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singular. Essa a tarefa do axiomático — da ciência régia, bem como do Ensino oficial: —
com o objetivo de manter a ordem do plano de organização e dos estratos, o axiomático
está sempre encontrando soluções para capturar o fluxo desviante, desde o Saber já dado, e
se esforça para prever e anular as linhas maleáveis, a fim de impedir que se convertam em
linhas de fuga; a fim de não deixar fugir, portanto, o sistema. O axiomático é o vigilante
pronto para apontar, denunciar, capturar o mínimo incidente que perturbe a organização de
poder das hierarquias arborescentes.
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É o Homem do Estado de Direito, o social-
democrata, pronto para se valer dos axiomas que sustentam as sociedades modernas.
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O terceiro tipo de linha não é um limiar, é um fora. A linha de fuga é uma linha
puramente abstrata, sem forma, absolutamente imperceptível e, portanto, impossível de ser
prevista. Ela atravessa o muro branco, sai do buraco negro, sendo, pois, a-significante. Salta
fora dos círculos significantes e escapa, como um fora, do centro e do rosto dominante. Ao
saltar, faz explodir as duas outras linhas, os pontos, os estratos, o rosto e a penumbra. A
linha de fuga é uma desterritorialização absoluta: o Eu rachado, o Mundo perdido. É devir
que faz do homem um passageiro clandestino de uma viagem imóvel, um imperceptível,
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G. Deleuze & F. Guattari, Mil platôs, vol. 3, p. 68.
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Há dois tipos de vigilantes de linhas: os de visão curta, que vigiam através de lunetas, e os de visão ampla,
que seguem as linhas por telescópios. Ambos diferenciam-se não só pelo instrumento de observação que
utilizam, mas também pelo propósito da observação e a conduta diante das linhas: a luneta corta e recorta,
enquanto o telescópio procura conectar, ligar uma linha às outras. Os axiomáticos são os vigilantes de visão
curta, pois, dotados de uma luneta simples, “vêem o contorno de células gigantes, de grandes divisões
binárias, dicotomias, segmentos eles mesmos bem determinados, do tipo ‘sala de aula, caserna, H.L.M
[conjuntos habitacionais] ou até mesmo país, estrias. Às vezes, descobrem, nas bordas, uma figura mal feita,
um contorno tremido. Então se vai buscar a terrível luneta de raios. Esta não serve para ver, mas para cortar,
para recortar. É ela, o instrumento geométrico, que emite um raio laser e faz reinar por toda parte o grande
corte significante, restaura a ordem molar por um instante ameaçada. A luneta para recortar sobrecodifica
todas as coisas; trabalha na carne e no sangue, mas é apenas geometria pura, a geometria como questão de
Estado, e a física dos de vista curta está a serviço dessa máquina”. Id., p. 74.
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“Que social-democrata não dá a ordem de atirar quando a miséria sai de seu território ou gueto? Os direitos
não salvam nem os homens nem uma filosofia que se reterritorializa sobre o Estado democrático (...) Os
direitos do homem não dizem nada sobre os modos de existência imanentes do homem provido de direitos.”
G. Deleuze & F. Guattari, O que é a filosofia?, pp. 139-140.