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Universidade Federal do Rio Grande do Sul
RAQUEL BORBA ROSA
“A DOENÇA NÃO MARCA HORA, NÃO MARCA DIA”
Acolhimento e Resolutividade em uma Equipe de Saúde da Família
Porto Alegre
2006
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1
RAQUEL BORBA ROSA
“A DOENÇA NÃO MARCA HORA, NÃO MARCA DIA”
Acolhimento e Resolutividade em uma Equipe de Saúde da Família
Dissertação apresentada ao Curso de Pós-
Graduação em Enfermagem, da Escola de
Enfermagem da Universidade Federal do Rio
Grande do Sul, como requisito parcial para a
obtenção do Grau de Mestre.
Orientadora: Profa. Dra. Maria Alice Dias da
Silva Lima
Porto Alegre
2006
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2
Catalogação por Celina Leite Miranda (CRB-10/837).
R788d Rosa, Raquel Borba
“A doença não marca hora, não marca dia” : acolhimento e
resolutividade em uma equipe de saúde da família / Raquel Borba
Rosa; orient. Maria Alice Dias da Silva Lima. – Porto Alegre, 2006.
121 f. : il. color.
Dissertação (Mestrado em Enfermagem) – Universidade Federal do
Rio Grande do Sul. Escola de Enfermagem. Curso de Mestrado em
Enfermagem, 2006.
Inclui resumo em Português, Espanhol e Inglês.
1. Saúde pública. 2. Acolhimento. 3. Saúde da família. 4. Qualidade
da assistência à saúde. 5. Satisfação do paciente. I. Lima, Maria Alice
da Silva. II. Universidade Federal do Rio Grande do Sul. III. Título. IV.
“La enfermedad no marca hora ni día”: acogida y resolubilidad en un
equipo de salud de familia [resumen]. V. “Disease does not set a time
neither a date”: welcome and resolubility in a family health team
[abstract]. LHSN – 700 NLM – WA 900
3
4
Dedico este trabalho a meu pai
Jórcem, que mesmo ausente se
faz presente em todos os dias da
minha vida, por meio do exemplo
que me deixou.
5
AGRADECIMENTOS
A minha querida e amada Mãe, Nilda, por ser a grande incentivadora nos
meus estudos e por ter proporcionado condições para que eu pudesse completar
mais essa etapa. Obrigada também pelas orações!
Aos meus irmãos, Débi e Fáfa, pelos exemplos que representam e pelo
apoio incondicional. Débi, obrigada pelo acolhimento! Fáfa, obrigada pelos
sucessivos empréstimos do computador, para que eu usasse o SPSS.
Ao Guinho, meu “sobrinho preferido”, por dividir seu quarto e computador
comigo, em todos os momentos que precisei.
Aos meus padrinhos, Ricardo e Zuleica, por estarem sempre presentes e
pela ajuda no Excel!
Aos meus cunhados Rodrigo e Michele, por se juntarem a nossa família e à
torcida pelo meu sucesso.
Aos meus demais familiares que torceram por mim, em especial a Tia Tê,
também pelas orações!
À Profa. Dra. Maria Alice Dias da Silva Lima, não somente pela paciência,
competência e dedicação na orientação deste trabalho, mas também por me
apresentar ao mundo científico e me oportunizar a participação em pesquisas
anteriores. Esses anos de convivência foram essenciais ao meu aprendizado, muito
obrigada mesmo!
Aos sujeitos deste estudo, por abrirem as portas de suas casas, me
acolhendo e consentindo participar com suas valiosas informações.
À Equipe de Saúde da Família da UBS cenário desta pesquisa, em especial
às Agentes Comunitárias de Saúde, por encararem meu trabalho com grande
seriedade e pelo auxílio “geográfico”, indispensável para a coleta dos dados.
À Gerência Distrital Leste/Nordeste de Porto Alegre, por acolher minha
proposta de estudo e permitir minha entrada em campo.
Às professoras integrantes da banca do Exame de Qualificação, Dra. Marta
Júlia Marques Lopes, Dra. Tatiana Engel Gerhardt e Dra. Silvana Martins Mishima,
pela riqueza das contribuições ao projeto de dissertação.
Ao Núcleo de Assessoria Estatística do Instituto de Matemática da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, em especial à Professora Suzi Camey,
6
pela disponibilidade e pelo grande auxílio estatístico que prestou em minha estréia
na pesquisa quantitativa, desde a construção do projeto desta pesquisa.
À Dona Helena, pela atenção dispensada na revisão da redação deste
trabalho.
Às professoras do curso de Mestrado em Enfermagem da Universidade
Federal do Rio Grande do Sul, pelos ensinamentos e discussões em sala de aula.
À enfermeira e doutoranda Andréia Gustavo, pela grande ajuda na
construção do anteprojeto de dissertação.
Ao Felipe, pelo auxílio na organização dos dados quantitativos, pelo apoio
na etapa final, pelo consolo nos momentos de angústia e por compreender minhas
faltas.
Às minhas queridas amigas e colegas Tais, Rosana, Aline, Adriana, Isabel,
Daiane, Martiela, Lívia, Ana Amélia, Darielli, Guísela, pelo aprendizado mútuo, pelo
companheirismo e pelos momentos de descontração. Desejo muito sucesso a todas!
À Coordenação do curso de Enfermagem da Universidade Luterana do
Brasil – ULBRA de Torres, pelo incentivo ao término do curso de Mestrado.
À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES),
pelo período de bolsa de Mestrado.
À Universidade Federal do Rio Grande do Sul e à Escola de Enfermagem,
pelo ensino gratuito e por me proporcionarem a participação na Iniciação Científica,
contribuindo para a concretização de um projeto de vida.
Muito obrigada!
7
RESUMO
Com este estudo, tem-se, por objetivo, conhecer e analisar o acolhimento e
a resolutividade da assistência de uma equipe de Saúde da Família de Porto Alegre,
a partir das trajetórias terapêuticas e da visão de seus usuários. A Saúde da Família
foi criada pelo Ministério da Saúde do Brasil, objetivando reorientar o modelo
assistencial centrado no médico e na doença. Considera-se acolhimento e
resolutividade como diretrizes que podem viabilizar essa reorientação. O desenho da
investigação mesclou técnicas qualitativas e quantitativas. A coleta de dados foi
realizada no domicílio dos usuários. Os dados quantitativos foram obtidos por meio
de um formulário com perguntas fechadas, aplicado a uma amostra de 93 sujeitos.
Os qualitativos foram obtidos mediante entrevista semi-estruturada com 22 sujeitos,
sendo esses uma sub-amostra dos 93. A análise quantitativa foi feita com estatística
descritiva e a qualitativa, mediante análise temática. Os resultados foram
apresentados e discutidos simultaneamente, havendo uma articulação dos dados
quantitativos com os qualitativos. Foi feita uma caracterização socioeconômica,
demográfica e sanitária do grupo pesquisado. A soma de percentuais dos usuários
que consideraram que o serviço sempre resolvia ou resolvia na maioria das vezes
seus problemas atingiu 61,3%, ao passo que 6,5% disseram que o serviço nunca
apresentava resolutividade. Entretanto, as trajetórias terapêuticas relatadas
demonstraram dificuldades na obtenção de resolutividade, especialmente no
primeiro nível de atenção. Além disso, o serviço não tem produzido melhorias na
saúde dos usuários. Muitos relacionaram a resolutividade com a obtenção de acesso
a especialistas. O índice de satisfação geral com o serviço foi de 86% e 43% desses
se disseram muito satisfeitos. Há relação entre encontrar resolutividade sempre ou
na maioria das vezes e estar muito satisfeito. Evidenciou-se um descompasso entre
as trajetórias terapêuticas e a visão dos usuários sobre o serviço. Sugere-se que as
equipes de saúde criem espaços coletivos de discussão, em seus micro-espaços de
trabalho, oportunizando momentos de reflexão acerca do modo de acolher e de
buscar respostas aos usuários dos Serviços Públicos de Saúde.
Descritores: acolhimento, saúde da família, qualidade da assistência à saúde,
satisfação do paciente.
8
RESUMEN
El objetivo del estudio es conocer y analizar la acogida y la resolubilidad en la
atención de un equipo de Salud de la Familia de Porto Alegre, a partir de las
trayectorias terapéuticas y de la visión de sus usuarios. La Salud de la Familia fue
creada por el Ministerio de la Salud de Brasil con en fin de reorientar el modelo
asistencial centrado en el médico y en la enfermedad. Se considera acogida y
resolubilidad directrices que puedan viabilizar esa reorientación. El diseño de la
investigación mezcló técnicas de calidad y cantidad. La colecta de datos fue
realizada en los domicilios de los usuarios. Los datos cuantitativos fueron obtenidos
por medio de un formulario con preguntas cerradas, aplicado a una muestra de 93
sujetos. Los cualitativos se obtuvieron mediante entrevista semi-estructurada con 22
sujetos, siendo ellos un sub-muestreo de los 93. El análisis cuantitativo fue hecho
por medio de la estadística descriptiva y de la cualitativa, mediante el análisis
temático. Los resultados son presentados y discutidos simultáneamente, habiendo
una articulación de los datos cuantitativos con los cualitativos. Fue hecha una
caracterización socioeconómica, demográfica y sanitaria del grupo investigado. La
suma de los porcentuales de los usuarios que consideran que el servicio siempre
resuelve o resuelve, en la mayoría de las veces, a sus problemas llega a los 61,3%,
mientras 6,5% dijeron que el servicio nunca presenta resolubilidad. No obstante, las
trayectorias terapéuticas relatadas demostraron dificultades en la obtención de
resolubilidad, especialmente en el primer nivel de atención. Aún, el servicio no ha
producido mejoras en la salud de los usuarios. Muchos de ellos relacionan la
resolubilidad con la obtención de acceso a especialistas. El índice de satisfacción
general con el servicio fue de 86% y 43% de estos sujetos se dicen muy satisfechos.
Hay relación entre encontrar resolubilidad siempre o en la mayoría de las veces y
estar muy satisfecho. Fue evidenciada una diferencia de paso entre las trayectorias
terapéuticas y la visión de los usuarios sobre el servicio. Se sugiere que los equipos
de salud creen espacios colectivos de discusión, en sus microespacios de trabajo,
dando oportunidad a momentos de reflexión acerca del modo de acoger y de buscar
respuestas a los usuarios de los Servicios Públicos de Salud.
Descriptores: Acogimiento, Salud de la Familia, Calidad de la Atención de Salud,
Satisfacción del Paciente.
9
Título: “La enfermedad no marca hora ni día”: acogida y resolubilidad en un equipo
de salud de familia
10
ABSTRACT
The study aims at learning and analyzing the welcome and the resolubility
upon the care performed by a Family Health team in Porto Alegre, from the
therapeutic trajectories and the vision of its users. The Family Health service has
been designed by the Ministry of Health of Brazil with the purpose of re-orienting the
assisting model centered in the physician and in the disease. Welcome and
resolubility are considered guidelines that can render this re-orientation viable. The
research plan mixed qualitative and quantitative techniques. The data collection
happened at the users’ domicile. The quantitative data have been collected by
means of a form with closed questions applied to a sampling of 93 subjects. The
qualitative data have been obtained through a semi-structured interview with 22
subjects, a sub-sampling out of the 93. The quantitative analysis has been made by
means of a descriptive statistics while the qualitative one by means of a thematic
analysis. The results are presented and discussed simultaneously with an articulation
of quantitative data with the qualitative ones. A social, economic, demographic and
sanitary outline of the studied group has been made. The addition of the percentages
of users that consider that the service always solves or solves most of the times their
problems reaches 61,3% while 6,5% said that the service never presents resolubility.
However, the reported therapeutic trajectories demonstrate difficulties in obtaining
resolubility, especially at the first level of attention. Yet, the service has not produced
improvements in the health of the users. Many of them relate the resolubility with
gaining access to specialists. The general satisfaction rate as to the service was of
86% and 43% out of them said to be very satisfied. There is relation between finding
resolubility always or most of the times and being very satisfied. A different pace has
been evidenced between the therapeutic trajectories and the users’ view about the
service. It is suggested that the health teams create collective discussion spaces,
inside their micro spaces of work, thinking over their care mode and searching for
answers for the users of the health state services.
Descriptors: User Embracement, Family Health, Quality of Health Care, Patient
Satisfaction.
11
Title: “Disease does not set a time neither a date”: welcome and resolubility in a
family health team.
12
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Quadro – Categorias que constituíram os temas ................................................... 58
Figura 1 – Distribuição dos entrevistados por sexo................................................ 50
Figura 2 – Freqüência de entrevistados que possuíam ou não plano de saúde.... 53
Figura 3 – Distribuição de usuários que disseram ser sempre ou nem sempre
atendidos por alguém.......................................................................... 63
Figura 4 – Representação da relação entre acolhimento, responsabilização,
vínculo, resolutividade e autonomia ..................................................... 65
Figura 5 – Distribuição dos entrevistados satisfeitos ou não com o serviço........... 94
13
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 – Distribuição dos entrevistados por ocupação. Porto Alegre, 2005........ 53
Tabela 2 – Distribuição dos problemas de saúde definidos pelos usuários. Porto
Alegre, 2005......................................................................................... 55
Tabela 3 – Distribuição de modalidades de serviços que os entrevistados mais
utilizavam na UBS. Porto Alegre, 2005 ............................................... 56
Tabela 4 – Freqüência de usuários que consideraram ou não que os profissionais
do serviço se empenhavam para resolver o problema. Porto Alegre,
2005 ..................................................................................................... 64
Tabela 5 – Freqüência de usuários que recebiam explicações referentes a sua
saúde por parte dos profissionais e as entendiam. Porto Alegre,
2005 ..................................................................................................... 67
Tabela 6 – Freqüência dos entrevistados que se sentiam ou não amparados
pelo serviço. Porto Alegre, 2005........................................................ 68
Tabela 7 – Distribuição de freqüências absolutas e resíduos ajustados (RA) de
acordo com a associação de empenho do profissional e sentimento
de amparo no usuário. Porto Alegre, 2005........................................... 69
Tabela 8 – Freqüência dos minutos de espera pelo atendimento. Porto Alegre,
2005 ..................................................................................................... 73
Tabela 9 – Distribuição da relação entre tempo de espera pelo atendimento e
opinião sobre o tempo. Porto Alegre, 2005 .......................................... 73
Tabela 10 – Freqüências dos motivos de os entrevistados gostarem ou não do
horário de atendimento. Porto Alegre, 2005 ...................................... 75
Tabela 11 – Freqüência de encaminhamento do usuário a outro serviço de saúde
e resolutividade do mesmo. Porto Alegre, 2005................................. 86
Tabela 12 – Distribuição de usuários que consideraram ou não que o serviço tinha
resolutividade sobre seus problemas de saúde. Porto Alegre,
2005 ...................................................................................... 91
Tabela 13 – Distribuição de freqüências e resíduos ajustados (RA) de acordo com
a associação entre resolutividade e satisfação. Porto Alegre, 2005 .. 95
Tabela 14 – Distribuição de freqüências e resíduos ajustados (RA) de acordo
com a associação entre resolutividade e intensidade de satisfação.
14
Porto Alegre, 2005 ............................................................................. 97
Tabela 15 – Distribuição de freqüências de acordo com a associação entre
resolutividade e indicação do serviço para terceiros. Porto Alegre,
2005................................................................................................... 98
Tabela 16 – Freqüências dos motivos de indicação ou não da UBS a terceiros.
Porto Alegre, 2005 .............................................................................98
15
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO..................................................................................................... 17
2 REFERENCIAL TEÓRICO................................................................................... 23
2.1 A Saúde da Família no contexto do Sistema Único de Saúde e seus
pressupostos teóricos.................................................................................... 23
2.2 Acolhimento e resolutividade como diretrizes operacionais da Saúde da
Família.............................................................................................................. 27
2.3 O projeto de qualificação do acolhimento na atenção à saúde na rede
básica de Porto Alegre.................................................................................... 31
2.4 As trajetórias terapêuticas e a visão dos usuários como recursos para
análise do atendimento dos serviços de saúde ........................................... 35
3 OBJETIVOS......................................................................................................... 38
3.1 Objetivo geral .................................................................................................. 38
3.2 Objetivos específicos...................................................................................... 38
4 METODOLOGIA .................................................................................................. 39
4.1 Caracterização do estudo............................................................................... 39
4.2 População e amostra ...................................................................................... 40
4.3 Contextualização do cenário em estudo....................................................... 42
4.4 Coleta de dados............................................................................................... 44
4.5 Considerações bioéticas ............................................................................... 46
4.6 Análise de dados............................................................................................. 47
5 APRESENTANDO OS USUÁRIOS SUJEITOS DO ESTUDO: caracterização
socioeconômica, demográfica e sanitária ....................................................... 50
6 ACOLHIMENTO NA UBS: barreiras e facilidades............................................ 58
7 RESOLUTIVIDADE NA UBS: trajetórias terapêuticas versus visão dos
usuários .............................................................................................................. 82
7.1 O caminho em busca da resolução: o que demonstram as trajetórias
terapêuticas dos usuários?............................................................................ 79
7.2 Esse serviço resolve seu problema? A resolutividade sob o olhar dos
usuários ........................................................................................................... 89
8 CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................101
REFERÊNCIAS.................................................................................................... 106
16
APÊNDICE A – Instrumento de coleta de dados qualitativos......................... 115
APÊNDICE B – Instrumento de coleta de dados quantitativos...................... 116
APÊNDICE C – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido....................... 119
APÊNDICE D – Folha explicativa ...................................................................... 120
ANEXO – Parecer do Comitê de Ética em Pesquisa ....................................... 121
17
1 INTRODUÇÃO
Propõe-se, com esta investigação, conhecer como se dão o acolhimento
aos usuários e a resolutividade de seus problemas de saúde em uma Unidade
Básica de Saúde (UBS) com equipe de Saúde da Família de Porto Alegre, partindo
das trajetórias terapêuticas e da visão dos usuários adscritos a esse serviço. Está
vinculada à linha de pesquisa “Políticas e práticas em saúde e enfermagem”, do
Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Federal do Rio
Grande do Sul.
A Saúde da Família
1
foi criada pelo Ministério da Saúde (MS) do Brasil com
o objetivo de reverter a forma de prestação da assistência à saúde, centrada na
doença, a partir da reordenação da atenção básica como eixo de reorientação do
modelo assistencial. É considerada a mais importante mudança estrutural já
realizada na Saúde Pública do País, assumindo o compromisso de prestar
assistência universal, integral, equânime, contínua e resolutiva, buscando a
satisfação do usuário (BRASIL, 2000).
A motivação para desenvolver este estudo advém da participação em
pesquisas referentes à organização do processo de trabalho em instituições de
saúde, bem como à análise de alguns elementos da assistência nesses serviços,
tais como acesso e acolhimento (NAUDERER et al., 2005). Além disso,
recentemente, como aluna de Graduação em Enfermagem, teve-se a oportunidade
de desenvolver estágios em serviços com equipes de Saúde da Família, o que
possibilitou uma reflexão sobre os referenciais até então trabalhados e originou
algumas inquietações quanto ao modo como vem sendo prestado o atendimento em
saúde aos usuários desses serviços.
1
Existe uma discussão em torno da caracterização da prática de Saúde da Família, no que se refere
ao fato de ser “programa” ou “estratégia”. Ribeiro (2005) refere que foi em 1997 que o Ministério da
Saúde passou a definir a proposta como estratégia, sendo que essa discussão se estendeu ao
longo da consolidação. Essa autora considera a Saúde da Família um programa que pretende ser
uma estratégia, mas que para isso, é necessário haver autonomia no trabalho das equipes, para
criarem seu projeto de transformação. Franco e Merhy (2003) se referem a programa, tendo em
vista a normatividade de sua implementação. Já para Mendes (1999), tal prática é considerada uma
estratégia. Contudo, este autor afirma que a sigla “PSF” constitui uma boa marca para a Saúde da
Família, de forma que não é preciso descartar a expressão. Entretanto, neste trabalho, a referência
ao serviço estudado será feita sob a denominação de Unidade Básica de Saúde (UBS), com equipe
de Saúde da Família, a partir da maneira que a Secretaria Municipal de Saúde de Porto Alegre vem
se referindo aos serviços, mesmo àqueles que adotam a perspectiva da Saúde da Família.
18
A partir dessas experiências, foi possível constatar alguns problemas na
assistência oferecida aos usuários, como a permanência de filas com a lógica da
ordem de chegada, que, para o MS (BRASIL, 2004, p. 7), constitui um
funcionamento que “[...] demonstra a lógica perversa na qual grande parte dos
serviços de saúde vem se apoiando para o desenvolvimento do trabalho cotidiano.”
Tal funcionamento obriga os pacientes
2
a se dirigirem ao serviço de saúde em
horários inadequados, ainda de madrugada. Assim, é de se questionar se o
benefício de obterem acesso ao atendimento não é menor do que o risco que
correm ao exporem sua saúde (ou, em alguns casos, sua doença) ao frio da noite,
muitas vezes acompanhado de chuva. Além do clima, outra questão entendida como
um problema é a segurança dos usuários, que fica prejudicada pelo fato de terem
que sair de suas casas para ficar na fila, antes mesmo de amanhecer.
Outra situação que inquietava era que os usuários, cientes do número de
“vagas” para serem atendidos, contavam quantas pessoas já estavam na fila e, caso
constatassem que excedia o número previsto, voltavam para casa sem resolução de
seu problema, conformados e preparados para virem no outro dia, porém mais cedo.
Em alguns casos, saíam, por conta própria, à procura de um outro serviço que os
acolhesse e resolvesse seus problemas.
Dessa forma, era notório que o acesso e o acolhimento aos usuários não
vinham ocorrendo adequadamente. A análise realizada por Fracolli e Zoboli (2004,
p. 143) em Unidades de Saúde da Família, em São Paulo, demonstrou evidências
que corroboram essa constatação, principalmente no que diz respeito ao
acolhimento. As autoras concluíram que o acolhimento nas Unidades estudadas
estava focalizado na queixa pontual, tendo uma intervenção pouco resolutiva e não
construtora de vínculo. Dessa forma, não vem se constituindo em uma prática capaz
de instaurar um modelo de saúde de “porta aberta”, consoante com as diretrizes do
SUS.
A resolutividade, sendo o objetivo de todos os serviços de saúde, bem como
de seus usuários, só é possível se houver, de fato, acolhimento, no significado mais
amplo do termo, que vai além da boa recepção nos serviços. Conforme Schimith e
Lima (2004), o acolhimento visa a resolver o que é de competência da rede básica,
independente da hora em que o usuário chega ao serviço.
2
Neste estudo, os termos “usuário” e “paciente” serão utilizados como sinônimos.
19
Para o MS (BRASIL, 2004), o acolhimento é uma ação tecno-assistencial
que pressupõe a mudança da relação profissional/usuário, alterando os processos
de trabalho em saúde visando a atender a todos que procuram os serviços,
acolhendo, escutando e pactuando respostas adequadas aos usuários. Campos
(1994) se refere à noção de acolhida julgando que deva dizer respeito, tanto à
abertura dos serviços para a demanda, quanto à capacidade de responsabilização
desse serviço pelos problemas de saúde da região. A partir daí, o serviço deveria
agir com plasticidade, adaptando técnicas com criatividade, de forma a atingir uma
resolução dos problemas dos usuários. No que se refere à resolutividade, Merhy
(1994, p. 139) enfatiza que ter “ação resolutiva” é ir além da conduta, de forma que o
trabalhador saiba utilizar toda a tecnologia disponível para chegar ao diagnóstico e
tratamento adequado a cada caso, finalizando com uma alteração do quadro do
usuário e com sua satisfação.
Progressivamente, estão sendo implantadas equipes de Saúde da Família
em Municípios de todo o País. Ribeiro (2005) cita algumas circunstâncias que têm
favorecido essa expansão, como a alocação de recursos financeiros repassados
diretamente aos Municípios, a divulgação das propostas do Ministério da Saúde e a
criação dos Pólos de Capacitação, Formação e Educação Permanente em Saúde da
Família, visando a atender aos requisitos dos perfis profissionais. Ainda nesse
sentido, tem-se o Projeto de Expansão e Consolidação do Saúde da Família
(PROESF), criado pelo MS, com apoio do Banco Mundial (BIRD). Tal Projeto visa a
fortalecer a Atenção Básica à Saúde no Brasil, por meio da consolidação da
Estratégia de Saúde da Família em municípios com mais de 100 mil habitantes
(BRASIL, 2003). Com isso, os meios de comunicação se referem ao aumento do
número de equipes de Saúde da Família como sendo a solução para os problemas
do setor Saúde, principalmente os relacionados a acesso, objetivando racionalizar a
procura por serviços mais complexos (SILVA e GONZATTO, 2004). Entretanto,
autores como Schimith e Lima (2004), Alves (2005) e Barboza e Fracolli (2005)
consideram que somente a expansão do número de equipes de Saúde da Família
não garante a construção de um novo modelo assistencial.
Nesse aspecto, Franco e Merhy (2003) afirmam que essa proposta de
mudança do modelo assistencial requer remodelação do processo de trabalho.
Concordando com os autores citados, pensa-se que não basta aumentar a cobertura
de um serviço se o mesmo não oferecer qualidade na assistência, com um efetivo
20
acolhimento e resolutividade dos problemas e expectativas dos usuários. É preciso,
além de aumentar a cobertura, modificar a organização do trabalho centrado no
médico, a partir da formação de uma equipe multiprofissional, centrada no usuário.
Essa reorganização do trabalho é essencial para que o mesmo seja resolutivo em
sua finalidade, que no caso da saúde, é dar conta da variedade dos problemas
apresentados pelos usuários dos serviços.
Considerando o objetivo maior da Saúde da Família – reorientar o modelo
assistencial – entende-se que é oportuno analisar o acolhimento e a resolutividade
da assistência à saúde em uma UBS com Saúde da Família, pois constituem
diretrizes operacionais que podem viabilizar a reorganização do serviço de saúde. O
município de Porto Alegre possui uma peculiaridade no que se refere a essas
diretrizes, devido à existência de um Projeto de Qualificação do Acolhimento,
proposto no período de 2001 a 2004 pela Secretaria Municipal de Saúde e
implantado em alguns serviços, incluindo a UBS cenário desta pesquisa, situada na
zona leste do município de Porto Alegre. O referido Projeto será detalhado mais
adiante, no capítulo do Referencial Teórico.
Para realizar a análise das diretrizes citadas, o conhecimento das trajetórias
terapêuticas dos usuários constitui um importante recurso. O caminho percorrido
pelos usuários em busca da resolução de seus problemas de saúde revela os
obstáculos que encontram, tanto no que se refere à maneira como são acolhidos
nos momentos que buscam atendimento, quanto à própria obtenção de
resolutividade. Neste estudo, a análise das trajetórias terapêuticas que os usuários
percorrem também evidencia o que fazem quando não encontram solução para seu
problema no serviço, seja por falta de acesso ou por incapacidade do mesmo em dar
respostas satisfatórias aos usuários. Muitas vezes, essa aparente incapacidade do
serviço pode estar vinculada à maneira como a equipe de saúde se organiza para
atender à população, podendo limitar sua real capacidade resolutiva se fossem
adequadamente utilizados os recursos de que o serviço dispõe.
Outro recurso considerado relevante para a análise proposta neste estudo é
a visão dos usuários no que tange a aspectos referentes ao acolhimento e à
resolutividade do serviço estudado. Essa visão abrange a opinião dos usuários
sobre elementos da assistência, a satisfação (ou insatisfação) e as expectativas que
possuem da assistência que recebem. Para Adami (2000), ouvir a opinião dos
21
usuários acerca dos serviços prestados em relação às suas necessidades e
expectativas é uma das atividades que podem assegurar a qualidade dos serviços.
Considera-se que especialmente a Saúde da Família, por ser uma prática
relativamente nova – completou uma década recentemente – e ainda se encontrar
em construção, necessita de uma análise. O próprio MS, criador da proposta,
reconhece, a partir de avaliações realizadas, que existem distorções e inadequações
na implementação dos princípios e diretrizes da Saúde da Família, no Brasil. Afirma
que iniciativas de avaliação devem ser estimuladas e divulgadas, pois contribuem
para a orientação das ações (BRASIL, 2003). Gomes e Torres (2003) consideram
que a Saúde da Família se insere em um arcabouço político e social, de forma que
se faz importante uma maior atenção por parte dos profissionais de saúde em
relação aos resultados dessa recente proposta.
Lançar um olhar analítico sobre a assistência prestada propicia a
visualização de possíveis falhas, possibilitando intervir e aperfeiçoar o modo de
organização do serviço, contribuindo com uma assistência à saúde resolutiva e de
qualidade. Particularmente no que se refere à enfermagem, Matumoto, Mishima e
Pinto (2001) consideram-na capaz de interagir com agentes de outras disciplinas,
buscando tecnologias necessárias à assistência e estabelecendo relações com a
equipe e com a família, atuando no processo de transformação da realidade.
Nemes et al. (2004) referem que para o trabalho em saúde ter qualidade,
deve haver coerência entre a ação assistencial operada nos serviços e o plano
propositivo do programa. Alguns estudos acerca do processo de trabalho
desenvolvido em equipes de Saúde da Família têm demonstrado um descompasso
entre o preconizado pela Saúde da Família e o que ocorre no cotidiano dos serviços.
Schimith e Lima (2004) encontraram uma realidade na qual o atendimento é
centrado no médico e mantém as filas em horários desumanos para garantir o
acesso ao serviço. No que concerne especificamente ao acolhimento, Barboza e
Fracolli (2005), ao analisarem a organização da assistência à saúde em equipes de
Saúde da Família, concluíram que o mesmo estava vinculado a uma proposta de
mudança do modelo, mas que, na prática, a ação de cada profissional vinha
reiterando o modelo biologicista e médico-centrado.
Considerando essas evidências de que a realidade do trabalho das equipes
tem se mostrado diversa em relação aos pressupostos da Saúde da Família,
propõe-se a analisar o acolhimento e a resolutividade da assistência de uma
22
Unidade Básica de Saúde com equipe de Saúde da Família. A partir disso, poder-se-
ão identificar aspectos que contribuam para reorientar as práticas de saúde, para
que os serviços consigam conquistar a almejada qualidade da assistência,
acolhendo a população e sendo, de fato, resolutivos.
Na seqüência deste trabalho, são apresentados o referencial teórico, os
objetivos, a metodologia utilizada e os resultados, que estão divididos em três
capítulos.
23
2 REFERENCIAL TEÓRICO
No desenvolvimento deste capítulo, serão abordados os tópicos “A Saúde
da Família no contexto do Sistema Único de Saúde e seus pressupostos teóricos”,
“Acolhimento e resolutividade como diretrizes operacionais da Saúde da Família”, “O
projeto de qualificação do acolhimento na atenção à saúde na rede básica de Porto
Alegre” e “As trajetórias terapêuticas e a visão dos usuários como recursos para
análise do atendimento dos serviços de saúde”, visando a problematizar o objeto de
estudo.
2.1 A Saúde da Família no contexto do Sistema Único de Saúde e seus
pressupostos teóricos
O cenário em que se inseria o Brasil, nas décadas de 70 e 80,
caracterizava-se por doenças diversas, recursos financeiros escassos, cobertura
assistencial insuficiente, baixa qualidade dos serviços de saúde e grande
insatisfação da população. Diante disso, configurou-se o Movimento da Reforma
Sanitária, que lutou por mudanças na política de saúde. Em 1986, foi realizada a VIII
Conferência Nacional de Saúde, que representou o evento mais importante para a
mudança do setor Saúde no País. Dois anos depois, a Assembléia Constituinte
estabeleceu a Constituição de 1988, a qual representou um importante passo na
redemocratização do Brasil. No que tange à saúde, baseando-se nas propostas da
VIII Conferência, a nova Constituição Federal instituiu três aspectos principais: a
incorporação de um conceito mais abrangente da saúde (considerando aspectos
físicos, biológicos, socioeconômicos e culturais); o direito de todos às ações de
saúde e o dever do governo em provê-las; o Sistema Único de Saúde (SUS)
(BRASIL, 1990).
A implementação do SUS iniciou em 1990, com a criação da Lei 8.080, pela
qual foi regulamentada a descentralização político-administrativa do SUS e
esclarecidos os aspectos de gestão, financiamento e funcionamento. Também, em
24
1990, foi criada a Lei 8.142, em que foi enfatizada a participação social comunitária
no SUS. O SUS tem “caráter público, formado por uma rede de serviços
regionalizada, hierarquizada e descentralizada, com direção única em cada esfera
de governo, e sob controle dos seus usuários” (BRASIL, 1990, p. 8). Seus princípios
e diretrizes são: universalidade, eqüidade, integralidade, regionalização e
hierarquização, resolubilidade, descentralização, participação social e
complementaridade do setor privado.
Autores como Chioro e Scaff (1999) afirmam que houve um crescente
processo de universalização, mas que essa se deu de forma excludente e
discriminatória, centrada no atendimento médico. Mesmo com a criação do SUS, o
atendimento em saúde no Brasil não ocorre satisfatoriamente, de forma que os
princípios e diretrizes desse Sistema não são amplamente respeitados, na prática.
Nesse sentido, o Ministério da Saúde criou estratégias, como o Programa de
Agentes Comunitários de Saúde (PACS) e o Programa Saúde da Família (PSF)
3
,
para reorientar o modelo assistencial, visando a aprimorar o atendimento em saúde.
O PACS foi lançado em 1991, com o objetivo de controlar os índices de
mortalidade infantil e materna na região Nordeste do País, a partir de uma
universalização desqualificada de atendimento. Representava o elo entre as famílias
e a unidade básica de saúde, que, por sua vez, não contava com adequada
estrutura para assistir a população, impossibilitando a criação de vínculos com a
mesma. Dessa forma, tendo em vista a precariedade do Programa, sentiu-se a
necessidade de investir na criação de uma espécie de retaguarda para o PACS.
Assim, em 1994, o Ministério da Saúde propôs o PSF como estratégia de
substituição das práticas tradicionais da atenção básica, de forma que os serviços se
tornassem acessíveis, oportunos, resolutivos e humanizados. Tal proposta se baseia
nos princípios de territorialização e adscrição da clientela, vinculação com a
população, garantia de integralidade na atenção, trabalho em equipe e
multidisciplinar, ênfase na promoção da saúde com fortalecimento das ações
intersetoriais e estímulo à participação da comunidade (SOUZA, 2000).
3
A referência a “Programa” nessa ocasião é feita seguindo a nomenclatura da proposta original do
Ministério da Saúde.
25
A proposta do PSF, segundo seus formuladores, se destina a reafirmar a
original política do SUS, reorganizando a prática da atenção à saúde em novas
bases e levando a saúde para mais perto da família, aumentando a qualidade de
vida dos brasileiros (BRASIL, [2005]). Autores como Ribeiro, Pires e Blank (2004)
consideram que a Saúde da Família se constitui em um importante desafio,
justamente por se propor a romper com o modelo assistencial atual, a partir da
construção de uma nova prática.
Para possibilitar tal reorganização da atenção à saúde, se fez necessário,
também, a reordenação da composição das equipes. Dessa forma, essas são
constituídas por, no mínimo, um médico, um enfermeiro, um auxiliar de enfermagem
e cinco a seis agentes comunitários de saúde (ACS). A área de abrangência de cada
unidade de saúde da família é composta, no máximo, por 1.000 famílias ou 4.500
pessoas, que residam ou trabalhem no território de responsabilidade da equipe
(BRASIL, 2000).
O Ministério da Saúde normatiza as atribuições de cada membro da equipe
de saúde da família: o médico deve atender a todos os integrantes de cada família,
além de desenvolver atividades preventivas e de promoção da qualidade de vida da
população, juntamente aos demais integrantes da equipe; o enfermeiro supervisiona
o trabalho dos ACS e dos auxiliares de enfermagem, realiza consultas no serviço de
saúde e presta cuidados no domicílio, quando necessário; os auxiliares de
enfermagem realizam procedimentos de enfermagem na Unidade de Saúde e no
domicílio e executam ações de orientação sanitária; os ACS representam o elo entre
as famílias e o serviço de saúde, visitando cada família ao menos uma vez por mês
e também fazem o mapeamento de cada área, cadastram as famílias e são
responsáveis por estimular a comunidade (BRASIL, [2005]).
Para Franco e Merhy (2003), a Saúde da Família constitui a principal
resposta oferecida, no âmbito da assistência, pelos órgãos governamentais, à crise
do modelo assistencial. Entretanto, esses autores se referem a alguns erros
existentes, desde o planejamento, como o fato de não haver estratégia para lidar
com a demanda espontânea e a questão da realização das visitas domiciliares
serem pensadas de forma compulsória por profissionais de nível superior, que, na
visão deles, são desnecessárias. No que se refere às visitas domiciliares, discorda-
se dos autores, pois se entende que elas podem representar um bom meio de lidar
26
com a demanda, significando o novo no atendimento aos usuários, aumentando a
resolutividade dos problemas de saúde da comunidade.
Conforme Mendes (1999), a Saúde da Família fundamenta-se no princípio
da vigilância da saúde, com atuação inter e multidisciplinar, responsabilizando-se
pela integralidade das ações na área de abrangência. O autor menciona os três tipos
de intervenção da vigilância da saúde: a promoção da saúde, a prevenção das
enfermidades e acidentes e a atenção curativa e reabilitadora. Como pilares desse
modelo, o autor apresenta o território, os problemas de saúde e a intersetorialidade.
Nesse sentido, uma equipe de saúde da família, com território de abrangência
definido, deveria desenvolver ações focalizadas na saúde, dirigidas às famílias e ao
seu habitat, de forma contínua, personalizada, ativa, com ênfase relativa no
promocional e no preventivo, sem descuidar do curativo, com alta resolubilidade e
baixos custos econômicos ou sociais, articulando-se com outros setores que
determinam a saúde (MENDES,1999).
Entretanto, alguns autores, como Schimith (2002) e Franco e Merhy (2003),
referem que, das propostas da vigilância da saúde, a Saúde da Família somente tem
se ocupado da territorialização e da adscrição da clientela e que os princípios e
diretrizes do SUS não estão sendo seguidos, de forma que essa proposta vem
mantendo o modelo hegemônico médico-centrado e excludente, com atendimento
por ordem de chegada, em vez de cumprir com seu objetivo de reorientar o modelo
assistencial.
Pensa-se que essa dificuldade em reorientar o modelo, bem como os
problemas existentes na implementação da proposta têm origem, entre outros
aspectos, no fato de a Saúde da Família ter sido criada como uma espécie de
“receita”, muito simplista e normativa diante do contexto histórico no qual se insere a
saúde no Brasil. Sob uma análise mais crítica da prática, a Saúde da Família, antes
de ser estratégia de reorientação do modelo, caracterizou-se como um meio de
ampliar a cobertura dos serviços do SUS. E para que possa ir além, aproximando-se
do seu real objetivo, é essencial que parta da reorganização do processo de trabalho
em cada micro-espaço, baseada nas diferentes realidades sanitárias, sociais e
geográficas de cada comunidade e tomando como eixos norteadores acolhimento e
resolutividade.
27
2.2 Acolhimento e resolutividade como diretrizes operacionais da Saúde da
Família
Considerando a proposta de estudo, faz-se necessário abordar acolhimento
e resolutividade como diretrizes que podem contribuir para a efetiva implementação
das propostas da Saúde da Família.
O acolhimento faz parte, conforme denominação de Merhy
4
(1997), das
tecnologias leves, que são as tecnologias de relações, assim como o vínculo, a
autonomização e a gestão. Reforçando essa concepção, Matumoto (2003) também
considera o acolhimento como um processo de relações, produzido a partir da
produção de subjetividades no encontro trabalhador-usuário. Para a autora, é no
interior desse encontro que pode se dar a potencialidade do acolhimento, como
elemento disparador de mudanças no modelo de atenção.
Autores como Franco, Bueno e Merhy (1999) consideram o acolhimento
como uma das diretrizes que visam a inverter a lógica da organização e
funcionamento dos serviços de saúde. Para tanto, parte de princípios como: garantia
de acessibilidade universal, com resolubilidade; ênfase na equipe multidisciplinar
(equipe de acolhimento), que se responsabilize pelo usuário e seu problema;
qualificação da relação trabalhador-usuário, baseando-a em parâmetros
humanitários, de solidariedade e cidadania. Como uma outra dimensão da qual parte
o acolhimento, acrescenta-se a integralidade, considerando, segundo Teixeira
(2003), que seu foco está na integração da relação trabalhador-usuário, base para a
reversão do modelo tecnoassistencial pretendida com o acolhimento.
No entender de Lopes e Silva (2004, p. 686) o acolhimento e a escuta
devem estar “embasados nas concepções de que acolher não se resume a uma
recepção cordial e a escuta é uma atitude ativa”. Contrapondo-se a essa questão,
observa-se que alguns serviços entendem o acolhimento de forma restrita,
considerando somente a dimensão do “tratar bem”, reduzindo-o ao atendimento no
balcão da recepção. Inclusive, algumas equipes de saúde estabelecem um horário
fixo para realizar acolhimento, como se fosse uma atividade estanque ou triagem,
4
Merhy (1997) classifica as tecnologias em leves, leve-duras e duras. As leves são as tecnologias de
relações; as leve-duras são os saberes estruturados, como a Clínica, a Epidemiologia, a Psiquiatria;
as duras são os equipamentos, as normas e as estruturas organizacionais.
28
abandonando a perspectiva real dessa tecnologia, qual seja, a de transformar as
relações trabalhador/usuário, em todos os momentos da assistência.
Esse raciocínio pode ser observado em Campos (1994), quando destaca
que a partir do acolhimento é possível regular o acesso, por meio da oferta de ações
e serviços mais adequados, contribuindo para a satisfação do usuário. Entende-se
que, para que o acolhimento possa viabilizar acessibilidade universal, as ações
devem estar adequadas às necessidades do usuário. Nessa perspectiva, Cecílio
(2001) aponta para a importância de os profissionais estarem aptos a escutar e
atender a essas reais necessidades, as quais, muitas vezes, estão apresentadas em
alguma demanda específica, que seria a necessidade do usuário modelada pela
oferta do serviço. Entende-se, como o autor, que não é o usuário que tem de se
adequar ao que o serviço tem para oferecer, mas, sim, o contrário.
Estudos que realizaram uma análise do acolhimento, como os de Ramos e
Lima (2003), Silveira et al. (2004) e Fracolli e Zoboli (2004) o fizeram sob a
perspectiva qualitativa, utilizando a entrevista semi-estruturada com profissionais e
pacientes e/ou a observação do atendimento. Já Merhy (1994), ao falar em
avaliação de acolhimento, sugere que sejam medidas questões como o tempo de
atendimento, o grau de informação do usuário acerca de seu problema, o tempo de
espera pela intervenção e, também, se o que foi feito resolveu alguma coisa em
relação às expectativas do usuário. Considera-se que acolhimento, sendo uma
tecnologia de relações, pode ser analisado a partir de indicadores, tais como: escuta
ao usuário, se o acolhimento ocasiona acesso a todos que procuram o serviço, se
há filas e distribuição de número determinado de fichas para acesso ao atendimento,
se o acolhimento produz respostas positivas ao usuário, se existe responsabilização
dos profissionais, se o usuário é encaminhado à autonomia para os cuidados com
sua saúde, entre outros. Esses indicadores foram considerados neste estudo, tendo
sido analisados tanto qualitativa como quantitativamente.
Ramos (2001) considera que para acolher, o trabalhador precisa se colocar
no lugar do usuário e entender quais são suas necessidades, atendendo-as na
medida do possível, direcionando o que for preciso. Refere que essa
responsabilidade em acolher se estende a todos os profissionais do serviço, desde o
vigilante aos profissionais de nível superior. No entanto, o que se observa em alguns
serviços é que o pessoal técnico-administrativo, por exemplo, não se sente
responsabilizado em acolher bem a comunidade, possivelmente por não serem
29
profissionais de saúde, tratando as pessoas sem atenção e com desinteresse por
sua situação de saúde. Dessa forma, desde a entrada no serviço, o usuário não se
sente acolhido. E mesmo os profissionais de saúde, poucas vezes se baseiam na
empatia, tampouco se consideram responsáveis em efetivamente acolher o usuário
e se responsabilizar por seus problemas.
Seguindo o mesmo raciocínio, Matumoto (1998, p.4) evidencia que “o
acolhimento não se limita à recepção da população à porta dos serviços de saúde,
mas estende-se até a resolução do problema apresentado”. Considera-se que
acolhimento e resolutividade andam juntos, de forma que o segundo está
condicionado ao primeiro, pois se não houver o acolhimento com escuta ativa e
responsabilização, não há como ter uma resposta positiva ao usuário.
Em relação à resolutividade, o Ministério da Saúde utiliza o termo
“resolubilidade” que, como diretriz do SUS, é apresentado como sendo
[...] a exigência de que, quando um indivíduo busca o atendimento
ou quando surge um problema de impacto coletivo sobre a saúde, o
serviço correspondente esteja capacitado para enfrentá-lo e resolvê-
lo até o nível da sua competência (BRASIL, 1990, p. 10).
Analisando tal diretriz, entende-se que há uma má interpretação da forma
de atuação da Saúde da Família por parte de alguns profissionais de saúde que
trabalham nas equipes, pois são presenciadas situações em que dizem aos usuários
que o serviço, por ser de Saúde da Família, não trabalha para resolver determinados
problemas, como fazer um grande curativo, sendo sua proposta a prevenção.
Nessas ocasiões, o serviço se nega a acolher o usuário e lhe dar o mínimo de
resolução possível, até onde está apto a resolver, considerando, como já referido,
que as equipes de Saúde da Família têm ênfase relativa no preventivo, não
excluindo as ações curativas. Assim, corrobora-se as afirmações de Teixeira,
Mishima e Pereira (2000) de que, em alguns momentos, os trabalhadores das
equipes de Saúde da Família correm o risco de reduzir a proposta à prevenção,
demonstrando uma perspectiva limitada do trabalho, por excluir as atividades
necessárias à restauração do estado de saúde. Ainda, referem as autoras, tal
perspectiva contradiz a noção de integralidade que se insere na prática de Saúde da
Família, pois as ações voltadas ao tratamento e à reabilitação são tão importantes
quanto as de prevenção.
30
Merhy (1994) salienta que mesmo em casos nos quais o paciente é
referenciado para outro nível de atendimento, visando à resolução de seu problema,
a responsabilidade por essa resolutividade permanece sendo do primeiro serviço
que identificou o problema e referenciou o usuário. Entretanto, observa-se em
alguns serviços a postura de profissionais que consideram casos referenciados
como casos resolvidos, de forma que o usuário acaba perdido nesse fluxo
ascendente-descendente, sem se sentir amparado e vinculado a algum serviço.
Nesse sentido, Merhy (1994, p. 117) se refere à “desagradável sensação de
insegurança” a que qualquer usuário do sistema de saúde está submetido, pois
depende da atenção dos trabalhadores, no sentido de compreendê-lo e assimilar
seu sofrimento, para, então, intervir, buscando solução e alteração do seu quadro.
Considera-se o acolhimento uma tecnologia essencial para o
desenvolvimento da assistência, pois a partir dele se estabelecem condições para a
efetivação das outras tecnologias de relação, como a criação de vínculo, propiciando
que o usuário confie na equipe e a tenha como referência para a assistência à
saúde. A partir disso, é possível também caminhar para a autonomização do
usuário, que, segundo Campos (1994), é o objetivo maior de todo o trabalho
terapêutico. Para a Organização Mundial de Saúde
5
(apud Vaitsman e Andrade,
2005), autonomia significa ter informação sobre as alternativas de tratamento,
podendo decidir o tipo deste depois de discutir com o profissional de saúde, devendo
ser encorajado a questionar. Cecílio (2001) se refere à autonomia como a
possibilidade de os sujeitos reconstruírem seu sentido de vida e seu modo de viver,
incluindo aí a luta pela satisfação de suas necessidades. Vindo ao encontro dessa
questão, Matumoto (1998; 2003) também considera que o acolhimento favorece o
desenvolvimento da autonomia e cidadania do usuário. Nessa perspectiva da
autonomia, é importante que o profissional estimule a responsabilização do paciente
com sua saúde, fornecendo-lhe as informações que desejar acerca de sua condição
de saúde.
Evidencia-se, então, que o acolhimento ultrapassa a visão simplista de
receber bem, assim como a noção de universalizar o acesso, a partir do
acolhimento, vai além de realizar uma triagem em um horário determinado, para as
pessoas que estão na fila no momento em que o serviço de saúde abre. Para os
5
ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE. The world health report – Health systems: improving
performance, 2000.
31
serviços serem resolutivos, os diversos profissionais das equipes de saúde têm de
articular seus processos de trabalho de uma forma que compreenda o acolhimento
como um elemento intrínseco à prática. A partir do momento em que as equipes,
coletivamente, se responsabilizarem em acolher em todos os momentos do
atendimento, agindo com flexibilidade e criatividade para buscar a resolutividade
para os usuários e estimulando a autonomia dos mesmos, a remodelação da
assistência à saúde poderá se encontrar menos distante.
2.3 O projeto de Qualificação do Acolhimento na Atenção à Saúde, na rede
básica de Porto Alegre
Para situar o contexto deste estudo, se faz necessária uma explanação do
Projeto de Qualificação do Acolhimento, criado pela Gestão Municipal que governou
Porto Alegre no período de 2001 a 2004, visando à melhoria da assistência na rede
básica de saúde.
No ano de 2001, a SMS de Porto Alegre, a partir do Projeto “Redesenho de
Processos na Rede de Atenção Primária e Especializada”, reafirmou o acolhimento
como uma ação necessária para ampliar e qualificar o atendimento em saúde.
Desde então, grupos de gestores e funcionários da SMS começaram a trabalhar no
sentido de elaborar e coordenar o Projeto de Qualificação do Acolhimento na
Atenção à Saúde. Tal projeto está baseado no conceito de acolhimento
[...] como um processo no qual os trabalhadores de saúde e a
organização tomam para si a responsabilidade de intervir em uma
dada realidade, presente no seu território de atuação. Com a
identificação das principais necessidades sociais de saúde, busca-
se a promoção da saúde através de uma relação humanizadora e
acolhedora tanto a nível individual, quanto coletivo. Através de
ações de governabilidade da equipe de saúde, da organização do
setor saúde e de ações intersetoriais e interinstitucionais, objetiva-se
a autonomia do usuário. (ORTIZ et al., 2004, p.8)
Assim, confirma-se que a concepção teórica de acolhimento, em Porto
Alegre, abrange uma gama de outros processos, como a humanização, a
responsabilização e a autonomização do usuário, vindo ao encontro do que alguns
32
autores adotados neste estudo (FRANCO, BUENO E MERHY, 1999; CAMPOS,
1994; MATUMOTO, 2003) consideram em relação ao acolhimento.
Ortiz et al. (2004) afirmam que o Projeto de Qualificação do Acolhimento
está inserido na lógica de reconstituição das práticas de atenção à saúde, a partir da
reorientação do processo de trabalho centrado nas necessidades sociais em saúde.
Busca resgatar os princípios do SUS, garantindo acesso universal e uma efetiva
responsabilização dos profissionais com a saúde dos cidadãos. Antes de iniciar a
implantação, foram desenvolvidas capacitações, visando a produzir e aprofundar os
conhecimentos acerca da temática do acolhimento.
Conforme as autoras, o acolhimento é exercido a partir de pressupostos
básicos, quais sejam: equipe acolhedora, território, reorganização do trabalho em
relação à capacidade instalada, atendimento continuado e atendimento de casos
agudos.
A equipe acolhedora trabalha com a escuta, o diálogo, o saber dos
trabalhadores – respeitando o saber dos usuários – as relações com a comunidade
e as dimensões terapêutica e relacional. A equipe se responsabiliza pela saúde dos
usuários adscritos, constrói vínculos e utiliza todos os recursos disponíveis, visando
a eliminar o sofrimento e as causas reais das necessidades sociais em saúde dos
usuários, produzindo autonomia no cuidado com a saúde dos mesmos.
Sob o pressuposto de território, os trabalhadores das unidades de saúde
devem seguir os seguintes preceitos em seu cotidiano de trabalho, segundo
descrevem Ortiz et al. (2004)
Construir o mapeamento do território adscrito, afixando o mesmo na
recepção da unidade.
Realizar a desvinculação gradativa do usuário que muda de território,
simultaneamente à revinculação ao outro serviço de referência, para que exista a
continuidade de atendimento.
Participar da leitura social do território, que compreende o diagnóstico
demográfico e a identificação do perfil socioeconômico da comunidade.
Cadastrar as famílias, identificando situações de risco nas micro-áreas,
planejando e avaliando ações de saúde, a partir do processo saúde-doença da
comunidade, priorizando micro-áreas de risco.
33
Correlacionar necessidades sociais em saúde do território com a
capacidade instalada, estabelecendo metas coerentes e utilizando critério de
vulnerabilidade social para a priorização da capacidade instalada, visando à
eqüidade entre os grupos do território.
Identificar parceiros e recursos existentes na comunidade que possam
ser potencializados pela equipe.
Estimular a criação do Conselho Local do território.
Executar ações intersetoriais com a comunidade e movimentos sociais,
organizando e integrando ações para a qualidade de vida da população.
Estabelecer interfaces e participar das reuniões dos Conselhos Distritais
de Saúde, Rede, Orçamento Participativo, entre outras.
Articular-se com os demais órgãos de governo e equipamentos públicos
na região.
Para reorganizar o trabalho em relação à capacidade instalada, a equipe de
saúde também deve basear-se nos seguintes princípios:
Reorganizar o modo de atenção e o processo de trabalho,
equacionando a capacidade instalada com as necessidades da população quanto a
acesso, vínculo e resolutividade.
Organizar o trabalho em equipe na abordagem de situações,
objetivando a autonomia dos usuários e melhoria da sua situação de saúde.
Reorganizar processos e métodos terapêuticos.
Priorizar reuniões, oficinas e seminários entre a equipe para planejar,
de forma conjunta, partindo das necessidades da população do território e da
equipe.
Estabelecer metas, planejando ações que dêem conta das
necessidades em saúde da população e do papel de cada membro da equipe na
busca do alcance das metas.
Estabelecer formas de acompanhamento e avaliação do processo, a
partir de indicadores.
Articular-se intersetorialmente com outros órgãos e associações
governamentais e não-governamentais, para dar conta das necessidades sociais em
saúde.
34
Garantir a corresponsabilidade do controle social na produção de
saúde, articulando os recursos próprios da comunidade.
A avaliação do processo, na prática, foi proposta por meio do
monitoramento mensal, seguindo alguns indicadores de avaliação. Nas equipes com
acolhimento qualificado implantado, foram considerados como indicadores o sistema
de escuta a 100% dos usuários, além da existência de agenda aberta, sem dias e
horários fixos para agendamento. Já nas equipes com acolhimento em processo de
implantação, os indicadores foram a discussão permanente sobre acolhimento nas
equipes e nos colegiados, o atendimento a casos agudos e a revinculação gradativa
do usuário ao serviço adequado quando o mesmo não pertencer à área.
O município de Porto Alegre é dividido em oito Gerências Distritais (GD),
sendo que cada uma abrange diversos bairros próximos uns aos outros. Assim,
cada Gerência tem seus limites geográficos, definidos por ruas. Cada GD é
responsável por realizar a gestão dos serviços públicos municipais de saúde no
âmbito do território de sua competência. Conforme a região que gerenciam, as
Gerências são assim denominadas: GD Restinga/Extremo Sul, GD Centro, GD
Glória/Cruzeiro/Cristal, GD Leste/Nordeste, GD Noroeste/Navegantes/Humaitá/Ilhas,
GD Partenon/Lomba do Pinheiro, GD Norte/Eixo Baltazar, GD Sul/Centro Sul.
Até novembro de 2004, 80 serviços de saúde haviam aderido ao Projeto de
Qualificação do Acolhimento na Atenção à Saúde, conforme Ortiz et al. (2004).
Especificamente na Gerência Distrital Leste/Nordeste, região na qual se localiza o
serviço estudado neste trabalho, onde há 17 equipes de Saúde da Família, 15
dessas também haviam aderido, incluindo o serviço deste estudo, conforme
informações das respectivas Gerências. Dessa forma, entende-se que o serviço
cenário deste trabalho se propôs a desenvolver a qualificação do acolhimento
sugerida pela SMS, devendo, portanto, considerar os pressupostos do Acolhimento,
anteriormente descritos.
Na Gerência citada, o Projeto de Qualificação do Acolhimento iniciou em
2002, a partir de um seminário com consultores escolhidos nas gerências e
facilitadores do nível central da SMS. Ocorreram outros seminários a fim de
sensibilizar os trabalhadores da Gerência quanto ao Projeto.
Uma das dificuldades enfrentadas por alguns serviços foi a capacidade
instalada versus a demanda. Entretanto, evidenciou-se a satisfação dos
trabalhadores e usuários, a resolutividade, o atendimento das prioridades e o fim das
35
filas e da venda de fichas (GRUPO DE COORDENAÇÃO DO ACOLHIMENTO,
2004).
Cabe ressaltar que a origem do acolhimento como Projeto da SMS ocorreu
na gestão política municipal anterior (2000 – 2004). Atualmente, não se têm
referências da gestão vigente da SMS que mencione o acolhimento como um
projeto, mas é possível encontrar no site da Instituição referências sobre o
acolhimento como serviço, que está implantado na UBS estudada. Esse serviço de
acolhimento é concebido como “atendimento individualizado a todas as pessoas que
procuram os serviços de saúde, reduzindo filas e terminando com a distribuição de
fichas diárias”. (PORTO ALEGRE, [2006]).
Assim, evidencia-se que, no cenário estudado, permanece a proposta de
acolhimento como uma tecnologia capaz de universalizar o acesso, atendendo a
todos os usuários que procurarem os serviços.
2.4 As trajetórias terapêuticas e a visão dos usuários como recursos para
análise do atendimento dos serviços de saúde
As trajetórias terapêuticas e a visão dos usuários são utilizadas neste
estudo como recursos que viabilizam a análise do acolhimento e da resolutividade
em uma UBS. Possibilitam entender as experiências dos usuários no decorrer da
trajetória em busca de cuidados profissionais de saúde e a visão que têm sobre o
atendimento que recebem, além de contribuírem para a reflexão sobre o processo
de trabalho.
Inicialmente, pretendia-se trabalhar somente com a satisfação dos usuários
em relação ao acolhimento e à resolutividade da assistência que recebiam. Todavia,
posteriormente foi possível visualizar que essa análise seria limitada, pois não
permitiria identificar a realidade do cotidiano dos usuários no serviço de saúde.
Assim, considerou-se que a análise das trajetórias terapêuticas, associada à da
visão dos usuários, que compreende também a satisfação, possibilitaria encontrar
resultados mais fidedignos.
Novakoski (1999, p.41) define trajetória terapêutica como “a seqüência de
recursos de cuidados com a saúde, desde o aparecimento de um problema ou
36
doença até sua cura, estabilização ou morte”. No presente estudo, tal abordagem foi
utilizada visando a investigar as trajetórias percorridas pelos usuários desde a
procura pelo serviço de saúde até o desfecho da trajetória terapêutica, que pode ou
não ter resultado em uma resposta positiva ao usuário. A partir do conhecimento
dessas trajetórias, buscou-se analisar como os usuários vêm sendo acolhidos pelo
serviço e se tem sido atingida a resolução de seus problemas de saúde.
Para contribuir na compreensão das trajetórias terapêuticas, toma-se por base
que essas estão inseridas nos itinerários terapêuticos, que segundo Gerhardt (2006)
se constituem em práticas em busca de cuidados terapêuticos para solucionar
problemas de saúde. Conforme considera a autora, para se compreender a saúde
dos indivíduos e a forma como eles enfrentam a doença torna-se necessário analisar
seus itinerários terapêuticos a partir do contexto onde tomam forma, pois cada um
possui especificidades. É nesse contexto que acontecem os eventos cotidianos
econômicos, sociais e culturais que organizam a vida coletiva e enquadram a vida
biológica. Além disso, é dentro dele que os indivíduos evoluem ao mesmo tempo em
que seu corpo, seus pensamentos, suas ações, são formatados por esse espaço
social. Também é preciso considerar os indivíduos como atores sociais, definidos,
simultaneamente, pelo cenário no qual se inserem e pela consciência de agir sobre
esse cenário.
Os itinerários terapêuticos envolvem ações de distintas origens e finalidades
e dependem de muitos fatores objetivos, mas também subjetivos, como natureza e
percepção do problema de saúde por parte do sujeito (crônico, agudo, grave, etc),
situação de vida e contexto no qual ele está inserido (idade, etnia, categoria social,
sexo, educação, profissão, família, etc) e as variadas opções disponíveis (ou não) de
cuidados em saúde, entre as alternativas popular, informal ou profissional
(GERHARDT, 2006).
Ressalta-se que este estudo se detém nas características do sistema
“formal” ou “profissional”, ou seja, a busca por respostas no sistema de saúde, que
depende do acesso, da aceitabilidade, do vínculo, da qualidade, da comunicação,
entre outros fatores. Dessa forma, exclui opções que os usuários possam ter feito
pelo sistema “informal” ou “popular”, tais como automedicação, uso de chás,
curandeiros, entre outras
Roese (2005) afirma que o conhecimento das trajetórias terapêuticas, bem
como do fluxo de utilização dos serviços de saúde pelos usuários, em função de um
37
problema de saúde, enriquece a análise acerca do sistema de saúde, pois
demonstra fragilidades existentes. Em seu estudo, a análise das trajetórias
terapêuticas evidenciou que “os usuários percorreram vários serviços, em diferentes
níveis, para obter a resolutividade” (ROESE, 2005, p. 160). Essa constatação
permite supor que o caminho percorrido em busca de uma solução para o problema
de saúde, muitas vezes, se torna longo e oneroso para o usuário. Entretanto, nos
discursos dos participantes do estudo, a busca de solução para seus problemas
parecia perfeita, sendo que a maioria referiu o serviço de saúde como sendo
resolutivo para seu problema, independentemente de essa resolutividade ter sido
encontrada na primeira ou última medida por eles tomada.
Em relação ao outro recurso de análise adotado nesta investigação,
diversos estudos acerca da qualidade em serviços de saúde (RAMOS,
2001;GOMES e TORRES, 2003) apontam para a importância da visão dos usuários.
Alguns se referem à satisfação de pacientes (TRAD, et al., 2002; JESUS e
CARVALHO, 2002; LEÓN, ARTEAGA e SCHIATTINO, 2003), considerando-a como
um meio seguro de se avaliar os resultados de um serviço de saúde. Entretanto,
considerando a abordagem deste estudo, que não se detém unicamente na
satisfação dos usuários, mas busca o que os mesmos têm a dizer sobre o serviço,
optou-se por adotar o termo “visão” dos usuários, o qual, entende-se, abrange
também a sua satisfação ou insatisfação. Conforme Vaitsman e Andrade (2005),
satisfação é um conceito operacional que incorpora a visão dos usuários.
Com base na problematização apresentada, considerando a importância de
conhecer o acolhimento e a resolutividade da assistência do serviço, sendo esses
elementos estratégias para concretizar a reorganização da assistência à saúde
proposta pela Saúde da Família, são elaborados alguns questionamentos para
nortear este estudo: quais são as trajetórias terapêuticas formais percorridas pelos
usuários desde que procuram a UBS em estudo? De que forma são acolhidos
durante essas trajetórias na busca da resolução de seus problemas de saúde?
Esses problemas estão sendo resolvidos? Quais são as expectativas dos usuários
com o serviço de saúde? Sentem-se amparados pelo serviço? Qual a visão que
possuem da assistência que recebem?
Apoiando-se no embasamento teórico apresentado e nos questionamentos
anteriores, a seguir são descritos os objetivos desta pesquisa.
38
3 OBJETIVOS
O desenvolvimento do presente estudo visa a atingir aos seguintes
objetivos:
3.1 Geral
Conhecer e analisar o acolhimento e a resolutividade da assistência de
uma equipe de Saúde da Família, a partir das trajetórias terapêuticas formais e da
visão de seus usuários.
3.2 Específicos
Descrever a proposta do serviço no que se refere ao acolhimento;
caracterizar o perfil socioeconômico, demográfico e sanitário dos
usuários;
analisar como se dá a implementação da proposta de acolhimento no
atendimento à demanda;
identificar a resolutividade dos problemas de saúde dos usuários, a
partir das trajetórias terapêuticas e da visão dos mesmos;
conhecer as expectativas dos usuários em relação ao serviço;
identificar a freqüência com que os usuários utilizam o serviço.
39
4 METODOLOGIA
4.1 Caracterização do estudo
Trata-se de um estudo que tem o propósito de observar, descrever e
explorar aspectos do atendimento à demanda de uma Unidade Básica de Saúde
com equipe de Saúde da Família.
Utiliza-se a abordagem quanti-qualitativa, sendo que ambas constituem
diferentes formas de comunicação, que visam, entretanto, a atingir o mesmo
objetivo, qual seja, de se aproximar o máximo possível da realidade em estudo,
conduzindo o investigador a alcançar suas respostas. Essa combinação é
adequadamente utilizada para explicar e compreender “temas que ao mesmo tempo
devem ser analisados em sua magnitude e em sua significância” (MINAYO e
MINAYO-GÓMEZ, 2003 p. 137; MINAYO e SANCHES, 1993).
Considerando que este estudo aborda a visão de usuários, incluindo sua
satisfação, apóia-se em Esperidião e Trad (2006), que, revisando a literatura sobre
os estudos de satisfação de usuários com serviços de saúde, concluíram que a
combinação de métodos é uma estratégia oportuna para avaliar satisfação,
considerando sua complexidade. Além disso, afirmam, a combinação de métodos
evita o reducionismo existente em cada método, em particular.
A combinação de métodos tem sido amplamente utilizada nos estudos
avaliativos. Minayo (2005, p.28-29) adota a expressão “investigação avaliativa por
triangulação de métodos” para se referir ao amplo conjunto de elementos propostos
no estudo avaliativo, incluindo a presença do avaliador, as abordagens quantitativas
e qualitativas, análise do contexto, da história, das relações, das representações e a
participação. Segundo a autora, triangulação é um termo que vem do interacionismo
simbólico, “...significando a combinação e o cruzamento de múltiplos pontos de vista;
(...) o emprego de uma variedade de técnicas de coleta de dados (...).”
As etapas qualitativa e quantitativa foram realizadas simultaneamente, em
um mesmo encontro com cada participante, baseando-se no modelo de execução
paralela da investigação quantitativa e qualitativa proposto por Briceño-León (2003).
40
Esse modelo busca captar dimensões diferentes da realidade, permitindo obter duas
visões sobre um fenômeno, mensurando as variáveis estudadas e ilustrando,
descritiva e qualitativamente, o mesmo fenômeno que está sendo avaliado. Os dois
tipos de investigação, ao serem aplicados ao mesmo tempo, existem com força e
metas próprias, não sendo necessário estabelecer prioridades temporais ou
conceituais entre um e outro.
4.2 População e amostra
A população desta pesquisa se constituiu de usuários adscritos à área de
abrangência de uma Unidade Básica de Saúde com equipe de Saúde da Família da
Gerência Distrital Leste/Nordeste
6
. A seleção da unidade foi feita de forma
intencional, partindo do pré-requisito de ter equipe de Saúde da Família e
considerando a receptividade da gerência, bem como o aceite da chefia do serviço
em participar da pesquisa. Além disso, buscou-se uma unidade que tivesse
implantado alguma proposta de acolhimento, visando a caracterizá-la no
desenvolvimento do estudo.
O cálculo populacional foi realizado com apoio do Núcleo de Assessoria
Estatística (NAE) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS),
considerando o número total de famílias cadastradas no serviço, que eram 898,
conforme informação obtida, em junho de 2005, por contato telefônico com a
Coordenação de Rede da Secretaria Municipal de Saúde (SMS) de Porto Alegre.
Para obter um número aproximado de usuários adscritos, considerou-se que cada
família cadastrada tivesse quatro membros, totalizando, aproximadamente, 3.600
sujeitos. O arredondamento para quatro do número de pessoas por família (sendo
que o MS recomenda 3,4) foi feito visando a diminuir a margem de erro do cálculo
amostral.
Para compor a amostra, consideraram-se os seguintes critérios de inclusão:
ter mais de 20 anos e já vir utilizando o serviço por no mínimo um ano, em vista da
necessidade de o participante já ter vivenciado algumas situações no serviço. O
6
Conforme referido, existem oito Gerências Distritais no município de Porto Alegre, responsáveis pela
gestão político-administrativa dos serviços.
41
critério de ter mais de 20 anos foi considerado devido à necessidade de os
participantes serem adultos para que pudessem responder adequadamente às
questões. Para calcular o tamanho da amostra, foi preciso estimar o número de
adultos acima de 20 anos, utilizando os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE, 2001), que demonstram que 67,7% da população têm mais de 20
anos.
Dessa forma, estimou-se que a população deste estudo era composta por
2.439 usuários adultos, acima de 20 anos. Desses, 93 constituíram a amostra da
etapa quantitativa da pesquisa, com base no cálculo realizado pelo NAE/UFRGS.
Esse cálculo foi feito estimando-se 50% de usuários satisfeitos com o serviço,
considerando uma margem de erro de 10% e intervalo de confiança de 95%. Havia
uma previsão de ser necessário recalcular o tamanho da amostra, após a aplicação
de cerca de 20 instrumentos, caso a estimativa de 50% se mostrasse incorreta. De
fato, o que se encontrou foi 80% de usuários satisfeitos, dado que diminuiria o
tamanho da amostra necessário para alcançar uma representatividade da
população. Entretanto, a diminuição do tamanho da amostra não foi feita, de forma
que foram entrevistados os 93 sujeitos, inicialmente calculados. Considerando as
estimativas nos cálculos, optou-se por seguir o cálculo inicial para ter uma margem
de segurança quanto ao tamanho da amostra necessário para obter
representatividade.
A seleção dos sujeitos foi feita a partir dos prontuários de família
cadastrados no serviço. Os prontuários foram escolhidos mediante amostra aleatória
simples, com o auxílio do software Statiscal Package for Social Science (SPSS) na
versão 10.0 for Windows. Foram definidos 120 números de prontuários, para que
houvesse uma reserva.
Após os prontuários de família terem sido selecionados, foi escolhido um
usuário de cada família, que atendesse aos critérios de inclusão já citados. Caso
houvesse mais de um usuário com idade acima de 20 anos, selecionava-se aquele
que vinha utilizando o serviço com mais freqüência. Os sujeitos selecionados foram
convidados a participar do estudo, sendo que nenhum dos contatados se recusou a
responder às perguntas. O que aconteceu em algumas famílias foi não se encontrar
o usuário escolhido, devido a horários de trabalho, por exemplo. Nessas situações,
tentava-se agendar um horário no qual o sujeito pudesse ser encontrado e, se não
fosse possível, selecionava-se outro usuário, a partir dos prontuários reserva.
42
Dentre os 93 sujeitos, previamente selecionados para a parte quantitativa,
foram sorteados 30 usuários para participarem, também, da etapa qualitativa. O
número de usuários definido para sorteio levou em consideração, conforme
Ghiglione e Matalon, (2001) que ao utilizar inquéritos não estatísticos (por exemplo,
o instrumento adotado nesta investigação) é inútil inquirir um grande número de
pessoas, visto que a demora na análise dificulta explorar sistematicamente um
grande número de entrevistas. Além disso, referem que é raro surgirem novas
informações após a vigésima ou trigésima entrevista não estatística. Assim, a
amostra qualitativa deste estudo contou com 22 usuários, quando se verificou a
saturação dos dados.
4.3 Contextualização do cenário em estudo
O município de Porto Alegre possui 85 bairros, que totalizam uma população
de 1.360.590 pessoas, sendo 724.770 mulheres e 635.820 homens. A expectativa
de vida masculina é de 71,4 anos e a feminina, 66,2 anos. O perfil sanitário se
caracteriza por abastecimento de água em 99% da cidade, recolhimento de lixo em
100%, coleta de esgoto em 83% e esgoto tratado em 44% (PONTIFÍCIA
UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL, 2005, dados de 2004). Há
117 Unidades Básicas de Saúde (UBS) no município, sendo 84 com Equipes de
Saúde da Família (PORTO ALEGRE, [2006]).
A GD Leste/Nordeste conta com quatro Unidades de Saúde (US), 17
Unidades Básicas de Saúde (UBS) com equipes de Saúde da Família, um Centro de
Saúde (CS), um Núcleo de Atenção à Saúde da Criança e Adolescente (NASCA) e
uma equipe de saúde mental, que atende em uma das US. Além desses serviços,
há outros de atenção básica que são administrados pela esfera Federal e pertencem
ao Grupo Hospitalar Conceição: US Divina Providência, US Vila Sesc, Us Barão de
Bagé, US Coinma. Há, ainda, a US Campus Aproximado da PUCRS (Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul), que também assiste a população
dessa Gerência. O CS atende a uma população de 14.006 pessoas (IBGE, 2000) e
tem os serviços de Pronto Atendimento e ambulatório, com as seguintes
43
especialidades médicas: cardiologia, urologia, vascular, neurologia, proctologia,
além de odontologia e fonoaudiologia. As US têm médicos clínicos, pediatras,
ginecologistas, enfermeiro, auxiliar e/ou técnico de enfermagem, nutricionista,
odontólogos, auxiliar de consultório dentário e assistente administrativo. Já as UBS
contam com equipes de Saúde da Família, formadas por, no mínimo, oito
profissionais: um médico, um enfermeiro, dois auxiliares e/ou técnicos de
enfermagem e quatro agentes comunitários de saúde. Uma UBS comporta até
quatro equipes de Saúde da Família. Uma dessas equipes possui, além da equipe
básica de Saúde da Família, um odontólogo, um auxiliar de consultório dentário e
um técnico em higiene dental.
A população total da GD Leste/Nordeste é de 147.831 pessoas, sendo
117.981 indivíduos da região Leste e 29.850, da Nordeste (IBGE, 2000). O serviço
deste estudo se localiza especificamente na região Leste dessa Gerência, que conta
com duas US (das quatro totais da GD Leste/Nordeste), o CS (comum às duas
regiões) e seis UBS com equipes de Saúde da Família, sendo que duas dessas
possuem duas equipes, totalizando oito equipes de Saúde da Família.
Os dados do Sistema de Informação da Atenção Básica (SIAB) de junho de
2006 referentes ao serviço em estudo demonstram que há 960 famílias cadastradas,
resultando em, aproximadamente, 3.264 pessoas, seguindo a estimativa de 3,4
membros por família, recomendada pelo MS.
Epidemiologicamente, a GD Leste/Nordeste se caracteriza principalmente
por doenças do aparelho circulatório, apresentando um coeficiente de ocorrência de
26,14 (n=386) em 10.000 no ano de 2000 e de 17,68 (n=269) em 2004 (PORTO
ALEGRE, 2004). Na região Leste, a principal causa de morte nos anos de 2001 e
2002 foi infarto agudo do miocárdio no sexo feminino e disparo por outras armas de
fogo no sexo masculino, seguido de infarto agudo do miocárdio.
A região adscrita à UBS em estudo é bastante variável em relação ao tipo de
construções, pois a maioria das residências é de alvenaria, mas também há muitos
domicílios em situações precárias, sem assoalho, cobertos com lonas, oferecendo
riscos aos moradores. As ruas mais largas e de maior circulação são asfaltadas,
mas há becos e áreas sem calçamento, que alagam em épocas de chuva. Mais para
a periferia da região, há áreas com esgoto a céu aberto.
Assim se conforma o cenário desta pesquisa, bastante influente em relação
às trajetórias terapêuticas e à visão dos sujeitos acerca do serviço.
44
4.4 Coleta de dados
Os dados foram coletados por meio das técnicas de entrevista semi-
estruturada e formulário estruturado.
Para coletar os dados qualitativos, utilizou-se a entrevista semi-estruturada
com base em Triviños (1987) (APÊNDICE A). A escolha por tal técnica se justifica
pelo fato de que possibilita aos sujeitos se expressarem de forma mais livre que no
instrumento com perguntas fechadas. Assim, considerou-se a riqueza da
contribuição que os usuários trouxeram com seus discursos. Sem desvalorizar a
entrevista aberta, o autor privilegia a semi-estruturada por valorizar a presença do
pesquisador, ao mesmo tempo em que oferece todas as perspectivas para que o
informante tenha a liberdade e a espontaneidade necessárias para enriquecer a
investigação.
Neto (1996) se refere à entrevista como um procedimento por meio do qual
se obtêm dados objetivos e subjetivos. Esses últimos, que constituem o caso em
questão, se relacionam às atitudes e às opiniões dos sujeitos entrevistados. A
primeira questão solicitava que o respondente descrevesse a trajetória que
percorreu nas últimas vezes que utilizou o serviço, incluindo os locais para onde foi
encaminhado, sem, entretanto, relacioná-la a um problema de saúde específico. A
partir de então, as questões se referiam à visão dos usuários sobre o serviço.
As entrevistas foram gravadas, mediante consentimento do informante e,
posteriormente, transcritas na íntegra. Somente uma usuária solicitou que a
entrevista não fosse gravada.
Os dados quantitativos foram colhidos a partir de formulário estruturado
(APÊNDICE B), baseado no satisfatômetro proposto por Merhy (1994), que,
segundo o autor, possibilita medir as impressões subjetivas do usuário. Adaptando o
instrumento para o presente estudo, foram elaboradas questões estruturadas que
buscaram avaliar aspectos referentes ao acolhimento e à resolutividade da
assistência.
Para testar os instrumentos, foi realizado um teste piloto, sendo que na sexta
aplicação foi possível adequar a estrutura de ambos os instrumentos. Na primeira
versão do instrumento quantitativo, os usuários foram estimulados a dar uma nota
45
para cada item abordado, dentre quatro opções: 0-25; 26-50; 51-75; 76-100.
Seguindo proposta do autor, quatro caixinhas do mesmo tamanho foram coladas,
uma ao lado da outra, cada qual representando um grupo de notas, para facilitar a
resposta do participante. Entretanto, essa técnica não se mostrou adequada neste
estudo, pois os respondentes se mostraram confusos ao responder às questões.
Assim, após o teste piloto, foi feita uma modificação: no lugar das notas, os usuários
puderam escolher entre as seguintes opções: sempre, na maioria das vezes, às
vezes ou nunca – em algumas perguntas, que se referiam a diversas situações da
assistência – e ótimo, bom, regular ou ruim, nas perguntas que buscavam conhecer
a qualidade de determinado aspecto do atendimento.
Para a caracterização do perfil dos usuários, também foram utilizadas
questões estruturadas, aplicadas no mesmo instrumento quantitativo. Foram
consideradas as seguintes variáveis: sexo, idade, escolaridade, ocupação,
condições da moradia, se possuía plano de saúde privado, quais os principais
problemas de saúde, há quanto tempo e com que freqüência utilizavam o serviço.
A coleta de informações ocorreu no domicílio dos usuários, evitando interferir
na rotina do serviço e de seus trabalhadores, além de não intimidar os usuários e
não afetar suas respostas quanto ao serviço. Com o auxílio das ACS, por vezes
agendava-se um horário com os sujeitos, mas outras vezes era possível encontrá-
los em casa no momento da visita domiciliar. É necessário ressaltar que as ACS não
presenciavam as entrevistas, apenas orientavam a pesquisadora quanto à
localização de cada domicílio, pois nem sempre os números de endereçamento
eram fiéis ao que constava nos prontuários das famílias. Esse auxílio das ACS foi
indispensável para realização da coleta de dados.
Ao chegar aos domicílios, a pesquisadora se apresentava como enfermeira
e pesquisadora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, salientando que não
possuía qualquer vínculo com a Unidade de Saúde, novamente para que os
respondentes não se intimidassem ao expor sua visão e contar suas experiências no
serviço.
46
4.5 Considerações bioéticas
O projeto obteve aprovação pelo parecer número 38/05 (ANEXO) do Comitê
de Ética e Pesquisa do Hospital Materno Infantil Presidente Vargas, responsável por
avaliar os projetos que são desenvolvidos nos serviços vinculados à SMS de Porto
Alegre. A entrada em campo ocorreu somente após aprovação do referido Comitê.
Também foi solicitada a licença do serviço selecionado para participar da pesquisa,
o qual se mostrou receptivo e interessado no estudo.
O estudo foi desenvolvido com respeito às normas da resolução 196/96, que
apresenta as Diretrizes e Normas Regulamentadoras de Pesquisas envolvendo
Seres Humanos, do Conselho Nacional de Saúde, buscando oferecer o máximo de
benefícios e o mínimo de riscos e danos aos participantes, usuários do serviço
(BRASIL, 1996).
Os usuários não são identificados, de forma que são utilizados códigos (E,
de entrevista, seguido do número cardinal da entrevista) na apresentação dos
resultados. Além do anonimato, garantiu-se aos usuários a liberdade de desistência
em qualquer momento da pesquisa, sem que isso influenciasse no acesso ao
serviço de saúde.
Para os sujeitos selecionados também para a etapa qualitativa, que
responderam à entrevista semi-estruturada, forneceu-se um Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido (APÊNDICE C), no qual constam todas as
informações referentes ao estudo, assegurando as prerrogativas para pesquisa com
seres humanos, com base na já referida resolução 196/96 do Conselho Nacional de
Saúde. O Termo tem a assinatura da pesquisadora e do participante, tendo sido feito
em duas vias, uma ficando com a pesquisadora e outra com o participante. Foi
expressa aos participantes a possibilidade de terem acesso às entrevistas
transcritas, assim como ao relatório final do estudo. Após o prazo de cinco anos, as
fitas com as entrevistas serão desgravadas.
Para cada participante exclusivamente da etapa quantitativa, forneceu-se
uma folha explicativa (APÊNDICE D), igualmente assegurando as já citadas
prerrogativas do Conselho Nacional de Saúde. Nessa folha, não foi preciso que o
participante assinasse seu nome, evitando que fosse, assim, identificado. As
47
informações concedidas correspondem ao consentimento do informante, que, nesse
caso, obteve-se por meio da folha explicativa.
4.6 Análise de dados
Para a análise dos dados qualitativos seguiu-se a técnica de análise de
conteúdo, na modalidade de análise temática, proposta por Minayo (1996). Para a
autora, fazer uma análise temática é encontrar a presença de determinados temas
ou valores de referência presentes na fala dos sujeitos. A análise temática constou
das seguintes etapas: pré-análise, exploração do material, tratamento dos resultados
e interpretação. A pré-análise foi feita mediante a organização do material, a partir
da transcrição das fitas e leitura flutuante das entrevistas, registrando impressões
sobre os dados e identificando semelhanças, que vieram a configurar categorias. A
exploração do material constituiu a fase mais longa, na qual foram realizadas
diversas leituras do conteúdo, procedendo à codificação, a partir das categorias
definidas anteriormente. Para o tratamento e interpretação dos resultados tentou-se
identificar o conteúdo subjacente ao que estava explícito, colocando em relevo as
informações obtidas. Do agrupamento das diversas categorias encontradas
constituíram-se os grandes temas: acolhimento: barreiras e facilidades;
resolutividade: trajetórias terapêuticas versus visão dos usuários. O quadro a seguir
mostra as categorias que construíram os diferentes temas.
48
CATEGORIAS TEMAS
Trajetórias terapêuticas
Filas e número exato de fichas para atendimento
Dificuldades para a plena resolutividade
Demanda espontânea: falta de previsão do adoecer
Acolhimento em diferentes dimensões:
responsabilização, integralidade e autonomização
Vínculo
Problemas de acesso funcional: tempo de espera,
estrutura
Expectativas em relação ao serviço
Do que mais gostam e o que mudariam no serviço
Concepção de acolher dos usuários
ACOLHIMENTO: barreiras e
facilidades
Trajetórias terapêuticas: resolutividade
Referência e contra-referência
Resolutividade na visão dos usuários
Impacto do serviço sobre a saúde dos usuários
Satisfação x resolutividade
RESOLUTIVIDADE:
trajetórias terapêuticas versus
visão dos usuários
QUADRO – Categorias que constituíram os temas.
Os dados gerados a partir do instrumento quantitativo foram tratados
utilizando-se a estatística descritiva. As variáveis qualitativas de tal instrumento
foram descritas com freqüências absoluta e relativa percentual e as quantitativas,
com média e desvio padrão. As variáveis categóricas foram testadas pelo Teste Qui-
quadrado, que permite verificar se a freqüência absoluta observada de uma variável
é significativamente diferente da distribuição de freqüência absoluta esperada
(GOMES et al., 2005). Assim, buscou-se conhecer se havia ou não relação
estatisticamente significativa entre duas variáveis testadas na mesma amostra.
Considerando que o teste Qui-quadrado só deve ser aplicado quando menos que
20% das observações são inferiores a cinco, alguns testes de associação entre
variáveis foram interpretados a partir da análise do resíduo ajustado (RA) desse
Teste (HABERMAN, 1973).
Ainda, foram utilizados outros testes para analisar os dados deste estudo: o
Teste t e o Teste Anova (análise de variância), que verificam se existem diferenças
estatisticamente significativas em variáveis quantitativas e qualitativas ordinais. O
Teste t é utilizado para comparar duas médias amostrais, verificando se são
estatisticamente diferentes (GOMES et al., 2005). Por exemplo, neste estudo,
aplicou-se esse Teste para analisar se a média de anos de estudo do grupo
satisfeito com o serviço estudado era estatisticamente diferente da média de anos
49
de estudo do grupo não satisfeito com o serviço, visando relacionar as variáveis
escolaridade e satisfação. O Teste Anova visa a verificar se existe diferença
significativa entre as médias vindas de grupos diferentes (neste estudo, os grupos
diferentes para essa análise foram os pouco satisfeitos e os regular ou muito
satisfeitos com o serviço) e se há fatores que influenciam os resultados observados
na variável dependente.
Utilizou-se o Software SPSS na versão 10.0 for Windows para dinamizar a
organização dos dados e realizar os testes estatísticos necessários. Esses dados
são apresentados em tabelas e gráficos, na discussão dos resultados.
Os resultados qualitativos e quantitativos são discutidos simultaneamente, de forma
que se complementam. Apresenta-se a discussão nos próximos capítulos:
Apresentando os usuários sujeitos do estudo: caracterização socioeconômica,
demográfica e sanitária; O Acolhimento na UBS: barreiras e facilidades; A
Resolutividade na UBS: trajetórias terapêuticas versus visão dos usuários.
50
5 APRESENTANDO OS USUÁRIOS SUJEITOS DO ESTUDO: caracterização
socioeconômica, demográfica e sanitária
A caracterização socioeconômica e demográfica dos sujeitos do estudo foi
elaborada a partir das variáveis de sexo, idade, escolaridade em anos de estudo,
ocupação, se possuíam ou não plano de saúde, quantos cômodos havia em suas
casas e de que material eram feitas. Já a caracterização sanitária foi construída a
partir dos problemas de saúde dos usuários participantes do estudo e dos serviços
que mais utilizavam na UBS, bem como havia quantos anos utilizavam o serviço de
saúde e com que freqüência.
Em relação à variável sexo, dos 93 entrevistados, 86% eram mulheres e
somente 14%, homens (FIGURA 1).
86%
14%
Feminino
Masculino
Figura 1 – Distribuição dos entrevistados por sexo.
Fonte: Pesquisa direta: Rosa, R. B. Coleta de dados por meio de questionário. Porto Alegre,
2005.
Esse dado reforça o encontrado no estudo de Andrade e Ferreira (2006),
que observou mais mulheres (63,3%) do que homens, na realização da pesquisa. As
autoras consideram que o fato de as entrevistas terem sido realizadas nos domicílios
pode ter contribuído para a maioria feminina no estudo, pois é mais comum
encontrar as mulheres do que os homens, em suas casas. No presente estudo,
entretanto, a amostra de participantes foi definida previamente à chegada nos
domicílios, a partir da análise dos prontuários de família. Dessa forma, esse fato não
interferiu no achado de mais mulheres neste estudo.
51
Sob uma outra análise, Pinheiro et al. (2002) referem que, de um modo
geral, as mulheres utilizam serviços de saúde mais freqüentemente do que os
homens. Estudos como os de Verbrugge (1989) e de Bird e Rieker (1999)
demonstram que os homens apresentam mais doenças crônicas fatais. Já as
mulheres possuem mais doenças de curta duração, sintomas habituais, doenças
agudas e transitórias e doenças crônicas não fatais. (BIRD e RIEKER, 1999). Essa
constatação pode ser uma das explicações para o fato de as mulheres utilizarem
serviços de saúde com maior freqüência do que os homens, pois seus problemas de
saúde, apesar de acarretarem baixa letalidade, produzem muitos sintomas e
incapacidade, gerando grande demanda aos serviços de saúde. (PINHEIRO et al.,
2002). Outra questão apontada por Verbrugge (1989) para essa diferença entre
homens e mulheres é a forma como as pessoas percebem os sintomas, avaliam a
gravidade da doença e tomam decisões quanto ao que fazer com respeito à saúde.
O autor refere que as mulheres demonstram maior interesse por sua saúde em
comparação com os homens.
A análise que Pinheiro et al. (2002) fizeram, a partir dos dados do
suplemento sobre acesso e utilização dos serviços de saúde da Pesquisa Nacional
por Amostra de Domicílios (PNAD), realizada pelo IBGE, em 1998, demonstra que
as mulheres fazem uma avaliação de seu estado de saúde mais negativa que os
homens. Além disso, 62,3% de mulheres referiram ter passado por consultas
médicas no período de um ano anterior à entrevista, ao passo que 46,7% dos
homens referiram o mesmo. As mulheres procuraram serviços de saúde com maior
freqüência do que os homens nos 15 dias anteriores à entrevista (15,8% e 10,1%,
respectivamente).
Ainda, ressalta-se que o perfil demográfico da GD Leste/Nordeste no ano de
2000 se caracterizou por mais mulheres (35.132) do que homens (31.986) na faixa
etária dos 20 aos 49 anos (PORTO ALEGRE, 2004), dados que podem ter
relevância ao se considerar os resultados encontrados no presente estudo, em
relação à maioria feminina na amostra.
A média de idade dos entrevistados foi de 44,06, sendo a idade mínima 20
anos (a inclusão na amostra foi a partir dos 20 anos), a máxima, 86 e o desvio
padrão de 15,93.
A média de anos de estudo ficou em 5,76 anos, sendo o mínimo nenhum
ano de estudo, o máximo 13 e o desvio padrão 3,41. Constata-se, assim, que
52
nenhum dos entrevistados possuía curso superior, sendo que quem apresentou 13
anos de escolaridade estudou em cursos técnicos, em nível de ensino médio.
Foi feita, também, a distribuição da escolaridade dos entrevistados por
faixas de anos de estudo: a maioria de 43,2% possuía de cinco a oito anos de
estudo, 38,7% possuíam de zero a quatro anos de estudo e 17,4%, de nove a 13
anos de escolaridade.
Buscou-se conhecer a relação entre escolaridade e intensidade de
satisfação dos participantes. Para essa análise, foi calculado o Teste t, tendo sido
encontrado que a média de escolaridade dos que estavam satisfeitos era de 5,81
anos de estudo (desvio padrão=3,27 anos) e dos que não estavam satisfeitos era de
5,46 anos de estudo (desvio padrão=4,31 anos). Pôde-se evidenciar com maior
clareza a diferença de escolaridade entre os satisfeitos, de acordo com a
intensidade de satisfação. Pelo teste Anova, com intervalo de confiança de 95%,
obteve-se que quem estava pouco satisfeito tinha média de anos de estudo de 8,67
(desvio padrão=2,83 anos) e quem estava regular ou muito satisfeito, tinha média de
anos de estudo de 5,45 (desvio padrão=3,09 e 3,29 anos, respectivamente). Pode-
se, assim, inferir que a escolaridade interfere na intensidade de satisfação dos
usuários, sendo que os mais satisfeitos possuíam menos anos de estudo. Outra
análise que pode ser feita é que quem se disse pouco satisfeito tinha no mínimo dois
anos de estudo, ao passo que o ponto mínimo de escolaridade de quem se
considerou muito satisfeito foi nenhum ano.
A tabela 1 mostra a distribuição dos entrevistados por ocupação. A maioria
dos 93 sujeitos (45,2%) referiu ser dona de casa, sendo que isso representou 52,5%
do total de mulheres participantes. A segunda ocupação mais referida foi de
doméstica, atingindo um percentual de 12,9% do total de entrevistados e 1,5% do
total de mulheres. As demais ocupações citadas foram: aposentado (10,8%),
trabalho com vendas (9,7%) e “outras”, que constituíram 16,1% da amostra. Entre
essas, estavam atividades de: cozinheira, recepcionista, pastor, técnico de
enfermagem, mãe de santo, educador, afastado pelo INSS, atendente de creche,
pintor e babá. Ainda, 5,4% referiram estar desempregados.
53
Tabela 1 – Distribuição dos entrevistados por ocupação. Porto Alegre, 2005.
Ocupação Freqüência Percentual
Percentual
cumulativo
Dona de casa 42 45,2 45,2
Doméstica/faxineira 12 12,9 58,1
Aposentado 10 10,8 68,8
Trabalha com vendas 9 9,7 78,5
Desempregado 5 5,4 83,9
Outras 15 16,1 100,0
TOTAL 93 100,0 -
Fonte: Pesquisa direta: Rosa, R. B. Coleta de dados por meio de questionário. Porto Alegre,
2005.
Para abordar a condição econômica dos entrevistados foram investigadas
as seguintes variáveis: ter ou não plano de saúde, número de cômodos e materiais
de que eram feitos os domicílios.
A figura 2 demonstra a freqüência de usuários entrevistados que referiram
ter ou não plano de saúde privado. Como esperado, a maioria de 92,5% (n=86) não
possuía plano de saúde, sendo que 7,5% (n=7) tinham.
Figura 2 – Freqüência de entrevistados que possuíam ou não plano de saúde.
Fonte: Pesquisa direta: Rosa, R. B. Coleta de dados por meio de questionário. Porto Alegre,
2005.
A média do número de cômodos das casas foi de 4,6, sendo o mínimo um,
o máximo 12 cômodos e o desvio padrão 2,09. O número mais citado de cômodos
foi de quatro, sendo em 22,6% (n=21) das casas, sendo que 12 cômodos foi o
menos citado, em 1,1% (n=1) dos sujeitos, seguido de dois cômodos, com a
freqüência de 2,2% (n=2). Quanto ao material do qual eram feitas as casas, 72%
8%
92
%
Sim
Não
54
(n=67) eram de alvenaria, 18,3% (n=17) de madeira e 9,7% (n=9) mistas (madeira e
alvenaria).
Passando ao perfil sanitário, em relação ao tempo que usavam o serviço de
saúde, a média foi 7,14 anos, o tempo mínimo foi de um ano, o máximo de oito e o
desvio padrão de 1,77. Cabe ressaltar que 75,3% (n=70) dos participantes utilizavam
o serviço havia oito anos e que o tempo mínimo de utilização para participar do
estudo era de um ano, como já citado na Metodologia, entre os critérios de inclusão
na amostra. Apenas 1,1% (n=1) utilizava o serviço havia um ano.
Quando questionados quanto à freqüência com que utilizavam a UBS,
37,6% (n=35) responderam “quando precisa”, o que levou à construção dessa
variável como uma das opções de resposta para a pergunta, para fins de análise.
Pouco menos, 32,3% (n=30), usavam o serviço mensalmente; 6,5% (n=6),
quinzenalmente; 4,3% (n=4), anualmente e semanalmente e 15,1% (n=14) citaram
outras freqüências: de dois em dois meses, duas vezes por semana, de três em três
meses, de quatro em quatro meses, duas vezes por ano e diariamente.
Na questão acerca do problema de saúde, foram obtidas 117 respostas,
considerando que alguns usuários referiram portar mais de um problema (TABELA
2). Visando a facilitar a análise, os dados foram agrupados em oito categorias:
hipertensão arterial sistêmica (33,3% dos casos), problemas cardíacos (6,5%),
problemas respiratórios (7,5%), diabete melittus (9,7%), problemas ginecológicos
(3,2%), problemas mentais (5,4%), outros (31,2%) e nenhum (29%). Compreendem
a categoria “outros” os seguintes problemas de saúde: câncer, osteoporose,
reumatismo, tendinite, problemas de nervo ciático, problemas de coluna, enxaqueca,
colesterol elevado e problemas gástricos.
A categoria de Hipertensão Arterial Sistêmica (HAS) foi considerada
individualmente, separada da de problemas cardíacos, devido à alta freqüência com
que foi relatada. Schneider, Tatsch e Lopes (2004) também encontraram índices
elevados de HAS, bem como de Diabete Melitus, ao analisarem o perfil dos usuários
e os atendimentos da atenção básica em um serviço com Saúde da Família, o que
faz com que esses grupos procurem com freqüência a atenção básica.
55
Tabela 2 – Freqüência de problemas de saúde definidos pelos usuários. Porto
Alegre, 2005.
Categorias de
problemas de saúde
Freqüência
Percentual
das respostas
Percentual
dos casos
HAS 31 26,5 33,3
Cardíacos 6 5,1 6,5
Respiratórios 7 6,0 7,5
Diabete Melitus 9 7,7 9,7
Ginecológicos 3 2,6 3,2
Mentais 5 4,3 5,4
Outros 29 24,8 31,2
Nenhum 27 23,1 29,0
TOTAL DE RESPOSTAS 117 100,0 125,8
Fonte: Pesquisa direta: Rosa, R. B. Coleta de dados por meio de questionário. Porto Alegre,
2005.
Em relação aos serviços que mais utilizavam na UBS, foram dadas 170
respostas, novamente devido ao fato de alguns respondentes escolherem mais de
uma opção (TABELA 3). O serviço mais utilizado foi a consulta médica, citada por
72% (n=67) dos usuários e em 39,4% de todas as respostas. Em seu estudo,
Marques (2004) afirma que muitos usuários vão aos serviços de saúde em busca do
atendimento médico, pois a forma de organização da maioria dos processos de
trabalho em saúde reforça, no ideário da população, que o médico é o único
profissional capacitado para prestar cuidados ao sujeito doente, sendo que o
discurso e as práticas dos demais trabalhadores reforçam essa questão.
Praticamente a metade dos sujeitos (49,5%, n=46) disseram ir ao serviço
para retirar medicação; 29% (n=27) utilizavam consulta de enfermagem; 26,9%
(n=25) iam para realizar procedimentos em geral; 3,2% (n=3) eram atendidos em
visitas domiciliares e 2,2% (n=2) participavam dos grupos de educação em saúde.
O fato de os dois serviços mais utilizados serem a consulta médica e a
retirada de medicação evidencia a medicalização da população estudada. Para
Vieira (2002), a medicalização da sociedade constitui-se de um processo que
articula Medicina e sociedade e produz a extensão dos cuidados médicos.
56
Tabela 3 – Modalidades de serviços que os entrevistados mais utilizavam na UBS.
Porto Alegre, 2005.
Serviços Freqüência
Percentual
das respostas
Percentual
dos casos
Consulta médica 67 39,4 72,0
Consulta de enfermagem 27 15,9 29,0
Grupos 2 1,2 2,2
Procedimentos em geral 25 14,7 26,9
Retirar medicação 46 27,1 49,5
Visita domiciliar 3 1,8 3,2
TOTAL DE RESPOSTAS 170 100,0 182,8
Fonte: Pesquisa direta: Rosa, R. B. Coleta de dados através de questionário. Porto Alegre,
2005.
Chama a atenção o fato de as visitas domiciliares serem tão pouco referidas
pelos usuários. Provavelmente, também são pouco oferecidas pela equipe
multiprofissional, contrapondo-se a um dos aspectos que poderiam ser o diferencial
da Saúde da Família. O baixo número de visitas domiciliares realizadas pelos
demais profissionais, além dos ACS, pode estar relacionado à falta de perfil desses
profissionais, que permanecem arraigados ao modelo curativo, embasado nas
consultas médicas ou de enfermagem. No estudo de Conill (2002), realizado em
equipes de Saúde da Família em Florianópolis/SC, também foi evidenciado que os
profissionais de nível superior pouco se envolvem nas visitas aos domicílios, sendo
que os médicos realizam mais essa atividade em comparação com as enfermeiras.
Nessa perspectiva, Ciampone e Peduzzi (2000) reforçam a importância de se
construir um novo pensar e fazer na prática da Saúde da Família, pois ao ampliar o
objeto de ação do indivíduo para a família e do interior dos serviços para os
domicílios, faz-se necessária uma ação multiprofissional, com o desenvolvimento de
habilidades e mudanças de atitudes por parte de toda a equipe.
Ainda partindo do que preconiza a Saúde da Família, também é de
surpreender a pouca utilização dos grupos de educação em saúde, pois a Saúde da
Família se propõe a desenvolver ações preventivas e, portanto, a equipe deveria
oferecer e estimular a participação nos grupos, já que constituem uma importante
ferramenta para se trabalhar a prevenção. Além disso, como evidenciado no estudo
de Silveira et al. (2004), as ações educativas contribuem para que as pessoas
conquistem autonomia e qualifiquem sua maneira de viver.
Considerando que este estudo aborda aspectos da visão de usuários sobre
elementos da assistência e que a situação socioeconômica dos mesmos pode
57
interferir nessa visão, buscou-se analisar tal caracterização, nesta seção, partindo
do entendimento de que deva ser integrada aos estudos de avaliação.
58
6 O ACOLHIMENTO NA UBS: barreiras e facilidades
Com base nas descrições das trajetórias terapêuticas que os usuários
fizeram e das respostas às entrevistas, foi possível identificar como vem sendo
desenvolvido o acolhimento na UBS, cenário deste estudo.
Ao contrário do exposto nos preceitos do Projeto de Qualificação do
Acolhimento em Porto Alegre, a partir de um material bibliográfico confeccionado por
funcionários da SMS (ORTIZ et al., 2004), permanecem as filas de usuários no
serviço, cedo, pela manhã, com número definido de fichas para atendimento.
Oficialmente, não há um horário definido para acolher. Entretanto, a equipe possui
uma programação de atendimento de forma que são distribuídas seis fichas diárias
para consulta médica no mesmo dia em que o usuário procura o serviço, além de
outras seis fichas disponibilizadas para agendamento na semana anterior. Como as
fichas para atendimento médico no dia são distribuídas assim que serviço abre, após
terminarem as fichas disponíveis, o acolhimento é feito pelos técnicos de
enfermagem, no balcão de recepção.
A mudança de gestão político-administrativa pela qual passou o Município
de Porto Alegre a partir do ano de 2005 talvez possa ser relevante quando é
possível observar essa variação entre alguns dos preceitos do Projeto de
Qualificação do Acolhimento na Gerência Leste/Nordeste e os resultados desta
pesquisa. De qualquer forma, a SMS atual também preconiza que o acolhimento é
um serviço que visa a reduzir filas e extinguir a distribuição de fichas diárias (PORTO
ALEGRE, [2006]).
Foi muito enfatizada pelos usuários a dificuldade de receber assistência se
não conseguirem uma ficha para atendimento médico:
P: E quando o senhor vai ali sem ter marcado uma consulta,
acordou hoje precisando e vai ali, como é o atendimento?
U: Não tem! Tem que marcar uma consulta, só pro mês que vem
ainda. Eu fico pensando, pra que isso aí? Se a pessoa está doente,
está mal, tem que atender na hora, tu não acha? Examina, se não é
pra ela, manda pra outro lugar. Eu acho, que isso pra mim aí não
serve. (E7)
[...] eu cheguei com a minha filha ali com 30 e poucos de febre, eles
não quiseram me atender porque a médica estava atendendo e aí
eles não quiseram me atender. Peguei e fui num outro posto de
59
saúde, aí a minha filha ficou quase 24 horas baixada por motivo do
mau atendimento neste posto [...] Mesmo que não tenha uma ficha
disponível, mas eu acho que se uma criança chega com febre eles
são obrigados a atender. (E48)
Na situação acima relatada por uma usuária, evidencia-se que não houve
acolhimento por nenhum profissional da equipe, sequer a escuta inicial, tampouco a
responsabilização por parte do serviço. A partir dessas situações, questiona-se qual
o espaço da enfermeira nessa equipe, pois poderia estar realizando um acolhimento
real, com escuta ativa a essas pessoas.
Isso pode estar ocorrendo pelo fato de a equipe estar centrada no trabalho
médico. Não se nega a importância da consulta médica como parte do trabalho
multiprofissional. Reconhece-se que, algumas vezes, a falta de acesso a essa
modalidade de atendimento pode barrar a plena resolutividade de alguns problemas
de saúde trazidos pelo usuário, como referiu a usuária E8:
[...] às vezes tem a médica, às vezes são as enfermeiras [...] daí às
vezes ela não pode, ela manda pra outro lugar. Aí tu tens que se
deslocar pra outro lugar, né. Coisas que eu acho que eles deviam
resolver ali. (E8)
Isso ocorre porque a equipe de saúde deve atuar respeitando os núcleos de
competência de cada categoria, como está previsto no Projeto Acolhimento (ORTIZ
et al., 2004). Além disso, a enfermeira deve respeitar a Lei do Exercício Profissional,
que define os limites de sua atuação.
Entretanto, mesmo nos casos que ficam à margem da competência
profissional da enfermeira em resolver por completo, essa profissional tem que
prestar algum tipo de atendimento ao paciente, acolhendo e fornecendo uma
resposta até onde lhe é permitido. Nesse sentido, Franco, Bueno e Merhy (1999)
observaram um aumento de rendimento no trabalho da enfermeira em uma UBS, a
partir da utilização de protocolos na assistência prestada por essa profissional. Esse
aumento de rendimento, a partir da implantação da equipe de acolhimento, resultou
em um significativo impacto no acesso dos usuários ao serviço. Ainda, esses
autores afirmam que a utilização dos protocolos, juntamente com discussões acerca
do acolhimento entre a equipe, capacitação e interação da equipe e funcionamento
de grupos programáticos, contribui para a “resolubilidade”, usando o termo adotado
por eles, da equipe de acolhimento. (FRANCO, BUENO e MERHY, 1999, p. 349).
60
Evidencia-se, em alguns serviços com equipe de Saúde da Família, que nos
dias nos quais o profissional médico não comparece, o movimento do serviço é
quase nulo, o que demonstra que a ação resolutiva e o próprio acolhimento por parte
dessa equipe estão condicionados à ação médica. Schimith (2002), analisando
acolhimento e vínculo em uma equipe de Saúde da Família, observou casos que
confirmam essa evidência quando uma auxiliar de enfermagem do serviço referiu
que, quando o médico está ausente, há pouca movimentação na Unidade. Nessas
situações a própria proposta da Saúde da Família de reorientar o modelo de
assistência fica comprometida, pois demonstram que a equipe de saúde continua
centrada no atendimento médico ao invés de constituir uma equipe com atuação
multiprofissional.
O maior problema no que se refere ao acolhimento parece ser mesmo no
atendimento à demanda espontânea, do dia, quando não há fichas ou não havia
consulta agendada. O descontentamento com o atendimento, nesses casos, foi
relatado por muitos entrevistados, evidenciando a fragilidade do serviço no
acolhimento a essa demanda, indo ao encontro do que referem Franco e Merhy
(2003) acerca de uma das fragilidades do Saúde da Família ser justamente o fato de
não ter estratégia para lidar com a demanda espontânea. Matumoto (2003, p. 87)
também considera que “as unidades de saúde estão pouco preparadas para
enfrentar o inesperado, a imprevisibilidade”. E, quanto ao Acolhimento como Projeto,
Ortiz et al. (2004) afirmam que o atendimento aos casos agudos deve ocorrer em
tempo integral do funcionamento do serviço, de acordo com a capacidade instalada
de recursos humanos e materiais. Os depoimentos abaixo ilustram essa situação.
[...] De repente eu to com uma gripe, ou outra coisa pior [...] pra tu
marcar uma ficha pra outra semana. Quer dizer, de repente na outra
semana, ou dali a dez dias quando eu for, eu já não to mais com a
gripe. (E2)
[...] Em caso de emergência, eu não estou gostando, né, por causa
que as emergências deles tu tens que marcar de manhã. E às
vezes, no meu caso, eu tenho dois bebês, às vezes eles estão
ruinzinhos, a partir de umas dez horas. O de um aninho, há um mês
atrás, deu uma convulsão, aí eu levei no posto mais perto, né, daí
fomos ali [UBS], mas não teve como atender ele, não tinha ficha.
(E8)
E eu acho que deveria ter mais consulta do dia, tem muito pouca
consulta do dia, é mais agendado, eu acho que se eu vou num posto
de saúde e que eu tenho algum problema, eu tenho que ser
61
atendida na hora, eu não vou ali por brincadeira. [...] eu não sei se
vai me dar uma dor de cabeça fortíssima semana que vem. A não
ser que seja pra fazer um exame de rotina, aí é outro departamento.
Agora, se eu tenho uma dor forte hoje, eu tenho que ser atendida
hoje. (E48)
A doença não marca hora, não marca dia pra chegar. (E43)
Os relatos apresentados expressam o problema em relação ao
agendamento de uma semana para a outra, pois não há como fazer uma previsão
do adoecer. O sistema de agendamento é oportuno quando se trata de consultas
eletivas, sem necessidade de intervenção imediata. Mas na situação relatada acima
(E8) houve um problema agudo e importante (convulsão), para o qual não foi dada
nenhuma resposta por não haver mais fichas para consulta médica. Algum tipo de
atendimento poderia – e deveria – ter sido prestado, como medir a glicemia e
temperatura axilar, considerando que se tratava de convulsão em um bebê. A partir
da avaliação, poderia ter sido resolvido o problema ou encaminhado conforme a
necessidade. Chama a atenção, na fala dessa usuária (E8), a reprodução do
discurso que ela certamente ouviu muitas vezes, nos demais serviços de saúde em
que busca atendimento: “procure o posto mais perto da sua casa”. Está certo, ela
seguiu a orientação, mas não encontrou acolhimento e muito menos resolução do
problema no “posto mais perto”. E esse é um discurso encontrado em muitos
serviços públicos de saúde, especialmente os de pronto-atendimento ou hospitais,
que, na tentativa de garantir a continuidade do tratamento, contra-referenciam os
pacientes para o “posto mais perto de suas casas”, seguindo o fluxo do sistema de
saúde conforme o modelo da pirâmide. O problema é que frente às dificuldades de
acesso com que os usuários se deparam na Atenção Básica, esse discurso se torna
extremamente simplista.
Alguns usuários também referiram que, para serem atendidos quando não
têm ficha, é preciso estar com febre ou em um estado grave de saúde. Mas esse
“estado grave” é definido pelos funcionários do serviço, de modo que nem sempre
corresponde ao que o usuário considera como problema.
Olha, assim [sem ter consulta agendada ou ficha do dia] eu fui uma
vez só ali, quando meu guri era pequeno, foi pra ele [...] Deu meio
estresse que ela [funcionária] não queria atender ele porque ele não
estava com febre [...] tinha que ter febre, tudo. E ele estava com
muita falta de ar, que ele tinha, ele tem bronquite, né. Ele estava
62
com muita falta de ar, então eu me estressei com ela: “Pô, eu tenho
que estar morrendo pra vocês atenderem?” (E9)
Ah, sem ter agendado, daí é difícil, é só se, no caso, a gente chega
lá e está com muita febre, com muito vômito, alguma coisa, assim,
que daí eles atendem, abrem uma brecha e atendem a gente. Mas
se não estiver com muita febre, não estiver com vômito, alguma
coisa muito séria, aí eles encaminham pro posto ali de cima, né, ou
então, marcar no outro dia. (E53)
O estudo de Schimith e Lima (2004, p. 112) também constatou situações
nas quais a auxiliar de enfermagem de uma equipe de Saúde da Família utilizava o
critério de o paciente “não ter febre” para negar o acesso ao atendimento, ignorando
qualquer outro motivo que o usuário viesse a ter – e com certeza, tinha – para
procurar o serviço. Entende-se que a equipe de saúde, ao utilizar o critério de “ter
febre” para que o usuário possa acessar atendimento, está estimulando situações
como as levantadas pelo estudo de Trentini et al. (2003), que evidenciou a
simulação de doença feita por alguns usuários, para obterem acesso à consulta
médica. Como referem as autoras, o usuário, então, ratifica que o serviço valoriza
mais situações de doença ou riscos do que a promoção e a prevenção da saúde,
contrariando os pressupostos da Saúde da Família.
Mesmo nos casos considerados sem necessidade de receber assistência no
dia, o acolhimento prevê que o usuário que procura o serviço deva ser ouvido, deva
receber algum tipo de atendimento, não obrigatoriamente a consulta médica. Em
determinados momentos, apesar dos problemas apresentados acima, a UBS parece
seguir esse princípio, pois alguns usuários referiram receber algum tipo de
atendimento, tendo sido ouvidos por alguém da equipe de saúde.
P: E como é o atendimento quando tu vais sem ter consulta
agendada?
U: É, daí tem que levantar bem cedinho que é pra poder pegar ficha.
No caso também que são poucas, são seis por dia, né.
P: E se acontece de não ter ficha?
U: Aí passa, assim, aí o [técnico de enfermagem] vai lá avaliar, se é
um caso de muita emergência, aí se der, se o dia não for muito
corrido até ele passa [pra médica]. Se não der ele manda a gente
subir lá em cima [Centro de Saúde]. (E4)
O acolhimento não deveria estar condicionado à consulta médica, tampouco
a resolutividade. Um serviço que tenha o processo de trabalho bem estruturado, com
boa integração entre os diferentes profissionais, pode resolver problemas sem que o
63
usuário chegue até a consulta médica. Um obstáculo se impõe quando a equipe
condiciona a resolução à ação médica. Nesse sentido, Franco, Bueno e Merhy
(1999) consideram o acolhimento uma diretriz operacional que propõe inverter a
lógica da organização e do funcionamento do serviço, que deve ser usuário-
centrado, ao invés de ser centrado no atendimento médico. Para tanto, referem os
autores, faz-se necessário reorganizar o processo de trabalho, deslocando seu eixo
central do médico e redirecionando-o para uma equipe multiprofissional, embasada
na escuta do usuário, voltada para resolver seu problema de saúde.
Ainda sob a perspectiva do acolhimento independente da ação médica, os
usuários foram questionados se eram sempre atendidos por alguém da equipe ou às
vezes ninguém os atendia, por não terem ficha. Encontrou-se que 73,1% disseram
ser sempre atendidos por alguém. (FIGURA 3)
27%
73%
Nem sempre atendidos
Sempre atendidos
Figura 3 – Distribuição de usuários que disseram ser sempre ou nem sempre atendidos por
alguém da equipe de saúde na UBS.
Fonte: Pesquisa direta: ROSA, RB. Dados coletados por questionário. Porto Alegre, 2005.
Há de se considerar que um índice de 26,9% responderem que às vezes
não eram atendidos por ninguém reflete que, em alguns casos, a implementação da
proposta do Acolhimento como Projeto não ocorria, pois deveriam ser ouvidos 100%
dos usuários que procurassem o serviço (ORTIZ et al., 2004). Autores como
Carvalho e Campos (2000) corroboram esse princípio quando afirmam que o
acolhimento visa a garantir acesso aos usuários, a partir da escuta inicial a todos
eles. Assim, são definidos quais os problemas passíveis de solução no local e quais
64
os que necessitam de encaminhamento, que deve ser garantido pela equipe de
saúde.
Como já referido, o acolhimento, sendo uma tecnologia utilizada para
prestar assistência, abrange diferentes dimensões, entre elas, a responsabilização,
a integralidade do atendimento e o estímulo à autonomização do usuário. Essas
facetas são abordadas nessa discussão, partindo da conceituação de acolhimento
do Projeto Acolhimento em Porto Alegre e dos demais referenciais nos quais está
embasado este estudo.
No intuito de analisar o aspecto da responsabilização do profissional para
com os problemas de saúde dos usuários, foi perguntado se esses consideravam
que os profissionais se empenhavam para resolver seus problemas de saúde. Os
dados encontrados apontam que quase a metade (46,2%) dos sujeitos do estudo
considerava que os profissionais da UBS sempre se empenhavam para resolver
seus problemas de saúde. A tabela 4 mostra a freqüência das respostas quanto ao
empenho dos profissionais do serviço.
Tabela 4 – Freqüência de usuários que consideraram ou não que os profissionais do
serviço se empenhavam para resolver o problema. Porto Alegre, 2005.
Empenho do
profissional
Freqüência Percentual
Percentual
Cumulativo
Nunca 12 12,9 12,9
Às vezes 17 18,3 31,2
Na maioria das vezes 21 22,6 53,8
Sempre 43 46,2 100,0
TOTAL 93 100,0 -
Fonte: Pesquisa direta: ROSA, RB. Dados coletados por questionário. Porto Alegre, 2005.
A responsabilização do profissional para com os problemas de saúde dos
pacientes gera certa confiança dos usuários na equipe de saúde do serviço. Esse
aspecto também pode ser traduzido como uma das características de um
acolhimento adequado, que estabelece vínculo com o serviço. Quando indagados se
voltavam à UBS para trazer o retorno de exames ou consultas feitas em outros
serviços, 86% dos sujeitos responderam que sim, demonstrando, aparentemente,
um elevado nível de vinculação ao serviço ao qual pertencem. Entretanto, a
produção de vínculo vai além do retorno ao serviço (contra-referência), item
abordado neste estudo. Para Campos (1997), o vínculo entre usuários e serviço
deve aumentar a eficácia das ações de saúde, favorecendo, também, a participação
65
do usuário. Corroborando, Schimith e Lima (2004) consideram que o verdadeiro
vínculo é aquele que desenvolve autonomização no usuário e conta com sua
participação na organização do serviço. Nessa direção, a equipe de um Centro de
Saúde-Escola vem implementando junto a seus usuários uma avaliação contínua do
processo de atendimento: semanalmente, perguntam aos pacientes do serviço de
Triagem se preferem que o atendimento seja organizado por ordem de chegada ou
por grupos de ciclos de vida, sendo unânime a escolha pelo segundo modo.
Conforme Reis e Vianna (2004), autores do estudo realizado no citado serviço, esse
sistema de consulta aos usuários tem contribuído para tornar as relações mais
saudáveis e o acolhimento mais humanizado à população.
O acolhimento, que prevê a responsabilização do profissional, produz
vínculo, que, por sua vez, aumenta a resolutividade do serviço e encaminha o
usuário à autonomização. Esses elementos são interdependentes, constituindo uma
relação representada na figura 4.
Figura 4 – Representação da relação entre acolhimento, responsabilização, vínculo,
resolutividade e autonomia.
Foi perguntado aos usuários se eles se consideravam informados sobre sua
própria saúde, para analisar se vinham recebendo estímulos à autonomia sobre sua
saúde. A maioria dos entrevistados respondeu que sim, sendo que muitos atribuem
o “ser informado” ao fato de a equipe do serviço prestar explicações e esclarecer
dúvidas acerca do estado de saúde dos pacientes.
ACOLHIMENTO
RESPONSABILIZAÇÃO
VÍNCULO
AUTONOMIA RESOLUTIVIDADE
66
P: E tu te consideras informada sobre a tua saúde?
U: Sim, porque eles têm, a enfermeira, ela tem, assim, um cuidado
de passar bem pra gente.
P: Explicar?
U: Isso, explicar bem, qualquer dúvida.
P: E tu entendes?
U: Sim, ela pergunta, se a gente não entendeu ela explica tudo de
novo, sabe, ela tem uma paciência assim, pelo menos pra mim,
assim, na minha área, na mulher, ela tem uma paciência bem legal.
(E4)
Por outro lado, também apareceu a falta de informação sobre a saúde
devido ao desconhecimento do diagnóstico do problema por parte do usuário.
Nesses casos, a “culpa” da desinformação é delegada ao serviço que, ou não
atende adequadamente o usuário, ou não descobre a causa de seu problema,
impedindo, assim, a resolução do mesmo, deixando-o insatisfeito.
P: Tu te consideras informado sobre tua saúde?
U: Não, não sei porque... agora mesmo, esse meu braço aqui, que
eu fiz cirurgia, eu nem posso te dizer se é tendinite ou se é bursilite
[bursite]. (E54)
U: Não, eu não sei o que é, porque eles não descobrem, não sabem
o que eu tenho. (E51)
Essa falta de informação e indefinição do diagnóstico por vezes gera uma
grande angústia nos pacientes, pois lhes tira qualquer grau de autonomia que
poderiam ter sobre a própria saúde. Além disso, o desconhecimento acerca do
diagnóstico faz com que retornem ao serviço inúmeras vezes, até que consigam
descobrir o que têm e, a partir disso, encaminhar a resolução do seu problema.
Em relação ao fornecimento de explicação sobre o estado de saúde por
parte dos profissionais da equipe de saúde, ato que pode ser considerado um
estímulo à autonomização, 73,1% dos 93 entrevistados responderam que os
profissionais sempre explicavam, 3,2% disseram que na maioria das vezes
explicavam e 12,9%, que às vezes o faziam. Desse total de 89,2% que em algum
momento ou sempre recebiam explicações, 59,1% referiram que sempre entendiam
as explicações fornecidas, 8,6%, na maioria das vezes, 20,4%, às vezes e 1,1%
referiu nunca entender as explicações. A pergunta sobre o entendimento das
explicações fornecidas não foi aplicada aos usuários que referiram nunca receber
67
explicações (10,8%). A tabela 5 demonstra o cruzamento entre a explicação
fornecida e o entendimento da mesma.
Tabela 5 – Freqüência de usuários que recebiam explicações referentes a sua
saúde por parte dos profissionais e as entendiam. Porto Alegre, 2005.
Entendimento
Explicação
Fornecida
Nunca
Às
vezes
Na maioria
das vezes
Sempre
Não se
aplica
Total
Nunca 10
10
Às vezes 1 9 1 1
12
Na maioria das
vezes
2
1
3
Sempre 8 7 53
68
TOTAL 1 19 8 55 10 93
Fonte: Pesquisa direta: ROSA, RB. Dados coletados por questionário. Porto Alegre, 2005.
Dos 68 usuários que informaram sempre receber explicações acerca de sua
saúde, 53 sempre as entendiam, sete entendiam na maioria das vezes e oito
entendiam às vezes. Dos 12 usuários que referiram às vezes receber explicações,
um nunca as entendia, nove entendiam às vezes, um entendia na maioria das vezes
e outro usuário entendia sempre. Por fim, dos três que disseram ter explicações na
maioria das vezes, um entendia sempre e dois, às vezes.
Ou seja, a freqüência absoluta de 27 usuários que nem sempre entendiam
as explicações, além do usuário que afirmou nunca entender o que lhe era explicado
sobre sua saúde, demonstra que boa parte dos usuários que buscava informações
acerca de sua saúde deixava o serviço sem entender aspectos referentes ao seu
problema de saúde. Entende-se que essa falta de esclarecimento também interfere
na autonomia do usuário em poder buscar a reabilitação da sua saúde, bem como
no auto-cuidado. Fracolli e Zoboli (2004), analisando o acolhimento em 10 equipes
de Saúde da Família, evidenciaram que, da forma como está implementado nos
serviços estudados, o acolhimento não se constitui em instrumento capaz de
autonomizar o usuário a enfrentar seu processo saúde-doença como protagonista.
Em uma pesquisa realizada no ano de 2002 em dez grandes centros
urbanos acerca da implementação da Saúde da Família, foi evidenciado, em oito
municípios estudados, que os profissionais que realizavam o atendimento forneciam
informações sobre o estado de saúde do paciente, alcançando índice de 100% das
respostas em Vitória da Conquista (BRASIL, 2002). Alguns participantes do estudo
68
de Teixeira, Mishima e Pereira (2000) entendem que cuidar da saúde compreende
ensinar as pessoas a tê-la e a conservá-la, possibilitando-lhes maior autonomia.
Entretanto, o estímulo à autonomia vai além do fornecimento de informações, sendo
relevante o modo como essas informações vão ser compartilhadas com os
pacientes.
Um outro ângulo da caracterização do acolhimento, neste estudo, foi
investigado a partir do fato de o usuário se sentir ou não amparado pelo serviço, no
sentido de ter mais segurança por ter a opção de utilizar o referido serviço. O
sentimento de amparo ou desamparo pode interferir na importância que esse serviço
tem na trajetória terapêutica do usuário, em relação às escolhas que faz na busca
pela resolução de seus problemas. Neste estudo, 68,8% dos entrevistados disseram
se sentir amparados pelo serviço, 9,7% se sentiam amparados com uma intensidade
“regular”, 16,1% referiram ser o serviço indiferente e 5,4 disseram não se sentir
amparados pelo serviço, como demonstra a tabela 6.
Tabela 6 – Freqüência dos entrevistados que se sentiam ou não amparados pelo
serviço de saúde. Porto Alegre, 2005.
Sentimento
de amparo
Freqüência Percentual
Percentual
Cumulativo
Não 5 5,4 5,4
Indiferente 15 16,1 21,5
Regular 6 9,7 31,2
Sim 64 68,8 100,0
TOTAL 93 100,0 -
Fonte: Pesquisa direta: ROSA, RB. Dados coletados por questionário. Porto Alegre, 2005.
Buscou-se também conhecer a relação entre o usuário considerar que os
profissionais se empenhavam e se sentir amparado pela equipe de saúde. Os
resultados são descritos na tabela 7.
69
Tabela 7 – Distribuição de freqüências absolutas e resíduos ajustados (RA) de
acordo com a associação de empenho do profissional e sentimento de
amparo no usuário. Porto Alegre, 2005.
Amparo
Empenho
Não Indiferente Regular Sim
Total
Nunca
0
(RA:-0,9)
6
(RA: 3,4)
3
(RA: 1,9)
3
(RA: -3,5)
12
Às vezes
3
(RA: 2,5)
5
(RA: 1,6)
2
(RA: 0,3)
7
(RA: -2,7)
17
Na maioria
das vezes
1
(RA: -0,1)
3
(RA: -0,3)
1
(RA: -0,9)
16
(RA: 0,8)
21
Sempre
1
(RA: -1,2)
1
(RA: -3,4)
3
(RA: -0,8)
38
(RA: 3,8)
43
TOTAL 5 15 9 64 93
Fonte: Pesquisa direta: Rosa, R. B. Coleta de dados por meio de questionário. Porto
Alegre, 2005.
Nota: RA > 1,96 implica associação estatisticamente significativa.
Dos 12 usuários que referiram que o profissional nunca se empenhava para
resolver seu problema, seis disseram que o serviço era indiferente para o sentimento
de amparo no usuário. A análise do resíduo ajustado confirma, estatisticamente,
essa associação. Da mesma forma, nunca haver empenho por parte do profissional
não implica sentimento de amparo por parte dos usuários. Haver empenho “às
vezes” (n=17) implica não se sentir amparado pelo serviço (n=3). Das 21 respostas
de que havia empenho do profissional na maioria das vezes, 16 usuários disseram
se sentir amparados, mas essa associação não possui significância estatística,
conforme a análise do resíduo ajustado. Empenho do profissional “sempre” tem
relação estatisticamente significativa com sentimento de amparo ao usuário, sendo
que dos 43 que consideraram que os profissionais sempre se empenhavam, 38
afirmaram se sentir amparados.
Entende-se que essas questões também estão relacionadas com a
integralidade do atendimento, tanto no sentido de considerar o usuário na sua
totalidade, como no de produzir relações com o mesmo. Para Teixeira (2003), fazem
parte do conceito de integração a construção de vínculo e a responsabilização, que,
entende-se, geram claramente um sentimento de amparo e segurança naquele que
busca uma resposta nos serviços de saúde. Mas o autor ainda refere que a
integração extrapola essa noção de vínculo e responsabilização, atingindo a
capacidade de mudar a relação de poder técnico-usuário, vindo ao encontro do que
se tem ratificado neste estudo em relação ao acolhimento. E nessa direção, Pinheiro
e Guizardi (2006) apontam o acolhimento como uma das atitudes que traduzem a
70
ação integral, acompanhado de outras ações, como o tratamento digno, respeitoso,
com qualidade e vínculo. Gomes e Pinheiro (2005, p. 290) referem que a
integralidade “existe em ato”, estando presente no encontro, na conversa com o
cidadão acerca de sua saúde, buscando reconhecer as necessidades e demandas
implícitas do mesmo.
Assim, buscando caracterizar um dos aspectos do atendimento com
integralidade, perguntou-se ao usuário como ele se sentia tratado e recebido pela
equipe do serviço. Mais da metade (53%) se referiu ao tratamento que recebiam no
serviço como ótimo, sendo que nenhum usuário escolheu a variável ruim. Já em
relação ao tratamento recebido especificamente no balcão de recepção, 47,3% se
sentiam otimamente tratados, 33,3% consideravam bom o tratamento na recepção,
15,1% consideravam regular e 4,3%, ruim. O balcão da recepção é a “cara” do
serviço, podendo ser influente na primeira impressão que o usuário venha a ter do
mesmo. E essa impressão, por sua vez, poderá interferir, tanto na escolha que o
usuário fará quando necessitar de atenção em saúde, quanto na credibilidade que
ele depositará na equipe. Segundo Ramos e Lima (2003), a forma como o usuário é
recebido nos serviços e a resolutividade desses constituem fatores determinantes na
escolha do usuário. O estudo de Ribeiro (2005) evidenciou problemas referentes à
recepção nas equipes de Saúde da Família que pesquisou, tais como frieza,
indiferença, autoritarismo e falta de solidariedade da parte dos funcionários desse
setor. Todos esses problemas se relacionam com a frágil integralidade nos serviços,
na sua dimensão do “entre-relações” de pessoas, se apropriando do termo de
Pinheiro e Guizardi (2006).
A não integração nas relações estabelecidas desde a recepção no serviço,
traduzida aqui como uma das faces do acolhimento “ruim”, gera no usuário uma
insatisfação que pode acabar sendo estendida para a atenção básica de um modo
geral, fazendo com que o usuário prefira a atenção secundária mesmo nos casos
desnecessários, contribuindo para a superlotação das emergências hospitalares,
contrariando novamente a proposta da Saúde da Família de reorientar o modelo e
desafogar os hospitais. O relato a seguir ilustra a avaliação que o usuário faz
quando não se sente bem acolhido pela equipe de saúde.
[...] ela [a médica do posto] esteve aqui em casa e me mandaram
que eu procurasse um posto de saúde depois que eu fiz cirurgia. Ta,
71
procurei, tudo. Daí, eu fui no posto de saúde e ela disse que não era
pra eu falar alto, nem deixou eu dizer o que doía, nem nada [...]
porque médico pergunta: “onde que dói no senhor?” [...] no hospital
me tratam bem, me tratam com carinho. (E7)
Esse usuário expressou a necessidade que tem e a importância que dá à
atenção que o profissional o dedica e à maneira como o trata.
Quando a consulta estava previamente agendada, o acolhimento, em
alguns casos, parecia ser mais integral e a atenção, mais qualificada, deixando
muitos usuários satisfeitos, evidenciando a diferença do atendimento à demanda
espontânea.
P: E quando a consulta está marcada, agendada já, como é o
atendimento?
U: Ah, daí o atendimento é bom, né, te escutam. (E8)
[...] quando está agendada é bom porque daí ela demora mais
tempo contigo, né. E quando não é, entra ali, que tu tem, aonde dói,
tchau e deu. (E21)
Evidencia-se a importância que a usuária E21 deu ao tempo da consulta,
associando o mesmo com a atenção disponibilizada pelo profissional. Merhy (1994)
considera o tempo de atendimento dispensado ao paciente e o tempo de espera
pela intervenção como componentes do acolhimento, reforçando a importância da
associação feita pela usuária.
Apesar de muitos expressarem aspectos positivos sobre o atendimento
previamente agendado, houve também quem citou alguns problemas, como pouco
interesse por parte do profissional que presta a assistência, ou mesmo deficiências
relativas à estrutura do serviço, as quais podem impedir que o problema seja
resolvido por inteiro.
P: Como é o atendimento quando a consulta já estava agendada?
U: O atendimento é bom, mas muito precário. Falta remédio, falta
tudo. (E10)
Olha, é aquele atendimento assim, não é assim, que eles te
examinam bem, o máximo que eles botam é aquele aparelhinho
assim [se refere ao estetoscópio], olham na cara e não é aquela
coisa assim de pegar e ver, eles parece que tem medo de botar a
mão na gente. É uma coisa assim. (E51)
72
Ah, tu senta ali na frente deles, eles te dão a receita e daí o posto
não tem o remédio. Então que não dê o remédio, se não tem no
posto, porque se não tem nesse posto, não vai ter em outro
também. E nem posso pegar em outro porque eu sou desse posto
aqui. (E54)
Essas deficiências do serviço fazem parte de aspectos relacionados ao
acesso funcional, que abrange pontos referentes ao serviço, como infra-estrutura e o
próprio funcionamento. Segundo Ramos e Lima (2003), o acesso funcional, além da
entrada ao serviço do qual se necessita, abrange os tipos de serviços ofertados, os
horários e a qualidade do atendimento. Mesmo em situações em que há um
acolhimento inicial, caracterizada pela escuta dos problemas do usuário, podem
aparecer obstáculos à obtenção plena de resolutividade, associados ao acesso
funcional pouco satisfatório, que interfere negativamente no modo de acolher do
serviço. Também foram identificados problemas ligados ao acesso econômico,
referentes à falta de medicação no serviço, que impede o usuário de resolver parte
de seu problema. Outros estudos, como os de Nauderer et al. (2005) e de Ramos e
Lima (2003), realizados em Unidades de Saúde, e o de Paiva, Bersusa e Escuder
(2006), realizado em um serviço com Saúde da Família, também encontraram
dificuldades na obtenção de alguns medicamentos.
Além disso, conforme Ramos e Lima (2003), o tempo de espera pelo
atendimento faz parte do acesso funcional. As autoras encontraram que o tempo de
espera pelo atendimento na Unidade de Saúde estudada variou de 5 minutos a uma
hora e 25 minutos. No presente estudo, a média do tempo de espera pelo
atendimento na UBS foi 39,03 minutos e o desvio padrão, 40,62. O tempo mínimo de
espera foi nenhum minuto (29% dos usuários) e o máximo, 180 minutos (2,2% dos
usuários).
A análise acerca do tempo de espera também foi feita criando categorias de
minutos de espera. A tabela 8 demonstra as freqüências dos tempos de espera,
conforme citadas pelos usuários.
73
Tabela 8 – Freqüência dos minutos de espera pelo atendimento. Porto Alegre, 2005.
Minutos Freqüência Percentual
Percentual
cumulativo
0 27 29,0 29,0
15 2 2,2 31,2
20 10 10,8 41,9
30 18 19,4 61,3
40 4 4,3 65,6
60 19 20,4 86,0
90 4 4,3 90,3
120 7 7,5 97,8
180 2 2,2 100,0
TOTAL 93 100,0 -
Fonte: Pesquisa direta: ROSA, RB. Dados coletados por questionário. Porto Alegre, 2005.
Buscou-se também avaliar a opinião em relação ao tempo de espera pelo
atendimento: 33,3% consideraram o tempo de espera ótimo, 32,3%, bom, 28%
responderam que o tempo de espera era ruim e 21,5%, que era regular.
A tabela 9 mostra a associação feita entre o tempo de espera e a opinião
sobre esse tempo.
Tabela 9 – Distribuição da relação entre tempo de espera pelo atendimento e
opinião do entrevistado sobre esse tempo. Porto Alegre, 2005.
Opinião sobre a espera
Espera
Ruim Regular Bom Ótimo
Total
0 1 2 24
27
15 1 1
2
20 2 1 2 5
10
30 6 3 7 2
18
40 2 1 1
4
60 4 9 6
19
90 4
4
120 4 3
7
180 2
2
TOTAL 24 19 19 31 93
Fonte: Pesquisa direta: Rosa, R. B. Coleta de dados por meio de questionário. Porto Alegre,
2005.
A maioria dos usuários (n=27) referiu não esperar para ser atendido, sendo
que quase todos desses (n=24) consideraram esse fato ótimo, no que se refere à
opinião sobre a espera. Mas um número também significativo (n=19) referiu esperar
até 60 minutos para receber atendimento, sendo que cerca da metade (n=9)
consideraram esse tempo regular, um terço (n=6) considerou bom e
aproximadamente um quinto (n=4), apenas, considerou esse tempo de espera ruim.
74
Na etapa qualitativa, também se pôde evidenciar a espera pelo
atendimento, pois alguns usuários falaram espontaneamente sobre a demora,
mesmo sem ter sido feita uma pergunta especificamente sobre esse assunto.
U: E eu só achei, assim, muito demorado.
P: Demorou muito?
U: É, demorou um pouquinho, porque é muita gente e às vezes as
pessoas [...] estavam conversando e pediam só cinco minutinhos aí
eu olhei no relógio e aquilo passou quase, mais de dez minutos, uns
doze, treze minutos, né. Coisas simples, às vezes, era só pra
perguntar alguma coisa, aí diziam “Ah, tu tem que esperar a tua
vez”. [...] E achei assim, achei um pouco só de demora pra atender e
aquela coisa assim, que já tava dentro do horário e não gostei. (E2)
[...] eu acho, que um posto de saúde, ele demora muito pra atender
o pessoal. Por exemplo, a gente que trabalha, tu não tens meio dia
pra ficar num posto de saúde. Então no meu ver, acho que eles
tinham que fazer um atendimento mais rápido, porque a gente
percebe, assim, que às vezes é muita demora por parte do
atendimento deles. Porque o público está ali esperando, pra que que
ficam demorando, demorando? Então eu acho assim, quem
trabalha, tu vais num posto pra ser atendida imediatamente. (E48)
Além do tempo de espera pelo atendimento, buscou-se avaliar, a partir da
visão dos usuários, o horário de funcionamento da UBS, especialmente por essa ter
equipe de Saúde da Família, que funciona das oito horas ao meio dia e das 13 às 17
horas, horário considerado restrito, neste estudo, ao pensar nas pessoas que
trabalham fora e não chegam a tempo de encontrar a UBS aberta. Perguntou-se aos
respondentes qual a opinião deles sobre o horário de funcionamento da UBS. Dos
93, 32,3% (n=30) referiram ser o horário bom, 28% (n=26) acharam ruim, 21,5%
(n=20) consideraram-no regular e 18,3% (n=17), ótimo.
Foi perguntado também o motivo pelo qual gostavam ou não do horário,
tendo sido obtidas diversas respostas para quem avaliou em bom ou ótimo e outras
também variadas respostas para quem considerou ruim ou regular. Os motivos de
quem avaliou positivamente (bom ou ótimo) o horário de funcionamento foram
agrupados em cinco categorias: usuário pode ir a qualquer hora ao serviço, serviço
atende manhã e tarde, objetivo do serviço não é atender durante 24 horas,
funcionários do serviço precisam descansar e outros, sendo essa última os
seguintes diferentes motivos: é realmente ótimo, abre cedo, usuário já conhece o
horário, equipe atende até mesmo quando está fechando e equipe respeita o
horário.
75
Na avaliação negativa (ruim ou regular) também houve cinco respostas
diferentes, quais sejam: fecha cedo, abre tarde, fecha quinta-feira à tarde, abre tarde
e fecha cedo e outros. A resposta “outros”, nesse caso, abrange três diferentes
motivos: o serviço devia funcionar 24 horas, não abre em fins-de-semana e fecha ao
meio dia. A tabela 10 demonstra as freqüências absolutas dos diferentes motivos da
opinião quanto ao horário de atendimento e as freqüências relativas (%) do
percentual de respostas totais e dos percentuais de casos, que são 93.
Tabela 10 – Freqüências dos motivos de os entrevistados gostarem ou não do
horário de atendimento. Porto Alegre, 2005.
Motivos Freqüência
Percentual
das respostas
Percentual
dos casos
Usuário pode ir a qualquer
hora ao serviço
23 22,8 24,7
Serviço atende manhã e
tarde
10 9,9 10,8
Objetivo do serviço não é
atender durante 24 horas
6 5,9 6,5
Funcionários precisam
descansar
2 2,0 2,2
Outros 5 5,0 5,4
Fecha cedo 21 20,8 22,6
Abre tarde 12 11,9 12,9
Fecha quinta-feira à tarde 10 9,9 10,8
Abre tarde e fecha cedo 3 3,0 3,2
Outros (ruim) 9 8,9 9,7
TOTAL 101 100,0 108,6
Fonte: Pesquisa direta, Rosa, R. B. Coleta de dados por meio de questionário. Porto Alegre,
2005.
Ao analisar a tabela 10, evidencia-se que 22,8% das 101 respostas totais e
24,7% dos 93 casos indicam que o usuário pode ir a qualquer hora ao serviço,
sendo essa categoria a majoritária das respostas consideradas positivas. Na
verdade, esse não seria um motivo adequado para o usuário considerar o horário
bom ou ótimo, pois representa que ele está se adequando ao que o serviço tem para
oferecer.
Já das avaliações consideradas negativas, o motivo mais citado pelos
usuários foi o de que o serviço fecha cedo, com 20,8% das respostas totais e 22,6%
dos 93 casos. Realmente, se for considerado o horário de trabalho de muitos
usuários, possivelmente se verá que a maioria não pode freqüentar a unidade, por
não chegar antes do horário de fechar.
76
Uma usuária, na entrevista qualitativa, expressou a insatisfação com o
horário de funcionamento da UBS: “É bom, só a judiaria é que tem horário que
fecha, às cinco horas não tem mais.” (E4). A mesma usuária, no questionário
quantitativo, respondeu que acha o horário de funcionamento do serviço regular,
justamente por fechar cedo.
Além desses aspectos voltados ao acesso funcional, que interferem no
acolhimento do serviço, este estudo buscou conhecer as expectativas dos usuários
da UBS, para analisar se o serviço tem conseguido supri-las. Para o MS (BRASIL,
2004), acolher implica o profissional escutar as queixas, os medos e as expectativas
dos usuários.
As expectativas dos participantes deste estudo diferiram basicamente entre
dois aspectos: a expectativa de quem achou que o atendimento estava bom e só
tem a melhorar e a expectativa dos que acharam que havia, realmente, o que
melhorar, partindo de alguma deficiência do serviço: “Que, pelo menos, dêem mais
remédios” (E22); “Eu espero que melhore [...] Então eu acho que está faltando
muita coisa, de repente pessoal, de repente mais peças” (E48). Esses usuários
referiram estar regular e pouco satisfeitos com o serviço, respectivamente.
Entre os que referiram esperar melhorias, foram bastante enfatizadas
questões referentes ao acesso ao atendimento médico, inclusive a necessidade que
sentem de ser atendidos por especialistas:
É que eles coloquem mais médico ali, entendeu, coloquem
pediatra, coloquem um clínico, coloquem de repente um
ginecologista. O que a gente espera do posto é que venha mais
gente pra trabalhar aqui. Ou então que eles consigam fazer um
convênio com algum lugar e a gente ser remetida pra aquele lugar.
(E53)
A análise desse depoimento revela e confirma os problemas existentes no
referenciamento para especialistas, pois o usuário espera algo que já existe no
atendimento, mas que provavelmente não esteja sendo resolutivo ou suficiente para
ele. Conforme Merhy (1994), a esperança do usuário é de que seja acolhido a partir
da relação com o trabalhador de saúde, para que exista uma resposta resolutiva ao
seu problema, que as ações sejam efetivas e o satisfaçam. Assim, como não
encontram respostas a partir da oferta do serviço, reivindicam aumento nessa oferta,
mas, na realidade, sua expectativa era encontrar solução para seus problemas.
77
Ainda no que diz respeito ao acesso à consulta médica, outros usuários
referiram como expectativas: “Eu quero melhora, né. Ter mais médico pra atender”
(E49); “Ah, a gente espera que amplie mais, que tenha, assim, maiores números de
consultas” (E10); “Olha, eu espero que tenham, digamos, mais horários pra pegar
uma ficha” (E2).
Todas essas expectativas acerca da necessidade de aumentar o acesso à
consulta médica, seja contratando mais profissionais ou distribuindo mais fichas
poderiam ser supridas se o trabalho da equipe e o acolhimento aos usuários
estivessem organizados de uma outra forma, não centrados no atendimento
médico. É essa (des)organização que alimenta o ideário da população de que
somente o médico é capaz de resolver seus problemas e, como não tem obtido
respostas, entende que mais médicos ou mais fichas seria a solução. Quanto ao
aspecto da medicalização, Trentini et al. (2003) entendem que o pensamento dos
usuários de que a obtenção da saúde se dá pela busca da cura de doenças é
responsabilidade do sistema de saúde, pois os profissionais seguem orientando os
usuários quanto à importância da medicalização.
Ratificando essa questão, quando indagados sobre o que poderia ser
melhorado no serviço, muitos usuários reforçaram a necessidade que sentiam de
ter mais médicos ou mais fichas: “[...] deveria crescer mais, ter mais médicos, mais
consultas.” (E10); “Ah, eu traria mais médicos.” (E8); “Ah, acho que eu mudaria
assim, dar mais fichas pras pessoas.” (E50). A análise feita por Conill (2002) em
cinco equipes de Saúde da Família em Florianópolis (SC) também indicou que os
usuários, quando questionados sobre o que mudariam no serviço, referiram ações
concentradas na contratação de profissionais, evidenciando as dificuldades de
acesso.
Sabe-se do dimensionamento inadequado entre número de famílias por
equipe de Saúde da Família, que acaba gerando uma demanda demasiada grande
por profissional na equipe. Entretanto, considera-se que, assim como somente
aumentar o número de equipes não basta para redefinir o modelo de atenção na
saúde, apenas aumentar o número de profissionais contratados também não
resolveria os problemas de acesso. A atenção básica urge pela modificação do
processo de trabalho no interior das equipes, principalmente no que diz respeito à
organização em torno do trabalho médico. Nesse sentido, Nascimento e
78
Nascimento (2005, p. 335) chamam a atenção para o papel da enfermeira nessa
reorganização necessária no interior dos serviços, afirmando que
a prática da enfermeira deverá intervir através da organização do
processo de trabalho, com uma nova estratégia articulada com a
equipe de saúde a fim de que cada sujeito possa desempenhar seu
trabalho como agente de transformação.
As autoras concluem que é preciso que as enfermeiras repensem a sua
prática a partir dos princípios do SUS, para que sejam viáveis as transformações
necessárias.
Ainda no que se refere às melhorias no serviço, uma usuária respondeu
que além de mais fichas para atendimento médico, também deveria haver dentista
na UBS. Essa solicitação já foi evidenciada em outros estudos, como os de
Nauderer et al. (2005), Ramos e Lima (2003) e Conill (2002).
Outros usuários, por sua vez, consideraram que não havia o que melhorar
no serviço, relacionando, inclusive, a melhora de seu estado de saúde com a
qualidade do atendimento: “[...] pra mim tá tudo bem, porque a minha doença tá
melhorando.” (E5). Dessa forma, vislumbra-se a importância dos fatores subjetivos
nas concepções acerca do serviço de saúde.
Sob outra perspectiva, uma usuária que se disse não satisfeita com o
serviço, referiu que não tem expectativas em relação ao mesmo, evidenciando que
não faz diferença para ela: “Do posto eu não espero nada, o atendimento deles é
precário, sabe” (E54). Ao analisar a relação entre as diversas respostas dessa
pessoa, evidencia-se uma consonância de sua (má) visão sobre o serviço, pois ela
referiu que nunca encontra resolutividade para seus problemas, que não o indicaria
para outra pessoa e que não se sentia amparada ou segura por ter esse serviço
perto de sua casa. Além disso, considerava que a UBS trouxera mudanças
negativas na sua saúde.
Por outro lado, houve usuários que não referiram deficiências no serviço,
mostrando que o mesmo respondia as suas expectativas: “Espero ser bem atendida
e sempre sou” (E52); “Eu espero que esse aqui até melhore ainda mais, né” (E3);
“Eu espero boa coisa, eles tão atendendo bem” (E5). Esses depoimentos são de
usuários que responderam estar muito satisfeitos com o serviço.
79
Em relação ao que mais gostavam no serviço, dois respondentes referiram
que não gostavam de nada: “Eu não posso dizer que eu gosto de alguma coisa do
posto. Por que eu gostaria do quê?” (E54); “Eu acho que não tem nada que eu
goste ali.” (E57). Ambos os usuários não se consideravam satisfeitos com o
atendimento da UBS.
Entre as demais respostas sobre o que mais gostavam no serviço, a ênfase
estava no bom atendimento prestado pela equipe: “O que eu mais gosto? Ah, eu
gosto que me atendem bem, são todos legais, conversam com a gente.” (E52); “Eu
gosto da maneira que eles tratam as pessoas, com calma, com responsabilidade,
com jeito.” (E54); “Eu sempre fui bem atendida ali, não tem queixas.” (E49)
Tendo em vista que o usuário deva ser o centro do acolhimento e que este
estudo realiza uma análise dessa tecnologia a partir de sua visão, considerou-se
relevante analisar o conhecimento dele em torno do tão citado “acolhimento”. Após
responderem a todas as questões da entrevista semi-estruturada, os usuários foram
questionados sobre o significado da palavra “acolher”. Das 22 pessoas
entrevistadas, sete disseram não saber o que significava a palavra e duas respostas
foram anuladas por não expressarem uma concepção.
Das 13 respostas dadas, todas foram relacionadas a coisas positivas: “Ah,
acolher é coisa boa, tudo bom.” (E5); “Acho que ser bem atendida, eu acho que é
isso aí. Porque se tu vais num lugar e é mal atendida, não volta mais naquele
lugar”. (E22)
Evidencia-se que esses participantes tinham um correto entendimento do
que é acolher, se comparadas as suas concepções com o descrito no Dicionário da
Língua Portuguesa, que conceitua acolher como “dar acolhida a; receber, dar
ouvidos a; tomar em consideração; atender a.” Acolhimento é definido como “ato ou
efeito de acolher; recepção; refúgio, abrigo, agasalho” (ACOLHER, ACOLHIMENTO,
1988, p. 27). Entretanto, entende-se que o acolhimento nos serviços de saúde, como
tecnologia disparadora de melhorias na atenção à saúde, vai além do conceito
encontrado nos dicionários, pois pressupõe responsabilização, humanização das
relações e estímulo à autonomização. Sob esse prisma, a concepção dos usuários
acerca do significado de acolher mostra-se reduzida, restrita ao bom atendimento,
ao bom tratamento. Nenhum usuário referiu o aspecto da resolutividade como parte
do que pretende o acolhimento.
80
Ainda, se considera pouco o número de usuários que expressou uma
concepção, pois estando o acolhimento em voga, atualmente, na Saúde, seria de se
esperar que fosse mais conhecido da população usuária dos serviços. Isso pode
demonstrar uma das fragilidades dessa política de acolhimento: apesar de se dizer
centrada no usuário, não considera a idéia que a população interessada tem acerca
dessa tecnologia.
Entre os que conseguiram responder, alguns foram além do significado em
suas respostas, revelando sentir-se ou não acolhidos pelo serviço:
U: Acolher? Eu acho que é quando a gente precisa de alguma
coisa, tem sempre uma pessoa pra dar uma força, né, uma palavra
amiga. E eles fazem isso.
P: Tu te sente acolhida?
U: Eu me sinto acolhida ali dentro, porque às vezes a gente
chegava ali, [...] com meus problemas pessoais que eu tinha, eu
chegava e eles sempre davam aqueles minutinhos, entendeu, entre
uma consulta e outra, eles sempre dão, então a gente se sente
acolhida ali dentro. Mas é, eu acho bom, é muito acolhedor ali o
posto. (E53)
Houve também quem expressou uma concepção positiva quanto ao termo
“acolher”, mas se referiu ao acolhimento do serviço como ruim, principalmente
quando o usuário desconhece seus direitos como cidadão:
U: É receber, receber bem. O posto não acolhe as pessoas bem.
Há um acolhimento diferenciado se tu sabe o que tu quer, aí é bom.
Mas se desconhece os direitos é complicado. (E10)
Nesse sentido de os usuários conhecerem ou não seus direitos, faz parte do
papel dos profissionais de saúde, dentro do aspecto da autonomização, estimulá-los
a exigirem que sejam respeitados na busca por atendimento.
Retomando o título deste capítulo, entre as facilidades no acolhimento pode-
se citar a escuta dispensada ao usuário – em poucos momentos, mas eles existem!
– mesmo quando não têm ficha. O mínimo que se pode esperar é que se dê atenção
a quem procura um serviço de saúde, pois algum motivo para essa procura, com
certeza, há. Outra questão considerada positiva na análise do acolhimento dessa
equipe é que os usuários se sentem, na grande maioria, bem tratados por ela.
Já entre as barreiras existentes no desenvolvimento do acolhimento na UBS
estão a permanência das filas, a distribuição de fichas pela manhã, a dificuldade de
81
ser atendido se não tiver uma ficha ou uma consulta pré-agendada, entre outras.
Mas antes dessas barreiras, existe uma outra, a principal, que acaba por gerar
outros problemas: a organização do trabalho da equipe em torno do atendimento
médico. Para ultrapassar aquelas barreiras, é preciso vencer essa, reorganizando o
trabalho, direcionando-o para o usuário e tornando-o multiprofissional, explorando o
potencial de cada trabalhador, para que não todas as demandas dependam da
consulta médica.
82
7 A RESOLUTIVIDADE NA UBS: trajetórias terapêuticas versus visão dos
usuários
Este capítulo está subdividido em duas seções: “O caminho em busca da
resolução: o que demonstram as trajetórias terapêuticas dos usuários?”, que faz
uma análise da resolutividade a partir dessas trajetórias, e “Esse serviço resolve
seus problemas?: a resolutividade sob o olhar dos usuários”, que trata da visão dos
usuários acerca da resolutividade e de outros aspectos do serviços relacionados à
resolutividade, como mudanças na saúde a partir do uso do serviço e satisfação com
o mesmo.
7.1 O caminho em busca da resolução: o que demonstram as trajetórias
terapêuticas dos usuários?
Para poder identificar, no cotidiano das vivências dos usuários, se os seus
problemas de saúde eram realmente resolvidos e se nessa busca pela resolução
havia um efetivo acolhimento, partiu-se das trajetórias terapêuticas percorridas por
eles, desde a procura inicial pelo serviço em um dado momento até o desfecho, que
em muitos casos ainda não havia sido atingido, de forma que o usuário se
encontrava no aguardo do mesmo, ou seja, no aguardo da resolução de seu
problema. Os entrevistados eram estimulados a relatar e descrever todos os fatos
que ocorriam, desde a entrada no serviço, nas últimas vezes que procuraram
atendimento. Aponta-se, nesse aspecto, uma limitação deste estudo, pois grande
parte dos participantes não relatou a trajetória, mas apenas referiu se o atendimento
foi bom ou ruim, ou se teve ou não resolutividade. Um dos fatores que pode ter
contribuído para isso é não ter sido feita uma relação da trajetória percorrida com um
problema de saúde específico, ao solicitar que o respondente descrevesse sua
trajetória.
Buscou-se analisar as trajetórias terapêuticas também nos casos em que o
usuário foi referenciado ou mesmo procurou outro serviço por sua conta, porque não
83
obteve resolutividade de seu problema. Em algumas situações, o serviço para o qual
o usuário foi referenciado apresentou resolutividade, como no relato a seguir.
U: Tá resolvendo, por causa que a doutora já me mandou lá pra
PUC. Acho que faz uns três anos que eu me trato lá pra coluna e
agora me ataquei de bronquite asmática, eu mesma pedi um
papelzinho pra ir ali em cima, no médico da asma mesmo [Centro de
Saúde] e bah, me senti bem.
P: Foi o posto aqui que encaminhou a senhora?
U: Foi, foi a doutora e o [técnico de enfermagem] que fizeram o
encaminhamento. (E5)
Em outras situações, no entanto, o caminho que o usuário percorria em
busca da resolução de seus problemas se tornava bastante longo.
U: Ah, eu fui, era pra consulta do bebê, eu fui bem atendida [...] Eu
cheguei, aí fiquei esperando ali [...] depois elas me chamaram, fui
atendida pela enfermeira. Aí nesse dia ele estava meio ruinzinho, aí
ela pediu pra eu levar nesse 24 horas [Centro de Saúde], que lá tem
pediatra, daí eu levei.
P: E aí, resolveu o problema?
U: Ah, ainda não ficou resolvido, continua...
P: Mas te atenderam?
U: Me atenderam, mas ele está meio doentinho.
P: Mas lá te deram algum encaminhamento, pra fazer algum exame,
ou uma medicação?
U: Ah, lá sim. Daí eles encaminharam pra um hospital, que lá é muito
pequeno né. Aí eu fui lá pro Conceição [...] fui pulando de galho em
galho. (E8)
Se o sistema de saúde permitisse, a usuária, nessa situação, poderia ter ido
direto ao hospital, já que o desfecho da trajetória terapêutica foi esse, tendo sido a
usuária encaminhada para o hospital pelo próprio serviço da atenção básica. Ou
seja, a trajetória percorrida em busca da resolução poderia ter sido simplificada.
Por outro lado, são feitos os seguintes questionamentos: os usuários têm
condições, nas diversas situações de doença que vivenciam, de decidirem sozinhos
qual o melhor local para acessarem o sistema de saúde? Ou, se fosse concedido a
eles a possibilidade de decidirem a porta de entrada, optariam sempre pelos
serviços de pronto-atendimento ou de atenção terciária, mesmo em situações nas
quais não fosse necessário esse nível de assistência, contribuindo para o
congestionamento dos serviços de pronto-atendimento e/ou das emergências
hospitalares? Isso poderia ocorrer devido ao fato, conforme evidenciado no estudo
84
de Marques (2004), que o serviço de pronto-atendimento tem sido resolutivo para as
necessidades agudas e graves apresentadas pela população, que não encontra
resposta rápida nos demais serviços ambulatoriais. Essa autora considera que a
capacidade resolutiva dos serviços de atenção básica está comprometida pela falta
de estrutura dos mesmos.
Nesse contexto, Degani (2002) também refere que a procura por
atendimento hospitalar se dá pela falta de resolutividade dos problemas de saúde na
atenção básica. Afirma, ainda, que pouca tecnologia foi introduzida na rede básica
de saúde, ultimamente, o que torna esse nível de atendimento distante dos
secundário e terciário no que tange ao avanço científico e tecnológico. Esse fato, na
sua visão, contribui para a redução da resolutividade prevista para a atenção básica.
Apesar de encontrar em Ortiz et al. (2004, p. 17) que “[...] existe a cultura da
população que busca atendimento tendo como referência um modelo assistencial
médico-centrado e a busca de respostas imediatas”, ressalta-se que os
questionamentos acima não ousam julgar os usuários como “deseducados”, usando
o termo adotado por Cecílio (1997, p.472). O fato é, como afirma esse autor, que a
população acessa o sistema de saúde por onde é mais fácil ou possível e, muitas
vezes, o acesso pelo sistema da pirâmide, com a atenção básica sendo a porta de
entrada, não se mostra a opção mais fácil, nem mesmo a mais resolutiva, fazendo
com que o usuário “burle” a regra de acessar o sistema de saúde pela atenção
básica.
Assim, Cecílio (1997) sugere a conformação do sistema de saúde a partir de
um círculo, com múltiplas portas de entrada, todas qualificadas como espaços
privilegiados de acolhimento. Dessa forma, se garantiria o acesso de cada usuário
ao atendimento mais adequado ao seu caso, às necessidades,em um dado
momento, sem que o usuário precisasse seguir uma hierarquia desnecessária,
determinada por outros fatores que não sua necessidade (CECÍLIO, 2001).
Algumas vezes, a referência feita pelo serviço não resolve o problema do
usuário. A descrição abaixo demonstra a longa trajetória percorrida por uma usuária,
que procurou outro serviço por sua conta, em busca de resolução:
[...] eu disse pra ela [médica da UBS]: “olha, eu não posso
caminhar”, [...] Aí ela mandou eu lá pro Belém Velho, todo mundo
disse: “mas porque ela te mandou pra cá, porque nessa distância, a
senhora sem poder caminhar”, eu ia de arrasto.
85
P: [...] ela mandou pra lá pra quê?
U: Pra fazer uns exames. Ta, daí fui fazer os tais dos exames. [...]
não tá adiantando de nada, se eu não fizer alguma coisa, se eles
não me disserem o que é, se não me encaminharem pra algum
lugar, que eles façam alguma coisa pra aliviar a dor da minha perna
[...] Tem que ter alguma coisa a mais que eu possa fazer. [...] Até
hoje eu estou esperando. [...] a minha filha mora lá embaixo, perto
desse outro posto que é do campo da PUC, lá que eu consegui
fazer alguns exames mais, que a doutora lá se interessou mesmo,
ela disse: “eu vou fazer porque eu estou vendo o teu estado [...] mas
tu não pertence a esse posto aqui, mas como a tua filha mora aqui,
então tu vais fazer essas consultas como se tu estivesses morando
com ela. É essa doutora lá que me encaminhou, que me fez os
exames mais profundos que eu fiz, que me encaminhou pra
especialista [...] então agora ela mandou eu dizer pra essa aqui, pra
ela me encaminhar e fazer outros exames, então agora que eu
estou fazendo [...] dois anos. E sempre na espera.
P: E esse serviço de saúde daqui, resolve seus problemas ou não?
U: Não. Agora que me deram aqui [na UBS] essa última [referência],
que eu fui lá no hospital, que fica ali perto do colégio Rosário. [...]
que agora eu vou conseguir uma consulta, mas porque veio lá de
baixo [do outro serviço] que era pra eles me encaminharem pra um
especialista.
P: Então foi esse posto aqui [UBS] que o encaminhou?
U: Sim, agora foi ele que encaminhou, a pedido deles lá [serviço
perto da PUC]. Que eles mandaram um encaminhamento dizendo
que aqui procurassem alguma coisa pra fazer por mim. Aí foi agora
que eles me encaminharam lá pra esse hospital e hoje de noite, às
nove horas eu tenho uma consulta marcada.
A referência inicial, feita pela UBS em estudo, não obteve resolutividade
para a usuária, pois não foi dado o diagnóstico – e tampouco o tratamento – sobre o
problema em sua perna, de modo que ela continuou sentindo dores intensas. Além
disso, a referência para um serviço tão distante criou-lhe dificuldades, justamente
pelo problema da perna. Foi preciso a paciente ir, por sua conta, em busca de outro
serviço – um terceiro – para conseguir algum encaminhamento mais responsivo ao
seu problema. Marques (2004, p. 113) também evidenciou que o usuário percorre
sozinho, “a seu critério e risco”, os diferentes serviços, na busca da integralidade do
cuidado e da resolutividade.
Esse aspecto da resolutividade do encaminhamento também foi analisado
quantitativamente. Primeiramente, foi perguntado aos participantes se quando a
UBS não resolvia plenamente o problema deles, eles procuravam por sua conta
outro serviço, ou a própria UBS os encaminhava. Em 81,7% dos casos, os usuários
afirmaram que a UBS encaminhava, sendo que para esses usuários foi questionado
também se o serviço referendado resolvia os problemas (TABELA 11).
86
Tabela 11 – Freqüência de encaminhamento do usuário a outro serviço de saúde e
resolutividade do mesmo. Porto Alegre, 2005.
Encaminhamento
Resolve
Usuário procura
por sua conta
UBS encaminha
Total
Nunca 1 1
Às vezes 11 11
Na maioria das vezes 17 17
Sempre 47 47
Não se aplica 17 17
TOTAL 17 76 93
Fonte: Pesquisa direta: ROSA, RB. Dados coletados por questionário. Porto Alegre, 2005.
A análise da tabela 11 mostra que dos 76 usuários (81,7%) que referiram
que o posto encaminhava, 47 (50,5%) disseram que o problema sempre era
resolvido pelo serviço referendado. No entanto, 17 (18,3%) usuários responderam
que o serviço para o qual eram encaminhados resolvia os problemas na maioria das
vezes, 11 (11,8%) às vezes e 1 (1,1%) disse que o serviço nunca resolvia. Para os
18,3% dos usuários que disseram que procuravam outro serviço por sua conta, não
foi perguntado se o serviço escolhido resolvia ou não o problema, pois não competia
a este estudo.
É, geralmente é isso aí, tem que marcar [...] tem que ir pra tirar
consulta. Aí a gente vai lá cedo, bem cedo, como já houve ocasião
de eu estar lá na fila e eu ficar ali dura de frio, uma friagem, né, e aí
chega na hora e pegar uma ficha pra consultar dali a uma semana...
tem coisas que a gente não pode esperar. E daí, se não dá ali, vai
no outro posto, mas não resolve ir em outro posto porque eles “ah,
onde é que tu mora”, “eu moro lá”, “então é lá que tu tem que ir”. Aí
tu vai, de repente até consulta no clínico geral, mas aí tu fica quatro
horas, cinco horas nesse posto [Centro de Saúde] pra consultar.
Outra vez me deu um troço, era um sábado de noite, eu senti um
calorão no rosto. Fui no espelho e me apavorei, com o rosto assim,
todo vermelho, pescoço, tudo e me sentindo, assim, um pouquinho
de falta de ar, um mal-estar, né. Aí tive que esperar ônibus, de noite.
Aí cheguei lá [Centro de Saúde]: [...] “ah, só lá pela meia-noite tu vai
ser atendida”, daí eu fiquei até às nove lá e eu digo “não, eu vou-me
embora”, porque eu tava sozinha, como é que eu vou vir de lá tarde
da noite, se passa da meia-noite e não tem ônibus? Entendeu? E eu
vim embora. (E2)
Nesse relato, ficam evidentes algumas das dificuldades que o usuário
enfrenta na busca pela resolução de seu problema: a necessidade de ir ao serviço
antes de o mesmo abrir, ficando exposto a baixas temperaturas e, ainda assim, não
conseguir ser atendido, além de não adiantar ir a outro serviço por já estar adscrito a
87
uma UBS, independente de esta prestar-lhe ou não atendimento. Nesse caso,
considerando ser um sábado, dia em que a UBS não atende, a usuária recorreu a
um Pronto-Atendimento, mas acabou indo embora sem ter resolvido seu problema,
pois mora longe do serviço e não tinha condições de voltar para casa tarde da noite.
Outro ponto levantado pelos usuários foi a demora para conhecer o
diagnóstico e, conseqüentemente, para atingir a resolutividade, sendo esse um
aspecto que envolve o sistema de referência e contra-referência na trajetória
terapêutica que o usuário percorre. Também o estudo de Degani (2002) encontrou
que a falta de agilidade e as dificuldades de encaminhamentos complementares
para o diagnóstico dificultam a resolutividade dos problemas de saúde dos usuários
da atenção básica. A descrição, a seguir, da trajetória que o usuário tem que
percorrer até descobrir o diagnóstico ilustra o problema evidenciado:
Assim, tu tens que fazer um exame, né. Igual, tu tens que tirar ficha,
passar pela médica e depois a médica te libera pra tu fazeres
exame. E pra olhar o exame da criança, tem que marcar horário, o
dia pra ir lá e ela ler o exame pra dizer o que tem ainda, daí leva
mais 15 dias ainda [...] Vem sete horas pra fila, tira a ficha pra outra
semana. Daí depois tira outra ficha pro médico abrir teu exame, ver
se tem alguma coisa, se não tem, isso que eu acho errado. (E21)
Quando, em busca da resolução do problema, o usuário depende de
encaminhamento para médicos especialistas, a espera por vezes se torna mais
demorada. Isso também acaba fazendo com que o usuário vá em busca de outros
serviços, na tentativa de resolver ou amenizar seu problema.
U: Essa semana estive lá no Santo Antônio
P: O que tu tiveste essa semana?
U: Muita dor no ombro, eu tenho tendinite, então atinge todo o
braço. E aí eu fui lá [Hospital Santo Antônio] e aí o médico pediu
uma ecografia. Se eu for ali [UBS] deixar com eles, não vão marcar
pra mim. [...] faz quase um ano que eu estou sem INPS e esperando
eles marcarem ortopedista. [...] eu pedi pra eles me darem uma
liberação, não precisava me encaminhar, porque demoram pra
encaminhar, mas era só uma liberação pro posto da João Pessoa,
[...] se eles me liberassem por aqui [...] eles me marcariam a
consulta lá. Mas [...] ela disse pra esperar que iam marcar, que ia
pra central [de marcação]. [...] eu fui ali [um Centro de Saúde] e
disseram que não podiam me dar o encaminhamento, disseram pra
eu ir lá pro meu posto. Mas eu estou esperando. Lá eles me
enfaixaram, me deram uma injeção pra aliviar a dor. Mas disseram:
“vai pro teu posto.” [...] Então eu estou assim, esperando [pela
consulta com ortopedista]. (E54)
88
Na descrição acima, além da dificuldade em conseguir marcar especialista,
evidencia-se outro problema na trajetória do usuário: mesmo quando vai em busca
de outro serviço, por iniciativa própria e forçado por uma dor intensa, encontra uma
barreira no atendimento, por pertencer à área de uma UBS específica.
Entretanto, apesar das dificuldades apresentadas acima, que foram
evidenciadas a partir das trajetórias terapêuticas dos usuários, houve alguns casos
nos quais o serviço conseguiu resolver o problema sem precisar referenciar o
usuário para outro nível de atenção. São situações que demonstram a capacidade
da UBS em resolver determinados problemas com o uso de sua tecnologia, seja sob
o prisma da prevenção, seja sob o da cura.
A última vez que eu fui ali eu fui tomar a vacina [...] do tétano. Eu fui
bem atendida, cheguei ali, mostrei minha carteirinha, daí tinha que
aguardar. Daí eu fiquei na fila, esperando, tinha mais gente na
frente, mas fui bem atendida [...] Fiz a vacina. (E9)
[...] eu levei o meu marido, que deu problema de gripe nele, muito
forte. Chegamos lá, cheguei acho que eram umas sete e pouco da
manhã. Oito horas abriu o posto, foi muito bem atendido,
principalmente pela enfermeira [...]. A gente foi pra pegar a ficha do
dia [...]. A gente foi cedo. Eu fui eram umas sete horas da manhã,
mais ou menos. E conseguimos a ficha, ele consultou, a doutora
mandou tomar uns remédios. Mas fomos bem atendidos, sim. (E53)
Esses casos exemplificam o papel da rede básica e especificamente da
Saúde da Família em controlar casos antes que precisem de uma intervenção
tecnológica de mais alta densidade. Mas neste estudo, julga-se que a Saúde da
Família tem condições de resolver por si só problemas mais elaborados dos acima
apresentados, pois autores como Brasil [2005] e Souza (2000) consideram que a
equipe de Saúde da Família, a partir de uma visão ampliada dos profissionais, deva
ser capaz de resolver até 80 a 85% dos problemas de saúde da população.
Ainda no que se refere ao encaminhamento, evidenciou-se a importância de
ser feito de uma maneira formal, utilizando documentos, para garantir o acolhimento
do usuário pelo serviço de referência, significando uma verdadeira responsabilização
da equipe que encaminhou.
U: É, encaminham, mas aí no caso tinha que encaminhar um papel,
por exemplo, né. Quando eu ganhei esse último agora [filho], eu fui
no Clínicas, cheguei lá eles não me aceitaram porque eu tinha que
89
ter um encaminhamento, eu não tinha, o postinho que tinha que ter
me dado.
P: Mas aí tu ganhaste onde?
U: No Presidente Vargas. (E8)
O mero encaminhamento verbal acaba por ser mais um conselho ao usuário
do que propriamente um encaminhamento, pois não dá a garantia de ser atendido. É
como transferir o problema, deixando-o totalmente a cargo do próprio usuário, sem
cumprir o papel da atenção básica, nesse caso, de mediar a ação necessária ao
usuário.
Assim, ratifica-se a articulação existente entre acolhimento e resolutividade,
pois o verdadeiro acolhimento prevê a responsabilização da equipe, indispensável
quando se encaminha o usuário, buscando a resolutividade.
7.2 Esse serviço resolve seus problemas? : a resolutividade sob o olhar dos
usuários
Além de analisar as trajetórias terapêuticas para identificar a capacidade
resolutiva do serviço estudado, este estudo buscou saber se os usuários
consideravam que a UBS resolvia seus problemas.
Foi bastante evidenciada a associação feita pelos usuários da resolutividade
do serviço com encaminhamento feito para especialistas. Tal associação é feita, no
entanto, nos casos em que o usuário já conseguiu a consulta no serviço de
referência.
P: Esse serviço resolve seus problemas?
U: Resolve, na medida do possível eles resolvem [...] não tenho
queixa, já consegui neurologista pra esse meu guri, já consegui
psicólogo pra ele, através tudo do posto. Só que é demorado, né,
tem vezes que vem ligeiro, tem vezes que demora mais. (E53)
U: Quando eu vou, assim, que eu tenho que levar uma criança
minha, eu conseguia resolver. Ela [a filha] consultou com um neuro,
pelo posto. (E55)
U: Os meus [problemas] todos foram resolvidos. Aconteceu assim,
de eu ter sido encaminhada pra ela [filha] pra um especialista, foi
encaminhada [...]. O meu também, já aconteceu de eu precisar ir pra
outro lugar, pro hospital também, foi assim uma coisa, bem.
90
Essa associação feita pelos usuários torna a resolutividade quase um
sinônimo do encaminhamento para especialistas. Esse fato dá indícios de que o
Saúde da Família está funcionando quase exclusivamente como uma porta de
entrada para o restante do sistema de saúde, ao invés de se constituir em um
serviço com capacidade própria de resolver os problemas de saúde da comunidade
sob sua responsabilidade. Essa suposição é pertinente, pois o acolhimento visa a
encaminhar o usuário para a resolução de seu problema, sendo preferível que esse
problema possa ser resolvido no primeiro nível de atenção. No caso de Betim (MG),
Franco, Bueno e Merhy (1999, p. 349) encontraram que a implantação do
acolhimento aumentou a “resolubilidade”, considerando essa como “a solução
encontrada pela equipe de acolhimento para as queixas, sem outro tipo de
encaminhamento”.
Todavia, no que se refere à resolutividade no próprio serviço, alguns
usuários afirmaram que conseguiram resolver seus problemas, mostrando satisfação
com o serviço, como ilustram as falas abaixo.
P: E ali resolvem teus problemas quando tu vais procurar?
U: Resolve, todo o mês eu levo o guri no pediatra, eles atendem
bem. (E23)
U: Sim, sempre. (E6)
U: Sim, quando eu preciso, resolve. (E9)
U: Sim, sim. Resolveu... Eu acho que tem resolvido. Porque eu
quero ir ali, tirar, medir a pressão, vou me pesar, essas coisinhas
assim, então o que é básico tá bom. (E2)
Com base nesses depoimentos, se apreende que a concepção de
resolutividade em alguns casos parte do atendimento pelos programas
desenvolvidos no serviço de saúde, como a puericultura. A última fala se refere ao
“básico”, no sentido da prevenção (medir pressão arterial, verificar o peso), sendo
essa uma das ênfases da Saúde da Família.
Outros usuários, no entanto, consideram que o serviço nem sempre tem
sido efetivo em fornecer respostas positivas aos seus problemas.
Que resolve meus problemas de saúde que nada, só dão
paracetamol, remedinho pra gripe [...] esses troços assim... (E7)
91
É, tem uns casos que eles resolvem, mas outros casos que fica
difícil. (E8)
Às vezes, não é sempre. Ali no posto não tem uma médica, assim,
especialista. (E22)
Na realidade, o papel dos serviços inseridos na Atenção Básica é prestar o
atendimento básico em busca da qualidade de vida de suas comunidades,
promovendo a saúde por meio de ações destinadas a problemas pouco
estruturados. Aqueles problemas que sobressaem a sua capacidade de “Atenção
Básica” devem, sim, ser acolhidos pela equipe básica, por meio de escuta e
encaminhamentos para os demais níveis de atenção. Os obstáculos que se criarem,
a partir daí, estarão também sob responsabilidade do serviço primário, mas não
dependem apenas dele.
Estatisticamente, encontrou-se que a maioria dos usuários (34,4%, n=32)
participantes deste estudo considerava que o serviço sempre resolvia seus
problemas. A ra12 demonstra as respostas dos usuários quanto à resolutividade da
UBS.
Tabela 12 – Distribuição de usuários que consideram ou não que o serviço tinha
resolutividade sobre seus problemas de saúde. Porto Alegre, 2005.
Resolutividade Freqüência Percentual Percentual cumulativo
Nunca 6 6,5 6,5
Às vezes 30 32,3 38,7
Na maioria das vezes 25 26,9 65,6
Sempre 32 34,4 100,0
TOTAL 93 100,0 -
Fonte: Pesquisa direta: ROSA, RB. Dados coletados por questionário. Porto Alegre, 2005.
Entretanto, na análise da tabela acima fica evidenciado que há pouca
diferença entre quem considera que o serviço sempre resolve o problema e quem
considera que às vezes resolve.
Mesmo assim, a soma de percentuais de quem considera que o serviço
sempre resolve ou resolve na maioria das vezes atinge 61,3%, o que pode ser
considerado contraditório ao se considerarem as trajetórias terapêuticas relatadas
neste estudo, que demonstraram dificuldades na obtenção de resolutividade,
especialmente no primeiro nível de atenção. Além disso, partindo de Degani (2002),
quando refere que a resolutividade deve ser capaz de melhorar a situação de saúde
92
do indivíduo, pode-se afirmar que os usuários participantes deste estudo não têm
obtido melhoras na sua situação de saúde, com base na análise de suas trajetórias
terapêuticas. Alguns usuários confirmam essa afirmação, ao assegurar que o serviço
não produziu mudanças em sua saúde:
P: E desde que há esse serviço aqui, mudou alguma coisa na sua
saúde?
U: Não, não teve mudança nenhuma. (E57)
U: Ah, não fez diferença, porque quando eu não consigo ser
atendida ali, eu procuro outros médicos. (E48)
U: Teve mudança, pra pior.
P: Para pior?
U: Piorou, pra mim, piorou. (E54)
U: O posto não fez muita diferença, não. (E10)
Quem considerava que o serviço trouxera melhorias se referiu, na maioria
dos casos, à proximidade da UBS em relação ao seu domicílio:
Sim, eu acho assim, é bom, né, porque tá ali o posto. Antigamente a
gente tinha que ir mais longe pra consultar. Mas aqui tá bom o
posto, aqui pertinho. (E2)
Ficou bem pertinho, né. Qualquer coisa eu vou ali e tá pronto. (E5)
Mudou bastante [...] Por causa que não precisa ir longe. (E1)
Houve uma usuária apenas que referiu uma mudança concreta no seu
estado de saúde:
U: Sim, sim.
P: Foi uma mudança positiva ou negativa?
U: Sim, positiva, porque eu tinha um problema de ovários, né, uma
infecção nos ovários e através do tratamento que eu fiz no posto
graças a Deus eliminou, não tenho mais. (E53)
Mesmo com a evidência de poucas melhorias na sua condição de saúde, a
maioria dos usuários referiu que o serviço tinha resolutividade sobre seus
problemas. No estudo de Paiva, Bersusa e Escuder (2006), acerca da opinião dos
pacientes com diabetes e/ou hipertensão sobre a assistência prestada pela equipe
93
de Saúde da Família do município de Francisco Morato (São Paulo, Brasil), foram
encontrados índices de resolutividade de 65,6%, semelhantes ao do presente
estudo. Degani (2002), analisando a opinião de usuários em uma Unidade Básica de
Saúde sobre a resolutividade dos problemas de saúde em Porto Alegre/RS,
identificou que os usuários participantes de sua pesquisa referiram condições
propícias à obtenção de resolutividade, mas também foi evidente a existência de
restrições a essa obtenção, como a dificuldade em conseguir a integralização do
atendimento, pois os sujeitos referiram demora na realização de exames de que
necessitavam. Também foram citadas, como condições restritivas à resolutividade, a
falta de acesso aos medicamentos prescritos pelo médico e a insuficiência de
consultas médicas.
Neste estudo, apesar de a maioria considerar que a UBS resolve seus
problemas, alguns usuários também apontaram problemas, como a demora na
obtenção de consultas com médicos especialistas:
Numa maneira ele resolve, só a demora. Por exemplo, eu fui marcar
um médico pra mim, um especialista, ele demorou seis meses pra
me dar a consulta. Então, se eu tivesse com dor, se eu tivesse que
esperar aquele médico ali, como é que eu ia ficar seis meses
esperando uma consulta? (E48)
Sim, resolve, só que faz sete meses que eu estou pedindo pra fazer
um óculos, que eu tenho que usar e ainda não, faz desde março que
eu estou esperando. (E49)
É possível observar que, para os usuários, a resolutividade ou a falta de
resolutividade está relacionada à obtenção ou não de consultas com especialistas.
Sob uma análise mais subjetiva, considera-se que essa concepção pode ter origem
na dificuldade que a UBS em estudo, como atenção primária, tem apresentado para
resolver os problemas de sua comunidade. Em conseqüência, os usuários a ela
adscritos passam a entender que só conseguirão resolução se encaminhados a
outros serviços.
Outros estudos em equipes de Saúde da Família também encontraram
dificuldades em assegurar o acesso dos usuários aos serviços de mais alta
complexidade, como o de Nascimento e Nascimento (2005) e Conill (2005). Essas
autoras consideram que a dificuldade no referenciamento para a atenção secundária
e terciária acaba por comprometer a integralidade no atendimento. Para Gomes e
94
Pinheiro (2005, p. 290), a integralidade ganha visibilidade a partir da “resolubilidade”
da equipe e dos serviços, tendo significativo papel na busca de respostas para os
problemas.
Um estudo realizado em dez grandes centros urbanos sobre a
implementação da Saúde da Família indicou que mais da metade das famílias
considerou que o profissional que atendeu tinha conhecimentos suficientes para
resolver o problema de saúde apresentado pelo usuário. Entretanto, também ficou
evidente que em alguns casos os profissionais não resolviam totalmente os
problemas, sendo que houve usuários reclamando que o serviço devia “resolver
realmente o problema” (BRASIL, 2002,p. 208).
Apesar da evidência de que o serviço não tem acarretado melhoria na
situação de saúde dos usuários, a grande maioria (86%, n=80) deles se considerava
satisfeita com o serviço, como demonstra a figura 5.
14%
86%
Não
Sim
Figura 5 – Distribuição dos entrevistados satisfeitos ou não com o serviço.
Fonte: Pesquisa direta. Rosa, R. B. Coleta de dados por meio de questionário. Porto Alegre,
2005.
Esse elevado índice de satisfação já era, de uma certa forma, esperado
neste estudo, com base em pesquisas anteriores, como o de Nauderer et al. (2005),
que evidenciou que os usuários minimizam os problemas dos serviços de saúde. Foi
identificado que geralmente os usuários apontam como problemas nos serviços
questões associadas à infra-estrutura ou higiene do local, demonstrando desatenção
com problemas maiores, como mau acolhimento e pouca resolutividade. Isso não
significa que as questões por eles apontadas não sejam importantes, pois fazem
95
parte do acesso funcional, mas é de admirar que sejam as principais, e, às vezes,
únicas, reivindicações.
Para analisar se a resolutividade interfere na satisfação dos usuários do
serviço estudado, foi feita a associação entre resolutividade e satisfação, que está
demonstrada na tabela 13.
Tabela 13 – Distribuição de freqüências e resíduos ajustados (RA) de acordo com a
associação entre resolutividade e satisfação. Porto Alegre, 2005.
Satisfação
Resolutividade
Sim Não
Total
Nunca
4
(RA= -1,4)
2
(RA= 1,4)
6
Às vezes
21
(RA= -3,1)
9
(RA= 3,1)
30
Na maioria das vezes
24
(RA= 1,7)
1
(RA= -1,7)
25
Sempre
31
(RA= 2,2)
1
(RA= -2,2)
32
TOTAL 80 13 93
Fonte: Pesquisa direta: Rosa, R. B. Coleta de dados por meio de questionário. Porto Alegre,
2005.
Nota: RA > 1,96 implica associação estatisticamente significativa.
Analisando a tabela 13, pelos valores do RA, é possível afirmar que ter
resolutividade “às vezes” está associado em não estar satisfeito, pois apesar de que
21 dos 30 usuários que disseram ter resolutividade “às vezes” se consideraram
satisfeitos, tem-se que nove do total de 13 insatisfeitos afirmaram ter resolutividade
“às vezes”. Ter resolutividade “sempre” tem relação significativa com estar satisfeito,
sendo que 31 dos 32 que responderam que o serviço “sempre” resolvia seus
problemas se consideravam satisfeitos. Dos seis usuários que disseram que o
serviço “nunca” resolvia seus problemas, quatro se consideravam satisfeitos, apesar
de que não há relação estatisticamente significativa entre nunca ter resolutividade e
estar satisfeito.
Nesse sentido, Gomes e Torres (2003) encontraram a contradição de um
alto grau de satisfação dos usuários (51,4% qualificaram o serviço como bom e
17,6%, como ótimo) mediante a baixa melhoria da situação de saúde dos mesmos,
pois o serviço não tem conseguido resolver os problemas de saúde da comunidade
e apresenta, ainda, dificuldades no sistema de referência aos outros níveis de
atenção. No estudo de Levy, Matos e Tomita (2004), acerca da percepção de
96
usuários e trabalhadores de saúde sobre o PACS, foi constatada a satisfação das
famílias com o trabalho dos agentes comunitários. Entretanto, nas falas dos usuários
entrevistados, é possível evidenciar a falta de conhecimento sobre seus direitos
como cidadãos, pois referem que em muitos lugares são maltratados, mas que com
os agentes é diferente, de forma que se sentem na obrigação de retribuir o “favor” de
alguma maneira. Ou seja, consideram que obter assistência ou ser bem tratado é
uma novidade ou um diferencial do serviço, não uma obrigação do sistema,
assegurada por lei. Ainda, no estudo de Jesus e Carvalho (2002), a maioria dos
usuários de uma Unidade de Saúde da Família avaliou o serviço positivamente,
apesar de serem evidenciadas as limitações do mesmo.
As altas taxas de satisfação com os serviços de Saúde da Família são
encontradas em muitos estudos, como o de Paiva, Bersusa e Escuder (2006), que
evidenciou o índice de 68,8% de usuários satisfeitos em uma equipe de Saúde da
Família do estado de São Paulo. Trad et al. (2002) constataram um elevado grau de
satisfação de usuários de serviços com Saúde da Família na Bahia, mas também
houve queixas quanto à resolutividade. Ambos os estudos concluíram que os
serviços de Saúde da Família pesquisados ampliaram o acesso aos cuidados de
saúde, o que pode estar relacionado com os elevados graus de satisfação.
Contradições desse tipo encontradas nos estudos, bem como os altos
índices de satisfação, também podem ter origem no fato de que os usuários dos
Serviços Públicos de Saúde, no País, não possuem alternativa a não ser se
submeter a alguns percalços existentes para obterem atendimento, de forma que se
satisfazem com o mínimo que possuem. Autoras como Vaitsman e Andrade (2005,
p. 606) referem que em contextos muito desiguais, para alguns segmentos da
população, “o simples fato de ser atendido já pode produzir satisfação”. Isso se deve
ao fato de essas pessoas terem baixas expectativas em relação aos Serviços
Públicos, como conseqüência da dificuldade de acesso.
Outro aspecto que tem sido considerado como responsável pela alta
satisfação dos usuários, especialmente dos Serviços Públicos de Saúde dos países
em desenvolvimento, é o viés de gratidão, ou gratitude bias, que estaria relacionado
com a relutância em expressar opiniões negativas, tanto pelo medo de perder o
acesso ao atendimento, quanto pela relação de dependência aos profissionais
(BERNHART et al., 1999 e ESPERIDIÃO e TRAD, 2006). Dessa forma, antes de
concluir pelo alto nível de satisfação nos estudos, deve ser levada em conta a
97
possibilidade de alguns usuários se dizerem satisfeitos sem realmente estarem,
devido aos motivos citados.
Quanto à intensidade de satisfação, quase a metade (43%) dos 80 usuários
satisfeitos se considerava muito satisfeita. A tabela 14 demonstra a associação entre
resolutividade e intensidade de satisfação.
Tabela 14 – Distribuição de freqüências e resíduos ajustados (RA) de acordo com a
associação entre resolutividade e intensidade de satisfação. Porto
Alegre, 2005.
Intensidade de satisfação
Resolutividade
Pouco Regular Muito
Total
Nunca
1
(RA= 0,9)
3
(RA= 1,5)
0
(RA= -2,1)
4
Às vezes
5
(RA= 2,1)
14
(RA= 3,1)
2
(RA= -4,3)
21
Na maioria das vezes
2
(RA= -0,5)
6
(RA= -1,7)
16
(RA= 2,0)
24
Sempre
1
(RA= -1,8)
8
(RA= -1,9)
22
(RA= 3,0)
31
TOTAL 9 31 40 80
Fonte: Pesquisa direta: Rosa, R. B. Coleta de dados por meio de questionário. Porto Alegre,
2005.
Nota: RA > 1,96 implica associação estatisticamente significativa.
A análise da tabela 14 permite inferir que existe associação estatisticamente
significativa entre ter resolutividade “às vezes” e estar com “pouca” ou “regular”
satisfação. Ter resolutividade “na maioria das vezes” ou “sempre” está
estatisticamente associado com estar “muito” satisfeito. Dos usuários que “nunca”
têm resolutividade, quatro estão satisfeitos, sendo um “pouco” e três “regular”, mas
não há relação significativa estatisticamente entre nunca ter resolutividade e estar
pouco ou regular satisfeito.
Foi perguntado aos participantes se indicariam a UBS para alguém. A
maioria de 74,2% (n=69) respondeu que sim. A partir daí, buscou-se conhecer se
havia associação estatisticamente significativa entre resolutividade e indicação do
serviço. A tabela 15 demonstra a associação feita.
98
Tabela 15 – Distribuição de freqüências de acordo com a associação entre
resolutividade e indicação do serviço para terceiros. Porto Alegre,
2005.
Resolutividade
Indicação
do serviço
Nunca Às vezes
Na maioria
das vezes
Sempre
Total
Sim 1 17 22 29
69
Não 5 13 3 3
24
TOTAL 6 30 25 32 93
Fonte: Pesquisa direta: Rosa, R. B. Coleta de dados por meio de questionário. Porto Alegre,
2005.
Nota: Teste estatístico: qui-quadrado=22,18; p< 0,001.
O teste estatístico realizado demonstra que existe relação estatisticamente
significativa entre ter resolutividade e indicar o serviço para alguém. Das seis
pessoas que disseram “nunca” ter resolutividade, cinco não indicariam a UBS para
alguém. Já dos 32 que referiram “sempre” ter resolutividade, 29 indicariam o serviço
para outras pessoas.
Foram obtidas cinco respostas diferentes para explicar os motivos pelos
quais indicariam o serviço e três outras respostas para explicar porque não
indicariam, sendo que a pergunta era aberta e alguns usuários referiram mais de um
motivo. Os motivos pelos quais indicariam ou não a UBS estão demonstrados na
tabela 16
Tabela 16 – Freqüências de motivos de indicação ou não da UBS a terceiros. Porto
Alegre, 2005.
Indicação Motivos de indicar ou
não a UBS a terceiros
Sim Não
Total
Serviço é bom 31
31
Perto de casa 18
18
Resolve os problemas 5
5
Funcionários são atenciosos 12
12
Outros sim 16
16
Tem que ser da área 7
7
Não resolve os problemas 7
7
Outros não 13
13
TOTAL 82 27 109
Fonte: Pesquisa direta. Rosa, R. B. Coleta de dados por meio de questionário. Porto Alegre,
2005.
O motivo mais citado pelo qual indicariam a UBS foi que o serviço era bom.
O segundo motivo mais referido foi que o serviço era perto de suas casas,
99
demonstrando a importância que davam à questão do acesso geográfico, mas, ao
mesmo tempo, ignorando outros motivos mais importantes que poderiam ser
considerados para indicar um serviço de saúde para alguém. A categoria de “outros”
motivos para indicar o serviço foi a terceira mais freqüente e abordava os seguintes:
é o único que tem; verificam pressão arterial; não há do que reclamar; fornecem
medicamentos; encaminham; atendem; não precisa dormir na fila e nunca foram
estúpidos. Considera-se que alguns desses motivos refletem as baixas expectativas
que alguns usuários tinham em relação ao serviço, pois não constituem qualidades
diferenciadas do atendimento, além de representarem ações fundamentais de uma
UBS, como verificar pressão arterial e atender, simplesmente. Ainda, apesar da
significância estatística entre resolutividade e indicação do serviço, ressalta-se que
apenas cinco usuários indicariam a UBS porque essa resolvia seus problemas,
sendo esse o motivo menos citado. O fato de que os funcionários da UBS eram
atenciosos foi citado por 12 usuários como motivo para indicar o serviço, reforçando
a importância que os pacientes davam ao sentido humano, de ser bem tendido, com
atenção, sendo essa uma das facetas do acolhimento.
Já para não indicar o serviço, o motivo mais citado foi “outros”, que se
constitui de diversos motivos diferentes, entre eles: ter que madrugar na fila; serviço
é precário; às vezes está fechado; não tem critérios para distribuir medicamentos;
atendimento é frio e demorado; às vezes não tem médico e há outros serviços
melhores. Evidencia-se que para esses usuários também importava o aspecto de
ser bem atendido, sem frieza, com atenção. Sete usuários dos 24 que não
indicariam o serviço não o fariam porque não resolvia os problemas de saúde e
também sete citaram o fato de que não adiantava indicar porque era necessário
pertencer à área para receber atendimento. A resposta desses sete últimos
participantes não tem relevância, pois a pergunta se referia a indicar o serviço para
outra pessoa sem considerar o fato de haver área fechada, visando apenas a saber
se consideravam a UBS boa o suficiente para ser indicada. Talvez isso expresse
uma inadequação da forma como a pergunta foi feita aos sujeitos, que a
interpretaram de um modo não esperado pela pesquisadora, nem evidenciado no
estudo piloto.
Nesta seção, ficou clara a importância que a resolutividade tem para a
satisfação dos usuários, assim como a relação existente entre haver resolutividade e
indicar o serviço para outra pessoa. Entretanto, também foram evidenciadas
100
algumas contradições, não só mediante comparação com as trajetórias terapêuticas
anteriormente apresentadas, mas nos próprios depoimentos dos usuários. Apesar
de a maioria afirmar que o serviço resolvia seus problemas, de uma maneira geral
não houve mudanças positivas na sua saúde com o uso do serviço. Muitos
problemas portados pelos usuários são crônicos e graves, pouco passíveis de
atingirem significativa melhora. Mesmo assim, poderiam ter sido citadas melhorias
ou facilidades quanto à utilização dos serviços de saúde, mas praticamente só a
proximidade geográfica foi referida como melhoria, desde que existe a UBS na
região. Isso pode, então, indicar que o serviço não tem conseguido intervir
significativamente na população adscrita de uma forma significativa, conforme o
esperado pelos formuladores da Saúde da Família. Em contraposição, o estudo
conduzido por Facchini et al. (2006) nas regiões sul e nordeste do Brasil evidenciou
que o desempenho do PSF em ambas as regiões foi regularmente melhor do que o
dos serviços tradicionais. Tal constatação faz sugerir que sejam desenvolvidos
estudos mais aprofundados sobre o impacto da Saúde da Família no cenário desta
pesquisa.
101
8 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Esta investigação permitiu conhecer e analisar o acolhimento e a
resolutividade da assistência de uma UBS com equipe de Saúde da Família de Porto
Alegre. A utilização das trajetórias terapêuticas percorridas pelos usuários, desde a
entrada na UBS até a resolução (ou não) do problema apresentado, associada com
a visão dos mesmos sobre o serviço mostrou-se apropriada para realização da
análise pretendida, possibilitando comparar a realidade das experiências dos
usuários na utilização do serviço com a visão que demonstraram ter do mesmo.
Entretanto, este estudo possui como limitação o fato de não ter acompanhado os
usuários em suas trajetórias terapêuticas, já que o simples relato das mesmas por
eles parece ser incompleto, talvez pela dificuldade em relembrar os caminhos
percorridos. Também, acrescenta-se como limite do estudo o não estabelecimento
de relação entre a trajetória terapêutica e o problema específico vivenciado. Assim,
os usuários acabaram se detendo mais em dizer se o atendimento havia sido bom
ou não, de forma que foi preciso insistir na pergunta acerca da descrição das
trajetórias percorridas por eles.
No que tange à visão dos usuários, conclui-se que é pouco adequado
utilizá-la isoladamente para analisar aspectos inerentes à qualidade da assistência.
Isso se deve ao fato de que, neste estudo, a visão dos participantes sobre alguns
elementos da assistência se mostrou contraditória diante do evidenciado em suas
trajetórias terapêuticas, como a obtenção de resolutividade e o acolhimento,
independente de possuir ou não ficha para consulta médica, por exemplo.
É importante apontar algumas considerações acerca do perfil
socioeconômico, demográfico e sanitário levantado neste estudo. A grande maioria
de participantes eram mulheres, reforçando resultados de outros estudos, citados
nesta investigação. A associação de escolaridade com nível de satisfação
demonstra que os usuários que tinham mais anos de estudo se encontravam menos
satisfeitos em comparação com os de menos escolaridade. Quanto ao perfil
sanitário, a maioria utilizava a UBS havia oito anos, com uma freqüência que
depende da necessidade. O problema de saúde mais freqüente entre os
entrevistados foi hipertensão arterial sistêmica. Nesse aspecto, aponta-se a
necessidade de a equipe de saúde atender a essa demanda com mais atenção, por
102
meio, por exemplo, dos grupos de educação em saúde, que podem contribuir para
reduzir o número de hipertensos, ou mesmo evitar maiores complicações nesses
pacientes.
Entre os serviços oferecidos pela UBS, o mais utilizado foi a consulta
médica, seguida da retirada de medicamentos, o que pode ser uma das evidências
da medicalização da comunidade em estudo. Outra questão relevante na
distribuição de freqüências dos serviços utilizados foi a pouca referência feita pelos
respondentes à visita domiciliar, assim como aos grupos de educação em saúde.
Supõe-se que isso tenha origem na forma como a equipe de saúde organiza o seu
trabalho e define prioridades, evidenciando que entre essas não está a promoção da
saúde e as ações preventivas, preconizadas pela Saúde da Família, mas pouco
implementadas por essa equipe.
A proposta de acolhimento do serviço cenário desta pesquisa está inserida
na concepção que a SMS de Porto Alegre [2006] tem sobre o acolhimento como
serviço, que visa a atender a todos que procurarem os serviços de saúde, reduzindo
as filas e terminando com a distribuição de fichas diárias. Entretanto, a
implementação dessa proposta de acolhimento não ocorreu por completo na UBS
estudada, pois foram evidenciadas situações nas quais os usuários iam embora sem
receber nenhum tipo de atendimento. Além disso, permanece a distribuição de
número determinado de fichas para consulta médica, somente logo que a UBS abre,
de forma que os usuários se viam obrigados a formar fila antes de o serviço abrir
para conseguir ficha e, assim, atendimento.
Um dos maiores problemas encontrados no que se refere à forma de
acolher da equipe está na dificuldade em lidar com a demanda espontânea.
Corrobora-se o princípio da Saúde da Família de trabalhar com enfoque nas ações
preventivas, mas isso não significa negar ou tomar como menos importante as
demandas curativas, de doenças, as quais normalmente caracterizam a demanda
espontânea, pois essas não “marcam hora, não marcam dia para chegar”. Os
profissionais que decidem o modo de oferecer o trabalho aos usuários têm de refletir
sobre essa impossibilidade de prever o adoecimento, antes de definirem que a
metade dos atendimentos médicos tem de ser agendada com uma semana de
antecedência.
É preciso lembrar, também, que substituir o modelo biomédico não quer
dizer não tratar. O centro do trabalho em saúde é o usuário, que constitui um sujeito
103
social e não passível de divisão, de forma que o atendimento em saúde destinado a
ele também não deve seguir uma fragmentação, a partir da qual existam locais que
só tratam, ou só previnam. Se as equipes de Saúde da Família constituem a
primeira referência para os usuários, devem estar preparadas para acolhê-los em
qualquer situação, ao menos inicialmente, até que se tenham condições de
encaminhar o usuário para o nível de atenção mais adequado. Esse funcionamento
estaria mais consonante com o princípio de integralidade da assistência.
A análise do acolhimento desenvolvido nessa equipe de Saúde da Família
permite afirmar que os profissionais atuam centrados no trabalho médico, pois
muitos usuários referiram dificuldade em receber assistência se não possuíssem
uma ficha para atendimento médico. Por outro lado, muitos entrevistados (73%)
referiram que sempre foram atendidos por alguém quando procuraram a UBS,
mesmo não tendo ficha. Houve também, nas trajetórias terapêuticas, situações que
confirmam essa constatação, evidenciando que em alguns momentos os usuários
são, ao menos, ouvidos por alguém da equipe, mas poucas vezes essa escuta
ocasiona solução para o usuário.
Foram pesquisadas diferentes dimensões do acolhimento. No que tange ao
aspecto da responsabilização do profissional para com os problemas de saúde dos
usuários, quase a metade deles considerou que os profissionais se empenhavam na
resolução de seus problemas, mas também foram evidenciados momentos em que
não demonstraram tanta responsabilização, principalmente ao encaminharem os
pacientes para outros serviços. O empenho dos profissionais “sempre” implica,
estatisticamente, sentimento de amparo por parte dos usuários.
Quanto ao estímulo à autonomização, a maioria referiu sempre receber
informações acerca do seu estado de saúde pelos profissionais que prestavam o
atendimento, sendo que também a maioria disse entender essas explicações.
Alguns, entretanto, perdiam a autonomia diante da dificuldade que encontravam na
obtenção do diagnóstico do problema que portavam, seja por demora no
encaminhamento para exames ou por descaso dos profissionais.
No que concerne à integralidade, o atendimento pareceu ser mais coerente
quando a consulta estava previamente agendada. E fora dos consultórios, a metade
dos usuários considerou ótimo o tratamento recebido pela equipe.
104
Outros problemas encontrados que esbarram no acolhimento e na
resolutividade se referiram ao acesso funcional, relativos a questões de estrutura
material ou organizacional, como o horário de atendimento e a demora pelo mesmo.
As expectativas dos usuários ficaram restritas a ter mais médicos para
atender, ou mais fichas. Isso ocorre, provavelmente, pela falta de resolutividade da
UBS, que faz com que os usuários acreditem que mais médicos seria a solução. Da
mesma forma, a concepção de acolher dos participantes se mostrou restrita à boa
recepção, mas a maioria referiu que o serviço os acolhia bem.
Obteve-se um alto índice de usuários que consideram que a UBS tem
resolutividade sobre seus problemas, apesar de que a análise das trajetórias
terapêuticas demonstrou barreiras na obtenção de respostas positivas para os
pacientes. Entre essas barreiras estão a dificuldade de acessar especialistas, que
reflete na integralização do atendimento e acarreta demora em conhecer o
diagnóstico, interferindo, também, na obtenção de resolutividade. Outro problema
evidenciado foi a longa trajetória que alguns usuários relataram percorrer em busca
de uma solução para seu sofrimento, sendo que muitas vezes essa trajetória era
desenhada por eles próprios, que decidiam ir, sozinhos, em busca de algo que
resolvesse ou amenizasse seu problema de saúde. Na análise das trajetórias
percorridas pelos usuários, foram poucos os momentos em que se evidenciou
resolutividade no próprio serviço. Sob avaliação dos usuários, a resolutividade está
associada a conseguir ou não consulta com especialistas, o que ratifica a falta de
resolutividade no primeiro nível de atendimento.
Apesar do alto número de usuários que disseram que sempre encontram
resolutividade para seus problemas na UBS, ficou claro que o atendimento dessa
equipe de Saúde da Família não tem produzido mudanças na saúde da maioria dos
entrevistados. Mesmo assim, também um alto percentual de participantes se
considerava satisfeito com o serviço, havendo associação entre ter resolutividade
sempre e na maioria das vezes e estar muito satisfeito. A maioria indicaria a UBS
para outras pessoas, principalmente porque consideram que o serviço é bom, além
de ser perto de casa. Existe relação estatisticamente significativa entre o serviço ter
resolutividade e ser indicado.
Enfim, reforça-se que os resultados indicam um descompasso entre as
trajetórias terapêuticas percorridas pelos usuários e a visão que expressaram sobre
o serviço. Pode-se afirmar que a análise do acolhimento e da resolutividade, a partir
105
das trajetórias, demonstrou mais deficiências do que sucesso, ao passo que sob a
visão da maioria dos usuários, o serviço os acolhe e resolve seus problemas de
saúde. Entretanto, esse achado pode ser relativizado, novamente devido à análise
das trajetórias terapêuticas ter sido feita, na maioria dos casos, não aliada a um
problema de saúde específico dos usuários. Dessa forma, estudos futuros poderão
contemplar essas questões, bem como acompanhar os usuários em suas trajetórias
na busca pela resolutividade, a fim de realizar uma análise mais aprofundada do que
os sujeitos vivenciam no decorrer dessas trajetórias.
Com base nas constatações feitas, mesmo que relativizadas, sugere-se que
as equipes de saúde, em seus micro-espaços de trabalho, oportunizem espaços
coletivos de discussão sobre suas práticas de saúde, especialmente sobre seu
modo de acolher e de, verdadeiramente, se responsabilizar em buscar uma resposta
positiva ao usuário. As mudanças são necessárias e um passo inicial pode ser dado
a partir de esforços coletivos, no interior dos serviços de saúde. Diante da magnitude
da problemática inserida no cenário do sistema de saúde brasileiro, e da diversidade
e complexidade dos problemas de saúde das populações, essa é uma forma que se
vê de este estudo poder contribuir para a transformação do modo de assistir os
usuários dos Serviços Públicos de Saúde.
106
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115
APÊNDICE A – Instrumento de coleta de dados qualitativos
FORMULÁRIO NÚMERO: __________ DATA: ____________
1. Por favor, me conta toda a seqüência do atendimento na última vez que tu
fostes ao posto de saúde, desde tua chegada no serviço até o término do
atendimento (explicar que é a UBS)
2. O que você espera do serviço de saúde (UBS) aqui da região?
3. E o serviço resolve seus problemas?
4. O serviço trouxe alguma mudança na sua saúde? Essa mudança foi positiva
ou negativa?
5. Você se considera informado sobre a sua saúde?
6. Como é o atendimento quando você vem sem ter a consulta agendada?
7. E com a consulta já agendada, como é o atendimento?
8. Do que você mais gosta neste serviço?
9. O que você mudaria ou melhoraria no serviço?
10. Para você, acolher é ...
11. Gostaria de falar mais alguma coisa?
116
APÊNDICE B – Instrumento de coleta de dados quantitativos
FORMULÁRIO NÚMERO: _________ DATA: _____________
1. Sexo: (1) F (2) M
2. Idade: ______ anos
3. Escolaridade: ___________ (em anos de estudo)
4. Ocupação: _______________________________________
5. Possui plano de saúde privado? (1) S (2) N
6. Quantos cômodos possui a sua casa? ___________________
7. De que material a sua casa é feita? (1) madeira (2) alvenaria
(3) Outro (especificar) _____________
8. Utiliza o serviço de saúde há quanto tempo? _________________________
9. Com que freqüência utiliza o serviço?
(1) Semanalmente (3) Mensalmente (5) Outro: (especificar) _____
(2) Quinzenalmente (4) Anualmente
10. Quais serviços mais utiliza? (1) Consulta médica
(2) Consulta de enfermagem
(3) Grupos
(4) Procedimentos em geral
(5) Retirar medicação
(6) Visita domiciliar
(7) Outros (especificar) ___________________
_______________________________________________________________
11. Principais problemas de saúde: ___________________________________
_______________________________________________________________
12. Em geral, o posto de saúde
7
resolve seus problemas?
(1) Nunca (3) Na maioria das vezes
(2) Às vezes (4) Sempre
7
No instrumento, utilizou-se a expressão “posto de saúde” para se referir à UBS, considerando que
muitos usuários costumam chamar os serviços de saúde assim.
117
13. Quando este posto não resolve totalmente o seu problema, você procura outro
serviço por sua conta ou o posto daqui o encaminha?
(1) usuário procura outro serviço por sua conta
(2) O posto encaminha
14. E quando o posto encaminha, o outro serviço resolve seu problema? (aplicar
medidor)
(1) Nunca (3) Na maioria das vezes (5) Não se aplica
(2) Às vezes (4) Sempre
15. Após você realizar consulta ou exame em outro serviço, você volta ao posto
daqui (PSF) para trazer os resultados? (1) S (2) N
16. Os profissionais do posto lhe explicam as coisas referentes à sua saúde?
(1) Nunca (3) Na maioria das vezes
(2) Às vezes (4) Sempre
17. Você entende as explicações que os profissionais lhe dão a respeito da sua
saúde?
(1) Nunca (3) Na maioria das vezes
(2) Às vezes (4) Sempre
18. Quanto tempo demora pelo atendimento, geralmente?_________________
19. O que você acha do tempo de espera pelo atendimento?
(1) Ruim (3) Bom
(2) Regular (4) Ótimo
20. Qual sua opinião sobre o horário de funcionamento do serviço?
(1) Ruim (3) Bom
(2) Regular (4) Ótimo
Por quê? _____________________________________________________
21. Você é atendido sempre que procura o serviço ou algumas vezes não lhe
atendem por não ter mais fichas?
(1) Sou sempre atendido por alguém
(2) Às vezes não sou atendido por ninguém
22. Você considera que os profissionais se empenham para resolver o seu
problema?
(1) Nunca (3) Na maioria das vezes
(2) Às vezes (4) Sempre
118
23. Qual sua opinião sobre como você é recebido e tratado pelos profissionais do
posto?
(1) Ruim (3) Bom
(2) Regular (4) Ótimo
24. Qual sua opinião sobre o atendimento na recepção (balcão)?
(1) Ruim (3) Bom
(2) Regular (4) Ótimo
25. Você se sente seguro e amparado pelo fato de este serviço ser perto da sua
casa?
(1) Não (3) Regular
(2) Indiferente (4) Sim
26. Você indicaria este serviço para alguém? (1) S (2) N
Por quê? ____________________________________________________
_______________________________________________________________
27. Você se considera satisfeito com o serviço? (1) S (2)N
Em caso afirmativo, quanto?
(1) Pouco (2) Regular (3) Muito
119
APÊNDICE C – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
Pesquisa: Trajetórias terapêuticas e a visão dos usuários de um Programa Saúde
da Família: acolhimento e resolutividade em questão.
Pesquisadora responsável: Profa. Dra. Maria Alice Dias da Silva Lima; Tel.: 9678-
2818
Pesquisadora: Raquel Borba Rosa; Tel.: 9692-4293
Instituição: Escola de Enfermagem – Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Projeto submetido à apreciação do Comitê de Ética e Pesquisa do Hospital Materno
Infantil Presidente Vargas (Av. Independência, 661, 7º andar, bloco C)
Fui informado de que esta entrevista será utilizada somente para a coleta de
dados do estudo sobre o atendimento neste serviço de saúde e se ele resolve meus
problemas de saúde. O estudo é de autoria de Raquel Borba Rosa, sob orientação
da Prof. Dra. Maria Alice Dias da Silva Lima, da Escola de Enfermagem da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, e poderá contribuir com a melhoria do
atendimento em saúde.
O aceite ou não em participar do estudo é decisão minha, assim como o
direito de desistir em qualquer momento da pesquisa, sem que isso interfira em meu
atendimento por este serviço. Toda e qualquer dúvida que eu tenha em relação ao
estudo ou às perguntas, serão esclarecidas pela pesquisadora. Posso optar,
também, por permitir ou não que a entrevista seja gravada, para que não se perca
nenhuma das informações que eu venha a dar.
Estou ciente de que os dados coletados, depois de organizados e analisados,
poderão ser divulgados e publicados, ficando a pesquisadora comprometida de não
me identificar em momento nenhum e de disponibilizar os resultados do estudo aos
participantes, se assim desejarem.
Declaro que fui informado de forma clara sobre meus direitos enquanto
participante deste estudo, bem como aos procedimentos aos quais serei submetido.
Data: _____________
___________________________ __________________________
Participante Pesquisadora
120
APÊNDICE D – Folha Explicativa
Pesquisa: Trajetórias terapêuticas e a visão dos usuários de um Programa Saúde
da Família: acolhimento e resolutividade em questão.
Pesquisadora responsável: Profa. Dra. Maria Alice Dias da Silva Lima; Tel.: 9678-
2818
Pesquisadora: Raquel Borba Rosa; Tel.: 9692-4293
Instituição: Escola de Enfermagem – Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Projeto submetido à apreciação do Comitê de Ética e Pesquisa do Hospital Materno
Infantil Presidente Vargas (Av. Independência, 661, 7º andar, bloco C)
Prezado usuário,
Meu nome é Raquel, sou enfermeira e estudante do curso de Mestrado em
Enfermagem da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Estou desenvolvendo
este estudo sobre a forma como os usuários são atendidos neste serviço de saúde e
sobre sua capacidade em resolver os problemas de saúde dos usuários. Gostaria
muito de poder contar com sua participação, que é muito importante. Os resultados
do estudo poderão contribuir para a melhoria do atendimento em saúde prestado por
este serviço.
Quero deixar claro que não sou funcionária deste serviço e que seu nome
será mantido em segredo.
Caso aceite participar, esteja ciente do seu direito de desistir em qualquer
momento do estudo, sem que isso interfira no seu atendimento pelo serviço.
Qualquer dúvida ou informação referente ao estudo, fique à vontade para
me ligar.
Muito obrigada!
Raquel Rosa
Pesquisadora
121
ANEXO – Parecer do Comitê de Ética em Pesquisa
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