo. Que acusações poderíamos, hipoteticamente imaginar, que Drummond faria a
seu próprio corpo? Acusá-lo de sua fraqueza, sua fragilidade, talvez? Suas paixões, sua
preguiça ou seu desfalecimento?
Romper com o corpo, tornar-se imaterial, fluido, leve, quem sabe? O corpo é
posto pelo poeta como um traidor, uma mentira, um inimigo, algo que aprisiona nossa
essência e vai pelo rumo oposto. Mas será que podemos acusá-lo de tamanha crueldade?
Será que é ele o causador ou portador dos males que nos afligem? Será que não é essa a
representação que tem perdurado durante séculos acerca do nosso corpo?
Drummond parece que vê como essencial o que está escravizado em nosso
corpo, provavelmente a alma ou o espírito. Podemos supor, em seu poema, que ele
deduz um fato: nossa alma está separada e ao mesmo tempo presa a nosso corpo. Talvez
o poeta quisesse alertar sobre a importância do que deveria permanecer selvagem e
genuíno em nós: a poesia, o gesto, o olhar e o toque – em oposição ao que parece cada
vez mais diminuído dentro de um sujeito mecanizado, globalizado, mercantilizado. Um
corpo/sujeito que, de acordo com Sarlo (2000), é representado por ícones da cultura,
estampados nas capas de revistas, nas páginas e imagens da moda e da publicidade, e
que passa a ser sempre mais sonhado e desejado por nós.
Carlos Drummond de Andrade expressou essa complexidade do corpo, através
de uma divisão filosófica milenar entre o corpo e o ser, o corpo e a mente, entidades
“inseparáveis”, mas, ao mesmo tempo, distanciadas pelo ser humano. Criam-se, entre
um e outro, fronteiras de conflitos intermináveis: ora o corpo se submete ao ser, ora o
ser se submete ao corpo, numa tentativa de uma constante busca de equilíbrio. Devido a
essa condição de mistério e gangorra, Denise Sant’ Anna lembra que “a tarefa de
investigar o corpo é infinita, um constante caminhar no escuro, destinado a enfrentar
inúmeros paradoxos [como é o caso desta pesquisa], o que contribui, em grande medida,
15
para confirmar o caráter inesgotável dos estudos sobre o corpo, assim como a sua
constituição sócio-cultural” (Sant’Anna, 2000, p. 52).
Trato, neste estudo, daquele corpo que é constituído por diversas formas de
discursos, entre eles, o que reproduz uma lógica nominal determinante, em que um
sujeito é nomeado pelo seu tipo físico ou pelas roupas ou adornos que veste; aquela
lógica que defende o discurso de que, para ser amado, desejado, olhado, e para além
disso, ser feliz, ter sucesso e saúde, é preciso ter um corpo belo (magro, forte, modelo) e
“igual” a todos.
Parece que fomos nos transformando em produto de uma certa beleza imposta e
de determinados atributos físicos julgados necessários. Tornamo-nos seres submetidos
aos discursos que produzem novos corpos e, muitas vezes, controlados por eles em
nossos pensamentos, ações, modos de vida e relações como o outro e conosco. O corpo
parece que está escravizado por uma indústria que o promoveu a um lugar antes
impensável, que o destituiu de sentimentos e de expressões para além da pura imagem.
O corpo torna-se, cada vez mais, um meio de a sociedade controlar, dividir e
mecanizar o sujeito; entretanto, o corpo, assim como o sujeito, sempre carrega consigo
uma condição diferente que resiste à manipulação social humana e à imposição de
modos educados e gestos sutis. Drummond revela um de seus verdadeiros sentidos: ele
é surdo a nós e “vai pelo rumo oposto”.
Assim, o corpo emerge como o resultado entre o poder de nossa vontade e os
efeitos do tempo, das forças da exterioridade, das paixões, do destino e da possibilidade.
Passamos a vida tentando enfrentá-lo em sua queda, decifrá-lo em seu mistério, rompê-
lo para tornarmo-nos essência, subvertê-lo para ser quem “realmente” somos, mas o
corpo envelhece, adoece, entra em erupção, sofre, morre, se adapta e sente. Somos e
estamos com ele e nele, durante esse tempo; claramente não queremos sofrer. Mas
sofremos. E a ilusão de sermos imortais, jovens e belos para sempre morre. Alguns
morrem sem saber dessa verdade fundamental para a existência, a de que somos
mortais.
Em sua história, o corpo já sofreu a ação de inúmeras forças, seja filosófica,
ideológica, cultural, biológica, política, industrial ou midiática. Para Nietzsche, segundo
a interpretação de Eagleton (1990), a fonte de toda a cultura é o corpo humano, se ele
não encarasse o próprio corpo como uma expressão efêmera da vontade de poder.
Nietzsche via o corpo como responsável por todas as verdades que podemos alcançar; é
16
o corpo que interpreta o mundo. Segundo a leitura de Eagleton, “o que ‘conhece’ são os
nossos múltiplos poderes sensoriais, que são não só artefatos neles mesmos” (Eagleton,
1990, p. 173).
Nietzsche (1973) denominou o corpo como “o sábio desconhecido” ou a “grande
razão”. Temos em Nietzsche a idéia do corpo como uma “razão” natural de uma força
inevitável, incapturável e maior que nós mesmos. Hoje, a “sabedoria” do corpo está se
tornando conhecida, cientificizada e acessível. Apesar de, com essa afirmação,
Nietzsche dar ao corpo um ser e um poder selvagem encoberto em seu tempo, hoje o
corpo voltou a ser um corpo quase capturado, obturado e encoberto, que precisa ser
resgatado como afirmação e potência de vida, frente ao seu modelamento e
capitalização.
Descartes, a partir de uma lógica de existência que prioriza a racionalidade,
“separa” o corpo da mente em nossa existência. Seu “penso, logo existo” dissociou o
corpo da mente e separou duas forças que nunca, então, voltaram a formar uma unidade
ontológica. Descartes desprezou o corpo e suas paixões; o que não podia ser pensado
não poderia existir. A cultura, portanto, era a do pensamento racional e assim era
julgado o valor de um homem, por seus ideais.
Segundo Foucault, o corpo é um produto da história:
(...) os historiadores vêm abordando a história do corpo há muito tempo,
estudaram-no no campo de uma demografia ou de uma patologia históricas;
encararam-no como sede de necessidades e apetites, como lugar de processos
fisiológicos e de metabolismos, como alvo de ataques microbianos ou de
vírus: mostraram até que ponto os processos históricos estavam implicados
no que poderia considerar a base puramente biológica da existência; e que
lugar deveria se conceder na história das sociedades (Foucault, 1975, p. 25).
Diante disso, Foucault esclarece que o corpo também está imerso num campo
político e, assim, as relações de poder têm alcance imediato sobre ele; elas o investem, o
marcam, o dirigem, o supliciam, o sujeitam a trabalhos, obrigam-no a cerimônias,
exigem-lhe sinais. Segundo o autor:
(...) este investimento político do corpo está ligado, segundo relações
complexas e recíprocas, à sua utilização econômica; é, numa boa proporção,
como força de produção que o corpo é investido por relações de poder e de
dominação; mas em compensação sua constituição como força de trabalho só
é possível se ele está preso num sistema de sujeição (idem, p. 25-26).
17
Durante toda a história do homem, o corpo vem sido pensado, manipulado,
estudado e redescoberto. De alguma forma, chegamos hoje a uma realidade em que
podemos, não mais ilusoriamente, tentar transformar nossos corpos. Vivemos de um
modo diferente do que foi exposto por Carlos Drummond de Andrade. O corpo
atualmente pode cada vez mais nos escutar e não ir pelo rumo oposto em grande
medida. Podemos fabricar nossos corpos e escolher nossos sexos, além de outras tantas
possibilidades. A medicina, a biologia e a estética podem prometer a fantasia de uma
possível futura e eterna (hoje estendida) juventude e beleza, tornando, assim, o corpo o
principal alvo de valores e ideais.
Todas essas mudanças acarretam transformações nos sujeitos, dentre as quais a
de que podemos, aparentemente, ser o que ou quem desejarmos, a de que podemos
habitar o corpo que quisermos. O corpo tornou-se fonte de identidade, escolha,
mercadoria e sinal. Hoje, podemos imprimir no corpo qualquer objeto, idéia, linguagem
ou expressão. O corpo agora fala dos sujeitos e os enquadra. Entretanto, a linguagem do
corpo talvez esteja se tornando, pela globalização e pelo hipercapitalismo, por demais
massificada. A ciência diz que podemos hoje ser o que quisermos, desde que estejamos
dentro do paradigma vigente. Estamos enquadrados ou sujeitados a uma sociedade que
prioriza a produção e o consumo. Estamos regulados e formados pelo espelho e pelo
olhar do outro sobre o nosso corpo; chave de acesso ao outro ou a uma tribo. Para
sermos vistos e incluídos, devemos ter corpos bonitos, magros e jovens. Rápidos,
econômicos, estáveis, equilibrados e dinâmicos.
Os meios de comunicação afirmam repetidamente que a busca do corpo perfeito
vem ganhando o status de religião em nosso mundo ocidental. Discursos sobre a
qualidade de vida, saúde, entre outros, vêm afetando e construindo modos de vida e
subjetivando sujeitos. Os jovens são os principais alvos desse bombardeamento
ideológico que dita o que é certo e errado em termos estéticos e da moda, já que eles
representam o ideal a ser seguido. Torná-los sempre jovens é o objetivo desse sistema.
Através desses modos e ideais corporais de ser, analiso como os jovens vêm
sendo afetados, formados e nomeados; entendendo como esses processos caracterizam e
regulam suas relações e modos de vida. Mais especificamente, busco entender os
enunciados sobre a relação dos jovens com os seus corpos e com outros corpos.
Pretendo, a partir da análise dos dados, abrir uma possibilidade de se pensar e se olhar
de outra forma a relação entre corpo e juventude.
18
A seguir, tentarei explorar possíveis formas de representação do corpo na
sociedade pós-moderna, a qual denomino – a partir de Jurandir Freire Costa -, neste
trabalho, de cultura somática, e na qual predomina o mercado do corpo. Além disso,
pretendo examinar a dominância que o corpo vem exercendo na representação
simbólica de si e do outro, da alteridade, bem como da diferença/diferenciação.
19
2.1 CUTURA SOMÁTICA E O MERCADO DO CORPO
As diferentes modalidades da humanidade são diferentes formas de ser corpo,
de fazer corpo (Larrosa, 2004, p. 171).
A concepção de corpo, segundo Alex Branco Fraga durante toda uma tradição
histórica do pensamento ocidental, foi construída a partir de diferentes paradigmas.
Entre eles, está o dualismo, baseado principalmente no ideal platônico, que acreditava
na existência da “alma humana como soberana das ações humanas” (Fraga, 1999, p.
213). O pensamento cartesiano moderno definiu a separação entre corpo e razão,
reduzindo o corpo a um esquema simétrico e previsível. Em outro momento, de acordo
com França, o sonho iluminista do século XVIII determinou que todos os objetos
devem ser vistos, objetivando o homem e seu corpo, que agora havia perdido “o direito
de não ser visto, sob o pretexto de oferecer o bem-estar ao indivíduo e às populações”
(França, 1998, p. 206). Esses diferentes momentos ajudam a refletir sobre como as
culturas produzem as representações do corpo e suas relações com os sujeitos.
Os modelos de representações dualistas dividiam o sujeito em razão e
pensamento. Essa cisão entre as duas instâncias produziu a noção do corpo como um
corruptor, uma incontrolável e desconhecida força, às vezes maléfica, já que,
provavelmente, destituída de razão, justificativa ou lei. Portanto, nenhuma lei
comportaria os corpos. Esse caráter misterioso ou perigoso do corpo gerou a
necessidade de conformá-lo, discipliná-lo e reprimi-lo. Segundo Foucault, além de
natural, o corpo é também político, já que sobre o mesmo, se exerce um
(...) conjunto de elementos materiais e das técnicas que servem de armas, de
reforço, de vias de comunicação e de pontos de apoio para as relações de
poder e de saber que investem os corpos humanos e os submete fazendo deles
objeto de saber (Foucault, 1975, p. 27).
Esse é um poder que sempre se fez presente. Se por um período o corpo foi
negado ou escondido por ser algo incompreensível, lugar das paixões, dos sentimentos e
dos pecados, por outro, o corpo hoje é uma afirmação de poder, caráter, identidade,
qualidade e valor do sujeito. Essa nova natureza do corpo é o efeito de uma tecnologia
investida na vontade de desejar sabê-lo, entendê-lo e, conseqüentemente, discipliná-lo e
controlá-lo, ampliando, então, os horizontes da propriedade humana. Entre essas novas
20
possibilidades, uma perigosa está se desenhando: a de nos tornarmos réplicas, modelos
encarnados da noção contemporânea que se concebe de sujeito.
Se durante séculos o corpo em nossa cultura foi negado ou esquecido, hoje,
segundo Sant’Anna (2002), a cultura “exige” do corpo e o reforça a ser cada vez mais
saudável e jovem. A cultura denomina o corpo como um produtor infatigável de prazer
e, com isso, permanece adulando-o, protegendo-o e fornecendo a ele quase o mesmo
cuidado antes concedido à alma. Essas mudanças ocorreram, principalmente, devido aos
interesses do mercado, através do marketing, equivalendo sua imagem como um
produto de consumo. As novas descobertas científicas no campo estético, farmacêutico,
biológico, bio-tecnológico e genético também fazem parte desses poderes que tentam
manipular os corpos aplanando-os de acordo com um modelo criado, produzido e
fabricado.
A biologia, a bioética, o marketing e a qualidade de vida fazem do corpo seu
objeto de poder e significado; o corpo representa, nestes campos de saber, um ideal de
homem a ser alcançado e produzido. Busca-se continuamente aperfeiçoar e criar um
homem perfeito e imortal. Talvez estejamos procurando produzir nosso Frankenstein.
Vivemos um tempo em que o corpo é exaustivamente falado, invadido, investigado e
ressignificado, interferindo nas formas pelas quais vemos, conhecemos, falamos e nos
relacionamos com essas novas culturas de nossos corpos e identidades.
Costa (2004) denomina essa atual obsessão pelo corpo como sendo fruto do
narcisismo: uma marca de nossa contemporaneidade. Em sua obra intitulada O vestígio
e a aura, Costa nos apresenta os conceitos de “cultura somática” e da “moral das
sensações” para pensar esse novo modo de nos relacionarmos conosco e com os outros.
Segundo o autor, isso ocorre a partir do declínio e do enfraquecimento das tradicionais
instâncias doadoras de identidade (escola, família, religião, entre outras), restando então
ao sujeito basear-se principalmente no narcisismo e no hedonismo.
A esse respeito, Costa também refere que a cultura somática imprime o assédio
sobre o sujeito em seu narcisismo, ao fazer do corpo o “reflexo” da alma. Conforme o
autor, “o corpo se tornou a vitrine compulsória de nossos vícios e virtudes,
permanentemente devassadas pelo olhar do outro anônimo” (Costa, 2004, p. 198). Os
efeitos desse assédio têm sido constatados por inúmeras pesquisas, entre elas uma
realizada com crianças de seis anos de idade: ao descreverem e definirem crianças
obesas, as crianças as denominaram como preguiçosas, feias, burras, sujas e mentirosas.
Já as silhuetas esguias foram descritas de forma positiva pelas mesmas crianças
21
(Stenzel, apud Wadden e Stunkard, 1985). O modo mais eficiente, então, de não se
fazer humilhar, invadir, corrigir é ser como todo o mundo.
Para o sujeito “ser como todo o mundo” é necessário se submeter a inúmeras
forças controladoras, a fim de que elas determinem, limitem e construam o corpo.
Paralelamente a essa delimitação dos corpos, ocorrem, também, diferentes modos de
punição àqueles contrários às forças controladoras. Durante toda a história do homem
ocidental, diversos saberes, técnicas e discursos científicos se formaram e se
entrelaçaram como práticas de controle do outro através do corpo, seja pela exclusão ou
pela humilhação. Novas táticas de poder e técnicas punitivas são ativadas pelo poder da
ordem estética e somática de ser. São práticas, na maioria das vezes, mais sutis, quase
invisíveis, representadas pela ilusão de sucesso e de felicidade, ligada a um produto e a
uma imagem.
Parece que somos atualmente “livres” para desenhar nossos corpos, segundo
uma moral estética e globalizada de sujeito. Essa moral consiste em satisfazer a vontade
de prazer, visibilidade e sensação, a qualquer custo. O corpo hoje é um produto; sua
fabricação e espetacularização provêm da indústria das sensações e da beleza. O corpo
tornou-se submetido ao dever do prazer imediato em si. O mercado acompanha essa
tendência, tentando nos fazer acreditar que a felicidade está relacionada a uma poderosa
ilusão e idealização narcísica de imortalidade e de beleza.
Todas essas mudanças sofridas no corpo são efeitos, além das tecnologias, de
uma moral narcísica, que avalia um sujeito pela forma e pela aparência de seu corpo. O
narcisismo consiste em uma condição na qual o sujeito consome a si próprio como
objeto de satisfação ou prazer, preso à imagem de si próprio e afastado do outro,
considerado insuficiente
2
. O mercado, então, vende objetos que suprem esse desejo de
plenitude e perfeição. São objetos que podem oferecer-nos ilusões, incluindo a de nos
tornarmos sempre outros e, simultaneamente, réplicas daquilo que hoje é considerado
moda: juventude, beleza e qualidade de vida.
Santos (1999) aponta que a mídia oferece sonhos, promessas de bem viver, de
refazer partes perdidas do corpo, de ter um filho de quem já morreu, conceber corpos
artificiais. Diante dessas afirmações, pergunto-me: quais serão os limites do corpo? Até
onde as fronteiras entre o vivo e não-vivo, entre o humano e não-humano, fato e ficção,
2
Assim como Narciso, adormecido em si mesmo, para si mesmo, inacessível ao outro.
22
cultura popular e ciência, podem ser borradas? O poder do homem sobre a dor e o
prazer tem limite? Ou continuará sendo uma eterna vontade de se livrar dos sofrimentos
físicos e da morte?
Considerando nossa corrida pelo bem-estar, pela qualidade de vida e à
felicidade, Costa (2004) remete à situação na qual quanto mais falamos em minimizar o
sofrimento e otimizar o prazer, mais nos privamos de prazer e mais nos atormentamos
com os sofrimentos que não podemos evitar. Tornamo-nos corpos e sujeitos
anestesiados, cronicamente ansiosos, diante da perspectiva do sofrimento. Hoje, o
corpo é torturado pelos próprios sujeitos, donos desses corpos; violentam-no sob todas
as formas. Faz-se de tudo para fugir do fim, da dor, da exclusão, do envelhecimento, da
idade, do tempo e do olhar maléfico do outro. A cultura somática está submetendo o
sujeito a um certo tipo de controle, exercido “como se” fosse de dentro para fora, como
se o desejo de se transformar, mudar ou reformar fosse dele próprio.
De acordo com Sarlo, mercado, cultura e, a meu ver, a ciência também se aliam,
e então:
(...) sonham-se objetos que transformarão nossos corpos, e este é o sonho
mais feliz e aterrorizante. O desejo, não tendo encontrado um só objeto que o
satisfaça nem ao menos transitoriamente, encontrou na construção de objetos
a partir do próprio corpo o non plus ultra onde se reúnem dois mitos: beleza e
juventude. Numa corrida contra o tempo, o mercado propõe uma ficção
consoladora: a velhice pode ser adiada e possivelmente – não agora, mas
talvez em breve – para sempre vencida (Sarlo, 2002, p.31).
Como esclarece Sant’Anna, a economia de mercado aposta na transformação de
todas as práticas cotidianas do sujeito, em experiências de busca de prazeres ilimitados.
Além disso, a autora expõe que os poderes que investem no controle e na estimulação
constantes dos corpos tornam “o próprio prazer uma ordem sem exceção” (Sant´Anna,
2002, p. 104). Onde há ordem, não há desejo nem frustração. Atualmente, as sensações
estão supervalorizadas, em lugar dos sentimentos e dos desejos, que requerem outro tipo
de investimento. Parece que essa nova realidade é decorrente da anestesia invocada pela
dificuldade de se afetar, de entrar num devir revolucionário, de fugir de um
enquadramento ou de tornar-se outro e diferenciar-se. As práticas culturais de nosso
tempo parecem não propiciar o encontro e o contato dos corpos. As velocidades
tornaram-se estonteantes; os espaços, divididos e segmentados; o tempo obtém um valor
23
capital; e o outro se torna apenas uma ponte para um retorno a si próprio, um espelho
para o “eu”.
Quanto a esse aspecto auto-erótico, Costa refere que “o interesse pelo corpo
exacerbou a atenção dos indivíduos para com a sensorialidade, e a superexploração
dessa faceta da experiência corporal vem sendo acompanhada de efeitos físicos, mentais
e socioculturais inusitados” (Costa, 2004, p.192). A partir somente da sensação ou da
sensorialidade, não se estabelece vínculo com o outro, um parece não precisar do outro.
As coisas, produtos e objetos estão aí para, virtualmente, satisfazerem essas
necessidades sem o outro.
Estamos aprisionados no que Costa denomina de “a moral do espetáculo”. O
traço mais saliente dessa moral é o peso dado ao desempenho sensorial do corpo na
construção de ideais de felicidade, como o autor revela: “Cuidar de si, satisfazer-se com
a imagem que se tem de si, passou a significar trazer o corpo para o nicho dos ideais,
desalojando ou espremendo em um recanto os seus antigos proprietários: os ‘grandes’
sentimentos, pensamentos ou ações” (idem, p. 94). A cultura do corpo, em suas
inúmeras manifestações sobre os sujeitos, ao mesmo tempo em que idealiza esses
corpos e os representa como meio de acesso à felicidade e ao outro, também os torna
intocáveis, inacessíveis e anestesiados à experiência com outros corpos. Vivemos
enclausurados em nossa própria imagem, envoltos nessa preocupação sobre como nosso
corpo vai estar nos olhos do outro, deixando de lado o que realmente fazemos com eles
em sua expressão. O que sentimos, afetivamente, parece ficar em segundo plano. O
importante é não perder a pose, a maquiagem, a roupa e a máscara.
Corpos que a cultura venera como ideais, belos e jovens, muitas vezes não
passam de réplicas estáticas, bonecos de plástico enxertados e implantados num corpo
que já não quer se expor nem se enxergar aos próprios olhos do tempo. Com isso, um
questionamento importante a ser feito é a respeito da construção da identidade dos
sujeitos dentro dessa cultura somática. Nós nos vemos e nos definimos através de
nossos corpos, ao mesmo tempo que os mesmos parecem “plastificados” e meras cópias
do padrão vigente; então, quem somos? A próxima sessão abordará esse tema.
24
2.2 IDENTIDADES (DES) ENCARNADAS
A personalidade somática tem na imagem social do corpo o suporte, por
excelência, do caráter ou da identidade (Costa, 2004, p. 195).
A subjetividade do homem é atravessada pela relação da cultura com o corpo,
fazendo-o uma fonte de identidade e marca, de pertencimento a uma sociedade, grupo
ou tribo. Segundo Louro, “O locus da construção de identidades é o corpo. Ali se
inscreve e, conseqüentemente, se pretende ler a identidade dos sujeitos” (Louro, 2000,
p.71). Cada época valoriza um aspecto ligado ao corpo, sua postura, retidão, estética ou
imagem, sua forma ou uso. Apesar de cada época valorizar diferentemente as marcas
ligadas ao corpo, ele sempre foi sujeito desse tipo de identificação (“na carne”). Hoje
essas identificações se multiplicaram. Quando se trata de nossos corpos e, em última
instância, de nossa felicidade, a moda diz que devemos ser iguais a todos; a mídia diz
que devemos usar um determinado produto para sermos uma determinada pessoa; a
saúde dita que o certo é exercitar e dominar o corpo; e a educação diz que o corpo deve
ser dócil e obediente.
As velhas identidades estão em declínio, atualmente fragmentadas, divididas,
deslocadas, descentradas. A cena cultural, com relação às questões de gênero,
sexualidade, raça, etnia e nacionalidade, no final do século XX, perdeu seu contorno.
Frente a essa instabilidade e desintegração, o corpo em sua aparência se tornou o lugar
de identificação e nomeação do outro. Essas novas conformações culturais produziram
diferentes formas de subjetivação onde o eu se encontra em posição de privilégio, como
expõe Birman:
(...) o que está em pauta é uma leitura da subjetividade em que o
autocentramento se conjuga de maneira paradoxal com a exterioridade. Com
isso, a subjetividade assume uma configuração decididamente estetizante, em
que o olhar do outro no campo social e mediático passa a ocupar uma posição
estratégica em sua economia psíquica (Birman, 2003, p. 23).
A pós-modernidade produz as identidades e os corpos, muitas vezes também de
maneira violenta ou perversa, tentando apresentar certos modos de alcançar ou pertencer
a um status, seja de sujeito, de beleza ou de ser saudável. O sucesso é a beleza, e a
visibilidade se dá como algo imprescindível. Se um sujeito não é visto, não existe.
Vivemos sob a lógica vigente do olhar, atravessados por discursos e aparatos que ditam
o que é mais importante, o que é certo e o que é errado.
25
Existem diversas fórmulas, receitas, religiões, viagens, medicações, ervas,
exercícios, spas, que podem tornar você quem você sempre sonhou ser. São normas e
práticas que estão a um passo de seu alcance, não exigem nenhum esforço; basta apenas
discar um número, desde que você tenha um cartão de crédito e se sinta bem, porque
hoje isso é o mais importante: sentir-se bem consigo mesmo. Todo esse aparato surge
para nosso bem-estar, para a qualidade de vida e para nossa longevidade. Se eu me amo
e se eu me sinto bem, o outro, conseqüentemente, me amará: vivemos sob essa lógica
narcísica. Eu me amo, logo existo. Onde estará o outro nessa ordem? Estará,
unicamente, num lugar para olhar para mim.
O corpo há muito tempo é objeto do olhar do outro. O que muda agora são as
possibilidades técnicas de ele ser “corrigido”, esticado, sarado. Existe todo um aparato
que acompanhou esses novos modelos de identidade e que possibilita a construção de si
como se fosse resultado de uma obra do desejo (ou de arte?). Somos hoje a imagem e a
semelhança, não de Deus, mas das instâncias que tomaram o seu lugar, ou seja, o
mercado, a mídia e a publicidade.
Cada vez mais, o corpo tem se tornado objeto de nossa vontade, e nossa vontade
cada vez mais se torna objeto do mercado e das possibilidades que este oferece. Existe
um jeito de caminhar, de falar, de se vestir, entre outros, que remete a múltiplas
possibilidades de identidades e escolhas de ser. Ao definir nosso estilo, podemos nos
tornar parte de um determinado grupo, sendo incluídos e visíveis. Esse apelo invade o
cotidiano de jovens sob discursos que acentuam as transformações corporais como
projeto de mudança e diferença que, então, se atrelam numa intrincada teia de
significados, que conferem coerência e sentido às necessidades de mudanças e
visibilidades desses mesmos grupos. Tais necessidades existem para que haja a
possibilidade do jovem ser visto e ser reconhecido (e se reconhecer) como alguém:
alguém de determinado grupo, alguém com determinada identidade.
Por que, hoje, os sujeitos precisam ser aceitos e encontrados, acima de qualquer
fim, pelo olhar do outro, pelo corpo do outro? Que vazio é esse produzido em nossa
existência e que nos coloca numa posição de dependência excessiva? A dependência
excessiva do olhar do outro, segundo Louro, gera diversos processos de investimento no
próprio corpo, em forma de cuidados físicos, exercícios, roupas, aromas e adornos. Nós
nos adequamos aos modelos morais dos grupos as quais pertencemos. Inscrevemos nos
corpos marcas de identidades e, conseqüentemente, de diferenciação. A autora aponta
que
26
(...) treinamos nossos sentidos para perceber e decodificar essas marcas e
aprendemos a classificar os sujeitos pelas formas como eles se apresentam
corporalmente, pelos comportamentos e gestos que empregam e pelas várias
formas com que se expressam (Louro, 1999, p. 15
).
Com relação a esse aspecto, Sarlo, aponta que as identidades quebraram e em
seu lugar não ficou o vazio, mas o mercado. Segundo Beatriz Sarlo,
(...) quando nem a religião, nem as ideologias, nem a política, nem os velhos
laços comunitários, nem as relações modernas da sociedade podem oferecer
uma base de identificação ou um fundamento suficiente para os valores, ali
está o mercado, um espaço universal e livre, que nos dá algo para substituir
os deuses desaparecidos (Sarlo, 2000, p. 28).
A dignidade e a identidade de um sujeito, atualmente “vazio”, parecem ser dadas
pelas qualidades que seu corpo “carrega”. Segundo afirma Costa, nunca antes
“havíamos imaginado ser possível que a forma corporal pudesse ser garantia de
admiração moral” (Costa, 2004, p. 192), valor antes dirigido à alma. A respeito desse
aspecto, o autor esclarece que
(...) o cuidado de si, antes voltado para o desenvolvimento da alma, dos
sentimentos ou das qualidades morais, dirige-se agora para a longevidade, a
saúde, a beleza e a boa forma. Inventou-se um novo modelo de identidade, a
bioidentidade, e uma nova forma de preocupação consigo, a bioascese, nos
quais a fitness é a suprema virtude. Ser saudável, longevo e atento à norma
física tornou-se a regra científica que aprova ou condena outras aspirações à
felicidade (p. 190).
Os critérios de beleza, qualidade de vida e saúde abarcam hoje as preocupações
do sujeito pós-moderno. Precisamos ter corpos saudáveis, duráveis e bonitos, e a isto se
associam o bem-estar, o sucesso e a felicidade. O corpo, segundo a cultura vigente,
calcada na imagem, deve ser exposto: capas de revistas mostram rostos de pessoas
famosas e de sucesso dizendo: “eu fiz aborto”, ou seja, o corpo “é meu”. O corpo, que
viveu tanto tempo desencarnado e exorcizado, apartado do sujeito, voltou a ser
apropriado em nossa subjetividade, reencontrou o sujeito, o que durante séculos não
havia experimentado. O homem reivindicou seu corpo de volta. O corpo é do sujeito, e
ele readquiriu o direito de vivê-lo e dele fazer o que bem entender. Entretanto, o que
estamos experimentando hoje parece ser o oposto: agora é o sujeito – e sua identidade,
espírito ou alma – que está sendo encarnado pelo corpo. O corpo torna-se a lei dos
27
sujeitos. Parece que o que foi esquecido, agora, foi o sujeito. Seriam corpos sem
sujeitos?
Estamos permanentemente numa vitrine, à exposição do olhar do outro. O outro
nos dá visibilidade, nos dá nossa identidade. Nós nos tornamos objeto do olhar viciado
do outro. Isso quer dizer, também, que nosso olhar está condicionado, já não vibra mais
e nem percebe as diferenças. Somente o que aparece (na vitrine) é valorizado. Pautado
pelas formas, os jovens estão se tornando caricaturas, réplicas, ao mesmo tempo que o
outro é acolhido de acordo com sua forma, e a partir dela é identificado, caracterizado,
ordenado e, muitas vezes, humilhado e diminuído.
A segunda parte deste trabalho aprofundará a discussão a respeito dessas
questões, ou seja: como o jovem, hoje, é visto pela e na educação, como um “outro”?
Como a educação maneja os novos valores vigentes da atual cultura somática? Se a
identidade se dá a partir da forma, como a educação trata dos “deformados”?
28
2.3 CORPO, ALTERIDADE E EDUCAÇÃO
Para iniciar esta sessão, uso um trocadilho empregado por Roland Barthes, em
que se misturam saber e sabor. Um não existe sem o outro; todo saber passa pelo sabor
e vice-versa. O sabor de saber é vital para que se instalem a experiência e o
conhecimento em nossos corpos e em nossas vidas. Entretanto, o pensamento racional
até hoje parece continuar privilegiando o saber, em detrimento do sabor.
O sabor pertenceria predominantemente ao corpo, à sensação, à percepção, ao
gosto. O saber, por seu turno, remeteria à razão, ao conhecimento e à ciência. Segundo
Barthes (1977), a ciência seria de certa forma grosseira. Em oposição, o sabor seria da
ordem do sutil, subjetivo, poético e singular. São duas instâncias opostas, porém
intercambiáveis: o sabor remete ao que há de singular e louco em cada um, e o saber
remete ao geral, pertenceria à lei e à estrutura. De qualquer forma, seguindo Barthes, há
um sabor no saber; para saber, é necessário experimentar: é a partir do caos da sensação
e do sentimento que surge o conhecimento. Então, pergunto: será que a educação
permite aos sujeitos que pensem essa complexidade? Penso que a junção, indispensável,
entre saber e sabor, parece estar esquecida pela escola.
Apesar de haver sabor no saber e vice-versa, os processos pedagógicos, em sua
história, separaram essas duas instâncias, colocando o sabor como um fator menor no
processo da educação. O corpo na escola, na maioria das vezes, foi tratado como um
perigo à educação, porque ele tem suas próprias leis e instintos, ele é selvagem, ao
mesmo tempo que é cultura. Fazer a pedagogia falar sobre o corpo é uma das tarefas
mais complexas, a meu ver, que a escola poderia desenvolver. Porque a pedagogia que
está aí opera no sentido de definir o outro, obcecada em configurar essencialidades,
tornar visível o gesto, definir a presença questionadora do outro, compreendê-lo e
nomeá-lo. A pedagogia está aí para acabar com o mistério do outro, classificando-o. E o
corpo tem sua própria gramática, é pura diferença, superfície de contato, de relação com
o outro, uma ponte para o outro. O corpo é o outro da educação.
Ser educado, em muitos casos, significa conter as paixões, a cólera, a raiva, o
animal em si, para, então, ser passível de uma capacidade racional, humana, e também a
de adestramento e aparelhamento. O corpo é violentado ou humilhado
3
muitas vezes
3
Aqui a palavra humilhado, como definido pelo Dicionário Aurélio, refere-se a “rebaixamento moral”,
coisa “vergonhosa”. O verbo humilhar tem os sentidos de: “referir-se com menosprezo”, “submetar”,
“ultraje” e “sujeitar”.
29
pela e na educação, porque ele é esquecido, negado, aprisionado e mecanizado.
Esquecido em seu movimento e expressão; aprisionado em um uniforme (real ou
imaginário); mecanizado em sua estrutura e em sua forma.
O método e as estratégias pedagógicas de avaliação, disciplina, regulação e
constrangimento foram, de certa forma, o modo mais fácil de tornar os sujeitos
educados. O corpo foi durante séculos entendido como algo a se esconder e de que se
envergonhar, e foi isso que a escola prioritariamente nos ensinou. Se o corpo estiver
adestrado, exposto e comportado, ele não representa perigo ou ameaça. O corpo dos
estudantes é dividido, assim como as matérias, as classes, os espaços, os tempos. O
conhecimento se dá desincorporado-o de seu sabor e de sua experiência, neutralizando-o
em sua capacidade e pertencimento singulares.
Segundo Santos, o corpo dos professores e das professoras estaria igualmente
submetido a um “regime de esquecimento”, que implica “uma negação, um ocultamento
do corpo docente, um processo de descorporificação e desencarnamento” (Santos, 1999,
p.196). O autor indica que o corpo dos professores(as) se faz desprovido ou proibido de
sua materialidade, por exemplo, em sua qualidade de sentir, rir, ser espontâneo e suave.
Ao contrário, as tecnologias de condicionamento e disciplinamento dos corpos vão-se
dando como formas de anestesia e correção do outro, que sucedem desde o olhar até a
aplicação de castigos diversos. Entre elas, está a definição dos sujeitos pela avaliação,
reforma, recuperação, aprovação, reforço e comportamento. O outro está aí para ser
formado ou anulado em sua singularidade.
A respeito dessa operação, de acordo com os apontamentos de Louro, a história
da educação mostra que a preocupação com o corpo sempre foi central no
engendramento dos processos, das estratégias e das práticas pedagógicas.
O disciplinamento dos corpos acompanhou o disciplinamento das mentes.
Todos os processos de escolarização sempre estiveram, e ainda estão,
preocupados em vigiar, controlar, modelar, corrigir os corpos de meninos e
meninas, de jovens homens e mulheres (Louro, 2000, p. 60).
O discurso escolar produz inúmeras “verdades” sobre o corpo. Segundo Santos,
isso se dá porque não cabe ao currículo “incorporar outras representações culturais
como importantes para o estudo do corpo: as de beleza, de corpo malhado, de moda, de
saúde estética, de sentir-se bem consigo mesmo/a, entre outras” (Santos, 1999, p. 207).
A escola, segundo o autor, poderia discutir representações acerca do que é ser atraente,
feio/a, gordo/a, magro/a, doente, “gostoso/a”, entre outras. Foi esta, justamente, a
30
proposta desta pesquisa, ou seja, realizar um “levantamento” entre os jovens, mesmo
que limitado, quantitativamente, considerando que muitas dessas respostas já estão
inscritas no mercado – o qual, em grande parte, ocupa também o lugar da escola.
A escola poderia, a meu ver, tornar-se um espaço de reflexão e pensamento
sobre o que a cultura somática faz com os corpos dos sujeitos-alunos. Ao invés disso, as
pedagogias parecem também elas alinhar-se às práticas do mercado e da publicidade,
ditando e reproduzindo modos de ser dos corpos na cultura. E como a escola não discute
abertamente esses temas, cada vez mais, acaba por formar corpos de acordo com o que
o mercado propõe.
Como instância produtora e reprodutora de realidades, a escola poderia abordar
de diferentes maneiras o estudo do corpo e de suas representações com os estudantes. Se
pudermos debater e entender o que os corpos estão enunciando (ou podem anunciar),
quais as políticas a que estão assujeitados e o que a cultura somática tem de força na
criação de estilos de vida dos jovens, talvez pudéssemos refletir com eles sobre como
isso afeta seus encontros, suas relações e, inclusive, seus pensamentos a respeito do que
é oferecido e legitimado como a verdade dos corpos.
As diversas ciências sobre o corpo, endurecidas pelas verdades essenciais,
medidas e absolutas, terminam por diminuir o sabor e a intensidade da vida dos corpos
dos sujeitos. De acordo com Santos, “os discursos dessas pedagogias do corpo pela
biomedicina, através da forma como nos representam (no presente ou no futuro,
assentados em uma narrativa de progresso iniciada no passado) estão, mais do que
simplesmente falando como somos (ou como queremos ser), produzindo ativamente
nossas identidades” (idem, p. 208) e passivamente nos assujeitando ao poder que
subjetiva nossos corpos e nos torna anestesiados em relação aos sabores.
Nós nos produzimos e somos produzidos por diversas formas de consumir e
escolher diante das ofertas do mercado e dos nossos próprios desejos. Acredito que as
possibilidades quase intermináveis de opções de reformar o corpo não são todas
maléficas ou desprovidas de “humanidade”. Mas penso que deveríamos, no mínimo,
saber por que estamos fazendo uma determinada escolha em relação à transformação de
nós mesmos e de nossos corpos; entender o quanto o nosso desejo está marcado pelo
olhar do outro, esse outro que pode estar na mídia, no mercado ou mesmo numa relação
amorosa; entender, também, que somos tratados não apenas pelo modo como somos
31
vistos, mas pelo modo pelo qual nos colocamos, a partir de nosso próprio corpo e do
olhar do (e para o) outro.
Formas diferenciadas e novas de representações acerca do corpo e da cultura
somática certamente não serão tratadas na escola, enquanto as experiências, modos e
afecções do outro forem consideradas como algo fora do saber, do conhecimento e da
própria educação. Enquanto não questionarmos as formas de corpo-padrão,
continuaremos cerceados por modos ditados pela televisão, pela propaganda, pelas
promessas de sensação e de melhor qualidade de vida, propiciada pelas chamadas
biotecnologias, pelas novas máquinas de fazer o outro desejar uma imagem que
corresponde a uma aparência ou a um arquétipo.
A escola produz e reproduz as realidades que compõem nosso mundo, nossa
cultura e nossa moral. Ela produz modos peculiares de relação com o corpo; modos de
nomear e mapear o corpo do outro, de normalizar esse corpo e docilizá-lo. Entretanto,
esse tratamento está sempre em relação com o que é produzido no “corpo” social mais
amplo. Ou seja, a escola vive um processo de retro-alimentação no qual a cultura
atravessa a escola e é por ela atravessada.
Se a educação se configura como um campo de produção e de subjetivação, que
legitima modos de ser e de conviver, sua função, a meu ver, poderia ser também a de
desterritorializar a normalidade e propor novas formas de ser sujeito na
contemporaneidade, dando visibilidade e existência ao outro que está aí. É necessário
discutir com o corpo, acolhê-lo em seu silêncio revelador e deixá-lo ser, para então
desestabilizar as formas vigentes e modelos de ser sujeito desse e nesse corpo.
Larrosa complementa: a educação pode experimentar mais: basta “suspender a
opinião, suspender o juízo, suspender a vontade, cultivar a atenção e a delicadeza, abrir
os olhos e os ouvidos, falar sobre o que nos acontece, escutar os outros, cultivar a arte
do encontro” (Larrosa, 2004, p. 160). Penso que o autor está nos falando sobre o
encontro com o outro; o encontro indispensável para o saber (e, por que não, para o
saber com sabor). E eu pergunto: como está sendo feito, na escola, esse encontro com o
outro? Qual é o espaço do outro nesta cultura somática?
32
Alteridade: o corpo como ponte para o outro
Não há causas e efeitos entre os corpos: todos os corpos são causas, causas
uns com relação aos outros, uns para os outros (Deleuze, 1969, p. 5).
Relacionamo-nos através dos corpos: entre olhares, toques, cheiros, adornos,
gestos e linguagens. A identidade do sujeito é baseada em sua diferença e constituída
pelo modo como cada um expressa seus desejos, suas necessidades e seus temores. É no
corpo que tudo isso está presente. Ora, ao que parece, atualmente o outro está aí para a
afirmação da identidade dos sujeitos, o que reflete uma forte característica narcísica de
nossas existências hoje. Ou seja, a diferença existiria principalmente para alguém se
afirmar, no ato de nomear o outro.
Parece já não haver espaço para as diferenças, apesar de todas as conquistas de
grupos e movimentos sociais nesse sentido. Tudo é classificado, identificado, nomeado
e regulado, permanentemente, ao mesmo tempo que acontecem inúmeras formas de
resistência. O objeto desse poder normalizador se dá fortemente sobre o que fazemos
com o nosso corpo. O que foge ao normal, hoje, logo é denominado “alternativo”: nada
escapa à classificação. Skliar (2003) expõe que o conceito do “normal” é uma
construção da modernidade, que sugere a conformação do não desviante, do tipo
comum, standard, regular, usual. Isso quer dizer que a normalidade seria sempre uma
construção cultural. Os efeitos dessa construção de normalidade e anormalidade
produzem e subjetivam os modos como nos relacionamos com o outro e os modos pelos
quais e aos quais somos subjetivados; trata-se de uma espécie de ditadura que atravessa
os tempos e que talvez hoje se apresente mais poderosa do que nunca, pelo fácil acesso
a tantas e tão variadas tecnologias, que nos permitem transformar e tratar nossos corpos,
através de operações, dietas e remédios. Outra fonte de normalização estaria nos
próprios processos mais amplos da chamada globalização, no interior da qual nos vemos
diante de numerosas práticas de colonizar os corpos e os sujeitos, agrupados em
“comunidades” ou tribos reconhecidas internacionalmente. Essa filiação a um
determinado grupo constituiria, a meu ver, uma forma de agressão, de exclusão e de
humilhação do outro. Uma menina acima do peso estará “condenada” a ser colocada
como parte integrante da “tribo das gordinhas”. Não resta mais nada para ela, a não ser
enquadrar-se como “mais uma gordinha”. A imagem ou a forma estereotipada aparece
como marca de identificação antes mesmo de o sujeito se apresentar, de dizer como é, o
que deseja. A ponte para o outro, então, é rompida. A “gordinha” só é “a gordinha”: não
33
se sabe seu nome, nem se conhece mais nada a respeito desse outro que, para os
parâmetros atuais, é considerado fora do normal.
Como Foucault (2001) aponta, o normal como efeito de uma classe, de uma
ordem e de um poder, se instalou através das mudanças econômicas e políticas a partir
do século XVIII, quando passou a exigir-se outra constituição e a distribuição
tecnológica de controle social na organização das forças produtivas. Segundo França,
essa nova ordem ocorreu no momento em que “a ordem de mando não poderia mais ter
um lugar, um princípio de onde derivar, como a figura do rei, mas precisava fazer
circular efeitos de poder” (França, 1998, p. 205) e, conseqüentemente, de
assujeitamentos, por meio de estratégias que chegassem aos corpos dos indivíduos e
interviessem em seus desempenhos cotidianos, de forma contínua e individualizada.
Criaram-se assim tecnologias e táticas de constrangimento e repressão, compondo,
favorecendo, permitindo e produzindo sujeitos, objetos e saberes.
Essa nova gestão administrativa dos corpos é o que Foucault denomina de “bio-
poder”, ou seja, um tipo de hegemonia que se exerce sobre a vida dos corpos,
designando sua entrada nos cálculos explícitos do poder, do poder sobre a vida. O “bio-
poder”, segundo França (1998), engendra um ordenamento crescente de todas as esferas
da sociedade: a saúde, a educação, o trabalho, o processo biológico, a linguagem,
encarregando-se de geri-las, valorizá-las, multiplicá-las ou constrangê-las.
O poder de um corpo, quando calculado, medido e dirigido, torna-o fonte de
produção, de capitalização e de normalização. O corpo, então, vem sendo o lugar de um
adestramento repetitivo e ritmado. A educação do corpo é uma operação que passa pelos
modos de usar esse mesmo corpo e de expressá-lo (com um sentido pré-determinado).
Criou-se uma gramática do corpo em suas diferentes posturas ou gestos, ou seja, o
corpo foi exposto, silenciado e colonizado por diferentes forças normativas.
Atualmente, tal operação se concentra fortemente nas práticas do mercado; a identidade
está de alguma forma colada ao corpo através do mercado da saúde e sua globalização.
A mídia e todos os meios de reprodução da sociedade estão voltados a produzir ou
fabricar um tipo específico de corpo. Esses modos de produção atravessam os sujeitos
em suas subjetividades, alterando suas imagens e relações com o outro.
Entre essas mudanças, as imagens do outro, como escreve Skliar, acabam
transformando-se em reféns do outro; “que os sentidos do outro acabam por quebrantar
nossas rígidas mãos até convertê-las em carícias, até transformá-las e transformar-nos
34
em rostos que às vezes se aproximam, é verdade, mas que muitas outras vezes se
ignoram em racismos e rizomas de diferenças” (Skliar, 2003, p. 22). Novamente, a
ponte para o outro é obstruída. Conforme Larrosa, essa discriminação se dá devido ao
tão falado retorno do corpo que, segundo ele, “convive (e às vezes coincide) com o
aplanamento geral do corpo produzido pelos discursos e pelas práticas nas quais os
indivíduos tratam de se ajustar aos modelos corporais que lhes impõem desde os
imperativos morais da saúde e da beleza” (Larrosa, 2004, p. 169). O aplanamento que
Larrosa expõe acaba por intensificar cada vez mais o anestesiamento das diferenças, ou
seja, do outro que chega em e com toda a sua diferença.
Os corpos sofrem os efeitos que esse modo de vida produz. A singularização (e a
diferença) dos sujeitos, que em outro plano é derivada ou chamada de alteridade, está
ameaçada, já que o sujeito, assim como o corpo, está sendo normalizado, banalizado,
disciplinado, ordenado. O corpo, como aponta Fraga, está se tornando um produto,
“fabricação de anatomias de consumo” (Fraga, 1999, p. 217). Pergunto: até quando o
corpo irá suportar ser objeto de uma nomeação paralisante? Até quando será matéria de
pressão, de comparação, de medida, matéria de abuso do outro (a seu serviço), do
mercado, da indústria, da moda e dos bons modos? Até quando ficaremos assistindo a
essas leis perversas que ditam o que representa estar “por dentro”: ser sexy, atraente,
saudável, alegre?
Segundo Costa, outros novos efeitos rompem a subjetividade dos sujeitos para,
de maneira invisível, aprisionar seus desejos, imprimindo em seus corpos uma ética das
sensações, muitas vezes perversa. Como ele aponta:
Para muitos indivíduos, o desejável então é o que pode ser sensorialmente
experimentado como agradável, prazeroso ou extático; o indesejável é o que
pede tempo para se realizar ou que, ao se realizar, não excita ou traz gozo
sensorial esperado. O outro, como observou Bauman (1998), atrai não por ser
uma chance para a ação, mas por ser uma promessa de sensação (Costa,
2004, p. 194).
É o corpo que carrega essa promessa. E o outro já é descartado de antemão; ou
humilhado por sua condição de diferença, extravagância, falta ou excesso. A esse outro
não é permitida uma aproximação, um contato, um acesso. Costa revela que
(...) em muitos casos, o cuidado de si, centrado na forma corpórea e no gozo
das sensações, vem desgastando a importância emocional do outro humano.
Todavia, continuamos a precisar do reconhecimento do outro para estar
seguros do valor de nossos ideais de eu (idem, p. 197).
35
Essa segurança se dá através da comparação, do outro como um espelho que
reflete o quão bem se está. Muitas vezes, a humilhação se dá por essa comparação pois,
ao diminuir o outro, um se coloca acima do outro. Nesse sentido, Sant’Anna aponta que
(...) o apagamento das fronteiras entre beleza, saúde e bem estar refletem uma
nova constituição nas relações e na composição do sentido do outro, como
seu efeito, nunca tivemos tanto medo das doenças e tanta aversão ao mal-
estar como agora; quando isto ocorre, queremos relações de amizade e amor
somente sob a garantia de que o outro não provoque estresse, procuramos
estar em lugares somente quando acreditamos que esses lugares não fazem
mal à saúde, queremos estar junto de nós mesmos unicamente quando
estamos nos sentindo supersaudáveis e bem dispostos (Sant´Anna, 2002, p.
105).
Esse modo de vida enquadra, compara e normaliza o corpo em um jogo de poder
que, através da ditadura da imagem, produz identidades que vêm sendo classificadas
pelo tipo de corpo, lugar, roupa ou marca que vestimos ou consumimos. Devido a essa
condição, é preciso refletir sobre o que vem acontecendo com os sujeitos, identificados
como belos ou saudáveis antes pela imagem e a aparência. Segundo Hall “é apenas por
meio da relação com o outro – da relação com precisamente aquilo que falta, com aquilo
que tem sido chamado de seu exterior constitutivo – que o significado positivo de
qualquer termo – e, assim, sua ‘identidade’ – pode ser construído” (Hall apud Louro,
2000, p. 70). Se uma identidade, segundo a autora, é sempre definida em relação à
outra, quer dizer que depende da outra. Ou seja, na afirmação da identidade está a
diferença. Sendo assim, penso que não está havendo espaço para o sujeito em sua
alteridade, porque toda diferença está sendo banalizada, patologizada, medicalizada,
classificada pela imagem.
Skliar adverte, nesse sentido, que o outro deveria estar aí para nos fazer vibrar, e
não para multiculturalizá-lo, encaixá-lo, alinhá-lo. Segundo o autor, essa vibração serve
“para não continuar acreditando que nosso tempo, nosso espaço, nossa cultura, nossa
língua, nossa mesmidade, significam todo o tempo, todo o espaço, toda a cultura, toda a
língua, toda a humanidade” (Skliar, 2003, p. 20).
Parece não haver espaço nem tempo para o outro. Precisamos, então, criar outro
tempo e espaço para esse que chega em sua diferença. Atualmente, tentamos nos livrar
do olhar do outro quando não nos sentimos bem com o nosso corpo. E o contrário
acontece quando estamos nos sentindo bem com ele. Essa sensação de “bem-estar”
36
sempre é frágil, já que o outro pode, sempre em comparação conosco, estar melhor,
mais belo ou forte.
Sobre essas marcas que os corpos sofrem, Louro afirma que é esperado o
enquadramento de alguém (ou a nós próprios) numa identidade a partir da aparência de
seu corpo: masculino e feminino, branco ou negro. “O corpo deveria fornecer as
garantias para tais identificações” (Louro, 2000, p. 62). Pretendemos reconhecer a
identidade, ou seja, aquilo que o sujeito é. E, ao mesmo tempo, estabelecer o que ele
não é, ou seja, a diferença. Desejamos afirmar quem é o sujeito, de onde vem e se
representa perigo. Aqui aparece outra característica da cultura narcísica: a necessidade
de o sujeito desprezar tudo aquilo que não é (como) ele ou, então, é “menos” que ele.
Trata-se de uma forma de diminuição ou humilhação do outro. Então, é a aparência que
definiria o outro. O corpo do outro seria o espelho narcísico do sujeito contemporâneo.
Esse jogo de identificação e diferenciação nos coloca sempre a questão do outro:
o acesso ao outro se dá a partir de sua condição física, estética, gestual. Vivemos nessa
condição, aprisionados ao olhar do outro. Nossas identidades estão impressas e expostas
no que aparentamos ser ou no que apresentamos ao outro, e vice-versa. De acordo com
um determinado corpo, somos enquadrados, agrupados, classificados e ordenados.
Sendo assim, também enquadramos o outro em uma determinada categoria. Encaixamos
nossa personagem “gordinha” no grupo – especial ou anormal – daqueles acima do peso
“ideal” e, como foi dito antes, não sabemos mais nada, além disso, a respeito dessa
pessoa. Aliás, seu apelido, ou pior, sua identidade fica rotulada ao “ser gordinha”. Isso
dá margem para a humilhação, a exclusão ou a diminuição dessa personagem em
inúmeros outros grupos em que ela poderá – pelo menos tentar – circular. Talvez essa
sua condição identitária manifesta no corpo regule suas possibilidades de encontros,
relações e pertencimentos na escola.
37
3. PROCEDIMENTOS INVESTIGATIVOS
3.1 UMA BREVE DESCRIÇÃO SOBRE A METODOLOGIA
A pesquisa de campo foi realizada com alunos do 2º ano do Ensino Médio do
Colégio de Aplicação da UFRGS (CAP)
4
. Foram realizados dois encontros com alunos,
de ambos os sexos, e de idades entre 15 e 18 anos. O primeiro encontro com 12 jovens
se deu no dia 07 de novembro de 2005; o segundo, com 11 jovens, ocorreu no dia 21 de
novembro de 2005.
Esse grupo não foi constituído especificamente para realizar a pesquisa de
campo. Ele já pré-existia e fazia parte de uma atividade curricular do Colégio,
denominada “Grupo de Enriquecimento”. Essa é uma atividade em que os alunos
escolhem uma disciplina, entre as diferentes áreas de conhecimento, e realizam uma
atividade especial, pela qual são avaliados. No caso em questão, o grupo que me foi
ofertado realizava a atividade especial para a disciplina de Português. A proposta dentro
desse programa era a de assistir a filmes nacionais, de preferência, em aula;
posteriormente, o professor levava textos literários em que eles debateriam temas
tratados no filme. Os alunos, durante as discussões, começavam a rabiscar idéias e, na
aula seguinte, deveriam entregar textos sobre o tema.
A proposta desse grupo, segundo o professor responsável, era a de aproximar os
alunos de discussões sobre a realidade dos adolescentes. O CAP fez uma espécie de
pesquisa ao final. O objetivo maior da disciplina era proporcionar ao aluno a
possibilidade de debates variados, a partir de filmes. Segundo o mesmo professor, uma
das grandes carências dos alunos está relacionada ao que denominou de “falta de leitura
de mundo”, o que incide na “falta de conteúdo” das redações. Assim, o objetivo do
grupo era o de levar subsídios para chegar a uma escrita mais complexa, mais rica.
O contato com o Colégio de Aplicação foi feito através de um antigo professor
de Português com quem estudei: ele me apresentou ao seu colega de Departamento
(coordenador do “Grupo de Enriquecimento”) para eu realizar a apresentação do projeto
e fazer as combinações de datas e horários, bem como para levantar as disponibilidades
e possibilidades. Foram combinados dois encontros com os alunos.
Desde o início, fui muito bem acolhido, assim como o projeto em questão. Não
houve a necessidade de formalidades para obter o acesso ao grupo de professores e de
4
A inserção dos estudantes no CAP se dá por sorteio; assim, os níveis, classes ou quaisquer tipos de
distinções sócio- econômicas mostram-se bastante variados.
38
alunos. Acredito que isso se deu porque minha proposta vinha ao encontro do objetivo
da atividade, já iniciada e estabelecida para aquele horário do “Grupo de
Enriquecimento”. Também pude perceber a abertura dos professores e da Instituição
para os objetivos deste tipo de atividade no caso, minha pesquisa e o envolvimento
com os alunos.
Os grupos se constituíram em duas etapas:
a. Primeiro encontro: apresentação de fotografias e aplicação de três questionários.
b. Segundo encontro: discussão com o grupo, a partir da exposição de cenas pré-
selecionadas de dois filmes.
Foram feitos dois encontros de uma hora e meia cada um. Estes aconteceram no
Colégio e no horário disponibilizado para o grupo em questão. Os encontros foram
gravados, filmados e posteriormente transcritos, com a autorização prévia da família,
por escrito, e o consentimento verbal dos alunos.
Como o número de encontros combinado me pareceu pouco, senti a angústia de
não conseguir obter todos os dados necessários. Assim, pensei realizar no primeiro
encontro uma atividade um pouco mais dirigida, a partir de um tipo de questionário (em
anexo) visando obter respostas escritas por parte dos alunos.
Para esse primeiro encontro, coletei e colei 28 fotos de jovens, distribuídas em
quatro folhas
5
. Com essas fotos em mente, realizei três questionários diferentes, usando-
os como forma de obtenção de alguns dados mais objetivos sobre os alunos, bem como
de suas percepções, idéias e julgamentos, baseados nas foto-imagens. Meu intuito foi o
de inicialmente fazer com que aqueles jovens sugerissem qualidades para definir
aquelas imagens, para de algum modo conseguir dados sobre elas, entender o quanto
elas teriam ou não a ver com suas opiniões, preconceitos e diferenças e, até, formas de
racismo.
O primeiro encontro também se deu como forma de produzir um material
frutífero, que pudesse me levar a novas elaborações, “iluminando” o meu não saber;
algo que pudesse ser um pouco mais palpável ou concreto, frente ao inesperado de um
grupo de discussão, que constituiu a atividade realizada no segundo encontro com a
turma. Mesmo havendo um foco de atenção, é difícil saber ou ter alguma idéia prévia de
até que ponto se pode chegar com um grupo, sem contar com a angústia de tempo e as
5
As fotografias serão apresentadas no anexo 1.
39
incertezas quanto à eficácia dos recursos de captação das falas na discussão (gravador e
filmadora).
No segundo encontro, minha idéia foi, seguindo a sugestão da banca de
qualificação de defesa, a de realizar um grupo focal. O grupo focal foi sugerido como
um modo de pesquisa que possibilitasse uma vivência com o tema a ser discutido, uma
forma de pesquisa que tivesse a intenção de trazer elementos baseados em experiências
cotidianas, propiciando a ocorrência de algum tipo de experiência pessoal no ato de
discutir coletivamente um tema ou foco. Nesse tipo de proposta metodológica pode-se
assistir a um filme e conversar sobre ele, ler um texto sobre determinado assunto ou
debater um conjunto determinado de questões.
Acredito que o “grupo focal” tem essa característica mais aberta a acolher o que
emerge da situação pois, apesar de existir um foco, o processo de construção de sentidos
se dá na interação entre o pesquisador, o tema e os estudantes no “calor” de um debate,
onde existem trocas de experiências e olhares que, como Carlos Skliar mencionou no
seu parecer sobre esta pesquisa, nos levam porventura a lugares inusitados
6
.
Neste trabalho, não seguimos rigorosamente as exigências de um grupo focal.
Na realidade, selecionamos um grupo de estudantes em torno de um tema, ou seja, de
um foco para o debate: no caso, as relações entre corpo, imagem e juventude na cultura
contemporânea. Nossa preocupação não foi definir se se tratava de um grupo focal ou
de um grupo de discussão. Quanto a essa inquietação a respeito dos destinos do grupo,
encontrei em Bernadete Gatti a afirmação de que “o grupo, embora focado, tem seus
caminhos próprios e abre sendas inesperadas” (Gatti, 2005, p.68). A autora revela mais:
que vê nessas características possibilidades e não limitações ao ato de pesquisa; assim, a
atividade do grupo de discussão pode tornar mais ampla a “linearidade explicativa
diante dos problemas em pauta” (idem).
O grupo de discussão, como uma atividade não dirigida para respostas objetivas
e clínicas, implica que os estudantes interpretem imagens, textos, etc. à sua maneira e
pensem como elas têm ou não relação com suas vidas. De acordo com o relato de uma
pesquisa de Gatti, o uso de grupos focais funciona como uma técnica de coleta de dados
que favorece, pela troca entre os estudantes, a discussão de experiências, permitindo,
segundo as palavras da autora, “a emergência na interação grupal de valores básicos que
subsidiam as opiniões” (Gatti, 2005, p.57).
6
Skliar, Carlos. Parecer sobre projeto de dissertação de Marcelo Slomka. Porto Alegre; PPGEDU, 2005.
40
Segundo Gatti, por meio do grupo focal, “é possível entender melhor, por
exemplo, as diferenças ou as proximidades existentes entre o que as pessoas dizem e o
que elas de fato fazem, o que permite articulações entre os múltiplos entendimentos e
significados revelados pelos participantes” (idem, p. 68).
Como material para o grupo de discussão, apresentei dois trechos de filmes
editados por mim. O primeiro foi “Aos treze” (2003), dirigido por Catherine Hardwicke,
que trata de Tracy (Evan Rachel Wood), uma jovem discreta e tímida. Na narrativa, um
dia ela se torna amiga de Evie (Nikki Reed), a garota mais “popular” da escola. O filme,
no que toca ao meu interesse como pesquisador, mostra o modo como Tracy muda sua
aparência, seu estilo, como uma forma de obter acesso aos olhares do mundo, dos
outros, do grupo de garotas consideradas “populares”. Essa mudança provoca outras
alterações no seu comportamento, na tentativa de ser igual às garotas consideradas
populares, às que atraem os olhares e atenção da escola, como é mostrado no trecho do
filme que recorto, em que Rachel tenta conversar com seu irmão e alguns amigos dele
que estavam juntos e é desconsiderada, porque Evie e suas amigas estavam passando em
torno deles.
O outro filme foi “Elefante” (2003), de Gus Van Sant, inspirado no conhecido
massacre de Columbine, que aconteceu há quatro anos atrás quando dois alunos
armados invadiram o seu colégio e instalaram o pânico, matando vários colegas e
professores antes de se suicidarem. O filme retrata também trechos na vida de alguns
jovens dentro da escola. Dentre eles, selecionei as cenas da personagem Michelle. Editei
duas cenas do filme, tendo essa personagem como protagonista, para apresentar ao
grupo. As cenas mostravam essa garota como, aparentemente, introvertida, deslocada,
solitária, estranha aos outros alunos e discreta (seu corpo chamava a atenção por ser
“desengonçado”).
O título se referia a uma antiga parábola budista sobre um grupo de cegos
examinando diferentes partes de um elefante. Nessa parábola, cada cego afirma
convictamente que compreende a natureza do animal com base tão-somente na parte
que lhe chega ao tato. Ninguém vê ou sente o objeto na sua totalidade, mas todos
arriscam um palpite totalizante – e, naturalmente, equivocado. Segundo o site “Cinema
em Casa”,
7
o diretor é consagrado por saber filmar os jovens sem deturpar seu universo,
adotando um posicionamento inequívoco, “aquele de onde se vê tudo e nada ao mesmo
7
Acessado em 02/07/2006
41
tempo: o olho do furacão, o epicentro do evento trágico. Gus Van Sant optou por buscar
uma realidade que ele reconhece entender somente em parte, fazendo um filme que
substitui qualquer conceito a priori por uma mente totalmente aberta aos sons, às
imagens, às frases, aos gestos, aos lazeres, às fraquezas e virtudes, em suma, aos signos
dessa juventude que retrata instantaneamente. Buscando se colocar o mais próximo que
puder, mais especificamente a um palmo de distância do rosto ou da nuca de quem
protagoniza aquele conjunto de situações”.
A questão a ser compreendida era como os estudantes percebiam as cenas do
filme, como produziam interpretações e reagiam ao cenário social apresentado nos
filmes. Desejava saber também que choque existe entre o cenário exposto na tela e os
próprios cenários pessoais e escolares daqueles jovens com quem me encontrei. Enfim,
busquei entender que efeitos produziam algumas imagens específicas sobre os jovens, e
como estes se manifestavam a respeito delas.
As imagens, tanto nas fotografias quanto nos filmes, são dispositivos que, sendo
bem usados, podem ser geradores de uma discussão e também desinibidores, já que
tocam os jovens diretamente e os afetam, o que pode surtir efeitos em direção a uma
atividade não dirigida para respostas objetivas e clínicas: eles poderiam interpretar
aquelas situações e falar de como elas se implicam em suas vidas.
As questões que me nortearam durante o andamento do grupo de discussão
foram pautadas pelos modos como os jovens olham as imagens, o que se passa diante
delas, o que se destaca da tela em suas falas, quais as observações sobre as personagens,
como se identificam com elas ou delas se diferenciam. Essas eram algumas
possibilidades focais para o rumo do grupo, quanto às cenas dos filmes: na realidade,
tratava-se de inúmeras idéias e desejos sobre os quais eu iria “viajar” com eles.
Objetivamente, minhas indagações aos jovens, antes da realização do debate em
grupo, eram dirigidas a produzir falas, a partir do que, na visão deles, teria se passado
no filme, como ou por que ocorrem fatos relacionados a mudar de aparência ou de
estilo, para tornar-se igual aos outros, ou para ser “popular”; como eles acham que
beleza, imagem e corpo interferem nos relacionamentos, na vida em grupo, na escola,
etc.; como ocorre para eles a importância e a força da beleza, como forma de identidade,
como algo de marcador identitário (Santos, 2002); também como percebem a exclusão
do outro pelo corpo e a maneira com que assumem relevância esses temas em suas
vidas.
42
3.2 O USO DAS IMAGENS NA PESQUISA
Nessa dissertação foram utilizadas imagens – fotográficas e cinematográficas -
como recurso metodológico de investigação. O uso das imagens como dispositivo de
pesquisa apresenta algumas particularidades, que serão discutidas a seguir.
Primeiramente, pode-se pensar sobre a centralidade que a imagem e o visual
adquiriram na contemporaneidade, nestes tempos de cultura visual. Esta centralidade já
é objeto de estudos de autores como Luís Henrique Sacchi dos Santos, que se interessou
por “entender a idéia de visualidade que trata, segundo Rose, do modo como a visão é
construída de diferentes modos: como vemos? O que estamos aptos a ver? Como vemos
esse modo de ver?” (Santos, 2002, p. 6).
A partir do uso de imagens, pode-se verificar como se dá o olhar dos sujeitos, ou
seja: quais as representações que eles constroem das imagens selecionadas; que leitura
fazem de uma determinada cena de um corpo ou de um rosto; como nomeiam,
descrevem e, até mesmo, julgam essas imagens ou se identificam com elas.
Sacchi, ao lembrar Mirzoeff , revela que
(...) a experiência humana é, agora, mais visual e visualizada do que em
qualquer período anterior, não simplesmente porque as imagens são cada vez
mais comuns, nem porque os acontecimentos sobre o mundo são, de forma
crescente, visualmente articulados, mas sim porque interagimos mais e mais
com experiências visuais totalmente construídas. (...) O mundo a partir de
imagens não está apartado de determinados regimes de poder (visualidade),
que organizam tais experiências, permitindo que se vejam algumas coisas e
não outras em cada tempo (Santos, 2002, p. 121).
As imagens provocam sensações e evocam representações, ou seja, informam e
formam simultaneamente o observador, que jamais é passivo ao olhar. A imagem é uma
linguagem, uma superfície que “espera” um olhar que a signifique e a represente.
Como forma de pesquisa, as imagens foram pensadas como uma maneira de
tentar traduzir o efeito que se dá na identificação do outro, na experiência dos jovens. A
tentativa foi de fazer as imagens falarem por eles, através deles e com eles, bem como
fazer eles projetarem suas próprias imagens e representações nas fotos (e cenas) e fazê-
los falar pelas imagens; ou seja, fazer uso dessa via de mão dupla.
A relação entre sujeito, corpo e imagem é certamente múltipla e complexa.
Parece que os sujeitos julgam outros sujeitos com base em imagens. Como já havia
sugerido Foucault, a imagem é uma superfície de inscrição. Acrescentaria que o corpo
também é, aquém da inscrição, uma superfície pré-escrita, pois quando chega ao mundo,
43
já está de alguma forma significado, “palavreado”, nomeado. Através de seus corpos, os
sujeitos podem ser vistos como imagens. Muitas vezes, o primeiro encontro entre os
sujeitos é visual: dá-se a partir da imagem que vemos em seus corpos. Qual é a imagem
de sujeito que se apresenta? Pode-se perguntar “quem é esse sujeito?”, de diferentes
formas, como: o que me diz seu corpo? Que imagem posso fazer desse sujeito (a partir
de seu corpo)?
Segundo Saturnino (2003), as imagens, cada uma em seu tempo e em seu lugar,
imersas em relações de poder, constituem discursos e, de uma certa forma, produzem
sujeitos. Fonte de expressão e impressão, criação e ruína, o corpo já chega num mundo
de conceitos formulados, por exemplo, sobre a origem, a raça, a cor, a língua e o estilo.
Ao responder às perguntas formuladas no parágrafo anterior, nós os fazemos imersos
nesse mundo, com pré-conceitos a respeito das imagens e dos corpos que elas
representam. Por exemplo, ao vermos uma pessoa gorda, o que podemos pensar e, de
certa forma, pré-conceber em relação àquela pessoa? Podemos dizer que é alguém que
não se cuida? Ou seja, não faz nenhum exercício físico, não se alimenta direito? Poderia
ser, por isso, uma pessoa preguiçosa, lenta, desleixada? Assim, podemos, muitas vezes
“constituir” esse sujeito. Esses são modos nas quais as imagens operam sobre as formas
de nomeação do outro.
Escolhi usar imagens como meio de pesquisa porque acredito que existe uma
articulação direta entre sujeito, corpo e imagem, com o processo de construção de
identidades do outro, e conseqüentemente de diferentes relações, papéis e lugares, no
mundo. Com certeza, como nos diz Saturnino, “imagens nos informam. Mesmo com
uma objetividade relativa, mas nos informam” (idem, p. 28). A relatividade da
informação das imagens existe, pois o que a imagem nos informa é a aparência do
objeto. A partir dessa aparência, passamos a construir todo o resto e acabamos
“formando um todo”. Um exemplo disso, dado por esse mesmo autor, pode ser visto na
hora das refeições: preferimos alimentos com uma aparência saudável, como se a
imagem estivesse nos informando seu sabor, como na expressão “comer com os olhos”
(idem).
Pois bem, a aparência pode indicar alguma qualidade de um determinado
produto, ou melhor, assim é feita a leitura sobre as coisas e sobre os sujeitos no mundo.
Também é assim com o corpo, moradia da imagem: ele expressa - antes que o gesto ou
a língua possa denunciar - a origem, a raça ou o estilo de um sujeito. O corpo pode nos
informar traços da identidade. Importante salientar, novamente, a relativização dessa
44
informação, propiciada pela imagem. Como foi dito: são traços da identidade. Segundo
Alberto Manguel, “as imagens que formam o nosso mundo são símbolos, sinais,
mensagens e alegorias” (2003, p. 29), as quais precisamos completar, talvez com o
nosso desejo ou nossa experiência, para termos a noção de um “reconhecimento”. Um
sujeito, ao oferecer sua imagem através do corpo, também nos oferece determinados
traços que nos permitem “formar” a idéia de uma pessoa, com certas características,
qualidades, defeitos, estilo, etc. As imagens, assim como as palavras (e, acrescento, o
corpo), são as matérias de que somos feitos.
Com base nesses estudos, penso que o uso das imagens, como uma estratégia de
investigação a respeito do modo como os jovens, hoje, percebem os outros e a si
mesmos, pode ser interessante. Para tanto, é necessário especificar a metodologia
utilizada, o que será exposto a seguir.
As imagens, em movimento ou não, envolvem aspectos composicionais que,
segundo Rose (apud Santos, 2002) envolvem quatro aspectos importantes. Na
fotografia, podemos avaliar os dois primeiros aspectos. Já, no cinema, os quatro
aspectos podem ser investigados. São eles:
a) mise-en-scène, que trata da organização espacial da imagem, ou seja, o quê e
como fotografar. Assim como as especificidades da câmera (enquadramento, planos,
distância, foco, ângulo, ponto de vista, movimento de câmera, etc.).
b) montagem, que diz respeito à organização temporal da imagem e como ela é
apresentada. Aqui, a edição é o aspecto mais importante a ser considerado.
c) som, que abarca o som ambiente (ou efeitos sonoros), a música (trilha) e
narração (fala das personagens ou narrador). O som é crucial às imagens, afetando os
significados visuais tanto quanto, ou possivelmente mais, do que a imagem (Butler apud
Sacchi, 2002);
d) estrutura narrativa, que corresponde à história que o filme conta e o que
acontece às personagens.
Passo agora a discutir as imagens selecionadas para esta pesquisa, primeiro nas
fotografias e depois nas cenas dos filmes.
45
3.2.1 A FOTOGRAFIA
A fotografia não possui apenas um caráter de registro, de cópia do real. De
acordo com Joly (1999), abordar ou estudar certos fenômenos em seu aspecto semiótico
é considerar seu modo de produção de sentido, ou seja, a maneira como provocam
significações, isto é, interpretações. Assim, um signo só é signo se exprimir idéias e se
provocar na mente daqueles que o percebem uma atitude interpretativa. Temos, por um
lado, a fotografia como réplica do real, e, por outro, a fotografia como uma
interpretação do real ou de sua produção.
A utilização das fotografias nesta pesquisa teve como finalidade entendê-las
como signos, que implicam interpretações, ou seja, podem suscitar diferentes leituras e
significações. Para tanto, solicitei aos estudantes para atribuírem valores e qualidades
aos personagens. Penso que esse julgamento foi influenciado por um conjunto de traços
estruturais, culturais e simbólicos, previstos e prejulgados por uma dada ordem. Me
refiro aos traços ou medidas considerados pelos jovens como adequados ou
estabelecidos socialmente como belos, e que são inscritos no corpo.
Umberto Eco (apud Magli, 1991) insiste no fato de que os esquemas visuais –
freqüentemente - não refletem as qualidades ópticas das coisas, senão as relações
ontológicas: ou seja, as mensagens visuais não comunicam unicamente a aparência dos
objetos (o que nós vemos), mas se apóia naquilo que sabemos sobre sua natureza
imanente e através dos fenômenos de empatia representados por linhas, cores, ritmos e
pelo som da voz. Assim, as figuras de um rosto ficam cristalizadas a partir dessa
condensação simbólica.
Seguindo o parecer de Luis Henrique Sacchi dos Santos sobre o projeto desta
dissertação, busquei referência no texto escrito por Patrizia Magli, intitulado “O Rosto e
a Alma”, que resgata a antiga ciência da Fisiognomia. Segundo a autora, o pensamento
ocidental, desde a sua origem, pensa nas práticas de reconhecimento do rosto,
“esforçando-se em captar a visão de uma essência, de uma possibilidade de imanência,
estabelecendo regras normativas que permitem penetrar no mistério de um semblante”
(Magli, 1991, p.87).
Busco algo semelhante nesta pesquisa, ou seja, entender sobre até que ponto a
nomeação e o reconhecimento do outro jovem se dá pelo corpo, atravessado por regras
46
normativas e culturais definidas pelas sociedades em determinadas épocas. A meu ver,
essas regras fazem o rosto e o corpo perderem seu mistério, já que, em tempos de
“narcisismos sombrios”, queremos apenas nos reconhecer no outro, no olhar do outro,
naquela confortante paz da normalidade. Parece que cada vez mais só se vê aquilo que
se é ou aquilo que se quer ser.
O campo de saber da Fisiognomia tem estreita relação com o que tento
compreender nesta pesquisa. Segundo Magli, ela busca vislumbrar uma possível relação
entre a alma e o corpo, entre a dimensão interior e exterior. A Fisiognomia, de acordo
com a autora, participa daqueles signos definidos pelos antigos médicos como
tekmerion, que significa “prova”, “indício”, “sintoma”.
Neste sentido, talvez o uso de fotografias nesta pesquisa tenha o intuito de
refletir sobre quais sintomas estão implicados e como estão envolvidos na leitura (e no
“julgamento”) fisiognômica do outro atualmente.
Apresento a seguir as justificativas a respeito da razão de escolher determinadas
imagens entre outras muitas, sem deixar de levar em consideração meus próprios
preconceitos, envolvidos na escolha não tão aleatória das imagens fotográficas.
Algumas das fotos foram escolhidas através do site fotosearch.com, que
disponibilizava inúmeras fotografias (imagens números 1, 2, 3, 5, 6, 7, 9 10, 11, 12, 15,
16, 17, 18, 19, 21, 24, 26, 27). Também foram utilizadas fotos de blogs (imagens
números 4, 8, 13, 14, 20, 22, 23, 25, 28) de jovens brasileiros, com a intenção de
aproximar as fotos de um cotidiano mais próximo da vida dos jovens com quem realizei
a pesquisa. Tentei colocar a maior variedade possível de “tipos” de jovens: diferentes
cores, raças, estilos, tamanhos, pesos, gênero, formas e tribos.
As fotos recolhidas do site fotosearch têm um caráter por vezes um pouco mais
identificado com as marcas da linguagem publicitária. As retiradas de blogs parecem
mais próximas do cotidiano dos entrevistados, por serem fotografias menos produzidas
e menos técnicas (sem contar que algumas delas parece que são tiradas pelos próprios
jovens, fotos de si mesmo).
É interessante observar algumas distinções entre as fotos do site e as de blogs.
As fotos de blogs são tiradas muitas vezes pelos próprios sujeitos e revelam o uso de
menos recursos ou noções técnicas, de mise-en-scène e de montagem, ou seja, de
angulação e de edição. O contexto da fotografia é menos elaborado e a predominância é
de close-up, assim como a preferência pelo olhar direcionado à câmera, dando uma
maior ênfase ao rosto e menos importância ao cenário. Ao contrário do que pode ser
47
visto nas fotos do site. Aqui, a montagem do cenário faz parte do que aquela fotografia
quer representar, inclusive a respeito do próprio sujeito em pose. Para isso, muitas vezes
o plano está mais distante, possibilitando ao espectador ver mais o corpo do sujeito,
assim como objetos ao seu redor (por exemplo: livros, mesa, espelho).
A escolha destas 28 imagens não foi aleatória, tendo como propósito mostrar a
maior gama possível de diversidades jovens de diferentes tipos, formas, estilos ou
tendências em ambientes variados. Algumas fotografias foram baseadas em um padrão
visual do que tenho como o que hoje poderia ser chamado de “juventude”. Com isso,
algumas perguntas surgiram: por que organizei as imagens desta forma? Por que essas
imagens são mais importantes que outras?
Considero que as imagens que escolhi informam existirem alguns sintomas
sobre a juventude, que é interessante de apontar e enxergar. Eles são visualizados a
partir de um ponto de vista meu
8
, ao mesmo tempo em que sou parte desse sintoma.
Coloquei propositadamente a foto de número 16, que mostra a imagem de uma garota
dinâmica, magra e veloz, porque talvez, para mim, ela seja uma representação histórica
e culturalmente transmitida, a respeito de um ideal da juventude contemporânea. Assim
como a foto de número 6, de um rapaz olhando seu músculo no espelho, um tanto
“narcisista”, característica que parece predominar nos dias de hoje, não somente a
respeito da juventude.
Tentei, a partir de um número limitado de imagens, colocar o máximo possível
de variações de sujeitos, sejam elas de gênero, raça, cor, estilo ou tribo. Jovens magros,
obesos, discretos, simpáticos, sérios, calmos, com Síndrome de Down, sorridentes,
modernos, discretos, altos. Imagens de jovens com livros, de óculos, com bonés. Jovem
skatista, punk, roqueiro, rebelde, comportado, musculoso ou romântico.
8
Aqui me coloco como um ser sujeito a uma série de preconceitos e atravessado por uma cultura e uma história.
48
3.2.2 O CINEMA
O uso das imagens a partir de recurso cinematográfico fez-se com o intuito de
oferecer aos estudantes situações parecidas com as que eles vivem e experimentar, ao
mesmo tempo, um ponto de vista e um olhar de fora, no caso, o de um diretor. Esse
ponto de vista, isto é, as escolhas das cenas e personagens, relaciona-se aos temas de
que trato na presente pesquisa; procuro nesse processo não enquadrar ou estigmatizar a
juventude dentro de paradigmas totalizantes e universais de consumo.
Foram selecionados trechos dos filmes “Elefante” e “Aos treze”, com o objetivo
de analisar no grupo de discussão o que, na visão dos jovens, essas cenas representam,
ou seja, o que pode ser dito e discutido a respeito delas. São filmes que apresentam dois
retratos diferentes de jovens, em situação escolar, e que representam - a meu ver - um
modo crítico sobre o que está se passando atualmente com a juventude.
Antes de apresentar as cenas destacadas para a discussão com os alunos, gostaria
de apontar como alguns autores vêm estudando o cinema na educação e a sua
importância como instrumento de pesquisa.
Elí Fabris comenta, em sua tese, que assistir a um filme “é uma prática
incorporada de tal modo ao cotidiano de muitas pessoas que parece estar desde sempre
aí. Porém, essa prática precisou ser aprendida” (Fabris, 2005, p. 20). A visão é algo que
se aprende, ao mesmo tempo em que é um processo singular, quase inapreensível, um
mistério. Por essa razão, considero o cinema como um instrumento interessante de
pesquisa, já que a visão é de uma natureza paradoxal, algo que é aprendido cultural e
socialmente e, ao mesmo tempo, algo de propriedade individual e singular. A linguagem
fílmica carrega em si a possibilidade de inúmeras representações e signos, que
dependem do olhar vivo do outro receptor e também das representações culturais na
qual estamos inseridos. O encontro entre estas duas instâncias pode gerar debates
interessantes.
Quando chamamos aquele que assiste ao filme de receptor, entendo receptor no
sentido dado por Rosália Duarte, que escreve em seu livro Cinema e Educação, a de que
“por trás do ‘receptor’ existe um sujeito social dotado de valores, crenças, saberes e
informações próprio(s) de sua(s) cultura(s), que interage, de forma ativa, na produção de
significados das mensagens” (Duarte, 2002, p.65).
Um filme, segundo Rosália Duarte, é construído por meio de concepções
culturais que o orientam. O cinema, portanto, torna-se um instrumento valioso para
49
ensinar, discutir e questionar a respeito destas mesmas concepções, idéias, conceitos e
visões de mundo que vigoram em uma determinada época, e que, de acordo com a
autora, “orientam as práticas dos diferentes grupos sociais que integram as sociedades.”
(idem, p. 90).
Que práticas orientam nossas vidas e o que vemos? Como operam dentro do
sistema ou modo dos grupos? O que têm a ver com o modo que interagimos, amamos,
comemos e nos vestimos? Perguntar sobre que práticas são estas, faz parte do trabalho
do pesquisador.
O cinema vem sendo muito usado na educação, tanto na prática pedagógica
como em pesquisa. Sua relevância nestes processos vem sendo estudada cada vez mais,
já que a relação entre os sujeitos e os filmes pode ser um agente profundamente
educativo e socializador. Segundo Duarte, “determinadas experiências culturais,
associadas a uma certa maneira de ver filmes, acabam interagindo na produção de
saberes, identidades, crenças e visões de mundo” (idem, p. 19).
Portanto, o cinema pode ser educativo, quando usado como instrumento de
pesquisa, já que possibilita o encontro entre diferentes personagens-identidades,
situações e corpos, que nunca teriam a possibilidade de se encontrar senão através da
interação áudio visual. Ao mesmo tempo, o cinema inaugura a possibilidade de
identificação em um processo que é detonado pela imagem na tela. Vive-se por alguns
momentos um “como se” que possibilita um estilo e uma vivência diferente, e nesse
momento pode-se pensar sobre os modos de vida e as experiências próprias. Neste
encontro e confronto entre as diferenças e as semelhanças das realidades criam-se hiatos
e interstícios, onde o pensamento pode nascer e alterar a si e, talvez, ao outro.
Segundo Fabris, o cinema apresenta histórias que interpelam de um modo
avassalador. “Elas mexem com nosso inconsciente, elas embaralham as fronteiras do
que entendemos por realidade e ficção” (Fabris, 2005, p. 21). Tentei, através da
apresentação dos filmes, interpelar os jovens em busca dos modos como aquelas cenas
que escolhi os atravessaram. Que diferenças e semelhanças há entre aqueles
personagens e situações com as vividas na escola e em suas interações?
A mesma autora revela que, “nessas histórias, mergulhamos e vivemos como se
nosso corpo estivesse lá, incorporado às vidas daqueles indivíduos que vivem na tela”
(Fabris, 2005, p. 21). Segundo ela, naquele momento, ocorre uma simbiose entre o
corpo dos espectadores e a história vivida na tela; o tempo e o espaço tornam-se os
mesmos representados no filme.
50
Como a linguagem cinematográfica tem como princípio favorecer a
identificação, o resultado é sempre muito interessante. Na maior parte das
vezes, os estudantes são levados a considerar a possibilidade de uma mesma
situação ser vista e compreendida de formas completamente diferentes.
(idem, p. 90).
Foi com o intuito de poder possibilitar um encontro entre estes dois mundos
recheados de crenças, opiniões, valores e visões, que surgiu o interesse de usar o cinema
na pesquisa. O objetivo foi capturar um pouco do que se passa nesta interação de
realidades e, desta forma, como as imagens foram recebidas pelos estudantes. O cinema,
segundo Duarte, pode incutir atitudes, crenças, valores, opiniões, e produzir
comportamentos. O cinema transmite valores éticos e morais que dependem dos
preceitos do diretor, bem como de sua visão, a idéia ou história que relata, como os
personagens se relacionam, reagem, cada ângulo da câmera ou uso de luz pode
representar uma determinada mensagem, que de alguma maneira é transmitida ao
observador. No caso dos filmes tratados a seguir, acredito que ambos os diretores
transmitem um pouco do que, considero que identifique o mundo dos jovens na
contemporaneidade, e de como a imagem e o corpo fazem parte de suas vidas.
Os dois filmes escolhidos trazem para o debate algumas “verdades” que
circulam hoje sobre o mundo jovem, em linguagens e estruturas fílmicas bem diversas.
Para melhor analisar os filmes, gostaria de trazer um relato, seguido por uma análise
crítica das quatro cenas do filme “Aos Treze” e, posteriormente, sobre o filme
“Elefante”. Farei primeiramente um relato, sob o meu olhar, das cenas escolhidas.
Descrição das cenas selecionadas de “Aos treze”
Primeira cena: A estrutura da narrativa é rápida, o movimento da câmera é
histriônico e o som é alto (trilha musical de fundo). Há muito movimento e agitação de
jovens no pátio da escola. É início do ano letivo. Rachel, personagem principal, e uma
amiga se aproximam de um grupo de meninos, onde está o irmão mais velho de Tracy.
Ela chega junto ao grupo, tentando contar um acontecimento ao irmão, mas ele e seus
amigos dão mais atenção ao novo corte de cabelo do amigo do que ao que Tracy quer
lhes contar. Tracy chama de novo e consegue a atenção do irmão. Ele a apresenta aos
seus amigos e ela os cumprimenta timidamente. Os amigos dele a olham por um
segundo, sem lhe dar atenção, porque Evie, a segunda personagem principal - e futura
amiga de Rachel -, passa “desfilando” com um grupo de outras amigas, todas
“produzidas” visualmente, vestidas do mesmo modo e caminhando do mesmo jeito. Os
51
meninos ficam impressionados e comentam sobre como essas jovens cresceram durante
o verão e como estão bonitas. Decidem ir conversar com elas e, então, deixam Tracy e
sua amiga olhando eles irem atrás de Evie e de suas amigas. A câmera foca em close os
corpos delas “à mostra”: cinturas aparecendo e calça jeans e blusas pretas bem justas ao
corpo. Posteriormente, vemos em close o rosto de Tracy, com uma expressão de não
estar entendendo o que se passou ali. Podemos supor que ela tenha se sentido
desprezada, invisível, humilhada, desrespeitada ou excluída pelos meninos.
Essa cena, no que concerne aos interesses desta pesquisa, retrata a importância
da imagem no contexto dos jovens. Os meninos estavam mais interessados no corte de
cabelo do amigo do que no que Tracy tinha para contar para eles. Depois, eles dariam
atenção para a passagem ou desfile de Evie e de suas amigas. Tracy aparece nessa etapa
inicial do filme como uma menina tímida, discreta e talvez introvertida. Isso é o que o
diretor parece sugerir neste ponto do filme. Talvez Tracy não tenha nenhuma destas
características. Talvez ela, ao ser contrastada com outras meninas vaidosas, adquira
estes adjetivos por contraste. Acontece que, por seu visual, Tracy não tem a chance de
“dizer a que veio”, ou seja, ela não atraiu o interesse do olhar dos meninos, e se isto não
acontece ela deixa de ser notada pelos outros.
Segunda cena: Tracy está sentada no refeitório com duas amigas. Uma fala a
respeito da linda pele de Evie e a outra diz que ouviu dizer que ela tem uma cicatriz no
corpo, produzida quando salvou seu irmão menor de um incêndio. Tracy, não gostando
dos comentários, diz que Evie não é a mulher maravilha, levanta-se indignada e sai.
Ouve-se, ainda, um comentário de como Evie é esperta, pois fala alemão. Tracy, ao se
afastar, encontra o grupo de amigas de Evie, que passa por ela e faz uma gozação a
respeito das meias de Tracy, perguntando como haviam-na deixado sair do jardim de
infância (referindo-se às meias como infantis). Corte de cena.
Terceira Cena: Tracy está na cama de seu quarto com expressão de desolação
misturada com tristeza e raiva, talvez devido à crítica recebida. Olha para a meia em seu
pé, tira e a joga numa cesta de lixo. Então, começa a jogar seu bichos de pelúcia no lixo
também. A mãe aparece, achando que ela está arrumando o quarto, e dá graças a Deus.
Então, pergunta se Tracy está com fome e diz no final da frase: baby
9
. Rachel grita com
pesar e brabeza que não é mais seu bebê, com o que sua mãe concorda. Ela, então, pega
9
Quer dizer bebê em inglês e pode ser dito para qualquer um, não querendo representar uma referência
necessariamente de filiação, nos Estados Unidos da América.
52
uma Barbie
10
e joga no lixo. Tracy a olha neste momento com expressão de surpresa e
brabeza. A mãe vê as meias jogadas fora e pergunta o que há de errado com elas. Tracy
responde que não há nada de errado e acrescenta que precisa de roupas novas. Sua mãe
pergunta o porquê e Rachel, com fúria, responde que é porque ela se parece estúpida. E
diz Hello!!???
11
Corte da cena.
Considerei essas duas cenas importantes porque retratam o efeito que o olhar do
outro (e a humilhação que o outro impõe àquele que não corresponde ao “padrão”) pode
imprimir como efeito naquele que se sente humilhado ou diminuído. Tracy sentiu-se
impelida a mudar ou “crescer”; aqui, crescer aparece associado a ser como os outros,
adequar-se à moda. Ou seja, essa mudança é inicialmente uma mudança externa, de
corpo e imagem.
Quarta Cena: No pátio da escola, Tracy caminha seguindo Evie. Tracy está, no
que dá a entender, com roupas novas e usando uma pintura leve no rosto. Evie elogia
sua camiseta e Tracy elogia seu cinto. Evie se vira e elas se olham literalmente dos pés à
cabeça. A câmera foca em super close-up os tênis-pés, pulseiras-pulsos e elas se
encarando olhos nos olhos. Tracy olha Evie e a câmera, que nessa cena funciona como o
olho das personagens, foca novamente em close-up o pingente de cruz de Evie, depois
seu piercing no umbigo e, finalmente, - nos pulsos -, as pulseiras. Tudo isso se passa em
poucos segundos. Evie, sorrindo, diz para Tracy ligar para elas irem fazer compras
depois da aula. Tracy, tentando conter o espanto e alegria, tenta agir com naturalidade e
responde “ok”. Ela então pede à Evie que anote seu número. Evie escreve, olha para
Tracy, sorri e vai embora. A câmera volta-se para Rachel novamente, que, ao ver Evie ir
embora, não contém a surpresa e a excitação, dançando de alegria.
Essa cena é rica em velocidade e em imagens que detalham aspectos do corpo,
de acessórios, roupas, e especialmente rica no que se refere às trocas de olhares entre as
duas personagens. Tracy já parece mais descontraída e autoconfiante no caminhar e com
seu corpo. Ela está diferente: mudou sua aparência e atitude, contrastando com sua
imagem anterior. Esse conjunto de cenas nos mostra, ainda, a fragilidade de Tracy, sob
a forma de sugestionabilidade, que teve como efeito a mudança, para vir a ser “outra”
devido a críticas. Esse trecho representa como o visual e o corpo podem ser as chaves
de acesso ao outro, pontes para o interesse do outro, do olhar do outro. Em questão de
10
Boneca clássica de crianças. É uma mulher com medidas de modelo de moda fotográfica ou de
passarela.
11
Como quem diz: “acorde”!! “se ligue”!! “olhe para mim”!!
53
segundos, o olhar capta os recados cruciais expressos pelo e no corpo, e faz uma leitura
desses sinais e uma interpretação, antes mesmo de qualquer expressão verbal, podendo
definir o lugar do sujeito para a opinião alheia.
Penso ser importante destacar mais uma observação, que deve ser exposta,
mesmo que não esteja claramente manifesta nas cenas descritas acima, mas que, a meu
ver, estabelece uma relação com o tema desta dissertação. O filme “Aos Treze” aborda a
juvenilização da cultura e seus efeitos quanto à diferenciação e o reconhecimento dos
jovens. Roselene Gurski trata deste assunto em sua tese a respeito da juventude
contemporânea, ele revela que, no filme citado, a mãe de Tracy, assim como outros
adultos cuidadores presentes na narrativa, são mostrados como velhos adolescentes,
tipificados de forma muito semelhante aos jovens: eles fumam maconha, bebem em
excesso, tatuam seus corpos, enfim, parecem tão jogados na dimensão imaginária do
gozo ilimitado quanto os filhos. A autora, então, lembra a pergunta de Maria Rita Kehl:
“como fazem os jovens para diferenciar-se e criar algo novo e próprio”? (Kehl apud
Gurski, 2006, p. 7).
Para responder a esta pergunta a autora se apóia em Lacan, ao revelar que:
“quando o sujeito não encontra, no tecido social, meios de se fazer representar, acaba,
muitas vezes, buscando vias extremas de acesso ao reconhecimento. Nas palavras de
Lacan, quando os laços sociais são reais, os atos precisam ser simbólicos a fim de
garantir um lugar de representação ao sujeito” (Gurski, 2000, p. 13).
Frente ao desencontro do jovem com o velho, surge este vazio de lugar para que
surja o novo, para que se forme a representação e a identificação do jovem, então o
corpo torna-se o último refúgio de si, talvez o único lugar possível de (de)marcação,
inscrição, certidão e identificação dos jovens.
Sobre este contexto de indiferenciação entre adultos e jovens, Maria Rita Kehl
(2004) argumenta que o ideal de perfeição de nossa época reside no índice de juventude
corporal e emocional que o sujeito porta. Tal situação acaba por produzir, no jovem, um
estado de desamparo de valores e de parâmetros para se orientar minimamente na vida e
no mundo, já que este ideal aponta para um excesso de presente, não balizando uma
perspectiva de futuro. Seguindo Maria Rita Kehl (2004), parece-me que os jovens
também sentem uma pressão maior do que antigamente para preencher estes ideais que
os adultos ou a sociedade projetam sobre eles (ideais de felicidade, beleza, bem-estar,
perfeição, etc...).
54
O desejo pela diferenciação e identificação, marcado pela necessidade de se ver
reconhecido por outros olhos, torna-se uma questão existencial de primeira ordem ao se
tratar dos jovens. Talvez por isso se dê um nome a qualquer diferença que se apresente
no corpo e que destoe do (ou represente) os ideais de juventude.
A seguir, faço a descrição do segundo filme.
Descrição das senas selecionadas de “Elefante”:
Primeira Cena: Vestiário feminino da escola: corpos expostos, nus. Ouve-se
apenas o forte som dos chuveiros. Michelle vem caminhando de uma longa distância em
direção ao seu armário. A câmera acompanha o trajeto. Ela está vestindo um abrigo da
escola e uma calça de moletom, usa óculos e tem cabelo curto e encaracolado. Parece
desconfortável com o próprio corpo, não sabemos ao certo se é devido ao lugar em que
se encontra ou se ela apenas se sente deste modo “normalmente”. Caminha de maneira
levemente curvada e o olhar é um pouco voltado para o chão. Quando chega junto ao
armário, tira um moletom e põe outro. Um grupo de meninas perto dela comenta
referindo-se a Michelle: “Lá está aquela esquisita que senta atrás de você na aula de
Matemática”; outra retruca: “Aquela, bem ali?” e em resposta: “Isso mesmo, ela.”. A
câmera não sai do rosto de Michelle, que permanece como se nada acontecesse. Mais
alguns boatos e risos incompreensíveis ocorrem por parte do grupo. Michelle se levanta
e as garotas a chamam de perdedora
12
.
Segunda Cena: Diálogo entre a professora de educação física e Michelle:
Professora: “Michelle, nós temos que conversar sobre o problema de suas roupas
de ginástica, não vai dar certo com essas calças compridas enquanto todo mundo usa
shorts”. “Qual é o problema?”.
Michelle: “Não quero falar sobre isso”.
Professora: “E eu não quero te dar uma nota baixa, mas terei que fazer isso caso
você não queira aparecer de shorts como é preciso. Eu não vou fazer nada dessa vez,
mas amanhã eu quero te ver de shorts”.
Michelle: “Ok”.
Quando a professora sai da cena, a menina diz para si mesma: “Que coisa
estúpida”. Michelle se separa do grupo em torno dela e caminha até uma quadra de
basquete vazia. Corte da cena.
12
Na tradução do filme, as personagens do filme teriam dito “babaca”, quando a tradução mais correta
para looser é perdedor(a).
55
A personagem Michelle parece mostrar resistência às mudanças “exigidas” – de
certa forma – pelo social ao seu crescimento, por exemplo: usar shorts como todas as
outras meninas. Sendo assim, ela é qualificada e determinada como “a esquisita”.
Os recortes desses dois filmes apontam um contraste entre duas personagens
(Rachel de “Aos Treze” e Michelle de “Elefante”) aproximadamente num mesmo
período de vida: entrada na adolescência.
A cena do filme “Aos Treze” mostra o início da transformação da personagem,
que passa por um processo de se transformar no ideal máximo de uma adolescente de
2003. Ela aprende a se maquiar, a se vestir, a “ter a atitude”, a usar os adereços “certos”.
Será que neste processo de mudança ela adquire uma outra identidade? Por outro lado,
Michelle parece estar indiferente a essas mudanças e exigências impostas pelo seu
grupo e, até mesmo, salientadas pela professora.
Ao que tudo indica, no primeiro filme, as mudanças visuais caminham passo a
passo com as mudanças de atitude. Como num ritual necessário ao desapegamento
natural da infância, a personagem parece representar a forma atual de rebeldia possível,
e que se dá ou se carrega no corpo, como, por exemplo: colocar um piercing, cortar a
pele ou se tatuar. Essas marcas de identificação corporal permitem ao sujeito apropriar-
se de uma nova identidade, expressar-se e inscrever-se no social. A personagem do
segundo filme parece não querer participar desse ritual de passagem, pelo menos aos
moldes previstos e determinados pelo social no qual está inserida. Com isso, pode-se
observar que Tracy passa a ser aceita entre seus iguais e, mais importante do que isso,
passa a ser notada. Michelle não deixa de ser notada, mas com a marca de um
“estranho”, esquisito ao grupo e, assim, permanece à margem, não aceita.
A seguir, no próximo capítulo, apresento a análise do material fotográfico
utilizado com o grupo de discussão.
56
4. ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS
4.1 OS JOVENS E AS IMAGENS FOTOGRÁFICAS
As imagens fílmicas e fotográficas foram os principais meios usados como
forma de pesquisa na presente dissertação. A discussão em grupo e os questionários
apresentados giraram em torno do que os estudantes observaram e como analisaram as
imagens, tentando representar o que eles foram capazes de olhar, captar, traduzir e
elaborar. Assumo aqui a importância do olhar e da imagem como instrumento, objeto e
processo de pesquisa, apesar de usar esses elementos principalmente como instrumento
de trabalho, para o levantamento de dados.
Carlos Skliar escreve que: “se voltarmos a olhar - o nosso olhar -, existe,
sobretudo, uma regulação e um controle que define para onde olhar, como olhamos
quem somos nós e quem são os outros e, finalmente, como o nosso olhar acaba por
sentenciar como somos nós e quem são os outros” (Skliar, 2003, p.71). Os meios de
pesquisa, que serão apresentados a seguir, representam o desejo e a intenção de que,
talvez, seja possível vislumbrar um pouco sobre como opera a regulação do olhar e suas
representações para determinar, classificar e nomear quem somos nós e quem são os
outros. A seguir, farei uma descrição do uso das imagens como instrumento nesta
pesquisa.
Foram realizados três diferentes questionários (ver Anexo 2) para cada jovem,
com base em 28 imagens coletadas por mim (fotos tiradas de blogs, bem como de sites
de fotografias) e apresentadas aos estudantes (ver Anexo 1). O primeiro questionário se
dividia em 11 questões, que giravam em torno de, inicialmente, uma escolha aleatória
solicitada ao grupo, de uma entre as 28 imagens. Posteriormente a essa escolha, foram
propostas as seguintes questões: Se ele tivesse um apelido, qual seria? Quais as
qualidades dele (a)? Por quê? Quais seus defeitos ou frustrações? Por quê? Tem
namorado? Por quê? Qual seu maior medo? Por quê? É popular? Por quê? Tem amigos?
Por quê? Que tipos de amigos ele (a) tem? Por que você escolheu esse jovem? Como
poderia ser seu futuro? E sua vida pessoal e profissional?
Na segunda parte do questionário, apoiei-me em questões sobre qualidades ou
possíveis valores, atribuídos aos jovens, de acordo com o tipo de imagem. Nesse
questionário, pedi que eles elegessem os jovens mais e menos interessantes, bonitos
(as), “legais” e inteligentes. Além disso, pedi que escolhessem uma imagem com a qual
57
se identificassem e que elegessem cinco jovens das imagens, que gostariam que fossem
seus amigos. Todas essas questões foram acompanhadas de indagações sobre os
porquês.
Na terceira parte do questionário, foi pedido que os jovens nomeassem cada
pessoa das fotografias com apenas uma palavra.
Acredito que os três questionários, de formas diferentes, ajudaram a abordar a
questão que é a principal nesta pesquisa e que talvez seja poder entender o quanto e
como se dá a atribuição de qualidades, valores ou virtudes em torno das imagens. Em
outras palavras: tentar responder à seguinte questão: de que modo a aparência e a
superfície dos corpos contribuem para a problematização das identidades entre os
jovens?
Tentarei examinar o que seria possível enunciar sobre uma determinada imagem;
Como ela produz nomes no mundo social dos jovens. Acredito que essa é uma tarefa
que implica um desejo de desconstrução do olhar ou a da visão porque penso que, como
afirma Santos (2002), interagimos mais e mais com experiências visuais totalmente
construídas. Somos atravessados por imagens plenas de discursos morais, científicos,
religiosos da saúde, da biologia e de tantos outros campos de saber. Portanto, nessas
tantas possibilidades de leituras de imagens, pergunto se não ficaria difícil experimentar
um outro olhar ou representação sobre o corpo, um olhar que se afete com a diferença
do outro. Aquilo sobre o que Skliar alerta: Olhar o próprio olhar. É nessa perspectiva
que tentarei problematizar as observações dos estudantes sobre as fotografias. Será que,
nesses olhares, e através dos olhares dos jovens, algo não previsto escaparia?
Apresentarei a seguir uma análise de seis imagens, as mais representativas na
visão dos jovens, por terem sido bastante escolhidas por eles, e também por terem sido
deixadas de lado na parte I dos questionários, na qual eles deveriam escolher um sujeito
entre as imagens das fotografias. Escolhi três imagens tiradas de blogs e outras três de
sites de fotografias
13
.
A primeira imagem é a número dois: ela foi retirada de um site e mostra a
imagem de um jovem obeso, branco, com uma faixa branca na cabeça, vestindo uma
camiseta branca com uma toalha ao redor do pescoço. Ela aparece da cintura para cima.
No fundo da imagem há uma parede laranja. A expressão do rosto é séria. Podemos
13
Foi necessário fazer uma seleção de imagens a serem analisadas com mais cuidado, devido ao grande
número de imagens (28) usadas, o que gerou um elevado número de informações e possibilidades, que,
infelizmente, foram limitadas, devido às questões de tempo.
58
supor que ele estava fazendo exercícios físicos, devido ao uso da toalha ao redor do
pescoço.
Na parte II do questionário, essa imagem foi uma das principais dentre as eleitas
pelos jovens, ele foi sete vezes o escolhido “menos bonito”, três vezes o “menos
interessante”, e três vezes o “menos legal”.
As justificativas para a escolha dele como um portador de características pouco
interessantes, bonitas e “legais”, de acordo com alguns jovens, foram as seguintes:
“porque ele é gordo”, “sua cara é de quem não demonstra afeto”, “é um pouco
antipático” e “está com uma cara desinteressante”. Sua figura foi escolhida sete vezes a
“menos bonita” porque, segundo alguns relatos, ele está em último lugar dentro dos
padrões, porque tem uma “cara de morto e desânimo”, porque “seu físico não é legal”,
“ele é muito sério”, porque não “faz o meu tipo”, porque “ele é feio e porque ele tem
problema, o da obesidade”. Esta, segundo um jovem, “deforma o corpo das pessoas”.
Entre os “menos legais” ele foi escolhido três vezes porque, segundo os dados, tem
“cara de nojento”, “se acha melhor que as outras pessoas”, e “parece ser o menos legal”.
Na parte III do questionário, onde os jovens teriam que nomear com uma palavra
cada imagem, essa foto foi nomeada com palavras como “esforçado”, “mal-humorado”,
“revoltado”, “gordo”, “infeliz”, “esperança”, “antipático”, “preconceito” e “arrogante”.
Podemos perceber, já nesses relatos, a importância do corpo, da expressão e da
fisionomia, no julgamento de valores e qualidades. O ser gordo aparece atribuído à falta
de beleza e interesse: significa ser ou ter a qualidade de “chato”. Segundo um jovem,
alguém com um problema que “deforma o corpo das pessoas”. Qual o enunciado que
atravessa as afirmações dos sujeitos sobre a imagem do outro nos depoimentos? Parece
ser o enunciado referente às bio-identidades. Conforme Ortega (2002) refere, as bio-
identidades têm a ver com sintomas e processos contemporâneos; segundo ele, o corpo
se torna fonte de auto-reflexividade. Através desse sintoma atual, o sujeito da imagem II
59
pode ser chamado de “infeliz”, “antipático”, “arrogante”, “gordo”, “mal humorado” e
“revoltado”. Por que ninguém o chamou de “esportista” ou o escolheria como um
amigo?
Uma imagem que foi das mais votadas (doze vezes no questionário II) entre os
jovens é a de número 12. Esta foto foi retirada de um site de fotografias, e mostra um
rapaz branco rindo para a câmara, em close-up. Seus cabelos parecem molhados, ele
está sem camiseta, usa um colar e está bem bronzeado. Não é possível definir o fundo
da fotografia, há apenas um fundo azul claro.
Ao contrário da imagem anterior, ele foi identificado com qualidades positivas,
representado como o “mais legal”, “mais bonito”, por “ser feliz”, “alegre”, “simpático”,
“surfista”, “carismático”, “forte”, “espontâneo”, “cara de ser amigável” e “popular”. De
acordo com um dos relatos, essas escolhas se justificaram por ele “estar dentro dos
padrões de beleza de hoje em dia”.
Acredito que as características identificadas nessa imagem foram dadas devido à
relação que esta parece ter com o ideário jovem atual. Todas as qualidades atribuídas à
figura foram baseadas no que aquele jovem aparentemente demonstra na situação e em
sua expressão. Ele tem a pele bronzeada, parece ser magro, está sorrindo para a câmera,
seu olhar sugere alegria. Além disso, está com o rosto bem iluminado, ao que parece,
pelo sol. O que dá a sensação, juntamente com o fundo claro, de que está ao ar livre.
Essa imagem corporificou nesta pesquisa o padrão ideal que os jovens
atribuíram para a condição de ser feliz, bonito, livre, alegre e simpático. São estas as
características que os estudantes buscaram nele e que sugeriram como um padrão
saudável e “normal” de juventude.
Nesse momento, algumas inquietações se fazem presentes em mim, como
pesquisador, pelo fato de apresentar essas duas, e bem diferentes, imagens. São
60
perguntas que se fizeram posteriormente ao uso das próprias imagens e que dizem
respeito a por que escolhi um jovem obeso com uma cara séria e um jovem magro
sorridente. Será que essa escolha foi proposital? Com qual intuito se deu essa escolha?
Possivelmente eu esteja falando da minha inserção nos discursos hegemônicos da nossa
época, sobre corpo e felicidade.
Outra imagem que considero de relativa importância para esta dissertação é a
imagem de número 6. Ela foi retirada de um site de fotografias, e apresenta um jovem
branco e loiro olhando-se no espelho: ele está olhando e contraindo o bíceps, ao que
parece, para ver o quão forte está. Essa cena está ligada também à imagem de número
16, que mostra uma mulher loira e branca se alongando e se olhando: a moça está
usando uma roupa de ginástica e o corpo é musculoso.
A imagem deste rapaz (número 6) foi eleita seis vezes na parte II do
questionário. Ele foi eleito duas vezes como o “menos interessante”, duas vezes como o
“menos legal” e duas vezes como o “menos inteligente”. Dentre as justificativas que se
apresentaram, podemos citar as seguintes: menos interessante porque “ele deve se achar
superior sendo igual a todos e só deve falar de si” e “demonstra se preocupar com
futilidades”. “Menos legal” porque ele “se acha demais” e “deve passar o dia inteiro na
frente do espelho se achando o máximo e minimizando os outros”. “Menos inteligente
porque só cuida do corpo e só quer usar a força”. No questionário III, que trata das
respectivas nomeações para cada imagem, ele foi caracterizado como “metrossexual”
cinco vezes, “vaidoso”, “forte” e “insatisfeito”.
Tanto na imagem 6 como na 16 eu quis dar modelos de dois jovens que se olham
e que parecem preocupados e interessados com seus corpos. A diferença foi que a
fotografia 16 recebeu menos críticas do que a imagem 6; por suposição, isso se dá por
conta da presença do espelho nesta imagem.
61
Houve nas críticas a imagem 6 a suposição de que “ele não é legal”, “é fútil” ou
“arrogante”, de que ele “humilha os outros porque ele se acha demais”. Então existe
certa crítica dos jovens ao culto ao corpo e uma consciência de que isso efetivamente
está acontecendo. Mas essa crítica aparece de uma maneira estigmatizada, já que
enquadra o cuidado e interesse do corpo e da imagem como se o jovem da foto fosse
obcecado pela própria imagem e só desse importância a isso. Aqui aparece uma
dicotomia entre corpo e imagem e o sujeito empírico. Há um pré-julgamento porque ele
cuida do corpo, ele deveria só querer usar a força e não usar a inteligência? Por que o
preconceito? Apesar de os jovens claramente valorizarem um corpo bonito como parte
crucial na constituição de um desejo ou interesse pelo outro, esse mesmo cuidado,
quando explícito, é caracterizado como um marcador identitário negativo ou pejorativo.
A imagem número 13 foi uma das mais votadas no tópico de qualidades
positivas. A imagem foi tirada de um blog e mostra o rosto em close-up de uma garota
loira de olhos verdes, sorrindo e olhando para a câmera. Não há como precisar o
ambiente em que ela se encontra. Ela foi treze vezes escolhida no questionário II.
Algumas das justificativas para tal escolha foram que ela “parece ser legal e bonita”. No
questionário III, ela foi nomeada como “festeira”, “popular”, “baladeira”, “simpática”,
“popular” e “linda”. Na parte I do questionário, foi escolhida por uma estudante que a
definiu com qualidades do tipo: “sincera”, “companheira”, “meiga”, “amável”, “gentil”,
“legal”, “bonita” e “inteligente”, além de “festeira” e “feliz”. A estudante a escolheu
porque a achou “bonita” e com “jeito de simpática”.
Como é possível deduzir, dessa imagem, todas essas características? Novamente
observamos como o eu tem no corpo a fonte básica da identidade e suas respectivas
tendências estigmatizantes; e como os modos de nomear, de certa forma, nos precedem
como forças enunciativas; quanto a isso, Ortega, referindo autores como Robert Castel,
enfatiza que nas sociedades ocidentais “a experiência identitária é calcada na
62
materialidade do biológico e referentes fisicalistas substituem referentes culturais”
(Castel, apud Ortega, 2002, p. 160).
Esta intimidade exposta na superfície dos corpos é o que Ortega (2002) entende
como a atual bio-ascese, ou seja, uma moral que valoriza os aspectos corpóreos e
sensíveis do homem como um exercício prático que leva à efetiva realização da virtude,
e à plenitude da vida moral. Como foi citado anteriormente, isso teria relação com a
“subjetividade exterior” ou a “personalidade somática” referida por Jurandir Freire e
Costa. Segundo Ortega, diferentes práticas ascéticas almejam determinadas formas,
processos e fins de subjetividades, que Foucault chama de teleologia, “seja a
constituição de si como sujeito moral da Antiguidade greco-latina, a auto-renúncia e
pureza do cristianismo, a interioridade cristã e burguesa, ou as bio-identidades
contemporâneas, onde o corpo possui a auto reflexividade que correspondia outrora à
alma” (Ortega, 2002, p.142).
Uma das imagens identificadas fortemente por características negativas foi a do
jovem da foto 22, ele foi visto como o “menos inteligente” quatro vezes, o “menos
legal” duas vezes, uma vez como o “menos bonito” e duas vezes como o “menos
interessante”. A foto foi tirada de um blog e mostra a imagem de um jovem branco, com
uma expressão de seriedade; ele usa um boné rosa e camiseta preta, brinco e um colar
com bolas pretas. A foto o mostra um pouco acima dos ombros, e o fundo é bege, sem
nada que caracterize um tipo específico de ambiente. No questionário III, ele foi
nomeado como “metido”, “largadão”, “hip-hop” (duas vezes), “marginal”,
“malandrinho”, “ridículo”, “não culto” e “comum”. No questionário II foi dito que ele é
o sujeito menos inteligente das fotografias porque parece não ter muito estudo e usar
drogas.
63
Acredito que foram delegadas a essa imagem algumas qualidades bastante
negativas; ao analisar a foto, penso que esses substantivos foram dados devido ao fato
de ele estar com uma expressão de seriedade, não estar sorrindo para o observador. O
que parece é que, se um sujeito não está exteriorizando alegria, felicidade ou
tranqüilidade, ele é diretamente caracterizado como alguém desinteressante. O sujeito
em questão é consumido pela sua própria imagem. O outro parece que avalia o potencial
daquele sujeito representado na imagem, em sua possibilidade de ser fonte de prazer ou
desprazer. No caso da imagem em questão, o jovem não carrega consigo um convite ao
prazer. Sua imagem, bem como outras usadas na pesquisa, foram alvo de críticas
negativas, devido à expressão séria. Não ser ou estar feliz então é considerado por uma
parcela de jovens como um aspecto que torna o outro antipático ou até mesmo marginal.
Retomando a discussão feita no capítulo I, o corpo aparece atravessado por
discursos de caráter narcisistas, onde o corpo do outro é posto a serviço do prazer e da
beleza. O corpo só é desejável, reconhecido ou notado quando traz em si a promessa de
uma satisfação, de uma sensação prazerosa. O outro apenas se torna interessante quando
não apresenta uma possibilidade de mal-estar, quando não incomoda ao olhar ou cause
estresse. O outro não é bem-vindo ou tolerado quando não aparece trazendo felicidade,
alegria, paz ou amor. Segundo Sant’Anna (2005, p. 123), “o imperativo de alegria full
time abafa a melodia expressa pelas experiências pouco contentes”.
A imagem de número 4 foi tirada de um blog e mostra a imagem de uma jovem
branca, magra, de cabelos escuros, olhando para a câmara. Ela está curvada, apoiando
seus braços em cima de uma mesa, com o queixo encostado nas mãos sobre a mesa. Ela
usa óculos e olha para a câmera. Não se pode dizer em que local ela está, já que o rosto
está em close-up e ocupa toda a fotografia.
64
Ela foi três vezes escolhida a “mais interessante” e uma vez a “menos
interessante”, uma vez a “mais bonita”, uma vez a “mais legal” e uma vez a “menos
legal”, e uma vez a “mais inteligente”. Na parte III do questionário, foi identificada
como “quieta” (duas vezes), “pensativa”, “estudiosa” (duas vezes), “tímida”,
“caprichosa”, “caseira”, “esforçada” e “sentimental”. Na parte I do questionário, sua
imagem foi escolhida quatro vezes. Esta jovem foi escolhida porque, segundo os
estudantes, é “bonita”, “aparenta ser inteligente” e “normal”. Para eles, “ela parece ser
interessante”, porque o “modo como olha é muito meigo”; gostaram da foto também
pela jovem “parecer ser uma boa pessoa”. Ela foi identificada ainda como “vaidosa”,
“calma”, “doce”, “atraente”, “sincera”, “companheira” e “cuidadosa com a aparência”.
Foi dito que, por ela ser bonita, deve ter amigos bonitos; e, por ser inteligente, deve ter
amigos inteligentes; por aparentar ser normal ela pode ser legal e isso atrai amigos.
Na análise desta imagem, podemos associar algumas qualidade vistas nela como
as qualidades consideradas e perpetuadas como “normais”, segundo a opinião de alguns
jovens em questão. O que podemos avaliar sobre esse aspecto é que o normal, nesse
caso, é parecer ser bonito, cuidadoso com a aparência, inteligente, ser calmo, doce,
atraente, sincero, vaidoso e companheiro. Essas são as qualidades que se encontram
personificadas na imagem 4. A moça parece carregar as promessas de prazer. Aí
estariam os ideais de felicidade, para os jovens.
Outro aspecto que chama a atenção no relato sobre a imagem da jovem em
questão é o de que ela, por ser bonita, “deve ter amigos bonitos”, e por ser inteligente
“deve ter amigos inteligentes”, e por aparentar ser normal ela “pode ser legal” e isso
atrai amigos. Há nessa lógica a manifestação do medo às diferenças, além disso,
podemos entender que essa fala estaria relacionada a uma expressão de racismo: ser
diferente não é legal, é desinteressante ou então é até mesmo repulsivo.
Gostaria de deixar um questionamento aqui. Onde estariam os indícios da lógica
no processo de identificação e nomeação das fisionomias nesses jovens? Que
paradigmas levam eles a definir um jovem como doce ou meigo? Estudioso ou tímido?
Caprichoso ou caseiro? Esforçada ou sentimental? Normal ou marginal?
Magli, ao escrever sobre a ciência antiga chamada Fisiognomia, diz que, se o
rosto possui uma dimensão (que segundo Lacan é evanescente, uma lógica flutuante que
não conhece estruturas), a Fisiognomia tem a tendência de congelar a inefabilidade do
rosto em um sistema de equivalências rigidamente codificadas. A forma humana,
65
segundo Magli, se converte então em imagem e símbolo. Sobre a superfície completa do
corpo se descola o código da linguagem moral.
Sobre cada detalhe devém um código esse numera todos os elementos como
um lema, o define como significante e lhe atribui um significado preciso (...)
ver um rosto significa produzir imediatamente um esquema simbólico que
nos situa frente a uma experiência cultural complexa e antiga. Provavelmente
não podemos perceber ou reconhecer nossos pares se não podemos captar o
essencial e separá-lo do acidental. Parece como se desde sempre a percepção
houvesse necessitado de universais. (Magli, 1991, p.90).
Se ver um rosto remete a dados culturais, não apenas essa visão está submetida
aos paradigmas culturais, como também a interpretação ou leitura que se faz desse
mesmo rosto, signo, expressão, gesto ou imagem num determinado tempo. Tempo esse
que sofre a impressão do que nos remete ao que estabelecido como normal, belo e
saudável nos plano dos ideais vigentes.
Quais foram, então, as impressões causadas por estas fotografias sobre os
jovens? Quais foram os enunciados que nortearam suas decisões sobre o julgamento
dos sujeitos das imagens? O que isso pode nos dizer sobre a época em que vivemos?
O uso das fotografias, a meu ver, representa a relevância que as imagens ganham
na constituição do outro hoje. A minúcia de um olhar aparece como força que, por
vezes, denuncia quem o outro é. A aparência como exposição e a forma revelada em sua
potência estaria sendo adotada como “essência” dos sujeitos.
Através do questionário número 2, fiz um levantamento dos enunciados sobre as
quais os jovens justificaram suas leituras, identificações e interpretações das imagens
nos quesitos: “interessante”, “bonito” e “legal”. Segundo o depoimento deles,
interessante é “estar feliz”, “sorrir”, “ser atraente”, “legal”, “mostrar expressão”, “se
conhecer melhor”, “fazer escolhas”, “ser inteligente”, “ter assunto para falar”, “ter estilo
de amigo”, “não ser gordo”, “ir com a cara de” e “não ter cara de retardado”. Beleza é
“transparecer alegria”, “ter um físico bonito”, “não ser gordo”, “estar dentro dos
padrões de beleza de hoje em dia”, “fazer meu tipo”, “não ser muito estranho”, “não ser
muito sério”, “ser diferente”, “ter alguma coisa que chama a atenção” e “ser animado”.
“Legal”, segundo os estudantes, é “usar piercing”, “ser amigo das pessoas”, “ser
popular”, “extrovertido”, “não ser chato, esnobe, parado e triste”, “é expressar alegria”,
“ser comunicativo e simpático”, “não se achar superior perto dos outros”, “não ser
66
‘mangolão’”, “estar disposto a ajudar o próximo”, “estar de rosto aberto”, “ser
divertido” e “não ser exagerado”.
Estas foram as principais formas de qualificar as imagens (os corpos), que
parecem ter caracterizado o ideal jovem, que diz respeito às qualidades que se busca no
outro e que puderam ser identificadas através das imagens. É importante salientar que
estes traços ou marcadores fazem parte de uma identidade a que os jovens estão sujeitos
em nossa cultura.
O que parece saltar dessas enunciações é exatamente o corpo como superfície de
inscrição, como nos lembra Foucault (2000) no célebre texto “Nietzsche, a Genealogia e
a História”. A partir destes corpos parados, pedaços de corpos, destes rostos e olhares
criam-se mundos visíveis, históricos, que falam de um determinado tempo, atribuíram-
se valores e qualidades a partir das superfícies. Estes corpos buscam o olhar do outro e
carregam um fardo, pesam sobre sua própria materialidade. Sem abrigo, o sujeito está
exposto ao que aparenta, depositário de impressões fixadoras de lugares e identidades
numa sociedade que valoriza a superfície: “sou o que a minha imagem mostra”,
conforme nos apontam Francisco Ortega, Jurandir Freire Costa e David Le Breton.
O extremo contemporâneo erige o corpo como realidade em si, como
simulacro do homem por meio do qual é avaliada a qualidade de sua presença
e no qual ele mesmo ostenta a imagem que pretende dar aos outros. ‘É por
seu corpo que você é julgado e classificado’, diz, em suma, o discurso de
nossas sociedades contemporâneas. Nossas sociedades consagram o corpo
como emblema de si. É melhor construí-lo sob medida para derrogar o
sentimento de melhor aparência. (Breton, 2003, p. 31).
Apesar do forte nível de auto-reflexividade que o corpo possui, fica um hiato
neste jogo de olhar e nomear como ato de fixação do outro (e sua respectiva, e marcada,
identidade). Muitas vezes, ao escreverem sobre as imagens, os jovens disseram, antes de
identificá-las, “parece que”, “tem cara de”, “demonstra que”, “tem jeito de ser”. Abre-se
aí um espaço para um pensamento diferente: a de que, talvez, o outro não seja um
espelho direto ou uma representação total daquilo que vemos. Talvez o outro não
corporifique completamente aquela classificação. Isso me parece fundamental para que
o outro possa ser e parecer outro, para que tenha a oportunidade de ser outra coisa,
diferente daquilo que é regulado pelo olhar e às vezes, impregnado por representações
culturais e normatizantes acerca do que se deve ser ou desejar ser ao olhar da
mesmidade.
67
Skliar reflete sobre este tema e parece sintetizar o que percebi diante das
respostas dos estudantes:
Existe um olhar que parte da mesmidade. Outro que se inicia no outro, na
expressividade de seu rosto. Talvez esta distinção seja uma forma de poder
olhar aquelas representações, aquelas imagens que tomam como ponto de
partida e como ponto de chegada o eu mesmo (...) -o refúgio do próprio corpo
e do mesmo olhar-, e aquelas que começam no outro e se submetem a seu
mistério, seu distanciamento, sua rebeldia, sua expressividade, sua
irredutibilidade. Uma imagem do mesmo que tudo alcança, captura, nomeia e
torna próprio; outra imagem que retorna e nos interroga, nos comove, nos
desnuda, nos deixa sem nomes (Skliar, 2003, p. 68)
Se, como Breton afirma, “o corpo torna-se emblema do self (e) sua interioridade
(...) reduz-se à sua superfície” (Breton, 2003, p. 29), meus dados mostram que essa
afirmação poderia ser relativizada. O corpo ainda permanece sendo um mistério
irredutível e rebelde, que faz parte do tempo e do devir. Esses dados nos apontam que
permanece sempre um jogo de relações e de forças entre o saber e o olhar, do encontro –
e dos desencontros - entre o corpo e o ser, entre a aparência e a sua classificação.
Mostram-nos os choques entre a cultura e o desejo: e de todos entre si. O corpo,
realmente, permanece como um campo de batalhas, num jogo eterno de resistência.
No capítulo a seguir, passo a trazer a análise do grupo de discussão, realizado
com a intenção e o esforço de entender como os estudantes se sentem e se vêem consigo
e com os outros, nesse jogo de resistências e batalhas, travadas em torno de seus corpos
e de imagens sobre esses mesmos corpos jovens.
68
4.2 SOBRE A DISCUSSÃO
Gostaria de apontar e discutir alguns enunciados que surgiram na realização do
grupo de discussão com alunos do Ensino Médio do Colégio de Aplicação da UFRGS,
cujo tema tratou de aspectos relativos à nomeação do outro a partir do corpo e sua
relevância nas relações entre jovens. Para iniciar o debate, apresentei cenas selecionadas
de dois filmes: “Aos treze” e “Elefante” – já explicitadas no decorrer deste trabalho.
Durante todo o andamento do grupo focal, observou-se a presença de muitas
divergências entre as colocações dos jovens, assim como contradições de opiniões a
respeito de temas como, por exemplo, o corpo e a imagem, apresentados nos filmes. Os
trechos das películas naturalmente provocaram polêmica, por tratarem de temas que
fazem parte da vida e do jeito de ser dos jovens (corpo, imagem, diferença,
preconceito). Talvez por isso seja difícil para eles falarem sobre tal tema; e, assim, eles
acabam se utilizando de discursos politicamente corretos para, de certa forma, fugirem
do aprofundamento desse debate. Une-se a isto o fato de a discussão sobre o corpo ainda
ser um grande tabu na escola.
Observou-se que houve discrepâncias entre as enunciações dos jovens e a
descrição do modo como eles agem em seu cotidiano. Alguns jovens no grupo julgaram
a nomeação do outro através de critérios padronizados de beleza, corpo e roupa, como
fúteis e relativas, mas a maioria do grupo entende, sofre e vivencia diretamente o corpo
ou a aparência e seus adereços como algo de grande importância no julgamento do outro
e de si próprio. Esse julgamento realmente parece ser bastante praticado na escola e
entre os jovens, como foi exposto inúmeras vezes no decorrer das falas dos estudantes.
Houve ainda, no andamento do grupo, divergências de opiniões sobre a
nomeação do outro relacionadas com a importância da imagem, da beleza e da
aparência, no estabelecimento da identidade de um sujeito. Acredito que se
estabeleceram dois pontos de vista diferentes: Uma visão mais ligada à aparência,
relacionando-a a questões mais materiais, como: roupas, beleza (significando aqui ter
um corpo bonito), dinheiro, companhias e popularidade; e a outra, relacionada à
resistência quanto a essa posição.
Os jovens expressaram, explicitamente e em muitos momentos, a existência de
relações mediadas e dependentes da imagem do sujeito em relação ao olhar do outro e
ao padrão de mesmidade, revelando um indivíduo reconhecido e valorizado pelo que se
vê dele; ou seja, antes de o indivíduo se apresentar e se comunicar, lhe é taxado um
69
qualificativo que parece vir inscrito em sua própria superfície. Nessa perspectiva, o
outro estaria aí como uma projeção dos próprios preconceitos; ou seja, uma relação em
que a nomeação do outro é especular, e é dada como forma de compará-lo, classificá-lo,
idealizá-lo ou diminuí-lo. Um exemplo disso é o depoimento de um aluno, de que não
se deve andar com um “gordinho” para não causar má impressão. Nesse caso, o
“gordinho” tem suas relações mediadas porque parece que fica colado ou condenado a
esse nome, devido à impressão que produz no olhar e no julgamento dos outros.
Vejamos uma opinião expressa sobre a personagem Michelle do filme
“Elefante”: uma estudante revelou que o único jeito de a personagem mudar seria nascer
de novo, como se dissesse que, depois de um sujeito ser marcado, não teria como
escapar de seu corpo, de sua imagem e, principalmente, daquilo que o seu corpo e sua
imagem falam sobre o próprio sujeito. Depois de nomeado ou identificado com
determinada característica, só “nascendo novamente” para se descolar dessa
representação; só trocando de corpo alguém poderia ser “popular”. Ou seja, a imagem
da menina já não dependeria mais dela. Tipos de comentários como “só nascendo de
novo para mudar” agridem o outro e fixam um nome em seu corpo.
Uma outra opinião, diferente dessa, parte da idéia de um sujeito que é nomeado
pelo seu “jeito”, sua postura, seu “gosto”. O sujeito, segundo esse depoimento, seria
mais responsável pela imagem que incide sobre o olhar do outro; a imagem que se daria
como produção de um estilo próprio, calcado em sua expressão e no seu desejo
14
. Aqui
entra em pauta o estilo demonstrado, por exemplo, através de expressões e modos de
agir que remetem a uma leitura de si. Trata-se de um sujeito que, segundo os relatos do
grupo, se produz e se faz. O indivíduo, segundo Sant’Anna, é como uma “espécie de
‘soberano de si’, liberado das coações familiares, geográficas, religiosas, morais (e mais
recentemente, genéticas), (...) [um sujeito que segundo ela se] tornou um negócio de
total responsabilidade de cada um” (Sant’Anna, 2005, p. 25).
A discussão também foi pautada pelo tema do “padrão”, que pode ser visto
como uma forma de normalidade e que não se separa das questões anteriores. Trata-se
do “ser igual aos outros”, tendo o grupo e o coletivo (também a moda) como
legisladores dos registros de beleza – nova forma de coação e inclusão. A importância
dada ao padrão foi o de este ser um passaporte para a visibilidade e para o acesso ao
outro e uma possibilidade de pertencer a um determinado grupo e, assim, adquirir uma
14
Refiro-me aqui ao corpo como uma tela pessoal, obra de arte, local de inscrição do eu, de criação de
uma identidade, de algo que escapa ao inato, herdado ou biológico.
70
identidade ou nome. Parece que o padrão é algo móvel, sempre inalcançável, e que
depende do grupo e da moda. Esse foi considerado um fator importante para os jovens,
pois é através dele que o sujeito pode obter um modelo de identificação que lhe diga o
que fazer, vestir, como caminhar ou se portar. O importante é ser parecido (com o
padrão), custe o que custar. Isso surgiu relacionado ao uso de uma roupa, quando “A”
15
revelou que (...) “não tem como tu não andar aqui no colégio como os outros andam”
senão, segundo ela, “tu vai te sentir meio mal, todo mundo vai te olhar meio ‘assim’”.
As falas apresentadas pelas estudantes vão ao encontro do que Ortega (2002,
p.142) escreve sobre as práticas bio-ascéticas: “encontramos na maioria das práticas de
bio-ascese uma vontade de uniformidade, de adaptação à norma e de constituição de
modos de existência conformistas e egoístas, visando à procura da saúde perfeita e do
corpo perfeito”.
As questões apresentadas até agora marcam a discussão acerca do tema proposto
no grupo. Além disso, elas se atravessam entre si e parecem determinar, em grande
parte, os destinos dos jovens em suas relações e no que se refere às nomeações dadas ao
outro. É necessário deixar registrado aqui que os tópicos discutidos não são
independentes nem apresentam fronteiras claras entre si. Se sugiro alguma divisão será
com fins didáticos.
De uma forma geral, o que encontrei nesses jovens foi que a imagem e a
aparência podem sugerir qualidades, diferenças e normalidades. Participam das práticas
de nomeação do outro, de quem ele é, de onde vem, e principalmente a que grupo
pertence ou não pertence. A beleza, o corpo e a imagem parecem determinar amizades,
companhias, funções, olhares, estimas, identificações e desejos. A beleza interfere no
ponto de vista das pessoas do entorno, ou seja, é algo que se busca como objetivo e que
afeta a vida dos jovens de maneira efetiva.
Apesar de, a seguir, fazer uma divisão da discussão tratando do filme “Aos
Treze” e do filme “Elefante”, uso alguns depoimentos que foram expressos na segunda
parte da discussão (sobre o filme “Elefante”), na discussão teórica de “Aos Treze”, já
que, no decorrer do debate, os estudantes “esqueceram” das cenas específicas dos filmes
e falaram sobre suas realidades, opiniões e vivências pessoais. Considero tais
depoimentos parte do debate, num continuum, e não os dividirei, para tornar mais ricas
15
Para preservar a identidade dos participantes, passo a nomeá-los como A, B, C, D, etc.
71
e claras as ligações entre idéias e teorias apresentadas. Passo a seguir a apresentar a
análise da discussão do grupo.
“AOS TREZE”
As cenas selecionadas do filme “Aos Treze” mostram o endeusamento de uma
garota chamada Evy numa escola norte americana. Ela aparece como popular entre os
alunos e capta a atenção e os olhares dos meninos e meninas da escola. Por outro lado,
Tracy sente-se deixada de lado, excluída, inicialmente pelos olhares dirigidos à jovem
atraente. O filme trata do encontro e da relação que se estabelece entre as duas garotas e
a transformação ocorrida em Tracy, que inicialmente não era tida como popular, mas
que, ao aproximar-se de Evy, muda de estilo, roupas e comportamento, e vai tornando-
se outra.
Ao iniciarmos a discussão em grupo, a primeira fala que surgiu, ao indagarmos
sobre o que se passou no filme, foi a opinião de que existe uma diferença entre o que se
passa nos EUA (local de origem do filme) e no Brasil, em relação à mudança do jeito de
ser, como forma de ser popular e fazer amizades com os jovens ditos populares. “A”
relatou, ao comparar o Brasil com os Estados Unidos, que no filme a personagem tenta
mudar seu jeito de ser, enquanto que, para ela, nas escolas brasileiras, o que se passa é a
tentativa de fazer amizade com essas pessoas populares; porém, o que se quer não é
tornar-se igual a elas ou mudar o jeito próprio de ser para copiá-las. Ela traz como
exemplo, no filme, a atitude que a personagem toma ao ser criticada pelas meninas
populares, de mudar seu jeito de ser, já que joga fora suas meias “de criança” e seus
bichos de pelúcia. Em sua opinião, isso não aconteceria aqui no Brasil. Acredito que,
nesse depoimento, a estudante tenta referir uma certa independência do sujeito em
relação a sua imagem ou jeito de ser (o que se “é”), e que a opinião dos outros não
influenciaria em sua aparência ou em como se vestiria. Por outro lado, expõe a força da
popularidade em relação à procura e escolha das amizades. Parece que ser popular é
“ser visto”. Essa afirmação mostra o quão forte é a dependência do olhar do outro, pois
refere que a popularidade define com quem se anda ou com quem faz amizades. Isso,
em parte, não seria uma forma de imitação, a respeito de um jeito pop
16
de ser?
16
Ao incorporar um jeito pop de ser os jovens, segundo os depoimentos, devem ser como as pessoas
populares, ou seja, usar as mesmas roupas, escutar as mesmas músicas e ter o mesmo estilo.
72
A opinião manifestada não é totalmente compartilhada no grupo. Os relatos de
outros alunos revelaram que existe uma constante pressão na escola para ser igual ao
grupo, tanto na busca de amizades quanto na mudança de aparência, bem como no que
se refere à posse de bens materiais, relacionada ao dinheiro e à consequente
sociabilidade do sujeito na escola. “A” expressou bem essa diferença, ao revelar que
“quando tu entra no colégio, tu vai perceber assim ó (...) todo mundo tem aquela roupa,
como é que eu não vai ter se a maioria tem (...) porque aí tu vai te sentir meio mal”. Foi
expresso que os jovens cedem a essas pressões, mesmo quando esses padrões não vão
ao encontro com o desejo de ser ou estar como os outros. Como surgiu no relato de “B”
e de “C”, “tu sempre vai tentar se igualar achando que tu vai tentar fazer alguma coisa
diferente, mesmo sabendo que no teu interior tu não é aquilo” e “tu vai querer ser que
nem aquele grupo de pessoas (...), tu sempre vai tentar ser assim”. Penso que, além de
contrariar a opinião da colega, “B” e “C” expõem que a aparência serve como uma
forma de pertencer e de ser igual ao grupo, além de definir quem se é e a que lugar
pertence, assim como uma maneira de ser visto e aceito. Parece que a pressão para ser
igual ao grupo, para não ser diferente ou não ser “olhada meio assim” prevalece sobre o
que se é “internamente”
17
. No cotidiano da escola, segundo a opinião das estudantes, é
preciso ter o que o outro tem, parecer-se com o outro, mesmo que “no teu interior tu não
é aquilo”, mesmo que o desejo pessoal seja diferente. Nota-se, aqui, que as jovens se
vêem como submetidas à nomeação do outro, ao olhar do outro em relação ao que
aparece e parece.
Novamente trago Ortega (2002, p. 164) à discussão, quando ele descreve que a
aparência é o que conta, e que “temos nos tornado ‘condenados da aparência’,
sacrificamos sem pensar duas vezes o sentir-se bem pela ‘boa aparência’”. É quase um
dever vestir o que “os outros” vestem, comer o que “os outros” comem, falar como “os
outros falam”.
O relato de “B” e “C” expressa como as pessoas podem acabar se tornando
aquilo que não “são” pela pressão de serem iguais através de suas aparências. O corpo e
sua aparência podem ser um meio de mostrar uma singularidade ou personalidade, um
modo de ser. No entanto, o que aparece nas falas é que a aparência está aí em função de
uma uniformidade e mesmidade, ou melhor, uma adequação dos corpos sob a forma de
uma aparência padrão. Isso pode acontecer através da troca de roupa ou do corte de
17
Entendo o relato desse “internamente”como referente à expressão de um desejo ou de uma vontade
pessoal.
73
cabelo, por exemplo, para ser como o outro, tornar-se semelhante ou próximo ao
padrão, com o objetivo de ser aceito, notado, e ser considerado, então, normal.
Será que o depoimento dessas meninas responde ao que Rosa Fischer se
pergunta sobre a experimentação estética em tempos pós-modernos? Em suas reflexões,
a autora se questiona se a experimentação estética estaria limitada à pura aparência ou
ao mero espetáculo. Se respondermos a sua pergunta, pelas falas das meninas, a resposta
seria que, infelizmente sim, e seguindo as palavras da autora, nesse caso o banal se
sobreporia sobre o “fundamental” (Fischer, 2002, p. 5).
O discurso das jovens reveste-se de uma certa violência, expressa sob a forma da
grande pressão exercida no interior/exterior delas para ser melhor ou igual aos outros.
Como exemplo disso, temos a fala de “A”, quando diz que “tu vai querer ter um corpo
legal, e mesmo tendo, tu vai te espelhar nos outros para ti te sentir bem, pra ti ficar
legal” e “F”, ao dizer que “tu sempre vai ficar com medo que falem mal de ti, tem muita
gente que vai falar”. Penso que isso pode, às vezes, representar o abandono de si, em
nome de uma compulsão a uniformidade de identidade
18
. Talvez essa pressão exercida
pelo grupo destitua o ser daquilo que Adorno referia como “identidade estética”, a qual
“deve defender o não idêntico que, na realidade, é oprimido pela compulsão à
identidade” (Adorno apud Hermann, 2002, p. 14). Segundo os dados obtidos, a
compulsão à identidade está oprimindo a identidade estética.
Durante o andamento do grupo de discussão houve forte divergência de opiniões
em a relação ao conceito de imagem do corpo: primeiro, como representante de algo
que é definido pelo olhar e pelo julgamento do outro; e segundo, como a expressão de
uma singularidade e de um desejo pessoal, que vai ao encontro daquilo que referia
Adorno sobre a identidade estética, ou seja, a imagem como construção pessoal, obra de
arte ou poesia.
Seguindo o primeiro tópico, a imagem pode ser, como disse “C”, “para os outros
gostarem de ti”, (...) “qualidades que tu vê, que tu acaba te espelhando”. A aluna, em
seu depoimento, revela que, para ser gostada, deve-se ver no sujeito um espelho que
permita com que o outro se identifique e se reconheça. Essa opinião parece envolta
daquilo que Costa (2002) refere como a atmosfera moral do narcisismo, que está regido
pelo império da sedução, onde o outro está aí como avalista do que somos. Essa posição
gera uma ansiedade e uma desconfiança persecutória frente ao olhar do outro, assim
18
Talvez essa identidadade seja àquela referida anteriormente como o ideal de jovem: bonito, feliz, livre,
etc.
74
como alimenta a dependência desse mesmo olhar: como expõe “B”, ao dizer sobre com
que companhia ir a uma festa “tu não vai querer ir com uma pessoa feia, tu vai pegar
uma bonita”.
Daí surge a indicação de que, dentro de uma aparente revolução de novas
possibilidades bio-identitárias, frente a inúmeras novas tecnologias e recursos estéticos
inéditos até hoje sobre o corpo (como piercings, body buildings, tatuagens, etc.), ainda
reduz-se o corpo a uma identidade fixa ou a oposições binárias. Outras formas de
aparência ou expressões diferentes ainda não são bem-vindas, ou, então, são
enquadradas em modelos pré-estabelecidos. Os jovens, de acordo com os dados
levantados nesta pesquisa, tendem a enquadrar ou reduzir uma experiência estética
como sendo uma forma de mesmidade e não de uma liberdade ou singularidade. Como
exemplo dessa forma, “B” expôs que “uma pessoa gordinha pode ser tri inteligente
como eu acho que na maioria das vezes é (...)”. Parece que ainda há pouco espaço
criativo no corpo nesta cultura somática e narcísica, que nomeia e identifica o outro,
com base no que Costa (2002) denomina de uma uniformidade superficial compulsiva.
Concordo com Denise Sant’ Anna, quando esta afirma que “de nada adiantaria fazer
uma revolução dos padrões estéticos se com ela, junto dela, não fossem produzidas
metamorfoses capazes de transformar o sentido da estética” (Sant’Anna, 2005, p. 109).
Seguindo o segundo tópico, apesar de os jovens enquadrarem facilmente o outro
em bases especulares e narcisistas, existem modos diferentes de nomeação do outro que
resistem à mesmidade. Conforme exposto pelos jovens, o modo de caminhar, falar,
assim como a postura, os gestos e os gostos fazem parte da identidade e constituem uma
singularidade. Penso que esse processo de identificação do outro pode abrir maiores
espaços de expressão e de criação de singularidades, já que parte do modo de “como é”,
vindo antes do “quem é”, adiando assim, a nomeação do outro por características
puramente superficiais ou materiais (pela marca do tênis que se usa, como no exemplo
descrito pelos estudantes). Apesar de esse processo ser menos violento e nomeador, é
preciso ser cauteloso, já que também pode ser usado como forma de classificar o outro,
determinando o seu lugar, quando tomado como a verdade totalizante através de uma
estigmatização dos modos (como mostrarei abaixo). O que sugiro é que, talvez, haja
menos preconceitos envolvidos nesse modo do que no anterior.
Um exemplo positivo desse modo é marcado pelo relato de “B”, ao falar sobre
as qualidades “para o outro gostar de ti”: o estudante refere que são aquelas ligadas ao
modo de agir com as pessoas, assim como ao modo de conversar, ou seja, qualidades
75
que vão ao encontro de um contato maior com o outro. Nesta opinião, remete-se a uma
maior aproximação e relação com o outro, ao invés de um olhar ou de um julgamento
sobre suas qualidades.
Por outro lado, no caso da jovem do filme “Elefante”, a personagem foi
considerada tímida e introvertida, porque sua postura física ou seu jeito era encolhida,
“para dentro” (um jeito “corcunda de ser”). O jeito de ser representa, então, quem é o
outro para os jovens, bem como a aparência ou a forma do corpo. Esse modo de nomear
o outro é uma leitura corporal linear ou causal? Simplista ou preconceituosa? Até onde
o corpo fala? Até onde a verdade do ser reside no corpo? Será que essas formas de
leitura reduzem o outro ou o diminuem? Essas questões serão debatidas nas conclusões
desta dissertação.
Como o corpo dos jovens resiste ao jogo entre a personalidade/ identidade e à
pressão para ser identificado como igual/normal? Os jovens, segundo os relatos,
parecem se fazer passar por algo que não são (ou não têm) para serem iguais aos outros
e, com isso, mantêm sua “verdadeira personalidade” privada em casa? Essa é a opinião
de uma estudante, ao dizer que na escola somos ou nos colocamos diferentes para
impressionar, e que em casa não é assim. Talvez ela esteja dizendo que a aparência está
aí como forma de esconder aquilo que “realmente” se é, passar-se por outra para ser
igual a todos. Então, isso seria uma expressão de uma mentira ou falsidade?
Esse jogo de “ser quem não se é” ou “parecer ser” surgiu como uma forma de se
mostrar diferente para impressionar os outros ou tentar ser como um determinado grupo
de pessoas é? Como revela “A”, “tu sempre vai tentar ser assim”. Como ser diferente, se
nas relações sociais aprende-se que se deve ser igual aos outros? Não estariam os
sujeitos, na fala dessas estudantes, sufocados?
Faço uso de Foucault, no célebre texto O sujeito e o poder, e aplico sua reflexão
sobre o conteúdo das lutas antiautoritárias a esta discussão, quando o autor explica que
tais lutas giram em torno da questão sobre quem somos nós: acredito que os jovens
precisam retomar uma luta, que segundo Foucault (1995, p. 235) é contra aquilo que o
caracteriza, “marca-o com sua própria individualidade, liga-o à sua própria identidade,
impõe-lhe uma lei de verdade, que devemos reconhecer e que os outros têm que
reconhecer nele”. Segundo Foucault (idem), “É uma luta contra aquilo que liga o
indivíduo a si mesmo e o submete, deste modo, aos outros (lutas contra a sujeição,
contra as formas de subjetivação e submissão)”. Acredito que as opiniões dos jovens
acima revelam a necessidade dessa luta.
76
Seguindo Foucault, acredito que, talvez, “o objetivo hoje em dia não seja
descobrir o que somos, mas recusar o que somos. Temos que imaginar e construir o que
poderíamos ser para nos livrarmos deste ‘duplo constrangimento’ político, que é a
simultânea individualização e totalização própria às estruturas do poder moderno”
(idem).
Em relação a isso, esses depoimentos mostram que a força do social aparece
claramente como forma de poder normalizador e regulador sobre os corpos dos sujeitos.
Segundo os relatos dos estudantes, ao serem perguntados sobre a pressão para se ter um
corpo bonito, foi dito por muitos “todo mundo se compara por causa da competição”. Se
as lutas antiautoritárias travadas por movimentos de liberação dos corpos tendiam à
liberação dos mesmos, novas formas de poder foram criadas, no sentido de definir e
capturar esse novo corpo exposto, de acordo com os novos ideais ascéticos, através de
formas concebidas e aceitas como belas e boas. Segundo Foucault, não devemos
encarar esse poder de forma fatalista, nem fazer dele uma substância misteriosa que se
evita interrogar em si mesma; é preciso explicitá-lo. É preciso, a meu ver, questionar os
ideais jovens ligados aos bens de consumo e ao corpo, tentar compreender como eles
funcionam como “passaporte” ao outro ou como indicação de humilhação,
marginalização ou ridicularização.
Foi considerado, em certo momento, pelo grupo, que usar um tênis falsificado
para tentar se passar por algo que não se é ou tentar ser igual aos outros, seria uma
atitude ridícula, porque se nota que aquilo é falso, que aquele material não é bom e não
combina com a pessoa. Ao que parece, esse tipo de comportamento, aos olhos do grupo,
apenas tornaria esse sujeito mais identificado como diferente, “ridículo” e excluído.
Esse tipo de fala aponta que, por um lado, a mudança ou a busca pela identidade grupal
através de roupas “falsas” denuncia ou escancara uma falsidade e que isso seria ridículo.
Mas, então, me pergunto: e quando a roupa não é falsificada? Isso tornaria a
possibilidade de inclusão genuína? Por quê? A falsidade parece que precisa ser sutil
para se passar por genuína ou verdadeira ao olhar dos jovens, senão o outro é nomeado
e identificado como ridículo.
No meu entender, a roupa ou a sua marca é uma extensão do corpo e sinaliza
identidades, até mesmo a própria personalidade. É importante salientar essa questão, já
que em muitos momentos tal tópico veio à tona, com grande importância e significação.
A roupa, segundo os estudantes, pode revelar um status, expressar um modo de ser,
definir um comportamento, um estilo.
77
Sobre esse tema, gostaria de voltar a “C”, quando a aluna falou sobre a pressão
para “te igualar achando que tá fazendo alguma coisa diferente mesmo sabendo que no
teu interior tu não é aquilo”. Aqui, penso que “C” se referia ao uso de roupas, ao falar
sobre “fazer algo diferente”. Como no filme, Tracy começou a mudar o jeito de se
vestir. Foi posto na discussão por outra jovem que a roupa é mais importante do que a
própria personalidade, expressando assim que a imagem, para alguns do grupo, é mais
importante do que o modo de ser e os gostos. A roupa ou a aparência, segundo “B”,
permite que se possa mudar o comportamento. A roupa, como forma de marcação de
identidades, define o grupo com quem se anda (como revelado no filme “Aos Treze”).
Foi dito também, como forma de resistência e essas opiniões, que a aparência
nem sempre revela o que tu “curte”, segundo uma jovem do grupo, para quem as duas
coisas não andam necessariamente juntas, permitindo assim algum espaço para o corpo
respirar. Sobre as roupas e objetos de consumo, Sant’Anna (2001, p. 115) expõe que,
“uma vez humanizadas, as coisas sabem dar o troco sem nenhum pudor. Tal como nós,
elas sabem seduzir, prometer e ameaçar. A estas alturas da sociedade de consumo, seria
o caso perguntar: ‘o que pode uma lata de palmito, uma calça Levis ou um Big Mac?’”.
Ter uma determinada roupa para os jovens parece sugerir uma promessa de felicidade,
popularidade, inclusão e de não ser olhado “meio assim”
19
.
Em relação à definição de quem se é a partir dos bens de consumo, houve
algumas resistências dentro do grupo; um dos estudantes expressou que “deve-se aceitar
a pessoa do jeito que ela é, pelo estilo, e não pela roupa”; ele também disse que gosta de
pensar por outro lado, de que “se eles todos são iguais, porque eu vou querer ser?”
Segundo a opinião de “E”, “tem gurias que são esnobes, que se acham superiores e
outras que se destacam pelo jeito de ser e não pelo que vestem ou com quem andam”.
Outra estudante expôs que não havia nada de errado em usar coisas falsificadas, é
apenas um recurso mais barato de ter uma coisa bem parecida com as coisas que os
outros têm, sem que isso seja nomeado ou identificado como ridículo.
Depois dessas opiniões que escaparam do julgamento do caráter do outro, pela
aparência, perguntei sobre o modo como a beleza, a imagem e o corpo interferem nos
relacionamentos deles na escola. Os estudantes voltaram a expressar opiniões ligadas ao
culto da imagem, do corpo e da aparência.
19
Depoimento de jovem usado, ao revelar que na escola não tem como não andar como os outros andam,
porque “senão todo mundo vai te olhar meio assim”.
78
Novamente foi dito que, na escola, os jovens se preocupam em não andar com
gente “gorda” ou com gente “feia”, para não causar má impressão, com medo do que os
outros vão pensar. Foi exposto que a imagem interfere no ponto de vista das pessoas do
entorno; que o olhar sempre vai ser direcionado para quem tem “bastante corpo” e que
toda mulher gostaria de ter um “corpão”. Em seu depoimento, como já foi referido, uma
estudante disse que “uma pessoa gordinha pode ser tri inteligente, como eu acho que na
maioria das vezes é (...)” e, em sala de aula, essa pessoa é procurada por isso, mas fora
da sala é “esquecida”.
Resistindo a estas opiniões, alguns jovens disseram que acham que isso não é
verdade e que não existe modelo ou padrão para tudo. Eles questionaram o que é “ser
bonito” e o “ser feio”, que isso é relativo.
O olhar do outro, segundo muitos relatos, determina em grande parte, com quem
se deve andar, e a imagem parece indicar ou regular o lugar do sujeito no grupo. A
impressão do olhar segundo alguns estudantes, determina uma certa “utilidade” das
pessoas (a “gordinha” serve para “estudar com” e a “bonita” serve como amiga). Em
relação a isso, uma estudante acredita que são esses os valores que legitimam as
possibilidades de encontros e de amizades na escola; por isso, se preocupa com o olhar
do outro e o que os outros vão pensar ao vê-la na companhia de um “gordinho (a)”. Esse
jeito de pensar, talvez revele a maneira que o social representa os ditos “gordos”, ou
seja, são pessoas “deformadas”, com as quais não se deve andar.
Aqui entra em pauta uma questão fundamental desta pesquisa: o corpo como
ponte para o outro, como definidor de quem o outro é e seu respectivo valor na
representação social do grupo. O indivíduo parece depender quase unicamente dos
sinais que seu corpo transmite, das roupas (ou acessórios) que veste, e dos produtos que
consome. O acesso ao outro parece que se torna possível de acordo com a verdade que o
corpo sinaliza sobre o indivíduo e os encontros regulados por determinados critérios
inscritos no corpo. A imagem do outro surge, assim, como uma forma extrema de
violência ligada a uma condição física. Como revela Ortega, “o corpo torna-se o lugar
da moral, é seu fundamento último e matriz da identidade pessoal” (Ortega, 2002, p.
165) e, sendo assim, “força, rigidez, juventude, longevidade, saúde, beleza são os novos
critérios que avaliam a pessoa e condicionam suas ações” (idem, p.157).
“E” expressou que a “beleza e imagem interfere no ponto de vista das pessoas
que estão em volta de ti”. Penso que não muda apenas as pessoas em volta do sujeito
como disse o jovem, mas muda o ponto de vista do próprio sujeito sobre ele mesmo. Ao
79
falarem sobre a questão de roupas, “B” disse que se uma pessoa muda o jeito como se
veste, vai mudar o seu comportamento; no caso, se vestir-se melhor, vai se tornar mais
esnobe.
“B” relatou que “as pessoas excluídas ou diferentes não sei por quê, são
lembradas só pela inteligência, na hora que tu saiu da sala de aula fica esquecido. Daí a
pessoa pensa ‘bah agora tenho um amigo’, chega na hora do recreio, ‘bah vou andar
com meu novo amigo’ e cadê o amigo?”. Dois aspectos são expressos nesse relato: o
primeiro é o preconceito de que pessoas excluídas ou diferentes são inteligentes (corpo
como identificação de uma qualidade), e o segundo é o do outro como fonte de uso.
Uma revelação explícita sobre o que vem sendo discutido até aqui e que tem
estreita relação com a forma de poder exercida pela cultura somática de nossos tempos
foi dita por “H”, ao expressar que “hoje em dia não tem essa de tu escolher quem tu vai
ser, porque todo mundo sente a pressão, porque se o guri olhar para uma guria feia e
uma bonita, vai querer ficar com a bonita, isso não é uma coisa que tu impõe, a
sociedade que impõe, aí tu sente aquela pressão ai tu vai lá e muda”. Sua fala resume a
violência de se submeter à mudança como forma de atrair o olhar do outro, de ser
desejada pelo outro. Pressão tal que não permite a liberdade de poder fazer escolhas
próprias. A ordem ou dever é ser como os outros, para obter acesso e aceitação entre os
jovens. “H” revela em sua fala a fragilidade do ser humano ao ser sujeito de uma cultura
ou sociedade que impõem leis da verdade sobre o outro, sobre o corpo do outro.
Complementando, “F” expôs a fragilidade do ser ao olhar avaliador do outro,
quando afirmou que “a primeira coisa que tu vai ver vai ser a beleza física da pessoa, e
se tu já é bonita tem mais chance de conseguir ficar, de conseguir a querer alguma
coisa”. Como refere Costa, “tudo o que resta é correr atrás, sempre em atraso e de
forma angustiante, do corpo da moda”; o corpo, segundo o autor “se tornou a vitrine
compulsória de nossos vícios e virtudes, permanentemente devassada pelo olhar do
outro” (Costa, 2002, p. 198). Afinal, como o mesmo revela ironicamente: “sem a boa
forma, não teremos oportunidade nenhuma de ser vencedores” (idem, grifo do autor).
Diante dessa perspectiva e desse julgamento sob o olhar do outro, os jovens
ficam expostos e seus corpos atravessados e constituídos pelo medo e pela insegurança,
por conta de uma superficialidade que está no centro das preocupações que se refletem
nesse modo de ser jovem. Isso é novamente dito por outra estudante, ao revelar que “a
pior coisa que se pode falar de alguém, é chamá-la de ‘aquela gorda’”, assim como “A”,
ao dizer que “tu vai querer ter um corpo legal, mas mesmo assim (tendo um) tu vai te
80
espelhar nos outros para te sentir bem, para ti ficar legal. Em resposta, “F” disse que “tu
sempre vai ficar com medo que falem mal de ti, tem muita gente que vai falar”.
A meu ver, essas opiniões caracterizam o que Ortega escreve sobre “a
interioridade”: ele revela que “a superficialidade, a eterna desconfiança do outro
(paranóia) e o melindre são os correlatos do homem somático. Trata-se de um indivíduo
frágil, inseguro e insensível para o outro, onde o controle e a regulação revelam à
reciprocidade e à transformação” (Ortega, 2002, p. 169).
Segundo Ortega, nos relacionamentos atuais, “trata-se de uma forma de se
relacionar com os outros como estranhos, pois usar uma máscara, cultivar a aparência,
constitui a essência da civilidade, como modo de fugir da identidade, e de criar um
vínculo social baseado na distância entre os homens que não aspira ser superada”
(Ortega, 2002, p. 168).
Penso que as cenas dos filmes em debate fizeram os jovens refletirem a respeito
das suas próprias máscaras e de como estas muitas vezes os fazem acreditar que elas são
o que define suas identidades e o que define o outro. A seguir, no filme “Elefante”,
temos em duas cenas a personagem Michelle: ela, por sua vez, parece não usar
máscaras
20
. Talvez por essa razão ela seja chamada, no filme, por outras garotas, de
perdedora. Ela foi efetivamente nomeada ou identificada como perdedora. Parece, por
vezes, não haver saída para os jovens. Penso que a busca de uma identidade própria, em
muitos casos, seja vista no grupo como algo que diminui o outro ou o torna esquisito,
estranho ou perdedor.
“ELEFANTE”
As cenas do filme “Elefante” mostram a personagem Michelle entrando no
vestiário feminino e indo até seu armário, onde se troca por alguns minutos, enquanto
um grupo de meninas perto dela fala sobre como ela é esquisita; ao sair do vestiário,
chamam-na de “perdedora”. Na cena seguinte, são mostrados a discussão e o
questionamento de Michelle a respeito do uso obrigatório de shorts durante a aula de
Educação Física, com a sua professora.
Antes de iniciar a apresentação do filme, eu informei a turma sobre o título do
filme. Instantaneamente, os alunos questionaram o porquê do nome “Elefante”. Eu não
20
Ou pelo menos máscaras que sejam aquelas que a identifiquem junto a um padrão corporal dito normal
na juventude contemporânea.
81
soube responder a essa questão naquele momento, mas a pergunta foi interessante e
proporcionou uma hipótese que chamou a minha atenção. Durante os primeiros
segundos da cena do filme, uma jovem do grupo, ao ver a cena de Michelle caminhando
no vestiário, verbalizou que ela seria “o elefante”, e o nome do filme seria, então,
devido a ela (houve risos dos alunos). Aqui já podemos perceber “ao vivo” como o
corpo e a aparência realmente determinam o modo de nomeação do outro. Numa
questão de segundos, uma estudante já havia definido e apontado que o nome do filme
deveria ser por causa da aparência da personagem pela sua imagem. Acredito que a
estudante a definiu de “Elefante” porque eles são animais “desengonçados”
21
num
primeiro olhar. Ou seja, Michelle, através do olhar da jovem, já foi classificada, julgada
e apelidada; e por que não dizer, debochada, já que o comentário foi seguido de risos.
Houve um conflito de opiniões a respeito da causa, no filme, de Michelle ser
diminuida pelas colegas de vestiário. Primeiramente, o que o grupo expressou foi que a
própria personagem se excluía: segundo “E”, ela que se sentia inferior e rejeitada, (...)
“no sentido de que ela mesmo se põe para baixo, ela mesmo se descuida, ela mesma se
exclue, acho que foi isso que ela fez (personagem do filme), o jeito dela era meio
tímida, não falava com ninguém, mas acho que se ela falasse, tivesse um papo mais
aberto, ela ia se dar bem”.
Essa opinião de “E” representa uma visão de que o sujeito é responsável pela sua
própria identidade ou imagem e, como referido anteriormente, soberano de si, ou seja,
ela não se cuidava ou não tinha um “papo aberto”. A opinião de “E” contém um
julgamento e um preconceito que é projetado em Michelle: por que ela diz que a
personagem não se cuida? Novamente, vemos aí marcas da cultura somática, ao se
apontar que ser diferente ou excluída é falta de cuidado pessoal. Cuidar-se é parecer ser
ou ter o que os outros são ou têm? Ser igual a todos? Ser bonita? No filme, nada deu a
entender que ela se descuidava ou que ela se “botava para baixo”, que não conversava
com outras pessoas de forma aberta, ou que se excluía, como manifestou outro jovem
do grupo. Por que será que “E” pré-julgou Michelle como uma jovem que não se cuida?
Acredito que o olhar nomeador se deu unicamente pela imagem e pelas marcas da
cultura narcísica que vivemos, onde um corpo ou um jeito diferente é tido como
resultado de uma falta de vontade ou de interesse sobre si.
21
Talvez a expressão da estudante seja reflexo do desconforto causado pelo corpo de Michelle no corpo
dela.
82
Ao serem questionados por mim se ela se excluía sem motivo, no filme, o
estudante “A” relatou que, “mesmo os outros falando dela, ela não quer mudar o jeito
dela porque ela se acha legal, se ela quisesse mudar o jeito dela ela já teria ido pra casa”.
Ou seja, esse relato expressa (além do sujeito como soberano de si) um pouco de “ar”
nesse sufocamento de julgamentos: que a mudança do corpo ou do ser depende do
desejo (talvez Michelle gostasse do jeito dela, ou talvez outras pessoas gostassem dela
assim), do gosto pessoal; quanto a sua aparência, entendi que, segundo a visão do
estudante, “bastaria ela ir para casa”, no sentido de se refazer, trocar de roupa ou mudar
de estilo.
Duas opiniões contrárias foram sugeridas em relação a essa exclusão: uma foi a
de que ela se aceita como ela é (“se acha legal”), e não cede à pressão dos nomes que
lhe são dados para realizar alguma mudança; e, por isso, ela se deixaria excluir ou então
não se importaria em ser excluída. Outra opinião sugere que ela é excluída porque se
esconde dos outros ou é tímida, e por isso era chamada de esquisita. Ao serem
perguntados sobre por que ela se esconderia, apareceu uma diversidade de opiniões
relacionadas ao tema da exclusão. “G” relatou que era porque falavam mal dela, porque
não gostavam dela; “C” completou dizendo que não gostavam dela por causa do jeito
dela; “B” disse que era pelo padrão que haviam escolhido. E “G”, por sua vez, disse que
ela foi excluída porque parecia um homem e porque ela mesma se excluía. Ao serem
questionados sobre em que ela devia mudar para ser aceita, uma pessoa do grupo disse
que ela teria que “nascer de novo” para mudar.
Temos aí uma riqueza de opiniões diferentes, que podem nos levar a algumas
conclusões a respeito de como os jovens lidam com as questões da diferença e da
imagem, nas suas relações com o outro. Acredito que, novamente, podemos, com fins
didáticos e de análise, dividir essas opiniões em três grupos. O padrão exposto em
diferentes momentos da discussão parece estar presente e permeando o assunto como
uma pressão:
A) No primeiro grupo, encontramos a idéia do sujeito como responsável pelo
cuidado de si, entendido como cuidado com o corpo e a aparência. A identificação e
nomeação dependem desse cuidado de si, que é mais voltado para uma atenção ao olhar
do outro sobre si (paranóico), do que um olhar para aquilo que a pessoa considera
melhor ou a faz sentir-se melhor para si. Trata-se da pressão de ser como os outros são,
imposta pelos outros para serem iguais. Isso parece ter relação mais com a aparência do
83
que com a personalidade ou com o modo de vida. Poderíamos sugerir que talvez, neste
aspecto, a personalidade estaria sujeita ao corpo, inscrita nele ou submetida a ele.
Este tópico apareceu também na pesquisa representando um aspecto positivo da
cultura somática, com sua respectiva lógica dos cuidados com o corpo, como
preocupação ética consigo, se entendermos por ética a capacidade de optar por estilos
de existência que nos façam viver melhor, concedendo ao outro o mesmo direito e o
mesmo poder” (Costa 2004, p. 236). A opinião de “A” expressou que “ela não quer
mudar o jeito dela porque ela se acha legal, se ela quisesse mudar o jeito ela já teria ido
pra casa”.
B) Outro grupo de opiniões relaciona a nomeação do outro com o modo de ser,
de falar, de olhar, de caminhar, uma postura, ser simpática ou extrovertida, etc. Essa
forma também pressupõe uma leitura do corpo, do movimento do outro, mas talvez seja
um pouco menos preconceituosa, visto que é uma visão que permite menos
julgamentos, tipificações, já que parte da expressão do outro. É preciso considerar que,
nesse caso, também estamos muitas vezes à mercê do modelo atual de beleza, felicidade
e bem-estar.
C) O terceiro grupo de opiniões que aparece nos relatos refere-se ao corpo
propriamente dito, o corpo como destino, que foi revelado pela jovem, como “essa coisa
que só nascendo de novo” para se mudar. Esta é uma visão que coloca o corpo como
uma prisão à qual se está condenado, da qual não se pode escapar ou diferenciar, que
não permite sua criação ou outros modos de inscrição.
Os jovens, nesta parte da discussão, expuseram que talvez a personagem
Michelle se sentisse mal com o fato de ser excluída, mas que isso faria parte do jeito
dela; ela talvez não fosse extrovertida ou bonita, dentro dos padrões exigidos pela
sociedade. Segundo eles, todos sentem a pressão para mudar e sempre buscar melhorar,
estar mais bonito; que a primeira coisa que se olha no outro é a beleza física do sujeito.
Então, como “A” expressou, “tu vai querer ter um corpo legal (...) “tu vai te espelhar
nos outros para te sentir bem, para se sentir legal”. “G”, sobre este assunto, revelou que
“nunca ninguém está satisfeito” com seu corpo; segundo ela sempre “falta um silicone”,
e diz que se “chegou num nível de futilidade que sei lá! Não sei explicar”. Talvez
Ortega (2002, p. 168) possa explicar-nos melhor isso: para o autor, esse nível de
futilidade de que a estudante fala se dá porque “hoje, sou o que aparento e estou,
portanto, exposto ao olhar do outro, sem lugar para me esconder, me refugiar, estou
totalmente à mercê do outro”.
84
Segundo “F”, “tu sempre procura ser melhor do que tu é, porque tu quer sempre
te sentir melhor, ou para a auto-estima ou para te sentir melhor que os outros (...) todo
mundo fala que não, mas todo mundo já pensou isso, não adianta falar que não é
verdade”. Nesse depoimento, a menina afirma que ocorre algo diferente com os guris,
que são mais “desleixados” e não se comparam tanto, e “a guria quer ficar com o corpo
perfeito, porque sempre reparam mais”. As gurias, segundo “G”, “ficam falando das
celulites, da gordura, das espinhas, do cabelo”.
Parece que, pelo depoimento de “F”, existem duas oposições básicas ou modos
de ser, atualmente: um modo onde não há tanta comparação ou preocupação em como
vai se parecer ou estar aos olhos do outro; mas, nesse caso, se é “desleixado”, ou então,
cronicamente preocupado com o julgamento do outro sobre si, olhando o olhar do outro,
competindo, avaliando, comparando, classificando e julgando o outro.
Segundo o grupo, no Colégio de Aplicação as pessoas ainda convivem mais com
as diferenças, porque o ingresso é feito por sorteio; não há tanta distinção entre cor, raça
ou classe social. Eles afirmam que “ninguém é igual a ninguém”, mas, de fato, como foi
enunciado, as pessoas ficam continuamente apontando para os “defeitos” dos corpos,
quando estes são diferentes, talvez por “inveja”. Eles disseram que isso não acontece
muito naquele Colégio, mas que em outros, os jovens são muito julgados pela
aparência, excluídos, humilhados ou até “judiados”, como vários referiram.
Aqui fica a indicação de que o corpo é alvo de inúmeras formas de violência, de
diminuição ou humilhação ao ser nomeado, identificado. O culto ao corpo divide a
opinião dos jovens, como uma atitude relativa à saúde, à vida e também à preocupação,
insegurança, ou obsessão. A seguir algumas conclusões que dizem respeito ao que foi
levantado, estudado e pensado nesta pesquisa, e que geram inquietações, bem como a
formulação de algumas novas perguntas.
85
5. CONCLUSÕES
Ortega (2002) menciona como importante dentro de uma sociedade o que chama
de “políticas do espírito”, que teriam como principal objetivo a valorização do sujeito
por suas ações e discursos, muito mais do que por seus corpos e imagens. Entretanto, os
depoimentos citados nesta pesquisa indicam que, claramente, as relações nessa
sociedade e cultura parecem estar construídas em torno de um apelo idealizado sobre a
imagem, à qual os indivíduos parecem estar submetidos e amarrados.
O olhar do outro parece ser legislador, pois define quem se é (ou quem não se é),
e quem se parece (ou não se parece), restringindo o espaço para o indivíduo criar ou
buscar sua identidade. O sujeito passa a ser enquadrado em algum determinado nome e
caracterização, a partir de um determinado ideal (padrão). O olhar está mais para a
projeção daquele que olha do que como o que é olhado se apresenta ao olhar deste; ou
seja, o sujeito não é definido somente a partir de como se apresenta, mas a partir de
como o outro vê e o qualifica, ou melhor, classifica. O pré-conceito das imagens ideais
não acolhe o outro em sua alteridade. Pelo contrário, nomeia-o de acordo com os
paradigmas da mesmidade, regulado por um poder que não se sabe bem ao certo aonde
está.
Gostaria de chegar ao fim desta pesquisa fazendo valer as palavras de Nadja
Hermann, ao descrever a modernidade, a autora sugere “a ruptura da unidade da razão e
a decorrente emergência de pluralidade, dos diferentes estilos de vida e da subjetividade
descentrada, produzida pela experiência artística produzindo novas estéticas, [e que,
segundo ela], a valorização da pluralidade é uma determinação da realidade da vida.
Surge assim o espaço para a diferença, para o plural” (Hermann, 2002, p.12).
Tratando-se do corpo e da estética, penso, em parte, que as antigas razões se
romperam e as verdades se relativizaram, bem como, por outro lado, e em parte, se
reativaram numa nova configuração. Sempre que as verdades se rompem, há novas
formas de saber e poder que buscam criar novas formas e modelos de verdades e razões.
Acredito que é preciso estar atento a essas novas reapropriações das configurações da
realidade e não deixarmos nos levar pela ingênua posição de que não existem mais
verdades nem razões, como refere Nadjia Herrman..
O que pretendi tematizar ou problematizar nesta pesquisa foi uma certa
estetização da ética das sociedades contemporâneas, em que o governo de si está
impregnado pela preocupação com o glamour, com a satisfação e com a aparência
86
pessoal. Penso que essa preocupação está diretamente relacionada a novas formas de
narcisismo, presentes em nossa sociedade. Novas políticas do corpo são necessárias,
políticas que nos tirem de nossa anestesia, gerada pela necessidade de sempre se buscar
um outro admirável novo corpo, mais turbinado, mais bonito, mais parecido com aquele
modelo apresentado pela mídia. Um corpo que Costa denomina “corpo-especular” ou o
“corpo espetacular” (Costa, 2004, p. 230).
Os vivos estão sendo embalsamados, assim como eram os antigos egípcios ao
morrer. Embalsamados pelo olhar do outro, pelos padrões de beleza, de normalidade e
de mesmidade. Chego ao fim desta pesquisa sem saber a resposta para tal pergunta:
Como desembalsamar nossos corpos? Como fazer o corpo, segundo Sant’Anna, se
transformar “num território de ressonâncias destituído de todo seu autismo?” (2001, p.
99).
Desconfio que a resposta esteja no dilema que vivemos em nossa sociedade,
muito bem posto por Debord: não mais o dilema entre “ser” e “ter”, e sim o dilema entre
“ser” e “parecer”. O ser estaria embalsamado pelo parecer? Como podemos parecer
cada vez mais aquilo que somos? Talvez, primeiramente, como foi citado anteriormente,
faço uso das palavras de Foucault, recusando o que somos, desconstruindo aquilo que os
outros fazem de nós, os nomes que nos são dados, para depois reconstruir novas
possibilidades, pluralidades, novos devires.
Acredito, também, que outra resposta para a pergunta acima, esteja relacionada
ao esforço em transcender as dissociações entre o ser e o parecer; inclusive penso que
talvez esse dilema seja um falso dilema. Acredito que é possível a criação de novas
estéticas em que o sujeito possa fazer uso de si e de seu corpo como obra de arte. Penso
que um longo e penoso trabalho é preciso: o de descolar de nós os rótulos e as etiquetas
que nos aprisionam, que nos imobilizam, especialmente quando se trata de nosso corpo.
A ampliação das fronteiras de nossa experimentação estética no sentido de
conhecer o outro pela via da sensibilidade (corporal), é possível; quanto mais capazes
formos de descolar de nossos corpos e olhares a marca de modelos “embonecados”,
estigmatizados, perfeitos, “sarados” e fashions. Acredito que essas mudanças com
relação a nossos corpos podem ser estudadas de diversos pontos de vista; não existe
uma resposta definitiva sobre quais são os efeitos que tantas classificações operam sobre
nós.
Por vezes, me senti como na parábola ilustrada pelo título do filme “Elefante”,
onde várias pessoas cegas tocam uma parte diferente do corpo do animal e devem emitir
87
um nome para aquilo que tocam. Talvez a pesquisa seja um exercício na qual é preciso
saber de nossas limitações, sem pretensão de tomar o todo através de suas partes,
descobrindo que as partes talvez representem um pedaço do todo, mas que nem por isso
deixam de ter valor ou relevância para formular novas perguntas.
88
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91
ANEXO 1
92
93
94
95
ANEXO 2
96
ROTEIRO DE TRABALHO
PARTE I
1- Escolha um sujeito entre as imagens:
2- Se ele (a) tivesse um apelido, qual seria? Porquê?
3- Quais as qualidades dele(a)? Porquê?
4- Quais seus defeitos/ frustrações? Porquê?
5- Tem namorado? Porquê? Quais as características do(a) namorado(a).
6- Qual seu maior medo? Porquê?
7- É popular? Porquê?
8- Tem amigos? Porquê?
9- Que tipo de amigos ele(a) tem? Porquê?
10- Porque você escolheu esse (a) jovem?
11- Como será seu futuro? Vida pessoal/ profissional?
PARTE II
97
1- Escolha o (a) jovem que você acha mais interessante. Porquê?
2- Escolha o (a) jovem que você acha menos interessante. Porquê?
3- Escolha o que você acha mais bonito(a). Porquê?
4- Escolha o que você acha menos bonito(a). Porque?
5- Escolha o que você acha mais legal. Porquê?
6- Escolha o que você acha menos legal. Porquê?
7- Escolha o que você acha o mais inteligente. Porquê?
8- Escolha o que você acha o menos inteligente. Porquê?
9- Você se identificou com alguma das imagens apresentadas? Qual? Porquê?
10- Eleja 5 sujeitos que você gostaria que fossem seus amigos entre as imagens
presentes. Porquê?
Se você pudesse nomear cada pessoa com apenas uma palavra, qual usaria?
98
1- 23-
2- 24-
3- 25-
4- 26-
5- 27-
6- 28-
7-
8-
9-
10-
11-
12-
13-
14-
15-
16-
17-
18-
19-
20-
21-
22-
ANEXO 3 RELATO DO GRUPO DE DISCUSSÃO
99
AOS TREZE:
O QUE SE PASSOU NO FILME?
A) O que aconteceu no filme acontece aqui também, só que lá elas querem ser mais
populares.
B) Eu acho que acontece aqui, tipo, com os guris que querem fazer um estilo que acha
pega mulher, de machão na frente dos outros.
A) lá eles tentam mudar o jeito de ser para ficar populares e aqui eles tentam fazer
alguma amizade com eles, mas não tentam mudar o jeito de ser. Por exemplo, se eu
tenho uns ursinhos na minha casa e elas não tem, eu não vou tirar todos os meus
ursinhos, já lá é assim.
B) eu acho que a tendência é que no colégio eles tentam fazer uma personalidade
diferente para se mostrar diferente, impressionar os outros e em casa eles não são assim.
A) a questão do dinheiro, acho que isso está relacionado ao dinheiro, que umas tem
mais e outras menos, mesmo tu não tendo dinheiro tu vai querer tentar ser que nem
aquele grupo de pessoas, ah, eles tem tal roupa e eu também vou querer ou uma casa
assim, tu sempre vai tentar ser assim.
C) mesmo tu sabendo que tu tem qualidades, que tu é alguém, tu é importante, tu te
acha excluído, acaba te excluindo dos outros, do grupo e tu acha que tu vai tentar te
igualar achando que tá fazendo alguma coisa diferente mesmo sabendo que no teu
interior tu não é aquilo.
B)que tu tem qualidades pros outros gostarem de ti.
QUE TIPO DE QUALIDADES?
c) qualidades que tu vê, que tu acaba te espelhando
b) eu acho que no jeito de ser, no modo de agir com as pessoas, tem gente que conversa
mais calmo.
a)no jeito de falar com as pessoas pode ate parecer bem esnobe pra uma pessoa simples,
uma coisa que pode ser bem normal. Com uma pessoa que é simples tu pode tentar ser
até humilde, se tu tentar te ser como os outros tu vai te tornar uma pessoa esnobe, uma
100
pessoa que não da valor pras coisas simples, uma pessoa que só da valor pras coisas
materiais, mais materiais mesmo.
EU QUERIA VOLTAR A ESTA QUESTÃO DE MUDAR PRA SER IGUAL AOS
OUTROS QUE VOCÊS FALARAM...
D) têm pessoas que são mais populares, tem mais dinheiro que as outras, tem um
estilo mais legal, tem umas gurias lá que usam umas roupas...não tem tantas
condições, ela vai olhar , vai sentir vontade de comprar “ah, todo mundo tem”,
não adianta tu tentar ser igual aos outros, se tu não pode não pode! Tem gente
que fica ai ela tem eu não tenho, eu quero igual”, tem que ter o próprio estilo,
não querer ficar copiando das outras.
TODO MUNDO AQUI ACHA QUE ISSO TEM RELAÇAO COM DINHEIRO?
E) Eu acho que não, acho que todo mundo tem que se respeitar, alguém achar que
tem mais valor por causa do dinheiro, tem muitas pessoas no colégio que são
assim, quem tem mais dinheiro só fala com certas pessoas, e é ridículo, cada um
tem as suas qualidades e seus defeitos, e as pessoa são como elas são, não tem
que ficar esnobando.
ISSO TEM A VER COM A IMAGEM OU COM O DINHEIRO? COM A
APARENCIA OU COM O DINHEIRO?
D) Pra algumas pessoas com o dinheiro, pra outras com a aparência, algumas gurias
nojentas pensam “ai não vou tratar porque ela não tem dinheiro, porque o jeito dela é
estranho”, mas tem que ver as características, tu pode ser roqueira e ser uma pati, tu não
pode julgar ela pela aparência, tem que conhecer ela primeiro, não pode julgar, se ela
usa roupa de marca então eu não ando com ela, tem q conhecer, vai q ela seja tua
melhor amiga.
MAS VOCÊS ACHAM QUE SE JULGA PELA APARÊNCIA? NA ESCOLA?
-Sim, aqui na escola muito. (3 ou 4 pessoas )
101
-Claro
-Obvio
-Não e tanto assim.
a) é a realidade né, pois alguém tipo assim ó, as minhas amigas falam, não tem
como tu não andar aqui no colégio como os outros andam porque, quando tu
entra aqui no colégio, tu vai perceber assim ó, bah todo mundo tem aquela roupa
ali, como é que eu não vou ter se a maioria do colégio tem, por exemplo se
alguém tem a calça da zoomp então eu vou insistir, conversar com meu pai ,
porque ai tu vai ver que todo mundo tem, só eu que não tenho, tu vai te sentir
meio mal, todo mundo vai te olhar meio assim...
e) ...eu vou querer pensar por outro lado, se eles são todos iguais porque eu vou
querer ser
a) tipo assim, tu tá no corredor do colégio com um tênis diferente, todo mundo vai
olhar pros teus tênis e falar “nada a ver”, ai quando tu falar dessa pessoa eles
vão se lembrar daquilo, ela é aquela que usa tênis falsificado. Não tem nada de
feio usar falsificado, se tu não consegue tu vai procurar recursos mais baratos
para ter uma coisa bem parecida.
PRA PODER SER MAIS ACEITO COMO OS POPULARES?
B) é ridículo
a) fica passando por ridículo
c) eu prefiro não ter do que usar uma coisa que não é boa
EU ACHO QUE A GENTE TA FALANDO MUITO SOBRE ROUPA
a) mas se tu pensar bem, tu não vai dizer que nesse negócio entra a questão de
roupa,
b) ate porque tu vai mudar teu comportamento, tu vai te tornar esnobe
a) com certerza, se todo mundo andasse com uma calça laranja, não tem nada a ver
tu querer usar uma calça verde-limão, tu vai querer ser igual, pra tu querer andar
com eles tu vai ter que mudar a tua roupa, o teu estilo, estilo pra mim é roupa,
nada ver com a questão da personalidade, pode ser personalidade pra ti, mas
roupa é fundamental
c) isso é uma característica, olha por exemplo, roqueiro anda sempre com
roqueiro, tu não vê uma pati junto toda de rosa, eles são tudo preto parecem um
102
monte de corvo andando pela rua. Sabe, mas isso e por quê? É o estilo deles,
eles se identificam, tem semelhanças, por isso que eles se unem.
VCS ACHAM QUE ESTILO TEM A VER COM ROUPA?
d) Tem gente que jura que é pati, mas curte um roque, curte mesmo, e tem gente
que se jura roqueira e anda que nem uma pati.
b) o que mais importa é o jeito que a pessoa é, o que adianta ser que nem um
roqueiro, andar com outro roqueiro e começar a escutar um pagode, um funk e
gostar de se vestir de roqueiro para aparecer
c) pra te mostrar diferente, mas no fundo tu não curte aquilo
a) eu acho que tu tem que aceitar a pessoa do jeito que ela é, o estilo que ela é, não
o que a vestiu.
COMO VCS ACHAM QUE A BELEZA, A IMAGEM E O CORPO INTERFEREM
NO RELACIONAMENTO DE VOCÊS NA ESCOLA?
D) eu acho assim, vamos dizer que tem um gordo, todo mundo vai começar a zoar
dele, ele vai ter poucos amigos, porque ele já e uma pessoa, tipo, “não vou andar
com gordo, pra não causar ma impressão”, é que nem com gente feia, “não vou
andar com gente feia pra eles pensarem que eu só tenho amigos bonitos”, esses
valores assim, as pessoas mais zoadas são os gordos, os deformados...
a) tem vários gordinhos que são legais
b) Tipo assim, se tu não pratica esporte, se tu é gordinho, chega na educação física
com quem é que tu vai fazer, se tu pratica esporte tu vai querer fazer com quem
pratica esporte... chega uma guria toda pati, toda isso toda aquilo, cheia das
frescuras cheia de compras, quando tu quer ir no shopping: com quem tu quer ir?
Com elas, mesmo que ela possa ter dinheiro e tu não pode ter. Tu vai numa
festa, tu não vai querer ir com uma pessoa feia, tu vai pegar a bonita.
a) não, tu vai sair com uma pessoa feia, porque entre uma guria sequinha
toda magrinha toda sequinha e uma guria com baita corpo, tri bonita, pra
quem eles vão olhar? Pra guria q tem bastante corpo.
b) uma pessoa gordinha pode ser tri inteligente como eu acho que a maioria
das vezes é isso, no colégio tem vários exemplos disso, e eles acabam
sendo excluídas e são lembradas somente na hora do trabalho, ou as
pessoas excluídas ou diferentes não sei porque, são lembradas só pela
inteligência, na hora que tu saiu da sala de aula fica esquecido. Daí a
103
pessoa pensa “bah agora tenho um amigo” chega na hora do recreio,
“bah vou andar com meu novo amigo” e cadê o amigo?
VOCÊS TAMBÉM PENSAM ISSO? O QUE INTERFERE? A BELEZA? A
IMAGEM?
E) acho que isso interfere no ponto de vista das pessoas que estão em volta de ti.
No meu ponto de vista acho que nada a ver.
F) depende de cada um, cada um acha uma coisa
G) mas o que que é o feio o que que é o bonito? Não existe um modelo pra tudo,
um padrão
H) mas quem é bonito e quem é feio? Tu pode achar uma coisa e eu achar outra
c) pode ser q pra pessoa q ande com o feio ou o bonito, pra ela vai ser aquela
pessoa q ela gosta e o bonito da pessoa vai ser outra coisa, e o bonito de uma
pessoa vai ser o feio de outra, ai por isso que tu fala mal de outra pessoa.
VOCÊS ACHAM QUE EXISTE PADRÃO DE BELEZA?
F) umas pessoas dizem como perfeito um corpo perfeito, um rosto perfeito, tudo
perfeito e não é verdade, pode ser até ser assim bonito de ver, mas tu vai falar
com a pessoa e a pessoa tem uma cabeça de vento
a) e pra ti tentar ser que nem elas tu vai em busca, tu vai numa academia, tu
vai fazer uma ginástica
d) olha as atrizes que dão no fantástico, que aparecem como deusas, as vezes tem
uma cara de demônio, porque é só fachada aquilo ali, passam um quilo de
maquiagem e tá passando por bonita, mas vai ver na vida real ...
a) tu vê a Juliana Paez antes, ela era toda caída, tinha celulite, de coisa, tu vai ver
ela hoje nas propagandas da Antártica, ba tu vai ver q a mulher é tri bonita, com
um corpão que toda mulher gostaria de ter.
EU QUERIA QUE OUTRAS PESSOAS PARTICIPASSEM, VOCÊS ACHAM
QUE BELEZA INTERFERE NOS RELACIONAMENTOS, ACONTECE ISSO
NO COLÉGIO?
b) na amizade a imagem da pessoa não interfere tanto, porque o padrão de beleza,
de achar uma pessoa bonita outra feia, é da pessoa, mas quando for achar um
emprego, alguma coisa, o padrão tu já sabe, todo mundo tem que ter um padrão
104
universal, uma característica especifica , por exemplo tu não vai achar um
corredor, um atleta, tu não vai achar um gordo, por um exemplo um jogador de
futebol, o patrocinador dele, um empresário, ele não vai querer investir num cara
que é ruim, um baita de um modelo, eles falam pra eles, “ah esse aqui e
bonito”...
c) esse aqui é alto, magro, sei lá, não vão botar numa passarela alguém anão com as
perninhas tortas e negro ainda por cima, mesmo se for branco, tu não vai botar
VAMOS PENSAR AQUI NA ESCOLA, COMO ISSO ACONTECE, COM QUEM
VOCÊS SE RELACIONAM? QUEM VOCÊS BUSCAM?
G) acho que aqui na escola tem bem menos isso do que nas outras, aqui no colégio
sempre tem, mas em comparação com outros colégios tem muito pouco disso,
tem varias pessoas que são bem diferentes, e tudo misturado e elas se dão super
bem
E) os colégios fazem contigo, indiretamente, desenvolvem nossa cabeça contra o
preconceito, as diferenças, de aceitarem as pessoas como elas são, por exemplo,
outros colégios particulares ou estaduais também convivem com eles, pessoas iguais
a eles, pessoas que tem dinheiro, é o ambiente que eles vivem, aqui não, tem preto
tem branco tem mulato, tem pobre tem rico tem classe media, tudo junto entendeu,
então a gente aprende a conviver com os outros que são diferentes da gente, não
com os que são iguais a gente.
VOCÊS ACHAM QUE ESTAS DIFERENÇAS AFETAM A IMAGEM DA
PESSOA, SER RICO SER POBRE, SER FEIO SER BONITO, SER ALTO SER
BAIXO, GORDO MAGRO, VOCÊS ACHAM QUE ISSO AFETA A IMAGEM?
g) Nesse colégio tu não pode dar um passo qUE todo mundo já sabe...
TODO MUNDO CONTROLA TODO MUNDO?
D) vocês não podem fazer nada que todo mundo já faz cometarios: “a fulana ficou
com o fulano”, já ficam tudo assim de tititi, falando pra todo mundo como se fosse
uma coisa nova, uma novidade
a) mas e nova
ESSA COISA DA IMAGEM E DA APARÊNCIA, ISSO AFETA VOCÊS NA
VIDA DE VOCÊS?
(todas começam a falar ao mesmo tempo causando certo “caos” no grupo
h) na verdade ninguém tem moral pra falar que não
105
TU ACHA QUE TODO MUNDO JULGA ENTÃO?
g)Muito, muito
f) na verdade quando a pessoa, se ela é alta, se ela é bonita se ela é normal, nunca
ninguém fala “eu não tenho preconceito”, mas quando tu não gosta da pessoa o
primeiro defeito da pessoa tu já começa a falar da pessoa, todo mundo é assim, por
exemplo, pra fude a guria “ah aquela gorda”, alguma coisa desse tipo, a guria pode
ate não ser gorda, mas tu tem que achar um defeito nela, todo mundo fala que não
mas todo mundo já passou por isso, já falou mal de alguém ,
g) inclusive dos professores (risos)
SOBRE O PERSONAGEM DO FILME, COMO VOCÊS ACHAM QUE ELA SE
SENTE, NA PRIMEIRA CENA?
E) (sobre o filme) na verdade foi porque as gurias mexeram com ela, se as gurias
tivessem passado por ela e não tivessem comentado nada ela não teria tido a reação
que ela teve, ela poderia até admirar, tanto é que ela até falou aquela hora: ‘ah ela
não é a super-mulher”, então acho que se ela não tivesse retrucado ela não teria tido
aquela reação.
F) Não era inveja que ela sentia pela outra, era admiração, mas no começo quando
ela começa a mostrar os defeitos dela ela começa a ter inveja.
ter vontade de ser que nem ela, ela se deixa influenciar
F) No filme até mostra desse jeito, mas aqui que se a guria fosse popular, todo
mundo ia querer botar defeito nela.
E) tem umas gurias que são esnobes, que se acham superior, que são conhecidas por
ser assim e tem outras que se destacam pelo jeito de ser e não pelo que vestem ou
com quem andam.
VOCÊS ACHAM QUE A MUDANÇA DELA FOI PELAS CRÍTICAS QUE ELA
RECEBEU? E VOCÊS FALARAM AQUI QUE VOCÊS JULGAM TAMBÉM...
C) vai dizer que tu ia não ficar olhando se passa uma guria com aquele tamanco
assim com salto que faz uma volta aqui e com aquelas calças coiseadinhas aqui que
dobram aqui, tu não vai andar com ela, por favor! Vai dizer que tu não vai ficar do
lado das pessoas que só fazem o cochicho.
E)Eu não teria receio de falar. Se no caso pegassem no pé dela eu ia falar pra ela.
C) mas e se ela gostasse daquilo? Pelo que eu entendi (do filme) ela mudou porque
falaram dela, mas ela foi demais e tentou se igualar as outras gurias.
106
ALGUÉM AQUI JÁ QUIS MUDAR O ASPECTO DA SUA APARÊNCIA PARA
SER ACEITO NO GRUPO?
Duas levantaram a mão e houve burburinho.
F)Para tentar aumentar a auto estima, mas não para ficar igual as outras
C)Tem apelidos...ai tu vai tentar mudar aquilo
H) eu não vou fazer uma cirurgia p tirar meu sinal (possui um sinal no queixo, a
apelidaram de feijão porque o sinal parece um feijão)
A) mas tipo assim, se tu tiver um apelido tu vai ficar conhecido através daquele
apelido, tu vai começar a formar amigos com aquele apelido, mesmo se tu não goste
depois tu vai começar a gostar, e todo mundo vai te chamar por aquele apelido, de
repente não para te julgar
AQUI ENTRE VOCÊS ROLA ALGUM APELIDO?
Burburinho
A) começam a apresentar alguns pelo apelido:
bebeca, mortícia, bombom, (uruguai, maluco, castelhano, neyzito – todos de
uma só pessoa)
UM APELIDO PRO CARA POR CARACTERISTICA FÍSICA?
A) “dente de leite” porque um dia na aula o meu dente caiu(risos)
SEGUNDO FILME
VAMOS PASSAR PRO SEGUNTO FILME, O QUE VOCÊS ACHAM QUE SE
PASSOU NO FILME?
E) eu acho que quando as pessoa se sentem inferiores e rejeitadas, no sentido que elas
mesmo se põem pra baixo, elas mesmo se descuidam, elas mesmo se excluem, acho que
foi isso que ela fez, o jeito dela era meio tímida, não falava com ninguém , mas acho
que se ela falasse, tivesse um papo mais aberto, ela ia se dar bem
C) pessoa bicho do mato e de mau-humor ninguém merece
G) não quer ser social é uma opção, depois não vem querer cobrar dos outros,
A) mas também tem pessoas que excluem do nada
G) daí tu não pode fazer nada por ela
VOCÊS ACHAM QUE ELA SE EXCLUI DO NADA NO FILME?
A) mesmo os outros falando dela, ela não quer mudar o jeito dela porque ela se acha
legal, se ela quisesse mudar o jeito dela ela já teria ido pra casa
107
c) ela deixa, ela aceita
e) ela se escondia,
MAS PORQUE VOCÊS ACHAM Q ELA SE EESCONDIA?
g) porque falavam mal dela, porque não gostavam dela
c) por causa do jeito q ela é
b) pelo padrão que escolheram
g) ela parecia um homem, ela era excluída porque ela se excluía
c) existe uma diferença entre tu ser tímida e tu querer te esconder
h) mesmo se ela mudasse ninguém ia querer falar com ela, mesmo se ela chegasse em
casa e jogasse todas as roupas fora, e quisesse comprar outras,
olha só jeito que as gurias tratavam ela, mesmo se ela chegasse a mudar, ela ia passar
por ridícula
c)tem gente que se exclui. Tem gente que acha um amigo e se cola somente naquele ali,
tem gente que não faz a mínima questão de conhecer outras pessoas, ai as pessoas falam
que tem gente que é tímida, tem uma grande diferença entre ser tímida e ser bicho do
mato, eles marcam terreno e dali tu não sai e ninguém te tira, o problema é de quem
tiver fora dele
SE O PERSONAGEM DO FILME QUISESSE DEIXAR DE SER ESQUISITA AOS
OLHOS DO GRUPO, O QUE VOCÊS ACHAM QUE ELA TERIA QUE MUDAR?
Indefinido: Mudar? Ela teria q nascer de novo
a) eu não digo nascer de novo, mas ela teria que mudar o estilo dela, tu viu ali o
jeito que ela se vestia, se ela se vestisse pelo padrão, ou melhor, de repente ela
poderia...
b) ta, mas tem gente que pode ser que seja do mesmo jeito que ela e se ela
mudasse pros outros ela seria vista como ridícula no grupo dela, tem gente que é
do mesmo jeito que ela e que goste do jeito dela e que talvez não fale nada, ai
ela vai e mudar o jeito pros outros e acaba ficando idiota pros que achavam ela
legal
d) mas se ela fosse, se ela tivesse dinheiro, fizesse um banho de loja, ela ia
conseguir pros interesseiros.
VOCÊS ACHAM QUE ELA É EXCLUIDA POR CAUSA DO CORPO?
D) acho que pelo jeito dela (faz uma expressão de corcunda e encolhida com o
corpo)
COMO VOCÊS ACHAM QUE ESSA PERSONAGEM SE SENTE?
108
Mau
O QUANTO VOCÊS ACHAM QUE A APARÊNCIA ESTÁ LIGADA A
QUESTÃO DO RELACIONAMENTO, A QUESTAO DA INCLUSÃO, DA
EXCLUSÃO, DE FICAR LIGADO NO OUTRO PELA APARÊNCIA?
Burburinho
VOCÊS ACHAM QUE A BELEZA É FUNDAMENTAL NOS DIAS DE HOJE?
C) sim, porque se passa um feio e eu tô conversando com uma amiga, eu sigo
conversando e ainda falo mal, ai passa um outro (bonito), ai falo “olha aquilo ali!”, ai
até de repente procuro um ângulo melhor pra ver e ficar cuidando... Eu falo de
experiência de vida né.
d) só se for um Deus, só se for muito lindo, daí chama a atenção, mas tu olha pra um
cara todo espinhento, todo torto? Tu não vai olhar pra ele.
g) tipo o Vicente , um guri todo sorridente, simpático, vai adiantar muito tu olhar pra
um cara bonito e ele virar a cara pra ti, ta certo que tu não vai ficar com o feio, mas tu
também não vai ficar com o bonito.
a) eu posso namorar o cara que ela acha feio, mas eu posso achar ele bonito
Professor: EM TEMPOS DE ORKUT VOCÊS NÃO ACHAM A FOTO
IMPORTANTE PARA ACEITAR COMO AMIGO?
Todos: claro, muito
g)se botam uma foto bagaceira, tu não vai aceitar
c) se é um cara que tu já conhece ai tu vai aceitar, mas se é uma pessoa que tu nunca viu
ai tu pensa: ta, se ele é bonito ai tu vai aceitar, se é uma pessoa feia, tu não vai querer
colocar uma pessoa que tu nem conhece...
E FORA DO ORKUT? ISSO ACONTECE NA VIDA DE VOCÊS TAMBÉM?
- a maioria diz que sim;
g) não, sempre tem alguém que se presta
f) foto não da pra confiar, qualquer pessoa que faz um book fica bonita, só se for muito
muito feia, mas ai tu vai ver no dia-a-dia é horrivel
g) mas tem uns caras que são feios, não tem papo e não fazem nada
c) como assim não fazem nada?
a) tipo, eu tenho uma amiga né, que não é a Josi, ela tem um book, arrumaram a cara
dela no computador, bah! Ela ta tri bonita (risos), ela tem um baita de um corpão mas
ela não tem peito, tem uns cadeirão, ta muito feia, mas arrumaram a cara dela...
109
f) eu tenho uma amiga que ela é tri bonita de rosto, daí ela põe a foto de rosto (no orkut)
então pras pessoas ela é linda de rosto, mas de corpo ela é gorda
g) muita maquiagem no rosto
f) então eu acho que porque ela quer se passar por bonita se ela não é? Por que se a
pessoa vai te conhecer vai vê que tu é diferente;
e também tem uma coisa, pra começar a se interessar, tem uma foto de um cara feio e
uma foto de um cara bonito, claro que tu vai falar com o cara bonito, daí se o cara não e
tão bonito e tu põe uma foto mais bonita, ele pensa, aí tu começa a conversar com ele ,
aí tu vê que a pessoa é legal, e mesmo se ele não for muito bonito tu vê que a pessoa é
legal, pelo menos ele é teu amigo, se ele fosse feio, tu nem te interessava e nem ia
conversar com ele, tem que primeiro chamar a atenção pra poder ser teu amigo
VOCÊS SENTEM A PRESSAO PARA TER UM CORPO BONITO?
g)todo mundo vai dizer que não, mas eu acho q sim, todo mundo se compara,
i)e por causa da competição
g)tipo, ai eu tenho mais gordura que tu, eu tenho mais pneuzinho que tu
e)a gente sempre acaba se comparando
g)pra todo pé cansado existe uma pantufa velha
VOCÊS SENTEM PRESSÃO?
H) todo mundo É competitivo, especialmente a mulher, a mulher encontra um
defeito até na mais bonita, então daí começa a todo mundo ser melhor que o
outro
E O QUE VOCÊS ACHAM QUE ACABA ACONTECENDO QUANDO TODO
MUNDO QUER SER MELHOR QUE O OUTRO?
g)que adianta ter um corpo perfeito, se tu fala merda, não pode comer isso, não pode
comer aquilo, não adianta
f)aí um guri, tem uma guria tri bonita e uma guria feia, só que a guria tri bonita se
abre a boca não sai nada, e a guria feia tem um corpo legal e é simpática , ai tu vê a
guria bonita competindo com ela, tu vê a guria feia com um cara bonito tu já se
intimida
i)aí o guri termina com a bonita e fica com a feia porque ela é legal
h) hoje em dia não tem essa de tu escolher quem tu vai ser, porque todo mundo
sente a pressão, porque se o guri olhar pra uma guria feia e uma bonita, vai querer
110
ficar com a bonita, isso não é uma coisa que tu impõe, a sociedade que impõe, aí tu
sente aquela pressão ai tu vai lá e muda
f) ai tu vai numa festa e tu te arruma pra ficar bonita, e tu vai começar a olhar pra
uma pessoa, a primeira coisa que tu vai ver vai ser a beleza física da pessoa, e se tu
já e bonita tem mais chance de conseguir ficar, de conseguir a querer alguma coisa
VOCÊS FALARAM MUITAS VEZES QUE AS GURIAS BONITAS NÃO TEM
O QUE FALAR, VOCÊS ACHAM QUE ELAS SÃO BURRAS?
G)não, mas pode acontecer
c) É, a maioria é futil
e) o que que é fútil?
g)que acham porque dinheiro pode comprar os outros, podem se sentir superiores,
mas tá num colégio público pra mostrar que tem dinheiro, não vai ficar falando pros
outros: ah eu tenho dinheiro
h)se tu estuda aqui .... tu não tem tanto dinheiro assim, se tu é podre de rico tu vai
estudar num colégio melhor
d) só que não é obrigação dela estudar no Anchieta só porque ela é rica, ela estuda
onde ela quiser, se ela quiser estudar num colégio público podre, ela pode estudar
h) claro que sim, só que são exceções , porque a maioria que estuda aqui, vem
porque não tem condições de pagar um colégio
VOCÊS SENTEM A PRESSÃO DA SOCIEDADE? VOCÊS SENTEM ISSO? A
PRESSÃO DA SOCIEDADE POR TER UM CERTO CORPO OU UM CERTO
PADRÃO?
J)sim, porque tem muita gente que tem dinheiro dos pais, e tem um jeito de ser, aí
tem que andar só com gente assim, só andar com pessoas que sejam daquela classe
a)tu vai quere ter um corpo legal, e mesmo tendo tu vai te espelhar nos outros, tu vai
te espelhar nos outros pra ti te sentir bem, para ti ficar legal
f) tu sempre vai ficar com medo que falem mal de ti, tem muita gente que vai falar
QUEM DE VOCÊS SE PREOCUPA EM ESTAR COM O CORPO BONITO
6 de 8 visíveis (total de 12) levantaram a mão,
a)antes eu era a pessoa mais seca do mundo, ai todo mundo na rua olhava, me
chamavam de Olivia Palito, daí eu comecei a comer, comer, ai me chamavam de
gorda, foi legal que me chamaram de gorda, porque ai eu gostava que me chamavam
de gorda
QUEM ESTÁ COMPLETAMENTE SATISFEITO COM O SEU CORPO?
111
3 de 8 visíveis levantaram a mão
g) (levantou a mão) tri que se acha né! (risos) (tom irônico) nunca ninguém esta
satisfeito, falta um silicone (tom irônico, coloca as mãos nos seios), chegou num
nível de futilidade que sei lá, não sei explicar
f)tu sempre procura ser melhor do que tu é, porque tu quer sempre te sentir melhor,
ou pra auto-estima ou pra se sentir melhor do que os outros, é sempre assim, ou tu
pode fazer isso pra te sentir bem contigo mesma ou pra tentar te sobre-sair , pra
tentar te sentir melhor, todo mundo fala que não mas todo mundo já pensou isso,
não adianta falar que não mas é verdade
f) e na nossa idade, os guris sempre desenvolvem mais tarde, a gente tá com corpo,
pode até estar magrinha, mas quer exigir um corpo perfeito, e muito guri vai ter
corpo só no terceiro ano, e olhe lá!, as gurias já na oitava serie, já tem um corpo,
guri é sempre desleixado, é tipo “ah eu to bem, eu to sempre bem, eu acho q eu to
bem” e não quer nem saber pros outros, já a guria quer ficar com o corpo perfeito,
porque sempre reparam mais
g) as guris ficam falando das celulites, da gordura, das espinhas, do cabelo
OS MENINOS: VOCÊS FICAM FALANDO SOBRE A CELULITE, SOBRE O
CORPO DAS MULHERES?
B) eu não
3 meninas fazem ironia ( ah não, fala sim)
e) reclama que o menino a chama de gordinha
b)ah mas é de brincadeira!
f) eles falam de brincadeira mas as gurias levam tudo a sério, são meio neuróticas,
eles falam : ba tu tá muito gorda, e as gurias falam: serio?
A SENSIBILIDADE DAS MULHERES POR ESSA PRESSÃO QUE ELAS
SENTEM, TALVEZ NÃO SEJA A MESMA QUE AS DOS HOMENS, O CORPO
PERFEITO, E NUNCA SE TA SATISFEITO COM O CORPO QUE SE TEM,
ISSO MEXE COM VOCÊS?
F)balança cabeça afirmativamente, ninguém gosta de falar dos defeitos, ninguém
gosta que falem mal da pessoa, todo mundo tem defeitos
g)isso gera brigas, porque aí uma fala mal da outra, ninguém e perfeito 1’16’’
AQUI NA ESCOLA FICAM APONTANDO E MOSTRANDO OS DEFEITOS?
F)não só aqui, em todos
MAS AQUI?
112
g)aqui todo mundo se conhece
MAS O FATO DE SE CONHECER NÃO QUER DIZER QUE NÃO ACONTECE,
PORQUE SERÁ QUE ACONTECE?
a)Porque são diferente deles
g)ninguém é igual a ninguém
f)porque todo mundo é um bando de invejosos
g)todo mundo tem inveja do outro
f)um defeito que eu tenho ela não tem, mas ela tem um defeito, que a outra não tem,
VOCÊS ACHAM QUE É ASSIM QUE FUNCIONA?
H)muito muito eu acho que não, mas tem colégios que bah! Tá louco, tem colégios
que judiam, não é nem excluir, é judiar
113
ANEXO 4 TERMO DE CONSENTIMENTO INFORMADO
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
FACULDADE DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
PROJETO DE PESQUISA :
“Corpo e juventude: a nomeação do outro”
PESQUISADOR RESPONSÁVEL : Marcelo Slomka
ORIENTADORA: Profª Drª Rosa Maria Bueno Fischer
Informações gerais:
O projeto de pesquisa “Corpo e juventude: a nomeação do outro na escola” trata
de uma temática específica: questionar as formas e contornos que o corpo ganha na
subjetivação de si e do outro, como lugar de identificação na contemporaneidade. O
objetivo geral da pesquisa é procurar compreender a relevância que o corpo assume
atualmente nos modos de nomeação do outro jovem, e de que modo isso estaria
afetando os sujeitos. Especificamente, o objetivo é, através de encontros com jovens de
Ensino Médio, a análise de imagens sobre corpos jovens, e a problematização de
discursos e práticas diversas que se produzem e circulam sobre esse tema.
Em termos metodológicos, trabalharemos com dois grupos focais, de alunos do
Ensino Médio (entre 15 e 18 anos), de uma escola pública. Cada grupo será composto
de aproximadamente doze alunos, com os quais teremos dois encontros, cada um com
duração de aproximadamente uma hora e meia. O conteúdo a ser trabalhado nos dois
encontros será, basicamente:
a) Apresentação de vinte e oito fotografias de jovens. Cada estudante receberá
três questionários, onde será solicitado que responda a diversas impressões acerca
desses jovens como forma de obtenção de alguns dados mais objetivos sobre os alunos,
bem como de suas percepções, idéias e julgamentos, baseados nas foto-imagens. Meu
intuito foi o de inicialmente fazer com que aqueles jovens sugerissem qualidades para
definir aquelas imagens, para de algum modo entender o quanto elas teriam ou não a ver
com suas opiniões, preconceitos e diferenças e, até, formas de racismo.
b) Apresentação de um trecho do filme Elefante, em que o diretor Gus Van Sant
mostra a experiência de uma jovem estudante, deslocada dos demais pela sua aparência,
114
na aula de Educação Física. Também será Apresentado trechos do filme Aos Treze,
dirigido por Catherine Hardwicke, que trata de uma jovem discreta e tímida. Na
narrativa, um dia ela se torna amiga da garota mais “popular” da escola. Os trechos
mostram o modo como a personagem Tracy deseja mudar sua aparência, seu estilo,
como uma forma de obter acesso aos olhares do mundo, dos outros, do grupo de garotas
consideradas “populares”. Após a apresentação será realizado um grupo de discussão
para refletir e questionar sobre situações semelhantes na vida deles, se isso acontece na
escola, como se sentiram ao ver o trecho do filme, etc.
Termo de Consentimento Informado (se o/a aluno/a tem 18 anos ou
mais)
Eu, ________________________________________________, RG
nº______________, concordo em participar da pesquisa “Corpo e juventude: a
nomeação do outro na escola”, do mestrando Marcelo Slomka, sob orientação
da Profª Drª Rosa Maria Bueno Fischer, do Programa de Pós-Graduação em
Educação da UFRGS. Autorizo o uso dos dados das sessões de debate
gravadas, bem como o uso de minha imagem, desde que minha identidade
seja preservada.
___________________________________________________
Assinatura do(a) participante
Contatos com o pesquisador responsável:
Fone: _________________________________
E-mail: ________________________________
Dados do(a) aluno/a para contatos posteriores:
Nome Completo: _______________________________________________________
115
Endereço: ____________________________________________________________
_____________________________________________________________________
Fone: ___________________________________________
E-mail: _________________________________________
Termo de Consentimento Informado (se o/a aluno/a for menor de
idade)
Eu, ________________________________________________, RG
nº_______________, responsável pelo aluno
____________________,concordo com sua participação na pesquisa “Corpo e
juventude: a nomeação do outro na escola”, do mestrando Marcelo Slomka,
sob orientação da Profª Drª Rosa Maria Bueno Fischer, do Programa de Pós-
Graduação em Educação da UFRGS. Autorizo o uso dos dados das sessões
de debate gravadas, bem como o uso da imagem do/da depoente, desde que
sua identidade seja preservada.
___________________________________________________
Assinatura do(a) responsável
Contatos com o pesquisador responsável:
Fone: _____________________________________
E-mail: ____________________________________
Dados do(a) responsável para contatos posteriores:
Nome Completo: _______________________________________________________
Endereço: ____________________________________________________________
_____________________________________________________________________
Fone: ___________________________________________
E-mail: __________________________________________
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