ampla sobre o objetivo do presente projeto, principalmente por ser possível percebê-los
como desconstrutores da naturalização da razão, tanto pelo enfoque relacional-processual
de uns como pela perspectiva do inconsciente estrutural dos outros. Neste sentido, e
buscando a compreensão de como o processo civilizador vem demandando controlar as
pulsões na reflexiva luta das relações de poder, as abordagens propostas por estes autores
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são mais flexíveis e dinâmicas do que as até então vigentes nas Ciências Sociais.
Viver para consumir, consumir para viver
Intelectuais ou não, todos estamos imersos em cultura, e contemporaneamente, - ao
contrário da cultura de produção que foi sedimentada na procrastinação, no adiar a
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- autores estes que dialogam com Freud, mesmo que não de forma explícita, pois:
1 - embora apropriando-se da abordagem pulsional, inclusive para conceber a configuração
estabelecidos/outsiders de forma homóloga a polarização super-ego/id, Elias não constata a perspectiva
social na proposta teórica de Freud. Mas refuto tal viés como talvez procedente de referências maiores às
psicanálises de casos clínicos, pois nos estudos de antropologia social e história das religiões, “O futuro de
uma ilusão” (1927), “Mal estar na civilização” (1930) e Moises e o monoteísmo (1939) é inegável a
aderência de Freud a uma vertente sociocentrada. Além disso, num certo sentido a sociologia figuracional de
Elias pode ser lida como psicanálise social, como indica o capítulo III deste projeto.
2 - um autor como Bourdieu não aparenta ter relação com o discurso psicanalítico, entretanto, eu ouso
dizer que talvez se deva repensar o enfoque relacional em sua categorização central – habitus/campo – para
perceber se tal categorização seria possível sem levar em conta um corte no amplo contingente de
possibilidades relacionais, de forma a eleger um campo específico entre muitos possíveis. Dentro deste campo
específico, um espaço social com suas relações objetivadas, com sua racionalidade própria à posição ocupada,
há uma tensa modelagem pulsional estruturante de habitus. Como exemplo é possível pensar num adulto em
processo psicanalítico. O que teoricamente deverá ser trabalhado por ele no divã é a desconstrução de uma
estrutura de personalidade – ou seja, o deslocamento de habitus egóicos incongruentes com certos campos
superegoicamente priorizados. Em outras palavras, falar de habitus não é falar sobre determinismo, nem de
consciência, é falar de pulsões controladas e não controladas, é falar da castração de outras possibilidades que
devem ser deslocadas de um específico campo relacional, e esse campo não é homólogo a um agente ou
sujeito e sim a um superego. Freud de certa forma trouxe para o campo, ou espaço social psicanalítico, a
prática da desestruturação tanto do sujeito quanto de uma suposta razão que o acompanha enquanto ser social.
3 - Giddens não concorda integralmente com a conceituação freudiana de consciente e inconsciente, pois
nessa, o inconsciente – predominante, mas não exclusivamente repressivo - propicia formas de cognição que
só aparecem na consciência de forma distorcida, ou dito de outra forma, o inconsciente margeia uma
concepção restritiva de práticas, de institucionalização, não favorecendo um campo seguro para manobras.
Diante da teoria do inconsciente no recorte psicanalítico, o “agente” seria um epifenômeno, assim não sendo
viável falar em reflexividade - pois a noção de reflexividade é basicamente cognitiva. Contudo, é possível
perceber que nas entrelinhas da teoria da estruturação giddensiana, o inconsciente além de possibilitar
repressão, também possibilita facilitação, sendo postulado que: “ A segurança ontológica e a rotina estão
intimamente vinculadas, através da influencia difusa do hábito.” (Giddens:1991,100). No estudo desse hábito,
para se afastar da psicologia analítica, Giddens elabora a monitoração reflexiva, enquanto consciência prática,
o que ironicamente não é tão diferente da proposta de autoanálise. Giddens assim como Freud, não abre mão
de pensar que é na infância que a confiança é estruturada em função do jogo de presença e ausência dos
provedores, a ausência assim assumindo o papel de potencializadora das estratégias de simbolização, sem a
qual a capacidade social da criança torna-se comprometida, assim como também a monitoração reflexiva.
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