uso do texto escrito de forma direta e não
apenas subjacente às ações. As crianças da
zona rural convivem com o texto escrito
relacionado principalmente a atividades
escolares e de entretenimento proporcio-
nadas pelas brincadeiras de escola dos ir-
mãos. As da periferia têm alguma convi-
vência com a escrita usada também para
realização de atividades ligadas à vida
diária, religião, comunicação interpessoal,
compra e venda e como auxílio a memó-
ria. Mas são poucos os eventos nessas ca-
tegorias. Para as crianças dos outros gru-
pos, a convivência se dá, além disso,
quando a escrita é usada para obter infor-
mações. Enquanto as crianças dos grupos
mais letrados têm maior quantidade e va-
riedade de experiências de letramento e
vivenciam estes eventos como algo usual,
do seu cotidiano, as dos grupos menos le-
trados parecem ver a escrita principal-
mente como algo que trará benefícios no
futuro. Estar na escola teria esse objetivo.
Isto, provavelmente, leva às diferentes
posturas assumidas pelos adultos nas suas
interações com as crianças cujo tema é a
língua escrita. Talvez por esse motivo, os
adultos dos grupos 1 e 2 dêem pouca
atenção às interações da criança não alfa-
betizada com o texto escrito (o que não se
verifica quando os filhos já freqüentam a
escola). Nos grupos com maior nível de
letramento, por outro lado, os adultos e as
crianças que já estão na escola dedicam,
desde muito cedo, atenção às interações
da criança com a escrita, seja proporcio-
nando jogos simbólicos, seja focalizando a
escrita e assumindo o papel de quem in-
forma, pergunta, explica, responde, nas si-
tuações reais.
Outro ponto que merece discussão é a for-
ma como acontecem as atividades perme-
adas pela língua escrita. A leitura de his-
tórias, por exemplo, no grupo de escolari-
dade superior é uma atividade dirigida à
criança pequena, na qual se engaja um
adulto ou outra criança. Na zona rural, a
atividade de contar histórias, como outros
jogos orais, envolvem toda a família e, em-
bora a criança pequena participe ainda
apenas como observadora, acreditamos
que está aprendendo formas de se relacio-
nar com a escrita. Segundo Snow (1983),
contar ou ler histórias para as crianças é
uma das maneiras de prepará-las para as
formas escritas do letramento, uma vez
que com isso as pessoas fornecem indica-
ções sobre aspectos da língua escrita no
discurso oral e provêem a descontextuali-
zação, pelo distanciamento do cenário e do
autor. Wells (1985) também estudou esta
questão e verificou que folhear livros, de-
senhar e colorir não estão significativa-
mente correlacionados com medidas de
compreensão de leitura realizadas posteri-
ormente na criança, nem com grau de ins-
trução dos pais. Mas ouvir histórias, prin-
cipalmente lidas, sim. Heath (1982) tam-
bém encontrou diferenças, neste sentido,
entre as comunidades estudadas e relacio-
na essas diferenças com o trabalho realiza-
do na escola, que estaria muito mais próxi-
mo das experiências das crianças de classe
média, favorecendo o seu desempenho.
Talvez este ponto deva ser melhor estuda-
do, se quisermos encontrar maneiras de
contribuir para a aprendizagem na área da
leitura dos alunos das nossas escolas, par-
ticularmente as públicas.
Nas famílias da periferia, praticamente
não registramos a ocorrência de jogos
orais como contar histórias, fazer adivi-
nhações ou brincadeiras de rima, salvo
algumas imitações de programas de TV.
Este dado nos causou estranheza uma
vez que aquelas famílias são oriundas
da zona rural, onde o trabalho com a
oralidade se desenvolve de maneira tão
rica. Talvez pudéssemos explicar essa
ausência na perspectiva da "perda de
identidade'' decorrente da migração da
família para a zona urbana (Nicolaci-da-
Costa, 1987). No entanto, levantamos a