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Vai defender a Índia. Lorde Curzon, o atual vice-rei, declara-o formalmente; a
Índia é uma enorme fortaleza triangular, tendo o Índico como um fosso envolvendo-a
por dois lados e, pelo outro, o muro do Himalaia.
Transposto este, está uma esplanada, o glacis, que deve jazer na mais
absoluta neutralidade. E a região ao sul do Tibete. Este porém abandonando, nos
últimos tempos, o seu isolamento milenário, mandou emissários ao tzar, abrindo
espontaneamente à política asiática da Rússia um dilatado campo, que se expande,
a partir das fronteiras orientais do Turquestão. Deste modo, a Rússia, sobre o glacis,
irá ajustar-se, por terra, às lindes da mais imponente das possessões inglesas,
bloqueando-lhe daquele lado trezentos milhões de súditos.
Daí, esse movimento de contrapolítica, que o Times resume limpidamente: "A
resolução do governo inglês é clara. Para o russo dominante no Turquestão, o
Tibete é um pais muito distante, que tem muito perto, a um passo, a Índia. E, embora
este passo tenha de dar-se por cima do Himalaia, a grande cordilheira, de modo
algum se compara ao imenso planalto enregelado, onde o caminhante opresso,
numa altitude de 5.000 metros, calca, durante dois meses, a neve sem ver um
homem, sem ver uma única árvore entre os piamos do Turquestão e as primeiras
cabanas dos caçadores, a 200 quilômetros de Lassa. Este planalto, e não a
cordilheira, é que forma a fronteira setentrional da Índia; e o governo inglês não
permite que lha ocupem num movimento ameaçador e contorneante.
A Inglaterra não vai conquistar, povoar, ou colonizar aquele trato do território.
O que a Inglaterra não quer, e tenazmente, é que lhe extingam aquele deserto — e
que penetre no país, perpetuamente malignado pelo clima, pela imbecilidade dos
lamas e pela vadiagem aventureira dos tchandalas, a alma forte e maravilhosa dos
russos."
Ressalta, nesta circunstância, o significado interessantíssimo do caso.
A nação mais prática entre todas – onde a inteligência, conforme a frase de
Emerson, está numa espécie de materialismo mental, porque nada produz sem se
basear num fato positivo — coloca-se, inesperadamente, ao lado da infinita
idealização estagnada do budismo...
Porque, afinal, o que convém à política inglesa na Índia é a permanência da
sociedade decaída e apática, o vazio da célebre "esplanada" — com tanta seriedade
e tão involuntário humorismo exposta pelo previdente Lorde Curzon.
E para isso, armou-se uma expedição, que lá está, há meses, assoberbada
de dificuldades de toda a ordem, num solo onde as armas inglesas, encontrando nos
tibetanos uma resistência inesperada, ainda não perderam o brilho, somente devido
à bravura e à tenacidade inamolgável dos gurkas e siks do Nepal, os melhores
soldados do velho mundo.
A tomada de Giantsé, efetuada pelo coronel Younghusband, depois de um
rude canhoneio, deu-lhes um ponto estratégico de primeira ordem. Aquela cidade
era o primeiro objetivo da campanha. Segundo se colhe de notícias anteriores, o
governador da Índia pretendia, expugnando-a, transformá-la num centro de
negociações diplomáticas com os grandes lamas e com o Dalai-Lama de Lassa, por
maneira a firmar o prestígio britânico, sem maiores dispêndios de sacrifícios.
A este propósito, citou-se, mesmo, o grande lama de Tashe Lump, "o grande
mestre", como o denominam, que assiste em Shigtsé, a poucas léguas de Giantsé.
Ao que se figura, porém, as tentativas neste sentido fracassaram.
Os últimos despachos noticiam que a expedição, agora sob o mando direto do
general MacDonald, segue rumo decisivo para o seu objetivo lógico, para Lassa,
para o âmago do país, para a Roma intangível do budismo...