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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
FACULDADE DE BIBLIOTECONOMIA E COMUNICAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO E INFORMAÇÃO
Danielle Sandri Reule
A DINÂMICA DOS RUMORES NA REDE:
A WEB COMO ESPAÇO DE PROPAGAÇÃO DE BOATOS VIRTUAIS
Porto Alegre
2008
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
FACULDADE DE BIBLIOTECONOMIA E COMUNICAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO E INFORMAÇÃO
Danielle Sandri Reule
A DINÂMICA DOS RUMORES NA REDE:
A WEB COMO ESPAÇO DE PROPAGAÇÃO DE BOATOS VIRTUAIS
Dissertação apresentada como requisito final para
obtenção do grau de mestre em Comunicação e
Informação pelo Programa de Pós-Graduação em
Comunicação e Informação da Universidade
Federal do Rio Grande do Sul (PPGCOM /
UFRGS)
Orientador: Prof. Dr. Alex F. Teixeira Primo
Porto Alegre
2008
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Para o meu amor, Léo;
para meus pais, João e Maria;
para meu irmão, Fernando;
para o eterno companheiro Barnei.
AGRADECIMENTOS
De diferentes maneiras, muitos me ajudaram a concluir este estudo.
Meus sinceros agradecimentos...
... a Deus, por permitir minha existência;
... aos meus pais, pelo apoio que sempre me deram nas grandes empreitadas;
... ao meu marido, Léo, por sua paciência, compreensão, carinho e incentivo ao longo
de dois anos de lágrimas e ansiedade;
... à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), pela
bolsa que possibilitou minha total dedicação ao mestrado;
... às amigas Karine e Fabiana e à prima Sara, pela força que me deram ao se
aventurarem na leitura do trabalho pronto;
... ao meu ex-aluno Ricardo Golbspan, por sua dedicação à pesquisa;
... às grandes companheiras de mestrado, Cris, Vivi, MC, Geórgia e Cleusa, pelas
conversas e terapias de grupo, pelas idéias e pela amizade durante esta jornada;
... aos professores Juremir Machado, Eduardo Vizer, Doris Haussen e Suely Fragoso,
pelas colaborações ao longo do caminho, e, em especial, a Márcia Benetti e Jean-
Bruno Renard, pela atenção oferecida generosamente em momentos de dúvida e pelas
preciosas contribuições à minha pesquisa;
... ao meu orientador, Prof. Dr. Alex Primo, por sua amizade, consideração e
perseverança, por não me deixar desamparada e partilhar seu conhecimento, por
confiar em mim e na minha capacidade de sempre evoluir, por acreditar neste trabalho
desde o início e conduzi-lo brilhantemente. Muito obrigada, de coração.
Rumores transmitem informações que queremos acreditar. O nosso
desejo de acreditar é, por vezes, tão forte que invalida os nossos
critérios habituais de realismo e plausibilidade, este último na
verdade sendo regido pelo nosso desejo de acreditar, não o contrário.
- Jean-Noël Kapferer, Rumors: Uses, Interpretations and Images
Seja de extensa ou reduzida difusão, breve ou duradouro no tempo,
pacífico ou devastador em seus efeitos, o rumor existe na trama de
qualquer cultura. Imaginar uma sociedade sem rumores seria fechar
os olhos para a realidade.
- Gordon Allport e Leo Postman, The Psychology of Rumor
Uma vez tendo penetrado no corpo social, a falsa informação circula
exatamente como informação verdadeira. Sua circulação nada tem a
ver com loucura ou alucinação coletiva, mas pura e simplesmente
com as regras que fundamentam a vida social. (...) A vida social é
baseada em confiança.
- Jean-Noël Kapferer, Rumors: Uses, Interpretations and Images
RESUMO
A circulação de rumores é um processo comunicacional, resultado de ações coletivas.
O fenômeno é definido como um tipo de informação não confirmada que se propaga em rede
e que circula com a intenção de ser tomada como verdadeira. Apesar de poder ser inofensivo,
o rumor também pode ser prejudicial, gerando graves conseqüências quando se trata de uma
informação falsa. Nesta condição, sua disseminação num corpo social pode ser motivo de
preocupação, dependendo da rapidez com que ele é passado adiante e da dimensão alcançada.
Com o advento da Internet, ícone das tecnologias digitais, o sujeito social, antes limitado por
questões temporais ou geográficas, passa a se comunicar e a se relacionar com outros
indivíduos de maneira potencializada. Facilitando a produção e a busca de informações tanto
quanto a comunicação globalizada em alta velocidade, a rede também potencializa o processo
e os efeitos dos rumores, agora denominados boatos virtuais. Conseqüentemente, a Internet
torna-se o meio ideal para a rápida propagação de um grande número de informações falsas a
um número muito maior de indivíduos em curto espaço de tempo. E, atualmente, além das
características próprias da rede permitirem essa disseminação em alta velocidade, alguns
ambientes de produção coletiva na Web conferem uma força ainda maior à circulação dos
boatos virtuais. Partindo de uma abordagem psicossociológica e comunicacional, a pesquisa
apresenta conceitos e definições para explicar o que leva as pessoas a repassarem os rumores,
como eles funcionam tendo a Web como canal de propagação e algumas conseqüências desse
processo para o mundo offline quando se tratam de informações falsas. Também propõe
categorias de falsas informações, inserindo os boatos virtuais em uma delas, e modelos
explicativos para ajudar a entender a dinâmica dos rumores em ambientes de produção
coletiva na rede, abertos a trocas de informações e discussões de grupos. Nesses espaços
virtuais de conversação, os boatos são propagados de modo que se tornam assunto de debates,
podendo ganhar força ou ainda enfraquecer, dependendo do recurso utilizado pelos
participantes para contribuir com a discussão. Tendo como objeto de estudo o boato sobre
uma peça em formato de cruz na moto da Honda (uma informação falsa) sendo disseminado e
debatido em comunidades do Orkut como verdadeiro, o trabalho investiga os elementos
constitutivos da dinâmica dos boatos virtuais nesses ambientes de conversação, denominando-
os Dispositivo textual fortalecedor, Dispositivo textual enfraquecedor e Disposição textual. A
utilização de tais elementos pelos participantes do debate é capaz de direcionar um rumor a
tendências opostas, fazendo com que sua dinâmica flua entre a Estagnação e a Expansão.
ABSTRACT
Circulation of rumors is a communication process, resulting from collective actions.
The phenomenum is defined as a type of non-confirmed information that spreads into a
network and circulates with the intention of being taken as true. Although it can be harmless,
rumor can also be harmful, causing serious consequences when it is a false information. In
this condition, its dissemination into a social body can be a reason of concern, depending on
the speed with which it is passed along and on the dimension it reaches. With the advent of
Internet, icon of digital technologies, the social subject, once limited by time or geographic
issues, can communicate and relate to other individuals in a potencialized way. Facilitating
the production of and search for information as much as high speed global communication,
the net also potencialize the process and the effects of rumors, now known as virtual rumours.
Consequently, Internet becomes the ideal environment for quick spread of a large number of
false information to a much larger number of individuals in a short period of time. And,
nowadays, besides characteristics of the net allow this dissemination at high speed, some
collective production environments at the Web give an even greater force to the circulation of
virtual rumours. Starting with a social psychological and communicational approach, this
research presents concepts and definitions to explain what leads people to pass along rumours,
how do rumors work having Web as a channel of spread and also some consequences of this
process for the offline world, assuming we are dealing with false information. It also proposes
categories of false information, considering virtual rumours as one of them, and explanatory
models to help understanding the dynamics of rumors in environments of collective
production on the net, which are open to information exchange and group discussion. In these
conversation virtual spaces, rumours are propagated so that they become subject of debate,
and may gaining strength or weaken, depending on the mechanism used by the participants to
contribute to the discussion. Taking the rumour about a piece in cross shape inside a Honda
motorcycle (a false information) as the object of study, being disseminated and debated in
Orkut communities as true information, this work investigates the constituent elements of the
dynamics of virtual rumors in these conversation virtual spaces, naming them as Strengthener
textual device, Weakener textual device and Textual ordering. The use of these elements by
participants of the debate is capable of addressing any rumor to opposite tendencies, making
its dynamic flow between Stagnation and Expansion.
LISTA DE FIGURAS
FIGURA 1. Fluxo da informação observado por Degh e Vazsonyi ..........................
29
FIGURA 2. Diferenças entre experiência em laboratório e rumor na realidade ....... 31
FIGURA 3. Os seis tipos de rumor identificados por Kapferer ................................. 34
FIGURA 4. Quadro de comparação entre rumores, fofocas e lendas urbanas .......... 37
FIGURA 5. Caminhos que podem ser percorridos por um rumor a partir da
apreensão de seu conteúdo pelo receptor ...................................................................
41
FIGURA 6. Funcionamento das redes sem escala proposto por Barabási e
Bonabeau ....................................................................................................................
46
FIGURA 7. Fluxo do rumor observado por Degh e Vazsonyi .................................. 54
FIGURA 8. Fluxo do rumor nos dias atuais, elaborado a partir do esquema de
Degh e Vazsonyi ........................................................................................................
54
FIGURA 9. Fluxo do rumor dos dias atuais visualizado no caminho em estudo da
Figura 5 ......................................................................................................................
54
FIGURA 10. Site Hoaxbuster.com, que busca divulgar e desmentir rumores na
Internet .......................................................................................................................
58
FIGURA 11. Tópico sobre boatos virtuais criado pela página da Coca-Cola na
Internet .......................................................................................................................
59
FIGURA 12. Página da Tribuna da Imprensa Online com a coluna de Carlos
Chagas ........................................................................................................................
63
FIGURA 13. Foto anexada à mensagem sobre o leite mostrando número em caixa 72
FIGURA 14. Página da Tetra Pak na Internet desmentindo a história do número na
caixa de leite ...............................................................................................................
74
FIGURA 15. Peça do farol da moto CG Titan 150 da Honda ................................... 79
FIGURA 16. Página do Jornal O Estado de São Paulo com matéria sobre o boato
da Honda ....................................................................................................................
82
FIGURA 17. Página do Orkut com resultados de pesquisa pela palavra “cruz” em
fórum de uma comunidade..........................................................................................
87
FIGURA 18. Elementos argumentativos constitutivos da dinâmica de um boato
virtual no Orkut ........................................................................................................
98
FIGURA 19. Fluxo do boato virtual em repasse por e-mail e em ambientes de
conversação virtual ....................................................................................................
101
FIGURA 20. Processos conversacionais localizados no modelo dos caminhos
tomados pelo rumor ..................................................................................................
102
FIGURA 21. Processos conversacionais paralelos a repasse simples de boato
virtual ........................................................................................................................
103
FIGURA 22. Tendências da dinâmica de um boato virtual a partir dos elementos
encontrados ................................................................................................................
105
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ............................................................................................. 11
Justificativa .............................................................................................. 13
Problema .................................................................................................. 16
Objetivos .................................................................................................. 17
1 RUMOR: “A MAIS ANTIGA MÍDIA DE MASSA” ................................ 18
1.1 Raízes etimológicas .......................................................................... 18
1.2 O rumor como fenômeno social ........................................................
20
1.3 Processo de disseminação ................................................................. 27
1.4 Rumor como falsa informação .......................................................... 30
1.5 Folclore, fofoca, mitos e lendas urbanas ......................................... 34
1.6 Sentido de verdade ............................................................................ 38
1.7 Proposta de modelo ........................................................................... 41
2 INTERNET COMO CANAL DE RUMORES ........................................... 44
2.1 A rede como espaço social ................................................................
45
2.2 Rápida difusão, memes e o Orkut ..................................................... 46
2.3 Categorias de falsas informações na Web ........................................ 49
2.4 Ambiente potencializador ................................................................. 53
2.5 Boatos virtuais na mídia e algumas conseqüências .......................... 60
2.6 Elementos de legitimação ................................................................. 64
2.7 Novos espaços de propagação e outras conseqüências ..................... 68
3 A DINÂMICA DE UM BOATO VIRTUAL ............................................. 76
3.1 A seleção do objeto ........................................................................... 77
3.1.1 A cruz invertida ...................................................................... 77
3.1.2 Características da mensagem da Honda ................................. 80
3.1.3 Repercussão na mídia e conseqüências offline .......................
81
3.2 Aspectos metodológicos ................................................................... 85
3.2.1 Corpus .................................................................................... 86
3.2.2 Métodos e técnicas ................................................................. 88
3.3 Processo de análise ........................................................................... 89
3.3.1 Os elementos presentes no debate .......................................... 90
3.3.2 Modelo dos elementos da dinâmica ....................................... 98
3.4 Análise dos resultados .......................................................................
99
3.4.1 Processos conversacionais e os dispositivos na dinâmica ..... 100
3.4.2 Resultados aplicados .............................................................. 104
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................... 107
REFERÊNCIAS ............................................................................................. 110
ANEXOS ....................................................................................................... 114
- 11
-
INTRODUÇÃO
As tecnologias digitais estão inseridas em nosso cotidiano, ampliando nossas redes
de relacionamento e diminuindo distâncias. Desenvolvida em fins dos anos 60 do século XX,
a Internet aparece como ícone dessas tecnologias, possibilitando inúmeras atividades de
qualquer parte do mundo, facilitando a produção e a busca de informações e a comunicação
globalizada. Temos, na rede, “o meio de comunicação que constitui a forma organizativa de
nossas sociedades” (CASTELLS, 2003), constituindo-se em parte fundamental da atual
Sociedade da Informação (CASTELLS, 1999).
Com o advento da Internet, o sujeito social exerce de maneira potencializada
atividades inerentes ao ser humano: comunicar-se e relacionar-se com outros indivíduos. A
rede representa um ideal de democratização diminuindo, utopicamente, hierarquias e
possibilita, através do anonimato, um sentimento de liberdade em diversos níveis, seja
emocional, relacional, cultural ou mesmo profissional. Como observa Wolton (2003, p.85), as
novas tecnologias “vêm ao encontro do profundo movimento de individualização de nossa
sociedade” e oferecem autonomia, domínio e velocidade. Na Internet, cada um pode agir
sem intermediários, quando bem quiser, sem filtro nem hierarquia e em tempo real”
(WOLTON, 2003, p.85-86). A rede é um espaço de sociabilidade globalizado,
desterritorializado, interativo, que potencializa uma interação sem coincidência temporal e
geográfica, caracterizado pela multimídia, pelo hipertexto, pela velocidade e pela produção
coletiva.
Desse modo, para o bem ou para o mal, sites da Web, comunidades virtuais, salas de
bate-papo e correios eletrônicos são espaços de conversa, troca de informações e
conhecimento mútuo. Não importa quem é e onde se encontra, no mundo offline, o indivíduo
que navega na Internet. Caracterizada pela liberdade de acesso, de expressão, de manifestação
(quase
1
) irrestrita, a rede por si não seleciona/identifica seus usuários pelas suas características
físicas ou morais, o que significa também não poder verificar o caráter ou a intenção de quem
está navegando. E esse critério ou a falta dele também vale para o conteúdo inserido na
Web, o que acaba gerando um grande número de informações imprecisas, enganosas,
1
É preciso levar em consideração alguns limites, como por exemplo, os de acesso impostos em determinadas
páginas, sites que cobram para permitir o uso ou são limitados a grupos específicos, páginas de governos, etc.
- 12
-
infundadas, fictícias. O problema, em sua origem, não se limita à disseminação de falsa
informação, um processo social sendo reproduzido, como tantos outros, na realidade virtual.
Também estão presentes questões como a velocidade com que ela se propaga, o alcance que
tem e os efeitos que pode provocar quando é apresentada como verdadeira.
Se, inicialmente, chegou a ser considerada como a “auto-estrada da informação”, a
Internet é hoje, como expõem Campion-Vincent e Renard (2002), citando Odile Vernier
2
, a
nova auto-estrada da desinformação. Uma das características da desinformação é a intenção
de enganar, isto é, desinformar de maneira proposital. A intenção de enganar é, segundo
Durandin (1995), o elemento constitutivo da mentira que estabelece a diferença que a
distingue do erro involuntário. Isso significa que quem mente ou desinforma está agindo
intecionalmente, propositalmente, ao contrário de quem comete um erro ao acaso, sem querer.
Desse modo, a Internet passa a ser um ambiente em que os erros voluntários aparecem com
mais facilidade. Em recente entrevista, o próprio criador da Web, Tim Berners-Lee, alertou
para o grande perigo de a rede tornar-se “um lugar onde inverdades comecem a se espalhar
mais do que verdades [tradução da autora]
3
”.
Dentre as muitas formas de falsa informação, esta pesquisa se volta para os rumores
propagados na Web e sua circulação em ambientes de produção coletiva. Graças à Internet,
um rumor eletrônico, assim elaborado, se propaga rapidamente e tem um alcance global. São
os boatos virtuais, também conhecidos como hoaxes - que serão explicados no primeiro
capítulo. E o fato de que rumores são preocupantes às pessoas que os repassam porque
existe a possibilidade de serem verdade, associado a um suporte tecnológico que proporciona
facilidade para sua circulação, oferece uma nova dimensão desse fenômeno sociológico,
considerado por Kapferer (1990) a forma mais antiga de mídia de massa.
O presente trabalho consiste, portanto, em investigar a dinâmica, isto é, o
comportamento dos rumores e seus caminhos evolutivos em ambientes de produção coletiva
na rede, identificando elementos constitutivos do processo. Para sua realização, foi feito um
estudo exploratório de abordagem qualitativa, o que Oliveira (2005, p.22) descreve como um
“processo de reflexão e análise da realidade através da utilização de métodos e técnicas para
compreensão detalhada do objeto de estudo em seu contexto histórico e/ou segundo sua
2
Responsável por uma agência de comunicação francesa citado na reportagem “Internet joue un rôle croissant
dans la communication de crise”, de Florence Amalou, no Le Monde 16 outubro 1998.
3
There is a great danger that it becomes a place where untruths start to spread more than truths Tim Berners-
Lee em entrevista ao jornal britânico The Guardian, em novembro de 2006. Disponível em
http://technology.guardian.co.uk/news/story/0,,1938477,00.html - Acesso em 15/05/2007
- 13
-
estruturação”. Em termos técnicos e metodológicos, foram contemplados para este projeto a
pesquisa bibliográfica, a análise de conteúdo, e a observação sistemática, que serão
explicitados no último capítulo.
Para se estabelecer o objeto da pesquisa, inicialmente cogitou-se trabalhar com dois
ambientes de produção coletiva: o universo dos blogs e comunidades virtuais. Entretanto,
como se tratam de espaços muito amplos, os blogs foram descartados com o desenvolvimento
da pesquisa e optou-se pela investigação da dinâmica de boatos virtuais em comunidades do
Orkut
4
, onde a busca pelos rumores, a troca de informações entre os participantes e mesmo a
observação para os pesquisadores revelaram-se mais facilitadas para o que se propunha.
Ainda no início da pesquisa, foi observado que os mesmos elementos relevantes para a
análise e, conseqüentemente, para a elaboração de uma estrutura de dinâmica, estavam
presentes em discussões sobre diferentes rumores em diferentes comunidades, o que resultou
na decisão de se utilizar apenas um boato virtual como objeto de estudo. Entre tantos boatos
virtuais identificados no Orkut nos meses de maio e junho de 2007, foi selecionado um sobre
uma cruz invertida na moto da Honda. A mensagem original trazia a falsa informação de que
a peça colocada na moto era resultado de um pacto do engenheiro responsável pelo desenho
com supostas entidades demoníacas.
Entre outras questões levadas em consideração, o rumor foi escolhido como objeto por
ter sido acreditado como informação verdadeira e ter tomado grandes proporções
(virtualmente e no mundo offline), englobando todos os aspectos apresentados ao longo do
estudo. A história começou a circular por e-mail, passou a ser muito disseminada e discutida
em diversos ambientes na Web, até que o boato virtual e suas conseqüências ganharam espaço
na mídia e a Honda se viu obrigada a divulgar um comunicado sobre a finalidade da peça.
Justificativa
A proposta deste trabalho partiu de uma inquietação pessoal. Como internauta, sempre
atenta a novidades do ciberespaço, usuária ativa da rede mundial de computadores como fonte
de pesquisa, e tendo trabalhado com jornalismo online, passei a propor questionamentos mais
pontuais acerca da credibilidade das informações disponíveis na Web. É fato que, pela
4
http://www.orkut.com
- 14
-
Internet, circulam informações de todos os tipos, todas as procedências, todos os níveis. É fato
também que a rede é hoje bastante utilizada para consulta e pesquisa muitas vezes como
única fonte. Por isso, não seria relevante analisar o acesso que têm profissionais e
universitários, por exemplo, a informações disponíveis na rede, utilizando-as como fonte de
trabalhos importantes?
Primeiramente, foi preciso ter em vista que Internet é sociedade, expressa os
processos, interesses, valores e instituições sociais (CASTELLS, 2003). A rede faz parte do
nosso dia-a-dia, não como uma simples ferramenta tecnológica. Isso significa uma grande
influência em nossos atos, pensamentos, trabalhos e relacionamentos produzidos e
legitimados dentro de uma realidade individual ou mesmo coletiva. E se até alguns anos atrás
a busca por determinadas informações era um processo demorado, complexo ou trabalhoso,
com o advento da Internet, os obstáculos foram quase completamente eliminados, tornando o
acesso aos mais diversos dados praticamente ilimitado e irrestrito. O campo de informação se
ampliou cada vez mais, se intensificando e integrando novas dimensões (WOLTON, 2003).
Mas se, historicamente, encontrar formas de armazenar as informações e o
conhecimento humano
5
foi considerado um desafio, hoje estamos vivendo um complicado
processo de lidar com a abundância de conteúdo que a rede disponibiliza. De fato, “a
preocupação sobre o acesso a informações cedeu lugar à preocupação sobre como lidar com a
quantidade de informações às quais devemos ter acesso de verdade” (BROWN; DUGUID,
2001). Contudo, a discussão não se limita à técnica, pois a máquina não pensa por si. Sendo a
rede um objeto comum, dinâmico, construído, ou pelo menos alimentado, por todos os que o
utilizam (LÉVY, 1996), não importando seus objetivos, suas intenções, seus recursos, é
preciso levar em conta que é o próprio homem, com todas as suas características e
pensamentos, que está por trás da infinidade de informações que circulam ininterruptamente
pela teia virtual. A Internet é um espaço de comunicação sem limites reais. Exatamente por
isso, Delarbre (2006) destaca que, na rede, conteúdos de toda índole e em seus espaços de
interação se manifestam condutas também de todo tipo e comportamentos perversos.
Posto que a Internet é esse ambiente em que as informações circulam global e
livremente e são acessadas a todo momento de qualquer lugar, surgiram as questões em
relação à legitimidade ou simplesmente à qualidade dos conteúdos a que temos acesso. A
5
Os projetos da Biblioteca de Alexandria, de Alexandre, o Grande, o Memex, de Vannevar Bush, o projeto
Xanadu, de Ted Nelson, e mesmo a criação do computador são exemplos da histórica preocupação em se
organizar e armazenar documentos, informações e conhecimentos do ser humano.
- 15
-
rede, no entanto, é um objeto amplo demais para ser estudado e está em constante
transformação. As falsas informações estão por toda parte e podem ser apresentadas de
diversas formas, já que uma das características da Internet é o fato de ser multimídia. Entre os
múltiplos formatos de falsa informação, surgiu, então, o interesse pelos hoaxes, os boatos
virtuais que circulam por e-mails, em comunidades virtuais, salas de bate-papo, fóruns, etc.
São histórias geralmente de origem desconhecida e sem qualquer fundamento, mas passadas
adiante como informações autênticas.
Na busca por material bibliográfico, muito foi encontrado sobre o assunto. A idéia do
rumor em si não é de hoje, nem surgiu com a Internet. Há décadas, pesquisadores e estudiosos
de diversas áreas trabalham a dinâmica dos rumores. Sociólogos, folcloristas, historiadores,
psicólogos, literários, antropólogos, pesquisadores de marketing e cientistas políticos têm seus
próprios conceitos, tradições de pesquisa e visões de como o fenômeno atua. Há, inclusive, a
Fondation pour l'Etude et l'Information sur les Rumeurs (Fundação para o Estudo e a
Informação sobre os Rumores), presidida por Jean-Noël Kapferer
6
. Entretanto, pouco se
apresentou sobre o impacto da Internet, um meio de comunicação global, na propagação dos
rumores.
A rede já facilita e potencializa a propagação, o repasse rápido e com longo alcance do
que antes era transmitido pelo “boca a bocaou por meios de massa tradicionais, restritos
geograficamente. Segundo Véronique Campion-Vincent e Jean-Bruno Renard (2002)
7
, “tanto
quanto meio de comunicação, a Internet se revelou um veículo inédito para a difusão de
rumores [tradução da autora]
8
”. Por essa razão, julgou-se relevante um estudo sobre a
circulação de boatos virtuais, mais especificamente, em ambientes da Web. A intenção de
focar a pesquisa em comunidades virtuais veio com o interesse em desenvolver o estudo da
dinâmica dos rumores dentro de outro fenômeno nascido com a Internet e bastante
investigado atualmente: os ambientes de produção coletiva. Apesar de terem surgido mais
tempo, tais ambientes são característica do atual conceito de Web 2.0
9
, que tem importantes
repercussões sociais, potencializando “processos de trabalho coletivo, de troca afetiva, de
6
Professor de comunicação na Ecole des Hautes Etudes Commerciales, em Paris, reconhecido
internacionalmente como um dos maiores especialistas em rumores da atualidade.
7
Documento eletrônico não paginado.
8
Et en tant que moyen de communication, Internet s’est révélé un véhicule inédit pour la diffusion des rumeurs.
9
Em Primo (2006), entende-se Web 2.0 como a segunda geração de serviços online caracterizada por
potencializar as formas de publicação, compartilhamento e organização de informações, além de ampliar os
espaços para a interação entre os participantes do processo. “A Web 2.0 refere-se não apenas a uma combinação
de técnicas informáticas (serviços Web, linguagem Ajax, Web syndication, etc.), mas também a um determinado
período tecnológico, a um conjunto de novas estratégias mercadológicas e a processos de comunicação mediados
pelo computador” (PRIMO, 2006)
- 16
-
produção e circulação de informações, de construção social de conhecimento apoiada pela
informática” (PRIMO, 2006)
10
.
Por fim, vale ressaltar que a proximidade da área da Comunicação com a Sociologia
ajudou a despertar meu interesse em desenvolver um trabalho sobre um fenômeno social
polêmico como forma de comunicação. Se temos o ciberespaço como um metameio,
integrando todas as mídias anteriores (LÉVY, 2004), ao analisar a circulação de falsas
informações na Web, analisa-se novas formas de comunicação entre sujeitos de uma
sociedade e, mais especificamente, processos de produção de sentidos e valores a partir de
realidades distorcidas, criadas num espaço social proporcionado pela tecnologia digital.
Problema
Rumores (ou boatos) surgem em múltiplos contextos, podem ou não constituir falsas
informações e se espalham rapidamente em ambientes de sociabilidade. Com o advento da
Internet, estes ambientes foram ampliados, globalizados, intensificando as relações entre os
diferentes indivíduos que navegam pela rede. Desse modo, o novo espaço também facilitou o
processo de transmissão e circulação dos rumores.
Os rumores que circulam na Internet, os chamados boatos virtuais, podem ser
inofensivos. Entretanto, constituindo-se falsas informações também podem ser
intencionalmente prejudiciais. Considerando dinâmica o movimento evolutivo do rumor por
determinados caminhos, com a propagação destes rumores na Internet prejudicando
imagens de empresas ou pessoas, gerando preocupação social, proliferação de vírus, etc e
levando em consideração a potencialização das formas de produção colaborativa de todo e
qualquer tipo de conteúdo na rede, proporcionada pela Web 2.0, questiona-se: que elementos
argumentativos constituem a dinâmica dos boatos virtuais em ambientes de conversação na
Web?
10
Documento eletrônico não paginado.
- 17
-
Objetivos
Partindo do problema exposto e tendo como base aspectos levantados na Introdução, o
objetivo geral do presente estudo é identificar os elementos argumentativos constitutivos da
dinâmica de um boato virtual em ambientes de conversação na Web, utilizando o caso da cruz
na moto da Honda em comunidades
11
do Orkut.
E para se alcançar o fim intencionado, ao longo da pesquisa busca-se atingir os
seguintes objetivos específicos:
a) Compreender os fatores que potencializam a transmissão de rumores;
b) Identificar elementos que conferem credibilidade a uma informação falsa na Web;
c) Verificar possíveis conseqüências a pessoas e empresas que podem surgir a partir da
circulação de um boato virtual na Web;
d) Analisar como o debate em ambiente de produção coletiva pode ampliar a força de um
rumor na Web, bem como enfraquecê-lo.
Diante desses objetivos, este trabalho é esquematizado em quatro partes. No primeiro
capítulo, busca-se compreender o fenômeno do rumor no meio social, seu processo de
disseminação, a noção de falsa informação e o sentido de verdade, propondo, por fim, um
modelo explicativo sobre caminhos que podem ser percorridos pelo rumor propagado. O
segundo capítulo aborda o ambiente em que o fenômeno é estudado, a Internet, onde ele
recebe a denominação de boato virtual. Neste capítulo, discorre-se sobre as características da
rede que a tornam o canal ideal de disseminação de rumores, explorando a circulação dos
boatos virutais em ambientes da Web e apresentando exemplos e algumas conseqüências
dessa propagação para o mundo offline. O objeto de estudo, os aspectos metodológicos, a
análise realizada e seus resultados são apresentados no capítulo 3, que propõe outros modelos
explicativos sobre a dinâmica de um boato virtual e seus elementos constitutivos. E
encerrando o estudo, como quarto e último capítulo, são expostas as considerações finais.
11
Não será discutido o conceito de comunidade. A palavra é utilizada por serem definidos como comunidades os
grupos formados no Orkut.
- 18
-
1 RUMOR: “A MAIS ANTIGA MÍDIA DE MASSA”
Para uma melhor compreensão do fenômeno do rumor e, mais adiante, do rumor
especificamente na Internet, denominado boato virtual é preciso esclarecer alguns conceitos
e determinar significados de palavras e expressões utilizadas para este trabalho. Para tanto,
será apresentada uma breve explanação etimológica seguida de estudos comunicacional,
sociológico e psicológico acerca do assunto.
Conforme Froissart (2000)
12
, “explorar a historicidade do conceito de rumor é (...) um
empreendimento salutar para compreender não como ‘funciona o rumor’ mas, melhor, como
foi construído um fenômeno social: sobre quais bases, sob quais propósitos, com qual
perenidade [tradução da autora]
13
”. Partindo desse pressuposto, busca-se neste capítulo a
discussão em torno do sentido de rumor e como ele será utilizado nesta pesquisa, a partir de
sua idéia como parte de um ato de comunicação e de seu processo de propagação. Por fim,
propõe-se um modelo que mostra os possíveis caminhos de um rumor/boato a partir de sua
transmissão.
1.1 Raízes etimológicas
Etimologicamente
14
, a palavra rumor provém do latim rumor,
µ
ris, que significa boato,
notícia; rumor público, fama; ruído; grito, murmúrio, sussurro, ou ainda ruído de coisas que se
deslocam. Tem como acepções: ruído ou murmúrio produzido por coisas ou pessoas que se
deslocam ou embatem; burburinho; notícia que se propaga rapidamente; informação, notícia,
fama, boato. Alguns sinônimos atribuídos a rumor são: ruído, barulho, sussurro, murmúrio,
notícia e boato.
O termo boato, por sua vez, tem origem no latim bo
tus, que significa “mugido, berro
de boi, grito” e está ligado ao verbo bo
re, adaptado do grego boá
µ
', “gritar muito, berrar”.
12
Documento eletrônico não paginado
13
Explorer l’historicité du concept de rumeur est (...) une entreprise salutaire pour comprendre, non comment
“fonctionne la rumeur”, mais bien plutôt comment a été construit un phénomène social : sur quelles bases, dans
quels buts, avec quelle pérennité.
14
A análise aqui apresentada tem como base os dicionários Aurélio, Houaiss, Etimológico e de Sinônimos e
Antônimos da Língua Portuguesa.
- 19
-
Apresenta como sentidos: “notícia muito propalada”, “notícia de fonte desconhecida, muitas
vezes infundada, que se divulga entre o público”, “qualquer informação não oficial que
circula dentro de um grupo; maledicência divulgada à boca pequena; dito sem fundamento” e
ainda “notícia anônima que corre publicamente sem confirmação”. Alguns sinônimos para
boato são: boatice, balela, ruído, notícia e rumor.
Sendo assim, entende-se que, essencialmente, boato e rumor são sinônimos. As duas
palavras têm origem no latim apesar da diferença entre seus significados originais e suas
definições remetem-se mutuamente. Também ambas se referem à forma como determinada
informação é espalhada, não ao seu conteúdo. Desse modo, a veracidade não seria, a
princípio, algo que se pudesse questionar quando se fala em boatos ou rumores. No entanto, é
exatamente a forma como é passada a informação (anonimamente, sussurrada ou gritada) que
levanta a dúvida sobre sua autenticidade.
Com a banalização do termo de forma negativa, convencionou-se denominar boato a
informação geralmente falsa e mal intencionada ou sem fundamentação sólida que circula
num meio social. Popularmente, é a formulação mais usada, sendo rumor um enunciado mais
erudito, utilizado para os estudos de suas características e dinâmica. Apesar de boato e rumor
terem a mesma conotação em português, outros idiomas apresentam apenas uma palavra com
a mesma definição como, por exemplo, o inglês, (rumour) e o francês (rumeur), idiomas de
textos utilizados para este trabalho.
Mas ainda uma outra definição a ser esclarecida: a palavra hoax, que significa
embuste, trote ou “pregar uma peça”
15
e tem origem na expressão hocus pocus, ligada a
encantamento ou magia. Com a popularização da Web, convencionou-se chamar de hoax o
rumor que circula no ciberespaço utilizando-se, como de costume, o idioma “universal” da
Internet, o inglês
16
. Contudo, no Brasil, algumas palavras e expressões utilizadas na rede
ganham uma versão em português. Um bom exemplo é o e-mail (electronic mail) que pode
ser chamado de correio eletrônico. Desse modo, hoax também é popularmente conhecido, em
português, como boato virtual.
A busca por este significado da palavra é complexa, visto que as fontes de pesquisa
tradicionais dicionários apresentam apenas sua definição original, sem ligá-la diretamente
ao que se conhece por rumor ou boato na Internet. Entretanto, pesquisas pela palavra na rede
15
Dicionário Oxford da Língua Inglesa.
16
Expressões como online, chat, cookie ou a própria Web são utilizadas normalmente por internautas de
nacionalidades diferentes.
- 20
-
direcionam o internauta a páginas
17
referentes a rumores, lendas e outras expressões utilizadas
para definir o que chamamos aqui de boato virtual. Na própria Web, a enciclopédia online
Wikipedia
18
, de produção colaborativa, apresenta hoax como “uma tentativa de enganar uma
audiência em acreditar que algo falso é real”. Já a versão em português da enciclopédia livre
19
apresenta hoax como sinônimo de pulhas, boatos ou lendas virtuais e define o verbete como
“histórias falsas recebidas por e-mail, cujo conteúdo (...) consiste em apelos dramáticos de
cunho sentimental ou religioso, supostas campanhas filantrópicas, humanitárias ou de socorro
pessoal ou, ainda, falsos vírus que ameaçam destruir, contaminar ou formatar o disco rígido
do computador”.
Apesar de serem sinônimos, do ponto de vista da coerência interna do trabalho, farei
uma distinção no emprego das palavras rumor e boato, o que servi para explicar o
fenômeno do rumor de maneira geral na sociedade, estudado por outros autores e, mais
adiante, para identificar o fenômeno do boato virtual como um tipo de rumor específico da
Internet.
1.2 O rumor como fenômeno social
É preciso ressaltar mesmo que possa parecer óbvio que o processo de transmissão
de rumor é uma forma de comunicação. Somado a isso, o conceito de informação como
“qualquer coisa que possa mudar o conhecimento de uma pessoa, (...) o que é transferido de
pessoas ou objetos ao sistema cognitivo de uma pessoa [tradução da autora]
20
(MARCHIONINI, 1995, p.5) levaria à compreensão de que o rumor em si, passado adiante
num meio social, não deixa de ser uma informação, elemento essencial ao processo
comunicativo. Nas palavras de Santaella (1992, p.14), “onde quer que uma informação seja
transmitida de um emissor para um receptor, tem-se um ato de comunicação”. Como será
exposto mais adiante, os trabalhos de alguns autores sobre o fenômeno fazem uma certa
distinção entre o que se entende por rumor e o que se entende por informação pura e simples.
Entretanto, defende-se aqui a possibilidade de existirem tipos de informação, que ficarão
17
Como por exemplo: http://www.infowester.com/col160106.php,
http://informatica.terra.com.br/virusecia/spam/interna/0,,OI198466-EI2403,00.html,
http://www.doufer.com.br/2006/08/01/hoax-no-orkut/ - Acessos em 20/11/2007
18
Disponível em http://en.wikipedia.org/wiki/Hoaxes - Acesso em 19/06/2007
19
Disponível em http://pt.wikipedia.org/wiki/Hoax - Acesso em 19/06/2007
20
(…) anything that can change a person’s knowledge (...) what is transferred from people or objects to a
person’s cognitive system.
- 21
-
evidentes ao longo do texto. E, sendo assim, deixa-se a idéia do rumor como um tipo de
informação, que será explicado mais adiante.
Objeto de estudos acadêmicos, o rumor é definido por Kapferer (1990, p.1) como a
forma mais antiga de mídia
21
de massa: “Os rumores estão em todo lugar, não importando
nossas esferas sociais (...) Antes que existisse a escrita, o boca a boca era o único canal social
de comunicação [tradução da autora]
22
”. Essa visão do autor é compreensível se pensada em
termos de decurso do rumor propagado não do rumor em si e se amparada na explicação
de Abraham Moles (1986, p.483-484 apud SANTAELLA, 1992, p.16), que afirma que
comunicação de massa “é aquele tipo de comunicação que ocorre entre um emissor e uma
multiplicidade de receptores espalhados através de um campo geográfico e social, isto é,
receptores sem qualquer conexão entre si”.
Thompson (2002) lembra que a palavra rumour, derivada do francês antigo, foi
inicialmente usada no inglês no século XIV para descrever uma notícia que se espalhou, de
natureza favorável. Anos mais tarde, segundo o autor, ela foi usada de maneira mais geral,
referindo-se a falas ou informações que não estivessem fundamentadas em um conhecimento
exato. Também no campo da psicologia, Allport e Postman (1973) sustentam que grande parte
da conversação cotidiana da sociedade é, de fato, um intercâmbio de rumores. Segundo os
dois autores, o rumor é, por definição, um fenômeno social. Para ser criado, precisa apenas de
duas pessoas e “em qualquer dado momento, seu veículo é somente um indivíduo [tradução
da autora]
23
” (ALLPORT; POSTMAN, 1973, p.66).
Os primeiros estudos científicos sobre rumores começaram na década de 1940, nos
Estados Unidos. Kapferer (1990, p.2) explica que “o grande número de rumores circulando
durante a Segunda Guerra Mundial, e seus efeitos nocivos na moral das tropas e na maioria da
população, levou várias equipes de pesquisa a analisar o assunto [tradução da autora]
24
”. Na
época, Allport e Postman (1947 apud KAPFERER, 1990), primeiros pesquisadores sobre o
tema, formularam conceitos que permanecem relevantes nos dias de hoje e definiram o rumor
como “uma questão específica (ou tópica) para crença, passada adiante de pessoa a pessoa,
normalmente pela palavra oral, sem padrões seguros de evidência presentes [tradução da
21
Aqui, entende-se o termo mídia a partir do inglês, onde media (do latim) se refere a meios de comunicação.
22
Rumors are everywhere, regardless of our social spheres (…) Before writing existed, word of mouth was the
only social channel of communication.
23
(...) en cualquier momento dado, su vehículo es un solo individuo.
24
The large number of rumors circulating during the Second World War, and their deleterious effects on the
morale of the troops and population at large, led several research teams to look into the subject.
- 22
-
autora]
25
”. De acordo com Knapp
26
, é uma “questão para a crença de referências tópicas
disseminada sem verificação oficial [tradução da autora]
27
”. E nas palavras de Peterson e
Gist
28
, o rumor é “um relato ou explicação não-verificados de eventos circulando de pessoa a
pessoa, relativo a um objeto, evento ou assunto de preocupação pública [tradução da
autora]
29
”. A partir das idéias desses autores, Kapferer (1990, p.2) conclui que:
De acordo com essas três definições muito similares, um rumor é
primeiramente um pedaço de informação: ele fornece notícias sobre uma
pessoa ou um evento importante em acontecimentos atuais. (...) Em segundo
lugar, rumores são para serem acreditados. (...) Rumores começam para
convencer as pessoas [tradução da autora]
30
De maneira geral, os conceitos para rumor elaborados por diferentes estudiosos
seguem a mesma linha de raciocínio, acrescentando outras percepções. DiFonzo e Bordia
(2007, p.13), por exemplo, também descrevem os rumores como “declarações de informação
não verificada e instrumentalmente relevante em circulação [tradução da autora]
31
”.
Feitas as considerações, o presente estudo define o rumor
32
como um tipo de
informação não confirmada que se propaga em rede e que circula com a intenção de ser
tomada como verdadeira. Sendo informação, é parte de um processo de comunicação que, por
sua vez, é um fenômeno por si social. Como será visto no capítulo seguinte, o mesmo
conceito é aplicado ao boato virtual, com o diferencial de este ser amparado por um suporte
tecnológico capaz de potencializar suas ações.
Mas o que leva, exatamente, um indivíduo a passar adiante um rumor?
Para responder a esta questão, é necessário trazer uma visão psicológica do fenômeno.
DiFonzo e Bordia (2007, p.13) afirmam que rumores “surgem em contextos de ambigüidade,
perigo ou potencial ameaça e que funcionam para ajudar as pessoas a dar sentido e controlar o
risco [tradução da autora]
33
”. Allport e Postman (1973, p.18) ressaltam que qualquer
25
a specific (or topical) proposition for belief, passed along from person to person, usually by word of mouth,
without secure standards of evidence being present.
26
KNAPP, R. A Psychology of Rumor. Public Opinion Quarterly, 8. Citado em Kapferer (1990, p.2)
27
a proposition for belief of topical reference disseminated without official verification.
28
PETERSON, W., GIST, N. Rumor and Public Opinion. American Journal of Sociology, 57. Citados em
Kapferer (1990, p.2)
29
(…) a unverified account or explanation of events circulating from person to person and pertaining to an
object, event or issue of public concern.
30
According to these three very similar definitions, a rumor is primarily a piece of information: it provides news
about a person or an event important in current goings-on. (...) Secondarily, rumors are for believing. (...)
Rumors set out to convince people.
31
(...) unverified and instrumentally relevant information statements in circulation
32
Mesmo antes da Internet.
33
(...) arise in contexts of ambiguity, danger, or potential threat and that function to help people make sense and
manage risk.
- 23
-
necessidade humana pode dar movimento a um rumor e afirmam que “quando dizemos que o
rumor não circula a menos que o assunto envolva o fator importância para o indivíduo que o
ouve e o transmite, estamos chamando a atenção sobre o fator motivador no rumor [tradução
da autora]
34
”. Em conjunto, ambas as citações já dão indícios do que é necessário para que um
rumor comece a ser propagado.
Sabe-se que existe a possibilidade de um indivíduo receber um rumor e agir com
indiferença, ignorando-o. Entretanto, são consideradas aqui as situações em que, de alguma
forma, é dada atenção à mensagem. E nesse sentido, a literatura psicológica sobre rumores
identificou cinco variáveis relacionadas à sua transmissão: incerteza, importância ou
envolvimento com os resultados, falta de controle (sobre a informação que circula), ansiedade
e crença (BORDIA; DiFONZO, 2002; ROSNOW, 1991; WALKER; BLAINE, 1991 apud
DiFONZO; BORDIA, 2007). Essas variáveis representariam propósitos relacionados à
cognição e ao comportamento social e para satisfazer tais propósitos no caso dos rumores, as
pessoas precisariam transmiti-los.
Para que se tenha uma compreensão dos objetivos que estimulam a propagação de
rumores, DiFonzo e Bordia explicam que a literatura é aplicada sobre motivações no
comportamento social. Sendo assim, os autores destacam que, no contexto da transmissão de
rumores, tais objetivos são representados por três motivações: valorizar relacionamentos,
valorizar a si mesmo e buscar o fato (DiFONZO; BORDIA, 2007).
Relações sociais são vitais para a sobrevivência humana e a idéia de se construir e de
se manter relacionamentos reflete-se em nosso comportamento no cotidiano, com a crença de
que algumas atitudes definem nossa aprovação em determinados ambientes. Desse modo, o
indivíduo, entre outros dispositivos, pode repassar um rumor pela vontade de ser aceito nesses
ambientes. De acordo com DiFonzo e Bordia (2007), a motivação valorizar relacionamentos
tem sido invocada para explicar a descoberta de que a crença num rumor é relacionada à sua
transmissão de maneira positiva. Além disso, “uma reputação como uma fonte de informação
confiável e fidedigna é vital para a aceitação em redes sociais [tradução da autora]
35
(CAPLOW, 1947; GUERIN, 2003; STEVENS; FISKE, 1995 apud DiFONZO; BORDIA,
2007, p.76).
34
Cuando decimos que el rumor no circula a menos que el asunto encierre el factor importancia para el
individuo que lo oye y lo transmite, estamos llamando la atención sobre el factor motivador en el rumor.
35
A reputation as a credible and trustworthy source of information is vital for acceptance in social networks.
- 24
-
A auto valorização refere-se à necessidade do indivíduo de se sentir bem com ele
mesmo. “As pessoas procuram manter uma auto-imagem positiva e se envolver em cognições
que reforcem a auto-estima [tradução da autora]
36
(KUNDA, 1999; STEELE, 1988 apud
DiFONZO; BORDIA, 2007, p.77). Assim, a motivação de valorizar a si mesmo pode variar
desde uma propagação consciente de rumores, apenas para benefício pessoal, à seleção e
transmissão inconsciente, apenas como parte do processo.
Por fim, das variáveis apresentadas, um misto de incerteza, importância, falta de
controle e ansiedade gera uma necessidade de saber, ou seja, reflete a motivação mais
importante: a da busca pelo fato. “A incerteza sobre assuntos de importância pessoal produz
sentimentos de falta de controle e ansiedade [tradução da autora]
37
(DiFONZO; BORDIA,
2007, p.71). Ao receber o rumor, o indivíduo permanece num estado de dúvida sobre o
significado dos eventos ocorridos ou mesmo sobre quais eventos ainda podem ocorrer. Na
ausência de notícias formais, ele busca mais informações em suas redes sociais, ampliando a
propagação do rumor.
Levando-se em consideração as variáveis e motivações apresentadas, estabelecem-se
duas condições essenciais para que um rumor seja assimilado e, em seguida, se espalhe. A
primeira é a ambigüidade, no sentido de obscuridade. Ambíguo é tudo aquilo que tem (ou
pode ter) diferentes sentidos, permitindo interpretações diversas ou mesmo contrárias. “A
ambigüidade é problemática para as pessoas [tradução da autora]
38
(DiFONZO; BORDIA,
2007, p.14), pois situações ambíguas despertam dúvidas, o sentido ou o significado dos
acontecimentos não fica claro ou mesmo os efeitos de tais acontecimentos são incertos. Sendo
assim, segundo Allport e Postman (1973), os rumores ocorrem justamente quando um grupo
tenta dar sentido a circunstâncias em que incerteza, ambigüidade. Como dito
anteriormente, os autores destacam que é da natureza do ser humano querer saber “os
porquês, os comos e os quandos” do mundo que o rodeia, ou seja, é de sua natureza a busca
pelo fato. Kapferer (1990) segue esses mesmos argumentos e acrescenta que os rumores
surgem quando as informações são escassas. Como as pessoas buscam constantemente
explicações, acabam por acreditar em boatos, por estes lhes parecerem uma razão plausível
para uma situação confusa. O objetivo do rumor seria, precisamente, explicar fatos duvidosos.
36
People seek to maintain a positive self-image and engage in cognitions that bolster self-esteem.
37
Uncertainty about issues of personal importance engenders feelings of lack of control and anxiety.
38
Ambiguity is problematic for people.
- 25
-
Nas palavras de Kapferer (1990, p.77), “os rumores nos convencem porque nos fornecem uma
ocasião para entendermos melhor o mundo [tradução da autora]
39
”.
A outra condição essencial para que as pessoas acreditem em rumores é a importância
que um acontecimento ou uma situação têm para elas. E a relevância do conteúdo de uma
mensagem vai variar de acordo com o meio social em que esta circula e as emoções
envolvidas no processo. Isso significa que, não havendo importância ou ambigüidade em um
acontecimento, não há rumor (KAPFERER, 1990; ALLPORT; POSTMAN, 1973). Desse
modo, para melhor definir a dinâmica dos rumores, tanto Kapferer quanto DiFonzo e Bordia
acabam citando o sociólogo americano Tamotsu Shibutani.
Shibutani (1966) propõe que, na ausência de uma informação formal, oficial, as
pessoas interpretam uma determinada situação informalmente mesmo. Segundo o estudioso,
rumores são ações necessariamente de grupo e que procuram dar significado a fatos
inexplicáveis. “São notícias improvisadas resultantes de um processo de discussão coletiva
(...) eventos importantes, ambíguos fazem nascer os rumores [tradução da autora]
40
(SHIBUTANI, 1966, p.58). Na mesma linha de raciocínio do sociólogo, Dunn e Allen
(2005)
41
, ao definirem o rumor como uma “hipótese oferecida na ausência de uma informação
verificável considerando circunstâncias incertas que são importantes àqueles indivíduos que
estão subseqüentemente ansiosos sobre sua falta de controle resultante desta incerteza
[tradução da autora]
42
”, apontam para as mesmas condições já estabelecidas. Posto isso, o que
se observa, de fato, é que há um consenso nas idéias apresentadas pelos autores até aqui.
Por fim, Kapferer (1990) resume os argumentos de Shibutani da seguinte maneira:
R = importância X ambigüidade,
A fórmula, onde R significa rumor, é, na verdade, a mesma proposta por Allport e
Postman (1973) para medir a intensidade de um rumor:
R ~ i X a
Traduzida em palavras, a fórmula significa que a quantidade do rumor
circulante variará com a importância do assunto para os indivíduos afetados
39
Rumors win us over because they provide an occasion to better understand the world.
40
Rumors are improvised news resulting from a process of collective discussion. (...) important, ambiguous
events are what give rise to rumors.
41
Documento eletrônico não paginado.
42
rumor is a hypothesis offered in the absence of verifiable information regarding uncertain circumstances that
are important to those individuals who are subsequently anxious about their lack of control resulting from this
uncertainty.
- 26
-
multiplicada pela ambigüidade da prova ou testemunho tocante ao dado
assunto. A relação entre importância e ambigüidade não é aditiva mas
multiplicativa, posto que com importância ou ambigüidade igual a zero, não
há rumor [tradução da autora]
43
(ALLPORT; POSTMAN, 1973, p.15 - 16).
Para tornar as explicações compreensíveis, utiliza-se aqui o exemplo de um boato
virtual que já se propaga há alguns anos, ganhando novas versões de tempos em tempos ou de
acordo com o ambiente em que circula. O texto fala sobre uma pessoa infectada pelo vírus
HIV após ser picada por uma agulha ao sentar-se numa poltrona de cinema. Segundo o
“relato”, um bilhete deixado junto à agulha dizia “Bem-vindo ao mundo real! Agora você
também é HIV positivo” e médicos teriam confirmado que o material estaria infectado com o
vírus da AIDS. As diversas versões da mensagem informam que o fato ocorreu com “uma
amiga”, “um primo”, “um vizinho”. Também a poltrona pode ser de um teatro, ao invés de
um cinema e o alerta pode ter vindo de diversas entidades renomadas.
Neste caso, o rumor atenta para uma doença grave e ainda sem cura e para a
possibilidade de qualquer indivíduo ser a próxima vítima. Não havendo notícias “oficiais”
sobre o caso, emerge, naturalmente, a necessidade de se saber mais sobre o ocorrido e de se
divulgar o fato preocupante. Como isso ocorre? Passando-se a “notícia” adiante, alertando
amigos, parentes, colegas de trabalho, todos que possam estar sujeitos a um acontecimento tal
qual o descrito. A mensagem tem grande importância social e é capaz de gerar medo em uma
população. A incerteza sobre “onde” ou “com quem” aconteceu e mesmo as diversas versões
provocam ansiedade e fazem com que a situação permaneça obscura, ambígua, dando
margem a interpretações subjetivas.
Ser relevante num meio social e apresentar um conteúdo obscuro ou incerto são,
portanto, condições fundamentais para que um rumor circule como tal. São características
primordiais e catalisadoras para que um indivíduo receba e transmita o que acredita ser uma
informação autêntica, fazendo com que o rumor se espalhe.
43
Traducida en palabras, la fórmula significa que la cantidad del rumor circulante variará con la importancia
del asunto para los individuos afectados, multiplicada por la ambigüedad de la prueba o testimonio tocante a
dicho asunto. La relación entre importancia y ambigüedad no es aditiva sino multiplicativa, puesto que com
importancia o ambigüedad igual a cero, no hay rumor.
- 27
-
1.3 Processo de disseminação
Na seção anterior, considerou-se o rumor como um tipo de informação sendo
disseminada. Mas para que a informação seja transmitida, deve haver um canal ou veículo
através do qual a informação transite (SANTAELLA, 1992). Ao analisar os rumores,
compreende-se que não existe um padrão para sua transmissão, exatamente porque o processo
depende de uma série de fatores, incluindo um dos pontos-chave da questão tratada nesta
pesquisa: o meio utilizado. É justamente aqui que se encontra a relevância deste trabalho,
pois, apesar de a propagação de rumores poder ser feita desde o popular boca a boca até os
grandes meios de comunicação de massa, atualmente o lugar mais utilizado para essa
disseminação é a Internet, justamente por suas características que potencializam a circulação
da informação o que será tratado no capítulo seguinte. E, dependendo do meio em que se
dissemina, o rumor pode adquirir diferentes dinâmicas. Um aspecto que pode se alterar, por
exemplo, é que enquanto na transmissão boca a boca os detalhes se perdem e se modificam
conforme o rumor é repassado, a rede permite que os detalhes sejam mantidos, se assim for a
intenção de quem transmite. Outra particularidade da Internet é a facilidade com que o
indivíduo transmissor pode anexar “provas” para legitimar as informações que está
repassando, tais como fotos, vídeos ou outros textos informativos, aspecto que será
aprofundado no capítulo 2.
Em se tratando de meio utilizado para a disseminação de um rumor, o boca a boca é a
forma mais antiga de dar início ao fenômeno. A popular brincadeira do “telefone sem fio”
demonstra o quanto um conteúdo pode ser alterado ao ser passado adiante. Em uma das
experiências conduzidas em laboratório, Allport e Postman (1973) mostravam a foto de uma
cena de rua por alguns segundos a uma pessoa, que, em seguida, descrevia o que viu a uma
segunda pessoa, que, na seqüência, contava o que ouviu a uma terceira e assim
sucessivamente. Após a sexta ou sétima retransmissão, a informação passada tinha muito
pouco a ver com a foto original.
O que os autores defendem é que o rumor inevitavelmente nos leva ao erro, pois,
quanto mais se espalha, mais distante está da verdade, constituindo uma distorção da
realidade. Eles resumem suas experiências em termos de três conceitos: o de nivelamento, que
designa uma tendência de a mensagem repassada ficar cada vez menor, mais concisa e de
mais fácil compreensão; o de acentuação, tendência a percepção, retenção e relato seletivos
de um número limitado de detalhes; e o da assimilação, tendência de se fazer os relatos mais
- 28
-
coerentes e consistentes de acordo com os interesses e pressupostos do indivíduo. Allport e
Postman (1973, p.11) explicam que “as tendências a nivelar, a acentuar, a assimilar os
conteúdos pessoais e culturais funcionam em todas as formas de comunicação humana que
não estejam rigidamente constrangidas por normas de verdade objetivas e impessoais
[tradução da autora]
44
”.
Shibutani (1966, p.5) elogia o trabalho desses autores, ressaltando o fato de confirmar
que “o testemunho por transmissão em série é raramente preciso, que a maioria das pessoas
são incapazes de repetir literalmente o que ouviram de outras, que compreensão depende de
um estado de referência do perceptor [tradução da autora]
45
”. Kapferer (1990), no entanto,
aponta críticas à experiência citada. Segundo ele, a simulação conduzida por Allport e
Postman, demonstrada por Kapferer (1990, p.60) na seqüência ABCDEFG,
não pode representar a transmissão de rumores tradicionais da vida real, que parte da idéia
de que há um fluxo de informação unidirecional e não-interativo:
A fala para B que fala para C e assim segue. Na vida real, há furos no
processo. D pode ligar para A para alertá-lo sobre um rumor. Além disso, a
trasmissão de rumor não é um fluxo simples: B não passa simplesmente uma
mensagem para C. A comunicação é verdadeiramente interativa. Na vida real,
C faz perguntas a B e ambos debatem sobre a própria mensagem. Cada um
pode adicionar seus próprios detalhes ao rumor, um processo que leva a um
efeito bola de neve, ao contrário do processo nivelado descrito por Allport e
Postman [tradução da autora]
46
(KAPFERER, 1990, p.60).
De fato, os autores admitem que, na vida real, outros fatores que influenciam no
repasse do rumor: “Em situações reais, podem passar dias, semanas e meses entre o momento
de ouvir e de passar um rumor, ao passo que no laboratório pede-se ao sujeito que fale quase
imediatamente [tradução da autora]
47
(ALLPORT; POSTMAN, 1973, p.82). Entretanto, eles
afirmam terem conduzido a experiência apenas para exercer o método de reprodução em
série, não considerando outros fatores de motivação, como os temores ou as esperanças dos
participantes, o que haveria numa situação real. Nesse sentido, Shibutani (1966, p.4) defende
a relevância da experiência dos dois autores ao afirmar que “acredita-se que o rumor se torna
44
Las tendencias a nivelar, a acentuar, a asimilar los contenidos personales y culturales funcionan en todas las
formas de comunicación humana que no estén rígidamente constreñidas por normas de verdad objetivas e
impersonale.
45
(…) testimony by serial transmission is rarely accurate, that most persons are unable to repeat verbatim what
they had heard from others, that comprehension depends upon the frame of reference of the perceiver.
46
A speaks to B who speaks to C and so on. In real life, there are loops in the process. D may call A to warn him
about a rumor. In addition, rumor transmitting is not a simple flow: B does not simply pass on a message to C.
The communication is truly interactive. In real life, C asks B questions and both elaborate on the message itself.
Each may add his own details to the rumor, a process which leads to a snowball effect, rather than the leveling
process described by Allport and Postman.
47
En situaciones reales, pueden pasar días, semanas y meses entre el momento de oir y el de pasar un rumor,
mientras que en el laboratório se le pide al sujeto referir-lo casi inmediatamente.
- 29
-
falso através de distorções apresentadas no curso da transmissão em série, e isso também é
normalmente entendido como uma característica essencial do rumor [tradução da autora]
48
”.
Por outro lado, o experimento de Allport e Postman serviu para se definir também
outros aspectos do rumor, relevantes ao estudo dos boatos virtuais. Para se aproximar mais do
fluxo real, Kapferer (1990, p.61) cita, por exemplo, uma experiência de Degh e Vazsonyi
realizada em prisões durante a Segunda Guerra Mundial, em que se enfatizam dois traços da
transmissão de rumores: os receptores são selecionados e cada receptor é livre para
retransmitir ou não. A observação do fluxo da informação leva os dois autores a detectar um
processo de transmissão que Kapferer expõe no seguinte esquema:
FIGURA 1. Fluxo da informação observado por Degh e Vazsonyi. Fonte: Kapferer, 1990
Como o próprio Kapferer (1990, p.61) aponta, ao contrário da experiência do telefone
sem fio, a experiência deles mostrou que, “apesar do tédio que fez todo mundo ansioso por
receber todo e qualquer tipo de informação, A selecionou seus receptores (D e E, não B ou C).
Mais adiante, nem todos os receptores retransmitiram (D mas não E) [tradução da autora]
49
”.
Mais uma vez, esclarece-se aqui haver diferentes elementos sociais que influenciam o
comportamento de quem retransmite a mensagem. Voltando a Allport e Postman (1973, p.25),
observa-se que:
O rumor é lançado e continua sua trajetória em um meio social homogêneo
em virtude de ativos interesses dos indivíduos que intervêm em sua
transmissão (...) Às vezes, o vínculo interesse-rumor é tão íntimo, que nos
permite descrever o rumor como a projeção de um estado emocional
completamente subjetivo [tradução da autora]
50
.
As considerações feitas até aqui deixam claro que existem certas regularidades para a
disseminação de rumores, mesmo que não sejam padronizações determinísticas ou
48
Rumor is believed to become false through distortions introduced in the course of serial transmission, and this
too is often thought to be an essential characteristic of rumor.
49
(…) despite the boredom which made everybody eager to receive any and every kind of information, A selected
his receivers (D and E, not B or C). Furthermore, not all receivers did re-emit (D but not E).
50
El rumor es lanzado y continúa su trayectoria en un medio social homogéneo, en virtud de activos intereses de
los individuos que intervienen en su transmissión(...) A veces, el vículo interés-rumor es tan íntimo, que nos
permite describir el rumor como la proyección de un estado emocional completamente subjetivo.
- 30
-
previsíveis. Isso acontece porque, apesar da tendência de uma uniformização no processo de
difusão do rumor, não uma transmissão de fluxo linear, pois todo o procedimento vai
depender de fatores sociais e emocionais diversos dos sujeitos envolvidos, além do meio
através do qual ele ocorrerá. De fato, esses aspectos do estudo sobre os rumores tradicionais
terão grande influência na dinâmica dos boatos virtuais na Web, onde o repasse é feito com
maior rapidez para uma pluralidade de receptores.
1.4 Rumor como falsa informação
Reconhecer a existência de tipos de informação
51
baseando-se no conceito de
Marchionini (seção 1.2) significa, tão somente, admitir o que se observa no cotidiano: há
informações de todas as formas (palavras, signos, gestos, etc) e que podem ser consideradas
úteis, relevantes e legítimas por alguns indivíduos e inúteis, sem importância ou inválidas
para outros. Portanto, não como ignorar a idéia de que o rumor é um tipo de informação,
mesmo que alguns autores estabeleçam uma distinção para explicar determinadas questões.
Em se tratando de veracidade, como é possível observar, até o momento não se
discutiu a questão sobre o rumor ser, de fato, uma informação falsa ou verdadeira. Kapferer
(1990), entretanto, questiona o fato de os diversos autores não fazerem referência ao “valor-
verdade” do rumor e não afirmarem ser o rumor uma “falsa informação”. “Apesar de os
pesquisadores estarem cientes de que rumores não são necessariamente falsos, parece que
eles, no entanto, sentem que devem desencorajar essa forma de expressão [tradução da
autora]
52
” (KAPFERER, 1990, p. 3).
Já é sabido que, antes mesmo dos primeiros trabalhos sistemáticos sobre a dinâmica do
rumor, pesquisas psicológicas identificaram diversas condições ligadas ao fenômeno.
Incerteza, ansiedade, envolvimentos com resultados relevantes e ingenuidade são situações
vinculadas ao rumor. Resumindo, os rumores surgem e se espalham “quando as pessoas estão
incertas e ansiosas sobre um tópico de relevância pessoal para elas e quando o rumor parece
51
O estudo não pretende se aprofundar na discussão sobre os diversos conceitos de informação, apenas
estabelecer um ponto para servir de base ao debate sobre rumor, visto que seu processo de transmissão é, de fato,
um ato de comunicação.
52
Although researchers are aware that rumors aren’t necessarily false, it seems that they nevertheless feel they
have to discourage this form of expression.
- 31
-
crível, dadas as sensibilidades das pessoas envolvidas na propagação [tradução da autora]
53
(DIFONZO; BORDIA, 2005, p.87).
Também foi ressaltado que muitos rumores surgem justamente na ausência de uma
explicação formal, para dar sentido a determinadas situações. “No cotidiano, os rumores
raramente surgem fora da ‘realidade’; eles nascem, ao contrário, de fatos brutos, confusos
[tradução da autora]
54
(Kapferer, 1990, p.3). A partir dessa visão, o autor elabora um quadro
(Fig. 2) em que apresenta a diferença entre a simulação feita em laboratório desenvolvida
por Allport e Postman e aqui reproduzida como “Boca a boca” e o que chama de “Processo
do rumor”, que mostra o que ocorre com a informação a partir de um evento na vida real.
Paralelamente ao processo de investigação formal, que vai resultar numa conclusão oficial
sobre o acontecido, correm as informações não-oficiais, informais, resultado de uma ação
coletiva, de troca de idéias, pontos de vista e “ouvi dizer”. Está criado o rumor, que Kapferer
indica como “Uma Realidade Popular”, confrontando uma “Realidade Oficial”.
FIGURA 2. Diferenças entre experiência em laboratório e rumor na realidade.
Fonte: Kapferer, 1990
Como explicado anteriormente, no momento em que o rumor é transmitido,
interação entre quem o passa e quem o recebe. Emissor e receptor debatem e cada um pode
adicionar detalhes à informação. No quadro da Fig.2, as setas  apontam para esse fato.
Assim, Kapferer ressalta ainda que, no “Processo do rumor”, a palavra “retransmissão” está
inapropriada, que nenhuma informação é passada adiante unidirecionalmente. Entretanto,
segundo ele, o rumor é realmente o consenso final das deliberações coletivas em busca de
53
(...) when people are uncertain and anxious about a topic of personal relevance to them and when the rumor
appears credible given the sensibilities of the people involved in the spread.
54
In everyday life, rumors rarely arise out of “reality”; they spring, rather, from raw, confused facts.
- 32
-
explicações: “os rumores acarretam uma construção subjetiva da realidade [tradução da
autora]
55
” (KAPFERER, 1990, p.4-5). Essa visão vai ao encontro do que defendem DiFonzo e
Bordia (2007, p.72) ao afirmarem que “a interpretação informal surgida desse processo
coletivo se torna um rumor [tradução da autora]
56
”. Por esse aspecto, Kapferer defende que os
rumores não partem da verdade mas, ao contrário, buscam a verdade. Faz-se aqui uma
ressalva a essa afirmação, na medida em que o autor desconsidera a existência dos rumores
que são criados intencionalmente e usados como estratégia para prejudicar ou denegrir
imagens de pessoas ou empresas.
Por outro lado, o autor também afirma que:
Uma vez que um rumor é qualificado como um “rumor” pelo público, deixa
de ser propagado. Por outro lado, quando o público não reconhece o rumor
como tal, ele continua a se propagar (…) Na realidade, é porque acreditam
neles [rumores] que eles [público] os retransmitem e, sendo assim, existem
rumores. Rumores não precedem a persuasão, eles são, antes, sua visível
manifestação. Os tulos “informação” e “rumor” não são atribuídos antes de
se acreditar ou desacreditar: eles são conseqüências da crença ou descrença
[tradução da autora]
57
(KAPFERER, 1990, p.12).
Nessa questão, Renard (2001) também distingue informação de rumor ao dizer que a
linha que os separa é subjetiva, resultando de nossa própria convicção. Mas quando fazem
essa distinção, ambos os autores se referem ao conceito de informação como a que pode ser
atribuído credibilidade ou ao que chamam informação “pura e simples” – questão mencionada
no início desta seção. Entende-se, assim, que as pessoas acreditam no rumor precisamente
porque ele pode ser verdade conceito que será discutido na seção 1.6. É para elas, portanto,
uma informação considerada suficientemente importante para ser passada adiante. O lado
emocional de um indivíduo e a realidade social em que ele vive podem levá-lo a crer no
conteúdo de uma mensagem mesmo que ela não tenha fundamento. Voltando às palavras de
Kapferer, percebe-se ainda a importância da persuasão nesse processo de transmissão de
rumores. O indivíduo que persuade está levando o outro a aceitar uma dada idéia, mesmo que
esta não corresponda à verdade. Como ressalta Citelli (2002, p.14), “persuadir não é apenas
sinônimo de enganar, mas também o resultado de certa organização do discurso que o
constitui como verdadeiro para o receptor”. Nesse sentido, na seção 2.6 serão abordados os
elementos de legitimação mais utilizados para se persuadir o receptor de um rumor.
55
(…) rumors entail a subjective construction of reality.
56
The informal interpretation arising out of this collective process becomes a rumor.
57
Once a rumor is qualified as a “rumor” by the public, it stops spreading. On the other hand, when the public
does not recognize it as such, it can go on spreading. (...) In reality it is because they believe them that they
retransmit them and that thus there are rumors. Rumors do not preced persuasion, they are rather its visible
manifestation. The labels “information” and “rumor” are not attributed before believing or dibelieving: they
are consequences of belief or disbelief.
- 33
-
Contados como casos verdadeiros num meio social, os rumores são enunciados breves,
de criação anônima, no sentido de desconhecido, que “apresentam múltiplas variantes e
conteúdos surpreendentes” (RENARD, 2006). Segundo Renard, a palavra rumor tem,
essencialmente, dois sentidos possíveis e diferentes. O primeiro seria o sentido de informação
não-verificada, um ruído que corre, que pode circular pela palavra, imprensa ou Internet.
Nesse nível, a mensagem pode ou não ser verdadeira. Caso seja comprovada a veracidade,
passa a ser uma informação válida. Se a mensagem revela-se falsa, estamos falando do
segundo sentido de rumor: como falsa informação. “Eles são passados adiante num meio
social como verdadeiros e atuais, expressando parte dos medos e esperanças daquele grupo
[tradução da autora]
58
(RENARD, 2001)
59
. É aqui que se identifica o rumor como tipo de
informação: falsa, mas que continua circulando como se fosse verdadeira, ou ainda não-
verificada, dependendo do nível em que se encontra a mensagem. Observa-se que o rumor
se distingue, assim, da informação “pura e simples” – isto é, da informação comprovadamente
verdadeira, correspondente à realidade, legítima, validada ou o que quer que se apresente
como oficial, formal, verificada.
Rumores têm a capacidade de apresentar uma solidez surpreendente no cenário social,
ganhando importância em diferentes ambientes de convivência. “Eles atraem atenção, evocam
emoção, incitam envolvimento, afetam atitudes e ações e são ubíquos [tradução da
autora]
60
(DiFONZO; BORDIA, 2007, p.3). O indivíduo que repassa essa informação de
natureza duvidosa, muitas vezes o faz com a crença de estar “ajudando a divulgar” um fato de
relevância social, como foi o caso apresentado da agulha infectada com o vírus HIV.
Sociologicamente, no caso de o rumor ser uma falsa informação, as conseqüências dessa
propagação podem ser nocivas. E um rumor com sua ressonância emocional é, na maioria das
vezes, bastante difícil de ser efetivamente confrontado (FINE, 2005, p.5).
Baseando-se na idéia de que os rumores são produto tanto de eventos quanto da
própria imaginação humana, Kapferer (1990) identifica seis tipos de rumor, quanto à origem e
quanto ao processo de nascimento, explicitando-os no quadro a seguir:
58
They are passed on among a social milieu as true and current and expressing something of that group`s fears
and hopes.
59
Documento eletrônico não paginado.
60
They attract attention, evoke emotion, incite involvement, affect attitudes and actions – and they are
ubiquitous.
- 34
-
FIGURA 3. Os seis tipos de rumor identificados por Kapferer. Fonte: Kapferer, 1990
Kapferer argumenta que nas três categorias de origem a partir de um evento, de um
detalhe não explicado de um acontecimento ou da simples fantasia de um indivíduo ou de
uma população os rumores podem surgir espontaneamente, refletindo processos naturais de
grupos sociais. Entretanto, o autor nos mostra que os rumores também podem ser provocados,
tendo seus objetivos variando entre a desinformação deliberada e a busca por
sensacionalismo.
O tipo 1 seria resultado de um acontecimento que impressiona a opinião pública e que
não apresenta uma solução. Sem uma versão oficial, a população busca explicação em
discussões informais. O tipo 2 começaria de um detalhe, algo muito tênue que não chegou a
ser noticiado, passou despercebido ou foi considerado sem importância especial. As lendas
urbanas que serão explicadas no item seguinte nascidas espontaneamente, constituiriam o
tipo 3, surgindo inexplicavelmente, sendo apenas fruto da imaginação. No tipo 4, há a
introdução voluntária e intencional de hipóteses. Seriam as especulações, as suposições, muito
utilizadas no meio político. O tipo 5 seria aquele rumor que chama atenção para detalhes com
explicações sem fundamento - como no caso da personagem Hello Kitty, que será explicitado
mais adiante (seção 2.7) como um exemplo. Finalmente, o tipo 6 seriam histórias criadas com
propósitos certos, também como lendas urbanas, só que, nesse caso, provocadas.
O quadro desenvolvido por Kapferer é bastante amplo e pode ser usado para analisar
alguns rumores que surgem na Internet. Entretanto, outras questões a serem consideradas
para se chegar a uma análise mais profunda desse fenômeno.
1.5 Folclore, fofoca, mitos e lendas urbanas
É comum que se confunda rumores com fofocas. Embora popularmente exista uma
proximidade, as palavras têm conceitos diferentes e diferem ainda em função e conteúdo. O
- 35
-
rumor ou boato (mesmo quando falsa informação) busca dar sentido a situações ambíguas ou
de incerteza, a força da fofoca se fundamenta em seu potencial social de criar e manter laços.
Tanto a fofoca quanto o rumor podem ser inofensivos. Entretanto, podem também atingir
níveis de grande relevância social. Mesmo que se associe fofoca a entretenimento, Thompson
(2002) lembra que muitos escândalos são precedidos por fofocas e mesmo por boatos que os
alimentam. O autor propõe, então, a seguinte distinção entre os termos:
Fofoca pode, ou não, ser verdadeira, mas o boato é sempre uma notícia não
autenticada; uma notícia que foi definitivamente confirmada ou
desconfirmada deixa, ipso facto, de ser boato. Ademais, enquanto a fofoca
tende a ser nada mais que uma conversa informal sobre outras pessoas ou
assuntos relativamente triviais, os rumores podem ser sobre qualquer outra
coisa, incluindo assuntos muito sérios, e eles podem ter conseqüências de
longo alcance (THOMPSON, 2002, p.55).
Aqui se faz apenas uma ressalva à idéia de Thompson sobre uma notícia
“desconfirmada” deixar de ser boato. O presente estudo atenta justamente ao fato de uma
informação falsa, de um boato já desmentido, continuar circulando como informação
verdadeira. Entretanto, esta consideração não desmerece a diferença entre fofoca e rumor
apresentada pelo autor.
Segundo DiFonzo e Bordia (2007, p.22) “o rumor é pretendido como uma hipótese
para ajudar a dar sentido a uma situação incerta, enquanto que a fofoca entretém, cria vínculos
e influencia normativamente membros de grupos”. Kapferer (1990, p.15) completa essa idéia
explicando que a fofoca refere-se ao objeto focal do rumor: certas pessoas em nosso grupo.
(...) é muito fugaz e, assim, precisa freqüentemente ser substituída por fofoca fresca, que
ainda tem todo seu sabor [tradução da autora]
61
”.
as lendas urbanas são entendidas como uma variação do rumor, também resultado
de processos coletivos, ou o que Allport e Postman (1973, p.179) chamam de “rumor
cristalizado”, por ser “uma voz que se recusa a calar-se”, transmitida de geração para geração.
Segundo Cortazar Rodríguez (2004)
62
, a expressão “lenda urbana”, do inglês urban legends,
surgiu no anos 1970-1980 entre os folcloristas americanos “para designar as anedotas da vida
moderna contadas como verdadeiras mas que, na realidade, são falsas ou duvidosas [tradução
61
Gossip refers to the rumor’s focal object: certain people in our group. (…) it is very fleeting and must thus
often be replaced by fresh gossip which still has all its flavor.
62
Documento eletrônico não paginado.
- 36
-
da autora]
63
”. Nesse sentido, o autor destaca que a palavra “urbana” não deve ser entendida
como um sinônimo de “citadino”, relativo a cidade, mas como sinônimo de “moderno”.
De acordo com Dunn e Allen (2005), muitos pesquisadores defendem justamente que
as lendas urbanas não são uma forma separada distintamente da comunicação sociológica,
mas um rumor narrativo. Os autores explicam que:
(…) enquanto as lendas tendem a ser mais complexas e parecidas com
histórias que os rumores, ambos são transmitidos com a intenção de serem
acreditados, são contados como sendo verdade e são difíceis de serem
verificados [tradução da autora]
64
(HEATH; BELL; STERNBERG, 2001
apud DUNN; ALLEN, 2005)
65
.
Entretanto, as lendas urbanas diferem em seu contexto, sua função e seu conteúdo
primários (Fig.4). Rumores tendem a ser sobre eventos recentes, atuais ou tópicos de
discussão, enquanto que as lendas, cheias de elementos narrativos, consistem tipicamente em
histórias de séries de eventos que aconteceram e servem também para entreter ou propagar
valores morais em uma cultura (DiFONZO; BORDIA, 2007). Desse modo, muitas lendas
urbanas acabam sendo inseridas em determinadas culturas populares.
Um bom exemplo
66
de uma lenda urbana contemporânea começou com um rumor
sobre uma pessoa que teria acordado numa banheira de gelo e descoberto que seus rins
haviam sido retirados após ela ter ingerido uma bebida misturada com um tipo de sedativo.
Segundo o rumor, tudo aconteceu porque a pessoa teria se envolvido com alguém ligado ao
tráfico internacional de órgãos que teria lhe aplicado o golpe “boa noite Cinderela” numa
boate. Como rumor, o texto circulava afirmando que o fato teria acontecido “há alguns dias”,
“na semana passada”, “na boate X”. Como era de se esperar, outras versões foram surgindo,
adaptando a história aos ambientes em que era propagada. Ao ganhar tom narrativo, passou a
circular como “alerta” para os jovens que freqüentam boates e bebem, porque o fato teria
acontecido inúmeras vezes.
63
(...) para designar las anécdotas de la vida moderna contadas como verdaderas pero que en realidad son
falsas o dudosas.
64
(...) while legends tend to be more complex and story-like than rumors, both are transmitted with the intention
of being believed, are told as being true, and are difficult to verify.
65
Documento eletrônico não paginado.
66
Disponível em diversos sites, como: http://pessoas.hsw.uol.com.br/lendas-urbanas.htm - Acesso em
01/12/2007
- 37
-
FIGURA 4. Quadro de comparação entre rumores, fofocas e lendas urbanas.
Fonte: DiFonzo e Bordia, 2007
Também ligados a cultura e tradição de um povo, estão os mitos, narrativas que
podem constituir desde fábulas e relatos fantásticos, cheios de simbolismos para explicar
fenômenos naturais como no caso da mitologia grega –, até afirmações inverídicas,
fantasiosas ou inventadas. Apesar de não serem rumores, os mitos também podem ser
disseminados com propósitos relacionados a valores morais ou sociais, mas podem ainda
apenas representar algo idealizado. Nesse sentido, Caillois (1972, p.26) explica que os mitos
estão ligados a projeções psicológicas e, em situações míticas, “o indivíduo (...) aparece preso
aos conflitos psicológicos que naturalmente variam (mais ou menos segundo sua respectiva
natureza) com a civilização e o tipo de sociedade aos quais ele pertence [tradução da
autora]
67
”.
Outra palavra que aparece constantemente nos estudos sobre rumores – e que, de certo
modo, se aproxima do mito – é folclore
68
, o conjunto de costumes, lendas, provérbios,
manifestações artísticas em geral, preservado, através da tradição oral, por um povo ou grupo
populacional; cultura popular. Folclore, segundo Carvalho Neto (1955, p.17) é “o estudo
científico, parte da Antropologia Cultural, que estuda o feito cultural de qualquer povo, que se
caracteriza principalmente por ser tradicional, funcional, anônimo, espontâneo e vulgar
67
L'individu (…) apparaît en proie à des conflits psychologiques qui naturellement varient (plus ou moins selon
leur nature respective) avec la civilisation et le type de société auxquels il appartient.
68
Véronique Campion-Vincent, por exemplo, é uma folclorista da Maison des Sciences de l´Homme, em Paris,
que aborda rumores e lendas urbanas como fatos sociológicos e antropológicos.
- 38
-
[tradução da autora]
69
”. Ainda de acordo com o autor, a idéia de “transmissão” no folclore
está inserida na palavra “tradição”.
Ser anônimo, no sentido de desconhecido, e ser transmissível também são
características comuns ao rumor. Para completar, o dicionário Houaiss da Língua Portuguesa
apresenta uma derivação por extensão de sentido, em que folclore significa coisa fantasiosa,
inverídica. Entende-se, assim, a proximidade entre os estudos sobre folclore e os estudos
sobre rumores e lendas urbanas.
1.6 Sentido de verdade
Ao analisar o sentido do rumor como uma informação falsa, que não corresponde à
verdade, é preciso esclarecer o que se entende por verdade. Entretanto, isso nos levaria a um
novo trabalho de pesquisa, visto que a discussão a respeito dos critérios de verdade, além de
complexa, existe séculos, sendo o tema central dos filósofos desde os gregos
(BRESSER-PEREIRA, 2006).
Aranha e Martins (1993, p.24) expõem as diversas visões de maneira resumida:
Para Descartes, o critério da verdade é a evidência. Evidente é toda idéia
clara e distinta, que se impõe imediatamente e por si ao espírito. Trata-se
de uma evidência resultante da intuição intelectual.
Para Nietzsche é verdadeiro tudo o que contribui para fomentar a vida da
espécie e falso tudo o que é obstáculo ao seu desenvolvimento.
Para o pragmatismo (William James, Dewey, Peirce), a prática é o critério da
verdade. Nesse caso, a verdade de uma proposição se estabelece a partir de
seus efeitos, dos resultados práticos.
Nos dois últimos casos, o critério da verdade deixa de ser um valor racional e
adquire um valor de existência, que pode ser sintetizado na frase de Saint-
Éxupery: “A verdade para o homem é o que faz dele um homem”.
Há ainda os lógicos que buscam o critério da verdade na coerência interna do
argumento. Verdadeiro seria então o raciocínio que não encerra contradições
e é coerente com um sistema de princípios estabelecidos. (...).
A verdade pode ainda ser entendida como resultado do consenso, enquanto
conjunto de crenças aceitas pelos indivíduos em um determinado tempo e
lugar e que os ajuda a compreender o real e agir sobre ele.
Poder-se-ia também associar à verdade a nossa realidade, ou o que nos parece real nos
acontecimentos. Contudo, as posturas que temos diante do real quando nos dispomos a
compreendê-lo são diferentes, “a falsidade ou veracidade não estão na coisa mesma, mas no
69
Folklore es el estúdio científico, parte de la Antropología Cultural, que estudia al hecho cultural de cualquier
pueblo, que se caracteriza principalmente por ser tradicional, funcional, anónimo, espontáneo y vulgar.
- 39
-
juízo, e portanto no valor da nossa afirmação. (...) dizemos que algo é verdadeiro quando é o
que parece ser(ARANHA; MARTINS, 1993, p.24). Como explica Hessen (1987), o fato de
nossos juízos serem verdadeiros não nos é suficiente. Precisamos ter a certeza de que o são. E
na busca por esta certeza, trabalhamos com nossa subjetividade. Nas palavras de Bresser-
Pereira (2006)
70
:
É certo que as ‘verdades’ das pessoas refletem enormemente seus interesses,
mas isto não significa que a verdade seja relativa. Significa apenas que é
difícil alcançá-la, é precária a capacidade que temos de fazer afirmações que
sejam conformes com os fatos.
Fora do campo filosófico, Charaudeau (2006, p.48-49) ressalta que não se deve
confundir valor de verdade e efeito de verdade, por também existir uma questão de crença,
e, segundo o autor, “verdade e crença, tal como a distinção que operamos entre dois tipos de
saber, estão intrinsecamente ligadas no imaginário de cada grupo social”. Charaudeau ainda
defende que, diferentemente do valor de verdade, que se baseia na evidência, o efeito de
verdade baseia-se na convicção. E afirma:
O valor de verdade (...) se realiza através de uma construção explicativa
elaborada com a ajuda de uma instrumentação científica que se quer exterior
ao homem (mesmo que seja ele quem a tenha construído), objetivante e
objetivada, que pode definir-se como um conjunto de técnicas de saber dizer,
de saber comentar o mundo. (...) O efeito de verdade está mais para o lado
do "acreditar ser verdadeiro" do que para o do "ser verdadeiro". Surge da
subjetividade do sujeito em sua relação com o mundo (CHARAUDEAU,
2006, p.49).
No caso dos rumores na condição de falsa informação, é preciso levar em conta a
interpretação de cada indivíduo no momento em que recebe a mensagem e a repassa, ou seja,
sua condição de acreditar que a mensagem é verdadeira. Como lembra Kapferer (1990, p.73),
“aceitar a informação como verdadeira depende do quadro de referência que cada indivíduo
usa para avaliá-la. Se a informação é coerente com o quadro de referência utilizado, adquire
um alto grau de probabilidade de ser vista como verdade [tradução da autora]
71
”. A busca por
sentido pode gerar diferentes interpretações, mesmo que estas não correspondam à
“realidade”. “Os sentidos são produto de uma construção lingüística e histórica, que passa por
um processo social no qual os sujeitos determinam e são determinados” (FERREIRA, 2000,
p.75), de onde se pode concluir que outros fatores, ligados à percepção de cada indivíduo,
70
Documento eletrônico não paginado.
71
Accepting information as true depends on the frame of reference each individual uses to evaluate it. If the
information is coherent with the frame of reference used, it acquires a high degree of probability of being held
true.
- 40
-
contribuem para a construção de um sentido de verdade para que recebe, no caso, um rumor
falso.
Charaudeau (2006) conclui ainda que cada tipo de discurso modula seus efeitos de
verdade de uma maneira particular e é então, novamente fora do campo da filosofia, que ele
apresenta sua explicação sobre verdade contrapondo à idéia do que é considerado falso. O
autor ressalta que o ponto de vista que expõe é lingüístico, ligando de modo intrínseco a
problemática do verdadeiro e do falso à linguagem, e justifica:
O verdadeiro e o falso como noções remetendo a uma realidade ontológica
não pertencem a uma problemática lingüística. Entretanto, acham-se no
domínio lingüístico noções como as de significar o verdadeiro ou significar o
falso, isto é, produzir um valor de verdadeiro ou de falso por meio do
discurso. A verdade, sob esse ponto de vista, avalia-se através de um dizer,
logo, é uma questão que pode ser tratada segundo determinadas oposições: o
verdadeiro seria dizer o que é exato/ o falso seria dizer o erro; o verdadeiro
seria dizer o que aconteceu/ o falso seria inventar o que não aconteceu; o
verdadeiro seria dizer a intenção oculta/ o falso seria mascarar a intenção
(mentira ou segredo); enfim, o verdadeiro seria fornecer a prova das
explicações/ o falso seria fornecer explicações sem prova (CHARAUDEAU,
2006, p.88).
De certa maneira, esta explanação se aproxima à definição de verdade considerada
“clássica” na filosofia, como a adequação do pensamento ao fato ou a concordância do
conteúdo do pensamento com o objeto (BRESSER-PEREIRA, 2006; HESSEN, 1987), de
onde se poderia novamente aproximar verdade de realidade e voltar à questão da
subjetividade de cada um. Nesse sentido, Maturana (2001) lembra que a realidade é uma
proposição que usamos para explicar nossas experiências e que, por causa de nossas emoções,
é possível haver diferentes noções de realidade em diferentes culturas ou em diferentes
momentos da história. Isso não quer dizer que tudo é relativo e que cada um constrói
socialmente sua verdade ou sua realidade. O que ocorre é que “a distinção entre perpepção e
ilusão é feita a posteriori, desvalorizando-se uma experiência em relação a uma outra aceita
como válida, sem saber se mais tarde ela será ou não desvalorizada em relação a alguma
outra” (MATURANA, 2001, p.191).
Mas o que se pretende com este trabalho, quando se fala na preocupação com o rumor
como falsa informação sendo discutido como verdadeiro, é apresentar não apenas a idéia de
que o indivíduo atribui um valor de verdade à mensagem que recebe ou que a própria
mensagem produz um efeito de verdade diferente em cada indivíduo. O objetivo é tão
somente entender a divulgação de fatos não ocorridos, de informações que não correspondem
à realidade, de dados inexistentes, que são tratados e entendidos como verdadeiros isto é,
como fatos ocorridos, como informações que correspondem à realidade, como dados
- 41
-
existentes. Sendo assim, a acepção que se adequa aos propósitos do presente estudo para o
que se entende por falso e verdadeiro está exposta nas palavras de Charaudeau.
1.7 Proposta de modelo
Analisando autores e conceitos apresentados neste capítulo e num esforço para melhor
esclarecer o nível em que será investigado o fenômeno rumor e sua dinâmica, propõe-se um
esquema que exprime os caminhos que este pode percorrer a partir da apreensão do conteúdo
da mensagem. Sabe-se que a informação não se multiplica por si mesma e que se pressupõe a
presença de um sujeito no processo, bem como questões psicológicas e discursivas ligadas a
ele. Entretanto, o modelo aqui apresentado não se volta para o sujeito, pois a análise das
crenças e intenções de cada indivíduo ao passar adiante uma informação foge ao escopo do
presente trabalho. O foco é no rumor como falsa informação. Também não é relevante sua
origem ou quem dá início ao rumor – considerando seu caráter anônimo –, visto que a
importância está na dinâmica do fenômeno.
FIGURA 5. Caminhos que podem ser percorridos por um rumor a partir da apreensão de seu
conteúdo pelo receptor (o traçado vermelho ressalta o caminho em estudo)
- 42
-
A origem de um rumor pode estar ligada a um evento ou ser apenas uma invenção, o
que não será analisado pelo presente estudo, visto que se busca a análise da dinâmica após a
propagação. Também é preciso ter em mente que o modelo apresentado supõe uma
multiplicidade de receptores a cada mensagem enviada, isto é, que C, D, E, F, G, H, I, J e K
não representam um único receptor cada, podendo, cada um, representar um grupo de
pessoas.
Na fase A, tem-se o ponto de partida de um rumor X, como uma informação não
oficial ou não verificada. Na fase B, o rumor é propagado e, a partir de então, tem-se três
caminhos que podem ser seguidos. Se o indivíduo que recebe o rumor X resolve verificar a
autenticidade de seu conteúdo, pode descobrir tratar-se de uma informação verdadeira (C).
Nesse caso, não mais rumor, pois seu conteúdo corresponde à realidade (X’). Ciente, o
indivíduo que recebeu a mensagem pode simplesmente não repassá-la (F) ou pode repassá-la
a um sem número de outros indivíduos (G).
No caso de se confirmar a não-veracidade de seu conteúdo (D), o rumor X passa a ser
uma informação falsa ou uma mentira (X”) e, ao ser reconhecido como tal, deixa de ser
repassado como rumor (H). Entretanto, mesmo ciente de que o conteúdo da mensagem é
falso, o receptor pode escolher passá-la adiante
72
(I), dando continuidade ao rumor inicial
(L), pois não sentido em continuar repassando uma mentira ao entendê-la como tal. Neste
ponto, a falsa informação (X”) volta ao status de rumor como informação não oficial ou não
verificada (X) para o receptor que virá a seguir e se iguala à última alternativa existente após
B, quando, ao ser recebido e repassado sem que haja qualquer verificação sobre sua
autenticidade (E), o rumor X permanece como o rumor da fase A, onde seu conteúdo pode ser
verdadeiro ou não
73
. Neste caso (E), ele pode continuar sendo passado adiante (K) mesmo
sem qualquer confirmação de sua veracidade, tendo em M uma nova propagação para um sem
número de indivíduos.
Para fins desta pesquisa, entende-se rumor como uma informação não-verificada, sem
fundamentação sólida, originada espontaneamente ou provocada (intencionalmente ou não) e
propagada, mesmo quando falsa, como verdadeira num meio social por ser entendida como tal
pelos indivíduos que a repassam. O que o presente trabalho propõe é a investigação de
elementos da dinâmica dos rumores nas fases A, B, E, K e M no caso de X ser, de fato, uma
72
Não importa a este estudo avaliar as razões que levam o receptor a continuar repassando o que já sabe tratar-se
de uma informação falsa.
73
Não significa que não haja alteração de conteúdo da mensagem. X na fase E é igual a X da fase A porque
permanece uma notícia não confirmada.
- 43
-
informação falsa não verificada por aqueles que a repassam como verdadeira, o que pode
gerar sérias conseqüências.
Sendo o objetivo desta pesquisa a investigação da dinâmica dos rumores na Web,
inserida na Internet, o capítulo seguinte visa, num primeiro momento, a análise e a
compreensão desse ambiente de comunicação e sociabilidade que se constitui a rede mundial
de computadores para, em seguida, expor o fenômeno dos boatos virtuais que circulam no
ciberespaço.
- 44
-
2 INTERNET COMO CANAL DE RUMORES
Segue uma exposição do ambiente geral em que será estudado o fenômeno do rumor:
a Internet. As próprias características da rede proporcionam um espaço de sociabilidade e
comunicação aberta, facilitando a troca de informações. Com a emergência da Web 2.0,
outras qualidades promovem uma maior integração do espaço tão globalizado, onde o
modelo comunicacional de interação muitos-muitos se destaca em meio às interações
oferecidas pelos outros meios de comunicação, em especial, os meios de massa.
Como expõe Maturana (2001, p.197), “a tecnologia não é a solução para os problemas
humanos, porque os problemas humanos pertencem ao domínio emocional, na medida em que
eles são conflitos em nosso viver relacional”. O autor ressalta, inclusive, que o que vai
determinar como uma nova tecnologia será utilizada é o tipo de ser humano no momento em
que este tem acesso a ela, seja como usuário ou observador. Isso significa que, qualquer que
seja a tecnologia, ela não será capaz de alterar um traço humano que já não esteja apto a sofrer
mudanças naturalmente. Mesmo a Internet é capaz de desenvolver comportamentos, mas não
mudá-los. “Ao contrário, os comportamentos apropriam-se da Internet, amplificam-se e
potencializam-se a partir do que são” (CASTELLS, 2003, p.273).
Posto isso, ao analisarmos que o mundo offline está, inquestionavelmente, repleto
de farsantes, impostores, falsificadores e charlatões, pessoas que agem de má-fé, por pura
diversão, interesse próprio ou mesmo criminosamente para criar uma farsa, um boato ou
aplicar um golpe, como pensar que estes indivíduos não existiriam em um ambiente virtual,
livre e desterritorializado, por onde é possível navegar anonimamente?
Tanto Thompson (2002) quanto Fine (2005) lembram que, apesar de os rumores,
tradicionalmente, se espalharem através da interação face a face ou através da comunicação
midiática, as mudanças tecnológicas e as modernas redes de comunicação alteraram sua
difusão, proporcionando maior velocidade. “Hoje, uma importante fonte tanto da difusão
quanto do controle do rumor é a Internet [tradução da autora]
74
(FINE, 2005, p.2). E é
exatamente isso que será visto neste capítulo.
74
Today a major source of both the diffusion and the control of rumor is the Internet.
- 45
-
2.1 A rede como espaço social
Castells (2003) define a Internet como “o tecido de nossas vidas neste momento. (...)
um meio para tudo, que interage com o conjunto da sociedade”. A partir das idéias do autor,
fica claro que a rede não é apenas mais uma tecnologia, mas um meio responsável por
processos de profundas mudanças sociais, econômicas, políticas e culturais dessa sociedade
em evolução. Claro que o acesso à rede é ainda restrito a uma parcela da população mundial e
é preciso levar em consideração dados como a exclusão digital e a presença ocidental
dominante quando discutimos, de maneira geral, a sociedade na Internet.
De qualquer modo, a rede mundial de computadores processa a virtualidade e a
transforma em nossa realidade (CASTELLS, 2003). E com a virtualização dos espaços
sociais, as relações interpessoais ficam significativamente modificadas, o que, de certa
maneira, provoca a fragmentação de locais de sociabilidade e possibilita a criação de novos.
Popularizada como um meio sem precedentes em termos de comunicação, capaz de provocar
efeitos ainda maiores nos processos de produção e busca de informação, a vasta e onipresente
rede global gera novos laços entre os seus usuários, assim como novos ambientes de
sociabilidade, criando uma imensa rede social (virtual) que liga os indivíduos pelas mais
diversas formas. “Isso uma noção de interação social” (MARCUSCHI, 2005, p.20), que
fica ainda mais forte com a criação de comunidades virtuais eletrônicas, agregações em torno
de interesses comuns, independentes de fronteiras ou demarcações territoriais fixas (LEMOS,
2002, p.93).
Sendo os Websites acessíveis de qualquer parte do globo e sendo as comunidades
virtuais desterritorializadas, sua existência não depende de locais geográficos. O mesmo
acontece com qualquer blog, site pessoal, fórum de discussão ou ambiente de produção
coletiva, as singularidades locais universalizam-se e todos os pontos de vista estão
virtualmente presentes em cada ponto da rede” (LÉVY, 2003, p.373). Também a interface da
rede possibilita que a identidade da pessoa esteja resguardada pelo anonimato do mundo
virtual. Ou seja, não havendo uma maneira incontestável de se confirmar a aparência de um
indivíduo ou seus dados pessoais através de um aparato tecnológico, um único internauta
pode aparecer no mesmo espaço de diversas maneiras, em diferentes momentos. Qualquer
pessoa com acesso à Internet pode se conectar de qualquer parte do globo e a rede, como dito
anteriormente, não tem capacidade para identificar seus usuários offline, do mesmo modo que
não reconhece caráter, moral ou índole. Grosso modo, não importa quem é e onde se encontra,
- 46
-
no mundo físico, o indivíduo que navega na Internet. Importa ele ter acesso à rede e participar
de todo e qualquer processo de interação social que lhe é permitido tecnologicamente.
Nessa linha de raciocínio, Delarbre (2006) destaca que, dentro de uma comunidade
virtual, ainda são pessoas “de verdade” que ali se encontram, mesmo estando fisicamente
distantes e invisíveis, graças à tecnologia. “As pessoas mantêm sua individualidade quando se
envolvem em alguma tarefa participativa na Internet. (...) Mais que público, temos
comunidades compostas por indivíduos [tradução da autora]
75
” (DELARBRE, 2006, p.112).
2.2 Rápida difusão, memes e o Orkut
Somada à responsabilidade do internauta pelo conteúdo que este expõe, está ainda a
questão da rapidez com que as informações se propagam na Internet, definida por Barabási e
Bonabeau (2003) como uma rede “sem escala”. Segundo os autores, redes sem escala
possuem poucos nós altamente conectados e um grande número de nós com poucas conexões.
Os nós altamente conectados, ou hubs, tendem a receber sempre mais e mais conexões.
FIGURA 6: Funcionamento das redes sem escala proposto por Barabási e Bonabeau
Fonte: http://multimedia.maimonides.edu/?es/articulos/tecnologia/1484/1542.img
Ainda de acordo com os autores, o conhecimento das redes sem escala tem
implicações sobre a compreensão do alastramento de vírus de computador, doenças e modas,
75
La gente mantiene su individualidad cuando se involucra en alguna tarea participativa na Internet. (...) más
que público tenemos comunidades compuestas por indivíduos.
- 47
-
por exemplo. “As teorias de difusão, estudadas intensivamente durante décadas tanto por
epidemiologistas quanto por especialistas em marketing, prevêem um limiar crítico para a
propagação de uma epidemia em meio a uma população” (BARABÁSI; BONABEAU, 2003,
p.70). O problema, segundo eles, é que pesquisadores descobriram que esse limiar numa rede
sem escala é zero, o que significa que “todos os vírus, mesmo os pouco contagiosos, se
alastrarão e permanecerão no sistema” (BARABÁSI; BONABEAU, 2003, p.70). Por que
isso? Porque apesar de a tolerância a falhas aleatórias ser grande numa rede desse tipo, se os
nós centrais, os hubs, forem atacados, toda a rede fica vulnerável. Pressupõe-se, assim, que o
conceito possa ser empregado em qualquer tipo de informação disponível na Internet. E
aplicado a rumores que constituem falsas informações, tem-se, então, uma disseminação
rápida e abrangente de um conteúdo enganoso.
Considerando que as possibilidades de comunicação muitos-muitos se estenderam a
um número sem precedentes de pessoas, de uma maneira ou de outra, as informações que são
colocadas na rede circulam rapidamente. Landow (1997) sustenta que a história da tecnologia
da informação, da escrita ao hipertexto, revela uma democratização ou disseminação
crescente de poder. O autor expõe que:
a escrita começa esse processo, exteriorizando memória ela converte
conhecimento da posse de um à posse de mais de um (...) O empurrão
democrático das tecnologias da informação deriva de sua informação
difundida e da força que tal difusão pode produzir [tradução da autora]
76
(LANDOW, 1997, p.277).
Nesse sentido, Campion-Vincent e Renard (2002)
77
ressaltam que, na Internet, uma
mensagem é feita para circular, “seja porque contém um aviso que deve ser difundido ou uma
informação que deve ser partilhada, seja porque, de maneira geral, a Internet repousa sobre
uma ideologia e uma mitologia da rede, da comunicação e da transparência [tradução da
autora]
78
”. O indivíduo, então, está autorizado a fazer circular sua mensagem. De fato, o que
se pode observar é que, à criação da Internet, seguiu-se um processo em que foi dado ao
homem comum o poder de, literalmente, manipular as informações de um grande meio de
comunicação, algo impensável até algumas décadas atrás.
76
Writing begins this process, for by exteriorizing memory it converts knowledge from de possession of one to
the possession of more than one. (...) The democratic thrust of information technologies derives from their
diffusing information and from the power that such diffusion can produce.
77
Documento eletrônico não paginado.
78
(...) soit parce qu’il contient un avertissement qu’il faut diffuser ou une information qu’il faut partager, soit
parce que, de manière générale, Internet repose sur une idéologie et une mythologie du réseau, de la
communication et de la transparence.
- 48
-
Mas além de características próprias da Internet permitirem a rápida propagação de um
grande número de informações falsas, atingindo um grande número de pessoas, alguns
ambientes de produção coletiva têm uma força ainda maior para a circulação dos boatos
virtuais. os sites de webjornalismo participativo, de organização de informações, os blogs,
a enciclopédia de escrita colaborativa, e inúmeros exemplos representativos da chamada Web
2.0. Em todos esses espaços, há facilidade de se fazer circular falsas informações. Para
Berners-Lee
79
, o aumento de blogs, por exemplo, é uma das áreas mais difíceis para o
contínuo desenvolvimento da Web, devido aos riscos associados a informações inexatas,
difamatórias e não verificáveis.
Este trabalho volta-se especificamente aos boatos nas chamadas comunidades virtuais.
E por que estes ambientes impulsionam a propagação de rumores da Web? Voltando a
DiFonzo e Bordia (2007, p.16), os autores destacam que os rumores, num certo sentido, são
uma subclasse de memes
80
, “idéias que sobrevivem através de processos similares aos da
seleção natural; rumores que “não se encaixam” morrem param de circular enquanto os
que “se encaixam” persistem”. Memes podem ser descritos como idéias ou informações que
se espalham a partir de sua replicação. Agem como genes, competindo para espalhar sua
informação em uma população social do mesmo modo que os genes competem para espalhar
seu conteúdo informacional em uma população biológica [tradução da autora]
81
”.
Partido dessa idéia, e citando Heylighen, Recuero (2006b)
82
explica que encontramos
na Internet um ambiente fecundo para a propagação de memes, visto que a informação
digitalizada proporciona uma maior fidelidade da cópia original do meme, bem como a
facilidade de propagação pela própria estrutura da rede. O que se observa é que, tendo os
rumores uma dinâmica similar à de memes, sua transmissão e replicação ficam visivelmente
mais fortes nos ambientes virtuais de produção/ escrita coletiva, porque são espaços onde se
formam redes de sociabilidade.
Bastante popular no Brasil, o Orkut
83
é um sistema que proporciona formas de
interação social mediada por computador, proporcionando também o surgimento das redes
sociais (RECUERO, 2006). Por esse motivo, alguns laços sociais podem parecer mais fortes e
79
Em entrevista ao The Guardian. Disponível em
http://technology.guardian.co.uk/news/story/0,,1938477,00.html – Acesso em 20/05/2007
80
O conceito de meme foi cunhado por Richard Dawkins, no livro “O Gene Egoísta”, de 1976.
81
Memes compete to spread their information though a social population in the same ways genes compete to
spread their information content through a biological population” - The Meme Factory, Inc., Disponível em
http://www.meme.com/ - Acesso em 11/05/2007
82
Documento eletrônico não paginado.
83
Disponível em http://www.orkut.com – Acesso em 20/05/2007
- 49
-
as informações são repassadas como sendo de “fontes seguras”. Um internauta que participa
de um grupo formador de uma comunidade no Orkut pode se sentir “entre amigos”, dando
mais credibilidade a informações propagadas por seus companheiros. Com a mesma
intensidade, pode se sentir fazendo um “ato de bondade” ao colocar um tópico sobre um
acontecimento muito grave com conseqüências terríveis para aqueles que não estiverem
atentos ao assunto. Sendo as informações mais um exemplo de rumor que circula na Web, em
ambos os casos, todos da comunidade estarão sendo vítimas de um boato virtual.
Tem-se, portanto, Internet como um meio de comunicação de alcance global, sobre um
suporte tecnológico que permite a livre navegação de pessoas, inclusive sob anonimato, a
publicação facilitada e o acesso irrestrito a seu conteúdo multimídia. Além de as
características da rede possibilitarem a rápida disseminação de qualquer conteúdo no
ciberespaço, ambientes de produção coletiva fortalecem o processo de formação de redes
sociais e a troca de informação. Tais entendimentos são relevantes para o desenvolvimento
das seções a seguir.
2.3 Categorias de falsas informações na Web
Desinformar, enganar, mentir ou “pregar peças” não são comportamentos sociais
atuais. Histórias fantasiosas e informações falsas são parte dos processos comunicacionais e
podem até ganhar status de verdade quando disseminadas por um meio de comunicação:
Séculos antes de rumores e lendas começarem a circular tão extensa e
rapidamente pela Internet e em variadas mídias impressas, os mundos
medieval e da Renascença tinham seus próprios meios de disseminar
largamente narrativas fictícias que achavam seu caminho no tecido social da
vida legal, política e religiosa [tradução da autora]
84
(GAUVARD, 1994;
BEAUNE, 1994 apud ENDERS, 2005, p.15).
Ressalta-se neste trabalho uma fase do rumor. Mas é preciso situá-lo numa ampla rede
de conteúdos enganosos. Assim como ao longo da História diferentes rumores circularam em
diversos ambientes sociais, através de múltiplos meios de comunicação, também na Web nem
todos os boatos virtuais que circulam são iguais. Há várias formas de rumores, que podem ser
diferenciados a partir de critérios estabelecidos. De início, como dito anteriormente, Kapferer
identificou seis tipos, levando em conta sua origem e seu processo de nascimento. Com o
84
Centuries before rumors and legends came to circulate so widely and rapidly over the Internet and in various
print media, the medieval and Renaissance worlds had their own ways of of disseminating largely fictitious
narratives that woke their way into the social fabric of legal, political and religious life.
- 50
-
advento da Internet, Renard e Campion-Vincent (2002)
85
levam em consideração o novo
suporte tecnológico e ambiente de propagação de informações e estabelecem sete tipos de
mensagens que eles chamam de “rumorosas” de origem e/ou veracidade duvidosa
circulando na rede:
a) Os alertas de vírus informáticos (que podem ser falsos ou verdadeiros);
b) As correntes gicas ou supersticiosas (forma eletrônica das correntes de cartas de
antigamente);
c) As correntes de solidariedade (criança doente, criança desaparecida, etc.)
d) As petições;
e) Os rumores propriamente ditos (falsas informações);
f) As lendas urbanas (ou pseudo faits divers
86
);
g) As histórias engraçadas, fotos ou desenhos humorísticos (piadas, paródias, etc).
Os dois autores limitam-se a identificar, assim, os tipos de informações rumorosas que
circulam basicamente por correio eletrônico. Propõe-se, então, ir além, lembrando que nem
toda informação falsa produzida e/ou divulgada na Internet pode ser considerada um hoax.
Ampliando o campo de atuação e os meios utilizados para a produção e a divulgação desse
tipo de conteúdo, inclusive levando em consideração o caráter multimídia da rede, é possível
identificar-se as outras formas de falsa informação no mundo virtual. Como já foi exposto, os
boatos virtuais são apenas uma delas.
Não havendo ainda uma tipologia de falsa informação na rede definida, são propostas
aqui três categorias
87
, com tipos criados a partir de uma observação sistemática e tendo o
conteúdo como critério para as divisões: invasivo, evasivo e inerme.
Invasivo é um tipo intencional de mensagem, de conteúdo normalmente ofensivo ou
mesmo criminoso, com o intuito de prejudicar pessoas e/ou empresas. Nesta categoria pode-se
encontrar:
85
Documento eletrônico não paginado.
86
O que o autor entende como notícias, relatos que são descritos de modo aumentado, fantástico ou bizarro para
fugir da banalidade cotidiana.
87
As palavras e/ou expressões aqui listadas são resultado de observação sistemática, apenas para indicar neste
trabalho uma diferença entre os tipos de falsa informação que podem ser encontradas na Internet. Tal
diferenciação é relevante neste momento para ressaltar, mais adiante, o objeto estudado.
- 51
-
a) o vandalismo: quando o conteúdo em ambientes de produção aberta/coletiva (como na
Wikipedia) é alterado ou inventado, o que pode ser feito por qualquer usuário com
acesso a tais ambientes;
b) o vandalismo cracker: que pode ser visto como um subtipo do anterior, quando a
alteração do conteúdo ou programação do site é feita através da invasão do sistema;
c) o conteúdo difamatório: quando é feita uma montagem (de foto ou vídeo), criação de
página ou perfil em comunidades virtuais com informações falsas sobre um indivíduo
ou grupo, com o intuito de prejudicar;
d) a armadilha: quando um link ou arquivo leva o internauta a receber um vírus ou ser
conduzido para um site de phishing
88
;
e) a falsidade material ou ideológica: quando um indivíduo ou grupo se passa por outro
virtualmente ou esconde a identidade real com o intuito de enganar, prejudicar ou
obter informações de terceiros – pode ser aliada ao vandalismo cracker –, como
extensão do crime que já ocorre no mundo offline;
Evasivo é o tipo em que o conteúdo contém erro ou desinformação que leva o receptor
a entender algo que não corresponde à realidade, podendo ou não ter o intuito de prejudicar.
Aqui se encontram:
a) o conteúdo descontextualizado: quando uma informação, apesar de verdadeira, é
apresentada fora de seu contexto temporal ou local, tornando-se, naquele momento,
falsa;
b) a propaganda enganosa: quando informações comerciais não correspondem à realidade
do negócio, como extensão do que já ocorre no mundo físico;
c) a notícia mal-apurada: quando ocorrem erros de informação devido a desinformação
ou falta de apuração de fatos em sites noticiosos, como extensão do que ocorre nas
mídias tradicionais;
d) o boato virtual (hoax): quando um rumor ou lenda urbana circula e é repassado como
se fosse verdadeiro, podendo ou não trazer conteúdo difamatório.
Inerme é o tipo em que o conteúdo é inofensivo, sem o intuito de prejudicar, deixando
claro ou não que se trata de falsa informação. Esta categoria inclui:
88
Modalidade de fraude em que são criadas páginas falsas que induzem o internauta a fornecer dados
confidenciais a partir de e-mails com supostos avisos de bancos, sites de compras e outras instituições.
- 52
-
a) o conteúdo humorístico: quando uma foto, vídeo, texto ou áudio não-verdadeiros são
apresentados propositalmente alterados, apenas como entretenimento;
b) a prótese: quando um internauta inventa informações sobre si para se promover ou cria
um perfil ou nickname para entrar em comunidades, fóruns e salas de bate-papo, sem o
intuito de prejudicar terceiros;
Apesar de apenas os boatos virtuais se encaixarem no conceito de rumor, todos os
tipos de falsa informação descritos acima podem ser encontrados na Internet, apresentando
características de uma ou mais categorias
89
ao mesmo tempo. Mas isso não significa que são
facilmente identificados por um internauta, seja ele experiente ou novato. Soma-se a isso o
fato de não haver uma fiscalização do conteúdo produzido e publicado na rede. Não havendo
um controle organizado globalmente, governos, entidades, instituições e meios de
comunicação em diversos países procuram formas distintas de evitar possíveis prejuízos que
possam ser causados pela divulgação virtual de falsas informações. Nesse sentido, sites de
toda a natureza, mesmo os pretensamente abertos, em ambientes de produção coletiva,
buscam manter sua integridade e credibilidade, protegendo-se de internautas mal-
intencionados.
Um bom exemplo é a Wikipedia
90
, enciclopédia online cooperativa em que todos os
colaboradores têm o direito de escrever e editar qualquer texto. Primo e Recuero (2003),
explicam que “o objetivo do projeto é produzir uma enciclopédia que reúna o conhecimento
humano em profundidade e abrangência”, independentemente do caráter e da índole do
internauta que vai escrever nesse ambiente coletivo. E para garantir a credibilidade das
informações disponíveis na enciclopédia, várias medidas foram tomadas. A versão em
português
91
, por exemplo, explica que “a fim de evitar erros e aumentar o nível de
merecimento de confiança de usuários, exige-se, na Wikipédia, a realização de um cadastro
para os editores da obra”. também os “Wikipedicaólicos” (do inglês wikipedicaholics)
92
,
que fiscalizam “sempre que possível”, a qualidade dos verbetes, corrigindo erros de
informações. Para completar, existem ainda as “páginas protegidas”, que, para evitar os
vândalos, só podem ser editadas pelos administradores. Na versão em inglês, o próprio
verbete “wikipedia” está protegido – assim como “Hitler” e “Jesus”, por exemplo.
89
A criatividade no ciberespaço permite inovações e atualizações constantes.
90
Disponível em http://www.wikipedia.org/ - Acesso em 15/06/2007
91
Disponível em http://pt.wikipedia.org/wiki/Wikip%C3%A9dia - Acesso em 15/06/2007
92
Disponível em http://pt.wikipedia.org/wiki/Wikip%C3%A9dia - Acesso em 15/06/2007
- 53
-
Mesmo com tantos cuidados, casos de falsa informação na enciclopédia livre com
sérias conseqüências já foram reportados. Em um deles, noticiado pela Associated Press
(AP)
93
em dezembro de 2005, um homem publicou a informação de que John Seigenthaler,
um respeitado jornalista dos Estados Unidos, tinha ligação com o assassinato dos Kennedy e
teria vivido na União Soviética de 1971 a 1984. Intitulada “Apology for Fake Wikipedia
Post”, a matéria diz que Brian Chase, autor da falsa biografia, teria feito apenas uma
brincadeira com o jornalista e para surpresa geral não sabia que a Wikipedia era usada
como uma ferramenta séria de referência. Além de grande repercussão na imprensa
americana, o caso ainda motivou Seigenthaler a escrever um editorial no USA Today
colocando em dúvida a credibilidade da enciclopédia online.
2.4 Ambiente potencializador
Sendo, então, uma tecnologia e meio de comunicação usado como uma extensão do
próprio homem, a Internet permite, paradoxalmente, manifestações humanas visando ajuda ou
dano a outros indivíduos. Ao mesmo tempo em que é cenário de esforços de solidariedade e
cooperação, a liberdade na rede “é fonte de excessos, abusos e confusões” (DELARBRE,
2006, p.159). Por outro lado, sob uma aparência de mídia visual (como uma televisão ou um
outdoor), a Internet se aproxima bastante da comunicação oral seja numa interação face a
face, seja através de um telefone. A diferença é que ela permite a difusão simultânea de uma
mensagem a partir de uma única fonte para uma pluralidade de destinatários (CAMPION-
VINCENT; RENARD, 2002).
Voltando ao esquema apresentado por Kapferer sobre o fluxo de informação analisado
na experiência de Degh e Vazsonyi (seção 1.3) é possível observar que, se no rumor
tradicional, apesar de não haver uma transmissão linear, unidirecional, elementos sociais
influenciam o comportamento de quem retransmite a mensagem, fazendo com que indivíduos
escolham, a partir de uma série de fatores, a quem será repassada a informação, a
disseminação observada na Internet, a partir das próprias facilidades permitidas pela rede, sem
condições temporais ou territoriais, não pode ser vista como o esquema apresentado
anteriormente:
93
A matéria pode ser encontrada em diversos sites, noticiosos ou não. Como exemplo, em http://wired-
vig.wired.com/news/avantgo/story/0,2278,69810-1,00.html - Acesso em 15/06/2007
- 54
-
FIGURA 7. Fluxo do rumor observado por Degh e Vazsonyi (Fig.1). Fonte: Kapferer, 1990
Dentro do que foi exposto até o momento, nas condições estabelecidas, e levando-se
em consideração o acesso à rede, esse fluxo do rumor, hoje, abrange um número muito maior
de indivíduos emissores e receptores numa velocidade potencializada pelas características da
própria Internet, levando à compreensão de que, se uma experiência fosse conduzida nos dias
atuais, o esquema poderia se parecer mais com a figura a seguir:
FIGURA 8. Fluxo do rumor nos dias atuais, elaborado a partir do esquema de Degh e Vazsonyi
E relembrando o caminho em estudo (Fig.5), é possível compreender o alcance de uma
informação falsa na rede ao se visualizar as fases em que está inserida a Figura 8 no modelo
apresentado anteriormente, que, frisou-se, supõe uma multiplicidade de receptores a cada
mensagem enviada:
FIGURA 9. Fluxo do rumor dos dias atuais visualizado no caminho em estudo da Figura 5
- 55
-
Desse modo, as características da rede a elegem como o meio ideal de transmissão de
rumores, permitindo uma difusão sem precedentes (RENARD, 2002) de falsas informações.
Como explica Renard, a difusão é fácil (duplica-se páginas e usa-se o “copiar e colar” para se
anexar arquivos a um e-mail, por exemplo), é múltipla (permite uma transmissão em rede, não
linearmente), é internacional (permite circulação em todos os continentes) e é rápida (pode-se
retransmitir em poucos minutos uma mensagem que se julgue interessante).
Froissart (2002), resume essa idéia da seguinte maneira:
Porque a Internet propõe uma orgia de textos sobre todos os gêneros, porque
a Rede das redes parece governada por todo mundo ou por ninguém, porque
não importa quem se conecta não importa quando para dizer não importa o
quê, porque também a Internet é um mecanismo complexo cuja decifração
não é fácil, podemos dizer que a Internet seria a mídia sonhada pelo rumor
[tradução da autora]
94
.
De fato, desde a popularização da Internet, qualquer internauta é capaz de dar
inúmeros exemplos de boatos virtuais que tenha recebido por e-mail, mesmo que a definição
tenha sido percebida algum tempo depois um rumor é entendido como tal após a
constatação de que se trata de uma mensagem falsa; caso contrário, é visto como informação
válida. Entretanto, apesar de se espalharem preferencialmente por e-mails, a propagação de
rumores e lendas urbanas tem ganhado força em comunidades virtuais, blogs, sites
pretensamente sérios, noticiosos ou mesmo propositalmente enganosos, que aplicam
“pegadinhas” nos desavisados
95
.
O que se considera preocupante e que ficou claro na seção anterior é que nem todo
conteúdo falso na rede é inofensivo. Nesse sentido, Renard (2007, p.25) explica que, apesar
de haver mais gente que duvida do que pessoas que realmente acreditam, “mesmo uma
minoria que acredita no boato pode causar conseqüências sociais graves”. Complementando
esta idéia, DiFonzo e Bordia (2007, p.42) lembram que “os efeitos do rumor ocorrem mesmo
que os próprios rumores não sejam acreditados [tradução da autora]
96
”. E a partir do momento
que as informações circulantes são falsas e podem ser prejudiciais para um indivíduo, uma
comunidade ou mesmo uma instituição, um simples boato virtual toma proporções maiores.
94
Parce qu’Internet propose une orgie de textes dans tous les genres, parce que le Réseau des réseaux semble
gouverné par tout le monde ou personne, parce que n’importe qui se connecte n’importe quand pour dire
n’importe quoi, parce qu’aussi Internet est une canique complexe dont le décryptage n’est pás aisé, on a pu
dire qu’Internet était le médium rêvé de la rumeur.
95
É o caso do site Cocadaboa (www.cocadaboa.com), que se orgulha de ser irônico e traz no pé da página a
seguinte mensagem: “Atenção: Nosso conteúdo é 100% humorístico e/ou mentiroso. Quer nos processar? Boa
sorte, estamos hospedados na Eslovênia”.
96
Rumor effects occur even if rumors themselves are not believed.
- 56
-
Em novembro de 2006, por exemplo, o portal Terra
97
, trazia a seguinte notícia:
“Internauta é detido por divulgar rumor sobre tráfico de órgãos”. A matéria, retirada do portal
de notícias Xinhuanet, apresentava um caso curioso, de um homem preso por ter divulgado
um rumor em um site sobre o tráfico de órgãos, espalhando uma história de um estudante de
Cantão que teria sido drogado durante uma festa para que seus rins fossem extraídos e
vendidos. Detido pela polícia, o internauta confessou que divulgou o rumor sem ter
confirmado se era verdade. A mensagem se espalhou com rapidez em diversos sites e muitos
usuários receberam em seus e-mails avisos para evitar cair nas mãos desta suposta “máfia de
órgãos” caso viajassem para Cantão. Segundo a polícia, o rumor causou um grande pânico
entre a população local. O mais interessante nesse caso é que, em todo o mundo, o mesmo
boato assumiu diversas versões e tornou-se uma lenda urbana, como foi mencionado na seção
1.5, adaptando-se a localidades, apesar de estar circulando num meio de comunicação global.
Mesmo sendo desmentido depois, é pouco provável que se desfaçam os danos
causados por um rumor, quando este é deliberadamente falso. Não há, efetivamente, um
controle na Internet quanto ao tempo de exposição ou circulação de um determinado
conteúdo. Tal característica da rede, inclusive, suprime o maior “problema” da circulação de
rumores: a ausência de memória. Em entrevista ao site JDNet
98
, Kapferer explica que, no caso
de um rumor normal, que não passa pela Internet, a memória é falha, ou seja, o rumor pode
ser esquecido ou deformado. A “vantagem” da rede é o fato de poder se atingir um grande
número de pessoas rapidamente, mantendo-se a essência do rumor. Analisando a transmissão
do rumor tradicional, onde a mensagem original acaba sendo distorcida, compreende-se que
“com a Internet, uma descontinuidade fantástica no funcionamento dos rumores [tradução
da autora]
99
(KAPFERER, 2001). E apesar de o próprio Kapferer (1990, p.107) afirmar que
“todo rumor é destinado a morrer algum dia [tradução da autora]
100
”, o que se observa é que,
de fato, rumores não “morrem”. Eles podem permanecer adormecidos em determinados
ambientes sociais ou ganhar novas características para se adapatarem a outras culturas, muitas
vezes transformando-se nas citadas lendas urbanas. Mas eles não desaparecem,
simplesmente. Allport e Postman (1973, p.11), ao definirem o rumor como de caráter
específico e limitado, admitem que ele seja, geralmente, de interesse temporário, mas
97
Disponível em http://tecnologia.terra.com.br/interna/0,,OI1258440-EI4802,00.html – Acesso em 20/04/2007
98
Entrevista divulgada em 26 de janeiro de 2001. Disponível em: www.journaldunet.com/itws/it_kapferer.shtml
- Acesso em 20/05/2007
99
Avec Internet, il y a une discontinuité fantastique dans le fonctionnement des rumeurs.
100
Every rumor is destined to die out some day.
- 57
-
lembram que “rumores vêm e vão; às vezes alguns voltam a circular pela segunda ou terceira
vez [tradução da autora]
101
”.
Na Internet, esse processo ganha dinamismo, velocidade, suporte tecnológico. Mesmo
um boato virtual que parece extinto, esquecido, reaparece anos mais tarde, que,
diariamente, novos internautas começam a navegar e a conhecer os recursos e conteúdos da
rede. Assim, rumores antigos podem ressurgir com a mesma intensidade ou ainda mais
fortes – circulando livremente pelo ambiente virtual.
O assunto tornou-se cada vez mais relevante para os internautas e, como se poderia
imaginar, a rede desenvolveu seu próprio antídoto para os rumores que nela circulam
(RENARD, 2002). Segundo Fine (2005, p.3), dados recentes sugerem que a Internet, apesar
de facilitar uma rápida e abrangente difusão de rumores, “simultaneamente permite
desmentidos para alcançar o mesmo público rapidamente [tradução da autora]
102
”. Nesse
sentido, Froissart (2003)
103
também ressalta que o “efeito Internet” sobre o rumor se analisa
de duas maneiras: “de um lado, a Internet acelera a difusão dos rumores (que são mais
rápidos, mais numerosos); de outro lado, a Internet desacelera a difusão de rumores, porque
estes se chocam contra numerosos sites de referência que obtêm audiências impressionantes
[tradução da autora]
104
”. Desse modo, páginas informativas, voltadas especificamente para o
tema
105
, têm se dedicado a expor, descobrir e/ou denunciar falsas informações na rede (Anexo
A).
O site francês HoaxBuster.com
106
(Fig. 10), por exemplo, trata de rumores, correntes,
petições e paródias que circulam na rede e apresenta matérias, entrevistas e até um mecanismo
de busca, ferramenta também presente em outro site francofônico destinado à pesquisa de
rumores, o HoaxKiller.fr
107
. As lendas urbanas são o foco dos sites americanos Snopes
108
, da
Sociedade do Folclore de San Fernando Valley, e About: Urban Legends and Folklore
109
.
101
Los rumores vienen y van; a veces, algunos vuelven a la circulación por segunda y tercera vez.
102
(…) simultaneously allows denials to reach that same audience rapidly.
103
Documento eletrônico não paginado.
104
d’une part, Internet accélère la diffusion des rumeurs (qui sont plus rapides, plus nombreuses) ; d’autre part,
Internet ralentit la diffusion des rumeurs, car ces dernières se heurtent à de nombreux sites de référence qui
obtiennent des audiences impressionnante.
105
É preciso levar em consideração que os sites aqui citados não seguem uma norma padrão de escrita ou
pesquisa, utilizando diferentes palavras e/ou expressões para definir o mesmo objeto ou ainda fazendo referência
a hoaxes (boatos virtuais), lendas urbanas, folclore, pulhas virtuais e outros num mesmo ambiente.
106
Disponível em http://www.hoaxbuster.com – Acesso em 15/04/2007
107
Disponível em http://www.hoaxkiller.fr – Acesso em 15/04/2007
108
Disponível em http://www.snopes.com – Acesso em 15/04/2007
109
Disponível em http://www.urbanlegends.about.com – Acesso em 15/04/2007
- 58
-
Também americanos, o Truth or Fiction
110
e o Hoaxbusters
111
são sites especializados no que
chamam e-rumores, sendo o segundo mantido pelo Departamento de Energia dos Estados
Unidos. o Museum Of Hoaxes
112
faz um resgate histórico, com linha do tempo e
informações detalhadas, dos boatos e lendas urbanas que já se espalharam pelo mundo desde a
Idade Média.
FIGURA 10. Site Hoaxbuster.com, que busca divulgar e desmentir rumores na Internet. Fonte:
http://www.hoaxbuster.com/
Com o mesmo propósito, há, no cenário brasileiro, sites que se dedicam a identificar
boatos virtuais que circulam na rede por correios eletrônicos, blogs ou comunidades virtuais.
Criado em 1999, o QuatroCantos
113
, tem a seção “Lendas e folclore da Internet”. A página
tem uma subseção dedicada somente a identificar e listar o que chama “pulhas virtuais”. O
texto, assinado por Gevilacio Aguiar Coelho de Moura, traz dicas para que os internautas
identifiquem elementos que denotam a falsidade das informações passadas, como a linguagem
usada, os apelos, a coerência das idéias e a origem das mensagens: “Verifique se os termos da
mensagem estão mais para a razão ou para a emoção”. Em seus argumentos, ele defende que
110
Disponível em http://www.truthorfiction.com – Acesso em 15/04/2007
111
Disponível em http://www.hoaxbusters.ciac.org – Acesso em 15/04/2007
112
Disponível em http://www.museumofhoaxes.com – Acesso em 15/04/2007
113
Disponível em http://www.quatrocantos.com/LENDAS/INDEX.HTM – Acesso em 15/04/2007
- 59
-
“ainda que apenas 1% acredite no que está escrito e passe o boato pra frente, a propagação é
enorme”.
Mais adiante, o autor do site lembra que muitas das histórias hoje passadas via e-mails,
comunidades virtuais, blogs, etc., existiam antes da popularização da Internet e se
propagavam através do correio convencional e mesmo por fax: “Na Internet, nada se perde,
tudo se arquiva e, mais cedo ou mais tarde, o boato arquivado renasce com todo o vigor como
se fosse coisa nova”. Ao final da página, em letras vermelhas, ainda faz um alerta: “Não
acredite, de imediato, em tudo aquilo que você inclusive no que você acabou de ler. Use o
senso crítico”.
Podendo a propagação de boatos virtuais gerar graves conseqüências para pessoas e
empresas - como prejuízos e danos à imagem também grandes companhias começam a
tomar providências específicas contra a disseminação de falsas informações na Internet a
respeito de seus produtos. Alvo de diversos rumores, a própria Coca-Cola criou em seu site
114
um tópico sobre “boatos e mitos” que circulam na rede (Fig. 11).
FIGURA 11. Tópico sobre baotos virtuais criado pela página da Coca-Cola na Internet.
Fonte: http://www.cocacolabrasil.com.br/
114
Disponível em http://www.cocacolabrasil.com.br/ – Acesso em 20/04/2007
- 60
-
A seção é dividida em sete categorias e apresenta um total de 29 textos
115
que visam
esclarecer informações divulgadas na rede envolvendo a companhia ou seus produtos. Os
boatos abordam desde substâncias perigosas presentes na fórmula dos refrigerantes até
supostas promoções feitas pela Coca-cola. A empresa procura, dessa forma, esclarecer seu
público e proteger sua imagem.
2.5 Boatos virtuais na mídia e algumas conseqüências
Em 1897, ao tomar conhecimento de uma nota publicada pelo New York Journal,
Mark Twain disse a jornalistas
116
: “A notícia sobre minha morte é grosseiramente exagerada”.
Assim o escritor americano desmentia um rumor propagado pela mídia.
Kapferer afirma que enquanto uma notícia de fontes não oficiais é transmitida pelo
processo característico de corrente, com propagação em larga escala, ela não passa de um
“rumor puro” o que considera ser o oposto de informação, discutido na seção 1.4.
Entretanto, segundo o autor, “se a mídia assume a tocha na propagação dessas notícias (...)
elas se transformam em informação [tradução da autora]
117
” (KAPFERER, 1990, p.16).
Um caso que ilustra bem essa visão é o do suposto mapa do Brasil sem a área da
floresta amazônica em livros de geografia dos Estados Unidos (Anexo D). A mensagem
original, que começou a circular por e-mail, trazia a denúncia de uma professora brasileira
residente numa cidade norte-americana sobre o fato de a Amazônia aparecer nos livros como
uma área de preservação internacional, de responsabilidade da Organização das Nações
Unidas (ONU) e do próprio governo norte-americano. A gravidade do assunto fez com que o
boato virtual se disseminasse rapidamente, mas o caso veio a se tornar “verídico” quando
uma nota divulgada pelo colunista Cesar Giobbi foi publicada pelo jornal O Estado de São
Paulo como informação legítima, tanto na versão impressa quanto na versão online, em maio
do ano 2000. A divulgação do conteúdo por um grande veículo era o que faltava para dar mais
credibilidade à mensagem, que passou a circular com a assinatura do jornal. Descoberto o
embuste, menos de um mês depois, o Estadão precisou se retratar e a página com a matéria na
Web foi retirada.
115
Dados atualizados em 01/08/2007
116
Disponível em: http://www.troynovant.com/Lopez-BA/Our-Famous-Guest.html e
http://www.nytimes.com/2005/10/02/books/review/02wolff.html - Acesso em 12/12/2007
117
If the medias take up the torch in spreading the news (…) they turn it into information.
- 61
-
Voltando a DiFonzo e Bordia (2007, p.16), lembra-se que os rumores surgem sobre
tópicos que as pessoas consideram relativamente urgentes e significantes e quando “a
informação está relacionada a elas, afeta, interessa ou as ameaça de alguma forma [tradução
da autora]
118
”. Pela relevância do assunto para a sociedade brasileira, levantando severas
críticas a um “ataque à soberania nacional”, o caso do mapa do Brasil no livro de geografia
foi visto com seriedade por diversos órgãos da imprensa e do governo, sendo inclusive objeto
de requerimento de informações por parte de deputados brasileiros ao ministro das Relações
Exteriores (Anexo E). Além disso, sites de toda natureza trouxeram o caso à tona
119
, na
intenção de desmentir o boato ou usá-lo como ponte para assuntos similares – inclusive
apontando o erro do jornal O Estado de São Paulo e houve até quem procurasse
desenvolver dossiês e uma cronologia dos acontecimentos
120
, para entender como se chegou a
tamanha fantasia.
Vale ressaltar que duas maneiras de ser “vítima” de um falso rumor: sendo o
próprio objeto dele, como foi o caso de Mark Twain, ou acreditando nele, como é o caso da
imensa maioria dos indivíduos que o recebem e repassam e sendo o presente estudo focado
em boatos virtuais falsos que são assimilados, repassados e discutidos na Web como
verdadeiros, volta-se aqui à condição de quem acredita. Pode-se dizer que o colunista do
Estadão, assim como os deputados e todas as pessoas que propagaram a mensagem, foi
também uma “vítima”. Entretanto, é preciso lembrar em que âmbito da sociedade estão as
vítimas de um boato virtual, pois é o tratamento dado à mensagem nessa esfera que poderá dar
uma dimensão maior ao fenômeno.
A mídia pode impulsionar um rumor mesmo sem dar crédito a ele. Isso acontece
normalmente quando um boato virtual toma dimensões que escapam ao mundo online e
entram na pauta de grandes veículos de comunicação, tornando-se foco de matérias sobre o
assunto. Mas é inegável que, se o conteúdo de uma mensagem falsa que circula na Internet é
tratado pelos meios de comunicação como uma informação verdadeira, por mais que continue
sendo boato, essa mensagem ganha credibilidade, pois, nas palavras de Kapferer (1990, p.58),
118
...the information relates to, affects, interests, or threatens them in some way.
119
É possível encontrar o assunto nos sites:
http://www.e-farsas.com/corrente_amazonia.htm - Acesso em 10/12/2007
http://www.quatrocantos.com/lendas/27_amazonia.htm - Acesso em 10/12/2007
http://www.midiaindependente.org/pt/blue/2001/11/11677.shtml - Acesso em 10/12/2007
http://conjur.estadao.com.br/static/text/25916,1 - Acesso em 10/12/2007
120
É possível encontrar o assunto nos sites:
http://www.pralmeida.org/04Temas/07Amazonia/00Amazonia.html - Acesso em 10/12/2007
http://www.novomilenio.inf.br/humor/0111f002.htm - Acesso em 10/12/2007
- 62
-
“a mídia ‘informacionaliza’ os rumores [tradução da autora]
121
”. Como foi mencionado,
rumores podem preceder escândalos ou simplesmente alimentá-los e é comum que sejam
usados como estratégia para atingir pessoas públicas
122
, principalmente na política. E segundo
Thompson (2002, p.55), “se os boatos são apanhados pela mídia e apresentados, tanto na
forma de notícias não confirmadas, como de insinuações, torna-se então muito mais difícil
prevenir que um escândalo irrompa”.
Retomando, então, a idéia da dimensão alcançada por um boato virtual, traz-se o caso
da notícia sobre a Sociedade Amigos de Plutão, que seria uma Organização Não
Governamental (ONG) criada com o objetivo de conscientizar a população para o perigo que
significa o rebaixamento de Plutão, que deixou de ser planeta. A ONG, presidida por um
amigo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, teria recebido R$ 7,5 milhões para dar início a
suas ações. A notícia foi dada “em primeira mão” pelo jornalista carioca Carlos Chagas em
sua coluna no jornal Tribuna da Imprensa Online
123
(Fig.12) e, dias depois, publicada
novamente em sua coluna no Brasília Em Dia
124
.
Tudo não passava de uma informação falsa, que o jornalista chamou de “crônica” em
sua retratação
125
um mês após a publicação, em que não fica clara sua intenção com a
brincadeira. O problema é que a notícia entrou no processo do rumor no caso, provocado –,
tornando-se um boato virtual e sendo disseminada pela Web como informação verdadeira. Em
pouco tempo, páginas de toda natureza divulgavam o texto de Chagas como uma notícia de
fonte confiável. O blog Alerta Total
126
, por exemplo, que afirma que “Jornalismo Inteligente e
Informação Privilegiada” são suas marcas registradas, começa a nota (Anexo F) sobre o
assunto com a frase: “Tem tudo para ser uma piada ou fake difundido pela Internet, mas não
é, pois foi relatada pelo jornalista Carlos Chagas”.
121
The media “informationalize” rumors.
122
Celebridades do meio artístico são mais vítimas de fofocas do que de rumores de fato.
123
Disponível em: http://www.tribunadaimprensa.com.br/anteriores/2006/agosto/29/coluna.asp?coluna=chagas –
Acesso em 15/08/2007
124
Disponível em: http://www.brasiliaemdia.com.br/2006/9/1/Pagina744.htm - Acesso em 15/08/2007
125
Dísponível em:http://www.tribunadaimprensa.com.br/anteriores/2006/setembro/30/coluna.asp?coluna=chagas
– Acesso em 15/08/2007
126
Disponível em: http://alertatotal.blogspot.com/2006/09/espionagem-eleitoral-diretor-geral-do.html - Acesso
em 15/08/2007
- 63
-
FIGURA 12. Página da Tribuna da Imprensa Online com a coluna de Carlos Chagas.
Fonte: http://www.tribunadaimprensa.com.br/
Entretanto, a conseqüência mais significativa do caso da ONG, para demonstrar a
dimensão tomada, talvez tenha resultado da coluna do jornalista Cláudio Humberto
127
, que
fala de “Poder, política e bastidores”. A nota critica o governo Lula por cortar verbas para
pesquisa espacial enquanto destina milhões à Sociedade Amigos de Plutão, sem mencionar a
coluna de Carlos Chagas. Indignado, um leitor de Humberto passou a informação ao senador
Heráclito Fortes (PFL/PI), que acabou citando a notícia como fato preocupante em pleno
discurso no Senado Federal
128
(Anexo G). Após receber inúmeros e-mails alertando para o
boato virtual, Fortes acabou se pronunciando também virtualmente, respondendo aos e-mails
recebidos com justificativas - acrescidas de discursos políticos -, e levantando dúvidas sobre o
que haveria por trás da falsa informação, que, segundo ele, “nunca houve um desmentido
127
Disponível em:
http://www.claudiohumberto.com.br/Colunasanteriores/tabid/297/articleType/ArchiveView/month/9/year/2006/d
ay/20/Default.aspx - Acesso em 15/08/2007
128
O pronunciamento do senador pode ser lido na íntegra em:
http://www.senado.gov.br/sf/atividade/pronunciamento/detTexto.asp?t=364472 ou ainda em vídeo no YouTube:
http://www.youtube.com/watch?v=P04uPLaqzJk&mode=related&search – Acessos em 12/11/2007
- 64
-
formal por parte do governo ou de suas lideranças no Senado, o que, no mínimo, é
intrigante”
129
.
Observa-se que, tendo a mídia um importante papel em dar credibilidade a qualquer
notícia, “a proliferação de boatos pode alcançar um nível tal que se torna difícil, ou
impossível, a um indivíduo ignorá-los” (THOMPSON, 2002, p.55). Sendo assim, uma pessoa
pública que é vítima de um boato propagado na mídia, muitas vezes se obrigada a dar
explicações, respondendo também publicamente. Atualmente, com os boatos virtuais, o
processo de averiguar ou mesmo desmentir uma informação falsa tornou-se mais trabalhoso,
devido à potencialização e à velocidade de propagação permitidas pela Internet. Levando-se
em consideração os processos de nascimento e disseminação de um rumor (Fig.3 e Fig.5), sua
origem pode estar na própria Web e, em pouco tempo, ele pode ser propagado
descontroladamente.
2.6 Elementos de legitimação
Kapferer (1990, p.259) diz que “Como os rumores freqüentemente surgem da
desconfiança de versões oficiais, uma chave para a prevenção é também a credibilidade das
fontes [tradução da autora]
130
”. Nos boatos virtuais, a linguagem e os termos utilizados nas
mensagens apresentam, geralmente, elementos que buscam legitimar a informação que está
sendo passada. Palavras e expressões apelativas, nomes de autoridades ou instituições
respeitadas são usados freqüentemente para dar embasamento e credibilidade às histórias
contadas, a fim de persuadir o receptor.
Em e-mails, é comum que o campo assunto ou que as primeiras linhas da mensagem
estejam em caixa alta, com frases terminadas com pontos de exclamação: URGENTE!;
ATENÇÃO!; CUIDADO!; MUITO CUIDADO!; ALERTA DE VÍRUS!; NÃO ABRA A
MENSAGEM...
Ao final das mensagens, também é comum aparecerem os apelos de repasse: "Por
favor, passe esta informação para amigos e família."; "Passe essa informação para o maior
129
O site Quatro Cantos publicou a íntegra do e-mail enviado pelo senador aos internautas. Disponível em:
http://www.quatrocantos.com/lendas/295a_amigos_de_plutao.htm#senador – Acesso em 12/11/2007
130
As rumors often arise from distrust of official versions, a key to prevention is also the credibility of sources.
- 65
-
número de pessoas possível."; "...é importante que essa informação seja repassada a
TODOS: vizinhos, parentes e amigos."
Em geral, os boatos virtuais são mais repassados quando mexem com o medo das
pessoas, fator predominante para a crença em histórias sem fundamento. Muitos são gerados a
partir de eventos verdadeiros e ainda os que recorrem a palavras científicas, teorias de
conspiração, substâncias químicas ou ainda misticismo e religião para atingir o maior número
possível de internautas. Em todos os casos, observa-se a ambigüidade das informações e a
importância do assunto para quem as lê, condições fundamentais para que haja o repasse de
um rumor, como visto anteriormente.
Em 2005, por exemplo, um boato virtual sugeria a existência de uma substância
maligna em um refrigerante da Coca-cola, citada anteriormente:
ALERTA GERAL ATENÇÃO FANTA UVA
A propaganda parou...
Porque??????? Reparem... a propaganda quase não se vê mais na mídia... Por
que será???
Estamos repassando o e-mail abaixo para conhecimento e prevenção,
principalmente para aqueles que bebem este refrigerante: Fanta Uva.
Este e-mail está sendo repassado dentro do Hospital que trabalha uma pessoa
amiga.
Fato está confirmado: Vinte e três pessoas já passaram pelo Hospital das
Clínicas com um mesmo sintoma: falta de atividade renal e o aparecimento
de tumores no reto. Todos os internados relataram o começo das dores e a
conseqüente internação após ingerirem altas doses de Fanta Uva.
Pesquisas realizadas pelo renomado Instituto Fleury, apontaram grande
quantidade de Fenofinol, almeido e Voliteral, substâncias tóxicas e que
causam, respectivamente, a má atividade dos rins e câncer.
Segundo Dr.Paulo José Teixeira, formado pela USP e especialista em
Toxicologia, as pessoas não devem ingerir mais o citado refrigerante.
A Direção da Coca-Cola já assumiu sua culpa e prometeu indenizar os
pacientes e todos aqueles que venham a se contaminar com o refrigerante.
Lembre-se: Divulgar a todos de sua família, é a consciência de cada um que
deve decidir, mas a nossa deve estar tranqüila.
....Por favor não deixem de repassar esta mensagem para todos que vocês
conhecem....
A empresa é bastante conhecida do público em geral e seus produtos, consumidos
constantemente, o que chama a atenção do receptor da mensagem. Um primeiro “fato”
levanta a dúvida “A propaganda parou... Por que?”, que margem a interpretações
subjetivas. Fala-se de substâncias tóxicas, prejudiciais ao organismo, e instituições renomadas
são citadas para legitimar as informações divulgadas. Entretanto, além de a história sobre os
supostos malefícios ser a mesma utilizada com outros refrigerantes, as substâncias
mencionadas (fenofinol, almeido e voliteral) não existem. Também na época em que começou
a circular a mensagem, tanto o Hospital das Clínicas da USP desmentiu a existência de um
- 66
-
Dr.Paulo José Teixeira na instituição como o Instituto Fleury declarou não ter qualquer
relação com as supostas pesquisas.
em 2006, seguindo as ações de uma facção criminosa em São Paulo, um e-mail
passou a circular alertando para mais ataques na cidade:
ISSO É URGENTE!!
HOJE ÀS 18HS HAVERÁ UM ATAQUE DE VIOLENCIA NA
CIDADE.... POR FAVOR, ESTEJAM EM SUA CASA ÀS 18HS!!! AS 18
HS, VAI TER UMA AÇÃO DE VIOLÊNCIA NA CIDADE, A
DIRETORIA DE UMA GRANDE EMPRESA RECEBEU UMA CARTA
DA POLÍCIA ÀS 10H DE HOJE AVISANDO A RESPEITO DISSO....
TODOS OS FUNCIONÁRIOS VÃO SER DISPENSADOS A PARTIR
DAS 16HS QUE NÃO ERA PRA NINGUÉM FICAR NAS RUAS OS
ÓRGÃOS PUBLICOS TÃO REPASSANDO ESSA CARTA ÁS
EMPRESAS LIGADAS AO GOVERNO, COMO NO CASO DA
DIRETORA DA EMPRESA QUE RECEBI ESTA INFORMAÇÃO. POR
FAVOR, AVISE O MÁXIMO POSSÍVEL DE PESSOAS QUE VOCÊ
CONHECE!!! ATENÇÃO, ISSO NÃO É TROTE, É SERIO..... POR
FAVOR, AVISEM TODOS QUE VOCÊ CONHECE!!!
Observa-se aqui que todo o texto foi escrito em caixa alta, mais um elemento que o
tom de alerta. Como, de fato, ataques haviam ocorrido na capital paulista, a idéia de uma
nova ação de criminosos não parece irracional aos que recebem a mensagem. No entanto, a
empresa em questão não é identificada, bem como os "órgãos públicos" que estariam
repassando a informação. O ataque específico também nunca ocorreu.
Outro exemplo de mensagem surgida a partir de um evento verdadeiro e que se utiliza
de uma “teoria” para explicar o fato, diz respeito ao acidente com um Boeing da companhia
aérea brasileira Gol (vôo 1907), ocorrido em setembro do mesmo ano, em que 154 pessoas
morreram. A seguir, trechos do texto (Anexo C) que circulou por e-mail:
ESSA É UMA DENÚNCIA MUITO SÉRIA, DIGNA DE SER
ANALISADA COM MUITA CAUTELA E EQUILÍBRIO, E É
NECESSÁRIO QUE ACOMPANHEMOS OS FATOS.
PROFª ANDRÉIA TELES.
NÃO VIM AQUI EXPOR NENHUM TESE CONSPIRADORA A
RESPEITO DOS FATOS OCORRIDOS RECENTEMENTE, CUJA
RELEVÂNCIA SE ESTENDE NA MORTE DE 154 PESSOAS E DO
SOFRIMENTO DE SUAS FAMÍLIAS. NO ENTANTO, NÃO PODEMOS
DEIXAR DE REPARAR EM ALGUNS DETALHES ESPECÍFICOS QUE
DEVEM SER ANALISADOS PELAS AUTORIDADES COMPETENTES.
[...] UM CERTO GRUPO QUE ESTAVA NO AVIÃO, O FAMOSO
GRUPO DA PESCARIA, ERAM INDIVÍDUOS BASTANTE
CONHECIDOS DO MEIO MÉDICO-CIENTÍFICO, CONHECIDOS PELO
TRABALHO NA ÁREA DE ENGENHARIA GENÉTICA, A MESMO
DESENVOLVIMENTO DE ALTA TECNOLOGIA.
OUTROS MEMBROS QUE TAMBÉM ME CHAMARAM BASTANTE A
ATENÇÃO FORAM OS MEMBROS DO MINISTÉRIO DA DEFESA, E
- 67
-
OUTROS CIENTISTAS BRASILEIROS NA ÁREA DE
ANTROPOLOGIA, BIOLOGIA E GENÉTICA. OUTRO PASSAGEIRO
QUE CHAMOU BASTANTE A ATENÇÃO, FOI O NORTE
AMERICANO SEM HISTÓRIA QUE TAMBÉM ESTAVA NO AVIÃO.
[...] E DAÍ VEM A BOMBA. ALGUNS BOATOS, INFORMARAM
SOBRE CERTAS PESQUISAS REALIZADAS NA REGIÃO, ASSUNTO
DO GOVERNO, SEGREDO DE ESTADO.
[...] A SOLUÇÃO DO SÉCULO ESTAVA DENTRO DO AVIÃO QUE
CAIU EM FUNÇÃO DE UMA MANOBRA IRRESPONSÁVEL DE DOIS
PILOTOS AMERICANOS INCONSEQÜENTES? PARECE
ESCAPARAM DE MORRER DESTA FORMA? A SOMA DE
COINCIDÊNCIAS NESTE CASO ULTRAPASSA A BARREIRA DA
REALIDADE E DO BOM SENSO. FOI UMA GRANDE COINCIDÊNCIA
QUE NO AVIÃO ESTIVESSE UM FAMOSO REPÓRTER AMERICANO
PRA DIVULGAR A VERDADE COM O ACIDENTE.
[...] PORQUE O BOING DA GOL NÃO RESPONDEU O CHAMADO DO
RÁDIO?
QUEREM SABER MINHA OPINIÃO? PORQUE TODOS ESTAVAM
MORTOS, DEVIDO A BOMBA DE GÁS QUE ESTAVA A BORDO
COM O PASSAGEIRO AMERICANO DESCONHECIDO.
[...] O QUE ESPERO É QUE NOSSO GOVERNO ADMITA OS
FATOS QUE OCORRERAM, E PUNA COM SEVERIDADE OS
RESPONSÁVEIS PELO OCORRIDO.
FAÇA ESSE E-MAIL CIRCULAR... ATÉ QUE AS AUTORIDADES
PERCEBAM QUE O POVO BRASILEIRO NÃO É IDIOTA!!!
RECEBI ESTE E-MAIL E ESTOU REPASSANDO, POIS ACREDITO NA
HIPÓTESE LEVANTADA POR ESSA PROFESSORA. NÃO PODEMOS
DESCARTAR ESSA HIPÓTESE!
Neste caso, é importante salientar que todo o evento o acidente e seus
desdobramentos – teve grande repercussão na imprensa nacional e internacional e, entre
outros agravantes, até a data presente não teve um desfecho oficial, o que contribui para o
surgimento de versões não-oficiais.
Nos três exemplos apresentados, lida-se com o medo, a ansiedade, a incerteza. Existe a
possibilidade de tudo ser verdade e, apesar de ambíguas, as situações são consideradas
plausíveis, com relevância suficiente para serem passadas adiante. O indivíduo não precisa,
necessariamente, pensar que as mensagens podem ser verdade, porque elementos textuais
que buscam dar credibilidade às informações passadas. Assim sendo, o rumor continua seu
caminho.
Até alguns anos atrás, esses tipos de boatos virtuais circulavam basicamente por e-
mails. Hoje, eles se espalham pela Web de outras maneiras, se propagam e são discutidos em
grupo, o que lhes permite uma nova dinâmica de circulação.
- 68
-
2.7 Novos espaços de propagação e outras conseqüências
Entende-se que os rumores ajudam as pessoas a dar sentido a situações. E, de acordo
com DiFonzo e Bordia (2007), o rumor age desta maneira em dois níveis: individualmente e
coletivamente. Individualmente, sabe-se que diversos fatores, internos e externos, afetam o
receptor da mensagem e sua compreensão, como visto na seção 1.2. No segundo vel, os
autores explicam que as pessoas dão sentido ao mundo a partir de processos de interações
com outras, o que tem a ver com desenvolvimento de grupo. “Estas discussões sobre rumor
são conversações ricas nas quais uma variedade de relatos são proferidos, a maioria
relacionada à ou preocupada com a tarefa de se fazer sentido [tradução da autora]
131
(DiFONZO; BORDIA, 2007, p.121). Assim, conclui-se que esse processo coletivo de
construção de sentido se dá, principalmente, em espaços de sociabilidade, encontrando
condições favoráveis nos fóruns do Orkut, por exemplo.
Como ficou claro anteriormente, ambientes de produção coletiva na Internet são
espaços normalmente abertos para troca de informações e discussões de grupos, o que
possibilita também a aproximação de idéias e interesses em comum e a formação de redes
sociais. Nesses espaços, os boatos virtuais são propagados de modo que se tornam assunto de
debates, o que seria mais trabalhoso nos e-mails. Assim, eles podem ganhar força (ex: quando
“relatos verídicos” de internautas) ou ainda enfraquecer (ex: quando alguém prova que a
informação não é verdadeira). Entretanto, mesmo com tantas “evidências” para desmentir ou
confirmar o conteúdo da mensagem, sempre o indivíduo que continua a debater e levar
adiante o assunto, muitas vezes provocando o surgimento de novos rumores.
Esse fenômeno pode ser entendido nas palavras de DiFonzo e Bordia (2007, p.122),
que explicam que:
Em qualquer discussão, as pessoas se alternam na comunicação; uma pessoa
contribui com uma coleção de relatos, então outra fornece um conjunto
adicional de relatos. Discussões podem ser pensadas como contribuições em
série de conjuntos de relato; compreender o conteúdo e a função de tais
coleções de relatos permite um melhor entendimento da natureza da
discussão. A discussão de rumores não é diferente. [tradução da autora]
132
.
131
(…) these rumor discussions are rich conversations in which a variety of statements are uttered, most of
which are related to or concerned with the task of sense making.
132
In any discussion, people take turns communicating; one person contributes a set of statements, then another
provides na additional set of statements. Discussions can be thought of as serial contributions of statement sets;
understanding the content and function of such statement sets affords a better understanding of the nature of the
discussion. Rumor discussion are no different.
- 69
-
Um exemplo de debate nesses espaços virtuais de produção coletiva teve origem em
meados de 2005, quando um e-mail começou a circular com a história de que a personagem
Hello Kitty, criada nos anos 1970 pelo designer japonês Ikuko Shimizu para a empresa
Sanrio, seria resultado de um pacto com o demônio. A mensagem original trazia como título
"A verdade sobre a Hello Kitty":
leia a historia abaixo e descubra....
Havia uma menina de cerca de 14 anos q estava em fase terminal de cancer
de boca. Os medicos jah haviam tirado todas as esperanças da familia em
relação a cura da garotinha. A mãe da menina, desesperada, tomou uma
decisão insana. Fez um pacto com o Demônio: consagrou a menina ao
Demônio para q ele a curasse e como promessa, criaria uma marca q afetaria
todo o mundo ( no caso a Hello Kitty). Posteriormente o Demônio curou a
garotinha,e a mãe cumpriu o q havia prometido: criou a Hello Kitty.
A palavra Hello, em ingles quer dizer olá. A palavra Kitty, é de origem
chinesa e quer dizer Demônio.
***Logo, Hello Kitty quer dizer: Olá Demônio.***
Vcs pode perceber q a Hello Kitty naum tem boca, devido ao caso da
garotinha ter o cancêr de boca.
A mensagem passou a ser citada e discutida em comunidades do Orkut, ganhando
novas dimensões e sendo utilizada até mesmo com apelos religiosos. A comunidade Hello
Kitty
133
, que conta com mais de 400 mil membros, discute o assunto em mais de 200
tópicos
134
, entre os que acreditam e os que desmentem a história. Entretanto, mesmo nos
debates que procuram confirmar a não veracidade do boato, internautas usando como
justificativas outros boatos virtuais, como é possível observar no tópico hello kitty do mal
(Anexo B), transcrito a seguir:
*vick 11 Mar
a hello kitty é ruim vcs conhecem a historia dela ?
pesquise. naum e boa vc sabe pq ela n tem boca???
hum interessante neh vc n vai + querer ser fã dela qd descobrir
n estou mentindo pesquise e descubra vc mesmo xau
e boa sorte ...
Ciox 11 Mar
Nossa...acho que quem é mal aqui é vc! A verdadeira história da hello kitty é
que uma mulher teve uma filha que nasceu com cancer e problemas na fala,
precisando de dinheiro para pagar o tratamento da filha, resolveu fazer, se
não me engano adesivos e bonequinhas de pano para vender e a renda ser
revertida para o tratamento, criou uma gata, pois assim ela chamava a
filhinha dela(kitty) e hoje a hello kitty é o sucesso que é!Essa história e boa e
linda e não malvada!
133
http://www.orkut.com/CommMsgs.aspx?cmm=37369&tid=2520351936059860921&kw=dem%C3%B4nio –
Acesso em 05/06/2007
134
Dados atualizados em 24/06/2007
- 70
-
Amandinha 11 Mar
Naum gente...eu ouvi q foi um cara da inglaterra q era gay q criou a hello
kitty...sei naum...+ eu ja ouvi q hello kitty significa oi (em ingles)
demonio(em japones) sei lahhh...eh escolha d cada um para acreditar ou
naum nessas coisas.....
Mariana 11 Mar
BESTEIRA.
DIZEM QUE QUEM CRIOU A HK QUERIA ESPALHAR O DEMO
ENTRE AS CRIANÇAS, PARA SER IDOLATRADO, QUE ELE NÃO
PODIA FALAR COM AS CRIANÇAS, AI DIZEM QUE É POR ISSO
QUE A HK NÃO TEM BOCA E ESSAS BESTEIRAS...
ღღღ
ღღღღღღ
ღღღ Carol ღღღ
ღღღღღღ
ღღღ 11 Mar
aff, gent, q discussão mais besta viu?!?!?! A história da Hello Kitty que eu
conheço é mesmoa da mulher que criou pra filha... Sem contar, q não sei o
que significa Kitty em japonês, mas dou aula de inglês e o nome dela apenas
significa "OLÁ GATINHA"... Nada mais!!! Sem essa de demônio, ele não
deve ser tão a toa assim né?!?!?! Tem dó!!!
Polly
12 Mar
A verdadeira história da hello kitty...
Hello Kitty
Havia uma menina de cerca de 14 anos q estava em fase terminal de cancer
de boca. Os medicos jah haviam tirado todas as esperanças da familia em
relação a cura da garotinha. A mãe da menina, desesperada, tomou uma
decisão insana. Fez um pacto com o Demônio: consagrou a menina ao
Demônio para q ele a curasse e como promessa, criaria uma marca q afetaria
todo o mundo (no caso a Hello Kitty). Posteriormente o Demônio curou a
garotinha, e a mãe cumpriu o q havia prometido: criou a Hello Kitty.
A palavra Hello, em ingles quer dizer olá. A palavra Kitty, é de origem
chinesa e quer dizer Demônio.
***Logo, Hello Kitty quer dizer: Olá Demônio.***
Vcs pode perceber q a Hello Kitty naum tem boca, devido ao caso da
garotinha ter o cancêr de boca.
A Hello Kitty é um simbolo da Nova Era. A Nova Era é uma seita q vai
contra todos os princípios de Deus. Ela busca criar simbolos "bonitinhos"
para agradar a todos.
Nathalya 12 Mar
a verdadeira historia eh essa daí de cima!!
eh a mas pura verdade
gЬι villa
12 Mar
é a mas pura mintira isso sim
- 71
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♪♪Tami®iگ 12 Mar
nossa
q mentira pura eu li no própri site da hk q hello kitty em português significa
olá gatinha e num tem nada a ver com demo e além do + disse lá q hello kitty
significa em chinês olá demônio...Mentira pura hello kitty num é da china
e sim do japão e 2ª tem dois nomes em chinês pra olá demônio
Srtª Kyndra
19 Mar
historia real...acredite se quiser
Hello Kitty
Havia uma menina de cerca de 14 anos q estava em fase terminal de cancer
de boca. Os medicos jah haviam tirado todas as esperanças da familia em
relação a cura da garotinha. A mãe da menina, desesperada, tomou uma
decisão insana. Fez um pacto com o Demônio: consagrou a menina ao
Demônio para q ele a curasse e como promessa, criaria uma marca q afetaria
todo o mundo (no caso a Hello Kitty). Posteriormente o Demônio curou a
garotinha, e a mãe cumpriu o q havia prometido: criou a Hello Kitty.
A palavra Hello, em ingles quer dizer olá. A palavra Kitty, é de origem
chinesa e quer dizer Demônio.
***Logo, Hello Kitty quer dizer: Olá Demônio.***
Vcs pode perceber q a Hello Kitty naum tem boca, devido ao caso da
garotinha ter o cancêr de boca.
A Hello Kitty é um simbolo da Nova Era. A Nova Era é uma seita q vai
contra todos os princípios de Deus. Ela busca criar simbolos "bonitinhos"
para agradar a todos.
Assim como produtos da mídia em geral, os boatos virtuais também têm seu público
específico. No entanto, como ressalta Kapferer (1990), o termo “público” não pode fazer com
que seja esquecido o fato de que cada indivíduo tem um papel específico na circulação de um
rumor. “O público de um rumor consiste naqueles que se sentem preocupados com as
conseqüências daquele evento. De um rumor para outro, as conseqüências mudam, assim
como mudam seus públicos [tradução da autora]
135
(KAPFERER, 1990, p.88). Desse modo,
a discussão no exemplo da Hello Kitty ficou entre fãs da personagem, em dúvida sobre a
possível ligação de sua “gatinha favorita” com algum pacto demoníaco. Mas casos em que
o público pode ser mais amplo e diversificado, como, por exemplo, consumidores de leite.
Desde 2005, circula na Web um boato sobre a repasteurização do leite em caixa e a
indicação, na embalagem, do número de vezes que tal processo já teria ocorrido. A mensagem
original, que começou a ser disseminada por e-mail, diz:
135
A rumor’s public consists in those who feel concerned by this event’s consequences. From one rumor to
another, the consequences change, as do their publics.
- 72
-
Leite (importante)
Serviço de Utilidade Pública
Muita atenção quando forem comprar leite em caixinha!
Fiquei sabendo por fontes seguras que, por não serem vendidas até
determinado prazo, essas caixinhas voltam para a fábrica para que o leite
seja repasteurizado! Isso pode ocorrer por a5 vezes, o que acaba deixando
o leite com um sabor diferente, aumentando a possibilidade dele coalhar e
reduzindo significativamente sua qualidade, que o teor nutricional
diminui.
Ao voltarem para a venda ao consumidor final, o pequeno número que está
marcado na figura acima [figura 5] com o círculo vermelho é alterado. Esse
número varia de 1 a 5 e o ideal é comprar até o número 3, acima disso, a
qualidade do leite estará bem ruim.
Esse pequeno número fica localizado no fundo da caixinha, se você for
comprar uma caixa fechada, basta verificar apenas uma embalagem, todas as
outras terão a mesma numeração.
Por exemplo, se uma embalagem tiver o número 1, significa que é a primeira
vez que sai da fábrica e chega ao supermercado para a venda final, já se tiver
o número 4, significa que ele já foi repasteuridado 4 vezes e depois retornou
para o supermercado para a venda final e assim por diante...
Dêem mais atenção, principalmente, quando a oferta for muito boa,
geralmente, o supermercado coloca um valor menor para os produtos que já
passaram várias vezes por esse processo, os de número 4 e 5.
Essas informações são de uma pessoa que trabalhou na indústria
alimentícia e conhece todo esse processo, por isso, não deixem de fazer
sempre essa observação!
Saúde a todos!
As “fontes seguras” não são citadas e a mensagem não é assinada. Mas para
"comprovar" a veracidade da história, uma foto foi anexada ao texto, apontando a existência
do número mencionado.
FIGURA 13. Foto anexada à mensagem sobre o leite mostrando número em caixa.
Fonte: http://www.e-farsas.com/corrente_leite.htm
- 73
-
Mais uma vez, a discussão também foi parar no Orkut. Na comunidade EU ADORO
LEITE, as duas primeiras mensagens do tópico Sera que eh verdade
136
já mostram a dimensão
offline alcançada pelo boato virtual:
Van 11 Abr
http://momentodesonhar.sites.uol.com.br/paginas/utlilidadepublica/leiterepas
teurizado.html
Andou circulando este email pela internet...ontem meu pai achou muito
estranho o gosto do leite Long, este tinha no fundo da caixa o numero 4, hoje
comprei uma nova caixa, porem com o numero 1 no fundo da embalagem...e
o gosto estava muito melhor. Sera que esta estoria de repasteurização eh
verdade (int)
Renata... 11 Abr
Olha meu filho ,me disse que sim ,que o numero que vem na caixinha e a
quatidade de vezes que o leite foi repasteurizado.Foi falado em sala de aula
pela professora.
O caso do reprocessamento do leite gerou tanta polêmica que foi assunto de diversos
veículos de comunicação no fim de 2005 e início de 2006, levando o Ministério da
Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) a divulgar um comunicado
137
esclarecendo
que o procedimento descrito na mensagem é proibido e informando que a empresa
responsável pela produção da embalagem, a Tetra Pak, já havia se pronunciado em relação ao
caso. O texto do MAPA termina afirmando que: “Independentemente do significado dos
referidos códigos numéricos, o DIPOA [Departamento de Inspeção de Produtos de Origem
Animal] determinou às Superintendências Federais de Agricultura nos estados que avaliem as
condições operacionais das usinas de beneficiamento com o objetivo de identificar eventuais
desvios que possam ser correlacionados com o reprocessamento do leite UHT. A orientação
do DIPOA é no sentido de que eventuais desvios que possam vir a ser identificados sejam
imediatamente corrigidos.”. Por fim, a própria Tetra Pak acabou dedicando um tópico
específico em seu site
138
para esclarecer o boato (Fig. 14).
136
http://www.orkut.com/CommMsgs.aspx?cmm=158578&tid=2526099014589481069&kw=repasteuriza%C3%
A7%C3%A3o Acesso em 20/06/2007
137
Disponível em http://www.agricultura.gov.br/ - Notícia de 10/02/2006
138
http://www.tetrapak.com.br/tetraleite/index_tetraleite.asp - Acesso em 26/06/2007
- 74
-
FIGURA 14. Página da Tetra Pak na Internet desmentindo a história do número na caixa de leite
Fonte: http://www.tetrapak.com.br/
O caso mostra conseqüências sérias no mundo offline ocorridas a partir de um boato
virtual falso que é tratado como verdadeiro em ambientes de discussão na Web. Ainda assim,
em 2007, após grande propagação, uma nova versão da história circulava por e-mail, com
mais elementos para dar "credibilidade" ao fato:
Isso não é lenda, porque ocorreu comigo e com minha mãe, vejam só:
Eu e minha mãe fomos ao mercado perto de casa comprar uma caixa de leite
fechada com 12 unidades das que estavam em promoção, e para nossa
surpresa duas das caixinhas azedaram na hora de esquentar, e as outras
apresentavam odor e sabor estranho parecido com coalhada.
Comentamos com algumas vizinhas o acontecido, uma delas pediu para
olhar o número embaixo da caixinha e assim o fizemos, estava o 5, em
seguida fomos informadas por ela de um boato que as de 4 e 5, eram de
qualidade por serem repasteurizadas e desde então compramos
caixinhas com números 1, 2 e 3 e nunca mais tivemos este problema.
O que vocês acham disso será mera coincidência ?????
Desse modo, um rumor que poderia se pensar esclarecido, desmentido, ou ainda
considerado “morto” continua se propagando pela Internet, mesmo ganhando novas versões,
graças às facilidades oferecidas pela rede que garantem sua permanência no ciberespaço.
Tendo em vista o que foi exposto até aqui, o capítulo a seguir propõe a investigação da
dinâmica de um boato virtual em comunidades do Orkut, estabelecendo, a partir de uma
- 75
-
análise sobre um rumor específico, elementos utilizados por membros dos grupos para
compor esta dinâmica.
- 76
-
3 A DINÂMICA DE UM BOATO VIRTUAL
Conforme ressaltado na Introdução, o presente trabalho busca investigar rumores em
ambientes de produção coletiva na Web, identificando elementos constitutivos do processo.
Para tanto, este capítulo visa apresentar o objeto de estudo escolhido, expondo sua relevância,
bem como os procedimentos metodológicos adotados na pesquisa. Por fim, visa analisar e
discutir os resultados, revendo aspectos apresentados ao longo do trabalho e propondo a
esquematização dos elementos encontrados.
Tendo como objetivo geral a identificação dos elementos argumentativos da dinâmica
de um boato virtual em ambientes de conversação na Web, utilizando-se para o estudo
comunidades do Orkut, faz-se essa análise sobre um rumor envolvendo uma moto da marca
Honda. O boato traz a informação de que uma peça em formato de cruz invertida localizada
atrás do farol do modelo CG Titan 150 seria resultado de um pacto entre o engenheiro
projetista da moto e supostas entidades demoníacas. A proposta é analisar o boato virtual que
está sendo vivenciado pelas pessoas, não interessando à pesquisa sua criação ou a retórica
utilizada para isso.
A história da moto começou a circular por e-mail e passou a ser muito disseminada e
discutida em diversos ambientes na Web, com proprietários de moto confirmando a existência
da tal cruz e sua “inutilidade”. O cunho religioso fez com que a história fosse também
amplamente divulgada em sites evangélicos, acompanhada, inclusive, por relatos “verídicos”
de usuários do modelo. Concessionárias e oficinas mecânicas passaram a receber donos de
moto apavorados com a possibilidade de sofrerem acidentes e pedindo que o objeto “do
demônio” fosse retirado. O boato virtual e suas conseqüências ganharam espaço na mídia e a
Honda se viu obrigada a enviar um comunicado aos concessionários explicando a finalidade
da peça.
A escolha do rumor a ser analisado se deu após uma seleção de boatos virtuais que
circulavam na rede e pela dimensão alcançada por ele a partir da constatação de que se tratava
de uma informação falsa, o que ficará comprovado neste capítulo. Destaca-se ainda que esta
pesquisa contou com o auxílio voluntário do aluno do período de Publicidade de
Propaganda da UFRGS, Ricardo Boklis Golbspan.
- 77
-
3.1 A seleção do objeto
Para se chegar ao objeto, inicialmente realizou-se uma pesquisa, nos meses de maio e
junho de 2007, sobre boatos virtuais conhecidos ou que haviam sido recebidos por e-mail,
chegando-se a um total de 22 rumores. Depois da comprovação de que se tratavam de
informações falsas
139
e a partir da percepção de que os assuntos seriam interessantes para
serem usados no estudo (fosse pelo aspecto fantástico da história ou pela dimensão tomada),
os boatos foram pesquisados mais a fundo pela rede.
Primeiramente, fez-se uma busca pelo Google
140
, apenas para se ter uma noção dos
ambientes virtuais em que os boatos eram propagados como verdadeiros (blogs, fóruns de
discussão, sites de naturezas diversas, inclusive jornalísticos). Em seguida, realizou-se a
procura dentro dos ambientes encontrados. Desse modo, foi possível avaliar o alcance tomado
pelos rumores. A idéia era escolher um boato virtual que fosse interessante e atual, envolvesse
um grande número de pessoas e que tivesse atingido grandes proporções offline. Assim, seria
possível encontrar todos os aspectos abordados ao longo do estudo sobre rumores em geral
para se chegar à investigação de uma dinâmica e seus elementos.
A partir de uma primeira seleção, a pesquisa se fixou em torno de cinco boatos
virtuais, cujas dimensões alcançadas foram consideradas relevantes. Os quatro descartados
como estudo de caso foram utilizados ao longo do trabalho, exemplificando trechos do estudo.
Isso aconteceu com os rumores sobre o número na caixa de leite, a personagem Hello Kitty, o
refrigerante Fanta Uva e a ONG Amigos de Plutão. Como objeto para análise, optou-se,
então, pelo rumor da Honda, que será apresentado a seguir.
3.1.1 A cruz invertida
O boato virtual escolhido como objeto de pesquisa trata de uma peça que teria o
formato de uma cruz invertida na moto CG Titan 150 (Fig.15), da marca Honda. Para melhor
compreensão, segue na íntegra (sem correções) uma das versões da mensagem que começou a
circular na Web em 2006:
139
A partir de pesquisas em sites especializados e/ou de empresas citadas.
140
Como trata-se de uma pesquisa de propagação de boatos em ambientes virtuais, o Google foi considerado a
ferramenta de busca ideal e suficiente para a fase inicial do trabalho.
- 78
-
Desde menino sempre tive dons para desenvolver projetos mecatronicos,
resolvi estudar e me aprofundar no assunto, morava no Brasil e resolvi
estudar no Japão pois tinha dupla nacionalide.
Aos 30 anos me formei na universidade Goyake Kadani em Tókio. Aos 33
anos fui contratado como engenheiro da Honda Motors S/A do Japão para
auxiliar no desenvolvimento e projetos de novas motos, passei por vários
cargos, fui chefe de linha de produção por 5 anos, depois fui promovido para
o setor interno até chegar ao ínicio da minha triste história. Recebi uma
ordem dos meus superiores para desenvolver e fabricar uma nova
motocicleta, com 150 cilindradas para ser fornecida, principalmente, para o
Brasil e Argentina.
Com muito medo de ser um fracasso, assim como a AERO 150, lancei o
modelo. Infelizmente, não obtivemos, no ínicio, as vendas que esperávamos,
e as motos começaram a dar problemas e gerar processos para a Honda. Em
dezembro de 2004 tive um sonho, em que aparecia uma santa dizendo para
eu procurar um centro espírita, pois ela tinha uma mensagem importante para
me dizer. Sem acreditar muito nessas coisas (eu sempre fui budista) fui a um
centro, foi muito difícil encontrar, mas consegui.
Chegando lá, falei de todos os meus problemas e fui atendido em uma sexta-
feira à meia noite. Recebi uma proposta de dois exus, de mudança de vida,
aceitei mesmo sem acreditar muito nisso, fiz um pacto de sangue, onde são
cortados os dois dedos mínimos e oferecidos com sangue de animais
sagrados para os exus.
Também tive que tomar e fizeram em minha testa uma cruz de ponta cabeça
com o sangue.
Todo o ritual foi assistido por imagens e pessoas que faziam parte daquela
comunidade espírita. A partir daí, minha vida começou a mudar, minha
família, meu trabalho estava indo bem, antes da virada do ano, ainda em
2004, recebi uma visita dos exus, eles pediam algo em troca por tudo o que
haviam me dado, inclusive o sucesso e a fama da moto.
Me disseram que antes do início da fabricação das TITANS 2005 eu deveria
fazer uma peça, cujo desenho eles iriam me mostrar, e, se eu aceitasse, as
motos iriam vender cada vez mais. Com muita ganância eu aceitei, sem ver o
desenho da peça, pois eu já confiava neles. Foi então que me mostraram uma
cruz no calvário e pediram para que eu fizesse esta peça, o mais parecido
com a imagem que eu havia visto, e que eu a colocasse de ponta cabeça em
algum lugar da moto, escondido, mas tinha que ser uma peça que não tivesse
serventia para nada.
Como as vendas estavam indo muito bem, eu não queria parar, pois tinha um
contrato com o Brasil de 10 milhões de unidades e a Honda não podia falhar.
Fiz a peça e obtive os resultados esperados, até mais, os diretores e
encarregados de marketing tiveram os seus ordenados aumentados e tudo
corria bem, quando em 2006, no mês de março, recebi mais uma visita dos
exus pedindo mais sacrifícios. Ao ver o que eles queriam, percebi que desta
vez era impossível, pois pediam que eu sacrificasse meu próprio filho em um
ritual macabro, e, claro, eu não aceitei pois eu o amava muito.
então começou toda a desgraça! Me separei da minha esposa, meu filho
foi assassinado em um assalto e os meus pais afundaram em um barco na
praia.
Fiquei sozinho, percebi então que era somente o começo.
Ao ficar doente, procurei um hospital e percebi que estava com inúmeras
doenças, entre elas o câncer. Hoje estou em uma cama, não movimento meus
membros da cintura para baixo, e estou tentando fazer este apelo, pedindo
para todos os donos das motos tirarem as cruzes e as destruírem!
Não sei se vou conseguir, mas segundo uma evangélica que me visitou, disse
que se todas as cruzes forem destruídas eu ainda posso sobreviver. Conto
com todos os proprietários das motos. Sei que é difícil, mas ajudem a
divulgar isso pelo mundo.
- 79
-
FIGURA 15. Peça do farol da moto CG Titan 150 da Honda
Fonte: http://www.motonline.com.br/default.asp?cod=7121&categoria=2&show=1
Em alguns tópicos de comunidades do Orkut, o texto ainda ganhou o final
impulsionador a seguir:
POSTEM COMENTARIOS SE POSSIVEL, PORÉM NÃO SEI ATÉ
QUANDO VOU ACESSAR ESTE ORKUT POIS ESTOU A BEIRA DA
MORTE!!! CONTO COM OS BRASILEIROS PRINCIPALMENTE!!!!!!
Como a intenção é se analisar um boato virtual comprovadamente falso que segue
sendo tomado e debatido como verdadeiro, deixa-se claro que o caso apresentado trata-se de
uma mensagem falsa. Além de sites de toda natureza apresentarem uma série de evidências
para mostrar que a história do engenheiro não é verdadeira (entre eles, o E-farsas.com
141
e o
Quatro Cantos
142
), a comprovação também veio pela própria Honda. Apesar de a empresa
nunca ter se pronunciado oficialmente, enviou o seguinte comunicado
143
aos concessionários:
Prezado Concessionário. Em função dos questionamentos recebidos da rede
de concessionária a respeito dos boatos divulgados recentemente sobre a
peça em referência, faz-se necessário esclarecer o que segue: A peça
denominada Clamp H 25, é um componente plástico que tem como função
PROTEGER E POSICIONAR OS CABOS DENTRO DO FAROL de forma
a limitar sua movimentação, REDUZINDO ASSIM DANOS OU
DESGASTES CAUSADOS PELA VIBRAÇÃO DECORRENTES DA
UTILIZAÇÃO DA MOTOCICLETA.
Informamos, ainda, que a remoção deste componente pode sujeitar a fiação a
esforços desnecessários, diminuindo sua vida útil e ocasionando falhas
elétricas que NÃO SERÃO AMPARADAS PELA GARANTIA DO
PRODUTO. Toda e qualquer informação divulgada a respeito deste
141
Disponível em: http://www.e-farsas.com/corrente_titan.htm - Acesso em 24/08/2007
142
Disponível em: http://www.quatrocantos.com/lendas/284_cruz_honda_titan_150.htm - Acesso em
24/08/2007
143
É possível encontrar o comunicado em diversos sites na rede. Este trabalho utilizou o texto publicado em:
http://www.rondoniaovivo.com/exibenot0.php?id=17736 - Acesso em 24/08/2007
- 80
-
componente, diferente das acima mencionadas, deve ser considerada
imprudente.
Mas para seguir sendo propagada como verdadeira, a falsa informação precisou seguir
alguns padrões, adotando características próprias desse tipo de mensagem, como foi visto ao
longo deste trabalho.
3.1.2 Características da mensagem da Honda
Mesmo após a comprovação de que a informação é falsa, o boato sobre a cruz
invertida continuou a circular como verdadeiro. Isso acontece devido aos diversos fatores
sociais que contribuem para que sua disseminação persista. Recordando as variáveis,
motivações e condições de um rumor apresentadas na seção 1.2, observa-se no caso analisado
que a obscuridade do conteúdo da mensagem (ambigüidade), que não deixa claro o que pode
acontecer mas desperta a idéia de algo ruim, bem como a incerteza sobre sua origem ou
veracidade, e a relevância do assunto em determinado meio social (importância), no caso, fãs,
proprietários e usuários de moto, somadas a fatores motivadores - o contexto de perigo ou
potencial ameaça resultante de uma peça envolvendo algo maligno, o medo de sofrer alguma
conseqüência, a ansiedade por não saber o que acontece com quem não retirar a peça - e ao
crescente número de novos internautas na rede, possibilitaram a continuidade da divulgação
do rumor na Web.
Uma vez que a linguagem é usada de forma a embasar a história, alguns termos
empregados na mensagem buscam legitimar a falsa informação que está sendo passada. E
apesar de não se fazer uma análise específica, visto que não é esse o foco da pesquisa,
destaca-se aqui que os elementos de legitimação presentes na mensagem misturam aspectos
religiosos (santa, exus, centro espírita, budismo, pacto de sangue, ritual, cruz no calvário,
evangélica) e técnicos (projetos mecatrônicos, engenheiro, linha de produção, 150
cilindradas), além de contextualizar os acontecimentos (Japão, dezembro de 2004, março de
2006). Também como recurso para dar mais credibilidade ao texto, a fim de persuadir o
receptor, nomes de instituições são utilizados, apesar de serem fictícias: a Universidade
Goyake Kadani não existe em Tóquio e a empresa Honda não é uma Sociedade Anônima
(S/A) e sim Limitada (Ltda.).
- 81
-
Tendo como base o quadro de Kapferer (Fig.3), e utilizando a classificação elaborada
pelo autor, pode-se dizer que o boato da Honda tem origem num detalhe (a peça em forma de
“cruz”) e, em vista do modo como o texto foi escrito e de seu conteúdo absurdo, seu processo
de nascimento foi provocado. Relembrando ainda as categorias apresentadas na seção 2.3, os
boatos virtuais estão inseridos no tipo evasivo de falsa informação, aquele em que o conteúdo
contém erro ou desinformação que leva o receptor a entender algo que não corresponde à
realidade, podendo ou não ter o intuito de prejudicar. Sob esses aspectos, visto que não
como saber, efetivamente, a intenção de quem criou o rumor nem importa ao trabalho, ficam
aqui suposições desenvolvidas a partir de observação por parte da pesquisadora com base nos
estudos apresentados. Mas o que fica evidente é que, fosse para atingir a empresa em questão,
para divertir amigos ou simplesmente para provocar discussões, o criador do texto original o
fez propositalmente.
3.1.3 Repercussão na mídia e conseqüências offline
Vale ressaltar que o caso da cruz na moto é exemplo de um boato virtual como falsa
informação cujas conseqüências podem ser prejudiciais. Portanto, é importante compreender a
dimensão alcançada pelo rumor, analisando sua repercussão na mídia em geral e os resultados
de sua propagação no mundo offline. O assunto ganhou destaque na imprensa, o que fez com
que a própria mídia se incumbisse de apresentar os fatos relevantes ao entendimento das
conseqüências resultantes da disseminação do boato em questão, como mostram os trechos de
matérias retiradas de alguns sites de notícias
144
:
a) O Estado de São Paulo
145
, em 9 de junho de 2006, sob o título “Boato envolvendo
pacto do ‘além’ assombra Honda” (Fig.16):
Uma peça plástica cujo formato lembra uma cruz invertida assusta
supersticiosos donos das motocicletas Honda CG 150 Titan. (...) Muitos
proprietários estão retirando a peça, o que pode causar dano à moto.
‘Em 35 anos de Brasil nunca vimos um absurdo tão grande’, diz um porta-
voz da Honda. A empresa, porém, não descarta a possibilidade de alterar o
desenho da peça para evitar problemas.
144
Uma pesquisa pelos termos “boato”, “moto” e “Honda” no Google trouxe mais de 900 resultados. Entre as
matérias encontradas, foram escolhidas apenas algumas de sites jornalísticos – representativos para demonstrar o
alcance do boato - ou especializados no assunto.
145
Disponível em: http://txt.estado.com.br/editorias/2006/06/09/eco-1.93.4.20060609.12.1.xml
- 82
-
(...) Em São Paulo, até o dono de uma grande loja de motos na região central
retirou a peça, mas pede para não ser identificado.
(...) Em Cataguases (MG), cidade com 70 mil habitantes a 300 quilômetros
de Belo Horizonte, a cruz amaldiçoada, junto com a Copa, é tema favorito
em bares e rodas de amigos. O dono da única revenda Honda local, a Moto
Bela, Luiz Cláudio Boechat, dedica parte de seu tempo a dar explicações a
clientes e pessoas que o param na rua.
‘Vários donos de motos vão à loja e pedem para tirar a peça. Recomendo que
não tirem, mas, se insistem, fazemos o serviço por R$ 5 e avisamos da perda
de garantia de serviços na parte elétrica’, diz Boechat.
Muitos motociclistas fazem o serviço por conta própria. ‘A maldição para
mim acabou’, informa o comerciante Sebastião Lúcio de Moraes. Dono de
um açougue, adquiriu a CG 150 no ano passado e conta que, recentemente,
escapou de dois acidentes. (...)
A Honda recebe inúmeros e-mails de clientes, alguns com críticas pelo fato
de a empresa ter recorrido a pactos demoníacos. (...)
Por considerar o boato ‘absurdo e descabido’, a Honda limitou-se a divulgar
nota informando que a peça, chamada de Clamp H 25 tem a função de
proteger e posicionar adequadamente a fiação principal localizada na parte
interna do sistema de iluminação do farol, a fim de evitar rompimento dos
fios ou mau contato. (...)
FIGURA 16. Página do jornal O Estado de S.Paulo com matéria sobre o boato da Honda.
Fonte: http://txt.estado.com.br/editorias/2006/06/09/eco-1.93.4.20060609.12.1.xml
- 83
-
b) Jornal Diário Online
146
(Marília/SP), em 4 de junho de 2006, sob o título ‘Cruz’
em moto gera onda de boatos”:
(...)A lenda explicada pela empresa, sites e publicações especializadas
provocou pelo menos quatro telefonemas ao Diário com pedido de
informações.
A Honda nega que a peça simbolize uma cruz invertida, porém muitos
motociclistas já trataram de retirar o material da moto, o que não é
aconselhado pela marca. Em nota a Honda explicou a função da peça. (...)
Ainda assim, muita gente ainda tira a peça. (...)
c) Gazeta do Sul
147
(Santa Cruz do Sul/RS), em 6 de julho de 2006, sob o título
“Boato da cruz leva usuários às oficinas”:
(...) Proprietários das motos ‘amaldiçoadas que acreditaram ou ficaram
intimidados com a história procuraram as oficinas da marca para obter
informações ou, até mesmo, solicitar a retirada da cruz.
GARANTIA Em Santa Cruz não foi diferente. Gustavo Landesvatter, da
Landsvatter, disse que ainda há usuários que procuram a loja para saber se a
história é verdadeira. (...)
Márcio Bacaro, gerente da Valecross, lembra que no começo de junho
recebeu vários clientes com dúvidas sobre o boato. (...) De acordo com ele,
desde o início a empresa deixava bem claro que não fazia a retirada do
componente. (...).
d) Gazeta de Ribeirão/SP
148
, em 4 de junho de 2006, sob o título “Boato faz dono
retirar peça de moto”:
(...) Assustados, os proprietários da moto, têm procurado as revendas e
empresas de assistência técnica para a retirada da peça.
De acordo com a gerente da revenda Motoasa, Deise Freitas, somente na
última sexta-feira foram cerca de 200 ligações de clientes. também e-
mails. ‘Os mecânicos já estão cansados de tanto dar explicações sobre isso’,
disse Freitas.
(...) O proprietário de auto-escola Sebastião Tozetti, que tem duas motos do
modelo, fez questão de abrir a lanterna e retirar a cruz, assim que soube da
história 15 dias. ‘Eu sou católico e sempre caminho com Deus, que o
bem ninguém faz. O mal sempre tem alguém querendo fazer’, disse Tozetti,
que usou água benta para lavar cada cruz antes de se desfazer delas.
e) Jornal da Cidade.net
149
(Aracaju/SE), em 18 de junho de 2006, sob o título “Boato
de terror envolve a CG 150”:
146
Disponível em: http://www.diariodemarilia.com.br/ver_noticia.php?noticia=39748 – Acesso em 17/10/2006
147
Disponível em:
http://gazeta.via.com.br/default.php?arquivo=_noticia.php&intIdConteudo=57125&intIdEdicao=894
148
Disponível em:
http://www.gazetaderibeirao.com.br/conteudo/mostra_noticia.asp?noticia=1439840&area=92020&authent=6E56
B88E667300D7EFB315F6CAB9DC – Acesso em 17/10/2006
- 84
-
(...)A atitude de alguns proprietários de motos Honda assusta e preocupa o
gerente de vendas da Aribé Motos, em Aracaju, Ricardo Andrade. Segundo
ele, tudo não passa de folclore, um boato maldoso e perigoso. O executivo da
concessionária Honda em Sergipe alerta para o risco de mexer no
equipamento. ‘Não mexam na peça, é perigoso e pode afetar o
funcionamento da moto. E no caso da motocicleta ser nova, quem mexer vai
perder a garantia’, explica.
Ricardo afirma que a Honda é uma multinacional conceituada e que seus
engenheiros jamais adotariam uma postura irresponsável.(...)
f) Rondoniaaovivo.com
150
(Porto Velho/RO), em 5 de junho de 2006, sob o título
“Boato leva motociclistas a tirar peça ‘diabólica’ de motos Honda”
(...) O boato tomou conta da Internet e se espalhou por blogs, comunidades
de sites de relacionamento e lotou as caixas postais de revistas e sites
relacionados a motocicletas.
É preciso ter um pouco de imaginação para ver o suporte, chamado de
clipper, como sendo uma cruz. Principalmente invertida. Mas para quem
conseguir ver o tal mbolo associado ao tinhoso, acreditar na história não é
tão improvável. Um dos modelos mais comercializados da Honda, a CG
Titan sempre foi um sucesso de vendas por ser barata, econômica e potente.
Mas para os motociclistas que acreditam na história, esses não são os
motivos do êxito da moto. Para eles, há acordo com Lúcifer.
(...) Proprietários e usuários da moto narram uma história de que a presença
da peça pode atrair azar, porque supostamente desrespeita o símbolo
religioso representado pela cruz. (...)
g) Correio da Tarde
151
(Natal/RN), sob o título “A Honda e o pacto com o diabo”:
(...) Logo após ler o texto ou dele tomar conhecimento, muitos proprietários
do modelo "amaldiçoado" estão se dirigindo às oficinas mecânicas da cidade
e pagando R$ 5,00 para retirar a peça em forma de cruz localizada na parte
interna do farol.(...)
h) Terra
152
, em 9 de junho de 2006, sob o título ‘Anticristo’ pode fazer Honda
alterar moto”:
(...) Por causa do boato, muitos proprietários estão atendendo ao "pedido".
Irritada com os boatos, que deram origem a inúmeros e-mails de clientes, a
Honda divulgou nota sobre o assunto, informando que a peça - chamada de
Clamp H25 - protege e posiciona adequadamente a fiação da parte interna do
sistema de iluminação do farol.(...)
i) Motonline
153
(site especializado em moto), em 2 de junho de 2006:
149
Disponível em:
http://www.jornaldacidade.net/noticia.php?id=44110&PHPSESSID=168e8a541d5ccf1d635ec2b26a80f144
150
Disponível em: http://www.rondoniaovivo.com/exibenot0.php?id=16911 – Acesso em 17/10/2006
151
Disponível em: http://www.correiodatarde.com.br/colunistas/erasmo_carlos-2905 – Acesso em 17/10/2006
152
Disponível em: http://br.invertia.com/noticias/noticia.aspx?idNoticia=200606091148_INV_29504484
- 85
-
Nos últimos dias recebi centenas de cartas com o mesmo teor. O mais
impressionante é constatar que a cega supera qualquer vestígio de
sensatez.
(...) Já recebi cartas de várias partes do Brasil com notícias em jornais que
me deixaram mais estarrecido. Em algumas cidades mecânicos obviamente
com fé de menos e tino comercial demais – estão cobrando R$ 10 para retirar
a peça. Em outras fila de motociclistas que levam suas motos para serem
benzidas ou ungidas por padres, pastores, rabinos, ou qualquer outro
representante religioso.
(...) A Honda se recusa a fazer algum pronunciamento oficial, mas alguns
concessionários tiveram o trabalho de distribuir comunicados a seus clientes
informando que a referida peça tem como finalidade evitar o atrito entre os
fios do chicote elétrico e que a retirada além de comprometer o sistema,
ainda quebra o contrato de garantia. (...)
Observa-se nas informações dadas nas matérias que diversos proprietários da moto do
modelo em questão, em todo o país, procuraram concessionárias, lojas especializadas ou
fizeram por conta própria a retirada da peça em forma de “cruz”, mesmo perdendo a garantia
do produto. A própria empresa fabricante do veículo foi criticada por sua “irresponsabilidade”
e precisou agir contra as informações falsas divulgadas no mundo virtual.
Esclarecido o objeto, sua relevância e as conseqüências de sua propagação, seguem os
procedimentos metodológicos adotados para a realização da análise.
3.2 Aspectos metodológicos
Como foi mencionado, a escolha do rumor a ser analisado se deu, entre outros
aspectos, pela dimensão alcançada por ele a partir da constatação, por parte dos
pesquisadores, de que se tratava de uma informação falsa. Ressalta-se, portanto, que este
trabalho reconhece que o rumor escolhido foi propagado em diversos ambientes diferentes
tanto online, desde e-mails, blogs e sites de naturezas diversas, quanto offline, como ficou
claro na seção anterior – mas que não havia condições ou interesse de se acompanhar todos os
meios alcançados, pois o foco era o debate no Orkut.
O ambiente escolhido para a realização do estudo, o Orkut
154
, é um site de
relacionamentos que, de acordo com o Alexa.com
155
, tem 65,7%
156
de seus usuários formados
153
Disponível em: http://www.motonline.com.br/default.asp?cod=7262&categoria=2&show=1 – Acesso em
17/10/2006
154
Disponível em http://www.orkut.com – Acesso em 30/05/2007
- 86
-
por brasileiros. No Orkut, podem ser abertas comunidades de assuntos diversos, reunindo
membros que tenham interesses comuns e, como mencionado, proporcionando o
surgimento das redes sociais, onde alguns laços podem parecer mais fortes. Em cada
comunidade, há um fórum, onde membros participantes podem conversar, debater, trocar
informações, abrindo tópicos de discussão.
Seguindo uma observação sistemática, a procura por discussões em comunidades do
Orkut sobre o rumor estabelecido foi feita através do mecanismo de busca do próprio
programa. Abrindo-se o fórum de cada comunidade escolhida, é possível escolher um tópico
para ser observado digitando a palavra-chave em “pesquisar este fórum”. Enfim, através de
análise do conteúdo, pretendeu-se investigar como os indivíduos discutiam sobre o assunto
nos ambientes selecionados, bem como estabelecer categorias para diferenciar as informações
utilizadas nos comentários dos participantes das comunidades.
3.2.1 Corpus
Bauer e Aarts (2005) defendem a construção de um corpus como um princípio
alternativo de coleta de dados. Segundo os autores, a construção de um corpus atesta a
eficiência na seleção de algum material para caracterizar o todo, compreendido com uma
coleção de textos demarcado ou qualquer material com funções simbólicas. Um corpus é fruto
de uma seleção qualitativa e sua principal característica é a arbitrariedade, o que pode
significar justamente não se “conseguir um corpus totalmente representativo” (BAUER;
AARTS, 2005, p.60). Levando esse aspecto em consideração, cita-se Bardin (1977, p. 96),
que define o corpus como “o conjunto dos documentos tidos em conta para serem submetidos
aos procedimentos analíticos. A sua constituição implica, muitas vezes, escolhas, selecções e
regras”.
Partindo desses pressupostos, a definição do corpus foi feita a partir de uma coleta de
dados inicial, ocorrida entre os dias 15 e 30 de julho de 2007. Apesar do caráter arbitrário,
salientado por Bauer e Aarts, essa seleção inicial levou em conta aspectos relevantes ao
processo de um rumor como um todo e, para se chegar a um corpus o mais representativo
155
O ranking dos sites mais acessados do Alexa (http://www.alexa.com/) combina dois dados: o total de usuários
únicos que o site alcança por dia e o número de "page views" (cada vez que alguém acessa a página; um usuário
pode acessar um site várias vezes ao dia).
156
Dados atualizados em 15/02/2008
- 87
-
possível, foi realizada seguindo algumas premissas. Assim, a busca por comunidades que
estivessem debatendo o boato escolhido foi feita levando-se em consideração o público mais
envolvido no assunto moto. Realizou-se a procura no Orkut inicialmente com as palavras
“moto” e “Honda”, dada a relevância do assunto para os donos ou amantes de motos. Ambas
as pesquisas resultaram em mais de 1000 comunidades encontradas. Foram selecionadas,
então, comunidades que tinham no nome verbos como “ter”, “gostar” e “amar” ligados ao
veículo e mesmo comunidades dedicadas a pessoas que já caíram de moto. Realizou-se ainda
uma busca pelo modelo da moto em questão, CG 150, que resultou em comunidades
específicas sobre o boato escolhido.
FIGURA 17. Página do Orkut com resultados de pesquisa pela palavra “cruz” em fórum de uma
comunidade. Fonte: http://www.orkut.com/CommTopics.aspx?cmm=1109224&q=cruz
Dessa primeira seleção, fez-se uma pesquisa, entre os dias 15 e 25 de agosto de 2007,
dentro de cada comunidade, na ferramenta “pesquisar este fórum”. A busca foi feita pela
palavra-chave do boato: “cruz” (Fig.17). Desse modo, viu-se quantos tópicos e mensagens
sobre o assunto existiam em cada comunidade. As comunidades que não apresentaram
resultado satisfatório na busca (como, por exemplo, as que apresentavam a palavra “cruz
relacionada a outro assunto ou simplesmente não a apresentavam) foram descartadas. Dessa
nova seleção, foram eliminadas as comunidades que apresentavam apenas uma mensagem
- 88
-
(não apenas um tópico) sobre o assunto, visto que, desse modo, não constituíam um debate ou
discussão para ser analisado.
Por fim, optou-se pela análise das mensagens em tópicos das seguintes comunidades:
a) “Eu amo minha moto!!!” - http://www.orkut.com/Community.aspx?cmm=1179008
b) “EU JÁ CAÍ DE MOTO!!!!!!!!!” - http://www.orkut.com/Community.aspx?cmm=3353048
c) “Eu ja cai de moto” - http://www.orkut.com/Community.aspx?cmm=2316514
d) “Eu ja cai de moto” - http://www.orkut.com/Community.aspx?cmm=1109224
e) “HONDA CG 150 SPORT A MÁQUINA” -
http://www.orkut.com/Community.aspx?cmm=24801115
f) “O boato da titan 150 é falso” - http://www.orkut.com/Community.aspx?cmm=17622634
g) “Eu tenho uma Honda CG 150” - http://www.orkut.com/Community.aspx?cmm=5146157
h) “O mistério da honda cg 150 †” - http://www.orkut.com/Community.aspx?cmm=14169229
i) “Cruz na honda 150... pacto...” - http://www.orkut.com/Community.aspx?cmm=14783178
j) “EU AMO MOTO” - http://www.orkut.com/Community.aspx?cmm=710242
3.2.2 Métodos e técnicas
Através da revisão bibliográfica pretendeu-se assimilar e esclarecer a dinâmica do
fenômeno estudado (rumor) tanto quanto o ambiente em que este foi analisado (Internet).
Segundo Oliveira (2005, p.37), “a construção do conhecimento é um diálogo que se
estabelece com os autores escolhidos, visando dar sustentação teórica ao tema em estudo”.
Posto isso, para que este trabalho fosse bem fundamentado, a fim de dar coerência ao estudo
proposto, foi essencial a leitura de textos que abordam assuntos como rumores (com visão
comunicacional, psicológica e sociológica), Internet, Web 2.0, Sociedade da Informação e
ciberespaço. Sendo um tema bastante atual, o levantamento bibliográfico compreendeu
também teses, dissertações e artigos recentes. A intenção era que a pesquisa bibliográfica
percorresse todas as etapas do trabalho. De acordo com Stumpf (2005, p. 54), decidido e
implementado o projeto da pesquisa, a revisão de literatura permanece durante a análise dos
dados coletados, pois é nesta fase que o exame dos textos poderá auxiliar a interpretar e a
explicar os fenômenos observados”.
Como ressalta Bauer (2005, p.189) “os textos, do mesmo modo que as falas, referem-
se aos pensamentos, sentimentos, memórias, planos e discussões das pessoas, e algumas vezes
nos dizem mais do que seus autores imaginam”. Nesse sentido, optou-se pela análise de
- 89
-
conteúdo como método principal, que se aplica adequadamente a este estudo específico de
rumores e boatos virtuais por permitir uma visão interpretativa dos textos trabalhados,
auxiliando na compreensão do fenômeno estudado dentro do contexto social atual. Fonseca
Júnior (2005) observa que a análise de mensagens do que ele chama de nova mídia (Internet,
CD-ROM, livros eletrônicos, TV segmentada) é um desafio a ser superado, já que altera
características centrais da comunicação de massa tradicional: a unidirecionalidade e a
massificação (LIMA, 2001 apud FONSECA JÚNIOR, 2005, p.287). De qualquer modo,
aplica-se a análise de conteúdo entendida como:
Um conjunto de técnicas de análise das comunicações visando obter, por
procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das
mensagens, indicadores (quantitativos ou não) que permitam a inferência de
conhecimentos relativos às condições de produção/ recepção (variáveis
inferidas) destas mensagens (BARDIN, 1977, p.42).
Partindo desta definição de Bardin, esperava-se que os resultados da investigação em
comunidades virtuais, através da análise do conteúdo dos comentários de participantes do
grupo, permitissem constatar qualitativamente elementos argumentativos, gerando categorias,
e etapas do processo de circulação de rumores nesses ambientes, o que se revelou possível.
3.3 Processo de análise
A análise dos dados colhidos foi realizada no período de 20 de dezembro de 2007 a 30
de janeiro de 2008. No total, foram analisadas 262 mensagens de membros participantes das
10 comunidades do Orkut selecionadas (Anexo H). O trabalho não teve a intenção de verificar
a credibilidade dos comentários analisados. Também não foram levados em consideração os
aspectos relacionais entre os membros das comunidades, visto que o foco da análise era o
rumor em si, não ao que se refere à sociabilidade. Por fim, não se procurou analisar a origem
do boato virtual no Orkut, pois, como foi explicado anteriormente, é irrelevante para o
processo.
Numa primeira etapa de observação, ficou evidente que, apesar de haver um
predomínio de comentários dando força ao boato virtual, também o antídoto” passou a
circular pelos mesmos ambientes, enfraquecendo o rumor em determinadas discussões.
Assim, verificou-se a existência de dois tipos de mensagens, direcionando o texto para o
fortalecimento ou para o enfraquecimento do boato virtual, como será visto adiante. Este
aspecto foi considerado o ponto essencial para a classificação dos elementos da dinâmica de
- 90
-
um rumor nesse ambiente virtual de conversação e para a posterior análise dos resultados. A
partir dessa reflexão, para cada mensagem colocada em fórum, foram indicadas características
determinando sua tendência de dar continuidade ou não à discussão sobre o boato em questão,
apresentando mecanismos que serão descritos a seguir.
3.3.1 Os elementos presentes no debate
Conforme exposto, devido à potencialização e à velocidade de propagação permitidas
pela Internet, o processo de averiguar ou desmentir uma falsa informação na rede tornou-se
mais trabalhoso. Também a procura pela confirmação da autenticidade do conteúdo de uma
mensagem recebida é praticamente nula antes de um repasse em ambientes virtuais. Somado a
isso, DiFonzo e Bordia (2007, p.130) afirmam que o procedimento de dar sentido
coletivamente a um rumor na Internet “parece seguir um processo multifases de trazer o
rumor à atenção do grupo, partilhar informações, avaliar explicações e então resolver
problemas
157
”. Partindo desses pressupostos, observou-se que o que ocorre no caso da moto
da Honda nos fóruns de comunidades do Orkut é que cada participante, buscando apurar
informações que circulam ou simplesmente fazer sua parte no repasse do que julga
importante, adota um papel durante as discussões sobre o boato virtual, defendendo seu ponto
de vista com argumentos próprios e munido, muitas vezes, de outras informações igualmente
falsas. É nos comentários que o indivíduo expressa sua ansiedade, seus medos, crenças e
incertezas, variáveis relacionadas à transmissão do rumor.
Pela análise de conteúdo dessas mensagens, realizada manualmente, foi possível
verificar a existência de elementos que constituem a dinâmica de um boato virtual num fórum
de discussão de uma comunidade no Orkut. São padrões interativos no processo de discussão
sobre o boato em questão, bem como padrões argumentativos, em que se observa o tom
utilizado pelo internauta. Desse modo, estes elementos, cujas definições serão explicitadas a
seguir, foram chamados de: 1.Dispositivos textuais e 2.Disposição textual.
Dispositivos textuais são recursos dos quais os membros da comunidade se utilizam
para alimentar (fortalecedor) ou desacreditar (enfraquecedor) um boato virtual, mecanismo
pelo qual os participantes se manifestam ou se expressam sobre o assunto. De fato, são os
157
(…) seems to proceed in a multistage process of bringing the rumor to the attention of the group, sharing
information, evaluating explanations and then resolving problems.
- 91
-
elementos fundamentais para definir a evolução da dinâmica dos rumores nesses ambientes da
rede. A partir do momento em que o indivíduo participa da discussão usando palavras e/ou
expressões que dão força à falsa informação que está sendo discutida como verdadeira, ele
está reforçando o rumor, sustentando uma credibilidade. Ele pode fazer isso confirmando,
ironizando, complementando ou discutindo o boato, duvidando/desconfiando dele ou ainda
citando elementos para “legitimar” a informação. Também utilizando palavras e/ou
expressões, o sujeito participante pode tirar a credibilidade de uma informação ao negar ou
ironizar o boato virtual, apresentar evidências provando a não veracidade de seu conteúdo ou
ainda interromper a discussão, enfraquecendo seu processo.
Com a pesquisa sendo feita manualmente, os dados foram se mostrando ao longo da
análise. Fazendo-se as anotações sobre as tendências das mensagens colocadas nos fóruns,
foram observadas diferenças nas manifestações e intenções
158
dos comentários dos
participantes, do modo como se expressaram, tanto entre os que se utilizaram de dispositivos
fortalecedores quanto entre os que usaram dispositivos enfraquecedores. Sendo assim, para
identificar quais elementos argumentativos constituem os dispositivos encontrados na
primeira fase da análise, cada comentário lido recebeu uma qualificação baseada no tom
argumentativo utilizado pelo participante. Para cada novo tom, uma nova qualificação. Do
mesmo modo, comentários de mesmo tom argumentativo receberam a mesma qualificação,
até se chegar às classificações e subdivisões finais.
Dispositivo textual fortalecedor é, portanto, o recurso utilizado pelo participante de
uma comunidade para reforçar e dar continuidade a um boato virtual, mesmo que não seja
essa sua intenção. Propositalmente ou não, ele mais credibilidade à falsa informação que
está sendo propagada naquele ambiente de discussão. Dessa forma, outros participantes ativos
da comunidade ou mesmo lurkers
159
podem ser influenciados a tomar o boato como verdade.
Na análise dos comentários, os dispositivos fortalecedores que buscavam alimentar o boato
virtual foram qualificados como:
a) de crença ou afirmação - o indivíduo reforça o boato deixando claro que acredita
na informação passada e a sustentando como verdadeira, como nos exemplos:
Maurício
eh verdade
158
Como já foi dito, não é possível analisar a intenção real de cada indivíduo que escreve na Web. Entretanto, o
uso da palavra aqui é para definir o tom interpretado na mensagem a partir de determinadas palavras e/ou
expressões.
159
Indivíduos que apenas lêem mensagens e comentários, acompanham discussões e debates em blogs,
comunidades, salas de bate-papo ou qualquer sistema interativo, sem contribuir com conteúdo.
- 92
-
o pior eh q eh verdade memo!
`•.¸¸.-> °º
eu tirei aquela coisa e botei fogo....c o cara fez um pacto com o coisa ruim
então eles q c entendão...eu naum vo fica carregando aquilo na minha
moto....credo!!!
α и ι ι и
pow fikei sabendu dessa parada ai .
uu bagulhoo0 eh doido0 ..
eh pq vcs naum sabem dah isto0ria
du karinha ki fabriko0 ela ...
b) de comprovação - o indivíduo reforça o boato acrescentando dados ou relatos que
acredita serem provas, evidências capazes de legitimar a informação que foi
passada, como nos exemplos:
Anônimo
Estava voltando de Ubatuba para Sãp Paulo, quando presenciei o fato de um
acidente de uma Honda 150 que foi em choque de frente com um carro em
uma curva, alguns motoboys que chegaram no local comentaram sobre essa
cruz no farol, foi quando eu procurei e não encontrei, logo apos chegou um
outro motoqueiro que sabia onde estava essa cruz, foi quando nos deparamos
que essa cruz estava de cabeça para baixo.
No aciente o homem que pilotava a moto quebrou sua perna esquerda e
quando pegamos na cruz da moto vimos q o lado esquerdo dela estava
quebrado justamento o lado em q o motoqueiro quebrou sua perna.
Eduardo
Ω Ψ
meu amigo dia 7/10/2007 levou um tombo e quase morreu....
quando ele dismontou o farol lah estava a crauz!
por isso eu acredito nessa cruz maldita....
Eyder &
Eu tb encontrei!!!
Hoje pela manhã meu amigo veio a minha casa e me contou sobre essa
história entrei no site onde ela estava registrada, após ler abri a farol da moto
e estava dentro junto ao chicote da moto. Coisa demoniaca mesmo pois
não tem nenhuma utilidade. P/ quem quiser conferir ta ai o link.
http://www.saomiguelweb.com/noticiasDestaque.asp?id=133
c) de complementação - o indivíduo reforça o boato se utilizando de outras
informações, externas ao rumor em si ou à mensagem original, para sustentar uma
veracidade inexistente, como nos exemplos:
Anônimo
O PNEU TMB (SINISTRO)
LEVEM MAIS A SERIO ISSO GALERA.....
AXO QUE DEVEM SE PREOCUPAREM MAIS COM ESTE FATO QUE
É REAL......
- 93
-
PARADA DA CRUZ NÃO PARA POR AI.....
COMO VC ME EXPLICAM O FATO DA PIRELI TER DESELVOLVIDO
UM PNEU EXCLUSIVO PARA CG TITAN 15O COM O NOME DE "City
Demon", isto é, "Cidade Demônio" (tradução literal).SERÁ UMA SIMPLES
CASUALIDADE?????
COMFIRAM NAS SUAS MOTOS E CONFIRAM COMO ESTÁ
ESCRITO NO PNEU.......
Srtª Danúbia
olha a do meu tio tem a cruz e a dele tinha o mero 3 atrax da cruz, e
pesquisamos e o número que dizer a quantidade de acidentes que ele iria
sofre e no ultimo ele morreia, ele sofreu dois e no momento esta em uma
cama lutando pra se recuperar, sem nem pode se levantar e faz 4 meses...e
no pineu da moto realmente tem city demon
Sander
pra quem nao acredita,veja essa!
em uma noite va aproximando a moto em uma parede com o farol
ligado,nela vc vera a imagem de uma cruz ao avesso,se vc nao acredita faça
o teste!
d) de dúvida ou desconfiança - o indivíduo reforça o boato levantando questões
sobre a autenticidade das informações passadas mas, ainda assim, manifestando
julgar possível a veracidade da mensagem, como nos exemplos:
Carlos Henrique
bom cara tbm num acredito nessas parada ai naum
mais q tem uma cruz na 150 tem sim eu jah vi tirar nas motos de lguns
amigos meus e eh uma cruz peq.de madeira colada com fits isoante de
cabeça pra baixo!!!
eh o q eu disse: num acredito mais q tem uma cruz tem sim
maninho
A CRUZ DO FAROL DA 150!
olha eu ñ sei oq é q significa essa tao cruz eu so sei q eu tirei a minha assim
qd subi desse boato
BEATRIZ ¸.•´.*
se é verdade ou não isto eu não sei.
mas que a 150 ja de derrubou isto sim é verdade eu sofri arranhões e
minha prima quebrou a bacia,será q é a tal cruz hein?
e) de ironia (com crédito) - o indivíduo reforça o boato ironizando as informações
passadas mas demonstrando acreditar ou julgar possível a veracidade da
mensagem, como nos exemplos:
DOUGLAS(ZAKA)
cruzinha do capeta!!?
ñ vo abri meu farol pra tira cruzinha nenhuma!ha ha ha !!!!!!!!
q c foda a cruz!!!!!!
q c foda o engenheiro!!!!!!!!
q c foda o demo!!!!!!!!!!!!
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-
Anônimo
PIADA
AEE SO QUERO VER .. TIREI HOJE A CRUZ DA MINHA MOTO....
SE EU MORRER VENHO BUSCAR VCSS,, HAUAHAUHHAU
TIRE A CRUZ MAS NAO A QUEMEI.. COMO MUITOS FALAMM,, A
CRUZ UM SIMBOLO SAGRADO PARA TODOS NOS CRISTAO...
JOGUEI ELA EM AGUA CORRENTE...
o dispositivo textual enfraquecedor é o recurso utilizado pelo participante da
comunidade virtual para atenuar ou tentar controlar a disseminação de um boato,
desacreditando outros membros e desabonando informações passadas ao grupo em alguns
momentos. A idéia, muitas vezes, é realmente esclarecer o restante do grupo, fazendo com
que demais participantes ativos da comunidade ou lurkers possam entender tratar-se de uma
informação falsa. Analisados, os dispositivos enfraquecedores encontrados em comentários
que buscavam desacreditar o boato virtual foram qualificados como:
a) de descrença ou negação - o indivíduo atenua o boato deixando claro que não
acredita na informação ou apoiando comentários enfraquecedores deixados por
outros participantes, como nos exemplos:
Anônimo
nada aver
nem é uma cruz é um separador de fios isso é só um boato
Anônimo
Eu ñ acredito
Que acidentes sejam causados pelo fato da †, se é pra vc caí, vai caí c/
qualqué moto, as vezes é falta de cuidado, eu ja caí uns dois tombos c/ a
minha + foi por descuido mesmo...
Deco
cara, c disse tudo... até salvei esse tópico todo aqui!
É cada besteira q brasileiro inventa cara... sem noção! hehehehe
Abração
Anônimo
beleza
agora estou começando a entender melhor os fato.faz muito sentido a tal
peça.........
b) de indignação - o indivíduo atenua o boato expressando-se com revolta,
indignação ou impaciência com a continuidade do debate, com outros comentários
ou com o rumor em si, como nos exemplos:
Breno Fernandes
d novo esse papo da cruz????
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-
Anônimo
Lógico q é falso
Qm seria tão idiota em acreditar nessa merda...???
Joãozinho
aff
nossa quanta besteira...
isso ai num tem nd a ver
agora c vcs acreditam...
retirem a tal "cruz" pra
dar um curto circuito na
moto e falar q foi por causa
do pacto alem de perder a garantia
da moto... c eh q pode ser chamada
de moto neh..nd a ver isso ai naum
Bruno
Essa história da cruz é totalmente ridícula. Muito nada a ver, o pessoal não
tem mais o que inventar.
c) de orientação o indivíduo atenua o boato negando a informação passada e/ou
procurando esclarecer o assunto aos outros participantes utilizando-se de
explicações factuais, como nos exemplos:
Gabriel V
ESTA PEÇA TEM REALMENTE.
MAS NÃO SE TRATA DE CRUZ INVERTIDA
E SIM DE UM PLÁSTICO PARA QUE FIXE MELHOR OS FIOS, PARA
QUE NÃO SE JUNTEM, ENTÃO FOI POSTO ESTE ACESSÓRIO QUE
SERIA PARA MANTER FIOS DE CORRENTES DIFERENTES
SEPARADOS.
ACONSELHO NINGUEM A TIRÁ-LOS.
Hyago
acho tudo isso besteira a honda disse em nota que a cruz serve pra proteger a
fiação da moto
Anônimo
A tal "cruz" nada mais é que um gabraito para alinhar o farol da moto na
linha de montagem da moto! Aí vem um idiota que inventa outra lenda
urbana desta e o pessoal logo fica impressionado! Amigos essa história de
cruz é papo furado a cg já é uma moto consagrada no mercado naum precisa
de forças misteriosas pra ser um sucesso!! Abraços a todos e me desculpem
se ofendi alguém com a minha opinião! só quero dizer o que penso!
Romário
No depoimento diz que ele criou a moto no japão para exportação para o
Brasil, na apresentação do BCWS
http://www2.uol.com.br/bestcars/motos/titan-1.htm no 6° parágrafo diz que
ela foi criada no brasil por estilistas brasileiros.
E todos nós sabemos que a Titan 150 é uma moto 100% nacional......
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d) de ironia (com descrédito) - o indivíduo atenua o boato ironizando a informação
passada e/ou outros participantes que demonstram acreditar nela, como nos
exemplos:
Thiago Maranhão
A YAMAHA tbem é do DEMO!!!
Por falar em invenção da concorrente... hehehe
As 3 pontas do símbolo da YAMAHA nada mais são do que uma estilização
do tridente do demo... Eles apenas tentaram disfarçar fazendo ele estilizado,
e essa cor vermelha no fundo não engana ninguém!
uahuahauhuahahuahuahaahuha
conta outra ae...
alencar
so o q falta vez acreditrarem em papai noel e coelinho da páscoa
Carlos Fernando
Aquela Cruz é para quando for tomar uma cuba libre misturar montila com
coca, já que a chave de roda muda o gosto do rum.
huhua, fala sério, tem gente que acredita em tudo.
falta mencionarem a mulher do banheiro que coloca algodão no nariz, o
velho do saco ...
Anônimo
QUe hilário!!!!!!!!
Vc acham q a Honda iria gastar dinheiro pra colocar uma peça q não serve
pra nada!!!!!!!
É evidente que, direcionados para um mesmo propósito, dois ou mais dispositivos
podem estar presentes num mesmo comentário. Nas mensagens a seguir, por exemplo, os
indivíduos se manifestam utilizando os dispositivos enfraquecedores de indignação e
orientação no mesmo comentário:
toyta
quanta besteira...
nossa quanta besteira q viu...
essa tal "cruz" tem funçao nenhuma
alem de suporte do chicote do farol...
ai o povo tira e dah curto na moto
e pega fogo ai fala q foi por causa
do demonio.. ai sai espalhando besteira
pela internet... mais besta ainda quem
acredita...
Ricardo
aff
param de falar besteira
a 'cruz' como vcs falam
eh apenas pra nao dar curto entre os fios...
puts como sao otarios.
Também pode acontecer de existirem comentários considerados indiferentes para este
estudo. Tais manifestações nada acrescentam à discussão e, portanto, em nada contribuem
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-
para a dinâmica do boato virtual. São casos em que o indivíduo foge completamente ao
assunto que está sendo discutido ou escreve frases sem sentido ou tão mal escritas que não
chegam a ser facilmente entendidas.
Além dos recursos textuais utilizados nos comentários, outro item analisado nas
discussões sobre o boato virtual, e que constitui parte da dinâmica observada, está relacionado
à ordenação das mensagens no fórum. A disposição textual, portanto, compreende elementos
relevantes para a dinâmica do boato, mas que não podem ser controlados pelos participantes.
O tempo que se leva para dar uma resposta (fortalecendo ou enfraquecendo) ao tópico
influencia na produção de sentido, assim como a ordem em que se encontram as repostas. Por
exemplo, se um indivíduo se utiliza de um dispositivo enfraquecedor logo após o primeiro
post trazendo o boato virtual, é possível que seja dada uma atenção maior ao seu comentário
do que se ele colocar esse mesmo dispositivo após três ou quatro dispositivos fortalecedores.
Entretanto, como o indivíduo pode escolher “apagar” seu comentário do fórum a qualquer
momento, apesar de relevante como elemento para a compreensão da dinâmica de um boato
virtual, a estrutura textual não pode servir como base ao processo, visto que pode sofrer
alterações no Orkut.
Identificados os elementos a que se propunha o presente estudo, cabe aqui considerar
novamente uma questão metodológica. Por tratar-se de um trabalho exploratório, a idéia era
encontrar, a partir da análise, os tipos de argumentação e estratégias utilizadas para
enfraquecer ou fortalecer um boato. Porém, não se teve intenção de trabalhar
quantitativamente as categorias elaboradas. Mesmo os comentários expostos foram
ilustrativos, usados para exemplificar cada categoria. O objetivo era avaliar os elementos e, no
caso deste estudo, os números não seriam uma contribuição a esse propósito. Vale destacar
que o assunto foi ainda pouco explorado e as categorias não existiam. Além disso, a pesquisa
diz respeito a boatos virtuais de maneira geral e o processo de se quantificar diria respeito
somente ao boato da Honda, usado como objeto de estudo para identificar os elementos
argumentativos propostos desde o início. Depois de percorrido o caminho da análise, é
evidente que outras questões surgiram e não se descarta a possibilidade de o esquema
apresentado poder ser usado para estudos futuros, possivelmente trabalhando-se com
quantificação.
Também não houve interesse nesta pesquisa de se analisar a retórica utilizada, pois
isso implicaria em questões discursivas e de poder. De fato, a dificuldade neste estudo foi
estabelecer um recorte, visto que se trata de assunto ainda pouco explorado, especialmente na
- 98
-
área da comunicação. Portanto, no tempo disponível para a pesquisa, não seria possível
estudar o boato virtual em todas as suas perspectivas e vertentes.
3.3.2 Modelo dos elementos da dinâmica
Concluída a análise dos comentários das comunidades selecionadas e estabelecidos os
elementos argumentativos que compõem a dinâmica de um boato virtual no Orkut, propõe-se
a esquematização de tais elementos em um modelo explicativo, de modo a deixar visível a
organização dos itens elaborados:
FIGURA 18. Elementos argumentativos constitutivos da dinâmica de um boato virtual no Orkut
- 99
-
Frisa-se que, a partir do estudo realizado, os elementos apresentados no esquema,
utilizados como recursos para participar da discussão sobre um boato virtual, fortalecendo-o
ou enfraquecendo-o, podem ser aplicados a qualquer ambiente de conversação virtual que
obedeça à mesma estrutura ou ordenação do fórum do Orkut. Desse modo, os elementos que
constituem a dinâmica de um boato virtual investigados no Orkut valem para outros espaços
de troca de informações em grupo, como fóruns, listas de discussões, salas de bate-papo,
janelas de comentários em blogs. Nesses ambientes, é possível visualizar os comentários
anteriores, mas o participante pode escolher ignorá-los e usar seus argumentos apenas sobre
um ou outro comentário, o que não ocorre numa conversa presencial, por exemplo, que
apresenta uma ordem linear. E mesmo em espaços virtuais, quando não esse formato de
conversação, a dinâmica do boato é outra, assim como os recursos utilizados para sua
continuidade. É o caso dos e-mails que são apenas passados adiante para inúmeros receptores
ou de espaços de webjornalismo em que a interação com o autor do texto limita-se ao e-mail
ao invés de comentários abertos.
Tendo esses aspectos levados em consideração, a seguir, faz-se um estudo sobre os
resultados obtidos, de modo a demonstrar a relevância dos elementos analisados para o
processo dos boatos virtuais e sua aplicação na dinâmica do fenômeno na Web.
3.4 Análise dos resultados
Pela definição de rumor apresentada no capítulo 1, vale lembrar que o boato virtual é
um tipo de informação não confirmada que se propaga em rede, circula com a intenção de ser
tomada como verdadeira e está amparada por um suporte tecnológico capaz de potencializar
suas ações. Sendo informação, é parte de um processo de comunicação que, por sua vez, é um
fenômeno por si social. Ainda assim, muitos modelos de transmissão pensam apenas na
transmissão em si, como se a informação que está sendo passada adiante concentrasse toda a
força do processo comunicacional no conteúdo da mensagem.
Entretanto, sabe-se que, na prática, nenhuma informação é passada adiante
unidirecionalmente e sua disseminação, tanto quanto o comportamento de quem retransmite a
mensagem, tem a influência de diversos fatores externos ao conteúdo em si. Tendo como base
os estudos de Kapferer (1990), observou-se que no processo de repasse de rumores os
receptores são selecionados e cada receptor é livre para repassar ou não aquela informação
- 100
-
recebida, o que vai definir a continuidade da trajetória de um boato virtual em um meio social
em virtude dos interesses dos indivíduos que intervêm em sua propagação.
Focando o boato virtual, o que este trabalho mostrou foi justamente que o repasse da
informação, no caso, falsa, é impulsionada na Web não apenas pelo suporte tecnológico
oferecido, mas também por condições psicológicas, sociais e mesmo emocionais. Como
resultado deste estudo específico, os elementos descritos na análise são apresentados como
mecanismos utilizados por indivíduos ou apresentados a eles num espaço virtual de
conversação para compor uma dinâmica e expressam, de fato, as condições em que se
encontram os participantes desse espaço coletivo em relação ao boato virtual e a forma como
este é compreendido por cada um. Sendo assim, o processo do rumor, tendo a Web como
canal de propagação, não apenas não segue um modelo linear como deve ser visto de acordo
com o ambiente em que é disseminado.
3.4.1 Processos conversacionais e os dispositivos na dinâmica
Como visto em Shibutani (1966) e DiFonzo e Bordia (2007), as pessoas dão sentido
ao mundo a partir de processos de interações com outras. Assim, os rumores, como ações de
grupo, procuram dar significado a fatos incertos, não explicados. Mas enquanto por e-mail o
curso inicial de um boato virtual se limita a um repasse feito a uma coletividade que se
encontra em ambientes diversos num único ato, um-muitos –, mesmo considerando um
retorno posterior de um ou outro indivíduo ao seu emissor e ainda um mesmo indivíduo
recebendo de vários (Fig.8), num espaço de conversação virtual, comentários são escritos para
uma coletividade que se encontra num mesmo ambiente e geram debates abertos desde o
início, pois estão expostos para que o resto do grupo os acompanhe.
É importante lembrar que no processo de debate do boato virtual a mensagem original
não tem que, necessariamente, estar presente. A discussão num grupo pode pressupor que
todos os participantes já tiveram acesso ao que diz a mensagem, o que, na prática, permite que
o boato virtual continue circulando. Quando deixa um comentário, o participante,
teoricamente, está se comunicando com todos do grupo, como se o recado seguisse o padrão
um-todos naquela comunidade. Mas é preciso levar em conta que nem todos os participantes
lêem todos os relatos ali colocados. E um membro do grupo pode escolher ignorar o que outro
escreveu (disposição textual) e participar da discussão sem levá-lo em consideração. Vale
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-
lembrar também que nem sempre quem faz um comentário, deixando sua opinião ou
argumento, volta para continuar o debate. Considera-se, portanto, que um participante pode
atingir, com um único comentário, todos ou apenas alguns membros do grupo, podendo
receber um retorno de outros participantes no mesmo espaço de discussão.
FIGURA 19. Fluxo do boato virtual em repasse por e-mail e em ambientes de conversação virtual
Desse modo, a conversação faz parte desse processo de se confirmar ou não uma
informação para dar significado a ela. Retomando DiFonzo e Bordia (2007), em ambientes de
discussão, os indivíduos se alternam na comunicação, cada um contribuindo com comentários
adicionais a outros. E a discussão de rumores segue esse mesmo padrão, abrindo espaço para
que cada participante do grupo manifeste crenças, receios e incertezas em relação ao conteúdo
da mensagem que está sendo debatida. O que a análise feita demonstra é que existem
dispositivos utilizados nessas contribuições, quando em ambientes virtuais - que permitem
textos abertos para leitura -, que reforçam ou atenuam uma informação falsa que é passada a
partir da propagação de um boato na Web, impulsionando-a a seguir um determinado
caminho dentro de uma dinâmica.
Posto isso, é possível visualizar os processos conversacionais desses ambientes, que
pressupõem dispositivos e estrutura textuais, inseridos no modelo apresentado no primeiro
capítulo (Fig.20).
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-
FIGURA 20. Processos conversacionais localizados no modelo dos caminhos tomados pelo rumor
Ressalta-se que, apesar de tais processos poderem ocorrer nas fases em que se busca
confirmar a mensagem (em azul), indivíduos nas fases C, D e E não participam
necessariamente desses processos antes de passar às fases seguintes, uma vez que existem os
repasses sem qualquer confirmação. Por outro lado, participantes de uma comunidade virtual
que estejam em processos conversacionais nas fases C, D e E não precisam, necessariamente,
continuar a repassar o boato virtual.
É importante salientar que o processo de conversação em um ambiente virtual de
produção coletiva e o de repasse por e-mail, por exemplo, são atitudes distintas que podem ser
tomadas por um mesmo indivíduo, a seu livre arbítrio. Sendo assim, são ações que podem
ocorrer paralelamente (Fig.21). Mais uma vez, frisa-se a existência de uma multiplicidade de
receptores a cada fase, o que significa atitudes diferentes tomadas por indivíduos diferentes,
formando caminhos distintos.
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-
FIGURA 21. Processos conversacionais paralelos a repasse simples de boato virtual
Entretanto, como ficou claro a partir da análise feita, os dispositivos textuais e a
disposição textual são elementos constitutivos da dinâmica de um boato virtual em ambientes
de conversação que obedecem à mesma ordenação textual do Orkut, ou seja, espaços de troca
de informações em grupo, como fóruns, listas de discussões, salas de bate-papo, janelas de
comentários em blogs.
Sendo a dinâmica entendida como os movimentos de evolução do rumor por
determinados caminhos, imagina-se que tais caminhos sejam direcionados a condições em
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-
que pode se encaixar o boato virtual. É dentro desses muitos caminhos que se encontram os
elementos investigados na análise de conteúdo. Tendo a Web como canal de propagação dos
rumores e os espaços de conversação como ponto central, é preciso, portanto, compreender de
que maneira os dispositivos resultantes da análise se encaixam no processo do boato virtual e
qual sua relevância na dinâmica do fenômeno nos ambientes apresentados.
3.4.2 Resultados aplicados
Poder-se-ia concluir que os dispositivos textuais fortalecedores utilizados nos espaços
de conversação tendem a expandir o caminho de uma falsa informação na rede, visto que
permitem a continuidade do seu debate como se fosse uma informação verdadeira, enquanto
que os dispositivos enfraquecedores podem levá-la a um estado de estagnação, uma vez que
buscam esclarecer os outros participantes da discussão sobre a não veracidade do conteúdo
disseminado. Ambos são mecanismos pelos quais os indivíduos manifestam receios, crenças e
incertezas relacionados ao boato virtual que está sendo propagado.
Entretanto, foi visto que os efeitos de um rumor acontecem mesmo que ele não seja
acreditado (DiFonzo; Bordia, 2007) e que, não havendo um controle efetivo quanto ao tempo
de exposição ou circulação de um determinado conteúdo, é pouco provável que se desfaçam
os danos causados por uma informação falsa, mesmo tendo sido desmentida. Também é
importante lembrar que rumores não “morrem”, não desaparecem, simplesmente, mas podem
permanecer adormecidos em alguns ambientes sociais ou serem adaptados para outras
culturas. Mesmo que os estudos de Allport e Postman (1973) levem à definição do rumor
como de caráter específico e limitado, admitindo sua condição de temporariamente
interessante, o presente estudo defende, apoiado nos argumentos dos próprios autores, que
mesmo um boato virtual antigo, considerado extinto, pode ressurgir com a mesma intensidade
ou ainda fortalecido em diferentes ambientes da Internet.
Há de se considerar que a própria rede é hoje fonte importante tanto da difusão quanto
do controle do rumor. E há de se considerar ainda que mesmo um comentário que tenha como
objetivo enfraquecer um boato virtual pode até fortalecê-lo, dando continuidade à discussão.
Isso pode ocorrer quando um dispositivo enfraquecedor, por mais claro e explicativo que seja,
não chega a convencer aquele indivíduo que já foi persuadido pela idéia inicial e cujas
condições emocionais ou sociais o levam a continuar acreditando numa informação
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comprovadamente falsa. O mesmo pode ocorrer com um dispositivo fortalecedor que não
chega a persuadir o indivíduo que não acredita no rumor.
Para melhor esclarecer a questão colocada, propõe-se, então, a existência de duas
direções opostas para as quais pode tender a dinâmica do rumor: a expansão e a estagnação.
Imagina-se que, estando o boato virtual num espaço de conversação, com as características
apresentadas a partir da análise dos comentários, os dispositivos utilizados e a própria
disposição textual podem fazer o rumor caminhar para uma direção ou outra. Como outros
fatores externos que podem ajudar a encaminhar o boato para uma das extremidades,
considera-se a presença e influência destes na dinâmica, juntamente com os elementos
investigados. Como numa escala, quanto mais fortalecido estiver o boato virtual, mais
direcionado à expansão ele estará. Do contrário, quanto mais enfraquecido, mais próximo da
estagnação.
FIGURA 22. Tendências da dinâmica de um boato virtual a partir dos elementos encontrados
Mais uma vez, é preciso ter em mente que, mesmo tendendo à estagnação, o boato
virtual não vai, necessariamente, deixar de fluir ou ser extinto. Propõe-se apenas a idéia de
que há uma tendência para essa direção, podendo o rumor ser, de certa maneira, controlado ou
permanecer em estado de dormência, até que volte a circular mais fortemente de alguma
maneira, mesmo modificado ou adaptado a diferentes ambientes sociais. Por outro lado, a
noção de expansão como outro extremo pode parecer redundante, uma vez que a análise da
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-
dinâmica está ligada à própria propagação do boato virtual. Entretanto, o que se sugere é o
aumento ou a diminuição da força do rumor numa dinâmica que varia dentro de uma escala,
tendo os extremos como tendências, não como fins. Dentro de um espaço virtual de
conversação, estes movimentos são influenciados pela disposição textual do ambiente e,
principalmente, pelos dispositivos fortalecedores e enfraquecedores utilizados pelos
participantes do grupo, como forma de se expressarem sobre o assunto, para dar continuidade
à discussão.
Assim, conclui-se que, estando em ambientes de produção coletiva que permitam
trocas de informações em forma de debates na Web, a dinâmica de um boato virtual pode
alterar sua tendência, direcionando seu caminho a uma tentativa de controle ou a uma maior
disseminação do rumor em questão, dependendo essencialmente dos mecanismos utilizados
pelos indivíduos em sua composição. Tendo como base aspectos levantados na pesquisa, a
relevância desse resultado está na compreensão de que, uma vez na Web, uma falsa
informação em forma de boato virtual pode até tender à estagnação, mas estará sempre
caminhando entre os dois extremos. De certo modo, rumores se renovam e ganham novas
versões. E há sempre novos internautas na rede, prontos para interagir com outros.
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4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Partindo de questionamentos acerca da credibilidade das informações disponíveis em
abundância na Internet, este estudo se propunha a investigar caminhos percorridos por falsas
informações que se apresentam em forma de rumores na Web, com o objetivo de estabelecer
elementos constitutivos da dinâmica de um boato virtual. Para tanto, foram analisados
comentários dispostos em fóruns de discussão de comunidades do Orkut sobre um rumor
envolvendo uma moto da Honda, o que possibilitou qualificar recursos utilizados por
membros do grupo para reforçar ou desacreditar um boato virtual nesses espaços de
conversação. Assim, este trabalho sustenta que a disposição textual, que é a ordenação dos
comentários no fórum, e principalmente os dispositivos textuais, que são os mecanismos
argumentativos pelos quais os participantes se manifestam sobre o assunto, contribuem para
que um boato virtual seja fortalecido ou enfraquecido em ambientes da Web. A partir dessa
idéia, ainda foi possível estabelecer tendências, opostas entre si, para as quais a dinâmica do
rumor pode ser direcionada, fazendo com que o boato virtual flua entre a estagnação e a
expansão.
Com esses resultados, o presente trabalho apresenta uma importante contribuição
teórica conceitual organizada sobre uma avaliação empírica. Estudados em um ambiente atual
como a Internet, a evolução e o funcionamento do rumor, abordados por estudiosos de
diversas áreas, mostraram-se de extrema relevância para o campo da Comunicação, uma vez
que a pesquisa possibilitou uma compreensão do fenômeno, seu alcance e seus efeitos, desde
antes da escrita até a dimensão alcançada com o suporte tecnológico. Não se teve a pretensão
de apresentar o estudo como um trabalho fechado, mesmo porque não se propõem idéias
incontestáveis ou soluções definitivas para problemas. Além disso, outros aspectos do rumor
poderão ser analisados em estudos futuros. Entretanto, do modo como foi desenvolvida, a
pesquisa já apresenta conceitos e propostas de modelos bem embasados e considera a
existência de recursos para que se tenha uma visão de como um boato virtual pode tomar
grandes proporções, oferecendo meios de se identificar mecanismos de controle de sua
propagação. Com base nos elementos encontrados na análise e na idéia de que o rumor pode
tender para uma condição ou outra, o trabalho permite que se reconheça um tipo de falsa
informação em forma de boato virtual e, ainda, que se identifique alguns recursos utilizados
numa conversação virtual e a direção que está sendo tomada.
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É evidente que a proposta das condições extremas para as quais a dinâmica de um
boato virtual poderia tender a ser direcionada, da estagnação e da expansão, veio a surgir
durante o processo de análise dos resultados obtidos, ao se questionar os efeitos dos
elementos investigados sobre o tema. Pode-se dizer que esse resultado influi justamente na
percepção que se tem de que um rumor não morre, mas acaba sendo transformado, adaptado,
ou fica em estado latente, controlado.
O que se pode afirmar, de fato, é que tanto a tendência do boato virtual de ser
direcionado para uma ou outra condição quanto os elementos que fazem parte dessa dinâmica
apresentada pelos rumores na Web, são resultado de ações e emoções humanas. Apesar de se
discutir a questão tecnologicamente, são receios humanos que motivam os debates nos fóruns
analisados. Posto isso, além da compreensão de que o suporte tecnológico apenas potencializa
a propagação e o alcance dos boatos virtuais, o estudo permitiu o entendimento de que a
circulação dos rumores em ambientes de produção coletiva em que conversação na Web
ganha força devido à estrutura que esses espaços proporcionam aos participantes. Abertos
para troca de informações e discussões de grupo, o que possibilita também a aproximação de
idéias e interesses em comum e formação de redes sociais, esses espaços permitem que os
boatos virtuais sejam propagados de modo que se tornem assunto de debate. Os indivíduos
que contribuem com esse debate o fazem munidos de suas próprias idéias e interpretações
sobre o assunto, de seus próprios medos e dúvidas, de informações adicionais adquiridas
individual ou coletivamente no mundo online e offline. E é dessa bagagem de conhecimento e
experiência – ou da falta dela – que surgem os dispositivos investigados neste estudo.
Também a sociabilidade nesses espaços pressupõe um grau de confiabilidade entre os
indivíduos “presentes”. Considerando o que diz Kapferer (1990), de que o cotidiano da vida
social é baseado em regras como a confiança, o que se tem num processo como o do rumor é
literalmente uma ação humana, que colocada num ambiente virtual de coletividade toma
proporções maiores, ganha força e credibilidade. Apesar de poder partir de um único
indivíduo e apesar de poder afetar um receptor apenas individualmente, rumores são resultado
de processos de grupo, de ações coletivas, que dificilmente serão limitadas num ambiente de
sociabilidade como a Internet. Sendo assim, o boato virtual como falsa informação continua
seu curso pela Web, pois mesmo existindo meios de se prevenir contra os rumores ou mesmo
de se controlar, em determinados espaços, sua propagação, não como garantir um fim
definitivo ao processo nem prever suas conseqüências.
- 109
-
Permanecendo as falsas informações espalhadas pela rede de diversas maneiras,
disponíveis aos internautas, tanto novos quanto experientes, não é difícil imaginar a Internet
como “a nova auto-estrada da desinformação”, como bem expôs Campion-Vincent e Renard
(2002). Para evitar a disseminação desse tipo de conteúdo, seria necessário um modo de
organização e controle no mundo virtual. E obviamente uma mediação na rede, ambiente em
constante evolução, é impossível de ser imaginada nos dias de hoje. Sem entrar em assuntos
como os chamados crimes virtuais (sobre os quais nascem mecanismos de controle
baseados em legislações do mundo offline), qualquer manifestação para se barrar a produção e
o acesso de conteúdo na rede é considerada censura prática adotada por governos em alguns
países. Entretanto, como defende Lévy (2003, p.371), “os temores freqüentemente expressos
de caos e desorientação lamentam o fim de um modo de intermediação ultrapassado e não
levam em consideração a emergência de novas intermediações”. Para o autor, toda essa
liberdade de expressão e de acesso à informação sugere, necessariamente, um aumento dos
riscos: a transferência de responsabilidade para os indivíduos e os múltiplos atores sociais.
“Mais do que reforço da censura, esta nova responsabilidade pede uma educação ética e
crítica renovada” (LÉVY, 2003, 372).
Enfim, se não é possível o ser humano configurar um meio de controlar a propagação
da falsa informação na Internet - pelo menos a curto e médio prazo - nas palavras do próprio
Lévy (2003, p.372), “é preciso dizer, contudo, que a verdade resulta de um processo coletivo
de busca e de produção que, quanto mais livre e múltipla é a palavra, mais eficaz é”. Na esfera
virtual, o que se pode dizer é que fica a critério de cada internauta, munido de seus próprios
anseios, argumentos, interpretações e experiências quando inserido em ambientes de
coletividade, estabelecer seus limites de credulidade sobre toda e qualquer informação
repassada, para só então se manifestar sobre o assunto.
- 110
-
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Alegre: Sulina, 2003
- 114
-
ANEXOS
- 115
-
ANEXO A - Sites que buscam e identificam boatos virtuais
http://www.snopes.com
http://www.hoaxkiller.fr
- 116
-
http://www.hoaxbusters.ciac.org
http://www.quatrocantos.com/LENDAS/INDEX.HTM
- 117
-
ANEXO B - Tópico hello kitty do mal da comunidade do Orkut Hello Kitty.
http://www.orkut.com/CommMsgs.aspx?cmm=37369&tid=2520351936059860921&kw=de
m%C3%B4nio
- 118
-
ANEXO C - Íntegra do texto que circulou sobre a conspiração no caso
do acidente com o avião da Gol.
“ESSA É UMA DENÚNCIA MUITO SÉRIA, DIGNA DE SER ANALISADA COM MUITA
CAUTELA E EQUILÍBRIO, E É NECESSÁRIO QUE ACOMPANHEMOS OS FATOS.
PROFª ANDRÉIA TELES.
------------------------------
NÃO VIM AQUI EXPOR NENHUM TESE CONSPIRADORA A RESPEITO DOS FATOS
OCORRIDOS RECENTEMENTE, CUJA RELEVÂNCIA SE ESTENDE NA MORTE DE 154
PESSOAS E DO SOFRIMENTO DE SUAS FAMÍLIAS. NO ENTANTO, NÃO PODEMOS
DEIXAR DE REPARAR EM ALGUNS DETALHES ESPECÍFICOS QUE DEVEM SER
ANALISADOS PELAS AUTORIDADES COMPETENTES.
SABEMOS QUE NO SUPOSTO ACIDENTE, ENTRE AS VÍTIMAS, HAVIAM MULHERES,
ALGUMAS CRIANÇAS ATÉ MESMO PASTOR DA ASSEMBLÉIA DE DEUS. NO ENTANTO,
HAVIAM OUTROS PASSAGEIROS QUE ME DESPERTARAM A ATENÇÃO. UM CERTO
GRUPO QUE ESTAVA NO AVIÃO, O FAMOSO GRUPO DA PESCARIA, ERAM
INDIVÍDUOS BASTANTE CONHECIDOS DO MEIO MÉDICO-CIENTÍFICO,
CONHECIDOS PELO TRABALHO NA ÁREA DE ENGENHARIA GENÉTICA, ATÉ MESMO
DESENVOLVIMENTO DE ALTA TECNOLOGIA.
OUTROS MEMBROS QUE TAMBÉM ME CHAMARAM BASTANTE A ATENÇÃO FORAM
OS MEMBROS DO MINISTÉRIO DA DEFESA, E OUTROS CIENTISTAS BRASILEIROS NA
ÁREA DE ANTROPOLOGIA, BIOLOGIA E GENÉTICA. OUTRO PASSAGEIRO QUE
CHAMOU BASTANTE A ATENÇÃO, FOI O NORTE AMERICANO SEM HISTÓRIA QUE
TAMBÉM ESTAVA NO AVIÃO. E NINGUÉM SABE QUEM É, A NÃO SER O PRÓPRIO
SEGURO SOCIAL NOS ESTADOS UNIDOS, QUE O IDENTIFICOU COMO UM SIMPLES
TRANSEUNTE AMERICANO. SÓ NÃO CONSIGO IMAGINAR, O QUE UM MENDIGO
AMERICANO FAZIA NESTE AVIÃO.
E DAÍ VEM A BOMBA. ALGUNS BOATOS, INFORMARAM SOBRE CERTAS PESQUISAS
REALIZADAS NA REGIÃO, ASSUNTO DO GOVERNO, SEGREDO DE ESTADO. NÃO SE
SABE EXATAMENTE DO QUE SE TRATAVA, APENAS QUE VÁRIOS CIENTISTAS
BRASILEIROS ESTAVAM TRABALHANDO NO DESENVOLVIMENTO DE UM NOVO TIPO
DE COMBUSTÍVEL BASEADO EM VÍRUS. ISSO MESMO , PRODUÇÃO DE ENERGIA
BASEADA NA MANIPULAÇÃO GENÉTICA DE VÍRUS, O MIT INSTITUTO
TECNOLÓGICO DE MASSASUCHETS ESTAVAM DESENVOLVENDO ALGO PARECIDO
- 119
-
PARA CRIAR BATERIAS DE LAPTOPS MAIS POTENTES, REVESTIRAM OS VÍRUS COM
MOLÉCULAS DE ÓXIDO DE COBALTO E PARTÍCULAS DE OURO E EM SEGUIDA OS
ALINHARAM PARA FORMAR MINÚSCULOS FIOS QUE SERVEM COMO O ANODO NA
BATERIA. A EQUIPE DE OITO PESSOAS DO MIT DESCREVEU O TRABALHO EM UMA
DAS EDIÇÕES DE ABRIL DO JORNAL SCIENCE.
NO ENTANTO, O QUE SE SABE DO DESENVOLVIMENTO DA PESQUISA BRASILEIRA,
NÃO LIMITAVA-SE A APENAS UMA SIMPLES BATERIA DE NOTEBOOK, MAS EM UMA
FONTE DE ENERGIA LIMPA E AUTO SUFICIENTE, AUTO GERADORA, E A UM CUSTO
BAIXÍSSIMO. A SOLUÇÃO DO SÉCULO ESTAVA DENTRO DO AVIÃO QUE CAIU EM
FUNÇÃO DE UMA MANOBRA IRRESPONSÁVEL DE DOIS PILOTOS AMERICANOS
INCONSEQÜENTES? PARECE ESCAPARAM DE MORRER DESTA FORMA? A SOMA DE
COINCIDÊNCIAS NESTE CASO ULTRAPASSA A BARREIRA DA REALIDADE E DO BOM
SENSO. FOI UMA GRANDE COINCIDÊNCIA QUE NO AVIÃO ESTIVESSE UM FAMOSO
REPÓRTER AMERICANO PRA DIVULGAR A VERDADE COM O ACIDENTE.
TAMBÉM FOI COINCIDÊNCIA O FATO DE QUE O AVIÃO AMERICANO DESLIGOU O
TRANSPONDER PARA QUE NÃO FOSSE POSSÍVEL A LOCALIZAÇÃO DA ALTITUDE DO
AVIÃO.QUE NÃO FOI POSSÍVEL QUE OS CONTROLADORES DE VÔO NÃO
CONSEGUISSEM COMUNICAR NEM COM UM AVIÃO NEM COM O OUTRO. PORQUE
O BOING DA GOL NÃO RESPONDEU O CHAMADO DO RÁDIO?
QUEREM SABER MINHA OPINIÃO? PORQUE TODOS ESTAVAM MORTOS, DEVIDO
A BOMBA DE GÁS QUE ESTAVA A BORDO COM O PASSAGEIRO AMERICANO
DESCONHECIDO.
PORQUE A EXCEL AIR FEZ QUESTÃO DE FILMAR O LEGACY NO MOMENTO DA
DECOLAGEM? IMAGINO QUE SEJA PARA COMPROVAR QUE ELE NÃO ESTAVA
AVARIADO QUANDO SUBIU. MAS NÃO FOI O LEGACY QUE COLIDIU COM O VÔO
1907!!! SE FOSSE, ELE ESTARIA EM PEDAÇOS. ESTAMOS DIANTE DE UMA GRANDE
ARMAÇÃO. APÓS ISSO O AVIÃO SIMPLESMENTE CAIU!!! O LEGACY NÃO ESTAVA
POR ACASO, ERA SIMPLESMENTE O MAIOR "LARANJA" DA HISTÓRIA.
OBSERVEM A LISTA DOS PASSAGEIROS, VÃO VER OS NOMES DOS NOSSOS HERÓIS
BRASILEIROS QUE FORAM ASSASSINADOS PELO GOVERNO AMERICANO OU PELA
EMPRESA CAMBRIOS TECHNOLOGIES, NA CALIFÓRNIA, QUE COMERCIALIZA
TECNOLOGIA BIOLÓGICA EM TODO PLANETA. NOSSOS MEMBROS DO MINISTÉRIO
DA DEFESA, SABEM DO QUE ESTOU FALANDO. SEUS HOMENS ESTAVAM PRA
PROTEGER ESTAS PESSOAS E SUAS PESQUISAS, OU TALVEZ MAIS UMA
COINCIDÊNCIA?
- 120
-
O QUE ESPERO É QUE NOSSO GOVERNO ADMITA OS FATOS QUE OCORRERAM,
E PUNA COM SEVERIDADE OS RESPONSÁVEIS PELO OCORRIDO.
FAÇA ESSE E-MAIL CIRCULAR... ATÉ QUE AS AUTORIDADES PERCEBAM QUE O
POVO BRASILEIRO NÃO É IDIOTA!!!
RECEBI ESTE E-MAIL E ESTOU REPASSANDO, POIS ACREDITO NA HIPÓTESE
LEVANTADA POR ESSA PROFESSORA. O PODEMOS DESCARTAR ESSA
HIPÓTESE!”
- 121
-
ANEXO D – Imagem anexada a texto sobre mapa falso do Brasil.
- 122
-
ANEXO E – Requerimento feito por deputados solicitando explicações
sobre informação que circulava na Internet
REQUERIMENTO DE INFORMAÇÕES Nº 2.301, DE 2000
(Da Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional)
Solicita informações ao Senhor Ministro das Relações Exteriores, Luiz
Felipe Lampreia, a respeito de matéria veiculada através da lnternet na qual
o Brasil aparece em mapas dividido.
Senhor Presidente,
Reunida em 7-6-00, esta Comissão aprovou requerimento de autoria do
Deputado Roberto Argenta pelo qual "solicita informações ao Senhor
Ministro das Relações Exteriores no sentido de esclarecer esta Casa quanto
à veracidade de notícias que têm sido divulgadas na Internet de que o Brasil
estaria aparecendo dividido em mapas utilizados por Escolas Americanas,
tendo a região Amazônica e o Pantanal como Área de Controle
Internacional". E também notícias de que certos professores americanos
estão buscando o apoio dos seus alunos para uma possível intervenção na
Amazônia para retirar a região dos "destruidores da natureza" (brasileiros).
Portanto, nos termos do art. 50, § 2º, da Constituição Federal, bem como nos
arts. 115, inciso I, e 116 do Regimento Interno, requeiro as providências de
V. Exª no sentido de que o Exmo. Sr. Ministro das Relações Exteriores preste
as informações solicitadas.
Sala da Comissão, 14 de junho de 2000.
Deputado Luiz Carlos Hauly, Presidente.
Voto
Estando de acordo com o art. § da Constituição Federal e com os arts.
115 e 116 do Regimento Interno da Casa, voto pelo encaminhamento.
Sala de Reuniões, 26 de junho de 2000.
Dep. Heréclito Fortes, Primeiro Vice-Presidente, Relator.
Defiro, ad referendum da Mesa.
Em 26-6-00 - Dep. Heráclito Fortes, 1º Vice-Presidente, no exercício da
Presidência.
- 123
-
ANEXO F - Trecho do site “Alerta Total” com a nota sobre a ONG Amigos de Plutão
http://alertatotal.blogspot.com/2006/09/espionagem-eleitoral-diretor-geral-do.html
- 124
-
ANEXO G - Site do Senado Federal com o pronunciamento do senador Heráclito Fortes
(PFL/PI) citando a falsa ONG Sociedade Amigos de Plutão
http://www.senado.gov.br/sf/atividade/pronunciamento/detTexto.asp?t=364472
- 125
-
ANEXO H – Exemplos de tópicos das comunidades do Orkut selecionadas para análise
http://www.orkut.com/CommMsgs.aspx?cmm=1179008&tid=2469223936677623365&kw
http://www.orkut.com/CommMsgs.aspx?cmm=3353048&tid=2468580881300759663&kw
- 126
-
http://www.orkut.com/CommMsgs.aspx?cmm=2316514&tid=2467021773799618651&kw
http://www.orkut.com/CommMsgs.aspx?cmm=1109224&tid=2472056343072801791&kw
- 127
-
http://www.orkut.com/CommMsgs.aspx?cmm=24801115&tid=2531114802012315754&kw
http://www.orkut.com/CommMsgs.aspx?cmm=17622634&tid=2477637427579140297&na=
3&nst=11&nid=17622634-2477637427579140297-2478609778122414681
- 128
-
http://www.orkut.com/CommMsgs.aspx?cmm=5146157&tid=2465286881899018442&kw
http://www.orkut.com/CommMsgs.aspx?cmm=14169229&tid=2471848569727978672&start
=1
- 129
-
http://www.orkut.com/CommMsgs.aspx?cmm=14783178&tid=2468527194210640098&start
=1
http://www.orkut.com/CommMsgs.aspx?cmm=710242&tid=2467751430766012410&kw
- 130
-
ANEXO I - Página da Revista Superinteressante – Edição 241 – Julho/2007
- 131
-
Livros Grátis
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Milhares de Livros para Download:
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