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FCT-UNESP UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA
CAMPUS DE PRESIDENTE PRUDENTE
FACULDADE DE CIÊNCIAS E TECNOLOGIA
RCIO FREITAS EDUARDO
A DINÂMICA TERRITORIAL DAS AGROINDÚSTRIAS ARTESANAIS
DE FRANCISCO BELTRÃO/PR
Orientador: Prof. Dr. Marcos Aurelio Saquet
Presidente Prudente, 2008.
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2
RCIO FREITAS EDUARDO
A DINÂMICA TERRITORIAL DAS AGROINDÚSTRIAS ARTESANAIS DE
FRANCISCO BELTRÃO/PR
Dissertação de Mestrado elaborada junto ao
Programa de Pós-Graduação em Geografia – área de
concentração: Produção do Espaço Geográfico”, na
linha de pesquisa “Desenvolvimento Regional”, para
obtenção do tulo de Mestre em Geografia.
Presidente Prudente, 2008.
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TERMO DE APROVAÇÃO
MÁRCIO FREITAS EDUARDO
A DINÂMICA TERRITORIAL DAS AGROINDÚSTRIAS ARTESANAIS DE
FRANCISCO BELTRÃO/PR
Dissertação aprovada como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Geografia,
da Universidade Estadual Paulista, pela seguinte banca examinadora:
Orientador: Prof. Dr. Marcos Aurelio Saquet
Departamento de Geografia, UNIOESTE
Prof. Dr. Bernardo Mançano Fernandes
Departamento de Geografia, UNESP
Prof. Dr. Luiz Alexandre Gonçalves Cunha
Departamento de Geografia, UEPG
Presidente Prudente, 05 de setembro de 2008.
4
DEDICATÓRIA
Aos meus pais, Élio e Elli, pelo apoio incondicional e
incomensurável.
5
AGRADECIMENTOS
A realização desta pesquisa é produto de esforço coletivo; pelo carinho e
atenção dos amigos, professores, produtores rurais, familiares jamais serei suficientemente
grato. Especialmente:
- Ao professor Marcos A. Saquet, pelo companheirismo desde os tempos de
graduação em Geografia; por acreditar em minha formação e nesta desafiadora empreitada
científica;
- Aos docentes e funcionários do Programa de Pós-Graduação em Geografia da
Universidade Estadual Paulista – FCT-UNESP, pelos ensinamentos transmitidos e auxílios;
de modo a Bernardo Mançano Fernandes, Eliseu Savério Sposito, Maria Encarnação B.
Sposito, Eda Maria Góes, João Edmilson Fabrini, com os quais cursamos as disciplinas e
muito contribuíram conosco;
- Aos professores Bernardo Mançano Fernandes e José Gilberto de Souza,
cujas orientações no momento da qualificação, foram de suma importância;
- Ao professor Antonio Nivaldo Hespanhol pela gentileza em disponibilizar-se
como orientador no estágio docente;
- Aos amigos e amigas, pela sincera amizade, pela solidariedade e
contribuições (pessoais e cognitivas), em especial Gilnei, Juliano e Marcelino;
- A Erineu Santiago e família, sem os quais nada disto se concretizaria;
- A Ana (e família), a Fran, a Grasi (e família) e a Mari: imprescindíveis;
- Aos alunos e colegas de trabalho, pela compreensão e cooperação nessa
trajetória científica;
- À EMATER/PR, por nos ceder dados de levantamentos emricos;
- Aos produtores agroartesanais, pela experiência transmitida, pela
disponibilidade de tempo, pela amizade e atenção;
- À CAPES e ao Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade
Estadual Paulista – FCT-UNESP, pelo auxílio monetário providencial para o
desenvolvimento da pesquisa;
- Enfim, a todos que manifestaram apoio e compreenderam os momentos de
relativa ausência, agradeço!
6
SUMÁRIO:
Lista de Tab elas............................................................................. ........ ........ ........ ..
07
Lista de Quadro s....... ...... ...... ...... ... ...... ...... ... ...... ...... ...... ... ...................................... 08
Lista de Gráficos...... ... ... ...... ... ... ...... ... ... ...... ... ... ...... ... ... ...... ... ................................. 09
Lista de Mapas...... ... ...... ...... ...... ...... ... ...... ...... ...... ...... ...... ... .................................... 10
Lista de Fotos........................................................................................................... 11
Resumo..................................................................................................................... 12
Abstract.................................................................................................................... 13
INTRODUÇÃO....................................................................................................... 14
1. O TERRITÓRIO EM PERSPECTIVA................................................................ 24
1.1 Efetivando uma leitura do território................................................................... 25
1.2 O Território: diferentes abordagens................................................................... 28
1.3 O poder: efetivação do território........................................................................ 34
1.4 Território e identidade........................................................................................ 38
1.5 O território e a questão agrária........................................................................... 40
2. A COLONIZAÇÃO DO SUDOESTE PARANAENSE: A MARCA
HISTÓRICA DE UMA FORMAÇÃO TERRITORIAL.........................................
44
2.1 A reterritorialização dos migrantes eurobrasileiros no Sudoeste paranaense.... 48
2.2 Uma definição de agroindústria artesanal.......................................................... 53
3. CARACTERÍSTICAS DAS AGROINDÚSTRIAS ARTESANAIS NO
SUDOESTE PARANAENSE........................... .............. .........................................
57
3.1 As agroindústrias artesanais do Sudoeste.......................................................... 65
4. A DINÂMICA TERRITORIAL DAS AGROINDÚSTRIAS ARTESANAIS
DO MUNICÍPIO DE FRANCISCO BELTRÃO/PR...............................................
90
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS 153
6. REFERÊNCIAS 156
7. ANEXOS............................................................................................................. 163
7
LISTA DE TABELAS
Tabela I Estabelecimentos agropecuários e área ocupada, por estrato de área no
Sudoeste do Paraná (1970-1995/96).........................................................................
58
Tabela II Número e percentual de pessoas de 10 e mais anos de idade ocupadas
por setores da economia no Sudoeste do Paraná (1970-2000).................................
63
Tabela III – Pessoal ocupado na agropecuária no Sudoeste do Paraná (1985-
1995/96)....................................................................................................................
64
Tabela IV - Despesas na agropecuária do Sudoeste paranaense (1970-1995/96).... 64
Tabela V – Unidades agroindustriais artesanais de Francisco Beltrão/PR
cadastradas pelo sistema de inspeção municipal/produtos de origem animal
(SIM/POA)................................................................................................................
90
8
LISTA DE QUADROS
Quadro I Produtores artesanais entrevistados..........................................................
19
Quadro II – Número de famílias cadastrada na CANGO entre 1947 e 1956.............
46
Quadro III - Número de agroindústrias de pequeno porte existentes nas regiões de
Francisco Beltrão/PR e Pato Branco/PR em 1999......................................................
68
Quadro IV – Número de agroindústrias e situação dos registros por produto no
Sudoeste/PR................................................................................................................
70
Quadro V Número de agroindústrias por produto e tipo de matéria-prima no
Sudoeste paranaense em 1999.................................................................................... 71
Quadro VI Período de funcionamento das unidades produtivas em anos............... 76
Quadro VII Tipo de produtos e quantidade produzida mensalmente...................... 77
Quadro VIII – Agroindústrias estudadas: produção total por ramo e margem de
ganho aproximada.... ............ ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... .............................................
96
Quadro IX – Etnia e local de origem dos proprietários das unidades produtivas
estudadas.....................................................................................................................
100
Quadro X – Ano em que começou a atividade agroartesanal..................................... 101
Quadro XI - Principal atividade econômica da unidade produtiva............................. 109
Quadro XII – Francisco Beltrão/PR: Número de estabelecimentos por grupos de
área total em 1996.......................................................................................................
110
Quadro XIII – Quantidade e composição da força de trabalho, matérias-primas e
destino da produção das agroindústrias artesanais de Francisco Beltrão/PR............. 151
9
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico I – Distribuição dos ramos produtivos agroindustriais analisados no
Diagnóstico Unidades Agroindustriais EMATER/PR.............................................
72
Gráfico II – Total de investimentos nas unidades agroartesanais do Sudoeste do
Paraná..........................................................................................................................
80
Gráfico III Principais dificuldades das unidades produtivas................................... 82
Gráfico IV – Média faturamento bruto/mês............................................................... 82
Gráfico V Principais dificuldades financeiras......................................................... 83
Gráfico VI Principais dificuldades de comercialização........................................... 84
Gráfico VII Principais dificuldades de produção.................................................... 87
Gráfico VIII Percentual de incremento nas agroindústrias do Sudoeste do Paraná 88
Gráfico IX – Origem da maioria dos produtos consumidos pela
família.........................................................................................................................
108
Gráfico X: Composição da força de trabalho ocupada nas agroindústrias artesanais
estudadas em Francisco Beltrão/PR............................................................................ 152
10
LISTA DE MAPAS
Mapa I Localização do Munipio de Francisco Beltrão/PR.....................................
23
Mapa II – Sudoeste do Paraná – distribuição das agroindústrias pesquisadas pela
EMATER no Diagnóstico Unidades Agroindustriais” (2006)....................................
62
Mapa III – Munipio de Francisco Beltrão/PR – localização das agroindústrias
estudadas.......................................................................................................................
92
11
LISTA DE FOTOS
Foto 1 Moradia da família Macari.................................................................................... 49
Foto 2 – Moinho colonial de propriedade dos irmãos Minella............................................ 53
Foto 3 – Produção de queijos, agroindústria de Tobias Korb............................................. 97
Foto 4 – Josefina Korb na parte exterior da edificação....................................................... 97
Foto 5 Produção de frangos da família Schmoller............................................................ 105
Foto 6 Produção de ovos da família Schmoller................................................................ 105
Foto 7 Local dos abates dos frangos................................................................................. 106
Foto 8 – Vista interna do moinho da família Schmoller...................................................... 106
Foto 9 Infra-estrutura construída na propriedade rural da família Cuba..........................
112
Foto 10 Família Cuba comercializando seus produtos..................................................... 114
Foto 11 – Vista da agroindústria artesanal da família Cuba................................................ 114
Foto 12 Centrífuga para beneficiar o mel......................................................................... 114
Foto 13 Propriedade da família Cuba............................................................................... 115
Foto 14 Ivo Matiolo fazendo o açúcar mascavo............................................................... 116
Foto 15 Destaque de uma “carreta”.................................................................................. 117
Foto 16 – Estufa onde é realizada a produção de verduras pela família Castelli................. 120
Foto 17 Parreiral da família Castelli................................................................................. 120
Foto 18 Vista da unidade artesanal de pasteurização de leite da família Castelli............. 121
Foto 19 A pastagem plantada pela família Castelli.......................................................... 121
Foto 20 – Tecnologia artesanal adaptada............................................................................. 122
Foto 21 Rótulo do açúcar mascavo produzido por Gerônimo Grezgozeski..................... 123
Foto 22 Logotipo da Coachaça......................................................................................... 125
Foto 23 Celso Reolon, produtor de cachaça..................................................................... 125
Foto 24 Propriedade de Gerônimo Grezgozeski............................................................... 126
Foto 25 Aquecedor a lenha utilizado por Grezgozeski na produção da cachaça.............. 126
Foto 26 – vista unidade de produção de queijos da família Capra...................................... 131
Foto 27 Agroindústria de Gilberto Smaniotto.................................................................. 134
Foto 28 Agroindústria de Gilberto Smaniotto em processo de ampliação....................... 134
Foto 29 Aviário integrado à Sadia.................................................................................... 134
Foto 30 Propriedade de Gilberto Smaniotto..................................................................... 134
Foto 31 – Vista da unidade agroartesanal da família Macari............................................... 137
Foto 32 – Propriedade rural da família Macari.................................................................... 137
Foto 33 – Vista da unidade agroartesanal das famílias Lago............................................... 139
Foto 34 – Técnica artesanal adaptada pelas famílias Lago.................................................. 139
Foto 35 – Queijos produzidos na agroindústria das famílias Lago...................................... 139
Foto 36 Barracão com equipamentos agrícolas................................................................ 139
Foto 37 – Parreiral situado na propriedade da família Pasin............................................... 142
Foto 38 – Vista externa da agroindústria da família Pasin.................................................. 142
Foto 39 – Funcionárias fixas da unidade agroartesanal da família Pasin............................ 143
Foto 40 Produtos Pasin..................................................................................................... 143
Foto 41 – Propriedade rural da família Pasin....................................................................... 144
Foto 42 Barris de metal..................................................................................................... 144
Foto 43 Porcos criados pela família Thomé..................................................................... 147
Foto 44 – Produtor Valdir Thomé........................................................................................ 147
Foto 45 – Máquina utilizada pela família Thomé para a fabricação da ração..................... 147
Foto 46 Reportagem do Jornal de Beltrão........................................................................ 149
Foto 47 Vista externa do Centro de Comercialização da Agricultura Familiar................ 150
12
RESUMO
Esta pesquisa tem como finalidade analisar elementos da dinâmica territorial das
agroindústrias artesanais e familiares (ou agroartesanato) no município de Francisco
Beltrão/PR. A produção de alimentos via agroartesanato é um domínio antigo desses
produtores familiares (o que chamamos de saber fazer produtivo); historicamente inerente ao
patrimônio cultural dos imigrantes desterritorializados da Itália, da Alemanha e da Polônia e
que reterritorializaram-se no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina no final do século XIX
por força do movimento global do capital. A mesorregião Sudoeste do Paraná, na qual está
inserido o município de Francisco Beltrão, foi colonizada efetivamente a partir da década de
1940, intermediada pela ação política do governo de Getúlio Vargas através da constituição
da CANGO (Colônia Agrícola Nacional General Osório). Com a CANGO, foram
reterritorializados numa frente colonial formada, majoritariamente, por migrantes gaúchos e
catarinenses, com predominância de ascendências italiana, alemã e polonesa e com arraigado
conteúdo de sociabilidade campesina e mesclando tradição rural, pequena propriedade,
trabalho familiar, produção mercantil e policultura de subsistência. A heterogeneidade é
característica basal da formação territorial desse espaço, pois, o território, como manifestação
concreta e simlica da atividade social no espaço, congrega uma vastidão de possibilidades.
Na década de 1990, entretanto, essas atividades rudimentares e familiares de produção de
alimentos começaram a assimilar maior conotação mercantil. Em Francisco Beltrão isso se
efetivou, mais notoriamente, nos anos posteriores à criação do SIM (Selo de Inspeção
Municipal), institdo em 1996, que, amparado na ação da vigilância sanitária, legitimou a
mercantilização dessas produções. O agroartesanato, nas últimas duas décadas, vem-se
destacando como atividade familiar alternativa, em resposta à expansão regional do modelo
do agronegócio: notadamente CAIs do ramo de suínos, leite e aves. Fundamentando-se no
trabalho familiar, na busca crescente por maior autonomia produtiva familiar e inserindo-se
nos mercados locais com produtos tradicionais, a dinâmica do agroartesanato beltronense
caracteriza-se essencialmente como trunfo territorial.
Palavras-chave: terririo, colonização e agroartesanato.
13
ABSTRACT
This research has as purpose to analyze the elements of the territorial dynamics of the craft
and family agribusinesses (or rural handmade production of food) in the city of Francisco
Beltrão/PR. The production of foods through the rural handmade production of food is an old
domain of those family producers (what we call to know how to do the products); historically,
inherent associated to the cultural patrimony of the immigrants without territory of Italy,
Germany and Poland and that established in Rio Grande do Sul and Santa Catarina in the end
of the XIX century because the global movement of the capital. The Southwest region of
Paraná, in the which Francisco Beltrão is located, it was colonized indeed starting from the
decade of 1940, intermediated by Getúlio Vargas's government's political action through the
constitution of CANGO (Colônia Agrícola Nacional General Osório). With CANGO, they
were established in a formed colonial front, formed for the most part with migrants from Rio
Grande do Sul and Santa Catarina, with Italian predominance of origins, German and Pole
and with ingrained content of rural sociability; mixing the rural tradition, small property,
family work, mercantile production and mixed farming of subsistence. The heterogeneity is a
basic characteristic of the territorial formation of that place, because the territory, as concrete
and symbolic manifestation of the social activity in the space has huge possibilities. In the
decade of 1990, however, those rudimentary and family activities of production of foods
began to assimilate larger mercantile connotation. In Francisco Beltrão it was mostly
executed, in the subsequent years the creation of the SIM (Selo de Inspeção Municipal) that
was instituted in 1996 that aided in the action of the sanitary surveillance, legitimated the
business of those productions. The rural handmade production of food points out as
alternative family activity in the last two decades, in response to regional expansion of the
agribusiness model: especially CAIs of the branch of swine, milk and birds. Being based in
the family work, in the growing search for larger family productive autonomy and interfering
at the local markets with traditional products, the dynamics of the rural handmade production
of food in Francisco Beltrão is a characteristic essentially as territorial trump card.
Key words: territory, colonization and rural handmade production of food.
14
INTRODUÇÃO
Quando iniciamos esta pesquisa, não imaginávamos a dimensão e a
complexidade do desafio com que nos depararíamos. Fomos, aos poucos, despindo a
realidade. Com a análise da dinâmica territorial das agroindústrias artesanais de Francisco
Beltrão/PR (Mapa 1), tínhamos, desde o icio, a idéia de traçar um panorama da lógica de
atuação dessas unidades produtoras de alimentos nesse munipio, em virtude da importância
que essas produções têm para os produtores familiares e artesanais de Francisco Beltrão e do
Sudoeste paranaense.
A multiplicidade de elementos e circunstâncias que fazem as atividades
agroartesanais, tipicamente de subsistência, ingressarem no circuito mercantil demonstra um
processo que torna o território mais complexo.
A escassa bibliografia existente sobre a temática, que ainda está limitada,
em sua quase totalidade, a outras áreas do conhecimento, notoriamente à sociologia, à
engenharia de produção e à agronomia, também justifica e torna relevante esta pesquisa e sua
abordagem em geografia.
No âmbito da ciência geográfica, não existem pesquisas mais sistematizadas
buscando compreender a agroindústria artesanal. Queremos avançar ainda mais. Na
dissertação abordamos o fenômeno do agroartesanato numa vertente teórico-metodológica
fundamentada na análise do território; o território tido em sua multidimensionalidade política,
econômica e cultural.
Abordar o conceito de território, por si só, já é um desafio, pois demanda
uma gama de outros conceitos como o de poder, a noção de tempo, territorialidade, des-re-
territorialização, entre outras.
São conceitos que, no decorrer da pesquisa, auxiliaram-nos na compreensão
da realidade. Desafiadoramente, trata-se de um conjunto de conceitos que estão longe de
esgotarem suas propostas e possibilidades, pois analisar o território como
multidimensionalidade é uma proposta recente na geografia.
Com esta análise buscamos compreender a formação e a dinâmica territorial
atual das agroindústrias artesanais rurais e familiares do município de Francisco Beltrão/PR,
realizando uma análise comparativa entre as unidades produtivas estudadas. O primeiro passo
15
é conhecer a realidade objetiva, sua importância e necessidades para, em seguida, planejar e
agir sobre as circunstâncias que lhes são afetas.
Nesta pesquisa, demonstramos, a partir dos dados coletados nos trabalhos de
campo que, para a maioria das famílias estudadas, a agroindústria artesanal constitui a
principal fonte de renda. Com a difusão local do agroartesanato familiar, vem arrefecendo,
nessas propriedades, o êxodo-rural. As potencialidades territoriais do agroartesanato situa-se:
a) no saber fazer familiar; b) na agregação de valor aos produtos coloniais com a
transformação in loco (intra-unidade rural); c) no envolvimento da mão-de-obra familiar
(dispendiosa com a aceleração da modernização da agricultura). Essas potencialidades
territoriais do agroartesanato garantem maior autonomia produtiva às famílias denotando
qualidades de resistência.
A questão agrária produz seus territórios. No Sudoeste paranaense, o
acirramento da conflitualidade entre o agronegócio e a produção artesanal e familiar fez
emergir, como resistência, velhas formas de sociabilidade dotadas de novos significados e
atributos.
O fenômeno do agroartesanato familiar, ou melhor, da produção e da
transformação artesanal de produtos alimentares no interior da própria unidade produtiva
rural, é um domínio cultural antigo dos gaúchos e catarinenses – descendentes de italianos,
alemães e poloneses – que se estabeleceram no Sudoeste do Paraná, na década de 1940, no
período de colonização efetiva, conforme destacaremos no capítulo 2.
Os migrantes gaúchos e catarinenses ao se reterritorializarem no Sudoeste
do Paraná, reproduziram suas práticas culturais produtivas (saber fazer produtivo
agroartesanal). O trabalho familiar, a policultura e o minifúndio foram as bases da
organização territorial institda. Estrutura que ainda permanece na configuração territorial da
região, como se destaca a partir do Censo Agropecuário do IBGE (1995/96):
aproximadamente 95% das propriedades, no Sudoeste paranaense, estão situadas em estratos
fundiários de até 50 hectares.
O Sudoeste paranaense foi a última região de fronteira agrícola a ser
explorada no Paraná, havendo, por razões histórico-culturais, a possibilidade da efetivação de
uma agricultura familiar e policultora.
A frente colonial reterritorializada, em Francisco Beltrão e no Sudoeste
paranaense, era formada majoritariamente por descendentes de imigrantes italianos, alemães e
poloneses. Imigrantes europeus que, no século XIX, já haviam sido desterritorializados de
seus lugares de origem em favor da reprodução ampliada do capital.
16
Uma vez reterritorializados em solo brasileiro, promoveram uma agricultura
camponesa, sobretudo na região Sul do Brasil (Rio Grande do Sul e Santa Catarina). As
forças e contradições do capitalismo continuaram a se desenvolver. Devido à
insustentabilidade econômica presente em muitas propriedades rurais, fundamentalmente em
virtude do fracionamento da unidade produtiva associado ao desgaste excessivo do solo por
práticas agrícolas rudimentares, houve novamente necessidade de uma reestruturação do
território. Nesse sentido, o processo de desterritorialização fez-se presente junto às famílias
agrícolas riograndenses e catarinenses, fruto do acirramento das limitações impostas pela
reprodução do capital.
O sistema des-re-territorializante, no qual se assenta o capital e sua
natureza desigual, combinada e contraditória, não erradica os conteúdos culturais dos
territórios e seus códigos simbólicos, mas sim os readequam aos imperativos suscitados pelos
mandos” no terririo.
Exemplo disso é o território dos CTGs (Centro de Tradições Gaúchas); as
comunidades” rurais no Sul do Brasil, com forte componente étnico e de tradicionalidades;
o(s) território(s) da igreja católica, incrustados no patrimônio cultural e no ideário
conservador desses migrantes etc., são evidências que ratificam a permanência de atributos
culturais de um grupo social, cuja subjetividade também se objetiva e se transforma
constantemente.
A transformação de produtos alimentícios no interior das propriedades
rurais realizada, de maneira artesanal e com o trabalho familiar, é patrimônio cultural dos
imigrantes europeus herdado por seus descendentes, cujo elemento cultural, o saber fazer
produtivo territorializou-se em Francisco Beltrão mesmo após gerações des-re-
territorializadas.
A arte da transformação, classificação e/ou beneficiamento de diversas
matérias-primas – como leite, carnes, mel, ovos, farinha de trigo e milho, frutos, tubérculos
etc. em produtos como queijos e iogurtes, salames e copas, doces (compotas), conservas,
geléias, massas, bolachas, vinhos, graspa e vinagres, açúcar mascavo e melado, derivados do
mel, carne de frango e peixes – constitui um elemento cultural regional importante, assentado
na prática do produção de alimentos.
A instituição de selos de inspeção nos munipios e o acirramento do
embate com o grande capital, fizeram com que essas produções artesanais ganhassem
importância econômica, agregando valor aos produtos rurais, transformando-os e
comercializando-os nos mercados locais. A busca de maior autonomia na gestão do território
17
é base do enfrentamento entre o agronegócio e essas famílias, cuja policultura, o trabalho
familiar e o minifúndio são suas formas de organização territoriais. A produção e a
transformação in loco (na propriedade rural), a circulação e a comercialização desses produtos
são realizadas pelas próprias famílias garantindo um grau mais elevado de autonomia
produtiva da unidade familiar, mas com limitações, segundo demonstraremos no capítulo 4.
O embate entre o paradigma produtivista do agronegócio e a produção
familiar no Sudoeste paranaense foi e continua sendo fomentadora de situações estimulantes
para a revivência do que José de Souza Martins chamou de “padrões tradicionais”.
O fenômeno da modernização da agricultura fez-se presente no Sudoeste,
mais sistematicamente a partir de 1970. O avanço dos CAIs (ramo de suínos, aves e leite) e
das monoculturas mercantis, como a do fumo e a da soja, foram intensas e ocorreram nessa
estrutura territorial espefica, de predomínio minifundiário e familiar. Como fenômeno
capitalista, a modernização agropecuária é seletiva e excludente. Com as crises no ramo dos
suínos na década de 1980 e na década de 1990, devido ao aumento das exigências e imposição
de técnicas adotadas como necessidade de gestão pelas agroindústrias integradoras, acirrou-se
a conflitualidade entre os paradigmas de produção do agronegócio e da produção familiar.
Nesse contexto de conflitualidade paradigmática agrária, elementos
tradicionais inerentes aos códigos simbólicos de territorialidade dos produtores familiares
foram evocados como formas de resistências ao avanço e estreitezas engendradas pelo grande
capital.
O agroartesanato expandiu-se regionalmente no final das décadas de 1980,
na década de 1990, até o momento atual. Pequenos estabelecimentos agroindustriais
artesanais com trabalho familiar passaram a fornecer produtos alimentares ao mercado
interno.
Com o acirramento das conflitualidades e com a criação do Sistema de
Inspeção Municipal (SIM) nos munipios do Sudoeste paranaense, a prática familiar de
produção e transformação artesanal de alimentos passou a ganhar maior expressão territorial.
No Sudoeste, conforme dados da EMATER (2003), existiam mais de 450 unidades
agroartesanais em operação nos diversos ramos produtivos.
O “novo” do capitalismo agrário, para a produção artesanal e familiar,
significa as diferentes estratégias que os atores têm que desenvolver para se autoafirmarem
como sujeitos sociais no território. Nessas circunstâncias, a conjugação de diferentes relações
no território associam os velhos e os novos conteúdos na atual dinâmica da questão agrária.
Em algumas unidades familiares, a produção mercantil, o incremento técnico, a utilização do
18
trabalho da família e de vizinhos, o agroartesanato e a policultura de subsistência mesclam-se
e apresentam-se como possibilidades de resistência e de manutenção de uma prática de vida
específica. Relações novas e mais tradicionais realizam-se no território da produção familiar,
porém a reprodução familiar é o anseio e também o que enseja essas dinâmicas.
Como enfatiza Vergopoulos (1986), essa operação cria, ao mesmo tempo,
na agricultura, a situação surpreendente de um capitalismo sem capitalistas. Em algumas
propriedades rurais, a prática tradicional do agroartesanato divide espaços com produções
essencialmente mercantis, como a da soja e do sistema de integração de aves via CAIs.
Algumas agroindústrias já sinalizam com um vel mais intenso de tecnificação e de inserção
mercantil nos parâmetros locais, muito embora mobiliza-se um índice incipiente de
assalariamento. Em nossas pesquisas emricas e nas da EMATER, é perceptível a baixa
escala de produção dessas unidades, ratificando o caráter familiar e artesanal da produção.
Na lógica de organização territorial desses produtores familiares, a
vinculação mercantil é considerada uma forma de resistência. Produzem-se soja e aves
consoante o paradigma do agronegócio, fazem-se melhoramentos na infra-estrutura e no
aparato técnico da unidade produtiva buscando dar continuidade as suas atuais condições de
vida. Não há um intenso acúmulo de capital por parte desses produtores adotando tais
mecanismos. O desenvolvimento capitalista acarreta num vel mais intenso de exploração
desses produtores familiares que, para permanecerem como produtores proprietários,
necessitam desenvolver estratégias no território e de mais energia da família.
As estratégias no território e pelo território são múltiplas. Os produtores
artesanais caracterizam-se, sobretudo, por produzirem terririos de resistência contra as
estreitezas e exclusão do modo capitalista de produção. A agroindústria artesanal é um desses
trunfos territoriais dos produtores familiares.
Não teríamos condições de analisar pormenorizadamente a dinâmica de toda
a atividade agroindustrial artesanal de Francisco Beltrão porque são inúmeras as produções
pulverizadas em quase todas as propriedades rurais do município e da mesorregião Sudoeste.
O agroartesanato manifesta-se desde uma produção de queijos realizada na cozinha de um
domilio (urbano ou rural) até uma produção mais estruturada em termos de infra-estrutura e
inserção mercantil.
Por questões culturais, muitas famílias produzem eventualmente açúcar
mascavo e melado em tacho no fundo do quintal; queijos, massas e doces na cozinha da casa;
esporadicamente matam um porco e fazem salames, copas, lingüiças e vendem essas
produções. Em sua maior parte, essas práticas de produção de alimentos, têm como função a
19
subsistência familiar e é muito difícil identificá-las e mapear seu território. Por tal motivo, não
abordaremos por completo a forma mais tradicional da produção artesanal municipal (citada
anteriormente).
Em nossa pesquisa primamos por analisar os produtores cadastrados no
SIM. Em tais casos, a produção é legalizada e possui uma inserção mercantil mais regular,
com características organizacionais semelhantes dada a atuação dos órgãos de inspeção. Para
fins de demonstração, entrevistamos também produtores artesanais não cadastrados no SIM,
com forte característica artesanal. Além disso, entrevistamos uma família que pratica o
agroartesanato urbano no intuito de destacarmos as peculiaridades da produção no espaço
urbano e também entrevistamos duas famílias de produtores agroartesanais do ramo de leite
pasteurizado que suspenderam (mercantilmente) recentemente a atividade. Essa diversidade é
importante por nos permitir traçar um mapa de potencialidades e limitações da atividade. A
seguir, apresentamos os produtores agroartesanais entrevistados.
Quadro I – Produtores artesanais entrevistados
1
2
Nome Localidade Atividade
1 Gilberto Smaniotto Linha União Pasteurização de leite
2 JoGasparetto Km 10 Pasteurização de leite
3 Salete Castelle Linha Eva Pasteurização de leite
4 Loiva Fachinello Linha São João Pasteurização de leite
5 Adelmar Crestani Linha União Pasteurização de leite
6 João Engels Linha Martini Pasteurização de leite
7 Névio Grassi Santa Bárbara Pasteurização de leite
8 Queijos Qebom Quibebe Fabricação de queijos
9 Tobias Korb Jacutinga Fabricação de queijos
10 Noeme Korbe (Natuvida) Jacutinga Fabricação de queijos
11 Hilário Lago Sessão Progresso Fabricação de queijos
12 Atílio Capra Água Vermelha Fabricação de queijos
13 Fritorífico Thomé Linha Calegari Abatedouro de suínos
14 Ivo Petri Jacutinga Abatedouro de suínos
15 Arthur Ferrari Km 20 Abatedouro de suínos
16 Frigorífico Macari São Miguel Abatedouro de suínos
17 Adair Reolon Volta grande Abatedouro de suínos
18 Pesque-pague Santa Clara Aeroporto Filetagem de pescados
19 Pedro Cuba Posto Panorâmico Filetagem de pescados
20 Celso Reolon Sessão Progresso Produção de cachaça
21 Gerônimo Grezgozesky Vila Lobos Produção de cachaça
22 Pedro Cuba Posto Panorâmico Beneficiamento de mel
23 Celso Polla Sede Galdino Beneficiamento de mel
24 Ambrósio Schmoller Linha São Paulo Abatedouro de aves
25 Francisco Spader Linha São Paulo Abatedouro de aves
26 Ambrósio Schmoller Linha São Paulo Seleção de ovos
27 Agroindústria Pasin Km 20 Doces, vinhos, conservas, etc.
28 Ivo Matiolo Divisor Açúcar mascavo
1
Ver no mapa 3 a distribuição desses produtores no município de Francisco Beltrão/PR.
2
Estabelecemos para cada agroindústria um número, visando facilitar a organização dos dados nas tabelas que
seguem.
20
Fonte: trabalho de campo realizado entre 2006 e 2007.
Com a modernização da agricultura no Sudoeste paranaense, acirrada a
partir de 1970, a agroindústria artesanal agrega uma nova conotação, mais mercantil e
amgua; de um lado, em algumas propriedades rurais, permanece como atividade de mera
subsistência da família, como a produção doméstica de queijos, salames, massas, doces etc.
Outros proprietários, porém, levam suas agroindústrias a aderirem a uma faceta mais
mercantil, especializando e modernizando (aos parâmetros do segmento) a produção .
Um território é formado historicamente pelos movimentos do social (e do
natural) e suas contradições. A análise da estrutura territorial remete ao desvendamento dos
fatores que atuaram numa dada formação territorial como ocorreu no Sudoeste paranaense,
por exemplo.
Assim, cada território deve ser pensado em sua historicidade: essência da
dialética sócio-espacial. Por isso, mesmo não se tratando de trabalho exaustivo, acreditamos
ser necessário traçar apontamentos acerca da formação territorial das agroindústrias artesanais
beltronenses, revolvendo suas raízes históricas, a partir de nossos interesses de análise,
definidos a priori.
A apreensão desses aspectos deu-se através de levantamento de dados junto
ao IBGE, Prefeitura Municipal de Francisco Beltrão, EMATER, SEAB, IPARDES, CAPA e
dados coletados em campo, através de entrevistas, balizadas por um roteiro prévio.
Com os proprietários agroindustriais, através de entrevistas qualitativas,
analisamos o processo produtivo desde sua origem até a dinâmica organizacional atual,
contemplando aspectos da economia, da política e da cultura, a partir da compreensão
relacional do terririo.
Dessa forma, associada à pesquisa bibliográfica e realização de entrevistas,
o contato com os produtores envolvidos auxiliou-nos a avançar na compreensão da
problemática em questão. As tabelas, gráficos, mapas e análises presentes nesta dissertação,
denotam o trabalho de seis anos de estudo e observação, remontando aos tempos de graduação
em Geografia.
No primeiro catulo, efetivamos uma fundamentação teórico-conceitual
englobando os conceitos de terririo, formação territorial, desterritorialização e
reterritorialização – Raffestin (1993), rede e espaço, as noções de poder e identidade;
conceitos e noções que nos serviram de substrato teórico para que tivéssemos condições
objetivas de avançarmos na análise acerca da dinâmica territorial da produção artesanal rural
21
de Francisco Beltrão/PR no capítulo 4.
Para tanto, primamos em estruturar nosso enfoque analítico no conceito de
terririo, visando compreender os elementos econômicos, políticos e culturais presentes na
produção do espaço local e dos territórios. A espacialidade e historicidade dos processos
sociais mencionados também merecem destaque em nossas reflexões ao abordarmos a
formação territorial do Sudoeste paranaense considerando como movimento a des-re-
territorialização.
A presença da discussão trica, já no primeiro capítulo, foi uma escolha
nossa, buscando tornar mais intelivel e didático ao leitor a compreensão de nosso norte
teórico-conceitual, que também está relacionado com a realidade estudada, conforme se pode
perceber no decorrer da discussão teórica ao longo dos capítulos subseqüentes. Portanto, não
se trata de um enquadramento teórico da realidade objetiva, mas de uma relação de
complementaridade entre teoria e objeto.
No segundo capítulo, estruturamos análises sobre a formação territorial do
Sudoeste paranaense. Os conceitos de desterritorialização e reterritorialização, o conceito de
formação territorial ajudaram-nos a compreender os fatores constituintes da formação do
Sudoeste e da produção artesanal e familiar. O legado cultural que constitui o saber fazer
produtivo agroartesanal e seus traços identitários, reproduzido pelos descendentes de
italianos, alemães e poloneses que se reterritorializaram no Sudoeste em circunstâncias
repletas de especificidades é o objeto deste capítulo.
Analisada a história da formação territorial do Sudoeste paranaense e seus
elementos culturais (tradicionais, simbólicos, etc.), políticos e de ordem econômica presentes
nas determinações que, interagidas formaram o próprio território, abordamos, no capítulo 3, a
produção artesanal de alimentos em escala mesorregional (Sudoeste paranaense), destacando
também algumas características da sua organização agropecuária.
No que se refere ao estudo das agroindústrias artesanais no Sudoeste,
utilizamos dados levantados pela EMATER/PR, constantes no Diagnóstico Unidades
Agroindustriais de 2006, pois nossos dados de campo restringem-se ao munipio de
Francisco Beltrão/PR.
Apresentamos ainda, no capítulo 3, uma análise acerca da estreita vinculação
existente entre a produção artesanal e a dinâmica agropecuária da região. Com dados do
IBGE, SEAB e IPARDES, focando algumas características da modernização agrícola
ocorrida o Sudoeste paranaense, visamos mostrar os efeitos em uma estrutura fundiária
22
minifundista e com traços culturais marcantes do processo de colonização, para entendermos
elementos da dinâmica histórica e territorial das agroindústrias artesanais estudadas.
Após tecermos considerações da atividade agroindustrial em escala
mesorregional, no capítulo 4, procuramos analisar a formação territorial das agroindústrias
artesanais e familiares de Francisco Beltrão/PR. Partimos de uma análise do processo de
colonização do Sudoeste, buscando compreender como a frente colonial gaúcha e catarinense
desempenhou um papel ativo na formação das atividades artesanais beltronenses, através da
difusão cultural de um saber fazer específico, consoante já mencionado, patrimônio cultural
herdado pelos colonos eurobrasileiros de seus antepassados desterritorializados
principalmente da Itália, Alemanha e Polônia.
Muitas unidades produtivas artesanais estão distanciando-se de suas funções
tradicionais de suprimento alimentar da família produtora e ingressam no mundo da
mercadoria. Dessa forma, a diferenciabilidade de ritmos e de territórios entre as unidades
produtivas é um elemento notório em Francisco Beltrão/PR; produções de ritmos mais lentos
e outra com ritmos mais rápidos produzem seus territórios.
No mesmo capítulo, analisamos, com dados emricos, aspectos das atuais
dimenes econômica, potica e cultural das unidades produtivas estudadas, caracterizando o
arranjo produtivo: produção, gestão, circulação e consumo. Para tanto, além de nossos
levantamentos junto às unidades, dispomos de um conjunto de dados inéditos colocados à
nossa disposição pela EMATER/PR. Além dos dados quantitativos, também dispomos de
dados qualitativos, obtidos através das entrevistas realizadas com proprietários e ex-
proprietários de agroindústrias artesanais, e também com pessoas indiretamente relacionadas
com essa atividade (profissionais da EMATER e técnicos da Prefeitura Municipal de
Francisco Beltrão/PR).
Acreditamos que, com a análise e compreensão das agroindústrias artesanais de
Francisco Beltrão, poderemos contribuir com os debates sobre o desenvolvimento territorial
local.
23
24
1. O TERRITÓRIO EM PERSPECTIVA
A primazia pelo conceito de território, em nosso enfoque analítico sobre as
agroindústrias artesanais de Francisco Beltrão/PR, justifica-se pelo fato de que, partindo desse
viés teórico-conceitual, é possível identificar as distintas dimensões da produção do espaço:
aspectos da economia, da organização política, da cultura, das relações de poder, das rupturas
e permanências são possíveis de serem identificados como elementos ativos e conexos na
organização de cada território.
O território forma-se a partir do espaço e só por intermédio deste ele se
realiza. As diferentes relações sociais que se sustentam no espaço dividem-no, mesmo sendo
indissociável, único e indivivel, como destaca Santos (1978). Cada forma de apropriação
social do espaço através das dimensões econômica, política e cultural produz
descontinuidades”, surgindo os territórios. As formas de poder engendradas em cada
território imprimem, nos diferentes lugares, formas próprias de concorrência e solidariedade
que, articuladas, dotam de dinamicidade o todo social.
Acreditamos que um esclarecimento desses fundamentos proporcionará
maior clareza teórico-metodológica. Na abordagem territorial, as dimensões econômica,
política e cultural são analisadas a partir da apropriação do espaço. Imbricadas ao poder (este
visto como produto das cotidianidades sociais), as diferentes dimenes da atividade social
são apreendidas pela relação que a sociedade mantém com o espaço, no seu uso e consumo
em diferentes ritmos e intensidades.
Os conceitos derivados de desterritorialização e desterritorialidade auxiliam
no intuito de compreendermos a produção do espaço de maneira mais completa, abordando o
fenômeno histórico como movimento. Desterritorialização e desterritorialidade são conceitos
que, em nossa pesquisa, contribram no sentido de abordar o conteúdo dinâmico e histórico
(político, econômico e cultural) das atividades artesanais em Francisco Beltrão/PR.
Um território significa dominação e espelha uma relação de
dominação/sujeição, que não é condição permanente. É construído socialmente e, por isso,
constantemente reestruturado. Considerado “toda relação um lugar de poder, isso significa
que o poder está ligado muito intimamente à manipulação dos fluxos que atravessam e
desligam a relação, a saber, a energia e a informação” (RAFFESTIN, 1993, p. 53-4).
A construção do território é passível de apreensão apenas se alocados
esforços na identificação dos fatores de sua produção, quer dizer, na historicidade dos
condicionantes sociais que consubstanciaram dada formação territorial. Um território tem seu
25
suporte no passado, tem um presente, mas é sempre devir. Numa percepção imediata do
terririo, a princípio, este aparece como estável e imutável, entretanto suas intnsecas
contradições é que nutrem de possibilidades seu devir. O conceito de território não pode ser
pensado de modo estanque, mas como produto inacabável (infindável) oriundo das
contradições sociais cotidianas.
Nossa abordagem sobre a dinâmica territorial das unidades produtivas
agroartesanais selecionadas caminhará por uma leitura mais econômico-cultural do território
(produção, circulação, patrimônio cultural), fazendo tão somente algumas considerações
acerca da organização política e atuação de algumas instituições como a EMATER, a
ASSESOAR e a Prefeitura Municipal de Francisco Beltrão. Dessa forma, necessitamos expor,
em linhas gerais, algumas noções da abordagem de território adotada, considerando que
existem diversas leituras, muitas delas divergentes, sobre o conceito.
1.1 Efetivando uma leitura do território
Para que uma efetiva abordagem geográfica, cujo fundamento inscreve-se no
âmbito da investigação e da compreensão da complexidade com que o espaço geográfico é
apropriado por um determinado tecido social”, compreendemos que a pesquisa deva apoiar-
se em certas categorias e conceitos analíticos.
Tais categorias e conceitos, ao serem utilizados e devidamente amparados
por um método investigativo, demandam, por si, outros temas e/ou noções que o pesquisador
terá que dar conta, caso pretenda utilizá-los no intuito de compreender a realidade objetiva e
subjetiva.
Em nossas análises, acerca da formação e dinâmica territorial das
agroindústrias artesanais em Francisco Beltrão/PR, primamos pelo território como conceito
central. O conceito de território, numa perspectiva relacional, conforme sugere Raffestin
(1993), orienta-nos a abordar mais de perto a questão do poder, ou melhor, dos poderes, como
caminho para o estudo e a compreensão dos movimentos do social.
Inerente a todas as relações, em todas as fissuras sociais, o poder, imbricado
à lógica territorial, é elemento fundamental que possibilita avançar no desvendamento de
aspectos da produção e da apropriação do espaço territorialmente. Como trataremos
posteriormente, para várias famílias de produtores agroartesanais analisadas, o acirramento da
conflitualidade entre as formas de organização familiar e o desenvolvimento regional do
modelo produtivo do agronegócio foi o elemento central para o surgimento e intensificação da
26
produção agroartesanal beltronense. A conflitualidade, a exploração demasiada do
agronegócio fizeram com que famílias rompessem com pactos de poder estabelecidos e,
territorializando seus conhecimentos produtivos tradicionais, expandissem os domínios de
suas produções agroartesanais para além da subsistência familiar, construindo relações
econômicas no comércio local e regional. Nesse sentido, o agroartesanado significa
enfrentamento, resistência, poder, integração ao mercado.
O território é esse locus de relações, portanto, de poderes, amalgamados no
espaço, em constante movimento. Além disso, como sustenta Haesbaert (2005, p. 87):
Todo conceito, como toda teoria, só tem validade quando referido a uma
determinada problemática, a uma questão. Assim, o território é um dos
principais conceitos que tenta responder à problemática da relação entre a
sociedade e seu espaço.
O território realiza-se no espaço por intermédio das relações sociais
materializadas, e estas resultam das múltiplas facetas assumidas pelo(s) poder(es). Assim, a
análise do poder torna-se fundamental na abordagem territorial. Não existe terririo sem
poder e nem poder sem um sustentáculo territorial, conforme sugere Raffestin (1993). Podem
existir territórios imateriais como, por exemplo, através da língua, da informação, das
ideologias, das leis etc.; de alguma forma, entretanto, essas ações manifestam-se no espaço e
materializam-se, conduzidas pela dinâmica do(s) poder(es).
Determinados autores serviram-nos de base para efetivarmos algumas
considerações a respeito do estudo do território e seus aspectos objetivos e subjetivos. Nossas
principais referências são Raffestin (1993), Maia
3
(1995), Saquet (2004 e 2005) e Haesbaert
(1997, 2002 e 2005). Para compreendermos algumas relações de trabalho, fizemos leituras em
Antunes (2005), Marx (2004), entre outros autores.
Em nossos estudos, fundamentamo-nos, inicialmente, em Raffestin (1993),
que tece uma análise mais econômica e política do território, primando por um estudo do
território numa perspectiva relacional, assim como M. Foucault o faz em suas análises acerca
do poder, como bem aponta Maia (1995). Haesbaert (2005), seguindo uma análise do
território numa vertente mais culturalista e política, também nos auxiliará no intuito de
analisarmos o território como multidimensionalidade.
3
Maia (1995) faz um resgate primoroso do legado de Foucault em sua analítica do poder.
27
Outro autor, Saquet (2003 e 2005), propõe uma interpretação das interfaces
do território, privilegiando não apenas uma de suas dimensões, mas o tripé economia, política
e cultura condicionando e caracterizando certa formação territorial.
Na abordagem territorial, há posições múltiplas, como aponta Saquet (2004),
que tentam contemplar as relações entre as dimensões da economia, da política e da cultura,
ora privilegiando aspectos políticos e econômicos, conforme Raffestin (1993) e Saquet
(2003), ora culturais e políticos, segundo Haesbaert (1997) e outros; também há aqueles que
enfatizam uma dessas dimensões, como Ratzel (1990) e Sack (1986). Embora sem
adentrarmos na questão, o território também pode ser apreendido sob diferentes métodos
investigativos e/ou modelos teórico-conceituais como, por exemplo, o materialismo e a
fenomenologia.
Inicialmente, faremos algumas considerações sobre o território em suas
diferentes abordagens, para depois discutirmos o poder como elemento imbricado ao sistema
territorial.
Podemos assinalar que a dinâmica territorial é compreendida,
concomitantemente, como objetivação e reflexo das relações sociais (econômicas, políticas e
culturais – em uma palavra: sociais) agidas e vividas no espaço e com a apropriação deste no
tempo. Segundo Raffestin (1993, p. 7-8),
O território não poderia ser nada mais que o produto dos atores sociais. São
eles que produzem o território, partindo da realidade inicial dada, que é o
espaço. , portanto, um processo” do território, quando se manifestam
todas as espécies de relações de poder [...].
Nesse sentido, a problemática social envolve a processualidade histórica
do(s) poder(es) como essência do sistema territorial. O poder, conforme afirma Raffestin
(1993), não é uma categoria espacial nem temporal, mas está presente em toda relação que se
apóia no espaço e no tempo; é o elemento que, ao mesmo tempo, anima o terririo, objetiva-o
e “desagrega-o”. O poder, como relação social historicamente reproduzida, é exercido e
também significa “fluidez”. “Justamente por ser relacional, o território é também movimento,
fluidez, interconexão – em ntese e num sentido mais amplo, temporalidade” (HAESBAERT,
2005, p. 101).
28
1.2 O Território: diferentes abordagens
Como nos lembra Sposito (2005), na Geografia existem várias concepções de
território que servem como “porta de entrada” para a discussão desse conceito. O autor acima
identifica três vertentes básicas que, historicamente, serviram para tratar do estudo do
território, ou melhor, que serviram para interpretá-lo e cujo arcabouço teórico ainda se faz
presente, em vários momentos, quando se aborda esse conceito.
São essas vertentes divididas em: a) naturalista: “segundo a qual o terririo
aparece como imperativo funcional, como elemento da natureza inerente a um povo ou uma
não e pelo qual se deve lutar para proteger ou conquistar”; b) uma abordagem “mais voltada
para o indivíduo [que] diz respeito à territorialidade e sua apreensão [...]. Aí temos o terririo
do indiduo, seu ‘espaço’ de relações, seu horizonte geográfico, seus limites de deslocamento
e de apreensão da realidade”; e c) quando sua utilização confunde-se com o conceito de
espaço. (SPOSITO, 2005, p. 17)
A tradição naturalista de apreeno do território e da territorialidade já foi,
com veemência, criticada por Raffestin (1993), pois as territorialidades derivam de um tecido
social complexo e dinâmico marcado pelas relações de poder, pelas intencionalidades, pelas
inter-relações, pelo jogo ideológico etc.
A segunda vertente de apreeno do terririo, descrita por Sposito (2005),
está mais sistematicamente direcionada aos anseios cognitivos de uma Geografia com forte
conotação cultural(ista). Em tal caso, os sentimentos de pertencimento, de identidade, os
espaços de representação, o enraizamento, entre outros elementos, interagidos com as demais
dimensões do território, efetivam formas particulares de apropriação e de produção do espaço
via territorialidade.
A atribuição de significados a recortes espaciais pode produzir identidades
territoriais específicas, o que acresce, na questão política do terririo, como aponta Saquet
(2003), um caráter cultural mais subjetivo e simbólico. É enfatizada, nessa ótica, sobretudo,
na Geografia, a territorialidade dos indiduos, discutida também no conceito de lugar.
No entanto, abordar o território sob uma perspectiva estanque e
unidimensional, utilizando como exemplo o caso da dimensão cultural, não traz avanços. “É
evidente que ainda se poderia evocar os elementos dos códigos culturais, por exemplo, mas
eles também são atravessados pelo código econômico e pelo código político” (RAFFESTIN,
1993, p. 47).
29
O terririo, em nossa compreensão, precisa ser abordado em sua
multidimensionalidade. Seu âmago é social, portanto, suas dimensões são a política, a
economia e a cultura, imbricadas relacionalmente pela historicidade e conflitualidade inerente
a toda sociedade.
Nesse sentido, temos a contribuição do geógrafo Saquet (2003), que fez um
esforço significativo no sentido de construir uma argumentação teórico-metodológica que
articule o tempo, o espaço e o território, englobando aspectos da economia, da política e da
cultura, representado pelo autor como EPC. O terririo é construído socialmente por um jogo
de forças e relações que estão em unidade e conflitualidade.
Na literatura geográfica, em algumas situações, o território também tem sido,
eventualmente, confundido com o conceito de espaço, conforme sinaliza Sposito (2005)
quando enuncia a terceira tradição de estudo daquele. A essência desta confusão reside no fato
de que muitos autores, por partirem do pressuposto de que o território é efetivado a partir da
apropriação social do espaço, consideram-no apenas como sinônimo de chão, de propriedade,
de área, de limite político-administrativo.
Porém, o terririo, consoante afirma Saquet (2003), é um lugar de relações e
este, um território, a partir da apropriação e produção do espaço. O sistema territorial é,
portanto, segundo aponta Raffestin (1993), produto e condição socioespacial.
Espaço e território não são sinônimos. O espaço é anterior ao território.
Nesse sentido, corroboramos com Raffestin (1993, p. 143) quando o autor afirma que: “O
terririo se forma a partir do espaço, é o resultado de uma ação conduzida por um ator
sintagmático (ator que realiza determinadas ações) em qualquer nível. Ao se apropriar de um
espaço, concreta ou abstratamente [...], o ator 'territorializa' o espaço”.
É fundamental ressaltar que o espaço constitui, metaforicamente, a “matéria-
prima” para a produção do território, ou seja, o espaço é anterior ao território. O território é
uma produção a partir do espaço. Cristaliza-se através da apropriação social do espaço
(econômica, política e culturalmente) por atores que realizam determinadas atividades sociais:
os atores sintagmáticos, cujas intencionalidades e comportamentos, de diferentes maneiras e
intensidades, territorializam-se vivendo relações de poder.
Em seu racionio, Saquet (2003, p. 24) afirma que:
O território se dá quando se manifesta e se exerce qualquer tipo de poder, de
relações sociais. São as relações que dão o concreto ao abstrato, são as
relações que consubstanciam o poder. Toda relação social, econômica,
30
política e cultural é marcada pelo poder, porque são relações que os homens
mantêm entre si nos diferentes conflitos diários.
O território, antes de qualquer outra coisa, é relação social, é conflituosidade
geografizada. O território é expreso do espaço apropriado, produzido. É formado, em sua
multidimensionalidade, pelos atores sociais que o redefinem constantemente em suas
cotidianidades, num “campo de forças”, nas mais variadas intensidades e ritmos.
O território não é apenas chão e propriedade, é relação social. “Por meio de
nculos, por criações ou invenções humanas, através de práticas sociais, é que se produz
território [...]” (HEIDRICH, 2005, p. 56).
O território, de acordo com Saquet (2005, p. 144): “[...] é natureza e
sociedade simultaneamente, é economia, política e cultura, idéia e matéria [...] é local e global
[...]; terra, formas espaciais e relações de poder [...]”.
Retornando às abordagens do território, merecem destaque as sínteses
efetivadas por Haesbaert (1997), que agrupou essas concepções em três vertentes básicas,
similares às destacadas anteriormente por Sposito (2005):
a) Política (referida às relações espaço-poder em geral) ou jurídico-política
(relativa às relações espaço-poder institucionalizado): o território é visto como um espaço
delimitado e controlado, através do qual se exerce um determinado poder, muitas vezes – mas
não exclusivamente – relacionado ao poder político do Estado.
b) Cultural (muitas vezes culturalista) ou simbólico-cultural: aquela que
prioriza a dimensão simbólica e mais subjetiva, em que o território é visto, sobretudo, como o
produto da apropriação/valorização simbólica de um grupo em relação ao seu espaço vivido.
c) Econômica (muitas vezes economicista): menos difundida, enfatiza a
dimensão espacial das relações econômicas; o terririo como fonte de recursos e/ou
incorporado no embate entre classes sociais e na relação capital-trabalho, como produto da
divisão territorial do trabalho, por exemplo.
Esse mesmo autor faz, ainda, alusão à vertente naturalista, segundo ele,
menos vinculada hoje às ciências sociais, que se utilizam de uma noção de território com base
nas relações entre sociedade e natureza.
Há interfaces entre essas abordagens, segundo indicam Haesbaert (1997),
Saquet (2004) e como estamos tentando argumentar. O território pode ter um caráter mais
econômico como os dinamizados por empresários, por exemplo; mais político, como o de
partidos políticos; e/ou, mais culturais, como o território de domínio da igreja católica, para
31
mencionarmos apenas alguns exemplos. Reflete, em última instância, toda a produção que
deriva das relações entre os homens e destes com a natureza.
Os territórios são construídos socialmente pelo exercício do poder das
classes que comem a sociedade. Desse modo, podemos fazer abordagens bem diferentes da
de Ratzel (1990), por exemplo, que fundamenta sua análise geográfica nos pressupostos
metodológicos e filosóficos positivistas e cujo método está centrado na indução: observação,
descrição, comparação e classificação, partindo do pressuposto de que uma análise
fundamentada cientificamente deveria ter como fonte as ciências mais desenvolvidas até
então: as ciências naturais. “Somente a ciência natural progride como ciência investigadora de
leis gerais[...]” (RATZEL, 1990, p.34). Assim, Ratzel fundamenta um estudo a serviço do
Estado alemão de sua época (final do século XIX), em fase de definição territorial
intimamente ligado à expansão do capitalismo naquele país em formação. O território, para
Ratzel, seria sinônimo de solo. Mais que isso: dimensão eminentemente política, cujo
epicentro do poder, ou seja, cuja hegemonia e soberania revelar-se-iam na figura do Estado-
nação em sua forma plena.
Noutra compreensão, todos nós somos atores reprodutivos de relações
sociais, de poder em diferentes momentos e intensidades. As relações e interesses não são
isoladas, mas articulados, porque o modo capitalista de produção detém formas singulares de
organização baseadas na interconexão dos fenômenos.
Se delimitarmos uma porção do espaço geográfico, poderemos perceber
algumas relações políticas, econômicas e culturais que ocorrem e dão conformidade às
diversas manifestações territoriais, como no caso do terririo do agroartesanato em Francisco
Beltrão/PR. Como bem ressalta Lefebvre, apud Raffestin (1993), um território é constitdo
quando é transformado pelas modificações feitas pelo homem convivendo em sociedade.
Assim, consoante Raffestin (1993, p. 143 - 4), “o território é um espaço;
onde se efetuou ou se concretizou um trabalho, seja energia e/ou informação”; ali se
encontram relações de poder e interesses. Toda ação cristalizada no espaço demonstra, em
algum nível, um território efetivado (infra-estruturas públicas ou privadas, centros financeiros,
construções históricas, organizações políticas etc).
O território, como aponta Raffestin (1993), é o resultado de uma ação
conduzida por um ator sintagmático. Ao se apropriar de um espaço, o ator territorializa o
mesmo. Lefebvre, apud Raffestin (1993), argumenta que a produção do espaço, o terririo
nacional, espaço físico, modificado, transformado pelas redes, circuitos e fluxos que aí se
instalam como rodovias, canais, estradas de ferro, circuitos comerciais e bancários, auto-
32
estradas e rotas aéreas etc. são alguns dos elementos que marcam a passagem do espaço ao
terririo. O território, nessa perspectiva, é um espaço onde se projetou um trabalho, e que,
por conseqüência, como já assinalamos, revela relações marcadas pelo poder.
Os projetos sociais efetivados no espaço geográfico, dotados de
representação, também revelam a imagem desejada de um território, de um local de relações
(RAFFESTIN, 1993). A imagem manifestada como representação da realidade é um
instrumento de poder que tem como essência uma estrutura pré-disposta a seus prinpios e
relações sociais de dominação.
De acordo com Raffestin (1993, p. 150), “toda prática espacial, mesmo
embrionária, induzida por um sistema de ações ou de comportamentos se traduz por uma
‘produção territorial’ que faz intervir tessituras, nós e redes”. É interessante destacar, a esse
respeito, que nenhuma sociedade, por mais elementar que seja, escapa à necessidade de
organizar suas ações. Os indiduos ou os grupos sociais ocupam pontos no espaço e se
distribuem de acordo com modelos pré-definidos aliados à dinâmica do modo de produção em
determinado período histórico.
A interação entre os diferentes locais pode ser política, econômica e cultural,
e resulta de um intenso e recíproco relacionamento entre todos os elos da estrutura que
compreendem e sustentam a dinâmica social em sua complexidade. Os fatores que sustentam
a formação dos sistemas de malhas, de nós e redes interagem no espaço e constituem, de
algum modo, as bases de sustentação do(s) território(s).
Cada território, assim, deve ser pensado em rede, articulado a outros
territórios, em interação, em complementaridade, pois o território brasileiro
resulta da interação de temporalidades e de uma pluralidade de territórios,
cada qual com especificidades políticas, econômicas e culturais (SAQUET,
2003, p. 222).
Todos nós elaboramos estratégias de produção e de vida, que se
correlacionam com outras estratégias, em diferentes relações de poder, com outras pessoas e
lugares. Os atores agem e interagem, conseqüentemente, objetivam relações de influência
e/ou controle, afastamento e/ou proximidade e, assim, criam redes entre si. Segundo Raffestin
(1993), uma rede pode ser abstrata ou concreta, vivel ou invivel. São as redes que
asseguram o controle do espaço geográfico através da circulação material e de informações.
Toda rede é uma imagem do poder, produto e condição das determinações históricas do
desenvolvimento. As redes, em suas diversas manifestações, garantem, nessa perspectiva, ao
sistema territorial, status de produto e meio de produção.
33
Os homens ‘vivem’, ao mesmo tempo, o processo territorial e o produto
territorial por intermédio de suas atividades diárias. Através das relações de poder, instauram
atos de dominação e subordinação, de forma tácita ou explícita, nas interações que os sujeitos
sociais mantêm em suas relações cotidianas.
O poder é inevitável, afinal, se há atores que desempenham determinadas
atividades e/ou funções, compreendemos que, eventualmente, existam outros atores
empenhados em “orquestrar” devidamente as atividades. É o que ocorreu com o trabalho,
historicamente, ou melhor, com a apropriação deste, socialmente, nos diferentes modos de
produção.
Por ora, limitar-nos-emos ao fato de que, historicamente, cada modo de
produção suscitou diferentes formas de produção e apropriação do espaço, isto é,
configuraram-se diferentes arranjos territoriais. Como exemplo, Corrêa (1998) argumenta
que, além da organização espacial capitalista, as singularidades dos modelos espaciais
organizados pelas sociedades feudal e colonial estabeleceram diferentes “imagens” do
território. Cada modo de produção efetiva especificidades espaciais, segundo as
determinações, necessidades e interesses das classes dominantes de cada período da história.
Fato é que o modo capitalista de produção assume um arranjo territorial característico,
particular, já que aglutina e articula processos político-jurídicos, econômicos e culturais
específicos em seus conteúdos.
Diversas produções organizam-se, no espaço, de diversos modos, em
diferentes tempos e intensidades, formando as mais variadas configurações do território, que
adquire, como enfatiza Raffestin (1993), propriedades de descontinuidade e heterogeneidade,
sobrepondo-se ao espaço e aos outros territórios de acordo com as características de cada
lugar e momento histórico.
Como existem, no mesmo espaço geográfico diversas produções
cristalizadas, organizadas em arranjos territoriais próprios, distinguindo-se por diversos
fatores, é necessário analisar individualmente cada arranjo territorial.
Sem jamais limitar as análises apenas à aparência, é de fundamental
importância uma busca histórica para compreender a gênese dos fenômenos, dos elementos e
dos fatores que condicionaram a estrutura em si. Cabe à ciência geográfica um papel muito
importante no sentido de interpretar as múltiplas facetas da organização territorial.
34
1.3 O poder: efetivação do território
Como vimos, diversas são as definições e apreensões do(s) território(s).
Fugindo a qualquer unanimidade, o conceito de território vem sendo amplamente difundido,
na Geografia e em outras ciências sociais, em suas diversas perspectivas analíticas.
Dentre as distintas definições de território descritas anteriormente, as mais
difundidas, e que caracterizam a gênese do conceito, são aquelas que enfatizam a sua
vinculação com as relações de poder, predominando sua dimensão mais política.
Nossa intenção, nesta altura do texto, é a de construirmos algumas
argumentações sobre a correlação entre o conceito de território e a noção de poder. Para tanto,
mais uma vez vale a pena dizer que adotamos uma perspectiva relacional do território e do
poder, tendo como referência Raffestin (1993) e idéias formuladas por M. Foucault,
sistematizadas na obra de Maia (1995).
De início, Russell (1990, p. 29) apresenta-nos uma idéia bastante ampla
sobre a qualidade do poder quando afirma que “o poder pode ser definido como a produção de
efeitos pretendidos”. Por seu turno, Raffestin (1993, p. 51) alerta-nos que “se há uma palavra
rebelde a qualquer definição, essa palavra é poder”.
A questão do poder foi tema abordado por F. Ratzel na tradição geográfica
de estudo do território – uma referência obrigatória para a Geografia Política – no final do
século XIX, em suas obras “Antropogeografia” (1882) e “Geografia Política” (1897).
Para Ratzel, o questão do poder, inerente ao sistema territorial, está
intimamente vinculada ao aparelho estatal. Por um lado, nota-se a estreiteza da noção de
poder em suas concepções de geografia política
4
, por outro, esse pensador dá uma grande
contribuição, quando defende a idéia de que o território (e o poder) é (são) imprescindíveis
para alcançar objetivos políticos desejados. Para ocorrer o domínio do Estado, seria
necessário, a seu ver, existir um território, com determinado tipo de solo e clima.
Aqui temos uma definição de território como solo”, cujo poder resume-se
na soberania do Estado-Nação. Para Ratzel, assim comenta Raffestin (1993), tudo se
desenvolve como se o Estado fosse o único núcleo de poder, como se todo o poder estivesse
concentrado nele. O poder emergiria, nessa ótica, de um ponto “fixo” e se materializaria nas
determinões do Estado na gestão do terririo. É o terririo área, terririo propriedade, que
4
O enfoque unidimensional do poder como monopólio estatal, presentes na literatura da Geografia Política
Clássica – uma visão política e paradigmática do poder advinda do Direito – dificulta a possibilidade da análise
relacional do poder.
35
selaria uma tradição de sua caracterização na Geografia Política: sua visão, embora superada,
naquele contexto histórico do território alemão era compreenvel, pois o Estado era o único
agente capaz de promover a gestão do território naquelas circunstâncias, dada a inexpressiva
atuação privada em um país recém-unificado politicamente.
Numa perspectiva relacional do território, o poder, tramitando por uma
vertente foucaultiana, jamais pode ser restringido a uma forma única e acabada. É esta a
crítica de Foucault em suas análises sobre o poder: a aversão de uma analítica do poder que
tome o direito como modelo. Dessa forma, como aponta Maia (1995, p. 86): “procura-se fugir
de uma tradição onde se utiliza o modelo formal e centralizador do Direito como parâmetro à
compreensão das relações de poder, modelo este que tem se revelado insuficiente para dar
conta da incessante, fluida e matizada movimentação das relações políticas e de poder”.
Como assinala Maia, referenciado em Foucault “[...] o poder é um feixe
aberto, mais ou menos coordenado (e sem dúvida mal coordenado) de relações [...]” (MAIA,
1995, p. 85). Como oportunamente lembra H. Lefebvre, apud Raffestin (1993, p. 1), é
preciso dissipar a freqüente confusão entre Estado e poder. O poder nasce muito cedo, junto
com a história que contribuiu para fazer”.
O poder, para Foucault, deve ser analisado não em termos de propriedade,
mas em termos de estratégia. “Isso implica que qualquer agrupamento humano vai estar
sempre permeado por relações de poder, posto que a existência deste tipo de relação é
coexistente à vida social” (MAIA, 1995, p. 87). O papel do Estado, numa perspectiva
relacional, tem que ser redimensionado, frente a todo exclusivismo exacerbado outrora
outorgado na tradição da Geografia Política clássica do estudo do território.
Obviamente, o Estado ainda é um elemento muito importante para se
compreender o território, principalmente porque, no modo capitalista de produção, o Estado
atua como agente organizador da economia, embora seja legitimando e objetivando as ações e
determinações do capital, proporcionando condições, em forma de subdios, para uma
precisa difusão do capital, que mobiliza todo um aparato jurídico, político e ideológico,
materializado na forma de empréstimos e financiamentos, incentivos econômicos, difusão de
informações o que demonstra alguns dos vários exemplos do pacto estatal com os agentes do
capital.
Além do mais: “[...] o Estado, enquanto forma de controle do homem sobre
as coisas e não sobre outros homens, subsistirá inclusive na sociedade muito mais
desenvolvida do futuro” (SCHAFF, 1990, p. 34).
36
Mesmo tendo em vista que, adentro no sistema produtor de mercadorias, o
Estado acaba por canalizar boa parte dos focos de poder, redimensionando-o e, mesmo,
maquiando-o, precisamos lembrar que, como assinala Maia (1995):
[...] as relações de poder se o num campo aberto de possibilidades onde,
embora constata-se o fato de encontrar-se todo o tecido social imerso em
uma ampla rede de relações de poder, não temos como corolário a
existência de um poder onipresente, esquadrinhando todos os recantos da
vida em sociedade levando a uma situação na qual o haveria espaço a
resistência e alternativas de transformação (p. 90).
o somos totalmente aprisionados pelo poder, como assinala Maia (1995, p.
91), pois “[...] a base das relações de poder seria o confronto belicoso das forças sociais em
antagonismo constante [...]”. Acrescenta esse autor, fundamentado em preceitos da analítica
de Foucault, que: “[...] há, nas relações de poder, um enfrentamento constante e perpétuo.
Como corolário dessa idéia teremos que estas relações não se dão onde não haja liberdade”
(MAIA, 1995, p. 89).
O exercício do poder pressupõe a afirmação da idéia de existência de
indiduos livres socialmente. No capitalismo, como em qualquer organização que se
fundamente nos prinpios inerentes à propriedade privada, em conseqüência lógica, os
sujeitos encontram-se em uma liberdade alienada - requisito essencial para atuarem, com seu
trabalho, de maneira determinada no complexo jogo de reprodução da vida em sociedade.
Numa tentativa de precisar o poder, Foucault fez uma série de proposições
que, segundo discorre Raffestin (1993, p. 53), elas não o definem, mas são mais importantes
que uma definição uma vez que visam à natureza do poder: a) o poder não se adquire; é
exercido a partir de inumeráveis pontos; b) as relações de poder também ocorrem em outros
tipos de relações (econômicas, sociais etc.); c) o poder vem de baixo; não há uma oposição
binária e global entre dominador e dominados; d) as relações de poder são,
concomitantemente, intencionais; e, e) onde há poder há resistência, no entanto, ou por isso
mesmo, esta jamais está em posição de exterioridade em relação ao poder.
Como percebemos, nas proposições de Foucault sistematizadas por Raffestin
(1993), com respeito à questão da essência do poder, este pode originar-se e adquirir
propriedades incontáveis, pois sua natureza provém de uma “ordem” também inesgotável em
termos de potencialidade. A saber, a sociabilidade humana. Assim, toda “[...] relação é o
ponto de surgimento do poder, e isso fundamenta a sua multidimensionalidade. A
37
intencionalidade revela a importância das finalidades, e a resistência exprime o caráter
dissimétrico que quase sempre caracteriza as relações” (RAFFESTIN, 1993, p. 53).
Em sua obra “O poder: uma análise social”, Bertrand Russell (1990, p. 13)
fundamentado em outra concepção de poder, chega a afirmar que as leis da dinâmica social
são leis que só podem ser formuladas em termos de poder, não em termos desta ou daquela
forma de poder”. E acrescenta: “percebendo que o amor ao poder é a causa das actividades
que são importantes nos assuntos sociais é que a história, quer a antiga ou a moderna, pode ser
interpretada corretamente” (RUSSELL, 1990, p. 13).
Russell (1990, p. 14) compara o poder à energia quando afirma que ele “deve
ser encarado como estando continuamente a passar de uma das suas formas a qualquer das
outras, e deveria ser o trabalho da ciência social procurar as leis de tais transformações”.
O importante é atentarmos para a circunstância de que, sendo inerente a
qualquer relação, torna-se desnecessário distinguir um poder político, de um econômico ou
cultural etc. Relação social, em qualquer dimensão (política, econômica e cultural), significa
poder em vias de territorialização, ou seja, territorialidade – conceito que exprime as múltiplas
formas de viver no terririo.
O território, seja em suas dimenes mais objetivas (potica e econômica),
seja em sua dimensão cultural mais subjetiva é, sem dúvida, produto do trabalho humano.
Trata-se do terririo apreendido em termos de poder, de apropriação e de dominação. “As
organizações podem, em seguida, controlar mais facilmente os fluxos de energia e os fluxos
de informação. Portanto, a partir daí, podem reparti-los, distribuí-los, fazê-los circular, aplicá-
los em pontos precisos para obter um outro resultado” (RAFFESTIN,1993, p. 53).
É importante destacar, ainda, que há uma multidimensionalidade do poder na
territorialidade, na qual as projeções e possibilidades dos poderes, como fluidez, são variadas.
A territorialidade é sempre uma relação, mesmo que diferenciada, com os outros atores.
Justamente por consistir em relação, o poder configura-se no formato de rede, ou melhor, em
sistema de redes em amálgama, no qual territórios heterogêneos entrecruzam-se
constantemente com suas propriedades de descontinuidade e de sobreposição.
Eis a razão por que a apreensão do sistema territorial precisa estar embasada
na noção de rede. Rede esta, como aponta Maia (1995), que permeia todo o tecido social,
articulando e integrando os diferentes focos de poder (Estado, escola, prisão, hospital, asilo,
família, fábrica, vila operária etc.) que se apóiam uns nos outros. Outro componente
fundamental do território é a identidade de cada grupo social.
38
1.4 Território e identidade
Como já enfatizado, o território é uma expressão do espaço
produzido/consumido. Por isso, indissociavelmente, suas dimensões são: economia, política,
cultura e natureza. Dimensões que redefinem o complexo jogo relacional da sociedade no
terririo.
Como em qualquer relação, o poder é constante. Em graus variados, os
poderes coexistem no tempo e no espaço manifestando as contradições e as múltiplas formas
de vivência (territorialidades) e interações no território.
A territorialidade, ou seja, o viver e o acontecer cotidiano no terririo,
representa os mandos inerentes ao próprio território e sua dinâmica relacional. Edificações,
pavimentações, leis, fronteiras, economia, mercadoria, ideologia, política, identidade,
linguagem, propriedade, entre outros, são exemplos de elementos do território, produzidos por
intermédio da territorialidade cotidiana. A territorialidade corresponde às múltiplas formas de
vivência no terririo como expressão do jogo relacional do(s) poder(es), da sociedade
(RAFFESTIN, 1993).
Os códigos simbólicos do território (símbolos, identidade, representação,
aspirações etc.) igualmente são elementos constitutivos da sociedade, logo, imaterialidade e
condicionante do poder e da territorialidade. Os códigos de identidade, intrínsecos aos
patrimônios culturais, são reproduzidos no território, no qual há diferentes ritmos e lógicas:
consubstanciam-se poderes e formas de organização territoriais. Diferentes grupos sociais em
distintos períodos históricos podem ter diferentes identidades bem como estas podem ser
reproduzidas historicamente, como ocorre com aspectos do campesinato instalado no Sul do
Brasil durante o século XIX. Diferentes grupos de italianos, alemães e poloneses dão
continuidade a certas características da vida que tinham em seus países de origem, no Rio
Grande do Sul, em Santa Catarina e no Sudoeste do Paraná, como demonstraremos no
capítulo 4.
Nessa perspectiva, num território, as centralidades culturais do passado
chocam-se com os códigos culturais difundidos no presente em sentido de contradição e/ou
complementaridade: o território é esse amálgama de mudanças e permanências.
O movimento de desterritorialização implica ao sujeito social o afastamento
físico de seu espaço de relações. Produto das contradições, pode processar-se lenta ou
abruptamente, gerando a reterritorialização, por exemplo, através de CTGs, festas
tradicionalistas, religiões, valores morais, técnicas produtivas, linguagens, vestimentas etc.
39
A desterritorialidade implica o desvencilhamento de certas relações
simbólicas e identitárias (culturais) que os sujeitos mantêm com determinado território. No
entanto, esses elementos, códigos culturais, podem permanecer ativos durante muito tempo,
mesmo sem uma relação direta com o território que, no passado, os produziu. Por sua
propriedade de permanência, os códigos simbólicos não se aniquilam em processos
imediatos” em que se consubstanciam as contradições da desterritorialização. São mais
complexos.
Em territórios e ritmos atuais, a desterritorialização, a reterritorialização e a
dinâmica das redes (de migração) remetem-nos à possibilidade de permanências de elementos
que já constitram outros territórios, em outra temporalidade. Em Francisco Beltrão/PR, no
que tange à difusão da prática artesanal da produção de alimentos, a reprodução do legado
cultural através do tradicional conhecimento produtivo agroartesanal é traço muito evidente
de certa identidade construída historicamente.
O legado cultural, artesanal, derivado das territorialidades de italianos,
alemães e poloneses em suas práticas de vida, constitui a essência dos códigos simbólicos da
reterritorialização dos imigrantes no Sul do Brasil, sendo, posteriormente, reproduzido por
seus descendentes como permanências de uma identidade, ou seja, de um passado “presente”.
A reprodução, no Sudoeste paranaense, do saber-fazer produtivo, artesanal e
familiar denota um aspecto de reterritorialização associada ao patrimônio simlico dos
gaúchos e catarinenses, descendentes de imigrantes italianos, alemães e poloneses, sobretudo.
Através das redes de migração, no processo des-re-territorialização, a
afirmação da reprodução de atividades não tipicamente capitalistas e de identidades ligadas a
pressupostos culturais artesanais e familiares foi muito importante na formação territorial do
Sudoeste paranaense a partir da colonização efetiva (pós – 1940).
As redes, o território, a territorialidade e suas representações sociais
configuram-se como um misto de relações: de sujeição e dominação, de realizações, de
subserviência etc. O trabalho, desenvolvido por atores sintagmáticos, circunscreve-se como
elemento central na análise territorial. Território, porém, não é sinônimo de liberdade; é
realização para uns, e para outros, desencanto social. O território, as redes, a identidade, o
trabalho e o poder são elementos indissociáveis e a geografia precisa buscar elaborar uma
linguagem consistente que vislumbre suas estruturas históricas, para, somente assim,
compreender o devir do(s) território(s) em sua multidimensionalidade vivida e agida.
40
1.5 O território e a questão agrária
Na produção teórica concernente à(s) questão (ões) agrária(s), a retórica das
múltiplas facetas do avanço capitalista no campo sempre alcançou lugar de destaque;
abordagens fundamentadas no efeito desagregador de relações tradicionais dada a ênfase
atribuída à imperiosidade sistêmica do capital no âmago das relações sociais de produção na
atualidade produziram uma visão homogênea do desenvolvimento centrada nas
particularidades do modo de produção capitalista e na não conflitualidade no território. O
território, pelo contrário, é multidimensionalidade, heterogeneidade, conflitualidade sociais.
Na produção artesanal e familiar, ao mesmo tempo em que o capitalismo
avança fomentando redefinições na orientação das unidades produtivas rurais, nota-se uma
reafirmação de elementos de territorialidades antigas, tradicionais, camponesas, estas
resignificadas na conflitualidade imanente aos dilemas do novo agrário.
Desse modo, temos de um lado situações estimulantes para a revivência de
padrões tradicionais”, costumeiros e antigos, de utilização da terra, da força
de trabalho e do equipamento rústico, nas quais a modernização conforme a
concepção urbana, pode ocorrer em condições artificiais e o se ligar a
processos sociais de reformulação da atividade econômica (MARTINS,
1975, p. 40).
O “novo” do capitalismo agrário, para a produção artesanal e familiar,
significa as diferentes estratégias que os atores têm que desenvolver para se autoafirmarem
como sujeitos sociais no território. Nessas circunstâncias, a conjugação de diferentes relações
no território associam os velhos e os novos conteúdos na atual dinâmica da questão agrária.
Em algumas unidades familiares, a produção mercantil, o incremento técnico, a utilização do
trabalho da família e de vizinhos, o agroartesanato e a policultura de subsistência mesclam-se
e apresentam-se como possibilidades de resistência e de manutenção de uma prática de vida
específica como verificaremos no capítulo 4. Relações novas e mais tradicionais realizam-se
no território da produção familiar, porém, a reprodução familiar é o anseio e também o que
enseja essas dinâmicas.
Na lógica de organização territorial desses produtores familiares, a
resistência cristaliza-se na inserção mercantil. Produz-se soja e aves consoante ao paradigma
do agronegócio; efetiva-se melhoramentos técnicos na unidade produtiva buscando dar
continuidade à condição de vida em que se apresentam. Não há, com isso, acúmulo de capital
pelos produtores ao adotar tais mecanismos. O que existe é um acirramento da conflitualidade
41
entre a lógica organizacional do território da produção familiar e do agronegócio capitalista.
O desenvolvimento capitalista acarreta um nível mais intenso de exploração desses produtores
familiares que, para permanecerem como produtores proprietários, necessitam de melhores
estratégias e de mais energia da família. Vejamos o que Adelmar Crestani, dono de uma
agroindústria artesanal de leite pasteurizado, ressalta em entrevista realizada em 2006:
Eu sempre falo assim: a fatia maior do bolo fica na mão do grande. Se for
analisar, todos os pequenos produtores que trabalham o praticamente
terceirizados por essas empresas grandes, que visam praticamente ganhar em
cima disso: mão-de-obra. Porque a mão-de-obra, aí, não precisa pagar muito;
nem décimo terceiro sario, nem nada. Eles tem o peão deles, é fixo deles,
mas eles não têm compromisso nenhum com esse pessoal, né. Então as
grandes empresas trabalham basicamente em cima disso.
Por sua vivência e experiência, o produtor familiar adquiriu um vel de
conhecimento considerável sobre a situação do segmento a que pertence. Crestani compara os
produtores familiares a trabalhadores assalariados, dado o nível de exploração que o
agronegócio empreende, fornecendo, em troca, um nimo de recursos unicamente para a
satisfação das necessidades desses produtores.
Em contraposição, quanto mais o capitalismo avança no espaço rural, o
trabalho agrícola torna-se mais intenso; para os produtores rurais familiares, em
circunstâncias conflituosas, o trabalho não representa sorte, mas empobrecimento.
O artesanal consolida-se, na atualidade, como uma velha forma carregada de
novo sentido: é “o capital que assegura as formas e distribui os sentidos, apropriando-se
deles” (VERGOPOULOS, 1986, p. 47). É por isso que a produção artesanal e familiar está
distante da profecia que propagou seu desaparecimento: isso se deve por sua lógica
existencial estar pautada na subsistência, no que Tavares dos Santos (1978) designou por ciclo
de reprodução da família. O campesinato, sua capacidade de autoexploração e sua lógica de
subsistência asseguram uma oferta de produtos a baixos custos, sendo competitivos mesmo
em territórios com técnicas sofisticadas.
Em se tratando do agroartesanato, a baixa composição orgânica dessas
unidades, devido à permanência de elementos tradicionais de produção nos códigos de
territorialidade das famílias, mostrou-se capaz de inserir-se no campo de força das relações
mercantis locais. Especialmente porque os alimentos produzidos pelo agroartesanato são
diferenciados, não concorrendo diretamente com os produtos das grandes agroindústrias.
Observemos o depoimento de Arthur Ferrari sobre a orientação produtiva de sua unidade:
42
Faço só embutido. Tem que fazer o que dá dinheiro. Não adianta fazer
bacon, salame defumado, não adianta fazer isso, fazer aquilo. Você leva uma
ponta de peito coloca no mercado, o cara vai lá, leva 200 gramas, dali a
pouco fica embolorado, tem que trocar. Tem que trabalhar em cima daquilo
que você ganha dinheiro. Deixa o bacon pra Sadia fazer assim os pedacinhos
de 200 gramas, 100 gramas, embalado a vácuo, certinho.
Arthur Ferrari, produtor absentsta, tem uma unidade com um vel de
inserção mercantil mais acentuado, trabalha com sua família na unidade e possui mais quatro
funcionários fixos, com carteira assinada, no processo produtivo. Primou pela especialização
produtiva do salame como diferencial produtivo, vende o salame por nove reais ao quilo,
enquanto o salame Italiano produzido pela Sadia, por exemplo, custa em média quatorze reais
em Francisco Beltrão/PR.
Como veremos no catulo 4, a boa qualidade do produto, ressaltada pelos
produtores, a oferta de produtos diferenciados (como geléias, pães, copa suína, dificilmente
produzidos pelas grandes unidades) faz com que haja em Francisco Beltrão uma disputa e
também uma sobreposição de territórios. A grande e a artesanal produção conflitualizam-se e
complementam-se na dinâmica do território local.
As estratégias no território e pelo território são múltiplas. Os produtores
artesanais caracterizam-se sobretudo por produzirem territórios de resistência contra as
estreitezas e exclusão do modo capitalista de produção. A agroindústria artesanal é um trunfo
territorial dos produtores familiares.
As novas técnicas, mais aprimoradas, necessárias à produção e que são
exigidas pela economia mercantil, eleva, assim, os custos de produção; faz com que grande
parte da renda fundiária familiar seja socialmente canalizada para o comércio, para o
segmento industrial e financeiro: o capital é esse [...] trabalho morto que, como um vampiro,
se reanima sugando o trabalho vivo, e, quanto mais o suga, mais forte se torna” (MARX,
2002, p. 271).
Em situação debilitada, o campesinato insere-se no mercado capitalista,
baseado num intercâmbio desigual de trocas, configurando-se o próprio parâmetro de sua
reprodução simples. Isso se deve ao fato de o valor cristalizado em sua mercadoria ser
superior ao seu preço pago pelo mercado, consoante demonstra Santos (1978), ao analisar os
colonos do vinho.
43
O conflito entre o campesinato e o agronegócio desenvolve-se com
veemência e constância. O enfrentamento depende do poder de resistência e esta dos atributos
do terririo camponês.
Conforme Fernandes (2007), a questão agrária é resultante dos aspectos
estruturais do modo capitalista de produção.
Este problema é criado pela lógica da reprodução ampliada do capital, que
provoca o desenvolvimento desigual, por meio da concentração de poder
expresso em diferentes formas, por exemplo: propriedade da terra, dinheiro e
tecnologia. Esta lógica produz a concentração de poder criando o poder de
concentrar, reproduzindo-se infinitamente.
O autor destaca ainda que, por ser estrutural, a questão agrária é insolúvel
sob a ótica do modo capitalista de produção. Em conseqüência, o desequilíbrio de forças nutre
de conflitualidade a relação territorial entre a produção agrária capitalista e não-capitalista. A
análise da questão agrária com vistas à conflitualidade presente na produção no(s) território(s)
circunscreve-se ao que Fernandes (2007) denomina Paradigma da Questão Agrária (PQA). O
conjunto de autores que pertencem ao PQA reconhecem a insustentabilidade do modo de
produção capitalista em promover o desenvolvimento democrático dos diferentes territórios
(camponês e do agronegócio); a análise situa-se na conflitualidade de classes e nos espaços de
enfrentamento (econômico, político, ideológico etc.). Lênin e Kautsky, conforme aponta
Fernandes, foram os pioneiros do PQA.
De outro lado, um conjunto de diferentes autores adotam uma posição
paradigmática dessemelhante ao analisarem a questão agrária: o Paradigma do Capitalismo
Agrário (PCA). A análise é deslocada da estrutura para o indiduo, e a noção de
conflitualidade de classes perde forças ao se examinar a questão agrária. A tendência a
homogeneidade das relações sociais e o papel do mercado na definição dessas relações e do
território são enaltecidos.
A adjetivação “produtor familiar” foi amplamente utilizada pelo PCA para
designar a progressiva transformação do sujeito social camponês em produtor mercantil
capitalista. Como menciona Fernandes (2007),
[...] não é a participação do camponês no mercado capitalista que o torna
capitalista. Como também não o uso de novas tecnologias ou a venda para a
indústria que o torna capitalista. É a mudança de uma relação social
organizada no trabalho familiar para uma relação social organizada na
contratação do trabalho assalariado [...].
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Reconhecemos o camponês também como produtor familiar, pois o
campesinato trabalha com a família. Em nossas análises, queremos enfatizar que, hoje, as
estratégias territoriais de mercado são essenciais no enfrentamento das famílias produtoras.
Contudo, os espaços políticos, o reconhecimento e discussão dos paradígmas são igualmente
importantes meios de cristalização de um tipo de relação social tradicional e não-capitalista.
2. A COLONIZAÇÃO DO SUDOESTE PARANAENSE: A MARCA HISTÓRICA DE
UMA FORMAÇÃO TERRITORIAL
A mesorregião em que está circunscrito o nosso recorte espacial de análise
tem a especificidade imanente de ser a última área de expansão da fronteira agrícola do
estado do Paraná. Uma região praticamente inóspita antes de 1940 ou, no dizer de
Wachowicz (1985), um vazio demográfico. O mesmo autor afirma que, no icio do século
XX, existiam, no Sudoeste paranaense, desde Mariópolis até a fronteira com a república da
Argentina, cerca de 3.000 habitantes.
Palmas, ocupada com a pecuária extensiva, era o lugar mais desenvolvido e
de ocupação mais antiga. Regionalmente, nas demais localidades, havia uma economia
cabocla mesclando agricultura incipiente com práticas primitivas de caça, pesca e coleta. Em
virtude do pequeno fluxo existente de capitais, em meio a uma floresta densa de araucária,
quase intransponível frente ao patrimônio técnico existente, a circulação de produtos ficou
comprometida durante a primeira fase de ocupação.
Nessa primeira fase de ocupação (cabocla – até 1940), além das práticas
agrícolas primitivas territorializadas pelos caboclos, mescladas com atividades também
primitivas de caça, pesca e coleta, ainda se desenvolveram, no Sudoeste paranaense, outras
atividades produtivas como coleta de erva-mate, extração de madeira – destacando-se, em
ambas as atividades, o contrabando por parte de argentinos e paraguaios – e a criação de
suínos soltos na mata, realizada pelos chamados safristas. Esses diferentes conjuntos de
relações expressavam as principais atividades produtivas territorializadas no Sudoeste nos
primórdios de sua ocupação.
Esse panorama pouco se alterou até os anos de 1940. Momento em que os
caboclos viram suas territorialidades paulatinamente serem sufocadas pela territorialização da
frente colonial eurobrasileira. Trata-se do processo posterior de ocupação
5
a que chamaremos
5
Partimos do pressuposto de que já havia sido ocupado o Sudoeste paranaense antes da chegada do migrante
eurobrasileiro. As características arcaicas em que se efetivou a ocupação e se sustentou a territorialidade
45
de colonização efetiva do Sudoeste paranaense, conduzido pelo Estado a partir da década de
1940: contexto que tentaremos detalhar, pois aí se encontra a gênese do saber fazer produtivo
agroindustrial, artesanal e familiar.
A territorialização dos migrantes, sobretudo gaúchos e catarinenses
(eurobrasileiros), no Sudoeste do Paraná, reproduzido práticas e conhecimentos específicos
inerentes aos seus patrimônios culturais, é processo e repercussão da mobilidade populacional
ocorrida no Sul do Brasil no início do século XX.
Para compreendermos a formação territorial do Sudoeste paranaense, temos
que recorrer ao movimento mais geral de produção do capital, cuja desterritorialização e
reterritorialização são traços evidentes. Uma multiplicidade de elementos nos auxiliam a
pensar esse processo desigual e contraditório de uma maneira mais ampla, conforme
evidenciam Feres (s/d), Wachowicz (1985), Saquet (2005) e Lazier (1997).
O vantajoso comércio (clandestino) da madeira e da erva-mate, realizado no
Sudoeste, teve como agravante a exploração ilegal desses recursos por parte de argentinos e
paraguaios. Uma região praticamente desocupada até então poderia, facilmente, ser alvo de
especulações estrangeiras ilegais. Isso, levado às últimas conseqüências, como “terra de
ninguém”, levantava a hipótese de que pudesse ser contestada a posse brasileira desse
território pelos argentinos como já ocorrera no episódio do Contestado (1912 1916).
Concomitantemente, a situação das terras no Rio Grande do Sul e Santa
Catarina eram preocupantes. Aos gaúchos afligia-lhes, em algumas regiões, o espectro do
fracionamento excessivo da propriedade agrícola, através do crescimento vegetativo da
população inerente à reterritorialização de imigrantes europeus, notadamente italianos,
alemães e poloneses durante o final do século XIX e início do século XX.
Os catarinenses, por sua vez, buscavam livrar-se da precariedade em que se
encontravam as terras de muitas regiões de Santa Catarina, tornadas inférteis por técnicas
agrícolas primitivas que saturaram a possibilidade de “renovação” desse recurso natural.
Tivemos a possibilidade de constatar esses fatos em entrevistas com colonos sudoestinos,
alguns pioneiros, fixados na região nas décadas de 1940 e 1950.
Todo esse caldo de contradições fez com que a desterritorialização se
processasse com intensidade nesses lugares. No caso do Sudoeste, como aponta Feres (s/d),
Getúlio Vargas tinha muitos motivos para estimular o processo de abertura da fronteira:
cabocla no Sudoeste denotam um momento histórico particular. O processo de colonização efetiva retrata
para nós o momento da vinda do migrante, principalmente gaúcho e catarinense, ao Sudoeste paranaense,
prática alicerçada por intermédio da intervenção estatal através da CANGO.
46
[...] a necessidade de resolver o problema de escassez de terras e de
emprego rural em seu próprio estado de origem, o Rio Grande do Sul; a
necessidade de dar forma à ideologia propagada pelo Estado Novo, através
do programa Marcha para o Oeste, centrado na necessidade de fixação do
homem à terra, pela criação de novas oportunidades de emprego rural nas
áreas despovoadas do país; e a necessidade de cumprir o objetivo
geopolítico, inspirado na Lei de Segurança Nacional, de ocupação da faixa
de fronteira por um campesinato próspero, socialmente calmo e
politicamente conservador, como tampão às infiltrações de contrabandistas
argentinos e paraguaios na área (p. 498 – grifo nosso).
O Sudoeste do Paraná, de maneira efetiva, começou a ser colonizado a partir
do icio da década de 1940, majoritariamente, por agricultores e pequenos comerciantes
desterritorializados, principalmente, dos Estados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina,
como já citamos.
Em 1943, para atender à eminente demanda social oriunda das contradições
emergentes, o então governo federal de Getúlio Vargas cria a Colônia Agrícola Nacional
General Osório (CANGO). Nessa década, estabelecem-se, no Sudoeste do Paraná, como
aponta Feres (s/d), práticas migratórias de ocupação efetiva da fronteira e de facilitação de
investimentos privados sob a forma de doações de terras desocupadas, mediante vendas
simbólicas.
No intuito de demonstrarmos tal fenômeno, valemo-nos de Wachowicz
(1985) que revela indícios da intensidade com que foi ocupado o Sudoeste paranaense através
da intervenção estatal. Segundo o autor, o número de famílias cadastradas pela CANGO, em
apenas uma década – entre 1947 e 1956 – aumentou mais de cinco vezes, ou seja, de 467
famílias cadastradas em 1946, passam para 2.725 em 1956, conforme podemos notar no
quadro a seguir.
Quadro II – Número de famílias cadastradas na CANGO entre 1947 e 1956
Fonte: Wachowicz, 1985.
População cadastrada pela CANGO
Ano Nº de famílias
1947 467
1948 887
1949 1.068
1950 1.440
1956 2.725
47
O fluxo de colonos propiciou um grande impulso para o surgimento de
pequenas cidades e de novas comunidades rurais, atraindo grande quantidade de bodegueiros,
comerciantes atacadistas-expeditores e caminhoneiros, que dinamizaram o fluxo de
mercadorias regionalmente. Entretanto, a economia, baseada na relação bilateral produtor-
bodegueiro, ainda era modesta em relação às demais regiões do Estado do Paraná. Em 1950,
como aponta Alves et al (2004): “a maior parte do Sudoeste paranaense estava ocupada (pela
frente colonial) e havia uma rede viária estabelecida integrando-o internamente e permitindo
que novos capitais passassem a migrar entre os diferentes terririos [...]” (p. 151).
Ainda assim, a economia do Sudoeste paranaense, até 1960, praticamente,
dependia da policultura de subsistência e, de maneira menos intensa, da extração de madeira,
da erva-mate e da criação de animais (galinhas, porcos, bovinos etc.), efetuada, em geral, em
pequenas propriedades rurais e com base no trabalho familiar (ALVES et al, 2004).
No Sudoeste do Paraná, de forma sucinta, a pequena propriedade esteve na
base da estrutura fundiária adotada através da CANGO, reproduzindo as mesmas bases
territoriais estabelecidas no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina anteriormente, como
mostramos no capítulo 3.
Mesmo com o passar das décadas, a estrutura fundiária minifundista
predomina
6
. E é uma característica particular em face de outras regiões do próprio estado do
Paraná. Derivam dessa estrutura fundamentada em pequenos estratos de área, associados a
outros fatores de ordem econômica e cultural elementos importantes para compreendermos a
razão pela qual se difundiu a produção artesanal de alimentos, conforme veremos adiante.
Na formação territorial sudoestina, na década de 1960, o Grupo Executivo
para as Terras do Sudoeste do Paraná (GETSOP) exerceu um papel primordial após a
conhecida Revolta dos Colonos de 1957, no sentido de regularizar a questão jurídica referente
à posse das terras e para atender a demanda pelo crédito agrícola, importante elemento do
processo de modernização da agricultura.
Esse momento, como revela Sposito (2005): “[...] vai demarcar,
efetivamente, a estruturação do terririo por meio da posse da terra, o que leva a uma divisão
de propriedades e à criação de descontinuidades antes não existentes (p. 29).
Resumindo, podemos afirmar que “[...] a configuração fundiária do
Sudoeste do Paraná baseou-se na eliminação da forma específica de ocupação efetivada pelos
caboclos e na colonização por migrantes dos estados do Rio Grande do Sul e de Santa
6
Ver tabela I, p.6.
48
Catarina, no período posterior a 1940, e especialmente, após a denominada Revolta de 1957”
(ABRAMOVAY, 1981, p. 91).
Em outras palavras, podemos afirmar que a efervescente territorialidade dos
migrantes suplantou a territorialidade cabocla, produzindo territórios e imprimindo-lhes
características e ritmos específicos. A propriedade privada fez com que a terra permutasse do
mero valor de uso para valor de troca. No plano de ação da CANGO ainda constava a
implementação de infra-estruturas como estradas, escolas, hospitais etc., fazendo com que se
intensificasse a circulação de mercadorias regionalmente.
Doravante, a reterritorialização da frente colonial gaúcha e catarinense, no
Sudoeste do Paraná, impôs novos ritmos à produção agrária local, favorecendo a ampliação
do mercado local e, assim, a expansão do capitalismo como modo produtivo e como sistema
de relações.
No Sudoeste do Paraná, de maneira notória, podemos identificar o papel dos
múltiplos agentes que atuaram na produção desse território. Afinal, do Estado ao indivíduo,
somos todos agentes reprodutores de relações sociais e, assim, de poder e territórios, pois “um
território é a manifestação concreta e abstrata da produção e da apropriação do espaço
geográfico por atores sintagmáticos (Raffestin, 1993, p. 143).
Mais do que isso, novamente frisamos a relevância que assume – para uma
análise científica – a historicidade dos processos geográficos na busca pela compreensão da
complexa multidimensionalidade territorial de cada momento, o que nos leva a corroborar
Saquet (2003)ao afirmar que:
[...] é necessário buscar no passado, também, a compreensão do território
atual; é preciso apreender suas diferentes determinações, seu processo de
apropriação e construção; o passado é um suporte significativo para se
compreender as singularidades dos lugares [...] (p. 20).
2.1 – A reterritorialização dos migrantes eurobrasileiros no Sudoeste paranaense
Com relação à história da colonização do Sudoeste do Paraná, há um aspecto que
se destaca: a origem locacional e a composição étnico-cultural da população reterritorializada,
pois, na formação histórica do território, a cultura exerceu uma centralidade importante,
notoriamente no que tange à reprodução e difusão de um conhecimento agroartesanal – um
49
saber fazer produtivo desterritorializado e que tem seu epicentro histórico em países como a
Itália e a Alemanha.
Foto 1:
Moradia da família
Macari, localizada na
Sessão São Miguel,
Francisco Beltrão/PR. A
arquitetura da residência
foi influenciada
culturalmente por seus
antepassados italianos.
Fonte: trabalho de campo,
2006.
Ruy Wachowicz (1985), em trabalho exaustivo de garimpagem dos
registros de casamento em fontes cartorárias, mapeou a origem da população que se fixou no
Sudoeste paranaense. Segundo o autor, em seu recorte temporal de estudo, entre 1900 e 1975,
registrou-se a presença de 97.786 cônjuges, dos quais, 30.651 eram paranaenses (31,4%),
24.283 eram catarinenses (24,8%) e 41.907 gaúchos, correspondendo a 42,9% do total.
A procedência de outros estados e países é ínfima frente ao universo
pesquisado: estrangeiros (0,15%), São Paulo (0,19%), Minas Gerais (0,11%) e Bahia (0,03%).
Wachowicz (1985) destaca também que os cônjuges paranaenses registrados, em sua maior
parte, já residiam no Sudoeste antes de optarem pela instituição do matrimônio: [...] o que
vem a demonstrar que a colonização da região não atraiu populações significativas de outros
munipios do próprio estado (p. 303).
A região norte do Rio Grande do Sul e a central de Santa Catarina foram os
principais locais de onde migraram para o Sudoeste, dadas as circunstâncias históricas em que
se alimentaram as contradições sociais, como já apontamos anteriormente.
Os migrantes gaúchos e catarinenses, por seu turno, constitam-se
majoritariamente como descendentes de pais, avós... que já haviam, no século XIX, sofrido
processos de desterritorialização em alguns países da Europa, principalmente na Itália,
Alemanha e Polônia, e que, em momento posterior, por força das determinações sociais,
50
implícitas na reprodução ampliada do sistema, reterritorializaram-se no Centro-Sul do Brasil,
principalmente nos estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e São Paulo.
A desterritorialização italiana para o Brasil, por exemplo, para o Rio Grande
do Sul, Santa Catarina e, concomitantemente, para São Paulo – sob determinações sociais
diferentes, foi um processo resultante, segundo Saquet (2003), do movimento de expansão do
capitalismo que:
[...] expropriou para apropriar no Brasil e em outros lugares; expropriou
para ter força de trabalho à disposição dos industriais emergentes e dos
latifundiários. A mudança de uma formação socioeconômica feudal para o
modo de produção predominantemente capitalista produziu novas formas de
propriedade, de apropriação e de produção do espaço e do território na Itália
[...] Deste modo, o capital expande seus tentáculos lentamente no espaço
agrário italiano, envolvendo milhares de longínquos produtores agrícolas e
artesanais (p.57-8).
O apreço pela imigração de italianos não foi obra do acaso. Tanto o Estado
brasileiro como o italiano atuaram no sentido de promover o aparato técnico-ideológico
(corporificado nas agências de emigração) para o deslocamento dessas pessoas. Desse modo:
[...] os processos de des-territorialização e re-territorialização italiana são produtos das
necessidades das classes hegemônicas e dos Estados italiano e brasileiro, no movimento de
expansão do capitalismo no nível internacional” (SAQUET, 2003, p. 68)
7
.
Como enfatiza o mesmo autor, a colonização italiana no extremo Sul do
Brasil foi promovida com um conteúdo complementar, porque se necessitava satisfazer as
cobranças externas sobre a situação dos imigrantes no Brasil e produzir alimentos para o
mercado interno. O capital apropria para explorar, promovendo um movimento constante
erigido com base na des-re-territorialização da força de trabalho.
Para Saquet (2003), o movimento de formação de uma economia de
mercado, na Itália, levou à mobilidade territorial da força de trabalho no final do século XIX:
emigraram camponeses pobres, sem capital familiar para melhorar a produção e camponeses
expropriados [...]” (p. 62).
Porém, se, por um lado, a permanência da produção familiar com técnicas
rudimentares agravou a situação de vida dos camponeses, por outro, a lenta
introdução de algumas técnicas em algumas unidades produtivas liberou
força de trabalho. Emigraram porque eram pobres, com uma economia
familiar estacionária e porque houve a introdução de novas técnicas e
7
Saquet (2003) realizou consistente estudo sobre a colonização italiana. O autor, utilizando argumentação
teórico-metodológico calcada no conceito de território, oferece possibilidades de entendermos o movimento
de des-re-territorialização italiana no Brasil, sobretudo no Rio Grande do Sul, ao enfocar os aspectos
econômicos, poticos e culturais do movimento.
51
tecnologias em produções que absorviam, aentão, parte do excedente de
força de trabalho da família agricultora (p. 70).
O autor argumenta que, em suas territorialidades cotidianas, os italianos
eram apegados a valores ligados à permanência, à estabilidade, aos costumes, à obediência.
Toda essa estrutura era alicerçada numa base fundamentalmente patriarcal, culturalmente
envolvida num tradicionalismo conservador.
As atividades artesanais eram comuns entre os agricultores italianos que,
segundo afirma Saquet (2003), residiam no espaço agrário, ocupando pequenos ou
pequeníssimos pedaços de chão. Com técnicas artesanais, essas atividades cumpriam o papel
de subsistência da família. As atividades artesanais urbanas também denotavam características
culturais dos imigrantes italianos, profissões como de ferreiro, oleiro, carpinteiro, alfaiate etc.
eram comuns e foram efetivadas nas áreas de imigração italiana no Brasil.
A reterritorialização, como expressão econômica, política e cultural da
desterritorialização, marcou o enraizamento de italianos no Brasil, principalmente no Rio
Grande do Sul e Santa Catarina. Reterritorialização que significa firmação em um
determinado lugar do patrimônio cultural de um povo desterritorializado de suas práticas de
vivência original: de produção, de valores, de ideologias, de expressão material etc.
A reterritorialização italiana no Sul do Brasil, conforme as determinações
locais, conseguiu firmar-se como expressão cultural de um modo característico de
sociabilidade.
Apesar da forma de apropriação dos lotes rurais, conseguiram reproduzir na
colônia [Silveira Martins/RS], am de características de suas produções
agrícolas e artesanal, elementos de seu modo de vida cultural, atras da
alimentação (polenta, massas, vinho, salame, fortaglia, queijos...), das
roupas, da religião (igrejas, santos, capitéis, cantos, festas etc.) e dos
próprios dialetos, constituindo no território local, territórios [...] (SAQUET,
2003, p. 105)
O mesmo autor acrescenta que,
As atividades artesanais alimentícias e de vestuário, intimamente ligadas à
economia e à unidade produtiva familiar também se mantiveram. A
diversidade das produções artesanais continua sendo fruto das necessidades
impostas pelas atividades cotidianas e da falta e precariedade das vias e
meios de circulação e comunicação (p. 130).
Imigrantes, agora feitos gaúchos e catarinenses, suas gerações perpetuadas
constituem-se personificação e representação de seus próprios trunfos culturais. Porém, a
52
lógica do capital continua a agir e a desenvolver refletindo suas contradições. O desgaste do
solo por técnicas agropecuárias predatórias (sem orientação técnica) aliado à contínua vinda
de imigrantes ao Rio Grande do Sul e Santa Catarina e ao crescimento natural da população
fizeram com que o fracionamento excessivo da propriedade agrícola tornasse insustentável,
naqueles parâmetros, o modelo exploratório implantado.
No primeiro triênio do século XX, o processo de migração – ao longo do
interior do Brasil, onde existiam vastas áreas procias ao avanço da fronteira agrícola foi
uma forma intensamente praticada por gaúchos e catarinenses quando foram condicionados a
migrar, acirrando as contradições anteriormente mencionadas.
O Sudoeste e o Oeste paranaenses, grande parte do Mato Grosso do Sul,
Mato Grosso e Rondônia (oeste brasileiro) foram destinos pretendidos pelos fluxos
migratórios que ganhavam corpo. Em áreas de colonização, devido a elementos históricos
(técnicos, fundiários e financeiros), estão ali afloradas as possibilidades do desenvolvimento
de formas embrionárias do modo capitalista de produção através da policultura de
subsistência e mercantil.
A produção artesanal é uma das permanências efetivadas pelos
eurobrasileiros em seu processo de dispersão territorial pelo Brasil como atividade cultural, de
subsistência e mercantil: uma rugosidade, reflexo de um patrimônio cultural herdado. No
Sudoeste do Paraná, os descendentes de alemães, poloneses e italianos reproduzem
determinadas práticas econômicas como cultivo dos parreirais, da cevada e da instalação de
moinhos, serrarias e sapatarias; a transformação da carne suína em salames e outros
derivados; atividades culturais, através de festas, danças e canções; a religiosidade e, ainda,
aspectos de sua organização política, especialmente práticas de ajuda mútua e associações que
permanecem até os anos 1980.
53
Foto 2: Moinho
colonial de
propriedade dos
irmãos Minella.
Locali
zado no
bairro Pinheirinho,
perímetro urbano
de Francisco
Beltrão/PR, o
moinho processa
diversos cereais
(milho, trigo,
cevada etc.).
Fonte: trabalho de
campo realizado
em 2004.
2.2 – Uma definição de agroindústria artesanal
Quanto ao nosso objeto de estudo, torna-se necessário esclarecer que, por
questões teórico-conceituais, adotamos a designação agroindústrias artesanais e familiares ou
agroartesanato” para designar as unidades produtivas que nos propomos a estudar.
As unidades produtoras de alimentos que analisamos têm como
característica um ritmo de produção artesanal com centralidade no trabalho familiar e com
uma abrangência de mercado eminentemente local, uma das características da colonização
efetiva do Sudoeste do Paraná, como mencionamos anteriormente.
A produção artesanal e familiar efetiva-se como uma atividade não
especificamente capitalista, como mencionamos no capítulo 1. Nessa lógica, as relações de
trabalho familiares, a propriedade da terra e dos instrumentos de trabalho otimizam o ciclo da
reprodução familiar. Sob a ótica mercantil do modo capitalista de produção, ingressam no
mercado, perifericamente, e participam do que Marx (2002) designou de “circulação simples
de mercadoria”.
Com a agroindústria artesanal, busca-se, fundamentalmente, agregar mais
valor ao trabalho familiar, por intermédio da produção e transformação intra-unidade (in loco)
de alimentos e a venda direta ao consumidor. Constata-se maior autonomia na organização
desse território, tendo em vista a baixa participação do capital comercial e financeiro nos
parâmetros de produção e circulação de mercadorias das unidades agroartesanais e familiares.
54
A conotação artesanal da produção também ganha destaque devido à baixa
escala de produção existente nessas unidades, cuja base está no uso de tecnologias
rudimentares e, principalmente no trabalho familiar, sustentando a reprodução simples da
família.
Como permanência histórica de uma forma antiga de transformar alimentos,
os parâmetros (técnicas e instrumentos de trabalho) artesanais de produção representam a
reprodução local de um conhecimento tradicional herdado no contexto da reterritorialização
italiana e alemã no Sul do Brasil.
É importante esclarecer a particularidade cultural do saber fazer produtivo
dos colonos eurobrasileiros, difundido localmente na formação territorial do Sudoeste do
Paraná e diferenciar a atividade agroindustrial artesanal das grandes unidades agroindustriais
tipicamente capitalistas, integradoras e nós constitutivos das redes sustentadas pelos preceitos
organizacionais dos complexos agroindustriais (CAIs).
Podemos ainda utilizar diferentes denominações para aludir às unidades
agroindustriais artesanais como, por exemplo, agroindústrias familiares, agroindústrias rurais,
agroindústrias de pequeno porte, agroindústrias de pequena escala, agroindústrias
descentralizadas, agroindústrias coloniais etc. como bem expressa Mariot (2002).
Porém, em linhas gerais, sentimos a necessidade de expressar a razão que
nos motivou a adotar à designação “artesanal” ao analisar a dinâmica territorial das
agroindústrias rurais de Francisco Beltrão/PR.
Utilizamos a adjetivação artesanal para ressaltar um segmento específico da
produção agroindustrial que se diferencia em diversos atributos das agroindústrias
integradoras como, por exemplo, a Sadia, a Perdigão e a Parmalat.
Agroindústrias artesanais são pequenas unidades – em escala de produção e
produtividade e em estrutura física (estabelecimento) – que transformam alimentos, sem o
sistema típico de integração utilizado pelas grandes agroindústrias integradoras.
Normalmente, como afirmamos anteriormente, estas unidades estão baseadas no trabalho da
família e no mercado local, conforme demonstraremos no capítulo 4.
Porém, essa caracterização encobre uma realidade extremamente complexa e
heterogênea.
De antemão, podemos adiantar que a diferenciabilidade é uma sistemática
dessa atividade. Existe um pluralismo de elementos e fatores associados à produção artesanal,
como distintas relações de trabalho que se efetivam no processo produtivo – não tipicamente
capitalistas e outras com traços de um capitalismo embrionário –; as diferenciabilidades de
55
gestão territorial intra-unidade (policultura de subsistência e/ou especialização produtiva); as
distintas relações com o mercado e com os parâmetros de produção são encontradas na
dinâmica territorial do agroartesanato beltronense.
Doravante, caminhando no terreno da explicação, alguns pontos em comum
podem ser identificados entre as unidades estudadas: a) são pequenas unidades de produção
de alimentos (em espaço físico e produção); b) produzem no intuito de atender nichos de
mercado locais ou, em raras situações, regionais; c) a mão-de-obra dos membros da família
basta, na maioria das vezes, para atender a demanda do processo produtivo; d) têm sua
dinâmica vinculada à economia agropecuária intra-unidade; e) sustentam-se em práticas,
conhecimentos e experiências herdadas de geração em geração.
Um conceito precisa aproximar-se o máximo possível da realidade objetiva,
da cotidianidade e da complexidade das quais os fatos sociais (e/ou naturais) fazem parte. Ao
mesmo tempo que o pesquisador não pode deixar-se ludibriar com a vastidão de
manifestações particulares inerentes a um dado território, igualmente é um equívoco
desprezar sutilezas que, por vezes, animam o território.
Na atividade agroartesanal sudoestina, particularidades como a do elemento
cultural espelhado na territorialização do saber fazer produtivo, das relações familiares, da
policultura de subsistência, do ritmo artesanal produtivo e da territorialidade de mercado são
trunfos do território e precisam ser levadas em consideração no conjunto das expressões
territoriais. Por cultura, assim como Ribeiro (1978), entendemos, como segue:
[...] patrimônio simbólico dos modos padronizados de pensar e de saber que
se manifestam materialmente, nos artefatos e bens; expressamente, atras
da conduta social e, ideologicamente, pela comunicação simbólica e pela
formulação da experiência social em corpos de saber, de crenças e de
valores (p. 34-5).
Nas dimensões cultural e econômica do agroartesanato, o “artesanal” é
definido pelas características da produção (técnicas e instrumentos de trabalho) e pelo
elemento familiar, pela importância do fator cultural como conhecimentos reproduzidos e
pelas relações tradicionais de trabalho predominantes.
Com a noção de produção artesanal objetiva-se expressar uma atividade de
produção de alimentos, mantida, na maioria das vezes, por um grupo familiar como prática
mercantil e/ou de subsistência. As unidades produtivas que estudamos, por serem atividades
artesanais, diferem das grandes unidades agroindustriais, cujo método de ação promove uma
corrida frenética pelo tempo acelerado da reprodução ampliada do capital.
56
Em seu contexto, o componente cultural da atividade agrega um valor
simbólico e de identidade ao segmento, no qual produzir vai além do fato de desprender
energia, nervos, cérebro, músculos etc. O produzir significa também auto-reproduzir-se, ou
seja, produzir consciência, como bem argumenta Martins (1978): a colheita já é assim, por
dizer, pensamento, parafraseando Lefebvre (2001).
Na analítica territorial, é preciso apreender teoricamente os diversos
aspectos da produção e apropriação do território e da vida em sociedade. A dimeno cultural
não é menos importante no conjunto de elementos e interrelações que se consubstanciam na
dinâmica territorial. Assim, cultura, economia e política mesclam-se e interagem,
pressupondo sempre uma analítica relacional do(s) poder(es).
A territorialidade, expressão objetiva/subjetiva do território
consumido/reproduzido, segundo revela Saquet (2004), [...] é o acontecer de todas as
atividades cotidianas, seja no espaço do trabalho, do lazer, na igreja, na família, na escola etc.,
resultado e condição do processo de produção de cada território, de cada lugar” (p. 140). A
respeito da territorialidade Saquet (2004) afirma, ainda, que:
A territorialidade é cotidiana, multiforme e as relações o múltiplas, e por
isso, os territórios também o o, revelando a complexidade social e, ao
mesmo tempo, as relações de dominação de indivíduos ou grupos sociais
com uma parcela do espaço geográfico (Idem, p. 140).
Enfim, é nesse contexto que nos propomos a estudar a produção artesanal de
alimentos em Francisco Beltrão/PR, caracterizando a produção simples de produtos de
subsistência e mercadorias e, ao mesmo tempo, alguns aspectos identitários que estão
presentes nessa produção. Nosso enfoque é, portanto, para processos e características
econômicas e culturais, sem deixar de explicar alguns traços políticos inerentes ao jogo de
poder que envolve a Prefeitura Municipal e a EMATER.
Em virtude do enfoque analítico que privilegiamos, nosso estudo está
centrado na análise das agroindústrias artesanais rurais de Francisco Beltrão/PR no período
entre 1940 e 2007. As agroindústrias urbanas têm outras lógicas organizacionais e, por conta
disso, não estão contempladas em nossa pesquisa. A título de ilustração, optamos por estudar
uma (01) unidade urbana para detalharmos algumas características de sua dinâmica em
contraponto com as agroindústrias artesanais rurais.
Ademais, ao caracterizarmos as agroindústrias artesanais rurais beltronenses
a partir do reconhecimento da identidade fundida no patrimônio cultural local, estaremos
fazendo referência a uma estrutura que se assenta em alguns princípios típicos do espaço rural
57
como, por exemplo, a vinculação da atividade com a dinâmica organizacional intra-
propriedade.
O agroartesanato urbano, por mais que possa conter alguns desses elementos
citados, contém algumas especificidades derivadas do fato da família produtora estar
dissociada da produção agropecuária. Em geral, o surgimento da atividade agroartesanal em
ambiente urbano está associado mais diretamente à emergência de um nicho de mercado
local.
No espaço rural, como poderemos observar no catulo 4, a produção
artesanal também tem-se destacado como forma de resistência dos pequenos produtores
agrícolas e familiares contra a exclusão e as estreitezas político-econômicas geradas e
difundidas, sobretudo, com a intensificação do processo de modernização agrícola no
Sudoeste paranaense: atuação dos CAIs, dependência do capital comercial, industrial e
financeiro.
3. CARACTERÍSTICAS DAS AGROINDÚSTRIAS ARTESANAIS NO SUDOESTE
PARANAENSE
O processo histórico de colonização incumbiu-se de dotar o Sudoeste do
Paraná de uma estrutura econômico-social homogênea em vários aspectos: o predomínio do
minifúndio, a mão-de-obra familiar, a policultura, a territorialidade eurobrasileira, o saber
fazer produtivo, todos são elementos intnsecos à dinâmica territorial sudoestina. Dinâmica
territorial que resulta de uma processualidade histórica, movimento de territorialidades
reproduzidas e tornadas mais complexas.
A estrutura fundiária minifundista tem suas origens no projeto estatal de
ocupação efetiva da região de fronteira. A territorialização de um povo culturalmente
conservador, economicamente assentado em pequenas propriedades foi a retórica adotada pela
CANGO, no governo Vargas, a partir de 1943, conforme já mencionamos.
Na tabela I, podemos notar claramente que, mesmo com o passar dos anos,
essa estrutura predominantemente minifundista ainda se sustenta regionalmente.
Segundo os dados do IBGE, em 1970, aproximadamente trinta anos após o
icio da colonização efetiva empreendida pela CANGO, 94% dos estabelecimentos estavam
distribdos no estrato de área de até 50 hectares. Constata-se na década de 1980 quase o
mesmo percentual, com leve redução para 92% em 1995/96. Porém, diminui a área ocupada
por esses estabelecimentos. No Sudoeste paranaense, em 1970, a área ocupada pelos
58
estabelecimentos agropecuários com até 50 hectares representavam 69% da área total e, em
1995/96, esse percentual diminuiu para 58%, o que denota certa concentração fundiária nos
estratos de área maiores, principalmente no estrato de 100 a menos de 1000 hectares e uma
perda considerável de terras nos estabelecimentos menores: há fragmentação e concentração
de terras, como ocorre em outras regiões do Brasil.
Consoante podemos observar, mesmo com a existência de grandes
estabelecimentos (aos parâmetros locais), o pequeno estabelecimento continua a base
econômica da agricultura no Sudoeste paranaense. O que não é sinônimo de retrocesso e
insustentabilidade econômica, muito ao contrário. A partir da década de 1970, constata-se um
processo de modernização agropecuária, principalmente em relação ao incremento da base
técnica da produção, especialização produtiva e aumento de produtividade de algumas
culturas como a soja, o fumo e o milho, em detrimento de culturas tradicionais como o feijão.
Ocorre também, no decorrer da década de 1980, a introdução, no Sudoeste, de grandes
complexos agroindustriais nas áreas de tabaco, frangos, suínos e leite. Tudo isso se desenrola
em consonância com uma estrutura territorial específica de que tratamos anteriormente.
Tabela I – Estabelecimentos agropecuários e área ocupada, por estratos de área no
Sudoeste do Paraná (1970-1995/96)
Estabelecimentos agropecuários (%)
1970 1980 1995/96
Estratos de área (ha)
Estab. Área Estab. Área Estab. Área
Menos de 5 19,70 3,39 24,02 3,95 19,60 2,93
5 a menos de 10 20,39 7,72 23,53 9,38 23,60 8,25
10 a menos de 20 28,74 20,38 27,25 20,76 28,44 18,88
20 a menos de 50 25,32 37,36 19,61 31,06 20,62 28,07
50 a menos de 100 4,46 14,91 3,91 14,13 5,00 14,46
100 a menos de 200 0,97 6,33 1,11 7,93 1,79 10,37
200 a menos de 500 0,34 4,95 0,38 5,84 0,79 10,71
500 a menos de 1000 0,05 1,62 0,08 2,90 0,13 4,28
1000 a menos de 2000 0,02 1,44 0,02 1,72 0,02 1,36
2000 a menos de 5000 0,01 0,69 0,01 1,72 0,01 0,69
5000 ou mais 0,00 1,21 0,01 0,61 - -
Sem declaração - - 0,07 0,00 - -
Total 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00
Fonte: IBGE/Censos agropecuários de 1970, 1980 e 1995/96.
No final da década de 1980 e, sobretudo, na década de 1990, a
territorialização de grandes agroindústrias, no Sudoeste paranaense, como a Souza Cruz, a
Sadia, a Perdigão e a Parmalat, é mais um indicativo de que essa região, particularizada por
59
determinações históricas, não se manteve alheia ao processo de modernização agrícola.
Mesmo assim, a pequena propriedade, a policultura e o trabalho familiar consolidaram-se
histórica e paralelamente à uma produção agrícola mecanizada e predominantemente
mercantil.
A título de exemplificação da territorialização desse processo em tempos
atuais, somente no munipio de Francisco Beltrão/PR, segundo dados da Prefeitura
Municipal (2006), existiam mais de 800 aviários, integrados à Sadia – produzindo com
investimentos significativos num ambiente tecnológico de padrão internacional.
Por intermédio das redes, é possível esse jogo de escalas, local – global,
fazendo com que uma região como o Sudoeste, historicamente singular por conta das
características de sua formação territorial, conecte-se ao circuito global de trocas, enfrentando
as crises do próprio sistema mercantil ou ajustando-se ao movimento de expansão do capital.
A diferenciabilidade de tempos faz com que, num mesmo lugar,
agroindústrias artesanais locais dividam espaço com complexos agroindustriais (CAIs)
profundamente vinculados ao mercado internacional. E o que é mais intrigante, num mesmo
estabelecimento rural, podemos encontrar: produção agrícola de subsistência; produção
agropecuária mercantil; produção artesanal e aviário integrado à Sadia. A realidade local
desafia constantemente o pesquisador e os modelos interpretativos construídos. Tal
diferenciabilidade é fruto e característica do processo de formação territorial, da combinação
entre mudanças e permanências, inovações e não-inovações que se conectam lentamente.
No leque de possibilidades que é o território, abordaremos, doravante, as
características da produção artesanal e familiar no Sudoeste paranaense. Uma temporalidade
lenta, resquício de uma territorialidade já vivida em outros territórios e por intermédio das
redes de migração; o processo de reterritorialização possibilitou aos migrantes a
reterritorialidade de seus elementos simbólicos e de identidade no local escolhido, além da
difusão regional do patrimônio cultural herdado de seus antepassados.
Um exemplo de permanência e de reterritorialização de traços simbólicos, ligados à
60
identidade, encontramos no estabelecimento da família Lago. Ali, convivem três irmãos e
suas respectivas famílias efetuando suas atividades econômicas conjuntamente. Além de
terem na propriedade três aviários de 100 x 12 metros (por aviário) integrados à Sadia,
produzem soja, milho, produtos alimentares e criam gado de leite. Com o leite, as mulheres da
família fazem o queijo em uma agroindústria artesanal situada no estabelecimento, servindo
de complemento de renda ao orçamento doméstico.
Dessa forma, as famílias reproduzem o saber fazer produtivo, fazendo o queijo com
técnicas artesanais inerentes a seu patrimônio simbólico herdado e, ao mesmo tempo,
transferindo ao território os elementos de suas territorialidades fazem parte da dinâmica
territorial da produção agroindustrial artesanal que destacaremos no capítulo 4.
Apresentamos, a seguir, algumas considerações acerca da organização territorial atual
da atividade agroindustrial artesanal no Sudoeste paranaense. Para efetivarmos a análise,
apoiamo-nos no Diagnóstico Unidades Agroindustriais, estudo de campo realizado pela
EMATER/PR, publicado em 2006, visando caracterizar, com diversos dados coletados
empiricamente, as distintas etapas do processo agroindustrial artesanal e familiar na região
em estudo.
O Diagnóstico, base de dados para caracterizarmos a produção agroartesanal
sudoestina, está dividido em cinco partes, organizadas da seguinte maneira: 1) estabelece a
caracterização das unidades; 2) acresce informações individuais sobre cada unidade; 3)
apresenta características referentes à gestão das unidades; 4) apresenta dados sobre a
comercialização e; 5) reúne outras informações sobre a dinâmica regional da atividade.
Com essas informações, destacamos aspectos gerais do segmento em escala
mesorregional e, em seguida, aprofundarmos nosso enfoque analisando a dinâmica territorial
das agroindústrias artesanais em Francisco Beltrão/PR.
Segundo consta no diagnóstico citado, o universo das agroindústrias presentes na
61
pesquisa está representado por uma amostra de 55 unidades artesanais (dentre um total
estimado de 305 unidades), em sua quase totalidade localizadas no espaço rural, escolhidas
intencionalmente, sendo 26 pertencentes ao ramo de produtos de origem animal, 22 do ramo
de produtos de origem vegetal e 7 de panificação, espacialmente distribdas entre os 42
munipios que integram a região chamada “Meso-Mercosul
8
” (porção Sudoeste paranaense)
da seguinte forma: 3 em Ampére, 4 em Barracão, 1 em Bom Jesus do Sul, 3 em Capanema, 1
em Chopinzinho, 2 em Coronel Vivida, 1 em Cruzeiro do Iguaçu, 3 em Dois Vizinhos, 1 em
Enéas Marques, 7 em Francisco Beltrão, 2 em Itapejara do Oeste, 4 em Mariópolis, 1 em
Mangueirinha, 2 em Marmeleiro, 3 em Planalto, 3 em Pato Branco, 2 em Pranchita, 1 em
Realeza, 2 em Santo Antonio do Sudoeste, 2 em São Jorge do Oeste, 3 em Salgado Filho, 2
em Santa Izabel do Oeste e 2 em Verê, conforme representado no mapa 2, num total de 23
municípios
9
.
No Sudoeste do Paraná, devido ao predomínio da pequena propriedade associada à
mão-de-obra familiar, o setor primário (agropecuário) tem significativa importância na
economia regional, envolvendo boa parte da população. A populão total do Sudoeste
paranaense (472.626) divide-se em 60% urbana e 40% rural, um índice ainda significativo
frente ao panorama do Estado do Paraná, que tem um percentual de 81% de habitantes
classificados como urbanos e 19% de habitantes rurais, conforme consta no Censo
Demográfico (IBGE, 2000).
8
A chamada região Meso-Mercosul, utilizada pela EMATER ao produzir o Diagnóstico Unidades
Agroindustriais (2006), integra as porções Sudoeste do Paraná, Oeste de Santa Catarina e Noroeste do Rio
Grande do Sul por possuírem características territoriais semelhantes.
9
Dentre os 23 municípios estudados, apenas o município de Mangueirinha não se enquadra na classificação
mesorregional efetivada pelo IBGE.
62
63
A população rural tem diminuído desde a década de 1970, reflexo do
processo de modernização da agricultura e de outros fatores. No entanto, parte da população
sudoestina ainda exerce suas atividades no setor primário: somam-se 41,4% da população
ocupada de 10 anos de idade ou mais, segundo IBGE (2000), ou seja, aproximadamente 92
mil pessoas, consoante podemos observar na tabela II a seguir:
Tabela II – Número e percentual de pessoas de 10 e mais anos de idade ocupadas por
setores da economia no Sudoeste do Paraná (1970-2000)
Setores da economia
Primário* Secundário** Terciário***
Ano
n. % n. % n. %
Total de
pessoas
ocupadas
1970 127.470 82,73 8.186 5,31 18.423 11,96 154.079
1980 128.254 64,77 21.939 11,08 47.809 24,15 198.002
1991 119.192 55,43 26.623 12,38 69.203 32,19 215.018
2000 92.193
41,41 43.162 19,39 87.280 39,20 222.635
Fonte: IBGE/Censos demográficos de 1970, 1980, 1991 e 2000.
* Refere-se às atividades agropecuárias, caça, pesca e extrativismo; ** Refere-se à indústria de
transformação, de energia, de construção civil e extrativistas *** Refere-se ao comércio de mercadorias,
prestação de serviços, funcionalismo público e militares.
Mesmo havendo aumento no total absoluto de pessoas ocupadas na soma
dos três setores da economia no Sudoeste paranaense, podemos perceber nitidamente a
ocorrência de uma redução significativa de pessoas ocupadas no setor primário, com variação
negativa de mais de 40% entre as décadas de 1970 e 2000.
Paralelamente, o número de pessoais ocupados no setor secundário
aumentou de 5,31% em 1970, para 19,39% em 2000. O mesmo acréscimo nota-se na
dinâmica do setor terciário. Em 1970, o setor terciário envolvia 11,6% do pessoal ocupado
enquanto o percentual aumentou para 39,2% em 2000, revelando mudanças significativas na
economia regional através da industrialização e da maior complexidade das atividades de
serviços em cidades como Francisco Beltrão, Pato Branco e Dois Vizinhos.
Em síntese, houve, a partir de 1970 até o ano de 2000, um significativo
aumento da população empregada nos setores secundário e terciário em detrimento do
número de pessoas ocupadas no setor primário. Em decorrência da modernização da
agricultura processa-se a substituição da mão-de-obra ocupada em lavouras de commodities,
que, por sua vez, incitam a uma complexificação maior da base técnica das explorações
agropecuárias e a maior especialização do trabalho. Além disso, no Sudoeste do Paraná, a
partir dos anos de 1980, ocorre uma diversificação e o incremento da produção industrial;
juntamente com o crescimento das cidades mencionadas anteriormente.
64
Nas décadas subseqüentes a 1970, o fluxo populacional rural buscou
territorializar-se nas emergentes atividades urbanas (indústrias, serviços etc.), algumas
vinculadas à economia agropecuária regional (abatedouros, venda de equipamentos e
assistência técnica para aviários, venda de insumos agrícolas etc.).
No entanto, a análise da mão-de-obra ocupada nos estabelecimentos rurais do
Sudoeste paranaense confirma, ainda, o grande usufruto de trabalho familiar nas produções
agropecuárias no Sudoeste paranaense. Mais de 90% das categorias de pessoal ocupado em
2000 são compostas por familiares. Mesmo os dados apontando para a redução de todas as
categorias de pessoal ocupado na agropecuária, entre os anos de 1985 e 1995/96 – mais uma
evidência da substituição da força de trabalho no campo – a quantidade de braços familiares
nas produções agropecuárias merece destaque.
Tabela III – Pessoal ocupado na agropecuária no Sudoeste do Paraná (1985-1995/96)
Pessoal ocupado na agropecuária
Categoria
1985
(%) 1995/96 (%)
Variação
(n.)
Variação
(%)
Familiares 202.743 89,3 144.588 91,0 -58.155 28,68
Empregados permanentes 6.308 2,7 6.249 3,7 -59 0,94
Empregados temporários 14.983 6,6 6.041 3,7 -8.942 59,68
Outros 2.964 1,3 2.681 1,6 -283 9,55
Total 226.998 100 159.559 100 -67439 29,71
Fonte: IBGE/Censos agropecuários
Complementando a análise, percebemos que a redução das ocupações no
setor agropecuário do Sudoeste paranaense também se justifica pelo fato do aumento de
outras despesas no setor (base técnica). Por exemplo, o aumento das despesas com adubos e
corretivos, com defensivos agrícolas e rações em detrimento dos gastos com serviços típicos
de empreitada e de gastos com salários: uma evidência das transformações instauradas com a
modernização da agricultura.
Tabela IV - Despesas na agropecuária do Sudoeste paranaense (1970-1995/96)
Despesas no ano (%)
Insumos
1970 1980 1995/96
Salários 10,16 7,13 5,28
Adubos e corretivos 0,38 11,78 9,55
Sementes e mudas 4,65 7,82 5,01
Defensivos 1,05 3,15 5,60
Rações 21,14 27,28 32,88
Serviços de empreitada 11,38 3,38 2,13
Outras despesas 51,24 39,46 39,55
Total de despesas 100,00 100,00 100,00
Fonte: IBGE/Censos agropecuários de 1970, 1980 e 1995/96.
65
Alguns dados são bastante ilustrativos. Em termos relativos, analisando os
Censos Agropecuários do IBGE, notamos que as despesas agropecuárias, entre as décadas de
1970 e os anos de 1995/96, tiveram um direcionamento das despesas agropecuárias na
utilização em maior quantidade de adubos e corretivos, defensivos e rações. Os gastos com
salários, por exemplo, reduziram-se pela metade assim como os serviços de empreitada
(comum nas pequenas e médias propriedades) diminuíram mais de 5 vezes. Enquanto isso, em
menos de 30 anos, os gastos agropecuários com defensivos aumentaram regionalmente mais
de 3 vezes e os gastos com adubos e corretivos aumentam 25 vezes. Evidentemente, aumenta
significativamente os gastos com as aquisições de máquinas agrícolas conforme demonstra
Santos (2008).
Mesmo não sendo diretamente nosso interesse de estudo, é importante
destacar essas transformações que vêm cristalizando-se no espaço agrário do Sudoeste
paranaense. A existência de agroindústrias artesanais também se vincula a esse movimento
mais geral como resposta (resistência) ou direcionamento (adequação) às transformações em
relevo, consoante veremos adiante.
Em resumo, mesmo com a seqüência de transformações na base técnica da
agropecuária, com suas contradições intrínsecas, a pequena propriedade e a força de trabalho
familiar são elementos centrais para entendermos a dinâmica territorial do espaço agrário do
Sudoeste paranaense.
3.1 – As agroindústrias artesanais do Sudoeste
A produção agroartesanal paranaense é uma das
melhores alternativas para a elevação da renda e
fortalecimento da agricultura. Também é uma
atividade que contribui para fixar o homem no
meio rural. Hoje a agroindustrialização abandonou
seu papel secundário, passando a ser a principal
atividade para muitos agricultores. Uma das
características dos produtos fabricados nas
propriedades paranaenses é que eles são
produzidos em pequena escala, pela família e com
receitas transmitidas ao longo de gerações, o que
lhes confere valores étnicos e culturais.
EMATER/PR
10
.
As agroindústrias proporcionam aos
agricultores agregação de valor aos seus
produtos, oportunidades de mercado e geração
de novos empregos no meio rural, elevando
desta forma a renda do agricultor e contribuindo
assim com a diminuição do êxodo rural.
Prefeitura Municipal de Francisco Beltrão/PR
11
.
10
Extraído de http://www.emater.pr.gov.br
, acesso em: 20/02/2007.
11
Extraído de http://www.franciscobeltrao.pr.gov.br, acesso em: 19/02/2007.
66
Os órgãos governamentais competentes que prestam assessoria às
agroindústrias artesanais do Sudoeste são enfáticos ao ratificarem a importância dessa
atividade produtiva, no sentido da dinamização da economia rural (e urbana), contribuindo
para manter a população no campo através de um incremento à renda das famílias produtoras,
alcançado por intermédio da transformação de produtos agropecuários, ou seja, através das
agroindústrias artesanais.
Ao longo das gerações, a reprodução cultural de conhecimentos e
experiências produtivas acumuladas (transmissão de receitas, produção dos cultivares,
manipulação de matérias-prima etc.) constituem elementos significativos para pensarmos a
territorialidade regional do saber fazer produtivo artesanal e familiar – de descendência
italiana, alemã e polonesa.
As técnicas rudimentares e a permanência de características artesanais na
produção em várias agroindústrias, mesmo sendo determinação da baixa fluidez de capital e
dos embaraços da dimeno econômica do território, assumem muitas vezes uma conotação
de resistência. Resistência no sentido dos proprietários procurarem reproduzir o saber fazer
produtivo acumulado pelas gerações na vida campesina: a atividade artesanal tem sido,
historicamente, uma produção complementar à agrícola.
Um indício disso foi identificado no discurso de Adair Reolon, proprietário
de uma agroindústria artesanal de derivados de suíno (salame, copa, lingüiça, banha etc.), ao
ser interrogado sobre sua capacitação profissional, relatou-nos sua experiência “trágica” num
curso profissionalizante de que participou em Cascavel/PR.
Acostumado a produzir salames com técnicas artesanais, Adair Reolon
criticou o curso ofertado pelo fato de que, na ocasião, a orientação produtiva primava pela
manipulação química da produção. Muito embora a resistência por parte de alguns
proprietários agroindustriais possa denotar um empecilho à difusão de novas tecnologias e
orientações produtivas modernas, as permanências são traços fundamentais da herança do
patrimônio cultural e da territorialidade vivida pelos sujeitos sociais em questão. O território
contempla essas múltiplas possibilidades.
De fato, para os sujeitos sociais envolvidos, a importância que a produção
agroartesanal assume, no momento atual, para muitas famílias é algo surpreendente, pois
constatamos mais de perto essa situação em Francisco Beltrão/PR. As limitações e
possibilidades de expansão do segmento são, entretanto, pontos carentes de explicitações.
É difícil precisar ao certo a quantidade de agroindústrias artesanais existentes
no Sudoeste paranaense. Por ser uma atividade tipicamente artesanal, isto é, desprovida de
67
produção em escala e com tecnologia muitas vezes incipiente, torna a transformação passível
de existência até no ambiente de uma cozinha doméstica.
E é o que de fato ocorre: uma disseminação da atividade agroartesanal nas
condições mais variáveis que possamos imaginar; desde um tacho a céu aberto até uma
unidade com tecnologias mais modernas e regulamentada e formalizada ambiental e
sanitariamente.
Por causa dessa diversidade de manifestações da produção agroartesanal,
decidimos estudar a parte desse segmento que possui, senão selos de inspeção, no mínimo,
uma estrutura física (construções) capaz de atribuir à atividade um ambiente mais
profissional”. Não queremos entrar na discussão do que é ser profissional ou não. De
variadas maneiras, os produtores desenvolvem suas habilidades na reprodução artesanal de
seus legados culturais, familiares.
Embora cientes da importância de um enfoque holístico da atividade
agroartesanal, nossa impossibilidade momentânea de levantar dados de todo o universo da
produção regional levou-nos a restringir o estudo das agroindústrias, inicialmente, às unidades
inspecionadas situadas no espaço rural – estabelecimentos legalizados, que seguem padrões
técnico-sanitários de funcionamento impostos pelo Serviço de Inspeção Municipal (SIM).
Posteriormente, em população reduzida, também analisaremos algumas unidades não
inspecionadas para compreendermos as particularidades da lógica de sua organização
territorial
12
.
A EMATER também estabelece uma determinada distinção ao caracterizar
as agroindústrias presentes em seus planos de ação. Uma atividade agroartesanal irregular
(para padrões técnico-sanitários do SIM) como um tacho a céu aberto, utilizado na produção
do melado ou do açúcar mascavo, não é considerada agroindústria por esse órgão
governamental, mesmo porque sua caracterização imprecisa, como o seu caráter temporário
inviabilizam qualquer plano de ação mais centrado.
Conforme levantamentos da EMATER (2003), no Estado do Paraná, existem
aproximadamente 1.272 agroindústrias do tipo artesanal, que processam diversos produtos
nos diferentes ramos produtivos, dentre eles os derivados de leite, carne suína, pescado, cana-
de-açúcar, vegetais e de panificação.
Com relação ao número de agroindústrias artesanais existentes no Sudoeste
do Paraná, a única fonte de dados existente a que podemos recorrer é a do “Plano de
desenvolvimento sustentável do Sudoeste do Paraná”, elaborado pela EMATER em 1999.
12
Detalhando a população estudada, efetivaremos a análise dos dados de campo no capítulo quarto.
68
Nesse relatório, consta um total de 305 unidades no Sudoeste paranaense (42
municípios
13
), sendo 174 unidades concentradas na região de Francisco Beltrão/PR (27
munipios) e 131 estabelecimentos na região de Pato Branco/PR (15 munipios) – ver
quadro III.
Dessas agroindústrias, 46,6% (127 unidades) possuíam registro de inspeção
(86 unidades pelo SIM, 26 pelo SIP, 06 pelo SIF e 09 estabelecimentos com outros tipos de
registros). Ou seja, mais da metade das agroindústrias de que se tinha conhecimento (53,4%
ou 178 unidades) operam ilegalmente, sem um prévio monitoramento dos parâmetros
sanitários e ambientais de produção.
Quadro III - Número de agroindústrias de pequeno porte existentes nas
regiões de Francisco Beltrão/PR e Pato Branco/PR em 1999
Ramo produtivo
Região de
Francisco
Beltrão/PR
Região de
Pato
Branco/PR
Abate de bovinos e suínos 05 05
Leite e queijos 36 32
Peixes 05 09
Vegetais 36 08
Cana-de-açúcar 37 24
Panificação 02 10
Aves/ovos 10 10
Vassouras 05 05
Embutidos e defumados 33 12
Processamento de cereais 02 12
Erva-mate - 02
Artesanato 01 01
Mel e derivados 01 02
Total 174 131
Total geral...........................................................................................305
Fonte: Plano de Desenvolvimento Sustentável do Sudoeste do Paraná, 1999.
Ainda tendo como referência o “Plano de desenvolvimento sustentável do
Sudoeste do Paraná” (1999), era perceptível uma significativa concentração de certos ramos
agroindustriais nessa época. Apenas 03 tipos de matéria-prima (cana-de-açúcar, leite e suíno –
de um total de 29) envolviam mais de 50% do total das agroindústrias artesanais no Sudoeste
paranaense.
13
A classificação mesorregional que adotamos para analisar o Sudoeste paranaense é a mesma utilizada pelo IBGE,
integrando 37 municípios. No entanto, existem outras classificações para a mesorregião Sudoeste do Paraná. A
classificação utilizada pela EMATER divide o Sudoeste em duas regiões (Francisco Beltrão e Pato Branco), somando-se,
assim, 42 municípios ao Sudoeste. Pela classificação do IBGE, os municípios de Clevelândia, Coronel Domingos Soares,
Mangueirinha, Palmas e Honório Serpa não fazem parte da classificação Mesorregional do Sudoeste paranaense.
69
Como podemos notar no quadro III, nas regiões de Francisco Beltrão/PR e
Pato Branco/PR, as agroindústrias artesanais dos ramos produtivos de leite e queijo, cana-de-
açúcar e embutidos e defumados, juntas, somam 174 unidades, num total geral estimado em
305 estabelecimentos artesanais, ou seja, esses ramos produtivos representam 57% das
unidades produtivas envolvidas no estudo do Plano de Desenvolvimento Sustentável do
Sudoeste do Paraná (1999). Ainda, se somarmos a equação anterior às agroindústrias do ramo
produtivo de vegetais, 44 unidades, a concentração das atividades artesanais nesses ramos
produtivos chega a mais de 70%.
No quadro IV, segundo os dados do Plano de Desenvolvimento Sustentável
do Sudoeste do Paraná (1999), temos a situação do número de agroindústrias artesanais com
relação aos registros por produto.
Pode-se notar que a adesão pelo Sistema de Inspeção Municipal (SIM) é o
mais notório, principalmente com relação aos produtos: carne, embutidos, leite e queijos. O
caráter artesanal de muitas unidades – força de trabalho familiar, técnicas rudimentares, baixa
escala de produção etc. – inviabiliza em diversas circunstâncias a adesão a um selo de
inspeção mais abrangente como é o caso do Sistema de Inspeção Paranaense (SIP). O
aumento de encargos tributários, a necessidade de contratação de um contador especializado,
entre outros fatores, foram obstáculos que identificamos junto aos produtores artesanais com
realização de entrevistas.
No quadro IV, podemos notar claramente o baixo índice de adesão ao selo de
inspeção na data em questão, seja ele Municipal, Estadual ou Federal. Esse caráter local
reforça a lógica artesanal dessas produções. Podemos observar que, das 37 unidades que
produzem açúcar mascavo, apenas três possuíam em 1999 selos de inspeção, as três
inspecionadas pelo SIM. Das agroindústrias que produziam melado (21 agroindústrias
artesanais), apenas uma unidade possuía selo de inspeção registrada pelo SIM. Das 15
agroindústrias que produziam aguardente nenhuma era inspecionada.
As agroindústrias artesanais do ramo de carne possuíam índice um pouco
maior de adesão aos selos de inspeção: das 36 agroindústrias artesanais que produziam carne
(venda de recortes bovinos e suínos), dezenove possuíam SIM, nove o SIP e uma unidade
possuía o SIF. As 36 unidades que produziam embutidos, muitas provavelmente sejam as
mesmas agroindústrias do ramo de carne, onze possuíam selo do SIM e quatro do SIP.
70
Quadro IV - Número de agroindústrias e situação dos registros no Sudoeste do Paraná
PRODUTOS
Nº de agroindústrias SIM SIP SIF
Açúcar mascavo 37 03
Aguardente 15
Amendoim 01
Arroz 08 01
Biju (farinha) 01
Biscoito/bolacha 05
Canjica 04 02
Carne 36 19 09 01
Cereais 01
Charque 01
Compota 02
Conserva 09
Costela defumada 03
Cuca/bolo 02
Doce 06 01
Embutido 36 11 04
Erva-mate 01
Farinha de milho 03
Farinha de trigo 09 01
Feijão 03
Filé de peixe 07 01 04
Fruta/verdura 03
Fubá 13 02
Iogurte 04 02
Leite bovino 16 11 01 01
Leite de cabra 02 02 01
Licor 01
Massa 02
Massa de tomate 01
Mel 03 01
Melado 21 01
Ovos de codorna 03
Ovos de galinha 06 05 01
Pão 02
Pipoca 03 01
Polpa de frutas 02 01
Queijos 46 20 06 04
Rapadura 08 01
Salgado 01
Suco 01
Torresmo 01
Vinho 11
Fonte: Plano de desenvolvimento sustentável do Sudoeste do Paraná, 1999.
71
Quadro V - Número de agroindústrias por produto e tipo de matéria-prima no
Sudoeste paranaense em 1999
Matéria-prima Produtos Nº de agroindústrias
Abelha (mel bruto) Mel, cera e própolis 03
Abóbora Doce 05
Amendoim Rapadura e amendoim beneficiado 07
Arroz Arroz beneficiado 09
Aves (frangos) Carnes e ovos selecionados 22
Bovinos Carne, embutido e charque 17
Cabra (leite bruto) Leite 02
Cana-de-açúcar Açúcar mascavo, melado, aguardente e rapadura
57
Cenoura Doce e conserva 03
Cereais Cereais beneficiados 02
Ovos de codorna Ovo ingredientes in natura e conserva 03
Erva-mate Erva-mate e chá 01
Farinha de trigo Pão, massa, bolacha, cuca, torta, salgado e bolo 08
Feijão Feijão beneficiado 02
Figo Figada 02
Fruta Fruta embalada, polpa e doce 09
Leite Leite pasteurizado, queijo e iogurte
60
Milho Fubá, farinha, quirera, biju e canjica 16
Olerícola Conserva 06
Peixes Filé 07
Pepinos Conserva 05
Pipocas Pipoca 02
Rãs Carne 01
Sorgo Vassoura 05
Suíno Carne, embutido, defumado e torresmo
43
Tomate Massa de tomate 02
Trigo Farinha de trigo 09
Uvas Vinho e suco 11
Fonte: Plano de desenvolvimento sustentável do Sudoeste do Paraná, 1999.
Ainda analisando o quadro IV, podemos notar que as agroindústrias
artesanais do ramo de queijos (46 unidades) e de leite (18 – caprino e bovino) eram as que
possuíam maior amplitude de fiscalização; respectivamente, trinta e dezesseis unidades
tinham selos de inspeção. Dentre todas as unidades que produziam os produtos destacados no
quadro IV, apenas seis possuíam Selo de Inspeção Federal, o que revela a restrição de
mercado devido ao baixo índice de incremento tecnológico nas unidades.
De acordo com os dados do Diagnóstico Unidades Agroindustriais (2006)
14,
no universo pesquisado de 55 unidades agroindustriais, 34% são constituídas por grupos de
14
É necessário esclarecer que a amostragem para a mesorregião Sudoeste paranaense foi de 23 municípios.
72
duas ou mais famílias e 38% constitdas individualmente (proprietário mais cônjuge e/ou
filhos), o que reforça o caráter familiar dessas atividades produtivas.
O maior número de unidades pesquisadas faz parte do ramo de leite com
28%. Na seqüência, os ramos de cana-de-açúcar (25%) e carnes (20%) também possuem
números significativos de unidades produtivas. O ramo produtivo de frutas e de hortaliças
apresentou menor percentual (7%), conforme está representado no gráfico I.
Gráfico I - Distribuição dos ramos produtivos agroindustriais analisados no Diagnóstico
Unidades Agroindustriais – EMATER/PR
28%
25%
20%
13%
7%
7%
Leite Canade-açúcar Carne Panificão Frutas
Hortaliças
Fonte: Diagnóstico Unidades Agroindustriais, EMATER/PR, 2006.
A pesquisa priorizou as unidades produtivas do espaço rural (96% do total).
Assim, a organização dos dados do Diagnóstico Unidades Agroindustriais contempla aspectos
importantes da pesquisa, já que a quase totalidade das unidades estudadas situava-se no
espaço rural, haja vista que o exercício dessa atividade conjugada à economia agropecuária
prescinde de uma organização territorial diferenciada.
O universo pesquisado identificou um total de 376 famílias com 1.129
pessoas beneficiadas diretamente com a atividade agroindustrial artesanal. Assim, as 55
unidades envolvem em média 20,5 pessoas/unidade, gerando emprego e renda aos sujeitos
sociais envolvidos.
Do total da força de trabalho utilizada no segmento das agroindústrias em
questão, 51% é exclusivamente familiar, como apontam os dados da EMATER; 42 %
73
afirmaram utilizar mão-de-obra familiar juntamente com a contratada; e apenas 2% dos
entrevistados (01 ocorrência) utilizavam mão-de-obra exclusivamente contratada; 5% não
responderam ao item do questionário.
Além disso, 56% das pessoas contratadas nas unidades estudadas recebem
salário fixo por mês enquanto, nas unidades com mão-de-obra familiar, 51% não tem definido
a forma de salário ou não realizam retiradas mensais. Outro dado com relação à mão-de-obra
ocupada é elucidativo: 76% das pessoas contratadas nas unidades não têm registro em carteira
profissional.
Podemos observar o predomínio do trabalho familiar associado à força de
trabalho contratada temporariamente (93% das ocorrências). As circunstâncias em que
ocorrem as relações de produção espelham o caráter artesanal dessas agroindústrias.
A disponibilidade da mão-de-obra familiar de jovens e adultos (homens e
mulheres) e a contratação de temporários no processo produtivo são fortes elementos
presentes nessa forma de produção. Como destacou-nos Celso Reolon em entrevista
concedida em 2007:
A cachaça é praticamente um mês que a gente faz, mês de julho. A gente
pega diarista porque a gente da família o vence porque bem dizer é só
três que trabalha na cachaça. Daí a gente trabalha, precisa de umas dez
pessoas por dia pra produção. Plantio e limpa é a família mesmo que faz
porque tem tempo. É na colheita que precisa, colheita, moer, puxar e tem
que cuidar do alambique. É os vizinhos que vem ajudar.
A contratação dos “diaristas”, trabalhadores volantes, ocorrem em várias
unidades de maneira esporádica, nos picos de produção. As pessoas contratadas são vizinhos
de propriedade e muitas vezes trocam-se dias de trabalho, auxiliam-se mutuamente. Os
contratados o vizinhos pobres e o envolvidos jovens produtores rurais, ou como eles
mesmo dizem, a piazada.
A utilização da força de trabalho não se baseia na extração de mais-trabalho,
é sim uma forma de assegurar o processo produtivo nas unidades, visto que as atividades são
múltiplas e, por vezes, têm que ser desenvolvidas num mesmo período de tempo dos ciclos
produtivos.
Com a modernização da agricultura, a introdução de técnicas que garantem
elevada produtividade do trabalho provocou efeitos nas relações de trabalho intra-unidade e
no mercado de trabalho agrícola. A ociosidade de muitos braços da família, principalmente de
mulheres e pessoas de idade mais avançada é um desses efeitos. A produção artesanal
possibilita aos braços que estavam ociosos, em virtude dos efeitos da modernização
74
agropecuária, terem novamente através do trabalho uma participação mais efetiva na
composição da renda familiar. A agroindústria artesanal propicia a geração de emprego às
famílias envolvidas, fazendo da cooperação familiar um elemento essencial da territorialidade
produtiva. Inclusive as crianças auxiliam no trabalho agroartesanal, o que concebemos por
educação para o trabalho.
Em Francisco Beltrão/PR, tivemos a oportunidade de constatar a utilização
em potencial da força de trabalho de toda a família na atividade agroindustrial, como veremos
no capítulo 4.
A situação de encurralamento com que muitas famílias minifundistas se
depararam devido ao acirramento das contradições engendradas pelo fenômeno agrário da
modernização da agricultura e a disponibilidade de braços, ociosos em virtude do
engendramento dessas mesmas contradições do sistema, fizeram da produção artesanal uma
alternativa plausível de inclusão através da geração de trabalho e renda.
A utilização interna da força de trabalho familiar e da mão-de-obra
contratada temporariamente, mergulhada na informalidade (os chamados diaristas), evidencia
uma forma de autoexploração, embora não estritamente integrada ao sistema capitalista de
produção. À margem, pois, de acordo com o próprio Marx (2002), no livro primeiro de O
Capital:
[...] a produção capitalista só começa realmente quando um mesmo capital
particular ocupa, de uma só vez, número considerável de trabalhadores,
quando o processo de trabalho amplia sua escala e fornece produtos em maior
quantidade. A atuação simultânea de grande mero de trabalhadores, no
mesmo local, ou, se se quiser, no mesmo campo de atividade, para produzir a
mesma espécie de mercadoria sob o comando do mesmo capitalista constitui,
histórica e logicamente, o ponto de partida da produção capitalista (p. 375).
Muito embora algumas unidades já sinalizem para uma produção capitalista
embrionária devido à utilização de mão-de-obra contratada (durante o tempo de trabalho e o
tempo de produção) e à alteração da forma social da mercadoria em algumas dessas unidades
(D-M-D), a produção artesanal não é uma atividade tipicamente capitalista. A dinâmica das
agroindústrias artesanais é caracterizada por uma lógica territorial familiar não tipicamente
capitalista.
O conceito de territorialidade alicerçado em uma análise relacional do poder,
instrumentaliza-nos a pensar, numa escala micro, as contradições entre os pactos de poder
existentes que suprem o território de dinamicidade. As contradições não são obra apenas do
sistema capitalista de produção, o sim produto de uma dialética social do viver no território.
75
Contraditoriamente, o desenrolar cotidiano de uma territorialidade dita
familiar, ao mesmo tempo que mescla sujeição disfarçada ao sistema social produtor de
mercadorias, também é agente ativo na produção de relações sociais. A sistemática do poder
no terririo condiciona relacionalmente a emergência de relações entre dominadores e
sujeitados sociais, numa espiral sempre refeita. Em virtude das relações de poder, a
territorialidade significa a possibilidade de “aprisionamento” ou de “libertação”, conforme
nos sugere Raffestin (1993).
Na dinâmica territorial da produção agroartesanal, efetivam-se
territorialidades múltiplas (relações na família, no trabalho agropecuário, relações no
mercado, com os parâmetros de produção, nas permanências culturais etc.). São pequenas
unidades individualizadas e sem organização política maior. Ao invés de se complementarem,
articulando em conjunto suas ações na luta pelo território, entram em situações de
concorrência, consoante veremos adiante.
O tamanho das unidades dá uma idéia da dimensão da produção: 53% das
unidades tem até 100m2 de área construída. Obviamente, o tamanho físico da unidade não é
parâmetro para identificarmos a dimensão exata de uma produção; seria uma leitura simplista.
Todavia, como as condições tecnológicas são isentas de maiores investimentos em inovações,
esse pequeno espaço, conjugado a técnicas artesanais, permite o exercício de tímidas
produções. E tal fator condiciona o predomínio do trabalho familiar e da força de trabalho
contratada.
As relações de trabalho nas agroindústrias artesanais adaptam-se às
circunstâncias de cada unidade. É esse caráter polivalente da força de trabalho e seu grau de
autoexploração que assegura, em grande parte, a reprodução da atividade, já que ela se
mantém na ótica mercantil sob uma frágil combinação de elementos.
Notamos isso ao analisarmos o período de funcionamento das unidades: 67%
das unidades estudadas pela EMATER têm até cinco anos de existência. As unidades que
funcionam há mais de dez anos correspondem a 11% do total, conforme representado no
quadro VI.
76
Quadro VI - Período de funcionamento das unidades produtivas em anos
Unidades
Inspecionadas
Não inspecionadas
Total
Períodos
nº % % %
De 10 anos acima 4 11% 02 11% 06 11%
De 06 a 09 anos 9 24% 03 17% 12 22%
De 04 e 05 anos 14 38% 11 61% 25 45%
Menos 01 ano até 03 10 27% 02 11% 12 22%
Total 37 100% 18 100% 55 100%
Fonte: Diagnóstico Unidades Agroindustriais, EMATER/PR, 2006.
Tais dados possuem duas explicações. De antemão, é essencial destacar que
o conceito de agroindústria artesanal de transformação de alimentos definido pela EMATER é
restrito a unidades que contenham um espaço físico próprio para o processo de produção, por
exemplo, uma construção de 5 por 5 metros, com equipamentos mínimos e técnicas de
manejo exigidos pelo SIM para a pasteurização de leite ou produção de embutidos.
Em virtude desses critérios definidos pela EMATER na coleta dos dados,
esse tipo mais específico de unidade artesanal de transformação de alimentos é mais recente,
em Francisco Beltrão, tomando maiores dimensões, em 1996, quando instituído o SIM.
Contudo, a prática da produção artesanal de alimentos no Sudoeste data do processo de
colonização (1950 e 1960, sobretudo) com suas peculiaridades culturais já destacadas.
Retornando os dados presentes do quadro VI, a primeira explicação é que o
estímulo para a produção artesanal é algo substancialmente recente no Sudoeste, datado de
cerca de oito anos atrás, com a criação, em muitos munipios, dos selos de inspeção
municipal (SIM), com inspeção da atividade, garantindo uma expansão (mercantil) mais
significativa. Em Francisco Beltrão, o SIM foi criado recentemente, em 1996.
Outra explicação vem afirmar a instabilidade do segmento frente às
dificuldades enfrentadas: a) estímulo governamental insuficiente; b) escasso investimento em
assistência técnica e incentivos financeiros; c) fatores ligados à lógica de condução do
empreendimento tornando-o suscetível a ligeiras crises e mesmo a “leves” alterações na
dinâmica do mercado e na organização interna.
O diagnóstico da EMATER destaca os diversos riscos do empreendimento
tornar-se inviável, seja por fatores internos (administração, processos, canais de distribuição e
outros) ou por forças externas (mercado competitivo, falta de apoio da sociedade e outros).
Aos moldes do que ocorre com os empreendimentos empresariais urbanos,
acrescenta o relatório da EMATER, assim, a necessidade de investimentos na capacitação dos
produtores bem como planos de necio são imprescindíveis para garantir a continuidade,
77
expansão, manutenção da atividade e o sucesso dos empreendimentos. Isso destaca a
crescente faceta mercantil que envolve a atividade, a partir da atuação do Estado.
As unidades destacadas no diagnóstico da EMATER, nos diferentes ramos
produtivos (carne, cana-de-açúcar, hortifrutigranjeiros, leite, panificação e outros), têm sua
produção distribuída do seguinte modo:
Quadro VII - Tipo de produtos e quantidade produzida mensalmente
Ramo Produtos Unidade Medida Produção
Chouriço Kg 400
Costela defumada Kg 20
Couro bovino unidade 50
Frango Kg 9.250
Lingüiça Kg 1.528
Morcilha Kg 250
Ovos codorna em conserva Vidro 300 gr. 3.000
Salame tipo italiano Kg 8.500
Torresmo Kg 450
Bacon defumado Kg 24
Banha Kg 750
Carcaça de bovino Kg 9.000
Carcaça de suíno Kg 6.000
Carne bovina Kg 6.000
Carne
Carne suína Kg 200
Açúcar mascavo Kg 7.525
Cachaça Litros 6.750
Melado Kg 6.549
Pé-de-moleque Unidade 100
Cana-de-
açúcar
Rapadura Kg 522
Cebola em conserva
Vidro 320 gr. 450
Doces diversos
Kg 326
Geléias diversas
Kg 61
Pepinos em conserva
Kg 1.470
Picles
Vidro 320 gr. 50
Vinagrete
Vidro 320 gr. 160
H o r ti-
f r u t i-
granjei-
ros
Vinhos Litro 35.833
Iogurte
Litro 4.000
Leite pasteurizado
Litro 28.034
Manteiga
Kg 1.704
Nata
Kg 1.081
Leite
Queijos Kg 56.362
Bolachas diversas
Kg 4.230
Bolos
Unidade 60
Cucas
Kg 950
Macarrão
Kg 1220
Massas caseiras
Kg 80
Panifi-
cação
Pães (caseiros) Unidade 1.310
Nozes (meia e inteira) Kg 37
Outros
Salgadinhos Bandeja/pacotes 270
Fonte: Diagnóstico Unidades Agroindustriais, EMATER/PR, 2006.
78
O Diagnóstico Unidades Agroindustriais (2006), partindo de uma
amostragem de 55 agroindústrias artesanais, nos ramos de carne, cana-de-açúcar,
hortifrutigranjeiros, leite, panificação e outros, oferece uma base de dados que permitem
verificar a exteno das produções familiares, corroborando seu caráter artesanal.
Dentre os diversos produtos transformados nos diferentes ramos produtivos,
alguns se destacam. De um total de 40 produtos catalogados (grosso modo), alguns merecem
destaque por conter uma concentração “mais expressiva” (para os parâmetros artesanais
regionais) da produção; são eles: queijos, vinhos, leite pasteurizado, salame, frango, melado,
cachaça e açúcar mascavo. Contudo, a diversificação da produção é fundamental no que tange
à dinâmica territorial das agroindústrias artesanais. Cabe ressaltar que os produtos
transformados superam em muito essa marca de 40 identificados no Diagnóstico Unidades
Agroindustriais da EMATER.
As agroindústrias sudoestinas têm no caráter artesanal e diversificado da
produção seu ponto de referência. Notamos um exemplo disso ao perguntarmos para Tobias
Korb, proprietário de uma agroindústria de queijos, localizada na “comunidade” Jacutinga,
em Francisco Beltrão/PR, quais foram (são) as maiores dificuldades enfrentadas na atividade.
Entre outros comentários, citou enfático como dificuldade a padronização do
sabor do produto (do queijo colonial) requerido pelo mercado. Outra dificuldade foi “achar o
ponto” do queijo produzido com o leite pasteurizado. Essas afirmativas dão-nos conta do
caráter artesanal da produção. São produções artesanais em escala de produção, em unidade
física e em montante de investimentos (ver gráficos na seqüência), cuja geração de produtos
difere do tempo acelerado das grandes unidades agroindustriais capitalistas (CAIs).
Na unidade produtiva familiar e policultora, a escala artesanal e a qualidade
de polivalência da mão-de-obra familiar e/ou contratada possibilitam diversificação da
produção e a própria diversificação inerente à policultura, exigem uma quantidade razoável de
mão-de-obra.
Essa característica da agroindústria artesanal permite-nos pensar localmente o
convívio de sua dinâmica territorial com grandes unidades agroindustriais, cujo mecanismo
acelerativo da reprodução ampliada regula suas ações territoriais.
Torna-se, assim, condizente falarmos em territórios e territorialidades
sobrepostas. No Sudoeste, o ritmo lento da produção artesanal encontra espaços nos meandros
do sistema em que a diversificação produtiva é intensa e constrói seus territórios e
territorialidades com identidades próprias. Somente a partir de um enfoque multidimensional
é que podemos perceber esses descompassos do(s) e no(s) terririo(s).
79
A desconfiança pela homogeneidade, pregada como produto consumido do
cotidiano, parece-nos, de icio, um caminho promissor na compreensão da diferenciabilidade
que se estabelece na amálgama territorial.
Na lógica territorial das agroindústrias artesanais sudoestinas, embora ainda
existam muitas agroindústrias não inspecionadas, operando clandestinamente nos nichos de
mercado em que se formam, busca-se principalmente esse diferencial de qualidade do produto
colonial, no qual os códigos simbólicos e culturais também estão sendo evocados como
diferenciabilidade e potencial agregação de valor às mercadorias. Potencial, pois esse
elemento histórico necessita ser melhor trabalhado como estratégia de mercado, centrado no
princípio da difusão dos valores do velho, atuantes na territorialidade do novo.
Uma territorialidade nova exprime o acúmulo de relações históricas dos
momentos de territorialidade do velho. Este é revestido de novas formas e seus conteúdos
dotados de novos significados no jogo de relações do território.
A produção agroartesanal do Sudoeste, no momento atual, expressa, em sua
territorialidade, as qualidades do velho e do novo, ora em sentido de complementaridade, ora
em sentido de distanciamento. O novo é uma superação do velho, no entanto, é também
resultado do movimento deste.
O ritmo de produção artesanal, as técnicas rudimentares de produção, a
relação de trabalho familiar (na agroindústria e na propriedade) são elementos do velho
difundidos e readequados às atuais territorialidades do novo.
Citamos como exemplo a agroindústria de pasteurização de leite da família
de Adelmar Crestani. A estratégia de mercado é sustentada pelo saber fazer tradicional que a
família possui na produção do leite, garantindo, por essa procedência e por esses atributos, a
qualidade do produto no mercado regional.
De acordo com Saquet (2005, p. 132), “O velho é re-criado no novo, num
movimento concomitante de descontinuidade e continuidade”. A formação territorial atual da
produção artesanal do Sudoeste reúne aspectos da permanência da totalidade anterior,
reterritorializada.
As descontinuidades, engendradas no movimento histórico, transformam o
velho, superam-no; no entanto, os elementos de territorialidades já vividas não estão fadados
ao desaparecimento; a força motriz do devir histórico aviva o velho e o novo, atribui-lhes
novos significados em sistemas territoriais e territorialidades inacabadas.
O atual, e ainda inicial, conteúdo mercantil emanado das produções
agroindustriais artesanais têm, em seus códigos de territorialidades, suscitado, nesta
80
sistemática de mercado, o novo, que remete a uma transfiguração dos velhos códigos culturais
da produção artesanal – que não desaparece – assentada originalmente na policultura, na
polivalência do trabalho e na subsistência familiar.
No que tange ao levantamento da EMATER (2006), o total de investimentos
em instalações, máquinas e equipamentos das 55 unidades pesquisadas totalizou R$
4.941.500,00 (quatro milhões, novecentos e quarenta e um mil e quinhentos reais), divididos
da seguinte forma:
Os valores, representados abaixo no Gráfico II, representam a quantidade
de investimentos realizados desde a origem de cada unidade produtiva. Agregam a esse
cálculo, investimentos em instalações, em matéria-prima, capital empregado, aquisição de
equipamentos etc.
Aproximadamente 70% dos entrevistados indicaram ter investido até R$
99.000,00 na unidade, em custos diversos de instalações, máquinas e equipamentos. Mesmo
considerando que 30% das indicações extrapolam esse valor, em apenas uma unidade foram
investidos mais de R$ 500.000,00. Se dividirmos o valor total de investimentos das 55
unidades pelo número de pessoas beneficiadas diretamente com o empreendimento (1.129
pessoas), a média é de R$ 4.500,00 por pessoa.
Gráfico II – Total de investimentos nas unidades agroartesanais do Sudoeste do Paraná
0
2
4
6
8
10
12
14
16
Valores - R$
nº de indicações
Até R$ 19.000
De R$ 20.000 a R$ 49.000
De R$ 50.000 a R$ 99.000
De R$ 100.000 a R$ 149.000
De R$ 150.000 a R$ 199.000
De R$ 200.000 a R$ 249.000
De R$ 250.000 a R$ 399.000
De R$ 400.000 a R$ 500.000
Acima de R$ 500.000
NR
Fonte: Diagnóstico Unidades Agroindustriais, EMATER/PR, 2006.
Séries de valores do
eixo (X):
81
Em valores aproximados, a média de investimento por unidade (totalizando
as 55 unidades) é de R$90.000,00. Um valor que não é tão baixo como freqüentemente
atribuem os órgãos de fomento à gestão territorial da atividade. Frente à importância que a
produção artesanal adquire na dinamização da economia agropecuária, torna-se um
investimento econômico significativamente importante.
Questionado sobre as maiores dificuldades enfrentadas no segmento, a
população entrevistada no Diagnóstico Unidades Agroindustriais apontou, em primeiro lugar,
dificuldades no setor de finanças, principalmente devido ao baissimo capital de giro
dispovel e ao insignificante auxílio governamental na destinação de verbas para
implementação de melhorias no processo produtivo.
Os gargalos oriundos das dificuldades indicadas nas áreas de finanças, de
processos de produção, de comercialização, de produção e de gerenciamento, levando em
consideração o fato da lógica territorial de muitas unidades estarem desvencilhadas da
racionalidade que orienta as intencionalidades voltadas para os lucros extraordinários,
entendemos que a grande maioria das unidades não obtém grandes margens de ganho: 81%
com média de faturamento bruto/mês de até R$ 19.000,00. Média que encobre ganhos muito
menores, segundo evidenciamos estudando as agroindústrias artesanais beltronenses. Mesmo
assim, com essa margem estreita de faturamento bruto mensal, esse tipo de produção já está
deixando de ser atividade marginal da economia agropecuária regional, apresentando-se para
muitos agricultores como principal fonte de renda, conforme demonstraremos no capítulo 4.
82
Gráfico III – Principais dificuldades das unidades produtivas
0
5
10
15
20
25
30
35
40
45
50
55
60
nº indicações
Finanças
Processos de produção
Comercializão
Produção
Gereciamento
Outras
Fonte: Diagnóstico Unidades Agroindustriais, EMATER/PR, 2006.
Quanto aos dados que remetem às áreas em que se condensam as maiores
dificuldades do segmento estudado, 93% das indicações apontaram a área de finanças como
maior dificuldade, seguida, respectivamente, pelos processos de produção com 62% e
comercialização com 60%.
No Sudoeste do Paraná, somente 4% das unidades, dentre uma amostragem
de 55 unidades, têm média de faturamento bruto/mês acima de R$ 50.000,00, consoante se
pode notar no gráfico IV.
Gráfico IV – Média faturamento bruto/mês
81%
15%
4%
Até R$ 19.000 De R$ 20.000 à R$ 49.000 Acima de R$ 50.000
Fonte: Diagnóstico Unidades Agroindustriais, EMATER/PR, 2006.
83
Considerando que o apelo à produção artesanal e as medidas que ratificaram
seus princípios legais são substancialmente recentes, com mais veemência datando o período
de dez anos atrás, no Sudoeste paranaense, o crescimento do segmento é algo evidente, desde
que estimulado e amparado por políticas públicas em consenso com as práticas de
territorialidade produtivas.
Corroborando com nossa afirmativa anterior (gráfico III), 84% do total dos
produtores apontaram a área de finanças como maior dificuldade enfrentada. O item “capital
de giro” obteve um índice com mais de 45 indicações, conforme constam os dados da
EMATER (2006), organizados no gráfico V a seguir.
Outras dificuldades de ordem financeira como o “dicil acesso ao crédito” e
a “sazonalidade da receita” também merecem atenção especial, não menosprezando as demais
dificuldades enfrentadas.
O difícil acesso ao crédito deve-se tanto a problemas internos das unidades
(inadequação aos parâmetros de produção – como no caso das atividades clandestinas) quanto
a problemas externos (como a excessiva burocracia) e aos planos de ação ainda incompatíveis
com as características das agroindústrias artesanais familiares.
Gráfico V – Principais dificuldades financeiras
0
5
10
15
20
25
30
35
40
45
50
de indicações
Capital de giro
Difícil acesso ao crédito
Sazonalidade na receita
Juros elevados
Custos elevados da matéria-
prima
Custos elevados na
produção
Dificuldade para dar garantia
de crédito real
Fonte: Diagnóstico Unidades Agroindustriais, EMATER/PR, 2006.
84
O item “sazonalidade da receita” deve-se notadamente aos entraves
financeiros que impossibilitam a expansão da atividade, fazendo muitas unidades funcionarem
aquém de sua capacidade produtiva, quando não esporadicamente, gerando com isso outros
problemas como na área de comercialização; no caso da instabilidade da oferta e do sub-
abastecimento dos nichos de mercado que ainda estão em formação, 31% alegaram que a
principal dificuldade ocorre em razão da “abrangência de mercado muito restrita”.
Aqui temos um contraste entre as unidades. Contraditoriamente, para as
unidades melhor estruturadas e maiores, os limites da divisão político-administrativa de um
município impostos pelo SIM para a comercialização da produção soa como empecilho. Já
para as unidades menores, mais rudimentares, a referida limitação é encarada como algo
positivo, no sentido de proteger o mercado municipal da concorrência de outras agroindústrias
da região.
Esse é um bom exemplo para ilustrar o papel das redes no sistema territorial.
Como ensina Raffestin (1993), as redes tanto libertam quanto aprisionam as forças territoriais.
São, concomitantemente, limitantes e potencialidades para o exercício da territorialidade dos
diferentes grupos sociais e atores sintagmáticos.
Gráfico VI – Principais dificuldades de comercialização
0
2
4
6
8
10
12
14
16
18
de indicações
Abrangência restrita de mercado
Falta de estrutura para estocar
Dificuldade em transportar produtos
Fiscalização
Muita concorrência
Margem de lucro pequena
Informalidade
Baixo preço para venda
Faltam compradores
Fonte: Diagnóstico Unidades Agroindustriais, EMATER/PR, 2006.
85
O aumento da burocracia, dos gastos extras e os limites impostos pelas forças
produtivas artesanais inviabilizam, em grande parte, a suposta adoção de um selo de
fiscalização a nível estadual (SIP – sistema de inspeção paranaense) ou, quiçá, federal (SIF
sistema de inspeção federal).
O aumento de impostos gerados com o SIP, os limites impostos pela mão-de-
obra, a escala de produção artesanal, os gastos com divulgação, transporte, estocagem,
equipamentos etc. fazem com que a maioria das agroindústrias, quando regularizadas, sejam
inspecionadas apenas pelo SIM.
A questão da mão-de-obra é outro ponto de estrangulamento da atividade. As
tarefas são múltiplas no que tange à atividade agroindustrial. O trato com a economia intra-
unidade, a produção da matéria-prima, as tarefas intnsecas à produção e circulação, o saber
fazer produtivo requerem empenho polivalente e certo conhecimento, já acumulado, do
trabalho artesanal. Aqui, a especialização do trabalho significa o conhecimento dos meandros
da atividade, ao contrário do que acontece na produção de alta escala mercante.
Dois trechos de depoimentos dos entrevistados ajudam-nos a compreender
essa problemática. Lili, proprietária de uma agroindústria urbana de massas comenta que “na
agroindústria o trabalho tem que ser familiar. A gente briga durante a produção, mas logo as
coisas se acertam e voltam ao normal”.
Em outro depoimento oral nos concedido em 2006, Adelmar Crestani,
proprietário de uma agroindústria rural de pasteurização de leite, vai além. Interrogado sobre a
principal dificuldade que vem enfrentando com a atividade, afirma ser a mão-de-obra.
Perguntado, na seqüência, se a problemática da mão-de-obra deve-se à pouca disponibilidade
da família, destaca que:
[...]hoje, tem uma grande dificuldade pra tu arrumar um peão. [...] um
pouco por causa da qualificação, outro pouco por falta de gente mesmo.
Hoje, está muito explorado, tem muitos aviários, [...] hoje, no interior, não
tem mais ninguém. Tá sobrando quem? As famílias que o mais
persistentes, que necessitam do ramo. Agora ou é peão já empregado ou de
famílias que, digamos assim, não tem como ceder alguém pra ajudar.
O que chamamos de saber fazer produtivo tem sido relegado a um papel
subalterno pelas novas gerações. Herança, patrimônio cultural, por ser uma atividade que
requer bastante empenho e esforço braçal, alicerçada em técnicas artesanais com pequenas
margens de ganho, não vem despertando interesse dos mais jovens.
86
Ainda referente ao depoimento de Adelmar Crestani, perguntado se os mais
jovens da família têm o intuito de permanecer na atividade, enfatizou que,
Ah, você sabe que o interesse dos jovens hoje o é ficar ligado diretamente
à agricultura, né. Na verdade, se você visitar dez propriedades, todos os
filhos já pensam em fugir do calor. Então, essa é a maior dificuldade. Na
verdade, se você for olhar no geral, hoje, na minha comunidade, tá sobrando
só os velhos, o casal. Se for falar assim do pessoal que casou e que ficou, eu
acho que abaixo de 35 anos não tem nenhum. Todo mundo tá saindo. Na
verdade o pensamento deles é estudar, ter o dinheirinho deles no bolso, se
formar em alguma coisa, ter outro tipo de atividade diferente, eles querem
viver diferente. Na verdade, todo mundo está em busca de uma coisa
diferente, tem que correr atrás das coisas. Eu acredito que até, de repente,
futuramente, eles irão tocar isso aqui. Mas não pra morar, pra ficar aqui. Eu
acredito que eles o colocar alguém pra tocar isso aqui e vão simplesmente
gerenciar de longe; manter a atividade, mas gerenciar isso aqui de longe.
Eu, às vezes até fico me perguntando, às vezes, a gente investe tanto, gasta
tanto, porque isso aqui é caríssimo [...].
É mister levantarmos os limites gerais da produção artesanal em
consideração ao fomento às medidas institucionais para o segmento. Consoante já dissemos
antes, a dinâmica territorial das agroindústrias artesanais é um complexo conjunto de
elementos e fatores históricos e atuais associados, que consubstanciam as territorialidades
emergentes.
A partir dos dados levantados no Diagnóstico Unidades Agroindustriais,
destacam-se dificuldades na produção, em virtude da ausência de tecnologias adequadas ao
processo produtivo. Muitas são artesanais e improvisadas às necessidades imediatas. O
problema com a estrutura física e sua inadequação para a produção foi o segundo item mais
relevante quanto às deficiências no âmbito da produção. A escassez de matéria-prima e a
baixa escala de produção são dificuldades enfrentadas no âmbito da organização produtiva.
Vejamos o gráfico VII.
87
Gráfico VII – Principais dificuldades de produção
0
4
8
12
16
20
24
28
32
36
de indicações
Equipamentos inadequados
Estrutura física inadequada para
produção
Escassez de matéria-prima
Baixa es cala de produção
Falta de tecnologia adequada
Mão-de-obra despreparada
Elevado custo de produção
Qualidade do s produtos
Desconhecim ento de técnicas de
produção adequadas
NR
Fonte: Diagnóstico Unidades Agroindustriais, EMATER/PR, 2006.
Mesmo com todo gargalo tecnológico existente dificultando o processo
produtivo e problemas como os de estrutura física inadequada, escassez de matéria-prima,
baixa escala de produção, mão-de-obra despreparada, entre outros, 40% dos proprietários
afirmaram não calcular sequer os custos de produção. Essa informação revela os problemas de
gestão; problemas que põem, inclusive, em xeque a sustentabilidade (continuidade) do
empreendimento.
Há um ambiente favorável ao crescimento dessas atividades, mesmo com as
dificuldades enfrentadas. Podemos perceber que, apesar de uma abstenção relevante das
indicações válidas e, tendo por base o ano de 2005, a maioria das unidades produtivas
obtiveram um incremento no ganho de 11% a 60%.
88
Gráfico VIII – Percentual de incremento nas agroindústrias do Sudoeste do Paraná
0
5
10
15
20
25
nº indicações
Até 10% De 11% à 30% De 31% à 60% De 61% à 99% 100% NR
Fonte: Diagnóstico Unidades Agroindustriais, EMATER/PR, 2006.
No momento em que a ideologia dominante sustenta a lógica da
homogeneidade como materialização e/ou devir histórico da questão agrária brasileira, a
imperiosidade da grande técnica capitalista, os circuitos territoriais dinâmicos de produção e
de comercialização, a escala de produção internacional etc. e outros arranjos territoriais
(alternativos) “saltam aos olhos”.
O ritmo lento da produção artesanal no Sudoeste paranaense, no qual o
saber fazer produtivo dos descendentes de camponeses italianos e alemães, a policultura e o
substrato familiar compõem os trunfos de territorialidades locais da atividade, contrasta com o
ritmo acelerado da grande produção capitalista. Pensar a dinâmica do território é reconhecer
que, em sua essência relacional, o exercício do poder pressupõe um feixe aberto de
possibilidades.
O(s) território(s) alternativo(s) da produção artesanal constitui, para muitas
famílias do Sudoeste paranaense, a principal atividade econômica da unidade produtiva.
Prezotto afirma que,
No momento em que se discute um novo papel para o meio rural, não mais
apenas de atividades exclusivamente agrícolas, mas de pluriatividade, o
modelo de agroindustrialização descentralizado de pequeno porte, de
característica familiar, é visto como uma das alternativas capaz de
impulsionar uma distribuição de renda mais eqüitativa (PREZOTTO, 2002,
p. 138).
89
A atividade simboliza uma forma de resistência perante a natureza
desterritorializante do capital, otimizada sobretudo nas últimas décadas no espaço rural. Como
podemos notar, mesmo enfrentando diversas dificuldades, a atividade expande-se
regionalmente. Diversificando e agregando valor ao trabalho agrícola vêm também
contribuindo para o arrefecimento da desterritorialização do homem do campo.
Conforme o Diagnóstico Unidades Agroindustriais da EMATER/PR, 82%
das unidades estudadas não tiveram nenhum membro da família que deixou o campo para
residir em centros urbanos e das 18% cujos membros saíram, a principal razão foi para
estudar. E 16% das unidades estudadas tiveram membros da família que se deslocaram de
centros urbanos para residirem no campo.
Pensar a gestão do terririo em questão sob um prisma integrado à partir do
reconhecimento de que o ritmo lento da produção agroartesanal e seus trunfos de
territorialidades constitutivos como polivalência do trabalho familiar, policultura de
subsistência e saber fazer produtivo são elementos formadores de sua territorialidade – é um
desafio que precisa ser melhor estudado.
90
4. A DINÂMICA TERRITORIAL DAS AGROINDÚSTRIAS ARTESANAIS DO
MUNICÍPIO DE FRANCISCO BELTRÃO/PR
As unidades agroindustriais contempladas em nossa pesquisa, num primeiro
momento, foram todas aquelas que possuíam registros no Sistema de Inspeção Municipal
(SIM). Em Francisco Beltrão, Paraná, para obterem o Selo de Inspeção Municipal pela
vigilância sanitária, os donos dessas unidades necessitam cumprir alguns requisitos: a) ter
espaços exclusivos reservados à transformação (que, em geral, são pequenas construções de
20 a 30m
2
separadas do domilio); b) um mínimo de aparato tecnológico que garanta a
qualidade da produção em termos de higiene; c) informações nutricionais nos rótulos dos
alimentos (data de validade, peso do produto, calorias, gorduras, protnas, vitaminas etc.).
Tais unidades têm, em geral, um caráter mercantil mais efetivo que as
unidades agroartesanais informais, ditas “clandestinas”, com produção direcionada ao
atendimento de nichos de mercado localizados, como supermercados, padarias, creches,
feiras-livres etc. Há uma diferenciabilidade importante entre as unidades registradas no SIM e
as não registradas. No decorrer do capítulo demonstrar-se-á lógicas territoriais distintas, do
tempo lento e do tempo mais rápido da produção agroartesanal beltronense. Por isso,
procuramos, neste capítulo, também contemplar algumas unidades clandestinas, ou seja,
unidades que não possuem o SIM; em geral, são unidades mais artesanais e com produção
mais intermitente, mas que atuam como concorrentes das unidades cadastradas.
Segundo o relatório da Secretaria Municipal da Agricultura de Francisco
Beltrão/PR, existiam, em fevereiro de 2007, trinta e sete agroindústrias rurais no município
em questão, distribuídas da seguinte maneira:
Tabela V –
Unidades agroindustriais artesanais de Francisco Beltrão/PR
cadastradas pelo Sistema de Inspeção Munic
ipal/produtos de origem animal
(SIM/POA)
Pasteurização de leite............................................................................................... 12
Agroindústria de quei jo............................................................................................ 7
Abatedouro e transformação (suínos e bovinos)....................................................... 7
Granja de ovos.........................................................................................................
4
Abatedouro de f ran gos............................................................................... .... .. .... .... 2
Pesca dos................................................................................... .... .... ........ ........ ........
3
Beneficiamento de mel...... ...... ... ... ... ...... ... ... ... ... ...... ... ... ... ... ...... ... ... .........................
2
Total de unidades...................................................................................................
37
Fonte: Prefeitura Municipal - Secretaria da Agricultura de Francisco Beltrão/PR, 2006.
Dentre as agroindústrias cadastradas pelo Sistema de Inspeção Municipal
(SIM), de um total de 31 unidades estudadas fizemos entrevistas em 28 unidades. Nas demais
91
unidades (três), utilizam-se produtos de origem vegetal (açúcar mascavo, doces e
panificação). O munipio carece de órgão competente que fiscalize e emita cadastro das
agroindústrias de origem vegetal. Mesmo adotando os padrões sanitários requeridos, elas são
consideradas clandestinas por não terem o selo do SIM.
Algumas outras unidades constantes no relatório da Secretaria da Agricultura
foram visitadas, porém, em algumas delas não realizamos entrevistas por algumas razões
específicas: a) o dono da unidade recusou-se a responder o questionário e a gravar a
entrevista; b) depois de algumas tentativas não conseguimos encontrar nenhuma pessoa na
unidade; c) a agroindústria parou de funcionar recentemente; d) em alguns ramos, como o de
pasteurização de leite, por já termos atingido o número suficiente para análise, algumas
unidades com processos semelhantes deixaram de ser visitadas.
Através do mapa 3, a seguir, e do quadro 1 é possível evidenciar as
agroindústrias artesanais que estudamos em Francisco Beltrão. Tais unidades foram
analisadas através do levantamento empírico e da realização de entrevistas entre março de
2006 e junho de 2007.
As unidades artesanais estudadas subdividem-se em diferentes ramos
produtivos. As entrevistas realizadas com os produtores familiares agroartesanais foram
subdivididas da seguinte forma: a) pasteurização de leite (07 entrevistas); b) produção de
queijos (05 entrevistas); c) abatedouro de suínos (05); d) filetagem de pescados (02); e)
produção de cachaça (02); f) beneficiamento de mel (02); g) abatedouro de aves (02); h)
seleção de ovos (01); i) doces, vinhos e conservas (01); e, j) açúcar mascavo (01).
Além dessas 28 agroindústrias, conforme já mencionamos, estudamos
também mais três unidades artesanais: 01 atividade urbana de panificação e 02 agroindústrias
de pasteurização de leite que pararam recentemente de funcionar. Soma-se, assim, um total de
31 unidades estudadas (ver quadro I na introdução). Na pesquisa, primamos por estudar a
dinâmica territorial das agroindústrias artesanais rurais, pois, no espaço agrário, é notável o
papel ativo que essas produções exercem como atividade de resistência da agricultura
familiar, conforme veremos adiante.
Resolvemos, pois, analisar também uma unidade urbana (de panificação)
para destacarmos algumas características dessas unidades fora do contexto rural e
estabelecermos assim algumas análises de sua lógica de produção. No mapa 3 está
representado a distribuição das agroindústrias artesanais que foram estudadas na presente
pesquisa no munipio de Francisco Beltrão/PR.
92
93
As duas outras unidades de pasteurização de leite foram fechadas
recentemente, quando as visitamos. Acabamos por realizar, em cada uma das unidades,
entrevistas gravadas com os donos para investigarmos os motivos que levaram ao fechamento
da unidade agroindustrial. As entrevistas gravadas também foram realizadas em outras 20
unidades agroartesanais familiares.
Em Francisco Beltrão, a produção agroartesanal e familiar têm suas raízes
históricas no período da colonização efetiva do Sudoeste paranaense, a partir da década de
1940, conforme destacado anteriormente. Assentados em minifúndios, os migrantes,
sobretudo gaúchos e catarinenses de ascendência italiana e alemã, na reprodução de suas
práticas de vida, territorializaram regionalmente elementos do patrimônio cultural camponês.
A produção agroartesanal e familiar local envolve elementos do campesinato como:
propriedade da terra, trabalho familiar, tradição do conhecimento produtivo (saber fazer) e
policultura de subsistência associadas a técnicas artesanais de produção, baixa escala de
produção, além de diversificação produtiva.
No Sudoeste paranaense, uma das regiões de reterritorialização da frente
colonial, a transformação doméstica de produtos agropecuários realizada no interior da
propriedade rural é prática cultural comum desde os primórdios da ocupação efetiva destas
terras, legado cultural de seus antepassados: do leite faz-se o queijo, a manteiga, iogurtes, etc;
da carne suína fazem-se o salame, a copa, a lingüiça, o torresmo, retira-se a banha; da cana-
de-açúcar faz-se o melado, a garapa, o açúcar mascavo, a rapadura e outros doces; da farinha
de trigo e de milho faz-se as massas; do peixe é extrdo o filé; das frutas são feitos doces,
compotas, geléias e bebidas como o vinho.
Celso Polla, produtor de mel, informando-nos sobre o icio da atividade
menciona que:
Isso não é por acaso, , já vem de herança. Já faz trinta anos que lido com
abelha. Meu nono lidava com abelha, né, meu pai lidava com abelha e eu
continuo com abelha. Eu, no começo, foi por gosta mesmo; trabalhava, era
empregado, no banco do Estado do Rio Grande e, nas horas vagas, comecei
com abelha, né. Mas antes disso, com o pai eu já trabalhava com abelha lá
no Rio Grande. Daí, como abriu esse caminho para a agroindústria, cresceu a
fiscalização prá poder vender o mel mais fácil, né. Se o fosse isso não
adiantava colher, vender pra intermediário ganhar um precinho.
Aqui temos demonstrado, por intermédio do depoimento de Celso Polla, o
que chamamos de saber fazer produtivo agroartesanal. Trata-se de um conhecimento
produtivo acumulado através das gerações contribuindo na sobrevivência da família e na
94
territorialização. Pode-se constatar esse mesmo patrimônio cultural do agroartesanato, por
exemplo, nas porções ocidentais do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina, principais locais
de origem dos migrantes que se deslocaram para o Sudoeste e o Oeste do Paraná.
O que há de novo para estudar na produção agroartesanal familiar em
Francisco Beltrão/PR?
O novo está na abordagem e na temática, muito pouco estudada na geografia
brasileira. Trata-se da análise de uma produção de tempo lento a partir de pressupostos da
abordagem territorial que concilia aspectos econômicos e culturais. É um estudo de aspectos
do patrimônio cultural camponês reterritorializado, reproduzido e, em parte, ressignificado,
em resposta a conteúdos específicos do novo agrário, quer dizer, do agronegócio, entendido
como paradigma agrário contemporâneo que enaltece singular forma de exploração da terra
fundamentada, sobretudo, na produção de commodities (produção em grande escala e
monocultura), na alta composição orgânica do capital, na inserção e orientão da produção
no circuito financeiro e mercantil em geral, na freqüente artificialização dos processos
produtivos agropecuários (OGMs, agrotóxicos, fertilizantes etc.) e na integração aos
complexos agroindustriais
15
.
O território dos produtores e das atividades agroartesanais de produção de
alimentos, ou da agroindústria familiar, ganhou ênfase em Francisco Beltrão/PR, na década de
1990, apesar de ser uma prática rudimentar. A criação do Selo de Inspeção Municipal (SIM),
adotado em 1996 em Francisco Beltrão, fez com que essa atividade ganhasse destaque e se
disseminasse localmente. A possibilidade de regularizar a produção agropecuária,
transformada in loco (na propriedade rural), e vendê-la diretamente no comércio local foi
fonte de estímulo ao crescimento da atividade, ora como complemento ora como principal
fonte de renda das famílias produtoras.
Em relação ao SIM, Celso Polla destaca que “ajuda bastante porque tu
chega no comércio e tá legal, né. Pode entrar no mercado, pode entrar em qualquer lugar,
não tem risco. Eu vejo a dificuldade do pessoal por aí que não tem isso aí. Não tem nem
condições de montar isso porque tem um custo, né e começar financiando é a pior coisa que
tem”.
A busca por maior autonomia da unidade produtiva familiar, cuja produção
seja mais valorizada no mercado, livre da ação de intermediários e das agroindústrias
integradoras, é um forte elemento que influenciou no crescimento dessa atividade no
munipio. Vejamos o depoimento de Adelmar Crestani, produtor de leite pasteurizado:
15
Ver a respeito Bernardo Mançano Fernandes (2007).
95
Meu pai morava em uma outra propriedade, aqui perto, e o trabalho da
propriedade era baseado em cima de criação de suínos. Então, eu me criei
dentro disso, fazendo parto de porcas, criando os animais, fazendo trato,
fazendo a alimentação toda, né. Quando que saí da casa do pai, que vim pra
montar a propriedade, também pensava nisso, que era pra vir pra cá pra
trabalhar em cima do porco. Logo começou as crises. Porque antigamente
era assim: trabalhava durante os doze meses do ano, trabalhava oito meses
ganhando dinheiro e quatro o, quatro se empatava com os porcos. Essa
coisa começou vindo a apertar de vagarinho, passou de seis em seis meses,
seis meses você ganhava, seis meses empatava ou perdia. Tinha lá dois
meses, três meses que acabava perdendo, trabalhando no vermelho. E essa
questão veio diminuindo mais ainda, veio pra dois meses você ganhando
dinheiro, oito meses você empatando, dois meses você perdia. Isso faz vinte
anos, que começou essa crise. E eu comecei acompanhar isso, vendo bem de
perto e tal que a questão tava começando a apertar. Aí, desse momento, eu
virei feirante. Trabalhando, montei umas pequenas estufas e comecei tipo,
desisti do porco e tinha que ter um ganho. Fui pra feira e trabalhava como
feirante trabalhava na lavoura, na produtividade da lavoura, e na feira na
época quando que levava agüentava digamos assim, os mercados, a compra
de roupa, e assim por diante que fomos criando os filhos. Depois, mais tarde,
comecei com as primeiras vacas. Já tinha algumas vacas antes, mas comecei
a virar a propriedade para produzir leite e vender leite pra leiteiro. Foi
aumentando a produção de leite e pra chegar onde que eu to hoje teve um
longo caminho. Então, os animais que você na minha propriedade o
foram comprados fora, decerto alguns, muito poucos, todos eles foram
criados e adaptados aqui, eu não quis investimentos autos em cima disso. E,
com a crise do porco, depois com a passagem da feira, quando foi que
comecei a levar leite para algumas casas, já que a gente ia pra cidade
começamos a levar leite pra algumas casas, que a gente começou a trabalhar
no sistema de agroindústria mais tarde. Depois, desistimos, mais tarde, com
a feira e voltamos a trabalhar diretamente com a agroindústria e com a
produção leiteira.
Como podemos observar através desse depoimento, a produção
agroartesanal, em Francisco Beltrão, tem forte conotão de resistência; no sentido do
exercício de uma territorialidade específica, preservando, na gestão de seus territórios, alguns
sinais de autonomia. Fugindo das privações impostas pelo agronegócio, a família Crestani
optou pelo modelo familiar de transformação de alimentos. A atividade agroartesanal familiar
possibilitou certa autonomia produtiva à família Crestani. Mesmo suscitada num contexto de
refluxo da economia familiar, a implementação da agroindústria artesanal significou
resistência e inclusão ao mesmo tempo.
No caso de Adelmar Crestani, podemos observar que o apelo à produção
agroartesanal do leite baseou-se numa forma de contornar as estreitezas político-econômicas
impostas a sua família pelo agronegócio do suíno. Nesse sentido, o terririo é elemento
essencial para compreendermos a permanência dessas formas específicas de produção:
96
afigura-se como uma possibilidade do exercício do poder (do campesinato, do agronegócio),
da autonomia (ou não) na orientação produtiva e familiar.
No quadro VIII, que segue, é destacada a produção das agroindústrias
artesanais estudadas.
Quadro VIII –
Agroindústrias estudadas: produção total por ramo e margem de ganho
aproximada
16
Produto Quantidade (s)
Média por
unidade (mês)
Ganho médio aprox.
(%).
Leite pasteurizado 36.500 litros 5.214 litros 40
Queijo 1.890 kg 378 kg 40
Suíno (derivados) 22.400 kg 4.480 kg 25
Aves 4.600 frangos 1.575 kg 20
Pescados 3.150 kg 2.300 kg 30
Mel 18.000 kg 9.000 kg 60
Cachaça 2.000 litros 1.000 litros 30
Ovos 3.600 dúzias 3.600 dúzias 20
Açúcar mascavo e melado 2.000 kg 2.000 kg 50
Fonte: trabalho de campo realizado entre março de 2006 e junho de 2007.
Comparada à dinâmica do agronegócio, é muito pequena a escala de
produção dessas unidades agroartesanais e familiares. O sentido não é, todavia, o da
comparação. Trata-se de unidades familiares e artesanais, cujas relações de trabalho e de
produção adquirem formas sociais completamente destoantes das do agronegócio. O sentido
da produção é, primeiramente, a satisfação das necessidades de reprodução da família e de seu
modelo de vida específico, não se trata de uma atividade tipicamente capitalista. O comércio é
um meio para a realização dos propósitos de sustentação da família e não a única razão do
existir agroartesanal. A busca “cega” pela reprodução ampliada do capital não é o prinpio
básico que orienta a atividade agroartesanal, muito embora algumas unidades, como a da
família Ferrari, já apresentem indícios de capitalização (assalariamento, relação mais estreita
com a lógica de mercado etc), como veremos adiante.
As unidades agroartesanais que estudamos em Francisco Beltrão/PR não são
homogêneas. Existem desde unidades com características camponesas, não regularizadas, até
unidades mais estruturadas no mercado, regularizadas, porém, mesmo estas últimas são
pequenas e possuem grau incipiente de tecnologia e abrangência de mercado restrita,
ratificando a essência artesanal e familiar da atividade.
16
Os dados utilizados no quadro foram extrdos de informações orais durante nosso trabalho empírico junto
aos produtores agroartesanais em Francisco Beltrão/PR.
97
Tobias Korb, descendente de migrantes alemães que vieram de Itapiranga/SC
há 16 anos, mantém com sua família uma unidade agroartesanal de produção de queijos (07
anos registrada pelo SIM) no distrito Jacutinga, Francisco Beltrão/PR, e possui uma
propriedade de 12 ha. Em 1990, a economia familiar girava em torno da criação de suínos,
milho e de gado leiteiro. Como ressalta o proprietário, tal atividade foi inviabilizada pela
demasiada exploração da agroindústria integradora e pelas crises no segmento, agregando,
pouco valor a sua produção e propiciando uma dependência perversa quanto à difusão do uso
sistemático de insumos agrícolas e de crédito. Foi a partir de então que optou pela prática da
produção orgânica. Uma agricultura mais autônoma, segundo Tobias Korb, sem o uso de
produtos químicos na lavoura. Recentemente, introduziram na propriedade o sistema de
agrofloresta. A família possui um total de 14 cabeças de gado que produzem um total de 140
litros de leite/dia, matéria-prima para produção de 13 quilos de queijo diários. Há mais de
cinco anos vem mantendo o mesmo índice de produção. Segundo Tobias Korb, é o suficiente
para a sustentação da unidade produtiva.
Caso aumentasse a produção, certamente recorreria ao setor financeiro e ao
mercado de insumos, comprometendo a autonomia da família na gestão do seu território. Em
sua unidade, a prática da policultura também é adotada: frutas, verduras, aves, snos, arroz,
feijão, mandioca, batata, leite e demais gêneros alimentícios são produzidos para o consumo
da família.
Foto 3: Produção de queijos, agroindústria de Tobias
Korb. Trabalho de campo realizado em 2006.
Foto 4: Em destaque, Josefina Korb na parte exterior da
edificação. Trabalho de campo realizado em 2006
98
Em entrevista, um funcionário da EMATER de Francisco Beltrão que presta
assistência aos produtores agroartesanais, ciente da orientação política da família Korb,
ressaltou-nos o seguinte: “isso é coisa que o pessoal da ASSESOAR fica enfiando na cabeça
deles.
Formada por agricultores familiares, a ASSESOAR é uma ONG, que trata de
questões referentes à sustentabilidade. Uma de suas linhas de ação é a sustentabilidade no
campo, contribuindo, entre outras ações, para ampliar os debates acerca da questão agrária na
atualidade, cursos sobre agroecologia, formação política etc.
Em nossa pesquisa, não tivemos possibilidade de analisar mais
detalhadamente a ação das diferentes instituições no fomento à atividade agroartesanal em
Francisco Beltrão e região. Trata-se de um tema amplo e no momento, não poderíamos
abordá-lo na amplitude e complexidade que merece. Podemos salientar, no entanto, que é
possível identificar a existência de divergências de posicionamento teórico e político por parte
das instituições. Essas divergências e contradições materializam-se e culminam na efetivação
de medidas e práticas que, em alguns casos, não surtem o efeito desejado. Conhecer a
realidade local é imprescindível para que projetos de desenvolvimento governamentais e não-
governamentais possam tomar nota da complexidade em que se configura a existência da
atividade agroartesanal sudoestina e, assim, coerentemente pensar medidas que ratifiquem sua
essência artesanal e familiar; do contrário, políticas públicas tornar-se-iam incoerências. Tais
políticas (públicas e de inspeção) precisam coerentemente identificar a singularidade de
territorialidade da produção agroartesanal e dos elementos que as distinguem das grandes
agroindústrias integradoras
17
.
O território da produção agroartesanal beltronense tem “raízes profundas”;
remonta a territorialidade histórica do campesinato italiano, alemão e polonês imigrante.
Corroborando com nossas afirmações anteriores acerca do processo de colonização da região,
cabe destacar que algumas famílias são pioneiras, vindas para o Sudoeste nas décadas de 1940
e 1950, notadamente no auge do processo de ocupação regional e que se mantêm ainda no
circuito produtivo. Vejamos os dados apresentados no quadro IX.
Como podemos observar no quadro IX, as ascendências italiana e alemã
predominam entre os produtores entrevistados, conforme demonstrou Wachowicz (1985). Os
estados do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina foram os principais fornecedores de
17
Ver estudo da ASSESOAR sobre as agroindústrias artesanais da “comunidade” do Jacutinga, Francisco
Beltrão/PR – DUARTE, Valdir P; GRIGOLO, Serinei C. Agroindústria associativa/familiar: o mito da
viabilidade. Francisco Beltrão: ADMR, 2006.
99
contingentes populacionais para o Sudoeste do Paraná. Podemos observar também que muitos
desses produtores artesanais de alimentos foram pioneiros na região. Territorializaram-se no
Sudoeste paranaense nas décadas de 1960, 1950 e até nos anos 1940.
Gaúchos e catarinenses migraram porque eram pobres, porque a terra ficou
fraca” e escassa para tantos familiares. Migraram para tentarem reproduzir a condição de
agricultores proprietários (SAQUET, 2003), migraram porque a terra no Sudoeste paranaense
tinha baixos preços. Migraram porque muitos preferiram, ao invés do assalariamento urbano,
lutar, resistir, reterritorializar suas formas de vida, seus conhecimentos camponeses em outros
espaços.
Indagamos, nas entrevistas, sobre os motivos que levaram suas famílias a
migrar: “muita propaganda, falava que o Paraná era bom demais, que os salame dava nas
árvores” (Ambrósio Schmoller); “Meu pai veio por causa de terra também, porque lá a terra
era pequena e aqui foi comprado uma área bem maior, né, triplico a área de terra (Celso
Polla); Vieram porque aqui tinha mais terra, porque lá era pouca terra. A família era
grande, né (Marlene Macari); Da parte da mãe, veio a nona antes e os tios depois vieram
também (Salete Castelli).
O fracionamento da unidade de produção pelo crescimento vegetativo da
população, a escassez de terra no Rio Grande do Sul e Santa Catarina, a perda da fertilidade
natural do solo por técnicas de manejo agrícolas rudimentares, as aspirações financeiras (o
sonho do novo, do fazer a vida”) foram algumas das razões que impulsionaram a
desterritorialização de muitas famílias do Rio Grande do Sul e Santa Catarina, que levaram
consigo o jeito de viver e de produzir o espaço singularmente.
Muitas agroindústrias são recentes, outras mais antigas. Com o processo de
modernização da agricultura no Sudoeste paranaense, com muitas particularidades, como já
mencionado nos capítulos 2 e 3, o acirramento das contradições fez com que atividades
tradicionais como a produção artesanal de alimentos fossem inseridas no circuito mercantil
local. O conhecimento acumulado, a oferta de mão-de-obra da família, o traço predominante
da policultura, a institucionalização do SIM/POA em Francisco Beltrão/PR (ver quadro X),
em 1996, associado à conflitualidade” frente ao desenvolvimento do agronegócio regional
influenciaram nos baixos preços pagos aos produtos agropecuários, no sistema de integração,
no mercado (leite, suínos, feijão, trigo etc.) e fizeram com que a produção artesanal de
alimentos se expandisse municipalmente.
100
Quadro IX –
Etnia e local de origem dos proprietários das unidades produtivas
estudadas
Número
da
unidade
18
Etnia
Local de origem da
família
Ano em que a família se
estabeleceu em Francisco
Beltrão
1 Italiana Araquiba/RS 1988
2 Italiana Passo Fundo/RS 1958 (2003 – propriedade)
3 Italiana Veranópolis/RS 1955
4 Italiana Erechim/RS 1957
5 Italiana Nova Prata/RS 1949 (1987 – propriedade)
6 Alemã o Maurício/SC 1994
7 Italiana Bento Gonçalves/RS 1964
8 Polonesa Gaurama/RS 1954
9 Alemã Itapiranga/SC 1988
10 Alemã Rio dos Ovos/SC 1952
11 Italiana Joaçaba/SC 1956
12 Italiana Guaporé/RS 1968
13 Italiana Passo Fundo/RS 1956
14 Alemã Ituporanga/SC 1947
15 Italiana Rio do Sul/SC 1956 (2004 – propriedade)
16 Italiana Urussanga/SC 1953
17 Italiana Passo Fundo/RS 1952
18 Italiana Nova Prata/RS 1954
19 Polonesa o Mateus do Sul/PR 1952
20 Italiana Erechim/RS 1958
21 Polonesa Erechim/RS 2001
22 Polonesa o Mateus do Sul/PR 1952
23 Italiana Santa Rosa/RS 1980
24 Alemã Orleans/SC 1950 (1985 – propriedade)
25 Italiana Machadinho/RS 1964 (2003 – propriedade)
26 Alemã Orleans/SC 1950 (1985 – propriedade)
27 Italiana Capanema/PR 1994
28 Italiana Passo Fundo/RS 1958
Fonte: trabalho de campo realizado entre março de 2006 e junho de 2007.
Contudo, cabe destacar que a expansão da atividade agroartesanal e familiar
em Francisco Beltrão/PR efetiva-se num contexto histórico de refluxo da produção
camponesa. A agroindústria familiar é reforçada numa resposta e resistência à territorialização
local dos parâmetros produtivistas (e excludentes) da lógica agropecuária associada ao
agronegócio. Em tais casos, a unidade agroartesanal circunscreve-se como modo alternativo
de produção de alimentos e de vida, reforça a autonomia na gestão do território pelas famílias
produtoras, muito embora essas unidades passem por vários entraves, como veremos.
18
As duas unidades agroartesanais de leite entrevistadas que tiveram suas atividades encerradas recentemente e a
agroindústria urbana de panificação não estão relacionadas neste quadro, pois foram analisadas
separadamente. Assim os dados agrupados na pesquisa são das agroindústrias constantes no quadro IX.
101
Quadro X - Ano em que começou a atividade agroartesanal
Número da
unidade
Início da atividade
19
Ano de adesão ao
registro do SIM
1 2000 2000
2 1999 1999
3 1994 2005
4 2000 2000
5 1997 1997
6 2002 2002
7 2000 2000
8 1999 2000
9 1990 2000
10 1998 1998
11 1996 1999
12 1993 1996
13 1997 1997
14 2000 2000
15 1996 2004
16 2000 2000
17 1986 1996
18 1991 2002
19 2000 2000
20 1980 Produto vegetal
20
21 2004 Produto vegetal
22 2000 2000
23 1998 1998
24 1986 1996
25 2003 2003
26 1986 1996
27 1996 Produto vegetal
28 1958 Produto vegetal
Fonte: trabalho de campo realizado entre março de 2006 e junho de 2007.
Devido ao caráter artesanal da produção, menos da metade das unidades
estudadas conseguiram obter o registro do SIM no mesmo ano em que “começaram” a
atividade. As adequações foram muitas para que as unidades com registro pudessem
comercializar seus produtos a partir da fiscalização efetivada pela Prefeitura Municipal.
19
Início da atividade com produção para o mercado. Como destacado anteriormente, a produção artesanal de
alimentos tem suas origens na subsistência familiar. Porém, seu ingresso no circuito mercantil, com as
características já mencionadas, é algo relativamente recente.
20
As agroindústrias que transformam produtos de origem vegetal falta-lhes o selo de inspeção municipal. São
assessoradas pela Prefeitura, pela EMATER, mas o Município de Francisco Beltrão não possui uma
vigilância específica como no caso das agroindústrias que trabalham com POA (Produtos de Origem
Animal).
102
Algumas dessas unidades permanecem, até o momento, sem qualquer tipo de selo de
inspeção.
O SIM foi citado como atributo positivo por alguns produtores,
principalmente no que concerne à regularização da produção perante o mercado, conforme
ratificou Celso Polla, citado anteriormente. Para outros produtores, algumas legislações e
normatizações são descabidas e atuam como empecilho ao desenvolvimento da atividade
agroartesanal: fui fazer um curso em Cascavel/PR, mas não gostei, queriam que enfiasse
muita química na produção” (Adair Reolon, produtor de derivado de suínos); “Tenho a
agroindústria há doze anos, um ano com selo de inspeção” (Salete Castelli, produtora de
leite).
São muitas as exigências para que a agroindústria possa obter o selo de
inspeção; por ser uma atividade de cunho tradicional e familiar, o montante de investimentos
e a reestruturação produtiva que as legislações impõem aos domínios da atividade acabam por
inviabilizar a adoção generalizada dos selos de inspeção. Algumas unidades operam anos em
fase de transição até obterem o SIM.
No quadro X nota-se que é relativamente recente o “icio” da atividade
segundo as informações dos produtores agroartesanais. Isso tem uma explicação.
Para os órgãos de inspeção é considerada uma agroindústria as unidades
devidamente enquadradas nas exigências para essas instituições de fomento: estrutura física
não conjugada à moradia e formatada com vistas à adequação à legislação (ambiental e da
vigilância sanitária); adequação tecnológica e de manejo, característica essencialmente
mercantil. Como o pequenas atividades produtivas, alguns parâmetros de adequação,
quando realizados ocorrem lentamente. Muitas dessas unidades constantes na tabela X
iniciaram a produção agroartesanal e familiar de transformação de alimentos na mesmo
período em que os donos se reterritorializaram em Francisco Beltrão (famílias: Reolon, Cuba,
Castelli, por exemplo); contudo, elas tinham um caráter de subsistência para a produção
agropecuária familiar e eram efetuadas com técnicas muito rudimentares a ponto de não serem
reconhecidas nem valorizadas. Era, e ainda é, em muitos casos, o fabrico de queijos, salames,
doces, compotas, massas e outros alimentos na própria moradia, com equipamentos
artesanais, adaptados às necessidades imediatas da subsistência familiar.
O conhecimento em que se pauta a produção agroartesanal, nessas unidades,
tem origem doméstica, artesanal e de subsistência que ainda persiste em suas dinâmicas
territoriais: “é, eu estou com a agroindústria há dois anos, mas trabalho com isso aqui
muitos anos, eu tinha terra, vendi, tinha cinqüenta alqueires, tinha agroindústria lá. Com
103
agroindústria faz vinte anos que eu trabalho” (Arthur Ferrari, produtor de derivados de
suínos); A agroindústria registrada tá há uns quinze anos. Trabalhamos também uns cinco
anos clandestino. Aquele tempo era bom trabalhar, ganhava dinheiro, não tinha essa
burocracia e agora já aperta, né. É embalagem, é fiscalização, é inspetor que vem
acompanhar, a gente não pode abater um frango sem a inspeção estar junto (Ambrósio
Schmoller, produtor de frango e ovos).
Confiramos mais de perto a funcionalidade produtiva da unidade da família
Schmoller: Ambrósio Schmoller, juntamente com sua família, possui duas agroindústrias
cadastradas pelo Sistema de Inspeção Municipal: um abatedouro de aves e uma granja de
ovos. As duas agroindústrias constituem a principal fonte de renda da família numa
propriedade de 06 hectares, aonde residem desde 1985. Antes de se estabelecerem na unidade,
Schmoller exerceu a profissão de caminhoneiro durante vinte e cinco anos: eu era
caminhoneiro. A piazada era pequena, fui vinte e cinco anos caminhoneiro. A piazada foram
crescendo e a vida na cidade foi apertando, né, e viemos pra cá e estamos no ramo até hoje.
Ambrósio Schmoller é de ascendência alemã. Sua família, de origem catarinense (cidade de
Orleans), estabeleceu-se em Francisco Beltrão/PR em 1950.
Schmoller possui o ensino fundamental incompleto. Em sua propriedade
também produz peixes, frutas, leite, carne suína e outros gêneros alimentícios. A maior parte
dos produtos que a família consome são produzidos na própria unidade produtiva, como
afirma Schmoller. Sua família é composta por sete pessoas, cinco das quais auxiliam no
trabalho agroartesanal. Os outros membros da família residem na cidade de Francisco Beltrão.
Para Schmoller, foi difícil segurar a família aqui na propriedade, porque a cidade atrai
mais, né. A lavoura aqui é muito arriscada, né. Começaram com a atividade agroartesanal
em 1986 e, durante algum tempo, atuaram como clandestinos (sem o selo do SIM).
O SIM é considerado um elemento positivo na visão de Schmoller, como
protão territorial à concorrência: Francisco Beltrão é um centro maior, os outros vem e
desova aqui, né, na cidade. Vem a concorrência de outros centros pra cá, né. A renda
proveniente das atividades agroartesanais é de R$ 1.000,00 líquidos/mês (abatedouro de aves)
e R$ 140,00 bruto/dia (selecionamento de ovos).
A matéria-prima (pintainhos) para o abatedouro de aves é adquirida no
munipio de Itapejara do Oeste/PR, da agroindústria Anhambi (1.500 pintainhos a cada 15
dias). Produz uma quantidade mensal de 3.000 frangos, com uma margem de ganho
104
aproximada de 15%. Comercializa sua produção na feira-livre municipal e nos supermercados
locais (Vipi, Franzoni, Grizon entre outros). Realiza abates duas vezes por semana, com
auxílio de seis trabalhadores temporários (vizinhos da comunidade).
A grande dificuldade encontrada no desenvolvimento da atividade é em
relação à baixa quantidade de recursos financeiros para custear a produção, como aponta
Schmoller: pra custear tudo isso aí o montante é alto, né. A gente não tem esse recurso
disponível pra girar tudo. Você compra com oito, dez dias ali e segura os frangos setenta,
oitenta dias, mais dez, quinze dias para o cliente ali, vai cem dias, e você tem que bancar
isso. E a maior dificuldade é isso.
A granja de ovos produz 120 dúzias de ovos diariamente. Para ambas, as
rações são produzidas no interior da propriedade, em moinho artesanal. Somente os
complementos são adquiridos no mercado (vitaminas, minerais etc.).
Para a criação de frangos, possui quatro aviários de 8 por 30 metros
(abatedouro) e outro aviário de 20 por 3,5 metros (granja de ovos); a unidade do abatedouro
possui 12 por 6 metros. Na atividade de selecionamento de ovos, produz um total de 120
dúzias/dia. Os restos da produção (víceras dos frangos) utiliza para fazer ração, tratar os
porcos e os peixes.
Recebeu um incentivo financeiro do Governo do Paraná, dois montantes de
R$ 12.000,00: é, o governo do Paraná me arrumou um dinheiro com juros menos pra nós
né. Quando surgiu a Fábrica do Agricultor no Paraná, nós fomos os primeiros, né, fomos até
pegar um cheque do governador lá em Curitiba de dez mil real que ele emprestou pra nós,
né, com um jurinho barato; é onde ajuda a custear as despesas, né.
O restante dos recursos foram todos próprios, assim como a assistência
técnica recebida: a EMATER dá aquela assistência dela, mas entende menos dos que nós
aqui.
105
Foto 5: Produção de frangos da família Schmoller. Vista interna do aviário. Os frangos mostrados na
imagem estão com aproximadamente sessenta dias de vida.
Fonte: trabalho de campo realizado em 2007.
Foto 6: Produção de ovos da família Schmoller. Vista da granja.
Fonte: trabalho de campo, 2007.
106
Foto 7: Local em que são realizados os abates e processados os cortes dos frangos.
Fonte: trabalho de campo, 2007.
Foto 8: Vista
interna do
moinho da
família
Schmoller, local
no qual fazem
as rações para
os frangos e
demais animais
da unidade
produtiva.
Fonte: trabalho de campo, 2007.
São evidentes os sinais de autonomia da família Schmoller na gestão do
território. Apenas a matéria-prima inicial é adquirida no mercado, decidido por conveniência
produtiva. O restante do processo produtivo é realizado pela família e com recursos internos.
O moinho mantido pela família para atender a demanda de ração para frangos e galinhas
107
denota essa autonomia, o que também é evidente com relação aos meios de transportes e
maquinários utilizados na propriedade (trator, carroça, pick-up utilitário). O terririo torna-se
um trunfo, potencialidade e possibilidade de engendrar resistência contra a exclusão das
formas específicas de sociabilidade e territorialidade.
Quanto à origem da orientação mercantil do agroartesanato, um ponto é
comum: é evocado em momentos de crise. Resistindo ao agronegócio ou em consonância
(através de algumas atividades como o cultivo da soja e a criação de frangos integrados à
Sadia) ou fugindo do assalariamento rural e urbano, os produtores artesanais proliferam. No
caso de Ambrósio Schmoller, o agroartesanato representou um trunfo, uma potencialidade
territorial.
O agroartesanato rural beltronense divide-se em três grupos: a) um grupo,
cuja agroindústria é complementar à dinâmica da unidade agropecuária familiar, em
diferentes graus de importância econômica face a outras atividades agropecuárias; a
policultura de subsistência e atividades agropecuárias essencialmente mercantis (soja, milho,
fumo, aviários e leite) dividem espaços na organização territorial familiar, as famílias Korb,
Cuba, Macari, Reolon, Lago, Matiolo e Castelli são alguns exemplos; b) um outro grupo de
produtores fazem da atividade agroartesanal de transformação de alimentos a principal fonte
de renda da unidade familiar; direcionam toda potencialidade da unidade para o atendimento
das demandas da agroindústria, maior especialização nota-se neste grupo: as famílias:
Smanioto, Crestani, Polla, Schmoller são exemplos deste grupo; c) um último grupo de
produtores são os chamados absenteístas: residem no perímetro urbano beltronense e, em
alguns casos, desenvolvem a atividade agroartesanal paralelo a outras ocupações urbanas,
como ocorrem com as famílias: Pasin, Ferrari e Spader.
Para a subsistência das famílias estudadas, a policultura tem grande
importância local, embora em graus variados nos três grupos destacados. Em 68% das
propriedades, a maioria dos produtos agrícolas consumidos pelo grupo familiar são
produzidos por ele próprio. É um indicador de autonomia produtiva. Os proprietários, cuja
família consome a maioria dos produtos adquiridos no mercado, caracterizam-se por ser
proprietários absentstas (grupo C), ou ter um grau mais elevado de especialização produtiva
(grupo B) ou, ainda, ter uma propriedade com estrato de área reduzida para praticar uma
policultura que consiga suprir as necessidades alimentares da família, ou proprietários que
desenvolvem outra atividade produtiva como principal fonte de renda (por exemplo, aviários
integrados à Sadia).
108
A policultura de subsistência e a atividade artesanal de produção de
alimentos desenvolvem-se paralelamente na maioria das unidades estudadas em Francisco
Beltrão.
Gráfico IX - Origem da maioria dos produtos consumidos pela família
29%
67%
4%
Mercado Propriedade Mercado e propriedade
Fonte: trabalho de campo realizado entre março de 2006 e junho de 2007.
No intuito de evidenciarmos a importância da atividade agroindustrial
artesanal, para a renda das famílias envolvidas, interrogamos sobre a principal atividade
econômica da unidade produtiva. Dentre as 28 unidades, houveram 22 indicações de
produtores afirmando que a atividade agroindustrial é a principal fonte de renda da família. A
peculiaridade minifundista e de policultura também predomina na estrutura territorial dessas
unidades. Produtos como milho (polenta, massas, pães), mandioca, verduras, batata, feijão,
produtos de origem animal (carne de frango, de suínos, de gado, leite, banha e outros
derivados) estão presentes no regime alimentar das famílias. Algum desses produtos como o
milho, a mandioca e a abóbora também são importantes fontes de alimentação animal. O
milho especialmente: trituram-no, a planta inteira, e faz-se a silagem para o trato animal. O
eventual milho restante é vendido no comércio local. Vejamos os dados demonstrados na
seqüência.
109
O quadro XI é bastante sugestivo. A extensão das propriedades apresenta
uma média de 25 hectares, o que é uma característica do Sudoeste do Paraná, conforme
descrevemos no capítulo 2.
Quadro XI - Principal atividade econômica da unidade produtiva
Número da
unidade
Tamanho da
propriedade
(hectares)
Atividade principal
Demais atividades
importantes
1 19 Agroindústria artesanal Aviário Sadia e milho
2 0,4 Agroindústria artesanal Feijão, milho e mandioca
3
12 Agroindústria artesanal
Ovos, uvas, verduras, produtos
alimentares
4 43 Agroindústria artesanal Peixe, mandioca, batata e milho
5 28 Agroindústria artesanal Frutas, milho e produtos alimentares
6
12 Agroindústria artesanal
Milho, mandioca e produtos
alimentares
7 15 Agroindústria artesanal Aviário Sadia
8
24 Criação de suínos
Agroindústria, milho, feijão, pinus,
produtos alimentares
9
12 Agroindústria artesanal
Frutas, verduras, milho, produtos
alimentares
10
31 Agroindústria artesanal
Milho, trigo, arroz, uva, produtos
alimentares
11
43
Aviário (3) e Lavoura (soja e
milho)
Gado, frutas, produtos alimentares.
12
24 Agroindústria artesanal
Lavoura (soja, milho, mandioca, feijão
e produtos alimentares)
13 70 Agroindústria artesanal Lavoura (soja e milho)
14
19 Agroindústria artesanal
Avrio Sadia (100 metros), produtos
alimentares
15 0,3 Agroindústria artesanal ***
16 147
Lavoura (milho, soja e feijão) e
leite
Agroindústria
17
17 Agroindústria artesanal
02 aviários, piscicultura (4 tanques),
soja, milho, suínos e produtos
alimentares
18 18 Agroindústria artesanal Lavoura (soja e milho)
19
*
15,5 Agroindústrias artesanais Produtos alimentares
20
48 Piscicultura
Agroindústria, vinho, soja, milho e
produtos alimentares
21 0,3 Agroindústria artesanal Produtos alimentares
22
*
15,5 Agroindústrias artesanais Produtos alimentares
23 29 Agroindústria artesanal Leite e milho
24
*
0,6 Agroindústrias artesanais
Frutas, vacas de leite, porcos e
produtos alimentares
25 1,2 Agroindústria artesanal Aposentadoria e frutas.
26
*
0,6 Agroindústrias artesanais
Frutas, vacas de leite, porcos e
produtos alimentares
27
** Agroindústria artesanal
Dentista e delegada do ministério do
trabalho, frutas.
28 17 Hortifrutigranjeiros Agroindústria e produtos alimentares
Fonte: trabalho de campo realizado entre março de 2006 e junho de 2007.
*
Trata-se de estabelecimentos rurais que possuem duas agroindústrias artesanais (ver quadro I – produtores
Pedro Cuba e Ambrósio Schmoller); ** Dado não obtido; *** Na propriedade consta apenas a infra-estrutura
da agroindústria, portanto, não é desenvolvido atividade agropecuária.
110
Outras atividades igualmente importantes para a renda e para o sustento
familiar também foram identificadas. Em algumas propriedades, a atividade agroindustrial
assume um papel secundário frente às demais produções agropecuárias. No entanto, 22
entrevistados afirmaram que a agroindústria artesanal é a principal fonte de renda na unidade.
Um número expressivo e, por isso, precisa ser melhor analisado e compreendido para ser
pensado o desenvolvimento numa perspectiva multidimensional.
Torna-se importante destacar também que 66% dos estabelecimentos rurais
de Francisco Beltrão/PR estão situados nesse mesmo estrato de até 20 hectares (IBGE,
1995/96). Se analisarmos os estratos de área de Francisco Beltrão com até 50 ha, o número de
estabelecimentos é de 94%, característica essencialmente minifundista, o que pode ser
verificado no quadro XII.
Quadro XII – Francisco Beltrão/PR: Número de estabelecimentos por grupos de área
total em 1996
Grupos de área total Núm. %
Total.......................................................................................................... 2398 100,0
Menos d e 1 h a........................................................................................... 20 0,8
1 a menos de 2 há...................................................................................... 32 1,3
2 a menos de 5 há...................................................................................... 215 8,9
5 a menos de 10 ha.................................................................................... 506 21,1
10 a menos de 20 há.................................................................................. 812 33,8
20 a menos de 50 há.................................................................................. 672 28,0
50 a menos de 100 ha................................................................................ 95 3,9
100 a menos de 200 ha.............................................................................. 27 1,1
200 a menos de 500 ha.............................................................................. 16 0,6
500 a menos de 1.000 ha........................................................................... 2 0,08
1.000 a menos de 2.000 ha........................................................................ 1 0,04
2.000 a menos de 5.000 ha........................................................................ - -
5.000 a menos de 10.000 ha...................................................................... - -
10.000 a menos de 100.000 ha.................................................................. - -
100.000 ha e mais...................................................................................... - -
Sem declaração......................................................................................... - -
Fonte: IBGE, Censo Agropecuário 1995/96.
Conforme destaca Nelson Conhizak, produtor artesanal de queijos, “a gente
que é colono tem que produzir o que comer, né senão, não dá”. A família Cuba é referência
no que concerne à prática da policultura (comercial e de subsistência). Além das duas
unidades agroartesanais (filetagem de pescados e beneficiamento de mel), produzem uma
variedade significativa de produtos. A produção das duas agroindústrias e demais produções
variadas (policultura) além de garantir a demanda familiar de alimentos, são comercializadas
na feira-livre municipal e constituem a base econômica da unidade produtiva familiar da
família Cuba.
111
Pedro Cuba, dono de uma agroindústria de beneficiamento de mel e
filetagem de peixes tem 52 anos e uma propriedade de 15,5 hectares situada nas proximidades
da PR 483, posto Panorâmico interior do munipio de Francisco Beltrão/PR, onde reside há
52 anos. É descendente de poloneses oriundos de São Mateus do Sul/PR. Possui o Ensino
Fundamental incompleto. Toda a extensão de sua propriedade é aproveitada economicamente,
sendo ela composta por: reserva de mata nativa, pomar, açudes (12) e lavouras (milho, arroz,
feijão, erva mate, cana-de-açúcar, verduras, soja, entre outras culturas). Sua família compõe-
se de 04 pessoas (03 do sexo masculino e 01 do feminino), e todos trabalham na
agroindústria. Não há contratação de funcionários na unidade produtiva. A assistência técnica,
segundo Cuba, tem sido prestada regularmente por parte da EMATER e pela Prefeitura
Municipal, ambas atuando no sentido da fiscalização. Como incentivo financeiro recebeu um
pequeno financiamento pelo PRONAF. As duas agroindústrias artesanais (filetagem de peixes
e beneficiamento de mel) constituem as principais fontes de renda da unidade produtiva
familiar. Ambas as agroindústrias obtiveram o Selo de Inspeção Municipal no ano de 2000,
contudo, as atividades relacionadas à piscicultura e ao mel já eram realizadas pela família há
mais de vinte anos.
O SIM, conforme destaca Cuba, é importante pois, facilita mais a venda,
produz e vende. O mel, antigamente, quando não tinha agroindústria, vendia por R$ 2,00.
Atualmente, vende o quilo do mel entre oito e dez reais.
Em 2004, visitamos a unidade produtiva da família Cuba e constatamos que
possuía o total de 160 caixas de abelha. Em 2006, ampliaram para 200 caixas, oscilando a
produção em torno de 25 quilos de mel por caixa anualmente. Beneficia um total de 05
toneladas de mel por ano, destas, 600 quilos são produzidos no interior da unidade produtiva e
o restante é adquirido de outras dez propriedades sob locação
21
. A margem de ganho gira em
torno de 50%. Do produto final 80% é vendido na feira-livre de Francisco Beltrão e 20% nos
mercados locais: Centro de Comercialização da Agricultura Familiar, supermercado Ítalo,
Canei frutas. A renda anual aproximada da agroindústria de beneficiamento de mel é de R$
15.000,00 líquido.
O meio de transporte próprio é 01 automóvel utilitário. As instalações da
agroindústria, de propriedade da família, são de alvenaria, medindo 03 x 04m. Os
instrumentos de trabalho, também de propriedade da família: mesa inox, pia e centfuga. O
21
A unidade produtiva que possui potencialidade para as abelhas fabricarem o mel tem o local cedido, pelo dono
da propriedade, para o Sr. Cuba. Este, deixando suas caixas de abelha na propriedade fornece uma
porcentagem da produção ao proprietário da terra, em torno de 15%.
112
consumo de energia elétrica é de R$ 80,00 mensais. Estipula-se o preço do produto um pouco
abaixo do preço médio de mercado (R$ 8,00/Kg); a principal dificuldade existencial
enfrentada é quanto à atuação dos concorrentes clandestinos e quanto à falta de produto no
período do inverno, isto é, quando o mel produzido não pode ser coletado, pois serve como
alimento para as abelhas. Outra atividade econômica na propriedade da família Cuba é a
piscicultura: venda de peixes via pesque-pague
22
e agroindústria de filetagem de peixe
cadastrada no SIM. Com 12 tanques de peixes, além de subsidiar toda a atividade comercial,
envolvendo a prática do lazer através da pesca direta do peixe, produz matéria-prima (350
Kg/mês de tilápia in natura) que é transformada num total de 150 Kg de filé de tilápia/mês
(peixe de 500 gramas), produto este comercializado na feira de Francisco Beltrão/PR e nos
supermercados locais com uma margem de ganho de 40%. Além de complemento semanal à
renda da família, a prática do beneficiamento do produto in natura agrega mais valor à
mercadoria. Porém, mais de 70% da produção de peixes é vendida na própria unidade
produtiva através do pesque-pague. Na unidade, a família Cuba mantém uma estrutura para
recepcionar os clientes como lanchonete, mesa de bilhar; comercializam também bebidas,
lanches e porções de peixe.
Foto 9: Infra-
estrutura
construída na propri
edade
rural da família Cuba para
recepcionar os clientes do
pesque-pague.
Fonte: trabalho de campo,
2006.
22
A prática do pesque-pague consiste na pesca, in loco, do peixe pelo consumidor. Pescam-se os peixes e estes são pesados e
o preço calculado, variando conforme o tipo de peixe (tilápia – R$ 5,00 por kg; Pacu – R$ 8,00 por kg). Posteriormente,
os pescados são limpados pela família Cuba em ambiente apropriado na própria unidade. O pesque-pague é mais uma
fonte de renda da família, pois, durante os momentos de lazer promovidos pela pesca, os visitantes costumam jogar
bilhar, consumir bebidas e alimentos que são comercializados em um pequeno bar construído próximo aos locais de
pesca.
113
Contudo, o elevado preço da ração (R$ 2.000,00 mensais, correspondente à
aquisição de 1.500kg de ração adquiridos da agroindústria Perdigão de Francisco Beltrão)
resulta em elevados custos de produção e, segundo Cuba, pode inviabilizar a continuação
dessa atividade econômica. A família Cuba também aproveita internamente os restos da
produção de filetagem para fazer ração. Trabalham duas vezes por mês na atividade de
filetagem e o ganho mensal proveniente da atividade de piscicultura é de R$ 500,00 líquidos.
As instalações da agroindústria é de propriedade da família; é ela de alvenaria e mede 3,5 x
04m. Os instrumentos de produção também são de propriedade privada da família: mesa,
tanque de limpeza, freezer, entre outros utenlios domésticos. Calculam o preço do produto
numa porcentagem abaixo do preço estabelecido nos supermercados.
Na feira-livre municipal onde há 03 anos a família Cuba comercializa seus
produtos pudemos ter uma noção da prática de policultura empreendida pela família. Em uma
barraquinha identificamos vários produtos como pomada de pólen, tempero caseiro, filé de
tilápia, feijão, arroz, linhaça, tomate, soja, lentilha, cebola, suco de uva, vinho, vinagre,
brócolis, trigo, açúcar mascavo, milho, canjica, pipoca, canela, mel, quirera, melado, couve,
repolho, couve-flor, batata-doce, ponkan, laranja, beterraba, abobrinha, entre outros
hortifrutigranjeiros produzidos pela família e vendidos na feira. As fotos que se seguem
demonstram elementos importantes da organização territorial da família cuba, elementos que
ratificam a essência produtiva familiar e artesanal desta família camponesa.
114
Foto 10: Feira-livre municipal, de Francisco Beltrão/PR, em que a família Cuba comercializa sua
produção. Fonte: trabalho de campo realizado em 2007.
Foto 11: Vista da agroindústria artesanal de
beneficiamento de mel da família Cuba; destaque
para o casal de proprietários.
Foto 12: Centrífuga para beneficiar o mel, única
tecnologia utilizada no processo produtivo.
Fonte: trabalho de campo realizado em 2006. Fonte: trabalho de campo realizado em 2006.
115
Foto 13:
Propriedade
da família
Cuba: açudes
para
reprodução e
engorda de
peixes.
Fonte: trabalho de campo realizado em 2006.
Na dinâmica territorial da família Cuba, o mercado é tido como meio e não
finalidade única da dinâmica produtiva. A venda da produção na feira-livre municipal garante
os recursos financeiros necessários à sustentação ecomica da família assim como
observamos na territorialidade da família Schmoller anteriormente.
Na propriedade da família Cuba, a diversificação produtiva conjugada ao
trabalho familiar forma a essência da organização na dimensão econômica do território. As
agroindústrias artesanais estão inseridas no contexto da policultura, pois as atividades
complementam-se. É justamente essa heterogeneidade produtiva e de relações que se
configura a lógica territorial, uma organização complexa e marcada por elementos da
produção camponesa.
A organização produtiva da família Matiolo, produtor artesanal de melado e
açúcar mascavo, também ajuda-nos a entender as peculiaridades de uma unidade
produtivamente diversificada.
A produção artesanal de derivados de cana-de-açúcar tem caráter secundário
na orientação econômica da unidade produtiva da família Matiolo; sua principal atividade
116
econômica é a produção de hortifrutigranjeiros vendidos a domilio, portanto, trata-se de
uma unidade que tem como característica a policultura de subsistência e comercial.
Ivo Matiolo, descendente de italianos e alemães, cursou o Ensino Médio
incompleto. É dono e reside numa propriedade de 7 alqueires (aproximadamente 15 ha.), há
34 anos, situada na “comunidade” do Divisor – interior do munipio de Francisco
Beltrão/PR. Produz, artesanalmente, açúcar mascavo e melado de cana-de-açúcar; aproveita
economicamente toda sua propriedade cultivando milho, verduras, cana-de-açúcar (culturas
com inserção mercantil), feijão, arroz, mandioca; cria galinhas, suínos etc. (produções de
subsistência), e, ainda destina parte de sua propriedade como reserva e potreiro.
A família possui também 10 vacas que produzem um total de 70 litros de
leite/dia. Produto este vendido para o latinio Latco de Francisco Beltrão/PR. Sua família é
composta por 06 pessoas (03 do sexo masculino e 03 do sexo feminino), sendo que 04
trabalham na atividade agroindustrial.
Fonte: trabalho de campo realizado em 2006.
Foto 14: Ivo Matiolo
fazendo o açúcar
mascavo. Em
destaq
ue, o tacho
artesanal aquecido a
lenha. O melado, que
depois de “apurado
transforma-
se em
açúcar mascavo é
mexido com uma pá
artesanal adaptada.
117
Fonte: trabalho de campo realizado em 2006.
Foto 15: na imagem
está destacada uma
“carreta”, meio de
transp
orte artesanal
utilizado em diversas
tarefas camponesas.
Ao fundo, vizinhos de
propriedade auxiliam
a família Matiolo na
silagem do milho,
uma prática de auxílio
mútuo muito
difundida em
territórios
camponeses.
A produção total da atividade artesanal de melado e açúcar mascavo é de 2
toneladas mensais, sendo a proporção constitda, basicamente, por 80% de açúcar mascavo
e 20% de melado de cana. Toda matéria-prima é oriunda de sua propriedade (39 toneladas de
cana-de-açúcar ou 11.600 litros de garapa de cana).
O produto é colocado no mercado através da venda direta ao consumidor,
utilizando meios de transportes próprios: pick-up Fiat Strada. A prática da transformação da
cana-de-açúcar é extremamente artesanal e rudimentar. O tacho (recipiente utilizado no
beneficiamento do produto) tem uma medida de aproximadamente 0,60 x 1,80m, armazena
cerca de 200 litros de garapa (caldo de cana) e é aquecido a lenha (extraída da propriedade). A
medida de um tacho de garapa produz 34 kg de açúcar ou 40 kg de melado, sendo o tempo
médio para a agroindustrialização do melado de 04 horas e a do açúcar mascavo de 06 horas.
A renda bruta proveniente da produção artesanal é de aproximadamente 05
salários mínimos mensais, porém, a renda líquida total da família está indissociavelmente
correlacionada à exploração da dinâmica econômica das atividades como um todo realizadas
na propriedade. A margem média de ganho oscila em 60% (melado de cana) e 40% (açúcar
mascavo).
O preço do produto é estipulado abaixo do preço médio do mercado, sem
prévia elaboração de uma planilha de custos. Segundo Matiolo, um aspecto positivo da
produção artesanal e da venda de hortifrutigranjeiros a domilio é a possibilidade da
obtenção de dinheiro semanalmente. Em sua propriedade, não se utiliza a prática de
118
contratação de força de trabalho no processo produtivo, contudo, admite a cooperação mútua
entre os vizinhos da mesma “comunidade”: “aqui nós trocamos serviço, quando a gente
precisa os vizinhos vêm ajudar, quando eles precisam nós vamos ajudar”.
Trabalham cerca de 10 horas/dia, exceto aos domingos; utilizam como
instrumentos de trabalho um engenho a motor e um tacho, ambos de propriedade da família; o
consumo de energia elétrica mensal é de R$ 90,00 mensais. A principal dificuldade enfrentada
é quanto ao mau estado de conservação da estrada que liga sua propriedade com a rodovia
(trecho de aproximadamente 4Km).
A família Castelli também merece destaque neste grupo de unidades com
predominância da policultura. Salete Castelli, produtora artesanal de leite, cadastrada pelo
SIM, reside numa propriedade rural de 12 hectares, situada na Linha Eva, no interior do
munipio de Francisco Beltrão/PR e, recentemente, envolvida pelo crescimento horizontal do
perímetro urbano beltronense.
Salete Castelli, 48 anos, solteira, nasceu em Francisco Beltrão e há 12 anos
possui uma agroindústria de pasteurização de leite, contudo, registrada somente em 2005: “a
gente entregava em litro
23
, daí tivemos que botá a agroindústria porque eles não deixavam
mais vender”. Com auxilio de um sobrinho, Salete Castelli produz 100 litros diários de leite
pasteurizado, uvas (2.000 kg/ano, vendida in natura ou transformada em vinhos, vinagres e
doces), verduras e frutas diversas além de outros produtos de subsistência (queijos, natas,
doces, ovos etc.). A margem de ganho aproximada proveniente da agroindústria artesanal é de
R$ 500,00 mensais. A venda de produtos vegetais complementa a renda familiar. Conforme
aponta Salete Castelli, “levo verdura todo dia, daí da pra compensá, né. Levo ovo, levo nata,
bastante coisa, né. Agora, se fosse só o leite, a gente tinha parado”. Aqui, a noção de
unidade produtiva familiar” ganha destaque. As produções combinam-se e reforçam o
caráter de amálgama do território.
A produção do leite, frutas, verduras e outros produtos é escoada por Salete
Castelli nos mercados, mercearias, lanchonetes, restaurantes e domilios de Francisco
Beltrão, utilizando como meio de transporte um veículo Wolksvagem Combi. O leite é
vendido nos mercados a R$ 1,00.
A família trabalha 2,3h na transformação do leite, um trabalho diário, no
entanto, as tarefas na unidade produtiva familiar são muitas, principalmente para as mulheres.
Salete Castelli acorda às cinco horas da manhã para ordenhar as vacas, tratá-las, pasteurizar o
23
“Entregar em litro” significa a prática da venda à domicílio do leite sem o registro da vigilância sanitária. São
os chamados clandestinos.
119
leite, cuidar de outros afazeres rurais e domésticos, entregar a produção no mercado. Sua
rotina de trabalho termina diariamente às vinte e três horas. Contratam mão-de-obra
eventualmente, quando é tempo da uva, né, a gente contrata pra ajudá na colheita, na
póda”. A maioria dos produtos que a família consome são produzidos no interior da unidade
produtiva: compro mais arroz, feijão e farinha. O resto, leite, carne, ovo, verdura, é
produzido tudo aqui”.
Indagada sobre se já fizeram algum curso de capacitação para trabalhar na
agroindústria, Salete Castelli responde que “tem que ter, pra pasteurizar o leite, resfriar, tudo
isso aí a gente tem que ter, né. A prefeitura e a EMATER também oferece. Eu já fiz uns três
ou quatro cursos. Quando tem eles já avisam o pessoal que tem agroindústria pra ir, né”.
Sobre a assistência técnica, a produtora ressalta que “eles [Prefeitura
Municipal] vem quando dá na cabeça, pra fiscalizar, né”. A família recebeu da Prefeitura
Municipal o sêmen, concedido gratuitamente para a melhoria genética do rebanho, pagam
apenas a mão-de-obra correspondente ao trabalho de inseminação das vacas, R$ 35,00.
Possuem um total de dez vacas, seis ordenhadas (que estão produzindo leite), de raças Jersey
e Holandesa. Na unidade, devido à estrutura minifundista, adotam o sistema de piqueteamento
associado ao rodízio das vacas, complementando a dieta dos animais com ração adquirida no
mercado. O efetivo não foi comprado, as vacas foram nascendo, criadas e melhoradas
geneticamente na própria unidade produtiva familiar. Isso é mais um indicativo de certa
autonomia produtiva, traço comum nas unidades de tipo artesanal em Francisco Beltrão/PR.
Gastam em média R$ 180,00 de energia elétrica mensalmente e mais R$ 3 60,00 adquirindo
ração para os animais.
Como podemos constatar, as atividades agroartesanais, inseridas no âmbito
da policultura familiar, conservam traços marcantes do modo de produzir camponês:
propriedade, trabalho familiar, lógica de subsistência e tradição produtiva. A unidade
agroindustrial é mais uma atividade inerente às múltiplas tarefas do trabalho familiar; sua
conotação, nessas circunstâncias é de complementaridade; a renda proveniente da unidade
vem a calhar à lógica de reprodução desse modo espefico de vida.
O que mudou no “trato” agroartesanal é uma tímida inserção da produção
nos mercados locais quando, outrora, tais produtos limitavam-se a mera subsistência familiar.
120
Foto 16: Estufa onde é realizada a produção de verduras pela família Castelli.
Fonte: trabalho de campo realizado em 2007.
Foto 17: Parreiral da família Castelli.
Fonte: trabalho de campo realizado em 2007.
121
Foto 18: Vista da unidade artesanal de pasteurização de leite da família Castelli.
Fonte: trabalho de Campo realizado em 2007.
Foto 19: A pastagem plantada pela família Castelli auxilia na alimentação do rebanho bovino.
Fonte: trabalho de Campo realizado em 2007.
122
Foto 20: Tecnologia artesanal adaptada com a finalidade de triturar o alimento para o rebanho.
Fonte: trabalho de Campo realizado em 2007.
Outra característica intrínseca a essas unidades, com orientação mais
voltada para os princípios de organização camponesa, diz respeito a sua versatilidade
territorial, ao seu poder de “adaptação”, acentuando também o poder de resistência dessas
famílias produtoras. A família Castelli, como observamos, abandonou a produção de porcos
para desenvolver a atividade do leite; a família de Tobias Korb (produção de queijos), de
Adelmar Crestani (produção de leite) e de Celso Reolon (produção de cachaça) também
fugindo das crises inerentes ao comércio de suínos dedicaram-se mais intensamente às
atividades artesanais.
No enfrentamento da produção familiar contra o agronegócio, com o
acirramento da conflitualidade entre esses terririos, o agroartesanato está sendo um trunfo,
uma prática de resistência da produção familiar contra a exclusão.
É interessante ressaltar também que, em Francisco Beltrão, existem famílias
que, por intermédio do agroartesanato, fizeram o processo inverso ao do êxodo rural: através
da compra de terras e da produção agroartesanal buscaram desvincilhar-se do assalariamento
urbano. É o caso de Gerônimo Grezgozeski e Francisco Spader com suas respectivas
famílias, para citar dois casos.
123
Gerônimo Grezgozeski, 56 anos, descendente de poloneses, nascido em
Erechim, Rio Grande do Sul, migrou para Francisco Beltrão/PR em 1974. Residiu na cidade
de Francisco Beltrão até o ano 2000, quando adquiriu uma propriedade rural de sete hectares
na localidade Vila Lobos, interior do munipio: “trabalhava como autônomo, com alumínio
no fundo de casa, comprei aqui pra passar o final de semana e acabei vindo pra cá.
Na propriedade, tentou inicialmente trabalhar com produção artesanal de
açúcar mascavo, atividade que não foi bem sucedida devido aos embaraços para aquisição do
selo de inspeção. Na imagem abaixo, destaca-se uma amostra do selo que foi produzido por
Gerônimo para atividade familiar do açúcar mascavo.
Fonte: Trabalho de campo realizado em 2007.
Foto 21: Rótulo do açúcar mascavo
produzido anteriormente por Gerônimo
Grezgozeski. Em depoimento destaca
que:
um projeto foi feito e não ganhei
'um bom dia'. Investi
tudo por conta e no
momento da comercialização, nove mil
quilos de açúcar estocado, rendimento
de preço de custo de R$ 0,80 centavos
para desfazer, vendi tudo que eu tinha
comprado, não quero mais nem saber.
Mesmo com essa dificuldade inicial, a família permaneceu no espaço rural
e passou a se dedicar à produção da cachaça. O conhecimento da produção artesanal da
cachaça é um domínio antigo da família, que foi resgatado para atender às necessidades
econômicas da família: “o conhecimento de fabricar cachaça é do tempo passado. De toda
família, quem tá produzindo já herdou do pai, do avô”.
Gerônimo, destacando as mudanças ocorridas com a troca da família, da
cidade para o campo, menciona que: “na cidade é pura chateação, no campo é outra vida.
Você não tem dinheiro, mas tem tudo; tu tem ar puro, tem comida sem agrotóxico; um peixe
você trata do jeito que você quer, tem fruta, parte alimentar se você quiser não dependê do
mercado, né, tem essa vantagem.
Outro produtor, Francisco Spader, reside na cidade e mantém uma unidade
agroartesanal de produção de frangos na localidade Linha São Paulo, interior do munipio de
Francisco Beltrão. Após sua aposentadoria, Francisco Spader comprou uma propriedade rural
com extensão de um hecatare e resolveu, juntamente com sua esposa, iniciar uma atividade
124
artesanal relacionada ao frango, já que acumularam anos de experiência com sua produção
quando Francisco Spader e sua esposa trabalhavam no CTG (Centro de Tradições gaúchas).
Francisco Spader construiu uma casa em sua terra, fazendo questão de manter a rusticidade da
moradia (utensílios de barro, móveis e detalhes do ambiente em madeira rústica, fogão a
lenha, imagens gaúchas na parede de madeira) e destaca: “fico a semana toda aqui na
chácara, adoro esse lugar, começamos como brincadeira e agora estamos crescendo”.
Esses dois exemplos reforçam a idéia de que existe uma cultura camponesa
que, mesmo após anos de desterritorialização, mantém-se expressiva e pronta para se
reterritorializar. A produção agroartesanal tem possibilitado a reterritorialização de elementos
da vida camponesa em Francisco Beltrão/PR.
Após essa afirmação voltamos a analisar a produção de cachaça da família
Grezgozesky. Gerônimo produz um total de 15.000 litros de cachaça ano. A matéria-prima,
200 toneladas de cana-de-açúcar é, em sua totalidade, proveniente de sua unidade.
Comercializa a cachaça através da venda in loco e vendendo seus produtos em supermercados
e quitandas locais. Porém, menciona que “a venda picada só dá gasto” e essa prática acaba
por inviabilizar investimentos maiores.
Em colaboração com mais 36 produtores de cachaça do Sudoeste,
Gerônimo, desde 2005, está fomentando a constituição de uma cooperativa, a Coachaça
(Cooperativa Agroindustrial dos Produtores de Cachaça do Sudoeste do Paraná), da qual é o
atual presidente.
A cooperativa está sendo montada para que os produtores possam articular-
se e agregar mais valor e qualidade à produção de cachaça. Já estão, inclusive, vislumbrando
exportações para Alemanha, França e Itália, com amostras do produto e representantes
viabilizando o comércio internacional.
125
Conforme aponta Gerônimo, cada produtor, para ingressar na cooperativa
teve que disponibilizar como cota inicial mil litros de cachaça (já padronizada conforme
controle de qualidade estipulado pela Coachaça) ou a quantia em dinheiro de dois mil reais.
Fonte: trabalho de campo realizado em 2007.
Foto 22: Logotipo da
Coachaça.
Todos já produziam, mas o
problema era a venda; todo
mundo era clandestino, não
podia entrar no mercado,
entã
o, organizei a
cooperativa pra todos entrar
no mercado. A cooperativa
atua mais na
comercialização, porque, se
todos tivessem uma boa
comercialização não iriam
querer cooperativa, né.
Estamos tentando exportar a
cachaça, temos amostra na
Alemanha, na Franç
a, Itália
também, vamos ver
(depoimento de Gerônimo
Grezgozeski).
Foto 23: Celso Reolon,
produtor de cachaça integrado
à cooperativa Coachaça. Em
destaque a cachaça Sudoeste
(marca da cachaça produzida
pela Coachaça) pronta para a
comercialização.
Fon
te: trabalho de campo
realizado em 2007.
126
Foto 24: Propriedade de Gerônimo Grezgozeski. Vista
externa do barracão, séde provisória da Coachaça.
Fonte: trabalho de campo realizado em 2007.
Foto 25: Aquecedor a lenha utilizado por
Grezgozeski na produção da cachaça.
Fonte: trabalho de campo realizado em 2007.
A EMATER, o Ministério do Desenvolvimento Agrário, a Prefeitura
Municipal de Francisco Beltrão/PR, o SEBRAE e a Universidade Federal do Estado do
Paraná (UFPR) foram instituições citadas por Grezgozeski por colaborarem para com o
desenvolvimento da cooperativa. Os auxílios que foram citados estão relacionados a
pesquisas
24
; orientão nas áreas de produção, gestão e comercialização,
Em conjunto com a cooperativa, participaram de duas edições da feira
agropecuária de Francisco Beltrão (EXPOBEL), da Feira de Sabores em Curitiba,
participaram, em Brasília, da Feira da Agricultura Familiar; no Rio de Janeiro, aprofundaram
os conhecimentos sobre os parâmetros da produção de cachaça orgânica, conforme cita
Gerônimo, nas feiras não vende muito, é mais pra divulgar”.
A falta de recursos é apontada como o principal inibidor para o
desenvolvimento da cooperativa e dos produtores individuais; recursos para melhoria dos
equipamentos, para a capacitação, para o capital de giro foram citados como essenciais. A
cooperativa, como ressalta Gerônimo Grezgozeski, está começando, falta recursos, a trava
maior é o recurso e atingir o mercado, porque o mercado não é fácil pra entrar ,tem muito
monopólio”.
A concorrência também foi apontada como um problema para os produtores
individuais. Com a cooperativa, esses produtores não entrarão mais em situação de
concorrência entre si, mas as grandes agroindústrias produtoras de cachaça tornam-se
24
Grezgozeski citou a presença de pesquisadores na unidade produtiva e estudos realizados pela UFPR sobre a
qualidade da cachaça e o comportamento desta nos diferentes tipos de madeira utilizadas para o
envelhecimento do produto. As orientações foram aproveitadas na produção da Coachaça.
127
concorrentes dos produtores familiares. Segundo Gerônimo, a orientão da Coachaça está a
busca de qualidade do produto: “cada tonelada de cana que você corta, você extrai 60% de
suco, de garapa, e dessa extrai 10% de cachaça; tem pessoal, aí, que extrai 25% de garapa, é
separado cabeça, cauda, tem cachaça aí que não dá pra tomar; na nossa cooperativa, está
dentro desse padrão, nós fazemos só do meio da cana (Gerônimo Grezgozeski).
Individualmente, cada produtor tem uma cota para vender particularmente,
mas a possibilidade de agregação de valor no trabalho familiar com a Coachaça é o grande
atrativo. O aumento da escala de produção, a rotulagem e o trabalho de marketing enfatizando
a qualidade do produto mesclada à tradição produtiva são elementos agregadores de valor à
produção.
Celso Reolon, produtor de cachaça associado a Coachaça, comenta que “a
expectativa da agroindústria é boa mas se a gente conseguir vender pela cooperativa,
conseguir uma exportação, alguma coisa, porque a gente vende a dois reais na propriedade,
pela cooperativa é dez e a divulgação também melhora, aqui é só no boca-a-boca.
A Coachaça sinaliza para um vel de organização territorial mais complexo
entre os produtores agroartesanais do Sudoeste paranaense, mas os incentivos governamentais
ainda estão aquém do esperado pelos produtores. Principalmente porque os recursos
disponibilizados têm como alvo as unidades que já estão operando há certo tempo, com certa
regularidade produtiva. E, como essas produções são essencialmente artesanais, a falta de
recursos e as técnicas artesanais repercutem na irregularidade da oferta, fato que constatamos
observando que muitas unidades, por falta de incentivo, atuam de maneira complementar,
algumas com produções esporádicas devido às limitações técnicas e financeiras apontadas.
Burocraticamente, o Estado não está dando apoio, é zero. Não contribui pra
quem necessita, eles dão pra empresas grandes que sabem que vai
dinheiro; pra empresa pequena, que está se instalando, eles querem dificultar
com tributo pra ela não se desenvolver, não crescer; eles querem injetar
dinheiro numa empresa que já ta dando fruto. Nós estamos sentindo que
estamos sendo lesados. Estamos pagando impostos e não temos apoio pra
divulgação. Se eles querem, eles o na hora; se o querem, ficam
enrolando. Quem vai trabalhar dessa maneira? No fim quem ganha é o
atravessador, ganha mais aque a agroindústria (depoimento de Gerônimo
Grezgozeski).
128
Um produtor de leite pasteurizado, Gilberto Smaniotto, ratificando as
afirmações de Gerônimo acerca das limitações no acesso ao crédito comentou ao ser
pesquisado:
Na Caixa
25
puxei o gerente lá e ele me disse que tem linha pra financiamento
desse tipo, mas tem que ter um ano de CNPJ no mínimo. E nós não temos
ainda, mais uma porta que se fecha. Não tem financiamento a longo prazo.
Vai ter que ter contador e já começam mais despesas. Com o pouco que a
gente tem o compensa, vamos ter que fazer grande quantia pra ganhar
centavos no litro.
Restrições de crédito, falta de mão-de-obra qualificada para o trabalho (dada
a especificidade da produção artesanal), concorrência (entre produtores registrados e os ditos
clandestinos” e entre estes e as grandes agroindústrias) e dificuldades de comercialização
foram os limites apontados como as maiores dificuldades enfrentadas pelos produtores
artesanais.
Para os produtores de leite pasteurizado, políticas públicas mal planejadas
tem-se tornado empecilho para o desenvolvimento das agroindústrias familiares. É o caso do
programa “Leite das Criançasdo governo Roberto Requião no Paraná. O “Leite das
Crianças” acabou concorrendo com o leite das agroindústrias artesanais. Uma suposta
inadequação técnica ancorada por uma burocracia estatal questionável tirou dos produtores
familiares a possibilidade de produzir, envazar e distribuir localmente o leite do programa,
mesmo os produtores com o SIM. Em resultado, acabou-se por incumbir apenas os grandes
latinios (Latco e Parmalat) de envazar o Leite das Crianças”, concomitantemente, acirrando
a concentração de capital por parte de grandes agroindústrias e restringindo ainda mais a
possibilidade das agroindústrias familiares se desenvolverem.
Duas unidades de produção de leite que constavam na relação do SIM que
visitamos estavam, naquele mês, encerrando suas atividades: a unidade de Ivonete Belavera e
Josenir Cavichon.
Ivonete Belavera revela-nos que sua família parou com a atividade “por
causa desse 'leite do governo'
26
, daí nós perdemos a freguesia. A gente não tem como
entregar nos mercados e nem nas famílias, por que a maioria ganha daí”. E continua:
25
Caixa Econômica Federal.
26
Fazendo alusão ao programa “leite das crianças” – governo Requião, Estado do Paraná.
129
Ficou difícil para nós entregar. Por que daí nós levávamos o leite e metade
vinha de volta. Então iria fazer o que? As embalagens aumentavam mês por
mês, né, daí a gente se obrigou a parar [...] tinha 14 vacas de leite e vendi a
metade porque o tinha condições de ter todo aquele leite ali e o
consegui coloca, né. Tu ia fazer o que arriscando levar, entregar na cidade,
por que daí, na verdade, tu não é dizer assim, tinha só no caso que levar o
leite pasteurizado, por que o queijo a gente não tem o preparo como é pra
ser, né. Não deu. Olha, se fosse depender mesmo do leite, a gente iria passar
fome. A sorte nossa é que ele [esposo] conseguiu arranjar um emprego fora,
né.
O leite produzido pela família Belavera passou a ser entregue a um latinio
capitalista. Interrogada sobre o preço que seria pago pelo produto, Ivonete comenta que: “a
gente não sabe, né, tem que espera eles pegar pra depois vê, né, porque vai precisa a
qualidade do leite, a quantidade, é uma coisa assim, parece.
A fala de Ivonete evidencia bem a fragilidade com que o campesinato
apresenta-se perante o agronegócio; ela não sabia sequer a remuneração que seria paga pelo
leite com o qual trabalha sua família.
A agroindústria artesanal era a principal fonte de renda da família, agora
dependente do agronegócio e do assalariamento. Perguntado à proprietária sobre a
possibilidade de converter o leite que sobrava em queijo, Ivonete menciona que para fazer
queijo teria que “ter os preparo”, isto é, a falta de recursos inviabiliza a implantação de uma
suposta agroindústria de queijos. “eu estou pensando em fazer umas estufa. Daí ele vai ver se
consegue vender nas feiras, nos mercados alguma coisa.
Gilberto Smaniotto, produtor de leite pasteurizado, no momento em que o
entrevistamos, estava buscando reestruturar sua unidade para se readequar as exigências
governamentais, conforme veremos adiante, estava entregando sua produção de leite para um
latinio capitalista (Latco) e comenta que:
Há seis meses estamos entregando pra Latco por R$ 0,33 centavos; acho
que o cobre as despesas. Estamos entregando pra Latco porque perdemos
as creches, porque a prefeitura o compra mais nada sem ser licitado e nós
não temos CNPJ; as máquinas que nós tinha não passa, eles não aceitam e
pra nós cortaram. Pra nós foi uma paulada que ta loco, né.
Nas observações de Gilberto Smaniotto, o produtor demonstra o vel de
exploração empreendido pelo agronegócio: “acho que não cobre as despesas. Embora
Gilberto esteja em situação um pouco mais confortável economicamente que Ivonete e
130
Josenir, buscando modernizar sua produção para atender as novas exigências governamentais
mercadológicas, a perversidade do sistema apresenta-se ali também.
Josenir Cavichon, outro produtor que estava encerrando suas atividades
esclarece as razões que o levaram a tal situação:
Foi parado por que não compensava mais. Pra você ir de carro sempre e
quebra carro e daí você comprar o pacote, era 10 centavos o pacote. Levava
no mercado as vezes vendia tudo o leite, as vezes deixava 100 litros e o
vendia nada, tem que trazer e jogar fora o leite. E era muita gente que vendia
clandestino igual nas casas e podia vender mais barato e daí você perdia
muito com sem vergonhaque não te paga.
Por mais que as atividades agroartesanais estruturem-se sob a égide de um
conhecimento produtivo acumulado durante gerações, utilizem técnicas rudimentares
adaptadas as suas necessidades produtivas (o que não requer grande volume de recursos),
contratem (algumas unidades) mão-de-obra apenas eventualmente e subsidiam o rendimento
do agroartesanato com a prática da policultura e outras culturas comerciais, essas famílias
ingressam no circuito mercantil por intermédio de uma combinação frágil. Uma simples
oscilação no preço de uma matéria-prima já proporciona um estrangulamento da proporção se
prolongada a situação por certo tempo. Fato que contribuiu para o alto índice de
clandestinidade das produções agroartesanais.
Com relação às agroindústrias de leite e queijo, mais duas unidades
merecem destaque por suas dinâmicas territoriais: maior dinamicidade mercantil e incremento
nos parâmetros técnico-produtivos. A unidade agroartesanal de pasteurização de leite de
Gilberto Smaniotto e a agroindústria familiar de produção de queijos de Atílio Capra.
Atílio Capra, 68 anos, reside na propriedade há 40 anos e tem a
agroindústria de produção de queijos adequada as exigências da vigilância sanitária desde
1993. Atílio Capra migrou do Rio Grande do Sul, munipio de Guaporé, em 1968 e nesse
ano estabeleceu-se em Francisco Beltrão. Trabalhava com lavoura e também exercia a
atividade de sapateiro.
A família Capra, produz um total de 120 quilos de queijos semanalmente e a
matéria-prima, 5.000 litros mensais, é toda oriunda de sua propriedade. Possuem um
funcionário fixo para auxilia-los na ordenha das vacas. A unidade da família está sendo
reformada pois vislumbram a adoção do SIP. Atílio mencionou-nos que o investimento inicial
131
previsto estava avaliado em R$ 70.000,00, contudo os investimentos irão ultrapassar os R$
100.000,00: uma infra-estrutura nova foi adotada (cumprindo com exigências ambientais e
sanitárias) e equipamentos novos foram adquiridos. Há quatro anos estão construindo e
utilizaram, até o momento, R$ 30.000,00 de recursos financiados; o restante do investimento
está sendo feito com recursos da própria família. De maneira improvisada, em virtude da
reforma, o queijo está sendo feito como dantes, na cozinha da residência da família Capra.
Foto 26: vista
panorâmica da nova
unidade de pro
dução
de queijos da família
Capra.
Fonte: Trabalho de
campo realizado em
2007.
Nos 24 hectares de propriedade produzem também policultura de
subsistência e lavouras comerciais de soja e milho. A produção de queijos e a lavoura são as
duas principais fontes de renda da família.
Como pudemos constatar, o montante de recursos para custear um
investimento desse porte é alto e não está ao acesso de todos os produtores. No ramo do leite e
derivados encontramos um disparate: unidades encerrando suas atividades e unidades sendo
modernizadas. No entanto, mesmo as unidades que estão sendo melhoradas o estímulo para a
reestruturação é o jogo do mercado. A modernização das unidades soa também como
resistência nesse sentido. Vejamos agora a situação da família Smanitto.
Gilberto Smaniotto é descendente de italianos, cujo pai residia em
Araquiba/RS. Era agricultor no Rio Grande do Sul, mas foi desapropriado porque suas terras
foram alagadas pela barragem de Itá. Possui o ensino médio completo. É dono e reside em
132
uma propriedade de 18,4 hectares desde 1988. Sua agroindústria está localizada na Cabeceira
Rio do Mato, munipio de Francisco Beltrão/PR;
Complementando a atividade agroindustrial, cultiva 10 hectares de milho, 3
ha de soja e 5,4 ha de pasto. Sua família é composta por 06 pessoas (4 do sexo masculino e 2
do sexo feminino)e todos trabalham na agroindústria. Trabalham em média 10 horas/dia e 31
dias/mês.
Segundo o Sr. Gilberto Smaniotto, toda a assistência técnica (orientação,
incentivo financeiro/fiscal) necessária ao andamento de sua atividade, tem sido efetivada de
forma particular; jamais foi prestada por alguma entidade incumbida (competente). Tanto a
EMATER quanto a Prefeitura Municipal vêm atuando apenas no sentido de fiscalizar e prover
balanços e avaliações sobre a atividade. O ganho líquido aproximado na agroindústria
ultrapassa os 5 salários mínimos mensais.
A agroindústria foi fundada há 10 anos e segundo seu proprietário, melhorou
sua vida. Toda economia familiar, a partir de sua instalação, passou a girar em torno dessa
atividade bem como quase a totalidade de sua propriedade está voltada para o suprimento da
agroindústria.
A principal dificuldade enfrentada é quanto à atuação de clandestinos no
mercado e quanto à inadimplência por parte de alguns clientes. Em 2004, comercializava sua
produção em 4 creches do munipio e entregava o restante da produção diretamente ao
consumidor. A agroindústria pasteurizava um total de 7.000 litros/mês, sendo 1.500 (21,5%)
litros adquiridos de outros produtores de sua localidade e o restante (78,5% ou 5.500 litros)
são provenientes de sua propriedade. A margem de ganho aproximado era de 25 %.
Em 2007, voltamos a visitar a propriedade. A produção estava improvisada
na garagem, pois a agroindústria estava passando por reformas. Em 2006, perdeu a
autorização para comercializar nas quatro creches às quais atendia, devido uma suposta
inadequação tecnológica da sua unidade perante a exigência do governo do Estado. Por isso,
está readequando sua unidade, investindo um total de R$ 50.000,00 em equipamentos e
estrutura física para ganhar novamente a licitação das creches e “sair na frente” dos demais
produtores do setor.
Em 2005 foi constrdo também um aviário para a criação de perus,
vinculado à Sadia. O investimento total foi de R$ 90.000,00, sendo 50% recursos próprios.
Construiu o aviário visando aproveitar o esterco gerado para adubar sua propriedade: “há oito
anos que nós tem as vacas na terra, né, e a terra estava meio morta. Pra comprar cama de
133
aviário pra recuperar a terra fica muito caro, né. Daí é uma atividade a mais e a gente pensa
que com o adubo vai voltar pro leite, né (depoimento de Gilberto Smaniotto).
Sobre o sistema de integração, o produtor destaca que:
Alojamos cinco lotes aqui no aviário. Vai dizer o que da Sadia? Ela te traz os
peruzinhos, te traz a ração, vem o veterinário uma vez por semana, eles
carregam os perus, levam e tu não sabe nada. Eu acho que o aviário não paga
o investimento. Quem financia 70% não paga. Eu financiei metade. Quem
pode com uma firma grande, a gente sai sempre perdendo. Daí o dólar
despencando eles alegam que eles também vendem em dólar daí os preços
despenco também. Quando tivemos pensando em colocar o aviário quem
tinha aviário e deixava uma média de 60 dias na propriedade, dava de 80 a
90 centavos por cabeça. Hoje não chega a 40. Ta apertando cada vez mais.
Portanto, a família Smaniotto com a construção do aviário não mudou de
orientação produtiva. O aviário foi construído para fortalecer a produção familiar. E o nível de
esclarecimento da família com relação a dinâmica perversa do agronegócio para com a
produção familiar é evidente.
A produção da agroindústria e sua margem de ganho continuam as mesmas,
porém a produção agora é entregue a um latinio local (Latco), a 02 mercados e a domilio.
Possui 45 cabeças de gado (25 produzindo) holandesas e Jersey, melhoradas
por inseminação artificial feita pelo próprio Gilberto, que há oito anos possui um botijão de
sêmen. Adquire como matéria-prima 2 toneladas de ração por mês (R$ 800,00) oriundo da
Candu (Dois Vizinhos), o restante da matéria prima é da propriedade (silagem, pasto e cana-
de-açúcar).
Os meios de transporte são próprios: uma caminhonete e um trator.
Esporadicamente contratam mão-de-obra no processo produtivo, sem carteira assinada,
basicamente quando fazem a chamada “silagem” do milho. A instalação da agroindústria é
própria, de alvenaria medindo 4 x 5,5m. Os instrumentos de trabalho são de propriedade da
família: 3 freezers, embaladeira e pasteurizador de leite, além de outros utensílios domésticos
utilizados no processo produtivo.
O consumo de energia elétrica é de R$ 220,00 mensais. O preço do produto
final é estipulado a partir do preço do leite dos latinios. Em sua propriedade esconstruindo
uma área de lazer com quiosques e campo de futebol, visando potencializar a prática do
turismo para receber seus clientes mais ilustres (bons pagadores).
134
Foto 27: Agroindústria de Gilberto Smaniotto (vista
da unidade). Trabalho de campo realizado em 2004.
Foto 28: Agroindústria de Gilberto Smaniotto, em
processo de ampliação. Trabalho de campo
realizado em 2006.
Foto 29: Avrio integrado à Sadia construído em
2005 na propriedade de Gilberto Smaniotto.
Trabalho de campo realizado em 2006.
Foto 30: Propriedade de Gilberto Smaniotto
silagem do milho para tratar o rebanho. Trabalho
de campo realizado em 2006.
Gilberto Smaniotto ponderando alguns aspectos sobre a reestruturação de
sua unidade agroartesanal destaca que:
Se eu consegui equipar que esse leite que o Requião da pras famílias só hoje
perdi umas sessenta famílias que ganham. A EMATER me disse que se eu
conseguir equipar a agroindústria do jeito que eles querem é bem cil que
eu consiga embalar o leite das crianças. Porque a preferência é pras
agroindústrias e aqui não tem nenhuma capacitada. Quem esta embalando é a
Latco. Vamos colocar o CNPJ pra tentar licitação das creches, vamos
colocar pra funcionar [...] A intenção é colocar lá um resfriador de expansão,
um tanque de equilíbrio, pasteurizador de placa, embaladeira, câmara fria,
essas coisas tudo (Gilberto Smaniotto).
Modernizar ou entrar na informalidade, essa é a grande questão para a
família Smaniotto. Dentro do que destacamos anteriormente sobre as diferenciações existentes
entre as formas de organização territorial agroartesanal, sua propriedade encaixa-se no grupo
de produtores que direcionam toda potencialidade da unidade para o atendimento da produção
agroartesanal. Com uma ressalva, um mínimo de policultura de subsistência é garantida na
135
unidade: “farinha vem de lá, feijão vem de lá. De origem animal a gente tem: banha, salame,
leite, queijo, mandioca, verdura”. (Gilberto Smaniotto).
Em Francisco Beltrão/PR existem produtores que associado a atividade
agroartesanal desenvolvem também produções essencialmente mercantis como soja, milho;
gado, peru e frango baseados no sistema de integração capitalista. Observa-se nesses casos
uma organização territorial diferenciada das unidades que analisamos anteriormente. A
dinâmica territorial das famílias Macari, Lago e Smaniotto ajuda-nos a entender a relação
agroartesanato, policultura e produção mercantil.
A família Macari estabeleceu-se no município de Francisco Beltrão, na
localidade rural Sessão São Miguel, no ano de 1953. Migraram do munipio de Urussanga,
Santa Catarina. Conforme depoimento de Marlene Macari, “vieram porque aqui tinha mais
terra, porque lá era pouca terra. A família era grande, né” (onze pessoas).
Possuem uma propriedade rural contendo 147 hectares aonde produzem
soja, milho, feijão, entre outras culturas alimentares. Produzem também gado leiteiro e suínos.
Possuem um frigofico artesanal, registrado pelo SIM desde o ano 2000, no qual produzem
salame, lingüiça, torresmo, banha, copa e demais derivados de carne suína. Adotaram o SIM,
porque a vigilância começou a pressionar e porque é mais seguro, né. É muito mais fácil
vender o produto”.
O “trato” com a produção artesanal é um domínio cultural antigo da família,
contudo a unidade está formatada nos parâmetros de exigência do SIM há dez anos (infra-
estrutura específica, equipamentos adequados etc.). Adquirem 5.000 kg. de carne suína
mensalmente, sendo que 50% do total são oriundos da própria unidade produtiva. O restante
da matéria-prima é adquirido de produtores adjacentes à comunidade rural.
Devido as dificuldades de comercialização, pelo número reduzido de
pessoas na unidade e a falta de conhecimento mercantil e tempo hábil, sua produção é
encaminhada para um vendedor particular que compra toda produção e revende nos
supermercados municipais e padarias de Francisco Beltrão/PR. Segundo Marlene Macari
melhorou bem depois que o vendedor pega ali e paga já, ele tem prática nisso, né”.
Antes de se dedicarem mais intensamente a atividade agroartesanal, além da
produção agrícola comercial e de subsistência e da produção de leite, tinham um aviário de
100 metros integrado ao CAI Sadia. Interrogada sobre o término da atividade aviária, Marlene
Macari destaca que a atividade não foi bem sucedida “porque tinha pouca gente pra
trabalhar, né. E atender o aviário e atender a agroindústria não tinha como, mais o leite,
mais lavoura é pouca gente pra trabalhar. Achamos melhor parar porque tinha que fazer
136
reforma e as exigência da Sadia cada vez mais”. Quando indagada sobre as principais
dificuldades enfrentadas com a produção agroartesanal, a proprietária comenta que a principal
dificuldade está ainda relacionada a mão-de-obra e posteriormente a adequação do produto
aos parâmetros comerciais.
A agroindústria tem época que vai bem, mas tem época que o vai. Que
nem tem um empregado que vai bem derrepente ele sai, vai pra outro lugar.
Daí a gente fica ensinando um outro, até que pega vai longe. O grande
problema é a mão-de-obra. Temos dois funcionários fixos por mês, são
meninos vizinhos aqui que o tinham o que fazer, estão trabalhando aí. A
roça deles é pouca e ajuda, né [...] Até que o pessoal aprendeu, né, não foi
cil. A qualidade no começo também foi difícil. Depois que padronizou,
ficou tudo bem direitinho foi embora. Daí deu mais uma caída quando eu
saí. Eu fiquei doente e o consegui mais trabalhar, daí entrou mais uma
sobrinha não tinha prática nenhuma daí deu uma caída no produto. Eu tinha
que ir lá e ensinar na área. Agora acho que ta alinhando.
Trabalham na agroindústria 03 pessoas da família com mais dois
funcionários fixos. Os instrumentos de trabalho, a unidade física de produção e os meios de
transporte são próprios. A maioria dos produtos consumidos pela família são provenientes do
interior da unidade produtiva. Com relação a assistência técnica, Marlene Macari afirma que é
prestada de forma particular pelos técnicos dos fornecedores: “o que a gente sabe aprendeu
com eles, com os técnicos dos fornecedores
27
. Receberam R$ 25.000,00 de incentivo
financeiro do governo do Estado do Paraná, proveniente recursos a fundo perdido. A
agroindústria da família Macari não está inserida em cooperativas. As práticas de lazer que a
família desfruta estão relacionadas a festas da comunidade rural organizadas pela igreja
católica.
27
Aqui temos que diferenciar o conhecimento produtivo cultural familiar, que é antigo e dotado de
tradicionalidade, do conhecimento técnico agroartesanal. Quando Marlene Macari diz que tudo que sabiam
na agroindústria tinha sido repassado pelos técnicos dos fornecedores, estava referindo-se aos conhecimentos
essencialmente técnicos de manipulação de alimentos visando uma maior produtividade e em corroboração
com a legislação sanitária (adaptação aos equipamentos exigidos e demais técnicas introduzidas – ração,
embalamento, vacinação, higienização, conservação, dimensão informacional do produto etc. ), . Em alguns
casos a forma em que a família produzia agroartesanalmente é profundamente reestruturada quando
legitimizada pelos selos de inspeção.
137
Foto 31: Vista
externa da unidade
agroartesanal de
produção de
derivados de suínos
da família Macari,
Sessão São Miguel,
Francisco
Beltrão/PR.
Fonte: Trabalho de
campo realizado em
2007.
Foto 32: Propriedade
rural da família
Macari. Local onde
ficam alojados os
suínos antes do
abate.
Fonte: Trabalho de
campo realizado em
2007.
A família Lago também nos auxilia a pensar a relação trabalho familiar,
produção mercantil e agroartesanato.
Situada na sessão Progresso, assentadas numa propriedade de 43 hectares
três famílias Lago produzem em sistema de cooperação. Seus pais vieram de Joaçaba, Santa
Catarina. Conforme destaca Ilário Lago: aqui eu nasci, me criei e aqui estou. O pai chegou
aqui faz mais de cinqüenta anos. Aqui era um lugar novo, aqui era tudo mato e a princípio o
pai começou com uma serraria. Depois que derrubaram o mato começou com lavoura. A
138
terra, recebida de herança, não foi fracionada, divida entre os donatários, trabalham as três
famílias em sistema de auxílio mútuo.
Lá é assim, leite tudo junto, queijo tudo junto, vai lá vende, deu tanto,
reparte e deu tanto. Daí tem que comprar medicamento, comprar ração,
ferramenta, alguma coisa daí compra as ferramentas, deu tanto daí reparte e
os aviários também é assim. Pra colocar uma agroindústria sozinho é meio
difícil. Aqui envolve as três famílias daí tu consegue tocar, né. Nós somos
num total de treze. A piazada ajuda, sete, oito anos já ajuda tocar uma vaca,
um terneiro [...] Na agroindústria trabalham minha esposa e do meu irmão,
mas pra tirar pasto e cuidar das vacas são cinco. Faz um serviço, termina
esse, vai pro outro e vai, porque nós se envolvemos em várias coisas. Cada
um destrincha o serviço. (depoimento de Ilário Lago).
O trabalho familiar é essencialidade na organização territorial das famílias
Lago. As principais fontes de renda da família são os três aviários integrados a Sadia (01
contendo 100 x 12 metros e os outros dois medindo 125 x 12 metros) e as lavouras de soja e
milho comercializadas com os CAIs Sadia e Perdigão.
A agroindústria artesanal de queijo tem caráter subalterno. Produzem um
total de 7 quilos de queijo dia com matéria-prima em sua totalidade oriunda da própria
unidade.
Ah, ela ajuda [a atividade artesanal do queijo] mas non mioro tanto, né,
que ajuda bastante, né. Ajuda em termos de despesa de casa, pra renda o é
muita coisa, pra despesa de casa tu tira. Alimento, conta de luz,
medicamento pra gente. Sempre fizemos queijo, mas o tinha esse negócio
de agroindústria, de inspeção, . Sempre foi feito queijo nesse sistema ali
que era feito queijo dentro de casa assim, era tudo mais artesanal, mais
diferente, né. Daí foi falado que tinha que ser diferente, foi feito essa
casinha.
A arte de produzir queijos foi transmitida entre as gerações da família Lago,
o selo do SIM foi adotado por exigência da vigilância sanitária. É uma atividade
complementar mas que tem sua importância na composição da renda familiar.
139
Foto 33 : Vista panorâmica da unidade agroartesanal
Foto 34: Técnica artesanal adaptada pelas famílias
das famílias Lago. Sua medida é de 4,5 x 6,0 metros.
Fonte: trabalho de campo realizado em 2007
Lago para prensar o queijo.
Fonte: trabalho de campo realizado em 2007
Foto 35: Queijos produzidos na agroindústria das
famílias Lago.
Foto 3
6: Barracão com equipamentos agrícolas de
propriedade das famílias Lago. Durante a safra
conseguem algum ganho trabalhando com suas
máquinas nas propriedades vizinhas (preparando a
terra, colhendo, plantando etc.).
Fonte: trabalho de campo realizado em 2007 Fonte: trabalho de campo realizado em 2007
Outro indicativo da dimensão artesanal na produção das famílias Lago está
expresso no depoimento a seguir. Comentando sobre as técnicas empreendidas com o gado
Ilário Lago nos apontou um problema que houve com a produção do leite, comenta que:
Nós nunca fizemos inseminação artificial, só trabalhamo com touro, daí de
um problema no touro que ele não cobriu mais as vaca, daí paro tudo. Daí
até que fomos notá que as vaca tava em cio, dali a pouco de novo, digo, deve
ter problema. Daí tiramo o touro e colocamo outro alinho, só que daí deu
aquele intervalo e as vacas ficou tudo seca. É difícil, nós começamos uma
vez com inseminação. Só que toda vaca que fazia inseminação tocava de
fazer três, quatro inseminação pra ela poder pegar cria. E se você tive com o
touro e se o touro é bom pode ficar tranqüilo. Elas o dez, doze litros por
tirada. Pro nosso sistema ta bom. Poderia produzir mais se investisse mais
em ração.
140
O fato das famílias serem integradas a CAIs e desenvolverem atividades
essencialmente mercantis não significa que estão desvinculada de todos os elementos da
sociabilidade camponesa. Analisando a dinâmica territorial da família Lago pudemos entender
essas disparidades/complementaridades: produção mercantil, integração agroindustrial,
trabalho familiar e atividades artesanais, heterogeneidade bastante presente em Francisco
Beltrão.
Sobre o futuro da atividade e a possibilidade dos mais jovens permanecerem
no campo, Ilário destaca que: eu acho que não, dizem ah, porque o pai sofre. Esse aqui quer
ser mecânico, a menina quer vender roupa na loja e quer casar, ter uma casa, cuidar da
casa.
Na questão que fizemos aos produtores sobre o interesse dos mais jovens
permanecerem com a atividade, alguns destacaram que vontade eles têm mas as condições são
diceis, devido à todas as dificuldades enfrentadas. Um membro da família Macari se formou
em agronomia e tem intensão em desenvolver sua profissão na unidade, mas Marlene acha
pouco provável. Gerônimo enfatizou que tem dúvidas sobre seu próprio futuro como
produtor. E Adelmar Crestani acredita que os filhos, numa eventualidade, possam administrar
a unidade, mas exercendo outras atividades urbanas paralelas. Gilberto Smaniotto,
corroborando com as colocações de Adelmar diz que as filhas “querem estudar, elas vão fazer
faculdade. Quem sabe depois de ter alguma formação voltem, mas acho que não voltam, aqui
o trabalho é pesado.
Iremos agora destacar a dinâmica territorial de alguns produtores
agroartesanais absentstas: famílias Pasin, Ferrari e Spader. Com a instituição do SIM, a
possibilidade de converter em renda o conhecimento produtivo acumulado fizeram com que
produtores urbanos adquirissem propriedades rurais para desenvolverem atividades
agroartesanais. É o caso das famílias anteriormente mencionadas. Vejamos alguns elementos
da organização territorial da produção agroartesanal da família Pasin, uma unidade com uma
inserção mercantil maior, de tempo mais rápido.
O estabelecimento da família Pasin fica situado no distrito Km 20,
munipio de Francisco Beltrão/PR. As informações contidas nessa ntese foram a nós
passadas por uma funcionária efetiva do estabelecimento, Alda Radin. Os proprietários da
agroindústria e de uma propriedade rural de 19,2 ha, Nilton Pasin e Maria Lurdes, são
absentstas: residem na cidade de Francisco Beltrão, desenvolvendo paralelo a atividade
agroartesanal, atividades urbanas. Nilton trabalha como dentista e Maria Lurdes trabalha
como delegada do Ministério do Trabalho. Possuem dois filhos, ambos médicos.
141
A família Pasin, originariamente riograndenses, descendentes de italianos
desterritorializados do município de Passo Fundo, estabeleceram-se em Capanema/PR e em
1994 Nilton Pasin e Maria Lurdes adquiriram o estabelecimento rural referido, situado no
munipio de Francisco Beltrão. A agroindústria foi fundada em 1996.
A propriedade é aproveitada economicamente com espécies frutíferas
diversas: uva, caqui, figo, laranja, entre outros, sendo a agroindústria a principal fonte de
renda da família. Segundo nossa informante, Alda Radin, o valor bruto/mês da produção é de
aproximadamente R$ 20.000,00. Antes da instalação da agroindústria produziam apenas
vinho e vinagre. Atualmente, além do vinho (70.000 litros/ano) e do vinagre (25.000
litros/ano), produzem doce de abóbora (3.000 vidros/ano), geléia e chimia (doce) de uva
(6.000 vidros/ano), doce de goiaba (1.500 kg./ano), além de graspa, pinga; conservas: ovos de
codorna, cebolinha, picles, figo, pepino, abóbora. As uvas são colhidas na própria
propriedade, assim como parte das frutas que comem a matéria-prima. O restante da
matéria prima são adquiridos regionalmente.
O destino da produção é diverso: estados da Bahia, Mato Grosso do Sul,
Mato Grosso; cidades como Curitiba/PR, Chapecó/SC, São Miguel do Oeste/PR, Santa
Helena/PR, Foz do Iguaçu/PR, entre outras localidades. Somente para o estado do Mato
Grosso do Sul, segundo nossa informante, em 2006 foram realizados vendas no valor de R$
20.000,00, o que denota uma maior inserção mercantil às despensas de unidades com ritmo
mais lento e artesanal.
Transportam a produção regionalmente com vculo próprio, uma
caminhonete Silverado, e para longas distâncias utilizam do serviço de transportadoras.
Possuem quatro funcionários, um temporário e três efetivos com carteira assinada. O
funcionário temporário é contratado para colher as frutas. A edificação da agroindústria mede
10 x 20 metros. O consumo de energia elétrica da propriedade é de R$ 260,00 mensais. A
agroindústria é equipada com máquinas e instrumentos de trabalho como pipa de inox,
engarrafador, moedor de uvas, tonéis de inox para cozer as frutas, entre outros equipamentos e
instrumentos. A assistência técnica é prestada pela Prefeitura Municipal de Francisco
Beltrão/PR e pela EMATER/PR. A agroindústria está inserida na FASP (Fundação das
agroindústrias do Sudoeste do Paraná, gestada pela EMATER/PR). Na propriedade são
recebidos estudantes no intuito de realizarem estágios.
142
Foto 37:
Parreiral
situado na
propriedade da
família Pasin,
Distrito Km.
20, município
de Francisco
Beltrão/PR
Fonte: Trabalho de campo realizado em 2006.
Foto 38: Vista
externa da
agroindústria
da família
Pasin.
Fonte: Trabalho de campo realizado em 2006.
143
Foto 39:
Funcionárias
fixas da unidade
agroartesanal da
família Pasin. À
direita, Alda
Radin.
Fonte: Trabalho de campo realizado em 2006.
Ambas de origem italiana as funcionárias trabalham há vários anos na
agroindústria. São agricultoras e residem na “comunidade” rural Km 20, munipio de
Francisco Beltrão/PR. A efetivação trabalhista das funcionárias na agroindústria deve-se por
seus conhecimentos acumulados sobre a transformação de alimentos oriundos de heranças
culturais.
Foto 40: Produtos
Pasin. Em destaque
a diversificação
produtiva: vinhos,
suco de uva,
vinagres, graspas,
doces de abóbora,
figo e goiaba. Ao
fundo da imagem
aparece uma parte
do estoque de
produtos da
unidade
Fonte: Trabalho de campo realizado em 2006.
144
Foto 41:
Propriedade rural
da família Pasin.
Em destaque a casa
de campo que a
família construiu
para passar os
finais de semana e
receber os
estagiários. Nos
fundos da
construção é
possível visualizar
uma piscina.
Fonte: Trabalho de campo realizado em 2006.
Foto 42: Barris de metal nos
quais são armazena
dos parte
da produção de vinhos da
família Pasin. A família
produz cinco tipos de vinho
diferentes.
Fonte: trabalho de campo
realizado em 2006.
145
As informações produtivas destacadas anteriormente somadas às fotos
demonstram que a agroindústria da família Pasin tem uma lógica de ação territorial diferente
de outras agroindústrias artesanais analisadas nesta pesquisa: a) seu mercado consumidor já é
interestadual; b) um contingente de assalariamento, mesmo ínfimo, já se apresenta no
processo produtivo; c) algumas técnicas produtivas mais modernas fazem-se presentes na
agroindústria. Porém, mesmo com essas especificidades organizacionais, para o efetivo
andamento produtivo da agroindústria da família Pasin, necessita-se do saber fazer
tradicional, artesanal, com o qual suas funcionárias contribuem.
Agroindústrias familiares e artesanais de ritmo mais rápido, a exemplo da
unidade da família Pasin e de outras unidades que, por estarem registradas no SIM não podem
ser citadas (devido ao fato de clandestinamente comercializarem seus produtos em outros
munipios da mesorregião Sudoeste), estão expandindo suas produções e comercializando
seus produtos em municípios vizinhos a Francisco Beltrão. Munipios do Sudoeste do Paraná
como Marmeleiro, Dois Vizinhos, Realeza, Barracão, entre outros, já recebem produtos do
agroartesanato beltronense, algumas produções realizadas de maneira clandestina devido à
limitação municipal do SIM.
Essas unidades agroartesanais de ritmo mais rápido vêm incorporando
novas técnicas ao processo produtivo que, infimamente associado ao assalariamento (fixos
e/ou contratados), otimiza a produção fazendo com que a expansão territorial de mercado
torne-se uma sistemática. No entanto, esse fenômeno é recente e ainda restrito à tônica
produtiva de poucas produções agroartesanais.
Outra produção de ritmo mais rápido é a de Valdir Thomé: com 55 anos é
de ascendência italiana. Seus pais migraram de Passo Fundo/RS e estabeleceram-se, no ano de
1957, em Francisco Beltrão na “comunidade” de Nova Concórdia. Thomé, juntamente com
outro irmão seu, possui duas propriedades rurais; a propriedade em que está instalada a
agroindústria artesanal, tem 35 hectares e fica localizada na “comunidade” de Nova
Concórdia; a outra propriedade fica localizada na Linha Calegari, interior do munipio de
Francisco Beltrão/PR, tem 36 hectares. Em ambas as propriedades Thomé produz soja e milho
para a alimentação dos suínos e para comercialização de grãos. Fundada em 1997, a atividade
agroartesanal é a principal fonte de renda da família.
Com a agroindústria, produzem salame (900 kg/mês), lingüiça (4.000
kg/mês), cortes suínos (4.000 kg/mês), morcilha (520 kg/mês) e banha (1.200 kg/mês).
Aproximadamente 80% da matéria-prima (carne sna) é produção própria da família Thomé.
Na propriedade rural, situada em Nova Concórdia produzem e abatem mensalmente 500
146
suínos com aproximadamente 100 kg cada; 80% dos 22.000 quilos de suínos processados
mensalmente são produzidos localmente.
Calculando os custos de produção, segundo Valdir Thomé, o ganho é de R$
0, 60 centavos o quilo do porco vivo, deduzido custos de transporte, pagamento de
funcionários, depreciação do maquinário, embalagens etc.; o salame é vendido a oito reais ao
quilo nos mercados municipais. Consoante Valdir, o ganho bruto mensal da produção
agroartesanal é de R$ 50.000,00 mensais, dos quais 15%, aproximadamente são líquidos. Os
abates são realizados três dias por semana; durante o processo produtivo contratam seis
funcionários diaristas para auxiliar no trabalho familiar.
Foto 43: A imagem mostra parte do chiqueiro onde são criados os porcos pela família Thomé.
Fonte: trabalho de campo realizado em 2007.
Os diaristas recebem salário mensal de trezentos reais. Conforme veremos
no quadro XVIII, as agroindústrias artesanais do ramo de suínos e as de frangos são as que
mais contratam funcionários. Isso deve-se ainda pelo caráter artesanal da produção. O
trabalho é, sobretudo, realizado manualmente e, por essa razão, necessita-se de certo
contingente de trabalhadores.
147
Foto 44: Produtor Valdir Thomé, sujeito do território.
Fonte: Trabalho de campo realizado em 2007.
Foto 45: Máquina utilizada pela família Thomé para a
fabricação da ração suína.
Fonte: Trabalho de campo realizado em 2007.
A última unidade caracterizada é urbana e pertence ao ramo de massas;
trata-se da unidade agroartesanal Lili Massas.
A Sra. Lili Maria Balestiero têm 39 anos, descende de migrantes alemães
reterritorializados no munipio de Serro Largo/RS. Há 14 anos, a família morava na
comunidade” rural Linha São Paulo, situada no interior do Município de Francisco Beltrão.
Lili recebeu herança, fruto do desmembramento da propriedade rural citada anteriormente, e,
juntamente com seu esposo, compraram um lote urbano situado no centro da cidade de
Francisco Beltrão/PR, onde residem e desenvolvem há 10 anos a atividade agroartesanal.
Desde a época em que morava no campo, a Sra. Balestiero produz massas,
conforme os costumes de sua família, porém, objetivava-se apenas o consumo imediato dos
produtos pela família. Com a agroindústria artesanal a família produz massas e doces em
geral. Sua família é composta por 03 pessoas, 02 trabalham na atividade agroartesanal. Não
contratam mão-de-obra no processo produtivo. Como afirma a proprietária, “a família se
combina melhor, brigam e se reconciliam rapidamente”. Trabalham em média 10 horas/dia e
148
30 dias/mês. Como sustenta a Sra. Balestiero, “quem trabalha apenas 8 horas/dia não
sustenta uma agroindústria”.
Mesmo não cadastrada no SIM, recebe regularmente assistência técnica por
parte da Prefeitura Municipal de Francisco Beltrão, atuando na parte de orientações e
fiscalizações. Pela EMATER, recebeu, para a implantação da agroindústria (estocagem e
investimento), o financiamento de R$ 10.000,00. A renda líquida aproximada da agroindústria
varia entre 3,1 e 5 salários mínimos mensais. A construção de alvenaria é da família e mede
4 x 4m. Com a agroindústria, a família produz salgados (500 kg/mês), cucas (400 kg/mês),
pães (240 kg/mês), bolos (80 kg/mês) e bolachas (60 kg/mês). Toda a produção é
comercializada na feira-livre de Francisco Beltrão (onde trabalha há 11 anos) e também
produze sob encomenda.
A margem de ganho varia entre 30% e 40%. As matérias-primas utilizadas
pela agroindústria são farinha de trigo (500 kg/mês), açúcar (125 kg/mês), ovos (40
dúzias/mês – proveniente da agroindústria familiar do Sr. Schmoller), leite (48 litros/mês),
manteiga (20 kg/mês), leite condensado e creme de leite (120 caixas de 250 gramas/mês),
chocolate em barra (12 kg/mês), lenha (2m3/mês) e gás de cozinha (02 botijões de 13
kg/mês). Exceto a manteiga, que é oriunda do munipio de Alto Alegre/PR, o restante da
matéria-prima é proveniente do munipio de Francisco Beltrão/PR.
A não opção pela comercialização da produção nos mercados locais é
devido à grande exploração destes e os problemas de ordem financeira, conforme aponta Lili:
no mercado as mercadorias que são quebradas ou vencem seu prazo de validade viram
despesa”. Um carro de passeio de propriedade da família constitui o meio de transporte. Os
instrumentos de trabalho são de propriedade da família: fornos, cilindros, amassadeira,
batedeiras, mesa, fogão, pia, entre outros utenlios domésticos. O consumo de energia
elétrica é de R$ 100,00 mensais. A principal dificuldade enfrentada é quanto à pouca ajuda
financeira existente para a atividade.
A referida agroindústria artesanal urbana tem fortes ligações com o
patrimônio cultural campesino; Lili viveu durante anos no espaço rural e, em virtude das
circunstâncias, acabou por em prática seus conhecimentos agroartesanais na cidade. O
agroartesanato urbano mencionado surgiu a partir da existência de um nicho de mercado
local. Mesmo estando dissociado da dinâmica agropecuária, contempla elementos em comum
como o trabalho familiar e o saber fazer produtivo, atuando também como uma via alternativa
de ocupação. Muito embora o agroartesanato seja diversificado, nosso interesse analítico foi o
149
de compreender essa dinâmica no território a partir da questão agrária, como forma de
resistência e produção de temporalidades.
... as transformações continuam a se processar no território:
Foto 46: Reportagem do Jornal de
Beltrão do dia 22/02/2008. A notícia
refere-se à família de produtores de
Ross, proprierios do pesque-pague
Santa Clara, constante em nossa
pesquisa. Segundo a matéria, o
cansaço foi o principal elemento que
os levaram a encerrar a atividade mas,
em entrevista, Inir destacou que outra
forte rao para o encerramento da
atividade agroartesanal é o fato de sua
propriedade rural estar sendo
envolvida pelo crescimento do
perímetro urbano de Francisco
Beltrão/PR.
150
Foto 47: Vista externa do Centro de Comercialização da Agricultura Familiar.
Fonte: trabalho de campo, 2008.
Em abril de 2008, foi inaugurado, em Francisco Beltrão, o Centro de
Comercialização de Produtos da Agricultura Familiar, mostrado na foto anterior. Com
produtos da Abevi (vinhos) e Coopafi (agricultura familiar) numa parceria com o Ministério
do Desenvolvimento Agrário e a Prefeitura Municipal de Francisco Beltrão, o mercado busca
dinamizar a comercialização dos produtos da agricultura familiar. Nesse centro de
comercialização, os produtos das agroindústrias artesanais do Sudoeste e Oeste paranaenses
ganham destaque. Como ressalta Mercedes Zancan, uma consumidora entrevistada, “eu gosto
desses produtos, sempre compro, na feira e agora aqui”.
As transformações processam-se no espaço; instauram-se com
temporalidades dessemelhantes e produzem seus territórios. A dinâmica territorial do
agroartesanato beltronense ratifica o poder de ação do tempo lento como tempo de produção
de vida e de resistência que tem, na organização política e na comercialização, a formação de
redes que sustentam a territorialização e a reprodução desta forma de produção de alimentos.
Vejamos o quadro ntese a seguir:
151
Quadro XIII – Quantidade e composição da força de trabalho, matérias-primas e destino da
produção das agroindústrias artesanais de Francisco Beltrão/PR
Força de trabalho
Origem e descrição da matéria-prima utilizada
(mês)
Nº da
uni-
dade
28
Familiar
Tempo
rária
Fixa
Da própria
propriedade
Do Município
de F. Beltrão
Do
Sudoeste/PR
De Outras
regiões
Destino da
produção
1 06 - - 7.000 litros - 2.000 kg ração - F. Beltrão
2 02 - - - 3.000 litros - - F. Beltrão
3 02 - - 3.000 litros 20 bolsas ração - - F. Beltrão
4 02 - - 5.100 litros
12 sacos farelo
de trigo; 08
sacos farelo de
arroz
1.500 kg ração
- F. Beltrão
5 03 01 - 12.000 litros - - - F. Beltrão
6 02 - - 4.000 litros - 800 kg ração - F. Beltrão
7 02 - -
8 01 - - 2.400 litros
125 bolsas
milho; 60 sacos
farelo de trigo
- - F. Beltrão
9 03 - - 680 litros 1 bolsa sal min. - F. Beltrão
10 03 - - 6.000 litros - - - F. Beltrão
11 02 - - 2.100 litros 1 bolsa sal min. - - F. Beltrão
12 03 - - 5.000 litros 40 bolsas ração - - F. Beltrão
13 05 06 - 20.000 kg
2.000 kg porcos
400 sacos milho
150 sacos soja
30 sacos núcleo
- - Sudoeste/PR
14 04 02 - -
16 porcos; 12
bois; 10 sacos
de farelo de
soja; 05 sacos
de núcleo
- - F. Beltrão
15 02 - 04 - 15 porcos - - F. Beltrão
16 03 03 02 2.500 kg 2.500 kg suínos - - F. Beltrão
17 04 03 - - 3.000 kg - F. Beltrão
18 05 04 - -
3.000 kg peixes
1.000 kg ração
- - F. Beltrão
19 04 - - 500 kg 1500 kg ração - - F. Beltrão
20 03 10 - 165 kg - - - Sudoeste/PR
21 01 02 - 165 kg - - - Sudoeste/PR
22 04 - - 600 kg 4.400 kg - - F. Beltrão
23 01 - - 1.300 kg 11.700 kg - - F. Beltrão
24 05 06 - -
5.000 kg milho
5.000 kg soja
3.000
pintainhos
- F. Beltrão
25 02 08 - - - 2.000 kg
1.600 selos e
bandejas
(Cascavel/PR)
F. Beltrão
26 03 - - 120 dúzias
120 caixas de
armazenamento
- - F. Beltrão
27 - 01 02
200.000 kg
(uvas)
Ovos de codorna, frutas e legumes diversos, e
demais matérias-primas (embalagens, selos
etc.).
Regiões Sul,
Sudeste,
Centro-Oeste e
Nordeste do
Brasil.
28 04 - - 3.250 kg - - - F. Beltrão
Fonte: trabalho de campo realizado entre 2006 e 2007.
28
Ver quadro I (p. 6).
152
Os dados correspondentes à quantidade e composição da força de trabalho
envolvida nas agroindústrias artesanais que estudamos são elucidativos: as 28 unidades
agroartesanais ocupam um total de 135 trabalhadores, dos quais, 81 são pessoas da própria
família, 46 são força de trabalho contratada (chamados diaristas) e apenas 08 trabalhadores
exercem funções fixas e são remunerados mensalmente.
Gráfico X: Composição da força de trabalho ocupada nas
agroindústrias artesanais estudadas em Francisco Beltrão/PR.
34%
60%
6%
Contratada Familiar Fixa
Fonte: trabalho de campo realizado entre 2006 e 2007.
O índice de 34% de trabalhadores contratados justifica-se, em grande parte,
pelo caráter artesanal da produção que absorve pouca mão-de-obra externa à unidade
produtiva. As agroindústrias do ramo de abate de suínos e de frangos utilizam técnicas
tradicionais de produção, com várias etapas do processo produtivo realizadas manualmente.
Nos dias de abate de suínos e de frangos são contratados diaristas para auxiliar no trabalho a
ser realizado. Outra produção que demanda maior quantidade de mão-de-obra temporária é a
da fabricação de derivados de cana-de-açúcar. Como a cana-de-açúcar é uma lavoura
temporária, o período de corte e moagem da matéria-prima concentra-se principalmente no
mês de junho. Nesse momento, são contratados trabalhadores, em geral, vizinhos para
auxiliarem no trabalho agroartesanal.
De maneira geral, é notória a territorialização local do agroartesanato. Foi
possível constatar a baixa escala de produção e o caráter local do mercado consumidor, ou
seja, poucas unidades utilizam matérias-primas ou comercializam seus produtos além do
153
munipio de Francisco Beltrão/PR: são evidências do saber fazer produtivo, familiar,
artesanal e com produção não intensiva de mercadorias assim como ocorre em outros lugares
do Brasil onde se territorializam produções camponesas similares à que estudamos.
Estamos diante de uma organização territorial específica, cujas
potencialidades territoriais locais atuam como sustentáculo para a permanência de padrões
tradicionais de sociabilidade, identidade e, contraditoriamente, heterogeneidade. Pensar e
elaborar políticas públicas específicas para o grupo social em questão significa,
necessariamente, considerar os traços específicos que caracterizam sua produção e forma de
vida.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O território congrega múltiplas formas da dinâmica social no espaço; formas
produzidas, reproduzidas e ressignificadas historicamente a partir de códigos concretos e
abstratos de sociabilidade.
A produção e a transformação familiar e artesanal de alimentos ou,
simplesmente”, o agroartesanato tem origem antiga, vinculada ao patrimônio cultural de
territorialidade do campesinato europeu, especialmente italiano, polonês e alemão. O
agroartesanato, complementar à dinâmica agropecuária camponesa, apresentava-se associado
à policultura familiar como produção subsistencial. Elementos tradicionais agregados a essa
gênese histórica ainda permanecem, em certo grau, na dinâmica territorial do agroartesanato
em Francisco Beltrão/PR e no Sudoeste paranaense.
Na mesorregião Sudoeste do Paraná, o agroartesanato surge, a partir de
1940, como atividade reterritorializada pela frente colonial gaúcha e catarinense.
Em meados do século XIX, por forças intrínsecas ao desenvolvimento
contradirio do capital, como ressalta Cenni (2003), Roche (1969) e Saquet (2003), uma leva
de imigrantes advindos da Alemanha, da Itália e da Polônia reterritorializaram-se nos estados
brasileiros do Rio Grande do Sul, São Paulo e Santa Catarina.
No Rio Grande do Sul, os alemães chegaram primeiro, ocupando as
melhores terras com suas atividades campesinas. Posteriormente, da segunda metade do
século XIX em diante, reterritorializaram-se os italianos nos três estados citados acima. Em
São Paulo, a reterritorialização italiana associou-se à substituição da força de trabalho escrava
nas fazendas de café, com características de organização territorial de que diferiram
historicamente do núcleo de colonização italiana no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina.
154
Nesses estados, ocupando terras interioranas e de topografia “acidentada” afirmaram-se como
pequenos proprietários camponeses.
A inexpressividade dos meios de circulação fizeram com que os colonos
italianos isolassem-se progressivamente em seus núcleos de colonização. Elementos do
patrimônio cultural camponês foram enaltecidos no sentido da promoção de uma resistência
àquelas condições adversas de vida. Dentre esses elementos constatava-se a difusão do
agroartesanato como moinhos, adegas e demais produções artesanais alimentícias (queijos,
doces, conservas, embutidos etc.). Em entrevista, Olívia Santiago, cujos pais, descendente de
italianos, migraram, na década de 1950, de Santa Catarina para o Sudoeste paranaense
ressaltou-nos que “duas boas invenções foram o asfalto e o telefone. Antes, quando dava
chuvarada, ninguém podia se comunicar, tinha até fome.
Assim, a reterritorialização do agroartesanato pelos italianos e alemães
representou um conteúdo de resistência, de adaptabilidade às novas formas de organização
territorial no espaço a ser desbravado. E, durante certo tempo, permaneceu sob essa égide.
Na década de 1940, um projeto de colonização da mesorregião Sudoeste do
Paraná foi empreendido pelo governo federal de Getúlio Vargas. Como assinala Feres (s/d),
visando materializar sua política conhecida como Marcha para Oeste, resolver o problema de
escassez de terras e desemprego rural em seu estado de origem (Rio Grande do Sul) e
geopoliticamente cuidar de povoar regiões de fronteira internacional, criou a Colônia Agrícola
Nacional General Osório (CANGO).
A CANGO, criada em 1946, tinha a incumbência de distribuir gratuitamente
as terras sudoestinas para a frente colonial e gestar os primórdios da organização fundiária
pós colonização efetiva.
Gaúchos e catarinense, de ascendências alemã, italiana e polonesa foram
majoritários no processo histórico de ocupação efetiva do Sudoeste paranaense,
reterritorializando nesse espaço seus ulteriores códigos de territorialidade, de sociabilidade
camponesa (familiar, policultora e pequeno-proprietário).
Consoante dados do IBGE, nos anos de 1995/96, aproximadamente 95% das
propriedades rurais estavam situados em estratos de área de até 50 hectares; fator que,
juntamente com os códigos culturais inerentes à composição da população territorializada,
corroborou para a consolidação de territorialidades tradicionais no Sudoeste paranaense.
Dentre os elementos culturais reterritorializados nesse panorama de especificidades histórico-
territoriais, interessou-nos a dinâmica do agroartesanato em Francisco Beltrão/PR.
155
O agroartesanato é atividade comum entre os produtores rurais beltronenses
e da mesorregião sudoestina por consistir numa prática artesanal passada de geração a
geração. Por intermédio do agroartesanato são produzidos vinhos, graspas, sucos, doces,
geléias, compotas, conservas, embutidos (salame, lingüiça, copa etc.), cachaça, açúcar
mascavo, massas (pães, bolos, bolchas, salgados etc.), produtos in natura, para citar apenas
alguns poucos produtos. Historicamente, a satisfação das necessidades de subsistência
familiar historicamente foi elemento estimulador do desenvolvimento do agroartesanato,
numa dinâmica complementar à economia agropecuária intra-unidade.
A partir da década de 1980, e mais notoriamente da década de 1990 ao
período atual, o agroartesanato vem-se expandindo regionalmente sob uma faceta mercantil
mais intensa. Muitos produtos artesanais, exclusivamente de subsistência, passaram a ganhar
importância de mercado.
A legitimação da produção agroartesanal com a instituição do SIM (Selo de
Inspeção Municipal) nos diversos munipios sudoestinos foi fator estimulante para o
desenvolvimento do segmento, pois fez com que os produtores agroartesanais tivessem
respaldo político-institucional para desvinciliarem-se do que se designa de clandestinidade a
partir da comercialização legal dos produtos.
Na década de 1980, diversos CAIs territorializaram-se no Sudoeste, como a
Sadia, a Perdigão, a Souza Cruz, a Parmalat culminando com uma intensificação da
conflitualidade entre o agronegócio e a produção familiar. As estreitezas político-econômicas
do agronegócio para com os produtores familiares fizeram emergir/ressignificar, por parte
destes últimos, formas tradicionais de expressão territorial como resistência e defesa do
terririo: uma dessas estratégias foi a revitalização do agroartesanato.
Com o agroartesanato há a possibilidade de resgate de uma determinada
autonomia na gestão do território familiar, camponês, haja vista que a família participa
efetivamente de praticamente todo circuito produtivo agroartesanal, desde a produção da
matéria-prima até a comercialização dos produtos.
Como atividade não-capitalista, o agroartesanato apresenta-se como um
trunfo territorial da produção familiar e camponesa. Alocar esforços para a compreensão de
seu real conteúdo e estrutura é essencial no afã de propor medidas políticas e econômicas
condizentes com sua dinâmica territorial.
156
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163
7. ANEXOS
Tabela síntese do mapa III – localização das “comunidades” rurais onde estão
situadas as agroindústrias artesanais estudadas
“Comunidade”
Nº da
localização da
agroindústria
no mapa
Nº de
agroindústrias
estudadas na
“comunidade”
Li n h a União..................................................... .. .. .... .. .. 19 02
K m 10........................................................ .. .... ...... .. .... 25 01
Linha Eva.....................................................................
60 01
Linha São João........ ......... ........................................... 30 01
Linh a Marti ni .................................................. .............
16 01
Santa Bárbara............................................................... 18 01
Quibebe........................................................................
17 01
Jacutinga...................................................................... 48 03
Sessã o Progresso........................................... .. .... .. .. .. ..
05 02
Água Vermelha... ...... ... ... ... ... ... ... ...... ... ... .....................
27 01
Linha Calegari............................................................. 03 01
K m 20........................................................ .. .... ...... .. ....
49 02
Secção São Miguel.... ........ ........ ........ ............ ..............
08 01
Volta Grande...............................................................
09 01
Vila Lobos...................................................................
61 01
Aeroporto..................................................................... 62 01
Posto Panorâmico. ... ... ... ... ...... ... ... ... ... ...... ...................
35 02
Sede Galdino...............................................................
64 01
Linha São Paulo...........................................................
15 03
Santo Antônio do Divisor............................................
22 01
Perí m etro urbano............................................ .... .... ..... 01 01
Fonte: trabalho de campo realizado entre 2006 e 2007.
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