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Agradecimentos
1
Regina Stella Spagnuolo
Coordenar equipe multiprofissional: um desafio
para o enfermeiro do Programa Saúde da Família
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em Saúde Coletiva, Área
de Saúde Pública da Faculdade de
Medicina de Botucatu, para obtenção do
título de Mestre.
Orientadora: Profª Drª Sueli Terezinha Ferreira Martins
Botucatu - SP
2006
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Dedicatória
FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA SEÇÃO TÉCNICA DE AQUISIÇÃO E TRATAMENTO DA
INFORMAÇÃO
DIVISÃO TÉCNICA DE BIBLIOTECA E DOCUMENTAÇÃO - CAMPUS DE BOTUCATU - UNESP
BIBLIOTECÁRIA RESPONSÁVEL: Selma Maria de Jesus
Spagnuolo, Regina Stella.
Coordenar equipe multiprofissional: um desafio para o enfermeiro do
Programa Saúde da família / Regina Stella Spagnuolo. – 2006.
Dissertação (mestrado) – Universidade Estadual Paulista, Faculdade de
Medicina de Botucatu, 2006.
Orientador: Sueli Terezinha Ferreira Martins
Assunto CAPES: 40406008
1. Saúde pública 2. Saúde da família 3. Enfermagem
CDD 614.073
Palavras-chave: Coordenação; Liderança; Programa saúde da família
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Dedicatória
Ficha catalográfica
Dedicatória
Dedicatória
Ao meu filho Ricardo
Sol da minha vida!
Agradecimentos
Agradecimento Especial
Agradecimento Especial
À professora e orientadora Maria Lúcia Toralles Pereira (
in memorian
) pelos
momentos inesquecíveis que tivemos. A sua luta pela vida, sua mente brilhante e
lúcida sempre foi e será exemplo inesquecível para mim. Jamais te esquecerei. Onde
você estiver, receba os meus sinceros agradecimentos por ter “comprado” a idéia desse
trabalho e, sobretudo por ter vibrado comigo em tantos momentos.
Agradecimentos
Agradecimentos
Agradecimentos
Sempre gostei de agradecer. Aprendi a agradecer observando meu núcleo familiar onde
nasci e cresci.
A Deus e aos bons amigos espirituais que velam por mim e em especial à benfeitora
espiritual Joanna de Ângelis que sempre me ilumina os caminhos com sua presença
amiga e seus escritos edificantes.
Aos meus queridos pais, Antonio Spagnuolo Filho (
in memorian
) que apesar da
pouca convivência me deixou grandes lições de vida, inclusive no campo
administrativo e à minha mãe Daisy Conversani Spagnuolo, guerreira, que me
ensina com seus exemplos diários, as mais vivas lições de altruísmo e perseverança.
Também agradeço as minhas irmãs Daisy Aparecida C. Spagnuolo e Fernanda
Cristina C. S. Brunello, companheiras de todas as horas, guerreiras também,
exemplos de como fazer a interface entre ser mãe e profissional. Obrigada pela
paciência nas horas difíceis. Aprendo muito com vocês, sou o que sou porque tenho
essa família que amo.
Ao meu querido companheiro Ivan, que com muita compreensão me estimulou o
encontro com esse velho sonho. Obrigada pelas dicas, por tantas impressões de teses,
pela sua paciência e compreensão nos momentos em que não pudemos estar juntos
para que eu pudesse mergulhar neste trabalho.
A você querida professora Sueli Terezinha F. Martins, minha segunda orientadora,
pela compreensão e pelo carinho com que fui acolhida num momento tão difícil e
delicado do trabalho, também não esquecerei dos momentos em que estivemos juntas,
foi um grande aprendizado.
Às minhas assistentes no grupo focal, enfermeiras Daniela e Lucia, que acreditaram
nesse trabalho e com o coração aberto estiveram do meu lado, atentas, observando
tudo, colaborando com apontamentos sempre pertinentes. Agradeço por terem
compartilhado comigo esse momento.
E para a equipe multiprofissional do PSF do Jardim Iolanda presto minha singela
homenagem e agradecimentos sinceros. A vocês que souberam entender as minhas
ausências, que compreenderam muito bem a importância de compartilhar a
coordenação da unidade e me ensinam a cada dia o quanto ainda tenho que
aprender no campo das relações interpessoais. E em especial ao médico Oscar
Agradecimentos
Antonio G. Hoeppner, pelos empréstimos de livros, pelas dicas de leituras e pela
compreensão. Tem sido muito bom compartilhar essa experiência com todos vocês.
À Secretaria Municipal de Saúde de Botucatu pela autorização para realização da
pesquisa de campo após apreciação do projeto e pela colaboração no fornecimento de
valiosas informações acerca da caracterização do município e da implantação do
PSF.
Ao Departamento de Saúde Pública da Faculdade de Medicina de Botucatu, em
especial à coordenação da pós-graduação, professora Ana Teresa Cerqueira e professor
Luis Roberto pelas conversas e esforços empreendidos para que esse trabalho tivesse a
melhor continuidade possível.
Em especial às enfermeiras coordenadoras de equipe multiprofissional que atenderam
gentilmente o convite para participarem da pesquisa. Pela luta, pelo esforço, pelos
desafios enfrentados quando estamos no papel de coordenar equipes, não só de
enfermagem, mas com outros profissionais do campo da saúde é que me fizeram
persistir na trajetória dessa investigação. Por vocês é que a enfermagem se constrói
num movimento dinâmico de idas e vindas e se conforma em novos saberes e novos
fazeres, meu muito obrigada por ter aprendido tanto quando estivemos dialogando
nos encontros do grupo focal.
Aos amigos e profissionais que estiveram direta e indiretamente ligados a esse
trabalho, na transcrição cuidadosa das fitas realizada por Adrina Ribeiro, na
digitação, revisões e tantos outros ajustes para que pudesse dar encaminhamento ao
trabalho final.
Agradeço por fim, a todas as enfermeiras que estiveram ao meu lado na minha
trajetória profissional, também foi por vocês e por suas lutas no campo da gerência e
liderança em enfermagem que realizo aqui um velho sonho!
Sumário
10
Sumário
Sumário
Resumo ..............................................................................................
Summary ............................................................................................
1. Introdução........................................................................................
2. Objetivos..........................................................................................
3. Programa de Saúde da Família: um pouco de história...................
4. Coordenar equipe multiprofissional – desafio para o
enfermeiro do PSF..........................................................................
4.1. Interfaces entre o coordenar e o cuidar..................................
5. Equipe multiprofissional em saúde..................................................
6. Aportes teóricos e metodológicos – os caminhos escolhidos.........
7. Construindo os resultados...............................................................
8. Considerações Finais.....................................................................
9. Referências Bibliográficas...............................................................
Apêndice – Roteiro norteador para o grupo focal................................
Anexo – Termo de consentimento livre e esclarecido.........................
Introdução
12
Resumo
Resumo
Este estudo insere-se no contexto das investigações no campo da
coordenação em enfermagem no cenário do Programa Saúde da Família
num município do interior do estado de São Paulo. O estudo apoiou-se no
método qualitativo e os dados foram coletados através da técnica de grupo
focal e analisados pelo processo de análise de conteúdo. Foram realizados
dois encontros por meio de roteiro norteador composto por seis questões
que procuraram desvelar e compreender o papel do enfermeiro no exercício
da coordenação de uma equipe no PSF, sobretudo em relação às suas
competências e habilidades praticadas e desenvolvidas no seu cotidiano de
trabalho, assim como as dificuldades que encontram para exercer essa
função a partir da percepção desse profissional. Participaram do estudo sete
enfermeiras que atuam na coordenação de equipe multiprofissional e os
discursos foram submetidos à análise interpretativa, evidenciando a
construção de seis categorias: o coordenar uma equipe multiprofissional,
cotidiano do trabalho no PSF, trabalho no PSF e a coordenação central,
trabalho no PSF e a população, liderar e coordenar uma equipe
multiprofissional, competências necessárias ao exercício da liderança. A
primeira constituiu-se pelo despreparo e dificuldade na condução da equipe
multiprofissional aliada à influência que a história da enfermagem ainda tem
em suas carreiras. A segunda categoria desvelou o cotidiano das
enfermeiras apresentando seu trabalho sendo avaliado pela produtividade
em detrimento da qualidade na medida em que se sentem muito
sobrecarregadas e confusas em relação a sua prática assistencial (cuidado)
e o tempo usado nas atividades de coordenação. A terceira apresenta um
discurso em torno do desconhecimento por parte da coordenação municipal
do PSF quanto ao conhecimento do cotidiano das enfermeiras, sentem-se
sem autonomia para o fazer em enfermagem e sem apoio para lidarem com
os conflitos emergentes. Ao mesmo tempo surge também um
desconhecimento da população em torno da ideologia do PSF gerando
muita insegurança pela mudança do modelo de Unidade Básica de Saúde
para Unidade de Saúde da Família atuando com uma equipe mínima e
despreparada, constituindo dessa forma, a quarta categoria. A quinta
Resumo
categoria apresentou o desconhecimento das enfermeiras quanto às
semelhanças e diferenças conceituais entre coordenar e liderar, ao mesmo
tempo em que reconhece que liderança auxilia a coordenação da equipe.
Não se sentem preparadas para coordenar e desvelam suas dúvidas quanto
a esta prática. A sexta categoria evidencia que as enfermeiras acreditam ser
o conhecimento técnico e administrativo científico a competência mais
importante para o exercício da função de coordenador, aliado a um
comportamento ético e criativo. Apontam necessidades de aportes teóricos e
práticos na questão dos relacionamentos interpessoais que ficaram falhos
desde a graduação. A identificação dessas categorias possibilitou vislumbrar
que coordenar equipe multiprofissional no PSF é um processo de construção
e que denunciam momentos importantes na formação do enfermeiro, sendo
o espaço acadêmico cenário privilegiado na formação desse novo
profissional, isto é, mais integral e interdisciplinar. O PSF, por sua vez,
permite o exercício de potencialidades no exercício de coordenar equipe
multiprofissional em saúde pelos enfermeiros que necessitam rever suas
atuações para além dos modelos autoritários que vem reproduzindo ao
longo de sua trajetória profissional.
Palavras-chaves: coordenação; liderança; enfermagem; programa saúde da
família.
Introdução
15
Summary
Summary
This investigation is inserted in the context of management of nursing within
the Family Health Program (FHP) in a city of the state of S. Paulo, Brazil. It
was used a qualitative methodology where the data were collected through
the focus group technique and the content analysis process was used. Two
encounters occurred using an interview made of six questions which
searched to reveal and comprehend the role of nursing while managing a
FHP mainly in relation to his/her skills within the day-to-day work, as well as
the difficulties they face in their activities from their own perception. Seven
nurses working in the FHP as managers of their multi professional health
teams participate of the study and their speech were submitted to an
interpretative analysis, considering the construction of six categories of
answers related to the items: a) how to manage a multi professional health
team; b) the day-to-day work at the FHP; c) how to work within a unity of FHP
and the relation to its headquarter program director in the city; d) the
relationship with the general population of the area, the users of the program;
e) how to lead and to manage a multi professional FHP team; f) the
necessary background and skills to take the leadership within the FHP.
Results showed for the first question the lack of a necessary preparation of
the nurses to conduct a multi professional team, added by a negative
historical influence the nurses still feel in relation to their professional
activities within a health team. The second question brought answers which
revealed the nurses work being evaluated only by their productivity,
minimizing the quality of the work, once they feel overweight during their daily
activities split in a great demanding of assisting care at one hand and the
time dedicated to the new managing activities within the FHP at the other.
Third question revealed a lack of information from the central program
directory about the daily activities the nurses are involved in their area, what
leave them without the necessary autonomy and support to take the
enormous charge of daily responsibilities to deal with the continuous
Summary
emerging conflicts. Next question revealed a great deal of ignorance from the
general population of what the FHP program really is in relation to the old
model, what promotes a great insecurity for both, the population itself and the
health team working at the unity. Fifth question helped to emerge the
confusing situation existing between managing and leading a multi
professional health team for the nurses working within the program who do
not feel prepared neither to manage nor to lead. Sixth question, finally,
revealed that the nurses believe that it is the technical scientific knowledge
the only tool to teach them to manage a health team with creativity and
ethics. They point out some lacking in their own undergrad courses in terms
of interpersonal relationships they are missing at this point in their career.
The identification of these main points from the answers obtained from the
technique here utilized allowed to conclude that to managing a multi
professional health team within the FHP program is a constructing and
continuous process very important to the nurse’s careers. Also that the
university is a potential source of knowledge for their formation toward the
challenge they are facing now, the more inter and multi disciplinary academic
studies might be, the better. FHP program, on the other hand, allow the
exercises of potentialities as the managing and leading of a health team,
mainly for the nurses who need to revise their role beyond the authoritarian
model of acting as most of them were deeply involved with because their own
classical formation and/or their previous professional activities.
Key-words: managing; leadership; nursing; Family Health Program
Introdução
18
1. Introdução
Introdução
19
A sociedade atual é cenário de discussões cada vez mais
polêmicas sobre a transição no setor saúde, configurações que indicam
transformações significativas ou, até mesmo, profundas nas próximas
décadas. A mudança de modelo em saúde reflete, também, mudança nas
instituições e instâncias que a articulem, bem como no conjunto de atores
que compõem esse processo.
Segue, ainda, um ciclo de rupturas, iniciado na Era Agrícola, que
atravessou a Era Industrial e nas últimas décadas evoluiu para a Era
Tecnológica. O setor saúde acompanhou e sofreu o impacto desse ciclo, que
exigiu adaptações constantes e afetou, fundamentalmente, o comportamento
e a inserção do ser humano nas organizações e suas relações de trabalho.
Em decorrência dessas grandes transformações no contexto das
organizações de saúde, e diante da competitividade, flexibilidade e
adaptabilidade exigidas, é necessário rever as formas de trabalho e os
estilos de gerenciamento até então praticados.
A hierarquia verticalizada e decrescente e a departamentalização
por funções vêm se reestruturando, convergindo para a formação de equipes
constituídas interdisciplinarmente, proporcionando o intercâmbio de
informações e o compartilhamento do saber. Nas equipes de trabalho
emerge a polivalência no lugar da especialidade.
Nesse cenário, o coordenador de uma equipe é responsável pelo
desenvolvimento de trabalho eficiente e eficaz, na medida em que deve criar
um clima de respeito e coesão entre seus membros.
A promulgação da Constituição Federal em 1988 instituiu as
diretrizes do Sistema Único de Saúde (SUS), tendo como metas a
universalização, eqüidade, integralidade, descentralização, hierarquização e
participação da comunidade. Ao ser construído sob esses princípios, o SUS
visa a reduzir a defasagem ainda existente entre direitos sociais garantidos
em lei e a capacidade real de oferta de ações e serviços de saúde à
população brasileira. Embora ainda não tenha êxito pleno, cabe registrar os
avanços obtidos nos últimos anos no processo de consolidação dessa
Introdução
20
proposta, mais particularmente a questão da descentralização, com sua
conseqüente municipalização.
Tendo como estratégia setorial a reorientação do modelo de
assistência à saúde brasileira como resposta intencional a essa conjuntura,
a partir de 1994, o Ministério da Saúde assumiu a implantação do Programa
Saúde da Família (PSF), mediante um conjunto de ações conjugadas em
sintonia com os princípios de territorialização, intersetorialidade,
descentralização, co-responsabilidade e priorização de grupos populacionais
com maior risco de adoecer ou morrer. Nesse processo transformador,
conturbado cruzamento de princípios operacionais, conceitos e ideologias, o
PSF se insere como política social (GOULART, 2002).
Ao longo dos anos, muitas pesquisas têm mostrado que as
unidades básicas de saúde, quando funcionando adeqüadamente, de
maneira mais resolutiva, oportuna e humanizada, são plenamente capazes
de resolver em torno de 85% dos problemas de saúde da população, porque
incorporam as ações programáticas de forma mais abrangente e passam a
lidar com ações intersetoriais como educação, saneamento, meio ambiente
e outras, promovendo qualidade de vida e intervindo nos fatores que
colocam essa população em risco (BRASIL, 1994).
Nos dias atuais, o modelo de assistência à saúde é caracterizado
pela prática “hospitalocêntrica”, fortemente centrada no médico
(medicocêntrica), marcada pelo individualismo, pela utilização desmedida
dos recursos tecnológicos disponíveis e pela baixa resolutividade das
práticas de saúde, tanto públicas quanto privadas (BRASIL, 1994).
No âmbito da saúde coletiva, o reconhecimento de que esse
modelo hospitalocêntrico e curativo passa por uma crise, vem estimulando
novas propostas que visam à transformação do Sistema de Atenção Básica,
de suas práticas e, em articulação com estas, do processo de trabalho em
saúde (PAIM, 1985).
Notadamente, os enfermeiros têm assumido o papel de
coordenadores de equipes de trabalho, nesse caso, da equipe da Estratégia
de Saúde de Família (ESF), exigindo novas posturas e revisão de conceitos,
Introdução
21
uma vez que esse profissional tem assumido a grande responsabilidade de
participar e promover o processo de mudança: antes em seu interior para
depois fomentá-lo junto à sua equipe de trabalho.
O novo modelo que vem se delineando requer enfermeiros
envolvidos de forma integrada com o ambiente, tornando-os participantes
ativos do processo de transformação que a saúde tem vivenciado,
estabelecendo com todos os membros, uma conduta receptiva e
compartilhada dos saberes envolvidos.
Neste panorama realizou-se um estudo sobre o cotidiano dos
enfermeiros que estão na coordenação de equipe do PSF, isto é, suas
relações com os membros da equipe, com a comunidade, seus sentimentos,
pensamentos e ações. É, portanto, nesta discussão que se insere o desafio
do enfermeiro no PSF em relação às suas práticas, que são também
práticas de coordenar equipe de trabalho.
Buscando compreender essas práticas a partir da percepção dos
próprios enfermeiros que coordenam equipes de PSF, objetivou-se discutir
os processos de construção coletivos e participativos, voltados para o
crescimento e fortalecimento da equipe e para a melhoria da qualidade do
atendimento à população, e compreender a dimensão do papel do
enfermeiro no PSF no exercício de sua coordenação, sobretudo em relação
às suas competências e habilidades praticadas e desenvolvidas no seu
cotidiano de trabalho.
Introdução
22
Objetivos
23
2. Objetivos
Compreender o papel do enfermeiro no exercício da coordenação
de uma equipe no PSF, sobretudo em relação às suas competências e
habilidades praticadas e desenvolvidas no seu cotidiano de trabalho, assim
como as dificuldades que encontram para exercer essa função a partir da
percepção desse profissional.
Objetivos específicos
Identificar os significados atribuídos pelos enfermeiros do PSF à
função de coordenador de equipe;
Levantar as competências e habilidades necessárias ao exercício
da coordenação para os enfermeiros do PSF;
Identificar as principais dificuldades do enfermeiro para coordenar
uma equipe multiprofissional no PSF perante a organização de sua
equipe e os usuários.
Introdução
2
4
3. Programa Saúde da Família: um
pouco de História
Programa Saúde da Família: um pouco de História
25
O chamado movimento de medicina de família tem sua entrada
nos países da América Latina e no Brasil na década de 1970, em um
momento que Paim (1986) conceituou como fase acadêmica do mesmo,
com a realização de inúmeras reuniões e seminários sediados em
universidades.
Paim (1986) destaca os conflitos que marcaram o advento e a
implantação das várias propostas de medicina de família ou similares no
Brasil, sem que nenhuma delas tenha chegado à hegemonia no Sistema de
Saúde. Em 1973, ainda no início das discussões encabeçadas pela
Associação Brasileira de Educação Médica (ABEM), desponta um conflito de
posições entre o “saudosismo” e o “racionalismo”.
Santos (citado por GOULART, 2002), protagonista da saúde no
Brasil desde a década de 1970, analisou em seus trabalhos aspectos dessa
fase inicial de discussão sobre a medicina de família, destacando os
conflitos existentes entre o discurso das entidades nacionais e internacionais
ligadas ao ensino, bem como de fóruns oficiais, apontando um conflito entre
o “currículo real” das faculdades de medicina e o mercado de trabalho. Ele
propõe o desenvolvimento de políticas de saúde que, mediante estratégias
adequadas, venham a promover a redistribuição do poder nos centros que
determinam o campo da saúde melhorando a coerência nas demandas da
saúde.
Foi nos anos 90 que realmente houve uma revalorização do tema
família no debate político nacional. Neste cenário dessa mesma década,
devido ao aumento da criminalidade entre crianças e adolescentes aliadas
às epidemias de dengue e cólera é que o Programa de Agentes
Comunitários de Saúde (PACS) se expande e intensifica (VASCONCELOS,
1999).
Independente dos movimentos contrários e da derrota do
“movimento preventivista-social” à lógica capitalista que orienta o processo
médico-industrial, o debate se firmava, mas também se esgotava na
ideologia dominante do saber médico (GOULART, 2002).
Programa Saúde da Família: um pouco de História
2
6
A proposta de Saúde da Família somente alcançaria sua
maturidade nos anos 1990, caminhando para um estatuto de política pública
no Brasil. Seria o início da mudança de modelo em saúde deslocando-se do
eixo curativo para o preventivo, da ação mono-setorial para a intersetorial,
da exclusão para a universalidade.
Somente em 1994, é que se discute a “introdução da família” nas
políticas sociais brasileiras, situando-a em três modalidades de ação:
programa de geração de renda e emprego, programas de complementação
de renda familiar e rede de serviços de apoio. É nesta última categoria que
se inserem programa do tipo PSF, que podem variar quanto ao foco de ação
(GOULART, 2002).
Mudada esta conjuntura, após a 9ª Conferência Nacional de
Saúde uma nova correlação de forças permitiu iniciativas mais avançadas,
como a política de descentralização das ações e serviços de saúde
mediante a Norma Operacional Básica, 1993 (NOB-93), e o desenvolvimento
do PSF foi concebido como indutor de mudanças do modelo assistencial
(BRASIL, 1993). Esta opção por estruturar “equipes de saúde da família”
distanciava-se do movimento do “médico de família”, ainda que reforçasse
alguns elementos da proposta original, como a humanização do cuidado e o
vínculo entre serviços e usuários (PAIM, 2001).
A escolha pela Organização das Nações Unidas (ONU) do ano de
1994 como o Ano Internacional da Família valorizou conceitos de família e
comunidade, promovendo impacto indireto sobre a política brasileira
(VASCONCELOS, 1999).
O surgimento do PSF propõe uma nova dinâmica para a
estruturação dos serviços de saúde, bem como para sua relação com a
comunidade e entre os diversos níveis de complexidade assistencial.
Assume o compromisso de prestar assistência universal, integral, equânime,
contínua e, acima de tudo, resolutiva à população, na unidade de saúde e no
domicílio, sempre de acordo com sua realidade local. Destaca-se o fato de o
PSF inserir-se no escopo das políticas públicas de saúde, no contexto do
SUS.
Programa Saúde da Família: um pouco de História
27
Dessa forma, a unidade básica de saúde, sob princípios do PSF,
não deve ser vista somente como a porta de entrada do sistema local de
saúde, mas também como a porta para a reorientação do modelo tradicional
(curativo, hospitalocêntrico e medicocêntrico) exigindo integração entre os
vários níveis de atenção à saúde (BRASIL, 1994).
Uma das principiais estratégias é sua capacidade de propor e
gerar alianças, seja no interior do próprio sistema de saúde, seja nas ações
desenvolvidas com as áreas de saneamento, de educação, cultura, de
transporte e meio ambiente, entre outras. Ao focar ações sobre os
determinantes dos problemas de saúde e aquelas necessárias à redução de
danos sociais, a operacionalização da promoção e prevenção em saúde
dentro do PSF requer um trabalho com os múltiplos setores nos quais estes
problemas estão instalados, sendo, portanto, a intersetorialidade um
princípio fundamental a ser observado (JUNQUEIRA & INOJOSA, 2001).
A intersetorialidade representa outro desafio para políticas
públicas que, apesar de sua importância, encontra dificuldades em sua
implementação, devido à persistência da fragmentação e desarticulação do
modelo administrativo tradicional dos serviços de saúde vigente. Sua
implementação exige mudanças importantes nas práticas e na cultura
organizacional das administrações públicas, pois as dificuldades
encontradas decorrem da forte resistência ainda apresentada pelos diversos
setores envolvidos (JUNQUEIRA & INOJOSA, 2001).
Essa mudança configura uma nova prática de trabalho, uma nova
forma de vínculo entre os membros de uma equipe, e implica ruptura da
dicotomia entre as ações de saúde pública e o atendimento médico
individual, bem como entre as práticas educativas e assistenciais.
Entretanto, como aponta Goulart (1990), é necessário destacar que as
mudanças em termos de modelo assistencial compreendem componentes
técnicos e políticos. Entre estes últimos, podem-se incluir elementos
qualitativos envolvendo os atores sociais e suas dificuldades, a estrutura
política e sanitária do país, e outros fatores que repercutem sobre o objeto
saúde e sua dimensão técnica.
Programa Saúde da Família: um pouco de História
28
Para que essa nova proposta alcance os objetivos desejados faz-
se necessária a presença também de um novo profissional, capaz de atuar
com sensibilidade, criatividade e senso crítico, mediante uma prática mais
humanizada, competente e resolutiva.
Neste momento, em que o modelo de saúde centrado no
profissional médico e no hospital encontra-se saturado e o enfermeiro vem
assumindo o papel de coordenação nas equipes de saúde do PSF, o
aprofundamento de estudos sobre como se tem vivenciado esse novo
desafio e a importância desse novo processo de trabalho pode representar
um caminho que se apresenta.
Introdução
29
4. Coordenar Equipe Multiprofissional –
Desafio para o Enfermeiro do PSF
Coordenar Equipe Multiprofissional – Desafio para o Enfermeiro do PSF
0
Em sua trajetória histórica, a enfermagem sempre teve que dar
respostas às mudanças tecnológicas e sociais e incorpora em sua formação
profissional o saber de várias ciências (KURCGANT, 2001).
Para uma melhor compreensão da prática de enfermagem, faz-se
necessário uma reflexão à luz das teorias administrativas que sofreram
mudanças ao longo do tempo atrelando, dessa forma, a prática
administrativa da enfermagem em diferentes cenários.
Os conteúdos dessas teorias tratam de cinco variáveis básicas:
tarefas, pessoas, estrutura, ambiente e tecnologia (KURCGANT, 2001),
como veremos mais adiante.
Estudiosos da administração e liderança (CHIAVENATO, 1987;
BENNIS, 1996; KOUZES & POSNER, 1997; MOTTA, 1998; COVEY, 2002;
HERSEY & BLANCHARD, 2004), e estudiosos voltados para o campo da
saúde e enfermagem, (ROZENDO & GOMES, 1998; TREVIZAN et al., 1998;
GALVÃO et al., 1998, 2000; MARQUIS & HOUSTON 1999; KURCGANT
2001; LOURENÇO & TREVIZAN, 2001; TREVIZAN et al., 2002;
FERNANDES et al., 2003; SIMÕES & FÁVERO, 2003; SANTOS &
MOREIRA, 2004; SPAGNOL, 2005) reconhecem que ela é um campo de
difícil definição, mas de fácil reconhecimento.
Não é por acaso que a literatura sobre o tema seja tão vasta e
exista tanta preocupação em se discutir e pensar as questões que envolvam
as práticas do campo administrativo.
No Brasil, o emprego incorreto das palavras, e por outro lado, as
falhas no exercício dessas funções, acabaram levando o termo
administração ao descrédito, sendo que qualquer pessoa que exercesse um
cargo de direção ou chefia era chamada indistintamente de administrador ou
gerente (MOTTA, 1998).
A palavra administração tem origem no latim minus (menos), que
se contrapõe a magis (mais), de magister ou magistrado.
Coordenar Equipe Multiprofissional – Desafio para o Enfermeiro do PSF
3
1
Chiavenato (2000, p.6) conceitua administração como sendo:
“a maneira de utilizar os diversos recursos organizacionais
– humanos, materiais, financeiros, de informação e
tecnologia. É o processo de planejar, organizar, dirigir e
controlar o uso dos recursos organizacionais para alcançar
determinados objetivos de maneira eficiente e eficaz”.
Marquis & Houston (1999, p.29), fazendo uma análise dos
conceitos de liderança e administração, demonstram que os mesmos têm
uma relação “simbiótica ou sinérgica” e que para os profissionais envolvidos
com essas práticas, esses conceitos devem estar integrados. Para as
autoras, “todo enfermeiro é um líder e administrador em algum nível, e o
papel da enfermagem requer habilidades de liderança e administração”.
Já para Hersey & Blanchard (2004, p.4) existe uma diferença
conceitual entre administração e liderança. Para os autores, a diferença está
na palavra “organização”, pois que a “liderança é a capacidade de influenciar
comportamentos de grupos ou indivíduos e administração é a consecução
de objetivos organizacionais”.
Na mesma direção caminham Marquis & Houston (1999)
apontando que a liderança é apenas uma das muitas funções da
administração e que, quando os indivíduos estão apenas em uma posição
de administração, não significa que os mesmos estejam exercendo a
liderança, pois um título, um cargo, uma posição não fazem de alguém um
líder. É o comportamento que determina uma posição de liderança.
Bergamini (2002) coloca que os termos gerente, líder e
administrador confundem-se entre si devido à diversidade de maneiras como
tem sido utilizados e que é necessária mais clareza entre eles.
Segundo a autora, gerente descreve uma posição na estrutura da
organização investido de autoridade formal. Já o líder mostra uma atitude
pessoal, uma competência, portanto, liderar e administrar são
predisposições ao desempenho de diferentes papéis, embora sejam
complementares. Acrescenta, ainda, que a organização pode contar com
Coordenar Equipe Multiprofissional – Desafio para o Enfermeiro do PSF
3
2
gerentes que administram, bem como ter gerentes que desempenham seu
papel de líderes.
Conforme Chiavenato (2000), o gerenciamento foi considerado,
por muito tempo, um dos recursos a ser utilizado no processo de administrar.
Desse modo, a gerência é realizada no nível intermediário da empresa e
atende à demanda do nível institucional, colocando programas e operações
considerados padronizados no nível operacional.
Com relação à liderança, muitos estudos têm sido desenvolvidos
por diversos pesquisadores, surgindo, dessa forma, diferentes enfoques em
torno da questão. Não há dúvidas de que a liderança é um fenômeno de
grupo que envolve a influência de um indivíduo sobre os demais ou que
liderança é um processo coletivo, compartilhado entre todos os membros.
(LOURENÇO & TREVIZAN, 2001).
Podemos dizer então, que a liderança pode estar presente em
qualquer atividade administrativa, em qualquer momento, podendo ser
aprendida e desenvolvida ao longo do tempo posto que é um
comportamento capaz de influenciar pessoas ou grupos.
Processo de trabalho em saúde e na enfermagem
Particularmente sobre o trabalho do enfermeiro, evidencia-se que
as intervenções deste profissional concretizam dois diferentes processos de
trabalho: o processo “cuidar” e o processo “administrar”.
Para Almeida & Rocha (1997), o processo de trabalho é o modo
como o homem produz e reproduz sua existência e o trabalho em saúde
apresenta o trabalho em enfermagem como parte do mesmo.
O trabalho em enfermagem é entendido como uma prática social
articulada a outras práticas como a da saúde, educação, meio ambiente e
outras e é efetivada na sociedade por meio do trabalho (FELLI & PEDUZZI,
2005).
Afirmam Leopardi (1999) e Felli e Peduzzi (2005) que o trabalho
em saúde e de enfermagem não produz bens a serem estocados e
comercializados, e sim, serviços que são consumidos imediatamente ao
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3
3
serem produzidos. Historicamente esses trabalhos foram sendo menos
valorizados, pois não produziam em consonância com uma ordem
econômica instituída. E por serem menos valorizados, foram sendo
relegados em sua importância. No entanto, foram se diferenciando de outros
trabalhos do setor de prestação de serviços na medida em que lidam com
grupos sociais e populações que demandam ações relacionadas ao
processo saúde-doença ou outros problemas de saúde.
Dessa forma, o trabalho se constitui um processo.
As instituições de saúde no Brasil não conseguiram absorver
rapidamente as mudanças e transformações por que passaram o processo
de trabalho em saúde e na enfermagem ao longo de sua trajetória histórica.
Especialmente após a Reforma Sanitária, surgiram muitas propostas, para
efetivamente termos um sistema de saúde que pudesse melhorar o acesso e
a equidade em nosso país. Somente com o processo de descentralização
das ações de saúde e sua conseqüente municipalização é que surgiu uma
nova maneira de gerenciar por parte dos gestores municipais.
Como veremos mais adiante, apesar dos estudos apontarem
para a prática de uma gerência marcadamente taylorista, observamos no
Brasil, desde a década de 1980, influências do planejamento estratégico e
do gerenciamento flexível participativo nos serviços de saúde, bem como
projetos de reestruturação para Qualidade Total em saúde. (PEDUZZI,
2002).
Essas novas formas de organizar e/ou gerenciar aliadas às novas
incorporações da tecnologia, melhoria da produtividade, verticalização do
conhecimento especializado vêm modificando o processo de trabalho em
saúde.
Para Peduzzi (2002), tais alterações repercutem na prática
cotidiana dos profissionais, expondo-os cada vez mais a situações que
demandam articulações de diversas ações entre os profissionais e os
demais agentes da equipe, destacando dessa forma, o caráter
multiprofissional da prática. Mendes-Gonçalvez (1994) complementa que o
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34
impacto causado por essas inovações na saúde, incrementou o processo de
divisão médica e a institucionalização dos serviços.
Esses autores afirmam que a divisão do trabalho em saúde e a
divisão do trabalho médico não são distintas, pois a prática médica é a
fundadora da técnica científica moderna e vem a ser o núcleo original do
qual outros trabalhos se derivam.
Assim, esse processo caracteriza-se pela divisão interna do
trabalho médico vindo a constituir as especialidades médicas, outra parte foi
assumida por outros agentes como a enfermagem e outra foi agregada por
outras áreas como a psicologia, nutrição, assistência social e outros.
Apesar da divisão do trabalho permitir melhora na produtividade
dos serviços, em contrapartida, acarreta uma fragmentação de ações que
atualmente vem representando um grande desafio na (re)construção do
trabalho em saúde.
Temos sentido isso nesse momento de reestruturação do eixo
orientador do Sistema Único de Saúde (SUS) com a composição das
equipes do Programa Saúde da Família, em que as funções de cada
membro da equipe em muitos momentos se justapõem, outras se articulam,
tornando-se a cada momento um novo desafio.
E isso vem ao encontro das afirmações de Peduzzi (1998) quando
diz que a noção de equipe não se refere apenas a uma justaposição, mas
também a articulação e integração de diferentes processos de trabalho, pois
cada trabalho tem sua peculiaridade, com objetivos, saberes e instrumentos
próprios.
Finalizando, não podemos deixar de considerar que a influência
de um trabalho mais flexível, mais compartilhado, com uma comunicação
mais dialógica vem acontecendo pare e passu com o surgimento de novos
modelos de atenção à saúde, descortinando novos rumos para uma
coordenação que alie fatores como co-gestão e compartilhamento
(CAMPOS, 1997), sendo todos eles instrumentos facilitadores para uma
melhor coordenação da equipe multiprofissional em saúde do PSF.
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3
5
Dessa forma, acreditamos que a enfermagem possa ir se
despindo pouco a pouco da influência taylorista e controladora de sua
prática.
A gerência enquanto processo de trabalho em enfermagem
Almeida et al. (1997), propõem que a atividade gerencial é um
movimento muito dinâmico que se conforma na busca de soluções dos
problemas e está permeada por dimensões técnicas, políticas e
comunicativas. Na mesma direção apontam Mishima et al. (1997) que, no
contexto da municipalização da saúde, o papel gerencial assumiu sua
importância no processo de trabalho nas unidades de saúde.
O trabalho em enfermagem, além de ser parte do processo de
trabalho em saúde, também se encontra como parte de um trabalho coletivo
realizado em diversas instituições de saúde, tanto públicas quanto privadas.
Na saúde coletiva, vemos o profissional enfermeiro ganhando
espaços na área administrativa, visto que, em sua performance profissional,
ele já vem gerenciando programas de saúde pública.
Na sua prática gerencial, o enfermeiro desempenha o papel de
coordenação do processo de trabalho em enfermagem e outro de
coordenação do processo de trabalho da equipe de saúde. Moreno (1974)
considera que papel é a maneira de agir que o profissional adota num
determinado momento, numa determinada situação, na qual outras pessoas
ou objetos estão envolvidos.
Neste aspecto, autores como Leopardi (1999), Peduzzi (2001) e
Spagnol (2005), reconhecem que o enfermeiro desempenha, na prática,
quatro atividades essenciais: assistencial, gerencial, educativa e de
pesquisa.
Em seu cotidiano de trabalho, essas atividades não se
desenvolvem de modo estanque, separadas, mas sim de forma integrada e
articulada num processo de trabalho em saúde.
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36
Nesse contexto do processo de trabalho em enfermagem,
destacamos em nosso estudo, o trabalho de coordenação dos enfermeiros
frente à equipe multiprofissional que atua no Programa Saúde da Família de
Botucatu.
Diante do exposto, optamos, nessa pesquisa, utilizar o termo
“coordenador” para designar o papel exercido pelos enfermeiros que atuam
no PSF de Botucatu em consonância com a designação atribuída aos
mesmos quando contratados neste município e por considerar que
“coordenação” é mais coerente com o papel esperado no atual contexto das
práticas em saúde, que pressupõem a participação de toda a equipe no
processo de trabalho e na atuação coletiva.
A Enfermagem e o contexto histórico das teorias administrativas
Historicamente, os enfermeiros têm adotado em suas práticas
administrativas, princípios da Escola Científica da Administração, tendo em
vista a organização dos serviços de enfermagem nas instituições onde
atuam (KURCGANT 2001, MENDES et al., 2002, FERNANDES et al., 2003,
SPAGNOL, 2005).
Em nossa pesquisa, optamos por destacar a atividade de
coordenação de equipe multiprofissional do PSF, propondo neste estudo um
aprofundamento acerca das principais dificuldades que os enfermeiros têm
enfrentado em seu cotidiano de trabalho ao exercerem essa
atividade/função.
Nos diversos serviços de saúde, especificamente nos hospitais e
Unidades Básicas de Saúde, a gerência de enfermagem tem assumido
importante papel na construção e organização desses serviços, buscando
inclusive, articular ações entre a equipe de enfermagem e demais profissões
que atuam nesses espaços.
Neste século, o enfermeiro tem vivido uma dicotomia entre o
cuidar do ser humano e administrar esse cuidado. Isto porque, na história da
enfermagem, todo cuidado de enfermagem foi pautado originalmente no
modelo religioso, que se limitava ao conforto das almas dos doentes.
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3
7
Somente a partir do século XIX na Inglaterra, a enfermeira Florence
Nightingale com sua vocação para o cuidado e sua larga experiência com as
diaconisas de Kaiserwerth na Alemanha, começa a configurar um outro
processo de trabalho para a enfermagem (SPAGNOL, 2005).
Foi Florence quem institucionalizou o ensino da enfermagem
criando a primeira escola de enfermagem em 1860 formando ladies nurses
que se responsabilizavam pela administração dos hospitais e as nurses para
prestarem assistência aos pacientes (ROZENDO & GOMES, 1998;
SPAGNOL 2005).
A origem do conhecimento em administração de enfermagem se
constituiu histórica e socialmente a partir de como Florence praticava e
ensinava a enfermagem.
No Brasil, o ensino e a prática da enfermagem também sofreram
influências do modelo “nigthtingaleano”, concretizando-se em 1921, quando
Carlos Chagas, que respondia pelo Departamento Nacional de Saúde
Pública, após visita aos serviços americanos de saúde, já estruturados nos
moldes nightingaleanos, implantou o Serviço de Enfermeiros de Saúde
Pública e junto, uma escola de enfermagem como conheceu nos Estados
Unidos (SPAGNOL, 2005).
Os princípios deste modelo de gerência criados por Florence
tiveram sua origem nas Teorias de Taylor e Fayol (Teoria Científica e Teoria
Clássica respectivamente) em meados do século XIX para serem utilizados
nas indústrias da época. Essas teorias influenciaram a enfermagem na
medida em que houve uma preocupação em “como” fazer, aliadas a uma
rígida divisão de trabalho, padronização de tarefas, adoção de manuais de
técnicas e procedimentos. Encontramos ainda essa influência em
organogramas verticalizados demonstrando a inteira subordinação de um
indivíduo a outro e de um serviço a outro (KURCGANT, 2001).
A questão da liderança surge com a Teoria das Relações
Humanas no início da década de 1930, onde o foco na “estrutura” cedeu
lugar à variável “pessoa”. Foi o início das preocupações com o aspecto
psicológico (homem) e sociológico (grupos) em vez de se preocupar com os
métodos e as regras de trabalho. É neste momento que se passou a tratar
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dos aspectos motivacionais, da liderança, comunicação e a dinâmica de
grupos. Essa teoria também influenciou a administração em enfermagem
adotando-a até os dias de hoje na condução de grupos, nas disciplinas da
graduação (KURCGANT, 2001). A comunicação também passou a ser foco
de estudos em enfermagem, sendo considerada por muitos autores como a
base do gerenciamento (TAKAHASHI & PEREIRA, 1991; TREVIZAN et al.,
1998; GALVÃO et al., 2000; MENDES et al., 2002).
A teoria burocrática de Max Weber (1864-1920) também
influenciou as esferas da administração em meados dos anos 40 com o
propósito de estabelecer novos sistemas de controle de pessoal, mantendo
um caráter racional e uma rígida divisão do trabalho, sendo a
impessoalidade nas relações humanas uma característica marcante. A
influência dessa teoria sobre a administração da enfermagem foi marcante
quanto às características de seu quadro de pessoal, que se tornou mais
especializado, com comportamentos e posições mais definidas pelo grupo
que detém o poder nas organizações.
Nota-se que esses fatores: impessoalidade, comportamentos
mais rígidos, controles, especialização técnica, têm contribuído até hoje para
uma prática gerencial em enfermagem baseada em regras e normas rígidas
e obsoletas, pouco flexíveis às mudanças (KURCGANT, 2001).
Dando seguimento histórico e contextualizando a influência
dessas teorias à administração na enfermagem, em 1947, surge a teoria
Comportamentalista a partir de uma dissidência da teoria das Relações
Humanas, com a finalidade de estudar o comportamento organizacional com
vistas ao estudo do comportamento das pessoas, estando incluída neste
momento, a motivação humana. Essas teorias suscitaram estudos
aprofundados sobre a liderança, que foi neste período estudada por Hersey
e Blanchard (2004). Ainda encontramos administradores de enfermagem
influenciados pela teoria comportamentalista adotando estilos de chefias
compatíveis com esses pressupostos que são ainda compatíveis com as
Teorias Clássicas e Científicas já citadas (KURCGANT, 2001).
Na década de 1960, surge então a Teoria Geral de Sistemas,
introduzida na análise organizacional por meio do trabalho do biólogo Ludwig
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3
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von Bertalanffy, em 1968, nos Estados Unidos. Baseia-se no conceito de
“homem funcional”, caracterizando-se pelo relacionamento interpessoal com
outras pessoas num sistema aberto. Sistemas abertos mantêm um fluxo
contínuo, e repetido indefinidamente, de entradas, transformações e saídas
com o meio externo. Influenciou as organizações de saúde e os serviços de
enfermagem na medida em que foram entendidos como um subsistema
dentro de um sistema maior, no caso, o sistema de saúde (KURCGANT,
2001; MOTTA, 2001).
A Teoria dos Sistemas abriu caminhos para a inserção definitiva
do ambiente externo no contexto organizacional, no qual a abordagem
contingencial deu origem a Teoria Contingencial. Esses estudos
investigaram como uma mesma empresa funcionava de diferentes formas
em diferentes condições.
Segundo Vendramini (2000) e Kurcgant (2001), estudos
realizados nessa teoria mostram a importância do controle, da supervisão e,
em última instância, da liderança. O líder, neste caso, exerce grande
influência na organização, configurando estruturas organizacionais mais
flexíveis ao ambiente e estimulando os indivíduos a manterem-se abertos a
tais demandas. Nas instituições de saúde, essa teoria pode ser percebida
como referencial de proposta administrativa de um ou mais administradores,
porém, não embasam políticas e diretrizes institucionais. A abordagem
contingencial ainda não integra o referencial teórico sobre administração em
cursos de formação de enfermeiros, dificultando sua adoção nas práticas
gerenciais dos mesmos.
Como pudemos notar, essas Teorias influenciaram as escolas de
administração e, inegavelmente, influenciaram as escolas de enfermagem.
Estudos apontam que os enfermeiros ainda utilizam métodos e
estratégias de gestão tradicionais, oriundos da teoria clássica da
administração, modelo que foi influenciado historicamente por fatores ora
econômicos, ora sociais e culturais (ROZENDO & GOMES, 1998;
FERNANDES et al., 2003; SPAGNOL, 2005).
INTERFACES ENTRE COORDENAR E O CUIDAR
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40
O cotidiano desses enfermeiros é sempre permeado de dúvidas e
polêmicas que, na visão de alguns estudiosos do campo da enfermagem,
crescem na medida em que se torna evidente uma dicotomia entre o que se
espera do profissional enfermeiro na visão dos teóricos da enfermagem, e o
que de fato se verifica estar acontecendo em sua prática cotidiana
(TREVIZAN et al., 1998).
No entender de Ferraz (1998, p.165) “historicamente os
processos de cuidar e administrar são campos do saber, mas que a
justaposição desses saberes não consegue mais produzir práticas que
respondam efetivamente à missão da enfermagem”.
No mesmo caminho, Lima (1998, p.19) afirma que:
“a fragmentação entre o cuidar e o administrar na
enfermagem, tem sido colocada como algo insuperável, por
serem processos excludentes, ou seja, a prática
administrativa em oposição ao exercício da assistência e do
cuidado direto aos pacientes, vistas ambas como
inconciliáveis e não como partes do mesmo processo de
produzir e gerir o cuidado em saúde”.
Na visão de Spagnol (2005, p.121), para gerenciar a assistência
de enfermagem, “o enfermeiro utiliza a supervisão como dispositivo de
controle do processo de trabalho e do comportamento dos trabalhadores,
dificultando o exercício da gerência compartilhada”.
Essas constatações não têm permitido aos enfermeiros criarem
interfaces entre administrar e cuidar, não construindo espaços coletivos de
gestão, onde possam atuar como atores sociais, isto é, descentralizarem e
compartilharem o processo decisório (SPAGNOL, 2005) e ainda têm levado
muitos profissionais a negarem seu papel gerencial prejudicando o trabalho
que deveria ser mais seguro e menos conflituoso.
A enfermagem, por natureza, é uma força de trabalho
heterogênea, composta por mais de uma categoria profissional, dando a ela
um caráter muitas vezes fragmentário, com muitas diferenciações entre suas
práticas e saberes, restando ao enfermeiro que está no topo da escala
Coordenar Equipe Multiprofissional – Desafio para o Enfermeiro do PSF
41
hierárquica desenvolver as atividades de coordenação de maneira
predominante em relação ao cuidado direto ao paciente.
Podemos compreender em parte a predominância do trabalho
gerencial do enfermeiro em relação à assistência do cuidado, tendo em vista
o número escasso de enfermeiros na composição da força de trabalho, o
que dificulta a atenção integral às necessidades de saúde da população. Por
outro lado, demonstra como está dividido o momento de gerenciamento
daqueles momentos da execução das atividades de cuidado (FELLI &
PEDUZZI, 2005).
Essas circunstâncias são comumente encontradas no processo
de trabalho do enfermeiro e ocorrem não apenas no interior do trabalho em
hospitais, mas também em Unidades Básicas de Saúde (UBS) e, no nosso
caso, nas Unidades de Saúde da Família (USF).
Para Spagnol (2005), faz-se necessário buscar outros aportes
teóricos para a gerência em enfermagem, que possam ir além, isto é,
despedir-se das teorias clássicas da administração para encontrar subsídios
para uma nova prática gerencial como abertura ao diálogo,
compartilhamento e análise do processo de trabalho e para tanto, o
enfermeiro deve deixar de valorizar ao extremo o controle, as hierarquias
rígidas, a ordem, a impessoalidade que, como vimos, são todas as
características dos modelos clássicos da administração.
A enfermagem, profissão historicamente marcada pelo
compromisso com a saúde pública, tem grande capilaridade social, estando
presente na maioria das ações desenvolvidas na Atenção Básica/ Saúde da
Família do Sistema Único de Saúde (SUS).
A Saúde Pública tem se constituído em um importante campo de
conhecimento de diversas áreas do saber: epidemiologia, antropologia,
ciências humanas e sociais, administração, entre outras, para, segundo
Spagnol (2005 p.122), “compreender os determinantes sociais do processo
saúde-doença, bem como compreender as práticas de gestão dos serviços”.
A autora parte do pressuposto que alguns desses conceitos
poderão de alguma forma, subsidiar o surgimento de uma nova prática
Coordenar Equipe Multiprofissional – Desafio para o Enfermeiro do PSF
42
gerencial na enfermagem, pois entende a “gerência como uma prática
relacional, que deve compreender o cliente, o trabalho de saúde como um
sujeito social em ação”.
Na arena de estudos da gerência na Atenção Básica/ Saúde da
Família, o enfermeiro tem sido amplamente requisitado a ocupar espaços
estratégicos para a implementação de políticas sociais e de saúde e, em
especial, coordenar equipe multiprofissional no âmbito do PSF.
Segundo Portaria n° 648, de março de 2006, o Ministério da
Saúde (BRASIL, 2006) atualiza as atribuições dos profissionais das equipes
de Saúde da Família, de Saúde Bucal e de Agentes Comunitários de Saúde,
cabendo ao Enfermeiro:
Realizar assistência integral (promoção e proteção da saúde,
prevenção de agravos, diagnóstico, tratamento, reabilitação e
manutenção da saúde) aos indivíduos e famílias na USF e, quando
indicado ou necessário, no domicílio e/ou nos demais espaços
comunitários (escolas, associações etc), em todas as fases do
desenvolvimento humano: infância, adolescência, idade adulta e
terceira idade;
Conforme protocolos ou outras normativas técnicas estabelecidas
pelo gestor municipal ou do Distrito Federal, observadas as
disposições legais da profissão, realizar consulta de enfermagem,
solicitar exames complementares e prescrever medicações;
Planejar, gerenciar, coordenar e avaliar as ações desenvolvidas pelos
ACS;
Supervisionar, coordenar e realizar atividades de educação
permanente dos ACS e da equipe de enfermagem;
Contribuir e participar das atividades de Educação permanente do
auxiliar de enfermagem, ACD (auxiliar de cirurgião dentista) e THD
(técnico de higiene dental);
Participar do gerenciamento dos insumos necessários para o
adequado funcionamento da USF.
Coordenar Equipe Multiprofissional – Desafio para o Enfermeiro do PSF
43
Como podemos observar, as atribuições dos enfermeiros que
atuam na ESF são bastante amplas, possibilitando ações muito variadas que
se completam na visão da integralidade, apontando para práticas
interdisciplinares, constituindo dessa forma, um espaço relevante para a
atuação do enfermeiro.
Permite ainda, vários debates e estudos aprofundados sobre a
formação e a prática do profissional enfermeiro num contexto que privilegie o
trabalho em equipe multiprofissional, redirecionando suas ações para
consolidação da saúde enquanto direito de cidadania.
Introdução
4
4
5. Equipe Multiprofissional em Saúde
Equipe Multifuncional em Saúde
45
Os serviços de saúde foram se constituindo histórica e
socialmente em espaços onde o trabalhador de saúde se constrói e é
construído por ele, em que essas construções se realizam através de
relações e trocas de saberes.
Assim, nesses espaços onde o trabalho em saúde acontece, vai
se criando uma teia de relações, multidirecional, na qual cada gesto, palavra,
ato, sentimentos, afeta de alguma forma o modo de fazer saúde.
Para Fortuna (1999, p.9), o trabalho neste sentido, seria
entendido enquanto “transformação intencional da natureza pelo homem”,
para o atendimento de suas necessidades resultantes de suas relações
históricas e sociais dele mesmo com a natureza.
Considerando que o homem não trabalha sozinho, convive com
outros homens, suas necessidades são criadas e satisfeitas com esses
grupos, estabelecendo redes de relações num movimento que as fazem
diferentes nos espaços/tempos/finalidades (FORTUNA, 1999).
Assim, entendemos o trabalho em equipe como um processo de
mútuas relações num espaço/tempo onde acontece o cotidiano da produção
em saúde.
O cotidiano do enfermeiro na equipe multiprofissional do
PSF
No nosso estudo, consideramos importante entender a questão
do cotidiano do trabalho das equipes do PSF, e para isso, recorremos aos
estudos de Agnes Heller (1994). Esta autora introduz uma divisão da vida
social humana em dois grupos distintos: o da vida cotidiana e a esfera não-
cotidiana da atividade social.
Mostra que a execução de um trabalho é parte orgânica da vida
cotidiana, e que o trabalho como atividade é uma objetivação genérica em-
si, e que constituem a matéria-prima para a formação elementar dos
indivíduos: a linguagem, os objetos (utensílios, instrumentos) e os usos
(costumes) de uma dada sociedade.
Equipe Multifuncional em Saúde
4
6
Já a esfera não-cotidiana se constitui a partir de objetivações
humanas superiores como as ciências, a filosofia, a arte, a moral e a política.
Não podemos estabelecer uma divisão rigorosa e rígida entre o
comportamento cotidiano e o não-cotidiano, pois que ambos têm um caráter
genérico.
Para Heller (1994), a vida cotidiana é parte inerente à existência
de todo e qualquer indivíduo.
Essa distinção entre a esfera da vida cotidiana e não-cotidiana é
pertinente nessa pesquisa para que possamos compreender as dificuldades,
as relações, as representações acerca do trabalho em equipe
multiprofissional e as vivências do trabalho coletivo no cotidiano dos
enfermeiros coordenadores de equipes do PSF.
Nessa mesma linha, para entendermos o trabalho cotidiano,
lembramos Merhy (1994), que entende o cotidiano institucional, de um lado,
como um cenário do mundo das significações que pode estar atravessado e
não necessariamente compartilhado pelos trabalhadores em saúde, e por
outro lado, um mundo distinto, o dos sentidos e sem sentidos se mostrando
através das falhas ocorridas no lado anterior.
O autor entende por mundo das significações, o mundo da
identidade, onde construímos nosso território existencial, onde
desempenhamos nosso papel, onde achamos que ali sabemos quem
somos, como um sonho onde percebemos que um outro em nós se revela,
dessa forma definindo-nos e aos outros, pois, o que parecia com sentido
para nós, poderá se revelar sem sentido ou mostrar outros sentidos.
Ainda afirma que “... é no cotidiano dos nossos trabalhos e na
coletivização da gestão dos nossos serviços, a fim de resolver os problemas
que identificamos no dia-a-dia, que iremos somar nesta direção, construindo
um outro proceder em saúde...” (MERHY, 1994, p.124).
Esse outro proceder em saúde se orienta pela construção dos
vínculos entre os membros da equipe, com os usuários, comunidade e
reforça a necessidade do acolhimento humanizado dos usuários nos
serviços de saúde. Acredita que estas ações impactariam nos quadros de
Equipe Multifuncional em Saúde
47
morbi-mortalidade a partir da articulação ampla e integral de todas as ações
de saúde disponíveis.
Ainda nos faz refletir nas questões do uso das tecnologias nas
práticas de saúde, onde as mesmas podem ser entendidas, não só como o
moderno e o novo, mas sim como o proceder de determinados saberes e
suas finalidades. Afirma que:
“em saúde, essa tecnologia está nos diferentes saberes
que procuram ler nosso mundo humano do ponto de vista
da saúde e da doença, do normal e do patológico, da vida e
da morte, procurando construir procedimentos eficazes de
intervenção nestes processos”. (MERHY, 1994, p.124).
Nos estudos de Peduzzi (1998), constatamos que o processo de
trabalho permeia uma realidade objetiva do trabalho coletivo em saúde,
atendendo uma gama de necessidades por meio de uma articulação e
integração das ações de vários agentes oriundos da mesma área
profissional ou áreas distintas. É nesta área de estudo que inserimos o
trabalho em equipe multiprofissional, portanto, o mesmo pode ser colocado
como uma modalidade do trabalho coletivo, estando em permanente
transformação ao longo do tempo.
O trabalho em equipe no PSF pode ser entendido como uma
estratégia concebida para corroborar a operacionalização dos princípios do
SUS (SILVA & TRAD, 2005; ALVES, 2005; PEDROSA & TELES, 2001;
PEDUZZI, 2001; CAMPOS, 1992; 1997) e como estratégia para mudança do
atual modelo de saúde.
Neste momento, mais que nunca, o trabalho em equipe tem sido
incentivado em todas as áreas profissionais, sendo destacadas suas
vantagens sobre o trabalho individual.
De um modo geral, as publicações sobre trabalho em equipe
multiprofissional na saúde são raras, podendo ser encontradas mais
recentemente nos trabalhos de Peduzzi (1998), Fortuna (1999) e os demais
se referem apenas ao trabalho em equipe especialmente voltados ao
Equipe Multifuncional em Saúde
48
Programa Saúde da Família (CAMPOS, 1997; PEDROSA & TELES, 2001;
ALMEIDA & MISHIMA, 2001; SILVA & TRAD, 2005; CREVELIM, 2005;
FORTUNA et al., 2005).
Destacamos ainda que, no estudo de Peduzzi (1998), a autora
aponta que a literatura acerca do trabalho em equipe remonta à década de
1930 e se apresenta no campo das equipes psiquiátricas recebendo maior
impulso a partir da Segunda Guerra Mundial.
Ao tratarmos de equipes em relação à organização social das
práticas de saúde, em como essas práticas se distribuem nos serviços e, por
conseqüência, no interior das equipes, podemos examinar nos estudos de
Campos (1997, 246-250) que defende que a estruturação de equipes é à
base da organização dos serviços de saúde e estão polarizadas em dois
pólos: um mais tradicional, em organizações mais hierarquizadas, onde se
observam uma “agregação vertical” de profissões ou grupos de
especialistas, inserindo-se os clássicos organogramas verticais
departamentalizando os serviços e burocratizando o trabalho. De outro lado,
há experiências radicais de horizontalização dos organogramas com melhor
distribuição do poder, podendo ocorrer uma equiparação artificial dos
profissionais envolvidos já que todos fariam tudo e ninguém seria
responsabilizado, sendo que essa responsabilização seria de cunho coletivo.
Dessa forma, o autor afirma que o grande desafio seria uma
combinação de vários graus de polivalência com certo nível necessário da
especialização para que as áreas de competência (do saber) e da prática
(responsabilidade) de cada profissional e de cada equipe não se percam.
Campos (1997, p.248) sugere conceitos de Campos de
Competência e de Responsabilidade e Núcleo de Competência e
Responsabilidade. Por Núcleo entende-se “conjunto de saberes e de
responsabilidades específicos a cada profissão ou especialidade” e por
Campo “saberes e responsabilidades comuns ou confluentes a várias
profissões ou especialidades”.
Com base na apropriação desses conceitos, o autor propõe que o
trabalho em equipe possa ter mais abertura no paradoxo da autonomia e
Equipe Multifuncional em Saúde
49
definição de responsabilidade e por conseqüência mais liberdade para novas
propostas de novas definições de Campo e de Núcleo para cada um e
dentro da própria equipe.
No caso dos enfermeiros que coordenam equipe multiprofissional
do PSF caberia então, desenvolver um olhar interior da sua própria prática
no que compete às áreas de responsabilidade e competência de si mesmo e
de cada profissional, bem como da própria equipe.
Existem muitas formas de se considerar o trabalho em equipe e,
ainda, diferentes finalidades para sua proposição (FORTUNA et al., 2005)
Encontramos ainda referências a essa modalidade de trabalho
como uma possibilidade de realização do atendimento integral e, ainda,
articulação de saberes, justaposição da divisão do trabalho e disciplinas
necessários para lograrmos a integralidade em saúde (FORTUNA, 1999;
PEDUZZI, 1998).
Constatamos que a questão do trabalho em equipe deve ser
examinada em âmbito do coletivo. No entender de Peduzzi, o grande divisor
de enfoques tem sido “a separação da qualificação técnica dos
determinantes sociais do trabalho, gerando abordagens que esvaziam a
noção de equipe no sentido de atribuições técnicas e o rol de tarefas e
atividades”, podendo impedi-lo de concebê-lo como trabalho coletivo
(PEDUZZI, 1998, p.4).
Fortuna & Mishima (citados por FORTUNA, 1999) identificam três
concepções diferentes acerca do trabalho em equipe, cada uma destacando
os resultados, as relações e a interdisciplinaridade. Em relação aos
resultados, a equipe é vista apenas como um recurso para aumentar a
produtividade e a racionalização dos serviços. Quanto às relações, são
referenciados conceitos da psicologia e as equipes são vistas com base nas
relações interpessoais e nos processos psíquicos. No que tange à
interdisciplinaridade, apontam os trabalhos que discutem a articulação dos
saberes e a divisão do trabalho em saúde.
Já os estudos de Campos (1992) remetem a reflexões acerca das
equipes de saúde como base da organização dos serviços e têm três
Equipe Multifuncional em Saúde
50
justificativas principais: quebrar a costumeira divisão do processo de
trabalho segundo recortes verticais, compondo segmentos estanques por
categorias profissionais; responsabilizar cada equipe por um conjunto de
problemas muito bem delimitado e pelo planejamento e execução de ações
capazes de resolvê-los; e facilitar a superação da inércia e da indiferença
burocrática que caracterizam os serviços públicos de saúde atualmente.
Entre os diferentes conceitos e percepções sobre o que seja uma
equipe de trabalho em saúde, vale destacar o de Fortuna et al. (2005), que
consideram o trabalho em equipe de saúde como uma “rede de relações
entre pessoas, rede de relações de poderes, saberes, afetos, interesses e
desejos, onde é possível identificar processos grupais (p.264).
A proposta do trabalho em equipe no PSF é a de uma equipe
composta no mínimo por um médico generalista, quatro a seis agentes
comunitários de saúde, dois auxiliares de enfermagem e um enfermeiro.
Acrescenta-se uma equipe de saúde bucal para cada duas equipes de PSF,
cuidando de oitocentas a mil famílias em uma área de abrangência (BRASIL,
1998).
Cabe a esta equipe conhecer a realidade das famílias pelas quais
é responsável, com ênfase em suas características sociais, demográficas e
epidemiológicas, identificar os problemas de saúde prevalentes e situações
de risco aos quais a população está exposta, prestar assistência integral,
respondendo de forma contínua e racionalizada à demanda organizada ou
espontânea, com ênfase nas ações de promoção à saúde, desenvolver
processos educativos para a saúde, voltados à melhoria do autocuidado dos
indivíduos e promover ações intersetoriais para o enfrentamento dos
problemas identificados (BRASIL, 1998).
Mas uma equipe de saúde não se forma apenas ao contratar
trabalhadores de diferentes categorias e colocá-los juntos no mesmo
espaço. O grande desafio está em compreender a dinâmica de seu próprio
processo de construir novos saberes. Não existe uniformidade das idéias e,
portanto, a equipe perfeita não existe (MATUMOTO et al., 2005). Neste
sentido, para esses autores é necessário que a própria equipe possa se
Equipe Multifuncional em Saúde
51
analisar nesse processo de construção de saberes, necessitando, para isso,
de um espaço-tempo para reflexão. É nesse espaço-tempo que ela vai
visualizar as dificuldades, os obstáculos, as pequenas vitórias para
compreender e modificar o que for preciso.
Construir novos saberes, modificar caminhos, rever conceitos do
passado implica um caminhar em que se sai de um ponto para outro ao
mesmo tempo em que se vai tomando consciência do movimento para onde
se quer ir (MATUMOTO et al., 2005).
Desta forma, coloca-se para os trabalhadores o desafio do
trabalho em equipe em relação a fazeres que ainda precisem desbravar e
construir, o que pode tornar ainda mais complexas as relações entre os
trabalhadores do PSF (FORTUNA et al., 2005).
Ao articularmos esses aportes teóricos sobre trabalho em equipe,
não pretendemos nessa pesquisa esgotar o assunto, pois que o mesmo é
multidimensional, e varia a cada espaço/tempo/finalidade, porém, o
apresentamos como um grande desafio para o momento. Momento em que
o enfermeiro vem assumindo a coordenação de equipe multiprofissional do
PSF e tem vivenciado os mais diferentes modos de exercitar esse papel.
Esse processo pressupõe muitos encontros e desencontros, muita
criatividade e sensibilidade, uma tarefa que constitui sua finalidade através
de delicados mecanismos de interposições de papéis.
De todo o exposto até aqui, pretendemos compreender o papel do
enfermeiro no exercício da coordenação de uma equipe no PSF do
município de Botucatu, sobretudo em relação às suas competências e
habilidades praticadas e desenvolvidas no seu cotidiano de trabalho, assim
como as dificuldades que encontram para exercer essa função a partir da
percepção desses profissionais.
Introdução
52
Aportes Teóricos e Metodológicos – Os Caminhos Escolhidos
53
6. Aportes Teóricos e Metodológicos - Os
Caminhos Escolhidos
A escolha da trajetória metodológica
O ser humano tem como característica a necessidade de
entender e explicar o universo em que está inserido. Tal conhecimento se
desenvolve mediante a relação estabelecida entre um sujeito e determinado
objeto, apresentando-se esta de forma desordenada e oferecendo uma
diversidade de impressões que podem ser captadas pelo sujeito sob
diversas perspectivas. Para qualquer abordagem, entretanto, é importante
um ponto de referência: um referencial teórico-metodológico estabelecido,
que delineie o campo de observação e determine as condições de
relacionamentos entre os fenômenos (GUALDA, 1995).
A pesquisa em saúde é uma pesquisa social que contempla uma
característica básica de seu objeto: o aspecto qualitativo. “Isso implica
considerar sujeito de estudo: gente, em determinada condição social,
pertencente a determinado grupo social ou classe com suas crenças, valores
e significados” (MINAYO, 2004, p.22).
Metodologia qualitativa, segundo Minayo (2002, p.21):
“não se baseia em critério numérico para garantir sua
representatividade e trabalha com um universo de
significados, motivos, aspirações, crenças, valores e
atitudes, correspondendo a espaços mais profundos das
relações, dos processos e dos fenômenos que não podem
ser reduzidos à operacionalização de variáveis”.
Na enfermagem, o uso da metodologia qualitativa demonstra
potencial para explorar novas áreas do conhecimento e abordar perspectivas
sobre a natureza da enfermagem.
Aportes Teóricos e Metodológicos – Os Caminhos Escolhidos
5
4
Em estudo sobre a pesquisa qualitativa em enfermagem no Brasil,
Stefanelli et al. (1998) constataram aceitação dessa metodologia pelos
profissionais da área e que os enfermeiros estão realizando estudos dessa
natureza.
Dentre as técnicas dessa abordagem, este estudo vai destacar a
do grupo focal, que tem sido internacionalmente usada para a estruturação
de ações em saúde pública que levam em conta inquietações acerca de
comportamentos, seus significados e a importância atribuída a eles
(CARLINI-COTRIM, 1996).
Acrescentamos que nossa vivência na prática de enfermagem nos
remete às interpretações que possamos fazer enquanto investigador e que,
portanto, não é neutra, pois estamos constantemente levando para nossas
construções todas as expectativas vivenciais de nossa prática ao longo dos
anos e que, por isso mesmo, são passíveis de mudança todo o tempo.
Grupo focal para coleta de dados
Foi proposto primeiramente pelo cientista social Robert Merton, na
década de 1950 e ignorado pelos professores universitários na época, sendo
posteriormente incorporado entre os pesquisadores de “marketing” que tão
logo o consideraram como uma valiosa técnica de pesquisa (CARLINI-
COTRIM, 1996).
Na área da saúde, o grupo focal foi sendo incorporado a partir
dos meados dos anos 80 e, rapidamente, sua utilização cresceu em meados
dos anos 90. Segundo a autora:
“o grupo focal parece responder à nova tendência de
educação para a saúde, que tem se deslocado da
perspectiva do indivíduo para o grupo social, e da educação
baseada em conteúdos e abordagens universais para uma
educação centrada na perspectiva cultural dos seus
possíveis beneficiários”. (CARLINI-COTRIM, 1996, p.286).
Aportes Teóricos e Metodológicos – Os Caminhos Escolhidos
55
Esta técnica tem sido utilizada com bastante freqüência para
compreender o fenômeno na área da saúde, inclusive na enfermagem,
sendo apropriada a pesquisas qualitativas em que se pretende explorar um
“foco”, um ponto em especial, podendo ser empregada tanto em tema
específico, cuja finalidade é deixar emergir as diferentes visões sobre o
mesmo, ou ainda com um grupo, para se compreender as diferentes visões
de mundo ou de determinados temas, ou mesmo quando se quer entender
em profundidade um comportamento de um grupo determinado (VÍCTORA
et al., 2000).
Pode-se considerar que o grupo focal, por meio de um fórum de
discussão, possibilita a construção de um conhecimento coletivo do grupo
(GUALDA, 1995).
Apesar do pouco tempo de uso, essa abordagem tem permitido
ao pesquisador obter dados para seus estudos, garantindo aos sujeitos da
pesquisa um espaço de reflexão de suas próprias concepções, uma auto-
avaliação, e possibilitando mudança de paradigmas (RESSEL et al, 2002).
Essas autoras referem que tais mudanças possam emergir do próprio grupo
de estudo, sustentadas pelo próprio contexto de suas vivências.
Características de um grupo focal
O grupo focal pode ser considerado uma espécie de entrevista de
grupo, embora não no sentido de ser um processo no qual alternam
perguntas do pesquisador e resposta dos participantes. Sua essência
consiste em se apoiar na interação entre seus participantes para colher
dados, a partir de tópicos que são fornecidos pelo pesquisador (que poderá
ser o moderador do grupo).
Para Minayo (2004) e Carlini-Cotrim (1996), o grupo focal, como
citado anteriormente, pode ser considerado uma espécie de entrevista de
grupo onde os participantes são escolhidos a partir de um determinado
grupo, cujas idéias e opiniões são do interesse da pesquisa.
Aportes Teóricos e Metodológicos – Os Caminhos Escolhidos
5
6
O material obtido terá a transcrição de uma discussão em grupo,
focada em um tópico específico (por isso grupo focal). O grupo é formado
por quatro a 12 participantes não familiares uns aos outros e selecionados
por apresentarem certas características em comum, relacionadas ao tópico
que está sendo pesquisado pela técnica.
Cada encontro tem duração média de uma hora e meia, cabendo
ao moderador criar um ambiente propício para que diferentes percepções e
pontos de vista fluam sem pressões em seus participantes.
Universo da pesquisa
O Ministério da Saúde tem incentivado a instalação do Programa
Saúde da Família como estratégia de consolidação do SUS, pois o PSF foca
a atenção à saúde na família, entendida e percebida a partir de seu
ambiente físico e social, possibilitando às equipes uma compreensão
ampliada do processo saúde/doença e da necessidade de intervenções que
vão além de práticas curativas, elegendo como pontos importantes o
estabelecimento de vínculos e a criação de laços de compromisso e de co-
responsabilidade entre os profissionais de saúde e a população.
Embora conhecido como “Programa”, por suas especificidades o
PSF não é uma atividade paralela às dos serviços de saúde. É, ao contrário,
uma proposta substitutiva de modelo assistencial, com dimensões técnica,
política e administrativa novas. Propõe-se a trabalhar com o princípio da
vigilância à saúde, apresentando uma característica de atuação inter e
multidisciplinar e responsabilidade integral sobre a população que reside na
área de abrangência da unidade de saúde.
O PSF necessita de interações do sistema de saúde não só entre
suas várias instâncias de complexidade, mas também com outras
organizações do Município, do Estado e da Federação. Propicia organização
da hierarquia assistencial, estabelecendo nova relação entre a população e
os serviços. Promove o acesso da população à atenção básica e aos
serviços de especialidade, por novos fluxos de referência/contra-referência.
Aportes Teóricos e Metodológicos – Os Caminhos Escolhidos
57
Assume o desafio da eqüidade. Requer multiplicidade e alta complexidade
de conhecimentos e desenvolvimento de habilidades pela equipe de
profissionais, pois os problemas vividos pela maioria da população são
múltiplos e inter-relacionados com a qualidade de vida.
Com todos os avanços e discussões na gestão pública da saúde,
a estratégia “Saúde da Família” tem se apresentado com forte potencial no
sentido de transformação das práticas de atenção básica.
Em geral, os serviços atuam direcionados à doença e não para a
promoção de saúde. Atendem parcialmente a demanda basicamente
espontânea, complementados pelos Pronto-Socorros, e realizam apenas em
parte a análise dos problemas de saúde da comunidade e o planejamento
das atividades, em especial aquelas relacionadas aos determinantes de
doenças de grupos populacionais de risco. Embora cada Centro de Saúde
tenha uma população teoricamente adscrita, a inexistência de uma
população definida para cada equipe de profissionais não permite a
responsabilização e o vínculo entre ambos.
Considerando que o município de Botucatu se insere neste
contexto, cabe considerar a estratégia do PSF como necessária e viável.
Alia-se à decisão política de mudança por parte do gestor municipal, à
recomendação de técnicos da saúde, e o desejo de lideranças comunitárias.
Apresenta-se como condição facilitadora o Curso de Especialização em
Saúde da Família, coordenado pelo Pólo de Capacitação e, em 2003, a
Residência para médicos e enfermeiros, ambas oferecidas pela Unesp-
Botucatu (Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”).
O município de Botucatu
Localizado na região centro-oeste do estado de São Paulo,
Botucatu dista 240 km da capital, à qual está ligada pelas Rodovias Castelo
Branco e Marechal Rondon e pela linha férrea da antiga Fepasa.
O município tem uma extensão de 1.522 km2, com área urbana
Aportes Teóricos e Metodológicos – Os Caminhos Escolhidos
58
de 154 km2, às coordenadas da sede são: 22º 52’ 20’’ de latitude sul e 48º
26’ 38’’ de longitude oeste de Greenwich. A cidade é serrana, com clima
subtropical único e invernos secos. Sua altitude média é de 711,5 metros do
nível do mar, atingindo seu ponto mais alto aos 954 metros. As temperaturas
variam entre as médias anuais de 25,6º C (máxima) e 15,4º C (mínima). A
precipitação pluviométrica anual é de aproximadamente 1250 milímetros e
os ventos dominantes são do sudoeste.
Na atividade econômica predomina o setor terciário (serviços),
seguido pelo secundário (industrial) e, por último, o primário (agricultura).
A população de Botucatu passou de 55.596 habitantes, em 1970,
para 108.112 habitantes em 2000 (dados do censo do IBGE - Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística). Pela Programação Pontuada Integrada
(PPI) de 2002, a população estimada é de 110.242 habitantes. O Sistema
Municipal de Informações em Saúde (SiMIS) tem dados de 33.375 famílias
de usuários dos Centros de Saúde (CS), cadastradas ao longo dos anos de
existência do SiMIS quando um dos usuários da família procurava um dos
CS para atendimento e passava suas informações e as da família para o
cadastramento.
O SiMIS configura importante banco de dados da população
usuária dos CS, porque armazena dados demográficos dos cadastrados e
familiares, dados pessoais dos usuários, alguns sócio-econômicos da
família, localização e características da residência. No entanto, não é
totalmente fidedigno, pois os usuários nem sempre o atualizam quando
mudam de endereço, constituem nova família, mudam para outra cidade ou
outras situações. Além disso, nem todas as unidades registraram no SiMIS
todos os usuários que já tinham matrícula antes da informatização. Nesses
casos, para os atendimentos é utilizado o número do prontuário anterior,
perdendo-se o registro informatizado dos atendimentos dos pacientes,
embora se registrem as consultas como “sem matrícula”. Outro problema é
que alguns usuários fornecem endereços falsos para conseguir fazer o
seguimento de seus problemas de saúde em um CS de outra região que não
o da residência, seja por comodidade ou preferência por determinados
Aportes Teóricos e Metodológicos – Os Caminhos Escolhidos
59
profissionais. Por tudo isso, os dados do cadastro dos pacientes do SiMIS já
estão sendo corrigidos e atualizados pelos dados do cadastramento do
“Cartão SUS”. A partir dos dados completos do cadastramento a ser
realizado pelos agentes comunitários de saúde será possível melhor
caracterização da população a ser coberta pelo PSF/PACS.
A atenção à saúde em Botucatu
O nível primário de atenção em Botucatu é composto formalmente
por 13 Unidades Básicas de Saúde (UBS), denominadas Centros de Saúde
(CS). Destes, 11 são gerenciados pela Secretaria Municipal de Saúde,
sendo nove na zona urbana (Cecap, Cohab I, CSI, Jd. Cristina, Jd. Peabiru,
Pq. Marajoara, Rubião Jr., V. Jardim e V. São Lúcio) e dois na zona rural
(Anhumas/César Neto e Vitoriana). Os outros dois CS são unidades do
Centro de Saúde Escola (CSE), produto de um convênio entre a
Universidade Estadual Paulista (Unesp) e a Secretaria Estadual de Saúde
(SES). O CSE tem gerência própria indicada pela Diretoria da Faculdade de
Medicina de Botucatu, sendo uma de suas unidades (CS da Vila dos
Lavradores) o segundo CS instalado em Botucatu (em 1972). A outra
unidade do CSE é o CS da Vila Ferroviária. Desde sua criação, o CSE teve
autonomia de gestão, mantida, na prática, mesmo após a implementação do
SUS, que determina uma gestão única municipal.
Essa rede de CS nunca foi capaz de absorver a demanda por
atenção primária da população de Botucatu, com variações significativas de
capacidade entre as unidades ao longo do tempo. Como resultado, parte
significativa dos problemas típicos da atenção primária tem sido atendida no
HC (Hospital das Clínicas da Unesp), nível terciário de atenção à saúde
(Pronto-Socorro, Pronto-Atendimento e Ambulatórios de Especialidades do
HC), no Ambulatório Regional de Especialidades (ARE), nível secundário de
atenção, e no Pronto Socorro Municipal (PSM). Especialmente no PSM a
imensa maioria da demanda é constituída por problemas que não
Aportes Teóricos e Metodológicos – Os Caminhos Escolhidos
60
necessitam de recursos típicos de Pronto-Socorro e que poderiam ser
resolvidos nos Centros de Saúde.
Em Botucatu, o PSM tem funcionado basicamente como um
Pronto-Atendimento, absorvendo uma parcela das demandas da atenção
primária não atendida pelos CS, não como um sistema de referência por
necessidade de atendimento nesse tipo de unidade, mas como “solução”
para a baixa capacidade de absorção dessas demandas pelos CS. Embora
suas atividades sejam fundamentais para atender à clientela, trata-se de
distorção grave do que é preconizado para a atenção primária.
Uma das tarefas fundamentais da Secretaria Municipal de Saúde
é definir um modelo assistencial que seja capaz de redirecionar a demanda
anômala dos PS para os CS, com aumento da resolutividade do sistema.
Programa de Saúde da Família de Botucatu
Operacionalização da implantação
Grupo de trabalho sobre PSF
A partir de dezembro de 2001 a Secretaria Municipal de Saúde de
Botucatu vinha discutindo a proposta de implantação do PSF incluindo a
participação de profissionais de saúde e de lideranças comunitárias. O
objetivo inicial do grupo foi estabelecer áreas prioritárias para a implantação
do Programa. Após alguns encontros, o objetivo foi ampliado para ações de
divulgação do PSF junto às populações-alvo e definição das características
necessárias aos agentes comunitários de saúde. Elaborou-se o perfil dos
ACS pensando nas atividades que a eles seriam atribuídas, reduzindo o foco
àquelas consideradas “muito importantes” e, por conseqüência, as
habilidades que seriam priorizadas nos critérios de seleção.
Interação com as comunidades
Aportes Teóricos e Metodológicos – Os Caminhos Escolhidos
61
A partir do início do ano de 2002 lideranças comunitárias foram
convidadas para discussões sobre o PSF/PACS, ficando definida a
importância de sua implantação. Com o objetivo de esclarecer à comunidade
sobre o PSF e debater as possíveis alterações a partir da implantação do
novo modelo assistencial foram realizadas reuniões com as comunidades de
algumas áreas pré-selecionadas. A partir desses encontros, acordou-se a
respeito dos editais e datas para o início do processo seletivo para
contratação das equipes e dos Agentes Comunitários de Saúde.
Prioridade na agenda de saúde, em maio de 2003 o PSF teve
início efetivo no município de Botucatu, com as contratações e as
composições das oito equipes planejadas na etapa I, em regiões com
dificuldade de acesso à rede municipal de saúde. Trata-se de bairros ainda
não assistidos por outras unidades de saúde em virtude de constituírem
áreas de expansão urbana e áreas rurais. (BOTUCATU, 2001) Em 2006,
tendo em vista o Projeto de Expansão do Programa Saúde da Família, o
município amplia suas equipes para um total de dez até o momento
(etapa II).
1 - Unidade de Saúde da Família do Jardim Aeroporto e
Cohab III/ César Neto
Localizada na periferia do município, possui uma população
média de cinco mil pessoas em sua área de abrangência. A instalação física
desta unidade abriga duas equipes de saúde de família: uma atende os
bairros Jardim Aeroporto, Cohab Mutirão, Santa Mônica, Santa Cecília e 24
de Maio, num total de 3198 pessoas e 794 famílias cadastradas. A outra
equipe atende o bairro da Cohab III, num total de 1468 pessoas e 396
famílias; e também a zona rural de César Neto, com uma população
cadastrada de 906 pessoas e 287 famílias. A equipe do Jardim Aeroporto é
composta por um médico, uma enfermeira, três auxiliares de enfermagem,
seis agentes comunitários de saúde, um auxiliar de serviços gerais e um
Aportes Teóricos e Metodológicos – Os Caminhos Escolhidos
62
auxiliar administrativo. Na da Cohab III há um médico, uma enfermeira, um
auxiliar de enfermagem, um auxiliar administrativo, um auxiliar de serviços
gerais e três agentes comunitários de saúde.
2 - Unidade de Saúde da Família de Rubião Júnior e área
rural de Rubião
Esta unidade também foi planejada para abrigar duas equipes:
uma atuando na área urbana e outra na área rural.
A equipe de Rubião Júnior da área urbana possui uma
abrangência caracterizada como extensa e com muitos problemas sanitários
(água e esgoto a céu aberto). São 3244 pessoas cadastradas e 815 famílias
acompanhadas pela equipe composta por um médico, uma enfermeira,
quatro auxiliares de enfermagem, um auxiliar administrativo, um auxiliar de
serviços gerais e oito agentes comunitários de saúde.
A equipe da área rural de Rubião Júnior possui a seguinte
cobertura populacional: 1478 pessoas cadastradas e 366 famílias. É
composta por um médico, uma enfermeira, um auxiliar de enfermagem e
cinco agentes comunitários de saúde. A dificuldade de acesso é a principal
barreira geográfica encontrada nessa área, sítios distantes um do outro e
usuários com baixa escolaridade.
3 - Unidade Saúde de Família de Vitoriana
Caracterizada como área rural, é extensa e tem na dificuldade de
acesso ao serviço de saúde a principal barreira. Possui uma população
cadastrada de 2663 pessoas e 837 famílias. A equipe é composta por um
médico, uma enfermeira, dois auxiliares de enfermagem, um auxiliar
administrativo, um auxiliar de serviços gerais e seis agentes comunitários de
saúde.
Aportes Teóricos e Metodológicos – Os Caminhos Escolhidos
63
4 - Unidade de Saúde da Família do Parque Marajoara
Caracterizada por área urbana, de periferia, uma rodovia divide
sua área em duas partes (barreira geográfica), o que dificulta o acesso à
unidade pela população. Tem 1113 famílias e 4000 pessoas cadastradas. A
equipe é composta por um médico, uma enfermeira, quatro auxiliares de
enfermagem, um auxiliar administrativo, um auxiliar de serviços gerais e oito
agentes comunitários de saúde.
5 - Unidade de Saúde da Família do Jardim Santa Elisa
Esta área caracteriza-se por precárias condições de moradia e
saneamento básico e dificuldade de acesso aos serviços de saúde. Tem um
total de 1544 pessoas cadastradas e 423 famílias. A equipe é composta por
um médico, uma enfermeira, três auxiliares de enfermagem, um auxiliar
administrativo, um auxiliar de serviços gerais e quatro agentes comunitários
de saúde.
6 - Unidade de Saúde da Família do Jardim Iolanda
Localizada na periferia da cidade, tem a falta de saneamento
básico e a condição sócio-econômica como principais preocupações. A
população cadastrada é de 3677 pessoas e 940 famílias. Um médico, uma
enfermeira, quatro auxiliares de enfermagem, um auxiliar administrativo, um
auxiliar de serviços gerais e sete agentes comunitários de saúde compõem a
equipe. Por ser o local de trabalho da pesquisadora não constará como
campo de estudo.
Aportes Teóricos e Metodológicos – Os Caminhos Escolhidos
6
4
Os dados registrados no Sistema Informação da Atenção Básica
(SIAB) do PSF do município de Botucatu e utilizados nesta pesquisa são do
ano de 2004 (BOTUCATU, 2004).
7 – Unidade de Saúde da Família do Jardim Peabiru I e II
Inaugurada em maio de 2006, faz parte da etapa II do Programa
de expansão do Programa Saúde da Família deste município. Localizada em
zona urbana, região periférica tem no tráfico de drogas, violência doméstica,
alcoolismo e desemprego o principal risco da área.
Esta unidade abriga duas equipes compostas cada uma por um
médico, uma enfermeira, três auxiliares de enfermagem e sete agentes
comunitários de saúde. A equipe I possui 3957 pessoas e a equipe II 3957
pessoas.
Esses dados informativos são dinâmicos e mutáveis a todo
instante, característica inerente das populações das áreas que são instáveis
e flutuantes e são notificadas diariamente pelos Agentes Comunitários de
Saúde que atualizam esses dados mensalmente.
Instrumento
Foram realizados dois encontros com o grupo focal a partir de
roteiro estruturado (anexo 1), que foram suficientes para se notar a repetição
do discurso como sugere a pesquisa qualitativa. Através da discussão,
levantaram-se na percepção das enfermeiras coordenadoras de equipe do
PSF, dificuldades, conflitos, conquistas e competências necessárias ao
exercício desse papel.
Sujeitos da pesquisa
A partir do ano de 2006, o município de Botucatu está composto
por dez equipes do Programa Saúde da Família. No entanto, o grupo focal
foi formado por sete enfermeiras que atuam no PSF levando em
Aportes Teóricos e Metodológicos – Os Caminhos Escolhidos
65
consideração que a formação desse grupo deu-se no ano de 2005, quando o
município dispunha de oito equipes (excetuando-se, no caso, a própria
pesquisadora que coordena uma equipe), graduadas em enfermagem num
período maior que dezoito meses e há mais de seis meses atuando no PSF.
Procedimento de coleta e análise de dados
A coleta de dados foi feita pelo registro das falas dos participantes
no grupo focal, com base em roteiro pré-determinado. As narrativas foram
gravadas em fita cassete e transcritas após os encontros, mantidas em sigilo
e sob a guarda da pesquisadora e da orientadora, e serão destruídas após a
conclusão do trabalho. As questões norteadoras foram abertas, num total de
seis. Os horários foram marcados de acordo com a disponibilidade dos
participantes nos dias 14 e 15 de julho de 2005 com início às 17h30 min, isto
é, fora do horário de trabalho das mesmas, no Centro de Saúde Escola do
Município.
O tempo de duração do grupo focal variou de uma hora e trinta
minutos à uma hora e quarenta e cinco minutos. Os discursos foram ouvidos
várias vezes e transcritos literalmente, preservando-se vícios de linguagem e
eventuais erros de concordância.
Houve um moderador – que no nosso caso foi o próprio
pesquisador , que se responsabilizou pela condução dos grupos, e duas
assistentes, que observaram a conduta dos participantes, auxiliando na
anotação dos acontecimentos-chave e, eventualmente, intervindo na
condução do grupo.
Queremos destacar que o fato do moderador do grupo ter sido a
própria pesquisadora deu-se por conta de que dois dias antes da data
marcada para o primeiro encontro, a moderadora preparada, isto é, a própria
orientadora da pesquisa (a 1ª orientadora) ficou impossibilitada de
comparecer, não nos deixando tempo hábil para o preparo de novo
moderador. Os sujeitos da pesquisa estavam há mais de trinta dias com a
data agendada, não sendo possível novos agendamentos conciliatórios de
data e hora em comum para os mesmos.
Aportes Teóricos e Metodológicos – Os Caminhos Escolhidos
6
6
Os dados foram analisados a partir de categorias empíricas ou
analíticas previamente estabelecidas ou identificadas ao longo do discurso
com os enfermeiros.
As categorias são empregadas para estabelecer “classificações” e
são agrupados elementos, idéias ou expressões em torno de conceitos
significativos para o estudo.
Com base em Minayo (2002, p.79), ressalta-se que “o produto
final da análise de uma pesquisa, por mais brilhante que seja, deve sempre
ser encarado de forma provisória e aproximativa”.
Os resultados apresentados decorrem da análise interpretativa
das falas das enfermeiras do PSF do município de Botucatu no grupo focal.
Para Minayo (2004, p.209), fazer uma análise temática consiste em
descobrir os núcleos de sentido” de uma comunicação, com “freqüência ou
presença” que tenham significado para o que se quer analisar.
As categorias temáticas
A análise interpretativa dos discursos possibilitou a construção do
quadro das categorias e os conteúdos atribuídos a cada uma delas. As
tarefas foram decompostas em três fases, assim delineadas por Minayo
(2004):
1. pré-análise contato exaustivo com o material até a impregnação de
seu conteúdo; constituição do Corpus, que se deu pela exaustividade
dos aspectos levantados no roteiro, conteve a representação do
universo pretendido e obedeceu a critérios homogêneos e pertinentes
ao objetivo do trabalho; formulação de hipóteses e objetivos, flexíveis,
que permitiram hipóteses emergentes a partir de procedimentos
exploratórios;
Nozawa (2005), em sua análise sobre o discurso, caminha na
mesma direção, apontando que, a definição do corpus segue critérios
teóricos e não supõe a absoluta abrangência horizontal, tampouco esgotar a
Aportes Teóricos e Metodológicos – Os Caminhos Escolhidos
67
completude do objeto empírico, uma vez que para análise do discurso, ele é
inesgotável porque todo discurso nasce de um discurso anterior e remete-se
a outros. Dessa forma, almeja-se a exaustividade vertical do objeto em
consideração aos objetivos da análise e sua temática.
2. exploração do material essencialmente operação de codificação, na
qual o material foi explorado de forma a alcançar o núcleo de
compreensão do texto, classificação e agregação dos dados segundo
categorias teóricas ou empíricas;
Para Nozawa (2005), o pesquisador entra em contato com a
superfície lingüística do texto e procura buscar sua discursividade
construindo um objeto discursivo. Desfaz a ilusão de que o que foi dito só
poderia se dar daquela maneira e afeta a naturalidade da relação direta
entre a palavra e a coisa. É nesse momento que se busca compreender as
formações discursivas que dominam a prática discursiva em análise, as
quais fazem as palavras assumirem uma ou outra significação, permitindo a
formulação de famílias de paráfrases que regulam o dito, o não dito com o
passível de ser dito.
3. tratamento resultados brutos submetidos à análise do discurso
produzido pelas falas.
Contribuição esperada
Espera-se que a partir da percepção das dificuldades comumente
encontradas pelas enfermeiras coordenadoras de equipe surjam caminhos
para uma capacitação que se proponha a integrar a estratégia do PSF. E,
ainda, vivenciar, pela construção participativa, formas e caminhos possíveis
para o exercício de uma melhor coordenação em Enfermagem, permitindo,
assim, a efetivação de uma coordenação mais criativa, resolutiva e
comprometida com os envolvidos no processo assistencial em saúde:
equipe, usuários, família e comunidade.
Introdução
68
7. Construindo os Resultados
Construindo os Resultados
69
A partir da identificação de expressões ou palavras de uso
recorrente nos discursos foram delineadas seis categorias que integram o
cotidiano das enfermeiras coordenadoras de equipe do PSF e os conteúdos
atribuídos a elas, conforme segue:
As categorias
1. O coordenar uma equipe multiprofissional
1.a. despreparo
1.b. dificuldades
1.c. diferentes profissionais
1.d. história da enfermagem
2. Cotidiano do trabalho no PSF
2.a. assistência
2.b. sobrecarga
2.c. tempo
2.d. avaliação pela produtividade
3. Trabalho no PSF e a coordenação central
3.a. autonomia
3.b. respaldo
3.c. assessoria
4. Trabalho no PSF e a população
4.a. desconhecimento da proposta da PSF
4.b. mudança na forma de atendimento gera insegurança na população
5. Liderar e coordenar uma equipe multiprofissional
5.a. ser líder da equipe ajuda a coordenar a equipe
5.b. não foram preparadas para a liderança
5.c. dúvidas em relação ao exercício da liderança
Construindo os Resultados
70
6. Competências necessárias ao exercício da liderança
6.a. conhecimento científico e administrativo
6.b. ética profissional
6.c. ter escuta e “jogo de cintura”
6.d. relacionamento interpessoal e vivência prática
6.e. mediadores, facilitadores, empáticos e criativos
Caracterização dos sujeitos
Os sujeitos da pesquisa são enfermeiras do Programa Saúde da
Família de Botucatu, coordenadoras de equipe multiprofissional. Têm idade
variando entre 26 e 35 anos e 100% são do sexo feminino. Quanto ao
término da graduação: 1985 (1), 1997 (1), 2000 (2), 2001 (1) e 2002 (2).
Quanto à experiência em Unidades de Saúde da Família: duas têm até um
ano; duas têm de um a dois anos; e três têm quatro anos de trabalho nessa
atividade. Apenas duas não têm algum tipo de especialização ou pós-
graduação. Os discursos dos sujeitos foram identificados com a letra E,
variando de E1 a E7.
Análise dos resultados
1. O coordenar uma equipe multiprofissional
despreparo
dificuldades
diferentes profissionais
história da enfermagem
A questão da formação de equipe multiprofissional traz para a
arena de estudo novas formas de compreender o trabalho em saúde.
No entender de Almeida & Mishima (2001), apesar do
estabelecimento de equipes multiprofissionais como um elemento chave
Construindo os Resultados
71
para o desenvolvimento do trabalho na Saúde da Família, o mesmo não tem
sido esforço único e exclusivo da ESF.
Entretanto, a discussão do papel do médico, central e
hegemônico na equipe de saúde, remete a uma reflexão sobre a hierarquia e
as desigualdades sociais nas relações entre os trabalhadores de saúde.
Um dos desafios que vem sendo colocado ao trabalho em equipe
é a questão da perspectiva de sua abertura para além de um trabalho
técnico hierarquizado, apontando para uma maior interação social,
flexibilidade e horizontalidade entre os trabalhadores (ALMEIDA & MISHIMA,
2001).
No trabalho do PSF, temos encontrado a enfermeira assumindo o
papel de coordenadora da equipe, papel este, “colocado” pela instituição na
qual está vinculada. No entendimento dessas enfermeiras, coordenar essa
equipe tem se apresentado muito difícil e apontam possibilidades de
compartilhamento desse papel:
“Na verdade, o coordenar é uma função que é atribuída
ao enfermeiro, porém a gente não sabe como fazer isso,
não é? Se é de uma maneira autoritária, se é
construindo, é se é na divisão de tarefas... porque
envolvem tantos, é, fatores dentro da coordenação que
eu acho que é uma sobrecarga grande para o enfermeiro,
né? Porque se trabalha numa equipe, na verdade
poderia, com outros profissionais, poderia ser dividido
esse papel de coordenação independente das funções e,
aí, a gente tem que responder sobre todos, sobre o
multiprofissional, sobre o médico, sobre o auxiliar, sobre
o ACS, fazer toda parte administrativa, toda parte de
coordenação.” E1
“Eu acho que é difícil coordenar também. Como a E1
disse, eu acho que é uma tarefa que é colocada só para
o profissional enfermeiro, mas que é complicado você
coordenar toda uma equipe. Assim, como ela disse, você
Construindo os Resultados
72
fica responsável pelo médico, pelo enfermeiro, pelo
agente comunitário de saúde, o auxiliar administrativo...
então eu acho que é uma função que poderia ser dividida
com outro profissional, que não necessariamente
precisava ser só o profissional enfermeiro. Então, eu
acho que, eu concordo também: eu acho que é uma
sobrecarga e que o profissional enfermeiro poderia estar
dividindo essa tarefa com outro profissional. E2
Além disso, consideram também que a coordenação de equipe
implica em sobrecarga para a enfermeira, fundamentalmente por não terem
sido capacitadas para essa função, tal como se apresenta no PSF.
Eu acho que é uma sobrecarga muito grande e que, na
verdade, a gente não sai da faculdade sabendo como
coordenar, né?
E a gente não sai entendendo as relações pessoais, os
conflitos existentes, os jogos psicológicos de conflito...
Então, pra gente, ter toda essa psicologia do trabalho em
equipe, das técnicas de relacionamento, das técnicas de
enfrentamento, eu acho que é muito difícil. A gente fica
muito no emocional e às vezes não tem o racional de
tentar ver o que está por trás das relações. Por isso que
eu acho que fica difícil de coordenar, na minha opinião.
E1
As enfermeiras do PSF se deparam com um novo desafio que é o
encontro com a multiprofissionalidade, isto é, encontra diante de si, uma
equipe diferente da que foi preparada para coordenar pela escola.
Demonstra muito claramente a dificuldade em se auto-perceber nesse novo
processo de trabalho e dificuldade ainda em perceber a dimensão do
trabalho em equipe multiprofissional:
“Eu tenho essa sensação também. Que a enfermeira, ela,
eu to preparada para coordenar auxiliares de
enfermagem que estão ali na minha atribuição, que eu sei
Construindo os Resultados
73
o que eu tenho que ver, o que eu vou avaliar, se ele está
fazendo uma técnica correta, se não o que eu vou
corrigir... e, de repente, no PSF, a gente se vê não só
coordenando uma equipe de auxiliares de enfermagem, a
gente recebe também os agentes comunitários, a gente
acaba recebendo o auxiliar administrativo, agora o
dentista, o acd, o médico, sobra até para a gente decidir
se a Kombi vai para lavar, se não sei o que...” E4
“Pra mim a maior dificuldade no começo era de estar
delegando as tarefas mesmo, eu estava tomando tudo
pra mim, né?...” E2
“... não escondo as dificuldades que eu passo enquanto
coordenação comigo, né? Eu acho que eu jogo bem
aberto das minhas limitações e da cobrança que
exercem, que tem sobre mim e a coordenação e sobre a
S não é? ...” E1
“Eu acho que mais difícil do que coordenar, né, é o
trabalho em si em equipe. Porque existem pessoas
totalmente diferentes e que às vezes não expõem aquilo
que estão sentindo, nada disso, e eu acho que o pior de
tudo é às vezes você trabalhar com os conflitos dos
próprios funcionários...” E6
Como colocado anteriormente, a função de enfermeira
administradora e a importância dessa prática para a profissão deram-se com
Florence Nightingale, consolidando, dessa forma, o princípio da divisão do
trabalho em enfermagem (SPAGNOL, 2005).
Desde Florence Nightingale até o século passado, as enfermeiras
sofreram grande influência dos princípios da Escola Científica e Clássica da
Administração nas suas práticas gerenciais (SPAGNOL, 2002) e, ainda hoje,
utilizam métodos oriundos dessas teorias.
Construindo os Resultados
7
4
Spagnol (2005, p.125) ainda cita que:
“este estilo de gerência tradicional não tem permitido aos
trabalhadores de enfermagem criar espaços coletivos de
gestão, onde possam atuar como atores sociais, ou seja,
compartilharem o processo decisório e adquirirem
capacidade coletiva de análise para resolverem seus
problemas e identificarem suas demandas”.
As considerações feitas até o momento, desde a influência
histórica das teorias administrativas de Fayol e Taylor até os dias de hoje,
indicam que as enfermeiras, ao liderar equipe de saúde - neste caso, equipe
de Saúde da Família, multiprofissional - têm mostrado grande preocupação
em ocupar um “status” de líder que a elas está sendo conferido sem que se
sintam preparadas para tal.
A coordenação de equipe multiprofissional, a busca pelo equilíbrio
da equipe, a falta de apoio ou de preparo para tal função têm gerado muita
dificuldade, muito desgaste emocional por parte das enfermeiras do PSF de
Botucatu.
As enfermeiras do PSF destacam a importância da história da
enfermagem no exercício profissional e reforçam que ainda nos dias de hoje,
o papel da enfermeira é fortemente influenciada por modelos autoritários de
gestão. Para Ferraz (1998), a lógica do controle é ainda marcante pelas
influências obtidas das escolas científicas e clássicas da administração. O
então modelo de saúde vigente que é medicocêntrico e hospitalocêntrico
também aparece influenciando de forma que, as enfermeiras se sentem
submissas a esse modelo:
“Eu acho que uma dificuldade de trabalhar com os outros
profissionais é porque parece que o enfermeiro sempre é,
assim, nunca pode man..., não é mandar, na verdade a
gente é o boi de carga, assim, pela história da
Enfermagem, pelo papel que ela exerce na instituição
hospitalar.” E1
Construindo os Resultados
75
“Então, eu acho que um pouco desse nosso receio é por
conta da história da enfermagem e por conta de os outros
profissionais acharem que não têm comprometimento
com a equipe toda, na verdade de se trabalhar
individualmente e aí, então, quando a gente chama ao
trabalho em equipe podem dar esses conflitos, alguns
vão e outros não, né?” E1
“Então, é não só o déficit de que você não teve essa
bagagem pra estar fazendo, mas também a dificuldade
até mesmo de tempo, a dificuldade prática mesmo do dia-
a-dia. E uma outra coisa interessante é assim, como a E1
colocou, de a enfermeira já ter esse negócio meio de
pedir silêncio com o dedinho, meio assim de chefe,
assim, uma coisa meio assim,...” E7
“... porque as pessoas confundem tudo, né, a gente sabe,
todo mundo de branco, todo mundo é enfermeira... é
complicado isso”. E7
“Eu acho que os desafios coincidem um pouco com os
desafios da profissão como um todo, né, a profissão,
mesmo, de enfermeira, né, desde que ela veio, né,
antigamente, e até onde a gente chegou hoje, com
estigmas, com preconceitos, né, o fato de ser uma
profissão essencialmente feminina, ainda, você vê ainda
na população alguma resistência, alguma coisa em
relação a isso, inclusive de pensar na capacidade que a
mulher tem também de estar decidindo as coisas...”. E7
Analisando este fragmento, depreendemos que as enfermeiras
ainda sentem forte despreparo para atuarem na coordenação de equipe,
praticam pouca horizontalidade nas comunicações e sofrem influência de
modelos ainda verticalizados de administração, reproduzindo em seu
imaginário, ainda que não intencionalmente, a figura da enfermeira que se
graduou para dar ordens de forma autoritária (SPAGNOL, 2005).
Construindo os Resultados
7
6
Associam à história da enfermagem, a questão de gênero onde as
mulheres ainda sofrem preconceito quando estão à frente de questões que
envolvam tomadas de decisão e consideram tudo um grande desafio da
profissão sentindo as conseqüências no exercício cotidiano do seu fazer. É
preciso encontrar caminhos possíveis para intervenção nesta realidade para
que as mesmas possam exercer o seu papel de sujeitos produtivos e
criativos no desenvolvimento de seu trabalho.
2. Cotidiano do trabalho no PSF
assistência (reconhecimento)
sobrecarga
tempo
avaliação pela produtividade
A análise dos discursos remete a reflexões acerca de como anda
o trabalho da enfermeira-coordenadora em seu cotidiano. É importante
trazer para esse espaço de reflexão a questão do cotidiano das enfermeiras.
Heller (1994) afirma que a formação do indivíduo começa sempre nas
esferas do cotidiano, é parte inerente à existência de todo e qualquer
indivíduo. Esse cotidiano consiste num espaço de satisfação das
necessidades essenciais dos indivíduos e são motivadas por ações de
caráter particular
Falta de tempo e sobrecargas associadas à falta de
reconhecimento de seu papel pelo gestor e pela população mostram o
quanto ainda se está preso a um modelo avaliado pelo mérito da produção
em detrimento da qualidade e não vem atendendo as necessidades
individuais dessas enfermeiras, dificultando a prática de seu cotidiano de
ação:
“É, e na verdade, o modelo está montado no
cumprimento de produção, de horas, você sabe que tem
profissionais que, tudo bem, né, aí é de cada um, mas
esse modelo ainda não está montado na qualidade de
Construindo os Resultados
77
serviço ou na valorização do profissional, não, ele está
montado na valorização da produção. Então, se tem
produção, por exemplo, essa semana chegou a
coordenação, “ah, mas sua produção tá baixa”. Eu falei, o
que que é, o Simis, né? Que a gente atende 24 extras,
mais vinte e poucos agendados entre eu e a médica e a
produção tá baixa, né? Então, quer dizer, a realidade
nossa não vê? (Senão você vai deixar a qualidade de
lado, né, da assistência...). Eles estão em cima da
produção ainda, isso a coordenação cobra da gente! E
toda parte que a gente faz de coordenação, de
treinamento, que não é digitado produção, isso não vai
ser contado nunca (construção coletiva, com várias
falando às vezes ao mesmo tempo), de resultado de
exame que você... “ô enfermeira, posso falar com você
um pouquinho?”... isso a gente não consegue digitar no
Simis, né? não, não... e são várias vezes por dia... isso é
complicado... dá uma olhadinha aqui no umbigo desse
nenê? ... dá um não sei o que?”. E1
“Isso que você falou tem a ver, a minha equipe era para
atender mais população, também, eles falam por causa
da quantidade, né, de pessoas, mas, gente, lá é uma
loucura também você já ficou lá, né? (já) Tem dia que vai
um monte de eventual, parece mentira, porque
realmente, mas é uma população extremamente carente.
Eles vão lá porque tão com uma dorzinha de cabeça,
porque brigou com o marido, porque o filho bebeu, sabe?
(uma gripe, né?) então...” E3
Existem estudos mostrando que a avaliação por produtividade,
tanto para médicos (pagamento por produção) como para os demais
profissionais da saúde, por um lado costuma aumentar a produção e, por
outro, dificulta a articulação do trabalho a ser executado (CAMPOS, 1997).
Construindo os Resultados
78
Depreende-se disso que, nesse modelo de avaliação, a
capacidade de “cobrança” de responsabilidades é muito pequena.
O estudo de Silva & Trad (2005) constatou que os serviços do
PSF são avaliados quanto ao produto do trabalho, isto é, a quantificação da
produtividade do serviço. Para esses autores, o preenchimento dos
instrumentos do Sistema de Informação da Atenção Básica (SIAB) serve
mais para atender às necessidades da coordenação municipal do que para a
própria organização da equipe.
Nota-se que as enfermeiras sentem-se sobrecarregadas em suas
funções e têm dificuldade em articular a função assistencial (agenda de
consulta de enfermagem) com as demandas técnico-administrativas da
unidade:
“... eu acho que é uma sobrecarga e que o profissional
enfermeiro poderia estar dividindo essa tarefa com outro
profissional”. E2
“... Acho que a gente é cobrado muito de estar
coordenando tudo, avaliando, mas acho que fica pesado
mesmo... Há uns dois meses atrás eu vivi uma situação
dessas que, assim, me deixou intrigada. Eu fui
convocada para uma reunião na Secretaria de Saúde pra
falar a respeito da produção dos dentistas, que são da
Prefeitura. Nossa, eu me senti super mal. Assim, de
repente estavam as duas chefes cobrando deles que uma
produção estava baixa e que como eu, enfermeira da
unidade, não estava sabendo o que estava acontecendo?
Eu me senti caindo de pára-quedas num lugar assim... (e
quando te chamaram?) Então, eu me senti super mal,
assim, porque aquela coisa de controle de horas, de tudo,
e por que a produção do dentista está caindo? Isso foi
cobrado de mim, assim, eu fiquei assim com uma cara de
interrogação, não é? eu não sabia o que falar!...” E2
Construindo os Resultados
79
“Eu acho que é uma sobrecarga muito grande e que, na
verdade, a gente não sai da faculdade sabendo como
coordenar, né? E3
“... porque é sempre a gente que tem que estar lá com a
cara na frente pra decidir as coisas...”. E3
“... não é mandar, na verdade a gente é o boi de carga...”.
E1
“então, acaba sobrando muita coisa para a gente, né?
(Se acabou o papel higiênico, não sei que), então, é em
tudo, a gente tenta...”. E4
Ainda no estudo de Silva & Trad (2005), constataram-se inúmeros
fatores restritivos que contribuem com vistas a um projeto comum na equipe.
Destacam-se o número de famílias maior que o preconizado pelo Ministério
da Saúde, agenda de consulta de enfermagem lotada, dentre outras ações
assistenciais, como condução de grupos de educação em saúde e
solicitações extras da coordenação municipal.
Os discursos dos participantes do grupo focal ainda enfatizam que
ora a coordenação municipal transfere responsabilidades novas e diversas
para a enfermeira dividir com os demais membros da equipe, ora verticaliza
o poder, tirando autonomia do trabalho e não as respaldando em suas
ações.
Ainda na questão da “sobrecarga”, nota-se que a enfermeira
acaba mediando as relações entre os membros da equipe e, deles, com a
coordenação municipal. Além do que, a coordenação municipal transfere
para a enfermeira a responsabilidade de dividir tarefas com os demais
membros da equipe. Segundo Silva & Trad (2005) talvez por isso a
enfermeira atribua a sobrecarga de trabalho à falta de uma melhor divisão
das tarefas burocráticas.
Continuando a análise desse item, são muitas as demandas que
fogem da rotina de trabalho e a coordenação municipal reforça esse
contexto quando, por exemplo, transfere para a enfermeira até os cuidados
Construindo os Resultados
80
com a perua, exclusividade de receber ligações telefônicas, mesmo quando
são para outro funcionário, correspondências e outros afazeres menos
importantes, isto é, centraliza todas as ações na enfermeira:
“... A enfermeira ganhou o nome de chefe, que eu acho
(ridículo), o fim da picada, a chefe, então acho que isso,
que tudo isso recai nas nossas costas. (é, é) As costas
ficam bem larguinhas, viu, pra caber tudo...”.. E4
“... de repente, no PSF, a gente se vê não só
coordenando uma equipe de auxiliares de enfermagem, a
gente recebe também os agentes comunitários, a gente
acaba recebendo o auxiliar administrativo, agora o
dentista, o acd, o médico, sobra até para a gente decidir
se a Kombi vai para lavar, se não sei o que... então,
acaba sobrando muita coisa para a gente, né? (Se
acabou o papel higiênico, não sei que), então, é em tudo,
a gente tenta... Eu, pelo menos, eu sou dessa opinião:
que a gente tem que descentralizar as ações, as
decisões, não é ficar só na mão da enfermeira. Cada um
tem que tomar conta do seu posto, porque se ligarem
para mim até pra saber que o papel higiênico acabou...
então é complicado!”. E4
Constata-se que a enfermeira assume nitidamente o papel de
coordenação da equipe, mesmo tendo clareza que não foi devidamente
preparada para isso. A incorporação em algumas equipes do programa de
saúde bucal contendo um dentista e um auxiliar de cirurgião dentista e que
vieram sob a responsabilidade dela corroboram a sobrecarga aliada ao
despreparo.
Construindo os Resultados
81
3. Trabalho no PSF e a coordenação central
autonomia
respaldo
assessoria
Para Campos (1997), uma adequada combinação de autonomia
profissional, com definição de responsabilidade para o trabalhador da saúde,
garantiria a qualidade neste campo.
No entanto, trabalho autônomo pressupõe a capacidade de
responsabilizar-se pelo outro, o que poderíamos chamar de “autonomia
responsável”, na qual acontece envolvimento legítimo dos sujeitos com sua
tarefa (CAMPOS, 1997)
Do conteúdo analisado, pode-se depreender que o grupo de
enfermeiras do PSF sente-se sem autonomia para o exercício de sua
prática:
“Quer dizer, na verdade, nem a coordenação nossa nos
passa como coordenar, o que fazer, né? Então... e a
gente também não tem autonomia, isso que é uma coisa
interessante, nós não temos autonomia enquanto
enfermeira de unidade. Eu não sou responsável pelos
meus funcionários da maneira que eu acho que eu
deveria. De repente eu falo que eu vou dar o desconto de
hora e a coordenadora ela me cobra disso, ela não acha
que eu estou na minha razão de dar porque eu estou ali,
eu estou sabendo da minha realidade. Então, isso é uma
coisa que o SUS está prevendo, todos os cursos estão
falando de autonomia de unidade e a nossa coordenação
geral nos cobra que a gente, então, a gente tem que
coordenar mas a gente não tem autonomia, como que
fica isso? (huhum!) Né? Então, o que é coordenar, então,
o enfermeiro tá lá pra coordenar, tá lá pra que?
(ahhhhh!)”. E1
Construindo os Resultados
82
“Eu acho que a primeira coisa é a falta de autonomia, que
não é nos delegada: é, mas não é. (Isso é um desafio ou
uma dificuldade?) Acho que é uma dificuldade... ou pode
ser os dois, também”. E2
“Por exemplo, pra falar se uma pessoa dirige bem ou mal
a Kombi. É isso você, enfermeira, que não é professora
de auto-escola, que tem que dizer para a Secretaria que
a pessoa dirige bem ou mal, né? Então, a minha opinião
vai ser levada a sério, eu acho, né, se eu falar que a
pessoa dirige bem, né? Mas se alguém bater a Kombi a
culpa é minha... então, que autonomia eles tão exigindo,
quer dizer, isso você tem que decidir, né? (risos e gente
falando junto – concordando - durante todo tempo)”. E7
“Eu acho que o principal desafio vai ser realmente esse,
né: aliar uma coordenação que nos tira autonomia, que
não nos dá espaço e nem retaguarda para estar
enfrentando isso de uma maneira mais integral, mais
ativa, mais prática com essa comunidade, e enfrentando
essa comunidade, que acaba nos acuando numa
situação como essa, que não podemos ter um
posicionamento tão claro com eles também, assim, por
não ter esse respaldo, né?”. E7
“É, na hora de mandar um funcionário embora, que você
sabe que o funcionário tá uma coisa ruim, aí você não
tem. Então, é uma coisa muito, assim, paradoxal”. E3
A questão da autonomia é contraditória e sugere duas
extremidades do problema: de um lado, os liberais sugerem radical
autonomia para as instituições de saúde; de outro, tayloristas sobrecarregam
equipes com normas administrativas e padronização de técnicas (CAMPOS,
1997).
Construindo os Resultados
83
Na verdade, na medida em que trabalhadores, usuários e
instituições caminham em sentidos diferentes encontram-se dificuldades
para resolver esse conflito. Os caminhos devem apontar a descoberta de
novas formas possíveis de convivência com este conflito (da autonomia),
para novas combinações de graus de autonomia e responsabilidades na
relação instituição-profissional.
No entender de Campos (1997, p. 242), “os trabalhadores de
saúde operam com relativo grau de autonomia, apesar dos
constrangimentos a que estão submetidos”.
A falta de respaldo, de autonomia e de apoio por parte da
coordenação municipal, isto é, da instituição de saúde, é sentida e relatada
pelas enfermeiras. Apóia-se, também, na falta de clareza no desempenho da
coordenação e liderança no seu cotidiano de trabalho:
“O que eu sinto assim como uma dificuldade acho que é
mais ou menos o que todo mundo falou, mas primeiro,
em relação à coordenação, é a falta de conhecimento da
prática do PSF em si, ninguém que está coordenando
conhece a prática. Eles conhecem só a teoria e é muito
diferente. Eu queria que ficasse lá na minha unidade, um
mês, você entendeu, no meu lugar para ver como que é.
Então, na verdade, eles estão viajando, assim, e acabam
deixando a gente numa situação difícil, mesmo. A gente
se sente, assim, é o que eu falei, depende do que
convém para eles. Eu lembro que uma vez eu ouvi assim
“ah!, você tem que ter bom senso”. Bom senso é uma
coisa muito particular, entendeu? (pra usar protocolo?) É,
bom senso pra usar o protocolo... Dependendo, se pra
eles, o bom senso deles não bater com o meu eu me
ferro... então é muito complicado” E3
“Eu já acho que é o desconhecimento da coordenação
(eu também concordo) da prática do PSF (concordo, da
prática), falta do conhecimento prático (eu concordo),
Construindo os Resultados
8
4
nem trabalhou no PSF e quer dizer pra gente o que é que
tem que fazer... nunca trabalhou (acho que em lugar
nenhum – construção coletiva), prescreve, às vezes,
coisa que não tem na farmácia... acho que uma
oportunidade que a gente viu uma pessoa da
coordenação, né, tratando, atendendo, substituindo e
prescreveu coisa que nem sabia que não tinha na
farmácia da Prefeitura, né, prescreveu coisa ... “ah, não
tem isso?”, eu falei não, não tem, não... se fosse a gente,
né, se fosse o nosso médico, por exemplo, como que
prescreve uma coisa que não tem na farmácia...quem
que é o médico, né?”. E7
“Eu acho que a gente também tem falta de respaldo da
coordenação (sim) (a gente não tem coordenação) e a
coordenação acha que nós estamos brincando do PSF,
porque pelo tamanho das cobranças e das coisas que a
gente é cobrado... de chegar atrasado, de relógio de
ponto, de não sei o que... eles acham que a gente tá
brincando”. E2, E4
E eu espero um dia a coordenação ir passar lá um mês,
né, uma semana, tô brincando (construção coletiva,
várias falando ao mesmo tempo) - com a nossa equipe...
assumir a agenda... cobrir férias, assim... um dia de fervo
lá já estava bom... e a gente lá na coordenação... e a
gente lá na secretaria... todos os agendados mais quinze
eventuais e a gente fazendo com eles o que eles fazem
com a gente...”. E1
No município de Botucatu, as equipes de PSF encontram-se
diretamente ligadas a uma coordenação municipal designada pelo secretário
de Saúde, sendo atribuição desta a supervisão e acompanhamento das
equipes. Conforme o município foi ampliando as equipes de Saúde da
Família, o processo de acompanhamento por parte da coordenação
mostrou-se prejudicado. A partir de então, vem sendo priorizado apenas o
Construindo os Resultados
85
acompanhamento de situações urgentes em equipes com problemas, em
detrimento da manutenção sistemática naquelas que não os apresentam.
Dessa forma, as enfermeiras ressentem-se de uma supervisão
mais próxima de seu cotidiano, salientam a inexperiência da coordenação no
trabalho cotidiano da equipe do PSF e, muitas vezes, mostram-se
resistentes em aceitar tal supervisão.
Para Trevizan et al. (2002, p.3) a enfermeira coordenadora
mostra, em seus discursos, “constrangimento e inconformismo com a prática
cotidiana da enfermagem”. De um lado, executa uma prática dominadora e,
de outro, utiliza-se de “mecanismos de resistência” em relação a outras
dominações existentes em sua área.
Em seus estudos, Nobrega-Terrien (citado por TREVIZAN et al.,
2002) percebeu que quando a enfermeira é dominada tem comportamento
de evitar o conflito e buscar o diálogo, mas, quando domina, utiliza
autoridade, normas e punições, considerando essas atitudes como maneiras
de resistir à dominação. No entender de Trevizan et al. (2002) essa
resistência à dominação é uma maneira de buscar relações de
independência, focalizando sua autonomia individual e a promoção de seu
reconhecimento.
Os estudos de Campos (1997) indicam uma direção na qual se
deve valorizar unidades de saúde que contemplem equipes autônomas, nas
quais estejam garantidos acesso, acolhimento e construção de vínculos, que
sejam resolutivas e que estejam preparadas para os enfrentamentos de
processos de mudança.
4. Trabalho no PSF e a população
desconhecimento da proposta do PSF
mudança na forma de atendimento gera insegurança na população
O Programa Saúde da Família (PSF) apresenta-se como uma
possibilidade de reorganização da atenção primária, a partir de um conjunto
Construindo os Resultados
8
6
de princípios de territorialização, intersetorialidade, descentralização, co-
responsabilização e priorização de grupos populacionais com maior risco de
adoecer ou morrer (BRASIL, 1994).
É preciso destacar, entretanto, que sua implementação, em
termos técnicos e políticos, está sendo proposta com base numa interação
comunitária, incorporando atendimento domiciliar como uma ação para além
dos serviços de saúde (TRAD & BASTOS, 1998).
No caso do PSF, pode-se constatar esta ação interativa entre dois
grandes atores: a equipe multiprofissional de saúde e a comunidade (TRAD
& BASTOS, 1998). Para essas autoras, cada um desses atores apresenta
uma dinâmica própria, que precisa ser reconhecida em suas relações
interdependentes.
A implantação do PSF em Botucatu aparece na fala das
enfermeiras como um problema ainda a ser resolvido, no que diz respeito ao
preparo das equipes e ao trabalho com a população que, feito de forma
precária, afetou e afeta ainda hoje o desenvolvimento das ações
estratégicas de saúde às comunidades: faltam esclarecimentos e discussões
aprofundadas entre os atores envolvidos nos dois pólos de atuação.
As enfermeiras, bem como toda equipe do PSF, em relação à
população usuária do serviço estão uns para os outros e uns com os outros
cristalizados e “prontos”. Não se percebem sendo conformadas nestas
relações e protagonizadas por elas, e se conformam na fala: “eu acho que
isso é uma dificuldade, eles ainda não entendem...”.
Fortuna (1999) observa que esses problemas devem ser vistos
como possibilidades da retomada de novos devires e desejos, novas
conformações de trabalho podem ser apreendidas pelas enfermeiras e sua
equipe:
“Eu acho que a grande dificuldade é, ainda, a população
entender o que é o Programa de Saúde da Família, não
é? A população ainda não está, não sabe ainda direito
como funcionam as coisas, não sabe o por quê que tem
grupo, “ah, esse pessoal fica falando aí, tem o grupo, e
por que que não atende?”, ou tem um espaço, ah! fez
Construindo os Resultados
87
alguma coisa fora da unidade, por exemplo, coordenou
uma festa, um dia diferente, “ah!, mas tá fazendo isso e
não tá atendendo?”. Então, a população ainda, eu acho
que isso é uma dificuldade, eles ainda não entendem... “
E6
“Eu acho que a maior dificuldade mesmo é a população
entender a filosofia do PSF. O que é o PSF, como
funciona, quais são os membros, quais são as atribuições
de cada um... porque as pessoas confundem tudo, né, a
gente sabe, todo mundo de branco, todo mundo é
enfermeira... é complicado isso”. E2
“Então, assim, está é a grande dificuldade que eu sinto,
sabe, diariamente, assim. Eles vêm, eles falam aqui era
melhor, tinha pediatra...tinha, agora é um médico só, e
coloca também em jogo a nossa credibilidade e a nossa
competência como profissional: “ah, como você,
enfermeira, colhe papanicolau?”, já teve paciente que
falou isso pra mim, “como que você pode avaliar se eu
vou ter ou não ter um câncer de mama?” Porque no meio
de toda essa população a gente sempre pega alguém,
um ou outro, que são um pouco mais esclarecidos,
entendeu? Daí vem e te enche de um monte de
perguntas... e você tenta explicar, mas você explica pra
um, né, e o resto? Você explica pra um e tem mais
cinqüenta lá fora com essa dúvida. Porque que mudou,
porque que de UBS passou para PSF, antes tinha três
médicos e agora é um médico só, entendeu? É
complicado. Esse eu sinto que é a maior dificuldade,
assim, na minha unidade, na minha realidade é essa”.
E2
Construindo os Resultados
88
Além da população, foi relatada também a dificuldade dos
agentes comunitários em entenderem o papel do PSF, já que os mesmos
são moradores da área de abrangência da unidade de saúde e para
contratação não se exige formação prévia no campo de sua atuação:
“Em segundo lugar, eu acho que é a outra dificuldade é
em relação também aos próprios agentes comunitários,
porque: eles fazem parte dessa comunidade e se eles
não tiverem colocado na cabecinha deles que muitas
coisas a gente vai conseguir fazer e outras coisas não,
isso, como ele vai falar, quando ele vai falar isso pra
população, aí acho que tem os caminhos que não é o
caminho reto, são os caminhos tortuosos, porque ele tem
que estar consciente daquilo que a gente tá fazendo, e
que aquilo que a gente tá fazendo é o melhor que a gente
pode estar fazendo, para que ele possa, quando ele for
fazer as visitas, explicar isso para a população, que
muitas vezes a gente, os encaminhamentos que às vezes
não são rápidos do jeito que a população quer e outras
dificuldades que a gente tem. Eu acho que esse é um
grande desafio: o primeiro, de trabalhar com a população
para incentivar e mostrar para a população que a gente
está trabalhando e procurando, dando uma outra proposta
para eles, uma grande, uma coisa assim muito boa, mas
que ainda não tá, eles não estão sabendo disso. Outra
coisa, outro desafio é trabalhar com esses agentes
comunitários para que a gente possa fazer o trabalho e
que eles possam divulgar esse nosso trabalho, porque
eles são os primeiros que a população ouve, porque eles
fazem parte daquela comunidade, eles conhecem todo
mundo”. E6
Construindo os Resultados
89
Essas dificuldades podem ser minimizadas através do
fortalecimento dos Conselhos Municipais de Saúde e Conselhos Locais de
Saúde por área de abrangência, sendo de grande ajuda no controle social,
por envolver a comunidade tanto na análise dos problemas de saúde quanto
dos problemas de implantação de um novo modelo de atenção, como é o
caso do PSF. As redes populares de educação em saúde também são
referências importantes para o fortalecimento do vínculo entre a população e
a equipe do PSF, ao mesmo tempo em que amadurece as políticas públicas
em saúde necessárias para aquela área. Parece-nos relevante garantir
também uma formação permanente aos agentes comunitários, além do
treinamento introdutório, pois muitas vezes acontece do mesmo se desligar
da equipe e o seu substituto não dispor de treinamento em tempo hábil.
A análise dos dados permite inferir que, no caso de Botucatu, o
processo de implantação do PSF não foi facilitado pelo PACS. Portanto, a
fase de busca ativa dos ACS - que proporciona maior visibilidade da família
e dos indivíduos, fornecendo um panorama das condições de vida da
população, ficou prejudicada, bem como as discussões com a população
para informar e facilitar a compreensão desse novo cenário foi feito de
maneira precária e superficial:
“Então, quer dizer, a gente ainda não conseguiu mostrar
pros próprios agentes o que que é o PSF, como que a
gente vai ajudar a população, qual que é o papel dele...e
aí só tá repetindo, né, o que a própria comunidade cria na
cabeça, né, quero médico, quero ser atendido individual,
e aí tem tudo a ver com o que a gente enfrenta lá que é a
falta de participação da comunidade.
... Praticamente eles não participam de grupos... reunião
de comunidade é um mico: vai os parentes dos agentes,
assim, meia dúzia... e a gente faz convite, a gente manda
pra todo mundo, fala, não consegui fazer Conus...
*
então
*
CONUS – Conselho Local de Saúde, criado para auxiliar as USF e UBS na escolha da
melhor política de saúde local.
Construindo os Resultados
90
eu sinto muita falta, assim, dessa participação, muita
falta... então a gente até tem, assim, eu acho... como eles
não tinham nada então eles até reconhecem, assim, mas
ainda é muito voltado mesmo para o atendimento médico,
pronto-atendimento, acho que seria uma dificuldade,
assim, que tem a ver com o que todo mundo falou...”. E3
“Essa do agente é um desafio enorme, porque na
verdade o agente ele quer fazer coisa que não pode, ter
informação que não pode, assim, muita gente quer
qualificar super, a gente tem que maneirar porque não
está muito bem definido, pra nós, do campo da
enfermagem, enfermeiro, coordenador, é muito difícil,
porque o agente ele solta cada uma que se não for bem
instruído, bem preparado, e essa instrução, esse preparo
deles é em cima da gente, também, acho que é uma
sobrecarga também, uma dificuldade um pouco”. E1
A enfermeira que coordena esse processo de implantação se vê
frente a frente com uma demanda despreparada quanto à ideologia do PSF,
dessa forma realçando as deficiências do sistema, estafando a capacidade
da equipe, reafirmando uma situação de não valorização profissional que
repercute em todo processo de implantação do PSF.
O Agente Comunitário de Saúde também aparece como um
grande desafio para a enfermeira. Na medida em que foram preparadas
apenas para coordenar equipe de enfermagem, sentem-se muitas vezes
sem um roteiro seguro para direcionar as atividades deste novo profissional.
Uma das dificuldades apontadas é a questão da qualificação, da capacitação
que o mesmo tem demandado. Não sabem se a qualificação será útil na
medida em que os mesmos vão perdendo as características usuais de
pertencerem a uma determinada área de abrangência, com um saber muito
próprio e utilizam um instrumento de linguagem também muito próprio. Por
outro lado, necessitam dessa capacitação para melhor entenderem o
processo de trabalho em que estão inseridos e serem também participantes
Construindo os Resultados
91
ativos na (re)construção desse novo modelo de atenção em saúde. As
dificuldades em lidar com tão delicada questão ampliam-se frente à
multiplicidade de facetas que esta questão pode apresentar.
Observa-se ainda que as falas das enfermeiras sobre os ACS,
encontram a autoridade prevalente dos modelos tayloristas onde o poder e o
saber se encontra em posse de um único membro. Isto nos faz refletir em
quanto ainda nos deparamos com questões de preconceitos e pré-
concepções a respeito das pessoas e como essas questões fazem parte de
nossas matrizes já incorporadas. Fica posto mais um desafio no tocante a
desconstrução dessas matrizes sobre as quais as enfermeiras e os
trabalhadores em saúde foram formados. As enfermeiras se sentem também
sobrecarregadas com a questão da capacitação desses profissionais no seu
cotidiano, referindo falta de tempo de despreparo nesse assunto.
As falas ainda revelam que, na visão da enfermeira, a falta de
planejamento da mudança de Unidade Básica de Saúde para Unidade
Saúde da Família potencializou suas inseguranças, insatisfações, dificuldade
e, em contrapartida, gerou resistência explícita da população em aceitar a
nova proposta:
“Outro desafio que eu acho imenso é poder consolidar o
PSF com a comunidade. O que é o PSF, o que é o papel
de cada um, porque já que a coordenação não sabe, os
outros serviços não sabem, muito menos a comunidade e
daí a gente é (massacrado) o tempo todo exposta, na
verdade, a enfermeira é que é exposta para todo mundo,
né? A enfermeira que barra paciente, a enfermeira que
não deixa fazer isso e aí a equipe toda fica escondida
atrás da enfermagem, né?”. E1
Eu acho que, assim, e a dificuldade é quando você não
consegue promover a mentalidade da equipe frente à
proposta do PSF. Talvez seja um desafio enorme mas se
ele não é realizado é uma dificuldade, porque não adianta
nada a gente achar que tem que fazer a promoção, que
Construindo os Resultados
92
tem que fazer educação popular, que tem que envolver
as pessoas, que tem que acolher, que o auxiliar tem que
ouvir mais outras pessoas, que a gente tem que parar de
ser taxativo e que o auxiliar também, não adianta nada a
gente ficar lá coordenando, tentando, se isso não for
assimilado por eles. Então, a gente às vezes vem com
essa proposta de Educação Popular em Saúde, mas que
não é aceita pela equipe, e muitas vezes também pelo
médico, que tem aquela abordagem do
vapt/vupt/P.A.zão. Então, é um desafio e uma dificuldade
enquanto chefe e principalmente da equipe de PSF, que
é uma nova proposta de atendimento”. E1
Diante das dificuldades expostas pelo grupo, nota-se que tais
fatos não impediram a participação das enfermeiras favoravelmente à
ideologia da proposta. E elas têm conseguido alcançar, ainda que de forma
incipiente, a população de sua área/território, carente e desassistida, sem
perder de vista a melhoria da qualidade de vida dessas populações.
5. Liderar e coordenar uma equipe multiprofissional
ser líder de equipe ajuda coordenar a equipe
não foram preparadas para a liderança
dúvidas em relação ao exercício da liderança
A questão da liderança, do gerenciamento ou mesmo da
coordenação em enfermagem constitui um grande desafio, uma tarefa difícil,
como em qualquer área do conhecimento.
Expressão de variada definição, a liderança, a gerência ou a
coordenação é retratada na literatura sob diferentes pontos de vista, cujos
enfoques variam conforme a visão de mundo e estudos da época, bem como
o interesse que move sua investigação.
Construindo os Resultados
93
Os termos líder e liderança na enfermagem aparecem com muito
mais freqüência que coordenador, chefe ou gerente (ROZENDO & GOMES,
1998). Em seus estudos, esses autores acreditam que isso pode revelar
certa rejeição a estas denominações por se aproximarem mais da visão
clássica da administração, a qual muitas vezes é vista como ultrapassada.
No caso das equipes do PSF de Botucatu, as enfermeiras
acreditam que a coordenação pode ser facilitada quando se exerce o papel
de líder, mas que esse papel tem sido atribuído à enfermeira muitas vezes
sem um preparo prévio. Essa idéia tem sido transmitida nas salas de aula,
em programas de treinamento, livros, artigos publicados sem que haja uma
discussão profunda sobre o significado desse status (ROZENDO & GOMES,
1998):
“Eu acho que sim, mas desde que você tenha
autonomia para coordenar, uma autonomia total, eu
acho, não uma autonomia limitada, como nós temos,
nós profissionais enfermeiros. Então, assim, a minha
resposta é sim frente esta pergunta, mas desde que eu
tivesse mais autonomia, né, eu não, todos os
enfermeiros tivessem mais autonomia, só que eu acho
que essa autonomia é nos dada, mas ela é muito
limitada, eu acho”. E2
“Eu acho que facilita quando a gente seja uma
liderança, porque eu acho que a gente transmite uma
certa segurança para a equipe, eu acho que se os
funcionários, se os agentes sentem que a gente tá
liderando eles vão responder a nós. a nossa
coordenação fica mais fácil quando a gente tá liderando.
Um exemplo de, sei lá, desconto de hora que o
funcionário deu, a noção de que tem que avisar, que
não pode chegar atrasado... se ele sente em você uma
pessoa ponta firme, que tá liderando, eu acho que fica
mais fácil”. E4
Construindo os Resultados
9
4
“Eu também acho que fica mais fácil desde que isso não
seja uma liderança e não seja uma (opressão)
autoritária, né?” E6
“Eu acho que facilita sim e não. Porque... eu acredito
também que a liderança é um pouco de perfil. Então,
acho que facilita e nem sempre... ou não, dependendo
do perfil da pessoa. Nem todo mundo que coordena é
um líder...”. E7
“E assim, se perguntassem pra mim: todo enfermeiro é
um líder? Não necessariamente, eu acho que não. (não,
não, tem os submissos, super submissos... sim, sim)”.
E2 e E4
“... nem sempre o líder é aquele que coordena, né,
porque dentro da equipe tem vários coordenando, tem
vários... desde agentes comunitários, como auxiliares
de enfermagem, né?... sempre tem um ou outro que se
sobressai”. E6
Como citado anteriormente, as enfermeiras relacionam o exercício
da coordenação e da liderança com autonomia para o trabalho. Acreditam
que para liderarem equipes precisam de autonomia em seus fazeres.
Constatamos que as mesmas estão pouco familiarizadas com o conceito de
liderança que pressupõe a capacidade de influenciar as pessoas que estão
ao seu redor e até mesmo com outros conceitos envolvendo coordenação,
gerência ou chefia.
Alguns autores, como Andrade et al. (1990) fazem referência à
dificuldade da formação na área de liderança e administração, o que
coincide com as falas citadas, pois indicam um entrave na formação da
enfermeira, em nível de graduação. O aluno não é estimulado ao exercício
prático de uma coordenação ou mesmo ao exercício da liderança, pouco ou
nada exposto a essas oportunidades, em decorrência mesmo do processo
ensino-aprendizagem vigente nas escolas de enfermagem no país:
Construindo os Resultados
95
“Eu acho que é um desafio enorme e que nós não temos
nem capacitação para isso e nem, assim, alguma
assessoria que nos pudesse ajudar, tipo um psicólogo
nos ajudando na equipe, né?...” E1
“... você ter, por exemplo, um treinamento de
relacionamentos interpessoais na faculdade, entendeu,
mas que isso fosse desenvolvido por qualquer
coordenador que seja, né, em qualquer cidade que haja
... tem que haver esse interesse da coordenação do
trabalho do município em que as pessoas sejam
desenvolvidas nessa área, né, tem que dar esse tipo de
respaldo, né...” E7
Nas falas abaixo, notamos claramente a confusão que ainda
persiste em relação à dicotomia entre autoritarismo e liberalismo,
confirmando o desconhecimento sobre as teorias da liderança e
principalmente em “como” contextualizar para seu cotidiano de trabalho:
“Então, eu acho assim que eu sou, assim, uma líder mais
liberal do que autoritária...E hoje, assim, eu tô sentindo,
tendo uns conflitos por isso ...” E2
“É a formação, é tudo, assim... eu não consigo ser
autoritária, eu não me vejo sendo uma enfermeira super
autoritária, cobrando...” E2
“Eu não gosto de ser autoritária. Eu acho que a gente tem
que ser firme na decisão (sei). E eu acho que, assim, a
gente não é que é liberal, a gente acaba querendo ser
“boazinha” (é isso eu ...). Mas a gente quer ser boazinha
pra... parece que pra estar sempre a pessoa perto de
você (pra agradar, né?). Você acha... eu tinha... eu acho
que eu tinha isso um pouco, “ah!, eu tenho que ser
boazinha porque como é que eu vou desagradar, né, o
funcionário, né, que trabalha comigo, puxa, né?”. Mas eu
acho que você tem que ser firme...” E4
Construindo os Resultados
9
6
Da análise de todos os fragmentos pode-se inferir que existe uma
ambigüidade e muitas dúvidas em relação ao papel que exercem na equipe.
O exercício da atividade burocrática é dissimulado pela fala da
administração da assistência. Para Rozendo & Gomes (1998) a introdução
das teorias de enfermagem no Brasil, no início dos anos 1970, juntamente
com o pensamento emergente na América Latina que pregava o
redirecionamento do enfoque administrativo para o assistencial influenciaram
muito o discurso da enfermagem no que tange privilegiar o aspecto de sua
prática relativa ao cuidado.
Nesse contexto, Secaf (citado por ROZENDO & GOMES, 1998,
p.73) afirma que “o fato de trabalhar em conjunto com outros elementos,
profissionais ou não, faz com que a liderança seja, para a enfermeira, a
principal arma ou seu ponto fraco”.
Dessa forma, observa-se certa expectativa em relação ao
desempenho da enfermeira quanto à sua possibilidade de liderança e
coordenação, colocando-se, dessa forma, sob sua responsabilidade uma
missão que, para Rozendo & Gomes (1998), sua história ainda não permitiu
atingir.
Mesmo inseridas no trabalho em equipe do PSF, ainda percebe-
se um discurso fortemente centrado nas relações rígidas e de poder a ela
atribuídos, de forma que pela sua trajetória exercendo esse papel não houve
ainda, neste grupo, tempo de maturidade para desconstruir do imaginário a
figura da enfermeira coordenadora que dá ordens e construir novas relações
de trabalho na saúde e na enfermagem.
Este fato pode não constituir nenhuma novidade, mas é a partir da
tomada de consciência, do conhecimento da realidade de seu cotidiano em
coordenar equipes que poderemos transformá-la rumo à liderança sem
medos ou dilemas.
Construindo os Resultados
97
6. Competências necessárias ao exercício da liderança
conhecimento científico e administrativo
ética profissional
ter escuta e “jogo de cintura”
relacionamento interpessoal e vivência prática
ser mediador, facilitador, empático e criativo
A literatura sinaliza um crescimento a respeito das competências
identificáveis para o exercício da liderança e coordenação do trabalho em
equipe. São competências aprendidas, atitudes desenvolvidas que se
sobressai às características pessoais de cada um.
O termo competência vem sendo usado com freqüência cada vez
maior no meio organizacional e educacional. As diretrizes preconizadas para
a educação neste século são que todos os profissionais de saúde deverão
estar dotados de competências (conhecimentos, habilidades e atitudes),
possibilitando sua participação e atuação multiprofissionais, beneficiando os
indivíduos e a comunidade (OPS/OMS, 1997). No trabalho de Manfredi
(1998 p.2), “o conceito de competência está historicamente ancorado nos
conceitos de capacidades de habilidades, constructos herdados das ciências
humanas – da psicologia, educação e lingüística”.
Perrenoud (1999) relata que são múltiplos os significados de
competência e a define como “uma capacidade de agir eficazmente em um
determinado tipo de situação, apoiada em conhecimentos, mas sem limitar-
se a eles” (p.7).
No estudo de Dell’acqua (2004), encontramos que o
conhecimento faz parte de vários recursos cognitivos complementares que
proporciona suporte para o enfrentamento de situações da melhor forma
possível. Aponta ainda que a construção de competências esteja
relacionada na forma como se mobiliza esse conhecimento para se obter
uma ação eficaz.
Construindo os Resultados
98
As análises das falas a seguir demonstram que, para o grupo,
ainda prevalecem o conhecimento técnico e científico em detrimento de
outras competências relacionadas às práticas relacionais como ponto
facilitador ao exercício do seu papel como coordenadores de equipe:
“Acho que conhecimento científico, um pouco de
conhecimento assim de administração e, principalmente,
uma ética profissional. Eu acho que são os três pontos
principais: eu acho que você tem que ter conhecimento
científico, você tem que ter uma boa noção de
administração para administrar uma equipe, e sempre a
ética eu acho que tem que ser a base disso tudo”. E2
“Eu acho que... concordo com a parte do conhecimento
científico, eu acho que se a gente está bem embasado na
nossa ação, no termo do atender, às vezes vem um, sei
lá, tirar uma dúvida você explica, você convence ele do
que você está falando, você está ganhando, já...”. E4
“E assim, quando a gente fala em conhecimento
científico, eu acho que esse conhecimento tem que estar
sendo sempre renovado, (ah!, sim) a importância
de você
estar sempre participando de congresso,
simpósio...”. E2
Os serviços de enfermagem ainda privilegiam o trabalho em
equipe como o sistema mais apropriado para o desenvolvimento das ações
de enfermagem. Significa dizer que, no seu cotidiano de trabalho, apesar da
divisão de tarefas ainda fortemente arraigada no bojo do processo de
trabalho, aparece nas falas uma preocupação eminente com um exercício
mais ético e relacional:
“Eu acho que tem que ter a ética, você tem que saber ter
uma escuta desse funcionário, desse problema, você tem
que ter a visão do conflito.. é... de sentir essas situações,
Construindo os Resultados
99
de saber lidar com isso... de mediar os conflitos, que eu
acho que é o mais difícil. É o tal do jogo de cintura que
você tem que ter a todo momento...”. E4
“Nessa questão fiquei pensando nisso, assim, que acho
que o ponto que eu acho que é super importante para ser
líder é essa parte de relações humanas mesmo. Eu
acredito que o bom líder é aquele que consegue trabalhar
bem essa parte de gestão de pessoas, né,
relacionamentos... fico pensando que isso que acho que
a gente tem mais dificuldade mesmo, por não ter esse
preparo, né, nessa questão...”. E3
“...eu penso, assim, que pra mim seria super importante
ter habilidade de trabalhar com essa coisa de pessoal,
assim, de relações humanas. Eu acho que falta muito
isso, assim, do relacionamento... Eu sinto dificuldade
nessa parte e acho importante”. E3
“...só vai saber lidar em equipe quando você trabalhar
com a equipe, porque as pessoas mesmo que não
trabalham em equipe, por exemplo, que trabalham no
hospital e vêm prum lugar que trabalha com equipe têm
dificuldade... têm muita dificuldade... elas falam isso...
Então, é uma coisa que eu acho que é muito da vivência
de cada um.... a gente vai dar cabeçada por muitas vezes
e vai acertando...”. E6
“Eu acho que é um... eu não sei... uma percepção... é
um... (comunicação terapêutica) ... é ... sei lá, um feeling
que você tem que você...”. E6
“Esse treinamento de recursos humanos, em recursos
humanos, a enfermeira tem que ser formada em recursos
humanos...”. E7
Construindo os Resultados
10
0
“...mas eu acho que os relacionamentos interpessoais
são muito complexos, né, e você se envol... você entra
em cada uma, assim, quando você vê, fala “meu Deus do
céu!, né”. E nós não temos nada disso, nós não temos
como sair do conflito, como discutir, como amenizar
situações...como... até mesmo entre duas pessoas que
nós temos que ser os mediadores a gente não sabe
intervir, né?”. E7
A análise das competências de um líder vai ocorrendo na medida
em que o indivíduo permite a penetração e o amadurecimento de novas
idéias em sua mente, atribuindo ao exercício da liderança um aprendizado
que enriquece a própria existência (SIMÕES & FÁVERO, 2003).
As falas demonstram claramente uma preocupação com questões
de âmbito relacional no trabalho em equipe no PSF, emergindo a falta de
desenvolvimento de uma competência relacional. O estudo de Lazzarotto
(2001) mostra essa competência relacional fazendo uma interface com a
capacidade de administrar recursos humanos. Envolve a organização e a
implementação de estratégias para potencializar a capacidade dos membros
da equipe desenvolvendo padrões éticos como facilitadores para o alcance
dos objetivos da equipe. Lazzarotto (2001, p.20) esclarece que as
competências nesta área são: “administração de conflitos, sensibilidade
cultural, integridade, honestidade e organização de grupos”.
A criatividade também surgiu como uma competência importante,
aliada à empatia e intuição:
“Tem que ser criativo, também, tudo... (hu-hum, é uma
postura legal essa daí)... de saber como lidar com todas
as situações, né...”. E5
‘”Eu acho que eu gostaria de acrescentar a parte de
criatividade, que acho que foi falada e que eu acho que
tem tudo a ver (nesse mix) e que é uma habilidade
importante e também de empatia, que tem tudo a ver com
as relações humanas... e de conseguir, mesmo, o líder
Construindo os Resultados
10
1
conseguir enxergar em cada membro da equipe um
potencial e poder estimular o desenvolvimento desse
potencial...”. E3
A criatividade utilizada nas funções de coordenação auxilia a
eficácia do trabalho e propicia uma melhor qualidade do cuidado, que se dá
pelo desenvolvimento das pessoas e do trabalho em equipe. Procura
envolver e integrar a todos num processo indutor individual e coletivo da
equipe.
Para Junqueira (citado por LAZAROTTO, 2001), a atuação no
campo da liderança requer conhecimentos e habilidades que passam pelas
extensões técnicas, administrativas, políticas e psicossociais, dando
significados eficazes que permeiam toda ação do líder.
Introdução
10
2
8. Considerações Finais
Considerações Finais
10
3
O estudo do exercício da coordenação, enquanto prática das
enfermeiras do PSF junto à equipe multiprofissional, foi desenvolvida por
meio de pesquisa qualitativa que utilizou grupo focal objetivando identificar
as dificuldades apresentadas pelas enfermeiras ao exercerem essa
coordenação em seu cotidiano de trabalho a partir de suas próprias
percepções.
Das análises realizadas nota-se que o ideal buscado acerca do
trabalho em equipe expresso nas falas das enfermeiras, mostra uma
convergência do grupo ao destacar a dimensão dos problemas e
dificuldades intrínsecas ao trabalho em equipe em relação ao exercício de
sua coordenação.
Objetivamente constatou-se, no primeiro encontro, que o exercício
de coordenação e liderança gera muita dúvida, muitas ansiedades. Não
sabem exatamente o que é preciso fazer, até porque expressaram que
foram preparadas na escola para coordenarem a equipe de enfermagem,
isto é, técnicos e auxiliares, e que quando se viram frente a uma equipe
multiprofissional se sentiram inseguras e confusas. Porém, apesar da
sobrecarga e das dificuldades, observou-se uma tendência em compartilhar
essa função com outro membro da equipe, aliviando dessa forma o stress
que o exercício da função lhes acarreta.
O conhecimento sobre o coordenar, as vivências ou estado de
experiência das enfermeiras, que neste estudo são muito jovens, suas
escolhas, o próprio reconhecimento dos conflitos entre papéis
desempenhados e esperados, o reconhecimento das contradições que
vivem em seu interior e no desempenho de seu papel, constituem a
condição de ser enfermeira, muito além do mero papel de coordenadora de
equipe do PSF.
A relação entre os membros da equipe também é presidida por
um conjunto de expectativas, pois que o “discurso” vigente em torno do
trabalho em equipe no PSF gera também certo desconforto, visto que
nenhum membro sabe ao certo como lidar com a autonomia, tão discutida
no discurso das enfermeiras. Sabem que terão que mudar sua relação com
Considerações Finais
10
4
o conjunto de saberes e com os outros membros e usuários, mas sentem
que estão longe de um trabalho coletivo de saúde e de um processo de
coordenação que seja efetivamente realizador, tanto individualmente como
para os outros membros da equipe.
Na direção ainda das dificuldades apontadas, o discurso mostra
que a concepção de trabalho em equipe e sua coordenação supõem a forte
influência da história da enfermagem e a reprodução de um modelo que
flutua de autoritário a liberal, mesmo porque, como citado anteriormente,
sentem-se confusas e despreparadas, sem um referencial a adotar.
No entanto, nota-se que, ao falar da falta de autonomia, em
momento diferente, ressentem-se da falta de respaldo da coordenação
municipal quando necessitam tomar decisões em relação aos problemas
identificados em seu cotidiano.
No segundo encontro, as questões norteadoras propiciaram
análises relativas às diferenças entre coordenação e liderança. Ficou claro
que quando se exerce a liderança o coordenar fica facilitado. Porém,
admitem que muitas vezes poderá existir outro membro da equipe que se
destaca no exercício da liderança.
As enfermeiras reforçam as dificuldades encontradas no trabalho
do PSF, a dificuldade da população em entender e aceitar a ideologia da
PSF e, também, a aceitação da própria enfermeira na assistência,
especialmente quando fazem consulta de enfermagem, coleta de
colpocitologia oncótica, solicitação de exames complementares e prescrição
de medicações segundo protocolo da Sistematização da Assistência de
Enfermagem implantado neste município.
No levantamento sobre as competências e habilidades
necessárias ao exercício da coordenação ou liderança ficou clara a
dificuldade em entender o significado desses termos e, por conseguinte, em
identificar tais competências. Notou-se ainda um sofrimento emocional em
todo grupo no exercício dessa função.
Ressaltam que o conhecimento científico (técnico) é o principal
campo de seu saber para o exercício da coordenação, mas que estão
Considerações Finais
10
5
abertas e até “gritando” por socorro nas áreas do relacionamento
interpessoal e que o momento atual é adequado para conciliar essas duas
esferas, sem que uma ou outra saia prejudicada.
Na prática, há muitas barreiras para se investir no
desenvolvimento pessoal e nota-se a descrição da falta de tempo, não
reconhecimento do conflito vivido das equipes pela coordenação municipal,
desorientação quanto ao tipo de capacitação, onde procurar, quem
procurar... Entretanto, desencadear esse movimento também é uma
responsabilidade individual do profissional.
Finalizando, este estudo pode apontar caminhos que possam
iluminar a prática dos enfermeiras que atuam e também para os que
poderão atuar como coordenadores de equipe multiprofissional do PSF,
pois, considerando que parte do conflito hoje vivido decorre de uma
formação hegemonicamente voltada para a prática hospitalocêntrica,
curativa e biologicista, sugerimos:
- que a grade curricular dos cursos de graduação em enfermagem
possa rever sua estruturação, conduzindo a formação que hoje se apresenta
disciplinar e fragmentada, para uma mais integral, caminhando para uma
interdisciplinaridade, fazendo uma interface entre os saberes e expondo
mais precocemente os alunos ao contato com as comunidades, com o
trabalho em equipe, com o trabalho de grupos educativos, permitindo
tomadas de decisão compartilhadas e vivenciando os conflitos decorrentes e
inevitáveis do relacionamento interpessoal. E, na medida em que isto possa
ir acontecendo, as disciplinas de apoio a estas dificuldades possam ir se
aproximando desta realidade apoiando desde cedo o campo das relações
interpessoais.
- destacar ainda na grade curricular um plano pedagógico que
possa ser sustentado por uma atuação multiprofissional e interdisciplinar
com responsabilidade integral sobre seu próprio fazer em enfermagem, bem
como, sobre a população de sua área, sendo esta compreendida como
parceira da equipe de saúde.
Considerações Finais
10
6
Acreditamos que dessa forma, o processo de formação e
capacitação permanente de todos os profissionais de enfermagem
envolvidos possa dar respostas a esse desafio, pois notamos ainda uma
carência quantitativa e qualitativa de profissionais que possam dar essa
resposta o mais rapidamente possível.
Para os gestores das esferas federal, municipal e estadual, fica
nossa contribuição no enfrentamento desse desafio que é o trabalho em
equipe enquanto fio condutor do Programa Saúde da Família:
- proporcionar uma gestão mais participativa, compartilhada,
através da formação de colegiados multiprofissionais representativos que
possam auxiliar os conflitos existentes desde a implantação de uma nova
equipe, seja em substituição ao modelo tradicional, seja uma nova equipe no
modelo de Unidade de Saúde da Família, pois notamos a existência de um
sofrimento emocional inter-equipes que tem prejudicado a implantação e o
desenvolvimento do novo modelo de atenção em saúde no município de
Botucatu.
- utilizar o trabalho de supervisionar equipes do PSF como um
importante dispositivo a seu favor, pois, proporciona se bem realizado, o
discernimento das condições de trabalho, quais as condições em que se tem
trabalhado, proporciona a possibilidade de analisar os conflitos, os
sentimentos de impotência, os mal-entendidos, os ditos e não-ditos, os
sentimentos de frustração presentes no interior do processo de trabalho, não
os tomando mais como naturais ou do campo dos conflitos pessoais. Neste
ponto de vista, pode o gestor intervir de forma eficaz no processo de
trabalho, sendo um agente facilitador para ação e criação de múltiplas
possibilidades de crescimento e amadurecimento do trabalho em equipe
multiprofissional a partir da desconstrução das próprias matrizes sobre as
quais também foi formado, viabilizando a produção de cuidados nesse novo
modelo que está sendo construído.
Para as enfermeiras que atuam na coordenação de equipe
multiprofissional, a sugestão é que:
Considerações Finais
10
7
- a partir de suas próprias vivências, possam ir construindo novas
formas mais criativas de promover a interface entre o cuidar e o coordenar,
buscando motivações que as conduza a processos de maior abertura para
novos conhecimentos, novos saberes, sem medo de se deslocarem do
território já conhecido para outro novo, que pode em alguns momentos
desestruturar, mas que pode abrir espaços para outro, ao mesmo tempo em
que se toma consciência de onde se está e para onde se quer ir, isto é,
também quebrar as matrizes de aprendizagens tão arraigadas para
desenvolver uma crítica que possa levar a uma adaptação ativa à essa nova
realidade, podendo intervir sobre ela transformando-a.
É necessário compreender que o trabalho em equipe apresenta
dificuldades de ordem técnica e também de ordem interpessoal, sendo
necessário por parte da enfermeira e do gestor aprender a lidar com suas
próprias resistências à mudança, compreendendo que as demandas de todo
o dia geram ansiedades e angústias tanto pela quantidade reprimida da
população adoecida pelas condições de vida, quanto por seu conteúdo de
dores, pobreza, violência e tantos outros.
Os contatos permanentes com essas demandas colocam as
equipes, o gestor e os órgãos formadores perante a complexidade do objeto
da saúde, diante até da impotência de dar respostas pelos meios já
habituais, estereotipados ou mesmo burocratizados, pois essas demandas já
ultrapassam a ótica pela qual esse trabalhador foi formado e preparado.
Não podemos perder a oportunidade desse momento que
estamos vivendo, pois, a Estratégia de Saúde da Família mostra-se, nos
dias de hoje, como um grande e competitivo mercado de trabalho, não só
para aqueles que pretendem compor uma equipe de trabalho como também
para aqueles que exercem ou exercerão cargos executivos configurando
uma nova demanda de capacitação nas diversas áreas do saber em saúde.
Para Goulart (2002, p.353):
“as ausências notáveis na cooperação técnica aos
municípios, no caso das instituições de ensino superior na
área da saúde e das Secretarias Estaduais, são questões
Considerações Finais
10
8
perturbadoras sobre o desenvolvimento do sistema de
saúde e do PSF em particular, que exigem maior atenção
das autoridades da área educacional e do SUS”.
Este trabalho possibilitou a agregação de novos conhecimentos
no campo da coordenação e liderança em enfermagem para a pesquisadora
que, ao mesmo tempo, observa a necessidade da construção de espaços
crítico-reflexivo em torno da problemática, destacando a urgência da
superação dos desafios impostos.
Possibilitou ainda, a compreensão de que o ser enfermeiro é um
ser que se constrói no tempo, no espaço e nas relações do cotidiano.
Este estudo pode mostrar, que coordenar equipe multiprofissional
no PSF é um processo de construção e que denunciam momentos
importantes de conformação dos enfermeiros, sendo o cotidiano o próprio
acontecer da história, ou seja, onde se sentem seus efeitos (Heller, 1994).
Aprender que esse trabalho é uma rede de relações, coordenar é
um ato extremamente relacional, espaço de trocas de saberes, com a
equipe, com os usuários, com a coordenação municipal, com os espaços
acadêmicos encontros de pesquisa e também entre amigos.
Vamos então chegando ao final de nossa pesquisa com a certeza
de que o mundo dos fazeres em enfermagem não se esgota, ao contrário,
possui uma infinita possibilidade de novos olhares e novas conformações e
que precisamos ainda nos debruçar sobre estudos fundamentados em
teorias de médio alcance, onde se privilegie a relação enfermeiro/trabalho
com seu outro.
Quantos caminhos pudemos olhar, quantas emoções pudemos
vivenciar ao longo dessa trajetória! Jamais esqueceremos!
Introdução
10
9
9. Referências Bibliográficas*
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0
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Introdução
11
8
Apêndice
Apêndice
11
9
ROTEIRO NORTEADOR PARA O GRUPO FOCAL
I Dados de identificação
Idade
Sexo
Escola em que se graduou:
Ano em que se graduou:
Pós-graduação:
Tempo de trabalho em U.S.F.:
Data:
Horário de início:
Horário do término:
II Questões norteadoras para o grupo focal
Primeiro encontro
O que significa para você coordenar uma equipe de multiprofissionais junto ao
PSF?
Quais os desafios ou dificuldades que você enfrenta no dia a dia para exercer
esse papel de chefe da equipe do PSF?
A que você atribui essas dificuldades ou desafios?
Segundo encontro
Vocês acham que a coordenação é facilitada quando vocês exercem liderança
junto à equipe?
O que é ser líder de uma equipe?
Que competências (saberes, habilidades, posturas) você acha necessárias para
exercer a liderança junto a uma equipe do PSF?
Apêndice
12
0
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
(TERMINOLOGIA OBRIGATÓRIA EM ATENDIMENTO
A RESOLUÇÃO 196/96 –CNS-MS)
“COORDENAR EQUIPE MULTIPROFISSIONAL: UM DESAFIO PARA O
ENFERMEIRO DO PROGRAMA DE SAÚDE DA FAMÍLIA
Estou desenvolvendo uma pesquisa para obtenção de título
de Mestre em Saúde Coletiva junto à Universidade Estadual Paulista Júlio
de Mesquita Filho, Faculdade de Medicina, Departamento de Saúde Pública.
A pesquisa tem como título: Coordenar equipe multiprofissional: um
desafio para o enfermeiro do Programa Saúde da Família” e será
desenvolvida através de dois encontros de grupo focal.
Sua colaboração é muito valiosa e, para isso, solicito sua
participação voluntária sendo que suas informações serão tratadas com
sigilo e anonimamente, servindo de base para esta pesquisa que não
apresenta risco, desconforto ou inconveniência para ninguém.
Você poderá contatar os investigadores nos seguintes
telefones: Prof.Dra. Maria Lúcia Toralles Pereira 3882-3941 e Regina Stella
3882-6414 ou 81242042.
Antecipadamente grata, solicito seu deferimento,
_____________________ ________________________
Entrevistado Pesquisador
Li as informações acima onde me foi concedida oportunidade
para esclarecimentos que considero de forma satisfatória, recebendo uma
cópia deste termo de consentimento.
Regina Stella Spagnuolo – Pesquisadora – rstella10@yahoo.com.br
Rua Heitor Quintino de Carvalho, 414, Altos do Paraíso, Botucatu-SP, Tel (14) 3882-6414 e 8124-2042
Apêndice
12
1
Grupo focal, 1º encontro – 14/07/05
A primeira pergunta de hoje é: o que significa para vocês
coordenar uma equipe de multiprofissionais junto ao PSF?
“Nem sei” (risos)
E1- “Acho que é... vou começar, né?”
“Na verdade, o coordenar é uma função que é atribuída ao
enfermeiro, porém a gente não sabe como fazer isso, não é? Se é de uma
maneira autoritária, se é construindo, é,se é na divisão de tarefas... porque
envolve tantos, é, fatores dentro da coordenação que eu acho que é uma
sobrecarga grande para o enfermeiro, né? Porque se trabalha numa equipe,
na verdade poderia, Porque se trabalha numa equipe, na verdade poderia,
com outros profissionais, poderia ser dividido esse papel de coordenação
independente das om outros profissionais, poderia ser dividido esse papel de
coordenação independente das funções e, aí, a gente tem que responder
sobre todos, sobre o multiprofissional, sobre o médico, sobre o auxiliar,
sobre o acs, fazer toda parte administrativa, toda parte de coordenação. Eu
acho que é uma sobrecarga muito grande e que, na verdade, a gente não
sai da faculdade sabendo como coordenar, né?”
“E a gente não sai entendendo as relações pessoais, os
conflitos existentes, os jogos psicológicos de conflito... Então, pra gente, ter
toda essa psicologia do trabalho em equipe, das técnicas de relacionamento,
das técnicas de enfrentamento, eu acho que é muito difícil. A gente fica
muito no emocional e às vezes não tem o racional de tentar ver o que está
por trás das relações. Por isso que eu acho que fica difícil de coordenar, na
minha opinião”.
“Eu acho que é difícil coordenar também. Como a E1 disse,
eu acho que é uma tarefa que é colocada só para o profissional enfermeiro,
mas que é complicado você coordenar toda uma equipe. Assim, como ela
disse, você fica responsável pelo médico, pelo enfermeiro, pelo agente
comunitário de saúde, o auxiliar administrativo... então eu acho que é uma
função que poderia ser dividida com outro profissional, que não
necessariamente precisava ser só o profissional enfermeiro. Eu acho que é
difícil coordenar também. Como a E1 disse, eu acho que é uma tarefa que é
colocada só para o profissional enfermeiro, mas que é complicado você
coordenar toda uma equipe. Então, eu acho que, como a E1 falou, eu
concordo também: eu acho que é uma sobrecarga e que o profissional
enfermeiro poderia estar dividindo essa tarefa com outro profissional”.
Apêndice
12
2
“Eu tenho essa sensação também. Que a enfermeira, ela, eu
to preparada para coordenar auxiliares de enfermagem que estão ali na
minha atribuição, que eu sei o que eu tenho que ver, o que eu vou avaliar, se
ele está fazendo uma técnica correta, se não o que eu vou corrigir... e, de
repente, no PSF, a gente se vê não só coordenando uma equipe de
auxiliares de enfermagem, a gente recebe também os agentes comunitários,
a gente acaba recebendo o auxiliar administrativo, agora o dentista, o acd, o
médico, sobra até para a gente decidir se a Kombi vai para lavar, se não sei
o que... então, acaba sobrando muita coisa para a gente, né? (Se acabou o
papel higiênico, não sei que), então, é em tudo, a gente tenta... Eu, pelo
menos, eu sou dessa opinião: que a gente tem que descentralizar as ações,
as decisões, não é ficar só na mão da enfermeira. Cada um tem que tomar
conta do seu posto, porque se ligarem para mim até pra saber que o papel
higiênico acabou... então é complicado!”.
“Eu acho que mais difícil do que coordenar, né, é o trabalho
em si em equipe. Porque existem pessoas totalmente diferentes e que às
vezes não expõem aquilo que estão sentindo, nada disso, e eu acho que o
pior de tudo é às vezes você trabalhar com os conflitos dos próprios
funcionários, como por exemplo, o agente comunitário, que vai até a casa da
pessoa e vê uma coisa que tá acontecendo, ele coloca isso pra você e ele
também fica em conflito e daí a equipe toda não sabe como fazer, como que
vai fazer para que isso melhore, que isso seja saudável para a equipe,
porque afinal de contas a gente não consegue resolver todos os problemas
de todas as famílias. E eu fico com, assim, receio de como poder ajudar o
agente comunitário, não só o agente, né, mas eu estou colocando o agente
porque ele é o primeiro que vai até a família, como o auxiliar de
enfermagem, né? Eu acho que nós médicos, enfermeiros, talvez lidamos
melhor com isso, vamos dizer assim, mas eles não. E eu acho que daí a
equipe, em si, acaba adoecendo”.
“Eu concordo com a E4, assim, em relação a que a gente tá,
eu me sinto mais preparada para trabalhar com a equipe de enfermagem do
que com os outros profissionais, ainda mais se for pensar que mais
futuramente a gente vai ter dentistas, fisioterapeutas, nossa, aí (já estamos
tendo dentista) aí já fico até imaginando... e eu sinto, assim, como um
desafio mesmo coordenar uma equipe nossa, de Saúde da Família, que é
super importante mas não está nas atribuições que a gente tem. Eu vejo
como um desafio, uma coisa que você vai errando e acertando e devagar vai
aprendendo ali, com a prática. Não sinto que eu tenho, assim, uma base pra
isso como eu tenho com relação à equipe só de enfermagem, né? Eu acho
um desafio”.
“Acho que a gente é cobrado muito de estar coordenando
tudo, avaliando, mas acho que fica pesado mesmo, tem que estar dividindo,
não sei, com o médico e lá tem o dentista que não é da equipe, né, que é da
Prefeitura e é uma loucura! (risos) Ela faz lá suas duas horas por dia”...
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12
3
“Funções de cada um. Quando eu falei a função do médico
que eu coloquei coordenar a equipe, trabalhar em grupo, dar... nossa, mas
eu faço tudo isso, porque a gente chama pra fazer com a gente, né? a gente
chama o médico, chama vamos supor agora o dentista pra fazer com a
gente, porque senão é só nossa. E talvez, assim, e quando você às vezes
quer dar uma correção, “o que que aquela enfermeira tá querendo falar pra
mim que sou médico, pra mim que sou um dentista?”. Então, eu acho que
um pouco desse nosso receio é por conta da história da enfermagem e por
conta de os outros profissionais acharem que não têm comprometimento
com a equipe toda, na verdade de se trabalhar individualmente e aí, então,
quando a gente chama ao trabalho em equipe podem dar esses conflitos,
alguns vão e outros não, né? Mas eu acho que a gente tem mais, na minha
opinião, por conta disso, assim, que é uma barreira que eu acho que a gente
está quebrando no PSF muito bem, não é? A gente tem enfrentado isso
facilmente acho com os profissionais que a gente tem trabalhado, na minha
realidade, mas é um fator que”...
“Eu acho que além do despreparo, que nós não temos, como
foi colocado, na Faculdade, tudo, porque na disciplina de Administração que
você tem ali, um semestre, eu não sei como que é a opinião dos outros, mas
acho que é muito, é o mínimo quando você sai realmente para a realidade.
(E é só em relação ao auxiliar, né?) É só em relação. Eu acho que quando
você tá coordenando um auxiliar surge de uma maneira natural, porque fala
do que lhe é natural, as técnicas, o pensamento e tudo, né? E uma outra
questão que eu queria colocar é o tempo. São questões práticas, né? de
tempo mesmo, porque no PSF a gente é totalmente assistencial, né?, então
até mesmo esse tempo de administrar, de conversar, de coordenar, mesmo,
porque exige isso também. Às vezes quantas coisas que passam muitas
vezes porque você não tem tempo de articular, de avisar, de comunicar
porque é tanta coisa que você tem pra estar fazendo de assistência também,
né?. Então, é não só o déficit de que você não teve essa bagagem pra estar
fazendo, mas também a dificuldade até mesmo de tempo, a dificuldade
prática mesmo do dia-a-dia. E uma outra coisa interessante é assim, como a
E1 colocou, de a enfermeira já ter esse negócio meio de pedir silêncio com o
dedinho, meio assim de chefe, assim, uma coisa meio assim, né?. Então,
essa subordinação, mas entre aspas isso, não sei fica complicada para a
equipe, porque sempre ela é colocada como essa coordenadora e nem
sempre ela, não sei até que ponto ela quer assumir isso, né? É difícil você
fazer essas parcerias e, por exemplo, um dentista, se submeter a um
horário, por exemplo, você exigir dele um horário ou entendeu, os outros
profissionais, ou exigir do médico, sei lá de outros profissionais,
principalmente quando há o mesmo nível de escolaridade, né, de graduação,
você ter uma dificuldade de ter até mesmo esse tipo de relacionamento, de
exigir por exemplo uma coisa, em relação, até, aos outros da equipe pode
ser até um pouco mais fácil, né? mas talvez esses profissionais, assim, que
já têm o mesmo nível de graduação também se torne uma barreira, uma
dificuldade nessa coordenação, não é?”.
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12
4
“Pra mim a maior dificuldade no começo era de estar
delegando as tarefas mesmo, eu estava tomando tudo pra mim, né? Eu
estava ficando louca, ainda um dia a E1 falou assim, divide um pouco, né? E
agora eu estou tentando estar assim delegando mais, “você fica responsável
por isso, você por aquilo”, né? Mas lá, que nem, tem uma equipe de zona
rural, tem duas meninas na zona rural e eu não tenho, assim, como ficar
supervisionando, né? e depois, você tem que fazer a avaliação delas, fica
bem difícil, né? De estar avaliando uma coisa que você não tá vendo, né? A
gente vê, tem encontros com elas semanais, né, mas então, agora, ficou
combinado assim, “ó, vocês me ligam, qualquer coisa”, né, mas elas... Acho
que a gente é cobrado muito de estar coordenando tudo, avaliando, mas
acho que fica pesado mesmo, tem que estar dividindo, não sei, com o
médico e lá tem o dentista que não é da equipe, né, que é da Prefeitura e é
uma loucura! (risos) Ela faz lá suas duas horas por dia”...
“Eu estou com algumas coisas parecidas”...
“E agora também eu sou responsável pela acd, uma coisa
que eu nem... então a gente fica responsável por uma coisa que a gente
nem sabe como funciona. E eu que vou ter que fazer a avaliação dela”...
“Eu achei que fosse ser isso também, mas o meu elas se
encaixaram lá e eu estou deixando”...
“Eu também deixei, né? Eu não sei qual a função, o que eu
posso fazer”...
“Mas a acd tem que se reportar a mim e eu fico meio assim,
né?”
“Ela também, lá”.
“Quer dizer, na verdade, nem a coordenação nossa nos
passa como coordenar, o que fazer, né? Então... e a gente também não tem
autonomia, isso que é uma coisa interessante, nós não temos autonomia
enquanto enfermeira de unidade. Eu não sou responsável pelos meus
funcionários da maneira que eu acho que eu deveria. De repente eu falo que
eu vou dar o desconto de hora e a coordenadora ela me cobra disso, ela não
acha que eu estou na minha razão de dar porque eu estou ali, eu estou
sabendo da minha realidade. Então, isso é uma coisa que o SUS está
prevendo, todos os cursos estão falando de autonomia de unidade e a nossa
coordenação geral nos cobra que a gente, então, a gente tem que coordenar
mas a gente não tem autonomia, como que fica isso? (huhum!) Né? Então, o
que é coordenar, então, o enfermeiro tá lá pra coordenar, tá lá pra que?
(ahhhhh!)”.
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5
“Há uns dois meses atrás eu vivi uma situação dessas que,
assim, me deixou intrigada. Eu fui convocada para uma reunião na
Secretaria de Saúde pra falar a respeito da produção dos dentistas, que são
da Prefeitura. Nossa, eu me senti super mal. Assim, de repente estavam as
duas chefes cobrando deles que uma produção estava baixa e que como eu,
enfermeira da unidade, não estava sabendo o que estava acontecendo? Eu
me senti caindo de pára-quedas num lugar assim... (e quando te
chamaram?) Então, eu me senti super mal, assim, porque aquela coisa de
controle de horas, de tudo, e por que a produção do dentista está caindo?
Isso foi cobrado de mim, assim, eu fiquei assim com uma cara de
interrogação, não é? eu não sabia o que falar! Eu falei, então, eu vou na
escola, fiz a minha parte, fui, conversei com a diretora numa parte que essa
pessoa responsável pelos dentistas tinha pedido para mim, mas, assim, é
complicado. Foi cobrado... (... e a gente não sabe por que). Eu vou controlar
horário de entrada e de saída desses dentistas? Eu tenho profissionais que
trabalham comigo na minha unidade que chegam para mim e falam “viu,
você viu o dentista saiu mais cedo, hoje”? As outras pessoas cobram um
parecer da gente, isso que é mais complexo, assim, você ser cobrada por
outras pessoas “e aí, o que que você vai fazer”? Eu não vou pegar no
telefone e ligar para a superiora dele falando que ele está saindo mais cedo.
Entendeu? Você entra em atrito com a pessoa que você está trabalhando,
com a equipe, né?”.
“A enfermeira ganhou o nome de chefe, que eu acho
(ridículo), o fim da picada, a chefe, então acho que por isso que tudo isso
recai nas nossas costas. (é, é) As costas ficam bem larguinhas, viu, pra
caber tudo”...
E1 – “É, e na verdade, o modelo está montado no
comprimento de produção, de horas, você sabe que tem profissionais que,
tudo bem, né, aí é de cada um, mas esse modelo ainda não está montado
na qualidade de serviço ou na valorização do profissional, não, ele está
montado na valorização da produção. Então, se tem produção, por exemplo,
essa semana chegou a coordenação, “ah, mas sua produção tá baixa”. Eu
falei, o que que é, o Simis, né? Que a gente atende 24 extras, mais 20 e
poucos agendados entre eu e a médica e a produção tá baixa, né? Então,
quer dizer, a realidade nossa não vê? (Senão você vai deixar a qualidade de
lado, né, da assistência...) Eles estão em cima da produção ainda, isso a
coordenação cobra da gente! E toda parte que a gente faz de coordenação,
de treinamento, que não é digitado produção, isso não vai ser contado nunca
(construção coletiva - de resultado de exame que você... “ô enfermeira,
posso falar com você um pouquinho?”... isso a gente não consegue digitar
no Simis, né? não, não... e são várias vezes por dia... isso é complicado... dá
uma olhadinha aqui no umbigo desse nenê? ... dá um não sei o que?)”.
“Alguém gostaria de complementar alguma coisa nessa
primeira questão?”
Apêndice
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6
“Não. Concordei assim”.
“Alguém gostaria ainda de fazer algum arremate? Podemos
passar para a segunda? A segunda questão é está: quais os desafios ou
dificuldades que vocês enfrentam no dia-a-dia para exercer esse papel de
chefe?”.
“Eu acho que a primeira coisa é a falta de autonomia, que
não é nos delegada: é mas não é. (Isso é um desafio ou uma dificuldade?)
Acho que é uma dificuldade... ou pode ser os dois, também”.
“Dá impressão que a gente tem autonomia dependendo do
que convém pra eles. (É uma autonomia limitada, né?) Não, depende do que
convém. Se for pra cobrar de alguém, então você tem autonomia pra fazer
isso”...
“Por exemplo, pra falar se uma pessoa dirige bem ou mal a
Kombi. É isso você, enfermeira, que não é professora de auto-escola, que
tem que dizer para a Secretaria que a pessoa dirige bem ou mal, né? Então,
a minha opinião vai ser levada a sério, eu acho, né, se eu falar que a pessoa
dirige bem, né? Mas se alguém bater a Kombi a culpa é minha... então, que
autonomia eles tão exigindo, quer dizer, isso você tem que decidir, né?
(construção coletiva)”.
“É, na hora de mandar um funcionário embora, que você
sabe que o funcionário tá uma coisa ruim, aí você não tem. Então, é uma
coisa muito, assim, paradoxal”.
“São muitas as dificuldades, eu acho. Muitas mesmo...
(Vamos falar um pouquinho delas, eu gostaria que vocês falassem um
pouquinho...). Os desafios eu acho que é entender, assim eu vejo muito o
lado pessoal, porque é onde mais pega a coisa. Eu acho que é, a gente
trabalha com diferentes pessoas, de diversos universos, diversas
personalidades, e que nem sempre, assim, está aberta a críticas, né, ao
relacionamento. Então, tem muito problema na equipe por conta desses
pitizinhos, assim, pessoais, né, não consegue separar os problemas da
casa, as dificuldades pessoais e no trabalho ser diferente, né, então acho
que isso é uma dificuldade, então, você entender o universo de cada pessoa
que trabalha com você e lidar isso na equipe. Eu acho que é um desafio
enorme e que nós não temos nem capacitação para isso e nem, assim,
alguma assessoria que nos pudesse ajudar, tipo um psicólogo nos ajudando
na equipe, né? Outro desafio que eu acho imenso é poder consolidar o PSF
com a comunidade. O que é o PSF, o que é o papel de cada um, porque já
que a coordenação não sabe, os outros serviços não sabem, muito menos a
comunidade e daí a gente é (massacrado) o tempo todo exposta, na
verdade, a enfermeira é que é exposta para todo mundo, né? A enfermeira
que barra paciente, a enfermeira que não deixa fazer isso e aí a equipe toda
fica escondida atrás da enfermagem, né? Eu acho que, assim, e a
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12
7
dificuldade é quando você não consegue promover a mentalidade da equipe
frente à proposta do PSF. Talvez seja um desafio enorme mas se ele não é
realizado é uma dificuldade, porque não adianta nada a gente achar que tem
que fazer a promoção, que tem que fazer educação popular, que tem que
envolver as pessoas, que tem que acolher, que o auxiliar tem que ouvir mais
outras pessoas, que a gente tem que parar de ser taxativo e que o auxiliar
também, não adianta nada a gente ficar lá coordenando, tentando, se isso
não for assimilado por eles. Então, a gente às vezes vem com essa proposta
de Educação Popular em Saúde, mas que não é aceita pela equipe, e
muitas vezes também pelo médico, que tem aquela abordagem do
vapt/vupt/P.A.zão. Então, é um desafio e uma dificuldade enquanto chefe e
principalmente da equipe de PSF, que é uma nova proposta de
atendimento”.
E6 – “Eu acho que a grande dificuldade é ainda a população
entender o que é o Programa de Saúde da Família, não é? A população
ainda não está, não sabe ainda direito como funcionam as coisas, não sabe
o por quê que tem grupo, “ah, esse pessoal fica falando aí, tem o grupo, e
por que que não atende?”, ou tem um espaço, ah! fez alguma coisa fora da
unidade, por exemplo, coordenou uma festa, um dia diferente, “ah!, mas tá
fazendo isso e não tá atendendo?”. Então, a população ainda, eu acho que
isso é uma dificuldade, eles ainda não entendem. Em segundo lugar, eu
acho que é a outra dificuldade é em relação também aos próprios agentes
comunitários, porque: eles fazem parte dessa comunidade e se eles não
tiverem colocado na cabecinha deles que muitas coisas a gente vai
conseguir fazer e outras coisas não, isso, como ele vai falar, quando ele vai
falar isso pra população, aí acho que tem os caminhos que não é o caminho
reto, são os caminhos tortuosos, porque ele tem que estar consciente
daquilo que a gente tá fazendo, e que aquilo que a gente tá fazendo é o
melhor que a gente pode estar fazendo, para que ele possa, quando ele for
fazer as visitas, explicar isso para a população, que muitas vezes a gente, os
encaminhamentos que às vezes não são rápidos do jeito que a população
quer e outras dificuldades que a gente tem. Eu acho que esse é um grande
desafio: o primeiro, de trabalhar com a população para incentivar e mostrar
para a população que a gente está trabalhando e procurando, dando uma
outra proposta para eles, uma grande, uma coisa assim muito boa, mas que
ainda não tá, eles não estão sabendo disso. Outra coisa, outro desafio é
trabalhar com esses agentes comunitários para que a gente possa fazer o
trabalho e que eles possam divulgar esse nosso trabalho, porque eles são
os primeiros que a população ouve, porque eles fazem parte daquela
comunidade, eles conhecem todo mundo”.
E1 – “Essa do agente é um desafio enorme, porque na
verdade o agente ele quer fazer coisa que não pode, ter informação que não
pode, assim, muita gente quer qualificar super, a gente tem que maneirar
porque não está muito bem definido, pra nós, do campo da enfermagem,
enfermeiro, coordenador, é muito difícil, porque o agente ele solta cada uma
que se não for bem instruído, bem preparado, e essa instrução, esse
Apêndice
12
8
preparo deles é em cima da gente, também, acho que é uma sobrecarga
também, uma dificuldade um pouco”.
“Eu concordo com a E6 e com a E1. Eu acho que a maior
dificuldade mesmo é a população entender a filosofia do PSF. O que é o
PSF, como funciona, quais são os membros, quais são as atribuições de
cada um... porque as pessoas confundem tudo, né, a gente sabe, todo
mundo de branco, todo mundo é enfermeira... é complicado isso. Há um
tempo atrás, também – olha, que eu tenho várias histórias já para contar, eu
vou contar essa – o doutor P. estava de férias, estava sem médico na
unidade. (Dr. P. Risos. Você chama dr. O.? Não... se liberta, E2, se liberta!
risos). Então, ele estava de férias e veio algumas pessoas substituir,
entendeu, mas foram poucos dias, a maioria dos dias não veio ninguém. Daí
teve várias reclamações daqueles pacientes que vão lá na rádio reclamar do
médico, né, e eu, toda bonita, tive que dar uma entrevista para a rádio para
explicar que a população queria saber porque que não tinha mais, além de
não ter um substituto, o porque que foi tirado do Marajoara, que era uma
UBS, o pediatra e o ginecologista e foi colocado um único médico... isso eu
sinto, assim, olha, diariamente, “não, mas esse posto já foi bom, antes tinha
pediatra, antes tinha ginecologista, agora é só a enfermeira e o médico, eles
não dão conta”, eles mesmo falam isso. Sabe, então, é complicado, assim,
você trabalhar com isso. Daí eu tive que dar uma entrevista na rádio mesmo
explicando porque a população... (Você que foi?) Eu que falei, eles vieram
até mim. (A coordenação que devia ter ido lá falar pra você, né?) Sim, eles
vieram duas vezes, sabe, E1. Eles me abordaram duas vezes. Da primeira
vez eu fugi, falei não, não vou, não vou,... da segunda vez eles não, por
favor, você vai falar só um pouquinho eu, linda, falando lá no ar, né?
Explicando que não tinha médico, que tava sem, que na realidade a gente
não tem mais pediatra e, assim, até o moço da rádio mesmo perguntando
pra mim “mas porque é que não tem mais o pediatra?”, “ah! porque aqui
mudou, aqui era uma UBS hoje é uma unidade de Saúde da Família...”
Então, eu acho que o maior desafio que a gente tem é com que a
comunidade entenda como funciona o PSF. Por exemplo, eu já fiz proposta
para o médico que trabalha comigo, eu já falei para ele “vamos dar uma
palestra no final de semana, pegar um sábado, aqui, sabe, convocar,
mandar cartinha pra todo mundo, assim, fazer uma reunião na escola, por
exemplo, e explicar o que é o PSF pra eles”.
E1 – “Não adianta. Mas palestra não vira. Eu acho que a
nossa proposta lá no posto surgiu da comunidade, era fazer uma cartilha,
mas nem era a cartilha, era a comunidade elaborar uma cartilha, oficinas
com pessoas da comunidade que eles fizessem desenho, que eles falassem
do que é PSF... porque aí tem mudança de pensamento. A gente fazer uma
cartilha e dar para eles ler não adianta nada, a gente chegar lá e dar uma
palestra não adianta nada. Isso teve uma proposta em várias reuniões de
comunidade, acho que desde o começo tem se falado, mas a Secretaria não
endossou. Então, de fazer oficina, acho que tinha umas 15 pessoas que
fizeram uma comissão pra fazer a cartilha, convidando outras pessoas da
Apêndice
12
9
comunidade, porque eles fazendo tem mudança de comportamento e de
pensamento, a gente indo lá com palestra, falar o que é PSF (risos), entra
aqui e sai aqui, não resolve nada, fica difícil”.
“Então, assim, está é a grande dificuldade que eu sinto,
sabe, S., diariamente, assim. Eles vêm, eles falam aqui era melhor, tinha
pediatra...tinha, agora é um médico só, e coloca também em jogo a nossa
credibilidade e a nossa competência como profissional: “ah, como você,
enfermeira, colhe papanicolau?”, já teve paciente que falou isso pra mim,
“como que você pode avaliar se eu vou ter ou não ter um câncer de mama?”
Porque no meio de toda essa população a gente sempre pega alguém, um
ou outro, que são um pouco mais esclarecidos, entendeu? Daí vem e te
enche de um monte de perguntas... e você tenta explicar, mas você explica
pra um, né, E1, e o resto? Você explica pra um e tem mais cinqüenta lá fora
com essa dúvida. Porque que mudou, porque que de UBS passou para PSF,
antes tinha três médicos e agora é um médico só, entendeu? É complicado.
Esse eu sinto que é a maior dificuldade, assim, na minha unidade, na minha
realidade é essa”.
E4 – “Eu considero um desafio a questão da aceitação do
enfermeiro como uma pessoa que atende e que tem competência pra isso.
Essa semana também eu recebi uma ligação da nossa coordenação que
uma paciente que tinha sido atendida lá na unidade, depois do atendimento
que ela foi descobrir que ela tinha sido atendida por uma enfermeira e ela
ligou, foi na Secretaria pra reclamar, pra dizer assim, perguntar se a
Secretaria sabia que tinha enfermeira atendendo... e a coordenação ainda
ligou para tirar satisfação da situação que tinha acontecido. Quer dizer, nós
somos profissionais que somos capacitados, que temos nosso protocolo
baseado na nossa capacidade, a gente não busca fazer nada além do que
está na nossa atribuição profissional, e a gente tem essa dificuldade de
aceitação da população e quando a população chega na coordenação
parece que (a gente não tem respaldo, né?) não tem, a gente sente, eu me
sinto órfã. (construção coletiva - e eles mandam você atender tudo e todos,
né?... é pra atender mesmo!... sim, e quando você atende não é para
atender, né, você não devia ter feito isso!)”
“Inclusive acham que o problema é medicocêntrico, né, o
problema é todo medicocêntrico é essa sempre o que se fala, o que se fala e
eu não sei até que ponto a gente vê isso na nossa realidade, né, porque é
sempre a gente que tem que estar lá com a cara na frente pra decidir as
coisas, e não, eu acho que quando a gente colocou em relação à
coordenação, o que é coordenar uma equipe profissional, a gente já listou
muitas dificuldades também, né, então eu acho que é até repetitivo a gente
estar colocando tantas dificuldades que tem no relacionamento com a
equipe, né, a parte pessoal como a E1 colocou, que é difícil você estar
entendendo o que acontece na cabeça dos outros, tudo... Eu acho que os
desafios coincidem um pouco com os desafios da profissão como um todo,
né, a profissão, mesmo, de enfermeira, né, desde que ela veio, né,
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13
0
antigamente, e até onde a gente chegou hoje, com estigmas, com
preconceitos, né, o fato de ser uma profissão essencialmente feminina,
ainda, você vê ainda na população alguma resistência, alguma coisa em
relação a isso, inclusive de pensar na capacidade que a mulher tem também
de estar decidindo as coisas... e como a E4 falou, muitas vezes tem
pacientes que é atendido, como ela disse, né, é atendido por você, gostam
muito da consulta, inclusive só no final que descobrem que você é
enfermeiro, né, em momento algum eles sentiram alguma carência, alguma
falta de qualquer tipo de julgamento ou prescrição que você pudesse ter feito
em detrimento ao médico, né, mas mesmo assim eles acreditam que isso
ainda não se considera um profissional capaz e treinado realmente para
estar fazendo isso, né? Eu acho que os desafios coincidem um pouco e,
principalmente, se pensar no que é o nosso objetivo aqui hoje, em relação
ao PSF, eu acho que o maior é esse acerto, realmente, com a comunidade,
né? Eu não sei se é porque aqui em Botucatu nós estamos com um
Programa recente, né, não sei sobre a experiência de outros lugares que
estão há mais anos, e que talvez isso foi melhor, já está melhor na cabeça
das pessoas essa aceitação... a continha que eles fazem é só essa, né: que
tirou três e botou um, né, eles não pensam que somamos agentes, né, eles
não pensam que os agentes, se for contar tem mais ainda gente na equipe,
não tem menos, né, mas eles continuam achando que o que faz falta é
aqueles dois que saíram e que só tem um, né? Alguns, conforme são
beneficiados, ainda talvez muitas vezes está trazendo essa... se conforma,
vamos dizer assim, com isso, acreditam no Programa, mas tem muitos ainda
que são bastante resistentes. Eu acho que o principal desafio vai ser
realmente esse, né: aliar uma coordenação que nos tira autonomia, que não
nos dá espaço e nem retaguarda para estar enfrentando isso de uma
maneira mais integral, mais ativa, mais prática com essa comunidade, e
enfrentando essa comunidade, que acaba nos acuando numa situação como
essa, que não podemos ter um posicionamento tão claro com eles também,
assim, por não ter esse respaldo, né?”.
“Posso contar uma historinha, dá tempo? (Dá...) Vai ser
rapidinho, juro”.
“Então, teve uma sexta-feira, isso faz um mês que
aconteceu, mais ou menos, o médico da unidade não estava, ele estava
num curso, daí apareceu uma paciente lá, passou de extra, eu que tava,
reclamando com uma dor no baixo ventre que irradiava para as costas, eu
desconfiei de, sei lá, infecção de trato urinário, cálculo renal, numa consulta
extra pedi um hemograma pra ela, uma urina I, uma cultura e o que eu podia
passar pra ela, passei um Tylenol, de oito em oito horas, que a gente sabe
que é o nosso protocolo, de 750. Uma semana depois uma pessoa da
coordenação chegou e foi abordar o médico da unidade com a minha receita
na mão. “Por que que a sua enfermeira passou isso, ela tem um histórico de
infarto agudo do miocárdio num irmão de 26 anos e esse Tylenol pode estar
precipitando isso” (e esse o que?) Tylenol, eu achei um absurdo isso. Nossa,
gente, assim, pra mim isso foi o fim, assim, sabe? Eu falei, como que...
Apêndice
13
1
(tylenol pode precipitar infarto agudo do miocárdio?) Não. O próprio médico
da unidade falou que, assim, não confere isso, entendeu? Daí eu fiquei
assim, daí eu fui tentar descobrir quem que era essa pessoa, porque ela
tinha que ter uma ligação muito próxima com a coordenação, e ela é
empregada, ela trabalha na casa de uma pessoa da coordenação”.
“O que eu sinto assim como uma dificuldade acho que é mais
ou menos o que todo mundo falou, mas primeiro, em relação à coordenação,
é a falta de conhecimento da prática do PSF em si, ninguém que está
coordenando conhece a prática. Eles conhecem só a teoria e é muito
diferente. Eu queria que ficasse lá na minha unidade, um mês, você
entendeu, no meu lugar para ver como que é. Então, na verdade, eles estão
viajando, assim, e acabam deixando a gente numa situação difícil, mesmo. A
gente se sente, assim, é o que eu falei, depende do que convém para eles.
Eu lembro que uma vez eu ouvi assim “ah!, você tem que ter bom senso”.
Bom senso é uma coisa muito particular, entendeu? (pra usar protocolo?) É,
bom senso pra usar o protocolo... é uma coisa particular. Dependendo, se
pra eles, o bom senso deles não bater com o meu eu me ferro... então é
muito complicado. Em relação à equipe, eu sinto muito assim, dificuldade
aqui em Botucatu, principalmente, em outro trabalho era diferente, não sei se
porque os funcionários são muito novos, eu sinto uma falta de
profissionalismo, assim, eles levam tudo pro lado pessoal. Então, eu acho
difícil isso, eu não sei como... eu acho que eles são imaturos, talvez seja por
isso. Em outro lugar que eu trabalhava, os funcionários mais velhos, nossa,
era muito mais fácil o trabalho, não tinha assim... aqui tudo eles levam para
o pessoal, eu acho isso difícil. E o que eu percebo em relação aos agentes
comunitários, também, é como eles não fazem muito do que eles tinham que
fazer, não sei como... os meus outros agentes do outro emprego que eu
tinha também tinham mais perfil de agente, eles faziam mais o que era da...,
exerciam mais a profissão. Às vezes eu pego, assim, vou ler um relatório,
vejo um monte de coisa, vejo a conduta, sabe, eles mandam ir no médico...
Então, quer dizer, a gente ainda não conseguiu mostrar pros próprios
agentes o que que é o PSF, como que a gente vai ajudar a população, qual
que é o papel dele...e aí só tá repetindo, né, o que a própria comunidade cria
na cabeça, né, quero médico, quero ser atendido individual, e aí tem tudo a
ver com o que a gente enfrenta lá que é a falta de participação da
comunidade. Que nem, uma coisa legal é que lá não tinha posto, então não
tem esse problema de “ah!, cadê o pediatra”, né, eles acham lindo, porque
eles não tinham nada e agora tem um médico e uma enfermeira, não é?
Ainda mais essa população é muito carente, eles eram atendidos no
Marajoara, mas eles não se sentiam bem atendidos, porque eles sempre se
sentiam assim “ah, vocês não são daqui, não pertencem”, né, quando era
UBS. Então, eles gostam, né, a gente percebe que eles gostam, mas eles
não participam. Praticamente eles não participam de grupos... reunião de
comunidade é um mico: vai os parentes dos agentes, assim, meia dúzia... e
a gente faz convite, a gente manda pra todo mundo, fala, não consegui fazer
Conus... então eu sinto muita falta, assim, dessa participação, muita falta...
então a gente até tem, assim, eu acho... como eles não tinham nada então
Apêndice
13
2
eles até reconhecem, assim, mas ainda é muito voltado mesmo para o
atendimento médico, pronto-atendimento, acho que seria uma dificuldade,
assim, que tem a ver com o que todo mundo falou’...
Alguém quer complementar?
”Bom, uma dificuldade particular minha lá é de ter que cobrir zona rural
também. Então acabo descobrindo Vitoriana e saio de terça e quinta para
atender zona rural e tem que sair o médico e o enfermeiro, porque se for só
o médico ou só o enfermeiro não resolve o problema do pessoal da zona
rural, né? Então, como a gente vai a cada quinze dias em alguns lugares,
em outros lugares uma vez por mês, então eles acham que quem tá lá tem
que passar, né? Então tem dia de atender 40, lá na Alvorada da Barra... é
uma coisa bem complicada, a gente pede uma equipe de zona rural, mas
parece que nunca vai existir, porque não tem número, a população não... e é
uma dificuldade que não vai ser resolvida nunca, eu acho (riso). Não tem”...
“Isso que você falou tem a ver, a minha equipe era para
atender mais população, também, eles falam por causa da quantidade, né,
de pessoas, mas, gente, lá é uma loucura também você já ficou lá, né? (já)
Tem dia que vai um monte de eventual, parece mentira, porque realmente,
mas é uma população extremamente carente. Eles vão lá porque tão com
uma dorzinha de cabeça, porque brigou com o marido, porque o filho bebeu,
sabe? (uma gripe, né?) então... Tinha uma mulher com depressão que ela
passava três vezes por semana de eventual com a gente. E aí a gente não
consegue, também, às vezes resolver muitos problemas, porque a gente não
tem referência pra alguns proble..., né? e aí o que é que você faz, você fica
atendendo o mesmo paciente sem resolver o problema dele e sobretudo
negando (construção coletiva), entendeu? porque você não tem referência
para filho, você não tem referência para psicólogo, você não... Usuário de
drogas, quantos que já foram lá pra gente “ah! eu quero me tratar” aí você
liga lá na H. “mas onde eu vou achar um lugar pra tratar o paciente?” (ele vai
entrar numa fila de espera, né?) e aí a família inteira adoece, então você fica
atendendo sem resolução... é complicado”.
Vamos então passar para a terceira e última e depois
dela um arremate geral. Eu acho que vocês já
responderam parte dessa pergunta, mas queria que
vocês colocassem bem essa questão: a que vocês
atribuem essa dificuldade?
“Falta de entendimento da população (vocês já abordaram
bem a questão da dificuldade), dificuldade do trabalho em equipe, mesmo,
porque você tá trabalhando com pessoas diferentes, com culturas diferentes,
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3
com personalidades diferentes, então é complicado isso. Eu acho que essas
são os maiores desafios, assim”.
“Eu já acho que é o desconhecimento da coordenação (eu
também concordo) da prática do PSF (concordo, da prática), falta do
conhecimento prático (eu concordo), nem trabalhou no PSF e quer dizer pra
gente o que é que tem que fazer... nunca trabalhou (acho que em lugar
nenhum – construção coletiva - prescreve, às vezes coisa que não tem na
farmácia... acho que uma oportunidade que a gente viu uma pessoa da
coordenação, né, tratando, atendendo, substituindo e prescreveu coisa que
nem sabia que não tinha na farmácia da Prefeitura, né, prescreveu coisa...
“ah, não tem isso?”, eu falei não, não tem, não... se fosse a gente, né, se
fosse o nosso médico, por exemplo, como que prescreve uma coisa que não
tem na farmácia...quem que é o médico, né?)”.
“Eu acho que a gente também tem falta de respaldo da
coordenação (sim) (a gente não tem coordenação) e a coordenação acha
que nós estamos brincando do PSF, porque pelo tamanho das cobranças e
das coisas que a gente é cobrado... de chegar atrasado, de relógio de ponto,
de não sei o que... eles acham que a gente tá brincando”.
“Você coloca a flexibilidade de horário da gente, eles vêm
discutir, né? Ah, imagina, eu discuto esse negócio de flexibilidade do horário
pra gente, né? (em zona rural não precisava ter...) Não sabe o que é PSF,
né?”.
“Não, o negócio do cartão foi o fim, relógio ponto, ah, gente o
que é isso!”
E1 - Então, quer dizer, eu acho que é ausência da
coordenação, desconhecimento da prática do PSF e desvalorização
enquanto nós, coordenação das equipes, que daí vem da falta da autonomia
nossa. Então, eu acho que nós, ali, estamos como qualquer um, tocando o
bonde e a hora que quiser jogam fora do trem, eu estou me sentindo desse
jeito, a hora que não serve mais você joga fora do trem (ou troca) ou troca
você de lugar, né? E sem ao menos saber como que está o seu serviço, né,
como que é a sua realidade, ter um entendimento, então, quer dizer, a nossa
coordenação tudo. Se nós não somos ponta firme pra nossa equipe, se a
gente não está ali ora como mãe que dá cintada e que faz carinho, como
que fica a nossa equipe? Desanda tudo. É ou não é? (Huhum!) Então, nós
estamos assim, sem pai e sem mãe, que nem dá cintada e nem faz carinho,
né? A gente tá órfão, sozinho, ora a polícia pega, prende, solta da cadeia, é
isso, né, a gente toca o barco do jeito que vai a maré!”
“Uma outra coisa que eu acho é os outros serviços também
não saberem o que é PSF, né? Então acha que “viu, vai uma enfermeira lá
na sua casa três vezes por dia fazer HGT”, né? Então aí você fala assim,
“mas quem falou?”, “não, mas o médico lá da Unesp falou que você vai lá
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três vezes ao dia, duas vezes por dia fazer curativo”. (construção coletiva) A
Secretaria não explicou para os outros serviços, então não tem a valorização
do seu trabalho, lá, né, acham que é aquela coisa de que você vai na casa
de todo mundo, mesmo, que você tem todo tempo do mundo, que você tem
que resolver tudo, né?”.
“O PSF foi implantado aqui em Botucatu sem ser feito, teve
tanto tempo para fazer alguma coisa, assim, de propaganda, de divulgação,
assim, podia ter feito um trabalho tão legal com isso, no fim, não, quer dizer,
nem na própria saúde a gente consegue, tem sujeito da Secretaria da Saúde
que tem raiva da gente, nem conhece a pessoa direito (as enfermeiras da
UBS, eu sinto isso em todas as reuniões!) Nós estamos no mesmo barco, a
gente quer melhorar a saúde do município, não é competição”...
“Nem as horas da Campanha que ganha nas UBS não é a
mesma coisa que vai ganhar no PSF, elas ganham 15 e a gente ganha 12”
“É ridículo, parece coisa de criança (risos)”
“E outra coisa que eu sinto dificuldade é a falta de a gente ter
uma rede de referência e contra-referência, a gente fica muitas vezes na
mão por conta de não ter pra onde encaminhar e se encaminha é pior, era
melhor nem ter encaminhado, porque a pessoa é atendida de pé, nem é
examinada, e a gente nunca recebe resposta disso e isso é uma coisa que
trava o nosso trabalho”.
“Isso complica mesmo, com relação à referência e contra-
referência, porque às vezes você tem um paciente que precisava de você
acompanhar ele, às vezes eles são assim tão ignorantes, tão simples, eles
vêm da Unesp com um monte de papel e não sabe nem o que que faz e a
Unesp não manda nenhuma contra-referência, a gente fica perdida, também,
né?”.
“Então assim, terminamos as três questões que a gente
trouxe para gente conversar um pouquinho, né, é uma última rodada, uma
última palavra que vocês gostariam de deixar hoje aqui, no que significa
coordenar uma equipe multiprofissional, quais os desafios e dificuldades e a
que você atribui esses desafios e essas dificuldades, né. È só uma rodada
final, uma palavra final... pra gente encerrar o nosso encontro de hoje.
Estamos dentro do tempo, à vontade”.
“Eu acho que uma melhor valorização do profissional
enfermeiro, que a gente não está sendo valorizado como deveria, eu acho
isso”.
“Eu acho que a gente mata um leão por dia na unidade, mas
eu gosto muito do que eu faço e eu não queria fazer outra coisa. Acho que
não é brincadeira, a gente tá lá para uma coisa séria, apesar de a gente não
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ter o respeito e o respaldo da coordenação a gente tá lá para uma coisa
muito séria, que é o bem-estar da população”.
“Eu acho que os desafios são muitos, né, é difícil ser
otimista, mas o que a gente está nessa profissão mesmo porque nós
queremos, né, é o que nós sabemos fazer e a esperança é o que nos
impulsiona para o crescimento. Então, é o que a gente tem que ter: o esforço
nosso, da nossa parte, a reivindicação dessas soluções de alguma forma,
né, e fica o desafio, nós todas desafiadas a estar querendo que isso mude
de alguma forma, não é?”.
“Eu sinto falta também, assim, de educação continuada para
a equipe, mas assim planejada, quer dizer um planejamento que a
coordenação faça para o ano todo (para a equipe, né?) para a equipe, que
seja para a equipe mesmo, porque onde eu trabalhava tinha essa educação
continuada, na Dir de Sorocaba, mas era muito legal, então ia os agentes,
então a gente era treinado, assim, você... era outro horário, entendeu? Você,
talvez por isso os agentes tivessem, fizessem mais o papel de orientar, eu
sinto falta disso aqui, também, até porque se faz em todas as equipes fica
também mais padronizado as nossas ações, né, na qualidade mais
padronizada, né. Eu sinto falta disso e eles só falam assim “ah, tem que
fazer” (e é sempre muito em cima da hora) (não, é um absurdo isso, quando
tem, é 10 dias, 15 dias pra você resolver tudo, assim, é tudo muito em cima
da hora eu acho) E é muito lotado, assim, só, eu não sei como é que está
agora, mas é muito lotado, só para o enfermeiro, ou pro médico (continua,
bem, construção coletiva agora) é? porque esses são da equipe (que
treinamento você quer dar, pra quem você quer dar) então você vai falar a
supervisão pra equipe, eu acho legal trabalhar a equipe, quer dizer a gente
trabalha em equipe, seria legal que fosse treinado como equipe, lógico, tem
as especiali..., vamos falar, as coisas mais específicas, mas acho que esse
trabalho não é feito (a gente faz, né, mas não é um padrão...)”.
E6 – “Eu acho que coordenar uma equipe de saúde da
família é um desafio. E eu acho que é difícil, que não é fácil, as dificuldades
vão existir sempre, eu só acho que a gente tem que procurar, a cada dia,
orientar a população, orientar os nossos agentes, para que eles também nos
ajudem nessas dificuldades. E que é um desafio mesmo, é viver o dia a dia,
que cada equipe vai ter sua carinha, vai ter a sua coordenação, e cada um
vai tentar coordenar sua equipe de uma maneira, né, não existe um padrão
pra todo mundo. E cada um vai ter a sua dificuldade e vai tentar resolver isso
com a própria população, com os próprios agentes, auxiliares, médicos, com
cada um”...
“Bom, o que a E7 falou é tentar ser otimista com aquelas
dificuldades que a gente não vai conseguir resolver nunca, né? Levar...
(risos) (tentar ser, né, porque o que que a gente vai fazer?) Porque eu tenho
dificuldade, assim, de trabalhar com os grupos, assim, porque eu fico pouco
na unidade, eu fico segunda, quarta e sexta de manhã, né, de terça e quinta
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eu tô fora (e à tarde?) E terça à tarde eu tenho um tempinho que eu nem
faço agendamento, nada, para gente poder estar trabalhando em grupo ou
estar tentando, pelo menos, e de quinta à tarde a gente sai pra atender zona
rural também. Então, é uma coisa, assim que... eu já pedi socorro, mas”...
E1 “Faltou eu... eu acho que isso que a E6 falou da equipe
nos ajudar é uma coisa importantíssima, né? Eu sou mesmo, assim, delego
quase tudo lá na minha equipe. Os auxiliares não são sobrecarregados, os
agentes os que eles podem estar fazendo dentro da unidade eles estão
fazendo e não escondo as dificuldades que eu passo enquanto coordenação
comigo, né? Eu acho que eu jogo bem aberto das minhas limitações e da
cobrança que exercem, que tem sobre mim e a coordenação e sobre a S.,
não é? Um ponto positivo aí é a... já passamos por momentos difíceis, mas a
ligação que eu tenho com a médica que trabalha comigo, que a gente tá
junto em todas. Eu tô junto com ela e ela tá junto comigo. Então, é uma
coisa que nos fortalece muito e que nos ajuda a enfrentar muita coisa, tanto
com a comunidade, quanto com a coordenação, né, e na equipe também.
Então, é demitir funcionário, a gente tá, quem acaba falando, mas a gente tá
junto, as duas,... sancionar licença de algum funcionário, a gente tá junto, é
pra mandar algum ofício para a coordenação de alguma reclamação, a gente
tá junto... então eu acho que isso é uma coisa que ajuda a trabalhar, foi uma
conquista desse espaço, eu acho, para o enfermeiro, que é difícil, ainda, eu
acho em algumas equipes o médico respeitar a autonomia, mesmo a
atuação do enfermeiro, mas graças a Deus, assim, a gente conquistou lá na
nossa unidade, eu acho que é uma coisa que é bem valorizada e que a
gente tem bastante autonomia na equipe, assim. E eu espero um dia a
coordenação ir passar lá um mês, né, uma semana, tô brincando
(construção coletiva - com a nossa equipe... assumir a agenda... cobrir
férias, assim... um dia de fervo lá já estava bom... e a gente lá na
coordenação... e a gente lá na secretaria... todos os agendados mais quinze
eventuais e a gente fazendo com eles o que eles fazem com a gente...). É.
E que a gente, assim, ache um espaço, né, de poder fazer Educação
Popular em Saúde, mesmo, convidar a comunidade, virar, assim, o
atendimento, meu sonho é virar o atendimento em grupos, né, ter um espaço
para isso, tem um projeto de adolescentes que é o nosso sonho... Que eu
acho que a Saúde só vai melhorar quando mudar o viés do olhar, né, tanto
coordenação, quanto os profissionais, os agentes, eu acho que ... a nossa
busca tem que ser nessa mudança do que é o SUS mesmo, quais que são
os princípios, o que que vier do SUS a gente tem que fazer, que é, são os
princípios maravilhosos, desde que incorporados com a visão legítima dele,
não distorcida. Então, é assim que eu penso”.
Mais alguém quer deixar uma mensagem hoje? Então
podemos encerrar?
“Sim”.
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Vocês acham que a coordenação é facilitada quando
(vocês) exercem liderança junto à equipe?
“Eu acho que sim, mas desde que você tenha autonomia
para coordenar, uma autonomia total, eu acho, não uma autonomia limitada,
como nós temos, nós profissionais enfermeiros. Porque eu acho que a nossa
coordenação ela é um pouco limitada, a nossa autonomia, aliás, ela é um
pouco limitada para a gente coordenar, né, frente aquilo, por exemplo, que a
gente estava conversando, falando ontem, né? Por exemplo, eu que estou lá
diretamente com o funcionário dentro do posto e eu vejo que ele não tem o
perfil pra auxiliar de enfermagem ou pra agente comunitário de saúde, mas
eu não posso dispensar. Eu tenho que levar isso para a coordenação, para a
coordenação analisar e ver se pode dispensar ou não. Então, assim, a
minha resposta é sim frente esta pergunta, mas desde que eu tivesse mais
autonomia, né, eu não, todos os enfermeiros tivessem mais autonomia, só
que eu acho que essa autonomia é nos dada, mas ela é muito limitada, eu
acho”.
“Eu não sei, não sei se eu entendi errada a pergunta, não
sei, eu fiquei em dúvida, eu preciso perguntar: essa coordenação seria o
nosso ato de coordenar (é o do enfermeiro, isso, de vocês) (Ah, tá! Eu
também fiquei em dúvida, assim, a hora que eu li, se era a coordenação da
gente ou a coordenação...) (não, a coordenação do enfermeiro, mesmo,
junto à equipe de vocês, PSF)”.
“Eu acho que facilita quando a gente seja uma liderança,
porque eu acho que a gente transmite uma certa segurança para a equipe,
eu acho que se os funcionários, se os agentes sentem que a gente tá
liderando eles vão responder a nós. Se ele chega para pedir uma coisa e ele
vê que você pondera e dá uma resposta pra ele eu acho que ele sente uma
firmeza e vai estar respondendo você. Eu acho que a coordenação, a nossa
coordenação fica mais fácil quando a gente tá liderando. Um exemplo de, sei
lá, desconto de hora que o funcionário deu, a noção de que tem que avisar,
que não pode chegar atrasado... se ele sente em você uma pessoa ponta
firme, que tá liderando, eu acho que fica mais fácil”.
“Eu também acho que fica mais fácil desde que isso não seja
uma liderança e não seja uma (opressão) autoritária, né? Desde que isso
seja... porque eu acho que eles também têm... quando você vai pedir para
fazer alguma coisa, um exemplo, né, tem que fazer um hiperdia e você, você
fala, você “precisa fazer, não tem prazo mínimo, tem prazo máximo, que
chegou ali tem uma semana pra fazer. A minha sugestão é que fizesse de tal
forma, mas o que vocês acham melhor?”. Então, acho que tem que ter uma
liderança, mas tem que ter... não pode ser autoritária. Muitas vezes a gente
até precisa, mas muitas vezes tem que ser uma coisa que toda equipe
decide junto, mas que ele saiba que você tá ali pra coordenar, pra liderar,
pra... eu acho que facilita”.
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“Quando eu penso em ser líder, em liderança, eu já penso
que é alguma coisa que não é autoritária, não sei, é um conceito que eu
tenho, assim... de que é muito melhor ser líder do que ser chefe, por
exemplo. E que aí eu acredito que fica mais facilitado, mesmo, inclusive a
equipe ela começa a batalhar por você, às vezes querer fazer mais, sabe
que aquilo é legal pra todo mundo, o trabalho de equipe, nossa, flui bem
melhor. Eu sentia, assim, pela diferença dos meus dois empregos, no meu
outro trabalho eles me viam mais assim como líder, não tinha esse negócio
de ser chefe, que nem tem aqui. Então, dá uma diferença no relacionamento
da equipe, eles batalhavam as coisas, a gente era unido, muito diferente, e
eu acho que talvez porque eles me vissem mais, eu tinha mais liderança lá
do que eu tenho aqui, aqui parece que eu sou mais autoritária, sem querer
ser, sabe? Aqui tem essa coisa de eles já vêm você como chefe, eles já
criam uma barreira, assim, né? É diferente. É bem melhor”.
“Mas eu acho que a liderança está bem, mesmo a gente não
querendo, está bem relacionada com o autoritarismo. Assim, você pede uma
coisa, eles fazem, né? Se você manda, assim, tem que fazer, eles já falam
“ah, mas não é bem por aí”. Então, acho meio difícil separar as duas coisas.
Eu tenho dificuldade de liderar, bastante, eu sou assim... que nem a Fabiana
falou, né, que nem ela falou de abrir pro grupo, sempre, assim, mas às
vezes a idéia deles, o jeito que eles querem fazer não é bem o jeito que você
queria. Eu tenho meio dificuldade de separar, assim”...
“Não, eu acho que existem... às vezes a gente precisa falar
certas coisas”...
“Então, mas o meu grupo, a minha equipe, assim, eu sinto
dificuldade em estar dando ordem, sabe, eles estão sempre meio assim”...
“Eu acho que facilita sim e não. Porque... eu acredito
também que a liderança é um pouco de perfil. Tem pessoas que são líderes
natos, assim, né, já chegam num lugar, conseguem levantar tudo o que
precisam, já articulam todo mundo e o resultado aparece, né? E nós não
fomos treinadas pra isso, apesar de sermos colocadas na posição muitas
vezes de líder, de coordenar, e que tem que ter um pouco desse perfil,
porque os resultados têm que vir, né, mas nós não fomos treinadas para
isso. Então, quem tem esse perfil mais evidente e já chega arrebatando todo
mundo, já fazendo, né, às vezes consegue um resultado mais rápido, mas
talvez isso vem também com o tempo, com a experiência profissional, com a
autonomia que é te dada, né, um pouquinho de liberdade pra você estar
fazendo mesmo aquilo que você... as decisões partirem mesmo de você,
né?... e também o respaldo de uma Secretaria de Saúde que te dê isso, né,
te dê condições de realmente liderar. Porque a gente nunca se sente líder,
né, em momento algum. Às vezes a pessoa pode até se sentir bloqueada
pelo fato de ter isso, de ser esse líder nato, e chegar e não poder exercer,
por ser barrada muitas vezes por isso, né? E já a gente que não tem muito
esse jeito de talvez chegar lá e exigir as coisas também nos sentimos assim
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porque não somos estimuladas a tomar atitudes e quando tomamos também
somos, às vezes, barradas, né? Então, acho que facilita e nem sempre... ou
não, dependendo do perfil da pessoa. Acho que dependendo da pessoa
pode ser que ajude ou não. Porque no caso do autoritarismo eu não consigo
ver... acho que existe liderança autoritária... eu não consigo ver como o líder
não fosse autori... existe, sim, aquele líder que consegue participar com todo
mundo, eu penso que existe aquele...(o conceito que eu tenho de liderança
já não bate com esse, já não é, né? é)”.
A segunda questão de hoje é exatamente continuação.
Então, o que é ser líder de uma equipe para vocês? O
seu conceito, que não precisa ser consensual, as
divergências são bastante saudáveis nesse grupo.
“Eu penso que ser líder não é ser autoritário. Esse é um
conceito que eu tenho. Eu acredito que o líder ele consegue articular a
equipe, a equipe... consegue unir mais a equipe, a equipe trabalha, também,
a favor do líder, eu vejo como uma coisa que flui melhor, assim, o
relacionamento da equipe é melhor, o trabalho é melhor... agora eu acho
que é difícil, também, eu acredito, às vezes tem gente que tem o dom
mesmo pra ser líder, parece que já vem com isso. Não sei, assim, não sei
como que a gente explica isso, mas eu vejo como uma coisa bem positiva”.
“Eu também acho, mas tem que ter um jogo de cintura
porque são pessoas muito diferentes, né? (e o que é pra você, E5, o que
significa pra você, então?) Eu acho que é aquela pessoa que se sobressai,
porque o líder que tem que tomar, querendo ou não, as atitudes corretas, né,
na hora certa... isso que eu acho meio complicado. E é aquela pessoa que
todas as outras da equipe vêm, assim, pra dar uma satisfação ou pra...
trazer algo diferente pro grupo, né? E... e o líder tem que ter, assim, saber
lidar com tudo, com todas as coisas que aparecem no grupo... É difícil”.
“Eu acho que é aquela pessoa que está na equipe, ela dentro
da equipe, mas que ela mantém a visão do objetivo. É uma que, se todo
mundo se perder, ela pelo menos tem que manter a visão ali do resultado (e
essa pessoa aqui é essa?) e ela... (...não necessariamente) então... não
necessariamente, porque depende (é isso que eu tô achando, querendo
bater um papinho com vocês?) é isso que eu tô achando, porque vai muito
de perfil, quem não tem o perfil tem que ser estimulado a procurar ter essa
postura de líder, se isso é exigido dele como coordenador... e eu acho que é
aquele que realmente afunila as coisas para que os resultados sejam
obtidos. Então, tenta manter... faz parte daquela equipe, mas afunila ela para
que ela ande, para que vá pra frente, aconteçam as coisas e os resultados
venham, né?”.
“Eu acho que o líder é aquela pessoa, na equipe, que vai
estar direcionando as ações. Ele vai receber os conflitos, ele tem que estar
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percebendo que fulano está com um problema, que os agentes estão em
deficiência em alguma coisa, promover um treinamento... ele tem que estar
aberto a essas coisas, saber o que está acontecendo na equipe, lidar com
esses conflitos, com essas necessidades, né, estar direcionando isso”.
“Como a M. falou, eu acho que o líder realmente, né, é
aquela pessoa que se sobressai, assim, normalmente eu acho que ele é
uma pessoa que ele tem as atribuições dele e é ele que está ali para cobrar
e ver as atribuições de outras pessoas da equipe, se estão sendo corretas,
se não estão... É... deixa ver... (pode pensar à vontade...) E é assim, eu
acho que como você falou: “o de cima é o de baixo? a coordenação? Nem
sempre o que coordena é o líder, eu não concordo (é o que nós estamos
achando, também, a partir da nossa coordenação... sim... sim... não é? –
risos – pode ser falado à vontade porque jamais serão identificados na fala).
Não necessariamente, nem todo mundo que coordena é um líder, gente (eu
também acho). Foi o que a E7 falou, assim, eu acredito mesmo que tem
algumas pessoas que são líderes natos (se tinha que estar num lugar não
era lá... – risos) Com certeza, não. Mas, assim, então, eu acho que líder é
isso, você estar trazendo mesmo coisas novas, propostas novas para a
equipe, participação de cursos, de eventos, tudo isso faz parte, né, pra você
ser um líder tudo isso faz... (construção coletiva - na nossa equipe pode ter
gente muito mais líder do que nós mesmos, né? ... e a gente tá
coordenando... isso...e traz aquelas coisas... eu acho que líder ele é um
mediador, né, e aí, você como coordenador você não se aproveita no
sentido de abuso, mas aproveita daquele que já tem esse jeitão de líder
entre um agente, um auxiliar, o próprio médico, alguém da equipe, até o
auxiliar de serviços que se sobressai, você já bota ele pra fazer alguma
coisa... lógico... então, é por isso que eu falo, nem sempre, facilita e não...
pode até ser que te facilite, mas nem sempre a pessoa, o líder é o que está
coordenando, né?)”.
“E assim, se perguntassem pra mim: todo enfermeiro é um
líder? Não necessariamente, eu acho que não. (não, não, tem os submissos,
super submissos... sim, sim”’.
“E agora, gente, que coloca, né, um exemplo bem prático:
“enfermeiras administrativas” e “enfermeiras assistenciais”, sem observar
isso, né, na via de agora foi colocado isso, sem observar isso, né, pessoas
que estão indo para a assistência que têm perfil de líder, de coordenação, e
outras que são totalmente líderes e estão lá fazendo assistência (o
contrário), isso só pra ver como não observa seu perfil, né, não tem nem
isso... Aliás, até aboliram a entrevista, então não tem nem como conhecer
esse perfil, (não tem nem critério) nem critério para você avaliar uma pessoa
para estar assumindo um papel de coordenação, porque nem entrevista
praticamente não pode ter mais, que é onde você teria a menor possibilidade
de avaliar se uma pessoa tem essa característica ou não, né?”.
E pra você, E4, o que significa ser líder de uma equipe?
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E4 –Líder é aquele que observa e que... tudo aquilo que os
outros membros da equipe trazem, ou de ganho ou de dificuldades, ele
ajuda a dar uma visão pra aquilo, seja boa ou seja ruim. É aquele que ajuda,
é aquele que... que lidera, como é que eu vou dizer isso? É aquele que
ajuda, encaminha, vamos dizer assim, as dificuldades, e mesmo as coisas
que os outros membros da equipe trazem pra você, né? Aquele que tem
uma outra visão, porque... eu falo que muitas vezes quando a gente está
dentro do problema, por exemplo, o agente comunitário, a gente sempre fala
dele, né, eu gosto de falar dele, mas o agente comunitário, quando ele está
lá no problema ele às vezes não consegue enxergar, e quando ele traz
aquele problema pra você, você que tá fora desse problema, que não viu
aquela situação, você consegue encaminhar, consegue ver o que seria da
melhor forma pra ser resolvido. Eu acho que o líder é aquele. E eu também...
nem sempre o líder é aquele que coordena, né, porque dentro da equipe tem
vários coordenando, tem vários... desde agentes comunitários, como
auxiliares de enfermagem, né?... sempre tem um ou outro que se sobressai.
E que a gente, como líder, se for esse o nosso papel, né, como líder da
equipe, é aquele que pega tudo isso e ajuda pra que todo mundo consiga
caminhar, porque sempre vai ter aquele que é mais apático, né, aquele que
não dá muita opinião, que é mais assim... e sempre tem um ou outro que
tem as suas opiniões, que vai levantar a equipe, que vai ajudar... eu acho
que a gente só tá pra direcionar isso daí, para que isso possa caminhar da
melhor forma possível, né?”.
“Eu acho que o ideal da liderança, assim, eu acho que é ela
ser um pouco flexível, também... eu acho que você não pode ser totalmente
autoritário e nem totalmente liberal. E quando você vai dar uma ordem de
serviço, eu acho, pra cada funcionário você tem que dar uma ordem de um
jeitinho especial, porque com cada um você fala de um jeito: com um você
tem que ser autoritária pra ter o resultado e com outro às vezes você tem
que ser um pouco mais amena, um pouco mais flexível”.
“Eu transporto, até, pra um exemplo assim prático, né, de a
gente ver, por exemplo, jogo... num jogo que envolva equipes, né? Então,
aquele que coordena muitas vezes é o técnico, né, que tem que levar qual o
exercício que tem que fazer pra se aquecer, e tudo, pensando no resultado.
Mas ele sempre põe o capitão do time, né, que é aquele que leva a bandeira
no braço, né, porque ele fica estimulando os outros... então, nem sempre,
ali, o técnico se vê na posição de líder, né, tanto que ele coloca uma pessoa
que possa levantar todos, animando, batendo palma, né, “vamos, vamos”,
né?. (uma pessoa que o resto do time vai gostar) vai gostar e vai... não é...
só que isso não é dada oportunidade pra enfermeira, né, porque é difícil isso
pra gente, de a gente colocar alguém de capitão, assim, e utilizar isso de
uma maneira construtiva para o restante todo, né. É muito difícil, mesmo
porque a gente não tem esse preparo, isso... não é desenvolvida em nós
essa característica, né? (Mas é exigido de nós isso!)”.
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“Inclusive uma coisa que eu tava pensando ontem e hoje,
assim, é que é interessante até esses momentos, porque por fim eu me sinto
em dificuldade de responder essas perguntas (risos) aí eu comecei a pensar
em como eu não penso nas coisas que eu faço (risos)... você fica no dia-a-
dia, fica no dia-a-dia, no dia-a-dia você não pára pra refletir “qual é o seu
papel... o que você está fazendo ali...o que que é coordenar, o que que é
difícil... o que que...”, você vai fazendo e nem sabe, né?... então achei,
assim, interessante. Apesar de eu estar afastada, num período de licença,
isso dificulta um pouquinho, mas foi muito legal, que eu falei, “nossa, estou
com dificuldade até de responder, né, o que que é isso pra mim, nossa, eu
não sei o que que é...”. Muito legal esses momentos, assim, a gente até
cresce mais”...
“É importante, né”...
“O brasileiro, ele é... uma tendência dele é não se anular, né,
nas reclamações... ele reclama, reclama, mas ele não consegue muitas
vezes estar vendo resultados em algumas coisas, né. Não sei se isso...
faltou otimismo aqui de novo, né, que a gente falou ontem, mas é tão difícil,
né? Você tem que ser, mas é complicado... Às vezes a gente nem pára
mesmo para pensar, porque a gente reflete, reflete, reflete e parece que não
anda, né, não saiu dali, né”...
“Então, eu acho assim que eu sou, assim, uma líder mais
liberal do que autoritária. E hoje, assim, eu tô sentindo, tendo uns conflitos
por isso ... (fala um pouquinho disso). Porque? Porque é assim: é... a gente
teve uma reuniãozinha rápida na unidade hoje e os meus funcionários, os
meus auxiliares de enfermagem, eles se sentem super protegidos por mim,
mas os agentes comunitários acham que eu protejo mais os auxiliares e não
eles. E não é assim, gente, eu trato todo mundo igual, entendeu? Só que
tem aquela coisa... infelizmente é uma coisa que já estava implantada na
unidade antes de eu chegar, com uma outra enfermeira que tinha lá... (sei)
porque segundo o que eles me contam, a outra enfermeira ela tratava muito
bem os auxiliares, eles podiam tirar DH, eles podiam fazer tudo... os agentes
comunitários eram sempre excluídos, deixados de canto, assim... E é difícil...
como... você... assim, você imagina que uma pessoa passou por aquele
lugar e colocou aquilo e pra você tentar ir lá e limpar e tirar aquilo de novo...
faz um ano, quase um ano que eu tô ali no Marajoara e eu não consigo isso,
sabe, assim... porque tem sempre aqueles que acham “não, você protege
mais os auxiliares”. Mas não é que eu protejo, é aquilo que a gente
conversou ontem, eu fui preparada pra coordenar uma equipe de
enfermagem, não pra coordenar um agente comunitário, não pra coordenar
um médico, um dentista, entendeu? Então, assim, é complicado... até
porque você se sente mais unida e a sua mais equipe, querendo ou não,
você acha que é os auxiliares, porque na verdade eu vou supervisionar tudo
o que eles vão fazer, e eu tô, eu fui mais preparada pra supervisionar a
equipe de enfermagem, não outros, outros, assim, o agente comunitário...
Então, assim, eu sinto... isso é meio um pouco complicado, viu S., é difícil!
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(eu acredito) E eu tento ser, assim, justa e humana com todas as pessoas,
sabe, não tem esse negócio de proteger, passar a mão na cabeça... lógico
que a gente tem pessoas que a gente tem mais afinidade na equipe, isso
não tem nem o que falar... (e pesa muito isso, você... a afinidade que eu
tenho com duas funcionárias, lá, e os outros sentem, né? Eu tento ser
diferente com eles, mas não é a mesma coisa, né? É difícil)”.
“Mas também, se eles são funcionários que estão fazendo
bem, quer dizer, que estão trabalhando bem, como que você não vai
reconhecer também?”.
E5 conta um pouquinho da dificuldade que você falou
antes...
E5 – “Da afinidade com as pessoas? (Não, dessa primeira
questão, a dificuldade que você sente na questão da sua liderança). Então,
eu sou a quarta enfermeira que passa por lá, de PSF. A primeira – você
ficou só um pouco lá, né, só no comecinho... (só na época do
cadastramento). E a segunda que passou ela era muito autoritária, demais...
e ela não deixava eles faz... assim, os agentes, os auxiliares fazer nada.
Tudo ela que tinha que... ela que fazia... tinha um grupo, ela que ia fazer.
Por exemplo, eu gosto, assim, que os agentes estejam fazendo um grupo eu
tô junto, ali, com eles, eles falando... acho que, né, mesmo para o pessoal,
assim, pra comunidade, né... e eu gosto que eles falem, que eles preparem
o grupo, daí eles trazem pra mim... e eu sou igual à E2, acho que muito
liberal, nossa! Eu, assim, o que eu puder estar deixando eles fazer eu deixo,
né, e na hora de puxar, que não tá legal aquilo, eu tenho dificuldade (e aí
que você acha que está a sua dificuldade?). Porque eu deixo eles fazerem
tudo, eles trazem sempre pra mim, a gente tem, assim, um relacionamento
bom, faz um ano que eu estou lá também, né? Mas, acho que não sei, fica
um pouco das outras chefias, né, lideranças anteriores e eles têm dificuldade
de separar isso, né?”.
E4 –Mas eu acho que tudo isso a gente aprende. Porque
eu também tinha muita dificuldade no começo, principalmente de pegar um
funcionário, chamar a atenção, ou então chegar à conclusão que eu
precisava mandar embora, eu achava que eu precisava da coordenação pra
mandar embora. Agora eu aprendi que não: se eu quero mandar embora eu
tenho que bater o pé e mandar embora, mesmo... porque eu já paguei o
preço por não ter tido esse pé firme... mas a gente aprende”.
“Então, E4, mas eu não sei se você concorda comigo que
isso é um pouco do eu, também, da pessoa, eu acho. É a formação, é tudo,
assim... eu não consigo ser autoritária, eu não me vejo sendo uma
enfermeira super autoritária, cobrando”...
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E4 “Não é questão de ser autoritária é questão de ser justa.
Porque eu pensava “ah!, coitadinho do funcionário, é pai de família, vai ficar
desempregado?”. E eu? Vou agüentar um mau funcionário, vou prejudicar o
serviço dos outros por conta dele? Ele que se vire com os problemas dele,
né? Eu era assim, “ai, tadinho, judiação...”, não é?”.
E2 “É que sabe o que que é? Eu acho assim, ó. A gente,
por exemplo, eu posso falar do meu curso, da minha faculdade. Você passa
ali cinco anos – que eu fiz o meu curso em cinco anos porque eu trabalhava
e estudava, né – então, você passa ali cinco anos ouvindo falar em
humanização, humanização, humanização, humanização da assistência –
ainda mais eu que estudei numa universidade católica... era batido
humanização, humanização o tempo todo. A hora que você chega e você
cai, entra no mercado de trabalho, que você tem que cuidar dos pacientes e
cuidar de funcionários, você não sabe muito bem separar isso... com quem
que eu tenho que ser humana? Com o assistencial, com o paciente? E com
os meus funcionários? Então eu vou ser uma E2 assistencial e uma E2
diferente? Eu não consigo fazer isso, eu não consigo desmembrar... eu acho
que, sei lá, talvez seja até um erro meu, e, assim, eu sinto dificuldade
também. Eu acho que sou bastante liberal. Mas também, assim, sinto que
por ser liberal eu estou sentindo algumas coisas disso. Alguns funcionários
estão abusando de mim, sabe: estão pedindo DH com muita freqüência,
estão saindo mais cedo sem me avisar... então, eu sinto que eu estou
falhando em algum lugar, assim, que é o meu jeito liberal, mas eu estou
tentando dosar um pouco mais isso, assim. Ainda, quem me ajuda bastante
nisso é o médico da unidade, que ele sempre vai, abre a porta, “E2, vem cá.
Olha, você tem que ser mais dura, não sei quê, não é assim...”. Gente,
vocês não têm idéia o jeito que é, ele me chama a atenção todo dia (risos). E
eu não consigo, gente. (construção coletiva). Nossa, ele me dá uns gritos
que eu jogo a ... eu fico assim lá no fundo ... (risos). Então, assim, sabe, eu
não consigo ser. Eu acho que a boa enfermeira, é aquilo que eu falei pra
vocês, eu acho que tem que ser um pouco autoritária e um pouco liberal,
dependendo da situação que você está vivendo. Mas eu... eu só sei ser
liberal”.
E4 –Eu não gosto de ser autoritária. Eu acho que a gente
tem que ser firme na decisão (sei). E eu acho que, assim, a gente não é que
é liberal, a gente acaba querendo ser “boazinha” (é isso eu ...). Mas a gente
quer ser boazinha pra... parece que pra estar sempre a pessoa perto de
você (pra agradar, né?). Você acha... eu tinha... eu acho que eu tinha isso
um pouco, “ah!, eu tenho que ser boazinha porque como é que eu vou
desagradar, né, o funcionário, né, que trabalha comigo, puxa, né?”. Mas eu
acho que você tem que ser firme. Que nem hoje, eu falei na minha reunião:
“tá com algum problema, pode vir falar comigo porque eu vou saber
entender, mas não venha folgar, porque aí vai levar...” (claro). Então, eu já
deixei claro, sabe? (interessante). Eu tô chegando agora, pode vim, eu não
sou carrasca, eu vou entender, saber que você está com problema com filho,
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pneu furou, não sei o que, não tem ônibus, mora na zona rural... mas não
vem querer folgar nas minhas costas que aí vai levar... e já tem um que já
vai levar advertência ... tem que ser assim, senão”...
“Não, apesar de eu ser liberal eu já dei algumas
advertências, também. Mas as minhas advertências foram assim”...
“Eu acho que esse negócio de ser firme, de ser autoritária,
né, principalmente pensando no lado que a E4 falou, de ser firme, não é,
quando você é firme? Vamos pensar assim: quando que você, você vai, bate
ali naquela tecla e fala não...? Quando você tem certeza, quando você tem
segurança, quando você sabe que você pode tomar mesmo aquela decisão
(quando tiver respaldo da coordenação)... tem respaldo, entendeu? (isso é
essencial, né?). Então, o que é, é... e você não muda. Mas não é assim que
a gente vive. A gente vive muita insegurança, como foi colocado ontem, de
você ser trocado, de você ser mexido, manipulado, como se você fosse
(uma peça) uma peça, só, de um jogo, entendeu? Então, que a sua opinião
em relação aquilo não é o que realmente vai significar e sim você ter que
ficar se preocupando com o que os outros vão achar, né? O tempo inteiro
você fica pensando, avaliando o que os outros vão achar...em vez de você
ter condição de ser justa. Porque quando você, por exemplo, chega a um
ponto de ter que advertir um funcionário ou, vamos, na pior das coisas, ter
que demitir, já que nós estamos falando de coisas ruins... a ponto de você
tomar essa decisão você já até pensou nos filhos dele, no salário... você até
já passou essas coisas pela sua cabeça e o que ficou é que realmente o
trabalho dele é muito ruim, que ele é uma pessoa irresponsável, que ele não
está fazendo aquilo... que quem se mandou embora, na verdade, foi ele e
não você. Ele não fez o trabalho dele direito, então a responsabilidade não é
sua, né, você está ali apenas para uma função que te cabe, que é dizer isso
pra ele e tomar as medidas finais, mas ele não executou, ele não fez, ele
está se mandando embora, né... ele sabe, qualquer pessoa sabe que se
faltar, se folgar, se não avisar, se não fizer isso... são coisas erradas, que
você tem que ter uma responsabilidade no trabalho. Ele mesmo está se
mandando... só que a gente fica toda nesse... nessa corda bamba por falta
disso. Eu bato muito nessa tecla: eu acho que falta, a gente, lfalta firmeza
porque nós não temos segurança do que nós vamos fazer, a gente nunca
acha que a nossa opinião realmente vai ser levada a sério, vai ser
conclusiva... entendeu?”.
“Mas isso afeta nisso aqui? (sim) Está intimamente ligado,
então?”.
“Afeta totalmente a sua coordenação, porque muitas vezes
você é conivente com algumas situações, até mesmo porque você sabe que
não adianta levar isso pra ser tomada alguma atitude maior (e aí o restante
da equipe tá vendo, né?) ... tá vendo”.
“Eu já passei por isso com a E7, que eu tinha certeza que,
né, ia mandar embora, tal... no fim... foi lá, amenizaram a situação, ficou
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como se eu tivesse problema de relacionamento com ela, nada a ver...
Então, assim, e aí o resto da equipe fala assim: “como que ela faz um monte
de coisa errada e não vai ser mandada embora e você não faz nada?”, mais
ou menos isso, quer dizer, a minha liderança vai pro ralo, né?”.
“Então, eu tenho um problema com uma auxiliar de serviços
gerais lá, né, você sabe, né, E4? Então...e... assim, dela também os próprios
funcionários cobram de mim (é chato isso, né?): “e aí, quando ela voltar,
você vai demitir ela?”. Eu falo “por mim eu vou”, mas e a H., a
coordenadora? Eu não posso demitir ela sem falar com a H.”.
“Eu não me sinto assim, que nem, eu tentei... nossa! eu tinha
certeza...quando a E1 chegou lá e me avisou tudo, me falou que o problema
era de relacionamento eu fiquei assim: eu e o resto, né? (mas tudo lá é
problema de relacionamento, né? É assim!). Eu falei, gente, o que que é
isso? (mudam os problemas ... é reposição de funcionário que eles não têm,
esse que é o problema, e a gente que tem que agüentar tudo). É difícil, né?”.
“Mas eu tenho um caso desse de uma funcionária que está
para voltar que eu não quero nem que ela volte (eu também não quero!).
Porque se ela for eu saio... já falei, tá todo mundo avisado... O primeiro dia
que ela voltar acho que vai pra algum posto aí, viu gente? (risos - o que é,
auxiliar?) É... auxiliar de serviços gerais. Porque eu nem trabalhei com ela. O
dia que eu comecei a trabalhar ela já estava de licença... e licença... e
licença... e já está encostada no INSS... (construção coletiva) a minha está
assim, também, a minha auxiliar de serviços gerais está assim, encostada
no INSS... ela está desde março... não, assim, ela encontrou com uma
agente comunitária, né, que é amiga dela, e a agente comunitária veio me
contar que diz que ela tem perícia em agosto e ela tem previsão pra voltar...
eu só quero ver se coordenação vai aceitar ela de volta.. vai, bem, com
certeza... é um absurdo isso... mas vai pra outro lugar, né?... ah! não, lá no
Marajoara eu não quero ela, também... eu também não quero lá, então, não
sei...)”.
Vamos fazer uma rodadinha aqui, assim, uma última
rodada, assim, numa palavra ou numa frase: o que
significa ser líder pra você, né, pra você junto à sua
equipe, junto a uma equipe.
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“Eu acredito que ser líder é você conseguir fazer com que o
trabalho saia, realmente, em equipe, e que tenha um bom resultado”.
“Eu acho que ser líder é aquela pessoa que cativa a equipe,
que as pessoas vão atrás, que seguem e que não necessariamente sou eu.
Eu acho que é... de repente, é alguém que... todo mundo quer fazer uma
festa, mas eles não vão pedir pra mim, eles já vão no líder, que é uma
pessoa que vai estar com mais afinidade para ele estar tocando isso... eu
acho que é uma pessoa que pode... tem afinidade para aquilo”.
“Eu também continuo achando que é aquela pessoa que se
sobressai, né, e também que não necessariamente seja eu... e que também
consegue levar, assim, todo mundo pra um objetivo comum’.
“Eu acho que é aquele que dirige a equipe na busca dos
resultados que se espera dela, né, e é um integrante da equipe, é uma
pessoa da equipe, tem que se fazer parte daquele dia-a-dia”.
“Então... eu acho que ser líder é ser um bom administrador
também... mas essa liderança, eu acho que ela só é realmente efetiva
quando você tem uma total autonomia”.
“É aquele que coordena, que ajuda, que encaminha, que dá
uma direção... pra mim é isso”.
Legal. Última questão, também gostaria que vocês
pensassem um pouquinho... com todas essas dificuldades ou facilidades de
liderança que vocês vivenciam na prática, quais as habilidades, as
competências, os saberes, as posturas... necessárias para exercer liderança
junto a uma equipe?
Acho que conhecimento científico, um pouco de
conhecimento assim de administração e, principalmente, uma ética
profissional. Eu acho que são os três pontos principais: eu acho que você
tem que ter conhecimento científico, você tem que ter uma boa noção de
administração para administrar uma equipe, e sempre a ética eu acho que
tem que ser a base disso tudo.
Falem à vontade sobre isso, tá?
“Eu acho que... concordo com a parte do conhecimento
científico, eu acho que se a gente está bem embasado na nossa ação, no
termo do atender, às vezes vem um, sei lá, tirar uma dúvida você explica,
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você convence ele do que você está falando, você está ganhando, já. Eu
acho que tem que ter a ética, você tem que saber ter uma escuta desse
funcionário, desse problema, você tem que ter a visão do conflito.. é... de
sentir essas situações, de saber lidar com isso... de mediar os conflitos, que
eu acho que é o mais difícil. É o tal do jogo de cintura que você tem que ter a
todo momento”.
“Eu acho que todo mundo aqui teve uma disciplina na
faculdade que chama “relacionamento enfermeiro e paciente”, né? Mas não
tem “enfermeiro e funcionário” (risos), né? E eu acho que é uma disciplina
que deveria ter, porque, é... além de tudo isso que a E2 falou do
administrativo, do conhecimento científico e a ética, que isso, né, nem se
discute... mas eu acho que os relacionamentos interpessoais são muito
complexos, né, e você se envol... você entra em cada uma, assim, quando
você vê, fala “meu Deus do céu!, né”. E nós não temos nada disso, nós não
temos como sair do conflito, como discutir, como amenizar
situações...como... até mesmo entre duas pessoas que nós temos que ser
os mediadores a gente não sabe intervir, né? E isso, muitas vezes, mina a
assistência, mina os objetivos, os resultados que a equipe espera, né?
Então, eu acho que tinha que ter um preparo interpessoal, de
relacionamento interpessoal... com psicólogos, sabe, com psiquiatras.. com
pessoas que realmente tivessem habilidade em conhecer as pessoas e que
nos ensinassem a ser facilitadores dos conflitos, né, a resolver situações
também interpessoais. Porque muitas vezes a gente tem o conhecimento
científico, temos uma boa dose de administração, né, sabemos como
organizar as coisas, e os conflitos nos afogam, né, no dia-a-dia. Então, não
teve essa disciplina e eu acho que deveria ter, mesmo porque isso faz parte
do dia-a-dia, isso faz parte do dia-a-dia. E... o que... nós temos, sim, muitos
conflitos com os pacientes, mas no caso que nós estamos colocando a
liderança, nenhuma faculdade do mundo que eu conheço tem essa
disciplina... (é, porque é junto à equipe, né, no exercício da equipe, essa é a
questão, né?). Então, e nós só somos preparados pra ter relacionamentos
envolvendo ética e conhecimento e tudo o mais mas com o paciente e olha
lá, hein, mesmo assim ainda a gente enfrenta dificuldade. E para o
funcionário que a gente não é treinado pra nada... e aí, como que nós vamos
fazer com funcionários que estão na nossa responsabilidade e com colegas,
também, médicos, dentistas, e... né?”.
“Nessa questão fiquei pensando nisso, assim, que acho que
o ponto que eu acho que é super importante para ser líder é essa parte de
relações humanas mesmo. Eu acredito que o bom líder é aquele que
consegue trabalhar bem essa parte de gestão de pessoas, né,
relacionamentos... fico pensando que isso que acho que a gente tem mais
dificuldade mesmo, por não ter esse preparo, né, nessa questão”...
“Eu acho que a E2 falou do conhecimento, sobre ética, né...
acho que muitas vezes a gente precisa perceber algumas coisas que
acontecem com o nosso funcionário, porque muitas vezes ele não tem essa
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abertura. Às vezes ele está passando por uma dificuldade e a gente passa
como se estivesse acontecendo aquilo no nosso dia-a-dia, porque a gente
tem que atender, porque a gente tem que responder, porque a gente tem
que responder os ofícios, porque a gente tem que fazer um monte de
coisas... e às vezes a gente... passa despercebido aquilo que o funcionário
está sentindo. Muitas vezes ele precisa só de um “bom-dia, você está bem?”
e ali ele começa a falar um monte de coisa que isso vai ajudar você também
a ser líder (que nome você daria a essa competência?) Ai, ai, ai... ah! eu não
sei, eu... (esse bom-dia fundamental). Eu acho que é um... eu não sei... uma
percepção... é um... (comunicação terapêutica) ... é ... sei lá, um feeling que
você tem que você... você ... você percebeu... eu sou muito assim, às vezes
você entra, você fala um bom-dia e aquele funcionário já falou um bom-dia
diferente, que você não está acostumado... de repente eu preciso voltar pra
falar: “você me falou um bom-dia diferente e eu preciso voltar, eu preciso ver
o que que está acontecendo”. E ali ele fala um monte de coisas, né, então
você fala: “calma. Então, algumas coisas que eu tô percebendo que você
está fazendo e que eu estou percebendo que não era bem assim que eram
feitas e tá acontecendo isso, então é por causa disso... então vamos pensar
e vamos ver o que você pode fazer”, de repente até mudar de local de
trabalho, assim, vamos supor, ele tá fazendo uma vacina, mudar de local de
trabalho pra poder fazer porque ele está passando por problemas. Então,
isso acontece mesmo com o médico que está junto com você, entendeu,
mesmo o auxiliar de enfermagem, até o próprio auxiliar de limpeza, às
vezes, tem uns problemas que às vezes a gente não percebe e eu acho que
a gente precisa perceber isso. Às vezes um tem com maior facilidade, né, os
enfermeiros, outros não. Mas eu já passei, assim, por algumas coisas que
aconteceram na equipe que você percebeu e que... valeu a pena”..
E2 –Sabe quando eu acho que a gente vai perceber isso?
Na hora que a gente também tiver um enfermeiro assistencial e o
administrativo, porque daí você vai ter tempo pra fazer isso. Eu sinto essa
que ela fala, também, às vezes eu passo por um funcionário, ele fala um
bom-dia e eu sei que ele está com problema. Só que a hora que eu penso
em voltar falar com ele eu olho lá eu já tenho três prontuários me esperando,
mais um monte de ofícios chegando, mais paciente querendo abrir processo
de auto-custo... eu não sei nem pra onde eu vou primeiro. E nessa eu passo
desapercebido. (E qual você acha, E2, que nome você daria a esse saber,
essa habilidade para você ser uma líder de uma equipe, então? Que
competência você acha que precisaria ter?) Ai, eu acho que você tem que
ser mediadora... ah!, não entendi sua pergunta, Stella. (Então, pra esse
exercício da sua liderança...) Eu acho que eu tinha que ter tempo hábil pra
fazer mais as coisas, mais tempo, entendeu? Por exemplo, porque assim...
eu não sei, de repente eu falo da minha realidade, também... que é assim...
que é uma demanda excessiva (é a sua, é da sua realidade que você está
falando)... tá... então... e daí, de repente, eu tenho uma demanda imensa e
eu quero às vezes conversar com meu funcionário, eu quero conversar com
o médico, que às vezes eu sei que ele não tá bem, ele tá querendo
conversar alguma coisa, mas eu não tenho, eu passo desapercebida por
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essas coisas (tá, eu entendi, daí é uma dificuldade) É uma dificuldade, isso,
eu tenho. (Mas aqui nesta questão eu queria que você pensasse um
pouquinho que competências você acha que o enfermeiro que exerce uma
liderança teria para melhorar o exercício dessa liderança?)”.
“Posso tentar falar um pouquinho? Assim, diante dos
problemas que você estava relatando, os problemas da sua realidade, esses
de relacionamento, por exemplo, você acha que tem, teria alguma
ferramenta para você enfrentar esses problemas?”.
“Uma assistência psicológica pros meus funcionários, talvez,
pra mim também... pra toda equipe, pra equipe toda...eu acho que um apoio
psicológico, eu acho que a gente precisaria disso... porque tem dias que eu
chego, assim, no fim da tarde, que às vezes eu chego na minha casa eu
choro por uma coisinha minúscula, mas eu vejo que é por que?... porque eu
fiquei oito horas assim, ó... aquilo que a gente falou, né?... vem,
“enfermeira”, isso a gente não coloca no Simis... vem 15 pessoas fala aquele
monte de problemas... depois mais aquele monte de problema do paciente,
que você acha que é só uma leucorréia e a hora que ela chega ela tá com
problema com o marido, problema com o filho... então, eu me sinto meio
perdida nesse lado, porque eu acho que a gente tá aberto pra agüentar os
problemas de todo mundo, mas quando eu preciso que alguém ouça os
meus eu não encontro ninguém”.
“Essa parece ser uma ferramenta externa, né, por exemplo,
esse apoio. Agora você, enquanto enfermeira, você acha que teria alguma
ferramenta que você poderia lançar para estar driblando esses problemas?”.
“Teria, mas eu não sei nominar... não sei, assim... (O que
seria, assim, você conseguiria contar, mesmo que você não saiba o nome...
do que você poderia lançar mão?)”
“Eu acho que se a gente conseguisse, eu conseguisse
delegar um pouco mais as coisas, tirar muitas das coisas que a gente suga
pra nós, né, apesar de eu ter o auxiliar administrativo, não sei, ele fica meio
sem função lá no meu posto, eu acho que eu não sei dá muita função pra
ele”...
“Eu acho que delegar funções... eu acho que isso foi bom, foi
válido o que a E5 falou”...
“Eu estou sentindo que você tá meio carregada... Tô, faz
tempo já (riso)”.
“Eu acho que delegar funções”...
“Pode ficar à vontade, viu? Só não pode chorar... pode
chorar, sim, eu tô brincando... claro que pode”.
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“Isso que vocês falaram é muito legal, porque eu acho que o
líder, ele consegue ver na equipe as pessoas que têm determinados
potenciais e ele usa isso, entendeu? E aí descentraliza e ele consegue”...
“Eu acho que a hora que eu conseguir delegar um pouco
mais eu também vou me dar bem melhor... (alivia, né?)”.
“(construção coletiva - Sim, com certeza... É, eu acho, eu
acho... Estar dividindo, né? Facilitaria, né, o nosso serviço, eu acho...
bastante... eu não consigo delegar também, entendeu?... não, algumas
coisas eu tenho aprendido agora, eu tenho conseguido... eu tenho
dificuldade também...)”.
“Gente, vocês imaginam – agora um desabafo aqui – que um
dia eu passei na frente à sala de coleta e tinha uma moça – porque eu tô
mudando meus auxiliares o tempo todo – e tinha uma auxiliar de
enfermagem que a hora que eu vi ela estava puncionando uma veia com
uma agulha a 60 gra... a 90 graus... eu vi aquilo e fiquei desesperada. Sabe
o que eu fiz? Eu assumi a coleta, no próximo mês era eu que estava
coletando sangue. E a hora que eu ia atender os meus pacientes era nove e
pouco da manhã. Eu estava com aquele monte de coisa pra atender, eu não
dava conta, até oito e meia da manhã eu ficava só na coleta de sangue. Por
que? Numa hora dessa eu pesei o lado do paciente, falei: “o coitado sai da
casa, vem aqui pra coletar o sangue e essa infeliz me fica cutucando o braço
do coitado e ainda entra com uma agulha de 90 gra..., com inserção de 90
graus na pele... (Por que você não treinou ela em vez de você assumir?).
Então, mas é aí que está... é, esse é o problema, eu devia ter treinado...
(Quando você treina é uma vez, agora, quanto tempo você ia ficar na
coleta?) Mas eu cheguei a conversar tudo com ela, E4, puxei ela num canto,
falei... não, e o pior, assim, é que é uma auxiliar de enfermagem que já
trabalhou na Unesp eu falei: “não, não é possível uma coisa dessa”. Outro
dia também, tinha uma paciente com soro, lá, né, com venóclise, a hora que
eu fui ver no fim da tarde tava um soroma desse tamanho a hora que o
médico pediu pra desligar, mas na hora eu fui correndo nela, fui seca, aquele
dia eu fui, falei: “vem cá, olha o que que é isso?” “ai, não, não fui eu, a
senhora que dobrou o braço!” “o que que você está falando pra paciente...”
eu falei, “depois a gente conversa... ainda a culpa é da paciente (risos) a
coitada da paciente que dobrou o braço” ... eu falei, “gente, eu não me
conformo com uma coisa dessa!” ... então... eu fico com aquele medo do
paciente sair de lá falando que a assistência não foi boa eu acabo fazendo
tudo... curativo eu faço”...
“Eu sou pior que você, às vezes eu fico com o paciente lá
com venóclise ... observando ele... ai, gente’...
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Que nome vocês dão a isso, então, a essa dificuldade de
delegar?
A E5 respondeu.
“Ai, gente, falei loucura, brincando”.
“O nome tá na ponta da língua, mas eu não sei, assim, como
que eu explico: eu sinto dificuldade de delegar. Eu acho que talvez eu não
tenha a minha liderança bem trabalhada... Que que é, E6, por favor, me
ajuda... (não, ela quer reter... tudo nas mãos, quer ficar com tudo nas mãos,
o comando...)”.
“Vocês sabem, gente, eu trabalhei num pronto socorro, né, e
lá tinha funções muito claras, né, porque você segue protocolos nas
emergências, né? Então, é... até você aprender aquele protocolo assim de
uma maneira bem clara você não sabe direito o que você faz na sala de
emergência... ou não tira a roupa do paciente, aquelas coisas que não
precisa fazer nada, né... (é verdade) ... e aí só depois de um tempo que você
começa a saber o seu papel e o papel do enfermeiro na emergência é como
coordenar a equipe numa sala de emergência, você não tem tempo pra ficar
falando “viu, você vai fazer isso, você vai fazer aquilo”, todo mundo já tem
que saber o que vai fazer. Eu acho que uma das coisas é o estabelecimento
de papéis, né, das funções, isso estar muito claro, né, porque é muito
complicado se você tiver que assumir, por exemplo, a função de um outro,
por exemplo, numa coleta, num curativo... né, então, acho que até pra ele,
iss, pro auxiliar isso também não está claro isso pra ele... acho que essa
função... (quem deveria deixar claro isso pra ele?) Nós... nós... na admissão
dele, o curso dele que ele fez, quando ele se formou, né, o que que ele tem
que fazer, como que ele tem que fazer, né, a quem que ele tem que se
reportar se ele tiver dificuldade, se ele estiver fazendo... né, eu acho que é
bem assim... eu acho que essa falta de esclarecimento do seu papel
também faz com que você não tenha essa”...
“Eu senti que a minha funcionária precisava voltar a fazer
“fundamentos de Enfermagem”, né? (Ah! mas tem muito disso, mesmo...
parece que tem que dar um curso de...) Eu fiquei assim, gente, a hora que
eu vi aquilo... o paciente com a mão, assim, olhando para cara dela eu falei
“não, eu não vou deixar uma coisa dessas, né?”.
“Ás vezes não é fácil, mas talvez você entrasse na coleta
com ela, não sei, é uma opinião minha, né?... então você vai prestar atenção
naquilo que eu vou fazer... vai lá e você coleta quantas, o dia todo, né, a
manhã toda que tiver que coletar você vai lá assim, assim, assado... ela vai
observar... poderia ser que se observasse durante um tempo e pedisse para
ela fazer o restante, né?... ou observasse você aquela manhã toda, na outra
manhã você fala: “hoje então eu vou acompanhar você. Você lembra do que
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eu, do que nós fizemos ontem? Então hoje você vai fazer da mesma
maneira que eu fiz você vai fazer”... não sei, é uma maneira!”.
“Eu tive um funcionário que tava com autorização pra ele – é
uma coisa totalmente diferente, né, mas... tava com autorização pra dirigir a
Kombi há muito tempo, só que ele não pegava a Kombi, porque
simplesmente ele tinha medo de fazer isso. Então, eu falei assim, “então,
você está com medo”, chegou um dia eu falei assim “não tem jeito, sou
obrigada a levar a Kombi e você vai ter que dirigir meu carro até a
Secretaria, porque não tem quem leve mais.” Ele foi obrigado a pegar... tudo
bem que era meu carro, mas ele teve que pegar o carro. Hoje em dia ele
dirige a Kombi muito bem, entendeu? Quer dizer, então, eu não sei, acho
que talvez se ficasse junto... ensinasse... não sei”...
Eu gostaria que vocês pensassem um pouquinho: o que
vocês precisam saber enquanto enfermeiros para
exercer o papel de líder? O que vocês acham
importante?
Saber?
É, essa pergunta aqui: que competências, saberes,
habilidades...
“Eu vou voltar naquilo que eu já falei... conhecimento
científico, um pouco de conhecimento administrativo... (agora, esse
conhecimento)”.
“Eu acho, se eu estiver errada, assim, sei lá, essa é minha
visão... Por exemplo, como que eu posso avaliar uma boa punção venosa,
uma boa aplicação de uma vacina, um bom curativo...? Eu só posso avaliar
isso se eu souber fazer muito bem, senão eu não tenho condições de
avaliar. É a primeira... partindo do princípio, eu já penso que é assim. Por
exemplo, quando eu vou... eu critiquei – que eu acho que foi uma crítica,
sim, sei lá – eu assumi a sala fiquei um mês lá porque eu vi que a coleta
dela estava super inadequada e porque de coleta eu tenho uma super
experiência de coleta. E assim... então eu tô procurando... eu acho que o
bom profissional ele tem que entender muito de técnicas, assim, de técnicas
de enfermagem... porque você está ali e você vai ter que cobrar no dia-a-
dia... então, pra você cobrar... eu senti isso... quando eu entrei na unidade
tinham funcionárias que falavam assim, ó: “ah, enfermeira, eu tô meio com
dúvida de fazer esse curativo, você não faz pra mim?” – isso aí era um teste,
na verdade era pra me testar, pra ver se realmente eu sabia, entendeu? Eu
senti isso algumas vezes... Então, eu acho que partindo de que você tem
que estar o tempo todo com o paciente, ah, com o funcionário, que você tem
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que saber, que entender muito de todas as técnicas que são realizadas ali
dentro da sua unidade. Por exemplo”...
“Eu acho que não só de técnica, como também do
conhecimento do que você vai fazer no atendimento de uma puericultura,
num pré-natal, no atendimento de um hipertenso para você poder debater,
se for o caso, com o médico, por exemplo (fisiopatologia)... é, fisiopatologia...
se você demonstra que você sabe, que você está a par da situação você
pode ter um bate-bola, uma discussão de caso, alguma coisa... não só a
nível de – a nível de é péssimo, né... não só com o funcionário, mas também
com o médico, também”.
“Então, por exemplo, eu não sei vocês, assim... eu acho que
até acostumei meio mal as funcionárias... eu colho papanicolau sempre
sozinha na sala, então tem hora que eu fico perdida, assim, né? Porque eu
tenho que pegar tudo... eu, eu... a paciente, um dia teve uma paciente que
quase caiu da mesa e eu estava sozinha lá dentro... daí até teve uma
funcionária que me questionou: “ah!, mas a outra enfermeira que estava aqui
sempre solicitava um auxiliar!”, mas eu acho um desperdício solicitar um
auxiliar para estar dentro da sala comigo (eu acho que não tem
necessidade!)”
“Tem que ser criativo, também, tudo... (hu-hum, é uma
postura legal essa daí)... de saber como lidar com todas as situações, né...
dentro da casa de um paciente... assim, às vezes você vai naquela casa,
não tem nada lá, né... “o que que eu vou fazer pra poder ajudá-lo, né?”,
porque eu tenho casas lá, eu não sei se vocês conhecem, mas a minha área
também é bem carente, né... e eu tenho uma paciente que ela não assume,
ela não, assim, ela não se auto-aplica insulina... e eu estava tendo
problemas, assim, que ela estava sempre tendo, assim, é... hiperglicemia,
tava... daí eu tive que delegar um funcionário para ir todo dia de manhã estar
aplicando...e daí... até que a gente encontrou um vizinho que poderia estar
fazendo isso... só que tem que pagar... e como essa paciente pode estar
fazendo... na realidade, ele se aproveitou um pouco, né?... porque ele que
vem, recebe pra ela... então, eu não sei como é que está agora isso, não sei
se piorou... estar delegando pra alguma pessoa fazer... mas é difícil você
tirar um funcionário todo dia... então, eu acho que a parte da criatividade
você tem que estar sempre pensando em como resolver os problemas, né...
e nesse caso foi assim que a gente resolveu... por enquanto”.
“E assim, quando a gente fala em conhecimento científico, eu
acho que esse conhecimento tem que estar sendo sempre renovado, (ah!,
sim) a importância de você estar sempre participando de congresso,
simpósio... (e que é a dificuldade, assim, de a gente estar saindo, né?) sim,
que é a demanda excessiva, daí eu falo: “eu vou fazer esse curso, mas e
esses pacientes que já estão agendados pra mim?”. Nossa, gente, eu não
consegui fazer quase nada desde quando eu estou lá na unidade lá que eu
tô... porque eu me programo, eu não consigo, gente, não dá!!!... e daí, de
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repente, é aquela paciente que é difícil de colher o papanicolau, naquele dia
que tá marcado, se eu falar “não” eu perco ela (o que me dá mais raiva)...eu
perco, eu não conquisto mais, e daí, “ah, o dia que eu fui a enfermeira não
tava!”.
“Eu fiquei pensando, aqui, fiquei viajando... (que
competências você acha que você podia ter?)... eu fiquei pensando na
competência, fiquei um pouco em dúvida, assim, em relação ao
conhecimento científico. Eu acho que pra gente é importantíssimo, mas eu
fiquei pensando que às vezes um agente comunitário é líder e ele não tem
conhecimento científico... então eu fiquei assim pensando que depende, né,
da pessoa... agora eu, eu acho que, eu penso assim que pra mim seria
super importante ter habilidade de trabalhar com essa coisa de pessoal,
assim, de relações humanas. Eu acho que falta muito isso, assim, do
relacionamento... Eu sinto dificuldade nessa parte e acho importante”.
“É o tal do jogo de cintura... é a mediação do conflito... é a
escuta... é isso que é importante... (a empatia)... super importante... você
passar seu recado, mas ao mesmo tempo você estar sendo empático, você
se fazer ouvir, você fazer valer o que você está querendo ali, no momento”...
Antes do encerramento, a quem vocês atribuiriam parte
da responsabilidade na formação dessa competência
que vocês acham falta?
“Eu acho que já que ela não tá lá na Faculdade... porque eu
acho que ela tinha que estar na faculdade. Esse treinamento de recursos
humanos, em recursos humanos, a enfermeira tem que ser formada em
recursos humanos... (risos) ai, que horror, né... falando a frase fica ruim,
né... mas tem que ter, gente, porque é muito difícil lidar com as pessoas, né?
E aí, já que o negócio já empacou, mesmo, não teve lá, então, aonde a
gente trabalha tem que ter esse esforço de ... (agora você tem que nadar,
sair nadando e aprendendo)... não, mas eu acho que não é só depende da
gente, não, dos nossos gestores, mesmo (eu acho que a coordenação devia
enxergar isso, inclusive eles precisam disso) eles precisam disso... (risos)
todo mundo”.
“Eu acho que a gente ganha muito na vivência, sabe?
Porque eu senti isso, eu sinto como a gente vai evoluindo... eu me vejo
quando acabei de sair da faculdade, meu primeiro emprego... as posturas
que eu tinha e as posturas que eu tenho hoje... como eu mudei... isso aí, ó,
foi uma cacetada, então... eu acho que, a gente... talvez não tenha curso
que te forme, acho que é a prática mesmo ... (eu acho que te dá algumas
ferramentas, mas não... )”.
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“Eu acho que o curso pode te dar algumas noções, mas eu
acho que a vivência é uma coisa muito importante... só vai saber lidar em
equipe quando você trabalhar com a equipe, porque as pessoas mesmo que
que que não trabalham em equipe, por exemplo, que trabalham no hospital e
vêm prum lugar que trabalha com equipe têm dificuldade... tem muita
dificuldade... elas falam isso... tem uma colega nossa que está fazendo
especialização que ela trabalha só em hospital e ontem ela veio passar ela
falou assim: “E6, eu não consigo ficar sentada nessa cadeira pra atender um
pré-natal!”... você vê, não, ela falou “eu não consigo, eu não consigo”. Então,
algumas coisas eu acho que você só vai aprender – claro, ela não trabalha
em equi..., ela trabalha em equipe, mas que nem nós falamos, só
trabalhando com auxiliar de enfermagem, não trabalha com nada (equipe
multiprofissional) – então, se ela não consegue fazer isso, ela, talvez numa
equipe multiprofissional, ela não consiga também fazer. Então, é uma coisa
que eu acho que é muito da vivência de cada um. E, como diz a E4, a gente
vai dar cabeçada por muitas vezes e vai acertando”...
E3 – “Uma coisa legal seria se pudesse existir um grupo,
assim, que a gente pudesse discutir, como a gente tá fazendo, só que
colocando as nossas dificuldades...(legal) e trocar essas vivências e trocar
essas informações... com a gente junto, aprendendo com o erro do outro,
sabe, ou então com o acerto... quer dizer, poder fazer essa troca, né, ter
esses momentos de troca”...
Vamos terminar...
“É, viajei agora na maionese (risos) Ah, eu não sei”...
Quem ou o que poderia ajudar na formação das
competências...
“Eu acho que agora que a gente já tá no barco, né, já tá
enfrentando essas coisas, eu acho que essa idéia da E3 é muito boa se a
gente pudesse, nós mesmas, né, estar trazendo as nossas experiências,
estar discutindo, ver se a gente consegue chegar em algum lugar”...
“Ó, você sabe uma coisa que me angustia? Você lembra que
teve uma das reuniões que teve esses tempos atrás na Secretaria, que você
propôs uma reunião com a diretoria da Unesp pra saber os problemas que a
gente tá mandando, com os diretores clínicos, com o hospital sorocabano...
até hoje eu não tiro isso da minha cabeça... tem dia que eu chego em casa:
“gente, a S. falou aquilo, porque que a H. não convocou o pessoal pra fazer
uma reunião?”. Porque a gente precisa, eles precisam saber o que a gente
passa... (é verdade) porque eu tenho paciente que passou lá por mim, por
exemplo, há uns tempos atrás, com um cisto mamário com o seio deste
tamanho... eu mandei para a Unesp e a Unesp mandou de volta pra mim,
S.... é coisa pra resolver no posto, entende?... Então, eu acho que a gente
tem que ter essa conversa, eu acho que a coordenação tem que
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proporcionar esse momento pra gente. Vamos sentar todo mundo, os
responsáveis pelas instituições, e vamos conversar onde que estão os
problemas. Até hoje, S., eu até já sonhei com essa reunião...(risos) (tá
difícil). Entendeu, então, assim?”.
“Já falou o que tem que ser feito e aí fica pior, né, dá
impressão: “agora não vou fazer, agora não vou fazer”.
“Sabe quando a E3 conta, assim que “ah, lá no meu outro
trabalho era assim, assado”, eu fico até com vontade de saber como que
era, porque eu nunca trabalhei no PSF, então eu fico até pensando como
que vai ser noutro lugar, assim”...
“No meu outro trabalho, era péssimo, assim. A coordenação
era péssima, a vontade política era péssima, você não tinha material, não
tinha nada... mas a equipe era muito boa – quer dizer, tirando o médico,
porque ele não cumpria hora, ele não ligava muito – mas a equipe de
agentes, de auxiliares, eu não sei, eu não me sentia chefe, lá... e era muito
legal... eu estranhei muito isso, de me sentir chefe, assim, ai, eu acho
terrível... ter medo de mim, eu nunca vi isso... tem funcionário que fala que
tem medo de mim... (eles nem vêm falar com você, você chega perto eles já
tremem, né?)... eles lá, eles faziam as coisas por mim, eles falavam assim:
“olha, a gente tá super desanimado, a coordenação é uma droga, mas a
gente faz isso por você”, sabe aquela coisa assim? De... eles acreditavam
naquilo. Tanto que eu saí e até hoje eu recebi até proposta do prefeito pra
voltar... de tanto que... e a gente conseguia fazer as coisas, mesmo sem,
sabe, sem material, sem vontade política, sem... nada. Mas era legal essa
coisa, parece que era uma coisa assim... é... ah, não sei, eu acho tão
essencial isso, que eu consegui ter esse trabalho de equipe, consegui junto,
sabe? todo mundo junto! (é gostoso)”.
“Você sabe que eu passei por uma situação de chegar ao
ponto absurdo, assim, de haver um suicídio na equipe... então, foi lá no
pronto-socorro... então, quando chega numa situação assim tão absurda, né,
todo mundo se avalia, né? Então, quando chegou nesse ponto, assim, que
eu fiquei pensando em todo lugar, né, que você vai estar, vai estar lidando,
por isso que eu acho que tem que haver uma, uma... eu acho, assim, que...
que tem pessoas são um pouco, se dão melhor com esse tipo de
relacionamento interpessoal, tem outras que não, né, são... demoram um
pouco mais pra ter... mas eu acho que tem que haver um preparo, sabe, das
pessoas... saber... porque lidar com a saúde, lidar com a doença é muito
difícil, né? Então, você estando já com pessoas que estão já passando por
dificuldades até financeiras, tal, que acabam se refletindo muitas vezes na
saúde ou alguma coisa assim, já é complicado, cria um stress, você puxa
uma demanda pra você que você, às vezes, não tem como dar conta
daquilo, né, daqueles problemas levantados. E ainda com o complicante dos
relacionamentos ali dentro, né... muitas pessoas são imaturas e não
conseguem enxergar... isso, podem trabalhar, conheço pessoas que são
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formadas há trinta anos, têm tempo, experiência e nunca chegou nisso,
continuam passando pelas pessoas e não falando bom-dia”.
E que habilidades você acha que elas teriam que
desenvolver...
“Então, por isso que eu acho que tem até mesmo ter sim, eu
não digo que talvez fosse essa a solução, de você ter, por exemplo, um
treinamento de relacionamentos interpessoais na faculdade, entendeu, mas
que isso fosse desenvolvido por qualquer coordenador que seja, né, em
qualquer cidade que haja... tem que haver esse interesse da coordenação
do trabalho do município em que as pessoas sejam desenvolvidas nessa
área, né, tem que dar esse tipo de respaldo, né? Então, por exemplo, assim,
você vê que, não são todos é óbvio, mas, por exemplo, você pega um
psicólogo às vezes ele consegue mediar melhor, às vezes, um conflito,
então você vê que ele tem um certo preparo pra aquilo, né? E o preparo
científico dele ajudou um pouco. Pode ser que ele não tenha perfil para
amenizar as coisas ou então ele seja um psicólogo ruim, vamos dizer assim,
entendeu? Mas que esse preparo, pra ele, é bom. Então, tinha que haver
interesse de não se preocupar só, como a gente falou ontem, com produção,
com números, com, entendeu, com diminuir as reclamações da população,
né?... mas sim, em melhorar o serviço, que as pessoas se sintam bem,
felizes trabalhando, fazendo aquilo que quer, que gosta, né, se sintam
satisfeitas... e a satisfação não vem só pelo financeiro: vem por você sair, ir
para um lugar em que você gosta de trabalhar, que você se sinta bem, se
sente acolhido, aceito, seguro com a equipe que você trabalha, que você
tenha conflitos, mas que você consiga resolvê-los, né?... então tem que
haver esse interesse pela coordenação, também, do trabalho, né, eu acho
que isso tem que ter... e das pessoas de participarem também, porque eles
podem estar criando muitos núcleos e grupos para que haja essas
discussões e as pessoas também não estarem interessadas em melhorar
nisso... então tem que haver da nossa parte, também, um interesse de
querer colocar essas situações... e querer melhorar nesse sentido, né? Tem
pessoas que acham que isso aí é jogar conversa fora, quantas pessoas
vocês já ouviram falar isso? Que acham que ficar discutindo esse tipo de
coisa é jogar conversa fora, né? E a gente sabe que não é. Principalmente
pra gente. É cobrado soluções muitas vezes e que você não tem, que você
não tem como entrar naqueles conflitos e resolver”.
Rodada final, considerando as três perguntas do dia:
coordenar uma equipe facilita o processo da liderança?
Dentro disso, então o que é ser líder? Quais os saberes,
as competências, as habilidades que eu preciso para
desenvolver essa liderança junto à minha equipe?
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“Que precisa ter um preparo, isso está claro pra todo mundo,
né?; disposição individual, né, das pessoas a querer realmente ter essa
melhoria no seu ambiente de trabalho, né?; saber que o papel do
coordenador, é... muitas vezes se confunde com o de líder na cabeça dos
outros, também, né, então por mais que você não se ache líder as pessoas
vão achar que você é líder e você tem que observar suas atitudes por conta
disso, também, né? Eu acho que é isso”.
“Eu vou voltar a falar mais uma vez o que eu falei: eu acho
que tem que se ter conhecimento científico, tem que se ter conhecimento
administrativo, ética, e tem que ter um conhecimento pra saber lidar com
pessoas, de recursos humanos, a gente precisava ter um treinamento pra
isso, e apoio psicológico também, super válido, pra mim e pra toda equipe,
eu acho”.
“Acho que é um mix de coisas que nós temos que ter, né?
Super, super, super enfermeiras... eu já perdi essa esperança que eu sou
super, que eu... tanto que eu delego muito, acho que... agora, eu... ela falou
que não consegue deixar as coisas para o auxiliar administrativo, eu não, eu
não faço nem ofício mais, eu falo escreve isso, isso, isso... então, eu acho
que a gente tem que saber delegar, saber ouvir, saber ter esse joguinho de
cintura, esse bom senso de conversar... e eu acho que é isso”...
“Eu acho que a gente tem que saber muita coisa, né?
(risos)... eu tô cansada (risos)... (isso porque ela está de férias). Não sei,
acho que a gente é cobrado muito, ahhh!... tem que ter postura, tem que ter
um monte... (risos - asseio pessoal, bom exemplo, boa aparência...) saber
lidar com os problemas dos outros, né, e eu estou com tanto problema!
(risos – até biofísica a gente tem na faculdade, né, e estatística e “n”
coisas...) ah! estatística? Até fiquei, ai! (risos)”.
“E ninguém pára um minuto pra discutir relacionamento
interpessoal... como você vai... e aí depois você é chamada pra rodas de
acolhimento aqui nessa Secretaria, que eu não agüento mais... que é
rodinhas de acolhimento que não leva a nada, assim, porque não é o que a
gente... continua o anseio, continua o anseio, né?... e vem falar sempre com
esse nominho de acolhimento que não é nada daquilo (humanização) nem
pro paciente, nem pra gente, nem pros funcionários, nem pra ninguém, né,
ninguém se acha que sabe alguma coisa de acolhimento até hoje, né?”.
“Eu acho que a gente tem que aprender a olhar pra nós
primeiro, cuidar de nós, né, pra tentar fazer algo melhor no trabalho... Estou
meio assim, agora. Acho que apoio psicológico”...
“(construção coletiva - acho que a gente tem que se cuidar,
mesmo, pra depois a gente cuidar dos outros... Nós estamos tudo louco,
aqui... Nossa, E2, você está muito carregada, mesmo... Eu estou com dó
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dela... Nós estamos tudo louco... E sem contar, ainda, que a coordenadora
bateu o olho em mim esses dias e ela falou: “você tem a cara do
Marajoara”... aaaai!... isso mesmo!)”.
“Eu acho que eu gostaria de acrescentar a parte de
criatividade, que acho que foi falada e que eu acho que tem tudo a ver
(nesse mix) e que é uma habilidade importante e também de empatia, que
tem tudo a ver com as relações humanas... e de conseguir, mesmo, o líder
conseguir enxergar em cada membro da equipe um potencial e poder
estimular o desenvolvimento desse potencial... Acho que tem que saber
como descentralizar também, né, as ações... (eu sou bem centralizadora,
mas eu acho bom descentralizar – construção coletiva ... por isso que eu
falei: você sabe qual é o nome dessa palavra? Descentralizar. Era isso que
não me veio na cabeça... tá certo!)”.
E você, nesse mix final, E6?
“Eu acho que ser líder é tudo isso e mais um pouco, como
elas falaram, né? È saber ter criatividade, como a E3 falou... é saber ter jogo
de cintura, como a E4 falou... é ter conhecimento... é saber ouvir... saber, às
vezes, no olhar, prestar atenção naquilo que está acontecendo... que muitas
vezes a gente passa despercebida... mas é tudo isso”...
Alguém quer colocar mais alguma coisa? Então vamos
desligar...
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