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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS
LIDIA LIMA DA SILVA
A distinção entre os indefinidos ‘um’ e ‘algum’ no português brasileiro
São Paulo,
2007
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LIDIA LIMA DA SILVA
A distinção entre os indefinidos ‘um’ e ‘algum’ no português brasileiro
Dissertação apresentada à Faculdade de Filosofia, Letras e
Ciências Humanas da Universidade de São Paulo para
obtenção do título de Mestre em Letras/Lingüística.
Área de concentração: Semiótica e Lingüística Geral
Orientadora: Profa. Dra. Ana Muller.
São Paulo,
2007
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Folha de Aprovação
Lidia Lima da Silva
A distinção entre os indefinidos ‘um’ e ‘algum’ no português brasileiro.
Dissertação apresentada à Faculdade de Filosofia, Letras e
Ciências Humanas da Universidade de São Paulo para
obtenção do título de Mestre em Letras/Lingüística.
Área de concentração: Semiótica e Lingüística Geral
Orientadora: Profa. Dra. Ana Muller.
Aprovada em:
Banca examinadora:
Prof. (a) Dr. (a) _____________________________________________________________
Instituição: _______________________________ Assinatura: ________________________
Prof. (a) Dr. (a) _____________________________________________________________
Instituição: _______________________________ Assinatura: ________________________
4
Aos meus pais e irmãos
5
AGRADECIMENTOS
Agradeço a Deus e aos espíritos iluminados, que sempre procuram nos inspirar com
boas idéias, a despeito de sempre resistirmos às suas influências.
Agradeço aos meus pais, especialmente à minha mãe pela palmada que me deu
quando eu era criança e resistira à idéia de ir para a escola. Agradeço aos meus irmãos, Nenê
e Lucas, o carinho.
Agradeço ao Cléo seu amor e paciência nos momentos de angústia ou irritação.
Agradeço à sua família o apoio e o carinho.
Agradeço aos meus amigos, em especial à Lourdes a amizade sincera. Agradeço às
professoras Damaris, Marisa Azevedo, Neuci e Patrícia.
Agradeço ao Grupo de Estudos de Semântica Formal da USP pelo convívio e
discussões que sempre contribuíram para meu trabalho. Em especial, agradeço à Ana Paula, à
Luciana e à Nize, não necessariamente nessa ordem e por diferentes razões.
Agradeço à Érica, ao Robson e ao Ben Hur, o suporte burocrático.
Agradeço à CAPES o apoio financeiro.
Agradeço à Profa. Dra. Esmeralda Negrão, ao Prof. Dr. Marcelo Ferreira e à Profa.
Dra. Roberta Pires de Oliveira as contribuições ao meu trabalho.
Agradeço à Profa. Dra. Angelika Kratzer a atenção em ouvir sobre meu trabalho,
apesar de minha dificuldade.
Agradeço à Profa. Ana Müller, que sempre acreditou mais em mim do que eu
mesma. Agradeço seu carinho e delicadeza ao discutir minhas idéias. Agradeço sua
contribuição ao meu amadurecimento pessoal e acadêmico, pois com toda certeza, durante
esses anos de convívio, seus ensinamentos foram além da Semântica Formal.
Todos os erros deste trabalho são única e exclusivamente minha responsabilidade.
6
RESUMO
Lima-Silva. L. A distinção entre os indefinidos ‘um’ e ‘algum’ no português brasileiro. 2007.
137 f. - Dissertação (Mestrado) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas,
Universidade de são Paulo, São Paulo, 2007.
Este trabalho discute a denotação dos sintagmas indefinidos contendo ‘um’ e
algum’ na posição pré-nominal no português do Brasil e argumenta em favor de uma
distinção entre ambos. O objetivo é delimitar as propriedades semânticas desses dois
indefinidos e as contribuições de cada um para as sentenças em que aparecem.
Tendo como ponto de partida os trabalhos de Kratzer & Shimoyama (2002) para o
indefinido ‘irgendein’ do alemão, Alonso-Ovalle & Menéndez-Benito (2003) para o ‘algún’
do espanhol e para o ‘some’ do inglês e Pires de Oliveira (2005) para o indefinido ‘qualquer’,
esta dissertação defende que ‘algum’ é um indefinido que marca a falta de conhecimento do
falante em relação ao referente, ao passo que ‘um’ pode ser usado para referir-se a um
indivíduo específico e não apresenta tal efeito.
Por meio da análise da intuição dos falantes do PB e da análise dos dados a partir
das propostas dos autores citados acima, foi possível constatar que ‘um NP’, quanto ao
comportamento quantificacional, (i) apresenta variabilidade de força quantificacional; (ii)
pode ser antecedente de pronome anafórico; (iii) não tem seu escopo restringido por
sentenças-se, (iv) pode combinar-se com sentenças relativas não-restritivas. Não é um
indefinido epistêmico e devido a isso (i) pode ser lido como fazendo referência a um
indivíduo em especial; (ii) não induz a alargamento de domínio; (iii) não está associado à livre
escolha dentro de um conjunto de alternativas e (iv) não induz a um efeito epistêmico.
Por sua vez, ‘algum NP’ quanto ao comportamento quantificacional, (i) não
apresenta variabilidade de força quantificacional; (ii) pode ser antecedente de pronome
anafórico; (iii) tem seu escopo restringido por sentenças-se, (iv) não pode combinar-se com
sentenças relativas não-restritivas. ‘Algum NP’ é um indefinido epistêmico e devido a isso (i)
não pode ser lido como fazendo referência a um indivíduo em especial; (ii) induz a
alargamento de domínio; (iii) está associado à livre escolha dentro de um conjunto de
alternativas e (iv) induz a um efeito epistêmico.
7
A análise proposta nesse trabalho é feita sob a perspectiva teórica da Semântica
Formal e é relevante na medida em que contribui para uma tipologia translingüística.
Palavras-Chave: Indefinidos; ‘um’; ‘algum’; modalidade; Semântica.
8
ABSTRACT
Lima-Silva. L. A distinção entre os indefinidos ‘um’ e ‘algum’ no português brasileiro. 2007.
137 f. Dissertation (Master) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas,
Universidade de São Paulo, São Paulo, 2007.
This work studies the denotation of indefinite phrases with ‘um’ and ‘algum’ in the
pre-verbal position in Brazilian Portuguese and it argues in favor of a distinction between
them. The goal of this dissertation is to discuss the properties that distinguish these two
indefinites and the semantic contributions they provide to sentences where they appear.
The works of Kratzer and Shimoyama (2002), Alonso-Ovalle and Menéndez-Benito
(2003) and Pires de Oliveira (2005) are the background to the analysis proposed here. This
dissertation argues that ‘algum’ is an epistemic indefinite that marks speakers’ lack of
knowledge about who (or what) satisfies her existential claims. However ‘um’ does not
induce to this epistemic effect and can be appropriate when the speaker intends to refer to a
specific individual.
The analysis of the speaker’s intuition and the analysis of data (departing of works
of the mentioned authors) permitted to conclud, in the respect to quantification: ‘um NP’ (i)
presents variability of quantificational force; (ii) it can be antecedent of an anaphoric pronoun;
(iii) it does not have its scope constrained by if-sentences; (iv) it can be combined with non-
restrictive clauses. ‘Um NP’ is not an epistemic indefinite and, due to this, (i) it can be read as
an referential”; (ii) it does not induce to the domain widening; (iii) it is not associated with
free choice effect; (iv) it does not induce an epistemic indefinite.
On the other hand, ‘algum NP’ (i) presents variability of quantificational force; (ii) it
can not be antecedent of an anaphoric pronoun; (iii) it has its scope constrained by if-
sentences; (iv) it can not be combined with non-restrictive clauses. ‘Algum NP’ is an
epistemic indefinite and, due to this, (i) it can be read as an “referential”; (ii) it induces to the
domain widening; (iii) it is associated with free choice effect; (iv) it induces an epistemic
indefinite.
9
The proposals of this work are made under the theoretical point of view of Formal
Semantics and are relevant because they contribute to studies concerned with a general theory
of indefinites.
Key worlds: Indefinites, ‘um’; ‘algum’; epistemic modality; Semantics
10
SUMÁRIO
Apresentação 12
Capítulo 1. Os indefinidos ‘um’ e ‘algum’ sob diferentes perspectivas 14
1.1. Tratamentos para o ‘um’ e o ‘algum’ 14
1.1.1. Indefinidos sob as perspectivas normativa e descritiva: Cunha & Cintra
(1985) e Moura Neves (2000)
14
1.1 2. Russell (1905) 22
1.1.3. Heim (1982) 26
1.1.4. Chierchia (2003) 34
1.1.5. Gollo (2004) 42
1.2. A denotação dos indefinidos em termos de funções 44
1.3. Resumo: Existe distinção entre ‘um’ e ‘algum’? 49
Capítulo 2. As propostas para os indefinidos: ‘irgendein’, ‘algún’, ‘some’ e
‘qualquer’
54
2.1. A análise de ‘irgendein’: Kratzer & Shimoyama (2002) 55
2.2. Alonso-Ovalle & Menéndez-Benito (2003): o caso do ‘algún’ 64
2.3. Alonso-Ovalle & Menéndez-Benito (2003): o caso do ‘some’ 71
2.4. Pires de Oliveira (2005): o caso do ‘qualquer’ 75
2.5. Resumo 83
Capítulo 3. O contraste semântico entre ‘um’ e ‘algum’ 86
3.1. Indefinidos ‘um’ e ‘algum’ e quantificação 87
3.2. A relação entre indefinidos e efeito epistêmico: o que nos dizem os dados? 108
3.3. Resumo 116
3.4. De onde vem a força quantificacional dos indefinidos ‘um’ e ‘algum’? 117
3.5. De onde vem o efeito epistêmico de ‘algum’? 121
3.6. Relação entre ‘um’, ‘algum’ e ‘qualquer’ 126
3.7. Comparação entre os indefinidos do alemão, do espanhol, do inglês e do 128
11
português
3.8 Resumo 129
Conclusão Geral: já é possível saber a denotação dos sintagmas indefinidos ‘um’ e
‘algum’ no PB?
130
Bibliografia 133
12
APRESENTAÇÃO
Este trabalho discute as propriedades semânticas que caracterizam ‘um’ e ‘algum’
no português do Brasil. Defende-se que esses indefinidos apresentam propriedades semânticas
que os distinguem. Enquanto ‘algum’ a marca falta de conhecimento do falante, o que o
caracteriza como um indefinido epistêmico, ‘um’ não possui tal propriedade e pode ser usado
em contextos em que o falante tem um referente em mente.
A proposta desenvolvida aqui é a de que a denotação de ‘algum’ pode ser derivada
do mesmo modo que Kratzer & Shimoyama (2002) derivam a denotação de irgendeinalgum’
no alemão. Para esses autores este indefinido induz a um alargamento de domínio e, quando
combinado a um predicado, cria um conjunto de alternativas proposicionais possíveis.
Segundo Kratzer & Shimoyama (2002) e Alonso-Ovalle & Menéndez-Benito
(2003), os falantes fazem uso de um elemento que induz a alargamento de domínio para evitar
afirmações falsas e falsa inferência de exaustividade.
Defende-se, que o efeito epistêmico de ‘algum’ no PB é resultado da interação do
alargamento de domínio que ele induz e um modal. Neste sentido, ‘algum’ marca ignorância
do falante, sua combinação com um predicado cria um conjunto de alternativas proposicionais
e ao se combinar um indefinido com um modal tem-se o efeito de livre escolha.
Segundo Pires de Oliveira (2005), ‘qualquer’ pode associar-se a dois tipos de base
modal (contrafactual e epistêmica), além disso, pode ter leitura genérica caracterizadora. Em
contraste ‘algum’, que está sempre associado à força quantificacional de existência, apresenta
variabilidade de força quantificacional. Além disso, se ‘algum’ induz a um alargamento de
domínio, isso ocorre de modo diverso do que ocorre com ‘qualquer’ que, de acordo com o que
ilustram os dados, pega um domínio maior que o domínio de ‘algum’.
‘Um’, por sua vez, não induz a alargamento de domínio e pode ser lido como
“referencial”, em contraste com ‘algum’.
Esta dissertação organiza-se como segue: no primeiro capítulo faz-se uma revisão
das análises propostas para ‘um’ e ‘algum’ que não levam em conta a distinção entre ambos
apontada neste trabalho. Essa revisão tem o intuito de ilustrar que ainda é necessário fazer um
estudo das propriedades semânticas desses indefinidos, a despeito da proposta de Gollo
(2004), segundo a qual a diferença entre esses indefinidos deve-se ao fato de ‘um’ fazer uma
13
afirmação de existência ao passo que ‘algum’ pressupõe a existência de um conjunto; no
segundo capítulo, faz-se uma revisão do tratamento proposto para os indefinidos irgendein
‘algum’ (Kratzer & Shimoyama, 2002), algún ‘algún’ e some ‘algum’ (Alonso-Ovalle &
Menéndez-Benito, 2003) e para ‘qualquer’ (Pires de Oliveira, 2005), com o intuito de buscar
ferramentas para explicar a distinção entre ‘um’ e ‘algum’; por fim, no terceiro capítulo é
discutida a distinção ‘um’/‘algum’ tendo como pressuposto o aparato teórico da Semântica
Formal. Este capítulo é reservado à explicação do comportamento de ‘um’ e ‘algum’ em
relação às características apontadas acima.
Este trabalho é importante, pois, ao estudar as propriedades semânticas do ‘um’ e do
‘algum’, contribui para uma semântica preocupada em descrever as propriedades semânticas
dos indefinidos e preocupada com a construção de uma tipologia geral dos indefinidos no PB
e nas línguas naturais como um todo.
14
Capítulo 1: Os indefinidos ‘um’ e ‘algum’ sob diferentes perspectivas
Muitas das pesquisas em Semântica Formal têm se dedicado à construção de uma
teoria para explicar a denotação de sintagmas indefinidos (ver. Russell (1905), Strawson
(1952), Heim (1982), Kratzer (1998), entre outros). O objetivo deste trabalho é discutir a
denotação do sintagma indefinido no português brasileiro (doravante PB), mais precisamente,
a denotação do sintagma indefinido contendo ‘um’ e ‘algum’.
Por entender que o significado das sentenças é resultado do significado de suas
partes (Princípio da Composionalidade) e que, além disso, esse significado está associado às
condições em que uma sentença é verdadeira, a análise proposta aqui tem como referencial
teórico o aparato de análise da Semântica Formal. Uma vez que o significado da sentença é
obtido composicionalmente, busca-se entender qual a contribuição semântica dos itens ‘um’ e
‘algum’ para os sintagmas e para as sentenças em que aparecem.
Partindo de definições de duas gramáticas do português, passando pela proposta de
Russell (1905), Heim (1982) e Chierchia (2003), este capítulo apresenta algumas análises que
têm sido propostas para o tratamento dos indefinidos. É apresentada ainda a proposta de Gollo
(2004) para a distinção entre ‘um’ e ‘algum’ no PB e, por fim, discute-se a importância de
olharmos novamente para tal distinção.
1.1. Tratamentos para ‘um’ e ‘algum’
1.1.1. Indefinidos sob as perspectivas normativa e descritiva: Cunha & Cintra (1985) e
Moura Neves (2000)
Esta seção faz uma retomada da perspectiva de uma gramática normativa e uma
gramática descritiva sobre o artigo indefinido ‘um’ e o pronome indefinido ‘algum’. Inicia-se
com a proposta normativa de Cunha & Cintra (1985) e depois passa-se para a proposta
descritiva de Moura Neves (2000).
A escolha por iniciar esse trabalho a partir de uma gramática normativa deveu-se ao
fato de ser, na maior parte das vezes, através desse tipo de gramática que entramos em contato
15
com o estudo da língua. Por sua vez, a escolha de uma gramática descritiva deveu-se pelo
que ela se propõe a fazer, mostrar como os falantes fazem uso desses itens no PB.
Em português as gramáticas têm nomeado indefinidos dois tipos de elementos: o
artigo indefinido ‘um’ e suas flexões; e os pronomes indefinidos, entre os quais está o
‘algum’, e suas flexões, mas como será apresentado no desenvolvimento somente essa
distinção entre “pronome’ e “artigo indefinido” não explica diferença entre ambos.
Cunha & Cintra (1985) colocam os artigos indefinidos e os pronomes indefinidos em
partes distintas da gramática. Artigos indefinidos são apresentados em contraposição a artigos
definidos. Artigos definidos (‘o’, ‘os’, a’, ‘as’) e indefinidos (‘um’, ‘uma’, ‘uns’, umas’) são
determinantes, palavras que se antepõem aos substantivos e podem ter, respectivamente, as
funções de (i) indicar que se trata de um ser já conhecido do leitor ou ouvinte, por ter sido
mencionado antes ou por ser um objeto que faz parte do conhecimento prévio de ouvinte e
falante; (ii) indicar que se trata de um representante de uma espécie para o qual não houve
menção anterior.
Segundo esses autores, a principal função do artigo definido é a de determinar um
substantivo. Em uma sentença como (2) caberia ao artigo ‘o’ determinar os substantivos
‘caboclinho’ e ‘taquara’. Mais especificamente o artigo definido restringe a extensão dos
substantivos, individualizando-os, de modo a defini-los dentro de uma espécie. Por outro lado,
na sentença (1), caberia ao artigo indefinido ‘um’ apenas indicar a espécie dos substantivos a
serem apresentados ao ouvinte.
1) Foi chegando um caboclinho magro, com uma taquara rachada. (Cunha & Cintra, 1985).
2) Foi chegando o caboclinho magro, com a taquara rachada. (Cunha & Cintra, 1985).
Caberia ainda aos artigos definido e indefinido introduzir um substantivo indicando
lhe gênero e número, daí qualquer expressão antecedida por um artigo tornar-se um
substantivo.
Outra observação importante a ser feita é que o item lexical ‘um’ é reconhecido
pelas gramáticas ora como artigo indefinido, ora como numeral. Segundo Cunha & Cintra
(1985), pelo fato de o artigo indefinido ter se originado do numeral latino unus, una, unum,
que exprime unidade, o valor do numeral ainda poderia aparecer nos diversos empregos das
16
formas do singular (‘um’, ‘uma’), principalmente no que diz respeito à apresentação de um
ser ou objeto, expresso por substantivo, de maneira imprecisa, indeterminada ou
desconhecida. Por sua vez, o artigo definido vem dos pronomes demonstrativos latinos ille
(aquele), illa (aquela), illud (aquilo). Para os autores, este sentido de demonstrativo foi se
perdendo aos poucos, mas ainda pode ser observado, segundo os autores, em sentenças como
(3), em que o artigo pode ser entendido como ‘esta’ ou ‘aquela’.
3) Permaneceu a semana inteira. (Cunha & Cintra, 1985).
Além disso, ambos artigo definido e indefinido podem exprimir a totalidade de uma
classe ou espécie, como ocorre em (4) e (5) em que ‘o homem’ e ‘um homem’,
respectivamente, podem ser interpretados como se referindo a todos os indivíduos da classe
dos homens.
4) O homem não é propriedade do homem. (Cunha & Cintra, 1985).
5) Um homem não chora.
De acordo com os Cunha & Cintra (1985), os pronomes indefinidos, aplicam-se à
terceira pessoa gramatical quando considerada de modo impreciso. Alguns variam em gênero
e número, como o ‘algum’, outros são invariáveis, como ‘nada’. Os pronomes indefinidos
exercem, na oração, assim como outros pronomes, função equivalente à exercida por
elementos nominais como os substantivos, por exemplo.
Os pronomes podem, ainda, representar um substantivo e aparecerem sozinhos na
sentença, nesse caso, serão chamados de pronomes substantivos, como ocorre em (6) com o
pronome ‘alguém’; ou podem acompanhar e modificar um substantivo, como se fossem
adjetivos, e, nesse caso, recebem o nome de pronomes adjetivos, como em (7), em que
‘algum’ acompanha ‘menino’.
6) Alguém entrou na sala.
7) Algum menino entrou na sala.
17
Para esses autores, ‘algum’ é um pronome adjetivo, ou seja, determina um
substantivo, mas, em alguns casos, pode aparecer isoladamente. Moura Neves (2000) diz que
nesse caso há na verdade elipses do substantivo, como ilustrado em (8).
8) João aprontou alguma.
Cunha & Cintra apresentam como contraparte negativa do pronome ‘algum’ o
pronome ‘nenhum’, exemplificado em (9), e ainda citam o uso de ‘algum’ que, quando
posposto ao substantivo, assume um valor negativo mais forte que ‘nenhum’, sentenças (10) e
(11).
9) Nenhum menino entrou.
10) Não entrou menino algum.
11) Em momento algum ele se referiu ao pai.
Enquanto Cunha & Cintra colocam em categorias diferentes artigo indefinido e
pronome indefinido, Moura Neves (2000) os agrupa em uma única classe. Segundo a autora,
todos os indefinidos são palavras não-fóricas, ou seja, não têm função de instruir a busca de
recuperação semântica dentro de um texto ou na situação. São também palavras não-
descritivas, na medida em que não informam sobre a natureza de um objeto, operando sobre
um conjunto de objetos delimitados em razão de suas propriedades.
Há, segundo Moura Neves (2000), os indefinidos de identidade, para os quais não se
pode identificar a referência, e os indefinidos de quantidade, que indicam de modo impreciso
o tamanho do conjunto considerado.
Na descrição apresentada pela autora, tanto artigo indefinido quanto pronome são
determinantes. Os determinantes que se combinam com nomes indicando a quantidade a ser
considerada de um conjunto são quantificadores e essa operação de quantificar é por natureza
partitiva, uma vez que os elementos que quantificam operam sobre uma porção ou sobre o
todo de um conjunto.
Segundo o exposto por Moura Neves (2000), uma das características do artigo
indefinido é ser usado quando não se quer apontar aquilo a que se faz referência. Desse
18
modo, um sintagma indefinido contendo ‘um’ destaca um ou mais indivíduos entre todos os
indivíduos da classe em questão. O artigo indefinido apresenta um individuo simplesmente
pela classe a que pertence, ou seja, em sentenças como (12), a presença do artigo indefinido
origina a interpretação de que um indivíduo pertence à classe dos meninos. Segundo a autora,
pelo fato de o ‘um’ ter, geralmente, uso não-referencial e aplicar-se a todo e qualquer
membro do grupo descrito pelo sintagma, pode constituir generalizações, como ocorre em
(13), em que se fala de cães em geral, ou em (14), em que se faz menção à classe dos
malucos.
12) Um menino entrou.
13) Todo mundo que tem um cão é porque gosta dele.
14) Somente um maluco se atreveria a duvidar do capitão Natário da Fonseca.
1
Para a autora, o artigo indefinido introduz um referente que poderá ser retomado por
qualquer palavra fórica (itens com função de instruir a busca de recuperação semântica de um
referente em uma dada situação), tal como o artigo definido. É o que ocorre em (15), onde
‘um menino’ é retomado por ‘o menino’.
15) Um menino entrou. O menino aproximou-se da professora Ana.
Outra característica, de acordo com a autora, é que o artigo indefinido tem uso
referencial em situações em que singulariza para referenciação, como em (16); e uso não-
referencial em situações que singulariza para atribuição, como em (17).
16) Não posso crer na sinceridade de um homem que vende a todas as mulheres o que
deveria dar, por amor, a uma só. (uso referencial) (Moura, Neve, 2000).
17) Não posso crer na sinceridade de um homem que venda a todas as mulheres o que
deveria dar, por amor, a uma só. (uso não-referencial) (Moura, Neve, 2000).
1
Exemplos (13) e (14) de Moura Neves (2000)
19
Apesar de não falar explicitamente, observando os exemplos (16) e (17), a autora
atribui a distinção entre uso não-referencial e uso referencial à combinação de artigo
indefinido e modo do verbo. Dessa maneira, uso referencial parece associar-se ao modo
indicativo, exemplo (16), e uso não-referencial ao modo subjuntivo, exemplo (17), porém a
análise da intuição dos falantes permite dizer que as duas sentenças são ambíguas.
Pelo exposto por Moura Neves, pode-se concluir que a distinção entre esses usos
está no fato de que o uso não-referencial remete a toda a classe, fato que também pode ser
observado, pelo uso de sentenças como (18), em que se fala de toda a classe de estudantes.
18) Estudantes agitam o mundo. (Moura, Neve, 2000).
Neste sentido, segundo da autora, a natureza do artigo indefinido é a de que ele
aponta para um ou mais indivíduos dentro de um grupo ou espécie, e por isso pode constituir
generalizações de certos grupos em certas sentenças, como no exemplo (18) acima.
‘Um’ pode estar em sintagmas indeterminados de dois tipos: (i) indeterminado
específico, quando o falante identifica um referente, mas o ouvinte não faz qualquer
identificação, como ocorre em (19); (ii) indeterminado, quando um’ refere-se não a um
indivíduo, mas a uma classe, e nem falante, nem ouvinte fazem identificação de referente,
sentença (20).
19) Assim, eu pedi a um amigo meu que trabalha numa seção de crédito se poderia usar seu
computador por algumas horas. (indeterminado específico)
2
20) E se viesse um convite para televisão? (indeterminado não-específico)
Para a autora, nesses contextos de uso não-específico é possível substituir ‘um’ por
‘qualquer’, o que tornaria mais evidente a falta de especificidade do sintagma (esse assunto
será retomado na seção 3.6).
Moura Neves (2000) também fala da relação entre artigo indefinido e numeral e
quanto à diferença entre ambos diz que:
2
Exemplos (19) e (20) de (Moura Neves, 2000)
20
“Com o artigo indefinido UM, o que se afirma é a indeterminação, não a singularidade (embora ela
exista), enquanto com o numeral um, o que se afirma é a singularidade, ou a qualidade de único
(embora a indeterminação possa existir). Do ponto de vista da quantidade, isso significa dizer que,
no caso do artigo indefinido, fala-se de "pelo menos um". Enquanto no caso de numeral, fala-se de
“exatamente um’” (MOURA NEVES, 2000, p. 517-518).
De acordo com essa definição, nas sentenças (21) e (22) ‘um’ seria numeral, por
indicar “exatamente um”. Por outro lado, seguindo os critérios de Moura Neves, há situações
em que essa distinção não fica clara, e torna-se complicado estabelecer se trata-se de numeral
ou artigo, como é o caso de (23), que possui duas interpretações, uma em que há exatamente
uma parede e não duas e, por isso, seria um numeral; e outra, em que se fala de uma parede
qualquer, e então se trata de indefinido.
21) Ganhava nos cálculos de hoje metade de um salário mínimo. (Moura Neves, 2000)
22) Bem, eu mesmo nunca tinha ouvido falar nisso até menos de um ano atrás. (Moura Neves,
2000)
23) Pelo menos metade de uma parede de sua sala é coberta com livros sobre futebol. (Moura
Neves, 2000)
É possível questionar a distinção proposta nestes termos, pois há contextos em que
os numerais têm a leitura de pelo menos. Por exemplo, numa situação em que João tenha dez
cadeiras e Maria pergunte se ele possui duas para emprestar, ele não estará mentindo se disser
que possui as duas cadeiras.
Quanto aos pronomes indefinidos, Moura Neves (2000) defende que são também
palavras não-ricas, pois não instruem na busca de um referente na situação ou texto.
Segundo a autora, a classe de pronomes é composta por elementos de natureza bastante
heterogênea: uns são indefinidos quanto à referência e outros são indefinidos quanto à
quantidade. Em (24), há indefinição de identidade, pois não é possível identificar o referente.
Por sua vez, em (25) e (26), há um indefinido de quantidade, pois indica de modo não-exato o
tamanho do conjunto ou a quantidade da substância em questão.
21
24) Eu procurei algum precursor da técnica e achei.
3
25) Durante os anos que moraram em Higienópolis conseguiram economizar algum dinheiro.
26) Não tenho nenhum bicho de pelúcia.
De acordo com Moura Neves, o pronome ‘algum’, usado para pessoas e coisas,
quando anteposto a nomes contáveis no singular, indefine quanto à identidade, como em (27);
e, quando anteposto a nome não-contável, indefine quanto à quantidade, como em (28).
‘Algum’ exprime quantidade ou identidade indefinida e ‘alguns’ indica indefinição quanto à
quantidade. Por outro, apesar dessa afirmação feira pela autora, uma sentença com ‘algum’
combinado a um nome contável também pode referir-se à indeterminação da quantidade.
27) A decisão foi tomada por algum industrial japonês.
28) Colocou algum sal no arroz.
Em sentenças como em (29) e (12), repetida abaixo, por exemplo, ‘menino’
representa um grupo, um conjunto cujos elementos são meninos, ‘um’ e ‘algum’ determinam
que porção desse grupo a ser considerada é indeterminada. Além disso, pelo uso de ‘um’ e
‘algum’ não identificamos a identidade desses meninos.
12) Um menino entrou.
29) Algum menino entrou.
Quanto ao comportamento dos pronomes indefinidos dentro do sintagma nominal, a
autora expõe que podem ser nucleares, constituindo um sintagma, os chamados pronomes
substantivos, são em si sintagmas indefinidos, exemplo (6) retomado a seguir; ou podem ser
periféricos, incidindo sobre um substantivo, pronomes adjetivos, exemplo (7) onde ‘algum’, é
indefinidor do nome.
6) Alguém entrou na sala.
7) Algum menino entrou na sala.
3
Exemplos (24), (25) e (26) de (Moura Neves, 2000).
22
Cunha & Cintra (1985) apresentam uma visão normativa para ‘um’ e ‘algum’ e
listam uma série de usos “adequados” para essas expressões. Moura Neves, por sua vez,
procura fazer uma descrição dos usos dos indefinidos e faz um agrupamento diferente dos
propostos pelas gramáticas tradicionais, colocando-os na classe dos indefinidos, unindo as
noções de determinante e quantificação.
1. 1. 2. Russell (1905)
Um dos estudos mais famosos sobre a semântica da denotação de sintagmas
indefinidos contendo ‘um’ (no caso, a, artigo indefinido do inglês) é o texto “On denoting”,
de Russell (1905). Esta seção pretende apresentar como o autor tratou a denotação de
sintagmas indefinidos (e definidos) unindo estudos de lógica e análise da linguagem.
No texto “On denoting”, Russell faz um estudo sobre expressões denotativas, em
inglês, tais como a man ‘um homem’, some man ‘algum homem’, the present King of
England ‘o atual rei da Inglaterra’, the present King of France ‘o atual rei da França.
Segundo o autor, expressões com o artigo definido the ‘o’ denotam um objeto
definido; expressões como a man ‘um homem’, por exemplo, não denotam um indivíduo ou
objeto definido; e expressões como the present King of France ‘o atual rei da França’,
efetivamente, nada denotam (em um momento da história que a França não tinha mais rei).
De acordo com Russel (1905), é através das expressões denotativas que temos
acesso a objetos ou indivíduos dos quais não se tem conhecimento de trato. Para o autor,
pode-se conhecer os objetos de dois modos: pode-se ter conhecimento de trato e
conhecimento acerca de. Os objetos de que se tem conhecimento de trato são aqueles de
que, conforme o autor, temos representações; e aqueles objetos de que se tem conhecimento
apenas por meio das expressões denotativas são os que se tem conhecimento “acerca de.
É possível ter conhecimento de trato imediato de um certo objeto e afirmar uma
série de proposições sobre esse objeto. Do que não se tem conhecimento de trato” imediato
é conhecido somente através de descrição.
Para falar da denotação, Russell (1905) toma a noção de variável como
fundamental. Desse modo, C(x) é usado para significar uma proposição (função
proposicional) na qual x é um constituinte e x é uma variável totalmente indeterminada.
23
Então, C(x) é sempre verdadeira e C(x) é algumas vezes verdadeira, logo everything
‘tudo’, nothing ‘nada’, e something ‘algo’ são interpretados como em (30), (31) e (32),
respectivamente.
30) C(everything) means C(x) is always true’
C(tudo) significa ‘C(x) é sempre verdadeira
31) C(nothing) means ‘C(x) is false’ is always true
C(nada) significa ‘C(x) é falsa’ é sempre verdadeira
32) C(something) means It is false that ‘C(x) is false’ is always true
C(algo) significa é falso que ‘C(x) é falsa’ é sempre verdadeira
Conforme Russell (1905), everything ‘tudo’, nothing ‘nada’ e something ‘algo’ não
têm qualquer significado isoladamente, porém contribuem para o significado das proposições
nas quais aparecem. Dessa maneira, a interpretação de uma proposição como (33) está em
(34). Segundo o autor, definindo-se a classe dos homens como a classe de objetos que têm o
predicado humano chega-se (35).
33) I met a man.
Eu encontrei um homem
Eu encontrei um homem
34) ‘Eu encontrei x, e x é humano’ não é sempre falsa
35) C(um homem) significa ‘C(x) e x é humano nem sempre é falsa
Na proposta de Russell (1905) a proposição (36) declara que se algo é um homem, é
mortal. Em (36), se x é um homem, x é mortal, qualquer que seja x. Substituindo x é um
homem’ por ‘x é humano’ chega-se a (37). Dizer que todos os homens são mortais significa,
segundo o autor, que ‘ x é humano’ implica ‘x é mortal’ para qualquer valor de x. De modo
geral, o significado da sentença (36) está expressa em (38).
24
36) All men are mortal.
Todos homens são mortal
Todos os homens são mortais’
37) ‘Todos os homens são mortais’ significa ‘Se x é homem, x é mortal’ é sempre
verdadeira
38) C (todos os homens)’ significa ‘ se x é humano então C(x) é verdadeira’ é sempre
verdadeira
Partindo dessa análise, chega-se ao significado das expressões no mannenhum
homem’, some men ‘alguns homens’ e a man ‘um homem’, exemplificadas a seguir.
39) No man is mortal.
Nenhum homem é mortal
Nenhum homem é mortal
39a) ‘C (nenhum homem)’ significa ‘se x é humano, então C(x) é falsa é sempre verdadeira’
40) Some men are mortal.
Alguns homens são mortal
Alguns homens são mortais’
40a) ‘C (alguns homem)’ significa C(um homem)
41) A homem é mortal.
Um homem é mortal
Um homem é mortal’
41a) C (um homem) significa é falso que ‘ C(x) e x é humano’ é sempre falsa
42) Every man is mortal.
Todo homem é mortal
‘Todo homem é mortal’
42a) ‘C (todo homem)’ significa o mesmo que C(todos os homens)
25
Segundo Russell (1905), o significado de um sintagma contendo o artigo indefinido
é de quantificação existencial. A man um homem’, em (33), afirma que existe um homem.
Neste sentido, indefinidos não denotam um indivíduo particular, do mesmo modo que every
man ‘todo homem’ não denota qualquer indivíduo particular.
Como exposto por Heim (1982), um argumento em favor dessa proposta pode ser
ilustrado na sentença em (43), adaptada de Heim (1982). Se o indefinido fizesse referência a
um indivíduo particular, Maria e Paulo teriam encontrado o mesmo homem, porém não é esse
o significado de (43). A previsão para a interpretação dessa sentença, dentro da teoria de
Russell (1905), é que ela será verdadeira em uma situação em que nem o conjunto dos
homens que Paulo encontrou e nem o conjunto dos homens que Maria encontrou está vazio.
43) Paulo encontrou um homem e Maria encontrou um homem.
Uma discussão levantada inicialmente por Strawson (1952) a respeito da proposta
de Russell de que a ‘um’ é um quantificador existencial é a possibilidade de um sintagma
contendo a ‘um’ poder ser retomado por um pronome anafórico, mesmo sem se referir a
nada. Será discutido mais sobre esse assunto posteriormente, na seção 1.1.3.
Por sua vez, segundo Russell (1905), as expressões contendo o artigo indefinido the
‘a’/’o’ envolve unicidade. Uma sentença como (44), afirma que havia um x, x era pai de
Carlos II e x foi executado. Ao usar a expressão ‘x era o pai de Carlos II’ afirma-se que x
tinha uma relação com Carlos II e que nada mais tinha tal relação com Carlos II.
44) The father of Charles I was executed.
O pai de Carlos II foi executado
‘O pai de Carlos II foi executado’
A análise para o artigo definido proposta por Russell (1905) gerou conseqüências
para os estudos das descrições definidas, porém, por questões de tempo, não será
desenvolvido nada mais sobre o tema nesta dissertação.
26
1.1.3. Heim (1982)
Esta seção apresenta a proposta de Heim (1982) para análise dos indefinidos. Grosso
modo, definidos e indefinidos são introdutores de variáveis, o que significa dizer que a ‘um’
não tem força quantificacional própria e sua contribuição na sentença é introduzir uma
informação nova, ao passo que a função do the ‘o’ é retomar uma informação velha, familiar.
Segundo Heim (1982), semanticistas herdeiros de uma tradição dos lógicos têm
analisado descrições definidas e indefinidas como quantificadores e pronomes como
variáveis. A sentença (45), por exemplo, significa que o conjunto dos indivíduos que são
gatos e que entraram não está vazio.
45)
A cat arrived.
(Heim, 1982).
Um gato chegou.
‘Um
gato chegou.’
45’)
cat (x) & Arrived (x)
gato (x) & Chegou (x)
Como dito na seção anterior, para Russell (1905), a força de quantificação de
existência vem do artigo indefinido a um’. Para ele, indefinidos são sempre sintagmas
quantificados e não se referem a nada. Heim (1982), entretanto, explora uma análise
alternativa, de acordo com a qual indefinidos não têm força quantificacional própria.
Na análise proposta pela autora, a força existencial, em sentenças como (45), não é
atribuída ao artigo, mas a princípios que governam a interpretação de variáveis em geral. Com
essa análise, ela pretende dar conta de sentenças como (46), em que o artigo indefinido pode
servir como antecedente para pronomes.
46) Um gato entrou. Ele deitou no tapete.
Segundo a autora, se uma análise que classifica indefinidos e definidos como
variáveis pode, inicialmente, omitir a distinção existente entre eles, é preciso discutir uma
27
nova teoria que dê conta do contraste. Essa nova teoria deve explicar as condições sob as
quais definidos e indefinidos são diferentes e a capacidade exclusiva dos definidos para dêixis
e anáfora.
Para Heim (1982), essas diferenças podem ser preditas se a análise semântica dos
definidos e dos indefinidos for completada por uma hipótese que leva em conta suas
condições de felicidade. Definidos felizes são variáveis “familiares”; e indefinidos felizes são
variáveis “novas”.
A familiaridade está relacionada a um antecedente no texto ou a um referente
contextualmente saliente. Heim (1982) captura a noção de familiaridade e a de novidade
acrescentando à sua teoria um nível de análise chamado ‘nível dos arquivos’. Se
considerarmos um enunciado como um arquivo e os indefinidos e definidos como cartões que
colocamos nesse arquivo, cada indefinido inserido corresponde à abertura de um cartão novo
e cada definido corresponde à recuperação de um cartão antigo e acréscimo.
Com base na proposta da autora, indefinidos parecem ter força quantificacional
própria porque olhamos para exemplos mais simples como (45) acima, porém, para se
entender a verdadeira natureza semântica dos indefinidos, é preciso olhar para sentenças como
(47), (48), (49) e (50), cuja força quantificacional varia entre força quantificacional universal
e existencial.
4
47) If a man owns a donkey,
He always beats it.
Se um homem
possui
um burro ele sempre
surra ele
‘Se um homem
possui
um burro, ele sempre
bate nele’.
48)
In most cases, if a table has lasted for 50years,
Na maioria
casos, se uma mesa tem durado por 50 anos,
‘Na
maioria
dos casos, se uma mesa Durou 50 anos,
it will last for another 50.
ela irá (modal, futuro) durar
por outros 50
ela Durará por mais outros 50’.
4
Exemplos de Heim (1982).
28
49) Sometimes, if A cat falls from the fifth floor, it survives.
Às vezes, se Um gato cai de o quinto
andar,
ele sobrevive.
‘Às vezes, se Um gato cai do quinto
andar,
ele sobrevive’.
50)
If a Person falls from the fifth Floor, he or she
Se uma Pessoa cai de o quinto andar, ele ou ela
‘Se
uma Pessoa cai do quinto andar, ele ou ela
will very rarely survive.
irá (modal, futuro) muito raramente sobreviver
muito raramente sobreviverá’.
Para entender esses exemplos é preciso observar a função dos advérbios always
sempre, in most cases ‘na dos casos, sometimes ‘algumas vezes, e rarely ‘muito raramente’.
De acordo com a análise de Lewis (1975, apud Heim, 1982), adotada por Heim (1982), esses
são advérbios de quantificação. A forma das sentenças com advérbio de quantificação é
representada pelo esquema (51), em que o Q-advérbio toma duas proposições (φ representa
uma e ψ representa a outra) como argumento, e cada uma dessas proposições é uma fórmula
com uma ou mais variáveis.
51) Q-Adv (φψ)
Para Lewis (1975, apud Heim, 1982), os advérbios de quantificação são
quantificadores não-seletivos, ou seja, podem selecionar mais de uma variável, ao contrário
dos quantificadores seletivos, que só selecionam uma variável. Então, para (47), com
quantificador não seletivo alwayssempre, pode ser parafraseado por (47’’’).
29
47’) Sempre ((x é um homem & y é um burro & x possui y) x bate em y)
47’’) “Sempre (φψ)” é verdadeira se e somente se toda atribuição para as variáveis livres em φ
que tornar φ verdadeira também tornar ψ verdadeira.
47’’’) xy ((x é um homem & y é um burro & x possui y) x bate y)
As paráfrases de (47a) a (50a) para as sentenças (47)-(50) mostram que em
contextos com um Q-advérbio como alwayssempre, por exemplo, o indefinido tem força
quantificacional universal; e, em contextos com o advérbio sometimes às vezes, o indefinido
tem a força de um quantificador existencial. Segundo Heim (1982), esse comportamento, que
varia de acordo com o ambiente, é uma evidência de que indefinidos não têm força
quantificacional própria, sendo, portanto, variáveis.
47a) Para cada homem e para cada burro tal que o primeiro possui o segundo, ele bate nele.
48a) A maioria das mesas tem durado por 50 anos dura por outros 50.
49a) Alguns gatos que caem do quinto andar sobrevivem.
50a) Poucas pessoas que caem do quinto andar sobrevivem.
Nesses exemplos, a força quantificacional vem do Q-Advérbio expresso nas
sentenças. Porém, mesmo sem um operador expresso, como em (52), a força quantificacional
vem de um operador não realizado fonologicamente, um tipo invisível de always sempre.
Em (53) every ‘todo’ prende as variáveis livres de a donkey ‘um burro’ e man ‘homem’. Em
(54), não observamos nenhum responsável pela quantificação; então, Heim (1982) atribuirá a
força existencial à regra da Existential Closure.
52) If a man owns a donkey he beats it.
(Heim, 1982).
Se um homem possui um burro ele bate nele
‘Se um homem possui um burro ele bate nele’
30
53) Every man who owns A donkey beats It.
(Heim, 1982).
Todo homem quem possui um burro surra Ele
‘Todo homem que possui um burro bate nele’
54) A man came in.
(Heim, 1982)
Um homem entrou
‘Um homem entrou’
Para conferir maior precisão à análise de algumas sentenças em inglês, e corroborar
sua afirmação de que indefinidos não têm força quantificacional própria, Heim (1982) estuda
estruturas sintáticas relacionadas à Forma Lógica por um número de “regras de construção”,
que transformam a estrutura sintática em Forma Lógica. Por meio dessas regras, Heim (1982)
demonstra como um operador prende o indefinido.
5
Além dessas regras de construção, Heim (1982) postula que, mesmo em sentenças
condicionais, há operadores modais invisíveis que prendem a variável introduzida pelo
indefinido (Kratzer, 1979, apud Heim, 1982); do mesmo modo, em sentenças com operadores
modais realizados (tais como dever e poder, por exemplo), esses operadores são responsáveis
por prender a variável introduzida pelo indefinido.
Alguns exemplos de operadores modais invisíveis são as sentenças condicionais,
como as em (55) e (56).
55) If a donkey kicks John, he beats it.
(Heim ,1982)
Se um burro chuta João, ele bate ele.
“Se um burro dá um coice em João, ele bate nele”.
56)
If a man owns a donkey,
he beats
it.
(Heim ,1982)
Se
um
homem
possui
um
burro ele
bate nele.
Se
um
homem
possui
um
burro ele
bate nele.
‘Em todos os mundos em que um homem tem um burro, são mundos em que ele bate nele.
5
Tradução minha de Construal Rules para “regras de construção”.
31
56’) xy (homem(x) &burro (y) & pertence (x,y)) bate (x,y)
56’’) para todo x e para todo y, x é homem e y é burro e se x possui y, então x bate em y.
Observando (55) e (56), é possível pensar, à primeira vista, que os indefinidos em
sentenças-se” são lidos como quantificadores universais, pelo fato de não haver qualquer
candidato óbvio para desempenhar a força existencial. Porém, Heim (1982) defende a
presença de um quantificador invisível, baseando-se em uma teoria que não trata sentenças
“se ... então” como implicação material, o que daria conta de explicar que a força de
quantificação não está no indefinido.
Essa teoria permitir atribuir às sentenças-seuma função semântica uniforme onde
quer que elas ocorram, que é a função de restrição de um operador. Esse operador pode ser
manifestado lexicalmente na forma de um advérbio ou de um modal, como foi visto nos
exemplos acima; ou ainda ele pode ser um operador não realizado, no caso das sentenças
condicionais “nuas”
6
, que expressam uma necessidade/ possibilidade condicional.
Um operador de necessidade não realizado, por exemplo, expressa uma relação
modal de necessidade humana e depende do contexto de fala para fornecer uma base modal e
um parâmetro de ordenação, assim como o realizado. Ele impõe seus próprios limites
idiossincráticos aos tipos de bases modais e à ordenação que aceita: aparentemente, ambos, a
base modal e o parâmetro de ordenação, devem ser “realísticos”. Devido a esses limites
idiossincráticos, o operador modal invisível não pode ser sempre substituído por um
manifesto sem uma mudança de significado.
Dessa forma, a autora assume que (i) sentenças “se...então” não são exemplos de
implicação material e expressam parte de uma necessidade condicional e a “sentença-então” é
lida sob o escopo de um operador de necessidade; (ii) operadores são não-seletivos atraem
índices selecionais dos indefinidos sob seu escopo, prendendo-os.
Em (56), o indefinido é preso por um operador de necessidade, que é parte da análise
da sentença condicional; e, pelo fato de um operador de necessidade ter força universal, o
indefinido preso por ele terá força quantificacional universal.
A implicação material surge como um caso especial de necessidade condicional.Há
diferentes parâmetros que o contexto pode dar e isso significa que as condições de verdade
6
No original bare conditionals.
32
preditas para (56’’) não podem ser reduzidas a (56’); porém, (56) sempre implica (56’). Por
exemplo, (56), em um determinado contexto, pode ser usado para falar sobre a disposição
masculina para um comportamento agressivo. A fonte dessa leitura é uma base modal
circunstancial.
As predições para (56) que levam em conta outros mundos possíveis coincidem com
as previsões de que “sentenças donkey”, assim como outras condicionais, podem afirmar
sobre outros mundos possíveis que não sejam aquele atual.
É o que acontece em (57), o que, segundo Stalnaker (1968, apud Heim, 1982),
justifica a argumentação contra a teoria da implicação material de sentenças “se...então”, e
pode ainda servir como argumento em favor da análise dos operadores invisíveis de
condicionais, que combina melhor com uma semântica uniforme para sentenças-se” e
fornecem uma explicação natural para a aparente universalidade dos indefinidos nesses tipos
de sentenças.
57)
If a communist
Superpower enters
the
Vietnam conflict,
(Heim,1982)
Se um
comunista Superpoderoso
entra o Vietnam
conflito
Se
um
comunista Superpoderoso
entra no conflito do
Vietnam
the
United States will
attack
it with
nuclear weapons.
Os Estados Unidos
irão (modal, futuro)
atacar ele
com
nuclear Bombas
Os Estados Unidos
atacarão ele com
bombas
nuclear’
Outros exemplos em que os indefinidos podem ser lidos com força quantificacional
são aqueles em que há um operador modal realizado abertamente, como são os casos das
sentenças (58) e (59), em que estão os indefinidos a cat ‘um gato’ e a man ‘um homem’.
33
58) If a cat has been exposed to 2,4-D, it must be taken to the vet
Se um gato tem sido exposto a 2,4-D, ele deve ser levado a o veterinário
immediately. (Heim, 1982)
imediatamente
‘Se um gato foi exposto a 2,4-D, ele deve ser levado ao veterinário imediatamente’.
59) If a man is in Athens he can not be in Rhodes. (Heim, 1982)
Se um homem está em Atenas ele modal pode não estar em Rhodes.
‘Se um homem está em Atenas ele não pode estar em Rhodes’
Segundo Heim (1982), em cada uma dessas Formas Lógicas, os modais são
operadores com um termo restritivo, a sentença-se”, e um escopo nuclear, a sentença-
então”. A regra que determina, de acordo com Heim (1982), as condições de satisfação para
uma sentença que consiste do operador modal dever, seguido de um termo restritivo e de um
escopo nuclear, é a seguinte: a interpretação de sentenças condicionais e modais é intensional,
ou seja, sua semântica deve incorporar mundos possíveis, sobre os quais os operadores
modais fazem quantificação.
Por exemplo, a sentença (58) é verdadeira somente nos casos em que, para cada
mundo w, e para cada indivíduo x que é gato em w e foi exposto a 2,4-D em w, x é
imediatamente levado ao veterinário. Pode-se entender (58) como envolvendo alguma
modalidade deôntica, pois (58) afirma algo sobre certos mundos ideais, isto é, mundos em que
há um cuidado especial para com os gatos.
Heim (1982) refina a regra para a leitura dos modais com base na proposta de
Kratzer (1981), de modo que a semântica da modalidade envolve três parâmetros:
(i) uma relação modal: a relação modal que um quantificador expressa é sua força
quantificacional de necessidade e possibilidade;
(ii) uma base modal define uma relação de acessibilidade a um grupo de mundos possíveis,
dada pelo contexto ou pela “se-sentença”;
(iii) parâmetros de ordenação: são dados pelo contexto; a ordenação dos mundos acessíveis
em relação a um mundo tomado como parâmetro ideal.
34
60) Felix must be taken to the vet. (Heim, 1982)
Felix deve ser levado a o veterinário
‘Felix deve ser levado ao veterinário’
De acordo com a autora, em (60), must ‘deve’ expressa uma relação modal de
necessidade: ela estende-se somente sobre mundos acessíveis e, mesmo entre mundos
acessíveis, ela se estende somente sobre aqueles que são mais próximos do ideal.
Para Heim (1982), na interpretação de (60) a relação modal de necessidade se
combina a certas escolhas dadas pelo contexto para a base modal e para a ordenação. Uma
ordenação pode ser aquela que elimina mundos em termos de sua proximidade com um ideal
de cuidados próprios para um gato. A base modal pode ser aquela que exclui da acessibilidade
àqueles mundos em que Felix já está morto.
No exemplo (59), conforme a autora, can ‘poder’ expressa uma relação modal de
“possibilidade humana”, definida por Kratzer (1981) como modalidade da necessidade
humana. Segundo os parâmetros dados, (59) é verdadeira se não for o caso de que qualquer
homem, em qualquer mundo, que é geograficamente como o nosso, não esteja em Atenas e
em Rodes ao mesmo tempo. Nesse caso, há um operador de negação dentro do qual está a
quantificação existencial sobre homem e sobre mundos.
1.1.4. Chierchia (2003)
O propósito dessa seção é apresentar o tratamento dos indefinidos ‘um’ e ‘algum’
sob o ponto de vista da teoria dos conjuntos. Desse modo, será apresentada a análise
semântica discutida por Chierchia (2003), para os determinantes. Segundo o autor, o objetivo
do programa de análise semântica considerado visa à reconstrução da forma lógica das línguas
naturais a partir do desenvolvimento de uma semântica denotacional.
Segundo Chierchia (2003), determinantes ou determinadores são expressões que
sintaticamente precedem o nome ‘homem’ nas sentenças (61) e (62).
61) Um homem fuma.
62) Todo homem fuma.
35
Determinantes são, por exemplo, o artigo indefinido e os elementos que exprimem a
quantidade a ser considerada em relação a uma classe ou espécie. Os determinantes, de acordo
com Chierchia (2003) (e também com os autores como Cunha & Cintra, 1985; ou Moura
Neves, 2000, por exemplo) qualificam, “determinam” o nome ou grupo nominal, tais como:
um, uma, uns, umas, o, os, a, as, nenhum, algum, alguns, etc.
Segundo Chierchia (2003), um determinante é uma palavra ou sintagma que pode
ocorrer à esquerda de um nome ou de um grupo nominal em contextos como “ _ N V”, como
a sentença (63), ou V
t
_ N, como (64).
63) Todo homem fuma.
64) João encontrou algum homem.
Para a semântica que Chierchia (2003) assume, semântica denotacional, na qual as
sentenças declarativas associam-se a condições de verdade, que, por sua vez, dependem da
referência das expressões que as compõem e do modo como essas expressões combinam-se.
Para essa semântica, um nome como João’ denota o indivíduo joão, menino denota o
conjunto de meninos, o verbo ‘fumar’ denota o conjunto dos que fumam (ou eventos de
fumar) e uma sentença como ‘João fuma’ será verdadeira em uma situação s se e somente se o
individuo denotado por João pertencer ao conjunto de indivíduos que fumam em um instante
t. Determinantes denotam relações entre conjuntos e prestam uma contribuição muito
importante para o significado da sentença.
De acordo com o autor, conjuntos ou classes, dentro da teoria dos conjuntos, são
coleções quaisquer de objetos pertencentes a um determinado domínio e são representados
entre chaves. Domínio, por sua vez, é o universo de discurso. Um conjunto pode ser
especificado por meio de uma lista exaustiva dos seus membros, como (65), ou por uma
condição que seus membros precisam satisfazer para pertencer a ele, como (66).
65) {Mercúrio, Vênus, Terra, Marte, Júpiter, Saturno, Urano, Netuno}.
66) {x: x é um planeta do sistema solar}
36
66’) {o conjunto dos x tal que x é um planeta do atual sistema solar} = conjunto dos planetas
do sistema atual solar.
Para Chierchia (2003), um conjunto pode ser finito, como exemplificado em (65) por
uma lista, ou infinito como exemplificado em (67), para o qual não se pode estabelecer uma
lista. Conjunto vazio não possui nenhum elemento e é representado pelo símbolo . Conjunto
unitário, por sua vez, possui apenas um elemento, como em (68).
67) {x: x é um número par}= conjunto dos números pares
68)
a) Sol
b){x : x é uma estrela do sistema solar} = {sol}
Segundo Chiechia (2003), para indicar que o número 2, por exemplo, pertence ao
conjunto dos números pares utiliza-se o símbolo e para indicar que o número 5, por
exemplo, não pertence a esse conjunto usa-se o símbolo . Desse modo tem-se (69 a) e (69
b).
69)
a) 2 {x : x é um número par} = dois pertence ao conjunto de números pares
b) 5 {x: x é um número par} = cinco não pertence ao conjunto dos números pares.
Chierchia (2003) aponta outra noção importante da teoria dos conjuntos: a de par
ordenado. Um par ordenado é uma seqüência de dois indivíduos tomados em uma certa ordem
e é representado entre parênteses angulares (< >). Uma relação pode ser concebida como um
conjunto de pares ordenados. O verbo ‘amar’ pode ser concebido como uma relação e de um
ponto de vista conjuntístico, seria expresso por um conjunto de pares ordenados apresentado
em (70). Se fosse possível saber os nomes para todos os seres vivos e saber exatamente quem
cada um deles ama, o conjunto poderia ser caracterizado por uma lista, como (71).
37
70) {<x,y>: x ama y}.
71) {< Maria, João > , < Pedro, Paula >, < Mariana, Cláudio>, ...}.
Conforme o autor, pode-se exprimir que dois objetos x e y estão em uma relação R
qualquer por < x, y > R. Pode-se também representar a relação expressa pelo verbo amar
escrevendo AMAR, e, como abreviação < m, j > AMAR, escreve-se, então, AMAR (m, j ).
Chierchia (2003) aponta também a noção de subconjunto como outra noção
importante. Diz-se que A é um subconjunto de B, A B, se todos os membros de A forem
também membros de B, como representado em (72).
72)
A é um subconjunto de B e é também um subconjunto de si mesmo, já que todos os
elementos de A são elementos de A. Um subconjunto próprio de A é um subconjunto de A
diferente do próprio A (na representação A é um subconjunto próprio de B).
Chierchia (2003) aponta, ainda, outras relações entre conjuntos: a intersecção, a
união e o complemento. A intersecção de A com B é o conjunto de elementos que estão tanto
em A, quanto em B (A B). No exemplo (73) há a intersecção (símbolo ) entre o conjunto
dos humanos de sexo masculino com o conjunto de pessoas não casadas. Se A e B não tem
nenhum membro em comum a intersecção será um conjunto vazio.
73) Homens solteiros.
Homens
Pessoas não casadas
Solteiros
B A
38
A união (símbolo ) de A com B (A B), de acordo com o autor, denota o
conjunto que contém todos os elementos que estão em A e ainda todos os elementos que estão
em B. O conjunto de seres humanos, por exemplo, é a união do conjunto dos homens com o
conjunto das mulheres.
O complemento de A (A
-
), explica Chierchia (2003), é o conjunto de objetos do
domínio que não estão em A. Por exemplo, se considerar o conjunto dos números inteiros, o
conjunto dos números pares será complemento do conjunto dos ímpares e vice-versa.
Conforme Chierchia (2003), é possível contar os elementos do conjunto | A | = n,
com a representação se diz algo sobre o número de elementos, ou seja, sobre a cardinalidade
do conjunto A. Um exemplo é (74), em que se marca a cardinalidade do conjunto.
74) | {x : x é um planeta do sistema solar} | = oito.
Tendo esses conceitos em mente, Chierchia (2003) estabelece uma Gramática, G1,
para derivar o significado de algumas sentenças do PB. De acordo com o autor, G
1
organiza-
se como segue em (75).
75) G
1
Sintaxe:
A. Léxico
- Membros da categoria N
c
(nomes comuns): homem, peixe,...
7
- Membros da categoria V
i
(verbos intransitivos): fumar, sair, correr,...
- Membros da categoria V
t
(verbos transitivos): amar, comer,...
- Membros da categoria Det. (Determinante): todo, um, algum,...
B. Regras:
As sentenças bem formadas são cadeias de elementos com as seguintes formas:
- NV
i
- uma NV
t
N
- Det. N
c
V
i
é (desde que Det e N
c
concordem em gênero e número)
7
Chiechia, a fim de simplificar, adota que o contraste singular/plural é meramente morfossintático, porém essa
dissertação não pretende discutir tal decisão e tal assunto.
39
Semântica:
Para uma circunstância de emissão t,
- os membros da categoria N denotam indivíduos: ‘João’ denota o indivíduo João e t, etc;
- os membros da categoria N
c
denotam classes de indivíduos: ‘homem’ denota na
circunstância t o conjunto {x: x é um homem em t}, ‘peixe’ denota na circunstancia t o
conjunto {x: x é um peixe em t}, etc;
- os membros da categoria V
i
denotam classes de indivíduos: ‘dormir’ denota em t o conjunto
{x: x dorme em t}, etc;
- os membros da categoria V
t
denotam relações entre indivíduos: ‘amar’ denota em t a relação
{<x,y>: x ama y em t}, ‘comer’ denota em t a relação {<x,y>: x come y em t}, etc;
- os membros da categoria Det. denotam uma relação entre conjuntos: ‘todo’ denota a relação
“ser subconjunto de”, ‘um’ denota a relação “ter uma interseção não vazia”, etc;
- uma sentença com a forma NV
i
é verdadeira em t sse u A, onde u é o individuo denotado
por N em t e A é a classe denotada por V
i
em t;
-uma sentença com a forma NV
t
N é verdadeira em t sse R(u,u’), onde u é o individuo
denotado pelo primeiro N em t, u’ é o indivíduo denotado pelo segundo N em t e R é a relação
denotada por V
i
em t;
-uma sentença com a forma Det N
c
V
i
é verdadeira em t sse os conjuntos denotados por N
c
e
V
i
estiverem efetivamente relacionados entre si pela relação R associada a Det.
Segundo Chierchia (2003), no exemplo (62), repetido abaixo em (76), homem
denota a classe dos homens e fuma a classe das pessoas que fumam, o resultado da
combinação de homem e fuma com ‘todo’, do modo como foi proposta G
1
, é uma sentença
bem formada. Desse modo, a contribuição de ‘todo’ é relacionar a classe dos homens com a
dos fumantes. ‘Todo’ exprime a relação de “ser subconjunto de” (), e a sentença será
verdadeira em t quando o conjunto dos homens for um subconjunto das pessoas que fumam.
76) Det N
c
V
i
Expressões: Todo homem fuma
Denotações: “ser subconjunto de” {x: x é um homem em t} {x:x fuma em t}
40
Para o autor, numa sentença como (77), o determinante ‘um’ estabelece uma
relação. Para que a sentença seja verdadeira deve haver pelo menos um membro do conjunto
dos homens (H) que também seja um membro do conjunto dos fumantes (F). Para que isso
ocorra basta observar se há interseção entre o conjunto dos homens e o conjunto dos fumantes
(HF) e se essa intersecção contém pelo menos um elemento, ou seja, a intersecção não pode
ser vazia (em notação de conjuntos: (HF) ).
77) Det N
c
V
i
Expressões: Um homem fuma
Denotações: há uma interseção não vazia de {x: x é um homem em t} {x:x fuma em t}
Para uma sentença como (78), ‘nenhum’, conforme Chierchia (2003), também
expressa uma relação e a sentença é verdadeira em uma situação t em que não há elementos
na intersecção do conjunto dos homens com o conjunto dos que fumam, ou seja, (HF) é
vazia, não contém ninguém.
78) Det N
c
V
i
Expressões: Nenhum homem fuma
Denotações: há uma interseção vazia de {x: x é um homem em t} {x:x fuma em t}
Segundo Chierchia (2003), a relação associada a ‘nenhum’ pode ser pensada de
outro modo, levando em consideração o complemento do conjunto dos fumantes (F-), os não
fumantes. Afirmar que nenhum homem fuma também é afirmar que o conjunto dos homens é
um subconjunto dos não fumantes, ou seja, H F-. A relação “ser subconjunto do
complemento” exprime a mesma idéia que (78).
Com base na descrição da contribuição semântica dos determinantes, Chierchia
(2003) estabelece uma generalização reproduzida em (79). De acordo com o autor, saber o
significado de um determinante é saber qual tipo de relação entre conjuntos que ele denota.
41
79) Generalização para determinantes:
Det. N V
R A B
Onde R é uma relação entre conjuntos e A e B são os conjuntos denotados por N e V que
estão sob a relação R.
Chierchia (2003) não apresenta uma análise para ‘algum’, mas nos termos que ele
tem apresentado a denotação dos indefinidos, é possível derivar a contribuição semântica
desse determinante do mesmo modo que se apresentou para ‘um’. Então ‘algum homem
fuma’ pode ser como apresentado em (80), e será verdadeira em uma situação t em que a
intersecção entre o conjunto dos homens e o conjunto dos indivíduos que fumam não for vazia
e houver pelo menos um elemento da classe dos homens que também pertença à classe dos
indivíduos que fumam.
80) Det N
c
V
i
Expressões: Algum homem fuma
Denotações: há uma interseção não-vazia de {x: x é um homem em t} {x:x fuma em t}
De acordo com Chierchia (2003), seguindo Barwise & Cooper (1981), os
determinantes de todas as línguas possuem a propriedade da conservatividade. A
conservatividade é uma propriedade matemática abstrata e concerne às relações entre
conjuntos e não às relações entre indivíduos. Ela é definida, nos termos do autor, como
apresentado em (81).
81) Se A está na relação com B, então A também está na relação R com A B e vice-versa.
A relação “ser subconjunto de” é, conforme o autor, uma relação conservativa, pois
em uma representação como (82), A é subconjunto de A B e todos os membros de A estão
em B, o que significa que A é um subconjunto de B e um subconjunto de si mesmo. Para essa
relação vale a equivalência em (83).
42
82)
83) A B é verdadeira se e somente se A A B
Como propõe o autor, uma forma de testar a conservatividade de um determinante é
observar se uma expressão da forma Det N V diz intuitivamente o mesmo que Det N é um
N que V. Em uma situação em que todo homem é um homem que fuma será verdade que
todo homem fuma. Em uma situação em que um homem fuma será verdade que todo homem
é um homem que fuma. Desse modo, conforme Chierchia (2003), ‘todo homem fuma’ e ‘todo
homem é um homem que fuma’ parecem ter o mesmo conteúdo e não uma situação em que
uma seja verdadeira e a outra falsa.
Fazendo este teste com outros determinantes como ‘um’ e ‘algum’, ambos possuem
essa mesma propriedade. Por exemplo, em uma situação em que ‘um homem fuma’ é
verdade, também ‘um homem é um homem que fuma’ será verdade. Em uma situação em que
‘algum homem fuma’ é verdade, ‘algum homem é um homem que fuma’ também será
verdade.
1.1.5. Gollo (2004)
Este trabalho estuda a distinção entre os indefinidos ‘um’ e ‘algum’ no PB. Tal
distinção foi investigada inicialmente por Gollo (2004). O objetivo desta seção é estudar a
proposta de Gollo (2004) para a distinção entre os indefinidos ‘um’ e ‘algum’ no PB e
observar a contribuição da proposta.
Segundo Gollo (2004), as sentenças (84) e (85) são diferentes inicialmente porque
um sintagma contendo ‘um’ pode ter diferentes leituras: pode ter uma leitura genérica
(quando é uma variável presa por um quantificador genérico (cf. Müller, 1999)) e, nessa
situação, refere-se à instanciação da classe de operários; pode ter uma leitura existencial
B A
43
quando, puder ser lido referindo-se não à espécie, mas a um indivíduo que esteja trabalhando
no momento da enunciação. Essa leitura é para ela uma leitura em que não se faz
generalização sobre a classe de operário. Por sua vez, de acordo com Gollo (2004), uma
sentença que tenha um sintagma com ‘algum’ não pode ser lida como genérica. Com esse
indefinido não se fazem generalizações, pois não é possível tomar a classe de operários.
84) Um operário trabalha. (Gollo, 2004).
85) Algum operário trabalha. (Gollo, 2004).
De acordo com Gollo (2004), no caso de (85) não é possível nem mesmo uma leitura
numérica de exatamente um, como ocorre em (84). Segundo ela, ‘algum’ expressa maior grau
de vagueza ao delimitar a extensão de um conjunto e as propriedades denotadas pelo nome.
Nos seus termos, ao interpretar ‘algum operário’ fica implícito tratar-se de um individuo que é
operário, ou seja, existe um elemento que possui a propriedade de ser operário, existe um
“ente” que é denotado por ‘algum’. Trata-se de pelo menos um elemento dentro de um
conjunto de elementos que partilham da mesma propriedade. Portanto, para que alguém possa
ser um operário, para que possa pertencer ao conjunto dos operários, é necessário que exista
um conjunto formado com as propriedades atribuídas aos operários.
Com base nessa “condição”, Gollo (2004) afirma que ‘algum’ opera sobre uma
pressuposição de existência de um conjunto. ‘Algum’ refere-se a um conjunto que já existe,
que já faz parte do fundo conversacional em que se insere, um conjunto conhecido pelos
participantes da conversação. ‘Um’, por sua, vez introduz a existência de um conjunto a partir
de um enunciado.
Segundo Gollo (2004), os dois determinantes são quantificadores existenciais, mas
se aplicam sobre elementos que têm propriedades distintas.
Para mostrar que ‘algum’ opera sobre um conjunto cuja existência já vem
pressuposta, Gollo (2004) faz o teste da família pressuposicional (P-família) (Chierchia,
2003). A sentença (86) introduz a existência de fantasmas (como um fato inédito) e (87)
pressupõe que fantasmas existem, pois a existência se mantém em (87’), (87’’) e (87’’’).
86) um fantasma nessa sala. (Gollo, 2004)
44
87) algum fantasma nessa sala. (Gollo, 2004)
87’) ? Não há algum fantasma nessa sala? (aceitabilidade reduzida) (Gollo, 2004)
87’’) Há algum fantasma nesta casa? (Gollo, 2004)
87’’’) Se houver algum fantasma nesta casa, então estou louca? (Gollo, 2004)
A pressuposição de que fantasmas existem se mantêm em (87’) é porque pode ser o
caso de não haver fantasmas na sala, mas há em outros lugares; em (87’’) questiona-se se um
elemento do conjunto (existente) dos fantasmas está naquela sala, em (87’’’) a condição para
a loucura é haver um elemento do conjunto (existente) dos fantasmas na sala.
Todavia em sentenças como (88’), (88’’) e (88’’’) a pressuposição de existência é
cancelada.
88’) ?Não há um fantasma nessa sala? (aceitabilidade reduzida) (Gollo, 2004).
88’’) Há um fantasma nesta casa? (Gollo, 2004).
88’’’) Se houver um fantasma nesta casa, então estou louca? (Gollo, 2004).
De acordo com Gollo (2004), estes testes mostram, que ‘algum’ possui uma
pressuposição de existência de um conjunto, que ‘um’ não possui. A atribui a distinção entre
‘um’ e ‘algum’ à distinção entre afirmar e pressupor. Segundo Gollo (2004), enquanto ‘um’
faz uma afirmação de existência, ‘algum’ opera sobre uma pressuposição de existência.
Em síntese o que Gollo (2004) faz é mostrar que ‘algum’ pressupõe a existência de
um conjunto e que ‘um’ não possui é um quantificador existencial que não possui qualquer
tipo de pressuposição (esta discussão será retomada na seção 3.5). A autora
45
1.2. A denotação dos indefinidos em termos de funções
Uma semântica de condições de verdade está preocupada em entender o significado
de uma sentença levando em conta as condições em que tal sentença poderia ser verdadeira.
Esta parte do capítulo pretende expor como uma semântica de tipos deriva o significado de
uma sentença e como ela explica a contribuição semântica dos determinantes tais como e
‘algum’ ou ‘nenhum’, por exemplo.
Um primeiro ponto a ser levado em conta é que o significado de uma sentença
deriva-se do significado de suas partes, desse modo, o seu significado depende do significado
dos sintagmas que a compõem e esses, por sua vez, dependem dos significados dos itens
lexicais que os compõem (Princípio da Composicionalidade). Além disso, é necessário se
levar em conta que existem regras sintáticas que organizam esses itens lexicais e os sintagmas
nas sentenças.
Essa teoria semântica diz que a extensão, a denotação, do nome ‘João’ é o indivíduo
joão; a extensão de um verbo como ‘correu’ é uma função que toma indivíduos e leva a
valores de verdade e a extensão de uma sentença como ‘João correu’ é 1 (verdadeiro) em uma
situação em que João tenha corrido e 0 (falso) em uma situação em que João não tenha
corrido.
‘João’ pertence ao domínio dos indivíduos, por isso o nome próprio pertence ao D
e
;
João correu’ pertence ao conjunto dos valores de verdade t (D
t
); um verbo como ‘correu’ é
uma função do tipo <e, t>, o que significa que essa função toma indivíduos e leva a valores de
verdade; um verbo transitivo como ‘amar’ é uma função do tipo <e,<e,t>>, pois primeiro
toma um indivíduo, o objeto, e depois toma um segundo indivíduo, o sujeito e leva a valores
de verdade. Nomes comuns, como ‘criança’, também são funções do tipo <e,t>. Tem-se,
então, para (89):
89) João correu.
(i) [[João]]= indivíduo joão
(i) [[correu]] = [λx: x D
e
x correu]
(iii) [[ João correu]] = 1 sse joão correu.
46
De certo modo, essa semântica relaciona a composição sintática das sentenças e
composição semântica, uma vez que o significado vai derivando-se conforme a combinação
dos itens lexicais e dos sintagmas.
Qual é a extensão de uma sentença com um indefinido? Qual é o tipo semântico
desses itens? Heim & Kratzer (1998) tratam sintagmas contendo ‘algum’, ‘nenhum’ e ‘todo’,
por exemplo, como sintagmas quantificados. Sintaticamente esses sintagmas podem ser
tratados como DP (Sintagmas de Determinante).
90) S
DP VP
D NP V
Alguma N correu
Nenhuma criança
Toda
91) S
DP VP
D V
Alguém correu
Ninguém
No caso de ‘alguém’ e ‘ninguém’, por exemplo, trata-se, segundo as autoras de
quantificadores generalizados. Ambos são do tipo semântico <<e,t>, t>, são funções que
tomam a extensão de VP (sintagma verbal ‘correu’) como argumento, uma vez que VP é de
tipo <e,t>, e devolvem como resultado um valor de verdade. Desse modo, para efeito de
47
ilustração, as extensões de ‘ninguém’ e ‘alguém’ estão em (92) e (93), respectivamente. Em
(94) e (95) estão as derivações das condições de verdade das sentenças das quais fazem parte.
92) [[ninguém]] = λf.
<e,t>
. ¬ x D
e
: f (x)=1 (Ferreira, 2004)
93) [[alguém]] = λf.
<e,t>
. x D
e
: f (x)=1 (Ferreira, 2004)
94) Ninguém correu.
[[ninguém correu]]= [[
DP
ninguém]] ([[
VP
correu]])
=[λ f.
<e,t>
. ¬ x D
e
: f (x)=1] ([[VP]])
= 1 sse ¬ x D
e
: [[VP]] (x)=1
= 1 sse ¬ x D
e
: x correu
95) Alguém correu.
[[alguém correu]]= [[
DP
alguém]] ([[
VP
correu]])
=[λ f.
<e,t>
. x D
e
: f (x)=1] ([[VP]])
= 1 sse x D
e
: [[VP]] (x)=1
= 1 sse x D
e
: x correu
Segundo Ferreira (2004), as condições de verdade de (94) e (95) refletem a intuição
dos falantes de que se uma das sentenças for verdadeira a outra será falsa.
Além disso, há os determinantes quantificacionais ‘algum’, ‘nenhum’, ‘todo’, que
acompanham um nome comum, tal como ilustrado nas sentenças (97), (98), (99) e na
representação arbórea em (90) acima. Os nomes comuns, como ‘criança’ denotam funções
tipo <e,t>, DPs quantificadores denotam funções do tipo <<e,t>,t>, e o tipo semântico de
determinantes como ‘algum’ é <<e,t>, <<e,t>,t>>. As extensões de cada um estão
representadas em (100), (101) e (102).
97) Nenhuma criança está correndo.
98) Alguma criança está correndo.
99) Toda criança está correndo.
48
100) [[nenhum]] = λf.
<e,t>
. λg.
<e,t>
¬ x D
e
: f (x)=1 & g(x)=1 (Ferreira, 2004)
101) [[algum]] = λf.
<e,t>
. λg.
<e,t>
x D
e
: f (x)=1 & g(x)=1 (Ferreira, 2004)
102) [[toda]] = λf.
<e,t>
. λg.
<e,t>
x D
e
: f (x)=1 g(x)=1 (Ferreira, 2004)
Para a sentença (97) a extensão de ‘nenhum’, toma a extensão de NP (do nome
comum ‘criança’) e a extensão do VP (‘está correndo’) e diz que a sentença é verdadeira se e
somente se, não existir nenhum indivíduo x, tal que x é levado ao valor de verdade 1 tanto
pela extensão de NP, quanto pela extensão de VP. ‘Alguma’ faz o mesmo em (98), ou seja,
ele toma a extensão de NP e a extensão do VP e diz que a sentença é verdadeira se e somente
se, existir pelo menos um indivíduo x, tal que x é levado ao valor de verdade 1 tanto pela
extensão de NP, quanto pela extensão de VP. Para ‘toda’, em (99), o determinante toma a
extensão do NP e do VP e diz que a sentença é verdadeira se e somente se, todo indivíduo x,
levado ao valor de verdade 1 pela extensão do VP também é levado ao valor de verdade 1
pela extensão do NP. A título de ilustração, fazendo a aplicação funcional tem-se para a
sentença (98) a derivação das condições de verdade apresentada em (98’).
98’)
[[alguma]] = λf.
<e,t>
. λg.
<e,t>
x D
e
: f (x)=1 & g(x)=1
[[criança]] = λx. x D
e
. x é uma criança
[[
VP
está correndo]] = λx
<e,t>
. x está correndo
[[alguma criança]]= [[
D
alguma]] ([[
NP
criança}])
= [λf.
<e,t>
. λg.
<e,t>
x D
e
: f (x)=1 & g(x)=1] ([[NP]])
= λg.
<e,t>
x D
e
: [[NP]] =1 & g(x)=1
= λg.
<e,t>
x D
e
: x é uma criança & g(x)=1
[[alguma criança está correndo]]= [[
DP
alguma criança]] ([[
VP
está correndo]])
= [λg.
<e,t>
x D
e
: x é uma criança & g(x)=1] ([[VP]])
= 1 sse x D
e
: x é uma criança & [[VP]](x)=1
= 1 sse x D
e
: x é uma criança & x está correndo
Nos termos apresentados, é possível perceber que essa semântica calcula, por meio
da aplicação funcional, as condições de verdade de sentenças que tenham o item ‘algum’, por
49
exemplo. Além disso, foi possível olhar para a extensão (denotação) de ‘algum’ como uma
função que toma dois conjuntos e retorna um valor de verdade, isto é, como um quantificador.
1.3. Resumo: existe distinção entre ‘um’ e ‘algum’?
Até este momento foram apresentados o artigo indefinido ‘um’ e o indefinido
‘algum’ sob diferentes pontos de vista. E a essa altura o leitor deve estar se perguntando
porque se alongar tanto nas descrições desses textos. E a resposta será a de que o objetivo era
olhar para as propostas e identificar o que há nelas que possa ajudar a encontrar uma
caracterização mais precisa das propriedades semânticas dos itens ‘um’ e ‘algum’ e apontar o
que esses textos ainda não falaram sobre o assunto. É possível dizer que, de certa forma, cada
texto apresentado discute um pouco dessas características.
Em relação ao ‘um’, todos os autores admitem que, em termos de função sintática,
ele é um determinante, (com exceção da proposta de Heim (1982), na qual essa noção não
está muito clara). ‘Um’ é um item lexical que determina um nome (ou grupo nominal) e
concorda com ele em número e gênero. Quanto às suas características semânticas o consenso
é o fato de o uso de um sintagma contendo ‘um’ não se referir a um indivíduo particular.
Cunha & Cintra (1985) apresentam o artigo indefinido em contraposição ao artigo
definido, colocando os pronomes em uma parte distinta da gramática. Segundo esses autores,
a função de um indefinido é indicar que o nome que ele acompanha não foi mencionado
anteriormente e fazer menção a uma classe como um todo. Por referir-se a uma classe ou
espécie, e não a um individuo particular, pode exprimir a totalidade dessa classe.
Moura Neves (2000), por sua vez, agrupa ambos na categoria dos indefinidos. E
talvez esse seja um dos pontos mais interessantes de sua gramática, pois ao tratar dos usos do
‘um’ e do ‘algum’, é possível encontrar algumas semelhanças entre ambos. Segundo a autora,
‘um’ é um elemento não-fórico (não instrui na busca de um referente) e não-descritivo. O
artigo indefinido é usado quando não se quer apontar aquilo a que se faz referência, quando se
quer falar de uma classe ou espécie (o que permite a construção de generalizações com o uso
de ‘um’). Ele opera sobre um conjunto de objetos delimitados em razão de suas propriedades,
e, nesses termos, seria um quantificador, pois diz a porção do conjunto que deve ser
considerada (‘um’ pode ser usado para indefinir identidade ou quantidade). Moura Neves
50
(2000) expõe ainda que o indefinido ‘um’ pode ser usado quando um falante tem em mente
um referente específico (posteriormente voltar-se-á a esse assunto e esta será uma das
características apontadas que distinguem ‘um’ de ‘algum’).
Voltando agora para uma análise que relaciona linguagem e lógica, tem-se a análise
clássica de Russell (1905), em que ‘um’ é um quantificador existencial.
Na proposta de Heim (1982), ‘um’ não é um quantificador existencial. Ele, na
verdade, é uma variável cuja função é introduzir um referente no discurso.
Segundo Chierchia (2003), na Teoria dos Conjuntos ‘um’ é um determinante, cuja
denotação é uma relação abstrata entre dois conjuntos (todos os determinantes estabelecem
relações entre conjuntos). A relação estabelecida por ‘um’ é de intersecção entre dois
conjuntos (por exemplo, a intersecção entre ‘homem’ e ‘fumar’) e essa intersecção não pode
ser vazia.
Gollo (2004) assume que ‘um’ é um quantificador de existência. Nesses termos, é
possível dizer que a autora adota a proposta de Russell (1905), de que ‘um’ possui força
quantificacional própria de existência.
Quanto ao ‘algum’, de acordo com Cunha & Cintra (1985), é um pronome
indefinido que, quando combinado a um nome tem a função de determinar o nome.
Segundo Moura Neves (2000), assim como ‘um’, ‘algum’ é um elemento não-fórico
e não-descritivo. O que ele faz é uma operação sobre um conjunto dizendo qual parte desse
conjunto deve ser considerada. A autora não fala nada a respeito do fato de se ‘algum’ pode
ou não ter um uso “referencial” (e será demonstrado na seção 3.2 que não pode).
Para o texto de Russell, ‘algum’, assim como o ‘um’, também é um quantificador
existencial e não refere a nada. De acordo com o autor a denotação de uma expressão
contendo ‘algum’ é semelhante à denotação de uma expressão contendo ‘um’. Heim (1982)
não trata da denotação de pronomes indefinidos.
Na análise apresentada por Chierchia (2003) ‘algum’, da mesma forma que ‘um’, é
um elemento que estabelece relação entre conjuntos, dizendo que essa relação é uma
intersecção e essa interseção não é vazia.
Segundo Gollo (2004), o pronome indefinido ‘algum’ é um determinante, que possui
força quantificacional própria de existência. Este indefinido, conforme a autora, pressupõe a
existência de um conjunto sobre o qual opera.
51
Também foi apresentada a denotação dos indefinidos como funções. Na seção 1.2,
os indefinidos são tratados como quantificadores generalizados. Algum’ denota uma função
que toma indivíduos e conjuntos denotados por predicados e leva a valores de verdade
Como dito, todos esses textos carregam um pouco da verdade sobre as propriedades
semânticas do ‘um’ e do ‘algum’. Porém já é possível apontar alguns fatos que devem ser
observados com maior atenção.
Inicialmente, no que diz respeito à gramática de Cunha & Cintra (1985), pode ser
citada a desvantagem de se separar em duas categorias gramaticais (fato comum entre as
gramáticas tradicionais) dois itens lexicais com propriedades semânticas e sintáticas
semelhantes. A apresentação do ‘um’ é feita unicamente em relação ao contraste existente
entre este item e o artigo definido ‘o’. Porém, não se pode cometer o engano de condenar essa
atitude, pois o propósito dos autores é fazer prescrições sobre o uso “adequado” dessas
palavras.
Por sua vez, o agrupamento dos indefinidos em uma classe dos “indefinidos”, como
faz Moura Neves (2000), apesar de bastante importante, pois capta parte do conhecimento
intuitivo que se tem do ‘um’ e do ‘algum’, ainda precisa ser refinado, pois, como será
demonstrado posteriormente no capítulo 3, os indefinidos possuem propriedades que os
distinguem (como, por exemplo, o próprio caso do uso “referencial” do ‘um’). Além disso, ao
colocar ‘um’ dentro da categoria dos quantificadores como ‘todo’ e ‘cada’, perde-se parte da
intuição já discutida por Heim (1982) de que ‘um’ não tem o mesmo comportamento que
esses quantificadores.
Quanto à proposta de Russell (1905), uma das críticas levantadas para sua análise
por Strawson (1952) é o problema de sintagmas indefinidos contendo ‘um’ poderem servir de
antecedentes de pronomes anafóricos. Como será apresentado na seção 3.1, Heim (1982)
discute esse problema e propõe, como dito na seção 1.1.3, que indefinidos são variáveis,
porém não se aprofunda na discussão sobre a denotação de sintagmas contendo o pronome
indefinido.
Gollo (2004), ao assumir que indefinidos possuem força quantificacional própria,
defronta-se com os mesmos problemas apontados para a proposta de Russell (ver seções 1.1.2
e 3.1). Por outro lado, ao apontar que ‘algum’ pressupõe a existência de um conjunto, captura,
52
de certa forma, o fato de que esse indefinido está associado à existência de um conjunto de
alternativas possíveis para serem escolhidas, assunto que será retomado na seção 3.5.
Quanto ao fato de sintagmas indefinidos denotarem funções, esse trabalho tratará tal
denotação seguindo a proposta de Kratzer & Shimoyama (2002) que seguem a semântica de
Hamblin (1973). Segundo as autoras, a aplicação funcional de um indefinido a um predicado
cria um conjunto de alternativas que expandem até que um operador as prenda, de modo que,
em uma sentença como Alguma criança está correndo’, o indefinido ‘alguma criança’
combinado a um predicado cria um conjunto de alternativas do tipo: {x está correndo; y está
correndo; z está correndo;...} (este assunto será desenvolvido na seção 3.5).
Por fim, todas as propostas citadas até aqui apontam para explicações que encontram
semelhanças entre sintagmas contendo ‘um’ e ‘algum’. Chierchia (2003), por exemplo, cita o
Universal Semântico da Conservatividade que todas as línguas que possuem determinantes
apresentam. Nessa linha de raciocínio, na busca de procurar propriedades semânticas
universais, semanticistas importantes têm se voltado para o estudo de uma tipologia geral dos
indefinidos e têm se voltado para as características que eles apresentam dentro das línguas e
entre as línguas.
O que os estudos sobre indefinidos têm mostrado é que dentro dessa classe há itens
com propriedades que os distinguem entre si, porém essas mesmas propriedades apresentam-
se em outras línguas.
Como apresentado na seção 1.1.5, para Gollo (2004), enquanto ‘um’ faz uma
afirmação de existência, ‘algum’ opera sobre uma pressuposição de existência. Todavia ainda
há mais a ser dito sobre as propriedades semânticas desses indefinidos, pois tal proposta não
capta completamente essa distinção. Levando em consideração as sentenças (103) e (104) a
seguir:
(103) Um aluno procurou pelas provas.
(104) Algum aluno procurou pelas provas.
Agora considere o cenário em que Maria é professora da Faculdade de Filosofia. Ela
sabe que um conjunto de alunos quer pegar a prova de recuperação. Na manhã anterior a
53
prova, ela entra na sala e encontra tudo absolutamente fora do lugar. Nesse contexto as duas
sentenças são apropriadas.
Mudando um pouco a situação. Maria, ainda é professora. Ela sabe que um grupo de
alunos quer pegar a prova de recuperação. Na manhã anterior a prova ela entra em sua sala e
encontra João mexendo nas provas. Neste contexto (103) continua sendo apropriada, porém
(104) não é feliz.
Esse contraste ilustra que o ‘algum’ marca a falta de conhecimento de Maria em
relação ao indivíduo que procurou pelas provas. O que é possível observar desses exemplos é
que: ‘um’ pode ser usado em contextos em que a identidade do aluno que procurou as provas
é desconhecida, mas também pode ser usado em uma situação em que o falante conhece a
identidade do referente, mas, por alguma razão, não deseja revelá-la. Todavia, ‘algum’ só
pode ser usado em uma situação de ignorância em relação ao referente. O que ‘algum’ nestes
exemplos parece fazer é, dentro de um conjunto de indivíduos, falar sobre um desses
indivíduos sem saber quem é ele.
No caso, há um conjunto de alunos (faz parte do conhecimento de Maria a existência
desse conjunto), mas essa pressuposição de um conjunto não explica completamente porque a
denotação desse indefinido relaciona-se à “ignorância” de Maria. Mesmo porque pode não ter
sido um aluno a ter mexido na sala de Maria, pode ter sido, por exemplo, uma faxineira na
tentativa de limpar a sala, Maria pensa em ‘algum aluno’, pois as evidências (aluno que quer
pegar a prova e sala bagunçada) permitem tirar certas conclusões a respeito do provável
indivíduo que poderia ter mexido na sala.
Neste sentido, a hipótese a ser defendida nesta dissertação, segue em direção ao que
tem sido proposto para o indefinido ‘algún’, do espanhol (Alonso-Ovalle & Menéndez-
Benito, 2003), e diz respeito ao fato de ‘algum’ ser um indefinido epistêmico, que marca falta
de conhecimento do falante.
Seguindo Alonso-Ovalle & Menéndez-Benito (2003) para o espanhol, ‘algum’ no
PB é um indefinido epistêmico, quando combinado com um nome comum e depois com um
predicado cria um conjunto de alternativas do qual se pode escolher qualquer uma, já que não
se conhece o referente. ‘Um’, por sua vez não tem o mesmo efeito e não cria um conjunto de
alternativas quando combinado a um predicado.
54
O objetivo desta dissertação é mostrar como se dá o efeito epistêmico de ‘algum’,
como este indefinido se distingue de ‘um’ e de ‘qualquer’. Para tanto, no próximo capítulo
serão apresentadas algumas análises propostas para indefinidos em outras línguas (alemão,
espanhol e inglês) e para o ‘qualquer’ em PB.
55
Capítulo 2. As propostas para os indefinidos: irgendeinalgum’, algúnalgum’, some
algum’ e ‘qualquer’.
Este capítulo dedica-se a apresentação de análises de indefinidos tratados como
indefinidos epistêmicos. Segundo Haspelmath (1997) alguns indefinidos marcam a falta de
conhecimento do falante em relação à informação que possa satisfazer sua afirmação de
existência.
Na tentativa de entender as propriedades semânticas do ‘algum’ em PB, será feita
uma discussão de como os indefinidos ‘irgendein’, ‘algún’, ‘some’ e ‘qualquer’ foram
tratados. Desse modo, na seção 1, tratar-se-á da discussão proposta por Kratzer & Shimoyama
(2002) para o indefinido do alemão ‘irgendein’.
8
Veremos que as autoras propõem que esse
item é um indefinido nos temos de Heim (1982). Ele induz a um alargamento de domínio e
dispara o efeito de free choice (doravante livre-escolha) sob o escopo de modais. Por sua vez,
ein ‘um’ comporta-se de forma diferente.
Na seção 2, será apresentada a análise para o indefinido do espanhol ‘algún’
(‘algum’) proposta por Alonso-Ovalle & Menéndez-Benito (2003). De acordo com os
autores, ‘algún’ também é um indefinido que dispara efeito de livre-escolha e induz, assim
como ‘irgendein’, a um alargamento de domínio. Para eles o efeito epistêmico de ‘algún’ é
resultado da interação da modalidade epistêmica com o alargamento de domínio induzido por
‘algún’. Na seção 3, será apresentada a análise desses autores para ‘some’, do inglês, que
segundo eles possui efeito epistêmico distinto de ‘algún’ e está associado a diferentes tipos de
ignorância em relação ao referente.
Por fim, a seção 4 refere-se ao tratamento proposto por Pires de Oliveira (2005) para
o item ‘qualquer’ do PB. Segundo a autora, ‘qualquer’ é um indefinido nos termos de Heim
(1982) e expressa efeito de livre-escolha, que na análise da autora é uma pressuposição de
alternativas disponíveis. Este trabalho é muito importante, pois, além de apresentar distinções
entre os indefinidos ‘um’ e ‘qualquer’, inicia uma tipologia para os indefinidos em PB.
Todos esses trabalhos formam o pano de fundo para a análise realizada no terceiro
capítulo desta dissertação.
8
Segundo Pires de Oliveira (2005), a melhor tradução para ‘irgendein’ seria ‘algum’.
56
2.1 A análise de ‘irgendein’: Kratzer & Shimoyama (2002)
Neste trabalho Kratzer & Shimoyama apresentam fatos que caracterizam ‘irgendein’
como um indefinido que dispara o efeito de livre escolha por meio de sua interação com
modais. A proposta das autoras é analisar esse item a partir da semântica para perguntas
desenvolvida por Hamblin (1973, apud Kratzer & Shimoyama, 2002). Com base no modelo
Hamblin, as autoras dizem que sintagmas indeterminados introduzem conjuntos de
alternativas que expandem até encontrarem um operador que os selecionem. Essas
alternativas, por sua vez, podem ser de diferentes tipos semânticos: podem ser indivíduos,
propriedades ou proposições.
Na semântica de Hamblin as expressões denotam conjuntos de denotações
tradicionais e estas denotações são as alternativas. Os pronomes e sintagmas com pronomes
indeterminados denotam conjuntos de indivíduos e esses conjuntos devem ser pensados como
alternativas. Por meio de aplicação funcional, as alternativas criadas pelos pronomes
indeterminados podem expandir.
Segundo Alonso-Ovalle & Menéndez-Benito (2003) para Kratzer & Shimoyama,
DPs (Determiner Phrases/sintagmas de determinantes) indefinidos denotam o conjunto de
indivíduos relevantes no contexto que possa satisfazer a extensão de NP (Noun Phrase/
sintagma nominal). A denotação de um sintagma como ‘uma garota’ é o conjunto de todas as
garotas no domínio dado.
1)
a) Seja D uma variável sobre conjuntos de indivíduos
[[uma
D
garota]]
w,g
= {x:x é uma garota em w & x está em g(D)}
b) Seja g(D)= {x: eu jantei com x ontem}= {Paula, Letícia, Jaqueline, Michele}
[[uma
D
garota]]
w,g
= {Paula, Letícia, Jaqueline, Michele}
Na proposta das autoras, um conjunto de alternativas proposicionais é obtido por
combinarem-se indefinidos e predicados. Indefinidos denotam conjuntos de indivíduos,
predicados denotam um conjunto e a denotação de uma sentença não é uma proposição, mas
um conjunto contendo uma proposição. Porém, para simplificar, é adotada aqui a explicação
57
de Alonso-Ovalle & Menéndez-Benito: indefinidos denotam conjuntos de indivíduos,
predicados denotam funções de indivíduos para proposições e indefinidos combinam-se com
predicados por aplicação funcional.
9
2) a. Uma
D
garota entrou na festa.
b. Seja g(D)= {Paula, Letícia, Jaqueline, Michele}
[[entrou na festa]]
w,g
([[uma
D
garota]]
w,g
)=
λx. λw’. x entrou na festa em w’ ({Paula, Letícia, Jaqueline, Michele})=
λw’. Paula entrou na festa em w’
λw’. Letícia entrou na festa em w’
λw’. Jaqueline entrou na festa em w’
λw’. Michele entrou na festa em w’
Segundo Kratzer & Shimoyama ‘irgendein’ não tem qualquer variabilidade
quantificacional, não possui qualquer propriedade especial de escopo, todavia, dispara o efeito
de livre-escolha sob o escopo de modais; além disso, apresenta o que elas denominaram de
polarity sensitivity.
10
De acordo com a as autoras, a propriedade prototípica de ‘irgendein’ é seu efeito
epistêmico. Ao usá-lo, um falante veicula que não sabe, ou não se importa, ou ainda, acha que
a identidade do referente é irrelevante. Devido a isso, a pergunta de Maria em (4) não é
apropriada. Na resposta (5), se Maria quer expressar indiferença na escolha dos convidados,
então qualquer pessoa no universo de discurso é uma possibilidade. Assim, ‘jemand’ poderia
ser inadequado.
Efeito epistêmico:
3) Hans: Jemand hat angerufen. (Haspelmath, 1997, apud Kratzer & Shimoyama, 2002)
Alguém tinha ligado
9
Exemplos (1) e (2) adaptados de Alonso-Ovalle & Menéndez-Benito (2003)
10
Não será desenvolvido esse tópico nessa dissertação.
58
Maria: Wer war es?
Quem foi ele?
4) Hans: Irgendjemand hat angerufen. (Haspelmath, 1997, apud Kratzer & Shimoyama, 2002)
Irgend-um tinha ligado
Maria: #Wer war es? Ignorância ou
Quem foi ele? indiferença
Modal
5) Hans: Wen soll ich einladen? (Akademiegrammatik 1981, apud Kratzer & Shimoyama, 2002)
Quem deveria eu convidar?
Maria: Irgendjemand / # Jemand. Indiferença
Somebody or other. Somebody.
Segundo as autoras, sentenças declarativas possuem um operador de asserção que
pode disparar implicaturas relacionadas ao background conversacional dos falantes. Outro
ponto para o qual chamam atenção é o fato de que a interpretação de ‘irgendein’ em alguns
tipos de sentenças é ambígua: a sentença (6) pode ser interpretada como (i) havia um homem
com o qual Maria tinha que se casar, mas o falante não sabia quem era ou não se preocupou
em revelar quem era; (ii) Maria tinha que casar com um homem e qualquer homem seria uma
opção possível.
6) Mary musste irgendeinen Mann heiraten. (Kratzer & Shimoyama, 2002)
Maria tem que irgend-um homem casar.
Segundo as autoras, ‘irgendein’ possui uma relação com modais. Há uma relação
entre modalidade e a propriedade de livre escolha dos indefinidos. A relação de indefinidos
com modais fornece uma explicação para entender o efeito de livre-escolha. Dito de modo
bastante geral, o sintagma com um pronome indeterminado, ao combinar-se com um
predicado cria um conjunto de alternativas que são “distribuídas” nos mundos possíveis
introduzidos pelos modais.
59
Na explicação de Alonso-Ovalle & Menéndez-Benito (2003) para a proposta das
autoras: modais operam sobre conjunto de proposições e uma sentença que tenha um operador
de necessidade modal, será verdadeira se e somente se para cada mundo acessível w há pelo
menos uma proposição no conjunto sobre qual o modal opera que é verdadeira em w. Por
exemplo, para uma sentença como (7), adaptada de Alonso-Ovalle & Menéndez-Benito,
‘saber’ é um operador modal, no exemplo, ele toma o conjunto contendo quatro proposições:
Paula entrou na festa, Letícia entrou na festa, Jaqueline entrou na festa e Michele entrou na
festa. A sentença (7) será verdadeira se para cada alternativa epistêmica do mundo do
conhecimento de Maria: Paula entrou na festa em w, Letícia entrou na festa em w, Jaqueline
entrou na festa em w e Michele entrou na festa em w (ou Paula, Letícia, Jaqueline e Michele
entraram na festa em w).
7) Maria sabe que uma
D
garota entrou na festa.
Os exemplos dados por Kratzer & Shimoyama, reproduzidos nos cenários abaixo em
(8) e (9), mostram como as alternativas criadas pelo sintagma com ‘irgendein’ relacionam-se
a mundos acessíveis introduzidos por modais. No cenário (8) a sentença (10) é feliz, suas
opções deônticas são como ilustrado na representação. Maria tem que casar com um médico e
qualquer médico é uma opção. No segundo, cenário (9), Maria tem que se casar com um entre
dois médicos, Dr.A e Dr.B, e essas são as únicas opções deônticas de Maria. Para esse cenário
a sentença (10) não descreve a situação com felicidade.
8) 9)
w
3
Dr. C
W
2
Dr. B
w
4
Dr. D
w
1
Dr. A
w
5
etc...
W1
Dr. A
W
2
Dr. B
W
2
Dr. B
w
1
Dr. A
w
5
etc...
60
10) Mary muss irgendeinen Arzt heiraten. (Kratzer & Shimoyama, 2002).
Maria tem que irgend-um doutor casar
‘Maria tem que casar com um médico’ (qualquer médico é uma opção)
Porém (11), com ‘ein’, é feliz em ambas as situações. Enquanto ‘irgendein’ induz ao
alargamento máximo do domínio, na sentença (10) deve haver uma alternativa proposicional
‘Maria casa com x’ para cada homem x. ‘Ein’ não tem o mesmo efeito.
11) Mary muss einen Arzt heiraten. (Kratzer & Shimoyama, 2002).
Maria tem que um doutor casar
‘Maria tem que casar com um médico’
Segundo Kratzer & Shimoyama, sintagmas encabeçados por ‘ein’ denotam
subconjuntos de seus conjuntos de nomes comuns. Esse subconjunto depende da variável do
domínio D, cujo valor pode ser dado pelo contexto. ‘Ein mann’ (‘um homem’) denota um
subconjunto do conjunto dos homens com um único elemento. Para todos os mundos
possíveis w e um assinalamento de variável g tem-se (12).
12)
g (D) D (D é o conjunto de indivíduos possíveis)
[[ein
D
Mann]]
w,g
= {x; x é um homem em w & g (D)}
‘Irgendein’, ao contrário de ‘ein’, tem como principal efeito alargar o domínio e esta
é a característica de indefinidos que induzem à livre-escolha. ‘Ein’ denota um conjunto com
um único elemento, mas ‘irgendein’ denota o conjunto de todos os homens. A semântica de
alargamento do domínio é, segundo Chierchia (2001, apud Kratzer & Shimoyama, 2002),
como apresentado em (13).
61
13)
Para [[α]]
w,g
D
e
:
[[irgend-α]]
w,g
= {x: g’[x ?[[α]]
w,g’
]}
[[irgend- [ein
D
Mann] ]]
w,g
= {x: g’ [x is a man in w & x ?g’(D)]}
= {x: x is a man in w}
A interação entre um modal e um indefinido como ‘irgendein mann’ é a interação
entre a combinação de um modal, um operador existencial as alternativas introduzidas pelo
indefinido. Em (10) acima, por exemplo, o significado de ‘muss’ requer que em cada mundo
acessível uma das alternativas seja possível. As autoras demonstram que esta exigência é
compatível com a situação em que Maria se casa com o mesmo homem em cada mundo
acessível, mas esse não é o significado desejado para (10). Então discutem que essa
interpretação é bloqueada pelo distribution requirement (doravante exigência de distribuição),
que permite o efeito de livre-escolha.
Para entender o que significa a exigência de distribuição, é exposto a seguir um
exemplo adaptado de Alonso-Ovalle & Menéndez-Benito (2003). Cada vez que combinamos
um elemento ampliador de domínio, como é o caso de irgendein’, com um predicado o
resultado é o conjunto máximo de alternativas. Em (14), o sintagma indefinido (com o
pronome indeterminado) ao ser combinado com o predicado ‘entrou’ cria o conjunto máximo
de alternativas, ampliando o domínio. Além disso, o elemento modal introduz mundos
possíveis e tem-se que a sentença é verdadeira se e somente se para cada alternativa
epistêmica de Maria w, pelo menos uma das garotas no domínio entrou na festa em w.
14) Maria sabe que irgendein
D
garota entrou na festa.
λw’. Paula entrou na festa em w’
λw’. Letícia entrou na festa em w’
[[Maria sabe]]
w,g
λw’. Jaqueline entrou na festa em w’
λw’. Michele entrou na festa em w’
… para todas as garotas.
62
Porém a semântica do modal diz que a sentença (14) pode ser verdadeira em uma
situação em que há garotas que não constituam uma possibilidade epistêmica para Mary. Pode
também ser verdadeira, por exemplo, no caso em que Maria sabe que Paula entrou na festa,
exemplificado em (15), ou em uma situação em que Maria sabe, por exemplo, que Paula ou
Letícia devem ter entrado na festa, representação em (16).
15) 16)
w
1
Paula entrou na festa w
1
Paula entrou na festa
w
2
Paula entrou na festa w
2
Letícia entrou na festa
w
3
Paula entrou na festa w
3
Paula entrou na festa
w
4
Paula entrou na festa w
4
Letícia entrou na festa
O exemplo (14) não é apropriado para descrever (15) e (16), pois, como dito, (14)
para ser feliz, cada uma das proposições no conjunto sobre o qual o modal opera tem que ser
verdadeira pelo menos em uma das alternativas epistêmicas de Maria. Este seria, segundo os
autores, o efeito da exigência de distribuição, que vem junto com uma inferência criada pelo
ouvinte a partir do alargamento de domínio induzido por ‘irgendein’.
Nestes termos, o efeito de livre-escolha é permitido por uma exigência adicional
para o qual há um mundo acessível para cada alternativa criada por ‘irgendein’. Segundo
Kratzer & Shimoyama, a exigência de distribuição não é parte do significado do modal, ele é
resultado de uma implicatura conversacional.
11
Como dito, ‘irgendein’ induz ao alargamento máximo de domínio do conjunto de
alternativas e isso faz parte de seu significado. Seguindo Kadmon e Landman (1993, apud
Kratzer & Shimoyama, 2002), as autoras dizem que esse alargamento de domínio no caso de
‘irgendein’, por exemplo, ocorre para evitar uma afirmação falsa e para evitar inferências
falsas de exaustividade.
O exemplo de inferência dado por Kratzer & Shimoyama (2002) é apresentado a
seguir em (17). No caso, ao mencionar o livro de álgebra o falante dispara uma inferência
sobre o livro de biologia, uma vez que ele está entre as alternativas em discussão. A inferência
é que o falante não deseja o livro de biologia.
11
As autoras demonstram que a exigência de distribuição é uma implicatura conversacional, não é uma
implicatura lógica, pois é cancelada em certos contextos,
63
17) Dois livros estão em discussão: um livro de álgebra e um livro de biologia.
A: Você pode me emprestar o livro de álgebra.
Inferência de exaustividade: Você não pode emprestar o livro de biologia.
A título de ilustração será exposto um exemplo apresentado por Alonso-Ovalle &
Menéndez-Benito (2003). Imagine um mundo que possua apenas duas garotas, Renée e
Sandy. Estas garotas são todas as garotas do mundo, então o modal opera somente sobre duas
proposições.
18) Mary knows irgendein
D
girl came to the party. (Alonso-Ovalle & Menéndez-Benito, 2003).
Maria sabe alguma garota veio para a festa
[[Mary knows]]
w,g
λw’. Renée come to the party
λw’. Sandy come to the party
Segundo Alonso-Ovalle & Menéndez-Benito, 2003, o falante poderia fazer uma
afirmação sobre um domínio menor, ou seja, dizer que somente Renée foi à festa, mas ele não
fez isso para evitar uma afirmação falsa. O ouvinte pode pensar que o falante não fez uma
afirmação sobre um domínio contendo um único indivíduo porque é provável que não seja
verdade que Maria sabia que Renée foi à festa. Pelo mesmo raciocínio, o ouvinte conclui que
se o falante não disse nada sobre um domínio tendo somente Sandy, deve ser porque não é
verdade que Maria saiba que Sandy foi à festa. Estas inferências, junto com as condições de
verdade da sentença, permitem apenas modelos em que todas as garotas são possibilidades
epistêmicas e nenhuma delas é uma necessidade.
Além disso, o falante não faz uma afirmação sobre um domínio menor para evitar
uma inferência falsa de exaustividade. Imaginando uma situação em que Maria sabe que
Renée foi à festa. Nessa situação o falante poderia afirmar algo sobre um domínio contendo
apenas Renée. Se o falante fizer tal afirmação, o ouvinte poderia ser levado a pensar que não é
64
verdade que Maria sabe que Sandy foi à festa. Ao escolher um item cuja característica
semântica é o alargamento de domínio, a inferência de exaustividade pode ser bloqueada.
Além dessas características, é possível encontrar relação de longa distância entre
‘irgendein’ e o modal que opera sobre ele, como em (19), que tem duas interpretações ambas
em que ‘irgendein’ associa-se ao modal através da relativa. Em umas das interpretações há um
homem que vive na Bavária que Maria tem que casar com ele (neste caso o falante não sabe
ou não se importa com quem e o local onde vive); na outra interpretação Maria tem que casar
com um homem que vive na Bavária e qualquer homem que vive na Bavária é uma opção.
Segundo as autoras seria possível pensar ainda em uma terceira interpretação em há um local
na Bavária (o falante não sabe ou não se importa qual é esse local) e Maria deve casar-se com
um homem desse local (qualquer homem desse local é uma opção possível para Maria
escolher). Todavia essa interpretação não é possível para (19).
19) Mary muss irgendeinen Mann heiraten, der irgendwo in Bayern wohnt.
Maria deve ingend-um homem casar, quem irgend-onde em Bavária vive
‘Maria deve casar com algum homem que vive em algum lugar na Bavária’
‘Irgendein’, de acordo com as autoras, é seletivo, uma vez que somente
quantificadores existenciais podem prendê-lo. Ele não pode ser associado ao operador (para
todo) presumivelmente porque este operador pode contribuir para uma leitura genérica que
‘irgendein’ não possui. A sentença (20) pode ser interpretada como (i) uma das crianças fala
(o falante não sabe ou não se importa quem é ela); (ii) uma criança das crianças tem
permissão para falar (qualquer criança é uma opção possível); mas não pode ser interpretada
como qualquer uma das crianças pode falar (qualquer uma das crianças tem a habilidade para
falar).
20) Irgendeins von diesen Kindern kann sprechen.
Irgend-uma of these children can talk.
‘Alguma destas crianças pode falar’
65
Por fim, as autoras defendem que, apesar do fato de ‘irgendein’ estar associado
sempre à mesma força quantificacional (força quantificacional de existência) essa
interpretação de existencial não vem dele: ‘irgendein’ é um introdutor de variável, nos termos
de Heim (1982) e sua força quantificacional vem de um operador proposicional de existência.
Conforme as autoras, ‘irgendein’ possui um traço não interpretável, mas pronunciado de
existencial, e devido a esse traço sempre apresenta leitura existencial (esse assunto será
retomado no capítulo 3).
2.2. Alonso-Ovalle & Menéndez-Benito (2003): o caso do algúnalgum’
Esta seção dedica-se à apresentação das propostas feitas por Alonso-Ovalle (2002) e
Alonso-Ovalle & Menéndez-Benito (2003) para a semântica dos indefinidos ‘un’ (‘um’) e
‘algún’ (‘algum’) do espanhol. Serão apresentadas algumas propriedades que caracterizam um
contraste semântico entre ‘un’ e ‘algún’ no que diz respeito às relações de escopo e força
quantificacional (Alonso-Ovalle, 2002). Será apresentada também a proposta desenvolvida
por esses autores para explicar o efeito epistêmico de ‘algún’, que induz a um efeito
epistêmico de livre-escolha.
Segundo Alonso-Ovalle (2002) enquanto ‘un’ comporta-se como o artigo indefinido
do inglês ‘a’, ou seja, não apresenta as mesmas características de outros quantificadores
(como ‘todo’, por exemplo) e pode ser analisado como um indefinido proposto por Heim
(1982); ‘algún’, por sua vez, parece ser um quantificador existencial clássico.
O exemplo do autor ilustra que, assim como Strawson (1952, apud Alonso-Ovalle,
2002) apontou para o ‘a’, ‘un’ pode ser antecedente de anáfora em diferentes sentenças. Por
outro lado, ‘algún’ não permite esse tipo de retomada, fato que explicaria a distinção entre
(21), sentença possível, e (22), agramatical.
21) Vino [un estudiante]
1
. Pro
1
se llama Juan. (Alonso- Ovalle, 2002)
chegou um estudante (Ele) 3:S:Refl chama Juan
‘Um estudante chegou. Ele se chama Juan’
66
22) Vino [algún estudiante]
1
. *Pro
1
se llama Juan. (Alonso- Ovalle, 2002)
chegou algum estudante (Ele) 3:S:Refl chama Juan
‘Algum estudante chegou. Ele se chama Juan’
Com base na análise do autor, um sintagma contendo ‘un’ herda sua força
quantificacional de um operador na sentença, possui variabilidade quantificacional, assim
como ‘a’ do inglês. Desse modo, o sintagma ‘un estudiante’, em (23), por exemplo, é
interpretado com força quantificacional universal. Todavia, o sintagma contendo ‘algún’
sempre está relacionado à força quantificacional de existência, o que leva a sentença (23) a ser
interpretada com quantificação existencial sobre estudantes, com duas leituras: (i) há algum
estudante que sempre tem dinheiro, ou (ii) há sempre algum estudante que tem dinheiro.
23) Un estudiante siempre tiene dinero. (Alonso- Ovalle, 2002)
Um estudante sempre tem dinheiro
‘Um estudante sempre tem dinheiro’
‘Todo estudante tem dinheiro’
24) Un estudiante nunca tiene dinero. (Alonso- Ovalle, 2002)
Um estudante nunca tem dinheiro
‘Um estudante nunca tem dinheiro’ (Nenhum estudante tem dinheiro)
25) Algún estudiante nunca tiene dinero. (Alonso- Ovalle, 2002)
Algum estudante nunca tem dinheiro
Algum estudante nunca tem dinheiro
Na sentença (26), o sintagma ‘un amigo mío’ (‘um amigo meu’), de acordo com
Alonso-Ovalle, pode escapar de restrições de ilhas de escopo, tal como a condicional. Devido
a isso, a sentença pode ter duas leituras: (i) existe um amigo em especial do falante, que por
algum motivo ele não revela a identidade, e se esse amigo morresse o falante herdaria uma
fortuna; (ii) para o falante herdar uma fortuna não existe uma amigo em especial que morresse
no incêndio; o falante não faz qualquer afirmação sobre um amigo específico Entretanto, na
67
sentença (27), o autor apresenta que ‘algún amigo mío’ (‘algum amigo meu’) comporta-se
como outros quantificadores e não pode ser interpretado como se tratando de uma afirmação a
respeito de um amigo particular, a sentença (27) só pode tem a leitura (ii). Além disso, um
sintagma contendo ‘algún’ não pode combinar-se com sentenças relativas não-restritivas, ao
passo que sintagmas com ‘un’ podem.
26)
Si un amigo mío de Texas hubiera muerto en el incendio, yo habría inherited a fortune.
Se um amigo meu de Texas tivesse morrido em o incêndio, eu teria herdado uma fortuna.
‘Se um amigo meu do Texas tivesse morrido no incêndio, eu teria herdado uma fortuna’.
27)
Si algún amigo mío de Texas hubiera muerto en el incendio, yo habría inherited a fortune.
Se algum amigo meu de Texas tivesse morrido em o incêndio, eu teria herdado uma fortuna.
‘Se algum amigo meu do Texas tivesse morrido no incêndio, eu teria herdado uma fortuna’
12
Por fim, enquanto outros quantificadores não podem aparecer depois de verbos em
sentença com cópula, ‘un’, em (28), é perfeitamente natural. Todavia sintagmas com ‘algún’
pós-cópula são estranhos, exemplo (29), de acordo com o autor, têm apenas uso
epistemicamente marcado nesta posição.
28) Juan es un idiota.
Juan é um idiota
‘Juan é um idiota’
29) *Juan es algún idiota.
Juan é algum idiota
‘Juan é algum idiota’
12
Exemplos de Alonso-Ovalle (2002)
68
Além dessas características, ‘algún’ difere de ‘un’, de acordo com Alonso-Ovalle &
Menéndez-Benito (2003), por possuir um efeito epistêmico. Um indefinido epistêmico, de
acordo com a definição apresentada por eles, marca a falta de conhecimento do falante. Os
autores propõem que o item do espanhol ‘algún’ induz a esse efeito, ao contrário de ‘un’
(‘um’).
A distinção entre os indefinidos ‘un’ e ‘algún’ pode ser observada nos diálogos a
seguir. Com esses exemplos, ilustram os autores que a pergunta de B em (30) é inapropriada
para a situação. Mas em (31) a pergunta não é inadequada, o que mostra que ‘un’ não induz a
esse efeito epistêmico e não marca, necessariamente, a falta de conhecimento do falante.
30) A: María está tomando alguna clase de lingüística. (Alonso-Ovalle e Menéndez Benito, 2007).
Maria está tendo alguma aula de lingüística.
‘Maria está tendo alguma aula de lingüística’
B: #Cúal?
Qual
‘Qual?’
31) A: Maria está tomando una classe de lingüística. (Alonso-Ovalle e Menéndez Benito, 2003).
Maria está tendo uma aula de lingüística.
‘Maria está tendo uma aula de lingüística’.
B: Cúal?
Qual
‘Qual?’
Esse efeito epistêmico, segundo os autores, é caracterizado pelo efeito de livre-
escolha. Com uma sentença como (31) o falante diz que, até onde sabe, Maria pode estar
saindo com qualquer rapaz do departamento de lingüística, ou seja, todas as possibilidades
estão disponíveis.
13
13
Exemplo de Alonso-Ovalle e Menéndez Benito (2003).
69
31) María está saliendo con algún chico del departamento de lingüística.
Maria está saindo com algum rapaz do departamento de lingüística
‘Maria está saindo com algum rapaz do departamento de lingüística’
Considerando dois cenários, de Alonso-Ovalle e Menéndez Benito (2003), no
cenário 1 há cinco lingüistas no departamento: John, Bill, Charles, Richard e Mike. O falante
ouviu de uma fonte segura que Maria está saindo com um deles e isso é tudo que o falante
sabe, ele não faz idéia qual deles possa ser. Neste cenário há cinco alternativas epistêmicas e a
sentença (31) é feliz.
Pensando em um outro cenário onde há cinco lingüistas no departamento John, Bill,
Charles, Richard e Mike. O falante ouviu de uma fonte segura que Maria está saindo com um
deles e ele sabe que não é Mike, não é Richard e não é Charles. As alternativas seriam que
Maria estivesse saindo com John ou Maria estivesse saindo com Bill. Neste cenário, onde há
duas alternativas epistêmicas, a sentença (31) não é apropriada, porque ao usar ‘algún’ o
falante indica que até onde ele sabe o lingüista com quem Maria está saindo pode ser qualquer
um dos cinco rapazes do domínio.
Além disso, ‘algún’, de acordo com Alonso-Ovalle & Menéndez-Benito (2003), não
pode ser usado para referir-se a um indivíduo particular. Por exemplo, tendo em conta um
terceiro cenário: Laura e Paulo estão no salão do departamento de matemática em uma
reunião em que ninguém conhece ninguém. De repente, começa a tocar uma lambada e uma
das pessoas começa a dançar sobre a mesa. Apesar de Paulo não saber o nome, o dançarino é
Rino Cusper, o professor de estatística. Paulo não conhece Rino, mas o vê dançando sobre a
mesa. Neste contexto a sentença (32) não é feliz, pois, apesar de Paulo não saber seu nome, já
que ninguém se conhece, Paulo está vendo o professor e não é o caso que qualquer professor
no domínio relevante seja uma opção disponível. O uso de ‘algún’ requer que todos os
membros do domínio sejam opções possíveis para o falante.
32) #Mira! Algún professor está bailando la lambada encima de la mesa.
Olhe! Algum professor está dançando a lambada em cima de a mesa
‘Olhe! Algum professor está dançando lambada em cima da mesa’
70
Esse tipo de desconhecimento por parte do falante caracteriza o efeito epistêmico de
‘algún’: o efeito epistêmico de livre-escolha. Devido a esse efeito, numa situação em que
Paulo e Laura estão fora do salão e de repente ouvem um barulho indicando que alguém está
dançando sobre a mesa. Nesta situação, além de não conhecerem quem está dançando, pois
não conhecem ninguém dentro da sala, não vêem quem dança. No cenário a sentença (32) é
apropriada, pois qualquer opção será uma alternativa possível.
Na proposta dos autores o efeito epistêmico de ‘algún’ pode ser derivado do mesmo
modo que Kratzer & Shimoyama (2002) derivam o efeito epistêmico de ‘irgendein’. Segundo
Alonso-Ovalle & Menéndez-Benito, ‘algún’ amplia o domínio e seu efeito epistêmico é
resultado da interação entre modalidade epistêmica e alargamento de domínio que ‘algún’
induz.
Nos casos onde não há um elemento modal realizado, os autores assumem que há
um operador modal implícito. Segundo os autores, asserções são implicitamente modalizadas,
como apresentado no exemplo (33), traduzido de Alonso-Ovalle & Menéndez-Benito (2003).
33)
a) O gato está sobre a mesa.
b) [[Afirmação]]
w,g
([[o gato está sobre a mesa]]
w,g
) (w
0
)= 1 sse para todas as alternativas
epistêmicas w’, há pelo menos uma proposição em {λw’. o gato está sobre a mesa] que é
verdadeira em w’.
Para os autores, sentenças como (31), repetida abaixo, teriam um operador de
afirmação implícito e o efeito epistêmico de (31) é derivado por se recorrer às inferências
disparadas pelo alargamento de domínio. Considerando que o conjunto de rapazes relevantes
no domínio possui apenas dois elementos, Mike e Charles, ‘algún’ dispararia o conjunto
máximo de alternativas proposicionais e o resultado seria o representado em (34).
31) María está saliendo con algún chico del departamento de lingüística.
Maria está saindo com algum rapaz do departamento de lingüística
‘Maria está saindo com algum rapaz do departamento de lingüística’
71
34) [[Afirmação]]
w,g
({?w’. Maria está saindo com Mike em w’, ?w’. Maria está saído com
Charles em w’})
O falante poderia ter feito uma afirmação sobre um domínio menor, contendo
somente Mike, por exemplo, mas com base nos autores, há duas razões para ele não fazer
isso. A primeira delas é que o ouvinte poderia pensar que o falante estava tentando evitar uma
afirmação falsa. O ouvinte poderá concluir pelo uso de ‘algún’ que, até onde o falante sabe,
nenhuma das proposições no conjunto é uma necessidade, ou seja, o falante não sabe quem
Maria está encontrando: se Mike ou Charles. Como cada uma das proposições do conjunto
sobre o qual o modal opera tem de ser verdadeira em pelo menos uma das alternativas
epistêmicas do falante, é possível supor que, até onde o falante sabe, Maria pode estar saindo
com Mike ou Maria pode estar saindo com Charles, e este é o efeito epistêmico.
Outro motivo para que o falante não faça uma afirmação a respeito de um domínio
menor é o de que, de acordo com os autores, ele estaria evitando uma inferência de falsa
exaustividade. Ao assumir isso, são descartados modelos onde o falante sabe que Maria está
saindo com Mike ou onde o falante sabe que Maria está saindo com Charles. Todavia,
segundo os autores, será permitido um modelo em que Maria está saindo Charles e com Mike,
porém a sentença (31) não é feliz nessa situação.
De acordo com Alonso-Ovalle & Menéndez-Benito, duas possibilidades poderiam
ser sugeridas: (i) a não exaustividade não estaria funcionado no exemplo, ou (ii) todas as
inferências são computadas e modelos em que Maria está com todos os rapazes no domínio
seriam descartados por um fator adicional. Os autores levantam inicialmente a hipótese de que
‘algún’ no singular poderia possuir uma pressuposição de unicidade. Todavia, logo descartam
essa possibilidade, pois sentenças como (35) é verdadeira em uma situação em que mais de
uma pessoa estuda indefinidos no espanhol.
35) Algún autor finlandés habla de los indefinidos em español.
Algum autor finlandês fala de os indefinidos em espanhol
‘Algum autor finlandês fala dos indefinidos em espanhol’
72
Por outro lado, se a sentença (35) pode ser feliz em uma situação em que mais de um
autor estuda os indefinidos no espanhol, ela não é inapropriada em contextos onde todos os
autores estudem o assunto. Isso se deve, segundo os autores, ao fato de que ‘algún faz parte de
uma escala como ‘todos’ (todos), ‘muchos’ (muitos) e ‘pocos’ (poucos) e isso dispararia uma
implicatura escalar, que levaria a descartar o modelo onde Maria está saindo com todos os
rapazes do domínio.
2.3. Alonso-Ovalle & Menéndez-Benito (2003): o caso do ‘some’
Nesta seção será apresentada a proposta de Alonso-Ovalle & Menéndez-Benito
(2003) para a semântica do indefinido ‘some’ do inglês. Será apresentado como se dá o efeito
epistêmico desse item. De acordo com Alonso-Ovalle & Menéndez-Benito, há um contraste
semântico entre ‘a’ e ‘some’, uma vez que este faz exigências que o artigo indefinido não faz.
Levando em conta os cenários já expostos na seção 2.2 será apresentado qual é essa exigência.
Os diálogos a seguir ilustram que a pergunta de B em (36) não é apropriada para o
contexto, porém em (37) é perfeitamente natural. Isso mostra, segundo os autores, que ‘a’, não
marca a falta de conhecimento do falante, ao passo que ‘some’, seguido de nomes contáveis
no singular possui esse efeito epistêmico.
36) A: Some cabinet minister has been shot. (Alonso-Ovalle e Menéndez Benito, 2003)
Algum gabinete ministro tem sido (ferido com um tiro)
‘Algum ministro de gabinete foi ferido com um tiro’
B: Who?
Quem
‘Quem?’
73
37) A: A cabinet minister has been shot. (Alonso-Ovalle e Menéndez Benito, 2003)
Um gabinete ministro tem sido (ferido com um tiro)
‘Algum ministro de gabinete foi ferido com um tiro’
B: Who?
Quem
‘Quem?’
Segundo os autores, o efeito epistêmico de ‘some’, em contraste do que ocorre com
‘algún’ no espanhol, não é caracterizado pelo efeito de livre-escolha. A sentença (38) indica a
falta de conhecimento do falante em relação à identidade do rapaz com quem Maria está
saindo, mas pode ser usada mesmo em situações em que o falante descarta a possibilidade de
alguns rapazes no departamento serem opções disponíveis.
38) Mary is dating some guy from the Linguistics Departament.
Maria está encontrando algum rapaz de o lingüística departamento
‘Maria está saindo com algum rapaz do departamento lingüística’
Considerando o cenário onde há cinco lingüistas no departamento: John, Bill,
Charles, Richard e Mike. O falante ouviu que Maria está saindo com um deles e isso é tudo
que sabe, ele não sabe qual dos rapazes possa ser. Neste cenário há cinco alternativas
epistêmicas e a sentença (38) é feliz.
Levando em consideração agora outra situação onde há cinco lingüistas no
departamento John, Bill, Charles, Richard e Mike e o falante ouviu que Maria está saindo com
um deles. Somado a essa informação, o falante sabe que Maria não está saindo nem com
Mike, nem com Richard e, tampouco com Charles. As alternativas disponíveis seriam que
Maria estivesse saindo com John ou estivesse saindo com Bill. Neste cenário, onde restam
apenas duas alternativas epistêmicas, a sentença (38) continua sendo, para alguns falantes,
apropriada.
14
De acordo com os autores, ‘some’ pode ser usado em cenários onde indefinidos
podem ser entendidos como referindo a uma pessoa em particular.
14
Segundo Alonso-Ovalle & Menéndez-Benito, alguns falantes não aceitam que (38) seja apropriada para a
situação, uma vez que é muito provável que o falante esteja familiarizado com o lingüista em questão.
74
Para a sentença (39), dada a situação em que duas pessoas, Laura e Paulo, estão em
uma reunião no departamento de lingüística, onde ninguém conhece ninguém. Começa a
tocar uma música um dos indivíduos sobe na mesa e dança. O dançarino é Rino Cusper, mas
nesta situação, Paulo não sabe disso, entretanto o vê dançando. Neste contexto, Paulo não é
capaz de nomear o indivíduo sobre a mesa, por isso há um nível de desconhecimento em
relação ao referente, porém apesar disso a sentença (39) é feliz apropriada, mesmo não sendo
o caso que qualquer indivíduo no domínio relevante seja uma opção disponível. Nestes
termos, ‘some’ não requer que todos os membros do domínio sejam opções possíveis.
39) Look! Some professor is dancing lambada on his table.
Olhe! Algum professor está dançando lambada em sua mesa
‘Olhe! Algum professor está dançando lambada em sua mesa’
Dada uma outra situação, em que Paulo e Laura estão fora da sala onde acontece a
reunião, a sentença (39), segundo os autores, pode ser usada para descrever a situação na qual
não é verdade que, até onde o falante sabe, qualquer indivíduo pode estar dançando sobre a
mesa. Ou seja, ‘some’, não tem efeito de livre-escolha.
Nos termos dos autores, ‘some’ possui um efeito epistêmico, uma vez que marca a
falta de conhecimento do falante. Todavia para entender como se dá esse efeito, que não é de
livre-escolha, é preciso identificar diferentes formas de ignorância. A sentença (40), por
exemplo, é feliz em um cenário onde há, entre as alternativas epistêmicas do falante, ao
menos dois mundos nos quais a pessoa que ligou em um dos mundos não é mesma que ligou
em outro mundo, de maneira que ‘some’ veicula que o falante não sabe quem ligou.
40) Some girl called. (Alonso-Ovalle & Menéndez-Benito, 2003)
Alguma garota ligou
‘Alguma garota ligou’
Todavia no caso da sentença (39) apresentada acima, que o falante profere enquanto
vê um indivíduo dançando sobre a mesa em todas as alternativas epistêmicas do falante o
indivíduo que satisfaz a afirmação de existência é a pessoa que ele vê dançando. Nestes
75
termos, se ‘some’ pode ser usado referencialmente, como pode indicar ignorância ao mesmo
tempo? Para explicar essa ‘contradição’ os autores chamam a atenção para diferentes tipos de
individuação e levam em conta a proposta de Evans (1982, apud Alonso-Ovalle &
Menéndez-Benito, 2003) segundo a qual descrições podem ser usadas referencialmente como
nomes ou como demonstrativos e ilustram esse fato recorrendo aos exemplos de Ludlow e
Neale (1991, apud Alonso-Ovalle & Menéndez-Benito, 2003), adaptados em (41), onde o
falante veicula a informação que Jonh está flertando com a irmã de alguém, e (42), onde o
falante tenta comunicar que um homem está tirando plantas do jardim.
41) Descrição usada como nome: em uma situação em que Jones, conhecido pelo falante e
pelo ouvinte como um conquistador convicto, é visto pelo falante piscando para a irmã do
ouvinte. O falante, então, diz:
A: A convicted embezzler is flirting with your sister.
Um convicto conquistador está flertando com sua irmã.
‘Um conquistador convicto está flertando com sua irmã’
42) Descrição usada como demonstrativo: em uma situação em que A olha pela janela e vê
um homem arrancando plantas do jardim. A profere:
A: Look! A man is uprooting your turnips.
Olhe! Um homem está arrancando suas plantas
‘Olhe! Um homem está arrancando suas plantas’
Nos dois exemplos o falante tem contato com a pessoa que satisfaz a afirmação de
existência do indefinido, entretanto, o modo como esse contato ocorre é diferente, pois em
(41) o falante tem um contato epistêmico anterior com Jones, e em (42) o indivíduo em
questão está sob o campo perceptual do falante. Segundo os autores, ‘some’ em cenários
como (41), não é apropriado, ver exemplo (43a). Porém a substituição de ‘a’ por ‘some’ no
cenário em (42), como apresentado em (43b), é apropriada. Isso ilustra, conforme Alonso-
Ovalle & Menéndez-Benito, que ‘some’ é sensível ao modo como se tem acesso ao
conhecimento sobre os indivíduos: se houver conhecimento prévio, como no caso de (41),
76
‘some é inadequado; se o falante tiver contato visual com o referente, mas desconhecer o
nome do indivíduo, por exemplo, ‘some’ é apropriado.
43)
a. A: #Some convicted embezzler is flirting with your sister.
Algum convicto conquistador está flertando com sua irmã.
‘Algum conquistador convicto está flertando com sua irmã’
b. A: Look! some man is uprooting your turnips.
Olhe! Algum homem está arrancando suas plantas
‘Olhe! Algum homem está arrancando suas plantas’
2.4. Pires de Oliveira (2005): o caso do ‘qualquer’
Nesta seção apresentar-se-á a proposta de Pires de Oliveira (2005) para o item
‘qualquer’ no PB. Segundo a autora, há apenas um item ‘qualquer’, que pode apresentar-se
em duas estruturas ‘qualquer N’, exemplo (44) e ‘um N qualquer’, exemplo (45). Apesar da
aparente similaridade de usos, os sintagmas com ‘qualquer’ apresentam comportamentos
particulares em contextos distintos. Essas formas, em certos contextos, seriam sinônimas, mas
a substituição não é possível.
A autora desenvolve a idéia de que sintagmas contendo ‘qualquer’ são indefinidos
nos termos de Heim (1982), desse modo, apresentam leitura existencial e leitura universal. As
sentenças (44) e (45) apresentam leitura genérica ao passo que (46) e (47) têm somente leitura
existencial.
44) Qualquer aluno joga futebol. (Pires de Oliveira, 2005).
45) Um aluno qualquer joga futebol. (Pires de Oliveira, 2005).
46) Deu qualquer problema com o computador. (Pires de Oliveira, 2005).
47) Deu um problema qualquer com o computador. (Pires de Oliveira, 2005).
77
Além de apresentarem essa variabilidade de força quantificacional, pode “ligar”
variáveis que estão além de seu escopo
15
. No exemplo, (48) ‘ele’ é co-referente de ‘um burro’.
De acordo com o exposto pela autora, essa “ligação” não pode ser explicada por c-comando,
pois não há tal relação entre ambos. Esse fenômeno de ligar variáveis ocorre com ‘qualquer’,
em contraste com ‘todo’, que é tomado como quantificador universal, essa ligação não é
possível. Pires de Oliveira ilustra, através do contraste entre (48), (49) e (50), que‘qualquer’ é
um indefinido que marca a presença de uma variável.
48) Todo fazendeiro que tem um burro
1
bate nele
1
. (Pires de Oliveira, 2005).
49) Todo fazendeiro que tem um burro qualquer bate nele. (Pires de Oliveira, 2005).
50) ?Todo fazendeiro que tem qualquer burro bate nele. (Pires de Oliveira, 2005).
51) *Todo fazendeiro que tem todo burro bate nele. (Pires de Oliveira, 2005).
Seguindo Heim (1982), Pires de Oliveira defende o pronome ‘ele’ na sentença (48) é
familiar porque sua interpretação depende de haver um referente discursivo já presente no
fundo conversacional, já ‘um burro’ não é familiar, pois introduz um referente novo.
Como dito, de acordo com a autora, ‘qualquer’ pode aparecer em duas configurações
‘qualquer N’ e ‘um qualquer N’, porém, apesar de certa similaridade entre essas formas, o uso
de cada uma delas apresenta particularidades e a substituição dessas formas não é possível. Na
posição de argumento externo, sujeito, ‘qualquer N’ apresenta variabilidade de interpretação
em sentenças genéricas, podendo ter leitura genérica caracterizadora (não-cardinal), exemplo
(44). Em sentenças episódicas, ‘qualquer N’, se aceito, é interpretado como universal, embora
a sentença esteja no pretérito, como ilustrado em (52), que é interpretado como fazendo
referência a cada umas das alternativas de um grupo de alunos determinado contextualmente,
ou seja, não importa qual aluno seja escolhido, ele resolveu o problema.
52) ? Qualquer aluno resolveu o problema. (Pires de Oliveira, 2005).
‘Um N qualquer’, por sua vez, na posição de sujeito, é segundo Pires de Oliveira,
sempre interpretado como existencial. A sentença (45), por exemplo, pode ser lida com duas
15
A autora destaca, que na verdade não se trata de escopo, pois enquanto variável não é quantificador e não tem
escopo.
78
leituras uma genérica habitual-cardinal (em que se fala de um aluno cuja identidade é
irrelevante ou desconhecida) e uma leitura genérica caracterizadora. Em (53) há somente a
leitura existencial do sintagma (e do evento), pois a sentença está sob o escopo de um
operador existencial, dado pela morfologia do verbo.
53) Um aluno qualquer resolveu o problema. (Pires de Oliveira, 2005).
Segundo a autora, a sentença (54) confirma a dificuldade de interpretar ‘qualquer N’
denotando um indivíduo. Por outro lado, em (55) ‘um N qualquer’ é interpretado como
cardinal e essa é a interpretação é a única disponível.
54) # Qualquer médico operou este paciente aqui. (Pires de Oliveira, 2005).
55) Um médico qualquer operou este paciente aqui. (Pires de Oliveira, 2005).
Na posição de argumento interno do verbo (objeto) ‘um N qualquer’ sempre
interpretado como existencial (sentenças (56, 57)), mesmo em casos como a sentença (58),
que tem leitura genérica. Por outro lado, de acordo com Pires de Oliveira, ‘qualquer N’ em
geral não “soam” bem na posição de objeto, como ilustra o exemplo (59).
56) Chegou uma carta qualquer. (Pires de Oliveira, 2005).
57) Maria comprou um vestido qualquer. (Pires de Oliveira, 2005).
58) Sempre que João almoça, ele come um doce qualquer de sobremesa. (Pires de Oliveira, 2005).
59) # Chegou qualquer carta. (Pires de Oliveira, 2005).
Entretanto, há casos em que construções com ‘qualquer N’ são boas, como é o caso
de (60), cuja leitura é existencial e a sentença (61), cuja leitura é universal. Além disso, a
autora mostra que se o objeto for modificado por uma sentença restritiva a sentença melhora,
como em (62). Pode ainda ter interpretação universal (sentença (63)), ou ser ambíguo entre
uma leitura em que Maria comprou um jornal (não importa qual), e uma leitura em que Maria
comprou todo jornal, sentença (64).
79
60) Hoje, o João colocou qualquer roupa. (Pires de Oliveira, 2005).
61) Vendo qualquer CD. (Pires de Oliveira, 2005).
62) O João conversou com qualquer mulher que ele encontrou na rua. (Pires de Oliveira, 2005).
63) Deus perdoa qualquer pecado. (Pires de Oliveira, 2005).
64) Maria comprou qualquer jornal que tinha na banca. (Pires de Oliveira, 2005).
De acordo com a autora, é possível pensar que o comportamento distinto entre
‘qualquer N’ e ‘um N qualquer’ deve-se a presença do artigo indefinido ‘um’, que segundo
ela, tem comportamento bastante semelhante ao ‘um N qualquer’, no que diz respeito ao
comportamento quantificacional.
Pires de Oliveira ilustra com os dados, que ‘um’ na posição de sujeito de sentenças
genéricas tem uma leitura habitual e uma leitura genérica caracterizadora (sentença (65)),
assim como acontece com ‘um N qualquer’ (sentença (45) acima). Seguindo Müller (2002),
Pires de Oliveira assume que a morfologia de singular em sintagmas do PB possi valor
semântico (um’ refere aos átomos de um estrutura semi-reticular dada pelo nome comum) e
isso permite a leitura de numeral quando ‘um’ possuir a interpretação de existencial. Desse
modo, a sentença (64) está sob o escopo de um operador genérico, dado pela morfologia do
verbo (presente). De acordo com a autora é a presença do ‘um’ em (66) que permite a leitura
de que Maria namorou apenas um policial, ao passo que (67) só pode ser interpretada como
sendo que Maria encontrou mais de um policial na vida.
65) Um brasileiro joga futebol. (Pires de Oliveira, 2005).
66) A Maria namorou um policial qualquer. (Pires de Oliveira, 2005).
67) A Maria namorou qualquer policial. (Pires de Oliveira, 2005).
Segundo a autora, se ‘um’ estiver na posição de sujeito de uma sentença episódica a
interpretação será existencial, como no exemplo (68). Seguindo Müller (2002), a interpretação
como existencial vem da morfologia do verbo.
68) Um aluno resolveu o problema. (Pires de Oliveira, 2005).
80
Por sua vez, na posição de objeto, a leitura é existencial (sentença (69)), mesmo em
sentenças genéricas, como em (70). Com base na proposta de Müller (2002), Pires de Oliveira
assume que em (69) ‘um’ tem leitura existencial porque está na posição de escopo de um
operador de existência (dado pela morfologia do verbo). Já em (70), tem leitura existencial
porque está sob o escopo nuclear de uma sentença genérica.
69) A Maria comprou um vestido. (Pires de Oliveira, 2005).
70) A Maria come um doce depois do almoço. (Pires de Oliveira, 2005).
Roberta Pires apresenta três quadros, uma para posição de sujeito e outro para a
posição de objeto, que ilustram que ‘um N qualquer’ e ‘qualquer N’ não sinônimos e um
terceiro que resume as similaridades entre ‘um’ e ‘um N qualquer’. Os quadros estão
sintetizados abaixo em (71 a ) e (71 b).
71)
a. Posição de sujeito.
‘qualquer N’
‘um N qualquer’
‘um N’
Genérico
ou ou
Episódico
# ()
b. Posição de objeto.
‘qualquer N’
‘um N qualquer’
‘um N’
Genérico
ou
Episódico
# ou ou
O comportamento de ‘um N qualquer’ é, do ponto de vista quantificacional,
semelhante ao ‘um N’. Por outro lado, ‘um N qualquer tem o efeito de livre escolha. Isso
demonstra, conforme a autora, que força quantificacional e livre-escolha são propriedades
independentes.
A autora demonstra que a noção de livre-escolha está associada a existência de um
conjunto de alternativas possíveis e às noções de indiferença com relação ao referente, sua
81
identidade não interfere nas condições de verdade da sentença; ou sua identidade é ignorada.
Para uma pergunta como ‘alguém telefonou?’ a seqüência em (72) não é feliz, pois ao usar o
‘qualquer’ o falante veicula a informação ou de que não se importa com a identidade do
referente ou a ignora. Por sua vez, a seqüência em (73) é feliz, uma vez que ‘um’ não veicula
nada sobre como o falante se posiciona em relação ao referente.
72) A: Alguém telefonou? (Pires de Oliveira, 2005).
B: Uma pessoa qualquer ligou.
A: #Quem (ligou)?
73) A: Alguém telefonou? (Pires de Oliveira, 2005).
B: Uma pessoa ligou.
A: Quem (ligou)?
Segundo Pires de Oliveira, esse mesmo contraste pode ser observado no diálogo
seguinte em (74) em que a resposta de B não está de acordo com o fato de que ‘qualquer’
veicula que o falante não pode saber a identidade do referente para avaliação da sentença.
Entretanto, a resposta na seqüência em (75) é perfeitamente natural.
74) A: Com quem Maria casou? (Pires de Oliveira, 2005).
B: # Com qualquer médico, o Carlos.
75) A: Com quem Maria casou? (Pires de Oliveira, 2005).
B: Com um médico, o Carlos.
Considerando um cenário onde o domínio de médicos contém Pedro, Carlos, João e
André. As sentenças (76) e (77) são apropriadas para o contexto. Porém em uma situação em
que dos quatro indivíduos, a Maria se casaria apenas ou com Carlos ou com Pedro, (76) não é
feliz, pois não é verdade que Maria se casaria com qualquer indivíduo, não importando qual,
do domínio (neste caso, o exemplo envolve indiferença). Todavia a sentença com ‘um’
82
continua sendo feliz, pois não exige que todos os referentes estejam disponíveis como
escolha.
76) A Maria quer casar com um médico qualquer. (Pires de Oliveira, 2005).
77) A Maria quer casar com um médico. (Pires de Oliveira, 2005).
Numa situação em que há dez bicicletas à venda e o falante sabe que Maria
compraria duas delas a e b, mas entre a e b o falante ignora a escolha de Maria. Nesta situação
(78) não é feliz, mas (79) é feliz. Para que (78) fosse feliz todas as bicicletas deveriam (por
hipótese) constituir alternativas.
78) A Maria comprou uma bicicleta qualquer. (Pires de Oliveira, 2005).
79) A Maria comprou uma bicicleta. (Pires de Oliveira, 2005).
O argumento defendido pela autora para explicar a distinção entre o comportamento
de ‘um’ e ‘qualquer’ é o de que o último dispara uma pressuposição de livre-escolha. Uma
sentença com ‘qualquer’ é feliz em um contexto onde já exista disponível um domínio de
alternativas possíveis, nestes termos ‘qualquer’ seria familiar, ao passo que ‘um que não
carrega tal pressuposição.
Pires de Oliveira assume que ‘qualquer’ possui uma pressuposição de alternativas
possíveis. A autora assume a noção de que algo é pressuposto se é acarretado pelo
background conversacional e caso o conteúdo afirmado seja manipulado a informação
presente no fundo conversacional compartilhado se mantém. Dessa forma, em uma sentença
como (80), ‘qualquer’ pressupõe a existência de um conjunto de problemas e Maria não sabe
qual é o problema.
80) A Maria sabe que deu qualquer problema com o computador. (Pires de Oliveira, 2005).
Outra característica da livre-escolha é que ela aponta para uma ampliação do
domínio. De acordo com a autora, o genérico com indefinido ‘um’, pode aplicar-se a
contextos mais restritos ao passo que ‘qualquer’ produz um alargamento do domínio
83
previamente dado pelo fundo conversacional. Pires de Oliveira demonstra esse alargamento
de domínio retomando um exemplo de Kadmon e Landman (1993, apud Pires de Oliveira,
2005) reproduzido abaixo em (81).
81) A: Uma coruja como rato.
B: Até uma coruja doente?
A: Qualquer coruja (come rato).
Conforme Pires de Oliveira, a pressuposição disparada por ‘qualquer’ vem de ‘qual’,
que, em interrogativas, depende de um conjunto de alternativas para ser feliz; e de ‘quer’, que
introduz intensionalidade.
Haveria, seguindo von Fintel (2000), duas possibilidades de interpretar a livre-
escolha: (i) como uma escolha aleatória (não faz diferença qual é o referente), caso cuja base
modal é contrafactual (Kratzer, 1981), exemplificado em (82); (ii) ou como escolha cega, que
se baseia na ignorância, e, portanto todas as alternativas são possíveis, caso em que a base
modal é epistêmica (Kratzer, 1981), exemplificado em (80), acima.
82) A Maria coloca qualquer roupa quando está em casa. (Pires de Oliveira, 2005).
Na base modal contrafactual não se coloca a posição do falante por tratar-se de uma
generalização. Na base modal epistêmica pode se expressar diferentes perspectivas em relação
à ignorância. O exemplo, a sentença (46) repetida abaixo, o falante expressa ignorância, pois
afirma que o computador tem um problema e ao usar ‘qualquer’ implica que desconhece esse
problema. Nesse caso, a base modal é epistêmica e é preciso que, em pelo menos dois mundos
da base modal em que o problema seja distinto para que o uso de ‘qualquer’ seja feliz. Já em
(82) acima, tem-se uma sentença habitual em que ‘qualquer’ está sob o escopo de um
existencial e a base modal é contrafactual, pois o que se veicula é que não importa o referente
escolhido. O uso de ‘qualquer’ será feliz se não houver uma alternativa que seja escolhida em
todos os mundos da base modal.
46) Deu qualquer problema com o computador. (Pires de Oliveira, 2005).
84
Segundo a autora, mesmo quando ‘qualquer’ é usado em construções partitivas, em
que o conjunto de indivíduos é fixo em todos os mundos, ele não é feliz em situações em há
um mesmo indivíduo como opção em todas as alternativas de mundo. Por isso, a sentença
(83) será verdadeira em uma situação em que a generalização presente seja aplicável aos dois
adolescentes não importa qual seja o escolhido.
83) Qualquer um dos dois (adolescentes) chora. (Pires de Oliveira, 2005).
Mesmo em contextos de verbos modais ou de verbos de atitude proposicional, como
a sentença (84), a autora argumenta que a sentença com ‘qualquer’ só será feliz se houver um
conjunto de maçãs salientes.
84) Pegue qualquer maçã.
2.5. Resumo
Ao fazer o levantamento das principais características de ‘irgendein’ é possível
destacar que é um indefinido que recebe sua força quantificacional de um operador que
carrega um traço existencial. Induz a um alargamento de domínio e seu efeito de livre escolha
é resultado de implicatura conversacional; além disso, marca a falta de conhecimento do
falante em relação ao referente ou que a identidade do referente não importa ou é irrelevante.
Kratzer & Shimoyama derivam o efeito epistêmico de ‘irgendein’ pelo sistema de Hamblin,
segundo o qual pronomes indefinidos criam conjuntos de alternativas que se expandem até
encontrarem um operador que as prenda. Por sua vez ‘ein’ não possui as mesmas
propriedades: ele é um introdutor de variáveis, mas não está associado a alargamento de
domínio, podendo ser usado mesmo em situações em que o falante tem um referente em
mente.
A análise de Alonso-Ovalle & Menéndez-Benito (2003) é que ‘algún’, e ‘some’
possuem efeito epistêmico, porém esse efeito não se apresenta da mesma forma nos dois
indefinidos. Enquanto ‘algún’ apresenta o efeito epistêmico de livre-escolha, ou seja, indica
85
que qualquer indivíduo relevante no domínio pode satisfazer sua afirmação de existência;
‘some’ não tem esse efeito e pode ser entendido como referindo a um indivíduo em particular.
O efeito epistêmico de ‘some’ envolve diferentes formas de como se ter contato com o
indivíduo que satisfaz sua afirmação de existência. ‘Some’ está associado à ignorância do
falante e para derivar seu significado é necessário levar em conta diferentes tipos de
ignorância. Por sua vez, ‘un’ e ‘a’ não estão associados à falta de conhecimento do falante e
por isso não possuem efeito epistêmico.
O leitor a essa altura deve estar a perguntar-se porque o item ‘qualquer’ faz parte
dessa retomada de análises propostas para indefinidos. Inicialmente, é importante dizer que
em sua análise, Pires de Oliveira propõe que ‘qualquer’ é um indefinido nos termos de Heim
(1982), que expressa livre-escolha (via pressuposição de um conjunto de alternativas
introduzidas pelo significado de ‘qual’) e induz a um alargamento de domínio.
A autora dedica muito de sua análise para explicitar as características semânticas de
construções ‘um N qualquer’ e ‘qualquer N’. Além disso, a autora atribui leitura existencial
cardinal aos sintagmas ‘um N qualquer, mas ainda não está claro qual seja a definição de um
uso cardinal. Dessa forma, deve-se ressaltar que, para efeito da comparação realizada no
próximo capítulo, serão consideradas somente as construções com ‘qualquer N’ e não será
discutida a noção de leitura existencial cardinal dos indefinidos, como apontada por Pires de
Oliveira (2005) em seus exemplos.
Nas bases da proposta de Pires de Oliveira, o comportamento do item ‘qualquer’
aproxima-se do comportamento descrito por Kratzer & Shimoyama para o ‘irgendein’ e do
comportamento de ‘algún’, descrito por Alonso-Ovalle & Menéndez-Benito, pois é um
elemento que induz a um alargamento de domínio e está associado a um conjunto de
alternativas possíveis. A diferença é que aqueles estão sempre associados à força
quantificacional de existência, ao passo que ‘qualquer’ apresenta variabilidade de força
quantificacional.
No próximo capítulo analisam-se as propriedades semânticas de ‘algum’ com base
na proposta de Kratzer & Shimoyama (2002) e Alonso-Ovalle & Menéndez Benito (2003). Se
a análise proposta para o alemão e para o espanhol aproxima-se da caracterização semântica
de ‘qualquer’, é necessário dizer o que o distingue do ‘algum’, pois, esses indefinidos
possuem denotações diferentes: ambos induzem a um alargamento de domínio, porém esse
86
alargamento é distinto. Grosso modo, o alargamento de domínio de ‘algum’ é menor que o
induzido por ‘qualquer’.
Dessa forma, o próximo capítulo dedica-se à análise de dados do PB e à tentativa de
demonstrar as propriedades semânticas do ‘algum’ e do ‘um’. Partindo das análises
apresentadas neste capítulo e dos testes que propuseram, o objetivo é mostrar as semelhanças
e diferenças entre esses indefinidos no PB e entre esses dois indefinidos e ‘irgendein’/’ein’,
‘algun’/’un’, ‘some’/’a’ e ‘qualquer’.
87
Capítulo 3. O contraste semântico entre ‘um’ e ‘algum’.
O foco desse capítulo é a descrição do comportamento semântico de sintagmas
indefinidos contendo ‘um’ e ‘algum’ no PB seguidos de nomes contáveis no singular. Esta
parte do trabalho dedica-se à discussão do contraste entre esses indefinidos e tem como
objetivo estudar suas propriedades semânticas.
Para traçar essas propriedades, na seção 3.1, é apresentado o comportamento desses
indefinidos com relação à quantificação, e ilustra-se, através da observação dos dados, a força
quantificacional à qual se associam: ‘um’ apresenta variabilidade quantificacional; por outro
lado, ‘algum’ está sempre associado à força de quantificação existencial. Além disso, nesta
seção, apresentam-se dados em que sintagmas indefinidos com ‘um’ podem ser lidos como
referindo a um indivíduo específico, em contraste com indefinidos com ‘algum’, que não
podem.
Na seção 3.2, discutem-se dados em que ‘algum’ apresenta uma propriedade que
‘um’ não possui: o primeiro é um indefinido epistêmico e veicula falta de conhecimento do
falante. Esse “desconhecimento do falante” está associado a um efeito de livre escolha, a que
‘algum’ induz. Por outro lado, ‘um’ não está associado esse efeito de livre escolha e não é um
indefinido epistêmico.
A seção 3.4, explica, por meio da proposta de Kratzer & Shimoyama (2002), que
‘algum’ está sempre associado à força quantificacional de existência.
A seção 3.5 procura explicar como o efeito epistêmico de ‘algum’ resulta de livre
escolha; a seção 3.6 dedica-se à comparação entre os indefinidos ‘algum’, ‘um’ e ‘qualquer’:
‘algum’, assim como ‘qualquer’, induz ao alargamento de domínio e está associado à livre
escolha dentro de um conjunto de alternativas possíveis. A seção 3.7, por sua vez, dedica-se à
comparação entre indefinidos ‘um’ e ‘algum’ e os indefinidos do espanhol, do alemão e do
inglês. Na seção 3.8, é apresentado um resumo do capítulo e, finalmente, na seção 3.9,
conclui-se que existe distinção entre os indefinidos ‘um’ e ‘algum’ no PB e tal distinção é
caracterizada pelo fato de ‘algum’ ser um indefinido epistêmico, ao passo que ‘um’ não é.
88
3.1. Indefinidos ‘um’ e ‘algum’ e quantificação.
A primeira tentativa de esclarecer as características dos indefinidos ‘um’ e ‘algum’ é
discutir a relação desses indefinidos com pronomes. Tal discussão busca explicitar o
comportamento de sintagmas indefinidos contendo ‘um’ e ‘algum’ no que diz respeito ao fato
de eles poderem ser antecedentes de pronomes anafóricos em contraste a sintagmas
quantificados, que não podem. Em seguida, discutem-se as características desses sintagmas
com respeito à força quantificacional (universal/existencial) com a qual se associam e se verá
que ‘um’ apresenta efeito de variabilidade quantificacional que ‘algum’ não apresenta.
Ilustram-se quais tipos de interpretações estão disponíveis para ambos, ou seja, demonstra-se
se ambos podem ser lidos como “específicos”, tratando de um indivíduo em especial. Além
disso, discute-se o comportamento desses indefinidos com relação à possibilidade de ‘um’
poder escapar de ilhas de escopo de sentenças-se e poder combinar-se com sentenças relativas
não-restritivas, ao passo que ‘algum’ não pode. Dessa forma, esta seção explicita a diferença
de comportamento de ‘um’ e ‘algum’ no que diz respeito à quantificação.
Segundo Russell (1905), como já exposto no primeiro capítulo, o significado do
artigo indefinido em sentenças como (1) e (2) contribui com a introdução de um quantificador
existencial. A sentença (1) significa que o conjunto dos indivíduos que são médicos e que
chegaram não está vazio. Já a sentença (2) significa que o conjunto dos indivíduos que são
médicos e são amigos de Paulo não está vazio.
1) Um médico entrou no consultório.
2) Paulo é amigo de um médico.
Assim, para Russell, descrições indefinidas são sempre sintagmas quantificados.
‘Um médico’, em (1) e (2), não denota um indivíduo particular, ou seja, não é capaz de
referir. A sentença (1) significa que existe um x, x é médico e x entrou no consultório. Desse
modo, sintagmas como ‘um médico’ assemelham-se aos sintagmas como ‘todo médico’ em
(3), que também não denota qualquer indivíduo particular.
3) Todo médico entra cedo no consultório.
89
Um fato que desafia a teoria de Russell (1905) para os indefinidos, como
inicialmente observado por Strawson (1952), são os casos em que indefinidos servem como
antecedentes de pronomes anafóricos. Segundo Chierchia (2003), essa discussão relacionada à
interpretação dos indefinidos como antecedentes de pronomes remonta à época dos estóicos.
Este problema manifesta-se, por exemplo, nas estruturas coordenadas (ou seqüências
narrativas) e em condicionais. Na sentença (4), que é uma estrutura coordenada, em (5), que é
uma seqüência narrativa, e em (6), condicional, os indefinidos contendo ‘um’ funcionam
como antecedentes de anáfora. Por outro lado, as sentenças com o sintagma contendo ‘todo’,
exemplos (7) e (8), e ‘cada’, exemplo (9), não podem ser antecedentes de pronomes
anafóricos.
4) Léo convidou um colega de trabalho e Eva o recebeu bem. (Chierchia, 2003)
5) Léo convidou um colega de trabalho. Eva, porém, o tratou mal. (Chierchia, 2003)
6) Se um gato sobe no telhado, Léo o ajuda a descer.
7) * Léo convidou todo colega de trabalho e Eva o recebeu bem. (Chierchia, 2003)
8) *Léo convidou todo colega de trabalho. Eva, porém, o tratou mal. (Chierchia, 2003)
9) *Se cada gato sobe no telhado, Léo o ajuda a descer.
Uma vez que a função do pronome anafórico é retomar a referência de seu
antecedente, o exemplo (4) é um problema para a proposta de Russell (1905), pois para o
autor um sintagma indefinido não refere a nada. Segundo Strawson (1952), relações
anafóricas, como em (4), são exemplos de co-referência, evidente entre um indefinido e um
pronome, e de que indefinidos podem ser usados para referir (pelo menos algumas vezes). De
acordo com essa visão, os indefinidos poderiam ser ambíguos entre serem referenciais e
serem quantificadores. Essa hipótese explicaria a possibilidade de construções com um
pronome anafórico sendo co-referencial com um antecedente indefinido.
De acordo com Heim (1982), a sentença (4) não é uma evidência para provar que
Russell (1905) esteja errado, mas exemplos como esse exige das pessoas que concordam com
o autor uma solução alternativa que explique pronomes anafóricos com indefinidos como
antecedentes. Nos termos de Heim (1982), a análise de Russell (1905) não explica todos os
90
usos dos indefinidos, mas captura pelo menos uma das leituras que os indefinidos podem ter,
a de quantificador existencial.
Tendo em mente a sentença (4) é possível perguntar como pode um pronome receber
uma referência de um antecedente que não refere? Antes de responder a pergunta, é
importante, olhar mais atentamente para a discussão do tratamento dos pronomes e da anáfora
sentencial.
Segundo Heim (1982), a anáfora se assemelha a um pronome dêitico, para a qual a
referência é dada pelo contexto não lingüístico, enquanto o pronome anafórico refere-se a
algo cuja saliência deve-se ao conteúdo de um enunciado anterior. Um pronome pode ter
outras funções além de referir, podendo estabelecer relações anafóricas de dois tipos com seus
antecedentes: uma relação de co-referência ou de ligação. Para alguns autores, ele é uma
variável (Heim & Kratzer, 1998), ou seja, um termo cuja denotação não é lexicalmente fixa e
varia segundo uma atribuição de valores que lhe é feita por uma função contextual lingüística
/extralingüística (co-referência) ou pela ligação de operadores (como os quantificadores, por
exemplo).
Segundo a Teoria da Ligação (Chomsky, 1981), um pronome é diferente de uma
anáfora, mas aqui, seguindo o tratamento de Müller (2001), o termo pronome abarca os dois
conceitos e o termo anáfora será utilizado para falar sobre relações de dependência referencial
entre sintagmas nominais.
16
A atribuição de um valor semântico a um pronome é feita por uma função que lhe
atribui um valor a ser encontrado no contexto lingüístico ou extralingüístico através de
dependência ou co-variação em relação aos seus antecedentes. Isso quer dizer que, para
sentenças como (10), o valor semântico da variável ‘ele’ é atribuído pelo contexto
extralingüístico, ao recuperar um referente na situação de fala, uso dêitico. Em (11), há o uso
anafórico, em que o valor da variável ‘ela’ co-varia com o valor da referência do discurso
anterior, e é interpretado como Maria. Em (12), a referência é determinada pelo discurso
posterior e o valor da variável ‘dela’ co-varia com ‘Maria’. Em (13), o valor do pronome ‘seu’
co-varia conforme o valor do sintagma ‘qualquer menina’.
16
Pronomes reflexivos são anáforas para a Teoria de Ligação,
91
10) Ele comprou um carro novo.
11) Maria ganhou um vestido novo. Ela ficou feliz.
12) Papai não gostava do vestido dela. Todavia, Maria não se importava.
13) Qualquer menina fica feliz quando elogiam seu vestido novo.
Por exemplo, para ‘dela’, em (12), o pronome se refere a um indivíduo saliente no
contexto lingüístico. Porém, muitas vezes um pronome não refere a nada, como no caso dos
pronomes com antecedentes quantificados.
17
Na sentença (14) abaixo, o sintagma
quantificado cada médico não refere diretamente a uma entidade específica: cada médico
faz uma operação sobre o conjunto de todos os médicos de um determinado contexto,
pegando cada um desse conjunto.
14) Cada médico entrou no seu consultório.
Um pronome que retoma um sintagma quantificado pode ser mais bem analisado
enquanto variável presa, para a qual o valor a ser atribuído é determinado de acordo com o
valor atribuído ao antecedente. Para uma sentença como (15) e sua forma lógica em (16), ‘ele’
e ‘seu’ são livres e podem assumir qualquer valor, desde que coerente com a concordância em
masculino e singular; por isso, caso se coloque um sintagma na posição de tópico, como em
(17), os valores de ‘ele’ e ‘seu’ passarão a ser ligados pelo valor do tópico ‘um bom
profissional’, e o significado da sentença passa a ser algo como a paráfrase em (18). Em (19),
‘lhe’ é ligado por ‘alguma criança.
15) Ele
1
gosta de seu
1
trabalho. (Müller, 2001)
16) x gosta do trabalho de x (Müller, 2001)
17) Um bom profissional
1
, ele
1
gosta de seu
1
trabalho. (Müller, 2001)
18) Se alguém
1
é bom profissional, ele
1
gosta de seu
1
trabalho. (Müller, 2001)
19) Alguma criança
1
quebrou um brinquedo que lhe
1
agradava. (Chierchia, 2003)
17
Antecedentes pronomes relativos ou interrogativos, sintagmas-QU não serão considerados aqui.
92
Como foi assumido que os pronomes são variáveis, o fato de eles poderem receber
uma interpretação co-referencial ou de variável ligada depende do modo como o seu valor é
determinado. Um pronome referencial, por exemplo, tem sua interpretação determinada por
uma função que atribui valor a uma variável a partir de uma expressão saliente no contexto,
no caso da sentença (11), ‘Maria’. Já a interpretação de variável ligada significa que o valor
do pronome é determinado pelo seu antecedente e não depende de qualquer função
contextual, como ‘se’, em (20).
20) Nenhum paciente se chateou com a demora do médico.
Segundo a Teoria e Ligação (Chomsky, 1981), existem limites estruturais, limites de
configurações sintáticas, para o estabelecimento de relações anafóricas. De acordo com essa
teoria, relações estruturais determinam as possibilidades de combinação de índices atribuídos
aos sintagmas nominais.
Por exemplo, a possibilidade de se estabelecer relação entre um sintagma
quantificado e um pronome depende do fato de que o sintagma quantificado precisa c-
comandar o pronome. C-comando é uma relação de superioridade estrutural intersentencial e
por isso um sintagma quantificado não pode ter escopo para além de sua sentença.
Com as sentenças (21), (22) e (23), pretende-se ilustrar como a relação de c-
comando é muito importante para a existência de ligação entre o pronome e seu antecedente.
Os exemplos (24) e (25) ilustram que não pode haver ligação fora de uma mesma sentença.
Por outro lado, uma relação de co-referência é possível nesses contextos, como em (25), em
que ‘ele’ recupera a referência de ‘Jorge’.
21) [Os problemas (que ninguém mostrou a sua mãe)] eram fáceis. (Müller, 2001)
22) *[Os problemas (que ninguém conseguiu resolver sozinho)] mantiveram sua mente
ocupada o dia inteiro. (Müller, 2001)
23) Lia convidou cada estudante para ir à casa de Hugo e em seguida Hugo discutiu com ele.
(Chierchia, 2003)
93
24) *Nenhum menino foi convidado. Ele reclamou. (Müller, 2001)
25) Jorge não foi convidado. Ele reclamou. (Müller, 2001)
Para que a relação de variável ligada se estabeleça entre o sintagma quantificado e o
pronome é preciso que o primeiro c-comande o segundo. Isso explicaria a gramaticalidade de
(21) em que ‘ninguém’ é o sujeito da oração subordinada e está numa relação de c-comando
com o pronome ‘seu’. A sentença (22) é agramatical uma vez que ninguém é sujeito da
oração relativa que faz parte do sintagma os problemas que ninguém conseguiu resolver
sozinho’ e não c-comanda ‘sua’. Em (23), também não há relação de c-comando entre ‘cada
estudante’ e ‘ele’.
Essa argumentação sobre pronome serve como pano de fundo para se verificar que o
indefinido ‘um’ se comporta de modo diferente dos outros quantificadores, no que diz
respeito ao fato de um existencial ser antecedente de um pronome. Isso o diferencia de outros
quantificadores para os quais essa relação não pode ocorrer. Para sintagmas quantificados
como ‘todo médico’, em (26), não há a interpretação de que ‘ele’ tenha como antecedente o
sintagma quantificado presente em outra sentença.
26) Todo médico entra cedo no consultório. *Ele esquece o estetoscópio.
Se considerarmos um sintagma indefinido contendo o item ‘um’ como um sintagma
quantificado, seria preciso explicar porque ele pode servir como antecedente de um pronome
anafórico, ao passo que outros sintagmas quantificados, como o presente em (26), não podem.
Como apresentado no segundo capítulo (seção 2.2), segundo Alonso-Ovalle &
Menéndez-Benito (2002), un-NP ‘um-NP’, assim como observou Strawson (1952) para o a-
NP ‘um-NP’, pode servir como antecedente de pronome anafórico presente em outra
sentença. Em sentenças como (27), a-NP ‘um-NP’ aproxima-se do comportamento de
sintagmas referenciais e distancia-se do comportamento de quantificador existencial proposto
por Russell (1905). O mesmo comportamento ocorre no PB com ‘um-NP’, como ilustram a
sentença (4) acima, ou as sentenças em (28) e em (29).
94
27) A dog came in. It lay down under the table. (Heim, 1982).
Um cachorro entrou. Ele deitou embaixo a mesa.
‘Um cachorro entrou. Ele deitou embaixo da mesa’
28) Um médico entrou no consultório. Ele esqueceu o estetoscópio.
29) Um médico entrou no consultório. Ele se chama Édson.
30) Lia convidou um aluno para ir à casa de Hugo e Hugo discutiu com ele.
Por sua vez, ‘algum-NP’ comporta-se como ‘um-NP’ no que diz respeito aos
pronomes anafóricos e permite anáfora através das sentenças. Isso pode ser observado em
(31) e em (32 a).
31) Lia convidou algum aluno para ir à casa de Hugo e Hugo discutiu com ele.
32)
a. Algum médico entrou no consultório. Ele esqueceu o estetoscópio.
b. Algum médico entrou no consultório. #Ele se chama Édson.
Ao olhar para os exemplos (31) e (32a), é possível dizer que ‘algum’ pode servir de
antecedente de pronome anafórico. No caso de (32b), a estranheza da sentença não se deve ao
pronome, mas ao uso do nome próprio Édson, associado ao sintagma indefinido (essa
sentença será discutida novamente).
A partir dos dados dessa seção ilustra-se, no que diz respeito aos pronomes, que não
há um contraste entre ‘um’ e ‘algum’ no que diz respeito à anáfora, uma vez que ‘algum-NP’
e ‘um-NP’ permitem anáfora sentencial.
Por outro lado, ‘um’ e ‘algum’ associam-se de formas distintas à força
quantificacional. Como dito no primeiro capítulo, Heim (1982) se propõe a analisar
construções com anáfora pronominal com um antecedente indefinido singular e que contém o
item a ‘um’. Segundo a autora, indefinidos não possuem nenhuma força quantificacional em
si mesmos. A força quantificacional que parece ser deles é, na realidade, a influência de
alguma expressão lingüística no ambiente em que eles estão. Como visto anteriormente,
segundo Heim (1982), mesmo em sentenças onde aparentemente não há a contribuição de
95
força quantificacional, existe um operador não realizado morfologicamente, que prende a
variável livre introduzida por um indefinido.
No PB, ‘um-NP’ também exibe variabilidade de força quantificacional. Em
contextos em que há um operador como um Q-advérbio com interpretação de um
quantificador universal, o indefinido é interpretado como quantificador universal, exemplo
(33a), parafraseado em (33a’). Porém, quando o indefinido está num ambiente de
quantificação existencial, como em (33b), dada pela morfologia do verbo, sua interpretação é
de quantificação existencial, como na paráfrase em (33b’’).
33a) Um médico sempre acorda cedo.
33a’) Todo médico acorda cedo.
33b) Um médico saiu.
33 b’’) Existe pelo menos um médico e ele saiu.
Por outro lado, essa variabilidade de leitura quantificacional, em que ora o
indefinido ‘um-NP’ é lido como universal, ora como existencial, não vale para o indefinido o
‘algum-NP’. Na sentença (34), parafraseada em (34’), a única leitura possível é aquela em que
o sintagma ‘algum médico’ tem interpretação existencial.
34) Algum médico acorda cedo.
34’) Existe pelo menos um médico que acorda cedo.
O sintagma ‘um aluno’, na sentença (35) pode ter duas leituras: uma genérica
caracterizadora e uma leitura habitual. Uma sentença como (36), possui a leitura genérica
habitual, ou seja, existe um aluno que joga futebol. ‘Algum aluno’, só pode ser interpretado
como existencial e trata de um indivíduo cuja identidade é desconhecida e esse indivíduo tem
o hábito de jogar futebol.
18
18
Alguns falantes associam o verbo ‘joga’ a uma ação que se desenvolve no momento da fala.
96
35) Um aluno joga futebol.
36) Algum aluno joga futebol (todos os dias nessa quadra).
Outros exemplos de sentenças habituais com ‘um’ e ‘algum’ são apresentados em
(37) e (38). A sentença (37) é interpretada como se tratando da existência de um indivíduo,
esse indivíduo é criança, desconhecida ou não pelo falante, e tem o hábito de deixar o portão
aberto. Em (38), por sua vez, há também a interpretação de que existe um indivíduo, nesse
caso desconhecido pelo falante, que tem o hábito de deixar o portão aberto.
37) Uma criança está deixando o portão aberto.
38) Alguma criança está deixando o portão aberto.
Em sentenças episódicas, sintagmas como ‘um aluno’ em posição de sujeito, como
em (39), tem somente a leitura existencial; ‘algum’ em posição de sujeito em sentenças
episódicas, como em (40), tem também leitura existencial, ou seja, existe um x, x é menino e
x resolveu o problema.
39) Um aluno resolveu o problema.
40) Algum aluno resolveu o problema.
Na posição de argumento interno do verbo, ‘um NP’ e ‘algum NP’, estão sempre
associados à quantificação existencial, conforme ilustrado em (41) e (42), respectivamente.
41) Chegou uma carta.
42) Chegou alguma carta.
Um NP’ e ‘algum NP’, associam à quantificação existencial, mesmo em sentenças
genéricas, como em (43) e (44). O indefinido ‘algum NP’, da mesma forma que ‘um NP’, tem
leitura existencial. A diferença entre ambos está no fato de que ao usar ‘um doce’ o falante
pode ter um doce específico em mente, ao passo que ‘algum doce’ não permite essa leitura.
97
43) Sempre que João almoça, ele come um doce de sobremesa.
44) Sempre que João almoça, ele come algum doce de sobremesa.
Com base nesses dados, é possível notar que, assim como ocorre com sintagmas do
tipo ‘todo médico’, em (3), repetida abaixo, que sempre é associado à força quantificacional
universal, ‘algum-NP está sempre associado à força quantificacional existencial. Porém, ‘um-
NP’ apresenta variabilidade de força quantificacional.
3) Todo médico entra cedo no consultório.
A despeito do fato de ‘algum’ exibir sempre força quantificacional existencial,
seguindo Kratzer & Shimoyama (2002), é possível dizer que esse indefinido possui um traço
existencial não interpretável, mas pronunciado (esse será um assunto desenvolvido
posteriormente).
Além dessa distinção entre os indefinidos ‘um’ e ‘algum’ no que diz respeito à força
quantificacional, ‘um-NP’ pode ter leitura “referencial”, ao passo que ‘algum-NP’ não pode.
Dessa forma, é importante ilustrar como os indefinidos comportam-se em certos contextos
com relação às restrições de escopo.
Fodor & Sag (1982) e Kratzer (1998) assumem que indefinidos são ambíguos entre
uma leitura específica e uma leitura quantificacional, todavia a explicação para que os
indefinidos tenham leitura específica difere entre os autores: enquanto para os primeiros a
leitura específica deve-se ao fato de indefinidos poderem ser expressões referenciais, e nessa
interpretação possuírem propriedades de escopo distintas de outros sintagmas quantificados;
para Kratzer (1998) a possibilidade de se ter indefinidos com leitura específica deve-se a
Choice Function.
Fodor & Sag (1982) discutem uma proposta em que indefinidos são ambíguos entre
uma leitura quantificacional e uma leitura referencial. O objetivo da discussão proposta por
eles é tentar caracterizar essa ambigüidade. De acordo com os autores, essa hipótese da
ambigüidade explica, de um modo mais simples, a possibilidade de indefinidos poderem
escapar de ilhas de escopo do que a hipótese de que todos os indefinidos são quantificadores
existenciais. Conforme os autores, o fato de um indefinido poder escapar de restrições de ilhas
98
de escopo contribui para sua leitura específica. Para os autores, indefinidos específicos são
expressões referenciais, tais como os pronomes dêiticos, exceto pelo fato de que não se espera
que o ouvinte identifique o referente.
Para Fodor & Sag (1982), mesmo sentenças sem verbos opacos, modais, negação ou
outros quantificadores com os quais indefinidos possam entrar em relação de escopo são
ambíguas entre uma leitura referencial e uma leitura quantificacional. É o caso da sentença
(45), que pode ser interpretada como falando de um estudante em particular, ou pode
significar que o conjunto dos indivíduos que são alunos e que colaram não está vazio.
45) A student in the syntax class cheated on the final exam. (Fodor & Sag, 1982)
Um estudante em a sintaxe classe colou em o final exame
‘Um estudante na classe de sintaxe colou no exame final’
Ao olhar para exemplos do PB, também há duas interpretações para uma sentença
como (46), em que não há nada com que o indefinido possa interagir em relação de escopo.
Numa das interpretações, ‘um paciente’ pode ser interpretado como expressão quantificada
(um existencial, nos termos Russellianos), ou seja, o falante pode querer dizer com (46) que o
conjunto dos pacientes no HU que foram operados do coração não está vazio; ou ‘um
paciente’ pode ser interpretado como referencial, tal como um nome próprio ou um sintagma
demonstrativo, ou seja, o falante pode querer dizer algo sobre um paciente em particular, que
ele não quer identificar, a saber: que esse paciente foi operado.
46) Um paciente no HU foi operado do coração.
De acordo com Fodor & Sag (1982), nos contextos em que o sintagma indefinido
tiver uma interpretação quantificada, este sintagma estará sujeito às mesmas interpretações de
ambigüidades de escopo exibida por todos os quantificadores. Com base na proposta dos
autores, sentenças como (47) pode ter uma leitura em que o indefinido tem escopo estreito e a
sentença seria verdadeira numa situação em que para todo médico x, x tenha encontrado um
paciente y diferente; uma leitura em que o indefinido tem escopo largo, e a sentença seria
verdadeira em uma situação em que houvesse um paciente y e todo médico x encontrasse y; e
99
uma terceira leitura, com o indefinido com leitura referencial, em que o sintagma um
paciente é interpretado referencialmente. A sentença (47) com interpretação referencial
assemelha-se ao que ocorre em (48), com ‘João’ no lugar de ‘um paciente’.
47) Todo médico encontrou um paciente no HU.
48) Todo médico encontrou João no HU.
Segundo Fodor & Sag (1982), há alguns fenômenos que contribuem para o
entendimento referencial de um indefinido: (i) riqueza descritiva do predicado de um NP, (ii)
topicalização; (iii) co-ocorrência com sentenças relativas não-restritivas; (iv) uso de
modificadores como ‘certo depois do artigo indefinido; e (v) restrições de ilhas de escopo.
Comparando-se o comportamento do inglês, apresentado por Fodor & Sag (1982), e
o comportamento do PB, com base na discussão que esses autores propõem, a riqueza de
conteúdo descritivo do sintagma nominal pode ser relevante para o entendimento referencial.
De acordo com os autores, nas sentenças do inglês (49) e (50) os sintagmas indefinidos em
destaque são entendidos como referenciais, em contraste com someone ‘alguém’ na sentença
(51).
49) A student that Betty used to know in Arkansas cheated on the exam.
19
Um estudante que Betty costumou conhecer em Arkansas colou em o exame
‘Um estudante que Betty conhecia em Arkansas colou no exame’
50) A friend of mine cheated on the exam.
Um amigo de meu colou em o exame
‘Um amigo meu colou no exame’
51) Someone cheated on the exam.
Alguém colou em o exame
‘Alguém colou no exame’
19
Exemplos (49), (50) e (51) de (Fodor & Sag, 1982).
100
Nos termos dos autores, nas sentenças (49) e (50), há uma descrição que revela certo
conhecimento por parte do falante a respeito do estudante que colou na prova. Se o falante
tem certo conhecimento sobre quem colou na prova, é no mínimo provável que ele pretenda
fazer referência a essa pessoa. Todavia, someone alguém’ poderia estar apoiado por algum
conhecimento por parte do falante sobre a pessoa que colou na prova, mas nada indica que ele
saiba quem colou, daí someone ser entendido como um quantificador, ou seja, significa que o
conjunto dos estudantes que colaram não está vazio.
Ao observar os trios de sentenças do PB (52)-(53)-(54) e (55)-(56)-(57), vê-se que,
independentemente da presença de conteúdo descritivo, sintagmas com ‘alguém’ e ‘algum’
não são entendidos como referenciais, de acordo com essa proposta.
52) Um paciente foi operado do coração.
53) Alguém foi operado do coração.
54) Algum paciente foi operado do coração.
20
55) Um paciente que o Dr. Margarido conheceu na infância foi operado do coração.
56) Alguém que o Dr. Margarido conheceu na infância foi operado do coração.
57) Algum paciente que o Dr. Margarido conheceu na infância foi operado do coração.
Em (52), ‘um paciente’ pode ser entendido como um sintagma quantificado se
parecer que o falante apenas quis dizer que o conjunto dos pacientes operados não está vazio,
mas também pode ser entendido como referencial, ou seja, o falante pode ter desejado dizer
algo sobre um indivíduo em particular que foi operado do coração. Por outro lado, ‘alguém’,
no exemplo (56), e ‘algum paciente’, no exemplo (57), não dão origem ao entendimento
referencial, somente ao entendimento típico de um quantificador, e têm a interpretação de que
o conjunto dos pacientes operados do coração não está vazio. Nestes termos, em PB,
sintagmas com ‘um’ favorecem leitura referencial. Por isso, mesmo em sintagmas ricos em
conteúdo descritivo, ‘alguém’ e ‘algum paciente’ não são lidos como referenciais
21
. Se o
falante quer dizer algo de um indivíduo em particular, o falante tende a preferir ‘um’.
20
As sentenças (53) e (54) podem ter uma interpretação referencial, mas essas interpretações são casos especiais.
No entanto, será esse tipo de interpretação será discutida apenas para sintagmas com ‘algum’ na seção 3.5.
21
Esta característica de ‘algum’ será desenvolvida mais adiante.
101
O mesmo pode valer para (58) e (59) que, apesar da presença do pronome
possessivo ‘seu’ no lugar de ‘meu’, ainda podem ser entendidos como referenciais, ao passo
que (60) não pode.
58) Um amigo meu foi operado do coração.
59) Um amigo seu foi operado do coração.
60) Algum amigo seu foi operado do coração.
Com base na análise do inglês de Fodor & Sag (1982), a topicalização de um
sintagma indefinido favorece o entendimento referencial. Para (61), a topicalização de a
Frenchman that I met in Tokyoum francês que eu encontrei em Tóquio permite supor que o
falante diz algo de um indivíduo em particular.
61) A Frenchman that I met in Tokyo, I went and had dinner with (him)
Um francês que eu encontrei em Tóquio, eu fui e tinha jantar com (ele) em
in New York last week.
22
em Nova York última semana
‘Um francês que eu encontrei em Tóquio, eu fui e jantei com (ele) em Nova York semana
passada’
Fazendo uma análise semelhante para o PB, na sentença (62), o deslocamento de
‘um aluno da 7°B que saiu da sala sem autorizção favorece a leitura referencial do
indefinido. Da mesma forma, como ocorre no exemplo do inglês estudado por Fodor & Sag
(1982), a topicalização indica que, se um falante diz algo sobre um indivíduo em particular, é
esperado que o sintagma que designa esse indivíduo possa ocupar a posição de tópico na
sentença.
62) Um aluno da 7ºB que saiu da sala sem autorização, o Anderson falou com a mãe dele
hoje.
22
(Fodor & Sag, 1982)
102
Com base nesse dado, é possível dizer que ‘um-NP’, quando em posição de tópico,
se aceito, é entendido como referencial, do mesmo modo como ocorre no inglês. Por sua vez,
a topicalização com ‘algum’, como na sentença (63), é uma construção agramatical.
63)* Algum aluno da 7ºB que saiu da as sem autorização, o Anderson falou com a mãe
dele hoje.
Segundo Fodor & Sag (1982), a co-ocorrência de indefinidos com sentenças
relativas-não restritivas não somente favorece, mas até mesmo força o entendimento
referencial. Esse efeito de referencialidade é mais forte com relativas não-restritivas do que
com relativas restritivas. Ao comparar as sentenças (64) e (65), os autores constatam ser
possível perceber que o indefinido com uma sentença relativa não-restritiva modificando-o,
como em (64), é entendido mais naturalmente como referencial do que o indefinido
modificado por uma relativa restritiva, como em (65).
64)
A student in the syntax class, who has a Ph.D. in astrophysics, cheated on the exam.
23
Um estudante em a sintaxe classe, que tem um Ph.D. em astrofísica, colou em o exame.
‘Um estudante na classe de sintaxe, que tem um Ph.D. em astrofísica, colou no exame’
65)
A student in the syntax class who has a Ph.D. in astrophysics cheated on the exam.
Um estudante em a sintaxe classe que tem um Ph.D. em astrofísica colou em o exame.
‘Um estudante na classe de sintaxe que tem um Ph.D. em astrofísica colou no exame’
Segundo os autores, o fato de relativas não-restritivas forçarem a leitura referencial
não é surpreendente, se for levado em conta que relativas não-restritivas ocorrem livremente
com expressões referenciais definidas, como em (66), e não são aceitáveis com núcleos
quantificados, como em (67)
24
.
23
Exemplos (64) e (65) de Fodor & Sag (1982)
24
Exemplos (66) a (67) de Fodor & Sag (1982)
103
66)
a. John, who has a Ph.D. in astrophysics, cheated on the exam.
Jonh, que tem um Ph.D. em astrofísica, colou em o exame
‘Jonh, que tem um Ph.D. em astrofísica, colou no exame’
b. This student, who has a Ph.D. in astrophysics, cheated on the exam.
Este estudante, que tem um Ph.D. em astrofísica, colou em o exame
‘Este estudante, que tem um Ph.D. em astrofísica, colou no exame’
67)
a.*Every student in the syntax class, who has a Ph.D. in astrophysics, cheated on
Todo estudante em a sintaxe classe, que tem um Ph.D. em astrofísica, colou em
the exame.
o exame
‘Todo estudante na classe de sintaxe classe, que tem um Ph.D. em astrofísica, colou no
exame’
b.*Each student in the class syntax, who has a Ph.D. in astrophysics, cheated on
Cada estudante em a classe sintaxe, que tem um Ph.D. em astrofísica, colou em
the exam.
o exame
‘Cada estudante na classe de sintaxe classe, que tem um Ph.D. em astrofísica, colou no
exame’
Ao analisar dados do PB, o sintagma contendo ‘um’ comporta-se como seu correlato
no inglês, pois relativas não-restritivas também forçam em português a leitura referencial.
Como ilustram os exemplos abaixo, (68) é mais naturalmente lida como referencial do que
(69).
104
68) Um paciente no HU, que ganhou um livro novo, foi operado do coração.
69) Um paciente no HU que ganhou um livro novo foi operado do coração.
Por outro lado, sintagmas com ‘algum’ comportam-se de modo semelhante aos
quantificadores ‘todo’, pois, assim como este, não pode se combinar com relativas não-
restritivas. Em paralelo com as sentenças estudadas por Fodor& Sag (1982), como no caso
das com every no inglês, por exemplo, as sentenças (70) e (71) em português também não são
aceitáveis.
70) *Algum paciente no HU, que ganhou um livro novo, foi operado do coração.
71) * Todo paciente no HU, que ganhou um livro novo, foi operado do coração.
Como demonstram Fodor & Sag (1982), com os exemplos (67a) e (67b),
quantificadores como every ou each , não são aceitáveis com sentenças não-restritivas. Pode-
se, então, tentar estender essa análise para o ‘algum do PB, uma vez que ele tem demonstrado
comportar-se como quantificadores como ‘todo’. Nos termos da proposta dos autores, como
‘algum’ não possui leitura referencial, isso impede que ele ocorra livremente com sentenças
relativas não-restritivas.
Além dessas características, conforme Fodor & Sag (1982), palavras como certain
‘certo’ contribuem para o entendimento referencial de um indefinido. Os autores não discutem
a semântica dessas palavras, mas ilustram com o exemplo (72) que, quando aparecem depois
do a ‘um’, esses modificadores forçam o entendimento referencial de um indefinido.
72) I accused a certain student of cheating. (Fodor & Sag, 1982)
Eu acusei um certo estudante de colar
‘Eu acusei um certo estudante de colar’
Ao fazer análise análoga para o PB, vê-se que ‘certo’ também força o entendimento
referencial de um indefinido. Na sentença (73), o indivíduo que foi operado deve ser
entendido como um indivíduo em especial. Por outro lado, se combinarmos ‘certo’ com
105
‘algum’, como em (74), a sentença não será sobre um indivíduo em especial e, no mínimo,
será estranha, o que mostra que ‘algum’ não pode ser entendido como referencial.
73) Um certo paciente foi operado do coração.
74) * Algum certo paciente foi operado do coração.
Outra diferença assinalada por Fodor & Sag (1982) entre a ‘um’ e quantificadores
como every ‘todo’, por exemplo, está no fato de que o primeiro não tem seu escopo
restringido por ilhas. Em geral, o escopo de um quantificador dentro de certos constituintes
sintáticos é restrito a estes constituintes, mas a ‘um’ pode fugir dessas ilhas.
Por exemplo, na sentença (75), analisada por Heim (1982), o escopo de somebody
‘alguém’ não se estende para além de sua sentença, e sua leitura é de que, para todo gato que
Maria pegou, um amigo diferente gostou do gato. Todavia, a um’, em (76), deve ser lido
como tendo escopo largo que se estende para a outra sentença, ou seja, existe um amigo (x), e
para todo gato (y) que Maria encontrou, x gostou de y.
75) Mary took every cat that somebody liked. (Heim, 1982).
Maria pegou todo gato que alguém gostou
‘Maria pegou todo gato de que alguém gostou’
76) Mary took every cat that a friend of hers, whose birthday it was, liked.
25
Maria pegou todo gato que um amigo de ela, de quem aniversário ele era, gostou.
‘Maria pegou todo gato que um amigo dela, de quem era aniversário, gostou’
Qualquer outro quantificador, incluindo each que, segundo Fodor & Sag (1982),
tende a preferir escopo largo, tem seu escopo limitado por ilhas; contudo, a ‘um’ não tem.
Outros exemplos de comportamento de fuga de ilhas sintáticas dos indefinidos envolvem ilhas
de sentenças condicionais. Essas sentenças contêm um sintagma indefinido dentro de uma
sentença condicional e um pronome que está fora da condicional, mas está relacionado
anaforicamente ao sintagma indefinido, como ocorre em (77).
25
Exemplo (Heim, 1982).
106
77) If a friend of mine from Texas had died in the fire, I would have
Se um amigo de mim do Texas tivesse morrido em o incêndio, eu poderia ter
inherited a fortune.
26
herdado uma fortuna
‘Se um amigo meu do Texas tivesse morrido no incêndio, eu poderia ter herdado uma fortuna’
Segundo Fodor & Sag (1982), a sentença (77) pode ser facilmente interpretada como
sendo sobre um amigo particular do falante. Entretanto, sentenças-se são ilhas de escopo para
exemplos de sintagmas quantificados, como em (78), que não pode significar que cada amigo
do falante é tal que, se ele morresse o falante herdaria uma fortuna.
78) If each friend of mine from Texas had died in the fire, I would have
Se cada amigo de mim do Texas tivesse morrido em o incêndio, eu poderia ter
inherited a fortune.
27
herdado uma fortuna
Se cada amigo meu do Texas tivesse morrido no incêndio, eu poderia ter herdado uma
fortuna’.
Olhando para sentenças do PB, é possível notar que ‘um’ pode fugir de ilhas de
escopo, como ocorre em (79), que pode ser entendida como falando de um indivíduo
particular. Estendendo a análise feita por Fodor & Sag (1982) para each ‘cada’ às sentenças
do PB com ‘algum’, vê-se que este se comporta de modo semelhante a um quantificador.
‘Algum’, no exemplo (80), assim como ‘cada’, no exemplo (81), não pode fugir de restrições
de ilhas de escopo de sentenças condicionais.
79) Se um amigo meu de Cajamar morresse no incêndio, eu herdaria uma fortuna.
80) Se algum amigo meu de Cajamar morresse no incêndio, eu herdaria uma fortuna.
81) Se cada amigo meu de Cajamar morresse no incêndio, eu herdaria uma fortuna.
26
(Fodor & Sag (1982))
27
(Fodor & Sag (1982))
107
A sentença (80) não pode ser entendida como falando sobre um amigo em particular.
O mesmo vale para (81), em que ‘cada’ não pode ultrapassar a restrição de escopo da
condicional.
Segundo Fodor & Sag (1982), ‘um’ pode escapar da restrição de escopo imposta
pela ilha porque é interpretado como referencial e, como tal, está imune a limites de ilhas de
escopo. De acordo com a proposta dos autores, sentenças como (82) podem ser interpretadas
com escopo dentro da sentença relativa e o boato é sobre um aluno desconhecido, esta leitura
é esperada se o indefinido for um quantificador. A sentença pode ser interpretada com o
indefinido tendo escopo para além do sintagma ‘cada professor’ e nesse caso, o indefinido é
interpretado como sendo sobre um aluno em especial, o indefinido não seria um quantificador,
uma vez que suas propriedades de escopo seriam diferentes dos demais quantificadores.
82) Cada professor ouviu o boato que um estudante meu foi chamado na reitoria.
Devido à possibilidade de um indefinido ter leitura referencial, eles não seriam
verdadeiros quantificadores e a aparente leitura de escopo largo dos indefinidos é uma leitura
referencial. Desse modo, os indefinidos são, de acordo com essa proposta, ambíguos entre
uma leitura quantifcacional e uma leitura referencial.
Haveria ainda uma terceira possibilidade de interpretação, em que o escopo do
indefinido ultrapassa somente a sentença relativa, leitura de escopo intermediário. Porém, essa
relação de escopo não estaria disponível para a sentença (82) e a ausência dessa interpretação
na sentença foi argumento para Fodor & Sag (1982) recusarem essa terceira possibilidade de
escopo.
A título de esclarecimento, é necessário dizer que Abusch (1994) apresenta
exemplos em que indefinidos apresentam essa possibilidade de escopo intermediário, como é
o caso da sentença (83).
108
83)
Every professor rewarded every student who read a book he had recommended.
28
Todo professor recompensou todo estudante que leu um livro ele tinha recomendado
Todo professor recompensou todo estudante que leu um livro que ele recomendou’
A sentença (83), segundo Abusch (1994) pode ter esse escopo intermediário e pode
ser interpretada como: cada professor escolheu um livro e recompensou cada estudante que
leu o livro escolhido. Neste caso, diferentes livros podem ter sido escolhidos por diferentes
professores. Se o indefinido a book he had recommended ‘um livro que ele recomendou’ for
interpretado dessa forma ele não é referencial. Ele não refere a qualquer livro em especial.
Mas se for um quantificador, ele tem escopo para além da sentença relativa violando os
limites de escopo impostos aos quantificadores.
Segundo Kratzer (1998), por sua vez, a leitura específica de um indefinido deve-se a
Choice Function. De acordo com a autora, indefinidos, como proposto por Fodor & Sag
(1982), são ambíguos entre uma interpretação quantificacional (nesse caso, seu escopo é local,
como outros sintagmas quantificados) e uma interpretação específica. Porém esta, ao contrário
do que propõem Fodor & Sag (1982), não está associada ao fato de um indefinido ser
referencial. Para Kratzer (1998), um indefinido específico denota Choice Function, que é
determinada contextualmente, pretendida pelo falante, mas que não é revelada ao ouvinte.
Dessa forma, apesar das propostas de Fodor & Sag (1982) e Kratzer (1998)
diferirem para explicar a leitura específica de um indefinido, ambas admitem que um
sintagma indefinido tem propriedades distintas de outros sintagmas quantificados. Porém,
essa dissertação não discutirá as propostas de Abusch (1993) e de Kratzer (1998).
Além das sentenças discutidas até este momento, há outro contexto que precisa ser
apresentado: construções com cópula. Assim como apontou Alonso-Ovalle & Menéndez-
Benito (2003) para o espanhol, em PB ‘algum' depois do verbo ‘ser’ em sentenças
declarativas soa estranho, como em (84), ao passo que construções com ‘um’ são naturais,
como ilustra (85).
28
Abusch (1994)
109
84) João é um bobo.
85) *João é algum bobo.
Em contextos pós-cópula sintagmas quantificados como ‘todo bobo’, também são
estranhos, como em (86). Todavia, nesta dissertação, ainda não será apresentada uma análise
para explicar o comportamento de ‘um’ e ‘algum’ em contextos predicativos.
86) *João é todo bobo.
Dessa seção do trabalho, que se dedicou ao comportamento quantificacional dos
indefinidos ‘um’ e ‘algum’, conclui-se, pelos dados, que ‘um-NP’ apresenta variabilidade de
força quantificacional; pode ser antecedente de anáfora; não tem seu escopo restringido por
ilhas como sentenças-se; pode combinar-se com sentenças relativas não-restritivas; pode ser
interpretado como referencial. Por sua vez, ‘algum-NP’ não apresenta variabilidade de força
quantificacional; pode ser antecedente de anáfora; tem seu escopo restringido por ilhas como
sentenças-se; não pode se combinar com sentenças relativas não-restritivas; e não pode ser
interpretado como referencial.
3.2. A relação entre indefinidos e efeito epistêmico: o que nos dizem os dados?
Esta parte do trabalho dedica-se à ilustração de dados no PB a respeito do
comportamento de ‘algum’ e ‘um’ no que concerne a marcar, ou não, a falta de conhecimento
do falante. Conforme Haspelmath (1997) existem indefinidos que marcam a falta de
conhecimento do falante. Ao optar pelo uso de certos indefinidos, o falante informa que não
está apto a dar qualquer informação sobre a identidade da entidade em questão. Segundo
Alonso-Ovalle & Menéndez-Benito (2003), indefinidos que induzem a esse efeito são
indefinidos epistêmicos.
No capítulo 2 dessa dissertação, foi apresentado o efeito epistêmico dos indefinidos
irgendein ‘algum’, algún ‘algum’, some ‘algum’ e do ‘qualquer’. Nesta parte do trabalho,
serão feitos testes para entender a contribuição semântica do ‘algum’ e do ‘um’, no que diz
110
respeito a esse efeito e demonstrar que há um contraste entre ambos: ‘algum’ marca a falta de
conhecimento do falante ao passo que ‘um’ não tem o mesmo efeito.
Considerando a seqüência em (88), a pergunta de B é inapropriada para a situação.
Porém, em (87) a mesma pergunta é perfeitamente natural.
87)
A: Uma pessoa ligou para você.
B: Quem?
88)
A: Alguma pessoa ligou para você.
B: # Quem?
O fato de a pergunta de B ser inapropriada em (88), mas apropriada em (87), está
relacionado a certa característica presente no ‘algum’ e ausente no ‘um’. Ao usar um sintagma
indefinido contendo ‘algum’, como ocorre em (88), o falante veicula que não pode dar
informações sobre a identidade do indivíduo que ligou, por isso não faz sentido B perguntar
quem era a pessoa; já no caso da sentença (87) ‘um’ pode ser interpretado de dois modos: o
falante pode desconhecer o indivíduo que ligou, então a pergunta não é apropriada. Todavia
‘um’ não marca, necessariamente, que o falante desconhece a identidade do referente, por
exemplo, A pode não ter dito quem era, por ter considerado irrelevante, e por esse motivo a
pergunta de B é apropriada.
Nas seqüências a seguir, há um contraste entre a relação entre ‘um médico’/’Édson’
e ‘algum médico’/ ‘Édson’. Na seqüência (89) a reposta de B é feliz em contraste com a
seqüência (90), em que a fala de B é inapropriada.
89)
A: Com quem a Maria casou?
B: Com um médico, o Édson
111
90)
A: Com quem a Maria casou?
B: #Com algum médico, o Édson.
No caso de (89), a fala de B é apropriada, pois com o uso de ‘um’ o falante não
marca que a identidade do médico com quem Maria se casou é desconhecida, ou irrelevante.
Todavia, no caso da seqüência em (90), ao escolher ‘algum médico’ o falante veicula
ignorância a respeito de quem seja o médico, por isso ‘algum médico’ não poder ser retomado
por ‘Édson’. Esse contraste explica porque a sentença (32b) retomada a seguir é agramatical.
Não é consistente com o uso de ‘algum médico’ que o falante saiba identificar a identidade do
médico.
32) b. Algum médico entrou no consultório. *Ele se chama Édson.
Como dito, ‘um’ pode também marcar falta de conhecimento do falante, mas isso
não indica que ‘um’ seja um indefinido epistêmico e tal afirmação pode ser confirmada pela
seqüência (89) em que, como ilustrado, ‘um médico’ pode ser usado em situações em que o
falante reconhece a identidade do referente.
Pelos exemplos acima, é possível constatar que ‘um’ e ‘algum’ têm características
distintas. Devido ao fato de ‘algum’ marcar falta de conhecimento do falante (com seu uso o
falante veicula que não está apto a dar qualquer informação sobre quem ligou), defende-se
aqui que ‘algum’, em contraste com ‘um’, que pode ou não marcar esse desconhecimento, é
um indefinido epistêmico.
Considerando o cenário apresentado por Alonso-Ovalle & Menéndez-Benito
(2003), adaptado, tem-se o seguinte: há, no Departamento de Lingüística, cinco professores:
João, José, Pedro, Luiz e Carlos. O falante sabe que Maria está saindo com um desses
professores, mas essa é a única informação que possui. Neste contexto a sentença (91) e (92)
são apropriadas.
91) Maria está saindo com um professor do DL.
92) Maria está saindo com algum professor do DL
112
A sentença (91) é apropriada, uma vez que ‘um’ pode ou não marcar a falta de
conhecimento do falante. Por exemplo, o falante poderia usar ‘um professor’ em uma situação
em que sabe que Maria está saindo com Luiz, mas por alguma razão não revela a identidade.
Porém, ao escolher ‘algum professor’, o falante veicula que não tem informação sobre a
identidade do affair de Maria. Ao usar ‘algum’ o falante diz que, até onde ele sabe, Maria
pode estar saindo com qualquer um dos professores do DL. No caso, as alternativas
epistêmicas do falante são cinco.
Mudando um pouco o cenário: há, no Departamento de Lingüística, cinco
professores: João, José, Pedro, Luiz e Carlos. O falante sabe que Maria está saindo com um
desses professores, mas sabe também que Maria não está saindo com João, Maria não está
saindo com José, Maria não está saindo com Pedro. Restam duas opções: Maria está saindo
com Luiz ou Maria está saindo com Carlos.
Nesse contexto, a análise da intuição dos falantes, diz que (92) não é apropriada.
Neste cenário, nem todas as opções estão disponíveis. O uso de ‘algum’ é inapropriado é
possível apontar duas razões: (i) as alternativas epistêmicas do falante não dizem que, até
onde o falante sabe, qualquer indivíduo no domínio é uma opção possível para escolha; (ii)
nesse contexto, onde apenas duas pessoas podem ser a “paquera” de Maria, o uso de ‘algum’
também pode ser inapropriado na medida em que, se há apenas duas possibilidades, é muito
provável que o falante saiba a identidade do professor com quem Maria está saindo.
Como dito, ‘um’ e ‘algum’ divergem no que diz respeito ao fato de o segundo ser
um indefinido epistêmico. A partir dos dados em (91) e (92), pode-se concluir que o uso de
‘algum’ está associado à possibilidade de escolha dentro de um conjunto de alternativas
possíveis (como será discutido na seção 3.6). ‘Um’, por sua vez, não está associado à
existência de um conjunto de alternativas possíveis, por esse motivo, a sentença (91) é
apropriada nos dois cenários acima.
Levando em conta um terceiro cenário: Maria e Paula são professoras do
Departamento de Lingüística, ambas estão em uma festa onde as pessoas não sabem os nomes
umas das outras. É uma reunião onde ninguém se conhece. De repente, o professor Maurício
começa a dançar sobre a mesa. Neste contexto, a sentença (94), proferida por Paula, que vê o
professor Maurício, mas não sabe seu nome, não é apropriada. Entretanto (93) é apropriada.
113
93) Um professor está dançando sobre a mesa.
94) Algum professor está dançando sobre a mesa.
Por outro lado, a sentença (94) é apropriada para um cenário em que Paula não vê o
professor. Se por acaso, no momento da reunião ela estivesse fora da sala, mesmo se soubesse
o nome de todos os indivíduos na sala, caso ela não pudesse ver Maurício sobre a mesa, (94)
seria apropriada.
Considere um contexto onde falante (A) e ouvinte conhecem Jonas como um grande
conquistador. De repente, (A) vê Jonas piscando para a irmã do ouvinte. Nesse contexto, (95)
é apropriada, (96) não é apropriada.
29
95) Um conquistador está piscando para sua irmã.
96) #Algum conquistador está piscando para sua irmã.
Em outra situação em que o falante olha pela janela e vê um homem tirando flores
do jardim, (A) pode proferir a sentença (97) e, neste caso, seu uso é apropriado, porém o uso
de ‘algum’, como em (98), não é adequado para esse cenário.
97) Um homem está tirando flores do jardim.
98) #Algum homem está tirando flores do jardim.
30
Os quatro últimos cenários ilustram que o uso de ‘algum’ está associado à existência
de um conjunto de alternativas possíveis de serem escolhidas. Por isso, o contato visual com o
referente, como ocorre na situação em que o falante vê um professor dançando na mesa, ou vê
um homem piscando para a irmã do ouvinte, e mesmo na situação em que o falante vê um
homem tirando flores do jardim, torna o uso de ‘algum’ inapropriado nessas situações.
Mesmo que o falante saiba os nomes das pessoas, como poderia ser o caso do cenário em que
o falante ouve do lado de fora o barulho da reunião, nessa situação, o uso de ‘algum’ é
29
Mais adiante será discutida a sentença (140).
30
Será discutida essa sentença posteriormente
114
apropriado desde que todas as opções dentro da sala sejam possíveis alternativas para estarem
dançando sobre a mesa.
Seguindo Kratzer & Shimoyama (2002), além das sentenças como as apresentadas
até aqui, é relevante olhar para a leitura dos indefinidos em sentenças com verbos modais para
observar o efeito da interação entre ambos. Segundo as autoras, como exposto na seção 2.1, o
efeito de livre escolha de irgendein ‘algum’ pode ser explicado se levar em conta tal
interação.
Inicialmente, nos dados do PB, é interessante olhar para a interpretação das
sentenças onde há ‘algum’ ou ‘um’ e um modal. Na análise da intuição dos falantes
consultados, as sentenças a seguir, com ‘algum’, possuem as possibilidades de interpretação:
(i) falante não sabe, mas sujeito da sentença sabe; (ii) nem falante e nem sujeito da sentença
identificam o referente. No caso de sentenças com ‘um’, as duas interpretações são possíveis
também, mas além das duas interpretações ao usar ‘um’, ainda há a possibilidade de tanto
Maria, quanto falante identificarem o referente.
As interpretações (i) e (ii) são possíveis para as seqüências de sentenças (99) e (100),
onde há presença do modal ‘tem que’.
99) Maria tem que casar com um professor.
Interpretações:
(i) Maria conhece o professor, mas o falante não conhece: há um professor com quem Maria
tem que casar, mas o falante não sabe quem é ele.
(ii) Maria e falante não conhecem o professor: Maria tem que casar e tem que ser com um
professor.
(iii) Maria e falante identificam o referente: nesse caso, assim como em (ii), há um professor
com quem Maria tem que casar, e falante e sujeito da sentença sabem quem é ele.
100) Maria tem que casar com algum professor.
Interpretações:
(i) Maria conhece o professor, mas o falante não conhece: há um professor com quem Maria
tem que casar, mas o falante não sabe quem é ele.
115
(ii) Maria e falante não conhecem o professor: Maria tem que casar e tem que ser com um
professor.
Da mesma forma, as leituras de que falante não identifica, mas sujeito da sentença
identifica o referente e de que nem falante e nem sujeito da sentença identificam o referente,
são possíveis para as sentenças (101), com ‘um’, e (102) com ‘algum’.
101) Maria pode casar com um professor.
Interpretações:
(i) Maria conhece o professor, mas o falante não conhece: há um professor com quem Maria
pode casar, mas o falante não sabe quem é ele.
(ii) Maria e falante não conhecem o professor: Maria pode casar com qualquer professor,
qualquer possibilidade é válida.
(iii) Maria e falante identificam o referente: nesse caso, assim como em (ii), há um professor
com quem Maria pode casar, e falante e sujeito da sentença sabem quem é ele.
102) Maria pode casar com algum professor.
Interpretações:
(i) Maria conhece o professor, mas o falante não conhece: há um professor com quem Maria
pode casar, mas o falante não sabe quem é ele.
(ii) Maria e falante não conhecem o professor: Maria pode casar com qualquer professor.
As mesmas leituras presentes nas sentenças (99) e (101) são possíveis para (103). Da
mesma forma, as leituras presentes em (100) e (102) são possíveis para (104). E as mesmas
interpretações disponíveis para ‘um’ e para ‘algum’ nesses contextos, estão disponíveis nas
sentenças (105) e (106), respectivamente, com o verbo ‘querer’.
103) Maria sabe que um professor entrou na sala.
Interpretações:
(i) Maria conhece o professor, mas o falante não conhece: há um professor e Maria sabe que
ele entrou na sala.
116
(ii) Maria e falante não conhecem o professor: uma pessoa entrou na sala, e era um professor,
pode ter sido qualquer professor.
(iii) Maria e falante conhecem o professor: há um professor e Maria sabe que ele entrou na
sala.
104) Maria sabe que algum professor entrou na sala.
Interpretações:
(i) Maria conhece o professor, mas o falante não conhece: há um professor e Maria sabe que
ele entrou na sala.
(ii) Maria e falante não conhecem o professor: uma pessoa entrou na sala, e era um professor,
pode ter sido qualquer professor.
105) Maria quer casar com um professor.
Interpretações:
(ii) Maria conhece o professor, mas o falante não conhece: há um professor com quem Maria
quer casar, mas o falante não sabe quem é ele.
(ii) Maria e falante não conhecem o professor: Maria quer casar e tem que ser com um
professor, não importa qual.
(iii) Maria e falante conhecem o professor: há um professor que Maria quer casar com ele.
106) Maria quer casar com algum professor.
Interpretações:
(ii) Maria conhece o professor, mas o falante não conhece: há um professor com quem Maria
quer casar, mas o falante não sabe quem é ele.
(ii) Maria e falante não conhecem o professor: Maria quer casar e tem que ser com um
professor, não importa qual.
Os exemplos (99) a (106) ilustram que ‘um’ pode ser lido como referencial e indicar
que o falante conhece a identidade do referente, ao passo que ‘algum’, pode até indicar que o
sujeito da oração identifica um referente, mas o falante não pode identificá-lo. Além disso,
como será desenvolvido na seção 3.6, indefinidos como ‘algum’, quando associados a modais,
117
disparam efeito de livre escolha, que gera seu efeito epistêmico, efeito este que ‘um’ não
possui.
Além desses dados, é importante ainda dizer que ‘algum’ pode associar-se às noções
de ignorância (desconhecimento), sentença (107), e indiferença (não importa qual), sentença
(108). ‘Um’ também pode associar-se a tais noções, ver sentenças (109) e (110),
respectivamente. Todavia, este indefinido permite ainda a leitura específica, ausente no uso de
‘algum’.
107) Para manter a forma, você precisa praticar algum esporte.
108) Para manter a forma, você precisa praticar um esporte.
109) João pegou alguma prova.
110) João pegou uma prova.
A partir dos dados apresentados nessa seção, é possível concluir que ‘um’ e ‘algum’
apresentam distinção quanto ao fato deste veicular falta de conhecimento do falante, o que o
caracteriza como indefinido epistêmico. Por outro lado, ‘um’ não veicula, necessariamente, tal
efeito e pode ser usado quando o falante tem um indivíduo específico em mente, mas não
revela sua identidade por alguma razão.
3.3. Resumo
Pelo que já foi exposto até este momento já é possível desenhar um quadro com
características do ‘um’ e do ‘algum’. O objetivo dessa seção é fazer um sumário do que a
análise dos dados apresentadao nas seções (3.1) e (3.2) permitiu visualizar. Então, será
resumido na tabela (111) o comportamento desses indefinidos com relação à quantificação e
ao efeito de marca de falta de conhecimento do falante.
118
111)
Quantificação
Características ‘um’ ‘algum’
Variabilidade de força quantificacional
ou
Antecedente de anáfora Sim Sim
Efeito Epistêmico
Características
um’
‘algum’
Pode ser interpretado como referencial Sim Não
Veicula desconhecimento/indiferença do falante
Pode Sempre
Conjunto de alternativas possíveis Não Sim
Induz a alargamento de domínio Não Sim
Como foi visto nesta dissertação existe de um contraste semântico entre os
indefinidos ‘um’ e ‘algum’ no PB. ‘Um’ herda sua força quantificacional, existencial ou
universal, de um operador na sentença (ver Heim, 1982). ‘Algum’ está sempre associado à
força quantificacional de existência. Além disso, ‘algum’ faz exigências semânticas que ‘um’
não faz: aquele veicula desconhecimento do falante, ao passo que este não veicula tal
desconhecimento, o que permite sua leitura como relacionado a um indivíduo específico.
O desconhecimento do falante está sendo denominado aqui, seguindo Alonso-Ovalle
& Menéndez-Benito (2003), como efeito epistêmico e ‘algum’, por induzir a esse efeito é um
indefinido epistêmico, ao passo que ‘um’ não tem a mesma característica, ou seja não é um
indefinido epistêmico. As próximas seções destinam-se a explicação das características
apresentadas na tabela acima.
3.4. De onde vem a força quantificacional dos indefinidos ‘um’ e ‘algum’?
Como ilustram os exemplos da seção 3.1, retomados como (112) e (113), ‘um
médico’ pode associar-se a força quantificacional existencial e universal, porém ‘algum’ está
sempre associado à mesma força quantificacional de existência.
119
112) Um médico acorda cedo.
113) Algum dico acorda cedo.
Além disso, ‘um-NP’ e ‘algum-NP’ podem se associar a pronomes que estão além
de sua sentença, como ilustram os exemplos na seção 3.1, retomados como (114) e (115 ).
114) Um médico entrou no consultório. Ele esqueceu o estetoscópio.
115) Algum médico entrou no consultório. Ele esqueceu o estetoscópio.
Grosso modo, pelo fato de indefinidos como ‘um’ apresentarem variabilidade de
força quantificacional e poderem ser “retomados” por pronomes, Heim (1982) propõe, como
apresentado na seção 1.3 do capítulo 1, que indefinidos são introdutores de variáveis.
Apesar de ‘algum’ não apresentar tal variabilidade de força quantificacional, propõe-
se aqui que ambos, ‘um’ e ‘algum’, sejam indefinidos nos termos de Heim (1982),
introdutores de variáveis, presos por um operador na sentença. No caso de sintagmas com
‘um’ a assunção de que a variável introduzida por um indefinido é presa por um operador na
sentença é bastante plausível uma vez que esse operador pode variar entre existencial e
universal). Por outro lado, explicar que a força quantificacional de ‘algum’ vem de um
operador na sentença, mesmo que este sempre esteja associado à leitura existencial é mais
difícil. Neste sentido, esta seção do trabalho discute a proposta de Kratzer & Shimoyama
(2002), segundo a qual indefinidos como ‘algum’ possuem um traço não interpretável, mas
pronunciado de existencial. A partir dessa análise, ‘algum’ é um indefinido e a presença desse
traço faz com que esse indefinido seja sempre lido como existencial.
De acordo com Heim (1982), a força quantificacional de existência do indefinido em
(116) não é inerente a ele.
116) Um gato entrou.
Para explicar a força quantificacional de existência de (116), Heim (1982) defende a
idéia de que nestes casos há uma Construal Rules de Existential Closure. Por meio dessa
regra postula-se um operador existencial que prende a variável introduzida por um indefinido.
120
Na representação em (116’), ‘um gato’ fica sob o escopo da Existential Closure, o que
permite a leitura de quantificação existencial do indefinido.
116’)
T
T
S
NP
1
S
um gato e
1
entrou
No caso de (116), o operador que prende a variável é um operador existencial,
porém em sentenças com leitura universal, a variável pode ser presa, por exemplo, por um
advérbio de quantificação como ‘sempre’, como apresentado no capítulo 1, na seção 1.3.
Segundo a proposta de Kratzer & Shimoyama (2002), por sua vez, mesmo
indefinidos, que se associam à mesma força quantificacional, herdam sua força
quantificacional de algum operador na sentença. É o caso de irgendein ‘algum’, que não
mostra qualquer variabilidade quantificacional. Todavia, as autoras argumentam este
indefinido não possui força quantificacional própria. As autoras defendem que a verdadeira
fonte da leitura existencial vem da relação entre sintagmas nominais com irgendein ‘algum’ e
operadores que prendem a variável introduzida por ‘irgendein’. A aparente interpretação
existencial pode ser vista como uma espécie de concordância.
Uma sentença, vista anteriormente e retomada abaixo como (117), apresenta duas
leituras: (i) há um médico com quem Maria tinha que casar e o falante não sabe quem é o
médico; (ii) Maria tinha que casar com um médico, e qualquer opção era uma possibilidade
permitida.
121
(117) Mary musste irgendeinen Arzt heiraten. (Kratzer & Shimoyama, 2002)
Maria tinha que irgend-um dico casar
‘Maria tinha que casar com algum médico.
De acordo com Kratzer & Shimoyama (2002), uma vez que irgendein ‘algum’ não
tem força quantificacional própria, mas é lexicalmente especificado como existencial ele
precisa concordar com um operador []. Seguindo o que propõe Heim (1982), em uma
sentença como (117), as autoras assumem que o operador [] é introduzido junto com o
modal com uma Existential Closure no escopo nuclear do modal. Desse modo, a forma lógica
para (117) seria a representada em (118), em que o modal combina-se a um operador
existencial que prende a variável introduzida pelo indefinido. Irgendein ‘algum’, por
exemplo, introduz alternativas possíveis: ao ser combinado a um predicado, cria conjuntos de
alternativas proposicionais que vão expandindo até serem presas por um operador.
118) (Muss + [] (Mary irgendeinen Arzt heiraten ) (Kratzer & Shimoyama, 2002)
Tem que + [] (Maria irgend-um médico casar)
Conforme exposto na seção 2.3., Alonso-Ovalle & Menéndez-Benito (2003)
assumem que em sentenças em que não há um modal realizado abertamente, há um operador
modal de asserção, que prende as alternativas proposicionais criadas pelo indefinido
combinado com um predicado.
No caso de ‘algum’ é possível analisar sua força quantificacional da combinação de
um modal e um operador existencial, como proposto para o irgendein ‘algum’. No exemplo
(119), ‘algum médico’, ao ser combinado com o predicado, cria um conjunto de alternativas
possíveis. O significado do modal, diz que para cada mundo possível uma dessas alternativas
é verdadeira. Combinado a esse modal, há um operador de existência, que prende a variável
introduzida pelo indefinido.
119) Maria tem que casar com algum médico.
122
Com base na explicação de Kratzer & Shimoyama (2003), assume-se, então, que
‘algum’ é seletivo, ou seja, não se associa a outros operadores que não sejam existenciais,
pois possui um traço não interpretável de existencial (), mas pronunciado. Devido a isso, ele
sempre está relacionado a uma leitura existencial. Por sua vez, ‘um’ não possui tal traço e
pode associar-se a qualquer operador (universal ou existencial) o que permite sua
variabilidade de leitura quantificacional.
3.5. De onde vem o efeito epistêmico de ‘algum’?
Esta seção dedica-se a explicar como se constrói o efeito epistêmico de ‘algum’, ou
seja, o que permite que ‘algum’ veicule desconhecimento do falante em relação ao referente,
em contraste com ‘um’, que não é um indefinido epistêmico.
Esta parte do trabalho dedica-se a mostrar que o efeito epistêmico de ‘algum’ é
gerado como efeito de livre escolha. Grosso modo, ‘algum’ denota um conjunto de indivíduos
e quando combinados a predicados cria um conjunto de alternativas possíveis, que expandem
até encontrar um operador que as prenda, o que constitui alargamento de domínio; por sua
vez, sua interação com um modal cria o efeito de livre escolha, uma vez que os modais
“fornecem” os mundos possíveis para as alternativas criadas pelo indefinido. Dessa forma, o
objetivo dessa parte do trabalho é explicitar como se dá esse efeito.
A denotação do sintagma indefinido ‘alguma menina’, em (120), é o conjunto de
meninas em um domínio dado contextualmente. Se no contexto há cinco meninas: Maria,
Joana, Paula, Carla e Fernanda, a denotação de ‘alguma menina’ será o conjunto {Maria,
Joana, Paula, Carla, Fernanda}.
120) alguma menina
Por sua vez, ao se combinar ‘alguma menina’ com o predicado ‘entrou na sala’,
como em (121), tem-se um conjunto de alternativas proposicionais {Maria entrou na sala;
Joana entrou na sala; Paula entrou na sala; Carla entrou na sala; Fernanda entrou na sala}.
121) Alguma menina entrou na sala.
123
Nestes termos, ‘alguma’ induz ao máximo alargamento do domínio, correspondendo
ao grupo máximo de alternativas proposicionais (o conjunto com todas as alternativas).
Quando um indefinido como ‘alguma menina’ entra em interação com um verbo como
‘saber’, como em (122), a semântica do verbo, diz que para cada alternativa dos mundos
possíveis relacionados ao que Claudia sabe, pelo menos uma das meninas no domínio entrou
na sala em um desses mundos.
122) Claudia sabe que alguma menina entrou na sala.
No caso de sentenças como (121), seguindo Alono-Ovalle e Menéndez-Benito
(2003), admite-se que exista, nesses casos um operador modal de asserção. Dessa interação
entre alargamento de domínio e modalidade surge o efeito de livre escolha, que, por sua vez
associa-se ou à indiferença: não importa a opção a ser escolhida, como no exemplo (107),
retomado abaixo; ou à ignorância: o falante não pode escolher porque ignora o referente,
como no exemplo (109), retomado abaixo.
107) Para manter a forma, você precisa praticar algum esporte.
109) João pegou alguma prova.
Por sua vez, indefinidos como ‘um’, seguindo Kratzer & Shimoyama (2002)
denotam subconjuntos de seus conjunto de nome comum. Desse modo, ‘um menina, por
exemplo, denota um subconjunto do conjunto de meninas, mas pode denotar também um
conjunto com um único elemento, além disso ‘um’ não induz a alargamento de domínio.
Para entende melhor a relação entre modais e indefinidos, serão apresentadas
algumas propriedades dos modais.
Segundo Kratzer (1981), modais estão associados à semântica de mundos possíveis.
De acordo com a autora, as expressões dos modais nas línguas são capturadas em três
dimensões: força modal, que diz respeito, por exemplo, à necessidade e possibilidade; base
modal, que determina o conjunto de mundos acessíveis, por exemplo epistêmica; e uma fonte
de ordenação, que determina a ordenação desses mundos, dêontica, por exemplo.
124
Tendo em consideração uma situação em que Pedro foi morto no aeroporto de
Guarulhos e o detetive Roberto está encarregado pela investigação do crime. Durante muito
tempo Pedro trabalhou com João, José e Paulo e não tinha um bom relacionamento com
nenhum deles. No dia do assassinato Paulo e José estavam no aeroporto. Diante das
circunstâncias, o detetive responsável pela investigação pode concluir (123).
123) Paulo pode ser o culpado.
A sentença pode ser analisada levando-se em conta o que é possível saber sobre a
morte de Pedro nesse contexto. Paulo, José ou qualquer outra pessoa podem ser culpados,
porém, a situação em que João é o assassino é descartada, pois João nem estava no local do
crime no momento da morte. Nesse caso, a sentença está associada a uma força modal de
possibilidade.
Entretanto, no desenrolar das investigações o detetive descobre que o assassino é
Carlos, um homem bastante perigoso com quem Pedro tinha negócios escusos. Além disso,
Carlos fora encontrado com a arma do crime. Nesse caso, a sentença exclui qualquer outra
possibilidade, e a força modal associada à sentença (124) é de necessidade.
124) Carlos deve ser culpado.
Ao dizer que Paulo pode ser o culpado, como na sentença (123), o falante baseia-se
efetivamente no que sabe, nas circunstâncias relevantes que fazem parte de sua bagagem de
conhecimento. Devido a isso, a base modal (o conjunto de mundos possíveis) é dado pelo
conhecimento do que falante sabe.
Essas noções aplicadas a uma sentença com indefinido, como (125), resulta que, ao
proferir (125), o falante afirma que um indivíduo esqueceu a chuteira, e além disso, com o uso
do ‘algum’ o falante implica que não é capaz de identificar o indivíduo (leve em conta um
contexto onde em uma fábrica há 21 funcionários que jogam futebol).
125) Algum rapaz esqueceu as chuteiras.
125
Como visto, ‘algum’ denota um conjunto de indivíduos, então há alternativas de
indivíduos possíveis: Paulo, Pedro, José, Mário,... Pelo uso do ‘algum’ o ouvinte entende que
o falante não sabe qual das alternativas deve ser escolhida (como visto, ‘algum’ veicula o
desconhecimento do falante). Além disso, o contexto permite ao falante inferir, por tudo que
sabe e pelas evidências que possui, que foi algum rapaz que esqueceu as chuteiras. Tem-se,
nesse caso, uma base modal epistêmica, uma vez que os mundos acessíveis estão relacionados
ao conhecimento do falante. Dessa forma, é possível explicar como se dá a interação entre
modais e as alternativas criadas pelo indefinido.
Pelo que o falante sabe, pelos mundos que constituem a base do conhecimento,
existe um conjunto de alternativas x tal que x esqueceu as chuteiras. Para todas as alternativas
há um mundo possível em que o rapaz esqueceu a chuteira. Além disso, não há uma
alternativa que torne a proposição verdadeira em todos os mundos possíveis dados pela base
modal. O falante, pelas evidências que tem, sabe que um indivíduo esqueceu suas chuteiras e
sabe também que diferentes rapazes poderiam ter esquecido as chuteiras relevantes do
contexto. O falante não sabe qual rapaz esqueceu suas chuteiras no mundo atual e devido a
isso não está apto a escolher a alternativa correspondente ao mundo atual.
Para que o uso de ‘algum’, nessa situação, seja apropriado é preciso garantir que
haja pelo menos dois mundos em que as alternativas sejam distintas. Segundo Pires de
Oliveira (2005), é possível se fazer isso por meio de uma restrição à base modal, que garante
que isso ocorra, pois ‘algum’ exige um conjunto de alternativas que estejam disponíveis para
serem escolhidas.
De acordo com Kratzer & Shimoyama (2002) as alternativas criadas pelo indefinido
podem ser distribuídas nos mundos accessíveis introduzidos por modais. A essa restrição à
base modal de que fala Pires de Oliveira (2005), as autoras denominam exigência de
distribuição.
Por sua vez, a relação com modalidade pode explicar o uso das sentenças da seção
3.2 retomadas abaixo como (126) e (127). Em uma situação em que o falante vê o menino e
mesmo assim faz uso do algum, esse uso faz sentido se considerar que o falante quer
implicar um significado.
126
126) #Algum conquistador está piscando para sua irmã.
127) #Algum homem está tirando flores do jardim.
Segundo Grice (1975), a conversação é, por natureza, cooperativa e essa cooperação
é articulada de acordo com “normas” (Máximas Conversacionais) que os interlocutores
devem respeitar para que ela aconteça. Os interlocutores obedecem a essas máximas para
respeitar o Princípio de Cooperação, segundo o qual os interlocutores devem fazer
contribuições adequadas ao objetivo da conversa. Neste sentido, os participantes da conversa
obedecem as seguintes máximas:
(i) Relação: seja relevante;
(ii) Qualidade: fale de informações para as quais você possui evidências de que são
verdades;
(iii) Quantidade: coloque a informação necessária, não omita ou diga informações em
excesso;
(iv) Modo: evite ambigüidades e obscuridades, seja claro e objetivo.
Tendo isso em mente, o ouvinte pode seguir, segundo o Princípio de Cooperação, o
raciocínio: o uso de implica que o falante não sabe dar informações sobre o referente; se
nesse contexto o falante, mesmo vendo o menino, usa ‘algum’ é porque ele quer transmitir
alguma informação: ele está vendo o menino, e sabe quem é, mas não quer dizer, então o
falante está sendo informativo.
Segundo Kratzer & Shimoyama (2002), o falante pode escolher um elemento como
‘algum’, que alarga o domínio para evitar inferência de falsa exaustividade e uma afirmação
falsa, mais precisamente o uso de ‘algum’ pode indicar extrema ignorância. Se há um
conjunto de alternativas possíveis e o falante não pode escolher uma delas, pois sua falta de
conhecimento não permite, então é natural que, por cooperação ele opte pelo ‘algum’.
Outro dado que o efeito epistêmico de ‘algum’ explica é a impossibilidade desse
indefinido ser lido como “referencial” ao passo que ‘um’, por não veicular tal efeito, pode ser
lido como “referencial”, como acontece nas seqüências apresentadas na seção 3.2 e retomadas
em (128) e (129).
127
128)
A: Com quem a Maria casou?
B: Com um médico, o Édson
129)
A: Com quem a Maria casou?
B: #Com algum médico, o Édson.
Partindo das análises apresentadas no capítulo 2 para o irgendein ‘algum’, para o
algún ‘algum’ e para o ‘qualquer’, nesta seção, mostrou-se que o efeito epistêmico de
‘algum’, em PB, pode ser derivado e porque tal efeito não faz parte das características
semânticas do ‘um’.
3.6. Relação entre ‘um’, ‘algum’ e ‘qualquer’
Esta seção destina-se a uma breve comparação entre ‘um’, ‘algum’ e ‘qualquer’. Tal
comparação tem como objetivo ilustrar as diferenças entre esses indefinidos. Se na seção
anterior a distinção entre ‘algum’ e ‘qualquer’ parece ter ficado neutralizada, é importante
procurar ao menos ilustrar que a diferença entre ambos existe.
A primeira comparação a fazer diz respeito à força quantificacional: ‘um’ e
‘qualquer’ apresentam variabilidade de força quantificacional, porém ‘algum’ está sempre
associado à mesma força quantificacional de existência, como ilustram as sentenças (130)
(135).
130) Uma mulher chora.
(Leituras: Toda mulher chora/existe pelo menos uma mulher e ela chora)
131) Qualquer mulher chora
(Leituras: Toda mulher chora)
132) Alguma mulher chora.
(Leitura: Existe pelo menos uma mulher e ela chora)
128
133) Maria está com um problema.
(Leitura: Maria está com um problema /existe pelo menos um problema)
134) Maria está com qualquer problema.
(Leitura: Maria está com um problema /existe pelo menos um problema)
135) Maria está com algum problema.
(Leitura: Maria está com um problema /existe pelo menos um problema)
‘Qualquer’ e ‘algum’ não podem ser usados quando o falante conhece o referente,
como ilustra a estranheza de (136) e (137); porém ‘um’ pode ser usado nessa situação, como
ilustra a sentença (138), em que ‘João’, pode referir-se ao indefinido.
136) #A Maria casou com qualquer professor, o João.
137) #A Maria casou com algum professor, o João
138) A Maria casou com um professor, o João
‘Algum’ induz a um alargamento de domínio o que gera um conjunto de
alternativas. Segundo Pires de Oliveira (2005) ‘qualquer’, em seu uso apropriado pode ser
usado somente em contextos onde há um conjunto de alternativas possíveis. Este indefinido
também induz a alargamento de domínio. Por sua vez, ‘um’ não induz a alargamento de
domínio. Outra característica que distingue ‘algum’ e ‘qualquer’, além da força
quantificacional, é o comportamento em relação ao alargamento de domínio.
A análise da intuição dos falantes entrevistados, diz que ‘qualquer’ faz uma
“ampliação maior” do domínio, o que permitiria a leitura de (139) como falando de todos os
indivíduos sem exceção (generalização). Todavia ‘algum’, em (140), soa estranho, já que não
pode ser entendido como falando da classe geral de indivíduos que são coruja e que esses
comem rato.
139) Uma coruja come rato. (Pires de Oliveira, 2005)
Mesmo uma coruja doente?
Qualquer coruja come rato.
129
140) Uma coruja come rato.
Mesmo uma coruja doente?
*Alguma coruja come rato.
Dessa maneira, os dados ilustram que o alargamento de domínio é mais “restrito”
para o ‘algum’ do que para o ‘qualquer’. Segundo Kratzer (c.p.) esse é um assunto que tem
sido bastante discutido pelos semanticistas interessados na semântica dos indefinidos.
Todavia, apesar de bastante pertinente para este trabalho, a discussão sobre tal tópico não será
desenvolvia nesta dissertação.
31
3.7. Comparação entre os indefinidos do alemão, do espanhol, do inglês e do português
Esta seção retoma as principais características apresentadas no capítulo 2 para os
indefinidos do alemão, do espanhol e do inglês.
No alemão, irgendein ‘algum’, de acordo com a proposta de Kratzer & Shimoyama
(2002), é um indefinido nos termos de Heim (1982). É um elemento alargador de domínio
que, quando combinado a um predicado, introduz alternativas proposicionais que vão
expandindo até que um operador as prenda. Está sempre associado a um operador existencial
e em interação com modais induz a um efeito de livre escolha.
Segundo Alonso-Ovalle e Menéndez-Benito (2003) algún ‘algum’ apresenta as
mesmas características de irgendein ‘algum’. De acordo com os autores, algún ‘algum’ induz
a um efeito epistêmico que é resultado do alargamento de domínio induzido por algún
‘algum’ em interação com um modal epistêmico, que cria um efeito de livre escolha que
caracteriza o efeito epistêmico do indefinido algún ‘algum’.
No PB, ‘algum’, por sua vez, possui as mesmas características de algún ‘algum’ e no
que diz respeito ao seu efeito epistêmico também está associado à livre escolha; é um
elemento alargador de domínio e não apresenta variabilidade de força quantificacional.
Por outro lado, o efeito epistêmico de some ‘algum’ não está relacionado à livre
escolha, mas sim, de acordo com Alonso-Ovalle e Menéndez -Benito (2003), a diferentes
níveis de ignorância. O uso de some ‘algum’ é apropriado mesmo em uma situação em que o
31
C.P.: conversa pessoal em 30/05/2007.
130
falante tem acesso visual ao referente, como foi apresentado na seção 2.3. Para o uso de some
‘algum’ ser apropriado basta, simplesmente, que o falante não saiba, por exemplo, o nome do
indivíduo em questão, não é uma exigência desse indefinido um conjunto de alternativas
possíveis.
Por sua vez ein ‘um’, un ‘um’, a ‘um’ e ‘um’ não são indefinidos epistêmicos, pois
o uso desses indefinidos é apropriado mesmo quando o falante conhece a identidade do
referente (tem, por exemplo, um indivíduo em mente).
3.8. Resumo
Neste capítulo foram apresentadas as características no que diz respeito ao
comportamento quantificacional de ‘um’, que apresenta variabilidade de força
quantificacional, e de ‘algum’, que não apresenta tal variabilidade. Para explicar essa
característica do ‘algum’ estar associado à mesma força quantificacional, assumiu-se a
proposta se Kratzer & Shimoyama (2002) para o irgendein ‘algum’, segundo a qual
indefinidos como ‘algum’, que associam-se apenas à interpretação de existencial, possuem um
traço existencial não-interpretável. Por outro lado, ‘um’ não possui tal traço e pode ser
interpretado como universal e como existencial.
Além disso, foi mostrado que ‘um’ e ‘algum’ são diferentes no que diz respeito ao
fato de o último marcar falta de conhecimento do falante ao passo que o primeiro não possui
tal efeito. Esse efeito, denominado epistêmico, está associado a um efeito de livre escolha.
Neste capítulo também foi discutido como se dá a interação de indefinidos, como
‘algum’, sob o escopo modais. Foi discutido também que ‘algum’, como ‘qualquer’, induz a
um alargamento de domínio, porém tal alargamento é distinto para os dois indefinidos. Por
fim, buscou-se retomar as principais características apresentadas no capítulo 2, para os
indefinidos do alemão, do espanhol e do inglês para ilustrar qual a relação existente entre o
português e essas línguas.
131
Conclusão Geral: já é possível saber a denotação dos sintagmas contendo ‘um’ e ‘algum’
no PB?
Como dito no início dessa dissertação, semanticistas como Haspelmath (1997),
Kratzer & Shimoyama (2002), Alonso-Ovalle & Menéndez-Benito (2003), entre outros, têm
se voltado para o estudo da denotação dos indefinidos dentro das línguas e entre as línguas
em busca de propriedades semânticas que os caracterizem.
No estudo do português brasileiro é possível citar a análise do ‘qualquer’ (ver Pires
de Oliveira, 2005), que trata das propriedades semânticas do ‘qualquer’. Todavia, ainda há
necessidade de maiores estudos que se voltem para os indefinidos do PB, de modo a buscar e
a explicar as propriedades semânticas que os caracterizam.
Esse trabalho se propôs a realizar uma análise das propriedades semânticas dos
indefinidos ‘um’ e ‘algum’ no PB e a mostrar que existe um contraste semântico entre ambos.
No primeiro capítulo foram apresentadas algumas propostas de análises para os
indefinidos ‘um’ e ‘algum’. Gollo (2004) havia apontado para a existência de uma distinção
entre os dois indefinidos no PB.
Nesta dissertação, ‘algum’ é analisado como um indefinido epistêmico (marca falta
de conhecimento do falante) ao passo que ‘um’ não veicula tal efeito. No entanto, a análise
das leituras disponíveis para sentenças contendo ‘um’ mostrou que este indefinido também
pode ser usado em situações em que o falante (e sujeito da oração) não estão aptos a dar
informações sobre o referente.
‘Algum’, por sua vez, está sempre associado a essa falta de conhecimento do falante.
Quando um indivíduo escolhe um elemento alargador de domínio, tal como ‘algum’, no
mínimo ele implica que não pode dar maiores informações sobre a identidade do referente.
Por sua vez, o ouvinte interpreta que ao usar tal indefinido o falante quer evitar uma falsa
afirmação.
O indefinido ‘um’ associa-se a diferentes operadores, o que lhe permite leitura de
quantificação universal e leitura de quantificação existencial. Seguindo a proposta de Kratzer
& Shimoyama (2002), ‘algum’, é um indefinido “seletivo”, pois se associa sempre a um
operador existencial.
132
Em síntese ‘um NP’ quanto ao comportamento quantificacional, (i) apresenta
variabilidade de força quantificacional; (ii) pode ser antecedente de pronome anafórico; (iii)
não tem seu escopo restringido por sentenças-se, (iv) pode combinar-se com sentenças
relativas não-restritivas. Não é um indefinido epistêmico e devido a isso (i) pode ser lido
como fazendo referência a um indivíduo em especial; (ii) não induz a alargamento de
domínio; (iii) não está associado à livre escolha dentro de um conjunto de alternativas e (iv)
não induz a um efeito epistêmico.
Por sua vez, ‘algum NP’ quanto ao comportamento quantificacional, (i) não
apresenta variabilidade de força quantificacional; (ii) pode ser antecedente de pronome
anafórico; (iii) tem seu escopo restringido por sentenças-se, (iv) não pode combinar-se com
sentenças relativas não-restritivas. ‘Algum NP’ é um indefinido epistêmico e devido a isso (i)
não pode ser lido como fazendo referência a um indivíduo em especial; (ii) induz a
alargamento de domínio; (iii) está associado à livre escolha dentro de um conjunto de
alternativas e (iv) induz a um efeito epistêmico.
Apesar de estar sempre associado à força quantificacional de existência, assume-se,
neste trabalho, que tal característica é resultado de um processo de concordância com o
operador existencial que prende a variável introduzida por ele. Nestes termos, ‘algum’ possui
um traço pronunciado, mas não interpretável de existencial e isso lhe confere sempre a mesma
leitura. Desse modo, tanto ‘um’ quanto ‘algum’ são indefinidos nos termos de Heim (1982).
Nestes termos, ‘algum’ assemelha-se à descrição proposta por Pires de Oliveira
(2005) para o ‘qualquer’, uma vez que este, de acordo com a análise da autora, é um
introdutor de variável, pressupõe um conjunto de alternativas possíveis, induz a alargamento
de domínio e ao efeito de livre escolha, que gera ignorância e indiferença. Todavia, a análise
da intuição dos falantes permitiu concluir que a restrição desse alargamento é distinta entre
esses dois indefinidos. De acordo com os dados, o alargamento de domínio realizado por
‘algum’ é “menor” que o induzido por ‘qualquer’. Em uma escala, ‘um’, não induz a
alargamento de domínio, ‘algum’ induz, mas tal alargamento é mais restrito que o realizado
por ‘qualquer’. Nesse aspecto, ‘qualquer’ tem como domínio o conjunto de todos os
indivíduos, assim como ocorre com irgendein ‘algum’, conforme Kratzer & Shimoyama
(2002).
133
Ao realizar a análise da distinção entre os indefinidos ‘um’ e ‘algum’ no português
brasileiro e mostrar que eles se comportam como outros indefinidos em outras línguas, essa
dissertação contribui para uma teoria semântica preocupada com uma tipologia dos
indefinidos. Este trabalho é, portanto, uma contribuição para os estudos dos indefinidos no PB
e entre as línguas.
134
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