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SOLANGE HELENA XIMENES ROCHA
CONSTRUÇÃO DA AÇÃO DOCENTE: aprendizagens de professoras
leigas em classes multisseriadas na escola do campo
Orientadora: Profa. Dra. Maria da Graça Nicoletti
Mizukami
São Carlos/SP
Dezembro de 2007
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS
CENTRO DE EDUCAÇÃO E CIÊNCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
CONSTRUÇÃO DA AÇÃO DOCENTE: aprendizagens de professoras
leigas em classes multisseriadas na escola do campo
Solange Helena Ximenes Rocha
Tese de Doutorado apresentada ao
Programa de Pós-Graduação em Educação
da Universidade Federal de São Carlos para
obtenção do título de Doutor em Educação.
Área de Concentração: Metodologia de
Ensino
Orientadora: Profa. Dra. Maria da Graça
Nicoletti Mizukami
São Carlos/SP
Dezembro de 2007
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Ficha catalográfica elaborada pelo DePT da
Biblioteca Comunitária da UFSCar
R672ca
Rocha, Solange Helena Ximenes.
Construção da ação docente : aprendizagens de
professoras leigas em classes multisseriadas na escola do
campo / Solange Helena Ximenes Rocha. -- São Carlos :
UFSCar, 2008.
191 f.
Tese (Doutorado) -- Universidade Federal de São Carlos,
2007.
1. Aprendizagem profissional da docência. 2. Educação –
formação. 3. Professor leigo. 4. Classe multisseriada. 5.
Escola do campo. I. Título.
CDD: 370.71 (20
a
)
BANCA EXAMINADORA
Profl D~ Maria da Graça Nieoletti Mizukami
Profl D~ Sônia de Jesus Nunes Bertolo
Prof Df. Anselmo Alenear Colares
Profl D~ Regina Maria Simões Pueeinelli Taneredi
Profl D~ Aline Maria de Medeiros Rodrigues Reali
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Para Jonas, Daniel
e à nova vida em meu ventre
Com amor.
AGRADECIMENTOS
É sempre prazeroso expressar agradecimentos àqueles que nos acompanham, nos
ajudam e nos tornam pessoas melhores. Como o tema central deste trabalho versa
sobre aprendizagem da docência, como sou professora e como acredito que em
nossas relações com os outros imprimimos neles e recebemos deles algum
conhecimento, gostaria aqui de, ao agradecer pessoas especiais que estiveram
comigo nesses quatro anos, demonstrar um pouco do que aprendi com cada uma
delas.
Em primeiro lugar quero agradecer a DEUS, Senhor da minha vida, com o qual
aprendi os dois maiores mandamentos que existem: amar a Deus sobre todas as
coisas e aos homens como a nós mesmos;
Ao Jonas, eterno namorado, que diariamente me surpreendeu com sua paciência e
que me fez perceber como contornar os obstáculos;
Ao Daniel, filho amado, que ao me dizer certo dia “calma mãe, calma” me ensinou a
olhar outras coisas da vida além da tese;
Aos meus queridos pais Mozart e Geraldina que me ensinaram o verdadeiro valor
de uma família e souberam imprimir em minha vida princípios de honestidade,
respeito e amor ao próximo;
Á Márcia, Gleidson e Elis, meus irmãos, com os quais aprendi a brincar e a ter
responsabilidades;
À minha sogra Maria Rocha e aos meus cunhados, cunhadas, sobrinhos e
sobrinhas com quem aprendi a ter fé na vida e esperança no futuro;
Às professoras Iara, Ceci, Juçara e Iracema com quem aprendi que mesmo diante
das adversidades é possível fazer educação com compromisso em nosso país;
À Graça Mizukami que já me ensinava sobre o magistério mesmo antes de me
conhecer;
Aos professores do Doutorado em Educação que contribuíram significativamente
para a minha formação profissional;
Gostaria de fazer referência especial também às pessoas e instituições que
colaboraram para a realização deste trabalho e para a minha aprendizagem
docente;
Às professoras Regina Maria Simões Puccineli Tancredi e Aline Maria de
Medeiros Rodrigues Reali pela participação na banca de defesa e pelas preciosas
contribuições que deram no exame de qualificação;
Ao professor Anselmo Alencar Colares, um dos meus professores da graduação, e
à professora Sônia de Jesus Nunes Bertolo pela participação na banca de defesa;
À Fátima Matos e Maria José Aviz do Rosário pelos nossos bons momentos em
São Carlos;
Às minhas amigas Penha e Luciana, companheiras do mestrado que mesmo
distantes compartilharam comigo momentos importantes dessa nova etapa de minha
trajetória acadêmica;
À Lilia Colares e André Mariano pelas lições de companheirismo e solidariedade;
Aos meus companheiros do Doutorado em Educação - turma de 2004, por
compartilharem comigo momentos preciosos do curso;
Aos amigos da Academia O2, em especial Alda, Carla, Cleber e Jayme, que me
ensinaram a “correr” atrás de uma vida melhor;
Quero expressar meus sinceros agradecimentos à UFPA – Instituto de Educação,
na pessoa do professor Ronaldo Lima pelo empenho pessoal na inclusão de meu
nome no Programa de Qualificação Institucional;
À Faculdade de Educação da UFPA – Campus de Santarém, pela liberação de
minhas atividades docentes;
À CAPES que financiou este estudo.
Meus irmãos, não sejais muitos de
vós mestres, sabendo que
receberemos um juízo mais severo.
(Tiago, 3: 4)
RESUMO
A investigação dos diferentes processos que envolvem a formação docente
tem sido objeto de estudos nas últimas décadas no Brasil e no exterior e apontam
para a necessidade de que os mesmos sejam ampliados considerando o que os
professores sabem e fazem no seu cotidiano. Considera-se importante ainda, que os
estudos preencham lacunas existentes em diferentes setores do magistério e
contemplem as escolas afastadas dos grandes centros, como as escolas do campo
e seus professores. Esta pesquisa discute a aprendizagem da docência e a
formação de quatro professoras que ingressaram como leigas em classes
multisseriadas na escola do campo e teve como objetivo central conhecer e analisar
de que maneira essas professoras, construíram as suas aprendizagens profissionais
enfatizando como começaram a ensinar sem terem aprendido a ensinar e como foi o
seu desenvolvimento profissional em classes multisseriadas na escola do campo.
Este trabalho se caracteriza como sendo um estudo descritivo-analítico, de natureza
qualitativa. Tomam-se como eixos principais da análise as estratégias não-
explicitas de formação e as estratégias explícitas de formação das professoras
investigadas. Utilizou-se como aporte teórico os estudos de Lortie (1975), Huberman
(2000), Zeichner e Liston (1993 e 1996), Shulman (2004), Bransford et al (2000),
Mizukami et al. (2003), Darling-Hammond e Baratz-Snowden (2005), Hammerness,
Darling-Hammond e Bransford, (2005), entre outros. As análises das falas das
professoras evidenciaram que as aprendizagens se deram por meio da docência
instituída, da observação e da imitação criativa das práticas das suas antigas
professoras. Apontaram que quanto mais o conteúdo a ser ensinado se aproxima do
contexto vivenciado, mais elas têm facilidade em lidar com eles. Por outro lado,
quanto mais o conteúdo a ser ministrado se afasta do contexto vivenciado pelas
professoras, mais dificuldade elas têm em administrá-los. Percebeu-se ainda, que os
conteúdos novos precisam de algum tempo para ser assimilados e as professoras
contam com a ajuda das colegas de outras escolas para superar tais dificuldades.
Notou-se ainda que as professoras que atuam nas escolas do campo no município
de Santarém, estabeleceram a docência em salas de aula multisseriadas com base
em aspectos pouco fundamentados teoricamente. Parecem ter noções do
conhecimento pedagógico geral e sobre ele assentam seu ensino. Dominam de
forma precária os fundamentos dos conhecimentos específicos que ensinam e
repetem o que aprenderam com seus professores (sabem, mas não sabem como
sabem). Com os dois eixos fracos, a base de conhecimento para o ensino é fraca,
mecânica e estereotipada (Shulman, 1986, 1987). Evidenciou-se ainda que as
limitações impostas pela ausência de preparação formal para o exercício do
magistério se mostraram imperativas e as professoras reconheceram isso como um
empecilho nos seus processos de desenvolvimento profissional
Palavras-chave: Aprendizagem da docência, Formação de professores; Professores
leigos; Classes multisseriadas; Escolas do campo.
ABSTRACT
The investigation of different processes that involve the teaching formation has been
object of studies in Brazil and abroad and point a to the necessity of that the teachers
know and do its daily one. Its still considered important, that the studies fill existing
gaps in different sectors of the magistery and contemplate the rural schools and far
way from great centers as the rural schools and its teachers. This research argues
the learning of teaching and formation of four teachers who had entered as lay
people multisseries classrooms in the rural school and had as its professional
development in multisseries classrooms. This work characterizes as being an
description-analytical study of qualitative nature. It requires as main axles of the
analysis the not explicit strategies of formation and the investigation teachers. It was
used as support theoretical the studies of Lortie (1975), Huberman (2000), Zeichner
and Liston (1993 and 1996), Shulman (2004), Bransford et al (2000), Mizukami et al
(2003), Darlind-Hammond and Baratz-Snowden (2005), Hammerness, Darling-
Hammond and Bransford, (2005), among others. The analyses of the teachers
speaking had evidenced that the learnings of the teaching had given by means of the
comment and of the creative imitation of the practical ones of its old teachers. They
had pointed that the more the trought content approaches to the lived deeply context,
more they have the facility of dealing with them. On the other hand, the more the
content to be given moved away context lived deeply by the teachers, more
difficulties they have in dealing with them. One still perceived that the new contents
need some time to be assimilated and the teachers count on aid of the coleagues of
the other schools to surpass such difficulties. One still perceived, that teachers who
act in the rural schools in the city of Santarém, had on the basis of established the
teaching. A in multisseries classrooms aspects little based theoretically. They seem
to have slight knowledge of the general pedagogical knowledge and on it establish
your teach. They dominate of precarious form beddings of specific knowledge the
each teach and repeat what they had learned with its teachers (know, but do not
know as they know). With the two weak axles, the base of knowledge for education is
weak mechanics and stereotypicals (Shulman, 1986,1987). It was still proven that the
limitation imposed for the absence of formal preparation for the exercise of magistery
had shown imperative and the teachers had recognized this as one hindrance in its
process of professional development.
Key words: Learning of teaching; Teachers formation; Multisseries classrooms; rural
school.
LISTA DE TABELAS
Tabela 01: Censo Escolar: Ensino Fundamental 1ª a 4ª série - Percentual
de funções docentes por grau de formação e localização - Brasil e Regiões
– 2002 ........................................................................................................... 17
Tabela 02: Número de Escolas, Turmas Multisseriadas, Professores e
Alunos por Região - Município de Santarém – 2005 .................................... 54
Tabela 03: Escolaridade de Professores de Turmas Multisseriadas por
Região - Santarém – 2005 ............................................................................ 55
LISTA DE FOTOS
Foto 01 – Escola Municipal Localizada na Região da Várzea em Santarém 25
LISTA DE QUADROS
Quadro 01: Caracterização das professoras de classes multisseriadas 29
Quadro 02: Programação de Disciplinas da Escola Oca 31
Quadro 03: Programação de Disciplinas da Escola Aldeia 33
Quadro 04: Programação de Disciplinas da Escola Borari 34
Quadro 05: Programação de Disciplinas da Escola Tapajó 37
Quadro 06: Caracterização da ação docente na sala de aula multisseriada
- O planejamento 114
Quadro 07: Caracterização da ação docente na sala de aula multisseriada
- A ação didática 156
Quadro 08: Caracterização da ação docente na sala de aula multisseriada
- A avaliação 160
Quadro 09: As aprendizagens das professoras de classes multisseridas 161
LISTA DE ABREVIATURAS
ANPED – Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação
CNEA - Campanha Nacional de Erradicação do Analfabetismo
CNBB - Conferência Nacional dos Bispos do Brasil
CPC - Centros Populares de Cultura
ENDIPE – Encontro Nacional de Didática e Prática de Ensino
EUA – Estados Unidos da América
FUNDEF - Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e
Valorização do Magistério
IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
INEP – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira
LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
MCP - Movimentos de Cultura Popular
MEC – Ministério da Educação
MEB - Movimento de Educação de Base
MST - Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
PCN´s - Parâmetros Curriculares Nacionais
PNA - Plano Nacional de Alfabetização
PROEX/UFPA – Pró-Reitoria de Extensão da Universidade Federal do Pará
SEMED – Secretaria Municipal de Educação - Santarém
UFMA – Universidade Federal do Maranhão
UFPA – Universidade Federal do Pará
UNB - Universidade de Brasília
UNE - União Nacional dos Estudantes
UNESCO - Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura
UNICEF - Fundo das Nações Unidas para a Infância
SUMÁRIO
LISTA DE TABELAS
LISTA DE FOTOS
LISTA DE QUADROS
LISTA DE ABREVIATURAS
INTRODUCÃO
14
Capítulo 1. A PESQUISA .............................................................................
22
1.1. Instrumentos de coleta de dados ........................................................... 23
1.2. A seleção das professoras e a coleta de dados .................................... 24
1.3. Procedimentos de análise dos dados .................................................... 27
1.4. As protagonistas do estudo e as escolas pesquisadas ......................... 28
As professoras .............................................................................................. 28
As escolas pesquisadas ................................................................................ 29
Escola Oca .................................................................................................... 30
Escola Aldeia ................................................................................................. 31
Escola Borari ................................................................................................. 33
Escola Tapajó ................................................................................................ 35
As comunidades ............................................................................................ 37
Capítulo 2. A ESCOLA DO CAMPO NO CONTEXTO DAS POLÍTICAS
PÚBLICAS E EDUCACIONAIS ....................................................................
39
2.1. As políticas públicas para a escola do campo ....................................... 39
2.2. As políticas para a formação do professor para a escola do campo: as
leis que legalizaram a docência leiga ........................................................... 46
2.3. A educação do campo em Santarém ..................................................... 51
2.3.1. Caracterização geral do município ...................................................... 51
2.3.2. Breve cartografia da educação em Santarém ..................................... 52
2.3.3. As escolas e as turmas multisseriadas no município .......................... 54
Capítulo 3. A FORMAÇÃO DE PROFESSORES E A APRENDIZAGEM
DA DOCÊNCIA .............................................................................................
57
3.1. A formação de professores .................................................................... 57
3.2. A aprendizagem da docência ................................................................. 69
3.3. A experiência, os saberes da experiência e o conhecimento para o
ensino ............................................................................................................ 76
Capítulo 4. AS PROFESSORAS DE CLASSES MULTISSERIADAS E A
APRENDIZAGEM NA AÇÃO DOCENTE .....................................................
85
4.1. Estratégias não-explícitas de formação ................................................. 85
4.1.1. As relações com a escola antes da iniciação profissional ou a
docência instituída ......................................................................................... 86
4.1.2. A entrada na profissão e os primeiros anos de carreira ...................... 89
4.1.2.1. A entrada na profissão ..................................................................... 89
4.1.2.2. Os primeiros anos de carreira ou a docência legitimada ................. 95
4.2. Estratégias explícitas de formação ou a docência profissional .............. 102
4.2.1. Reflexões sobre a prática e sobre as mudanças na prática a partir
do curso de magistério .................................................................................. 104
4.3. As aprendizagens da docência das professoras de classes
multisseriadas ............................................................................................... 109
4.3.1. Caracterização da ação docente em sala de aula multisseriada ........ 110
As aulas das protagonistas do estudo .......................................................... 116
As aulas de Iara ............................................................................................ 116
As aulas de Juçara ........................................................................................ 121
As aulas de Iracema ...................................................................................... 131
As aulas de Ceci ........................................................................................... 146
4.3.2. Considerações sobre as aulas das professoras ................................. 153
CONSIDERAÇÕES FINAIS ..........................................................................
163
REFERÊNCIAS ............................................................................................
168
APÊNDICES .................................................................................................
175
ANEXOS .......................................................................................................
186
14
INTRODUÇÃO
Diferentes processos que envolvem a formação docente têm sido objeto de
investigação nas últimas décadas no Brasil e no exterior, investigações que apontam
para a necessidade de ampliação considerando o que os professores sabem e
fazem no seu cotidiano (ZEICHNER e LISTON (1993 e 1996), SHULMAN (2004),
BRANSFORD et al (2000), MIZUKAMI et al. (2003), DARLING-HAMMOND e
BARATZ-SNOWDEN (2005). Considera-se importante, ainda, que os estudos
preencham lacunas existentes em diferentes setores do magistério e contemplem as
escolas afastadas dos grandes centros, como as escolas do campo e seus
professores.
Entende-se que há uma influência recíproca entre o rural e o urbano. O
campo e a cidade estão intimamente imbricados e historicamente condicionados nos
mais diferentes aspectos. No entanto, ao lidar com o termo rural e a diversidade de
formas de tratamento, tais como campo, colônia, interior, e as dificuldades que se
encontram para delimitar o espaço rural no contexto das discussões acadêmicas, já
que com freqüência é citado como um “mundo” distinto do urbano, separado e em
grande parte carente de recursos materiais e com trabalhadores pouco qualificados,
decidiu-se adotar doravante o termo campo
1
porque
[...] admite acepções muito mais extensas. Por um lado, pode significar
somente o aspecto territorial ou ecológico. Por outro, pode muito bem servir
para significar todo o contexto social e o sistema que se desenvolve no
campo, adquirindo neste caso sentido tão amplo como o que pode estar
escondido na acepção de rural, e talvez mais ainda pelos matizes que o
povo deu à idéia de campo, sobretudo como motivo de conquista ou
reivindicação política, social ou econômica. (DICIONÁRIO DE CIÊNCIAS
SOCIAIS, 1987, p.135)
Segundo André (2002), no Brasil, os estudos sobre formação de professores
têm crescido, e no período de 1990-1996, focalizaram principalmente a formação
inicial, formação continuada, identidade e profissionalização docente e prática
1
Adota-se em algumas passagens o termo rural apenas como recurso lingüístico para evitar a
repetição.
15
pedagógica. André destaca um silêncio em relação à formação do professor para o
ensino superior e para atuar na educação de jovens e adultos, no ensino técnico e
rural, nos movimentos sociais e com crianças em situação de risco (p.13).
O estudo realizado por Mariano (2006) retoma, a partir da análise de
trabalhos apresentados nos encontros da ANPED – Associação Nacional de Pós-
Graduação e Pesquisa em Educação, e do ENDIPE – Encontro Nacional de Didática
e Prática de Ensino, no período de 1995 a 2004, as temáticas mais discutidas nos
trabalhos apresentados sobre o início da docência. Os temas que aparecem como
pontos centrais na discussão são: socialização profissional, saberes docentes,
percepções, sentimentos e dilemas, bem como a caracterização das dificuldades
que os novatos enfrentam. As análises de depoimentos e da prática pedagógica se
enquadram no que o autor denomina de estudos feitos para se compreender o
momento da transição do ser estudante para o ser professor e como terceiro ponto
de análise dá destaque para os modelos de formação de professores. Mariano (op.
cit.) aponta também os temas pouco enfatizados nos trabalhos apresentados, quais
sejam: as relações estabelecidas entre a formação inicial e o início da carreira; os
tipos de aprendizagem que o professor iniciante estabelece neste momento da
profissão e o processo de aprendizagem profissional da docência na Educação
Infantil. Dentre os aspectos silenciados o autor destaca aqueles ligados às políticas
de formação continuada ou de desenvolvimento profissional; às relações entre o
início da docência e a política institucional das escolas; trabalhos que focalizam
questões de diversidade/diferença, pluralidade cultural e multiculturalismo; análise
da prática pedagógica dos professores da educação de jovens e adultos; estudos
relacionados à aprendizagem do adulto; as relações estabelecidas entre o professor
iniciante e seus modelos profissionais; estudos históricos de como os professores se
inserem na docência e estudos que comparem o início da docência nos diferentes
níveis e modalidades de ensino (MARIANO, 2006, p.120-129).
Damasceno e Beserra (2004), ao levantarem o estado da arte sobre
educação rural e suas perspectivas, nas décadas de 1980 e 1990 no Brasil,
constataram que a marginalização da educação rural revela-se também nas
temáticas privilegiadas pelos estudos realizados (p. 6). As 102 teses e dissertações
encontradas no banco de dados da ANPED no período de 1981 a 1998 e analisadas
16
pelas autoras estavam distribuídas nas seguintes temáticas: ensino fundamental
(escola rural); professores rurais; políticas para a educação rural; currículos e
saberes; educação popular e movimentos sociais no campo; educação e trabalho
rural; extensão rural e relações de gênero. Sob os temas professores rurais e
políticas para a educação rural, as pesquisas buscavam compreender a ação do
Estado como agência formuladora de políticas públicas e analisar a prática
pedagógica dos mestres enfatizando a sua formação e suas condições de vida e de
trabalho. Quando efetuaram o recorte das pesquisas por região as estudiosas
constataram que dos 102 trabalhos analisados, 55 haviam sido produzidos na região
sudeste, 26 na região sul, 15 na região nordeste e 06 na região centro-oeste.
Nenhum trabalho sobre educação rural havia sido produzido em estados da região
norte do Brasil.
Evidencia-se, a partir do levantamento realizado por Mariano (op. cit.) e por
Damasceno e Beserra (op. cit.) que a entrada na docência de professores que
começaram como leigos não é sequer cogitada como uma temática que requer
investigação. Isso confirma que as pesquisas educacionais que tratam seja da
formação, seja da prática docente, tomam como ponto de partida os cursos de
formação inicial em magistério de nível médio ou cursos superiores de licenciatura. A
área educacional carece de aprofundamento nos estudos e pesquisas para entender
como se deu esse processo com professores que ingressaram sem uma preparação
formal para o exercício da profissão: os chamados professores leigos.
Em estudo recente Ximenes (2003)
2
levantou informações sobre a formação
dos professores das escolas rurais e o que se revelou foi uma precária formação
docente para atuar na educação básica, a exemplo do que ocorre em todo o país.
Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2002)
3
a
formação de professores para atuar na educação básica de 1ª a 4ª série no Brasil é
muito baixa. Entre as regiões brasileiras a que apresentava maior percentual de
qualificação dos professores era a região sul com 50,6% de docentes com formação
em nível superior atuando na zona urbana e 22,8% atuando na zona rural. A região
norte apresentava o mais baixo percentual com apenas 11,1% de professores com o
2
Desse estudo resultou a dissertação: XIMENES, Solange, “Projeto político-pedagógico para a
escola do campo: dialogando com Paulo Freire”, UFMA, 2003.
3
Disponível em www.ibge.gov.br
17
nível superior completo atuando na zona urbana e apenas 0,8% atuando na zona
rural, conforme pode ser verificado na tabela 01, a seguir.
Tabela 01
Censo Escolar
Ensino Fundamental 1ª a 4ª série - Percentual de funções docentes por grau de formação e localização
- Brasil e Regiões – 2002
Percentual de Docentes por Grau de Formação
Até Fundamental Médio Completo Superior Completo
Unidade Geográfica
Urbana Rural Urbana Rural Urbana Rural
Ensino Fundamental - 1ª a 4ª série
Brasil 0,8 8,3 61,1 82,9 38,1 8,8
Norte 1,0 11,6 87,9 87,6 11,1 0,8
Nordeste 1,5 9,8 76,3 84,7 22,1 5,4
Sudeste 0,5 2,5 52,9 78,9 46,6 18,6
Sul 0,5 3,7 48,8 73,5 50,6 22,8
Centro Oeste 0,6 8,8 52,5 77,3 46,9 13,9
Fonte: MEC/INEP
4
A região norte apresentava ainda o maior percentual de professores leigos, ou
seja, que só concluíram o ensino fundamental. Desses, 1,0% estava na zona urbana
e 11,6% na zona rural. Quanto à qualificação mínima exigida - ensino médio - para a
docência no ensino fundamental de 1ª a 4ª série, a região norte, se comparada com
as outras regiões brasileiras, era a que apresentava o maior percentual, 87,9% para
os professores da zona urbana e 87,6% para os professores da zona rural.
Com apenas 0,8% de professores com formação em nível superior atuando
na zona rural, começou-se questionar sobre o lugar ocupado pelos professores,
especialmente os das escolas do campo, nas políticas públicas para as escolas
brasileiras e, especificamente, nos programas de formação docente.
Nesse sentido, chama atenção uma representação feita por Nóvoa (1999) no
prefácio do livro Profissão Professor quando destaca o exemplo do jogo de bridge
em que um dos parceiros é obrigado a expor as suas cartas, nenhuma jogada pode
4
Disponível em www.mec.gov.br
18
ser feita sem considerá-las, mas este não interfere no desenrolar do jogo. Usa a
mesma analogia para representar o lugar ocupado pelo professor quando da
execução de reformas educacionais, nas quais o professor, seus saberes
profissionais – incluindo os da experiência -, ocupam o “lugar do morto”.
O domínio do saber das disciplinas, do saber da pedagogia, a relação do
Estado com os pais e as comunidades e a relação dos alunos com o saber têm
excluído o professor do centro de debates importantes e tem levado a uma menor
atenção ao que os professores fazem ao que eles são e como constroem a docência
e suas aprendizagens (SHULMAN (1986; 1987); BRANSFORD et. al. (2000);
DARLING-HAMMOND e BARATZ-SNOWDEN (2005), entre outros).
Estar no “lugar do morto” é não ter direito a falar o que pensa, não precisar
ser consultado sobre reformas curriculares ou pedagógicas, enfim, é estar passivo
diante das transformações sociais de um modo geral e educacionais, em particular.
Acredita-se que é hora de colocar em evidência a docência como profissão e como o
“lugar de sujeitos” que pensam, constroem saberes, acumulam e reelaboram
experiências e pensam criticamente seu fazer pedagógico.
Os professores das diferentes escolas espalhadas pelo Brasil e pelo mundo
são profissionais que poderiam dar valiosas contribuições para as diferentes
reformas em curso e, quiçá, até conduzi-las. Porém, para que isso se torne realidade
eles precisam começar a ser vistos pelo sistema social e por eles próprios como
sujeitos de suas práticas.
As diferentes mudanças no mundo contemporâneo e as exigências que se
apresentam ao trabalho docente têm conduzido a significativas transformações no
papel do professor na sociedade atual. Compromete ainda mais esse quadro a
expansão dos sistemas de informação que concorrem diretamente com o professor
colocando em xeque seus saberes e competências. Todas essas modificações
ocorridas ultimamente em uma velocidade incontrolável apresentam demandas ao
professor que, para se adequar, dispõe de poucos caminhos que podem ser
percorridos. O mais evidente é a busca da qualificação em programas de formação
inicial ou de formação continuada. Essa procura é uma possibilidade de garantir a
estabilidade no emprego e uma suposta melhoria na prática pedagógica. Por outro
19
lado, não há garantia de que isso de fato ocorra se continuar a depender somente
da iniciativa dos professores, pois poucos são os estados brasileiros que possuem
uma política de qualificação docente que esteja vinculada a um plano de valorização
do magistério que inclua melhores salários e condições de trabalho.
Genericamente, o que se diz aqui se aplica às diferentes realidades e também
à realidade dos professores de classes multisseriadas
5
que trabalham na escola do
campo. Ao se falar dos professores das “escolas marginais
6
” acrescente-se o
descaso histórico a que têm sido submetidos pelos diferentes governos. Além das
dificuldades geográficas, de transporte e de infra-estrutura, os professores dessas
escolas são os que possuem menor qualificação para o trabalho. Até a aprovação
da LDB 9.394/96 eram leigos em grande parte das escolas do campo.
[...] O que a realidade educacional veio mostrando ao longo dos anos é que
o nível de escolaridade desses professores leigos é muito inferior àquele
que a legislação supunha, configurando-se assim um grave problema. Com
base na Sinopse Estatística do MEC/INEP de 1996, o Plano Nacional de
Educação, em 2001, reconheceu a existência de 94.976
7
professores
leigos no País com formação apenas no ensino fundamental atuando no
magistério de 1ª à 4ª série. Desses 94.976 professores, 44.335
8
tinham
formação incompleta no ensino fundamental. Esses números, porém, vêm
sendo gradativamente reduzidos. Conforme o Senso Escolar de 2002, o
número de professores leigos com formação apenas no ensino
fundamental atuando no magistério de 1ª à 4ª série, caiu para 23.014
9
.
Desses 23.014 professores, 5.126
10
tinham formação incompleta no
ensino fundamental.
No Estado do Pará, em 2002, havia 1.887
11
professores leigos com
formação apenas no ensino fundamental lecionando de 1ª à 4ª série.
Desses 1.887 professores, 300
12
tinham formação incompleta no ensino
fundamental (grifos no original). (MURTA, 2006. pp. 34 e 35)
Pensar o professor como sujeito implica pensar “todos” os professores: das
escolas dos centros urbanos ou das escolas do campo. Colocar no discurso que se
deve “dar voz” ao professor parece politicamente correto, mas até os pesquisadores
5
São classes em que um mesmo professor trabalha com séries diferentes.
6
Utiliza-se o termo para denunciar o descaso dos sucessivos governos com as escolas localizadas
fora da sede dos municípios. Refere-se àquelas escolas que estão na periferia das grandes cidades:
ribeirinhas, quilombolas, indígenas, na zona rural de um modo geral.
7
11,8% do total de professores de 1ª à 4ª série do País.
8
5,5% do total de professores de 1ª à 4ª série do País.
9
2,8% do total de professores 1ª à 4ª série do País.
10
0,6% do total de professores de 1ª à 4ª série do País.
11
5,1% do total de professores de 1ª à 4ª série do Estado do Pará.
12
0,8% do total de professores de1ª à 4ª série do Estado do Pará.
20
da educação têm negligenciado setores importantes do magistério como os
professores de classes multisseriadas, de escolas quilombolas e indígenas.
Conforme destacado por André (op. cit.), há uma lacuna nas pesquisas
brasileiras sobre esse setor do magistério, os professores da escola do campo.
Desse modo, a importância do presente estudo reside na necessidade de se
compreender algumas questões: Quem são esses professores? Como foi seu
ingresso na profissão? Como e com quem aprenderam a ensinar? De que maneira
eles articulam os diferentes saberes em seu exercício profissional? Qual o peso das
suas vivências em sua prática docente?
Além de perpassar essas indagações, nesta investigação procura-se
responder à seguinte questão de pesquisa: quais foram as aprendizagens da
docência de professoras que ingressaram como leigas em classes
multisseriadas na escola do campo, sob sua própria ótica?
O objetivo central da pesquisa consistiu em conhecer e analisar de que
maneira essas professoras, que ingressaram leigas no magistério, construíram as
suas aprendizagens profissionais enfatizando como começaram a ensinar sem
terem aprendido a ensinar e como foi o seu desenvolvimento profissional em classes
multisseriadas na escola do campo. Os objetivos específicos são:
- Entender como foi o ingresso de professoras leigas na docência;
- Compreender como professoras leigas construíram o repertório do fazer
profissional no magistério;
- Identificar as contribuições dos cursos de formação para a prática docente
em classes multisseriadas;
- Descrever e analisar a aula em sala multisseriada a partir do planejamento,
ação didática e avaliação.
- Identificar e analisar quais as concepções das professoras sobre o seu
ensino, a aprendizagem e a avaliação dos alunos.
21
Plano de apresentação do trabalho
O trabalho está dividido em 5 (cinco) partes. Na primeira parte destaca-se o
processo de construção da pesquisa, descrevem-se os sujeitos que participaram do
trabalho e como foi realizada a coleta e a análise dos dados. Na segunda parte
fornece-se uma visão panorâmica das políticas públicas elaboradas para as escolas
do campo, com especial atenção para as discussões sobre a indicação de
professores leigos para a docência.
Na terceira parte apresenta-se a discussão presente na literatura sobre a
formação de professores e aprendizagem da docência destacando a problemática
que envolve a questão, qual seja, a dicotomia teoria e prática. Na quarta parte
descreve-se o percurso formativo das professoras de classes multisseriadas,
mostrando como foi sua inserção e seu desenvolvimento profissional, analisa-se
como desenvolvem a prática pedagógica em classes multisseriadas e finaliza-se
com uma discussão sobre a construção da aprendizagem docente a partir dos
saberes construídos na ação docente. Na quinta e última parte apresentam-se as
considerações finais do estudo.
22
Capítulo 1 – A PESQUISA
Esta investigação busca responder à seguinte indagação: quais foram as
aprendizagens da docência de professoras que ingressaram como leigas em
classes multisseriadas na escola do campo, sob sua própria ótica? Este
trabalho se caracteriza como sendo um estudo descritivo-analítico, de natureza
qualitativa.
Entende-se que a definição de um objeto de estudo esteja ligada a quem o
pesquisador é e caracteriza uma dada realidade historicamente situada. Desse
modo, o pesquisador influencia o objeto e é influenciado por ele. O trabalho de
pesquisa é um trabalho que precisa de fôlego, que se realiza pouco a pouco através
de inúmeras idas e vindas. Entende-se que não está dado, que vai se construindo
em um processo e que ao longo do tempo toma forma própria.
A construção do objeto [...] não é uma coisa que se produza de uma
assentada, por uma espécie de ato teórico inaugural, e o programa de
observações e de análises por meio do qual a operação se efetua não é
um plano que se desenhe antecipadamente, à maneira de um engenheiro:
é um trabalho de grande fôlego, que se realiza pouco a pouco, por
retoques sucessivos, por toda uma série de correções, de emendas,
sugeridos por o que se chama ofício, quer dizer, esse conjunto de
princípios práticos que orientam as opções ao mesmo tempo minúsculas e
decisivas. (BOURDIEU, 2001, p.26-27)
O trabalho de pesquisa é, portanto, um trabalho cuidadoso, que exige rigor
epistemológico e capacidade de sistematização científica por parte do pesquisador e
uma constante atitude interrogativa frente ao objeto. Nesse processo de construção
definiu-se a metodologia do trabalho, entendida aqui como o caminho e o
instrumental próprios de abordagem da realidade (MINAYO, 1993, p.22).
Fez-se a opção pela pesquisa qualitativa por perceber-se que não se poderia
a priori definir o design do estudo, pois a realidade é múltipla, socialmente
construída em uma dada situação e, portanto, não se pode apreender seu
significado se, de modo arbitrário e precoce, a aprisionarmos em dimensões e
categorias (ALVES, 1991, P.55). Desse modo, ao longo do estudo e a partir dos
ajustes necessários nos instrumentos de coleta de dados, os focos de análise foram
23
emergindo à medida que o trabalho de investigação ia avançando e o contato com
os informantes ia sendo ampliado.
1.1 Instrumentos de coleta de dados
Nesse processo de construção definiram-se os instrumentos que auxiliariam
na captação da realidade pesquisada. Fez-se opção pela observação das aulas
das professoras com registro da realidade observada no diário de campo, pois este
forneceria informações que poderiam ser confrontadas com as coletadas por meio
de outros instrumentos. A observação das aulas das professoras auxiliou no
processo de caracterização da prática docente em classes multisseriadas e foi
guiada pelos seguintes aspectos: Planejamento (plano de aula; calendário de aulas;
organização dos espaços e tempos escolares; tempo dedicado para a exposição da
matéria para cada turma, distribuição dos alunos na sala); Ação Didática (rotinas;
exposição dos conteúdos; recursos utilizados pelas professoras e pelos alunos;
participação da classe; condutas das professoras frente às solicitações dos alunos;
formas de interação e administração dos conflitos) e Avaliação (estratégias e
instrumentos utilizados para avaliar; freqüência com que avaliavam; estratégias
utilizadas diante dos resultados dos alunos).
Realizaram-se entrevistas individuais com as quatro professoras
participantes do estudo para melhor aprofundamento sobre os seus processos de
aprendizagem da docência. Dentre os tipos possíveis de entrevistas, optou-se pela
de roteiro semi-estruturado, a qual se caracteriza por uma combinação de perguntas
previamente elaboradas, com a liberdade de o entrevistador formular novas
questões a partir das respostas do entrevistado. As questões derivaram do problema
de pesquisa, de forma a se obter informações necessárias à compreensão das
aprendizagens docentes das professoras de classes multisseriadas.
Triviños (1987) explica que a entrevista semi-estruturada no mesmo momento
em que dá importância à presença do pesquisador, oferece todas as perspectivas
24
possíveis para que o informante alcance a liberdade e a espontaneidade
necessárias, enriquecendo a investigação (p.146).
Para Cruz Neto (2001) a entrevista é um procedimento e por seu intermédio
[...] o pesquisador busca obter informes contidos na fala dos atores sociais.
Ela não significa uma conversa despretensiosa e neutra, uma vez que se
insere como meio de coleta dos fatos relatados pelos atores, enquanto
sujeitos-objeto da pesquisa que vivenciam uma determinada realidade que
está sendo focalizada (p.57).
Realizadas as entrevistas, os passos seguintes foram transcrição e análise
das fitas procurando identificar, nas falas das professoras quais foram as suas
aprendizagens da docência em classes multisseriadas, em diferentes momentos e
situações.
Um ano após a realização das entrevistas solicitou-se às professoras que
escrevessem um texto onde descrevessem quais aprendizagens haviam tido desde
o seu primeiro dia de aulas. O material foi enviado por via postal e as professoras,
de próprio punho, redigiram com liberdade as suas experiências de aprendizagem.
Lidou-se, nessa última fase da investigação, com narrativas das professoras
distanciadas do período mais intenso de coleta de dados.
1.2 A seleção das professoras e a coleta de dados
A entrada em campo para a seleção dos sujeitos se deu no dia 29 de junho
de 2005 em um curso ministrado na comunidade de Murumuru
13
. Durante o curso
entregaram-se alguns formulários para professores de classes multisseriadas que
continham questões relativas ao perfil desejado para os participantes do estudo. De
forma a ser possível investigar a questão de pesquisa, os participantes deveriam ter
iniciado na docência, ainda leigos, não estarem matriculados ou terem concluído
cursos de formação em nível superior e estarem dispostos a participar do estudo.
Dentre os que preencheram o formulário, só uma professora se enquadrava no perfil
13
Comunidade com a qual já se vinha trabalhando desde a época da graduação e onde se coletaram
os dados para os estudos de mestrado.
25
desejado. Programou-se junto com ela dar início ao trabalho no começo do segundo
semestre letivo, dia 1 de agosto de 2005
14
.
Nesse intervalo de tempo a pesquisadora dirigiu-se à secretaria de educação
do município – SEMED, com o objetivo de levantar informações sobre os
professores de escolas do campo, especialmente sobre os seus níveis de
qualificação. Com a planilha que se recebeu do setor de estatística e de posse dos
outros dados tentou-se localizar os professores que pudessem contribuir com a
pesquisa. Desejou-se, naquele momento, trabalhar com professores de áreas
ribeirinhas, mesmo que fosse necessário ficar algumas semanas nas comunidades.
Demoveu-se da intenção considerando que a grande seca que atingiu a região
amazônica em 2005 duplicou as dificuldades de acesso àquelas áreas. A
pesquisadora deteve-se então em levantar os sujeitos na área de planalto
15
.
Conforme pode ser observado na Foto 01, o acesso às escolas da região da Várzea
é feito por via fluvial e, no período de seca, a região fica intrafegável ou com o
acesso dificultado.
Foto 01 – Escola Municipal Localizada na Região da Várzea em Santarém
Fonte: Relatório da SEMED - 2002
14
Só se pode iniciar as atividades nessa escola no dia 8 de agosto uma vez que a única via de
acesso à comunidade ficou interditada por cerca de uma semana devido ao protesto de agricultores
contra as precárias condições da estrada Santarém–Curuá-Una, o que dificultava o escoamento da
produção agrícola.
15
A secretaria de educação de Santarém divide a sua área de abrangência em duas grandes regiões:
Zona Urbana e Zona Rural. Na zona urbana estão concentradas as escolas que estão na sede do
município. Na zona rural estão localizadas as escolas fora da sede e que se subdivide em Planalto,
Arapiuns, Arapixuna, Várzea, Tapajós e Lago Grande, sendo as cinco últimas área de rios.
26
Foram visitadas dez escolas, aplicaram-se os questionários e quando se
percebia que o professor possuía o perfil desejado, o objetivo da pesquisa lhe era
explicado e já se marcava o início do trabalho. Foram selecionadas três professoras
de três escolas diferentes e o processo de coleta de dados teve início no mês de
agosto, nos dias 8, 23 e 24 e foi concluído em dezesseis de novembro
16
perfazendo
um total de vinte e nove visitas com quatro horas cada, totalizando cento e
dezesseis horas de observação.
Por volta do final do mês de setembro uma das professoras não demonstrou
mais interesse em continuar participando do estudo, alegou excesso de trabalho e
falta de tempo para as entrevistas o que provocou o encerramento das atividades
com ela em cinco de outubro. Avaliou-se o risco de continuar só com duas
professoras e decidiu-se que se deveria incluir mais alguém no trabalho. Voltou-se a
fazer a aplicação dos questionários para identificar outro docente com aquele perfil
e, por sugestão de uma das professoras, identificou-se uma docente em uma escola
próxima às que já se estava trabalhando. Ela aceitou participar e iniciaram-se as
atividades com ela em vinte e um de outubro.
Concentrou-se a atenção inicialmente em observar a atuação das professoras
em sala de aula a partir da forma como interagiam com os alunos, da avaliação,
planejamento das aulas e exposição dos conteúdos. Todas essas interações foram
registradas em diário de campo com algumas análises que foram sendo feitas ao
longo do processo e resultaram em 196 páginas de anotações das aulas das
professoras além de 228 páginas de planos de aulas. Estes não digitados.
O objetivo inicial era, ao final de cada aula, realizar uma entrevista breve com
a professora, guiada por um roteiro previamente elaborado, objetivando esclarecer
alguns aspectos de sua prática pedagógica. Isso se mostrou inviável à medida que
se percebia o desgaste físico das professoras após o período de quatro horas de
aula. Em alguns momentos foi preciso ir até à casa delas no final de semana para
poder tomar os depoimentos. Preferiu-se respeitar seus limites físicos,
interromperam-se muitas conversas porque o cansaço das professoras era visível e
16
Tal data deve-se ao fato de as professoras já estarem fechando o ano letivo, realizando exames
finais e dedicarem-se a partir de então somente às aulas de recuperação para os alunos com mais
dificuldades de aprendizagem. Após essa data visitamos algumas delas em suas residências para
gravar entrevistas previamente agendadas.
27
se reconheceu o risco do distanciamento temporal entre as aulas e a entrevista para
os resultados do presente trabalho. Após concluir e transcrever as gravações
obtiveram-se 68 páginas digitadas em espaço simples em fonte 12 com relatos da
trajetória profissional das quatro professoras. As entrevistas duravam em média
trinta minutos quando eram realizadas na escola e cerca de uma hora quando
realizadas em suas casas. Mesmo em casa tinham outras ocupações e a
pesquisadora não se sentiu no direito de tomar muito do seu tempo.
1.3 Procedimentos de análise dos dados
Como se utilizaram diferentes instrumentos para a coleta de dados,
observação das aulas, entrevistas e narrativas das professoras, a análise dos dados
deu-se em diferentes momentos. As entrevistas foram transcritas à medida que iam
sendo realizadas e serviam de base para as entrevistas posteriores com as
professoras. As anotações no diário de campo, geradas a partir das observações
das aulas das professoras, também forneceram elementos para as entrevistas e
ajudaram a esclarecer alguns aspectos da prática das professoras de classes
multisseriadas.
Paralelo a esse movimento de coleta de dados, realizou-se o aprofundamento
do referencial teórico e dele foram extraídos alguns focos de análise que foram
tomando contornos mais nítidos ao longo do estudo. Alguns focos foram substituídos
e outros foram construídos a medida que as análises das entrevistas foram sendo
realizadas e à medida que o estudo avançava.
As narrativas, coletadas um ano após a realização das entrevistas,
forneceram elementos adicionais que propiciaram a compreensão de quais
aprendizagens as professoras haviam tido desde o seu primeiro dia de aulas. Em
geral, elas repetiram reflexões que já haviam apresentado nas entrevistas, desse
modo, foram aproveitadas apenas para corroborar as falas das professoras.
28
O cruzamento e a análise dessas fontes permitiram visualizar as aulas das
professoras, identificar as práticas convergentes e divergentes e traçar um quadro
panorâmico das aprendizagens construídas na ação docente pelas professoras de
classes multisseriadas que atuam nas escolas do campo.
1.4. As protagonistas do estudo e as escolas pesquisadas
As Professoras
As professoras selecionadas são experientes com um tempo de serviço
médio em torno de 20 anos. São, neste estudo, denominadas de Ceci, Iara, Iracema
e Juçara. Fez-se a opção por esses nomes por apresentarem estreita relação com a
história da região amazônica, marcada pela forte influência da cultura indígena e
pela luta vivenciada por uma das professoras em ver demarcada uma área indígena
pertencente à comunidade na qual mora e onde está localizada a escola.
Ceci, Iara, Iracema e Juçara representam o ideário amazônico e brasileiro
eternizado em lendas e romances. Cecília, verdadeiro nome de Ceci, é a filha de um
fidalgo português que se apaixona pelo índio Peri que a salva de um acidente. A
história desse romance é contada em O Guarani de José de Alencar. Iara é o ser
mitológico mais popular da Amazônia. Ela é descrita como uma mulher muito bonita
e de canto inebriante que enfeitiça os homens. Quem a vê, nunca mais a esquece.
Iracema é uma índia da tribo Tabajara que se apaixona pelo português Martim
Soares em outro romance escrito por José de Alencar. Juçara faz referência a uma
palmeira da qual se extrai o açaí e o palmito, também chamada “açaí-do-sul” e
abundante na região amazônica.
As professoras, todas elas mulheres e mães, são referências nas
comunidades às quais pertencem, fazem parte das associações de moradores e são
29
líderes nas igrejas locais. Todas declaram ser cristãs, sendo três católicas e uma
evangélica. No quadro a seguir apresentam-se mais informações sobre elas.
Quadro 01
Caracterização das professoras de classes multisseriadas
Nome Escolaridade Inicial Tempo de Serviço
em 2005
Séries que Leciona
Juçara 7ª série 18 anos 2ª, 3ª e 4ª
Iracema 7ª série 25 anos 1ª, 2ª, 3ª e 4ª *
Ceci 8ª série 23 anos 1ª, 2ª e 3ª
Iara 5ª série 31 anos 1ª, 2ª, 3ª e 4ª
* Divididas em dois turnos, a saber: 2ª e 3ª no período da manhã e 1ª e 4ª no período da tarde.
As escolas pesquisadas
No que se refere à estrutura física se confirmou uma velha sensação de que
as escolas do campo são precárias. Nas escolas onde se realizou esta pesquisa,
embora o espaço físico tenha melhorado tendo em vista os investimentos do Fundo
de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização do
Magistério – FUNDEF, a estrutura existente está longe de representar o modelo
ideal e de atender às necessidades da comunidade escolar.
A seguir descrevem-se os espaços físicos das escolas que, embora não
sejam muito distintos, guardam suas peculiaridades. Por esse motivo faz-se a
descrição individualizada de cada um. Seguindo o exemplo do que se fez com as
professoras, utilizam-se aqui termos indígenas para denominar as escolas.
30
A Escola Oca
É construída em alvenaria com cobertura de telhas de barro e tem boas
condições físicas. Possui 1 sala de aula, 1 cozinha, 1 sala de secretaria e 2
sanitários.
A sala de aula possui apenas as carteiras dos alunos, uma mesa e uma
cadeira em madeira para uso da professora Iracema e um quadro de cimento de cor
verde na parede. Na porta ela coloca uma lixeira na qual os alunos depositam
pedaços de papel e a serragem dos lápis. A escola não possui energia elétrica. As
carteiras são dispostas em semi-círculos, mesmo nos dias de prova. Nas paredes
estão cartazes do dia das mães e no teto há alguns enfeites de balões juninos. No
final da sala, depositados em cima de algumas carteiras, vários livros didáticos e
dicionários aos quais os alunos têm acesso sempre que necessitam. Do lado da
mesa da professora também existem alguns livros dispostos nas mesmas condições
além de lápis e borrachas e do material de “secretaria” como grampeador e algumas
folhas de papel em branco.
Na sala de secretaria há algumas carteiras, um quadro verde portátil que fica
apoiado sobre duas carteiras, um mimeógrafo a álcool e uma pequena mesa. Esse
espaço é usado para guardar materiais da escola como livros e tambores e como
sala para as aulas de reforço. Na cozinha existe uma mesa com 6 cadeiras, um
fogão tipo industrial a gás e uma pia. Não existe rede de abastecimento de água e a
merendeira, que também é servente, precisa caminhar cerca de 400m até o igarapé
para pegar água e lavar a louça. Na cozinha existe ainda uma despensa que serve
para guardar a merenda escolar distribuída pela secretaria de educação. Os
sanitários, 1 masculino e 1 feminino, são muito precários, ficam do lado de fora da
escola e não são construídos com fossa sanitária.
Esta escola possui 36 alunos regularmente matriculados em dois turnos e
assim distribuídos: 1ª série com 10 alunos, 2ª série com 7 alunos, 3ª série com 7
31
alunos e 4ª série com 12 alunos. Existem ainda 3 alunos que estão “encostados
17
na 1ª série. São ao todo 39. No quadro a seguir apresenta-se a organização das
aulas elaborada pela professora.
Quadro 02
Programação de Disciplinas da Escola Oca
Dia da semana 1º período* 2º período**
Segunda – feira Português Matemática
Terça – feira Português Matemática
Quarta – feira Matemática Geografia
Quinta – feira Português Matemática
Sexta – feira História Ensino Religioso e
Educação Física
* Antes do intervalo para recreio
** Depois do intervalo para recreio
A Escola Aldeia
18
É construída em alvenaria com cobertura de telhas de barro e também tem
boas condições físicas, pois foi reformada na administração passada com recursos
do FUNDEF. Possui 1 sala de aula, 1 cozinha com despensa, 1 sala de secretaria e
2 banheiros.
A sala de aula é equipada com as carteiras dos alunos, uma mesa e uma
cadeira em madeira para uso da professora e um quadro de cimento de cor verde na
parede. No fundo da sala fica um bebedouro de água para uso coletivo. A
justificativa do bebedouro na sala é para evitar que os alunos saiam para beber
água, o que garante um maior controle, pois a escola não possui muro ou cerca que
17
As professoras de escolas do campo costumam receber alunos não matriculados em suas salas de
aula. É uma espécie de pré-escolar e ao fazer isso criam demanda para o ano seguinte, já que
podem contar com esses alunos na matrícula do próximo ano, garantindo dessa forma a oferta de
uma nova turma. Também pensam em facilitar seu próprio trabalho no futuro, pois o aluno ingressará
com algum conhecimento escolar, especialmente o que se refere à alfabetização.
18
Povoado de índios. Nome de um bairro da cidade de Santarém onde antigamente habitavam os
índios Tapajó.
32
limite a saída dos alunos. Quando a servente ou outra pessoa que está na escola
precisa de água, entra na sala, naturalmente, e pega o líquido. A escola possui
energia elétrica, mas não é equipada com geladeira ou outros equipamentos
elétricos além do bebedouro. As carteiras são dispostas em fileiras. Nas paredes
estão cartazes de ciências e alguns com o alfabeto usado pela professora da tarde
que trabalha com a 1ª série.
A sala de secretaria é usada pela professora Juçara com certa freqüência e é
nela que estão guardados os diferentes materiais da escola como livros,
mimeógrafo, um rádio pequeno que funciona à pilha e alguns tambores usados no
desfile de 7 de Setembro.
A cozinha possui azulejos brancos nas paredes e lajota branca no piso e é
equipada com fogão tipo industrial que funciona a gás, tem uma mesa com cadeiras
e uma pia. A escola possui água encanada proveniente do microssistema que
abastece a comunidade. Os banheiros também possuem azulejos nas paredes e
lajota no piso, pia e vaso sanitário. O uso dos banheiros foi determinado pela
professora ficando assim dividido: um é de uso coletivo dos alunos, meninos e
meninas e o outro é de uso dos funcionários da escola. O banheiro usado pelos
alunos tem um vazamento na caixa de descarga e na pia e a porta está com a
fechadura danificada. O banheiro usado pelos funcionários da escola (professoras e
servente) está em boas condições de conservação e limpeza.
A sala de aula da professora Juçara possui 20 alunos sendo 9 de 3ª série e 7
de 4ª série, estes matriculados para estudarem com ela. Existem ainda 4 alunos de
2ª série que deveriam estudar no período da tarde com a outra professora. Como
essa professora tem que alfabetizar os alunos de 1ª série, Juçara “pegou” esses
alunos no período da manhã e trabalha com eles.
A distribuição das disciplinas durante o período letivo foi organizada pela
professora e está exposta no quadro a seguir:
33
Quadro 03
Programação de Disciplinas da Escola Aldeia
Dia da semana 1º período* 2º período**
Segunda – feira Português Matemática
Terça – feira Matemática Ciências
Quarta – feira Português História e Geografia
Quinta – feira Matemática Ciências, História e
Geografia.
Sexta – feira Português Ensino Religioso e
Educação Física
* Antes do intervalo para recreio
** Depois do intervalo para recreio
A Escola Borari
19
É construída em alvenaria com cobertura de telhas de barro e tem boas
condições físicas. Possui 1 sala de aula, 1 cozinha, 1 sala de secretaria e 2
banheiros.
A sala de aula possui um armário onde a professora Iara guarda os livros,
uma mesa e uma cadeira em madeira, um quadro de cimento de cor verde na
parede. Na porta da sala a professora pede para a servente colocar uma carteira
com uma garrafa tipo Pet com água e copos para uso dos alunos durante as aulas
(assim não precisam sair para beber água). Possui ainda um ventilador de teto no
meio da sala e 4 lâmpadas fluorescentes. As carteiras estão dispostas em 5 fileiras.
Nas paredes estão cartazes do corpo humano e de bichos e plantas do Brasil
(retirados de revistas ou enviados pelo MEC) e um outro cartaz construído na escola
que fala sobre a importância da leitura.
Na sala de secretaria existem algumas carteiras e um quadro portátil. Essa
sala é usada para atendimento de dois alunos portadores de necessidades
19
Índios que habitavam a região de Alter-do-Chão, balneário do município de Santarém, na época da
colonização portuguesa.
34
educativas especiais. O atendimento é feito por uma professora itinerante que vai à
escola duas vezes por semana. Durante esse período os alunos saem da sala
regular e são acompanhados individualmente pela professora de “educação
especial”. Esse acompanhamento funciona como aula de reforço já que não possui
nenhum recurso especificamente elaborado para as necessidades dos alunos. Um
foi diagnosticado como deficiente mental e o outro tem dificuldades de audição e de
fala.
A cozinha possui piso em lajota branca e azulejos, também brancos nas
paredes. Tem uma mesa com cadeiras, pia com água encanada e uma geladeira
usada que fora comprada com recursos da escola, amealhados a partir de coletas,
doações e pequenas vendas. A geladeira serve para congelar chopinhos
20
de frutas
que são vendidos nos intervalos a dez centavos de real cada um. Os banheiros
também possuem lajotas no piso e azulejos nas paredes, pia e vaso sanitário e são
assim distribuídos: 1 masculino e 1 feminino. Estão em bom estado de conservação.
A sala de aula da professora Iara possui 13 alunos na 1ª série, 4 alunos na 2ª
série, 5 alunos na 3ª série e 8 alunos na 4ª série, somando 30 alunos regularmente
matriculados. Ela tem ainda mais 4 alunos que estão “encostados” na 1ª série. São
ao todo 34 alunos.
A seguir apresenta-se o quadro de distribuição das aulas elaborado pela
professora Iara.
Quadro 04
Programação de Disciplinas da Escola Borari
Dia da semana Disciplina
Segunda – feira Português
Terça – feira Ciências
Quarta – feira Matemática
Quinta – feira História e Geografia
Sexta – feira Ensino Religioso e Educação Física
20
Suco de frutas diversas que é colocado em um pequeno saco plástico e depois congelado.
35
A Escola Tapajó
21
Esta escola é construída em alvenaria com cobertura de telhas de amianto e
possui 1 sala de aula, 1 sala de secretaria e 2 sanitários. Foi construída a partir da
iniciativa do proprietário de uma fazenda que doou
22
à Prefeitura de Santarém, no
final da década de 1980, um terreno que deveria abrigar a construção. Em conversa
informal com o doador da área soube-se que a edificação da escola teve motivações
políticas já que o mandato do prefeito estava terminando e ele precisava apresentar
alguma obra àquela comunidade.
A construção é muito precária e necessita de uma reforma urgente até para
garantir a saúde da professora e dos alunos. Está localizada às margens de uma
rodovia estadual que possui grande fluxo de veículos, inclusive caminhões
madeireiros, não possui água encanada e nem muros que limitem a saída dos
alunos e o seu conseqüente acesso à rodovia. O trânsito de veículos na estrada sem
asfalto expõe os usuários do espaço da escola a doenças pulmonares, entre outras,
já que a poeira é intensa, o calor é forte e o barulho constante. A escola possui rede
de energia elétrica que é cedida por um morador vizinho quando há necessidade.
Fica localizada ao lado de uma pequena capela da igreja católica.
A sala de aula possui carteiras dispostas conforme as necessidades da
professora Ceci, três quadros de giz sendo 2 portáteis, cada um apoiado sobre duas
carteiras e um outro afixado em uma das paredes. Existe uma mesa e uma cadeira
de uso da professora e um armário para guardar livros e outros materiais. No fundo
da sala há outra mesa onde fica uma garrafa do tipo Pet com água gelada para uso
dos alunos e da professora. O copo é de uso coletivo e a água é cedida por uma
família que mora perto da escola. Na entrada da sala existe um tapete e no pé da
21
Grupo indígena, atualmente considerado extinto, que habitava próximo ao Rio Tapajós, na época
da colonização portuguesa.
22
Embora tivesse motivação política, tal prática foi e continua sendo amplamente aceita e foi até
estimulada legalmente conforme exposto a seguir no Art. 32 da Lei 4.024/61: Os proprietários rurais
que não puderem manter escolas primárias para as crianças residentes em suas glebas deverão
facilitar-lhes a freqüência às escolas mais próximas, ou propiciar a instalação e funcionamento de
escolas públicas em suas propriedades.
36
porta um tijolo enrolado em papel de presente que evita que a porta bata com o
vento.
A sala de secretaria tem na entrada alguns vasos com plantas. Essa sala é
usada como cozinha e não apresenta as mínimas condições para isso. Não possui
pia, água encanada, despensa ou armários e os mantimentos destinados à merenda
escolar ficam guardados em um grande saco plástico, expostos à poeira e ataque de
animais nocivos à saúde humana. A merenda é preparada pelas mães dos alunos
em sistema de rodízio. Quando a mãe escalada falta, as crianças ficam sem
merenda e por isso são liberadas mais cedo. Os sanitários também são precários e
não possuem fossa asséptica.
Para tentar resolver a questão do abastecimento de água na escola, a
professora mandou perfurar um poço semi-artesiano que não resolveu o problema já
que a água é imprópria para o consumo, pois é barrenta e exala mau cheiro. Essa
água é usada para lavar a escola e limpar as carteiras.
A questão da limpeza da escola merece uma atenção especial uma vez que a
professora Ceci é a única funcionária do local e também acumula essa função.
Costuma chegar cerca de meia hora mais cedo à escola para providenciar a limpeza
da sala e para isso conta com a ajuda das alunas e dos alunos. Durante o período
em que se realizou este trabalho a pesquisadora também ajudou na limpeza e pôde
sentir o quanto é cansativo. As carteiras ficam muito empoeiradas devido à
proximidade da escola com a estrada e quando se passa o pano úmido, ao invés de
limpar, forma-se uma crosta de lama inimaginável para um ambiente que deveria ser
de aprendizagem salutar.
A Escola Tapajó possui 17 alunos distribuídos em três turmas: 7 de 1ª série, 4
de 2ª série e 6 de 3ª série. A seguir apresenta-se a organização das disciplinas
durante a semana, elaborada pela professora Ceci.
37
Quadro 05
Programação de Disciplinas da Escola Tapajó
Dia da semana 1º período* 2º período**
Segunda – feira Ciências Português
Terça – feira História e Geografia Matemática
Quarta – feira Português Ciências
Quinta – feira Ensino Religioso Matemática
Sexta – feira Revisão Educação Física
* Antes do intervalo para recreio
** Depois do intervalo para recreio
As comunidades
As comunidades onde se localizam as escolas e residem as professoras
participantes deste estudo não serão identificadas neste texto para preservar a
identidade das informantes. Serão apresentadas informações gerais que
caracterizam as comunidades rurais no Estado do Pará.
As comunidades estão localizadas na região do Planalto a cerca de 40
quilômetros da sede do município. A distribuição espacial não difere da de outras
comunidades rurais e tem como referência a igreja católica, ao redor da qual estão o
barracão comunitário, local onde se realizam os festejos e todas as reuniões
importantes, a escola e o campo de futebol.
As comunidades possuem algumas tabernas que comercializam gêneros
alimentícios básicos como óleo, arroz, feijão, sal, açúcar, porém a atividade
característica da região é a extrativista e a agricultura de subsistência. Os
comunitários fazem a colheita de açaí e pupunha, além da pesca e plantam
pequenos roçados de feijão, mandioca e milho. A mandioca é beneficiada nas casas
de farinha e é presença importante na mesa do caboclo amazônico. Esses produtos
servem para o consumo de suas famílias e o excedente é comercializado na cidade.
38
Parte da população trabalha em fazendas da região como peão, doméstica ou
capataz. A escolaridade em geral é baixa e muitos jovens mudam-se para a cidade
em busca de melhores condições de vida.
A escola é tida como ponto de referência da comunidade, é entendida como
local de um saber sistematizado e importante para a vida em sociedade.
39
Capítulo 2 – A ESCOLA DO CAMPO NO CONTEXTO DAS POLÍTICAS
PÚBLICAS E EDUCACIONAIS
Neste capítulo apresenta-se inicialmente o debate posto em torno da escola
do campo no contexto das políticas públicas, indicando como a legislação
educacional brasileira é omissa ao tratar da escolarização do trabalhador do campo
e da formação do professor para atuar nessas escolas. Em seguida apresenta-se
em linhas gerais um retrato da educação no município de Santarém focalizando
especialmente a oferta educacional na zona rural com destaque para a presença
das classes multisseriadas, e um breve debate sobre os níveis de formação dos
professores desta área geográfica.
2.1. As políticas públicas para a escola do campo
23
Pensar um projeto para a escola do campo no Brasil significa pensar cinco
séculos de educação dirigida por uma elite dominante que pouco esteve preocupada
com a oferta de educação para o conjunto da população. Seria ingênuo afirmar que
neste período existiu um hiato no que se refere à escolarização dos que habitam no
campo, porém, a literatura revela um descaso nas políticas públicas direcionadas a
essa população.
As primeiras propostas oficiais para a educação no campo foram formalizadas
no final da primeira década do século XX e estavam voltadas para a manutenção do
homem no campo. Com o objetivo de conter a migração e elevar a produtividade na
zona rural inicia-se o “ruralismo pedagógico”, que previa a alteração e adaptação
dos currículos e programas à realidade do campo.
23
Nesta seção retomam-se discussões introduzidas na dissertação de mestrado intitulada “Um
projeto político-pedagógico para a escola do campo: dialogando com Paulo Freire”, apresentada à
UFMA em 2003.
40
O ruralismo pedagógico propugnava uma escola integrada às condições
locais, regionalista, cujo objetivo maior era promover a ‘fixação’ do homem ao campo
(MAIA, 1982, p.05). Camuflava, no entanto, um caráter político e ideológico por trás
da questão educacional.
Ainda conforme Maia (op.cit.), o ruralismo pedagógico, comprometido com a
manutenção do ‘status quo’, contribui para uma percepção viesada da contradição
cidade-campo como algo ‘natural’, concorrendo conseqüentemente para sua
perpetuação. Dessa forma, conclui que a ‘grande missão do professor rural seria a
de demonstrar as ‘excelências’ da vida no campo, convencendo o homem a
permanecer marginalizado dos benefícios da civilização urbana (1982, p.06).
Para Nagle, pesquisador da história da educação brasileira na Primeira
República, o processo de ruralização do ensino apresentava um ideário que apenas
parcialmente influenciou a legislação escolar e as práticas escolares (1974, p.233).
Durante o Estado Novo foi criada a Sociedade Brasileira de Educação Rural
que objetivava expandir o ensino e promover a preservação da arte e do folclore
rurais. A partir de 1945, com a criação do Programa de Extensão Rural o Estado
brasileiro promoveu o combate à carência, à subnutrição e às doenças, bem como a
ignorância e a outros fatores negativos dos grupos empobrecidos no Brasil (LEITE,
1999, p.33). Definido como um processo de educação extra-escolar, o movimento
extensionista surge no Brasil como uma reação ao malogro da educação rural
(SZMRECSÁNIY e QUEDA, 1976, p.216).
Por meio de uma intensa propaganda a atuação do extensionista se dava no
sentido de persuadir as populações camponesas a aderirem à ação educativa
proposta. Segundo Leite (1999)
O trabalho do extensionista, já devidamente programado e preparado,
jogou contra a parede a dinâmica pedagógica dos professores rurais, como
algo ultrapassado e sem objetivo imediato, não considerando o que a
educação formal realizara até então (p.36).
41
Algumas das principais leis educacionais
24
no que se refere à escolarização
do homem do campo apresentam em seu corpo propostas confusas e por vezes
ambíguas: ora sustentam a necessidade de uma escolaridade baseada na realidade
do rurícola, ora repetem os parâmetros vigentes na educação urbana.
Quanto à primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei
4.024/61 merece destaque o posicionamento em relação à escolarização no campo
explicitado nos artigos 79 e 105. No artigo 79 que trata das universidades, o
legislador confere ao Conselho Federal de Educação a autoridade para criar, a seu
critério, universidades rurais a partir da reunião de cinco ou mais estabelecimentos
de ensino e no artigo 105 propõe um tipo de parceria público-privado para a
escolarização e profissionalização do homem do campo, conforme exposto a seguir:
Art. 79. As universidades constituem-se pela reunião, sob administração
comum, de cinco ou mais estabelecimentos de ensino superior.
§ 1º O Conselho Federal de Educação poderá dispensar, a seu critério, os
requisitos mencionados no artigo acima, na criação de universidades rurais
e outras de objetivo especializado.
[...]
Art. 105. Os poderes públicos instituirão e ampararão serviços e entidades,
que mantenham na zona rural escolas ou centros de educação, capazes de
favorecer a adaptação do homem ao meio e o estímulo de vocações e
atividades profissionais.
Quanto a esta Lei, Leite (1999) faz as seguintes observações:
Deixando a cargo das municipalidades a estruturação da escola
fundamental na zona rural, a Lei 4.024 omitiu-se quanto à escola no
campo, uma vez que a maioria das prefeituras municipais do interior é
desprovida de recursos humanos e, principalmente, financeiros. Desta
feita, com uma política educacional nem centralizada nem descentralizada,
o sistema formal de educação rural sem condições de auto-sustentação –
pedagógica, administrativa e financeira – entrou num processo de
deterioração, submetendo-se aos interesses urbanos (p. 39).
Na década de 60 os altos índices de analfabetismo na zona rural chamaram à
atenção de intelectuais e educadores que se mobilizaram em torno de propostas de
alfabetização dos trabalhadores. Estavam imbuídos do firme propósito de ampliar o
nível de conscientização e por isso se empenharam em movimentos de educação
24
Aqui se considera: a primeira LDB (4.024/61); a Reforma do ensino de 1º e 2º graus (5.692/71) e a
atual LDB (9.394/96).
42
popular tais como os Centros Populares de Cultura
25
(CPC), os Movimentos de
Cultura Popular (MCP) e o Movimento de Educação de Base
26
(MEB). Foi nesse
contexto que ganhou amplitude o nome de Paulo Freire. A proposta por ele
defendida chamou a atenção do Governo Federal que em 1963 (sob a presidência
de João Goulart), resolveu oficializá-la e estendê-la a todo o país.
Convidado pelo Ministério da Educação, Paulo Freire seria o coordenador de
um Plano Nacional de Alfabetização (PNA), criado em 21 de janeiro de 1964,
visando a alfabetizar 05 milhões de brasileiros até 1965. Foram criados cursos de
capacitação de coordenadores em quase todas as capitais brasileiras, os quais
seriam “multiplicadores” da experiência no interior dos estados. O golpe militar, no
entanto, suprimiu a iniciativa de implantação de 20.000 (vinte mil) círculos de cultura
em 1964, assim como a possibilidade de concretização de uma proposta oficial que
viesse a corrigir as distorções educativas tão combatidas nesse momento histórico.
O PNA foi extinto em 14 de abril de 1964. Iniciava-se o longo período de 21 anos em
que a Presidência da República foi ocupada por militares.
Na década de 70 a filosofia que permeou as políticas para a educação rural
transferiu para a família e para as comunidades a solução dos problemas, sendo a
tônica do discurso a necessidade de participação da comunidade, a integração
escola-comunidade, o atendimento às peculiaridades regionais, o desenvolvimento
comunitário, a escola integrada e outros programas de desenvolvimento urbano e
rural integrados
27
.
A Lei 5.692/71, que fixou diretrizes e bases para o ensino de 1° e 2° graus
garantiu a adaptação do calendário escolar ao ciclo produtivo na zona rural,
estabeleceu a obrigatoriedade de oferta de escolarização para os trabalhadores e
seus filhos, mediante o salário-educação e tornou obrigatório o acesso à
escolarização por meio de cursos a distância.
25
Movimento cultural ligado à União Nacional dos Estudantes (UNE) que na década de 60 atuou
junto às Ligas Camponesas.
26
Organismo ligado à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) fundado em 1961 e que
desenvolve programas de educação de base e atua em diversas áreas das regiões Norte e Nordeste
do Brasil entre outras.
27
PÓLO NORDESTE entre outros.
43
Art. 11 O ano e o semestre letivos, independentemente, do ano civil, terão,
no mínimo, 180 e 90 dias de trabalho escolar efetivo, respectivamente,
excluído o tempo reservado às provas finais, caso estas sejam adotadas.
§ 2º Na zona rural, o estabelecimento poderá organizar os períodos letivos,
com prescrição de férias nas épocas do plantio e colheita de safras,
conforme plano aprovado pela competente autoridade de ensino.
Art. 47 As empresas comerciais, industriais e agrícolas são obrigadas a
manter o ensino de 1º grau gratuito para seus empregados e o ensino dos
filhos destes entre os sete e os quatorze anos ou a concorrer para esse fim
mediante a contribuição do salário-educação, na forma estabelecida por lei.
Art. 49 As empresas e os proprietários rurais, que não puderem manter em
suas glebas ensino para os seus empregados e os filhos destes, são
obrigados, sem prejuízo do disposto no artigo 47, a facilitar-lhes a
frequência à escola mais próxima ou a propiciar a instalação e o
funcionamento de escolas gratuitas em suas propriedades.
Art. 51 Os sistemas de ensino atuarão junto às empresas de qualquer
natureza, urbanas ou agrícolas, que tenham. empregados residentes em
suas dependências, no sentido de que instalem e mantenham, conforme
dispuser o respectivo sistema e dentro das peculiaridades locais,
receptores de rádio e televisão educativos para o seu pessoal.
Parágrafo único. As entidades particulares que recebam subvenções ou
auxílios do Poder Público deverão colaborar, mediante solicitação deste, no
ensino supletivo de adolescentes e adultos, ou na promoção de cursos e
outras atividades com finalidade educativo-cultural, instalando postos de
rádio ou televisão educativos.
Segundo Leite, a Lei 5.692/71 não trouxe novidades transformadoras. Para
este autor, quando a legislação se refere a peculiaridades regionais o faz de maneira
particular, com enfoque localizado e para o atendimento das microeconomias.
Tendo por retaguarda essas peculiaridades regionais, a LDB teoricamente
abriu espaço para a educação rural, porém restrita em seu próprio meio
sem contar com recursos humanos e materiais satisfatórios, na maioria das
vezes não conseguiu atingir os objetivos preconizados pela legislação. Isso
porque a Lei 5.692, distanciada da realidade sócio-cultural do campesinato
brasileiro, não incorporou as exigências do processo escolar rural em suas
orientações fundamentais nem mesmo cogitou possíveis direcionamentos
para uma política educacional destinada, exclusivamente, aos grupos
campesinos. (1999, pp. 47 e 48)
Nesse sentido, as propostas oficiais para a educação nas escolas rurais
visavam à adaptação de currículos e programas sócio-econômicos voltados para a
realidade do campo e do aluno. As ações pedagógicas implantadas ora partiam da
origem do aluno, visto como carente, ora olhavam os seus destinos, futuros
trabalhadores, e propunham a adaptação da escola a essa realidade.
44
Nesse aspecto, a atual LDB, Lei 9.394/96, apresenta uma situação
diferenciada. Deixa a cargo dos sistemas de ensino a aplicação de recursos que
promovam a melhoria da qualidade do ensino nos diferentes níveis, assim como a
adaptação do calendário escolar ao período da produção. Assim determina a Lei:
Na oferta de educação básica para a população rural, os sistemas de
ensino promoverão as adaptações necessárias à sua adequação às
peculiaridades da vida rural e de cada região, especialmente:
I – conteúdos curriculares e metodologias apropriadas às reais
necessidades e interesses dos alunos na zona rural;
II – organização escolar própria, incluindo adequação do calendário escolar
às fases do ciclo agrícola e às condições climáticas;
III – adequação à natureza do trabalho na zona rural. (ART. 28)
Tais alterações correspondem, na interpretação de Leite, à desvinculação da
escola rural dos meios e da performance escolar urbana, exigindo para a primeira
um planejamento interligado à vida rural e de certo modo desurbanizado (1999, p.
54).
Para atuar nas escolas do campo, depreende-se, a partir do artigo 28 da LDB
9.394/96, que o docente, com a anuência dos respectivos sistemas de ensino,
deverá ter condições de organizar e adaptar os conteúdos curriculares e
metodologias às necessidades e interesses dos alunos e adequá-los à natureza do
trabalho da zona rural. No entanto, a maioria dos programas de formação de
professores no Brasil, inclusive os das regiões norte e nordeste, negam a realidade
rural que as caracteriza e não incluem a especificidade das escolas do campo nos
currículos dos cursos de formação.
Embora a legislação avance ao explicitar esses princípios, isso, porém, não
garante, por si só, a correção das assimetrias historicamente vivenciadas por alunos,
professores e comunidades rurais em geral, tais como oferta insuficiente de vagas
na educação básica, prédios mal-equipados, baixos salários, entre outros.
A discussão em torno da realidade rurícola e a necessidade de construção de
uma escola vinculada às necessidades do homem do campo voltou à cena e foi
defendida na 1ª Conferência Nacional Por Uma educação Básica do Campo,
realizada em Luziânia no Estado de Goiás entre os dias 27 e 30 de julho de 1998.
45
Esse evento foi organizado pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB),
pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), pelo Fundo das
Nações Unidas para a Infância (UNICEF), pela Organização das Nações Unidas
para Educação, Ciência e Cultura (UNESCO) e pela Universidade de Brasília (UNB).
O documento final da Conferência sinalizava no horizonte a discussão de
políticas públicas que propiciassem o desenvolvimento do campo com a adequada
oferta da educação básica para a população ali residente. E para isso, apontava
para a mobilização da sociedade e do governo tendo em vista uma ampla
conscientização sobre essa problemática. A Conferência desencadeou um processo
de reflexão e de mobilização do povo em favor de uma educação que leve em conta,
nos seus conteúdos e na metodologia, o específico do campo (KOLLING et al.,
1999, p.13).
O documento da Conferência chama a atenção para a necessidade da
estruturação de escolas verdadeiramente vinculadas às necessidades do campo,
uma vez que
[...] não basta ter escolas no campo, quer-se ajudar a construir escolas do
campo, ou seja, escolas com um projeto político-pedagógico vinculado às
causas, aos desafios, aos sonhos, à história e à cultura do povo
trabalhador do campo. (KOLLING et al. 1999, p. 29)
Os movimentos sociais organizados têm se levantado em defesa da escola
pública porque a vêem como um dos meios de acesso ao saber indispensável para
a compreensão da sociedade capitalista na qual estão inseridos. A escola é vista
não somente como lócus do conhecimento universalmente construído pelo homem,
mas como um espaço capaz de contribuir para a compreensão crítica da realidade
histórica na qual estão inseridos, como trabalhadores rurais, homens, mulheres e
crianças que vivem no e do campo.
46
2.2 As políticas para a formação do professor para a escola do campo: as leis
que legalizaram a docência leiga
Para que se possa entender como a docência leiga é institucionalizada pelo
Estado brasileiro será retomado um pouco da história e, ao fazê-lo, voltar ao ano de
1549 que marca a chegada da Companhia de Jesus
28
ao Brasil. A Companhia de
Jesus havia sido fundada poucos anos antes, em 1534, por Inácio de Loyola e
recebeu aprovação do Papa Paulo III em 1540. Os padres jesuítas assumiram, além
da função de catequizar os índios, primeiros habitantes do país, a função de
fornecer-lhes uma instrução
29
que pudesse favorecer os objetivos da congregação,
que eram expandir e consolidar o cristianismo na Colônia conquistando almas para
Deus e ampliar o número de súditos para a Coroa Portuguesa arregimentando os
índios como força de trabalho.
Até o período que antecedeu o reinado de D. José I e o conseqüente
predomínio do Marquês de Pombal na condução da política lusa, a
educação escolar, tanto em Portugal quanto no Brasil (e Grão-Pará), não
só era conduzida pelas ordens religiosas como estava basicamente
subordinada a seus interesses. Como ainda não havia separação entre
Igreja e Estado, uma parcela dos impostos era destinada às atividades da
igreja e, desta forma, pode-se dizer que o financiamento da educação era
público. (COLARES, 2003, p. 146)
Com a expulsão dos Jesuítas pelo Marquês de Pombal em 1759, o Estado se
tornou responsável pela educação dos habitantes do país. Isso, porém, não
representou um avanço, ao contrário, é entendido como um retrocesso uma vez que
não havia um plano de ação para atender à demanda deixada pelos padres da
Companhia de Jesus. Havia dificuldade de encontrar professores preparados para
tal função além de o tipo de escola existente causar grande aversão nas crianças
(COLARES, 2003).
28
Faz-se referência especial à Companhia de Jesus por ter sido a Ordem religiosa que mais se
destacou na catequização dos índios no Brasil. No entanto, outras Ordens também se instalaram e
desenvolveram atividades com os índios, como os Carmelitas e os Franciscanos entre outros.
29
Segundo Colares (2003) a escolarização estava restrita a uma minoria. Aos demais, a absoluta
maioria, restava a catequização, embora nesta também estivesse presente o sentido educativo
(p.146).
47
A ausência de professores qualificados para a docência possibilitou a
contratação de leigos, vocábulo
30
que na época limitava-se à interpretação de
professores não ligados a Ordens religiosas.
Durante o período do Império houve a preocupação com a formação dos
professores para o ensino primário embora pouco tenha sido feito, de modo
concreto, para enfrentar essa problemática.
A partir de 1920 as modificações na configuração da economia brasileira,
demandadas pelo processo de industrialização e urbanização, aumentam a
demanda pela escolarização na medida em que se passa a requerer do indivíduo
um maior preparo escolar, como meio de ascensão em sua atividade profissional
(LELIS, 1996, p.38). Em face disso e ainda segundo Lelis (op. cit.), o sistema
educacional passou a ser determinado por essas modificações o que provocou a
expansão da rede pública de ensino e a redefinição do papel da escola na
sociedade brasileira. As reformas do sistema de ensino nos diferentes Estados da
Federação passaram a considerar a necessidade de formar professores para
atender às necessidades do novo cenário econômico que se desenhava. No
entanto, como em cada unidade federativa existia uma legislação própria para a
contratação de docentes, o Estado se ressentia de uma Lei que regulamentasse a
formação de professores e a entrada na profissão em todo o território nacional.
Essa questão foi de alguma forma resolvida com a aprovação da primeira Lei
de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei 4.024/61 que fixava em seu artigo
53 que a formação de professores para a docência na escola primária deveria fazer-
se:
a) em escola normal de grau ginasial no mínimo de quatro séries anuais
onde além das disciplinas obrigatórias do curso secundário ginasial será
ministrada preparação pedagógica;
b) em escola normal de grau colegial, de três séries anuais, no mínimo, em
prosseguimento ao [...] grau ginasial.
30
Leigo (subst. Adj.). 1. que ou aquele que não recebeu ordens sacras; laico. 2. que ou aquele que é
estranho a ou que revela ignorância ou pouca familiaridade com determinado assunto, profissão, etc;
desconhecedor, inexperiente. 3. diz se de juiz não togado, não diplomado em direito. 4. não clerical;
relativo ao meio civil; mundano, secular (Dicionário Houaiss, 2001).
48
No artigo 54 desta mesma Lei fica estabelecido que as escolas normais de
grau ginasial expedirão o diploma de regente de ensino primário e as de grau
colegial o de professor primário.
No que se refere à formação de professores e demais profissionais da
educação para atuar na escola do campo, a referida Lei em seu artigo 57 ordena, de
forma pouco clara, que tal qualificação poderá se dar em estabelecimentos que
determinem a integração ao meio.
Art. 57. A formação de professores, orientadores e supervisores para as
escolas rurais primárias poderá ser feita em estabelecimentos que lhes
prescrevem a integração no meio.
No entanto, paralelamente às dificuldades para oferecer a escolarização
formal no campo e na cidade, os diferentes governos enfrentaram também
dificuldades para encontrar profissionais com a formação necessária para exercer a
docência. Considerando a carência de professores qualificados e que estivessem
dispostos a se deslocar para as comunidades distantes, o legislador previa, no artigo
116 das Disposições Transitórias, que a habilitação para o exercício da docência de
1ª a 4ª séries fosse feita através de exame de suficiência para aqueles que tivessem
interesse em lecionar.
Art. 116. Enquanto não houver número suficiente de professores primários
formados pelas Escolas Normais ou pelos Institutos de Educação e sempre
que se registre esta falta, a habilitação ao exercício do magistério a título
precário até que cesse a falta, será feita por meio de exame de suficiência,
realizado na Escola Normal ou Instituto de Educação Oficial, para tanto
credenciado pelo Conselho Estadual de Educação.
A Lei 5.692/71 que reformou o ensino de 1º e 2º graus, e revogou os artigos
acima citados da Lei 4.024/61, estabelecia o seguinte para a formação de
professores de 1ª a 4ª série do 1º grau:
Art. 30. Exigir-se-á como formação mínima para o exercício do magistério:
a) no ensino de 1º grau, da 1ª a 4ª séries, habilitação específica de 2º grau;
Parágrafo 1º. Os professores a que se refere a letra “a” poderão lecionar na
5ª e 6ª séries do ensino de 1º grau se a sua habilitação houver sido obtida
em quatro séries ou, quando em três, mediante estudos adicionais
correspondentes a um ano letivo que incluirão, quando for o caso,
formação pedagógica.
49
No artigo 77 das Disposições Transitórias ficava estabelecida a permissão
para a docência em regime de formação precária.
Quando a oferta de professores, legalmente habilitados, não bastar para
atender as necessidades do ensino, permitir-se-á que lecionem, em caráter
suplementar e a título precário;
a) no ensino de primeiro grau, até a 8ª série, os diplomados com
habilitação para o magistério ao nível da 4ª série de 2º grau;
b) no ensino de primeiro grau, até a 6ª série, os diplomados com
habilitação para o magistério ao nível da 3ª série de 2º grau.
Parágrafo único – Onde e quando persistir a falta real de professores, após
a aplicação dos critérios estabelecidos neste artigo, poderão ainda lecionar:
a) no ensino de 1º grau, ate a 6ª série, candidatos que hajam concluído
a 8ª série e venham a ser preparados em cursos intensivos;
b) no ensino de 1º grau, até a 5ª série, candidatos habilitados em
exames de capacitação regulados, nos vários sistemas, pelos respectivos
Conselhos de Educação.
Embora a legislação permitisse a admissão de professores com habilitação
precária, ela estabelecia em seu artigo 29 que eles deveriam ser preparados em
programas especiais de recuperação para que alcançassem, progressivamente, a
formação exigida. Isso, facilmente observável nas diferentes regiões brasileiras, não
foi adequadamente cumprido.
A formação de professores e especialistas para o ensino de 1º e 2º graus
será feita em níveis que se elevem progressivamente, ajustando-se às
diferenças culturais de cada região do País, e com orientação que atenda
aos objetivos específicos de cada grau, às características das disciplinas,
áreas de estudo ou atividades e às fases de desenvolvimento do
educando. (ART. 29)
No Estado do Pará a iniciativa mais conhecida de oferta de progressão de
estudos para os professores leigos foi o Projeto Gavião
31
I e II organizado por meio
de convênios entre o Governo do Estado, Prefeituras e a Universidade Federal do
Pará. Os cursos do Projeto Gavião
32
eram destinados exclusivamente para os
professores da rede pública de ensino que não possuíam a formação mínima exigida
31
Aprovado pela Resolução nº 090/1984 do Conselho Estadual de Educação. Nota-se que foi
implantado já na vigência da Lei 5.692/71.
32
O Projeto Gavião, atualmente sob a coordenação da Pró-Reitoria de Extensão da UFPA, atendeu,
no ano de 2005, quatro municípios (Anajás, Porto de Moz, Tomé-Açu e Marapanim) com a oferta do
curso de magistério e um município (Paragominas) com o Curso de Formação Continuada Gestão
Democrática no Processo de Transformação. Ver no anexo 01
o Demonstrativo da Emissão de
Diplomas e Certificados do Projeto Gavião I e II em 2005.
50
pela legislação. O Projeto Gavião I objetivava habilitar os professores em nível de 1º
grau e o Projeto Gavião II habilitar em nível de magistério
33
.
Outras iniciativas isoladas e, por isso mesmo, difíceis de serem identificadas,
também foram implantadas pelas respectivas redes de ensino na modalidade de
cursos de extensão, de aperfeiçoamento, de reciclagem, com as mais diferentes
denominações. Muitos desses cursos, nos relatos dos próprios professores,
trouxeram poucas contribuições para a prática docente. Ao se referir aos cursos
dessa natureza, Brandão assim se posiciona:
Não o transformam de “leigo” em “professor”, não melhoram o salário, não
adicionam direitos, não somam pontos, não ajudam a escalar postos e não
reescrevem a identidade. Não sugerem e não traçam uma carreira. Ensinos
e conhecimentos dados aos pedaços, um pouco a cada fevereiro, cuja
utilidade não vimos ninguém negar, mas cujo proveito real é quase
nenhum, no julgar de todos. (BRANDÃO, 1984, p. 135)
Com a anuência da legislação em vigor a figura do professor leigo continuou
presente no sistema educacional brasileiro durante os anos 60, 70, 80 e 90, até a
aprovação da Lei 9.394/96 que, teoricamente, aboliu a atuação de professor com
esse nível de ensino. Afirma-se que aboliu teoricamente porque ainda não se
possuem estudos conclusivos sobre a questão. No entanto, dados empíricos e
algumas falas de professores levam a crer que se não existem professores leigos
atuando no ensino de 1ª a 4ª série segundo as estatísticas oficiais, eles podem estar
escondidos no ensino de 5ª a 8ª série como professores não habilitados, ou em fase
de habilitação em nível superior, exercendo a docência.
A LDB de 1996 procurou eliminar a figura do professor leigo ao elevar a
formação docente para cursos de nível superior e ao estabelecer como formação
mínima para a docência nas quatro primeiras séries do ensino fundamental a
adquirida através de curso de nível médio na modalidade normal. No Artigo 62
dessa Lei fica assim estabelecida a formação de professores:
A formação de docentes para atuar na educação básica far-se-á em nível
superior, em curso de licenciatura, de graduação plena, em universidades e
institutos superiores de educação, admitida, como formação mínima para o
33
O Projeto Gavião ainda é uma solução para o interior do Estado que apresenta professores leigos
(sem formação magistério) e professores com escolaridade
(magistério/normal) sem comprovação de
documentos. Outro processo bem significativo este ano [2005] foi a inclusão de alunos com ensino
médio sem formação de Magistério, que formaram turmas para complementação das disciplinas
pedagógicas (PROEX/UFPA, Relatório Anual de 2005. pg.13).
51
exercício do magistério na educação infantil e nas quatro primeiras séries
do ensino fundamental, a oferecida em nível médio, na modalidade Normal.
Ao estabelecer a formação do professor em nível superior e fixar a exigência
de curso de nível médio para atuar na educação infantil e nas primeiras séries do
ensino fundamental, a atual LDB avança significativamente ao vincular a melhoria da
qualidade do ensino à melhoria da formação docente.
2.3 A educação do campo em Santarém
2.3.1 Caracterização geral do município
Santarém, localizada na confluência dos rios Amazonas e Tapajós é a
segunda maior cidade em número de habitantes e em importância econômica e
política no Estado do Pará. O vice-governador eleito é oriundo desse município que
ocupa uma área de 26.058 quilômetros quadrados. Santarém fica distante 701
quilômetros em linha reta, da cidade de Belém, capital do Estado do Pará. O clima é
quente e úmido e a temperatura média fica em torno dos 30 graus centígrados.
O município de Santarém situa-se na parte Oeste do Estado do Pará, margem
direita do Rio Amazonas. Tem sua economia baseada na agricultura (arroz, soja,
mandioca, milho e frutas), na pecuária (bovinos e bubalinos), no extrativismo
(madeira e fibras), na pesca, no turismo e no comércio.
O município está dividido em 12 distritos, sendo eles: Cidade Sede, Curuai,
Alter-do-Chão, Alto Pará, Arapixuna, Aritapera, Boim, Santa Rosa, Tiningu, Vila
Gorete e Boa Esperança. Conforme dados do IBGE, no ano 2000, contava com
262.672 habitantes, sendo 186.518 na zona urbana e 76.154 na zona rural.
52
2.3.2 Breve cartografia da educação em Santarém
Os primeiros registros de educação formal no município de Santarém datam
dos primeiros anos do século XIX. Segundo Colares (2006) a primeira escola
primária masculina foi fundada em 1800 e a primeira escola primária feminina alguns
anos mais tarde, em 1849. Na segunda metade desse século surgiram várias
escolas que por carência de professores e até mesmo de estudantes fecharam em
pouco tempo. Colares (op. cit) destaca que no período de 1883 a 1891 a cidade
ficou sem escolas o que não significou um impedimento para que os filhos de
famílias mais abastadas tivessem acesso à educação já que possuíam recursos
para contratar preceptores e até mesmo para enviá-los para estudar na Europa.
Com o desenvolvimento econômico impulsionado pela extração da borracha
na região amazônica, a educação formal é retomada em 1891 por meio de convênio
com o Governo do Estado o qual instalou o Instituto Santareno, que durou até 1894
e onde, no ano seguinte, começou a funcionar o Lyceu Santareno. Em 1900 foi
criado pelo Governo do Estado do Pará o Grupo Escolar de Santarém, hoje
denominado de Escola Estadual Frei Ambrósio, que é a escola mais antiga da
cidade.
Impulsionada por mais um ciclo econômico, a extração do ouro dominava a
economia da região na segunda metade do século XX, e com o aumento repentino
do número de habitantes, já que muitas pessoas se deslocaram de outras regiões do
país para trabalhar nos garimpos de ouro do Tapajós, a oferta de escolarização não
era suficiente para atender à demanda existente.
O censo realizado em 1960 indicou que 44,08% da população de Santarém
era constituída de analfabetos. Os dados disponíveis permitem-nos saber
que o número de alunos matriculados na cidade totalizava 4.176 (sendo
2.308 em escolas particulares e apenas 1.868 nas escolas públicas). Esses
números não indicam a distribuição de acordo com os cursos primário e
secundário, assim como a distribuição entre zona urbana e rural, contudo,
sabe-se que, das sete escolas que ofereciam o curso secundário, seis
eram particulares (sendo cinco confessionais). Em 1960, a população do
município de Santarém totalizava 92.144 habitantes, sendo 24.498 o total
dos que residiam na zona urbana (IBGE, 1960). (COLARES, 2006, p. 97)
53
Ainda segundo Colares (op. cit.) o grande incentivo para a superação dos
índices de analfabetismo no município de Santarém, tanto na zona urbana quanto na
zona rural, foi a implantação da Campanha Nacional de Erradicação do
Analfabetismo (CNEA) mediante convênio entre o Ministério da Educação e Cultura
(MEC) e a Prefeitura de Santarém.
Nota-se, a partir deste exemplo, que as ações do poder público municipal em
Santarém, no que se refere à escolarização da população em geral, estão ligadas às
políticas implantadas pelo governo federal. Ou seja, o gestor municipal não tem sido
capaz de elaborar propostas políticas para a educação considerando suas
especificidades. E mais, ainda que algumas políticas federais estejam voltadas para
o campo, nota-se uma grande distância entre o que espera o gestor e o que espera
a população beneficiária dessa política.
Segundo dados do IBGE (2000) sistematizados por Mondardo
34
, Santarém é
o município com a quarta maior população rural do país com 76.154 habitantes. Em
número de habitantes na zona rural Santarém só perde para os municípios de São
Paulo (SP), Brasília (DF) e São José de Ribamar (MA).
Em face disso, é preocupante o município não buscar formas de atender às
demandas educacionais dessa população. Genericamente falando, embora já se
tenha dito, vale a pena reforçar que as ações educacionais que focam os moradores
do campo, estão ligadas às sugeridas pelo poder público em nível federal.
Uma dessas ações é a que propõe a nucleação das escolas rurais. O modelo
de nucleação das escolas do campo que apareceu como uma proposta de
organização a partir do agrupamento de pequenas escolas unidocentes e
multisseriadas em escolas-núcleo
35
, deveria ter proposta própria de organização e
seu projeto pedagógico deveria estar vinculado ao meio rural conforme preconizam
as Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo (2001).
Gradativamente as escolas isoladas deveriam ser desativadas e aos alunos e
professores seria dada a oportunidade de acesso, via transporte escolar, a uma com
melhores condições físicas e oportunidades de qualificação para o trabalho.
34
Disponível em www.jesocarneiro.blogspot.com acessado em 5 de abril de 2006
35
Na região são também chamadas escolas-pólo.
54
Na região de Santarém, as escolas-pólo estão longe de contribuir para uma
melhoria na qualidade do trabalho dos professores das escolas anexas
36
. Estes
continuam sobrecarregados de tarefas, entre elas preencher formulários de
matrícula e diários com notas e boletins dos alunos. As escolas-pólo centralizam as
decisões e os professores são meros executores de tarefas que tomam o tempo que
poderia ser dedicado para planejamento de aulas, entre outros.
2.3.3 As escolas e as turmas multisseriadas no município
Em Santarém, no ano de 2005, havia um número significativo de escolas com
turmas multisseriadas. Existiam 340 (trezentas e quarenta) escolas com 416
(quatrocentas e dezesseis) turmas multisseriadas, onde estavam lotados 401
(quatrocentos e um) professores para atender 10.391 (dez mil, trezentos e noventa e
um alunos) o que equivaleria a 25,9 (vinte e cinco vírgula nove) alunos por
professor, em média. Não pareceria um número alto de alunos se fosse para
comparar com a média, considerada ideal, de alunos por sala no Brasil, em torno de
35, mas vale a lembrança de que cada professor atende, simultaneamente, mais de
uma série.
Tabela 02
Número de Escolas, Turmas Multisseriadas, Professores e Alunos por Região
Município de Santarém – 2005
Região
Número de
Escolas
Número de
Turmas
Número de Professores Número de Alunos
Arapiuns 62 78 72 1.539
Arapixuna 16 17 16 395
Planalto 140 171 165 3.571
Tapajós 27 34 32 964
Várzea 37 49 49 2.000
Lago Grande 57 65 65 1.840
Cidade 01 02 02 82
Total 340 416 401 10.391
Fonte: Estatística/SEMED
36
São as escolas ligadas a uma escola núcleo/pólo.
55
A tabela 02 mostra, em números absolutos, que a região do Planalto é a que
concentra o maior número de turmas multisseriadas do município de Santarém que
atendem 3.571 (três mil, quinhentos e setenta e um) alunos, o equivalente a 21,6
alunos por professor. A região da Várzea, dentre as escolas do campo, é a que
apresenta a maior média de alunos por professor, o equivalente a 40,8 alunos.
Quanto à escolaridade dos professores que atuam nas classes multisseriadas
em Santarém, os dados fornecidos pelo Setor de Estatística da SEMED confirmam a
baixa qualificação docente. Dos 401 (quatrocentos e um) professores que trabalham
com essas turmas, só 62 possuem formação em nível superior, 37 estão
matriculados em cursos de licenciatura e a grande maioria, 302 (trezentos e dois)
professores, possuem apenas a qualificação mínima exigia pela Lei 9.394/96.
A Secretaria de Educação de Santarém não possuía até pouco tempo
propostas claras para a valorização do magistério conforme preconiza a LDB
9.394/96, entre as quais se incluem planos de cargos e salários e melhoria da
qualificação docente. Souza e Ximenes (2003 e 2004) apontaram que a busca por
uma maior titulação entre os professores que atuavam no município foi, em grande
parte das vezes, iniciativa individual dos próprios professores, comprometeu em
muitos casos a lotação e conseqüentemente o salário, e não foi garantia de melhoria
das condições de pagamento e de trabalho após a conclusão dos cursos.
Tabela 03
Escolaridade de Professores de Turmas Multisseriadas por Região
Santarém – 2005
Região Magistério
Licenciatura Plena
(Completo)
Licenciatura
Plena
(Cursando)
Total
Arapiuns 59 05 08 72
Arapixuna 14 02 -- 16
Planalto 105 37 23 165
Tapajós 25 07 -- 32
Várzea 46 03 -- 49
Lago Grande 52 08 05 65
Cidade 01 -- 01 02
Total 302 62 37 401
Fonte: Estatística/SEMED
56
As dificuldades de acesso à cidade, entre outros fatores, de alguma forma
limita o ingresso dos professores de escolas do campo nas instituições
universitárias. Dentre as regiões que compõem o município, a do Planalto é a que
concentra o maior número de professores formados em nível superior, 37 (trinta e
sete) e de professores que estão cursando esse nível de ensino, 23 (vinte e três). As
regiões mais afastadas do centro urbano como Arapixuna, Tapajós e Várzea são as
que concentram o menor número de professores de classes multisseriadas
qualificados ou em processo de qualificação em nível superior.
Em face disso, ressalta-se a necessidade de um projeto de qualificação para
os professores que atuam nas escolas do campo, em convênio com instituições
universitárias nomeadamente reconhecidas como de qualidade, que possa promover
situações de ensino e aprendizagem docente vinculadas às necessidades
educacionais regionais em particular e às necessidades educacionais brasileiras em
geral.
57
Capítulo 3 – A FORMAÇÃO DE PROFESSORES E A APRENDIZAGEM DA
DOCÊNCIA
Neste capítulo discute-se como o processo de formação docente tem sido
apresentado na literatura educacional a partir do ponto de vista de diferentes autores
e enfocando brevemente o exemplo de outros países, assim como a grande
problemática que envolve a questão: a dicotomia entre teoria e prática presente nos
modelos formativos. Apresentam-se algumas discussões de pesquisas sobre a
aprendizagem da docência e finaliza-se mostrando que a experiência é uma das
fontes de conhecimentos dos professores e que os saberes da experiência
influenciam na prática docente e precisam ser considerados nos cursos de formação
de professores. Considerando a questão de pesquisa e a preparação / não
preparação específica para o magistério, a experiência, os ensaios e os erros, as
rotinas, enfim, a vida numa escola e num contexto específico, assumem força
configuradora de práticas pedagógicas numa proporção bastante diferente do que
ocorre com profissionais oriundos de cursos específicos de formação e para os
quais grande parte das pesquisas se voltam.
3.1 A formação de professores
Tema recorrente nos atuais debates nacionais e internacionais, a formação de
professores chama a atenção não só pela complexidade que envolve, naturalmente,
a temática, mas pelas conseqüências que a formação docente pode trazer na vida
dos professores e dos alunos que eles ensinam.
É reconhecida a importância da qualificação dos professores para a
realização de um ensino de qualidade e que atenda às necessidades dos estudantes
e da sociedade na qual estão inseridos, porém, as diferentes reformas parecem não
conduzir a efetivas modificações nas relações de ensino e aprendizagem e nem
58
superar a antiga separação entre teoria e prática nos programas de formação
docente.
Recomendadas pelo Banco Mundial, muitas reformas educacionais são
inspiradas em modelos que privilegiam um viés econômico que centra suas ações
na redução de custos e trata a escola como uma empresa. Outro fator que se
observa é a presença dos economistas e a ausência dos especialistas em educação
na definição das políticas e programas a serem assumidos pelas escolas e o
conseqüente retardamento da preparação dos professores para apropriarem-se
delas, ou seja, a reforma chega antes da preparação do professor.
A seguir, procura-se mostrar, de forma não conclusiva e dispensando especial
atenção ao Brasil – que teve muitas de suas reformas “inspiradas” nas experiências
de outros países, particularmente os europeus -, de que maneira diferentes Estados
têm conduzido seus sistemas de formação docente.
No Brasil, a formação de professores para atuar na escola primária tem sido
objeto de diferentes iniciativas desde o tempo do Império. Essas diferentes
iniciativas foram implantadas sem muito sucesso desde a criação da primeira escola
normal em 1835 na Província do Rio de Janeiro que determinava que nela se
habilitassem as pessoas que deveriam atuar no magistério de instrução primária e
os professores que existiam, mas que não haviam adquirido necessária instrução
nas escolas de ensino mútuo, até a adoção, em algumas Províncias, do sistema de
inspiração austríaca e holandesa de “professores adjuntos” que consistia em
empregar aprendizes como auxiliares dos professores de modo a prepará-los para o
desempenho da profissão docente, de maneira estritamente prática, sem qualquer
base teórica (TANURI, 2000, p.65).
De acordo com Tanuri (2000), em 1879, com a Reforma Leôncio de Carvalho,
o currículo para as escolas normais passou a apresentar uma maior complexidade
abrangendo matérias como aritmética, álgebra, geografia e cosmografia, história
universal, história e geografia do Brasil, filosofia, pedagogia e prática do ensino
primário em geral, música vocal, ginástica, além das disciplinas específicas para
cada sexo como noções de economia doméstica e trabalhos de agulha para as
alunas e prática manual de ofícios para os alunos, entre outras.
59
No fim do Império já existia uma discussão entre diferentes setores da
sociedade que apontava para a necessidade de uma preparação regular para os
docentes. Com a proclamação da República esperou-se que esta pudesse assumir o
desenvolvimento das escolas normais e responsabilizar-se pela qualificação dos
professores para atuar no magistério primário. Porém, o novo regime não trouxe
alterações significativas para a instrução pública (TANURI, 2000).
A criação do curso de Pedagogia na Universidade do Brasil em 1939, foi
marco no processo de formação docente no Brasil. O curso objetivava formar
bacharéis e licenciados. Os primeiros para atuar como técnicos de educação e os
segundos para atuar como docentes nos cursos normais. O modelo adotado era do
“3+1”, ou seja, três anos de conteúdos ligados aos conhecimentos gerais e um ano
de didática. Era a primeira experiência de formação de professores em curso de
nível superior.
Em 1946 pela primeira vez a União estabeleceu diretrizes para a formação de
professores em todo o país com a promulgação da Lei Orgânica do Ensino Normal e
da Lei Orgânica do Ensino Primário. Como ramo do ensino profissional, o curso
normal organizou-se de forma a atender os objetivos do ensino primário (LELIS,
1996, p.41). Nesse mesmo período foram criados os Institutos de Educação que
possuíam um currículo voltado às disciplinas de caráter geral e com ênfase em
disciplinas de caráter técnico-pedagógico.
No âmbito das legislações do ensino a LDB 4.024/61 não trouxe proposta
inovadora para a formação de professores em relação à Lei Orgânica de 1946 e a
Lei 5.692/71 estabeleceu que a escola normal passasse a ser uma das habilitações
profissionais de 2º grau. Com isso, segundo Lelis (1996), a escola normal perdeu
sua identidade como agência de formação do professorado primário. A atual LDB
9.394/96 coloca a exigência de formação em nível superior para atuar na docência
nos diferentes níveis, mas admite para a docência nas séries iniciais a adquirida na
modalidade normal em cursos de nível médio.
Observa-se que os currículos desses cursos oscilaram entre priorizar uma
formação ora teórica, centrando atenção especial nas disciplinas de formação geral,
ora prática, priorizando disciplinas de formação pedagógica e metodológica.
60
A organização curricular da maioria dos programas de formação docente no
Brasil apresenta essa dicotomia entre teoria e prática, o que faz parte da tradição
acadêmica
37
, conforme descrição de Zeichner (1993), e que também está presente
nos programas de formação inicial de professores nos Estados Unidos da América.
Segundo Zeichner, embora tenham sido feitos esforços para reformular a
formação de professores nos EUA no século XX, eles sempre refletiram vários graus
de compromisso e adesão a diferentes tradições de prática (1993, p.35), que
segundo o autor podem se dividir em cinco tipos
38
.
A tradição acadêmica reforça a primazia dos conteúdos
39
assumindo,
explicitamente, que o conhecimento dos conteúdos a ensinar é o elemento mais
importante nos cursos de formação e que o “resto” que os professores necessitariam
saber poderia ser construído através da experiência de aprendizagem na escola. O
autor apresenta algumas críticas a essa tradição e entre elas destaca-se a de
estudos recentes de Shulman e Grossman (apud Zeichner, 1993, p.38) que
defendem que o saber de uma dada disciplina não é, por si só, suficiente para se ser
capaz de a ensinar. Outra crítica destacada pelo autor faz referência à orientação
curricular assumida nesses programas de formação que partem de uma matriz
ocidental, branca e de classe média, que levou à ausência de perspectivas não
ocidentais e multiculturais na formação dos professores americanos (idem, ibidem).
A tradição da eficiência social está assentada sobre o poder do estudo
científico do ensino para que a partir de sua decomposição e análise se possa
estabelecer a base curricular dos cursos de formação de professores. Para o autor,
essa tradição, de orientação behaviorista, está presente nos atuais debates sobre as
reformulações dos programas de formação docente, sob o rótulo de formação de
37
“Durante o século XX [...] persistiu o ponto de vista de que a melhor maneira de preparar os
professores era dar-lhes uma formação sólida em Letras, complementada pela experiência de
aprendizagem numa escola. [...] Esta orientação da formação de professores acentua o papel do
professor enquanto académico e especialista das matérias de estudo (conteúdos de ensino) e
assume muitas formas diferentes, dependendo das disciplinas a leccionar e do saber das disciplinas
subjacente a propostas específicas de reforma” (ZEICHNER, 1993, p.36).
38
Tradição acadêmica, tradição da eficiência social, tradição desenvolvimentista, tradição da
reconstrução social e tradição genérica.
39
Essa questão é contraditória uma vez que se tem observado, inclusive no próprio curso de
Pedagogia da Universidade Federal do Pará, que, embora a formação de professores se oriente
prioritariamente sob essa tradição, os cursos de formação não dão conta de abordar todos os
conteúdos necessários para fornecer uma eficiente preparação para a docência.
61
professores baseada na investigação (p.40). Ressalta-se que o estudo científico do
ensino é feito por outros, e não pelos professores, e os resultados são
transformados para que se defina a base curricular da formação de professores.
A terceira tradição descrita pelo autor é a desenvolvimentista. Com base em
Kliebard, destaca que a característica principal desta tradição é o pressuposto de
que é a ordem natural do desenvolvimento do aluno que estabelece a base para a
determinação do que deve ser ensinado tanto aos alunos das escolas públicas como
aos seus professores (p.41). Observações cuidadosas e a descrição do
comportamento dos alunos nos diferentes estágios de desenvolvimento
determinariam a ordem natural de seu desenvolvimento. Zeichner (idem) argumenta
que nessa perspectiva, o professor deveria ser formado no mesmo tipo de ambiente
envolvente e estimulante que se esperava que propiciasse aos seus alunos. Dessa
forma, os cursos propiciariam ao professor capacidade para desenvolver diferentes
habilidades. Enquanto naturalista a prática na sala de aula deveria ter como
fundamento a observação e o estudo dos alunos num ambiente natural; enquanto
artista ter vastos conhecimentos de psicologia e ser uma pessoa consciente e capaz
de desenvolver sua própria aprendizagem e, enquanto investigador, o estudo da
criança seria a base das [suas] pesquisas (idem, ibidem).
A tradição da reconstrução social foi gestada a partir do descontentamento
com o modelo social e econômico dos EUA dos anos vinte e trinta do século XX e
colocava sobre a escolaridade e a formação de professores a responsabilidade de
serem elementos cruciais do movimento para uma sociedade mais justa e humana
(p.42). A partir desse movimento de reconstrução social os programas de formação
docente incorporam componentes de fundamentos sociais nos currículos dos cursos
e se observa um empenho na alteração das desigualdades sociais, traduzido na
tentativa de melhoria das condições educacionais das crianças pobres (p.44).
A quinta tradição é a genérica e está ligada ao ensino reflexivo “em geral”.
Nessa tradição se considera que as acções dos professores serão necessariamente
melhores, só porque são mais deliberadas ou intencionais (ZEICHNER, 1993, p.44).
Göergen e Saviani (1998) organizaram uma obra que também procura dar
visibilidade à discussão da formação docente, mas enfocando outras experiências
62
internacionais de qualificação. Desse modo, analisam as iniciativas de formação na
Alemanha, Japão, Itália, Canadá, Cuba e Colômbia. Na análise das experiências de
formação nesses países constata-se que existe uma série de problemas e entre eles
se destaca, inicialmente, a relação teoria-prática que na fala dos autores parece ser
o “calcanhar de Aquiles” do processo de formação docente. A Alemanha foi o país
que se dispôs a enfrentar esse problema de forma mais direta e organizou a
formação em dois momentos: um acadêmico com vistas a fazer um preparo teórico e
a cargo da universidade e outro predominantemente prático que busca garantir o
preparo para o exercício profissional e a cargo do Estado.
Outro tema que se destaca é o do lugar da formação docente e a experiência
da Alemanha e Itália reforçam a visão predominante nos diferentes países de que o
lugar da formação passa necessariamente pela universidade. O terceiro tema diz
respeito à relação entre o público e o privado, e se observa em todos os países
analisados o papel forte assumido pelo Estado ao longo do século XX. A Igreja ainda
tem um papel importante na definição das políticas educacionais no Canadá e na
Colômbia, desempenha um papel complementar na Alemanha e está praticamente
ausente no Japão e em Cuba. Os autores chamam a atenção para o fato de que na
Itália, sede do Catolicismo Romano, a Igreja não tem presença importante na
formação docente.
Embora a influência externa do Banco Mundial determine as mudanças nos
sistemas de formação docente, as condicionantes internas parecem ser as mais
visíveis na prática do professor justamente porque foram cunhadas nos cursos de
qualificação. Existe assim um grande fosso entre a formação que o professor recebe
e o ensino que se espera que ele ministre. Da mesma forma como destacado por
Göergen e Saviani (1998), a relação teoria e prática também parece ser o “calcanhar
de Aquiles” nos cursos de formação de professores no Brasil. As Diretrizes
Curriculares Nacionais para a Formação de Professores enfatizam a importância da
relação intrínseca que existe entre teoria e prática e ressaltam a necessidade de se
romper com a divisão existente no âmbito das instituições formadoras: de um lado a
transmissão de conhecimentos e técnicas na sala de aula, ressaltando uma visão
aplicacionista das teorias, e de outro os estágios que ficam isolados no final do curso
e estão voltados ao fazer pedagógico.
63
Talvez a problemática maior da formação de professores seja justamente o
modelo adotado pelas instituições formadoras: o modelo aplicacionista do
conhecimento. Esse modelo, segundo Tardif (2000), foi institucionalizado através de
todo um sistema de práticas na universidade e é regido pela lógica utilitarista do
conhecimento. Ele apresenta dois problemas centrais. Primeiro é idealizado
segundo uma lógica disciplinar que é fragmentada, especializada e regida por
questões de conhecimento e não por questões de ação. Nesse sentido, não
considera os saberes nascidos na prática. Segundo, trata os alunos como espíritos
virgens e não leva em consideração suas crenças e representações anteriores a
respeito do ensino.
A formação de professores fica dessa forma marcada pela separação entre o
saber e o fazer. Nesse sentido, Marcelo Garcia destaca a necessidade de se
considerar nos cursos de formação de professores o princípio do isomorfismo
40
entre
a formação recebida pelo professor e o tipo de educação que posteriormente lhe
será pedido que desenvolva (1999, p.29). Considerando que cada nível de ensino
apresenta possibilidades e necessidades didáticas diferenciadas, é importante que
os cursos de formação atentem para um elemento importante que é a congruência
entre o conhecimento didáctico do conteúdo e o conhecimento pedagógico
transmitido, e a forma como esse conhecimento se transmite (idem).
Este autor entende formação como uma área de conhecimento e
investigação, como um processo sistemático e organizado que se dá
individualmente ou em equipe e que se aplica tanto aos que estão em formação
inicial como aos que já são professores.
A Formação de Professores é a área de conhecimentos, investigação e de
propostas teóricas e práticas que, no âmbito da Didáctica e da Organização
Escolar, estuda os processos através dos quais os professores – em
formação ou em exercício – se implicam individualmente ou em equipa, em
experiências de aprendizagem através das quais adquirem ou melhoram os
seus conhecimentos, competências e disposições, e que lhes permite
intervir profissionalmente no desenvolvimento do seu ensino, do currículo e
da escola, com o objectivo de melhorar a qualidade da educação que os
alunos recebem. (MARCELO GARCÍA, 1999, p.26)
40
Marcelo Garcia destaca que isomorfismo não é sinônimo de identidade (1999, p.29).
64
O fim último da formação de professores, segundo Marcelo García, é
melhorar a qualidade da educação que os alunos recebem. Ou seja, não faz sentido
um programa de formação que não promova essa melhoria.
Zeichner afirma que [...] não obstante a qualidade do que fizermos nos nossos
programas de formação de professores, na melhor das hipóteses só poderemos
preparar os professores para começar a ensinar (1993, p.55). Considerando isso, o
desafio está em prepará-los para que comecem com o maior repertório possível
para que seja amenizado o “choque de realidade
41
” quando assumirem a docência.
Desse modo, seria possível pensar num modelo de formação que pudesse
fazer a articulação entre as dimensões racionais e acadêmicas com uma dimensão
que privilegiasse o conhecimento do indivíduo sobre a sua realidade. Daí a
importância de se pensar a formação docente que considere as diversidades
regionais, individuais, multiculturais, climáticas entre outras. A universidade,
entendida aqui como lócus da formação docente, mas não o único, deve buscar
mecanismos para aproximar o futuro professor do espaço de trabalho docente na
escola e em outros ambientes educativos. Deve ainda resgatar sua função social
articulando adequadamente o tripé ensino, pesquisa e extensão de modo a
organizar intervenções na sociedade que contemplem as minorias sociais. No
exercício de aprender a ensinar os futuros professores devem ser apresentados a
diferentes situações que representem, minimamente, um retrato da realidade a ser
enfrentada quando da entrada na profissão.
Essa argumentação encontra guarida nos estudos recentes sobre formação
docente que procura superar o modelo da racionalidade técnica. Esse modelo não
dá mais conta de sustentar a formação de professores porque está centrado na
aplicação de regras tiradas da teoria e aplicadas na prática pedagógica, ou seja,
reduz-se ao domínio de conteúdos das disciplinas e das técnicas utilizadas para
transmiti-los em sala de aula. Esse modelo nega a complexidade do fenômeno
educacional e conseqüentemente não é capaz de apresentar soluções para os
problemas educativos, porque a realidade educacional e as situações de ensino
41
“O aspecto da ‘sobrevivência’ traduz o que se chama vulgarmente o ‘choque do real’, a
confrontação inicial com a complexidade da situação profissional” (HUBERMAN in NÓVOA, 2000,
p.39).
65
comportam aspectos que se situam além dos problemas instrumentais (MIZUKAMI
et al, 2003, p. 15).
A didática, disciplina reconhecida na academia como a “responsável” pela
instrumentalização técnica dos futuros professores, durante décadas representou
esse modelo e ainda hoje carrega essa característica, talvez porque, segundo Tardif
(2000) a didática seja uma construção de pesquisadores universitários e não de
professores ou de alunos dos cursos de formação de professores (p.13). Mesmo
depois dos movimentos de reformulação, como a didática em questão
42
, por
exemplo, não é plenamente aceito entre os professores da disciplina que a formação
docente deva se afastar do modelo da racionalidade técnica e se aproximar do
modelo da racionalidade prática.
Nesse último modelo a formação docente é entendida como um continuum
em que as diferentes etapas da formação são vistas como momentos do processo
formativo. É nesse sentido que Mizukami et al (2003) afirmam que aprender a ser
professor não é uma tarefa que se conclua após estudos de um aparato de conteúdo
e técnica de transmissão.
É uma aprendizagem que deve se dar por meio de situações práticas que
sejam efetivamente problemáticas, o que exige o desenvolvimento de uma
prática reflexiva competente. Exige ainda que, além de conhecimentos,
sejam trabalhadas atitudes, as quais são consideradas tão importantes
quanto os conhecimentos (p.12).
A oposição entre as duas grandes tendências adotadas nos programas de
formação de professores, de um lado a racionalidade técnica e de outro a
racionalidade prática, tem levado a uma discussão que coloca no centro do debate a
necessidade de que se construam conhecimentos sobre o fazer pedagógico dos
docentes na perspectiva de se constituir a docência como profissão.
42
Movimento que na década de 1980 reuniu pensadores da educação para redefinir o sentido da
didática como campo de conhecimento e elaborar uma crítica da mesma com base nos resultados do
trabalho docente na escola pública. A crise que se instalou em busca de novas bases para o campo
da didática apontava a necessidade de haver um afastamento da perspectiva da racionalidade
técnica nos cursos de formação docente, o que vinha caracterizando a didática até então, e foi uma
das molas do movimento. O seminário “A Didática em Questão” é hoje denominado de Encontro
Nacional de Didática e Prática de Ensino – ENDIPE - realizado a cada dois anos em um estado
brasileiro.
66
Esse movimento, chamado de epistemologia da prática profissional, é definido
por Tardif (2000) como o estudo do conjunto de saberes utilizados realmente pelos
profissionais em seu espaço de trabalho cotidiano para desempenhar todas as suas
tarefas (p. 10). Os saberes são entendidos pelo autor de forma ampla e englobam
conhecimentos, habilidades, competências e atitudes. A epistemologia da prática
tem por finalidade revelar esses saberes, compreender como se integram no
trabalho profissional, qual a sua natureza e seu papel no processo de trabalho
docente.
Para Tardif (2004), a prática profissional não é um local de aplicação dos
saberes universitários, mas, sim, de “filtração”, onde o conhecimento adquirido é
transformado em função das exigências do trabalho. Segundo Tardif, os saberes
profissionais são saberes da ação, saberes do trabalho e no trabalho, o que os
distingue dos saberes universitários. Resume, desta maneira, os saberes dos
professores: os saberes docentes são temporais, plurais, heterogêneos,
personalizados, situados e carregam consigo as marcas do seu objeto, que é o ser
humano (TARDIF, 2000, p.18).
Por serem assim caracterizados os saberes docentes, denotam a
possibilidade de os professores construírem conhecimentos sobre suas práticas a
partir da compreensão da natureza de seu trabalho. Para que isso ocorra faz-se
necessário que sejam trabalhadas, já nos cursos de formação, atitudes contínuas
que propiciem ações avaliativas do fazer pedagógico, o que tem sido denominado
atualmente de prática reflexiva.
O conceito de prática reflexiva e de professor reflexivo é ambíguo e, dentre
outros autores, Dewey foi quem melhor o representou. Em seu livro Cómo pensamos
(1993) o autor faz uma importante distinção entre a ação humana que é rotina e a
que é reflexiva. Para ele a rotina é guiada pelo impulso, tradição e autoridade e a
ação reflexiva é aquela que envolve ação, persistência e cuidadosa atenção com as
incertezas da prática. Para Dewey
43
(1993) três atitudes integram a ação reflexiva
que são, em si mesmas, qualidades pessoais e ligadas ao caráter individual. A
primeira delas é a abertura de espírito que envolve o desejo ativo de ouvir mais de
43
Doravante, todas as citações que se referirem às obras estrangeiras são traduções livres da autora.
67
uma opinião e de reconhecer a possibilidade de erro inclusive a respeito de crenças
que mais se apreciam. Essa atitude procura cultivar uma constante curiosidade e um
espontâneo esforço de compreensão do novo o que constitui a essência da abertura
de espírito. A segunda atitude descrita por Dewey é o entusiasmo que se caracteriza
como uma atitude autêntica que opera como uma força intelectual capaz de envolver
e motivar a si mesmo e a outros. Para este autor um mestre capaz de despertar
esse entusiasmo em seus alunos faz algo que não pode ser feito por nenhum
tratado metodológico formalizado, por mais correto que seja (1993, p.44). A terceira
atitude é a responsabilidade e implica uma ponderada atenção para as
conseqüências de uma determinada ação. Dewey afirma que ser intelectualmente
responsável quer dizer considerar as conseqüências de uma ação projetada e
significa ter a disposição de assumir essas conseqüências quando se distanciam da
posição assumida previamente. A responsabilidade intelectual assegura a coerência
e a harmonia entre as crenças que o indivíduo possui (idem).
Para Zeichner e Liston (1996) essa atitude de responsabilidade implica uma
reflexão individual sobre pelo menos três conseqüências do seu ensino. As
conseqüências pessoais que envolvem os efeitos do ensino nos auto-conceitos dos
alunos; as conseqüências acadêmicas que envolvem os efeitos do ensino no
desenvolvimento intelectual dos alunos; e as conseqüências sociais e políticas que
envolvem os efeitos do ensino na vida dos alunos. Para esses autores a atitude de
responsabilidade também implica que se reflita sobre as conseqüências inesperadas
do ensino, porque este, mesmo nas melhores condições, tem sempre
conseqüências tanto inesperadas como esperadas (1996, p.11). Segundo Zeichner
e Liston (op. cit.), professores reflexivos fazem uma avaliação do seu ensino por
meio da seguinte pergunta “gosto dos resultados?” e não simplesmente “atingi os
meus objetivos?”.
Schön, também considerado um importante estudioso da formação de
professores, propõe em seu livro The reflective practitioner (1983) uma nova
epistemologia da prática que possa lidar com a questão do conhecimento
profissional. Este autor ajudou a desenvolver o conceito de reflexão que envolve
outros três conceitos: o conhecimento-na-ação, a reflexão-na-ação e a reflexão-
sobre-a-ação e sobre a reflexão-na-ação.
68
O conhecimento-na-ação caracteriza-se por ser o tipo de conhecimento
voltado para a solução de problemas, é um conhecimento técnico, fruto de
experiências e reflexões passadas e se manifesta no saber-fazer. A reflexão-na-
ação é um processo que envolve representações figurativas e formais além da
capacidade do indivíduo de aprender com os próprios erros e tomar decisões
rápidas em face de mensagens inesperadas do meio ou de fatos / acontecimentos /
manifestações não previstas em seu planejamento. A reflexão-sobre-a-ação e sobre
a reflexão-na-ação realiza-se após a ação e é por meio dela que o professor vai
analisar os outros dois conceitos. É neste momento que o professor vai articular a
situação problemática, determinar as metas e a escolha dos meios, com suas teorias
e convicções pessoais, dentro de um contexto (MIZUKAMI et al, 2003, p. 17). Esses
conceitos permitem que os professores continuem se desenvolvendo e aprendendo
através de suas experiências.
Zeichner e Liston (1996) destacam as características-chave que “compõem”
um professor reflexivo. Segundo eles, professores reflexivos são aqueles que:
1. Examinam, esboçam hipóteses e tentam resolver os dilemas envolvidos
em suas práticas de aula;
2. Estão alerta a respeito das questões e assumem os valores que levam
para seu ensino;
3. Estão atentos para o contexto institucional e cultural no qual ensinam;
4. Participam do desenvolvimento curricular e se envolvem efetivamente
para a sua mudança; e
5. Assumem a responsabilidade por seu desenvolvimento profissional (p.6).
Os professores reflexivos, conforme destacam Zeichner e Liston (op. cit), não
são super-heróis e como homens e mulheres são passíveis de cometer erros. Para
eles a reflexão pode ser inicialmente uma solitária e bem sucedida avaliação
individual, mas pode também ser melhorada pela comunicação e diálogo com os
outros. A reflexão não precisa ter seu foco centrado exclusivamente na sala de aula,
mas no contexto em que se dá a docência e a aprendizagem. Ao se compreender
esses contextos chega-se ao entendimento de que decisões e deliberações podem
levar a uma proposta de inclusão de outros membros da comunidade escolar no
processo educativo (1996, p.22).
69
Nesse sentido, entende-se que não é mais possível centrar a formação de
professores apenas na dimensão racional e nas aprendizagens acadêmicas
(NÓVOA, 2000). Há que se pensar na formação que considere a reflexão como elo
entre as diferentes etapas, inicial e continuada, e as diferentes experiências vividas
pelos professores.
3.2 A aprendizagem da docência
Diferentes estudos e pesquisas têm dado visibilidade para a questão da
formação de professores e aqui se traz o levantamento feito por alguns
pesquisadores que mapearam as investigações sobre o aprender a ensinar sem, no
entanto, ter a pretensão de levantar o estado da arte ou esgotar a temática.
Marcelo García (2002) apresenta um esquema conceitual que permite
compreender a amplitude, complexidade e possibilidades das investigações sobre
aprender a ensinar. Para esse autor, podem-se resumir em três dimensões as
investigações sobre a temática da aprendizagem dos professores.
A primeira dimensão diz respeito à diferenciação entre as fases pelas quais
os professores passam no processo de aprender a ensinar: a) formação inicial:
entendida como a passagem por um processo formativo que lhes fornecerá
conhecimentos, habilidades e disposições necessárias para exercer sua tarefa
docente; b) inserção profissional: são os primeiros anos de docência; c)
desenvolvimento profissional: é o último período do processo de aprender a ensinar
e se refere àqueles professores que têm gerado seu próprio repertório profissional e
avançam através de experiências de desenvolvimento profissional.
A segunda dimensão faz referência às temáticas abordadas nas pesquisas
sobre aprender a ensinar. Marcelo Garcia (2002) destaca vários temas e esclarece
que esses se mesclam em diferentes investigações, mas podem servir como marco
de referência para classificar as pesquisas. Dentre esses temas, encontram-se: os
70
professores, seus conhecimentos, crenças, disposições, atitudes, auto-eficiência
percebida; os conteúdos da formação, os métodos e estratégias formativas, os
formadores de professores, as práticas, assim como o ambiente e a avaliação. A
terceira dimensão diz respeito ao enfoque adotado pelos investigadores para
abordar os temas selecionados: orientação qualitativa ou orientação quantitativa.
Zeichner (1998), ao relatar as pesquisas sobre formação de professores nos
Estados Unidos da América, destaca que na década de 1970 essas se referiam
predominantemente aos estudos experimentais quantitativos sobre a eficácia de
diferentes métodos para treinar os professores em tarefas específicas (p.77). Pouco
foi estudado com o objetivo de verificar se esse treinamento produzia algum efeito
duradouro na prática docente após a conclusão desses cursos.
Nas últimas décadas, as pesquisas sobre formação de professores têm
crescido nos EUA e, ainda segundo Zeichner, concentram-se em quatro grandes
eixos que se complementam. O primeiro deles é a pesquisa descritiva que se
caracteriza por apresentar estudos em larga escala descrevendo os padrões de
formação em todo o país, ou ainda estudos de caso sobre determinado curso ou
programa de formação.
O segundo eixo é a pesquisa conceitual e histórica. É a maior linha de
pesquisa nos EUA e concentra estudos que têm procurado mapear e debater
diferentes abordagens ideológicas da formação de professores. O terceiro é o
estudo das naturezas e o impacto das atividades de formação de professores em
que se incluem estudos feitos por formadores de professores sobre o uso de
tecnologias eletrônicas, estudos de casos, métodos narrativos e de história de vida,
imersão cultural, experiências de campo na comunidade e nas escolas e
experiências de pesquisa-ação. O quarto eixo são estudos sobre o aprender a
ensinar que têm procurado esclarecer a natureza desse processo em diferentes
situações.
Observa-se que atualmente buscar entender como os professores aprendem
tem sido uma indagação recorrente no âmbito da pesquisa educacional e ainda não
está completamente elucidada porque a aprendizagem dos professores é um campo
de investigação relativamente novo. As recentes pesquisas têm demonstrado que a
71
aprendizagem da docência é um processo complexo, porque relaciona diferentes
conhecimentos e as mais diversificadas experiências, e que demanda tempo, porque
se prolonga por toda a vida. Segundo Knowles et al (1994) aprender a ensinar são
processos e não eventos.
Para Sharoon Feiman (apud MARCELO GARCIA, 1999) existem quatro fases
no aprender a ensinar que não são, segundo indicações da autora, sinônimo de
formação de professores. A primeira fase é a de pré-treino e inclui experiências
vivenciadas como alunos, as quais podem ser assumidas de forma acrítica e
influenciar de um modo inconsciente o professor (p.25). Marcelo Garcia destaca as
influências que essa fase tem ou que pode vir a ter nas crenças e teorias implícitas
dos futuros professores, mas quando se pensa formação em nível institucional não
pode incidir nela enquanto tal, ainda que se possa preocupar em avaliar com um
sentido de diagnóstico as possíveis influências que terá no futuro professor
(MARCELO GARCÍA, 1999, 26). A segunda fase é a de formação inicial que se dá
em uma instituição específica de preparação de professores onde se adquire
conhecimentos pedagógicos e de disciplinas académicas, assim como realiza as
práticas de ensino (idem). A terceira fase é a de iniciação e corresponde aos
primeiros anos de docência durante os quais os docentes aprendem na prática, em
geral através de estratégias de sobrevivência (p.26), e a última fase referida por
Feiman é a de formação permanente que inclui todas as atividades planejadas pelos
próprios professores ou pelas instituições de modo a permitir o desenvolvimento
profissional e aperfeiçoamento do seu ensino (idem). Segundo Marcelo García
essas fases identificadas por Feiman apresentam problemática diferenciada a
aplicar na formação de professores no que se referem aos objetivos, conteúdos,
metodologia entre outros.
Estudos recentes demonstram que os sujeitos continuam a aprender ao longo
da vida (lifelong learning). Segundo Hammerness, Darling-Hammond e Bransford
(2005) para uma eficaz e bem-sucedida preparação dos professores a formação
docente deveria estar assentada sobre o fundamento da aprendizagem ao longo da
vida, contudo, este conceito de aprendizagem deveria tornar-se algo mais que um
clichê. Para estes autores os professores deveriam desenvolver uma competência
adaptativa, que daria suporte para uma aprendizagem ao longo da vida. Porém, para
72
desenvolvê-la, será preciso enfrentar três problemas, geralmente apontados sobre a
aprendizagem para ensinar e não adequadamente respondidos pelas pesquisas
atuais.
Primeiro, a aprendizagem para ensinar requer que novos professores
cheguem a pensar sobre (e entendam) o ensino como caminho tranqüilo
diferente daquele que eles têm aprendido através de suas próprias
experiências como estudantes. Lortie (1975) chamou este problema de
“aprendizagem pela observação” para se referir a aprendizagem que se dá
em virtude de se ser um estudante por doze ou mais anos no contexto de
uma sala de aula tradicional. Estas experiências têm um efeito maior nas
pré-concepções sobre o ensino e a aprendizagem que novos estudantes
carregam para o seu trabalho quando se tornam profissionais.
Segundo, auxiliar os professores a aprender a ensinar requer mais
efetivamente que eles não somente desenvolvam a habilidade de pensar
como um bom professor, mas também colocar que eles conheçam na ação
– o que Mary Kennedy (1999) tem denominado de “o problema da
representação”. Eles precisam não somente compreender, mas também
fazer uma extensa variedade de coisas, muitas delas simultaneamente.
Encontrar estas mudanças requer muito mais que simplesmente os
estudantes estejam memorizando fatos e procedimentos ou regularmente
discutindo idéias. Assim como Simon (1980) aponta, esta é a maior
diferença entre o “conhecimento disto” e o “conhecimento do porque e
como”.
A terceira questão sobre a preparação dos professores envolve “o
problema da complexidade”. Os professores frequentemente trabalham
com muitos estudantes ao mesmo tempo e tem que fazer malabarismo,
pois os objetivos acadêmicos e sociais requerem profissionais atualizados
a cada momento (JACKSON, 1974). Embora muitos aspectos do ensino
possam ser feitos com alguma rotina, o que os professores fazem será
silenciosamente influenciado pelas mudanças nas necessidades dos
estudantes e pelos eventos inesperados na sala de aula. E muitas outras
decisões no ensino não poderão ser rotinizadas porque elas são
contingenciadas a partir das respostas dos estudantes e dos objetivos
particulares buscados até dado momento. Ajudar os futuros professores a
aprender a pensar sistematicamente sobre esta complexidade é
extremamente importante. Eles necessitam desenvolver hábitos
metacognitivos que possam guiar decisões e reflexões sobre a prática
como suporte para um contínuo progresso. (HAMMERNESS, DARLING-
HAMMOND e BRANSFORD, 2005, p. 359)
Ainda segundo estes autores, os conhecimentos, habilidades e atitudes
necessárias para se ser um bom professor não podem ser aprendidos em
programas de formação inicial, por esse motivo os futuros professores precisariam
ser preparados para aprender ao longo da vida.
Marcelo Garcia (2002, p.33) destaca que uma característica da aprendizagem
ao longo da vida é que todos podem aprender, e que a aprendizagem não precisa
estar limitada às instituições formais e tradicionais de formação. Para esse autor,
73
não se deve aceitar como aprendizagem de valor somente aquela formal, assimilada
nas instituições historicamente constituídas para tal, mas há que se considerar
também as aprendizagens informais e não formais, já que possuem sua importância
também.
Nessa direção apontam os estudos de Bransford et al (2000), do National
Research Council dos EUA. Esses estudos indicam que os professores continuam a
aprender sobre a docência de muitas maneiras. Eles aprendem a partir de suas
práticas: essa aprendizagem é descrita pelos autores como o acompanhamento e
ajustamento de uma boa prática ou uma análise mais completa do exercício docente
de acordo com o modelo pedagógico adotado pelo professor. Os professores
adquirem novos conhecimentos e compreensão de seus estudantes, escola,
currículo e métodos instrucionais por viverem a prática (BRANSFORD et al., 2000,
p.191). Aprendem através de suas interações com outros professores: as interações
podem ser formais, através da mentoria, por exemplo, quando um professor
experiente orienta um professor iniciante; ou informais, que podem ocorrer através
de conversas na sala dos professores e outros ambientes escolares. Podem ainda
acontecer em encontros pedagógicos, orientações dos supervisores e diretores.
Aprendem a partir das orientações dos professores formadores: que podem ocorrer
na própria escola, nos programas de graduação e em projetos específicos de
aperfeiçoamento docente. Aprendem nos cursos de graduação. Aprendem fora da
sala de aula ou da escola: aprendem sobre o desenvolvimento de seus papéis
intelectuais e morais com seus familiares, através dos trabalhos desenvolvidos em
suas comunidades e a partir de treinamentos e relatos de experiências de outras
pessoas.
Considerando que os professores são pessoas adultas utiliza-se aqui uma
exposição feita por Marcelo Garcia (1999) sobre a aprendizagem dos adultos
elaborada por Knowles
44
(1984), onde são destacados cinco princípios que podem
contribuir para a compreensão do processo de aprendizagem profissional de
professores. São eles:
44
Knowles diferenciou a Andragogia da Pedagogia, sendo a primeira a ciência da educação dos
adultos, enquanto a segunda seria a dos sujeitos não adultos (MARCELO GARCIA, 1999, p.55).
74
1. O autoconceito do adulto, como pessoa madura, evolui de uma situação
de dependência para a autonomia;
2. O adulto acumula uma ampla variedade de experiências que podem ser
um recurso muito rico para a aprendizagem;
3. A disposição de um adulto para aprender está intimamente relacionada
com a evolução das tarefas que representam o seu papel social;
4. Produz-se uma mudança em função do tempo à medida que os adultos
evoluem de aplicações futuras do conhecimento para aplicações imediatas.
Assim, um adulto está mais interessado na aprendizagem a partir de
problemas do que na aprendizagem de conteúdos;
5. Os adultos são motivados para aprender por factores internos em vez de
por factores externos. (KNOWLES, 1984 apud MARCELO GARCÍA, 1999,
p.55)
Marcelo Garcia destaca que se esses princípios forem cuidadosamente
analisados é possível dar conta da importância que podem ter para entender,
explicar, planificar e desenvolver a Formação de Professores (p.55).
Shulman (2004) argumenta: quais seriam as condições para a aprendizagem
dos professores? Segundo este autor não existe diferença entre as formas de
aprendizagem dos alunos e dos professores. Ele faz um convite para um exame das
proposições de Jerome Bruner considerando as condições que fazem a
aprendizagem dos estudantes aflorar. Bruner (apud SHULMAN, 2004) sugere que
estas são atividade, reflexão, colaboração ou interação e cultura ou comunidade.
Shulman explica que os professores são membros mais velhos da mesma espécie
dos estudantes e que não fazem subitamente a mudança das condições necessárias
para a aprendizagem quando passam o 21° aniversário e recebem as credenciais
para a docência.
Baseando-se na comunidade de aprendizes de Jerome Bruner, Shulman (op.
cit.) elabora cinco princípios para uma efetiva e duradoura aprendizagem para os
estudantes e seus professores.
Atividade: nós sabemos que a partir de nossa prática, assim como da teoria
as atividades de aprendizagem resultam em aprendizagens mais
duradouras do que através de uma aprendizagem passiva (p.514);
Reflexão: nós aprendemos pensando sobre o que nós estamos fazendo [...]
Assim como para os estudantes, a reflexão é uma necessidade na vida dos
professores. As escolas precisam criar condições para que os professores
reflitam sobre o seu trabalho (p.514);
75
Colaboração: cria possibilidades integradas de trabalho que pode promover
suporte para outras aprendizagens e outros conhecimentos (p. 515);
Paixão: a aprendizagem não é exclusivamente cognitiva ou intelectual, ela
tem um significativo componente emocional e afetivo. Aprendizagens
autênticas e duradouras ocorrem quando professores e estudantes agem
de forma apaixonada pela matéria, estão emocionalmente comprometidos
com as idéias, processos e atividades e vêem o trabalho presente
conectado a metas futuras (p.515).
Comunidade ou cultura: estes princípios promovem aprendizagens
autênticas e duradouras quando são sustentados, legitimados e nutridos
em uma comunidade ou cultura que valorize suas experiências e crie mais
oportunidades para que elas ocorram e sejam realizadas com sucesso e
prazer (p.515).
Darling-Hammond e Baratz-Snowden (2005) mostram que existem outros
conhecimentos necessários para que os professores sejam capazes de ensinar. Os
professores precisam saber como as crianças aprendem e como elas se
desenvolvem no contexto social.
Compreender as crianças, como elas se desenvolvem, e como elas
aprendem é um ponto crucial para uma efetiva formação. O conhecimento
do desenvolvimento permite-lhes ser eficientes na gestão da classe, na
seleção apropriada das tarefas, na condução dos processos de
aprendizagem, e na manutenção da motivação das crianças para aprender.
Sem esse tipo de conhecimento, os professores muitas vezes selecionam
inadequadamente tarefas de aprendizagem que aborrecem ou frustram os
estudantes ou que falham no apoio à aprendizagem. (pp. 09 e 10)
Os professores precisam ainda ter uma compreensão do conteúdo específico
e habilidade para ensinar considerando os propósitos sociais da educação, além de
uma compreensão do ensino considerando o conteúdo e os aprendizes a serem
ensinados, assim como estar a par da avaliação e dar um suporte para um ambiente
produtivo em sala de aula (idem).
Corroborando a argumentação de Shulman acredita-se ser necessário um
esforço para que sejam implantadas nas escolas reformas que dêem atenção para a
criação de condições de aprendizagem não só para os estudantes, mas para os
professores também.
76
3.3 A experiência, os saberes da experiência e os conhecimentos para o
ensino
Durante muito tempo, acreditou-se que para ensinar bastava saber o
conteúdo da disciplina. As políticas implantadas no Brasil para a área educacional
confirmam esta premissa, como no caso da aceitação de leigos para a docência.
Parecia haver um consenso de que o fato de ter passado pela escola, como aluno,
era requisito suficiente para ser um professor. Assim, a experiência acumulada como
discente daria o suporte necessário para a docência. Quando se falou sobre os
cursos de formação docente a dicotomia teoria e prática apareceu como o
“calcanhar de Aquiles” dos programas de formação. Vê-se que as práticas docentes
têm sido focalizadas por recentes pesquisas e estas demonstram que as
experiências vividas pelos professores são uma importante fonte de aprendizagem
profissional. Mas o que é experiência? Que tipo de experiência um aluno carrega
para a docência? De que natureza é essa experiência? Ela de fato é suficiente para
sustentar a inserção em uma profissão tão complexa?
Experiência no entendimento comum é prática de vida, ação de experimentar
e colocar algo em prática. Nesse sentido, ter experiência é viver uma dada
realidade, testar, errar, pôr à prova a ação que se está experienciando. Dessa forma,
não há experiência sem a participação da pessoa que vive a situação.
A experiência para o empirismo é reconhecida como possibilidade de
verificação e de averiguação das verdades alcançáveis pelo homem. É um recurso à
possibilidade de repetição de certas situações como forma de averiguar as soluções
que se podem extrair delas.
A experiência, entendida como método, é considerada uma complexa
operação que tem a capacidade de colocar à prova um conhecimento e é capaz de
orientar sua retificação. Essa operação é possível de ser repetida e por isso nunca é
uma atividade pessoal ou incomunicável e nunca é intenção ou imaginação, mas a
operação efetiva (ABBAGNANO, 2000).
77
Na filosofia contemporânea o conceito de experiência como método foi
defendido pelo pragmatismo. Dewey, um dos representantes dessa corrente,
entende a experiência como ponto de partida do conhecimento, mas ressalva que
não é só fonte de verdade, mas do erro também. Para Dewey, a experiência tem
três características: a) A experiência não é consciência, logo não pode ser reduzida
à intuição; b) A experiência não é somente conhecimento, embora inclua o
conhecimento, mas compreende tudo o que, a qualquer título, pode ser
experimentado pelo homem
45
; c) A experiência é o campo de toda pesquisa possível
e da projeção racional do futuro: nela, por isso, a razão tem necessariamente função
construtiva (ABBAGNANO, 2000).
Pode-se depreender, a partir dessa caracterização, que os sujeitos constroem
suas experiências e estas são cumulativas de forma a dar suporte para novas
experiências. Estas seriam então formativas. Dewey (1971) considera que há uma
relação orgânica entre experiência e educação, porém esses termos não são
equivalentes, pois entende que existem experiências que são deseducativas.
É deseducativa toda experiência que produza o efeito de parar ou
destorcer o crescimento para novas experiências posteriores. Uma
experiência pode ser tal que produza dureza, insensibilidade, incapacidade
de responder aos apelos da vida, restringindo, portanto, a possibilidade de
futuras experiências mais ricas. Outra poderá aumentar a destreza em
alguma atividade automática, mas de tal modo que habitue a pessoa a
certos tipos de rotina, fechando-lhe o caminho para experiências novas. A
experiência pode ser imediatamente agradável e, entretanto, concorrer
para atitudes descuidadas e preguiçosas, deste modo atuando sobre a
qualidade das futuras experiências, podendo impedir a pessoa de tirar
delas tudo que têm para dar. Por outro lado, as experiências podem ser tão
desconexas e desligadas umas das outras que, embora agradáveis e
mesmo excitantes em si mesmas, não se articulam cumulativamente
(p.14).
Dessa forma, cada experiência poderia ser vívida, intensa e interessante, mas
sua desconexão, vir a gerar hábitos dispersivos, desintegrados, centrífugos (Idem
Ibidem). Dewey destaca que a conseqüência de tais hábitos é a incapacidade de
controlar, no futuro, as experiências que passam a ser recebidas como fontes de
prazer, descontentamento ou revolta.
45
Essa extensão já fora feita por Peirce, que entendera por experiência o “curso da vida” ou a
“história pessoal” (ABBAGNANO, 2000, pg.413).
78
A experiência educativa para Dewey tem dois princípios o da Interação e o da
Continuidade. O continuum experiencial ou continuidade caracteriza as experiências
que tem um valor educativo. É um princípio dialético, pois considera que toda
experiência modifica quem a faz e por ela passa, e essa modificação afeta a
qualidade das experiências posteriores, pois é outra, de algum modo, a pessoa que
vai passar por essas novas experiências (1971, p.25). Sendo assim, toda
experiência guarda algo das experiências passadas e modifica as experiências
subseqüentes. O princípio da interação permite interpretar uma experiência em sua
função e sua força educativa, pois reúne as condições objetivas e as condições
internas para que ela se realize. O indivíduo, em interação com o ambiente em que
está inserido, cria uma situação que pode atender aos seus desejos, necessidades,
propósitos e assim constrói uma experiência em curso. Esses dois princípios,
interação e continuidade, são inseparáveis, interceptam-se e se unem.
O que aprendeu como conhecimento ou habilitação em uma situação
torna-se instrumento para compreender e lidar efetivamente com a situação
que se segue. O processo continua enquanto vida e aprendizagem
continuem. A unidade substancial do processo decorre do fator individual,
elemento integrante da experiência. (DEWEY, 1971, p.37)
A experiência é assumida por Dewey como social, pois há fontes fora do
indivíduo que a fazem surgir e o pensamento só é estimulado pela necessidade, que
pode ser tanto exterior como interior. Acredita ainda no princípio de que a educação
para realizar os seus fins, deve basear-se na experiência – que é sempre a
experiência atual de vida de algum indivíduo (idem, p.95).
Tardif (2004) também acredita que existem saberes que são construídos a
partir da experiência, o que ele chama de Saberes Experienciais. Esses saberes
reúnem algumas características: os saberes experienciais são ligados às funções
dos professores e são mobilizados em função das necessidades manifestadas pelos
professores; são práticos uma vez que sua utilização depende de sua adequação a
situações peculiares ao trabalho; são interativos e mobilizados no âmbito das
interações entre o professor e os outros atores educativos; são sincréticos e plurais,
pois repousam não sobre um repertório de conhecimentos unificado e coerente, mas
sobre vários conhecimentos e sobre um saber-fazer que são mobilizados e utilizados
em função dos contextos variáveis e contingentes da prática profissional (p.110); são
heterogêneos, pois mobilizam diferentes conhecimentos e formas de saber-fazer;
79
são saberes complexos, que impregnam os comportamentos do ator; são um saber
aberto pois integram experiências novas; são personalizados; e são saberes
existenciais, pois estão também ligados à história de vida do professor;
[...] Por causa da própria natureza do trabalho, especialmente do trabalho
na sala de aula com os alunos, e das características anteriores, o saber
experiencial dos professores é pouco formalizado
, inclusive pela
consciência discursiva. Ele é muito mais consciência no trabalho do que
consciência sobre o trabalho. Trata-se daquilo que poderíamos chamar de
“saber experienciado”, mas essa experiência não deve ser confundida com
a idéia de experimentação, considerada numa perspectiva positivista e
cumulativa do conhecimento, nem com a idéia de experiencial, referente,
numa visão humanista, ao foro interior psicológico e aos valores pessoais.
O saber é experienciado por ser experimentado no trabalho, ao mesmo
tempo em que modela a identidade daquele que trabalha. (grifos do autor
em itálico).
[...] É um saber temporal, evolutivo e dinâmico
que se transforma e se
constrói no âmbito de uma carreira, de uma história de vida profissional, e
implica uma socialização e uma aprendizagem da profissão.
[...] Por fim, é um saber social
e construído pelo ator em interação com
diversas fontes sociais de conhecimentos, de competências, de saber-
ensinar provenientes da cultura circundante, da organização escolar, dos
atores educativos, das universidades, etc. Enquanto saber social, ele leva o
ator a posicionar-se diante dos outros conhecimentos e a hierarquizá-los
em função de seu trabalho. (TARDIF, 2004, p.109-11, grifos nossos)
Em resumo, o saber experiencial segundo Tardif (2004): é ligado às funções
dos professores, é prático, interativo, sincrético e plural, heterogêneo, complexo e
não-analítico, aberto, poroso, permeável, personalizado, existencial, pouco
formalizado, temporal, evolutivo e dinâmico e, por fim, é um saber social e
construído pelo ator. Para este autor a experiência é uma instância de produção de
saberes e está ligada às práticas que os sujeitos realizam.
Larrosa (2002), assim como Dewey, concebe a experiência como formadora.
Para Larrosa, a experiência é o “que nos passa”, “o que nos acontece
46
” e é em
primeiro lugar um encontro ou uma relação com algo que se experimenta, que se
prova (p.25). A palavra experiência denota duas dimensões: travessia e perigo,
porque quem vive a experiência se expõe, arrisca-se. O autor destaca um
componente fundamental da experiência que é a sua capacidade de formação ou de
transformação. É experiência aquilo que “nos passa”, ou que nos toca, ou que nos
46
“[...] o sujeito da experiência é, sobretudo, um espaço onde têm lugar os acontecimentos”
(LARROSA, 2002, p.19).
80
acontece, e ao nos passar nos forma e nos transforma. Somente o sujeito da
experiência está, portanto, aberto a sua própria transformação (p.26).
Para Larrosa, o saber da experiência se dá na mediação entre o
conhecimento e a vida humana. No entanto, do ponto de vista da experiência, vida e
conhecimento não podem ser entendidos a partir da sociedade contemporânea em
que se vive. Para ele, seria preciso retornar aos tempos anteriores à ciência
moderna e à sociedade capitalista para compreendê-los.
Este é o saber da experiência: o que se adquire no modo como alguém vai
respondendo ao que vai lhe acontecendo ao longo da vida e no modo
como vamos dando sentido ao acontecer do que nos acontece. No saber
da experiência não se trata da verdade do que são as coisas, mas do
sentido ou do sem-sentido do que nos acontece. (LARROSA, 2002, p.27)
O saber da experiência tem algumas características que se opõem, segundo
o autor, ao que se entende como conhecimento.
O saber da experiência é um saber particular, subjetivo, relativo,
contingente, pessoal. Se a experiência não é o que acontece, mas o que
nos acontece, duas pessoas, ainda que enfrentem o mesmo
acontecimento, não fazem a mesma experiência. O acontecimento é
comum, mas a experiência é para cada qual sua, singular e de alguma
maneira impossível de ser repetida. O saber da experiência é um saber
que não pode separar-se do indivíduo concreto em quem encarna. Não
está, como o conhecimento científico, fora de nós, mas somente tem
sentido no modo como configura uma personalidade, um caráter, uma
sensibilidade ou, em definitivo, uma forma humana singular de estar no
mundo, que é por sua vez uma ética (um modo de conduzir-se) e uma
estética (um estilo). Por isso, também o saber da experiência não pode
beneficiar-se de qualquer alforria, que dizer, ninguém pode aprender da
experiência de outro, a menos que essa experiência seja de algum modo
revivida e tornada própria. (LARROSA, 2002, p.27)
Para Larrosa (op. cit.) o sujeito da experiência tem que se expor, ser
receptivo, ser aberto à sua própria transformação. Ele destaca duas notas sobre o
saber da experiência: a primeira nota é a qualidade existencial da experiência, isto é,
sua relação com a existência, com a vida singular e concreta de um existente
singular e concreto. A experiência e o saber que dela deriva são o que nos permite
apropriar-nos de nossa própria vida (p.27). A segunda nota sobre o saber da
experiência procura evitar a confusão entre experiência e experimento. Para ele se
deveria “limpar” a palavra experiência de suas contaminações experimentais e
empíricas e de suas conotações metodologizantes e metodológicas.
81
Se o experimento é genérico, a experiência é singular. Se a lógica do
experimento produz acordo, consenso ou homogeneidade entre os
sujeitos, a lógica da experiência produz diferença, heterogeneidade e
pluralidade [...] Se o experimento é repetível, a experiência é irrepetível,
sempre há algo como a primeira vez. Se o experimento é preditível e
previsível, a experiência tem sempre uma dimensão de incerteza que não
pode ser reduzida. Além disso, posto que não se pode antecipar o
resultado, a experiência não é o caminho até um objetivo previsto, até uma
meta que se conhece de antemão, mas é uma abertura para o
desconhecido, para o que não se pode antecipar nem “pré-ver” nem “pré-
dizer” (LARROSA, 2002, p.28)
Shulman em sua obra The wisdom of practice (2004) reúne um conjunto de
artigos publicados ao longo de sua vida acadêmica e, ao fazer o levantamento de
pesquisas sobre os professores, identificou que boa parte delas concentrava a
atenção no ensino e no currículo. Ele percebeu que existia um “paradigma perdido”
na pesquisa educacional, ou seja, os estudos não focavam um aspecto importante
da sala de aula, qual seja o conteúdo específico da disciplina que os professores
lecionam e como ele é transformado tendo em vista os conhecimentos que o
professor possui e os objetivos do ensino (p.195).
Para Shulman (op. cit.) os saberes dos professores são silenciados e isolados
e com freqüência trabalhamos solitariamente em circunstâncias que dificultam que
nós articulemos o que nós sabemos e partilhemos o que nós temos aprendido com
os outros (p.505). Ele argumenta a partir do que David Hawkins chamou de “a
sabedoria da prática” que vivemos em um tempo na história da humanidade em que
há muito mais saberes da prática do que saberes acadêmicos. Desse modo, um
jogador conhece mais de probabilidade do que um estatístico, um marinheiro
conhece mais sobre o céu do que um astrônomo e os professores práticos
conhecem mais sobre a docência que os educadores acadêmicos (idem).
Considerando os saberes que os docentes possuem e os que são
mobilizados no ensino, Shulman elaborou dois modelos que explicam de forma geral
os conhecimentos que os professores necessitam para ensinar. São eles: a base de
conhecimento para o ensino e o processo de raciocínio pedagógico.
Segundo Shulman (op. cit.), dentro da base de conhecimento para o ensino,
existem diferentes categorias que podem ser agrupadas em: a) conhecimento de
conteúdo específico, que faz referência aos conteúdos das matérias específicas que
o professor leciona e a forma como ele compreende e representa esses conceitos
82
para os alunos; b) conhecimento pedagógico geral, que abrange os conhecimentos
que o professor possui sobre a aprendizagem, o ensino, os alunos, e transcende os
domínios específicos de uma determinada área do conhecimento; c) conhecimento
pedagógico do conteúdo, que é um tipo de conhecimento específico da docência
considerado novo e é construído pelo professor no momento em que ensina a
matéria, pois engloba os aspectos do assunto que ele considera mais importantes
para serem estudados.
O raciocínio pedagógico está ligado à base de conhecimento para o ensino e,
segundo Mizukami (2004),
Retrata como os conhecimentos são acionados, relacionados e construídos
durante o processo de ensinar e aprender. É concebido sob a perspectiva
do professor e é constituído por seis processos comuns ao ato de ensinar:
compreensão, transformação, instrução, avaliação, reflexão e nova
compreensão. Compreensão está presente tanto no início quanto no final
do processo de raciocínio pedagógico, sob a forma de nova compreensão
do que foi ensinado. Não se trata de chegar ao mesmo ponto de partida,
fechando um círculo. A imagem mais apropriada é a de uma espiral, já que
a nova compreensão é fruto de todo um processo de análise do ensino
(p.08).
Os professores necessitam ter diferentes tipos de conhecimentos tais como
curricular, conhecimento específico da matéria que ensinam e conhecimento
pedagógico de conteúdo. Esses conhecimentos que possuem são apresentados de
várias formas: conhecimento proposicional, conhecimento de casos e conhecimento
estratégico.
O conhecimento proposicional é constituído por princípios, máximas e
normas. A representação do conhecimento na forma de proposições traz não
somente uma distinta vantagem para os cursos de formação docente, como também
uma significativa responsabilidade. Como complemento do conhecimento
proposicional Shulman apresenta o conhecimento de casos
47
. Casos e métodos de
casos são estratégias que os professores podem utilizar para organizar as suas
experiências de forma que se tornem foco para uma prática reflexiva. Segundo
Mizukami (2004) Shulman introduz as funções da aprendizagem baseada em casos
na formação de professores como uma resposta a dois problemas centrais:
47
Conhecimento de casos é conhecimento de eventos específicos, bem documentados e ricamente
descritos. Os casos, por si sós, são relatos de eventos ou de seqüência de eventos, ao passo que o
conhecimento que eles representam é o que faz deles casos (SHULMAN, apud MIZUKAMI, 2000,
p.151).
83
aprendizagem pela experiência e a construção de pontes entre teoria e prática
(p.11). O terceiro tipo de conhecimento dos professores é o conhecimento
estratégico que é construído na prática pelo professor quando se encontra frente a
situações problemáticas e percebe que os elementos teóricos e práticos disponíveis
são insuficientes para solucionar um problema urgente na sala de aula.
Para Shulman a experiência é uma das fontes
48
de conhecimento do
professor e, embora presente no processo de raciocínio pedagógico, é condição
necessária, mas não suficiente, para a construção do conhecimento pedagógico do
conteúdo por parte do professor (MIZUKAMI, 2004, p.07). Por outro lado, este autor
argumenta que a base de conhecimento acadêmico é necessária ao exercício
profissional, mas não suficiente também. Desse modo, casos de ensino seriam,
segundo Shulman, um elemento fundamental no processo de relacionar teoria e
prática nos cursos de formação docente.
Nós não aprendemos a partir da experiência; nós aprendemos pensando
sobre nossa experiência [...] Um caso toma material bruto de experiência
de primeira ordem e coloca-a narrativamente em experiência de segunda
ordem. Um caso é uma versão relembrada, recontada, reexperienciada, e
refletido de uma experiência direta. O processo de relembrar, recontar,
reviver e refletir é o processo de aprender pela experiência. (SHULMAN,
apud MIZUKAMI, 2004, p. 10)
Baseando-se em Shulman, Mizukami afirma que profissionais aprendem a
profissão também no exercício profissional, tanto individualmente quanto em termos
de comunidades inteiras de prática e as lições da prática deveriam ter uma forma de
informar e co-dirigir o próprio desenvolvimento da academia (2004, p. 12).
Concorda-se com a argumentação de ambos, Shulman e Mizukami, e
acredita-se que os professores em suas salas de aula constroem formas particulares
de ensino que tomam como fonte as experiências vivenciadas ao longo de suas
vidas. Faz-se referência especial aos docentes leigos que começaram a ensinar sem
o suporte acadêmico fornecido nos cursos de formação de professores.
48
Segundo Shulman as fontes básicas que compõem a base conhecimento para o ensino são:
conteúdos das áreas específicas de conhecimento; os materiais e as estruturas organizacionais; a
literatura referente a processos de escolarização, de ensino e de aprendizagem e desenvolvimento
humano, bem como sobre os fundamentos normativos, filosóficos e éticos da educação e, por fim,
pela sabedoria da prática, a fonte menos codificada de todas (MIZUKAMI, 2004, p.07).
84
Mostrou-se, no entanto, que somente a prática não dá conta de responder à
complexidade do fenômeno educativo, assim como só o conhecimento teórico não é
capaz de estabelecer relações de aprendizagem eficaz, pois há que se considerar
nesse processo o ensino e todas as suas relações. O desafio é encontrar formas de
equilibrar esses dois eixos.
Caberia assim à universidade, como uma instância formadora, buscar
mecanismos para superar a dicotomia teoria e prática e aproximar os professores o
máximo possível de seu universo profissional. Os autores aqui explicitados
apresentam contribuições nesse sentido, principalmente por discutirem modelos
pertinentes e amplos que visam a explicar como o professor aprende a ensinar, que
tipos de conhecimentos ele pode construir durante a docência e que tipo de
processo ele aciona para que suas aprendizagens sejam concretizadas.
85
Capítulo 4 – AS PROFESSORAS DE CLASSES MULTISSERIADAS E AS
APRENDIZAGENS NA AÇÃO DOCENTE
Neste capítulo analisam-se o ingresso na docência e o desenvolvimento
profissional de professoras que começaram como leigas no magistério. Esta análise
é mediada pelas suas condições de trabalho, pelos seus valores e pelas suas
crenças sobre o ensino e pelo contexto social em que estão inseridas.
Tomam-se como eixos principais da análise as estratégias não-explícitas de
formação e as estratégias explícitas de formação das professoras que começaram
como leigas em classes multisseriadas na escola do campo. Utiliza-se como aporte
teórico os estudos de Lortie (1975), Huberman (2000), Zeichner e Liston (1993 e
1996) Shulman (2004), Mizukami et al. (2003), Darling-Hammond e Baratz-Snowden
(2005) entre outros.
Para tanto, divide-se o capítulo em três partes. Na primeira, são feitas
considerações a respeito dos primeiros anos de carreira das professoras que
entraram como leigas na docência a partir das estratégias não-explícitas de
formação; na segunda parte é descrito o desenvolvimento profissional dessas
professoras condicionado por fatores internos, como o desejo de se tornarem
professoras de direito, e externos, como as determinações impostas pela LDB
9.394/96 e a necessidade de qualificação para se manter na profissão através de
estratégias explícitas de formação. Na terceira parte são apresentadas as
aprendizagens construídas pelas professoras e o âmbito ao qual estão circunscritas.
4.1 Estratégias não-explícitas de formação
Uma estratégia é etimologicamente entendida como a “arte de traçar os
planos de uma guerra”. No contexto deste trabalho entende-se que, na
impossibilidade ou na não intencionalidade de estabelecer estratégias de formação,
86
as professoras participantes deste estudo foram submetidas involuntariamente a
ações que fomentaram, de algum modo, os seus desenvolvimentos profissionais.
Daí porque tais ações estão sendo chamadas de estratégias não-explícitas de
formação.
4.1.1 As relações com a escola antes da escolha profissional ou a docência
instituída
A escola em áreas rurais ocupa um lugar de destaque entre outros fatores
porque se apresenta como espaço de um saber universalmente construído pelo
homem e reconhecidamente importante para a vida em sociedade e porque revela a
presença Estatal nas comunidades, ausente em grande parte das vezes no
atendimento de outras necessidades básicas dessas populações.
As famílias dos trabalhadores rurais, ao reconhecerem a importância da
escola, permitem que seus filhos e filhas utilizem parte do tempo dedicado ao
trabalho no campo para o aprendizado das “letras”. Nas últimas décadas do século
XX essa postura se intensificou pela adoção de políticas públicas que promoveram e
estimularam a matrícula das crianças nas séries iniciais do ensino fundamental como
o bolsa-família e o bolsa-escola. No entanto, vale destacar que houve igualmente
um esforço das famílias em permitir a liberação das crianças para o estudo, já que
seu trabalho é imprescindível para o sustento do lar. Quando há a necessidade de
deslocamento para a cidade o esforço acaba sendo maior já que as famílias
precisam conhecer alguém de confiança no lugar e as crianças, em geral meninas,
necessitam se dispor a efetuar o trabalho doméstico em troca de alimento e
moradia.
As professoras participantes deste estudo foram inseridas no universo das
“letras” ainda na infância e também foram alunas de classes multisseriadas. Ceci
chegou a sair de casa para conseguir estudar quando alcançou um nível de
escolaridade maior que o oferecido na comunidade onde residia. Saiu para morar na
87
casa de uma família amiga na cidade, mas não deu certo e retornou para a casa dos
pais.
O contato com o universo escolar possibilitou às professoras entrevistadas
um ingresso gradativo no mundo da docência. Juçara, por exemplo, foi iniciada na
profissão sob a supervisão de sua antiga professora. Eu via ela dar aulas e eu
gostava [...] A professora pedia que eu escrevesse no quadro que ela gostava da
minha letra.
Para Ceci, a escola era muito boa e relata que ficou triste quando adoeceu e
ficou um tempo sem freqüentá-la. Teve que estudar bastante para recuperar as
matérias perdidas e conseguir passar de ano. Na sua relação com a escola como
estudante destaca que até nas suas brincadeiras infantis a mesma estava presente.
Então a gente estudava pela manhã e à tarde a gente se reunia pra fazer o
para casa, essas coisas, e sempre eu era a professora deles, veja só, da
mesma série, mas eu sempre eu ia lá pra frente, me sentava e bom “eu vou
ser a professora”. E eles confiavam plenamente em mim. Se eu dissesse
“faz assim” eles faziam. Na brincadeira de criança eu já era professora. E
eu sempre gostei. “Olha, que horas que nós vamos...” E lá na nossa
aulinha já me chamavam de professora. “Professora, que horas nós vamos
nos reunir?”. E aí eu ficava olhando pra eles e dizia “tal hora”. E a gente ia
pra lá e já levava caderno, lápis. Mas todo dia. Final de semana era a
nossa brincadeira. Era brincar de aulinha. Às vezes eu fico pensando “meu
Deus, será que desde criança eu já tinha que ser professora?” E eu sempre
era a professora deles, da mesma série, da mesma turma, eu já era a
professora. (CECI)
A professora Ceci relata que durante as brincadeiras imitava as posturas da
professora e diz que seus “alunos” a respeitavam. Durante a brincadeira se sentia
uma professora de fato.
E elas me respeitavam, era professora mesmo. Eram as minhas
coleguinhas, minhas irmãs, a gente se reunia sempre lá em casa mesmo,
tinha um quintal grande lá pra trás e lá a gente sentava, colocava as
mesinhas, colocava as cadeirinhas e todo mundo sentava bonitinho e eu ia
lá pra frente. Era a professora deles. (CECI)
Durante as brincadeiras, ao mesmo tempo em que revisava e reforçava os
conteúdos trabalhados na sala de aula, Ceci construiu em si a imagem de
professora que viria a ser mais tarde. E eu brincava de ser professora, brincava e
deu certo.
88
Iracema e Iara não relataram comportamentos semelhantes ao de Ceci antes
do ingresso na docência. Por outro lado, Juçara parece ter sido intencionalmente
preparada por sua professora para a profissão.
Sempre a professora de português no ensino fundamental ela me dizia, a
professora A
49
, ela me dizia “tu és professora...” porque eu já era
professora, ela me colocava lá no quadro e dizia “tu antes de vir no quadro
escrever porque tu, com certeza, tu já tinha aquela coisa de ser
professora”. Porque ela me colocava no quadro, essa professora, ela me
colocava pra fazer muito no quadro, de vez em quando ela me colocava. E
eu não era professora e eu acho que ela queria me colocar assim como
uma. (JUÇARA)
Ela relata ainda que sentia um desejo oculto de estar lá na frente, de ser a
professora. A professora pedia pra eu ajudar a escrever e eu olhava muitas vezes
ela e às vezes eu me sentia lá na frente, como se eu fosse a professora, isso aí eu
lembro.
Ao estimular a participação das alunas nas aulas, as antigas professoras
mantinham a “tradição”
50
de formar novos professores para as escolas do campo.
Vale destacar também que, ao mesmo tempo em que reconheciam a competência
de determinados alunos, estabeleciam estratégias de cooperação com os mesmos,
já que com eles dividiam a responsabilidade de ensinar aos demais estudantes. O
aluno escolhido para a tarefa de ajudante
51
passava a ter maior ascendência sobre
os outros e exercia um duplo papel em sala de aula, o de aluno e o de professor.
Observa-se que a docência é instituída no momento em que o aluno exerce
atividades docentes sob a supervisão do professor da sala e junto com ele responde
pelos resultados da classe. A partir daí esse aluno passa a ser “preparado” para ser
o futuro professor, a exemplo do que aconteceu com algumas das participantes
desta pesquisa. Através da participação e da observação das aulas das antigas
49
Serão omitidos os nomes das pessoas e das comunidades citadas pelas professoras para
preservar suas identidades. Doravante quando houver nas falas das professoras essas referências,
será mantida apenas a primeira letra do nome citado.
50
Essa é uma questão que merece ser mais estudada, no entanto, destaca-se que parecia existir
uma tradição de formação de novos professores pelos mais experientes, uma vez que era difícil
encontrar pessoas dispostas a se deslocarem para a zona rural para trabalhar nas escolas. As
professoras pareciam entender que se formassem alguém da própria localidade evitariam problemas
de pessoal “preparado” para assumir a docência no futuro.
51
Talvez sem perceber as professoras utilizassem elementos do Método Lancasteriano (Método
Mútuo/Monitorial) que se baseava no aproveitamento dos alunos mais adiantados como auxiliares do
professor no ensino. Nesse método, os alunos, também chamados de monitores, eram investidos da
função docente e nesse processo eram supervisionados por seus professores.
89
professoras, as entrevistadas internalizaram a cultura escolar o que poderia
possibilitar uma noção mínima do que seria o fazer docente ao ingressar na
profissão.
4.1.2 A entrada na profissão e os primeiros anos da carreira
A entrada em qualquer profissão é marcada por momentos de dúvidas,
angústia, solidão, entre outros, que ao mesmo tempo em que podem contribuir para
o amadurecimento profissional, por outro lado podem levar ao abandono da
profissão.
As diferentes pesquisas educacionais que tratam da entrada de professores
na carreira tomam como ponto de partida o ingresso após um curso de formação
inicial, seja ele o de magistério em nível médio ou um curso de Licenciatura nas
diferentes áreas do conhecimento. Baseiam-se nos estudos de Cavaco (1999),
Huberman (2000), Marcelo Garcia (1999) entre outros, que definem estágios/fases
no processo de desenvolvimento profissional e conseqüentemente situam a entrada
na carreira como um período que, além de formativo porque entendido como
continuum, pode condicionar todo o desenvolvimento profissional.
O início da docência é uma das fases do processo de desenvolvimento
profissional, entendido como um continuum, do qual fazem parte a
experiência acumulada durante a passagem pela escola enquanto
estudante, a formação profissional específica – que tem sido denominada
formação inicial –, a iniciação na carreira e a formação contínua. (Lima,
2004, s/p.)
4.1.2.1 A entrada na profissão
Dentre as professoras entrevistadas, Iracema, Juçara, Ceci e Iara, as
trajetórias profissionais apresentam semelhanças que podem ser estendidas a
outras docentes das escolas da região. Todas elas ingressaram no magistério antes
90
de concluírem o ensino fundamental
52
, e esse ingresso foi inesperado, uma vez que
foram chamadas para substituir outras professoras que estavam se aposentando,
mudando de comunidade, ou foram indicadas por algum conhecido. Embora as
professoras destaquem que assumiram a profissão por perceberem a necessidade
da comunidade, cada uma delas teve uma história peculiar. Iara foi indicada pela
comunidade para substituir a antiga professora que estava mudando para outro
lugar e como era a única pessoa com um “grau de instrução mais elevado” foi
chamada para o cargo. Ela descreve esse processo a seguir.
Devido a nossa carência na nossa comunidade, né, não tinha uma pessoa
com um estudo mais alto, que só tinha mesmo a 5ª série. A professora que
também tinha a 5ª série saiu, né, pediu pra sair, pegou pra se mudar de
lugar, aí a comunidade veio, me convidou pra mim trabalhar. E eu fui. Nós
fizemos um provão, na secretaria de educação, quem tirasse nota
trabalhava, né. Ai eu consegui, passei nesse provão e comecei a trabalhar
no dia 24 de fevereiro de 1974.
Iracema ingressou na profissão em substituição a uma professora que estava
se aposentando, Juçara à convite de sua antiga professora e Ceci por indicação de
sua irmã que era professora da escola da comunidade.
A indicação feita por algum conhecido é um procedimento considerado
comum entre os administradores municipais e estaduais, concretiza-se na
“nomeação” e aplica-se aos diferentes profissionais da educação que atuam na
escola sejam eles professores, supervisores, pessoal de apoio e diretores. No
estudo feito por Ximenes e Tancredi (2006) todos os professores de escolas do
campo que foram entrevistados haviam ingressado na profissão a partir de indicação
do presidente da comunidade, por algum vereador ou outro político influente. As
autoras destacam que entre os entrevistados nenhum assumiu a função a partir de
concurso público. Romão e Padilha (2001) destacam com propriedade essa situação
exemplificando a escolha de um diretor de escola.
No caso da nomeação, o diretor é escolhido pela vontade do agente que o
indica, ou seja, pelo governador ou pelo prefeito. Dessa maneira, o diretor
assume um cargo de confiança e torna-se o representante do poder
executivo na escola. Por isso mesmo, pode ser substituído a qualquer
momento, de acordo com os interesses políticos e com as conveniências
daqueles que o escolheram. A experiência nacional mostra que nesse tipo
52
Iara ingressou em 1974; Iracema em 1980; Juçara em 1987 e Ceci em 1982. Destaca-se que
estavam legalmente amparadas pelo que dispunha a Lei 5.692/71 no Artigo 77 que tratava das
disposições transitórias.
91
de escolha o que mais acaba pesando na definição do diretor de escola
são critérios político-clientelistas. (p. 93) (grifos dos autores)
A nomeação é uma forma de manter sob “cabresto” o sujeito que a ela se
submete e garantir a hegemonia ideológica de quem está no poder porque o
profissional não vai se sentir confortável em fazer críticas se seu sustento depende
daquele emprego que lhe foi “dado” por político “A” ou “B”. O ingresso sem concurso
público, este último entendido como um preceito ligado a uma gestão democrática
da educação, dá aos professores uma instabilidade que pode comprometer seu
rendimento na escola e que os leva, anualmente, a enfrentar o humilhante processo
de lotação na Secretaria Municipal de Educação. Não raras vezes, se o
comportamento político de determinado professor não agrada os dirigentes
municipais, ele é dispensado ou lotado em uma escola mais precária e mais distante
do que aquela em que estava atuando. Essa situação foi apontada por Souza e
Ximenes (2003 e 2004) e se configura como uma forma de punição ao professor.
A nomeação dessas professoras leigas mesmo que estivesse amparada por
um dispositivo legal que garantia a contratação em caráter precário, deveria
contemplar outro ponto da lei que era o de que as professoras deveriam ser
submetidas a “programas especiais de recuperação
53
” para que pudessem atingir a
qualificação exigida. Dentre as entrevistadas nenhuma foi submetida a tais
programas e somente Iara disse que fez um exame de admissão na Secretaria de
Educação, o que ela denominou de “provão”, mas não soube dar detalhes dos
conhecimentos então avaliados, nem lembra do conceito que alcançou, mas diz que
foi aprovada. Os exames de suficiência, uma determinação da Lei 4.024/61,
expressados no artigo 116, foram revogados com a aprovação da Lei 5.692/71,
sendo, portanto, desnecessária sua aplicação já que a professora fora contratada no
ano de 1974, portanto, já fora do período de execução da referida exigência.
Um elemento apontado por Iracema como determinante para sua entrada no
magistério foi a estabilidade financeira oferecida ao professor. Mesmo considerando-
se todas as dificuldades de se trabalhar na escola do campo, o professor tem a
garantia de uma renda fixa no final do mês.
53
Artigo 80 - “Os sistemas de ensino deverão desenvolver programas especiais de recuperação para
os professores sem a formação prescrita no art. 29 desta Lei, a fim de que possam atingir
gradualmente a qualificação exigida” (LEI 5.692/71).
92
É... a minha expectativa era mais pessoal, melhorar minha situação. Eu
não pensei nenhuma vez, nenhum minuto eu não pensei nos alunos,
porque eu não sabia a situação que era lá . [...] Financeiro. Porque eu
trabalhava na roça, aí eu pensei em mim. Eu digo: “Puxa, indo dar aula vai
melhorar pra mim, eu vou ganhar né, todo mês eu tenho meu salário, puxa
eu vou ajudar minha família, meu pai”. Meu pai trabalhava na roça. Eu
ainda era solteira, tinha 23 anos, trabalhava na roça mesmo e aí foi
também pela minha necessidade que eu procurei melhorar.
Sem nenhum tipo de preparação e com uma precária base de conhecimentos
para o ensino as professoras começaram a dar aulas em classes multisseriadas. A
maneira como essas professoras foram levadas a assumir a profissão dá
legitimidade ao seu cognome profissional, qual seja, professoras leigas. O leigo é
visto comumente como “aquele que não conhece”, “aquele estranho a um assunto”,
ou ainda aquele “sem formação para o exercício de determinada profissão”.
Para essas professoras, o ingresso na docência se deu de maneira solitária,
quando precisavam dividir o tempo entre o planejamento das aulas, o atendimento
aos alunos, a limpeza da escola e a preparação da merenda das crianças. A
primeira escola onde Iara trabalhou, por exemplo, ficava cerca de trinta minutos de
caminhada de sua residência, possuía uma estrutura física precária, pois tinha a
cobertura de cavaco de pau e, na fala da professora, era:
[...] uma escola muito rústica, chão, não tinha carteira às vezes suficiente,
uma cozinhazinha de fogão de lenha emendado com a escola. A parede
era meia parede de barro, assim, e um fogãozinho colocado pra trás que
estava dando aula estava olhando a merenda, pedindo pra uma criança ir
mexer. Ai nós trabalhamos... no primeiro ano de trabalho, aí eu trabalhei
quatro anos assim seguidos com esta situação.
Ela tinha em média 30 alunos nas turmas multisseriadas que atendiam de 1ª a
4ª série. Não possuía nenhum tipo de ajudante, era a única funcionária da escola e
realizava todas as tarefas, lecionava, cozinhava e fazia a limpeza da escola.
Segundo ela “naquela época o professor fazia a merenda”. Antes de sair para o seu
primeiro dia de aulas a professora foi tomada por um sentimento de medo e receio
em relação ao que iria encontrar na escola.
Ah, eu tinha medo de encontrar crianças rebeldes, criança que fosse brigar
com os outros, eu tinha medo assim... uma expectativa muito grande “meu
Deus, será que não vai ser assim um lugar de confusão, criança não vai
querer respeitar o outro”, que a minha cunhada já era de idade, eu já ia
jovem...
[...]
Pra ir não, eu fui com aqueles receios, “meu Deus, o que eu vou
encontrar?” a gente tem dúvidas não é?
93
O primeiro dia de aulas foi inusitado e marcou sobremaneira a trajetória
dessas professoras. Elas manifestaram as impressões sobre esse dia através de
expressões como “foi um caos” e “saí feliz”, o que denota a ambigüidade de
sensações que acompanharam estas professoras após a primeira aula.
As expressões “caos” e “feliz” revelam sensações de medo, insegurança e
dúvidas em torno dessa primeira experiência como docente que viria a ser repetida
centenas de vezes ao longo de suas vidas. A dúvida maior girava em torno do “como
fazer”, como agir na complexidade dos processos envolvidos no “aprender a
ensinar”. Iracema expõe esse sentimento de forma bem particular.
Tive muito medo, muito medo. Eu fiquei insegura muitas vezes. Dúvidas.
Será que eu estou fazendo a coisa certa? Será que esses meninos vão
aprender? Será que é por aqui o caminho? Será que a outra professora
não fazia diferente?
Essas sensações, embora estejam presentes na iniciação de qualquer
profissional, deixaram marcas significativas no ingresso na docência das professoras
leigas justamente porque não foram preparadas para o exercício da profissão.
Eu não tive nenhuma preparação. Eu fui convocada, fui contratada e fui
mandada pra escola. Sem nenhuma preparação. No início foi horrível. O
meu primeiro mês foi um sufoco. Eu chegava em casa dava vontade de
morrer mesmo. (IRACEMA)
Para Huberman (2000), embora as motivações para a entrada na carreira
sejam diversas, a maneira como os professores tomam contato com a mesma se dá
de uma forma um tanto homogênea. Desse modo, o choque do real seria
[...] a confrontação inicial com a complexidade da situação profissional: o
tactear constante, a preocupação consigo próprio (“Estou-me a agüentar”),
a distância entre os ideais e as realidades quotidianas da sala de aula, a
fragmentação do trabalho, a dificuldade em fazer face, simultaneamente, à
relação pedagógica e à transmissão de conhecimentos, a oscilação entre
relações demasiado íntimas e demasiado distantes, dificuldades com
alunos que criam problemas, com material didático inadequado, etc. (p.39).
O choque de realidade exposto na literatura acomete praticamente todos os
professores iniciantes, porém o caso dessas professoras apresenta a especificidade
de terem ingressado na docência ainda leigas, sem preparo formal e com uma frágil
base de conhecimento para o ensino.
94
Juçara: [...] eu fui pega de surpresa. Já pensou, chega a pessoa, a gente tá
lá trabalhando num restaurante, era ela e uma tia minha que foi lá, aí chega
e diz assim: “Tu queres ser professora? Surgiu uma vaga lá na S... Tu
queres ser?”. Aí eu larguei tudo e vim, faz muitos anos. Foi um choque. E
assim adolescente porque naquela época não, só entrava assim de sete
anos e já tinha muito menino adolescente já. Eu senti um medo grande.
Entrevistadora: Medo quê?
Juçara: Sei lá, de não passar aquilo que eles estavam precisando... e me
deu vontade de nem vir mais no outro dia. Deu desespero, insegurança.
Até porque não tinha segurança, eu estava estudando. (JUÇARA)
Dar início a uma profissão com o repertório mínimo de conhecimentos pode
trazer conseqüências inimagináveis para toda a vida. Uma sólida base de
conhecimento para o ensino (SHULMAN, 2004, 1987, 1986) deveria acompanhar
todo professor em início de carreira.
A base de conhecimento para o ensino consiste, segundo Mizukami (2004) de
um “corpo” de conhecimentos, disposições e habilidades necessárias ao processo
de ensinar e de aprender e envolve conhecimentos de diferentes naturezas, todos
necessários e indispensáveis para a atuação profissional (p.5).
Com uma frágil base de conhecimento para o ensino as professoras deram a
primeira aula, do ponto de vista pedagógico, em uma escola que conheciam pouco,
para alunos que conheciam pouco, e com conhecimentos que, igualmente, pouco
dominavam. Desse modo, é até natural que tenham se sentido temerosas face ao
que poderiam encontrar na sala de aula.
O primeiro dia a gente fica meio perdida, ainda mais quando é pra trabalhar
3ª e 4ª e nessa época já não eram mais crianças, já eram mais
adolescentes e aí eu fiquei pensando “meu Deus, será que eu vou dar
conta?” E aí a gente... no primeiro dia dá aquele nervoso e graças à Deus
eu consegui.(CECI)
O processo de inserção profissional de Iara, Iracema, Juçara e Ceci é
semelhante. A partir da necessidade de ampliar a oferta de escolas nas
comunidades rurais, as pessoas mais preparadas, ou com melhor escolaridade eram
chamadas para assumir a docência. Indicadas pelas antigas professoras ou por
alguém conhecido ingressaram na profissão que representava, naquele momento,
uma oportunidade de estabilidade financeira e de ascensão social já que como
mulheres de comunidades rurais lhes restavam as opções de casar e/ou trabalhar
na lavoura de subsistência.
95
Relatam que o primeiro dia de aula foi marcante e as dificuldades iniciais
levaram-nas a pensar em abandonar a profissão. Com o passar do tempo foram
consolidando as práticas e conseqüentemente sentindo maior segurança para
continuar ensinando.
4.1.2.2 Os primeiros anos ou a docência legitimada
Nas falas das professoras os primeiros anos de carreira foram os mais difíceis
e significativos no seu processo de desenvolvimento profissional. As professoras
nem sempre tinham a opção de lecionar em uma escola próxima de suas casas e,
geralmente, as comunidades que mais precisavam de um docente eram as mais
distantes. Iara conta sobre a experiência de trabalhar em um local da região
amazônica extremamente perigoso, além das dificuldades de relacionamento com a
comunidade.
Eu acho que a experiência mais marcante que eu tive foi com uma
comunidade muito distante aonde nunca tinha tido professora lá, e... tinha
muita onça, eu tinha muito medo, só se andava por água, ninguém podia
sair de noite no quintal, aí aquelas crianças que tinham tanta vontade de
aprender, e a gente trabalhar num lugar de pessoas que não tinha estudo,
que tinha muita gente que não valorizava o ensino aprendizado dos filhos.
Acho que foi a comunidade mais difícil que eu passei foi lá.
Além das dificuldades estruturais das comunidades e das escolas - prédios
precários, ausência de pessoal de apoio, entre outros - as professoras enfrentaram
as dificuldades inerentes ao trabalho docente, que só conheciam minimamente, a
partir de suas vivências como alunas.
Iara, por exemplo, não sabia direito o que deveria fazer. Ao entrar na sala
percebeu as crianças alegres e sorrindo, isso a motivou. Apresentou-se, embora já
fosse conhecida por todos, pois morava na comunidade. Para organizar a primeira
aula contou com o auxílio dos alunos. A professora descreve esse dia como “um dia
feliz” e faz um relato surpreendente sobre a relação que estabeleceu com as
crianças e sobre como iniciou o aprendizado da profissão.
96
As crianças eram mais obedientes e eram bem comunicativas as crianças
com quem eu comecei a trabalhar, quer dizer, eles me ensinaram a
trabalhar com eles, por causa do modo. “Professora assim, vamos fazer
assim que é melhor”, “professora vamos fazer aqui que é melhor”. Então foi
muito fácil, foi mais fácil trabalhar pela primeira vez com as crianças
naquela época de que agora com 26 anos dentro de uma sala de aula
trabalhando, foi mais fácil porque as crianças eram bem mais sociais.
“Professora, vamos brincar?” Chegavam comigo: “Professora vamos
brincar da bandeirinha?” Aí eu dizia: “mas eu não sei brincar”, “mas nós
vamos lhe ensinar a brincar, a senhora vai aprender a brincar com a gente”
Aí foi assim. Meu primeiro dia foi um dia é... que a gente vai... imaginando
qual é a dificuldade que eu vou ter né, vem trabalhar, mas foi assim uma
surpresa pra mim né, que as crianças diziam “não professora, primeiro a
senhora faz isso, não professora, primeiro a senhora faz aquilo” e assim
foi...
As rotinas do cotidiano escolar foram resgatadas pelas memórias de
estudantes dos alunos para a memória de estudante da agora professora da turma.
A hora da entrada na sala, a oração antes do início das aulas, a forma de organizar
as carteiras, a exposição dos conteúdos foram os primeiros elementos escolares
organizados e seguidos pela professora Iara. Como não tivera o seu saber
questionado por nenhum membro da comunidade, outros aspectos relativos ao fazer
pedagógico, como organização e seleção do conteúdo, foram se consolidando com
o passar do tempo.
Para Juçara, o caminho encontrado para organizar o primeiro dia de aulas foi,
também a partir de suas lembranças de estudante, seguir os passos de sua antiga
professora.
Juçara: Porque eu seguia o método tradicional dela. Aí eu imitava. Primeira
coisa ela não fazia o plano de aula, aí eu via, porque era a minha
professora, eu via como ela trabalhava e eu imitava ela.
Entrevistadora: A senhora começou a vir sem planos também?
Juçara: Sem planos. Muitas vezes sem diário. Depois eu já comecei a
aprender [...].
“Amparadas” pela imitação da prática das antigas professoras seus primeiros
anos foram marcados pelo tatear constante em busca da estabilidade na profissão.
Provavelmente, essas vivências como alunas também tenham marcado a trajetória
profissional das antigas professoras das entrevistadas, uma vez que eram leigas
também. Para essas professoras, no desconhecido mundo da docência, o caminho
mais seguro a percorrer parecia ser o do “fazer como as outras faziam”.
97
Os estudos de Lortie (1975) também apontam que as vivências como
estudantes exercem uma grande influência no trabalho e no processo de
socialização profissional dos professores. De acordo com Lortie (op. cit), a
socialização dos professores
54
ocorre inicialmente, através da internalização de
modelos de ensino vividos durante o período de contato com os antigos professores
e da “aprendizagem pela observação” (apprenticeship of observation). Para este
autor, a ativação desta “cultura latente” ocorre no processo de preparação formal e
durante as primeiras experiências como docentes. Ela exerce uma forte influência
nas concepções de ensino dos professores e no seu desempenho na sala de aula e
os cursos de formação não são capazes de modificá-las completamente.
A solidão foi outro sentimento que marcou a trajetória de algumas das
professoras de classes multisseriadas. Começaram sozinhas suas práticas
docentes, em um momento da carreira em que a partilha de dúvidas e angústias é
fundamental para a consolidação do fazer profissional.
Só que essa professora que saiu ela era minha madrinha e ela saiu e foi
embora pra Santarém, não ficou pra me dar apoio nenhum, me deixou lá e
se mandou, e eu fiquei sem apoio de ninguém, não tinha pra onde correr.
(IRACEMA)
O apoio inicial para dar suas aulas a professora Iracema encontrou nos livros
didáticos a que teve acesso.
A experiência foi livros, procurando em livros. Livros didáticos... é aquelas
cartilhas iniciais, aquele livro é... “saber aprender”, aquela cartilha foi assim
um livro aberto pra mim, foi uma continuidade de tudo que eu já tinha
aprendido né, eu botei na prática e fui trabalhar ele e disso aí eu passei pra
muitas amigas minhas. Pra iniciar, fazer aqueles meninos desenvolver,
aprender. Ai mas foi, pra mim foi assim um empurrãozão grande, a menina,
os meninos aprenderam a ler assim com muita facilidade, eu tive muita
facilidade e eu achei que os alunos também tiveram muito êxito.
(IRACEMA)
Para Juçara, o apoio que recebeu da antiga professora auxiliou na superação
dos temores e das dificuldades iniciais quando do ingresso na profissão.
54
Em sua obra Schoolteacher: a sociological study (1975) Lortie descreve três etapas na socialização
dos professores. A primeira advém da experiência como aluno decorrente do período de escolaridade
em que vivenciou a atuação de diferentes professores. A segunda refere-se ao período de formação
propriamente dito na universidade e a terceira quando o professor assume a docência e ocorre nos
primeiros anos de profissão.
98
Eu sei que um trabalho bem feito, mesmo a gente que já tem um estudo
elevado muitas vezes não faz um trabalho bem feito, aí eu não fazia
mesmo um trabalho bem feito, eu sabia que eu não fazia. Mas aí ela me
indicava: “trabalha bastante a leitura”, “alfabetiza”, faz isso, faz aquilo.
(JUÇARA)
A presença de um interlocutor mais experiente ou de um grupo de estudos dá
ao professor iniciante a possibilidade de aprender por meio da partilha de vivências
que propicia a superação das barreiras iniciais do ingresso no cotidiano escolar.
Essa troca configuraria uma ampla comunidade de aprendizagem, por exemplo,
segundo o que propõe Mizukami et al (2003), a qual se constituiria em fonte de
apoio e de idéias.
A sensação de preparação para o ensino as professoras a construíram ao
longo do tempo, porém, nem sempre de maneira fácil. Aos poucos, foram
aprendendo a administrar conflitos na escola, entre os alunos e com os pais, ao
mesmo tempo em que foram demonstrando essa segurança para a comunidade e
se auto-afirmando como professoras.
Experiência que eu tinha, na verdade nenhuma. Eu sabia simplesmente ler
e escrever e um conhecimento que eu adquiri com os meus estudos. Eu
me questionava, “eu tenho que conseguir dar aulas”. Um ano, no final do
ano eu voltei a Secretaria de Educação pra pedir as contas, eu não queria
mais trabalhar, eu não dava conta da responsabilidade, eu queria desistir
de dar aula e pedi a demissão, mas a secretária não quis me demitir e me
deu a transferência, em 1981. Eu trabalhava na Escola S. M. no P. e fui
transferida pra Escola S. J. no T. No T. foi um grande desafio porque tinha
muitos alunos, uma turma de adolescentes e eu tinha que demonstrar
trabalho e segurança. Nesta época eu ainda era bem jovem para o desafio.
Uns alunos que me desafiavam, mas eu sempre me mantive no meu posto
e não demonstrei fracasso. Os pais desses alunos me agradeciam pelo
trabalho que eu desempenhava, apesar de ser ainda jovem, estava numa
fase adulta né, meio adulta meio jovem, e essa segurança que eu tinha me
deu muita força e me incentivou muito, me motivou a continuar o trabalho.
E essa é a parte gratificante que existe no trabalho de ensinar, é quando
você tem a sensação do dever cumprido. É quando você que exerce a
função de ser uma professora ou uma missão, recebe as crianças muitas
vezes não sabe nem falar direito, fala as palavras pela metade, a partir do
seu trabalho eles passam a conhecer as letras, os números, as sílabas e
descobrir as palavras, isso é um milagre, um mistério, é aí que você sente
a noção de que seu trabalho está tendo êxito, está sendo assim, muito bem
aceito, você se sente realizado porque você vê que tem êxito no seu
trabalho, alguém está crescendo com a sua ajuda, a partir do seu
conhecimento. (IRACEMA)
Considerando as dificuldades físicas e materiais das escolas multisseriadas,
aliada à baixa escolaridade das professoras, as histórias de sucesso escolar dos
99
alunos não são muitas, mas existem. Sobre esse aspecto, Iara, faz um relato
emocionante de uma experiência de êxito na alfabetização de uma criança.
De êxito, eu tenho assim, crianças... eu com 5ª série, logo quando eu
comecei a ensinar, eu consegui alfabetizar a criança. Começar no mês de
fevereiro e no mês de julho a criança já escrever assim “papai, eu quero
um corte de pano”, aí escrever o nome dela embaixo. Já era um bilhete.
Criança sem nenhum preparo, a criança nunca tinha ido na escola, ela foi
pra escola comigo, ela não era matriculada ainda, porque ainda não tinha
idade para ser matriculada que naquela época era com sete anos, e ela
conseguiu escrever sem... Quando o pai dela foi saindo... ela estava
escrevendo, a mãe não sabia ler, só era o pai que sabia, aí a mãe... e ela
estava fazendo, quando o pai dela saiu ela dobrou e disse “pegue papai” e
correu e se escondeu. Quando ele abriu, que ele viu, aí ele disse “Alda”,
ela disse “é a Áurea que está escrevendo”. “A Áurea já sabe?” “Ela disse
já, ela já sabe”. Porque eu ensinava muito a fazer redação, bilhetinho,
recadinho. Foi, foi marcante pra mim. Agora já com magistério, já foi mais.
Já..., isso é muito fácil a criança chegar na sala de aula e no meio do ano
ela já ler. Mas essa, eu tive o quê... eu tive mais de uma, antes do
magistério eu tive mais de uma. A Áurea porque foi a marcada assim,
porque foi a minha primeira aluna, aí isso ficou gravado. Aqui outras não,
porque já foram tantas que não deu mais pra selecionar em mente, mas a
Áurea foi, foi o meu segundo... acho que deve ter sido no segundo ano de
aula, segundo ou terceiro ano de aula, que eu estava atuando. E ela
aprendeu. Foi uma vitória, eu mesmo sabia, eu reconhecia o meu fracasso,
eu não tinha magistério, eu não tinha preparação. (IARA)
Mesmo obtendo êxito em algumas iniciativas, as limitações impostas pela
ausência de preparação formal para o exercício do magistério se mostraram
imperativas e as professoras reconheciam isso como um empecilho nos seus
processos de desenvolvimento profissional. No entanto, a carência de pessoas
dispostas a assumir a docência em escolas com condições precárias como aquelas,
a necessidade de um salário fixo no final do mês e, por que não dizer, o
compromisso com a aprendizagem das crianças, impediam o abandono da
profissão, mesmo que estivessem dispostas a fazê-lo.
Eu dizia: “eu não vou dar conta”. Cansei de dizer pra mim mesma: “eu não
vou dar conta, eu não vou dar conta”. Mas assim mesmo eu batalhei e
hoje, hoje eu agradeço muito o que eu aprendi, porque eu aprendi muito
e... agradeço a Deus e gosto, hoje eu gosto de dar aula. No começo não,
no começo eu tava perdida. Eu pedi transferência, eu pedi conta eu fiz um
caos. Eu dei aula um ano, em 80, em 81 eu pedi minha conta e a
professora Z: “não, ninguém vai te dar conta porque nós estamos
precisando, tem seis escolas precisando de você”. Eu digo, “ai meu Deus”,
foi aí que eu fui transferida aqui pro T... (IRACEMA)
Com o passar do tempo as professoras foram adquirindo mais confiança em
seu fazer pedagógico e desenvolveram um sentimento de competência pedagógica
crescente como aponta Huberman (2000). Acredita-se que isso se deve a dois
100
fatores. O primeiro deles faz referência ao reconhecimento pessoal desenvolvido por
cada professora de que eram capazes de ensinar. Isso se observa nos relatos que
dizem respeito ao êxito atingido pelos alunos após a intervenção das docentes. O
segundo fator, especialmente relevante, é que no contexto em que as professoras
estavam inseridas – escola do campo, comunidades rurais – os saberes ditos
escolares eram pouco questionados, assim como a figura do professor como
detentor desse saber.
Segundo Shulman citado por Mizukami (2004), os professores realizam suas
funções docentes dentro de comunidades particulares e amparados por privilégios
garantidos a partir de seu reconhecimento pela sociedade em que estão inseridos.
Autonomia e privilégio são garantidos quando a profissão é vista como
tendo conhecimento especializado que garante apenas que seus próprios
membros possam avaliar e quando seus membros têm confiança para
tomar responsabilidades por tal avaliação. (SHULMAN apud MIZUKAMI,
2004, p.12)
O contexto em que as professoras de classes multisseriadas estavam
inseridas exerceu influência no modo de produzir o trabalho docente conforme
apontam Zeichner e Liston (1996). Em face disso e considerando esses elementos,
foi possível a essas professoras, mesmo com todas as dificuldades da docência,
conseguir se estabilizar na profissão.
Se eu me sentia preparada? Não. Eu não tava preparada, eu me preparei a
partir daí, foi quando eu comecei a parar pra me preparar. Aí depois de um
mês de trabalho eu já tava mais ou menos equilibrada, mas o primeiro mês
foi só... foi só embromação, só embromação. Mas depois daí eu sei que fiz
a coisa certa. [...] - Segurança, aí eu comecei a caminhar mesmo e ver
também as crianças desenvolverem. (IRACEMA)
Segundo Lortie (1975) os professores em início de carreira já foram alunos
por doze anos ou mais e tiveram contato com diferentes tipos de professores e
formas de atuação o que lhes daria certo conhecimento a respeito da profissão.
Esse fato, inédito
55
em outras profissões, não é garantia de sucesso para quem
passou pelo processo formal de preparação, muito menos para os que entraram
como leigos na docência, já que tiveram um tempo de escolarização bem inferior ao
referido. No entanto, a docência é legitimada na comunidade da prática quando as
55
Diz-se que é inédito porque em nenhuma outra atividade a pessoa passa tanto tempo em contato
com a profissão, a menos que esteja oficialmente na condição de aprendiz, o que não é o caso aqui.
101
professoras incorporam o saber-fazer técnico inerente ao trabalho docente e o
transmitem aos seus alunos. Isso legitima seus conhecimentos, pois ensinam aos
alunos da mesma maneira que aprenderam.
Por outro lado, ao internalizar as práticas das antigas professoras através de
procedimentos como observação e imitação no processo de transformação do
conteúdo para ser ensinado, as professoras entrevistadas incluíram elementos
particulares no seu ensino.
Nós começamos com a idéia de que um professor tem uma representação
específica, favorita, de idéias particulares para seu próprio propósito. Em
sua trajetória ... [de aprendizagem da profissão] ele desenvolve a
capacidade de introduzir variações no esquema, representações
alternativas da matéria. Essas representações são alternativas tanto para o
professor quanto para os alunos: o professor cria ativamente múltiplas
representações da matéria; os alunos, por sua vez, são estimulados a
inventar as suas próprias enquanto experienciam a atividade
representacional do professor. Nós usamos o termo geral ‘transformação’
para designar o comportamento de atividades do professor de se mover de
sua própria compreensão da matéria e das representações mais úteis para
aquela compreensão, para variações de representação, narrativas,
exemplos ou associações prováveis de iniciar compreensões por parte dos
alunos. (WILSON, SHULMAN e RICHERT apud MIZUKAMI, 2004, p.8-9)
A imitação criativa, desenvolvida pelas docentes, parte dos modelos que
internalizaram através da observação e imitação das aulas a que assistiram como
alunas e recebe elementos individuais que caracterizam a experiência de cada uma
delas. Desse modo, as práticas docentes consideradas inadequadas pelas
professoras são rejeitadas quando passam a ser regentes. Entende-se que elas
“filtraram” das práticas das antigas professoras questões que consideraram boas e
as incorporaram ao seu fazer pedagógico e rejeitaram as que consideraram
inadequadas. Sob essa ótica pode-se falar em construções idiossincráticas e em
construção de conhecimento pedagógico dos conteúdos das séries iniciais, mesmo
a partir das bases de conhecimentos bastante limitadas, porém diferenciadas
daquelas que deram origem a elas. No diálogo a seguir a professora Juçara
expressa bem essa questão.
Entrevistadora: A senhora arruma a turma, quer dizer, não faz uma
separação visível pra quem vem de fora não entende quem é 2ª, quem é
3ª, quem é de 4ª, por que a senhora não separa os alunos por série?
Juçara: Porque eu acho que eles aprendem muito mais assim. Se houver
aquela separação... Olha, eu trabalho... Sabe, eu vou trabalhar com a 3ª eu
peço que a 4ª ouça também, observe e quando eu trabalho com a 4ª eu
peço que a 3ª também. Porque eles aprendem, os da 3ª. Quem está um
102
pouco atrasadinho, porque na 3ª o conteúdo é menor, eles aprendem. Fica
melhor trabalhar, do que ficar separado. Até porque é ruim ficar separando
eles. Eu acho que é uma discriminação: “ah, o fulano está na 3ª, outro está
na 4ª”. E aí pra igualar eles.
Entrevistadora: A senhora sempre fez assim? Nunca dividiu?
Juçara: Sempre. Nunca dividi.
Entrevistadora: A sua professora dividia?
Juçara: Dividia.
Entrevistadora: A senhora sentia essa discriminação entre vocês, enquanto
alunos, naquela época?
Juçara: Sentia. Porque muitas vezes a criança fica querendo ter,...
principalmente quem já está na 4ª série, “ah, fulano tu és da 3ª”. Discrimina
mesmo. E se torna assim uma... e quanto mais a gente igualar. Eu não
gosto de dizer, de chegar para uma criança e dizer pra ela “olha, esse é
mais bonito do que aquele outro”, eu não, eu gosto de dar parabéns pra
todos, nunca chegar com um e dizer “fulano, parabéns”. Até porque criança
muitas vezes ela fica traumatizada. É a gente que provoca isso. Chamar
atenção só se for um caso assim... e não gosto de chamar muito atenção
na frente dos outros.
Entrevistadora: A senhora acha que isso ajuda no seu trabalho, prejudica o
seu trabalho, como é que a senhora avalia?
Juçara: Eu acho que ajuda, porque... eu não lembro de uma coisa que eu
fiz que eu fiquei traumatizada. E eu disse “se um dia eu for ser professora
eu não vou trabalhar desse jeito”. Até porque ela era muito tradicional.
Entrevistadora: Usava palmatória?
Juçara: Usava.
Entrevistadora: A senhora já usou palmatória?
Juçara: Não, eu nunca usei. Nem quando eu entrei pra trabalhar e comecei
a trabalhar eu nunca usei. Nunca gostei. As crianças gostam, eles gostam
quando chegam “ah, vou estudar com a professora L.”. E muitas vezes as
pessoas perguntam: “o que tu tens?” Encanta os meninos. O professor tem
que ser muito humilde também, porque se ele for muito... até as crianças
se sentem assim, discriminadas.
Desse modo, mesmo que socializem novas técnicas entre si, a forma de
ministrar o ensino é pessoal, particular, construída por cada uma delas e
intransferível.
4.2 Estratégias explícitas de formação ou a docência profissional
Os primeiros anos são cruciais para o desenvolvimento dos professores e,
junto com o processo de aprendizagem da profissão, o professor inicia o seu
processo de desenvolvimento profissional. Para Hammernerss, Darling-Hammond e
103
Bransford (2005) o desenvolvimento profissional dos professores é influenciado pela
natureza da formação inicial que receberam. As professoras participantes deste
estudo, como observado anteriormente, iniciaram a docência ainda leigas e à
medida que se estabilizavam na profissão passaram a perceber a necessidade de
aperfeiçoamento profissional como um requisito para se consolidar na docência.
Com a baixa escolaridade que possuíam, as professoras começaram a fazer
alguns cursos oferecidos pela SEMED que pouco contribuíram para melhorias nas
suas práticas em sala de aula multisseriadas. Iara conta que teve que desenvolver
estratégias de ensino que pudessem se adequar à realidade que estava
vivenciando.
Logo depois, nós começamos a fazer cursos, mas, mesmo os cursinhos
que eles dão, eles dão pra gente trabalhar com uma turma, não é com
aquele multisseriado, e aí a gente tem que aprender que tem que ensinar
esse... Ou começa pela 1ª série e vai passando.... Porque tem matérias
que dá pra gente começar, como ciências. Dá pra mim trabalhar com todos
ao mesmo tempo, na hora da prova aí eu vou selecionar de conformidade.
Mas quando vem, matemática também dá pra dividir e tal, mas quando é o
português, é uma disciplina difícil que a gente tem, porque a gente não tem
uma ajuda...
Embora tivessem participado de alguns cursos as professoras foram levadas
a desejar concluir os estudos em nível fundamental e médio. Nesse período, final da
década de 80 e início da década de 90, já havia várias mobilizações em todo o
território nacional em torno do estabelecimento de uma nova Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional. As informações que chegavam até as professoras,
carregadas de interpretações pejorativas, davam conta de que aquele professor que
não tivesse habilitação seria demitido ou teria que sair da sala de aula. Juçara foi
penalizada por essa situação e teve que ficar como servente enquanto não adquiria
a formação mínima necessária.
Eu tinha terminado o Gavião I, aí surgiu. Porque tinha que ter o magistério,
lá na Secretaria [de educação] a professora M. [Secretária de Educação]
conversou com os professores leigos, sem magistério, aí me chamou e
disse que eu tinha que fazer o magistério pra poder continuar na sala de
aula. Inclusive eu passei um ano trabalhando como servente porque não
tinha o magistério ainda. Aí eu tinha que fazer mesmo né, aí ingressei no
magistério. Mas assim, a gente, sei lá, aparece até medo, senti medo. Igual
como se fosse o primeiro dia de aula. Mas aos poucos eu fui sentindo
vontade, junto com os colegas até porque os colegas eu já conhecia.
(JUÇARA)
104
O ingresso no Projeto Gavião I – ensino fundamental - e depois no Projeto
Gavião II – curso de magistério – devolveu às professoras entrevistadas a
possibilidade de continuar atuando nas escolas do campo e aparece como um
marco nos seus processos de desenvolvimento profissional.
4.2.1 Reflexões sobre a prática e sobre as mudanças na prática a partir do
curso de magistério
Com as exigências impostas pela LDB 9.394 aprovada em 26 de dezembro
de 1996 os governos municipais e estaduais perceberam a necessidade de os
professores ainda leigos serem inseridos em programas de formação de modo que
fosse eliminada a figura do leigo nas salas de aula do país.
Dentre as professoras entrevistadas, todas iniciaram o curso de magistério
através do Projeto Gavião no período de 1998 a 2000. O curso era ministrado em
módulos que se realizavam nos períodos de férias escolares, ou seja, nos meses em
que não estavam ministrando aulas as professoras estavam assistindo a elas no
curso de formação.
A entrada no curso de magistério foi uma importante etapa no processo de
desenvolvimento profissional das professoras entrevistadas e aparece como uma
unanimidade quando a ele se referem. Para todas elas o curso foi muito bom e
trouxe muitas contribuições. O fato de ter sido ministrado em etapas e entre essas
etapas as professoras terem tido a possibilidade de estarem em sala de aula com os
alunos, entende-se que reforçou os conhecimentos trabalhados no curso de
magistério e aumentou a expectativa das professoras para a etapa posterior. A
professora Juçara relata o retorno à docência após a primeira etapa do curso.
Acho que eu já estava um pouquinho preparada, mais empolgada, mais
preparada, mais segura. E cada dia, cada vez que eu passava, porque a
gente estudava por etapa, eu vinha mais preparada ainda. Eu me sentia
mais segura. Mais consciente e eu já tinha noção, porque muitas vezes a
gente não conhece direito o conteúdo, passa, mas muitas vezes até errado,
e eu já vinha dominando os conteúdos mais ainda. Porque trabalhava
dentro do curso.
105
Quanto a mudanças na prática após o ingresso no curso de magistério
as declarações das professoras são divergentes. Juçara, conforme demonstrado
na citação anterior, corrigiu distorções no que diz respeito ao entendimento do
conteúdo a ser ensinado aos alunos e até mesmo aprendeu alguns conteúdos
durante o curso de magistério. Para Ceci o curso pouco alterou a prática e analisa-
se que para ela parece ter sido um importante instrumento metodológico com “dicas”
sobre o como fazer, corroborando o modelo da racionalidade técnica.
Assim, mudou muitas coisas, quer dizer, a prática mesmo, como eu já
vinha trabalhando, eu continuei a mesma prática, mas muitas coisas ajudou
sim.[...] Para a 1ª série, a professora preparou um trabalho que eu achei
muito interessante. Nós chegamos tinha assim tipo uma cartilha é... era tipo
assim uma colagem, desenho pra trabalhar com a 1ª série. E aquele
trabalho eu achei muito interessante a gente pegava as figuras, as
palavras, eu sei que no final deu uma cartilha. Teve a questão da gente
fazer também quebra-cabeça, isso aí eu achei também muito interessante.
(CECI)
O curso de magistério, na falas das professoras trouxe importantes
contribuições, conforme mencionado anteriormente, mas quando solicitadas a
informar que tipo de contribuições o curso havia dado, diziam, resumidamente, que
“aperfeiçoou a prática” e “ajudou a melhorar a prática”.
Para duas das professoras, Juçara e Ceci, perguntou-se se lembravam de
algum teórico trabalhado no curso. Ceci disse que não lembrava e Juçara citou
Paulo Freire como uma contribuição importante para a educação. Procurou-se
explorar os conhecimentos que a professora Juçara possuía sobre a obra e teoria
freireana e ela demonstrou dificuldade em citar obras, até mesmo Pedagogia do
Oprimido não foi lembrada por ela, mas os rudimentos do pensamento de Freire,
como o de que educador é quem de repente aprende, conceito atualmente de
domínio público, a professora parece ter assimilado. No diálogo a seguir isso fica
mais claro.
Entrevistadora: A senhora lembra de algum autor, ou de alguma teoria que
era trabalhada dentro do curso de magistério?
Juçara: Paulo Freire, aquele... deixa eu lembrar... tem outros também que
eu não consigo lembrar, eu sei que todos esses autores foram trabalhados.
Mas Paulo Freire marcou mais.
Entrevistadora: Porque a senhora considera que marcou mais?
Juçara: Por causa da teoria dele.
Entrevistadora: A senhora consegue lembrar de uma obra que foi
trabalhada ou fragmento de obra?
106
Juçara: Teve, mas eu não consigo.
Entrevistadora: Pedagogia do Oprimido será?
Juçara: Não sei, eu não lembro. Mas Paulo Freire foi muito importante. E
ele é um dos autores que contribuiu muito pra educação. Contribuiu não,
contribui.
Entrevistadora: De que maneira a senhora usa esses conhecimentos que a
senhora aprendeu?
Juçara: Do Paulo Freire tem a teoria dele que ele diz, porque cada um tem
uma teoria, eu não lembro, só sei que dá pra gente centralizar nessa teoria
dele pra gente trabalhar, nesse pensamento.
Entrevistadora: A senhora não vai conseguir lembrar a frase que ele usou,
mas a essência da teoria, como é que a senhora se apropriou dela?
Juçara: A aprendizagem, a aprendizagem...
Entrevistadora: Essa relação com o aluno...?
Juçara: Isso, relacionamento com o aluno...
Entrevistadora: Como é que ele coloca o papel do professor? Quem deve
ser o professor? Como deve se portar o professor?
Juçara: Eu, eu não sei se tu já percebeste, eu gosto de dar oportunidade
pras crianças. Muitas vezes eu brinco com eles, eu não gosto de estar aqui
na frente só eu sendo a... professor mesmo, porque educador... Eu sou
muito assim, não sei se tu já percebeste mas todos eles são assim bem...
se chegam comigo, aquele carinho, aquela coisa, eu gosto de ter carinho
com eles. Eu acho que com esse meu jeito eu consigo muita coisa com
eles. Eu não sou muito autoritária, eu não gosto de ser autoritária, não é da
minha prática.
Entrevistadora: A senhora acha que isso vem do que a senhora aprendeu
no magistério? Porque Paulo Freire fala...
Juçara: Não isso daí eu já trouxe, eu trouxe comigo.
Entrevistadora: Mas será que o curso ajudou a reforçar?
Juçara: O curso ajudou a reforçar, porque eu não sabia. Eu entrava assim
como se eu fosse uma aluna mesmo, que veio pra aprender, só que os
alunos eles trazem coisas de casa que muitas vezes a gente nem sabe e
com aquilo a gente vai aprendendo, há uma troca de idéias e até hoje eu
aprendo com eles.
Iara cita em uma das aulas o termo “palavra geradora” ao expor o conteúdo
para alunos de 1ª série, no entanto não ficou claro o domínio do mesmo.
Tem alunos de EJA fazendo provas na sala ao lado e ela tem que orientá-
los também.
Volta para a sala e começa a falar aos alunos:
_Saca – sa do sapo e ca da casa.
_Palavra geradora do “to”- rato.
Os alunos pedem para que ela os oriente a escrever palavras como: jacaré,
jararaca, Sabrina, saco, sapo, cara, zarolho. (Diário de observação da aula
da professora Iara do dia 26 de setembro de 2005)
Na fala anterior de Juçara é possível perceber que o aperfeiçoamento da
prática a partir do curso de magistério se deu de maneira tímida, até porque a
107
própria professora confirma que não gostava de ser autoritária com seus alunos.
Isso se deve em grande parte, muito mais porque rejeitava a prática da antiga
professora, do que propriamente por ter tido acesso ao pensamento freireano no
curso de magistério.
Entrevistadora: O que mais a sua professora fazia que a senhora não faz
de jeito nenhum?
Juçara: Ser autoritária, de jeito nenhum. Ah, quando ela falava ali, se ela
saísse um pouquinho, falasse aqui na porta, ficar caladinho. Gritar com
aluno. Dar palmatória, na tabuada era na palmatória. Muitas vezes eu vi ela
pegar o livro e “tacar” na cabeça da criança. Puxava a orelha.
A rejeição do “tradicionalismo” parece ter sido o elemento teórico mais
significativo lembrado pelas professoras e que foi trabalhado no curso de magistério.
O modelo tradicional de ensino aparece em oposição ao modelo progressista. Este
propõe uma prática pedagógica mais voltada para o aluno e para seu processo de
aprendizagem enquanto aquele coloca o professor e os conteúdos no centro do
processo de ensino. No entanto, as falas das professoras não fazem referência ao
modelo progressista ou à outra abordagem (MIZUKAMI, 1996) e se referem ao
tradicional em oposição a uma prática não tradicional. Esta última considerada
correta e ideal pelas professoras entrevistadas.
Embora não expressassem claramente os referenciais trabalhados no curso
de magistério, este conferiu às professoras o status de profissionais do magistério. A
docência profissional foi estabelecida com base em modelos formulados
teoricamente e forneceu-lhes elementos técnicos (rotinas) também para aprimorar
seu fazer docente.
Entende-se, assim como Hammerness, Darling-Hammond e Bransford (2005),
que o desenvolvimento de rotinas pode ser útil para o trabalho docente e pode
aumentar a liberdade dos professores uma vez que terão maiores condições de
refletir sobre outros aspectos do seu trabalho. Por outro lado, oferecer apenas
rotinas nos cursos de formação não contribui para que os professores possam
desenvolver capacidade de diagnosticar sua ação e habilidades para estabelecer
relações com seus estudantes a ponto de compreender que tipo de respostas eles
necessitam para desenvolver uma aprendizagem de sucesso.
108
Em face do exposto nota-se que as professoras que começaram como leigas
tiveram um processo de iniciação profissional semelhante ao que aponta a literatura
e enfrentaram as dificuldades como todo iniciante passando, por momentos de
medo, insegurança e solidão. No entanto, as professoras que começaram como
leigas, por não possuírem uma sólida base de conhecimento e por terem uma
formação precária, carregaram consigo a insegurança da instabilidade profissional
por mais tempo do que aponta a literatura, insegurança que só chegou a ser
superada quando da conclusão do curso de magistério, em média 17 anos depois do
ingresso na profissão.
Para Huberman (2000) dos 7 aos 25 anos de carreira os professores estariam
passando pela “fase da diversificação” que se daria em momento imediatamente
posterior à “fase da estabilização”. A diversificação se caracterizaria pelo momento
em que os professores, de posse de uma determinada sensação de competência
quanto ao seu fazer pedagógico, ousam incluir inovações em suas aulas. Desse
modo, “lançam-se, então, numa pequena série de experiências pessoais,
diversificando o material didáctico, os modos de avaliação, a forma de agrupar os
alunos, as seqüências do programa, etc” (HUBERMAN, 2000, p.41).
No caso das professoras entrevistadas não se pode dizer que não existiu
essa fase de estabilização em seu ciclo profissional, porém, não seria correto afirmar
que se deu pelos mesmos motivos e da mesma forma como apresenta Huberman.
As professoras de fato passaram a introduzir mudanças na sua prática pedagógica.
Embora o curso de magistério em nível médio não tenha tratado da especificidade
do fazer pedagógico em classes multisseriadas, elas o reconhecem como importante
no percurso de formação, principalmente porque lhes forneceu a identidade de
profissionais do ensino.
Nesse sentido, ressalta-se que pelo fato de terem ingressado como leigas,
terem feito o curso de magistério após 17 anos de carreira, em média, as
professoras ainda estão em constante processo de estabilização, uma vez que
subjetivamente entendem que falta muito para serem professoras de fato. Para
Juçara, ela só deixará de ser leiga quando concluir um curso em nível superior.
É, a prática pedagógica, mudou muito. Essa pessoa leiga... eu ainda sou
leiga, eu me acho leiga. Mudar assim, sei lá, do ensino fundamental a
109
pessoa vai dar aula pra crianças do ensino fundamental também. Eu evoluí
muito, mudou muito, muita coisa mudou.[...]. Estou com uma vontade de
estudar, isso aí é uma coisa que está despertando em mim. Eu acho assim,
mesmo de 1ª a 4ª série, eu ainda sou leiga, e tem muita coisa. Eu acho
assim, que eu não estou passando... eu queria assim, mais, mais pra
passar pras crianças. Então assim redação, que precisa muito, matemática
eles quase não tem problemas, mas assim na questão de redação,
português é mais complicado. Que eu queria ter mais pra poder passar pra
eles. (JUÇARA)
A aprendizagem, construída na ação docente das professoras que
ingressaram como leigas em classes multisseriadas na escola do campo, envolveu
estratégias explícitas como o curso de formação em nível de magistério e
estratégias não explicitas como a instituição e legitimação da docência a partir da
observação das práticas das antigas professoras, imitação criativa e a influência do
contexto na produção do trabalho docente.
4.3 As aprendizagens da docência das professoras de classes multisseriadas
Após descrever e analisar o ingresso na carreira e o desenvolvimento
profissional das professoras que ingressaram leigas no magistério, obtiveram-se
pistas para compreender quais foram as aprendizagens da docência relatadas por
essas professoras. A partir disso, são tecidas reflexões sobre essas aprendizagens,
assim como, a partir do cruzamento de informações obtidas com as observações
realizadas em sala de aula, entrevistas e correspondentes narrativas das
professoras, são destacados os âmbitos aos quais tais aprendizagens estão
circunscritas.
Para a construção desta seção do trabalho foram observadas as aulas das
professoras realizadas no segundo semestre de 2005. Tais observações foram
guiadas pelos seguintes focos: a) planejamento das aulas que incluía o plano de
aula; o calendário de aulas; o tempo dedicado para a exposição da matéria para
cada turma e a distribuição dos alunos na sala; b) ação didática procurando
identificar quais as rotinas estabelecidas pelas professoras; como era feita a
exposição dos conteúdos buscando perceber se evidenciavam seu domínio; quais
os recursos utilizados pelas professoras e pelos alunos; como se dava a
110
participação da classe; quais as condutas das professoras frente às solicitações dos
alunos; e quais as formas de interação e administração dos conflitos; c) avaliação,
buscando perceber quais as estratégias e instrumentos utilizados para avaliar; com
que freqüências avaliavam e quais as estratégias utilizadas pelas professoras diante
dos resultados apresentados pelos alunos.
Vale destacar que se considera que a ação docente de cada professora
guarda particularidades que são respeitadas e, embora se faça a seguir um
exercício de generalizações, ele se justifica somente como recurso didático de
exposição da pesquisa.
4.3.1 Caracterização da ação docente em sala de aula multisseriada
As aulas de Iara, Juçara, Iracema e Ceci seguem rotinas que variam pouco e
que estão implícitas em suas práticas. Para toda intervenção diária as professoras
elaboram um plano de aula, executam-no na medida do possível e fazem
periodicamente a avaliação dos resultados.
Destaca-se que o estabelecimento de tais rotinas tem estreita relação com a
aprendizagem pela observação (estratégias não-explícitas de formação),
construída ao longo de suas vidas como estudante e é influenciada pela formação
inicial que receberam no curso de magistério (estratégias explícitas de formação).
Para Hammerness, Darling-Hammond e Bransford (2005) o ensino de um
professor experiente carrega duas dimensões: eficiência e inovação. Na docência,
estas dimensões talvez reflitam as habilidades dos professores para eficientemente
e efetivamente usar uma técnica específica em sala de aula [...], e por outro lado,
sua habilidade para desenvolver um conjunto de novas estratégias (p.360).
As estratégias de ensino, elementos importantes na condução do processo
educacional e presentes nas ações docentes, variam de acordo com o grau em que
se enfatizam as dimensões da inovação e da eficiência (HAMMERNESS, DARLING-
111
HAMMOND e BRANSFORD, 2005). Para esses autores, o esforço para desenvolver
uma abordagem mais rotinizada do ensino é uma resposta a pelo menos dois
fatores. O primeiro diz respeito à percepção de baixos níveis de habilidades para o
ensino por parte dos praticantes e o segundo diz respeito a uma tentativa de criar
maior padronização sobre experiências dos estudantes situadas nas salas de aulas
e escolas.
Outros educadores argumentam que um ensino eficiente necessita ser
altamente interativo e pode variar dependendo da necessidade de cada
aprendiz. Por exemplo, Gay (2004) sugere que um ensino eficiente é
sensível às necessidades e ao contexto dos estudantes e deveria ser visto
como um ato criativo. Ball e Cohen (1999) também enfatizam o campo da
inovação sobre o ensino, “[Nossa] perspectiva não vê a capacidade dos
professores como um depósito fixo de fatos e idéias, mas como uma fonte
de criação de conhecimentos e habilidades necessárias para a instrução”
(p.6). Para esses educadores, o ensino eficaz ocupa uma posição
particularmente alta na dimensão da inovação, mas sempre com uma base
de eficiência [...]. Por esta razão, por exemplo, Sawyer (2004) vê a
alternativa do “scripted teaching” [roteiro de ensino] como improvisação
disciplinada, tanto com grande ênfase nos elementos disciplinados ou
estruturados da instrução, assim como na improvisação. (HAMMERNESS,
DARLING-HAMMOND e BRANSFORD, 2005. p.363)
Elemento fundamental no processo de ensino, o planejamento é considerado
importante pelas professoras e condição sine qua non para a prática docente. Todas
as professoras elaboram o plano de aulas diariamente e na medida do possível ele é
seguido.
O plano de aulas é elaborado a partir do livro didático do professor, distribuído
pela secretaria de educação, e é anotado em um “caderno de planos”. Todas as
professoras possuem esse caderno que, além dos exercícios diários que passam
para os alunos, contém ainda a cópia de todo o apontamento que terão que passar
no quadro ou trabalhar com os alunos (ver anexo 02). Essa prática, cobrada pelos
supervisores da SEMED, sobrecarrega
56
ainda mais as professoras, uma vez que
copiam o texto no caderno de planos e no quadro de giz. Entende-se que essa
prática é desnecessária já que o apontamento está nos livros didáticos dos alunos.
56
Trecho do diário de observação das aulas da professora Iracema que ilustra essa situação:
Questiona a pesquisadora sobre a situação de um aluno que foi transferido, está doente e a mãe
pediu que ela copiasse as tarefas no caderno do menino diariamente. Informa-se à professora que a
lei ampara o aluno se ele não puder se deslocar e estiver sendo atendido por um médico. Ela diz que
o aluno apresentou atestado, mas reclama que está cansada de tanto copiar para o aluno. Sugere-se
que ela peça para a mãe mandar alguém para copiar as tarefas para a criança e explique para ela a
sua situação de professora de classes multisseriadas (dia 22 de agosto de 2005).
112
Mais trabalho, é. Você acaba fazendo duas vezes né, copia no caderno e
depois no quadro. É porque uma vez o supervisor veio e fazia questão de
pegar os cadernos de planos então ele já passa visto, parece que pra ver
mesmo se a gente copiou aquele plano. E aí a minha preocupação, aí a
gente copia no caderno, copia no quadro. Duas vezes, mais trabalho.
(CECI)
A professora Iracema utiliza a estratégia de repetir exercícios elaborados em
anos anteriores e modifica uma ou outra sentença para passar para os alunos. A
professora Ceci segue à risca o plano elaborado e, como os alunos não possuem o
livro didático, ela copia todo o material no quadro de giz. A professora Juçara
sempre segue o planejado ao passo que a professora Iara nem sempre consegue
fazê-lo, uma vez que as contingências impõem constantes improvisações.
Na sala da professora Iara a forma de organização das carteiras e o tempo
dedicado para cada turma e disciplina não são explicitamente definidos. Embora
exista um calendário de disciplinas fixado na parede, a forma como conduz suas
aulas impede que se tenha clareza quanto à disciplina que está trabalhando, para
que turma e quanto tempo dedica a cada uma delas.
A forma de organização dos alunos na sala exerce influência na condução
das aulas das professoras. Não existe um padrão de arrumação das carteiras, mas
pôde-se perceber que onde as séries são separadas de forma explícita, pareceu
existir um melhor controle na exposição dos conteúdos, no tempo dedicado a cada
série e no próprio comportamento dos alunos. Nas salas onde não existia uma
separação explicita das séries as professoras demonstravam certa dificuldade em
exercer o controle da turma, em especial o controle sobre o que os alunos estavam
fazendo.
Em uma aula da professora Ceci observou-se que a ausência de divisão de
tempo para cada turma fez com que ela só pudesse dar atenção aos alunos de 2ª
série cerca de uma hora depois que a aula havia começado. Foi alertada pelo apelo
de uma aluna que falou: “professora, vem fazer pra gente”. O chamado da aluna
alertou a pesquisadora que estava na sala que passou a cronometrar o tempo
dedicado pela professora a cada série a partir daquele momento. Eram 13h50min
quando se começou a contar o tempo. Naquele dia, 10 de novembro de 2005, a
professora dedicou 33 minutos para a 1ª série, 21 minutos para a 2ª série, 52
113
minutos para a 3ª série e fez 21 minutos de intervalo. Notou-se situação semelhante
nas aulas da professora Iara em que dedicava mais tempo aos alunos de 1ª série.
Chama-se atenção para essa questão que é de fato preocupante. A LDB
9.394/96 estabelece: no Capítulo II da Educação Básica, Seção I das Disposições
Gerais, Artigo 23, parágrafo 2º que o calendário escolar deverá adequar-se às
peculiaridades locais, inclusive climáticas e econômicas, a critério do respectivo
sistema de ensino, sem com isso reduzir o número de horas letivas previsto
nesta Lei; no Artigo 24, item I que a carga horária mínima anual será de
oitocentas horas, distribuídas por um mínimo de duzentos dias de efetivo
trabalho escolar, excluído o tempo reservado aos exames finais, quando houver;
na seção III que trata do Ensino Fundamental em seu artigo 34 que a jornada
escolar no ensino fundamental incluirá pelo menos quatro horas de trabalho
efetivo em sala de aula, sendo progressivamente ampliado o período de
permanência na escola. Todavia, notou-se nas escolas pesquisadas o
descumprimento de tais recomendações legais, uma vez que em salas
multisseriadas o tempo dedicado a cada série é infinitamente inferior ao
determinado
57
pela legislação, embora as professoras cumpram os duzentos dias
letivos.
57
Tal questão merece ser repensada já que pode estar diretamente ligada aos baixos índices de
avaliação demonstrados pelos alunos do ensino fundamental na região norte do país (Para maiores
detalhes consultar www.inep.gov.br).
114
Quadro 06
Caracterização da ação docente na sala de aula multisseriada
O planejamento
PLANEJAMENTO IARA CECI JUÇARA IRACEMA
Plano de aula Nem sempre é
seguido. As
contingências impõem
constantes
improvisações.
Elaborado a partir de
livros didáticos e é
cumprido à risca.
Elaborado a partir do
livro didático e
sempre seguido pela
professora.
Às vezes é feito
durante as aulas e
seguido pela
professora. Utiliza
livros e cadernos de
anos anteriores como
base.
Calendário de
disciplinas
Elaborado no início do
ano, fica fixado na
parede, mas nem
sempre pode ser
cumprido.
Trabalha mais
português para a 1ª
série. Há pouca
variação no seu
cumprimento para as
outras séries.
Há pouca variação no
seu cumprimento.
Há pouca variação no
seu cumprimento.
Tempo dedicado para a
exposição da matéria
para cada turma
Depende da matéria a
ser explicada. Às
vezes dá o mesmo
conteúdo para séries
distintas.
Não há um
cronograma explícito.
Depende do
desempenho dos
alunos. Fica a maior
parte do tempo com a
1ª série.
Faz rodízios que
duram em média 20
minutos.
Faz rodízio entre as
turmas que dura o
tempo necessário
para concluir uma
explicação ou
correção de
exercícios.
Distribuição dos alunos
na sala
Não há uma
separação clara das
séries.
Divide os alunos por
série e eles ficam
separados com cada
série utilizando um
quadro de giz.
Não há separação
clara das séries.
Separa em duas
séries eles ficam
dispostos nas
paredes laterais da
sala, formando um
semicírculo. Os
alunos ficam de frente
uns para os outros.
Distribuição das carteiras da maneira mais conveniente para a integração dos alunos e para a aprendizagem.
Para garantir a condução do processo de ensino, as professoras estabelecem
rotinas que lhes permitem, ao lado do planejamento, “visualizar” toda a aula e
manter certo controle sobre a turma. Em geral, ao entrar na sala, os alunos, sob
orientação da professora, fazem uma oração cristã. Iara, que é evangélica, faz uma
oração espontânea e as outras professoras rezam um Pai Nosso. Todas elas
colocam sua opção religiosa como imperativa na sala e desconsideram as crenças
dos outros alunos uma vez que na sala de Iara existiam alunos católicos e nas
outras salas existiam alunos evangélicos. Não ficou evidente se existiam alunos de
outras religiões nas escolas pesquisadas.
Após a oração as professoras realizam atividades semelhantes também. A
principal delas é corrigir os exercícios realizados em casa e dar um “visto” no
caderno dos alunos. Todavia, foram presenciadas situações nas quais, para manter
tal controle sobre os exercícios e atividades, as professoras recorrem com
freqüência ao auxílio dos alunos.
115
Ela distribui os livros de matemática para a 4ª série e indaga os alunos
sobre a página que devem seguir. São as páginas 115 a 118. “Fizemos até
o número...?” Os alunos respondem que até o número quatro foi feito. “Já
corrigimos?” Novamente os alunos respondem que sim. Passa para a
questão cinco e a copia no quadro (Aula da professora Iracema realizada
no dia 24 de agosto de 2005).
O auxílio dos alunos é um elemento-chave na condução das rotinas da sala
de aula e do próprio processo de ensino. Se há alguma variação eles imediatamente
acusam: “não vai cantar hoje?”; “não vai corrigir o dever?”; “não está na hora da
merenda?”. Desse modo, se as professoras esquecem de realizar alguma atividade,
elas são lembradas pelos alunos e se fazem alguma substituição, têm que explicar
porque não a realizaram.
Os alunos têm papel importante também na manutenção da ordem na sala já
que se submetem às regras estabelecidas pelas professoras. Só podem copiar do
quadro depois que a professora conclui a correção do exercício. Enquanto ela faz a
correção devem prestar atenção; devem esperar a hora certa para sair da sala no
final da aula, mesmo que já tenham terminado suas atividades; devem aguardar na
fila para entrar na sala e para pegar a merenda. Eles cobram também posturas mais
rígidas das professoras quando existem situações de indisciplina nas salas de aulas.
Professora, a senhora não vai expulsar não?” Com freqüência sugerem que
coloquem alunos de castigo, que mandem refazer os exercícios ou que comuniquem
determinados comportamentos aos pais.
Observou-se que os estudantes de três das escolas pesquisadas são mais
autônomos e que também detêm parte do controle sobre o seu rendimento escolar.
Isso aconteceu em especial na Escola Oca onde os alunos fazem a correção dos
próprios exercícios e determinam a cópia se têm mais que cinco erros – nas
atividades de português – e auxiliam a professora na correção das avaliações da
turma – alunos de 3ª e 4ª séries.
116
As aulas das protagonistas do estudo
Demonstrou-se que os antigos professores exercem forte influência na
condução das práticas pedagógicas das professoras de classes multisseriadas
participantes da pesquisa. Pela observação e imitação das práticas deles as
professoras iniciaram suas práticas profissionais. A seguir, demonstra-se como as
professoras aprenderam os componentes curriculares (português, matemática,
ciências e história e geografia) e como os ensinam a seus alunos.
As Aulas de Iara
Explicou-se anteriormente que a professora Iara não desejou participar mais
da pesquisa e por esse motivo não temos elementos para demonstrar como
aprendeu. Todavia, foram observadas 16 horas de aulas da referida professora e,
com base nisso, apresenta-se a seguir como são suas aulas de português e
ciências.
A primeira aula observada foi de ciências e ela tratou do tema da germinação
dos vegetais. A professora utiliza a estratégia de trabalhar o mesmo conteúdo para
as quatro séries e varia somente o grau de complexidade das perguntas que dirige a
cada uma. A professora utiliza exemplos do cotidiano para chamar atenção dos
alunos ao conteúdo explicado, além de estabelecer diálogos com eles sobre o que
está sendo exposto. Nessa aula a professora Iara lança mão de utilizar plantas e os
seus conhecimentos pré-existentes sobre a germinação das plantas e dá uma
excelente aula que conta com a participação ativa dos alunos.
No quadro havia a inscrição: “Vegetais – Germinação”. Ela fez várias
perguntas aos alunos sobre se já haviam plantado feijão, melancia, arroz,
alho. Vários questionaram sobre o alho. Ela disse que o alho se planta
também.
Explicou o processo de germinação do feijão. Falou sobre as flores, folhas.
Perguntou à 3ª série para que servia a flor, eles responderam. Depois falou
117
sobre os frutos e comparou o processo de germinação do feijão com o do
milho.
Fez a seguinte pergunta aos alunos: “Qual a criança que o pai plantou o
milho e ficou esperando amadurecer para depois comer assado?”, Vários
alunos levantam as mãos. Depois ela fala sobre a germinação do arroz.
Em seguida pega uma das plantas trazidas pelos alunos e pergunta: “E
você Paulo Henrique, que palmeira é essa?” Ele responde que é o açaí.
Ela pergunta sobre quem já comeu açaí e explica que contém ferro, deixa a
criança forte e evita a anemia. Questiona a turma sobre o nascimento do
açaí e eles respondem que nasce do caroço.
Pergunta quais outras palmeiras nascem do caroço e eles respondem
bacaba, buriti e ressalta que essas são as que nós conhecemos. Fala
também da palheira que serve para construir casas (usam para cobrir
casas), do babaçu, do coco curuá de onde se tira o óleo e é usado na
culinária indígena.
Pega outra planta, é um pé de café. Usa como exemplo de outra planta que
nasce do caroço. Fala da goiabeira que nasce tanto do caroço como pega
de galho. Lembra que a goiabeira é uma planta medicinal já que o chá de
suas folhas é usado como remédio para dor de barriga.
Utiliza outras plantas trazidas pelos estudantes como a papoula,
marrequinha, coramina e croto. Fala que o alimento das plantas é o
estrume que contém sais minerais e a água. Apresenta em seguida a
Corana e diz que seu nome científico é fortuna. Pede que procurem no livro
de 3ª série para confirmarem, eles fazem isso. Pergunta como se planta a
Corana e eles respondem que pode colocar a folha na terra que ela nasce.
Diz que pode ser usado medicinalmente como antibiótico. Apresenta outra
planta medicinal que é a arruda. Pode ser utilizado seu chá como remédio
para dor de cabeça e se colocada no álcool é um bom remédio para
sinusite. Alfavaca é outra planta apresentada pela professora. Diz que pode
ser usada no alimento e serve como corio para “carne crescida”. Alerta os
alunos que antes de colocá-la nos olhos é preciso antes consultar o
médico, pois os olhos são partes preciosas do corpo.
Os alunos também trouxeram um pé de azeitona. Disseram que a fruta é
gostosa, e a casca é usada como remédio cicatrizante e antiinflamatório na
forma de chá. Um aluno disse que sua mãe tomou o chá e curou uma afta.
Em seguida a professora apresenta uma planta e pergunta qual é. Um
aluno diz que é um pé de jerimum. Ela diz que parece o jerimum, mas não
é. Diz que é um pé de melancia e em seguida, estabelece a diferença entre
o pé de maxixe, a melancia e o jerimum. Apresenta o mastruz, ensina que
nasce do galho e da semente e serve para fazer remédio também.
Pede aos alunos que plantem outros vegetais em casa e levem no dia
seguinte em uma latinha. Pede a melancia, o café e o arroz. Lembra que o
arroz só nasce se estiver com casca. Pede que procurem na roça de
alguém e diz que é mais fácil plantar a semente do que o galho.
Estabelece em seguida um diálogo interessante com os alunos sobre o
plantio do arroz. Lembra que antigamente se fazia a cova e dentro dela
colocava a semente. Hoje, com a tecnologia mais avançada as máquinas é
quem fazem todo o serviço. (Aula da professora Iara realizada no dia 23 de
agosto de 2005)
Os conhecimentos pré-existentes têm seu foco no processo de compreensão
e acredita-se que as pessoas constroem novos conhecimentos e compreensões
com base no que elas já sabem e acreditam. Por outro lado, as pessoas podem
possuir verdades e crenças falsas ou construídas com base em elementos pouco
fundamentados, o que pode comprometer a aprendizagem e o ensino de novos
conceitos. Bransford et al (2000) ilustram bem essa questão conforme exposto no
118
conto Fish is Fish
58
: Ressalta-se, a partir deste exemplo que basear a construção de
um novo conhecimento só no conhecimento pré-existente e nas experiências do
cotidiano pode trazer vantagens e riscos para a aprendizagem e para o ensino. A
vantagem é que se pode compreender a temática a partir de algo concreto, que diz
respeito à vivência do sujeito, e o risco que se corre é de se restringir a
compreensão ao que se sabe, sem um aprofundamento teórico, impedindo ou
limitando a ampliação para a construção de novos conhecimentos.
Justamente por falar de algo que estava vivenciando cotidianamente, nessa
aula de ciências, a professora Iara parecia dominar os conteúdos que ministrava e
destaca-se que ela respondia às indagações dos alunos, algumas vezes com certa
impaciência decorrente do cansaço explícito. Não se presenciaram situações em
que deixou de responder algum questionamento, nem se verificaram equívocos
teóricos na condução dessa disciplina.
Chama-se atenção para o fato de ter dado uma excelente aula sobre a
germinação dos vegetais e reforça-se que tal conteúdo tem estreita relação com as
atividades cotidianas da professora e dos alunos, uma vez que são agricultores
também. Por outro lado, a professora age de forma contraditória ao solicitar que os
alunos de 1ª e 2ª séries desenhem as sementes de algumas plantas a partir do
desenho apresentado no livro didático. Já para os alunos de 3ª e 4ª série ela solicita
que façam o desenho de plantas que tenham visto no seu dia-a-dia. Por que não
pediu aos alunos menores para desenharem as sementes a partir do que já
vivenciam cotidianamente na lavoura e em suas casas? Será que ela acreditava que
não eram capazes de fazê-lo, ou solicitou o exercício apenas para reforçar
ludicamente o aprendizado?
58
Será mantido o texto em inglês para preservar a idéia original do autor. “Fish is Fish (Lionni, 1970)
describes a fish who is keenly interested in learning about what happens on land, but the fish cannot
explore land because it can only breathe in water. It befriends a tadpole who grows into a frog an
eventually goes out onto the land. The frog returns to the pond a few weeks later and reports on what
he has seen. The frog describes all kinds of things like birds, cows, and people. The book shows
pictures of the fish’s representations of each of these descriptions: each is a fish-like form that is
slightly adapted to accommodate the frog’s descriptions – people are imagined to be fish who walk on
their tailfins, birds are fish with wings, cows are fish with udders. This tale illustrates both the creative
opportunities and dangers inherent in the fact that people construct new knowledge based on their
current knowledge”. (BRANSFORD et al, 2000, p. 11)
119
Nas aulas de português a professora Iara utiliza com freqüência o livro
didático, em especial para as turmas de 2ª, 3ª e 4ª séries. Para os alunos de 1ª série
ela utiliza fichas com textos recortados do livro didático e fichas com as famílias
silábicas. A professora não tem o hábito de colocar o comando das questões no
quadro de giz, o que prejudica a compreensão dos alunos sobre que atividades
deverão realizar. Isso aconteceu em especial com os alunos menores, que ainda
não dominavam a leitura. A professora adota posturas diferentes para com os
grupos de alunos. Ela dedica a maior parte da sua atenção durante as aulas aos
alunos de 1ª série. Os de 3ª e 4ª que já sabem ler ficam mais livres e são tratados
de forma mais autônoma embora isso seja uma contradição uma vez que não deixa
que apontem os lápis sozinhos, mas permite que conduzam seus processos de
aprendizagem quase isoladamente.
A professora costuma iniciar as aulas determinando as atividades que os
alunos de 3ª e 4ª séries deverão realizar. Essas atividades são extraídas do livro
didático e os alunos em geral lêem textos em voz baixa, para posteriormente o
fazerem em voz alta e em seguida resolvem os exercícios recomendados. A
professora corrige os exercícios que são acompanhados pelos alunos. Para a 2ª
série a professora dedica pouco tempo durante as aulas – pelo menos foi o que se
observou durante o período em que se esteve em sua sala de aula – o que,
entende-se, não é suficiente para dirimir todas as dúvidas em relação ao conteúdo e
atividades apresentados. A maior parte do tempo fica à disposição dos alunos de 1ª
série e tal atitude justifica-se pela necessidade de estarem alfabetizados até o final
do ano.
Nas aulas de português a professora faz a exposição dos textos com uma
leitura prévia, recomenda que os alunos leiam e em seguida solicita a realização de
exercícios de fixação. Para os alunos das séries menores ela costuma ler e pedir
que repitam em seguida, para os alunos das séries maiores a leitura é
acompanhada de posterior correção das pronúncias equivocadas realizadas por
eles. Não se observou se existem outras formas de incentivo à leitura além da
realizada em sala de aula.
Não ficaram evidentes situações em que a professora demonstrasse ausência
de domínio do conteúdo que estava ministrando. No entanto, em uma das aulas de
120
português da professora Iara presenciou-se uma situação sui generis em que ela dá
a entender que não sabe a resposta, mas se sai com muita competência do
embaraço. A professora pede que os alunos leiam diferentes textos e, após a leitura,
interage com os mesmos sobre o que havia escrito em cada um deles:
O texto do jacaré dizia que ele escova os dentes. Ela pergunta à turma se o
jacaré escova os dentes e eles não sabem responder, a professora afirma
que cada animal tem o seu hábito de asseio. O gato toma banho se
lambendo, amola as unhas nos troncos de pau, o boi amola os chifres
esfregando-os no chão. “E o jacaré? Com certeza tem uma forma” Ela
acrescenta em seguida: “mas como não acompanhamos ele, nós não
sabemos”. Nota-se que ela não responde como o jacaré “escova os
dentes”, mas com a explicação que deu os alunos pareceram satisfeitos,
pois não questionaram. (Aula da professora Iara realizada no dia 29 de
agosto de 2005)
Observa-se que a professora não informa aos alunos os hábitos de asseio do
jacaré, animal nem sempre visto com freqüência na região em que mora, mas nos
livros de ciências é comum existirem informações sobre esse animal. O jacaré
“escova os dentes” quando um pássaro chamado pássaro-palito come os restos de
alimentos depositados entre os seus dentes.
Não foram observadas aulas de matemática e de história e geografia uma vez
que ela não cumpre rigorosamente o calendário proposto. No entanto, percebeu-se
que recomendava aos alunos que estudassem tabuada para as avaliações de
matemática e que se preparassem para uma atividade de teatro para a aula de
história.
Durante as aulas da professora Iara percebeu-se que ela não organiza os
conteúdos por série e faz um arranjo durante a exposição de modo que possa dar
um pouco de atividades para cada turma. A ausência de uma organização clara das
atividades no quadro, entende-se que compromete a compreensão dos alunos uma
vez que ficam confusos e não sabem que atividade realizar, já que não sabem ou
não se lembram do comando dado de forma verbal pela professora. Ela utiliza a
maioria dos recursos didáticos com os alunos de 1ª série, embora tenha incluído
reálias na aula de ciências, o que pareceu estimular bastante a participação dos
estudantes.
121
As aulas de Juçara
A professora Juçara demonstrou em suas falas ter recebido uma forte
influência dos seus antigos professores e reconheceu claramente que quando
começou a ensinar imitava as práticas de seus mestres.
Quando era aluna, aprendeu matemática, português, ciências e história e
geografia a partir da memorização e repetição dos conteúdos. Nas aulas de
matemática, sua antiga professora priorizava o ensino de tabuada e os alunos só
eram promovidos para a série seguinte se soubessem realizar cálculos. Os outros
conteúdos, como MMC, por exemplo, só veio aprender depois que se tornou
professora, ou seja, aprendeu para poder ensinar.
Como ela dava? Normal, passava no quadro, depois explicava. Ela
trabalhava muito a tabuada. A gente só passava pra uma 4ª série se
soubesse a tabuada todinha, de dois ou mais. Ela trabalhava bem a
matemática. Só que naquela época não tinha muita formação, não tinha
MMC, esses outros conteúdos, então só trabalhava dividir, cálculo, não
trabalhava esses outros conteúdos. Eu já vim aprender depois.
Nas aulas de português seus professores costumavam usar textos que eram
lidos individualmente na mesa do mestre e depois eram realizados exercícios de
fixação.
Textos. Mas aí o texto... o seguinte, não como eu faço, no quadro assim, às
vezes faço no cartaz, era diferente. A gente lia o livro, ela chamava na
mesa, a gente lia, todo dia a gente tinha uma leitura, todo dia tinha. Ela
chamava de um por um lá até terminar esse processo. Era assim a leitura
que ela trabalhava. Ela não usava muito cartaz, era uma professora
daquela tradicional mesmo. Ela não tinha formação.
Destaca abertamente que ainda hoje tem muitas dificuldades com redação, e
atribui isso à falha na sua formação escolar.
Entrevistadora: Teve algum conteúdo que a senhora já trabalhando como
professora, teve dificuldade pra dominar?
Juçara: Complicado mesmo... eu gosto de português, mas ele é
complicado. Essa coisa de redação é um pouco difícil, eu acho.
Entrevistadora: Como a senhora supera essas dificuldades?
Juçara: Eu vou aprendendo.
122
Entrevistadora: Como?
Juçara: Quando eu faço redação, quando eu peço redação para as
crianças um escreve de um jeito, outro escreve de outro a gente consegue,
eu consigo tipo ajeitar direitinho. Mas eu não tenho muito domínio de
redação, ainda tenho dificuldade. A minha dificuldade é essa.
Por outro lado vale lembrar que a professora passou por um curso de
formação que deveria prepará-la para ensinar, fato que pelo que se evidencia, não
aconteceu. O curso de magistério não foi suficiente para fornecer a base de
conhecimento do conteúdo específico necessário para o ensino de 1ª a 4ª série.
Desconfia-se que isso ocorra com os cursos de formação em outros níveis de ensino
também, uma vez que grande parte da preparação fica voltada para a questão
metodológica
59
e pouca atenção é dada para o domínio do conteúdo específico.
Desse modo, o aluno, futuro professor, saberá ensinar melhor determinado conteúdo
se o aprendeu na educação básica.
59
No currículo do curso de Pedagogia da UFPA, por exemplo, são as seguintes disciplinas com suas
respectivas ementas: Fundamentos Teórico-Metodológicos do Ensino de Português: Bases
teóricas da Língua Portuguesa. Distinção de ensino prescritivo e ensino produtivo da língua Materna.
Compreensão dos fatos lingüísticos a partir das contribuições da Lingüística Aplicada ao ensino de
Português nas séries iniciais. Planejamento e execução das atividades relacionadas ao ensino
produtivo da leitura oral, escrita e gramática contextualizada (análise lingüística) nas séries iniciais.
Fundamentos Teórico-Metodológicos do Ensino de Matemática: Concepção histórica e filosófica
da Matemática enquanto ciência e atividade humana, fundação matemática formal: desmistificação
dos conteúdos básicos às séries iniciais. Metodologias e recursos auxiliares do ensino planejamento
e avaliação de atividades experimentais. Relação com as demais áreas do conhecimento; estudo
crítico dos conteúdos e metodologias direcionadas ao ensino de matemática nas séries iniciais.
Fundamentos Teórico-Metodológicos do Ensino de Ciências: As ciências naturais nas séries
iniciais. Fundamentos de Física: movimento dos corpos, óptica, termologia acústica,
eletromagnetismo Fundamentos de química: substância, mudanças de estado físico, teoria atômico -
molecular, combustão e combustível, conservação de alimentos, processos industriais Ciências da
vida: animais, vegetais, nutrição e saúde, educação ambiental. Fundamentos de geociências. a terra
e seus ambientes O ensino de ciências nas séries iniciais. Fundamentos epistemológicos a teoria de
David Ausubel. O método científico em ciências naturais: aplicação no ensino fundamental e
educação infantil. Proposta metodológica construtivista para o ensino de ciências nas séries iniciais.
O professor - pesquisador: o que, quando e como pesquisar. A história da ciência como eixo
disciplinar. Educação científica e interdisciplinaridade Inovação metodológica. Fundamentos
Teórico-Metodológicos do Ensino de História: A história, ciência do social, objeto de estudo. A
história construção dos diversos sujeitos sociais. Cotidiano. mentalidade e história oral: fundamentos
básicos. Objetivos e finalidades para o ensino de história nas séries iniciais. Metodologias e recursos
auxiliares de ensino, planejamento e execução de atividades experimentais;. relação com as demais
áreas do conhecimento, estudo crítico dos conteúdos e metodologias direcionados ao ensino de
história nas séries iniciais. Fundamentos Teórico-Metodológicos do Ensino de Geografia:
Fundamentos da geografia escolar, concepções de ensino de Geografia. A construção do conceito de
espaço pelas crianças. A representação do espaço geográfico. As diferentes escalas de análise do
espaço: o local, o regional, o nacional e o global. Os eixos de abordagem para a decodificação da
espacialidade moderna: o processo industrial, a relação cidade — campo, a natureza, a
territorialidade e a desterritorialidade dos vários níveis de organização da sociedade. Métodos
didáticos e ensino de geografia. Técnicas de ensino aplicadas ao ensino de geografia nas séries
iniciais. Elaboração de recursos didáticos acessíveis para o ensino de Geografia. Análise de
programas oficiais e alternativos.
Tais disciplinas possuem uma carga horária de 60 horas cada.
123
Entrevistadora: Mas eu noto que a senhora domina bem a matemática. De
onde vem isso, a que a senhora atribui, é só da formação, do tempo que a
senhora estudou? Como é que foi esse processo?
Juçara: Não. Eu acho que veio dessa professora. Porque que nem eu te
falei, a gente só saía, só passava pra uma 5ª série quando a gente sabia a
tabuada todinha e esses cálculos. E isso aí não, eu domino assim, porque
tem os livros né? Aí muitas vezes antes de vir eu estudo bastante e às
vezes procuro com outras colegas também, outras que entendem. Mas eu
dominava bem a matemática quando eu estudava, eu gostava de
matemática, mas o meu... eu gosto mesmo é de português. Eu queria me
formar em português (Letras).
[...]
Eram vários professores que eu... Acho que o de português era um que
ensinava bem, português, recreação né que é pré-escolar que tinha a
professora também que era... Artes, esses professores eu acho assim que
se destacaram mais, ensinavam melhor. Matemática a gente... o curso
corrido né, não deu bem pra gente aprender. Porque era corrido,
terminamos em pouco tempo.
Para as disciplinas de Ciências e História e Geografia a base do ensino era o
livro didático onde se adotava a seqüência da exposição e fixação do conteúdo
através de exercícios.
A forma como Juçara ensina seus alunos varia pouco em relação à forma
como aprendeu. Embora faça a introdução de recursos novos em algumas aulas, a
condução do processo de ensino foge pouco à lógica da exposição-fixação-
avaliação.
Em duas aulas de português a professora Juçara utilizou o rádio como
recurso didático - nas aulas do dia 19 e do dia 26 de outubro de 2005. O rádio,
sintonizado na Rádio Rural de Santarém, transmite no horário de 7h30min às
8h00min o programa Rádio pela Educação
60
. O conteúdo do programa pareceu
60
Desde 1999, professores e alunos das escolas municipais de Santarém e Belterra, na região do
Baixo Amazonas, no estado do Pará, estão utilizando o rádio como instrumento de educação em sala
de aula. Assim nasceu o projeto "Rádio pela Educação", uma parceria entre as secretarias de
educação dos dois municípios e a Rádio Rural, com apoio do Unicef. Já são mais de 1.100
professores e cerca de 35 mil alunos participando de um trabalho que procura, além de dinamizar as
aulas dentro das salas, aumentar a auto-estima de professores e alunos e ajudá-los nas aulas de
português e matemática e com os temas transversais (ética, sexualidade, meio ambiente, direito, etc).
A idéia do projeto foi unir um meio de comunicação, no caso o rádio, e a escola através de um
programa de rádio e sua transmissão, um guia pedagógico e a capacitação dos professores.
Utilizando músicas e textos nas sessões pedagógicas, que auxiliam nos conteúdos de português e
matemática, professores e alunos, a partir de suas realidades locais, vão definindo estratégias de
ensino em suas escolas. Um dos pontos positivos do projeto é utilizar as peculiaridades locais em
seus conteúdos programáticos, e dar visibilidade a professores e alunos bem como melhorar sua
auto- estima. O Projeto é desenvolvido através do programa de rádio "Para Ouvir e Aprender" que
124
bastante interessante, porém, não foi acompanhado de uma adequada introdução
pela professora na sala de aula de maneira que promovesse a interação dos alunos
com a temática discutida.
Na aula do dia 19, a professora passou no quadro um texto da sessão
pedagógica número 75 intitulado “O desafio”. Ligou o rádio. O programa transmitiu
uma entrevista com a professora Regina Leite Garcia que falou sobre o leitor
autônomo e sobre o escritor autônomo. A entrevistada destacou que é necessária
vontade política para melhorar a alfabetização nas escolas e que a sociedade só
pode ser democrática quando democratiza a palavra. Em seguida entrou uma
mensagem específica para Santarém destacando que todos são sujeitos do
conhecimento e foi lembrada a estória do patinho que não aprendeu a voar, de
Rubem Alves. Poucos alunos prestaram atenção ao que estava sendo transmitido
pelo rádio. Os locutores chamaram a atenção para a “Hora do Texto” – o mesmo
que a professora havia copiado no quadro – e o interpretaram, depois explicaram
sobre as rimas e destacaram que o repente é da cultura nordestina.
Na aula do dia 26, a professora também passou um texto no quadro intitulado
“Trocando as letras” da sessão pedagógica número 78. Os locutores fizeram a
leitura, porém a professora não chamou atenção dos alunos para o acompanharem.
Depois que terminou o programa solicitou que os alunos lessem o texto na frente da
sala. Observou-se nos dois dias em que foi usado o programa Rádio pela Educação
que não houve uma motivação inicial dos alunos para a introdução do rádio na sala,
que poucos alunos prestaram atenção ao que os locutores falaram e não houve um
resgate do que se apresentou no programa, com exceção dos textos para leitura.
Tais aspectos contrariam
61
o que foi observado por Souza e Oliveira (2003) quando
levantaram informações a respeito do programa Rádio pela Educação em Santarém
e Belterra. Segundo esses autores
tem 30 minutos de duração e é veiculado em dois horários, de manhã e a tarde, três vezes na
semana, com várias sessões, cada uma com características próprias” (Entrevista de Cynthia
Camargo, coordenadora do programa Rádio pela Educação ao site Midiativa. Disponível em
www.midiativa.tv/index.php
acessado em 17 de setembro de 2007.
61
É importante se estar atento a essa questão uma vez que os sujeitos pesquisados podem camuflar
suas ações dependendo dos objetivos das pesquisas que são realizadas. Neste caso, o objetivo do
trabalho não era investigar o uso do rádio na sala de aula, talvez, por esse motivo, a professora não
tenha se preocupado em seguir as recomendações do manual pedagógico do Programa Rádio pela
Educação, ao contrário do que buscavam Souza e Oliveira.
125
A maioria dos depoimentos reforça a enorme importância que o Projeto
guarda no fazer pedagógico escolar, pelo enriquecimento dos conteúdos
onde é possível desenvolver com mais facilidade as diversas disciplinas. É
quase unânime a contribuição do Projeto para uma renovada relação no
interior da sala de aula e da escola. Essa espécie de renovação é atribuída,
principalmente, pela presença do equipamento na sala de aula, que acaba
por provocar um certo encantamento junto aos alunos, além de exigir do
professor uma ação mais dinâmica em suas aulas. Os programas sempre
trazem sugestões, técnicas, trabalhos que os professores podem
desenvolver e, de muitos, pudemos perceber um esforço em procurar
segui-las.
O desempenho de aprendizagem dos alunos melhorou
consubstancialmente, pois houve uma melhor integração entre eles dentro
de sala e fora dela, o desembaraço, a perda do medo de falar, perguntar,
debater, procurar informações, estimulou em todos a vontade de contar
suas estórias, desenhar, exercitar a leitura e a escrita, motivar e fazer fluir a
criatividade.
Em síntese, o projeto tem estimulado a criança na produção de textos
(cartas) e na compreensão dos seus problemas e nos da escola,
procurando discuti-los ao escreverem as cartas e também ao escutarem as
que são lidas no programa, ou seja, a participação dos alunos tem sido
estimulada através do Projeto, o que causa uma mudança no tratamento
pedagógico dos temas do currículo escolar, pois eles agora passam,
necessariamente, por um processo de busca, construção e questionamento
coletivo e síntese.
A participação é a metodologia que envolve esse novo fazer pedagógico, o
que aponta uma alternativa para a ação reflexiva e criativa do professor ao
exigir que ele seja criterioso na organização de suas aulas e nos objetivos
que deseja desenvolver junto aos alunos, instaurando assim, uma busca
por processos mais planejados e inovadores na ação docente.
Os mecanismos de participação estimulam a integração dentro da escola
porque os professores estão sempre se comunicando para saber o que vão
fazer, a maneira de como vão trabalhar, isto é, sempre os professores
estão em contato uns com os outros, além do que através da aula do rádio
é possível trabalhar outros temas, a História, as Ciências, o projeto é um
interessante complemento a aula. (disponível em
(http://www.anped.org.br/reunioes/26/trabalhos/orlandonobrebezerradesouz
a.rtf, acessado em 17 de setembro de 2007).
A professora costuma ler e explicar os exercícios para os alunos antes de
cada atividade e só em seguida os autoriza a resolverem as questões. Tem o hábito
de passar no quadro o mesmo texto para as diferentes séries e coloca as questões
em grau de complexidade diferenciadas para cada uma. Realiza ainda leituras em
grupo com os alunos, às vezes recomenda que leiam o texto do quadro, outras
vezes os textos do livro didático. Pede redação para os estudantes que versam
sobre temas diversos e estão ligados aos diferentes componentes curriculares.
Durante as aulas canta algumas músicas, porém, sem ligação direta com o conteúdo
que está sendo trabalho e ressalta que são para distrair.
E também a leitura, muita leitura. Todas as vezes que eu copio no quadro,
ou faço um cartaz alguma coisa, eu peço pra eles lerem primeiro, pra
desenvolver a leitura. E eu gosto de cantar com eles. Hoje era um dia que
a gente ia cantar, mas teve o filme. Sempre às sextas-feiras eu gosto de
126
cantar, e quando surge também a oportunidade porque muitas vezes o livro
tem uma musiquinha, aí eu gosto de cantar, dá uma animada na aula.
Juçara afirma que leu os Parâmetros Curriculares Nacionais – PCN para
compreender as bases necessárias para a alfabetização das crianças,
demonstrando desse modo, preocupação em saber como as crianças aprendem
(BRANSFORD et al. 2000, DARLING-HAMMOND e BARATZ-SNOWDEN, 2005). “E
também depois do magistério eu sempre lia aqueles PCN, lá também diz tudinho
como alfabetizar e eu li muito isso daí”.
Durante as aulas de matemática percebeu-se que a professora Juçara
demonstra possuir o domínio do conteúdo específico que está ministrando. Ela se
mostra segura ao explicar conceitos matemáticos e regras para os alunos. A
condução das aulas tem a seguinte seqüência: copia no quadro, explica, passa um
exercício de fixação e faz a avaliação.
Entrevistadora: Pois eu imaginava que a senhora gostasse mais de
matemática.
Juçara: Eu domino um pouco a matemática, mas eu gosto mais de
português. Mas depois que a gente... a matemática a gente aprende a
gostar. Eu sei que de 1ª a 4ª série eu domino direitinho. Acho que de 5ª
também, eu já trabalhei algumas vezes 5ª série
62
eu domino também. Não
tive dificuldades.
Também nas aulas de matemática costuma utilizar os mesmos exercícios
para séries diferentes. Às vezes passa o mesmo conteúdo para 3ª e 4ª séries, às
vezes para 2ª e 3ª séries.
Informa que todos os alunos deverão copiar a atividade.
Para indicar os dias do mês, usamos o ordinal para o primeiro dia (primeiro
de dezembro) e os cardinais para os outros dias (quinze de dezembro).
Quadro dos numerais
Cardinal Ordinal Multiplicativos Fracionários
um primeiro - -
dois segundo duplo, dobro meio, metade
três terceiro triplo terço
quatro quarto quádruplo quarto
cinco quinto quíntuplo quinto
seis sexto sêxtuplo sexto
62
Chama-se atenção para a parte final da fala da professora, ressaltando-se que se ela já não é mais
leiga para o ensino de 1ª a 4ª séries, ela o é para o ensino de 5ª série. Desse modo, não poderia ter
ministrado qualquer disciplina no ensino de 5ª a 8ª séries.
127
sete sétimo sétuplo sétimo
oito oitavo óctuplo oitavo
nove nono nônuplo nono
dez décimo décuplo décimo
Onze décimo primeiro undécuplo onze avos
vinte vigésimo - vinte avos
trinta trigésimo - -
quarenta quadragésimo - -
cinqüenta cinqüagésimo
63
- -
sessenta sexagésimo - -
setenta septuagésimo - -
oitenta octogésimo - -
noventa nonagésimo - -
cem centésimo - -
duzentos ducentésimo - -
quatrocentos quadrigentésimo
64
- -
mil milésimo - -
X – X – X- X- X
Distribui réguas para que possam desenhar o quadro. Lê o apontamento e
explica para os alunos. Eles lêem os numerais conforme indicado pela
professora. Um aluno que demora a copiar atrasa a professora que o
espera terminar. Enquanto isso ela faz a chamada por série. Para cada
série ela tem um caderno de notas.
Atividades para 2ª e 3ª.
1. Escreva por extenso os numerais ordinais:
a) d) 25º
b) 17º e) 30º
c) 20º
2. Transforme os numerais cardinais em ordinais:
a) trinta d) oitenta
b) sessenta e) setenta
c) cinquenta f) noventa
3. Classifique os numerais:
a) dez b) triplo
c) metade
Atividades para a 4ª série:
1.Escreva por extenso os numerais cardinais:
a) 1984 b) 2007
c) 908 d) 92570
e) 2507
2. Faça a correspondência:
Cardinal dobro
Ordinal quarenta avos
Multiplicativo vinte
Fracionário milésimo
(Aula da professora Juçara realizada no dia 19 de outubro de 2005).
Ao fazer a explicação e a resolução dos exercícios de matemática, a
professora Juçara reforça de forma oral as regras de cada operação.
Solicita a atenção dos alunos de 3ª e dos alunos de 4ª porque a 4ª tem um
exercício semelhante.
x 5=45
63
Qüinquagésimo. Não foi possível perceber se no livro didático de onde copiava estava escrito
dessa forma.
64
Quadringentésimo
128
= 45÷5
= 9
Conta com a participação dos alunos para resolver o exercício. Explica a
lógica de cada etapa considerando as regras da aritmética. Explica aos
alunos: “45÷5 dá 9 porque 9x5 é igual a 45”. (Aula da professora Juçara
realizada no dia 16 de novembro de 2005)
Os alunos de 2ª série, na aula do dia 27 de setembro de 2005, ao tentarem
resolver uma multiplicação de 8x5 desenham pauzinhos no caderno, ela observa e
recomenda que ao invés de fazerem o cálculo com pauzinhos o façam somando os
números porque oito vezes o número cinco é o mesmo que 5+5+5+5+5+5+5+5. A
questão fica expressa da seguinte forma: 5+5+5+5+5+5+5+5=40.
As dificuldades com o conteúdo e com as metodologias para ensinar, a
professora Juçara ressalta que muitas vezes são superadas a partir de orientações e
dicas que recebe de outras colegas, também professoras de classes multisseriadas,
em encontros informais. Ela explica como resolveu a questão do uso de pauzinhos
no cálculo da tabuada conforme exposto acima.
Entrevistadora: Em que momentos vocês se reuniam? Eu sei que nem
sempre tinha a possibilidade de cursos, quais eram esses momentos de
troca, quando aconteciam essas trocas?
Juçara: Até muitas vezes no ônibus (risos), quando a gente se encontra às
vezes na cidade, geralmente na parada de ônibus. E muitas vezes eu vou
na casa de professores que eu conheço.
Entrevistadora: Mas é uma visita cordial ou é uma visita de busca também,
de querer conhecer?
Juçara: Às vezes a gente nem vai, é cordial muitas vezes. Teve uma vez
que eu fui no C., eu conheço uma professora lá que é muito bacana, é uma
velhinha, mas ela disse: “olha fulana, eu fiz tal coisa, deu certo”. Às vezes
eu trago pra cá, se deu certo com ela vai dar certo comigo. “Olha tu fazes
assim”. “Ai, estou com problema tal”. “Tem um aluno que não sabe ler”.
“Olha tu fazes assim”. A M. A. muitas vezes já me ajudou, me deu algumas
dicas. “Faz assim”. Como trabalhar a tabuada pra ver se eles aprendem
direito? “Olha tu fazes desse jeito”. E com aquilo ali coloco na minha
cabeça e chego na escola e aplico.
Entrevistadora: E se der errado?
Juçara: Mas muitas vezes dá certo. Aí tem que procurar outro meio. Um dia
a M. A. me ensinou como trabalhar a tabuada porque eles não estavam
aprendendo, isso foi em 2003, aí eu apliquei, não deu certo, pra mim não
deu certo, pra ela deu certo. Já eu descobri um método diferente, eu
mesma, que está dando certo.
Entrevistadora: Como é o seu método?
Juçara: Tu já viste lá como eu faço: “quantas vezes esse daqui está dentro
desse?” Pois assim eles estão aprendendo.
Entrevistadora: Qual foi o que ela lhe ensinou?
Juçara: Ela me ensinou diferente. Ela me ensinou lá nos pauzinhos que
eram verticais e horizontais, uma coisa assim. Mas não deu certo.
129
Entrevistadora: Eu já reparei isso: “quantas vezes o três pede pro dois se
repetir?”
Juçara: E isso daí eu descobri sozinha. Fazendo assim eles estão indo
bem, estão aprendendo.
Mesmo demonstrando dominar os conteúdos matemáticos de 1ª a 4ª séries a
professora Juçara reconhece que às vezes tem dificuldades para ensiná-los por
desconhecer as formas de fazê-lo. Tal preocupação é geralmente motivada pelas
dificuldades manifestadas pelos estudantes que demandam alternativas
diferenciadas de ensino. Diante do desconhecimento de como fazer, a professora
avalia possibilidades, faz tentativas de ensaio e erro que às vezes dão certo, outras
vezes não. Isso pode ser considerado como um indicador de que ela não identifica o
que não sabe. Se ela soubesse, saberia traduzir o conteúdo para alunos diferentes
de formas diferentes. Não tem consciência do que não sabe conceitualmente e isso
só um processo de formação continuada daria conta de suprir.
Essa situação destaca a lacuna na formação da professora que diz respeito à
preparação para o ensino. No modelo proposto por Shulman (1996, 1997) se um dos
eixos da base de conhecimento para o ensino for fraco, o ensino será mecânico e
estereotipado. Acrescenta-se, ainda, que não é suficiente dominar o conteúdo
específico se não se souber fazer a ponte para o ensino, e para isso, mais do que
fazer a transposição ou transformação do conhecimento, é necessário saber como
os alunos aprendem para que se possa adequar o ensino às suas necessidades e
possibilidades.
Durante as aulas de ciências diz que utiliza recursos diferenciados como
cartazes, às vezes também material concreto, às vezes a gente sai. Da última vez
nós fomos ao igarapé, agora ele está fechado, fomos estudar o meio ambiente. No
entanto, não foram presenciadas aulas em que isso acontecesse. Para essas aulas
não segue a mesma prática que utiliza nas outras expostas anteriormente, que é de
utilizar o mesmo conteúdo para séries diferentes alterando o grau de complexidade
das questões direcionadas para cada uma. Ao contrário, adota os conteúdos
recomendados pelo livro didático e trabalha questões diferentes na mesma sala, ao
mesmo tempo. Na aula de ciências do dia 10 de novembro a professora Juçara
trabalhou o tema “animais vertebrados” para a 2ª série, o tema “cadeia alimentar”
130
para a 3ª série e o tema “como se forma um bebê” para a 4ª série. Parte da aula
está exposta a seguir.
A professora lê e explica o texto sobre “animais vertebrados” para os
alunos da 2ª série. Interage com eles e faz perguntas que são respondidas
por eles. No livro existem figuras de cobras, gafanhotos e louva-a-deus. A
professora faz a seguinte observação: “não precisam olhar a figura porque
estão acostumados a ver isso por aqui”. Em seguida faz referências a
programas de televisão onde se podem ver outros animais como ouriço do
mar, polvo, cavalo marinho. Uma aluna diz que no local onde mora existe
poraquê, pavão, pirarucu, ganso e outros tipos de peixe. A professora
continua lendo e explicando o texto, mas os alunos fazem muito barulho.
Recomenda que procurem dados sobre um animal em extinção.
Em seguida passa para a leitura do texto “cadeia alimentar” e posterior
correção do exercício com a 3ª série. O texto lido fala que a “natureza
funciona perfeitamente” e ela questiona isso e reflete com os alunos sobre
o desmatamento florestal. A aula é para a 3ª série, mas chama a atenção
que já trabalhou esse conteúdo com a 4ª série no ano anterior, por isso
eles já poderiam/deveriam saber uma vez que esse conteúdo já havia sido
discutido na sala. Os alunos falam sobre o problema da seca na região
amazônica e ressaltam que viram pela televisão que os peixes estão
morrendo.
A professora fala sobre o desmatamento de novo e pergunta: “é o pequeno
agricultor que faz isso?” ao que os alunos respondem: “não, é o grande”. A
professora lembra que os homens estão acabando com a natureza e com
os peixes. “O homem está acabando com tudo e quem sofre com isso é o
próprio homem”. Chama a atenção que quando se refere ao homem está
querendo dizer mulheres e crianças também. A professora começa a
correção do exercício e em determinado momento pronuncia “largata”. O
aluno que está ao meu lado corrige a professora em voz baixa: “lagarta”,
diz ele. Ela faz perguntas a respeito do texto e os alunos de 4ª série
também respondem.
Dirige-se aos alunos de 4ª série para ler e corrigir o exercício do texto
“como se forma um bebê”. “Alguém já perguntou em casa para a mãe?
Não, que eu tenho vergonha”, responde uma aluna. A professora explica o
processo de nascimento de um bebê humano com naturalidade e fala que
nasce pela vagina ou através de cesariana. Ela explica aos alunos sobre os
aparelhos reprodutor masculino e feminino. Um aluno faz uma graça e
responde “feminino” em resposta à pergunta: “qual sexo você tem? Todos
riem.
[...] A professora recomenda que contem uma estória sobre o nascimento
de um bebê e que tragam no dia seguinte (Aula da professora Juçara
realizada no dia 10 de novembro de 2005).
Destaca-se o desgaste da professora para dar conta de trabalhar três
conteúdos diferentes e o exercício mental que tem que fazer para passar da
exposição de um conteúdo para outro completamente diferente daquele que estava
trabalhando. Outro ponto que merece destaque é que, como os alunos de séries e
idades diferentes estão em uma mesma sala, a professora tem que ficar atenta para
a linguagem que vai utilizar para tratar determinado assunto. Nesse caso, não
pareceu haver essa preocupação uma vez que tratou do tema do nascimento de um
bebê humano como se estivesse falando para alunos do mesmo nível de
131
maturidade, desconsiderando que existiam na sala crianças de 07 e 08 anos ao lado
de alunos entrando na puberdade e outros já adolescentes.
Não foram presenciadas aulas de História e Geografia da professora Juçara,
mas pelos planos a que se teve acesso foi possível verificar que utiliza o livro
didático como apoio e que faz a apresentação do conteúdo semelhante ao
observado nas aulas de ciências, conforme exposto anteriormente.
As Aulas de Iracema
A professora Iracema destacou inúmeras vezes que estudou em um período
de educação “tradicional” em que os professores detinham o absoluto controle sobre
o processo de ensino. Dentro dessa perspectiva as posturas de seus professores
eram rigorosas e valorizavam a memorização dos conteúdos ensinados, por outro
lado, pareciam ser atenciosos e preocupados com o desempenho dos estudantes. A
exemplo do que manifestou Juçara, a professora Iracema também recebeu forte
influência da sua antiga professora na condução de sua prática pedagógica.
Naquela época era uma professora tradicional, mas foi muito bom aprender
com ela, porque ela era uma pessoa muito dinâmica, muito amiga, muito
esforçada. Ela era tradicional mesmo, aquele ritmo de fazer mesmo
acontecer, mas, hoje a gente percebe que ela fazia tudo isso que ela fazia
pro bem do aluno, pro aluno crescer, desenvolver, aprender, que ela fazia
mesmo. E eu acho que um pouco do meu tradicionalismo eu aprendi com
ela, eu sou assim. Eu acho que eu sou muito rígida com os meus alunos,
assim no ponto de exigir, pedir comportamento, pra eles se comportarem
bem, porque um pouco eu aprendi com ela. A professora R. S. foi uma
professora muito... até hoje nós somos muito amigas, onde a gente se
encontra a gente se abraça, a gente conversa, ela pergunta do meu
trabalho, uma pessoa muito bacana.
Os seus antigos professores ensinavam matemática valorizando o
aprendizado do conteúdo e o aluno que sabia era aquele capaz de repetir os
conteúdos quando solicitados. Isso faz lembrar a descrição do modelo tradicional de
educação feito por Paulo Freire quando fala da educação bancária.
Era muita tabuada, ela era muito esforçada... tabuada na palmatória. Errou,
peia. Ela não batia, mas perguntava pro outro aluno: “cinco vezes oito?”, o
aluno fraquejava, “cinco vezes oito?”. O aluno não falava e ela autorizava o
132
outro a dar a palmada. Mas também ela explicava bem o assunto, ela
explicava bem, ela cobrava mesmo, ela explicava, ela ajudava o aluno.
Agora não perdoava, conversou na hora da explicação, podia perguntar
que ela não estava nem aí, ela era muito exigente, mas era muito bacana.
Ela era aquela professora que impulsionava o aluno pra fazer aprender,
não era do faz de conta. A gente vê muito professor hoje do faz de conta,
“eu faço de conta que ensinei e o outro faz de conta que aprendeu”. E,
nessa época não tinha isso, principalmente nessa época da professora R.
que era a 4ª série e da professora M. C., em M. C..
Nas aulas de português seus professores privilegiavam o ensino da gramática
e estimulavam o aprendizado da leitura e da escrita. Para isso cobravam leitura,
ditados e trabalhos diversos com a finalidade de aproximar o aluno do mundo da
leitura.
Era mais leitura, ditado e gramática mesmo, mais estudar. De gramática
ela mandava muito a gente estudar verbo, estudar tudo da gramática. Dava
o livro, a gente pesquisava o livro, depois ia pra frente apresentar trabalho.
A professora R. S. e a M. C. todas duas trabalhavam assim.
Os professores do curso de magistério também tiveram papel importante no
processo de aprendizagem da docência e dos conteúdos curriculares. Eles
passavam muitos trabalhos, davam notas em todos os exercícios que os alunos
realizavam e, segundo ela, eram muito dinâmicos. Iracema destaca o papel do seu
antigo professor de Ciências na sua formação.
Professor I., quando eu estudei lá na Escola F. A., quando estava fazendo
o Gavião. O professor I. dava ciências, mas ele era muito bom. Já foi no
curso de magistério. Ele era muito dinâmico, ele fazia muitos trabalhos com
a gente e com essa dinâmica dele a gente também aprendeu a trabalhar
.
Ele era muito bom, um professor muito bom.
[...] Era, as avaliações dele era assim... dividida, pedacinho pra cá, tudo o
que a gente fazia ele aproveitava. Ele aproveitava tudo. Era um desenho,
era uma apresentação na frente, ele dava nota. Ele pedia uma leitura: “faça
a leitura do livro na página tal”. E a gente ia e fazia e ele dava ponto. Uma
pessoa muito bacana.
[...] Não, ele não trabalhava prova, ele nem trabalhava prova. Ele só fazia
trabalho e aí dizia: “olha, eu quero fechar a nota, vamos fazer um
trabalhinho aqui?” E aí ele trabalhava aquela nota e aproveitava tudo.
[...] Todo mundo adorava ele. Ele era muito meigo, muito bacana. Ele já era
bem velhinho, tinha uns 70 anos, mas ele era uma pessoa muito bacana,
ele conversava, ele era amigo de todo mundo. Quando a gente tinha
dificuldades ia lá com ele, ele explicava: “não, não se preocupe não, isso
aqui é assim”. Ai ele passava, explicava de novo o assunto, perguntava:
“olha, se vocês tiverem dificuldade pode vir aqui que nós estamos aqui pra
ajudar, eu quero ajudar vocês, não fiquem com medo”. E a gente ficou
amigo. Não tinha aquele receio, porque tem professor que a gente fica
armado pra ele, com medo de fazer uma pergunta, de ser decepcionado, e
ele não, ele deixava o aluno bem à vontade, ele era muito espontâneo,
muito bom.
133
Iracema foi indagada sobre as rotinas que seus professores estabeleciam e
sobre a forma como ensinavam. Ela descreve esse processo a seguir e faz um
comentário crítico sobre os pontos negativos e positivos das práticas de seus
professores que confirma que os professores “filtram” os elementos que utilizarão
em suas práticas, evitando uma repetição irrefletida das ações de outrem, e quando
o fazem, incluem elementos particulares ao seu ensino, o que neste trabalho está
sendo chamado de imitação criativa. A imitação criativa possibilita a construção,
mesmo que limitada, do conhecimento pedagógico do conteúdo pelas professoras.
Eu estudei em vários colégios. Tem colégio que primeiro era a fila, cantar o
hino nacional e depois entrar pra sala, uns faziam uma oração, outros não,
não davam muita importância pra isso. A ordem da chamada, isso aí era
sempre observado e tinha outros professores que faziam a chamada só no
final. Eles observavam assim, se o aluno faz o dever ele pega presença, se
ele não faz, ele não pega. Eu, no meu ponto de vista, eu acho isso errado.
E... outros professores, eu observava... História, eles só contavam a
história e depois pediam pra gente fazer um relato ou então fazia um
questionário em cima da conversa que ele teve, não usava o livro. A
professora L. D. não usava o livro, ela conversava, ela contava aquela
história “ah, era assim, assim, assim, naquele tempo...” e contava a história
que você pensava que ela estava com o livro aberto, em cima dessa
conversa ela passava um questionário. E já eu não sei fazer isso, eu sou
mais pra pesquisa, pro aluno olhar, ler um texto, até pra melhorar também
a leitura do aluno.
Sobre como aprendeu Geografia a professora Iracema destaca que as aulas
eram baseadas na leitura e memorização dos textos com os conteúdos disciplinares,
para depois realizarem exercícios de fixação, que se davam na forma de
questionários e posterior avaliação pelos professores.
A geografia daquele tempo era texto. O professor passava o texto no
quadro e a gente... e o questionário. Mais era isso, o questionário e a gente
ia procurar as respostas no que estudou. Não tinha muito como hoje
“vamos fazer um desenho, olha essa estória aqui”. A gente pega o livro e
usa o livro, antes a gente não tinha o livro, o livro era do professor. Hoje
não, o aluno tem a liberdade e até a facilidade de ter livro no cotidiano,
como aqui na escola, todos os alunos tem o livro de português, de
matemática, história, geografia, ciências, todos os cinco livros é
acompanhado pelo aluno. Então ele tem aquela dinâmica de ele mesmo
procurar, ele mesmo desenhar, ele mesmo fazer, isso é muito bom. A
facilidade que a gente tem também, isso é muito bom.
[...]
Justamente, esse texto, copiava todinho, depois as perguntas, era o
apontamento, a gente ia pro apontamento: “Olha, tem que estudar o
apontamento pra fazer a avaliação, prova tal dia, valendo 5”. Ai a gente só
faltava se esbagaçar pra decorar. Hoje não tem isso, o aluno chega, faz um
ditado, faz um exerciciozinho.
134
O processo de transformação desses conteúdos para o ensino não foi
simples, até porque muitos deles não foram adequadamente assimilados pela
professora Iracema. Não resultaram, considerando o modelo de raciocínio
pedagógico proposto por Shulman, em nova compreensão da matéria. Ao invés de
um movimento espiralado, seu ensino parece ser, muitas vezes, de forma circular.
Sua ação docente foi marcada por constantes tentativas de ensaio e erro que
culminaram em práticas que misturam, além das experiências “filtradas” de sua
vivência como estudante, as atividades que deram certo em sua prática profissional.
Nas aulas de língua portuguesa Iracema prioriza o aprendizado da linguagem
escrita e estimula os alunos a usarem dicionários para tirar dúvidas em relação à
escrita correta e quanto ao significado das palavras desconhecidas. Ela realiza
leitura diariamente e ao fazer a exposição dos conteúdos relembra os alunos das
regras gramaticais. Com freqüência realiza atividades de cópia e estabelece a
repetição dos exercícios para os alunos que tiveram mais de cinco erros
ortográficos.
Antes, eu usava o critério do caderno de cópia. “Olha, eu vou fazer um
caderninho de cópia pra cada um”. E isso ajudou muito as turmas que já
terminaram, melhorou a caligrafia, ortografia, a leitura, com muita
facilidade. Esses livrinhos de estória tinha menino que copiava todinhas. E
eu vejo, olha, meus alunos de 4 série que já estão no M., alguns alunos
tem nota vermelha. Eu pude observar em uma reunião lá e eu fiquei feliz,
por ver que o meu trabalho tem êxito, então eu devo continuar no meu
trabalho, fazendo como eu to fazendo, porque se eles tivessem nota
vermelha e reprovado a maioria eu tava triste e eu ia procurar refazer o
meu trabalho de outra maneira, criar outros métodos para poder trabalhar
que não tava dando certo, mas eu vejo que com o método que eu criei,
pela necessidade do aluno, pela carência do aluno, porque aqui não temos
uma biblioteca, não temos onde pesquisar e o aluno... a gente usa o
dicionário a gente usa... “tem dúvida na palavra, vamos pegar o dicionário
pra gente procurar? Vamos.” Eu vou junto com eles e eles vão, procuram.
“Quem encontrou?” Às vezes eu até encontrei e faço... “Quem encontrou?
Eu encontrei. Então leia.” Pra ver se eles se sobressaem, pra ver se eles
perdem aquela timidez, desenvolve na leitura, em tudo.
O uso do caderno de cópias, o auxílio do dicionário, a repetição dos
exercícios em que se errou mais de cinco vezes, que Iracema destaca como algo
desenvolvido por ela, além da memorização dos conteúdos estimulados pela
professora, são estratégias que utiliza para auxiliar no controle sobre o que ela está
ensinando e sobre o que os alunos estão aprendendo.
Isso aí eu aprendi comigo mesma. Fui eu mesma que criei isso aí. Porque
eu via que o aluno não se esforçava para fazer o ditado e se ele errasse,
135
pronto, eu passava o exercício e ele deixava calado. Eu vejo que o aluno
necessita muito da escrita e pra ele aprender a fazer é fazendo. Então eu
passo o ditado, o aluno tem as suas dúvidas, que a gente sabe que tem, e
pra tirar as dúvidas dele eu faço a cópia. “Faça uma cópia, quantos erros?
Cinco. Faça a cópia”. Aquele que tem três, quatro, não. A gente ta vendo
que ele está bem... que ninguém é perfeito mas a gente sabe que todo
mundo tem as suas falhas. Mas quatro erros no ditado, três eu acho que dá
pra melhorar sim... mas tem aluno que mesmo em três ele faz a cópia, ele
gosta de fazer até pra melhorar a ortografia dele, a caligrafia dele e a gente
percebe que tem aluno que gosta, que quer fazer, tem aluno que só
cobrado mesmo, exigido e mesmo assim ele ainda não faz.
A repetição e a memorização dos conteúdos são entendidas pela professora
como uma eficiente estratégia de ensino e de aprendizagem. Segundo ela, o aluno
consegue gravar na memória aquilo que ele está repetindo freqüentemente.
Destaca-se ainda que ela faz uso do jogo como um estímulo ao aprendizado dos
estudantes.
Trabalhar letras, mais em português isso daí. Trabalhar as letras do
alfabeto feito o mural, colocado no mural, pregado no mural e trabalhar.
“Que letra é essa?” As formas das letras, aí o aluno fica... não só decora
como ele aprende a grafar a letra. Aí a gente faz o joguinho e eu pergunto:
“Olha, valendo dez pontos nós vamos fazer hoje a pergunta das letras:
quem sabe as vogais? Quais são as vogais? Aí eles dizem a, e, i, o, u.
Cadê a letra U? Vá no quadro”. E o menino vai no quadro e mostra. “Que
letra é essa?” “A letra A”. “Qual é a letra U?” “Essa”. E ele vai dizendo
assim, alternado as letras e eles conseguem já... dizer todas. Depois a
gente trabalha as consoantes, assim também, todas alternadas e muitas
vezes a gente trabalhou isso e deu certo. Também nas famílias silábicas a
gente trabalha por fonema. Os fonemas pra eles gravarem. Porque muitas
vezes eu pergunto “que letra é essa?” Ele diz “A”. “O “LA” e essa o L, como
é que faz a junção do L mais o A?” E ele diz “JA”. “Eu disse, não, mas eu
falei L, um L e um A, é?” Ele diz “LA”. Aí ele pronuncia. Falando alto eu
acho que ele grava lá na memória dele aí ele aprende a pronunciar
corretamente o LA, LE, LI, LO, LU. Aprende normal e eu acho que isso aí é
muito interessante.
A constante lembrança/repetição feita pela professora sobre a importância do
uso do dicionário promoveu certa autonomia nos alunos quanto ao seu uso em sala
de aula. Destaca-se que a prática de recorrer ao dicionário sempre que têm
necessidade promove o aprendizado do vocabulário e com ele os estudantes
buscam conhecer novas palavras e os seus respectivos significados, muitas vezes
sem a necessidade de a professora solicitar.
Às vezes eu pergunto: “Essa palavra é escrita com S ou com C?” E eles
dizem: “professora espera aí”. E eles pegam o dicionário e descobrem.
Porque eu ensinei pra eles: “olha, se vocês tiverem dúvidas, cada um de
vocês tem um dicionário que a Secretaria (de Educação) deu, cada um tem
um dicionário, então procure no seu dicionário, se você tem dúvida, vamos
procurar no dicionário, vamos procurar junto”. E aí eles, com esse hábito,
eles se acostumaram e cada um procura. E eu vejo que os alunos de 2ª e
136
3ª série, principalmente os de 3ª série, estão bem desenvolvidos. 2ª série
tem aqueles que estão bem, mas têm aqueles que ainda tem muito a
desejar.
No entendimento da professora, quanto mais vezes o aluno realizar uma
determinada atividade, maiores serão suas chances de aprendê-la. No exemplo a
seguir demonstra-se como a professora faz isso em sua sala de aula.
Começou a aula pedindo que o aluno Ri. iniciasse a leitura do texto “A
Raposa e as Uvas”. Em seguida foi a vez de Ra. Após a leitura dos alunos,
a professora leu o texto em voz alta para a turma toda.
Em seguida fez um ditado único para as duas séries. O ditado era o
seguinte:
Amor não é só
Amor não é só de homem por mulher,
ou de mulher por homem.
Amor é amor por tudo
que é justo e livre.
Amor é horror a tudo
que o ser inventa para humilhar outro ser.
Durante o ditado a professora fez questão de destacar que se inicia o
ditado com letra maiúscula, lembrou que após ponto seguido também se
usa letra maiúscula e quando pronunciava palavras que considerava mais
difícil informava as letras para os alunos, foi o exemplo em “horror” em que
disse que eram dois erres e “humilhar” onde lembrou que se escrevia com
a letra H. Na frase “Amor é amor por tudo que é justo e livre” a professora
ditou uma vírgula após a palavra “tudo”, mas não a colocou no quadro na
hora em que escreveu o texto.
Após concluir o ditado passa o texto no quadro e pede para cada um
corrigir o seu e destacar o que errou. Lembra que quem errou cinco
palavras ou mais deve fazer mais uma cópia do texto. Quem teve três ou
quatro erros pode começar o próximo exercício.
A professora passa de carteira em carteira e pergunta para os alunos
quantas palavras erraram. Dá uma rápida olhada nos cadernos, elogia
quem acertou mais e encontra alguns outros erros que os alunos não
perceberam na correção que fizeram.
O ditado acima ela copiou no meio do quadro. Nas laterais passou
exercícios para as duas séries. No lado esquerdo para a 2ª série e no lado
direito para a 3ª série (esses lados são onde estão localizadas as
respectivas séries). Os exercícios são os seguintes:
2ª série
1. Complete as frases usando palavras do quadro:
a) Para escrever as palavras nós usamos _______________________
b) Nosso ________________ tem 23 letras
c) O alfabeto tem 5 ____________ e 18 _________________________
A professora lê o exercício para a turma e enquanto copiam passa o
exercício para a 3ª série
3ª série
1. Circule os dígrafos das palavras
Letras – consoantes – alfabeto - vogais
137
Quiabo – cresço – chuva – burro – pássaro – guerra – unha - águia –
descida
2. Coloque o acento agudo ou circunflexo onde for nece-
ssário.
Retangulo – voce – trico – vatapa – patria – oculos – bone – ultimo
Ela lê o exercício para a 3ª série dando ênfase na frase onde deve haver
acento. Explica que dígrafos são palavras com um único som e pede para
prestarem atenção, pois ali também existem encontros consonantais.
Enquanto os alunos copiam e fazem a tarefa ela revê o plano e copia
alguma coisa no caderno (Aula da professora Iracema realizada no dia 08
de agosto de 2005 - turno matutino).
Nota-se que a base de conhecimento do conteúdo específico para ministrar
língua portuguesa é precária, uma vez que a professora comete com freqüência,
equívocos na hora de ensinar. A separação da palavra “necessário” no quadro foi
feita de maneira errada, o que certamente provocará confusão na hora de ensinar os
alunos a separar em sílabas, já que pela regra do português, letras iguais ficam em
sílabas diferentes.
A professora utiliza ainda a estratégia de usar o mesmo texto para as duas
séries, o que não acontece quando está na turma de 1ª e 4ª. Entende-se que ao
adotar o mesmo texto para séries diferentes a professora esteja investindo na
economia de tempo, por outro lado, tem clareza de que isso só pode ser feito com
as turmas que tem uma proximidade mínima de maturidade em relação ao conteúdo
estudado, caso da 2ª e 3ª séries.
Inicia solicitando aos alunos de 4ª série que façam a leitura dos seguintes
textos: “Grandes Felinos” e “Pássaros de todas as cores” que estão no livro
didático de português.
Enquanto lêem pede a três alunos da 1ª série que levem seus cadernos até
sua mesa. Ela escreve a lição do dia em cada caderno e devolve aos
alunos. Depois percebo que estes três alunos ainda não são capazes de
copiar o exercício do quadro
65
.
A professora pede aos outros alunos que peguem a cartilha, porém não faz
uso dela no momento. Inicia o exercício no quadro e pede que copiem.
1ª Série
1. Escreve a letra v e d em todas as suas formas:
V ____, ____, ____ D ____, ____, ____
v ____, ____, ____ d ____, ____, ____
V ____, _____, ____ D ____, ____, ____
v ____, ____, ____ d ____, ____, ____
2. Copie as silabas tipo C.V. (consoante vogal)
Va ____, ____, ____ va ____, ____, ____ Da ____, ____, ____
65
A professora explica depois que eles estão se alfabetizando, embora não estejam matriculados na
1ª série.
138
Vê ____, ____, ____ vê ____, ____, ____ De ____, ____, ____
Vi ____, ____, ____ vi ____, ____, ____ Di ____, ____, ____
Vo ____, ____, ____ vo ____, ____, ____ Do ____, ____, ____
Vu ____, ____, ____ vu ____, ____, ____ Du ____, ____, ____
A professora reforça o exercício com os alunos que tem mais dificuldades.
Pede a esses alunos que leiam com ela no quadro. Parece lembrar de um
material que está na secretaria e sai para pegar. São umas fichas com as
famílias silábicas que distribui para sete alunos e pede que formem as
famílias do v
e do d. Entre os alunos que receberam as fichas só está uma
menina (só há três meninas na 1ª série). Enquanto eles fazem o exercício
ela trabalha com a 4ª série.
Ela pede para o aluno I. começar a leitura em voz alta. O texto é “Pássaros
de todas as cores”. O aluno fica em pé, segura o livro em frente do rosto
(como se o usasse como escudo, parece querer se esconder) e faz a
leitura. A professora corrige imediatamente as palavras pronunciadas de
maneira errada.
Ao terceiro aluno que fez a leitura recomendou que a repetisse, pois ficou
incompreensível já que o aluno não fez a pontuação adequada. Pede aos
seguintes que prestem atenção na pontuação e solicita que leiam devagar.
Os alunos lêem os textos “Pássaros de todas as cores” e “Grandes
Felinos”. Cada aluno leu uma parte do texto em voz alta (Aula da
professora Iracema realizada no dia 8 de agosto de 2005 – turno
vespertino).
Nessa aula destaca-se a questão do atraso nos conteúdos curriculares a que
estão submetidos os alunos de escolas do campo. Os alunos de 1ª série, no mês de
agosto, estavam trabalhando conteúdos equivalentes aos de educação infantil.
Ressalta-se que não é deficiência no trabalho da professora, uma vez que os alunos
são matriculados na 1ª série do ensino fundamental sem nenhum tipo de
conhecimento escolar, pois não existe a oferta da educação infantil nas escolas
pesquisadas. Para tentar suprir tal carência, as professoras de escolas do campo, e
Iracema é uma delas, adotam a estratégia de receber alunos em suas salas de aula
para prepararem-nos para o ingresso na educação escolar no ano subseqüente.
Desse modo, estão criando demanda para a oferta da série naquela escola, ao
mesmo tempo em que estão fazendo um esforço para diminuir o próprio trabalho no
ano seguinte.
Para ensinar matemática Iracema coloca aos seus alunos exigências
semelhantes às que observou em seus professores, como a de conhecer a tabuada.
Por outro lado, afirma que lança mão de usar jogos pedagógicos elaborados por ela
ou presentes nos livros didáticos e estimula a competição entre as crianças como
forma de promover o aprendizado.
A matemática é tabuada, eu cobro muita tabuada, peço pra eles, trago eles
no quadro, faço joguinhos, jogos mesmo... trago pedras, tampas, boto pra
139
dividirem em grupo. Quantos alunos da 2ª série tem hoje? Aí eles levam, aí
eles conferem, conferir e dividir as tampinhas, as pedrinhas, palito de
fósforo tudo isso a gente faz. Fizemos jogos matemáticos também, a
tabuada, colocávamos na parede e perguntávamos, quando via que
estavam começando a brincar eu dizia: “quanto é tanto mais tanto”? E eles
respondiam: “é tanto”. E aí eles foram criando aquela vontade de estudar
tabuada pra saber na ponta da língua. Eu digo: “Olha o aluno que
desenvolver, que eu fizer a pergunta... olha eu vou fazer texto oral, durante
a aula eu vou dar os pontos”, “ta bom” e aí eles iam, quando eu
perguntava, tam, cada um que queria responder mais rápido que era pra
não perder os pontos. E aí eles... e ficou aluno assim destacado, né, e aí
foi muito bom.
Para compreender parte dos conteúdos matemáticos a serem ensinados aos
seus alunos, Iracema destacou que recorre às outras professoras das escolas da
região. Nessa troca com as colegas ela também ensina técnicas e recursos
pedagógicos que poderão ser utilizados para facilitar o ensino da professora e a
aprendizagem dos alunos.
Foi na sala de aula mesmo, foi juntando e vendo e pegando experiências
de outras colegas também que passavam pra gente diziam “olha, se tu fizer
um joguinho de tampas, de objetos, de materiais, você vai conseguir
desenvolver no seu aluno”. A J. lá do T., a professora J., ela é muito boa
em matemática, ela passa muita experiência boa pra gente. A J. ela é
muito bacana, ela procura sempre ajudar aquele professor que ela vê que
precisa desenvolver... a L. também, a professora L. lá da S. ela também
sempre passa uma experiências muito boas e a gente juntos, eu passo
experiências pra elas de outras coisas e elas passam de outras e assim a
gente vai enriquecendo nosso vocabulário, nossas dinâmicas.
Ela recorre ao auxílio de outras professoras não somente para buscar novas
técnicas de ensino, mas também para aprender o que deverá ensinar. Com
freqüência os livros didáticos introduzem propostas de novos exercícios e como eles
são desconhecidos das professoras, necessitam recorrer aos mais experientes ou
aos que possuem maior domínio de conteúdo para ajudá-las.
Eu já tive problema de matemática, em matemática eu já tive problema...
foi expressões, tinha uma expressão muito complicada e eu procurei com
a professora J., que ela é professora de 5ª a 8ª, eu fui lá com ela um
sábado, conversei com ela e ela me explicou direitinho e eu dei. Até
resolvi lá com ela umas questões. Eu disse “J., eu estou meio em
dificuldades com isso daqui”. Ela disse “O que é M.?”, eu disse “olha é
essa expressão aqui ela está meio... como é que é isso?” Ela foi me
explicar “não M., é por causa do jogo de sinais, e tal”. Ai foi que eu
entendi direitinho, graças à Deus, foi ano retrasado eu acho.
Depreende-se da fala da professora, que foi um alívio compreender o assunto
que deveria ensinar. Por outro lado, depreende-se, também, que se houver questões
140
mais complexas ou alguma indagação por parte dos alunos, além do que aprendeu
com a colega, ela terá dificuldades em resolver.
A seguir, apresenta-se um excerto que contempla parte de uma aula de
matemática ministrada pela professora Iracema. Nessa aula, que ocorreu no mês de
agosto de 2005, a professora atendia, simultaneamente, turmas de 2ª e 3ª séries. No
segundo período de aulas, após o intervalo para merenda, a professora coloca o
seguinte problema no quadro para alunos de 3ª série:
Um comerciante comprou 07 máquinas iguais por R$1.715,00. Se comprasse 02
máquinas, quanto pagaria?
Um aluno que foi chamado para resolver a questão no quadro e coloca a seguinte
resposta:
245
x 2
490
A professora o questiona sobre o valor 245 e o que fez para encontrá-lo se não havia
sido dado. O aluno não sabe responder e em conversa baixinha com a professora
reconhece que não foi ele quem fez o dever. Ela chama a atenção para isso, são eles
que devem fazer a tarefa. É para pedir ajuda para os pais, mas não é para eles
fazerem o exercício no lugar dos alunos.
Ele continua a resolver o problema. Ela explica que para achar o valor de 245, ele
precisa dividir 1.715 por 17. O aluno tem dificuldades em resolver e a professora
orienta a atividade. A conta fica expressa assim:
1715 I_7__
Como o aluno tem dificuldade ela pas-
-14
245 sa parte da tabuada de 7 no quadro:
031 1x7=7
-28
2x7=14
035 3x7=21
-35
4x7=28
0 5x7=35
Ele não soube subtrair 4 de 7 então ela expressou o problema da seguinte forma:
I I I I I I I . O aluno responde “dá 3”. Para dividir 31 por 7 ele também teve
dificuldades e ela recorreu à tabuada que havia colocado no quadro. Ela mostra que
4x7 dá 28 e que 5x7 dá 35, ressalta que por 5 é muito e o aluno então responde que
dá 4.
Ao concluir a conta informa que essa deu exata porque não sobrou nada. “É aqui que
descobri que o valor de uma máquina é 245. Mas quero comprar 2, então multiplico
por 2, dá 490. Eu quero que vocês saibam fazer”.
Solicita então que os alunos coloquem a resposta: Ele pagaria R$490,00 na compra
de 2 máquinas.
[...]
Pede para o aluno Rafael, da 2ª série ir ao quadro resolver a questão “a”. O aluno
não consegue fazer. Ela então pergunta: “Quantas vezes o 4 está dentro do 5”?
O aluno faz o seguinte cálculo I I I I I, risca 4 pauzinhos ( I I I I I )e ela pergunta:
quanto dá”? Ele responde 1. Ela confirma: “o quatro está uma vez dentro do cinco”.
a) 56 I_4_
Quantas vezes o 4 está dentro do 14”?
-4
1 3 ( I I I I I I I I I I I I I I ) 3 vezes
-14 12
12
02 ( I I I I ) =2
Essa eu fiz, a outra vocês fazem”.
141
Para Shulman (1987, 1986), didaticamente falando, o processo de raciocínio
pedagógico tem início com a compreensão da matéria a ser ensinada e pode se dar
em diferentes momentos, inclusive no momento do planejamento da aula quando o
professor seleciona conteúdos e faz a revisão necessária para poder ministrá-lo.
A essência do ato de raciocínio pedagógico é o momento da transformação
dos conteúdos aprendidos em ensino. Observa-se que no caso da professora
Iracema esse momento é muito rico e envolve os quatro elementos destacados por
Shulman (op. cit.). Ela faz a interpretação do conteúdo e o representa para os
alunos, nesse caso utilizando demonstrações que se adaptam, mesmo que
mecanicamente, às características e necessidades deles.
Destaca-se que existe pouca diferença na lógica de ensinar matemática para
séries “semelhantes”, assim como acontece em outras disciplinas, já que foram
agrupadas justamente para facilitar o ensino ministrado pela professora. Ela
considera que, como existe pouca diferença entre a faixa etária, os conteúdos e
entre os alunos em si já que todos são alfabetizados, o ato de ensinar fica menos
difícil.
A professora utiliza termos concretos para demonstrar o cálculo da tabuada
para os alunos – quando representa em pauzinhos – mas ao mesmo tempo lança
mão de um conhecimento adquirido quando era aluna do antigo curso primário, já
que aprendeu a matemática através de representações como as que são
repassadas aos seus alunos.
Observou-se ainda, especialmente nas aulas de matemática, que o livro
didático é um importante apoio para a professora. A partir dele apresenta os
conteúdos e aplica e corrige os exercícios. Ele é também a principal fonte para a
elaboração dos planos de aula. Por outro lado, se ele não é suficientemente claro na
apresentação das questões, ou se usa uma linguagem mais rebuscada, confunde a
compreensão e a exposição da mestra.
As aulas de ciências também são trabalhadas com o apoio do livro didático. A
professora inicia fazendo a leitura dos textos, individualmente ou com o auxílio dos
alunos, em seguida faz uma explicação, geralmente guiada pelas sugestões
142
ensejadas pelo livro e em seguida propõe a realização de exercícios. Diferentemente
do que propunham seus antigos professores, ela introduziu a pesquisa como recurso
para auxiliar na aprendizagem e na dinamização das aulas.
De 1ª a 4ª série não tinha isso era quatro horas mesmo de sala de aula,
não tinha pesquisa. No ensino fundamental não tinha pesquisa, era sala de
aula mesmo, era banco mesmo. Hoje não, a gente já trabalha assim com
pesquisa, até pra gente ver, pro aluno conhecer, ver aquela diversidade
que tem a natureza... Nas aulas de ciências eu já levei aluno aqui pro
Igarapé, já levei pro campo, pra fazenda do Seu D., pra ele ver e depois
chegar e fazer a descrição: “que animais você encontrou na estrada? Qual
a diferença dos animais?” Outro dia nós fizemos isso aqui. E, eu acho que
isso aí é muito importante... Da natureza, quais os tipos de árvores que
eles viram, que eles observaram. Que tem árvores grandes, árvores
pequenas, árvore rasteiras, que tem árvore que dá fruto, que tem árvore
que é mato mesmo, e tudo isso já foi feito aqui em sala de aula, da
natureza mesmo.
Quando os conteúdos estavam em estreita relação com a realidade
vivenciada pelos estudantes e por ela própria, a professora pareceu trabalhá-
los com certa liberdade. O contrário aconteceu quando precisava discorrer a
respeito de questões distantes de sua realidade. Em uma das aulas de ciências
em que tratava do tema “saúde e saneamento” notou-se uma grande dificuldade
para explicar aos alunos o que era esgoto sanitário, água tratada, saneamento
básico entre outras coisas. Percebeu-se que aquele conteúdo estava muito distante
da realidade vivenciada pela professora e pelos alunos e que o livro didático não
apresentava uma alternativa que propiciasse a discussão a partir da realidade rural,
que não possui atendimento básico de infra-estrutura. A professora chegou a dizer
aos alunos que “a água que usamos é canalizada diretamente do rio”, todavia, ela é
retirada do igarapé com o auxílio de baldes e levada para as casas pelos moradores
da comunidade e depositada nos recipientes disponíveis. Na escola, por exemplo, é
a servente quem carrega a água do igarapé por cerca de 400 metros para fazer a
limpeza do local.
Em entrevista realizada alguns dias depois dessa aula a professora,
espontaneamente, refletiu sobre sua dificuldade em expor o conteúdo e destacou
que não compreendia o que tinha acontecido.
[...] mesmo com essa experiência que a gente tem, tem aulas que a gente
se atropela um pouco. A gente... parece que foge um pouco. Teve uma
aula passada que eu dei, você até estava presente, eu meio que fugi do
meu controle, depois eu pensei “Meu Deus, o quê que eu estou fazendo?”
Depois eu vi... era sobre ciências, eu acho, era aquele “saneamento
143
básico” eu vi que eu me perdi um pouco na aula eu digo: “Meu Deus, tanto
tempo de aula, tanto tempo de... dessa dinâmica, e a gente acaba na hora
fugindo um pouco do assunto”.
Pesquisadora: Porque a senhora acha que fugiu do assunto?
Porque eu fiquei meio sem saber explicar e eu fui mais pro livro e eu não
gosto de dar aula mais no livro, eu gosto de me expor, de conversar, de
contar porque pelo tanto de tempo que a gente tem eu vejo que a gente
tem muita experiência, a gente já leu aquilo muitas vezes. O plano de aula
todo ano a gente faz, e aí a gente vê que a gente foge um pouco da aula e
ficou meio assim, perdido, deixa o aluno às vezes até sem entender bem o
assunto, e eu notei isso aí.
Pesquisadora: A senhora notou na hora, a senhora parou depois pra
pensar...?
Não, eu notei na hora que eu estava meio fugindo do assunto, meio sem
base. Eu tinha feito meu plano de aula, mas eu estava sem aquela... na
hora eu não sei, deu um branco assim que eu fiquei meio perdida, eu digo
“Meu Deus”...
Pesquisadora: A senhora costuma parar sempre pra pensar sobre as suas
aulas, sobre o que a senhora fez e fazer essa avaliação que a senhora está
fazendo agora? Porque isso que a senhora está fazendo é uma avaliação
da aula que a senhora deu.
Sempre eu faço isso. Eu procuro sempre me avaliar, será que teve um
êxito, será que os alunos aprenderam, será que eles entenderam a minha
explicação, será que foi boa, será que faltou alguma coisa, sempre eu me
pergunto isso aí. Porque é muito bom quando a gente sabe que está
fazendo um bom trabalho, que atingiu aquela meta que a gente tinha em
mente, o aluno entendeu, dele poder trabalhar e depois apresentar um
resultado daquilo, e quando a gente meio... não dá aquela aula, meio se
perde, a gente vê que não tem nem como cobrar do aluno. Como eu vou
cobrar uma coisa que eu não passei? Que eu não expliquei direito, que o
aluno não entendeu? Fica meio difícil pro professor cobrar uma coisa que
ele não deu.
Mesmo não sabendo explicar o que havia acontecido, a professora Iracema
demonstrou em sua fala a preocupação em analisar sua prática e as conseqüências
dela para o seu ensino. Tais posturas são apontadas na literatura como elementos
que compõem uma prática reflexiva (ZEICHNER e LISTON, 1996 e DEWEY, 1993).
Para analisar sua prática a professora utiliza também como parâmetro os
rendimentos dos seus alunos, especialmente os que já saíram da escola. Se eles
obtêm êxito, ela reconhece que tem uma importante parcela de contribuição nesse
processo.
Tem o I., quando eu cheguei pra cá ele era uma menino super atrasado, aí
eu comecei a trabalhar, ai, os antigos professores me falaram: “olha, tu vais
ter uma dificuldade muito grande com o I. e com o J.”. E quando eu cheguei
pra cá, devido conversa, conversando, lendo textos bíblicos, conversando
com eles, tratando, elogiando eles, botando eles mais um pouco: “olha, tua
letra é linda, olha meu filho, olha, tu faz esse texto aqui tu faz cópia, tu faz
cópia que tu vais melhorar muito”. E graças a Deus eles se desenvolveram,
fazendo cópia, fazendo texto e exigindo leitura, distribuindo livros de leitura,
pedindo pra eles levarem pra casa pra trazer e o I. desenvolveu assim com
uma rapidez e até os pais dele vieram me parabenizar, porque ele se
144
sobressaiu assim tão rapidamente... Hoje ele ta fazendo a 5ª série com 10
anos e ele é um menino que se desenvolveu rapidamente. E eu trabalhei
quatro anos com ele, esses quatro anos e agora ultimamente ele tá
fazendo a 5ª série, três anos ele ficou comigo assim, sabe... Eu peguei ele
na 2ª série e eu trabalhei ele, ele não sabia nada e trabalhei, trabalhei,
trabalhei, e mandei ler o livro, que é o trabalho que eu faço diariamente,
peço, exijo... Quando eu vejo o aluno fraco eu faço, mas o I. e o J. (hoje ele
está estudando em Santarém) estuda lá na G., está fazendo a 4ª série lá e
o I. está fazendo a 5ª série na N. S. G., mas eles se desenvolveram
gradativamente assim muito rápido, com muita rapidez, eu senti que foi
assim um crescimento, um desenvolvimento muito rápido.
O ensino de História e Geografia também tem como principal fonte de apoio o
livro didático. Por outro lado a professora ressalta que utiliza trabalhos de campo e
pesquisas como recursos auxiliares para o ensino e a aprendizagem dos alunos,
todavia, na maioria das aulas persiste a lógica da apresentação do conteúdo para
posterior fixação através de exercícios.
Ah, foi muito bom porque o aluno aprende a fazer a descrição, ele descreve
mesmo. Ontem nós fizemos um trabalho de geografia, pra eles
descreverem a comunidade, e eles saíram dizendo tudo o que tinha aqui
na comunidade, aula de geografia. E era pra descrever o que existe na
comunidade de natural e o que é feito pela mão do homem, e eles
descreveram bem mesmo. Eu vejo que... é tipo assim... eu digo “lembrem
o que existe aqui na nossa comunidade?” E eles pegam do começo ao fim
e vão levantando, e é muito bom quando o aluno aprende a descrever
porque ele está fazendo uma redação com muito mais facilidade.
Embora exista um conteúdo programático fornecido pela Secretaria de
Educação, parte da seleção fica a critério das professoras que escolhem o que
devem ensinar. A seleção dos conteúdos é feita de maneira intuitiva pela professora
Iracema. Ela destaca que a partir das necessidades manifestadas pelos estudantes,
separa o que é importante para ensinar.
Pela necessidade de ver que no nosso trabalho ele também nos cobra
assim uma ordem e pela seqüência da ordem a gente tem que... Por
exemplo, trabalhar com 1ª série aquilo pra eles terem conhecimento e
desenvolvendo na medida que eles vão aprendendo, isso aí a gente nem
seleciona, é a necessidade do dia a dia que faz a gente desenvolver essas
etapas.
[...]
Pra ele ter conhecimento. Porque a criança quando a gente pergunta
quanto é dois mais um e ele fica pensando e contando nos dedos, e a
gente sente a necessidade, porque ele tem que aprender. E eu pegava
tampinha, pedrinha trazia e dizia: Olhe, quanto vale isso daqui? e ele dizia
“um” e aqui? “dois” quanto é dois mais um? E eles juntavam. Se eu pegar
esse um daqui com esses dois daqui e ponho pra cá tem quantos? Eles
iam contavam, “três”. Aí, por essa necessidade a gente foi descobrindo
que... tinha uns que respondiam e tinha uns que tinham dificuldade,
dificuldade muito grande e ficavam conferindo nos dedos. Aí eu sentia que
tinha que aprofundar, estudar tabuada de 1ª, de 2ª, de 3ª, de 4ª, e assim
sucessivamente.
145
Nota-se que a seleção é feita partindo-se dos conteúdos mais simples para os
mais complexos e que se faz a introdução de novos conteúdos somente quando os
anteriores já foram assimilados. A certeza mais evidente é a de que os alunos
precisam saber ler, escrever e contar. Em torno dessas três questões giram as
preocupações de Iracema e das outras professoras entrevistadas. As dificuldades
mais explícitas manifestadas pelos alunos e identificadas pela professora também
estão relacionadas a essas três necessidades básicas de conhecimento.
As outras disciplinas, eu trabalho português e matemática, principalmente
com 1ª e 2ª série eu desenvolvo muito o ditado, a cópia, a escrita de
palavras soltas, faço muito isso. Na matemática eu trabalho a tabuada, os
números, os conjuntos pra que eles tenham a noção do que é conjunto, do
que é número, escrever as palavras. As outras disciplinas como geografia,
história, ciências e religião, lemos um texto sobre o assunto no dia e passo
a explorar na leitura, nas figuras, com os elementos que surgem na leitura,
como desenhar, pintar, questionar, debater e etc.
Como muitas vezes a professora não tem elementos para explicar e resolver
as dificuldades de aprendizagem manifestadas pelos alunos, ela divide com eles a
responsabilidade pelos problemas apresentados. Iracema destacou inúmeras vezes
que teve que “se trabalhar” para poder lidar com as necessidades manifestadas
pelos estudantes. O “se trabalhar” envolveu aprender o conteúdo para poder
ensinar, buscar alternativas metodológicas com outras professoras e refletir sobre as
limitações de seus conhecimentos.
Foi... Trabalhando o aluno e vendo que ele não assimilava a letra e nem a
junção das letras. Eu fui trabalhar em cima da necessidade do aluno.
Porque eu via que os outros não, aprendiam com facilidade. Mas aquele
aluno ficava sempre ali, não sabia fazer a junção das letras. Aí, foi em cima
das necessidades dele que eu tive que... eu me trabalhar pra conseguir
recursos pra trabalhar esse aluno.
[...] Era um desafio que eu tive pra cima de mim, ele me desafiou. Ele e
vários porque o aluno sempre, a criança, ele sempre tem assim algo que
desperta no professor, ele sempre quando chama parece que está
querendo mais, querendo mais, e em cima dessa necessidade, desse
querer que o professor tem que procurar recursos pra trabalhar o aluno,
tem que se trabalhar mesmo.
[...] É, outra professora. É importante a gente nunca sabe tudo, a gente
sempre tem que buscar com aquele que... e procurar aquela pessoa que
está na ativa daquela disciplina, e ela é uma professora muito boa em
matemática a professora J. Eu sempre gosto de me interar com os
professores que eu sei que estão na atividade daquela disciplina que eu
tenha dificuldade eu vou lá, pergunto, converso e eu sempre faço isso, eu
sempre busco com alguém alguma coisa que eu tenha dúvida. Eu sempre
digo que a gente não sabe tudo, mas tem que procurar melhorar.
146
A busca de conhecimentos com as outras professoras ocorre sempre que se
encontram e parece ser mútua já que as outras professoras também demonstraram
utilizar tal prática como recurso para superar dificuldades manifestadas pelos
estudantes e por elas próprias.
Antes era na fila do banco, quando a gente ia receber. Ficava lá, às vezes
o dia inteiro e lá a gente conversava, trocava experiência. Faz visita, eu
sempre faço visita aos meus amigos professores nos finais de semana, e
eu conto pra elas “eu to com dificuldade nessa parte, o meu aluno não quer
desenvolver” “Ah, faz isso... faz essa experiência que eu fiz na minha sala
e deu certo”. Aí a gente vai passando e vai fazendo como as outras
indicam e... dá certo. Graças a Deus dá muito certo.
Iracema entende esses momentos como situações de aprendizagem onde
ensina e também aprende.
De aprendizado. A nossa conversa, o nosso diálogo conjunto com os
outros professores, um vai descobrindo do outro, vai pegando a
experiência do outro e vai crescendo. Isso me ajudou muito e eu acredito
que tenha ajudado as minhas outras colegas porque quando a gente se
encontra por aí, a gente conversa e elas dizem “Pôxa M., eu fiz aquela tua
experiência e meu aluno conseguiu ler, já ta desenvolvendo, ta bem”. E eu
também falo pra elas que eu fiz a prática delas e deu certo, e gente troca
essas experiências e graças a Deus tem dado certo.
As aulas de Ceci
Aluna de classes multisseriadas e irmã de professora, Ceci tinha a escola
presente em seu cotidiano a ponto de brincar com as situações escolares em suas
horas de folga. Confessou que brincava de dar aulas e ressaltou que foi uma
brincadeira que deu certo. Ela também lembra de seus antigos professores com
muito carinho.
Eles eram muito bons, muito atenciosos, principalmente do ensino
fundamental, que são professores que marcam muito. E eles procuravam
da melhor forma atender. Eu sempre gostei muito dos meus professores,
eles eram tão bons, tinham ótimas idéias. Eles explicavam o assunto e logo
em seguida passavam o exercício.
Sua irmã, que era professora, foi a responsável pelo seu ingresso no
magistério e era sua principal referência quando iniciou na docência. Sua vivência
147
como aluna auxiliou-a no processo de iniciação profissional e o que aprendeu ao
observar as aulas, de alguma forma facilitou sua trajetória de professora na escola
do campo.
Ela também era assim uma professora muito organizada não é por ser
minha irmã mas eu que ela levava jeito assim para o trabalho dela e ela era
assim uma pessoa muito organizada na época também não tinha esses
conteúdos programáticos e ela mesmo criava os conteúdos ela conseguia,
sabe dar direitinho as aulas dela, ela sempre foi assim uma professora
muito competente e na sala não era assim separado igual eu fiz aqui ,
porque aqui ficou legal assim porque eu coloquei a primeira série pra li, faz
de conta que é uma sala da primeira lá e aqui segunda e terceira e na
época que eu estudava não. Era só assim fileira aqui é a primeira, aqui é a
segunda, terceira, sabe era assim também o multisseriado eu acho que, eu
fico pensando assim, talvez eu não encontrei tanta dificuldade no
multisseriado porque eu já vim também de multisseriado.
Ressalta que seus professores seguiam uma mesma rotina para ensinar,
primeiro explicavam o assunto e logo em seguida passavam exercício para fixação
daquele aprendizado.
Entrevistadora: Fazia a leitura, explicava?
Isso. Às vezes tinha leitura, às vezes tinha explicação...
Entrevistadora A senhora lembra do ensino fundamental como eram
trabalhados os conteúdos de português?
Já no fundamental, até porque naquela época era mais difícil as apostilas,
era mais copiado mesmo. Copiava no quadro e a gente copiava no
caderno. Eu só saí do multisseriado quando foi pra estudar a 5ª série e eu
me lembro bem da professora Maria Fátima. Naquela época também,
agora não, porque a partir da 5ª série, cada professor tem uma disciplina,
ela não, ela dava todas as disciplinas e explicava bem eu também
procurava da melhor forma aprender bem, e eu gostei demais dela.
Entrevistadora Se eu lhe perguntasse como foi que a senhora aprendeu
português e matemática a senhora me diria o quê?
Eu acho que nas explicações dos professores eu aprendi. Tinham as
explicações deles porque eles, não era apostila, eles copiavam e depois
eles explicavam, tinha o exercício que eles passavam depois, eu acho que
foi a partir daí que eu aprendi.
Entrevistadora Então a senhora considera esse processo importante, você
dar o conteúdo, você explicar o conteúdo e depois você passar o exercício
de fixação pra esse aluno, foi assim que a senhora aprendeu?
Foi e eu digo que é muito bom assim por que você explicar, entendeu, aí
com o exercício vai ajudar a fixar esse conteúdo.
Por outro lado, faz a referência a conteúdos curriculares aprendidos em sua
trajetória escolar ministrados por estudantes de licenciatura em matemática que
fizeram estágio em sua sala de aula quando fazia o curso de magistério.
148
Eu me lembro que, no magistério já, e foi uma turma de estagiários, e na
época eles estavam terminando e tinham que concluir com o estágio e na
época como eram férias, só quem estava estudando éramos nós e aí eles
foram pra nossa sala. Eram doze, ficavam seis pela parte da manhã e seis
pela parte da tarde e eu gostei muito da forma como eles trabalhavam, era
matemática mesmo o conteúdo que eles aplicavam e eu gostei muito da
forma como eles explicaram foi uma forma bem clara. Tinha um professor
que era muito divertido, muito alegre e era legal. Apesar de ser o dia inteiro
eles trabalhavam tão bem que não dava nem cansaço.
Seus professores de magistério utilizavam ainda apostilas com cópias
xerografadas do conteúdo das disciplinas, todavia, na escola primária a ausência
desse material obrigava os professores a copiar no quadro todo o conteúdo
necessário para o ensino.
É porque naquela época não tinha apostila, tudo era copiado. E como eu
lhe falei naquele dia ela... quando ela começou a trabalhar que não tinha
conteúdo programático, depois já tinha, ela mesmo que programava
aqueles conteúdos e ela trabalhava assim também, de 1ª a 4ª série,
naquela mesma correria, uma hora estava aqui, outra hora estava ali, mas
ela procurava também dar o melhor de si. Eu estava até falando um dia pra
ela “ah, minha irmã, eu acho que é nossa vocação mesmo”.
Inspirada nos aspectos que considerava positivos das práticas de seus
professores e tomando por base sua vivência como aluna em classes multisseriadas
Ceci passou a construir seu fazer pedagógico a partir de estratégias que facilitassem
seu trabalho. Uma das estratégias diz respeito à economia de tempo e foi observada
nas aulas de Ceci quando ela deixa copiada no quadro a tarefa para casa de um dia
para o outro. Desse modo, não precisará escrever tudo de novo no dia seguinte
quando for corrigir o exercício com os alunos. Outra prática é utilizar o mesmo texto
para leitura com todas as séries, a exemplo do que fazem as outras professoras de
classes multisseriadas.
Para as aulas de história e geografia e de ciências a professora costuma
passar o exercício no quadro, fazer uma leitura com exposição e em seguida passar
exercício de fixação. Ao introduzir as aulas costuma fazer uma revisão do que foi
trabalhado no dia anterior. Notou-se que a professora Ceci foge pouco ao proposto
no seu planejamento diário. Observou-se, ainda, que faz pouca relação dos
conteúdos que está trabalhando com a realidade vivenciada pelos alunos, uma vez
que pareceu estar preocupada em “dar o conteúdo” e “cumprir o programa”.
149
Ao começar a ensinar matemática a professora Ceci destaca que tinha
dificuldades em compreender o conteúdo e que foi superando essa problemática ao
recorrer ao auxílio da irmã, que era professora, e ao buscar nos livros didáticos os
assuntos que deveria trabalhar. Desse modo, ela estudava em casa a matéria que
iria ministrar, no dia seguinte, aos seus alunos em sala de aula.
Para ensinar matemática a professora costuma passar o apontamento,
explicar o assunto e fazer um exercício de fixação. Acha importante cobrar os
conteúdos, como a tabuada e faz sorteio entre os alunos para saber quem vai
responder determinada questão. A professora não costuma trabalhar uma mesma
disciplina para todas as séries, sendo assim, quando dá matemática para um grupo
de alunos, dá português para outro. Essa prática requer uma atenção redobrada da
professora e uma habilidade grande para se organizar mentalmente para passar da
exposição de um componente para outro. Desse modo, o momento da instrução
(Shulman, 1986) envolve, além do manejo da classe e exposição do conteúdo, que a
professora seja capaz de se transportar de uma situação de ensino para outra
completamente diferente – com sujeitos diferentes, conteúdos diferentes, níveis de
aprendizagem e de maturidade diferentes.
Não é possível, com os dados disponíveis, explicar como isso ocorre, todavia,
foi possível perceber que nesse jogo de trocas constantes a professora esquece de
si própria e às vezes dos próprios alunos. Já foi demonstrado que em uma aula só
passou atividades para uma das séries depois que foi alertada por uma aluna.
Quando começou a ensinar português também tinha dificuldades em
compreender o conteúdo que iria ensinar. Estudava-os antes de ir para a sala e na
hora em que estava preparando as aulas. Nesse aspecto é interessante destacar
que as professoras resolvem os exercícios que passarão aos alunos, buscando
dirimir qualquer dúvida em relação a eles.
Nas aulas de português ela utiliza, na hora da leitura, o mesmo texto para
séries diferentes e costuma introduzir as aulas com uma história que apresente
algum fundo moral. Depois da leitura que ela própria faz, reflete com os alunos sobre
a lição trazida pelo texto e levanta questões de compreensão e interpretação, as
quais são respondidas sem maiores dificuldades.
150
Notou-se maior preocupação em apresentar recursos didáticos para os
estudantes de 1ª série. Para eles a professora elabora fichas de leitura com as
famílias silábicas, faz cordel de palavras soltas e propõe alguns jogos durante as
aulas. Para as outras séries, além das histórias e de algumas músicas, utiliza
prioritariamente o quadro de giz.
Na aula do dia 26 de outubro em que a professora introduziu o conteúdo
referente a aumentativo e diminutivo para a 2ª série presenciou-se uma situação
bem engraçada. A professora cantou a seguinte música com os alunos:
Que belo narizinho tem a formiguinha
Que belo narigão tem o formigão...
Em seguida explicou que a palavra tem três tamanhos: o normal, o
aumentativo e o diminutivo. Para que os alunos compreendessem melhor utilizou
vários exemplos e passou um exercício. Disse que uma mão pequena é uma
mãozinha, que um pé pequeno é um pezinho e destacou ”se tem mãe que é o
normal, o diminutivo é...?” A aluna que estava atenta à explicação, respondeu sem
pestanejar “filha”. Pela lógica do que tinha explicado, pareceu para a aluna que se a
palavra tem três tamanhos, uma mãe pequena só poderia ser uma filha. A
professora ressaltou que havia respondido errado e continuou a passar o exercício.
Em conversa posterior buscou-se entender como a professora transformava
esses conteúdos para o ensino.
Entrevistadora: Quando a senhora pega o conteúdo de uma disciplina pra
trabalhar, qual é a disciplina de que a senhora mais gosta?
Eu gosto de português, ciências.
Entrevistadora: Então vamos ver um conteúdo de português. Diminutivo
das palavras. Como é que a senhora trabalha esse conteúdo pra torná-lo
compreensível para o seu aluno? Como é que a senhora organiza na sua
mente aquela aula? Porque a senhora faz um plano e nem sempre a gente
consegue seguir exatamente como está no plano porque o aluno tem
determinadas necessidades que não dá pra prever. Como é que a senhora
organiza, por exemplo, “ah, professora, eu não entendi esse conceito, o
que significa o diminutivo?” Como é que a senhora organiza esse conteúdo
mentalmente pra poder passar pro seu aluno? Como é que a senhora
explica esse conteúdo?
Bom, eu tento fazer a criança entender que tem o normal, o grande e o
pequeno. Inclusive às vezes eu invento até musiquinha pra ele entender
151
melhor. E, sempre deu certo. A gente tenta mostrar pra criança que ele tem
de ver o tamanho normal, o grande e o pequeno.
Entrevistadora: Mas se ele diz assim “professora, eu não entendi”.
Como é que eu vou mudar né, pra ele entender. Às vezes eu dou exemplo
assim pra eles. Quando uma criança nasce ele é um bebezinho, depois ele
vai crescendo, fica grande. Eu começo dando exemplo de coisinhas
pequenininhas e que depois cresceram.
Entrevistadora: E se ele diz de novo pra senhora “professora, eu não
entendi”?
Risos. Ai eu mostro outra vez pra ele, às vezes eu faço desenho também
no quadro. Por exemplo, uma mão, uma mãozinha do bebê é
pequenininha, quando ele é pequenininho, quando ele cresceu um pouco
então já ficou no tamanho normal e se ele ficou maior quer dizer, já cresceu
mais. Às vezes eu mostro através de gravuras também pra ele.
Entrevistadora: “Professora, eu não entendi”.
Mais uma vez. Risos. Então, como eu lhe falei, eu canto a musiquinha e
mostro o pequenininho... Um dia eu até cantei uma música da formiguinha,
tinha um cabeção, tinha uma barriguinha...
Entrevistadora: A senhora usa diferentes estratégias pra passar o mesmo
conteúdo.
Às vezes eu faço isso.
Entrevistadora: Dependendo da necessidade desse aluno.
É, porque tem criança que você explica, da primeira vez ele já entendeu
tudo, mas tem criança que às vezes custa a entender o assunto. Às vezes
eu já vou, porque eu gosto de fazer revisão, sempre eu gosto de fazer
revisão, por exemplo, se eu dei uma aula ontem e se hoje eu já vou pra
outro assunto, mas eu faço uma revisão daquela aula e tem criança que às
vezes ela custa mesmo a entender o assunto, e eu vou fazer a revisão e
aquela criança que já entendeu vai falando e eu faço pergunta ele já
responde. Mas realmente, tem criança que demora mesmo a entender.
Algumas que têm o aprendizado mais lento. Têm outras que são mais
ativas.
Entrevistadora: Nós vimos aqui que eu lhe apresentei quatro vezes a
mesma dúvida e pra cada vez a senhora me deu uma resposta diferente.
Quando a senhora encontra um aluno que tem essas dúvidas, por
exemplo, no trato do conteúdo do diminutivo, “professora eu não entendi” a
senhora tende a repetir a explicação que a senhora já trabalhou
anteriormente com outros alunos. Como é que funciona isso na sua
cabeça? Por exemplo, a primeira explicação que a senhora me deu, eu
acho que é uma explicação que a senhora já trabalhou na sua aula, e as
outras explicações que a senhora foi me dando, como é que funcionam, a
senhora construiu pra me dizer agora ou são explicações que a senhora
costuma usar com seus alunos?
Não, eu costumo usar essas.
Entrevistadora: Teve alguma que a senhora construiu agora pra me
explicar o que é diminutivo?
Se eu inventei agora? Assim, por exemplo esse negócio de formas e
desenho, musiquinhas, eu aplico mesmo, fazer revisão, eu faço mesmo.
Entrevistadora: E se fosse necessário a senhora construir outra forma de
explicar o que é diminutivo?
Às vezes eu pego até material deles mesmo, por exemplo, borracha, forma
pequena, aí eu mostro, aí já tem outro objeto que é maior... isso aqui é o
152
diminutivo, pequenininho, isso aqui já é o aumentativo, maior um pouco e
esse olhe aqui é o tamanho normal, não é grande nem pequeno, é o
tamanho normal. Eu mostro isso também.
Entrevistadora: Como foi que a senhora construiu isso ao longo da sua
trajetória profissional, essas explicações que a senhora dá para os seus
alunos?
A gente pega o livro, tem algumas sugestões... não tem todas essas, mas
aí eu crio.
Entrevistadora: Então a senhora constrói...
É, principalmente quando eu vou dar uma aula eu vejo “qual a estratégia
que eu vou aplicar pra explicar isso?” Porque a gente tem que ver qual é a
forma mais clara que eu vou aplicar e a criança entende logo, e eu procuro
fazer isso. Quando eu vou preparar a minha aula eu pego o meu conteúdo
e aí eu vou, se é esse assunto que eu vou trabalhar hoje eu fico pensando
aí eu tenho que preparar aquela forma de que eu vou passar pra criança...
Porque às vezes ao invés de explicar a gente complica e aí eu procuro ver
qual é a melhor forma que eu vou repassar pra criança e ela vai entender
meu recado. Eu procuro fazer isso.
Entrevistadora: A senhora consegue lembrar das primeiras aulas que a
senhora deu de português e que trabalhou esse conteúdo do diminutivo?
Na época quando eu comecei a trabalhar eu só trabalhava com 3ª e 4ª. E
aí eu colocava assim, essas estratégias de musiquinhas, essas coisas, já
foi mais depois que eu fiz o magistério, mas nessa época eu aplicava assim
mesmo. Eu colocava, eu fazia escrito assim mesmo em colunas, dava
exercícios variados, de várias formas, colocava o assunto e logo em
seguida colocava o exercício pra eles fazerem o normal, o diminutivo,
essas coisas. Eu faço também isso ainda hoje, mas na época eu fazia
muito assim também.
Wilson, Shulman e Richert (1987) destacam que um professor precisa
conhecer 150 diferentes maneiras de ensinar o conteúdo específico. Para isso eles
usam analogias, metáforas, exemplos, ilustrações e necessitam ainda considerar
que os estudantes são diferentes, que possuem diferentes habilidades, diferentes
conhecimentos pré-existentes e diferentes estilos de aprendizagem.
Na descrição de Ceci, para explicar o tema “aumentativo e diminutivo” ela
pareceu não introduzir muitas modificações desde que começou a ensinar.
Provavelmente aprendeu assim também. Ela disse que fala sobre os três tamanhos
da palavra, utiliza exemplos, ilustrações, músicas, revisão das exposições e também
tira idéias dos livros didáticos. Demonstrou estar preocupada com as diferenças de
aprendizagem das crianças e se esforça para supri-las.
153
4.3.2 Considerações sobre as aulas das professoras
Observou-se que as professoras de classes multisseridas seguem uma
lógica semelhante na organização de suas aulas. Parecem entender que é
necessário apresentar o conteúdo através de exposição oral, passar exercício de
fixação e depois realizar a avaliação. Essa característica está presente em todas as
matérias que ministram e é uma forte influência da prática que tinham seus antigos
professores conforme pode ser comprovado na fala de Ceci.
Com certeza, eles faziam muito isso também. Aqueles conteúdos que eles
iam trabalhar eles já falavam o que era aquele conteúdo, eles davam
aquela explicação e explicavam e depois colocavam também o exercício de
fixação, talvez seja isso mesmo (CECI).
Nas aulas de português a exposição dos conteúdos era feita de forma oral
pelas professoras, a partir dos textos dos livros didáticos e raras vezes foi
acompanhada de algum outro material de apoio. Verificaram-se nas paredes das
salas alguns cartazes confeccionados pelas professoras e pelos alunos, no entanto,
não foram presenciadas aulas em que utilizassem tais recursos. Observou-se ainda
que com a 1ª e 2ª séries fazem um trabalho mais voltado para a alfabetização
utilizando o alfabeto, sílabas e frases e para as 3ª e 4ª séries utilizam os textos
apresentados nos livros didáticos. Fazem a leitura e depois exploram o texto
buscando fazer sua compreensão (indicando personagens, ações), a descoberta de
novas palavras e seus significados. Essa atividade é guiada pelas sugestões
apresentadas no livro didático e apresenta pouca interferência das professoras
nesse processo.
Costumam fazer a leitura em voz alta. Para tanto alguns alunos adotam uma
postura formal quando são chamados para fazer a leitura na frente da sala ou em
suas carteiras. Em algumas escolas essa prática é desordenada e apresenta pouca
produtividade. Há por vezes barulho em excesso na sala sendo impossível à
professora ou aos outros alunos escutarem o que está sendo lido. Desse modo, não
há como fazer as correções necessárias quando da pronúncia errada de uma
palavra ou quando há erros na leitura da pontuação. As professoras têm o hábito de
solicitar cópias dos textos aos alunos e pedem com freqüência redações para serem
154
feitas em casa, porém, só na Escola Oca os alunos reescrevem os textos que
apresentam mais de cinco erros. As iniciativas de incentivo à leitura são tímidas uma
vez que as escolas não possuem biblioteca e as professoras dispõem de poucos
exemplares de livros.
Nas aulas de matemática ficou evidente a transmissão de conteúdos sem
uma prévia reflexão sobre eles. As professoras alegam que buscam modificar as
estratégias para propiciar a aprendizagem dos alunos, que buscam compreender os
conteúdos com outras professoras, porém dispõem de pouco tempo para a revisão
das matérias, desse modo, o conteúdo é dado de forma apressada, com uma
abordagem reduzida e os alunos realizam poucos exercícios de fixação, o que
pareceu insuficiente para uma adequada apreensão. Embora afirmem que usam
jogos em suas aulas, não se presenciaram situações em que tais recursos foram
utilizados.
Notou-se durante as aulas de história, geografia e ciências que as
professoras têm o hábito de utilizar o mesmo conteúdo para as diferentes séries. O
agrupamento das séries é entendido como uma alternativa de sobrevivência
(HUBBERMAN, 2000) das professoras já que não têm condições de trabalhar com
as séries separadas em todos os momentos da aula. Desse modo, para organizar
minimamente o seu trabalho pedagógico, elas rompem com a lógica da seriação no
momento da ação didática, porém a retomam quando têm que elaborar o
planejamento e fazer a avaliação.
Entende-se que, embora justifiquem tal prática como uma economia de
tempo, ela pode apresentar pontos positivos e negativos também. Um aspecto
positivo é que os alunos poderão rever periodicamente os conteúdos (repetição) e
essa prática pode auxiliar na sua apreensão (memorização). Outro aspecto é que
pode estimular os alunos de séries mais atrasadas a terem acesso a conteúdos mais
complexos. Por outro lado, os alunos de séries mais avançadas têm o seu
desempenho limitado por tal prática, uma vez que poderiam ter acessado conteúdos
em um grau de complexidade maior que o oferecido. Ressalta-se, ainda, que por
vezes os alunos de outras séries não sabem o que está sendo trabalhado e essa
prática desarticula os estudantes em sala uma vez que os trabalhos coletivos são
restringidos pela ausência de interação entre os mesmos.
155
Outro ponto que merece destaque é que o currículo está distante da vida da
população do campo e parece colocar uma superioridade do meio urbano em
relação ao rural, este último visto como atrasado e precário. Destaca-se ainda que a
relação dos conteúdos com o cotidiano é feita de forma mecânica, limitando-se a
adaptar exemplos propostos no livro didático à realidade da escola do campo.
Percebeu-se, a partir dos exemplos de Iara e Iracema, que os conteúdos são
tratados com mais facilidades pelas professoras se eles se aproximam da realidade
que vivenciam e, por outro lado, são tratados com mais dificuldades se estão
distantes dessa realidade. Notou-se, ainda, que dedicam o tempo mínimo
necessário aos conteúdos que dominam pouco, afinal precisam cumprir o programa
da disciplina e se detêm mais nos conteúdos que dominam. Em geral, a exposição e
as atividades relacionadas aos conteúdos aparentemente mais difíceis ficam
apoiadas e limitadas ao que está exposto e proposto no livro didático.
Merece destaque ainda o papel da merenda escolar no rendimento dos
alunos uma vez que é um estímulo extra para a presença deles na escola. A
presença ou a ausência de merenda escolar também influencia na organização do
trabalho pedagógico das professoras já que quando falta merenda elas têm que
liberar os alunos mais cedo, e esse tempo perdido não dá para repor.
No quadro a seguir é apresentada a caracterização da ação docente das
professoras em classes multisseriadas.
156
Quadro 07
Caracterização da ação docente na sala de aula multisseriada
A ação didática
AÇÃO DIDÁTICA IARA CECI JUÇARA IRACEMA
Rotinas - Oração antes das
aulas
- Corrige o exercício
do dia anterior.
- Oração e música
antes das aulas.
- Lê e explica os
exercícios e
avaliações.
- Corrige o exercício
do dia anterior.
- Oração antes das
aulas.
- Corrige o exercício
do dia anterior.
- Fila por sexo antes
da entrada na sala.
- Dá visto nos
cadernos dos alunos.
- Corrige o exercício
do dia anterior.
Exposição dos
conteúdos
- Oral
- Oral - Oral - Oral com apoio do
livro didático
Domínio de conteúdo Deu uma excelente
aula de ciências.
Parece dominar os
conteúdos das
disciplinas que
ministra.
Parece dominar os
conteúdos das
disciplinas que
ministra.
Parece dominar os
conteúdos. Isso é
evidente em
matemática e
português.
Frágil. Fica insegura
em disciplinas como
matemática e
português. Apresenta
erros ortográficos
quando escreve no
quadro.
Recursos utilizados
pelas professoras e
pelos alunos
Quadro e giz
Quadro e giz; cartelas
com alfabeto e
sílabas.
Quadro e giz; livro
didático; rádio.
Livro didático e
dicionários.
Participação da classe É muito agitada e
participa sempre que
solicitada.
Sempre que
solicitada.
É muito agitada e
participa sempre que
solicitada.
Sempre que
solicitada.
Condutas das
professoras frente às
solicitações dos
alunos
Atende e reclama do
excesso de trabalho.
Solicita colaboração
da turma.
Gentil e paciente.
Atende quando
possível.
Paciente. Atende
quando pode.
Austera e paciente.
Atende sempre que
possível.
Formas de interação e
administração dos
conflitos
É rígida, dá conselhos
e chama atenção
sempre que
necessário. Solicita a
presença dos pais na
sala quando não
consegue administrar
os conflitos sozinha.
Carinhosa, dá
conselhos e brinca
com as crianças.
Chama a atenção e
dá conselhos quando
necessário.
Chama a atenção e
dá conselhos quando
necessário.
As professoras de classes multisseriadas avaliam o rendimento de seus
alunos através de provas, pequenos testes, exercícios e trabalhos individuais ou em
grupo. A freqüência das avaliações é a sugerida pela Secretaria de Educação e
ocorre em geral a cada dois meses. No entanto, as professoras costumam atribuir
conceitos a pequenos trabalhos ou atividades realizadas em grupo ou de maneira
individual que são somados à média de uma prova ou à nota de outro trabalho de
maior pontuação. Tal prática foi influenciada também pelas posturas de seus antigos
professores, conforme comprovada na fala de Ceci.
Eles faziam muito trabalhinho em grupo, principalmente na época do
magistério a gente trabalhava muito em grupo e era muito bom, ajudava
muito porque já tinha aqueles que já entendia mais, e um ajudava o outro,
tinha aquela parte que aquele tinha entendido melhor e era assim que eles
trabalhavam. Às vezes eu junto eles, faço de dois às vezes, de três. É bom,
ajuda muito, porque tem aqueles que lêem mais devagar, tem aqueles que
lêem melhor então aquele já vai ajudar mais o outro. É bom fazer trabalho
em grupo.
157
O critério mais evidente de avaliação é o erro ou acerto dos alunos nas
atividades propostas pelas professoras. Na sala da professora Iracema, no entanto,
é utilizada uma estratégia de acompanhamento do rendimento pelos próprios
alunos. Nas atividades, em geral de português, os alunos corrigem seus exercícios e
seguindo recomendação da professora, refazem a atividade se tiveram mais do que
cinco erros. Eles ficam responsáveis pelo controle dos erros ou acertos e pela
repetição do exercício. Na sala da professora Ceci os alunos também auxiliam nesse
controle.
Entrevistadora: Eu noto que seus alunos acompanham a correção dos
exercícios no caderno, depois a senhora vai dá o visto, já na correção
porque eles próprios fizeram, eu noto que isso já é uma forma deles
estarem tendo controle de seu próprio rendimento. De onde veio isso?
Eu aprendi também isso com os meus professores. A gente, cada um
corrigia o seu e depois a professora passava o visto e aí eu faço isso muito
com eles porque é uma forma deles... é... o rendimento, eles dizem “isso
aqui eu errei, não, isso aqui eu acertei” quer dizer eles mesmos já vão
tendo contato com a correção. Quando eu passo o exercício no caderno eu
faço muito isso porque eu ... já pensou pegar o caderno de todo mundo pra
ver? Eu não tenho condição e aí eu já faço isso, “todo mundo já corrigiu o
seu? tá” agora os testes não, eu trago pra corrigir em casa, eu mesmo
corrijo.
Entrevistadora: Por quê?
Porque os testes já são individuais. E o exercício não, é coletivo, todo
mundo. Aí eles já vão ter assim aquele contato, eles vão ver o que
acertaram. E aí às vezes eles comentam “puxa acertei tanto, ah professora,
só errei uma”. Quer dizer, aquilo já é um incentivo pra eles ficarem atentos
na hora da correção. (CECI)
Iracema por outro lado, divide com os alunos a responsabilidade de corrigir as
provas também, numa clara tentativa de diminuir seu próprio trabalho em sala de
aula. Em uma pretensão de promover a auto-avaliação de cada educando, ela
solicita que se atribuam conceitos e reflete sobre o papel do professor na escola,
que é de propiciar o aprendizado e não de reprovar o aluno.
E eu tenho cansado de fazer, trocar prova na sala: “vamos corrigir?
vamos”. E eu troco a prova e os alunos eles mesmos vêem o que está
certo: “o que tiver certo você coloca C o que não tiver você coloca um E, se
tiver meio certo coloca um ¢”. E o aluno corrige, ele mesmo corrige e eu “ta
aqui” entrego, devolvo a prova pra cada um: “quanto tu te merece?”
Pergunto pro outro “quanto fulano tirou? Tantos erros. Quantos pontos ele
merece?” E aí ele me diz “sete, oito”. Conforme os erros, eles mesmos que
se avaliam, eu deixo isso muito a vontade pra eles. Porque eu acho que
nós não estamos aqui pra reprovar ninguém. O professor deve ajudar e
não reprovar o aluno. A não ser... nós não podemos passar o aluno que
não sabe nada, mas eu acho que a tendência do professor é ajudar o
aluno.(IRACEMA)
158
Ceci faz vários testes e pequenos trabalhos valendo nota, além de
estabelecer um período específico para as avaliações da turma. Em cada dia da
semana realiza a avaliação de uma disciplina. Parece, e a fala de Ceci expressa
bem isso, que as professoras valorizam mais as disciplinas de português e
matemática, seja na hora de trabalhar os conteúdos, seja na hora de fazer a
avaliação.
Entrevistadora: Como é que a senhora faz a avaliação dos seus alunos?
Ceci: Olha, eu faço assim mesmo um teste, aí eu faço vários tipos de teste.
Às vezes eu pergunto, eles me respondem, mas eu costumo fazer assim
eu tiro uma semana pra fazer os testinhos, de todas as matérias. Hoje eu
faço Português, amanhã eu faço Matemática, agora eu faço mais
Português e Matemática, quer dizer, História, Geografia e Ciências aí eu já
faço mais trabalho com pesquisa, eles podem pesquisar podem... já
Português e Matemática não, eu dou o conteúdo, explico e aí o dia da
avaliação eu não gosto de dar pesquisa, eles já sabem e Matemática eu...
às vezes é rapidinho, eu dou um testinho valendo 10 pontos e vou
somando, vou somando.
Entrevistadora: Mas eles sabem que estão sendo avaliados?
Ceci: Sabem, sabem. Até eles perguntam “quanto vale esse trabalho?”
Eles perguntam logo, às vezes vale 20, às vezes vale 10 e eu já coloco
assim tá as quatro operações e eu faço testinho valendo 10 pontinhos, 15,
20, conforme. Mas eu já costumo fazer o maior, pegando o assunto que
nós trabalhamos, e eu já faço assim, tipo uma revisão do bimestre, eu
trabalhei algarismos romanos, e eu pego os algarismos romanos... e eles
são avaliados também no comportamento, até de estar presente ali todo
dia eles estão ganhando pontinhos.
Juçara por outro lado, utiliza o critério da observação do desempenho dos
estudantes na sala e em cima dessa observação estabelece conceitos para os
alunos. Lança mão de realizar trabalhos valendo nota e pequenos testes para
auxiliar no conceito final das disciplinas.
Entrevistadora: Como é que a senhora faz avaliação com os seus alunos?
Juçara: Muitas vezes na observação, observando. A participação também e
testes, valendo 20, no máximo 30 (pontos), assim que eu faço. E também
muito pela observação, eu observo como é que ele está se saindo, se ele
está realmente aprendendo, se ele não estiver vamos voltar, ensinar
novamente.
Entrevistadora: A senhora sempre fez avaliação assim?
Juçara: Antigamente a gente fazia aquela avaliação valendo cem. Uma
única prova, também já fiz.
Entrevistadora: Quando mudou?
Juçara: Mudou depois que eu fiz o magistério e até porque a gente... acho
que depois do magistério minha mentalidade mudou. Tenho uma
mentalidade diferente.
Entrevistadora: A que disciplinas a senhora atribui essa mudança de
mentalidade que a senhora está falando. A senhora falou que parece que
159
ele abriu a mente e nessa questão da avaliação trouxe uma outra reflexão
sobre como fazer a avaliação com o aluno. Teve alguma disciplina dentro
do curso de magistério que propiciou isso?
Juçara: Acho que todas. Cada uma trazia uma referência. Mas também às
vezes nas reuniões pedagógicas que a gente tem também, com o diretor,
principalmente quem tem pedagogia. A gente aprende muito, trouxe
mudanças. Trouxe não, traz mudanças, porque de vez em quando a gente
aprende uma coisa diferente.
Entrevistadora: A senhora falou que fazia uma única avaliação valendo
cem, depois mudou pra avaliações menores. A senhora considera que
depois que a senhora mudou para avaliações menores, quer dizer, são
mais avaliações, mas com um percentual de conceito menor, a senhora
acha que teve alguma alteração no rendimento dos alunos?
Juçara: Teve sim, teve rendimento, com certeza. É porque a gente passava
um provão valendo cem, a criança muitas vezes não sabia. E eu fico muito
nessa questão de observação, eu observo muito, e a participação deles na
aula.
Entrevistadora: Que pontos a senhora valoriza nessa sua observação?
Juçara: Eu passo uma questão e observo se ele realmente aprendeu, se
houve aprendizagem. Quem aprendeu, quem não aprendeu, eu observo
muito assim.
Com Iara não foi possível conversar sobre as formas de avaliação que
estabelece com seus alunos, mas foi possível observar essa prática em uma aula
em que se realizava a aplicação de uma prova.
Essa é a semana de provas. Sento no final da sala, como de costume e
noto que os alunos demonstram muitas dificuldades para fazer as provas
porque não entendem as questões.
Tem um aluno de 1ª série fazendo as provas, percebo que a professora
não consegue dar a atenção necessária a ele, pois tem que atender às
outras séries (2ª, 3ª e 4ª) que também fazem provas. Os outros alunos de
1ª série fizeram a prova de manhã, pois tinha ditado e teria que ler a prova
e explicar as questões para os alunos resolverem. Ditou duas palavras
para este aluno de 1ª série (ESCOLA, DENTE). Foi atender aos outros.
Voltou depois de algum tempo e disse: “ah, me esqueci de ti”. Solicitou que
o aluno escrevesse a palavra TELEFONE. Ele começou a escrever, ela
saiu para atender a solicitação de um aluno e depois que voltou disse de
novo: “esqueci de ti”. Ai ditou a palavra MELANCIA, mas o aluno havia
começado a escrever TELEFONE. Ela falou “MELANCIA, me, da família de
mala”. Noto que o aluno fica sem entender, pois havia memorizado a
palavra TELEFONE e ainda não tinha acabado de escrevê-la. Ela reclama,
pois ele já deveria ter escrito TELEFONE.
A professora faz ameaças de reprovação aos alunos que não estão
fazendo corretamente as provas. Entregou as provas que haviam sido
feitas no dia anterior e pediu que os alunos resolvessem as questões que
estavam erradas ou em branco. Eles demonstraram muitas dificuldades. Só
um aluno concluiu e sai em cerca de uma hora. Ele foi para casa. Os outros
que não receberam a prova indagavam o que tinham que ficar fazendo ali,
perguntavam se não podiam ir embora. Ela respondeu que não, pois teriam
que cumprir ali às 04 horas de aula. Recomendou que fizessem uma cópia
ou tabuada em seus cadernos.
160
A professora Iara pareceu muito cansada nesse dia e estava de certa forma,
pressionada pelo tempo, pois teria que entregar no dia seguinte as notas de todos
os alunos e não havia concluído a avaliação. Ela passou questões complexas o que
tornou difícil o entendimento dos alunos e não estabeleceu um clima tranqüilo
durante a aplicação da prova, uma vez que ficou fazendo ameaças de reprovação
aos alunos que não conseguissem a média mínima para passar de ano.
Para aqueles alunos que não conseguiram o rendimento necessário para
aprovação no final do ano letivo é oferecida a recuperação nas escolas das
professoras Iara, Ceci e Juçara. Além desse recurso, na escola da professora
Iracema, os alunos com dificuldades de aprendizagem são acompanhados três dias
por semana por uma professora itinerante que lhes dá atividades de reforço escolar.
Demonstra-se no quadro a seguir, a caracterização das práticas de avaliação
das professoras pesquisadas.
Quadro 08
Caracterização da ação docente na sala de aula multisseriada
A avaliação
AVALIÃO IARA CECI JUÇARA IRACEMA
Instrumentos
utilizados
Provas e pequenos
trabalhos
Provas Provas, exercícios e
pequenos trabalhos
Provas, exercícios e
trabalhos
Freqüência com que
avaliam
Bimestralmente
Bimestralmente Bimestralmente Bimestralmente
Critérios Erros e acertos nas
provas.
Erros e acertos nas
provas; desempenho
nas aulas.
Erros e acertos nas
provas; desempenho
nas aulas.
Erros e acertos nas
provas; desempenho
nas aulas.
Estratégias
utilizadas diante dos
resultados dos
alunos
Não existem
estratégias explícitas
além da recuperação
de final de ano.
Não existem
estratégias explícitas
além da recuperação
de final de ano.
Não existem
estratégias explícitas
além da recuperação
de final de ano.
Solicita que refaçam
atividades em que
erraram mais de 5
questões.
Recuperação de final
de ano.
Os alunos têm aula de
reforço com professora
itinerante.
As professoras relataram o que aprenderam ao longo de toda a atividade
profissional e é possível inferir que tais aprendizagens ficaram restritas a dois
âmbitos: o de técnicas de ensino e o das crenças/teorias implícitas sobre o ensino.
No âmbito das técnicas de ensino as aprendizagens estão circunscritas ao
saber-fazer. Dizem respeito aos recursos didáticos utilizados para dar aulas,
161
técnicas aprendidas com outras colegas, no curso de magistério e nos cursos de
aperfeiçoamento e a partir da imitação das práticas dos antigos professores.
Em estreita interação com as técnicas de ensino estão as teorias pessoais e
as crenças
66
das professoras. Elas destacaram de forma bem interessante as
aprendizagens docentes que construíram durante suas trajetórias profissionais e
nesse âmbito, foram influenciadas por suas vivências e múltiplas experiências como
alunas, mães, líderes comunitárias, mulheres, trabalhadoras rurais etc. Entre as
aprendizagens pode-se destacar: que o professor também aprende com o aluno;
que é preciso saber respeitar os direitos dos outros para que os seus sejam
respeitados; que o professor precisa conhecer o aluno e suas necessidades e
expectativas de aprendizagem; que a aprendizagem se dá melhor em conjunto e
que na troca de experiências os sujeitos crescem mais e melhor; que as pessoas
são diferentes e que aprenderam a respeitar essas diferenças; com o tempo
desenvolveram maior segurança no ato de ensinar; o professor deve ajudar o aluno
a crescer e ter uma auto-estima melhor. Tais aprendizagens são apresentadas no
quadro a seguir:
Quadro 09
As aprendizagens das professoras de classes multisseridas
PROFESSORAS AS APRENDIZAGENS
IARA - O professor aprende com o aluno.
CECI - Respeitar os direitos dos outros para que os seus sejam respeitados;
- Imitação da antiga professora;
- Desenvolver a coordenação motora cantando.
JUÇARA - Aprende-se em comunidade;
- O professor deve conhecer o aluno;
- A partir dos problemas é que se modifica a prática – reflexão é um elemento do processo;
- Ter consciência da capacidade de ensinar algo.
IRACEMA - Recursos didáticos para o ensino;
- Na troca de experiências a gente cresce;
- Com os alunos aprendeu a fazer amizades, conhecer culturas diferentes e ensinar o que conhecia
para eles;
- As pessoas são diferentes, aprendeu a respeitar as diferenças;
- A experiência de trabalho ajuda muito;
- Professor deve ajudar a levantar a auto-estima do aluno;
- Aluno ajudante do professor;
- Foi educada no tempo do tradicionalismo e o acha importante, assim como ordem e disciplina
Ao expor as aprendizagens das professoras de classes multisseriadas e os
âmbitos aos quais estão circunscritas pode se inferir que a preocupação com o
domínio de técnicas muitas vezes se sobrepõe ao domínio do conteúdo das
66
constructos mentais que representam codificações de experiências e compreensões pessoais
(SCHOENFELD, apud MIZUKAMI et al, 2003, p. 63).
162
disciplinas que deveriam ensinar. Percebeu-se que as professoras possuíam um
domínio precário de tais conteúdos. A professora Iracema só sabe o necessário para
ensinar aos alunos. Tem por base a imitação e a repetição, algumas vezes
irrefletida, do que está exposto nos livros didáticos. As professoras Iara, Ceci e
Juçara parecem conhecer o conteúdo das disciplinas que ministram, não foi possível
perceber se com todos os seus fundamentos científicos, mas são capazes de fazer a
transposição didática de forma a propiciar a compreensão dos alunos.
Percebeu-se que quanto mais o conteúdo se aproxima do contexto vivenciado
pelas professoras, mais elas têm facilidade em lidar com eles. Por outro lado, quanto
mais o conteúdo a ser ministrado se afasta do contexto vivenciado pelas
professoras, mais dificuldade elas têm. Percebeu-se, ainda, que os conteúdos novos
precisam de algum tempo para ser assimilados e as professoras contam com a
ajuda das colegas de outras escolas para superar tais dificuldades.
O livro didático, recurso fundamental nas escolas do campo, nem sempre é
claro ao propor atividades e apresentar as respostas dos exercícios propostos.
Percebeu-se que algumas vezes as professoras tiveram dificuldades em entender o
que os autores das obras propunham.
Por fim, percebeu-se que as professoras que atuam nas escolas do campo no
município de Santarém, estabeleceram a docência em sala de aula multisseriadas
com base em aspectos pouco fundamentados teoricamente. Parecem ter noções do
conhecimento pedagógico geral e sobre ele assentam seu ensino. Dominam de
forma precária os fundamentos dos conhecimentos específicos que ensinam e
repetem o que aprenderam com seus professores (sabem, mas não sabem como
sabem). Com os dois eixos fracos, a base de conhecimento para o ensino é fraca,
mecânica e estereotipada (SHULMAN, 1986, 1987).
163
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A formação de professores para atuar na educação básica constitui-se
problemática que merece maior atenção de pesquisadores e gestores para apontar
demandas para políticas públicas que busquem superá-las. No que tange à
formação de professores para as escolas do campo, evidencia-se que existe uma
demanda urgente de políticas que possam contemplar a realidade do meio rural
sem, no entanto, perder de vista a realidade global.
Ao longo desta tese se demonstrou como as políticas públicas educacionais
implantadas pelo governo brasileiro têm sido omissas quando tratam da
escolarização dos habitantes do espaço rural e estão silenciadas no que se refere à
formação dos professores para atuar em classes multisseriadas nas escolas do
campo. Nos capítulos anteriores descreveram-se as trajetórias de quatro professoras
que ingressaram como leigas em classes multisseriadas na escola do campo e como
se deram suas aprendizagens da docência. A tese levantada e o resultado da
investigação demonstraram que as professoras aprenderam sobre a docência em
interação com os seus pares, nas comunidades de prática, nas trocas que
estabeleceram com os alunos e criaram estratégias próprias em contextos
diferenciados.
Entende-se que as análises e as possíveis interpretações dessas trajetórias
se realizaram ao longo do texto e em seu conjunto mostram que existem dois tipos
de estratégias de formação que são as estratégias explícitas e as estratégias não-
explícitas.
As estratégias não-explícitas de formação são aquelas que fomentaram de
algum modo os desenvolvimentos profissionais das docentes pesquisadas e a elas
foram submetidas involuntariamente. A docência instituída é uma dessas
estratégias na qual o aluno exerce as atividades docentes sob a supervisão do
professor da sala e junto com ele responde pelos resultados da classe. A outra
estratégia é a aprendizagem pela observação na qual, segundo Lortie (1975) as
vivências como estudantes exercem uma grande influência no trabalho e no
164
processo de socialização profissional dos professores. A última estratégia não-
explícita, a imitação criativa, foi desenvolvida pelas docentes e parte dos modelos
que internalizaram através da observação e imitação das aulas a que assistiram
como alunas e recebe elementos individuais que caracterizam a experiência de cada
uma delas.
As estratégias explícitas de formação estão circunscritas ao âmbito dos
cursos de formação docente (curso de magistério e outros cursos oferecidos pela
Secretaria Municipal de Educação) e conferiram às professoras o status de
profissionais do magistério. Embora o curso de magistério não tenha tratado da
especificidade do fazer pedagógico em classes multisseriadas, as professoras o
reconheceram como importante nos seus percursos de formação, principalmente
porque lhes forneceu a identidade de profissionais do ensino.
Demonstrou-se nesse estudo que as aprendizagens da docência de
professoras que ingressaram como leigas no magistério foi instituída pelas práticas
de suas antigas professoras, pela observação e imitação criativa. A prática docente
em sala de aulas foi legalizada pelas Leis 4.024/61 e 5.692/71 e com a aprovação
da Lei 9.394/96 a legalidade da atuação dessas docentes foi retirada e para
continuarem a atuar foram submetidas a programas especiais de qualificação.
Considerando isso, faz-se necessário tecer algumas reflexões sobre a
questão da formação docente e apontar sugestões viáveis para uma preparação dos
professores mais integrada ao meio em que atuam e às necessidades dos seus
estudantes.
A primeira questão que se depreende a partir dos relatos aqui analisados é
que é preciso rever os cursos de formação de professores e reconhecer as
especificidades inerentes a esse processo de formação que possa atender a
heterogeneidade de relações que se estabelecem na escola e fora dela. No caso
específico das escolas do campo na Amazônia paraense há que se pensar um
caminho de formação que considere a diversidade das relações e interações
humanas que habitam o espaço do campo como os quilombolas, povos da floresta,
ribeirinhos, caboclos, indígenas, etc. Existe um mosaico cultural que não pode ser
negado, embora pareça invisível para os gestores de políticas públicas, e que
165
precisa ser pensado na perspectiva da constituição de diferentes escolas que
considerem uma prática de escolarização de uma Amazônia não urbana.
A segunda questão que se levanta neste trabalho, é sobre o papel dos
cursos de formação docente e, em conseqüência, o papel da universidade como
uma agência formadora.
Ao longo desse trabalho foram levantados elementos que oferecem pistas
para a compreensão de como leigas construíram suas aprendizagens da docência
sem terem tido acesso aos cursos de formação inicial. Isso fica claro ao
demonstrarem que o primeiro curso de formação que fizeram e que deu suporte
para a docência – o curso de magistério em nível médio – ocorreu por volta de 17
anos de carreira. Segundo o que aponta a literatura os cursos de formação
continuada não são suficientes para modificar práticas ou crenças dos professores.
Logo, embora afirmem que houve mudanças em suas práticas, essas não se deram
concretamente, mas muito mais para lhes conferir a legalidade profissional. Depois
do curso tornaram-se professoras de fato.
Embora não tenham sido formadas para a docência, as professoras leigas
tiveram dificuldades semelhantes às relatadas pelas pesquisas que tratam da
iniciação de professores egressos de diferentes cursos de formação em nível
superior (MARIANO, 2006; LIMA, 2004, entre outros). Isso porque qualquer tipo de
mudança envolve momentos de equilibração e desequilibração até que novas
estruturas sejam construídas.
Considerando-se isso, este trabalho constata a necessidade de se repensar a
formação que se dá aos professores nos cursos de formação inicial, em especial os
oferecidos nos cursos de pedagogia nas universidades brasileiras. Se esses cursos
não estão sendo capazes de fornecer uma sólida base de conhecimento para o
ensino, precisam ser reestruturados urgentemente. A seguir apresentam-se algumas
sugestões que podem ser consideradas nesse processo:
A formação docente deve estar assentada sobre um fundamento científico.
Na formação inicial devem ter os conteúdos que ministrarão. Essa é uma
questão de políticas públicas para a educação básica uma vez que existem
166
muitas carências nesses cursos (fundamental e médio). Se os futuros
professores tivessem uma formação básica de qualidade, os cursos de
formação para a docência poderiam focar sua atenção na questão
pedagógica ou se manter estruturados como estão atualmente.
Implantar ações de formação continuada com a participação da
universidade.
Reconhecer os saberes dos professores das escolas, pois eles não estão
nos programas de formação docente.
Repensar a formação de professores considerando a diversidade
multicultural do Brasil.
Melhorar a estrutura física das escolas, em especial da zona rural
(biblioteca, área de esportes e lazer, banheiros adequados às necessidades
dos estudantes etc.), pois assim se melhoram também as condições de
trabalho dos professores.
Estreitar a relação universidade-escola nos programas de formação
docente.
Encontrar mecanismos nos cursos de formação para incorporar as
vivências dos professores no currículo.
Inserir os professores das classes multisseriadas nos programas de
estágios nos cursos de formação docente e que eles possam ser parceiros
nesse processo de formação.
Alterar as metodologias de ensino nos cursos de formação inicial pela
introdução de casos de ensino no processo formativo e de experiências
como a pedagogia da alternância adaptada à formação docente.
Para finalizar vale a pena retomar o que fala Zeichner (1993, 1996) sobre a
“função” dos cursos de formação. Segundo esse autor, independente do que os
formadores fizerem nos programas de formação, só poderão preparar os
professores para começar a ensinar, isso, na melhor das hipóteses. Sendo assim,
concorda-se com Zeichner que aprender a ensinar é um processo que será
construído pelos professores ao longo de toda a sua carreira e, acrescenta-se mais,
esse processo é particular e, portanto, um constructo que não pode ser tomado de
outrem, ou seja, não pode ser construído em cima do vivenciado pelo outro.
167
Sendo assim, ao passar pelo processo de formação antes de ingressar na
profissão, o futuro professor tem a oportunidade de vivenciar - ainda que muitas
vezes de forma meramente técnica e alijada da realidade das escolas em geral -
situações cotidianas de sala de aula, discutir o pensamento teórico construído em
torno da educação e do processo de construção do pensamento e do conhecimento
do homem, além da possibilidade de propor modificações na realidade educacional
em que está inserido através das vivências no estágio supervisionado e nas
disciplinas de prática pedagógica.
Embora se tenha mostrado que a entrada na docência e o desenvolvimento
profissional de professoras leigas guarda certa semelhança com o processo vivido
pelos professores que passaram por cursos de formação, afirma-se que aquela não
é a situação ideal para se entrar em qualquer carreira. A autorização para a entrada
de leigos no ensino brasileiro foi um equívoco grave que ainda deixa suas seqüelas
na formação de crianças e jovens em todo o país e lamentavelmente atinge as
populações menos favorecidas e mais carentes do atendimento público nos
diferentes setores.
168
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175
APÊNDICES
176
Diário de observação na Escola OCA 08.08.05
Professora: Iracema
MANHÃ
Cheguei à escola às 10h15min. Estava na hora do intervalo. A
professora me recebeu e após conversa inicial sobre a pesquisa autorizou que
observasse suas aulas neste dia. Entramos juntas na sala e ela me apresentou para
os alunos que me olharam com curiosidade.
A turma é composta por alunos de 2ª e 3ª séries. Hoje estão presentes
sete alunos de 2ª e sete alunos de 3ª, num total de 14 alunos. As carteiras estão
organizadas em formato de semicírculo, são individuais, mas os alunos as dispõem
ao lado das carteiras de outros colegas de forma que fiquem em duplas. Deu para
notar que embora em formato de semicírculo as séries não se misturam, ficando a 2ª
de um lado e a 3ª de outro.
Começou a aula pedindo que o aluno Rodrigo iniciasse a leitura do
texto “A Raposa e as Uvas”. Em seguida foi a vez de Rafael. Após a leitura dos
alunos, a professora leu o texto em voz alta para a turma toda.
Em seguida fez um ditado único para as duas séries. O ditado era o
seguinte:
Amor não é só
Amor não é só de homem por mulher,
ou de mulher por homem.
Amor é amor por tudo
que é justo e livre.
Amor é horror a tudo
que o ser inventa para humilhar outro ser.
Durante o ditado a professora fez questão de destacar que se inicia o
ditado com letra maiúscula, lembrou que após ponto seguido também se usa letra
maiúscula e quando pronunciava palavras que considerava mais difícil informava as
letras para os alunos, foi o exemplo em “horror” em que disse que eram dois erres e
“humilhar” onde lembrou que se escrevia com a letra H. Na frase “Amor é amor por
tudo que é justo e livre” a professora ditou uma vírgula após a palavra “tudo”, mas
não a colocou no quadro na hora em que escreveu o texto.
Após concluir o ditado passa o texto no quadro e pede para cada um
corrigir o seu e destacar o que errou. Lembra que quem errou cinco palavras ou
mais deve fazer mais uma cópia do texto. Quem teve três ou quatro erros pode
começar o próximo exercício.
A professora passa de carteira em carteira e pergunta para os alunos
quantas palavras erraram. Dá uma rápida olhada nos cadernos, elogia quem acertou
mais e encontra alguns outros erros que os alunos não perceberam na correção que
fizeram.
O ditado acima ela copiou no meio do quadro. Nas laterais passou
exercícios para as duas séries. No lado esquerdo para a 2ª série e no lado direito
para a 3ª série (esses lados são onde estão localizadas as respectivas séries). Os
exercícios são os seguintes:
177
2ª série
2. Complete as frases usando palavras do quadro:
d) Para escrever as palavras nós usamos _______________________
e) Nosso ________________ tem 23 letras
f) O alfabeto tem 5 ____________ e 18 _________________________
A professora lê o exercício para a turma e enquanto copiam passa o
exercício para a 3ª série
3ª série
3. Circule os dígrafos das palavras
Quiabo – cresço – chuva – burro – pássaro – guerra – unha - águia –
descida
4. Coloque o acento agudo ou circunflexo onde for nece-ssário (sic).
Retangulo – voce – trico – vatapa – patria – oculos – bone – ultimo
Ela lê o exercício para a 3ª série dando ênfase na sílaba onde deve
haver acento. Explica que dígrafos são palavras com um único som e pede para
prestarem atenção, pois ali também existem encontros consonantais.
Enquanto os alunos copiam e fazem a tarefa ela revê o plano e copia
alguma coisa no caderno.
Quando os alunos terminam de copiar ela apaga parte do quadro e
copia mais exercícios.
3ª série
5. Classifique as palavras como oxítonas, paroxítonas e
proparoxítonas.
Útil – pênduculo – jacaré – pântanos – môdulo – gaúcho – paletó
maquina
Explica para os alunos o que caracteriza uma palavra como oxítona,
paroxítona e proparoxítona. Apaga outra parte do quadro e começa a copiar o
exercício para a 2ª série. Apaga o ditado que estava no meio do quadro para ter
mais espaço.
2ª série
3. Circule as vogais das palavras.
circo – passear – cobertor – cravo – braço
4. Circule as letras consoantes das palavras.
Circo – passear – coberto – cravo - braço
5. Separe em sílabas as palavras.
Armário- Arreio-
Micróscopio(sic)- Jóia-
Alegria- Cajueiro-
Letras – consoantes – alfabeto - vogais
178
Petróleo- Grêmio (sic)-
Ideia(sic)-
No exercício 4 a professora escreveu a palavra “micróbio” que foi
apagada em seguida e substituída por “microscópio”. Após escrever o exercício para
a 2ª série passou o restante do exercício para a 3ª série.
3ª série
4. Escreva o diminutivo das palavras:
Folha: Blusa:
Casa: Copo:
Bola:
5. Faça um texto sobre suas férias: contando o que foi bom e o que
você não gosto.
A questão 5 ela diz que é para ser copiada também pelos alunos de 2ª
série. Na questão 4 explica que as palavras estão escritas no seu tamanho normal e
para eles escreverem o formato pequeno, que significa o diminutivo. Ressalta que
pelo adiantado da hora não dará tempo de corrigir o exercício o que ficará para ser
feito na próxima aula.
São 11h20min e ela pede para as crianças guardarem os livros de
histórias que haviam lido no começo da aula. Estes foram deixados no final da sala,
próximos a alguns materiais geométricos coloridos confeccionados em isopor.
Pede que guardem seus materiais e dá por encerrada a aula. Os
alunos da 3ª série saem primeiro, depois saem os da 2ª série. Todos tomam a
benção da professora antes de saírem.
Observei que muitos alunos vão para a escola sem sapatos. Eram dois
da 2ª série e quatro da 3ª série. Mesmo os que vão de sapatos ou sandálias
costumam andar descalços na sala durante as aulas. As roupas de alguns deles são
bastante humildes e nem todos usam uniforme escolar.
A professora ainda fica um tempo na sala e fixa um cartaz na porta
avisando sobre a campanha nacional de vacinação infantil que ocorrerá no dia 11/08
e será realizada na escola.
Depois disso, ela fecha a sala de aula, a secretaria e a cozinha.
Saímos juntas da escola.
Hora do almoço
A professora insiste no convite para almoçar e eu aceito. Sua casa está
localizada cerca de 200m da escola e vamos caminhando até lá. No caminho para
na casa da servente e avisa que deixou a porta da secretaria encostada e pede que
ela limpe, pois ali haverá aula de reforço à tarde. Informa-me que a servente a
substituirá durante o restante da semana, pois estará em Santarém resolvendo
problemas da associação de moradores da comunidade.
Chegamos à sua casa. É construída em madeira e coberta com telhas
de amianto. Parece possuir dois quartos, uma sala (que é usada como quarto – vi
uma cama ali) e uma cozinha, que é por onde entramos. O filho mais velho fez o
almoço que é peixe frito com arroz e farinha de mandioca. A professora faz uma
salada de tomate que tempera com sal e vinagre e nós almoçamos.
179
Lavo a louça do almoço (a casa não possui água encanada e esta fica
guardada em um balde e é captada no igarapé localizado no fundo do quintal) e em
seguida sento lá fora enquanto a professora providencia seu banho.
Ela desce até o igarapé para fazer seu asseio (me convidou, mas fiquei
com vergonha de tomar banho sem roupa, porque não havia levado traje de banho).
Depois retorna, se arruma e descansa um pouco. Nesse intervalo seu esposo que
havia saído para caçar retorna – sem caça – e vai almoçar. Seu filho me falou que o
pai avistou um veado, mas este fugiu e entrou em uma das fazendas da região.
Quando isso acontece os peões das fazendas costumam pegar o animal e esconder
para consumo próprio.
Saímos em seguida para a aula da tarde. No caminho informa que a
casa onde mora foi construída pela comunidade, mas o terreno ganhou de presente
do sogro de sua filha. Quando quiser construir outra casa terá que desmontar a atual
e devolver o material para a comunidade que providenciará outro local para instalar
a casa de professores.
TARDE
As aulas iniciam assim que a professora chega. Os alunos já esperam
em fila na porta da sala. O horário oficial para início são 13 horas, mas hoje
começaram 12h e 45m.
A professora pede que levantem para fazer a oração do Pai Nosso.
Depois faz a chamada. Inicia pela 1ª série e depois faz a da 4ª série. Os alunos
estão organizados por série à semelhança do ocorreu pela manhã. De um lado está
a 4ª e de outro a 1ª série.
Após a chamada fez o levantamento dos nomes dos alunos que
gostariam de participar da banda marcial da escola por ocasião do desfile de 07 de
setembro quando se comemora a Independência do Brasil. Poucos alunos se
candidataram. Pergunta também quem comprará uniforme para o desfile. A
manifestação dos alunos também é tímida porque dependem de autorização dos
pais.
Inicia solicitando aos alunos de 4ª série que façam a leitura dos
seguintes textos: “Grandes Felinos” e “Pássaros de todas as cores” que estão no
livros didático de português.
Enquanto lêem pede a três alunos da 1ª série que levem seus
cadernos até sua mesa. Ela escreve a lição do dia em cada caderno e devolve aos
alunos. Depois percebo que estes três alunos ainda não são capazes de copiar o
exercício do quadro.
A professora pede aos outros alunos que peguem a cartilha, porém
não faz uso dela no momento. Inicia o exercício no quadro e pede que copiem.
1ª Série
3. Escreve a letra v e d em todas as suas formas:
V ____, ____, ____ D ____, ____, ____
v ____, ____, ____ d ____, ____, ____
V ____, _____, ____ D ____, ____, ____
v ____, ____, ____ d ____, ____, ____
180
4. Copie as silabas tipo C.V. (consoante vogal)
Va ____, ____, ____ va ____, ____, ____ Da ____, ____, ____
Vê ____, ____, ____ vê ____, ____, ____ De ____, ____, ____
Vi ____, ____, ____ vi ____, ____, ____ Di ____, ____, ____
Vo ____, ____, ____ vo ____, ____, ____ Do ____, ____, ____
Vu ____, ____, ____ vu ____, ____, ____ Du ____, ____, ____
A professora reforça o exercício com os alunos que tem mais
dificuldades. Pede a esses alunos que leiam com ela no quadro. Parece lembrar de
um material que está na secretaria e sai para pegar. São umas fichas com as
famílias silábicas que distribui para sete alunos e pede que formem as famílias do v
e do d. Entre os alunos que receberam as fichas só está uma menina (só tem três
meninas na 1ª série). Enquanto eles fazem o exercício ela trabalha com a 4ª série.
Ela pede para o aluno Israel começar a leitura em voz alta. O texto é
“Pássaros de todas as cores”. O aluno fica em pé, segura o livro em frente do rosto
(como se o usasse como escudo, parece querer se esconder) e faz a leitura. A
professora corrige imediatamente as palavras pronunciadas de maneira errada.
Ao terceiro aluno que fez a leitura recomendou que a repetisse, pois
ficou incompreensível já que o aluno não fez a pontuação adequada. Pede aos
seguintes que prestem atenção na pontuação e solicita que leiam devagar. Os
alunos lêem os textos “Pássaros de todas as cores” e “Grandes Felinos”. Cada aluno
leu uma parte do texto em voz alta.
Após concluir a leitura informa que tem atividade nas páginas 151 e
152 do livro de português. Na página 151 está o texto “Nunca erre a cedilha” e na
página152 a interpretação do texto. A professora leu o texto e em seguida orientou a
interpretação do mesmo.
O aluno que estava ao meu lado já tinha parte do exercício respondido
e notei que eram as mesmas respostas que a professora dava (eles usam livros que
já foram de outros alunos, é que são do programa de livro didático do MEC).
Como o exercício estava no livro, tive dificuldade para acompanhá-lo,
no entanto deu para perceber que os alunos apresentavam dificuldades de
responder algumas questões.
A primeira solicitava que eles trocassem as palavras pela 1ª pessoa do
singular de forma que usassem a ç. Exemplo: pedir (deveriam trocar para “eu peço”).
As outras palavras eram medir, ameaçar, convencer, esquecer, impedir.
A essa altura os alunos de 1ª série estavam meio agitados. A
professora deixa os alunos da 4ª série e vai atendê-los.
Os alunos de 1ª série estão formando as sílabas com as fichas dadas
pela professora. Ela solicitou as famílias do v e do d. Como percebeu que não dará
para formar de todos, solicita aos alunos que formem de outras famílias silábicas.
Volta para a 4ª série. Continua o exercício e na parte final solicita que
peguem o dicionário para escolherem palavras da mesma família de: descer,
silêncio, fascinar, obediência. Os alunos imediatamente se levantam e pegam os
dicionários na pilha de livros no fim da sala e começam a fazer a atividade
recomendada pela professora.
Ela volta para a 1ª série.
Atende individualmente um aluno de 1ª série que parece não conhecer
adequadamente o alfabeto. Ela pede ao aluno para dizer as letras e depois pede
que coloque o alfabeto em ordem (ele usa as fichas que a professora deu no início
181
da aula). O aluno tem dificuldade em fazê-lo. Esse aluno é um dos três para quem a
professora escreveu a tarefa no caderno.
Em seguida atende individualmente ao outro aluno do lado.
Noto que duas alunas que parecem ser mais adiantadas e que não
receberam as fichas estão sem fazer nada, sentadas na cadeira e apenas
conversando entre si em voz baixa. Uma das meninas fica de pé, prestando atenção
na tarefa dos outros. A outra boceja e demonstra cansaço, desânimo.
A professora verifica a tarefa dos outros alunos e elogia quem
conseguiu terminar. Ela volta para a 4ª série.
Os alunos olham no dicionário para encontrar as outras famílias. Ela
pergunta: “concluíram o exercício?”. À resposta positiva dos alunos recomenda que
copiem o exercício do livro didático no caderno. Os alunos imediatamente começam
a cópia. Percebo que apagam do livro didático as respostas que deram porque o
mesmo vai ser reaproveitado por outros alunos no ano seguinte.
A professora volta a dar atenção aos alunos da 1ª série e agora vai
tomar a lição. Ao aluno que pediu para organizar o alfabeto pede agora que
identifique cada letra. (Percebo que o alfabeto não contém as letras K, W e Y). O
aluno ainda tem dificuldades e a professora pede que ele continue estudando.
Ela repete a mesma tarefa com outro aluno que também demonstra
dificuldades. A professora solicita que ele continue estudando.
A professora atende o 3ª aluno da fileira e ele consegue identificar o
alfabeto, algumas sílabas e pequenas palavras como bife, bola e café.
Agora finalmente chega a vez das duas meninas. Com elas a
professora faz a leitura de algumas palavras e de um pequeno texto. Elas se saem
bem e a professora recomenda outro texto para a próxima lição.
Toma a lição da outra menina. Pergunta antes: “onde é meu amor?
Vamos lá!” As duas meninas tem textos diferentes dos outros alunos de 1ª série.
Noto que a professora senta pouco pois anda de carteira em carteira
para dar um atendimento individualizado para cada aluno.
Enquanto a professora faz o atendimento individual um aluno pega as
formas geométricas no fundo da sala e começa a brincar com elas.
O 6º aluno atendido também tem dificuldades para ler. Recebe a
mesma recomendação. Deve continuar estudando.
O 7º aluno lê algumas sílabas e também a lição que a professora havia
selecionado para ele anteriormente.
O 8º aluno lê algumas sílabas. Ela pede a cartilha e ele lê a lição. Ela
recomenda que estude.
O 9º aluno também lê algumas sílabas e depois passa para a cartilha.
Também pede que estude. Nesse momento a professora solicita a um aluno que
recolha as fichas de quem já terminou.
O 10º aluno (é um dos quais a professora escreveu a lição no caderno)
repete algumas sílabas como: ba, be, bi, bo, bu. Lê na cartilha a família do G.
Com a 11ª aluna a professora toma a lição na cartilha, ela já lê
algumas sílabas e um texto pequeno. A mestra pede que leia mais para pronunciar
as palavras de maneira correta.
Em seguida a professora autoriza a saída para o intervalo.
182
Diário de observação na Escola BORARI 29.08.05
Professora: IARA
Cheguei à escola às 12h30min, mas a professora já havia feito a
oração. Como é evangélica não reza o Pai Nosso, tradicional na maioria das
escolas, mas faz uma oração espontânea. Alguns alunos já estavam na sala e
quando entro e muitos me pedem a benção.
Ela informa que a aluna que estava doente já está em casa e se
recupera bem.
Hoje é aula de português para todas as séries.
Distribui pequenas fichas com textos recortados do livro para os alunos
de 1ª série fazerem a leitura. Pede que todos treinem a leitura que depois vai fazer a
interpretação do texto. Conversa com os alunos que estão muito agitados, chama a
atenção de alguns deles. “Quem não pegou a leitura aqui?”
Ela distribui os livros. Algumas crianças lêem em voz alta. Não dá para
saber de que série são. A professora senta na carteira junto com um aluno e lê para
ele repetir as palavras. Acho que é de 1ª série. Depois passa com outros alunos que
lêem pequenos textos como o a seguir:
De boca cheia
A mamãe gato não pode carregar seus gatinhos com as patas. Em vez
disso, carrega-os na boca.
Pergunta ao aluno Fernando como a mamãe gato carrega seus
filhinhos. Ele responde que é na boca. Como lê o texto em voz alta, chama a
atenção de outros alunos para o texto que está trabalhando individualmente. Um
aluno de outra série que estava prestando atenção na estória dá o exemplo de uma
gata que subiu no telhado com o filhote e ele caiu.
Alguns alunos menores estão sem atividades.
Lê com Leandro o seguinte texto:
(...) Foi a pergunta que ouviu
Num sonho que então sonhou
Caiu da cama assustado e
Escovou, escovou, escovou.
Leu ainda outro texto com outro aluno
A galinha
A galinha de Juninho
Punha ovo amarelinho
Botou um, botou dois, botou três.
Certo dia o seu vizinho foi ao ninho
E achou um ovo de prata.
Ovo de prata? Ou ovo de pata?
Achou um, achou dois, achou três.
E a galinha era uma vez.
Lê o texto com todos os alunos de 1ª série e pede àqueles que já leram
para fazerem a compreensão do texto. Um dos textos menciona a palavra
183
“emaranhados” e a professora lembra que aqui, na nossa região, se chama
enrolado, embolado.
Noto que os alunos PNNES recebem atendimento diferenciado com
uma outra professora e hoje ficam na sala da secretaria. A professora indica para
eles qual é a atividade que trabalharão na sala e essa atividade deve ser seguida
pela professora de educação especial.
A professora diz a uma aluna que ela pode sim ajudar os outros
colegas. Ela afirma: “Pode sim, aqui vocês podem ajudar os outros. Hoje não é dia
de prova”. A aluna senta com a colega e soletra o texto para ela. Essa aluna que
perguntou se poderia ajudar a colega é de 3ª série e a aluna que recebe a ajuda é
de 1ª série.
Um aluno está sem livro. Ela pergunta o porquê e ele diz que a
professora ficou de colar a capa do mesmo. Ela argumenta e diz: “Por que você não
pediu quando chegou?” Pára o que estava fazendo e vai procurar o livro para o
aluno. Olha no armário e se pergunta: “Onde eu coloquei na hora que colei? Ah, ta
aqui, pode ler”.
O texto que deve ler é :”O galo e a raposa”
Uma aluna questiona sobre um exercício e ela responde:”É para fazer
só a interpretação do texto porque eu ainda não ensinei advérbio, por isso que eu
não mandei fazer esse exercício, porque eu ainda não ensinei”.
Pergunta ao aluno Douglas sobre o que fala o texto que ele leu. “Tem
alguma coisa que se come?” O aluno responde “pipocas”. Pergunta ao Wendel
sobre o seu texto: “De quem é o bigode?” Como ele não consegue responder ela
relê o texto com o aluno que depois responde: “é do rato”.
Noto que a professora está em constante interação com os alunos e dá
liberdade para que eles falem.
O texto do jacaré dizia que ele escova os dentes. Ela pergunta à turma
se o jacaré escova os dentes e eles não sabem responder, a professora afirma que
cada animal tem o seu hábito de asseio. O gato toma banho se lambendo, amola as
unhas nos troncos de pau, o boi amola os chifres esfregando-os no chão. “E o
jacaré? Com certeza tem uma forma” Ela acrescenta em seguida: “mas como não
acompanhamos ele, nós não sabemos”. Noto que ela não responde como o jacaré
“escova os dentes” mas com a explicação que deu os alunos pareceram satisfeitos
pois não questionaram.
Nesse momento a professora sai da sala e vai conversar com a mãe
de um aluno que chega à escola. As duas ficam lá fora e pelo tijolo vazado consigo
ver que a professora faz reclamações do aluno à sua mãe.
Após a conversa a professora entra na sala e atrás dela entra a mãe
do menino (Leandro) e fica ao lado do filho. A professora continua com a
interpretação do texto. Fico observando a mãe.
A mãe chama atenção do filho com certa severidade. O menino está
sem borracha, ele pega com um colega (depois fico sabendo que é seu irmão de
criação), ela apaga os erros e pede que faça o dever. Indica como ele deve fazer a
tarefa. Repreende o menino, puxa levemente a sua orelha. Depois de uns 15
minutos ela sai da sala dizendo para ele prestar atenção. Ele fica fazendo a tarefa.
Uma aluna vem até minha carteira e pergunta por que eu não vou
todos os dias na escola. Respondo que preciso ir a outras escolas também, por isso
não dá para ir até lá todos os dias.
A professora anota os temas dos textos no quadro, são eles:
184
Pipocas milho
Bigode gatinho
Rato dentes
Jacaré espada
Escovar cochilos
Árvore galinha
lambida
Depois que anotou no quadro, pede aos alunos de 1ª série que copiem
para depois separar em sílabas.
Pede aos alunos de 2ª série que se dirijam até a frente da sala para
fazerem a leitura do texto que coube a cada um. São quatro alunos e de onde estou
não consigo ouvi-los. Ela fica ao lado dos alunos. Enquanto eles estão lendo ela
divide sua atenção entre a leitura dos alunos e o restante da turma. Um aluno se
aproxima e pede uma orientação, ela dá.
Um aluno denuncia a indisciplina de outro e ela repreende: “Não faça
isso, é isso que a gente te ensina? Já viu eu “cutucar” alguém com a ponta do
lápis?”.
Nesse momento desliga o ventilador porque está muito barulho na sala
e ela não consegue ouvir as leituras.
O Paulo Henrique vem pedir minha ajuda na tarefa de separação de
sílabas. Peço autorização da professora e ela dá. Noto que depois que o ajudei a
fazer o exercício Paulo Henrique prontamente se prontifica a ajudar outros colegas
na tarefa.
A professora se dirige à 4ª série e corrige oralmente o exercício. Ela lê
do livro didático e noto que dá as respostas com certa pressa. Passa em seguida
para a leitura do texto: “O galo e a raposa”. Cada aluno lê em voz alta uma parte do
texto. Chama a atenção de um aluno que não trouxe o livro e pede que um colega
ceda o seu para ele. Noto que alguns alunos lêem com dificuldades.
Os alunos solicitam atenção o tempo todo. Ela tem dificuldades para
manter a atenção em uma só série. Em um intervalo de alguns segundos, enquanto
os alunos lêem, a professora boceja e olha fixo um ponto da sala, parece cansada.
Convoca a 3ª série para fazer a leitura do texto. Está sentada próximo
aos alunos, mas não consegue dar atenção completa à leitura que fazem, pois os
outros fazem barulho e requisitam sua atenção. Cada aluno lê individualmente uma
parte do texto. A professora chama atenção para a pronúncia correta das palavras.
Volta para a 1ª série e corrige o exercício do quadro (separação em
sílabas). Pergunta à turma: “O que é cochilar?” (uma das palavras do exercício) e os
alunos respondem que é dormir. Em seguida pergunta sobre os programas que
viram na televisão no final de semana. Depois de uma breve conversa fala que já
espaireceram e que é hora de voltar à atividade. Retoma a correção do exercício. Os
alunos da 2ª série começam a responder, ela os repreende e diz que o exercício é
da 1ª série. Ela lê e corrige o exercício com os alunos.
Vai para a 3ª série e corrige o exercício no livro didático.
Volta para a 1ª série e toma a lição de cada um – leitura do texto.
Dá o intervalo para o recreio. Não há merenda na escola. Os alunos
vão até suas casas comer alguma coisa ou compram um chopinho
67
na cozinha da
escola.
67
É um saquinho plástico com suco de fruta congelado.
185
Depois do intervalo corrige o exercício com a 4ª série. É uma atividade
no livro de português na página 125. Consigo pegar a questão 5 que pede para
colocar x ou ch nas palavras. Elas são as seguintes:
Caixote – ficha – lixo – enxugar – mexilhão – machucar – desleixo –
caixão – baixa – baixeza – fichário – machucado – mexerica – linchar – lixeiro –
desleixado – queixo.
Recomenda que dêem continuidade ao exercício seguinte onde devem
montar um quadro com palavras que tenham o x com som de s, ch, cs, ou z.
Troca alguns alunos de lugar para tentar manter a disciplina na sala.
Volta a tomar a lição dos alunos de 1ª série. Lê para os meninos
repetirem as palavras. Noto que o Paulo Henrique repete junto com a professora,
mas ele já sabia ler sozinho o seu texto. Ele leu lá na frente com a professora depois
voltou para o meu lado.
A professora termina a lição e vai apontar lápis de alguns alunos com
um estilete.
Passa a tarefa para casa. É a seguinte:
1.Recorte revistas ou jornais que tenham palavras com:
pr;
ch;
nh;
lh;
cl;
tr;
tl
Para a 2ª série solicita além dessas palavras que incluam
gr;
gl
Aos alunos de 3ª e 4ª séries pede que estudem tabuada.
Diz para aqueles alunos que não tiverem cola é para fazer com
tapioca. Solicita que os pais ou responsáveis assinem a tarefa dos alunos, pois quer
saber quem é o pai que acompanha o trabalho de casa dos filhos.
Antes que saiam marca o ensaio do trabalho de história para o dia
seguinte.
186
ANEXOS
187
ANEXO 01
Demonstrativo da Emissão de Diplomas (Ensino Médio – Magistério) e
Certificados (Ensino Fundamental) do Projeto Gavião I e II em 2005
MUNICÍPIO
Ano
Gavião I
(Ensino
Fundamental)
Gavião II
(Ensino
Médio)
TOTAL
1. Acará 2005 17 22 39
2. Anapú 2002 - 23 23
3. Anapú 2005 - 02 02
4. Bannach 2005 - 02 02
5. Bujaru 2005 - 06 06
6. Canaã dos Carajás 2005 - 01 01
7. Capitão Poço 2004 - 56 56
8. Garrafão do Norte 2005 - 62 62
9. Gurupá 2003 - 85 85
10. Gurupá 2005 - 14 14
11. Itaituba 2005 - 74 74
12. Itupiranga 2005 - 06 06
13. Jacareacanga 1996 31 - 31
14. Jacareacanga 1998 40 - 40
15. Jacareacanga 2000 40 - 40
16. Marapanim 2002 - 17 17
17. Marapanim 2005 - 01 01
18. Moju 2005 - 81 81
19. Muaná 1994 - 23 23
20. Muaná 2003 - 11 11
21. Nova Esperança do Piriá 2001 - 24 24
22. Pacajá 2005 - 01 01
23. Placas 2002 - 46 46
24. Portel 2000 72 - 72
25. Portel 2005 36 53 89
26. Quatipurú 2004 - 100 100
27. Quatipurú 2005 - 03 03
28. Rondon do Pará 2005 - 06 06
29. Senador J. Porfírio 2002 - 11 11
30. Tailândia 2001 - 107 107
31. Tailândia 2005 - 16 16
236 853 1.089
Fonte: Coordenação Projeto Gavião/PROEX/UFPA. Relatório Anual 2005.
188
ANEXO 02
Escola Municipal de Ensino Fundamental ___________________
Professora: Juçara
Séries: 3ª e 4ª
Turma: Multisseriada
Disciplina: Português e História e Geografia
Data: 16/03/2005
PLANO DE AULA
Assuntos: Texto: Menino Sabido
O município de Santarém: 3ª série
Hidrografia do Pará série
Objetivos: Ler i interpretar o texto
Compreender o seu município
Ter conhecimento da rede hidrográfica paraense e como é constituída
Desenvolvimento:
Menino Sabido
Pedro é um menino travesso, mas inteligente.
Ele freqüenta uma escola perto de sua casa e gosta muito porque acha
divertido.
Um dia, na hora da recreação, a professora perguntou quem gostaria de fazer
uma brincadeira.
Pedro logo disse:
_ Eu quero!
E indo à frente, falou a seus colegas:
_ Quem adivinha o que eu tenho no bolso da minha calça?
_ Uma bala!
_ Uma moeda!
_ Uma bolinha! _ disseram as crianças.
Pedro riu a valer e disse:
_ Ninguém acertou.
A professora então falou:
_ Aposto que eu acerto. É um anel.
_ Nada disso – falou Pedro.
E com cara de malandro, muito sabido, ele vira o bolso pelo avesso e mostra:
_ Um furinho...
Atividades:
1.Responda:
a) Quem quis fazer a brincadeira na hora da recreação?
b) O que Pedro falou a seus colegas?
c) O que as crianças acharam que Pedro tinha no bolso?
d) O que Pedro falou ao virar o bolso pelo avesso?
2. Dê a sua opinião:
189
Você gostou do final da história? Por quê?
3.Procure no texto e copie as palavras escritas com: dr – tr – fr – cr – pr - br.
4.Complete as palavras com bl – cl – fl – gl – pl – tl.
____ or com ____ içado
____ usa tri ____o
____aro ____ auta
____ aneta a ____ eta
bi ____ ioteca pro ____ ema
____ obo de ____ aração
bici ____ eta ____ ória
____ ástico a ____ ição
5.Ditado de palavras:
Cruzado classe público
Proteger segredo palavra
Iglu floresta clínica
Escreveu brigadeiro tratamento
Flecha madrugada multiplicação
3ª série
Santarém: informações gerais.
O município de Santarém, localiza-se na microrregião do médio Amazonas,
no Estado do Pará. Possui área de 26.058 km², altitude de 36m acima do nível do
mar temperatura média de 30 graus e pluriosidade de 2.500 mm ao ano.
Banhada por dois grandes belos rios Amazonas e Tapajós, Santarém tem
uma população de aproximadamente 300,00 habitantes e sua economia baseia-se
no comércio, no extrativismo (madeira, juta, castanha-do-pará) na indústria e têxtil e
frigorífica, na pecuária e na pesca.
Santarém foi fundada pelo Pe. João Felipe Bettendorf, em 22 de junho de
1661.
A aldeia dos Tapajós, como era chamada foi elevada à categoria de vila, em
14 de março de 1758, recebendo o nome de Santarém.
A vila de Santarém foi elevada à categoria de cidade, em 1848 em
conseqüência de seu notável desenvolvimento.
Os limites do município.
Os municípios, quer seja grandes, quer sejam pequenos são vizinhos entre si.
Eles são separados por uma linha de marcatória chamada limite.
Pode ser um rio, um bosque, etc.
Santarém limita-se com os municípios de Prainha, Monte Alegre, Alenquer,
Óbidos, Juruti, Aveiros, Uruará e Rurópolis Presidente Médici.
O clima é quente e úmido.
O município de Santarém é banhado pelos rios Amazonas e Tapajós. Os dois
grandes rios tem sua confluência bem em frente à cidade oferecendo um espetáculo
de rara beleza.
Há duas quedas d’água importante a cachoeira do Palhão no rio Curuá-uma,
onde está instalada uma hidrelétrica, e a cachoeira do Aruã, no rio Arapiuns.
190
ATIVIDADES
1.Responda
a) Onde o município de Santarém se localiza?
b) Quais os rios que banham Santarém?
c) Quem fundou Santarém e quando?
d) Quais os municípios que se limita com Santarém?
e) Como é o clima de Santarém?
4ª série.
Hidrografia
Você sabe o que é hidrografia?
É a parte da Geografia que estuda os rios.
A rede hidrografia do Pará é muito significativa. É constituída pelo rio
Amazonas. Apresentando numerosos rios, lagos, furos, paranás e igarapés.
- Furos – são canais naturais de ligação entre rios ou lagos.
- Paranás – são pequenos braços de rios que circundam uma ilha fluvial.
- Igarapés – são pequenos rios, utilizados pela população ribeirinha, em que a
navegação se faz por meio de canoas.
O Pará é banhado, em sua maior parte, por afluentes do rio Amazonas. Este
por sua vez, forma a maior bacia hidrográfica da terra.
Bacia hidrográfica é uma região banhada por um rio principal e por seus
afluentes.
São afluentes do rio Amazonas, no Estado do Pará, o Nhamundá ou
Jamundá, o Trombetas, o Paru e o Jarí, pela margem direita, o Tapajós e o Xingu. E
o Tocantins – Araguaia, que desce do Planalto Central. Há rios, localizados no leste
paraense, que deságuam diretamente no Atlântico, como o Maracanã, o Piriá e o
Gurupi.
O principal rio do Estado é o Amazonas, que atravessa o Pará de oeste para
leste e vai desaguar no Oceano Atlântico.
O rio Amazonas é navegável em toda sua extensão. Apresenta alguns
fenomenos muito interessantes, como o da pororoca (encontro das águas do rio com
as do oceano que causa em estrondo percebido a varios quilômetros de distância).
Outro fenômeno é o das terras caídas, onde a correnteza do rio, com sua fúria
violenta, arranca e carrega pedaços de barrancos das margens, levando-os a
grandes distâncias. Também chama a atenção a divisão das águas, barrentas do rio
Amazonas que não se mistura com as de alguns de seus afluentes, com as do rio
Tapajós e, principalmente, do rio Negro.
Essa imensa rede fluvial que banha o Pará é também utilizada para
intercomunicação e transportes, além de fonte de abastecimento de água e
alimentação.
A maior parte da população paraense vive às margens do rios, devido a
facilidade de navegação pelos rios da Amazônia.
Em alguns afluentes do Amazonas encontram-se cachoeiras, que podem ser
utilizadas no fornecimento de energia, como a do rio Curuá-Uma, com a sua
cachoeira do Palhão em Santarém, onde foi construída uma usina hidrelétrica,
beneficiando o município. Outro exemplo é a hidrelétrica de Tucuruí.
Litoral
191
O Pará é um Estado banhado pelo Oceano Atlântico. Assim, todas as terras
banhadas pelo oceano ou mar possuem litoral.
Litoral – é a faixa de contato entre o continente e o oceano.
O litoral paraense inicia-se no arquipélago de Marajó e termina na foz do Rio
Gurupi, num total de 618 quilômetros.
Apresenta várias característica, como:
- A vegetação de mangue, característica das áreas pantanosas.
- As praias, a maioria com a presença de dunas, como as encontradas em
Soure (ilha de Marajó) Salinópolis e Algodoal (Microrregião do Salgado).
Para melhor estudar o litoral paraense, foi dividida em dois trechos:
1)Litoral estuário – é constituído pelo Golfão Amazônico, que abrange a foz
do rio Amazonas. Destacam-se as ilhas de Marajó (48.000 km² - a mais extensa e
principal ilha fluvio-marinha do Brasil) Cairana, Mexiana e Porcis, além de outros.
2)Litoral Mixto, que vai da Ponta da Jipoca à foz do rio Gurupi.
x – x -
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