Download PDF
ads:
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO PARA
PROGRAMA DE MESTRADO EM EDUCAÇÃO
LINHA DE PESQUISA: TEORIA E PRÁTICA PEDAGÓGICA NA
FORMAÇÃO DOCENTE
JULIANA CAVASSIN
CONTRIBUIÇÕES DOS SETE SABERES PARA A PRÁTICA
PEDAGÓGICA DO TEATRO-EDUCADOR DO FUTURO
CURITIBA
2006
ads:
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
JULIANA CAVASSIN
CONTRIBUIÇÕES DOS SETE SABERES PARA A PRÁTICA
PEDAGÓGICA DO TEATRO-EDUCADOR DO FUTURO
Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado
em Educação, Linha de Pesquisa: Teoria e Prática
Pedagógica na Formação Doscente, como requisito
parcial para obtenção do grau de Mestre em
Educação. Pontifícia Universidade Católica do
Paraná.
Orientadora: Profa. Dra. Zélia Milléo Pavão.
CURITIBA
2006
ads:
DEDICATÓRIA
A Deus, à vida.
Para minha família, simplesmente por tudo.
Ao Colégio Medianeira, onde materializo a fé que tenho na educação pelo
Teatro.
Meus alunos, que me ensinam constantemente e que amo sem palavras
para dimensionar...
Aos amigos, pela força de sempre.
Querida Professora Zélia, orientadora e Mestra.
AGRADECIMENTOS
... à minha querida mãe, Suely Achy Cavassin, pelo apoio e compreensão
dessa alma de artista...;
... ao meu Pai, Luiz Aurélio Cavassin e aos irmãos Carolina do Rocio
Cavassin e Luiz Francisco Cavassin que completam a vida com o amor familiar,
fonte que nutre todos projetos e sonhos;
... aos Professores Ênio Carvalho, Ricardo Tescarollo e Zélia Milléo Pavão,
pelas orientações acadêmicas e de vida;
... ao Colégio Medianeira, pelo apoio profissional e acadêmico, desde minha
formação inicial até hoje;
Para todos que de alguma forma contribuíram nessa etapa, a qual seria
impossível sem o apoio e carinho. Muito obrigada!
TRADUZIR-SE
Uma parte de mim é todo mundo
outra parte é ninguém.
Fundo sem fundo.
Uma parte de mim é multidão,
outra parte, estranheza e solidão.
Uma parte de mim pesa, pondera,
outra parte delira.
Uma parte de mim almoça e janta.
outra parte se espanta.
Uma parte de mim é permanente,
outra parte se sabe de repente.
Uma parte de mim é só vertigem,
outra parte é linguagem.
Traduzir uma parte noutra parte
que é uma questão de vida ou morte.
Será Arte?
(Ferreira Gullar)
Considero que o conhecimento não deva incitar a prudência, ele incita a aventura. O
objetivo do conhecimento não é encontrar a fórmula única e definitiva do universo.
(Edgar Morin)
RESUMO
O presente trabalho é resultado da pesquisa iniciada na Especialização em
Fundamentos do Ensino da Arte, em 2002, pela Faculdade de Artes do Paraná
(FAP) e completada pela prática pedagógica iniciada em 2003 no Colégio Nossa
Senhora Medianeira. Trata-se de uma descrição de teoria e prática do ensino do
Teatro com foco na Educação do Futuro proposta pelo pensador francês Edgar
Morin que procura analisar como a Teoria da Complexidade pode contribuir na
formação docente. O Filósofo apresenta, através da Teoria, a necessidade de um
novo paradigma de pensamento tendo em vista as insuficiências do Paradigma da
Modernidade e as crises da atualidade geradas pelo mesmo em decorrência da
exaltação ao racionalismo operacional. Dessa forma, a base epistemológica da
pesquisa é a teoria da complexidade, essa, por sua vez, em interface com o teatro.
Nessa perspectiva, apresenta-se como um caminho para a nova concepção de
Educação, da mesma forma que essa apresenta fundamentos para uma também
nova perspectiva de ensino do teatro. O método utilizado na pesquisa tipo qualitativa
foi o Estudo Exploratório tendo a coleta de dados sido realizada pela Técnica de
Análise de Conteúdo. Esse representa o centro da discussão teórica que visa fazer
um paralelo entre os Sete Saberes e o Ensino de Teatro, ancorados na experiência
de prática pedagógica, correspondente a Análise e Interpretação dos Dados da
pesquisa.
Tem-se, assim, o trabalho final que sistematiza uma proposta metodológica e aponta
direcionamentos para constatações e reflexões acerca do Teatro na educação, no
sentido de prosseguimento de continuadas pesquisas a partir de sugestões e
recomendações aqui apontadas.
Palavras – chave: Paradigma da Complexidade, Teatro, Educação do Futuro.
LISTA DE SIGLAS E ABREVIAÇÕES
ABRACE – Associação Brasileira de Pesquisa e Pós- Graduação em Artes Cênicas
Art. – Artigo
FAP – Faculdade de Artes do Paraná
LDB – Lei de Diretrizes e Bases
MEC – Ministério de Educação e Cultura
PCNs – Parâmetros Curriculares Nacionais
PUCPR – Pontifícia Universidade Católica do Paraná
SESC - Serviço Social do Comércio
UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura
SUMÁRIO
LISTA DE SIGLAS E ABREVIAÇÕES.......................................................................4
RESUMO...................................................................................................................14
1 INTRODUÇÃO........................................................................................................9
2 UMA NOVA CIÊNCIA, UM NOVO PARADIGMA.................................................21
2.1 Matrizes emergentes do conhecimento científico....................................... 21
2.1.1 Os pilares da certeza...............................................................................25
2.1.2 A crise da certeza...................................................................................28
2.2 Ciência com Consciência: a Complexidade................................................. 32
2.2.1 O Método e os sete princípios da complexidade.....................................35
2.2.2 Principios fundamentais..........................................................................40
2.2.1 A Inteligência ...........................................................................................41
3 UMA NOVA EDUCAÇÃO.....................................................................................44
3.1 Os Sete Saberes da educação.......................................................................48
3.1.1 As cegueiras do conhecimento: o erro e a ilusão .................................... 48
3.1.2 O conhecimento pertinente.....................................................................52
3.1.3 Ensinar a condição humana ................................................................... 54
3.1.4 Ensinar a identidade terrena...................................................................58
3.1.5 Enfrentar as incertezas...........................................................................62
3.1.6 Ensinar a compreensão..........................................................................66
3.1.7 A ética do gênero humano......................................................................70
4 O TEATRO NA EDUCAÇÃO DO FUTURO .........................................................76
4.1 Arte e Conhecimento......................................................................................76
4.2 O Teatro como Conhecimento....................................................................... 79
4.3 O Teatro na Educação do novo Paradigma.................................................. 83
4.4 Relação entre o Teatro e os Sete Saberes....................................................89
5 PTICA PEDAGÓGICA DO TEATRO NUMA NOVA EDUCAÇÃO................106
5.1 TeM – Teatro Medianeira: Um Exemplo de Ensino do Teatro na escola.106
5.1.1 Jogos teatrais ....................................................................................... 109
5.1.2 Improvisação ........................................................................................ 110
5.1.3 Questionamento histórico-crítico-reflexivo............................................112
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS.........................................................................116
REFERÊNCIAS...............................................................................................121
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA.....................................................................124
DOCUMENTAÇÃO OFICIAL..........................................................................125
ANEXOS..........................................................................................................126
1 INTRODUÇÃO
Os paradigmas do pensamento moderno como a filosofia de Descartes,
o racionalismo empírico, o determinismo newtoniano e a lógica clássica exerceram
influência profunda na sociedade ocidental. No entanto tais conceitos, resultantes
do modelo de organização sócio-econômica dominante no planeta, tornaram-se
frágeis e insuficientes para explicar alguns dos contraditórios fenômenos humanos e
sociais como o gritante estado de violência, a miséria, o desequilibrio ecológico e a
injustiça social.
Um novo período de renovação e contestação do conhecimento vem
sendo construído para tentar explicar o fracasso do velho modelo diante de tantas
contradições. São as teorias das novas ciências que minam as bases da ciência
clássica e propõem uma esperança de mudanças reais.
Dentre essas, destaca-se a Teoria da Complexidade, o surgimento de
um novo paradigma científico ancorado na possibilidade de se encontrar caminhos
para o desenvolvimento da humanidade de forma mais sustentável, justa e solidária.
Esses estudos integram as recentes teorias do conhecimento e aprendizagem e vêm
sendo crescentemente aplicados às diversas áreas da educação. Nessa, Edgard
Morin principal expoente da teoria propõe Sete Saberes fundamentais para a
educação do futuro que devem abraçar todas as áreas do conhecimento.
O que não se vê, no entanto, o referencias ao Teatro
1
. O contrário
também ocorre; importantes autores e universidades que produzem pesquisas em
Teatro e Teatro Educação enfatizam diversas abordagens teóricas e metodológicas,
1
Teatro, nesta grafia, refere-se a uma área de conhecimento sistematizado, ou ainda, a uma
disciplina escolar específica; já escrita em outra grafia, como teatro, designa o termo de modo
genérico.
mas não apresentam referências aos sete saberes e à Complexidade, quando
muitas congruências.
Por esse motivo, a relevância da presente pesquisa é a
correspondência entre os fundamentos da Complexidade e do Teatro Educação
tendo em vista que esse pode contribuir com todos os princípios dos Sete Saberes
necessários para uma prática pedagógica ligada à educação do futuro. Assim, se
pretende responder a seguinte Questão Problema: Como o Teatro pode contribuir
na Educação do Futuro?
Para respondê-la, se tem como:
a) Objetivo geral:
- Apontar correspondências entre o Teatro e os Sete Saberes numa
teoria e prática pedagógica voltada para a formação de professores com foco na
Educação do Futuro
b) Objetivo específico:
- Apresentar a Epistemologia da Complexidade;
- Descrever os Sete Saberes da Educação do Futuro;
- Relacionar o Teatro com o Novo Paradigma;
- Apontar as contribuições do Teatro nos Sete Saberes;
- Propor uma teoria e prática pedagógica do ensino do Teatro
- Diagnosticar a situação do Teatro na educação geral e na educação
brasileira.
Tendo em vista que a área que se pretende estudar é a Educação,
como metodologia optou-se por:
- Pesquisa do Tipo Qualitativa: se afina melhor com fenômenos
sociais das Ciências Humanas em detrimento a Pesquisa Quantitativa. A pesquisa
qualitativa advém de um sentido mais humano, aproximado do objeto que permite
um contato direto com o pesquisado, pois considera todos os dados importantes da
realidade.
- Tipo de Estudo Exploratório: permite o aumento da experiência em
torno do problema levantado a partir de pesquisa preliminar que corresponde a um
mapeamento da realidade (TRIVIÑOS, 1987, p. 109).
A realidade que está concebida enquanto ponto de partida de estudo e
se apresenta como marco teórico é a da mudança de paradigma científico, dentro
da visão da Epistemologia da Complexidade. As etapas seqüentes selecionam e
aprofundam o estudo dos temas nos limites dessa realidade estão em torno de:
Ciência, Educação, Arte e Teatro.
- Coleta de Dados: feita pela Técnica de Análise de Conteúdo. O
emprego desse método presta-se ao estudo de tendências, desvendamento de
ideologias que podem existir em dispositivos legais, princípios e diretrizes que a
primeira vista não se apresenta com clareza (TRIVIÑOS, 1987, p. 160). A força e o
vigor dessa cnica apoiaram-se no referencial teórico pesquisado, definido pelos
campos da Complexidade, Teatro e Educação. Além da ênfase do conteúdo das
mensagens, os conceitos delimitados foram analisados por inferência de
informações e premissas levantadas a partir da técnica.
- Análise e Interpretação dos Dados: essa etapa é a final e
corresponde aos resultados da pesquisa. Foram consideradas as condições que
validam o caráter cientifico e o caráter interno e externo de verdade; a coerência,
consistência, originalidade, objetivação e intersubjetivação (TRIVIÑOS, 1987, p.
170). Para tanto, a pesquisa se apoiou nos três pontos fundamentais levantados por
TRIVIÑOS (1987, p.173); a) resultados alcançados nos estudos; b) fundamentação
teórica; c) experiência pessoal do investigador. Esse último descrito como teoria e
prática pedagógica.
É importante destacar que, como afirma TRIVIÑOS (1987, p.137), os
métodos e técnicas da pesquisa qualitativa não admitem visões isoladas, parceladas
ou estaques, mas sim, desenvolvem-se em interação dinâmica e de retro
alimentação que se reformulam constantemente tornando o processo unitário e
integral, como o conceito de conhecimento apresentado na própria complexidade,
que será descrito com maiores detalhes no presente trabalho e que segue com os
seguintes capítulos;
No Capítulo 2, apresentam-se os paradigmas da Ciência Moderna, os
fundamentos e a crise que levou à busca do novo, da Complexidade. A origem está
no período inicial da filosofia grega com Aristóteles, que sistematizou e organizou o
conhecimento científico da Antigüidade e criou o esquema base do pensamento
ocidental. As teorias do filósofo foram preservadas e utilizadas durante o predomínio
da Igreja na Idade Média (CAPRA,1975, p.24). Com o Renascimento, a ciência
libertou-se um pouco da profunda influência da Igreja e de Aristóteles, ocorrendo
interesse maior pela Natureza. Surgiu o espírito científico, isso é, experiência como
forma de validação das idéias especulativas. Houve também crescente
desenvolvimento pela matemática e a partir do século XVII, nascimento e ascensão
do paradigma moderno, que influenciou de forma significativa o pensamento
ocidental.
A grande característica desse paradigma foi o desenvolvimento do
pensamento filosófico que originou o dualismo extremo entre espírito e matéria. O
matemático René Descartes - principal responsável pelas bases do paradigma da
modernidade - apresentava a natureza com uma divisão fundamental entre os reinos
separados da mente e da matéria. Essa era vista como algo morto, apartado em si,
uma vasta quantidade de objetos reunidos em uma máquina de grandes proporções.
Tratava-se de uma visão mecanicista do mundo, alicerçada também na física
clássica de Isaac Newton. A visão determinista/atomista de um universo quina
constituído por bases isoláveis passou a dominar a ciência (MORIN, 1991, p.168).
Conhecimento, ciência, experiências, fatos e objetos do ambiente
cotidiano foram racionalizados. O paradigma derivava e pertencia exclusivamente ao
reino do intelecto; as principais funções eram discriminar, dividir, comparar, medir e
categorizar. Um sistema de símbolos e conceitos abstratos, caracterizados pela
estrutura seqüencial e linear (CAPRA, 1975, p. 29).
A conseqüência dessa forma de pensar foi que durante todo o século
XIX buscou-se intensamente apenas o desenvolvimento técnico e científico,
valorizando-se a especialização como único caminho para o progresso. Daí resultou
um saber parcelado, mutilado e disperso; um saber simplificado.
“Penso, logo existo” (DESCARTES, 1637)
foi a xima desse modelo.
Não o conhecimento, mas também os homens tiveram sua identidade igualada
apenas à mente e não ao organismo como um todo; a visão de si um como ego
isolado dentro do corpo controlado pela mente. Da mesma forma, os indivíduos, o
ambiente natural e a sociedade também foram separados em compartimentos
incomunicáveis de acordo com funções, gostos, atividades, religiões, nações.
(CAPRA, 1975, p. 26). Essa diversidade de tão isolada e fragmentada tornou-se
conflituosa, incapaz de ser descrita ou apreendida integralmente pela estrutura do
pensamento, tal qual o mundo natural. Assim, a lógica racional tornou-se somente
de inteligibilidade utilitária, pois produzia respostas claras, precisas, sem equívocos,
mas incapazes de explicar o universo complexo, incerto e ambíguo. A racionalidade
Clássica (que repele a confusão e o caos) por si só tornou-se incapaz de explicar os
fenômenos complexos de modo que, junto com as crises inexplicáveis pelo modelo,
vieram as crises do próprio paradigma.
No modelo de pensamento da modernidade, considerado redutor,
único e simplificante, ocultaram-se as solidariedades, as inter-retroações, os
sistemas, as emergências e as totalidades. A geração de uma concepção
unidimensional, parcelar e mutilada do real levou à incapacidade de se explicar
problemas racionalmente (MORIN, 1991, p.168), pois o pensamento foi apropriado
pelo poder de uma cultura na qual o homem perdeu o sentido de globalidade e de si
mesmo por estar atrelado ao modelo binário e linear, cujo padrão privilegiava o
conhecimento tecno-científico e deixava em segundo plano a vertente humanística
(MARIOTTI, 2002, p. 04).
A conseqüência da divisão cartesiana na separação entre corpo e
mente, relegou a essa a inútil tarefa de controlar aquele devido ao conflito entre a
vontade consciente e os instintos involuntários. A divisão em compartimentos
isolados de indivíduos de acordo com as atividades que exercem, talentos,
sentimentos, crenças e da sociedade em nações, raças, grupos políticos e religiosos
tornou-os engajados em constantes conflitos metafísicos e frustrações (CAPRA,
1975, p. 25).
O ambiente natural, constituído de partes separadas, passou a ser
explorado por diferentes grupos de interesse. O homem ficou alienado da natureza
e dos demais seres humanos, gerou uma distribuição absurdamente injusta de
recursos naturais, uma explícita desordem econômica e política, violência
(espontânea e institucionalizada), meio ambiente degradado, enfim, um padrão de
vida física e mental insalubre. Teve como conseqüência, o estímulo à
competitividade, a desvalorização do cotidiano, a dificuldade da prática da
tolerância, da serenidade e da compaixão (MARIOTTI, 2002, p. 7)
Tal “desequilíbrio Cultural” (CAPRA, 1975, p.17) favoreceu a auto-
afirmação em vez da integração, a análise em vez da síntese, o conhecimento
racional em vez da sabedoria intuitiva, a ciência em vez da religião, a competição
em vez da cooperação, a expansão em vez da conservação, a desvalorização da
arte, pois o pensamento simplificador possui limites e insuficiências que não
exprimem as idéias de unidade e diversidade presente no todo, sendo impossível
compreender racionalmente os problemas decorrentes dele.
Diante desse contexto, fez-se necessária a busca por novos
paradigmas, como a Complexidade. Essa visão não pretende defender uma
dimensão em detrimento da outra como o todo ou a parte, ou a negar
completamente os paradigmas da racionalidade. O que se propõe é a união entre as
diferenças, pois a renuncia completa do racionalismo também “mergulharia o ser
humano em alucinações e loucuras” (FÁVERO, 2004, p. 03).
O que se defende é a complementaridade; o entrelaçamento entre os
dois modelos mentais, sendo por isso, também chamado de “Pensamento do
Abraço” (MARIOTTI, 2002), o abraço entre as partes de um sistema que integram o
todo, sem perder as características individuais e específicas.
Para tal questão, o que Edgar Morin propõe é uma teoria que consiste
na sistematização da crítica aos princípios, objetivos, hipóteses e conclusões de um
saber fragmentado, ligando o que está disjunto para melhor compreendê-lo
(PETRAGLIA, 1995, p. 40). Complexo também pode ser entendido como tudo
aquilo que é tecido junto; é o fenômeno unitas multiplex, ou, unidade na
multiplicidade. Trata-se de uma retomada da Pluri-sensorialidade, na qual uma
religação; a reaproximação de saberes posta em prática na concretude dos sistemas
da natureza em detrimento do pensamento baseado exclusivamente no raciocínio
fragmentador, no modelo binário (ou/ou; amigo /inimigo; bem/mal...) da ciência
clássica. A proposta da complexidade é de não atuar a partir de ações individuais e
isoladas, mas sim em ações integradas e dependentes. Tampouco propõe a visão
utópica de um pensamento totalizante (o que seria também reducionista) ou a
exclusão do pensamento racional. É uma efetiva participação na dinâmica dos
ciclos do mundo natural, uma interdependência espontânea que produz
autoprodução e autonomia (MARIOTTI, 2002, p 19).
Na sociedade atual - cujas características são o estático e o
movimento, a especificidade e a totalidade, a ordem e a desordem, a auto-
organização, a relatividade tempo/espaço, as possibilidades de um eterno “vir- a-
ser” e a globalização (parcelas que se relacionam e não apenas se somam) - Morin
fala do princípio da incerteza como norteador da humanidade. Atribui à ciência e a
toda ação política esse princípio, não pela sua eliminação. Sugere que se busque
compreender a contradição e o imprevisível na convivência entre eles que decorre
da integração das aptidões naturais inatas com a existência da cultura, fundamental
para a humanidade. Dessa complementaridade – evolução biológica e evolução
cultural é possível refletir sobre a ciência do homem enquanto conhecimento do
ser, ao nível da espécie e do indivíduo, que a complexidade está intrínseca em
cada aspecto da vida. Cabe ao ser humano, através da produção do conhecimento,
interpretar os aspectos da ambigüidade, sem, contudo, desconsiderar a
multidimensionalidade do real, os diversos caracteres do fenômeno, tendo em vista
que o pensamento complexo é responsável pela ampliação do saber. Se o
pensamento for fragmentado, reducionista e mutilador, as ações terão o mesmo
rumo, tornando o conhecimento cada vez mais simplista e simplificador, já que
ambos são inseparáveis (PETRAGLIA, 1995, p. 50). As ações são decorrentes de
um processo organizador de autoconhecimento que não é estático, pois o
movimento de ir e vir que permite a criação que o indivíduo-sujeito transforma e
constrói sua identidade e aprende sempre, coloca o aprendizado em função de seu
meio ambiente.
Para a transformação da crise planetária em toda sua obra Edgar Morin
fala do paradigma da complexidade, que influi, sobretudo, na educação que essa
abrange todas as áreas do conhecimento. Como é a escola a principal responsável
pelo conhecimento, Morin defende que a reforma do pensamento necessita passar
pela reforma da educação, e vice-versa, que se trata de um processo complexo
de retro alimentação. Assim, um caminho para a concepção de Educação do Futuro
é apontado pelo filósofo a partir de Sete Saberes fundamentais (MORIN, 2002) : “A
cegueiras do conhecimento: o erro e a ilusão”; “Ensinar o Conhecimento Pertinente”;
“Ensinar a Condição Humana”; “Ensinar a Identidade Terrena”; “Enfrentar as
Incertezas”; “Ensinar a Compreensão” e; “Ensinar a Ética do Gênero Humano”. Tais
princípios serão descritos no Capítulo 3.
muitas semelhanças entre os princípios do Teatro, a Complexidade
e os Sete Saberes. Dessa forma, a prática pedagógica do Teatro pode trazer
contribuições para o aprendizado do futuro. No entanto não referencias
metodológicas sobre essa relação. O Capítulo 4 aponta possibilidades de
correspondência entre as teorias e busca apontar contribuições que o Teatro pode
trazer ao Novo Paradigma e aos Sete Saberes tendo em vista que esse envolve
produção de conhecimento e cultura já que é fonte de formação, comunicação,
produção coletiva, apreciação e produto histórico cultural nas instituições educativas
ou organizações comunitárias.
no Capítulo 5, demonstra-se um pouco de histórico do Teatro
Educação, a realidade desse no Brasil e apresenta um exemplo de prática
pedagógica que pode contribuir na formação de professores de Teatro com foco na
Educação do Futuro.
Na literatura que fundamenta o Teatro Educação aparecem
abordagens de aspectos da formação global do sujeito muito próximos dos
defendidos pela complexidade. No entanto, não envolvem a Epistemologia da
Complexidade de Morin como uma sistemática. Olga Reverbel (1979) diz que o
Teatro é a arte de manipular os problemas humanos, apresentando-os e
equacionando-os. A autora defende a função eminentemente educativa, destacando
que a instrução ocorre através da diversão com o desenvolvimento emocional,
intelectual e moral da criança, que correspondem aos desejos e anseios e à
proporção de uma marcha gradativa das próprias experiências e descobertas. O
Teatro na educação possui uma concepção totalizante, isso é, implica e compromete
todas as potencialidades do indivíduo, permitindo o alcance da plenitude da
dimensão social com o desenvolvimento da auto-expressão. Também mobiliza todas
as capacidades criadoras e o aprimora a relação vital do indivíduo com o mundo
contingente, pois as atividades dramáticas liberam a criatividade e humanização,
pois se aplica e integra o conhecimento adquirido nas demais disciplinas da escola e
principalmente, na vida, o que significa o desenvolvimento na área cognitiva e
também afetiva do ser humano. É a possibilidade do abraço entre saberes diversos
e também dos Sete Saberes propostos por Morin.
MARTINS (2003), apresenta o Teatro Educação como um caminho
para o aperfeiçoamento do ser em processo de auto-conhecimento e conhecimento
do mundo, levantando um aspecto no que se refere ao atual contexto histórico e
social. Fala-se da contribuição que o Teatro pode dar para uma compreensão mais
abrangente da sociedade capitalista imersa em todos os tipos de desigualdade e,
principalmente, nas problemáticas decorrentes da cultura de massa. Pelo Teatro é
possível uma compreensão concreta da realidade, da qual decorre o homem
participante de forma ativa no mundo. Os exercícios teatrais requisitam a utilização e
desenvolvimento da capacidade de resolução de problemas e conflitos, resultando
na ampliação da habilidade de se fazer opções conscientes através do
desenvolvimento do pensamento crítico e reflexivo.
Assim, o que se em diferentes autores é que há contribuições do
Teatro para a educação de um Novo Paradigma (em termos de métodos, por
exemplo, o Teatro do Oprimido de Augusto Boal e o Teatro Didático de Brecht),
no entanto, que não foram relacionados diretamente com a Complexidade e a
Educação do Futuro de maneira sistemática, apontando para uma prática
pedagógica e a formação de professores. A problemática pesquisada visa suprimir
esse vácuo propondo-se a apontar novos caminhos a partir da pesquisa que aqui se
inicia, afinal, envolve uma perspectiva de análise teórico-histórica com ênfase no
“processo” (verificar o problema na sua circunstância, de forma prolongada e direta)
e base na Ação: detectar o problema e propor transformá-lo. Tais resultados serão
analisados nas Considerações Finais”, o como uma conclusão, mas ao
contrário, como a abertura para um amplo caminho a ser investigado.
2 UMA NOVA CIÊNCIA, UM NOVO PARADIGMA
“Estamos numa época de mudança de paradigmas. Os paradigmas
são os princípios dos princípios, algumas noções que controlam os espíritos, que
comandam as teorias, sem que estejamos conscientes de nós mesmos.”
(MORIN, 2000, p. 41).
O puro saber operacional (sem consciência) tem manipulado bombas
nucleares. É preciso explicações que justifiquem o que antes se argumentava
apenas pela ciência que hoje produz bombas; busca-se um novo paradigma para a
contemporaneidade. O fim dos grandes discursos, a má utilização da ciência, as
novas tecnologias são as realidades presentes do atual mundo complexo, que
pode ser entendido com complexidade também. O ponto de partida é entender a
Inteligência humana, ou seja, como foi construído o paradigma do pensamento que
trouxe tantas contradições.
2.1 Matrizes Emergentes do Conhecimento Científico
Morin entende Paradigma como todos os discursos, conceitos
fundamentais e categorias dominantes da inteligibilidade contidos no império cujas
relações lógicas são de atração e repulsão entre eles. O paradigma que domina a
cultura ocidental e que produziu os saberes que conduziram a humanidade aos dias
atuais é o Paradigma Científico ou da Modernidade.
Surgiu na Renascença, com a Ciência Moderna e a visão da cultura
humanista
2
, na qual existia uma relação com a consciência no sentido ético e moral.
No entanto, em atitude contra o poder inibidor da igreja, o desenvolvimento do
conhecimento cienfico tornou-se o princípio fundamental, o que gerou uma
disjunção absoluta do julgamento de valor e do dever moral. Esse conhecimento
tinha como prioridade “ser tornado público e pesquisado quaisquer que sejam as
conseqüências morais”. (MORIN, 2000, p. 27).
A disjunção entre ciência e moral se acirrou com René Descartes que
determinou dois separados campos do conhecimento: o Sujeito (Ego Cogitans), o
homem que reflete por si mesmo, filosófico; e o Objeto (Res Extensa), objetos que
se encontram no espaço por serem extensões dele e que podem ser compreendidos
pelo conhecimento científico.
O desenvolvimento separado da ciência e filosofia passou a considerar
o sujeito como um parasito na pesquisa; o homem era visto como interventor
subjetivo. Só o Método Experimental (observação de diferentes olhares em torno de
uma experiência objetiva) extraia, detectava e isolava a objetividade dos fatos para
torná-los conhecimentos que refletiam a realidade.
A conseqüência foi uma especialização, fragmentação e
“desintegração das realidades molares com as quais são confrontadas nossas vidas
e reflexões como o indivíduo, a subjetividade, o homem, a sociedade, a vida”
(MORIN, 2000, p.28) que levaram as ciências eliminaram esses cinco elementos, ao
contrário do pensamento humanista. Esse tem como características: a organização
de informações muito diversas “que são acessíveis, em princípio àquilo que nós
2
A cultura humanista desenvolve-se nos séculos XVII e XVIII tendo como principais representantes:
Montaigne, Voltaire, Rousseau e Diderot. Fundamenta-se em questionamentos sobre o homem, o
destino, a sociedade, a vida e a morte.
chamamos de homem honesto, aquele que pode ter acesso à cultura” (MORIN,
2000, p. 30); a reflexão e meditação; a permanência num nível de problemas em que
o conhecimento estava ligado à vida de cada um e à vontade de situar - se no
universo; o trato do conhecimento de maneira geral.
a cultura científica se fundamentava cada vez mais em uma enorme
quantidade de informações e conhecimentos que nenhum espírito humano saberia;
passou ser impossível ter uma visão sobre homem, natureza, universo, sociedade,
pois o material tornou-se fechado, compartimentado, especializado; um
conhecimento que não se pode discutir ou refletir. A conseqüência desse paradigma
é que “hoje em dia, na conjunção dos saberes fragmentados e das idéias gerais,
vazias, o direito à reflexão é colocado em causa e até mesmo condenado”. (MORIN,
2000, p 31).
O desenvolvimento da ciência levou a mesma ao centro da sociedade;
ela passou a ser um fenômeno central que estimulou o desenvolvimento técnico,
esse, por sua vez, reestimulou o conhecimento científico.
... mas esse desenvolvimento científico também permitiu a criação da
bomba atômica, etc. estamos num circulo vicioso, num circulo de
intersolidariedade em que é justo distinguir aquilo que é científico, técnico,
sociológico, político... mas é preciso distingui-los, não dissocia-los. E
sempre a cegueira, a incapacidade de ver a conexão onde existe conexão,
a incapacidade de olhar-se a si próprio. (MORIN,2000, p.34)
Acentuou-se, assim, a distância entre ciência e humanidade na ação
irresponsável do sujeito, aquele que percebe, reflete sobre si mesmo, discute e
contesta a própria ação. “O conceito de sujeito não tem nenhum lugar justamente
nos princípios do conhecimento científico: ser cientista é ser literalmente
irresponsável por profissão!” (MORIN, 2000, p.35).
EDGAR MORIN (2000, p. 31) considera tal essa realidade como um
“neo obscurantismo generalizado”, pois o princípio dinamizante do conhecimento
científico passou a ser o da simplificação; uma renuncia submissa e fatalista à
ignorância e a capacidade de saber dado a enorme quantidade de conhecimento
que continua a ser produzido e que vai se acumulando para ser estocado por
computadores apenas pela demanda de empresas ou do estado.
A filosofia (que tinha como um de seus fundamentos o pensar e refletir
sobre os saberes adquiridos pelas diferentes ciências para uma reflexão global) foi
separada da ciência e consagradaa morder sua própria substância”. (MORIN,
2000, p.94).
Sob a influência renascentista do inicio da ciência moderna (com o
Racionalismo de Descartes, o empirismo de Bacon, o Absolutismo de Hobes), a
razão, a experiência, o homem como senhor de si mesmo (pressupostos filosóficos
que culminaram com o iluminismo, no qual o culto a razão chegam ao seu auge;
retirou-se Deus e endeusou-se a razão) até as artes tornaram-se subordinadas ao
racionalismo. Na música, por exemplo, destacou-se o classicismo, a Música Pura,
cuja única significação era a de ser música, que comovia com alegria e tristeza.
Clássico significava ser essencialmente de primeira classe, perfeito em forma e
conteúdo, apresentar a idéia de corretamente excepcional, como fizeram Mozart,
Beethoven, Schubert; passavam por cima dos estados e sentimentos em que se
encontravam para serem fiéis à construção musical estabelecida com a razão em
detrimento da emoção.
... a música das luzes devia ir ao encontro do ouvinte, e não obrigá-lo a
fazer um esforço para entender a estrutura. Devia cativar (através de sons
agradáveis e de uma estrutura racional) e comover (através da imitação de
sentimentos), mas não surpreender em demasia (através de uma
excessiva elaboração) e ainda menos causar perplexidade (através de um
excesso de complexidade). (GROUT, in MESSAGI, 1997, p.41).
No Teatro, o filósofo Denis Diderot (1713-1784), idealizou o drama
francês da burguesia. Na história da arte dramática, os períodos anteriores
priorizavam a comédia e a tragédia enquanto nesse, o enciclopedismo, a nova
ideologia moral e social eram refletidas na arte dramática. Diderot acreditava que o
Teatro, os atores no palco, eram instrumentos de propaganda capazes de substituir
o púlpito e os pregadores. A estética proposta no Discurso do Paradoxo destaca
quatro argumentos centrais para o ator: a importância da falta absoluta de
sensibilidade (os sentimentos deviam ser usados racionalmente pelos atores);
conformidade cnica; construção lúcida e técnica da emoção; a condição social do
ator como inferior.
Diderot, que teve publicado postumamente, em 1830, o seu Paradoxo
sobre o comediante, representa o Iluminismo do século XVIII com a
assumida revolta da razão contra os mitos e misticismos, advindos do
período medieval e enfeitados pela retomada alegórica do Barroco
renascentista. Para ele, o ator deve ser consciente de seus recursos
técnicos, pois não deve sentir, mas fazer sentir. (CARVALHO, 1992, p. 47)
Assim, o que se viu foi que mesmo as mais humanas áreas do
conhecimento também passaram a se basear nos quatro pilares da certeza
moderna, os princípios de: ordem; separação; redução e da lógica indutiva-dedutiva
– identitária.
2.1.1 Os pilares da certeza
No capítulo “Complexidade: os desafios do método”, da “Epistemologia da
Complexidade” (MORIN, 2000, p. 90), o autor apresenta os fundamentos dos quatro
pilares do pensamento científico que determinaram o Paradigma da Modernidade.
São eles: Pilar da Ordem ; Pilar da Separabilidade; Pilar da Redução; Pilar da Lógica
indutiva – dedutiva-identitária.
Até Isaac Newton, seguia a idéia de que as coisas eram regidas
imperativamente, absolutamente, (em função da monarquia absolutista), com leis
humanas e de caráter divino (a perfeição divina garante as leis da natureza). Depois
de Newton, a idéia predominante é que a ordem fundamenta-se por ela mesma, o
mundo é concebido como uma quina perfeita que adquire o absolutismo
arrancado por Deus. Essa é a Idéia chave do Pilar da Ordem.
Na Separabilidade prevalece a idéia de que para se resolver um
problema é preciso decompô-lo em elementos simples. Baseia-se no princípio
analítico do “Discurso do Método” de Re de Descartes; dividir cada uma das
dificuldades que eu examinaria igualmente em partes que pudessem e fossem
convenientes para melhor resolvê las”. (DESCARTES in MORIN, 2000, p. 95). Tal
princípio se colocou no domínio científico pela especialização, hiperespecialização,
compartimentação e incomunicabilidade das disciplinas e revelou a dificuldade de se
ver o conjunto como um todo. Foi determinado pela separação das grandes ciências
(ciência, filosofia e cultura humanista) e das disciplinas fechadas em si no interior
delas. Também gerou o isolamento e a auto-suficiência do objeto em relação ao
meio, a separação dele do conhecimento do conhecimento, que espelha a realidade
subjetiva (eliminação do sujeito observador e conceituador).
O Pilar da Redução segue o princípio de que o conhecimento dos
elementos de base do mundo físico e biológico é fundamental e o dos conjuntos,
mudanças e diversidades são secundários. Tenta reduzir o conhecimento ao que é
mensurável, quantificável, formalizável, eliminando qualquer conceito que não se
traduza por nenhuma medida.
O princípio da redução anima todos os empreendimentos destinados a
dissolver o espírito no cérebro, a reenviar o cérebro ao neurônio, a explicar
o humano pelo biológico, o biológico pelo químico ou pelo mecânico. Ele
anima todos os empreendimentos que tratam da história e da sociedade
humana, fazendo a economia dos indivíduos, da consciência, dos
acontecimentos. (MORIN, 2000, p. 97).
No Pilar da Lógica indutiva-dedutiva – identitária o princípio da razão se
baseia nos três axiomas identitários aristotélicos
3
(identidade, contradição e terceiro
excluído) e na indução e dedução que asseguram a validade formal dos raciocínios.
Essa lógica é extremamente aditiva e o pode conceber as transformações
qualitativas ou as emergências das interações organizacionais. Por isso fortalece o
pensamento linear (causa e efeito), pois não considera a inteligência da retroação do
efeito sobre a causa.
Os quatro pilares são interdependentes e se reforçam e reforçam a
hegemonia da disjunção, redução e cálculo que concebem objetos simples e
que obedecem a leis gerais. Por isso produzem um saber anônimo, cego sobre o
contexto e o todo complexo. Ignoram as singularidades, o concreto, a existência, o
sujeito, a afetividade, o sofrimento, o gozo, o desejo, as finalidades, o espírito e a
consciência. É simplificante por que em suma, acaba por selecionar como
verdadeira as explicações mais simples, de forma que as concepções, crenças,
mitos e delírios não acidentais são considerados erros e superstições.
No entanto, o pode - se ignorar a inteligência oriunda desses quatro
pilares; se não fosse de extrema eficácia, não determinaria um paradigma. Foi ela
3
Os Axiomas Aristotélicos seguem os princípios de identidade, contradição e terceiro excluído que
estabelecem ao mesmo tempo uma mesma relação e são definidos como;
1- IDENTIDADE:
A é A. É impossível o mesmo existir ao mesmo tempo e com a mesma relação;
2- CONTRADIÇÃO:
É impossível um mesmo atributo pertencer e não pertencer a um mesmo sujeito ao mesmo tempo
e sob a mesma relação;
3- TERCEIRO-EXCLUIDO:
Em duas preposições contraditórias uma deve, necessariamente, ser falsa e outra verdadeira.
que permitiu a manipulação de inúmeras vitórias técnicas, mesmo ignorando os
efeitos perversos que trouxeram a humanidade ao ponto em que esta.
Essa manipulação tinha como mito a conquista da natureza e do
domínio do homem sobre o universo. Um princípio de persuasão que conduziu a
dominação e ao desprezo por tomar a abstração por realidade e desprezar o que
não participasse do projeto. No entanto, foi da busca incessante pela certeza que
trouxe a incerteza, colocando em xeque a própria ciência.
2.1.2 A crise da certeza
A simplificação científica falhou na sua própria vitória: na sua pesquisa
obsessiva da pedra angular elementar e da lei suprema do universo,
reencontrou nos seus últimos avanços e sem poder reabsorvê-la, a
complexidade que ela havia eliminado no princípio. (MORIN, 2000, p. 102)
Os quatro pilares da certeza sofreram um abalo no século XX em
função da ocorrência de duas revoluções científicas. A primeira, por volta de 1900
inacabada - é da física e opera a crise da ordem, da separabilidade e da redução
lógica. A segunda, nos seus primórdios, aponta para a emergência das ciências
sistêmicas, do reagrupamento de disciplinas diversas em torno de um complexo de
interações e/ou de um objeto que constitui um sistema que afeta na base a
separabilidade e a redução. Surgiram daí conceitos como a desordem, a não -
separabilidade, a não – redutibilidade e a incerteza lógica, bases para o Pensamento
Complexo.
Na física apareceram os estudos de termodinâmica (que demonstram
ser o calor uma agitação de moléculas desordenadas); a noção de expansão
universal, explosões de galáxias, buracos negros; o quantum de energia. A
desordem da termodinâmica, a microfisica e a cosmologia, apontaram, assim, que a
desordem surge da ordem, ou seja, são princípios que não se excluem, mas se
complementam. A noção de caos apontou um principio rico, energético, de
indistinção e confusão entre um poder criativo e destrutivo que leva consigo a
potencialidade genésica do universo, ou seja, o potencial de “desintegrar se
organizando” (MORIN, 2000, p. 104).
Os estudos atômicos concluíram ser a partícula não uma noção de
base, mas sim de fronteira e que o sujeito sempre está atrás do observador.
Percebeu-se que mesmo a noção do mundo físico é intermediada por
representações, conceitos e sistemas de idéias. Também trouxe o principio da
incerteza, que no novo paradigma vem justamente fazer comunicar as instâncias
separadas do conhecimento para fechar o circuito. Ou seja, a considerada mais
exata das ciências trouxe à tona a incerteza cientifica e colocou a incerteza como
uma necessidade para a própria ciência.
A crise da redução apontou o surgimento da inseparabilidade na
separabilidade, contraditoriamente. A pesquisa obsessiva da menor parte de um
elemento químico (daí a molécula, o átomo, a partícula e o quark) desembocou no
complexo. Viu-se que a partícula é uma entidade equívoca, incerta e composta e
que o quark não poderia ser isolado materialmente, apenas postulado pelo cálculo.
Os estudos atômicos demonstraram que a partícula não possui apenas duas
propriedades complementares; revelou também duas identidades que se excluem
logicamente.
O principio da redução foi também utilizado na área biológica; a partir
da tentativa de redução da célula chegou ao gene. Esse, por sua vez, o pode ser
isolado dos outros genes (genoma); é um sistema não-fixo que comporta as suas
próprias organizações. Progrediu assim, na última metade do século, a idéia
sistêmica que questionou a validade do conhecimento reducionista.
Essa noção foi fortalecida também pela teoria geral dos sistemas, pelos
estudos cibernéticos, pela ecologia, pelas ciências da terra e pela cosmologia. Na
primeira, viu-se que é o conjunto das partes diversas que constituem um todo
organizado, ou seja, que o todo é mais do que o conjunto das partes que o compõe.
A cibernética apresentou programas informacionais e dispositivos de regulagem que
mostraram o conhecimento não poder ser reduzido às suas partes constitutivas. Daí,
as emergências, (de onde surgem as retroações), ou seja, a noção de que “a
organização em sistemas produz qualidades ou propriedades desconhecidas das
partes concebidas isoladamente” (MORIN, 2000, p. 108).
Na segunda metade do século, a segunda revolução científica fez
surgir certo número de disciplinas e remembrou as que eram usualmente
compartimentadas e frequentemente separadas pela disjunção das ciências naturais
e humanas. Desenvolveram-se as ciências sistêmicas, com o objetivo de interar e
não separar os elementos. Ressuscitou, assim, a natureza, o cosmo e as noções do
senso comum eliminadas pela ciência clássica.
Nos anos 60, o desenvolvimento da ecologia inseriu a idéia de
sistemas a partir das noções de ecossistemas. Trata-se do conjunto de interações
de uma geofísica que contém diversas populações vivas que constituem uma
unidade complexa de caráter organizado. Elas englobam constituintes
interdependentes (assimilam separadamente a zoologia, botânica, microbiologia,
geografia...) e concebem a biosfera como um sistema auto-regulador influenciado
pelo desenvolvimento técnico industrial.
Os estudos tectônicos das ciências da terra mostraram que o planeta é
um sistema complexo, que se auto-produz e organiza, de modo que as monções da
Ásia provocam tremores na Grécia e na Itália, por exemplo. Pela cosmologia
cientifica percebeu-se que o homem é delineado por um cosmo singular em devir. A
astrofísica associada à microfisica e toda a situação humana diante desses infinitos
passou a introduzir a possibilidade da vida e da consciência no cosmo, ou seja, o
princípio antrópico.
A contradição que passou a ser aceita pela racionalidade cientifica,
veio demonstrar que não havia um ilogismo no pensamento, mas sim na realidade.
Possibilitou a consideração das antinomias como contínuo/descontínuo; espécie e
indivíduo; sociedade/indivíduo, ou seja, idéias contrárias podem ser também
complementares. Também o conceito de Auto-eco organização; “O ecossistema
está no interior do ser vivo que está no interior de seu ecossistema. O ser vivo é, ao
mesmo tempo, operador e operado da organização viva” (MORIN, 2000, p. 118).
Assim, a sociedade teve que repensar a tecnologia e a ciência, pois
todos os projetos tecnológicos foram incapazes de contextualizar e multidimensionar
os problemas existentes. Ao contrário, a promessa de soluções desembocou em
dimensões catastróficas nunca antes concebidas, como as guerras mundiais e a
bomba atômica.
Paralelamente ao fantástico desenvolvimento do conhecimento científico,
houve um extraordinário desenvolvimento do poder oriundo do
conhecimento científico. Vemos hoje que a física, em particular a física
nuclear, apresenta um enorme poder de destruição, que o conhecimento
em biologia molecular e em genética permite entrever as manipulações
genéticas, uma nova indústria genética, onde não se pode distinguir muito
bem se é a indústria que vai se biologizar ou se é vida que vai ser
industrializada. (MORIN, 2000, p. 32)
2.2 Ciência com consciência: a Complexidade
Tendo em vista as conseqüências decorrentes do Paradigma da
Modernidade, Morin aponta a necessidade de uma Reforma Paradigmática que ligue
e unifique as culturas disjuntas.
A primeira cultura (genérica, que valoriza a filosofia, o ensaio e o
romance, alimenta a inteligência geral e favorece a integração pessoal do
conhecimento) deve abraçar a segunda (que separa os campos do conhecimento,
suscita admiráveis descobertas e teorias gerais - mas não sobre o destino humano e
o vir a ser dela própria enquanto ciência priva-se da reflexibilidade sobre problemas
gerais e globais) para evitar o erro do Paradigma Moderno, evitar qualquer forma de
reducionismo e determinismo.
Mesclar ciências humanas, físico-biológicas, com as da vida e as artes
promove uma Ética da Compreensão: a conscientização do conhecimento que se
pode transmitir pelo exercício da Inteligência. Afinal, do ponto de vista cognitivo, é no
problema do conhecimento que se centram as reflexões da Complexidade: um
conhecimento disjunto, partido, compartimentado entre disciplinas quando a
realidade e os problemas são cada vez mais polidisciplinares, transversais,
multidimensionais, transnacionais, globais, planetários, enfim, complexos.
É por isso que se tornam invisíveis os conjuntos, as inter-relações, as
retroações entre parte e todo, entidades multidimensionais e problemas essenciais
num entendimento que não é complexo; não há reflexão dos problemas do homem e
do mundo contemporâneo, a formação cidadãos mais planetários, solidários e
éticos.
Essa reflexão é a idéia de Ciência com Consciência; a consciência do
homem em relação ao mundo, o questionamento epistemológico e a interrogação
sobre a legitimidade de um discurso científico (que levou à incultura científica de
moralistas e políticos). É a proposta de Paradigmatologia, ou seja, a mudança do
nosso próprio olhar sobre o entendimento (a Inteligência), um caminho a ser
construído religando deliberada e exigentemente a ciência e a consciência
complexa.
No coração do problema da complexidade existe um problema do princípio
do pensamento, ou, paradigma, e no coração do paradigma da
complexidade existe o problema da insuficiência e da necessidade da
lógica, do afrontamento ´dialético´da contradição (MORIN, 2000, p. 62).
Por ser uma proposta paradigmática, a Complexidade possui uma
Epistemologia subjacente, baseada na Bioantropologia do conhecimento. Entende-
se que o existe mais a instância soberana do Epistemólogo que controla de
maneira irredutível e irremediável todo o saber, mas sim uma pluralidade de
instâncias, cada uma decisiva, insuficiente e comportando seu princípio de incerteza.
As incertezas são consideradas a partir do ponto de vista da sociologia
do conhecimento, ou seja, a produção social de idéias ou ideologia, mas não a
condição de veracidade ou falsidade. O principio da incerteza tem como prática a
junção de sistemas de idéias, a intercomunicação das instâncias separadas, de
áreas disjuntas, pois “não existem mais privilégios, tronos ou soberanias
epistemológicas”. (MORIN, 2000, p. 69)
Em essência, o que propõe a Epistemologia da Complexidade é que as
ciências do cérebro, do espírito, sociais e das idéias retroajam aos estudos dos
princípios que determinam os resultados. Elas não devem perder sua competência,
mas sim articulá-las com as outras competências, ligar-se em cadeia, formar um
circulo completo e dinâmico, um anel de conhecimento. Trata-se de formar uma
policompetência, ir além da especialização e da hiperespecialização.
Na prática, a proposta epistemológica se traduz pelo conceito de
Ecologia da Ação, entendendo que toda a ação existe num jogo de interações que
escapam muito rapidamente do seu autor. As ações são aleatórias, suscetíveis de
erros e falhas, desencadeiam processos inesperados e contraditórios. A eficácia de
uma ação pode ser forte no início e pode diminuir com o tempo, mas não se pode
prever impedir ou temer as conseqüências, apenas estudar melhor o jogo das inter-
relações. E estar consciente de que a ação não caminha na direção em que foi
lançada, pois o acaso e a diversidade modificam-na.
O acaso faz parte dessa nova concepção de ciência que utiliza o
princípio da Dialógica, ou seja, os fenômenos contraditórios que se completam e
envolvem uma ordem, desordem e organização. Essas idéias vieram da matemática,
como a teoria dos jogos, que demonstra a importância de um modo de componentes
aleatórios.
No entanto, no novo paradigma, a matemática o basta. Morin
defende a necessidade do desenvolvimento de estratégias cognitivas de todas as
áreas do conhecimento capazes de tratar as incertezas. Essas, por sua vez,
permitiriam prognósticos nos domínios físicos biológicos e sociológicos. “O
tratamento estatístico não é suficiente para o conhecimento das interações no
interior de um fenômeno organizado. É necessário, portanto, recorrer a uma
concepção das interações e das inter relações organizacionais” (MORIN, 2000,
p.106).
Assim, a possibilidade de ultrapassar uma incerteza ou contradição
evocou a criação de metassismas
4
; resolver um problema implica muitas vezes na
criação de outros sistemas, que levam ao infinito, tal qual é o conhecimento;
inacabado, mas que pode e deve ser perseguido. Trata-se da idéia complexa de
Progresso do Conhecimento.
Com todos esses conceitos, Morin demonstra que a Complexidade é
um infinito “mais ela se desenvolve, mais o pensamento encontra o complexo”.
(MORIN, 2000, p. 132).
Os desafios para o pensar complexo é reunir, tratar as incertezas e
realçar a lógica. Para isso, é necessário um Método como “uma ajuda à estratégia
de pensamento e não uma metodologia: ou seja, um programa a ser aplicado”
(MORIN, 2000, p 136), considerando-se que o Pensamento Complexo leva a
consciência do inacabado.
2.2.1 O método e os Sete Princípios da Complexidade
O método persegue o jogo dialético entre aspectos bons e maus da
ciência na sociedade. “O drama é que temos pensamentos compartimentados
enquanto os problemas são solidários. Um problema científico é também um
problema político, e ele próprio reconduz à ciência”. (MORIN, 2000, p. 154).
Também reintroduz a incerteza no pensamento considerando a polivalência, a
transdisciplinaridade, os acontecimentos, a desordem, as bifurcações.
4
Metassistema é um conceito que surgiu da matemática e é definido por;
1- abranger o sistema (teoria);
2- ser ao mesmo tempo mais rico em número de variáveis que o sistema;
3- inclui necessariamente os termos da problemática lógica que oferece a definição da verdade para
o sistema /objeto/ teoria considerada.
A questão-chave do método envolve a relação entre incerteza e
complexidade; se no cartesianismo tinha-se a dificuldade de tratar as incertezas ou
os problemas eram tratados um a um (conhecimento mutilado), na complexidade, o
conhecimento das partes tem sentido se ligado ao todo. “O problema da
complexidade é antes de tudo afrontar uma incerteza conceitual com relação aos
nossos hábitos de pensamento que supõe que para todos os problemas pode
apresentar uma resposta clara e distinta” (MORIN, 2000, p. 169).
Assim, para superar o problema do método, é preciso ter uma visão
hologramática, ou seja, cada uma das perspectivas que contém a outra em si. Por
exemplo, é de importância fundamental as interações entre indivíduos que geram e
suportam a sociedade, já que esses retroagem sobre ela.
Entender a diferença entre a inseparabilidade e a distinção também é
fundamental na busca do método. Distinguir é uma operação necessária a todo o
pensamento, enquanto isolar é uma operação de simplificação que não estabelece
relação entre o que separa e o que distingue. Mas, como defende Morin, o encanto e
a riqueza do pensamento é a capacidade de estabelecer as distinções e as relações
para jogar com os dois registros contraditórios. Afinal, o conhecimento é
caracterizado pelo movimento de vai-e-vem, um círculo que se faz em espiral, no
qual o ponto de retorno nunca é o mesmo da partida.
O vai-e-vem do todo em direção às partes requer um pensamento
recursivo. o há nele continuidades e linearidades, mas sim saltos, patamares e
escalas que demandam mais de um observador. É por isso que o pensamento não
pode ser homogeneizado, é preciso considerar a relação entre o todo, mas também
entre as partes, pois o holismo também seria uma forma de redução. D o
caráter epistemológico importante da totalidade: o conhecimento de um ponto de
vista deve ser o menos mutilante possível; deve ser multidimensional.
Há, na totalidade, buracos e zonas de sombra. Na complexidade eles
aparecem, pois é feita de interações que retroagem organizando comportamentos. A
soma das partes nunca é, portanto, igual ao todo. “A parte enquanto parte não deva
ser considerada irreversivelmente como subordinada ao todo enquanto todo.”
(MORIN, 2000, p. 179). A heterogeneidade reflete a dificuldade de pensar o universo
uno e múltiplo, unitas multiplex, a unidade na heterogeneidade e a heterogeneidade
na unidade. Heterogeneidade que não suprime, mas supõe a articulação das partes
- que nunca são iguais- e que compõe o todo.
Apenas identificar, homogeneizar e unificar foi o erro do método
moderno. “Frequentemente, as aproximações reducionistas se contentam em
acreditar que a lei ou o princípio da unidade, o algoritmo, constituem o ponto final do
conhecimento.” (MORIN, 2000, p. 181). É preciso agora saber do que se faz o
heterogêneo, o problema da unidade e de seu contrário. A complexidade obriga o
abandono do sonho de uma fórmula única; haverá sempre uma brecha, dualidade,
pluralidade.
Por isso, é fundamental na Complexidade a especificidade
antropossocial da ciência; a necessidade de um observador, da preparação, da
leitura, do método, do sujeito, sendo o que observa a si mesmo, carrega uma
subjetividade coletiva, um ser humano ego-etnocêntrico (tendência natural de se
colocar no centro do mundo, mas ir além de), com pesquisa permanente para se
conhecer como limitado, particular e situado, que possua um auto-exame capital.
As regras do jogo científico se aplicam muito mais dificilmente no domínio
antropossocial, não somente por causa da complexidade dos objetos, mas
também por causa da relação sujeito-objeto, em que o objeto é também
sujeito, e a grande dificuldade é auto-objetivar-nos (MORIN , 2000, p. 185).
Assim, o pesquisador é sujeito implicado, que permanece no centro da
pesquisa, é produtor e produto do conhecimento e possui uma forma de pensamento
paradoxal que permite uma melhor intuição, fundamental para o método que se
busca. Para esse, todo o problema é paradoxal, e pode ser formulado
paradoxalmente, sendo a intuição parte de uma concepção mais abrangente de
homem, que envolve o biológico, o racional e o imaginário. “Não se trata somente da
consciência e do espírito, mas dos fantasmas, dos sonhos, das utopias, dos
projetos”. (MORIN, 2000, p. 190).
Embora, “A complexidade não se opera como uma metodologia. É uma
maneira de ver o mundo, de pensá-lo, de repensar a si próprio” (MORIN, 2000, p.
192), é no método que se busca a solução para a questão da complexidade: como
se conduzir num universo onde a ordem não é absoluta, a separabilidade limitada e
a lógica comporta buracos e a incerteza é uma constante.
As teorias da informação, dos sistemas e a cibernética (surgidas nos
anos 40 e que se fecundaram simultaneamente) auxiliam nessas questões. A
primeira é uma ferramenta para o tratamento da incerteza, da surpresa e do
inesperado. Entra no mundo da ordem (redundância) e da desordem (bruto) para
extrair o novo, a informação que, no seio de uma máquina cibernética, assume
forma organizadora/programadora e controla a energia, dando autonomia à
máquina. A cibernética baseia-se nas teorias das máquinas autônomas e envolve o
conceito de retroação: rompe o principio de causalidade linear e introduz o de círculo
causal, a regulação que gera autonomia no sistema a partir do feedback negativo. E
a teoria dos sistemas apresenta a idéia de que o todo é mais do que a soma das
partes, e que as qualidades emergentes que nascem da organização de um todo
podem retroagir às partes do sistema, pois a organização é feita ao mesmo tempo
com e contra a desordem.
Também complementam o método da complexidade a teoria da auto
organização e elementos suplementares: noção hologramática, recursão
organizacional e dialógica. Essa última compartilhando da idéia de Pascal de que o
contrário de uma verdade não é um erro, mas uma verdade ao contrário. a
recursão organizacional vai além da retroação e regulação: é a auto-produção e auto
organização que se apóia num círculo gerador no qual os produtos são
causadores do que produzem num ir e vir entre certezas/incertezas,
elementar/global, separável/inseparável.
O Pensamento Complexo é, pois, essencialmente o pensamento que trata
com a incerteza e que é capaz de reunir (complexus: aquilo que é tecido
conjuntamente), de contextualizar, de globalizar, mas ao mesmo tempo,
capaz de reconhecer o singular, o individual, o concreto (MORIN, 2000, p.
207).
A necessidade do método para o desenvolvimento do Pensamento
Complexo pretende, assim, a intercomunicação entre o todo e as partes para a
compreensão multidimensional de um fenômeno, seguindo sete princípios o
fundamentais.
2.2.2 Princípios Fundamentais
Edgard Morin, em “O Pensamento Complexo, um pensamento que
Pensa” (2000, p. 197), descreve os princípios complementares e independentes
para o pensar no Paradigma proposto. São eles: Sistêmico ou organizacional;
Hologramático; Circulo Retroativo; Circulo Recursivo; Auto-eco-organização;
Dialógico; Reintrodução do conhecimento em todo conhecimento.
O “Princípio sistêmico ou organizacional” é a ligação do conhecimento
das partes com o todo, de onde aparecem as Emergências: a organização de um
todo que produz qualidades ou propriedades novas em relação às partes
consideradas isoladas. Em função das qualidades (inibidas pela organização do
conjunto), o todo pode ser maior, menor e igual à soma das partes, o que
complementa o “Princípio Hologramático”; a evidencia dos paradoxos do sistema
complexo correspondente a inserção da parte no todo e do todo na parte.
O terceiro princípio (“Circulo Retroativo”) envolve os processos de
autonomia, auto regulação e feedback positivo e negativo do sistema. O feedback
positivo reduz os desvios para a estabilização e o negativo trabalha como um
mecanismo amplificador. “Inflacionados ou estabilizados, as retroações são legiões
de fenômenos econômicos, sociais, políticos ou psicológicos.” (MORIN, 2000, p.
210). É diferente do “Circulo Recursivo” que envolve a auto-produção e auto-
organização do sistema, ou seja, os produtos e efeitos que são produtores e
causadores do que os produz.
“Auto-eco-organização” corresponde ao quinto princípio, à idéia de
autonomia e dependência em sistemas que se auto-organizam e auto-produzem
ininterruptamente, mas que guardam energias para salvaguardarem-se.
No “Dialógico”, unem-se dois princípios ou noções que deveriam se
excluir, mas que são indissociáveis numa mesma realidade fazendo o caminho da
ordem/desordem/organização. Daí é permitido assumir racionalmente a associação
de fenômenos contraditórios para concebê-los como um imenso fenômeno
complexo.
Por fim, o sétimo princípio, a “Reintrodução do conhecimento em todo
conhecimento” é onde o sujeito é restaurado, dentro da problemática cognitiva
central: todo o conhecimento é uma reconstrução/tradução de um espírito/ cérebro
em cultura e tempos determinados. A lógica desse pensamento elimina a lógica pela
transgressão que advém de um ir e vir incessante entre antagônicos e
complementares.
Com esses sete princípios, opera-se a essência da complexidade:
transformar o ininteligível percebido pelo potencialmente inteligível concebido, ou
seja, o desenvolvimento da Inteligência. Essa entendida como a ação de:
compreender mutuamente o resultado da própria ação; refletir (compreender a si
mesmo); representar uma situação; conhecer; ajustar a representação em seus
resultados, hipóteses e estratégias que possibilitam escolhas.
2.2.1 A inteligência
Uma tentativa de definição para a complexidade é a de que complexo é
o que se faz ou o que se torna ou a possibilidade de fazer e se tornar. Daí vem a
idéia de Inteligência da Ação, que é exercitada pela organização. Num fenômeno, a
Inteligência da Ação manifesta-se na capacidade de reconhecer os atos, ações,
funcionamentos, comportamentos. São índices que permitem o acesso aos
enunciados que descrevem o fenômeno e estabelecem referências aos verbos
indicadores da ação. Envolvem: processos, processadores, funcionamentos,
movimentos, transformação e evolução. Com esses domínios, é possível propor um
modelo reproduzível e programado conhecendo o contexto do projeto da ação. “Um
outro olhar, um outro modo de representação que privilegia o ato e não mais o ser, o
movimento e não mais a substância imóvel” (MOIGNE, 2000, p. 228).
Assim, a Inteligência da Ação é a concepção da percepção da ação de
perceber e modelizar os fenômenos complexos e a inteligência dos mesmos numa
tentativa de apreensão através da sua ação e não do seu estado. A organização das
ações necessita das inter-ações, trans-ações (passagem da causalidade linear para
a circular), retro-ações e re-ações que formam a organização ativa (organizaction).
Ação é qualquer forma de articulação inteligível, de jogo, intermediação
que suscita a ocorrência de comportamentos imprevisíveis e inteligíveis, formando a
organização (fenômeno organizado adicionado ao produto da organização e o
organizante). Vai mediar a relação entre matéria e energia, a informação e a
organização que mantém, reúne e produz (transforma) a ação e seu resultado. A
organização é a ação de, ao mesmo tempo, manter e se manter, reunir e se reunir,
produzir e se reproduzir” (MOIGNE, 2000, p. 236). Na prática, ocorre através da
articulação das funções de fazer, regular, informar, memorizar, decidir, coordenar,
imaginar, finalizar, onde a complexidade aparece como um instrumento modelizador.
Aí aparece a Ética da Compreensão como a produção e uso dos
conhecimentos que se constroem na interação permanente da ação e da pesquisa.
Corresponde a idéia apresentada por LE MOIGNE (2000) de que é preciso trabalhar
para “pensar bemna pragmática (inteligência da ação humana e da práxis) e ética
na compreensão. Pensar bem é pensar projetos e atos na complexidade, contexto,
intenções, reciprocidade e reversibilidade para um novo entendimento; reunir sem
parar a elaboração dos fins e inventar ou escolher os meios, sem separá-los,
ativando a inteligência.
A Inteligência ativa está atuante no jogo de complementaridade
presente na relação com a complexidade: a inteligência ergue e descobre as faces
escondidas da complexidade e a complexidade busca ativar a inteligência. Por esse
motivo que a reforma do pensamento proposta por Edgar Morin deve processar-se
pela reforma do ensino e vice-versa. Pensar o novo Paradigma, portanto, implica em
pensar uma nova educação.
3 UMA NOVA EDUCAÇÃO
A reforma do Pensamento de Morin propõe prima pela reunião entre a
Ciência e a Filosofia no emprego da Inteligência (entendimento) num ensino que
ligue as duas culturas (a humanista e a científica) disjuntas pelo paradigma da
modernidade. é possível concretizá-la a partir da reforma da educação, pois
essa, ao mesmo tempo em que estabelece relações de dominação é também
semente de transformação.
Para Morin, a reforma do pensamento vem das bases. Deve começar
no nível de ensino elementar, que as crianças fazem funcionar espontaneamente
as percepções sintéticas e analíticas e espontaneamente sentem as ligações e
solidariedades entre as coisas. A escola deve compreender e viver a solidariedade
em diversas dimensões e sob os mais variados e ltiplos aspectos, como superar
o currículo mínimo e fragmentado das disciplinas que pecam quantitativamente e
qualitativamente por não oferecer a visão do todo, do curso, do conhecimento uno,
da comunicação e do diálogo entre os saberes; não integram, complementam ou
favorecem a perspectiva de conjunto e globalização.
As crianças aprendem a história, geografia, a química e a física dentro de
categorias isoladas sem saber, ao mesmo tempo, que a história sempre se
situa dentro de espaços geográficos e que cada paisagem geográfica é
fruto de uma história terrestre; sem saber que a química e a microfisica tem
um mesmo objeto, porém, em escalas diferentes. As crianças aprendem a
conhecer os objetos isolando-os, quando seria preciso também, recolocá-
los em seu meio ambiente para melhor conhecê-los, sabendo que todo ser
vivo pode ser conhecido na sua relação com o meio que o cerca, onde
vai buscar energia e organização. (MORIN, in PETRAGLIA, 1995, p. 68).
O conhecimento que liga as disciplinas ocorre através do que Morin
chama de transdisciplinaridade. A prática transdisciplinar (colaboração e
comunicação entre as disciplinas, guardadas as especificidades de cada uma) em
detrimento da usual interdisciplinar faz o intercâmbio e a articulação que supera e
desmorona toda e qualquer fronteira inibidora e repressora de redução e
fragmentação do saber, ou seja, o isolamento do conhecimento em territórios
delimitados pelas disciplinas. Na transdisciplinaridade não espaço para conceitos
fechados e pensamentos estanques, enclausurados em gavetas disciplinares;
buscam-se todas as relações que possam existir em todo conhecimento, nas
interligações de Sujeito-Objeto-Ambiente.
A proposta envolve a reflexão e ampliação das discussões das
relações entre os conteúdos entre as disciplinas e também delas com o curso e com
a vida. Para Morin, o conhecimento está ligado à vida e faz parte da natureza
humana, das ações cerebrais, biológicas, espirituais, culturais, lingüísticas, sociais,
políticas e históricas. Abrange características individuais, existenciais, subjetivas e
objetivas norteadas pela razão, paixão, prazer e dor. O ser condiciona o conhecer e
vice-versa a partir do processo auto-eco-organizador de autoconhecimento, no qual
o indivíduo – sujeito- transforma-se, constrói sua identidade, aprende sempre e
coloca o aprendizado em função do meio ambiente.
Associada a capacidade de aprender está o desenvolvimento das
competências inatas do indivíduo em adquirir conhecimentos, as influências e
estímulos externos, da cultura. É uma cognição denominada de inato-adquirido-
construído, que envolve a união do conhecimento ao desconhecido no ato de
aprender. Trata-se do Heteroautodidadismo, isso é, a idéia de que o único
conhecimento verdadeiro é o adquirido por si mesmo (devido às apostas investidas
pelo sujeito) somado à presença do outro e dos sistemas educacionais.
O desenvolvimento das competências inatas anda a par do
desenvolvimento das aptidões para adquirir, memorizar e tratar o
conhecimento. É pois, esse movimento espiral que nos permite
compreender a possibilidade de aprender. Aprender não é apenas
reconhecer o que, de maneira virtual, já era conhecido. Não é apenas
transformar desconhecido em conhecimento. É a conjunção do
reconhecimento e da descoberta. Aprender comporta a união do conhecido
e do desconhecido. (MORIN in PETRAGLIA, 1986, p.61)
Tal caminho representa a mudança de mentalidade e compreensão do
mundo que propõe a Complexidade: renovar e renovar-se sempre numa concepção
multidimensional e globalizante na qual a pessoa (mais que o indivíduo) é sujeito
planetário. É uma proposta de educação que parte da escola, mas vai além dela,
afinal, “A educação, como aquisição humana, se informalmente através da
relação que o indivíduo estabelece com o seu meio, e sistematicamente, dentro da
escola. Ela não está isenta da influência do contexto social” (MESSAGI, 1997, p.
12).
Dessa forma, os sistemas e a prática pedagógica precisam ser
repensados; nas condições em que reproduzem os saberes, são máquinas para
matar a curiosidade e a inteligência, canalizando-as em pequenos domínios e não a
colocando ativa.
Para promover uma educação complexa os educadores e a escola
devem considerar que a construção da identidade escolar passa pela construção
individual da identidade de seus membros (sujeitos do processo) e do processo de
conhecimento desenvolvido pela instituição. Devem compreender a teia de relações
existente entre todas as coisas para pensar, ao mesmo tempo, a ciência una e
múltipla.
Na escola também é preciso distinguir e o separar algumas práticas
pedagógicas cotidianas para evitar a elaboração de conhecimentos parcelados
advindos do pensamento linear e construir um saber com visão conjunta do todo sob
muitos aspectos. “É necessário que no processo de construção de conhecimento
que ocorre na escola fiquem claras para alunos e professores todas as relações que,
de forma ou de outra, se fazem presentes na prática pedagógica.” (PETRAGLIA,
1995, p.7).
Morin fala sobre o desenvolvimento de uma “imunologia de si mesmo”
(PETRAGLIA, 1995, p. 70) dos membros escolares. É a auto-afirmação e o
autoconhecimento de cada indivíduo que o coloca a serviço da construção da
identidade, que determina a identidade do si, de todo o ser enquanto indivíduo. A
partir dessa identidade se pode conceber o conhecimento /reconhecimento de si
relativamente ao não si, pois se o organismo não se conhece a si próprio, não pode
detectar a presença do outro.
Educar, nessa perspectiva, passa necessariamente pela noção de
sujeito inserido em um contexto de “Cidadãos atentos ao sentido de suas ações”
(MORIN, 2000, p. 22) e pela cultura tomada no seu conjunto, de acordo com a LDB
(BRASIL, 1996) ao afirmar que a educação tem por finalidade o pleno
desenvolvimento do educando, o preparo para o exercício da cidadania e a
qualificação para o trabalho.
Assim, novas políticas pedagógicas precisam ser pensadas em todos
os níveis. Como afirma Célio da Cunha, assessor da UNESCO, na contracapa de
“Os sete saberes necessários à Educação do Futuro(MORIN, 1999);
... a política pedagógica precisa converter-se em um instrumento que
conduza o estudante a um diálogo criativo com as dúvidas e interrogações
do nosso tempo, condições necessárias para uma formação cidadã. Não
se pode mais ignorar a urgência de universalização da cidadania, que, por
sua vez, requer uma nova ética e, por conseguinte, uma escola de
educação e cidadania para todos (CÉLIO DA CUNHA, in MORIN, 1999).
Essa obra trata-se de um relatório solicitado a Edgard Morin para
apontar alternativas na educação do século XXI, tendo em vista o caminho que a
humanidade percorreu desde a modernidade até o século XX na formação humana
e no desenvolvimento e organização do conhecimento, como seapresentado a
seguir.
3.1 Os sete saberes da educação
Na perspectiva da complexidade, a educação do futuro deve
preocupar-se em ensinar sete saberes fundamentais. São eles: 1- “As cegueiras do
conhecimento: o erro e a ilusão”; 2-“O conhecimento pertinente”; 3- “A condição
humana”; 4- “A identidade terrena”; 5- “Enfrentar as incertezas”; 6 - “A
compreensão” e; 7- “A ética do gênero humano”. Cada um deles se apresenta
resumidamente a seguir;
3.1.1 As cegueiras do conhecimento: o erro e a ilusão
Trata-se da importância de fazer conhecer o que é conhecer, ou seja,
examinar a natureza do conhecimento e integrar o conhecedor em seu
conhecimento. Para isso, é preciso evitar o maior erro (subestimar o problema do
erro) e a maior ilusão (não reconhecer a ilusão).
É um processo complexo porque, em essência, erro e ilusão não se
reconhecem como tais. O papel da educação, portanto, deve ser o de identificar a
origem desses erros e ilusões. Elas podem ser mentais (self –deception),
intelectuais (doutrinas, teorias, ideologias) ou da razão (diferença entre ser racional
e racionalizador).
A necessidade de reconhecer no futuro um princípio de incerteza racional:
a racionalidade corre risco constante, caso não mantenha vigilante a
autocrítica quanto a cair na ilusão racionalizadora. Isso significa que a
verdadeira racionalidade não é apenas teórica, apenas crítica, mas
também autocrítica (MORIN, 1999, p. 24).
O jogo entre a verdade e o erro acontece profundamente na zona
invisível dos paradigmas: os indivíduos pensam e agem segundo os paradigmas
inscritos culturalmente neles, pois são os promovedores/selecionadores de
conceitos mestres da inteligibilidade. É onde as idéias se integram no discurso ou na
teoria (ou ao contrário, são colocadas de lado ou rejeitadas). Paradigma também é o
que determina as operações lógicas-mestras, isso é, privilegia determinadas
operações lógicas em detrimento de outras, atribuindo à elas a validade e
universalidade que a gica elegeu. Assim, o paradigma é responsável por:
selecionar e determinar as conceptualizações e operações lógicas; designar as
categorias fundamentais da inteligibilidade; operar o controle dessas categorias;
desempenhar um papel subterrâneo e soberano nas teorias, doutrinas e ideologias;
ser inconsciente, mas irrigar o pensamento consciente controlando-o supra
conscientemente; instaurar relações primordiais que constituem axiomas,
determinam conceitos e comandam discursos e/ou teorias; organizar a organização
deles e gerá-los ou regenerá - los.
A relação lógica prescrita pelo grande paradigma do ocidente
(cartesiano), é a disjunção. Essa aparece no determinismo dos paradigmas e
modelos explicativos da ciência, como ocorre em todo paradigma, já que envolve:
... o determinismo de convicções e crenças que reinam na sociedade e
impõem a todos e a cada um a força imperativa do sagrado, a força
normalizadora do dogma, a força proibitiva do tabu. As doutrinas e
ideologias dominantes dispõem, igualmente, da força imperativa que traz a
evidência aos convencidos e da força coercitiva que suscita o medo inibidor
nos outros.
O poder imperativo e proibitivo conjunto dos paradigmas, das crenças
oficiais, das doutrinas reinantes e das verdades estabelecidas determina os
estereótipos cognitivos, as idéias recebidas sem exames, as crenças
estúpidas não contestadas, os absurdos triunfantes, a rejeição de
evidências em nome da evidência, e faz reinar em toda parte os
conformismos cognitivos e intelectuais (MORIN, 1999, p.27).
Tal conformismo aparece como Imprinting Cultural, ou seja, a marca
matricial que inscreve o conformismo a fundo e a normalização que elimina o que
poderia contestá-lo. É o primeiro selo da cultura familiar, seguido da escolar,
universitária e profissional. Também traz a necessidade do desenvolvimento de uma
Noologia flexível.
A Noologia é entendida como possessão; as crenças e as idéias são
produtos da mente, mas também são seres mentais que tem vida própria e poder;
podem nos possuir. A noosfera (a esfera das coisas do espírito) produz mitos que
enriquecem, mas também massacram a cultura humana. Por isso a necessidade de
conhecê-los e flexibilizá-los.
As sociedades domesticam os indivíduos por meio de mitos e idéias, que,
por sua vez, domesticam as sociedades e os indivíduos, mas os indivíduos
poderiam, reciprocamente, domesticar as idéias, ao mesmo tempo em que
poderiam controlar a sociedade que os controla. No jogo tão complexo
(complementar-antagônico-incerto) de escravidão exploração-
parasitismos mútuos entre as três instâncias
(indivíduo/sociedade/noosfera) talvez possa haver lugar para uma pesquisa
simbiótica (MORIN, 1999, p. 29).
O conceito de noosfera aplicado a uma idéia ou teoria entende que
essa não deveria ser instrumentalizada nem impor seu veredicto de modo
autoritário, mas sim ser relativizada e domesticada, pois deve ajudar e orientar
estratégias cognitivas que não são dirigidas pelos sujeitos humanos.
No conhecimento, para evitar o erro e a ilusão é fundamental estar
preparado para trabalhar com o inesperado, afinal, o novo brota sem parar e o é
possível prever como se apresentará. O que deve ser feito é saber esperar a
chegada, pois quando o inesperado se manifesta, é preciso ser capaz de rever as
teorias e idéias e deixar o fato novo entrar à força na teoria incapaz de percebê-lo.
Reforçam-se assim, a certeza da incerteza do conhecimento e a
necessidade de destacar, em qualquer educação, o conhecimento do conhecimento
e as grandes interrogações sobre as possibilidades de conhecer. O conhecimento
permanece como aventura para qual a educação deve fornecer o apoio
indispensável.
Existem condições bioantropológicas (cérebro/mente), socioculturais
(cultura aberta: troca de idéias) e noológicas (teorias abertas) que permitem
verdadeiras interrogações: fundamentos sobre o princípio do mundo, do homem e
do próprio conhecimento. Elas vêm da busca da elaboração de metapontos de vista,
que permitem reflexividade e comportam especialmente a integração
observador/conceptualizador na observação-concepção e a ecologização da
observação-concepção no contexto cultural e mental do sujeito/objeto. O problema
chave é instaurar a convivialidade com as idéias e mitos, que demanda o
intercâmbio entre diferentes zonas da mente, bem como civilizar as teorias,
desenvolvê-las abertamente, racionais, críticas, reflexivas, autocríticas e aptas para
se auto-reformar.
Para que haja um progresso de base no século XXI, os homens e as
mulheres não podem mais ser brinquedos inconscientes não de suas
idéias, mas das próprias mentiras. O dever principal da educação é de
armar cada um para o combate vital da lucidez. (MORIN, 1999, p.33)
3.1.2 Os princípios do conhecimento pertinente
São os princípios que buscam promover o conhecimento capaz de
apreender problemas globais e fundamentais para neles inserir os conhecimentos
parciais e locais, ou seja, apreender os objetos em seu contexto, totalidade e
conjunto. Para tanto, é necessário que se ensinem métodos que permitam
estabelecer as relações mútuas e influências recíprocas entre o todo e as partes.
Deve-se, partir do pressuposto da imperfeição cognitiva: o contexto é o
próprio mundo do sujeito/objeto. A era planetária precisa situar tudo no contexto e no
complexo planetário a partir de uma reforma paradigmática e não programática,
afinal, a questão fundamental da educação refere-se à aptidão de organizar o
conhecimento. Na inadequação desse tornam-se invisíveis o contexto, o global, o
multidimensional e o complexo.
Assim, objetiva-se situar as informações e os dados em seu contexto
para que adquiram sentido. No global, o conjunto das diversas partes liga-se ao
contexto de modo inter-retroativo ou organizacional. “Assim como cada ponto
singular de um holograma contém a totalidade da informação do que representa,
cada célula singular, cada indivíduo singular contém de maneira ‘hologrâmica’ o todo
do qual faz parte e que ao mesmo tempo faz parte dele” (MORIN, 1999, p.38).
No multidimensional, todas as unidades são complexas. Por exemplo,
o ser humano é biológico, afetivo, psíquico, racional e afetivo e a sociedade é
histórica, econômica, sociológica... Trata-se de uma dimensão que está em
permanente retroação com todas as outras dimensões, como é o princípio
hologrâmico.
Compreender contexto é a essência do complexo. São elementos
diferentes e inseparáveis que constituem o todo (econômico, político, sociológico,
psicológico, afetivo, mitológico), interdependente, interativo e inter-retroativo entre o
objeto do conhecimento e seu contexto, a parte e o todo, o todo e as partes, as
partes entre si. É a união entre multiplicidade e unidade que promove a Inteligência
Geral e trabalha com a antinomia de contextualizar os saberes e integrá-los nos
seus conjuntos naturais (e cujas mentes formadas pelas disciplinas perdem suas
aptidões). Dessa forma, quanto mais poderosa a inteligência geral, mais apta esta a
mente para tratar dificuldades específicas.
A educação deve favorecer a aptidão natural da mente em formular e
resolver problemas essenciais e, de forma correlata, estimular o uso total
da inteligência geral. Esse uso total pede o livre exercício da curiosidade, a
faculdade mais expandida e a mais viva durante a infância e a
adolescência, que com freqüência a instrução extingue e que, ao contrário,
se trata de estimular ou, caso esteja adormecida, de despertar (MORIN,
1999, p. 39).
A disjunção e especialização fechada, a redução e a falsa
racionalidade são problemas essenciais que impedem o desenvolvimento da
Inteligência Geral. Na disjunção e especialização fechada, a hiperespecialização
(especialização que se fecha sobre si mesma, sem permitir a integração na
problemática global ou na concepção de conjunto do objeto do qual ela considera
um aspecto ou parte) impede a concepção do global e do essencial: o primeiro
fragmenta em parcelas e o segundo dissolve. A redução leva naturalmente a
restringir o complexo ao simples, aplicar às complexidades vivas e humanas a lógica
mecânica e determinista da máquina artificial, cega e conduz a exclusão o que não é
quantificável e mensurável, “eliminando, dessa forma, o elemento humano do
humano, isto é, as paixões, emoções, dores e alegrias. Da mesma forma, quando
obedece estritamente ao postulado determinista, o princípio de redução oculta o
imprevisto, o novo e a invenção” (MORIN, 1999, p.42). Esse exercício é
fundamental na educação, pois a “incapacidade de organizar o saber disperso e
compartimentado conduz à atrofia da disposição mental natural de contextualizar e
de globalizar” (MORIN, 1999, p.43).
A falsa racionalidade subordina-se às Inteligências Artificiais que se
instalam nas mentes em profundidade sob forma de tecnocracia através de um
pensamento incapaz de compreender o vivo e o humano por acreditar no
operacional.
O século XX viveu sob o domínio da pseudoracionalidade que presumia
ser a única racionalidade, mas atrofiou a compreensão, a reflexão e a visão
em longo prazo. Sua insuficiência para lidar com problemas mais graves
constituiu um dos mais graves problemas para a humanidade (MORIN,
1999, p.45).
3.1.3 Ensinar a condição humana
Esse é o objeto essencial de todo o ensino. A condição humana é
comum a todos os humanos e envolve as dimensões física, biológicas, psíquica,
social e histórica do ser. Deve ser tomada pela consciência como a identidade
complexa; reconhecer a humanidade comum e ao mesmo tempo culturalmente
diversa. Por isso, é fundamental situar o humano no universo (ou seja, não separá-lo
do humano) e questionar sua posição no mundo. Nessa perspectiva, o ser esta
dentro e fora (enraizamento/desenraizamento) do cosmos e da natureza, pois toda
esfera viva passa pelas condições cósmica, física, terrestre e humana.
A condição cósmica é o abandono da idéia de universo ordenado,
perfeito para concebê-lo como um universo nascido pela irradiação, que vive o devir,
é disperso e que nele atuam: complementar, antagônico, concorrente, ordem,
desordem, organização e uma auto-organização viva. A condição física é a
compreensão de que o ser vivo é um elemento da diáspora cósmica, migalhas da
existência solar, diminuto broto da existência terrena; e a condição terrestre entende
que o planeta erra no cosmo e o ser humano deve assumir as conseqüências da
situação periférica e marginal: como ser vivo da terra, depende da biosfera e deve
reconhecer a identidade terrena física e biológica. A condição humana preza que;
Somos originários do cosmos, da natureza, da vida, mas, devido à própria
humanidade, à nossa cultura, à nossa mente, à nossa consciência,
tornamo-nos estranhos a este cosmos, que nos parece secretamente
íntimo. Nosso pensamento e nossa consciência fazem-nos conhecer o
mundo físico e distanciam-nos dele. O próprio fato de considerar racional e
cientificamente o universo separa-nos dele. Devolvemo-nos além do
mundo físico e vivo. É neste “além que tem lugar a plenitude da
humanidade. (MORIN, 1999. p.51).
Nesta plenitude, considera-se o humano do humano, isso é, a
unidualidade originária que nos faz ao mesmo tempo biológico e cultural. A cultura
acumula em si o que é conservado, transmitido, aprendido, e comporta normas e
princípios de aquisição.
O circuito cérebro/mente/cultura é a tríade que se baseia no princípio
de que a mente humana é uma criação que emerge e se afirma na relação cérebro-
cultura: intervém no funcionamento cerebral e retroage sobre ele. O biológico, ou
melhor, bioantropológico, aparece no circuito razão/afeto/pulsão, a tríade que
concebe o cérebro triúnico paleocéfalo (reptiliano), mesocéfalo (mamíferos) e o
córtex (com neocórtex nos humanos).
Assim, emerge outra face da complexidade humana, que integra a
animalidade (mamífero e réptil) na humanidade e a humanidade na
animalidade. As relações entre as três instâncias são não apenas
complementares, mas também antagônicas comportando conflitos bem
conhecidos entre a pulsão, o coração e a razão (...) a racionalidade não
dispõe, portanto, de poder supremo. É uma instância concorrente e
antagônica às outras instancias de uma tríade inseparável, e é frágil: pode
ser dominada, submersa ou mesmo escravizada pela afetividade ou pela
pulsão. (MORIN, 1999, p.53).
Também o circuito indivíduo/sociedade/espécie, que se relaciona
com as interações que os indivíduos produzem na sociedade, testemunha o
surgimento da cultura e por meio dela e retroage sobre os indivíduos. Essa cultura
carrega em si a unidade e diversidade humana (unitas multiplex) e é à educação que
cabe divulgar tal idéia. Unidade/diversidade deve ser ilustrado pela educação em
todas as esferas: individual, social, cultural e das pluralidades (do indivíduo, do
homo sapiens/demens e do homo complexus).
Na esfera individual existe a unidade/diversidade genética, cerebral,
mental, afetiva, intelectual e subjetiva. Na social, a das línguas/linguagem e na
cultural a relação entre cultura e culturas, que a “cultura existe apenas por meio
das culturas” (MORIN, 1999, p.36).
(...) o duplo fenômeno da unidade e da diversidade das culturas é crucial.
A cultura mantém a identidade humana naquilo que tem de específico; as
culturas mantêm as identidades sociais naquilo que têm de específicas.
Culturas são aparentemente fechadas em si mesmas para salvaguardar
sua identidade singular. Mas, na realidade, o também abertas: integram
nelas não somente os saberes e técnicas, mas também idéias, costumes,
alimentos, indivíduos vindos de fora. As assimilações de uma cultura a
outra são enriquecedoras. (MORIN, 1999, p.57).
O homem na concepção complexa de cultura traz em si, de modo
bipolarizado, caracteres antagonistas: sapiens/demens (sábio e louco); faber e
ludens (trabalhador e dico); empiricus e imaginarius (empírico e imaginário);
economicus e consumans (econômico e consumista); prosaicus e poéticus (prosaico
e poético). Quer dizer que ele não vive de cnica, mas também se desgasta,
entrega, se dedica a danças, transes, mitos, magias, ritos, crenças, sacrifícios,
preocupa-se com a morte em vida.
Nessas dimensões, conceber o Homo complexus é ver o ser humano
em sua circunstância infantil, neurótica, delirante e racional, simultaneamente. Elas
coexistem; a confusão entre o objetivo e o subjetivo, real e imaginário torna-se
explícita na ruptura dos controles (racionais, culturais, materiais), havendo a
“hegemonia de ilusões, o excesso de desencadeado” (MORIN, 1999, p.60). É
quando se diz que o Homo demens submete ao Homo sapiens e subordina a
inteligência racional para o alívio dos medos humanos.
O desenvolvimento técnico e científico que produziu a ciência que
dominou a terra ocorreu em função dos progressos da complexidade. Esses, por sua
vez, só se fazem apesar e a partir da loucura humana.
A possibilidade do gênio decorre de que o ser humano não é
completamente prisioneiro do real, da lógica (neocórtex), do código
genético, da cultura, da sociedade. A pesquisa, as descobertas avançam
no vácuo da incerteza e da incapacidade de decidir. O gênio brota na
brecha do incontrolável, justamente onde a loucura ronda. A criação brota
da união entre as profundezas obscuras psicoafetivas e a chama viva da
consciência (MORIN, 1999, p. 62).
3.1.4 Ensinar a identidade terrena
Trata-se de ensinar a história da era planetária que se inicia com o
estabelecimento da comunicação entre todos os continentes no século XVI e que
solidarizou as partes do mundo na fase da planetarização ou mundialização (final do
século XX), mas também desencadeou as opressões e a dominação. Essa
complexa crise planetária sufoca e é sufocada pelas possibilidades de inteligibilidade
humana.
Tal contexto traz em si o problema vital da intersolidariedade complexa
dos problemas, antagonismos, crises, processos descontrolados. Aparece o
agravamento da dificuldade de conhecer o mundo, pois o modo de pensar que
atrofiou o ser humano não desenvolveu a aptidão de contextualizar e de globalizar -
conceito, aliás, que não se aplica totalmente ao planeta, pois, como afirma MORIN,
(1999, p. 64) esse não é apenas um sistema global, e sim “um turbilhão em
movimento, desprovido de centro organizador”. Daí a necessidade de um
pensamento complexo e policêntrico capaz de apontar o universalismo. Esse
pensamento não é abstrato e sim consciente da unidade/diversidade, da condição
humana; é nutrido das culturas do mundo.
Na era planetária, a diáspora da humanidade levou à riqueza de
diversidade em todos os domínios: línguas, culturas, destinos, fontes de inovação e
de criação (cuja unidade geradora é a própria humanidade). Mas a dominação do
ocidente europeu sobre o resto do mundo também provocou catástrofes de
civilização, destruição irremediável e conduziu à escravidão. A era planetária abriu-
se e desenvolveu-se na e pela violência, pela destruição, pela exploração feroz, pelo
aporte da civilização européia aos continentes, com armas, cnicas, concepções
em todos os seus entrepostos, pedágios e zonas de penetração. Provocou duas
guerras mundiais, duas crises econômicas mundiais e a generalização da economia
liberal.
Nesse contraditório desenvolvimento, cada parte do mundo faz parte
do mundo e o mundo como um todo, está cada vez mais presente em cada uma de
suas partes e da mesma forma que essa noção se verifica nas nações e povos, se
verifica também nos indivíduos. A mundialização é ao mesmo tempo evidente,
subconsciente e onipresente, unificadora e conflituosa, pois criou e dividiu um tecido
planetário único cujos fragmentos ficaram isolados, eriçados e intercombatentes. O
desenvolvimento foi concebido unicamente de modo cnico –econômico que
chegou a um ponto insustentável. Daí a necessidade de “uma noção mais rica e
complexa do desenvolvimento que seja não somente material, mas também
intelectual, afetiva, moral... “(MORIN, 1999, p. 70).
Nessa contextualização, Morin demonstra que o legado do século foi a
aliança entre duas barbáries: a da profundeza dos tempos (da guerra, massacre,
deportação e fanatismo) e a da racionalização (só conhece o cálculo e ignora o
indivíduo, o corpo, os sentimentos, a alma). As barbáries são duplas: geram morte e
nascimento, como se evidenciou nas armas nucleares e na ecologia em função da
dominação desenfreada da natureza pela técnica.
No entanto, se a dialógica humana cérebro/mente não está encerrada,
é possível encontrar recursos criativos inesgotáveis para vislumbrar um terceiro
milênio de nova criação, baseado na cidadania terrestre. E à educação -
responsável pela transmissão do antigo e abertura da mente para o novo também
cabe essa missão, iniciada com algumas contracorrentes que deixaram
contribuição para o século XX. São elas: ecológica; qualitativa; resistência à vida
prosaica puramente utilitária; resistência à primazia do consumo; emancipação em
relação à tirania onipresente do dinheiro; reação ao desencadeamento da violência.
Essas correntes intensificar-se-ão e ampliar-se-ão ao longo do século XXI para
constituir múltiplos focos de transformação, embora a verdadeira transformação
ocorra com a “intertransformação de todos, o que opera uma transformação global,
que por sua vez retroage sobre as transformações individuais” (MORIN, 1999,
p.74).
Poder-se-ia esperar, igualmente, que a necessidade de volta às raízes, que
mobiliza hoje fragmentos dispersos da humanidade e provoca a vontade de
assumir identidades étnicas ou nacionais, pudesse aprofundar-se e
ampliar-se sem negar-se a si mesmas, nesta volta às raízes, ao seio da
identidade humana de cidadãos da Terra-pátria (MORIN, 1999, p.73).
Assim, nesse jogo contraditório dos possíveis, podemos - e devemos -
também contar com as inesgotáveis fontes do amor humano, afinal, as
possibilidades oferecidas pelo desenvolvimento podem ser igualmente prodigiosas
para o bem e o mal, em todos os domínios da produção humana, inclusive na
própria noção de amor;
Certamente o século XX sofreu terrivelmente de carência afetiva, de
indiferença, de dureza e de crueldade. Mas produziu também o excesso de
amor consagrado a mitos enganosos, ilusões, falsas divindades ou que se
petrifica em fetichismos menores como uma coleção de selos (MORIN,
1999, p.75)
Tendo em vista a experiência que conduziu à Era Planetária, cabe
somente ao homem mudar o futuro do século XXI. E a mudança está no uso da
mente, nas possibilidades cerebrais ainda em grande parte inexploradas, afinal, ela
pode desenvolver aptidões ainda desconhecidas pela inteligência, pela
compreensão e pela criatividade, das quais pode advir o progresso nas relações
entre humanos, indivíduos, grupos, etnias, nações. São as possibilidades
antropológicas, sociológicas, culturais e espirituais que restauram as possibilidades
de esperança estão relacionadas com as cerebrais.
A diferença do que foi construído até então está no fim da certeza
científica, da promessa histórica. Agora fala-se de possibilidade incerta que depende
muito da tomada de consciência, da vontade, da coragem e da oportunidade,
princípios urgentes e primordiais. “Aquilo que porta o pior perigo traz também as
melhores esperanças: é a própria mente humana, e é por isso que o problema da
reforma do pensamento tornou-se vital.” (MORIN, 1999, p.75).
Essa reforma acontece, portanto, pela consciência da identidade e a
consciência terrena; é um sentimento de pertencimento mútuo que une o ser à terra,
considerada como primeira e última pátria, identidade comum, filiação afetiva e
comunidade de destino humano. Trata-se de aprender a estar aqui no planeta;
aprender a dividir, comunicar, comungar, ser, viver como humanos do planeta terra e
não apenas de uma cultura. E é possível nas e por meio das culturas singulares,
compreendendo a consciência antropológica (unidade na diversidade), ecológica
(sonho prometeico do domínio do universo para nutrir a aspiração de conviabilidade
sobre a terra), cívica terrena (responsabilidade e solidariedade), espiritual (crítica,
autocrítica e compreensão mútua).
Por isso é fundamental o encontro com passado; o encontro da energia
para enfrentar o presente e preparar o futuro, melhor e complementar, não mais
antagônico ao reencontro com o passado, mas sim, de afirmação de identidade, de
projeção das aspirações e esforços.
É o fim da era da fecundidade dos Estados-Nações dotados de poder,
o que não significa, contudo, desintegrá-los, mas sim respeitá-los, integrá-los em
conjuntos e fazê-los respeitar o conjunto do qual fazem parte. “O mundo
confederado deve ser policêntrico e acêntrico, o apenas política, mas também
culturalmente(MORIN, 1999, p. 77). É uma religação que substitui a disjunção e
apela à simbiosofia; a sabedoria de viver junto, considerando a unidade, mestiçagem
e a diversidade (produto e produtor) contra a homogeneização e o fechamento.
Essa religação e unidade vão ao âmago da identidade mestiça (cultural e racial),
cultiva a poliidentidade, integra a identidade familiar, regional, étnica, nacional,
religiosa ou filosófica, continental e terrena. “O duplo imperativo antropológico
impõe-se: salvar a unidade humana e salvar a diversidade humana. Desenvolver
nossas identidades a um tempo concêntricas e plurais: a de nossa etnia, a de
nossa pátria, a de nossa comunidade e de civilização, enfim, a de cidadãos
terrestres”. (MORIN, 1999, p.78).
3.1.5 Enfrentar as incertezas
“É preciso aprender a navegar em um oceano de incertezas em meio a
um arquipélago de certezas”. (MORIN, 2000, p. 16). Nesse principio, busca-se incluir
o ensino das incertezas surgidas nas ciências físicas, biológicas e históricas e
desenvolver as estratégias para enfrentar os imprevistos e o inesperado.
Isso porque ainda não estamos prontos para o inesperado, mesmo
com a descoberta da perda do futuro e da imprevisibilidade, no século XX. O que
precisa é a tomada dessa consciência, de que a história é uma aventura
desconhecida e o progresso é possível, mas incerto. “Grande conquista da
inteligência seria poder enfim se libertar da ilusão de prever o destino humano. O
futuro permanece aberto e imprevisível”. (MORIN, 1999, p.79).
A única certeza, dessa forma, é a incerteza histórica de que o futuro
chama-se incerteza”. Quer dizer, a história é criadora e destruidora, avança não de
modo frontal, “ mas por desvios que decorrem de inovações ou de criações internas,
de acontecimentos ou acidentes externos”. (MORIN, 1999, p.81). De acordo com
essa idéia, a evolução é fruto do desvio bem sucedido que transforma o sistema
gerador, desorganiza e reorganiza - o. As grandes transformações são
morfogêneses: criam formas novas que podem constituir metamorfoses.
Além das inovações e criações existem também destruições que
podem trazer novos desenvolvimentos, firmando o caráter não linear da história.
turbulências, bifurcações, desvios, fases imóveis, êxtases, períodos de latência e
virulências, sobreposição de devenires que se entrechocam com imprevistos,
incertezas, evoluções, involuções, progressões, regressões e rupturas. A história
também é um complexo de ordem, desordem e organização e obedece ao mesmo
tempo determinismos e acasos. É um mundo incerto e agonizante que passa por
um violento estado de enfrentamento das forças de morte e vida.
As incertezas ligadas ao conhecimento que enfrentam é papel da
educação do futuro. São elas: cérebro-mental (tradução e reconstrução própria e de
todo conhecimento); lógica (contradição e não contradição); racional (racionalidade
autocrítica e vigilante para evitar a racionalização) e psicológica (sempre há, na
mente, algo fundamentalmente inconsciente).
Na incerteza do real, a realidade não é facilmente legível; é uma noção
em que não importa não ser realista (adaptar-se ao imediato) nem irrealista (subtrair-
se às limitações da realidade) no sentido trivial, mas sim no complexo (compreender
a incerteza do real, as possibilidades invisíveis no real). “É preciso saber interpretar
a realidade antes de reconhecer onde está o realismo(MORIN, 1999, p.85). Assim,
a vida compreende espaços sem definição, com falsas definições e principalmente
com a falta de um quadro geral fechado, única idéia capaz de comportar um quadro
para o tratamento de elementos classificáveis. Aparecem assim, as incertezas da
Ecologia da Ação: a idéia de que ação é decisão, escolha e aposta, e claro,
incerteza.
É impossível apresentar um algoritmo de otimização para os problema
humanos: a busca de otimização ultrapassa qualquer capacidade de busca
disponível e torna finalmente não- ótima, quiçá péssima, a procura do
optimum. Somos conduzidos a nova incerteza entre a busca do bem maior
e do mal menor (MORIN, 1999, p. 87).
Nesse princípio, a ecologia da ação compreende três circuitos:
risco/precaução, fins/meios e ação/contexto. O circuito risco /precaução afirma que
“para toda ação empreendida em meio incerto, existe contradição entre o princípio
do risco e o princípio da precaução, sendo um e outro necessários; trata-se de poder
uni-los a despeito de sua oposição (MORIN, 1999, p.88).
No circuito fins/meios tem-se o princípio da incerteza do fim e dos
meios que se inter-retro-agem uns sobre os outros, e deixam quase inevitávelmente
os meios sórdidos a serviço de fins nobres que os pervertem e os substituem. Da
mesma forma são meios de dominação que utilizados para um fim libertador podem
não apenas contaminar esse fim, mas também se auto-extinguir, pois ações
perversas também conduzem à resultados felizes. “Então, o é absolutamente
certo que a pureza dos meios conduza aos fins desejados, nem que sua impureza
seja totalmente nefasta”. (MORIN, 1999, p.88)
O circuito ação/contexto é a própria Ecologia da ação, ou seja, a idéias
de que toda ação escapa à vontade do autor dentro do jogo das inter-retroações do
meio. A ação corre o risco do fracasso, desvio e perversão do sentido inicial, até
retornar ao iniciador e possui três tipos de conseqüências insuspeitas: efeito
perverso (o efeito nefasto sendo mais importante do que o esperado); a inanição da
inovação (mais se muda, mais tudo permanece igual) e a colocação da conquista
em perigo (perde-se algo importante na tentativa de melhorar uma situação). Outra
importante consciência é a da imprevisibilidade em longo prazo, isso é, a
possibilidade deconsiderar ou calcular os efeitos em curto prazo de uma ação, mas
que em longo prazo tornam-se imprevisíveis. Nenhuma ação está segura de ocorrer
no sentido de sua intenção” (MORIN, 1999, p.90).
No entanto, a ecologia da ação não deve remeter à não-ação, mas sim
ao desafio que conhece riscos e necessita de estratégias que permitam modificar e
até mesmo anular, a ação empreendida.
Dessa forma, o desafio e a estratégia são fundamentais em qualquer
processo, até porque o cenário de uma situação modifica-se de acordo com as
informações recolhidas, pois envolve os acasos, contratempos e oportunidades do
percurso, sendo, portanto, necessário estar totalmente consciente da aposta contida
numa decisão e deixar que a estratégia prevaleça sobre o programa da ação.
O programa estabelece uma seqüência de ações a serem executadas
sem variações do ambiente estável, pois se existirem bloqueiam no. a
estratégia estimula a prudência, audácia, estabelece compromissos, elabora um
cenário de ação que examina as certezas e incertezas, as probabilidades e as
improbabilidades da situação.
um risco, seja o da intransigência que conduz à derrota, seja o da
transigência que conduz à abdicação. É na estratégia que se apresenta
sempre de maneira singular, em função do contexto e em virtude do próprio
desenvolvimento, o problema da dialógica entre fins e meios (MORIN,
1999, p.91).
Desse modo, a estratégia é tudo o que comporta a oportunidade e o
risco, o pensamento que deve reconhecer tanto as oportunidades de risco como os
riscos de oportunidade. É compreender e saber esperar o inesperado, trabalhar pelo
improvável e estar consciente de que a renúncia dos mundos não é a renúncia a um
mundo melhor.
Como o conhecimento, a estratégia é também “uma navegação em um
oceano de incertezas, entre arquipélagos de certezas” (MORIN, 1999, p.91).
3.1.6 Ensinar a compreensão
“Compreender é também aprender a reaprender incessantemente.”
(MORIN,1999, p.102).
Sendo a compreensão “ao mesmo tempo meio e fim da
comunicação humana (MORIN 1999, p.104), estudar a incompreensão a partir das
raízes e seus efeitos é de fundamental importância, afinal, a incompreensão produz
tanto o embrutecimento quanto este produz a incompreensão” (MORIN, 1999, p. 98).
Na era da comunicação e informação, nenhuma cnica de
comunicação traz por si mesma a compreensão, ela não pode ser quantificada; não
se educa para compreender como para a uma disciplina determinada, como a
matemática. A informação e comunicação não garantem a compreensão porque ela
vai além da explicação. A compreensão humana é, assim, uma “missão
propriamente espiritual da educação: ensinar a compreensão entre pessoas como
condição e garantia da solidariedade intelectual e moral da humanidade” (MORIN,
1999, p.93).
Obviamente não é uma tarefa fácil, até porque o problema da
compreensão é duplamente polarizado: o pólo planetário, da compreensão entre
humanos, dos encontros e relações que se multiplicam entre pessoas, culturas,
povos de diferentes origens culturais; e o pólo individual, das relações particulares
entre próximos.
Assim, a compreensão ocorre de duas formas: a intelectual objetiva e a
humana subjetiva. Abrange o conhecimento de sujeito a sujeito, onde o outro não é
apenas percebido objetivamente, mas como outro sujeito com o qual se identifica e
cujo ego alter se torna alter ego. Inclui, necessariamente, um processo de empatia,
de identificação e de projeção; é, portanto, intersubjetiva, pede abertura, simpatia e
generosidade. “Compreender significa intelectualmente apreender em conjunto,
comprehendere, abraçar junto (o texto e seu contexto, as partes e o todo, o ltiplo
e o uno). A compreensão intelectual passa pela inteligibilidade e pela explicação”.
(MORIN, 1999, p.94).
Daí a fundamental importância da educação para os obstáculos da
compreensão. Estes são: ruído (transmissão da informação que cria mal entendido
ou o não-entendido); polissemia (noção anunciada num sentido e entendido no
outro); ignorância (dos ritos e costumes do outro); incompreensão de valores,
imperativos éticos, outras visões de mundo e de uma estrutura mental em relação a
outra; indiferença; egocentrismo e sociocentrismo.
Os três últimos são obstáculos intrínsecos, sendo fundamental estar
atendo à eles. O egocentrismo (self-dececption) é a tapeação de si mesmo, a
autojustificação, autoglorificação e a tendência a jogar sobre outrem a causa dos
males. Envolve o jogo rotativo complexo de mentiras, sinceridades, convicção,
duplicidade e leva a perceber de modo pejorativo as palavras ou atos alheios, a
selecionar o que é desfavorável e eliminar o que é favorável, selecionar as
lembranças gratificantes e a eliminar ou transformar o desonroso.
A incompreensão de si é fonte muito importante da incompreensão do
outro. Mascaram-se as próprias carências e fraquezas, o que nos torna
implacáveis com as carências e fraquezas dos outros. O egocentrismo
amplia-se com o afrouxamento da disciplina e das obrigações que
anteriormente levaram à renuncia aos desejos individuais, quando se
opunha às vontades dos pais ou cônjuges (MORIN, 1999, p.97).
O etnocentrismo e sociocentrismo envolvem as xenofobias e o racismo.
De acordo com Morin, a verdadeira luta contra o racismo se opera contra as suas
raízes ego-etnocêntricas mais do que nos sintomas que advém das idéias pré-
concebidas, as racionalizações com base em premissas arbitrárias, autojustificações
frenéticas, incapacidade de autocritica, raciocínios paranóicos, arrogância, recusa,
desprezo, fabricação e a condenação de culpados. Na compreensão elimina-se o
espírito redutor a um único de seus traços, positivo ou negativo, da personalidade,
que é múltipla por natureza.
(...) lembremo-nos de que a possessão por uma idéia, uma fé, que a
convicção absoluta de sua verdade, aniquila qualquer possibilidade de
compreensão de outra idéia, de outra fé, de outra pessoa. Assim, os
obstáculos à compreensão são múltiplos e multiformes: os mais graves são
constituídos pela cadeia egocentrismo/autojustificação/self-deception, pelas
progressões e reduções, assim como pelo talião e pela vingança -
estruturas arraigadas de modo indelével no espírito humano, que ele não
pode arrancar, mas que ele pode e deve superar (MORIN, 1999, p.99).
Desenvolver a ética da compreensão pede que se compreenda a
incompreensão, que se argumente, que se refute em vez de excomungar e
anatematizar. A compreensão não desculpa nem acusa, ocorre de “modo
desinteressado, não se pode esperar nenhuma reciprocidade. (...) Se soubermos
compreender antes de condenar, estaremos no caminho da humanização das
relações humanas(MORIN, 1999, p.100).
O que favorece a compreensão, é o bem pensar (aprender em conjunto
texto e contexto, ser e seu meio ambiente, local e global, multidimensional, as
condições objetivas e subjetivas - do comportamento humano, o complexo) e a
introspecção (auto-exame, compreensão das fraquezas ou faltas de si é a
compreensão e falta dos outros) para perceber que todos os seres são falíveis,
frágeis, insuficientes, carentes e por isso mesmo necessitam de mútua
compreensão. A descentralização de si mesmo permite que se reconheça e julgue o
egocentrismo.
Essa consciência da complexidade humana - que o reduz o ser à
menor parte dele próprio, nem mesmo ao pior fragmento de seu passado - pode ser
buscada nas artes, como na literatura ou no cinema;
Enquanto, na vida comum, nos apressamos em encerrar na noção de
criminoso aquele que cometeu um crime, reduzindo os demais aspectos de
sua vida e de sua pessoa a este traço único, descobrimos em seus
múltiplos aspectos os reis gângsters de Shaksespeare e os gângsters reais
dos filmes policiais. (...) Podemos, enfim, aprender com eles as maiores
lições de vida, a compaixão do sofrimento dos humilhados e a verdadeira
compreensão. (MORIN, 1999, p101).
No cinema, Morin mostra que ao favorecer o pleno uso da
subjetividade pela projeção e identificação, simpatiza-se e compreende-se o que
seria estranho ou antipático na realidade, utilizando o exemplo do Vagabundo de
Charlie Chaplin; ele causa uma compaixão e comiseração, quando, muitas vezes, o
telespectador sente indiferença às misérias físicas e morais na vida cotidiana.
A interiorização da tolerância é, portanto, uma covicção, fé, escolha,
ética, aceitação da expressão das idéias, escolhas contrárias, sofrimento ao suportar
a expressão de idéias negativas ou nefastas e a vontade de assumir este
sofrimento. Manifesta-se em quatro graus: o respeito ao direito de proferir um
propósito; a nutrição de opiniões diversas e antagônicas (democracia); a noção de
que o contrário de uma idéia profunda é outra idéia profunda e; a consciência das
possessões humanas pelos mitos, ideologias, idéias e deuses.
Na cultura planetária, compreensão ética evolve a relação das pessoas
com a ética da era planetária, ou seja, a mundialização da compreensão. A cultura
oriental, por exemplo, tem muito a ensinar à ocidental, que se colocou por tanto
tempo como mestra. O oriente tem para ensinar, por exemplo, a valorização à paz
interior e a relação harmoniosa com o corpo, isolados do ocidente em função do
ativismo, produtivismo, eficácia, divertimento, pragmatismo, quantitativismo e
consumismo desenfreado.
Esse intercâmbio cultural constitui uma fonte viva para a alma
ocorre por via de mentalidades abertas, curiosas, o-ortodoxas, desviantes e da
mestiçagem (frutos de casamentos mistos, pontes naturais entre as culturas). Aí,
novamente o papel das artes;
Muitas vezes os desviantes são escritores ou poetas, cujas mensagens
podem se irradiar tanto no próprio país quanto no mundo exterior.
Quando se trata de arte, da música, de literatura, de pensamento, a
mundialização cultural não é homogênea. Formam-se grandes ondas
transnacionais, que favorecem ao mesmo tempo a expressão das
originalidades nacionais em seu seio. (MORIN, 1999, p.103).
3.1.7 A ética do gênero humano
O timo princípio é a condução à antropo-ética que considera o
caráter ternário (indivíduo/sociedade/espécie) da condição humana. Nessa
concepção, a ética é um processo que não se ensina por lições de moral e sim pela
consciência através da relação de controle mútuo entre a sociedade e indivíduos e
pela democracia tida como comunidade planetária.
Mais uma vez, Morin demonstra que Indivíduo/sociedade/espécie não
são apenas inseparáveis, mas são também co-produtores mútuos; cada um é, ao
mesmo tempo, meio e fim, nenhum é absoluto: o fim é a própria tríade, rotativa, em
cujo seio emerge a consciência e o espírito propriamente humano. “Toda concepção
do gênero humano implica no desenvolvimento do conjunto das autonomias
individuais, participações comunitárias e do sentimento de pertencer à humanidade”.
(MORIN,1999, p.106).
Daí a ética humana, a antropo-ética; “a esperança na completude da
humanidade, como consciência e cidadania planetária(MORIN, 1999, p. 106). É a
base para ensinar a ética do futuro que em suas antinomias e plenitudes instrui o ser
humano à: humanização; obedecer e guiar a vida; alcançar a unidade planetária na
diversidade; respeitar nos outros as diferenças e identidades; desenvolver a ética da
solidariedade e compreensão e do gênero.
Aspiração, vontade, aposta no incerto, consciência individual além da
individualidade também são características dessa Antropo-ética, em cujo circuito
indivíduo/sociedade ensina-se a democracia. Nessa, “o indivíduo é cidadão, pessoa
jurídica e responsável; por um lado exprime seus desejos e interesses, por outro, é
responsável e solidário com sua cidade”. (MORIN, 1999, p.107).
Para existir democracia, entendida como a autolimitação do poder do
Estado pela separação dos poderes, a garantia dos direitos individuais e a proteção
da vida privada (MORIN, 1999, p. 107) é preciso haver consenso, diversidade e
antagonismos. A diversidade de interesses e idéias, como caráter-chave, comporta o
direito das minorias e dos contestadores e as idéias heréticas e desviantes.
Do mesmo modo que é preciso proteger a diversidade das espécies para
salvaguardar a biosfera, é preciso proteger a diversidade de idéias,
opiniões, bem como a diversidade de fontes de informação e dos meios de
informação (imprensa, mídia), para salvaguardar a vida democrática. (...). A
vitalidade e a produtividade dos conflitos podem se expandir em
obediência às regras democráticas que regulam os antagonismos,
substituindo as lutas físicas por lutas de idéias, e que determinam, por meio
de debates e das eleições, o vencedor provisório das idéias em conflito,
aquele que tem, em troca, a responsabilidade de prestar contas da
aplicação de suas idéias. (MORIN, 1999, p.108).
Esse sistema político complexo de pluralidades, concorrências e
antagonismos, onde de união entre a união e a desunião, é o que deve
permanecer como comunidade. A sua dialógica possui um caráter que une de modo
complementar termos antagônicos como: consenso/conflito,
liberdade/igualdade/fraternidade, comunidade nacional/antagonismo social e
ideológico.
Deve porque ainda não existe; as “democracias” atuais não estão
concluídas. Morin as considera incompletas ou inacabadas, algumas até em
processos de regressão democrática, no qual os indivíduos estão à margem das
grandes decisões políticas, tomadas pelos tecnocratas. Tal procedimento atrofia
competências, ameaça e degrada a diversidade e o civismo, gera a despolitização
ou a política fragmentada que se autodissolve na administração, na cnica
(especialização), na economia e no pensamento quantificante (sondagens e
estatísticas).
Sob essa questão, o futuro da democracia é o confronto cada vez
maior com o problema resultante do desenvolvimento da ciência, da técnica e da
burocracia. A hiperespecialização tornou o saber esotérico (acessível apenas aos
especialistas) e anônimo (concentrado nos bancos de dados e utilizado por
instâncias anônimas, a começar pelo estado) o que afeta a política e a vida
cotidiana.
A tecnoburocracia exalta os peritos em áreas que dependiam de
discussões e decisões políticas (como a manipulações biológicas da paternidade,
questões sobre a maternidade, o nascimento, a morte) e suplanta os cidadãos das
decisões e domínios abertos aos problemas. Cresce, assim, o fosso entre a
tecnociência esotérica, hiperespecializada, e os cidadãos, além de criar a dualidade
entre os que conhecem (um conhecimento parcelado, incapaz de textualizar e
globalizar) e os considerados ignorantes, isto é, os cidadãos. Trata-se de uma
fratura social entre esses e uma nova classe. (Tal fratura também parece estar
ocorrendo no acesso às novas tecnologias de comunicação entre os países ricos e
os países pobres), sendo urgente a regeneração democrática, que supõe também a
regeneração do civismo, da solidariedade e da responsabilidade.
Um caminho para essa regeneração é justamente o circuito
indivíduo/espécie, o ensino da cidadania terrestre e da humanidade como destino
planetário. È a idéia de que a espécie humana não deixa a instância biológica-
reprodutora, mas é também plenamente reconhecida em sua inclusão indissociável
na biosfera, tem raízes em uma Pátria (em perigo) que é a Terra. Nessa concepção,
a Humanidade deixa de constituir uma noção abstrata e passa ser realidade vital e
ideal, pois está ameaçada de morte e não é mais uma noção, é uma comunidade
de destino. Somente essa consciência pode conduzi-la a uma comunidade de vida,
com a ética, concretizada por todos e por cada um para salvá-la, realizando-a.
Daí o problema antropo-histórico fundamental, para o qual não
solução a priori, mas melhoras possíveis; a política do homem e da civilização, a
reforma do pensamento, a antropo-ética, o verdadeiro humanismo, a consciência da
Terra-pátria tratadas de modo multidimensional. A expansão e livre expressão dos
indivíduos constituem o propósito ético e político do planeta e representam a real
relação democrática de indivíduo/sociedade/espécie, cuja finalidade é a busca da
cidadania terrena por uma comunidade planetária organizada.
A melhora não é um processo fácil, mas necessário. Apesar da
proposta complexa da Educação do Futuro e da existência de abordagens
inovadoras na educação
5
, das revoluções científicas do século XX, do
envelhecimento de algumas autonomias e de alguns princípios do paradigma
moderno ter cedido, a essência desses permanece escondida e age soberanamente
sobre os espíritos, reproduzindo e reforçando tal modelo.
Em termos de escola, as atuais condições ainda parecem
desfavoráveis para a reforma do pensamento. Mas, como defende Morin, uma vez
lançadas, as idéias começam a se movimentar, não apenas na educação, mas em
todas as áreas da ciência.
Se tratando dessa área, especificamente, o pensador levanta a
questão sobre quem educa os educadores. Como a complexidade tem
demonstrado, a vida é mais forte do que a lógica e “nós nos conscientizamos que os
processos impossíveis acontecem primeiramente a partir de um caminho alternativo”
5
As abordagens conhecidas como Educação Progressista, Holista e Ensino com Pesquisa são
propostas de um Paradigma Inovador na educação brasileira em oposição às correntes conhecidas
como Pedagogia Tradicional, Escola Nova e a Escola Tecnicista, que reproduzem o modelo de um
Paradigma Tradicional (BEHRENS, 2000).
(MORIN, in PETRAGLIA, 1998, p.87), que muitas vezes nascem de experiências
individuais, pois a primeira mudança de pensamento vem da consciência da
necessidade de mudá-lo.
Todo o processo então se torna um contágio, como se na história
das idéias; algumas ficaram bloqueadas por muito tempo, mas irromperam em
momentos epidêmicos quando nas condições favoráveis. E mesmo quando as
condições parecem não ser, é preciso criá-las.
... hoje, me parece importante que essa reforma do pensamento precisa
de uma reforma de princípio, uma reforma epistemológica que é muito
longa, muito longa, e que ainda não começou. Eu creio sem querer me
gabar – que sou um dos elementos desta tentativa que diferentes espíritos,
cada um ao seu modo, procuram realizar. Eu não sou totalmente isolado,
eu não me sinto solitário, portanto tenho a impressão de que não sou
louco. Eu vejo que outras pessoas encontram as mesmas idéias, os
mesmos conceitos por seus próprios caminhos e a partir de disciplinas
diferentes... é como se existisse uma constelação.” (MORIN in
PETRAGLIA, 1998, p. 97)
Assim, em toda a disciplina pode ocorrer a reforma do pensamento
quando o professor compartilha das idéias da Educação do Futuro. O Teatro pode
também dar contribuição a esse novo horizonte, porque a arte e seus valores o
condições necessárias no novo paradigma. Não é preciso supervalorizá-la e nem
tampouco excluí-la, mas sim tê-la como um instrumental mediador entre as duas
culturas e entre diferentes saberes, afinal “A ciência e a tecnologia estão entre nós,
é preciso que aprendamos a conviver com elas, mas ao mesmo tempo é preciso
reintegrar esses valores intuitivos, imaginativos, criativos, que foram considerados
ultrapassados. A razão pura leva ao enxugamento; a irracioalidade pura, à loucura”
(REEVES, in MORIN e MOIGNE, 2000, p. 156).
4 O TEATRO NA EDUCAÇÃO DO FUTURO
O Teatro na educação envolve arte e ciência e em ambos os campos
ricas fontes que se relacionam com os princípios do paradigma emergente. No
presente capítulo essa relação aparece a partir das concepções de arte e
conhecimento e teatro e conhecimento.
4.1 Arte e Conhecimento
O crescimento de pesquisas cientificas desenvolvidas na área de artes
torna notória presença dessas na sociedade como produção de conhecimento que
influencia e transforma as condições humanas, históricas e culturais, ressaltando o
que THOMAS KHUN (1995, p.20) denomina por ciência: fatos, teorias e métodos
reunidos em textos atuais pela contribuição de cientistas, pessoas empenhadas na
constelação específica da ciência.
Tanto a arte como a ciência respondem sempre às condições histórico-
concretas da vida da sociedade. Estão determinadas pelo Estado e o
caráter das relações de produção (...) Isto determina a existência de uma
estreita relação entre o reflexo artístico que se traduz em imagens
artísticas, e o pensamento científico, que o faz em conceitos, categorias e
leis. Tanto o pensamento artístico como o científico refletem o mundo
objetivo e se desenvolvem com a prática social. (DURÀN in CARREIRA e
CABRAL, p. 12, 1996)
Arte é forma de conhecimento, pois envolve a história, a sociedade, a
vida. Não está apenas ligada a idéia de prazer estético, contemplação passiva, mas
ao contrário, é dinâmica e representa trabalho já que possui forças materiais e
produtivas que impulsionam as relações históricas e sociais e levam o homem à
compreensão de si mesmo e da sociedade.
A Teoria Crítica fornece uma das bases dessa idéia, pois procura
analisar a formação social revelando as raízes não acidentais para descobrir as
condições e interferir no movimento histórico. Nesse aspecto, a arte é um caminho
de resistência aos estragos sociais, culturais e políticos que estimula a
capacidade do indivíduo de “selecionar as informações que sejam relevantes para a
sua construção enquanto cidadão emergente, na avalanche de informações que
soterram e soterram o mundo numa velocidade cada vez mais acelerada”.
(SAMWAYS, 2002, p. 66).
A arte proporciona prática criadora à luz das relações sociais, culturais
e estéticas levando em conta as transformações nas novas configurações de tempo
e espaço. Compreendê-la como processo social, é, portanto, chamá-la de produção
cultural, conhecimento humano. As transformações históricas que se operam nas
estruturas artísticas e suportes físicos e materiais possibilitam atualização e
construção do conhecimento artístico, que a arte é um produto social que utiliza
recursos técnicos e forças produtivas que contribuem para determinar o grau de
desenvolvimento da produção artística da sociedade e impulsiona as relações de
distribuição e consumo da produção estética.
O processo representa uma teia de relações humanas baseadas em
produções simbólicas e presentificações estéticas, estésicas e críticas que
interferem no tempo e espaço humano. As interferências promovem transformações
qualitativas de significados, por isso também promovem uma educação para a
contradição e para a resistência. É emancipatória, com ânsia em transformar, de
converter a potência repressora, pensar e fazer na sociedade, tal como propõe a
educação do futuro.
A essência da arte está projetada no significado da ação de historicizar e
contextualizar os fatos artísticos pelo estudo aprofundado da composição e
das transformações das estruturas artísticas por meio do ensino de arte
aliado à sensibilidade e à capacidade inventiva humana no movimento das
transições sociais. Sintetizando, a compreensão da arte, como produção e
experiência criadora, podecolaborar para uma criação verdadeiramente
revolucionária, isto é, aquela que nega dialeticamente o passado, para
concretiza-lo numa antecipação de futuro.
(SAMWAY, 2002, p. 72)
Nesse foco, arte é autonomia; protesta contra a realidade que quer
abarcar, “critica a sociedade pela sua simples existência. Tudo nela denuncia
implicitamente a sociedade na qual está inserida”. (ZUIN, PUCCI, OLIVEIRA In
SAMWAYS, 2002, p.104). Compreender uma obra, por exemplo, significa dar conta
dos sistemas de relações sociais, políticas, estésicas, estéticas e culturais contidas e
da subjetividade do interpretante, ou seja, a construção do eu. Recriar-se a si
mesmo pela arte significa ser sujeito protagonista da história social que se vive e
constrói; o cidadão que vivencia a experiência estésica das artes no processo de
formação humano e social pode interferir na realidade.
Assim, a arte como conhecimento é uma interpretação crítica dos
mundos aplicada ao olhar estésico e estético da realidade como mediação de
conhecimento e produção de significado para transformação por caminhos
alternativos. Como o próprio EDGAR MORIN (2000, 156) afirma, “existem
dimensões humanas que fogem a visão científica, outros modos de conhecimento. A
poesia existe também, não é pura fumaça”. Essa idéia não se aplica à poesia,
mas a todas as manifestações artísticas, inclusive ao teatro.
4.2 O Teatro como Conhecimento
Tal como as artes, o conhecimento no teatro é amplo e complexo, pois
envolve saberes diversos dessa e de outras áreas artísticas e promove a
aprendizagem. É conseqüência das trocas que participam artistas, espectadores e
estudiosos e retorna para a sociedade como cultura.
De acordo com o Grupo de Trabalho de Teatro Educação do IV
congresso da ABRACE
6
, essa área desenvolve-se na perspectiva da escola e
também na ação cultural, o que vai de encontro aos princípios da LDB (1996) de que
a educação abrange os processos formativos que aparecem também nas
manifestações culturais.
A variedade de saberes do teatro pode ser ilustrada pelos processos
de construção de uma personagem e encenação, nos quais se fazem necessárias
inúmeras fontes de conhecimento, informação e linguagens. O primeiro envolve o
conhecimento da obra, do autor, do personagem, dos recursos expressivos, domínio
físico e vocal, a busca de referências filmográficas, fotográficas, musicais, pictóricas,
experiências de vida, atualizações temáticas. No segundo, é necessária a
articulação de diferentes linguagens: a arte do ator, música, sonoplastia, cenário,
figurinos, adereços, iluminação. (MACHADO, M. A, 1996).
6
A ABRACE – Associação Brasileira de Pesquisa e Pós-graduação em Artes Cênicas é a mais jovem
das sociedades científicas da área de artes no Brasil. Segue o exemplo das congêneres de música e
artes visuais, com publicações especificas e disposição para o diálogo com todas as áreas de
conhecimento (consolidadas e emergentes), “que configuram o momento atual no país e anunciam o
incremento do intercâmbio mundial e da transdisciplinaridade que, provavelmente, caracterizarão o
terceiro milênio”. (ABRACE, 2006)
O corpo/voz são os suportes básicos da arte para o ator. o corpo
porta um próprio saber e linguagem, resultado da contínua comunicação e interação
corpo/mente/mundo e das habilidades perceptivas e expressivas. “Ter domínio sobre
corpo/voz implica em reconhecer como o corpo conhece, para ensinar-lhe o que é
necessário aprender e a fim de que ele responda e corresponda, sobretudo com
organicidade (princípio da eficiência técnica), à expressão desejada”. (MACHADO,
M. A, 1996, p. 95)
O conhecimento necessário para a construção de um personagem é
amplo e vem de tudo o que se manifesta humano ou socialmente. STANISLAVSKI
(2000, p.25) fala que a o indivíduo tira a caracterização exterior de um personagem
a partir de si mesmo e dos outros, bem como da vida real ou imaginária. Para isso
utiliza imaginação, intuição, experiência e referências de variadas linguagens como
quadros, gravuras, livros, desenhos, e até mesmo incidentes. No teatro, tudo pode
ser fonte de conhecimento e aprendizagem quando, fundamentalmente, não se
perde o Eu.
Por isso, o conhecimento nessa área inclui também sentimentos,
sensações, percepções e compreensões (da narrativa ou do personagem). Um ator
é entendido como pesquisador ao entrar em contato com um texto, personagem ou
com um projeto de encenação, pois se em face de algo novo, que desafia,
desperta, interrompe ou faz interromper alguma idéia, o envolvimento necessário
para uma pesquisa. Essa disponibilidade está vinculada à capacidade cognitiva e
expressiva, adquirida com a experiência teatral, estudos e técnicas. “Trata-se,
portanto, de um processo de aprendizagem”. (MACHADO, M. A., 2006, p. 100).
MACHADO (2006) demonstra por meio da filosofia de Peirce, que se
pode encontrar uma das possibilidades de entendimento dessa diversidade ao se
compreender que o conhecimento artístico está mergulhado em um campo
hipotético;
por um lado o objeto da arte é mera possibilidade de ser, por outro, a
metodologia desse fazer organiza-se na própria construção do objeto (Ibri,
1992). Como campo de natureza hipotética, a linguagem teatral permite
uma maleabilidade de métodos e recursos, e o objeto de representação se
constrói no momento da própria criação. O processo lógico (semiose)
engendrado por essas construções constitui também a especificidade da
composição da linguagem artística que orienta, baliza e delimita o processo
de criação. (MACHADO, M. A. D, 2006, p. 92).
Do ponto de vista da semiótica, o que está em jogo na experimentação
teatral é a lógica da ação do signo que faz gerar outros pelo movimento
sucessivamente. Na prática da construção de um personagem, exemplifica-se da
seguinte forma:
Compete ao ator habilitar-se para o livre fluxo desse jogo, permitindo que
ele se realize e reconhecendo em si mesmo quais gestos, entonações e
expressões podem compor melhor o seu personagem para aquele contexto
de encenação da pesquisa. A cada gesto escolhido, segue-se outra
infinidade de possibilidades... Nova escolha... novo movimento... Nova
imagem... Novas possibilidades... Nova escolha... Tudo isso em um fluxo
contínuo. Em cada escolha abre-se uma nova cadeia de possibilidades e
fecham-se outras. (MACHADO, M. A., 2006, p. 101)
È a concepção de conhecimento infinito de Morin, que se complementa
com a idéia que;
Da mesma forma que Peirce nos diz que conhecemos aquilo que os
esquemas mentais estão equipados para interpretar (Santaella, 1998),
expressamos aquilo que os esquemas físicos e mentais estão equipados
para expressar.
Nesse mapa geral do trabalho do ator, é possível identificar um ponto
comum aos processos de criação: a questão da experimentação prática
como elemento gerador da organicidade ou seja, o próprio exercício das
concepções físicas, mentais, afetivas e emotivas do personagem, jogo e
ação. (MACHADO, M. A. D, 2006, p. 95).
Mas como arte e produção de conhecimento, o teatro vai além da
linguagem teatral do ator ou da encenação; é também relação e mediação entre
outras áreas do conhecimento, envolve e desenvolve a cultura, enfim significa ação
cultural na sociedade. CARREIRA E CABRAL, (1996, p.13) afirmam que é “elemento
fundamental nos processos de construção cultural; não é apenas uma forma de arte
que reflete diferentes circunstâncias da experiência humana, mas também um
elemento formador e instrumento de interferência na vida social”.
Exemplos são as abordagens metodológicas e conceituais que tem
explicitamente uma função político-educacional com o Ensino do Teatro. No Brasil é
muito difundida a proposta de Brecht (teoria da Peça Didática ou Lehrstück) e O
Teatro do Oprimido de Augusto Boal. A Proposta dramática brechtiniana se insere
na filosofia marxista e busca uma solução reintegradora para a sociedade e para a
alienação artística através do Teatro Épico e Dialético que rompe a atitude passiva
do espectador. O Teatro do Oprimido- que surgiu da necessidade de reação às
relações ditatoriais na América Latina na década de 1960 - conclui uma total
desativação do papel do espectador, tendo em vista a libertação do papel de mero
observador para a libertação do povo da passividade e impotência”. (KOUDELA e
ARÃO, 2006, p.71). Em outras pesquisas apontadas pela ABRACE (2006),
indiferente da Metodologia empregada, o teatro como ação cultural age diretamente
sobre problemas sociais contemporâneos como as drogas, o meio ambiente e a
violência.
Dessa forma, essa arte possui amplas dimensões na realidade
humana, social e/ou cultural, de modo que, considerando os princípios apontados
por Morin para a educação do futuro, é possível estabelecer uma relação entre o
teatro e os sete saberes para que na educação também possa contribuir na
construção de um novo paradigma.
4.3 O teatro na Educação do novo Paradigma
No saber ensinar a Compreensão, Morin sugere a mescla das ciências
humanas físicas, biológicas e a arte. Nessa, está inserido o teatro como um meio
para a Ciência com Consciência (a consciência do homem em relação ao mundo, o
questionamento epistemológico e a interrogação sobre a legitimidade do discurso
científico), que o Teatro como arte traz a tona o questionamento subjetivo sobre o
humano e objetivo sobre a legitimidade do próprio discurso científico.
Sendo a Paradigmatologia a mudança do olhar sobre o entendimento
(inteligência) e a ligação entre ciência e consciência complexa, o Teatro aparece
justamente como mudança; essa arte sempre esteve às margens da ciência
clássica, mas possui ligação com a concepção de ciência emergente. Na
Bioantropologia do conhecimento não existe a instância soberana do Epistemólogo
que controla irredutivelmente todo o saber mas sim a pluralidade de instâncias,
decisivas, insuficientes, que comportam incertezas. Assim ocorre com o teatro - que
é também um saber - cujas ações se desenvolvem muito mais a partir das incertezas
do que das certezas.
A concepção de paradigmatologia afirma que a Inteligência da
Complexidade é um caminho a ser feito, deve ser construída. É a abertura que
propõe o Teatro como caminho; o exercício da ciência com consciência através da
união entre arte e ciência que a consciência do homem em relação a si e ao
mundo é o princípio para qualquer ação teatral. Assim, Inteligência no Paradigma
da Complexidade relaciona-se diretamente com princípios do Teatro. Essa é
entendida como transformação do ininteligível percebido pelo potencialmente
inteligível concebido, é a ação de compreender mutuamente o resultado da própria
ação, refletir (compreensão de si mesmo), representar uma situação, conhecer,
ajustar a representação dos resultados em estratégias que possibilitam escolhas.
Isso aparece claramente na prática do jogo teatral, onde:
A expressividade da criança é uma manifestação sensível da inteligência
simbólica egocêntrica. Pela revolução coperniciana que se opera no sujeito
ao passar de uma concepção de mundo centrada no eu para uma
concepção descentrada, as operações concretas iniciam o processo de
reversibilidade do pensamento. Esse princípio irá operar uma
transformação interna na noção de símbolo da criança. Integrada ao
pensamento, a assimilação egocêntrica do jogo simbólico cede lugar à
imaginação criadora. (KOUDELA E ARÃO, 2006, p. 68).
A criatividade também ilustra a relação entre teatro e complexidade,
pois é premissa para ambos. MORIN (2000, p.97) fala que “Restringindo unicamente
à dedução e a indução, a lógica clássica põe fora da lógica àquilo que opera a
invenção e a criação”. A criatividade é vital não apenas para ciência, mas para todas
as relações sociais; hoje se exige cada vez mais o relacionamento do cidadão e seu
trabalho com as diferentes áreas do conhecimento, o que é possível com a
criatividade que rompe a incomunicabilidade do saber parcelado.
Os Cientistas e os técnicos dos próximos anos, vivendo rupturas em suas
áreas, terão sentimentos que vem da prática das artes, no entendimento
mais amplo que vem dos seus conhecimentos de filosofia e no
compromisso ético e político com o seu trabalho. (BUARQUE, In
SAMWAYS, 2002, p. 64)
A Criatividade, dessa forma, contribui também para outro problema-
chave apontado pela complexidade que é o de instaurar a convivialidade entre
ciência, idéias e mitos. Para isso, é necessário o intercâmbio entre diferentes zonas
da mente, bem como civilizar teorias, desenvolvê-las abertamente, racionais,
críticas, reflexivas, autocríticas e aptas para se auto-reformar. A criatividade aparece
como uma possibilidade para esse intercâmbio, não para a mente, mas também
para diferentes saberes da cultura humana, pois é ponte de comunicação
(intercomunicação), possibilidade para o incerto ou considerado impossível pela
razão clássica.
Assim, a intercomunicação via criatividade auxilia na união das ciências
do cérebro, do espírito, sociais e das idéias que retroagem nos estudos dos
princípios que determinam os resultados, sem perder a competência. É a articulação
com as outras competências, a ligação em cadeia formadora do circulo completo e
dinâmico, do anel de conhecimento, da policompetência que vai além da
especialização e da hiperespecialização, pois necessita da subjetividade, essa que
está tão presente na arte que leva ao questionamento da própria condição: Traduzir
uma parte noutra parte que é uma questão de vida ou de morte.
Será Arte?
(GULLAR, 1991, p. 209).
Essa subjetividade é fundamental para o ser humano, pois a
consciência dela é passo inicial para a expressão objetiva das idéias. E nessa, o
Teatro, através do jogo teatral, por exemplo, contribui profundamente, pois;
Traduzimos a tradução da subjetividade em objetividade no trabalho do
ator quando ele compreende a diferença entre história e ação dramática.
Ao “fiscalizar” (mostrar) o objeto (emoção ou personagem), ele abandona
quadros de referência estáticos e se relaciona com os acontecimentos, em
função da percepção objetiva do ambiente e das relações no jogo. O
ajustamento da realidade a suposições pessoais é superado a partir do
momento em que o jogador abandona a história de vida (psicodrama) e
interioriza a função do Foco, deixando de fazer imposições artificiais a si
mesmo e permitindo que as ações surjam da relação com o parceiro.
(KOUDELA in SPOLIN, p. 13, 1985)
O processo de criatividade estimulado e desenvolvido se aplicado ao
problema epistemológico pode contribuir dessa forma para a conexão entre as
diversas partes, as competências do anel de conhecimento; traduzir e ressignificar o
que é incompreendido apenas pela lógica formal e auxiliar na problemática do
Método apontada por Morin.
Na prática, por exemplo, uma questão proposta por um jogo teatral
recorre explicitamente à criação de Metassistemas (a comunicação entre sistemas,
com o principio da incerteza) para solucionar o problema proposto. O ponto de
partida de um jogo teatral é sempre um conflito que deve ser resolvido através de
peripécias que mudam as situações do momento em que se joga (BRITO, 2006, p
56); é um jogo dico de regras, porém não de certezas; as estratégias da ação
presente é que conduzem à solução final.
A incerteza do jogo improvisacional recorre assim à Ecologia da ação,
entendendo que toda a ação existe num jogo de interações que escapam muito
rapidamente do seu autor, sendo aleatórias, suscetíveis de erros e falhas,
desencadeiam processos inesperados e contraditórios, tal como ocorre na
improvisação. Improvisar é ensinar a arriscar sem medo com o exercício imaginativo
e a consciência da ação, que essa prática é “a melhor maneira de desenvolver a
imaginação”. (MACHADO, p.33, 1998).
E a imaginação juntamente com a intuição, segundo MORIN (2000, p.
149), são os motores da ciência quando o controle da racionalidade no sentido mais
aberto é orientado mais para a eficácia do que sobre a lógica, afinal a própria ciência
é feita por sujeitos que possuem subjetividade; “o mito da neutralidade da ciência é
uma maneira de inocentar a consciência” (REEVES, in MORIN e MOIGNE, 2000, p.
155). Assim
, a
intuição é parte do processo de conhecimento da educação
complexa, na qual educadores e escola constroem as identidades de seus
membros, os sujeitos do processo. E ambas são o cerne do jogo teatral.
No jogo teatral, pelo processo de construção da forma estética, a criança
estabelece com seus pares uma relação de trabalho em que a fonte da
imaginação criadora o jogo simbólico- é combinada com a prática e a
consciência da regra do jogo, a qual interfere no exercício artístico coletivo.
(KOUDELA E ARÃO, 2006, p. 68).
Maria Claro Machado (1998) atribui à Imaginação a maravilha da vida,
por ser possível viajar por toda parte, resolver problemas, enriquecer a vida criar
soluções novas para o que não se sabia resolver. Num paralelo com a
complexidade, a prática da imaginação é um exercício para a Inteligência moriniana.
“Com ela o menino pobre anda nos lugares muito longe sem gastar um centavo.
Com ela os artistas inventam histórias, com ela todo mundo descansa um pouco da
realidade para passear por todos os recantos da vida” (MACHADO, p.24, 1998).
Além da criatividade, imaginação e intuição (atributos fundamentais do
teatro e necessidades para o Paradigma da Complexidade), outra contribuição do
teatro à nova concepção de ciência é o desenvolvimento da sensibilidade. Maria
Clara Machado mostra que alunos e atores fazem exercícios para educar a
sensibilidade, pois essa, nada mais é do que “sentir as coisas” (MACHADO, 1998, p.
20):
É ver uma coisa bonita e se emocionar. É ouvir uma história e ficar triste
ou alegre. É sentir amor, raiva, pena, inveja, vontade de abraçar, de ser
abraçado, de chorar. Somente sentindo as coisas a gente aprende a ser
feliz. E a vida está convidando todo mundo a descobri-la. Para descobrir
as coisas da vida a gente tem que ter sensibilidade. Tem que perceber as
coisas. (MACHADO, 1998, p.21)
A importância de educar a sensibilidade representa uma mudança
profunda de paradigma, pois essa é renegada no Paradigma da Modernidade
quando na verdade, “todo mundo tem sensibilidade. O que acontece quase sempre
é que ela é mal educada. Ou então não está desenvolvida” (MACHADO, 1998,
p.22). É como a Percepção, outra fonte do conhecimento em Teatro e necessidade
na ciência complexa.
O desenvolvimento da Percepção pelo Teatro aparece na
transformação dos hábitos, na mudança física do corpo, no estado de presença e
também nos esquemas mentais de interpretação e de expressão de um aluno/ator.
São organizações habituais das redes de conexão do conhecimento, corpo/mente,
que geram novos saberes que por sua vez, o cabem na expressão também
habitual; exigem a expressão teatral e sua linguagem, pois percepção envolve a
linguagem e está inevitavelmente relacionada com ela. Os aspectos mais humanos
de cada personagem devem ser descobertos, ampliados e dilatados no suporte da
arte (corpo/voz) e traduzidos para a ação física em contornos próprios de cada uma
das linguagens para o encontro orgânico entre ator e personagem (MACHADO, M.
A., 2006)
Adiciona-se aos aspectos apresentados a concepção Essencialista de
arte (KOUDELA, 1984) que nessa a contribuição única para a experiência
individual e cultural humana que não há em nenhum outro grupo de estudo e por
isso o necessita de justificativas psicológicas ou sociais. De acordo com essa
visão, a arte não precisa de argumentos que justifiquem a presença no currículo
escolar ou métodos de ensino estranhos à natureza intrínseca. A concepção
defende o valor educacional intrínseco na arte, sem a necessidade de justificativas
instrumentais; a contribuição é única para a experiência individual e a cultura
humana diferente dos outros grupos de estudos. Essa visão complementa a idéia
de Morin que a reforma do pensamento que vem das bases deve começar no nível
de ensino elementar, já que as crianças fazem funcionar espontaneamente as
percepções sintéticas e analíticas e espontaneamente sentem as ligações e
solidariedades entre as coisas. Isso é o que envolve a experiência teatral e artística
em geral.
Dessa forma, uma relação mais profunda entre o Teatro e o
conhecimento complexo a partir da Educação do Futuro pode ser estabelecida com
os Sete Saberes.
4.4 Relação entre Teatro e os Sete Saberes
Dentre os sete Saberes, em ensinar a Compreensão, Morin
explicitamente recorre às artes como um caminho. Demonstra que a consciência da
complexidade humana pode ser buscada na literatura ou no cinema, donde se
aprende lições de vida como a compaixão pelo sofrimento dos humilhados em
função do pleno uso da subjetividade, da projeção ou identificação que possibilitam
a simpatia com o que seria estranho ou antipático na realidade. Nesse saber, ainda,
Morin afirma a importância do intercâmbio cultural como fonte viva para a alma; ele
se processa por mentalidades abertas, curiosas, não-ortodoxas e desviantes, como
a dos artistas, escritores ou poetas. Tais aspectos estão presentes no Teatro, da
mesma forma que todos os outros saberes também se relacionam com ele, que a
Complexidade abraça e não exclui. O que se demonstra a seguir é a contribuição
que especificamente essa arte pode trazer para cada um dos saberes.
No primeiro, Morin mostra que as Cegueiras do conhecimento (erro e
ilusão) podem ser mentais (self –deception), intelectuais (doutrinas, teorias,
ideologias) ou da razão (diferença entre ser racional e racionalizador). É possível
conscientizar-se delas a partir do Teatro porque esse promove um conhecimento
maior de si mesmo (o que desperta para a self-deception) e do contexto (desperta
para as cegueiras intelectuais e da razão).
Ator é o hipócrita (do grego hypokrités), o respondedor, simulador, que
experencia todos os papéis. É o ser destinado à metamorfose dos sentimentos a
partir de um fingimento perfeito, quase imperceptível (CARVALHO, p. 11, 1992).
Essa capacidade cênica utilizada na construção de um personagem é possível a
partir do que STANISLAVSKI (1970) chama de Memória Emotiva, ou seja, buscar as
emoções para a personagem em situações vivenciadas na realidade. Tal processo
inevitavelmente promove um auto-conhecimento, que trabalhado pode auxiliar na
relação com a self- deception, pois a proposta Stanislavskiana procura o trabalho do
ator sobre si mesmo e sobre a personagem; faz atuar a consciência sobre o
inconsciente (sede da inspiração) e utiliza a imaginação na busca de elementos que
a peça não oferece bem como faz da observação um exercício diário e ininterrupto.
A observação que propõe Stanislaviski vai além do conhecimento
individual, envolve cultura, sociedade e contexto e por isso aproxima-se dos
princípios de incerteza racional e questionamento, afinal, despertar o “instinto de
teatralidade” inerente ao homem necessita de “inesgotável vitalidade para
transfiguração de imagens recebidas de fora” (CARVALHO, 1992, p.12), o que
requer uma racionalidade vigilante a autocrítica para tais imagens, para a realidade.
Por isso, o Teatro também abre possibilidades de reflexão a respeito
do Imprinting cultural; para criar ou imitar realidades na elaboração de uma cena é
preciso conhecê-las, e quem conhece e recria, questiona e transforma. Daí também
a contribuição da arte para o questionamento sobre o jogo entre a verdade e o erro
que acontece na zona dos paradigmas e para o desenvolvimento de uma noologia
flexível.
Em relação a estar preparado para trabalhar com o inesperado, Morin
fala que saber esperar a chegada do imprevisível e ser capaz de rever as teorias
que envolvem o novo que brota sem parar é fundamental. O processo de criação
nas artes e no teatro é exatamente esse, pois uma idéia inicial se desenvolve e
modifica muito até o resultado final. Ao construir um personagem, por exemplo,
muitas vezes o aluno ou o ator se tomado pelo “entusiasmo e fervor artístico”
(MACHADO, M. A., 2006), mas na medida em que o jogo semiótico de objetos,
signos e interpretantes são amplamente suscitados a pessoa se acalma. Às vezes
ocorre o contrário; o aluno/ator é tomado pelo desânimo frente a um personagem e,
ao final de uma montagem está completamente envolvido pelo prazer de estar em
cena naquele personagem. “Está em jogo, nessa questão, tanto a disponibilidade do
ator como a capacidade do texto, do personagem, da encenação e da pesquisa
promoverem o desenvolvimento dessa relação de conhecimento” (MACHADO, M.
A., 2006, p.98).
A construção de um personagem é um processo de conhecimento que
além de envolver pesquisa teórica, intelectual, histórica e social, envolve aspectos
físicos, psicológicos, humanos. Assim, nesse primeiro saber vê-se que o teatro
contribui para as condições bioantropológicas (cérebro/mente), socioculturais
(cultura aberta: troca de idéias) e noológicas (teorias abertas), que promovem as
fundamentais questões da educação: o princípio do mundo, homem e do próprio
conhecimento; a elaboração de metapontos de vista; reflexividade; integração
observador/conceptualizador na observação-concepção; e a ecologização da
observação-concepção no contexto cultural e mental do sujeito/objeto.
O segundo saber, o Conhecimento pertinente, destaca a importância
de apreender os objetos em seu contexto, totalidade e conjunto. Esse é um princípio
básico do teatro que envolve, dessa forma, o estabelecimento de relações mútuas e
influências recíprocas entre o todo e as partes. Nesse saber, Morin aponta a
necessidade de se ensinar todos que permitam estabelecer essas relações, para
qual o teatro pode contribuir.
A relação do sujeito com o contexto da criação dramática afina-se com
o pressuposto da imperfeição cognitiva desse saber que o contexto é o próprio
mundo do sujeito/objeto. Para criar um personagem, por exemplo, se estabelece
uma relação de conhecimento com ele a partir do texto e dos objetos relacionados a
esse conhecimento. Do ponto de vista da Semiótica, eles geram signos que por sua
vez geram interpretantes idéias, imagens, possibilidade de atuação, referências
implícitas ou explícitas, metáforas, relações, religações.
A partir dos signos gerados no primeiro contato entre ator e personagem,
vão se configurando outros, que se relacionam, integram e geram outros,
em um jogo amplo e criativo entre interpretante, signo e objeto. Uma rede
de relações permanente, resultado desse processo semiótico, que vai
buscar sua síntese, sempre provisória, na composição do personagem por
meio da linguagem teatral.
O entendimento do processo semiótico da criação artística permite uma
visão mais ampla do diálogo instaurado entre a capacidade de texto, o
personagem, a pesquisa e a encenação gerarem conhecimento e as
capacidades cognitivas simultâneas às habilidades expressivas do ator.
(MACHADO, M. A., 2006, p. 99).
Um personagem também envolve elementos diferentes e inseparáveis
que constituem o seu todo (econômico, político, sociológico, psicológico, afetivo,
mitológico) interdependente, interativo e inter-retroativo, como o conhecimento
complexo. Dessa forma, pelo teatro - seja no exercício de improvisação dramática ou
na construção do personagem - é possível a ampliação da Inteligência Geral,
aptidão natural da mente em formular e resolver problemas essenciais.
Morin defende que essa inteligência é desenvolvida pelo livre exercício
da curiosidade, da faculdade mais expandida e mais viva durante a infância e a
adolescência e por isso a necessidade de estimulá-la ou despertá-la. Crianças e
Adolescentes que fazem Teatro desenvolvem-na espontaneamente, pois, mesmo
sendo “uma arte que necessita de muito esforço, muita dedicação e muito trabalho”
(MACHADO, 1998, p. 07) as pessoas procuram fazê-lo pela concepção essencialista
da arte. E como, “brincando é que a gente descobre que quer transformar aquela
brincadeira em coisa séria” (MACHADO, 1998, p. 13) percebe-se que, “mesmo numa
brincadeira de teatro é preciso disciplina, senão ninguém conseguirá fazer nada”
(MACHADO, 1998, p.27).
Desenvolve-se espontaneamente, desse modo, aptidões para o
problema da disjunção e especialização fechada, hiperespecialização, redução e
falsa racionalidade que eliminam “o elemento humano do humano, isto é, as
paixões, emoções, dores e alegrias. Da mesma forma, quando obedece estritamente
ao postulado determinista, o princípio de redução oculta o imprevisto, o novo e a
invenção”. (MORIN, 1999, p.42). O teatro é um resgate aos valores e princípios
humanos, pois ele é feito de emoções. As pessoas o fazem ou freqüentam “para se
emocionar, sentir alegria e tristeza, para ver e sentir a vida”. (MACHADO, 1998,
p.11). Exercitar as emoções e desenvolver a sensibilidade promove um combate a
falsa racionalidade subordinada às Inteligências Artificiais, a tecnocracia, ao
pensamento incapaz de compreender o vivo e o humano por acreditar no
operacional, ou seja, é um combate ao domínio da pseudoracionalidade do século
XX que acreditou ser a única racionalidade e atrofiou a compreensão, a reflexão e a
visão em longo prazo e gerou a insuficiência para lidar com problemas mais graves.
Sob esse ponto de vista, considera-se que outras formas de
racionalidades existem e a emoção é fundamental para essa compreensão. Essa
está dentre os muitos valores do jogo dramático que fornece uma válvula de escape,
uma catarse emocional (KOUDELA E ARÃO, 2006, p. 66), enfim, o reconhecimento
de que o homem não é apenas razão operacional.
E se teatro é puramente humano, no saber ensinar a Condição
Humana, essas e outras características se evidenciam e fortalecem as paridades
entre a arte e os Sete Saberes. Tal condição é comum a todos os humanos e
envolve as dimensões física, biológicas, psíquica, social e histórica do ser, ou seja, a
identidade complexa de reconhecer a humanidade comum e ao mesmo tempo
culturalmente diversa, como preza o teatro.
A questão fundamental desse princípio é situar o humano no universo,
não separá-lo do humano e questionar sua posição no mundo. Aproxima-se da
proposta Brechitiana, por exemplo. O dramaturgo rompeu com o método de
Stanislavski e propôs um teatro pedagógico de conteúdo e forma que apresenta à
platéia atores que estudaram e conheceram os personagens de forma descritiva,
consciente e sugestiva. Ao contrario do naturalismo psicológico de Stanislavski, o
ator e o espectador não se envolvem emocionalmente. O ator mostra e não
interpreta, distancia-se, expõe lúcida e didaticamente suscitando opções de
comportamento mais que emoções.
Mas tanto para viver como para expor uma personagem, é necessário
conhecimento. E esse é transformador para quem faz ou assiste o teatro. Assim, os
métodos de Stanislavski e Brecht possuem propostas distintas em estética, mas
numa perspectiva de ensino do teatro voltada para a Educação do Futuro, que é
ancorada pelo princípio da não -disjunção, essas propostas são complementares,
pois não encerram-se na concepção estética e sim na perspectiva mais ampla, de
um Novo Paradigma. E para ambas é necessário conhecer o contexto para que o
Teatro ensine a Condição humana para atores e platéia, afinal, representar
desenvolve um processo de conhecimento e autonomia onde;
O desenvolvimento progressivo do sentido de cooperação leva à
autonomia da consciência, realizando a “revolução coperniciana” que se
processa no indivíduo, ao passar da relação de dependência para a
independência. A mesma revolução que ocorre com a criança em
desenvolvimento pode ser acompanhada de crescimento do indivíduo no
palco.( KOUDELA in SPOLIN, 1985, p. 13)
Esse conhecimento envolve o enraizamento/desenraizamento do ser
humano em relação ao cosmos e a natureza, pois o teatro passa pelas condições
cósmicas, físicas, terrestres e humanas. Se essa arte envolve essencialmente o que
é humano, a condição humana é resgatada: no teatro vai-se a fundo na vida, rompe-
se com a visão racional e cientifica, o que possibilita uma visão diferente de universo
e do cosmos, colocando a tona o que usualmente está secreto e íntimo. O exercício
de auto conhecimento do ator e conhecimento da realidade que o cerca une o
individuo ao universo, devolve o “além” do mundo físico e vivo no qual está “a
plenitude da humanidade”. (MORIN, 1999, p. 51) que contribui, nesse saber, para a
busca do humano no humano (a unidualidade originária que nos faz ao mesmo
tempo biológico e cultural).
No circuito cérebro/mente/cultura a mente humana é uma criação que
emerge e se afirma na relação cérebro-cultura onde aparece o bioantropológico com
o circuito razão/afeto/pulsão. A tríade que concebe o cérebro paleocéfalo e integra a
animalidade (mamífero e réptil) na humanidade e a humanidade na animalidade é
exercitada no Teatro porque esse resgata os instintos humanos como matéria prima
para o ator ao buscar e trazer à tona as emoções e sensações, por exemplo. O
exercício das relações complementares e antagônicas, dos conflitos entre a pulsão,
o coração e a razão do ser humano que permite maior conhecimento e convívio
entre emoções e razão e evita a relação frágil que usualmente domina ou escraviza
uma sobre a outra. Trata-se do encontro com o instinto de teatralidade inerente a
todos e que evidencia os aspectos não racionais do homem.
No Circuito indivíduo/sociedade/espécie, relacionam-se as interações
que os indivíduos produzem na sociedade com a pesquisa individual (do
autoconhecimento), a social e a cultural que são fundamentais para a criação teatral
na montagem de um texto. A cultura é matéria prima para o ator e a montagem de
um espetáculo, esse por sua vez, retroage sobre os indivíduos e a sociedade,
modificando a própria cultura. Ela carrega em si a unidade e diversidade humana
(unitas multiplex) e na Educação do Futuro reflete - se em todas as esferas
(individual, social e das pluralidades) por ser objeto de pesquisa do teatro e
estimular a consciência e respeito pelas diferenças que exalta a esfera individual; a
unidade/diversidade genética, cerebral, mental, afetiva, intelectual e subjetiva; a
social; a unidade das línguas/linguagem; e a cultural a relação entre cultura e
culturas, como preza Morin.
Ele ainda diz nesse saber que o homem traz em si, de modo
bipolarizado, os caracteres antagonicos: sapiens/demens (sábio e louco), faber e
ludens (trabalhador e dico), empiricus e imaginarius (empírico e imaginário),
economicus e consumans (econômico e consumista), prosaicus e poéticus (prosaico
e poético). Esses são, por sua vez, os caracteres matéria prima do teatro, tanto na
pesquisa do ator como na função intrínseca da arte.
A Condição humana é explicita na relação com o teatro ao afirmar que
o homem não vive de técnica, mas também se desgasta, entrega, se dedica a
danças, transes, mitos, magias, ritos, crenças, sacrifícios, preocupa-se com a morte
em vida na realidade do Homo Complexus que confunde o objetivo e o subjetivo, o
real e imaginário e rompe os controles (racionais, culturais, materiais) para alívio dos
medos humanos. O teatro envolve todas essas manifestações desde sua origem.
Morin destaca a importância da criatividade ao afirmar que a
possibilidade do gênio decorre de que o ser humano não é completamente
prisioneiro do real, (lógica, código genético, cultura e sociedade), e sim da brecha do
incontrolável onde a loucura e a criação (fruto da profundeza obscura da
psicoafetividade e da consciência). O teatro, como foi apresentado em relação ao
novo paradigma, é um exercício de estímulo à criatividade, um caminho à essa
profunda zona da mente.
O saber ensinar a Identidade Terrena preza pelo pensamento não
abstrato e consciente da unidade/diversidade, da condição humana. No teatro é
fundamental que se esteja consciente das diferenças e da diversidade humana, pois
é essa a matéria prima do ator. Como preza esse saber, o Teatro também é nutrido
das culturas do mundo.
Essa consciência pode evitar o preconceito e gerar uma postura crítica.
No teatro de Brecht, por exemplo, ator e espectador são conscientes e agentes de
transformação social e histórica pelo efeito do distanciamento, o estranhamento para
que se acompanhe o que assiste de forma critica e o envolvente e
responsabilidade moral e ideológica. Essas, por sua vez, advém da consciência da
realidade exposta.
A mundialização dos indivíduos priorizada na Identidade terrena como
resposta para o desenvolvimento concebido unicamente de modo técnico–
econômico que chegou a um ponto insustentável aparece também na relação com o
Teatro. Morin afirma que tal consciência vai além do material; passa pelo intelectual,
afetivo e moral, ou seja, os valores intrínsecos a arte. Em algumas metodologias
como Brecht, chega a ter a prática social por ideologia. No Brasil, um exemplo é o
trabalho de Augusto Boal, voltado para “qualquer pessoa que desentorpeça o corpo
comprometido pelo cotidiano da sociedade capitalista”. (CARVALHO, 1992, p.76).
Assim, na relação com os Sete Saberes, o Teatro é também um
antídoto contra o legado do século, a aliança entre as duas barbáries (a da
profundeza dos tempos; da guerra, massacre, deportação e fanatismo e a da
racionalização, que conhece o lculo e ignora o indivíduo, o corpo, os
sentimentos, a alma). A dominação desenfreada da natureza pela técnica que gerou
tal cenário pode encontrar, segundo Morin, recursos criativos inesgotáveis para
vislumbrar um terceiro milênio de nova criação, baseado na cidadania terrestre. Ele
cita algumas contracorrentes que deixaram uma contribuição (ecológica,
qualitativa, de resistência à vida prosaica puramente utilitária, de resistência à
primazia do consumo, de emancipação em relação à tirania onipresente do dinheiro,
de reação ao desencadeamento da violência). A arte e o teatro também é uma
delas, afinal, têm a sensibilização como uma de suas principais características.
E se a intertransformação que fala Morin se opera numa transformação
global que retroage sobre as transformações individuais, o contrário também ocorre.
o teatro é agente contribuinte, pois quem faz (e assiste) teatro vivencia situações
que tocam no eu, promovem a intertransformação, a reconstrução de posturas,
ideologias, pensamentos e sentimentos.
A mudança que preza o saber Ensinar a identidade terrena também
aposta no uso da das possibilidades cerebrais ainda em grande parte inexploradas
da mente. As aptidões desconhecidas pela inteligência que podem ser
desenvolvidas pela compreensão e pela criatividade, profundamente praticadas no
teatro e das quais, segundo Morin, advém o progresso nas relações entre humanos,
indivíduos, grupos, etnias e nações.
As possibilidades antropológicas, sociológicas, culturais e espirituais:
restauram as possibilidades de esperança que estão relacionadas com as cerebrais,
com a vontade, coragem, oportunidade e tomada de consciência de estar na terra.
Essa consciência vem da responsabilidade e solidariedade, da crítica, autocritíca e
compreensão mútua que podem ser desenvolvidas no Teatro. A Religação que
substitui a disjunção e apela à simbiosofia (a sabedoria de viver junto, considerando
a unidade, mestiçagem e a diversidade) contra a homogeneização e o fechamento é
exercitada no Teatro que nesse aprende-se a lidar com as diferenças, a conviver
junto, trabalhar em grupo, compartilhar.
O saber Enfrentar as incertezas, prioriza o ensino das incertezas
surgidas nas ciências físicas, biológicas e históricas. No teatro a incerteza sempre foi
um pressuposto, como foi apresentado na relação entre Ecologia da ação e Jogo
teatral na educação do novo paradigma. Assim, nesse princípio, vê-se a contribuição
do Teatro para o desenvolvimento de estratégias para enfrentar os imprevistos e o
inesperado para a tomada da consciência de que a história é uma aventura
desconhecida e o progresso é incerto.
Nesse saber, diz-se que as grandes transformações o
morfogêneses: criam formas e expressa-las novas que podem constituir
metamorfoses. Criar formas é uma das funções da arte, da estética, e logicamente,
do teatro também. É o exercício pleno da criatividade.
O processo de enfrentar as incertezas passa pelo conhecimento
cérebro-mental (tradução e reconstrução própria a todo conhecimento); lógica
(contradição e não contradição); racional (racionalidade autocrítica e vigilante para
evitar a racionalização) e psicológica (sempre há, na mente, algo fundamentalmente
inconsciente). Diz-se que a realidade não é facilmente legível; é uma noção em que
não importa não ser realista (adaptar-se ao imediato) nem irrealista (subtrair-se às
limitações da realidade) no sentido trivial, mas sim no complexo (compreender a
incerteza do real, as possibilidades invisíveis no real). Por isso Morin afirma que é
“preciso saber interpretar a realidade antes de reconhecer onde está o realismo”.
(MORIN, 1999, p.85). No Teatro, interpretar um texto ou construir uma cena implica
na interpretação da realidade e vice-versa. O desenvolvimento de um tema de
improvisação também significa criar ou recriar uma realidade num exercício de
percepção, observação e criatividade, além do que;
A estrutura dramática, a dramaturgia, as características e as ações dos
personagens estão de tal forma interrelacionadas e articulados que a
narrativa, o personagem e as ações vão além de si mesmas. Provocam
uma apreciação estética incomparável, uma contemplação. Um texto
clássico considerado uma obra de arte geralmente nos faz mergulhar no
fundo fictício como se fosse nossa própria realidade.
A razão desse fenômeno não reside apenas em uma questão de gosto
pessoal, mas também na capacidade de comunicação desse tipo de texto
dramático, dada pelo seu poder de síntese e pela condição de
inteligibilidade dessa síntese. Uma ação inteligente gera ações inteligentes.
“A inteligência só é possível pelo inteligível” (Ibri, 1992:57) (MACHADO, M.
A., 2006, p. 100)
A Ecologia da ação, como foi apresentada, é o próprio jogo teatral e
a improvisação: se operam a partir da ação incerta, mas necessária que reflete uma
decisão, escolha ou aposta. “Nenhuma ação está segura de ocorrer no sentido de
sua intenção” (MORIN, 1999, p.90). Por isso, o desenvolvimento de estratégias
também é fundamental no jogo de Teatro por que esse também não se remete à
não-ação, mas sim ao desafio que conhece riscos da ação empreendida que se
modifica constantemente no desenvolvimento, com acasos, contratempos e
oportunidades no percurso. E quando exercitada no teatro a aptidão de criar
estratégias estende-se para a vida.
Assim, a improvisação e o jogo teatral são exemplos práticos da
utilização da estratégia, pois estimulam a prudência, audácia, estabelecem
compromissos, elaboram cenários de ação, examinam e executam na base de
certezas e incertezas, probabilidades e improbabilidades do desenrolar de uma
situação. Um jogador atento, no Teatro, reconhece as oportunidades de risco e
os riscos de oportunidade da proposta nica. E no improviso, vê-se que quando se
mantém a calma (principio fundamental de qualquer ação cênica), compreende-se e
sabe-se esperar o inesperado, trabalha-se o improvável e obtém-se um resultado
satisfatório na ação dramática.
O princípio de ensinar a Compreensão, como foi citado na referência
que Morin faz ao papel das artes e dos artistas, relaciona-se diretamente com o
Teatro. Esse saber preza a condição e garantia da solidariedade intelectual e moral
da humanidade.
O problema duplamente polarizado desse saber (do pólo planetário e
do pólo individual) é trabalhado no Teatro da mesma maneira como no saber as
Cegueiras do conhecimento contribuem na questão dos erros e ilusões mentais,
intelectuais e da razão humana, ou seja, a partir do auto-conhecimento, o
conhecimento do outro e da cultura, da história e sociedade que a arte promove.
Esse saber abrange o conhecimento de sujeito a sujeito, onde o outro
não é apenas é percebido objetivamente, mas como outro sujeito com o qual se
identifica e cujo ego alter se torna alter ego. No Teatro isso é exercitado pelo
trabalho em grupo, que “passa necessariamente pelo estabelecimento de acordo
de grupo, por meio de regras livremente consentidas entre os parceiros (...) Na
prática, com o jogo teatral, o jogo de regras é o princípio organizador do grupo de
jogadores para a atividade teatral. O trabalho com a linguagem desempenha a
função de construção de conteúdos, por intermédio da forma estética”. (KOUDELA E
ARÃO, 2006, p.69).
Ensinar a Compreensão inclui um processo de empatia, identificação,
projeção. È intersubjetivo e necessita de abertura, simpatia e generosidade, como o
Teatro, que assim pode contribuir para a diminuição das indiferenças, do
egocentrismo e do sociocentrismo.
O egocentrismo (a self-dececption, tapeação de si mesmo pela
autojustificação, autoglorificação e a tendência a jogar sobre outrem a causa dos
males) é trabalhado no Teatro pelos exercícios de interiorização, autoconhecimento,
construção de uma personagem (quando recorre à memória emotiva do Eu, como
foi apresentado). O Etnocentrismo e sociocentrismo (que envolvem as xenofobias e
o racismo) são trabalhados no Teatro a partir da pesquisa que leva ao conhecimento
de outras culturas e na relação com o outro, com o grupo, o que diminui o pré-
conceito que reduz a um único traço o ser humano múltiplo por natureza, afinal;
O jogo teatral visa efetivar a passagem do teatro concebido como ilusão
para o teatro concebido como realidade cênica. A passagem do Jogo
Dramático ou Brincadeira de Faz-de-Conta para o Jogo Teatral representa
a transformação do egocentrismo em jogo socializado. (KOUDELA in
SPOLIN, p. 13, 1985).
Dessa forma, o Teatro, através do jogo teatral e outras práticas,
contribui para diminuir a possessão por uma idéia ou fé que convicção absoluta
de verdade e aniquila as possibilidades de compreensão de outras idéias, pois
também favorece o bem pensar pois ensina em conjunto o texto e contexto, o ser e
o meio ambiente, o local e o global, o multidimensional, as condições objetivas e
subjetivas - do comportamento humano, a descentralização de si mesmo, o
complexo e a introspecção a partir do auto-exame (que revela a falibilidade,
fragilidade, insuficiência e carência de todos os seres que necessitam de mútua
compreensão). O Teatro é uma atividade ao mesmo tempo de auto-conhecimento
relação com o outro, com o grupo, promove a interiorização da tolerância, a
convicção, , escolha, ética, aceitação da expressão das idéias, escolhas
contrárias, sofrimento ao suportar a expressão de idéias negativas ou nefastas e a
vontade de assumir este sofrimento.
Ensinar a compreensão através do Teatro busca a manifestação do
respeito ao direito de proferir um propósito; a nutrição de opiniões diversas e
antagônicas (democracia); a noção de que o contrário de uma idéia profunda é outra
idéia profunda, a consciência das possessões humanas pelos mitos, ideologias,
idéias e deuses, a relação das pessoas com a ética da era planetária, enfim, a
mundialização da compreensão.
Tal como a cultura oriental valoriza a paz interior e a relação
harmoniosa com o corpo (isolados do ocidente em função do ativismo, produtivismo,
eficácia, divertimento, pragmatismo, quantitativismo e consumismo desenfreado,
como foi apresentado em capítulos anteriores) o Teatro também o faz. Além do
desenvolvimento humano, intelectual, cultural e social, como foi apontado, a arte
também promove a consciência do corpo e voz, tendo esses como parte integrante
de um ser humano que não é apenas racional, como faz visão cartesiana que
disjunta corpo e mente.
O último Saber, por fim, denominado de Ética do gênero humano,
evidentemente também possui relações com o Teatro. Esse saber é o processo que
não se ensina por lições de moral e sim pela consciência através da relação de
controle mútuo entre a sociedade e indivíduos e pela democracia tida como
comunidade planetária.
Afirma-se que o circuito indivíduo/sociedade/espécie ocorre
mutuamente, cada um é, ao mesmo tempo, meio e fim, nenhum é absoluto: o fim é a
própria tríade, rotativa, em cujo seio emerge a consciência e o espírito propriamente
humano. O saber procura instruir o ser humano à humanização, obedecer e guiar a
vida, alcançar a unidade planetária na diversidade, respeitar as diferenças e
identidades, desenvolver a ética da solidariedade e compreensão do gênero através
da antropo-ética, características que se desenvolvem no trabalho em grupo que
exige o Teatro.
Na busca pela democracia que preza o saber, o Teatro também está
presente. Essa prática visa substituir as lutas físicas por lutas de idéias. O Teatro
envolve a expressão e discussão de idéias, um verdadeiro exercício político. O
desenvolvimento da ciência, da técnica e da burocracia, a hiperespecialização que
tornou o saber esotérico e anônimo e que afeta a política e a vida cotidiana pode ser
combatido pelo o Teatro que essa arte envolve conhecimento, humanização e
sensibilização como prioridades.
Morin fala que a tecnoburocracia e o acesso às novas tecnologias
criam a dualidade entre os que conhecem e os considerados ignorantes na
sociedade; é uma fratura social, a criação da nova classe, que faz urgente a
regeneração democrática, que supõe a regeneração do civismo, da solidariedade e
da responsabilidade. O contrário ocorre com o Teatro; é um exercício humano e de
trabalho em grupo, que dessa forma representa um combate à exaltação tecnocrata.
Nesse saber é fundamental o ensino da cidadania terrestre e da
humanidade como destino planetário. Tal consciência pode ser desperta pelo
Teatro, que esse preza a humanidade não como uma noção abstrata, mas sim
como realidade vital e ideal, uma comunidade de destino que precisa ser realizada.
A necessidade da política do homem e da civilização, a reforma do pensamento, a
antropo-ética, o verdadeiro humanismo, a consciência da Terra-pátria tratadas de
modo multidimensional, a expansão e livre expressão dos indivíduos para a real
relação democrática de indivíduo/sociedade/espécie no Teatro são desenvolvidos na
prática, com a relação do grupo. Na teoria vê-se em autores como Brecht e Boal e
também em textos dramáticos que despertam a consciência cultural e histórica. Na
prática do jogo teatral, por exemplo, VIOLA SPOLIN (1985, p. 11) é explícita na
relação entre o teatro e a democracia que preza ensinar a Ética do gênero humano;
Na relação autoritária, a regra é percebida como lei. Na instituição lúdica, a
regra do jogo pressupõe o processo de interação. O sentido de cooperação
leva ao declínio do misticismo da regra quando ela não aparece como lei
exterior, mas como resultado de uma decisão livre porque mutuamente
consentida. Cooperação e respeito mútuo são formas de equilíbrio ideais
que só se realizam através do conflito e exercício da democracia.
Assim, vê-se que, teoricamente, inúmeras relações entre o Teatro e os
Sete Saberes da Educação do Futuro. Essas são ilustradas na prática a partir da
proposta pedagógica que será descrita no capítulo a seguir.
5 PRÁTICA PEDAGÓGICA DO TEATRO NUMA NOVA EDUCAÇÃO
No paradigma antigo a ciência é a única forma de validação do
conhecimento. Um paradigma emergente propõe a valorização de outras formas de
conhecer. A arte é uma delas, pois além ser forma de conhecimento é
manifestação humana que trabalha em prol da criatividade e revela a produção e
ação social. Por isso é possível e necessária uma educação atras dela, capaz de
influenciar e de transformar a sociedade com vistas nos sete princípios da Educação
do Futuro e de um pensamento humano Complexo.
O presente capítulo descreve o exemplo de uma prática pedagógica de
ensino do Teatro que tem foco a formação do aluno dentro desse ideal. Como foi
explanada teoricamente no capítulo anterior, a proposta busca os princípios da
Complexidade que abraçam e não excluem, e por isso recorre-se a diversos e até
contraditórias metodologias do Teatro e Teatro educação.
5.1 TeM - Teatro Medianeira: um exemplo do ensino de teatro na escola
Na Escola, entre outras áreas do conhecimento, cabe ao Ensino da Arte a
Responsabilidade maior de construir e desenvolver a produção criadora
humana, pelo menos no que se refere ao pensamento estético.
(SAMWAYS, 2002, p. 05)
Não apenas os valores estéticos da arte ou do Teatro estão em foco na
presente proposta de prática pedagógica. O objetivo é apontar, através de
referências de Teatro na educação, caminhos para a formação de sujeitos dentro da
visão de complexidade e contribuir para a Educação do Futuro e construção do
Novo Paradigma. Trata-se, portanto, também de uma metodologia complexa, não
fechada, com a preocupação em que;
não somente na esfera do teatro como em qualquer área do
conhecimento, os pressupostos metodológicos de uma metodologia de
ensino necessitam proporcionar o conhecimento da estrutura teórico-
prático dos procedimentos que levam à aprendizagem, ensejando a
incorporação do pólo instrucional ao lo sócio-cultural. Nessa trajetória, o
que se convencionou denominar de metodologia do ensino adquire um
valor relativo que se configura no enlace entre educador e educando, em
meio às condições objetivas (matéria, situação escolar, ambiente etc.) e
subjetivas (pessoas, comunidades, etc.). (KOUDELA E ARÃO, 2006, p. 63)
A prática pedagógica descrita no presente capítulo é resultado do
trabalho denominado TeM Teatro Medianeira (Anexo 01) e desenvolvido desde o
ano de 2003 no Colégio Nossa Senhora Medianeira, em Curitiba. Teatro é uma
atividade optativa de quatro horas-aulas semanais, oferecida pela escola no contra -
turno das aulas normais para alunos de todas as ries, separados em turmas de
acordo com a seguinte faixa etária:
- alunos de primeira à terceira série do ensino fundamental;
- alunos de quarta e quinta série
- alunos de sexta e sétima série
- alunos de oitava série e ensino médio
O número de alunos por turma vária de 06 a 30, o que não influencia
na essência da proposta que tem como prioridades (decorrentes dos princípios
apresentados na relação com os Sete Saberes) desenvolver;
- auto-conhecimento
- conhecimento geral (social, cultural, histórico)
- conhecimento do outro
- criatividade
- sensibilidade
- consciência crítica-reflexiva
- cultura artística
- interpretação e reconstrução da realidade
- consciência corporal e vocal
- debate e exposição de idéias
Para tanto, o embasamento metodológico que se faz apóia-se nas
práticas de jogos teatrais, improvisação, questionamentos histórico-crítico-reflexivo,
técnicas de consciência corporal e vocal, montagem e encenação de espetáculos.
Embora experimental, a proposta de prática pedagógica enquanto
método tem-se desenvolvido com sucesso como demonstra a resposta dos pais,
alunos, professores e a da mídia (Anexo 02), sendo o Teatro-educação um
caminho (método, do grego, significa: meta, pelo, através” e hodós, “caminho”) que
busca a “unidade entre teoria e prática que compreende o ambiente educativo em
face da realidade cultural na qual os atores estão inseridos”. (KOUDELA E ARÃO,
2006, p.64). Preocupa-se dessa forma, em ser “Uma atividade de natureza
complexa que se torna objetiva somente quando é convertida em procedimento
pedagógico voltado para a superação do apriorismo, do dogmatismo, e do
espontaneísmo” (KOUDELA e ARÃO, 2006, p.64).
Cada um dos objetivos da educação pelo Teatro aqui proposto
enquanto teoria e prática pedagógica serão explicados e exemplificados a seguir, de
acordo com o método de trabalho desenvolvido na escola.
5.1.1 - Jogos Teatrais
O objeto do jogo teatral é um problema que precisa ser solucionado. O
problema representa o foco dos jogadores que seguem as regras da estrutura
dramática (onde, quem, o que), no qual o professor/diretor orienta as instruções para
os jogadores.
A base dessa prática são os trabalhos da considerada grã-sacerdotisa
do Teatro Improvisacional, Viola Spolin (1906-1994) e a principal representante no
Brasil, Ingrind Dormien Koudela. O todo promove envolvimento com o grupo,
desenvolvimento da liberdade pessoal dentro das regras estabelecidas e a
espontaneidade, além da contribuição para a aprendizagem cognitiva, psicoafetiva e
motora de acordo com o modelo piagetiano de desenvolvimento intelectual.
Esses aspectos são internalizadas e direcionadas para a educação dos
Sete Saberes, como foi apresentado. Somam-se aos Jogos aprendidos com essa e
outras literaturas experiências como cursos práticos e trocas com colegas da área (o
professor deve estar em constante aprendizagem e renovação) e ainda, de acordo
com a necessidade da turma ou direção de determinada cena ou espetáculo ou a
criação de algum jogo específico.
Por exemplo, em um esquete para introduzir uma aula de Geografia
(para oitavas séries) sobre a ditadura militar no Brasil o TeM fez um trabalho em
cima da música “Cálice” de Gilberto Gil e Chico Buarque. Uma das alunas deveria
representar corporalmente a tortura física como resposta às palavras humilhantes de
um ditador. A busca da memória emotiva de um contexto de humilhação foi feita a
partir de uma situação hipotética proposta para o grupo: imaginaram que a aluna
(que seria a torturada) era a garota Suzane von Richthofen
que na vida real
assassinou os pais (estava em voga nos noticiários da época). Nessa situação, as
colegas que no teatro não conseguiam falar palavras agressivas para a amiga,
conseguiram auxiliá-la na construção da personagem através do encontro da
memória emotiva que a situação hipotética propiciou ao grupo.
Evidentemente, trabalhar memória emotiva, sobretudo em situações
dramáticas como essa, é um exercício delicado para adolescentes. Por esse motivo
é necessário ser um processo acompanhado de conversa com o grupo para
despertar a consciência da distância entre a pessoa e a personagem, a ilusão e a
realidade cênica bem como a realização posterior de jogos que despertam memórias
emotivas positivas para que os alunos saiam da aula de Teatro com uma sensação
catártica e positiva para a realidade.
5.1.2 – Improvisação
Na improvisação se que os alunos exercitam explicitamente a
criatividade. Essa proposta é o desenvolvimento de uma cena a partir de um tema
apresentado pelo professor.
A improvisação necessita de um olhar atento da realidade, pois para
recriar é preciso conhecer. E quem é capaz de criar a realidade cênica deve ser
capaz de transformar a realidade quando se a educação pelo Teatro orientar para
isso. Dessa forma, os temas de improvisção são fundamentais na perspectiva da
educação para o século XXI.
Um exemplo que marcou a história do TeM foi o espetáculo A
paznomundonapaz, apresentado em maio de 2005 no Teatro Fernanda Montenegro,
em Curitiba. (Anexo 03). A peça juntou todas as turmas de teatro em torno do tema
paz. Foi criado a partir de improvisos que cada turma fez diante do tema, que
revelou, de acordo com a faixa etária de cada grupo, a dimensão de mundo e paz
que cada idade possui.
Dessa forma, viu-se que os alunos pequenos estabeleceram relações
com os conflitos do universo familiar, vizinhos e colegas de sala de aula. os
alunos de e rie ampliaram a visão para dimensão escolar e da natureza.
Alunos de e série que possuíam a dimensão do país abordaram o tema dos
menino de rua. Foi um aprendizado muito significativo, pois os alunos não
conheciam direito essa realidade e para interpretar os personagens, recorreram a
artigos de jornais, revistas, documentários e observação da realidade. Na
apresentação do espetáculo um grupo grande de ex-meninos de rua foi assistir o
trabalho e meses depois, o grupo de Teatro foi até a comunidade deles,
(denominada Quatro Pinheiros
7
), para apresentação de outra peça e troca de
experiências. Os alunos desse grupo de Teatro passaram a enxergar os meninos de
rua e as questões envolvidas nessa realidade de outra maneira, da mesma forma
que, certamente, o Teatro também tocou na vida dos garotos de Quatro Pinheiros.
A dimensão de guerra e paz para os alunos de e Ensino Médio foi
tratada no contexto mundial. Foram abordadas as Grandes Guerras e desenvolvidos
esquetes baseadas em poemas de Vinícios de Moraes a respeito do tema ( “A Rosa
de Hiroxima”, “A Bomba Atômica”, “Depois da Guerra”). Ao mesmo tempo em que os
alunos ampliaram as referências a cerca da questão, o fizeram de uma forma
poética e sensível, aprendendo sobre um importante poeta da literatura nacional.
Os temas de improvisações, assim, direta ou indiretamente levam os
alunos a perceberem o mundo e se perceberem no mundo; desenvolvem e ampliam
7
Os “Meninos de quatro pinheiros” são garotos que fazem parte de uma Fundação Educacional de
mesmo nome. Essa ONG assistência educacional integral à crianças e adolescentes de classes
menos favorecidas de Curirtiba e Região Metropolitana.
a consciência crítica, a postura de sujeitos da história, os Sete Princípios da
Educação do Futuro. Os exemplos apresentados procuraram mostrar a influência
que o Teatro tem no conhecer, reconhecer e atuar na realidade.
5.1.3 - Questionamento histórico-crítico-reflexivo
Do ponto de vista epistemológico, algum tempo atrás os fundamentos
do teatro educação eram pensados a partir de questões dirigidas ou
formuladas pela psicologia e educação, indicando o caminho a orientar.
Hoje a história e a estética do teatro fornecem conteúdos e metodologias
norteadoras para a teoria e prática educacional. Podemos dizer que a
situação se inverteu, sendo que especialistas de várias áreas e em vários
níveis de ensino da educação infantil ao ensino superior - buscam a
contribuição única que a área de teatro pode trazer para a educação.
(KOUDELA E ARÃO, p.65)
Um objetivo fundamental da proposta pedagógica do TeM é, através do
Teatro, despertar a consciência crítica reflexiva para que os alunos atuem como
agentes históricos, como transformadores e construtores de uma realidade. Essa é
uma das características que diferencia o TeM, e para isso também se apóia em
dramaturgos e teóricos como Brecht e Augusto Boal e procura recorrências ao
explícito papel do teatro na sociedade, como ocorreu, por exemplo, na década de
60, quando eclodiram diversos movimentos interessados na questão da cultura
(CPCS - Centros Populares de Cultura, MCPS Movimentos de Cultura Popular,
MEB – Movimento de Educação de Base) cujo objetivo era “uma tentativa de suprir a
carência cultural das classes trabalhadoras. Os CPCs, vinculados à União dos
Estudantes (UNE), levavam por meio do teatro de rua a cultura, transformando em
palco as praças, sindicatos e universidades”. (SAMWAYS, 2002, p. 35). A mesma
consciência procura-se despertar nos alunos seja num contexto escolar ou social,
por isso a utilização de temas históricos, filosóficos, culturais e sociais.
O citado esquete de “Cálice” e o Espetáculo “Apaznomundonapaz são
exemplos. O TeM sempre procura, de alguma forma, analisar questões políticas,
culturais e sociais para o despertar da consciência crítica e desenvolver o que
entende por Teatro na educação não em esquetes ou exercícios de aula, mas
também nas peças e espetáculos que muitas vezes brotam desses exercícios e
improvisações.
Essa proposta rendeu, por exemplo, em 2004, o prêmio de Destaque,
no II Festival de Esquetes do Sesc Paraná com a peça “A Caverna”. A montagem foi
feita a partir de improvisações dos alunos de série e Ensino Médio baseadas na
alegoria “A Caverna”, de Platão. Dessa forma, em primeiro lugar, os alunos
precisaram conhecer o texto e o contexto da filosofia para a compreensão do conto
base. Depois, a partir de debates e outras referências construíram a idéia de o que
representa “A Caverna” nos dias atuais (os alunos concluíram ser a televisão, os
meios de comunicação de massa e a mídia em geral) e por fim, montaram as cenas
que foram amarradas e constituíram a peça de teatro (Anexo 04).
Além do festival e da escola (apresentações que se manifestaram para
o público do festival, colegas de série, parentes, amigos e professores) “A Caverna”
foi apresentada para os alunos do primeiro ano do curso de Filosofia da Pontifícia
Universidade Católica do Paraná, alguns alunos de Pedagogia e outras graduações
durante a Feira de Cursos da Universidade. Após a apresentação, os alunos/atores
se colocaram em debate com a platéia, o que rendeu uma rica experiência de
aprendizagem para ambos.
Nesse caso, os alunos montaram a própria história. Mas o objetivo do
TeM também recorre a textos teatrais já existentes e que também possam despertar
a consciência histórico crítica reflexiva nos alunos e platéia. Em 2005, os alunos
também de e Ensino Médio montaram “As Bruxas de Salém”. Trata-se de um
texto dramático que conta a realidade de um período de inquisição nos EUA do
século XVII no qual, em função dos interesses de poder muitos inocentes foram
julgados e condenados a morte (Anexo 05).
Mais próximo do contexto Brasileiro foi a montagem de “Morte e vida
severina” (dezembro 2004) que abordou a questão da seca e dos retirantes
nordestinos (Anexo 06). Nessa experiência, além do conhecimento acerca da cultura
nordestina (para composição estética do espetáculo) e social (a questão da miséria
toda apresentada na obra) os alunos tiveram contato com uma referência literária
importantíssima da história brasileira. Essa peça foi apresentada durante a missa de
Natal da escola. O objetivo, tanto por parte do Teatro como dos organizadores da
missa, foi apresentar um Auto natalino não convencional para abordar questões
reais e sensibilizar para as mesmas. No ano anterior havia ocorrido experiência
semelhante durante a celebração de natal; Os alunos de teatro fizeram uma
homenagem aos catadores de papel e à Efigênia Rolim
8
(Anexo 07) e questionavam
o consumo exagerado que a época promove.
Dessa forma, além da experiência estética na confecção de cenários e
figurinos utilizando papeis de embalagem, como faz Efigênia (que assistiu a peça e
foi homenageada na missa), os alunos também aprenderam e de certa forma
vivenciaram um contexto diferente, questionaram os valores consumistas que a
sociedade mitifica durante as festas de fim de ano. Como afirma STANISLAVISKI
(2000, p.36) a respeito da vivência da personagem pelo ator: ”alegrava-me porque
8
Efigênia Rolim é considerada uma figura folclórica de Curitiba em função da habilidade como
repentista e o talento de trabalhar com objetos e embalagens recolhidos na rua.
compreendia como viver a vida de outra pessoa e o que significava embeber-me
numa caracterização. “
Com essas experiências ficou perceptível que o despertar da
consciência histórica -critica reflexiva pelo teatro se processa pelo conhecimento
intelectual (conhecer os textos e contextos como os exemplos das montagens) mas
também pelo físico e emocional e corporal, pois o aluno vai representar determinada
situação na qual, aprende que representar é viver através do seu corpo e de sua
história. Por esse motivo, a proposta do TeM também valoriza a aprendizagem
técnica que desperta a consciência de corpo e voz, afinal, tecnicamente, intelectual
ou emocionalmente, o Teatro também ensina que;
Aprender não é apenas reconhecer o que, de maneira virtual, já era
conhecido. Não é apenas transformar desconhecido em conhecimento. É a
conjunção do reconhecimento e da descoberta. Aprender comporta a união
do conhecido e do desconhecido. (Morin in PETRAGLIA, 1995)
Dessa forma, para o continuo desenvolvimento da proposta, além da
recorrência à fontes (livros, apostilas, internet) referentes às cnicas teatrais,
procura - se sempre estar em atualização com participação em oficinas,
congressos, seminários, trocas de informações e experiências com pessoas da área,
afinal, mesmo para quem ensina, o conhecimento e aprendizagem são contínuos e
infinitos.
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em relação ao problema da pesquisa, percebe-se que a proposta
pedagógica apresentada tem se manifestado de maneira positiva (ainda que em
curto prazo) como podem ilustrar: o anexo 02; entrevista cedida a rede de Tv
Comunitária de Curitiba (setembro) de 2005; o prêmio recebido no Festival de
Esquetes do SESC-PR e a participação do grupo em outros festivais; o
agradecimento e reconhecimento de pais; a reação da comunidade escolar e das
platéias; e, sobretudo, a consciência e reposta dos alunos (Anexo 08). Em longo
prazo o tempo apresentará outros resultados. No entanto, como foi aprendido
com a Ecologia da Ação; a aposta em longo prazo é incerta, mas é consciente.
Quanto aos objetivos traçados para a presente pesquisa, tanto nos
capítulos que se referem à teoria como na pratica pedagógica, percebe-se que os
mesmos foram cumpridos. Mas a pesquisa não se encerra aqui, ao contrário, está
apenas iniciando como uma proposta prática que pode ser ampliada no Colégio
Medianeira; onde se aplica, e em outras escolas. É até mesmo uma questão a ser
discutida em pesquisas referentes à Teatro Educação, como as propostas da
ABRACE e nos cursos de Licenciatura em Teatro que preocupação com a
formação de Teatro-educadores.
Por ser uma atividade extra -curricular, a proposta embora se trate de
uma Pedagogia do Teatro, que “incorpora tanto a investigação sobre a teoria e
prática da linguagem artística do teatro quanto sua inserção nos vários níveis e
modalidades de ensino”, (KOUDEDLA E ARÃO, 2006, p.73), na realidade da
educação ainda está muito distante do ideal de Teatro na escola, sendo essa a
maior limitação tanto para o desenvolvimento de pesquisas quanto para a prática
pedagógica.
O Teatro na escola aparece como parte da disciplina de Artes de
acordo com os PCN´s. No entanto, como atividade curricular a presença ainda é
muito pequena, como afirma CARVALHO, sobre a importância em despertar o
instinto de teatralidade no ser humano; “essa capacidade de representação cênica é
aproveitada pelo teatro na educação que a disciplina de Educação Artística das
escolas de primeiro e segundo graus ainda desenvolvem muito discretamente como
veículo auxiliar na aprendizagem e à reformulação do comportamento dos alunos”
(1992, p. 13). Tal discrição se deve a polivalência da disciplina que envolve todas as
linguagens artísticas e reserva pouquíssimo espaço para cada uma delas. Essa é
uma questão que precisa ser profundamente discutida na busca de soluções
práticas.
Embora a LDB de 20/12/1996 tenha substituído Educação Artística
pelo Ensino de Arte, e afirme ser esse um componente curricular obrigatório nos
diversos níveis de educação básica para promover o desenvolvimento cultural dos
alunos baseado na “liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o
pensamento a arte e o saber” (LDB, 1996, p. 01), muitos problemas ainda envolvem
toda a disciplina, até mesmo por questões históricas.
No Brasil, a arte sempre foi vista como lazer e entretenimento dentro
da pedagogia, donde decorre a realidade precária da disciplina: a contradição entre
discursos teóricos e a prática; a escassez de recursos e espaço físico; a alienação; a
distância entre a Licenciatura e o Bacharelado; a desvalorização no currículo e na
Escola; as leituras apressadas das teorias sobre o assunto; o despreparo e baixa-
estima dos professores; a generalização do laissez faire como prática de sala de
aula; o preconceito e a estereotipização, a fragilidade frente a Indústria Cultural; o
senso comum que contempla um conhecimento estanque e fragmentado em relação
à arte; o preconceito; a desvalorização do trabalho nacional e a dependência dos
valores estéticos internacionais; o surgimento da área como disciplina obrigatória na
ditadura; a trajetória de lutas para defender interesses dos grupos dominantes são
alguns apontados por SAMWAYS (2002). Alia-se a essa realidade, ainda, a
necessidade que têm os professores mais comprometidos para mudar a mesma,
pois:
O quadro atual da situação do Ensino de Arte e do Professor desta área é
compreendido, ao longo da história do Brasil, pelas lutas para solucionar a
problemática da valorização enquanto área do conhecimento e também o
entendimento de arte como trabalho criador do homem.
(SAMWAYS, 2002, p. 27
)
Daí desdobra-se inúmeras outras questões que podem ser
pesquisadas. Para ilustrar: a inserção do Teatro na educação frente à hegemonia
da Indústria Cultural que transforma em atores apenas rostos bonitos e em arte
modismos para consumo; A desinformação e o significado atribuído à Arte na escola
que impedem a construção do pensamento crítico; a falta do conhecimento estético
por parte das escolas e dos meios de comunicação; a necessidade de políticas
educacionais e culturais para a ampliação do saber artístico que esse é também
conhecimento, produção humana e criadora; a necessidade de um
reposicionamento quanto ao ensino de todas as artes em função do Novo
Paradigma que se apresenta; a investigação a respeito à formação de professores a
luz de um novo paradigma.
Especificamente em relação ao Teatro na educação do Novo
Paradigma, outras questões podem ser levantadas como: a relação entre a Poética
de Aristóteles e a Complexidade; Teatro além do trabalho da interpretação ou
direção, mas sim como acontecimento que envolve e educa a platéia; outras
propostas de ensino do Teatro que acompanhem as mudanças e reintegram-no
contexto do Novo Paradigma.
Apesar da amplitude a ser pesquisada e de tantos problemas acerca do
Teatro na Educação, a questão não deve ser vista com olhares apocalípticos, ao
contrário, deve ser vista com perspectiva de busca de soluções, como vem sendo
apontada pela ABRACE;
Nas últimas décadas, a presença da arte na educação brasileira alterou-se,
fazendo emergir algumas conquistas bastante significativas, a saber: (i) a
legislação curricular foi aperfeiçoada em todos os níveis da educação
nacional; (ii) os cursos universitários atualizaram seu projeto pedagógico ou
estão adotando essa estratégia; (iii); entidades representativas da
produção intelectual atuante em todas as linguagens e a atuação da
Associação Brasileira de Pesquisa e Pós-graduação em Artes
Cênicas/ABRACE é um dos exemplos mais significativos; (iv) mudou o
panorama editorial em termos quantitativos e qualitativos, graças,
sobretudo, à pesquisa desenvolvida nos cursos de Pós-graduação.
(KOUDELA E ARÃO, p.64).
A presente pesquisa que tem prosseguimento prático com as
atividades do TeM coloca-se nesse quadro enquanto um contribuinte na defesa do
Teatro para a Educação do século XXI. Esse é, ainda, o ano de trabalho no
Colégio Nossa Senhora Medianeira, muito para ser feito e possivelmente
algumas idéias até serão reconstruídas e modificadas (como ocorre com o
conhecimento na concepção do Novo Paradigma). Mas certamente foco do trabalho
não perde a crença no Teatro como um transformador dos sujeitos e da sociedade,
produtor cultural e artístico de sentido no contexto da vida dos que se envolvem
que permite a compreensão de mundos individuais, sociais e culturais a partir da
ressignificação, interpretação, e reconstrução desses mundos.
Para tanto, sugere-se algumas recomendações finais como o
desenvolvimento de pesquisas acerca das questões levantadas; o investimento na
formação de professores de teatro para o Novo Paradigma (afinal, se a mudança
vem das bases, da educação, é preciso que os educares estejam preparados),
Universidades e pesquisas na área; a busca de meios para que o Teatro e a arte
em geral tenham maior acesso às pessoas, que é também fonte de
conhecimento.
REFERÊNCIAS
BEHRENS, M.A. O Paradigma emergente e a prática pedagógica. Curitiba :
Champagnat, 2000 2 ed.
CAPRA, F. O Tao da física. Um paralelo entre a física moderna e o misticismo
Oriental. São Paulo : Cultrix, 1975.
CARREIRA, A. L.; CABRAL, B. A. V. O Teatro como Conhecimento. In:
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO EM ARTES
CÊNICAS. Memórias ABRACE IX: Metodologias de Pesquisa em Artes Cênicas.
Organização André Carreira[et al.]. Rio de Janeiro : 7letras, 2006. p.01-16.
CARVALHO, E. O que é o Ator. São Paulo : Brasileiense, 1992. 2 ed.
FÁVERO, A . De 2004 e dos encaminhamentos. Curitiba : Colégio Medianeira, 12
fev. 2004.
GULLAR, Ferreira. Toda Poesia. 5ª ed., Rio de Janeiro, José Olympio, 1991.
KOUDELA, I. D. Jogos Teatrais. Perspectiva, 1984, São Paulo.
KOUDELA, I. D.; ARÃO, P. S. Abordagens Metodológicas do Teatro na Educação.
In: ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO EM ARTES
CÊNICAS. Memórias ABRACE IX: Metodologias de Pesquisa em Artes Cênicas.
Organização André Carreira[et al.]. Rio de Janeiro : 7letras, 2006. p.63-76.
KHUN, T. A estrutura das revoluções científicas. Perspectiva : S.P, 1995. 3 ed.
MACHADO, M. A. D. A. P. O processo de criação do ator: uma perspectiva
semiótica. In: ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO
EM ARTES CÊNICAS. Memórias ABRACE IX: Metodologias de Pesquisa em Artes
Cênicas. Organização André Carreira[et al.]. Rio de Janeiro : 7letras, 2006. p. 92
104.
MACHADO, M. C. A aventura do Teatro. Rio de Janeiro: José Olympio, 1988.
MARIOTTI, H. Os Cinco Saberes do Pensamento Complexo (Pontos de Encontro
entre As Obras de Edgard Morin, Fernando Pessoa e Outros Escritores). In : 3
ª
CONFERÊNCIAS INTERNACIONAIS DE EPISTEMOLOGIA E FILOSOFIA, 2002.
MARTINS, G. A potencialidade humana para a representação dinamizada pelo
teatro na escola. Curitiba, 2003.
MESSAGI, J. M D. A prática pedagógica do professor musicoterapeuta:
implicações na formação profissional. Curitiba, 1997. 175 f. Dissertação (Mestrado
em Educação) – Setor de Ciências Humanas e Sociais, Pontifícia Universidade
Católica do Paraná.
MORIN, E. O problema epistemológico da complexidade. Portugal : Publicações
Europa- América, s.d.
MORIN, E. O Método IV- As idéias. Publicações Europa América Ltda, Portugal,
1991.
MORIN, E. Os sete saberes necessários à educação do futuro. 6. ed. São Paulo :
Cortez, 2002.
MORIN. E. ; MOIGNE, J. Lê. A inteligência da Complexidade. 2. ed. São Paulo :
Peirópolis, 2000.
PETRAGLIA, I.C. Edgar Morin: A educação e a Complexidade do ser e do saber.
Petrópolis, RJ : Vozes, 1998.
CORRÊA, C. S. Pedagogia do Jogo: Uma Poética Do Efêmero - O Ensino Do
Teatro Na Escola. CAPES, 2003.
REVERBEL O.; RAMALHO OLIVEIRA S. Vamos alfabetizar com jogos
dramáticos? Atividades básicas. Porto Alegre : Kuarup 1994.
REVERBEL, O. Teatro na Sala de Aula. 2. ed. Rio de Janeiro : Livraria José
Olímpio Editora. 1979.
SAMWAYS, E. Pressupostos para pensar uma proposta para a formação dos
professores de Ensino de Arte em um Paradigma Educacional Emergente.
Curitiba, 2002. 132 f. Dissertação (Mestrado em Educação) Setor de Ciências
Humanas e Sociais, Pontifícia Universidade Católica do Paraná.
SPOLIN, V. O jogo teatral no livro do diretor. o Paulo : Perspectiva, 1985.
STANISLAVISKI, C. A Construção da Personagem. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 1970.
TRIVIÑOS, A. N. S. Introdução à Pesquisa em Ciências Sociais. São Paulo :
Atlas, 1987.
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO EM ARTES
CÊNICAS. http://www.unirio.br/abrace/aprese/index.html . acesso em 13/04/2006
ALMEIDA, M. C. Bem-vinda constelação da desordem: a presença do
pensamento francês no Brasil. Disponível em : <
http://www.fyl.uva.es/~wfilosof/pensamento.doc> acesso em 19/05/2006.
BRITO, I.M. Sistema quinário para a criação de jogos teatrais. In: Anais do IV
Congresso ABRACE (Memória X), Rio de Janeiro, 2006.
CAVASSIN, J. Jogo dramático e complexidade: tecendo uma proposta. Curitiba
Faculdade de Artes do Paraná:, 2003.
DENARDI, C. A Formação Inicial do Professor de Música no Curso de
Licenciatura em Música da Embap (1961- 1996). Curitiba, 2006. 134 f. Dissertação
(Mestrado em Educação) - Setor de Ciências Humanas e Sociais, Pontifícia
Universidade Católica do Paraná.
MARTINELI, L. M. B. As contribuições do Pensamento Complexo de Edgard
Morin para a formação de Professores. Curitiba, 2003. 146 f. Dissertação
(Mestrado em Educação) Setor de Ciências Humanas e Sociais, Pontifícia
Universidade Católica do Paraná.
TESCAROLLO, R. A escola como sistema complexo. A ação, o poder e o
sagrado. São Paulo: Escrituras, 2005.
DOCUMENTAÇÃO OFICIAL
GOVERNO FEDERAL. Parâmetros Curriculares Nacionais-1º à série.
Disponível em: < http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/livro06.pdf> Acesso em :
06 mai. 2006.
GOVERNO FEDERAL. Lei de Diretrizes e Bases - 1996. Disponível em: <
http://www.mec.gov.br/legis/pdf/LDB.pdf > Acesso em: 07 mar. 2006.
GOVERNO FEDERAL. Lei de Diretrizes e Bases 1971. disponível em: <
http://www.pedagogiaemfoco.pro.br/l5692_71.htm> Acesso em: 08 mar. 2006
ANEXOS
ANEXO 1 – LOGOMARCA DO TEM.......................................................................135
ANEXO 2 – REPORTAGENS PUBLICADAS..........................................................127
ANEXO 3 – ESPETÁCULO “APAZNOMUNDONAPAZ"..........................................128
ANEXO 4 – “A CAVERNA” ......................................................................................129
ANEXO 5 – “AS BRUXAS DE SALÉM” ..................................................................130
ANEXO 6 – “MORTE E VIDA SEVERINA”..............................................................131
ANEXO 7 – “UM NATAL DIFERENTE”....................................................................132
ANEXO 8 - CARTA DE .UM ALUNO.............................. ........................................133
ANEXO 1 – LOGOMARCA DO TeM
Desenho de Juliana Cavassin
ANEXO 2 - REPORTAGENS PUBLICADAS
Gazeta do Povo, 24 de Novembro de 2004
Gazeta do Povo, 06 de junho de 2005
ANEXO 3 – ESPETÁCULO “APAZNOMUNDONAPAZ"
ANEXO 4 – “A CAVERNA”
ANEXO 5 – “AS BRUXAS DE SALÉM”
ANEXO 6 – “MORTE E VIDA SEVERINA”
ANEXO 7 – “UM NATAL DIFERENTE”
ANEXO 08 - CARTA DE UM ALUNO
“Despedida.
Não serei aquele que cantará problemas futuros, nem aquele que se prenderá a
glórias passadas. Serei aquele que transformará o presente, para fazer do futuro tão
bom quanto o passado. Nesse fim de ano, quero dizer a todos vocês, sem exceção,
que com certeza, ficaram marcados em mim. Tantos Elfos e mágicos, duendes e
cachorros, homens de lata e fadas; mulheres-bomba, homens-inseto; atores.
Transformadores dos sentimentos em realidade. Aqueles que fizeram chorar e rir.
Que alegraram e emocionaram platéias. Retratando cenas bíblicas, filosóficas,
acompanhando cada passo meu e nosso. Alguns vão sair do colégio; outros vão sair
do teatro. pode ser que nos encontremos no dia-dia, ou nos telefonemos, ou pode
ser que nunca mais estejamos juntos fisicamente. Mas o que quero que saibam é
que, de tal laço de amizade e afeto, admiração, de tal amor existente entre nós, não
mar, terra, cidade ou pais que nos afaste o suficiente. Vocês deixaram marcas
tão profundas em cada um dos corações aqui presentes que nós sempre vamos
estar juntos, por mais longe que estejamos. Estaremos sempre iluminando o passo
daqueles que passam por momentos de escuridão, afagando os corações em
momentos de solidão, estendendo a mão em momento de sofrimento, caminhando
lado a lado em momentos de provação. Afinal, o que quero dizer, é que vocês são
as pessoas mais importantes para mim e creio, para cada um que está aqui lado a
lado, compartilhando deste mesmo sentimento de amor, receio, amizade. Como diria
um tal Carlos Drumond de Andrade, em um de seus inúmeros poemas, “O presente
é tão grande, não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas. Vamos de mãos
dadas. E, para finalizar, vou recitar um poema que traz a energia deste momento:
Eu queria
Eu queria poder tocar o céu,
Encontrar aquilo que está escondido,
Desenhar a face das estrelas,
Modelar as nuvens,
E aquecer o sol.
Eu queria poder fazer cada um sorrir,
Ver lágrimas de alegria rolando por suas faces,
Fazê-los lembrar de tempos remotos,
Ou felicidades recentes.
Eu queria poder transformá-los a todos
Em anjos, sem nenhuma exceção,
Viver a alegria de cada dia,
Brincar com as tenras gramas verdes dos mais belos campos,
Cantar a beleza do mundo.
Eu queria... Eu queria... Eu queria...”
Gustavo Glodes Blum
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo