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condição. O eu lírico busca irmanar-se à situação da maioria delas, entretanto,
apresenta uma visão crítica daquela realidade, tal como se segue no trecho do
poema “Moinho do Tempo”, em “Vintém de Cobre meias confissões de Aninha” (198)
A pobreza em toda volta, a luta obscura
de todas as mulheres goianas. No pilão, no tacho,
fundindo velas de sebo, no ferro de brasa de engomar.
Aceso sempre o forno de barro.
As quitandas de salvação, carreando pelos taboleiros
os abençoados vinténs, tão valedores, indispensáveis.
Eram as costuras trabalhadas,
os desfiados crivos pacientes.
a reforma do velho, o aproveitamento de retalho.
os bordados caprichados, os remendos instituídos,
os cerzidos pacientes...
Tudo economizado, aproveitado.
Tudo ajudava a pobreza daquela classe média, coagida, forçada
a manter as aparências de decência, compostura, preconceito,
sustentáculo de pobreza disfarçada.
Classe média do pós treze (13) de maio.
Geração ponte, fui posso contar (1984, p. 45).
O eu lírico se coloca como testemunha desses tempos difíceis com a
precisão de quem experimentou uma vida permeada de pobreza e escassez, como
a localização de sua origem quando revela no final: “geração ponte, fui posso
contar”. Esse período atesta o discurso de quem está próximo de tal situação,
demonstrado também por meio de referências a objetos remanescentes de um
tempo, evidenciando o espaço social de que o poema trata.
Através dos objetos, o eu lírico elucida as atividades que a mulher
tinha que cumprir no cotidiano, “no pilão, no tacho, fundindo velas de sebo, no ferro
de brasa de engomar, aceso sempre o forno de barro, carreando pelos taboleiros.”
Nesse trecho, fica evidente como era dura a rotina a que essas mulheres se
submetiam para mascarar a pobreza da casa através do próprio esforço.
Com o trabalho, a mulher complementava a renda familiar e, embora
tivesse um papel relevante na família, tal como demonstra o poema, sua luta era
anônima. O jogo das aparências é bem marcante no poema, demonstrado por meio
dos seguintes períodos: “a reforma do velho, o aproveitamento de retalho, os
remendos instituídos, os cerzidos pacientes... Tudo economizado, aproveitado.”