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FUNDAÇÃO EDSON QUEIROZ
UNIVERSIDADE DE FORTALEZA – UNIFOR
CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS – CCJ
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO
CONSTITUCIONAL
CONTROLE CONCENTRADO DE CONSTITUCIONALIDADE
E DEMOCRACIA: AÇÃO DECLARATÓRIA DE
CONSTITUCIONALIDADE E CONSTRUÇÃO
JURISPRUDENCIAL
Eduardo Lago Castello Branco
Matrícula: 0324235-8
Fortaleza
Dezembro – 2006
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EDUARDO LAGO CASTELLO BRANCO
CONTROLE CONCENTRADO DE CONSTITUCIONALIDADE
E DEMOCRACIA: AÇÃO DECLARATÓRIA DE
CONSTITUCIONALIDADE E CONSTRUÇÃO
JURISPRUDENCIAL
Dissertação apresentada ao
Programa de Pós-Graduação em
Direito como requisito parcial para
a obtenção do Título de Mestre em
Direito Constitucional, sob a
orientação do Prof. Dr. Martonio
Mont’Alverne Barreto Lima.
Fortaleza – Ceará
2006
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___________________________________________________________________________
C348c Castello Branco, Eduardo Lago.
Controle concentrado de constitucionalidade e democracia: ação declaratória de
constitucionalidade e construção jurisprudencial / Eduardo Lago Castello Branco. Fortaleza,
2006.
194 p.
Dissertação de Mestrado em Direito Constitucional – UNIFOR.
“Orientação: Prof. Dr. Martônio Mont'Alverne Barreto Lima.”
1. Constitucionalidade - Controle. 2. Direito Constitucional. 3. Democracia. 4. Poder
Judiciário. I. Título.
CDU 342
__________________________________________________________________________________________
Aos meus pais e, especialmente,
a Wilfa.
Dedico agradecimento especial, em
primeiro lugar, ao Prof. Martonio,
que aceitou o encargo de
proporcionar a orientação
necessária para a devida construção
deste trabalho, pelo compromisso
assumido, por dispensar seu tempo
na análise de minhas palavras e
pelas cobranças e incentivos para
que não adiássemos ainda mais o
término da dissertação.
A Fundação Cearense de Apoio ao
Desenvolvimento Científico e
Tecnológico (FUNCAP), por
financiar, em parte, o curso de
Mestrado. Agradeço também a
Eleni, servidora da FUNCAP, pelos
esforços em seu trabalho, pela ajuda
no decorrer do processo de
concessão da bolsa de estudos e
pela sua delicadeza e eficiência.
A Gisele Barreto, por permitir e
compreender, em não raras
oportunidades, minhas ausências no
ambiente de trabalho, pelo apoio e
pela amizade durante todo o curso.
A minha família, sempre
interessada e disposta a contribuir
para meu crescimento educacional.
Obrigado pelas cobranças,
principalmente.
Aos colegas da secretaria do curso
de mestrado, Virgínia, Luís Carlos e
meu xará Eduardo.
E, certamente o agradecimento mais
importante, a minha amada
companheira Wilfa, pelas palavras
de incentivo, pela revisão
ortográfica e bibliográfica, por me
aturar nos momentos de
impaciência, por me acolher e fazer
possível toda a construção deste
trabalho.
RESUMO
Controle concentrado de constitucionalidade e democracia: ação declaratória de
constitucionalidade e construção jurisprudencial. Expõe a origem do Estado de Direito e seu
desenvolvimento, relacionando-o com o surgimento do controle jurisdicional de
constitucionalidade. Analisa a relação cada vez mais imbricada entre política e justiça,
inclusive no Brasil. Explicita o controle de constitucionalidade, suas espécies, efeitos, limites,
e seu desenvolvimento no Brasil. Revela as conjunturas político-econômica e jurídica
brasileiras antes da promulgação da Emenda Constitucional 3 de 1993, que instituiu a ação
declaratória de constitucionalidade (ADC). Explica a ADC, seus requisitos, legitimados
ativos, procedimento e decisão. Expõe a possibilidade de implantação da ADC nos Estados
Federados e as reformas trazidas pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004, no que se refere
ao controle concentrado de constitucionalidade. Apresenta a construção jurisprudencial do
Supremo Tribunal Federal sobre ADC. Evidencia a relação direta entre a ADC e as reformas
neoliberais na busca de uma maior segurança jurídica. Identifica o risco no desenvolvimento
da construção da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal que trilha cada vez mais pelo
caminho do subjetivismo, implicando diretamente nas regras de processamento da ADC, tais
como: na restrição do acesso ao Judiciário e na extensão do efeito vinculante. Confirma que a
ADC é um instrumento nas mãos do Poder Executivo para satisfação de seus interesses,
principalmente o de uma maior governabilidade. Analisa o caráter não-democrático da
jurisdição constitucional. Conclui que o advento da ADC trouxe implicações que
favoreceram, e ainda favorecem, a possibilidade de usurpação dos limites constituintes da
jurisdição constitucional, o que afeta diretamente o grau de democracia no Brasil.
Palavras-chave: Controle concentrado de constitucionalidade. Ação declaratória de
constitucionalidade. Poder Judiciário. Democracia. Governabilidade.
RESUMÉ
Contrôle concentré de la constitutionnalité et de la mocratie: action déclaratoire de
constitutionnalité et construction jurisprudentielle. Il expose l'origine de l'État de Droit et son
développement, et son rapport avec le surgissement du contrôle juridictionnel de
constitutionnalité. Il analyse la relation de plus en plus imbriquée entre politique et justice, y
compris au Brésil. Explicite le contrôle de constitutionnalité, leurs espèces, effets, limites, et
son veloppement au Brésil. Il révèle les conjonctures político-économique et juridique
Brésiliennes avant la promulgation de l'Amendement Constitutionnel 3 de 1993, qui a
institué l'action déclaratoire de constitutionnalité (ADC). Explique l’ADC, leurs conditions,
légitimés actifs, procédure et décision. Il expose la possibilité d'implantation de l’ADC aux
États Fédérés et les réformes apportées par l'Amendement Constitutionnel 45, de 2004, em
ce qui concerne le contrôle concentré de constitutionnalité. Il présente la construction
jurisprudencielle du Suprême Tribunal Fédéral sur l’ADC. Il prouve le rapport directe entre
l’ADC et les réformes néo-libérales dans la recherche d'une plus grande sécurité juridique. Il
identifie le risque dans le développement de la construction de la jurisprudence du Suprême
Tribunal Fédéral lequel suit de plus en plus le chemin du subjetivisme, en abouissant
directement aux gles de traitement de l’ADC, telles quelles: la restriction de l'accès au
Judiciaire et l'extension de l'effet-lient (efeito vinvulante). Il confirme que l’ADC est um
instrument dans les mains du Pouvoir Exécutif pour satisfaire de leurs intérêts, surtout de’une
plus grande governabilité. Il analyse le caractère non démocratique de la juridiction
constitutionnelle. Il conclut que l'avènement de l’ADC a apporté des implications qui ont
favorisé la possibilité d'usurpation des limites constitutives de la juridiction constitutionnelle,
ce qui touche directement le niveau de la démocratie au Brésil.
Mots-clé: Contrôle concentré de constitutionnalité. Action déclaratoire de constitutionnalité.
Pouvoir Judiciaire. Démocratie. Governabilité.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 09
1 ESTADO DE DIREITO, PODER JUDICIÁRIO E CONTROLE JURISDICIONAL DE
CONSTITUCIONALIDADE ..................................................................................................13
1.1 Estado de Direito ............................................................................................................... 13
1.2 O papel do Poder Judiciário no Estado de Direito ............................................................ 20
1.3 Política e Poder Judiciário: fenômeno da judicialização da política ................................. 25
1.4 Política e Poder Judiciário no Brasil ..................................................................................30
2 CONTROLE JURISDICIONAL DE CONSTITUCIONALIDADE ................................... 38
2.1 Natureza jurídica, fundamento e finalidade .......................................................................38
2.2 Espécies ..............................................................................................................................42
2.3 Efeitos e seus limites ......................................................................................................... 47
2.4 Evolução no Brasil .............................................................................................................51
3 AÇÃO DECLARATÓRIA DE CONSTITUCIONALIDADE ............................................ 63
3.1 As conjunturas político-econômica e jurídica brasileiras antes da Emenda Constitucional
nº 3 .......................................................................................................................................... 63
3.2 As reformas implementadas pela Emenda Constitucional nº 3 ........................................ 66
3.3 Ação declaratória de constitucionalidade ......................................................................... 68
3.4 A Lei nº 9.868/1999 ...........................................................................................................73
3.4.1 Legitimação ativa e requisitos ........................................................................................ 74
3.4.2 Procedimento e medida cautelar .................................................................................... 79
3.4.3 Decisão ............................................................................................................................85
3.5 Ação declaratória de constitucionalidade nos Estados ..................................................... 90
3.6 As reformas implementadas pela Emenda Constitucional nº 45 ...................................... 92
4 AS DECISÕES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL EM SEDE DE AÇÃO
DECLARATÓRIA DE CONSTITUCIONALIDADE ........................................................... 96
4.1 Ação declaratória de constitucionalidade nº 1 ................................................................. 96
4.1.1 A ADIn nº 913 .............................................................................................................. 98
4.1.2 A prejudicial de inconstitucionalidade ......................................................................... 100
4.1.3 O julgamento em si ...................................................................................................... 108
4.2 Ação declaratória de constitucionalidade nº 2 ................................................................ 110
4.3 Ação declaratória de constitucionalidade nº 3 ................................................................ 111
4.4 Ação declaratória de constitucionalidade nº 4 ................................................................ 113
4.5 Ação declaratória de constitucionalidade nº 5 ................................................................ 120
4.6 Ação declaratória de constitucionalidade nº 6 ................................................................ 123
4.7 Ação declaratória de constitucionalidade nº 7 ................................................................ 124
4.8 Ação declaratória de constitucionalidade nº 8 ................................................................ 124
4.9 Ação declaratória de constitucionalidade nº 9 ................................................................ 126
4.10 Ação declaratória de constitucionalidade nº 10 ............................................................ 130
4.11 Ação declaratória de constitucionalidade nº 11 ............................................................ 131
4.12 Ação declaratória de constitucionalidade nº 12 ............................................................ 132
4.13 Ação declaratória de constitucionalidade nº 13 ............................................................ 134
4.14 Ação declaratória de constitucionalidade nº 14 ............................................................ 135
5 AS IMPLICAÇÕES TRAZIDAS PELA AÇÃO DECLARATÓRIA DE
CONSTITUCIONALIDADE ............................................................................................... 138
5.1 Implicações econômicas ..................................................................................................139
5.2 Implicações jurídicas ....................................................................................................... 143
5.3 Implicações políticas ........................................................................................................154
CONCLUSÃO ...................................................................................................................... 170
REFERÊNCIAS .....................................................................................................................175
ÍNDICE ALFABÉTICO-REMISSIVO ................................................................................ 187
ÍNDICE ONOMÁSTICO ..................................................................................................... 189
INTRODUÇÃO
Apesar da questão que envolve o controle jurisdicional de constitucionalidade ser
relativamente recente na história do Direito, a sua existência já trouxe alterações significativas
na política e na justiça dos Estados que o adotaram. Desde sua primeira manifestação prática,
quando John Marshall, Chefe de Justiça da Suprema Corte norte-americana, chamou para si o
poder de decidir se as leis em vigência estavam ou não de acordo com a Constituição,
discussões teóricas como a que ocorreu na Alemanha entre Schmitt e Kelsen, sobre quem
deve ser o guardião da constituição, são exemplos do quanto o tema pode despertar e
produzir.
Muito se discute sobre a atribuição isolada deste controle a um único Poder do Estado, o
Judiciário, devido ao seu caráter absoluto em dizer o que a constituição é perante não só à
sociedade, mas também ao próprio Estado. A importância dessa determinação é justificada
pelo simples significado de uma constituição: o documento que contém as regras
organizacionais, políticas e jurídicas do Estado, o modo como deve ocorrer o exercício do
poder e, a enunciação dos direitos e garantias fundamentais de seus cidadãos.
O controle jurisdicional de constitucionalidade, inaugurado pela decisão de Marshall,
acabou desenvolvendo o modelo que mais tarde ficou conhecido como controle difuso da
constitucionalidade. Nesta representação, além de qualquer órgão do Poder Judiciário ser
competente para apreciar o requerimento, que pode ser feito por todo e qualquer cidadão, a
discussão sobre a constitucionalidade não se configura como o cerne da lide, é apenas um
subsídio para fundamentação do pedido, no caso concreto. O desenvolvimento da teoria da
jurisdição constitucional, notadamente na Europa continental, fomentou a criação de outro
modelo, o controle concentrado, pelo qual geralmente um único órgão é competente para a
apreciação e não é qualquer pessoa capaz de requerer o controle da constitucionalidade; seu
objetivo é suspender a eficácia de lei ou ato normativo contrário à constituição, sem levar em
consideração qualquer interesse subjetivo das partes.
Será verificada se a absorção, pelo Poder Judiciário, da peculiar atividade do controle de
constitucionalidade trouxe uma nova diagramação do Estado; se a significativa perda de
atribuições do Judiciário constatada na Revolução Francesa teve um revés com o redesenho
do Estado Liberal em Estado Social, e deste para o Estado Democrático de Direito; e como
novo perfil do Poder Judiciário trouxe consigo o fenômeno da judicialização da política, ou
seja, a expansão deste Poder no processo decisório de questões onde predomina o conteúdo de
cunho político, conforme será demonstrado na primeira parte do primeiro capítulo deste
trabalho.
O debate a respeito do controle da constitucionalidade das leis é constante desde a
primeira vez que uma constituição brasileira passou a tratar sobre o tema, em 1891. Não
obstante sua tradição em adotar o controle difuso, desde 1934 o ordenamento jurídico no
Brasil permite a existência das duas espécies de controle da constitucionalidade. A partir de
então, observou-se o desenvolvimento do controle concentrado em detrimento do difuso,
tendência que culminou na Constituição de 1988, instituidora de diversas formas de
implementação daquela espécie de controle, conforme será analisado no segundo capítulo
deste trabalho. Uma das formas de exercício do controle concentrado se por meio da ação
declaratória de constitucionalidade. Instituída pela Emenda Constitucional 3 de 1993, a
referida ação tem por escopo, como o próprio nome diz, declarar, por meio de decisão do
Supremo Tribunal Federal, a constitucionalidade de lei ou ato normativo.
O objetivo deste trabalho é analisar a instituição da ação declaratória de
constitucionalidade (doravante, ADC) no Brasil, e de que maneira, por entre a construção
jurisprudencial realizada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), ela interfere em questões
econômicas, jurídicas e políticas no Estado brasileiro. Para tanto, utilizou-se dos tipos de
pesquisa bibliográfica e documental.
Após a apresentação da natureza jurídica, fundamentos e finalidade do controle
jurisdicional de constitucionalidade, bem como suas espécies, efeitos e limites, verificar-se-á
as conjunturas político-econômica e jurídica brasileiras antes do advento da Emenda
Constitucional 3, de 1993, bem como suas reformas. Serão abordados os elementos
caracterizadores da ação declaratória de constitucionalidade e o seu processamento, sendo
este regulado pela Lei 9.868, de 1999, perante o Supremo Tribunal Federal. Nesse
diapasão, no terceiro capítulo, levantar-se-á a hipótese de implantação da ação declaratória de
constitucionalidade nos Estados membros da Federação e também como as reformas
conduzidas pela Emenda Constitucional nº 45 alteraram o cenário de aplicação da ADC.
No quarto capítulo, será analisada a construção jurisprudencial do Supremo Tribunal
Federal no que se refere à ação declaratória de constitucionalidade. Desde a sua instituição,
em 1993, até o final do mês de outubro do ano de 2006, quatorze ações foram propostas, em
sua maioria pelo Presidente da República. O STF, sempre por decisões não unânimes (o
Ministro Marco Aurélio consubstanciou, na maior parte das vezes solitariamente, o voto
vencido em todos os julgados), decidiu pela constitucionalidade da nova espécie de ação, bem
como estabeleceu as regras de processamento, na falta de lei que assim o fizesse.
Em seguida serão expostas e analisadas as implicações econômicas trazidas pela ação
declaratória de constitucionalidade: de que maneira a criação da ADC está relacionada às
reformas de cunho neoliberais adotadas desde o início da década de 1990. Suas implicações
jurídicas: como o Supremo Tribunal Federal, através de métodos interpretativos diferentes,
formulou mecanismos de restrição ao acesso ao Judiciário por meio da ADC; em que
circunstâncias foram estabelecidas as decisões que determinaram os limites do efeito
vinculante e do caráter da concessão de medida cautelar.
E, por derradeiro, criticar-se-ão as implicações políticas da ação declaratória de
constitucionalidade. Será discutida a possibilidade de violação do princípio da separação dos
poderes pelo efeito vinculante e o problema da independência funcional dos juízes. Nesse
contexto, será evidenciado o problema da legitimidade dos membros do Supremo Tribunal
Federal, órgão responsável pelo controle de constitucionalidade e, portanto, instituição da
qual poderá emanar decisões sobre políticas públicas e direitos fundamentais. Outro ponto
que merecerá destaque é como se mostrou cada vez mais evidente e imbricada a relação entre
Executivo e Judiciário no Brasil e quais as conseqüências que podem surgir dessa relação no
contexto da ação declaratória de constitucionalidade, tais como: o risco de superestimação do
papel da jurisprudência e a possibilidade de usurpação dos limites constitucionais atribuídos
ao STF. Por fim, será verificado o necessário conflito entre a democracia e a busca por uma
maior governabilidade, como isso reflete no papel representado pela ação declaratória de
constitucionalidade, e como o Judiciário pode não mais ter mecanismos de controle aos quais
toda instituição de um Estado Democrático deve se submeter.
Salienta-se, por oportuno, que não é intenção do trabalho exaurir a problemática trazida
pela ação declaratória de constitucionalidade no âmbito do controle concentrado de
constitucionalidade e na democracia brasileiros. Busca-se contribuir para uma melhor reflexão
sobre o tema e alertar sobre as tendências e conseqüências que surgirão com o
desenvolvimento do controle concentrado de constitucionalidade.
1 ESTADO DE DIREITO, PODER JUDICIÁRIO E CONTROLE
JURISDICIONAL DE CONSTITUCIONALIDADE
A relação entre os conceitos e institutos de Estado de Direito, Poder Judiciário e
controle jurisdicional de constitucionalidade são fundamentais para o objetivo deste trabalho,
que é a análise das implicações da ação declaratória de constitucionalidade. O estudo prévio
das origens do Estado de Direito e seus desdobramentos, bem como do papel do Poder
Judiciário, é imprescindível para o entendimento do instituto do controle jurisdicional de
constitucionalidade, como será demonstrado a seguir.
1.1 Estado de Direito
A origem e a formação do Estado são temas que passaram a ser discutidos de maneira
efetiva desde o movimento do Iluminismo. pelo menos três vertentes principais para a
explicação sobre o aparecimento do Estado. Segundo Dalmo Dallari (2000, p. 52) a primeira
defende que, assim como a sociedade em si, o Estado sempre existiu desde os primórdios da
humanidade, sendo um instituto onipresente e elemento universal da organização em
sociedade.
A segunda linha teórica escreve que a sociedade humana, num primeiro momento, não
se organizou como Estado. Isso ocorreu depois de certo período necessário para o
surgimento de novas necessidades e conveniências dos grupos sociais que justificassem o
nascimento do Estado como nova forma de organização. a terceira linha argumenta que o
Estado existe se apresentar um mínimo de características e elementos constitutivos, como
território, povo, a prática e a idéia de soberania, sendo que este momento ocorreu apenas no
século XVII.
O princípio do Estado pode ter ocorrido de maneira voluntária ou espontânea. Esse
modelo teórico é delineado basicamente por quatro origens, segundo Dalmo Dallari (2000,
p.54): 1) familiar, ou patriarcal, defendida por Filmer, cujo argumento é o de que as famílias
primitivas cresceram ao ponto de originar o Estado propriamente dito; 2) em atos de violência
e de conquista, amparada por Oppenheimer, que estabelece a formação do Estado com a
superação pela força e a conseqüente dominação entre grupos sociais; 3) em causas
econômicas, sustentadas principalmente por Marx e Engels, para os quais o Estado surgiu
para reconhecer e assegurar a propriedade privada
1
e as transformações políticas e sociais por
ela provocadas; e, por fim, 4) no desenvolvimento interno da sociedade, isto é, o Estado se
manifesta por instinto a partir do momento em que a própria complexidade advinda do
progresso dos grupos sociais gera uma necessidade de nova organização, que é o próprio
Estado.
Estados podem se formar também de maneira derivada, a partir de outros Estados
préexistentes. Ocorre quando dois Estados se unem formando um novo, ou mesmo quando
um único Estado se desmembra dando origem a pelo menos dois outros novos.
Outra construção teórica do surgimento do Estado é a formulada pelos contratualistas,
assim chamados por defenderem que o início do Estado se deve à vontade de todos os
homens, ou de parte deles, dependendo do teórico. Entre estes estão John Locke, Thomas
Hobbes e Jean-Jacques Rousseau.
o emprego moderno da palavra Estado foi primeiramente utilizado por Maquiavel
em sua obra O Príncipe: “Todos os Estados, todos os domínios que têm havido e que há sobre
os homens, foram e são repúblicas ou principados.” (MAQUIAVEL, s.d., p. 39).
1Na defesa pública desta dissertação foi aberta discussão sobre o pioneirismo de Marx na teorização do Estado
como assegurador da propriedade privada. Salienta-se que a crítica de Marx é exatamente no sentido de que a
propriedade privada é aplicação prática do liberalismo típico da Revolução de 1789, e constitui o fundamento da
sociedade burguesa. Esse pensamento é derivado da teoria de Rousseau que criticou Locke, que destacou a
propriedade é um direito natural do homem. Rousseau, por outro lado, defende que a propriedade privada é a
causa da desigualdade entre os homens e que o primeiro que disse “isto é meu” foi o verdadeiro fundador da
sociedade civil.
A definição de Estado, enfim, pode ser assim formulada: “a ordem jurídica soberana que
tem por fim o bem comum de um povo situado em determinado território” (DALLARI,
2000). Neste conceito estão inseridos todos os elementos essenciais do Estado, pois:
... a noção de poder está implícita na de soberania, que, no entanto, é referida como
característica da própria ordem jurídica. A politicidade do Estado é afirmada na
referencia expressa ao bem comum, com a vinculação deste a um certo povo e,
finalmente, a territorialidade, limitadora da ação jurídica e política do Estado, está
presente na menção a determinado território. (DALLARI, 2000)
Paulo Bonavides (1999b, p. 67), ao dissertar sobre o conceito de Estado, analisa
algumas de suas acepções filosóficas, jurídicas e sociais. Para ele, a definição que melhor
indica o sentido de Estado é a proposta de Jellinek que o estabelece como “a corporação de
um povo, assentada num determinado território e dotada de um poder originário de mando”.
No decorrer da humanidade são conhecidas diversas fases de Estados, entre elas: antiga,
grega, romana, medieval e moderna. O início desta última fase foi marcado pelo sucesso dos
Estados totalitários, nos quais o poder absoluto emanava de um só, o rei. Jean Bodin, Hobbes
e Bossuet, teóricos do absolutismo, tiveram o papel de tentar justificar a existência e a
manutenção do ancien régime. É a fase da qual Maquiavel se referiu na sua obra O Príncipe,
pelo fato do Estado ser constituído de elementos mínimos próprios que lhe são fundamentais:
território, povo, governo e soberania. Na relação entre cada uma dessas partes, e entre o
próprio Estado e o seu povo, é que se encontra o Direito, cujo intuito é regular os problemas
existentes nos grupos sociais, assegurar a existência do Estado e estabelecer seus limites, na
aspiração de reduzir os riscos do exercício do poder político e conservar uma ordem orientada
para os fins do Estado.
Três importantes movimentos contribuíram de forma considerável para a transformação
do Estado moderno absolutista em Estado de Direito, onde não mais vigora a vontade
soberana do monarca, mas a vontade do povo
2
e o império da lei. Em primeiro lugar, a
2A palavra povo” foi aqui utilizada para significar a burguesia, tendo em vista as circunstâncias históricas da
formação do Estado de Direito. Para um maior estudo sobre a concepção da palavra e os diversos modos de
utilização do termo “povo” ver: MÜLLER, Friedrich. Quem é o povo? A questão fundamental da democracia. 2.
Revolução Inglesa, culminada pelo Bill of Rights de 1689 que estabeleceu uma série de
direitos aos ingleses em desfavor dos caprichos da autoridade real. Depois a Revolução
Americana de 1776 quando as treze colônias inglesas da América do Norte confeccionaram
sua Declaração de Independência, o primeiro passo para a promulgação da Constituição de
1787, a pioneira na instituição da separação dos poderes. E, por fim, esse processo de
transformação culminou com a Revolução Francesa de 1789, representada pela Declaração
dos Direitos do Homem e do Cidadão.
As principais inspirações para a ocorrência desses movimentos sociais de transformação
que fizeram nascer o Estado de Direito foram formuladas pelos teóricos do Iluminismo:
Locke, Montesquieu e Rousseau, cada um na proporção de sua obra.
Locke, individualista liberal, influenciou principalmente a Revolução Inglesa com seus
Dois tratados sobre o governo. As diretrizes básicas de sua doutrina se baseiam na luta contra
o absolutismo, na defesa de uma autoridade consentida pelo povo, e na eliminação da
arbitrariedade baseada no direito divino. Contratualista, Locke (1998, p. 507) defendeu um
Estado de Direito sob o império da lei:
os homens renunciam a todo poder natural em favor da sociedade em que
ingressam, e a comunidade deposita o poder legislativo nas mãos que considera
convenientes, confiando-lhes o encargo de que a sociedade seja governada por leis
expressas (grifo original).
Montesquieu estabeleceu a clássica separação dos poderes de um Estado governado pela
lei, em Legislativo, Executivo e Judiciário. Segundo Chevallier (1999, p. 140), porém, na
apresentação da teoria de Montesquieu são evidentes as reminiscências de Locke, pois este foi
o primeiro iluminista a desenhar um esboço de separação. Não deixa de ter importância básica
e ser original Montesquieu (1979, p. 147) quando escreveu:
Num Estado, isto é, uma sociedade em que leis, a liberdade não pode consistir
em poder fazer o que se deve querer e não ser constrangido a fazer o que não se
deve desejar. Deve-se ter sempre em mente o que é independência e o que é
liberdade. A liberdade é o direito de fazer tudo o que as leis permitirem; se um
ed. São Paulo: Max Limonad, 2000.
cidadão pudesse fazer tudo o que elas proíbem, não teria liberdade, porque os
outros também teriam tal poder. (grifos nossos).
Rousseau, por sua vez, foi o primeiro de seu tempo a defender que cada indivíduo detém
uma parcela de soberania igual a dos demais. Num Estado de mil habitantes, cada um do povo
representa um milésimo de sua soberania; a soma de todos significa a soberania do Estado.
Por isso, “o povo, submetido às leis, deve ser o seu autor” (ROUSSEAU, 1983, p. 55). Para o
iluminista francês, a lei é a expressão da vontade geral, que significa o interesse geral dos
cidadãos em proveito do grupo social como um todo.
Nesse diapasão, Rousseau renega a possibilidade de representação política. Os
integrantes de parlamento são, essencialmente, comissários do povo, e não podem assumir
determinada posição sobre uma questão sem o consentimento direto do povo. O parlamentar,
para Rousseau, nunca poderá dispor politicamente por vontade própria, apenas deve
reproduzir a vontade do povo.
A concepção de poder planejada por Rousseau era totalmente diferente do que existia na
sua época, e inclusive após o seu tempo, antecipando transformações políticas que os
marxistas tentarão por em prática mais tarde. O poder político para todos, sem distinção, em
detrimento ao poder político de uma única classe foi de encontro à forma como acontecia a
chamada “reação de poder”: no liberalismo, a reação da burguesia; no socialismo (após
Rousseau), a reação da classe operária (BONAVIDES, 1996, p. 169). Numa síntese apertada,
Rousseau buscou o ideal de liberdade política do homem.
Com isso, o Estado de Direito possui as seguintes características: 1) submissão ao
império da lei, emanada pelo Legislativo, composto de representantes populares; 2) divisão
dos poderes em Legislativo, Executivo e Judiciário; 3) enunciado e garantia dos direitos
individuais, notadamente pela Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão de 1789
(SILVA, 2001, p. 117).
A partir do século XVIII, portanto, iniciou-se o desenvolvimento de uma crescente
relação entre Estado e lei. Por conseguinte, “a passagem [do regime das monarquias
absolutas] para uma ‘soberania popular’ incluiu (e compeliu) a identificação do Direito com a
lei” (TAVARES, 2005, p. 30). A principal fonte do Direito passa a ser a lei, como expressão
da vontade geral, conforme art. 6º da Declaração de Direitos de 1789.
Para André Ramos Tavares (2005, p. 36), a lei passou a ter um significado supremo por
três razões: 1) “a aspiração democrática na lei se via realizada”; 2) “a realização iluminista do
ideal da razão”, ao contrário da crença e do dogma real predominante no ancien régime; 3) “a
certeza e a segurança se reconheciam no instrumento ‘lei’”. Assim, o Estado de Direito é um
conceito tipicamente liberal na sua origem, pois preza basicamente pela liberdade individual e
pelo Estado negativo, isto é, um neutralismo estatal.
O Estado de Direito sob o domínio exclusivo da lei resultou em problemas estruturais.
Segundo Tavares (2005, p. 42), “o abuso praticado pela lei (pelo legislador) foi responsável
pela mudança de modelo”. O excesso ou a carência de leis criadas pelo Legislativo resultou
em insegurança jurídica, em virtude da existência de diversas leis tratando sobre o mesmo
tema ou pela falta de texto legal regulador de determinadas matérias. Além deste problema,
nada impedia que leis prejudiciais ao povo, ou que ferissem seus direitos, fossem aprovadas
pelos seus representantes.
Novas necessidades surgiram com a evolução histórica da sociedade, e para essas
necessidades era preciso ter garantias. Além disso, o individualismo do Estado Liberal acabou
facilitando desigualdades na sociedade burguesa. A liberdade política como liberdade restrita
era inoperante, pois não conseguiu resolver o problema fundamental de ordem econômica da
classe proletária, da qual dependia essencialmente a manutenção do sistema capitalista, base
do poder burguês (BONAVIDES, 1996, p. 188). Numa tentativa de correção ou diminuição
dessas diferenças nasceu o chamado Welfare State, ou Estado Social de Direito, no qual o
poder estatal agora penetra em áreas nunca antes imaginadas pelo Estado Liberal, como a
economia e as relações de trabalho, por exemplo.
Neste contexto, o papel da constituição passa a ser valorizado e ultrapassa a importância
da lei, na medida em que aquela significa a verdadeira expressão política de um povo,
buscando a garantia de direitos individuais. O país que abriu caminho nesta esteira de
pensamento foram os Estados Unidos quando promulgaram sua Constituição em 1787.
A constituição, portanto, passa a ter função essencial ao Estado, pois ao contrário das
leis que são frutos dos representantes populares, é resultado da vontade geral do povo, “é a
‘carta de competências’, ou seja, o lócus no qual se deve buscar tanto a fonte máxima do
Direito como os critérios para identificação legítima das demais fontes do Direito”
(TAVARES, 2005, p. 46).
O Estado Social de Direito, apesar de intervencionista, não foi capaz de “assegurar a
justiça social nem a autêntica participação democrática do povo no processo político”
(SILVA, 2001, p. 122). Esse cenário só pode ser percebido no Estado Democrático de Direito,
o qual é regido por princípios próprios: 1) constitucionalidade: que exprime o valor
fundamental da constituição como norteadora do Estado Democrático e detentora de
supremacia pela qual vincula os poderes do Estado; 2) democracia: a constituição é fruto da
vontade popular e institui a participação e representação do povo nas instâncias de poder; 3)
sistema de direitos fundamentais: o texto constitucional estabelece os direitos fundamentais,
compreendendo os individuais, coletivos, sociais, culturais e políticos; 4) igualdade perante a
lei e entre os cidadãos; 5) divisão dos poderes em Legislativo, Executivo e Judiciário, e a
independência funcional do juiz; 6) princípio da legalidade, em que ninguém é obrigado a
fazer ou deixar de fazer algo senão em virtude de lei; 7) segurança jurídica representada pela
proteção ao ato jurídico perfeito, à coisa julgada e ao direito adquirido.
No Estado Democrático de Direito o poder político legítimo está nas mãos do povo, é
“como uma ordem de domínio legitimada pelo povo” (CANOTILHO, 1999, p. 27). Nesse
diapasão, a constituição é o item essencial para satisfação e garantia dos direitos
fundamentais, que podem ser definidos como os princípios jurídicos que traduzem a
concepção de dignidade humana de uma sociedade e legitimam o sistema jurídico estatal
(LOPES, 2001). Para Sarlet (2006, p. 74), as condições de existência e medida de
legitimidade de um autêntico Estado Democrático de Direito são a “íntima vinculação entre as
noções de Estado de Direito, Constituição e direitos fundamentais, estes sob o aspecto de
concretizações do princípio da dignidade da pessoa humana, bem como dos valores da
igualdade, liberdade e justiça”. Ocorre que, não faltam oportunidades em que não são
cumpridas as condições mínimas de dignidade humana estabelecidas constitucionalmente.
Este é um dos pontos em que o Poder Judiciário passa a ter papel fundamental no Estado de
Direito, como será discutido a seguir.
1.2 O papel do Poder Judiciário no Estado de Direito
O Poder Judiciário tem origem na teoria de separação dos poderes, que melhor
sistematizada e conhecida foi, pioneiramente, por Montesquieu, conforme citado no item
1.1. O principal motivo do nascimento da teoria da tripartição do poder em Legislativo,
Executivo e Judiciário é a constatação de que aquele que detém o poder tende a dele abusar.
Assim, a teoria tem como escopo um equilíbrio político e a defesa da liberdade do indivíduo,
que poderia ser ameaçada quando eventualmente as funções de ao menos dois poderes se
incorporassem nas mais de um só.
Para o filósofo francês num Estado há três funções. A legislativa na qual o legislador faz
as leis por certo tempo ou para sempre, além de corrigi-las ou ab-rogá-las. A executiva das
coisas que dependem das gentes, que faz a paz ou a guerra, envia ou recebe embaixadas,
estabelece a segurança e previne invasões. E a judiciária das coisas que dependem do direito
civil, que pune os crimes ou julga as querelas dos indivíduos, denominada poder de julgar
(MORAES FILHO, 2003, p. 155).
Madison (1985, p. 124), durante as discussões para a aprovação da Constituição
Americana na Convenção de Filadélfia, acompanhou o pensamento de Montesquieu no
raciocínio de seus discursos: a acumulação de poderes Legislativo, Executivo e Judiciário
nas mãos de um indivíduo (...) seja por efeito de conquista ou de eleição, constitui
necessariamente a tirania”. Dessa forma, os princípios de um governo livre são corrompidos
sempre que pelo menos dois poderes se fundem em um.
Da teoria de Montesquieu se desenvolveram dois modelos principais de magistratura: o
americano e o europeu continental. O primeiro se desenvolveu no Estado em que o Direito
consagrou-se pela tradição das decisões judiciais, também chamado de sistema do common
law, de herança inglesa. Este sistema teve origem no século XVII, idealizado por Edward
Coke, cuja doutrina pregava o judicial review, caracterizado pela supremacia do entendimento
tradicional emitido em reiteradas decisões judiciais. Após a Revolução Inglesa de 1688,
porém, o Parlamento voltou a ter hegemonia sobre os juízes ingleses. A supremacia da
doutrina no judicial review, ironicamente, permaneceu nos Estados Unidos devido à aversão
americana ao Parlamento inglês. Para os norte-americanos o Legislativo representava um
risco se não fossem estabelecidos limites. Coube ao Judiciário, portanto, exercer o contrapeso
e fiscalizar as atividades legislativas.
Por outro lado, o segundo modelo teve seu embrião na França pós-Revolução Francesa,
quando a figura do juiz representava mera peça do funcionalismo estatal, cuja tarefa era
apenas repetir e aplicar as palavras da lei, sendo-lhe proibido interpretá-la. A predominância
do Legislativo era marcante, por isso a lei ganhou força absoluta. Assim, o juiz não detinha
uma mínima parcela de independência, era um simples funcionário do Estado, com atividade
mecânica (MARTÍN, 1999, p. 12), em contraponto à herança da magistratura subordinada ao
poder absoluto dos reis no antigo regime. Por isso, neste modelo os juízes ingressam na
carreira mediante concurso público e são proibidos de julgar causas nas quais o Estado seja
parte, que para elas existe uma jurisdição própria. Este sistema também serviu para os
principais países da Europa continental, como Itália, Espanha e Portugal.
Em síntese, na incipiência do Estado de Direito o Judiciário desempenhou um papel
fundamental, pois era parte do corpo estatal não-intervencionista, e se caracterizou como
“uma instituição colocada acima da sociedade, para compor conflitos entre os indivíduos,
impedindo que se consumem em lutas estéreis, mediante a aplicação das normas formuladas,
geralmente pela própria sociedade, através da mediação do contrato” (ROCHA, 1995, p. 129).
As transformações decorrentes da instalação do Estado Social influenciaram diretamente
na separação dos poderes. As ingerências estatais nas ordens econômica e social significaram
a tentativa de diminuir a desigualdade de riquezas e integrar as necessidades da classe
trabalhadora. Com isso, surgiram os direitos sociais, políticos, culturais, econômicos e
coletivos: trabalho, saúde, lazer, moradia, educação e cultura.
O Poder Executivo, diante do alargamento do âmbito de suas funções, notadamente
porque era o responsável pela implementação dos novos direitos, passou a ter predominância
política sobre o Legislativo que, para compensar, passou a legislar sobre todo o campo da
vida social. Neste momento, o Estado Social não é responsável apenas pela manutenção da
ordem ou restaurá-la quando violada, mas também para promover transformações,
empenhando para tal fim suas próprias forças e as dos agentes privados”. (ROCHA, 1995, p.
131)
O Poder Judiciário, por sua vez, também absorveu modificações diante das mudanças.
Não mais limitado apenas na composição de conflitos, o Judiciário passou a agir como aquele
que conferirá a eficácia aos direitos fundamentais apregoados na constituição. Uma grande
parcela de responsabilidade foi transferida ao Judiciário, pois, neste sentido, ele passou a ser
peça essencial no sistema de freios e contrapesos entre as funções de Estado. As ações do
Executivo e as leis do Legislativo se submetem ao crivo da magistratura, através de um
trabalho de fiscalização do respeito aos direitos sociais e de estimulação do governo a uma
atuação compensatória e distributiva das riquezas.
As conquistas sociais implementadas pela consagração dos direitos fundamentais não
fazem sentido sem sua proteção eficaz. Conforme Paulo Bonavides (1999a, p. 509), na
Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão em seu art. 16, toda sociedade na qual a
garantia dos direitos não estiver assegurada e a separação dos poderes determinada, não tem
Constituição. Essa proteção eficaz é estabelecida predominantemente pelo princípio da
separação dos poderes existente nos textos constitucionais. No Estado onde prevaleça a
separação dos poderes, o poder político de quem legisla ou de quem executa as leis não se
confunde com a função de julgar. Assim, o Judiciário não mais necessitará de consultas ao
Legislativo quando fosse indispensável fazer uma interpretação da lei, pois a Constituição lhe
transferiu essa prerrogativa. Dessa forma, um poder inibe a função do outro reciprocamente.
Na esteira das comentadas transformações, a constituição passou a ter papel
fundamental, principalmente depois do declínio dos princípios do Estado Liberal e o avanço
do Estado Constitucional. A constituição adquiriu a condição de supremacia sobre as demais
leis, pois nela estão contidos os valores esperados pela sociedade, as regras sobre o poder
político e a organização fundamental do Estado. Dotada de supremacia, a constituição é o
fundamento de validade das demais normais, passando, assim, a ser o limite da atividade do
Poder Legislativo, pois estipula o âmbito nimo e máximo de extensão das leis por ele
aprovadas.
O Executivo também é limitado pela constituição, pois nela está estabelecido que seu
funcionamento é vinculado por lei, i. e., toda sua atividade existe porque uma ou mais leis
assim determinam, definindo inclusive os limites de suas atribuições. O sentido desta
limitação é evitar que o Executivo avance na sua atuação ao ponto de interferir no rol de
direitos fundamentais fixados constitucionalmente.
O Judiciário não poderia deixar de ser limitado pela constituição, senão o moderno
princípio da divisão dos poderes não seria implementado em sua plenitude, que um poder
se sobressairia sobre os demais. Uma das garantias dos direitos fundamentais face aos atos do
Judiciário, segundo José de Albuquerque Rocha (1995, p. 67), seria a obrigatoriedade da
motivação e a devida fundamentação legal das decisões judiciais, no sentido de evitar
sentenças arbitrárias e que não coadunem com ordenamento jurídico alicerçado pela
constituição. Outra garantia seria a independência funcional e a imparcialidade do juiz, pois
impedem, ou pelo menos tentam impedir, que fatores externos, seja do poder público ou de
setores privados, interfiram na atividade jurisdicional.
Diante do princípio da supremacia constitucional, surgiu o problema de como se
procederia ao controle ou fiscalização do cumprimento de seu texto. Conforme André Ramos
Tavares (2005, p. 93), “foi justamente no Judiciário o órgão no qual se reconheceram as
características necessárias para atuar como fiscal das leis”. Esse reconhecimento prevaleceu
tanto no sistema do common law quanto no sistema europeu continental. No capítulo seguinte
haverá melhor oportunidade para desenvolver os modelos e respectivas características do
controle jurisdicional de constitucionalidade, aqui se busca apenas analisar a relação entre o
Estado e Judiciário.
Assim, na moderna aplicação da teoria da separação dos poderes, as funções nunca
estarão completamente divididas, como inclusive publicara Madison (1985, p. 126) durante
a Convenção da Filadélfia em artigos de jornal no final da década de 1780, que não obstante a
maneira enfática e absoluta pela qual o princípio da separação dos poderes estava estabelecido
nas diversas constituições dos diferentes Estados americanos, não havia uma na qual os
diferentes poderes estivessem inteiramente distintos e separados. A melhor definição da
relação entre os poderes estava na expressão “freios e contrapesos”, em que cada poder
embaraçava a atividade do outro reciprocamente.
No Brasil, essa relação foi estabelecida de acordo com a promulgação ou outorga
dasseis constituições que o país teve e com a atual Constituição de 1988 e suas emendas.
Nesta última, o princípio da separação absoluta dos poderes é relativizado: o Judiciário poderá
aprovar regimentos internos, o Executivo poderá regulamentar uma lei através de decreto, e o
Legislativo julgará o Presidente e o Vice-Presidente da República nos crimes de
responsabilidade. O art. 102 da Constituição de 1988 prevê que seu guardião é o Supremo
Tribunal Federal, o órgão de cúpula do Judiciário. Guardião no sentido de ser o responsável
pela fiscalização do cumprimento do texto constitucional, pois lhe compete julgar as ações de
controle de constitucionalidade.
Partindo da premissa que cabe ao Judiciário o controle de constitucionalidade das leis e
atos normativos, e que o Executivo e Legislativo têm suas atividades vinculadas diretamente à
Constituição, conclui-se que o Judiciário possui, pelo menos sob um determinado ponto de
vista, prevalência sobre os demais poderes. Não se pode olvidar a existência das garantias em
face do Judiciário, como a motivação e fundamentação das decisões dentre outras
mencionadas. No entanto, o conteúdo da Constituição dependerá da interpretação final dada
pelos juízes, que, em tese, nunca deverá infringir os princípios constitucionais e os direitos
fundamentais.
Apesar de todas essas novas atribuições conquistadas pelo Judiciário, sua imagem
passada aos setores externos ainda era, e ainda é, a de uma instituição burocratizada, incapaz
de sofrer influência dos demais poderes ou mesmo de setores privados, tendo em vista,
principalmente, a independência funcional dos juízes e demais garantias adquiridas. No
entanto, como se verá a seguir, paulatinamente a política intromete-se no Judiciário ou o
Judiciário intromete-se na política.
1.3 Política e Poder Judiciário: fenômeno da judicialização da política
O termo “política” é originado da palavra “pólis”, que se refere às cidades-Estado
gregas. Por política entende-se, segundo Max Weber (1998, p. 55-56), todas as espécies de
atividade diretiva autônoma e, ainda, “o conjunto de esforços feitos com vistas a participar do
poder ou influenciar a divisão do poder, seja entre Estados, seja no interior de um único
Estado”.
Uma atividade é considerada política “quando e na medida em que afete diretamente a
configuração, a manutenção ou transformação da ordem de convivência estabelecida, da
ordem em que se organiza uma sociedade e seu desenvolvimento e defesa” (TAVARES,
2005, p. 451).
Tradicionalmente, a política é reservada ao Executivo e Legislativo, conforme a teoria
clássica de separação dos poderes de Montesquieu que prevaleceu como orientação dominante
na origem do regime do Estado Liberal. Com a modificação do sistema estatal liberal, o
Judiciário ganhou força de maneira que passou a exercer papel fundamental no controle das
atividades dos demais poderes. Segundo Celso Fernandes Campilongo (2002, p. 28), essas
transformações atribuíram duas funções políticas ao Judiciário: conferir a eficácia dos direitos
fundamentais na resolução de conflitos e “fiscalizar o respeito aos direitos sociais e impedir o
Estado a uma atuação compensatória e distributiva, isto é, contribuir para a atuação das
escolhas públicas”.
Esse fenômeno passou a ser percebido e estudado com maior afinco, o que provocou o
surgimento da expressão “judicialização da política”. A origem do termo judicialização da
política está intimamente ligada à transformação do perfil do Judiciário, notadamente após a
Guerra Mundial
3
. Esse processo consiste na crescente concessão de poder aos órgãos
jurisdicionais com objetivo de se estabelecer um mecanismo de controle dos demais poderes.
No caso brasileiro, a própria Constituição estipula quem a guarda: o Supremo Tribunal
Federal. Isso não quer dizer, porém, que os outros poderes não devam cumpri-la ou não a
3No que se refere à mudança do perfil do Judiciário e do Estado de Direito ver DINIZ, Márcio A. de
Vasconcelos. Controle de constitucionalidade e teoria da recepção. São Paulo: Malheiros, 1995, p. 17-19.
guardem, pelo contrário. O Presidente da República, por exemplo, deve prestar compromisso
de manter, defender e cumprir a Constituição no ato de sua posse, segundo o art. 78, caput, da
Constituição de 1988. As casas legislativas, segundo o respectivo regimento interno, possuem
as Comissões de Constituição e Justiça, criadas exatamente para analisar a pertinência
constitucional de projetos legislativos propostos pelos parlamentares.
O lugar que o Judiciário vem ocupando e conquistando é estratégico, tendo em vista as
suas competências reguladoras dos demais poderes através do julgamento das ações de
controle de constitucionalidade das leis e atos normativos, bem como por ser a instituição
concebida para garantir e proteger os direitos fundamentais. É notório o crescente número de
ações desta espécie ajuizadas no Supremo Tribunal Federal, “discutindo a constitucionalidade
de leis federais, estaduais e municipais, o que não gerou muita simpatia por parte da
Administração Pública, que passou a considerar a atitude uma interferência na liberdade dos
poderes” (COSTA, 2004, p. 25).
Segundo Débora Maciel e Andrei Koerner (2002, p. 114), a expressão “judicialização da
política” foi pela primeira vez utilizada por Tate e Vallinder na obra The global expasion of
judicial power publicada em Nova Iorque em 1995. Para eles, judicialização da política é o
fenômeno da expansão do Judiciário no processo decisório nos países democráticos
contemporâneos. Com isso os juízes aplicam métodos tipicamente jurisdicionais em decisões
de questões onde predomina o teor político. Essas decisões consistem na prerrogativa do
Judiciário rever ações de poderes essencialmente políticos (Executivo e Legislativo), como,
por exemplo, através do julgamento de ações de controle da constitucionalidade. Em outros
países, figuras importantes do Poder Judiciário são transferidas para a administração pública
e, conseqüentemente, os métodos e procedimentos judiciais são da mesma forma
transportados do seio do Judiciário para outras instituições públicas. No Brasil, por outro lado,
este fenômeno ocorre muitas vezes de maneira inversa quando, por exemplo, Ministros de
Estado são indicados pelo Executivo e ingressam nas mais altas cortes do Judiciário.
No entanto, o termo sofreu algumas deturpações. A expressão judicialização da política
muitas vezes é usada em referência à obrigação legal de que um determinado tema seja
apreciado judicialmente; ou para individualizar decisões particulares de determinados juízes e
tribunais cujo conteúdo seria considerado político; e até mesmo para caracterizar decisões que
nem mesmo têm caráter judicial como no caso da verticalização das coligações
políticopartidárias pelo Tribunal Superior Eleitoral nas eleições presidenciais de 2002.
Dessa forma, a dificuldade está exatamente em caracterizar uma decisão proferida por
um juiz ou tribunal como sendo jurídica ou política, ou seja, se poderá o órgão do Poder
Judiciário decidir sobre conflitos que vão além de sua competência constitucional precípua,
sem transpor as fronteiras existentes com o Poder Executivo e com o Poder Legislativo.
Entretanto, “a atividade de interpretação e de atuação da norma constitucional, pela natureza
mesma desta norma, é, não raro, uma atividade necessária e acentuadamente discricionário”
(CAPPELLETTI, 1999, p. 89), isto é, o controle jurisdicional de constitucionalidade é uma
atividade de cunho político.
Uma outra vertente do termo judicialização da política” é a “politização da justiça” ou
do Poder Judiciário. Apesar de, à primeira vista, poderem ser interpretados como sinônimos
têm, entretanto, sentidos opostos. A judicialização da política, como dito, é a dilatação da
atuação do Judiciário em questões em que, normalmente, apenas os poderes Executivo e
Legislativo exercem, ou exerciam preponderantemente influência; um fenômeno que aponta
para o avanço da lógica técnico-jurídica no campo da política. Por outro lado, a politização da
justiça é a tentativa de ampliação de influência dos poderes políticos, principalmente do poder
Executivo, sobre o Judiciário; fenômeno que aponta para a expansão da lógica
políticopartidária no campo da justiça. São fenômenos que surgem de extremos diferentes e
vão a direções opostas entre si.
No que diz respeito à politização do Judiciário, segundo Campilongo (2002, p. 57), são
pelo menos três as dimensões mais comuns das críticas existentes ao juiz essencialmente
político: “parcialidade, contestação à lei e intromissão em funções que não são suas
(pretensão de substituir o político)”.
A questão da parcialidade é normalmente associada ao fato de o juiz ser influenciado
direta ou indiretamente por pressões de partidos políticos, associações de classe e de pessoas
ocupantes de cargos de relevância no Poder Executivo e Legislativo, como o Presidente da
República, Ministros de Estado e membros da Mesa da Câmara Federal e do Senado. Para
Campilongo, a influência destes órgãos sobre o Poder Judiciário em nada se relaciona com a
politização da magistratura, que é um fenômeno muito mais complexo. Além disso, o juiz
deve ser um terceiro imparcial e afastado dos pólos conflitantes, no sentido de melhor resolver
suas pendências. “Quando uma estrutura judiciária garante o pluralismo (...) no âmbito de
uma democracia com liberdade de expressão e de crítica, o controle público da atividade
judiciária é facilitado, pois qualquer parcialidade será mais facilmente observada e
denunciada...” (ZAFFARONI, 1995, p. 99).
Uma outra dimensão da politização do Judiciário é a de que o juiz muitas vezes é
impelido a decidir à margem da lei, levado pela opinião pública, utilizando argumentos de
necessidade, ou mesmo levado por ideologias próprias. Essa acepção, no entanto, é a marca
da arbitrariedade jurídica que não possui amparo da constituição, exatamente porque o
obrigatoriamente juiz está submetido à lei. Ações deste tipo não são constitucionais e por isso
são submetidas ao controle recursal na estrutura do Poder Judiciário.
a pretensão do juiz em substituir o político, em determinados momentos, é cultivada
tendo em vista a atual ineficiência dos governos, parlamentos e partidos políticos
normalmente os órgãos que participam do mecanismo da política tradicional em promover
consenso no fomento de políticas públicas. Fato que provoca uma descrença destas
instituições políticas por parte da população. O Poder Judiciário passa a ser visto como a
instância habilitada para ocupar tal pasta, para suprir e remediar a deficiência política.
Campilongo (2002, p. 60) utiliza a teoria dos sistemas de Luhmann para explicar que a
relação existente entre os sistemas político e jurídico não é de junção, mas meramente uma
comunicação intersistêmica:
Cada sistema mantém sua integralidade, sua clausura operacional, e continua a
operar com base em seus mecanismos específicos ou auto-referenciais. Entretanto,
os sistemas estruturalmente acoplados estão abertos a influências recíprocas, que
permitem uma multiplicação das chances de aprendizagem na comunicação
intersistêmica. E tudo isso sem que os sistemas político e jurídico se
descaracterizem.
Não os parâmetros do sistema jurídico vão determinar as decisões proferidas pelos
juízes e tribunais, mas também o sistema político influenciará a interpretação em cada
sentença ou acórdão, sem macular os normais procedimentos adotados no sistema jurídico que
são a imparcialidade, a legalidade e o respeito à Constituição. Mesmo quando a legislação
seja omissa, quando haja lacunas no Direito, o juiz não deverá se desvencilhar do sistema
jurídico ao proferir decisão. O problema que pode surgir é justamente a prática extremada dos
juízes, ou seja, decidindo com base em critérios puramente políticos, o que contraria as três
dimensões aqui discutidas (imparcialidade, legalidade e cumprimento da Constituição).
Outro fato normalmente utilizado para fundamentar a relação entre política e justiça é a
forma de investidura dos magistrados nas altas cortes do Judiciário. Sabe-se que não faltam
constituições de países pelo mundo que estabelecem a escolha dos membros dos tribunais
segundo a indicação política de membros do Executivo. Essa indicação política não vicia a
função jurisdicional do tribunal, não macula seu papel precípuo que é o de julgar segundo os
critérios da lei. É bem verdade que, apesar das opiniões em contrário e das prerrogativas
conferidas aos juízes, estes, tradicionalmente, acabam sendo influenciados pelas tendências
políticas apregoadas e recomendadas por aquele que lhe nomeou.
Para anular essa possibilidade de influência foi estabelecido pelo constituinte um
conjunto de faculdades próprias do juiz: a independência e a vitaliciedade. A questão da
independência dos juízes, notadamente nos tribunais superiores, é evidenciada na medida em
que seus nomes, após a escolha do chefe do Poder Executivo, são submetidos à aprovação
prévia perante o parlamento. Além disso, é garantida aos juízes a sua inamovibilidade, salvo
por interesse público, e a irredutibilidade de subsídios. Essas garantias contribuem para
anular, em parte, a relação íntima que pode ser sugerida com a indicação para ocupação de
cadeiras nos tribunais superiores, promoções, entre outras relações que por ventura ocorram
entre os magistrados e membros dos demais poderes.
Uma outra garantia para o membro do Judiciário é a vitaliciedade. Essa prerrogativa traz
conseqüências importantes: contribui para a independência do magistrado, na medida em que
o juiz não dependerá de seus posicionamentos para manter-se no cargo, sem necessidade de
agradar seja ao chefe do Executivo, seja qualquer uma das partes de conflitos por ventura
julgados; e uma maior perenidade das decisões, pois muitas vezes apenas com a renovação de
gerações uma determinada interpretação vai cedendo lugar para outra.
Conforme já citado, o controle jurisdicional de constitucionalidade é mais um
instrumento de judicialização da política. Para os magistrados que exercem essa função, as
garantias de independência funcional, vitaliciedade, e inamovibilidade são indispensáveis para
um funcionamento ideal da jurisdição promovida em sede das ações de controle de
constitucionalidade. Nestas espécies de ação o substrato da matéria com que o tribunal
constitucional lida é essencialmente político (TAVARES, 1998, p. 38). Essa concepção tem
razão de ser tendo em vista que a constituição é um diploma político por excelência, que
regula, em especial, a atividade política, a divisão dos poderes e os limites do Estado.
Analisadas as mais variadas acepções do termo judicialização da política e seus
desdobramentos, é de salutar importância, por fim, o exame da ocorrência deste fenômeno no
Brasil.
1.4 Política e Poder Judiciário no Brasil
Desde o período em que era submetido ao crivo da metrópole portuguesa, o Brasil
colônia já havia apresentava interferências do sistema político no sistema jurídico e viceversa.
Oliveira Vianna (1987, p. 162) cita um diálogo da época que retrata claramente a disputa de
poder entre o juiz e o representante do Executivo. Dele participam Francisco Martins Lustosa,
capitão-mor, regente do período colonial, do distrito de Ouro Fino, na antiga Capitania das
Minas Gerais, interpelando certo juiz local, a quem se recusava obedecer, que o desacatou
ostensiva e grosseiramente:
- Mas, que é um juiz? É acaso algum Rei? – perguntou acintosamente Lustosa.
- Um juiz responde o interrogado, arrebatadamente é a mais alta autoridade e,
no exercício das suas atribuições, vale tanto ou mais do que El-Rei!
Lustosa volta-se então para o público e depois para o escrivão e ordena-lhe que
autue o magistrado por blasfêmia contra a pessoa real:
- Tome, sr. escrivão, por termo as declarações deste biltre, que diz que um juiz vale
mais do que El-Rei!
Em Stuart Schwartz (1979) encontra-se uma descrição e análise do período em que se
instalou no Brasil o Tribunal de Relação na Bahia, a partir de 1609. A Coroa, para assegurar a
lealdade e a eficiência dos magistrados, usou de dois artifícios: garantiu-lhes status social e
procurou, sem o devido êxito, afastá-los do convívio da sociedade que os cercava, proibindo
casamentos com mulheres brasileiras e a aquisição de terras em áreas próximas à de sua
jurisdição.
Essas condições dadas aos magistrados do Tribunal de Relação geraram uma relação de
poder conflituosa entre o Tribunal e a Câmara de Salvador e entre o Tribunal e o governo.
Com relação ao governo, a Relação controlava as ordens expedidas pelo governador-geral e
quando surgia divergência de opinião, o Tribunal decidia acerca da legalidade do assunto. O
governador-geral, por sua vez, poderia suspender os magistrados nos casos de ilegalidade,
inclusive podendo informar a Coroa em relatório secreto. Quando as vontades de um lado não
coincidiam com as do outro, havia uso destes mecanismos de controle de um poder sobre o
outro (SCHWARTZ, 1979, p. 159).
O relacionamento entre o Tribunal e a Câmara de Salvador variava entre momentos de
aliança e de hostilidade. Os problemas, da mesma forma com o governo, ocorriam quando os
interesses não coincidiam. Além de tudo, os magistrados acabavam construindo relações de
parentesco com vereadores, o que agravava o conflito e as discussões parlamentares na
Câmara.
Com a declaração de independência e o estabelecimento da monarquia pela Constituição
de 1824, o Judiciário brasileiro nasce sob o crivo de outro poder, o Moderador. Não apenas
as decisões judiciais, mas também os locais de trabalho dos magistrados eram submetidos à
decisão Imperador, conforme art. 153 da Constituição de 1824: “os Juízes de Direito serão
perpétuos, o que, todavia, se não entende que não possam ser mudados de uns para outros
lugares pelo tempo, e maneira, que a Lei determinar” (ortografia atual). Segundo Rosalina
Araújo (2004, p. 39), a garantia da vitaliciedade foi estabelecida constitucionalmente, embora
o Imperador, no exercício do Poder Moderador, pudesse dispor sobre esta garantia dos juízes.
No período regencial os juízes foram instrumentos de controle do poder, especialmente
na luta política entre liberais e conservadores. Conforme Thomas Flory (1986, p. 290), havia
uma grande influência da magistratura sobre os interesses locais: “un juez de distrito ejercía
un poder inmenso en su comarca, y los observadores interpretaron rápida y exactamente esse
poder en términos políticos: como um medio para coaccionar el apoyo local”. Assim, o
governo dos conservadores, por exemplo, não hesitou em trocar tulos para ganhar lealdade
dos juízes, para que estes representem no local onde jurisdicionavam os interesses do governo
central: “... que a través de sus magistrados por nombramiento, el gobierno conservador
esperaba extender su base de poder rural dando trato preferencial em la validación de títulos a
cambio de la lealtad política” (FLORY, 1986, p. 291). Os juízes penetraram de tal modo na
política que no ano de 1843 representavam pouco mais de 40% das cadeiras da Câmara dos
Deputados (FLORY, 1986, p. 304).
Bernardo Pereira de Vasconcelos, um dos principais defensores do Regresso
(movimento da elite conservadora que intentava o regresso do sistema político, baseando-se
na concentração da autoridade do governo central), em discurso na Câmara dos Deputados, na
sessão de 9 de agosto de 1837, assim expôs a relação entre o então governo formado pelos
liberais e pelos juízes:
A Justiça não pode dizer que pára nas suas mãos [do governo liberal], porque [o
governo liberal] cria juízes comissários, juízes interinos, juízes amovíveis a seu
arbítrio, porque, se tem de remover um magistrado, quando o interesse público o
exige, manda-o de um para outro confim do Império. pouco se viu, removendo
um juiz de direito das Alagoas, passou-o para Goiás ou Mão Grosso, isto é,
degredou-o para o fim do mundo. (...) Não justifico o procedimento desse juiz de
direito, se é criminoso; o que digo é que, admitido o direito de passa um
magistrado de uma província para outra tão remota, investe-se o governo do poder
Judiciário. Qual será o magistrado que se animará a resistir a qualquer pretensão
do governo? O magistrado neste caso tem de lutar entre a sua consciência, a sua
miséria, e a miséria de sua família. E quem vencerá? Nem todos se sacrificam pela
verdade e justiça. (grifo nosso) (VASCONCELOS, 1999, p. 227).
Era manifesta a relação direta entre a classe política e a classe jurídica. Se as decisões
dos juízes o contrariassem os interesses do governo, não havia represálias. Na hipótese
inversa, o magistrado poderia ser removido para regiões inóspitas como medida de punição
pelo simples fato de ter contrastado com o objetivo do Executivo.
A Constituição de 1891 introduziu o controle jurisdicional de constitucionalidade,
seguindo o modelo norte-americano, no qual era atribuída essa função ao Judiciário. Coube ao
Supremo Tribunal Federal a tarefa de fiscalizar a aplicação da Constituição pelos demais
poderes. Neste contexto, Rui Barbosa expôs a seguinte opinião a favor de que o Supremo
Tribunal Federal já decidia questões de cunho político:
Certo, dos casos “meramente” políticos não julgam os tribunais. Mas o caso cessa
de ser “meramente político” desde que nele se envolvam direitos legais de uma
pessoa, de caráter privado ou público, judicialmente articulado contra a outra.
Porque “meramente” político é o caso em que um dos poderes do Estado exerce
uma função de todo o ponto discricionária e não se pode ter como discricionária
uma função que encontra limites expressos num direito legalmente definido
(MORO, 2004, p. 67-68).
Para Rui Barbosa, seria artificial a distinção entre questões políticas e questões jurídicas,
principalmente no âmbito do Supremo Tribunal Federal, ondeo faltaram oportunidades em
que questões políticas se transformaram, por bem dizer, em questões jurídicas, como nas
decisões que declararam a inconstitucionalidade de atos do Legislativo. É uma função política
revestida de formas jurídicas.
Oliveira Vianna (1987, p.161) confirma o fenômeno da interferência entre política e
justiça no período iniciado pela Constituição de 1891, quando salientou que os juízes, ao
decidirem pela garantia de liberdades individuais, estão praticando verdadeiros atos de cunho
político:
Porque esta liberdade é justamente a que é acatada pela polícia de partido e pela
polícia de clã cuja defesa o nosso povo-massa tem encontrado até agora, o no
voto democrático no sufrágio universal ou nas autonomias locais mas, única e
exclusivamente, no juiz do termo, no juiz de comarca, nos tribunais de apelação:
nos mandados de habeas-corpus e nos mandados de segurança por ele expedidos.
(grifos originais).
A doutrina brasileira do habeas corpus construída por Rui Barbosa e o Pedro Lessa,
também pode ser considerada uma interferência do Judiciário nos assuntos políticos. A
referida doutrina foi construída ao longo de decisões judiciais que estenderam o alcance do
habeas corpus não apenas para a proteção do direito de ir e vir, como também a outros
direitos fundamentais, por conta da inexistência de outra garantia constitucional própria. A
doutrina, no entanto, foi abolida na reforma constitucional de 1936.
Fernando Luiz Abrucio (1998, p. 39), ao descrever a “política dos governadores” como
característica fundamental do federalismo na Primeira República, destacou a influência
exercida pelo Poder Executivo estadual sobre os juízes: “O Poder Executivo estadual, e mais
especificamente o governador, determinava a lógica do sistema, tanto em relação aos
‘coronéis’, como também sobre o Legislativo e Judiciário estaduais”.
O ano de 1934 e sua Constituição introduziram no ordenamento jurídico o mandado de
segurança que, segundo Araújo (2004, p. 184) serviu de instrumento de controle de
constitucionalidade, já que poderia ser utilizado contra atos ilegais do Presidente da República
e de Ministro de Estado, conforme art. 79, I, da Constituição de 1934.
De 1937 a 1946, um período dominado pelo autoritarismo do Executivo, o Judiciário,
mais uma vez, tornou-se um braço para aplicação dos interesses estatais. As decisões sobre
controle de constitucionalidade poderiam ser submetidas ao Legislativo, também influenciado
diretamente pelo poder central, conforme parágrafo único do art. 96 da Constituição de 1937:
Art 96 - por maioria absoluta de votos da totalidade dos seus Juízes poderão os
Tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou de ato do Presidente da
República.
Parágrafo único - No caso de ser declarada a inconstitucionalidade de uma lei que,
a juízo do Presidente da República, seja necessária ao bem-estar do povo, à
promoção ou defesa de interesse nacional de alta monta, poderá o Presidente da
República submetê-la novamente ao exame do Parlamento: se este a confirmar por
dois terços de votos em cada uma das Câmaras, ficará sem efeito a decisão do
Tribunal.
A Constituição de 1946 restaura a independência formal do Poder Judiciário, nos
moldes de 1934, garantindo os princípios da inamovibilidade, vitaliciedade e irredutibilidade
de vencimentos. Em 1964, com o Ato Institucional 1, as transformações políticas e a
tomada do poder pelos militares, mais uma vez, colocaram o Judiciário como braço no
Executivo na implementação de seus interesses. A Constituição de 1967, em conjunto com o
Ato Institucional 5 de 1968 e a Emenda Constitucional de 1969, limitaram a extensão do
poder de julgar atribuído ao Judiciário, transferindo para a Justiça Militar os julgamentos de
crimes contra a segurança nacional (ARAÚJO, 2004, p. 319).
Por fim, a Constituição de 1988 estabeleceu o Estado Democrático de Direito, fundado
na soberania popular, na dignidade humana, na separação dos poderes e no pluralismo
político. O Judiciário tornou-se apto para avaliar a complexidade social e política advinda das
transformações do Estado de Direito brasileiro, passando a julgar ações populares, ações civis
públicas, mandado de injunção e habeas data.
Neste contexto, foi criada a ação direta de inconstitucionalidade, o principal instrumento
de controle jurisdicional de constitucionalidade e de interferência ente os sistemas político e
jurídico. Tavares (1998, p. 40) estabelece que as matérias processadas nestas ações são, na
maioria das vezes, puramente políticas e, apesar disto, as decisões proferidas possuem o
caráter essencialmente jurídico. É certo que o Supremo Tribunal Federal, por exemplo, decide
conflitos políticos utilizando mecanismos, critérios e métodos jurídicos. Não será pelo fato da
matéria do julgamento ser política que a natureza da atividade jurisdicional será considerada
puramente política. Esse é mais um ponto no qual os sistemas se comunicam entre si.
A decisão proferida no Mandado de Injunção 107 ajuizado no Supremo Tribunal
Federal também apresenta elementos de comunicação entre os sistemas político e jurídico. Os
Ministros entenderam que uma possível concessão do mandado de injunção requerido, na
falta de norma regulamentadora que torne inviável o exercício dos direitos e liberdades
constitucionais, feriria o princípio da separação dos poderes do Estado estabelecido na
Constituição que, inclusive, é cláusula pétrea. Foi uma decisão de caráter político, pois o
próprio texto constitucional permite ao Supremo Tribunal Federal estender o seu papel
precípuo de julgador para a concessão de mandado de injunção, no entanto, permaneceu inerte
por mera conveniência, inutilizando este importante instrumento de garantia dos direitos
fundamentais.
As comissões parlamentares de inquérito estipuladas pela Constituição em seu art. 58, §
3º, que são criadas mediante solicitação e um terço dos membros de qualquer das casas
legislativas para apurar fato determinado, muitas vezes extrapolam os poderes próprios das
autoridades judiciais que foram estendidos aos parlamentares pela própria Constituição. Os
investigados pelas comissões parlamentares que sentem maculados seus direitos
constitucionais procuraram o Judiciário que, em muitas oportunidades interveio em atos do
Legislativo. O Ministro Celso de Mello nos julgamentos dos mandados de segurança MS
23.452, MS 23.595 e MS 24.617
4
salientou que não é violado o princípio da separação
dos Poderes quando o Judiciário intervém noutro Poder quando este descumpre dispositivos
constitucionais. Essa intervenção, é importante salientar, deve ser pautada na Constituição.
Assim, caso algum ato de comissão parlamentar de inquérito se desvie do conteúdo e sentido
constitucionais, nada repele o exercício de controle de constitucionalidade sobre esse ato.
Como ilustração, segue trecho do voto:
“Nem se diga, de outro lado, na perspectiva do caso em exame, que a atuação do
Poder Judiciário, nas hipóteses de lesão, atual ou iminente, a direitos subjetivos
amparados pelo ordenamento jurídico do Estado, configuraria intervenção ilegítima
dos juízes e tribunais na esfera de atuação do Poder Legislativo. Eventuais
divergências na interpretação do ordenamento positivo não traduzem nem
configuram situação de conflito institucional, especialmente porque, acima de
qualquer dissídio, situa-se a autoridade da Constituição e das leis da República. Isso
significa, na fórmula política do regime democrático, que nenhum dos Poderes da
República está acima da Constituição e das leis. Nenhum órgão do Estado situe-
se ele no Poder Judiciário, ou no Poder Executivo, ou no Poder Legislativo é
imune à força da Constituição e ao império das leis. Uma decisão judicial que
restaura a integridade da ordem jurídica e que torna efetivos os direitos assegurados
pelas leis não pode ser considerada um ato de interferência na esfera do Poder
Legislativo (...).” (MS 25.617-MC, Rel. Min. Celso de Mello, decisão monocrática,
julgamento em 24-10-05, DJ de 3-11-05)
Outro aspecto que determina o fenômeno da judicialização da política é o uso dos
tribunais pelos grupos de interesse e pelos partidos de oposição. Grupos de interesses são as
entidades de classe e confederações sindicais legitimadas a propor ões de controle de
constitucionalidade, que se utilizam deste instrumento para consecução de seus objetivos.
Conforme expõe Ernani Rodrigues Carvalho (2004, p. 118), das 2.813 ações diretas de
inconstitucionalidade impetradas de 1988 até 26/06/2003, 740 (ou 26,31%) foram requeridas
por confederações sindicais ou entidades de classe, um número que configura grande
participação dos grupos de interesse nas discussões do âmbito político nas ões de natureza
constitucional.
No mesmo sentido é a atuação dos partidos políticos de oposição que o ao Supremo
Tribunal Federal tentar barrar alterações legislativas levadas a cabo pela maioria ou mesmo a
propositura de comissões parlamentares de inquérito (CPI). É o caso da chamada “CPI dos
Bingos” destinada a apurar a utilização das casas de bingo para a prática do delito de lavagem
4 DJ 12.05.2000; DJ 01.02.2000; DJ 03.11.2005, respectivamente.
de dinheiro, bem como a esclarecer eventual conexão dessas casas e das empresas
concessionárias de apostas com organizações criminosas. O Presidente do Senado, não
obstante o requerimento de um terço da casa, se recusava a indicar os membros para
instauração da referida CPI. Os parlamentares da minoria (um terço) impetraram mandado de
segurança e obtiveram a concessão da ordem, ficando o Presidente do Senado obrigado a
indicar os membros para a instauração da CPI:
No mérito, salientando ter havido, na espécie, o preenchimento dos requisitos do §
do art. 58 da CF, concluiu-se pela afronta ao direito público subjetivo, nesse
dispositivo assegurado às minorias legislativas, de ver instaurado o inquérito
parlamentar, com apoio no direito de oposição, legítimo consectário do princípio
democrático. (MS 24.831, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 22-6-05,
Informativo 393)
Outra atitude comum dos partidos políticos de representação minoritária no Congresso
Nacional é a utilização da ação direta de inconstitucionalidade como obstáculo contra o
controle exercido pela maioria no Legislativo e o seu colégio de líderes. Segundo Luiz
Werneck Vianna (1999), de 1988 a 1998, 74% das ações diretas de inconstitucionalidade
propostas por partidos políticos são interpostas pelos de oposição, cujo propósito é controlar a
vontade da maioria. Os julgamentos favoráveis à minoria o querem dizer que o Supremo
Tribunal Federal esteja promovendo uma ditadura dos menos numerosos. Pelo contrário, ao
assim proceder es contribuindo para a efetiva guarda dos princípios constitucionais e pelo
respeito dos direitos fundamentais. Podemos destacar alguns exemplos dessas espécies de
julgamento: 1) ADIn 926 que argüiu a inconstitucionalidade da incidência do IPMF sobre
movimentações financeiras dos Estados em favor da União (Emenda Constitucional 3);
aqui o STF deu guarida ao princípio da autonomia federativa; 2) ADIn nº 1.946 que contestou
o custeio da licença-maternidade por parte do empregador de quantia que ultrapassasse R$
1.200,00; neste julgamento o STF estabeleceu a igualdade entre homens e mulheres, evitando
discriminação no mercado de trabalho.
Se a existência do fenômeno da judicialização da política é irrefutável, se faz necessário
que os princípios da democracia, da separação dos poderes e da garantia dos direitos
fundamentais sejam os norteadores desta relação para evitar excessos tanto do lado Executivo
e Legislativo quanto do Judiciário, dependendo da origem da influência. Face à importância
do tema, é preciso estabelecer as bases de entendimento do controle jurisdicional de
constitucionalidade e suas implicações no Estado Democrático brasileiro, é o que será
abordado no capítulo seguinte.
2 CONTROLE JURISDICIONAL DE CONSTITUCIONALIDADE
2.1 Natureza jurídica, fundamento e finalidade
O pleno entendimento do controle jurisdicional de constitucionalidade depende de uma
correta acepção de uma constituição, cuja representação, segundo Márcio Augusto de
Vasconcelos Diniz (1995, p. 12), é a síntese da tensão dialética entre Direito e Poder. A
constituição, em primeiro lugar não é simplesmente uma lei comum, mas uma legislação
básica que serve de fundamento lógico de validade das demais leis. É um documento no qual
se estabelece as regras referentes à organização política, econômica, jurídica, social,
territorial, ambiental, cultural, ao exercício do poder político, sem olvidar dos direitos e
garantias fundamentais.
No ápice da hierarquia dessas regras do ordenamento jurídico encontra-se a constituição.
Para Paulo Bonavides (1999a, p. 63) o conceito de constituição abrange duas acepções:
material e formal. Do ponto de vista material, “a Constituição é o conjunto de normas
pertinentes à organização do poder, à distribuição da competência, ao exercício da autoridade,
à forma de governo, aos direitos da pessoa humana, tanto individuais como sociais”. Neste
diapasão estão incluídas quaisquer regras que se refiram à composição e atividade de cunho
político, e aos direitos fundamentais.
No aspecto formal, por outro lado, são as regras que, embora estejam no texto
constitucional, não determinam os elementos básicos ou institucionais da organização política
do Estado nem os direitos fundamentais. As regras estabelecidas formalmente na constituição,
do mesmo modo que as normas materiais, são submetidas aos mesmos requisitos exigidos
para a alteração do texto constitucional através de emendas. Não é porque existe a diferença
conceitual que o processo de reforma constitucional será diferenciado conforme o aspecto da
norma.
Para José Afonso da Silva (2001, p.38) a constituição do Estado seria:
a organização dos seus elementos essenciais: um sistema de normas jurídicas,
escritas ou costumeiras, que regula a forma de Estado, a forma de seu governo, o
modo de aquisição e o exercício do poder, o estabelecimento de seus órgãos, os
limites de sua ação, os direitos fundamentais do homem e as respectivas garantias.
Em síntese, a constituição é o conjunto de normas que organiza os elementos
constitutivos do Estado.
O mesmo autor, para uma melhor compreensão do alcance do conceito constitucional,
explicita que a constituição possui, como forma, um complexo de normas escritas ou
costumeiras; como conteúdo, “a conduta humana motivada pelas relações sociais”; como fim,
“a realização dos valores que apontam para o existir da comunidade”; e, como causa da sua
existência, “o poder que emana do povo”.
Márcio Augusto Diniz (2002, p.229) demonstra que a constituição do Estado de Direito
é:
uma estrutura normativa superior a todas as demais no interior da ordem jurídica,
que de forma sistemática e numa perspectiva dinâmica, constitui e estrutura
juridicamente o Estado e suas instituições, dividindo o exercício do poder estatal,
que é unitário, em funções e órgãos especializados para atender à complexidade de
suas tarefas. Ela realiza solenemente a necessidade de organização do poder e, ao
mesmo tempo, em função de sua finalidade ética suprema, consagra e promove a
liberdade por meio da exigência de realização dos direitos fundamentais.
Para que não restem dúvidas sobre a extensão do conceito de constituição, expõem-se as
palavras de Alberto Torres (1982, p. 216):
A palavra “constituição”, envolvendo a idéia de que esta lei é a expressão da vida
nacional, tem o valor de seu sentido fisiológico: é uma predicação política feita
para assinalar que é uma lei adaptada à realidade social, obedecendo a fins práticos,
não originariamente inspirada em certa ordem de objetos gerais e permanentes,
mas ordinariamente dominada pelo escopo de sua aplicação ao desenvolvimento
evolutivo da sociedade. A política é o laço que domina o corpo da constituição liga
suas disposições entre si e sua inteligência aos movimentos da sociedade, do povo
e dos fatos. Daí a supremacia, na interpretação, deste amplo e elevado sentido,
sobre a inteligência expressa, isolada e lateral da lei. (grifo nosso)
A qualidade de ser a constituição uma lei fundamental superior é justificada pelo fato de
estarem nela estabelecidos os ditames estruturais, criadores e limitadores do poder de uma
sociedade organizada e democrática.
Assim, em razão da característica de supremacia da constituição e de seu papel de
informar o ordenamento jurídico nacional, é necessário que um órgão previamente
estabelecido exerça permanente e atenta vigilância sobre as leis e atos normativos emanados
do poder público, efetivando por conseqüência o controle de constitucionalidade. Do
contrário, contribuiria para que toda e qualquer lei ou ato normativo fossem considerados
ineficazes e consequentemente restaria impossível sua aplicação e respeito à sua juridicidade.
Assim, a supremacia constitucional em relação às demais normas que formam o ordenamento
jurídico de um Estado de Democrático de Direito perfaz o fundamento do controle de
constitucionalidade.
Essa concepção de valor atribuída à constituição é um fenômeno que ocorreu com a
crise do Estado Liberal e a formação do Estado Constitucional, conforme previamente
analisado no capítulo anterior. E foram os norte-americanos os pioneiros na instituição do
controle de constitucionalidade realizado pelo Poder Judiciário, seguindo a crescente
influência do movimento em prol da garantia dos direitos fundamentais e da teoria da
separação dos poderes, quando promulgaram a Constituição de 1787. Para Hamilton (1985, p.
161), durante a Convenção de Filadélfia para a aprovação da Constituição, “quem considerar
com atenção os diferentes poderes deve reconhecer que, nos governos em que eles estão bem
separados, o Poder Judiciário, pela mesma natureza das suas funções, é o menos temível para
a Constituição, porque é o que menos meios tem de atacá-la”.
Pela primeira vez ficou estabelecido que o Poder Judiciário fosse responsável por primar
pela ininterrupta compatibilidade entre a constituição e as demais leis e atos normativos do
Estado. A partir desse divisor de águas, iniciou-se o processo de formação de um ramo
específico da teoria da constituição: o controle de constitucionalidade.
Um ponto essencial para o estudo do controle de constitucionalidade é a classificação
das constituições em rígidas e flexíveis, que acabam por contribuir para o princípio da
supremacia constitucional. O elemento da rigidez em de uma constituição caracteriza-se pela
diferenciação entre os processos de reforma do texto constitucional em si e das leis ordinárias,
pois estas requerem um grau menor de dificuldade. A constituição é considerada flexível
quando o mesmo processo de reforma ou revogação de lei comum é empregado para a sua
modificação. A rigidez da constituição lhe o caráter de supremacia sobre as demais leis,
face ao maior grau de dificuldade de sua alteração. Daí o fato do controle de
constitucionalidade ser conseqüência das constituições rígidas (BONAVIDES, 1999a, p. 267;
SILVA, 2001, p. 45).
O controle de constitucionalidade pode ser exercido não apenas por órgãos
jurisdicionais, mas também por órgãos de cunho essencialmente político. Apesar de ter uma
estrutura política, o órgão não faz parte nem do Legislativo, nem do Executivo; funciona
especificamente para exercer o controle da constitucionalidade. Segundo Mauro Cappelletti
(1999, p. 26), o controle político normalmente é exercido durante o processo de tramitação da
lei no Legislativo, evitando, preventivamente, a promulgação de lei inconstitucional. México
e França são países onde o controle de constitucionalidade é exercido por órgão político, o
Supremo Poder Conservador e o Conseil Constitucionnel, respectivamente, afastando assim o
Executivo, Legislativo e Judiciário, (CAPPELLETTI, p. 28).
Diante dos argumentos analisados, a parte essencial do controle jurisdicional de
constitucionalidade, correspondendo à sua natureza jurídica, é sua característica de técnica
judicial de defesa da constituição para fiscalizar a regularidade dos atos normativos dos
poderes públicos, no que se refere à forma e conteúdo, bem como no que toca à competência
de cada órgão para praticá-lo (DINIZ, p. 21).
A natureza jurídica e o fundamento do controle de constitucionalidade estão
intimamente relacionados com sua finalidade que, sucintamente, pode ser estabelecida como
sendo a manutenção da coerência do ordenamento jurídico estatal, que tem como alicerce
fundamental a constituição. Essa conservação da unidade do ordenamento será implementada
através de ações tomadas pelo órgão judicial instituído para a função de controle de
constitucionalidade; ações essas que normalmente implicam na declaração de invalidade e a
conseqüente exclusão do ordenamento jurídico da norma inferior analisada com base na
constituição.
Conforme preceitua Márcio Diniz (1995, p. 26), o controle jurisdicional da
constitucionalidade, preservando a supremacia formal e material da constituição, possui como
finalidade precípua eliminar do sistema as normas com ela incompatíveis, mantendo a
unidade (formal) de sua estrutura escalonada. É importante salientar que no sentido amplo do
controle jurisdicional de constitucionalidade o órgão competente para fiscalizar não se atém
meramente a atos normativos do poder estatal, seja Executivo ou Legislativo. Qualquer ato,
não apenas o de natureza normativa, que atinja a condição de dignidade humana do cidadão,
consolidada no rol de direitos fundamentais, é objeto de controle jurisdicional de
constitucionalidade.
2.2 Espécies
O controle jurisdicional de constitucionalidade possui duas espécies: o controle
incidental e o controle concentrado. A origem destas duas modalidades está diretamente
relacionada aos dois modelos mais conhecidos de controle: o modelo norte-americano e o
modelo europeu-continental.
Nos Estados Unidos, no momento de sua formação como Estado no final do século
XVIII, seus estadistas foram influenciados pelos teóricos do Iluminismo, especialmente
Locke e Montesquieu. A herança do sistema jurídico existente até então era de herança
inglesa, pois o país surgiu da união das treze colônias inglesas no continente.
O cenário inglês do início do século XVII estava em vigor a tradição criada e defendida
por Edward Coke (CAPPELLETTI, p. 58): o commom law segundo o qual “a lei não deve ser
criada, mas somente afirmada ou declarada pela vontade do Soberano”. Neste contexto, o juiz
seria o árbitro entre o Rei e o Parlamento. Assim, o commom law poderia ser apenas
complementado pelo legislador, e nunca violado. Uma passagem que claramente enuncia a
teoria de Edward Coke, da supremacia do common law sobre a autoridade do Parlamento é:
the common law will controul acts of parliament, and sometimes adjudge them to be utterly
void: for when an act of parliament is against common right and reason, or repugnant, or
impossible to be perfomed, the common law will controul it and adjudge such act to be void
(CAPPELLETTI, p. 59).
A Revolução Gloriosa de 1688 findou com a citada prerrogativa dos juízes e estabeleceu
a supremacia do Parlamento, que está em vigor até os dias de hoje (SILVA, 2004, p. 97). No
entanto, a herança não atravessou o Atlântico em direção às Treze Colônias. Esse fato é
explicado pelo o que aconteceu nas Colônias em seguida. A Coroa inglesa permitia que as
colônias aprovassem as próprias leis, no entanto, os juízes lá instalados poderiam aplicálas
caso coincidissem com as leis do Parlamento inglês, do contrário, era como se não existissem.
Essa liberdade simulada gerou aversão dos norte-americanos a um Legislativo forte, o que
justifica a opinião de Hamilton e Madison (1985) de que o Judiciário, por ser o poder de
menos força, é o mais adequado para limitar os demais poderes do Estado.
Derivado dessas origens nasceu o judicial review of the constitutionality of legislation
norte-americano, que se caracteriza pelo poder de todo juiz, de qualquer órgão do Judiciário,
controlar a validade das normas emanadas do Legislativo. Essa espécie de controle é chamada
de via de exceção ou controle difuso e se caracteriza pelo fato de, no caso concreto, qualquer
juiz ou tribunal declarar a norma inconstitucional ou constitucional como medida necessária
para julgar o pedido do autor improcedente ou procedente.
O princípio da supremacia da constituição defendido por um órgão jurisdicional foi
colocado em prática pela primeira vez em 1803 no caso Marbury x Madison, quando o juiz
John Marshall da Suprema Corte norte-americana chamou para si, Poder Judiciário que
representava, a prerrogativa de decidir sobre a aplicação ou não de uma determinada lei que
lhe fosse apresentada num caso concreto. A aplicação dependeria simplesmente se a lei
estivesse de acordo com a Constituição. Apesar de não haver expressa previsão constitucional
sobre a competência do Judiciário para decidir sobre tais questões, o desenvolvimento natural
das teorias de influência (Coke, Montesquieu, Madison, Hamilton, Jay) no país levou a esta
decisão e ao controle jurisdicional das leis. A Constituição americana apenas dispunha que era
a lei suprema do país e que qualquer juiz está a ela adstrito:this Constitution (...) shall be the
supreme Law of the Land; and the judges in every States hall be bound thereby (...)”
(Constituição Americana de 1776, art. VI, cláusula 2ª, apud CAPPELLETTI, p. 47).
A coerência de Marshall se justifica pelo fato de que se a Suprema Corte permitisse a
aplicação da lei que contraria o texto constitucional, a Constituição deixaria de ser a lei
suprema do país e não era mais classificada como rígida. O Legislativo, por conseqüência,
poderia alterar seu conteúdo assim que lhe fosse conveniente, como assim o faz com as leis
ordinárias:
Ou havemos de admitir que a Constituição anula qualquer medida legislativa, que a
contrarie, ou anuir que a legislatura possa alterar a Constituição por medidas
ordinárias. (...) Ou a Constituição é uma lei superior, soberana, irreformável
mediante processos comuns, ou se nivela com os atos da legislação usual, e, como
estes, é reformável à vontade da legislatura. (...) Ora, com certeza, todos os que têm
formulado Constituições escritas, sempre o fizeram no objetivo de determinar a lei
fundamental e suprema da nação; e conseguintemente, a teoria de tais governos
deve ser a da nulidade de qualquer ato da legislatura ofensivo da Constituição.
(VELOSO, 2003, p. 37).
No controle difuso, a discussão sobre a constitucionalidade não se configura como o
cerne da lide, mas apenas um subsídio para fundamentação do pedido ali requerido no caso
concreto. Qualquer órgão do Poder Judiciário (dos juízes singulares de primeiro grau, aos
tribunais superiores) é competente para exercer essa espécie de controle, quando qualquer
interessado mover ação em que seja necessário determinar a não-aplicação de uma norma ao
caso, por ela ser inconstitucional. Vale dizer que a norma considerada inconstitucional para a
lide continua tendo eficácia, valendo e existindo no ordenamento jurídico, inclusive servindo
como fundamento em outros casos concretos.
Outro ponto que merece destaque no controle jurisdicional difuso de constitucionalidade
é que o juiz poderá decidir ex officio sem que nenhuma das partes do caso concreto levante a
inconstitucionalidade da lei que regula a lide.
A segunda espécie de controle jurisdicional de constitucionalidade tem sua origem no
direito europeu-continental, mais especificamente na Áustria de Hans Kelsen. Sua
característica essencial é a de que a função de controle é atribuída a um único órgão do
Judiciário. Daí a origem do nome, ao contrário do difuso: controle concentrado.
A necessidade da atribuição do controle a apenas um órgão está relacionada às
condições da estrutura do Judiciário da Europa continental. Os juízes são de carreira,
ingressam na magistratura através de concurso público, na maioria das vezes, ainda jovens. A
aquisição de promoções é baseada na idade e na habilidade interpretativa dos juízes, que
poderiam passar a ocupar cadeiras em tribunais superiores ou mesmo na Corte Suprema.
Não obstante serem dotados de inegável experiência na sua atividade jurisdicional, os
juízes que chegam ao tribunal supremo não são habituados com a técnica de hermenêutica
relacionada ao policy-making necessária para uma análise apurada das questões que envolvem
controle de constitucionalidade. Usualmente a tarefa dos juízes é meramente aplicar a ordem,
dizer o direito ao caso concreto, baseando-se na lei vigente. Uma constituição possui um
conteúdo mais complexo que de uma lei ordinária, muitas vezes prescrevendo ações e
diretrizes para o futuro. Além disso, o controle de constitucionalidade é uma atividade de
cunho necessária e acentuadamente discricionária (CAPPELLETTI, 1999, p. 89; ROCHA,
1995, p. 98). A falta de aptidão na hermenêutica constitucional poderia atingir o respeito e
garantia dos direitos fundamentais e o próprio regime democrático constitucional. Daí,
portanto, surgiu a necessidade da criação de um órgão especial para exercer a função de
controle de constitucionalidade.
Hans Kelsen e Carl Schmitt, entre os anos de 1929 e 1931, muito discutiram sobre quem
deveria ser o guardião da constituição. Martonio Lima (2002, p. 217-224) expõe a tensão
teórica entre Kelsen e Schmitt: este defendia que cabia ao Chefe do Executivo a guarda da
constituição e determinava a necessidade de se submeter o Direito à política como melhor
forma de construção e funcionamento do Estado. Tal pensamento significa que o controle da
constitucionalidade ficava ao sabor dos rumos políticos determinados pelas forças de cunho
autoritário e totalitário do Estado, e que diminuíam ao máximo a participação pluralista no
constitucionalismo. Assim, a questão do controle tendia a se afastar do âmbito do Poder
Legislativo, o poder de maior tradição democrática tendo em vista sua composição, e
caminhava para as mãos do Poder Executivo. Além disso, para Schmitt o Judiciário deveria
apenas aplicar ao fato o Direito determinado e previamente discutido pelo Legislativo,
semelhante ao modelo clássico de Montesquieu. Schmitt defendia, ainda, a existência do
Estado total, em detrimento do pluralismo político da sociedade, pois este trazia consigo uma
tensão desnecessária entre Estado e sociedade, que poderia comprometer a estrutura interna
daquele.
Em contrapartida, Hans Kelsen critica o pensamento de Schmitt comparando-o com o
ultrapassado momento histórico dominado pelas monarquias constitucionais do século XIX,
quando Estado e sociedade, política e economia compunham planos inteiramente distintos.
Vai mais além e defende que o Judiciário é sim palco de decisões de caráter político, que o
legislador confere ao juiz a tarefa de criação de Direito, na medida em que decide contra
um(ns) em favor de outro(s). O pensamento kelseniano, que propõe a constituição de uma
corte nos moldes do Judiciário delineada pela competência de controlar a constitucionalidade,
se apresenta como democrático na medida em que questiona a natureza totalitária das idéias
de Schmitt, que mais serviram como justificativa de implementação e defesa do Terceiro
Reich na Alemanha. A tese de Kelsen foi a dominante para a formação do primeiro tribunal
constitucional na Europa, criado pela Constituição da Áustria em 1920, sendo, portanto, a
primeira experiência prática de controle concentrado de constitucionalidade.
O modo através do qual se o controle jurisdicional concentrado de
constitucionalidade é por meio de ações diretas com o escopo específico de se discutir a
constitucionalidade ou inconstitucionalidade de uma determinada lei ou ato normativo. O
objetivo precípuo desta espécie de controle é garantir a coerência do ordenamento jurídico e a
supremacia constitucional nas circunstâncias específicas da Europa-continental, onde o
modelo difuso não se ajusta. Por isso essa espécie é também chamada de controle abstrato ou
via direta de controle de constitucionalidade, exatamente porque a norma é analisada sem
considerar um caso concreto. O processo pelo qual é exercido o controle concentrado é
chamado de processo objetivo, pois não tem partes componentes de uma lide comum, é
destinado apenas à defesa da constituição (MENDES, 2004b, p. 3).
Através destas duas espécies o controle jurisdicional de constitucionalidade poderá
funcionar sob dois aspectos: o controle formal e o controle material. Aquele ocorre quando o
órgão controlador verificar o fiel cumprimento das normas reguladoras, instituídas pela
constituição, de elaboração das leis e atos normativos. O controle formal não analisa o
conteúdo da norma, apenas a formalidade de sua origem, ou seja, preocupa-se com a técnica
normativa, por isso é sua característica é puramente jurídica. Por outro lado, o controle
material tem como objeto o conteúdo propriamente dito da lei, sua substância, daí o seu
caráter político visto que a quem estiver atribuída a função de dizer se determinada norma é
ou não é constitucional, terá o poder de dizer o que é a constituição.
Existem ainda, diferenciados quanto ao momento, o controle jurisdicional preventivo e o
sucessivo de constitucionalidade. A distinção está no instante quando ocorre o efetivo
controle: durante o processo que antecede a promulgação de lei (preventivo), ou depois que
está é promulgada (sucessivo). Zeno Veloso (2003, p. 161), apesar de inexistir previsão na
Constituição brasileira, defende a possibilidade de controle preventivo via ação direta contra
projetos de emenda à Constituição que pretendam alterar suas cláusulas pétreas,
fundamentando no princípio de que a mera aspiração de modificação de cláusula pétrea
merece ser objeto de controle jurisdicional de constitucionalidade. A opinião do autor é
referendada por decisão do Ministro Moreira Alves do Supremo Tribunal Federal (MS
20.257 de 08/10/1980, RTJ 99/1031) que autoriza a viabilidade do legislador impetrar
mandado de segurança visando impedir tramitação especificamente na Casa a qual pertence a
proposta de emenda que, em razão da matéria, a Constituição, via cláusulas pétreas, veda a
mera deliberação.
2.3 Efeitos e seus limites
Os efeitos de um pronunciamento judicial de controle de constitucionalidade podem ser
relativos ao tempo e ao alcance de sua eficácia. Com relação ao tempo, os efeitos podem ser
ex nunc, ex tunc e pro futuro. E se o aspecto for o alcance ou limites das decisões, os efeitos
são erga omnes, inter partes ou vinculante.
Geralmente existe uma regra entre a espécie de controle de constitucionalidade e seus
efeitos, a variação dependerá da característica do sistema jurídico do país. O efeito inter
partes é característica do controle jurisdicional difuso, pois a decisão de não aplicar
determinada lei por ser inconstitucional é estabelecida para um caso concreto analisado numa
lide específica entre duas ou mais partes envolvidas. Quem estiver interessado em se
beneficiar dos mesmos efeitos de decisão existente terá que ingressar com ação na qual se
verificará os mesmos fatos e direito.
No sistema do common law o instituto do precedente tem uma forte preponderância.
Nos Estados Unidos, v.g., toda decisão de tribunal superior estabelece um precedente e
vincula os demais juízes que lhe são subordinados. É inevitável, todavia, a possibilidade de
existirem decisões conflituosas entre os tribunais. Nestes casos, o sistema de impugnações
levará a solução do conflito à Suprema Corte e sua decisão vinculará, através da tradição, os
demais órgãos do judiciário. Esse princípio é conhecido como stare decisis. O efeito
vinculante tem origem, portanto, no sistema do common law norte-americano, cuja espécie de
controle de constitucionalidade é o difuso ou incidental.
Os países que se estabelecem pelo sistema do common law, baseado na tradição
jurisprudencial, normalmente não apresentarão maiores problemas jurídicos no caso de
adoção do controle jurisdicional difuso de constitucionalidade por conta do princípio do stare
decisis, como é o caso dos Estados Unidos. No entanto, o controle difuso poderá causar
distúrbios em países de tradição não jurisprudencial, de tradição da lei como principal fonte
do Direito, o sistema do civil law. Nestes países os juízes normalmente não são vinculados às
decisões de seus respectivos tribunais superiores, sendo plenamente possível que alguns
declarem a lei inconstitucional e outros apliquem a mesma lei ao caso concreto por terem
efetuado interpretações diferentes. E mesmo que a questão chegue a algum tribunal superior,
nada poderá impedir que um juiz a ele subordinado julgue em desencontro com o
entendimento colegiado. Essa possibilidade de conflito entre órgãos provoca muitas vezes
uma insegurança jurídica indesejada e indiretamente influencia no surgimento e no
desenvolvimento do controle concentrado, para unificar a decisão sobre controle de
constitucionalidade num único órgão, evitando que os demais juízes descumpram decisões
dos tribunais que lhe são superiores.
É importante salientar que a eficácia do princípio do stare decisis, e também do efeito
vinculante, à primeira vista não mecaniza a atividade do juiz, pois o magistrado deverá
conhecer o precedente e o caso concreto para depois decidir se se trata das mesmas condições
que levaram ao julgamento anterior.
Outro ponto que merece destaque são os limites da decisão em sede de controle de
constitucionalidade dotada de efeito vinculante. Sentenças e acórdãos possuem três partes
componentes: o relatório, a fundamentação e o dispositivo. A regra que estabelece a
vinculação objetiva das decisões no sistema do common law é a seguinte: os juízes são
subordinados à ratio decidendi das decisões dotadas de efeito vinculante, isto é, à parte
dispositiva e aos motivos determinantes da decisão. O obiter dicta, o que foi dito meramente
de passagem, possui eficácia simplesmente persuasiva (TOSTES, p. 33). Os limites objetivos
do efeito vinculante dependerão do disposto na constituição. O mais comum é a vinculação
atingir os demais órgãos do Judiciário, como funciona na tradição do stare decisis. No
entanto, existem prescrições de vinculação das decisões atingindo o Executivo, como é o caso
brasileiro, que será melhor analisado no capítulo seguinte deste trabalho.
A espécie de controle concentrado de constitucionalidade, em virtude de suas
particularidades, se relaciona diretamente ao efeito ou eficácia erga omnes. Na doutrina
observa-se por vezes o uso da expressão efeito erga omnes ao mesmo tempo e sentido que
“eficácia erga omnes (VELOSO, 2003, p. 178/188; FERREIRA, 2003, p. 66; MACIEL,
2004b, p. 75; SORMANI, 2004, p. 126; MENDES, 2004a, p. 20; MENDES, 2004b, p. 329,
entre outros) ou mesmo “alcance erga omnes (TAVARES, 2005, p. 439). Como o
significado das expressões é semelhante, para evitar qualquer falta de ordem, usar-se-á apenas
a expressão “efeito erga omnes”.
A relação fundamental entre o controle concentrado de constitucionalidade e o efeito
erga omnes é explicada pelo fato de, nesta espécie de controle, a discussão sobre a
interpretação da norma ocorrer num órgão específico. Assim, as decisões proferidas por
este órgão necessariamente terão que atingir a todos, pois a norma considerada
inconstitucional será suspensa do ordenamento jurídico ou mesmo declarada nula.
Não há o que confundir entre efeito vinculante e efeito erga omnes, apesar de possuírem
a mesma finalidade: uma maior segurança jurídica com a coerência entre as decisões
provenientes de diferentes órgãos judiciários. Os dois efeitos possuem origens diferentes, o
primeiro tem raiz no controle difuso do common law, o segundo surgiu do esforço teórico do
controle concentrado europeu continental, onde os juízes de carreira não têm competência
decidir sobre a constitucionalidade de uma lei sem antes o tema passar pelo crivo da Corte
Constitucional. O efeito vinculante é uma “qualificação ou desdobramento” (FERNANDES,
2003, p. 203) do efeito erga omnes. Este tem o alcance sobre todos os casos em que a lei
declarada inconstitucional teria sido aplicada; aquele submete de maneira obrigatória os
órgãos do Judiciário à decisão proferida.
A aplicação do efeito vinculante nos países do civil law que adotam o controle difuso
pode minimizar o problema de insegurança jurídica, no caso de decisões conflitantes em sede
de controle de constitucionalidade entre diferentes órgãos judiciais, que os demais órgãos
competentes seriam obrigados a obedecer decisão de tribunal superior sobre o mesmo tema.
Analisados os efeitos sob o aspecto do alcance das decisões de controle de
constitucionalidade, resta o exame dos efeitos relativos ao tempo em que vai iniciar a eficácia
da decisão. O efeito ex tunc é o mais tradicional e se caracteriza pelo fato da retroação da
eficácia das decisões, dotadas deste efeito, ao tempo em que a lei inconstitucional foi
promulgada, invalidando todos os efeitos produzidos pela lei desde então.
A retroação é explicada pela doutrina tradicional defensora da anulação da lei
inconstitucional. Essa teoria data da época em que surgiu o controle jurisdicional de
constitucionalidade nos Estados Unidos no caso Marbury x Madison em 1803, conforme
citação das palavras do juiz John Mashall:
Ora, com certeza, todos os que têm formulado Constituições escritas, sempre o
fizeram no objetivo de determinar a lei fundamental e suprema da nação; e
conseguintemente, a teoria de tais governos deve ser a da nulidade de qualquer ato
da legislatura ofensivo da Constituição (VELOSO, 2003, p. 37).
Seu fundamento está na afirmação de que a decisão em sede de controle de
constitucionalidade é meramente declaratória, reconhecendo o vício da norma, e não
constitutiva de direito.
Ocorre que podem existir situações em que uma lei é declarada inconstitucional, v.g.,
depois de transcorridos dez anos de sua promulgação. Durante este período, milhares de
relações jurídicas amparadas na lei inconstitucional foram constituídas com boa-fé. A eficácia
ex tunc para esse caso e semelhantes comprometeriam todas essas relações surgidas e que
produziram efeito, podendo existir ainda a hipótese em que “a lacuna resultante da declaração
de nulidade possa dar ensejo ao surgimento de uma situação ainda mais afastada da vontade
constitucional” (MENDES, 2004b, 303).
Kelsen, visando solucionar as hipóteses inconvenientes suscitadas, é o principal teórico
da doutrina defensora de que as decisões em sede de controle de constitucionalidade m
caráter constitutivo, pois constitui, modifica ou extingue uma relação ou situação jurídica.
Fundamenta seu pensamento com a teoria de que a norma, enquanto não for declarada
inconstitucional, possui presunção de validade, faz parte do ordenamento jurídico e, portanto,
produz efeitos. Assim, a decisão em controle de constitucionalidade possui caráter
constitutivo-negativo, que ao invés de declarar nula a lei inconstitucional, anula-a. Não é à
toa, inclusive, que esta mesma lei inconstitucional poderia ser revogada por uma posterior que
suprimiria sua inconstitucionalidade:
O seu significado [da lei inconstitucional] apenas pode ser o de que a lei em
questão, de acordo com a Constituição, pode ser revogada não processo usual,
quer dizer, por uma outra lei, segundo o princípio lex posterior derogat priori, mas
também através de um processo especial, previsto pela Constituição. Enquanto,
porém, não for revogada, tem de ser considerada como válida, não pode ser
inconstitucional (KELSEN, 1997, p. 300).
Em virtude destas situações o efeito ex nunc, ou seja, a eficácia da decisão provida
com este efeito em sede de controle de constitucionalidade não retroagirá ao tempo da
publicação da lei declarada inconstitucional. Seguindo a mesma esteira de pensamento, a
decisão poderá ter efeito pro futuro, na qual sua eficácia iniciará de acordo com o estipulado
no próprio julgamento, no sentido de evitar que a suspensão imediata da aplicação da lei
inconstitucional gere um ambiente de maior insegurança.
2.4 Evolução no Brasil
O controle jurisdicional de constitucionalidade no Brasil, no seu nascedouro, foi
influenciado diretamente pelo modelo do controle difuso. Foi previsto pela primeira vez em
1891, na Constituição de 24 de fevereiro. O seu art. 59, § 1º, a e b, atribuiu ao Supremo
Tribunal Federal a competência de processar e julgar os recursos de decisões de tribunais
estaduais, quando se questionar a validade ou a aplicação de tratados e leis federais; e quando
“se contestar a validade de leis ou de atos dos Governos dos Estados em face da Constituição,
ou das leis federais, e a decisão do Tribunal do Estado considerar válidos esses atos, ou essas
leis impugnadas”.
Conforme Lêda Boechat Rodrigues (1991, p. 144), a evolução jurisprudencial do
Supremo Tribunal Federal (doravante STF) determinou a incorporação definitiva do exercício
do controle de constitucionalidade das leis e atos administrativos entre as atribuições do Poder
Judiciário. Essa atividade era exercida por todos os órgãos do Judiciário e apenas face aos
casos concretos. Em decisão de apelação cível datada de 1897, citada por Rodrigues (1991), o
STF declarou que incidia na censura de direito uma sentença que infirmara em tese, por
inconstitucional, um decreto emanado do Executivo”, pois os juízes e tribunais têm a
faculdade de suspender a aplicação ao caso concreto “as leis manifestamente inconstitucionais
e regulamentos manifestamente incompatíveis com as leis e a Constituição”.
Em sede de ação cível originária de 1896 foi exarada decisão do STF julgando
improcedente o pedido formulado pela União de declaração de inconstitucionalidade de um
imposto criado por lei estadual. No entanto, o entendimento exarado foi o de que, apesar de
manifestamente inconstitucional o recurso, a “Justiça Federal só podia intervir em espécie”
(RODRIGUES, 1991, p. 145). O pedido articulado pela União foi além do disposto pela
Constituição de 1891, pois não pedia anulação dos atos do Governo Estadual praticados em
face de lei inconstitucional. Era uma ação cível originária revestida de ação direta.
Rodrigues (1991, p. 145-146) também destacou que, no nascimento do controle
jurisdicional de constitucionalidade brasileiro e na sua evolução jurisprudencial, o
entendimento dominante era o de que o Judiciário não deveria atingir a conveniência e
oportunidade de atos administrativos, a não ser nos casos de inconstitucionalidade, para não
incorrer no problema de intromissão de atos interna corporis de outro poder:
as medidas administrativas tomadas pela autoridade competente, em virtude de
faculdade ou poder discricionário que lhe haja sido conferido por lei, sendo-lhe
também absolutamente vedado apreciar o merecimento dos atos administrativos do
ponto de vista de sua conveniência e oportunidade. Ag. de Inst. n. 90, de 1.jun.1895
(RODRIGUES, 1991, p. 145-146).
A Constituição é inviolável e está sob a guarda da justiça federal, a quem incumbe
o dever, quando a jurisdição e regularmente provocada, de negar efeitos aos atos
administrativos, e ainda às leis ordinárias que forem incompatíveis com a lei
fundamental. Habeas corpus n. 332 de 6.jun.1892 e 388 de 2.jun.1893
(RODRIGUES, 1991, p. 146).
Apesar do modelo brasileiro da Constituição de 1891 ter sido marcado profundamente
pela influência norte-americana, não significa dizer que faltasse produção nacional sobre a
matéria. Mesmo antes da Independência havia idéias incipientes e inovadoras sobre
controle de constitucionalidade, conforme Manuel de Oliveira Lima (1997, p. 149), em 1821
o país se “achava maduro para a vida independente”. Neste ano, Dom João VI
inconscientemente promovia o primeiro projeto governamental de uma Constituinte nacional
(LIMA, 1997, p. 67; grifo original), com seu decreto de 18 de fevereiro que estipulava:
... a ida do príncipe real a Lisboa para ouvir as representações das Cortes (...), ao
mesmo tempo que no Rio [de Janeiro] se reuniam os procuradores das câmaras das
cidades e vilas principais, que têm juízes letrados, tanto do Reino do Brasil, como
das ilhas dos Açores, Madeira e Cabo Verde em Junta de Cortes “para examinar o
que da Constituição Portuguesa seria aplicável às condições do Brasil e propor
reformas, melhoramentos e providências essenciais ou úteis... (LIMA, 1997, p. 68).
O Brasil, como integrante do Reino Unido de Portugal, possuía representação na
Assembléia de Lisboa. Apesar do sistema eleitoral ser marcado pela representação indireta,
com designações em quatro graus, a deputação formada por eleitos em Pernambuco, na Bahia,
Rio de Janeiro e São Paulo, estava longe da mediocridade na apresentação de suas propostas
apresentadas à Assembléia.
Uma das instruções levada pelos representantes paulistas à Assembléia de Lisboa
propunha numa nova postura organizacional do Reino que, entre outros assuntos, assim
discorreu:
Além dos três poderes – legislativo, executivo e judiciário – haveria um quarto, que
não era o moderador, e sim constituído por um corpo de censores que, eleitos do
mesmo modo que os deputados e fazendo vezes de poder verificador destes
representantes, agiriam como fiscais com relação à invasão de um dos poderes nas
atribuições de outro, levando qualquer ato inconstitucional perante um “grão-jurado
nacional”, por eles próprios nomeado e formado em partes iguais de deputados,
membros do tribunal supremo de justiça e conselheiros de Estado, estes escolhidos
pelas juntas eleitorais das províncias, à razão de um pelo menos por província, para
certo tempo. (LIMA, 1997, p. 155).
Nessa passagem se verifica o desenvolvido pensamento brasileiro no tocante a
estrutura organizacional do Estado e uma idéia embrionária original sobre a titularidade e
funcionamento do controle da constitucionalidade. A proposta paulista foi apresentada mais
de cem anos antes do tribunal constitucional idealizado por Kelsen no início da década de
1930, por ocasião da publicação de seu artigo “Quem deve ser o guardião da Constituição”,
em resposta à Schmitt (LIMA, 2002, p. 218). Guardadas as proporções, o “grão-jurado
nacional” se assemelha ao “tribunal constitucional” em virtude de que receberia dos censores
pedidos de análise de atos inconstitucionais, bem como de sua composição, integrada por
representantes dos três poderes.
Embora houvesse essa doutrina incipiente em nossos estadistas, a Constituição de 1824
não favoreceu a instituição de um sistema propriamente dito de controle da
constitucionalidade no Brasil, tendo em vista seu caráter autoritário simbolizado pelo Poder
Moderador, no qual o Imperador é a “chave de toda a organização política, (...) Chefe
Supremo da Nação, para que incessantemente vele sobre a manutenção da Independência,
equilíbrio, e harmonia dos mais Poderes Políticos” (art. 98, caput).
Mesmo assim, seu artigo 173, que abria o título das Disposições Gerais, e Garantias dos
Direitos Civis, e Políticos dos Cidadãos Brasileiros, dispôs que a Assembléia Geral, no
princípio de suas sessões, examinaria se a Constituição estava sendo observada. Contudo, o
Poder Moderador abrangia a prorrogação e adiamento da Assembléia Geral, sem contar a
dissolução da Câmara dos Deputados “nos casos em que exigir a salvação do Estado”; o que
demonstra a fragilidade da Constituição sobre o tema.
A implantação do controle difuso de constitucionalidade, influenciado pelos Estados
Unidos, através da Constituição de 1891 causou no Brasil uma problemática no âmbito da
coerência entre as decisões dos tribunais e juízes, já que todos são competentes para analisar a
constitucionalidade. Em primeiro lugar, a decisão que declarava a inconstitucionalidade de
uma lei nesta época possuía efeitos meramente inter partes e o sistema que vigorava, e ainda
vigora, no Brasil é o civil law, diferente do common law norte-americano (onde há o princípio
do stare decisis), em virtude da herança do sistema português, que também é civil law. Assim,
eventual decisão do STF com seu efeito inter partes poderia ser incompatível com decisões de
juízes e tribunais inferiores.
Na tentativa de evitar ou minimizar o desacordo entre as decisões, a Constituição de
1934 trouxe a previsão em seu art. 91, IV, da competência do Senado Federal para, com efeito
erga omnes, suspender a execução, no todo ou em parte, de qualquer lei ou ato, deliberação
ou regulamento, quando hajam sido declarados inconstitucionais” pelo STF, mediante
comunicação do Procurador-Geral da República. Assim, para que o controle de via incidental
possua efeito contra todos, é necessária a participação do Senado após o entendimento do STF
nesse sentido.
A partir da Constituição de 1934 ficou estipulado em todo texto constitucional
subseqüente “o quorum da maioria absoluta de seus membros para a declaração, nos tribunais,
de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do poder público, a fim de evitar decisões
divergentes nas Cortes” (COSTA, 1984, p. 1).
Uma terceira inovação de 1934 foi a previsão do ajuizamento de representação
interventiva no STF pelo Procurador-Geral da República, com o escopo de assegurar a
observância dos princípios constitucionais do art. 7º, alíneas a a h, da Constituição, que
determinavam, entre outra proposições não menos importantes, a forma republicana
representativa, separação dos poderes, garantias do Poder Judiciário; os chamados princípios
sensíveis. O julgamento da representação podia propiciar a intervenção da União no Estado
usurpador da ordem constitucional. A representação interventiva foi o primeiro passo para o
estabelecimento do controle concentrado de constitucionalidade no Brasil (MENDES, 2004b,
60), pois “ao declarar a constitucionalidade da lei federal de intervenção no Estado, o STF
estaria ipso facto, declarando a inconstitucionalidade da norma estadual provocadora da
intervenção” (COSTA, 1984, p. 2), apesar de decidir um conflito entre a União e determinado
Estado.
A Constituição de 1937, de caráter autoritário e centralizador porque representava o
Estado Novo, não alterou as disposições sobre o controle difuso de constitucionalidade e nem
manteve a representação interventiva. No entanto, inovou ao prever em seu art. 96, parágrafo
único, uma sensível tendência de desqualificar as decisões tomadas pelos tribunais em sede de
controle da constitucionalidade, na medida em que o Legislativo poderia revisá-las. Tal
dispositivo a primeira vista pode ser contrário ao caráter essencialmente autoritário do
governo getulista, visto que possibilitava ao Legislativo, composto por membros escolhidos
pelos cidadãos, reexaminar a lei declarada inconstitucional quando “necessária ao bem-estar
do povo”, podendo ao final mantê-la no ordenamento jurídico mediante vontade de dois
terços dos membros de cada Casa. Embora assim transpareça, a previsão se constitui como
um disfarce do vultoso poder existente nas mãos do Presidente da República, tendo em vista
que era o mesmo quem determinava quando a norma era necessária ao bem-estar do povo e,
mesmo, quando deveria ser encaminhada ao Parlamento para reexame.
A Constituição seguinte cuidou em restabelecer a ordem da jurisdição constitucional
consubstanciada pela antecessora do texto de Getúlio Vargas. Com relação à representação
interventiva, no entanto, ao contrário de requerer a declaração de constitucionalidade da lei
que instituía a intervenção federal, o Procurador-Geral da República pedia ao STF a
inconstitucionalidade da lei estadual em relação aos princípios constitucionais protegidos.
Nesse diapasão, o então Procurador-Geral da República Themístocles Cavalcanti era a
favor da opinião de que, quando provocado, a representação interventiva não deveria ser
arquivada pura e simplesmente, mas sim ser submetida ao STF mesmo que com parecer no
sentido contrário. A justificativa se baseava em que o Procurador-Geral, neste período, fazia
as vezes não de chefe do Ministério Público representante do interesse geral, mas também
de assistente da União.
A Representação Interventiva 95 de 30/07/1947 foi impetrada nesse sentido, cujo
entendimento do Supremo Tribunal Federal foi pela constitucionalidade do dispositivo objeto
da representação, ou seja, contrário ao seu fim original que é a declaração de
inconstitucionalidade da lei estadual. Destaca-se a seguinte passagem da referida
representação:
Não tem essa Procuradoria-Geral nenhuma dúvida em opinar a respeito,
reafirmando conceitos já emitidos em outro parecer, no sentido de prestigiar o texto
votado pelas Constituintes estaduais, cuja validade se presume, quando não colida
com os princípios fundamentais expressos na Constituição Federal. Esta colisão não
se verifica, a meu ver, na hipótese, porquanto a norma impugnada nada mais fez do
que concretizar o princípio da hierarquia dos poderes no chamamento ao exercício
do Poder Executivo (MENDES, 2004b, 60-63).
A Constituição de 1946 foi reformada pela a Emenda Constitucional 16, de 26 de
novembro de 1965, que propôs a mudança do art. 64, da alínea k do art. 101, I, e adição de
três parágrafos a este último artigo.
A primeira sugestão consistia em dar eficácia erga omnes às decisões proferidas pelo
Supremo Tribunal Federal quando controlasse a constitucionalidade das leis e atos normativos
de maneira incidental. Ao Presidente do Senado seria incumbida a publicação no “Diário
Oficial e na Coleção das Leis” da decisão que lhe for comunicada do tribunal que determinou
o fim da eficácia de “lei ou ato de natureza normativa”.
Como complemento, o texto do parágrafo terceiro do artigo 101 era proposto pela
Emenda da seguinte forma: “As disposições de lei ou ato de natureza normativa considerados
inconstitucionais em decisão definitiva, perderão eficácia, a partir da declaração do Presidente
do Supremo Tribunal Federal publicada no órgão oficial da União”.
O Congresso negou seguimento a esta proposta, alterando a Constituição de 1946
apenas em duas partes. Na ampliação da prerrogativa do Procurador-Geral da República em
representar a inconstitucionalidade de qualquer lei ou ato de natureza normativa, federal ou
estadual, que contrariasse dispositivo da Constituição perante o Supremo Tribunal Federal,
não mais apenas para efeito de intervenção federal como antes. E a segunda reforma foi a
previsão da competência do Tribunal de Justiça estadual para declarar a inconstitucionalidade
de lei ou de ato normativo municipal, em conflito com a Constituição estadual; reforma esta
que não foi repetida na Constituição de 1967, e nem na Emenda Constitucional de 1969
(SORMANI, 2004, p. 82). As decisões proferidas segundo o disposto na emenda
constitucional tinham efeito erga omnes.
Vale dizer que a Emenda Constitucional 16 foi publicada no ano de 1965, em pleno
regime ditatorial. Aparentemente, existe um paradoxo entre o autoritarismo representado pela
ditadura e a instituição da possibilidade de controle concentrado através da representação de
inconstitucionalidade, pois esta tem o condão de fazer valer a Constituição em detrimento de
leis e atos normativos desconformes com o texto constitucional. No entanto, não qualquer
contradição nessa reforma, pois a medida permitia que o Procurador-Geral, indicado pelo
Executivo, representasse a inconstitucionalidade notadamente nos casos do interesse do
governo federal (MENDES, 2004b, 75).
Assim, essa reforma significou a introdução do controle concentrado, propriamente dito,
de constitucionalidade no Brasil, que passou a existir em paralelo com o controle difuso. É o
segundo passo para uma crescente concentração do controle de constitucionalidade no
ordenamento jurídico brasileiro.
A Constituição de 1967 pouco alterou o texto anterior reformado no que se refere ao
controle de constitucionalidade, apenas excluiu a competência dos tribunais estaduais para
receberem representações de inconstitucionalidade genéricas e o Presidente da República
passou a ser competente para decretar a intervenção ou para suspender ato administrativo
estadual inconstitucional. A Emenda Constitucional 1 de 1969, no tema controle
jurisdicional de constitucionalidade, produziu uma única alteração: a representação
interventiva passou a valer no âmbito estadual, para que os Estados pudessem intervir nos
municípios ou que os Tribunais de Justiça declarassem lei ou ato normativo municipal
inconstitucional frente a Constituição estadual.
As transformações proporcionadas pelas reformas constitucionais atingiram diretamente
o papel do Procurador-Geral da República, o único legitimado ativo, até então, a acionar o
STF para argüir inconstitucionalidade de lei ou ato normativo. Em 1970, o Regimento Interno
do Supremo Tribunal Federal trazia em seu art. 174 que o Procurador-Geral da República, se
provocado por autoridade ou por terceiro, caso entendesse improcedente a fundamentação da
súplica (representação de inconstitucionalidade), poderia encaminhá-la ao STF com parecer
contrário.
Daqui se conclui que a existência de controvérsia sobre a constitucionalidade do
dispositivo não impede o Procurador-Geral impetrar a representação de inconstitucionalidade
com parecer tanto a favor como contra, no sentido da Corte exarar seu entendimento.
Indubitavelmente, a ação se revestia de um duplo caráter, pois é de sua própria essência
declaratória.
O tema ainda pode ser discutido sob o aspecto da obrigatoriedade do Procurador-Geral
em submeter a representação ao Tribunal mesmo entendendo ser o dispositivo constitucional.
O chefe do Ministério Público não poderia pré-julgar a representação, portanto, sendo mero
veículo para sua proposição, ou era dotado de independência e livre convencimento em
promover a ação, mesmo em caso de controvérsia sobre a constitucionalidade de normas.
O STF solucionou a celeuma e proferiu decisão em 10 de março de 1971, na
Reclamação 849, no sentido de legitimar a decisão do Procurador-Geral em não acionar o
Judiciário, via argüição de inconstitucionalidade, quando entendesse ser o dispositivo
constitucional, pois este juízo é livre e exclusivo de quem tem competência para a ação. Foi o
caso em que o MDB (Movimento Democrático Brasileiro), partido de oposição ao regime
militar, em sede de reclamação ao Supremo Tribunal Federal, pediu que a representação fosse
almejada pelo Procurador-Geral face ao instituto da censura prévia de livros e periódicos em
decorrência da segurança nacional. Assim, o Procurador-Geral, diante de solicitação de
interessado, poderia escolher entre três opções. A primeira é admitir a fundamentação do
pedido formulado e interpor a representação de inconstitucionalidade. A segunda é não
acolher o pedido e arquivá-lo, por pura discricionariedade. E, por fim, poderia não concordar
com a fundamentação do pedido e, mesmo assim, propor a representação, mas com parecer a
favor da constitucionalidade da lei ou ato normativo.
Esse entendimento do STF é eivado de conservadorismo. O Procurador-Geral da
República, chefe do Ministério Público, não poderia ter como opção o não acolhimento da
fundamentação do interessado e arquivar o pedido por decisão discricionária, pois seu papel
precípuo é a representação do interesse geral. O período da decisão, porém, era marcado pelo
regime militar, e o próprio Procurador-Geral da República era nomeado pelo general
presidente e aprovado pelo Senado Federal.
Em 1980 houve nova mudança regimental do STF que passou prever a competência do
Procurador-Geral da República para submeter ao tribunal, mediante representação, o exame
de lei ou ato normativo federal ou estadual, para que fosse declarada a sua
inconstitucionalidade. Segundo Gilmar Mendes (2004b, p. 73), na prática, o chefe do
Ministério Público continuou a oferecer representações de inconstitucionalidade, “ressaltando
a relevância da questão e manifestando-se afinal, muitas vezes, em favor da
constitucionalidade da norma”. Mais adiante explica que a regra foi disposta no regimento de
maneira equivocada, pois “se interpretada literalmente, reduziria o papel do titular da
iniciativa (...) a um despachante autorizado, que poderia encaminhar os pleitos que lhe
fossem dirigidos, ainda que com parecer contrário” (grifo original).
Quase um s antes da promulgação da Constituição de 1988, em 08.09.1988, foi
julgada a Representação 1.349, na qual o Supremo Tribunal Federal referendou
definitivamente o entendimento de que não conhece da representação nos casos em que o
Procurador-Geral da República, logo ao oferecê-la, declara inexistir inconstitucionalidade na
norma objeto de deliberação, que lhe foi dirigida por autoridade ou terceiro.
A evolução do controle concentrado da constitucionalidade continuou. E em 1988 com a
atual Constituição toda a problemática em torno do papel do Procurador-Geral da República
passou a ser segundo plano, pois houve um considerável alargamento dos legitimados para
provocação do Poder Judiciário, representado pelo STF, no controle abstrato de normas,
abrindo espaço também ao Presidente da República, as Mesas do Senado Federal, da Câmara
dos Deputados e da Assembléia Legislativa, ao Governador de Estado, ao Conselho da Ordem
dos Advogados do Brasil (OAB), aos partidos políticos com representação no Congresso
Nacional, e as confederações sindicais ou entidades de classe de âmbito nacional. A
representação de inconstitucionalidade passou a se chamar ação direta de
inconstitucionalidade e continuou a produzir efeito erga omnes.
Outra mudança de grande monta promovida pela atual Constituição foi a previsão da
ação direta de inconstitucionalidade por omissão, da ação de descumprimento de preceito
fundamental e do mandado de injunção. A primeira é justificada quando norma
constitucional, de maneira genérica, se encontra impossibilitada de aplicação tendo em vista a
carência de uma ação específica proveniente de um Poder de Estado.
A ação de descumprimento de preceito fundamental tem a intenção de reparar lesão a
preceito fundamental resultante de ato do Poder Público, e possui caráter de controle
concentrado. O mandado de injunção não se configura como meio de controle concentrado de
lei, mas é uma garantia ao exercício de direito e liberdades constitucionais do cidadão, pois
defende as prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania que por ventura
estejam inviabilizadas por falta de norma regulamentadora.
Uma análise da quantidade de ações diretas de inconstitucionalidade (doravante ADIn)
impetradas no Supremo Tribunal Federal desde 1988, percebe-se uma grande diferença entre
o período pré e pós-1988. Conforme Gilmar Mendes (2004b, 76), as representações de
inconstitucionalidade impetradas pelo Procurador-Geral da República denotavam um número
inexpressivo. Em 1968, v.g., apenas uma representação foi requerida. A partir de 1980 a
média passou de 20 (na década de 1970) para 40 representações por ano. Em 1987 chegou ao
número máximo de 114. Por outro lado, entre 1988 e 2002 houve uma média de duzentas
ações diretas de inconstitucionalidade.
Esse fato demonstra, em tese, a progressiva conscientização dos legitimados em
utilizarse dessas espécies de ações no sentido de participar e promover a interpretação da
Constituição perante o Supremo Tribunal Federal. Isso é um diferencial recente no Brasil,
pois antes apenas era possível fazer pressões políticas, acordos e pedidos ao Procurador-Geral
da República, enquanto que hoje os próprios legitimados ativos podem agir por conta própria.
É importante salientar, ainda, que os legitimados pela Constituição de 1988 para o
controle concentrado de constitucionalidade figuram como uma importante parcela da
representação popular, pois vão desde órgãos de caráter essencialmente político, como a Mesa
da Câmara dos Deputados, até as confederações sindicais e entidades de classe de âmbito
nacional. Assim, tanto a vontade majoritária, representada pelo Presidente da República,
quanto a minoritária, representada pelas entidades de classe e sindicatos, estão aptas para
compelir o STF a promover o controle de constitucionalidade.
Essa aptidão significa, em tese, a realização dos princípios democráticos. Os interesses
majoritários e minoritários estão devidamente representados para impedir a usurpação do
poder estatal, que o Estado está limitado pela Constituição do Estado Democrático de
Direto brasileiro. A usurpação objeto do controle de constitucionalidade não é representada
apenas quando, v.g., o Executivo ultrapassou sua competência constitucional e editou medida
provisória sobre o orçamento
5
. O objeto maior do controle de constitucionalidade é a
manutenção do princípio da supremacia constitucional em defesa dos direitos fundamentais,
consubstanciando a soberania popular, o domínio do povo sobre o Estado.
5Constituição Federal de 1988, art. 62, § 1º, I, d: “É vedada a edição de medidas provisórias sobre matéria
relativa a planos plurianuais, diretrizes orçamentárias, orçamento e créditos adicionais e suplementares,
ressalvado o previsto no art. 167, § 3º”.
3 AÇÃO DECLARATÓRIA DE CONSTITUCIONALIDADE
3.1 As conjunturas político-econômica e jurídica brasileiras antes da
Emenda Constitucional nº 3
A Constituição de 1988 restabeleceu o regime democrático no país, pondo fim ao
autoritarismo instituído e mantido pelos militares desde o golpe de 1964. A nova situação
instalada não mais permite perseguições políticas, as eleições são periódicas, a imprensa é
livre. Por outro lado, os problemas estruturais na área da saúde, educação, habitação, por
exemplo, permanecem.
Nessa nova conjuntura, duas questões se destacam e possuem relação íntima com a
reforma implementada pela Emenda Constitucional 3, de 1993: a questão tributária e o
Poder Judiciário. A condição das contas públicas do país não era segredo. Sucessivos planos
econômicos tentavam malogradamente combater os altos gastos públicos. A inflação sem
controle, tradição desde o período militar, era considerada o maior problema nacional porque
gerava, em poucos dias, a desvalorização dos salários, prejudicando principalmente a
população mais pobre.
Entre 1985 e 1991 foram lançados sucessivos planos econômicos com o propósito de
findar com o problema inflacionário. No ano de 1986, o então presidente José Sarney lançou
os planos Cruzado I e II. Em 1987, o plano Bresser e em 1989, o plano Verão. Seu sucessor,
Fernando Collor, instituiu o Plano Collor I e II, em 1990 e em 1991, respectivamente.
Segundo o IBGE
6
, a inflação em 1990 registrou o índice de 1.620,97%. No ano seguinte
atingiu o nível de 472,70%. Em 1992, 1.119,10%. A diferença entre a inflação desse período
com a do ano de 2005, por exemplo, é significativa, já que esta não passou dos 5,69%.
A renda dos assalariados sofria sucessivas quedas, pois o tinha índices justos que a
reajustassem. O governo recorria a empréstimos para cumprir com suas obrigações
financeiras e para desempenhar a gestão mínima do país. A corrupção desgastava tanto o
Executivo, cujo ápice foi o impeachment do presidente Fernando Collor em 1992, quanto o
Legislativo, com o escândalo dos anões do orçamento em 1993. A implementação de um
ajuste fiscal era de extrema importância e necessidade para a economia do país.
Outro problema de destaque estava no Judiciário, inclusive é um problema que se
estende até os dias atuais. No diagnóstico do Poder Judiciário divulgado no ano de 2004 pelo
Ministério da Justiça
7
, se observa o fenômeno do acúmulo de processos desde o início da
década de 1990, dados do período mais remoto divulgado pela pesquisa. Em 1991, v.g., na
primeira instância da Justiça Federal, dos mais de 600 mil processos distribuídos, nem metade
foi julgada, e pouco mais de 100 mil foram remetidos aos Tribunais Regionais Federais.
Destes últimos, os desembargadores federais decidiram em cerca de 80 mil. A tendência dos
anos que se seguiram foi a alternância entre a manutenção ou mesmo a majoração desse
índice de contingenciamento.
A diferença entre a quantidade de processos distribuídos e de processos julgados não é
um fenômeno isolado na Justiça Federal, mas é constatada em todos os órgãos do Judiciário.
No Supremo Tribunal Federal (STF) se observa a mesma ocorrência: Entre 1991 e 1993,
cerca de 80 mil processos foram recebidos e distribuídos, sendo que perto de 60 mil foram
julgados.
A evolução do controle concentrado de constitucionalidade no Brasil, iniciado pela
Emenda Constitucional 16 de 1965, cujo objetivo era convergir as decisões de
interpretação da Constituição para um único órgão, não surtiu efeito prático na diminuição da
6O índice utilizado é o IPCA (índice de preços ao consumido amplo) utilizado atualmente pelo governo no
controle das metas de inflação. Fonte: IBGE, através do sítio <www.ibge.gov.br> Acesso em 28.06.2006.
7Disponível em: <http://www.mj.gov.br/reforma/pdf/publicacoes/diagnostico_web.pdf>. Acesso em:
28.06.2006.
quantidade de processos distribuídos. Nem mesmo a criação da ação direta de
inconstitucionalidade proporcionou resultados nesse sentido.
O Judiciário passou se preocupar com suas estatísticas recentemente, quando em
maio de 2005 publicou números do ano de 2003 referentes aos dados da Justiça Federal,
Estadual, do Trabalho, do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça
8
. Em
um relatório mais recente, publicado em 2005, que identificou o perfil das demandas do
Supremo Tribunal Federal entre os anos de 2002 e 2004, verificou-se que as ações diretas de
inconstitucionalidade não representaram mais que 0,27% dos processos registrados; não
houve sequer uma ação declaratória de constitucionalidade no universo de mais de 236 mil
processos registrados no período. Os recursos extraordinários, por outro lado, ações de caráter
de controle difuso de constitucionalidade, somam quase 40% dos processos inscritos
9
.
Diante desse quadro de crise institucional, o governo federal promoveu esforços no
sentido de propiciar o ajuste fiscal da economia e, ao mesmo tempo, estabelecer uma maneira
através da qual o referido ajuste não agravasse o problema do Judiciário, pois eventuais
reformas na área tributária normalmente causam disputas judiciais envolvendo um
significativo número de litigantes, que acabam por atrasar ou mesmo inviabilizar os planos
governamentais.
Assim, inicialmente foi apresentada a proposta de emenda constitucional pelo Deputado
Roberto Campos, na qual continha, entre variadas alterações que diziam respeito ao ajuste
fiscal, uma pequena parte reservada ao Judiciário, elaborada por Gilmar Ferreira Mendes e
Ives Gandra da Silva Martins. O projeto suprimia o inciso X do art. 52 da Constituição, que
prevê a suspensão da execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por
decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal. Por conseqüência, as decisões definitivas
proferidas pelo STF nos processos de controle de constitucionalidade de leis e atos
normativos e no controle de constitucionalidade por omissão, teriam eficácia erga omnes e
efeito vinculante para os órgãos e agentes públicos. Esse seria o novo conteúdo do § 2º do art.
102 da Constituição.
8 A Justiça em números: indicadores estatísticos do Poder Judiciário 2003. Disponível em:
<http://www.stf.gov.br/seminario/pdf/a_justica_em_numeros.pdf>. Acesso em 29.06.2006.
9Dados do Perfil das maiores demandas do Supremo Tribunal Federal, relatório realizado pelo Centro de
Pesquisas de Opinião Pública da Universidade de Brasília, referente a dados dos processos registrados de de
janeiro de 2002 a 30 de junho de 2004. Disponível em <www.stf.gov.br> Acesso em 29.06.2006.
O novo teor do § 3º, do mesmo artigo, teria uma previsão de lei complementar para
regulação da extensão da eficácia erga omnes para outras decisões do STF em outras espécies
de processos, e disciplinar a aplicação do efeito vinculante dessas decisões para os órgãos e
agentes públicos. E, finalmente, o § do art. 103 estabelecia que os legitimados a propor
ação direta de inconstitucionalidade poderiam intentar a ação declaratória de
constitucionalidade, que vincularia as instâncias inferiores, quando decidida no mérito
(MENDES, 1994, p. 79).
O texto original, porém, foi substituído pelo projeto do Deputado Luiz Carlos Hauly,
denominado Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 2, de 1993. A leitura da proposta
no plenário do Senado Federal foi feita no dia 04.02.1993 e em 17.03.1993 foi promulgada
a Emenda Constitucional 3. Em pouco mais de um mês a tramitação no Senado foi
concluída, um tempo muito exíguo para a relevância da matéria. Não só porque modificava as
regras do controle de constitucionalidade, mas pelas amplas alterações tributárias, como será
analisado no item seguinte. A título de comparação, a Emenda Constitucional 20, de 1998,
originada da PEC nº 33 de 1995, cuja matéria era reforma da previdência, precisou de mais de
dois anos para ser aprovada no Senado.
Essa brevidade da tramitação representa a eficaz coalizão formada pelo governo com o
intento de aprovar as novas medidas fiscais, junto com a nova ação declaratória de
constitucionalidade, como remédio para solucionar rapidamente as eventuais disputas
judiciárias advindas com a reforma. As diferenças entre a proposta original e o texto aprovado
serão verificadas a seguir.
3.2 As reformas implementadas pela Emenda Constitucional nº 3
O texto da Emenda Constitucional 3, aprovado pelo Congresso Nacional, promoveu
variadas modificações de cunho tributário e uma pequena mudança no controle de
constitucionalidade. Alterou os artigos 40, 42, 102, 103, 155, 156, 160, 167 da Constituição.
Autorizou a instituição do imposto provisório sobre movimentação ou transmissão de valores
e de créditos e direitos de natureza financeira, o IPMF. Eliminou o adicional ao imposto de
renda, de competência dos Estados, a contar dede janeiro de 1996. Prolongou a eliminação
do imposto sobre vendas a varejo de combustíveis líquidos e gasosos, de competência dos
Municípios para também dia de janeiro de 1996. Estabeleceu limites para emissão de
títulos da dívida pública emitidos pelos Estados, Distrito Federal e Municípios. E revogou
parte do art. 156, face às alterações promovidas nos artigos citados.
Os dispositivos alterados pela Emenda se relacionam diretamente à previdência, tributos
e controle de constitucionalidade. Sobre previdência, houve duas alterações que, inclusive, já
foram novamente modificadas pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998.
Na área tributária, a reforma deu nova redação ao § do art. 150, que antes
condicionava a anistia e a remissão tributárias à lei formal federal, estadual ou municipal,
passando também a exigir autorização legislativa para a concessão de subsídio ou isenção,
redução de base de cálculo, concessão de crédito presumido, o que limita a discricionariedade
do responsável pelo Poder Executivo (SLAIBI FILHO, 2000, p. 9). Também foi incluído o §
7º que determina que a lei poderá atribuir ao sujeito passivo de obrigação tributária a condição
de responsável pelo pagamento de imposto ou contribuição, cujo fato gerador deva ocorrer
posteriormente, assegurada a imediata e preferencial restituição da quantia paga, caso não se
realize o fato gerador presumido. Foram extintos o adicional sobre o imposto de renda de
competência dos Estados e do Distrito Federal, antes previsto no art. 155, II, e o imposto
sobre vendas a varejo de combustíveis líquidos e gasosos, exceto óleo diesel, anteriormente
estabelecido no art. 156, III. Foi também alterado dispositivo que regulava a repartição de
receitas tributárias do parágrafo único do art. 160, no entanto, foi novamente alterado desta
vez pela Emenda Constitucional 29, de 2000. Por fim, foi estabelecida nova proibição de
vinculação de receita de impostos, o inciso IV do art. 167. Esta última mudança já sofreu duas
alterações, uma pela Emenda Constitucional 29, de 2000 e outra pela 42, de 2003, esta
atualmente em vigor.
A modificação que tratou sobre controle de constitucionalidade proporcionou a
criaçãoda ação declaratória de constitucionalidade. O art. 102, I, a, da Constituição,
estabeleceu a nova competência do Supremo Tribunal Federal, de processar e julgar
originariamente a ação declaratória de constitucionalidade (ADC) de lei ou ato normativo
federal, ao lado da ação direta de inconstitucionalidade (ADIn) de lei ou ato normativo federal
ou estadual. Foi incluído o § 2º, do mesmo artigo, que estabeleceu a produção da eficácia
erga omnes e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e do
Poder Executivo, das decisões definitivas de mérito proferidas pelo STF em sede de ação
declaratória de constitucionalidade. E, finalmente, acrescentou-se o § 4º ao art. 103 que dispôs
sobre os legitimados a propor a ADC: Presidente da República, Mesa do Senado Federal,
Mesa da Câmara dos Deputados e o Procurador-Geral da República.
Vale lembrar que o texto do § do art. 102 atualmente tem nova redação, dada pela
Emenda Constitucional 45, de 2004, que determina a extensão do efeito vinculante para as
decisões em sede de ADIn. O § 4º do art. 103 foi revogado, pois a referida Emenda unificou o
rol de legitimados ativos das duas ações constitucionais. As reformas implementadas pela
Emenda Constitucional 45, de 2004, serão analisadas com maior riqueza de detalhes
posteriormente no item 3.6.
Destas disposições, observa-se que do teor de toda a Emenda Constitucional 3 mais
de 80% diz respeito a alterações de cunho previdenciário e tributário, exatamente as
mudanças intentadas pelo Executivo para efetuar os ajustes fiscais e das contas públicas. A
ação declaratória de constitucionalidade, no âmbito da referida Emenda, teve caráter acessório
em face da reforma tributária e financeira. Essa nova ação de controle de constitucionalidade,
a delimitação de seus legitimados ativos e seus efeitos foram bastante discutidos pela doutrina
(MARTINS; MENDES, 1994) e recentemente ainda se encontram opiniões no sentido de sua
inconstitucionalidade (BRAWERMAN, 2005). A polêmica acerca destes assuntos será
analisada no decorrer deste capítulo e no próximo, quando se tratará das decisões do Supremo
Tribunal Federal em sede de ação declaratória de constitucionalidade.
3.3 Ação declaratória de constitucionalidade
A ação declaratória de constitucionalidade (ADC) não é uma inovação propriamente
dita no ordenamento jurídico brasileiro. No máximo, pode-se dizer que é uma decorrência da
evolução da teoria de controle de constitucionalidade ocorrida no país.
No item 2.4 deste trabalho, analisou-se o desenvolvimento do controle de
constitucionalidade no Brasil desde a Constituição de 1824, onde foram evidenciadas três
etapas principais nas quais o controle concentrado de constitucionalidade ganhou significativo
espaço no Direito brasileiro.
A primeira foi a criação da representação interventiva pela Constituição de 1934,
utilizada em defesa dos princípios sensíveis constitucionais eventualmente descumpridos
pelos Estados, o que poderia justificar uma intervenção da União. o se tratava de controle
concentrado de constitucionalidade, mas apenas uma decisão sobre uma desavença entre
União e Estado membro. O Procurador-Geral da República, ao interpor a representação
interventiva não buscava a defesa dos interesses gerais, agia como advogado da Constituição
e representante da União.
A segunda etapa foi estabelecida pela Emenda Constitucional 16, de 1965, que
alterou a Constituição de 1946. A reforma trouxe a representação de inconstitucionalidade,
pela qual o Procurador-Geral da República requeria a declaração de inconstitucionalidade de
lei ou ato de natureza normativa federal ou estadual. Nesta oportunidade havia o controle de
constitucionalidade propriamente dito, pois a decisão era feita num processo sem partes,
objetivo, com o único propósito de encerrar a controvérsia constitucional suscitada. A terceira
fase ocorreu com a promulgação da Constituição de 1988 que fixou as novas diretrizes do
controle de constitucionalidade.
Nas duas primeiras fases é possível encontrar elementos originários da ação declaratória
de constitucionalidade. Naqueles contextos jurídicos, em não raras ocasiões, o Procurador-
Geral da República, único legitimado até então, apresentou parecer em sentido contrário ao
propor a representação interventiva e a representação de inconstitucionalidade. Isso significa
que o Chefe do Ministério Público ao peticionar uma representação de inconstitucionalidade,
provocado por terceiro v.g., demonstrava a controvérsia constitucional existente sobre o tema,
mas, se estivesse convencido de que a norma era constitucional, ofereceria parecer opinando
pela constitucionalidade da norma. Neste sentido, o Supremo Tribunal Federal recebeu
normalmente representações com pareceres semelhantes ao do exemplo citado: Representação
Interventiva nº 95, Relator Ministro Orozimbo Nonato, julgada em 30/07/1947.
A representação interventiva e de inconstitucionalidade possuía, portanto, caráter
dúplice ou ambivalente (MENDES, 1994, p. 69 e 75), apesar da inexistência de previsão
constitucional. A aceitação do parecer em sentido contrário foi construída tão somente por
entendimento jurisprudencial. O teor positivo ou negativo do pedido do Procurador-Geral da
República encaminhado ao STF dependeria do seu convencimento sobre a controvérsia
constitucional.
Dessa forma, a ação declaratória de constitucionalidade tem procedência direta do
entendimento jurisprudencial do STF em aceitar representação de inconstitucionalidade com
parecer opinando pela constitucionalidade da norma objeto da ão. Por isso não constitui
inovação. Porém, os motivos determinantes para sua previsão em texto constitucional estão
relacionados diretamente com os motivos que alimentaram a proposta de emenda à
Constituição que deu origem à Emenda Constitucional 3, de 1993: o ajuste fiscal e o
contingenciamento do Poder Judiciário.
É importante salientar que a ação declaratória de constitucionalidade não se confunde
com a avocatória, instituída pela Emenda Constitucional 7, de 1977 da Constituição de
1967, que vigorava no regime militar. Por meio desta, o Supremo Tribunal Federal poderia
suspender os efeitos das decisões proferidas em qualquer juízo ou tribunal, devolvendo o
conhecimento integral da lide, a pedido do Procurador-Geral da República, quando houvesse
perigo de grave lesão à ordem, à saúde, à segurança ou às finanças públicas. Este instituto não
possui razão de ser na ordem jurídica instalada pela Constituição de 1988, pois contraria os
princípios do juiz natural e do devido processo legal, na medida em que pretende devolver o
conhecimento integral da lide ao Supremo Tribunal Federal, órgão cuja competência
tradicional é de guardar a Constituição e não julgar casos concretos.
Os legitimados ativos da ADC resumiam-se ao Presidente da República, Mesas do
Senado e da Câmara Federal e o Procurador-Geral da República. Essa limitação pode ser
justificada pelo fato de que o objeto da ação declaratória de constitucionalidade é apenas lei e
ato normativo federal. Não fazia sentido, naquele contexto, a previsão dos atos normativos e
leis estaduais como objeto da ADC, nem que o Governador de Estado e Mesas de Assembléia
Legislativa, nem mesmo as entidades de classe figurassem como pólo ativo da ADC. O
objetivo do governo com a nova medida era assegurar a eficácia dos novos dispositivos fiscais
estabelecidos pela Emenda Constitucional. Qualquer desordem judicial na área tributária que
dificultasse as intenções do governo autorizava a utilização da ação declaratória de
constitucionalidade para dar solução final e rápida ao caso. Por isso o projeto original do
Deputado Roberto Campos não foi aprovado e sim substituído pelo o texto do Deputado
Hauly.
Nesse sentido concordam, inclusive, os Ministros Moreira Alves e Gilmar Mendes, no
julgamento da questão de ordem do agravo regimental na Reclamação 1.880, Relator
Ministro Maurício Corrêa, de 07.11.2002:
O SENHOR MINISTRO MOREIRA ALVES: (...) Foi necessária uma emenda
constitucional para que a ação declaratória de constitucionalidade essa eficácia que
se explicava [vinculante], por que ela foi colocada para atender aos interesses dos
Poderes Executivo e Legislativos Federais, tanto assim que diz respeito a leis
federais e não a leis estaduais (p. 306/307).
O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES: Isso ocorreu porque a Emenda
3, que absorveu a ação declaratória, tratava de reforma fiscal, e isso acabou
“funcionalizando” vamos usar essa expressão a ação declaratória e
constitucionalidade (p. 307).
O SENHOR MINISTRO MOREIRA ALVES: A ação declaratória foi incluída na
emenda, evidentemente, no interesse do Governo Federal, porque os legitimados
são restritos autoridades ou órgãos apenas federais e seu objeto o as leis e
os atos normativos federais (p. 344) (grifos nossos)
Mesmo com essa substituição dos projetos, os efeitos da ADC continuaram sendo os
previstos originariamente: erga omnes e vinculante. Há, porém, uma pequena ressalva. O
efeito vinculante da proposta original atingia os órgãos e agentes públicos; o texto aprovado
estabelece que o efeito vincula os demais órgãos do Poder Judiciário e o Poder Executivo,
melhor demonstrando os limites do efeito.
A ação declaratória de constitucionalidade denota uma ação direta que visa solucionar
controvérsia constitucional, com a finalidade de verificar a coerência da norma ou ato
normativo, exclusivamente federal, com a Constituição. Trata-se de processo no qual
inexistem partes ou lide. A decisão poderá declarar tanto a constitucionalidade como a
inconstitucionalidade
10
da lei ou ato normativo federal, cujos efeitos incidirão contra todos e
vinculante relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e ao Poder Executivo.
Para a ação declaratória de constitucionalidade ser impetrada, processada e julgada não
há necessidade de lei ordinária que a regule. O mesmo entendimento aplicado à ação direta de
inconstitucionalidade foi empregado à ADC. O Supremo Tribunal Federal não recusou
nenhuma ADIn ou ADC em virtude de inexistência de lei reguladora; se assim o fizesse, seria
incapaz de exercer o controle concentrado de constitucionalidade que lhe foi conferido pela
própria Constituição, limitando-se ao controle difuso mediante o julgamento de recursos
extraordinários e demais ações nas quais existam incidentalmente uma controvérsia
constitucional.
O Regimento Interno
11
do Supremo Tribunal Federal, que foi publicado antes da
Constituição de 1988, prevê em seus artigos 169 a 178 dispositivos que regulam a antiga
representação de inconstitucionalidade, que vigorava no ordenamento jurídico da Constituição
de 1967, época em que apenas o Procurador-Geral da República era legitimado para provocar
o Judiciário nesse sentido. Referidos artigos prevêem, sucintamente, um rito para a
representação de inconstitucionalidade: uma vez instaurado o processo não haverá
desistência; exige o quorum de oito ministros para o julgamento, sendo que pelo menos seis
ministros devem votar pela inconstitucionalidade ou constitucionalidade do ato impugnado
para a proclamação da decisão do pleno do Tribunal.
Os artigos foram atualizados pela Emenda Regimental 2, de 1985, e ganharam nova
interpretação com a Constituição de 1988. O art. 171, v.g., determina que seja aberta vista ao
Procurador-Geral para emissão de parecer, depois de recebidas as informações da autoridade
da qual tiver emanado o ato impugnado. No período da promulgação do Regimento, o
Procurador-Geral da República também fazia as vezes de representante da União, pois não
havia a Advocacia-Geral. Com a Constituição de 1988, art. 103, § 3º, determinou-se que o
Advogado-Geral da União deverá ser citado previamente para defender a constitucionalidade
10Sobre o tema, Lênio Streck (2004) desenvolve argumentação que defende uma simples o-declaração de
constitucionalidade quando do indeferimento da ação declaratória de inconstitucionalidade, e não a declaração
de inconstitucionalidade, da forma como a jurisprudência do STF e a Lei nº 9.868/1999 atualmente determinam.
11Disponivel em: <http://www.stf.gov.br>. Acesso em: 29.06.2006.
do ato normativo ou lei impugnada, substituindo assim o lugar ocupado pelo Procurador-
Geral da República.
Esses preceitos processuais, com a nova interpretação trazida pela Constituição de 1988,
foram plenamente aplicáveis, até o ano de 1999, à ação direta de inconstitucionalidade e,
consequentemente, à ação declaratória de constitucionalidade, por possuírem a mesma
natureza. Apesar de buscarem fins diametralmente opostos entre si, a ADC pode acabar
julgada improcedente, resultando numa declaração de inconstitucionalidade, ao passo que
negada a pretensão contida na ADIn, haverá uma declaração de constitucionalidade. Assim,
seria um contra-senso o regras processuais diferentes para os institutos da ADC e da ADIn.
Mesmo havendo regras processuais válidas e suficientes para o processamento da ADC
e da ADIn, foi promulgada em 10 de novembro de 1999 a Lei 9.868, que dispõe sobre o
processo e julgamento dessas ações constitucionais, a qual será examinada a seguir.
3.4 A Lei 9.868/1999
A Lei 9.868 de 10 de novembro de 1999 é fruto da aprovação do Projeto de Lei da
Câmara 10 de 1999 (nº 2.960/1997 na Câmara dos Deputados), cujo autor foi o Poder
Executivo. O texto legal, ao mesmo tempo, atualiza e detalha o disposto nos artigos 169 a 178
do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, que tratam sobre o processamento da
extinta representação de inconstitucionalidade.
A estrutura da Lei 9.868/99 foi dividida em quatro partes fundamentais. Inicialmente
regula a ação direta de inconstitucionalidade, discorrendo acerca de sua admissibilidade,
processo e medida cautelar. Em seguida, trata da ação declaratória de constitucionalidade, sob
o mesmo prisma. Adiante, define as regras para a decisão em sede das duas ações
constitucionais. E na sua parte final altera dispositivos do Código de Processo Civil e da Lei
8.185/1991 que dispõe sobre a organização judiciária do Distrito Federal e Territórios, que
não será aqui analisada.
3.4.1 Legitimação ativa e requisitos
A Emenda Constitucional 3 estabeleceu que os legitimados ativos da ADC são: o
Presidente da República, as Mesas do Senado Federal e da Câmara dos Deputados, e o
Procurador-Geral da República. Enquanto o grupo de legitimados ativos para propor ADIn é
formado pelo mesmo rol de legitimados ativos da ADC, somadas as Mesas das Assembléias
Legislativas dos Estados, a Mesa da Câmara Legislativa do Distrito Federal, os Governadores
de Estado e do Distrito Federal, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil,
partido político com representação no Congresso Nacional, as confederações sindicais e as
entidades de classe de âmbito nacional. Esta previsão de legitimados ativos também está
disposta na Lei nº 9.868/1999 nos seus artigos 2º e 13.
Com o advento da Emenda Constitucional 45, de 2004, o conjunto de legitimados da
ADC foi estendido e desde então os mesmos que podem propor ADIn podem provocar o
Supremo Tribunal Federal por meio de ação declaratória de constitucionalidade.
Em suma, os legitimados ativos das ações constitucionais possuem interesse que supera
a esfera privada ou estatal. O eventual ingresso de ação direta de inconstitucionalidade
configura legítimo interesse na defesa do interesse público, pois o fim último dessas ações é a
manutenção da coerência do ordenamento jurídico. Nesse sentido, os órgãos públicos
legitimados ativos dispensam a sua representação obrigatória por meio de advogado ou
procurador, havendo, inclusive, entendimento de que não é admitido “o Governador do
Estado ou a Mesa de corpo legislativo sejam representados exclusivamente por seus
procuradores” (SLAIBI FILHO, 2000, p. 158). Existe, no entanto, pensamento no sentido de
que o advogado é indispensável, absolutamente, para a administração da justiça (SORMANI,
2004, p. 100) e, dessa forma, a representação é necessária para o Presidente da República,
Mesas das Casas Legislativas, e para o Governador. O Procurador-Geral da República e o
Conselho da Ordem dos Advogados exercem a função que depende da capacidade
postulatória, sendo desnecessária a sua representação em juízo. As entidades de caráter
privado, estas sem divergências de entendimento doutrinário, necessitam de representação
para ingressar com ação declaratória de constitucionalidade.
Outra distinção entre as ações constitucionais está nos requisitos da petição inicial. Na
ADIn é preciso que se consigne o dispositivo da lei ou do ato normativo impugnado e os
fundamentos jurídicos do pedido em relação a cada uma das impugnações, bem como os
demais requisitos de qualquer petição inicial regulados pelo at. 282 do Código de Processo
Civil, sob pena de indeferimento no caso de inépcia.
No caso da ação declaratória de constitucionalidade, além dos requisitos da ADIn, a lei
exige a demonstração da existência de controvérsia judicial relevante sobre a aplicação da
disposição objeto da ação declaratória. Este requisito, que tem origem no Direito alemão
(MENDES, 2000) é de extrema importância para resguardar o princípio da presunção de
constitucionalidade de qualquer lei ou ato normativo. Do contrário, a qualquer momento
poderia ser impetrada esta espécie deão sem a devida necessidade, apenas para que o autor
seja agraciado pela declaração de constitucionalidade. O Supremo Tribunal Federal, nestas
circunstâncias, seria órgão de mera consulta e de homologação legal em relação à
Constituição, sancionador do Legislativo. Isso seria uma contrafação da competência do STF.
A ação declaratória de constitucionalidade foi criada para extinguir conflitos e o
apenas para a declaração pura e simples da constitucionalidade de uma lei ou ato normativo.
A partir do momento em que é promulgada uma lei ou editado um ato normativo não há o que
discutir sobre sua constitucionalidade, pois é presumido que sejam válidos e revestidos de
obrigatoriedade e de exigibilidade. Ocorre que, conforme Ana Maria Scartezzini (1994, p. 4),
a presunção não é absoluta, que “o administrado pode demonstrar que o ato contraria o
ordenamento jurídico [constitucional], mas essa prova deve ser feita, pois milita em sentido
contrário a legitimidade, em tese, do provimento emanado da Administração” e do Congresso
Nacional.
A autora prossegue defendendo que o princípio da presunção da constitucionalidade da
lei e do ato normativo deve informar “o intérprete ao aplicar a norma e o legislador ao
elaborar qualquer alteração da ordem jurídica, para resguardar a supremacia da Constituição,
a subordinação dos atos administrativos à lei, enfim, a tutela dos direitos públicos subjetivos”
(SCARTEZZINI, 1994, p. 5). E conclui que a ação declaratória de constitucionalidade está
“maculada pela eiva de inconstitucionalidade” porque afronta o princípio da presunção da
constitucionalidade da lei.
O argumento, apesar de utilizado antes da promulgação da Lei 9.868/1999, é
incoerente, pois a ação declaratória de constitucionalidade busca exatamente a manutenção da
supremacia constitucional do ordenamento jurídico. Nesse sentido é justificado, para que seja
processada e julgada, o requisito da demonstração da existência de controvérsia jurídica sobre
a constitucionalidade de determinada lei ou ato normativo. A polêmica de ordem
constitucional pode ser demonstrada quando diversos juízes singulares e tribunais de variadas
partes do país decidem de maneira contraditória entre si sobre a constitucionalidade de uma
lei específica.
Na ação direta de inconstitucionalidade a demonstração da discussão polêmica não é
necessária, visto que, diante da necessidade de declaração de nulidade da norma
inconstitucional, a qualquer dos legitimados é lícita a provocação do Supremo Tribunal
Federal para garantir a coerência do ordenamento jurídico e o cumprimento da Constituição.
É requerida apenas a exposição dos fundamentos jurídicos para a impugnação da norma. No
entanto, a existência da controvérsia não impede a proposição da ADIn, ao contrário, também
contribui para a solução da discussão, pois os legitimados que entendam inconstitucional a lei
ou ato normativo, ao invés de intentarem uma ADC, proporão uma ADIn.
Faz-se mister salientar que a demonstração da relevante controvérsia não se resume a
exposição de dados estatísticos das decisões judiciais conflitantes entre si. Segundo Gilmar
Mendes (2000), a situação de incerteza não decorre dos órgãos políticos responsáveis pela
edição do texto normativo objeto da ação ou “da leitura e aplicação contraditória de normas
legais pelos vários órgãos judiciais, mas da controvérsia ou dúvida que se instaura entre os
órgãos judiciais, que de forma quase unívoca adotam uma dada interpretação”. Assim, a
controvérsia deve ser relevante ao ponto de atingir o princípio de presunção de
constitucionalidade das leis e atos normativos.
O fim a que se destina a ação declaratória de constitucionalidade é a proteção da
segurança jurídica, é evitar circunstâncias de perplexidade social, de grave comprometimento
da estabilidade do ordenamento vigente no país. Essa finalidade é coberta da mesma
importância fundamental da ADIn no exercício do controle jurisdicional de
constitucionalidade, que é o de expulsar a lei ou ato normativo inconstitucional do
ordenamento jurídico.
A segurança jurídica é almejada por todos da sociedade, pois ela garante a estabilidade
do cumprimento das normas reguladoras da atividade estatal e privada. Nesse sentido, as
decisões judiciais orientarão a conduta do Estado e dos indivíduos, na medida em que, ao
interpretar as leis e a Constituição, produz em caráter definitivo, a solução final para os
conflitos. É da própria natureza da função jurisdicional a garantia da segurança jurídica. Para
que o ordenamento jurídico tenha eficácia plena, “é necessário que as normas jurisdicionais
gozem de uma grande estabilidade, pois se pudessem ser revogadas facilmente frustraria sua
finalidade” (ROCHA, 1995, p. 24).
No julgamento da ADIn 3.685, a Ministra Relatora Ellen Grace assim se pronunciou
sobre a segurança jurídica:
Onde, quando nasce e para que serve a segurança jurídica? As considerações de
WEBER (...) são suficientes ao esclarecimento dessas questões: as exigências de
calculabilidade e confiança no funcionamento da ordem jurídica e na
Administração constituem uma exigência vital do capitalismo racional; o
capitalismo industrial depende da possibilidade de previsões seguras --- deve poder
contar com estabilidade, segurança e objetividade no funcionamento da ordem
jurídica e no caráter racional e em princípio previsível das leis e da Administração.
Pois o direito moderno presta-se precisamente a instalar o clima de segurança, em
termos de previsibilidade de comportamentos, sem o qual a competição entre
titulares de interesses em permanente oposição, no seio da sociedade civil, não
fluiria plenamente.
A preocupação com a segurança jurídica não é recente entre pensadores brasileiros.
Amaro Cavalcanti (1983, p. 315), no ano de 1901, alertava sobre as mazelas que o estado de
incerteza jurídica poderia causar:
O que queremos assinalar é a inconveniência enorme que resulta dessa conduta,
incerta, contraditória do Supremo Tribunal Federal, ao interpretar, segundo as
épocas o conforme a maioria ocasional de seus membros, a verdade jurídica, que se
contem num mesmo texto da Constituição! (...) Mas, se o mesmo texto
constitucional hoje significa sim e amanhã não; hoje significa liberdade, e
amanhã a prisão ou o desterro; então é forçoso convir que, desta forma, o poder
judiciário já não constituirá verdadeira garantia, nem para a Administração Pública,
nem tão pouco, para os indivíduos, quando, porventura, ofendidos nos seus direitos
e liberdades...
A Constituição de 1988 possui como característica a rigidez, portanto é necessário um
procedimento especial para sua reforma. Apesar dessa possibilidade de reforma,
dispositivos constitucionais invioláveis, o chamado “núcleo duro” da Constituição, as
cláusulas pétreas. Entre elas, estabelecidas no art. 60, § 4º, estão os direitos e garantias
fundamentais. Um deles, o art. 5º, XXXVI, determina os mecanismos para a efetiva prestação
jurisdicional que deve satisfazer a necessidade de segurança jurídica para a estabilidade
social: “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”.
Caso as decisões judiciais sobre a mesma espécie fática não sejam coerentes com o
ordenamento jurídico constitucional, o Poder Judiciário, ao invés de promover a solução dos
conflitos, estará impulsionando-os, “na medida em que a instabilidade gerada atua
fomentando o sentimento de litigiosidade, e não de pacificador das relações sociais”
(TOSTES, 2004, p. 14).
Esse problema se agrava quando o caso concreto envolve direitos individuais
homogêneos: inúmeros processos que têm por objeto direitos de origem comum, os mesmos
pedidos e causas de pedir (MEIRELLES, 2003, p. 190). A disparidade de entendimentos em
causas cujo objeto são direitos individuais homogêneos, em não sendo logo resolvida poderá
causar grave insegurança jurídica e o conseqüente sentimento da sociedade de descrédito no
Judiciário, pois além da lentidão em proferir decisões, estas se manifestariam com conteúdos
opostos ou contraditórios entre si.
Uma situação de insegurança jurídica conhecida por muitos brasileiros foi a que ocorreu
com os índices de correção monetária dos saldos das contas do Fundo de Garantia do Tempo
de Serviço, referente aos meses de dezembro de 1988, fevereiro de 1989 e abril de 1990. Os
saldos não sofreram atualização monetária da inflação nestes meses por medida dos planos
econômicos Verão e Collor I. Esse fato gerou o ingresso de milhares de ações judiciais com o
mesmo pedido e causa de pedir e, naturalmente, diante da complexidade da matéria, em face
dos variados índices de correção monetária, as decisões dos juízes e tribunais não foram
uníssonas. Apenas com a decisão proferida em 31.08.2000 no Recurso Extraordinário
226.855, Relator Ministro Moreira Alves, foi determinada uma orientação de cunho definitivo
para a solução do conflito, pois foi proferida pelo Supremo Tribunal Federal. A problemática
foi tamanha que foi editada a Lei Complementar 110, de 29 de junho de 2001, que
tacitamente reconheceu os erros cometidos na correção dos saldos das contas dos
trabalhadores, quando autorizou o crédito do complemento das atualizações monetárias às
custas do próprio FGTS.
A citada situação de insegurança jurídica, por questões de ordem prática, não poderia ser
resolvida através de ão declaratória de constitucionalidade. A finalidade da exposição do
ocorrido foi a de evidenciar as conseqüências que podem resultar uma situação de insegurança
jurídica causada por decisões judiciais incoerentes sobre a mesma espécie fática, e do
importante papel que a ADC possui nesse sentido.
Diante do exposto, a justificativa fundamental da necessidade de demonstração da
existência de controvérsia judicial relevante quando da proposição da ADC está na proteção
do princípio da supremacia constitucional e da segurança jurídica.
3.4.2 Procedimento e medida cautelar
A Lei 9.868/1999 estabelece as regras do processamento da ação declaratória de
constitucionalidade no Supremo Tribunal Federal. Esse processo é caracterizado pelo
conteúdo político, pois a Constituição atribuiu ao STF a competência de “verificar a
compatibilidade dos atos genéricos e abstratos em face da Lei Maior, independente da
ocorrência de determinada situação concreta” (SLAIBI FILHO, 2000, p. 100).
Apesar da natureza essencialmente política do processo da ação declaratória de
constitucionalidade, a decisão proferida obedece aos princípios das decisões judiciais comuns
e possuem os mesmos requisitos. O acórdão do STF em ADC deve conter relatório,
fundamentação e dispositivo, assim como qualquer decisão de Tribunal de Justiça ou juiz
singular que julga o caso concreto.
Além da essência política do processo da ação declaratória de constitucionalidade, existe
outra característica essencial, qual seja: trata-se de processo objetivo, pois não cuida de
solucionar questões conflituosas entre particulares ou de um caso singular, e sim de proteger a
ordem jurídica constitucional do país, por meio do julgamento em tese dos atos estatais de
caráter normativo que estejam em desconformidade com a Constituição.
Assim, nesta espécie de processo não partes componentes de uma lide propriamente
dita. O conflito existente é entre a norma e a Constituição. Os legitimados ativos poderão
figurar como autores da ação, mas não haverá um réu, tampouco alguém figurará como
defensor da inconstitucionalidade. Como os legitimados ativos são os legítimos defensores da
ordem pública, visto que requerem a manutenção do princípio da supremacia constitucional,
não sentido admitir a desistência do processo depois de proposta a ação. Essa regra foi
positivada pela Lei 9.868/1999 no art. 5º, para a ação direta de inconstitucionalidade, e no
art. 16 para a ação declaratória de constitucionalidade.
O Ministério Público, nas ações constitucionais, representado pelo Procurador-Geral da
República, não se limita à prerrogativa de legitimado ativo. A Lei 9.868/1999 estabelece
que em toda e qualquer ADIn ou ADC o Procurador-Geral se manifestará sobre o mérito do
conflito, opinando pela constitucionalidade ou não da norma (art. e 19). Essa atividade
decorre do papel do Ministério Público de defender a ordem jurídica, o regime democrático e
os interesses individuais e sociais indisponíveis, nos termos do art. 127 da Constituição
Federal. O parecer emitido auxiliará no convencimento dos Ministros do Supremo Tribunal
Federal no julgamento da ação.
Não necessidade de atuação do Advogado-Geral da União em sede de ação
declaratória de constitucionalidade, visto que o próprio autor é interessado em demonstrar a
indispensável declaração de constitucionalidade da norma em questão. No processo de ão
direta de inconstitucionalidade, o art. 103, § da Constituição de 1988 determina a
obrigatoriedade da manifestação do Advogado-Geral pela defesa da lei ou ato normativo
impugnado. É deveras peculiar a atuação do Advogado-Geral da União no processamento da
ADIn proposta pelo Presidente da República, pois terá que defender a constitucionalidade da
norma, indo de encontro com o entendimento do próprio chefe do Poder Executivo federal
que, inclusive, tem a competência de lhe nomear ao cargo. Outra peculiaridade é a
possibilidade de defesa de norma estadual, objeto de ADIn, mesmo sendo o Advogado-Geral
representante da União.
Nesse sentido, o propósito do art. 103, § 3º, da Constituição é atribuir a tarefa de
defender a constitucionalidade de seja qual for a lei ou ato normativo impugnado em sede de
controle de constitucionalidade. Nos casos em que não refutação de ato ou texto
normativo, não necessidade de atuação do Advogado-Geral da União. A ação declaratória
de constitucionalidade é um deles, por isso a ausência de previsão da atuação deste sujeito
pela Lei nº 9.868/1999 e pela Constituição Federal.
A natureza das ões de controle de constitucionalidade não permite a intervenção de
terceiros no processo. Esse entendimento foi positivado nos arts. 7º e 18 da Lei nº 9.868/1999.
Como analisado, trata-se de processo objetivo, sem partes interessadas na solução de um
conflito de caso concreto. A intervenção de terceiros nos processos comuns ocorre através dos
institutos da oposição, da nomeação à autoria e da denunciação da lide. Em todas essas
hipóteses existe o interesse do terceiro intervir no processo por questões intrínsecas ao caso
particular analisado. Portanto, a essência do processo objetivo inviabiliza a intervenção de
terceiros.
Por outro lado, a Lei 9.868/1999 no seu art. 7º, § 2º, admite o pedido de manifestação
de outros órgãos ou entidades, cujo deferimento dependerá da relevância da matéria e a
representatividade dos postulantes. Esses órgãos e entidades quando requerem manifestação e
tem o pedido deferido são chamados de amicus curiae. Apesar da Lei regular o processo de
controle concentrado, a figura do amicus curiae também existe no controle difuso, que no
âmbito dos “processos comuns e ainda que, às vezes, com a possibilidade, para certas
autoridades federais ou estaduais, de intervir no processo ou de dirigir ao tribunal (...)
exposição escrita em que (...) manifestam (...) sua opinião sobre a questão de
constitucionalidade” (CAPPELLETTII, 1999, p. 103). Essas autoridades não são consideradas
partes no caso concreto, caracterizam-se como “terceiros interessados em facilitar a tarefa dos
juízes”.
A Lei 9.868/1999 originalmente previu a participação de amicus curiae tanto no
processo da ação direta de constitucionalidade quanto da ação declaratória de
constitucionalidade. O Presidente da República, no uso da suas atribuições constitucionais,
todavia, vetou o § do art. 18, que previa a possibilidade para o processo da ADC. Na
mensagem de veto, o Presidente justifica que a manifestação poderia prejudicar a celeridade
processual. Ocorre que a manifestação em sede de ADIn do amicus curiae é legalmente
possível e vinculada ao despacho do relator, mas não obrigatória. Cumpre salientar que os
processos da ADIn e ADC são da mesma índole de maneira que o veto presidencial não se
justifica. No mesmo sentido, Zeno Veloso (2003, p. 293) não razão para o veto, pois se
para a ADIn a abertura foi permitida e importa na melhor discussão sobre o controvérsia
constitucional, conferindo-lhe caráter pluralista, a ADC absorveria os mesmos benefícios.
A jurisprudência do STF, apesar do veto presidencial, admite o ingresso de entidades na
qualidade de amicus curiae em processo de ação declaratória. A ADC 12, v.g, além do
requerente (Associação dos Magistrados Brasileiros), seis interessados, entre eles o
Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro e o Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil. Frise-se que as entidades não obrigatoriamente figuram no rol de
legitimados ativos, como é o caso do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro.
Não o que confundir a figura do amicus curiae com a prerrogativa do relator de
requisitar informações adicionais, designar perito ou comissão de peritos para que emita
parecer sobre a questão ou fixar data para, em audiência pública, ouvir depoimentos de
pessoas com experiência e autoridade na matéria. Essa requisição depende da relevância do
tema, das circunstâncias de fato e de manifesta insuficiência de informações no bojo do
processo. A Lei 9.868/1999 estabelece essa possibilidade nos processos de ADIn e ADC
nos artigos 9º, § 1º e 20, § 1º, respectivamente.
A ação direta de inconstitucionalidade e a ação declaratória de constitucionalidade
permitem pedido de medida liminar. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal
permitia a admissão dessa espécie de pedido na antiga representação de inconstitucionalidade,
segundo o entendimento proferido na Representação 933. Com a Constituição de 1988,
estabeleceu-se a possibilidade de conhecimento de medida cautelar em ação direta de
inconstitucionalidade no art. 102, I, p. Por outro lado, mesmo sem expressa previsão
constitucional, admitiu o STF a admissão de medida cautelar em a ação declaratória de
constitucionalidade
12
, embora não estipulada pela Emenda Constitucional 3. A Lei
9.868/1999, por sua vez, positivou esse entendimento jurisprudencial nos arts. 10 a 12 para a
ADIn e art. 21 para a ADC. No entanto, a Emenda Constitucional 45, que muito
harmonizou as diferenças entre ADC e ADIn, não fixou a admissão de medida cautelar para
ADC.
Se assim não entendesse o STF a ão declaratória de constitucionalidade teria
prejudicada sua finalidade principal, qual seja a solução rápida da controvérsia judicial
evitando as conseqüências da insegurança jurídica provocada por decisões, que tratam sobre a
lei impugnada, incoerentes entre si. Durante o processo, esse conflito gerado pela controvérsia
relevante poderia se agravar e a medida liminar é um instrumento cabível para assegurar a
plena aplicação da lei discutida até a decisão definitiva.
Para tanto, é determinado que os juízes e Tribunais suspendam o julgamento dos
processos cujo objeto envolva a aplicação da lei ou do ato normativo objeto da ação até seu
julgamento definitivo proferido pelo Supremo Tribunal Federal. Além disso, o STF tem o
prazo de cento e oitenta dias para proferir decisão final, contados a partir da concessão da
medida cautelar, sob pena de perda da eficácia desta. É o que está determinado pela Lei
9.868/1999 art. 21 e seu parágrafo único.
A estipulação de prazo para julgamento definitivo da ação foi levantada pela primeira
vez pelo Ministro Nelson Jobim na decisão da medida cautelar na ADC 4, quando se
discutiu a admissão dessa espécie de medida em processo de ação declaratória de
constitucionalidade. Sua intenção era de minimizar o estado de incerteza sobre a
constitucionalidade da norma objeto da ação, evitando que os processos a ela vinculados
ficassem indefinidamente suspensos até o julgamento definitivo da ADC.
O art. 21 da Lei nº 9.869 foi muito questionado durante a tramitação do projeto de lei na
Câmara dos Deputados e no Senado Federal. Os congressistas argumentaram que a medida
liminar em sede ação declaratória de constitucionalidade significaria o retorno da antiga
12ADC nº 4, Relator Min. Sydney Sanches. DJ de 11.02.1998.
avocatória, não recepcionada pela Constituição de 1988, por atingir os princípios do juiz
natural, do duplo-grau de jurisdição e do devido processo legal. Neste sentido votaram os
Deputados Aldo Arantes e Miro Teixeira e os Senadores José Eduardo Dutra e Marina Silva
(VELOSO, 2003, p. 289). As propostas destes parlamentares não foram apoiadas e restou
aprovado o atual texto do art. 21 e seu parágrafo único.
Desde a promulgação da Lei houve apenas uma oportunidade de deferimento de medida
liminar e a conseqüente decisão definitiva da ação declaratória de constitucionalidade. Foi no
julgamento da ADC 9, Relator Ministro Néri da Silveira. Nesta ocasião, a liminar foi
deferida em 28.06.2001 e o julgamento final, procedente, ocorreu em 13.12.2001, o que
simboliza o cuidado e atenção por parte do STF ao disposto na lei, perseguindo a finalidade
da rápida solução da controvérsia constitucional. Do contrário, a segurança pretendida, com a
demora da decisão definitiva, geraria insegurança e desagrado, pois as decisões dos juízes e
tribunais ficariam suspensas por tempo indeterminado, sem previsão para a satisfação do
direito. Seria um emblema da concentração injustificada da decisão judicial nas mãos dos
Ministros do Supremo Tribunal Federal, que impediria a normal resolução dos conflitos
promovida pela jurisdição, algo inconcebível pela ordem jurídica atual.
Diante do disposto, a decisão em medida cautelar em ação declaratória de
constitucionalidade tem os mesmos efeitos da sua decisão final, quais sejam: erga omnes e
vinculante aos demais órgãos do Poder Judiciário e do Poder Executivo.
É importante evidenciar que não é possível a concessão de medida liminar sem prévia
provocação do legitimado ativo. No pedido, o interessado deverá demonstrar os pressupostos
para o deferimento da medida: o fumus boni iuris e o periculum in mora. O primeiro resta
configurado quando o magistrado reconhece a possibilidade de decidir favoravelmente o
pedido, pois vislumbra suficiente verossimilhança entre o Direito e os fatos e provas
apresentados. O segundo pressuposto é caracterizado pelo risco de grave ocorrência de dano
grave e de difícil reparação enquanto se aguarda a decisão definitiva (SANTOS, 2002, p.
300).
Dificilmente numa ocasião que justifique a interposição de uma ação declaratória de
constitucionalidade não se encontrarão os pressupostos do fumus boni iuris e do periculum in
mora. Isso ocorre por causa do requisito ensejador da ADC: a controvérsia judicial relevante.
A existência deste requisito presume um perigo de lesão do princípio da supremacia
constitucional e da segurança jurídica preconizada pela sociedade, pelo que se demonstra o
periculum in mora. A confirmação efetiva da relevância da controvérsia constitucional indica
o fumus boni iuris. Assim não será apenas se a norma objeto da ADC for manifestamente
inconstitucional. Resta ao legitimado ativo reduzir a termo os pressupostos para ter deferido
seu pedido de medida liminar.
3.4.3 Decisão
Para a proclamação da decisão definitiva em sede de controle de constitucionalidade é
necessária a presença de pelo menos oito dos onze Ministros que compõem o Supremo
Tribunal Federal. É uma forma de garantir uma participação razoável do corpo judicial no
âmbito do controle de constitucionalidade, de forma que a supremacia da Constituição seja
vigiada com prudência. Esse regramento encontra-se no art. 22 da Lei nº 9.868/1999.
Outro requisito fundamental exigido desde a Constituição de 1934 é a maioria absoluta.
A Constituição de 1988 estabelece essa condição no seu art. 97, e a Lei 9.868/1999 no art.
23. Segundo essa exigência, para que seja declarada a constitucionalidade ou a
inconstitucionalidade será necessário o voto de, no nimo, seis Ministros. Assim, se na
ADIn não for constituída maioria absoluta, a norma será declarada constitucional; na ADC, se
não votarem no mesmo sentido seis Ministros, será a lei ou ato normativo declarado
inconstitucional. Caso não seja alcançada a maioria absoluta e o número de Ministros
ausentes possa influenciar no resultado, mesmo estando presentes o mínimo de oito, a sessão
será suspensa e posteriormente reaberta até que se atinja o sexto voto pela constitucionalidade
ou inconstitucionalidade sobre o objeto da ação.
A decisão tanto em sede de ADC quanto em ADIn terá efeito erga omnes e vinculante
aos demais órgãos do Poder Judiciário e ao Poder Executivo das esferas federal, estadual e
municipal; é o que dispõe o parágrafo único do art. 28 da Lei9.868/1999. Ocorre que até o
advento da ação declaratória de constitucionalidade, trazida pela Emenda Constitucional 3,
de 1993, não havia previsão de efeito vinculante no ordenamento jurídico brasileiro. Na
oportunidade da promulgação da referida Emenda, o efeito vinculante foi dedicado
exclusivamente a ADC e não a ADIn. Essa diferenciação decorre das alterações na proposta
original de emenda a Constituição durante sua tramitação no Congresso Nacional. No projeto
elaborado por Gilmar Ferreira Mendes e Ives Gandra da Silva Martins, o efeito vinculante
seria qualidade das decisões na ADC e na ADIn.
A Lei 9.868/1999, em seu art. 28, parágrafo único, apesar da inexistência de previsão
constitucional, deu à declaração de inconstitucionalidade o efeito vinculante, que até então era
restrito à declaração de constitucionalidade. Apesar das críticas, prevaleceu o entendimento de
que a ação declaratória de constitucionalidade e a ação direta de inconstitucionalidade são
congêneres não apenas no objeto, como também nos efeitos da decisão. São espécies de
fiscalização objetiva que, em ambas, traduzem manifestação definitiva do Supremo Tribunal
Federal quanto à conformação da norma com a Constituição. Esse entendimento foi
sustentado no julgamento da questão de ordem do agravo regimental na Reclamação nº 1.880,
Relator Ministro Maurício Corrêa, julgado em 07/11/2002. Destaca-se do inteiro teor do
acórdão deste julgamento as palavras do Ministro Sepúlveda Pertence, que defendeu a
constitucionalidade do parágrafo único do art. 28 da Lei nº 9.868/1999.
O SENHOR MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE: (...) Parecia-me
efetivamente, e o declarei várias vezes ser “kafkiano” o cenário, ainda pouco
recordado pelo eminente Ministro Carlos Velloso: o de que esses onze venerandos
cidadãos, reunidos nesta Sala, proferissem uma decisão numa ação direta de
inconstitucionalidade e, no dia seguinte, se tivesse que propor uma ação
declaratória de constitucionalidade para obter-se deles mesmos e nesta mesma sala
um “plus” à decisão anterior, o efeito vinculante, que a primeira decisão não teria
(p. 334).
O Ministro Moreira Alves proferiu voto vencido, sugerindo a incapacidade de se
transferir o efeito vinculante da ADC para a ADIn, tendo em vista que a ação declaratória de
constitucionalidade não consubstancia uma ação direta de inconstitucionalidade às avessas:
O SENHOR MINISTRO MOREIRA ALVES: (...) Hoje, escutei inúmeras vozes
dizendo que esse efeito [vinculante] é ínsito, decorre da Constituição. Então, não
havia necessidade de lei alguma. O Tribunal jamais entendeu assim, apesar de ter sido
chamado à ordem nessa matéria, (...) e nessas ocasiões, com a maioria aqui presente,
não tivemos tal percepção apesar de a nossa atenção ter sido despertada para o
problema. Foi preciso uma lei para dizer ao Supremo Tribunal Federal, que construiu
quase tudo o que nela está, o que ele não sabia, ou seja, que esse efeito [vinculante]
era imanente à ação direta de inconstitucionalidade tão pelo fato de um
excepcional dispositivo constitucional tê-lo estabelecido com relação à ação
declaratória, que o é, data vênia do Ministro Sepúlveda Pertence, uma ação direta
de inconstitucionalidade às avessas (...) (p. 342-343).
Para evitar que os efeitos da decisão declaratória de constitucionalidade causem
incidentes, é preciso que se faça sua delimitação tanto objetiva quando subjetiva. No âmbito
do efeito erga omnes, apenas o conteúdo da parte dispositiva da decisão declaratória de
constitucionalidade alcança todos. Assim, a validade da lei questionada não foi maculada,
permanece sua vigência e não impede que o legislador a modifique ou a revogue. O efeito
erga omnes atinge inclusive o Supremo Tribunal Federal e, à primeira vista, fica impedido de
reavaliar a constitucionalidade da mesma norma, sendo obrigado, por exemplo, a repetir no
controle difuso, no recurso extraordinário, o julgamento proferido em sede de ADC. Meirelles
(2003, p. 377) esclarece, todavia, que esse impedimento se dá apenas em primeiro plano sob o
prisma estritamente processual.
Ocorre que a decisão declaratória de constitucionalidade poderia estar equivocada,
sendo, na verdade, a lei inconstitucional. Um embaraço de uma nova apreciação significaria
que a lei seria superior à própria Constituição, pois estaria protegida pela decisão com efeito
erga omnes.
Um novo exame da lei declarada constitucional poderia ser justificado apenas em
hipóteses especiais devidamente justificadas, como quando ocorre uma mudança de conteúdo
da constituição ou da própria norma objeto da decisão. Mendes (1994, p. 96) cita Brox e
Bryde, doutrinadores do ordenamento germânico que defendem esse entendimento. Segundo
Brox:
Se se declarou, na parte dispositiva da decisão, a constitucionalidade da norma,
então se admite a instauração de um novo processo para aferição de sua
constitucionalidade se o requerente (...) demonstrar que se cuida de uma nova
questão. Tem-se tal situação se, após a publicação da decisão, verificar-se uma
mudança do conteúdo da Constituição ou da norma objeto do controle, de modo a
permitir supor que outra poderá ser a conclusão do processo de subsunção. Uma
mudança substancial das relaçõesticas ou da concepção jurídica geral pode levar
a essa alteração.
No mesmo sentido, Bryde argumenta a possibilidade de revisão da decisão, pois o
Direito e a própria Constituição estão sujeitos à mudanças em razão do decurso de tempo e
das novas aspirações da sociedade, de forma que uma lei constitucional poderá não ser mais
no futuro:
Se se considera que o direito e a própria Constituição estão sujeitos à mutação e,
portanto, que uma lei declarada constitucional pode vir a tornar-se inconstitucional,
tem-se de admitir a possibilidade de a questão decidida pode ser submetida
novamente à Corte Constitucional. (...) O objetivo deve ser uma ordem jurídica que
corresponda ao respectivo estágio do direito constitucional e não uma ordem
formada por diferentes níveis de desenvolvimento, de acordo com o acaso da
eventual aferição da legitimidade da norma a parâmetros constitucionais diversos.
(...) Nossos conhecimentos sobre o processo de mutação constitucional exigem,
igualmente, que se admita nova aferição da constitucionalidade da lei no caso de
mudança da concepção constitucional.
Dessa forma, não motivos para impedir uma nova apreciação pelo Supremo Tribunal
Federal da lei anteriormente declarada constitucional quando, apenas, houve mudança nas
circunstâncias fáticas ou de intensa modificação da compreensão jurídica, como uma reforma
constitucional.
Com relação à decisão que declara a inconstitucionalidade de lei e o seu conseqüente
expurgo do ordenamento jurídico, o efeito erga omnes não impede que o Legislativo produza
novamente lei de conteúdo semelhante ao declarado inconstitucional. Isso ocorre pelo fato do
efeito erga omnes ser restrito à parte dispositiva da decisão; inclusive esse é o entendimento
do Supremo Tribunal Federal proferido na ADIn 907, Relator Ministro Ilmar Galvão.
Embora não exista o impedimento, o Legislador na prática se limitado pela decisão
judicial, pois toda vez que produzir a norma de conteúdo declarado inconstitucional o STF
poderá, se provocado, repetir o julgamento anterior.
O efeito vinculante das decisões declaratórias de constitucionalidade pode gerar
incidentes semelhantes ao quais ocorrem com o efeito erga omnes. Na exposição dos motivos
da proposta de emenda constitucional do Deputado Roberto Campos havia um esclarecimento
fundamental da abrangência do conceito do efeito vinculante, no sentido de diferenciá-lo do
efeito erga omnes: “trata-se de instituto jurídico desenvolvido no Direito alemão (...),
assegurando força vinculante não apenas à parte dispositiva da decisão, mas também aos
chamados fundamentos ou motivos determinantes (tragende Gründe)” (MENDES, 1994, p.
84) (grifo original).
Embora essa elucidação estivesse na exposição dos motivos da proposta de emenda
constitucional, não significa que o limite objetivo do efeito vinculante fosse assim
interpretado pelo Supremo Tribunal Federal. Havia a polêmica de que a vinculação atingisse
não apenas a parte dispositiva e os motivos determinantes que levaram o julgador a assim
decidir. As partes ditas de passagem da decisão, os chamados obter dicta, também poderiam
gozar do efeito vinculante. O entendimento proferido pelo STF acompanha o alcance do
efeito vinculante conforme explicado na proposta de emenda constitucional do Deputado
Roberto Campos, abrangendo, portanto, tanto a parte dispositiva quanto as causas
determinantes da decisão. Essa opinião foi referendada na decisão da Reclamação 2.363,
Relator Ministro Gilmar Mendes, com o argumento de que, se assim não fosse, o efeito
vinculante se assemelharia ao efeito erga omnes, restando inútil seu papel na ordem jurídica.
Em relação aos limites subjetivos do efeito vinculante, este alcançará os demais órgãos
do Poder Judiciário e ao Poder Executivo. Face à vinculação dos motivos determinantes da
decisão, os órgãos da administração pública e do Poder Judiciário devem obedecer não apenas
à parte dispositiva do acórdão proferido pelo STF, “mas a norma abstrata que dela se extrai,
isto é, que determinado tipo de situação, conduta ou regulação e não apenas aquele objeto
do pronunciamento jurisdicional é constitucional ou inconstitucional e deve, por isso, ser
preservada ou eliminada” (MENDES, 1994, p. 104).
Nos casos de desobediência, qualquer interessado em ver prevalecente acórdão
formalizado no controle concentrado de constitucionalidade poderá interpor reclamação no
Supremo Tribunal Federal para que este preserve a autoridade de suas decisões, nos termos do
art. 102, I, l, da Constituição de 1988. Essa possibilidade, no entanto, nem sempre foi
possível. O entendimento do STF era permitir que apenas os legitimados ativos das ações em
sede de controle de constitucionalidade pudessem ingressar com reclamação para fazer valer a
autoridade dos acórdãos, conforme decisão na questão de ordem na medida cautelar na
Reclamação 397, Relator Ministro Celso de Mello, de 25.11.1992. A evolução da
jurisprudência foi consolidada no acórdão da Reclamação 2.398, Relator Ministro Marco
Aurélio, de 06.10.2005, e agora a legitimidade é estendida a qualquer interessado.
O efeito vinculante não pode, nem deve, submeter o próprio órgão responsável pela
decisão: o Supremo Tribunal Federal. Seria um contra-senso que causaria conseqüências
graves, como o desrespeito à supremacia da Constituição. A auto-vinculação acarretaria um
verdadeiro engessamento da jurisprudência que não poderia acompanhar o desenvolvimento
constitucional e as transformações sociais. O STF não poderia declarar inconstitucional lei
antes entendida constitucional, no caso de mudança da interpretação feita pelos Ministros,
nem mesmo após terem ocorrido modificações das circunstâncias fáticas ou da concepção da
ordem jurídica, conforme teorizado por Bryde e Brox.
Os efeitos temporais ex tunc, ex nunc e pro futuro não são conferidos à decisão que
declara a constitucionalidade de lei ou ato normativo, pois possuem razão de ser nas
declarações de inconstitucionalidade. Faz-se mister salientar que nestas decisões a regra é que
ela tenha efeitos ex tunc, declarando-se a nulidade da norma impugnada. Ocorre que, em
circunstâncias excepcionais e devidamente fundamentadas pela maioria de dois terços dos
seus membros, o Supremo Tribunal Federal poderá decidir que a declaração tenha eficácia a
partir do trânsito em julgado ou de outro momento a ser fixado, com a finalidade de evitar
grave ameaça ao sistema legislativo vigente. É o que determina o art. 27 da Lei 9.868/1999
e a decisão do Recurso Extraordinário 197.917, Relator Ministro Maurício Corrêa, de
06.06.2002.
Ainda em relação ao efeito temporal das decisões em sede de controle de
constitucionalidade, é necessário explicitar o entendimento esposado no Habeas Corpus
70.514, Relator Ministro Sidney Sanches, julgado em 23.03.1994. No mérito da ação foi
levantada a inconstitucionalidade de dispositivo legal que concede prazo em dobro aos
Defensores Públicos para a interposição de recursos. O Supremo Tribunal Federal entendeu
que essa prerrogativa do Defensor Público é constitucional até que a Defensoria Pública
alcance o nível de organização do respectivo Ministério Público, parte adversa, como órgão
de acusação no processo de ação penal pública. Assim, reconheceu-se o instituto da “lei ainda
constitucional”, que assim permanecerá até que cessem as circunstâncias que justifiquem sua
legitimidade. Esse entendimento representa uma evolução expressiva da jurisprudência do
Supremo Tribunal Federal, evidenciando seu comprometimento na proteção da ordem
constitucional.
3.5 Ação declaratória de constitucionalidade nos Estados
A Emenda Constitucional 3, de 1993, não trouxe em seu bojo a previsão da ação
declaratória de constitucionalidade no âmbito estadual. Conforme análise dos motivos que
justificaram a implementação da ADC na ordem jurídica brasileira, constatou-se que o seu
propósito maior foi a defesa das leis e atos normativos federais, especialmente os de ordem
tributária, visto que era esta a marca principal da referida Emenda Constitucional.
Diante dessa omissão do texto constitucional poderia surgir a presunção de que não seria
permitida a instituição da ação declaratória de constitucionalidade nos Estados, por ser
matéria de exclusiva previsão do poder constituinte federal. Ocorre que a competência
estadual consiste em toda aquela que não lhe é tolhida, conforme art. 25 e seu § da
Constituição de 1988. Assim, na instituição da ADC pelos Estados membros basta que os
princípios constitucionais sejam devidamente observados.
A ação declaratória de constitucionalidade não poderia deixar de figurar no âmbito
estadual pelo fato de seu processo ter “relevante função na legitimação e eficácia dos atos
genéricos e abstratos, função que não pode ser escamoteada aos atos estaduais, que não
diferem, neste aspecto, dos atos federais”. (SLAIBI FILHO, 2000, p. 96). Além disso, a
própria Constituição de 1988, além de não vedar expressamente a instituição da ADC nos
Estados, prevê em seu art. 24, XI, a competência estadual concorrente sobre procedimentos
em matéria processual.
Em primeiro lugar, a ação declaratória de constitucionalidade poderia ingressar no
âmbito estadual se prevista na Constituição Estadual. Caberia ao Tribunal de Justiça
respectivo a competência originária de processar e julgar a ADC, face o papel deste Tribunal
de guardião da Constituição Estadual.
O objeto da ação declaratória de constitucionalidade no âmbito estadual seria a lei ou ato
normativo estadual diante da Constituição Estadual, nos moldes como ocorre na ação direta
de inconstitucionalidade. A lei ou o ato normativo municipal, à primeira vista, não poderia ser
objeto da ADC estadual, visto que os interessados presumidos para tanto seriam o Prefeito e a
Mesa da Câmara Municipal. Ocorre que a lei ou ato normativo municipal pode ser objeto de
ação direta de inconstitucionalidade estadual, mesmo sem a previsão dos presumidamente
interessados. Contrariando posicionamento de Slaibi Filho (2000, p. 96), não razão para
privar a norma municipal de ser objeto de ADC estadual. Eventual privação impediria que a
finalidade precípua da ADC fosse trasladada para o âmbito estadual.
Assim, permaneceriam os mesmos legitimados ativos no âmbito estadual: Governador
do Estado e do Distrito Federal, Mesa da Assembléia Legislativa do Estado ou da Câmara
Legislativa do Distrito Federal, e o Procurador-Geral de Justiça, representante do Ministério
Público Estadual.
O Procurador-Geral de Justiça, nos casos que não fosse o autor, sempre se manifestaria
no processo de ação declaratória de constitucionalidade, nos moldes da Lei 9.868/1999. Os
efeitos da decisão seriam os mesmos da ADC no âmbito federal: erga omnes e vinculante aos
demais órgãos do Poder Judiciário e do Poder Executivo das esferas estadual e municipal.
Além disso, o Tribunal de Justiça não poderia inovar a natureza jurídica do instituto, mas sim
seguir o entendimento construído pelo Supremo Tribunal Federal, para evitar contradições
entre as decisões dos diferentes Tribunais de Justiça e do STF.
3.6 As reformas implementadas pela Emenda Constitucional nº 45
O ano de 2004 foi marcado pela ocorrência de uma nova reforma constitucional no
âmbito do controle de constitucionalidade. As modificações foram trazidas pela Emenda
Constitucional nº 45, de 30 de dezembro de 2004, conhecida por conceber a reforma do Poder
Judiciário.
A intenção em reformar o Poder Judiciário surgiu de uma convergência de interesses do
próprio Judiciário e do Poder Executivo. O Ministério da Justiça, em maio de 2003, criou uma
Secretaria apenas para deliberar sobre o assunto, tendo como principais objetivos o
diagnóstico e modernização do Judiciário, bem como promover articulações políticas propor
alterações na legislação constitucional e infraconstitucional no âmbito dos Códigos de
Processo Civil e Penal. Dentre as variadas modificações implementadas, dar-se-á importância
às que, de alguma forma, relacionam-se com o controle de constitucionalidade, visto que uma
análise do inteiro teor da reforma levaria este trabalho a afastar-se do seu norte.
A Emenda Constitucional 45, de 2004, corrigiu a considerada imperfeição técnica
promovida pela Emenda Constitucional 3, de 1993, quando esta estabeleceu o efeito
vinculante apenas às decisões definitivas de mérito proferidas em sede de ação declaratória de
constitucionalidade. A Emenda conferiu os mesmos efeitos à ação direta de
inconstitucionalidade, alterando a redação do § 2º do art. 102 da Constituição de 1988:
§ As decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal,
nas ações declaratórias de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal,
produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais
órgãos do Poder Judiciário e ao Poder Executivo. (Incluído em § pela Emenda
Constitucional nº 3, de 17/03/93).
§ As decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal,
nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de
constitucionalidade produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante,
relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública
direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal. (Redação dada pela
Emenda Constitucional nº 45, de 2004).
A Lei 9.868/1999 havia procedido com essa modificação através de seu art. 28,
parágrafo único. No entanto, essa alteração foi muito questionada com o argumento de que a
norma infraconstitucional estaria ampliando uma restrição estabelecida originalmente pela
Constituição, de limitar o efeito vinculante à declaração de constitucionalidade de lei ou ato
normativo. Essa discussão havia sido decidida, mesmo antes da promulgação da Emenda
Constitucional 45, com o julgamento do agravo regimental na Reclamação 1.880,
Relator Ministro Maurício Corrêa, em 07/11/2002, que inclusive tem o mesmo teor ao texto
reformador constitucional.
Observa-se, ainda, que a reforma não apenas estendeu o efeito vinculante a ADIn; mas
também esclareceu os limites subjetivos deste efeito, mantendo a expressão “relativamenteaos
demais órgãos do Poder Judiciário” e informando que as instituições do Poder Executivo
alcançadas são as da administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e
municipal. Assim, não restam dúvidas se a decisão, especialmente a declaração em sede de
ADC, apenas seria cumprida no âmbito federal, visto que seu objeto são apenas leis e atos
normativos federais.
A reforma constitucional estabeleceu a unificação do rol de legitimados ativos da ação
declaratória de constitucionalidade e da ação direta de inconstitucionalidade, diante das
críticas sobre a limitação imposta originalmente à legitimação em ADC. Para justificar essa
unificação, foi aproveitado o mesmo argumento da conversão do efeito vinculante para as
duas ações, por serem espécies de fiscalização objetiva que, em ambas, traduzem
manifestação definitiva do Supremo Tribunal Federal quanto à conformação da norma com a
Constituição Federal.
A questão da maior ou menor extensão do rol de legitimados para intentar ações em
sede de controle de constitucionalidade es diretamente ligada ao teor democrático de uma
Constituição. Quanto maior a pluralidade de participação na interpretação constitucional,
maior o grau de democracia de uma sociedade, visto que a comunidade melhor se organiza
em favor dos direitos e garantias fundamentais instituídos pela Constituição.
Embora a Emenda Constitucional 45 tenha possibilitado essa unificação do rol de
legitimados, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal não evoluiu no sentido de
extinguir a teoria da pertinência temática em sede de ações de controle de constitucionalidade.
Por conta deste entendimento estritamente jurisprudencial, os legitimados ativos, exceto os
órgãos de cunho político, devem demonstrar interseção do tema da norma impugnada com os
fins institucionais da representação da categoria profissional que a entidade requerente
congrega. Assim, a Constituição Federal não proíbe que a argüição de inconstitucionalidade,
por parte da Associação dos Magistrados Brasileiros, do dispositivo, v.g., que dispõe sobre o
trabalho dos médicos no sistema único de saúde. Porém, o Supremo Tribunal Federal
certamente não conhecerá da ação, em virtude da ilegitimidade ad causam, que não
pertinência entre o objeto da ação e os fins institucionais do interessado.
O requisito jurisprudencial da pertinência temática estava estipulado no texto original da
Lei 9.868/1999, em seu art. 2º, parágrafo único, que foi vetado pelo Presidente da
República: “As entidades referidas no inciso IX [confederação sindical e entidade de classe de
âmbito nacional], inclusive as federações sindicais de âmbito nacional, deverão demonstrar
que a pretensão por elas deduzida tem pertinência direta com os seus objetivos institucionais”.
O veto foi motivado também por motivos jurisprudenciais, tendo em vista que o Supremo
Tribunal Federal não considera as federações sindicais legitimadas a interpor ação em sede de
controle de constitucionalidade, conforme ADIn 689, Relator Ministro Néri da Silveira, de
19.03.1992. A pertinência temática” acabou vetada indiretamente, pois não era possível o
veto apenas da parte que previa a legitimidade das federações.
Por fim, a Emenda Constitucional 45 trouxe o instituto da súmula vinculante, por
meio da qual o Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante
decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria
constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito
vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta
e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder a sua revisão ou
cancelamento. Assim, a partir de repetidas decisões de caráter constitucional sobre
determinada matéria, no caso concreto, poder-se-á editar súmula com efeito vinculante, nos
moldes do controle concentrado. Essa medida foi implementada como tentativa de diminuir a
quantidade recebida de recursos extraordinários pelo STF, que constitui a espécie com
segundo maior número de processos recebidos, menos apenas que os agravos de instrumento,
conforme relatório divulgado em 2005 do perfil das maiores demandas do Supremo Tribunal
Federal, realizado pelo Centro de Pesquisas de Opinião Pública da Universidade de Brasília.
Em suma, a Emenda Constitucional 45, de 2004, instituiu a reforma do Poder
Judiciário; solucionou as imperfeições existentes no controle concentrado de
constitucionalidade, de maneira que reconheceu a similaridade entre ADIn e ADC; e
fortaleceu ainda mais o controle concentrado em detrimento do controle difuso de
constitucionalidade, na medida em que possibilitou a edição de súmula vinculante nos casos
de decisões reiteradas, em caso concreto, sobre matéria constitucional.
4 AS DECISÕES EM SEDE DE AÇÃO DECLARATÓRIA DE
CONSTITUCIONALIDADE
4.1 Ação declaratória de constitucionalidade nº 1
Pouco demorou entre a promulgação da Emenda Constitucional 3, de 17 de março de
1993, e a distribuição da primeira ação declaratória de constitucionalidade, realizada 04 de
agosto do mesmo ano no Supremo Tribunal Federal, tendo o Ministro Moreira Alves como
Relator.
Juntos, o Presidente da República, a Mesa do Senado Federal e a Mesa da Câmara dos
Deputados, figuraram como autores do feito. Seu intento foi a declaração de
constitucionalidade da Lei Complementar 70, de 30.12.1991, que institui contribuição para
financiamento da Seguridade Social (COFINS), especialmente os artigos 1º, 2º, 9º, 10 e 13. O
conteúdo desses artigos era, basicamente, o detalhamento do novo tributo, sua base de
cálculo, hipótese de incidência e alíquota. Junto da inicial foram anexadas cópias de decisões
judiciais que demonstravam a controvérsia existente sobre a interpretação desses artigos da
Lei Complementar.
Os autores aduziram em sua petição inicial a controvérsia jurídica existente com a
promulgação da Lei Complementar 70/91. A nova contribuição foi criada para substituir o
antigo FINSOCIAL, criado pelo Decreto-Lei 1940/82, sob a égide da Constituição de
1967. Essa mudança teve como justificativa a adequação deste tributo à nova ordem jurídica
trazida pela Constituição de 1988, transmutando a sua natureza de imposto inominado para
contribuição.
Aproveitando-se dos mesmos argumentos que, no passado, promoveram uma grande
quantidade de ajuizamentos de ações questionando a cobrança do FINSOCIAL, muitos
contribuintes ingressaram com ações judiciais solicitando através de medida liminar a
suspensão da cobrança do tributo, bem como a declaração de inconstitucionalidade de
dispositivos da Lei Complementar 70, que estabeleceram a nova contribuição para
financiamento da Seguridade Social. Assim, inúmeros juízes concederam as liminares
pedidas, tendo como conseqüência direta a diminuição da arrecadação federal.
Segundo os cálculos apresentados pelos autores, até o momento do ajuizamento da ADC
1, mais de nove mil demandas envolvendo a constitucionalidade da Lei Complementar
70 estavam tramitando no Judiciário, e com decisões conflitantes, tanto a favor quanto contra
o fisco. Em síntese, os argumentos em favor da inconstitucionalidade da norma eram os
seguintes: bitributação, pois incidia sobre a mesma base de cálculo do PIS; violação da não-
cumulatividade tributária; como contribuição social, não poderia ser arrecadada e fiscalizada
pela Receita Federal; trata-se de imposto inominado, nos moldes do substituído FINSOCIAL;
violava o princípio da anterioridade, pois o Diário Oficial de 31.12.1991 circulou somente em
02.01.1992. Na parte dedicada à análise do julgamento em si da ADC 1 será feita uma
análise desses argumentos à luz da Constituição de 1988.
Até aquele momento, o tinha havido qualquer discussão judicial sobre a ação
declaratória de constitucionalidade, nem mesmo havia lei que regulasse o seu processamento
perante o Supremo Tribunal Federal. Existia apenas a previsão constitucional no então art.
103, § 4º.
Dias antes da distribuição da ADC 1, a Associação dos Magistrados Brasileiros
propôs, em 23 de julho, Ação Direta de Inconstitucionalidade 913 quanto ao art. da
Emenda Constitucional 3, na parte em que alterou os arts. 102 e 103 da Constituição de
1988, os artigos que incluíram a ação declaratória de constitucionalidade no ordenamento
jurídico brasileiro.
A decisão a ser proferida na ADIn 913 era de fundamental importância para o
julgamento da ADC 1, tendo em vista que eventual declaração de inconstitucionalidade na
primeira prejudicaria o julgamento da segunda. Dessa forma, a ADIn nº 913 foi distribuída no
dia seguinte ao da ADC nº 1 ao mesmo Ministro Relator Moreira Alves, que apensou nesta os
autos daquela, em 06.08.1993.
4.1.1 A ADIn nº 913
A ADIn 913 não foi conhecida por ilegitimidade ad causam da Associação dos
Magistrados Brasileiros (AMB), que, para a maioria dos Ministros, não havia pertinência
entre o interesse específico da classe de magistrados e a Emenda Constitucional nº 3 que criou
a ão declaratória de constitucionalidade, conforme entendimento construído pela
jurisprudência do Supremo Tribunal Federal no julgamento das Ações Diretas de
Inconstitucionalidade nº 77, nº 138 e nº 159.
Mesmo assim, é essencial a análise dos argumentos em favor da inconstitucionalidade
da Emenda 3 apresentados pela AMB, em virtude de estarem diretamente relacionados ao
julgamento da primeira ação declaratória de constitucionalidade. Para a referida Associação, a
decisão em sede de ADC incorrerá inevitavelmente em interferência em decisões de primeira
instância, pois é dotada de efeito vinculante sobre os demais órgãos do Poder Judiciário. A
liberdade de julgar garantida aos juízes é diretamente suprimida em nome da segurança
jurídica.
A eliminação das discussões jurídicas no âmbito descentralizado do Poder Judiciário
seria promovida pela prolação do acórdão único e definitivo do Supremo Tribunal Federal,
que poderá se tornar um órgão meramente consultivo, pois não havia até então nenhuma
exigência de controvérsia jurídica sobre determinada lei ou ato normativo para o ajuizamento
da ação declaratória de constitucionalidade. Tal fato desnatura a presunção de
constitucionalidade das leis promulgadas pelo Congresso Nacional, atingindo diretamente a
separação dos poderes estatais. O efeito vinculante das decisões prolatadas em sede de ação
declaratória de constitucionalidade em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário
causaria, segundo a AMB, uma restrição da independência dos juízes hierarquicamente
inferiores aos do Supremo Tribunal Federal, órgão prolator da decisão. Por fim, a AMB
levantou o raciocínio de que na ação declaratória de constitucionalidade não havia espaço
para o contraditório e para a ampla defesa, que apenas seria ouvido o Ministério Público
como fiscal da lei, e nenhum representante da sociedade seria representado, mesmo quando a
matéria estivesse em discussão em instâncias inferiores em sede de controle de
constitucionalidade difuso. Assim, a instituição da ação declaratória de constitucionalidade
violaria direitos fundamentais como o acesso ao Judiciário, o devido processo legal, o
contraditório, a ampla defesa, além de ofender o princípio da separação de funções entre os
Poderes da República.
Apesar da ADIn 913 não ter sido conhecida pelo Supremo Tribunal Federal, o seu
julgamento datado de 18 de agosto de 1993 foi marcado por mais um debate sobre a teoria da
pertinência temática entre o interesse da entidade de classe autora da ação e o ato normativo
impugnado. O Ministro Relator Moreira Alves, seguindo a tradição do STF em se tratando da
própria Associação dos Magistrados Brasileiros nos casos em que figurava como autora nas
ações diretas de inconstitucionalidade, votou pelo não conhecimento da ação, visto que o
existia relação de pertinência temática entre a norma impugnada e os direitos pessoais dos
magistrados, porque o Poder Judiciário não possui órgão legitimado para propositura de ação.
O caso também, segundo o Ministro, não representou questão institucional atinente ao Poder
Judiciário, que interfira ou comprometa o âmbito de sua atuação constitucional, por meio de
órgãos ou entes públicos estranhos ao Poder, inclusive dos outros Poderes do Estado.
Em seguida, o Ministro Francisco Resek acompanhou o voto de Moreira Alves, embora
tenha reconhecido que a questão levantada pela AMB não é algo que visava à defesa de
interesses da magistratura como classe, mas uma questão de dimensão bem mais importante e
grandiosa.
O Ministro Marco Aurélio, por sua vez, não acompanhou o voto do Relator. Levantou
preliminar baseando-se no fato de que o processo não foi incluído em pauta para julgamento,
o que, por conseqüência, cerceia o direito de manifestação do representante da autora na
tribuna para defender sua tese apresentada na inicial. O ponto fundamental do voto de
Ministro foi quando lembrou que o caso caminhava para um julgamento restrito, pois não se
estava levando em conta o pedido formulado, mas apenas a criação jurisprudencial da
pertinência temática, inexistente na Constituição de 1988.
Moreira Alves rejeitou a preliminar, fundamentando-se em julgamentos anteriores em
sede de ação direta de inconstitucionalidade: ADIn 396 e 138. Tanto nestas, quanto no
caso da ADIn 913, não se violou o princípio do devido processo legal, mesmo quando não
houve prévia inclusão em pauta de julgamento, pois a parte autora deveria ter demonstrado
sua legitimidade com antecedência. Os demais Ministros acompanharam o voto do Relator,
pondo-se fim à questão de ordem.
O Ministro Marco Aurélio voltou a se manifestar, desta vez decidindo sobre a
legitimidade ativa da AMB. Formulou sua argumentação no sentido de que estava em
discussão pelo menos a prerrogativa da livre convicção do magistrado, que, inexoravelmente,
alcança o interesse profissional do juiz. O Ministro não antecipou sua decisão sobre o mérito
da ação, mas apenas manifestou concordância com a legitimidade ativa da Associação dos
Magistrados Brasileiros nesta ação específica.
O Ministro Carlos Velloso acompanhou a dissidência aberta por Marco Aurélio. No
mesmo sentido Sepúlveda Pertence, para o qual a teoria da pertinência temática não deve ser
levada ao extremo para não comprometer o sentido original do controle abstrato de
constitucionalidade que é a defesa da ordem constitucional. Em contrapartida, os Ministros
Celso de Mello, Paulo Brossard, Sydney Sanches, Néri da Silveira e Octávio Gallotti
acompanharam o Relator. Assim a ADIn 913 o foi conhecida por ilegitimidade ativa ad
causam. Porém, isso não prejudicou a discussão sobre o tema, tendo em vista que
oportunamente, a questão da constitucionalidade da ADC foi devidamente examinada pelo
Supremo Tribunal Federal.
4.1.2 A prejudicial de inconstitucionalidade
Com a extinção da ADIn 913, a ADC 1 voltou a ter curso normal. Moreira Alves,
em 20 de agosto de 2003, levantou então questão de ordem para discutir a constitucionalidade
da Emenda Constitucional nº 3, na parte em que instituiu a ação declaratória de
constitucionalidade, visto que a matéria era de extrema relevância, inclusive ao ponto de ter
sido proposta uma ADIn. Para tanto, determinou abertura de vista dos autos ao Ministério
Público para proferir parecer face a prejudicial de inconstitucionalidade da ADC. Em
13.10.2003 o Vice-Procurador-Geral da República se manifestou pela rejeição da questão de
ordem, no sentido de que a Emenda Constitucional 3 não violava nenhum preceito
constitucional.
O representante do Ministério Público formulou parecer baseado na argumentação
aduzida na ADIn 913, qual seja, a ação declaratória de constitucionalidade ameaçava a
livre função judicial, violava o princípio do devido processo legal, da ampla defesa e do
contraditório, bem como o acesso ao Judiciário e a separação dos Poderes, todos impassíveis
de modificação por Emenda Constitucional, conforme art. 60, § 4º da Constituição de 1988.
No parecer ministerial fez-se uma sucinta revisão história sobre as representações e
ações diretas de inconstitucionalidade, inclusive as oportunidades em que o Procurador-Geral
da República era o único legitimado ativo dessas ações e as propunha, mediante provocação
de terceiro, com parecer em favor da constitucionalidade da norma. Citou-se também que essa
tendência foi abolida depois da alteração do Regimento Interno de 1970, quando Supremo
Tribunal Federal não mais permitiu ajuizamento de representações em que, na prática,
buscava-se a declaração de constitucionalidade.
Em seguida, iniciou seu raciocínio que justificava a conclusão do parecer em favor da
constitucionalidade da Emenda Constitucional 3. Aduziu que o principal objetivo da ação
declaratória de constitucionalidade era a manutenção da certeza e da segurança jurídica, isto é,
da previsibilidade das conseqüências jurídicas advindas das ações humanas. É uma
necessidade dos homens que exista essa segurança para que haja vida em sociedade. Essa
certeza, portanto, deve ser característica essencial das normas jurídicas.
Num Estado sob a égide de uma Constituição, toda e qualquer lei ou ato normativo
cujos conteúdos sejam com ela incoerentes devem ser extintos e excluídos do ordenamento
jurídico. Essa é a essência do controle de constitucionalidade. Para o Ministério Público, o
acórdão que declarasse a constitucionalidade de determinada norma não interferiria na
liberdade da atividade judicial, pois o trabalho do juiz é efetuar uma adaptação da norma geral
e abstrata às variadas relações humanas e conflitos a ele submetidos.
O Supremo Tribunal Federal, ao julgar ação declaratória de constitucionalidade
determinará, por meio do efeito vinculante, que os demais juízes se submetam a uma
interpretação específica da norma. Essa interpretação necessariamente é constitucional e a
função criadora do juiz de adaptar a norma às relações humanas continuará existindo, agora
dentro da moldura da interpretação constitucional estabelecida pelo STF. Em resumo, é
justificada a limitação da liberdade na criação judicial, através da vinculação da decisão
proferida em sede de ação declaratória de constitucionalidade, pela necessidade interromper a
insegurança jurídica existente em determinadas questões envolvendo lei ou ato normativo
federal. A excessiva demora na harmonização da jurisprudência causaria transtornos,
violações de diretos, desencadearia conflitos de proporções excepcionais, que poderiam ser
evitados com o julgamento de uma única ADC.
Em relação ao argumento de que a ação declaratória de constitucionalidade feriria o
contraditório, a ampla defesa, o devido processo legal e o acesso ao Judiciário, o Vice-
Procurador-Geral da República salientou que nessa espécie de ação o processo é
necessariamente objetivo, pois se trata de controle de constitucionalidade concentrado. Assim,
não partes, nem contraditório, mas sim a discussão sobre a constitucionalidade da norma
em si, sem interferência de direitos subjetivos. Declarada a norma constitucional, os
jurisdicionados continuariam livres para provocar o Judiciário e se fazerem partes em
processo, com a garantia do contraditório e da ampla defesa. A diferença residiria no fato de
que os atingidos pela norma saberiam, ao menos teoricamente, da resposta a ser dada pelos
demais órgãos do Poder Judiciário, que obrigatoriamente deveriam seguir a interpretação da
norma estabelecida pelo Supremo Tribunal Federal. O eventual desrespeito a esta
interpretação admitiria reclamação perante o STF.
Por fim, em relação ao raciocínio de que a ação declaratória de constitucionalidade
transgride o princípio da separação dos Poderes e atribui ao Supremo Tribunal Federal a
condição de órgão consultivo, o parecer ministerial explicou que o autor da ADC deve
demonstrar interesse de agir quando revela o estado de grave incerteza existente sobre a
interpretação de uma norma, refutando todos os juízos que baseiam o entendimento de que
esta norma é inconstitucional. O STF, assim, não é meramente consultado, mas chamado a
decidir questão de generoso valor, notadamente, por se tratar de defesa da ordem
constitucional que, naquele momento, encontra-se fortemente ameaçada. Em nenhum
momento o Judiciário interfere na alçada de outros Poderes ao declarar a constitucionalidade
de uma lei ou ato normativo.
No dia 21 de outubro de 1993, a questão de ordem ADC nº 1 foi levada a julgamento no
plenário. Moreira Alves apresentou o relatório da questão prejudicial e votou em favor da
constitucionalidade da nova espécie de controle concentrado pela via da ação declaratória de
constitucionalidade, nos termos do novo texto do art. 102 da Constituição, inclusive
estabeleceu as normas de processamento no Supremo Tribunal Federal, visto que o
constituinte preferiu não discriminar estas regras no bojo da Constituição.
Moreira Alves inicialmente estabeleceu as características do controle de
constitucionalidade no Brasil, suas raízes e desenvolvimento, tal como se fez no item 2.4
deste trabalho, e esclareceu o papel da nova ação declaratória de constitucionalidade. Deu
destaque ao problema que originou esta nova ação: no Brasilo havia, e não há, o princípio
do stare decisis. Assim, as decisões proferidas em sede de controle de constitucionalidade
pelo Supremo Tribunal Federal, embora possuam efeito erga omnes, o impedem que os
demais juízes hierarquicamente inferiores decidam de maneira contrária. A ação declaratória
de constitucionalidade, com seu efeito vinculante, funcionaria como um instrumento rápido e
eficiente que uniformizasse a jurisprudência nesses casos de grave controvérsia judicial,
causada por decisões contraditórias entre si, baseadas em interpretações diferentes de uma
mesma norma.
Em seguida, descreveu como ocorre o processamento das ações em sede de controle
concentrado de constitucionalidade, acompanhando o parecer do Ministério Público: trata-
sede processo objetivo, sem partes, cujo intento é a defesa da Constituição e não de interesses
subjetivos. Portanto, não necessariamente integrante no pólo passivo da ação direta de
inconstitucionalidade, quando, por exemplo, ocorre a dispensa de pedido de informações ao
Poder ou órgão do qual emanou a norma impugnada, conforme o Regimento Interno do
Supremo Tribunal Federal, art. 172. Porém, na ação declaratória de constitucionalidade a
ausência do legitimado passivo sempre ocorrerá, que o seu autor busca apenas a declaração
de constitucionalidade, deseja elucidar a grave controvérsia judicial existente sobre
determinada norma.
Segundo o Ministro, nos processos objetivos de controle concentrado de
constitucionalidade são utilizados meios de exercício de uma forma específica de jurisdição, a
jurisdição constitucional, que se caracteriza pelo ato político de fiscalização dos Poderes,
inclusive do próprio Judiciário. O Supremo Tribunal Federal analisa a harmonia entre a
constituição e as leis e atos normativos. Com essa linha de raciocínio decidiu pela
improcedência do pedido de que a Emenda Constitucional 3, quando instituiu a ação
declaratória de constitucionalidade, violou os princípios do devido processo legal, ampla
defesa, contraditório.
Quanto ao acesso ao Judiciário e à redução da liberdade dos juízes, Moreira Alves
aduziu que a decisão em sede de controle concentrado de constitucionalidade, tanto na ADIn
quanto na ADC, são dotadas de eficácia erga omnes, consagrada pelo legislador constituinte
originário, de maneira que os demais juízes são atingidos pela declaração de
constitucionalidade ou inconstitucionalidade da lei ou ato normativo. Isso quer dizer que a
liberdade criadora do juiz não foi diminuída com a Emenda Constitucional nº 3, apenas houve
uma alteração na maneira como será controlada eventual desobediência de decisão emanada
pelo Supremo Tribunal Federal por parte dos demais membros do Judiciário: através da
reclamação. Assim, o controle difuso continua a existir em harmonia com o controle
concentrado, bem como não foi diminuído o acesso ao Judiciário.
No que se refere à alegação de que o Judiciário passa a ser mero órgão consultivo, ou
mesmo legislador, ferindo assim o princípio da separação dos Poderes, em virtude da ação
declaratória de constitucionalidade, o Ministro destacou que, para o Supremo Tribunal
Federal conhecê-la, era necessária a demonstração de séria controvérsia judicial no âmbito do
controle difuso de constitucionalidade, que constitua num risco de presunção de
constitucionalidade da norma objeto da ação. O autor deveria ainda apresentar os argumentos
a favor e contra a constitucionalidade da norma, de maneira que o Supremo Tribunal Federal
tivesse subsídios suficientes para decidir sobre a questão. Assim, o Judiciário, por meio de seu
órgão de cúpula, credenciado pela Constituição, decide sobre questão que ameaça a ordem
constitucional vigente, sem interferir ou sobrepujar o processo legislativo, nem figurando
como órgão consultivo dos legitimados ativos.
Cabe salientar que este último entendimento do Ministro Moreira Alves foi obra
unicamente de sua interpretação da Emenda Constitucional 3, tendo em vista que o texto
constitucional reformado não prevê a necessidade da demonstração da controvérsia relevante,
o que teoricamente possibilitava a livre interposição de ações declaratórias de
constitucionalidade sem necessidade de comprovação de controvérsias. Apenas com a Lei
9.868/1999, art. 14, III, essa demonstração foi exigida por uma norma. No entanto, como se
demonstrará adiante, o próprio Supremo Tribunal Federal, desde o julgamento da ADC 1,
entendeu ser essa demonstração um pressuposto de caráter inato da ADC para o conhecimento
da ação.
Por fim, Moreira Alves sugeriu uma forma de processamento da ação declaratória de
constitucionalidade, nos moldes da ação direta de inconstitucionalidade. Solicitou que a parte
autora juntasse documentação relativa ao processo legislativo da Emenda Constitucional 3,
de maneira que fosse analisada, inclusive, eventual inconstitucionalidade formal. Fez observar
que, no caso, o autor demonstrou a existência de controvérsia judicial que pôs em risco a
presunção de constitucionalidade da norma objeto da ação.
Como não havia lei regulamentando o processo, o Ministro salientou que resta inviável
a participação de terceiros que defendam a inconstitucionalidade da norma, mesmo os
habilitados a fazê-lo por meio de ação direta de inconstitucionalidade. Não havia também a
necessidade do Advogado-Geral da União manifestar-se como curador da presunção de
constitucionalidade da norma, pois, segundo Moreira Alves, este silêncio da Emenda
Constitucional 3 foi eloqüente e não uma omissão. Não haveria também a figura da
assistência, nem a possibilidade de desistência do autor, bem como de ação rescisória. O
Ministério Público se pronunciaria como custos legis. Com relação ao julgamento, as regras
seriam as mesmas que regulam a ação direta de inconstitucionalidade, inclusive a do quorum
necessário para a declaração, exceto naquilo em que a nova ação se diferencie quanto ao fim
visado.
Em seguida, o Ministro Sepúlveda Pertence, antecipando seu voto, seguiu o Relator em
todos os quesitos, exceto com relação às regras de intervenção de terceiros no processo.
Tendo em vista o caráter dúplice da ação e a incompetência do Supremo Tribunal Federal em
legislar sobre intervenção de terceiros em processo judicial, o Ministro sugeriu uma solução
adequada para assegurar o contraditório: uma publicação de edital direcionado aos
legitimados a propor ação direta de inconstitucionalidade, para que eles possam defender a
tese de inconstitucionalidade da norma objeto da ação, apesar de não apresentar os meios de
manifestação nos autos. Todavia, não deixou claro se a comunicação serviria apenas para
cientificar o legitimado para propor uma ADIn ou se para participar nos autos da própria
ADC.
O Ministro Francisco Resek seguiu inteiramente o voto do Relator. O Ministro Ilmar
Galvão acompanhou os termos do voto do Ministro Sepúlveda Pertence, mas defendeu a
participação efetiva nos autos da ADC dos legitimados ativos da ADIn para defenderem a
inconstitucionalidade da norma. Foi então que o julgamento da questão de ordem foi adiado
por seis dias, diante do pedido de vista dos autos formulado pelo Ministro Marco Aurélio,
prontamente deferido pelo Presidente Octávio Gallotti.
Em 27 de outubro de 1993, o plenário voltou a se reunir para continuar o julgamento da
prejudicial de inconstitucionalidade da Emenda Constitucional 3, levantada pelo Ministro
Moreira Alves. O Ministro Marco Aurélio julgou inconstitucional a instituição da ação
declaratória de constitucionalidade nos termos da Emenda Constitucional 3, porque
“acabaria por abolir o direito e a garantia individuais do cidadão de somente ter a liberdade ou
bem que lhe pertença alcançados mediante o devido processo legal, ensejando, assim,
julgamento sob o pálio do livre convencimento”.
13
Em relação ao procedimento da ação declaratória de constitucionalidade, Marco Aurélio
não concordou com a dispensa de manifestação do Advogado-Geral da União, que
obrigatoriamente defenderia a constitucionalidade da lei ou ato normativo federal, pela
simples possibilidade de decisão do STF de improcedência do pedido, tendo em vista o
caráter dúplice da ADC.
A justificativa fundamental para seu voto encontra-se na diferença existente entre a
ADC e a ADIn. O pedido formulado nesta seria de prolação de decisão declaratória
constitutiva negativa, pois o Supremo Tribunal Federal atuaria como legislador negativo,
excluindo do ordenamento a norma objeto da ação. Caso fosse decido, v.g., que a norma não
estava em harmonia com a Constituição, nenhum direito ou garantia individual seria violado,
pois, embora a tendência dos demais órgãos julgadores fosse acompanhar o entendimento
emanado pelo STF, nada impediria que um magistrado apreciasse o pleito e o julgasse em
desconformidade com o juízo dos Ministros.
A ação declaratória de constitucionalidade, por outro lado, requer decisão puramente
declaratória, isto é, uma formalização da compatibilidade entre a norma objeto e a
Constituição, que somente poderia ser proposta pelo Presidente da República, Procurador-
Geral da República e pelas Mesas do Senado Federal e da Câmara dos Deputados.
Atualmente, com a Emenda Constitucional 45, o rol de legitimados da ADC foi alargado e
passou a ser o mesmo da ADIn.
Outro problema essencial achava-se no efeito vinculante em relação aos demais órgãos
do Poder Judiciário. Para Marco Aurélio isso violaria os princípios do contraditório, ampla
defesa, devido processo legal e acesso ao Judiciário. Isso ocorre porque uma eventual decisão
13ADC 1 (Questão de ordem). Rel. Min. Moreira Alves, DJ de 16.6.1995.
que deliberasse pela constitucionalidade da norma atingiria centenas ou milhares de ações em
tramitação nos demais órgãos do Judiciário sem que os seus demandantes tivessem
oportunidade de se manifestar nos autos do processo objetivo. Os demais juízes seriam
obrigados a seguir o entendimento proferido pelo Supremo Tribunal Federal, sem análise das
provas dos autos que fundamentariam e formariam o seu livre convencimento sobre a matéria.
O Ministro comparou a ação declaratória de constitucionalidade com a avocatória do
período militar. Para Marco Aurélio os efeitos da avocatória foram superados pela ADC. Na
avocatória ficava a critério do Supremo Tribunal Federal a decisão pela avocação, sendo que
o processo era inteiramente remetido, mantendo conservada, portanto, a relação subjetiva
existente no processo, de maneira que as partes continuariam se com a prerrogativa de se
manifestarem livremente no processo, de acordo com o princípio do devido processo legal.
A impossibilidade de manifestação nos autos do processo objetivo e o conseqüente
julgamento antecipado da lide, com base na aplicação direta e automática do juízo emanado
pelo Supremo Tribunal Federal pelos demais juízes, nas causas em que se discutia a
constitucionalidade da norma objeto de julgamento de ADC, fruto do efeito vinculante, para o
Ministro Marco Aurélio, significa que a liberdade ou bem de um cidadão deixam de ser
alcançados e protegidos pelo devido processo legal, ampla defesa e contraditório. Por isso
votou pela inconstitucionalidade da Emenda Constitucional 3, na parte que dispõe sobre
ação declaratória de constitucionalidade.
Carlos Velloso acompanhou o voto do Relator e a dissidência do voto do Ministro Ilmar
Galvão, sobre a questão da intervenção de terceiros no processo, observado o requisito da
pertinência temática. Lembrou, inclusive, que a decisão em sede de ação declaratória de
constitucionalidade contribui para a solução simultânea de até milhares de ações,
homenageando o princípio da economia processual. O Ministro também salientou que o
Supremo Tribunal Federal deveria aceitar a proposição de ação direta de inconstitucionalidade
de lei ou ato normativo que tivesse sido objeto de declaração de constitucionalidade em
sede de ADC, pois o que era constitucional ontem, hoje pode não ser mais.
O Ministro Paulo Brossard acompanhou a íntegra do voto do Relator. Da mesma forma
procederam os Ministros Sydney Sanches, Néri da Silveira e o Presidente Octávio Gallotti.
Assim, o Supremo Tribunal Federal, vencido o Ministro Marco Aurélio, resolveu
incidentalmente a questão de ordem suscitada por Moreira Alves, declarando a
constitucionalidade da alínea a, do inciso I e do § 2º, ambos do art. 102 da Constituição
Federal, com redação dada pela Emenda Constitucional 3 de 1993; e vencidos em parte os
Ministros Sepúlveda Pertence, Ilmar Galvão, Marco Aurélio e Carlos Velloso, sobre as regras
de processamento da ação declaratória de constitucionalidade.
4.1.3 O julgamento em si
Com o julgamento da questão prejudicial, a ADC 1 voltou a ter seu curso
normalizado. Em 04.11.1993, Moreira Alves abriu vista novamente ao Ministério Público,
desta vez para se pronunciar sobre a constitucionalidade dos dispositivos da Lei
Complementar 70/91, objeto da ação. Em 16.11.1993, o Procurador-Geral da República
juntou seu parecer no sentido da procedência do pedido, para declarar a constitucionalidade
dos artigos 1º, 2º, 9º, 10 e 13 da Lei Complementar nº 70/91.
A argumentação do Ministério Público foi de acordo com a apresentada pelos autores.
Para seu representante, a Lei Complementar 70/91, com fundamento no art. 195, I, da
Constituição de 1988, instituiu devidamente a contribuição social para financiamento da
Seguridade Social, em substituição do FINSOCIAL criado pelo Decreto-Lei 1940/82. A
referida contribuição não se confunde com as demais modalidades tributárias, visto que
possui regime próprio. Não bitributação porque a Constituição autoriza a instituição da
contribuição social sobre o lucro das pessoas jurídicas, mesmo sendo a base de cálculo para
outro tributo. Com relação ao princípio da anterioridade, a eficácia da contribuição respeita o
disposto no art. 195, § 6º, que determina o prazo mínimo de noventa dias da data da
publicação da lei. Por fim, a arrecadação da contribuição é encargo da União, se podendo
cogitar de atribuição a entidades descentralizadas através de delegação prevista no art. do
Código Tributário Nacional.
O Ministro Moreira Alves, em seu voto, acompanhou parcialmente o parecer
ministerial, para conhecer, em parte, a ação, declarando a constitucionalidade dos artigos 1º,
e 10 da Lei Complementar 70/91, bem como das expressões “A contribuição social
sobre o faturamento que trata esta lei não extingue as atuais fontes de custeio da Seguridade
Social” contidas no art. e das expressões “Esta lei complementar entra em vigor na data de
sua publicação, produzindo efeitos a partir do primeiro dia útil do mês seguinte aos noventas
dias posteriores, à aquela publicação” constantes no art. 13, ambos da mesma Lei
Complementar. Foram excluídas as demais expressões dos artigos e 13, pois não se
relacionavam diretamente à controvérsia judicial sobre a constitucionalidade da COFINS, de
maneira que o Ministro restringiu o conhecimento da ação e, portanto, dos efeitos da decisão.
Em síntese, na sessão de julgamento do dia 01.12.1993, Moreira Alves concordou com a
argumentação dos autores, assim como o Ministério Público. Lembrou do julgamento do
Recurso Extraordinário 146.733 que esclareceu a natureza das contribuições sociais como
uma modalidade tributária autônoma reconhecida pela Constituição, em seu art. 195, I.
Assim, os argumentos de violação da não-cumulatividade e bitributação não prosperaram. Em
relação ao princípio da anterioridade também reconheceu que a Lei Complementar estava em
harmonia com a Constituição porque teve eficácia depois de noventa dias decorridos da
data de sua publicação.
Os demais Ministros subscreveram integralmente o voto do Relator. Dessa forma, a
controvérsia sobre a instituição da COFINS foi devidamente solucionada, afetando e
desconstituindo de maneira imediata e automática milhares de decisões judiciais
contraditórias sobre a matéria.
4.2 Ação declaratória de constitucionalidade nº 2
Quase quatro anos de passaram para a interposição de uma nova ação declaratória de
constitucionalidade. No ano de 1997, a ADC 2 foi proposta pela Associação Brasileira da
Indústria de Embalagens Plásticas Flexíveis, sendo distribuída em 05.06.1997 ao Ministro
Carlos Velloso. O objeto da ação era o art. , caput, e seus parágrafos, do Decreto-Lei
2318/1986, que dispõe sobre fontes de custeio da Previdência Social e sobre a admissão de
menores em empresas.
Apesar de não figurar no rol de legitimados para interposição de ação declaratória de
constitucionalidade, e ciente deste fato, a parte autora reservou sete parágrafos de sua petição
inicial para tratar sobre o tema, numa tentativa de alterar a interpretação do então § do art.
103 da Constituição Federal. Baseando-se nos incisos XXXV, LIV e LV e o parágrafo do
art. da Constituição, argumentou que a diferença entre os legitimados da ação declaratória
de constitucionalidade e da ação direta de inconstitucionalidade feria o princípio do acesso à
Justiça, sendo que não nenhuma razão para a distinção havida, pois não falta de
interesse de nenhuma das entidades excluídas [do rol de legitimados]”
14
O Ministro Carlos Veloso, em despacho monocrático de 09.06.1997, negou seguimento
levando em consideração a ilegitimidade ativa ad causam, tendo em vista que a Emenda
Constitucional 3, de 1993, não incluiu no rol de legitimados ativos as entidades de classe
de âmbito nacional no então § 4º, do art. 103 da Constituição de 1988. Esse parágrafo,
salienta-se, foi revogado pela Emenda Constitucional 45, de 2004, que ampliou o rol de
legitimados ativos da ADC, igualando-o com o da ação direta de inconstitucionalidade,
conforme os incisos do atual art. 103. Assim, caso essa ação seja impetrada novamente, o
Supremo Tribunal Federal determinaria o seu processamento normal.
A autora, inconformada com a decisão, impetrou agravo regimental em 24.06.1997,
repetindo o argumento de que era incompreensível a ilegitimidade ativa das entidades de
classe, pois contraria o acesso à Justiça. Aduziu ainda a agravante que a Emenda
Constitucional 3 feria cláusula pétrea em virtude de ter subtraído das entidades de classe o
seu direito legítimo de controlar os atos normativos. Por fim advertiu sobre a importância da
declaração de constitucionalidade do art. 67 do Decreto nº 2318/1986.
O recurso, no entanto, não foi aceito pelo pleno do STF que, em votação unânime em
07.08.1997, negou provimento ao agravo. O Ministro Relator, em fundamentação curta, não
reconheceu o pedido da autora, afirmando que eram exagerados os argumentos que
levantavam a hipótese de ferimento de cláusula pétrea quando da limitação do rol de
legitimados; inclusive sugeriu que o inconformismo da recorrente deveria ser direcionado ao
Congresso Nacional, o qual estabeleceu expressamente a legitimação para a propositura de
ADC. Portanto, a partir do julgamento desta ação, o Supremo Tribunal Federal estabeleceu
uma interpretação restritiva quanto à legitimidade para interposição de ADC, julgando que o
rol estabelecido no então art. 103, § 4º, era taxativo.
4.3 Ação declaratória de constitucionalidade nº 3
14 Texto da petição inicial da ADC nº 2, disponível no sítio do Supremo Tribunal Federal em: www.stf.gov.br.
A ADC 3 foi promovida pela Procuradoria-Geral da República em 18.08.1997, com
distribuição datada de 21.08 do mesmo ano ao Ministro Nelson Jobim. A ação intentava a
constitucionalidade do art. 15, § 1º, incisos I e II e seu § 3º da Lei nº 9.424 de 24.12.1996, que
fixou a alíquota, base de cálculo, órgão competente para arrecadação e destinação dos
recursos recolhidos referentes à contribuição social do salário educação, disposto no art. 212,
§ 5º da Constituição de 1988.
O então Procurador-Geral da República Geraldo Brindeiro, atendendo solicitação do
Ministério da Educação e do Desporto, sustentou em petição inicial a controvérsia judicial
existente sobre a matéria. Diversas ações judiciais foram ajuizadas no sentido de que a
referida contribuição social do salário educação poderia ser exigida mediante lei
complementar; muitas delas com decisão favorável, com a declaração incidental de
inconstitucionalidade dos dispositivos legais da Lei 9.424/96. No entanto, segundo
interpretação do representante do Ministério Público, o legislador no momento que utilizou a
palavra lei” sem utilizar o adjetivo “complementar” no texto do art. 212, § deixou claro
que não havia a necessidade de lei complementar para a regulamentação da contribuição
social, até porque não se trata de competência residual da União, mas de tributo previsto
expressamente pela Constituição.
Para melhor comprovar sua tese, lembrou, inclusive, que a questão foi objeto de
análise do Supremo Tribunal Federal em julgamento do Recurso Extraordinário nº 138.284 no
qual o Ministro Carlos Velloso mencionou que o salário educação era uma das contribuições
sociais gerais que não necessitavam de lei complementar para serem instituídas.
Em 12.03.1998, a Procuradoria-Geral da República peticionou a juntada as decisões
judiciais contraditórias que comprovavam a controvérsia judicial sobre o tema. Em 30.10 do
mesmo ano, a autora requereu preferência no julgamento da ação. No dia 24.11 o Ministro
Nelson Jobim solicitou informações aos Presidentes da República, do Senado Federal e da
Câmara dos Deputados. O primeiro encaminhou informações prestadas pela Advocacia-Geral
da União que complementou a controvérsia judicial, junto com manifestação da Consultoria
do Ministério da Educação, ambos a favor da constitucionalidade dos dispositivos legais. A
Câmara dos Deputados reiterou os argumentos da petição inicial e encaminhou o processo
legislativo que resultou na Lei 9.424/96. O Senado Federal se manifestou de acordo os
termos da inicial.
Foi aberta vista dos autos novamente ao Ministério Público em 18.02.1999, desta vez
para se manifestar como custos legis. No dia 25.05.1999 o parecer ministerial pela
procedência da ação foi juntado aos autos. Finalmente, em 02.12.1999 a ação foi julgada
procedente, declarando-se assim a constitucionalidade do art. 15, § , I e II, e § da Lei
9.424 de 1996, vencidos os Ministros Marco Aurélio e Sepúlveda Pertence.
O voto de Nelson Jobim acompanhou a argumentação sustentada na petição inicial. A
contribuição social do salário educação não se confunde com imposto, por isso não exige lei
complementar para sua instituição. A tese de inconstitucionalidade no processo legislativo foi
rechaçada pelo Ministro, demonstrando a harmonia desse processo com o Regimento das
Casas quem compõem o Congresso Nacional. A problemática da não-cumulatividade, da
hipótese de incidência e da alíquota também foram devidamente esclarecidas e justificadas
pelo Ministro. Portanto, seu voto foi pelo julgamento integralmente procedente da ação.
Os demais Ministros acompanharam a íntegra do voto do Relator, exceto Marco Aurélio
e Sepúlveda Pertence que detectaram inconstitucionalidade no processo de tramitação da Lei
9.424/96 no Congresso Nacional. Para o primeiro, o caput do art. 15 da Lei era
inconstitucional, pois sofreu alteração substancial que ensejava retorno para aprovação da
Câmara iniciadora, o que de fato não ocorreu. para Sepúlveda Pertence a
inconstitucionalidade estava apenas na expressão “a qualquer título” do art. 15, pois as
parcelas não salariais eventualmente recebidas pelo empregado não deveriam compor a base
de cálculo da contribuição.
4.4 Ação declaratória de constitucionalidade nº 4
O Presidente da República e as Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal,
em 27 de novembro de 1997, propuseram a ADC de nº 4 no Supremo Tribunal Federal. Trata-
se de pedido de declaração de constitucionalidade do art. da Lei 9.494, de 10 de
setembro de 1997, na qual se converteu a Medida Provisória 1.570, de 21 de agosto de
1997, que disciplinava sobre a aplicação da tutela antecipada contra a Fazenda Pública. Para
comprovar a polêmica no âmbito da concessão de pedidos de antecipação de tutela contra a
Fazenda Pública, os autores juntaram variadas decisões judiciais conflitantes proferidas em
diversas partes do país.
A ADC 4 trouxe uma novidade no processo nesta espécie de controle concentrado.
Pela primeira vez o autor de ação declaratória de constitucionalidade pediu o deferimento de
pedido liminar, de maneira que se suspendesse, com efeito ex tunc, o julgamento das variadas
ações sobre o mesmo tema até que o Supremo Tribunal Federal julgasse o mérito da ação. Os
autores se basearam em opiniões de juristas como Gilmar Mendes e Nagib Slaibi Filho, que
defendiam a possibilidade de concessão de liminar em sede de ADC, exatamente para evitar o
agravamento da situação de insegurança jurídica normalmente demonstrada na inicial.
O problema existente em torno da constitucionalidade do art. da Lei 9.494/97
estava nas graves conseqüências financeiras causadas a Fazenda Pública quando das
concessões de pedido de antecipação de tutela que determinavam as incorporações em folha
de pagamento, bem como o imediato pagamento de atrasados. Nestas ações judiciais, o
Tesouro era demandado antes mesmo de haver julgamento do recurso ex officio. A intenção
do legislador e do Presidente ao editar a medida provisória foi preservar os recursos públicos
contra decisões judiciais que ainda poderiam ser reformadas.
A ação foi distribuída ao Ministro Sydney Sanches em 27.11.1997 e submetida a
julgamento da medida liminar em 10.12 do mesmo ano. O Relator aduziu que a Emenda
Constitucional 3, ao instituir a ação declaratória de constitucionalidade, não estabeleceu
expressamente a possibilidade de concessão de medida cautelar. Por outro lado, a
Constituição em seu art. 102, I, p, previa manifestamente a possibilidade de medida cautelar
em ação direta de inconstitucionalidade. Apesar da inexistência de previsão constitucional,
entendeu o Relator que o poder geral de cautela era inerente à atividade jurisdicional.
Para tanto, baseou-se no entendimento do Supremo Tribunal Federal proferido no
julgamento da Representação nº 933, Relator Ministro Thompson Flores, no qual foi admitida
a utilização de liminar no processo de controle abstrato de normas, mesmo na ausência de
norma autorizadora. Caso não fosse permitida a concessão de medida liminar, o Judiciário
ficaria impedido de prevenir a segurança jurídica que visa garantir a ação declaratória de
constitucionalidade, por meio da eficácia erga omnes e do efeito vinculante das suas decisões
de mérito. Conforme o Ministro, era incompreensível um Tribunal ser impedido de acautelar
a eficácia de suas decisões de mérito.
Não se pode ignorar que em certos casos é exigida uma medida que possa garantir os
resultados e a eficácia da decisão que futuramente será proferida no processo. Para esse
provimento dá-se o nome de medida cautelar. Ademais, o poder geral de cautela é imanente
ao poder de julgar não apenas nos processos de conhecimento e de execução, mas também no
âmbito do controle concentrado de leis e atos normativos, exatamente pelo fundamento maior
existente nessa espécie de processos: a garantia da ordem constitucional.
Vencida essa limitação sobre a concessão de medida cautelar, Sydney Sanches passou
então a analisar a existência dos requisitos do fumus boni iuris e do periculum in mora. O
primeiro ficou demonstrado com a indicação feita pelos autores de precedente já apreciado
pelo Supremo Tribunal Federal, quando o Partido Liberal ingressou com a ADIn 1.576,
com pedido liminar, contra o art. da Medida Provisória 1570-1 de 26.03.1997, cujo teor
é o mesmo do art. da Lei 9.494/97, objeto desta ADC. O STF indeferiu a suspensão
liminar do dispositivo. Assim, à primeira vista, o artigo da lei era constitucional.
A demonstração do periculum in mora foi feita pelos autores quando apresentaram as
variadas espécies de decisões judiciais contra a Fazenda Pública, especialmente a que
mandava incorporar imediatamente determinados valores aos vencimentos de servidores, ou
mesmo de grande número de servidores, sob pena de prisão. Essas condenações causavam
prejuízos financeiros graves ao Tesouro, na medida em que mesmo não sendo previstas no
orçamento devem ser pagas imediatamente.
Sydney Sanches ainda lembrou em seu voto que o Código de Processo Civil, art. 265,
IV, pre a suspensão de processo quando a sentença de mérito depende do julgamento de
outra causa, ou da declaração da existência ou inexistência da relação jurídica, que
constituísse objeto principal de outro processo pendente. Assim, os processos que tivessem
como questão a antecipação de tutela contra a Fazenda Pública poderiam razoavelmente ficar
suspensos até que o Supremo Tribunal Federal julgasse definitivamente a constitucionalidade
do art. 1º da Lei nº 9.424/97.
Por outro lado, o Ministro não concordou com a concessão da medida liminar dotada de
efeito ex tunc, como requerido pelos autores, seguindo a orientação emanada nos outros
julgamentos liminares em ações de controle concentrado de constitucionalidade. De maneira
que deferiu o pedido liminar, suspendendo quaisquer processos em que se pretendesse a tutela
antecipada contra a Fazenda Pública, que tivesse como pressuposto a constitucionalidade, ou
não, do art. da Lei 9.494/97, com efeitos ex nunc e vinculante, até que o Supremo
Tribunal Federal julgue o mérito da ADC nº 4.
No julgamento do dia 10.12.97, os Ministros Nelson Jobim, Maurício Corrêa e Ilmar
Galvão acompanharam o voto proferido por Sydney Sanches. Para eles, a não concessão de
medida cautelar em ação declaratória inviabilizaria o próprio instituto, que visa notadamente à
manutenção da segurança jurídica ameaçada por decisões judiciais contraditórias sobre a
mesma matéria. É uma das formas de evitar a crescente descrença no sistema jurídico no
Estado Democrático de Direito brasileiro. Para Nelson Jobim, o Supremo Tribunal Federal
chamou para si, autorizado constitucionalmente, a capacidade de assegurar em todo território
brasileiro a vigência plena das normas compatíveis com a Constituição.
O Ministro Marco Aurélio, por sua vez, pediu vista dos autos para proferir seu voto,
pois tinha dúvidas sobre a cogitação de uma ação declaratória de constitucionalidade
objetivando a eficácia inerente à própria norma objeto da ação, eficácia a obstaculizar o
acesso ao Judiciário, no campo da medida cautelar, com as conseqüências previstas nas
normas processuais que se revelam o contraditório, o campo próprio do exercício do direito
de defesa tanto pelo cidadão quanto pelo Estado.
Em 05.02.98 o julgamento da medida cautelar da ADC 4 voltou ao seu curso, com a
apresentação do voto do Ministro Marco Aurélio. Seu julgamento é coerente ao proferido na
ADC nº 1, quando julgou inconstitucional a Emenda Constitucional nº 3, nos dispositivos que
criaram a ação declaratória de constitucionalidade. Além disso, justificou sua decisão através
da demonstração de imperfeições processuais advindas com a eventual concessão de medida
liminar em ADC.
Segundo Marco Aurélio, as autores requereram não a suspensão de um ato normativo,
mas de atos judiciais formalizados em processos, muitos deles ainda em curso, sob a
nomenclatura e eficácia de tutela antecipada, sem quem o Supremo Tribunal Federal decida
os casos isoladamente. Não concessões de medida cautelar em ações meramente
declaratórias, pois se assim fossem julgadas, seriam verdadeiras antecipações de tutela.
Ainda haverá outro problema de ordem processual. Após suposto deferimento da
medida liminar na ADC 4, se em algum processo for eventualmente deferida a antecipação
de tutela contra Fazenda Pública, esta poderá interpor dois recursos: agravo de instrumento,
ao tribunal a que está vinculado o juiz, e a reclamação, dirigida ao Supremo Tribunal Federal,
tendo em vista a desobediência de ordem proferida pelo órgão de cúpula do Judiciário. Caso
se escolhesse a reclamação, seria uma verdadeira queima das etapas estabelecidas pela lei
processual civil brasileira. Marco Aurélio lembrou que o próprio STF se manifestou ser
inadequada situação em que a parte pode escolher qual órgão judicial poderá decidir sua
pretensão
15
e não poderia agora mudar seu posicionamento. Não poderia, portanto, a liminar
em ADC, tendo em conta as peculiaridades da ação como espécie do controle concentrado de
constitucionalidade, requerer outra coisa a não ser o endosso do Supremo Tribunal Federal
para confirmar a imperatividade, validade e eficácia da norma.
Percebe-se no voto do Ministro que não houve a análise de eventual possibilidade de
procedência da ação com efeito ex nunc, como o fez Sydney Sanches. Houve apenas a
manifestação de que restava impossível a concessão de liminar com efeito ex tunc, pois, sem
dúvida, se assim fosse deferida, o julgamento afetaria milhares de tutelas antecipadas
proferidas contra a Fazenda Pública, antes mesmo da distribuição da ADC nº 4.
Outro ponto fundamental do julgamento proferido por Marco Aurélio foi sobre a
eficácia e efeitos da liminar em ADC. Conforme a Constituição, somente as decisões de
mérito proferidas emões declaratórias de constitucionalidade possuem eficácia erga omnes
e efeito vinculante aos demais órgãos do Judiciário e Executivo. Sendo assim, resta incabível
a concessão de liminar, pois restaria uma medida meramente decorativa no processo. Não
pode o Supremo Tribunal Federal ir além do admitido pela ordem jurídica.
O Ministro destacou, ainda, que a eventual concessão de liminar seria mais trágica que a
antiga avocatória. Nesta, o Supremo Tribunal Federal, apesar de avocar o julgamento, assim o
faz nos autos do processo, mantendo-se as partes, o pedido e causa de pedir. No caso da
15 Nesse sentido: HC nº 73.529-SP. Relator Ministro Marco Aurélio. DJ 06.09.1996.
liminar em ADC, o julgamento afeta milhares de processos em curso, sem análise em
concreto dessas ações.
Todos esses eventuais desrespeitos aos princípios constitucionais levariam
consequentemente a uma situação de insegurança jurídica, exatamente o que a ação
declaratória de constitucionalidade deseja combater. Segundo o Ministro, a questão da
segurança jurídica, da mesma forma como pode ser demonstrada pela existência de decisões
judiciais conflitantes sobre a mesma matéria, também pode ocorrer o atropelo dos direitos e
garantias constitucionais, bem como do estabelecido em lei processual; ainda mais quando
esse atropelo é feito pelo Supremo Tribunal Federal.
Foram por essas razões que Marco Aurélio julgou o descabimento de pedido liminar em
ação declaratória de constitucionalidade. Razões essas que convenceram o Ministro Ilmar
Galvão a retificar seu voto proferido na sessão de julgamento do dia 10.12.97. Salientou que
não concordava com a opinião de que não seria possível pedido liminar em ação declaratória.
Porém, estava de acordo com o entendimento de que existia a possibilidade de interferência
direta em ações judiciais em curso em todo país com a possível concessão de medida liminar.
Como nas liminares em ões diretas de inconstitucionalidade essa intervenção o ocorre,
assim também deveria ser nas ações declaratórias de constitucionalidade.
Por outro lado, Sepúlveda Pertence, Néri da Silveira, Moreira Alves e Celso de Mello
acompanharam o Relator, de maneira que julgaram procedente a viabilidade de pedido liminar
em sede de ação declaratória de constitucionalidade. Esclareceu em seu voto o Ministro
Moreira Alves que o deferimento de medida de liminar, tanto em ADC quanto em ADIn, são
dispositivos de controle concentrado que obstam o controle difuso, exatamente porque, nesta
ocasião, são conflitantes. A tendência do controle de constitucionalidade no Brasil é a de
preferência pelo controle concentrado em detrimento do difuso. E essa tendência ficou mais
clara a partir de 1965, com a criação da representação de inconstitucionalidade, através da
Emenda 16, e se solidificou na Constituição de 1988. Esse afastamento do controle difuso
pelo concentrado, segundo Moreira Alves, não significa um atropelo dos princípios
constitucionais como assim defende o Ministro Marco Aurélio, mas uma conseqüência lógica
do sistema híbrido de controle de constitucionalidade no Brasil.
Assim, por maioria, o Supremo Tribunal Federal julgou cabível medida cautelar em
ação declaratória de constitucionalidade. Devido ao pedido de adiamento do julgamento do
pedido de medida cautelar, o Plenário voltou a se reunir no dia 11.02.98 para continuar as
discussões sobre o alcance da citada medida.
O Ministro Sepúlveda Pertence se manifestou de acordo com o voto do Relator, que era
a de sustar a prolação de qualquer decisão sobre pedido de tutela antecipada contra a Fazenda
Pública que tenha como pressuposto a constitucionalidade ou não do art. da Lei 9.494.
Por outro lado, entendeu também que deveriam ser suspensos os efeitos futuros de decisões
que já tenham sido prolatadas, exatamente para evitar, no caso de declaração de
constitucionalidade do art. da Lei 9.494, que fossem desconstituídas retroativamente
decisões que deferiram a tutela antecipada contra a Fazenda Pública.
Com isso, o deferimento da medida cautelar na ADC não teria eficácia ex tunc, mas
apenas ex nunc. o efeito vinculante seria necessário, sob pena da medida cautelar ser mero
item decorativo na ADC, pois o seu fim era exatamente evitar que se propagasse a
controvérsia judicial. Caso eventualmente um juiz julgasse contrariamente ao entendimento
proferido pelo Supremo Tribunal Federal, a parte interessada poderia interpor reclamação
para garantir a autoridade de suas decisões plenárias.
Nelson Jobim e Maurício Corrêa acompanharam o Relator, com as modificações
propostas por Sepúlveda Pertence. Porém, Marco Aurélio, coerente com seu entendimento
proferido no julgamento sobre a admissão de medida cautelar, não a deferiu, por entender que
se assim o fizesse, contrariaria as normas processuais, permitindo o acesso per saltum ao
Supremo Tribunal Federal, através da reclamação; bem como permitiria que a parte, no caso a
Fazenda Pública, pudesse escolher a melhor via para atacar a tutela antecipada contra ela
deferida.
O Ministro Néri da Silveira, por sua vez, proferiu voto deferindo a medida cautelar, para
reconhecer e afirmar que o art. da Lei9.494 deve ser tido como válido, ao julgamento
final da ação, e os demais juízes devem aplicá-lo normalmente. Sua decisão, na verdade, era
uma antecipação do pedido dos autores, pois declarava incidentalmente a constitucionalidade
do dispositivo legal objeto da ação. o Ministro Celso de Melo acompanhou o voto de
Sepúlveda Pertence.
Dessa forma, o Supremo Tribunal Federal deferiu, por maioria, a medida cautelar para
suspender, com eficácia ex nunc e efeito vinculante, a prolação de qualquer decisão que
antecipe os efeitos da tutela contra a Fazenda Pública, que tenha como pressuposto a
constitucionalidade ou não do art. da Lei 9.494, até o julgamento final da ADC. A
decisão sustou, também, os efeitos futuros de antecipações de tutela concedidas, mas ainda
não executadas.
Em seguida, todos os tribunais de justiça e tribunais regionais federais do país foram
comunicados do teor da decisão. No dia 17.02.98, foi aberta vista dos autos ao Procurador-
Geral da República para apresentar parecer sobre a constitucionalidade do dispositivo legal
objeto da ação, com encarecido pedido de urgência. Logo em 02.03 do mesmo ano, os autos
foram conclusos ao Relator.
Em 21.10.1999, a matéria foi posta em julgamento. Sydney Sanches, Relator, proferiu
voto julgando procedente a ação declaratória de constitucionalidade, nos termos da inicial,
para declarar, com eficácia ex tunc e erga omnes, e com efeito vinculante aos demais órgãos
do Judiciário e do Executivo, a constitucionalidade do art. da Lei 9.494/97. Nelson
Jobim, Maurício Corrêa, Ilmar Galvão e Celso de Melo acompanharam, na íntegra, o voto do
Relator. Marco Aurélio julgou ação declaratória de constitucionalidade improcedente
16
. O
Ministro Sepúlveda Pertence pediu vista dos autos e até o final do mês de outubro de 2006
não se manifestou sobre a matéria.
4.5 Ação declaratória de constitucionalidade nº 5
Aos vinte e cinco dias de agosto de 1998, o Procurador-Geral da República ingressou
com a ação declaratória de constitucionalidade 5, com pedido de medida cautelar,
objetivando findar com a controvérsia sobre a harmonia com a Constituição de 1988 dos arts.
1º, e da Lei 9.534, de 10 de dezembro de 1997. A ação foi fruto de solicitação do
Ministro da Justiça e do Secretário Nacional de Direitos Humanos.
16 O teor dos votos dos Ministros no mérito da ADC 4 não estão disponíveis porque ainda não se
pronunciaram todos os Ministros no seu julgamento definitivo. Fonte: Supremo Tribunal Federal.
Os dispositivos legais mencionados deram, respectivamente, nova redação ao art. 30 da
Lei 6.015, de 31 de dezembro de 1973, que dispõe sobre os registros públicos; acrescentou
inciso ao art. da Lei 9.265, de 12 de fevereiro de 1996, que trata da gratuidade dos atos
necessários ao exercício da cidadania; e alterou os arts. 30 e 45 da Lei 8.935, de 18 de
novembro de 1994, que dispõe sobre os serviços notariais e de registro. Em síntese,
estabelecem a gratuidade do registro civil de nascimento e de certidão de óbito, pela primeira
certidão destes atos e por todas as certidões aos reconhecidamente pobres, que, segundo
argumenta o Procurador-Geral da República, estão em conformidade com o disposto no art.
5º, LXXVI, da Constituição de 1988.
A inconstitucionalidade destas normas foi argüida na ADIn 1.800 pela Associação
dos Notários e Registradores do Brasil (ANOREG/BR), tendo como Relator o Ministro
Nelson Jobim. Em 06.04.1998, o pedido de medida cautelar foi indeferido, vencidos Marco
Aurélio e Maurício Corrêa. Para estes, a Lei 9.534 estabeleceu gratuidade dos registros de
nascimento e das certidões de óbito além do disposto constitucionalmente, pois determinou
que não apenas os reconhecidamente pobres deixassem de pagar pelos registros e certidões,
mas toda e qualquer pessoa que solicite, pela primeira vez, esses serviços. Até o final do s
de outubro de 2006 o Supremo Tribunal Federal não julgou o mérito desta ação direta de
inconstitucionalidade.
A ADC foi distribuída ao Ministro Octávio Gallotti, mas teve que ser redistribuída,
diante da prevenção de Nelson Jobim, Relator da ADIn 1.800 que trata do mesmo objeto.
Em 17.11.1999, o Supremo Tribunal Federal, por maioria de votos, deferiu o pedido de
medida cautelar da ADC 5, com eficácia ex nunc e efeito vinculante, para suspender, até o
julgamento definitivo da matéria, a prolação de decisão em processos que digam respeito a
legitimidade constitucional dos dispositivos objeto da ADC 5, como também sustar os
efeitos de eventuais decisões o transitadas em julgado e de todos os atos normativos que
negaram a validade do disposto nos artigos 1º, 3º e 5º da Lei nº 9.534/97.
A tese vencedora tanto aqui quanto na ADIn 1.800 se baseou na interpretação
sistemática da Constituição, na medida em que é estabelecido em seu art. 5º, LXXVII, a
gratuidade, na forma da lei, dos atos necessários ao exercício da cidadania. Os registros de
nascimento e de óbito seriam atos que, respectivamente, davam início e punham termo à
cidadania. Esse inciso se sobreporia ao LXXVI, que estabelece a gratuidade, aos
reconhecidamente pobres, dos citados registros. Em primeiro lugar porque, numa
interpretação literal, mesmo os reconhecidamente pobres não teriam o registro de óbito
gratuito, apenas a certidão. Além disso, a Constituição não estabelece que apenas os
reconhecidamente pobres não pagarão pelo registro de nascimento e certidão de óbito,
cabendo a interpretação de que outras pessoas poderão ingressar neste conjunto. O que o
constituinte quis foi garantir a gratuidade, pelo menos, aos mais pobres.
Outra questão fundamental são os emolumentos do art. 236 da Constituição e o fato de
que os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação do
poder público. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é sólida em determinar que o
serventuário o é empresário e o particular não é sua clientela. Assim, emolumentos são
taxas que constituem especial retribuição devida ao Estado, em razão da prestação de serviço
público. Assim, como o Estado não é obrigado a instituir taxas para a prestação de serviços
públicos, não existe regra que sujeite a instituição de emolumentos para todo e qualquer ato
praticado pelos serviços notariais e de registro. Assim, a gratuidade da expedição desses
documentos seria compensada pelos emolumentos cobrados em outras espécies de serviços.
Os demais Ministros acompanharam o voto de Nelson Jobim, exceto Celso de Mello,
porque não estava presente e Carlos Velloso, Maurício Corrêa e Marco Aurélio. Estes dois
últimos mantiveram o teor de seus votos proferidos na ADIn º 1.800. Maurício Corrêa,
baseando-se em preocupação com a situação financeira dos oficiais de registro civil,
especialmente os mais isolados, que essencialmente sobrevivem da expedição de certidões de
nascimento e de óbito. Marco Aurélio votou de acordo com a manifestação em sede da
medida cautelar na ADC 4, quando exprimiu a incompatibilidade do pedido liminar com a
espécie de ão declaratória de constitucionalidade, mesmo sabendo da existência da Lei
9.868, publicada sete dias antes do julgamento da cautelar na ADC 5. Marco Aurélio ainda
salientou que se o voto do Relator estivesse em harmonia com a Constituição, não haveria
necessidade lógica de existência do inciso LXXVI, bastando apenas a regra da gratuidade
para os atos necessários ao exercício da cidadania. Inclusive citou o precedente da ADIn
1.148, quando se discutiu a matéria interpretando a norma como a beneficiar apenas os
comprovadamente pobres. Dessa forma, deferiu-se a medida cautelar requerida pelo
Procurador-Geral da República.
Como a ADC5 e a ADIn 1.800 possuem objetos idênticos, mas pedidos contrários
entre si, as duas passaram a tramitar juntas como se única ação fosse. Em 29.03.2006, o
mérito foi julgado apenas por Nelson Jobim, que julgou procedente a ADC e, por
conseqüência, improcedente a ADIn, tendo em vista que o Ministro Ricardo Lewandowski
pediu vistas dos autos e até o final do mês de outubro de 2006 não apresentou seu voto,
estando suspenso o julgamento definitivo da ação.
4.6 Ação declaratória de constitucionalidade nº 6
A ação declaratória de constitucionalidade nº 6 teve a mesma negativa de seguimento da
ADC 2. A autora da ação foi a Confederação dos Servidores Públicos do Brasil (CSPB),
assistida pela Federação Sindical dos Servidores Públicos no Estado de São Paulo, filiada à
própria CSPB, e pelo Sindicato da União dos Servidores do Poder Judiciário no Estado de São
Paulo, e seu pleito era a declaração de constitucionalidade do art. 578 da Consolidação das
Leis do Trabalho (CLT), que prevê a contribuição sindical.
A data de distribuição do processo foi em 10.09.1998. No dia seguinte, o Ministro
Relator Moreira Alves negou seguimento por despacho monocrático. O entendimento do
Ministro é fruto da ausência de previsão constitucional das confederações sindicais no rol de
legitimados a proposição de ação declaratória de constitucionalidade do antigo § do art.
103 da Constituição Federal, revogado pela Emenda Constitucional 45, de 2004. Não
houve interposição de recurso, o que levou o processo à seção de arquivo.
4.7 Ação declaratória de constitucionalidade nº 7
Da mesma forma que a ADC 2 e 6, a ADC 7 teve negado seguimento por
ilegitimidade ativa. Dessa vez, o Município e a Câmara Municipal de Chorozinho no Estado
do Ceará propuseram a ação em 06.04.1999, mesmo não estando incluídos no grupo de
legitimados à ADC, com o pedido de declaração de constitucionalidade do art. 31 da Lei
Orgânica do próprio Município. Trata-se de dispositivo legal que prevê a reeleição, para um
único período subseqüente, dos membros da Mesa Diretora da Câmara Municipal de
Chorozinho-CE. O Ministro Relator Maurício Corrêa, em 09.04.1999, não conheceu a ação.
Decorreu prazo para recurso e nada foi interposto. Os autos foram, por conseqüência,
remetidos ao arquivo.
4.8 Ação declaratória de constitucionalidade nº 8
No dia 09 de junho de 1999, foi distribuída ao Ministro Celso de Mello a ADC 8,
com pedido de medida cautelar, proposta pelo Presidente da República, requerendo a
constitucionalidade dos arts. e da Lei 9.783, de 28 de janeiro de 1999, revogada pela
Lei nº 10.887, de 18 de junho de 2004
17
.
Os dispositivos, objeto da ação, tratavam sobre a contribuição para custeio da
previdência social dos servidores públicos ativos e inativos, e dos pensionistas dos três
Poderes da União. O autor juntou à inicial diversas decisões judiciais em sede de mandados
de segurança, ações civis públicas e ações ordinárias nas quais os juízes federais julgaram
com o pressuposto de inconstitucionalidade e de constitucionalidade dos arts. e da
referida Lei, comprovando assim a controvérsia judicial como pressuposto de admissibilidade
da ADC.
A controvérsia judicial é explicada pelas decisões contraditórias que determinam a
necessidade de lei complementar para instituir e majorar contribuição social. No entanto, não
prosperou por ser tema pacífico no Supremo Tribunal Federal, inclusive discutido na ADC
1, a necessidade de lei complementar apenas nos casos expressamente previstos no texto
constitucional. Outro ponto de importância abordado pelas decisões é o fato de que, em
13.10.1999, diversos institutos da Seguridade Social eram regulados pela Emenda
Constitucional nº 20, que não permitia a instituição de contribuição de seguridade social sobre
inativos e pensionistas da União. Também foi examinada a questão do confisco, do equilíbrio
atuarial, da irredutibilidade de vencimentos, da progressividade das alíquotas e do direito
adquirido, todos sob a ótica da contribuição dos servidores.
17 Não serão analisados detidamente os fatos e argumentos sobre a constitucionalidade dos dispositivos legais
objeto desta ADC nº 8 porque a ordem constitucional que dirigia a Seguridade Social na época do julgamento da
liminar foi alterada pela Emenda Constitucional 41, que permitiu a contribuição dos servidores inativos e
pensionistas da União. Posteriormente, foi promulgada a Lei 10.887/2004 que revogou a Lei 9.783/99. A
análise do julgamento será feita com o intuito de evidenciar o objeto da ação as conseqüências advindas das
decisões dos Ministros.
O Presidente da República postulou ainda concessão de medida cautelar, com eficácia
ex tunc e efeito vinculante, até o julgamento final da ação, para que ficassem suspensas as
decisões judiciais que impedissem o desconto da contribuição dos servidores ativos e inativos,
e dos pensionistas, de maneira que esse desconto fosse feito para financiar a Previdência.
Em resumo, Celso de Mello julgou procedente o pedido de concessão de medida
cautelar feito pelo autor, porém entendeu não ser possível a contribuição de servidores
inativos e pensionistas, sob o regime da Emenda Constitucional 20, porque ofenderia o
princípio da não-incidência (art. 40, § 12, Constituição de 1988), e do equilíbrio atuarial. Para
o Ministro a escala de progressividade contida no art. da Lei 9.783 viola o art. 150, IV,
da Constituição, que veda a utilização de tributo como confisco, além de que a vigência
temporária das alíquotas sinalizava um desvio de finalidade quantos aos valores arrecadados
destinados a cobrir déficit passado da Previdência, pois contrariava sua destinação
constitucional específica.
Assim, o pedido de medida cautelar foi deferido pelo Relator, com eficácia ex nunc e
com efeito vinculante, apenas em relação ao art. da Lei 9.783: a contribuição dos
servidores ativos sob a alíquota de 11% (onze por cento). A prolação de quaisquer decisões,
baseadas no pressuposto de constitucionalidade, ou não, deste dispositivo legal, relativo à
alíquota da contribuição dos servidores ativos, ficou suspensa até o julgamento final da ação,
bem como os efeitos futuros de decisões já proferidas.
Marco Aurélio, coerente com os votos proferidos nas ações declaratórias 4 e 5,
indeferiu a preliminar de cabimento da medida cautelar, bem como indeferiu sua concessão.
Nelson Jobim e Moreira Alves acompanharam o Relator, mas ampliaram o deferimento do
pedido, declarando constitucional o art. da Lei 9.783. Os demais acompanharam a
íntegra do voto do Ministro Celso de Mello.
Em 19.05.2004 Celso de Mello proferiu decisão extinguindo a ADC nº 8, tendo em vista
a perda de seu objeto, com a revogação do art. da Lei 9.783/99 pela Lei 9.988 de 19
de julho de 2000, que inclusive determinou a restituição aos servidores dos valores
eventualmente deles cobrados em virtude do disposto neste artigo. Mais tarde, em junho de
2004, conforme mencionado, toda a Lei 9.783 foi revogada pela Lei 10.887, que
estipulou novas regras de contribuição segundo o regime estipulado pela Emenda
Constitucional nº 41.
4.9 Ação declaratória de constitucionalidade nº 9
A proposição da ação declaratória de constitucionalidade 9 foi fundamentada na
controvérsia judicial acerca da constitucionalidade da criação da Câmara de Gestão da Crise
de Energia Elétrica e das regras que ajustavam o programa de racionamento estabelecido com
o intuito de impedir uma situação na qual a produção e a oferta de energia elétrica fosse
menor que a sua demanda.
O Governo Federal, diante da estiagem ocorrida no início do ano de 2001 e a
conseqüente baixa nos reservatórios das usinas hidroelétricas de praticamente todo o país, foi
obrigado a editar a Medida Provisória 2.152-2, de de junho de 2001, cujos arts. 14, 15,
16, 17 e 18 foram objetos da ação declaratória 9, proposta pelo Presidente da República,
com pedido de concessão de medida cautelar. Esses dispositivos estabeleceram metas de
consumo e as formas de cobrança de tarifa de energia elétrica, de acordo com a faixa de
consumo residencial, comercial, industrial e rural, inclusive estipulando a penalidade de
suspensão do fornecimento de energia elétrica.
Diversas ações judiciais foram propostas pelos consumidores alegando a
inconstitucionalidade das referidas normas, de maneira que as decisões proferidas nos
processos foram contraditórias e causaram inegável insegurança jurídica, sem contar o risco
que as medidas judiciais que declararam incidentalmente a inconstitucionalidade dos
dispositivos poderiam acarretar ao programa de racionamento.
O Ministro Néri da Silveira recebeu a ação distribuída em 11.06.2001, por prevenção,
tendo em vista que em 06.06.2001 foi proposta, pelo Partido Social Liberal, a Ação Direta de
Inconstitucionalidade 2.468 em face de dispositivos legais da Medida Provisória 2.152-
2, entre eles, inclusive, os que foram objeto da ADC 9. Por conseqüência lógica, as duas
ações passaram a tramitar conjuntamente. A controvérsia girava em torno, essencialmente, da
constitucionalidade da suspensão do fornecimento de energia elétrica e do regime especial de
tarifação previstos na Medida Provisória nº 2.152-2.
O julgamento da medida cautelar da ADC 9 foi realizado no dia 27.06.2001. Porém,
após o relatório e da sustentação oral do Advogado-Geral da União, na época o atual Ministro
Gilmar Ferreira Mendes, o julgamento foi adiado diante do adiantado da hora da sessão. No
dia seguinte, o julgamento foi retomado e o Supremo Tribunal Federal, por maioria, deferiu a
cautelar para suspender, com eficácia ex tunc e com efeito vinculante até o julgamento final
da ação, a prolação de qualquer espécie de decisão judicial que tenha como pressuposto a
constitucionalidade, ou não, dos arts. 14 a 18 da Medida Provisória 2.152-2, inclusive os
efeitos futuros de decisões já proferidas, tendo como base a mesma questão de
constitucionalidade.
Os Ministros decidiram ser cabível ação declaratória de constitucionalidade de medidas
provisórias. Embora seu prazo de validade seja, de certa forma, de curta duração, as medidas
provisórias são atos normativos federais e, portanto, podem ser objeto de ADC, segundo a
Constituição de 1988, no texto incluído pela Emenda Constitucional 3. Néri da Silveira
indeferiu a liminar, por não encontrar plausibilidade jurídica no pedido.
O Ministro não vislumbrou harmonia com a Constituição Federal a suspensão do
fornecimento de energia elétrica aos consumidores, mesmo aqueles que não cumprirem as
metas de consumo estipuladas, por não existir causa legítima que justifique a punição. Nem
mesmo o perigo iminente de insuficiência na provisão de energia elétrica aos consumidores.
Também não encontrou compatibilidade entre o texto constitucional e o regime especial de
tarifas, primeiro porque desrespeita o princípio da proporcionalidade, segundo porque sua
arrecadação não se destina a remunerar as distribuidoras e concessionárias, mas financiar os
bônus a serem concedidos àqueles que cumprirem as metas. Isso, na verdade, significa a
criação de nova espécie de tributo, que somente poderia ter sido realizada mediante lei
complementar.
Ellen Grace abriu divergência, para julgar totalmente procedente a cautelar,
concordando com o regime especial de tarifas e com a suspensão do fornecimento de energia
elétrica. Para tanto, fundamentou-se no entendimento proferido no Recurso Extraordinário
117.315, de maneira que interpretou ser a tarifa especial a mesma natureza da tarifa ordinária:
forma de contraprestação pela entrega do serviço. Não notou violação ao princípio da
proporcionalidade, nem mesmo interpretou a suspensão do fornecimento como dupla punição
ao consumidor que não respeitar as regras, pois era uma forma de garantir que os mais
abastados, capazes de pagar a sobretarifa, contribuíssem com o plano de racionamento.
O Ministro Nelson Jobim acompanhou a divergência. Maurício Corrêa também,
abstraindo de qualquer exame sobre as questões de inconstitucionalidade das medidas,
alegando que a própria sociedade entendeu a necessidade extrema do programa de
racionamento de energia elétrica, e proclamou sua constitucionalidade. Carlos Velloso
entendeu que a Medida Provisória 2.152-2 dispõe sobre política tarifária e está de acordo com
o art. 175, parágrafo único, III da Constituição. Sepúlveda Pertence e Sydney Sanches
também seguiram a divergência.
Moreira Alves salientou que, no regime da Constituição de 1988, a tarifa é considerada
preço político, podendo ter efeitos que extravasam aquilo que é o normal do preço público: o
pagamento de prestação de serviço. O preço político pode servir para regular a política
tarifária, a fim de que se permita às concessionárias a obrigação de manter o serviço
adequado.
Marco Aurélio, sozinho, acompanhou o Relator, afirmando que não poderia votar sob o
ângulo sociológico, para corrigir um mal maior, abandonando as normas constitucionais. O
Ministro salientou que a Câmara Gestora da crise energética poderia alterar livremente o
regime de tarifas estabelecido pela Medida Provisória, ou seja, algo inteiramente dissonante
com a ordem constitucional. O Ministro Sepúlveda Pertence lhe perguntou onde estava o juiz
que, defrontando-se com um conflito de interesses, primeiro encontra a solução justa e depois
vai procurar a fundamentação na Constituição. Marco Aurélio respondeu que não mudou sua
postura neste aspecto, mas, na espécie, não conseguiu se desvencilhar da garantia
constitucional da prestação do serviço segundo as necessidades do usuário. Para o Ministro, a
sobretarifa configurava-se como empréstimo, mesmo com a garantia de que não seria
utilizada pelas concessionárias.
A ADC 9 foi a primeira a ser interposta sob o regime da Lei 9.868/99, que dispõe
sobre o processo e julgamento das ações diretas de inconstitucionalidade e das ações
declaratórias de constitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal. Segundo seu art. 21,
parágrafo único, concedida a medida cautelar, a parte dispositiva da decisão deve ser
publicada no prazo de dez dias, devendo o Supremo Tribunal Federal julgar orito da ação
em cento e oitenta dias, sob pena de perda da sua eficácia.
A decisão foi publicada no Diário Oficial da União em 08.08.2001. Em 20.11 do mesmo
ano foi aberta vista dos autos ao Procurador-Geral da República para se manifestar sobre a
constitucionalidade dos dispositivos legais objeto da ação, cumprindo com o disposto no art.
19 da Lei nº 9.868. Em 03.12, o Ministério Público apresentou parecer em favor da declaração
de constitucionalidade dos arts. 14 a 18 da Medida Provisória 2.198-5, de 24 de agosto de
2001
18
.
Em 13.12.2001 foi julgado o mérito da ADC 9, cumprindo com o prazo disposto no
art. 21, parágrafo único, da Lei 9.868/99, pois, do contrário, a eficácia da medida cautelar
deferida seria perdida, de maneira que a suspensão de decisões seria extinta. O julgamento foi
basicamente uma repetição do ocorrido na concessão da medida cautelar. As questões
fundamentais foram decididas: 1) O valor arrecadado com a sobretarifa seria destinado a
custear despesas adicionais das concessionárias além de premiar os poupadores de energia
elétrica; política essa de acordo com o art. 175, III da Constituição; 2) Atendeu-se aos
princípios da proporcionalidade e da razoabilidade; 3) A suspensão do fornecimento de
energia se fez necessária como exercício de solidariedade social mínima, assegurada a
notificação prévia e a apreciação de casos excepcionais.
Assim, o Supremo Tribunal Federal, pela primeira vez, julgou inteiramente uma ação
declaratória de constitucionalidade, após ter deferido medida cautelar, de maneira que foi
declarada a constitucionalidade, com eficácia contra todos e efeito vinculante em relação aos
órgãos do Poder Judiciário e ao Poder Executivo, dos arts. 14 a 18 da Medida Provisória
2.152-2, que na época do julgamento estava sob o nº 2.198-5, de 24 de agosto de 2001.
4.10 Ação declaratória de constitucionalidade nº 10
A ação declaratória de constitucionalidade 10 foi proposta por Dinete Lessa, uma
brasileira, viúva, com sessenta e nove anos de idade, em 20.05.2004. Seu desejo era a
18 A Medida Provisória objeto da ADC nº 9 foi, originariamente, a MP nº 2.152-2, que estava em vigor na época
da propositura da ação. Ela tem origem na MP 2.147 e sofreu alterações e reedições sob os números: 2.148-1,
2.152-1, 2.198-3 e 2.198-4, culminado com a MP nº 2.198-5, de 24 de agosto de 2001.
declaração de constitucionalidade do art. 2038, § 1º, I do Código Civil, que dispõe sobre a
vedação da cobrança de laudêmio ou prestação análoga de bem aforado, sobre o valor das
construções ou plantações.
Interessante notar que a autora interpôs a ação declaratória de constitucionalidade mais
para benefício próprio e menos para levar ao Supremo Tribunal Federal uma grave
controvérsia jurídica sobre lei ou ato normativo federal. Tentou, com a proposição da ADC,
buscar que o Município do Rio de Janeiro, como senhorio do imóvel, se escusasse de exigir o
pagamento do laudêmio como requisito para se registrar a transferência de enfiteuta. Essa
intenção é notória quando a autora usa as expressões: “propor uma ação declaratória de
constitucionalidade contra o Município do Rio de Janeiro e “requer de Vossa Excelência (...)
intimar o Município do Rio de Janeiro, a acatar incontinente esta decisão e, (sic) adequar o
Órgão gerencial às normas de não obrigatoriedade ao não pagamento do laudêmio e foro”,
grifos nossos.
O Ministro Carlos Britto, em 25.05.2004, negou seguimento à ação, visto que a
Constituição não conferiu legitimidade ativa a Sra. Dinete Lessa para propor ação declaratória
de constitucionalidade, mas apenas ao Presidente da República, às Mesas do Senado e da
Câmara dos Deputados e ao Procurador Geral da República. A Emenda Constitucional 45,
do mês de dezembro de 2004, ampliou o rol de legitimados, mas não ao ponto de nele incluir
o cidadão. Neste grupo figuram apenas os órgãos políticos de maior representatividade do
país e as entidades privadas de âmbito nacional. Mesmo que fosse admitida a hipótese do
conhecimento da ADC 10, o Supremo Tribunal Federal a indeferiria, pois se tratava de
interesse particular, um conflito de interesses entre duas partes específicas, características
básicas de uma ação ordinária, e não uma ação espécie de controle concentrado de
constitucionalidade.
4.11 Ação declaratória de constitucionalidade nº 11
Pela primeira vez uma ação declaratória de constitucionalidade foi interposta por um
Governador do Distrito Federal, um dos novos legitimados a propor ADC trazidos pela
Emenda Constitucional 45, que deu a mais recente redação do art. 103 da Constituição de
1988. Em 28.11.2005 foi distribuída a ADC 11 ao Ministro Cezar Peluso. Pediu o autor
que fosse declarada a constitucionalidade do art. -B da Lei 9.494, de 10 de setembro de
1997, artigo incluído pela Medida Provisória nº 2.180-35, de 24 de agosto de 2001.
O referido dispositivo determinava prazo de trinta dias para a oposição, pela Fazenda
Pública, de embargos à execução. Apesar de reeditada por trinta e cinco vezes e sua última
edição datar do ano de 2001, até o final do mês de outubro de 2006 a matéria ainda se
encontrava em tramitação no Congresso Nacional.
É importante ressaltar que a vigência da Medida Provisória 2.180-35 é regulada pela
Emenda Constitucional nº 32, de 2001, cujo art. 2º dispõe que as medidas provisórias editadas
em data anterior à data de publicação da referida Emenda, que é o caso da MP 2.180,
continuam em vigor até que medida provisória posterior as revogue explicitamente ou até
deliberação do Congresso Nacional. Outro ponto fundamental trazido no bojo da Emenda
Constitucional 32 é a proibição expressa de edição de medida provisória sobre matéria de
direito processual civil; regra estabelecida no texto mais recente do art. 62, § 1º, I, b da
Constituição de 1988.
O autor apresentou a teórica controvérsia judicial relevante, requisito de admissibilidade
para o conhecimento da ação declaratória de constitucionalidade, bem como dissertou sobre a
harmonia do dispositivo com a Constituição de 1988. Explanou ainda que as Procuradorias da
Fazenda Pública, especialmente ao do Distrito Federal, possuíam extrema dificuldade para
cumprir o prazo original de dez dias para oposição embargos, pois existia alta demanda de
processos, além de que muitos deles tratavam de cálculos de grande complexidade. Chegou ao
ponto de dizer que nem os trinta dias do novo prazo eram suficientes, motivo pelo qual o
Presidente da República editou a MP 2.180-35, de 2001. Requereu a concessão de medida
cautelar para suspender os julgamentos de processos que envolvam a aplicação do art. 1º-B da
Lei 9.494 de 1997, acrescentado pela MP 2.180, de 2001. Por fim solicitou a declaração
de constitucionalidade do art. 1º-B do referido diploma legal.
Apesar de apresentado em mesa para julgamento em 13.02.2006, a ADC 11, bem
como seu pedido de concessão de medida cautelar estavam pendentes de julgamento a o
final do mês de outubro de 2006.
4.12 Ação declaratória de constitucionalidade nº 12
A Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) pela primeira vez ingressou com uma
ação declaratória de constitucionalidade em 02.02.2006
19
, dando origem à ADC 12,
distribuída ao Ministro Carlos Britto. A intenção da autora era a declaração de
constitucionalidade da Resolução 7/05 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que
explicita as condutas que caracterizam o nepotismo no âmbito do Poder Judiciário, descreve o
nepotismo como prática ilícita, e prescreve prazo para exoneração dos ocupantes de cargo de
provimento em comissão e funções gratificadas que se encontrarem nas situações tolhidas na
citada Resolução, dentre outras medidas não menos importantes.
Discorreu a autora em sua petição inicial sobre a pertinência temática entre o objeto da
ação e o interesse da AMB; enquadrou a Resolução 7/05 como ato normativo federal;
demonstrou a relevante controvérsia judicial existente em muitas partes do território
brasileiro, a competência do Conselho Nacional de Justiça para proibir práticas de nepotismo;
a não violação do princípio da separação dos Poderes, nem do princípio Federativo, como
também demonstrou que a Resolução não restringe direitos de servidores públicos e de
terceiros.
Para tanto, baseou-se nas seguintes teses: 1) O CNJ tem o poder-dever de zelar pela
observância do art. 37 da Constituição de 1988 e apreciar a validade de atos administrativos
praticados pelos órgãos do Poder Judiciário (CF, art. 103-B, § 4º, II); 2) Eficácia jurídica dos
princípios constitucionais. Vedação ao nepotismo é regra constitucional que decorre do
núcleo dos princípios da impessoalidade e da moralidade administrativas; 3) O Poder Público
está vinculado o apenas à legalidade formal, mas à juridicidade, conceito mais abrangente
que inclui a Constituição; 4) A Resolução 7/05 do CNJ não afeta o equilíbrio entre os
Poderes, por não subordinar um Poder a outro, nem tampouco o princípio federativo, por não
subordinar um ente estatal a outro; 5) A Resolução 7 do CNJ não encontra óbice em
eventuais direitos de terceiros contratados pela Administração e não qualquer violação a
direitos de servidores.
19 Note-se que a mesma Associação dos Magistrados Brasileiros ingressou com ação direta (ADIn 913)
intentando a inconstitucionalidade da Emenda Constitucional 3, que criou a ação declaratória de
constitucionalidade. Mais tarde ingressou com outra ação direta (ADIn 3.367) impugnando a Emenda
Constitucional nº 45, que criou o Conselho Nacional de Justiça.
A autora requereu ainda a concessão de medida cautelar para suspender, com eficácia ex
tunc e efeito vinculante aos demais órgãos do Poder Judiciário, o julgamento de processos que
envolvam a aplicação da Resolução 7/05 do CNJ, a o julgamento definitivo da ADC
12, como também os efeitos de decisões proferidas que declararam inconstitucional algum
dispositivo da referida Resolução.
Em julgamento, datado de 16.02.2006, o Supremo Tribunal Federal deferiu a medida
cautelar nos termos requeridos pela autora, com algumas ressalvas levantadas por Carlos
Britto e aprovadas pela maioria, vencido o Ministro Marco Aurélio que a indeferiu. A ADC
não foi conhecida com relação ao art. 3º, pois o Conselho Nacional de Justiça editou a
Resolução 9/05, que alterou a Resolução 7/05, objeto da ação. O STF emprestou
interpretação conforme aos incisos do art. da Resolução, para restringir o parentesco por
afinidade da linha colateral “aos irmãos do cônjuge companheiro”; e para incluir o termo
“chefia” nos incisos II, III, IV e V do art. da Resolução, pois a Constituição Federal
vinculou os cargos em comissão e as funções de confiança às atribuições de direção, de chefia
e de assessoramento.
Marco Aurélio indeferiu a liminar, pois entendeu que a eficácia ex tunc da concessão da
medida cautelar era indevida porque afastava a jurisdição e suspendiam-se atos jurisdicionais
formalizados, que eram passiveis de impugnação por meio de instrumentos que lhe são
próprios. Além disso, a decisão do Supremo Tribunal Federal atingiria diretamente o trabalho
dos juizes hierarquicamente inferiores, pois estariam impedidos de exercer poder inato da
jurisdição: o poder geral de cautela. Coerente com seus votos proferidos nos julgamentos das
demais ações declaratórias de constitucionalidade, não concordou com a concessão de liminar
em ADC porque satisfaria necessariamente o rito da ação: a declaração de eficácia da
norma. O Ministro também fundamentou seu voto no fato de que a Constituição não atribuiu
poder normativo ao Conselho Nacional de Justiça para legislar de forma abstrata, nos moldes
do Poder Legislativo.
O acórdão foi publicado em 01.09.2006 e no dia 15 do mesmo mês, foi aberta vista dos
autos ao Procurador-Geral da República para se manifestar sobre o pedido da autora. Até o
final do mês de outubro de 2006 o Ministério Público não havia juntado parecer, de maneira
que a ação encontra-se pendente de julgamento.
4.13 Ação declaratória de constitucionalidade nº 13
Trata-se de ão declaratória de constitucionalidade proposta em 24.05.2006 pela
Associação Brasileira das Empresas de Trading (ABECE), entidade de classe de âmbito
nacional, e distribuída ao Ministro Joaquim Barbosa. Intenta a autora a declaração de
constitucionalidade do art. da Resolução 71 do Senado Federal, de 26 de dezembro de
2005, que suspende a execução do art. 1º do Decreto-Lei nº 1.724, de 07 de setembro de 1974,
da expressão “reduzir, temporária ou definitivamente, extinguir”, e, no inciso I do art. do
Decreto-Lei nº 1.894, de 16 de dezembro de 1981, das expressões “reduzi-los” e “suspendêlos
ou extingui-los”.
A Resolução foi editada pelo Senado Federal baseada nos termos do art. 52, X, da
Constituição Federal, de maneira que suspendeu a execução de parte dos citados Decretos-
Lei, em virtude dos julgamentos definitivos dos Recursos Extraordinários 180.828,
186.623, 250.288 e 186.359. A finalidade da Resolução foi a de dar eficácia erga omnes aos
acórdãos proferidos nos referidos recursos extraordinários.
As expressões declaradas inconstitucionais autorizavam o Ministro da Fazenda a
suspender, reduzir temporária ou definitivamente, ou extinguir os estímulos fiscais de que
tratavam os arts. ao do Decreto-Lei 491, de 05 de março de 1969, que regula o
crédito-prêmio do imposto sobre produtos industrializados (IPI). Essa prática, conforme
decisões reiteradas em sede de controle de constitucionalidade difuso proferidas pelo
Supremo Tribunal Federal, configurava delegação proibida.
Joaquim Barbosa, em despacho ordinatório, determinou que a autora comprovasse, no
prazo de dez dias, que possuía associados em pelo menos um terço dos Estados da Federação,
para que restasse demonstrada a condição de entidade de classe de âmbito nacional,
legitimada ativa a propor ação declaratória de constitucionalidade segundo o art. 103, IX, da
Constituição Federal. Essa característica básica da entidade de classe de âmbito nacional foi
determinada pelo julgamento da questão de ordem da ADIn nº 108, Relator Ministro Celso de
Mello, e desde então foi utilizada como regra para caracterizar a legitimidade ativa das
entidades privadas.
A decisão foi publicada em 05.06.2006. Decorrido o prazo, a autora não se manifestou.
Desde então, até outubro de 2006, os autos estão conclusos ao Ministro Joaquim Barbosa.
4.14 Ação declaratória de constitucionalidade nº 14
A Associação dos Notários e Registradores do Brasil (ANOREG/BR), entidade de
âmbito nacional, propôs a ADC 14 em 20.09.2006, com medida cautelar, intentando ver
declarado constitucional o art. 16 da Lei 8.935, de 18 de novembro de 1994, com redação
dada pela Lei nº 10.506, de 10 de julho de 2002.
A problemática em torno da constitucionalidade do referido dispositivo iniciou-se como
erro datilográfico ocorrido na publicação da Lei 8.935, que em seu art. 16 previa a
realização de concurso de provas e títulos para o provimento de vagas, inclusive por remoção,
na atividade notarial e de registro. Porém, segundo denota a leitura das discussões
parlamentares do Projeto de Lei 2.248/91 damara dos Deputados, a previsão legal seria
somente de concurso de prova de títulos.
A ANOREG, por conseguinte, ingressou com uma ação direta de inconstitucionalidade,
2.018, do art. 16 da referida Lei no mês de junho de 1999. O pedido de concessão de
medida cautelar na ADIn foi indeferido pelo Ministro Relator Moreira Alves, por não
encontrar relevância suficiente para o caso. Ocorre que o Presidente da República enviou
projeto de lei ao Congresso Nacional para corrigir o suposto erro cometido, sendo publicada a
Lei 10.506/2002, de maneira que o art. 16 da Lei 8.935 passou a prever apenas o
concurso de títulos para o preenchimento de vagas por remoção. Este fato resultou na perda
de objeto da ADIn 2.018, pois o teor do dispositivo objeto da ação passou a ter exatamente
o conteúdo buscado pela autora, tendo em vista as alterações trazidas pela Lei de 2002.
Em síntese, o entendimento da autora é o de que a necessidade de concurso público de
provas e títulos é exigida apenas nos casos de ingresso na atividade notarial e de registro,
conforme sua interpretação do art. 236, § 3º da Constituição de 1988.
O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, embora haja sido publicada a Lei
10.506, continuou a exigir provas e títulos nos concursos de remoção, motivando a proposição
da ADC 14. Para comprovar a controvérsia judicial, juntou decisões proferidas pelos
Tribunais de Justiça dos Estados do Rio de Janeiro, Minas Gerais, Rio Grande do Sul e de
mais três Estados. Ao final de sua petição, pediu concessão de medida cautelar, para adequar
os concursos de remoção em andamento à época com o teor do art. 16 da Lei nº 8.935/1994.
O Ministro Relator Gilmar Mendes determinou, em despacho ordinatório de 02.10.2006,
a juntada de cópia do ato normativo questionado, que foi prontamente atendido pela autora.
Foi requerida participação no processo em 05.10.2006, na qualidade de amicus curiae, por
parte da Associação dos Titulares de Cartório do Estado de São Paulo. A autora, por outro
lado, peticionou requerendo que seja rejeitado o pedido da referida Associação. Até o final do
mês de outubro de 2006 os autos encontravam-se conclusos ao Ministro Gilmar Mendes.
5 AS IMPLICAÇÕES TRAZIDAS PELA AÇÃO DECLARATÓRIA
DE CONSTITUCIONALIDADE
A ação declaratória de constitucionalidade foi utilizada por seus legitimados em
quatorze oportunidades. Dessas, nove foram conhecidas
20
pelo Supremo Tribunal Federal,
sendo apenas três ações julgadas em definitivo e uma extinta em virtude da perda de seu
objeto. Foram sete pedidos de concessão de medida cautelar, sendo quatro deles julgados.
Com relação ao objeto das ações impetradas observa-se a predominância das discussões
envolvendo tributos. Este tema está em quatro das nove ações conhecidas. Outro objeto que
muito se aproximou com a questão tributária foi a problemática que envolveu o preço público
das tarifas de energia elétrica (ADC 9), e a gratuidade dos registros de nascimento e dos
assentos de óbito (ADC 5). Os interesses da Fazenda Pública foram discutidos em duas
oportunidades. Apenas em duas ocasiões (ADC 12 e 14) a controvérsia sobre a
constitucionalidade não envolveu direta ou indiretamente questões financeiras e o interesse da
União Federal.
Conforme a tabela a seguir, existe uma relação desproporcional entre os autores e a
quantidade de ações interpostas. Destaca-se a quantidade de ões em que o Presidente da
República, que por quatro vezes figurou como autor postulante da constitucionalidade de lei
ou ato normativo federal:
20 A ADC 13 não entrou nesta estatística porque está pendente de conhecimento pelo Ministro Joaquim
Barbosa, que determinou a prova de que a autora seja uma entidade de âmbito nacional. Esta, por sua vez, não
cumpriu com a ordem e os autos estão conclusos ao Ministro.
Tabela nº 1:
Autores x Quantidade de ações conhecidas
Quantidade
Presidente da República; Mesas do Senado
Federal e da Câmara dos Deputados
2
Presidente da República (isoladamente) 2
Procurador-Geral da República 2
Entidade de classe de âmbito nacional 1
Governador 2
Esses dados estatísticos aliados ao teor dos julgamentos proferidos pelo Supremo
Tribunal Federal repercutiram, e ainda repercutem, nas conjunturas econômica, jurídica e
política brasileiras. É o que se discutirá a partir de agora.
5.1 Implicações econômicas
À primeira vista a ação declaratória de constitucionalidade pouco se relaciona com a
economia, pois a intenção de seu autor é ver declarada a constitucionalidade de lei ou ato
normativo federal.
Quando se usa o termo economia e suas variações, inevitavelmente, entra-se num
universo diferente em relação ao Direito. Essas disciplinas, todavia, têm mantido diálogo cada
vez mais intenso. Não se quer aqui fazer uma análise profunda nas conseqüências provocadas
pela ação declaratória de constitucionalidade no sistema produtivo brasileiro, mas apenas
discutir algumas relações existentes entre o Poder Judiciário e a economia, bem como
aspectos econômicos que manifestamente sofrem ou sofreram interferência da ADC.
Nesse diapasão, a contenda sobre o grau de previsibilidade das decisões judiciais é
assunto sempre em voga. Inevitável é a pergunta do cliente ao seu advogado sobre a
probabilidade de sucesso na demanda. Segundo Fábio Ulhôa Coelho (2006, p. E2), o que se
observa, principalmente nos últimos anos, é que o grau de previsibilidade das decisões
judiciais tem diminuído sensivelmente. Os profissionais da área jurídica têm se surpreendido
com o teor decisões, tendo em vista a frustração de suas expectativas baseadas no
conhecimento da lei e pelo assentado em jurisprudência.
Essa discussão acaba envolvendo o tema da segurança jurídica: um dos principais
objetivos buscados pelo direito moderno, inclusive o vigente no Brasil. É um permanente
anseio da sociedade a previsibilidade de comportamentos, de maneira que seja possível a
convivência entre os indivíduos que a compõe, cujos interesses normalmente estão em
constante oposição. Sem essa segurança plausível, as relações humanas existiriam em número
muito menor e a instabilidade se propagaria como uma calamidade.
Entre essas relações está a economia. Os sócios e proprietários de empresas, para
garantir a continuidade de seus negócios e o crescimento do seu lucro, desejam contratar em
condições previsíveis, pois podem sofrer prejuízos com eventuais descumprimentos de
acordos. O Poder Judiciário num Estado Democrático de Direito é incumbido de um papel
preponderante: fazer cumprir as leis e a constituição. A resolução de conflitos visa à paz
social, de maneira que naturalmente a atividade econômica é facilitada. Nesta tarefa não
espaço para decisões contraditórias que podem causar uma grave controvérsia judicial sobre
um determinado aspecto legal. Essa possibilidade inevitavelmente pode causar dano ao
patrimônio das empresas e das pessoas.
Assim, dentro de um sistema legal, a qualidade com que as leis são aplicadas pode
variar significativamente, com conseqüências relevantes para o funcionamento da economia
de um país. Isso se torna mais evidente depois das reformas econômicas implantadas nos
últimos quinzes anos por meio da política neoliberal, que tiveram o intuito de diminuir a
intervenção do Estado diretamente na economia, principalmente através de privatizações e
medidas que fomentam a abertura comercial. Como conseqüência desta assertiva, a
compreensão dos problemas que afetam o Judiciário e a proposição de soluções para essas
questões significam uma grande conquista para acelerar o desenvolvimento econômico
(PINHEIRO, 2002, p. 2). Outra implicação importante é a de que um Judiciário ágil e estável,
ao proteger a propriedade e os direitos contratuais, e que reduz a instabilidade das políticas
públicas, indubitavelmente promove o desenvolvimento econômico.
Segundo Armando Castelar Pinheiro (2002, p. 4), os principais problemas do Poder
Judiciário apontados pelos empresários são a lentidão, a burocracia e a imprevisibilidade das
decisões. O mesmo autor entrevistou magistrados pertencentes às Justiças Estadual e Federal,
nesta também foi incluída a Justiça do Trabalho, no ano de 2000, com o intuito de perceber a
visão dos magistrados sobre a problemática que gira em torno do próprio Poder que
representam. Sobre a agilidade, 45% dos juízes apontaram que o Judiciário é ruim ou muito
ruim; os empresários, por sua vez, 91% (PINHEIRO, 2003, p. 7). Entre as principais causas
apontadas para a imprevisibilidade das decisões judiciais, sendo muito relevantes ou
relevantes, foram: deficiências no ordenamento jurídico (71%); tendência a decisões serem
tomadas por detalhes processuais (62%); freqüentes recursos a liminares (57%); falta de
preparo técnico dos juízes (40%); falta de clareza das decisões dos tribunais (40%). Isso
mostra a grande quantidade de variáveis que, na opinião dos próprios juízes, interferem no
grau de previsibilidade de suas decisões.
Numa economia globalizada, antes de aplicar seu capital, os investidores internacionais
analisam a questão da estabilidade dos entendimentos jurídicos que envolvem questões
diretamente relacionadas ao seu negócio. Conforme Coelho (2006, E2), “se o grau de
imprevisibilidade das decisões judiciais em um certo país é mais acentuado que em outro, este
último aparecerá como alternativa mais interessante para o investimento”.
Esta lógica rege o investidor porque afeta diretamente seus lucros em determinado país.
Em sendo o entendimento jurisprudencial previsível e estável, as chances de interferência no
investimento são menores, provocando uma permanência maior do capital estrangeiro no país.
Numa situação inversa, a tendência é que o país atraia investidores de risco, que procurem
especialmente a especulação do capital, buscando lucros no menor tempo possível. A questão
da estabilidade das decisões judiciais, portanto, é uma das variáveis que influencia o fluxo de
capital estrangeiro de um país.
Para Ernani Rodrigues Carvalho (2004, p. 117), o fracasso do Estado na África, o
esgotamento das ditaduras militares na América Latina e o desmantelamento do Leste
Europeu mostrou que em um país que não possui um enquadramento jurídico sólido, um
sistema judicial independente e honesto, os riscos de ocorrência de um colapso econômico e
social são extraordinários. Dessa forma, o Poder Judiciário possui a função primordial de
manter razoavelmente a estabilidade de suas decisões, para que as relações econômicas não
sofram as conseqüências do temor da instabilidade.
Esse tema possui extrema relevância, pois o crescimento econômico de países
emergentes, como o Brasil, depende de investimentos estrangeiros. Daí a necessidade da
compreensão do alcance e das conseqüências que determinadas questões podem atingir, como
é o caso da busca da segurança jurídica. Na Constituição de 1988 são encontrados dispositivos
que indicam uma garantia mínima de segurança jurídica no país. É o caso, v.g., do art. 5º,
XXXVI, no qual se encontra a garantia de que a leio prejudicará o direito adquirido, o ato
jurídico perfeito e a coisa julgada.
Segundo Sérgio Rocha (2006, p. 508), para se desenvolver, a política neoliberal atua em
duas áreas distintas, mas interligadas: no Poder Judiciário e no sistema legal. Na primeira
área, o objetivo principal das reformas é a alteração nas estruturas do Poder e a preocupação
com a posição ideológica dos juízes. na segundo campo de ão da política neoliberal,
procura-se fazer com que a produção legislativa permita uma mudança na orientação
jurisprudencial e nos resultados concretos obtidos com o acesso ao Judiciário, sempre na
busca de remoção de barreiras ao capital.
Uma das reformas de cunho neoliberal foi a promulgação da Emenda Constitucional
3, que criou a ação declaratória de constitucionalidade, cuja finalidade precípua é o
afastamento da insegurança jurídica causada por decisões judiciais contraditórias que
analisam a constitucionalidade, em concreto, de determinado dispositivo legal. O efeito
vinculante das decisões proferidas nesta espécie de ação, inclusive na concessão de medidas
cautelares, abrange os demais órgãos do Poder Judiciário e o Poder Executivo. Em caso de
eventual ato em desacordo com o julgamento proferido pelo Supremo Tribunal Federal, o
interessado poderá ingressar com reclamação para garantir a autoridade das decisões do órgão
de cúpula do Poder Judiciário, controlador da constitucionalidade.
Conforme dito, na proposição das ações declaratórias de constitucionalidade houve
uma predominância de objetos notadamente relacionados à economia. Viu-se que o Presidente
da República foi um dos principais autores de ADC exatamente para resolver, num único
julgamento questões fundamentais que interferiam nas contas públicas. Embora o interesse
direto da maioria dessas ações tenha sido da União Federal, tendo em vista a discussão sobre a
constitucionalidade de contribuições sociais, contribuições previdenciárias, alterações no
processo civil em benefício da Fazenda Pública, indiretamente, todos esses temas possuem
relação com a iniciativa privada e o cidadão,que são eles que desembolsam os valores para
sustentar a máquina estatal e ingressam judicialmente contra a Fazenda Pública.
Tributo é assunto do dia-a-dia das empresas e do cidadão. Dificilmente uma empresa
funciona sem um contador para controlar suas obrigações tributárias. O imposto de renda, a
CPMF e as contribuições previdenciárias são assuntos corriqueiros nas conversas das pessoas.
Por isso, decisões judiciais que decidem sobre esses temas geram conseqüências também
econômicas em praticamente todo o país, pois incidem sobre as finanças dos contribuintes.
Assim, a ação declaratória de constitucionalidade afeta a economia brasileira, pois, além
de normalmente ter como objeto questões que envolvem tributos e interesses da União,
representa um instrumento que busca a manutenção, com relativa agilidade, da segurança
jurídica nos momentos em que ela está ameaçada, nos moldes da política neoliberal.
5.2 Implicações jurídicas
As implicações trazidas pela ação declaratória de constitucionalidade e seus julgamentos
também atingem o âmbito jurídico, notadamente os órgãos do Poder Judiciário e as regras
processuais.
O órgão julgador, em tese, não pode transpor os limites da norma ao proferir uma
decisão. Cabe ao intérprete julgador analisar o dispositivo legal para compreender o seu
sentido, como etapa prévia e necessária à aplicação de seu enunciado. no âmbito
constitucional, a tarefa hermenêutica remete para a compreensão da constituição como
processo normativo, político, social e simbólico. Assim, interpretar a constituição não se
resume a revelar o sentido prévio das normas, mas também acrescentar significado a um
enunciado constitucional (SAMPAIO, 2005, p. 361).
O Supremo Tribunal Federal, ao realizar a interpretação de dispositivos referentes à
ação declaratória de constitucionalidade, procedeu de maneira peculiar em pelo menos cinco
oportunidades: 1) na interpretação restritiva do rol de legitimados ativos; 2) na questão do
contraditório; 3) na determinação da relevante controvérsia judicial; 4) na extensão e natureza
do efeito vinculante e; 5) no caráter da decisão que concede a medida cautelar. O resultado
dessas interpretações trouxe conseqüências jurídicas diretas, conforme se revelará a seguir.
A Constituição Federal, até a Emenda Constitucional 45, estabelecia um rol taxativo
de legitimados e em número menor, se comparado ao de hoje. Até o ano de 2004, apenas o
Presidente da República, as Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal e o
Procurador-Geral da República poderiam propor ação declaratória de constitucionalidade. A
reforma igualou o rol de legitimados da ADC com o da ADIn, incluindo os Governadores de
Estado e do Distrito Federal, as Mesas da Assembléia Legislativa dos Estados e da Câmara
Legislativa do Distrito Federal, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil; o
partido político com representação no Congresso Nacional; e a confederação sindical ou a
entidade de classe de âmbito nacional.
Apesar das críticas sobre a restrição dos habilitados para propor ação declaratória de
constitucionalidade, o Supremo Tribunal Federal, até 2004, preferiu manifestar uma conduta
restritiva e respeitou estritamente o rol estabelecido no antigo texto constitucional, negando o
conhecimento de ADC interposta por habilitados a propor ação direta de inconstitucionalidade
que ainda não possuíam legitimidade para ingressar com ADC.
Essa conduta pode ser explicada não somente pelo apego em não suplantar os limites
constitucionais do rol de legitimados, vez que outros aspectos influenciaram
fundamentalmente esse julgamento, quais sejam: o acúmulo e o excesso de processos
distribuídos e pendentes de julgamento no Supremo Tribunal Federal, cujos índices
aumentaram sensivelmente a partir da segunda metade da década de noventa, segundo estudo
exposto no item 3.1 deste trabalho. O STF, mesmo com o crescente problema do acúmulo
excessivo de demandas, poderia ter interpretado a norma do rol de legitimados de maneira a
igualar com o estabelecido para a ação direta de inconstitucionalidade, tendo em vista a
aceitação do argumento de que a ADC nada mais é do que uma ADIn com sinal trocado, no
dizer do Ministro Gilmar Mendes, e na conclusão que se chegou no julgamento da
Reclamação nº 1.880, na qual foi estendido o efeito vinculante também para a ADIn.
Diante dessa restrição, quatro de dez ações declaratórias de constitucionalidade
deixaram de ser conhecidas pelo Supremo Tribunal Federal. Na ADC nº 2, o Ministro Relator
Carlos Velloso aduziu em seu julgamento que a insatisfação da autora em não figurar no rol
de legitimados deveria ser dirigida ao Congresso Nacional e não ao STF, mesmo diante de
todas as semelhanças existentes entre as duas espécies de ações.
Quando estabeleceu a pertinência temática como requisito dos autores legitimados para
interposição de ações em sede de controle de constitucionalidade, o Supremo Tribunal Federal
não se baseou na interpretação literal para restringir, mais uma vez, a possibilidade de
ingresso de ações perante o Tribunal, tendo em vista que a demonstração de interesse da
entidade de classe em relação ao objeto é regra que não existe expressamente na Constituição
de 1988. Todavia, em relação ao rol de legitimados estabelecido no antigo art. 103, § 4º, sua
inteligência foi exclusivamente literal, mas com o mesmo objetivo: restringir o acesso ao STF
(ARAÚJO, 2006, p. 334).
Apesar desta discussão sobre o rol de legitimados não ser mais justificada na prática, em
virtude da atual igualdade entre os legitimados de ADIn e ADC, ela não poderia deixar de ser
evidenciada, que durante mais de dez anos a interpretação restritiva do Supremo Tribunal
Federal regulou o conhecimento das ações declaratória de constitucionalidade. O que merece
mais destaque, não é o simples fato da ilegitimidade, mas a diferença entre os métodos de
interpretação utilizados pelo STF para alcançar o mesmo objetivo: a restrição do acesso ao
Judiciário.
Vale dizer, ainda, que o STF também aplicou a teoria da pertinência temática como
requisito para a ADC. Isso ocorreu no julgamento da medida cautelar da ADC nº 12, quando a
Associação dos Magistrados Brasileiros, na própria petição inicial demonstrou seu interesse
em relação ao objeto da ão. O Ministro Relator Carlos Britto concordou com a
demonstração da autora e conheceu da ação.
Inocêncio Mártires Coelho (1997, p. 13), sobre a atividade interpretativa assim escreve:
Se não existe interpretação sem intérprete; se toda interpretação, embora seja um
ato de conhecimento, traduz-se, afinal, em uma manifestação de vontade do
aplicador do direito; se a distância entre a generalidade da norma e a particularidade
do caso exige, necessariamente, o trabalho mediador do intérprete, como condição
indispensável ao funcionamento do sistema jurídico; se no desempenho dessa tarefa
resta sempre uma insuprimível margem de livre apreciação pelos operadores da
interpretação; se ao fim e ao cabo, isso tudo é verdadeiro, então o ideal de
racionalidade, de objetividade e, mesmo de segurança jurídica, aponta para o
imperativo de se fazer recuar o mais possível o momento subjetivo da
interpretação e reduzir ao mínimo aquele resíduo incômodo de voluntarismo que
se faz presente, inevitavelmente, em todo trabalho hermenêutico. (grifo nosso)
Sem embargo, a subjetividade dos Ministros Relatores das ações declaratórias de
constitucionalidade nº 2, nº 6, nº 7 e nº 10 interferiu diretamente na interpretação restritiva em
relação ao antigo rol de legitimados da ação declaratória de constitucionalidade. A
demonstrada situação do acúmulo de ações distribuídas perante o Supremo Tribunal Federal,
certamente, influenciou a interpretação literal do antigo art. 103, § e a criação da teoria da
pertinência temática no âmbito das ações de controle de constitucionalidade.
Outra questão peculiar interpretada pelo Supremo Tribunal Federal é a existência do
contraditório no processamento do controle de constitucionalidade. No julgamento da ADC nº
1, o Ministro Moreira Alves solidificou entendimento de que se tratava de processo objetivo,
portanto, sem partes, de maneira o STF julgaria sobre a harmonia do dispositivo objeto da
ação com a Constituição Federal, e não a resolução de conflitos envolvendo interesses
individuais das partes. Assim, não caberia o argumento de que a instituição da ADC feriria os
princípios do contraditório e da ampla defesa.
Porém, os Ministros Sepúlveda Pertence e Carlos Velloso manifestaram preocupação
com o contraditório em relação à regra que impede a participação de terceiros no processo,
mesmo aqueles que fossem legitimados a propor ação direta de inconstitucionalidade. Para
eles, a manifestação destas entidades poderia trazer aos autos informações necessárias para
um julgamento criterioso em relação à constitucionalidade do dispositivo legal em análise.
Seriam contrapostos, dessa forma, os argumentos em favor da constitucionalidade
apresentados pelo autor, bem como haveria lugar para a manifestação dos argumentos
contrários pelos que assim pensassem.
A conclusão sobre esse ponto foi o estabelecimento da regra de que não é permitida a
manifestação de terceiros no processo, nos termos do voto do Ministro Moreira Alves, cuja
argumentação se baseou, mais uma vez, em interpretação restritiva. Para o Ministro, como se
tratava de questão eminentemente processual, somente norma legal poderia estabelecer a
intervenção de terceiros, bem como seus direitos e deveres processuais.
Mais tarde, a Lei 9.868/1999 trouxe em seu art. 7º, § 2º, a possibilidade de
manifestação de outros órgãos e entidades nos autos da ação direta de constitucionalidade, na
modalidade de amicus curiae, considerando a relevância da matéria e a representatividade de
seus postulantes. Embora a mesma possibilidadeo tenha sido ampliada expressamente para
a ação declaratória de constitucionalidade, por causa do veto aos parágrafos do art. 18, a
jurisprudência do Supremo Tribunal Federal possibilitou a participação de terceiros pelo
menos na ADC12. Na ADC nº 14, apesar de requerido, o Ministro Relator Gilmar Mendes
ainda não se pronunciou até o final do mês de outubro de 2006.
A participação de diferentes grupos em processos judiciais de grande significado para
toda a sociedade, como é o caso dos processos em sede de controle concentrado de
constitucionalidade, cumpre uma função de integração extremamente relevante no Estado de
Direito. Em consonância com essa idéia, Häberle (1999, p. 47) defende a necessidade de que
os instrumentos de informação dos juízes constitucionais sejam ampliados. Quanto maior a
possibilidade de participação no processo, na medida em que maiores informações serão
trazidas à análise dos juízes, maior o grau de democracia e de legitimidade da jurisdição
constitucional.
A terceira implicação jurídica trazida pela ação declaratória de constitucionalidade está
relacionada com a relevante controvérsia judicial envolvendo o objeto da ação. O Supremo
Tribunal Federal, no julgamento da ADC 1, concluiu ser necessária a demonstração da
referida grave controvérsia, sem, contudo, existir nenhuma menção a esta exigência no texto
constitucional modificado pela Emenda 3/1993. Segundo o acórdão, se não houvesse a
exigência da demonstração, o STF funcionaria como um mero órgão consultivo, pois nada
impediria que os legitimados ingressassem com uma ação, por deleite, objetivando a
declaração de constitucionalidade de lei ou ato normativo de sua preferência.
Não dúvidas sobre a razoabilidade e coerência na referida preocupação levantada
pelo Supremo Tribunal Federal. Inclusive essa questão foi apreciada pela Associação dos
Magistrados Brasileiros em sua petição inicial quando interpôs a ADIn nº 913, que questionou
a constitucionalidade da Emenda Constitucional nº 3 e serviu de base para a argumentação em
favor da inconstitucionalidade da ADC, apesar de não ter sido conhecida por ilegitimidade
ativa. No entanto, o legislador não compartilhou da mesma preocupação ao instituir a ação
declaratória de constitucionalidade, fato demonstrado pela inexistência de regras impondo
requisitos de admissibilidade da ação declaratória de constitucionalidade quando da sua
instituição pela Emenda nº 3/1993.
Em síntese, mais uma vez o Supremo Tribunal Federal, através apenas de sua
jurisprudência, criou regra de admissibilidade em ações de controle de constitucionalidade
inexistente no texto constitucional. Da mesma forma que o fez quando da pertinência
temática, a regra da demonstração de controvérsia relevante possui elementos de cunho
eminentemente subjetivo, que somente o próprio STF i dizer quando a controvérsia é ou
não é relevante.
No julgamento da ADC 8 ficou assentado que a grave controvérsia pode ser
verificada quando existe elevada incidência de decisões que consagram teses conflitantes,
verdadeiro estado de insegurança jurídica, capaz de gerar um cenário de perplexidade social e
de provocar grave incerteza quanto à validade constitucional das normas objeto da ADC.
Sendo assim, quantas decisões são necessárias? Duas conflitantes entre si? Entre juízes
singulares, entre Tribunais Regionais Federais, ou a necessidade de acórdão do Superior
Tribunal de Justiça? Não há um critério objetivo, e sim meramente subjetivo.
Não houve, até a proposição da ADC 14
21
, nenhuma solicitação, por parte dos
Ministros Relatores, de demonstração posterior à petição inicial da controvérsia envolvendo o
objeto da ação. Em todas elas os autores suficientemente conseguiram expor a insegurança
jurídica trazida pelo conflito entre decisões, inclusive na ADC 9, cujo objeto foi a Medida
Provisória 2.152-2 de 01.06.2001, e a ação foi distribuída em 11.06.2001, apenas dez dias
depois da publicação do dispositivo
22
.
Conforme a citada lição de Coelho (1997, p. 13), o Supremo Tribunal Federal,
quando exerce seu papel de guardião da constituição criando regras de caráter essencialmente
subjetivo, afasta-se do ideal de racionalidade e de segurança jurídica; caminha no sentido
contrário ao princípio republicano que visa à objetividade na aplicação das normas
constitucionais. Isso representa um grave e crescente risco de manutenção e acúmulo de poder
nas mãos daquele que diz o que é a constituição.
A quarta implicação jurídica originada da instituição da ação declaratória de
constitucionalidade no ordenamento jurídico brasileiro foi o estabelecimento do efeito
vinculante das suas decisões de mérito aos demais órgãos do Poder Judiciário e do Poder
Executivo. Em conformidade com o que foi explanado, o efeito vinculante possibilita que
aqueles que forem diretamente atingidos por ato praticado por quaisquer dos citados órgãos
21 As informações disponíveis sobre o processamento ADC 13 e 14, até o final de outubro de 2006, não
permitem concluir que o Ministro Relator determinou a juntada de decisões judiciais contraditórias sobre o
objeto da ação, que comprovassem a grave controvérsia judicial.
22 A MP nº 2.152-2, teve origem na MP nº 2.147 de 15.05.2001.
poderão propor reclamação diretamente ao Supremo Tribunal Federal, com o intuito de fazer
cumprir a decisão e de garantir a sua autoridade como órgão de cúpula do Judiciário e
controlador da constitucionalidade.
O alcance objetivo do efeito vinculante atinge não apenas a parte dispositiva da decisão,
como também seus fundamentos e motivos determinantes. É exatamente neste ponto
fundamental que ele se diferencia do efeito erga omnes. Importante salientar que, apesar desta
característica, os demais juízes podem desrespeitar livremente as decisões do Supremo
Tribunal Federal com efeito vinculante, pois o seu livre convencimento não é atingido. Nesses
casos, o juiz também não poderá sofrer represália, suspensão, advertência, ser transferido ou
impedido de promoção por merecimento. Por outro lado, no eventual desrespeito de decisão
do STF, dificilmente uma reclamação será julgada improcedente, pois é normal a análise
depurada dos argumentos em favor e contra a constitucionalidade do dispositivo legal quando
do julgamento original do processo em sede de controle de constitucionalidade.
Porém, não é apenas esse fato que desestimula decisões que contrariem o entendimento
emanado pelo STF. Pode-se alegar que o efeito vinculante ataca a independência funcional do
juiz, que consiste na inexistência, ou negação, de qualquer influência político-ideológica ou
econômica, interna ou externa ao Judiciário, sobre seus atos. Caracteriza-se como a base da
atividade jurisdicional, pois qualquer ingerência seja ela promovida por membros do próprio
Poder Judiciário, ou dos demais Poderes, ou mesmo de terceiros, seria falha suficiente para
desfigurar a Justiça, como fundamento da atividade jurisdicional impulsionada pelo juiz.
A única influência que deve vincular o juiz é a da lei (GUERRA, p. 125). Assim, com o
intuito de assegurar a independência funcional do juiz, o legislador constituinte estabeleceu
mecanismos de compensação a esta possibilidade de interferência no trabalho do juiz:
vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de vencimentos, conforme art. 95, I, II e III
da Constituição de 1988.
No entanto, se feita uma análise mais profunda se verá que os mecanismos que visam
garantir a independência funcional na verdade não são satisfatórios. Basta examinar a própria
estruturação interna hierárquica do Poder Judiciário. Em primeiro lugar, a organização
administrativa e financeira está sob o controle dos tribunais, sejam eles os de Justiça ou
Regionais Federais, sejam Superiores ou mesmo o próprio Supremo Tribunal Federal. Além
dessa característica centralizadora em sua estrutura, os juízes singulares, que formam a grande
maioria dos membros do Judiciário, permanecem inertes em sua importância ou voto; nem
mesmo podem escolher o presidente do tribunal ao qual é submetido. Ressalte-se que o
presidente do tribunal é quem tem o poder de gestão propriamente dito, incluída a gerência
dos recursos financeiros.
Caso a referida autocracia não seja suficiente para justificar eventual carência de
independência funcional dos juízes, pode ser feita uma análise no próprio âmbito jurídico.
Cabe aos tribunais a função revisora das decisões singulares, podendo confirmá-las ou
reformá-las. Nessa esteira de raciocínio, a estrutura hierarquizada de revisão das decisões
naturalmente atinge a independência do juiz. Inevitavelmente, o juiz, ao decidir, terá em seu
subconsciente a estrutura hierarquizada e autocrática do poder do qual participa. O teor de sua
decisão, caso não coincida com a opinião dos seus superiores, muitas vezes, pode significar
uma influência negativa em sua ascensão funcional, tendo em vista que aqueles que revêem
seu trabalho são os mesmos que decidem sobre o futuro de sua carreira.
Sem embargo, a estruturação hierarquizada, desigual e autocrática do judiciário
contribui para o comportamento “obediente” do juiz em relação aos seus superiores.
Independência funcional, portanto, é prerrogativa exclusiva daqueles que ocupam cadeiras em
tribunais.
Nesse contexto, o efeito vinculante é um plus que impulsiona a obediência dos juízes em
relação às decisões dos tribunais. A lei do menor esforço, mais cedo ou mais tarde,
naturalmente regeas decisões dos juízes, pois pensarão duas vezes antes de prolatar decisão
que será cassada pelo Supremo Tribunal Federal em processo de reclamação. Raros serão os
casos que merecerão a preocupação do julgador em tentar desconstituir ou alterar
entendimento proferido pelo STF em sede de controle concentrado de constitucionalidade;
principalmente daqueles juízes que se utilizam da tópica jurídica de Viehweg
23
.
23 Pontes Filho (2001) defende que o efeito vinculante desnatura a técnica de interpretação conhecida como
“tópica jurídica”, criada por Theodor Viehweg em sua obra Tópica e jurisprudência, cuja máxima é a
determinação do ponto de partida da atividade interpretativa como sendo a problemática do caso concreto.
Apenas num segundo momento, o intérprete se dirige ao ordenamento jurídico em busca de fontes para, enfim,
aplicar o direito. O raciocínio indutivo do juiz tem como principal obstáculo a decisão do STF com efeito
vinculante.
O último ponto de discussão envolvendo as implicações jurídicas da ação declaratória de
constitucionalidade é a concessão de medida cautelar com efeito vinculante e eficácia ex tunc.
Conforme visto no julgamento da ADC 4, o Supremo Tribunal Federal reconheceu que a
concessão de medida cautelar é inerente a função jurisdicional e que seria um contrasenso um
juiz ou tribunal não acautelar a eficácia de suas decisões futuras.
A principal característica desta decisão é a de que, mais uma vez, o Supremo Tribunal
Federal, no uso de suas atribuições como guardião da constituição, ultrapassou limites por ela
estabelecidos. A Constituição Federal, quando instituiu a ação direta de inconstitucionalidade,
também cuidou de prever a possibilidade de concessão de medida cautelar (art. 102, I, p), com
o intuito de rapidamente suspender dispositivo legal em descompasso com o ordenamento. O
legislador da Emenda 3/1993, além de não ter estabelecido previsão de medida cautelar,
concedeu efeito vinculante expressamente às decisões definitivas de rito proferidas em
ações declaratórias de constitucionalidade.
No julgamento da ADC 4, o STF concluiu que havia necessidade de extensão do
efeito vinculante para as medidas cautelares, para suspender decisões que tivessem como
pressuposto a constitucionalidade de dispositivo objeto da ADC. Somente dessa forma, para a
maioria dos Ministros, a insegurança jurídica trazidas por decisões conflitantes cessaria até o
julgamento definitivo da ação, garantindo a eficácia da futura decisão em favor, ou não, da
constitucionalidade do dispositivo legal.
A questão da presunção de constitucionalidade das leis não foi levantada no julgamento
da ADC 4. Parte da doutrina que defende a incompatibilidade de medida cautelar em ADC
argumenta que a referida medida é contraditória em si pelo simples fato da lei (nos casos em
que o objeto da ADC é uma lei) gozar de presunção de constitucionalidade (DELFIM, 2001,
p. 69; NERY JÚNIOR, NERY, 1999, p.179). Por outro lado, Sérgio Fernandes Moro (2006,
p. 67) aduz que a presunção de constitucionalidade da lei deve ser afastada em pelo menos
quatro hipóteses, de maneira que o exame judicial sobre a lei na atividade de controle de
constitucionalidade merece ser mais rigoroso: 1) tratamento desfavorável a minorias; 2)
tratamento mais favorável a grupos de acentuada influência política; 3) restrições a direitos
sociais; e 4) legislação restritiva de liberdade de expressão e do acesso à informação. Tanto
isso é verdade que existe previsão de medida cautelar em ADIn que suspende a aplicação da
lei supostamente inconstitucional até o julgamento do mérito da ação.
Vale ressaltar que a extensão do efeito vinculante também alcançou as decisões em
ações diretas de inconstitucionalidade, pois o Supremo Tribunal Federal, no julgamento da
Reclamação 1.880, entendeu que ADIn e ADC são ações idênticas, exceto no pedido, que
são inversos entre si. Para o Ministro Sepúlveda Pertence
24
seria “kafkiano” dar efeito
vinculante a uma e negá-lo a outra, pois isto abriria a possibilidade do STF, julgando
improcedente uma ADIn, conhecer e julgar ADC sobre o mesmo objeto, mas desta vez a
decisão teria efeito vinculante. Não haveria, portanto, sentido em dar efeito vinculante apenas
às decisões proferidas em ADC.
Quando o STF concedeu a medida cautelar na ADC 4, o fez com eficácia ex nunc,
isto é, os efeitos da decisão atingiram, e continua atingindo (visto que não houve julgamento
definitivo), as decisões futuras dos demais juízes, como também as decisões proferidas,
mas que ainda não tiveram satisfeitos seus efeitos. Na ADC 5 e na de 8, as medidas
cautelares foram concedidas com a mesma eficácia ex nunc.
Porém, a jurisprudência do STF caminhou no sentido de dar eficácia ex tunc para as
concessões de medida cautelar. Foi o que ocorreu na ADC 9, quando foi discutida a
questão do racionamento de energia elétrica. A Ministra Ellen Grace abriu a divergência
deferindo o pedido do autor para determinar eficácia ex tunc da medida cautelar. Na prática, a
decisão acauteladora do STF interferiu não apenas nos processos em que não foi decidida a
questão incidental de constitucionalidade do racionamento, mas também nas lides em que se
determinou a ordem que impediu a cobrança de tarifas especiais ou mesmo a suspensão do
fornecimento de energia elétrica.
Na prática, conforme salientou o Ministro Marco Aurélio no julgamento da ADC nº 4, a
declaração de constitucionalidade com efeito vinculante em medida cautelar nada mais é que
uma antecipação de tutela. O fato de a ação ser declaratória impede a concessão de cautelar,
pois do contrário o julgador antecipa os efeitos da sentença logo na decisão liminar, que é
transitória e deve ter o caráter meramente acautelador. A concessão, é certo, visa à segurança
jurídica, notadamente porque tem como objetivo estacionar o conflito entre decisões judiciais
sobre o mesmo objeto. No entanto, assim o faz da mesma forma como a decisão definitiva
fará. Tanto isso é verdade que os votos dos Ministros proferidos no julgamento do mérito da
24 ADC-MC nº 4, DJ 21.05.1999.
ADC 9 (a única com liminar e mérito julgados) foram verdadeiras cópias dos votos da
concessão da medida cautelar.
Resta, portanto, comprovada a tese de que a instituição da ação declaratória de
constitucionalidade no ordenamento constitucional brasileiro trouxe importantes e arriscadas
implicações jurídicas. Arriscadas porque a interpretação do Supremo Tribunal Federal é
baseada, muitas vezes, em elementos subjetivos que podem proporcionar a usurpação dos
limites constitucionais, conforme demonstrado nas cinco oportunidades em que assim se
procedeu a maioria do Tribunal.
5.3 Implicações políticas
Da mesma forma que as diversas interpretações do Supremo Tribunal Federal sobre a
ação declaratória de constitucionalidade trouxeram conseqüências no âmbito jurídico, essas
mesmas decisões causaram conseqüências diretas na seara da política brasileira, notadamente
por envolver discussão sobre o princípio da separação dos Poderes, a manutenção do Estado
Democrático de Direito, como também a eventual usurpação de limites constitucionais pelo
Supremo Tribunal Federal.
Cabe inicialmente destacar que a ação declaratória de constitucionalidade, através de
uma análise empírica dos seus julgamentos, proporcionou a satisfação dos interesses da União
Federal. Conforme disposto na Tabela nº 1 deste capítulo, o Presidente da República, sozinho,
foi autor de duas ações; acompanhado das Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado
Federal, de mais duas. Nas duas ocasiões em que o Procurador-Geral da República foi o autor
da ADC, o interesse da União estava sendo representado de maneira indireta, pois a atuação
do representante do Ministério Público foi provocada por pedido do Ministro da Educação e
do Desporto (ADC 3) e por pedido do Ministro da Justiça (ADC 5). Outro ponto
fundamental desta discussão foram os objetos das ações: quando não foi questão tributária, foi
interesse da Fazenda Pública.
Na opinião dos juízes, o governo, em todas as esferas, recorre ao Poder Judiciário, mais
para retardar o cumprimento de suas obrigações e menos para defender direitos. Segundo
Armando Castelar Pinheiro (2002, p. 14), mais de 74% dos juízes afirmam que essa prática do
governo federal é muito freqüente. No caso específico da ação declaratória de
constitucionalidade, o recurso ao Judiciário pelo governo federal pode ser analisado sob outro
ponto de vista. A quantidade de ações interpostas pelo Presidente da República e o objeto
discutido nestas oportunidades levam a crer que o seu objetivo foi o de rapidamente ter
decididos temas de seu interesse, notadamente por incidirem sobre questões tributárias
geradoras de receita. Inclusive, essa intenção foi discutida na tramitação da proposta de
emenda à constituição que deu origem à Emenda Constitucional 3; e em julgamentos do
plenário do Supremo Tribunal Federal, v.g., na Reclamação 1.880, conforme explanado
nos itens 3.1 e 2.7 deste trabalho, respectivamente.
Das nove ações declaratórias de constitucionalidade conhecidas, apenas a ADC 5, a
ADC 12 e a ADC 14 ligeiramente fogem da regra acima, pois seus objetos
estão/estiveram indiretamente ligados a interesses financeiros de ordem pública. Nas demais,
temas polêmicos como COFINS, antecipação de tutela contra a Fazenda Pública e o programa
de racionamento, foram decididos, embora alguns liminarmente, num intervalo de tempo
muito pequeno e todos em favor do governo
25
. Assim, a ão declaratória de
constitucionalidade pode ser entendida como um instrumento nas mãos do governo federal
para satisfazer seus interesses de maneira eficiente perante o Poder Judiciário, através de uma
rápida decisão sobre questões controversas.
A velocidade para se chegar ao fim de discussões polêmicas é explicada pelo efeito
vinculante das decisões proferidas em ação declaratória de constitucionalidade. quem
defenda que o princípio da separação dos Poderes é transgredido pelo referido efeito. Ives
Gandra da Silva Martins (1994, p. 127) afirma que a violação do princípio ocorre por conta da
possibilidade de aferição da constitucionalidade de lei ou ato normativo imediatamente após
sua publicação, antes mesmo da análise da experiência derivada de sua aplicação,
transformando assim o Supremo Tribunal Federal em órgão meramente consultivo da conduta
do Poder Legislativo e do Executivo. Esse argumento, porém, não resiste à exigência da
demonstração da relevante controvérsia judicial feita pelo Supremo Tribunal Federal no
julgamento da ADC nº 1, conforme já conhecido.
25 Curioso notar que, à primeira vista, o governo não saiu vitorioso na ADC 8, em virtude do STF ter
rejeitado o pedido de medida cautelar para declarar a constitucionalidade da contribuição dos servidores públicos
inativos. Na verdade, o STF mostrou para o governo o caminho a tomar se fosse essa realmente sua intenção,
evidenciando a falha da medida. A lição foi compreendida pelo governo que, antes mesmo do julgamento
definitivo da ADC 8, conseguiu a promulgação da Emenda Constitucional 41 em 19.12.2003, com as
reformas que possibilitaram a contribuição dos servidores inativos para o regime de previdência.
André Brawerman (2005, p. 208) defende a violação do princípio pelo fato do efeito
vincular não apenas os demais órgãos do Judiciário e do Executivo, mas também o próprio
Supremo Tribunal Federal. Assim, para o autor, a decisão em sede de controle concentrado de
constitucionalidade seria eterna e imutável, sem chances de acompanhar eventuais
transformações da sociedade. Essa qualidade, no entanto, o efeito vinculante o possui,
conforme discutido no item 3.4.3 deste trabalho, quando se evidenciou os limites objetivos do
citado efeito.
Natacha Nascimento Tostes
26
(2004, p. 88), por sua vez, levanta a hipótese de que, ao
estabelecer decisão com efeito vinculante, o Supremo Tribunal Federal estaria a criar norma
jurídica, dispondo sobre o futuro, atribuição exclusiva do Legislativo. Em seguida expõe sua
opinião discordante com essa suposição, pois, em primeiro lugar, o efeito vinculante decorre
de expressa autorização do Poder Legislativo, ou seja, o emanou originariamente do
julgador. Em seguida, a autora se baseia na evolução da teoria clássica da separação dos
Poderes. Da praticamente completa separação, a teoria vem ganhando novos contornos, de
forma que as funções dos Poderes estão cada vez mais interligadas entre si, visando uma
melhor eficiência na atividade estatal. Na prática, não criação de norma, e sim o
estabelecimento de sua interpretação, que deve ser seguida pelos demais órgãos judiciais e do
governo a fim de promover a uniformização das decisões e dos atos administrativos.
Lênio Streck (2004, p. 640), suscita questão semelhante: a conseqüência do efeito
vinculante das decisões em sede de interpretação conforme
27
, segundo o art. 28, parágrafo
único da Lei 9.868/1999. Para o autor, o Supremo Tribunal Federal, nestas ocasiões,
produz norma geral de eficácia erga omnes, pois estabelece que determinado dispositivo legal
é constitucional apenas se interpretado da maneira assentada pelo STF. Diante dessa
possibilidade, ainda existe o risco de estabelecimento de interpretação conforme destoante do
sentido constitucional. Dessa forma, além do Judiciário imobilizar o sentido na norma,
impedindo o desenvolvimento de novas interpretações, poderá fazê-lo em desacordo com a
constituição.
26 Embora a autora escreva sobre a súmula vinculante, trata-se do mesmo efeito das ações declaratórias de
constitucionalidade. Os argumentos discutidos pela autora foram trazidos por se tratar de debate semelhante.
27 No mesmo sentido, a nulidade parcial sem redução do texto, tendo em vista a semelhança da natureza
essencialmente interpretativa das decisões destas duas espécies.
Neste aspecto levantado por Streck, a estagnação da jurisprudência parece ser um
fenômeno quase inevitável, pois o juiz é compelido a não interpretar o dispositivo de maneira
diferente, pois se assim o fizer, será uma interpretação inconstitucional. Raramente haverá
hipóteses em que as partes, ou mesmo o próprio juiz, diante das peculiaridades do caso
concreto, realizarão esforço interpretativo, de acordo com suas convicções e aspirações da
sociedade, capaz de contrariar justificadamente o sentido vinculante de uma decisão. Eventual
alteração da interpretação conforme ocorrerá, se for o caso, em futura análise do mesmo
objeto pelo Supremo Tribunal Federal.
Quando se analisa a problemática da estagnação da jurisprudência não se pode olvidar
de outro problema: o desrespeito das decisões proferidas pelos tribunais superiores, em
especial pelo Supremo Tribunal Federal em sede de controle concentrado de
constitucionalidade. A insegurança jurídica causada por esse atropelo, muitas vezes leva o
jurisdicionado a percorrer um longo, penoso e demorado percurso até ver decisão definitiva
sobre seu caso. Buscou-se, com o estabelecimento do efeito vinculante, a supressão dessa
insegurança, com uma maior previsibilidade das decisões judiciais.
Mesmo assim, o cidadão continua com a garantia de acesso ao Judiciário, para apreciar
lesão ou ameaça de seus direitos. Não é demais repetir que o efeito vinculante das declarações
de constitucionalidade, mesmo nos casos de interpretação conforme e nulidade parcial sem
redução de texto, não impede que os juízes interpretem em sentido contrário no caso concreto.
Caso assim o façam, sua decisão será submetida ao Supremo Tribunal Federal que analisará
sua fundamentação. O tempo, as mudanças na sociedade ou mesmo a alternância nas cadeiras
dos Ministros poderão possibilitar uma possível mudança do sentido da norma.
O efeito vinculante atinge expressamente os juízes e os órgãos do Poder Executivo. O
Pode Legislativo, por outro lado, não é citado pelo art. 102, § da Constituição de 1988,
levando a crer que o legislador é imune às decisões proferidas pelo Supremo Tribunal
Federal. Caso o texto emendado incluísse o Legislativo no rol dos atingidos pela vinculação,
certamente seria levantada a hipótese de violação do princípio da separação dos Poderes.
Conforme Habermas (1997, p. 298), a crítica à jurisdição constitucional é conduzida
quase sempre em relação à distribuição de competências entre o legislador e o juiz. É
atribuída ao primeiro a função legislativa lato sensu, através da qual produz leis gerais com
eficácia erga omnes. Cabe ao juiz o oficio de estabelecer as premissas para a resolução dos
conflitos com base na lei. No âmbito da jurisdição constitucional, o juiz analisa a harmonia
entre o dispositivo legal e a constituição, tendo em vista o princípio da supremacia desta
última. Essa atividade engloba, inclusive, encontrar o equilíbrio entre a soberania popular
expressada no texto constitucional e a vontade da maioria representada pelo texto normativo
aprovado pelo Legislativo.
Em síntese, está nas mãos do Judiciário a tarefa de controlar a constitucionalidade das
leis e atos normativos. As decisões de mérito proferidas nesta espécie de controle vinculam,
na prática, também o legislador, embora não figurem no texto do art. 102, § da
Constituição Federal. O Legislativo, é verdade, não está impedido de aprovar lei idêntica a
que foi declarada inconstitucional. Nesse caso, o Supremo Tribunal Federal poderá repetir a
anterior declaração sempre que provocado por algum legitimado na hipótese de aprovação de
texto legal idêntico ao declarado inconstitucional. Da mesma forma ocorrerá numa eventual
declaração de constitucionalidade pelo STF e posterior edição de lei com texto conflitante.
Assim, na prática a vinculação também atinge o legislador na sua atividade.
Essa vinculação, porém, o é eterna e imutável. Conforme dito, o passar do tempo
traz a mudança natural das coisas, modifica as aspirações da sociedade, faz nascer novos
conflitos, idéias e convicções. A própria Constituição ou a composição do Supremo Tribunal
Federal podem ser alteradas. Todos esses fatores propiciarão a substituição da ordem
constitucional fundamentada em interpretações estabelecidas em outras épocas. Assim, a
vinculação abrange também o legislador, mas apenas num determinado contexto temporal.
Apesar de existir essa espécie de vinculação do legislador, não cabe a crítica da violação
do princípio da separação dos Poderes. Na clássica tripartição, talvez essa crítica tivesse
fundamento. No entanto, atualmente é considerada impraticável e inaceitável a separação
absoluta dos Poderes (TAVARES, 2005, p. 169). Na moderna doutrina, o objetivo
fundamental da divisão através de freios e contrapesos entre os Poderes é proporcionar um
melhor controle e fiscalização. Nesse contexto, aliado à elevação do princípio da supremacia
constitucional, foi dado ao Judiciário o papel do controle de constitucionalidade.
Outro aspecto determinante na análise da eventual violação do princípio da separação
dos Poderes está no fato do Supremo Tribunal Federal ser levado a proferir julgamentos sobre
políticas públicas. Isso é facilmente constatado por meio de uma simples análise dos temas
das ações declaratórias de constitucionalidade propostas. Esse fato, conforme analisado nos
itens 1.3 e 1.4 deste trabalho, é conhecido como o fenômeno da “judicialização da política” ou
“politização da justiça”. Naquela oportunidade demonstraram-se os elementos que ensejam e
caracterizam a aproximação entre a atividade jurídica e a política, assim como foi explanado o
desenvolvimento desse fenômeno no Brasil.
Sem embargo, o controle concentrado de constitucionalidade é exercício de função
predominantemente política, embora se manifeste através de mecanismos jurisdicionais,
conforme o Ministro Sepúlveda Pertence em seu voto na ADC 1. Função política porque
modifica a ordem de convivência e de organização da sociedade, inclusive impondo conduta a
agentes públicos; mecanismos jurídicos porque o órgão de controle faz parte do Poder
Judiciário, cuja função é exercida por meio de processo.
Os direitos sociais, como saúde e educação, são exercidos através de prestações
positivas do Estado. Essas prestações são realizadas por intermédio de políticas públicas, que
são processos políticos de escolha para a realização das prioridades do governo. Assim, dentro
das possibilidades legais, o Executivo realiza seu plano de governo, atuando nas áreas de sua
preferência. Gilberto Bercovici (2003, p. 302) atesta ser plenamente viável a exigência de
prestações públicas através de processos judiciais.
Algumas questões podem ser levantadas com a possibilidade de controle de
constitucionalidade de políticas públicas. Para Eduardo Appio (2006, p. 140), essa espécie de
controle implicará a substituição da vontade dos membros dos demais Poderes pela vontade
dos juízes. Isso importaria num problema, pois os juízes não podem se transformar em
agentes públicos, que não possuem o condão da política. Mesmo assim, não existe
impedimento para que o Judiciário exerça o controle de constitucionalidade, formal e
material, das políticas governamentais, tendo em vista que estas não devem contrastar com
conteúdo da Constituição, principalmente em relação ao estabelecido no art. 3º, que assenta os
objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil
28
(BERCOVICI, 2003, p. 304).
28 Constituição de 1988, art. 3º: Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I -
construir uma sociedade livre, justa e solidária; II - garantir o desenvolvimento nacional; III - erradicar a pobreza
e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV - promover o bem de todos, sem
preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
Um outro ponto que merece ser evidenciado é sobre a legitimidade democrática do
Judiciário ante seu poder de analisar a compatibilidade das leis e atos normativos, inclusive
políticas públicas, com a Constituição Federal. No governo democrático, exige-se que não
haja limitações ao princípio da soberania popular, a não ser que decorram da própria vontade
do povo. Embora o próprio legislador tenha dedicado o papel de controle de
constitucionalidade ao Judiciário, o fato dos juízes não serem eleitos torna manifesto o caráter
não-democrático de um Estado.
André Ramos Tavares (2005, p. 494) e Sérgio Moro (2004, p. 128) defendem a
possibilidade de existência de uma relação direta entre a democracia e a jurisdição
constitucional. Para tanto, fundamentam suas opiniões no abandono de um modelo
democrático em favor de outro. Os juízes, livres de qualquer interferência ou mesmo
responsabilidade política, seriam os mais indicados a controlar a constitucionalidade das leis e
atos normativos. O julgador, ao proferir decisão através da Constituição, que é o documento
representativo da soberania popular, recebe a necessária legitimidade democrática, mesmo
para controlar atos do Legislativo e do Executivo, cujos membros são eleitos diretamente pelo
povo, mas que não podem subverter a ordem constitucional, cuja defesa é papel do Judiciário.
Assim, a base para a legitimidade da jurisdição constitucional está na vinculação ao princípio
majoritário explicitado na própria Constituição.
No mesmo sentido, Lênio Streck (2004 p. 104) defende a idéia de que na realidade
político-constitucional contemporânea, perderam força os dogmas da soberania do parlamento
e da separação dos Poderes em que se baseava a contestação à legitimidade da justiça
constitucional. O princípio da supremacia da constituição passou a ser mais importante no
Estado Democrático de Direito; assim como os Poderes Executivo e Legislativo não possuem
imunidade perante violações da ordem constitucional, de maneira que o Judiciário é
indispensável como controlador da constitucionalidade.
Conforme Häberle (2004, p. 49), a legitimação da jurisdição constitucional significa a
busca do equilíbrio entre a atividade legislativa e a interpretação constitucional dos juízes:
Indubitavelmente, a expansão da atividade jurisdicional da Corte Constitucional
significa restrição do espaço de interpretação do legislador. Em resumo, uma ótima
conformação legislativa e o refinamento interpretativo do direito constitucional
processual constituem as condições básicas para assegurar a pretendida legitimação
da jurisdição constitucional no contexto de uma teoria de Democracia.
Além desses aspectos, a questão da legitimidade da jurisdição constitucional não pode
deixar de ser aferida pela proteção das minorias. Um grau maior de democracia ocorre quando
não apenas é assegurada a vontade da maioria, como também se garante a aplicação dos
direitos e liberdades fundamentais, a subordinação à constituição, e os mecanismos que
impeçam a sufocação das aspirações e direitos da minoria. Nesse diapasão, nada mais comum
que a proposição de ações diretas de inconstitucionalidade por partidos políticos que
compõem a minoria da representação no Congresso Nacional.
Os meios e possibilidades de acesso à jurisdição constitucional são também elementos
que ensejam um maior grau de democracia. Quanto maior for a abertura no rol de legitimados
a propor ação em sede de controle de constitucionalidade, maiores as chances de se ter
contestadas as normas inconstitucionais. No mesmo sentido com relação aos meios de acesso,
como a possibilidade de manifestação no processo na modalidade de amicus curiae, e de
requisição de informações técnicas-periciais (Lei nº 9.868/1999).
A problemática da legitimidade da jurisdição constitucional, no caso brasileiro,
encontra-se basicamente na nomeação dos Ministros do Supremo Tribunal Federal. A
respectiva nomeação é geralmente acompanhada de críticas de setores da sociedade,
notadamente da imprensa e da Ordem dos Advogados do Brasil. As referidas críticas não
configuram uma novidade, existem desde a polêmica da nomeação de um médico por
Floriano Peixoto (MARTINS e WALD, 2006, p. 3). A manifestação de opinião sobre as
indicações é sempre apropriada para uma democracia, pois o Senado Federal terá melhores
condições de aprovar o candidato ao cargo.
A composição mais recente do Supremo Tribunal Federal continha e contém doses de
ecletismo. Para citar alguns membros: Sepúlveda Pertence adveio da Procuradoria-Geral da
República e é o mais antigo Ministro do Tribunal; Nelson Jobim, ferrenho defensor da
eficiência do Judiciário, foi deputado constituinte; e Gilmar Mendes que ocupou da cadeira de
Advogado-Geral da União, órgão responsável pela representação jurídica do Presidente da
República.
Não se pode negar a influência exercida pelo Presidente da República na nomeação dos
Ministros do Supremo Tribunal Federal, ainda mais quando a quantidade de nomeações de
um mesmo Presidente soma quatro membros
29
, como foi ocorreu no governo Fernando
Henrique Cardoso, e seis membros
30
no governo Luís Inácio Lula da Silva. O prolongamento
do mandato do Presidente, através da reeleição, possibilita uma maior quantidade de
nomeações. Com esse poder nas mãos, o Presidente poderá fazer maioria no STF, pois
dificilmente não terá conhecimento sobre o teor dos votos dos novos Ministros sobre temas
polêmicos de seu interesse.
Essa esteira de pensamento é corroborada pela análise histórica da íntima relação
existente entre o Executivo e o Judiciário no Brasil, realizada no item 1.4 deste trabalho.
Naquela oportunidade ficou demonstrado que desde a era colonial os interesses de juízes e de
governantes na maioria das vezes eram coincidentes, ou a vantagem de um significava o
proveito do outro. E isso ainda ocorre atualmente, não obstante a existência das prerrogativas
dos juízes como a independência funcional, a vitaliciedade, a inamovibilidade e a
irredutibilidade dos subsídios.
Assim, a ação declaratória de constitucionalidade pode ser utilizada pelo Presidente da
República, na intenção de ver seus interesses satisfeitos através de uma única decisão do
Supremo Tribunal Federal, que vinculará os demais órgãos do Poder Judiciário e do Poder
Executivo. A referida satisfação dos interesses é, em suma, uma mera possibilidade. No
entanto, se analisada sob o prisma da relação histórica entre os Poderes, será constatada uma
indicação clara do caminho a ser seguido pelos Ministros do Supremo Tribunal Federal em
seus votos.
O problema não se limita ao fato da adesão do Judiciário aos interesses do Executivo
numa eventual decisão em sede de ação declaratória de constitucionalidade. Lênio Streck
(2006, p. 282) afirma que a Constituição no Estado Democrático de Direito não contém
apenas dispositivos que protegem o cidadão contra o Estado, mas também dispositivos que
determinam a prestação de serviços estatais, conforme o citado pensamento de Gilberto
Bercovici (2003, p. 302). O grau de concretização desses direitos estabelecidos no texto
constitucional determinará, por conseqüência, o grau de ingerência da jurisdição
constitucional. Nada mais natural o teor dessa proposição, tendo em vista a função de controle
de constitucionalidade nas mãos do Judiciário e a possibilidade de meios de acesso aos
29Maurício Corrêa, Nelson Jobim, Ellen Gracie e Gilmar Mendes.
30 Cezar Peluso, Carlos Britto, Joaquim Barbosa, Eros Grau, Ricardo Lewandowski e Cármen Lúcia.
legitimados para acioná-lo nos casos de descompasso entre a constituição e as políticas
governamentais. Quanto maior a incompatibilidade entre as políticas públicas (ou a falta
delas) e o texto constitucional, maior a procura ao Judiciário para fazer valer o conteúdo e
sentido da constituição.
Streck ainda salienta que, em países de modernidade atrasada como o Brasil, a inércia
por parte dos poderes Legislativo e Executivo, especialmente no âmbito de efetivação dos
direitos sociais, acentua a aceitação de uma maior da intervenção da justiça constitucional na
busca da concretização dos direitos constitucionais, em suas várias dimensões; e essa
intervenção está de acordo com a valorização da Constituição como norma superior às
demais.
A crescente intervenção da jurisdição constitucional iniciou uma tendência de
compreensão da constituição voltada apenas para o aspecto jurisprudencial, pondo-se de lado
o seu texto original, em favor da norma proveniente da interpretação do juiz (BERCOVICI,
2003, p. 306). Esse fenômeno é visível especialmente no julgamento das ações declaratórias
de constitucionalidade, nos quais a fundamentação foi muitas vezes baseada em
entendimentos jurisprudenciais previamente proferidos pelo Supremo Tribunal Federal.
Diante dessa tendência, Bercovici levanta o risco da sobreposição da supremacia dos
juízes sobre a supremacia da constituição. É preciso estabelecer limites para a jurisdição
constitucional de forma que a interpretação da constituição não signifique necessariamente a
sua modificação. O texto constitucional, portanto, é o limite
31
intransponível de toda e
qualquer interpretação. No Brasil, é cabal a existência de ocasiões em que esse limite não é
respeitado pelo Supremo Tribunal Federal, cujo claro exemplo é o julgamento da medida
cautelar na ADC 4
32
. No dizer de Marcelo Neves, nesses casos ocorre a concretização
desconstitucionalizante, pois a concretização normativo-jurídica do texto constitucional é
31 Para Tavares (2005, p. 518), em complemento ao limite em sentido amplo que é o próprio texto da
constituição, configuram limites à jurisdição constitucional: questões relacionadas à concretização de preceitos
programáticos; limites na interpretação de norma; limites na desconstituição de atos dos demais órgãos
constitucionais; limites na conformação do espaço dos demais órgãos constitucionais.
32 Quando foi acolhida a possibilidade de pedido de medida cautelar em sede de declaratória de
constitucionalidade, apesar da inexistência de previsão de medida e expressa determinação constitucional de que
apenas as decisões definitivas de mérito teriam efeito vinculante. Nesse ponto, como foi tão evidente a vontade
de logo declarar a constitucionalidade do dispositivo em sede de cautelar, não pararam para pensar, alguns
Ministros, na possibilidade de indeferimento do pedido. O dispositivo, ocorrendo essa hipótese, seria
considerado meio constitucional ou meio inconstitucional, ou simplesmente o pedido é indeferido sem maiores
conseqüências?
impedida por decisão judicial, viciada por fatores econômicos e/ou políticos, de maneira que
não existe qualquer relação consistente entre o texto e a concretização. Em suma, o STF
usurpa os poderes constituintes que lhe foram atribuídos (BERCOVICI, 2003, p. 308-310).
Assim, na hipótese de proposição e defesa de um certo grau de dirigismo constitucional e de
um nível determinado de intervenção da jurisdição constitucional, não é permitido que os
juízes desvirtuem a constituição.
No julgamento da medida cautelar da ADC 8, o Ministro Celso de Mello salientou
que, na jurisdição constitucional, era de fundamental importância o respeito dos valores e
limitações impostas pela Constituição. Os argumentos de necessidade e de razões de Estado
não devem prevalecer sobre o texto constitucional, por mais respeitáveis e indispensáveis que
sejam. Caso o STF os aceitasse, representaria uma ameaça às liberdades e direitos
fundamentais, à supremacia constitucional, e aos valores democráticos. Para o Ministro, se as
circunstâncias políticas, econômicas e sociais pretendem uma modificação da ordem
constitucional, essa deve ser feita em sede de reforma no seu texto, observadas as regras de
reforma, e não na sua interpretação.
Por outro lado, no julgamento da ADC nº 9, a lição de Celso de Mello não foi levada em
consideração. Em seu voto, o Ministro Maurício Corrêa, por causa da situação de
contingência trazida pela provável insuficiência de distribuição de energia elétrica no país,
disse que “seria um absurdo que o STF derrubasse as regras emergenciais ora em
implementação quando o próprio povo as aprovou. Assim pendo que a sociedade brasileira
já proclamou, na sua alta compreensão, a constitucionalidade das medidas (...)”
33
. É evidente a
adesão ao argumento de necessidade sugerido pelo autor da ação, na medida em que era
fundamental a adoção do racionamento de energia elétrica, mesmo que para isso fosse
possível a imposição de penalidade de suspensão de fornecimento para os que não
cumprissem com a medida. A atitude tomada pelo Ministro Maurício Corrêa foi de tamanha
subjetividade (cujo risco foi levantado no item 5.2) que o Ministro Néri da Silveira
salientou que acompanhava a preocupação da sociedade, mas seu papel como julgador era
interpretar a Medida Provisória em face da Constituição, mesmo que isso gerasse uma crise
sem precedentes na estrutura econômica do país.
33 ADC-MC nº 9, DJ 23.04.2004.
Resta, assim, comprovada não apenas a possibilidade de usurpação dos poderes
constituintes atribuídos ao Judiciário, mas demonstrado que em pelo menos duas ocasiões
esse problema ocorreu no âmbito de julgamento das ações declaratórias de
constitucionalidade (ADC 4 e ADC 9). Talvez seja verdadeira a afirmação de Hamilton
(1985, p. 161) de que, nos governos em que os Poderes estão bem separados, o Judiciário,
pela natureza das suas funções, é o menos temível para a Constituição, porque é o que menos
meios tem de atacá-la. Entretanto, é fato que o Judiciário pode, em determinadas ocasiões, ser
uma ameaça concreta para a Constituição
34
.
Para Martonio Lima (1996, p. 81), a idéia de uma jurisdição constitucional se reveste de
um aspecto conservador, pois vai de encontro às conquistas democráticas: redefinição do
Legislativo como conseqüência do declínio do poder do monarca; deslocamento do conceito
de soberania do Estado para soberania do povo; reconhecimento da capacidade do povo de
decidir seus destinos; e o princípio da separação dos Poderes. A atribuição do controle de
constitucionalidade ao Judiciário, como uma das funções do Poder do Estado, significa,
segundo o autor, que o próprio Estado pode determinar o que lhe é permitido fazer ou não.
Nesse aspecto, o Judiciário ganhou uma importante disputa, ao lado do Executivo, que exerce
a função de nomear os juízes. Entretanto, em conformidade com o princípio da soberania
popular, o povo é quem detém a mais importante parcela do exercício do poder político:
destituir seus representantes, alterar a constituição e resistir contra ameaças a sua soberania. O
Estado, por sua vez, deve ser limitado ao que o povo estabelece através de uma constituição
ou de qualquer outra manifestação expressa de sua vontade. Por isso a opção por uma
jurisdição constitucional representa uma diminuição do grau de democracia de uma
sociedade.
A busca do ideal democrático de um Estado necessariamente tem como obstáculo o
esforço do Executivo em busca de um maior grau de governabilidade (LIMA, 2003, p. 213).
Esse conflito é gerado pela tese de que a soberania popular é limitada ao momento reservado
para a criação de uma nova ordem constitucional; a partir do momento que o texto foi
aprovado, o povo abdica de sua soberania, sendo que todos devem estar sujeitos à
34 Uma proposta para evitar esse risco é apresentada por Tushnet (1999), que analisa a forma como a
Constituição pode ser vista fora dos tribunais constitucionais. Numa perspectiva interna dos Estados Unidos, o
autor argumenta contra a supremacia judicial na interpretação da Constituição, contra o judicial review, aventa a
possibilidade de o legislador votar propostas sobre “inconstitucionalidades” cometidas pela Suprema Corte, e
como se pode ignorar o que as cortes dizem sobre a Constituição.
constituição. A aceitação dessa proposição leva a uma maior anuência em relação ao aumento
do grau de governabilidade de um Estado.
O conceito de governabilidade pode ser expresso como a margem de liberdade ou a
capacidade de ação de que um governo dispõe, em um determinado espaço nacional ou em
um determinado ciclo do processo de gestão, para exercer seu mandato e realizar suas metas
políticas atuando sob e sobre condicionantes de caráter histórico-estrututal e conjuntural
existentes (YAMAUTI, 2004, p. 251). A governabilidade pode também ser entendida como
sendo as várias condições que determinam o espaço de possibilidade do exercício do poder e
as condições de maior ou menor eficácia dentro do qual o poder é exercido (JAGUARIBE,
1999, p. 7); ou constitui a capacidade de tomar decisões racionais, coerentes e, como tal,
capazes de serem efetivamente aplicadas (MACIEL, 2004a, p. 110).
No caso do Brasil, como país de modernidade tardia, existe uma preocupação maior na
busca pela governabilidade do que pela democracia. Entre as fontes que afetam a
governabilidade no Brasil estão: 1) a dificuldade do governo para conseguir apoio político
para aprovar seus projetos de lei no Congresso Nacional e para implementar as medidas
aprovadas em razão de fatores de ordem institucional e política; 2) a escassez de recursos
fiscais e a inadequação dos recursos técnicos e administrativos disponíveis; 3) os obstáculos
ao desenvolvimento econômico e à distribuição de renda; 4) o formato do sistema partidário e
eleitoral; e 5) a incapacidade do governo de atender às demandas que emergem da sociedade
(YAMAUTI, 2004, p. 252). Uma democracia não se baseia em consensos e unanimidades,
mas no conflito de opiniões e da livre expressão dos pensamentos, sejam eles concordantes
entre si ou não. Esse dissenso tem reflexo direto na governabilidade, especialmente no Brasil
em face das citadas complicações.
A última fonte referida que dificulta a governabilidade brasileira merece ser destacada,
pois se o governo tem problemas para atender às demandas sociais garantidas pela
Constituição, o Judiciário certamente é provocado para intervir, tendo em vista a atribuição de
controle de constitucionalidade. Nesse diapasão, o Judiciário pode ser utilizado como um
instrumento para proporcionar um maior grau de governabilidade em detrimento da
democracia, na medida em que tradicionalmente, no Brasil, é um Poder que adere aos
objetivos do Estado e que tem como traço marcante a ausência de cultura democrática de seus
membros (LIMA, 2003, p. 215 e 230).
Atílio Boron (1994, p. 23), analisando a relação entre a democracia e os interesses
neoliberais do capitalismo, sustenta que:
o ataque aos “excessos” democráticos, paralisantes da suposta vitalidade do mercado, desemboca em uma
apologia do governo autoritário: o reconhecimento das tensões estruturais da democracia capitalista desemboca
em um argumento pelo qual esta se transforma, perversa e inexoravelmente, em uma estrutura “ingovernável”.
Será a partir desse paradigma da ingovernabilidade que haverão de ser avaliadas as possibilidades e a
congruência da democracia com as exigências cada vez mais rigorosas da reprodução do capital.
Portanto, o conflito entre governabilidade e democracia é influenciado, inclusive, pelas
instâncias econômicas, na medida em que os interesses neoliberais buscam fundamentalmente
a dispersão dos conflitos. Nesse aspecto, a ação declaratória de constitucionalidade se
apresenta como um instrumento de governabilidade em oposição à democracia, pois constitui
uma das reformas de cunho neoliberal implementada no Brasil no início da década de 1990
que teve como objetivo principal a segurança jurídica.
Tavares (2005, p. 348) salienta que cabe ao Tribunal Constitucional assegurar que as
autoridades, Poderes e entidades exerçam suas funções com o mínimo de atrito, evitando o
choque que pode ocasionar uma paralisação ou complicações nas atividades de governo.
Porém, referido choque de interesses nada mais é do que um reflexo do regime democrático.
Eventual tentativa de minimização desse conflito provocaria, proporcionalmente, uma
minimização do grau de democracia do Estado. Dessa forma, mais uma vez, a ação
declaratória de constitucionalidade pode ser vista como útil para a governabilidade no Brasil,
pois ficou demonstrado que é um instrumento do Executivo, aliado histórico do Judiciário,
para rapidamente extinguir conflitos em favor de seus interesses.
Para finalizar, cabe destacar uma última característica do Poder Judiciário que está
diretamente relacionada ao ideal democrático e a crítica que se faz à ação declaratória de
constitucionalidade. Ingeborg Maus (2000, p. 187), analisando o cenário constitucional da
Alemanha, alerta para o perigo de atribuir ao Judiciário o papel de superego da sociedade,
quando a Justiça assume a função de sua instância moral mais alta. Nessas condições, o
Judiciário não mais possui qualquer mecanismo de controle social, ao qual se deve subordinar
como instituição de um Estado democraticamente organizado; a competência do órgão que
controla a constitucionalidade não deriva mais da própria Constituição, mas de princípios de
direito suprapositivos que o próprio órgão (tribunal) desenvolveu em sua atividade
constitucional de controle normativo, o que o leva a romper com os limites de qualquer
competência constitucional (MAUS, 2000, p. 191). Para a autora, essa condição seria um
regresso a valores pré-democráticos de parâmetros de integração social, de maneira que o
Judiciário, nesses moldes, seria o próprio monarca substituído.
Streck (2004, p. 109), sobre o assunto, não concorda com a existência de intervenção
excessiva dos juízes no campo político, através do controle de constitucionalidade, baseada
fundamentalmente em parâmetros subjetivos. Para o autor, no Brasil existe um ativismo
negativo, fundamentando-se nas atitudes tomadas pelo Supremo Tribunal Federal como self
restraint: como no esvaziamento do mandando de injunção (Mandado de Injunção 107) e
na proibição da progressividade do IPTU do município de São Paulo (Reclamação nº 383).
No entanto, quando o STF adotou essa postura negativa” nada mais fez do que aderir
aos objetivos do Estado em favor de um maior grau de governabilidade. No mesmo sentido
procedeu como nos citados julgamentos em sede de ação declaratória de
constitucionalidade quando, ao invés de adotar a atitude “negativa”, ultrapassou os limites
constitucionais.
Com isso não se quer dizer que o Supremo Tribunal Federal se transformou no superego
da sociedade brasileira. O intuito dessa comparação foi apenas demonstrar que as
conseqüências do papel assumido pelo Judiciário na Alemanha possuem semelhanças com as
implicações políticas trazidas pela ação declaratória de constitucionalidade: o acúmulo de
poder do STF em prejuízo da Constituição, com reflexos diretos na democracia e na
governabilidade brasileiras.
CONCLUSÃO
Diante do disposto neste trabalho, ficou demonstrada a necessidade de se estabelecer os
fundamentos da relação entre a evolução histórica do Estado de Direito e o surgimento do
controle jurisdicional de constitucionalidade. Em resposta à perda de suas prerrogativas em
virtude da queda do antigo regime, o Poder Judiciário adquiriu novo perfil, paulatinamente,
no decorrer da transformação do Estado Liberal em Social, e deste em Democrático
35
, pois
adquiriu a atribuição de controlar a harmonia entre as normas e a constituição, contribuindo
fundamentalmente para o funcionamento do sistema de freios e contrapesos entre os Poderes
do Estado. Essa nova atribuição nasceu em conseqüência da elevação do princípio da
supremacia constitucional, quando a constituição passou a ser a estrutura normativa de maior
relevância e superioridade do ordenamento jurídico.
O estudo da mudança de perfil do Poder Judiciário não poderia se desvincular da análise
da relação deste Poder com a política. A atividade do controle jurisdicional de
constitucionalidade, apesar de ser exercida por instrumentos jurídicos, seu conteúdo possui
expressivo teor político, de maneira que o Judiciário conquistou lugar estratégico ao atuar em
questões em que normalmente apenas o Legislativo e o Executivo atuavam. O exercício do
controle jurisdicional de constitucionalidade é, portanto, manifestação expressa do fenômeno
da judicialização da política.
Após terem sido detidamente analisadas as características do controle jurisdicional de
constitucionalidade e sua evolução no Brasil, verificou-se que a ação declaratória de
constitucionalidade (ADC), como uma ação típica de controle concentrado com efeito
vinculante, foi criada com a finalidade de satisfazer aos interesses do Poder Executivo. A
situação fiscal do país, antes da promulgação da Emenda Constitucional 3, exigia reformas
tributárias que certamente causariam disputas judiciais envolvendo significativo número de
litigantes. A ADC seria, portanto, o instrumento apto para fazer com que o governo federal
pudesse, rapidamente, solucionar as graves controvérsias judiciais que eventualmente se
originariam em decorrência das reformas.
35 Aqui não se quer dizer que não possa ser democrático o Estado Liberal e o Estado Social.
A análise da jurisprudência construída pelo Supremo Tribunal Federal no
processamento das quatorze ações declaratórias de constitucionalidade propostas, permitiu
identificar implicações de natureza econômica, jurídica e política. No que tange a primeira
implicação, não se pode desvencilhar a ADC do aspecto do econômico existente na busca da
segurança jurídica, pois esta além de ser um dos principais objetivos buscados pela
implementação das reformas neoliberais ocorridas desde o início da década de 1990, é
também uma das finalidades essenciais da ADC. Nesse sentido, de acordo com a doutrina
neoliberal, um maior grau de segurança jurídica proporciona menores barreiras ao
desenvolvimento econômico de um país, na medida em que minimiza a imprevisibilidade das
decisões judiciais.
Sob o aspecto jurídico, foi demonstrado o objetivo do estabelecimento da interpretação
realizada pelo Supremo Tribunal Federal em relação aos requisitos de admissibilidade da ação
declaratória de constitucionalidade: restringir o acesso ao Judiciário em virtude do acúmulo
de processos pendentes de julgamento. Verificou-se que foi utilizada a interpretação literal do
rol de legitimados, mas que o mesmo não ocorreu em relação à teoria da pertinência temática
(emprestada da ação direta de inconstitucionalidade) e à exigência de demonstração de grave
controvérsia judicial. Em suma, o STF, através de construção jurisprudencial, aplicou a
existente teoria da pertinência temática e estabeleceu um outro requisito de admissibilidade
para a ADC não existente no texto constitucional.
Outras duas conseqüências jurídicas advindas da construção jurisprudencial em sede de
ADC foram: a própria avaliação a da demonstração da controvérsia relevante e a possibilidade
de concessão de medida cautelar, mesmo sem haver previsão constitucional. Sem embargo, a
referida atitude do STF, na medida em que possui caráter essencialmente subjetivo, afasta a
atividade de controle de constitucionalidade do ideal de racionalidade e de segurança jurídica
que a própria ADC busca atingir. Essa conduta, além de violar o princípio republicano que
visa à objetividade na aplicação das normas constitucionais, representa um grave risco de
acúmulo de poder do órgão que possui a atribuição de guardar a constituição.
No julgamento da ADC, é assegurado o efeito vinculante não apenas à parte dispositiva
da decisão, mas também aos seus motivos determinantes. Essa característica do efeito
vinculante contribui para dificultar o desenvolvimento da jurisprudência, especialmente nas
decisões em sede de interpretação conforme e na nulidade parcial sem redução de texto, e
para a deterioração das prerrogativas do princípio da independência funcional do juiz,
abalado pela própria estrutura autocrática, hierarquizada e desigual do Poder Judiciário.
Em relação às implicações políticas, o exame da jurisprudência permitiu concluir o
quanto a ADC pode significar um meio à disposição do Poder Executivo para alcançar, de
maneira breve, seus objetivos. Isso ocorre não apenas porque o Presidente é o autor da maior
quantidade de ações declaratórias de constitucionalidade, mas também porque problemas de
aplicação de políticas públicas representam a grande maioria dos objetos das ações julgadas.
Além disso, a íntima relação entre o Executivo e o Judiciário, construída desde o período
colonial no Brasil, contribuem para a verificação desta conseqüência, pois a faculdade de
nomear os membros do STF permite ao Executivo, ainda mais diante do instituto da reeleição,
conduzir a formação de um entendimento majoritário em matérias de seu interesse.
A questão da legitimidade do exercício do controle jurisdicional de constitucionalidade,
especialmente diante da possibilidade de julgamento de políticas públicas, interfere
diretamente no grau de democracia do Estado. Nesse sentido, deve existir uma conformidade
entre as garantias dos direitos da maioria e os mecanismos que impeçam a extinção das
aspirações da minoria. Outrossim, a abertura na possibilidade de manifestação como amicus
curiae na ADC significa uma essencial conquista democrática, na medida em que representa
uma abertura no processo de controle concentrado.
Por outro lado, as decisões de mérito proferidas em sede de ADC não produzem efeito
vinculante apenas relativamente aos demais órgãos do Judiciário e do Executivo. Na prática,
vinculam também ao Poder Legislativo. A vinculação existe porque o STF, sem que sejam
alteradas as circunstâncias do julgamento original da ADC, certamente declararia
inconstitucional lei editada pelo Legislativo que fosse conflitante à que foi anteriormente
declarada constitucional. Essa vinculação, porém, não resiste ao tempo, que poderá modificar
a própria Constituição, a composição do STF e as aspirações da sociedade.
No Brasil, um país de modernidade tardia, o baixo grau de concretização dos direitos e
garantias fundamentais estabelecidas na Constituição favorece a um alto grau de ingerência da
jurisdição constitucional, especialmente no âmbito das políticas públicas. Isso, além de ter
sido demonstrado nos julgamentos das ões declaratórias de constitucionalidade, produziu
sérias conseqüências no sistema político. São elas: 1) valorização da jurisprudência e da
interpretação da Constituição, em detrimento do seu texto original; 2) risco de sobreposição
da supremacia da jurisprudência, através de interpretação de caráter subjetivo e aceitação de
argumentos de necessidade e razões de Estado, sobre a supremacia constitucional; 3)
usurpação dos limites constitucionais atribuídos ao Supremo Tribunal Federal. Em pelo
menos duas oportunidades, essas conseqüências foram verificadas: na ADC 4 e na ADC
9.
Nessas ocasiões em que foram afrontados preceitos constitucionais, sem embargo,
causaram a uma situação de insegurança jurídica, exatamente o que a ADC deseja combater.
A perturbação da segurança jurídica, da mesma forma como pode ser demonstrada pela
existência de decisões judiciais conflitantes sobre a mesma matéria, também pode ocorrer nos
atropelos dos direitos e garantias constitucionais, bem como do estabelecido em lei
processual; ainda mais quando esse atropelo é feito pelo Supremo Tribunal Federal.
Nesse contexto surge o necessário conflito entre democracia e governabilidade. Como
no Brasil existe uma incapacidade do governo de atender as demandas exigidas pela
sociedade e garantidas pela Constituição Federal, o Judiciário é assiduamente provocado a
intervir. O Executivo, por sua vez, buscará incessantemente uma maior margem de liberdade
na sua capacidade de ação através de políticas públicas. Um dos seus instrumentos para tanto
é a utilização da ADC para, perante o Judiciário, seu aliado histórico, proporcionar um maior
grau de governabilidade, através de uma maior previsibilidade das decisões judiciais, em
prejuízo da democracia.
Assim, a ação declaratória de constitucionalidade contribui para o movimento de
acúmulo de poder do Supremo Tribunal Federal em detrimento da Constituição democrática
de 1988, possibilitando o desprezo dos limites às atribuições constitucionais que lhe foram
conferidas, bem como favorecendo um maior grau de governabilidade ao Poder Executivo.
Talvez as implicações trazidas pela ADC não se manifestassem com tanta evidência caso a
pressão da crescente demanda processual do Supremo Tribunal Federal perdesse força, ou
mesmo se houvesse uma reforma no Judiciário, de maneira que se separassem as funções de
Corte Constitucional e de Corte de Justiça. Conforme se demonstrou, a ADC, em si e na sua
finalidade, não representa uma condição sine qua non das transgressões aos dispositivos
constitucionais, até porque a ação derivou da própria construção jurisprudencial do STF na
época das representações de inconstitucionalidade propostas com o parecer contrário pelo
Procurador-Geral da República. A maneira como o instituto ingressou no ordenamento
jurídico e as características estruturais do Poder Judiciário estimularam a utilização da ADC
como instrumento de acúmulo de Poder e facilitador de uma maior governabilidade, em
prejuízo da democracia brasileira.
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Requerente(s): Presidente da República, Mesa do Senado Federal e Mesa da Câmara dos
Deputados. Relator: Min. Moreira Alves. 01/12/1993. Serviço de Jurisprudência do STF. D.J.
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_________. Ação declaratória de constitucionalidade 2. Requerente(s): Associação
Brasileira da Indústria de Embalagens Plásticas Flexíveis. Relator: Min. Carlos Velloso.
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_________. Ação declaratória de constitucionalidade 3. Requerente(s): Procurador-Geral
da República. Relator: Min. Nelson Jobim. 02.12.1999. Serviço de Jurisprudência do STF.
D.J. 09.05.2003.
_________. Medida cautelar em ação declaratória de constitucionalidade 4. Requerente(s):
Presidente da República, Mesa do Senado Federal e Mesa da Câmara dos Deputados. Relator:
Min. Sydney Sanches. 11/02/1998. Serviço de Jurisprudência do STF. D.J. 16.02.1998.
_________. Medida cautelar em ação declaratória de constitucionalidade 5. Requerente(s):
Procurador-Geral da República. Relator: Min. Nelson Jobim. 17.11.1999. Serviço de
Jurisprudência do STF. D.J. 19.09.2003.
_________. Ação declaratória de constitucionalidade 6. Requerente(s): Confederação dos
Servidores Públicos do Brasil. Relator: Min. Moreira Alves. 11.09.1998. Serviço de
Jurisprudência do STF. D.J. 18.09.1998.
_________. Ação declaratória de constitucionalidade 7. Requerente(s): Câmara Municipal
de Chorozinho-CE Relator: Min. Maurício Corrêa. 09.04.1999. Serviço de Jurisprudência do
STF. D.J. 20.04.1999.
_________. Medida cautelar em ação declaratória de constitucionalidade 8. Requerente(s):
Presidente da República. Relator: Min. Celso de Mello. 13.10.1999. Serviço de
Jurisprudência do STF. D.J. 04.04.2003.
_________. Ação declaratória de constitucionalidade 9. Requerente(s): Presidente da
República. Relator: Min. Néri da Silveira. 13.12.2001. Serviço de Jurisprudência do STF.
D.J. 23.04.2004.
_________. Ação declaratória de constitucionalidade 10. Requerente(s): Dinete Lessa.
Relator: Min. Carlos Britto. 25.05.2004. Serviço de Jurisprudência do STF. D.J. 31.05.2004.
_________. Medida cautelar em ação declaratória de constitucionalidade 11.
Requerente(s): Governador do Distrito Federal. Relator: Min. Cezar Peluso. Serviço de
Jurisprudência do STF.
_________. Medida cautelar em ação declaratória de constitucionalidade 12.
Requerente(s): Associação dos Magistrados Brasileiros. Relator: Min. Carlos Britto.
16.2.2006. Serviço de Jurisprudência do STF. D.J. 01.09.2006.
_________. Ação declaratória de constitucionalidade 13. Requerente(s): Associação das
Empresas de Trading. Relator: Min. Joaquim Barbosa. Serviço de Jurisprudência do STF.
_________. Medida cautelar em ação declaratória de constitucionalidade 14.
Requerente(s): Associação dos Notários e Registradores do Brasil. Relator: Min. Gilmar
Mendes. Serviço de Jurisprudência do STF.
_________. Ação direta de inconstitucionalidade 689. Requerente: Federação Nacional dos
Farmacêuticos. Relator: Min. Néri da Silveira. 19.03.1992. Serviço de Jurisprudência do STF.
D.J. 27.03.1992.
_________. Medida cautelar em ação direta de inconstitucionalidade 907. Requerente:
Confederação Nacional do Comércio. Relator: Min. Carlos Britto. 08.10.1993. Serviço de
Jurisprudência do STF. D.J. 19.10.1993.
_________. Medida cautelar em ação direta de inconstitucionalidade 913. Requerente:
Associação dos Magistrados Brasileiros. Relator: Min. Moreira Alves. 18.08.1993. Serviço de
Jurisprudência do STF. D.J. 05.05.1995.
_________. Ação direta de inconstitucionalidade 1.946. Requerente: Partido Socialista
Brasileiro. Relator: Min. Sydney Sanches. 03.04.2003. Serviço de Jurisprudência do STF.
D.J. 16.05.2003.
_________. Questão de ordem na ão direta de inconstitucionalidade 3.685. Requerente:
Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil. Relatora: Min. Ellen Gracie.
23.03.2006. Serviço de Jurisprudência do STF. D.J. 31.03.2006.
_________. Habeas corpus 70.514. Paciente: Marco Aurélio Rodrigues da Cruz e outro.
Relator: Min. Sydney Sanches. 23.03.1994. Serviço de Jurisprudência do STF. D.J.
05.04.1994.
_________. Mandado de segurança 20.257. Impetrante: Itamar Augusto Cautiero e outro.
Relator: Min. Moreira Alves. Serviço de Jurisprudência do STF.
_________. Mandado de segurança nº 23.452. Impetrante: Luiz Carlos Baretti Júnior. Relator:
Min. Celso de Mello. 16.09.1999. Serviço de Jurisprudência do STF. D.J. 27.09.1999.
_________. Mandado de segurança 23.595. Impetrante: Amaury Perez. Relator: Min.
Celso de Mello. 17.12.1999. Serviço de Jurisprudência do STF. D.J. 01.02.2000.
_________. Recurso extraordinário em mandado de segurança 24.617. Impetrante:
Eduardo Jorge Caldas Pereira. Relator: Min. Carlos Velloso. 17.05.2005. Serviço de
Jurisprudência do STF. D.J. 10.06.2005.
_________. Mandado de segurança 24.831. Impetrante: Pedro Jorge Simon e outro.
Relator: Min. Celso de Mello. 22.06.2005. Serviço de Jurisprudência do STF. D.J.
29.06.2005.
_________. Questão de ordem na reclamação 397. Reclamante: Luis Carlos Salles
Guimarães e outros. Relator: Min. Celso de Mello. 25.11.1992. Serviço de Jurisprudência do
STF. D.J. 21.05.1992.
_________. Reclamação 849. Reclamante: União Federal. Relator: Min. Néri da Silveira.
19.04.2002. Serviço de Jurisprudência do STF. D.J. 23.05.2002.
_________. Reclamação 1.880. Reclamante: Município de Tumalina. Relator: Min. Marco
Aurélio. 07.11.2002. Serviço de Jurisprudência do STF. D.J. 19.03.2004.
_________. Reclamação 2.363. Reclamante: Município de Capitão Poço. Relator: Min.
Gilmar Mendes. 23.10.2003. Serviço de Jurisprudência do STF. D.J. 01.04.2005.
_________. Reclamação 2.398. Reclamante: Hamilton de Paula Bernardo. Relator: Min.
Marco Aurélio. 06.10.2005. Serviço de Jurisprudência do STF. D.J. 24.02.2006.
_________. Representação 1.349. Representante: Procurador-Geral da República. Relator:
Min. Aldir Passarinho. Serviço de Jurisprudência do STF.
_________. Recurso extraordinário 197.917. Recorrente: Ministério Público Estadual.
Relator: Min. Maurício Corrêa. 24.03.2004. Serviço de Jurisprudência do STF. D.J.
07.05.2004.
_________. Recurso extraordinário 226.855. Recorrente: Caixa Econômica Federal.
Relator: Min. Moreira Alves. 31.08.2000. Serviço de Jurisprudência do STF. D.J. 13.10.2000.
TEXTOS EXTRAÍDOS DA INTERNET
A Justiça em números: indicadores estatísticos do Poder Judiciário 2003. Disponível em:
<http://www.stf.gov.br/seminario/pdf/a_justica_em_numeros.pdf>. Acesso em 29.06.2006.
Diagnóstico do Poder Judiciário: Disponível em:
<http://www.mj.gov.br/reforma/pdf/publicacoes/diagnostico_web.pdf>. Acesso em:
28.06.2006.
Perfil das maiores demandas do , relatório realizado pelo Centro de Pesquisas de Opinião
Pública da Universidade de Brasília, referente a dados dos processos registrados de de
janeiro de 2002 a 30 de junho de 2004. Disponível em <www.stf.gov.br> Acesso em
29.06.2006.
Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal. Atualizado até fevereiro de 2006 por
Eugênia Vitória Ribas. Brasília: STF, 2006. Disponível em: <http://www.stf.gov.br>. Acesso
em: 29.06.2006.
Tabela do IPCA (índice de preços ao consumido amplo) nos anos de 1990, 1991 e 1992.
ÍNDICE ALFABÉTICO-REMISSIVO
Acúmulo de poder: 149, 169.
Controvérsia judicial relevante: 58-59, 69-72, 75-76, 79, 82-85, 96, 98, 103-05, 109-110, 112,
119, 121, 124-127, 130, 132-133, 136, 138, 140, 144, 147-
149, 171.
Democracia: 12, 19, 28, 37, 94, 147, 160-162, 166-169, 172-174.
Direitos e garantias fundamentais: 9, 35, 38, 77-78, 94, 118, 147, 161, 163, 173.
Efeito erga omnes: 47, 49, 50, 55, 57, 60, 65, 66, 68, 71, 84, 85, 87, 88, 89, 92, 103, 104, 114,
117, 120, 135, 149, 156, 158.
Efeito ex nunc: 47, 51, 90, 116, 117, 119-121, 125, 153.
Efeito ex tunc: 47, 50, 51, 90, 114-115, 117, 119-120, 125, 128, 133-134, 151, 153.
Efeito para o futuro: 47, 51, 90.
Efeito vinculante: 11, 48-50, 66, 68, 71, 85-86, 88-89, 93-95, 98, 102-103, 107-108, 114 117,
119-121, 125, 127, 130, 133, 142, 144-145, 149-153, 155-157, 170, 172.
Estado Constitucional: 22, 40.
Estado Democrático: 10, 19, 34, 37, 62, 116, 140, 154, 160, 163, 168, 170.
Estado Liberal: 10, 18, 22, 25, 40, 170.
Estado Social: 10, 18-19, 21, 170.
Emenda Constitucional nº 3: 10, 11, 34, 37, 63-64, 66, 70, 74, 82, 85, 90, 93, 96-98, 100-101,
104-108, 110-111, 114, 116, 127, 142, 148, 155, 171.
Emenda Constitucional nº 45: 11, 68, 74, 83, 92, 93, 94, 95, 123, 131, 144.
Governabilidade: 12, 166, 167, 168, 169, 173, 174.
Judicialização da política: 10, 25, 26, 27, 30, 36, 37, 159, 170.
Pertinência Temática: 26, 94-95, 98-99, 100, 108, 133, 145, 146, 148, 171.
Poder Judiciário
Atribuições: 9, 45, 165, 167, 170, 172.
Perfil: 10, 25, 170.
Políticas públicas: 11, 28, 140, 159, 160, 163, 172-173.
Segurança Jurídica: 18-19, 48-50, 76-79, 83, 85, 98, 101-102, 114, 116, 118, 127, 140, 142-
143, 146, 148-149, 153-153, 157, 167, 171, 173.
Separação dos Poderes: 11, 15-16, 20-23, 25, 34-35, 37, 40, 55, 98, 101-102, 104, 133, 154-
160, 165.
Supremacia da constituição: 10, 22-23, 40-43, 46, 62, 75-76, 79-80, 84-85, 89, 158, 160, 164,
170, 173.
Usurpação de poder: 12, 55, 62, 154, 164-165, 173.
ÍNDICE ONOMÁSTICO
A
ABRUCIO, Fernando Luiz: 34.
APPIO, Eduardo: 159.
ARAÚJO, Luiz Alberto David: 145.
ARAÚJO, Rosalina Corrêa: 31, 34.
B
BARBOSA, Rui, 33.
BERCOVICI, Gilberto: 159, 160, 163-164.
BODIN, Jean: 15.
BONAVIDES, Paulo: 15, 17-18, 22, 38, 41.
BORON, Atílio A: 167.
BOSSUET, Jacques Benigne: 15.
BRAWERMAN, André: 68, 156.
BROX, Hans: 87, 90.
BRYDE, Brun-Otto: 87, 90.
C
CANOTILHO, José Joaquim Gomes: 19.
CAMPILONGO, Celso Fernandes: 25, 27-28.
CAPPELLETTI, Mauro: 27, 41-45, 81.
CARVALHO, Ernani Rodrigues: 36, 141.
CARVALHO, José Murilo de: 32.
CAVALCANTI, Amaro: 56, 77.
CHEVALLIER, Jean-Jacques: 16.
COELHO, Fábio Ulhôa: 139, 141.
COELHO, Inocêncio Mártires: 146, 149.
COKE, Edward: 21, 43.
COSTA, Ana Edite Olinda Norões: 26.
COSTA, Dilvanir José da: 55.
D
DALLARI, Dalmo de Abreu: 13-15.
DELFIM, Ricardo Alessi: 152.
DINIZ, Márcio A. de Vasconcelos: 26, 38-39, 41-42.
E
ENGELS, Friedrich: 14
F
FERNANDES, Bianca Stamato: 50.
FERREIRA, Olavo Alves: 49.
FILMER, 14
FLORY, Thomas: 32.
G
GUERRA, Luis López: 150.
H
HÄBERLE, Peter: 147, 161.
HABERMAS, Jürgen: 158.
HAMILTON, Alexander: 40, 43, 162.
HOBBES, Thomas: 15.
J
JAGUARIBE, Hélio: 166.
JAY, James: 43.
JOÃO VI, D.: 53.
K
KELSEN, Hans: 9, 44-46, 51, 54.
KOERNER, Andrei: 26.
L
LESSA, Pedro: 33.
LIMA, Manuel de Oliveira: 53-54.
LIMA, Martonio Mont’Alverne Barreto: 45, 54, 165-167.
LOCKE, John: 14, 16, 42.
LOPES, Ana Maria D’Ávila: 19.
M
MACIEL, Débora Alves: 26.
MACIEL, Marco Antônio de Oliveira: 166.
MACIEL, Omar Serva: 49.
MADISON, John: 20, 24, 43, 50.
MAQUIAVEL, Nicolau: 15.
MARTÍN, Nuria Belloso: 21.
MARTINS, Ives Gandra da Silva: 30, 65, 68, 86, 155, 161.
MARSHALL, John: 9, 43, 44, 50.
MARX, Karl: 14.
MAUS, Ingeborg: 168.
MEIRELLES, Hely Lopes: 78 e 87.
MENDES, Gilmar Ferreira: 46, 49, 51, 55, 57-58, 60, 61, 65-66, 68, 70-71, 75, 76, 86-
89, 114, 127, 136, 145, 147, 162.
MONTESQUIEU, Charles Louis de Secondat: 16, 20, 25, 42, 44, 46.
MORAES FILHO, José Filomeno de: 20.
MORO, Sérgio Fernandes: 33, 152, 160.
MÜLLER, Friedrich: 16.
N
NERY, Rosa M. Andrade: 152.
NERY JÚNIOR, Nelson: 152.
NEVES, Marcelo: 164.
O
Oppenheimer, 14
P
PINHEIRO, Armando Castelar: 140, 141, 154.
PONTES FILHO, Valmir: 151.
R
ROCHA, José de Albuquerque: 21-22, 45, 77.
ROCHA, Sérgio: 142.
RODRIGUES, Lêda Boechat: 52-53.
ROUSSEAU, Jean-Jacques: 14, 16-17.
S
SAMPAIO, José Adércio Leite: 143.
SANTOS, Ernane Fidélis dos: 84.
SARLET, Ingo Wolfgang: 19.
SCARTEZZINI, Ana Maria: 75.
SCHMITT, Carl: 9, 45, 46, 54.
SCHWARTZ, Stuart B: 31.
SILVA, Carlos Augusto: 43.
SILVA, José Afonso da: 17, 19, 39 e 41.
SLAIBI FILHO, Nagib: 67, 74, 79, 91 e 114.
SORMANI, Alexandre: 49, 57 e 74.
STRECK, Lênio Luiz: 73, 156-157, 160, 162, 168.
T
TATE, C. N.: 26
TAVARES, André Ramos: 18-19, 23, 25, 30, 35, 49, 158, 160, 168.
TORRES, Alberto: 39.
TOSTES, Natacha Nascimento Gomes: 49, 78 e 157.
TUSHNET, Mark: 165.
V
VALLINDER, T: 26.
VARGAS, Getúlio: 56.
VELOSO, Zeno: 44, 47, 49-50, 82, 84.
VIANNA, Luiz Werneck: 37.
VIANNA, Oliveira: 30 e 33.
W
WALD, Arnoldo: 161.
WEBER, Max: 25 e 77.
Y
YAMAUTI, Nilson Nobuaki: 166 e 167.
Z
ZAFFARONI, Eugenio Raúl: 28.
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