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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
CENTRO DE ESTUDOS SOCIAIS APLICADOS
FACULDADE DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
ZULEIDE SIMAS DA SILVEIRA
CONTRADIÇÕES ENTRE CAPITAL E TRABALHO:
concepções de educação tecnológica na reforma do ensino médio e técnico
Niterói
2007
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II
ZULEIDE SIMAS DA SILVEIRA
CONTRADIÇÕES ENTRE CAPITAL E TRABALHO:
concepções de educação tecnológica na reforma do ensino médio e técnico
Dissertação apresentada ao Curso de
Pós-Graduação em Educação da
Universidade Federal Fluminense,
como requisito parcial para obtenção
do Grau de Mestre, no Campo de
Confluência: Trabalho e Educação.
Orientadora: Prof
a
Dr
a
MARIA CIAVATTA
Niterói
2007
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Ficha Catalográfica elaborada pela Biblioteca Central do Gragoatá
S587 SILVEIRA, ZULEIDE SIMAS DA.
Contradições entre capital e trabalho: concepções de educação
tecnológica na reforma do ensino médio e técnico / Zuleide Simas da
Silveira. – 2007.
291 f.
Orientador: Maria Ciavatta.
Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal Fluminense,
Faculdade de Educação, 2007.
Bibliografia: f. 266-282.
1. Escola técnica – Rio de Janeiro (Estado). 2. Política educacional –
Brasil. 3. Centro Federal de Educação Tecnológica do Rio de Janeiro. 4.
Educação e trabalho. I. Ciavatta, Maria. II. Universidade Federal
Fluminense. Faculdade de Educação. III. Título.
CDD 371.425
III
IV
Ao meu pai, in memoriam, Rubens Pereira da Silveira,
um trabalhador incansável.
Ao meu irmão, in memoriam, Rubens Pereira da Silveira Filho,
o amigo de todas as horas.
Ao meu filho, Diego da Silveira,
o significado da minha vida.
V
AGRADECIMENTOS
À minha orientadora pelo incentivo e presteza em atividades e argumentações sobre o objeto de
estudo, bem como por abrir espaço para minha participação em seu projeto de pesquisa “Memória
e temporalidades da formação do cidadão produtivo emancipado do ensino médio e técnico à
educação integrada profissional e tecnológica”.
Aos Professores do Campo Trabalho e Educação do Programa de Pós-Graduação em Educação da
UFF: Eunice Trein por suas intervenções rigorosas que muito nos ensinam; José Rodrigues pelos
ricos debates propiciados tanto em sala de aula, quanto no Ciclo Marxista; Lia Tiriba por
interceder com rigor e afeto na construção do meu objeto de estudo; Ronaldo Rosas pelos
momentos de reflexão tanto em sala de aula, quanto no Ciclo Marxista; Sonia Rummert e Angela
Siqueira pela contribuição nos debates.
Aos Professores que fazem parte de outros Programas: Gaudêncio Frigotto (UERJ), em especial,
por sua grande contribuição ao Campo Trabalho e Educação, por suas publicações, pelos ricos
debates propiciados tanto em sala de aula, quanto no Grupo de Pesquisa; Roberto Leher (UFRJ)
pelos ensinamentos com seu jeito doce de ser revolucionário; Marise Ramos (Fiocruz/EPSJV)
pelos ricos debates no Grupo de Pesquisa e contribuição no material de pesquisa; Franklin Trein
(UFRJ/IFCS) pelos momentos de reflexão propiciados no Ciclo Marxista.
Aos Colegas da Academia: Monica Ribeiro pelos debates e trabalhos que realizamos juntas;
Marisa Brandão pelo carinho e atenção ao meu projeto no processo seletivo; Carlos Artexes para
além da amizade, pelos debates, momentos de reflexões e material de pesquisa; Jailson Santos
pela atenção em disponibilizar documentação para pesquisa; Jane Barros, Cristina Costa; Themis
Nascimento; Rosilda Benachio; André Feitosa; Inês Bonfim; Francisco Lobo; Jorge Santos;
Jaqueline Ventura; Laura Fonseca Felipina Chinelli; Antonio Ney; Graziani Dias; Mario de
Souza; Luciano Requião; Adriana Penna, pela participação nas Atividades de Orientação Coletiva
Aos amigos do CEFET/RJ, em geral: em especial, Almir Venancio que disponibilizou a
documentação do processo de implantação da reforma no CEFET/RJ e Vera Leão pelos ricos
debates e revisão dos textos.
A Antonio Pithon, companheiro desta trajetória, pelo incentivo, livros e textos, bem como pela
leitura e elaboração de tabelas e gráficos.
A todos que foram e são meus alunos com quem muito tenho aprendido. Em especial, a Lara
Pillar pela contribuição na coleta de dados e Rafael Rodrigo Souto pela elaboração dos
fluxogramas.
VI
Torna questão de vida ou morte substituir a monstruosidade de uma
população operária miserável, disponível, mantida em reserva para as
necessidades flutuantes da exploração capitalista, pela disponibilidade
absoluta do ser humano para as necessidades variáveis do trabalho;
substituir o indivíduo parcial, mero fragmento humano que repete
sempre uma operação parcial, pelo indivíduo integralmente
desenvolvido, para o qual as diferentes funções sociais não passariam
de formas diferentes e sucessivas de sua atividade. As escolas
politécnicas e agronômicas são fatores desse processo de
transformação, que se desenvolveram espontaneamente na base da
indústria moderna; constituem também fatores dessa metamorfose as
escolas de ensino profissional, onde os filhos dos operários recebem
algum ensino tecnológico e são iniciados no manejo prático dos
diferentes instrumentos de produção. A legislação fabril arrancou ao
capital a primeira e insuficiente concessão de conjugar a instrução
primária com o trabalho na fábrica. Mas não há dúvida de que a
conquista inevitável do poder político pela classe trabalhadora trará a
adoção do ensino tecnológico, teórico e prático, nas escolas dos
trabalhadores (KARL MARX).
Guerreiros são pessoas
São fortes, são frágeis
Guerreiros são meninos
Por dentro do peito
Precisam de um descanso
Precisam de um remanso
Precisam de um sonho
Que os tornem perfeitos
É triste ver meu homem
Guerreiro menino
Com a barra de seu tempo
Por sobre seus ombros
Eu vejo que ele sangra
Eu vejo que ele berra
A dor que traz no peito
Pois ama e ama
Um homem se humilha
Se castram seu sonho
Seu sonho é sua vida
E a vida é trabalho
E sem o seu trabalho
Um homem não tem honra
E sem a sua honra
Se morre, se mata
Não dá pra ser feliz
Não dá pra ser feliz (GONZAGUINHA).
VII
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO, p.1
CAPÍTULO I - CRISE DO CAPITAL, CAPITALISMO DEPENDENTE E REFORMA
DO ESTADO, p. 9
1. CRISE DO CAPITAL NO CONTEXTO MUNDIAL: transnacionalização da
economia e perturbações no mundo do trabalho, p. 9
1.1. A crise do capital, p. 11
1.2. A transnacionalização da economia e seus efeitos no mundo do trabalho, p. 13
2. UMA DOUTRINA ENTRA EM CENA: o neoliberalismo, p. 16
2.1. O individualismo leonino da doutrina neoliberal, p. 16
2.2. Neoliberalismo: visão de mundo afinada com um momento histórico específico, p.21
2.3. A ideologia neoliberal, p. 25
3. IMPERIALISMO E DEPENDÊNCIA: uma relação dialética, p. 29
4. ESTADO E CAPITALISMO NO BRASIL, p. 36
4.1. O Estado nacional-desenvolvimentista: dos anos de 1930 a 1970, p. 37
4.2. Os anos de 1980: início do “Estado problema” gestação do Estado mínimo, p. 47
4.3. Neoliberalismo e reforma do Estado: os anos de 1990, p. 49
5. O PROCESSO DE DESINDUSTRIALIZAÇÃO E DESNACIONALIZAÇÃO:
subsunção da classe trabalhadora brasileira sob o capital internacional, p. 53
5.1. Desnacionalização: privatização da propriedade pública, p. 53
5.2. Desindustrialização no Brasil: uma realidade concreta, p. 55
5.3. Reestruturação produtiva no Brasil: a subsunção da classe trabalhadora ao capital,
p. 62
CAPÍTULO II - FORMAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL: disputas entre capital e
trabalho, p. 75
1. A RELAÇÃO ENTRE TRABALHO E EDUCAÇÃO, p. 76
1.1. Dimensão e conceito do trabalho em Marx e Engels, p. 77
1.2. UNIÃO DE EDUCAÇÃO E PRODUÇÃO MATERIAL: educação tecnológica em
Marx e politecnia em Gramsci, p. 80
2. A RELAÇÃO ENTRE TRABALHO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA, p. 85
2.1. O papel da técnica na estrutura global da cultura humana, p. 86
VIII
2.2. A categoria central das relações sociais: trabalho, ciência ou tecnologia? p. 91
3. FORMAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL: da industrialização ao século XXI, p.
100
3.1. A formação profissional no contexto histórico da educação no Brasil
urbano-industrial: da Era Vargas ao governo militar, p. 101
3.1.1. O início da industrialização, p. 101
3.1.2. A modernização do Estado, p. 107
3.1.3. A reforma educacional no governo militar, p. 122
3.2. A formação profissional no contexto histórico da educação no Brasil
urbano-industrial: décadas de 1970 e 1980, p. 127
3.2.1. Os movimentos dos anos 1970 — 1980, p. 130
4. O PRESENTE, RESULTADO DE UM PROCESSO HISTÓRICO: a LDB e a
reforma do ensino médio e técnico nos anos de 1990, p. 134
4.1. Os trâmites do projeto da nova LDB e o projeto de sociedade na reforma da
educação, p. 139
4.2. O desmonte das Escolas Técnicas e CEFETs do Brasil nacional-desenvolvimentista
na reforma da educação, p. 144
CAPÍTULO III - CONCEPÇÕES DE EDUCAÇÃO TECNOLÓGIA E A REFORMA
DO ENSINO MÉDIO E TÉCNICO NO CEFET/RJ, p. 158
1. CONCEPÇÕES DE EDUCAÇÃO TECNOLÓGICA: das idéias dos anos de 1960 aos
documentos legais de 1990, p. 159
2. O CEFET/RJ NO CONTEXTO HISTÓRICO: a trajetória de uma instituição voltada
para a formação profissional, p. 174
2.1. A formação de professores para o ensino profissional, p. 175
2.2. A formação técnico-profissional de homens para a indústria, p. 176
2.3. Da formação técnico-profissional da ETF à formação profissional-tecnológica do
CEFET, p. 179
2.4. A educação tecnológica do CEFET/RJ no contexto das reformas neoliberais, p. 182
3. O CEFET/RJ E A REFORMA DO ENSINO MÉDIO E TÉCNICO DOS ANOS DE
1990, p. 189
3.1. Concepção de educação tecnológica na ótica dos professores, p. 197
IX
3.2. A reforma curricular em consonância com as áreas profissionais, p. 201
3.3. Acesso e evasão nos cursos técnicos do CEFET/RJ: resultado de uma política
educacional controversa sobre a democratização ao acesso de cursos técnicos, p. 219
3.3.1. O acesso aos cursos técnicos do CEFET/RJ, p. 221
3.3.1.1. As políticas de democratização do acesso, p. 225
3.3.1.2. O acesso de alunos na implantação da reforma, p. 228
3.3.2. A evasão dos cursos técnicos, p. 236
CONSIDERAÇÕES FINAIS, p. 256
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS, p. 266
ANEXOS
Anexo 1 - Taxa média anual de crescimento em (%) de setores industriais, p. 283
Anexo 2 - Questionário aos professores, p. 286
Anexo 3 - Metodologia para planejamento de currículos por competências, p. 287
Anexo 4 - Matriz de competências para elaboração curricular dos cursos técnicos, p. 289
Anexo 5 - Desenho curricular do ensino médio, p. 290
Anexo 6 - Grades curriculares dos cursos técnicos integrados, p. 291
X
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Ilustração 1 – Esquema: Estrutura do ensino segundo as Leis Orgânicas, 1942—1946, f. 111
Ilustração 2 – Esquema: Estrutura do ensino segundo a LDB de 1961, f. 114
Ilustração 3 – Fotografia: Flagrante do ato de assinatura do Termo Aditivo ao Acordo de
Cooperação Técnica entre o Brasil e os Estados Unidos, realizado através da CBAI, f. 117
Ilustração 4 – Documento: Mensagem de congratulação do Ministro Extraordinário para o
Planejamento e Coordenação Econômica, Roberto Campos, aos coordenadores do PIPMOI, f.
120
Ilustração 5 – Esquema: Estrutura do ensino no Brasil a partir da LDB n
o
9.394/96, f. 154
Ilustração 6 – Esquema: Investimento em educação: a circularidade da teoria do capital
humano, f. 161
XI
LISTA DE QUADROS, TABELAS E GRÁFICOS
Quadro 1 Cronograma das fases finais de desenvolvimento do plano de curso nas áreas de
Indústria, Telecomunicações, Geomática, Meio Ambiente, Construção Civil, Informática e
Saúde, f. 203
Quadro 2 Identificação dos pontos essenciais da mudança de paradigma curricular, f. 206
Quadro 3 Organização do Mundo do Trabalho, f. 206
Quadro 4 Áreas Profissionais e Cargas horárias mínimas, f. 207
Quadro 5 Funções e Subfunções: análise do processo produtivo para área de Construção Civil,
f. 208
Quadro 6 Funções e Subfunções: modelo adaptado para o Curso Técnico de Eletrotécnica, f.
209
Quadro 7 Ilustrativo das competências, habilidades e bases tecnológicas, f. 210
Quadro 8 Fluxograma do itinerário formativo dos cursos técnicos do CEFET/RJ, f. 212
Quadro 9 Distribuição da carga horária por módulos do Curso de Automobilística, f.213
Quadro 10 Distribuição da carga horária por módulos do Curso de Eletrônica, f.213
Quadro 11 Distribuição da carga horária por módulos do Curso de Eletrotécnica, f. 213
Quadro 12 Distribuição da carga horária por módulos do Curso de Mecânica, f. 214
Quadro 13 Distribuição da carga horária por módulos do Curso de Edificações, f. 214
Quadro 14 Distribuição da carga horária por módulos do Curso de Estradas, f. 214
XII
Quadro 15 Distribuição da carga horária por módulos do Curso de Meteorologia, f. 215
Quadro 16 Distribuição da carga horária por módulos do Curso de Administração, f. 215
Quadro 17 Distribuição da carga horária por módulos do Curso de Informática, f. 215
Quadro 18 Distribuição da carga horária por módulos do Curso de Segurança do Trabalho, f.
216
Quadro 19 Distribuição da carga horária por módulos do Curso de Telecomunicações, f. 216
Quadro 20 Distribuição da carga horária por módulos do Curso de Turismo, f. 216
Tabela 1 Carga horária dos Cursos Técnicos, f. 218
Tabela 2 Número de inscritos nos processos de seleção aos Cursos Técnicos de nível médio
do CEFET/RJ e número de vagas oferecidas, f. 221
Tabela 3 Número total de alunos matriculados nos cursos técnicos de nível médio do
CEFET/RJ, via processo seletivo e via convênio, f. 227
Quadro 21 Desenho do itinerário formativo da Educação Profissional no CEFET/RJ para
ingressos em 1998, f. 228
Quadro 22 - Desenho do itinerário formativo da Educação Profissional no CEFET/RJ para
ingressos no ano de 1999, f. 230
Quadro 23 Desenho do itinerário formativo da Educação Profissional no CEFET/RJ para
ingressos no ano de 2000, f. 230
Quadro 24 Horário do curso técnico pela manhã concomitante com o ensino médio à tarde, f.
232
Quadro 25 Horário do curso técnico à tarde concomitante com o ensino médio pela manhã, f.
232
Quadro 26 Desenho do itinerário formativo da Educação Profissional no CEFET/RJ para
ingressos a partir de 2001, f. 233
XIII
Quadro 27 Carga horária do ensino médio nos anos de 1998 e 1999, f. 234
Quadro 28 - Carga horária do ensino médio de 2000 a 2003, f. 235
Quadro 29 Carga horária do ensino médio de 2004 em diante, f. 235
Tabela 4 Número de matrículas inicial e final e percentual e evasão nos cursos integrados, f.
238
Tabela 5 Número total de matrículas no início e final dos cursos técnicos e percentual de
evasão, f. 242
Tabela 6 Número de matrículas inicial e final e percentual de evasão nos cursos
concomitantes, duração de 4 períodos, f. 244
Tabela 7 Número de matrículas inicial e final e percentual de evasão nos cursos
concomitantes, duração de 4 períodos, f. 245
Tabela 8 Número de matrículas inicial e final e percentual de evasão nos cursos
concomitantes, duração de 4 períodos, f. 245
Tabela 9 Número de matrículas inicial e final e percentual de evasão nos cursos
concomitantes, duração de 6 períodos, f. 246
Tabela 10 Número de matrículas inicial e final e percentual de evasão nos cursos
concomitantes, duração de 6 períodos, f. 247
Gráfico 1 Evasão do Curso Técnico de Eletrotécnica com duração de 4 períodos, f. 248
Gráfico 2 Evasão do Curso Técnico de Eletrotécnica com duração de 6 períodos, f. 248
Gráfico 3 Evasão do Curso Técnico de Eletrônica com duração de 4 períodos, f. 248
Gráfico 4 Evasão do Curso Técnico de Eletrônica com duração de 6 períodos, f. 249
Gráfico 5 Evasão do Curso Técnico de Eletrônica, ênfase em Informática, com duração de 4
períodos, f. 249
Gráfico 6 Evasão do Curso Técnico de Informática com duração de 6 períodos, f. 249
Gráfico 7 Evasão do Curso Técnico de Mecânica com duração de 4 períodos, f. 250
Gráfico 8 Evasão do Curso Técnico de Mecânica com duração de 6 períodos, f. 250
XIV
Gráfico 9 Evasão do Curso Técnico de Construção Civil com duração de 4 períodos, f. 250
Gráfico 10 Evasão do Curso Técnico de Edificações com duração de 6 períodos, f. 251
Gráfico 11 Evasão do Curso Técnico de Estradas com duração de 6 períodos, f. 251
Gráfico 12 Evasão do Curso Técnico de Meteorologia com duração de 4 períodos, f. 251
Gráfico 13 Evasão do Curso Técnico de Meteorologia com duração de 6 períodos, f. 252
Gráfico 14 Evasão do Curso Técnico de Telecomunicações, duração de 4 períodos, f. 252
Gráfico 15 - Evasão do Curso Técnico de Telecomunicações, duração de 6 períodos, f. 252
Gráfico 16 Evasão do Curso Técnico de Segurança do Trabalho com duração de 4 períodos, f.
253
Gráfico 17 Evasão do Curso Técnico de Segurança do Trabalho com duração de 6 períodos, f.
253
Gráfico 18 Evasão do Curso Técnico de Automobilística com duração de 6 períodos, f. 253
XV
RESUMO
Esta dissertação tem o objetivo geral de analisar as concepções de educação tecnológica da
política educacional no governo Fernando Henrique Cardoso, mediadas pelo Decreto
n
o
2.208/97. O texto está estruturado em três capítulos. No primeiro, analiso a economia
política no contexto mundial, em geral, e no Brasil em particular, ressaltando os efeitos das
perturbações econômicas no mercado de trabalho. No segundo, analiso as relações entre
trabalho e educação e, entre trabalho, ciência e tecnologia cuja finalidade é entender o papel
da ciência, da técnica e tecnologia na estrutura global da cultura humana e, como esta relação
vem sendo apropriada pelo capital. A seguir, realizo a reconstrução histórica do ensino
profissional no Brasil, tendo como foco de análise as escolas técnicas da rede federal. Por
último, desvelo o movimento do pensamento pedagógico voltado para a formação profissional
e seus desdobramentos no cotidiano escolar do CEFET/RJ. Os resultados da pesquisa
mostram que a reforma traz visão produtivista e dual da educação, aproximando-se da
concepção de “capital humano”, induzindo instituições da Rede Federal de Educação
Tecnológica a adaptar-se ao mercado de trabalho.
Palavras-chave: Estado; Capital e trabalho; Educação tecnológica.
XVI
ABSTRACT
This dissertation has the general objective of analyzing the conceptions of technologic
education dating from the educational policy during Fernando Henrique Cardoso’s
government, mediated by Decree n. 2.208/97. The text is structured in three chapters. The first
one analyzes political economy within world context, in general, and in Brazil in particular,
pointing out the effects of the economic disturbances in work market. In the second one, it is
analyzed the relationship between work and education, also the relationship among work,
sciences and technology so as to understand the role of science, of know-how and technology
in human culture global structure and how this relationship has been confiscated by capital.
Then, historical rebuilding of professional education in Brazil is pointed out, having as focus
of analysis federal net technical schools. Lastly, it is revealed the movement of the
pedagogical thought facing professional education and its done in everyday academic
CEFET/RJ. The research results show that the reform brings forward a productivist and dual
vision of education, coming close to the conception of “human capital”, inducing institutions
pertaining to the Technologic Education Federal Net to adapt to work market.
Key-words: State; Capital and work; Technologic education.
INTRODUÇÃO
Todo começo é difícil em qualquer ciência (...) É mister, sem dúvida,
distinguir, formalmente, o método de exposição do método de pesquisa. A
investigação tem de apoderar-se da matéria, em seus pormenores, de analisar
suas diferentes formas de desenvolvimento e de pesquisar a conexão íntima
que há entre elas. Só depois de concluído esse trabalho é que se pode
descrever, adequadamente, o movimento real (KARL MARX).
Professora do CEFET/RJ há 29 anos e ex-aluna da instituição nos anos de 1970,
quando ainda Escola Técnica Federal (ETF), o que perfaz o tempo de 34 anos de vivência de
práticas escolares nesse estabelecimento de ensino, percebo, ao longo desses anos, o quanto as
reformas educacionais interferiram não só na identidade, como, também, na concepção sobre
a formação humana, em geral, e concepção de formação profissional, em particular, no
cotidiano escolar da instituição.
2
Macedo. Atuei na Divisão de Projetos Educacionais (DIPED), assessorando diretamente a
Diretoria de Desenvolvimento Educacional (DIRED) a qual estabelece as políticas de ensino
do Centro. Nesse contexto, estive envolvida, diretamente, no processo da reforma
educacional, promovida pelo governo Fernando Henrique Cardoso (FHC).
O objeto de estudo que naquele momento se apresentava como um todo caótico,
deixando-me angustiada, trazia uma questão crucial: buscar entender o significado de
educação tecnológica expressa na legislação e na ótica dos professores do CEFET/RJ, posto
que, quando ingressei na instituição nos anos de 1970, o termo nem era cogitado. O que teria,
no desenvolvimento histórico das relações sociais, levado à substituição dos termos educação
técnica e ensino técnico profissional por educação tecnológica? Por que essa concepção de
educação tecnológica trazia em seu bojo a separação do ensino médio e técnico?
Assim, levada pela leitura do marxista italiano Antonio Gramsci e tendo iniciado o
estudo das categorias de análise marxistas com o Professor Gaudêncio Frigotto na disciplina
Teoria Social e Educação, cursada no 2º semestre de 2005, procurei o Curso de Mestrado do
Programa de Pós-Graduação da UFF, no Campo Trabalho e Educação. Já no Programa, a
partir do aprofundamento das categorias de análise do método do materialismo histórico,
como totalidade social, contradição, mediação, aparência e essência, percebi que antes de
conhecer o marxismo, o marxismo já estava em mim. Na busca incessante pela verdade, para
além da aparência, o que me instigava era a necessidade de entender o fenômeno na sua
essência.
A questão da reforma do ensino médio e técnico e sua concepção de educação
tecnológica são fundamentais a fim de se prosseguir na busca de soluções para os problemas
educacionais do país; e justificá-la como objeto de análise torna-se dispensável. No entanto,
se o tema é relevante, a dificuldade se impõe porquanto não se pode ser absolutamente
inovador em relação àquilo o qual tantos têm refletido, analisado, debatido, escrito e
publicado. Nesse sentido, para chegar ao concreto real, síntese de múltiplas determinações, a
escolha do caminho para abordagem do tema — o método do materialismo histórico — exigiu
um movimento dialético, de modo a captar as contradições do desenvolvimento histórico do
processo de formulação das políticas do ensino profissional no país e suas mediações nas
relações entre capital e trabalho, trabalho e educação, ou, em outras palavras, buscar saber
porque se articulam as políticas de formação da força de trabalho no processo de
desenvolvimento econômico e social, na realidade concreta da sociedade brasileira.
3
A concepção dialética da realidade “nos ensina, sobretudo, a observar e analisar o
movimento contraditório nas diferentes coisas, nos diferentes fenômenos, e a determinar, com
base nessa análise, os métodos adequados à resolução das contradições” (MAO Tse-Tung,
1979, p.22); como a visão que tenho é a de que a escola é produzida a partir de relações — de
poder e de classe — geradoras de embate de concepções de sociedade e trabalho, busquei
analisar, nas contradições entre capital e trabalho, as concepções de educação tecnológica na
política educacional do governo Fernando Henrique Cardoso, mediadas pelo Decreto
n
o
2.208/97.
Segundo Mao Tse-Tung (1979) um estudo deve ter como ponto de partida
o desenvolvimento de uma coisa ou fenômeno, de seu conteúdo interno, de
suas relações com as outras coisas ou outros fenômenos, isso é, que se
considere o desenvolvimento das coisas ou dos fenômenos como um
movimento próprio, necessário e interno, cada coisa, cada fenômeno estando
além disso em seu movimento, em ligação e em influência recíproca com
relação às outras coisas e aos outros fenômenos. A causa fundamental do
desenvolvimento das coisas e dos fenômenos não é externa, mas interna; ela
encontra-se nas contradições internas das coisas e dos próprios fenômenos.
Toda coisa e todo fenômeno compreendem essas contradições, que originam
seu movimento e seu desenvolvimento. Essas contradições, inerentes às
coisas e aos fenômenos, são a causa fundamental de seu desenvolvimento,
ainda que sua ligação mútua e sua ação recíproca constituam causas
secundárias (op. cit., p.20).
Portanto, nessa dissertação, analisar o desenvolvimento do fenômeno consiste em
investigar, não apenas como foi se formando a concepção de educação tecnológica norteadora
da política da reforma do ensino médio e técnico promovida pelo Decreto n
o
2.208/97, como,
também, a reforma empreendida no CEFET/RJ, desvelando as manifestações das contradições
entre capital e trabalho, trabalho e educação expressas no desenvolvimento e estratégias
utilizadas por essa instituição de ensino na adequação dos cursos de educação profissional à
política governamental.
Como a abordagem à luz do materialismo histórico é realizada no sentido de que “a
realidade social, como toda realidade, é infinita. [E de que] toda ciência implica uma escolha,
e nas ciências históricas essa escolha não é um produto do acaso, mas está em relação
orgânica com uma certa perspectiva global” (LOWY, 1978, p.15), a escolha desse método
implica a questão epistemológica da reconstrução histórica ou de como nos aproximamos da
realidade. Ciavatta (2001), ao explicitar a aproximação da realidade por meio da reconstrução
4
histórica, destaca duas questões preliminares: primeiro, a recusa a todo dogmatismo e às
concepções evolucionistas da história; segundo, a recusa de toda visão cética e fragmentada
do mundo e do relativismo como ponto de partida.
Fontes (2001), na análise sobre as relações entre história e verdade, aponta que Marx
procura estabelecer um ponto concreto, calcado na vida material, a partir do qual se poderia
definir o processo histórico.
O conhecimento da sociedade, para Marx, deve privilegiar dois aspectos: a
síntese de suas diversas articulações e a história. Assim, de um lado integra a
dinâmica social – momento das transformações, quer elas sejam discretas ou
violentas – e, de outro, as modalidades de organização social concebida
sempre como equilíbrio instável. Se a história pode ser explicada
estruturalmente, ela é acima de tudo processo. A explicação histórica
consiste na explicação da forma de articulação social, objetivando integrar as
diversas dimensões constituintes da sociedade e identificar as conexões
internas que as regem. As modificações numa esfera – econômica, política,
jurídica, ideológica, etc. – implicam em gradações variadas de
transformações nas demais. Como toda totalidade articulada, alguns de seus
elementos determinam outros, isso é, transformações em um nível geram
alterações em outros, não sendo meramente uma relação circular ou
harmônica (FONTES, 2001, p. 117).
Nesse sentido, Ciavatta (2001) assinala que a totalidade social construída é um
conjunto dinâmico de relações que passam pela ação dos sujeitos sociais. E por não ser apenas
uma concepção mental, “o conceito de totalidade social tem um referente histórico, material,
social, moral ou afetivo, de acordo com as relações que constituem determinada totalidade
(ibid, p.123). Do ponto de vista marxista, a totalidade é um conjunto de fatos articulados em
um determinado contexto ou, ainda, o todo estruturado, de tal modo que sua gênese e
desenvolvimento se dão como produção social do homem. Em Dialética do concreto, Kosik
(2002) aponta a totalidade concreta como concepção dialético-materialista do conhecimento
do real, o que
significa, portanto, um processo indivisível, cujos momentos são: a
destruição da pseudoconcreticidade, isso é, da fetichista e aparente
objetividade do fenômeno, e o conhecimento da sua autêntica objetividade;
em segundo lugar, conhecimento do caráter histórico do fenômeno, no qual
se manifesta de modo característico a dialética individual e do humano em
geral; e enfim o conhecimento do conteúdo objetivo e do significado do
fenômeno, da sua função objetiva e do lugar histórico que ela ocupa no seio
do corpo social (ibidem, p.61).
5
Desse modo, meu objeto de estudo — desvelar as contradições presentes não apenas
nas dimensões dialéticas das relações entre capital e trabalho, trabalho e educação, como,
também, nas diferentes concepções de educação tecnológica expressas na legislação e na ótica
dos professores, na aplicação do Decreto n
o
2.208/97 no cotidiano do CEFET/RJ —
encontra-se inserido na totalidade de relações de caráter social, econômico,
político-ideológico e cultural que o determinam. Essa lógica de construção do objeto é
denominada por Ciavatta (2001) de lógica da reconstrução histórica.
Ela pretende ser uma lógica sociocultural que supere a lógica economicista,
a lógica pós-moderna e outras abordagens que buscam ignorar a história
como produção econômica e cultural da existência humana. Nessa
concepção, o objeto singular é visto a partir da sua gênese nos processos
sociais mais amplos, o que significa compreender a história como processo;
e reconstruí-lo a partir de uma determinada realidade que é sempre
complexa, aberta às transformações sob a ação dos sujeitos sociais, o que
significa utilizar a história como método” (op. cit., p. 123).
A compreensão e a explicitação desse fenômeno dependem de se buscar por trás das
aparências as relações e inter-relações que são próprias de sua essência, que o formam e o
inserem em uma totalidade, totalidade essa que acaba por determiná-lo e da qual não pode ser
abstraído, a fim de não se perder o movimento no qual se insere o fenômeno.
Segundo Kosik (2002, passim), o mundo do fenômeno não é algo independente e
absoluto; “os fenômenos se transformam em mundo fenomênico na relação com a essência
(...). Captar o fenômeno de determinada coisa significa indagar e descrever como a coisa em
si se manifesta naquele fenômeno”. É necessário um certo esforço, um detour na descoberta
da verdade de modo a destruir o “mundo da pseudoconcreticidade”, no qual os fenômenos
aparentam imediatos e evidentes, posto que a ambigüidade permeia o mundo da
realidade — unidade de essência e aparência —, o mundo do “claro-escuro” de “verdade e
engano”. Conhecer o objeto é, por conseguinte, buscar o mundo real, “o mundo da práxis
humana. É a compreensão da realidade humano-social como unidade de produção e produto,
de sujeito e objeto, de gênese e estrutura” (op. cit., p.16-23).
Para Ciavatta (2001, passim), nesse movimento dialético, a mediação torna-se
categoria central, relacionada a conexões que determinam o objeto em situações de tempo e
espaço, sendo a “única forma de encontrar a explicação de um objeto sem cair no esquema
6
abstrato de uma relação mecânica e, simultaneamente, não perder de vista o significado que o
objeto tem não apenas como singularidade, mas, também, como particularidade”. Isso requer
realizar o resgate histórico como elemento de análise do fenômeno educativo, implicando a
“negação da ideologia dominante que, ao tratar como natural o que é histórico e permanente o
que é passageiro, reifica o real, retirando-lhe o movimento e a contradição”. Portanto, o
desafio está em se captar os elementos mais concretos, as objetivações que explicam essa
totalidade, não como uma noção genérica, mas, sim, como um conteúdo de natureza
histórico-social. No caso da relação trabalho e educação, o desafio está em situar os elementos
concretos que constituem essa mediação e que podem permitir sua explicitação e uma melhor
compreensão do sentido em que se dá a mediação (ibidem., p.132-135).
De modo particular, o conceito de ideologia me permitirá fazer a análise das
concepções de educação tecnológica. Entendo que essa categoria não é apenas falsa
consciência, mas, sobretudo, que nas relações sociais há processos humanos e relações de
poder que se autonomizam na direção da reificação. Isso mostra que as relações estabelecidas
pelos seres humanos entre si e com a natureza, em uma sociedade concreta, escapa ao controle
do sujeito e, ainda, que a ideologia dominante é determinada pelo econômico, no entanto,
mediada por sutilezas que permitem algum conhecimento da realidade.
Nesse sentido, recorro a Mészáros (2004, p. 57-58) para afirmar que em nossas
sociedades, quer percebamos, quer não, “tudo está impregnado de ideologia”. A ideologia
dominante engendra um modo específico de apresentar, ou de velar, seus processos de
seletividade, discriminação, exclusão, distorcendo-os por meio de uma “normalidade”,
“objetividade” e “imparcialidade científica”.
Nas sociedades capitalistas liberal-conservadoras do Ocidente, o discurso
ideológico domina a tal ponto a determinação de todos os valores que muito
freqüentemente não temos a mais leve suspeita de que fomos levados a
aceitar, sem questionamento, um determinado conjunto de valores ao qual se
poderia se opor uma posição alternativa bem fundamentada, juntamente com
seus comprometimentos mais ou menos implícitos. O próprio ato de penetrar
na estrutura do discurso ideológico dominante inevitavelmente apresenta as
seguintes determinações ‘racionais’ preestabelecidas: a) quanto (ou quão
pouco) nos é permitido questionar; b) de que ponto de vista; e c) com que
finalidade (ibidem, ibid).
O capítulo I está dividido em cinco sessões: na primeira sessão analiso a crise do
capital em um contexto de transnacionalização da economia e suas perturbações no mundo
trabalho. Na segunda sessão, a abordagem sobre a adequação do individualismo do
7
liberalismo econômico do século XVII à ideologia neoliberal do final do século XX permite
mostrar que o processo de transnacionalização da economia foi sendo construído por meio de
relações sociais que acabaram por afetar todo espectro das relações sociais e o quadro
institucional da sociedade, contribuindo para que ocorresse o colapso de padrões políticos
tradicionais. Na terceira sessão, analiso o fenômeno do imperialismo e suas manifestações a
partir do ponto de vista dos países subordinados, buscando entender, no processo de
internacionalização e reprodução do capital, o modo como os países de capitalismo central
criam e expandem vínculos entre as nações industrializadas e os territórios produtores de
matéria-prima, ou semi-industrializados, em geral, e no Brasil, em particular. Na quarta e
quinta sessões, analiso o modo como o Estado Nacional-Desenvolvimentista promoveu o
desenvolvimento e modernização do país, desvelando as transformações ocorridas na relação
entre Estado e capital que relegou, ao Brasil do final do século XX, o papel de importador de
ciência e tecnologia ou, melhor dizendo, de comprador de produtos de tecnologia de ponta,
contribuindo no processo de desnacionalização e desindustrialização que culminou na
reestruturação produtiva e em modificações nas relações no mundo trabalho.
No capítulo II aponto que as reformas da educação empreendidas ao longo do século
XX, e que tiveram continuidade nesse início de século, admitiram pequenos ajustes de modo a
corrigir “distorções” que, porventura, não estivessem indo ao encontro das determinações
estruturais da sociedade capitalista, aproximando, cada vez mais, a escola do trabalho, aos
interesses do mercado, por meio de sucessivas reformas. Nesse contexto, analiso como foi se
formando o consenso sobre a concepção de educação tecnológica que norteou a reforma do
ensino médio e técnico promovida no governo FHC; como ponto de partida, na primeira
sessão do capítulo, examino a relação entre trabalho e educação de maneira a captar a
concepção de educação tecnológica em Marx e Gramsci. Na segunda sessão, trato da relação
entre trabalho, ciência e tecnologia de forma a entender o papel da ciência, da técnica e
tecnologia na estrutura global da cultura humana e como essa relação vem sendo apropriada
pelo capital. Na terceira sessão, realizo a reconstrução histórica do ensino profissional no
Brasil, tendo como foco de análise as escolas técnicas da rede federal. Finalmente, na quarta
sessão, analiso o presente histórico — a formulação das políticas públicas de educação a partir
dos embates em torno da Lei de Diretrizes e Bases (LDB) e da produção de textos e
documentos legais que culminaram na reforma do ensino médio e técnico.
O capítulo III desvela os desdobramentos da concepção de educação tecnológica na
reforma do ensino médio e técnico empreendida no CEFET/RJ. Primeiramente, recupero os
8
fatos históricos que marcaram a evolução não apenas dos termos que denotam a formação
para o trabalho, mas, também, da concepção de educação que está por detrás desses modos de
expressão. Na segunda sessão, realizo a reconstrução histórica da trajetória da instituição com
o objetivo de mostrar que, desde o início de suas atividades, a oferta de cursos privilegiou
currículos que faziam a integração das disciplinas de formação geral às de formação
específica. Na terceira sessão, analiso o impacto da reforma do ensino médio e técnico que
obrigou a instituição a oferecer em dois currículos distintos a formação que, historicamente,
vinha oferecendo de modo integrado. Ressalto não ter havido pretensão de esgotar, na análise
empreendida, as diversas mudanças ocorridas no interior da Escola, mas, sim, de privilegiar as
mediações que apontam para subordinar a lógica e o funcionamento da instituição às
necessidades dos setores secundário e terciário da economia, com a fragmentação de
conteúdos e de tempos escolares, o que acabou por engendrar o aumento do índice de evasão
nos cursos técnicos.
No último capítulo, Considerações finais, sistematizo as principais conclusões a que
cheguei em cada capítulo. Em síntese, a pesquisa revela que a concepção de educação
tecnológica norteadora das políticas educacionais do governo neoliberal de Fernando
Henrique Cardoso foi gestada nos anos de 1960. Levando em conta a rápida evolução da
tecnologia, os planos de ensino técnico e profissional destinados a formar pessoal para as
áreas da indústria, agricultura, comércio e serviços afins, deveriam ser fundamentados em
uma educação para a vida em uma era tecnológica. Nesse sentido, a formação tecnológica
seria mais abrangente que a formação técnico-profissional, e, portanto, associada a um nível
maior de conhecimento, envolvendo não apenas questões relacionadas ao desenvolvimento de
novas tecnologias, mas, também, voltada às necessidades do mercado.
CAPÍTULO I
CRISE DO CAPITAL, CAPITALISMO DEPENDENTE E REFORMA DO ESTADO
Nesse capítulo buscarei traçar o eixo teórico a partir do qual se construirá a análise das
políticas e das concepções de educação tecnológica nos anos de 1990. Portanto, totalidade,
mediação, contradição, ideologia e hegemonia tornam-se categorias fundamentais na
construção do objeto de análise sobre a implantação e implementação de políticas públicas
que asseguram a hegemonia do bloco no poder. A análise, a partir desses conceitos, permitirá
perceber como a burguesia brasileira fez a opção por um projeto dependente, abrindo mão de
investir no “progresso e desenvolvimento” da nação e passando a importar tecnologia,
inserindo o país na excludente divisão internacional do trabalho.
1. CRISE DO CAPITAL NO CONTEXTO MUNDIAL: transnacionalização da
economia e perturbações no mundo do trabalho
Consolidado como um sistema “incontrolável de controle sociometabólico”, o modo
de produção capitalista possui como traço marcante subordinar, por completo, as necessidades
humanas à reprodução de valor de troca, o que, de certa maneira, escapa em grau significativo
do controle humano pelo fato de as relações de produção do capital possuírem uma estrutura
de controle tal, que, historicamente, têm levado a sociedade, em geral, e a classe trabalhadora,
em particular, a se adaptar sucessivamente a seus diferentes modelos de produção.
Não se pode imaginar um sistema de controle mais inexoravelmente
absorvente — e, nesse importante sentido, ‘totalitário’ — do que o sistema
10
do capital globalmente dominante, que sujeita cegamente aos mesmos
imperativos a questão da saúde e a do comércio, a educação e a agricultura,
a arte e a indústria manufatureira, que implacavelmente sobrepõe a tudo seus
próprios critérios de viabilidade, desde as menores unidades de seu
‘microcosmo’ até as mais gigantescas empresas transnacionais, desde as
mais íntimas relações pessoais aos mais complexos processos de tomada de
decisão dos vastos monopólios industriais, sempre a favor dos fortes e contra
os fracos
(MÉSZÁROS, 2006a, p.96).
Desse modo, como o existir histórico dos homens realiza-se nas circunstâncias
objetivas dadas pelo mundo material e pelo mundo social, as relações sociais estabelecidas na,
então vigente sociedade capitalista ocorrem de tal maneira que a propriedade privada espolia
o bem público; a individualidade prevalece em detrimento da coletividade; a solidariedade é
sufocada em prol da competitividade; a liberdade e igualdade propaladas pelos donos do
capital nada têm de universal; marcada pela meritocracia e sob os ditames do capital, a
sociedade capitalista, em curso há aproximadamente quinhentos anos, na busca incessante de
revolucionar o modo de produção, torna cada vez mais instável as condições sociais. Tudo
que é sólido e estável se volatiliza
2
. Nesse cenário, sob pena de perecer violentamente caso
não consiga se tornar apta ao sistema de produção do capital, toda a sociedade e, em especial,
a classe trabalhadora é incitada a provar a sua capacidade reprodutora.
Recorro ao Manifesto do Partido Comunista um panfleto político escrito, em 1848,
para um momento particular da história — por considerá-lo um texto atual
3
uma vez que sua
visão sobre o futuro do capitalismo concretiza-se ao longo do século XX e nesse início do
século XXI. Marx e Engels (2004, passim) têm como premissa que a estrutura da sociedade
civil deve ser procurada na economia política; assim sendo salientam que o capital, por meio
da burguesia, revoluciona continuamente a economia, isso é, o capital engendra, ciclicamente,
mudanças nas relações de produção e, portanto, em todo conjunto das relações sociais, com a
finalidade de criar condições que possam enfraquecer sua suplantação. Apontam também que
a classe dominante, burguesa, “foi a primeira a mostrar o que pode realizar a atividade
humana. Criou maravilhas que nada têm a ver com as pirâmides do Egito, os aquedutos
romanos e as catedrais góticas; realizou expedições muito diversas das migrações dos povos e
das Cruzadas”(op.cit., p.48). Em busca de novos mercados, a burguesia foi capaz de
“estabelecer-se em toda parte, instalar-se em toda parte, criar vínculos em toda parte. Através
da exploração do mercado mundial, a burguesia [com sua produção expropriadora da força de
2
MARX e ENGEL. Manifesto do Partido Comunista.o Paulo: Martin Claret, 2004a, p.48.
3
Sobre a atualidade do Manifesto do Partido Comunista ver ensaio escrito por Eric Hobsbawm como introdução
para a edição comemorativa do 150
o
aniversário da publicação daquele Panfleto, In: Hobsbawm, Eric. Sobre a
história.o Paulo: Compainha das Letras, 1998.
11
trabalho] deu um caráter cosmopolita à produção e ao consumo de todos os países” (ibid,
ibid). Além do que, arrancou a dignidade e respeito dos verdadeiros produtores de riqueza —
os trabalhadores —, transformando-os em assalariados como forma de subordinação
contratual ao capital.
Em síntese, em um movimento contraditório, o capital civilizatório vem promovendo,
por todo o globo terrestre, guerras, miséria, desemprego, fome, destruindo a dignidade dos
seres humanos em benefício da liberdade do mercado inescrupuloso.
Numa palavra, no lugar da exploração mascarada por ilusões políticas e
religiosas colocou a exploração aberta, despudorada, direta e árida [...]
Todas as relações fixas e cristalizadas, com seu séqüito de crenças e opiniões
tornadas veneráveis pelo tempo, são dissolvidas, e as novas envelhecem
antes mesmo de se consolidarem. Tudo que é sólido e estável se volatiliza,
tudo que é sagrado é profanado, e os homens são finalmente obrigados a
encarar com sobriedade e sem ilusões sua posição na vida, suas relações
recíprocas (MARX; ENGELS, 2004a, p.48).
É, pois, desse mundo em constante mudança que trato a seguir.
1.1. A CRISE DO CAPITAL
Segundo Hobsbawm (2005), a história dos vinte anos após 1973 é a de um mundo
vivido em sucessivas crises, que perdeu suas
12
O crescimento
5
econômico no mundo capitalista desenvolvido continuou,
embora num ritmo visivelmente mais lento do que durante a Era de Ouro,
com exceção de alguns dos ‘países em recente industrialização’[...] No fim
do Breve Século XX, os países do mundo capitalista desenvolvido se
achavam, tomados como um todo, mais ricos e mais produtivos do que no
início da década de 1970, e a economia global da qual ainda formavam o
elemento central estava intensamente mais dinâmica (op.cit., p.395).
Entretanto, a situação em outras regiões do globo, como na África, Ásia Ocidental e na
América Latina, tornava-se deprimente, levando a maioria das pessoas ao empobrecimento
nas décadas de 1980 e 1990. “Os problemas que tinham dominado a crítica ao capitalismo
antes da guerra, e que a Era de Ouro em grande parte eliminara durante uma geração —
pobreza, desemprego em massa, miséria, instabilidade —, reapareceram depois de
1973”(ibidem, p.396).
Entre os anos de 1985 e 1991, a União Soviética, tentando enfrentar as contradições
internas e os desafios externos impostos pela competição internacional, passou por um
período de profundas mudanças. A revolução no pensamento e ação de toda sociedade
soviética promovida pela perestroika (reestruturação) e a glasnot (transparência) baseava-se
em um discurso contraditório do secretário-geral Mikhail Gorbatchov. Em busca de manter a
URSS na condição de superpotência e de resolver uma equação de duas incógnitas, expansão
e estagnação, Gorbatchov defendia a reestruturação do socialismo fazendo apologia ao
mercado desregulado. Nesse cenário, as economias dos países do Lesse Europeu
desmoronaram completamente após 1989
6
. Cabe, aqui, ressaltar a afirmativa de Mészáros
(2003, p. 61): “o colapso soviético
7
só pode ser entendido como parte integrante da crise
estrutural do sistema do capital”.
Todavia na Ásia Oriental, em especial, a China experimentou um crescimento
econômico vertiginoso. “Naquele país, e na verdade na maioria do sul e sudeste da Ásia, que
saíram da década de 1970 como a região econômica mais dinâmica da economia mundial, o
5
Em 1944, na cidade de Bretton Woods, foi realizada a Conferência Monetária e Financeira das Nações Unidas
com o objetivo de reconstruir o capital mundial, ameaçado pela Segunda Guerra Mundial. Nessa Conferência
ficou definido o Sistema de Bretton Woods de gerenciamento econômico internacional, estabelecendo regras
para as relações comerciais e financeiras entre os países mais industrializados. Segundo Fiori (2001, p.26), as
estatísticas dos organismos multilaterais revelam que, durante os vinte e cinco anos após o Sistema de Bretton
Woods, “independentemente de variações cíclicas e pontuais, e com exceção do Leste Asiático, da Índia e da
China”, houve um declínio constante das taxas de investimento, crescimento e emprego na economia mundial”.
6
Segundo Hobsbawm (2005, p.395), o PIB da Rússia caiu 17% em 1990-91, 19% em 1991-92 e 11% em
1992-93. A Polônia perdeu mais de 21% de seu PIB em 1988-92; a Tchecoslováquia, quase 20%; a Romênia e a
Bulgária, em média, 30%.
7
Para maiores detalhes Cf. REIS FILHO, Daniel Aarão. As revoluções russas e o socialismo soviético. São
Paulo: UNESP, 2003.
13
termo ‘Depressão’ não tinha sentido — exceto, muito curiosamente, no Japão do início da
década de 1990” (ibidem, p.395).
Assim sendo, Hobsbawm (2005, passim) denomina de “décadas de crise” o período da
história após o ano de 1973, caracterizado pela ruptura do crescimento econômico por várias
“depressões sérias”, em 1973-75, 1979-82 e no fim da década de 1980, o que provocaria o
aumento das taxas de desemprego, pobreza e miséria.
8
1.2. A TRANSNACIONALIZAÇÃO DA ECONOMIA E SEUS EFEITOS NO MUNDO
DO TRABALHO
Essas perturbações econômicas de efeitos socialmente subversivos, tornados visíveis a
partir do início dos anos de 1990, seriam resultantes de flutuações conjunturais coincidentes
com convulsões estruturais
9
posto que a economia mundial, capaz de enfrentar problemas
como os das décadas de 1970 e 1980, não era mais a da Era de Ouro, embora fosse seu
desdobramento. O modelo de produção não fora apenas transformado pela revolução
tecnológica, mas, também, tornara-se globalizado em grande extensão. A tendência da
indústria de substituir o trabalho vivo por forças mecânicas se intensificou, a involução do
número de postos de trabalho na área da indústria passa a demandar por menor número de
trabalhadores, cedendo lugar à área de serviços, como na rede de lanchonetes fast food
Bob’s, Mc Donald’s, nas operadoras de telemarketing, motoboys, serviços de saúde e de
educação, etc. Os empregos perdidos nos maus tempos não voltariam jamais.
Para a classe operária e as massas trabalhadoras, o que o capital tende a
restaurar é o regime do ‘tacão de ferro’, como o chamava Jack London. A
ascensão do capital financeiro foi seguida pelo ressurgimento de formas
agressivas e brutais de procurar aumentar a produtividade do capital em
nível microeconômico, a começar pela produtividade do trabalho. Tal
aumento baseia-se no recurso combinado às modalidades clássicas de
apropriação da mais-valia, tanto absoluta como relativa, utilizadas sem
nenhuma preocupação com as conseqüências sobre o nível de emprego, ou
seja, o aumento brutal do desemprego, ou com mecanismos viciosos da
conjuntura ditada pelas altas taxas de juros. Todas as virtudes atribuídas ao
‘toyotismo’ estão dirigidas a obter a máxima intensidade do trabalho e o
máximo rendimento de uma mão-de-obra totalmente flexível, à qual se volta
8
Segundo o autor, o desemprego na Europa Ocidental subiu de uma média de 1,5% na década de 1960 para
4,2% na de 1970, passando para 9,2% no final da década de 1980, chegando a 11% em 1993, na Comunidade
Européia (p.396).
9
Segundo Mészáros (2003), as convulsões estruturais resultariam da necessidade sistêmica de o capital subjugar
globalmente, a qualquer custo, o trabalho por meio da integração monopolística de toda e qualquer agência
social, mesmo colocando em risco a sobrevivência da humanidade.
14
a contestar, cada vez mais (até nos relatórios do Banco Mundial), o direito
de organização sindical (CHESNAIS, 1996, p16-17).
Hobsbawm (2005) salienta que essas conseqüências no mundo do trabalho ocorreram,
não apenas porque a nova divisão internacional do trabalho transferira indústrias de velhos
para novos centros, mas, também, porque os países pré-industriais e os recém-industrializados
foram “governados pela lógica férrea da mecanização, que, mais cedo ou mais tarde, tornava
até mesmo o mais barato ser humano mais caro que uma máquina capaz de fazer o seu
trabalho, e [governados também] pela lógica igualmente férrea da competição de livre
comércio genuinamente mundial”(ibidem, p.403). O historiador salienta que depois da fase de
expansão da economia na “Era de Ouro”, a economia é cada vez mais transnacional, ou seja,
“um sistema de atividades econômicas para as quais os territórios e fronteiras de Estados não
constituem o esquema operatório básico, mas apenas fatores complicadores”, passando a
existir uma economia mundial “que na verdade não tem base ou fronteiras determináveis, e
que estabelece, ou antes impõe, limites ao que mesmo as economias de Estados muito grandes
e poderosos podem fazer”. A economia transnacional tornou-se, assim, uma força global
efetiva, gerando as empresas transnacionais, denominadas multinacionais, a nova divisão
internacional do trabalho e o aumento de financiamento offshore. Contudo, o capital entra em
crise, “seu sistema de produção fora transformado pela revolução tecnológica, globalizado ou
‘transnacionalizado’ em uma extensão extraordinária e com conseqüências impressionantes”
no mundo do trabalho, levando a uma redefinição do Estado-Nação nas últimas décadas do
século XX e o início do século XXI, crise esta marcada por profundas mudanças no campo
econômico, sociocultural, ético-político, ideológico e teórico.
Chesnais (1996, p.13-14) ao usar a expressão mundialização do capital no lugar do tão
popularizado termo globalização refere-se a uma etapa do processo para além da
internacionalização da economia ocorrida a partir da Segunda Grande Guerra. Para o
economista francês, na realidade concreta internacional, o capitalismo mundial possui, depois
da Era de Ouro, nova configuração, cujos mecanismos comandam seu desempenho e sua
regulação, em uma fase em que vários fatores desembocam num novo conjunto de relações
internacionais e internas, formando ‘um sistema’ capaz de modelar a vida social, não apenas
no plano econômico, mas, sobretudo, no plano político onde se busca revolver as contradições
do capital.
Dessa forma, a atual fase de transnacionalização da economia surge com aspectos
comuns característicos dos anos de 1920, quais sejam, extrema centralização e concentração
15
do capital, interpenetração das finanças e da indústria, etc.; entretanto, o sentido e o conteúdo
da acumulação de capital e de seus resultados são bem diferentes: a fase atual do capitalismo
— tendo dirigentes políticos, industriais e financeiros dos países do G-7 que se apresentam
como portadores de uma missão histórica de progresso social — tem como ponto de partida a
produção, onde se cria riqueza, combinando socialmente formas de trabalho humano de
diferentes qualificações; no entanto, “é a esfera financeira que comanda, cada vez mais, a
repartição e a destinação social dessa riqueza” (CHESNAIS, 1996, p. 20-21).
Nesse cenário de transnacionalização da economia, no plano estrutural e ideológico
produzem-se noções no sentido de afirmar um pensamento único: não há caminho alternativo;
a solução para a crise é a que está posta. Assim, a difusão “dessa nova vulgata planetária”
10
traz em seu bojo as noções de Estado mínimo, globalização, empregabilidade, competências,
sociedade pós-industrial ou pós-fordista, sociedade da informação, sociedade do
conhecimento, reestruturação produtiva, qualidade total, bioengenharia, etc., cuja finalidade é
justificar reformas no aparelho de Estado e na relação capital—trabalho.
Leher (1998) ressalta que o mito mais evocado na década de 1990 foi o da
globalização
11
, com a finalidade de justificar a “inevitabilidade” das reformas estruturais
propostas pela agenda neoliberal. Um mito de significação político-ideológica, reacionário,
que sustenta “uma mudança sem transformação”.
A doutrina neoliberal, balizada pelo documento produzido por representantes dos
países do capitalismo central — Consenso de Washington
12
—, seria a geradora de tais
noções.
Conforme exposto na sessão 1.1, Marx e Engels, em 1848, já denunciavam que o
capital por meio de suas relações burguesas de propriedade, produção e de troca busca
controlar “as potências infernais” por ele mesmo criadas, em um movimento tal que engendra
ciclicamente crises cada vez mais gerais e mais violentas, ao mesmo tempo em que busca
10
Para Bourdieu e Wacquant (2001) “os efeitos da nova vulgata são tão poderosos e perniciosos que ela é
veiculada não apenas pelos partidários do neoliberalismo, mas por produtores culturais e militantes de esquerda
que, em sua maioria, ainda se consideram progressistas”.
11
Para Chesnais (1996, p. 17), “a expressão ‘mundialização do capital’ é a que corresponde mais exatamente à
substância do termo inglês ‘globalização’, que traduz a capacidade estratégica de todo grande grupo oligopolista,
voltado para a produção manufatureira ou para as principais atividades de serviços, de adotar, por conta própria,
um enfoque e conduta ‘globais’. O mesmo vale, na esfera financeira, para as chamadas operações de arbitagem”.
12
O Consenso de Washington foi realizado em 1989, contando com a participação do International Institute for
Economy, funcionários do governo dos E.U.A., dos organismos internacionais e economistas latino-americanos,
para a discussão de um conjunto de reformas essenciais a fim de que a América Latina superasse a crise
econômica e retomasse o caminho do crescimento. Cabe ressaltar que tais medidas já haviam sido aplicadas pelo
programa de governo de Margareth Tatcher no início dos anos de 1980: Estado mínimo, combate aos sindicatos,
flexibilização nas leis trabalhistas, abertura comercial e redução da carga fiscal.
16
meios de superá-las. Não obstante, é certo que, nos primeiros anos das “décadas de crise”,
ideólogos do capital, dirigentes políticos, industriais e financeiros não esperavam ou não
seriam capazes de prever, que as contradições do capital assumiriam tal magnitude,
promovendo, a partir do início da década de 1990, um clima de insegurança e ressentimento
até mesmo nos países de capitalismo central. Na próxima sessão, veremos como a ideologia
neoliberal se torna hegemônica.
2. UMA DOUTRINA ENTRA EM CENA: o neoliberalismo
Nessa sessão, desvelo como o princípio do individualismo do liberalismo econômico
do século XVII foi apropriado pela ideologia neoliberal do final do século XX. A seguir,
mostro que o processo de transnacionalização da economia, acompanhado de noções como
Estado mínimo e globalização, marco da etapa do capital financeiro, não nasce de uma
espontaneidade, mas, sim, vai sendo construído por meio de relações sociais. Quero dizer com
isso que na busca de serem superadas as contradições inerentes ao capital, intensificadas à
medida que o sistema amadureceu, as relações de poder, de produção e reprodução do capital
foram se transformando. Tais transformações afetaram todo espectro das relações sociais e o
quadro institucional da sociedade, contribuindo para que ocorresse o colapso de padrões
políticos tradicionais.
2.1. O INDIVIDUALISMO LEONINO DA DOUTRINA NEOLIBERAL
O capitalismo, desde a sua origem
13
, possui impulsos específicos de acumulação e de
maximização do lucro, o que requereu, e requer cada vez mais, transformação completa das
relações e práticas do ser humano que passaram a ser mediadas pelo mercado
14
. Na atual fase,
iniciada com o keynesianismo militar global do governo norte-americano — sobre o tripé:
13
Posto que o capitalismo é uma relação social, em que o modo de produção se baseia na expropriação, por
meios econômicos, do trabalho dos produtores diretos legalmente livres, concordamos com Wood
(2001, p.76-92 ) ao afirmar que o capitalismo não se origina no meio urbano-industrial, mas, sim, no campo, na
Inglaterra do século XVI, quando os produtores diretos (camponeses) perdem a posse e o controle dos meios de
produção (a terra).
14
Na história da humanidade contamos com vários tipos de mercado; nesse sentido Wood (2001, passim) faz a
distinção entre sociedades com mercados e sociedades de mercados. Nas sociedades com mercados, as
motivações sociais estariam centradas em relações não econômicas como, as de parentesco, comunais, religiosas
e políticas e o modo de organizar a vida econômica estaria baseado nas trocas de mercado, na reciprocidade e
redistribuição; enquanto que nas sociedades de mercados, seres humanos e natureza são tratados como
mercadorias, movidos pelo mecanismo de preços, além do que, em vez de a economia ser inserida nas relações
sociais, são as relações sociais que estão inscritas na economia.
17
posição internacional do dólar, supremacia nuclear e empresa multinacional —, o capital com
sua transnacionalização da economia estabelece uma relação de complementaridade com as
redes de poder dos países de capitalismo central. Desse modo, o capitalismo em sua fase atual
parece ser uma tendência de escala, campo de ação e grau de sofisticação técnica e política
muito maior do que expansões em fases anteriores.
Mas essa maior escala, âmbito e sofisticação técnica [e política] nada mais
são que a continuação da sólida tendência da longue durée do capitalismo
histórico à formação de blocos cada vez mais poderosos de organizações
governamentais e empresariais como principais agentes da acumulação de
capital em escala mundial. A formação desses blocos mais poderosos sempre
foi um aspecto inscrito nas crises e contradições do bloco dominante anterior
(ARRIGHI, 1996, p.309).
Formado por dirigentes políticos, patronato e agentes financeiros, o bloco hegemônico
no poder global defende o mercado
15
como instrumento de manobra de todas as instâncias do
processo de reprodução material da sociedade, tendo por base um tipo de individualismo
específico, carregado de conotações políticas e ideológicas, defendido pelo pensador e
economista austríaco Friedrich Hayek, como, também, pelo economista Milton Friedman,
ambos, Prêmio Nobel em 1974 e 1976, respectivamente.
A filosofia do individualismo surge na Inglaterra do início do século XVII, apoiada
por capitalistas que já exerciam grande influência na vida econômica. Contrapondo-se à
antiga visão paternalista do Estado e de sua regulamentação estatal, os capitalistas em busca
de lucro não apenas rejeitavam as restrições do Estado absolutista, como também, se
contrapunham à ética cristã que condenava o desejo de ambição e o egoísmo. Em um contexto
de vida política agitada por movimentos como a Guerra dos Trinta Anos (1618—1648), na
França, e a Revolução Puritana que destrona o rei Carlos I (1649), na Inglaterra, surge a idéia
de contrato — o Estado — a partir da visão individualista do homem, no qual o indivíduo é
anterior ao Estado, que, por sua vez, torna-se instrumento que garantirá os interesses dos
indivíduos e suas propriedades. Essa visão
16
aparece em Thomas Hobbes (1588—1679),
15
Como veremos na próxima sessão, “O Estado surge de vilão; o mercado de panacéia. Todos os males parecem
poder ser resolvidos pela abertura da economia, pela diminuição do Estado e/ou pela contração de seus gastos.
No coração do sistema [do bloco no poder], os EUA atacam de reagnomics e supply side economics; a Inglaterra
vem com Mrs. Tatcher e suas privatizações; para o Terceiro Mundo reserva-se o Consenso de Washington”
(PAULANI, 2005, p. 125).
16
Ressaltamos as diferenças de concepções de Estado entre Hobbes e Locke, representantes do liberalismo. Para
o primeiro, o contrato que estrutura a sociedade é de submissão para evitar a guerra entre os homens que são
movidos pelo instinto de posse, egoísmo e desejo de acumulação. Desse modo, o Estado se reduz à garantia do
conjunto de interesses particulares. Locke, diferentemente de seu antecessor, não vê no estado de natureza uma
situação de guerra e egoísmo. Como os homens são livres, iguais e proprietários, podem legislar em causar
18
posteriormente em John Locke (1632—1704) e Jean Jacques Rosseau (1712—1778); os três
filósofos partem da análise do homem em estado de natureza, e exprimem a liberdade
individual baseada na propriedade privada, seja a do próprio corpo, como a força de trabalho,
seja a de terras ou quaisquer outras mercadorias. Desse modo, a sociedade é formada por
indivíduos livres e iguais, relacionados entre si como proprietários, na qual o poder do Estado
está não só em proteger a propriedade, mas, também, zelar pela ordem das relações de troca.
Na história do homem, segundo Paulani (2005, passim), o indivíduo é apresentado
pela modernidade, posto que, em formações anteriores ao capitalismo, o homem não era livre;
não sendo livre, não podia lutar pelo próprio interesse. Nesse sentido, os dois elementos que
constituem o indivíduo moderno são: em primeiro lugar, a dissolução
17
das relações
hierárquicas que tornara todos os homens iguais com liberdade para decidir sobre seu próprio
destino, e, depois, a institucionalização jurídica do direito privado de posse.
Com o advento da Primeira Revolução Industrial, quando o capitalismo atingia seu
apogeu, Adam Smith (1723—1790) em suas teorias escreve que embora os indivíduos
pudessem agir de forma egoísta seja em proveito próprio, seja em prol da classe à qual
pertencem, e muito embora os conflitos entre indivíduos e classes parecessem resultar de suas
ações, fato era que “as leis da natureza” os conduziam por uma “mão invisível” ou pela
“sabedoria divina” em direção ao bem-estar econômico e social. Proclamando o capitalismo
como patamar mais avançado que uma civilização pode atingir, afirmava que esse estágio de
evolução da humanidade só atingiria seu ponto máximo se o governo adotasse uma política de
laissez-faire, permitindo que as forças da concorrência e o livre jogo da oferta e da procura
regulassem a economia (HUNT, 1981, passim).
A influência de Smith nas doutrinas econômicas socialmente conservadoras
desses dois últimos séculos está principalmente em sua crença de que, numa
economia de mercado concorrencial, laissez-faire e capitalista, o mercado
livre dirigi[ri]a todos os atos egoístas, gananciosos e voltados para o lucro
para um ‘sistema óbvio e simples’, socialmente benéfico e harmonioso, ‘de
liberdade natural’ (ibidem, p. 81).
própria; no entanto, os riscos das paixões podem desestabilizar as relações sociais. Portanto, é necessário um
Estado como pacto de consentimento, visando à segurança e tranqüilidade necessárias ao gozo da propriedade.
17
“O que essa dissolução produz, a igualdade jurídica, não é suficiente, no entanto, para a constituição do
indivíduo tal como o conhecemos. Nas comunidades tribais primitivas, existia a igualdade, mas não o indivíduo.
A busca do interesse próprio não tinha ainda canais para se conduzir. E isso porque a propriedade não era aí
privada, era comunal, ou seja, a relação de posse era antes social do que individual. Mesmo nas civilizações mais
adiantadas, como as da Antiguidade Clássica, na qual existia algo mais parecido com a moderna propriedade
privada, ainda aí era a comunidade o pressuposto da propriedade” (PAULANI, 2005, p.85).
19
É, pois, a teoria smithiana que fundamenta o extremo laissez-faire das escolas de
Hayek e Friedman. Os seguidores dessas escolas mantêm a crença no automatismo do
mercado, sob três afirmativas. Primeira, a instabilidade do capitalismo é decorrente do
excesso de governo; em seguida, o monopólio empresarial é insignificante do ponto de vista
da economia como um todo; e, finalmente, que o governo deve, apenas, oferecer a defesa
igualitária à população, sem intervir nos limites da área de liberdade individual (op.cit.
passim). Essas seriam as premissas básicas do neoliberalismo que, segundo Paulani (2005,
p.122-123), nasce logo após o término da Segunda Guerra como uma reação teórica e política
contra o Estado intervencionista e de bem-estar. Hayek
18
seria o mentor do neoliberalismo,
fazendo valer suas idéias depois de quase trinta anos.
A batalha entre keynesianos e neoliberais não era nem um confronto
puramente técnico entre economistas profissionais, nem uma busca de
caminhos para tratar de novos e perturbadores problemas econômicos. (...)
Era uma guerra de ideologias incompatíveis. Os dois lados apresentavam
argumentos econômicos. Os keynesianos afirmavam que altos salários,
pleno emprego e o Estado de Bem-estar haviam criado a demanda de
consumo que alimentara a expansão, e que bombear mais demanda na
economia era a melhor maneira de lidar com depressões econômicas. Os
neoliberais afirmavam que a economia e a política da Era de Ouro impediam
o controle da inflação e o corte de custos tanto no governo quanto nas
empresas privadas, assim impedindo que os lucros, verdadeiro motor do
crescimento econômico numa economia capitalista, aumentassem. De
qualquer modo, afirmavam, a ‘mão invisível’ smithiana do livre mercado
tinha de produzir o maior crescimento da ‘Riqueza das Nações’ e a melhor
distribuição sustentável de riqueza e renda dentro dela; uma afirmação que
os keynesianos negavam (HOBSBAWM, 2005, p. 399).
Nesse contexto, é com surpresa que destaco algumas recomendações dos neoliberais
na década de 1960 — surpresa, porque essas mesmas recomendações serão apresentadas nos
documentos dos organismos multilaterais dos anos de 1990. Já àquela época, os neoliberais
defendiam a eliminação: da educação pública gratuita; da previdência social; das leis do
salário mínimo; dos impostos sobre as sociedades anônimas; do imposto de renda
progressivo; da regulamentação, pelo governo, da qualidade de alimentos e medicamentos;
das licenças e da qualificação de médicos e dentistas; do monopólio dos serviços de correio;
das indenizações pagas pelo governo, em caso de sinistro natural; dos tetos das taxas de juros
cobradas por credores; das leis que proíbem a venda de heroína.
18
“Não é de espantar, portanto, que Hayek, notório defensor do liberalismo, seja então, sem grande dificuldade e
por contraditório que isso possa ser, enquadrado no coro dos pós-modernos” (PAULANI, 2005, p.83). Nesse
sentido, Mészáros (2006, p. 190-9) analisa a arrogância fatal da apologia de Hayek ao capital.
20
Recomendações essas baseadas na filosofia do individualismo em que, como vimos
tanto no liberalismo político de Hobbes e Locke, quanto no liberalismo econômico de Smith,
o indivíduo é colocado como peça-chave, sem o que na sociedade não haveria propriedade
privada, valor de troca girando em torno de um mercado livre e naturalizado, nem propensão
ao consumo desvairado ou sequer tomadas de decisão sobre o quanto gastar ou investir —
mecanismos fundamentais para o progresso e riqueza da nação.
Marx (2003) ressalta a contradição entre o ser histórico e a sociedade burguesa que
não só o toma como indivíduo livre, autônomo, movido por uma “mão invisível”, mas,
sobretudo, como ponto de partida da história. Nesse sentido, Paulani (2005, p.88) apreende o
pensamento marxiano, demonstra a contradição indivíduo—sociedade e sua relação com a
ciência econômica, esclarecendo que para a ciência social burguesa, no tocante à ordem
política, a sociedade nasce a partir da consciência dos indivíduos; na ordem econômica, a
sociedade — concretizada no mercado e em seu dinamismo progressista — surge como que
naturalmente e de modo independente da vontade dos indivíduos.
Desse modo, a contradição entre indivíduo e sociedade é desvelada, posto que se por
um lado a sociedade é formada a partir da consciência dos indivíduos políticos que
engendram “suas próprias relações jurídicas, a sua própria forma de governo, etc.”
19
, sob a
forma de Estado e de um conjunto de leis; de outro, para “o indivíduo econômico a sociedade
fica invisível, e quando aparece em sua concretude, sob a forma de dinheiro, por exemplo, ela
não surge para ele como locus de relações sociais, mas como um ‘mundo natural’, e continua ,
portanto, invisível” (PAULANI, 2005, p.89).
É esse individualismo leonino — contraditório na sua acepção porque prevê o
indivíduo econômico objetivado da realidade concreta da sociedade, ao mesmo tempo em que
o tem não como algo determinado, mas socialmente determinado — que será o pilar de
sustentação da nova profissão de fé: o neoliberalismo. Além do que, como veremos no
capítulo II, será esse individualismo que norteará as diretrizes curriculares nacionais para a
educação no Brasil, centradas no conceito de competências e habilidades, exigindo de jovens
estudantes, futuros trabalhadores, iniciativa própria, capacidade de resolver problemas,
criatividade, autonomia e espírito empreendedor.
19
Marx, 2003, p.231.
21
2.2. NEOLIBERALISMO: visão de mundo afinada com um momento histórico
específico
Como exposto na sessão anterior, o neoliberalismo
20
surge logo após a Segunda
Guerra Mundial em oposição ao keynesianismo. Mas, então, por que somente depois de quase
trinta anos engavetada, a doutrina se espraia pelo mundo? O cerne da questão encontra-se no
tipo de crise do capital a que essa “doutrina” se aplica.
No seu curso histórico de desenvolvimento, segundo Mészáros (2006a, passim), o
capital passou por momentos de crises cíclicas chegando à crise estrutural. Diferente das
crises cíclicas, a crise estrutural “afeta a totalidade de um complexo social em todas as
relações com suas partes constituintes ou subcomplexos”, ao passo que uma crise
não-estrutural afeta parte da totalidade social, abalando apenas uma das três dimensões
fundamentais do capital (produção, consumo e circulação/distribuição/realização), o que torna
possível deslocar as contradições, tornando-as difusas ou até mesmo neutralizadas. Esse seria
o campo de atuação de reformistas.
Segundo esse filósofo húngaro (ibidem, p. 795-6), nos dias que correm vivenciamos
uma crise estrutural do capital, manifesta em quatro aspectos:
(1) seu caráter é universal, em lugar de restrito a uma esfera particular
(por exemplo, financeira ou comercial, ou afetando esse ou aquele ramo
particular de produção, aplicando-se a esse e não àquele tipo de trabalho,
com sua gama específica de habilidades e graus de produtividade etc.);
(2) seu alcance é verdadeiramente global (no sentido mais literal e
ameaçador do termo), em lugar de limitado a um conjunto particular de
países (como foram todas as principais crises no passado);
(3) sua escala de tempo é extensa, contínua, se preferir, permanente, em
22
que o capital ao se articular em uma rede de contradições, tendo em seu âmago o antagonismo
entre capital e trabalho, agora busca se administrar mediado pelo neoliberalismo, referendum
da internacionalização do capital.
Concordo com Chesnais (1996, p.43) que a noção de internacionalização tem caráter
genérico, o que inclui o comércio exterior; o investimento externo direto; os fluxos
internacionais do capital; a movimentação de tecnologia, seja incorporada à maquinaria, seja
transmitida e adquirida de forma imaterial por meio de fluxos informacionais; e, ainda, o
movimento internacional de pessoal qualificado. Contudo, desejo aqui pensá-la como um todo
articulado, síntese de múltiplas determinações, cuja mediação fundamental é a acumulação do
capital por meio da valorização financeira.
Portanto, meu percurso de análise não é nem casual, nem factual; analisar como ocorre
o (re)surgimento do neoliberalismo, significa
23
intensificação, em escala ainda não vista, do processo de centralização de capitais e pela
eclosão da terceira revolução industrial” (ibidem, p.72).
Para a economista, a combinação entre crescimento americano e mundial, embora
menor que nos anos dourados, a elevação da inflação nos Estados Unidos, reduzidas taxas de
juros nominais e reais em dólares e o aumento do crédito no circuito offshore de Londres
geraram a explosão dos preços, em dólar, não só dos principais insumos industriais, como,
também, do petróleo. Com a crise deflagrada pela Organização dos Países Exportadores de
Petróleo (OPEP), em 1973, o crescimento americano é afetado e, com ele, o mundo entra em
recessão.
Devido à crise do petróleo e recessão mundial, os capitais iniciam a busca por
valorização financeira. “Aos eurodólares já acumulados na city de Londres vieram se juntar os
petrodólares e uma nova leva de eurodólares, agora com mais motivos ainda para deserdar da
atividade produtiva, dada a recessão que atingia quase todo o mundo, particularmente o centro
do sistema, ou seja, os países desenvolvidos”. É a partir do acúmulo de capitais
22
pela busca
desenfreada da valorização financeira, que se inicia a pressão pela desregulamentação dos
mercados. “Volátil por natureza, logicamente desconectado da produção efetiva de riqueza
material da sociedade, ‘curto-prazista’ e rentista só funciona adequadamente se tiver liberdade
de ir e vir, se não tiver que enfrentar (...), regulamentos, normas e regras que limitem seus
movimentos” (op.cit., p.75).
Assim, o modo de regulação do capitalismo que funcionara na Era de Ouro, já não
mais se ajusta ao regime de acumulação que, agora, funciona sob o império da valorização
financeira. Dessa forma,
foi Margareth Thatcher quem, buscando uma estrutura mais adequada
para atacar os problemas econômicos de sua época, descobriu
politicamente o movimento [neoliberal] e voltou-se para seu corpo de
pensadores em busca de inspiração e recomendações, depois de eleita
em 1979. Em união com Reagan, ela transformou toda a orientação da
atividade do estado, que abandonou a busca do bem-estar social e
passou a apoiar ativamente as condições ‘do lado da oferta’ da
acumulação de capital. O FMI e o Banco Mundial mudaram quase
que da noite para o dia seus parâmetros de política, e, em poucos
anos, a doutrina neoliberal fizera uma curta e vitoriosa marcha por
sobre as instituições e passara a dominar a política, primeiramente no
mundo anglo-saxão, porém, mais tarde, em boa parte da Europa e do
mundo (HARVEY apud PAULANI, 2006, p.76).
22
Nesse sentido, Chesnais (1996, p. 241) afirma a autonomia do setor financeiro como restrita a uma autonomia
relativa, pelo fato de os capitais, agora valorizados na esfera financeira, terem nascido e por continuarem
nascendo no setor produtivo.
24
O neoliberalismo torna-se, então, o discurso oficial da fase capitalista que se inicia.
No discurso de Hayek, a única coisa que importa é afirmar e reafirmar
constantemente que as pessoas precisam — incontestavelmente —
submeter-se aos imperativos da ordem estrutural existente, ainda que admita
que os princípios advogados por ele ‘nunca tenham sido racionalmente
justificados’ (MÉSZÁROS, 2006a, P.909).
A “nova economia” requer a destruição dos direitos trabalhistas por parte de
empresários e governos, com redução salarial e enfraquecimento das instituições sindicais;
desregulamentação industrial de modo a favorecer não apenas o movimento de compra e
venda de indústrias, mas, também, o de fusões e, por conseguinte, a reestruturação do setor
produtivo, em particular, e, de outras organizações, em geral.
Para tal, o Estado deve se tornar mínimo
23
, libertar o mercado para a concorrência.
“Com a redução do espaço institucional de atuação do Estado, o setor privado, em princípio
mais ágil e eficiente que a máquina estatal, porque regido pela lógica do mercado, retornaria
ao lugar que de direito lhe era devido” (PAULANI, 2006, p.77).
Nesse cenário, a economista afirma que, diferente do liberalismo econômico que
nascera da teoria, o neoliberalismo surge da necessidade de o capital escamotear suas próprias
contradições e é, portanto, muito mais que uma teoria, é uma “doutrina”
24
, uma “profissão de
fé” que se fortalece no discurso de que não há outra alternativa, a não ser a que está posta.
Atribui-se, então, aos organismos multilaterais, como o Fundo Monetário
Internacional (FMI), Banco Mundial (BIRD), Banco Interamericano de Desenvolvimento
(BID) e o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), o papel de tutoriar
as reformas dos Estados nacionais, sobretudo nos países de capitalismo periférico.
23
A gestão neoliberal do Estado implica transformá-lo em gerenciador do fundo público, isto é, agente de
financiamento simultâneo da acumulação do capital e de reprodução da força de trabalho. O financiamento da
acumulação do capital em gastos públicos na produção (subsídios para agricultura, indústria, comércio, ciência e
tecnologia) e o financiamento da reprodução da força de trabalho (gastos sociais como educação, medicina
socializada, previdência social, seguro-desemprego, vale-transporte, vale-alimentação, habitação, salário-família,
etc.) tornam o fundo público precondição da acumulação e reprodução do capital. Oliveira (1998) aponta que o
fundo público não é nem capital e nem força de trabalho; ele é pressuposto necessário do capital e é,
simultaneamente, negação do capital — é o antivalor. Portanto, dizer que o Estado é mínimo, na atual fase do
capitalismo, não implica que ele seja fraco. “Ao contrário, ele tem de ser extremamente forte, no limite violento,
para conduzir os ‘negócios de Estado’ da forma mais adequada possível de modo a preservar e contemplar
grupos de interesses específicos” (PAULANI, 2006, p.80).
24
Nesse sentido, Lander (2005, p.21) afirma que as dificuldades em se formular alternativas teóricas e políticas à
primazia do mercado, em diversos campos das ciências sociais, tem sido pelo fato de o neoliberalismo ser
debatido e combatido como se fosse uma teoria econômica; “na realidade deve ser compreendido como um
discurso hegemônico de um modelo civilizatório, isso é, como uma extraordinária síntese de pressupostos e dos
valores básicos da sociedade liberal moderna no que diz respeito ao ser humano, à riqueza, à natureza, à história,
ao progresso, ao conhecimento e à boa vida”.
25
Segundo Leher (1998), a “nova Era” não nasce de uma espontaneidade, mas, sim, é
construída, por meio de relações sociais, tal como acontecera no Consenso de Washington.
Ademais, a “Era do Mercado” utiliza-se de órgãos públicos, sistemas jurídicos, instituições
financeiras e sistemas de educação e saúde, para “estabelecer regras que permitam realizar as
transações em um clima de confiança”, tendo por meta “aliviar a pobreza extrema, manter o
capital humano e adapta-lo às necessidades de um sistema de mercado [que] contribuem para
o crescimento tanto quanto para a promoção da justiça social e a sustentabilidade política”
(Relatório do Banco Mundial apud LEHER, 1998).
Na América Latina, o Banco Mundial será o principal ator no processo de construção
não apenas do novo período de tempo, mas, sobretudo, do consenso em torno dele.
2.3. A IDEOLOGIA NEOLIBERAL
O breve detour feito, nas duas sessões anteriores, pela história do neoliberalismo
permite deixar assinalado que ao supor que toda ação humana se baseia no valor de troca,
mesmo desprovida de valores
25
, a ideologia neoliberal, economicamente, “é um fracasso, pois
não conseguiu, depois de um quarto de século de aplicação, nenhuma revitalização básica do
capitalismo avançado. Socialmente, ao contrário, conseguiu muitos de seus objetivos, criando
sociedades marcadamente mais desiguais, embora não tão desestatizadas como de início
pretendia” (PAULANI, 2005, p.127).
No plano político, entretanto, viu-se que a ideologia neoliberal se tornou consenso a
partir de um discurso “que nasce ‘historicamente’ do prestígio (e, portanto, da confiança)
obtido pelo grupo dominante por causa de sua posição e de sua função no mundo da
produção” (GRAMSCI, 2001, v.2, p.21). Segundo Paulani, (2005, p. 127), no plano político e
no plano da idéias, o neoliberalismo teria alcançado um êxito em grau tal que até mesmo seus
mentores jamais sonharam.
Entrementes, para além desse consenso, refiro-me a uma fase histórica da sociedade
com características específicas que, a partir da segunda metade dos anos de 1970, em geral e
posteriormente aos anos de 1980, em particular, com a vitória eleitoral dos conservadores
26
; o
colapso soviético; o enfraquecimento dos Estados-Nações; a cooptação de sindicatos
25
Segundo Hunt (1981, p. 487) são os próprios teóricos do neoliberalismo que afirmam ser sua teoria “uma
ciência isenta de valor”. Paulani (2005, p.127) ratifica: “Hayek concede que ela [ a idéia do neoliberalismo de
inexorabilidade da sociedade] é mesmo amoral, mas é o que de melhor se pode conseguir!”
26
Margareth Tatcher, alcunhada de Dama de Ferro, eleita em 1979, como chefe do governo britânico; e Ronald
Reagan, membro da facção conservadora do Partido Republicano dos EUA.
26
trabalhistas e a orientação de partidos políticos para posição conservadora de centro-direita,
vive sob uma determinada ideologia que, apesar do tom característico do discurso
dogmático-religioso, não tomamos como falsa consciência.
Ressalte-se que, ao se assimilar a ideologia como falsa consciência, corre-se o risco de
cair em um pessimismo engendrado pelo reducionismo que faz da ideologia uma categoria
auto-enganadora de pura mentira, cuja verdade se esconde por detrás de véus inacabáveis,
desvelada apenas por “privilegiados [intelectuais] que sabem como decifrar o difícil
significado dos sinais reveladores”, enquanto à grande massa trabalhadora seria reservado
“permanecer prisioneira da ideologia” (MÉSZÁROS, 2004, p.459).
Na produção social da sua existência, os homens estabelecem relações
determinadas, necessárias, independentes de sua vontade, relações de
produção que correspondem a um determinado grau de desenvolvimento das
forças produtivas materiais. O conjunto dessas relações de produção
constitui a estrutura econômica da sociedade, a base concreta sobre a qual se
eleva uma superestrutura jurídica e política e à qual corresponde
determinadas formas de consciência social. O modo de produção da vida
material condiciona o desenvolvimento da vida social, política e intelectual
em geral. Não é a consciência dos homens que determina seu ser; é o seu ser
social que, inversamente, determina a sua consciência. Em certo estágio de
desenvolvimento, as forças produtivas materiais da sociedade entram em
contradição com as relações de produção existentes (MARX, 2003, p.5)
Dessa maneira, posiciono-me com Eagleton (1997, p. 72), ao salientar que para Marx
e Engels “as ilusões sociais estão ancoradas em contradições reais, de modo que somente pela
atividade prática de transformar as últimas é que podem as primeiras ser abolidas”. Marx
entendia a consciência como resultado do desenvolvimento histórico do ser material e, por
conseguinte, afirmava: “não é consciência que determina a vida, mas sim a vida que
determina a consciência” (MARX e ENGELS, 2002, p.20); demonstrando, assim, que a
consciência reflete a realidade, base sobre a qual é possível se intervir e modificá-la, “quer-se
dizer que a consciência tem um real poder no plano de ser” (LUKÁCS, 1978, p.3).
Destaque-se que, incontestavelmente, o poder da ideologia dominante é
incomensurável; no entanto isso ocorre não apenas porque a burguesia, mediada pelo Estado,
dispõe dos aparelhos ideológicos de hegemonia, mas, sobretudo, porque o poder da ideologia
“só pode prevalecer graças à vantagem da mistificação, por meio da qual as pessoas que
sofrem as conseqüências da ordem estabelecida podem ser induzidas a endossar
‘consensualmente’valores e políticas práticas que são de fato absolutamente contrários a seus
interesses vitais” (MÉSZÁROS, 2004, p.472).
27
Posto que a origem e a perpetuação da burguesia se baseiam na exploração dos
trabalhadores, com o objetivo de produzir mercadorias visando produzir e reproduzir o
capital, o poder de mistificação lhe é peculiar, tanto quanto a necessidade de legitimar o
capital como força de controle permanente da sociedade. Desse modo, a classe burguesa se
constitui como uma classe de interesses particulares. “Assim, o conhecimento da
realidade — natural e social — será configurado de forma a tornar a possível consecução
daqueles objetivos. O objetivo fundamental é sempre conhecer a realidade, sim, mas apenas
na forma, no conteúdo e nos limites que permitam a reprodução dessa forma de sociabilidade”
(TONET, 2005, p.107).
Nesse contexto, a classe trabalhadora expropriada de seus meios de produção, vende a
única mercadoria que possui — sua força de trabalho —, tornando-se, também, mercadoria
tanto quanto o objeto de sua produção. No mercado de trabalho, o produto do trabalho do
trabalhador não mais lhe pertence, adquirindo uma existência independente; o produto do
trabalho escapa à vontade, à consciência e ao controle do produtor, que, por sua vez, não mais
se reconhece no que produz. Produtor, então, se vê sob um fetiche, sob um poder que o separa
do produto de seu trabalho, produto este tornado mercadoria cujo status é soberano,
dominador e ameaçador. Produz-se então uma inversão: o homem que deveria ser o senhor
soberano de seu produto, passa a ser manobrado por aquilo que produziu. As leis do mercado
fazem o trabalhador abater-se sob forças que o arrastam para um mundo desumano de
sucessivas crises. Assim, se por um lado a mercadoria se “humaniza”, de outro, o homem se
reifica.
Os indivíduos dessa classe encontram-se em situação tal que, para poderem
realizar-se como seres genuinamente humanos, vêem-se obrigados a destruir
sua própria condição de classe e, para isso, a própria sociedade de classes.
Daí por que seus interesses mais essenciais não são particulares, mas
universais (TONET, 2005, p.107).
Por esse motivo, a classe trabalhadora precisa de um conhecimento para além daquele
oferecido pela classe dominante, que lhe permita perceber e superar as contradições
estruturais do metabolismo social classista-explorador
27
regido pelo capital.
É nesse sentido que busco analisar o antagonismo da correlação de forças e
contradições do sistema sociometabólico do capital, de modo a apresentar a solução prática na
27
MÉSZÁROS, Istvan. O poder da ideologia. São Paulo: Boitempo, 2004.
28
direção contra-hegemônica, na qual a ideologia neoliberal “não é o principal obstáculo da
consciência humana para a autonomia e a emancipação” (MÉSZÁROS, 2004, p.461).
Mészáros, em O século XXI: socialismo ou barbárie?, cita algumas dessas
contradições, das quais destacamos: produção e controle; produção e consumo; produção e
circulação; competição e monopólio; desenvolvimento e subdesenvolvimento (ou seja, a
divisão entre norte e sul, tanto globalmente quanto no interior de cada país); produção e
destruição; dominação estrutural do capital sobre o trabalho e sua dependência insuperável do
trabalho vivo; produção de tempo livre (sobretrabalho) e sua paralisante negação como
imperativo de reproduzir e explorar o trabalho necessário; forma absolutamente autoritária de
tomada de decisões no processo produtivo e a necessidade de sua implementação
‘consensual’; expansão do emprego e geração do desemprego; impulso de economizar
recursos materiais e humanos combinado ao absurdo e desperdício deles; tendência
globalizadora das empresas transnacionais e restrições necessárias exercidas pelos Estados
nacionais contra seus rivais; contradição econômica entre a regulação econômica e política de
extração de sobretrabalho (ibid., 2003, p.20).
Na realidade concreta da sociedade, cuja infra-estrutura é a fase imperialista do
capital, essas contradições expressam o antagonismo fundamental entre capital e trabalho e
referem-se a dois aspectos da crise estrutural do capital: seu caráter universal e seu alcance
global.
Assinalada por Marx e posteriormente por Lênin, a relação entre tendência
globalizante do capital transnacional e Estados nacionais, na fase imperialista, estabelece uma
política de dominação, submetendo a soberania de países e a classe trabalhadora a um quadro
de dependência e exploração crescente.
O capitalismo, na sua fase imperialista, conduz à socialização integral da
produção nos seus mais variados aspectos; arrasta, por assim dizer, os
capitalistas, contra sua vontade e sem que disso tenham consciência, para um
novo regime social, de transição entre a absoluta liberdade de concorrência e
a socialização completa (...)
A produção passa a ser social, mas a apropriação continua a ser privada. Os
meios sociais de produção continuam a ser propriedade privada de um
reduzido número de indivíduos. Mantém-se o quadro geral da livre
concorrência formalmente reconhecida, e o jugo de uns quantos
monopolistas sobre o resto da população torna-se cem vezes mais duro, mais
sensível, mais insuportável (LENIN
28
, 1916).
28
LENINE, V.I. O Imperialismo, fase superior do capitalismo. Disponível em:
http://www.marxists.org/portugues/lenin/1916/imperialismo/prefacio.htm
. Acesso em 03/01/2007.
29
A relação de dependência não ocorre como uma simples relação de forças que
permite países economicamente fortes explorarem outros, mas, sim, trata-se de múltiplas
relações inseridas em uma totalidade social cuja mediação é o trabalho, envolvendo a
articulação entre mecanismos dos centros hegemônicos capitalistas para as economias
capitalistas dependentes e vice-versa. Esse o próximo tema a ser analisado.
3. IMPERIALISMO E DEPENDÊNCIA: UMA RELAÇÃO DIALÉTICA
Nessa sessão analisarei o fenômeno do imperialismo e suas manifestações a partir do
ponto de vista dos países subordinados, buscando entender, no processo de
internacionalização e reprodução do capital, o modo como os países de capitalismo central
criam e expandem vínculos entre as nações industrializadas e os territórios produtores de
matéria-prima, ou semi-industrializados, em geral, e no Brasil, em particular.
Entendo que o fenômeno do imperialismo não se manifesta apenas nos países
dependentes, mas, também, nos países que compõem o bloco dominante. Essas manifestações
estão presentes nos problemas internos desses países, como, desemprego, fome, miséria, má
distribuição da renda, desigualdades socioeducacionais, conflitos raciais, etc. A estrutura
desses problemas é a de uma sociedade cindida em classes, cujo maior opositor do capital é o
trabalho. Essas manifestações se repercutem nos países subordinados, posto que os países de
capitalismo central, ao buscar escamotear as próprias contradições, modificam o
funcionamento do capital não apenas internamente, como também, nas colônias e países
dependentes (IANNI, 1988, passim).
Em sua expansão, o imperialismo, na luta que trava para dominar as economias
naturais
29
apodera-se de algumas culturas tradicionais, tornando-as colônias; outras são
reduzidas a economias de mercado, dependentes das economias capitalistas imperialistas,
embora, na aparência, continuem politicamente independentes. No caso dos povos do
“Terceiro Mundo”, a produção capitalista fornece bens de consumo em maior quantidade do
que suas próprias necessidades, além do que ficam parcialmente dependentes de mercadorias
produzidas no setor de produção do capitalismo imperialista. Para que ocorra a
29
Economia natural seria aquela em que a sociedade não é de mercado, mas, sim, uma sociedade com mercado.
30
superexploração são realizados grandes investimentos como a construção
30
de portos,
ferrovias e estradas de rodagem (LUXEMBURG apud HUNT, 1981, P.389).
Historicamente, o imperialismo inglês foi hegemônico desde a origem do capitalismo,
passando pela primeira revolução industrial e chegando até os anos de 1870.
Entre 1870 e 1914, a Europa viveu um período de transição hegemônica no qual o
declínio do imperialismo inglês coincide não com a consolidação e internacionalização do
capital financeiro, mas, também, com a expansão imperial de outros países europeus. Em
decorrência da segunda revolução industrial (1850—1900), cresce a concorrência entre
Inglaterra, França, Alemanha, Japão, Rússia e Estados Unidos, que, por meio de novas formas
organizacionais do trabalho, elevam sobremaneira a produção de bens de consumo, utilizando
novas formas de energia como a hidrelétrica e a derivada do petróleo (FIORI, 1998, p.98).
A Europa, ainda centro de poder, riqueza e cultura, declinava em um contexto — na
Era dos Impérios — cuja política e economia haviam se fundido. “A rivalidade política
internacional se modelava no crescimento e competição econômicos, mas o traço
característico disso era precisamente não ter limites. As fronteiras naturais da Standard Oil,
do Deutsche Bank ou da De Beers Diamond Corporation estavam no fim do universo, ou
melhor, nos limites de sua capacidade de expansão (HOBSBAWM, 2005, p.37).
Segundo o historiador, tanto a pretensão alemã a um status único quanto a resistência
da Grã-Bretanha e França levaram à Guerra cujo único objetivo era a vitória total. Entretanto,
a vitória ficou dividida entre EUA, Grã-Bretanha, França e Itália. Ressalte-se que no início
[d]o breve século XX, os Estados Unidos já eram uma grande economia industrial, modelo e
força da produção em massa e da cultura de massa que subjugariam o globo durante todo o
século XX (HOBSBAWM, 2005), o que possibilitou tornar-se um país hegemônico na
segunda fase do imperialismo que perdura até o final da década de 1960.
Nesse contexto, apreendemos o imperialismo como uma relação social de exploração,
mediador de interesses econômicos do bloco dominante, força social conservadora, síntese de
múltiplas determinações como, o nacionalismo, o patriotismo, o fervor religioso e o
militarismo. As relações estabe7tic/TT4 1 oy5 TD75 0.9((m)8.4(6eites diturelaçtes aabe)4c 1 oy5orism)8.drelaçesse f6(i9(to,8o)6( )]TJT*0.5002 Tc09.055 Twou,que onom)8.sslaçes[(agItá)5ontarism38.8(va e)75.2(m3(, agaegunntera preote, (o,onom)8.6(ilitarism38..6( co.7(m)8.3(e)64.9(se de )]TJTD-0.0001 Tc400241 Twse quresorça de expans derihisto(taAlériam)7.d(, o de)]TJ90.32 0 TD0.0007 Tc386069 Tw[d(,poquanse v)e)75)6(i)5Tw(ção econôm,(o,onom58.6(ilitarism)5o éo o )]TJ-90.-3.7553 0 TD0 Tc0 Tw( )ET85c0 96.5/TT.04e)6-0.00refBTscns 1 0cns2j-0 94c40000m TD( )6.48s 1 06.48s85c0 86)6-0000m T30( )1Tc0s 1 0cTc0s91.5/T82c0.000m TD020001 Tc350693 Tw Daviabe5(d e oHarto,8ov3(e)9(eyto,)1.endTf57.8( )]TJ/TT6 1 am)54.645 0 TD020005 Tc34.029 TwCçõe)4iaminíc neernôm
31
um meio de extrair a mais-valia, como, também, meio de diminuir a instabilidade do
capitalismo.
O militarismo desempenha uma função bastante definida na história do
capital, acompanhando toda a fase histórica de acumulação. Desempenhou
um papel decisivo nos primeiros estágios do capitalismo europeu, no período
da chamada acumulação primitiva, como meio de conquistar o Novo Mundo
e os países produtores de especiarias nas Índias. Mais tarde, foi empregado
para sujeitar as colônias modernas, para destruir a organização social das
sociedades primitivas, para que seus meios de produção pudessem ser
tomados, para introduzir à força o comércio de mercadorias em países que a
estrutura social lhe fosse desfavorável e para transformar os nativos em um
proletariado, obrigando-os a trabalhar sob regime assalariado nas colônia.
Foi responsável pela criação e pela expansão de esferas de interesse para o
capital europeu em regiões não européias, pela obtenção de concessões para
construir estradas de ferro em países atrasados e pelo cumprimento das
obrigações para com o capital europeu, como credor internacional.
Finalmente, o militarismo é uma arma na luta competitiva entre países
capitalistas por áreas de civilização não-capitalista (LUXEMBURG, 1972,
apud HUNT, 1981, p.390).
A partir do final da Segunda Grande Guerra, os Estados Unidos, na busca da
reconstrução do capitalismo internacional, se propuseram a redesenhar o mundo à sua imagem
e semelhança. Nesse sentido ocorreram as conferências de Bretton Woods e foi criada a
Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), precursores do Plano Marshall para a
reconstrução da Europa; e por fim, o welfare state e a criação da Comunidade Econômica
Européia tornaram-se pilares de sustentação do modelo keineysiano de economia mista.
Diferentemente da Inglaterra do século XIX, os Estados Unidos construíram uma
complexa rede de instituições, agrupadas em três setores, voltadas para a gestão multilateral
de sua hegemonia. O primeiro setor, formado pelo Fundo Monetário Internacional (FMI),
Banco Mundial (BIRD) e Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (GATT) ficaram
responsáveis pela supervisão do comércio e do equilíbrio de balanços de pagamentos dos
países membros; o segundo, constituiu-se da rede global de suas bases militares legitimadas
por vários pactos regionais de segurança coletiva ou de defesa bilateral; e, por último, a
Organização das Nações Unidas (ONU), com o Conselho de Segurança, responsável pela
32
1946, o discurso de Churchill abre ao mundo capitalista a política da guerra fria. A Doutrina
Truman, lançada em 1947, mostra o compromisso dos Estados Unidos em defender
militarmente os países dependentes das lutas de classe, guerras civis ou movimentos de
independência. Ainda em 1947, é assinado o Tratado Interamericano de Assistência
Recíproca. Em 1948, os países da América Latina e Antilhas assinam o Pacto de Bogotá. No
ano seguinte, o governo norte-americano promulga o Ponto IV, de assistência e cooperação
econômica e técnica aos países ‘subdesenvolvidos’. Em 1961, os governos das Américas
assinam a Carta de Punta del Leste, em resposta à vitória socialista de Cuba. Em 1967,
também em Punta del Leste, é assinada a declaração dos Presidentes das Américas (IANNI,
1988, p.114-15).
Observa-se, então, que a inserção dos Estados de capitalismo dependente, no quadro
das relações e estruturas imperialistas, não ocorre de modo aberto e exclusivo ao
imperialismo. Não só os organismos multilaterais, mas, também, acordos, tratados e
conferências funcionam como mecanismos para se efetivar a interpenetração e
desdobramentos dos conteúdos políticos e econômicos do imperialismo pela mediação do
Estado.
No final dos anos de 1960, o capital mostrava sinais de esgotamento. A hegemonia dos
EUA declinou com a queda do padrão dólar-ouro, gerando diminuição da produtividade e,
como conseqüência, a queda de emprego e instabilidade de preços. Nesse cenário, os conflitos
sociais liquidaram o consenso ideológico/político-econômico do liberalismo, levando os
Estados Unidos a enfrentarem uma crise de hegemonia no período de 1968—1973.
No final da década de 1970, o mundo, carente de hegemonia, se depara com a crise
estrutural do capital. “Estavam criadas as condições para a grande vitória conservadora
responsável pela reorganização do cenário político mundial ocorrida a partir de 1979, a
verdadeira matriz da retomada americana e do processo de globalização” (HOBSBAWM,
2005, p.114). Inicia-se, então, a terceira fase do imperialismo, cujas relações sociais de
produção ocorrem em um sistema capitalista internacional, de fato, e maduro. Sob essas
condições, a competição entre os grandes monopólios e seus governos
31
ocorre por toda parte
do mundo, envolvendo mercados de nações do capitalismo central, como as de capitalismo
periférico, e, até mesmo, de nações não-industrializadas.
31
Nessa terceira fase, o bloco imperialista é formado pelo G-7, uma espécie de diretório, encarregado da
administração associada dos assuntos mundiais. O G-3, um subgrupo do primeiro, coordena suas políticas
cambiais frente às flutuações e às crises financeiras (FIORI, 1997, p.120).
33
Concordo com Lenin que entender como se desenvolve o imperialismo na fase madura
do capital é crucial, posto que “a obra de Marx tinha demonstrado, com uma análise teórica e
histórica do capitalismo, que a livre concorrência gera a concentração da produção, e que a
referida concentração, num certo grau do seu desenvolvimento, conduz ao monopólio”
(LENIN, 1916
32
).
A nova fase do imperialismo global, sob o controle dos Estados Unidos, é formada
basicamente por monopólios industriais e monopólios financeiros. O crescimento de
monopólios e oligopólios industriais ocorre por meio dos diversos estágios da produção, não
só gerando maior concentração industrial das grandes empresas que sufocam as pequenas,
como, também, requisitando menos a força de trabalho. Em decorrência da monopolização e
dos oligopólios foram formados trustes e cartéis com o objetivo de estabelecerem “entre si
acordos sobre as condições de venda, os prazos de pagamento, etc. Repartem os mercados de
venda. Fixam a quantidade de produtos a fabricar. Estabelecem os preços. Distribuem os
lucros entre as diferentes empresas, etc”.
O capital financeiro é uma força tão considerável, pode dizer-se tão decisiva,
em todas as relações econômicas e internacionais que é capaz de subordinar,
e subordina realmente, mesmo os Estados que gozam da independência
política mais completa, como veremos seguidamente. Mas, compreende-se,
a subordinação mais lucrativa e ‘cômoda’ para o capital financeiro é uma
subordinação tal que traz consigo a perda da independência política dos
países e dos povos submetidos (ibidem).
A tendência de centralização e concentração do capital engendrou o enxugamento da
rede bancária, em que os pequenos bancos foram incorporados aos grandes. Nesse processo,
surgiriam operações financeiras capazes tanto de alavancar, quanto de estagnar a economia,
tornando o setor industrial dependente de recursos financeiros (ibidem).
Vê-se, então, que o imperialismo como processo político-econômico é um fenômeno
que se manifesta internamente, isso é, se manifesta nos países de capitalismo central,
apresentando concentração e centralização do capital, que, por sua vez engendram
contradições entre capital e trabalho; entre classes; produção e controle; produção e consumo;
32
LENINE, Vladimir Ilitch. O imperialismo, fase superior do capitalismo. Disponível em:
http://www.marxists.org/portugues/lenin/1916/imperialismo/index.htm
. Acesso em: 03/01/2007.
34
desenvolvimento e subdesenvolvimento, etc.; o que repercute nos países de capitalismo
periférico/dependente. Do ponto de vista dos países dependentes, as relações imperialistas
implicam a criação ou reforma das relações no interior dos Estados-Nações de “economia
primária exportadora”, “subdesenvolvidos”, “não-industrializados”, “periféricos” ou de
“Terceiro Mundo”, o que pode representar uma reforma institucional, com objetivo de
promover: o alinhamento político-militar junto aos países dominantes; a alienação cultural,
devido ao controle e manipulação efetivados pelos organismos multilaterais, meios de
comunicação de massa e informáticos; a tradução e produção de livros e revistas; a
apropriação de modelos de diversão e entretenimento; a criação ou reformulação de
instituições de nível governamental, tornadas mediadoras para que se efetivem os
compromissos comerciais, financeiros, cambiais, militares, tecnológicos, científicos e
quaisquer outros assumidos na relação dessa heteronomia (IANNI, 1988, p.145).
Fica claro, então, o tipo de relação de dominação—subordinação envolvida no
fenômeno do imperialismo. Ela revela a forma pela qual o imperialismo se insere e se difunde
no interior do país dependente. Ianni (1988) nomeia essa relação de dependência estrutural:
Existe dependência estrutural sempre que as estruturas econômicas e
políticas de um país estão determinadas pelas relações de tipo imperialista.
Isso significa que instituições econômicas, políticas, militares, educacionais,
religiosas e outras (em graus variáveis) podem ser influenciadas ou mesmo
determinadas pelas relações de dependência. É como se o imperialismo
provocasse, no interior da sociedade subordinada, o aparecimento ou a
reformulação de relações, instituições e ideologias, em conformidade com as
suas determinações essências; isso é, em conformidade com as
determinações resultantes dos processos econômicos e políticos que se
desenvolvem a partir da nação dominante. Portanto, a dependência estrutural
corresponde à manifestação concreta, no interior da sociedade subordinada,
das relações políticas e econômicas de tipo imperialista (op.cit., p.199).
Historicamente, o imperialismo, tendo os Estados Unidos como administrador
principal, consolidou-se e expandiu-se, na América Latina, utilizando discursos doutrinários
como, “Cooperação Continental”; “Solidariedade dos Estados Americanos”; “Boa
Vizinhança”; “Aliança para o Progresso”; “Parceria para a Paz”; “Segurança Hemisférica”;
“Declaração do Panamá”; “Defesa das Américas”; além de criar “Institutos de Estudos para o
Desenvolvimento” que seguem as recomendações da “Organização para Cooperação e
Desenvolvimento Econômico”. Nesse sentido, a Comissão Econômica para a América Latina
e Caribe (CEPAL), dos anos de 1990, exerce papel fundamental. Diferentemente da
35
concepção
33
dos anos de 1950, 1960 e 1970, que defendia a produção dos países da América
Latina baseada na especificidade da industrialização periférica como meio de participar de
negociações internacionais, a CEPAL dos anos de 1990 passa a aceitar a idéia de primazia do
mercado na busca do desenvolvimento. O estudo
34
intitulado Transformação produtiva com
equidade: a tarefa prioritária do desenvolvimento da América latina e do Caribe nos anos 90
apontava, como desafio dos países da América Latina, o ajustamento das economias dos
Estados-Nações sob a estratégia de transformar o parque produtivo para inserção competitiva
no mercado mundial; e, também, modernizar o setor público. No capítulo II, mostro que não
só esse estudo, como também, Educação e conhecimento: eixo da transformação produtiva
com equidade elaborado junto à UNESCO/OREALC, influenciaram sobremaneira a
formulação de políticas públicas para a educação, confirmando assim, na América Latina, a
associação subordinada dos Estados nacionais às exigências do imperialismo.
Segundo Marini (2000, p. 108), até meados do século XIX, os empréstimos solicitados
ao exterior destinavam-se a sustentar a capacidade de importação; todavia, à medida que as
exportações foram aumentando, elevando a balança comercial interna e com o comércio
exterior começando a produzir saldos positivos, o papel da dívida externa passou a ser o de
transferir o excedente produzido na América Latina. A partir daí, então, fica definido o papel
que a região desempenhará, no curso do seu desenvolvimento, na sua relação com o
capitalismo em suas fases imperialistas.
É a partir desse momento que se configura a dependência, entendida como
uma relação de subordinação entre nações formalmente independentes, em
cujo âmbito as relações de produção das nações subordinadas são
modificadas ou recriadas para assegurar a reprodução ampliada da
dependência. O fruto da dependência só pode assim significar mais
dependência e sua liquidação supõe necessariamente a supressão das
relações de produção que ela supõe (MARINI, 2000, p.109).
Entretanto, essa dependência só se consolidará no Brasil, como analiso adiante,
quando a política nacional-desenvolvimentista permite a entrada não só de capital estrangeiro
33
Sobre a mudança de concepção nos trabalhos elaborados pela CEPAL, ver ALMEIDA Filho. O
desenvolvimento da América Latina na perspectiva da CEPAL dos anos 90: correção de rumos ou mudança de
concepção?. Disponível em: www.ie.ufrj.br/prebisch/pdfs/12.pdf
. Acesso em 13/01/2007.
34
Ressalte-se que a publicação do documento ocorre logo depois da conferência realizada, em 1989, pelo
Instituto de Economia Internacional, conhecida por “Consenso de Washington”.
36
para financiar a indústria de base e comprar equipamentos, como, também, de empresas
estrangeiras para se associarem a empresas brasileiras.
4. ESTADO E CAPITALISMO NO BRASIL
O Estado manifesta especificidade política dialética, ideológica, que não
pode ser considerada à revelia da temporalidade (LEHER, 1998).
Nas sessões anteriores, viu-se que o processo de globalização, iniciado nos anos de
1980, tomou posição de destaque no discurso ideológico que acompanhou e legitimou os
processos de mundialização do capital e reafirmou o imperialismo hegemônico dos Estados
Unidos. Em nome da globalização foram defendidas políticas de liberalização e abertura das
economias nacionais, a desregulação de mercados, em especial dos mercados de capital e
trabalho. Para que os Estados nacionais ingressassem no “mundo globalizado” foi aplicada a
estratégia da competitividade aliada à intervenção ampliada do capital estrangeiro. O Brasil,
em particular, na segunda metade da década dos anos de 1990, passa a receber
predominantemente investimento direto estrangeiro destinado a fusões e aquisições, sobretudo
na privatização dos serviços de utilidade pública e no setor bancário (BELLUZZO e
CARNEIRO
35
, 2003). É nesse sentido que Marini (2000, p. 109) afirma que o fruto da
dependência significa mais dependência e, portanto, a articulação da heteronomia entre
imperialismo e dependência é uma relação social em que o capital central não se fortalece sem
ou contra o capitalismo periférico (FERNANDES1995; IANNI, 1988; MARINI, 2000).
Na presente sessão, trago elementos que auxiliem a dar mais clareza acerca da crise do
Estado. A defesa dos interesses nacionais foi obra de um Estado forte que agia em torno de
questões e interesses da nação, buscando a modernização como promotora do
desenvolvimento socioeconômico. Nos anos de 1990, a crise do Estado expressa sua perda de
centralidade como referência política num contexto em que a importância do Estado-Nação é
progressivamente relativizada em prol da modernização da economia. No meu entender essa
crise do Estado e sua proposta de reforma não dizem respeito a fatores apenas exógenos, mas,
também, a fatores endógenos. Portanto, cabe-me perguntar como funcionou o Estado
Nacional-Desenvolvimentista como promotor do desenvolvimento e modernização da nação?
35
BELLUZZO e CARNEIRO. Globalização e integração perversa. Disponível em:
http://www.eco.unicamp.br/asp-scripts/boletim_cecon/boletim1/02-Introducao.pdfa
. Acesso em 17/01/2007.
37
Como se desenvolveu a relação entre Estado e capital que relegará ao Brasil do final do
século XX o papel de importador de ciência e tecnologia ou, melhor dizendo, de comprador
de produtos de tecnologia de ponta, contribuindo no processo de desnacionalização e
desindustrialização? Como se operacionaliza o projeto no qual o desenvolvimento das forças
produtivas ocorre em um cenário de divisão internacional do trabalho que está em curso desde
o final dos anos de 1980, tendo como mediação o grau de escolarização e formação
profissional da classe trabalhadora? Na busca de respostas para essas questões aproprio-me do
estudo de Barreto (2000) em Crise e reforma do Estado brasileiro, para entender o papel do
Estado frente ao processo de desenvolvimento do país.
4.1. O ESTADO NACIONAL-DESENVOLVIMENTISTA: dos anos de 1930 a 1970
O poder político do Estado moderno nada mais é do que um comitê para
administrar os negócios comuns de toda classe burguesa (MARX e
ENGELS, 2004a).
O legado do Estado do período da República Velha (1889—1930) ao Estado
Nacional
36
-Desenvolvimentista
37
é o de organizar a sociedade “pelo alto” tanto forjando o
processo de industrialização, quanto promovendo mudanças sociais que acompanham a
constituição do capitalismo. A Revolução de 1930, resultado do embate entre aqueles que se
identificavam com a modernidade (vencedores) e aqueles que se identificavam com o
progresso (liberais da velha ordem agrário-exportadora), foi a de uma hegemonia em torno da
qual era preciso construir uma ordem que partisse “de cima”, portanto de um Estado forte e
centralizador. Não resta dúvida que, tanto para autoritários quanto para liberais, essa ordem
deveria ser construída a partir do paradigma burguês. Entretanto, a diferença estava no que
concerne ao papel que o Estado deveria assumir. Para os autoritários, caberia ao aparelho
estatal criar instituições e mecanismos em geral para o funcionamento da ordem burguesa.
Nesse cenário, o nacionalismo no Brasil nasce em seu caráter como contraditório. Se,
por um lado, o nacionalismo só pode existir a partir da formação do Estado-Nação, no qual
sua força política remonta à Revolução Burguesa, defensora de uma comunidade política
36
O nacionalismo, fruto do Estado desenvolvimentista no Brasil, identifica-se com o autoritarismo por estar
relacionado à construção da idéia de nação que surge com a Revolução de 1930 em confronto com as idéias
liberais (BARRETO, 2000, p. 39).
37
O Estado autoritário onipresente das décadas de 1930 e 1940 já é “desenvolvimentista”, embora esse epíteto
seja a ele associado em geral na literatura a partir dos anos de 1950, quando se acelera expressivamente a
industrialização (ibidem, p. 38). Nesse estudo, identificaremos o Estado Nacional-Desenvolvimentista como
provedor da industrialização no Brasil, no período de 1930—1979.
38
igualitária, universalizante, no qual liberdade, igualdade se encontram com democracia; de
outro, após a consolidação dos estados nacionais, surgem disputas entre eles que, entrelaçadas
com os processos de reorganização geopolítica mundial e de formação do capital monopolista,
fazem com que o apelo à idéia de nação passe a significar a submissão aos desígnios do
Estado, dissociando-a do princípio democrático. No Brasil, em particular, o nacionalismo será
confundido com um estatismo autoritário e excludente, relegando a classe trabalhadora não só
à exploração, como, também, ao absenteísmo político.
Entre os povos de origem colonial, o Brasil é o que representa melhor esse
modelo histórico de revolução autocrático-burguesa. Nele a militarização do
poder estatal serviu de fulcro à reaglutinação e à reorientação da dominação
burguesa, adaptando-se às complexas e drásticas exigências de uma rápida
transição para o capitalismo monopolista, sob impulsão e controle
econômicos externos. O crescimento capitalista foi acelerado até o ponto do
‘milagre econômico’; e a estabilidade política foi lograda, por sua vez, em
limites de ‘quase’ ‘estagnação’ (não se trata de estagnação real apenas
porque os dinamismos políticos que interessam às classes dominantes são
muito fortes, em contraste com os dinamismos políticos que interessam às
classes assalariadas e às classes marginalizadas ou excluídas, que são muito
débeis e foram sufocados). Dificilmente se poderia conceber (ou encontrar)
melhor ilustração empírica da mencionada dissociação entre dinamismos
econômicos e dinamismos políticos do desenvolvimento capitalista
(FERNANDES, 1995, p.134).
Ressalte-se que para entender o Estado Nacional-Desenvolvimentista é necessário
compreendê-lo como empreendedor do processo de industrialização.
No plano político, o pressuposto é que somente um Estado forte e intervencionista
estaria apto a assumir as tarefas que se impunham para a industrialização; os autoritários
afirmavam que o Estado liberal seria incapaz de enfrentar com competência os novos
problemas com que se deparava o país. Por conseguinte, defendiam o papel regulamentador e
disciplinador do Estado em relação aos mecanismos de mercado e não sua intervenção como
produtor. O antiliberalismo dos autoritários, no entanto, não os impedia de preservar a
iniciativa privada e de buscar a consolidação do capital.
No período de 1945—1964, não há clima para defesa de projetos autoritários. O tom
do discurso nacionalista nesse período do tempo histórico é dado pela esquerda
38
. Há uma
certa continuidade institucional entre o período do Estado Novo e o período democrático,
38
“No Brasil foi feita uma distinção entre nacionalismo “de direita” e nacionalismo “de esquerda”. Ele [o de
esquerda] fez parte da ideologia da corrente verde-amarela dos anos 30 cujos membros (Plínio Salgado, Cassiano
Ricardo, Menotti del Picchia) serão futuros adeptos do integralismo. Os nacionalistas de filiação autoritária [de
direita] (Alberto Torres, Oliveira Viana) vão sempre repetir que liberalismo é produto importado, inadaptável ao
Brasil” (BARRETO, 2000, p.40).
39
combinando-se instituições corporativo-estatais e liberal-democráticas, estando o poder de
decisão centralizado nas mãos da burocracia estatal e exercido com grande autonomia em
relação aos partidos políticos.
Nesse período democrático, o nacionalismo é caracterizado pelo forte apelo
terceiro-mundista, tendo à frente organizações que se reivindicavam de esquerda, a exemplo
do Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB), Clube Militar, Frente Parlamentar
Nacionalista, Partido Comunista Brasileiro (PCB)
39
, etc., seguramente influenciadas pelos
movimentos de descolonização na África e Ásia e pelos regimes nacionalistas de Nasser no
Egito, Sukarno na Indonésia e Nerhu na Índia, que questionavam o domínio das
superpotências.
Os princípios democráticos, nos anos de 1950, serão deslocados das questões centrais
do nacionalismo de esquerda. Eles ressurgirão na esquerda, nos anos que sucedem as mazelas
deixadas pelo regime militar. Entrementes, nos anos de 1950, a reflexão política stricto sensu
é ainda muito precária, havendo predominância de temas econômicos nos debates políticos,
deixando implícita a idéia de que o desenvolvimento político e social era engendrado pelo
desenvolvimento econômico. Nesse sentido, o nacionalismo é um nacionalismo econômico,
cujas motivações prendem-se mais às razões do Estado do que a quaisquer motivações de
inspiração jacobina. Seu objetivo é a construção de uma economia forte, em defesa do Estado
brasileiro. Por isso, então, afirmo que o nacionalismo é muito mais um “estatismo”,
promovendo o desenvolvimento, desenvolvimento este das forças produtivas capitalistas.
No tocante aos aspectos econômicos, é possível afirmar que desde o início do
40
para as indústrias naturais. Esse confronto irá se estender até a metade dos anos de 1940,
quando os protecionistas, agora denominados de desenvolvimentistas, serão liderados uns por
Eugênio Gudin e, outros, por Roberto Simonsen. Os primeiros partiam do pressuposto de que
o país era portador de vocação agrícola, precisando, apenas, de incentivo às atividades
agrícolas para se desenvolver. Defendiam a entrada não só de capital estrangeiro, mas também
de tecnologia avançada. No caso do petróleo, em particular, os gudinianos, por serem
contrários, por princípios, à intervenção do Estado na economia, propunham que a exploração
do mineral fosse entregue às companhias estrangeiras.
Para os desenvolvimentistas liderados por Simonsen, a intervenção do Estado na
economia era primordial para promover o desenvolvimento, o que permitiria o aumento da
produção de bens de consumo; expansão do mercado interno; e, elevação da renda nacional.
Além do que, para Simonsen, o Brasil precisaria superar o subdesenvolvimento afim de
atingir o estágio de desenvolvimento dos Estados Unidos e da Europa. Para tal, seria
necessária a entrada de capital estrangeiro e tecnologia, sem, no entanto, concorrer com as
empresas nacionais, ou melhor dizendo, os investimentos poderiam ser realizados de forma
associada aos grupos nacionais.
Um terceiro grupo de desenvolvimentistas via na ampliação da intervenção do capital
externo e na entrada de tecnologia, manifestações do imperialismo; grosso modo, o debate,
em geral, era favorável à vinda de capital estrangeiro, desde que submetido ao controle do
governo brasileiro que subordinaria o fluxo de capitais aos interesses da nação.
Depois de ter experimentado a fase em que a II Guerra Mundial propiciou à América
Latina exportar novos produtos além dos tradicionais, o repúdio dos desenvolvimentistas ao
capital estrangeiro era sufocado pela defesa do industrialismo. Entretanto, finda a guerra, o
comércio internacional se reorganizou, levando os países de capitalismo central a exigir que
os países periféricos voltassem a exportar apenas seus antigos produtos.
Nesse contexto, surge a CEPAL
41
com o objetivo de explicar o atraso da América
Latina em relação aos denominados países desenvolvidos e buscar meios de superá-lo. Do
ponto de vista dos cepalinos a saída estava na adoção de políticas por parte de um Estado
centralizador e intervencionista na economia, voltadas para o desenvolvimento da indústria de
base e de bens de consumo direcionados ao mercado interno.
41
A respeito dos antecedentes históricos do surgimento das teorias sobre desenvolvimento, ver Dos SANTOS
Theotonio. La teoria de la dependência: um balance histórico y teórico. In: SEGKEKA, Francisco Lopes (Ed).
Los rell de la globalización. Ensayos em homenage a Theotonio dos Santos. Tomo I. Caracas: Unesco, 1998.
41
A despeito de ser um nacionalista, exemplo de presidente nacional-desenvolvimentista,
Vargas não se viu impedido de aderir ao pensamento da CEPAL e fazer constantes apelos ao
capital estrangeiro. É inegável que adotou medidas de cunho nacionalista; uma das políticas
mais relevantes para o processo de industrialização é a participação do Estado
42
na criação da
indústria de base, que tinha por objetivo retirar o país de sua dependência frente à importação
de insumos e matérias-primas básicas. Para tal, o governo beneficia o empresariado
barateando o custo da produção e criando estatais, a exemplo da Companhia Siderúrgica
Nacional (CSN), em 1941; da Companhia Vale do Rio Doce, em 1942; da Fábrica Nacional
de Motores (FNM) e da Fábrica Nacional Álcalis, em 1943.
Em 1952, em seu segundo governo, optou por uma política nacionalista-progressista,
criando o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE
43
), Plano Nacional de
Estradas e o Fundo Nacional de Eletrificação, o monopólio estatal do petróleo (Petrobras) e o
projeto de monopólio estatal de energia elétrica (Eletrobrás). Além disso, ainda enviou ao
Congresso projeto de lei não apenas limitando os lucros extraordinários, como, também,
restringindo a exportação de lucros. Tais medidas foram acompanhadas de uma política
destinada a atrair o apoio da classe trabalhadora, mediado pelo então Ministro do Trabalho,
João Goulart.
Entretanto, para Vargas, a entrada de capitais estrangeiros tinha o significado de unir
forças políticas em torno do desenvolvimento, desenvolvimento este identificado com o
processo de industrialização, chegando até a afirmar que se trataria de uma relação
imperialista, apenas, se a política adotada pelo governo americano mantivesse o Brasil sem
recursos e, portanto, sem desenvolvimento.
Tratando-se de projeto de industrialização e de desenvolvimento econômico
em bases capitalistas, não havia qualquer razão que forçasse qualquer
rompimento definitivo com o chamado ‘bloco ocidental’. A própria
ideologia ‘nacional-desenvolvimentista’, aliás, apontava para a convergência
entre os interesses nacionais e os do referido bloco, clamando por
intervenções externas capazes de empolgar o processo de desenvolvimento e
42
Além disso, o governo Vargas interveio de forma abrangente nas questões sociais, cujo marco é a
Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), em 1943, com a finalidade de disciplinar as relações entre capital e
trabalho; afinal, um novo modo de acumulação vinha se instalando no país, sendo necessária a formação do
“exército de reserva” adequado à reprodução do capital (Oliveira, 2003). Vargas criou, ainda, o Partido
Trabalhista Brasileiro (PTB) para dar expressão política ao sindicalismo oficial e corporativo, que tinha como
base a integração dessas entidades e de suas lideranças ao Estado.
43
O BNDE, hoje BNDES, foi criado pela Comissão Mista Brasil—Estados Unidos, vinculada ao Plano
Americano de Ajuda Técnica para as áreas da defesa, da educação, da saúde, da agricultura e do planejamento
econômico, como órgão técnico para promover o desenvolvimento de setores básicos da economia, nas esferas
pública e privada.
42
amenizar as desigualdades sociais. Em todas as mensagens ao Congresso
Nacional, Vargas ponderou a necessidade de atrair capital estrangeiro, de
1951 a 1954
44
.
É, pois, no segundo governo Vargas que são lançadas as base instrumentais da política
econômica da década. Promove-se a reforma cambial, faz-se concessão de subsídios para
aplicação de bens de capital e insumos necessários ao desenvolvimento industrial e viabiliza-
se, por meio da operação de compra e venda de divisas, a participação financeira do Estado
nas rendas de intercâmbio.
A passagem do nacional-desenvolvimentismo, dependente de insumos e
matérias-primas básicas, para o nacional-desenvolvimentismo, que aceitava a associação
crescente com monopólios internacionais, ocorre a partir da Instrução n
o
113
45
da
Superintendência da Moeda e do Crédito (SUMOC), de 1955, responsável pelo processo de
aceleração e consolidação da industrialização; a partir de então, os setores da burguesia
brasileira que se beneficiam da associação ao capital internacional passam a naturalizar a
relação entre capital brasileiro e capital internacional.
Todavia, essa medida liberalizante em relação ao capital internacional não influenciou
o discurso nacionalista nem a atuação do Estado. Já no governo Juscelino Kubitschek
(1956—1961), é lançado o ambicioso programa de desenvolvimento econômico, o Plano de
Metas, cujo slogan era desenvolver 50 anos em 5. O Plano se apoiava na Instrução n
o
113,
buscando o crescimento econômico do país associado ao capital estrangeiro, em detrimento
de uma política de estabilidade monetária, possibilitando a entrada de empresas estrangeiras,
principalmente, no setor automotivo.
Nesse cenário, a indústria de base no Brasil é um dos setores que mais recursos
recebeu ao lado dos ramos de energia e de transportes. No entanto, outras áreas igualmente
incluídas no plano desenvolvimentista, como alimentação e educação, não mereceram o
mesmo tratamento por parte do Estado. Vale destacar que o governo JK acaba por estabelecer
o tripé que marcaria o modelo da industrialização brasileira até bem recentemente: o Estado
44
NETO, Desmostenes Pinho, 1989, apud BARRETO, 2000, p.52.
45
A instrução n
o
113, expedida no governo interino de Café Filho e mantida pelo governo JK, exalta o
imperialismo. Para maiores detalhes, ver MARINI (2000).
43
atuando como agente fomentador, investindo em infra-estrutura, captando recursos
financeiros e agindo em segmentos da indústria de base; a indústria nacional atuando na
produção de bens de consumo e fornecendo serviços às multinacionais; e, as multinacionais
atuando na produção de bens de consumo duráveis (CPDOC)
46
.
Entrementes, a expansão econômica foi notável. “O total de investimentos e
financiamentos de origem externa chega a quase 2 bilhões e 500 milhões de dólares para o
período”, destinados quase na sua totalidade à indústria manufatureira e de base; na compra
de máquinas e equipamentos já obsoletos nos Estados Unidos, indicando a posição do capital
internacional na economia brasileira (MARINI, 2000, p.87).
Aceitando essa associação e benefícios das fontes de crédito e de novas tecnologias, as
grandes empresas nacionais aumentavam, cada vez mais, não só a extração de mais-valia,
mas, também, seu poder de competição no mercado interno. Esse processo teria sido
responsável pela quebra de pequenas empresas, ao mesmo tempo em que permitiria a
concentração de capital na formação de monopólios.
Ressalte-se a ampliação da intervenção do capital externo e suas repercussões nas
relações agricultura—indústria e no setor agro-exportador em si mesmo. A economia de base
agroexportadora ao realizar o processo de expropriação do campesinato, operou sob o modelo
de acumulação primitiva
47
. Esse processo, ao mesmo tempo em que corroborou com os baixos
custos da produção agrícola em relação à industrial, influenciou no custo da reprodução da
força de trabalho urbana, porquanto a maioria dos gêneros alimentícios que abastecem os
centros urbanos tem, também, seu custo reduzido. Além do que, esse baixo custo da
alimentação no meio rural permitiu a formação de uma mão-de-obra que serve tanto ao
mercado interno quanto ao mercado externo (OLIVEIRA, 2003, p. 42-6).
44
ponto de vista das culturas comerciais de mercado interno e externo,
significou, sem nenhuma dúvida, reforço à acumulação (op. cit., p.45-6).
O sociólogo segue afirmando que, na realidade concreta brasileira, a indústria nunca
precisou do mercado rural para viabilizar-se, isso porque a orientação da indústria foi sempre
e fundamentalmente voltada para o mercado urbano não apenas por questão de consumo, mas,
também, porque o tipo de desenvolvimento ou crescimento industrial adotado possibilitou sua
adequação às necessidades crescentes de o capital acumular e extrair mais-valia. Entretanto,
não existe uma dualidade entre os dois setores, primário e secundário, existe, sim, “uma
integração dialética”.
Longe de um crescente e acumulativo isolamento, há relações estruturais
entre os dois setores que estão na lógica do tipo de expansão capitalista dos
últimos trinta anos
48
no Brasil. A tensão entre agricultura e indústria não se
dá no nível das relações das forças produtivas, mas se dá ou se transfere para
o nível interno das relações de produção tanto na indústria como na
agricultura (ibidem, p.48).
Do modelo nacional-desenvolvimentista de Vargas ao modelo
nacional-desenvolvimentista de JK há continuidade e ruptura. A ruptura ocorre em 1959,
quando JK, buscando desvincular o Plano de Metas do Programa de Estabilização Monetária,
rompe com o FMI
49
. Os acordos com o organismo serão retomados em 1961, 1965 e 1972.
Partindo do pressuposto que métodos autoritários teriam criado condições necessárias
ao florescimento da democracia no Brasil, os militares tomam o poder, em 1964, dando
prosseguimento ao modelo adotado por Vargas para a industrialização. Com a finalidade de
tornar o Brasil uma grande potência bélica e econômica, os militares concebiam um Estado
48
Francisco de Oliveira escreveu Crítica à razão dualista em 1972.
49
O convênio com o FMI, assinado em maio de 1946, no governo de Eurico Dutra, não permitia a existência de
moedas flutuantes, nem a introdução de depreciações unilaterais para aumentar a competitividade. Dutra
manteve-se atrelado a esse princípio durante todo seu período constitucional, mesmo em face de desvalorizações
“ilegais” realizadas por alguns países europeus durante a fase de queda do dólar no imediato pós-guerra. A
declaração de paridade da moeda brasileira, em meados de 1946, quando da paridade entre ouro e dólar,
correspondia a uma taxa de Cr$ 18,46 por dólar, foi mantida até o Governo Vargas, quando foi promovida a
reforma cambial. A primeira operação contraída pelo Brasil com uma das organizações de Bretton Woods — o
Banco Mundial — foi um empréstimo para um projeto de energia elétrica à base térmica, em 1949, por um
montante de 75 milhões de dólares. As operações com o FMI não começaram de outro modo na década seguinte.
A primeira experiência teria sido um simples aval dado, em 1954, a empréstimo do Eximbank, o banco
garantidor de financiamentos às exportações do governo americano, o que foi logrado a despeito do sistema de
taxas múltiplas de câmbio então mantido pelo Brasil (ALMEIDA, Paulo Roberto de. O Brasil e o FMI de 1944 a
2002: um relacionamento feito de altos e baixos. Disponível http://www.anpuh.uepg.br/hissoria-
hoje/vol1n1/brasilfmi.htm. Acesso em 19/01/2007.
45
forte, centralizador e intervencionista, que substituísse a política pela técnica, e capaz de zelar
pela segurança nacional.
Entretanto, também no regime militar haverá duas correntes de pensamento sobre o
processo de industrialização. A primeira, formada durante o período do Estado Novo,
representa os nacionalistas, e a outra, os desenvolvimentistas (cunhados de entreguistas ou
antinacionalistas). Os primeiros organizavam-se no Clube Militar
50
, tendo atuação relevante,
principalmente, no período de 1947 a 1954, em prol da Campanha da Petrobras.
Os militares desenvolvimentistas faziam parte do grupo de oficiais que pertenciam à
ESG
51
; combinando elementos da tradição do pensamento político brasileiro, em especial o
desenvolvimentismo autoritário, com geopolítica, empregaram a doutrina que incluía a busca
de um acelerado desenvolvimento econômico como promotor da segurança nacional,
renovaram o conceito de soberania, introduzindo a noção de interdependência
52
.
O governo de Castelo Branco caracterizou-se por uma atuação internacional
distinta da chamada ‘política externa independente’, que praticaram os
governos de Jânio Quadros e de João Goulart, e que se baseava nos
princípios de autodeterminação e de não intervenção. Desde que a raiz do
golpe de 1964 assumiu a direção do ministério de relações exteriores, o
chanceler do governo Castelo Branco, Vasco Leitão da Cunha, rechaçou a
idéia de uma política externa independente, invocando razões geopolíticas,
que vinculariam estreitamente o Brasil ao mundo ocidental e,
particularmente, aos Estados Unidos, e declarou que o conceito básico da
diplomacia brasileira era o da interdependência continental (MARINI, 2000,
p.58-9).
50
Fundado nos primeiros anos da República, o Clube Militar foi ocupado majoritariamente por militares que
rejeitavam a idéia de desenvolvimento atrelado ao imperialismo. Em 1952 é criada a Cruzada Democrática, ala
conservadora das Forças Armadas, vencedora das eleições para dirigir o Clube Militar de 1952 a 1956. Em
1962, o conservadorismo retoma o poder e influencia sobremodo, junto à Escola Superior de Guerra, o Golpe de
1964. Para maiores detalhes ver CARDOSO, Rachel Motta. O Clube Militar: as eleições de 1962 e a derrota do
nacionalismo. Disponível em:
http://www.anpuh.uepg.br/xxiii-simposio/anais/textos/RACHEL%20MOTTA%20CARDOSO.pdf
. Acesso em
20/01/2007.
51
A Escola Superior de Guerra (ESG) foi criada logo após a II Guerra Mundial, seus fundadores na maioria
eram ex-expedicionários, tendo, portanto, forte ligação com os EUA. Grosso modo, pode-se afirmar que o
pensamento da ESG, editado no Manual básico de segurança nacional é a expressão do pensamento militar
brasileiro dominante a partir de meados dos anos de 1950. Nesse modelo de pensamento se enquadram vários
militares e civis, ideólogos e divulgadores da ESG, como o general Meira Mattos, um dos responsáveis pela
reforma educacional no Brasil. Para maiores detalhes sobre o pensamento da ESG, ver MIGUEL, Luis Felipe.
Segurança e desenvolvimento: peculiaridades da ideologia da segurança nacional do Brasil. Disponível em:
http://redalyc.uaemex.mx/redalyc/pdf/162/16200503.pdf
. Acesso em 19/01/2007.
52
No final da década de 1990 e início dos anos 2000, Fernando Henrique Cardoso, em seus dois mandatos,
como Presidente da República, buscou por em prática exatamente o que escreveu, com Enzo Falleto, em
Dependência e desenvolvimento na América Latina, nos anos de 1965-67. Nesse estudo, os sociólogos, membros
do Instituto Latino-Americano de Planejamento Econômico e Social/CEPAL, apresentam a noção de
dependência associada.
46
Grosso modo, podemos afirmar que, os militares no poder, mantiveram a busca no
exterior dos recursos necessários para alcançar o desenvolvimento do Brasil, a partir da
expansão dos mercados externos, da introdução de um moderno capitalismo no Brasil de tipo
associado, ou, melhor dizendo, capitalismo dependente. O desenvolvimento, em seu aspecto
político, esteve vinculado, primordialmente, aos interesses das frações internacionalizadas da
burguesia associada aos capitais internacionais oligopolizados.
Entre 1964 e 1973, com a política de crescimento focalizada na economia, não foi
apenas a indústria que avançou, mas, também, a agricultura e o setor de serviços. Nesse
período, o investimento na industrialização substitutiva de importações foi essencialmente do
Estado. O milagre econômico iniciado em 1967 atinge seu ápice em 1970-73, quando é
interrompido pela crise mundial do capital, em particular a do petróleo, em 1973, que
engendrou contradições do capital, internamente. Nesse cenário, o Brasil se viu diante de duas
alternativas. A primeira, com Simonsen na Fazenda (a exemplo de outros países da América
Latina), seria evitar o endividamento e a inflação; a outra, seria de buscar dar continuidade ao
projeto de desenvolvimento, com Reis Velloso no Planejamento. Nesse contexto, é
sancionado o II PND
53
.
O II PND tinha como objetivos o desenvolvimento da indústria de base para a
produção de insumos básicos, como metais não-ferrosos, exploração de minérios,
petroquímica, fertilizantes, papel e celulose; de infra-estrutura e energéticos, com novas
formas de energia, como a nuclear, álcool; e de bens de capital. Para o cumprimento do plano,
a importação de tecnologia se tornou fundamental; em contrapartida, para compensar o
balanço de pagamentos, o governo oferecia subsídios ao setor agroexportador, ampliando as
exportações de soja e laranja.
O Plano Nacional de Desenvolvimento trouxe avanços à medida que torna o Brasil um
dos países mais importantes da América Latina no que se refere ao setor industrial,
essendendo o milagre do crescimento até 1980. Entretanto, contraditoriamente, tornou-se uma
política de fachada para entrada de capitais estrangeiros
54
; não resolveu a questão da
53
O Plano Nacional de Desenvolvimento elaborado para o período 1974—1979 propunha uma mudança na
estrutura da economia que pudesse aumentar a competitividade internacional da economia brasileira, reduzindo
as importações e aumentando as exportações.
54
Durante o II PND o governo militar evitou recorrer ao FMI, preferindo os euromercados onde os petrodólares
eram negociados com taxas de juros baixas.
47
internalização do progresso científico e tecnológico, mantendo a dependência tecnológica e a
dependência financeira foi completível (BARRETO, 2000; SAES
55
).
Ressalte-se que nesse cenário, o Estado contraiu empréstimos para acelerar o
crescimento, aumentando a dívida da economia brasileira. Essa captação de poupança externa
não ocorreu devido à escassez de poupança interna, uma vez que a reforma financeira
implementada por Roberto Campos e Otávio Gouvêa de Bulhões, e complementada pelo
ministro Delfim Netto, criou as Obrigações Reajustáveis do Tesouro Nacional (ORTNs), um
instrumento de correção das dívidas pelos índices de inflação e de juros, o que possibilitaria
disponibilizar para o setor produtivo recursos oriundos do Sistema Financeiro da Habitação,
dos bancos comerciais e dos bancos de investimento. Contudo, tanto as empresas
multinacionais estrangeiras, quanto as empresas nacionais optavam por empréstimos externos
(SANT’ANNA
56
).
4.2. OS ANOS DE 1980: início do “Estado Problema
57
, gestação do Estado Mínimo
A depressão ocorrida em 1979-82 devido à nova crise do petróleo abala a economia
mundial, afetando internamente as economias dos estados nacionais, em geral. No Brasil, em
particular, ocorre alta dos preços de produtos importados, explosão dos juros e a derrocada
dos preços de produtos primários exportados pelo país. O padrão de acumulação, baseado na
produção de bens de consumo, começava a dar sinais de esgotamento. Diferentemente do
papel que haviam desempenhado no II PND, as empresas estatais passam a ser vistas como
complicadores da economia brasileira. Surgem denúncias da ‘industrialização a qualquer
preço’ comparativamente às ‘legítimas’ do setor agrícola e mineral. Nesse cenário, Delfim
Neto anuncia a retomada do crescimento por meio da expansão do agronegócio: a capacidade
de importar estaria na razão direta da capacidade de exportações do setor primário.
Vem dessa época algo que assumiria maiores proporções desde os anos 80
até os nossos dias: a expansão das idéias neo-liberais, que reservam ao
Estado papel oposto ao que desempenhava no projeto
nacional-desenvolvimentista, ou seja, a apologia do ‘Estado Mínimo’ como
a solução moderna e adequada ao país para tirá-lo da crise e reativar o
crescimento (BARRETO, 2000, p.86).
55
SAES, Alexandre Macchione. Dependência brasileira: 40 anos de restrição ao financiamento da economia
nacional (1964-2004). Disponível em: http://www.klepsidra.net/klepsidra24/dependencia.htm
. Acesso em
20/01/2007.
56
SANT’ANNA, Antônio Genilton. O II Plano Nacional de Desenvolvimento (1974—1979). Revista
Mosaicum. Disponível em: http://revistamosaicum.com.br/ageniltomosaicum1.htm
. Acesso em 21/01/2007.
57
Adoto o termo, parafraseando (BARRETO, 2000).
48
O nacional-desenvolvimentismo deixa de ser hegemônico no período de
redemocratização do país, o projeto de fazer o país romper a barreira da industrialização rumo
à economia capitalista madura, ou auto-sustentada, cede espaço para resolver o endividamento
contraído não só na fase do II PND, mas, também, entre o início de 1983 e o final do regime
militar, quando o governo retoma as negociações com o FMI.
O III PND (1979—1985) editado no governo Figueiredo, descontinuado pela política
de estabilização econômica, encerra um ciclo de trinta anos de planejamento econômico
58
para o desenvolvimento, aqui identificado com o investimento maciço no processo de
industrialização do país.
Durante o período iniciado com José Sarney, passando por Itamar Franco até Collor de
Mello, as atenções dos governos estiveram voltadas para os ajustes interno e externo, visando
à redução do déficit público com o objetivo de obter o equilíbrio no balanço de pagamento da
dívida, o que resultou no refluxo da industrialização, queda de salários da classe trabalhadora,
desemprego e outros impactos na área social. Entrementes, são colocados em prática vários
planos, a exemplo do Plano Cruzado, Plano Bresser, Plano Verão, Plano Collor I e Plano
Collor II.
Nos debates sobre os rumos da economia estão de um lado os defensores do modelo
nacional-desenvolvimentista intercedendo pelo modelo de intervenção estatal herdado do
passado, e, de outro, os adeptos da orientação neoliberal propondo uma redução do Estado à
sua mínima expressão. Aos poucos foram sendo introduzidas mais nuances na discussão, com
muitos defensores da intervenção estatal reivindicando sua distinção em relação ao passado, e
os adeptos de uma saída liberal para o país, que rejeitavam a idéia de serem todos reunidos
sob a mesma rubrica de neoliberais. Entre esses últimos surgirá, a partir do governo Collor, a
distinção entre social-liberais e neoliberais, presente no debate do então presidente Collor
(BARRETO, 2000, p87-8).
Nesse contexto, o que fica claro é que o projeto do nacional-desenvolvimentismo
59
,
em prática desde os anos de 1930, foi aos poucos sendo substituído por um consenso em torno
da orientação neoliberal, em direção à primazia do mercado. O Estado que foi tido como
58
O primeiro ensaio de planejamento econômico no Brasil ocorreu no governo Eurico Dutra, em 1947, com o
Plano SALTE, priorizando as áreas da saúde, alimentação, transporte e energia.
59
“O Brasil foi o único país latino-americano que durante sua ‘era desenvolvimentista’ (1950—1980) foi capaz
de ocupar economicamente o território, construindo uma infra-estrutura relativamente complexa e integrada de
transportes, energia e comunicações, além de industrializar-se e manter durante trinta anos a segunda taxa média
anual mais alta de crescimento econômico do mundo” (FIORI, 2001, p.27).
49
solução para as falhas do mercado passa a ser visto como problema. As mazelas do regime
militar acarretam debates que giram em torno de seu tamanho excessivo, oneroso e
ineficiente. O liberalismo que na República Velha fora identificado com o atraso, agora sob
nova roupagem é identificado com a modernidade.
4.3. NEOLIBERALISMO E REFORMA DO ESTADO: os anos de 1990
O debate acerca do Estado é suscitado na década de setenta por empresários
descontentes com a intervenção do governo no mercado; entretanto, o desenvolvimento
econômico legitima o papel do Estado. Já nos anos de 1980 surge a incompatibilidade entre a
tentativa de estabilizar a economia e o processo de liberação política. Nesse cenário, estavam
em curso as orientações do Consenso de Washington, por meio do Banco Mundial, para que
as políticas de estabilização fossem acompanhadas de reformas estruturais visando a
desregulamentação e privatização do mercado, bem como a privatização do setor público e
redução do Estado.
As reformas liberalizantes que visavam tanto diminuir o poder regulatório do Estado,
quanto seu tamanho, encontram boa acolhida entre os policy makers no Brasil, a exemplo do
então secretário do estado de São Paulo, Bresser Pereira.
Em conclusão, (1) diante do esgotamento, ocorrido ainda no início dos anos
sessenta, do modelo de substituição de importações, (2) diante da exaustão
subseqüente do padrão de acumulação baseado na concentração de renda e
no endividamento externo, (3) diante do colapso, primeiro, do pacto
populista e, depois, (4) do pacto autoritário capitalista tecnoburocrático, o
Estado Produtor e o Estado Subsidiador perderam espaço na América Latina
(BRESSER PEREIRA, 1985)
60
.
O programa brasileiro de privatização se inicia formalmente no governo Figueiredo,
em 1981, com a criação da Comissão Especial de Desestatização, apesar de o governo ter o
objetivo, apenas, de desacelerar a expansão do setor público produtivo.
Em um cenário em que os programas de privatização estavam em curso na Europa,
ocorria a crise do socialismo real e a depreciação da eficácia de empresas estatais
61
; o órgão
60
BRESSER PEREIRA, Luiz Carlos. Estado regulador e pacto democrático na América Latina. In: Seminário
Estado y crisis de regulacion: dilemas de política en América Latina y Europa. Realizado em Buenos Aires, de
14 a 16 de outubro de 1985.
61
“As estatais sofreram as conseqüências do programa de ajuste implementado no início da década de 80, para
fazer face à crise gerada pela alta dos preços internacionais das matérias-primas, seguida do choque dos preços
do petróleo, o que provocou aceleração da inflação e déficit no balanço de pagamento. O governo estimulava as
empresas a tomarem empréstimos além de suas necessidades, para com esses fundos cobrir os déficits em conta
corrente do país. Além disso, dificultava-lhes o acesso ao crédito interno, e as submetia a um rígido controle de
50
técnico, executor do desenvolvimento do país nos anos 1950, 1960 e 1970, o BNDES, é
incumbido no governo Sarney de
51
entanto, foi no governo de Itamar Franco
64
que ocorrem mudanças significativas no sentido de
reinserir o país nas finanças de mercado internacionalizadas. Ainda no governo Itamar surge o
Plano Real que possibilita uma série de outras mudanças que teriam lugar no governo FHC.
Nesse contexto, a burguesia brasileira teve um papel preponderante. Diante da
possibilidade de desterritorializar e internacionalizar sua riqueza, a classe burguesa advogou
medidas liberalizantes que levariam o país ao moderno e maravilhoso mundo da globalização
por via do comércio exterior.
No entanto, a via foi outra; o Brasil
transformou-se em plataforma de valorização financeira internacional, bem
em linha com o espírito rentista e financista dos dias que correm. Esse papel,
juntamente com sua função de produzir bens de baixo valor agregado e de
preferência com a utilização de mais-valia absoluta (afinal de contas, o custo
irrisório da mão-de-obra é nossa verdadeira ‘vantagem comparativa’!),
completa a caracterização da participação do Brasil na divisão internacional
do trabalho do capitalismo contemporâneo (PAULANI, 2006, p.88).
Em 1995, FHC assume o poder, anunciando, como prioridade de seu governo, o
desmantelamento do Estado Varguista. Apoiado no Plano Real, o governo de Cardoso, por
um lado, direcionou o Estado para os interesses da acumulação capitalista privada, sobretudo
multinacional; e, por outro, para além dos marcos do Estado Varguista, iniciou a
desregulamentação dos direitos sociais garantidos pelas lutas populares expressas na
Constituição de 1988.
Cabe lembrar que, nos anos de 1970, Fernando Henrique Cardoso afirmava que a
especificidade latino-americana estava para além de uma burguesia pouco revolucionária;
mais do que isso: as coalizões de poder derivavam de uma forma peculiar de inserção num
processo de desenvolvimento movido pela acelerada internacionalização do mercado interno.
Fernando Henrique Cardoso
65
acreditava, e ainda acredita, que um país dependente pode jogar
às margens das negociações internacionais e ainda manter a ordem democrática no plano
interno. Nesse sentido, FHC assume a idéia de que o Brasil só poderia crescer se associado ao
capital internacional.
Agora, o desenvolvimento segue associado no sentido lato, lógico e há uma
internacionalização e dependência ainda maior do nosso Estado e da nossa
economia, mas a estratégia é completamente diferente: a economia é aberta,
o Estado se retira do setor produtivo e as empresas nacionais ou quebram ou
são internacionalizadas. Do tripé passamos para um modelo de um só pé,
64
Veremos adiante que o governo Itamar foi, também, momento de gestação das políticas públicas para a
educação sob a orientação dos organismos multilaterais.
65
FHC dividiu seu pensamento com o parceiro José Serra, em artigos publicados nos de 1970.
52
onde passamos a ser ainda mais dependentes do que antes dos humores da
economia internacional, e apostam todas nossas fichas nas virtudes dos
mercados desregulados capazes, segundo eles, de fazerem uma correta,
eficiente e equilibrada alocação dos recursos provenientes dos investidores
privados, sobretudo os internacionais (FIORI, 1997)
66
.
Em síntese, a eleição de Fernando Henrique Cardoso para presidência da República,
em 1994, tem o significado de aprofundamento da desagregação do pensamento
nacional-desenvolvimentista, iniciada pelo governo de Collor de Mello. A partir de então,
redefine-se drasticamente a agenda pública e são criadas as condições políticas para a
implementação de um conjunto de reformas voltadas para uma nova ordem sociometabólica
centrada no mercado. Além da ênfase nas reformas econômicas, como a privatização, a
liberalização comercial e a abertura externa, desencadeia-se o processo das reformas
constitucionais. Tem início uma fase de desconstrução legal e institucional, que abriria o
caminho para a refundação do Estado e da sociedade, de acordo com o paradigma consagrado
internacionalmente. A desregulamentação, dando passagem a uma nova regulamentação,
assumiria o primeiro plano dos debates, vindo a adquirir condições políticas de viabilidade, ao
mesmo tempo em que se observava o refluxo do movimento sindical e da mobilização da
sociedade (DINIZ, 2002).
Esse processo de redefinição do papel do Estado, com conseqüências drásticas não só
nas áreas econômica e política, como, também, em toda dimensão social do país, tem
demonstrado o grau de eficácia no desmonte dos alicerces do antigo modelo de
desenvolvimento socioeconômico, levando-me a concordar com Mészáros (2003) quando
afirma que o fim da ‘modernização do Terceiro Mundo’ desvela o problema fundamental do
desenvolvimento do sistema do capital, por meio do fato histórico de o capital se mostrar
incapaz de completar seu próprio sistema na forma de capitalismo global, ou, em outras
palavras, incapaz de continuar promovendo o modo de regulação absolutamente econômico
da extração do sobretrabalho como mais-valia.
Apesar de todas as fantasias passadas da ‘decolagem’ e do ‘impulso para a
maturidade’, hoje quase metade da população do mundo é forçada a
reproduzir suas condições de existência sob formas que contrastam
fortemente com o ‘mecanismo do mercado’ idealizado como o regulador
absolutamente do metabolismo social (MÉSZÁROS, 2003, p.28).
66
FIORI, Luiz. O capitalismo e suas fases de desenvolvimento. Fundação Perseu Abramo; Debate e Teoria,
entrevista em 31/01/1997; disponível em: http://www2.fpa.org.br/portal/modules/news/article.php?storyid=2164.
Acesso em 22/01/2007.
53
Em tal contexto, é preciso ter clareza não apenas sobre as implicações das políticas
neoliberais para os países da América Latina, em geral, e do Brasil, em particular, que
induzem o Estado, de maneira direta e indireta, a garantir a continuidade do modo de
reprodução do metabolismo social do capital, como, também, sobre a posição que ocupam
dentro da nova ordem mundial, ou, melhor dizendo, de sua “reinserção externa
subordinada
67
”. É desse tema que tratarei na sessão seguinte.
5. O PROCESSO DE DESINDUSTRIALIZAÇÃO E DESNACIONALIZAÇÃO:
subsunção da classe trabalhadora brasileira sob o capital internacional
Nessa sessão, busco elementos que auxiliem na compreensão do debate sobre o
processo de desindustrialização e desnacionalização que vem ocorrendo no Brasil a partir da
redefinição do papel do Estado. Já abordei o fato de que as reformas neoliberais vêm marcadas
pela transnacionalização da economia e da financeirização do capital, implicando a
reestruturação produtiva e evidenciando a perda da participação da indústria brasileira na
economia, o que, por sua vez, estaria afetando sobremodo a reformulação curricular do ensino
profissional no país, em geral, e da Rede de Educação Tecnológica (CEFETs e escolas
agrotécnicas), em particular.
5.1. DESNACIONALIZAÇÃO: privatização da propriedade pública
Nesse ponto, nos proponho-me a fazer uma breve análise dos desdobramentos do
processo de abertura econômica que culminaram nas privatizações, intensificadas ao longo da
década de 1990. O volume de recursos financeiros envolvidos e a importância de muitas das
empresas vendidas me parecem significativos para dar respaldo analítico ao que pretendo
demonstrar: o processo de desnacionalização. Entretanto, cabe registrar que minha intenção é
evidenciar as alterações na configuração da base produtiva brasileira no governo Fernando
Henrique Cardoso, entendendo essa análise como um dos caminhos possíveis para garantir a
compreensão das novas conformações postas pela articulação entre o setor produtivo e
formação profissional no Brasil.
A desnacionalização caracterizada pela transferência de renda e de propriedade do
setor público para o setor privado vem ocorrendo desde a década de 1980, instituindo-se, de
67
POCHMANN, Márcio. Economia brasileira hoje: seus principais problemas. In: LIMA, J; NEVES, Lúcia
(orgs.). Fundamentos da educação escolar do Brasil contemporâneo. RJ: Fiocruz, 2006.
54
fato, no governo Collor de Mello, por meio do Programa Nacional de Desestatização (PND)
68
,
que conferiu à privatização status de prioridade entre as políticas de governo.
Segundo Tavares (1998)
69
, o modelo de privatização, original em termos de
engenharia político-econômica destruidora, não tinha critérios, como é possível observar na
fala de Eduardo Modiano.
Os objetivos iniciais do programa eram múltiplos e nem nós sabíamos,
claramente, quais deveriam ser enfatizados, porque eram muitos e, muitas
vezes, conflitantes, o que nos impunha, sempre, um processo decisório
bastante complexo. Porque queríamos tudo ao mesmo tempo: queríamos
reduzir a dívida pública; queríamos aumentar a competição da economia;
queríamos recuperar os investimentos; queríamos desenvolver o mercado de
capitais; e tudo isso numa economia que enfrentava uma situação de grave
desequilíbrio, com uma poupança pequena, com empresas estatais na sua
maioria gerando prejuízos ou poucos lucros, ou seja, um ambiente
completamente adverso para a instalação de um programa de privatização
(MODIANO, 2000)
70
.
A privatização de empresas tidas como de segurança nacional por governos anteriores,
a exemplo do setor elétrico, de telecomunicações, como, também, da Vale do Rio Doce,
desvela que a política de estabilização da economia brasileira, sob os ditames do capital
internacional, acabou entregando as maiores empresas estatais brasileiras à propriedade
privada do capitalismo central, o que comprometeu a capacidade de decisão e a adoção de
estratégias voltadas para um planejamento nacional desses sistemas, em geral, e a adoção de
políticas para investir em pesquisa cientifico-tecnológica, em particular. O processo de
privatização ou de desnacionalização contribuiu para a concentração e centralização do
capital, revelando que o período reflete um movimento de reorganização da propriedade
privada, não apenas no que se refere ao parque industrial brasileiro, como, também, ao setor
de serviços. Segundo dados do BNDES, durante o governo FHC, no período de 1995—2002,
a participação do capital estrangeiro atingiu 53% do total arrecadado com todas as
desestatizações realizadas no Brasil. As empresas nacionais responderam por 26% da receita,
cabendo 7% às entidades do setor financeiro nacional, 8% às pessoas físicas e 6% às
instituições de previdência privada.
68
Interessante notar que a sigla é a mesma usada para o Plano Nacional de Desenvolvimento (PND).
69
TAVARES, Maria da Conceição. O leilão dos perdedores. Disponível em:
http://www.eco.unicamp.br/artigos/tavares/artigo1.htm
. Acesso em 26/01/2007.
70
Eduardo Modiano é economista, ex-presidente do BNDES e da Comissão Diretora do Programa Nacional de
Desenvolvimento. Palestra proferida no seminário Um balanço da privação nos anos 90. Disponível em :
http://www.bndes.gov.br/conhecimento/ocde/ocde09.pdf . Acesso em 26/01/2007.
55
Chesnais (1996) aponta que nessas operações de internacionalização da economia
existe o interesse por parte dos grupos industriais de promover uma interpenetração com o
setor de serviços. Uma parcela importante da expansão do setor de serviços tem origem na
complexificação da produção, a partir da generalização do ‘produto-serviço’, no que a venda
de um bem vem acompanhada da venda de uma série de outros serviços complementares.
Esses fatores provocaram um aprofundamento da divisão do trabalho dentro
do setor produtivo, com a formação de novas profissões. Levaram ao
nascimento de novos ramos, bem como ao aumento dos empregos de
‘colarinho branco’ dentro das próprias companhias industriais. (op.cit.,
p.189).
Essa interpenetração do setor produtivo com o setor de serviços seria uma das
principais formas encontradas para garantir ou construir uma posição de destaque em relação
à concorrência, além do que contribui para a superexploração da classe trabalhadora. “Para os
capitais produtivos (nacionais e internacionais) interessa a mescla entre equipamentos
informacionais e a força de trabalho ‘qualificada’, ‘polivalente’, ‘multifuncional’, apta para
operá-los, porém percebendo salários muito inferiores àqueles alcançados pelos trabalhadores
das economias avançadas” (ANTUNES, 2006, p.19).
A economia brasileira na década de 1990 foi marcada, portanto, por um processo de
intensificação da centralização e concentração nas mãos do capital estrangeiro. Um modelo
econômico que reforça o papel do setor privado, fortalecendo os grandes monopólios,
ampliando a internacionalização do sistema produtivo e aumentando a pobreza (BOITO Jr.,
1999).
5.2. DESINDUSTRIALIZAÇÃO NO BRASIL: uma realidade concreta
Os debates acadêmicos e políticos sobre o processo de desindustrialização no Brasil
vêm ocorrendo desde o início dos anos de 1990 com diferentes concepções. Por um lado, está
um grupo que busca mostrar que o período após as reformas neoliberais não pode ser
qualificado como um processo de desindustrialização. De outro, encontram-se aqueles
afirmando que a mudança do regime que buscava substituir importações (PSI) pelo que, a
partir da década de 1990, combinou liberalização comercial, financeira e mudanças
institucionais, aprofundou algumas tendências manifestas na economia latino-americana, em
geral, e no Brasil, em particular, antes mesmo das reformas neoliberais; o que engendrou a
concentração de riqueza e de propriedade nos países latino-americanos, provocada pela
56
transferência de renda dos trabalhadores para as empresas, como também, transferência de
renda e propriedade de pequenas e médias empresas para as grandes e de empresas brasileiras
para estrangeiras (ANTUNES, 2005a, 2005b, 2006; BELLUZZO, 2004, 2005; BOITO Jr,
1999; OLIVEIRA, 1999, 2003; PAULANI, 2006; PALMA; 2005).
Nassif (2006)
71
, economista da área de planejamento do BNDES, em uma análise
contraditória, busca se contrapor àqueles que desvelam a desindustrialização e
desnacionalização no Brasil, afirmando que, a partir do início da década de 1990, a
modernização do parque industrial, a adoção de novas técnicas produtivas ou de gestão
empresarial, bem como a racionalização das plantas industriais teriam permitido a expressiva
recuperação da taxa da produtividade industrial, se relacionada aos dos anos de 1980. O
economista afirma, ainda, que, para se configurar um processo generalizado de
desindustrialização, seria preciso se constatar um aumento significativo da participação das
exportações de produtos dos setores primários em relação ao total exportado brasileiro, em
detrimento de produtos “manufaturados intensivos em recursos naturais e de baixa
tecnologia”.
Nassif (2006) ao analisar a realidade concreta brasileira, objetivada em tabelas que
revelam os resultados do desempenho da indústria brasileira, entrelaça alguns dados, como
taxas de participação das indústrias no Produto Interno Bruto (PIB), comportamento das
exportações, trabalho vivo e trabalho morto. Considerando que entre 1990 e 2004 a indústria
brasileira, incluindo aí a extrativa mineral e a agropecuária, participou com média anual de
23,5% para o PIB, Nassif (2006) observa as mudanças endógenas em relação ao padrão de
especialização internacional, segundo a classificação da Organização para Cooperação e
Desenvolvimento Econômico (OCDE), de setores da indústria por tipo de tecnologia. “Essa
taxonomia associa cada tipo de tecnologia ao fator preponderante que molda o
posicionamento competitivo das empresas e setores no curto e no longo prazos”. O
economista segue fazendo uma diferenciação entre indústrias que, predominantemente, na
produção usam a maquinaria; indústrias onde prevalece a extração da mais-valia absoluta; e
indústrias que combinam o uso da maquinaria com trabalho vivo.
Nas indústrias com tecnologias intensivas em recursos naturais, o principal
fator competitivo é o acesso a recursos naturais abundantes existentes no
país; nas intensivas em trabalho, o mais relevante é a disponibilidade de
mão-de-obra de baixa e média qualificação com custos relativos reduzidos
em relação a outros países; nos setores intensivos em escala, as plantas
71
NASSIF, André. Há evidências de desendustrialização no Brasil?. Disponível em:
http://www.bndes.gov.br/conhecimento/td/td-108.pdf
. Acesso em 21/01/2007.
57
produtivas são caracterizadas por indivisibilidades tecnológicas e, por isso
mesmo, o principal fator de competitividade é a possibilidade de explorar
ganhos por produzir em grande escala; nos setores com tecnologia
diferenciada, os bens são fabricados para atender a diferentes padrões de
demanda; e nas indústrias sciencebased, o principal fator competitivo é a
rápida aplicação da pesquisa científica às tecnologias industriais (NASSIF,
2006).
Essas indústrias estão assim subclassificadas: Indústria baseadas em recursos
minerais — alimentos e bebidas; produtos do fumo; preparação do couro; produtos de
madeira; fabricação de papel e outras pastas; fabricação de coque e refino de petróleo;
produção de álcool; metalurgia de não-ferrosos; cimento e outros produtos minerais não
metálicos; Indústria intensiva em trabalho — têxteis; vestuário; artigos para viagem e
artefatos de couro; calçados; fabricação de produtos de metal (exceto máquinas e
equipamentos); móveis e indústrias diversas; Indústria intensiva em escala — produtos
cerâmicos para construção civil e para usos diversos; fabricação de produtos e artefatos de
papel e papelão ; edição, impressão e reprodução de gravações; produtos químicos; artigos de
borracha e plástico; vidro e produtos de vidro; metalurgia básica; veículos automotores;
equipamentos de transporte ferroviário, naval e outros (exceto aeronáuticos); Indústria
diferenciada — máquinas e equipamentos; máquinas, aparelhos e materiais elétricos;
material eletrônico, aparelhos e equipamentos de comunicação; equipamentos de
instrumentação médico-hospitalares; instrumentos óticos, cronômetros e relógios; Indústria
baseada em ciência — produtos farmacêuticos; máquinas de escritório e equipamentos de
informática; equipamentos de distribuição de energia elétrica; aparelhos e instrumentos de
medida, teste e controle; máquinas e aparelhos de automação industrial; equipamentos de
transporte aeronáuticos.
André Nassif constata que, de fato, as taxas médias anuais de variação do investimento
industrial, a preços de 1996, foram muito baixas nos períodos 1996—1998 e 2000—2004,
além de negativas entre 1998 e 2000; enquanto que entre 1996 e 1998, ocorreu alta da taxa de
incremento dos investimentos nas indústrias com tecnologia diferenciada onde se concentram
diversos segmentos da indústria de bens de capital, em especial a de máquinas e
equipamentos, cujos investimentos no período cresceram à taxa média anual de 91,3%, além
dos equipamentos médico-hospitalares com 53,8% ao ano; e material eletrônico e
equipamentos de telecomunicações com 23,6%. Vale observar que essa foi a parcela da
indústria que se modernizou, beneficiada pela liberalização comercial.
58
Com relação à evolução da participação de cada setor no total dos investimentos
realizados no período 1996—2004, Nassif (2006) acusa um avanço significativo das
indústrias com tecnologia intensiva em recursos naturais, de 40,5% para 52,1%, destacando o
refino de petróleo; em contrapartida, os setores com tecnologia diferenciada se mantiveram
em torno de 7%, além de ocorrer uma retração da participação dos demais grupos de
indústrias.
O autor supracitado parece concordar que os resultados refletem não apenas taxas
médias anuais de variação negativa dos investimentos efetivados após 1998, como, também,
retração da produtividade do trabalho da indústria de bens de capital brasileira no período
1996-2004. Atônito com o resultado de sua pesquisa, ressalta que o “diagnóstico merece
cautela”, afinal, o segmento de refino de petróleo seria capaz, por si só, de representar um
avanço do setor secundário no país; em outras palavras, “o avanço desse segmento na
estrutura industrial brasileira, longe de apontar para um processo de desindustrialização,
apenas reflete o progresso tecnológico de um ramo produtivo no Brasil que, embora aproveite
a (agora) abundante disponibilidade de matéria-prima básica como sua principal âncora de
competitividade, mobiliza elevado montante de capital por unidade de produto gerado”.
Todavia, mostro adiante que esse é apenas mais um componente do processo de
desindustrialização.
Nassif finaliza seu excurso contraditório, afirmando que o país não passa por um
processo de desindustrialização porque além de a indústria petrolífera contribuir para o
contrário, a indústria de participação doméstica,
72
também, revelaria o oposto, visto que
contribuiu com o percentual de 23% no ano de 2004, além do que, no Brasil, não se
configurou o retorno ao modelo exportador de produtos intensivos em recursos naturais ou em
trabalho, o que seria comprovado pela involução do desempenho do grupo com tecnologias
intensivas em trabalho (têxteis, vestuário, calçados, móveis, fabricação de pequenos metais),
se relacionado ao setor industrial como um todo, em igual período.
Em Quatro fontes de “desindustrialização” e um novo “conceito de doença
holandesa”, Palma (2005)
73
, ao contrário do exposto anteriormente, afirma haver, sim, “um
72
Trata-se de uma das modalidades da terceirização e uma das práticas mais recorrentes do setor produtivo,
mediante a contratação de trabalhadores autônomos, sem contrato formal, que desempenham a mesma função
desempenhada na fábrica, embora mudem as condições e as relações de trabalho, cujo paradigma é a produção
flexível. Para maiores detalhes ver: OMENA, Silvaneide Paulo de. A integração do trabalho domiciliar à
produção capitalista. In: Anais do I Encontro Internacional Trabalho e Perspectivas de Formação dos
Trabalhadores, Fortaleza, 2006. CD-ROM.
73
Disponível em: http://www.fiesp.com.br/download/publicacoes_economia/jose_gabriel_palma.pdf. Acesso em
21/01/2007.
59
processo de ‘desindustrialização’ prematura atualmente em curso no Cone Sul da América
Latina e no Brasil”, devido à combinação de medidas liberalizantes com políticas
macroeconômicas que, em geral, deixam a taxa de câmbio real baixa
74
. A análise de Palma
desconsidera que no bojo da totalidade das relações políticas e de poder da sociedade
capitalista seja entre países, seja internamente em cada Estado-Nação, existem contradições
cuja raiz está na contradição entre capital e trabalho, e ainda que, na relação nominal entre
imperialismo e dependência, existe a divisão internacional do trabalho. Entretanto, avança
porquanto aponta o fenômeno da desindustrialização na América Latina relacionado não
apenas ao investimento na descoberta de recursos naturais ou pelo desenvolvimento do setor
de exportações e serviços, mas, também, porque mostra que as políticas neoliberais levaram
os países a uma reversão de sua estratégia de industrialização. “O Brasil e os três países do
Cone Sul com as mais altas rendas per capita (Argentina, Chile e Uruguai) foram os países
americanos que vivenciaram os mais altos níveis de desindustrialização e, ao mesmo tempo,
estavam entre os países da região que haviam se industrializado mais rapidamente e haviam
implementado as mais drásticas reformas econômicas” (ibidem). O que de certo modo vai ao
encontro das análises de Boito Jr. (1999); Oliveira (1999; 2003); Paulani (2006); e, Belluzzo
(2004; 2005). Analisemos, pois, o processo de desindustrialização em um contexto histórico.
No Brasil do final do século XIX e início do XX, o processo de acumulação do capital
dava-se nos limites da exploração da agropecuária, enquanto o industrialismo, em fase de
crescimento, não respondia por modificações estruturais na economia. A partir do governo
Vargas, o processo de industrialização deu seu primeiro salto na direção do desenvolvimento
do capitalismo baseado na acumulação industrial.
O processo de industrialização, de recorte nacionalista e estatal, teve alto crescimento
na segunda metade dos anos de 1930; o
60
Cabe ressaltar que o padrão de acumulação industrial estruturava-se em um processo
de superexploração da força de trabalho, por meio da articulação de baixos salários; jornada
de trabalho prolongada, isso é, o aumento da mais-valia absoluta em sua forma clássica; e
aumento da intensidade do trabalho, visto aqui como aumento do tempo de trabalho
excedente. Foi esse padrão de acumulação que permitiu o Brasil alinhar-se, mesmo de forma
subordinada e dependente, às grandes potências industriais.
É nesse cenário que o parque industrial do país nacional-desenvolvimentista se
formou; dependente estrutural do capitalismo central, sobre o tripé setor produtivo nacional,
capital nacional e capital internacional; de um lado, produção de bens de consumo duráveis,
como, automóveis, eletrodomésticos, etc., destinava-se ao mercado interno; de outro, a
produção voltava-se para a exportação não apenas de produtos industrializados, mas, também,
de produtos primários.
Ao longo de 50 anos a produção industrial cresceu a uma taxa média de 9% ao ano,
enquanto na década perdida esse percentual caiu para 1%, e, no período de 1990—2003, a
média anual de crescimento da indústria de transformação brasileira ficou entre 1,6% e 2%,
bem abaixo da China com 11,7%, Coréia do Sul com 7,4% e Índia com 6,5%
(BRASIL/MDIC/STI, 2005).
A partir da adoção das políticas neoliberais, os governos passaram a redesenhar o setor
industrial de modo a reforçar o papel que a economia brasileira vinha desempenhando na
divisão internacional do trabalho — fornecer matéria-prima para economias do capitalismo
central, em contrapartida receber no mercado interno produtos manufaturados produzidos
naqueles países. Ao passo que o setor de serviços urbanos, agora privatizado — energia
elétrica, telecomunicações, transporte, etc. —, torna-se alvo de investimentos do capital de
países centrais. Nesse sentido, Boito Jr. (1999); Oliveira (1999; 2003); Paulani (2006); e,
Belluzzo (2004; 2005) afirmam que a indústria na América Latina tem sido afetada pelo
processo de desindustrialização e desnacionalização. “A desindustrialização possui dois
aspectos: redução da participação relativa da produção industrial na produção total dos países
latino-americanos e redução da participação relativa da produção metal-mecânica, de bens de
capital, de instrumentos eletrônicos e de química fina no total da produção industrial”(BOITO
Jr., 1999, p.42), atingindo, sobremaneira, setores que fazem uso do conhecimento
tecnocientífico e, ainda, aqueles que fazem uso intensivo da força de trabalho, como os dos
ramos têxtil, de vestuário e calçados.
61
Boito Jr. (1999) ressalta que esse processo de desindustrialização é pouco visível,
atingindo toda cadeia produtiva. A expansão da indústria de material de informática, de
produtos eletrônicos de consumo e de montadoras de automóveis são casos típicos da
desindustrialização no Brasil. “A Zona Franca de Manaus é o carro-chefe desse processo, pois
essa região transformou-se num parque de montagem de componentes importados, devido ao
fato de as tarifas de importação, que foram reduzidas para todo país, serem menores ainda
para a Zona Franca”(op. cit., p. 43-4).
Ressalte-se que o processo de desindustrialização não implica a reversão da economia
do país para a produção estritamente primária
76
. Embora esteja ocorrendo uma reinserção do
país na divisão internacional do trabalho, essa reativação ocorre sobre novas bases, afinal, o
sistema capitalista não mais atribui à América Latina, apenas, o papel de exportadora de
produtos primários e importadora de manufaturados. O que vem ocorrendo é um benefício
concedido pelo capitalismo central às empresas instaladas nos países da América Latina, que
usam tecnologia baseada em recursos naturais. Portanto, a desindustrialização inclui o
crescimento do setor industrial voltado para a transformação de recursos naturais exportáveis.
Hoje, as indústrias que mais crescem são as de transformação de matéria-prima, como, papel e
celulose, petroquímica, ferro e aço, azeites vegetais, farinha de pescado, conservas, sucos.
Boito Jr. (1999, p.45) caracteriza o processo de desindustrialização como uma fase em
que a indústria perde importância no conjunto da economia como um todo, mudando de
espectro e perdendo em sofisticação e integração. No anexo 1, apresento as tabelas de
crescimento médio dos diversos setores da indústria.
Segundo Fiori (2001), é possível fazer um balanço, nos dias que correm, das
conseqüências geradas pelo modo como a América Latina foi incorporada à globalização das
finanças privadas e desreguladas. Nos anos de 1990, final da década perdida, o crescimento na
região, em geral, ficou em menos de 3%, contra os 5,5% anuais durante os trinta anos de
“populismo econômico desenvolvimentista”. No caso brasileiro, em particular, a média anual
de crescimento, no período desenvolvimentista, variou entre 7% e 8%. A partir desses dados,
o autor salienta que, hoje, muito mais do que nas décadas desenvolvimentistas, o progresso
tecnológico e seus efeitos benéficos se encontram concentrados no espaço hegemônico da
economia, restando para a América Latina resquícios daqueles benefícios de forma restrita e
segmentada. O resultado da relação entre o continente e o oligopólio mundial estreitou ainda
mais o acesso dos países dessa região ao conhecimento e às tecnologias de ponta,
76
A regressão ao modelo primário-exportador seria inviável, historicamente, depois de o país ter passado pela
fase desenvolvimentista (BOITO Jr., 1999).
62
contribuindo menos do que no passado para a criação de uma capacidade endógena de
progresso técnico, uma vez que, a utopia da burguesia liberal e internacionalizante deixou de
ser “uma simples integração liberal à economia internacional e passou à uma integração mais
estreita e direta com a própria economia norte-americana”, como meio não apenas de
assegurar uma inserção vantajosa no novo regime de acumulação, mas, também, de assegurar
o fluxo constante de capitais indispensáveis à sustentabilidade da política econômica interna.
(FIORI, 2001, p.132-134).
Segundo o autor supracitado, o governo brasileiro, em particular, para garantir o
empréstimo internacional organizado pelo FMI e pelo BIS
77
, ofereceu uma transferência de
‘capacidade de decisão’, que transformou o país na primeira cobaia internacional de um
experimento que combina, em ummercado emergente’, a aceitação contratual e compulsiva
das regras e prescrições do Acordo Multilateral de Investimento (o AMI, que ainda não foi
assinado pelos países desenvolvidos) com as regras que já aceitou da Organização Mundial do
Comércio (FIORI, 2001, p.134-135).
5.3. REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA NO BRASIL: a subsunção da classe
trabalhadora ao capital
Expus, na primeira sessão, que as sucessivas crises do capital foram engendrando a
transnacionalização da economia, trazendo efeitos subversivos no mundo do trabalho que só
se tornaram visíveis a partir dos anos de 1990. Apontei que o modelo de produção não fora
apenas transformado pela revolução tecnológica, mas, também, tornara-se globalizado em
grande extensão; o processo de reestruturação produtiva do capital provocou significativas
alterações no capitalismo brasileiro, engendrando um conjunto de transformações no plano da
organização sociotécnica da produção, o que provocou um processo de desnacionalização da
produção — a desindustrialização — entre outras conseqüências da reestruturação produtiva e
da reinserção do país na divisão internacional do trabalho (ANTUNES, 2006).
Na presente sessão busco elementos que auxiliem a desvelar algumas das principais
mudanças ocorridas no mundo do trabalho, vez que a reestruturação do setor produtivo e de
serviços, a nível internacional e no Brasil, em particular, tem influenciado sobremodo a
77
Bank for Internacional Settlements (Banco de Compensações Internacionais). O BIS é uma organização
internacional que busca a estabilidade monetária e financeira do sistema financeiro mundial através do estímulo
à cooperação entre bancos centrais e agências financeiras. Além disso, o BIS atua como banco para bancos
centrais oferecendo serviços relacionados às suas operações financeiras (Glossário financeiro do Bradesco),
disponível em http://www.shopinvest.com.br/br/glossario/glossario.asp?categoria=pf&secao=acoes&letra=b
.
Acesso em 21/01/2007.
63
relação trabalho e educação, restringido o acesso dos países latino-americanos, em geral, e do
Brasil, em particular, ao conhecimento e às tecnologias de ponta, o que estaria impedindo o
país de criar condições internas para o progresso técnico-científico e tecnológico. É a
dependência gerando mais dependência.
Assim como a expansão internacional do fordismo, após a Segunda Grande Guerra,
ocorreu em uma conjuntura particular de regulamentação político-econômica mundial, sob a
hegemonia dos Estados Unidos — deixando marcas profundas nos processos de trabalho,
hábitos de consumo, configurações geográficas e geopolíticas, poderes e práticas de Estado—,
a instalação do modelo de acumulação flexível e do ideário do toyotismo veio acompanhada
de um sistema de regulamentação política e social
78
.
Diferentemente do modelo taylorista-fordista, a acumulação flexível e o modelo
japonês
79
se apóiam na flexibilidade dos processos de trabalho, dos mercados de trabalho, dos
produtos e padrões de consumo. Além de propiciar o surgimento de novos setores de
produção, a exemplo da terceirização, e novos modos de oferecer serviços, acompanhados de
inovação comercial, tecnológica e organizacional.
Os novos modelos de acumulação e de produção requerem rápidas mudanças dos
padrões do desenvolvimento desigual, tanto entre setores, quanto entre regiões geográficas,
elevando a taxa de emprego no setor de serviços em detrimento do setor secundário; fazendo
surgir complexos industriais em regiões até então subdesenvolvidas; tornando, assim, a
produção globalizada por meio da “compressão espaço-tempo” do mundo capitalista como
um todo (HARVEY, 2005).
A reestruturação produtiva se inicia no Brasil dos anos de 1990, em um cenário em
que o desenvolvimento das forças produtivas apresentava um salto qualitativo na direção de
78
A esse respeito, Gramsci (2001) e Harvey (2005) afirmam que para um sistema de acumulação funcionar é
necessário fazer os comportamentos de todo tipo de indivíduos (capitalistas, trabalhadores, funcionários
públicos, financistas, etc.) assumirem uma configuração tal que garanta aquele funcionamento, de modo a
interferir nas normas, hábitos, leis e, sobretudo, no processo de disciplina ou conformação da força de trabalho.
Esse último envolve uma articulação entre repressão, familiarização, cooptação e cooperação, que são
organizados não apenas no mundo do trabalho. Trata-se de um processo de socialização do trabalhador que
envolve o controle social das capacidades físicas e mentais, no que a educação, seja formal, seja informal,
desempenha papel fundamental junto a outros aparelhos de hegemonia.
79
O modelo japonês é inovação porquanto reflete novas formas de organização e gestão do trabalho; se bem que
essas técnicas, a exemplo do kan-ban, teriam sido implantadas, na década de 1930, pelo engenheiro Taichi Ohno,
na fábrica Toyota. Mais tarde, nos anos de 1950, a partir da observação do modo de administração, gestão e
produção da indústria automobilística americana, Toyoda e Ohno buscando inserir a fabrica japonesa, de modo
competitivo, nos grandes mercados, introduziram técnicas capazes de substituir, rapidamente, máquinas durante
o processo de produção com a finalidade de ampliar a oferta variada de produtos.
64
inovações tecnológicas
80
, por meio da automação industrial de base microeletrônica, nos
setores metal-mecânico, energético, automobilístico, petroquímico, siderúrgico, etc. Toda
discussão analítica envolvendo a sustentação do novo modelo e, por conseqüência, as teses do
pós-fordismo, neofordismo, têm como referência o toyotismo que se ampliava entre outros
países. Termos como o just in time, kan-ban, Círculos de Controle de Qualidade (CCQ) foram
sendo incorporados a fim de projetar, ideologicamente, novas concepções que se pretendia
tornar realidade na aceitação social. Esse modelo foi concebido em torno de noções, tais
como, velocidade, produtividade, qualidade e participação. O desdobramento disso ocorreria
por meio “da integração em fluxo contínuo das etapas e a circulação permanente do produto
em transformação. Redução de estoques, kan-ban e organização celular da manufatura”
(CASTRO, 1993, apud SOUZA et al., 1999, p. 53).
Agregada a tal modelo, a noção de qualidade parte da idéia da focalização das
atividades da empresa em produtos e tarefas onde se garantam maior competitividade e
lucratividade, terceirizando o restante, e, ainda, da idéia da localização e resolução de
problemas o mais rápido possível, tornando a manutenção o menos onerosa possível. Esse
processo exige maior engajamento dos trabalhadores por meio de uma melhoria contínua e
crescente dos procedimentos durante o processo de produção; “preocupação [que] deve ser
compartilhada por todos que devem se sentir sempre incitados a promover inovações,
trazendo a manufatura para o centro da estratégia gerencial da empresa” (SOUZA et al., 1999,
p.53).
Buscando delimitar minha análise, voltar-me-ei para os diferentes aspectos da
reestruturação produtiva da área da indústria nos setores elétrico e eletrônico; e dos serviços
de telecomunicações, automotiva e turismo, por serem áreas nas quais o CEFET/RJ oferta
cursos de educação profissional técnica de nível médio.
Etcheverry (2006), em Privatização do setor elétrico brasileiro: impactos sobre o
trabalho mostra o cenário de transição do modelo que considerava a energia elétrica bem
social para o que transforma a energia elétrica em mercadoria.
80
Com o advento da informatização e robotização, a maquinaria “inteligente” passa a substituir grande parte das
tarefas do trabalhador. As novas tecnologias (microeletrônicas, informáticas, químicas e genéticas) se
diferenciam das outras, pelo domínio da informação sobre a energia. Os processos de acoplar máquinas a
computadores e informatização permitem mudanças no uso, controle e transformação da informação;
flexibilizam a seqüência da produção, otimizando o tempo e consumo de energia, modificando a relação entre
homem e máquina e convertendo trabalho vivo em trabalho morto.
65
O sistema elétrico brasileiro, organizado em torno da holding Eletrobrás, formado por
empresas federais e estaduais se traduziu em investimentos significativos para os setores de
geração e transmissão de energia, por parte do Estado. A visão da empresa pública como
símbolo do desenvolvimento nacional contribuía para a formação de trabalhadores
qualificados para a área.
Entretanto, na década de 1980, se inicia o desmantelamento do setor elétrico, expresso
pela não-contratação de novos quadros e de perdas salariais, não apenas nas estatais, como,
também, nas empresas privadas que prestavam consultoria às primeiras. Recorro às
entrevistas realizadas por Maria Soledad Etcheverry, em sua pesquisa, por considerá-las
reveladoras dos efeitos da política da década perdida, expressos pela falta de investimento,
desvalorização do conhecimento acumulado pelos trabalhadores.
Por volta de 1984/85 as empresas de consultoria já começaram a
desempregar em massa, em função da diminuição da demanda das empresas
de energia elétrica, iniciando uma verdadeira política de desaceleração da
engenharia no Brasil. Essas empresas foram se acabando porque se
mantinham muito em cima do plano energético que produzia grandes usinas
e subestações. (...) Com as privatizações, o índice de nacionalização é
mínimo, aí mesmo que a engenharia não continua sendo desenvolvida. E
pensar que o Brasil já exportou engenharia. Essa começou a ser desmontada
já na década de 80, quando o FMI entrou na política brasileira. Até essa
época se desenvolveu muito a engenharia brasileira. Havia boas escolas, os
institutos militares de engenharia como IME e ITA, as universidades
federais, as escolas técnicas. Com todas as restrições que temos da época,
havia um projeto forte de engenharia nacional (entrevistado, 2001, apud
ETCHEVERRY, 2006).
Na
fala do entrevistado supracitado fica clara a falta de investimento por parte do
Estado no setor elétrico, ainda estatizado. No entanto, é na entrevista transcrita a seguir, que
se pode captar a manifestação de concepção de educação tecnológica que vinha se
desenvolvendo no país, mediada pela relação entre capital, trabalho e educação.
Me formei no ano de 1973, fazia um estágio numa empresa de engenharia no
Rio e imediatamente fui contratado. Tinha uma demanda, estava se criando o
sistema elétrico brasileiro, estava se implantando, estava se projetando
muito. (...). Só em projetos de linha de transmissão, (a empresa tinha) mais
de 100 pessoas. A gente tinha consultoria americana que no início começou
a ensinar como é que se faziam os projetos. Entravam através de um desses
bancos mundiais, BID, era uma exigência desses bancos para garantir a
qualidade técnica do projeto, porque os financiamentos eram feitos por eles.
Se formou muita gente, muita gente aprendeu a fazer o projeto, a conhecer
linha de transmissão. (...) Eram três engenheiros americanos e me lembro
que teve uma vez que a gente precisou de um especialista em estruturas e
66
veio um lá dos EEUU. Em fim, houve uma transferência de tecnologia nessa
época para o Brasil. Estava se começando a fazer os 500 KV que era uma
coisa que não tinha no Brasil ainda, então eles deram uma ajuda na hora de
desenvolver esses projetos. Então isso foi em 1973. A grande demanda foi
até 1978, tinha muito serviço. (...) A partir de meados da década de 80
começa a diminuir o serviço (...) Conseguimos sobreviver às duras custas até
1990. (...) e aí entra o Collor de Mello e em julho, agosto de 90, mais ou
menos, ele cancela tudo. Manda cancelar todos os contratos e aí para tudo!!
Claro que fomos todos demitidos, fechamos o escritório e aí estou eu sem
perspectiva nenhuma, sem possibilidade de entrar em estatal, estava fechado,
eu tinha 40 anos. Não tinha a menor condição porque como não se estava
fazendo linhas de transmissão em lugar nenhum, e eu sou especializado em
projetos de linhas, não havia como sobreviver nessa área (...) e uma geração
aí ficou muito mal na história porque durante esses 10 anos se investiu muito
pouco nessa área. (...) Com o Apagão (maio 2001), voltou a aquecer-se o
mercado, mas não existe mais mão de obra especializada para fazer linha de
transmissão, porque a gente parou dez anos de fazer projetos. Então se
procura no mercado alguém e não se acha, porque as pessoas já estão em
outras atividades, desistiram ... muita gente morreu ... ou os poucos que a
gente conhece estão cheios de serviço e são poucos, se contam nos dedos ...
e não se formou gente durante esse período. Então, todo esse investimento,
transferência de tecnologia dos americanos, tudo isso meio que se perdeu, e
essa formação dos novos é um processo longo, demorado (entrevistado,
2001,
apud ETCHEVERRY, 2006).
Em um cenário de dívida externa, dívida interna e inflação, o setor caminha para as
reformas, sob o discurso privatizante que alegava ineficiência do sistema elétrico. “São
perdidos mais de 96 mil postos de trabalho, representando um corte de 46,2% do número de
empregados do setor, diminuindo de 209,4 mil em dezembro de 1989 para 112,7 mil em
dezembro de 1999 (DIEESE, 2001, apud ETCHEVERRY, 2006).
O novo modelo instaurado que transformou a energia elétrica de bem público para
mercadoria e, portanto, sujeita às oscilações da oferta e demanda, em que a ganância do lucro
sobre lucro foi capaz de deixar muitos brasileiros às escuras por atraso de pagamento das
faturas, desverticalizou a cadeia produtiva, separando as atividades de geração, transmissão,
distribuição e comercialização de energia elétrica, caracterizadas então como mercados
independentes. A geração e a comercialização foram progressivamente desreguladas; já a
transmissão e a distribuição continuam sendo tratadas como serviços públicos regulados pela
Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL).
Concordo com Etcheverry (2006) que o modelo neoliberal de privatização e
reestruturação do setor elétrico levou a um desmonte da competência técnica, por meio da
demissão de trabalhadores, do plano de demissão voluntária, da aposentadoria. O quadro
técnico formado no Brasil, especialmente nas áreas de construção de barragens, de
67
subestações, de sistemas de transmissão, sofreu os abalos da falta de investimentos e os
efeitos da desnacionalização dos empreendimentos. À falta de uma política de reserva de
mercado para a engenharia nacional, soma-se uma lógica de privilegiar as empresas
estrangeiras; a divisão das empresas, que segue a lógica da fragmentação das etapas do
processo da energia elétrica, desde o planejamento até a venda da energia elétrica para o
consumidor final, de certa forma contribui para a desqualificação da competência técnica.
Some-se a isso a falta de rigor na fiscalização dos processos, não só por limitações da
ANEEL, mas pela própria forma pulverizada de contratar os serviços por meio de
terceirizações.
Ainda na década de 1990, o ramo da indústria automobilística caminha para a
reestruturação. Em 1991, havia o consenso de que era necessário elaborar um plano para o
setor, a fim de modernizar, recuperar e desenvolver o mercado. O diagnóstico era de
estagnação: vendia-se o mesmo volume de 1970, e as exportações estavam em queda. A
indústria nacional, vinda de um período de pouco investimento, encontrava-se com baixa
escala de produção, baixa automação, defasagem tecnológica e baixa competitividade
internacional e apresentava altos custos ao longo de toda a cadeia (BNDES).
No contexto da desregulamentação do comércio mundial, a indústria automobilística
brasileira foi submetida a mudanças no regime de proteção alfandegária, com a redução das
tarifas de importação de veículos. Desde então, as montadoras vêm intensificando o processo
de reestruturação produtiva por meio de inovações tecnológicas
81
, introduzindo, inicialmente,
robôs e sistemas CAD/CAM
82
, o que acarretou transformações na planta das fábricas. Foram
promovidas mudanças organizacionais, como no setor elétrico; desverticalizou-se a cadeia
produtiva, desnivelando a hierarquia entre trabalhadores; terceirizou-se a força de trabalho;
implantou-se novas fábricas de menor porte, estruturadas com base em células produtivas,
além de se promover a ampliação da rede de empresas fornecedoras.
As unidades produtivas mais antigas e tradicionais, como a Volkswagen, a Ford e a
Mercedes-Benz, situadas no ABC paulista
83
, também desenvolveram um forte programa de
81
Em 2006, a Volkswagen recebeu o Prêmio Gestão de Pessoas, por ter modificado seu arranjo produtivo.
Fonte: Caderno Boa chance do jornal O Globo, publicado em 17/01/2006.
82
O CAD (Computer Aided Design – programa assistido por computador) utiliza técnicas gráficas
computadorizadas com a finalidade de solucionar eventuais problemas no processo de produção; enquanto o
CAM (Computer Aided Manufacturing – fabricação assistida por computador) refere-se a todo e qualquer
processo de fabricação controlado por computador.
83
ABC ou ABCD, região industrial formada por sete municípios da Região Metropolitana de São Paulo: Santo
André (A); São Bernardo do Campo (B); São Caetano do Sul (C); Diadema (D); Mauá ; Ribeirão Pires e Rio
Grande da Serra
.
68
reestruturação, visando sua adequação aos novos imperativos do capital, no que concerne aos
níveis produtivos e tecnológicos e às formas de “envolvimento” da força de trabalho. Várias
foram as formas de conformação e dominação da força de trabalho, a exemplo do “coração
valente”, e “Manual de integração”, usados, respectivamente, na Volkswagen e Toyota
(ANTUNES, 2006).
A cadeia produtiva do complexo eletrônico não ficou de fora do processo de
reestruturação. Formada por eletrônica de consumo; informática e automação; e, ainda,
equipamentos de telecomunicações e componentes, o complexo eletrônico sofreu mudanças
significativas. Diversamente do cenário anterior à abertura econômica, em que o governo
praticou uma política industrial alicerçada principalmente no seu poder de compra, cuja
finalidade era consolidar a indústria produtora de equipamentos eletrônicos no país, no Brasil
neoliberal, segundo dados do BNDES, depois da abertura comercial, a quantidade de material
importado aumentou consideravelmente, a exemplo da tecnologia surface mounting device
(SMD), o que rebaixou o Brasil para terceiro colocado, em termos de produção de eletrônica
de consumo, entre os países que têm zona franca.
A estabilidade do emprego foi revertida para a redução e o remanejamento dos
trabalhadores assalariados por meio de planos de aposentadoria e demissão voluntária, que
possibilitaram reduzir o quadro de pessoal. O ritmo frenético da terceirização e da
automatização contribuiu para a precarização do trabalho no complexo eletrônico.
Se nos anos 1980 era relativamente pequeno o número de empresas de
terceirização, locadoras de força de trabalho de perfil temporário, na década
seguinte esse número aumentou significativamente para atender à grande
demanda por trabalhadores temporários, sem vínculo empregatício, sem
registro formalizado (...) Essas mutações, portanto, inseridas na lógica da
racionalidade instrumental do mundo empresarial, estão intimamente
relacionadas ao processo de reestruturação produtiva do capital, no qual as
grandes empresas, por meio da flexibilização dos regimes de trabalho, da
subcontratação e da terceirização, procuram aumentar sua competitividade
fraturando e fragmentando ainda mais a classe que vive do trabalho”
(ANTUNES, 2006, p. 25).
Na primeira metade da década de 1990, a indústria eletrônica de consumo, instalada
em grande parte na Zona Franca de Manaus, com 14 montadoras, foi, também, reestruturada,
recebendo equipamentos de automação para os processos de montagem de placas de circuito
impresso que se ajustaram ao modelo do just in time e do CCQ, acarretando redução da força
de trabalho nas linhas de montagem.
69
O ramo da informática também não ficou de fora; dezenas de empresas nacionais
desapareceram ou foram deslocadas para algum nicho de mercado, enquanto assistiu-se à
entrada no mercado de diversas empresas transnacionais, das quais os maiores exemplos são a
a Compaq, Hewlett Packard (HP) e, mais recentemente, a Dell Computer.
A montagem de equipamentos de informática, no Brasil, ocorre em nível de
completely knocked down (CKD), o que denota o recebimento pelos fabricantes de kits
completos de componentes e peças do exterior, sendo comum importar, até mesmo, gabinetes
e outras peças de plástico injetado. O maior volume das importações do setor é de peças,
como circuitos integrados, semicondutores, microprocessadores, memórias e chip-set, discos
rígidos, cinescópios ou cathode display tubes (CDT) e placas de circuito impresso (placa
mãe).
No que concerne ao ramo de telecomunicações, a gestão dos serviços públicos passou
do controle do Sistema Telebrás — um monopólio em que existiam muitos vendedores, mas
apenas um comprador — para um setor privado e competitivo. Coube ao Estado, nesse
processo, elaborar o marco regulatório desses serviços, estabelecendo metas qualitativas e
quantitativas a serem alcançadas pelas operadoras privadas, além de fiscalizar, aplicar
penalidades, por meio da Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL).
Sob o mesmo discurso de abrir o mercado à concorrência das importações, reduzindo
tarifas, as diretrizes da Política Industrial e de Comércio Exterior foram basilares para a
reformulação do ramo de telecomunicações. Depois da reestruturação da Telebrás, holding de
um sistema formado pela Embratel, responsável pelos troncos interestaduais e internacionais,
e por operadoras de âmbito estadual, responsáveis pelas chamadas locais e intra-estaduais,
poucas operadoras sobreviveram. Nesse contexto, cabe-me indagar o que tem sido feito em
relação ao investimento em pesquisa na área, se o Centro de Pesquisa e Desenvolvimento
(CPqD) da Telebrás, hoje, é uma fundação de direito privado.
O CPqD foi efetivamente bem-sucedido em grande parte dos
desenvolvimentos realizados, chegando a produtos competitivos
tecnicamente e comercialmente. Um dos maiores casos de sucesso foi o seu
programa de comutação digital, que logrou desenvolver uma família de
centrais de comutação pública de programa armazenado denominadas
centrais Trópico (...) Outro desenvolvimento de sucesso do CPqD foi o
telefone público a cartão. Ao contrário de outras tecnologias desenvolvidas
no mundo, a Telebrás optou por utilizar um cartão muito mais barato,
baseado nas propriedades indutivas da eletricidade, para substituir os
antiquados telefones públicos a moeda (...) sucesso ainda nas áreas de
optoeletrônica, transmissão de voz e dados, gerenciamento da rede das
operadoras e até mesmo na microeletrônica, fazendo do CPqD uma
instituição respeitada internacionalmente (BNDES).
70
Garcia e Roselino (2004)
84
apontam que, embora a Lei de Informática n
o
8.248 de
1991 tenha definido uma política de estímulo para investimento em pesquisa e
desenvolvimento na cadeia produtiva do complexo eletrônico brasileiro, ela tem se mostrado
ineficaz, tanto no que se refere à canalização de investimentos para o cumprimento da meta de
universalização dos serviços de telecomunicações, quanto na implantação e implementação de
laboratórios de pesquisa.
Segundo os autores esses seriam alguns entre outros atrativos que concorreriam para
explicar o ingresso expressivo das grandes empresas internacionais produtoras de
equipamentos para telecomunicações e informática no Brasil, uma vez que as empresas
localizadas fora da Zona Franca de Manaus passaram a gozar de incentivos fiscais, obtidos
pela isenção de IPI (da ordem de 15% para a maioria dos produtos incentivados), e, em
contrapartida, passaram a investir 5% do faturamento bruto em P&D (a empresa pode investir
2,7% de seu faturamento nela própria e os 2,3% restantes devem ser alocados em centros ou
institutos de pesquisa ou educação). Todavia, as empresa vêm criando mecanismos de
redirecionamento da verba, como, por exemplo, investindo em fundações criadas por elas
mesmas. Em síntese, na cadeia produtiva do complexo eletrônico, o Brasil é o país da
montagem e de testes de memórias. Como diria Oliveira (2003), o país segue copiando, vez
que não há produtos tecnológicos disponíveis à parte, que possam ser utilizados sem a ciência
que os produziu, e vice-versa: não se pode fazer conhecimento científico sem tecnologia
compatível.
Do ponto de vista de vista da acumulação do capital, isso tem fundas
conseqüências. A primeira e mais óbvia é que os países ou sistemas
capitalistas subnacionais periféricos podem apenas copiar o descartável, mas
não copiar a matriz da unidade técnico-científica; uma espécie de eterna
corrida contra o relógio. A segunda, menos óbvia, é que a acumulação que
se realiza em termos de cópia do descartável também entra em obsolescência
acelerada, e nada sobra dela, ao contrário da acumulação na Segunda
71
Com a reestruturação produtiva do capital, que trouxe a desregulamentação do
trabalho, acompanhada de lean production, de formas de trabalho em rede, bem como de
modalidades de flexibilização e desconcentração do espaço físico produtivo, tem sido possível
constatar uma redução do proletariado industrial, fabril, manual, estável e especializado, da
indústria verticalizada do taylorismo-fordismo. Entretanto, vimos que a internacionalização da
economia gera uma tendência de interpenetração do setor produtivo com o setor de serviços, o
que engendra o aumento do “novo proletariado”
85
, prestador de serviços não apenas para o
setor fabril, mas, também, para outros ramos, a exemplo do turismo. O ramo do turismo,
longe de se pensar que está associado apenas ao entretenimento e lazer, no cenário de um
mundo globalizado, está agregado, essencialmente, ao mundo dos negócios.
Denominado de “turismo de negócios”, o ramo do turismo associado ao agronegócio,
à área da indústria, incluindo, aí, os setores, eletro-eletrônico, construção civil,
metal-mecânica, petróleo e gás, automobilístico, etc., é “o único setor que tem crescido com
vontade no segmento turístico, pelo menos ultimamente, tanto no Brasil como em todo o
mundo” (VALIO, 2004)
86
. Atendendo a congressos, seminários, palestras, esse segmento
87
do
ramo do turismo vem contribuindo significativamente para o equilíbrio da balança comercial.
Cito, como exemplo, o “turismo de negócios” da cidade de Macaé, no estado do Rio de
Janeiro. O município passou a ocupar o oitavo lugar entre os mais ricos do país, devido ao
crescimento de seu PIB. Impulsionado pelo petróleo da Bacia de Campos, o turismo de
negócios tornou-se um dos principais empregadores da região
88
; os hotéis, em sua maioria da
rede internacional de hotelaria, “oferecem infra-estrutura adequada ao turista de negócios,
incluindo acesso à internet com banda larga e cofre eletrônico. O que, por sua vez, significa
mais empregos nas áreas de informática e telecomunicações”
89
.
Essa breve exposição sobre a implantação da política neoliberal no Brasil e seus
desdobramentos no mundo da produção
90
, nos permite refletir, no presente final de capítulo,
acerca da reinserção do país na internacionalização da economia. O Brasil do final do século
85
Parafraseo Antunes (2003, 2005a, 2005b, 2006).
86
VALIO, Maria Ignez Ludwig. Turismo de negócios ou negócios de turismos?. Revista Turismo. Disponível
em: http://revistaturismo.cidadeinternet.com.br/artigos/turneg.html. Acesso em 28/01/2007.
87
Segundo o Jornal de Turismo, um turista de negócios gasta, em média, R$ 325,00 por dia, enquanto o turista
que viaja a lazer despende, apenas, R$ 150,00.
Disponível em: http://www.roteirobrasil.jor.br/index.php?codgrupo=12&codigo=5226
. Acesso em 28/01/2007.
88
Buscando atender as demandas desse mercado de trabalho, a Rede CEFET, atrelada a uma concepção de
educação tecnológica que analiso no capítulo III, vem ofertando cursos para a área de serviços, como Turismo,
Administração, Informática, Telecomunicações, etc.
89
Fonte: Caderno Boa Chance do Jornal o Globo, de 17/12/2006.
90
Voltaremos a análise das relações de produção na segunda sessão do próximo capítulo.
72
XX e início do XXI é um país que apresenta resquícios do sistema escravocrata, ao mesmo
tempo em que revela características de uma sociedade moderna industrial; é o ornitorrinco
91
— altamente urbanizado; população e força de trabalho, no campo, reduzidas, entretanto com
forte agrobusiness; setor industrial taylorista-fordista completo, avançando por meio da
revolução digital-molecular que associa a microeletrônica aos processos de informação
automática e estes à maquinaria; estrutura de serviços diversificada; sistema financeiro
atrofiado e por viver a democracia há três décadas, “parece dispor de ‘consciência’ [mas, por]
faltar-lhe, ainda, produzir conhecimento, ciência e técnica: basicamente, segue
copiando”(OLIVEIRA, 2003, p.133-4).
O resultado desse processo histórico define não só o tipo de sociedade vivida pelos
brasileiros, constituída nos planos da estrutura econômico-social e superestrutura
jurídico-político-ideológica na sua relação com o interno e o externo, mas, também, o estágio
de desenvolvimento tecnocientífico que expressa sua posição/situação na divisão
internacional do trabalho e suas implicações com as demandas do trabalho — uma sociedade
dividida entre o tradicional/atrasado/subdesenvolvido e o moderno/desenvolvido, cindida em
classes, fonte da expropriação do trabalho.
No Brasil, o neoliberalismo, iniciado no governo Collor de Mello e desenvolvido no
período de FHC, acarretou o desemprego, a precarização do trabalho e a exclusão social.
Nesse período, o parque produtivo foi alterado e retraído pela política de privatização de
estatais, especialmente, siderurgia, telecomunicações e energia elétrica, o que modificou o
tripé de sustentação da economia brasileira — capital nacional, capital internacional e setor
produtivo brasileiro —, elevando sobremodo a integração/subserviência do país ao
capitalismo central.
A reestruturação produtiva se desenvolveu não só por meio de lean production, just in
time, qualidade total, mas, também, da descentralização produtiva que levou indústrias, como
as de calçados e têxtil, a se deslocarem sob a alegação de concorrência internacional. Desse
modo, o Brasil integrou-se à chamada fase de mundialização ou globalização, ampliando o
91
O ornitorrinco é carnívoro, se alimenta de insetos, vermes e crustáceos de água doce, tem o corpo adaptado
tanto para a vida aquática, quanto para terrestre. Apesar de ser mamífero, o ornitorrinco põe ovos que são
parcialmente chocados no interior do corpo. Diferente de outros mamíferos placentários, as fêmeas não têm
mamilos e seus filhotes sugam o leite materno de poros existentes na barriga da mãe. O ornitorrinco representa
um ramo de mamíferos que se diversificou no cretáceo inferior, mas não está classificado com os mamíferos
placentários. É esse animal, nem réptil e nem mamífero — um animal improvável na escala da evolução —, que
Francisco Oliveira usa como metáfora para qualificar a espécie de capitalismo engendrado na sociedade
brasileira que articula moderno e atraso, cidade e campo, urbano e rural, indústria e agricultura, sociedade essa
que vive do processo de simbiose entre o moderno e o arcaico.
73
grau de dependência ao capital estrangeiro, adaptando-se externamente ao mundo globalizado
e desintegrando-se internamente. Nesse cenário, assistimos, cada vez mais, à classe
trabalhadora sendo levada ao reino da necessidade. Os novos paradigmas tecnológicos
sustentam novos modos de organização do trabalho, novos mecanismos de dominação e
exploração da classe trabalhadora. As mudanças no mundo do trabalho engendraram um tipo
de relação trabalho—processo de produção que atribui ao trabalhador a responsabilidade de
estar ou não desempregado, de estar ou não qualificado, cujo pano de fundo é uma sociedade
invisível do ponto de vista do trabalhador, tal como foi visto na sessão dois.
Por ser a natureza estrutural das relações sociais do sistema do capital a mesma em
todos os países — isto é, os meios e instrumentos de produção e comunicação são propriedade
privada dos capitalistas, e, por conseguinte, a extração da mais mais-valia, absoluta e relativa
ou combinada, é central para reprodução do capital — o desemprego que afeta,
indistintamente, todos os países da América Latina e o Brasil, em particular, tem levado a
população a viver em condições de miséria; aqueles que ainda se encontram empregados têm
de suportar a degradação de suas condições materiais de reprodução da sua existência. A
ascensão histórica do capital trouxe consigo “uma equalização para baixo da taxa diferencial
de exploração” (MÉSZÁROS, 2003, p.27).
O governo FHC, objeto de minha análise, consolidou a associação dependente do
Brasil ao capital mundial por meio de diretrizes sócio, políticas, econômicas e culturais,
incluindo, desse modo, o país na excludente divisão internacional do trabalho, em uma fase do
capitalismo na qual o conhecimento científico-tecnológico não é tido apenas como ponto de
superação da atual crise de acumulação, mas, também, adquire a dimensão política de reserva
estratégica da soberania nacional. O aparato científico e tecnológico ajustado ao modelo
desenvolvimentista de substituição de importações fora desmontado, criando-se, a partir de
então, o Programa de Apoio Científico e Tecnológico da Indústria (PACTI) e o Programa
Brasileiro de Qualidade e Produtividade (PBQP) vinculados aos Ministérios de Ciência e
Tecnologia e da Economia, respectivamente, com a finalidade de traçar as diretrizes da
política científica e tecnológica, segundo os preceitos neoliberais. Tais iniciativas seriam o
sustentáculo da política de educação para o aumento da produtividade e competitividade do
país.
É, pois, esse aspecto que será abordado no capítulo seguinte, buscando entender como
se deu o processo da formação profissional, no contexto histórico da educação no Brasil, e
74
que concepções de educação tecnológica orientaram a formulação de políticas públicas para a
educação no Brasil dos anos de 1990.
CAPÍTULO II
FORMAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL: disputas entre capital e trabalho
A doutrina materialista que pretende que os homens sejam produtos das
circunstâncias e da educação, e que, conseqüentemente, homens
transformados sejam produtos de outras circunstâncias e de uma educação
modificada, esquece que são precisamente os homens que transformam as
circunstâncias e que o próprio educador precisa se educado. É por isso que
ela tende inevitavelmente a dividir a sociedade em duas partes, uma das
quais está acima da sociedade (por exemplo, em Robert Owen). A
coincidência da mudança das circunstâncias e da atividade humana ou
automudança só pode ser considerada e compreendida racionalmente como
práxis revolucionária. (KARL MARX)
92
A epígrafe de Marx demonstra o caráter dual da sociedade que os reformistas da
educação, a exemplo do socialista utópico Robert Owen, ou não conseguiram, ou não
pretendem superar. As reformas da educação empreendidas ao longo do século XX, tendo
continuidade nesse início de século, admitiram pequenos ajustes de modo a corrigir
“distorções” que, porventura, não estivessem indo ao encontro das determinações estruturais
da sociedade capitalista, aproximando, por meio de sucessivas reformas, a escola do trabalho,
cada vez mais, do interesse do mercado.
O capital é irreformável e incorrigível; limitar as mudanças educacionais “às margens
corretivas e interesseiras do capital significa abandonar de uma só vez, conscientemente ou
não, o objetivo de uma transformação social qualitativa”
93
. Como meu ponto de vista é
contrário a essas reformas, torna-se fundamental analisar, aqui, como foi se formando o
consenso sobre a concepção de educação tecnológica que norteou a reforma do ensino médio
e técnico promovida no governo FHC. Assim sendo, na primeira sessão deste capítulo, analiso
92
Teses sobre Feuerbach
93
MÉSZÁROS, István. A educação para além do capital. São Paulo: Boitempo, 2005, p.25.
76
a relação entre trabalho e educação de modo a captar a concepção de educação tecnológica em
Marx e Gramsci. Na segunda sessão, trato da relação entre trabalho, ciência e tecnologia, afim
de entender o papel da ciência, da técnica e tecnologia na estrutura global da cultura humana,
e como essa relação vem sendo apropriada pelo capital. Na terceira sessão, faço a
reconstrução histórica do ensino profissional no Brasil, tendo como foco de análise as escolas
técnicas da rede federal, e, finalmente, na quarta sessão, analiso o presente histórico — a
formulação das políticas públicas de educação a partir dos embates em torno da LDB e da
produção de textos e documentos legais que culminaram na reforma do ensino médio e
técnico.
1. A RELAÇÃO ENTRE TRABALHO E EDUCAÇÃO
Pode-se distinguir os homens dos animais pela consciência, pela religião e
por tudo o que se queira. Mas eles próprios começam a se distinguir dos
animais logo que começam a produzir seus meios de existência, e esse
passo à frente é a própria conseqüência de sua organização corporal. Ao
produzirem seus meios de existência, os homens produzem indiretamente
sua própria vida material (MARX e ENGELS, 2002, p.10).
À medida que o homem transforma a natureza, adaptando-a as suas necessidades,
altera a si mesmo e a outros, desenvolve processos de convivência, reprodução, acasalamento
e defesa, e, também, desenvolve faculdades, como, a inteligência, a percepção, a linguagem.
Nesse processo, o homem não só desenvolve atividades instintivas, como, também, quer por
dificuldades impostas pelo ambiente, quer por particularidades próprias da espécie,
desenvolve habilidades que dependem de aprendizado. Nesse sentido, como o modo de vida
do homem não é garantido pela natureza, pois que é o próprio homem quem o produz, à
medida que se torna homem, aprende, cada vez mais, a se humanizar. Nesse processo de
humanização, ele passa por um processo educativo mediado pelo trabalho. Portanto,
ele se forma homem. Ele não nasce sabendo produzir-se como homem. Ele
necessita aprender a ser homem, precisa aprender a produzir sua própria
existência. Portanto, a produção do homem é, ao mesmo tempo, a formação
do homem, isso é, um processo educativo. A origem da educação coincide,
então, com a origem do homem mesmo (SAVIANI, 2006, p.4).
Concordo com Saviani (2006) o conceito de que a educação, tal como o trabalho,
também é atividade especificamente humana. A origem do trabalho e da educação coincide
77
com a origem do homem; por conseguinte, no início da existência humana, trabalho e
educação formam uma identidade. Nesse sentido, o homem se educa pelo trabalho e para a
produção material.
1.1. DIMENSÃO E CONCEITO DO TRABALHO EM MARX E ENGELS
Para Marx e Engels o trabalho é condição básica e fundamental de toda vida humana.
É a partir do trabalho que o ser humano se distingue de todas as espécies animais, produzindo
os meios que permitem satisfazer a produção material de sua existência. Portanto, o trabalho é
indispensável à existência humana; “é necessidade natural e eterna de efetivar o intercâmbio
material entre o homem e a natureza e, portanto, de manter a vida humana” (MARX, 2004b,
p. 65).
O trabalho em Marx e Engels não é algo abstrato, como qualquer ato de trabalho ou
atividade em geral, tido apenas como dispêndio de força de trabalho; o trabalho está para além
de uma atividade simples, seja física, seja intelectual, que consome energia muscular ou
cerebral. Em O capital, Marx conceitua trabalho como processo entre homem e natureza;
nessa perspectiva, trabalho é, antes de tudo,
um processo de que participam o homem e a natureza, processo em que o
ser humano, com sua própria ação, impulsiona, regula e controla seu
intercâmbio material com a natureza. Defronta-se com a natureza como uma
de suas forças. Põe em movimento as forças naturais de seu corpo — braços
e pernas, cabeça e mãos—, a fim de apropriar-se dos recursos da natureza,
imprimindo-lhes forma útil à vida humana. Atuando assim sobre a natureza
externa e modificando-a, ao mesmo tempo modifica sua própria natureza.
Desenvolve as potencialidades nela adormecidas e submete ao seu domínio
o jogo das forças naturais (MARX, 2004b, p.211).
Essa concepção de Marx parte das bases reais — de indivíduos reais, suas ações e suas
condições materiais de existência —, da historiografia sobre a natureza e de sua
transformação pela ação do homem, no curso da história. Nesse sentido, o homem é um ser
histórico que, para existir, precisa produzir a própria existência. Distintamente de outras
espécies animais, o homem adapta a natureza a si. A essa ação, dirigida por finalidades
conscientes, resposta aos desafios da natureza, na luta pela sobrevivência, denominamos
trabalho. Por conseguinte, o trabalho está na essência do homem ou, ainda, o trabalho é
elemento ontológico na complexa dinâmica da vida.
78
Com o trabalho, portanto, dá-se ao mesmo tempo — ontologicamente — a
possibilidade do seu desenvolvimento superior, do desenvolvimento dos
homens que trabalham. Já por esse motivo, mas antes de mais nada porque
se altera a adaptação passiva, meramente reativa, do processo de reprodução
ao mundo circundante, porque esse mundo circundante é transformado de
maneira consciente e ativa, o trabalho torna-se não simplesmente um fato
no qual se expressa a nova peculiaridade do ser social, mas, ao contrário —
precisamente no plano ontológico —, converte-se no modelo da nova forma
do ser em seu conjunto(LUKÁCS, 1978, p.5-6).
A essência do trabalho, entretanto, está relacionada à influência do homem sobre a
natureza, essência esta que tem “caráter de uma ação intencional e planejada, cujo fim é
alcançar objetivos projetados de antemão” (ENGELS, 2006, p.26). Nesse sentido, Lukács
(1978) afirma que entre o ser biológico e o ser social existe a consciência, cujo papel é
decisivo para dirimir a oposição entre a necessidade e a liberdade. À medida que o trabalho
atende à necessidade, se autonomiza em direção à liberdade; assim, “o trabalho é um ato de
pôr consciente e, portanto, pressupõe um conhecimento concreto, ainda que jamais perfeito,
de determinadas finalidades e de determinados meios” (op.cit., p. 8). Por ser mediação dos
processos sociais da existência humana, o trabalho é fundamental na vida humana; entretanto,
se por um lado é atividade central na história do homem, tanto no que se refere aos processos
de sociabilidade, quanto à emancipação do ser humano, de outro, na sociedade capitalista,
perde essa dupla dimensão, direcionando as relações de produção para o aprisionamento da
classe trabalhadora nos grilhões do trabalho abstrato, assalariado e alienado.
Marx, em os Manuscritos econômico-filosóficos, ao fazer a crítica ao direito, à moral e
à vida do cidadão relacionados à economia política
94
e ao Estado, desvela que, no sistema
capitalista, tanto o trabalhador, quanto o trabalho tornam-se mercadorias: assalariado, o
trabalhador deixa de ser dono de sua ferramenta de trabalho, passando a vender sua única
propriedade — sua força de trabalho — para o capitalista, agora dono dos meios de produção.
Marx evidencia que a economia política considera o proletário — “aquele que vive,
sem capital ou renda, [que] apenas [vive] do trabalho e de um trabalho unilateral, abstrato” —
como um trabalhador que “deve receber somente o que precisa para ser capaz de trabalhar”.
Nessas condições, à proporção que a sociedade capitalista se desenvolve, o trabalhador cada
vez mais empobrece, entrando em decadência por meio “do produto de seu próprio trabalho e
da riqueza produzida por ele” (MARX, 2004a, p.71).
94
Marx (2003a, p.4) destaca que a anatomia da sociedade deve ser procurada na economia política.
79
O resultado do trabalho humano na produção capitalista nada tem de sua
subjetividade, isso é, o homem não se reconhece no produto de seu próprio trabalho,
tratando-se, portanto, de objeto que lhe é estranho. À medida que o trabalhador produz
riqueza, ou, ainda, quanto maior o número de bens por ele produzidos, menor será o valor da
sua força-trabalho como mercadoria. Desse modo, “o trabalho não produz apenas
mercadorias; produz-se também a si mesmo e ao trabalhador como uma mercadoria, e
justamente na mesma proporção com que produz bens” (ibid., p. 111). Com isso, Marx quer
dizer que na produção capitalista ocorre uma inversão: o homem, que deveria ser o senhor de
sua produção, passa a ser comandado ou dirigido por aquilo que produziu, tornando-se um
objeto da produção; enquanto o produto ganha vida, se “humaniza”, passando a guiar o
homem e sua produção. “Com a valorização do mundo das coisas, aumenta em proporção
direta a desvalorização do mundo dos homens”(ibid., ibid.).
É nesse sentido,
que o trabalho alienado aliena a natureza do homem, aliena o homem de si
mesmo, o seu papel ativo, a sua atividade fundamental, aliena do mesmo
modo o homem a respeito da espécie; transforma a vida genérica em meio
individual. Primeiramente, aliena a vida genérica e a vida individual;
depois, muda esta última na sua abstração em objetivo da primeira,
portanto, na sua forma abstrata e alienada (op.cit
., p.116).
O trabalho alienado, estranhado, é a causa da propriedade privada, produto da
economia política burguesa que impede a emancipação social, política e humana do
trabalhador (op.cit., p.120). Essa emancipação só será possível quando o trabalhador puder
entender a relação entre si, o trabalho e o produto de seu trabalho; quando além dos sentidos
espirituais e dos práticos, seus cinco sentidos se afirmarem como forças essencialmente
humanas, de tal modo que seu ser social, enquanto homem que realiza determinada atividade,
a produz para a sociedade, com consciência de agir como ser social (ibid., p.140), para tanto é
necessário romper com a lógica da produção burguesa.
É nesse sentido que se coloca o trabalho como o princípio ontológico e educativo
básico da formação humana, tema de que trato a seguir.
80
1.2. UNIÃO DE EDUCAÇÃO E PRODUÇÃO MATERIAL: educação tecnológica em
Marx, politecnia em Gramsci
Manacorda (2001) elucida que o advento da revolução industrial trouxe novas
exigências à formação humana. O ex-artesão, ao deixar sua oficina para entrar na fábrica,
torna-se formalmente livre, tal como o capitalista, tornando-se livre dos laços corporativos,
mas, também, de toda sua propriedade. O novo proletário não possui nem lugar de trabalho,
nem a matéria-prima, nem os instrumentos de trabalho, nem a capacidade de desenvolver por
si só todo processo produtivo, e, muito menos, o produto de seu trabalho lhe pertence, não
podendo, então, vendê-lo no mercado.
Ao entrar na fábrica, que tem na ciência moderna sua maior força produtiva,
ele foi expropriado também da sua pequena ciência, inerente ao seu
trabalho; essa pertence a outros e não lhe serve para mais nada e com ela
perdeu, apesar de tê-lo defendido até o fim, aquele treinamento
teórico-prático que, anteriormente, o levava ao domínio de todas as suas
capacidades produtivas: o aprendizado (op. cit., p.271).
Desse modo, os trabalhadores perdem sua antiga instrução em troca da ignorância
oferecida pela fábrica. A partir da evolução das forças produtivas, a substituição dos
instrumentos e dos processos produtivos torna-se cada vez mais rápida, engendrando a
contradição entre trabalhador, tolhido pelas operações repetitivas das máquinas, e
necessidade, por parte do capital, de o trabalhador deve estar qualificado para as mudanças
tecnológicas.
Em vista disso, filantropos, utopistas e até os próprios industriais são
obrigados, pela realidade, a se colocarem o problema da instrução das
massas operárias para tender às novas necessidades da moderna produção
de fábrica: em outros termos, o problema das relações instrução-trabalho ou
da instrução técnico-profissional será o tema dominante da pedagogia
moderna (ibid., p.272).
O problema estava posto: ou se levava para dentro da fábrica os métodos da
aprendizagem artesanal, baseados na observação e imitação, ou se fazia chegar à escola os
conhecimentos profissionais; afinal, os ideais revolucionários da burguesia
liberal-democrática já haviam conquistado a universalidade, a gratuidade, a estatalidade, a
laicidade e a renovação cultural que propunha superar a antiga separação entre escola e
treinamento, já vinha buscando articular ‘literária, intelectual, física, moral e industrial’,
faltando, apenas, “a difícil tarefa da sistematização teórica e, em parte, da transferência para a
prática dessas instâncias ideais” (ibid., p.269).
81
No plano político travam-se embates em torno das idéias conservadoras e
progressistas. Nesse cenário, surge o socialismo científico de Marx e Engels, como
antagonista, incorporando, negando e superando as idéias vigentes.
Nele[s] não há nada daquelas tentações negativas, próprias do
democratismo do pequeno-burguês e do anarquista, tais como se
manifestam na instintiva volta à natureza de Rousseau ou na ostensiva
necessidade de destruir tudo, inclusive a cultura, por exemplo de Vicenzio
Russo ou de Stirner (...) O marxismo não rejeita, mas assume todas as
conquistas ideais e práticas da burguesia no campo da instrução, já
mencionadas: universalidade, laicidade, estatalidade, gratuidade, renovação
cultural, assunção da temática trabalho, como também a compreensão dos
aspectos literário, intelectual, moral, físico, industrial e cívico. O que o
marxismo acrescenta de próprio é, alem de uma dura crítica à burguesia
pela incapacidade de realizar esses seus programas, uma assunção mais
radical e conseqüente dessas premissas e uma concepção mais orgânica da
união instrução-trabalho na perspectiva oweniana de uma formação total de
todos os homens (MANACORDA, 2001, p.296).
Marx, ao se apresentar como antagonista da sociedade capitalista, analisa criticamente
a “função civilizadora do capital” que poderia ser denominada de “pedagogia social” do
capital, posto que o capital foi capaz de disciplinar o homem para o trabalho na fábrica, além
de educá-lo para o sobretrabalho.
A concepção de Marx é a de que o desenvolvimento pleno do homem, na sua
totalidade, só será possível com a superação do conflito de classes e destruição da propriedade
privada e do trabalho alienado, sendo a educação um processo em que a formação do homem
social se realiza na práxis.
Nesse sentido, Marx desenvolveu a idéia de integrar trabalho e educação em três
obras: no Manifesto do Partido Comunista, nas Instruções aos delegados ao Congresso da
Associação Internacional dos trabalhadores, Genebra, 1866, cujos principais tópicos foram
retomados em O capital e explicitados na Crítica do Programa de Gotha.
Por educação entendemos três coisas: 1) educação intelectual, 2)
educação corporal (..), 3) educação tecnológica, que recolhe os
princípios gerais e de caráter científico de todo processo de produção
e, ao mesmo tempo, inicia as crianças e os adolescentes no manejo de
ferramentas elementares dos diversos ramos industriais (Instruções
aos Delegados do Conselho Central Provisório, AIT, 1868).
A partir da elaboração do Manifesto do Partido Comunista, Marx e Engels passam a
entender a relação estrita entre trabalho e educação, afirmando que a elevação do proletariado
82
à classe dominante e a conquista da democracia só serão realizadas se, dentre outras
medidas
95
, for universalizada a educação pública e gratuita, se houver a “combinação da
educação com a produção material” e, ainda, se for eliminado o trabalho infantil. (MARX e
ENGELS, 2004, p. 67).
A proposta de “combinar educação com produção material” é inovadora em relação ao
projeto iluminista-jacobino, avança para além da universalidade e gratuidade do ensino, posto
que a união entre ensino e trabalho deve ser destinada a todas as crianças e não apenas aos
filhos dos proletários.
Pode-se concluir que se trata de medidas imediatas mas também futuras, ou
seja, que não constituem indicação pedagógica contingente e limitada, mas
permanente e com validade universal. Não é sem motivos que Marx havia
indicado na emancipação do proletariado a emancipação de toda a
humanidade (MANACORDA, 1991, p.17).
No ensaio para o Manifesto do Partido Comunista, Engels ressalta que, abolida a
propriedade privada,
A grande indústria e com ela a agricultura, livre das pressões da propriedade
privada, terá enorme desenvolvimento e colocará à disposição da sociedade
uma massa de produtos suficientes para satisfazer as necessidades de todos;
isso tornará ‘supérflua’ e ‘impossível’ a divisão da sociedade em classes,
nascida da divisão do trabalho, pois, para desenvolver a indústria e a
agricultura não mais serão necessários homens subordinados a um só ramo
da produção, que tenham desenvolvido apenas uma de suas aptidões, mas
sim homens novos, que desenvolvam suas aptidões em todos os sentidos
(...) O ensino permitirá aos jovens acompanhar o sistema total de produção,
colocando-os em condições de se alternarem de um ramo da produção para
outro, segundo os motivos postos pelas necessidades da sociedade ou por
suas inclinações. Eliminará dos jovens aquele caráter unilateral imposto a
todo indivíduo pela atual divisão do trabalho. Desse modo, a sociedade
organizada pelo comunismo oferecerá aos seus membros a oportunidade de
aplicar, de forma onilateral, atitudes desenvolvidas onilateralmente
(ENGELS, 1847
96
, apud MANACORDA, 1991, p.17-8).
Na origem dessa concepção pedagógica está a divisão do trabalho, como, tamm a do
próprio homem formado na sua totalidade; desse modo, torna-se necessário superar a
concepção que pressupõe a divisão do trabalho e, por conseguinte a formação aligeirada, no
sentido de recuperar a unidade da sociedade como um todo e da omnilateralidade do homem.
95
Marx e Engels afirmam que o nascimento de uma sociedade, “na qual o livre desenvolvimento de cada um é a
condição para o livre desenvolvimento de todos”, só será possível com o aniquilamento da sociedade burguesa,
com suas classes e seus antagonismos de classes; para que isso aconteça, propõem a aplicação de dez medidas.
Inicialmente, tais medidas podem parecer “economicamente insuficientes e insustentáveis, mas que, no curso do
movimento, ultrapassam a si mesmas e são inevitáveis como meio para revolucionar todo o modo de produção”
(MARX e ENGELS, 2004, p.66-67).
96
Segundo Manacorda (1991), esse texto de Engels intitulado Princípios trata-se de um ensaio para o Manifesto
do Partido Comunista.
83
Em O capital, Marx, em vários pontos, destaca a necessidade de se “conjugar trabalho
manual com educação” (p.547), “treino intelectual” para o trabalho (p.550), “adoção do
ensino tecnológico, teórico e prático” (p.553), “ensino obrigatório” (p.561); indicando que o
sistema fabril é o princípio da educação e articulação entre trabalho produtivo e educação
formal, constituindo-se em método de elevar a produção social e em único meio de produzir
seres humanos plenamente desenvolvidos (MARX, 2004).
Em 1875, na Crítica do Programa de Gotha, Marx ressalta que somente com o avanço
nas lutas de classes é possível estabelecer um Estado democrático-popular, de soberania
popular, no qual haverá a indissociabilidade entre instrução e trabalho, por meio da educação
politécnica ou, educação tecnológica, promovida por “escolas técnicas (teóricas e práticas)
agregadas à escola pública” (MARX, 1984, p.21).
Marx além de evitar a expressão ensino industrial, por ser a preferida dos burgueses,
renunciava qualquer instrução desenvolvida no chão da fábrica capitalista pelo fato dessa
instrução não eliminar a divisão do trabalho. Ressalte-se sua preferência pela expressão
“união da educação com produção material”(MANACORDA, 1991. Grifos meus). Isso
significa dizer que, para Marx, educação tecnológica tem em sua essência a unidade de teoria
e prática, cujo caráter é de totalidade ou omnilateralidade do homem que não estará limitado,
apenas, ao trabalho manual ou, apenas, ao trabalho intelectual da atividade produtiva, mas,
sim, terá “a possibilidade de uma plena e total manifestação de si mesmo, independente das
ocupações específicas da pessoa” (MANACORDA, 1991, p.32).
Partindo desse pensamento, Gramsci coloca o trabalho como princípio ontológico e
educativo básico da formação humana, criticando a escola tradicional e dual que separa
ensino “clássico” do “profissional”. Gramsci tem em mente a instrução profissional em uma
escola “desinteressada” e humanística, que, também, se destine ao proletariado, ou seja, que
ofereça a formação omnilateral, articulando teoria e prática, técnica e ciência, técnica e
cultura, ciência e técnica, e não esteja a serviço de determinados grupos (GRAMSCI, 2001,
v.2).
Para Gramsci, as questões culturais formativas estavam relacionadas à formação de
quadros dirigentes para governar o Estado após a revolução proletária.
O problema principal [para Gramsci] era formar pessoas de visão ampla,
complexa, porque governar é uma função difícil. Uma palavra-chave que
nesse debate emerge é o termo ‘desinteressado’ (cultura desinteressada,
escola e formação desinteressadas) que conota horizonte amplo, de longo
alcance, isso é, que interessa objetivamente não apenas a indivíduos ou a
84
pequenos grupos, mas à coletividade e até à humanidade inteira
(NOSELLA, 2004, p. 42).
A cultura para Gramsci não tem nada de enciclopédico, mas, sim, de tomada de
consciência da classe trabalhadora da realidade concreta em que vive, de modo a compreender
seu próprio valor histórico, seu papel, direitos e deveres (op.cit, p.44), de tal maneira que se
nem todos chegarem a ser dirigentes, saberão ao menos supervisionar quem os dirige.
A partir da opção por uma escola única, Gramsci se predispõe a analisar o modo
concreto de funcionamento dessa Escola. Ele pensa em um ensino fundamentado na “filosofia
da práxis” para a “nova”
97
concepção de mundo, o qual deve ser ministrado na educação
básica — estruturada em diversos níveis de ensino —, em tempo integral, de tal modo que a
criança iniciando seus estudos com seis anos, “aos quinze ou dezesseis anos, já deveriam estar
concluídos todos os graus da escola unitária (GRAMSCI, 2001, v2, p. 37).
É essa, também, a concepção de Pistrak (2000), ressaltando em Fundamentos da
escola do trabalho que a nova escola nasce a partir das contradições internas da escola atual.
A nova pedagogia deve conter elementos para a formação de um homem que se considere
membro da coletividade, cujos princípios estão na auto-organização dos alunos e de suas
relações com a realidade atual, devendo o currículo, portanto, contemplar não apenas os
fenômenos sociais em um programa de história necessário à compreensão e à explicitação da
realidade atual, como, também, as ciências econômicas, as bases da técnica e os elementos da
organização do trabalho.
A escola unitária, por conseguinte, tem o significado de novas relações entre trabalho
intelectual e trabalho técnico-profissional, não apenas na escola, como, também, em toda
vida social. Desse modo, o princípio unitário refletir-se-á em todos os organismos da cultura,
transformando-os e dando-lhes um novo caráter (GRAMSCI, 2001).
É necessário definir exatamente o conceito de escola unitária, na qual o
trabalho e a teoria estão estreitamente ligados (...) criar um tipo de escola
que eduque as classes instrumentais e subordinadas para um papel de
direção na sociedade, como conjunto, e não como indivíduos singulares
(op.cit., p.175).
O que significa dizer que a escola unitária se contrapõe “a uma visão reducionista,
utilitarista, atrofiadora e, essencialmente, restritiva de formação humana”(FRIGOTTO;
CIAVATTA; RAMOS, 2005, p.58); ela propõe o trabalho como princípio educativo no
97
Manacorda (1990) afirma que, na criptografia carcerária, o adjetivo “novo” representa para Gramsci a “nova”
ordem, a “nova” sociedade, a “nova” situação, cujo significado é o socialismo ou o marxismo.
85
sentido da educação politécnica, equilibrando “de modo justo o desenvolvimento da
capacidade de trabalhar manualmente (tecnicamente, industrialmente) e o desenvolvimento
das capacidades de trabalho intelectual”(GRAMSCI, 2001,p.33).
A noção de politecnia se encaminha na direção da superação da dicotomia entre
trabalho manual e trabalho intelectual, entre instrução profissional e instrução geral
(SAVIANI,2003, p.136). Isso porque, não existe trabalho manual puro e nem trabalho
intelectual puro (GRAMSCI, 2001).
A politecnia defendida por Gramsci não tem o significado de múltiplas técnicas ou da
totalidade das diferentes técnicas fragmentadas. “Politecnia diz respeito ao domínio dos
fundamentos científicos das diferentes técnicas que caracterizam o processo de trabalho
produtivo moderno (SAVIANI, 2003, p.140). A politecnia relaciona-se à concepção de
educação capaz de propiciar a crianças, jovens e adultos, em um único programa ou currículo,
uma formação que articule cultura, política, ciência, técnica e tecnologia, de modo a
contemplar a explicitação dos fenômenos sociais da realidade concreta.
2. A RELAÇÃO ENTRE TRABALHO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA
Nesta sessão, busco construir elementos que possam contribuir para a reflexão e
análise sobre a relação entre trabalho, ciência, tecnologia e sociedade. Nesse sentido, trato não
apenas de apreender o papel da técnica no conjunto de práticas sociais e históricas, como,
também, de analisar seu desenvolvimento na relação trabalho, ciência e tecnologia. Nesse
contexto, pondero sobre debates que tendem privilegiar a ciência e tecnologia como
categorias de mediação central da sociabilidade e, elaboro uma crítica, fundamentada em
Antunes (2003), sobre a negação da centralidade do trabalho, com o objetivo de mostrar que o
trabalho, ao se constituir, chama à vida produtos sociais de ordem mais elevada, como a
ciência e a tecnologia, continuando, entretanto, categoria central nas relações sociais, nos
processos socioeconômicos, políticos e educativos.
86
2.1. O PAPEL DA TÉCNICA NA ESTRUTURA GLOBAL DA CULTURA HUMANA
Uma aranha executa operações semelhantes às do tecelão, e a abelha supera
mais de um arquiteto ao construir sua colméia. Mas o que distingue o pior
arquiteto da melhor abelha é que ele figura na mente sua construção antes
de transformá-la em realidade (MARX, 2004, p. 211).
Esse pensamento de Marx leva a se fazer a distinção entre homem e animal.
Percebe-se que as várias espécies animais existentes sobre a Terra se agrupam, convivem, se
acasalam, sobrevivem e se reproduzem de modo ordenado, em função de sua potencialidade e
do ambiente em que vivem. Assim, os animais desenvolvem estilos próprios de vida que lhes
garantam a reprodução e sobrevivência, estabelecem formas de vida, convivência e
sociabilidade que permitem a preservação da espécie e seu aprimoramento.
Nesse processo, o homem não só apresenta atividades instintivas, como, também,
desenvolve habilidades que dependem de aprendizagem. Assim, as crianças aprendem a
comer, beber, dormir em horários regulares, brincar e a obedecer e, mais tarde, aprenderão a
trabalhar. Portanto, o homem se distingue das demais espécies por necessitar de aprendizado
para adquirir diferenciadas formas de comportamento na sua relação com outros homens e
com a natureza. Nesse sentido, é possível afirmar que o homo sapiens não é só a única espécie
que pensa, capaz de transformar a experiência vivida em discurso com significado e
transmiti-la aos demais seres de sua espécie, mas, também, o único capaz de imaginar ações e
reações sob forma simbólica, mesmo na ausência de estímulos, e o único a diferenciar
experiências no tempo e, por conseguinte, o único capaz de projetar ações futuras, de realizar
trabalho. Ao passo que o animal, apesar de criar resultados materiais por meio de uma
atividade, não trabalha; sua ação não é deliberada, tampouco, intencional.
O trabalho humano é ação transformadora da realidade, dirigida por finalidades
conscientes, resposta aos desafios da natureza, na luta pela sobrevivência. “O animal tornado
homem através do trabalho, como um ser que dá respostas” (LUCKÁCS, 1978, p.5), cria
técnicas e as reproduz, age sobre a natureza e a modifica, modificando a si próprio. Sempre
vivendo em grupos, o homem — animal cultural — é capaz de agir, criar e recriar situações e
emoções, simbolizar, atribuir significados às coisas, de separar, agrupar, classificar o mundo
que o cerca segundo determinadas características. Dessa habilidade provém a capacidade de
projeção, a idéia de tempo e o esforço em preparar o futuro, permitindo o desenvolvimento da
técnica e da ciência.
87
O homem ao descobrir a técnica se apropria dela e, a partir daí, a utiliza e a transcende
rumo ao seu fim, de modo a estar para além da técnica que utiliza. É assim que o homem,
relacionando-se, escolhendo-se e historicizando-se no mundo, historiciza o próprio mundo e
faz com que esse fique datado por suas técnicas. (SARTRE, 1997).
Carlos Paris, em O animal cultural, buscando entender o ser humano, sua história e o
presente, desvela o papel da técnica na estrutura global da cultura humana. Sua reflexão
filosófica ocorre nos planos subjetivo e objetivo da cultura. Por um lado, técnica é ação,
vivência e práxis humana — ação instrumental — e, por outro, é criação de um mundo
objetivo, produzido e manejado — relacionada ao conceito de produção.
Para compreender a técnica em sua essência, como ação instrumental, torna-se
necessário remeter ao início de seu desenvolvimento, quando a técnica estava relacionada ao
saber fazer; mas nem todo fazer era técnica. Para os antigos, a técnica era o fazer prático ou
teórico que demonstrasse em sua materialidade a unidade entre teoria e prática, aparência e
essência (BUZZI, 1972).
Nesse sentido, Paris (2002) aponta que o uso da técnica, por meio do instrumento, se
constitui em mola propulsora do desenvolvimento da subjetividade e liberdade do homem;
trata-se de assinalar como, no lento aflorar e amadurecer da consciência
98
, a
vivência do eu ativo e dirigente pulsa no governo do instrumento, quando o
artesão e o guerreiro se esforçam por melhorar seu rendimento, quando o
virtuose trata de extrair todas as possibilidades contidas em seu violino, em
seu piano, em sua harpa, quando o piloto confronta a máquina com o tempo e
o espaço, na direção de suas potencialidades; e também quando, o corpo
convertido em instrumento, o ginasta, o nadador, o atleta, o bailarino
transformam seu autodomínio pacientemente trabalhando em proeza e
emoção estética (PARIS, 2002, p.181).
Entretanto, assinala que fatores como os modos de transmissão da informação e
cultura e a influência da organização sociopolítica transformaram significativamente a
98
Segundo Paris (2002) a consciência é produto da evolução histórica do homem, o que parece ir ao encontro do
pensamento sartreano. Sartre (1997) ao elaborar o conceito de consciência, parte do pressuposto de ser-no-
mundo, atribuindo à consciência um papel considerável na compreensão da realidade humana. Assim, seu
conceito de consciência considera a experiência existencial, a subjetividade. “Toda existência consciente existe
como consciência de existir” (SARTRE, 1997, p.25). Portanto, consciência é produto social. Nesse sentido,
Marx e Engels, em A ideologia alemã, ao registrarem o conteúdo filosófico do materialismo histórico, afirmam
que “não é a consciência que determina a vida, mas sim a vida que determina a consciência”, assinalam que a
compreensão da realidade humana ocorre em um movimento dialético entre as relações materiais da sociedade e
sua estrutura jurídica-política e ideológica; desse modo, evidenciam: “não partimos do que os homens dizem,
imaginam e representam, tampouco do que eles são nas palavras, no pensamento, na imaginação e na
representação dos outros, para depois se chegar aos homens de carne e osso; mas partimos dos homens em sua
atividade real, é a partir de seu processo de vida real que representamos também o desenvolvimento dos reflexos
e das repercussões ideológicas desse processo vital” (MARX e ENGELS, 2002, p.19-20).
88
atividade instrumental e a relação entre sujeito da ação e instrumento. Tais fatores seriam
determinantes do individualismo moderno, contribuindo para a evolução da consciência
humana. A transformação da relação entre ser humano e instrumento teria ocorrido em dois
momentos da tecnificação do mundo: primeiro, na manufatura ao se introduzir a “divisão e
especialização de tarefas, maximamente parcializadas no interior do trabalho”; segundo, na
indústria “quando a máquina assume a ação [do sujeito] e converte o trabalhador em seu
serviçal e escravo” (Ibid., p. 182).
Para elaborar o conceito de produção da técnica, Paris (2002) distingue “ação
instrumental” da “ação instrumentalizante”
99
.
Por ação instrumental entenderíamos aquela que utiliza instrumentos e que,
na realidade, cobre todo o campo da vida humana; pela segunda, por ação
instrumentalizante, aquela que não só se vale de instrumentos como coloca o
objeto ao qual se dirige, o termo da ação, como instrumento posto a serviço
do agente, do ego (ibid., p. 187).
Nesse sentido, a ação instrumentalizante não é apenas técnica com valor de uso, mas,
sobretudo, “figura de uma ação dominante, egocêntrica, guiada pelo próprio interesse”
(ibidem). É assim que o homem, por meio da técnica, não só passa a agir sobre a natureza,
modificando-a em função de suas necessidades, mas, também, passa a explorar e destruir os
próprios seres humanos e o meio em que vive.
O conceito de ação instrumental está relacionado ao homo praedator (caçador,
pescador) e ao homo laborans (trabalhador da terra), ao passo que o conceito fundamental da
técnica humana, o de produção, baseia-se na capacidade humana de fabricar — do homo faber
erguer “um mundo novo, que multiplica o âmbito do real, mesmo no caso das produções não
serem originais e repetirem modelos já dados, como ocorre no artesanato ou na indústria”
(ibid., p.193).
Na produção, a experiência de poder, guiada pela vontade de domínio, que já aparece
na ação instrumental e se desenvolve na ação instrumentalizante, ganha força. A vivência de
99
Segundo Paris (2002), Habermas contrapôs a “ação instrumental” à “ação comunicativa”, acrescentando a esta
a “ação dramatúrgica”; porém, tanto a “ação comunicativa” como a “dramatúrgica” são instrumentais e podem
adquirir características instrumentalizantes. Portanto, nesses dois casos “a ação pode revestir-se de caracteres
estratégicos e finalísticos, quando a comunicação ou a dramaturgia, organizando astutamente a informação ou a
representação, criando imagens interessantes, manipulam o sujeito a quem ambas se dirigem” (PARIS, 2002,
p.188). Esse deslocamento provocado por Harbermas será foco de debate no próximo subtema.
89
poder “se eleva a um novo plano, o da criação”
100
, acentuando o valor atribuído às inovações
técnicas, artísticas e científicas.
Segundo Paris (2002), a fase humana da produção segue duas direções: uma, no
sentido de apropriar-se da natureza e reproduzi-la artificialmente em nosso meio; a outra, é o
da elaboração de objetos funcionais, guiada por uma lógica — a da funcionalidade.
A partir daí, se desenvolve uma dinâmica própria da produção, articulada ao corpo
humano e suas necessidades, “que erguerá todo nosso mundo industrial e estabelecerá novas
formas de relação com a corporalidade, tendendo, nos casos máximos de desenvolvimento, a
reduzi-las à contemplação e ao apertar de botões que põem em marcha mecanismos
automáticos” (ibid., p. 195).
A técnica utilizada na produção de artefatos — a denominada “tecnosfera”, “conjunto
ou universo dos artefatos, não só de instrumentos, mas de múltiplas formas deles criadas pelos
humanos” — invade as diversas culturas, gerando um novo tecido social (Ibid., p.206). A
tecnosfera é o meio não só onde existem múltiplas possibilidades, mas, também, “condiciona
o perfil das sociedades, sua economia, sua política, seus conflitos, sua orientação de
conhecimento, seus mitos; que chega então ao extremo de cunhar a realidade humana plástica,
forjando formas peculiares de realizar nossa condição” (ibid., ibid.).
É nesse sentido que a tecnosfera, com sua própria lógica, direciona nossas
necessidades e desejos ou o que devemos precisar, modificando não apenas o tipo de produto
relacionado às necessidades humanas, mas, sobretudo, sua relação com o trabalhador de seu
processo produtivo e, também, o modo de exploração da natureza.
A tecnosfera em seu desenvolvimento não só condicionou o perfil das sociedades,
como, também, atribuiu novo papel ao conhecimento, transformando a ciência em força
produtiva. Desse modo, a ciência não apenas é convertida em mola propulsora do
desenvolvimento industrial, como, também, se industrializa; sob o poder econômico, político
e militar, a ciência voltou-se para a pesquisa orientada e programada, transformando o
pesquisador em trabalhador parcelar, em “operário de uma construção cujo sentido, em
grande medida, muitas vezes lhe escapa” (ibid., p.221).
100
Segundo Rom Harrè, “criar é produzir ou engendrar o que anteriormente não existia e, mais decisivamente,
não é só produzir uma realidade individual que previamente carecia de existência, mas uma entidade de um
gênero novo e até então desconhecido” (HARRÈ, apud PARIS, 2002, p.193).
90
No movimento contraditório do desenvolvimento da técnica, ciência e sociedade, a
importância do conhecimento está imbricada com os sentimentos de inovação e invenção do
ser humano na direção do avanço tecnológico. Vale salientar que inovação técnica se
diferencia de inovação tecnológica. Enquanto a primeira “supõe um aperfeiçoamento numa
linha estabelecida de energia e materiais — como ilustraria o desenvolvimento da navegação
à vela”; a segunda implica “saltos qualitativos, por introdução de recursos energéticos e
materiais novos — assim, na arte de navegar, o aparecimento dos navios a vapor e depois os
movidos por combustíveis fósseis e por energia nuclear” (ibid., p. 219).
Cabe ressaltar, nesse ponto, que parto da visão que compreende a tecnologia como
técnica, ou, como aplicação prática da ciência.
A partir da Revolução Industrial, ciência e tecnologia formam um par dialético com o
desenvolvimento do modo de produção capitalista. Nesse movimento, os saltos qualitativos
foram e são determinados pela intervenção orientada e programada da ciência sobre a técnica.
“Tais impulsos podem vir do mesmo fazer técnico, do saber forjado nas oficinas, com o
aperfeiçoamento da prática, ou da utilização do progresso cognoscitivo obtido pela pesquisa
científica, derivando da ciência pura a ciência aplicada” (ibid., ibid.). Assim, a tecnificação do
mundo foi avançando a partir do uso do motor elétrico, passando pela incorporação da ciência
ao processo produtivo, chegando à microeletrônica, aos processos informáticos, à
mimetização e, etc.
Marx (2004b) ressalta que a maquinaria, como instrumental que é, facilita e encurta o
tempo de trabalho, ao mesmo tempo em que aumenta a riqueza dos produtores, representando
uma vitória do homem sobre as forças da natureza. Entretanto, sua aplicação na sociedade
capitalista “gera resultados opostos: prolonga o tempo de trabalho, aumenta sua intensidade,
escraviza o homem por meio das forças naturais, pauperiza os verdadeiros produtores”
(p.503). Desse modo, assistimos, cada vez mais, a classe trabalhadora sendo levada ao reino
da necessidade, mediada por novos paradigmas tecnológicos que sustentam novos modos de
organização do trabalho, novos mecanismos de dominação e exploração dos trabalhadores.
Se ciência e tecnologia são resultados de um processo histórico, ou, ainda, são relações
sociais de produção, forças materiais e imateriais, resultados do trabalho humano, não
deveriam estar a serviço do homo faber, do homem que as produziu? Porque deslocá-las,
subsumindo trabalho e trabalhador, colocando-as na centralidade dos processos societários?
91
2.2. A CATEGORIA CENTRAL DAS RELAÇÕES SOCIAIS: trabalho, ciência ou
tecnologia?
O final do século XX e o início do XXI vêm marcados por profundas mudanças nos
planos socioeconômico, ético-político, cultural e educacional. No plano socioeconômico, as
novas tecnologias associadas aos processos informáticos da comunicação permitem ao capital
romper barreiras nacionais e globalizar-se de modo despótico e excludente.
O novo modelo de acumulação, associado à nova base científico-técnica, permite não
apenas o crescimento da economia, concentrando o capital nas mãos de determinados grupos,
bem como o aumento da produtividade em detrimento de postos de trabalho, gerando o
desemprego em massa. Assim, não ocorre apenas o aumento do exército de reserva, mas,
também, o aumento do excedente de trabalhadores, isso é, a não necessidade de inúmeros
trabalhadores para a produção.
É nesse sentido que os debates sobre a natureza das novas tecnologias, iniciados nos
anos de 1990 — caracterizados como o mote da “Terceira Revolução Industrial”, das
mudanças na base técnica da produção e dos impactos sobre o conteúdo do trabalho, divisão
do trabalho, qualificação e formação humana —, estão no plano político-ideológico,
explicitados nas teses de sociedade da informação, sociedade pós-industrial ou pós-fordista,
sociedade pós-histórica, e deslocam o trabalho de sua centralidade como mediação de análise
dos processos sociais.
Jürgen Habermas seria o precursor dessas teses com A teoria da ação comunicativa.
Frigotto (2002) se utiliza dos estudos de Perry Anderson (1985 e 1992) para apontar que
Habermas faz sucessivos deslocamentos na formulação teórica da produção material.
Habermas, segundo Anderson (apud Frigotto, 2002), parte da noção de interação social em
contraposição à economia; em seguida, a centralidade da comunicação, identificada com a
linguagem, transita do materialismo histórico, do modo como compreende Marx, para uma
perspectiva desenvolvida pelo estruturalismo; isso significa dizer que Habermas “abre mão da
questão da centralidade do trabalho, porque em sua perspectiva necessita ‘abrir mão’ da
categoria classe social e da categoria conflito social” (FRIGOTTO, 2002, p. 31).
A partir de uma visão eurocêntrica, Habermas afirma que os elementos constitutivos
do capitalismo tardio — vigência de democracia de massa, intervencionismo estatal,
existência do welfare state, provenientes do pós-guerra — são garantidores da pacificação dos
92
conflitos sociais. Isso lhe permite afirmar que Marx não oferece uma análise satisfatória do
capitalismo tardio.
Para a ortodoxia marxista é difícil explicar a intervenção governamental, a
democracia de massas e o welfare state. O approach economicista se
desmorona frente à pacificação do conflito de classes e aos sucessos
prolongados do reformismo nos países europeus desde a Segunda Guerra
Mundial, sob a bandeira do programa social-democrático, em sentido amplo
(HABERMAS apud ANTUNES, 2003, p.154).
Para Habermas, Marx comete um erro ao conceber a sociedade capitalista como
totalidade. Segundo Habermas, a totalidade do mundo real é composta por duas realidades
distintas, o “sistema” ou universo sistêmico e “o mundo da vida”.
No universo sistêmico, ou no “sistema”, encontram-se as esferas econômicas e
políticas, controladas pelo dinheiro e poder, para a reprodução societal. Nesse universo, o
capital e Estado seriam subsistemas que possuem dinheiro e poder. Enquanto que, “no mundo
da vida”, a cultura, a sociedade e a personalidade são componentes estruturais; nesse mundo,
se estabelecem a linguagem e o processo de reprodução cultural por meio da comunicação.
Nesse sentido, Habermas situa:
Eu uso o termo ‘cultura’ para a reserva de saber da qual cada participante da
comunicação supre a si mesmo com interpretações de como eles chegam ao
entendimento sobre algo do mundo. Uso ‘sociedade’ para as ordens
legitimadas por meio das quais os participantes regulam suas vinculações
junto aos grupos sociais, garantindo a solidariedade. Por ‘personalidade’
entendo os componentes que tornam o sujeito capaz de falar e agir, que o
colocam em posição de tomar parte nos processos de entendimento para
afirmar sua própria identidade (ibid., p. 148-149).
Portanto, o “mundo da vida é o locus do espaço intersubjetivo, da organização dos
seres em função da sua identidade e dos valores que nascem da esfera da comunicação”
(ANTUNES, 2003, p.149).
Na concepção de Habermas há um intercâmbio de relações entre essas duas realidades
isoladas; as relações seriam reguladas pelos meios — dinheiro e poder. Isso é, o universo
sistêmico, onde se encontra o mundo do trabalho objetivado, o processo de monetarização e
burocratização do poder do trabalho, subsidia as tarefas de reprodução do “mundo da vida”.
93
Assim sendo, A teoria da ação comunicativa de Habermas “relativiza e minimiza o
papel do trabalho na sociabilização do ser social, na medida em que na contemporaneidade
esse é substituído pela esfera da intersubjetividade”, tornando-se primazia do agir social
(ibid., p. 147).
O domínio da subjetividade é complementar ao mundo exterior, o qual é
definido pelo fato de ser dividido com outros. O mundo objetivo é
pressuposto em comum como a totalidade dos fatos (...) E o mundo social é
pressuposto também como a totalidade das relações interpessoais que são
reconhecidas pelos membros como legítimas. Contrariamente a isso, o
mundo subjetivo incorpora a totalidade das experiências a que, em cada
caso, somente um indivíduo tem acesso privilegiado (HABERMAS apud
ibid.).
Desse modo, Habermas defende o deslocamento da centralidade do trabalho em
substituição à centralidade da esfera comunicacional ou da intersubjetividade; sua teoria,
então, seria o “marco inicial para uma teoria da sociedade”, tendo como categorias básicas o
“mundo da vida” e o “sistema”.
O primeiro, o mundo da vida, é reservado à esfera da razão comunicativa,
espaço por excelência da intersubjetividade, da interação. O segundo, o
sistema, é movido predominantemente pela razão instrumental, onde se
estruturam as esferas do trabalho, da economia e do poder. A disjunção
operada entre esses níveis, que se efetivou com a complexificação das
formas societais, levou o autor a concluir que a ‘utopia da idéia baseada no
trabalho perdeu seu poder persuasivo(...) Perdeu seu ponto de referência na
realidade’. Isso porque essas condições capazes de possibilitar uma vida
emancipada ‘não mais emergem diretamente de uma revolucionarização das
condições de trabalho, isso é, da transformação do trabalho alienado em
uma atividade autodirigida’. Ou seja, para Habermas a centralidade
transferiu-se da esfera do trabalho para a esfera da ação comunicativa, onde
se encontra o novo núcleo da utopia (ANTUNES, 2003, p.155).
Em Os sentidos do trabalho, Ricardo Antunes contesta a teoria habermasiana,
afirmando que as relações entre trabalho produtivo e improdutivo, manual e intelectual,
material e imaterial “permitem recolocar e dar concretude à tese da centralidade (e da
transversalidade) da categoria trabalho na formação societal contemporânea”. Nesse sentido,
sustenta que em vez da substituição do trabalho pela ciência, ou ainda da substituição da
produção de valores de troca pela esfera comunicacional, da substituição da produção pela
informação, o que vem ocorrendo no mundo contemporâneo é, como abordado no capítulo I,
94
maior inter-relação, maior interpenetração entre as atividades produtivas e as improdutivas,
entre as atividades fabris e as de serviço, entre as atividades laborativas e as atividades de
concepção, produção e conhecimento científico, que se expandem fortemente no mundo do
capital e do sistema produtivo (ibid., p. 134).
Para Antunes (2003), o trabalho no mundo contemporâneo é mais complexificado,
socialmente combinado, mais intensificado nos ritmos e processos e é, também, expressão do
trabalho social. Na contemporaneidade, “a sociedade do capital e sua lei do valor necessitam
cada vez menos do trabalho estável e cada vez mais das diversificadas formas de trabalho
parcial ou part-time, terceirizado, que são, em escala crescente, parte constitutiva do processo
de produção capitalista” (ibid., p.119).
Entrementes, a condição para que o sistema produtivo do capital se mantenha é a
articulação entre trabalho vivo e trabalho morto. Desse modo, há a redução do trabalho vivo e
o aumento do trabalho morto. Como o capital não pode prescindir do trabalho vivo, no
processo de criação de valores, passa a aumentar o uso e a produtividade do trabalho, de
modo a aumentar a mais-valia em tempo cada vez menor.
A diminuição do tempo físico de trabalho, bem como a redução do trabalho
manual direto, articulado com a ampliação do trabalho qualificado,
multifuncional, dotado de maior dimensão intelectual, permite constatar que
a tese segundo a qual o capital não tem mais interesse em explorar o
trabalho abstrato acaba por converter a tendência pela redução do trabalho
vivo e ampliação do morto na extinção do primeiro, o que é algo
completamente diferente (ibid., p. 119-120).
Nesse processo, “é a própria centralidade do trabalho abstrato que produz a não
centralidade do trabalho” fundamentada em Habermas ao afirmar que
desde os fins do século XIX, uma outra tendência de desenvolvimento que
caracteriza o capitalismo em fase tardia vem se impondo cada vez mais: a
cientificização da técnica (...) Com a pesquisa industrial em grande escala,
ciência, técnica e valorização foram inseridas no mesmo sistema. Ao mesmo
tempo, a industrialização liga-se a uma pesquisa encomendada pelo Estado
que favorece, em primeira linha, o progresso científico e técnico no setor
militar. De lá as informações voltam para os setores da produção de bens
civis. Assim, a técnica e a ciência tornam-se a principal força produtiva (...)
a força de trabalho dos produtores imediatos, perde cada vez mais o seu peso
(HABERMAS apud ANTUNES, 2003, p. 121).
95
Essa tese desconsidera que o trabalho vivo articulado à ciência e tecnologia constitui a
contradição no sistema de desenvolvimento capitalista, uma vez que para o capital oferecer
caráter científico à produção é necessário manter a teoria do valor-trabalho, criada por Marx
(ANTUNES, 2003). E, ainda, que a ciência não poderia se tornar a principal força de trabalho
do capital, pois seu desenvolvimento está atrelado à base material das relações entre trabalho
e capital.
É por essa restrição estrutural, que libera e mesmo impele a sua expansão
para o incremento da produção de valores de troca, mas impede o salto
qualitativo societal para uma sociedade produtora de bens úteis segundo a
lógica do tempo disponível, que a ciência não pode se converter na principal
força produtiva (ANTUNES, 2003, p.122).
Por conseguinte, a ciência interage com atividade laborativa promovendo a articulação
entre “potência constituinte do trabalho vivo” e “potência constituída do conhecimento
tecno-científico na produção de valores (materiais e imateriais)”. No mundo contemporâneo a
articulação entre saber científico e saber laborativo é mais evidente no setor produtivo, sem,
no entanto, que o primeiro se sobreponha ao segundo. (ibid., p.123).
Toda discussão analítica envolvendo essa tese, e por conseqüência as teses do
pós-fordismo, neofordismo, tem como referência o modelo japonês que, a partir da década de
1950, implantou inovações introduzidas pelo engenheiro Taichi Ohno que vinham sendo
aplicadas desde os anos 30 na fábrica. Com o desenvolvimento e ampliação desse modelo
para outros países, termos como just in time, kan-ban, CCQ foram sendo incorporados para
projetar, ideologicamente, novas concepções que se pretendia tornar realidade na aceitação
social. Esse modelo foi concebido em torno de noções, tais como velocidade, produtividade,
qualidade e participação. O desdobramento disso ocorreria por meio “da integração em fluxo
contínuo das etapas e a circulação permanente do produto em transformação. Redução de
estoques, kan-ban e organização celular da manufatura” (CASTRO, 1993 apud SOUZA et al.,
1999, p. 53).
Agregada a tal modelo, a noção de qualidade parte da idéia da focalização das
atividades da empresa em produtos e tarefas em que sejam garantidas maior competitividade e
lucratividade, terceirizando o restante, e, ainda, da localização e resolução de problemas o
mais rápido possível, tornando a manutenção o menos onerosa possível.
96
Esse modo de produção requer maior engajamento dos trabalhadores por meio de
“uma melhoria contínua e incremental dos procedimentos de produção” (KAISEN, apud
ibid.). “Essa preocupação deve ser compartilhada por todos que devem se sentir sempre
incitados a promover inovações, trazendo a manufatura para o centro da estratégia gerencial
da empresa” (SOUZA et al., 1999, p.53).
Dessa forma, altera-se a relação entre empresas, refletindo no modo da organização
industrial, e, em especial, a relação entre clientes e fornecedores, isso é, a articulação entre
campos interno e externo à empresa por meio do just in time.
Um dos pontos centrais dessa experiência é a relação trabalho—processo de produção
que considera o papel atribuído ao trabalhador. Nessa nova posição, além de os trabalhadores
programarem e controlarem coletivamente sua produção e desempenho (...) gera-se o
consenso da especialização flexível — agregação de novas tarefas e funções (ibid., ibid.).
Nesse sentido, Antunes (2003) afirma que
a principal mutação no interior do processo de produção de capital na fábrica
toyotizada e flexível não se encontra, portanto, na conversão da ciência em
principal força produtiva que substitui e elimina o trabalho no processo de
criação de valores, mas sim na interação crescente entre trabalho e ciência,
trabalho material e trabalho imaterial, elementos fundamentais no mundo
produtivo (industrial e de serviços) contemporâneo (ibid.,p. 124).
Com o advento da informatização e robotização, a maquinaria “inteligente” passa a
substituir grande parte das tarefas do trabalhador. As novas tecnologias (microeletrônicas,
informáticas, químicas e genéticas) se diferenciam das outras, pelo domínio da informação
sobre a energia. Os processos de acoplar máquinas a computadores e informatização
permitem mudanças no uso, controle e transformação da informação; flexibilizam a seqüência
da produção, otimizando o tempo e consumo de energia, modificando a relação entre homem
e máquina e convertendo trabalho vivo em trabalho morto. “Dá-se então um processo de
objetivação das atividades cerebrais na maquinaria, de transferência do saber intelectual e
cognitivo da classe trabalhadora para a maquinaria informatizada”(ibid. ibid.).
A partir do novo modelo de produção, inspirado no modelo japonês, o capital passa
não só a eliminar o trabalho improdutivo no setor produtivo, ao transferir e incorporar ao
trabalho produtivo atividades que antes eram realizadas pelos trabalhadores improdutivos —
97
supervisores, inspetores, gerentes, etc., como, também, a promover o incremento da
articulação entre trabalho material e imaterial,
uma vez que se presencia, no mundo contemporâneo, a expansão do trabalho
dotado de maior dimensão intelectual, quer nas atividades industriais mais
informatizadas quer nas esferas compreendidas pelo setor de serviços ou nas
comunicações, entre tantas outras. O avanço do trabalho em atividades de
pesquisa, na criação de softwares, marketing e publicidade, é também
exemplo da ampliação do trabalho na esfera imaterial (ibid., p.125).
Uma vez que a esfera de consumo incide diretamente na esfera produtiva, essa cria um
circuito de comunicação que se inicia na indústria e a ela retorna, passando pelo setor de
serviços e mercado consumidor, ampliando, assim, o trabalho imaterial. Portanto, o trabalho
imaterial é expressão da existência da esfera informacional na relação entre produtor e
consumidor, evidenciando, dessa forma, as mudanças do trabalho no interior das fábricas, no
lugar em que o trabalho manual vem sendo substituído pelo trabalho de maior dimensão
intelectual.
Nesse sentido,
as novas dimensões e formas de trabalho vêm trazendo um alargamento, uma
ampliação e uma complexificação da atividade laborativa, de que a expansão
do trabalho imaterial é exemplo. Trabalho material e imaterial, na imbricação
crescente que existe entre ambos, encontram-se, entretanto, centralmente
subordinados à lógica da produção de mercadorias e capital.(...) A força de
trabalho intelectual produzida dentro e fora da produção é absorvida como
mercadoria pelo capital que se lhe incorpora para dar novas qualidades ao
trabalho morto: flexibilidade, rapidez de deslocamento e autotransformação
constante. A produção material e a produção de serviços necessitam
crescentemente de inovações, tornando-se por isso cada vez mais
subordinadas a uma produção crescente de conhecimento que se converte em
mercadorias e capital (ibid., p. 128-129).
Nesse contexto, concordo com Antunes (2003), Ciavatta (2005), Frigotto (2001, 2002,
2003) que o trabalho intelectual se intensifica enquanto mercadoria, não se tratando, portanto,
de um trabalho intelectual dotado de auto-entendimento e autodeterminação em uma
dimensão reflexiva voltada para o saber e conhecimento do próprio ser, mas, sim, de trabalho
intelectual abstrato. “E talvez se possa dizer que o dispêndio de energia física da força de
trabalho está se convertendo, ao menos nos setores tecnologicamente mais avançados do
processo produtivo, em dispêndio de capacidades intelectuais” (ANTUNES, 2003, p.129).
98
É com esse argumento que Antunes (2003) reitera a discussão da centralidade do
trabalho, uma vez que o trabalho vivo está vigente, encontrando-se de forma articulada entre
sua manifestação como trabalho material e sua manifestação como trabalho imaterial.
Nesse sentido, afirma:
ao contrário da formulação habermasiana, a vigência do trabalho imaterial
não confere centralidade à esfera comunicacional, e menos ainda estaria
desvinculada da esfera instrumental do sistema. O trabalho imaterial, mesmo
quando mais centrado na esfera da circulação, interage com o mundo
produtivo do trabalho material e encontra-se aprisionado pelo sistema de
metabolismo social do capital. Minha análise não apenas recusa a disjunção
entre trabalho material e imaterial, como recusa, fortemente, a disjunção
binária e dualista entre ‘sistema’ e ‘mundo da vida’, tal como aparece na
construção habermasiana (ibid., p. 129-130).
O excurso de Antunes (2003) sobre a centralidade do trabalho encontra-se
fundamentada na Ontologia do Ser Social de Lukács, o que significa dizer que sua análise
parte da perspectiva ontológica, buscando a produção e a reprodução da vida societal por
meio do trabalho realizado pelo ser social, na luta que trava para sua existência.
Somente o trabalho tem na sua natureza ontológica um caráter claramente
transitório. Ele é em sua natureza uma inter-relação entre homem
(sociedade) e natureza, tanto com a natureza inorgânica (...), quanto com a
orgânica, inter-relação (...) que se caracteriza acima de tudo pela passagem
do homem que trabalha, partindo do ser puramente biológico ao ser social
(...). Todas as determinações que, conforme veremos, estão presentes na
essência do que é novo no ser social estão contidas in nuce no trabalho. O
trabalho, portanto, pode ser visto como um fenômeno originário, como
modelo, protoforma do ser social (...) (LUKÁCS apud ANTUNES, 2003, p.
136).
Como toda produção humana, a ciência e tecnologia devem ser analisadas no contexto
das relações sociais e no seu desenvolvimento histórico. Portanto, observamos que as
transformações econômicas e sociais ocorridas a partir da origem do capitalismo, promovidas
pela burguesia, foram formando a consciência coletiva dos trabalhadores no que concerne à
estratificação do trabalho, de modo a usar a tecnologia para deslocar o trabalho vivo de sua
centralidade.
Historicamente, percebe-se que a partir do desenvolvimento da maquinaria, o modo de
produção capitalista separa, cada vez mais, ciência e técnica, trabalho material e trabalho
99
imaterial, e ainda, sob essas condições, trabalho e trabalhador são subsumidos às leis
imanentes do capital — acumulação, concentração e centralização. Dessa maneira, o capital,
enquanto relação social, busca expropriar do trabalhador seu saber, sua qualificação, o
domínio das técnicas, separando trabalhador e instrumento. A separação promovida entre
trabalhador e seu instrumento de trabalho foi determinante na separação entre trabalhador e
conhecimento, entre trabalhador e ciência (FRIGOTTO, 2001).
Ora, se a revolução tecnológica, na sociedade capitalista, nada mais é do que o
desenvolvimento orientado do capitalismo sobre o processo produtivo, articulada às
necessidades sociais (expressas como interesses do bloco dominante no poder), por meio da
aplicação direta da ciência à técnica, o que vem ocorrendo no mundo contemporâneo é maior
inter-relação, maior interpenetração entre atividades produtivas e improdutivas, entre
atividades fabris e de serviço, entre atividades de concepção, produção e conhecimento
científico, que vêm se expandindo. No entanto, apesar da incorporação direta da ciência ao
processo produtivo, da microeletrônica, da informatização e da robotização, a força de
trabalho do homo faber — sujeito da produção — continua sendo necessária em atividades de
pesquisa, na área de planejamento, na criação e operação de softwares, marketing e
publicidade; e, também, para, e mesmo que seja, controlar ou produzir robôs. “Se fizermos o
homem surgir no meio de técnicas que se aplicam por si só, de uma língua que fala sozinha,
de uma ciência que se faz por si mesmo, de uma cidade que se constrói segundo suas próprias
leis (...), então o papel do homem será reduzido (SARTRE, 1997, p. 634).
Afirmar que a tecnologia é central ou que tende a tomar a centralidade dos processos
de sociabilidade é afirmar um projeto de sociedade que interessa à classe burguesa e a seus
representantes no bloco do poder; é corroborar com o discurso que abre mão do conflito social
para que se reine o mundo da pseudoconcreticidade
101
, o mundo de “um claro-escuro de
verdade e engano” (KOSIK, 2002, p. 15).
Negar o mundo da aparência — mundo que revela e esconde, inclui e exclui — requer
não apenas que a pesquisa científica, mas também as inovações tecnológicas sejam
reorientadas para atender as necessidades básicas da humanidade, no contexto de uma
sociedade na qual educação e saúde se tornem projetos prioritários.
101
Para Kosik (2002, p. 15) o mundo da pseudoconcreticidade é o mundo da aparência do real, onde os
fenômenos se desenvolvem à superfície dos processos realmente essenciais, não só caracterizado pelo mundo da
troca de mercadorias e da manipulação — da práxis fetichizada —, mas, também, como o mundo dos objetos
que dá a impressão de ser condição natural, não sendo reconhecível como resultado da atividade social dos
homens.
100
É preciso buscar promover modos de sociabilidade e de vida mais igualitários, com
distribuição de trabalho e renda. Para tal, urge a formulação de políticas públicas voltadas a
um projeto societário que retire a classe trabalhadora do reino da necessidade, no qual ciência
e tecnologia se tornem mediações para levar a classe trabalhadora ao reino da liberdade.
3. FORMAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL: da industrialização ao século XXI
A maneira como os indivíduos manifestam sua vida reflete exatamente o
que eles são. O que eles são coincide, pois, com sua produção, isto é, tanto
com o que eles produzem quanto com a maneira como produzem. O que os
indivíduos são depende, portanto, das condições materiais da sua produção”
(MARX e ENGELS, 2002, p.11).
O pensamento de Marx e Engels é ponto de partida para buscar entender o presente
como resultado histórico das relações que se estabeleceram em torno da formulação de
políticas públicas no país. Nesta sessão, analiso o processo de formação humana no contexto
histórico mediado pelas articulações políticas do desenvolvimento industrial, procurando
evidenciar o que muda e o que permanece, ainda nos dias de hoje. Ver-se-á que o ensino
profissional foi sendo dotado de uma identidade voltada às necessidades estritas do mercado,
mediada por concepções de educação técnico-profissional, mais tarde denominada de
educação tecnológica, atrelada à modernização do Estado. Na busca frenética da
modernização como promotora do desenvolvimento socioeconômico, o modo de produção
capitalista, no Brasil, foi se modificando e a burguesia associada e dependente do capitalismo
central foi moldando o Estado aos seus interesses, tendo como mediação o grau de
escolarização e formação profissional da classe trabalhadora. Nesse sentido, a concepção de
educação profissional que se tornou hegemônica, articulada aos interesses do capitalismo
central, é a de uma formação aligeirada da força de trabalho, de modo a atender as constantes
mudanças da produção capitalista.
101
3.1. A FORMAÇÃO PROFISSIONAL NO CONTEXTO HISTÓRICO DA
EDUCAÇÃO NO BRASIL URBANO-INDUSTRIAL: da Era Vargas ao Governo
Militar
3.1.1. O início da industrialização
Em um contexto de transição da sociedade agroexportadora para a ordem urbana
industrial, o ano de 1930 foi um marco na história do Brasil, no que se refere à sua entrada no
mundo capitalista de produção. A acumulação primitiva do período da República Velha
permitiu o país investir no mercado interno e na produção industrial. A partir daí, então,
houve aceleradas mudanças sociais, políticas e econômicas. No campo em que minha análise
mais interessa, as reformas promovidas pelo governo Getúlio Vargas avançaram nos direitos
sociais, com a criação dos Ministérios do Trabalho; Indústria e Comércio; e, ainda, da
Educação e Saúde Pública.
Entretanto, coube ao primeiro ministro do trabalho, Lindolfo Collor, colocar em
andamento um conjunto de medidas destinadas a mudar o padrão das relações de trabalho no
país. Partia-se do pressuposto de que apenas com a intervenção direta do poder público seria
possível amortecer os conflitos entre capital e trabalho presentes no mundo moderno. Assim,
foi estabelecida a Lei de Sindicalização, com o objetivo geral de fazer com que as
organizações sindicais de empresários e de trabalhadores se voltassem para a sua função
precípua de órgãos de colaboração do Estado. A intenção, portanto, era colocar em prática um
modelo sindical baseado no ideário do corporativismo (CPDOC)
102
. Esse modelo de
corporativismo estatal concedeu liberdade de ação aos empresários, em contraste com os
trabalhadores urbanos, submetidos à disciplina e ao controle do Estado, sob o lema da “paz
social” e do princípio da “colaboração entre as classes”. O empresariado industrial, a partir de
então, teve papel ativo na definição dos rumos da política industrial, influenciando sobremodo
as reformas educacionais no que diz respeito à formação e conformação da força de trabalho
no setor
103
. Durante o governo Vargas, o empresariado industrial não só consolida seu espaço
econômico, como, também, conquista o espaço político próprio na arena do Estado,
diferenciando-se das elites tradicionais. Ressalte-se que, se por um lado, a burguesia industrial
não assumiu a liderança de uma revolução burguesa no país, por outro lado, tampouco se pode
102
Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil. Disponível em:
http://www.cpdoc.fgv.br/comum/htm/.
103
RODRIGUES (1998), em O moderno príncipe industrial, analisa criticamente a influência do pensamento
pedagógico dos industriais na formação da classe trabalhadora.
102
dizer que tenha sido conduzida pelo tecnicismo ou pelo militarismo que ascendeu ao poder
estatal.
No contexto do fechamento do sistema político que precedeu o golpe de Estado, em
1937 — o Estado Novo —, o corporativismo incorporou o antigo patrimonialismo
consagrando, assim, uma nova modalidade de interdependência entre público e privado
(DINIZ & BOSCHI, apud CUNHA, 2000, p.3). Desse modo, empresários e trabalhadores
passam a ser atores políticos por meio do Estado; a burguesia industrial utilizou-se não apenas
da via corporativa como mecanismo de instrumentalização de seus interesses, participando
ativamente dos conselhos e comissões consultivas criados na década de 1930, contribuindo
para a formação de uma coalizão favorável à implantação do capitalismo industrial, como,
também, manteve antigas federações e criou novas confederações, as quais serviram, e ainda
servem, de mediadoras entre seus representados e o aparelho estatal, enquanto que os
trabalhadores vinculados aos sindicatos ficaram sob rígido controle do Ministério do
Trabalho(CUNHA, 2000; RODRIGUES, 1998).
Cunha (2000) aponta que “por detrás da ideologia que consagrava [perpetuada, até os
dias atuais] a colaboração de classes, o que se institucionalizou foi um estilo de negociação
bipartite, envolvendo representantes empresariais e funcionários governamentais,
excluindo-se os representantes dos trabalhadores dos acordos corporativos”. Nessa
perspectiva, destaca que a interpenetração entre as esferas pública e privada ocorre do
seguinte modo:
o Estado assume o papel de protagonista privado na economia, constrangendo a livre
manifestação do empresariado; em contrapartida oferece fomento a iniciativa privada,
podendo, até, substituí-la, caso seja necessário;
o Estado protege os interesses da iniciativa privada, não apenas na preservação dos
setores tradicionais diante de mudanças do mercado interno ou externo, como,
também, promove a modernização dos setores industriais;
o Estado é o espaço de representação dos interesses privados, correlação de forças e,
também, de resolução desses conflitos;
o Estado é o mediador dos conflitos entre empresários e classe trabalhadora,
favorecendo os primeiros por meio de privilégios na representação e na negociação
103
bipartite, e prejudicando os últimos na subordinação de suas organizações a um
esquema tutelado e verticalista (p.4-5).
É nesse cenário político que, em 1942, o então Ministro da Educação e Saúde Pública,
Gustavo Capanema, implementa uma série de reformas — as Leis Orgânicas do Ensino,
que flexibilizam e ampliam as reformas iniciadas na gestão de Francisco Campos, cuja
reedição estará presente na reforma da educação promovida pelo governo neoliberal nos anos
de 1990. Destaque-se, desde logo, que a reedição da reforma dos anos 1940 no final do século
XX não traz, na aparência, a marca da modernização conservadora ou das desigualdades
sociais; seu cunho é mercantilista. Será visto, pois, que o legado do colonialismo, da Primeira
República e dos primeiros anos da década de 1930, a partir do qual foi montado o aparelho
escolar de formação da força de trabalho industrial do Estado Novo, tem desdobramentos
encontrados na reforma educacional dos anos 1990.
Nesse sentido, cabe mencionar que no tempo da Colônia e do Império o ensino
artesanal e manufatureiro era destinado “aos miseráveis, aos órfãos, aos abandonados, aos
delinqüentes, enfim, a quem não podia opor resistência a um ensino que preparava para o
exercício de ocupações socialmente definidas como próprias de escravos — e, se essa
exclusividade não existia, pelo menos o fato ou a suposição de que os escravos exerciam tais
ocupações já era sinal de que elas deveriam ser evitadas pelos homens livres, até mesmo para
marcarem sua distinção da condição escrava” (CUNHA, 2000, p. 6).
A cultura do Império era aristocrática, visava a formação de elites, abandonando a
educação da grande massa popular. O ensino primário limitava-se ao ensino da leitura, escrita
e cálculo elementar, enquanto o ensino superior destinava-se a uma pequena parcela da
população, formando doutores e bacharéis que ocupavam os principais postos da
administração, da política e do magistério.
Havia-se, assim, operado uma verdadeira separação em classes. De um
lado, uma minoria de homens altamente instruídos, vivendo uma vida
intelectual intensa e divorciada das duras realidades nacionais, e de outro,
enorme massa de povo analfabeto, ou quase, arcando com as tarefas pesadas
dos trabalhos humildes” (FONSECA, 1961, v.1, p.148)
104
.
104
Sobre pensamento pedagógico de Fonseca, ver RODRIGUES, José. Celso Suckow da Fonseca e a sua
“História do ensino industrial no Brasil”. Revista Brasileira de História da Educação. Campinas: Autores
Associados, jul./dez. 2002, n. 4. Disponível em: http://www.sbhe.org.br/novo/rbhe/RBHE4.pdf
. E sobre sua
carreira ver FRANCO, Maria Ciavatta e GONTIJO Rebeca. Celso Suckow da Fonseca. In: FÁVERO e BRITTO
(Ogs.). Dicionário de educadores no Brasil. Rio de Janeiro: UFRJ/MEC-Inep-Comped, 2002.
104
No regime republicano, foi dos positivistas a iniciativa de um projeto relacionado à
formação de força do trabalho. Nos limites do ideário positivista de Augusto Comte no qual
se fazia necessária a “sistematização real de todos os pensamentos humanos” cujo objetivo
seria a ordem e o progresso, Raimundo Teixeira Mendes, dirigente do apostolado positivista,
entrega ao Ministro da Guerra, Benjamin Constant, um plano cujo intento era o de “incorporar
à sociedade o proletariado a serviço da República”. Nesses termos ter-se-ia a resolução dos
problemas relativos à produção, que, com a crescente indústria moderna, requeria cada vez
mais operários qualificados; e ao Estado, que, ao exigir de cada cidadão o cumprimento
“espontâneo” de seu dever, impunha a cada homem maior grau de moralidade e instrução para
a prática e conhecimento do dever. Desse modo, a ordem e o progresso estariam
garantidos — a ordem porque era dever dos ricos oferecer subsídios aos proletários,
limitando-os, no entanto, de atingir seus próprios objetivos, mantendo, assim, as
desigualdades; o progresso porque o trabalho seria um dos deveres produtivos do
proletariado.
105
Essas propostas, embora não tenham sido aceitas pelo governo, influenciaram o
decreto que tratava do emprego de menores, nas fábricas, e da transformação do Asilo de
Meninos Desvalidos em Instituto de Educação Profissional.
Com o crescimento da urbanização e manufatura, surge a necessidade, no governo de
Afonso Pena (1906), de criação do Ministério dos Negócios da Agricultura, Indústria e
Comércio. Simultaneamente, a crescente demanda por trabalhadores preparados para ocupar
os novos postos de trabalho — pois a complexificação da maquinaria, ainda que
manufatureira e ferroviária, trazia em si a divisão técnica e social do trabalho — leva Nilo
Peçanha, o então governador do Estado do Rio de Janeiro, a criar quatro escolas profissionais
— três para ensino de ofícios e uma para aprendizagem agrícola —, vinculadas àquele
Ministério, estabelecendo-se, assim, uma política de incentivo ao ensino industrial, comercial
e agrícola. Sob a iniciativa da Estrada de Ferro Central do Brasil, é fundada, ainda, a Escola
Prática de Aprendizes das Oficinas, cuja finalidade é a formação de operários, destinados à
instalação e manutenção de equipamentos e veículos
106
.
105
CUNHA, Luiz Antonio. O ensino industrial-manufatureiro no Brasil: Origem e desenvolvimento. Disponível
em: http://www.flacso.org.br/data/biblioteca/392.pdf.
106
Para maior esclarecimento ver CUNHA, Luiz Antônio. O ensino profissional na irradiação do
industrialismo. SP: UNESP, Brasília, DF: Flacso, 2000.
105
Fonseca (1961) afirma que a proposição de n
o
195, de 1906, de criação das escolas
técnicas e profissionais e elementares com previsão orçamentária “deve ser saudada como um
marco na história do ensino industrial no Brasil, uma vez que representa, na República, o
primeiro documento oficial habilitando, com recursos financeiros, o poder público a iniciar,
entre nós, as escolas profissionais de âmbito federal” (op.cit., p.158).
Em 1909, Nilo Peçanha assume a presidência da República, trazendo “a solução do
problema do ensino próprio à formação do operariado nacional” (FONSECA, 1961, v1,
p.162). É criada, então, a rede nacional de Escolas de Aprendizes Artífices, inauguradas em
1910, para “habilitar os filhos dos desfavorecidos da fortuna com o indispensável preparo
técnico e intelectual, como fazê-los adquirir hábitos de trabalho profícuo, que os afastará da
ociosidade, escola do vício e do crime” (Decreto n
o
7566/1909). Em 1917, a Prefeitura
Municipal do Distrito Federal funda a Escola Normal de Artes e Offícios Wenceslau Bráz
107
,
com a finalidade de formar professores mestres e contramestres para os estabelecimentos de
ensino profissional. Entretanto, desde a criação das escolas de aprendizes artífices o governo
federal enfrentava a falta de professores e mestres capacitados, fato que o levou a se articular
à Prefeitura do Rio de Janeiro, transferindo a Escola Normal de Artes e Offícios Wenceslau
Bráz para o âmbito do governo federal, subordinada, então, ao mesmo órgão administrativo
que as Escolas de Aprendizes Artífices
108
. Mais tarde, em 1930, a responsabilidade sob a
referida Escola Normal de Artes e Ofícios passa a ser do Ministério da Educação e Saúde
Pública.
Nesse contexto, observa-se, que nos primeiros momentos da história do ensino
profissional no Brasil, a oferta dessa modalidade de ensino se dá sob a ideologia
assistencialista baseada, ora na ética cristã, ora na filosofia positivista — os ricos devem
favorecer e, ou, proteger os pobres, uma vez que as desigualdades sociais são dadas
naturalmente —; entretanto, à medida que a sociedade foi se transformando ao longo do
processo histórico surgiu uma nova cultura aflorada pela urbanização-industrial.
Tanto a Primeira Guerra, quanto a crise do capital, explicitada na quebra da Bolsa de
Nova York, em 1929, influenciaram o cenário sociopolítico-econômico do país, engendrando
mudanças estruturais na sociedade que transformaram a organização da produção do
capitalismo, isso é, houve a passagem da acumulação primitiva para a acumulação industrial.
Essa transformação também aparece na escola do trabalho: uma ideologia vai se estruturando
107
Essa Escola passou por uma série de mudanças, tanto no seu aspecto fisco, quanto na sua denominação. Hoje
denominada CEFET/RJ, será foco de análise no capítulo III.
108
Para a história detalhada da Escola Normal Wenceslau Bráz, ver Fonseca (1961); Dias (1980).
106
no sentido de que a educação deve formar o homem brasileiro como elemento da produção,
necessário ao progresso da nação (Rocha, 1997, p.46).
No período da acumulação primitiva, a economia brasileira vinha se desenvolvendo
associada ao capital internacional, como exportadora de alimentos e matérias-primas, e
importadora de bens industrializados. A Primeira Guerra Mundial trouxe dificuldades de
importação, forçando o país a instalar novas indústrias. A falta de produtos importados forçou
a expansão da indústria nacional; “além disso, surgia a possibilidade da entrada de nossos
produtos em outros países. E houve uma ânsia de produção. Por toda parte surgiam novas
fábricas, novas indústrias” (FONSECA, 1961, v.1, p.176). A partir daí, e até as décadas de
1920 e 1930 do século XX, a complexificação da maquinaria trazida pelo processo de
industrialização passa a exigir mão-de-obra qualificada, obrigando, de imediato, a busca de
operários no exterior. Tal solução de caráter imediatista trouxe dois inconvenientes. Primeiro,
os operários contratados não transferiam seus conhecimentos aos trabalhadores locais,
tomando para si o poder de operação das máquinas, o que acarretava aumento do valor da sua
força de trabalho. Segundo, traziam consigo práticas e idéias consideradas contrárias à ordem
estabelecida, como, por exemplo, a idéia da organização sindical, paralisação da produção,
como poder de barganha pela melhoria de salários, das condições de trabalho. Nesse sentido,
surge a valorização do trabalho “do elemento nacional”, ou seja, foi
preciso valorizar a busca da qualificação profissional como algo que
dignificava o trabalhador
109
, algo que ele desejasse para seus filhos, não
como um destino fatal, mas como algo dotado de valor próprio. Para tanto, o
ensino profissional teria de deixar de ser destinado aos miseráveis, órfãos,
abandonados e delinqüentes (CUNHA, 2000, p. 6).
À mudança de ideologia aliaram-se as exigências, oriundas do processo produtivo da
indústria e dos transportes ferroviários, de trabalhadores que atendessem aos requisitos do
taylorismo-fordismo. Por conseguinte, a qualificação dos trabalhadores não poderia resultar
de processos aleatórios, o que imputou mecanismos de seleção, testes de aptidão e
psicotécnicos, não só na prática, como, também, no discurso do ensino profissional no Brasil.
109
Todavia, o ensino profissional ainda será de caráter assistencialista até a Constituição de 1937. Veremos que a
visão da sociedade sobre a formação profissional será modificada lentamente, culminando na profissionalização
compulsória promovida pelo governo militar nos anos de 1970.
107
Nesse sentido, é criada a aprendizagem sistematizada na Escola Profissional
Mecânica
110
, contando com a participação do engenheiro suíço Roberto Mange. Roberto
Mange destacou-se, entre outros engenheiros, na divulgação da doutrina sistematizada por
Frederick Taylor — Organização Racional do Trabalho —, criando mais tarde, em 1931, o
Instituto de Organização Racional do Trabalho (IDORT), sob o patrocínio da Associação
Comercial e da Federação das Indústrias. A participação de Mange será tamm decisiva,
atuando como consultor junto à Comissão organizadora da Lei Orgânica do ensino industrial e
na criação do SENAI, em 1942
111
.
O IDORT apresentava o taylorismo como solução; propugnava o combate à
desorganização administrativa das empresas, à utilização inadequada de matérias-primas, de
força de trabalho e de energia motriz, como, também, defendia a implantação de um controle
eficiente dos custos (op. cit., p.25).
Nesse cenário, observa-se que a burguesia industrial que vinha se consolidando já
trazia em si a idéia do “homem certo” para o “lugar certo”, para a qual seriam indispensáveis
o ensino metódico e a aplicação de exames psicotécnicos, promovendo, assim, a seleção dos
mais capazes
112
. Os exames psicotécnicos serviriam, também, para evitar a contratação de
‘agitadores’, no que se utilizava fichas de identificação datiloscópica destinadas a evitar a
reentrada, nos quadros da empresa, de trabalhadores despedidos por razões políticas ou outras
(CUNHA, 2000, p.25).
3.1.2. A modernização do Estado
O movimento civil-militar de 1930 que levou ao fim a Primeira República era formado
por um bloco heterogêneo do ponto de vista social e ideológico, o que tornou inevitável, após
a vitória, o embate político entre, de um lado, dissidentes da oligarquia, e, de outro, militares e
civis descontentes com a ordem liberal. Os primeiros pleiteavam pequenos ajustes na situação
anterior, enquanto o segundo grupo pretendia reformas mais profundas que feriam os
110
Segundo Cunha, a origem dessa escola se dá por meio da parceria entre o Liceu de Artes e Ofícios de São
Paulo e o Centro Ferroviário de Ensino e Seleção Profissional. É a primeira parceria entre esferas pública e
privada, isto é, a esfera privada produzindo inovações, consolidadas e difundidas, porém, mediante o patrocínio
estatal.
111
Para maiores detalhes ver “A montagem do Senai” em Cunha, 2000, e, ainda, Rodrigues (1998).
112
O processo seletivo, presente nas políticas educacionais no Brasil até os dias atuais, é meritocrático,
transitando dentro dos limites da ideologia liberal-conservadora. Dentro desse ideário, é possível observar que
cabe ao aparelho de Estado permitir à cada “indivíduo” desenvolver seus “talentos”, em competição com os
demais, partindo todos do mesmo ponto; afinal, todos são iguais perante a lei. No entanto, o ponto de chegada só
é garantido para os mais “aptos”; o sucesso ou o fracasso é responsabilidade do indivíduo.
108
interesses das oligarquias (CARVALHO, 2004, p.98). É esse bloco no poder que formou o
Estado Burguês, após Revolução de 1930, considerado como o desencadeamento do processo
de “modernização conservadora”.
Nesse cenário, como visto no capítulo I, a partir dos anos de 1930 dois projetos de
nação disputam o poder: um nacionalista e outro desenvolvimentista; no entanto, ambos
valorizavam o papel que a educação deveria cumprir, coerente com a ideologia do projeto em
execução. Assim sendo, é criado o Ministério da Educação e Saúde, cuja concepção
salvacionista, adaptada às condições postas pelo primeiro governo Vargas, promove a reforma
da educação e do ensino, enfatizando a importância da “criação” de cidadãos e da reprodução
e modernização das elites, acrescida da consciência, cada vez mais explícita, da função da
escola no trato da questão social: a educação rural, na lógica capitalista, para conter a
migração do campo para as cidades; e a formação técnico-profissional de trabalhadores
visando solucionar o problema das agitações urbanas (SHIROMA, 2002).
Na criação do Sistema Nacional de Ensino acontecida nos anos de 1930, a reforma do
ensino
113
estabeleceu dois ramos paralelos de ensino: o ramo do ensino secundário, dividido
em dois ciclos, sendo que o segundo deixa de ser “preparatório” para as faculdades,
transformando-se em um nível de ensino que oferece habilitação para o ingresso no ensino
superior; e o ramo do ensino médio profissional, também dividido em dois ciclos,
destinando-se ao ensino comercial com caráter de terminalidade.
Cabe salientar, que a Reforma da Educação de 1930, conhecida como Reforma
Francisco Campos, foi a primeira a estruturar o ensino em todo território nacional e contava
com uma série de iniciativas centralizadoras, incluindo a inspeção federal. Este fato histórico
demonstra o caráter “modernizador—conservador” do Estado em franca oposição ao Estado
liberal da República Velha, cuja estrutura educacional caracterizou-se pela descentralização e
ausência de política nacional. As reformas realizadas a partir do poder central se limitavam ao
Distrito Federal, tido como referência para os estados, que não eram obrigados a implantá-las
113
A Reforma Francisco Campos, apesar de não alcançar a totalidade dos ramos do ensino, ofereceu uma
estrutura orgânica ao ensino secundário, comercial e superior. Uma série de decretos efetivou essa Reforma,
foram eles: Decreto 19.850, de 11 de abril, de 1931, criando o Conselho Nacional de Educação e os Conselhos
Estaduais de Educação (que começarão a funcionar em 1934); Decreto 19.851, de 11 de abril, de 1931, que
instituiu o Estatuto das Universidades Brasileiras dispondo sobre a organização do ensino superior no Brasil,
adotou o regime universitário; Decreto 19.852, de 11 de abril, de 1931, dispondo sobre a organização da
Universidade do Rio de Janeiro; Decreto 19.890, de 18 de abril, de 1931, dispondo sobre a organização do
ensino secundário; Decreto 19.941, de 30 de abril de 1931, instituindo o ensino religioso como disciplina
facultativa nas escolas públicas do país; Decreto 20.158, de 30 de julho, de 1931, organizando o ensino
comercial e regulamentando a profissão de contador; Decreto 21.241, de 14 de abril, de 1932, que consolidou as
disposições sobre o ensino secundário.
109
(ROMANELLI, 2001). Nesse sentido, Cury (2001) destaca que nos debates do processo
constituinte de 1925-1926, o que se buscava era a integração nacional possibilitada pela
educação como mediadora entre Estado e Nação, uma oposição ao Estado mínimo da Carta
liberal de 1891.
À União caberia centralizar a instrução pública mediante a ‘escola única
114
’.
Dela — dever do Estado e direito do cidadão — emergia a coesão nacional,
o caráter nacional, patrocinados pela orientação também nacional fornecida
pela União. Em termos simples: a unidade nacional é resultante de uma
unidade pedagógica coordenada pela União (CURY, 2001, p. 101).
Apesar de a Reforma Francisco Campos privilegiar apenas o ensino comercial em
detrimento do ensino industrial
115
, ocorrem várias reformas administrativas no interior do
Estado, no sentido de reestruturar o ensino profissional no país, como, por exemplo, em 1934
quando a Inspetoria do Ensino Profissional Técnico é transformada em Superintendência do
Ensino Industrial
116
, vinculada diretamente ao Ministro. Assim, vai sendo estruturada a
ideologia, a fim de reiterar que a educação deve formar o homem brasileiro, como elemento
da produção, necessário ao progresso da nação.
A implantação do Estado Novo, em 1937, definiu o papel da educação
117
no projeto de
nacionalidade que o Estado esperava construir. A nova Constituição dedicou bem menos
espaço à educação do que a de 1934, mas o suficiente para incluí-la em seu quadro estratégico
cujo objetivo era solucionar a questão social e combater a subversão ideológica.
Demarcavam-se, enfim, os termos de uma política educacional que reconhecia o lugar e a
114
O paradigma de “escola única” era o da Alemanha dividida em classes (CURY, 2001).
115
Em 1928 o Deputado Graco Cardoso apresenta projeto de lei que busca traçar “princípios orgânicos” a
serem adotados nacionalmente para o “ensino técnico industrial”, o que fora reprovado. Alguns autores, ao
explicarem a omissão do Estado em relação à criação do ensino industrial, afirmam que, ainda, não era
momento de interferir nos interesses oligárquicos, o que poderia gerar conflitos.
116
Entre 1920 e 1921 é criado o Serviço de Remodelação do Ensino Profissional e Técnico; substituído mais
tarde, em 1932, pela Inspetoria do Ensino Profissional Técnico, transformada em 1934 pela Superintendência do
Ensino Profissional, que será o órgão fiscalizador da organização didática e do regime escolar das instituições de
ensino profissional das redes federal, estadual, municipal e privada. Em 1937, a Superintendência do Ensino
Industrial será extinta, surgindo a Divisão do Ensino Industrial como parte da estrutura do Departamento
Nacional de Educação, subordinado ao Ministério da Educação e Saúde. Para maiores detalhes ver Fonseca
(1961) ou Cunha (2000).
117
Vale destacar que os princípios que nortearam o paradigma pedagógico, na Era Vargas, deveriam trazer em
seus preceitos a trilogia fascista — religião, pátria e família — e a reificação do conceito de ordem em
contraponto à idéia de desordem. À pedagogia imputava-se o valor de ciência poderosa, motriz da ordem social.
Nesse sentido, a idéia de equilíbrio social perpassava como sendo do domínio e controle da esfera educacional
pelo Estado. Cabia a este desempenhar o seu papel intervencionista nas instituições escolares, para que fosse
realizado um trabalho de renovação dentro das realidades reveladas pelo Estado Novo (ALMEIDA, 1998.
Revista Brasileira de História).
110
finalidade da educação e da escola como lugar de ordenação moral e cívica, da obediência, do
adestramento, da formação da cidadania e da força de trabalho necessárias à modernização
administrativa (SHIROMA, 2002).
Entre 1942 e 1946, na implementação de tal projeto, foram promulgados vários
decretos-leis pelo então Ministro da Educação e Saúde Pública, Gustavo Capanema,
resultando em uma série de reformas denominadas Leis Orgânicas do Ensino, que
flexibilizaram e ampliaram as Reformas Campos. As Leis Orgânicas serão complementadas
por Raul Leitão da Cunha, sucessor do Ministério, após o término do Estado Novo, em 1945.
Tais decretos vêm atender à correlação de forças existentes nas Constituintes de 1934 e 1937,
impedindo a vitória de um ou de outro grupo; assim, os debates se deram em uma perspectiva
de acomodação, por parte do governo, dos interesses divergentes. A Constituição de 1937,
redigida por Francisco Campos, reflete tendências fascistas, extingue partidos políticos e dá
ao Presidente Vargas controle sobre o Legislativo e o Judiciário. Estava instituído, de fato e
de direito, o Estado Novo. A orientação político-educacional para o mundo capitalista fica
bem explícita no texto desta Constituição, sugerindo a preparação de um maior contingente de
mão-de-obra para as novas atividades abertas pelo mercado.
À infância e à juventude, a que faltarem os recursos necessários à educação
em instituições particulares, é dever da Nação, dos Estados e dos
Municípios assegurar, pela fundação de instituições públicas de ensino em
todos os seus graus, a possibilidade de receber uma educação adequada às
suas faculdades, aptidões e tendências vocacionais. O ensino pré-vocacional
e profissional destinado às classes menos favorecidas é, em matéria de
educação, o primeiro dever do Estado. Cumpre-lhe dar execução a esse
dever, fundando institutos de ensino profissional e subsidiando os de
iniciativa privada dos Estados, dos Municípios e dos indivíduos ou
associações particulares e profissionais. É dever das indústrias e dos
sindicatos econômicos criar, na esfera de sua especialidade, escolas de
aprendizes, destinadas aos filhos de seus operários ou de seus associados. A
lei regulará o cumprimento desse dever e os poderes que caberão ao Estado
sobre essas escolas, bem como os auxílios, facilidades e subsídios a lhes
serem concedidos pelo poder público (CARTA CONSTITUCIONAL de
1937).
Ressalte-se que a maior parte das reformas promovidas pelo Ministério Capanema, na
área da educação, foi realizada nos níveis médio e superior. Para o ensino médio, aí incluído o
ginásio que matriculava crianças a partir de 10 anos de idade, o ministério buscou, na Itália, o
modelo de um currículo enciclopedista, centralizado e convencional, baseado na
aprendizagem formal e abstrata das ciências e das letras, consolidando a natureza elitista e
classista da educação, com uma pedagogia "de fora para dentro", e não a partir da vivência do
111
mundo do trabalho e da vida em comunidade que o Manifesto dos Pioneiros
118
havia tão
enfaticamente reivindicado.
Ilustração 1 - ESTRUTURA DO ENSINO SEGUNDO AS LEIS ORGÂNICAS
1942—1946
118
Em 1932, um grupo de 26 intelectuais — políticos e educadores — promove o Manifesto dos pioneiros da
Educação Nova: a reconstrução educacional no Brasil. Inspirado por novos ideais de educação, agrupados sob a
genérica denominação de reformadores ou pioneiros, apesar da heterogeneidade de pensamentos, esse grupo
vinha desde a década de 1920 se opondo ao empirismo dominante, pretendendo deslocar a solução dos
problemas escolares do terreno administrativo para os planos político-sociais. O grupo se opunha ao movimento
da Igreja Católica, e não hesitava em atribuir à educação o importante papel na constituição de nacionalidade na
perspectiva das novas relações sociais pretendidas para o país. Para estes intelectuais, o processo de
industrialização demandava políticas educacionais que assegurassem uma educação moderna capaz de
incorporar novos modos de produção. O referido manifesto evidenciou as fragmentações ideológicas existentes
na correlação de forças em confronto. O documento dirigido ao povo e ao governo trazia a marca da diversidade
teórica e ideológica do grupo que o concebeu, entretanto, apresentou idéias consensuais, como, a proposta de um
programa de reconstrução educacional em âmbito nacional, levando em consideração a igualdade de gênero e o
princípio da escola pública, laica, obrigatória e gratuita. Cabe ressaltar que as concepções educacionais eram de
recorte escolanovista, isso é, transitavam nos limites do ideário liberal, enfatizando os aspectos biológicos,
psicológicos, administrativos e didáticos do processo educacional.
Curso
técnico
agrícola
ENSINO SUPERIOR
Curso
colegial
secundário
Curso
normal
2º ciclo
Curso
técnico
industrial
Curso
técnico
comercial
Curso
ginasial
secundário
Curso
normal
1º ciclo
Curso
básico
industrial
Curso
básico
comercial
Curso
básico
agrícola
ENSINO PRIMÁRIO
112
Nesse cenário, o Estado Novo (1937 – 1945) assume junto ao empresariado o papel de
provedor da industrialização no Brasil. São aplicadas então duas medidas estratégicas. A
primeira, é a criação das escolas técnicas nacionais, reproduzindo em seu interior “o ambiente
fabril, como se tentava fazer desde as antigas escolas de aprendizes artífices criadas em
1909”, garantindo, assim, a formação de operários. A segunda, é a criação do Serviço
Nacional de Aprendizagem dos Industriários (mais tarde, Serviço Nacional de Aprendizagem
Industrial), cuja estratégia é contraditória à primeira, “na medida em que procurava deslocar a
escola profissional para dentro do ambiente fabril, definindo como destinatários preferenciais
os menores que já trabalhavam na indústria”(CUNHA, 2000, p.151). Na realidade, trata-se de
“um importante passo na modernização das relações capitalistas — ou seja, da (con)formação
profissional da força de trabalho industrial” (RODRIGUES, 1998, p.15).
É a partir dos anos de 1940 que a pobreza deixa de ser critério, explicitado em lei, para
o acesso aos cursos do ensino profissional. Exames de seleção, testes de aptidão física e
mental, introduzidos por Roberto Mange, na década anterior, são, agora, formalizados. No
entanto, a desigualdade social se reflete na dualidade do ensino. A obrigatoriedade do ensino
primário é garantida por lei desde 1934, de freqüência obrigatória aos que nele estiverem
matriculados, isso quer dizer que não é garantido o acesso de todas as crianças à escola.
Verifica-se, também, que da parcela da população em idade escolar, matriculada no ensino
primário, somente os filhos da classe economicamente favorecida passarão, em sua trajetória,
no ensino secundário e chegarão ao ensino superior; enquanto que aos filhos da classe
trabalhadora será destinado o ginásio industrial, comercial ou agrícola e seu posterior
correspondente, curso técnico industrial, comercial ou agrícola, com caráter de terminalidade,
impossibilitando-lhes o acesso ao ensino superior.
Desse modo, a educação profissional se formaliza em um sistema paralelo ao ensino
secundário, o que demonstra a permanência da herança deixada pelo Brasil Colônia e Império,
no que diz respeito às necessidades da divisão social do trabalho, da divisão entre trabalho
manual e trabalho intelectual e, ainda, da idéia de que deve haver uma educação para a classe
dominante e outra para a classe trabalhadora.
Apesar desse caráter dual na estrutura do ensino, é preciso reconhecer os avanços na
política educacional do país, quando se toma como referência o início do século XX e,
também, a grande “conquista dos trabalhadores que, nas árduas lutas, ainda no fim do século
passado [XIX], reivindicavam o espaço negado para seus filhos no sistema educacional.
113
Conquista também da humanidade que, na sua infindável luta, acumula conhecimento,
desenvolve a ciência e, historicamente, a indústria” (ROCHA, 1997).
Findo os anos ditatoriais do Estado Novo (1945), iniciam-se as discussões para a
Constituição de 1946, que defenderia a liberdade e asseguraria a educação como direito de
todos os brasileiros, e obrigaria os poderes públicos a garantir, na forma da lei, a educação em
todos os níveis de ensino, juntamente com a iniciativa privada.
Em 1946, o então Ministro da Educação, Clemente Mariani, nomeia uma comissão,
presidida por Lourenço Filho, para estudar e propor a reforma geral da educação nacional. A
proposta da reforma da educação será encaminhada ao Congresso Nacional em 1948,
contando com extenso debate e luta ideológica sobre os rumos da educação brasileira até o
ano de 1961. Fortes pressões conservadoras e privatistas participam do processo de discussão
das propostas educacionais. Em contraposição, no ano de 1959, o novo Manifesto, agora
assinado por 189 intelectuais liberais, diferentemente do que se propunham na década de 1930
— discutir os princípios da nova pedagogia —, impugnam os aspectos sociais da educação e a
defesa da escola pública.
Em 1961 é promulgada a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, n
o
4.024, de
20 de dezembro. A LDB/61 foi o resultado da vitória das forças conservadoras e privatistas e
trouxe sérios prejuízos à distribuição de recursos públicos e à ampliação das oportunidades
educacionais. Submissa aos interesses da iniciativa privada, previa ajuda financeira à rede
privada e às instituições confessionais, de forma indiscriminada.
Os desdobramentos da Carta de 1946 merecem registro.
Realmente com ela começa o ciclo das leis de diretrizes e bases. A Lei
nº 4.024, de 1961, a primeira lei geral de educação, permitiu a
descentralização da educação da esfera federal para a estadual, com a
institucionalização dos sistemas de educação e recriação dos Conselhos de
Educação com funções normativas. Ainda na vigência dessa LDB, foram
instituídos o salário-educação e a pós-graduação” (BOAVENTURA, 2001,
p. 196).
Entretanto, Cunha (2000, p.43) aponta que, muito embora a LDB/61 tenha modificado
as linhas fundamentais da política educacional do Estado Novo, “um aspecto muito
importante dela permaneceu, com força aumentada: a aprendizagem de ofícios industriais
associando escola e empresa, e a entidade em que ela se desenvolve de forma mais acabada –
o Senai”.
114
Em relação à educação profissional como um todo, os resultados mostram talvez mais
avanços que retrocessos. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1961 trouxe
uma alteração significativa: a completa equivalência dos cursos técnicos ao ensino
secundário, permitindo o ingresso de alunos oriundos dos cursos técnicos em quaisquer cursos
superiores.
Ilustração 2 - ESTRUTURA DO ENSINO SEGUNDO A LDB DE 1961
Fonte: CUNHA, Luiz Antônio. O ensino profissional na irradiação do industrialismo.São Paulo:
UNESP, 2000.
Parte dessa conquista já havia acontecido em dois momentos na década anterior. O
primeiro, em 1953, quando a Lei n
o
1.821, de 12 de março, estabeleceu que os “cursos
relacionados” — cursos técnicos industriais — possibilitassem o ingresso de alunos
concluintes das escolas técnicas em cursos superiores de Engenharia, Química Industrial,
Arquitetura, Matemática, Física, Química e Desenho. Para tal, o candidato deveria demonstrar
ter cursado as disciplinas de cultura geral na formação técnica ou, então, buscar sua
certificação, por meio de exames, em estabelecimentos de ensino secundário. O segundo,
ocorrido em 1959, quando o presidente Juscelino Kubitschek reformou o ensino industrial em
ENSINO SUPERIOR
Curso
técnico
agrícola
Curso
colegial
secundário
Curso
normal
Curso
técnico
industrial
Curso
técnico
comercial
ENSINO GINASIAL
APRENDIZAGEM
PROFISSIONAL
ENSINO
MÉDIO
2º CICLO
ENSINO
MÉDIO
1º CICLO
ENSINO PRIMÁRIO
115
todo o país, por meio da Lei n
o
3.552, regulamentada pelo Decreto n
o
47.038/59. Essa lei
representa um avanço em relação às reivindicações da classe trabalhadora no país, uma vez
que as escolas de ensino industrial, vinculadas ao MEC, passam a ser então reconhecidas
como instituições que devem oferecer base de cultura geral articulada à base de cultura
técnica, de modo a que seus alunos possam não só ter uma profissão, mas, também, condições
para prestar exames vestibulares e prosseguir seus estudos no ensino superior. Além disso,
com o advento da Lei n
o
3.552, é permitido aos alunos registrar os diplomas obtidos em
cursos técnicos industriais, no Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia
(CREA).
De certo modo, parece que se começa a trilhar o caminho para a formação integral do
indivíduo, pensada por Marx, Engels e Gramsci. No entanto, por trás dessa aparente
equivalência entre ensino profissional e ensino secundário há numerosas resoluções,
recomendações e acordos de âmbito internacional, como será visto a seguir, que aproximam
cada vez mais a escola do trabalho para interesses imediatos do capital. Seus desdobramentos
estarão presentes nas reformas educacionais dos anos 1970.
Quero dizer com isso que alguns aspectos importantes da reprodução do capital, em
escala mundial, como vem ocorrendo nas últimas décadas, só podem ser compreendidos se
analisamos as relações entre as atribuições do Estado de país dependente e as organizações
multilaterais ou intergovernamentais, posto que, depois da Segunda Guerra Mundial, o
imperialismo vem se fortalecendo vinculado às decisões e atividades dos Estados-Nação de
capitalismo dependente.
É, pois, devido às contradições do capital que, durante a Segunda Guerra, os governos
dos países dominantes, em especial dos Estados Unidos, e dos países subordinados
estabeleceram entre si novas alianças, acordos, tratados e organizações bilaterais e
multilaterais, apoiando-se e fortalecendo-se mutuamente, para fazer frente às tensões e lutas
de classe. Essa situação exigiu a reinterpretação das condições de estabilidade social, política
e econômica nos países dependentes. O Brasil ingressou nesse esforço doutrinário, buscando
adotar todas as diretrizes (IANNI, 1988, p.109-10).
Nesse cenário é realizada a I Conferência de Ministros e Diretores de Educação das
Repúblicas Americanas, em 1943, cujo objetivo seria planejar “um mundo melhor, baseado na
educação e na cultura” (FONSECA, 1961, v1, p.561).
116
Segundo o engenheiro-educador
119
, a Recomendação de número XV — relativa
especificamente ao ensino industrial, e a Resolução XXVIII — relativa à educação nas
Américas, salientavam que os governos individualmente, ou por meio de convênios, deveriam
tomar providências destinadas a elevar o nível educacional, a estender facilidades
educacionais e a melhorar, em geral, o papel da educação, como uma contribuição importante
para o entendimento e a solidariedade interamericana (ibidem, ibid.).
No Brasil, essa Resolução influenciou o ensino profissional para indústria, levando o
então Ministro da Educação e Saúde, Gustavo Capanema, a articular junto a autoridades
educacionais norte-americanas, representadas pela Inter-American Foundation Inc., um
programa de cooperação educacional, que seria assinado, em 1946, pelo novo Ministro, Raul
Leitão. O acordo tinha o objetivo de promover a aproximação entre os dois países, por meio
do intercâmbio de educadores, idéias e métodos de ensino (op. cit.). Tal acordo imputou a
criação da Comissão Brasileiro-Americana de Educação Industrial (CBAI) para atuar como
órgão executivo na aplicação do citado programa de cooperação educacional, que contaria
com a participação de um representante norte-americano Representante Especial da
Inter-American Educational Foundation Inc.
Para tanto, a CBAI estabeleceu 12 pontos de ação a fim de colocar em prática o
programa, chegando a debater, com os diretores das escolas federais, assuntos
administrativos, escolares e técnicos. Também introduziu no Brasil o método Training Within
Industry (TWI)
120
que, de certo modo, influenciou as práticas pedagógicas do ensino
profissional para indústria, tal como acontecera na década de 1930, quando Mange fundou o
IDORT.
A CBAI atuou em vários programas como, estudos e pesquisas relacionados às
“necessidades” educacionais no Brasil, em geral, e do ensino profissional, em particular;
treinamento de professores e de técnicos-administrativos para atuarem no ensino industrial,
aquisição de equipamentos, etc.
A CBAI é órgão de cooperação entre o Ministério da Educação e Cultura e
a Agency for International Development, do Governo dos Estados Unidos
119
Parafraseio Rodrigues (2002).
120
O método TWI foi lançado nos Estados Unidos, em 1940, com a finalidade de qualificar trabalhadores para o
processo produtivo, de modo a torná-los mais engajados com o aumento da produtividade e reduzir os custos do
produto final.
117
da América. Tem por finalidade estreitar a amizade e promover maior
compreensão entre os povos dos Estados Unidos do Brasil e dos Estados
Unidos da América, favorecer o bem-estar geral e possibilitar atividades
educacionais, no setor do ensino profissional do Brasil, através de
programas de cooperação, e estimular o intercâmbio de idéias e processos
pedagógicos, no campo da educação profissional. A CBAI opera na base de
Projetos, que são unidades de trabalho elaboradas e postas em execução
mediante acordo entre o Superintendente e o Chefe da Delegação
Americana, visando a beneficiar instituições federais, estaduais ou
particulares
121
.
Ilustração 3 -
Flagrante do ato de assinatura do Termo Aditivo ao Acordo de Cooperação
Técnica entre o Brasil e os Estados Unidos, realizado através da CBAI
Fonte: Revista Ensino Industrial. Brasília: MEC/CBAI/DEI, n. 1, ano 1, nov. /1962.
O referido acordo assinado entre Brasil e Estados Unidos, na segunda metade dos anos
de 1940, pode ser tomado como marco da intervenção do olhar externo na educação
brasileira. A partir do Acordo Básico que deu organicidade à CBAI, foram assinados,
periodicamente, vários termos aditivos, como o do registrado na foto acima. Para além da
CBAI, vale destacar a Recomendação Internacional sobre Ensino Técnico e Profissional
elaborada pela UNESCO, em 1962, que serviu de documento base para os trabalhos da
121
118
Conferência Geral da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a
Cultura, realizada no mesmo ano, na cidade de Paris. Interessante notar que os termos
dessa Recomendação estiveram presentes em documentos emanados não apenas pelo
Conselho Federal de Educação (MEC/CFE) na década de 1970, como, tamm, pela
Secretaria de Ensino Médio e Técnico (MEC/SEMTEC) nos anos de 1990, a exemplo do
estabelecimento de três níveis de ensino, na formação profissional — “ensino para a
formação de trabalhadores qualificados”, “ensino para a formação de técnicos” e
“engenheiro e quadros superiores” —, e de sustentar uma relação entre educação e
desenvolvimento tecnológico.
Em face dos enormes progressos técnicos que se estão realizando ou se
prevêem em todos os países do mundo, a educação deve preparar as pessoas
para viverem numa era tecnológica
122
(...) O ensino técnico e profissional
deveria consistir em alguma cousa mais do que formar alguém para
determinado ofício, dando-lhe os conhecimentos práticos e técnicos
necessários. Essa formação associada à educação geral, deveria contribuir,
também, para desenvolver a personalidade e o caráter do indivíduo e para
estimular a sua capacidade de compreender, de julgar, de discernir e de
adaptar-se às circunstâncias (RECOMENDAÇÃO da UNESCO, 1962 apud
Revista Ensino Industrial n. 1, ano 1, nov./1962).
Outro princípio que destaco, refere-se à precípua necessidade de modificar a visão da
sociedade, em geral, e da classe média, em particular, sobre o ensino profissional de nível
médio, ou melhor dizendo, com o desenvolvimento das forças produtivas em um cenário cujo
padrão de acumulação era o taylorista-fordista, amparado pelo welfare state, urgia valorizar o
trabalho manual/parcelar: “O ensino técnico e profissional em todos os níveis
123
deveria
insistir em que se reconheça a dignidade do trabalho manual e sua importância nos modernos
processos de produção” (ibid., ibid.).
Entretanto, o aspecto que mais me interessa discutir, é o da formação da força de
trabalho industrial no Estado nacional-desenvolvimentista. Conforme exposto no primeiro
capítulo, a industrialização do país iniciada nos anos de 1930 torna-se acelerada a partir da
segunda metade da década de 1950. No contexto de entrada do capital estrangeiro, a área
122
No capítulo III, veremos que o termo tecnológica além de marcar um padrão de desenvolvimento da
sociedade, será atrelado à educação de modo a valorizar essa última no sentido de acompanhar o seu tempo de
desenvolvimento econômico, produção de bens de capital, e qualidade de produtos.
123
Interessante notar que, em fevereiro de 1963, o Conselho Federal de Educação aprovou o parecer que
originou os cursos de engenharia de operação. Como se sabe, essa modalidade de ensino destinava-se a formação
de engenheiros voltada para atividades práticas, enquanto que o trabalho intelectual (planejar e projetar) ficava a
cargo de engenheiros com formação plena.
119
educacional orienta-se por recomendações dos organismos internacionais, tendo como
paradigma principal os Estados Unidos, passando a atrelar o desenvolvimento econômico do
país à educação.
Diante da crescente industrialização do país, o quadro de pessoal técnico para a
indústria mostrava-se deficitário.
Estima-se em 11.000 o deficit brasileiro de técnicos industriais de nível
médio. Para que pudéssemos satisfazer integralmente o desenvolvimento da
indústria nacional, seria necessário formarmos anualmente 5.000 técnicos
de nível médio e 60.000 operários especializados. No entanto, essa
formação é, no momento, de apenas 1.000 técnicos e 12.000 operários
qualificados (EDITORIAL, Revista Ensino Industrial, 1963)
124
.
Para que o desenvolvimento econômico do país fosse possível, não bastava, apenas, o
Estado ser o provedor da industrialização; foi preciso, também, estimular a formação de
“mão-de-obra” para a indústria, buscando incrementar a matrícula nas escolas técnicas da rede
pública e privada e, ainda, no SENAI. Nesse sentido, o governo João Goulart instituiu o
Programa Intensivo de Preparação da Mão-de-Obra Industrial (PIPMOI), por meio do
Decreto n
o
53.324 de 1963. Dando prosseguimento à política que considerava a educação
“fator do desenvolvimento econômico”, como bem mostra o documento de 1965 (ilustração
4), foi criada a Equipe de Planejamento do Ensino Médio (EPEM), com a finalidade de
assessorar os estados na formulação de planos para o ensino médio e colaborar no treinamento
de planejamento educacional, enquanto que ao PIPMOI caberia, principalmente, a preparação
de operários qualificados, muito embora também conste de seus relatórios a preparação da
força de trabalho, em cursos de nível médio.
124
Revista Ensino Industrial. Brasília: MEC/CBAI/DEI, n. 6, ano II, dez./1963.
120
Ilustração 4 - Mensagem de congratulação do Ministro Extraordinário para o Planejamento e
Coordenação Econômica, Roberto Campos, aos coordenadores do PIPMOI.
Fonte: Revista Ensino Industrial. Brasília: MEC/CBAI/DEI, n. 14, ano VI, abr./1967.
121
O PIPMOI
125
— implantado nas dependências das escolas técnicas, públicas e
privadas; SENAI; empresas industriais; entidades classistas e estudantis — tinha a finalidade
de preparar 50 mil trabalhadores para a área da indústria, ficando a cargo do Estado as
despesas com a administração dos cursos, professores, material didático, material de
consumo, auxílio a alunos carentes de recursos financeiros. O Centro Interamericano de
Pesquisas e Documentação sobre Formação Profissional (CINTERFOR), órgão pertencente à
ONU, foi incumbido de acompanhar e avaliar o programa.
Nesse mesmo ano, foram definidas as atribuições do técnico industrial,
considerando que o desenvolvimento das atividades industriais no Brasil
atingiu o estágio de estrutura fabril que comporta bem definida divisão
funcional do trabalho; que essa divisão funcional do trabalho distingue
especialmente três áreas de atividades, quais sejam, direção, condução e
execução
126
.
É com esse conjunto de ações que a política educacional, em geral, e de formação
profissional em particular, foi cada vez mais atrelando não apenas a educação ao
desenvolvimento econômico, como, também, voltando a escola do trabalho para as
necessidades estritas do mercado. Nesse cenário, o trabalhador é visto tão-somente como
“fator da produção”, haja vista o Plano Estratégico de Desenvolvimento, elaborado no
governo Costa e Silva, que reservou seu capítulo V para a Educação, Ciência e Tecnologia, no
que se refere à “meta-homem”. Dentro desse ideário, a Revista Ensino Industrial assinala:
O ensino industrial do Brasil sòmente há poucos anos vem procurando
reajustar sua organização e seus planos de ação visando a dar cumprimento
aos objetivos específicos que lhe cabem nos sistema educacional do país,
isso é, a preparação da mão-de-obra industrial. Por essa razão, as Escolas
que antes pouco se preocupavam com as reais necessidades do mercado de
trabalho e que não mantinham estreitas relações com os setores econômicos,
125
Em 1972, a abrangência do Programa atingiu todos os setores da economia, com recursos provenientes do
Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação, tornando-se, então, PIPMO, perdendo a letra “I” de
industrial. Em 1974, o programa teve sua vinculação transferida para o Ministério do Trabalho, possivelmente
por sugestão do SENAI e do SENAC, que participaram de comissões criadas pelo Ministro da Educação para
propor medidas visando à institucionalização do PIPMO. Aliás, no mesmo ano, essas entidades também tiveram
sua vinculação ministerial transferida da Educação para o Trabalho. Com o esgotamento dos grandes projetos de
obras públicas dos governos militares, o programa foi extinto em 1982 (CUNHA, 2003). Disponível em:
http://www.flacso.org.br/data/biblioteca/351.pdf
. Acesso em 08/02/2007.
126
Normas Preliminares das atribuições do técnico industrial, definidas nas reuniões promovidas pela Diretoria
do Ensino Industrial do Ministério da Educação e Cultura e a Comissão Brasileiro-Americana de Educação
Industrial, em abril de 1963; In: Publicação da Diretoria do ensino industrial e da Comissão
Brasileiro-Americana de Educação Industrial, n. 4, jul./1963.
122
hoje têm outra atitude em face do problema da formação profissional e
procuram adaptar-se ao panorama industrial que evidencia, nos últimos
tempos, extraordinária evolução tecnológica e acelerada expansão. Essa
adaptação que não foi ainda integralmente atingida exige, por um lado,
mudança de conceitos e de princípios, pesquisas e estudos e, por outro, a
inversão de capital para a melhoria dos equipamentos e o aperfeiçoamento
do fator humano responsável pelo aumento da produtividade no campo da
formação dos trabalhadores solicitados pelas emprêsas industriais (Revista
Ensino Industrial, 1965)
127
.
Observa-se, portanto, que o modelo nacional-desenvolvimentista, da era Vargas ao
governo militar, sobretudo entre 1930 e 1965, direcionou as escolas técnicas do país, em
geral, e da rede federal, em particular, a oferecer cursos para área da indústria. “O mais vivo
exemplo do êxito dessa nova política está na Escola Técnica Nacional
128
, situada na
Guanabara. Apesar de suprimir os seus cursos de 1
o
ciclo, viu aumentar de 800 alunos, em
1961, para 3.200, em 1965, a sua matrícula” (ibid., ibid.).
3.1.3. A reforma educacional no governo militar
Abordei no primeiro capítulo que o modelo nacional-desenvolvimentista, iniciado nos
anos 1930 e findo no governo militar, é marcado por continuidade e ruptura. Também apontei
para o fato de que os militares sempre foram desenvolvimentistas, no sentido de buscar no
processo de industrialização do país mecanismos para o desenvolvimento econômico.
Entretanto, para além de desenvolvimentistas, os militares são nacionalistas e, por
conseguinte, passaram a adotar o modelo de Vargas para a industrialização. A intervenção
estatal do governo militar na industrialização foi o modelo do Estado Novo aplicado, mais
uma vez, a partir do Golpe Militar de 1964. Nesse contexto, o capitalismo ganhou fôlego em
um país cujo governo se alinhava ao imperialismo norte-americano, o qual buscava proteger
diversos países das influências do socialismo e de mudanças que afetassem os interesses das
classes dominantes. Assim, o governo militar destruiu quaisquer obstáculos que pudessem, no
âmbito da sociedade civil, dificultar o processo de adaptação econômica e política que se
impunha ao país. Conteve-se a crise econômica, sufocou-se a movimentação política e
consolidou-se o caminho para o capital multinacional. Nesse cenário, as reformas
educacionais implementadas pelos governos militares tiveram presentes alguns elementos de
127
Revista Ensino industrial. Preparação de técnicos em ensino industrial. MEC/CBAI/DEI, n. 10, ano IV,
jan./1965.
128
A Escola Técnica Nacional, hoje CEFET/RJ, iniciou suas atividades, em 1942, com 143 matrículas nos cursos
técnicos (DIAS, 1980, p.132).
123
debates anteriores, contudo fortemente balizadas por recomendações oriundas de agências
internacionais, tais como: Acordos entre o MEC e a United States Agency for International
Development (USAID)
129
, originando o Relatório Atcon do governo norte-americano e o
Relatório Meira Mattos do MEC/Brasil, cuja finalidade era incorporar compromissos
assumidos pelo governo brasileiro na Carta Punta Del Leste, em 1961, e no Plano Decenal da
Aliança para o Progresso; Conselho Interamericano Econômico e Social (CIES) ; Secretaria
da Organização dos Estados Americanos para Assuntos Culturais, Científicos e de Informação
(OEA); Instituto Euvaldo Lodi (IEL)
130
, criado pela CNI; e o Instituto de Pesquisas e
Estudos Sociais (IPES), criado em 1961 por um grupo de empresários, que funcionou até
1971, como partido ideológico do empresariado, exercendo papel fundamental no golpe de
1964 e nas ações governamentais de âmbito político e econômico. Na área da educação, o
Instituto promoveu junto à Pontifícia Universidade Católica (PUC), em 1968, o Fórum de
Educação A educação que nos convém.
Dessa forma, ao terem início os trabalhos da Reforma Universitária e do Ensino de 1
o
e 2
o
Graus, contava-se com um conjunto de subsídios, que vinham desde os estudos
produzidos no âmbito dos Acordos MEC—USAID, entre os quais destaco os já mencionados
Relatórios Atcon, Meira Mattos, e os estudos produzidos pelo IPES. Assim, a inspiração de
cunho liberal que caracterizava a Lei n
o
4.024/61 cedeu lugar a uma tendência tecnicista, não
só na Lei da Reforma Universitária, Lei n
o
5.540/68, como, também, na Reforma de Ensino
de 1
o
e 2
o
Graus, Lei n
o
5.692/71.
Fávero (2001) aponta que a relação entre educação e desenvolvimento está presente
não somente nos debates, mas também registrados por escrito, desde a metade dos anos
1950
131
, durante o Governo Juscelino Kubtischek, e, sobretudo, nos anos 1960. Nesse sentido,
atribui-se à educação o papel da formação do homem brasileiro atrelado ao crescimento
econômico.
129
Em 1965, foi assinado o acordo de cooperação técnica entre o Ministério da Educação (MEC) e a Agência
Norte-Americana para o Desenvolvimento Internacional (USAID), na qual a agência norte-americana se
comprometia a enviar técnicos ao Brasil, para, junto aos brasileiros, formarem a Equipe de Planejamento do
Ensino Médio.
130
Segundo Frigotto (2003), o IEL é encarregado de analisar as tendências e as necessidades do setor industrial
no plano da educação e formação técnico-profissional. Criado em 1969, funciona como mediador entre setor
produtivo e instituições de ensino públicas e privadas, no sentido de sensibilizá-las sobre as necessidades da
indústria nacional. No ano de 1992, o IEL elaborou o projeto Pedagogia da qualidade, com o apoio da CNI,
SENAI e SESI; coordenou o Encontro Nacional Indústria-Universidade para discutir a Pedagogia da qualidade;
realizou mais 16 encontros estaduais sobre educação para a qualidade e 15 cursos sobre qualidade total.
131
Rodrigues (1998) destaca que na conferência Economia e educação, realizada em 1952, o pensamento
pedagógico do presidente da CNI, Euvaldo Lodi, articulava defesa da industrialização, economia e educação.
124
No bojo do nacional-desenvolvimentismo coexistem duas concepções
distintas de educação: 1ª) como formadora da consciência nacional e
instrumentalizadora de transformações político-sociais profundas, na
sociedade brasileira, expressa principalmente por Álvaro Vieira Pinto, nos
cursos e publicações do ISEB — Instituto Superior de Estudos Brasileiros
—, e traduzida nos movimentos de cultura e educação popular do início dos
anos 60. 2ª) como preparadora de recursos humanos para tarefas da
industrialização, modernização da agropecuária e ampliação dos serviços,
postura bastante clara desde os discursos de Juscelino Kubitschek,
determinante nos planos de seu governo e diretriz para os investimentos
mais substanciais no sistema educacional, a partir de 1955(FÁVERO, 2001,
p. 242).
A primeira concepção está relacionada à efervescência cultural e política da gestão do
Ministro da Educação, Paulo de Tarso. Entre 1950 e 1960 se efetiva a organização dos
sindicatos de trabalhadores urbanos e rurais; estruturam-se as Ligas Camponesas; a União
Nacional dos Estudantes (UNE) é fortalecida pelos estudantes; surge a organização de
militares subalternos; mobilizações populares reivindicam Reformas de Base (agrária,
econômica, educação); os Centros Populares de Cultura (CPCs), por meio da UNE, levam
teatro ao povo; os Movimentos de Cultura Popular (MCP) promovem programas de
alfabetização eficientes e altamente politizados, organizados por Miguel Arraes, Moacyr de
Góes e Paulo Freire; o Movimento de Educação de Base (MEB), vinculado à CNBB e às
forças progressistas da Igreja, cria o sistema de radiodifusão educativa; e, ainda, o Plano
Nacional de Alfabetização (PNA), do governo João Goulart propõe-se a alfabetizar 5 milhões
de brasileiros de 1964 a 1965.
A segunda se contrapõe à primeira, tornando-se hegemônica, “fundamentada
principalmente na teoria do capital humano
132
e traduzida no enfoque de mão-de-obra dos
planos de educação elaborados na esfera do então Ministério do Planejamento e da
Coordenação Econômica (depois, da Coordenação Geral)” (op. cit., p. 243).´
Para Frigotto (2001), os adeptos desse pensamento pretendem com o conceito de
capital humano explicar, por um lado, os fatores do desenvolvimento econômico na
concepção neoclássica, e, por outro, as diferenças salariais. “A teoria do capital humano,
enquanto um processo de conhecimento da realidade não é algo que nasce por acaso”, o que
se pretende é escamotear que as relações de produção capitalista engendram cada vez mais as
desigualdades sociais. Nesse sentido, a educação é tomada como um investimento “para se
superar as desigualdades entre nações, regiões ou indivíduos” (op. cit., p. 136).
132
Frigotto (2001) em A produtividade da escola produtiva discute criticamente os vínculos da educação com a
estrutura econômico-social capitalista.
125
Desde meados da década de 1950, o conceito de educação como investimento vem
sendo utilizado nos debates do Congresso Constituinte para justificar os recursos
orçamentários relacionados aos níveis de ensino médio, superior e à capacitação de pessoal.
Nos anos de 1960, esse conceito é aprofundado a partir da Reunião Extraordinária do
Conselho Interamericano Econômico e Social, coordenada pela OEA e realizada em outubro
de 1961, em Punta del Leste, que contou com a participação dos Ministros da Economia de
todos os países da América Latina. Os resultados dessa reunião foram consolidados no Plano
Decenal de Educação da Aliança para o Progresso e expressos, também, na Conferência sobre
Educação e Desenvolvimento Econômico e Social na América Latina, realizada em Santigo
do Chile, em março de 1962, promovida pela OEA, CEPAL e UNESCO, tendo a presença de
todos os Ministros da Educação dessa região.
Nesse sentido,
em 1966 – 67, com o poder nas mãos, os designados tecnocratas, a partir
dos mesmos princípios, articulavam outras soluções. Todo arsenal
teórico-metodológico do planejamento e da economia da educação estava
sendo aplicado para subordinar a educação, em seus diversos níveis e
modalidades, ao projeto autoritário de crescimento econômico e inserção
subordinada da economia brasileira no capitalismo internacional. É também
nessa direção que se processam as reformas do ensino de 1º e 2º graus e do
ensino superior (ibid, p. 245).
A expansão do ensino primário e, em especial, do ginasial — 1
o
ciclo do ensino
médio —, vinha ocorrendo desde os anos de 1950, sobretudo para atender a demandas locais,
sejam industriais, sejam comerciais ou agrícolas. Assim, nos debates da LDB/61
questionava-se o caráter essencialmente propedêutico no ramo secundário, incluindo, aí, o
curso ginasial e o curso secundário. Paralelamente, apontava-se o incremento de disciplinas
de cultura geral nos cursos técnicos industriais, isso é, a secundarização do ensino
industrial
133
. De um lado, os debates privilegiavam a necessidade de assumir a escolarização
obrigatória dos sete aos quatorze anos de idade, oficializando a expansão conjugada do
primário e do ginasial. De outro, buscava-se articular educação geral e iniciação às práticas do
trabalho. À luz do ginásio industrial, ginásio comercial, ginásio agrícola e normal de 1
o
ciclo,
adotados pelas legislações anteriores, de 1961 a 1965, a Diretoria do Ensino Secundário, do
Ministério da Educação, elaborou e implantou projetos dos ginásios modernos, ginásios
polivalentes, ginásios pluricurriculares e, afinal, ginásios orientados para o trabalho. Os
ginásios modernos, portanto, previstos no Plano Trienal de Educação (1963—1965) do
133
Para maiores detalhes, ver Cunha, 2000.
126
governo João Goulart, buscaram ajustar o ensino médio aos imperativos de desenvolvimento
econômico. Tal concepção foi explicitada no Programa Estratégico de Desenvolvimento
elaborado em 1967, na vigência dos acordos MEC – USAID, que propunha a “reformulação
do ensino médio, para construir, com o primário, um sistema fundamental que, atendendo à
elevação do padrão qualitativo, assegurasse a formação básica do educando e sua preparação
para as atividades econômicas na indústria, agricultura e serviços” (FÁVERO, 2001, p.246-7).
Logo a seguir, foram criados o Programa de Expansão e Melhoria do Ensino Médio
(PREMEM), por meio do Decreto n
o
63.914 de 1968, para colaborar junto à Equipe de
Planejamento do Ensino Médio (EPEM) no planejamento, execução e avaliação de
programas; e o Centro Nacional de Aperfeiçoamento de Pessoal para a Formação Profissional
(CENAFOR)
134
, com o objetivo de coordenar, em nível nacional, a formação do magistério
especializado para o ensino profissional.
Além dos planos e ações referidos anteriormente, relacionados a um novo tipo de
ginásio, os Pareceres de n
o
466/69 e n
o
793/69 do Conselho Federal de Educação
recomendavam a revisão da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (CUNHA,
2000).
Nesse contexto de final da década de 1960, início dos anos 1970, havia fortes críticas
da iniciativa privada, em particular do empresariado industrial, em relação ao processo de
estatização realizado no governo militar, posto que, na visão da CNI, o Estado não seria um
‘bom empresário’ no sentido de promover o ‘progresso humano’ e ‘construir uma nação’.
Assim sendo, o empresariado industrial reivindicava para si o papel de elevar a nação ao
estágio de país desenvolvido por meio de uma nova política industrial que tivesse como
diretriz o aumento da produtividade industrial, “resultante da ação de dois vetores, um de
caráter tecnológico e outro de caráter humano”. No que concerne ao primeiro vetor, seria
necessário reequipar o parque industrial o que poderia ser realizado através da importação de
maquinaria, tal como viria acontecer no processo de abertura da economia dos anos de 1990
(RODRIGUES, 1998, p. 80-4). Com relação ao vetor humano,
a CNI, em fins da década de 60, esboçara — sob o lema educação para o
trabalho — um programa amplo para a educação em tempos de mudança.
Para a educação popular, a CNI defende, além da alfabetização de toda a
população, a sua capacitação para aprender a aprender. Quanto ao ensino
134
O Projeto de criação do CENAFOR foi preparado com a assessoria da Organização Internacional do Trabalho
(OIT), recebendo o valor de 1 milhão, 426 mil e 500 dólares, do Fundo Especial da Nações Unidas, em
contrapartida, o governo brasileiro colaborou com 150 mil e 675 dólares (Revista Ensino Industrial. Brasília.
MEC/CBAI/DEI, n. 17, ano VII, maio/1968).
127
primário, a CNI propõe a elevação qualitativa do mesmo, eliminando a
repetência e a evasão escolar. No tocante ao nível médio, a entidade
propugna um ensino voltado prioritariamente para a formação de técnicos.
Finalmente, para o ensino superior, a CNI aponta como meta a
flexibilidade, com prioridade voltada para o campo tecnológico e, como o
ensino técnico, em sintonia fina com o mercado de trabalho e estreita
colaboração com as empresas (op. cit., p.83).
Tanto assim que em 11 de agosto de 1971, é promulgada a Lei n
o
5.692, balizada não
só por recomendações dos acordos MEC—USAID, mas, também, pela burguesia brasileira,
propugnando que a profissionalização compulsória traga em seu bojo a formação do capital
humano, como será visto a seguir.
3.2. A FORMAÇÃO PROFISSIONAL NO CONTEXTO HISTÓRICO DA
EDUCAÇÃO NO BRASIL URBANO-INDUSTRIAL: décadas de 1970 E 1980
No regime político em que se equacionava a economia, anunciando a euforia do
“milagre econômico brasileiro”, os objetivos principais da Lei n
o
5.692/71 eram o de
assegurar a ampliação da oferta do ensino de 1
o
grau, para garantir formação e qualificação
mínimas à inserção de grande parcela da classe trabalhadora no processo produtivo
taylorista-fordista, cujos postos de trabalho ainda exigiam pouca qualificação; e o de criar
condições para a formação de mão-de-obra habilitada a ocupar cargos da administração
pública e da indústria, de modo a favorecer o processo de importação tecnológica e de
modernização que se pretendia para o país.
O Plano Decenal da Aliança para o Progresso e o Conselho Interamericano
Econômico e Social (CIES) – Secretaria da Organização dos Estados
Americanos (OEA) para assuntos culturais, científicos e de informação –
indicavam com desconcertante franqueza que educador e educando haviam
se transformado em capital humano (SHIROMA, 2000, p. 36).
Dessa maneira, a Lei n
o
5.692/71, ao generalizar a profissionalização no ensino médio,
deixou de limitar a educação profissional às instituições que se dedicavam, há décadas, à
formação profissional, surgindo, então, inúmeros cursos sem investimento apropriado e
perdidos dentro de um segundo grau supostamente profissionalizante e de baixa qualidade. A
responsabilidade da oferta se deu de modo difuso, acelerando a queda da qualidade do ensino
nas redes municipal e estadual. As escolas técnicas da rede federal de ensino que tinham por
vocação, desde a sua origem, ministrar cursos de formação de jovens para atuarem na área da
indústria, deram continuidade a sua missão.
128
Entretanto, vimos que no Brasil os cursos profissionais, inicialmente de caráter
assistencialista, destinavam-se “aos miseráveis, aos órfãos, aos abandonados, aos
delinqüentes”, depois “à infância e à juventude, a que faltarem os recursos necessários à
educação em instituições particulares”, e, mais tarde, à “formação de operários”; dessa
maneira, sobre as instituições de formação profissional pairava a visão de uma sociedade
marcada pelo resquício do escravismo, em que o trabalho voltado para as atividades práticas
era tido como de menor valor. Assim, para atender às novas demandas do mercado e fazer
valer a profissionalização, no então ensino de 2
o
grau, por meio da Lei n
o
5.692/71, cujo
objetivo era formar o maior número de técnicos de nível médio no país, foi preciso
transformar a visão das famílias de classe média; nesse sentido, foi empreendida uma grande
campanha de valorização do ensino profissional e do trabalho técnico, que teve a participação
de órgãos governamentais e de setores privados difundindo tal concepção, nos diferentes
meios de comunicação social. Sobretudo a publicação Caderno de Profissões
135
, editada por
uma empresa jornalística do Rio de Janeiro e financiada por uma distribuidora de produtos de
petróleo, foi o marco dessa campanha. Distribuído gratuitamente aos estudantes, o Caderno
de Profissões apresentava comentários sobre as profissões de nível médio e entrevistas que
apontavam para a existência de um mercado de trabalho com boas oportunidades
ocupacionais e salariais para técnicos, os quais, em alguns casos, seriam, na ótica da
publicação, melhor remunerados do que engenheiros (CUNHA, 2000, p.183).
Nesse cenário, observa-se que o currículo proposto para a formação do técnico de
nível médio buscou — sob a aparência de promover a integração entre os conteúdos do núcleo
comum e da parte diversificada ou, ainda, entre a então denominada parte de cultura geral e
parte diversificada ou educação geral e formação especial — oferecer a formação de jovens
e adultos atendendo às necessidades estritas do mercado de trabalho. A política
desenvolvimentista moldou o capital humano com a modernização de hábitos de consumo,
integração da política educacional aos planos gerais de desenvolvimento e segurança
nacional, defesa do Estado, controle político-ideológico da vida intelectual e cultural do país.
“Poder-se-ia dizer que a profissionalização compulsória no ensino secundário instituída pela
Lei n
o
5.692/71 promoveria a superação do dualismo nesse nível de ensino” (FRIGOTTO;
CIAVATTA; RAMOS, 2005, p. 33), entrementes a marca de uma sociedade cindida em
classes falará mais alto.
135
Cabe registrar que quando aluna da Escola Técnica Federal Celso Suckow da Fonseca tive acesso às referidas
publicações.
129
Santos (2006, p.33) ressalta que se tornou impossível ignorar a insatisfação dos
dirigentes educacionais e de educadores quanto aos rumos que estavam sendo dados ao ensino
de segundo grau profissionalizante; foi assim que o Aviso Ministerial n
o
924/74 passou a
fundamentar os debates e as orientações que deram origem ao Parecer n
o
75/76, instituído
com o objetivo de solucionar os problemas da profissionalização compulsória. Tal parecer,
segundo Cunha (2000), veio promover “a reforma da reforma” ao defender que não seria
viável a todas as escolas de 2
o
grau se transformarem em escolas técnicas. Diferentemente do
que propugnava o Parecer n
o
45/72 — a “qualificação para o trabalho compreenderá o
processo de preparar o jovem para as ações convenientes ao trabalho produtivo, seja ele de
criatividade, de multiplicação de idéias e projetos, de análise e controle, de administração e
supervisão ou de execução manual e mecânica, tudo de acordo com as potencialidades e
diferenças dos educandos”, o referido Parecer n
o
75/76 pretendia “tornar o jovem consciente
do domínio que deve ter das bases científicas que orientam uma profissão e levá-lo à
aplicação tecnológica dos conhecimentos meramente abstratos transmitidos até então pela
escola”. Desse modo, ter-se-ia, então, duas escolas de 2
o
grau: uma, voltada para as
necessidades estritas do mercado sob a égide da Lei n
o
5.692/71 e do Parecer n
o
45/72, e, a
outra, sob a égide da mesma lei, porém, amparada pelo Parecer n
o
75/76, destinada a garantir
a preparação básica ou mínima para o mundo trabalho. Esse fato histórico da dualidade
escolar brasileira, parece me levar, pelo túnel do tempo, até os anos de 1990, quando uma
única lei para o ensino, a de n
o
9.394/96, por meio de dois instrumentos legais, o Parecer
n
o
15/99 e Parecer n
o
16/99, ditará o funcionamento de duas “escolas do trabalho”. Ou seria,
apenas, a antecipação dos fatos, ou, na pior das hipóteses, a perpetuação velada da sociedade
cindida em classes?
A formação profissional, prevista pelo texto da lei n.5.692/71 e pelo
Parecer n.45/72, estaria voltada para fora, isso é, para o mercado de
trabalho, movimento que tinha no economista o orientador por excelência.
A outra modalidade seria a compreendida pelo termo lato de educação para
o trabalho, novidade trazida pelo Parecer n.76/75, na qual a
profissionalização estaria voltada para dentro da escola, articulando o
interesse de cada aluno com o de cada estabelecimento de ensino, sob a
égide do pedagogo, e resultaria da estranha combinação de educação geral
com ‘consciência do valor do trabalho’ mais a aquisição de ‘habilidades
tecnológicas’ (CUNHA, 2000, p.203).
A fim de atender às pressões não só de alunos e seus responsáveis, da burocracia
estatal, dos empresários do ensino, como, também, das tradicionais instituições de formação
130
profissional, o restabelecimento do dualismo estrutural foi efetivado com a Lei n
o
7.044/82,
facultando, ou não, as instituições de ensino oferecer a formação profissional, ou em outras
palavras, a referida lei facultou a implantação do ensino técnico nas escolas que
originariamente preparavam candidatos para o ensino superior.
Com a extinção da profissionalização compulsória no ensino de 2
o
grau, o dualismo
passa a diferir do período anterior à LDB de 1961, uma vez que a equivalência entre os cursos
propedêuticos e técnicos encontrava-se preservada. Assim, esse dualismo, velado, passa a se
caracterizar pela valorização social dos conteúdos da formação.
No primeiro caso, o ideário social mantinha o preceito de que o ensino
técnico destinava-se aos filhos das classes trabalhadoras cujo horizonte era
o mercado de trabalho, e não o ensino superior. No segundo caso, enquanto
a Lei n. 5.692/71
determinava que na carga horária mínima prevista para o
ensino técnico de 2º grau (2.200 horas) houvesse a predominância da parte
especial em relação à geral, a Lei n. 7.044/82, ao extinguir a
profissionalização compulsória, considerou que nos cursos não
profissionalizantes as 2.200 horas pudessem ser totalmente destinadas à
formação geral. Com isso, os estudantes que cursavam o ensino técnico
ficavam privados de uma formação básica plena que, por sua vez,
predominava nos cursos propedêuticos, dando àqueles que cursavam esses
cursos, vantagens em relação às condições de acesso ao ensino superior e à
cultura em geral (FRIGOTTO; CIAVATTA; RAMOS, 2005, p.34).
3.2.1. Os movimentos dos anos de 1970—1980
O movimento estudantil de 1968, ocorrido em vários países, denunciava o princípio da
centralização, adotado pela ideologia da Revolução Francesa, o controle administrativo,
técnico e ideológico. Nesse cenário, o princípio da educação permanente é retomado como
conceito-chave no Ano Internacional da Educação, 1970, devendo inspirar as políticas
educacionais dos países membros. Assim sendo, a UNESCO, em sua 15
a
Conferência Geral,
cria a Comissão Internacional para o Desenvolvimento da Educação, propondo nova
orientação para os sistemas nacionais de ensino: a educação permanente tendo em sua
essência a educação para a paz.
A Comissão traça 21 princípios norteadores da educação permanente. Tais princípios
serão basilares na Conferência Mundial sobre Educação para Todos, realizada em 1990, em
Jomtien, Tailândia, influenciando diretamente a trajetória da Nova LDB a ser promulgada em
20 de dezembro de 1996:
131
a educação permanente deve ser a pedra angular da política educacional nos próximos
anos, tanto nos países desenvolvidos quanto nos países em desenvolvimento, para que
todo indivíduo tenha oportunidade de aprender durante toda a sua vida;
a educação deve ser prolongada durante toda vida, não se limitando apenas aos muros
da escola. Deve haver uma reestruturação global do ensino. A educação deve adquirir
dimensões de um movimento popular;
a educação deve ser repartida por uma multiplicidade de meios. O importante não é
saber por que caminhos o indivíduo seguiu, mas o que ele aprendeu e adquiriu;
é necessário abolir as barreiras que existem entre os diferentes ciclos, graus de ensino,
assim como da educação formal e não-formal.
a educação pré-escolar deve figurar entre os principais objetivos da estratégia
educacional dos anos vindouros. É um requisito importante de toda a política
educativa e cultural;
a educação elementar deve ser assegurada a todos os indivíduos. Deve ter caráter
prioritário entre os objetivos educacionais;
o conceito de ensino geral deve ser ampliado de forma a englobar os conhecimentos
socioeconômicos, técnicos e práticos. Devem ser abolidas as distinções entre os
diferentes tipos de ensino: científico, técnico, profissional. A educação deve ter um
caráter simultâneo entre o teórico, o tecnológico, o prático e o manual;
a educação tem a finalidade de formar os jovens não num determinado ofício, mas
oferecer recursos para que eles possam adaptar-se às diferentes tarefas, tendo um
aperfeiçoamento contínuo, na medida em que evoluem as formas de produção e as
condições de trabalho;
a educação técnica deve distribuir-se entre escolas, empresas e educação extra-escolar;
no que diz respeito ao ensino superior, há necessidade de uma ampla diversificação
das estruturas, dos conteúdos e dos alunos, possibilitando o acesso de indivíduos de
determinadas categorias sociais às universidades;
os diferentes tipos de ensino e as atividades profissionais devem depender de modo
exclusivo dos conhecimentos, das capacidades e das aptidões de cada indivíduo;
a educação de adultos, escolar e extra-escolar, deve ocupar dentro dos objetivos um
caráter primordial da estratégia educacional nos próximos anos;
a alfabetização deve deixar de ser um momento e um elemento da educação de
adultos; pelo contrário, deve articular-se com a realidade socioeconômica do país;
132
a ética da educação deve fazer do indivíduo um mestre, agente do seu próprio
desenvolvimento cultural;
os sistemas educacionais devem ser planejados, levando-se em conta todas as
possibilidades que as novas tecnologias oferecem, como a televisão, o rádio, etc.;
a formação dos educadores deve levar em conta as novas funções que eles irão
desempenhar;
qualquer função do educador deve ser exercida com dignidade, devendo-se reduzir de
forma gradual a hierarquia mantida entre as diversas categorias docentes;
a formação dos docentes deve ser profundamente modificada para que seu trabalho
seja mais o de educadores que o de especialistas em transmissão de conhecimentos;
além dos educadores profissionais, deve-se recorrer a auxiliares e profissionais de
outros domínios como: operários, técnicos, executivos, bem como alunos e estudantes,
com o objetivo de que eles também instruam outros e tenham a compreensão de que
toda aquisição intelectual deve ser repartida;
o ensino deve adaptar-se ao educando e não se submeter a regras preestabelecidas;
os educandos, jovens e adultos, deverão exercer responsabilidades como sujeitos não
só da própria educação, mas, também, da empresa educativa em seu conjunto.
A partir daí, é possível observar que o planejamento econômico e social atrelado ao
planejamento educacional proposto por um conceito tão amplo, tido como não-ideológico,
não pode ser adaptado às especificidades nacionais, regionais e até locais dos diferentes países
em geral, e do Brasil, em particular, como veremos mais adiante.
Em meados de 1970, o “milagre econômico” mostrava sinais de esgotamento. À crise
econômica interna somava-se a crise do capitalismo internacional, gerando a estagflação,
aumento do valor do petróleo e crise fiscal do Estado. Nesse cenário, forte pressão recai sobre
o regime militar, desestruturando seu apoio político. Assim sendo, a sociedade civil
136
se
fortalece ganhando a capacidade de intervir coletivamente nas políticas públicas. Nesse
cenário, em 1979, é abolido o bipartidarismo formado pela Aliança Renovadora Nacional
(ARENA) e Movimento Democrático Brasileiro (MBD). A ARENA transformou-se no
Partido Democrático Social (PDS), o MDB em PMDB, os antigos trabalhistas do Partido
136
Coutinho (2002) destaca o fato de o país sair da ditadura militar com uma estrutura social e política muito
mais complexa do que quando nela ingressou, caracterizando-se como uma sociedade do tipo ocidental na qual
existe “uma relação equilibrada entre Estado e sociedade civil”. Desse modo, apesar de o Estado ser forte, se
contrapõe a ele uma sociedade civil igualmente organizada, articulada e forte (p.21-2).
133
Trabalhista Brasileiro (PTB) dividiram-se em PTB e Partido Democrático Trabalhista (PDT).
Os moderados do MDB se reuniram em torno do Partido Progressista (PP), que logo depois
voltou a fundir-se com o PMDB. Diferentemente de todos os partidos brasileiros de antes e
depois do golpe de 1964, à exceção do Partido Comunista, criados por políticos profissionais,
ou por influência do Poder Executivo, ou, ainda, por representantes da elite social e
econômica, o Partido dos Trabalhadores (PT), fundado em 1980, surgiu de reuniões abertas
das quais participavam centenas de militantes.
Depois das eleições diretas para governadores nos estados, realizadas em 1982, os
militares, pressionados pela mobilização popular das “diretas já”, promoveram eleições
indiretas para a presidência da República, em 1985. Tancredo Neves, do PMDB, vence as
eleições, morrendo, antes, porém, de ser empossado. Seu vice, José Sarney, representante das
oligarquias e prestimoso dos militares, assumiu o cargo, tornando-se o primeiro presidente
civil, depois de 21 anos de ditadura militar.
Na realidade concreta brasileira, nesse cenário ditatorial, a comunidade educacional já
vinha, desde meados de 1970, utilizando vários instrumentos a fim de formular diagnósticos,
denúncias e propostas para a educação, contando com: Associação Nacional de Pesquisa e
Pós-Graduação em Educação (ANPEd), Associação Nacional de Docentes do Ensino Superior
(ANDES), Confederação Nacional de Trabalhadores da Educação (CNTE), Comissão
Nacional pela Reformulação dos Cursos de Formação do Educador (CONARCFE),
Associação Nacional pela Formação de Profissionais da Educação (ANFOPE), Centro de
Estudos Educação e Sociedade (Cadernos do CEDES), Revista Educação& Sociedade,
Conferências Brasileiras de Educação (CBE) e Sociedade Brasileira para o Progresso da
Ciência (SBPC).
No clima de euforia e otimismo da Nova República foram realizadas eleições em
1986, para formar a Assembléia Nacional Constituinte que trabalhou por mais de um ano na
redação da quarta Constituição da República Federativa do Brasil, fazendo ampla consulta a
especialistas, setores organizados e representativos da sociedade civil. Em 1988, a
Constituição cidadã foi promulgada, trazendo em seu bojo a garantia dos direitos do cidadão
brasileiro, além de institucionalizar as bases que permitiriam as mudanças almejadas na área
da educação.
Isso porque, antes mesmo de os trabalhos da constituinte terem início, realizou-se em
agosto de 1986, em Goiânia, a IV Conferência Brasileira de Educação, cujo tema central foi A
educação e a constituinte, que redundou na Carta de Goiânia, reunindo propostas dos
134
educadores para o capítulo da Constituição referente à educação no país. Nessa proposta,
buscou-se manter o artigo que definia como competência da União legislar sobre as diretrizes
e bases da educação nacional (SAVIANI, 2003, p. 35).
Concordo com Frigotto (2002, p.54) ao afirmar que antes da denominada ‘era FHC’,
em especial nos anos de 1980, o Brasil experimentou um rico processo de luta, marcado por
debates na busca da redemocratização.
O centro desses debates foi canalizado pelo processo constituinte e, em
seguida, pela elaboração da nova Constituição (1988). Poderíamos arriscar
afirmar que o capítulo da ordem econômico-social incorporou amplas teses
do projeto de desenvolvimento ‘nacional-popular’ e logrou ganhos
significativos na afirmação de direitos econômicos, sociais e subjetivos. É
nesse contexto que os educadores, mediante suas instituições científicas,
culturais, sindicais e políticas, que resistiram no período ditatorial,
protagonizam inúmeras experiências em prefeituras e depois em alguns
estados, como demonstra detalhadamente Cunha (1991)
137
, e iniciam a
construção do projeto da Nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional e do Plano Nacional de Educação (FRIGOTTO; CIAVATTA,
2003, p. 104).
Entretanto, o rumo à democracia plena foi arrebatado pelas concepções e propostas
neoliberais, do que tratarei a seguir.
4. O PRESENTE, RESULTADO DE UM PROCESSO HISTÓRICO: a LBD e a
reforma do ensino médio e técnico nos anos de 1990
Os anos de 1990 têm um significado para além da ruptura com o padrão de
acumulação promovido pelo Estado nacional-desenvolvimentista. Na realidade concreta,
representam, também, uma inversão na cultura empresarial e nos princípios políticos no que
concerne ao debate ocorrido entre Eugênio Gudin e Roberto Simonsen, nos anos de 1940.
Expus no capítulo I que, durante a Era Vargas, Gudin, defensor do livre mercado, foi
preterido, enquanto que o pensamento de Simonsen tornou-se hegemônico defendendo que o
país só alcançaria a industrialização por meio de um Estado forte e provedor da
industrialização que adotasse a política de substituição de importação e de reserva de
137
Frigotto e Ciavatta referem-se à obra de Cunha, Luis Antonio. Educação, Estado e democracia no Brasil.
135
mercado. Os anos de 1990 foram o marco do retorno desse debate, trazendo o ressurgimento
das idéias de Gudin (SETÚBAL, 2005, p.421), quando se promoveu a abertura comercial ao
capital imperialista, com base no acirramento da competitividade na economia e das
privatizações que caracterizaram o processo de desnacionalização, sob a justificativa
governamental de conquistar investimentos em infra-estrutura; e quando, ainda, foram criadas
agências reguladoras com a finalidade de se oferecer caráter de gestão estatal da economia,
com base na concorrência. Portanto, trata-se de uma velha ideologia que desempenha uma
função política nova e, em parte, paradoxal: a de exaltar o mercado em benefício dos
monopólios e contra os direitos sociais (BOITO, Jr., 1996).
Conseqüentemente, os governos de Collor de Mello e Fernando Henrique Cardoso,
apesar de terem chegado ao poder pelo voto popular, expressam a constituição de uma
hegemonia burguesa de concepções e propostas políticas neoliberais. Iniciada no governo
Collor, e aprofundada no período FHC, a subordinação do Brasil à nova (des)ordem do capital
mundial ocorreu sob o discurso de modernização produtiva e inserção competitiva,
promovendo, assim, a (re)inserção do país na nova divisão internacional do trabalho, marcada
pelo aumento da produtividade e da superexploção do trabalho.
Entre 1990 e 1991, foram implantados vários programas com a participação efetiva da
burguesia industrial, a exemplo do Programa Brasileiro de Qualidade e Produtividade,
Programa de Apoio à Capacitação Tecnológica da Indústria Brasileira, Programa de
Competitividade Industrial, Projeto de Reconstrução Nacional e o Programa Setorial de
Educação. No que se relaciona à participação do empresariado industrial na política
educacional brasileira, Rodrigues (1998) destaca a presença desse patronato, por meio da
Confederação Nacional da Indústria (CNI), no campo de luta hegemônica pela definição dos
fins, objetivos, métodos e estrutura da educação. Também os organismos multilaterais, como
o Fundo Monetário Internacional (FMI), Banco Mundial (BIRD), Banco Interamericano de
Desenvolvimento (BID) e o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD),
passam a ter o papel de tutoriar reformas dos Estados nacionais, principalmente dos países de
capitalismo dependente. No plano jurídico-econômico, a Organização Mundial do Comércio
(OMC) vai tecendo uma legislação cujo poder transcende o domínio das megacorporações e
empresas transnacionais. Ressalte-se que, em 2000, a OMC sinalizou para o capital que o
campo da educação é um dos espaços mais fecundos para negócios rentáveis (FRIGOTTO;
CIAVATTA, 2003). Nesse caso, as Organizações das Nações Unidas para a Educação, a
136
Ciência e a Cultura (UNESCO) entram em cena como órgão de assessoria técnica na
organização pedagógica, realizando grandes eventos de farta produção documental.
Ainda nos anos de 1990, em nível regional, outros organismos servem de
sustentáculos aos primeiros. No caso da América Latina, destaca-se, no plano econômico, a
Comissão Econômica para a América Latina e Caribe (CEPAL), no plano educacional, a
Oficina Regional para a Educação na América Latina e no Caribe (OREALC) e, no plano
mais abrangente, o Acordo de Livre Comércio das Américas (ALCA)
138
.
A CEPAL dos anos 1990 incorporou o debate internacional sobre a necessidade de se
reformularem os sistemas educacionais de modo a ajustá-los às mudanças no setor produtivo e
das transformações decorrentes de uma competição em nível global, formulando, em 1992, o
documento Educación y conocimiento: eje de la transformación productiva con equidad. O
objetivo era o de assegurar o progresso técnico para a América Latina e Caribe, garantindo
que a reestruturação econômica fosse acompanhada de eqüidade social, o que foi preconizado
na publicação Transformación productiva con equidad . Desse modo, do ponto de vista dos
cepalinos a educação é o principal instrumento na construção de uma nova realidade
econômica e social para os países em desenvolvimento, estratégia central da competitividade,
em um contexto de globalização marcada pela sociedade do conhecimento.
Vasta documentação emanada de importantes organismos multilaterais propalou esse
ideário a partir de diagnósticos, análises e propostas de soluções consideradas fundamentais a
todos os países da América Latina e Caribe, tanto no que se refere à educação, quanto à
economia. As bases para o projeto de educação em nível mundial foram determinadas na
Conferência Mundial sobre Educação para Todos
139
realizada em Jomtien, Tailândia, de 5 a 9
março de 1990, cuja meta “viável” é a Satisfação das Necessidades Básicas de Aprendizagem
138
Em fevereiro de 2004, diplomatas de 34 países das Américas (exceto Cuba) não chegaram a um consenso
sobre como prosseguir nas negociações da ALCA. Os Estados Unidos e governos aliados, México, Colômbia e
Chile, defendem um tratado abrangente. Já no Mercosul, sobretudo Brasil e Argentina pretendem um acordo
menos ambicioso, reivindicando que sejam eliminados os subsídios e apoios oferecidos pelo governo
estadunidense, internamente, a seus agricultores. A Venezuela, por sua vez, propõe a discussão de um outro
projeto de integração. Em contrapartida, o governo norte-americano vem fechando acordos bilaterais, por meio
dos TLCs, para dar continuidade a relação dialética, imperialismo-dependência, que estabelece com os povos da
América Latina.
139
O legado do governo militar à Nova República foi o de um quadro educacional funesto: aproximadamente
30% da população era analfabeta; o índice de evasão e repetência aproximava-se de 50%; 23% dos professores
eram leigos. Com estes índices, o Brasil integrou o grupo dos países com maior taxa de analfabetismo (E-9), na
Conferência de Jomtien, tendo que se comprometer a promover políticas públicas de educação a partir do Fórum
Consultivo Internacional de Educação para Todos.
137
(NEBAS), as quais compreendem tanto os instrumentos essenciais para a aprendizagem
(como leitura e escrita, expressão oral, cálculo, solução de problemas), quanto os conteúdos
básicos da aprendizagem (conhecimentos, habilidades, valores e atitudes), necessários para
que os seres humanos possam sobreviver, desenvolver plenamente suas potencialidades, viver
e trabalhar com dignidade, participar plenamente do desenvolvimento, melhorar a qualidade
de vida, tomar decisões fundamentadas e continuar aprendendo (UNESCO, 1990).
É acenando com tais conhecimentos teóricos e práticos, capacidades, valores e atitudes
que a UNESCO pretende em “Educação para Todos” (con)formar crianças, jovens e
trabalhadores, “entendendo que a educação pode contribuir para conquistar um mundo mais
seguro, mais sadio, mais próspero e ambientalmente mais puro, que, ao mesmo tempo,
favoreça o progresso social, econômico e cultural, a tolerância e a cooperação internacional”
(UNESCO, 1990)
140
. Shiroma (2000) ressalta que para a Carta de Jomtien “educação básica”
não se refere, apenas, à educação formal, uma vez que para a NEBAS se tornar realidade seria
necessário contar com outros espaços, que não apenas o da educação formal, como a família,
a comunidade e os meios de comunicação.
A função ideológica do conceito de Satisfação das Necessidades Básicas de
Aprendizagem, lançado pela Conferência de Jomtien, encontra boa acolhida por parte dos
denominados “arautos da reforma”
141
, elaboradores do Plano Decenal da Educação para Todos
(1993—2003), no governo Itamar Franco, sucessor de Collor de Mello. Simultaneamente à
derrocada de Collor de Mello, Itamar Franco abre espaço para que o então candidato à
Presidência da República, Fernando Henrique Cardoso, construa a hegemonia e chegue ao
poder, derrotando o candidato do Partido dos Trabalhadores, Luiz Antonio Lula da Silva. Nesse
cenário, a correlação de forças no Congresso Nacional é alterada, modificando-se o rumo do
projeto de LDB delineado pelo movimento popular no final da década anterior.
Posteriormente, no ano de 2000, foi realizado O Marco de Ação de Dakar, em Dakar,
Senegal, no período de 26 a 28 de abril, no qual os participantes da Cúpula Mundial de
Educação comprometeram-se a alcançar os objetivos e metas
142
de Educação para Todos.
A partir das Recomendações e Acordos que os Estados-Nação de capitalismo
dependente estabelecem com as organizações multilaterais, a educação passa à política
140
Para maiores detalhes, consultar www.unesco.org.br/publicações. Interessante verificar a relação entre esse
documento e o produzido na década dos anos de 1970, citado por mim, anteriormente.
141
Vale conferir “Os arautos da reforma entre os educadores” em Shiroma, 2000, p.82 –86.
142
No compromisso coletivo ficou acordado que para se atingir os objetivos e metas, “portanto, é essencial que
novos compromissos financeiros concretos sejam firmados pelos governos nacionais e também pelos doadores
bilaterais, multilaterais, incluindo-se o Banco Mundial, os bancos regionais de desenvolvimento, a sociedade
civil e as fundações”, 28 de abril de 2000, Dakar, Senegal.
138
prioritária do Banco Mundial, tornando-se, então, ‘núcleo sólido’ para ‘aliviar’ a pobreza e
promover a ideologia da globalização.
O mais importante a destacar é o pressuposto axial de que a educação é uma
condição necessária para a reprodução econômica e ideológica do capital. A
educação (e mais especificamente, a formação profissional a ela associada)
tem como uma de suas principais funções transformar imaginariamente a
divisão social do trabalho em resultado escolar, despolitizando, por meio de
noções de dom, aptidão e mérito, as contradições fundamentais do
capitalismo (LEHER, 1998, p.86).
É nesse contexto que o governo Fernando Henrique Cardoso, tendo como objetivo
abrir novas áreas de acumulação para o capital privado, a exemplo da educação, aprova vários
instrumentos legais que regem, até os dias de hoje, a estrutura e organização do sistema
educacional brasileiro. Em seus dois mandatos (1995—2002), FHC contou apenas com um
ministro, Paulo Renato de Souza, economista, ex-secretário de educação do estado de São
Paulo, ex-reitor da Universidade Estadual de Campinas, com passagem pelo BID. A proposta
de governo para o primeiro mandato foi elaborada por uma equipe coordenada pelo
economista Paulo Renato Souza, cujo destaque foi o papel econômico da educação atrelado
ao novo modelo de desenvolvimento. A base de sustentação e dinâmica do novo
desenvolvimento econômico é externo, fundamentada na importação de ciência e tecnologia.
Essa indução atuaria no sistema educacional pelo topo, isso é, pela
universidade, entendendo-se que a competência científica e tecnológica é
fundamental para garantir a qualidade do ensino básico, secundário e
técnico, assim como aumentar a qualificação geral da população. Para se
conseguir isso, a proposta afirmava a necessidade de se estabelecer uma
"verdadeira parceria" entre setor privado e governo, entre universidade e
indústria, tanto na gestão quanto no financiamento do sistema brasileiro de
desenvolvimento científico e tecnológico (CUNHA, 2003)
143
.
Com base no tripé da plataforma de política neoliberal — constituído pelo
aprofundamento da abertura comercial, pela privatização de empresas e de serviços públicos,
e, ainda, pela desregulamentação das relações de trabalho —, além da apropriação dos novos
paradigmas tecnológicos, o capital mediado pelo governo Cardoso colocou a necessidade de
serem efetivadas alterações significativas na educação, envolvendo as políticas públicas
educacionais, o funcionamento dos sistemas de ensino, suas concepções, o currículo dos
cursos, etc.; enquanto o trabalho respondia, predominantemente, às pressões das
143
CUNHA, Luiz Antonio. O ensino superior no octênio FHC. Revista Educação & Sociedade, v.24, n. 82.
Campinas, 2003. Disponível em:
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-73302003000100003&lng=pt&nrm=iso
139
transformações econômicas e tecnológicas com elevação e persistência das taxas de
desemprego, proliferação de oportunidades ocupacionais com condições de trabalho de pior
qualidade, cristalização dos baixos rendimentos das massas.
Vale repetir, mesmo sob pena de ser redundante, que a ideologia salvacionista de
governos anteriores é renovada pelo Estado neoliberal que vem atribuindo à educação o poder
de sustentação da competitividade. Em outras palavras: mais uma vez na história do sistema
educacional brasileiro, se atribui à educação, êxitos e, ou, atrasos no campo econômico,
político e social.
4.1. OS TRÂMITES DO PROJETO DA NOVA LDB E O PROJETO DE SOCIEDADE
NA REFORMA DA EDUCAÇÃO
Após garantir que as propostas contidas na Carta de Goiânia fossem incorporadas
quase que na totalidade ao texto da Constituição, foi iniciado, ainda em 1987, o movimento
em torno da elaboração das novas diretrizes e bases da educação nacional.
144
Convidado pela
diretoria da ANPEd para proferir conferência sobre o tema Em direção às novas diretrizes e
bases da educação, e mais tarde convidado a redigir artigo, para a Revista da ANDE, sobre o
mesmo tema, Saviani inicia a elaboração do projeto original
145
da nova Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional (SAVIANI, 2003, p.35-6). A partir daí, aponto os principais
momentos na tramitação do projeto:
1988 – o primeiro projeto, constituído pelo texto integral de Demerval Saviani com o
Título IX ampliado de sete para 19 artigos, foi apresentado à Câmara Federal pelo
deputado Octávio Elísio (PMDB-MG);
dezembro de 1988 – o texto é relatado pelo deputado Jorge Hage (PSDB-BA, depois
PDT), com algumas emendas;
1992 – o senador Darcy Ribeiro (PDT-RJ) apresenta texto próprio no Senado,
desconsiderando as negociações inconclusas na Câmara dos Deputados;
1993 – o projeto da Câmara é enviado ao senado;
1994 – a eleição de FHC traz nova composição de forças ao Congresso;
144
A trajetória da Nova LDB é descrita com rigor por SAVIANI, Demerval. A nova lei da educação: trajetória,
limites e perspectivas. Campinas: Autores Associados, 2003.
145
O projeto original era o de superar a formação reducionista para o trabalho, trazendo em seu bojo a noção da
politecnia.
140
1995 – Darcy Ribeiro apresenta novo substitutivo resultante dos acordos que vinha
realizando com o governo FHC;
1996 – é aprovada a Lei n
o
9.394, em 20 de dezembro, apresentada como uma lei
moderna que teria por norte o século XXI, em franca oposição ao suposto arcaísmo
do projeto inicial.
O processo demorado de tramitação do projeto da Nova LDB, que resultou na
aprovação do segundo substitutivo de Darcy Ribeiro, é apontado por alguns autores como
estratégico, uma vez que, simultaneamente ao seu trâmite, desde a elaboração e publicação do
Plano Decenal de Educação para Todos, em 1993, o Brasil traçava o plano de ação para
atingir as metas definidas, em 1990, na Conferência Mundial sobre Educação para Todos, em
Jomtien. Para tal, contava com numerosas publicações de organismos multilaterais e também
com diagnósticos de encontros promovidos pelo governo, entre empresários, centrais sindicais
e representantes de vários ministérios.
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, n
o
9.394/96, promulgada em
consonância com a ideologia neoliberal de valorização dos mecanismos de mercado,
descentralização, privatização, desregulamentação das leis trabalhistas, “é uma ‘LDB
minimalista’, compatível com o Estado mínimo” (Saviani, 2003, p. 200).
Certamente essa via foi escolhida para afastar as pressões das forças
organizadas que atuavam junto ou sobre o Parlamento de modo a deixar o
caminho livre para a apresentação e aprovação de reformas pontuais,
tópicas, localizadas, traduzidas em medidas como o denominado ‘Fundo de
Valorização do Magistério’, os ‘Parâmetros Curriculares Nacionais’, a lei
de reforma do ensino profissional e técnico, a emenda constitucional
relativa à autonomia universitária, além de outras como os mecanismos de
avaliação mediante provas aplicadas aos alunos do ensino fundamental e
médio e o ‘provão’
146
para os universitários (SAVIANI, 2003, p. 200).
No bojo da LDB n
o
9.394/96 percebe-se o comprometimento não apenas com a
Constituição de 1988, mas também, e sobretudo, com recomendações dos organismos
multilaterais, como o OCDE, BIRD, BID, UNESCO, PNUD, OREALC, etc. Desse
modo, a partir do governo Fernando Henrique Cardoso a política educacional com sua
“LDB minimalista” conta com uma série de instrumentos legais para se fazer valer.
146
O Exame Nacional de Curso (ENC), denominado provão, foi criado em 1996, para avaliar a qualidade dos
cursos de graduação; aplicado aos formandos, e de caráter obrigatório, foi substituído em 2004 pelo, então,
Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (ENADE).
141
Pode-se afirmar que se trata da mais profícua legislação
147
em toda a história da
educação no Brasil.
Entrementes, desde o processo constituinte de 1987, os debates sobre os rumos do
ensino médio e da formação profissional se deram em torno de disputas. De um lado, os
defensores da politecnia, tendo o trabalho como princípio educativo, viam nas escolas
técnicas o germe da escola unitária. De outro, os que defendiam os sistemas nacionais de
aprendizagem, controlados pelo empresariado. Contudo, a proposta concreta de reformulação
curricular do ensino médio foi apresentada em 1997, ao passo que a ainda denominada
formação técnico-profissional foi alvo de projeto de lei.
O Projeto de Lei (PL) n
o
1.603/96 foi apresentado na Câmara Federal, em março de
1996, antes mesmo da aprovação do texto da nova LDB, o que tem para mim o significado da
ânsia do governo FHC, na voz do ministro Paulo Renato, em subordinar a formação
profissional aos ditames do capitalismo imperialista—dependente.
Esse furor de regulamentação do ensino profissional teria sido resultado do acordo
assinado entre MEC e Banco Mundial, veiculado na imprensa pelo próprio ministro Paulo
Renato, em 4 de março de 1996, por ocasião do lançamento, pelo presidente da República, do
Programa de Educação Profissional, em Belo Horizonte, sobre o qual transcrevo Kuenzer
(2001) .
Como o Banco Mundial não financia projetos a não ser a partir de certas
condições, que já vinham sendo negociadas pelos seus consultores,
resolvidos os termos e os montantes do acordo, necessário se fazia o
cumprimento das condições pelo MEC/SEMTEC, passando pelo ajuste
normativo. Assim é que, ao mesmo tempo [em] que se anuncia o Programa,
encaminha-se ao Congresso o PL, elaborado às pressas por uma equipe
interna isolada, sem fundamentação teórica e clareza conceitual, cujo texto é
frágil, confuso e anacrônico. Outra razão articulada à primeira, porquanto
derivada das políticas do Banco Mundial como estratégia para enfrentar a
relação entre o aumento da demanda por recursos e a diminuição dos fundos
públicos, é a redução do custeio do ensino médio pela União, repassando-o
para os estados, municípios, setor produtivo e organizações
não-governamentais, que passarão a manter e gerir os estabelecimentos que
venham a ser criados, com o apoio do governo federal apenas para
investimentos em obras e equipamentos. Para os secretários estaduais, essa
parceria com apoio na lei é interessante, uma vez que lhes permite realizar
acordos internacionais com o BIRD ou com o Banco Mundial para financiar
uma linha de ensino médio e tecnológico (separados), já que atende às
concepções de políticas educacionais daquelas instituições (op.cit., p.64-5).
147
Os documentos da Câmara de Educação Básica e do Ensino Superior, do Conselho Nacional de Educação
deliberaram sobre os vários níveis e modalidades de ensino: educação infantil, ensino fundamental, ensino
médio, educação profissional, ensino superior, formação de professores, educação a distância.
142
A exposição de motivos do ministro Paulo Renato anuncia o anteprojeto, que
resultaria no PL n
o
1.603/96, como integrante da proposta do governo FHC de retomar o
desenvolvimento tendo a formação profissional o dever de “acompanhar o avanço tecnológico
de modo a atender a demanda do setor produtivo”
148
. Desconsiderando discussões, estudos e
pesquisas que propiciaram, ao longo de anos, a consolidação de uma proposta de ensino
técnico-profissional, o PL dispunha sobre a educação profissional
149
e a organização e
funcionamento da Rede Federal de Educação Tecnológica. Originado a partir de dois
documentos, o primeiro, elaborado pela SEMTEC/MEC, intitulado Planejamento político
estratégico 1995/1998; e, o segundo, Educação profissional: um projeto para o
desenvolvimento sustentado, elaborado pela SEFOR/MTb, o PL n
o
1.603/96 tinha o objetivo
precípuo de separar formação geral e formação específica de nível médio, visando maior
flexibilidade curricular, de maneira a propiciar sua rápida adequação às demandas do
mercado.
No que concerne à reforma do ensino profissional, o PL preconizava que a Educação
Profissional deveria ser desenvolvida em articulação com o ensino regular ou em modalidades
que contemplassem estratégias de educação continuada, podendo ser oferecida em instituições
especializadas ou nos ambientes de trabalho (Art. 3
o
). Note-se a intenção de se retirar o
caráter de regularidade do ensino profissional, de modo a colocá-lo em um ramo paralelo ao
ramo da “educação regular”.
Indo ao encontro da recomendação que a UNESCO fizera em 1962, a educação
profissional passa a abranger três níveis: básico, técnico (médio) e tecnológico (graduação). O
nível básico destinado à qualificação profissional do trabalhador, sem, no entanto, exigir
escolaridade prévia; o nível técnico destinado a oferecer habilitação a alunos matriculados ou
egressos do nível médio; enquanto que “os cursos de nível superior, correspondentes à
educação profissional de nível tecnológico, deverão ser estruturados para atender aos diversos
setores da economia, abrangendo áreas especializadas” (Art.17
o
).
Em síntese, o conteúdo do PL (re)institucionaliza a dualidade estrutural da educação
brasileira, abordando a educação profissional em seu sentido estrito; fragmenta o processo de
148
Exposição de Motivos n
o
37/96. In: RAMOS, Marise. Reforma da educação profissional: uma síntese
contraditória da (a) diversidade estrutural. Texto apresentado na Reunião Anual da ANPEd, em 1996.
149
A expressão Educação Profissional ganha fluência na política educacional do ministério de Paulo Renato. O
primeiro projeto de LDB apresentado na Câmara Federal, em 1988, no Capítulo III, o Da Educação Escolar de
2
o
grau, tinha como objetivo geral da educação de 2
o
grau a formação politécnica. Após sofrer várias
alterações, o substitutivo de Jorge Hage incorpora ao texto um capítulo específico, o Da formação
técnico-profissional; esse capítulo tem sua nomenclatura modificada no substitutivo de Darcy Ribeiro (95/96)
para Educação Profissional, sendo, então, transformada em uma modalidade de educação, distinta e separada do
então ensino regular — a Educação Básica.
143
formação de jovens e trabalhadores ao modularizar o ensino; e, ainda, introduz a certificação
por competências.
No aspecto que se relaciona a organização e funcionamento da Rede Federal de
Educação Tecnológica, o Projeto determina a constituição da rede, agregando escolas técnicas
e escolas agrotécnicas da rede federal e, também, os CEFETs em torno da expressão
educação tecnológica, buscando dar unidade aos cursos técnicos sob a genérica denominação
de educação tecnológica, de modo que a educação profissional possa refletir, para os três
setores da economia, o avanço da modernização tão pretendida no projeto societário do
governo Cardoso; o Projeto retoma o processo de transformação das ETFs em CEFETs e,
finalmente dispõe sobre a organização administrativa dos órgãos colegiados, conselhos de
diretor e de ensino, das instituições, estendendo e garantindo para esse último o assento do
empresariado
150
.
Sob o rótulo de educação profissional, o Governo FHC vem
implementando, direta ou indiretamente, através dos seus sócios históricos,
especialmente o empresariado nacional e empresários leigos de ensino,
políticas de requalificação da parcela da força de trabalho já engajada no
mercado de trabalho. E, principalmente, políticas de formação, em curto e
médio prazos, de um novo exército industrial de reserva, para o mercado de
trabalho simples, ajustado aos requisitos sócio-técnicos das mudanças
qualitativas na economia, nas relações de poder e nas relações sociais
globais nesse início do século XXI, numa perspectiva empresarial
151
.
O ano de 1996 decorreu com intensos debates sobre o PL n
o
1.603/96, em seminários,
audiências públicas, reuniões, envolvendo representantes das ETFs, EAFs e CEFETs, de
colégios e escolas vinculados a entidades sindicais, de escolas da rede privada, do sistema
“S”, representantes de entidades da sociedade civil organizada. Severas críticas foram
lançadas ao PL, por professores envolvidos com o ensino técnico das escolas técnicas e
CEFETs, em particular, e por educadores, em geral, que viam nessas instituições a
possibilidade de se caminhar na direção da formação integral.
Com a promulgação da LDB minimalista em dezembro de 1996, o governo Cardoso
efetiva uma nova institucionalidade no campo educacional. FHC e o ministro da educação
usaram de sua legitimidade, competência e base política para pôr em prática, pelo alto, seu
150
A instalação dos primeiros órgãos colegiados ocorre a partir da Lei n
o
3.552/1959 que instituiu autonomia
relativa às escolas técnicas industriais, criando, não apenas, Conselho de Professores, mas, também, o Conselho
de Representantes, atualmente denominado de Conselho Diretor, dando assento ao empresariado industrial nas
reuniões internas das escolas.
151
Parecer de Lúcia Maria Wanderley Neves, na Audiência Pública da Comissão de Educação da Câmara dos
Deputados, sobre o PL n
o
1.603/1996. MEC/SEMTEC: ETFQ-RJ, 1996.
144
projeto societário, regulamentando a nova lei, via leis complementares, decretos, portarias
ministeriais, pareceres, resoluções e medidas provisórias. Assim sendo, o PL é retirado do
Congresso em fevereiro de 1997, sendo reeditado em abril do mesmo ano, sob a forma do
Decreto n
o
2.208/97, que acompanhado da Portaria n
o
646/97 e da Portaria do MEC
n
o
1005/97, promoveu a reforma do ensino médio e técnico no Brasil.
É, pois, dessa reforma que trato a seguir, ressaltando que o referido decreto não é
apenas um instrumento ou meio de executar a reforma do ensino médio e técnico, mas é,
também, mediação, categoria teórico-metodológica. Enquanto mediação, o referido decreto
situa-se no campo do objeto de estudo, nas suas múltiplas relações no tempo e no espaço, sob
a ação de sujeitos sociais (CIAVATTA, 2001, p. 129-136), o que, em minha análise, permitirá
fazer o movimento entre “mundo da aparência” e “mundo da realidade” (KOSIK, 2002, p.20).
4.2. O DESMONTE DE ESCOLAS TÉCNICAS E CEFETS DO BRASIL
NACIONAL-DESENVOLVIMENTISTA NA REFORMA DA EDUCAÇÃO
As escolas técnicas federais foram criadas, em 1942, por meio da Lei Orgânica do
Ensino Industrial, sendo a precursora a Escola Técnica Nacional, hoje CEFET/RJ, seguida da
Escola Técnica de Química, instaladas no antigo Distrito Federal, e, ainda, das Escolas
Técnicas de Manaus, São Luiz, Niterói, Recife, Salvador, Vitória, São Paulo, Curitiba,
Pelotas, Belo Horizonte, Goiânia, Belém, Teresina, Fortaleza, Natal, João Pessoa, Maceió,
Aracajú, Campos, Florianópolis. Entre as escolas técnicas estaduais, a trajetória dessas
escolas, se inicia em 1909, quando, nas capitais dos estados, são criadas as escolas de
aprendizes artífices, formando assim uma rede de escolas da esfera federal. Passando por uma
série de transformações em seus aspectos físicos, administrativos, didáticos e, até mesmo, em
suas denominações, as antigas escolas técnicas ganharam prestígio social, sendo reconhecidas
como instituições de ensino de qualidade, posto que, desde a origem, tais escolas, hoje
CEFETs, ofereciam uma formação cujo desenho curricular contemplava disciplinas de
cultural geral integradas às disciplinas específicas dos cursos técnicos.
Tão grande foi esse prestígio que, em 1972, foi nelas que se inspirou a
reforma instituída pela Lei 5.692, ao pretender estender a todo ensino de 2º
grau a articulação escola-mercado que funcionava apenas para um setor da
economia, para o qual estavam voltadas somente algumas dezenas de
escolas (CUNHA, 1997, p.2).
145
Durante a deterioração sofrida pelo ensino público de 2
o
na vigência das Leis
n
o
5.692/71 e n
o
7.044/82 quer por força da administração zig-zag
152
, quer por mero descaso
de autoridades da área de educação da esfera estadual, ou, ainda, pelo fato de os empresários
do ensino terem se tornado maioria nos conselhos estaduais, legislando em causa própria, as
escolas técnicas da rede federal, algumas já transformadas em CEFETs, atraíam, cada vez
mais, um número maior de alunos que buscavam não apenas a profissionalização, mas,
também, o preparo para cursos do ensino superior.
É assim que, depois de valorizadas nas décadas de 1940, 1950 e 1960 e
supervalorizadas nos anos de 1970, as escolas técnicas e CEFETs “são transformadas em
vilãs, acusadas de perdulárias e desencaminhadoras dos seus alunos” (ibid., ibid.).
Cláudio de Moura e Castro
153
foi um dos intelectuais, do tipo tradicional
154
, que
corroboraram para a formação dessa consciência entre os policy makers. Desde 1972, Moura
Castro vinha realizando pesquisas sobre aspectos econômicos e sociais da educação
profissional no Brasil, com a colaboração de Alberto Mello e Souza
155
e João Batista Araújo e
Oliveira
156
. Em Ensino técnico: desempenho e custos (1972); Mão-de-obra industrial no
Brasil (1974); Formação profissional: boa qualidade mas sobram muitos; e, ainda, O
secundário: esquecido em um desvão do ensino? (1997), Castro conclui, bem em linha com a
teoria do capital humano, que os altos custos das escolas técnicas e CEFETs não justificariam
sua finalidade então distorcida, pois tais instituições estariam se desviando de sua “missão
técnica”. Na ótica de Moura Castro, essas instituições, embora primassem pela qualidade,
sequer conseguiam “atender senão uma fração pequena dos candidatos potenciais a programas
de treinamento”, visto que seus alunos, na maioria, são jovens da classe média.
O assessor do BID embora reconheça as escolas técnicas da rede federal e CEFETs
como instituições que cumprem seu papel social, formando jovens e trabalhadores não apenas
para o trabalho simples, mas, sobretudo, para o trabalho complexo e, também, para ocuparem
quadros de dirigentes no mundo do trabalho, insiste em afirmar que os altos custos dessas
152
Cunha (1999) denomina de administração zig-zag, mudanças promovidas na educação, por meio da gestão
do Estado, quer por eleitorismo, quer pelo experimentalismo pedagógico, quer pelo voluntarismo ideológico.
153
Economista, pesquisador do IPEA; chefe da Divisão de Programas Sociais do BID.
154
Gramsci, 2001, v.2, p.15-9.
155
Economista, com doutoramento pela University of Michigan, atua na área da educação com ênfase em
planejamento e avaliação.
156
Doutor em Educação pela Florida State University, ocupou cargos no BID, BIRD e OIT; consultor do MEC e
ONGs.
146
escolas (mais do que o dobro de outras escolas de nível médio) não se justificam diante do
projeto de vida de seus alunos (trabalhar na função de técnico e ao mesmo tempo cursar o
ensino superior.
Ciente de que à população, em geral, deve ser destinada a educação pública e de
qualidade, o que requer além de vontade política, modificação da estrutura econômica da
sociedade, Castro afirma tratar-se de uma utopia esperar do ensino secundário a preparação
não somente para educação superior, como, também, para “treinar alunos para o mercado de
trabalho”, haja vista que “em países heterogêneos, com sistemas escolares profundamente
diferenciados em qualidade, a idéia de um curso único para todos cria problemas delicados”,
como, exemplo, no Brasil, onde “as escolas técnicas [e CEFETs] quanto melhor, mais
preparam para o vestibular (...) Isso ocorre há várias décadas — pelo menos desde os anos
60
157
— e pouco se fez para eliminar o problema” (CASTRO, 1997, p.14-18) .
Fica claro que, para o economista, o problema reside em conter a entrada da classe
trabalhadora no ensino superior, como, também, relegar às escolas técnicas e CEFETs o papel
de, apenas, oferecer uma formação restrita e voltada para o mercado de trabalho. Bem afinado
com o pensamento smithiano, Castro propõe a solução para “eliminar essa sangria no esforço
de profissionalização”: garantir o acesso de alunos, realmente, interessados na
profissionalização “separar[ando] o certificado acadêmico do título profissional”. Assim, as
escolas técnicas passariam a ofertar maior número de cursos técnicos dotados de currículos
constituídos eminentemente por disciplinas técnicas, distribuídos em três turnos.
Na verdade, essa solução assemelha-se ao que as escolas técnicas (federais
e do SENAI) estão chamando de ‘técnico especial’, isso é, as disciplinas
técnicas compactadas em um ano (ou pouco mais) para os alunos que já têm
o segundo grau completo. A vantagem dessa solução é que, com uma
cirurgia menor, elimina-se totalmente a matrícula no técnico de alunos cuja
meta é o vestibular (ibidem, p.18).
Reunindo tais argumentos aos dados levantados em pesquisas realizadas junto a
escolas técnicas federais, CEFETs e SENAI, Cláudio de Moura e Castro e Alberto de Mello e
157
Castro (1997), provavelmente, se refere à reforma do ensino industrial promovida pelo governo JK, que
passa a reconhecer as escolas de ensino industrial como instituições aptas a oferecer a base de cultural geral,
permitindo, assim, que seus alunos tenham não só uma profissão, mas, também, condições para prestar exames
vestibulares e prosseguir os estudos no ensino superior.
147
Souza colaboraram com o Banco Mundial na elaboração de três relatórios sobre a situação
educacional no Brasil. O primeiro, em 1986, sobre o ensino de 1
o
grau; o segundo em 1989,
sobre o ensino de 2
o
grau e, em 1991, sobre o ensino superior. No aspecto que mais me
interessa destacar, descrevo, a seguir, a análise de Cunha (1997, p.13).
O relatório relativo ao ensino de 2° grau apresentou ao governo brasileiro
cinco recomendações. Uma delas tratava da ‘melhoria da equidade’
158
. A
iniqüidade resultaria dos gastos reduzidos com as escolas estaduais e
municipais de 2° grau e os altos custos gastos com os poucos alunos, em
geral de boa situação financeira, das escolas técnicas da rede federal. Os
alunos dessas escolas poderiam pagar por seus estudos em escolas privadas
ou nas próprias escolas técnicas. Essa situação iníqua não foi atribuída ao
processo seletivo empregado nas escolas técnicas. O relatório reconhece que
os alunos de mais alto nível de renda estão nas escolas técnicas não por
serem mais ricos, mas por terem tido condições de fazer um 1° grau que lhes
propiciou melhor preparo. E a iniqüidade se completa com as diferenças de
custos (isso é despesa média por aluno) entre as escolas técnicas da rede
federal e as demais. Enquanto a despesa média por aluno nas escolas
estaduais era de 250 dólares por ano, nas escolas técnicas federais era de
1.700 dólares. Nos cálculos dos técnicos do Banco Mundial, cerca de 20%
de todas as despesas públicas com o ensino de 2° grau era destinada às
escolas da rede federal, que só tinham 2% do total da matrícula.
Para atingir a equidade, o relatório propôs três ações imediatas voltadas para
as escolas técnicas: (i) a introdução do sistema de ‘custo compartilhado’,
quer dizer, a cobrança de anuidades, mediante o sistema de empréstimos do
tipo crédito educativo e/ou mediante a cobrança de taxas conforme a
possibilidade de cada aluno; (ii) atrair mais estudantes de baixo nível de
renda para essas escolas; e, (iii) expandir as matrículas
159
mais rapidamente
do que a construção de novas escolas, para reduzir o custo unitário. A longo
prazo, as escolas técnicas federais deveriam concentrar seus currículos nas
ciências básicas e na matemática, reduzindo, em conseqüência, a ênfase
profissional e tecnológica. Com essas medidas, o relatório esperava a
redução significativa das diferenças de custo (despesa média) entre as
escolas técnicas e as demais escolas públicas de 2° grau e, em conseqüência,
a redução da iniqüidade, sem perda da qualidade do ensino
160
.
No que concerne aos custos das escolas técnicas e CEFETs, corrobora as afirmações
de Castro o texto produzido pela Coordenação de Políticas Setoriais do Instituto de Pesquisa
Econômica Aplicada (IPEA):
158
Não é sem razão que a CEPAL em 1992 produziu o documento Educación y conocimiento: eje de la
transformación productiva con equidad, (grifos meus).
159
Veremos adiante que a Portaria n
o
646 de 1997, regulamentadora da implantação da educação profissional
prognostica o incremento da matrícula da educação profissional, nas escolas técnicas e CEFETs.
160
Essa última recomendação, provavelmente, parte da “solão” de Castro (1997, p.12) ao rejeitar por completo
o ensino profissionalizante, “obsoleto”, oferecido pelas ETFs e CEFETs, propondo, a exemplo da Europa, se
introduzir, no Brasil, novas opções ao secundário que não sejam nem o “propedêutico” e “nem a velha opção
profissionalizante”.
148
Em termos qualitativos, a rede de escolas técnicas federais oferece um
ensino de boa qualidade. Quando se compara a qualidade desse sistema à
das escolas estaduais ou particulares de ensino médio, a diferença é
acentuada. Uma avaliação feita em 1989 pela Fundação Carlos Chagas, para
o Banco Mundial e para o MEC-SESG [The World Bank (1989, p.4)],
apesar da reduzida amostragem, testou em quatro estados o desempenho,
em português e matemática, de alunos de nível médio de escolas
pertencentes às esferas administrativas estadual, federal e particular, com
diferentes modalidades de ofertas (ensino técnico, normal e educação geral).
Os resultados obtidos mostram a baixa qualidade das escolas estaduais de
nível médio, deixando evidente a liderança das escolas técnicas federais.
Tais dados, promissores por um lado, exigem por outro uma análise mais
crítica. Enquanto nas escolas técnicas federais o custo anual do aluno é da
ordem de US$ 1.700, nas estaduais, a média é de US$ 250; nas do Senai
atinge US$ 1.800 por ano (IPEA, 1993, p.15).
Como o custo das escolas técnicas da rede federal é alto, o que, na visão de
economistas, impossibilitaria a expansão do modelo, o Decreto n
o
2.208/97 como mediação
do capital trouxe em seu bojo uma equalização para baixo do nível de escolarização das
referidas escolas.
Diante do exposto, quero assinalar que, ao se afirmar a reforma educacional no Brasil
como submissa, pura e simplesmente, às recomendações das agências multilaterais, pode-se
cair em uma visão relativista ou reducionista. Buscar entender o processo real de formulação
de políticas públicas de educação no país requer analisar a totalidade social construída como
um conjunto dinâmico de relações e mediações que passam pela ação dos sujeitos sociais e
instituições sociais (CIAVATTA, 2001, p.123). A compreensão e a explicitação do fenômeno
— política educacional implantada a partir do governo Fernando Henrique Cardoso —
dependem de se buscar por detrás das aparências as relações e inter-relações, mediações, que
são próprias de sua essência, que o formam e o inserem em uma totalidade, totalidade essa
que acaba por determiná-lo e da qual não pode ser abstraído, a fim de não se perder o
movimento no qual se insere o fenômeno.
Marx, ao afirmar que “não é a consciência que determina a vida, mas sim a vida que
determina a consciência” (MARX E ENGELS, 2002, p.20), demonstra que a integralidade da
realidade social é construída pelo próprio homem, o ser social, a partir de seu ato ontológico
primário — o trabalho. Portanto, são os atos ontológicos, ou ainda, é por meio do trabalho
realizado individual ou coletivamente que se objetivam os campos, as forças, as instituições e
as tendências histórico-sociais.
149
Desse modo, procuro desvelar, tomando como fundamento o pensamento marxiano,
que a subordinação estrutural e hierárquica do trabalho aos ditames do capital internacional,
em geral, e a subordinação da educação, em particular, ao desenvolvimento econômico e
social do sistema capitalista, não são exclusividade da dominação externa; existe uma
articulação heteronômica que ocorre não apenas entre mecanismos dos centros hegemônicos
capitalistas para as economias capitalistas dependentes, mas, também, da periferia para os
centros hegemônicos — “um não se fortalece sem ou contra o outro” (FERNANDES, 1973,
apud CARDOSO, 2005, p.18).
Posso então afirmar, desde já, que a tecitura da reforma educacional brasileira dos
anos 1990
161
se formou a partir de relações estabelecidas entre centro e periferia, mediadas
por compromissos políticos não só de intelectuais tradicionais, como, também, de intelectuais
orgânicos cooptados pelo poder dos governos neoliberais.
Sob a hegemonia da burguesia nacional
162
associada e submissa ao capital
internacional, o Estado neoliberal
150
Ao esboçar seu compromisso com Plano Decenal de Educação para Todos
(1993—2003), fica clara a intenção daquele documento de tornar o mercado uma diretriz para
elaboração dos currículos das escolas técnicas e dos CEFETs. Registro, ainda, como meta do
documento:
redefinir a estratégia de gestão da rede federal de educação tecnológica
para: separar, do ponto de vista conceitual e operacional, a parte
profissional da parte acadêmica; dar maior flexibilidade aos currículos das
escolas técnicas de forma a facilitar a adaptação do ensino às mudanças no
mercado de trabalho; promover a aproximação dos núcleos
profissionalizantes das escolas técnicas com o mundo empresarial,
aumentando o fluxo de serviços entre empresas e escolas;
progressivamente, encontrar formas jurídicas apropriadas para o
funcionamento autônomo e responsável das escolas técnicas e CEFETs e,
ao mesmo tempo, estimular parcerias para financiamento e gestão;
estabelecer mecanismos específicos de avaliação das escolas técnicas para
promover a diversificação dos cursos e a integração com o mercado de
trabalho (op. cit, p. 22).
Editadas no PL n
o
1.603/96, tais metas se tornariam realidade concreta, dois meses
depois de retirado o referido projeto do Congresso, por meio dos sucessivos instrumentos
legais, a exemplo, do Decreto n
o
2.208/97, das Portarias do MEC n
o
646/97 e n
o
1.005/97 e,
ainda, do Parecer n
o
16/99 e da Resolução n
o
04/99, que imputaram aos CEFETs e escolas
técnicas um projeto pedagógico afinado com o mercado.
A Portaria n
o
1.005/97 criou o Programa de Expansão da Educação Profissional
(PROEP), disponibilizando recursos financeiros às instituições que apresentassem projetos
para reforma predial (salas de aula, salas-ambiente, laboratórios); aquisição de equipamentos;
capacitação de “recursos humanos”; gestão; e, ainda, desenvolvimento técnico-pedagógico; o
que significou a aceitação da reforma do ensino, ou, em outras palavras, o PROEP teve o
significado do poder de barganha, ao induzir as instituições de ensino a se comprometerem
com a implementação da reforma da educação profissional, sob a égide do Decreto
n
o
2.208/97, como bem desvelam Frigotto e Ciavatta (2006) em Os embates da reforma do
ensino técnico: resistência, adesão e consentimento.
“Braço operacional das profundas mudanças que pretendem dar uma resposta à
inoperância do antigo ensino profissionalizante e às demandas crescentes de um país em fase
de modernização e inserção na economia global e competitiva do mundo atual”
164
, o PROEP
contou com US$ 500 milhões — metade financiada pelo BID e metade proveniente, em partes
iguais, do MEC e do FAT/MTb — voltando-se suas ações para os três níveis de ensino da
164
MEC. A reforma: a um passo do mercado de trabalho. Revista Educação profissional. Brasília, abr./2000.
151
nova e denominada educação profissional: básico, técnico e tecnológico. Até o ano de 2002,
foram aprovados 251 projetos, sendo 87 convênios com instituições da região Sudeste, 48 da
Sul, 52 da Nordeste e 32 da região Centro-Oeste e 32 da região Norte; inauguradas 106 novas
escolas: 48 comunitárias, 32 federais e 26 estaduais.
O investimento destinava-se a transformar as escolas técnicas federais em Centros de
Referência para a educação profissional; reordenar os sistemas estaduais
165
de educação
profissional; criar formas alternativas de educação profissional no segmento comunitário;
estabelecer mecanismos institucionais para articular currículo e mercado de trabalho; criar
infra-estrutura para a implantação de programas de qualificação e requalificação. Além do
que, o Programa definiu as atribuições da gestão escolar, distribuídas entre direção-executiva;
conselho de administração, constituído de membros da direção da escola, representantes dos
segmentos docente e discente e do MEC; e, conselho de ensino, formado por 50% de
professores da instituição e de pelo menos 50% de empresários e trabalhadores.
Garantido o financiamento para promover a modernização da educação profissional,
os objetivos da reforma do ensino médio e técnico são explicitados no Decreto n
o
2.208
166
, de
17 de abril de 1997 — regulamentador do § 2
o
do art. 36 e dos arts. 39 a 42 da LDB de
dezembro de 1996 —, caracterizando, assim a concepção de educação tecnológica, em seu
artigo primeiro: promover a transição entre a escola e o mundo trabalho, capacitando jovens e
adultos com conhecimento e habilidades gerais e específicas para o exercício de atividades
produtivas; proporcionar a formação de profissionais aptos a exercerem atividades específicas
no trabalho com escolaridade correspondente aos níveis médio, superior e de pós-graduação;
especializar, aperfeiçoar e atualizar o trabalhador em seus conhecimentos tecnológicos;
qualificar, reprofissionalizar e atualizar jovens e adultos trabalhadores, com qualquer nível de
escolaridade, visando a sua inserção e melhor desempenho no exercício do trabalho.
Com tais objetivos o Decreto deixa claro que a educação profissional visa,
essencialmente, a aproximação da escola com o setor produtivo, de modo a possibilitar a
formação de profissionais em vários níveis de escolaridade, a fim de atender as demandas de
um mercado de trabalho, “cada vez mais, exigente”. Tal qual o PL n
o
1.603/96, o Decreto
n
o
2.208/97 estabeleceu três níveis de ensino: básico, técnico (médio) e tecnológico
(graduação e pós-graduação). “Os cursos de nível superior, correspondentes à educação
165
Em junho de 1997, foi criada a FAETEC (Fundação de Apoio à Escola Técnica), em substituição à Fundação
de Apoio à Escola Pública (FAEP), com a finalidade de administrar a rede estadual de ensino tecnológico.
166
Revogado pelo Decreto n
o
5.154, de julho de 2004.
152
profissional de nível tecnológico
167
, deverão ser estruturados para atender aos diversos setores
da economia, abrangendo áreas especializadas” (Art.10
o
, Decreto n
o
2.208/97).
A educação profissional de nível básico, melhor caracterizada no artigo quarto do
referido Decreto n
o
2.208, trata de uma “modalidade de educação não-formal e duração
variável”, destinada à qualificação profissional do trabalhador, sem, no entanto, exigir
escolaridade prévia. O nível básico, cuja nomenclatura se confundia com educação básica e
vice-versa, destina-se à oferta de cursos de curta duração, com o objetivo de direcionar a
qualificação profissional do trabalhador a partir da demanda do mercado de trabalho local;
nesse sentido, as instituições de ensino devem realizar estudos de demanda com a finalidade
de abrir e fechar cursos ao bel-prazer do mercado.
O nível técnico, considerado nos artigos quinto a nono, é de “organização curricular
própria e independente do ensino médio” e oferece habilitação àqueles que cursarem de forma
concomitante ou seqüencial esse último, evidenciando, assim, a desvinculação entre ensino
médio e técnico. Diferentemente das reformas anteriores que previam o “currículo mínimo”, a
reforma curricular dos cursos técnicos do governo Cardoso instituiu as Diretrizes Curriculares
Nacionais para Educação Profissional de Nível Técnico, que estabeleceu carga horária
mínima, conteúdos mínimos e habilidades e competências básicas por área profissional, além
de induzir a “flexibilização das estruturas curriculares” e a implantação de “currículos
experimentais”
168
.
A proposta da flexibilização curricular buscou, na medida do possível, articular, ainda
em cima, a formação técnico-profissional aos interesses do capital, por meio da
167
A partir da publicação do Decreto n
o
5.154/04 esse nível de ensino é denominado educação profissional
tecnológica de graduação e de pós-graduação e “organizar-se-ão, no que concerne aos objetivos, características
e duração, de acordo com as diretrizes curriculares nacionais definidas pelo Conselho Nacional de Educação”
(Art. 5º, Decreto n
o
5.154/04). Diante da necessidade de expansão de matrícula “para cima” e em consonância
com ideário neoliberal, a Reforma Universitária, em curso desde os governos Collor e Cardoso, expressa a
contradição do governo Lula da Silva com seus compromissos históricos. O modelo de universidade no qual
estão inseridos os cursos de educação profissional tecnológica de graduação e pós-graduação ora
153
modularização dos currículos, com caráter de terminalidade. Desse modo, em um “itinerário
formativo”, o aluno poderia contar não apenas com a habilitação profissional de técnico,
adquirida com a conclusão do curso, mas, também, com vários certificados de qualificação,
obtidos ao longo curso, ao final de cada módulo. Estaria assim, efetivada a seinaização
169
nos
cursos técnicos de CEFETs e escolas técnicas.
Até 1997, CEFETs e escolas técnicas, em geral, ofertavam os cursos técnicos de
2
o
grau de forma integrada, ou seja, a formação de cultura geral e a formação específica em
um único currículo, em apenas um turno. Com o Decreto n
o
2.208/97, essas instituições de
ensino foram obrigadas a oferecer as duas formações separadamente: a formação geral caberia
à educação básica no ensino médio e a formação específica à educação profissional. Desse
modo, a oferta de ensino se adequou à forma da lei, como, tamm, as práticas escolares, os
espaços e tempos.
169
Termo muito difundido entre professores do CEFET/RJ. Luiz Antonio Cunha, também, usa esse neologismo
para fazer a análise crítica da reforma dos anos 1990.
154
Ilustração 5 - ESTRUTURA DO ENSINO NO BRASIL A PARTIR DA LDB n
o
9.394/96
Educação
Superior
Educação
Básica
Fonte: LDB n
o
9.394/96; Decreto n
o
2.208/97; Decreto n
o
5.154/04
A ilustração 4 mostra a estrutura do ensino no Brasil, a partir da reforma do ensino
médio e técnico, ressaltando que essa reforma representa um retrocesso na história da
educação profissional, posto que a partir da LDB n
o
9.394/96, com seus aparatos
regulamentadores, a educação brasileira é de caráter dual, estabelecendo dois segmentos
paralelos de educação. O primeiro, de traçado linear, é constituído da educação básica,
incluídos aí, a educação infantil, o ensino fundamental e médio; e da educação superior que
abriga outros dois níveis de ensino, graduação e pós-graduação. O segundo segmento,
podendo ter estrutura reticulada no nível médio, ou não, suporta a educação profissional e
Tecnológica de
Pós-Graduação
(mestrados e doutorados
profissionalizantes)
Técnica de
nível
médio
Ensino médio
integrado
Tecnológica de
graduação (cursos de
tecnólogos)
Pós-graduação
(mestrados e
doutorados
acadêmicos)
Graduação
(bacharelados e
licenciaturas)
Ensino
médio
Ensino
fundamental
Educação
Infantil
Educação
Profissional
155
compreende três níveis de ensino: básico, técnico e superior. O ensino médio integrado,
representado entre os dois segmentos de educação, refere-se à possibilidade, oferecida pelo
Decreto n
o
5.154/04
170
, de as escolas retomarem, em seu projeto pedagógico, a discussão do
ensino integrado.
Diferenciando-se da reforma Campos e Capanema, na Era Vargas, a dualidade do
ensino promovida pelo Decreto n
o
2.208/97 é dissimulada por meio do Parecer n
o
16, de
outubro de 1999: “Para obtenção de diploma de técnico na continuidade de estudos será
necessário concluir o ensino médio”.
Dentre as mudanças ocorridas na educação brasileira nos anos 1990,
verifica-se, então, que a inflexão da tendência que se definia desde os anos
40, a progressiva fusão entre a educação geral-propedêutica e a educação
técnico-profissional, cedeu lugar a uma tentativa de cisão entre elas. Numa
situação conflitiva, tal tentativa foi atenuada pela exigência de que o curso
técnico somente poderá outorgar certificados para os alunos que tenham
também concluído o ensino médio, ainda que os módulos dos cursos
técnicos possam ser freqüentados separadamente (CUNHA, 2003, p.274)
171
.
No âmbito desses instrumentos legais, as instituições de ensino foram obrigadas a
aumentar gradativamente o número de vagas nos cursos da educação profissional de nível
técnico, em detrimento do número de vagas no ensino médio. Estaria consolidada, dessa
maneira, a reforma das escolas técnicas das redes estaduais e da rede federal de ensino.
A proposta governamental apontava, ainda, que as instituições federais de educação
tecnológica oferecessem, apenas, a educação profissional, devendo seus alunos cursar o
ensino médio em outra instituição de ensino. Para a implantação desta proposta foi definido
um período de transição
172
, durante o qual essas instituições foram “autorizadas a manter o
ensino médio, com matrícula independente da educação profissional, oferecendo o máximo de
50% do total de vagas oferecidas para os cursos regulares em 1997” (Art. 3
o
da Portaria
n
o
646 do MEC, 14/05/1997), ficando, assim, as instituições da rede federal de ensino
170
O processo de construção do Decreto n
o
5.154/04 ocorreu durante, aproximadamente, dezoito meses, no
governo Lula da Silva. Frigotto, Ciavatta e Ramos (2005) analisam com rigor o processo contraditório de
revogação do Decreto n
o
2.208/97, em meio a um embate de forças com disputas teóricas e políticas, que de um
lado traz forças conservadoras e, de outro, tem como pressuposto a educação básica de nível médio, como direito
social universal, condição para uma formação profissional que caminhe na direção de mudanças da base técnica
da produção, e de um trabalhador capaz de dirigir, ou, senão, de supervisionar quem o dirige.
171
Disponível em http://www.flacso.org.br/data/biblioteca/351.pdf. Acesso em 08/02/2007.
172
Este período de transição caiu por terra. As instituições que optaram por oferecer o ensino médio continuam a
fazê-lo.
156
sujeitas, a partir do ano letivo de 1998, ao disposto no Decreto n
o
2.208/97, bem como nessa
Portaria; o que
representa uma regressão ao dualismo e exacerbação da fragmentação. O
dualismo se cristaliza pela separação das dimensões técnicas e políticas,
específicas e gerais, particulares e universais e pela separação do nível
médio regular de ensino da rede não regular de ensino técnico-profissional
com organização curricular específica e modular (FRIGOTTO, 1999).
Para justificar tal reforma, o discurso do governo, à época, passa pela elitização do
acesso
173
aos cursos técnicos de nível médio, pelo fato de muitos dos alunos não se
interessarem pela profissionalização, mas, sim, por se utilizarem dessas instituições de ensino,
como meio de ingresso na universidade. E mais: a separação entre o ensino médio e ensino
técnico conduziria, para este último, os alunos realmente interessados e, ou, necessitados de
uma formação profissional, ou, ainda, aqueles que já se encontravam na “empregabilidade”,
com o objetivo de oferecer a possibilidade de uma melhor qualificação.
Para o ministro Paulo Renato Souza, que comandou a grande reforma da
educação brasileira, a partir da LDB/96, ‘o País necessita de um sistema de
ensino técnico amplo, diversificado e ágil, para oferecer alternativas
concretas e atraentes de profissionalização aos nossos jovens’. Como tem
crescido muito a demanda do ensino médio (quase 1,5 milhão em quatro
anos), busca-se uma ampliação da oferta, mas com a garantia da qualidade.
Segundo o MEC, a reforma estipulada, que se encontra explicitada no
Decreto nº 2208/97 e na Portaria nº 646, de 14 de maio de 1997, mostra um
ensino técnico complementar e não sucedâneo do ensino médio. A
capacidade crítica do aluno e a sua formação humanística não serão
prejudicadas. Com isso, espera-se que acabe a distorção de, estando o
ensino técnico integrado ao ensino médio, muitas pessoas usarem a escola
simplesmente para se preparar para o vestibular, o que configura um
enorme desperdício (NISKIER,1997).
É fato histórico que depois da valorização empreendida entre os anos 1940 e 1970, em
torno da formação profissional de nível médio, tornou-se cada vez maior, desde a segunda
metade da década de 1970, a procura por cursos técnicos oferecidos pelos CEFETs e escolas
técnicas da rede pública federal. Entretanto, como no Brasil ainda não se efetivou um sistema
público de ensino que propicie a universalização da educação básica não apenas em termos
173
As palavras do ministro Paulo Renato reproduziam a tese defendida por seus colegas de formação, a exemplo
de Cláudio de Moura Castro e João Batista de Oliveira. Veremos adiante que outros intelectuais, não
economistas, participantes do processo de cefetização, defendiam de certo modo que escolas técnicas e CEFETs
deveriam constituir-se em uma rede de educação especializada em formação profissional, na área das
engenharias.
157
quantitativos, mas também, em qualidade, o acesso
174
às escolas públicas, reputadas como de
qualidade, é realizado por processo meritocrático, selecionando os mais “aptos”. Desse modo,
deixa de fora aqueles cuja trajetória no ensino fundamental se deu em escolas da rede pública
estadual e municipal de ensino, consideradas de pouca qualidade.
Vale ressaltar que o Decreto n
o
2.208/97 versa sobre “instituições federais”, enquanto
que a Portaria n
o
646 incorpora, em seu texto, não apenas, a nomenclatura Rede Federal de
Educação Tecnológica, preconizada pelo PL n
o
1.603/96, como também, Instituições
Federais de Educação Tecnológica, buscando marcar uma identidade entre educação
profissional e educação tecnológica. A referida portaria reforça a necessidade de estudos de
demanda “junto aos setores produtivos, sindicatos de trabalhadores e sindicatos patronais,
bem como junto a órgãos de desenvolvimento econômico e social dos governos estaduais e
municipais, dentre outros” (Art. 7
o
). Destaque-se que esse é o ponto alto da reforma, isso é
aproximar escolas técnicas e CEFETs do mundo da produção capitalista.
Outro aspecto importante da reforma está contido no artigo onze, que transfere às
instituições federais de educação tecnológica e, em particular, os CEFETs, a responsabilidade
de tornarem-se “centros de referência, inclusive com papel relevante na expansão da educação
profissional”. Assim sendo, os CEFETs foram recomendados a estampar em outdoor, na
fachada principal do prédio, a expressão Centro de excelência em educação tecnológica.
Percebe-se, nessa medida, uma das contradições entre capital e trabalho, que se apresenta sob
a forma autoritária da tomada de decisão no processo de implantação da reforma, ao mesmo
tempo em que mostra a necessidade de implementa-la por meio do “consenso”. Outrossim, ao
mesmo em que a propaganda, no exterior, veiculava tratar-se de instituição de excelência em
educação tecnológica, no interior da escola, a qualidade do ensino caía vertiginosamente.
No próximo capítulo, analisarei a apropriação desses termos pelos documentos legais,
bem como a concepção de educação tecnológica que está por detrás desses termos e seus
desdobramentos, no cotidiano escolar do CEFET/RJ.
174
A esse respeito ver Campello (2000).
CAPÍTULO III
CONCEPÇÕES DE EDUCAÇÃO TECNOLÓGIA E A REFORMA DO ENSINO
MÉDIO E TÉCNICO NO CEFET/RJ
No presente capítulo, recupero os fatos históricos que marcaram a evolução não
apenas dos termos que denotam a formação para o trabalho, mas, também, da concepção de
educação que está por detrás desses modos de expressão, e, ainda, analiso os desdobramentos
da concepção de educação tecnológica que se tornou hegemônica na reforma da educação
promovida no governo FHC, no cotidiano escolar do CEFET/RJ.
Na primeira sessão, a partir da análise documental realizada em minha pesquisa, busco
não só apreender o conceito de educação tecnológica, mas, também, entender como se formou
o consenso sobre a concepção de educação tecnológica que norteou a reforma da educação
nos anos de 1990. Na segunda sessão, faço o resgate histórico da trajetória do CEFET/RJ,
com o objetivo de mostrar que, desde o início de suas atividades, a instituição sempre
ofereceu cursos cujos currículos integravam as disciplinas de formação geral às de formação
específica. Na terceira sessão, examino o impacto da reforma do ensino médio e técnico, a
qual obrigou o CEFET/RJ a oferecer em dois currículos distintos a formação que,
historicamente, vinha oferecendo em currículo integrado.
159
1. CONCEPÇÕES DE EDUCAÇÃO TECNOLÓGICA: das idéias dos anos de 1960 aos
documentos legais de 1990
Se se quer destruir essa trama, portanto, deve-se não multiplicar e
hierarquizar os tipos de escola profissional, mas criar um tipo único de
escola preparatória (primária-média) que conduza o jovem até os umbrais
da escolha profissional, formando-o, durante esse meio-tempo, como pessoa
capaz de pensar, de estudar, de dirigir ou de controlar quem dirige
(GRAMSCI, 2001, v.2, p.49).
Minha pesquisa orienta-se pelas seguintes questões: qual o conceito de educação
tecnológica? Por que o termo passa a ser exaltado, deixando cair no esquecimento os termos
educação técnica, formação técnico-profissional e ensino profissional? Qual a concepção de
educação tecnológica que norteou as políticas educacionais dos anos de 1990?
Na tentativa de cumprir com o desafio de responder a essas questões, faço uma
recuperação dos fatos históricos que marcaram a evolução não apenas dos termos que
denotam a formação para o trabalho, mas, também, da concepção de educação que está por
detrás desses modos de expressão. Veremos que, a partir das relações que foram se
estabelecendo historicamente, a concepção de educação em torno da expressão educação
tecnológica é a de uma educação que deve estar atrelada ao desenvolvimento econômico, em
geral, e ao processo de modernização, em particular, do país, de maneira a atender às bruscas
mudanças engendradas pelo modo de produção capitalista.
Segundo Santos (2006), o programa de governo de FHC — Mãos à Obra Brasil:
proposta de governo — teve a educação como uma de suas cinco metas prioritárias, além da
agricultura, emprego, saúde e segurança, sustentando-se fundamentalmente na perspectiva do
desenvolvimento econômico brasileiro, em um mundo globalizado e de internacionalização
dos processos de produção caracterizados pela revolução científico-técnica, como mote da
competitividade. Desse modo, a educação torna-se mediação para implementar o programa, o
que exigiu uma profunda reforma no sistema educacional brasileiro, atribuindo à educação o
papel de mola propulsora para alcançar o desenvolvimento e impulsionar inadiáveis
transformações sociais, com o objetivo de levar o Brasil a ocupar uma posição de destaque no
cenário da economia mundial (op.cit., p. 74-5).
Vimos, no capítulo II (p.117), que a Recomendação Internacional sobre Ensino
Técnico e Profissional elaborada pela UNESCO, em 1962, propõe a educação para a vida em
160
uma era tecnológica. Partindo do pressuposto de que ciência e técnica são os fundamentos do
desenvolvimento econômico e social, a UNESCO de 1962 estabelece que os planos de ensino
técnico e profissional destinados a formar pessoal para as áreas da indústria, agricultura,
comércio e serviços afins, além de levaram em conta a rápida evolução da tecnologia
deveriam, também, elevar o patamar de escolarização, ampliando a formação técnica e
profissional
175
. É, pois, no início dessa década que o termo “tecnológica” será vinculado à
educação, ganhando fluência nos documentos oficiais do MEC.
Em face das recomendações de organismos internacionais; do desenvolvimento das
forças produtivas; da expansão industrial no país; e, ainda, da necessidade de o parque
industrial se adaptar às novas tecnologias, a política de formação profissional torna-se
mediação no sentido de prover o Estado de mão-de-obra especializada. Foi quando, em 1962,
o CEF organizou, provisoriamente, os currículos mínimos de cursos de engenharia, deixando
em aberto o debate sobre a duração dos cursos, se de e cinco anos ou não (NASCIMENTO,
1986, p. 39).
Assim, o Parecer n
o
60/63 do CFE instituiu o curso de engenharia de operação, com
três anos de duração, cujos currículos mínimos foram definidos no Parecer n
o
25/65, definindo
o perfil do engenheiro de operação como “elemento de formação profissional- tecnológica
176
,
de nível superior”, distinguindo-se de engenheiros com “cursos de formação profissional
científica, que não se confundem com os primeiros por exigirem preparação científica muito
mais ampla e, em conseqüência, maior duração dos respectivos cursos”. A partir de então, não
só o referido Parecer n
o
25, como, também, outros documentos emanados do MEC aderem à
expressão formação profissional-tecnológica; primeiro, por relacioná-la ao desenvolvimento
das forças produtivas e, depois, por se referir a cursos enquadrados no ensino superior,
oferecendo-lhes um cunho diferenciado dos cursos técnicos de nível médio tidos, até então,
como de formação técnico-profissional.
Desse modo, a formação tecnológica seria mais abrangente que a formação
técnico-profissional, e, portanto, associada a um nível maior de conhecimento, envolvendo
questões não apenas relacionadas ao desenvolvimento de novas tecnologias, mas, também,
voltada para as necessidades do mercado. É o que Ítalo Bologna
177
busca mostrar no relatório
175
Lembro que a formação técnica profissional, proposta pelo documento, abrangia três níveis de ensino:
qualificação, formação de técnicos e engenheiros.
176
Grifos meus.
177
Ítalo Bologna faz parte de uma geração de engenheiros-educadores, dentre os quais se destacam Celso
Suckow da Fonseca, Francisco Montojos, João Lüderitz e Roberto Mange. Ítalo Bologna atuou no IDORT, no
161
sobre “a demanda de mão-de-obra” para a indústria, em 1964, salientando que além do
irrisório número de técnicos industriais diante da crescente demanda do setor produtivo, o que
vinha ocorrendo era um processo de desqualificação da mão-de-obra à medida que as
empresas investiam em novas máquinas. Essa lacuna estaria sendo preenchida, de um lado,
por engenheiros e, de outro, por “agentes de mestria guindados, forçosamente, à posição de
técnicos”, isso é, os operários estariam sendo empurrados pela mecanização para níveis mais
altos de qualificação, ou, em outras palavras, a automatização estaria forçando a
“intelectualização da mão-de-obra industrial”
178
. Em vista de estarem ocorrendo dois
deslocamentos de função, um no sentido de baix
162
Em síntese, em seu relatório, Bologna propunha a expansão de cursos de curta
duração, a exemplo dos que já existiam
180
em Volta Redonda e São Bernardo do Campo,
mantidos, respectivamente, pela Escola Fluminense de Engenharia e pela Faculdade de
Engenharia Industrial, devendo as instituições ministradoras dos cursos funcionar em estreita
articulação com empresas do ramo, que, participando da organização dos currículos,
ofereceriam pessoal docente especializado e estágio aos alunos.
No ano do golpe de 1964, foram empreendidas diversas mudanças no âmbito do MEC;
assim, “o novo MEC”
181
, de caráter tecnicista, em menos de um ano conseguiu dar ao
Ministério da Educação e Cultura uma feição nova, ao mesmo tempo em que já apontava para
diferenciação entre cursos no ensino superior. Um estaria voltado para as questões práticas e
imediatas do setor produtivo e, o outro, de caráter científico e formação sólida, deveria estar
voltado para a criatividade, projetos e pesquisa. Entrementes, seria encontrado, não apenas o
germe da transformação de escolas técnicas da Rede Federal de Ensino Industrial em Centros
Federais de Educação Tecnológica, mas, também, a consolidação da “diferenciação para
cima” do ensino.
No âmbito do MEC, as políticas educacionais estavam sendo balizadas pelo acordo
MEC—USAID, contando com a cooperação técnica da Fundação Ford, e financiadas pelo
BIRD e BID. No que mais me interessa, destaco que a implantação da engenharia de operação
se concretizou a partir dos resultados de dois grupos de trabalho. O primeiro, formado por
professores da ETF da Guanabara, também, membros da equipe MEC—USAID, que
contaram, em particular, com a assessoria técnica da Fundação Ford que, à época, destinava
parte das doações para o ensino técnico no Brasil. Esse grupo de trabalho, sob forte influência
do modelo estadunidense, apontou as escolas técnicas federais como o local mais apropriado à
instalação e implementação dos cursos para “engenheiros tecnológicos”.
Nesse cenário, então, em 1965, o MEC não só autorizou a implantação de cursos de
engenharia de operação na ETF da Guanabara em convênio com a Escola de Engenharia da
180
No final da década de 1960 foram criados os cursos de tecnólogos no Centro Estadual de Educação Técnica
do Estado de São Paulo e no Centro de Educação Técnica da Amazônia, hoje Centros de Educação Tecnológica.
No contexto da reforma da educação do final dos anos de 1990, a política educacional do governo FHC
supervaloriza esses cursos de curta duração, mudando sua nomenclatura para Cursos Superiores de Tecnologia e
promovendo sua expansão tanto na rede privada, quanto na rede pública de ensino.
181
“O novo MEC em menos de um ano conseguiu dar ao Ministério da Educação e Cultura uma feição nova,
reorganizando os seus serviços e transformando os processos de administração (...) como uma máquina, cujas
peças estão bem ajustadas — o desgaste é menor e é mais rendosa a produção”. Revista do Ensino Industrial.
MEC/CBAI/DEI, n. 9, ano III, dez./1964.
163
Universidade do Brasil
182
, como, também, recomendou, sob a orientação do segundo grupo de
trabalho, a expansão dos cursos em outras escolas técnicas federais
183
.
Em 1969, o Decreto-lei n
o
547 autorizou a organização e o funcionamento de cursos
profissionais superiores de curta duração nas escolas técnicas
184
, em geral, dispensando o
convênio com a Escola de Engenharia. No mesmo ano, o Decreto-lei n
o
796 autorizou, em
particular, a criação daqueles cursos nas Escolas Técnicas de Minas Gerais e Paraná.
A partir daí, os cursos industriais básicos, ou ginásios industriais, foram,
gradativamente, extintos e, o ensino técnico, com nova roupagem, até então restrito ao ensino
médio é elevado ao ensino superior. Inicia-se, dessa forma, a contradição da hoje Rede
Federal de Educação Tecnológica. Diferenciada de outras instituições de ensino por oferecer a
formação profissional integrada à formação de cultura geral, as instituições da Rede Federal
de Escolas Técnicas passam a oferecer, também, o ensino superior. Afinal, seriam elas escolas
de nível médio ou de nível superior? No âmbito do MEC, tal contradição será usada ora a
favor, ora contra os interesses das referidas escolas.
Ressalte-se que no bojo da reforma universitária do governo militar, em que se
expandiam cursos de tecnólogos na rede privada de ensino, com a finalidade não apenas de
atender os três setores da economia, mas, sobretudo, de conter a entrada da classe
trabalhadora no ensino superior de qualidade, foi criada no âmbito do Departamento de
Assuntos Universitários do MEC (DAU/MEC) uma comiau 4.milar,a contcepão s]TJ-21.30 -1.725 TD0.0003 Tc0.2343 Tw[(fos cursos ee ensenhari) no âBas il,com qvist]TJ19.478 0 TD0.0002 Tc0.0346 Tw[(ds dàensenhari) ne eoerição ,porso due nas
dntodade, de cuasse s igrassas ee ses dursos eom cnsenhaeiro.
fCorrobra v-se,a u4.maextintão des
164
Na ingerência dos acordos MEC—BIRD, depois de se decidir pela extinção dos cursos
de engenharia de operação, diante da resistência de entidades de classe em reconhecerem
profissionalmente os egressos dos referidos cursos, foi criado o curso de engenharia
industrial, com duração de cinco anos. Todavia, a absorção desses últimos pelas universidades
foi rejeitada porque a finalidade da engenharia industrial parecia se ajustar melhor à
identidade das escolas técnicas, pois que visa
À formação de um profissional habilitado à supervisão de setores
especializados da indústria e encargos normais de produção industrial,
caracterizado por uma formação predominantemente prática, necessária à
condução dos processos industriais, à gerência ou supervisão das indústrias,
à direção da aplicação da mão-de-obra, às técnicas de utilização e
manutenção de equipamentos, enfim, às atividades normais ou de rotina das
indústrias (Parecer n
o
4.434/76 , apud NASCIMENTO, 1986).
Assim sendo, as escolas técnicas foram incumbidas de adaptar os currículos da extinta
engenharia de operação à nova realidade. Em decorrência, sob a supervisão do DAU/MEC,
em 1978, as Escolas Técnicas Federais do Rio de Janeiro, Minas Gerais e Paraná, foram
transformadas em Centros Federais de Educação Tecnológica
186
.
Na justificativa da transformação das ETFs em CEFETs fica clara a intenção do Grupo
de Trabalho
187
, instituído para elaborar a proposta de criação dos Centros de Engenharia, de
dar continuidade à política associada e dependente dos organismos internacionais. O GT
assinala que o Acordo MEC/BIRD, n
o
755/BR, foi articulado para prover cursos de curta
duração em diferentes modalidades, de modo a atender a diversificada tecnologia industrial
de que tanto o Brasil necessitava para seu desenvolvimento tecnológico. Nesse sentido, o que
se pretendia era estabelecer uma política diretiva relacionada ao ensino técnico industrial, com
base na necessidade de “mão-de-obra tecnológica”
188
em diversos níveis de formação — “é o
leque que se vai abrindo, pela exigência maior da expansão da tecnologia”
189
. E segue o
relatório na defesa da manutenção da oferta de diferenciados cursos, em particular na área das
186
Sobre o processo de transformação das escolas técnicas em CEFETs, ver Campello (2005).
187
O GT foi formado pelos professores Máximo Ivo Domingues, representante da Secretaria Geral do MEC e
coordenador do Grupo de Trabalho; Osvaldo Vieira Nascimento, representante do DAU/MEC, ex-integrante do
PRODEM, pertencente ao quadro de professores da ETFCSF; Hélio Gelape, representante do DEM/MEC,
professor da ETF de Minas Gerais; Carlos Magno Pereira representante do PRODEM, professor da ETFCSF.
188
Relatório do GT para “estudar a criação dos Centros de Engenharia” (NASCIMENTO, 1986, p.49-50).
189
Ibid., p.51.
165
indústrias, privilegiando o de tecnólogos, cujo “habitat natural de funcionamento desses
cursos”
190
seriam as escolas técnicas federais.
Portanto, é a partir da criação dos Centros Federais de Educação Tecnológica
191
do
Rio de Janeiro, Minas Gerais e Paraná, em 1978, pela Lei Federal n
o
6.545, como um modelo
de formação de profissionais tecnólogos (em cursos de curta duração) e engenheiros
industriais (em cursos com igual duração dos cursos convencionais de engenharia), que
começa a clarificar, no país, uma concepção de educação tecnológica. Concepção essa que
estabelece a política diretriz de ações futuras do MEC, tomando a técnica, a ciência e a
tecnologia não como resultado do trabalho humano para o consumo coletivo ou como bem
social, mas, sim, para a produção de lucro a serviço do capital.
Após a criação dos três primeiros CEFETs, devido à crise do capital, entre 1979-82,
que evidenciava o esgotamento do padrão de acumulação baseado na produção de bens de
consumo, já na vigência do III PND, com o modelo nacional-desenvolvimentista sendo
substituído pela expansão do agronegócio e o terceiro setor entrando em franco crescimento,
as ações no âmbito do MEC, se retraíram até o final da primeira metade dos anos de 1980,
reconhecendo, apenas, o modelo CEFET como “válido e eficaz”, consoante o artigo 3
o
do
Decreto n
o
87.310/82, regulamentador da Lei n
o
6.545/78 de criação dos CEFETs:
Integração do ensino técnico de segundo grau com o ensino superior; ensino
superior como continuidade do ensino técnico de segundo grau,
diferenciado do sistema de ensino universitário; acentuação na formação
especializada, levando-se em consideração tendências do mercado de
trabalho e do desenvolvimento; atuação exclusiva na área tecnológica;
formação de professores e especialistas para as disciplinas especializadas do
ensino técnico de segundo grau; realização de pesquisas aplicadas e
prestação de serviços; estrutura organizacional adequada a essas
peculiaridades e aos seus objetivos.
O referido decreto reedita o conceito de que as escolas técnicas, agora CEFETs, se
constituem em instituições de ensino diferenciadas e, portanto, separadas do segmento de
educação que leva às universidades. Nesse sentido, vai se gestando a proposta de criar uma
rede de educação profissional, separada e paralela da rede “regular” de ensino, que ganhou
corpo no governo FHC e se fortalece no governo Lula da Silva.
190
Ibid., ibid.
191
Segundo Nascimento (1986), a estrutura administrativa dos três CEFETs teve como paradigma o Centro de
Educação Tecnológica da Bahia, criado em 1976, nas dependências da Escola Técnica Federal da Bahia,
exclusivamente para ministrar cursos de tecnólogos.
166
Na segunda metade dos anos de 1980, o governo brasileiro buscou consolidar o
“modelo CEFET”, criando, em 4 de julho de 1986, o Programa de Expansão e Melhoria do
Ensino Técnico (PROTEC)
192
, a partir da consulta realizada no dia “D do MEC”
193
, em
âmbito nacional, destinado a expandir a rede federal de ensino técnico de nível médio. A
proposta inicial era a de construir 100 novas escolas técnicas, número logo ampliado para
200; entretanto, a opção foi criar um sistema de escolas técnicas como Unidades de Ensino
Descentralizadas (UNED) vinculadas aos CEFETs e ETFs, sistema este inspirado na
experiência dos campi universitários. Foram construídas, também, escolas agrotécnicas.
O PROTEC se inscreve nas políticas educacionais de uma conjuntura de
redemocratização, trazendo em sua essência o ranço do tecnicismo-produtivista do governo
militar,
produz uma forma inversa de apreender o processo de desenvolvimento
econômico-social capitalista e nivela realidades profundamente diversas no
plano das relações de poder internacional (...) inversão que postula que o
progresso técnico — base fundamental para o desenvolvimento hoje — ao
mesmo tempo amplia a oferta de emprego, e essa ampliação exige,
generalizadamente, a ampliação das qualificações (FRIGOTTO:
CIAVATTA: MAGALHÃES, 2006, p.142).
No início dos anos de 1990, a concepção sobre a formação profissional-tecnológica
se encontrava em fase amadurecida; denominada de educação tecnológica, passa a ser
conceituada como uma educação moderna, capaz de acompanhar o desenvolvimento das
forças produtivas e, devendo, como dantes, aproximar-se do mercado, de modo a atender os
setores primário, secundário e terciário da economia.
Ressalte-se que, por essa época, a rede de escolas técnicas federais e CEFETs já não
tem como finalidade precípua formar mão-de-obra para indústria, em particular, mas, sim,
ofertar cursos de curta duração, em geral, de modo a atender os setores primário e terciário,
posto que a Lei n
o
8.711/93, ao ampliar a atuação do Sistema de Educação Tecnológica para
as áreas primárias e terciárias da economia, modificou a identidade das escolas técnicas
pertencentes à antiga Rede Federal de Ensino Industrial. Em seu teor, a referida lei promove a
192
Para maiores detalhes ver FRIGOTTO, FRANCO e MAGALHÃES, 2006.
193
O Dia D, ocorrido em setembro de 1985, foi o dia em que todas as escolas, em âmbito nacional, suspenderam
suas atividades de aula, para debater a educação no país. Promovido pela SEPS/MEC, a oficina, cujo tema foi
Educação e democracia, tinha o objetivo de discutir a política educacional no país, em geral, e o trabalho
pedagógico das escolas, em particular. “Muitos foram os pontos levantados durante as discussões: do livro
didático às condições físicas das escolas; da competência técnica dos educadores à política social do Governo;
dos conteúdos estudados às condições socioeconômicas da população estudantil (...)”. CEFETBA. Disponível
em http://www.cefetba.br/comunicacao/parte1.html
. Acesso em agosto de 2006.
167
substituição dos termos “área técnico-industrial” (mencionado na Lei n
o
6.545/78) por “área
tecnológica”.
Entrementes, os aparelhos de hegemonia do Estado vinculados ao capital, como a
Confederação Nacional da Indústria (CNI), o Instituto Euvaldo Lodi (IEL), a Federação das
Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP), Instituto Herbert Levy (IHL) e SENAI,
“reclamavam mudanças na educação, sob o argumento das mudanças tecnológicas, centrando
seu foco, todavia, na concepção de educação polivalente para um trabalhador multifuncional,
adaptado, subserviente ao mercado”
194
(FRIGOTTO, 2006a, p.40).
Para atender as demandas impostas à nova educação, quais sejam, a de se formar
profissionais flexíveis e adaptáveis ao setor produtivo e se reproduzir nas escolas o ambiente
empresarial
195
, no âmbito do MEC inicia-se uma reforma administrativa com a criação da
Secretaria Nacional de Educação Tecnológica (SENET), como unidade específica e
especializada para gerir a educação tecnológica em todos os níveis, posteriormente
denominada Secretaria Nacional de Educação Média e Tecnológica (SEMTEC)
196
.
Todavia, desde o final da década de 1980, algumas Escolas Técnicas Federais a
exemplo das de Pelotas, Campos, Pará, Pernambuco, Rio Grande do Norte, Mato Grosso, São
Paulo, Maranhão e Bahia reivindicavam a sua transformação em CEFETs, enquanto outras
pleiteavam o direito de ministrar cursos de nível superior. Lograram êxito, no entanto, as
Escolas Técnicas do Maranhão e Bahia, transformadas em CEFETs, respectivamente
197
, em
1989 e 1993. As demais foram transformadas em bloco, juntando-se a todas outras escolas
técnicas federais do país, em 1994, pela Lei n
o
8.948, de 8 de dezembro, que, por sua vez,
também instituiu o Sistema Nacional de Educação Tecnológica.
A criação desse Sistema baseia-se nas políticas de desenvolvimento de
países de primeiro mundo, especialmente os europeus, que atribuem o seu
desenvolvimento ao investimento sistematizado na busca e uso intensivo de
194
A esse respeito, vale conferir o documento produzido a partir da Reunião de Presidentes de Organizações
Empresarias IberoAmericanas, intitulado Educação básica e formação profissional – uma visão dos
empresários. Rio de Janeiro, CNI, 1993.
195
Segundo Ramos (1995), uma das medidas tomadas nesse sentido foi a criação do Núcleo de Qualidade Total
do MEC, exigindo que todas as escolas instituíssem seu próprio núcleo, de modo a implementar a gestão da
qualidade total.
196
A dualidade estrutural da educação expressa na forma da lei, no governo Cardoso, que obrigava a separação
do ensino médio e do ensino técnico, torna-se mais visível no governo Lula da Silva, com a transformação
administrativa da SEMTEC em duas secretarias: Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica (SETEC) e
Secretaria de Educação Básica (SEB).
197
Lei n
o
7863/1989 e Lei n
o
8711/1993.
168
modernas tecnologias. Identificando semelhanças entre a possibilidade de
avanço tecnológico no Brasil e nesses países, os problemas do
desenvolvimento nacional estariam também condicionados às políticas de
investimento em tecnologias e em formação de mão-de-obra especializada
para operá-las. Identificou-se, com isso, a necessidade de interligação entre
os diversos setores que utilizam e desenvolvem tecnologias de ponta, e
aqueles setores mais pobres cientificamente. (RAMOS, 1995, p. 167).
Para atender as demandas impostas à nova educação, seria essencial "forte base de
sustentação a ser construída por uma sólida educação geral tecnológica, voltada para o
preparo de profissionais capazes de absorver, desenvolver e gerar tecnologia" (SENETE,
1991, apud RAMOS, 1995, p.167).
Na voz dos empresários, entretanto, o maior problema da educação geral tecnológica
estava no sistema educacional falho que “não é capaz de maximizar a utilização de sua força
de trabalho”, por ter-se “afastado das verdadeiras necessidades geradas nas atividades
econômicas”
198
. A solução é dada pelo IPEA:
Nada impediria que as escolas técnicas pudessem passar a oferecer cursos
de qualificação/treinamento de operários, revertendo a tendência de
oferecer, cada vez mais, só cursos de nível secundário, superior e às vezes
em nível de pós-graduação. Essa reversão ajudaria, como se procurou
mostrar historicamente, a melhoria do diálogo com o setor produtivo (IPEA,
p.18).
Sob forte influência do pensamento pedagógico empresarial e de economistas, o MEC
busca, então, dar respostas às necessidades do capital, avaliando o modelo CEFET.
De fato, talvez tenha chegado a hora, tão almejada pelos que se têm
dedicado ao estudo da problemática da educação tecnológica em nosso país,
de se estabelecer uma política educacional que venha integrar devidamente
vários setores que tradicionalmente têm permanecido isolados entre si, e
cuja interligação poderá proporcionar respostas mais adequadas e rápidas às
necessidades e aspirações do desenvolvimento nacional auto-sustentado
(Brasil, MEC,1992a, p.4, apud RAMOS, 1995, 170).
Este modelo constituído em uma rede de instituições
199
elevadas a status de nível
superior, vinculadas ao Sistema Nacional de Educação Tecnológica, deve
ser visto como um sistema paralelo alternativo do sistema tradicional que
precisará de uma política pública própria, considerando suas peculiaridades
198
CNI. Competitividade Industrial – uma Estratégia para o Brasil (1988), apud Rodrigues (1998).
199
Atualmente, essa rede é formada por 152 escolas: 36 Agrotécnicas Federais (EAF); 34 Centros Federais de
Educação Tecnológica (CEFETs) com 44 Unidades Descentralizadas (UnEDs); 32 Técnicas vinculadas às
universidades federais; 1 Escola Técnica Federal e 1 Universidade Tecnológica (UT) com 6 UnEDs.
BRASIL/MEC. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/setec/
. Acesso em 10/01/2007.
169
e os anseios nacionais de desenvolvimento científico, tecnológico,
econômico e social do país" (Brasil, MEC, 1994a, pp. 16 a 17, apud op. cit.).
Estaria, assim, consolidada não apenas a estrutura para a reforma da educação
promovida pelo governo Cardoso (1995—2002), como, também a concepção de educação
tecnológica, cujo caráter é contraditório, à medida que é abrangente no sentido de formar
profissionais em todos os níveis de ensino direcionados ao mercado de trabalho dos três
setores da economia, e, restrita, no sentido de caracterizar-se como um segmento de educação
paralelo alternativo ao sistema da educação geral.
Diferentemente da concepção de educação tecnológica em Marx, que busca a unidade
entre educação e produção material, que tem em sua essência a unidade de teoria e prática,
cujo caráter é de totalidade ou omnilateralidade do homem, que não se limita apenas ao
trabalho manual ou apenas ao trabalho intelectual da atividade produtiva, mas que
possibilidade a plena e total manifestação de si mesmo, independente das ocupações
específicas de um determinado posto de trabalho, na análise documental por mim realizada,
fica claro que não só nos debates
200
, como, também, na elaboração de documentos da primeira
metade dos anos de 1990, a educação tecnológica passa a ser conceituada como uma educação
moderna, capaz de acompanhar o desenvolvimento das forças produtivas e, devendo, por
conseguinte, aproximar-se do mercado, cuja concepção é contraditória em sua essência, uma
vez que, por um lado, concebe uma formação em sentido lato, associada a um nível maior de
conhecimento e envolvendo questões relacionadas ao desenvolvimento de novas tecnologias;
e por outro, associa essa mesma formação a cursos aligeirados, de conteúdos fragmentados.
É essa concepção de educação tecnológica, com capacidade de promover a separação
entre trabalhador e conhecimento, trabalhador e ciência, que foi o norte da reforma da
educação no país. Tida como redentora da nação, acaba por revelar sua proposta de inserir a
população, por meio de vários itinerários formativos, na “Era do Mercado”.
A acepção fundamental desta concepção de educação tecnológica encontra-se na visão
neoliberal de mundo voltada para modernização sustentada pelo binômio da competitividade
— qualidade e produtividade —, na qual o Estado brasileiro, na busca pela retomada do
crescimento econômico, transfere para a individualidade de jovens e trabalhadores a
200
Sobre os debates reivindicatórios da cefetização de todas as escolas técnicas efetivada pela Lei n
o
8.948/94,
Ramos (2006, p.289) destaca que a efetiva transformação das escolas técnicas em CEFETs se deu , apenas, em
1997, após a adesão formal dos diretores-gerais daqueles instituições à reforma do ensino médio e técnico
promovida pelo Decreto n
o
2.208/97. Entretanto, cabe ressaltar que, a partir do I Encontro Nacional de
Departamentos de Ensino de ETFs e CEFETs, algumas instituições em busca de elevar seu status, a exemplo da
Escola Técnica Federal do Rio Grande do Norte, já apresentavam propostas de reformulação curricular que iam
ao encontro dessa concepção de educação tecnológica.
170
responsabilidade de adquirir competências e habilidades de natureza tanto operacional, quanto
conceitual, a fim de se inserirem na empregabilidade. No que mais me interessa, a reforma do
ensino médio e técnico mediada pelo Decreto n
o
2.208/97 manifestou essa concepção de
educação na Resolução n
o
04/99, que instituiu as Diretrizes Curriculares Nacionais para a
Educação Profissional de Nível Técnico, analisadas e apreciadas pelo Parecer n
o
16/99.
Como em todo Estado burguês, o comitê político da reforma buscou velar seu caráter
coercitivo, oferecendo uma face universalizante e democratizante na elaboração das Diretrizes
Curriculares Nacionais para a Educação Profissional, de modo a obter o consenso de
professores e gestores de escolas técnicas, em geral, e de CEFETs, em particular.
Durante doze meses, a coerção foi sabiamente combinada com a persuação e o
consenso
201
pela Comissão criada, em outubro de 1998, pela Câmara de Educação Básica do
Conselho Nacional de Educação, que realizou várias reuniões com professores e
pesquisadores do ensino profissional, entidades de classe e universidades.
No aspecto pedagógico, as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação
Profissional de Nível Técnico retomam a teoria do capital humano sob nova aparência, nova
roupagem. Caracterizadas por um conjunto de princípios e critérios, as Diretrizes definiram a
metodologia de elaboração dos currículos a partir de competências gerais em vinte áreas
profissionais. O Parecer n
o
16/99, contraditório em sua essência, busca em linhas gerais, busca
redimir a sociedade dos estragos que a Lei n
o
5.692/71 e o Parecer n
o
45/72 teriam legado,
justificando, assim, a separação entre ensino médio e técnico.
É preciso alterar radicalmente o panorama atual da educação profissional
brasileira, superando de vez as distorções herdadas pela profissionalização
universal e compulsória instituída pela Lei Federal n.º 5.692/71 e
posteriormente regulamentada pelo Parecer CFE n.º 45/72. Essa legislação,
na medida em que não se preocupou em preservar uma carga horária
adequada para a educação geral a ser ministrada no então segundo grau,
facilitou a proliferação de classes ou cursos profissionalizantes soltos tanto
nas redes públicas quanto privadas de ensino (...) A separação entre
educação profissional e ensino médio, bem como a rearticulação curricular
recomendada pela LDB, permitirão resolver as distorções apontadas
(BRASIL, MEC/CNE, Parecer n
o
16, de 1999).
Desse modo, o referido parecer atribuiu às Diretrizes Curriculares para a Educação
Profissional o significado de tábula de salvação do planejamento educacional, mostrando uma
de suas contradições, uma vez que, ao sustentar a organização curricular no binômio
qualidade e produtividade, na busca de uma educação profissional eficiente, acaba por
201
Gramsci, 2001,v.4, p.273.
171
desorganizar as práticas escolares com currículos modularizados, fragmentados e cursos de
duração flexível.
A duração da educação profissional de nível técnico, para o aluno,
dependerá: a) do perfil profissional de conclusão que se pretende e das
competências exigidas, segundo projeto pedagógico da escola; b) das
competências constituídas no ensino médio; c) das competências adquiridas
por outras formas, inclusive no trabalho. Assim, a duração do curso poderá
variar para diferentes indivíduos, ainda que o plano de curso tenha uma
carga horária mínima definida para cada qualificação ou habilitação
profissional, por área profissional (op.cit.).
Nesse sentido, o aproveitamento de estudos é encarado de modo bem amplo,
permitindo ao estudante transitar por várias instituições de ensino, como, também em outros
espaços de educação não-formal.
O diploma de uma habilitação profissional de técnico de nível médio,
portanto, pode ser obtido por um aluno que conclua o ensino médio e,
concomitante ou posteriormente, tenha concluído um curso técnico, com ou
sem aproveitamento de estudos. Esse curso pode ter sido feito de uma vez,
por inteiro, ou a integralização da carga horária mínima, com as
competências mínimas exigidas para a área profissional objeto de
habilitação, poderá ocorrer pela somatória de etapas ou módulos cursados
na mesma escola ou em cursos de qualificação profissional ou etapas ou
módulos oferecidos por outros estabelecimentos de ensino, desde que
dentro do prazo limite de cinco anos (ibid.).
Vimos, no capítulo I, que à medida que o capital assume novas formas de organização
no processo de acumulação, a burguesia brasileira amolda o Estado às suas necessidades,
tornando-o um instrumento a favor dos interesses capitalistas. Assim sendo, a presença do
capital humano reforça a necessidade de o Estado reformar o sistema educacional na retomada
do crescimento econômico e da modernização. O discurso, expresso nos documentos
supracitados, de formar sujeitos polivalentes, flexíveis, colaboradores e participativos e,
ainda, adaptáveis ao mercado, evidencia o fator econômico da educação tecnológica.
A educação passa a ser evocada como um instrumento de modernização —
o fator preponderante, para a diminuição das ‘disparidades’ regionais. O
equilíbrio, entre as regiões — subdesenvolvidas, não-desenvolvidas, em
desenvolvimento e desenvolvidas — se daria mediante a modernização dos
fatores de produção, especialmente pela qualificação da mão-de-obra
(FRIGOTTO, 2001, p.128-9).
Permeado de contradições, o Parecer n
o
16 continua na sua apreciação sobre as
Diretrizes Curriculares buscando fazer uma inversão da realidade, ao afirmar que reconhece
172
as diferenças de importância atribuídas às tarefas produtivas como, também, a forma
hierarquizada da divisão técnica do trabalho, propondo, então, que a educação profissional
tome a direção de criticar a distinção social originada por aquela divisão do trabalho.
Portanto, para o documento, não é a dualidade de classes originada pela propriedade privada
que engendra a divisão técnica e hierarquização do trabalho, mas, sim, o contrário. Segundo o
Parecer n
o
16, essa desigualdade só teria fim com o advento “da sociedade da informação”.
Numa visão prospectiva, a política da igualdade deve tornar presente na
pauta de toda instituição ou programa de preparação profissional que na
sociedade da informação a divisão entre trabalho manual e intelectual, entre
concepção e execução tende a desaparecer ou a assumir outras formas.
Mesclam-se numa mesma atividade a dimensão criativa e executiva do
trabalho; mudam as pessoas ou posições em que se executam ora uma ora
outra; um mesmo profissional é convocado tanto para ser criativo como
para ser operativo e eficiente. Esse padrão, ainda insinuado, tenderá a ser
hegemônico. Portanto a política da igualdade na educação profissional terá
que buscar a construção de uma nova forma de valorizar o trabalho,
superando preconceitos próprios das sociedades pré-industrial e industrial
contra o trabalho manual e as tarefas consideradas inferiores (BRASIL,
MEC/CNE, Parecer n
o
16 de 1999).
A política da igualdade expressa no documento se pauta no direito à educação,
devendo concretizar-se em situações e meios de aprendizagem eficientes, que assegurem a
todos a constituição de competências laborais relevantes, num mundo do trabalho cada vez
mais competitivo e em permanente mutação. Segue o documento, propondo que seja superada
a concepção de educação profissional assistencialista e economicista, marcada pela sociedade
industrial repleta de “discriminações e privilégios no âmbito do trabalho”. Por conseguinte, a
educação profissional deve promover “a constituição de valores de mérito (sic), competência
e qualidade de resultados para balizar a competição no mercado de trabalho” (ibid.).
Em outras palavras, o Parecer n
o
16, ao fazer o vínculo estreito entre educação e
modernização, entre educação e desenvolvimento econômico, rejuvenesce o capital
humano
202
, agora detentor de competências e habilidades, em um contexto em que a
democratização do acesso à educação profissional torna-se mecanismo para justificar as
desigualdades sociais, a distribuição de renda e emprego e, ainda, a mobilidade social
interclasse.
A questão das desigualdades sociais, dos antagonismos de classes, o conflito
capital—trabalho seriam superados, por um processo meritocrático.
Mascara-se o caráter orgânico da acumulação, concentração e centralização
202
Parafraseio Frigotto (2003), em Educação e a crise do capitalismo real.
173
do capital e a própria luta de classes, na medida em que se nivela, sob a
categoria de capital, a capacidade de trabalho dos indivíduos, ‘potenciada’
com educação ou treinamento, ao capital físico, ou seja, a força de trabalho
se apresenta como uma mercadoria – um capital do mesmo valor que o
capital físico (FRIGOTTO, 2001, p.126).
Vimos, no capítulo II, que na contemporaneidade as relações entre trabalho produtivo
e improdutivo, manual e intelectual, material e imaterial permitem maior inter-relação, maior
interpenetração, entre as atividades produtivas e as improdutivas, entre as atividades fabris e
as de serviço, entre as atividades laborativas e as atividades de concepção, produção e
conhecimento científico. Entretanto, o capital e sua lei do valor necessitam cada vez menos
do trabalho estável e cada vez mais de diversificadas formas de trabalho parcial, terceirizado,
que são, em escala crescente, parte constitutiva do processo de produção capitalista. Nesse
sentido,
O desenvolvimento de competências profissionais deve proporcionar
condições de laborabilidade, de forma que o trabalhador possa manter-se
em atividade produtiva e geradora de renda em contextos sócio-econômicos
cambiantes e instáveis. Traduz-se pela mobilidade entre múltiplas
atividades produtivas, imprescindível numa sociedade cada vez mais
complexa e dinâmica em suas descobertas e transformações. Não obstante,
é necessário advertir que a aquisição de competências profissionais na
perspectiva da laborabilidade, embora facilite essa mobilidade, aumentando
as oportunidades de trabalho, não pode ser apontada como a solução para o
problema do desemprego (BRASIL, MEC/CNE, Parecer n
o
16 de 1999).
Contraditoriamente, como o capital não pode prescindir do trabalho vivo no processo
de criação de valores, passa a aumentar o uso e a produtividade do trabalho de modo a
aumentar a mais-valia em tempo cada vez menor. Pretendo dizer com isso que as novas
formas de sociabilidade do capital tanto no que se refere ao novo padrão de acumulação,
quanto no que se refere à reinserção da classe trabalhadora na nova divisão internacional do
trabalho requerem a “valorização do trabalhador”.
Nesse contexto, a concepção de educação tecnológica com sua proposta de cursos
aligeirados e de conteúdos fragmentados, na realidade concreta, tem a finalidade de formar o
“cidadão produtivo” com vistas ao mercado, “no qual o termo produtivo se refere ao
trabalhador mais capaz de gerar mais-valia — o que significa submeter-se às exigências do
capital que vão no sentido da subordinação e não da participação para o desenvolvimento de
todas as suas potencialidades” (FRIGOTTO; CIAVATTA, 2006, p.63).
174
Concordo com Ramos (2004, p.41), que o entendimento de trabalho explicitado nas
Diretrizes Curriculares mostra a concepção de educação do MEC eivada de contradições entre
capital e trabalho: ora o trabalho é tomado como princípio vital, ora o trabalho é mercadoria;
ora o trabalho é mediação, ora o trabalho é visto como fim no mercado; ora o trabalho é práxis
humana, ora o trabalho é práxis produtiva capitalista.
Todo esse arsenal político-ideológico e teórico que foi se produzindo historicamente,
durante décadas, marcado por contradições entre capital e trabalho, e que culminou na
reforma do ensino médio e técnico dos anos de 1990, refletiu-se internamente no cotidiano
escolar do CEFET/RJ, do que tratarei nas próximas sessões.
2. O CEFET/RJ NO CONTEXTO HISTÓRICO: a trajetória de uma instituição voltada
para a formação profissional
Na terceira sessão do capítulo II, fiz a reconstrução histórica do ensino profissional no
Brasil, tendo como foco de análise as escolas técnicas da rede federal. Desvelei que à medida
que o modo de produção capitalista foi se modificando, a burguesia associada e dependente
do capitalismo central foi moldando o Estado aos seus interesses, tendo como mediação o
grau de escolarização e formação profissional da classe trabalhadora.
Dessa maneira, as políticas públicas de formação profissional são expressão das
necessidades da realidade concreta, constitutivas de uma determinada condição histórica,
tornando-se, assim, mediação no sentido de prover o Estado de mão-de-obra especializada.
Nesse cenário, o CEFET/RJ sendo uma instituição de formação profissional, em uma
sociedade cindida em classes, é síntese de múltiplas determinações. Por um lado, é mediação
por articular-se aos interesses do capital; de outro, é mediador da classe trabalhadora que em
sua luta histórica busca acesso à escola pública e de qualidade.
Inscrito na totalidade das relações sociais, o CEFET/RJ tem sua trajetória marcada,
como veremos, pela legislação que resultou da formulação de políticas de formação
profissional, em geral, foco de minha análise, na primeira sessão desse capítulo. Desse modo,
175
todo seu processo de transformação, em particular, bem como de criação de cursos
subordina-se àquela dinâmica.
2.1. A FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA O ENSINO PROFISSIONAL
O CEFET/RJ principia sua trajetória educacional no âmbito do processo de
industrialização do final do século XIX e início do século XX. Criada por meio do Decreto
n
o
1.880, de 11 de agosto de 1917, a Escola Normal de Artes e Offícios Wenceslau Bráz, tinha
a finalidade de formar professores, mestres e contramestres para os institutos e escolas
profissionais do então Distrito Federal e, também, professores de trabalhos manuais para as
escolas primárias municipais de todo país.
Em consonância com as bases do processo industrial e econômico que se desenvolvia
no país, a Escola Wenceslau Braz, instalada no antigo Palacete Leopoldina, à rua General
Canabarro, n
o
338, no Maracanã, inicia suas atividades letivas, em 1920, oferecendo cursos
técnicos profissionais, para jovens do sexo masculino, nas modalidades de Trabalho em
Madeira; Trabalho em Metal; Mecânica e Eletricidade; Atividades Comerciais; e, ainda, curso
de trabalhos manuais, destinado ao sexo feminino, como Prendas e Economia Domésticas;
Bordados, Costura e Flores Artificiais. Mais tarde, em 1924, seu Regimento Interno é
alterado; a Escola Normal Wenceslau Braz deixa de se incumbir da formação de
contramestres e professores de trabalhos manuais, passando, somente, a preparar professores e
mestres para as escolas profissionais da União. Nesse sentido, os currículos são
reestruturados, tendo sua carga horária ampliada, e, com isso, a duração de todos os cursos
altera-se de quatro para seis anos letivos. Assim, além das disciplinas voltadas à formação
técnica, os alunos passam a estudar, também, disciplinas, como Português, Educação Cívica,
Matemática Aplicada às Indústrias, Geografia Industrial, História das Indústrias, Desenho à
Mão Livre e Geométrico, Fisiologia, Psicologia, Noções de Direito, Canto, Música, Educação
Física, Francês, Física, Eletricidade, Química Industrial, História Natural, Higiene, Pedagogia,
Contabilidade Industrial, Estenografia, Datilografia, Modelagem e Trabalhos Manuais. Desse
modo, a Escola passa a oferecer uma formação mais abrangente, articulando disciplinas
voltadas à cultura geral e à educação profissional (FONSECA, 1961, p.589-90).
176
Embora a Escola Wenceslau Braz oferecesse vários cursos e contasse não apenas com
um quadro docente de qualidade, mas, também, com recursos financeiros e infra-estrutura
capazes de propiciar sólida formação profissional para a indústria, teve sua finalidade
questionada, uma vez que boa parte do corpo discente era composto por jovens do sexo
feminino que cursavam Estenografia, Datilografia, Contabilidade, Costura e Bordados. Em
outras palavras, como aponta Celso Suckow da Fonseca, em sua obra História do Ensino
Industrial no Brasil, a escola não estava conseguindo exercer o papel que lhe fora atribuído
quando de sua criação:
Não era pròpriamente isso que o país esperava, mas sim a formação de
homens que estivessem à altura de ensinar Mecânica, Eletricidade,
Serralharia, Fundição Marcenaria, Carpintaria, etc., enfim, de homens que
pudessem fazer de seus alunos verdadeiros artífices para a indústria
nacional (op.cit., p.597).
Depois de quase vinte anos de atividades, a Escola Normal de Artes e Ofícios
Wenceslau Braz é fechada, em abril de 1937, para ceder lugar à construção de um liceu
destinado ao ensino profissional de todos os ramos e graus. A Escola Normal é então
demolida, iniciando-se a edificação do liceu que, antes mesmo de ser inaugurado, tem sua
denominação alterada para Escola Técnica Nacional (ETN), consoante o espírito da Lei
Orgânica do Ensino Industrial, promulgada em 30 de janeiro de 1942.
2.2. A FORMAÇÃO TÉCNICO-PROFISSIONAL DE HOMENS PARA A INDÚSTRIA
Como vimos nos dois primeiros capítulos, a partir da década de 1930, durante o
governo de Getúlio Vargas, a industrialização brasileira sofre expressiva transformação
quantitativa e, fundamentalmente, qualitativa, sobretudo na fase do Estado Novo, quando é
adotada uma série de medidas visando à implantação de um núcleo urbano-industrial, que
acaba por gerar mudanças significativas na economia do país.
Entre 1942 e 1946, com Gustavo Capanema à frente do Ministério da Educação e
Saúde Pública, o governo Vargas implementa a reforma da educação brasileira, iniciada nos
anos de 1930. São promulgados vários decretos-leis, que resultam em uma série de reformas,
denominadas Leis Orgânicas do Ensino, abrangendo todos os ramos e graus.
Inserida nesse processo, a Escola Técnica Nacional, apesar de estar funcionando desde
1942, é oficialmente inaugurada em 7 de outubro de 1944, com a presença do então
177
Presidente da República, Getúlio Vargas, e do Ministro Gustavo Capanema. Tendo como
finalidade preparar profissionais especializados para a indústria, a Escola Técnica Nacional
oferecia formação em dois níveis: cursos industriais básicos, equivalentes ao chamado curso
ginasial (atual ensino fundamental de 5
a
à 8
a
série), e cursos industriais técnicos. Os cursos
industriais básicos, em número de 15 e com duração de quatro anos, eram ofertados àqueles
que tivessem o então curso primário, completo (atual ensino fundamental de 1
a
à 4
a
série), nas
seguintes modalidades: Alfaiataria; Aparelhos Elétricos e Telecomunicações; Carpintaria;
Cerâmica; Corte e Costura; Chapéus, Flores e Ornatos; Fundição; Marcenaria; Máquinas e
Instalações Elétricas; Mecânica de Máquinas; Mecânica de Precisão; Mecânica de
Automóveis; Serralheria; Tipografia e Encadernação; e, ainda, Pintura. Já os cursos técnicos,
destinados aos portadores de certificado do antigo ginasial ou dos cursos industriais básicos,
tinham duração de três anos e eram em número de sete, abrangendo as modalidades:
Construção de Máquinas e Motores; Eletrotécn
178
comunidade escolar na discussão de questões didático-pedagógicas. Ademais, essa lei
representa um avanço em relação às reivindicações da classe trabalhadora no país, uma vez
que as escolas de ensino industrial vinculadas ao MEC, como a Escola Técnica Nacional,
passam a ser então reconhecidas como instituições que devem oferecer base de cultura geral
articulada à base de cultura técnica, de modo a que seus alunos possam não só ter uma
profissão, mas, também, as condições para prestar exames vestibulares e prosseguir seus
estudos no ensino superior. Além disso, com o advento da Lei n
o
3.552, é permitido aos
alunos registrar os diplomas obtidos em cursos técnicos industriais, no Conselho Regional de
Engenharia, Arquitetura e Agronomia (CREA).
É nesse cenário que a Escola Técnica Nacional, em atendimento à nova legislação,
amplia a duração de seus cursos técnicos de três para quatro anos e, a partir dessa
reformulação curricular, passa a oferecer , em vez de sete, seis cursos: Eletrotécnica;
Eletrônica; Edificações; Estradas; Máquinas e Motores; e, ainda, Meteorologia. Com sua
autonomia garantida em lei, a ETN busca, então, atender à demanda crescente por cursos
técnicos e, gradativamente, extingue os cursos industriais básicos, tendo formado sua última
turma no ano de 1964.
Em consonância com o crescimento e a diversificação de postos de trabalho no país e,
também, com a procura por uma formação profissional por parte das classes populares, a
Escola Técnica Nacional, ainda, oferecia os chamados Cursos de Continuação, destinados a
jovens e adultos, sem escolaridade. Esses cursos, de curta duração e em número de 10, eram
oferecidos nas seguintes especialidades: Ajustagem; Fresagem; Tornearia Mecânica;
Instalações Elétricas; Aparelhos Elétricos; Radiotécnica; Solda Elétrica; Composição Manual;
Composição Mecânica; e Desenho de Máquinas. Assim estruturada, a Escola Técnica
Nacional implementa, na década de 1960, o modelo de formação profissional que a destacaria
no sistema nacional de ensino, como marco do ensino profissional no Brasil.
Ao longo dos anos de 1960, a Escola Técnica Nacional, sediada no recém-criado
estado da Guanabara, vai se firmando no panorama educacional brasileiro como uma das
principais instituições de ensino industrial do país, em função da qualidade de seu ensino,
uma vez que conta, desde o início das atividades, não apenas com o corpo docente
proveniente da Escola Normal Wenceslau Braz, como, também, com técnicos suíços e
norte-americanos, especializados, contratados para lecionar na rede federal de escolas
técnicas.
179
Entretanto, por ser a ETN, hoje CEFET/RJ, uma instituição de ensino profissional, no
seu interior as contradições entre capital e trabalho tornam-se mais visíveis. Nesse sentido,
destaco que, apesar de em 1961 o Decreto n
o
50.945 — assinado pelo então Presidente da
República, Jânio Quadros — permitir aos portadores de certificado de conclusão do 2
o
ciclo
secundário a matrícula na 3
a
série dos cursos industriais técnicos das escolas técnicas federais,
com dispensa das disciplinas de cultura geral, a ETN não conseguia atrair, para seus cursos,
alunos de parcela da sociedade favorecida economicamente
203
. Vista como instituição
destinada a formar filhos de operários, sobre a ETN ainda repousava o olhar preconceituoso
de uma sociedade marcada pelo resquício do escravismo, em que o trabalho manual era
considerado algo degradante, pois que, como apontei no capítulo II, desde os tempos da
Colônia e do Império e até a Constituição de 1937, o ensino profissional (artesanal,
manufatureiro e industrial) destinava-se, na forma da lei, aos miseráveis, aos órfãos, aos
abandonados, aos delinqüentes.
Desse modo, na concepção das famílias das classes média e alta do país, a escola ideal,
para seus filhos seria o Colégio Militar, o Colégio Pedro II, o Instituto de Educação ou, ainda,
as escolas confessionais da rede privada. Destinados ao oficialato ou às escolas com formação
voltada apenas para a cultura geral, esses jovens, na visão dominante, estariam, assim,
preparados para o trabalho intelectual.
2.3. DA FORMAÇÃO TÉCNICO-PROFISSIONAL DA ETF À FORMAÇÃO
PROFISSIONAL-TECNOLÓGICA DO CEFET
A partir do final dos anos de 1960, já na vigência do regime militar, lentamente essa
visão distorcida sobre a Escola Técnica vai se modificando. A necessidade, cada vez maior,
por trabalhadores qualificados faz com que o ensino industrial técnico passe a ter importância
crescente para alguns segmentos da população brasileira. No entanto, será somente no
transcorrer da década de 1970, com a consolidação da indústria brasileira, aliada à entrada de
empresas multinacionais no país, que o olhar sobre a Escola Técnica se modificará.
Vimos no capítulo II que com o advento da profissionalização compulsória, no então
ensino de 2
o
grau, por meio da Lei n
o
5.692/71, foi empreendida uma grande campanha de
valorização do ensino profissional e do trabalho técnico, o que pode ser considerado marco da
mudança de perfil econômico dos alunos da então Escola Técnica, o hoje CEFET/RJ.
203
Fato histórico constatado não só a partir da consulta ao Arquivo Geral do CEFET/RJ, como, também, em
entrevista realizada com ex-alunos.
180
Durante o governo militar, a Escola Técnica Nacional sofre sucessivas alterações não
apenas em sua designação, mas também em seu regimento, passando a chamar-se, em 1965,
Escola Técnica Federal da Guanabara, devido à orientação que buscava identificar escolas
técnicas, em todo o país, com a denominação do respectivo estado; no ano de 1967, passa a
Escola Técnica Federal Celso Suckow da Fonseca, em homenagem póstuma a seu primeiro
diretor eleito pela comunidade interna; e já no final da década de setenta, mais precisamente
em 1978, é transformada em Centro Federal de Educação Tecnológica Celso Suckow da
Fonseca.
Entretanto, mais importantes do que as modificações sofridas em sua denominação,
são as transformações sucessivas ocorridas no interior da escola, impulsionadas,
majoritariamente, pelas políticas de Estado que passam atrelar a educação ao
desenvolvimento econômico do país. Como primeiro exemplo dessas sucessivas
transformações, cito que, no ano de 1966, a então Escola Técnica Federal da Guanabara
implanta cursos de Engenharia de Operação, sendo introduzida, assim, a formação de
profissionais para a indústria, em cursos de nível superior de curta duração. Realizados em
convênio com a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), para efeito de colaboração
do corpo docente e expedição de diplomas, os cursos abrangiam as seguintes especialidades:
Engenharia de Operação Elétrica, Engenharia de Operação Eletrônica e Engenharia de
Operação Mecânica.
Mais tarde, já como Centro Federal de Educação Tecnológica Celso Suckow da
Fonseca, os cursos de Engenharia de Operação cedem lugar aos de Engenharia Industrial, com
duração de cinco anos e, no bojo das reformas neoliberais da década de 1990, são criados os
cursos superiores de tecnologia, conhecidos por cursos de tecnólogos.
Como segundo exemplo, lembro o fato de que, devido ao aumento crescente do
número de matrículas, sonhado há muito pelo patrono da escola, a já denominada Escola
Técnica Federal Celso Suckow da Fonseca passa a funcionar em três turnos, no final dos anos
de 1960, abolindo o horário integral — tradição até então considerada essencial para o ensino
industrial de qualidade —, além de eliminar a oferta de almoço aos alunos, muito embora a
distribuição, gratuita, de lanche tenha continuado até meados dos anos de 1980, para
estudantes tanto do turno diurno quanto noturno.
Como terceiro exemplo da transformação ocorrida no interior da escola surge em
1971, a partir dos Acordos MEC—BIRD e MEC—USAID, quando o governo militar, por
181
meio do MEC, cria o Programa de Desenvolvimento do Ensino Médio e Superior de
Engenharia de Operação (PRODEM). Instalado nas dependências da então denominada
Escola Técnica Federal Celso Suckow da Fonseca, o PRODEM, vinculava-se ao
Departamento de Ensino Médio (DEM) do MEC e tinha por finalidade a execução do projeto
que captara recursos do Banco Mundial, da ordem de 21 milhões de dólares, para construir
prédios, instalar e equipar oficinas e laboratórios, bem como preparar e formar pessoal, em
todos os níveis de ensino, em seis escolas técnicas e 13 colégios agrícolas de todo país.
Ainda nesse mesmo ano de 1971, surge a quarta transformação, ditada pelas políticas
de governo, que atribuiu à Escola Técnica Federal Celso Suckow da Fonseca, a partir da
necessidade de preparar professores para lecionar disciplinas específicas dos cursos técnicos e
dos cursos de Engenharia de Operação, criando-se o Centro de Treinamento de Professores,
que passa a funcionar em convênio com o Centro de Treinamento do Estado da Guanabara
(CETEG) e o Centro Nacional de Formação Profissional (CENAFOR).
Como quinto exemplo, pode-se mencionar o fato de que, atrelado ao desenvolvimento
econômico, científico e tecnológico ocorrido no país, os cursos técnicos oferecidos, em 1978,
pela ainda chamada Escola Técnica Federal Celso Suckow da Fonseca, nas áreas da indústria
e infra-estrutura, são em número de sete, nas modalidades de: Eletrotécnica, Eletrônica,
Edificações, Estradas, Mecânica, Meteorologia e Telecomunicações, sendo que a criação
deste último curso bem expressa o forte vínculo da escola ao desenvolvimento econômico do
país. A propósito desse fato, cabe relembrar a origem do curso de Telecomunicações, na
escola, que remonta à Lei Geral de Telecomunicações dos anos de 1960: essa lei acabou por
propiciar ao país a estruturação de uma das maiores redes de telecomunicações do mundo, o
que possibilitou a fundação, em 1972, da estatal Telecomunicações Brasileiras S/A
(Telebrás), hoje privatizada, responsável
182
conformidade com a Lei n
o
6.545 de sua criação, o denominado CEFET/RJ tem seu status
elevado à instituição de educação superior, devendo atuar como autarquia de regime especial,
vinculada ao MEC, na oferta de cursos de graduação e pós-graduação, em atividades de
extensão e na realização de pesquisas na área tecnológica.
Vale repetir, mesmo sob pena de ser redundante, que lei a de criação dos CEFETs teve
por finalidade, não apenas verticalizar e promover a intercomplementaridade e continuidade
do ensino técnico no ensino superior, como, também, orientar a atuação desses centros, de
forma a dotá-los de identidade própria, diferenciando-os das universidades. Para tanto, o
Centro Federal de Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca leva um período de,
aproximadamente, quatro anos até adaptar-se ao novo estatuto e elaborar seu organograma e
regimento interno.
E, como último exemplo, vale registrar que, desde o advento da Lei n
o
5.692/71,
tornou-se exigência legal a habilitação de professores para o exercício do magistério em todas
as disciplinas do currículo dos cursos técnicos de nível médio. Na realidade, as instituições
que ministram ensino técnico sempre se depararam com a falta de profissionais habilitados
para as atividades docentes. Ao reconhecerem essa dificuldade, o MEC e o antigo Conselho
Federal de Educação autorizaram as escolas técnicas, por meio da Portaria n
o
432 de
19/07/71, a formar professores para as disciplinas de cultura técnica. Entretanto, os cursos de
capacitação de professores, denominados Esquema I e Esquema II, destinados,
respectivamente, para portadores de diploma de curso superior e portadores de diploma de
cursos técnicos de nível médio serão oferecidos pelo CEFET/RJ apenas no início dos anos de
1990. Desse modo, pela quarta vez em sua história, a instituição incumbe-se da formação de
professores, em caráter emergencial.
2.4. A EDUCAÇÃO TECNOLÓGICA DO CEFET/RJ NO CONTEXTO DAS
REFORMAS NEOLIBERAIS
Durante o governo do Presidente Fernando Collor de Mello (1990—1992) e,
principalmente, nas duas gestões do Presidente Fernando Henrique Cardoso (1995—2002), o
Brasil passa a viver sob a hegemonia das políticas neoliberais como referenciais centrais para
a formulação de políticas públicas pelo Estado brasileiro.
183
Defendidas pelos setores dominantes e por órgãos internacionais de fomento, como
fatores essenciais para modernização e crescimento do país, medidas, a exemplo da
flexibilização das leis trabalhistas, desregulamentação da economia, privatização, maior
abertura ao capital estrangeiro, liberdade para o mercado e modificações em direitos sociais
historicamente reconhecidos, passam a nortear a ação do Estado, no âmbito das esferas
política, econômica e social.
Desse modo, a partir dos anos de 1990, a adoção pelo Estado de um novo modelo de
política econômica e de formas de apropriação dos novos paradigmas tecnológicos e
organizacionais do trabalho vai formando, também, uma nova consciência de que o modelo de
produção e acumulação taylorista—fordista, até então vigente, está superado.
Entra em cena o toyotismo como modelo de inovação, uma vez que se reflete nas
novas formas de organização e gestão do trabalho e da produção, levando boa parte das
empresas brasileiras a se adaptarem aos “novos tempos”, para se tornarem competitivas frente
ao mundo globalizado.
A reestruração produtiva insere-se no processo de desnacionalização e
desindustrialização, o que engendra, no país, o crescimento do denominado terceiro setor.
Simultaneamente, cresce e se fortalece o empresariado com interesse direto na política de
desregulamentação do mercado de trabalho e na minimização dos direitos sociais, e o
mercado de trabalho é, então, ampliado na oferta de serviços de turismo, saúde, educação,
rede de lanchonetes fast food, moto-boys, operadoras de telemarketing e outros.
Com relação ao CEFET/RJ, durante o período Collor e a era FHC, pode-se afirmar que
a instituição é marcada por contradições.
Por um lado, ocorre o seu crescente prestígio na sociedade; a classe média do país,
agora com algumas camadas empobrecidas, procura escolas públicas, gratuitas e de qualidade
como o CEFET/RJ, o que elevou, consideravelmente, o número de inscritos nos processos
seletivos. O CEFET/RJ também teve sua identidade alterada a partir, não só das reformas
empreendidas no âmbito do MEC, como, também, da reforma do ensino médio e técnico
promovida no governo Cardoso. Ambos os tópicos serão abordados na próxima sessão.
Criado para atender, na oferta de cursos, à demanda da indústria, a partir da referida
reforma, o CEFET/RJ, além de oferecer cursos para esse setor secundário da economia — em
um país que passa pelo processo de desindustrialização —, passa a ofertá-los, também, para
área de serviços, agora privatizados. Assim, o número de cursos técnicos propostos pela
instituição é ampliado de sete para 14: Eletrotécnica; Eletrônica; Edificações; Estradas;
184
Mecânica; Meteorologia; Telecomunicações; Administração; Automobilística;
Eletromecânica; Informática; Enfermagem; Segurança do Trabalho; e, ainda, Turismo e
Entretenimento.
Desse modo, o número de alunos da instituição também se eleva, consideravelmente,
tanto nos cursos técnicos de nível médio
204
, quanto nos cursos do ensino superior; e a
formação em nível superior acaba por se consolidar. Cabe registrar que desde 1998, o
ingresso para os cursos de nível superior ocorre por meio de vestibular isolado do CEFET/RJ.
Atualmente, o CEFET/RJ oferece, no ensino superior, cursos de tecnólogos,
bacharelado e pós-graduação. Os cursos superiores de tecnologia são: Desenvolvimento de
Aplicações para a Web e Meio Ambiente. No bacharelado, são oferecidos: Administração
Industrial; Engenharia Industrial de Controle e Automação; Engenharia de Produção;
Engenharia Industrial Mecânica; e, ainda, Engenharia Industrial Elétrica, com ênfases em
Eletrotécnica, Eletrônica e Telecomunicações. O Programa de Pós-Graduação, lato sensu,
surge ainda em 1988, com a criação do curso de especialização para engenheiros em
Segurança do Trabalho; mais tarde, em 1994, é oferecido o curso de especialização em
Didática Aplicada à Educação Tecnológica, na modalidade de educação à distância, a
professores do então curso técnico de 2
o
grau de todas as Instituições Federais de Ensino
Tecnológico do país, que estejam lecionando, não tenham título de mestre ou doutor, nem
qualquer especialização lato sensu. E, finalmente, o Programa de Pós-Graduação, stricto
sensu, implantado no CEFET/RJ em 1992, com o curso de Mestrado em Tecnologia, avaliado
pela CAPES, no ano de 1999 e depois em 2002, tendo obtido conceito 3. Atualmente, o
mestrado acadêmico possui duas áreas de concentração: uma em Processos Tecnológicos e
outra em Gestão em Engenharia. Em 2002 é aprovado pela CAPES o Mestrado Profissional
no Ensino de Ciências e Matemática, oferecendo duas áreas de concentração: Novas
Tecnologias no Ensino de Física e Novas Tecnologias no Ensino de Matemática, tendo a
primeira turma iniciado suas atividades no ano seguinte.
No que diz respeito às chamadas atividades de extensão, previstas em sua lei de
criação, desde o início dos anos de 1990 o CEFET/RJ desenvolve experiências e projetos
nesse sentido, em um processo educativo, cultural e científico que articula ensino e pesquisa,
ampliando sua relação com a sociedade. As atividades de extensão comportam, também, a
supervisão e realização de eventos que articulam ciência, técnica, tecnologia e cultura. Nesse
204
Sobre esses dados, ver sessão 3.3.
185
âmbito, destacam-se o Programa de Educação Tecnológica (Projeto Servir), para as classes
populares, realizado nos anos de 1990, em parceria com o Programa Comunidade Solidária, a
Fundação VITAE, Fundação de Apoio ao CEFET e Prefeitura da cidade do Rio de Janeiro; o
Programa de Cursos de Educação Profissional, de nível básico, desenvolvido com recursos do
Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT); o Núcleo de Apoio ao Estudante (NAE), cuja
finalidade é atender alunos com dificuldades financeiras e encaminhá-los ao Programa de
Bolsas de Trabalho, além de buscar aproximação com instituições especializadas que possam
oferecer auxílio aos alunos carentes de acompanhamento especial; a Semana de Extensão,
realizada anualmente, com a promoção da Feira Técnica (FETEC), da Exposição da Produção
em Ciência e Tecnologia (EXPOTEC), envolvendo alunos tanto de cursos técnicos, quanto de
graduação e pós-graduação do estado do Rio de Janeiro, além do Ciclo Multidisciplinar de
Palestras e das apresentações artístico-culturais.
Porém, se por um lado a instituição é reconhecida pela qualidade de suas ofertas
educacionais, por outro, vive sérios problemas, em função da política neoliberal adotada pelo
Estado, sendo um dos mais graves a reforma do ensino médio e técnico, promovida pelo
Decreto n
o
2.208/97. A reforma exigia que, na formação do curso técnico, os alunos tivessem
em seu currículo, apenas, as disciplinas técnicas específicas. Essa modificação, engendrada
pela concepção de educação tecnológica em sua fase já amadurecida nos anos de 1990,
acabou por retirar a riqueza da formação propiciada até então pelo CEFET/RJ, que, desde o
início de suas atividades letivas em 1920, oferecia em um único currículo disciplinas de
formação geral e de formação específica. Ou, em outras palavras, a educação que restabelece
o vínculo com o trabalho concreto, na perspectiva da luta emancipadora, é preterida quando,
em 1998, o CEFET/RJ deixa de oferecer, pela primeira vez na sua história, cursos técnicos de
nível médio na forma integrada, passando a oferecer, separadamente, o ensino médio da
educação profissional de nível técnico.
No período do primeiro governo do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva (2003—
2006), o Decreto n
o
2.208/97 é revogado pelo Decreto n
o
5.154/04, facultando às instituições
de ensino profissional do país oferecer, além do ensino técnico concomitante ao ensino médio,
a forma integrada (ensino médio e técnico em um único curso) e, ainda, a forma seqüencial
para aqueles que já tenham concluído o ensino médio. O novo decreto, ao apresentar a
prerrogativa de as escolas oferecerem o ensino médio integrado ao ensino técnico, traz em seu
bojo a discussão sobre a formação integral de crianças, jovens e adultos que vivem em uma
sociedade cindida em classes. Se de um lado o referido decreto não garante a implementação
186
do ensino médio integrado à educação profissional e tecnológica, deixando às escolas,
gestores, professores e alunos a decisão de romper ou não com a dualidade estrutural que
permeia a sociedade brasileira; de outro, o decreto avança ao trazer, para o interior das
escolas, a perspectiva da formação integral (CIAVATTA, 2005, p.102).
Diante do Decreto n
o
5.154/04, o hoje CEFET/RJ parece, apenas, aceitar como
naturais os diferentes projetos político-pedagógicos presentes na sociedade de classes em que
vivemos, não avançando, portanto, na discussão a respeito do ensino médio integrado.
Destaque-se que a discussão do ensino médio integrado ao ensino técnico caminha na
perspectiva da concepção de educação tecnológica em Marx, ou, ainda, na perspectiva da
escola única e poliestaqusi9endún
187
Ainda nesse mesmo ano, é firmado um convênio entre CEFET/RJ e Secretaria de
Estado de Educação do Rio de Janeiro (SEE-RJ), com a finalidade de democratizar o acesso
aos cursos técnicos do Centro. Por meio desse convênio é criado e instalado, no Campus
Maria da Graça, o Colégio Estadual Professor Horácio Macedo, que inicia suas atividades no
ano de 2000, quando então é oferecida matrícula nos cursos técnicos do CEFET/RJ a todos os
alunos que cursam o ensino médio no referido colégio estadual.
É também do ano de 1999 a implantação do Núcleo de Tecnologia Automobilística
(NTA). Com suporte da então Fundação de Apoio ao CEFET/RJ, da Fundação Rotária da
Educação para o Trabalho (FRET) e da BR-PETROBRAS Distribuidora S. A., o Núcleo é
projetado para reproduzir o ambiente automotivo da cadeia de montagem automobilística, no
espaço escolar. Desse modo, o NTA oferece vários programas de qualificação para um
público diversificado: alunos de ensino médio, de ensino técnico, de ensino superior e
trabalhadores em geral. Em 2001, o NTA incentiva a criação do curso técnico em
Automobilística, em caráter regular.
No bojo da política governamental de expansão da rede federal de educação
tecnológica, que prevê a implantação de cinco novas escolas técnicas, quatro novas escolas
agrotécnicas e 33 unidades descentralizadas até o final do ano de 2007, em junho de 2006 o
Campus Maria da Graça é transformado em Unidade de Ensino Descentralizada (UnED),
tendo em seu planejamento a abertura de novos cursos técnicos, como os de Segurança do
Trabalho e Informática. Na recém-inaugurada UnED vêm sendo desenvolvidos programas de
formação destinados às classes populares, instituídos pelo governo federal, a exemplo do
Projeto Escola de Fábrica, realizado em parceria com a Eletrobrás, e do Programa Jovem
Aprendiz, junto à Petrobras, do qual o CEFET/RJ é responsável pela Coordenação
Pedagógica Nacional.
Inaugurada em agosto de 2003, a Unidade de Ensino Descentralizada de Nova Iguaçu
(UnED Nova Iguaçu) é resultado de uma política iniciada no governo Sarney, em 1986, com o
chamado Programa de Expansão e Melhoria do Ensino Técnico (PROTEC), objetivando
expandir e interiorizar a oferta de cursos em áreas afastadas dos grandes centros urbanos.
Dessa forma, espera-se garantir o acesso das classes populares a cursos considerados de
excelência, como, também, possibilitar o desenvolvimento tecnológico e social da região.
Nesse sentido, a UnED Nova Iguaçu oferece os cursos técnicos de Eletromecânica,
Informática, Enfermagem e Telecomunicações, integrados ou concomitantes ao ensino médio;
188
na graduação, são oferecidos bacharelados em Engenharia Industrial de Controle de
Automação e, ainda, em Engenharia de Produção.
Inserido em uma sociedade capitalista, onde educação e trabalho são subsumidos ao
capital e a educação, por conseguinte, é tornada mecanismo de conformação da classe
trabalhadora ao sistema que explora o trabalho como mercadoria, o Centro Federal de
Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca, em sua trajetória de 90 anos de
comprovado reconhecimento por parte da sociedade, foi se amoldando às transformações
socioeconômicas, políticas e culturais ocorridas ao longo desse período.
Formando jovens e trabalhadores, desde o início da industrialização no país até esse
começo de século XXI, o CEFET/RJ — que principia suas atividades como Escola Normal de
Artes e Offícios, em 1917; que na década de 1940, torna-se instituição de ensino técnico
industrial; e, ainda, que a partir do final da década de 1970, quando da sua transformação em
centro de educação tecnológica, recebe a incumbência de oferecer ensino profissional em
todos os níveis, tanto para a área da indústria, quanto para o setor de serviços — é, hoje, uma
instituição em crise, espaço onde se percebe, com clareza, manifestações das contradições
entre capital e trabalho.
Se por um lado, busca atender às reivindicações da classe trabalhadora no sentido de
democratizar as oportunidades educacionais, de outro, atrelado aos interesses particulares do
capital é induzido a formar mão-de-obra para o trabalho alienado, por meio de currículos
fragmentados, desarticulados e de curta duração.
Nesse cenário, Mészáros (2006b) afirma que não apenas as instituições de ensino, mas
também, o sistema educacional na sua globalidade passam por uma crise, cuja natureza é
estrutural. “A crise de hoje não é simplesmente a de uma instituição educacional, mas a crise
estrutural de todo o sistema da ‘interiorização’ capitalista” (p.272-3).
Poder-se-ia afirmar, então, que a crise verificada no CEFET/RJ reflete a crise
institucional do Estado, cuja estrutura econômico-social e superestrutura
jurídico-político-ideológica demarcam as diretrizes da política científica e tecnológica
segundo os preceitos neoliberais; diretrizes estas que servem de sustentáculo para a
formulação de políticas públicas para a educação, em geral.
Vimos, anteriormente, que a política governamental que promoveu a reforma da
educação do final dos anos de 1990 buscou oferecer à escola capitalista uma face
universalizante e democratizante; entretanto,
189
Na escola atual, em função da crise profunda da tradição cultural e da
concepção da vida e do homem, verifica-se um processo de progressiva
degenerescência: as escolas de tipo profissional, isso é, preocupadas em
satisfazer interesses práticos imediatos, predominam sobre a escola
formativa, imediatamente desinteressada. O aspecto mais paradoxal reside
em que esse novo tipo de escola aparece e é louvado como democrático,
quando, na realidade, não só é destinado a perpetuar as diferenças sociais,
como ainda a cristalizá-las em formas chinesas (GRAMSCI, 2001, v.2,
p.49).
3. O CEFET/RJ E A REFORMA DO ENSINO MÉDIO E TÉCNICO DOS ANOS DE
1990
É absolutamente condenável, ‘a educação popular pelo Estado’,
determinar por uma lei geral os recursos das escolas populares, as
aptidões exigidas do pessoal de ensino, os ramos da instrução, etc. e
vigiar com a ajuda de inspetores do Estado, como sucede nos Estados
Unidos, o cumprimento dessas prescrições legais, é coisa inteiramente
diferente de converter o Estado em educador do povo (MARX, 1984,
p.21).
Não pretendo analisar todas as mudanças ocorridas no interior da escola, mas, sim
privilegiar as mediações que apontam para subordinar a lógica e o funcionamento da
instituição às necessidades dos setores secundário e terciário da economia, com a
fragmentação de conteúdos e de tempos escolares, o que acaba por engendrar o aumento do
índice de evasão nos cursos técnicos.
A partir da segunda metade dos anos 1980, mais precisamente em um contexto de
redemocratização, na efervescência de movimentos, como o das “Diretas já” e do “dia D”, no
âmbito do CEFET/RJ já havia consenso, no tocante à reformulação dos planos de ensino e
currículos, porquanto o Parecer n
o
45/72 tornava-se entrave em face do projeto pedagógico da
instituição, que muito embora não explicitado no papel, precisava ser reconstruído. Além do
que, o problema da questão financeira na rede pública de ensino, em geral, afetava o
CEFET/RJ, em particular. A verba destinada à instituição tornava-se insuficiente diante das
necessidades impostas pela sua transformação de ETF para CEFET. No que se refere ao nível
médio de ensino, laboratórios e oficinas não eram reequipados desde 1972-74, posto que a
verba oriunda do convênio MEC—BIRD, destinara-se à implantação e implementação dos
Cursos de Engenharia de Operação, depois Engenharia Industrial.
190
Frigotto e Ciavatta (2006), ao analisarem os embates da reforma do ensino técnico,
enfatizam o caráter regressivo da reforma educacional dos anos 1990 diante do movimento,
interno nas escolas técnicas federais e CEFETs, no sentido de reformulação curricular: “a
rede, de modo diferenciado, tinha sido mobilizada pelos debates da democratização e pela
crítica ao economicismo, tecnicismo, dualismo e fragmentação”(p.347).
É somente em 1988 que o Curso Técnico de Eletrotécnica
205
tornou-se precursor da
mudança curricular, depois de mais de 20 anos subordinado a uma mesma gestão
206
e sob a
euforia do processo eleitoral que permitiu a comunidade escolar eleger o novo diretor, além
de chefes de departamento e coordenadores de curso e disciplina. Muito embora a nova
organização curricular tenha ocorrido sob a égide do Parecer n
o
45/72, foi possível o
redimensionamento da carga horária das disciplinas, a introdução de novos temas, a inclusão
da programação de visitas técnicas
207
, além da revisão da carga horária dos professores
envolvidos no curso.
Cabe registrar que a idéia da programação de visitas técnicas surgiu da necessidade de
o referido curso, não só acompanhar o mundo do trabalho, mas, também, aguçar a percepção
do aluno para as formas de organização do trabalho, do uso da maquinaria, instrumentos, etc.,
o que não tinha o significado de voltar o curso para as necessidades estritas das empresas
visitadas.
Quer por conservadorismo, quer por insegurança ou desconfiança em face do cenário
democrático, ainda transitório e restrito, a maioria dos coordenadores de cursos optou por
reformular os currículos a partir dos anos de 1990.
Em 1991, instituiu-se, então, um Grupo de Trabalho (GT) pela Portaria n
o
135/91, que
tinha por finalidade “elaborar uma Política de Atualização, Aperfeiçoamento e
Desenvolvimento da Educação Tecnológica”, com vistas a analisar quantitativa e
qualitativamente o atendimento educacional realizado pela instituição. As questões suscitadas
pelo GT orientavam-se no sentido de analisar os objetivos dos cursos e respectivos currículos,
a concepção e desenvolvimento de estágio, a alteração de métodos e técnicas de ensino na
formação geral e específica, as implicações da política industrial e de ciência e tecnologia
para a educação tecnológica do CEFET/RJ, para citar algumas. Em decorrência, foi
205
Coordenado pelo Professor João Francisco da Fonseca e assessorado pela Professora Zuleide Simas da
Silveira, no período de 1988 a 1992.
206
Edmar de Oliveira Gonçalves dirigiu a instituição de 1966 a 1987. Cabe ressaltar que seu pensamento sofreu
forte influência dos militares desenvolvimentistas da Escola Superior de Guerra, tendo participado de vários
cursos oferecidos pela entidade, além de ser membro assessor de diversas comissões do convênio MEC—BIRD.
207
A programação das visitas técnicas ficou a cargo da Professora Zuleide Simas da Silveira.
191
promovido o I Seminário Internacional de Educação Tecnológica, uma realização conjunta do
CEFET/RJ, SENET, OEA, SENAI e SENAC, com o objetivo de analisar, comparativamente,
as principais experiências e tendências de educação em países da América Latina, América do
Norte e da Europa, a fim de subsidiar o aperfeiçoamento dos planos de ensino e gestão da
educação tecnológica.
Entrementes, 1995 foi o ano em que a questão da reformulação curricular foi
amplamente discutida nas escolas técnicas e CEFETs, em geral, e de modo particular no
CEFET/RJ. Em um contexto em que o neoliberalismo buscava engendrar o consenso de que a
qualidade educacional deveria estar associada aos princípios mercadológicos e de
rentabilidade
208
, o Departamento de Ensino de 2
o
Grau do Centro, a partir do tema Qualidade
na educação, promoveu um ciclo de debates
209
, trazendo para reflexão o modelo pedagógico
proposto pela SEMTEC/MEC: “o CEFET/RJ tem um compromisso com a formação das elites
tecnológicas desse país. A busca constante de um ensino tecnológico de excelência é o
caminho que leva a esse objetivo”.
Com a finalidade de definir estratégias para a reformulação curricular foi, então,
convidado um consultor da área de gestão empresarial
210
. Separando escola e sociedade em
dois sistemas distintos, o especialista na área de qualidade e gestão enfatizava que a questão
da “qualidade” relaciona-se à satisfação do “cliente”; por conseguinte, seria fundamental que
escola avaliasse, junto ao mercado, como seus “produtos” ali chegavam. “Quem não ouve seu
cliente não pode falar em qualidade; sem ouvir o cliente é melhor não fazer mudança
[curricular]”
211
.
Sob a orientação do palestrante — para quem a "escola é sistema processador de
insumos (pessoas, tecnologias e matérias) e de produtos (ser humano global, integrado no seu
meio pronto para atuar profissionalmente)”, devendo, portanto, ouvir o “sistema receptor, a
sociedade”, onde se encontra o cliente/mercado — formaram-se grupos de professores de
todas as áreas do conhecimento do CEFET/RJ que se reuniram em torno da reformulação
curricular dos cursos técnicos.
208
Gentilli (2001) ressalta que, na sociedade capitalista, a preocupação com a qualidade da educação não é uma
questão nova. Trata-se da lógica de ajuste da educação ao mercado, sob a alegação de três premissas que têm
adentrado no senso comum, quais sejam, que a educação não responde às demandas e às exigências do mercado;
que a educação (em condições ideais de desenvolvimento) deve responder e ajustar-se a elas; e, ainda, que certos
instrumentos (científicos) de medição nos permitem indagar acerca do grau de ajuste educação-mercado e propor
os mecanismos corretivos apropriados (p.156).
209
Realizado de 23/01 a 27/01/1995.
210
Edgard Pedreira de Cerqueira Neto.
211
Palestrante Edgard Pedreira de Cerqueira Neto.
192
Os professores, em geral, diante da proposta do palestrante de considerar a escola
como “formadora de profissionais e cidadãos, a qual tem como cliente, em uma abordagem
mais ampla, o mercado de trabalho e, em uma abordagem mais imediata, o aluno [também,
tido como produto]”
212
, aceitaram o modelo proposto, para o CEFET/RJ, de instituição de
formação das elites tecnológicas e em busca constante de um ensino tecnológico de
excelência, rejeitando, por completo, a visão de escola como “processadora de produtos para
um mercado exigente”.
O foco principal do CEFET-RJ deve ser a formação de um profissional de
qualidade, através de uma capacitação tecnológica de excelência, e que para
isso seja possível, é necessária uma sólida base científica e cultural; o que se
deseja é um profissional de alta capacitação tecnológica e cultural, ousado,
versátil, com espírito crítico, personalidade e iniciativa e não uma pessoa
omissa que será explorada, manipulada e engolida pelo mercado de trabalho;
(...) o crescimento do ensino está relacionado com uma visão integrada e
sistêmica das disciplinas, visando uma continuidade do aprendizado
tecnológico, sem perder de vista a capacitação científica, social e política,
que determina a formação do cidadão; os currículos e a programação das
disciplinas de núcleo comum devem ser reformulados a fim de servir de
instrumental para as disciplinas técnicas
213
.
O ano de 1996-97 tem seu lugar de destaque na história da educação brasileira, em
geral, e da formação profissional de nível médio, em particular. No CEFET/RJ, locus em que
as contradições entre capital e trabalhos são mais visíveis, 1997 será lembrado como marco de
reformas estruturais. De um lado, dirigentes que viam na reforma a base de sustentação para
fazer da escola uma organização empresarial. De outro, professores que foram forçados a
admitir que a observação à lei e a definição de um modelo que se ajustasse aos parâmetros
legais seriam as premissas fundamentais para se manter viva a chama da educação pública,
laica e de qualidade.
O Plano Diretor do CEFET/RJ (1997—2000) é um documento que revela, de certo
modo, as contradições vividas pela instituição no processo de implantação da reforma do
ensino médio e técnico. Na aparência, o documento expressa o CEFET/RJ como uma
212
Grupo de trabalho do Curso de Técnico de Mecânica, relator Professor Solinho.
213
Ibid. In: Arquivo geral do CEFET/RJ. Fundos CEFET/RJ: Ensino – DES/DE
2
/ Relatórios, Atos – cx: 009.5.6.
193
instituição que não só prima pela formação integral do homem, mas também, está atenta às
mudanças de paradigmas do mundo moderno, que exigem
um novo perfil de trabalhador, pressuposto que a educação tecnológica, no
nosso país, não pode mais limitar à preparação para o mercado de trabalho,
sendo necessário tomá-la numa perspectiva de educação do homem, de
educação do cidadão. A dicotomia entre formação do técnico e a formação
do homem e do cidadão deve desaparecer, dando lugar a uma visão
integrada (Plano Diretor do CEFET/RJ; 1997 – 2000).
Na essência, o documento deixa ver que a política institucional compromete-se com as
exigências do mundo da produção capitalista. Nesse sentido, o CEFET/RJ buscou definir
critérios e indicadores para redirecionar seu desenvolvimento educacional, com base no
estudo
214
realizado pelo Instituto de Economia Industrial da Universidade Federal do Rio de
Janeiro (IEI/UFRJ). Tal estudo teve o objetivo de definir uma política de formação
profissional para o ano 2000.
O estudo desempenhou papel importante, vez que seus resultados apontam
alguns atributos, considerados primordiais ao profissional do futuro, que
acabaram por fundamentar o delineamento da política do CEFET/RJ,
consubstanciada em seus programas e projetos a serem implantados até o
final do século [XX]. Dentre esses atributos destacam-se: raciocínio lógico,
criatividade, habilidade para aprender novas qualificações, capacidade de
tomar decisões, conhecimento técnico geral, espírito empreendedor,
responsabilidade com o processo de produção, solidariedade, iniciativa para
resolução de problemas.
Certamente tais atributos, qualitativamente mais amplos e também mais
complexos do que aqueles embutidos nas propostas tradicionais de formação
profissional, do ponto de vista do sistema educacional e em especial do
CEFET/RJ, reforçam a necessidade de preparação do educando para
participar crítica e reflexivamente dos modernos processos produtivos(op.
cit.).
No plano político-ideológico, a reforma mediada pelo Decreto n
o
2.208/97 encontrou
boa acolhida pelos dirigentes da instituição; a partir de então, foram realizadas várias oficinas,
seminários, a exemplo do seminário Desafios e perspectivas para educação tecnológica no
CEFET, no qual foram abordados temas sobre a Nova Lei de Diretrizes e Bases; A Reforma
da Educação Profissional; Influências da Reforma da Educação tecnológica no CEFET
215
,
realizado em março de 1998, cujos objetivos foram o de promover o sentido de equipe entre
214
Segundo nota do Plano Diretor (1997–2000), esse estudo foi patrocinado pelo Departamento Nacional do
SENAI, contando com participação de representantes de 134 empresas em processo de modernização.
215
O evento contou com a participação do Secretário da SEMTEC/MEC, Ruy Berger Leite Filho; do
Diretor-Geral, Professor Marco Antonio Lucidi; e do Diretor de Ensino, Professor Fernando Gusmão.
194
servidores, sensibilizar a comunidade dos desafios impostos pelas mudanças e discutir a
inserção dos professores no novo modelo (DIREN/CEFET/RJ, 1998).
No plano executivo, em 1997, dias antes da publicação do Decreto n
o
2.208/97, a
separação entre ensino médio e técnico foi discutida no Conselho de Professores — instância
normativa e deliberativa de questões pertinentes ao ensino médio e técnico. Baseados na
realidade concreta, quando ocorriam profundas mudanças estruturais nos campos
socioeconômicos e político, que afetavam diretamente a relação trabalho—educação, o
pensamento único, no Conselho de Professores, era o de que deveria se cumprir a lei e definir
um modelo de educação que se ajustasse aos parâmetros legais: “o processo é irreversível e,
portanto, temos duas opções, ou fortalecer o ensino médio, ou, investir apenas no ensino
profissional” (Presidente do CONSEP
216
, 197
a
Sessão Ordinária), apesar de se ter claro que as
mudanças poderiam trazer sérios problemas de horário não apenas para professores, como,
também, para alunos, além do que os cursos técnicos teriam finalidades bem próximas aos
cursos do SENAI.
A partir daí, a reforma foi divulgada na comunidade interna por meio de reuniões
promovidas pelo, então, Departamento de Ensino de 2
o
grau
217
. Cabe destacar que, no âmbito
do Conselho de Professores, alguns docentes de visão crítica se pronunciaram enfatizando o
fato de o Decreto n
o
2.208/97 ter sido elaborado sob orientação do Banco Mundial, sem
consulta prévia aos diretores dos CEFETs e Escolas Técnicas, e, portanto, sua “motivação não
foi pedagógica e sim econômica”; outros apontavam que fortes pressões advindas das bases
sindicais contribuíram para fortalecer a reforma imposta pelo referido decreto, e que,
entretanto, era preciso ter em mente que “as escolas que não se enquadrarem serão
marginalizadas”.
Na reunião de coordenadores de cursos houve destaque para o caráter autocrático do
Decreto n
o
2.208/97, que na visão do grupo, ia além de uma reedição dos parâmetros legais do
governo militar que por meio da Lei n
o
5.692/71 e do Parecer n
o
45/72 trouxeram um
“engessamento” à elaboração das grades curriculares: a reforma imposta pelo governo
Cardoso previa o ensino por competências, uma novidade nada atraente. Em síntese,
parece-me que, pelo menos, os professores-conselheiros e coordenadores de curso ofereceram
alguma resistência por terem consciência dos limites do ideário em que se movia a reforma.
216
O chefe de Departamento do Ensino de 2
o
Grau é o presidente nato do Conselho de Professores. Esteve à
frente dos trabalhos, no período de 1996 a 1999, o Professor Carlos Artexes Simões.
217
A partir do ano 2000, esse setor passa a denominar-se Departamento de Ensino Médio e Técnico (DEMET).
195
Todavia, a prática mostrará um distanciamento do corpo docente, como um todo, ao longo da
implantação da reforma.
Em maio de 1997, a partir da publicação da Portaria n
o
646 — permitia aos CEFETs
destinar ao ensino médio a ser implantado em 1998, apenas, 50% do número de vagas
oferecidas no último concurso para os cursos técnicos integrados — foram instituídas duas
comissões, uma de professores da área de cultura geral e outra, de professores da área técnica
a fim de serem elaborados os currículos do ensino médio e ensino profissional,
respectivamente. De imediato, é o currículo do ensino médio que sofre alterações em
decorrência da obrigatoriedade de inserção das disciplinas de Educação Artística, Filosofia e
Sociologia, consoante preconiza a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996,
em seus artigos 26 e 36:
Art. 26. Os currículos do ensino fundamental e médio devem ter uma base
nacional comum, a ser complementada, em cada sistema de ensino e
estabelecimento escolar, por uma parte diversificada, exigida pelas
características regionais locais da sociedade, da cultura, da economia e da
clientela.
§ 2
o
. O ensino de arte constituirá componente curricular obrigatório, nos
diversos níveis da educação básica, de forma a promover o desenvolvimento
cultural dos alunos (...)
Art. 36, § 1
o
. Os conteúdos, as metodologias e as formas de avaliação serão
organizados de tal forma que ao final do ensino médio o educando
demonstre:
I – domínio dos princípios científicos e tecnológicos que presidem a
produção moderna;
II – conhecimento das formas contemporâneas de linguagem;
III – domínio dos conhecimentos de Filosofia e de Sociologia necessários ao
exercício da cidadania.
Destaco as dificuldades que o CEFET/RJ enfrentou para elaborar o currículo do ensino
médio: primeiro, por não ser sua tradição; segundo, pela exigüidade de tempo, uma vez que o
novo ensino médio seria colocado em prática já no ano de 1998; e, por fim, porquanto foi
somente em junho de 1999 que a SEMTEC/MEC disponibilizou as diretrizes curriculares
específicas do ensino médio. Assim sendo, ainda no 2
o
semestre de 1999, o currículo sofreu a
primeira alteração para ser implantado no ano letivo seguinte.
À comissão responsável pelo ensino profissional, coube, nesse primeiro momento,
redesenhar os currículos e repensar os respectivos conteúdos norteados pelo Parecer n
o
45/72,
196
muito embora o Parecer n
o
17, de dezembro de 1997, orientador dos sistemas de ensino e
escolas sobre a questão curricular dos cursos técnicos, tratasse das Diretrizes Operacionais
para a Educação Profissional em nível nacional.
A questão curricular da educação profissional técnica remete-se, portanto, ao
Decreto n° 2.208/97 e, por enquanto, ao Parecer n° 45/72, do extinto
Conselho Federal de Educação, devendo-se aguardar o encaminhamento ao
Conselho Nacional de Educação, pelo Ministério da Educação e do
Desporto, de proposta das novas diretrizes curriculares nacionais, para
deliberação, conforme dispõe a alínea e, do § 1°, do artigo 9°, da Lei n°
9.131, de 24 de novembro de 1995, que alterou dispositivos da Lei n° 4.024,
de 20 de dezembro de 1961, e deu outras providências (BRASIL,
MEC/CNE/CEB, Parecer n
o
17/97).
Lançando mão da prerrogativa do art. 8
o
, do Decreto n
o
2.208/97, que determinava que
“Os currículos do ensino técnico serão estruturados em disciplinas, que poderão ser agrupadas
sob a forma de módulos”, a comissão encarregada da reformulação curricular dos cursos
técnicos, apenas, enquadrou as disciplinas que vinham sendo integradas ao currículo de
cultura geral, em horário separado desse último; o que não poderia ter sido diferente, posto
que a organização curricular do Parecer n
o
45/72 trazia uma lista geral de habilitações
profissionais, ou em outras palavras, apresentava tão-somente a nomenclatura dos cursos, com
as respectivas “matérias” a serem ministradas e a carga horária por habilitação.
Cabe ressaltar que a reforma curricular tanto do ensino médio, quanto do ensino
técnico não foi discutida com profundidade entre os professores, ficando a elaboração dos
currículos nas mãos de poucos, quer pela falta de se criar mecanismos para sensibilização e
envolvimento do pessoal, por parte dos gestores da instituição, nas questões da reforma; quer
pela exigüidade do tempo imposta pelo MEC que exigia das instituições o cumprimento de
um cronograma; quer, ainda, pelo fato de os professores, em geral, terem uma visão de que a
reforma não passava de mais um tecnicismo-produtivista da SEMTEC/MEC, que, para além,
de exigir a leitura de muitos documentos cuja linguagem era desconhecida e massacrante,
logo cairia por terra.
No final de 2000, quando foi finalizada a reforma curricular dos cursos técnicos
sob a orientação do Parecer n
o
16/99, da Resolução n
o
4/99 e dos Referenciais Curriculares,
contava-se, apenas, com um professor envolvido na reformulação curricular por curso
218
. De
218
Curso de Eletrotécnica, Professora Zuleide Simas da Silveira; Curso de Eletrônica, Professor Arídio
Schiapacassa; Curso de Mecânica, Professor Sérgio Bastos; Curso de Construção Civil, Professora Margarida
Miranda; Curso de Meteorologia, Professor Almir Venâncio e Curso de Telecomunicações, Professor Rogério
Rodrigues Rocha.
197
um lado, acredito que a falta de envolvimento dos docentes de um modo geral no processo da
reforma, seja na leitura da documentação emanada pelo MEC e de artigos de análise crítica,
seja na elaboração dos currículos, pode ter dificultado a formação de uma consciência crítica
da massa de professores. De outro, o coordenador dos cursos de educação profissional
219
do
DEMET destaca que, apesar de os coordenadores de curso afirmarem que a formação
profissional integrada oferecida pela instituição “estava dando certo”, a reforma só não colheu
melhores resultados no CEFET/RJ porque o tempo foi curto, “não se sabia como fazer, como
ensinar por competências, como avaliar por competências, o que demandaria uma equipe de
profissionais para ensinar como fazê-lo”; se o processo para licitação da consultoria fosse
levado à frente, teríamos “um processo de capacitação e aferição, podendo se perceber se o
professor assumiria ou não a reforma; talvez se conseguisse êxito”
220
.
3.1. CONCEPÇÃO DE EDUCAÇÃO TECNOLÓGICA NA ÓTICA DOS
PROFESSORES
Diferentemente do preconizado pelo Texto Base para Reunião do Fórum de Diretores
de Ensino das IFETs, realizado em Brasília, nos dias 19 e 20 de outubro de 1999 — “o
conceito de Educação Tecnológica é uma construção social das próprias comunidades das
escolas Técnicas, Agrotécnicas e CEFETs, e não uma denominação forjada pelos textos
legais” —, a análise por mim empreendida, na primeira sessão deste capítulo, permite afirmar
que a concepção de educação tecnológica que se tornou hegemônica nos anos de 1990 veio se
firmando no cenário educacional desde os anos de 1960-70, basicamente a partir de
recomendações de organismos internacionais e documentos oficiais editados por
engenheiros-educadores os quais viam nas escolas técnicas, depois CEFETs, o locus
privilegiado para abrigar uma educação que servisse ao projeto de desenvolvimento
econômico do país, projeto esse de inserção subordinada e associada ao capital internacional,
em que muitos deles, ao se apropriarem da concepção de “capital humano”, lograram
privilégios, quer mantendo-se no poder, quer como membros de comissões bilaterais, quer
desfrutando de viagens ao exterior.
219
Professor Almir Venâncio.
220
O Professor Almir Venâncio ocupou o cargo no período de 2000 até 2003. Entrevista realizada em 08/02/06,
na sala L- 33, da unidade-sede.
198
Portanto, captar a concepção de educação tecnológica, na ótica de professores, seria
decisivo. Professores, em geral, cuja ação concebemos como práxis uma concepção que
resulta da atividade real de cada um, estando implícita nas suas ações
221
; professores, em
particular, que vivenciaram a reforma do ensino sim, mas, sobretudo, de professores e
professoras que sofreram na carne a implantação da política neoliberal, responsável por
sucessivos cortes nos ganhos salariais dos servidores públicos, e, ainda, a desmontagem da
previdência que levou à corrida pela aposentadoria de um grande número deles, ex-alunos da
instituição, com conhecimento não apenas de ordem teórica, mas, sobretudo, de ordem
prática. E, ainda, de docentes que passaram de geração para geração, de professores para
professores, de aluno para aluno, o modelo de escola, que, apesar, de suas contradições, era o
que mais se aproximava de uma escola de formação integral; de professores e professoras que
presenciaram a devastação do capital mediada pelo PROEP, nas dependências da escola,
jogando fora o “velho” para entrar o “novo”, uma modernização—conservadora, de caráter
autocrático que passou como um rolo compressor por toda a instituição.
Era desses professores que eu pretendia captar a concepção de educação tecnológica,
professores que viram o descarte
222
de equipamentos e instrumentos em bom estado,
empregados em sua maioria no parque industrial brasileiro que mescla nitidamente elementos
do fordismo, ainda vigente de forma acentuada no Brasil, e elementos das novas formas de
acumulação flexível. Enfim, pretendia captar a percepção desses professores em relação à
reforma promovida pelo Decreto n
o
2.208/97. Entretanto, não logrei êxito.
Segundo Richardson (1985), técnicas de amostragens permitem chegar a um resultado
confiável sobre o grupo que se deseja estudar, principalmente, se o número de elementos for
grande. Considerando que número de professores na unidade-sede do CEFET/RJ é de 322 e o
tempo para realizar a pesquisa foi curto, optei por trabalhar com uma amostra
223
de 10% desse
total, ou seja, 33 professores, uma vez que “quanto maior for a fração de amostragem, maior
será a probabilidade de obter uma amostra representativa” (ibid., p.108).
Isso significa que se, apenas, 33 professores respondessem a pesquisa, a amostra teria
confiabilidade. Para garantir tal número, enviei o questionário contendo seis questões
221
Gramsci, 2001, v.1, p.97.
222
O que vem ocorrendo até os dias de hoje.
223
“Fração de amostragem (n/N) é a razão entre o tamanho da amostra (n) e o tamanho da população (N)”
(idem).
199
abertas
224
(anexo 2) para 75 professores, o que representa cerca de 23,3% do total de docentes
da unidade-sede; destes, apenas, 10 responderam, o que corresponde a aproximadamente 3%
da totalidade, inviabilizando por completo minha análise.
É certo que o material da entrevista chegou às mãos dos professores em um período
próximo das férias e, ao mesmo tempo, delicado pelo fato de o CEFET/RJ ter deflagrado o
processo eleitoral para Diretor-Geral, o que pode ter inibido as respostas. Entretanto, cabe-me
perguntar se o fenômeno da acomodação passiva
225
, visível nos momentos da reforma e
daqueles que se seguiram, poderia justificar a omissão por parte dos quase 86% do total de
docentes que receberam o questionário.
Não parto do princípio de que a burguesia facilmente pode cooptar trabalhadores para
a reforma, em virtude de serem estes últimos, em sua essência, reformistas. Pelo contrário,
entendo que a classe trabalhadora se move em um campo de lutas, se forma e se constrói
em permanente movimento de negação e afirmação, ora como indivíduos
submetidos à concorrência, ora como órgãos vivos do capital em seu
processo de valorização, ora como personificação de interesses de classes
em luta, ora como aspectos subjetivos da contradição histórica entre a
necessidade de mudar as relações sociais e a determinação das classes
dominantes em mantê-las (IASI, 2006, p.17).
Da mesma forma, é certo, também, que o êxito das reformas neoliberais no que
concerne às leis trabalhistas e previdenciárias, como, também à implantação de um projeto
pedagógico não elaborado por eles, professores do CEFET/RJ, contribuiu para a conformação
do professorado. Concordo, pois, com Iasi (2006), que a consciência social traz em si
contradições em que negação e consentimento coexistem na realidade concreta, para a classe
trabalhadora no Brasil. Portanto, o fenômeno que em sua aparência mostra a acomodação do
professorado, na sua essência traz o “amoldamento ao capital”
226
, reunindo, em si, oscilações
da consciência de classe que transitam entre a negação e o consentimento.
Nesse sentido, o modo autocrático e violento da reforma promovida pelo Decreto
n
o
2.208/97 estaria levando a consciência do professorado a oscilar entre negar e consentir a
implantação e implementação da reforma do ensino médio e técnico no CEFET/RJ.
224
O questionário de perguntas abertas é aplicado quando “o pesquisador não está interessado em antecipar as
respostas, deseja uma maior elaboração das opiniões do entrevistado” (RICHARDSON, 1985, p.145).
225
Frigotto e Ciavatta (2006) atribuem ao comportamento de professores da rede federal, em geral, diante da
reforma, o significado de acomodação passiva, “expressa na atitude de não-envolvimento com os debates e
aderindo mais ou menos passivamente à reforma” (p.344).
226
Iasi (2006 ).
200
Negação porque o docente contesta a ordem estabelecida, uma vez que não enxerga a
escola como lugar de se reproduzir o discurso dominante e de se “preparar gorilas
amestrados”
227
; nega porque, ao se auto-alienar, nem se reconhece no que faz, nem se sente
bem negando a si mesmo e, por negar, não se realiza no trabalho. “Por conseguinte, o
trabalhador só se sente em si fora do trabalho, enquanto no trabalho se sente fora de si”
(MARX, 2004a, p.11).
Consente porque se caracteriza por uma consciência de acomodação à ordem social;
porque enquanto indivíduo pensa em seu trabalho como meio de garantir sua subsistência.
O momento em que um ser humano não se reconhece naquilo que é sua
mediação fundamental para a vida, mais precisamente quando o trabalho
como atividade fundamental da existência se torna só um mero meio de vida,
pode ser vivido como um momento de desilusão, crise existencial, revolta,
ou ser um importante instante de superação da serialidade que caracteriza o
processo estranhado da práxis cotidiana em direção ao ser do grupo (IASI,
2006, p.69).
Portanto, observa-se o comportamento do professorado do CEFET/RJ em um
movimento que oscila entre a negação e o consentimento, expresso com clareza nas palavras
da Professora Julião: “Eu não sei de reforma nenhuma, nem quero saber de leis e decretos; o
mais importante, é que entro em sala e dou a minha aula”
228
.
Segundo Iasi (2006), o momento em que o trabalho se torna apenas meio de vida pode
ser, também, instante de superação daquilo que caracteriza o trabalho estranhado. Ora, se os
momentos que se sucederam à reforma do ensino médio e técnico poderiam ter se tornado
instantes de superação em direção à práxis revolucionária, minha questão está em buscar
saber que esforço coletivo se imprimiu nesses quase dez anos de reforma, no âmbito do
CEFET/RJ, para mudar o status quo? Por que o Decreto n
o
5.5154/04 não surtiu discussões?
Existe um ponto de inflexão entre a negação e o consentimento da reforma? Os professores do
CEFET/RJ têm naturalizado os diversos projetos pedagógicos clivados pela sociedade cindida
em classes? Afinal, qual a concepção que os professores do CEFET/RJ têm de educação
tecnológica?
Diria Gramsci, são conformistas de algum conformismo, homens-massa, “quando a
concepção do mundo não é crítica e coerente, mas ocasional e desagregada, pertencemos
simultaneamente a uma multiplicidade de homens-massa, nossa própria personalidade é
compósita” (GRAMSCI, 2001, v.1, p.94).
227
Pelo menos é o que ficou registrado, em 1995, no ciclo de debates Qualidade na educação. Ver p. 191-92.
228
Professora do Curso de Telecomunicações.
201
Pergunto, então: o que estaria faltando para esta massa se movimentar na direção de
uma mudança? Sabe-se que toda massa precisa de uma liderança; entretanto, os dirigentes do
CEFET/RJ transferem toda a responsabilidade das ações acadêmicas para o professor,
enquanto indivíduo: “o professor tem que querer”. Na realidade concreta do cotidiano escolar
do CEFET/RJ, dirigentes da instituição, em geral, oferecem algumas condições de trabalho
sem, entretanto, intervir na área da liberdade individual.
Desse modo, deparo-me com a contradição entre indivíduo (professor) e instituição
(CEFET/RJ), uma vez que, se por um lado, a instituição é formada a partir da consciência de
indivíduos políticos que engendram suas próprias relações sociais e, portanto, relações de
poder, sob a forma de escolha de seus representantes (coordenadores, conselheiros, diretores)
e de um conjunto de normas, regulamentos, regimento, e até mesmo de seu estatuto; de outro,
para o indivíduo (professor) a instituição (CEFET/RJ) fica invisível.
Assim sendo, quando surge a reforma do ensino, em sua concretude, ou mesmo depois
de decorridos alguns anos de sua implantação, aquele lugar para o indivíduo (professor) não é
locus de relações sociais, de luta, de embate de forças, mas, apenas, um mundo invisível. Do
meu ponto de vista, é o que bem expressa o resultado das disputas eleitorais que vem
ocorrendo na instituição, seja para ocupar cargos dos quadros dirigentes, seja para ocupar a
presidência da sessão sindical — Associação de Docentes do CEFET/RJ (ADCEFET/RJ).
3.2. A REFORMA CURRICULAR EM CONSONÂNCIA COM AS ÁREAS
PROFISSIONAIS
Uma das funções principais da educação formal nas nossas sociedades é
produzir tanta conformidade ou “consenso” quanto for capaz, a partir de
dentro e por meio dos seus próprios limites institucionalizados e legalmente
sancionados (MÉSZÁROS, 2005, p.45).
O governo FHC efetiva a associação dependente do Brasil ao capital mundial por meio
de diretrizes sociais, políticas, econômicas e culturais, incluindo, desse modo, o país na
excludente divisão internacional do trabalho, em uma fase do capitalismo em que o
conhecimento científico-tecnológico não é tido apenas como ponto de superação da atual crise
de acumulação, mas, também, adquire a dimensão política de reserva estratégica da soberania
nacional.
Assim sendo, no interior do Estado, a burguesia hegemônica brasileira associada e
subserviente ao capital internacional, envolvendo funcionários governamentais e excluindo
202
representantes da classe trabalhadora
229
, promove, no estilo de negociação bipartite, a
reforma da educação no Brasil. Essa reforma, bem em consonância com a concepção de
educação tecnológica que veio se fortalecendo nas últimas décadas, é direcionada,
predominantemente, a qualificar, adaptar e conformar a força de trabalho à produção imediata
e alocação nos serviços, sem, no entanto, estabelecer uma política de aumento da capacidade
de produzir ciência e tecnologia.
No cenário de desnacionalização e desindustrialização, é por meio do currículo que o
Estado capitalista, na condição de educador, com suas práticas coercitivas
230
, põe em
execução seu projeto de sociedade, estimulando escolas técnicas e CEFETs, em geral, a
adaptarem ciência e tecnologia transferidas do capital central e se adequarem às demandas da
racionalidade do mercado, por meio de currículos fragmentados cuja organização se sustenta
por blocos de competências do setor produtivo.
A análise que empreendo busca mostrar que a reforma curricular promovida pelo
Decreto n
o
2.208/97 trouxe não só a fragmentação curricular entre conteúdos de cultura geral
e cultura específica, mas, sobretudo, a redução drástica na carga horária dos cursos técnicos.
Da formação técnico-profissional à educação tecnológica, o CEFET/RJ deixa de formar
técnicos industriais para o Estado provedor da industrialização para formar técnicos
adaptáveis ao mercado, em geral, e ao setor de serviços, em particular.
No processo de reforma curricular da educação profissional de nível técnico, o
CEFET/RJ participou de oficinas pedagógicas de ensaios curriculares, promovidas pela
SEMTEC/MEC. Em decorrência desses eventos foram definidos, no âmbito da instituição, os
seguintes procedimentos metodológicos: definição de grupo gestor
231
e de grupo de apoio
técnico-pedagógico
232
; estudo, discussão e sistematização dos principais documentos
pertinentes à reforma, tais como: Lei n
o
9394/96, Decreto n
o
2.208/97, Portaria MEC
n
o
646/97, Portaria do MEC n
o
1005/97, Parecer CEB/CNE n
o
15/98, Resolução CEB/CNE
n
o
03/98, Parecer CEB/CNE n
o
16/99, Resolução CEB/CNE n
o
04/99 e Portaria
MEC/SEMTEC n
o
30/2000, legislação do exercício profissional específica para cada curso e
229
Neves (1997) ressalta que não se pode omitir a presença de trabalhadores organizados no processo de
definição das políticas educacionais. No entanto, no governo FHC, para definição e implementação de tais
políticas, foi solicitada a opinião dos trabalhadores, predominantemente, acerca dos rumos da educação da
parcela da força de trabalho simples, em particular. Portanto, as ações governamentais com relação à política
educacional, em geral, foram implementadas à revelia da classe trabalhadora.
230
Neves, 2005.
231
O grupo gestor foi formado por membros da Diretoria de Ensino e do Departamento de Ensino Médio e
Técnico
232
O grupo de apoio técnico-pedagógico foi composto de técnicos em assuntos educacionais lotados na Divisão
de Projetos Educacionais e, ainda, da Professora Zuleide Simas da Silveira que, à época, integrava a equipe.
203
referenciais curriculares de cada área profissional; elaboração de plano curricular por
professores representantes de cada curso técnico; realização de oficinas para apresentação e
discussão dos planos curriculares de cada curso técnico; discussão dos planos curriculares nas
respectivas coordenações dos cursos técnicos; consolidação da proposta de reformulação
curricular da educação profissional de nível técnico; análise e aprovação pelo Conselho de
Professores e pelo Conselho Diretor do CEFET/RJ da proposta de educação profissional de
nível técnico.
O cronograma apresentado no Quadro n
o
1 foi elaborado, tendo em vista o prazo de
entrega dos currículos reformulados para setembro de 2000, prazo este estabelecido pela
Portaria n
o
30 de 21 de março de 2000, que reafirmava a obrigatoriedade de as instituições
federais de educação tecnológica seguirem os critérios da Resolução n
o
04/99, além de em seu
artigo 2
o
Estabelecer que os cursos a serem oferecidos pelas instituições, a
partir do ano 2001, observarão os seguintes critérios:
a) oferta justificada em pesquisa de mercado consistente e em outros
dados obtidos pela escola.
b) capacidade institucional da escola quanto a equipamentos,
materiais, quadro de pessoal, recursos orçamentários (BRASIL, MEC,
Portaria n
o
30/2000),
Quadro 1 - Cronograma das fases finais de desenvolvimento do plano de curso nas áreas
de Indústria, Telecomunicações, Geomática, Meio Ambiente, Construção Civil,
Informática e Saúde
MESES AGO
SET
Dias
16 17
21 a
24
29
4 a 8 11 a
15
18 a
22
25 a
29
*Oficina 1
X
*Oficina 2
X
Apresentação para os
Colegiados dos Cursos
X
Apresentação Final do
Plano à DIRED
X
Aprovação do Conselho
de Diretor
X
Envio do plano ao MEC
Fonte: Departamento de Ensino Médio e Técnico do CEFET/RJ, ano 2000.
*Oficina 1 – Segurança do Trabalho, Construção Civil, Informática e Telecomunicações.
*Oficina 2 – Meteorologia, Eletrotécnica, Eletrônica e Mecânica.
204
Esse cronograma foi alterado em decorrência da Portaria n
o
80, de 13 de setembro de
2000, que prorrogou o prazo para até 30 de outubro de 2000 para os cursos cujos referenciais
curriculares já estivessem disponibilizados e 30 de dezembro do mesmo ano para aqueles
cursos que ainda não tivessem recebido os documentos balizadores da reforma curricular, em
sua totalidade.
Ressalte-se que os documentos mandatórios
233
da reforma foram sendo editados no
transcorrer dos trabalhos das escolas, isso quer dizer que o tempo destinado para análise,
reflexão e tomada de posição, por parte dos professores, que pudesse resultar em ações
concretas em relação ao modelo posto e imposto pelo MEC, foi inviável. O CEFET/RJ se viu
diante de uma verdadeira fábrica de documentos e, por conseguinte, obrigado a adaptar seu
projeto pedagógico ao paradigma da reforma em prazos curtos, sem análise ou reflexão acerca
da produção efetivada. Interessante notar que a cada portaria e a cada medida provisória
publicada, entre o ano de 1997 e o ano do prazo final da implantação da reforma (2002)
234
, os
termos eram exaustivamente repetidos de um documento para outro.
No âmbito do CEFET/RJ, em particular, em cada plano curricular, buscou-se
contemplar os itens constantes do artigo 10, da Resolução n
o
04/99, à exceção daqueles que
diziam respeito aos requisitos de acesso aos cursos, à sua organização curricular em módulos,
aos critérios de avaliação e de aproveitamento de conhecimentos e experiências dos
educandos, bem como à expedição de certificados e diplomas pelo CEFET/RJ, que, fruto do
consenso de discussões nos grupos de trabalho, tiveram caráter comum a todos os cursos.
Os planos de curso, coerentes com os respectivos projetos pedagógicos,
serão submetidos à aprovação dos órgãos competentes dos sistemas de
ensino, contendo:
I - justificativa e objetivos;
II - requisitos de acesso;
III - perfil profissional de conclusão;
IV - organização curricular;
V - critérios de aproveitamento de competências;
VI - critérios de avaliação;
VII - instalações e equipamentos;
VIII - pessoal docente e técnico;
IX - certificados e diplomas
(BRASIL, MEC, Resolução n
o
04/99, Art. 10).
233
Parafraseio a expressão usada na Introdução aos Referenciais Curriculares Nacionais.
234
O MEC/SEMTEC/CGEP elaborou o Plano de Implementação da Reforma da Educação Profissional para o
quadriênio 1999—2002. A equipe contou com os seguintes participantes: Cleonice Matos Rehem, coordenadora
geral; Márcia Serôa Brandão, assistente; Jazon de Souza Macedo, técnico; Joana D’Arc de Castro Ribeiro,
técnica; e Neide M. R. Romeiro Macedo, técnica.
205
Para proceder à elaboração dos planos curriculares foi imprescindível a apropriação,
por parte dos grupos de trabalho, dos Referenciais Curriculares Nacionais que traziam
informações e indicações para a concepção/elaboração dos currículos nas vinte áreas
profissionais preestabelecidas pelo MEC; em outras palavras, os Referenciais apresentavam o
modo e o modelo de elaboração dos novos planos de curso.
Minha análise contempla, em linhas gerais, o conteúdo do documento, no sentido de
mostrar o caminho que o CEFET/RJ foi sendo induzido a percorrer na elaboração dos novos
currículos, sem ter, no entanto, a pretensão de esgotar o debate.
O que mais me interessa é mostrar que a reforma do ensino médio e técnico, balizada
por documentos que exigiam da escola apreensão de novas categorias nas questões de ordem
pedagógica, apreensão de um procedimento metodológico, cujo arcabouço tinha como
pretensão eliminar as distorções deixadas por políticas educacionais consideradas arcaicas,
redundou, para além da fragmentação de conteúdos, em uma perda significativa de carga
horária nos currículos dos cursos técnicos, se for tomada como referência a grade curricular
dos cursos integrados.
Os Referenciais Curriculares Nacionais buscavam aprofundar o conceito de
competência
235
, de modo a afirmar que os “currículos, portanto, não são mais centrados em
conteúdos ou necessariamente traduzidos em grades de disciplinas”, deixando claro que o
núcleo da reforma da educação, em geral, e da educação profissional, em particular, é o
tratamento da questão da competência.
235
Em 1996 o CINTERFOR (Centro Interamericano de Investigación y Documentación sobre Formación
Profesional), órgão vinculado a OIT, promoveu o seminário Formación basada em competência laboral:
situación actual y perpectivas, com o objetivo de orientar os sistemas nacionais de ensino a oferecer uma
educação baseada na competência laboral, bem como na certificação de competências. Para um estudo
aprofundado ver RAMOS, Marise. A pedagogia das competências: autonomia ou adaptação. São Paulo. Cortez,
2001.
206
Quadro 2 - Identificação dos pontos essenciais da mudança de paradigma curricular
Fonte: Brasil/MEC/SEMTEC/CGEP; Referenciais Curriculares Nacionais, ano 2000.
Além do conceito de competência, o MEC/SEMTEC foi buscar, no mundo do
trabalho, o modo como aglutinar e classificar as competências de todas as atividades
geradoras de produtos e serviços. Assim, a “existência de um núcleo de competências comuns
caracteriza, portanto, o conceito de área profissional”.
Quadro 3 - Organização do mundo do trabalho.
Fonte: Brasil/MEC/SEMTEC/CGEP; Referenciais Curriculares Nacionais, ano 2000.
207
Com visão prospectiva no setor produtivo, o MEC/SEMTEC detectou vinte áreas
profissionais para as quais foram definidas as competências profissionais gerais e a carga
horária mínima, para cada habilitação, como mostra o Quadro n
o
4.
Produzido de forma centralizada, é nos Referencias Curriculares, para além do Parecer
n
o
16/99, que se torna mais aparente o discurso da submissão da formação profissional ao
mundo da produção capitalista.
A definição das vinte áreas ocorreu por conta da cúpula do MEC. A
comissão [de professores dos CEFETs] quando chegou lá, para trabalhar, o
que fez foi adaptar o que tinha sido feito anteriormente
236
.
Quadro 4 - Áreas profissionais e cargas horárias mínimas
ÁREA PROFISSIONAL CARGA HORÁRIA
MÍNIMA DE CADA
HABILITAÇÃO
1. Agropecuária 1.200
2. Artes 800
3. Comércio 800
4. Comunicação 800
5. Construção civil 1.200
6. Design 800
7. Geomática 1.000
8. Gestão 800
9. Imagem pessoal 800
10. Indústria 1.200
11. Informática 1.000
12. Lazer e desenvolvimento social 800
13. Meio ambiente 800
14. Mineração 1.200
15. Química 1.200
16. Recursos pesqueiros 1.000
17. Saúde 1.200
18. Telecomunicações 1.200
19. Transportes 800
20. Turismo e hospitalidade 800
Fonte: Brasil/MEC/SEMTEC/CGEP; Referenciais Curriculares Nacionais, ano 2000.
236
Luiz Diniz Corrêa, professor do CEFET/RJ, membro da comissão elaboradora dos Referenciais Curriculares
para a Área da Indústria. Entrevista realizada em 22/08/2006, no Centro de Memória do CEFET/RJ, sala
D-119b.
208
Definidas as áreas profissionais e as competências gerais, ficou o CEFET/RJ
incumbido de fazer a caracterização da(s) área(s) e do(s) curso(s) que se propunha a oferecer,
com base em pesquisa de mercado. Os grupos de trabalho envolvidos na reformulação
curricular, além de fazer um estudo de demandas, consultando órgãos como o Centro de
Informação de Dados do Rio de Janeiro (CIDE), o IBGE, FIRJAN, MTb, ficaram
encarregados de definir as competências específicas para cada habilitação ou curso. De posse
desses dados, passava-se, então, à caracterização do processo produtivo a que o curso se
destinava, o que consistia em identificar funções e subfunções desse processo. Esse conjunto
de identificação e estudo do processo produtivo, o MEC/SEMTEC denominou Matriz
Referencial de Resultados.
Segundo os Referenciais Curriculares, no processo de produção de cada área
profissional identificam-se “grandes atribuições” que, por serem fundamentalmente
relacionadas às “operações mentais, como, também, a “etapas significativas” do processo,
deveriam ser denominadas de funções. Cada uma das funções, pertencentes ao plano das
idéias, seriam geradoras de “atividades mais específicas”, as subfunções — “geradoras de
produtos ou resultados parciais definidos dentro desses processos produtivos. Ressalte-se que
essa identificação somente foi possível a partir da indispensável colaboração de pessoas
efetivamente engajadas no setor produtivo — empresários e trabalhadores”(BRASIL, MEC,
Referenciais Curriculares Nacionais, 2000).
Desse modo, os Referenciais Curriculares apresentam o modelo de funções e
subfunções de um determinado processo produtivo a ser adaptado pelas escolas. A seguir,
mostro dois quadros. O primeiro, exibe o modelo do MEC/SEMTEC e, o segundo, a
acomodação feita pelo CEFET/RJ para o Curso Técnico de Eletrotécnica.
Quadro 5 - Funções e Subfunções: análise do processo produtivo para área de
Construção Civil
Fonte: Brasil/MEC/SEMTEC/CGEP; Referenciais Curriculares Nacionais, ano 2000.
209
Quadro 6 - Funções e Subfunções: modelo adaptado para o Curso Técnico de
Eletrotécnica
FUNÇÕES
SUBFUNÇÕES
1. Planejamento 1.1. Desenvolvimento de
Projetos
- -
2. Planejamento e
Controle
2.1. Estudos e
Programação
2.2. Controle
-
3. Execução da
Manutenção
3.1. Manutenção das
Instalações de Alta
Tensão
3.2. Manutenção de
Sistemas Industriais
-
4. Execução das
Instalações
Elétricas
4.1. Instalações Elétricas
de Baixa
Tensão
4.2. Instalações
Elétricas de Alta
Tensão
4.3.Instalações de
Máquinas e
Equipamentos
Elétricos
Fonte: Departamento de Ensino Médio e Técnico do CEFET/RJ, ano 2000.
Elaborada a matriz referencial de resultados, o passo seguinte foi determinar
competências, “saberes articulados e mobilizados através de esquemas mentais” e habilidades
“que permitem que essas competências sejam colocadas em ação em realizações eficientes e
eficazes”. Além do que, para cada subfunção foi preciso, também, fixar as bases tecnológicas
“ou conjuntos sistematizados de conceitos, princípios e processos (métodos, técnicas, termos,
normas e padrões) resultantes, em geral, da aplicação de conhecimentos científicos a essa área
produtiva”.
A política de educação profissional do MEC, se por um lado, afirma a
educação profissional como modalidade de ensino que deve se integrar às diferentes formas
de educação, ao trabalho, à ciência e à tecnologia, garantindo ao cidadão o direito do
permanente desenvolvimento de aptidões para a vida produtiva e social, de outro, o foco dos
Referenciais Curriculares Nacionais para a Educação Profissional de Nível Técnico foram as
exigências do mundo do trabalho, explicitadas de acordo com as áreas profissionais e os perfis
de competências estabelecidos nas Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Profissional
de Nível Técnico.
Com relação à noção de competências proposta nos Referenciais Curriculares
Nacionais para a Educação Profissional de Nível Técnico, de um lado, conceitualmente, se
aproxima da visão construtivista, compreendendo as competências como ações e operações
210
mentais capazes de articular conhecimentos (saber), habilidades (saber fazer), valores e
atitudes (saber ser, saber estar) constituídos de forma articulada e mobilizados em realizações
profissionais dentro dos padrões de qualidade requeridos por uma determinada área
profissional; de outro, o MEC/SEMTEMC foi buscar, no mundo do trabalho empresarial, o
modo para aglutinar e classificar as competências, oferecendo-lhes um caráter funcionalista às
competências ao identificar funções e subfunções dos processos produtivos.
O Professor Diniz destaca que depois de o material bruto dos Referenciais Curriculares
ter sido adaptado pela comissão de professores dos CEFETs, responsável pela definição das
competências gerais para cada área, isso é, estando já o documento em fase final de
elaboração, o MEC/SEMTEC tentou atribuir ao SENAI de São Paulo o trabalho de revisão
final do texto, cujo significado foi apreendido por todos como a senaização da reforma. Tal
proposta do MEC/SEMTEC, entretanto, não logrou êxito, em face de protestos por parte dos
professores da rede CEFET (Prof. Diniz, entrevistado, 2006).
Quadro 7 - Ilustrativo das competências, habilidades e bases tecnológicas
Fonte: Brasil/MEC/SEMTEC/CGEP; Referenciais Curriculares Nacionais, ano 2000.
211
Definidos os quadros de competências, habilidades e bases tecnológicas (identificadas
para cada subfunção), foram organizados os módulos ou blocos que comporiam o desenho
curricular. A opção do CEFET/RJ foi por uma estrutura modular, que, na prática, se constituía
de três módulos, quais sejam, módulo básico, módulo intermediário e módulo avançado,
acrescida do estágio, de tal maneira que cada módulo compreendia dois períodos semestrais
do curso, como mostra o fluxograma do Quadro n
o
8.
Cabe ressaltar a confusão conceitual entre competências e habilidades que se difundia
entre os professores, tendo em vista a pouca clareza dos documentos do MEC/SEMTEC. Se,
por definição, competências são operações mentais que articulam e mobilizam
conhecimentos, habilidades e valores; habilidades seriam, então, elementos constitutivos das
competências. No entanto, o documento orientava as instituições de ensino a identificar
competências, habilidades e bases tecnológicas, separadas umas das outras. Fragmentadas,
nas matrizes de referência das áreas profissionais, foram convertidas, portanto, em um
verdadeiro quebra-cabeças para os professores que trabalharam na reformulação curricular.
212
Quadro 8 - Fluxograma do itinerário formativo dos cursos técnicos do CEFET/RJ
Fonte: Departamento de Ensino Médio e Técnico do CEFET/RJ, ano 2000.
Formalmente, entretanto, a estrutura modular proposta pelo CEFET/RJ constava (e
ainda consta) de dois módulos: o primeiro, denominado de Iniciação Tecnológica, com
duração de dois períodos semestrais e carga horária de 288 horas, exceto para o Curso de
Telecomunicações; e o segundo, que leva o nome do próprio curso, com duração de quatro
períodos semestrais e carga horária variando de 672 a 1312 horas, dependendo do curso.
1
o
período
2
o
período
3
o
período
4
o
período
5
o
período
6
o
período
Estágio
Diploma técnico
de nível médio
213
A seguir, apresento a estrutura modular dos cursos técnicos, por área profissional,
oferecidos pelo CEFET/RJ
237
.
Na área da Indústria, são oferecidos os cursos de Automobilística, Eletrônica,
Eletrotécnica e Mecânica.
Quadro 9 - Distribuição da carga horária por módulos do Curso de Automobilística
Módulo
Estágio
(horas)
I
II
Iniciação
Tecnológica
Automobilística
Hora-aula
288 1092
400
Fonte: Departamento de Ensino Médio e Técnico do CEFET/RJ, ano 2001.
Quadro 10 - Distribuição da carga horária por módulos do Curso de Eletrônica.
Módulo
Estágio
(horas)
I
II
Iniciação
Tecnológica
Eletrônica
Hora-aula 288 1.312
400
Fonte: Departamento de Ensino Médio e Técnico do CEFET/RJ, ano 2001.
Quadro 11 - Distribuição da carga horária por módulos do Curso de Eletrotécnica
Módulo
Estágio
(horas)
I
II
Eletrotécnica
Iniciação
Tecnológica
Hora-aula 288 1.152
400
Fonte: Departamento de Ensino Médio e Técnico do CEFET/RJ, ano 2001.
237
Cito apenas os cursos oferecidos pelo CEFET/RJ na unidade-sede Maracanã e na UnED de Maria da Graça,
visto que as atividades de aula da UnED Nova Iguaçu foram iniciadas em 2005.
214
Quadro 12 - Distribuição da carga horária por módulos do Curso de Mecânica
Módulo
Estágio
(horas)
I II
Mecânica
Iniciação
Tecnológica
Hora-aula 288 1.152
400
Fonte: Departamento de Ensino Médio e Técnico do CEFET/RJ, ano 2001.
Na área da Construção Civil, os cursos ofertados são de Edificações e Estradas.
Quadro 13 - Distribuição da carga horária por módulos do Curso de Edificações
Módulo
Estágio
(horas)
I II
Iniciação
Tecnológica
Edificações
Hora-aula 288 1.152
400
Fonte: Departamento de Ensino Médio e Técnico do CEFET/RJ, ano 2001.
Quadro 14 - Distribuição da carga horária por módulos do Curso de Estradas
Módulo
Estágio
(horas)
I II
Iniciação
Tecnológica
Estradas
Hora-aula 288 1.152
400
Fonte: Departamento de Ensino Médio e Técnico do CEFET/RJ, ano 2001.
215
Nas áreas de Geomática e Meio Ambiente o curso oferecido é o de Meteorologia.
Quadro
15 - Distribuição da carga horária por módulos do Curso de Meteorologia
Módulo
I II
Iniciação
Tecnológica
Meteorologia
Hora-aula 288 972
Estágio
(horas)
400
Fonte: Departamento de Ensino Médio e Técnico do CEFET/RJ, ano 2001.
Na área de Gestão, o curso oferecido é o de Administração.
Quadro
16 - Distribuição da carga horária por módulos do Curso de Administração
Módulo
Estágio
(horas)
I
II
Iniciação
Tecnológica
Administração
Hora-aula
288 844
400
Fonte: Departamento de Ensino Médio e Técnico do CEFET/RJ, ano 2001.
Na área da Informática, tem-se:
Quadro
17 - Distribuição da carga horária por módulos do Curso de Informática
Módulo
Estágio
(horas)
I
II
Iniciação
Tecnológica
Informática
Hora-aula
288 1.008
400
Fonte: Departamento de Ensino Médio e Técnico do CEFET/RJ, ano2001.
216
Na área de Saúde é oferecido o Curso de Segurança do Trabalho.
Quadro
18 - Distribuição da carga horária por módulos do Curso de Segurança do Trabalho
Módulo
Estágio
(horas)
I
II
Iniciação
Tecnológica
Segurança do
Trabalho
Hora-aula
288 1.152
400
Fonte: Departamento de Ensino Médio e Técnico do CEFET/RJ, ano 2001.
Na área de Telecomunicações, tem-se.
Quadro
19 - Distribuição da carga horária por módulos do Curso de Telecomunicações
Módulo
Estágio
(horas)
I
II
Iniciação
Tecnológica
Telecomunicações
Hora-aula
320 1.120
400
Fonte: Departamento de Ensino Médio e Técnico do CEFET/RJ, ano 2001.
E, finalmente, na área de Turismo, tem-se:
Quadro
20 - Distribuição da carga horária por módulos do Curso de Turismo
Módulo
Estágio
(horas)
I
II
Iniciação
Tecnológica
Turismo
Hora-aula
288 672
400
Fonte: Departamento de Ensino Médio e Técnico do CEFET/RJ, ano 2001.
217
No âmbito das coordenações de cursos, em cada colegiado, a definição da carga
horária das disciplinas passou por momentos de desventura. Sob o discurso da modernização
produtiva, decidiu-se extinguir disciplinas, algumas delas de formação básica dos cursos;
“enxugar” o conteúdo de outras; além de substituir aulas práticas de laboratório, em que os
alunos trabalhavam com o concreto por aulas de laboratórios de simulação, contribuindo,
assim, para a diminuir a carga horária de algumas disciplinas, uma vez que situações em
ambientes virtuais requerem tempo menor do que aquele despendido em aulas práticas,
ocasião em que o aluno se depara com o concreto, com o real.
Seguindo os preceitos da reforma, a nova ordem era transferir para o aluno a
responsabilidade pelo seu aprendizado. A proposta encaminhada era no sentido de o professor
oferecer o conteúdo mínimo, orientando o aluno a pesquisar, fosse na internt, fosse em livros,
o que tem para mim, o significado de aceitar a desordem propugnada por Perrenoud
(1999)
238
: “Trabalhar na construção de competências significa aceitar aportar o mínimo
requerido, sabendo-se que o restante virá depois, oportunamente de maneira mais
desordenada, é verdade, porém em função de uma real necessidade” (op.cit., p.55-56). Desse
modo, a diminuição de carga horária estaria concretizada ao se adotar o paradigma de
construção do conhecimento em redes.
Em síntese, se comparadas carga horária dos cursos técnicos oferecidos pós-reforma e
carga horária dos cursos integrados é notória a discrepância. Ressalte-se que me refiro à
carga horária efetiva de aula, não contabilizando, para efeito desse estudo, a carga horária
exigida no estágio, que também foi reduzida de 720 para 440 horas. A Tabela n
o
1 mostra a
relação dos cursos oferecidos, atualmente, pelo CEFET/RJ e as respectivas cargas horárias:
carga horária dos cursos integrados; a carga mínima exigida pelo MEC, a partir da
implantação da reforma; e, ainda, a oferecida depois da reforma.
238
Os livros mais lidos por professores, em geral, durante o processo de implantação da reforma foram Construir
as competências desde a escola e Ensina: agir na urgência, decidir na incerteza, ambos do mesmo autor.
218
Tabela 1 - Carga horária dos cursos técnicos
Curso
Carga horária
dos cursos
integrados
Carga
horária
mínima
exigida pelo
MEC
Carga
horária dos
cursos a
partir da
reforma
Automobilística __ 1.200 1.380
Eletrônica 1.920 1.200 1.600
Eletrotécnica 1.980 1.200 1.440
Mecânica 1.980 1.200 1.440
Edificações 1.980 1.200 1.440
Estradas 1.890 1.200 1.440
Meteorologia 1.170 800/1000 1.260
Administração __ 800 1.132
Informática __ 1000 1.296
Segurança do
Trabalho
__ 1200 1.440
Telecomunicações
__ 1200 1.440
Turismo e
Entretenimento
__ 800 960
Fonte: Departamento de Ensino Médio e Técnico do CEFET/RJ, ano 2001-2.
Como se pode observar, o único curso que teve sua carga horária aumentada foi o de
Meteorologia, devido ao fato de o referido curso pertencer, simultaneamente, a duas áreas
profissionais, sendo a “área do plano” a Geomática e a “área secundária” Meio Ambiente.
De resto, o curso de Eletrônica teve uma redução de 320 horas; Eletrotécnica,
Mecânica, Edificações perderam 540 horas cada um; e Estradas, 450horas. Para justificar tais
perdas, junto aos professores, o DEMET/CEFET-RJ à época incluiu no desenho curricular o
módulo especialização, a ser oferecido após o término do estágio, o que, na realidade concreta
nunca foi posto em prática.
Se a questão da reformulação curricular esteve centrada na busca da qualidade, da
igualdade e da democratização do ensino profissional, além da competitividade para atender
um mundo globalizado cada vez mais exigente, questões nas quais o MEC/SEMTEC dos anos
219
1990 prestou tanta atenção, cabe-me perguntar: diante da reforma curricular mediada pelo
Decreto n
o
2.208/97 e outros instrumentos legais, como a Resolução n
o
4/99, o Parecer
n
o
16/99 e os Referenciais Curriculares Nacionais, que reduziram drasticamente os tempos de
estudo e conteúdos, a serviço do quê e de quem estão os egressos dos cursos técnicos do
CEFET/RJ?
3.3. ACESSO E EVASÃO NOS CURSOS TÉCNICOS DO CEFET/RJ: resultado de
uma política educacional controversa sobre a democratização do acesso aos cursos
técnicos
O processo educativo é passagem da desigualdade à igualdade. Portanto, só
é possível considerar o processo educativo em seu conjunto como
democrático sob a condição de se distinguir a democracia como
possibilidade no ponto de partida e a democracia como realidade no ponto
de chegada (SAVIANI, 2002, p.78).
O ensino público como a forma mais democrática de possibilitar o acesso da maioria
da população a um processo igualitário de educação tem sido objeto de intensas discussões,
principalmente, nos últimos anos, focado em quatro dimensões. Primeira, a reforma da
educação dos anos de 1990 chegou a matricular 97% das crianças de sete a 14 anos de idade
no ensino fundamental, nível constitucionalmente obrigatório e gratuito; no entanto, esse
acréscimo quantitativo foi acompanhado “pela questão da precariedade da qualidade do
ensino ministrado e, por conseguinte, da impropriedade das políticas educativas que têm sido
implementadas para equacionar os problemas da repetência, da evasão, do desempenho —
enfim, da garantia de processos efetivos de escolarização que combatam as desigualdades
educacionais” (AZEVEDO, 2002, p.50).
Segunda, no ensino médio, não obrigatório, apenas aproximadamente 46% dos
jovens
239
estão cursando este nível de ensino. A não-obrigatoriedade do ensino médio indica
não só a opção de formação para o trabalho simples, mas, também, o descomprometimento
das políticas públicas com a ampliação das bases de produção técnica, científica e
tecnológica, no Brasil.
239
Segundo a Comissão Especial de Políticas Públicas para a Juventude, o relatório 2003 do Fundo de População
da Organização das Nações Unidas (ONU) aponta dados em que o Brasil é o quinto país do mundo com maior
percentual de jovens em população. São 51 milhões entre 10 e 24 anos (30% do total de habitantes), sendo que 8
milhões de adolescentes têm baixa escolaridade e 3,3 milhões não freqüentam a escola.
220
Terceira, no ensino superior a reforma universitária, em curso, segue recomendações
do Banco Mundial, buscando ressignificar a autonomia das instituições de ensino superior;
autonomia essa que transita dentro do ideário liberal, identificando-se com o mercado
240
.
E, finalmente, como quarta dimensão a mercantilização da educação, a privatização do
espaço público que cresceu, vertiginosamente, a partir da implantação das políticas
neoliberais, difundindo uma pedagogia focada no individualismo, na competição, no
empreendorismo.
Nesse sentido, os debates envolvem pesquisadores ligados às universidades, aos
sistemas de ensino e a diferentes organismos da sociedade civil, em um processo de
mobilização da sociedade em torno do resgate da dignidade da escola pública no Brasil.
O atual momento da vida nacional, nos campos econômico, político ou educacional,
está a exigir da escola o desempenho de seu papel crítico, tanto no que concerne a sua
participação e envolvimento no debate, quanto à produção de um conhecimento que venha
contribuir para a transformação da sociedade.
Considerando que a organização escolar se constitui na forma mais desenvolvida e
fundamental relativa aos processos educacionais contemporâneos, estando associada à
aquisição da necessária base cultural e à formação técnico-científica, exigidas pelas condições
das sociedades atuais, e, também, que a sua natureza pública corresponde ao meio que
modernamente as sociedades utilizam para realizar a educação comum de seus cidadãos, com
entraves próprios às sociedades de classe; considerando, ainda, que em nosso país ainda não
se efetivou um sistema público de ensino que propicie a oferta universalizada de um padrão
comum e de qualidade de educação básica, pretendo analisar a evasão nos cursos técnicos do
CEFET/RJ diante da proposta de democratização do acesso à educação profissional concebida
na política educacional do governo Cardoso.
240
Para maiores detalhes ver Leher (1998; 2003).
221
3.3.1. O acesso aos cursos técnicos do CEFET/RJ
Desde a segunda metade da década de 1970 observa-se, a cada ano, a procura cada vez
maior pelos cursos técnicos de nível médio oferecidos pelo CEFET/RJ. Nos processos
seletivos de 1998/1999 e de 199/2000 foram inscritos, respectivamente, 9.875 e 10.926, sendo
oferecidas 600 vagas em cada ano; do concurso 2000/2001 participaram 13.151 candidatos
concorrendo ao mesmo número de vagas oferecido no concurso anterior; do exame de seleção
2001/2002 participaram 14.753 candidatos, enquanto o número de vagas foi de 660; no
concurso 2002/2003 foram inscritos 15.527 para 840 vagas; na seleção de 2003/2004 foram
inscritos 12.241, para 840 vagas, e, no processo de 2004/2005, inscreveram-se 7.953 para 840
vagas. Enquanto a demanda pelo ensino médio e técnico no CEFET/RJ, em particular, crescia,
no país, em geral, a procura pelo ensino médio também aumentava de modo acentuado.
No Brasil, o ensino médio foi o que mais se expandiu, considerando como
ponto de partida a década de 80. De 1988 a 1997, o crescimento da demanda
superou 90% das matrículas até então existentes. Em apenas um ano, de
1996 a 1997, as matrículas no Ensino Médio cresceram 11,6% (BRASIL,
MEC/SEMTEC, 1999, p.15).
Tabela 2 - Número de inscritos nos processos de seleção aos cursos técnicos
de nível médio do CEFET/RJ e número de vagas oferecidas
Ano Inscrições Vagas Candidato/ vaga
96/1997
10.564 800 13,20
97/1998
10.013 800 12,52
98/1999
9.875 600 16,46
99/2000
10.926 600 18,21
00/2001
13.131 600 21,89
01/2002
14.753 660 22,35
02/2003
15.527 840 18,48
03/2004
12.241 840 14,57
04/2005
7.953 840 9,47
Fonte: Comissão Permanente de Concursos do CEFET/RJ, ano 2006.
Essa crescente demanda pelo nível médio de ensino justifica-se pelo denominado
fenômeno da “onda de adolescentes” caracterizado pelo aumento populacional na faixa etária
222
de 15 a 24 anos de idade. Segundo dados do IBGE, a população jovem, em 1970, era de 18,5
milhões. Em anos mais recentes, 1991 e 1996, os respectivos censos populacionais
contabilizaram 28,6 e 31,1 milhões de pessoas de 15 a 24 anos de idade; entre os anos de
1991 e 1996 este segmento da sociedade experimentou um acréscimo de 2,5 milhões de
jovens naquela faixa etária, representando um aumento de 8,8%, pulando para 33,6 milhões
de adolescentes no ano 2000.
(http://www.ibge.gov.br/home/essatistica/populacao/populacao_jovem_brasil/populacaojovem.pdf.
Acesso em 11/11/2006.)
A população jovem, na faixa etária de 15 a 24 anos de idade, forma o segmento da
223
Nos concursos 2000/2001, 2001/2002 e 2002/2003 o perfil é basicamente o mesmo:
em torno de 80% dos alunos que ingressaram no CEFET/RJ fizeram seus estudos do ensino
fundamental em escolas particulares. Diante dessa realidade concreta, concordo com
Campello (2000) que, na dualidade do sistema de ensino brasileiro no que tange a escolas da
rede pública e escolas da rede privada, o CEFET/RJ, embora pertença à rede pública federal,
atende uma clientela de alunos oriundos da rede de escolas privadas. Portanto, pode-se
afirmar que o CEFET/RJ, instituição pública de educação tecnológica, por meio de processo
seletivo, é ocupado majoritariamente por aqueles que tradicionalmente se utilizamda rede
privada de ensino.
Cabe lembrar que as reformas educacionais empreendidas no país, nos últimos dez
anos, concorreram para o aumento significativo de matrículas no ensino fundamental, até
então, nível de ensino constitucionalmente obrigatório e gratuito.
É suficiente lembrar que passamos de uma cobertura de 16 milhões de
alunos, em 1970, para um total de pouco mais de 35 milhões em 2001,
aparentando uma proximidade da universalização do seu acesso, como vêm
demonstrando os resultados dos censos escolares. Em relação à sua clientela
(a população de 7 a 14 anos de idade), a taxa líquida de escolarização tem
abrangido cerca de 95% (AZEVEDO, 2002, p.50).
O processo de democratização do ensino fundamental se insere no bojo das políticas
neoliberais, de rearranjo de papéis e responsabilidades das esferas administrativas do Estado.
Nesse sentido, a descentralização é considerada instrumento de modernização gerencial da
gestão pública, sem o que, não se podem promover serviços com eficácia e eficiência.
Neste contexto, o processo de municipalização do ensino fundamental é difundido
como poderoso mecanismo de correção das desigualdades educacionais.
No quadro de colaboração entre os sistemas públicos, os municípios vêm,
sobretudo, absorvendo os alunos das séries iniciais (1
a
a 4
a
), ao passo que as
redes estaduais vêm se encarregando do ensino de 5
a
a 8
a
224
Vinculando a educação aos parâmetros do desenvolvimento econômico do país, o
processo de municipalização do ensino fundamental baseia-se na lógica
economicista-instrumental, articulando-se ao movimento mais amplo de reorganização do
capital que implica novas formas de definição e de articulação entre o local, o nacional e o
global. Nesse sentido, o capital vem transformando direitos sociais, por meio de órgãos de
financiamento e de assessoria técnica, a exemplo do BIRD e da UNESCO, em “benefícios”
que possam “aliviar a pobreza”.
No contexto das políticas sociais de educação, em que se inscreve o processo de
descentralização do ensino, são acionados vários mecanismos pelo MEC, gerenciador do
Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), que, por sua vez, cria novos
mecanismos de gestão que transferem para os indivíduos a responsabilidade de uma educação
de qualidade, a exemplo do Conselho do Programa Merenda Escolar, do Fundo de
Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério
(FUNDEF)
242
, do Programa Dinheiro na Escola, do Programa de Conselho Escolares.
Essas práticas focalizadas no ensino fundamental, dirigidas a especificidades de locais
mais carentes economicamente, transferem para diretores, professores, pais e alunos a
responsabilidade não apenas pelo ensino de qualidade, mas, sobretudo, do sucesso escolar de
crianças, jovens e adultos, pouco têm contribuído para que se efetive a universalização do
ensino fundamental com qualidade.
“Como se sabe a focalização é modo de priorizar uma etapa do ensino cujo foco pode
significar o recuo ou o amortecimento ou o retardamento quanto à universalização de outras
etapas da educação básica e a sua sustentação por meio de recursos suficientes” (CURY,
2002, p.176). Justifica-se, assim, a restrição aos alunos oriundos da rede municipal de ensino
pelo processo seletivo aos cursos técnicos do CEFET/RJ.
242
No governo Lula da Silva o FUNDEF teve sua atuação ampliada para o ensino médio, passando a
denominar-se Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (FUNDEB), instituído pela
Emenda Constitucional n
o
53, de 19 de dezembro de 2006 e regulamentado pela Medida Provisória n
o
339, de 29
de dezembro do mesmo ano; sua implantação teve início em janeiro de 2007.
225
3.3.1.1. As políticas de democratização do acesso
Em 1990, iniciou-se, no CEFET/RJ, uma política de democratização de acesso aos
cursos técnicos, consubstanciada no Curso Pró-Técnico, visando atender, exclusivamente,
alunos que estivessem cursando a 8
a
série do ensino fundamental, e matriculados
regularmente, desde a 5
a
série em escolas da rede pública municipal de ensino. O curso
funcionava nas dependências da instituição, e tinha a finalidade de preparar
243
alunos da rede
municipal de ensino para o concurso do CEFET/RJ. A política adotada inseria-se no centro da
discussão sobre a verticalização do sistema público de ensino, em conformidade com a Lei n
o
6.545/78 de criação do CEFET/RJ.
Vista como reparadora da excludente dualidade educacional no país, tal política
defendia que o acesso ao ensino público, gratuito e de qualidade no nível médio, deveria ser
oferecido, prioritariamente, a alunos oriundos do, então, 1
o
grau de ensino da escola pública.
Na justificativa do projeto de criação do Curso Pró-Técnico parte-se da
constatação da elitização do acesso via concurso e entende-se que em
conseqüência de uma disputa desigual ficam de fora da escola aqueles
candidatos cujo perfil socioeconômico aponta para uma necessidade —
maior que a de outros — de realizar estudos e ingressar e permanecer no
setor produtivo. Continua o projeto propondo a criação de um mecanismo de
defesa das classes sociais menos favorecidas (CAMPELLO, 2000, p.74).
A partir de 1998, com a implantação da reforma do ensino médio e técnico, promovida
pelo Decreto n
o
2.208/97, escolas técnicas e CEFETs, em geral, redefiniram ou desativaram
os Cursos Pró-Técnicos que vinham desenvolvendo, desde o início dos ano de 1990.
No CEFET/RJ, em particular, o Curso Pró-Técnico
244
fora desativado. Em
contrapartida, adotou-se a estratégia de celebrar convênios com outras instituições da rede
pública de ensino — Colégio Estadual Horácio Macedo
245
, através da Secretaria de Estado de
Educação (SEE/RJ); Colégio Pedro II (Rede Pública Federal) e Colégio Brigadeiro Newton
243
A partir de 1995, a natureza do Curso Pró-Técnico é alterada. O Pró-Técnico deixa de ser cursinho
preparatório passando, então, a ser instrumento de reserva de vagas para alunos oriundos da rede municipal de
ensino. Para maiores detalhes ver, Campello, 2000.
244
O Curso Pró-Técnico foi retomado em junho de 2006, atendendo a 64 alunos, matriculados regularmente, na
8
a
série de escolas da rede municipal de ensino da cidade do Rio de Janeiro. Selecionados pelos dirigentes da
rede municipal de ensino, os alunos fizeram o Pró-Técnico no período de junho a novembro, no horário da tarde.
245
No ano de 1999, no contexto de implantação da reforma do ensino médio e técnico, foi assinado o convênio
entre CEFET/RJ e SEE/RJ, com o objetivo de democratizar o acesso aos cursos técnicos do CEFET/RJ. O
Colégio Estadual Horário Macedo que teve origem no referido convênio passou a oferecer o ensino médio,
exclusivamente para alunos egressos do ensino fundamental da rede pública, e o CEFET/RJ, a educação
profissional técnica de nível médio concomitante ao ensino médio a todos os matriculados naquela instituição.
Destaque-se que a Professora Zuleide Simas da Silveira fez parte do Conselho Gestor do referido convênio.
226
Braga (Ministério da Aeronáutica). Tais convênios têm a finalidade de oferecer a educação
profissional técnica de nível médio, concomitantemente ao ensino médio já oferecido por
aquelas instituições de ensino.
Com vistas a atender o disposto no art. 3
o
, da Portaria n
o
646/1997 do MEC, o ensino
médio foi, então, implantado, no CEFET/RJ, oferecendo, apenas, 400 vagas, enquanto o
número de alunos aprovados no concurso foi de 800. Desse modo, 400 alunos se viram
obrigados a procurar o ensino médio em quaisquer outras instituições de ensino. Foi tentando
solucionar essa problemática que o então chefe de Departamento de Ensino de 2
o
grau,
Professor Carlos Artexes, celebrou os referidos convênios com os Colégios Pedro II e
Brigadeiro Newton Braga, com a finalidade de trocar vagas entre instituições, ou, em outras
palavras, trocar vagas de ensino profissional por ensino médio.
Já no convênio estabelecido com a SEE/RJ o objetivo é o de reserva de vagas a todos
os alunos que estejam regularmente matriculados no ensino médio do Colégio Estadual
Horácio Macedo.
Em outro momento do presente estudo, vimos que o discurso governamental à época
da implantação da reforma propalava que a separação entre ensino médio e ensino técnico
conduziria, para esse último, grande parcela dos necessitados de uma profissionalização,
obrigando, então, escolas técnicas e CEFETs a diversificarem a oferta de cursos, como,
também, a aumentarem gradativamente o número de matrículas nos cursos técnicos.
Entretanto, apesar de celebrar convênios com outras instituições, em particular com a SEE/RJ,
tendo por objetivo oferecer oportunidade educacional a filhos da classe trabalhadora de baixa
renda, observa-se na Tabela n
o
3 que os alunos matriculados nos cursos técnicos, em sua
maioria, têm perfil econômico diferente do pretendido pela política educacional do governo
Cardoso, conforme mostrei anteriormente.
Se, aproximadamente, 80% dos alunos que ingressam no CEFET/RJ fizeram seus
estudos do ensino fundamental em escolas particulares, e, ainda, levando-se em conta que os
alunos matriculados nos cursos técnicos do CEFET/RJ, por meio dos convênios celebrados
com o Colégio Pedro II e Colégio Newton Braga, são jovens cujo perfil socioeconômico
aproxima-se do dos concursados, a parcela de jovens que comprovadamente estudou no
ensino fundamental, em escolas da rede municipal é minoritária, como revela o número de
matrículas via convênio com a SEE/RJ.
227
Tabela 3 - Número total de alunos matriculados nos cursos técnicos de nível médio do
CEFET/RJ, via processo seletivo e via convênio
Matriculados
via convênios
Ano
Matriculados via
concurso
SEE/RJ*
Outros**
Total de
matriculados
1997 800
- -
800
1998 800
-
230 1030
1999 600
-
104 704
2000 600 171 178 949
2001 600 262 77 939
2002 660 350 230 1240
Fonte: Departamento de Registros Acadêmicos (DIRAC), Centro Federal de Educação Tecnológica
Celso Suckow da Fonseca.
* Colégio Estadual Horácio Macedo; ** Colégio Pedro II e Colégio Brigadeiro Newton Braga.
A partir da adoção de medidas como a criação do Curso Pro-Técnico e celebração de
convênios, analiso a evasão nos cursos técnicos do CEFET/RJ diante da proposta de
democratização do acesso à educação profissional concebida na política educacional do
governo Cardoso. De que modo tal proposta interfere e modifica os dados relativos de
permanência nos cursos técnicos concomitantes e de evasão dos referidos cursos dessa
instituição. Nesse sentido, tenho algumas questões: na hipótese de aumento do índice de
evasão, seria esse aumento resultado de uma política controversa, ou seria resultado do
fracasso escolar? Se a evasão nos cursos técnicos do CEFET/RJ é resultado do fracasso
escolar, de quem é o fracasso? Dos alunos ou da escola? Ou, ainda, seria o fracasso resultado
da política que instituiu a reforma do ensino médio e técnico nos anos de 1990? Existe relação
entre o fenômeno da evasão e a implantação da reforma promovida pelo Decreto n
o
2.208/97,
nos cursos técnicos concomitantes? Tentarei responder algumas dessas questões nas duas
próximas sessões.
Cabe-me, aqui, ressaltar que não pretendo produzir um estudo aprofundado sobre as
questões de rendimento, repetência, evasão e fracasso escolar. Meu objetivo é analisar a
movimentação de matrícula de alunos ingressos nos anos de 1998 a 2002, nos cursos técnicos
do CEFET/RJ, baseada na hipótese de que a reforma promovida pelo Decreto n
o
2.208/97, ao
instituir cursos técnicos concomitantes ao ensino médio, de dupla matrícula, em turnos
distintos, acarretou, entre outros, o aumento do índice de evasão nos cursos técnicos devido a
228
dificuldades, por parte dos alunos, de arcar com custos com alimentação, material, etc. e de se
adaptar aos horários nos cursos concomitantes.
3.3.1.2. O acesso de alunos na implantação da reforma
O primeiro ano de implantação da reforma no CEFET/RJ, 1998, foi o ano de transição
entre o modelo dos cursos integrados e o modelo dos cursos concomitantes, não sendo,
portanto, oferecidas matrículas nos cursos técnicos.
Segundo o edital do concurso 1997/1998, das 800 vagas oferecidas, 400 foram para o
curso técnico concomitante ao ensino médio do CEFET/RJ (concomitante interno) e 400 para
o curso técnico concomitante ao ensino médio de outras instituições (concomitante externo),
devendo os alunos, em geral, no 1
o
ano da educação profissional, participar do denominado
Programa de Iniciação Tecnológica (PIT) ou “Programa de Nivelamento” e somente
enturmados nos cursos técnicos, a partir do 2
o
ano do ensino médio (Ata da 205ª sessão
Ordinária do CONSEP, aprovada em 24/10/1997).
Desse modo, os alunos aprovados no concurso para o ano letivo de 1998, bem como
aqueles que ingressaram nos anos de 1999 e 2000, fizeram a opção de curso, apenas, ao final
do então denominado Programa de Iniciação Tecnológica (PIT), iniciando o estudo no curso
técnico, de fato, no segundo ano de matrícula na escola. O curso técnico, então, passava a ter
duração de quatro períodos semestrais, conforme mostra o Quadro n
o
21.
Quadro 21 - Desenho do itinerário formativo da educação profissional no CEFET/RJ
para ingressos em 1998
1998 1999 2000
PROGRAMA DE
INICIAÇÃO
TECNOLÓGICA
(PIT)
CURSO TÉCNICO
1
o
PERÍODO
2
o
PERÍODO
1
o
PERÍODO
2
o
PERÍODO
3
o
PERÍODO
4
o
PERÍODO
E
S
T
Á
G
I
O
(720h)
Fonte: Departamento de Ensino Médio e Técnico, Centro Federal de Educação Tecnológica Celso
Suckow da Fonseca, ano 1998.
229
No Programa de Iniciação Tecnológica foram oferecidas disciplinas de Desenho Básico,
Informática, Iniciação Tecnológica, Física, Matemática e Redação. A proposta pedagógica do
PIT, por um lado, pretendia atender a nova legislação que orientava a Rede Federal de
Educação Tecnológica a complementar e suprir eventuais carências de educação geral de seus
alunos, além de oferecer conteúdos curriculares de aplicação dos conhecimentos científicos e
tecnológicos.
Eventualmente, poderá ser adotado módulo curricular básico, ou
eqüivalente, sem terminalidade e certificação profissional, com o
objetivo de proporcionar as condições para o adequado
aproveitamento dos módulos subseqüentes de uma ou mais
habilitações afins (BRASIL, MEC, Parecer n
o
17/1997 do CNE/CEB).
De outro lado, a proposta do PIT buscava adequar o currículo integrado oferecido até
1997 à organização modular imposta pela reforma do ensino médio e técnico, em outras
palavras, desintegrar os currículos.
Assim, a disciplina de Informática tinha o objetivo de familiarizar o aluno com o uso
do computador; enquanto que a finalidade das disciplinas de Matemática e Física era o de
oferecer as bases dos fundamentos científicos necessários para aplicação às diversas técnicas;
o Desenho Básico objetivava desenvolver o raciocínio espacial e a percepção visual,
utilizando instrumentos de medição e construção gráfica.
E, finalmente, os tempos de aula destinados à Iniciação Tecnológica, na realidade
concreta, tornaram-se um verdadeiro ranking entre os cursos técnicos. Como os novos alunos
não haviam optado pelo curso pretendido, durante o processo seletivo, estabeleceu-se que essa
“disciplina” seria destinada a orientá-los sobre o conteúdo programático e atribuições do
técnico no interior de cada curso oferecido pela instituição. Com isso, os alunos estariam
melhor preparados para a escolha do curso técnico pretendido, o que evitaria, também,
possíveis desistências.
A fim de que todas as turmas tivessem acesso a todos os cursos foi estabelecido um
rodízio entre turmas para que pudessem conhecer a oferta de cada curso. A idéia, que poderia
ter alcançado bons resultados, acabou gerar disputas. Na competição, seus coordenadores e
professores, buscando atrair o maior número possível de alunos para “seu curso”,
propagandeavam-no como o de melhor qualidade, o capaz de garantir bom emprego
assalariado ou, senão, fazer dos alunos profissionais autônomos com bom rendimento
financeiro, em um mundo do trabalho maravilhoso, completamente distinto do cenário fora
dos muros da escola.
230
Tal competição intercursos parecia se justificar, uma vez que a reforma previa não só a
criação de novos cursos, como, também, a extinção daqueles que não atendessem tanto às
demandas do mercado, quanto às demandas da “clientela educacional”.
Nesse cenário de transição entre um modelo e outro de ensino profissional, apesar de a
experiência não mostrar bons resultados, o PIT foi aplicado, ainda nos anos de 1999 e 2000,
sendo reduzido para um período semestral, consoante mostram os Quadros n
o
22 e n
o
23, em
que as disciplinas de Iniciação Tecnológica e Desenho Básico foram de presença obrigatória,
enquanto que as aulas de Redação, Física, Matemática e Informática tornaram-se optativas.
Quadro 22 - Desenho do itinerário formativo da educação profissional no CEFET/RJ para
ingressos no ano de 1999
1999 2000 2001
PROGRAMA DE
INICIAÇÃO
TECNOLÓGICA
(PIT)
CURSO TÉCNICO
1
o
PERÍODO
(2ºsem/1999)
1
o
PERÍODO
2
o
PERÍODO
3
o
PERÍODO
4
o
PERÍODO
E
S
T
Á
G
I
O
(720h)
Fonte: Departamento de Ensino Médio e Técnico, Centro Federal de Educação Tecnológica Celso
Suckow da Fonseca, ano 1999.
Quadro 23 -
Desenho do itinerário formativo da educação profissional no CEFET/RJ para
ingressos no ano de 2000
2000 2001 2002
PROGRAMA DE
INICIAÇÃO
TECNOLÓGICA
(PIT)
CURSO TÉCNICO
1
o
PERÍODO
(2ºsem/2000)
1
o
PERÍODO
2
o
PERÍODO
3
o
PERÍODO
4
o
PERÍODO
E
S
T
Á
G
I
O
(720h)
Fonte: Departamento de Ensino Médio e Técnico, Centro Federal de Educação Tecnológica Celso
Suckow da Fonseca, ano 2000.
231
O procedimento adotado para os estudantes matriculados no CEFET/RJ, tanto no ano
de 1999, quanto no ano de 2000, foi o mesmo dos matriculados, anteriormente, em 1998.
Primeiro, deveriam cursar o Programa de Nivelamento, oferecido em apenas um período
letivo, no segundo semestre do ano (tabelas 22 e 23) e, as atividades letivas dos cursos
técnicos só foram iniciadas depois de o aluno estar matriculado um ano na escola.
Ressalte-se que, apesar de os alunos que ingressaram nos anos de 1998, 1999 e 2000
terem sido matriculados durante um período de três anos, na realidade os cursos técnicos
tiveram duração de, apenas, dois anos.
Para além desses mecanismos da administração escolar do CEFET/RJ, no que
concerne à matrícula e enturmação dos alunos nos cursos técnicos que tinham como objetivo
adequar o espaço escolar à nova realidade, a separação entre ensino médio e ensino técnico
provocou um aumento na jornada do estudante de curso técnico concomitante, interno ou
externo, fato que posso considerar um processo de des-humanização. Com aula todos os dias
da semana, nos turnos da manhã e da tarde, a carga horária diária de um jovem que chegava, e
ainda chega, à escola às 7h da manhã e sai às 18h10, tornou-se extremamente cansativa.
Eu, mesma, pude perceber em cada rosto, o cansaço, as olheiras, o piscar de olhos de
muitos alunos que faziam esforço para permanecerem acordados em sala de aula. Os Quadros
n
o
24 e n
o
25 mostram os horários de aula a que os alunos do CEFET/RJ, após a reforma do
ensino médio e técnico, ficaram sujeitos. Quadro n
o
24 apresenta o horário para aqueles que
faziam (e ainda fazem) o curso técnico pela manhã e o ensino médio à tarde. O horário de
intervalo de duas horas, entre o turno da manhã e o turno da tarde, estabelecido em função dos
alunos que fazem a concomitância externa, corresponde ao tempo de almoço e de
deslocamento entre uma escola e outra.
232
Quadro 24 - Horário do curso técnico pela manhã concomitante com o ensino médio à tarde
Horário
Dia
da semana
2ª feira
3ª feira
4ª feira
5ª feira
6ª feira
7h
às
10h40
ENSINO TÉCNICO
INTERVALO
12h40
às
18h10
ENSINO MÉDIO
Fonte: Departamento de Ensino Médio e Técnico, Centro Federal de Educação Tecnológica Celso
Suckow da Fonseca, ano 1998.
O Quadro n
o
25 demonstra o horário dos cursos concomitantes, ensino médio pela
manhã e ensino técnico à tarde.
Quadro 25 - Horário do curso técnico à tarde concomitante com o ensino médio pela manhã
Horário
Dia
da semana
2ª feira
3ª feira
4ª feira
5ª feira
6ª feira
7h
às
12h20
ENSINO MÉDIO
INTERVALO
14h30
às
18h10
ENSINO TÉCNICO
Fonte: Departamento de Ensino Médio e Técnico, Centro Federal de Educação Tecnológica Celso
Suckow da Fonseca, ano 1998.
Ressalto que, para atender a concomitância, o horário dos professores dos cursos
técnicos foi radicalmente alterado, uma vez que o número de tempos de aula por turno foi
reduzido de seis para quatro tempos, ficando, entre um turno e outro uma “janela” de quatro
tempos por cada dia efetivo de aula.
No ano de 2000, o Departamento de Ensino Médio e Técnico e Conselho de
Professores revolvem reformular o horário dos cursos técnicos para o ano seguinte. Com tal
medida, pretendia-se não apenas reduzir a jornada de aula dos alunos, imposta pelos
233
currículos “próprios e independentes” da “educação profissional” concomitante ao ensino
médio, como, também, reduzir o índice de evasão nos cursos técnicos. Nesse sentido, a
duração dos cursos técnicos passa de quatro para seis períodos, mantida a carga horária; em
outras palavras, a duração dos cursos que era de dois anos foi distribuída em três anos.
Segundo o edital do processo seletivo 2000/2001, os cursos de educação profissional
de nível técnico passam a ter duração de seis períodos semestrais, além do estágio
supervisionado de, no mínimo, 400 horas; o Programa de Iniciação Tecnológica voltou a ser
oferecido em dois primeiros períodos, entretanto sofreu modificação. O PIT, a partir de então,
deixa de ser um “Programa de Nivelamento”, destinando-se à disciplinas básicas do curso.
Desse modo, os alunos passaram a matricular-se nos cursos técnicos logo no primeiro ano de
ingresso na instituição, posto que o referido edital retomou a opção de curso no ato da
inscrição do processo seletivo, em outras palavras, o candidato passou a optar pelo curso
desejado antes de estar matriculado no CEFET/RJ.
Com a carga horária dos cursos técnicos distribuída ao longo de três anos, conforme
mostra o Quadro n
o
26, as aulas ficaram assim organizadas: no primeiro ano (dois primeiros
períodos de curso), os alunos têm aula, apenas, dois dias na semana; no segundo ano (terceiro
e quarto períodos), as aulas acontecem em três dias; e, finalmente, no último ano o número de
dias de aula, na semana, é cinco.
Quadro 26 - Desenho do itinerário formativo da educação profissional no CEFET/RJ para
ingressos a partir de 2001
2001 2002 2003
CURSO TÉCNICO
PROGRAMA DE
INICIAÇÃO
TECNOLÓGICA
1º PERÍODO
2º PERÍODO
3º PERÍODO
4º PERÍODO
5º PERÍODO
6º PERÍODO
E
S
T
Á
G
I
O
400
a
440h
Fonte: Departamento de Ensino Médio e Técnico, Centro Federal de Educação Tecnológica Celso
Suckow da Fonseca, ano 2000.
A então proposta pedagógica do Programa de Iniciação Tecnológica de complementar
e, ou, suprir eventuais carências da educação geral de seus alunos fora completamente
abandonada. O PIT passa a ser composto de dois módulos, um em cada período semestral.
Nos dois primeiros períodos, os alunos passaram a estudar as disciplinas básicas do curso, ou,
nas palavras dos arautos da reforma, adquirem as competências e habilidades das disciplinas
234
que são transversais em todo percurso curricular. Nos módulos subseqüentes, o número de
disciplinas específicas aumenta gradativamente.
Com tais medidas, o CEFET/RJ foi se amoldando às exigências da reforma;
entretanto, a qualidade do ensino nos cursos técnicos diminuiu, ano após ano. Como abordei
na sessão que trata da reforma curricular, tanto a carga horária de aula dos cursos, quanto o
tempo de duração do estágio foram reduzidos, além do que o índice de evasão aumentou,
ainda mais a partir da reformulação curricular implantada no ano de 2001, como será visto na
próxima sessão.
Em contrapartida, o ensino médio oferecido pelo CEFET/RJ encontra-se fortalecido,
se comparado ao ensino profissional. Desde sua criação o currículo sofreu duas
reformulações. Implantado em 1988, o primeiro currículo, apesar de ser apontado pelo
Conselho de Professores como superdimensionado, teve no total geral 3.026 horas-aula, isso
é, 626 horas a mais do que o mínimo exigido em lei
246
, o que passarão para 728 horas a maior,
nos anos seguintes. O Quadro n
o
27 mostra a carga horária do ensino médio nos primeiros
anos da reforma.
Quadro 27 – Carga horária do ensino médio nos anos de 1998 e 1999
1º Ano 2º Ano 3º Ano TOTAL
Número de aulas
semanais
31 29 29 89
Carga horária 1.054 986 986 3.026
Fonte: Departamento de Ensino Médio e Técnico (DEMET), CEFET/RJ.
Em 1999, a partir da publicação das Diretrizes Curriculares para Ensino Médio, houve
nova reformulação curricular que vigorou entre os anos de 2000 e 2003, quando a carga
horária total no ensino médio passou para 3.128 horas-aula, como mostra o Quadro n
o
28.
Assim sendo, além das disciplinas básicas que preparam para o vestibular — Língua
Portuguesa, Literatura Brasileira, História, Geografia, Matemática, Física, Biologia, Química
e Língua Estrangeira (Inglês ou Espanhol) —, fazem parte do currículo disciplinas, como
246
A carga horária mínima exigida pela LDB/96 é de 2.400 horas.
235
Filosofia, Relações Humanas e Sociologia, Educação Física, Educação Artística, Uso
Eficiente de Energia e Meio Ambiente e, ainda, Higiene do Trabalho.
Quadro 28 - Carga horária do ensino médio de 2000 a 2003
1º Ano 2º Ano 3º Ano TOTAL
Número de aulas
semanais
32 30 30 92
Carga horária 1.088 1.020 1.020 3.128
Fonte: Departamento de Ensino Médio e Técnico (DEMET), CEFET/RJ.
A partir do ano de 2004, tenho havido uma redistribuição de carga horária, ocasião em
que foi retirada do currículo a disciplina Uso Eficiente de Energia, o ensino médio do
CEFET/RJ fica estruturado em termos de carga horária, conforme o Quadro n
o
29.
Quadro 29 - Carga horária do ensino médio de 2004 em diante
1º Ano 2º Ano 3º Ano TOTAL
Número de aulas
semanais
32 28 30 90
Carga horária 1.088 952 1.020 3.060
Fonte: Departamento de Ensino Médio e Técnico (DEMET), CEFET/RJ.
Poder-se-ia afirmar que do ponto de vista de sua identidade, no nível médio de ensino,
o CEFET/RJ, na realidade concreta do cotidiano escolar, a partir da reforma promovida pelo
Decreto n
o
2.208/97, é formado por duas escolas, uma de ensino técnico e outra de ensino
médio onde os professores têm se preocupado, cada vez mais, em preparar seus alunos para o
vestibular; ressalte-se que no ranking entre escolas públicas do Rio de Janeiro que
apresentaram melhores desempenhos no ENEM em 2005, o CEFET/RJ ocupou o terceiro
lugar com média 73,64. Em síntese, a dualidade da educação reflete-se na dualidade do ensino
no interior da escola.
Não desejo, aqui, fazer uma apreciação desfavorável da política institucional para o
ensino médio; trato, porém, de desvelar que a política estabelecida separou por completo o
236
trabalho coletivo dos professores, em geral. A tão propalada interdisciplinaridade, que no
processo de implantação da reforma serviu de sustentáculo ao conceito de competência,
deixou de existir entre disciplinas do ensino médio e disciplinas do ensino técnico. Nesse
último, os professores seguem oferecendo um currículo fragmentado e reduzido.
Um outro bom exemplo da dualidade escolar dentro da própria instituição é a
solenidade de formatura dos alunos do nível médio de ensino, realizada, hoje, com requinte.
Antes da reforma do ensino médio e técnico, a solenidade acontecia para os formandos dos
cursos técnicos integrados, com a participação professores tanto da formação geral, quanto da
formação específica; atualmente, a formatura é realizada estritamente para professores e
alunos do ensino médio.
Justifica-se não haver formatura nos cursos técnicos pelo fato de seus alunos, somente,
se tornarem técnicos de fato e de direito após o término do estágio, fase de conclusão do curso
em que o estudante se afasta da escola e, por esse motivo, a instituição se vê impossibilitada
de realizar a solenidade. Ressalte-se que os alunos dos cursos técnicos integrados, cuja última
turma se formou em dezembro de 2000, em sua maioria, cumpriram o estágio, exigência para
obter o diploma de técnico, somente após a solenidade da formatura.
Diante de todos esses acontecimentos, tenho outras questões: estaria ocorrendo, por
parte do CEFET/RJ, na figura de seus dirigentes e professores do ensino médio, uma
valorização social do ensino propedêutico, preparatório para o vestibular? Não estaria, assim,
o CEFET/RJ dando maior importância ao ensino médio em detrimento do ensino técnico? Por
que os professores do ensino técnico não estão sendo homenageados, por seus alunos, em
momento solene, tanto quanto os professores de ensino médio?
3.3.2. A evasão dos cursos técnicos
Desde o início de suas atividades, em 1942, a Escola Técnica Nacional, o hoje
CEFET/RJ, se firmou no cenário educacional brasileiro como uma das mais significativas
instituições de formação profissional do país.
As escolas técnico-profissionais não se limitam, como outras, a
preparar apenas a cultura pessoal e, por vezes, meramente
individualista do educando. Elas não preparam párias ou moços
elegantes para criar dificuldades de trânsito nas ruas centrais da
cidade ou disputar lugares, embora subalternos, nas repartições
237
públicas. Os técnicos que saem dali vão cooperar para a nossa
grandeza, como já estão cooperando, na Central do Brasil, em Volta
Redonda, na Fábrica Nacional de Motores e outras repartições do
governo, bem como na indústria privada. (A. Porto da Silveira, Jornal
do Brasil, 08/10/1944, apud DIAS, 1980, p.143).
Entrementes, como tenho apontado, as contradições da sociedade dual refletir-se-á no
âmbito da instituição. Nos anos de 1950 e 1960, apesar de a então Escola Técnica Nacional
(ETN) ter padrão de alta qualidade de ensino, não atraía para seus cursos alunos de classe
média, sendo necessário, portanto, investir na valorização do trabalho do técnico de nível
médio.
Posso afirmar que a campanha empreendida no governo militar de valorização da
mão-de-obra de nível médio canalizou para a Escola Técnica grande parcela da população
interessada nos cursos técnicos oferecidos pela instituição. O resultado foi que, a partir da
segunda metade dos anos de 1970, a demanda pelos cursos técnicos oferecidos pelo
CEFET/RJ cresceu vertiginosamente, chegando a 15.527 inscritos no concurso 2002/2003,
como mostrei na Tabela n
o
3.
Nesse contexto, o perfil de alunos do CEFET/RJ foi modificado, passando a ser,
maioria, os filhos da classe média. No entanto, durante a década de 1990, apesar de o ensino
técnico ser oferecido em um currículo integrado ao ensino médio, o que requeria tempo de
duração de 4 anos, o número de evadidos era de, aproximadamente, 20% dos alunos
matriculados no primeiro e terceiro anos de curso, respectivamente.
No primeiro ano, a evasão devia-se ao fato de que, além de o candidato prestar
concurso para o CEFET/RJ, pleiteava, também, vaga em outras instituições de ensino, o que
lhe permitia optar, caso aprovado, entre uma ou outra escola; ao passo que o número de
evadidos no terceiro ano do curso correspondia à parcela de alunos desinteressados pela
profissionalização. A Tabela n
o
4 apresenta os dados relativos à evasão nos últimos cursos
integrados oferecidos pela instituição, tendo os alunos se matriculado em 1997 e formados no
ano 2000.
238
Tabela 4 - Número de matrículas inicial e final e percentual de evasão nos cursos
integrados
1997 – 2000
ANO/Semestre
CURSOS
Matrícula
Inicial
Matrícula
Final
Evasão
(%)
ELTETROTÉCNICA
192 126 34,38
ELETETRÔNICA
180 120 33,33
MECÂNICA
301 165 45,18
CONSTRUÇÃO
CIVIL
265 142 46,42
METEOROLOGIA
42 27 35,71
TOTAL 980 580 40,81
Fonte: Divisão de Registros Acadêmicos (DIRAC), CEFET/RJ, ano 2006.
Para mim, a questão do acesso está associada à questão da qualidade
247
do ensino, ou,
em outras palavras, aos mecanismos criados pela escola, para que o aluno lá permaneça e
atinja seu objetivo de formação. Assim sendo, corroboravam para a permanência dos alunos,
nos cursos integrados, mecanismos internos da escola, no sentido de acompanhar seus
239
Brasil daquele ano, 11 milhões e 453 mil pessoas estavam desempregadas; no estado do Rio
de Janeiro, de cada 100 pessoas 17 estavam sem trabalho. Segundo Pochmann (2006), no
início da década de 1990 havia 3 milhões e 100 mil pessoas sem trabalho, o equivalente a
5,41% da população economicamente ativa (PEA); em 2000 esse percentual salta para
15,04% dos 76 milhões e 158 mil pessoas que formam a população economicamente ativa.
A partir da implantação da reforma promovida pelo governo Cardoso, mediada pelo
Decreto n
o
2.208/97, a desistência nos cursos técnicos do CEFET/RJ passa a crescer
progressivamente, chegando, em alguns cursos, ao índice de 87,04%.
Nos primeiros anos da reforma educacional do ensino médio e técnico, o fenômeno da
evasão nos cursos técnicos do CEFET/RJ, pouco visível aos olhos de muitos professores, logo
prendeu minha atenção; foi quando busquei mostrar às diversas instâncias da instituição que
seria necessário criar mecanismos para analisar o impacto da reforma nos cursos técnicos, o
que culminou em um debate re
240
financeiros, conteúdos programáticos e avaliação do desempenho escolar inadequados,
consolidados através de um currículo completamente distorcido da realidade concreta do
aluno. A segunda busca desvelar as implicações internas da escola, como os mecanismos de
seleção, a relação professor—aluno, as práticas pedagógicas (BOURDIEU, 1998;
BRANDÃO et al. 1983; CUNHA, 1975, PATTO, 1999).
Segundo Patto (1999, p. 114-116), a expressão do pensamento oficial brasileiro sobre
as causas da reprovação e da evasão escolar encontra-se nas edições da Revista Brasileira de
Estudos Pedagógicos (RBEP), publicação do MEC/INEP, no período 1944—1984. Diante da
crescente demanda social por escola, a explicação das diferenças de rendimento escolar entre
as classes sociais e as justificativas sobre o acesso desigual da população aos níveis de ensino
mais avançados “se movimentam nos limites do ideário liberal e invariavelmente partem da
crença de que a universalização e a diversificação do ensino promovem a igualdade de
oportunidades e são a garantia de um regime democrático” (op.cit.); isso, sem ferir o princípio
da ideologia liberal segundo o qual o mérito pessoal é critério único e legítimo do processo de
seleção educacional. É nesse sentido que surgem justificativas para o fracasso escolar
baseadas nas características biológicas, psicológicas e socioculturais dos estudantes, e no fator
pedagógico relacionado ao processo de ensino da instituição de ensino.
Cunha (1975) afirma que o papel social dos governos e autoridades escolares tem sido
o de permitir que os indivíduos desenvolvam seus talentos, em competição com os demais, ao
máximo da sua capacidade. Como o individualismo parte do pressuposto de que são os
indivíduos que escolhem voluntariamente o que lhes interessa e são capazes de realizar, “a
autoridade não limita nem tolhe os indivíduos, mas, ao contrário, permite a todos o
desenvolvimento de suas potencialidades, o único responsável pelo sucesso ou fracasso social
de cada um é o próprio indivíduo e não a organização social” (ibid., p.28-9).
Na tentativa de compreender o movimento do fenômeno da evasão no CEFET/RJ, no
tocante ao aspecto institucional, busquei em Freitas (2002), fundamentar minha análise. O
autor destaca que as políticas públicas neoliberais, colocadas em prática com a finalidade de
reduzir custos econômicos, sociais e políticos da exclusão escolar, engendraram a
auto-exclusão, fenômeno esse cuja responsabilidade da exclusão (repetência e evasão) recai
sobre o próprio excluído. O autor afirma que o processo de auto-exclusão está relacionado a
dois conceitos. O primeiro é o conceito de internalização dos custos, no sentido de que o
sistema escolar toma conhecimento dos custos econômicos da repetência e da evasão, para,
em seguida, externalizá-los por variadas formas de captação de recursos.
241
O segundo, o da exclusão branda, trata da estratégia da instituição escolar dissimular
os dados da evasão e da repetência, seja por trancamento de matrícula, seja por ciclos de
progressão continuada, de modo a reforçar as práticas de interiorização da exclusão. Enquanto
o primeiro conceito relaciona-se aos custos econômicos, o segundo refere-se aos custos
sociais e políticos.
As políticas públicas criam um processo de dissimulação desses atos de
exclusão do sistema (repetência e evasão), os quais, do ponto de vista
político e social, são convertidos em atos do próprio sujeito (aluno), em
processo de auto-exclusão a partir das opções que faz, a partir do capital
cultural anteriormente reunido em sua convivência de classe social
respectiva, a partir das expectativas de classe e do seu esforço pessoal dentro
do sistema escolar. Do ponto de vista econômico, criam um movimento
duplo de internalização/externalização em que no mínimo se ganha melhor
controle sobre os custos e no máximo os terceirizam (op. cit., 2002, p.312).
O que está em jogo nessa relação dialética entre internalização e externalização é o
investimento em educação, qual seja o custo/benefício. A atenção volta-se assim, para o
número de cursos oferecidos e o número de alunos que ingressam na escola, sem se preocupar
com a formação humana. Nesse sentido, faz-se operar uma exclusão branda, visto que do
ponto de vista econômico não é interessante para a escola um número cada vez de menor de
alunos, mas, sim, o contrário.
No âmbito do CEFET/RJ essa relação é mediada pelo principal mecanismo de
fomento da reforma do ensino médio e técnico, o Programa de Expansão da Educação
Profissional (PROEP) que visa à ampliação do número de matrículas da educação
profissional
249
. Ora, se a exigência dos órgãos governamentais é a apresentação de relatórios
de gestão, por partes das instituições de ensino, que explicitem o incremento do número de
matrículas em todos os níveis de ensino, o que vem ocorrendo na realidade concreta do
CEFET/RJ é a externalização de dados que dissimulam aqueles coletados em minha pesquisa,
registrados nas tabelas a seguir. O índice de evasão baseado na totalidade de alunos
matriculados nos cursos técnicos varia entre 41,97% e 70,29%, conforme dados da Tabela
n
o
5.
249
As 148 escolas profissionalizantes federais, estaduais e comunitárias inscritas no PROEP terão de responder,
até o dia 30/03/2007, à pesquisa de acompanhamento das escolas participantes do programa. O levantamento vai
permitir a elaboração de um recorte do desempenho frente ao projeto, revelando quantos e quais cursos técnicos,
tecnológicos e de formação inicial e continuada são ofertados, o número de matrículas preenchidas em 2006 e
informações sobre os alunos beneficiados com gratuidade nas escolas comunitárias.
Em um segundo momento, o
Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE/MEC) e a Secretaria de Educação Profissional e
Tecnológica (SETEC/MEC) utilizarão a mesma base da pesquisa para implementar um sistema de
acompanhamento anual das escolas ligadas ao PROEP. (Clipping Educacional de 12 de março de 2007).
Disponível em http://www.clippingeducacional.com.br/
. Acesso em 12/03/2007.
242
Tabela 5 – Número total de matrículas no início e final dos cursos técnicos e percentual
de evasão
Ano/semestre de
início e final dos
cursos
Total de
matrículas no
início dos cursos
Total de
matrículas no
final dos cursos
Evasão
(%)
1999/1 — 2000/2 792 458 42,17
1999/2 — 2001/1 39 20 48,71
2000/1 — 2001/2 436 253 41,97
2000/2 — 2002/1 349 164 53,00
2001/1 — 2002/2 503 238 52,68
2001/2 — 2003/1 396 140 64,64
2001/1 — 2003/2 590 255 56,77
2001/2 — 2004/1 515 153 70,29
2002/1 — 2004/2 733 352 51,91
2001/2 — 2005/1 619 187 69,78
Fonte: Divisão de Registros Acadêmicos (DIRAC), CEFET/RJ, ano 2006.
Corrobora para o modo velado de como a instituição lida com a evasão o processo de
inclusão de alunos via convênios, à medida que contribuem para elevação do percentual de
matriculados na escola.
A inclusão é um tema recorrente em tempos neoliberais, contrastando com a
crescente ampliação da exclusão social decorrente dessas próprias políticas,
observável a olho nu na sociedade contemporânea. Essa aparente
contradição revela a intenção de não se discutir “em que” ou “para que” se
inclui. A opção por construir a possibilidade de inclusão significa aceitar e
manter a sociedade que produz a exclusão, ou seja, busca-se construir
mecanismos que possibilitem aos sujeitos integrarem o tipo de sociedade
que está posta (FREITAS, p.31
4).
Do ponto de vista da responsabilidade da escola pelo ensino ministrado para todos os
alunos matriculados, percebe-se que os mecanismos de transferência de responsabilidade para
o indivíduo está na esteira das políticas neoliberais de formação de indivíduos autônomos,
sujeitos da própria aprendizagem, cabendo a ela, a escola, propiciar, apenas, oportunidades de
243
aprendizagem. Nessa esteira, seguem juntos dirigentes e professores desresponsabilizando-se
da evasão, em particular, e do impacto da reforma, em geral.
No que concerne ao aspecto relativo aos professores, Brandão (1986) ressalta que os
altos índices de reprovação e evasão relacionam-se com o tipo de formação do corpo docente,
que prepara o professor para aceitar o sistema vigente de altos índices de fracasso escolar, de
modo a naturalizar a reprovação ou evasão de 40 a 50% de seus alunos (op. cit., p. 70).
As Normas Orientadoras de Avaliação do Rendimento Escolar do CEFET/RJ revelam
como é transferida para o aluno a responsabilidade de atingir seu objetivo de formação. Como
bem se sabe, a partir de 1998, os alunos passaram a ter dupla matrícula, uma para o ensino
médio e outra para o ensino técnico, cursados em turnos distintos. Por fazerem os dois cursos
concomitantes, os alunos passaram a ser penalizados não apenas pela jornada de aula, em
tempo integral, mas, também, por não terem tempo ou horário disponível para fazer
recuperação paralela ou dependência de quaisquer disciplinas. As referidas normas não
permitem a aprovação com dependência, isso quer dizer que se um aluno ficar reprovado em
apenas uma disciplina terá que refazer todo período letivo. A reprovação direta pode ter
contribuído para o aumento da evasão, consoante apresento nas tabelas a seguir.
No caso da repetência, além de não estarem garantidas as condições para
uma aprendizagem efetiva, o aluno é penalizado com a estigmatização que
leva, a um baixo autoconceito. A repetência como variável independente,
além de ser fortemente associada ao baixo rendimento, constitui um seguro
preditor da evasão (Brandão, et al, p.86).
A Tabela n
o
6 mostra dados relativos aos alunos matriculados nos cursos técnicos no
ano de 1999. Os cursos têm duração de 4 períodos semestrais, aulas todos os dias da semana,
além de não oferecerem a possibilidade da aprovação com dependência, nem matrícula para
os repetentes no semestre seguinte
250
. Desse modo, o aluno que tenha ficado reprovado em
uma disciplina, no primeiro período de quaisquer dos cursos relacionados, somente teve
direito a matricular-se nesse 1
o
período, no início do ano 2000, ficando, assim, um semestre
sem freqüentar aula no curso técnico. Se reprovado e evadido, a responsabilidade pela
desistência do curso não é da escola, mas, sim, do aluno, pois a esse cabia querer fazer o curso
e, portanto, ficar um semestre sem ter aula, à espera do momento em que a escola pudesse lhe
oferecer tal oportunidade.
250
À exceção do Curso de Eletrônica, com ênfase em Informática, que ofereceu 39 vagas.
244
Tabela 6 - Número de matrículas inicial e final e percentual de evasão nos cursos
concomitantes, duração de 4 períodos
1999/1ºsem – 2000/2ºsem
1999/2ºsem- 2001/ºsem ANO/Semestre
CURSOS
Matrícula
Inicial
Matrícula
Final
Evasão
(%)
Matrícula
Inicial
Matrícula
Final
Evasão
(%)
ELETETROTÉCNICA
155 70 54,83
- - -
ELETETRÔNICA
166 95 42,77
- - -
ELETRÔNICA, ênfase
INFORMÁTICA
35 28 20,00 39 20 48,71
MECÂNICA
143 66 53,84
- - -
CONSTRUÇÃO CIVIL
212 148 30,18
- - -
METEOROLOGIA
36 25 30,55
- - -
TELECOMUNICAÇÕES
45 26 42,22
- - -
TOTAL 792 458 42,17 39 20 48,71
Fonte: Divisão de Registros Acadêmicos (DIRAC), CEFET/RJ, ano 2006.
A partir do ano 2000, os cursos passam a ser oferecidos semestralmente, possibilitando
assim, no caso de reprovação, o aluno matricular-se no semestre seguinte ao da reprovação.
Comparando-se os dados da Tabela n
o
6 com os da Tabela n
o
7, observa-se que, apenas os
cursos de Eletrotécnica e Eletrônica, com ênfase em Informática, tiveram os índices de evasão
aumentados; nos outros cursos, ocorre uma pequena variação, levando à um pequeno
decréscimo do número de evadidos, o que demonstra que a reprovação não é aceita pela
maioria dos estudantes dos cursos técnicos por dois motivos: primeiro, porque se o aluno fica
reprovado no curso técnico, ocorre uma distorção entre os tempos de formação do ensino
médio e ensino técnico, e fatalmente, ele irá terminar o ensino médio antes do técnico;
segundo, porque os alunos do CEFET/RJ, majoritariamente, não apresentam distorção
série/idade, indicando que, em sua trajetória escolar, nunca foram reprovados.
A partir de diálogo compartilhado com alunos, percebi que, aceitar o fato de uma nota
baixa em qualquer disciplina e, pior ainda, a reprovação, é para o aluno do CEFET/RJ tarefa
nada fácil. A maioria afirma ter sido sempre excelente aluno, antes de entrar no CEFET/RJ, e
nunca ter obtido baixo rendimento escolar.
245
Tabela 7 - Número de matrículas inicial e final e percentual de evasão nos cursos
concomitantes, duração de 4 períodos
2000/1ºsem – 2001/2ºsem
2000/2ºsem- 2002/1ºsem ANO/Semestre
CURSOS
Matrícula
Inicial
Matrícula
Final
Evasão
(%)
Matrícula
Inicial
Matrícula
Final
Evasão
(%)
ELETETROTÉCNICA
100 31
246
A Tabela n
o
8 expressa os dados referentes ao último ano em que o CEFET/RJ
ofereceu cursos técnicos com duração de dois anos (4 períodos), e aula todos os dias na
semana. Observa-se que o índice de evasão, na média, veio aumentando, a cada ano.
Para os cursos que apresentam maior índice de evasão, a justificativa de muitos dos
alunos está para além da decepção com o curso escolhido: enfatizam as dificuldades de
relacionamento com os professores, posto que muito deles tratam os estudantes como
adultos, afirmando que aluno de curso técnico deve “ser tratado na pressão”.
Tabela 9 - Número de matrículas inicial e final e percentual de evasão nos cursos
concomitantes, duração de 6 períodos
2001/1ºsem – 2003/2ºsem
2001/2ºsem- 2004/1ºsem ANO/Semestre
CURSOS
Matrícula
Inicial
Matrícula
Final
Evasão
(%)
Matrícula
Inicial
Matrícula
Final
Evasão
(%)
ELETETROTÉCNICA
80 26 67,5 99 29 70,70
ELETETRÔNICA
77 44 42,86 79 23 70,88
INFORMÁTICA
68 31 54,41 75 22 70,66
MECÂNICA
134 50 62,69 91 22 75,82
EDIFICAÇÕES
107 47 56,07 81 28 65,43
ESTRADAS
31 7 77,42 22 4 81,81
METEOROLOGIA
38 16 57,90 - - -
TELECOMUNICAÇÕES
- - - 41 12 70,73
SEGURANÇA DO
TRABALHO
32 21 34,38 27 13 51,85
AUTOMOBILÍSTICA
23 13 43,48 - - -
TOTAL 590 255 56,77 515 153 70,29
Fonte: Divisão de Registros Acadêmicos (DIRAC), CEFET/RJ, ano 2006.
As Tabelas n
o
9 e n
o
10 mostram dados referentes aos cursos oferecidos em 6 períodos.
Os resultados demonstram que a medida adotada no sentido de diminuir o índice de evasão,
diluindo a carga horária dos cursos em três anos, é frustrada, visto que houve aumento da
evasão, como bem mostram os gráficos a seguir. Interessante notar que os cursos que tiveram
suas atividades letivas iniciadas no 2
o
semestre do ano apresentam índice de evasão maior do
que aqueles que iniciaram as atividades no 1
o
semestre do ano. Isso se deve, em parte, ao fato
de o alunado terminar o ensino técnico, um semestre depois do 3
o
ano do ensino médio.
247
Tabela 10 - Número de matrículas inicial e final e percentual de evasão nos cursos
concomitantes, duração de 6 períodos
2002/1ºsem – 2004/2ºsem
2002/2ºsem- 2005/1ºsem ANO/Semestre
CURSOS
Matrícula
Inicial
Matrícula
Final
Evasão
(%)
Matrícula
Inicial
Matrícula
Final
Evasão
(%)
ELETETROTÉCNICA
102 30 70,58 85 17 80,00
ELETETRÔNICA
89 43 51,69 80 25 68,75
INFORMÁTICA
95 25 73,68 87 24 72,41
MECÂNICA
126 55 56,35 93 13 86,02
EDIFICAÇÕES
90 39 56,66 85 31 63,53
ESTRADAS
- - - 31 4 87,04
METEOROLOGIA
38 11 71,05 - - -
TELECOMUNICAÇÕES
45 25 44,44 40 11 72,50
SEGURANÇA DO
TRABALHO
76 43 43,42 42 23 45,24
AUTOMOBILÍSTICA
33 15 54,55 36 9 75,00
TURISMO E
ENTRETENIMENTO
39 23 41,2 - - -
ADMINISTRAÇÃO
- - - 40 30 25,00
TOTAL 733 352 51,91 619 187 69,78
Fonte: Divisão de Registros Acadêmicos (DIRAC), CEFET/RJ, ano 2006.
A seguir, apresento os gráficos da evasão dos cursos técnicos do CEFET/RJ,
elaborados a partir dos dados registrados nas Tabelas de n
o
6 a 10, o que permite visualizar
melhor a elevação do índice de evasão em cada curso, bem como comparar os dados de
evasão em função da duração do curso, se de 4 períodos, se de 6 períodos.
248
Gráfico 1 - Evasão do Curso Técnico de Eletrotécnica com duração de 4 períodos
Curso de Eletrotécnica (4 períodos)
5
4
,
8
3
%
6
9
,
0
0
%
6
8
,
7
5
%
7
0
,
6
5
%
7
5
,
4
9
%
0%
50%
100%
1999/ 2000/ 2000/ 2001/ 2001/
Ano/Semestre
Evasão
Gráfico 2 - Evasão do Curso Técnico de Eletrotécnica com duração de 6 períodos
Curso de Eletrotécnica (6 Períodos)
7
0
,
7
0
%
7
0
,
5
8
%
8
0
,
0
0
%
6
7
,
5
0
%
0%
20%
40%
60%
80%
100%
2001/ 2001/ 2002/ 2002/
Ano/Semestre
Evasão
Gráfico 3 - Evasão do Curso Técnico de Eletrônica com duração de 4 períodos
Curso de Eletnica (4 peodos)
4
2
,
7
7
%
3
4
,
1
1
%
3
3
,
6
9
%
4
4
,
4
4
%
6
6
,
6
6
%
0%
20%
40%
60%
80%
100%
1999/ 2000/ 2000/ 2001/ 2001/
Ano/Semestre
Evasão
249
Gráfico 4 - Evasão do Curso Técnico de Eletrônica com duração de 6 períodos
Curso de Eletrônica (6 períodos)
4
2
,
8
6
%
7
0
,
8
8
%
5
1
,
6
9
%
6
8
,
7
5
%
0%
20%
40%
60%
80%
100%
2001/ 2001/ 2002/ 2002/
Ano/Semestre
Evasão
Gráfico 5 - Evasão do Curso Técnico de Eletrônica, ênfase em Informática,
com duração de 4 períodos
Curso de Eletnica ênfase Informática
(4 períodos)
20,00%
48,71%
27,27%
52,38%
0,00%
20,00%
40,00%
60,00%
1999/ 1999/ 2000/ 2000/
Ano/Semestre
Evasão
Gráfico 6 - Evasão do Curso Técnico de Informática com duração de 6 períodos
Curso de Informática (6 períodos)
5
4
,
4
1
%
7
0
,
6
6
%
7
3
,
6
8
%
7
2
,
4
1
%
0%
50%
100%
2001/ 2001/ 2002/ 2002/
Ano/Semestre
Evasão
250
Gráfico 7 - Evasão do Curso Técnico de Mecânica com duração de 4 períodos
Curso de Mecânica (4 peodos)
53,84%
42,00%
59,09%
64,77%
74,29%
0%
20%
40%
60%
80%
100%
1999/ 2000/ 2000/ 2001/ 2001/
Ano/Semestre
Evasão
Gráfico 8 - Evasão do Curso Técnico de Mecânica com duração de 6 períodos
Curso de Mecânica (6 períodos)
6
2
,
6
9
%
7
5
,
8
2
%
5
6
,
3
5
%
8
6
,
0
2
%
0%
20%
40%
60%
80%
100%
2001/ 2001/ 2002/ 2002/
Ano/Semestre
Evasão
Gráfico 9 - Evasão do Curso Técnico de Construção Civil com duração de 4 períodos
Curso de Construção Civil (4 períodos)
3
0
,
1
8
%
2
5
,
9
8
%
5
3
,
3
3
%
4
6
,
1
5
%
5
8
,
6
2
%
0%
50%
100%
1999/ 2000/ 2000/ 2001/ 2001/
Ano/Semestre
Evasão
251
Gráfico 10 - Evasão do Curso Técnico de Edificações com duração de 6 períodos
Curso de Edificações (6 períodos)
5
6
,
0
7
%
6
5
,
4
3
%
5
6
,
6
6
%
6
3
,
5
3
%
0%
20%
40%
60%
80%
100%
2001/ 2001/ 2002/ 2002/
Ano/Semestre
Evao
Gráfico 11 - Evasão do Curso Técnico de Estradas com duração de 6 períodos
Curso de Estradas (6 períodos)
7
7
,
4
2
%
8
1
,
8
1
%
8
7
,
0
4
%
0%
50%
100%
2001/1º 2001/2º 2002/
Ano/Semestre
Evasão
Gráfico 12 - Evasão do Curso Técnico de Meteorologia com duração de 4 períodos
Curso de Meteorologia (4 períodos)
3
0
,
5
5
%
5
3
,
6
5
%
5
0
,
0
0
%
0%
50%
100%
1999/ 2000/ 2001/
Ano/Semestre
Evasão
252
Gráfico 13 - Evasão do Curso Técnico de Meteorologia com duração de 6 períodos
Curso de Meteorologia (6 períodos)
5
7
,
9
0
%
7
1
,
0
5
%
0%
20%
40%
60%
80%
100%
2001/ 2002/
Ano/Semestre
Evasão
Gráfico 14 - Evasão do Curso Técnico de Telecomunicações, duração de 4 períodos
Curso de Telecomunicações (4 peodos)
4
2
,
2
2
%
2
5
,
6
4
%
2
0
,
0
0
%
7
1
,
0
5
%
0%
50%
100%
1999/ 2000/ 2001/ 2001/
Ano/Semestre
Evasão
Gráfico 15 - Evasão do Curso Técnico de Telecomunicações, duração de 6 períodos
Curso de Telecomunicações (6 peodos)
7
0
,
7
3
%
4
4
,
4
4
%
7
2
,
5
0
%
0%
20%
40%
60%
80%
100%
2001/ 2002/ 2002/
Ano/Semestre
Evasão
253
Gráfico 16 - Evasão do Curso Técnico de Segurança do Trabalho com duração de 4
períodos
Curso de Segurança do Trabalho (4 Períodos)
4
3
,
1
8
%
4
3
,
1
8
%
0%
50%
100%
2001/1º 2001/2º
Ano/Semestre
Evasão
Gráfico 17 - Evasão do Curso Técnico de Segurança do Trabalho com duração de 6
períodos
Curso de Se
g
urança do Trabalho (6 períodos)
34,38%
51,85%
43,42%
45,24%
0%
20%
40%
60%
80%
100%
2001/sem 2001/sem 2002/sem 2002/sem
Ano/Semestre
Evasão
Gráfico 18 - Evasão do Curso Técnico de Automobilística com duração de 6 períodos
Curso de Automobilística (6 períodos)
4
3
,
4
8
%
5
4
,
5
5
%
7
5
,
0
0
%
0%
20%
40%
60%
80%
100%
2001/ 2002/ 2002/
Ano/Semestre
Evao
254
Depois de decorridos oito longos anos do início do processo de implantação da
reforma do ensino médio e técnico no CEFET/RJ, os dirigentes da instituição, como um todo,
vêem de modo natural o elevado número de vagas ociosas em todos os cursos, períodos e
salas de aula. Parece que esses dirigentes desconhecem a realidade brasileira, em que,
aproximadamente, 60% da população jovem não tem assento nos bancos escolares; não levam
em conta que as vagas ociosas, em decorrência do alto índice de evasão, poderiam ser
ocupadas por muitos jovens, filhos da classe trabalhadora, que se não fazem parte da
estatística, com certeza, passaram pelo meritocrático processo seletivo para ingresso na
instituição e foram excluídos.
Segundo dados do IBGE, em 1996, a população na faixa etária de 15 a 24anos de
idade era de 31 milhões, 88 mil e 484 jovens. Nos dias que correm esse número aproxima-se
dos 36 milhões, enquanto os dados estatísticos do censo escolar de 2004 relativos à educação
básica
251
indicam que o número de matrículas no ensino médio em todo o país é de, apenas,
9 milhões, 169 mil e 357 jovens, sendo que 6 milhões, 891 mil e 577 estão na faixa etária
entre 15 e 19 anos de idade.
Em relação ao número de matriculados na educação profissional, os dados são
reveladores: apenas 676 mil e 93 jovens estão matriculados nessa modalidade de educação,
sendo que, na faixa etária entre 15 a 19 anos, o número de matriculados é de 235 mil e 807, e
destes, são 82.293 na rede federal.
Diante de todos esses dados fica claro que, embora não se desconheça o fato de a
política governamental vir contribuindo para o aumento de matrículas no ensino médio e
técnico, suas ações têm pouco alcance para garantir processos de escolarização com efetiva
qualidade e, por conseguinte, o acesso e permanência de jovens nesse nível médio de ensino.
Na adoção de medidas, tanto do ponto de vista da política governamental, quanto do
ponto de vista da política institucional, na oferta de cursos da educação profissional técnica
concomitante ao ensino médio, a democratização do acesso como pretendia, e ainda pretende,
o discurso governamental não se efetivou. A preocupação da política governamental tem sido
com a quantidade, isso é, com o aumento do número de matrículas e de cursos, trazendo para
o interior da escola a precariedade da qualidade do ensino ministrado e, por conseqüência, a
inadequação de políticas educativas para resolver os problemas da repetência e da evasão
251
http://www.inep.gov.br/download/essatisticas/sinopse_essatistica_2004/Parte-1.pdf
255
escolar. Em outras palavras, a tão propalada democratização de oportunidade não é
acompanhada pela democratização do ensino, visto que, depois do acesso às escolas, não
existe garantia de permanência dos alunos nos cursos técnicos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Meu trabalho de dissertação se desenvolveu no sentido de buscar o que está por detrás
das reformas de educação profissional empreendidas no Brasil, desvelando a concepção de
educação tecnológica norteadora da política educacional dos anos de 1990, que, por meio do
Decreto n
o
2.208/97, promoveu a reforma do ensino médio e técnico, no governo de Fernando
Henrique Cardoso. Como assinalei na introdução, a opção metodológica pelo materialismo
histórico me permitiu captar as contradições do desenvolvimento histórico do processo de
formulação das políticas do ensino profissional no país e suas mediações nas relações entre
capital e trabalho, trabalho e educação, ou em outras palavras, como e por que se articularam
as políticas de formação da força de trabalho, no processo de desenvolvimento econômico e
social na realidade concreta da sociedade brasileira.
No detour empreendido, constatei que na luta histórica travada entre capital e trabalho,
a educação — entendida, por mim, como processo na perspectiva da luta emancipadora, e, tal
como o trabalho, deve ser atividade humana auto-realizadora, prática sociopolítica definida no
seio das relações sociais — responde predominantemente aos interesses imediatos do capital,
reduzindo-se, fundamentalmente, à formação da força de trabalho como capital humano.
Nessa dimensão, a educação deixa de ser processo, sendo reduzida a doses homeopáticas de
qualificação e requalificação, vistas como geradoras de maior produtividade, que, por sua vez,
eleva o crescimento econômico do país, pretendido por um Estado em busca da modernização
e da competitividade.
Expus, no primeiro capítulo, que no período desenvolvimentista, na arena política do
Estado, dois projetos de sociedade disputaram o poder: um, de intervenção
desenvolvimentista/nacionalista e, outro, de intervenção desenvolvimentista/liberalizante
associado e dependente do capital estrangeiro. Todavia, no segundo capítulo, destaquei que
tanto um projeto, quanto o outro valorizavam o papel a ser cumprido pela educação na
formação da força de trabalho, como base de sustentação do desenvolvimento econômico. Foi
257
assim que, na Era Vargas, se organizou a sociedade “pelo alto” tanto forjando o processo de
industrialização, quanto promovendo mudanças sociais de modo a acompanhar a formação e o
crescimento do capitalismo. Nesse cenário, foram empreendidas as Reformas Francisco
Campos e Capanema, esta última promovida pelo Estado Novo que assumira junto ao
empresariado o papel de provedor da industrialização no Brasil. Nesse sentido, foram
aplicadas duas medidas estratégicas, garantidoras da formação de operários. A primeira foi a
criação das escolas técnicas nacionais, reproduzindo em seu interior o ambiente fabril. A
segunda foi a criação do SENAI que procurava deslocar a escola profissional para dentro do
ambiente fabril. A Reforma Capanema pode ser tomada como expressão do corporativismo
estatal que concedeu liberdade de ação aos empresários, em geral, e ao empresariado
industrial, em particular, na formulação de políticas para a (con)formação da força de
trabalho.
No primeiro capítulo, constatei que a industrialização do país, iniciada nos anos de
1930, torna-se acelerada a partir da segunda metade da década de 1950, em um contexto de
entrada de capital e empresas estrangeiras; já no segundo capítulo, ressalto que a área
educacional se orienta por recomendações de organismos internacionais, tendo como
paradigma principal os Estados Unidos, passando, então, a atrelar o desenvolvimento
econômico do país à educação. Desse modo, o governo Juscelino Kubitschek pressionado
pela necessidade de o capital elevar o patamar de escolaridade da classe trabalhadora, sob a
intervenção da CBAI, em 1959, reformula o ensino industrial, reconhecendo as escolas de
ensino industrial, vinculadas ao MEC, como instituições que deveriam oferecer base de
cultura geral articulada à base de cultura técnica, possibilitando, assim, a estudantes das
escolas técnicas nacionais prestar vestibulares e prosseguir seus estudos no ensino superior, o
que foi consolidado pela LDB de 1961.
Em face das recomendações de organismos internacionais; ao desenvolvimento das
forças produtivas; à expansão industrial no país; e, ainda, à necessidade de o parque industrial
se adaptar às novas tecnologias, a política de formação profissional torna-se, cada vez mais,
mediação no sentido de prover o Estado de mão-de-obra especializada. Por conseguinte, para
que o desenvolvimento econômico do país se tornasse realidade, o Estado provedor da
industrialização estimulou a formação de mão-de-obra para a indústria, buscando incrementar
a matrícula nas escolas técnicas da rede pública e privada e, ainda, no SENAI, instituindo no
governo de João Goulart o Programa Intensivo de Preparação da Mão-de-Obra Industrial
(PIPMOI).
258
É nesse cenário que se gesta a concepção de educação tecnológica, desenvolvida
historicamente nos anos de 1970 e 1980, cujo ideário amadurecido, no final da década de
1990, promoveu a reforma do ensino profissional de nível médio.
Revelei, no segundo capítulo, que a Recomendação Internacional sobre Ensino
Técnico e Profissional elaborada pela UNESCO, em 1962, propunha a educação para a vida
em uma era tecnológica, estabelecendo que os planos de ensino técnico e profissional
destinados a formar pessoal para as áreas da indústria, agricultura, comércio e serviços afins,
além de levaram em conta a rápida evolução da tecnologia deveriam elevar o patamar de
escolarização, ampliando a formação técnica e profissional. Ressaltei que a referida
Recomendação já propunha, à época, que os sistemas de ensino estabelecessem três níveis de
ensino na formação profissional: “ensino para a formação de trabalhadores qualificados”,
“ensino para a formação de técnicos” e “engenheiro e quadros superiores”, além de
estabelecer uma relação entre educação e desenvolvimento tecnológico, associada aos três
setores da economia.
Entretanto, foi no terceiro capítulo, quando busquei analisar o conceito de educação
tecnológica e o porquê de expressões como educação técnica e formação
técnico-profissional terem caído em desuso, que apontei a Recomendação da Unesco de 1962,
como marco do consenso formado em torno da política de educação que passa a orientar e
estimular a criação de cursos de curta duração, alocados no ensino superior, com o objetivo de
atender às rápidas mudanças do setor produtivo.
A partir, de então, a política de formação profissional passa a vincular o termo
“tecnológica” à educação, no sentido prover o Estado de mão-de-obra especializada para a
indústria, instituindo cursos de engenharia de operação, destinados à formação
profissional-tecnológica de engenheiros práticos, distintos de engenheiros de maior
formação, a profissional científica.
A expressão formação profissional-tecnológica ganhou fluência no âmbito MEC,
sendo relacionada não apenas ao desenvolvimento das forças produtivas, mas, também, a
cursos enquadrados no ensino superior de cunho diferenciado dos cursos técnicos de nível
médio tidos, até então, como de formação técnico-profissional.
Por conseguinte, a formação tecnológica seria mais abrangente do que a formação
técnico-profissional, e, apesar de propor cursos de formação aligeirada, torna-se associada a
um nível maior de conhecimento, envolvendo questões não apenas relacionadas ao
259
desenvolvimento de novas tecnologias, mas, também, voltadas para as necessidades do
mercado de trabalho, em geral, e da indústria, em particular.
Em outras palavras, os cursos tecnológicos deveriam estar voltados para as questões
práticas e imediatas do setor produtivo, enquanto os cursos de maior duração, de caráter
científico e de sólida formação, voltar-se-iam para a criatividade, projetos e pesquisa.
Esse ideário encontra boa acolhida pelo grupo de trabalho, membros da equipe
MEC—USAID, que atuava no âmbito do DAU/MEC na reforma universitária do governo
militar, em um contexto em que a distinção entre cursos oferecidos no nível superior se
consolidava, propiciando a expansão dos cursos de tecnólogos na rede privada de ensino, com
a finalidade não apenas de atender os três setores da economia, mas, sobretudo, de conter a
entrada da classe trabalhadora no ensino superior de qualidade.
Dando continuidade à política associada e dependente de organismos internacionais,
as escolas técnicas foram apontadas como habitat natural de funcionamento dos cursos de
engenheiros tecnológicos, pelo referido grupo de trabalho e, tornadas diferenciadas de outras
instituições de ensino, não só, por oferecer no ensino de 2
o
grau a formação profissional
integrada à formação de cultural geral, como, também, por ofertar cursos de nível superior
para área da indústria, devendo, portanto, serem dotadas de identidade própria,
diferenciando-se das universidades.
Com as escolas técnicas diferenciadas de outras instituições de ensino, inicia-se o
processo de cefetização dessas escolas como um modelo de formação de profissionais
tecnólogos (em cursos de curta duração) e engenheiros industriais (em cursos com igual
duração dos cursos convencionais de engenharia). A partir da criação dos Centros Federais de
Educação Tecnológica — Rio de Janeiro, Minas Gerais e Paraná, em 1978 —, a concepção de
educação tecnológica, já desenvolvida, passa a estabelecer a política diretriz de ações do MEC
para tais instituições: prover cursos de curta duração em diferentes modalidades, de modo
atender a diversificada tecnologia industrial de que tanto o Brasil necessitava para seu
desenvolvimento econômico e tecnológico.
Na década de 1980, período de redemocratização do país, o governo Sarney, trazendo
resquícios do tecnicismo-produtivista do governo militar, buscou consolidar o modelo CEFET
tido como “válido e eficaz”, criando o Programa de Expansão e Melhoria do Ensino Técnico
(PROTEC).
260
Nesse contexto, outras escolas técnicas reivindicavam a sua transformação em
CEFETs, enquanto outras pleiteavam o direito de ministrarem cursos de nível superior.
Lograram êxito, todavia, as Escolas Técnicas do Maranhão e Bahia, transformadas em
CEFETs, respectivamente, em 1989 e 1993. As demais foram transformadas em bloco, na
década de 1990, culminando na criação do Sistema Nacional de Educação Tecnológica. O
modelo CEFET agora, constituído em uma rede de instituições elevadas ao status de nível
superior, vinculadas ao Sistema Nacional de Educação Tecnológica, deve ser visto como um
sistema paralelo alternativo do sistema tradicional (ou regular de ensino), que necessita de
uma política pública própria, considerando suas peculiaridades e os anseios nacionais de
desenvolvimento científico, tecnológico, econômico e social do país" (BRASIL/MEC).
Estaria assim consolidada não apenas a estrutura para a reforma da educação
promovida pelo governo Cardoso (1995—2002), como, também, a concepção de educação
tecnológica, cujo caráter é contraditório, porquanto é abrangente no sentido de formar
profissionais em todos os níveis de ensino direcionados ao mercado de trabalho dos três
setores da economia, e, restrita, no sentido de caracterizar-se como um segmento de educação
paralelo alternativo ao sistema da educação geral.
Ainda no terceiro capítulo, dest
261
maquinaria, o modo de produção capitalista separa, cada vez mais, ciência e técnica, trabalho
manual e trabalho intelectual, trabalho material e trabalho imaterial, e ainda, sob essas
condições, trabalho e trabalhador são subsumidos às leis imanentes do capital — acumulação,
concentração e centralização. Nesse sentido, afirmei que a concepção de educação
tecnológica, em curso desde os anos de 1960-70, teria a propriedade de promover a separação
entre trabalhador e conhecimento, trabalhador e ciência.
A acepção fundamental dessa concepção de educação tecnológica, cuja proposta é
inserir a população, por meio de vários itinerários formativos, na “Era do Mercado”,
encontra-se na visão neoliberal de mundo voltada para modernização sustentada pelo binômio
da competitividade: qualidade e produtividade.
No que mais me interessa destacar, assinalei que a reforma do ensino médio e técnico,
mediada pelo Decreto n
o
2.208/97, manifestou tal concepção de educação na Resolução
n
o
04/99, que instituiu as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Profissional de
Nível Técnico, analisadas e apreciadas pelo Parecer n
o
16/99.
A análise documental que empreendi me permite afirmar que o arsenal
político-ideológico e teórico, produzido historicamente, norteador da reforma neoliberal da
educação, reedita o tecnicismo-produtivista do governo militar, transvestindo a teoria do
capital humano.
Nesse sentido, o Estado em busca da modernização, mediado pelo MEC, enfatizou a
política de “formação e valorização do trabalhador” como estratégia de competitividade,
qualidade e produtividade para os três setores da economia. A concepção de educação
tecnológica, fundamentada em uma perspectiva economicista, revestiu o “capital humano”
com uma roupagem — “humanista e humanizadora” —, trazendo preocupações marcantes
com a valorização das competências, autonomia, participação, flexibilização do trabalhador
devidamente (con)formado.
Por detrás dessa “formação e valorização do trabalhador” está o individualismo
leoninino da ideologia neoliberal, em que o Estado brasileiro, na busca pela retomada do
crescimento econômico, transfere para a individualidade de jovens e trabalhadores a
responsabilidade de adquirir competências e habilidades, ter iniciativa própria e capacidade de
resolver problemas, ter criatividade, autonomia e espírito empreendedor, a fim de se inserirem
na empregabilidade, em um contexto de precarização do trabalho.
No que refere à concepção de educação tecnológica na ótica dos professores, pretendia
captar-lhes a percepção da reforma promovida pelo Decreto n
o
2.208/97; todavia o material
262
para análise reduziu-se, apenas, a documentos produzidos a partir do ciclo de debates
promovido, em 1995, no CEFET/RJ.
Extraí, desse material, a visão dos professores acerca da instituição, como locus de
formação das elites tecnológicas, devendo, portanto, busca[r] constante[mente] um ensino
tecnológico de excelência. Entretanto, percebi que rejeitavam, por completo, a visão de
escola, como “processadora de produtos para um mercado exigente”, o quem bem expressa as
seguintes palavras:
O que se deseja é um profissional de alta capacitação tecnológica e cultural,
ousado, versátil, com espírito crítico, personalidade e iniciativa e não uma
pessoa omissa que será explorada, manipulada e engolida pelo mercado de
trabalho; (...) o crescimento do ensino está relacionado com uma visão
integrada e sistêmica das disciplinas, visando uma continuidade do
aprendizado tecnológico, sem perder de vista a capacitação científica, social
e política, que determina a formação do cidadão; os currículos e a
programação das disciplinas de núcleo comum devem ser reformulados a
fim de servir de instrumental para as disciplinas técnicas.
No entanto, durante o processo de implantação da reforma, transcorrido entre os anos
de 1998 e 2001, como também, nos anos subseqüentes e até os dias que correm, percebi o
comportamento do professorado do CEFET/RJ, diante do modo autocrático e violento da
reforma promovida pelo Decreto n
o
2.208/97, em um movimento oscilatório entre a negação e
o consentimento do processo de implantação e implementação da reforma do ensino médio e
técnico.
Negação, porque o docente contesta a ordem estabelecida, porquanto não enxerga a
escola como lugar de se reproduzir o discurso dominante e de se “preparar gorilas
amestrados”, como ficou registrado, em 1995, no ciclo de debates Qualidade na educação;
nega porque, ao se auto-alienar, nem se reconhece no que faz, nem se sente bem negando a si
mesmo e, por negar, não se realiza no trabalho; consente porque se caracteriza por uma
consciência de acomodação à ordem social, porque enquanto indivíduo pensa em seu trabalho
como meio de garantir sua subsistência.
Poder-se-ia afirmar que tal comportamento é manifestação da contradição entre
indivíduo (professor) e instituição (CEFET/RJ), uma vez que de um lado, a instituição é
formada a partir da consciência de indivíduos políticos que engendram suas próprias relações
sociais e, portanto, relações de poder, sob a forma de escolha de seus representantes
(coordenadores, conselheiros, diretores) e de um conjunto de normas, regulamentos,
263
regimento e até mesmo de seu estatuto; de outro, para o indivíduo (professor), a instituição
(CEFET/RJ) torna-se invisível, em vista de seus dirigentes transferirem toda a
responsabilidade das ações acadêmicas para o docente (indivíduo), oferecendo-lhe, apenas,
algumas condições de trabalho.
Desse modo, quando surge a reforma do ensino, em sua concretude, ou mesmo depois
de decorridos alguns anos de sua implantação, aquele lugar para o indivíduo (professor) não é
visto como locus de relações sociais, de luta, de embate de forças, mas, apenas, um mundo
invisível.
No que se refere à reforma curricular, expus no primeiro capítulo que o governo FHC
consolidou a associação dependente do Brasil ao capital mundial por meio de diretrizes
sociais, políticas, econômicas e culturais, incluindo, assim, o país na excludente divisão
internacional do trabalho, em uma fase do capitalismo em que o conhecimento
científico-tecnológico não é tido apenas como ponto de superação da atual crise de
acumulação, mas, também, adquire a dimensão política de reserva estratégica da soberania
nacional. A partir da reestruturação produtiva, o aparato científico e tecnológico ajustado ao
modelo desenvolvimentista de substituição de importações fora desmontado, criando-se, a
partir de então, o Programa de Apoio Científico e Tecnológico da Indústria (PACTI) e o
Programa Brasileiro de Qualidade e Produtividade (PBQP) vinculados ao Ministério de
Ciência e Tecnologia e ao Ministério da Economia, respectivamente, com a finalidade de
traçar as diretrizes da política científica e tecnológica segundo os preceitos neoliberais. Tais
iniciativas tornaram-se sustentáculo da política de educação, refletindo-se de modo mediato e
imediato na reformulação curricular dos cursos técnicos da Rede Federal de Educação
Tecnologia, em geral.
Associada e dependente do capital financeiro, a política governamental de Fernando
Henrique Cardoso lançou mão do caráter circular da teoria do capital humano — a evolução
da tecnologia força a elevação do patamar de escolaridade que, por sua vez, obriga a
ampliação da formação profissional, compelindo, assim, o desenvolvimento econômico, que
investirá em ciência e tecnologia, exigindo elevação do patamar de escolaridade... — e, sob o
discurso de investir em infra-estrutura, promoveu a reforma curricular do ensino médio e
técnico. Separando o ensino médio do ensino técnico, obrigou escolas técnicas e CEFETs a
ampliar o número de matrículas, por meio da implantação de cursos cuja a finalidade é
(con)formar trabalhadores para atuar no mercado de trabalho de um país desindustrializado e
desnacionalizado. Neste sentido, posso afirmar que os processos de desindustrialização e
264
desnacionalização promovidos pelo governo FHC, influenciaram sobremodo a reforma
curricular dos cursos técnicos.
No CEFET/RJ, em particular, posso afirmar que a formação profissional aligeirada,
devido à redução de carga horária dos cursos ministrados, à pouca quantidade de aulas
práticas, à insuficiente articulação entre teoria e prática, à redução da ênfase em conteúdos
específicos, entre outros aspectos, revela que a reforma da educação profissional implantada é
de base tecnicista e instrumental.
Para além dos currículos fragmentados, de carga horária restrita, da separação entre
ensino técnico e médio, que acabou por reduzir a qualidade do ensino, o resultado da política
governamental se traduziu, também, na superelevação dos índices de evasão nos cursos
técnicos do CEFET/RJ. Como bem mostrei, no terceiro capítulo, o percentual de evasão, visto
a partir do número total de alunos matriculados nos cursos técnicos, varia entre 41,97% e
70,29%; entretanto, se entrarmos nas especificidades dos cursos, o percentual chega a
87, 04%.
O caráter contraditório das relações sociais da sociedade capitalista acaba por se
refletir no interior do CEFET/RJ. Enquanto o letreiro na fachada da escola exibe-a como
instituição de excelência em educação tecnológica, em seu interior a prática escolar, orientada
pela concepção de educação tecnológica da reforma do governo Cardoso, tornava o
CEFET/RJ uma instituição desqualificada.
À medida que o CEFET/RJ se torna desqualificado, improdutivo, para a classe
trabalhadora, torna-se produtivo para o capital, “ou seja, sua improdutividade, dentro das
relações capitalistas de produção, torna-se produtiva”(FRIGOTTO, 2001, p. 224), ou em
outras palavras, ao limitar o acesso ao conhecimento produzido historicamente à classe
trabalhadora, não apenas por meio de uma formação aligeirada, de conteúdos fragmentados,
mas, também, pelo fato de não se ter efetivado a democratização do acesso e permanência dos
alunos nos cursos técnicos, como pretendiam política governamental e política institucional, o
CEFET/RJ, instituição de educação tecnológica, vem servindo mediatamente aos interesses
do capital.
Concluo meu trabalho, contrapondo-me ao que está posto, entretanto, sem negar,
entretanto, o que até então foi realizado. Partilho do pensamento que a nova escola nasce das
contradições da escola burguesa.
Para que serve, então, a escola pública, senão como espaço de luta contra a alienação
da sociedade capitalista?
265
Se a sociedade é formada a partir das relações que os indivíduos estabelecem com fins
próprios, o sistema educacional e, por conseguinte, a escola, para além de reprodutores de
“habilidades e competências” sem as quais a atividade produtiva não se realizaria, são,
também, responsáveis pela produção e reprodução de valores, em uma determinada estrutura
de sociedade, na qual os indivíduos tornam-se capazes de atingir seu próprios objetivos e fins
específicos (FRIGOTTO, 2001; MÉSZÁROS, 2006b; SEVERINO, 2006).
É assim que as relações sociais de produção se “interiorizam”. “É com isso que os
indivíduos ‘contribuem para manter uma concepção do mundo’ e para a manutenção de uma
forma específica de intercâmbio social, que corresponde àquela concepção do mundo”
(MÉSZÁROS, 2006b, p.264). Minha concepção de mundo relaciona-se à epígrafe do
frontispício deste meu trabalho.
A epígrafe de Marx, destacada de O capital, fala da conquista do ensino tecnológico
nas escolas de ensino profissional como um ensino para todos, como meio da formação
omnilateral dos homens, o que só será conquistado quando da ascensão da classe trabalhadora
ao poder político. É essa escola, defendida por Gramsci, que busco por meio da luta política,
seja no seu interior, seja em outros espaços da sociedade civil: a escola única que, em sua
essência, traga a unidade entre teoria e prática, ciência e cultura, político e técnico, que
ofereça a formação integral, integradora e emancipadora para crianças, jovens e trabalhadores
em geral.
266
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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histórico. São Paulo: Boitempo, 2004.
ANTUNES, Ricardo. Os sentidos do trabalho: ensaio sobre a afirmação e a negação do
trabalho. 6. ed. São Paulo: Boitempo, 2003.
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Boitempo, 2005a.
______. Adeus trabalho?: ensaio sobre as metamorfoses e a centralidade do mundo do trabalho.
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______. A desertificação neoliberal no Brasil (Collor, FHC e Lula). 2. ed. Campinas, S.P:
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283
ANEXO 1 - TAXA MÉDIA ANUAL DE CRESCIMENTO EM (%) DE SETORES
INDUSTRIAIS
Tabela n
o
1 - Taxa média anual de crescimento em (%) de setores industriais baseada
em recursos naturais
Taxas médias anuais de crescimento em (%)
Setores industriais com
tecnologia
1996-1998 1998-2000 2000-2002 2002-2004
Baseada em recursos
naturais
-10,4
0,74 16,01 1,33
Extração de carvão mineral 54,16 37,57 2,52 24,84
Extração de Petróleo, gás e
serviços relacionados
39,59 73,14 50,39 44,59
Extração de minerais
metálicos
-15,83 -23,11 117,92 10,33
Extração de minerais não-
metálicos
-27,05 3,85 -6,24 -9,31
Alimentos e bebidas -10,91 -6,34 3,7 -4,05
Produtos do fumo -0,9 -38,25 6,17 -11,59
Preparação do couro -29,98 31,39 57,1 11,1
Produtos de madeira 67,11 -22,76 -15,78 2,41
Fabricação de papel e outras
pastas para fabricação de
papel
-69,35 94,13 -31,41 -22,59
Fabricação de coque e
refino de petróleo
-0,16 20,32 41,71 16,41
Produção de álcool -31,41 -13,63 12,63 -10,92
Metalurgia de não-ferrosos -17,68 -31,61 42,3 -6,14
Cimento e outros produtos
minerais não metálicos
15,42 19,91 -42,61 -6,37
Adaptado de Nassif, 2006.
Tabela n
o
2 - Taxa média anual de crescimento em (%) de setores industriais com
tecnologia intensiva em trabalho
Taxas médias anuais de crescimento em (%)
Setores industriais com
tecnologia
1996-1998 1998-2000 2000-2002 2002-2004
Intensiva em trabalho
6,09 -15,4 -9,43 -5,74
Têxteis 18,96 -19,85 -15,69 -6,05
Vestuário -5,41 -4,99 -20,84 -9,27
Artigos para viagem e
artefatos de couro
25,74 -5,98 -8,92 2,13
Calçados -10,5 7,22 -8,63 -3,68
Fabricação de produtos de
metal (exceto máquinas e
equipamentos)
-4,61 -16,73 4,36 -5,22
Móveis e indústrias diversas 8,98 -16,45 -10,25 -5,61
Adaptado de Nassif, 2006.
284
Tabela n
o
3 - Taxa média anual de crescimento em (%) de setores industriais com
tecnologia intensiva em escala
Taxas médias anuais de crescimento em (%)
Setores industriais com
tecnologia
1996-1998 1998-2000 2000-2002 2002-2004
Intensiva em Escala
-1,74 -6,02 -8,36 -4,66
Produtos cerâmicos para
construção civil e para usos
diversos
-10,17 2,32 -10,84 -5,53
Fabricação de produtos e
artefatos de papel e papelão -23,76 -4,14 7,81 -6,58
Edição, impressão e
reprodução de gravações -4,28 -5,73 -24,9 -10,52
Produtos químicos -3,83 0,87 -12,29 -4,51
Artigos de borracha e plástico 27,74 -20,48 -6,82 -1,56
Vidro e produtos de vidro -25,68 -16,76 46,35 -2,8
Metalurgia básica 18,43 -1,07 -79,59 -33,55
Veículos automotores -7,24 -6,92 -13,62 -8,04
Equipamentos de transporte
ferroviário, naval e outros
(exceto aeronáuticos) 26,06 -11,01 288,48 52,28
Adaptado de Nassif, 2006.
Tabela n
o
4 - Taxa média anual de crescimento em (%) de setores industriais com
tecnologia diferenciada
Taxas médias anuais de crescimento em (%)
Setores industriais com
tecnologia
1996-1998 1998-2000 2000-2002 2002-2004
Diferenciada
62,26 -35,08 -14,19 -2,84
Máquinas e equipamentos 91,29 -49,06 -8,9 -3,35
Máquinas, aparelhos e
materiais elétricos 10,84 -1,49 -14,54 -1,96
Material eletrônico, aparelhos
e equipamentos de
comunicação 23,56 -5,27 -25,27 -3,75
Equipamentos de
instrumentação
médico-hospitalares
53,79 -5,84 3,44 12,24
Instrumentos ópticos,
cronômetros
e relógios
-3,52 -3,16 -22,57 -8,83
Adaptado de Nassif, 2006.
285
Tabela n
o
5 - Taxa média anual de crescimento em (%) de setores industriais
baseados em ciência
Taxas médias anuais de crescimento em (%)
Setores industriais com
tecnologia
1996-1998 1998-2000 2000-2002 2002-2004
Baseada em ciência
-25,68 6,66 -28,3 -14,91
Produtos farmacêuticos 1,94 0,73 -29,85 -8,95
Máquinas de escritório e
equipamentos de informática
-67,99 39,47 -47,45 -33,92
Equipamentos de distribuição
de energia elétrica
15,83 -32,56 27,46 -0,13
Aparelhos e instrumentos de
medida, teste e controle
-16,27 20,26 -2,53 -0,53
Máquinas e aparelhos de
automação industrial
-34,44 -13,64 -31,59 -23,74
Equipamentos de transporte
aeronáuticos
62,9 62,17 -33,97 17,23
Adaptado de Nassif, 2006.
Tabela n
o
6 - Total da taxa média anual de crescimento em (%) da indústria
Taxas médias anuais de crescimento em (%)
Setores industriais com
tecnologia
1996-1998 1998-2000 2000-2002 2002-2004
Total da indústria
0,36 -8,71 0,72 -2,27
Adaptado de Nassif, 2006.
286
ANEXO 2 – QUESTIONÁRIO AOS PROFESSORES
Prezado Colega,
Minha dissertação tem o objetivo geral de analisar as concepções de educação tecnológica da
política educacional no Governo Fernando Henrique Cardoso, mediadas pelo Decreto
n
o
2.208/97, concepções estas que tomamos como inseridas na totalidade das contradições
entre capital e trabalho. Dentre os objetivos específicos pretendo, desvelar a disputa de
significado de educação tecnológica e de projeto político-pedagógico expressos na legislação
e ótica dos professores, na aplicação do Decreto n
o
2.208/97 no cotidiano escolar do
CEFET/RJ.
Neste sentido, solicito sua colaboração respondendo as seguintes perguntas:
1- Passados dez anos da promulgação da LDB , nove anos do Decreto
n
o
2.208/97, como você vê a
reforma do ensino médio e técnico promovida pelo governo Cardoso?
2 – Para você, a política macro interfere na política micro (interna) da escola? Em caso de resposta
afirmativa, responda como ocorre tal interferência?
3 – Como você define a educação que o CEFET/RJ oferece?
4- O que você entende por educação tecnológica?
5- E por formação integrada?
6- Para você, existe diferença entre educação profissional técnica e educação tecnológica?
287
287
ANEXO 3 - QUESTIONÁRIO QUE AJUDARÁ NA ELABORAÇÃO DO PROJETO DOS
NOVOS CURSOS PROPOSTOS PELA DIRED E DEMET, QUE TERÁ COMO GESTOR O
DEMET E DIRED E COMO GRUPO DE APOIO A DIPED, DIAPE, E PÓS GRADUAÇÃO.
METODOLOGIA PARA PLANEJAMENTO
DE CURRÍCULOS POR COMPETÊNCIAS
PERGUNTAS QUE CONTRIBUEM PARA A OBTENÇÃO DE RESPOSTAS PARA AS
DECISÕES NO PLANEJAMENTO CURRICULAR DE CURSO TÉCNICO
I - Legislação Atualizada: Educacional da Profissão
1- A profissão foco do curso tem legislação específica? Qual?
2- A legislação dessa profissão estabelece limites de atuação profissional? Define atribuições,
competências, campo de atuação, saberes? Níveis de autonomia e responsabilidade?
3- Quais são os órgãos reguladores dessa profissão? Em que esses órgãos podem contribuir na
formulação do currículo?
a) Referenciais Curriculares Nacionais da Área Profissional do Curso
1- Em que área(s) está situado o curso em foco?
2- Quais os cenários e tendências nessa(s) área(s) ?
3- Qual o panorama geral dessa(s) área(s) ?
4- Qual a metodologia que foi utilizada pelo MEC para formular essas referências para os
currículos?
5- Quais as funções e subfunções dos processos produtivos nessa Área? Quais as competências e
habilidades requeridas? Quais as bases tecnológicas indicadas?
6- Quais os itinerários formativos sugeridos?
b) Resultados de Estudos de Demandas
1- As consultas e pesquisas junto ao mundo produtivo indicam necessidades de formação de
técnicos na área desse curso? Para atuar, sobretudo, em quais atividades?
2- Há mercado para inserção dos egressos desse curso? Qual a tendência? Por quanto tempo?
3- Esses estudos indicam o perfil requerido para o técnico atuar na área? Qual é?
4- Outras instituições na localidade ou região oferecem curso técnico para formar esses
288
288
profissionais? Quais são elas? Pode-se fazer alguma parceria com essas instituições para evitar
superposição?
c) Perfil Profissional de Conclusão do Técnico
1 - Quando as empresas recrutam o profissional técnico que queremos formar, nessa área, qual o
perfil profissional que exigem?
2- E a legislação dessa profissão como define esse perfil?
3- Há outras fontes para identificação do perfil requerido para esse técnico? Comunidade
tecnológica?
4- De posse de todas essas informações coletadas, como definimos o perfil profissional de
conclusão desse técnico que queremos formar?
II - CONSTRUÇÃO DA MATRIZ REFERENCIAL DE RESULTADOS
1) Identificação e Estudo do Processo Produtivo em foco: Funções e Subfunções
a) Qual(is) a(s) Área(s) Profissional(is) na(s) qual(is) se insere a habilitação em planejamento?
b) Quais os objetivos desse processo produtivo?
c) Quais os produtos resultantes desse processo?
d) São bens e/ou serviços?
e) Que categorias de ação, pela natureza do trabalho, são características desse processo produtivo e
que poderiam se constituir em FUNÇÕES? ( Planejamento, Execução, Manutenção, Gestão,
Criação, Produção, Supervisão, etc..)
f) Que etapas, dentro dessas categorias de ação, são distinguíveis, significativas e geram produtos
parciais nesse processo produtivo (subfunções)?
g) Como esse processo está trabalhado nos Referenciais Curriculares Nacionais dessa Área?
h) Quais as tendências nesse processo produtivo? O que indicam a comunidade científica e a
tecnológica quanto a isso?
Almir Venancio Ferreira
DEMET/COGET
289
ANEXO 4 - CENTRO FEDERAL DE EDUCAÇÃO TECNOLÓGICA CELSO SUCKOW DA FONSECA
DIRETORIA DE DESENVOVIMENTO EDUCACIONAL
DEPARTAMENTO DE ENSINO MÉDIO E TÉCNICO
EDUCAÇÃO PROFISSIONAL DE NÍVEL TÉCNICO
ÁREA PROFISSIONAL: Uma das 20 áreas
CURSO TÉCNICO: nome do curso
Módulo: PROGRAMA DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA Período
Carga horária
Ano
Competência Geral: São comuns aos técnicos de cada área.
Função: Grandes atribuições ou etapas significativas que
compõem, integram ou caracterizam o
processo de produção em cada área
profissional.
Subfunção: atividades mais especificas, que geram
produtos ou resultados parciais definidos
dentro desses processos produtivos.
Disciplina:
Metodologia: Aula teórica, Laboratório e outros.
Metodologia de Avaliação:
COMPETÊNCIAS ESPECÍFICAS
Referem-se a cada habilitação
CONTEÚDO PROGRAMÁTICO BASES TECNOLÓGICAS HORA/
AULA
Competência profissional – condição de
alocar saberes, através de esquemas mentais adaptados e
flexíveis, em ações próprias de um contexto profissional
especifico, gerando desempenho eficientes e eficazes.
.Conjuntos sistematizados de
conceitos, princípios e processos
(métodos, técnicas, termos, normas
e padrões) resultantes, em geral, da
aplicação de conhecimentos
científicos a uma área produtiva.
. insumos para geração de
competências.
290
ANEXO 5 - DESENHO CURRICULAR DO ENSINO MÉDIO
(DESENHO CURRICULAR PARA OS ALUNOS INGRESSOS EM 2001)
DESENHO CURRICULAR DO ENSINO MÉDIO - 2000
CARGA HORÁRIA ANUAL
ÁREA DO
CONHECIMENTO
COMPONENTES
CURRICULARES
1ª 2ª 3ª
TOTAL
Líng. Port. e Lit. Bras. 136 136 136 408
Educação Artística 68 68
Linguagem,
Códigos e suas
Tecnologias
Educação Física 136 136 136 408
História 68 68 68 204
Geografia 68 68 136
Ciências Humanas e
suas Tecnologias
Fund. de Sociol. e Filos. 68 68
Biologia 68 68 68 204
Física 136 136 136 408
Química 136 136 136 408
BASE COMUM
Ciências da
Natureza,
Matemática e suas
Tecnologias
Matemática 136 136 136 408
Língua Estrangeira 68 68 68 204 Linguagens,
Códigos e suas
Tecnologias
Desenho Básico 102 102
Ciências Humanas e
suas Tecnologias
Relações Humanas 34 34
Ciências da
Natureza,
Matemática e suas
Tecnologias
Eficiência Energética e
Meio Ambiente
34 34
BASE DIVERSIFICADA
Orientação e Projetos Inter/Transdisciplinares 34 34
N.º de Aulas Semanais 32 30 30 92
Carga Horária Total 1.088 1.020 1020 3128
291
ANEXO 6 – GRADES CURRICULARES DOS CURSOS TÉCNICOS INTEGRADOS
292
293
294
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