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Por isso, e por falar um impecável inglês britânico, Al-Sahaf é considerado o
mais ocidental dos ministros. Suas entrevistas coletivas, que acontecem pelo menos
uma vez por dia num espaço contíguo ao do ministério, são concorridíssimas. Nelas,
atrás de um pequeno púlpito, ele dá as últimas informações militares e lança
expressões que, no dia seguinte, estarão nos jornais do mundo inteiro. Chama
jornalista de
my dear
(termo que, aliás, virou moda entre as autoridades iraquianas,
por ser o mais próximo da árabe
habibi
, “querido”, que usam para pontuar cada frase)
e dá preferência aos mais antigos (que conhece desde a Guerra do Golfo, de 1991) e
às mulheres.
Sempre de uniforme verde-oliva e boina preta, à Che Guevara, ele
constantemente acaricia o cabo cromado de sua pistola automática enquanto ajeita os
óculos, que corrigem a sua vesgueira crônica. Sahaf causa espécie com sua voz de
barítono, que ecoa pelas paredes da pequena sala de entrevistas, interrompida ao meio
por uma escada espanhola.
Só se refere a George W. Bush como “Bush Júnior”, termo que virará mania nas
ruas iraquianas: muitos entrevistados nossos só chamarão o presidente dos EUA assim.
O ministro classifica a coalisão de “gangue de bastardos”; os soldados invasores são
“infiéis sanguinários” e os EUA “a superpotência de vilões” ou (o melhor de todos) “a
superpotência de Al Capone”.
Suas freqüentes e veementes negativas do avanço das tropas inimigas em
território iraquiano, sempre repetindo que o “glorioso Exército iraquiano” está
“esmagando a cabeça da serpente no deserto”, entrarão para a história como a maior
negação sistemática da realidade. (Não que seu colega do outro lado do Atlântico, o
secretário de Defesa Donald Rumsfeld, seja muito mais sincero; afinal, onde estão as
armas de destruição de massa iraquianas que motivaram os EUA a invadirem o país em
primeiro lugar?)
Indagado já no segundo dia de guerra se tinha se avistado com seu chefe
ultimamente (quando os rumores davam conta de que Sadam Hussein podia ter sido
morto no primeiro ataque da coalizão), Said al-Sahaf, com fleuma e ironia, respondeu
apenas isso: “Não seja ridículo,
my dear
. Agora me pergunte algo sério, por favor”.
O ministério sob o seu comando é o que zela pela propaganda e controla o fluxo
de informações de todo o regime. É da sede plantada entre os hotéis Al-Rasheed e Al-
Mansur (não por acaso pontos tradicionais de repouso dos jornalistas estrangeiros
antes da guerra) que saem todos os jornais e revistas produzidos no Iraque, todos
estatais e previamente censurados. Toda manifestação cultural também precisa ter a
aprovação prévia dos barnabés de seu ministério, desde peças até exposições,
passando pelos programas de TV e de rádio, pelos livros e pelos (ainda raríssimos)
sites locais.
Pouco se sabia de Sahaf antes deste conflito. Nas guerras anteriores (a Irã-
Iraque nos anos 80, e a do Golfo em 1991), quem ganhou a mídia internacional como
locutor do regime com o Ocidente foi o vice-primeiro-ministro perene Tareq Aziz, outra
personalidade destoante da cúpula, por ser o único não-mulçumano.
Na volta para o Brasil, percebemos que o tonitruante Al-Sahaf virou figura
cult
,
com direito a diversos sites humorísticos em sua homenagem. Mas, segundo
reportagens de junho, o ex-ministro não estava rindo por último: foi encontrado