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rotinas que permitem a preservação e ampliação da informação, que é essencial para a
sobrevivência das firmas num ambiente competitivo
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. A “seleção” das firmas difere,
entretanto, da seleção natural em alguns aspectos essenciais. Em primeiro lugar, ao
contrário das espécies
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, para as firmas a seleção não significa necessariamente a
possibilidade de vida ou morte, mas pode se limitar a alterações na sua participação relativa
na indústria. Os autores aplicam também esse conceito mais amplo às firmas. Assim como
na biologia a mutação é parcialmente determinada por características inerentes aos genes,
também na economia podemos inferir que a “mutação” das empresas, ou seja, sua contínua
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Embora sua teoria guarde importantes analogias com o pensamento de Darwin, Nelson e Winter (1982)
rejeitam o rótulo de darwinistas, pretendendo antes serem denominados lamarckistas, em virtude de aceitarem
a possibilidade de que mutações decorrentes de mudanças no ambiente sejam transmitidas aos descendentes
de uma espécie, hipótese a princípio negada pelo darwinismo. Hodgson (2003), contudo, chama atenção para
o fato de que o lamarckismo e o darwinismo não são teorias opostas, mas antes complementares, e tanto a
adoção de rótulos científicos quanto a rejeição de analogias com outras teorias tidas como rivais à adotada
pode resultar em sério prejuízo ao debate científico. Darwin não rejeitou em absoluto a hipótese de Lamarck a
respeito da possibilidade de uma espécie transmitir mutações oriundas da necessidade de enfrentar
adversidades; foram os chamados neodarwinistas, a partir de Weismann, que rejeitaram essa hipótese com
base em experimentação científica. Atualmente, muitos estudiosos traçam na evolução da sociedade humana
uma clara analogia com as teorias de Lamarck, em detrimento da contribuição de Darwin. Mas Hodgson
(2003) aponta várias lacunas na teoria lamarckista, que podem por sua vez ser adequadamente preenchidas
pelos insights darwinistas. Em particular, Lamarck não esclarece por que as espécies transmitem apenas suas
mutações vantajosas a seus descendentes, nem tampouco por que afinal tais espécies buscam adaptar-se ao
ambiente, ao invés de simplesmente adotarem um comportamento passivo frente à natureza. A teoria de
Darwin oferece respostas convincentes a essas questões. Em primeiro lugar, através de mutações espontâneas
nos genótipos, as espécies podem oferecer diferentes soluções e comportamentos para uma melhor adequação
ao ambiente, e os espécimes dotados de mutações mais vantajosas aumentam sua participação relativa na
população graças à ação da seleção natural. Por fim, a questão da “vontade” das espécies em se adaptar ao
ambiente deve ser analisada em contraponto à própria noção de evolução: se o processo de seleção natural
estimula o aprimoramento das espécies com base na sobrevivência dos espécimes melhor adaptados, então
também as espécies cumprem um propósito, qual seja o de fornecer soluções às mudanças do ambiente que
em última análise asseguram a própria manutenção da vida. É justamente nesse propósito que devemos buscar
a raiz da “vontade” de adaptação: não há nenhum estímulo inerente ou consciência apriorística aqui, as
espécies apenas cumprem seu papel no processo evolutivo. A relevância dessa discussão para o debate
econômico se deve ao fato de que, ao adotarmos uma concepção lamarckista do processo de evolução da
sociedade, estamos implicitamente aceitando a hipótese de que as informações e idéias que se revelam mais
compatíveis com as necessidades impostas pelo ambiente em que vive uma sociedade humana podem ser
transmitidas às gerações futuras, a exemplo do que ocorre com as características determinadas pelos genes na
evolução das espécies. Ora, se uma idéia é o resultado do processo de evolução social, ou, numa analogia com
a biologia, é o fenótipo (característica herdada dos genes), então ela não pode ser simultaneamente a fonte
desse resultado (o genótipo). Nelson e Winter (1982) empregam como conceito chave de sua teoria a noção
de rotina, numa explícita analogia com os genes da biologia, ou seja, como estruturas que geram e orientam
os comportamentos dentro da firma. Logo, é na rotina desenvolvida dentro de uma instituição que devemos
buscar a explicação de sua sobrevivência num ambiente de incerteza e em constante transformação.
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Mesmo alguns biólogos em trabalhos mais recentes têm rejeitado a hipótese simplista de que a seleção se
resume à sobrevivência dos mais aptos, preferindo optar por um conceito mais amplo que afirma que a
seleção envolve a transformação de um grupo, onde os elementos proeminentes do grupo posterior
apresentam características que já eram encontradas em alguns membros do grupo anterior. Desta forma,
mantém-se a possibilidade de diversidade natural ao mesmo tempo em que prevalece uma lógica de adaptação
e dominância. Ver Hodgson (2003).