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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
MÁRCIA SAMPAIO DUARTE
CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DE SIGNIFICADOS NA INTERAÇÃO
COLABORATIVA DE ESTUDANTES COM UM SISTEMA HIPERMÍDIA DE
BIOMECÂNICA
RIO DE JANEIRO
2007
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MÁRCIA SAMPAIO DUARTE
CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DE SIGNIFICADOS NA INTERAÇÃO
COLABORATIVA DE ESTUDANTES COM UM SISTEMA HIPERMÍDIA DE
BIOMECÂNICA
Dissertação de Mestrado apresentada ao
Programa de Pós-Graduação em
Tecnologia Educacional nas Ciências da
Saúde, Núcleo de Tecnologia
Educacional para a Saúde, Universidade
Federal do Rio de Janeiro, como
requisitos parcial à obtenção do título de
Mestre em Tecnologia Educacional nas
Ciências da Saúde.
Orientadora: Profa. Dra. Flavia Rezende Valle dos Santos
RIO DE JANEIRO
2008
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Duarte, Márcia Sampaio
Construção compartilhada de significados na interação colaborativa de
estudantes com um sistema hipermídia de Biomecânica / Márcia Sampaio
Duarte. – Rio de Janeiro: UFRJ / Núcleo de Tecnologia Educacional para a
Saúde, 2007.
xiv, 132 f. : il. ; 31 cm
Orientadora: Flavia Rezende Valle dos Santos
Dissertação (mestrado) -- UFRJ, Núcleo de Tecnologia Educacional
para a Saúde, 2007.
Referências bibliográficas: f. 142-146
1. Hipermídia. 2. Biomecânica - educação. 3. Linguagem.
4. Relações interpessoais. 5. Estudantes de Ciências da Saúde.
6. Aprendizagem. 7. Humano. 8. Tecnologia Educacional nas Ciências da
Saúde - Tese. I. Santos, Flavia Rezende Valle dos. II. Universidade Federal
do Rio de Janeiro, Núcleo de Tecnologia Educacional para a Saúde.
III. Título.
MÁRCIA SAMPAIO DUARTE
CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DE SIGNIFICADOS NA INTERAÇÃO
COLABORATIVA DE ESTUDANTES COM UM SISTEMA HIPERMÍDIA DE
BIOMECÂNICA
Dissertação de Mestrado apresentada ao
Programa de Pós-Graduação em
Tecnologia Educacional nas Ciências da
Saúde, Núcleo de Tecnologia
Educacional para a Saúde, Universidade
Federal do Rio de Janeiro, como
requisitos parcial à obtenção do título de
Mestre em Tecnologia Educacional nas
Ciências da Saúde.
Aprovada em: 19/12/2007.
________________________
Profa. Flavia Rezende Valle dos Santos
Doutora em Educação, NUTES-UFRJ
________________________
Prof. Marcelo Giordan,
Doutor em Química, FE-USP
________________________
Prof. Luis Aureliano Imbiriba Silva,
Doutor em Ciências Biológicas, EEFD-UFRJ
___________________________________
Profa. Glória Regina Pessôa Campello Queiroz
Doutora em Educação, IF - UERJ
Dedico este trabalho...
Aos meus pais, meus fiéis companheiros de sonhos, aventuras e realizações.
À minha amiga e companheira pela compreensão e constante apoio aos meus
ideais.
Aos meus familiares pelo incentivo às minhas empreitadas acadêmicas e
profissionais.
Aos meus alunos, razão da minha “persistência” como educadora da escola pública.
Agradecimentos
À Profa. Flavia Rezende, minha orientadora, por seu preciosismo científico e
acadêmico, e sua parceria sempre disponível para viabilizar esse estudo.
Aos professores de Biomecânica e Cinesiologia da Escola de Educação
Física e Desportos (EEFD) da UFRJ pela ajuda e apoio.
À Profa. Alva Valeria, responsável pelo Laboratório de Informática dessa
Escola, pela parceria para concretizar a pesquisa.
Ao Diretor da EEFD, Prof. Waldyr Mendes Ramos e à Profa. Fernanda
Beltrão, pelo respaldo acadêmico e profissional na ocasião do ingresso no NUTES.
Aos professores do NUTES pelos ensinamentos recebidos e pelas críticas e
sugestões ao meu projeto de pesquisa.
Aos colegas de mestrado, pela convivência prazerosa e por suas
contribuições pessoais e profissionais.
Aos funcionários do LTC pelo apoio e incentivo constantes.
À Diretora do C.E. Padre Madureira pela compreensão e respeito às minhas
inquietudes pedagógicas.
Aos amigos professores, companheiros de jornada no magistério público,
pelos gestos de incentivo, de admiração, de indignação, de reprovação, mas acima
de tudo, de esperança.
Aos amigos-irmãos, pela paciência, tolerância e compreensão pelos
momentos de ausência.
Àqueles que plantaram em mim, através de suas críticas e desmandos, a
força cada vez maior de acreditar nos meus sonhos, perseguir meus ideais e torná-
los (todos) realidade.
Homenagem especial aos mestres
Àqueles que me ensinaram as primeiras lições de vida e de amor... mais
simples e perenes.
Àqueles que, com seu conhecimento, compromisso e competência
contribuíram para o meu aperfeiçoamento pessoal e profissional.
Àqueles que, anonimamente, iluminam minha estrada, me cobrem de energia
e me fazem “instrumento” de paz, amor, esperança e fé.
As palavras me antecedem e
ultrapassam, elas me tentam e modificam
(...) meu enleio vem de que um tapete é feito
de tantos fios que não posso me resignar a
seguir um fio só; meu enredamento vem de
que uma história é feita de muitas histórias
(...)
(Clarice Lispector, 1971:99-100)
RESUMO
DUARTE, M.S. Construção compartilhada de significados na interação colaborativa
de estudantes com um sistema hipermídia de Biomecânica. Rio de Janeiro, 2007.
Dissertação (Tecnologia Educacional nas Ciências da Saúde) – Núcleo de
Tecnologia Educacional para a Saúde, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio
de Janeiro, 2007.
Este estudo investiga em que medida a interação discursiva entre estudantes de
graduação em Educação Física que interagem colaborativamente com o sistema
hipermídia “Biomec” se relaciona com processos de internalização de conceitos de
Mecânica e de Biomecânica. A teoria da ação mediada permitiu considerar a tensão
agentes-agindo-com-ferramentas-culturais e investigar como o uso da linguagem e
dos recursos semióticos do sistema conforma o processo de construção de
significados. Dos diálogos das seis duplas de estudantes que interagiram em duplas
com o sistema hipermídia “Biomec”, foram extraídos episódios considerando o
padrão temático e a estrutura dos enunciados onde os estudantes negociam e
compartilham sistemas de significados. Os estudantes lançaram mão da linguagem
e dos recursos semióticos do sistema para, através de ações externas mediadas
pela interação discursiva com o outro e pela interatividade com o material, modificar
os mecanismos intrapsicológicos que promovem a internalização. Assim, a análise
mostrou que a interação colaborativa de duplas de alunos com um sistema
hipermídia pode apresentar diferentes estruturas tais como o padrão discursivo “I-R-
F”
, o “diálogo persuasivo” ou o “diálogo interno”, que associadas ao suporte
hipermídia pôde favorecer mecanismos de internalização. Os resultados apontam
para a relevância de planejar situações colaborativas de ensino de ciências que
estimulem interações sociais no uso de ferramentas culturais tais como sistemas
hipermídia de aprendizagem.
Palavras-chave: HIPERMÍDIA, BIOMECÂNICA, INTERAÇÕES DISCURSIVAS,
AÇÃO MEDIADA, FERRAMENTA CULTURAL.
ABSTRACT
DUARTE, M.S. Construção compartilhada de significados na interação colaborativa
de estudantes com um sistema hipermídia de Biomecânica. Rio de Janeiro, 2007.
Dissertação (Tecnologia Educacional nas Ciências da Saúde) – Núcleo de
Tecnologia Educacional para a Saúde, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio
de Janeiro, 2007.
This study investigates the extent in which the discursive interaction between
Physical Education undergraduate students who collaborate in the use of “Biomec”
hypermedia program relates to the process of internalization of Mechanics and
Biomechanics concepts. The theory of mediated action allowed us to consider the
tension agents-acting-with-cultural-tools and to investigate how the use of language
and of the semiotic resources of the system conforms the process of meaning
making. Episodes were extracted from the dialogues of the 12 students who
interacted in pairs with “Biomec” hypermedia system, considering the thematic
pattern and the composing structure of utterances where students negotiate and
share systems of meaning. Thus, we discovered that the collaborative interaction of
students with a hypermedia system can present different structures, like the classic I-
R-F pattern, the “persuasive dialogue” or the “internal dialogue”, which associated to
the hypermedia support, could yield mechanisms of internalization. The results
revealed that the students used language and the semiotic resources of the system
to modify the intrapsychological mechanisms through external actions mediated by
the discursive interaction and the interactivity with the system. This study points to
the relevance of planning collaborative situations in science education that stimulate
social interactions in the use of cultural tools as hypermedia leaning systems.
Keywords: HYPERMEDIA, BIOMECHANICS, DISCURSIVE INTERACTION,
MEDIATED ACTION, CULTURAL TOOLS.
Lista de Quadros
Quadro 1. Mapa de atividades da dupla BBM. 77
Quadro 2. Mapa de atividades da dupla LCF. 94
Quadro 3. Mapa de atividades da dupla BBMS. 109
Quadro 4. Mapa de atividades da dupla BBF. 117
Quadro 5. Mapa de atividades da dupla LCM. 121
Quadro 6. Mapa de atividades da dupla LCMS. 126
Lista de Figuras
Figura 1. Índice “Conceitos físicos” 68
Figura 2. Índice “Aplicações Biomecânicas” 68
Figura 3. Índice “Aplicações Anatômicas 68
Figura 4. Página “Velocidade angular” (1 de 2) 78
Figura 5. Página “Velocidade angular” (2 de 2) 79
Figura 6. Página “Momento de inércia” 83
Figura 7. Página “Vetores” 86
Figura 8. Página “Locomoção” (1 de 3) 89
Figura 9. Página “Locomoção” (3 de 3) 90
Figura 10. Página “Vetores” 95
Figura 11.Página “Locomoção” (3 de 3) 98
Figura 12.Página “Saque” (2 de 2) 101
Figura 13. Página “Músculo ísquiotibial” (2 de 4) 106
Figura 14. Página “Momento de uma força” (1 de2) 109
Figura 15. Página “Força” (1 de 2) 113
Figura 16. Página “Força” (2 de 2) 114
Figura 17. Página “Momento de uma força” (1 de 2) 118
Figura 18. Página “Momento de uma força” (2 de 2) 118
Figura 19. Página “Locomoção” 122
Figura 20. Página “Momento de inércia” 124
Figura 21. Página “Locomoção” (2 de 3) 127
Lista de Abreviaturas
BBF Bacharelado Biomecânica Feminina
BBM Bacharelado Biomecânica Masculina
BBMS Bacharelado Biomecânica Mista
EF Educação Física
LIG Laboratório de informática
LCF Licenciatura Cinesiologia Feminina
LCM Licenciatura Cinesiologia Masculina
LCMS Licenciatura Cinesiologia Mista
ZDP Zona de desenvolvimento proximal
TIC Tecnologias de informação e comunicação
I-R-F Iniciação-Resposta-Feedback
SUMÁRIO
CAPÍTULO 1 15
1.1 CONTEXTO DO ESTUDO 15
1.2 JUSTIFICATIVA 23
CAPÍTULO 2 27
2 REFERENCIAL TEÓRICO 27
2.1 Sistemas Hipermídia de Aprendizagem 27
2.2 As contribuições de L. S. Vygotsky e M. Bakhtin para a abordagem
sociocultural 33
2.3 Propriedades da Ação Mediada 55
3 CAPÍTULO 3 65
3.1 OBJETIVO E QUESTÃO DE ESTUDO 65
3.2 PROCEDIMENTOS METODOLOGICOS 65
3.2.1 Contexto e desenho da pesquisa 65
3.2.2 Participantes do estudo 66
3.2.3 Instrumentação 67
a) Sistema Hipermídia “Biomec” 67
b) Registro da navegação 70
3.2.4 Tratamento dos dados 71
3.2.5 Análise dos dados 72
CAPÍTULO 4 76
4 RESULTADOS: ANÁLISE DOS DIÁLOGOS 76
4.1 Episódios da dupla BBM 76
a) Episódio sobre velocidade angular 77
b) Episódio sobre momento de inércia 83
c) Episódio sobre vetores 86
d) Episódio sobre locomoção 88
4.2 Episódios da dupla LCF 93
a) Episódio sobre vetores 94
b) Episódio sobre locomoção 97
c) Episódio sobre saque 100
d) Episódio sobre isqueotibiais 105
4.3 Episódios da dupla BBMS 108
a) Episódio sobre momento de uma força 109
b) Episódio sobre força 113
4.4 Episódio da dupla BBF 116
a) Episódio sobre momento de uma força 117
4.5 Episódio da dupla LCM 121
a) Episódio sobre locomoção 122
4.6 Episódio da dupla LCMS 126
a) Episódio sobre locomoção 126
CAPÍTULO 5 130
5.1 Discussão dos resultados 130
5.2 Conclusões 138
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 142
Capítulo 1
1.1 CONTEXTO DO ESTUDO
A Educação Física (EF) constitui-se numa área do conhecimento que estuda
e atua sobre um conjunto de práticas corporais construídas socialmente pelo homem
ao longo da história, como os jogos, as ginásticas, as lutas, as danças e os esportes.
Nessa perspectiva cultural, tem-se considerado a cultura corporal ou cultura do
movimento como campo empírico e de aplicação de conhecimentos da EF e de
outras áreas do conhecimento que complementam o complexo estudo do movimento
humano.
No currículo dos cursos de graduação em EF, além das disciplinas
relacionadas às práticas corporais e fundamentos pedagógicos do ensino da EF,
outras disciplinas científicas ligadas ao domínio biológico respaldam teórica e
conceitualmente o complexo estudo do movimento humano, como a Anatomia, a
Fisiologia e a Cinesiologia, assim como a Biomecânica, que integra o biológico ao
conhecimento de mecânica.
A Biomecânica foi introduzida nos cursos de EF no Brasil em 1965 e, por isso
pode ser considerado um campo de conhecimento científico ainda recente. Embora
se desconheça a definição do que é “Biomecânica”, muitos são os conceitos a ela
atribuídos, o que lhe permite uma gama de possibilidades de aplicação dentro da
ciência (BATISTA, 2001). Alguns especialistas e usuários citados por esse autor, na
tentativa de defini-la, referem-se à relação entre leis ou conceitos de mecânica e
movimentos do homem ou animal. É, portanto, um campo do conhecimento
16
relevante para aqueles que têm como objeto de estudo o movimento corporal como
fisioterapeutas e professores de EF.
Apesar da importância dessa disciplina para o estudo do movimento humano,
na opinião de alguns professores de Biomecânica, os alunos de graduação
mostram-se pouco interessados e resistentes à disciplina, provavelmente pela
introdução do componente de física, estranho ao domínio biológico e que é básico
para o entendimento da disciplina. Essa opinião vai ao encontro dos resultados
obtidos por Depra e Brenzikofer (1999) que descrevem uma rejeição antecipada dos
estudantes de EF às ciências exatas, o que dificulta a elaboração do conhecimento
de leis e conceitos físicos. Além das deficiências acadêmicas trazidas do ensino no
nível secundário, a concepção de que a Biomecânica é uma disciplina a ser
estudada por profissionais que tenham conhecimento profundo de física e
matemática, e por aqueles que lidam com desporto de alto rendimento, afasta
muitos estudantes de um contato mais próximo com a disciplina, além de levá-los a
questionar a aplicabilidade do seu conteúdo na prática da educação física escolar.
Por razões históricas ligadas a inserção da Biomecânica nos cursos de EF, a
disciplina se voltou massivamente para o desporto de alto rendimento. A concepção
de que essa é a sua única e principal aplicação se baseia no senso comum de que a
Biomecânica é uma disciplina muito distante do contexto de trabalho nas escolas
(AMADIO e SERRÃO, 2004; CORRÊA E FREIRE, 2004).
Essa visão distorcida sobre a disciplina de Biomecânica tem sido aos poucos
modificada, graças a pesquisadores da área que têm demonstrado que os conceitos
e princípios da Biomecânica estão presentes no cotidiano do professor de EF
(CORRÊA e FREIRE, 2004). Entretanto, segundo Batista (2001), as investigações
17
nessa área ainda estão relacionadas mais à Biomecânica do que ao campo do
ensino.
Dessa forma, investigar como ocorre o processo de elaboração do
conhecimento sobre Biomecânica em estudantes do curso de graduação em EF, a
fim de tornar seu conteúdo mais compreensível para eles, visando futuras
aplicações no ensino da EF na educação básica se mostra como um problema
relevante para o ensino da EF e formação dos professores dessa área.
Um dos pontos preocupantes, levantados por Cola (2004), é que nas
disciplinas do curso de graduação em EF, em especial no ensino de Anatomia e
Biomecânica, os recursos disponíveis são inadequados para demonstrar a dinâmica
e a participação dos conceitos físicos no movimento humano, além de não
motivarem os alunos à aprendizagem e à visão interdisciplinar entre essas áreas.
Depra e Brenzikoper (1999) já haviam chamado atenção para o fato de que os
recursos didáticos disponíveis para as aulas de anatomia e Biomecânica são pouco
eficazes para demonstrar a aplicação dos conceitos físicos no movimento humano.
Essa ausência é um componente crucial do problema já que recursos pedagógicos
que tornem os estudantes sujeitos ativos do processo ensino-aprendizagem, bem
como aqueles que proporcionam a oportunidade de experimentação ou simulação,
são apontados por esses autores como fundamentais para motivá-los e despertar o
interesse pela aprendizagem desses conteúdos.
Uma alternativa ainda pouco explorada no ensino de EF e que parece
vantajosa para auxiliar os alunos na compreensão de fenômenos dinâmicos da
cultura corporal e diversificar os meios pedagógicos das aulas teóricas de EF, é
oferecida pela informática educativa. Nessa área, um dos recursos oferecidos são os
sistemas hipermídia de aprendizagem, que apresentam as informações na forma de
18
texto, imagem, som, animação, vídeo e simulação, organizadas como um hipertexto,
isto é, “um sistema computacional que apresenta informação em geral na forma de
texto, organizada não-seqüencialmente por meio de ligações entre palavras-chave”
(REZENDE e SOUZA BARROS, 2005, p.63).
Desde o final da década de 80, Marchioninni (1988) já apontava
características relevantes dos sistemas hipermídia de aprendizagem para a
Educação tais como: (i) a capacidade de armazenamento de um volume enorme de
informações representadas de maneira compacta, em formatos variados, permitindo
ao usuário acesso fácil e rápido às informações; (ii) alto nível de controle do sistema
pelo usuário, dando-lhe opções de escolha do caminho a ser trilhado de acordo com
seus interesses e necessidades; (iii) possibilita alterar os papéis de professor e
aluno, assim como a interação entre eles, já que permite ao aluno maior autonomia
para sanar suas dúvidas através dos recursos do próprio sistema ou em interação
com outros colegas.
Machado e Santos (2004), ao avaliarem o potencial do sistema hipermídia no
ensino e aprendizagem sobre gravitação, destacaram a relevância de tal recurso por
possibilitar um nível de aprendizagem maior que os métodos tradicionais,
principalmente em função dos recursos das ilustrações, imagens, vídeos e
animações onde os estudantes puderam visualizar os fenômenos de forma mais
próxima da realidade, o que não é possível através do ensino por meio de livros-
textos ou do quadro-negro.
Na medida em que permitem ao aluno escolher a seqüência a ser trilhada
entre “nós” de informação de acordo com suas necessidades e interesses e construir
seu próprio texto a partir dessa multiplicidade de conexões, os sistemas hipermídia
de aprendizagem podem facilitar o diálogo com outros campos do conhecimento,
19
favorecendo desse modo a compreensão de assuntos complexos (SILVA, 2002;
STRUCHINER e GIANNELLA, 2005; REZENDE et al., 2006). Essa rede construída
pela interconectividade das informações e pela interdependência entre diferentes
domínios é compatível com o sistema de memória humana e o processo natural de
aprendizagem (STRUCHINER e GIANNELLA, 2005).
Rezende e Souza Barros (2005) reconhecem o potencial educacional dos
sistemas hipermídia na aprendizagem de Física na medida em que esses materiais
podem relacionar conceitos físicos com aplicações práticas do cotidiano através de
vídeos e simulações e permitem a organização do conhecimento de acordo com as
necessidades conceituais de cada aluno, assim como a compreensão dos aspectos
interdisciplinares dos conceitos envolvidos. As autoras admitem que resultados de
pesquisa obtidos anteriormente trouxeram contribuições interessantes para
validação desse tipo de material educativo para o ensino-aprendizagem de Ciências.
Explorando o potencial educacional dos sistemas hipermídia de
aprendizagem, COLA (2004) desenvolveu e propôs o uso pedagógico do sistema
hipermídia “Biomec” para alunos de graduação em EF na tentativa de atender à
carência de recursos didáticos que pudessem oferecer uma visão interdisciplinar dos
conteúdos de mecânica, anatomia e biomecânica e que permitisse a compreensão
da complexidade da dinâmica do movimento corporal, tornando assim, o ensino de
Biomecânica mais atrativo para os estudantes. A proposta pedagógica construtivista
embutida no design instrucional do sistema hipermídia “Biomec” tem como objetivo
tornar o processo de aprendizagem do estudante ativo e interativo, possibilitando a
ele a autoria na construção do seu próprio conhecimento a partir das escolhas das
informações disponíveis no sistema. No processo de construção do conhecimento
através desse recurso, o sujeito tem a chance de obter as informações por meio de
20
diferentes linguagens e de relacioná-las entre si, ou seja, permite ao estudante a
associação de aspectos aparentemente estanques de fenômenos complexos.
Outra característica fundamental do “Biomec” é a aplicação e demonstração
de conceitos físicos abstratos em imagens, animações ou simulações
propositalmente criadas e escolhidas para que os estudantes percebam a relação e
aplicabilidade desses conceitos em situações do seu cotidiano acadêmico ou social,
permitindo que esses recursos semióticos desencadeiem transferências de
aprendizagem ou conflitos conceituais que venham a potencializar a elaboração de
novos significados. A relevância desses recursos está principalmente na
possibilidade de aplicação de conceitos abstratos em exemplos imagéticos
dinâmicos que permitem aos estudantes uma aproximação da realidade dos
movimentos em que esses conceitos são aplicados, além da possibilidade de intervir
nessa dinâmica manipulando variáveis que interferem nesses fenômenos ou
movimentos corporais. A inclusão ou valorização das experiências cotidianas na
construção desse sistema hipermídia permite a aproximação dos conceitos
cotidianos trazidos pelos alunos como parte dos seus conhecimentos prévios do
gênero discursivo científico presente nos textos explicativos do sistema.
O estudo realizado a partir de interações individuais de alunos de graduação
em EF com o sistema hipermídia “Biomec” (COLA, 2004; REZENDE et al., 2006),
indicou que este material pode ser valioso para as disciplinas de Cinesiologia e
Biomecânica, sendo para essa última um recurso mais adequado em função da
maturidade dos alunos e de seus interesses (a Biomecânica é cursada no 7º período
da graduação em EF e a Cinesiologia no 4º período). O sistema “Biomec” influenciou
de maneira positiva a atitude dos alunos em relação à Física e auxiliou os alunos a
compreender a interdisciplinaridade entre os conceitos de mecânica, biomecânica e
21
anatomia humana no movimento humano. Esse estudo apontou a necessidade de
futuras pesquisas no sentido de aprofundar questões relativas à compreensão da
relação entre hipertextualidade e conhecimento interdisciplinar e a construção do
conhecimento a partir da interação com sistemas hipermídia de aprendizagem.
Na tentativa de aprofundar algumas dessas questões, o estudo da interação
de duplas de alunos com o sistema “Biomec” é visto como um caminho promissor no
sentido de abordar um elemento fundamental da aprendizagem, que não teve lugar
no estudo anterior: a linguagem. A investigação do processo de construção do
conhecimento mediado por esse tipo de recurso e pela linguagem pode fornecer
mais elementos para a compreensão do potencial da hipermídia para esse contexto
educativo.
O desafio desse estudo é, assim, investigar como os estudantes, trabalhando
em duplas com o sistema hipermídia “Biomec”, lançam mão desse recurso e da
interação com um colega, ou seja, a partir de mecanismos interpsicológicos,
desencadeiam processos intrapsicológicos que se efetivam no domínio e
apropriação do conteúdo do sistema como forma de internalização.
Além da novidade na aplicação de sistemas hipermídia de aprendizagem com
conteúdo de Biomecânica para apoio e aprofundamento teórico nas aulas dessa
disciplina, o que já desperta o interesse pela exploração do material, o uso de
exemplos e demonstrações dos conceitos físicos em situações do cotidiano e a
aplicação dos mesmos em gestos e movimentos associados à cultura corporal, pode
suscitar maior proximidade dos alunos a esse campo do conhecimento,
favorecendo, desse modo, a aprendizagem desse conteúdo. A possibilidade de
intervir nos parâmetros e variáveis das simulações poderá também favorecer o
22
aparecimento de discursos que caracterizam situações de domínio e apropriação do
conteúdo nas ações de explicação do fenômeno ao colega ou a si próprio.
A linguagem hipertextual do sistema “Biomec” também poderá,
diferentemente da leitura de um livro-texto, demandar do estudante uma
“compreensão ativa, que no dizer de Bakhtin (1998) é responsiva, construída no
encontro dos diferentes enunciados produzidos entre os sujeitos” (FREITAS, 2005,
p. 89). Lo712 v19.87976 580.28-sez
23
medida a utilização colaborativa de recursos didáticos com as características de um
sistema hipermídia pode ajudar os estudantes de graduação em EF no domínio e
apropriação dos conceitos biomecânicos da cultura corporal.
1.2 JUSTIFICATIVA
O desenvolvimento acelerado da tecnologia eletrônica, com destaque para as
tecnologias da informação e comunicação, tem caracterizado as últimas décadas. O
impacto desse desenvolvimento na sociedade tem provocado reflexos nos campos
político, econômico, social e, com isso, demandado a necessidade de mudanças na
esfera educacional. Essa realidade exige da Educação olhares diferenciados na
análise da mediação das ferramentas de informação e comunicação no contexto
educativo. Torna-se igualmente importante uma reflexão crítica quando se trata de
importar esses recursos para o meio educacional, já que não é o acesso e volume
de informações oferecidas que indicará a qualidade do processo ensino-
aprendizagem. Entretanto, concordando com Kawamura (citado por Rezende, 2000)
“se a educação e a escola não abrirem espaço para essas novas lin.s.0000.0x as
24
Além disso, contemplam a perspectiva construtivista na medida que dão autonomia
ao usuário em determinar a seqüência a ser trilhada na sua navegação, constituindo
dessa forma seu próprio conhecimento.
Por suas características, a proposta de utilização de um sistema hipermídia
como recurso mediador na construção de conhecimentos, pontualmente no ensino
de Biomecânica, pode ser considerada uma inovação relevante principalmente se
levada em conta a inexistência desse tipo de recurso didático nesse contexto.
Justifica-se também pelo fato de que a arquitetura hipertextual do material didático
está próxima da realidade atual dos estudantes de graduação que invariavelmente
utilizam a rede de informação e comunicação (a internet também tem o formato de
hipertexto) como meio para elaboração de pesquisas e trabalhos acadêmicos, além
de sua utilização como veículo de comunicação e interação social.
Do ponto de vista da pesquisa, a perspectiva de ter como referência a
abordagem sociocultural em um estudo sobre hipermídia em Educação em Ciências
permitirá investigar com profundidade como os estudantes se apropriam dos
conceitos científicos nas relações de significados construídas entre os estudantes e
entre eles e o sistema. A relevância da análise da atividade interativa e discursiva na
perspectiva sociocultural está em possibilitar, além da análise dos dados do foco de
interesse desse estudo, compreender a influência dos contextos, inclusive a do
próprio discurso, dos intertextos e das organizações sociais presentes na linguagem
veiculada de diferentes formas (escrita, falada, desenhada, gesticulada, etc), assim
como também, perceber os significados intrínsecos de outros meios de produção
textual (LEMKE, 1998). Dessa forma, considera-se o presente estudo uma
possibilidade de avanço na pesquisa em hipermídia em função do enfoque
diferenciado dos utilizados anteriormente e pela complementaridade aos estudos
25
realizados com o sistema “Biomec” por Cola (2004) na licenciatura em EF. O uso do
“Biomec” no ensino de física de nível médio é visto, neste momento, como uma
possibilidade a ser explorada em pesquisa futura.
A possibilidade de utilização de um material didático inovador em Educação
em Ciências, mais especificamente, no ensino de Biomecânica, Cinesiologia e
Anatomia Humana em cursos que têm ênfase no movimento humano poderá
representar uma contribuição valiosa e enriquecedora, também quando seu
conteúdo for explorado durante as aulas pelo professor, ou discutido nas aulas
teóricas posteriormente à sua utilização pelos alunos, o que poderá se constituir em
um futuro objeto de estudo.
Essa proposta metodológica distancia-se da visão tecnicista de educação,
predominante nas décadas de 60, 70 e 80, que atribuía um peso determinante à
incorporação de recursos tecnológicos “inovadores” como modelos e métodos
educacionais que impressionavam e diziam “garantir” a eficácia do processo ensino-
aprendizagem. Nessa perspectiva, o professor-instrutor representava o “técnico” que
treinava e adestrava os alunos a realizar com êxito a tarefa proposta. Uma dos
objetivos dessa tendência pedagógica é a rápida profissionalização da mão de obra
a partir do treinamento do aluno por meio de aulas organizadas através de recursos
audiovisuais, instrução programada ou livros didáticos que se estruturam no eixo
pergunta-resposta. “Ao aluno não cabe o direito a debate ou questionamento.
Apenas reação aos estímulos que o instrutor lhe determinar” (MEKESENAS, 2000,
p. 50).
Os sistemas hipermídia de aprendizagem se diferenciam dos materiais
instrucionais tecnicistas na medida em que o ensino do conteúdo abordado no
sistema não pode ser programado. O conhecimento internalizado pelo usuário será
26
distinto, considerando que as relações estabelecidas entre os recursos do sistema
como os textos, as imagens, as animações e simulações são como fios a serem
tecidos por ele. A riqueza e profundidade desse conhecimento irão variar de aluno
para aluno, levando-se em consideração seus interesses e motivações, seus
conhecimentos e experiências anteriores, suas habilidades cognitivas e outros
fatores relacionados ao seu contexto sociocultural.
A proposta de utilização colaborativa do sistema hipermídia “Biomec” inspira-
se no paradigma sócio-interacionista em que os recursos pedagógicos são vistos
como ferramentas físicas e psicológicas na elaboração de significados. E a
aprendizagem como um processo ativo de construção do conhecimento cujo agente
é o próprio aluno que, em interação com o professor ou com outros alunos, tem o
papel de acessar as informações, analisar, criticar, selecionar, relacionar, sintetizar,
enfim, construir seu conhecimento.
Capítulo 2
2 REFERENCIAL TEÓRICO
Inicialmente, situamos os sistemas hipermídia de aprendizagem no contexto
da pesquisa em educação em ciências e apresentamos suas características
fundamentais.
Tendo em vista a proposta de interação entre estudantes e a mediação de
um material educativo embutida nesse estudo, apresentamos os princípios
fundamentais do desenvolvimento mental humano na perspectiva sócio-histórico-
interacionista de L. S. Vygotsky e conceitos da lingüística semiótica de M. Bakhtin no
sentido de subsidiar o entendimento dos mecanismos inter e intrapsicológicos que
poderão configurar a atividade discursiva dos estudantes no processo de construção
de conhecimentos.
E por fim, complementando a abordagem sociocultural, apresentamos a
perspectiva de J. Wertsch de ação mediada, que se apóia nos autores anteriormente
citados e na noção de ação humana de Kenneth Burke, explorando principalmente
suas propriedades. Todo esse corpus teórico permitirá considerar em que medida o
uso da linguagem e dos recursos semióticos do sistema hipermídia, caracterizados
pelo domínio e apropriação das ferramentas culturais, conformam a elaboração
compartilhada de significados.
28
2.1 Sistemas hipermídia de aprendizagem
Os sistemas hipermídia de aprendizagem são aplicativos computacionais que
integram os recursos do hipertexto com as múltiplas formas de representação das
informações que caracterizam os sistemas multimídia como imagens, sons, vídeos,
gráficos, animações e simulações, daí poder ser considerado como uma interseção
entre os conceitos de hipertexto e multimídia (REZENDE e COLA, 2004).
O hipertexto é uma forma de “escritura eletrônica não-seqüencial e não-linear,
que se bifurca e permite ao leitor o acesso a um número praticamente ilimitado de
outros textos a partir escolhas locais e sucessivas, em tempo real” (MARCUSHI,
1999, p.86). Nos sistemas hipermídia, as informações textuais podem ser
combinadas com imagens (animações ou figuras), sons, organizadas de forma a
permitir a leitura ou navegação não-linear, baseada em índices, associações de
conceitos ou idéias, sob a forma de links. Entendidos como ligações, os links são
marcas que conectam um nó a outro e agem como janelas virtuais que apontam
caminhos para outras informações. Os links são geralmente representados por
palavras, frases ou imagens (ícones) em destaque (negrito, itálico ou em cores) que
indicam a origem ou o destino das ligações, que levam o leitor à informações
adicionais, complementares ou novas informações.
Por essa multiplicidade de conexões, no hipertexto o leitor tem o controle da
sua leitura que será de acordo com suas necessidades ou interesses específicos e
em função de suas condições cognitivas. Dessa forma, como observa Snyder (citado
por MARCUSHI, 1999), “o hipertexto obscurece os limites entre leitores e escritores,
já que é construído parcialmente pelos escritores que criam as ligações, e
29
parcialmente pelos leitores que decidem os caminhos a seguir (p.96)”. Nesse sentido
tem-se a idéia de uma autoria coletiva ou de uma co-autoria. O leitor determina a
ordem da leitura assim como o conteúdo dela. Embora não escreva o texto no
sentido tradicional do termo, ele determina a versão final de seu texto, que pode ser
muito diversa daquela proposta pelo autor (MARCUSHI, 1999). O hipertexto
configura-se, assim, como um espaço propício ao diálogo entre textos e
interlocutores podendo, portanto, ser considerado um evento textual dialógico
(FREITAS, 2005).
Em geral, os estudos relativos ao uso de sistemas hipermídia no ensino têm
sido conduzidos sob o enfoque cognitivista, procurando relacionar a aprendizagem a
partir desses sistemas com estilos de aprendizagem, conhecimento prévio dos
estudantes, conhecimento de informática e familiarização com sistemas de
hipertexto e hipermídia como, por exemplo, os trabalhos de Fitzgerald e Semrau
(1998) que estudaram o efeito de utilização do sistema hipermídia sobre os
diferentes tipos de usuários e outros estudos citados por Song (2002) numa revisâo
bibliográfica acerca do uso educacional da hipermídia.
Neste enfoque, a pesquisa sobre a introdução das tecnologias de informação
e comunicação (TIC) na Educação em Ciências e de um modo geral, sobre sistemas
hipermídia de aprendizagem, tem visto a tecnologia como dispositivos físicos que
facilitam ou tornam mais eficie
30
A investigação das TIC enquanto ferramentas técnicas ou artefatos físicos nas
intervenções em sala de aula tem deixado de lado seu uso como ferramenta
psicológica ou cultural própria da noção de ação mediada estabelecida no enfoque
vygotskiano e, portanto, relacionada a uma visão de ensino como construção de
conhecimento. Segundo Wertsch (1998), a aprendizagem encontra-se mediada por
ferramentas físicas ou por ferramentas semióticas que não só facilitam a ação e
aumentam sua eficácia, como também podem transformar de maneira substancial a
forma e o caráter dessa ação, assim como a estrutura das funções mentais
empregadas.
Os sistemas hipermídia de aprendizagem atendem a esse duplo papel de
ferramenta física e psicológica em função de suas características fundamentais
descritas a seguir. Nesses sistemas, as diferentes formas de apresentação do
conteúdo por meio de outras linguagens além da textual, podem facilitar a
compreensão das informações, ilustrar e enriquecer o conteúdo, motivar a
aprendizagem e tornar mais desafiante a resolução de problemas (MACHADO e
SANTOS, 2004). Em contrapartida, esses sistemas exigem dos usuários novas
estratégias de navegação, de obtenção de informação e de compreensão das
linguagens (textuais e imagéticas) (COSTA, 2005). Reforçando essa afirmativa,
Recker e Pirolli (citados por SONG, 2002) apontam como pré-requisitos para a
aprendizagem com sistemas hipermídia, que os alunos possuam estratégias de
aprendizagem efetiva e conhecimento anterior apropriado. Eles concluíram que para
alunos que não possuem hábito de estudo autônomo individual, o alto grau de
flexibilidade proporcionado pela estrutura hipertextual desses sistemas não é
benéfico para esses alunos.
31
O trabalho de Dueñas et al (citado por GASPAR E MONTEIRO, 2005)
desenvolvido com o uso de softwares para demonstração dos conceitos de Física,
mostrou que para grande maioria dos alunos entrevistados, a utilização desses
recursos facilitou a compreensão dos conceitos. Esse resultado levou os autores a
concluírem que as experiências demonstrativas no computador motivaram os
alunos, despertaram seus interesses pelos temas abordados e tornaram as aulas
mais atrativas.
A utilização dos sistemas hipermídia enquanto ferramentas culturais
evidencia-se também pela interatividade garantida nesses sistemas tornando o
usuário autônomo no seu processo de construção de significado, permitindo-lhe
dialogar com os diferentes meios, intervir na tomada de decisões relativa à escolha
de novos vínculos, na introdução ou eliminação de conteúdos, na modificação da
organização e extensão desses. Coll (citado por DIAZ BARRIGA, 2005) considera as
características da interatividade, multimídia e hipermídia como as que mais
potencializam as TIC como instrumentos psicológicos mediadores das relações entre
os alunos e os conteúdos.
Giordan (2005a) acredita que os sistemas hipermídia de aprendizagem
quando contêm simulações e animações e são explorados por mais de um usuário
podem gerar situações de conflito cognitivo ou “mobilizar as ações dos alunos na
manipulação do objeto, na elaboração discursiva e também na elaboração de
significado” (p.290). Os estudos de Solomonidou e Stravidou e Kosma et al (citados
por GIORDAN, 2005a), apontaram a visualização estática como deficiente para
auxiliar os alunos na compreensão da natureza dinâmica de alguns fenômenos. Isso
nos faz supor a superioridade das animações em relação às imagens estáticas na
32
compreensão de conceitos e situações dinâmicas, como no caso do movimento
humano.
Martins e Gouvêa (2001) num estudo das imagens como um modo semiótico
que interage e coopera com a linguagem textual em textos didáticos, apontam
algumas de suas implicações para o ensino. Segundo as autoras, a leitura da
imagem contribui para a visualização de alguns conceitos, como também para a
compreensão de textos diversos relacionados ao discurso científico. Possibilita
também diferentes leituras relacionadas ao interesses, expectativas, conhecimento
prévio e à história de leitura das pessoas. Além disso, ao interagirem com textos
ilustrados os leitores “exercitam suas capacidades de comparar, descrever,
enumerar e discriminar, associadas à operação cognitiva de análise que os
encaminham para recriação e interpretação, associadas à capacidade de síntese”
(MARTINS e GOUVÊA, 2001). Admitindo certa equivalência entre os textos didáticos
científicos e a composição das páginas do sistema hipermídia “Biomec”,
consideramos tais implicações também pertinentes nesse caso.
Essa forma dinâmica, não-linear de possibilidade de diálogo com os diferentes
textos (escritos, simbólicos e imagéticos) por meio de múltiplas conexões, vem ao
encontro da primeira idéia de hipertexto expressa por Vannevar Bush de que a
mente humana não pensa hierarquicamente ou seqüencialmente, mas
reticularmente, como uma rede intrincada de associações, assim como vem atender
ao modo como se dá hoje a percepção da juventude, que passa por uma mutação
perceptiva (SILVA, 2002). Segundo este autor, ela transita da percepção tradicional,
estática, linear à percepção baseada na colagem de fragmentos. A juventude
encontra nas tecnologias hipertextuais um ambiente complexo que traz a nova
dimensão de sua mutação perceptiva em curso. Logo, esses aportes informacionais
33
do hipertexto e da hipermídia, quando usados como fundamento do ensino-
aprendizagem, podem representar uma nova forma de pensar e sentir, porque
coloca o indivíduo como autor de seu próprio conhecimento (PRETTO, 1996). Nesse
aspecto, a facilidade e o desempenho no uso da ferramenta cultural é parte do
contexto atual no qual, em decorrência do acesso e da apropriação das TIC no
cotidiano, verifica-se a predominância das linguagens audiovisual, interativa e
hipertextual, caracterizando um tipo de gênero discursivo. Como os gêneros
discursivos encontram-se nas práticas sociais da linguagem, e admitindo que as
características da linguagem hipertextual (modularidade, virtualidade,
multimodalidade e interatividade) subverteram as estratégias e habilidades implícitas
aos atos de ler, escrever, pensar e comunicar (COSTA, 2005), alguns autores como
Marcuschi (2001), Freitas (2005) e Costa (2005), apontam o surgimento de novos
gêneros discursivos, onde o computador é a ferramenta mediadora que modifica o
discurso e leva à criação de outros gêneros textuais e a novas maneiras de ler,
escrever e pensar. Segundo Costa (2005), “o conjunto de recursos semióticos, a
arquitetura hipertextual e o espaço (re)enquadrado, aliados à ferramenta
(computador e periféricos), ao suporte (a tela) e a seus dispositivos (softwares), são
responsáveis pelo surgimento de novos gêneros discursivos e textuais e de novas
variedades de linguagem” (p. 104).
A exploração da interatividade e não-linearidade pelos estudantes e a
utilização das múltiplas formas de acessar as informações (som, imagem, animação,
vídeo e simulação) não garantem por si só a construção do conhecimento. A chave
para tal propósito está em como o estudante lança mão desses recursos e
características para elaborar significados. As seções seguintes vão fornecer o
quadro teórico adequado para explorar essas possibilidades.
34
2.2 As contribuições de L. S. Vygotsky e M. Bakhtin para a abordagem
sociocultural
Os estudos de Vygotsky foram motivados pela crítica ao reducionismo
biológico e o condutivismo mecanicista que dominava na psicologia, a tendência dos
psicólogos em isolarem-se, não se comunicando com outras disciplinas das ciências
sociais e, principalmente, pela lacuna existente na psicologia experimental de sua
época quanto à questão do pensamento e da linguagem. Para dedicar-se a essa
questão, Vygotsky analisou criticamente vários estudos contemporâneos
comparando-os entre si e complementando-os com dados experimentais a fim de
desenvolver suas premissas e chegar à teoria geral das razões genéticas do
pensamento e da linguagem e, assim, solucionar o problema que até então nenhum
estudioso havia desenvolvido através de pesquisa experimental sistemática. Isso
rendeu a Vygotsky e seus colaboradores
1
uma luta ideológica com as concepções
teóricas opostas. As críticas mais contundentes de Vygotsky à psicologia vigente
eram contra o método de análise de decomposição das totalidades psicológicas
complexas em elementos, o que impedia de esclarecer toda especificidade das
relações entre palavra e pensamento.
Em contrapartida, Vygotsky propôs o método semântico, da análise do sentido
da linguagem por meio de decomposição em unidades, tendo como unidade de
análise o significado da palavra. Para o autor, “é justamente no significado que está
o nó daquilo que chamamos de pensamento verbalizado” (VYGOTSKY, 2001, p. 9).
35
A concepção que reinava na psicologia supunha que a comunicação se dava
através do signo, da palavra e do som. Essa visão era decorrente da análise
decomposta em elementos, aplicada aos problemas da linguagem. Esses elementos
representam apenas o aspecto externo da linguagem, não se podendo associá-los a
conteúdos da vida psíquica nem considerá-los como meio de transmitir ou
comunicar esses conteúdos a outra pessoa, pois os mesmos não conservam as
propriedades de um todo mais complexo. No entanto, esse equívoco foi superado
depois que outros estudos realizados na mesma época concluíram que “a
comunicação sem signos é tão impossível quanto sem significado” (VYGOTSKY,
2001, p. 12).
Considerar o significado da palavra como unidade do pensamento e da
linguagem, permitiu a Vygotsky contemplar as duas funções da linguagem –
comunicativa e do pensamento – de maneira interligada, e realizar estudos mais
avançados em relação à Psicologia da época, sobre os mecanismos do
pensamento. Para Vygotsky, a comunicação pressupõe necessariamente
generalização e desenvolvimento do significado da palavra, pois para se comunicar
com alguém é preciso que o outro compreenda o que se deseja transmitir, e isso só
é possível se ambos compartilham o mesmo repertório de significados.
Depois do estudo crítico e da análise teórica dos principais dados sobre o
desenvolvimento do pensamento e da linguagem nos planos filogenético e
ontogenético, Vygotsky focou sua investigação no estudo experimental do
desenvolvimento dos conceitos na infância, estudando primeiramente os conceitos
artificiais formados por via experimental e, posteriormente, o desenvolvimento dos
conceitos reais da criança. Sua meta era “elucidar o caminho principal do
1
Aleksander Romanovich Luria (1902-1977) e Aleksei Nikolaevich Leontiev (1904-1979) se uniram a Lev
Semyonovitch Vygostsky como discípulos e colegas, e chegaram a ser conhecidos como a “troika” da escola
36
desenvolvimento dos significados das palavras na idade infantil [...] e dos conceitos
científicos e espontâneos na criança” (Vygotsky, 2001, p. XVII). Com base nesses
estudos teóricos e experimentais, analisou a estrutura e funcionamento de todo o
processo de pensamento verbalizado.
Enquanto a psicologia tradicional se concentrava nas lacunas e deficiências
do pensamento infantil com relação ao pensamento do adulto, as novas
investigações centraram a atenção naquilo que a criança tem, ou seja, nas
peculiaridades e propriedades distintivas do seu pensamento. Afinal, como disse
Rousseau, citado por Piaget, “a criança nada tem de pequeno adulto e sua
inteligência não é, de maneira nenhuma, a pequena inteligência do adulto”
(Vygotsky, 2001). Essa abordagem propiciou significativo avanço nas investigações
sobre a gênese do pensamento e da linguagem, uma vez que deixou de analisar as
questões psíquicas de forma isolada e passou-se a investigar o processo do qual
essas questões se originam.
Das teorias sobre o pensamento e a linguagem criticadas por Vygotsky, a
teoria de Piaget destacou-se por sua importância histórica. Apesar de reconhecer a
valiosa contribuição desse autor no estudo do pensamento e da linguagem infantil, a
divergência basilar de Vygotsky refere-se à raiz do processo de formação do
pensamento infantil. Piaget considera que os processos de desenvolvimento da
criança são independentes do aprendizado, que as influências do meio social são
deformadas pela criança segundo as suas próprias leis, as quais estão relacionadas
“com a própria natureza psicológica da criança que sempre se manifesta de forma
regular, inevitável, estável e independente da experiência infantil” (VYGOTSKY,
2001, p. 36). Entretanto, as leis citadas por ele “não são leis da natureza, mas sim
vygostskiana, além de outros colaboradores como V.P. Zinchenko e V.V. Davydov (WERTSCH, 1988).
37
leis histórica e socialmente determinadas” pelas condições em que seus estudos
foram desenvolvidos (VYGOTSKY, 2005, p. 28). Piaget se baseou na premissa de
que “o aprendizado segue a trilha do desenvolvimento e que o desenvolvimento
sempre se adianta ao aprendizado [...]. O desenvolvimento ou maturação são vistos
como uma pré-condição do aprendizado, mas nunca como resultado dele”
(VIGOTSKI,1998, p. 105).
Em contraste com essa concepção teórica, Vygotsky distinguia dentro do
processo geral de desenvolvimento, duas vertentes qualitativamente distintas quanto
à sua origem: os processos elementares de origem biológica e as funções
psicológicas superiores, de origem sociocultural. Desse modo, tinha como
pressuposto que o aprendizado não é desenvolvimento, nem este coincide com o
processo de aprendizado, mas se adequadamente organizado, resulta em
desenvolvimento mental, pois considerava o aprendizado um aspecto necessário e
universal do processo de desenvolvimento das funções psicológicas culturalmente
organizadas e especificamente humanas. Para o autor, o processo de
desenvolvimento progride de forma mais lenta e atrás do processo de aprendizado.
Atrelados ao processo de aprendizado, estão dois conceitos basilares na concepção
de Vygotsky sobre o desenvolvimento mental: a interação e a mediação. Esse é um
dos aspectos que torna o autor referência básica em estudos socioculturais.
A abordagem sociocultural em educação em ciências atribui um peso
significativo ao papel da interação social e considera as práticas sociais como objeto
de estudo indissociável das organizações sociais e da cultura que as constituem
(LEMKE, 2000). O foco central dessa abordagem é “entender a relação entre o
funcionamento mental humano, por um lado, e o contexto cultural, histórico e
institucional, por outro” (WERTSCH et al, 1998, p. 56).
38
Os estudos de Vygotsky têm dado suporte teórico à abordagem sociocultural
justamente por considerarem o desenvolvimento mental humano como produto dos
mecanismos elementares e dos processos interpessoais, oriundos da inserção do
homem num contexto cultural. Essa interação social com outros membros e sua
participação em práticas sociais é mediada por sistemas simbólicos de
representação da realidade (signos), em especial, a linguagem, que permite a
comunicação entre os indivíduos, o estabelecimento de significados compartilhados
por determinado grupo cultural, a percepção e interpretação dos objetos, eventos e
situações do mundo (REGO, 2004).
Essa concepção tem ligação com o trabalho, fruto das idéias marxistas que
influenciaram o autor. “O instrumento é um elemento interposto entre o trabalho e o
objeto de seu trabalho, ampliando as possibilidades de transformação da natureza”
(OLIVEIRA, 1997, p. 29). Já o signo atua como um instrumento da atividade
psicológica de maneira análoga ao papel de um instrumento, por isso também ser
chamado de instrumento psicológico, pois auxilia nos processos psicológicos.
A incorporação de sistemas simbólicos ou signos no comportamento humano
é o que diferencia as funções elementares que são diretamente estimuladas pelo
ambiente, das funções superiores, cuja “característica essencial é a estimulação
autogerada, isto é, a criação e o uso de estímulos artificiais que se tornam a causa
imediata do comportamento” (VIGOTSKI, 1998, p. 53). O signo é concebido pelo
autor como um instrumento psicológico que age sobre o sujeito a fim de regular a
atividade. O ponto comum entre um signo e uma ferramenta de trabalho é que
ambos têm função mediadora. Entretanto, enquanto o primeiro é orientado
internamente, o segundo serve como meio de influência humana sobre o objeto da
atividade.
39
Quando o uso de meios mediacionais interfere na ação, exigindo a alteração
das operações psicológicas empregadas nessa ação da mesma forma que o uso
dos instrumentos amplia a gama de atividades em que novas funções psicológicas
podem operar, tem-se a função psicológica superior, que se refere à combinação
entre instrumento e signo na atividade psicológica (VIGOTSKI, 1998). A
denominação de função psicológica superior a esses mecanismos deve-se à
situação “superior” do ser humano em relação aos chimpanzés (animais utilizados
nos estudos empíricos) que são incapazes de operar com ferramentas em situações
similares àquelas nas quais foram treinados.
O conceito de mediação foi a contribuição mais original e significativa de
Vygotsky, que se contrapôs a correntes psicológicas vigentes à época que
concebiam o indivíduo ou o ambiente de forma distinta e isolada (WERTSCH, 1999).
É o conceito central para a compreensão de suas concepções sobre o
desenvolvimento psicológico. Essa perspectiva tornou-o capaz de reunir diferentes
campos do conhecimento num enfoque comum que considera os indivíduos
atrelados ao seu contexto sociocultural e que tem capital importância hoje em dia,
transcorrido mais de meio século desde sua morte (WERTSCH, 1999).
Na visão sócio-interacionista, a aprendizagem e o desenvolvimento
acontecem a partir da interação do indivíduo com o meio social, onde certos
aspectos da estrutura da atividade realizada em um plano externo passam a
executar-se em um plano interno. Esse processo de reconstrução interna de
fundamental importância para o desenvolvimento das funções psicológicas
superiores se caracteriza por duas transformações: a) uma operação inicial
representada por uma atividade externa é reconstruída e começa a ocorrer
40
internamente; e b) um processo interpessoal é transformado num processo
intrapessoal (VIGOTSKI, 1998).
Admitir que a introdução de ferramentas psicológicas ou meios mediacionais
na ação pode alterar ou redefinir essa ação e a estrutura das funções mentais, da
mesma maneira que um instrumento técnico modifica as formas operacionais de
executar a ação, significa que os mecanismos psicológicos superiores, aqueles
originados somente das relações entre humanos, como percepção, memória,
atenção voluntária e desenvolvimento da volição também podem ser alterados, pois
são conformados pela ação interativa com a ferramenta cultural e com outro agente,
constituindo o que Vygotsky denominou de processo de internalização.
Assim, o desenvolvimento das funções psicológicas superiores aparece
primeiramente no nível social, entre pessoas (interpsicológicas) e, depois, no interior
de cada indivíduo (intrapsicológica). Esse processo de internalização caracteriza o
vínculo entre os mecanismos interpsicológicos, ou seja, processos sociais mediados
por ferramentas psicológicas ou culturais como a linguagem, os signos e outros
recursos semióticos, e o funcionamento intrapsicológico. Um aspecto importante da
internalização é que esse processo não deve ser considerado uma cópia ou
transferência dos conteúdos da atividade externa para o interior da consciência, pois
ele mesmo é criador da consciência. Quando o “indivíduo internaliza a matéria-prima
fornecida pela cultura não é, pois, um processo de absorção passiva, mas de
transformação, [...] em que as atividades externas e as funções interpessoais
transformam-se em atividades internas, intrapsicológicas” (OLIVEIRA, 1997, p. 38).
O funcionamento interno é resultante de uma apropriação das formas de ação que
estão intimamente interligadas a estratégias e conhecimentos dominados pelo
sujeito como, também, a ocorrências no contexto interativo. O plano intersubjetivo
41
não é o plano “do outro”, mas da relação do sujeito com o outro. Dessa forma,
podemos afirmar que é na relação com o outro, nas experiências de aprendizagem
que o desenvolvimento se processa. Esse fato reforça a importância dos processos
socioculturais específicos, como o do ensino escolar, para a formação da
consciência.
Essa visão de aprendizagem se diferencia das posturas inatistas e dos
processos de maturação do organismo e das posturas empíricas que enfatizam a
supremacia do meio social no desenvolvimento. Pela ênfase dada aos processos
sócio-históricos-interacionistas, a idéia de aprendizagem inclui a interdependência
dos indivíduos envolvidos no processo. A concepção de que é o aprendizado que
possibilita o despertar de processos internos do indivíduo liga o desenvolvimento do
sujeito à sua relação com o ambiente sociocultural em que vive, e reconhece que a
função do homem como organismo não se desenvolve plenamente sem o suporte
de outros indivíduos da sua espécie.
A relação entre o funcionamento interpsicológico e intrapsicológico torna-se
mais concreta a partir da noção de “zona de desenvolvimento proximal” (ZDP).
Enquanto a psicologia americana preocupava-se em descobrir como ocorreu o
desenvolvimento mental da criança, a psicologia soviética buscava conhecer como a
criança poderia avançar no processo de desenvolvimento mental alcançado. A ZDP
refere-se, desse modo, ao caminho que o indivíduo vai percorrer para desenvolver
funções que estão em processo de amadurecimento, e que serão consolidadas
estabelecendo o nível de desenvolvimento real. A ZDP é a distância entre o nível de
desenvolvimento real da criança, determinado a partir da resolução independente de
problemas, e o nível mais elevado de desenvolvimento potencial determinado pela
resolução de problemas com a ajuda de um adulto ou com seus pares mais
42
experientes. As funções mentais ainda adormecidas ou em processo de maturação
e que poderão aflorar posteriormente foram consideradas por Vygotsky como
“brotos” ou “flores” do desenvolvimento presentes no funcionamento intrapsicológico.
(VIGOTSKI, 1998, p. 113).
Assim, a ZDP é um processo psicológico em constante transformação. É
como se esse processo de desenvolvimento progredisse de forma mais lenta que o
processo de aprendizagem; a aprendizagem desperta processos de
desenvolvimento que, aos poucos, vão tornar-se parte das funções psicológicas
consolidadas do indivíduo. A interferência dos adultos e de crianças mais
experientes nesse processo permite concretizar o amadurecimento de funções
psicológicas ainda adormecidas. Por essa razão, Vygotsky atribui papel relevante às
interações professor-aluno e alunos entre si no espaço escolar, considerado como
um ambiente de práticas sociais culturalmente heterogêneo e contexto apropriado
para o desenvolvimento dos processos simbólicos do pensamento e das funções
psicológicas superiores.
O principal enfoque dado por Vygotsky ao desenvolvimento do pensamento é
sua relação intrínseca com a linguagem. O uso dos instrumentos lingüísticos para o
pensamento evolui, assim como o significado das palavras. No estágio primitivo
dessa evolução, a palavra faz parte da estrutura do objeto, passando por um estágio
intermediário em que o significado é independente do objeto, até o estágio avançado
em que são possíveis os conceitos ou generalizações. A formação de conceitos pela
criança está associada à segunda função da linguagem, ou seja, a de pensamento
generalizante. Essa função torna a linguagem um instrumento de mediação do
pensamento na medida em que fornece os conceitos e as formas de organização do
real, que serão mediadores entre o sujeito e o objeto do conhecimento (OLIVEIRA,
43
1997). Por essa razão, Vygotsky deu destaque ao papel da linguagem no
desenvolvimento do pensamento e das funções psicológicas superiores nas quais se
encontra a capacidade de formação de conceitos. Os conceitos na perspectiva
vygotskiana são como um sistema de relações e generalização contidos nas
palavras e determinado por um contexto histórico cultural. São, assim, construções
culturais internalizadas ao longo do processo de desenvolvimento dos indivíduos
(REGO, 2004).
O desenvolvimento do pensamento conceitual está associado à escola, por
ser a linguagem científica privilegiada nesse espaço, como instrumento mediador
mais apropriado ou eficaz. Para entender o desenvolvimento do pensamento
conceitual é preciso considerar as especificidades e as relações existentes entre os
conceitos cotidianos e os conceitos científicos. Os conceitos cotidianos ou
espontâneos referem-se aos conhecimentos construídos a partir da observação,
manipulação e das vivências concretas da criança no seu dia a dia, enquanto os
conceitos científicos são construções sistematizadas do conhecimento produzidas
nas interações escolarizadas. Esses conceitos correspondem a dois estágios do
desenvolvimento do pensamento infantil. No estágio inferior, onde se localizam os
conceitos espontâneos, esses dispõem de meios de descrição simples associados à
realidade empírica. No estágio superior, onde se localizam os conceitos científicos,
formam-se conceitos mais amplos pelo conteúdo, não mais relacionados a exemplos
particulares de uma classe e sim a toda uma classe. Isso ocorre em função das
capacidades de generalização e abstração que a criança adquire, o que lhe torna
capaz de tomar consciência do conceito, independente do contexto espaço-temporal
em que é utilizado.
44
A combinação e a inter-relação entre os conceitos cotidianos e científicos é
parte do processo de elaboração e reelaboração constante de significados já que do
ponto de vista psicológico, o significado da palavra é uma generalização ou conceito,
ato mais específico e autêntico do pensamento (VIGOTSKI, 2001).
Para Vygotsky, os conceitos científicos estão ligados a uma classe específica
de atividade semiótica, como por exemplo, dar definições. A ação semiótica
associada com os conceitos científicos é a descontextualização, porque focaliza em
formas e significados que permanecem fixos, independente dos diversos contextos
de fala. É o caso das definições abstratas encontradas nos dicionários, cujos
significados se supõem existirem independentes dos seus usos específicos. Por
permitir o domínio de formas abstratas de raciocínio, os conceitos científicos são
considerados instrumentos mediadores descontextualizados.
A escola desempenha importante papel no desenvolvimento dos conceitos
científicos, na medida em que permite aos alunos, em interação com o professor e
com alunos mais experientes, atualizar, negociar, modificar e construir significados
relativos ao conhecimento escolar, conteúdo que não está associado ao campo de
vivência da criança (COLOMINA et al, 2001). O processo de conceitualização
ocorre, na escola, por meio de uma prática social dialógica mediada pela linguagem
e pelo outro. Ou seja, é na interação com as pessoas mais experientes, colegas ou o
próprio professor, e utilizando-se de um amplo conjunto de ferramentas culturais,
dentre as quais a linguagem, que ocorre a construção do conhecimento escolar. O
aluno quando orientado, ajudado e em colaboração, avança sempre mais, resolve
tarefas mais difícies do que quando sozinho (VIGOTSKI, 2001).
Uma medida para averiguar o funcionamento interpsicológico entre adultos e
crianças ou entre crianças de níveis diferentes é observar a intersubjetividade, ou
45
seja, quando os indivíduos compartilham temporariamente uma perspectiva ou
realidade social (WERTSCH, 1999). Níveis crescentes de intersubjetividade estão
associados com níveis superiores de funcionamento intrapsicológico nas crianças.
Esse conceito está diretamente relacionado à transmissão de significado porque
pressupõe um acordo implícito entre os sujeitos da interação.
Para aprofundar a questão da transmissão de significado, que está
diretamente ligada às práticas educativas e às pesquisas sobre a construção do
conhecimento na perspectiva sociocultural, Wertsch (1993) recorre aos conceitos de
Bakhtin, no sentido de ampliar as afirmações de Vygotsky sobre a origem e natureza
social do desenvolvimento mental humano e explicar algumas das vinculações entre
os mecanismos interpsicológicos e intrapsicológicos e os ambientes culturais,
históricos e institucionais. Essa vinculação se evidencia quando as linguagens
sociais e os gêneros discursivos são considerados como recursos mediadores
(WERTSCH e SMOLKA, 2001). De caráter socioculturalmente situado, esses
recursos tornam-se a ponte entre o desenvolvimento mental e o entorno
sociocultural, com o qual os indivíduos estabelecem um palco de negociação num
movimento permanente de recriação, reinterpretação de informações, conceitos e
significados (OLIVEIRA, 1997).
Mikhail Mikhailovitch Bakhtin graduou-se em Letras, História e Filosofia e
consagrou-se como filósofo da linguagem. Contemporâneo de Vygotsky, sofreu as
mesmas influências sociais, políticas e culturais enquanto cidadãos russos num país
em que a ditadura stalinista dominava. Além da origem natal, os autores tinham em
comum, a base teórica do materialismo dialético, sendo assim, ávidos opositores
aos métodos tradicionais vigentes na psicologia, na lingüística e na filosofia da
linguagem. Compartilharam a concepção dialética e dialógica da linguagem como
46
signo que emerge das interações sociais, carregado das influências do contexto em
que ele é produzido, e que, ao mesmo tempo, influencia os interlocutores desse
contexto.
Assim como Vygotsky, Bakhtin buscou através da linguagem, compreender as
questões epistemológicas das ciências humanas e sociais. Considerou a linguagem
como elemento organizador da vida mental e fundamental na formação do sujeito
histórico-social. Daí o valor que atribuiu à palavra e à interação com o outro. Para
ambos, o conhecimento é uma construção social mediada pelo outro, através da
linguagem (FREITAS, 2003). No entanto, a linguagem para esses autores, não é
apenas um veículo de transmissão de conteúdo, mas possui uma dimensão
constitutiva de formas de pensar e significar. Para eles, é na interação entre sujeitos
mediada pelo discurso e no discurso que ocorre a elaboração do conhecimento.
Para Bakhtin, “o essencial na tarefa de decodificar não consiste em reconhecer a
forma utilizada, mas compreendê-la num contexto concreto preciso, compreender
sua significação numa enunciação particular” (MACHADO,1999, p. 132).
Na contramão das grandes correntes teóricas da lingüística que
predominavam até então, Bakhtin considerou o enunciado como expressão e
produto da interação social, a verdadeira unidade de análise e da comunicação
verbal, que só pode existir se é produzido por uma voz. Ele reflete além da voz que
o produz, as vozes a quem o enunciado se dirige (WERTSCH, 1993). Por essa
razão, a enunciação é de natureza social. Segundo Bakhtin (citado por JOBIM e
SOUZA,1994), “toda enunciação é um diálogo, [...] não há enunciado isolado, todo
enunciado pressupõe aqueles que o antecederam e todos os que o sucederão: um
enunciado é apenas um elo de uma cadeia” (p. 98). O conceito de voz em Bakhtin
não se refere a sinais auditivo-vocais, mas se aplica tanto à comunicação oral como
47
à escrita, além de envolver questões mais amplas da perspectiva do sujeito falante,
seu horizonte conceitual, sua intenção e sua visão de mundo.
Para analisar as enunciações buscando a construção de sentido, é preciso
recorrer à noção de dialogia, conceito-chave em Bakhtin, que pressupõe que em
todo enunciado há, pelo menos, duas vozes, mesmo que não haja interação face a
face. Quando um sujeito fala, o faz referente a algo ou a outra voz. Mesmo que um
enunciado não esteja respondendo de alguma maneira a enunciados anteriores, ele
antecipa as respostas de outros enunciados que se seguirão. O interesse de Bakhtin
pela direcionalidade do enunciado envolve tanto o interesse por quem produz o
enunciado como a quem esse enunciado é dirigido. Segundo Smolka (citado por
MACHADO, 2000), o conceito de dialogia é fundamental para entender que nas
interações que ocorrem em sala de aula há um concerto polifônico de duas ou mais
vozes que se contatam e se confrontam, como as vozes do professor, dos alunos,
do senso comum, do livro didático ou de uma página hipertextual. Nesse sentido, o
ato de compreender não é apenas decodificar um conteúdo, mas requer do
interlocutor uma ação ativa e reativa, porque “para cada palavra da enunciação que
estamos em processo de compreender, fazemos corresponder uma série de
palavras nossas, formando uma réplica.” (BAKHTIN, 2004, p. 132). Quanto maior o
número e o peso dessas palavras, mais profundo e substancial será nosso
entendimento.
Segundo Bakhtin (2003), só pode haver significado quando duas ou mais
vozes entram em contato, pois “... o ouvinte, ao perceber e compreender o
significado (linguístico) do discurso ocupa simultaneamente em relação a ele uma
ativa posição responsiva: concorda ou discorda dele (total ou parcialmente),
completa-o, aplica-o, prepara-se para usá-lo, etc.” (p. 271). A compreensão de um
48
enunciado, segundo Bakhtin, é dialógica porque implica um processo no qual outros
enunciados entram em contato e o confrontam, numa negociação de significados
entre a voz transmissora e a voz receptora do discurso a ser compreendido.
(SEPÚLVEDA e EL-HANI, 2006).
Os enunciados e os significados dos enunciados estão intrinsecamente
inseridos num contexto sociocultural e, por isso, são permeados de influências
socioculturais: pela direcionalidade dos enunciados (para quem falamos ou a quem
nos referimos); pelo contexto em que esses enunciados são produzidos (na escola,
em casa) e pela função que esses enunciados desempenham (uma petição, uma
carta pessoal). Bakhtin chamou essa situacionalidade do enunciado de gênero
discursivo. O gênero discursivo é um tipo de enunciado que se caracteriza em
função de situações típicas de comunicação verbal, ao contrário da linguagem social
que é um tipo social de fala associada a um extrato específico da sociedade
(segundo a profissão, faixa etária, etc.). Logo, a produção de todo enunciado implica
a apropriação de pelo menos uma linguagem social e um gênero discursivo, porque
esses tipos sociais de fala estão situados socioculturalmente (WERSTCH, 1993).
Em relação ao próprio falante, cada enunciado se caracteriza antes de tudo
por um determinado conteúdo semântico de referência. O segundo elemento é seu
aspecto expressivo, isto é, a relação subjetiva emocionalmente valorativa do falante
com o conteúdo e sentido do seu enunciado. Wertsch (1993) equipara o aspecto
expressivo com a perspectiva sobre o conteúdo do enunciado que, para o autor,
desempenha um papel importante no relacionamento interpsicológico na zona de
desenvolvimento proximal, na medida em que diferentes perspectivas se enfrentam.
Na relação do enunciado com os outros participantes da comunicação verbal, a
dialogicidade desempenha papel central.
49
A compreensão de como as linguagens sociais e gêneros discursivos se
relacionam na composição dos enunciados, é indispensável para a análise de como
diferentes vozes se põem em contato.
Na intenção de melhor compreender certas estruturas de enunciado, Wertsch
(1993) aproxima-se da idéia de dualismo funcional trazida pelo semiólogo Yuri
Lotman, em que todo texto ou enunciado cumprem duas funções básicas: transmitir
significados e gerar novos significados. A primeira função está relacionada com a
noção de univocidade, em que os enunciados e seus significados são fixos,
transmitidos por uma voz sem que se modifiquem em contato com outras vozes. No
lugar de gerar novos significados ou funcionar como um dispositivo para pensar, o
gênero discursivo de autoridade exige nossa lealdade incondicional ao significado a
ser transmitido, permitindo pouco espaço para que a voz receptora questione,
desafie ou influencie a voz transmissora. No contexto da educação formal, o
discurso científico exerce certo poder e privilégio em relação ao senso comum, por
exemplo. Como afirmam Mortimer e Scott (2002), a linguagem social da ciência é
essencialmente de autoridade.
Em termos de estrutura do diálogo, o discurso de autoridade, típico da
interação que ocorre em sala de aula entre professor e aluno, é descrito por Sinclair
e Coulthard (citados por LEMKE, 1997) como padrão “I-R-F”, onde “I” refere-se à
iniciação geralmente feita pelo professor, sob a forma de pergunta instrutiva, ou seja,
aquela promovida com a intenção de verificar o conhecimento do aluno e cuja
resposta já é conhecida. Após a resposta (R) do aluno, o professor fornece um
feedback (F) ao aluno em forma de avaliação da sua resposta. No padrão “I-R-F” ou
triádico (LEMKE, 1997), o professor exerce o controle sobre a estrutura e o padrão
temático da interação, considerando apenas a “voz” do aluno sob o ponto de vista do
50
discurso científico (MORTIMER E SCOTT, 2002). Esse padrão discursivo não ocorre
somente entre professor e aluno, podendo acontecer também no discurso entre
alunos, caracterizando um discurso interativo de autoridade.
Quando a aluno inicia o diálogo fazendo uma pergunta autêntica, em que ele
deseja conhecer a resposta, tem-se a subversão da tríade I-R-F (GIORDAN, 2004).
Essa tríade invertida permite ao aluno a iniciação do diálogo, mas o controle do
padrão temático e da estrutura permanecem com o professor pela resposta dada ao
aluno.
Ao contrário do discurso de autoridade, o discurso internamente persuasivo
não é finito, é aberto, dialógico, pode gerar novas formas de significar em cada
contexto em que se dialoga. “A palavra internamente persuasiva é em parte nossa e
em parte de outro” (BAKHTIN, citado por WERTSCH, 1993). No discurso
internamente persuasivo, cada voz toma as enunciações de outras vozes como
estratégias de pensamento, porque não são informações recebidas e armazenadas
de forma estática, e sim “propiciadoras de um movimento na forma de negociação e
de criação de significado” (WERTSCH e SMOLKA, 2001, p. 136). Esse tipo de
discurso em que mais de uma “voz” é considerada, Mortimer e Scott (2002)
denominaram de discurso interativo dialógico, porque há no diálogo uma inter-
animação de idéias, vozes que se contatam e se enfrentam.
A idéia de discurso interior está atrelada à palavra diálogo no sentido mais
amplo, ou seja, qualquer tipo de comunicação verbal, oral ou escrita, exterior ou
interior, manifestada ou não (LUKIANCHUKI, 2001). Isso porque o discurso interior é
construído a partir do que o indivíduo absorve de todo um discurso exterior. Daí se
dizer que o discurso interior é determinado pela situação de sua enunciação e pelo
auditório, que obrigam o discurso interior a manifestar-se externamente de maneira
51
definida, “que se insere no contexto não verbalizado da vida corrente, e nele se
amplia pela ação, pelo gesto ou pela resposta verbal dos outros participantes na
situação de enunciação” (BAKHTIN, 2004, p. 125). Segundo o autor, a atividade
mental do indivíduo é expressa por signos, originados da relação social, sob a forma
de palavras, mímica ou outro meio, manifestações do discurso interior. Essa idéia
nos leva a aproximá-lo do conceito de fala interna de Vygotsky, que diz respeito à
forma de organização do pensamento que pode ser desencadeada pela própria
enunciação ou motivada pelo discurso exterior. A fala interna difere da fala de uma
comunicação social por sua estrutura e por sua função. Na fala interna, o sentido
predomina sobre o significado, o que em parte justifica a existência da sintaxe
abreviada, ou seja, a tendência de abreviação de frases e orações preservando o
predicado e as partes da oração ligadas a ele. O sentido da palavra na fala interna
muda e é influenciado em função do contexto em que ela (a fala) ocorre.
Outra estrutura composicional de enunciado, muito desejável do ponto de
vista educacional, é a apropriação de discursos. Numa perspectiva sociocultural que
atribui um papel fundamental aos instrumentos culturais, tem-se na linguagem o
elemento essencial da apropriação de discursos. Wells (citado por MORAES e
GALIAZZI, 2003) afirma que na teoria sociocultural a aprendizagem costuma ser
considerada, em termos gerais, como apropriação, o que significa “assumir e
dominar artefatos e práticas culturais no processo de participar em atividades
conjuntas...” (p. 169). Mais especificamente, o que define apropriação é a ação que
vai além do contato com outras vozes ou com outros discursos, é “trazer algo para o
interior de si mesmo e fazê-lo próprio” (WERTSCH, 1999, p. 92). Apropriar-se do
discurso é, em parte, tornar suas, as palavras do outro, lhes acrescentando intenção
semântica e expressividade próprias, dando voz a sua manifestação discursiva e
52
promovendo sua reconstrução. Isso leva o sujeito a ampliar o domínio de um
discurso, apropriando-se de novos e mais horizontes de compreensão e de
participação. Do ponto de vista do ensino, promover atividades em que os alunos
possam expressar-se verbalmente, de forma oral ou escrita, permite,
gradativamente, a descontextualização da linguagem cotidiana ascendendo ao
domínio e apropriação de campos discursivos mais amplos e complexos, como a
linguagem científica, por exemplo.
A elaboração de um enunciado, sem a expressividade própria do autor, que
apela a uma linguagem social, sem torná-la sua propriedade, Bakhtin denominou de
“ventrilocução”. Nessa formação enunciativa, uma voz fala por intermédio de outra
voz ou tipo de voz em uma linguagem social.
Num enunciado também podemos encontrar a mistura de dois enunciados,
duas formas verbais, duas linguagens. A esse tipo de enunciado Bakhtin denominou
“construção híbrida”. Como exemplo, Lemke (1998) considera o texto científico um
típico híbrido semiótico porque utiliza linguagem verbal escrita, elementos
imagéticos e gráficos no mesmo espaço. Nesse aspecto, os sistemas hipermídia
também poderiam ser considerados como (hiper)textos duplamente híbridos, uma
vez que além de reunir numa mesma tela (página), o texto, a imagem, e outros
signos semióticos, permite a dialogicidade entre diferentes textos, ou seja, entre os
textos do sistema hipertextual e aqueles construídos pelos usuários ao interagirem
com o sistema.
Quando num diálogo percebe-se a interanimação de vozes, onde a voz de um
interfere no enunciado do outro porém de forma invisível, ou seja, não explícita, tem-
se o que Bakhtin denominou de “dialogicidade oculta”. Embora as palavras do outro
53
não estejam presentes, elas deixam sinais perceptíveis de que houve influência na
fala do primeiro sujeito (WERTSCH, 1993).
A relação desses gêneros enunciativos a contextos culturais, históricos e
institucionais traz importantes implicações para o entendimento da influência dos
mesmos enquanto recursos mediacionais, na configuração dos processos
interpsicológicos e intrapsicológicos, que são formados pelo contexto sociocultural.
Por exemplo, a transmissão e assimilação dos conceitos científicos na escola,
enfatizada por Vygotsky, é mediada pelo gênero discursivo científico, classificado
por Bakhtin (2003) como um gênero secundário, que surge em circunstâncias de
comunicação cultural mais complexa e evoluída. Da mesma forma que os conceitos
científicos são assimilados e, como conseqüência, “fornecem estruturas para o
desenvolvimento ascendente dos conceitos espontâneos da criança em relação à
consciência e ao uso deliberado” (VYGOTSKY, 2005, p. 136), os gêneros
secundários absorvem e transmutam os gêneros primários (simples), nos quais se
incluem o discurso cotidiano.
Esse paralelo entre o desenvolvimento conceitual de Vygotsky e os gêneros
do discurso de Bakhtin, permite reflexões sobre o ensino de conceitos científicos na
escola. Como afirma Vygotsky (2005), o professor que tenta o ensino direto desses
conceitos como se pudessem ser simplesmente transmitidos, cai no verbalismo
vazio que, na verdade, oculta um vácuo. O desenvolvimento dos conceitos
científicos centra-se no seu aspecto semântico, da mesma forma que as relações
dialógicas dos gêneros discursivos são relações de sentido. O sentido “exige uma
compreensão ativa, mais complexa, em que o ouvinte, além de decodificar, relaciona
o que está sendo dito com o que ele está presumindo e prepara uma resposta ao
enunciado” (FREITAS, 2003, p. 136). Portanto, a aprendizagem da linguagem
54
científica torna-se viável com o desenvolvimento da interação social, espaço
dialógico de construção compartilhada de significados, onde as habilidades mentais
de generalização e abstração permitirão a construção de conceitos. Na visão de
Vygotsky (2001), a aprendizagem dos conceitos científicos só ocorre quando a
criança torna-os conscientes, ou seja, passa a operar arbitrariamente com eles.
Segundo Candela (citado por MACHADO, 1999) a construção de significados
em uma situação de interação discursiva entre indivíduos como a que ocorre no
contexto de sala de aula, pode evoluir para a construção de significados
compartilhados. Mas podem surgir também incompreensões e construções
paralelas. Nesse sentido, são relevantes também, os mal-entendidos ou
diferenciação entre significados ou entre pontos de vista, assim como as explicações
ou descrições produzidas em meio a outros enunciados, aqueles que antecedem as
explicações ou descrições e os enunciados posteriores às mesmas (AMARAL e
MORTIMER, 2006).
Numa sala de aula, os alunos frequentemente fazem interpretações diferentes
e estabelecem relações muito diferentes a partir do mesmo contexto temático.
Tentar evitar esse problema seria contrariar a função comunicativa básica da
linguagem e negá-la como ferramenta para gerar significados (LEMKE, 1997). O
autor lembra que em determinadas situações de aprendizagem em sala de aula, os
alunos escutam e lêem a linguagem científica, porém falam muito pouco e escrevem
menos ainda. “Quando temos que reunir palavras que tenham sentido, formular
perguntas, argumentar, raciocinar e generalizar, é quando aprendemos a falar
cientificamente” (p. 40).
Machado e Moura (citados por MACHADO, 1999) em um levantamento junto
a professores de química e ciências sobre as relações entre linguagem e construção
55
do conhecimento, constataram que por considerarem a linguagem um processo
externo aos sujeitos, esses professores estabeleceram uma concepção falsa de que
“quanto mais clara for a mensagem que se quer transmitir, mais garantida estará a
comunicação” (p. 131). Essa concepção docente é problemática do ponto de vista
de uma visão bakhtiniana do discurso já que para compreender não basta
decodificar uma mensagem, mas entender sua significação num contexto concreto
preciso ou num enunciado particular (BAKHTIN, citado por MACHADO, 1999). Essas
considerações nos alerta para situações de certa forma freqüentes no processo
ensino-aprendizagem. Não basta o professor ser claro, simples e objetivo ao
transmitir seus enunciados. Os processos de compreensão e significação são
produtos de elaborações ativas e responsivas dos sujeitos que recebem e
decodificam esses enunciados.
2.3 Propriedades da ação mediada
Opondo-se à tendência de fragmentação das correntes hegemônicas no
campo da psicologia que analisam apenas as ações externas dos indivíduos,
isolando-os de seu contexto sócio-histórico-cultural, James Wertsch (1999) compõe
com os conceitos de Vygotsky, Bakhtin e Kenneth Burke um corpus teórico como
ferramenta conceitual metodológica para aprofundar as investigações sobre a ação
humana. Na abordagem de K. Burke, a ação humana é analisada através de cinco
elementos (pentagrama): o ato (o que foi feito), o propósito (por que foi feito), o
agente (autor da ação), a agência (instrumentos e recursos utilizados para fazer) e a
cena (quando e onde foi feito).
Wertsch faz parte do grupo de pesquisadores e teóricos conhecidos como
autores neovigotskianos interessado em ampliar as idéias de Vygotsky sobre a
56
mediação dos signos na atividade humana. É um autor contemporâneo, que além de
ter cursado o pós-doutorado em Moscou e se dedicado aos estudos de Vygotsky,
dialogou com três dos seus principais colaboradores – A. R. Luria, A. N. Leontiev e
V. P. Zinchenko. Da mesma forma que Vygotsky se opunha aos métodos
reducionistas de analisar a consciência humana, Wertsch busca um ponto de
equilíbrio na dicotomia reinante nas ciências sociais entre indivíduo e sociedade, e a
ênfase em métodos investigativos que analisam o indivíduo de forma isolada
(individualismo metodológico).
Considerando principalmente dois dos cinco elementos do pentagrama de
Burke, o agente e as ferramentas culturais (agência), a concepção de ação
humana na perspectiva de Wertsch (1999) pressupõe a ação mediada como um
momento psicológico da ação realizada nos planos externo e/ou interno por grupos
ou indivíduos, na qual fica evidente a relação com o contexto sociocultural. Essa
relação é constituída pela mediação das ferramentas culturais, socioculturalmente
situadas.
Baseando-se no pressuposto vygotskyano de que a formação da consciência
e das funções psicológicas superiores ocorrem a partir da atividade do sujeito com a
ajuda de instrumentos socioculturais mediadores do processo de reorganização do
funcionamento psicológico, Wertsch (1999) considera que o estudo da ação humana
não poderia apenas analisar as ações externas dos indivíduos, mas teria que
considerar também a relação agente-objeto e as ferramentas psicológicas que
atuam como mediadoras. Para isso, Wertsch (1999) considera como unidade de
análise a ação mediada, para explicar a gênese dos mecanismos psicológicos
quando o sujeito age com ferramentas, como recursos semióticos, para produzir
significado, e como estes conformam a ação humana. Olhar para a ação do sujeito
57
com ferramentas culturais é trazer para a análise o contexto sociocultural dessa
relação semiótica e dialética, uma vez que os modos de mediação e as ferramentas
culturais estão inerentemente situados no cultural, institucional e histórico. É buscar
entender como o uso dessas ferramentas e não outras, interfere no processo
microgenético de desenvolvimento das funções psicológicas superiores. A tarefa de
um enfoque sociocultural é, assim, “explicar e expor as relações entre a ação
humana, por um lado, e os contextos culturais, institucionais e históricos em que
essa ação tem lugar, por outro” (WERTSCH, 1999, p. 48).
Segundo Wertsch (1999), quase toda ação humana é uma ação mediada.
Para melhor definir esse tipo de ação, o autor descreve suas características
principais: 1) a ação mediada se caracteriza por uma tensão irredutível entre o
agente e os modos de mediação; 2) a materialidade dos modos de mediação; 3) a
ação mediada pode ser motivada por vários objetivos simultâneos; 4) ela se situa em
um ou mais caminhos evolutivos; 5) os modos de mediação podem restringir e, ao
mesmo tempo, possibilitar uma ação; 6) novos modos de mediação transformam a
ação mediada; 7) a relação dos agentes na mediação pode caracterizar-se como
domínio; 8) a relação dos agentes na mediação pode caracterizar-se como
apropriação; 9) a mediação pode acontecer por razão alheia à facilitação da ação
mediada; 10) os modos de mediação associam-se com o poder e a autoridade.
O foco de estudo na teoria da ação mediada é a interação do agente com a
ferramenta cultural, não se podendo analisar esses elementos (agente e ferramenta)
de forma isolada. Considera-se, portanto, o agente como “o indivíduo que opera
com modos de mediação” (WERTSCH, 1999, p. 52), daí a utilização da expressão
tensão irredutível para referir-se à relação entre esses elementos. Fazendo uma
analogia com a pergunta bakhtiniana clássica sobre o sujeito da ação, na ação
58
mediada, o autor não é nem o sujeito (sozinho) nem a ferramenta cultural, mas o
sujeito-agindo-com-ferramenta. Sem uma ferramenta e um sujeito capaz de operar
com ela, qualquer ação torna-se muito difícil ou impossível de ser realizada.
Tomando o exemplo citado por Wertsch (1999), sem o auxílio da sintaxe
matemática, que permite “armar” a operação de multiplicação de dois números com
três algarismos cada um, ou sem o auxílio de uma calculadora, a resolução desse
cálculo seria impossível ou extremamente difícil de ser feito sem a mediação dessas
ferramentas culturais.
Uma das características da ação mediada diz respeito à materialidade dos
modos de mediação. De acordo com Vygotsky, sistemas semióticos como os
sistemas para contar, as técnicas mnemônicas, as obras de arte, mapas, desenhos
e toda classe de signos convencionais são ferramentas psicológicas empregadas na
mediação. Todos esses objetos têm materialidade, por isso serem denominados
“artefatos”. Apesar de não ser tão evidente a materialidade da linguagem falada, ela
também é uma propriedade desse modo de mediação. A materialidade dos artefatos
usados como ferramentas culturais interfere na compreensão dos processos
internos decorrentes dessa mediação, que podem ser considerados como
habilidades específicas requeridas nos modos de mediação. O desenvolvimento
dessas habilidades implica em atuar com as propriedades materiais das ferramentas
e reagir frente a elas. Sem essa materialidade que exige atuação e reação do sujeito
com esta, não poderiam surgir habilidades socioculturalmente situadas (WERTSCH,
1999). Essa característica está intrinsecamente relacionada à relação dos agentes
com os modos de mediação, que podem ser caracterizados como domínio e
apropriação das ferramentas culturais na internalização da ação mediada.
59
O enfoque dado por Wertsch (1999) à análise da internalização está inserido
na análise da ação mediada e se refere ao uso das ferramentas culturais. Essa
noção de internalização pode ser denominada domínio, que significa “saber como
usar um modo de mediação com facilidade” (p. 87). A palavra internalização sugere
uma representação mental de ações realizadas no plano externo que passam para o
plano interno, e não difere muito do conceito utilizado por Vygotsky ao referir-se aos
processos inter e intrapsicológicos, que pode ser ilustrado no exemplo em que a
criança aprende a contar utilizando os dedos ou palitos (ferramentas culturais) e,
posteriormente, essa ação é internalizada. No entanto, Wertsch (1999) prefere o
termo “saber usar” e “domínndm qunemre pgseremar”m3o re ação a gnifapaao ctecerid(outer)Tj12 0 0 1.54.750973 340.21205 Tmovoc(radmudrianre)Tj12 0 0 12 371113973 340.21205 Tmadda
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l faonamosdamefersino, s47ãaernomtificn emo
ferramentas cultura imre
60
por WERTSCH, 1999, p. 93). Assim, fazer uso da linguagem requer apropriar-se das
palavras do outro e torná-las, em parte, nossas. Isso porque não existe uma
linguagem neutra e impessoal, disponível para ser usada, mas para torná-la própria,
é preciso tomá-la da boca dos outros, dos contextos e das intenções dos outros.
Nesse sentido, concordando com Giordan (2005b), as noções de domínio e
apropriação “são mais adequadas para explicar o processo de elaboração de
significados pelos sujeitos, através de suas ações externas e internas mediadas por
ferramentas culturais” (p. 60). Essas noções se referem a como os agentes através
do seu envolvimento com a ação, mudam seu entendimento sobre essa ação e a
controlam como conseqüência de sua participação numa ação anterior.
A teoria da ação mediada, assim como a concepção de Vygotsky, considera
os sistemas semióticos, dentre eles a linguagem, determinantes no processo de
elaboração de significados, pois é através da fala que ocorrem as principais e mais
significativas ações humanas (GIORDAN, 2005b). O significado é um conceito
central para a aproximação sociocultural à ação humana, pois assim como o
enunciado, está inerentemente situado num contexto sociocultural (WERTSCH,
1993). Como o significado só existe na interação social, a construção de significado
é um processo ativo, mediado, situado e dialógico por natureza. Essa proximidade
dos fenômenos semióticos justifica a pertinência dos conceitos de dialogia e gêneros
discursivos de Bakhtin ao corpus teórico da ação mediada.
Uma outra característica da ação mediada refere-se aos múltiplos propósitos
de uma ação, que podem estar em harmonia ou em conflito com a própria ação.
Concordando com Burke, Wertsch também admite que o(s) propósito(s) de uma
ação está(ão) implícito(s) no contexto em que essa ação se desenrola. Considerar a
existência desses múltiplos objetivos na ação mediada permite uma compreensão
61
mais ampla de como os múltiplos objetivos de um agente podem estar configurados
pelas finalidades das ferramentas culturais específicas, ou podem estar em conflito.
Levar em conta esse aspecto na análise da ação mediada, permite ao investigador
maior abrangência do olhar sobre essa ação, supondo que cada objetivo pode estar
relacionado a um contexto específico que poderá intervir nos processos mentais do
indivíduo. Wertsch chama a atenção sobre esse aspecto no sentido de não restringir
a análise da ação mediada a um determinismo, ou seja, como se fosse motivada por
apenas um objetivo, o que contrariaria a perspectiva da complexa dialética existente
entre os elementos da ação mediada (WERTSCH, 1999).
Considerar a ação mediada como unidade de análise é concebê-la dentro de
um processo histórico, evolutivo, que está em constante mudança. Essa
característica aponta para a mudança que os agentes, as ferramentas e a tensão
irredutível entre eles estão sujeitos. Essa característica é o que leva Vygotsky a
empregar o método genético ou evolutivo, o qual preconiza que o entendimento de
muitos aspectos do desenvolvimento mental só seja possível se entendermos a
origem desses aspectos e as transformações que eles têm sofrido, “desde o
nascimento até sua morte [...] somente em movimento um corpo mostra o que é na
realidade” (Vygotsky, citado por WERTSCH,1999, p. 65).
A noção de desenvolvimento, nesse referencial, relaciona-se com os
mecanismos psíquicos empregados na maneira que os indivíduos atuam e dominam
um conjunto existente de ferramentas culturais. Por isso, não se pode atribuir o
desenvolvimento da ação mediada, apenas ao desenvolvimento do sujeito, nem
somente à evolução das ferramentas culturais. O desenvolvimento da ação
mediada está atrelado aos objetivos finais que motivam a ação (direcionalidade
intrínseca do desenvolvimento) e à relação agente-ferramenta cultural. No exemplo
62
citado por Wertsch (1999) do projeto de aviões, a mudança da ferramenta cultural
(das réguas, esquadro e cálculos para a simulação feito pelo computador) resultou
uma força mais poderosa de desenvolvimento que a melhoria das habilidades do
indivíduo. Isso significa que para melhorar ou mudar um curso de desenvolvimento,
pode-se também mudar a ferramenta cultural ao invés de melhorar as habilidades
para utilizar essa ferramenta. Como a mudança nas ferramentas culturais pode
causar resistência por parte do contexto ou do agente, essa perspectiva da ação
mediada é uma alternativa que deve ser mais considerada.
A ação mediada também sofre restrições e empoderamento advindos das
ferramentas culturais no sentido de possibilitar ou favorecer a ação. Qualquer
investimento para entender e interagir com a realidade deve levar em conta a
limitação inerente aos meios mediacionais que empregamos. Entretanto, o
reconhecimento dessa limitação só é possível quando comparamos a perspectiva
presente com novas formas de mediação. Mas, segundo Wertsch (1999), nem
sempre a escolha desses meios segue a lógica do rendimento ou da eficácia,
podendo depender de outros fatores relacionados com antecedentes históricos, o
poder e a autoridade culturais e institucionais. Nessa hipótese, por que se utilizam
certas ferramentas e não outras, e quem decide quais ferramentas devem ser
usadas?
Outra propriedade da ação mediada refere-se à transformação da ação em
conseqüência da introdução de novas ferramentas culturais. Nesse aspecto,
Vygotsky (citado por WERTSCH et al, 1998) afirma que “ao estar incluída no
processo de conduta, a ferramenta psicológica (signo) altera todo o fluxo e a
estrutura das funções psíquicas” (p. 29). A mudança decorrente dessa “inovação”
pode impactar tanto os resultados ou conseqüências da ação mediada, como a
63
organização psíquica do agente-agindo-com-ferramentas culturais, a ponto de se
questionar se a ação em si é a mesma. Uma das formas de entender essa alteração
no fluxo e estrutura das funções mentais, consiste em considerar o que acontece
nos domínios genéticos da filogênese, da história sociocultural, da ontogênese e da
microgênese (WERTSCH, 1999). Ou seja, analisar a alteração ocorrida na ação
mediada pela inserção de novas ferramentas culturais, considerando que essa
análise pode variar dependendo do domínio genético em que essa análise será
realizada. Isso significa que as ferramentas culturais determinam o contexto
(domínio genético) e, consequentemente, os critérios para avaliar as habilidades dos
agentes. Nesse sentido, ao se analisar o desenvolvimento das habilidades de um
sujeito, fica implícita a tensão irredutível do agente com uma determinada
ferramenta cultural. Esse é um aspecto que tem que ser levado em conta, porque as
habilidades dos indivíduos podem variar segundo o modo de mediação empregado.
E isso provoca reflexões no âmbito educacional, uma vez que a escolha das
habilidades a serem desenvolvidas pelos alunos irá depender da definição de quais
ferramentas culturais poderão ser usadas na ação.
Nem sempre as finalidades que deram origem à criação de uma determinada
ferramenta permanecem restritas a ela. A matéria-prima empregada no fabrico de
uma ferramenta pode não ter sido originalmente produzida para a criação dessa
ferramenta, mas o seu uso pode ter se expandido para fabricá-la. A este fato
Wertsch (1999) denomina de “conseqüências laterais”. Para uma análise
sociocultural mais ampla, a produção e o consumo dos meios de mediação devem
ser analisados juntos porque as ferramentas culturais podem ser produzidas para
fins alheios ao uso que os agentes fazem delas. É o caso, por exemplo, dos
64
sistemas hipermídia de aprendizagem, cujos recursos foram “importados” da
informática para o âmbito educacional.
A produção e o consumo das ferramentas culturais, assim como as demais
características dessas ferramentas, passam a idéia de tratar-se de instrumentos
cognitivos e comunicativos neutros, que não sofrem influência de fatores como o
poder e a autoridade que as próprias ferramentas ou quem decide pelo uso das
mesmas exercem sobre a ação mediada. Essa “ingenuidade” ocorre muitas vezes
quando se pensa a respeito do emprego da tecnologia de uma maneira geral. Mas a
análise da ação humana situada socioculturalmente requer um olhar mais amplo
sobre o cenário sociocultural no qual se dá essa ação. Sendo assim, a questão do
poder e da autoridade deve ser considerada como fator influente não apenas no
agente, mas na ação mediada e nas ferramentas culturais. Nesse aspecto, Wertsch
(1999) cita como exemplo o discurso de autoridade e o discurso internamente
persuasivo de Bakhtin, considerando a linguagem como ferramenta cultural da ação
mediada de apropriação de certos enunciados. A depender do contexto em que o
discurso ocorre, um determinado tipo de linguagem social exerce seu poder e
autoridade frente aos seus interlocutores. É o caso, por exemplo, da linguagem
científica no âmbito da educação formal, onde “o gênero discursivo da ciência oficial
tem uma espécie de poder explicativo superior às idéias próprias dos sujeitos”
(WERTSCH, 1993, p. 160).
No presente estudo, consideram-se como objetos de estudo as ações
mediadas vistas na interação discursiva de duplas de alunos e na interatividade
deles com um sistema hipermídia, no contexto de uma prática extracurricular
inserida no cenário mais amplo da educação formal universitária. Assim, tem-se
como foco de interesse a tensão irredutível dos agentes-agindo-com-ferramentas-
65
culturais, por considerar que é pelo domínio e apropriação dos recursos semióticos
(como a linguagem e o sistema hipermídia) na ação mediada que se pode ter
acesso à microgênese dos mecanismos psicológicos humanos característicos dos
processos de domínio e apropriação (e de internalização) na construção de
significados.
66
Capítulo 3
3.1 OBJETIVO E QUESTÃO DE ESTUDO
Pretende-se estudar em que medida a interação discursiva de alunos que
interagem colaborativamente com o sistema hipermídia “Biomec” se relaciona com
os processos de internalização do conteúdo do sistema. A seguinte questão guia a
investigação: Como o uso da linguagem entre as duplas e a interação compartilhada
com o sistema hipermídia “Biomec” (considerando seus recursos semióticos como
imagem, vídeo, animação, textos e a organização hipertextual do conteúdo)
conformam o processo de construção do conhecimento?
3.2 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
3.2.1 Contexto e desenho da pesquisa
O estudo caracteriza-se como pesquisa qualitativa e tem como cenário o
laboratório de informática (LIG) da Escola de Educação Física e Desportos de uma
universidade pública brasileira. Os estudantes foram convidados pela pesquisadora
a interagir com o sistema “Biomec” numa atividade extracurricular relacionada às
disciplinas de Cinesiologia e Biomecânica. Para efetivar o convite, a pesquisadora
entrou em contato com os professores dessas disciplinas e numa visita às turmas,
no horário das aulas, fez uma explanação acerca do software, da finalidade de sua
criação e dos objetivos dessa pesquisa. A partir do convite, alguns estudantes
(voluntários) concordaram em participar e agendaram encontros com a
pesquisadora, em outros horários, no LIG.
67
A interação discursiva entre estudantes e a interação destes com o sistema
hipermídia “Biomec” é o contexto para a investigação do processo de construção do
conhecimento, considerando a tensão agentes-agindo-com-ferramentas-culturais
refletida nas ações mediadas das duplas.
Na apresentação do sistema aos alunos, é informado que a navegação
deverá ser em duplas, com duração de no máximo 40 minutos, e que eles devem
decidir, em comum acordo, os passos a serem dados (uso dos índices, das
palavras-chave, das simulações, animações e vídeos, do glossário e do botão
discussão) e que para isso, seria fundamental o diálogo e a ajuda mútua.
Os diálogos entre os alunos são gravados em fita cassete, para posterior
transcrição e análise da atividade discursiva.
Também são feitos registros de observação pela pesquisadora durante a
interação dos alunos com o sistema para auxílio na interpretação dos dados
coletados, visando identificar elementos significativos do entorno da prática
discursiva.
Ao final da interação com o sistema, é feita uma pergunta aberta aos alunos
sobre a contribuição do sistema hipermídia “Biomec” para a aprendizagem dos
conceitos físicos aplicados à Biomecânica. Esses depoimentos são utilizados no
sentido de contribuir para esclarecer aspectos envolvidos nos diálogos.
3.2.2 Participantes do estudo
A população-alvo desse estudo constitui-se de seis alunos da turma de
Cinesiologia (4º Período) do curso de licenciatura e seis alunos da turma de
Biomecânica (7º Período) do curso de bacharelado em EF. Esses alunos foram
68
agrupados, formando seis duplas, três de cada turma. A identificação dos alunos foi
feita de modo a manter o anonimato dos participantes.
3.2.3 Instrumentação
a) Sistema hipermídia “Biomec”
O “Biomec” é um sistema hipermídia que integra conceitos de mecânica,
biomecânica e anatomia, desenhado com base na perspectiva construtivista, onde
os estudantes têm o controle sobre a seleção do conteúdo através da navegação
mista (livre e guiada) entre conceitos, textos, imagens, animações, vídeos e
simulações. A interação do aluno ocorre a partir da escolha dos nós de informação
acessados a partir de três índices: “conceitos físicos”, “aplicações biomecânicas” e
“aplicações anatômicas”. Os índices e as palavras-chave permitem a ligação não-
linear entre os conceitos.
O índice “conceitos físicos” contempla os conceitos de velocidade angular,
momento de inércia, força, momento de uma força e vetores (Figura 1). Os índices
das subclasses “aplicações biomecânicas” e “aplicações anatômicas” contemplam,
respectivamente, os seguintes conceitos: contração muscular, locomoção, flexão do
cotovelo, levantamento de carga e saque; ísquiotibiais, glúteo máximo, bíceps
braquial e deltóide (Figuras 2 e 3).
69
Figura 1. Índice "conceitos físicos"
Figura 2.
Índice "aplicações biomecânicas"
Figura 3. Índice "aplicações anatômicas"
Todas as páginas do sistema hipermídia “Biomec” são compostas por textos
explicativos e imagens em forma de animação ou simulação, de exemplos do
70
cotidiano e do movimento humano (membros superiores e inferiores) em situações
práticas da EF, na tentativa de integrar o conhecimento do aluno ao conhecimento
científico relacionado àquela situação (REZENDE et al, 2006).
Uma característica fundamental do “Biomec” é a aplicação e demonstração de
conceitos físicos abstratos em animações propositalmente criadas e escolhidas para
que os estudantes percebam a relação e aplicabilidade desses conceitos em
situações do seu cotidiano acadêmico ou social, permitindo que esses recursos
semióticos desencadeiem significados, narrativas paralelas, transferências de
aprendizagem ou conflitos conceituais que venham a potencializar a elaboração de
novos significados.
As animações do “Biomec” consistem de imagens animadas onde os alunos
podem visualizar a aplicação dos conceitos de mecânica de forma dinâmica. Nas
simulações, os estudantes podem intervir nas imagens a serem animadas,
escolhendo valores diferentes para as grandezas envolvidas. A relevância desses
recursos está principalmente na possibilidade de aplicação de conceitos abstratos
em exemplos imagéticos dinâmicos que permitem aos estudantes uma aproximação
da realidade dos movimentos em que esses conceitos são aplicados, além da
possibilidade de intervir nessa dinâmica manipulando variáveis que interferem
nesses fenômenos ou movimentos corporais. A inclusão das experiências cotidianas
tem como objetivo a aproximação dos conceitos prévios trazidos pelos alunos ao
gênero discursivo científico, presente nos textos explicativos do sistema. Esses
textos encontram-se em todas as páginas correspondentes aos conceitos, onde se
pode ter acesso também às palavras-chave, que remetem o usuário às páginas dos
conceitos referentes às mesmas, permitindo a relação hipertextual entre conteúdos.
71
O botão “discussão”, presente em algumas páginas do sistema, aparece
quando o usuário anima a imagem dessas páginas. Ele possibilita o acesso a uma
seqüência de páginas, numa navegação guiada, que apresenta opções de
simulação, onde ele pode manipular variáveis que interferem de maneira distinta nos
movimentos ou fenômenos, permitindo, assim, uma compreensão mais ampla do
conteúdo. As imagens animadas das páginas de discussão foram criteriosamente
escolhidas para oferecer contextos que funcionem como espaços para
problematização e reflexão, e permitam ao usuário, ressignificar o conteúdo,
elaborando novos significados ou desencadeando ações discursivas paralelas.
A autonomia dada pelo sistema hipermídia ao usuário possibilita a construção
de sua própria experiência de aprendizagem a partir de suas habilidades e
conhecimentos prévios, necessidades conceituais e interesses, e em função da
multiplicidade de conexões decorrente da não-linearidade das informações. Esse
aspecto da hipertextualidade pode ter efeitos diversos para o usuário, levando-o a
uma navegação meramente exploratória ou acidental, ou a uma navegação que
proporcione a ele uma compreensão mais ampla (interdisciplinar) do conceito, o que,
de fato, irá depender dele próprio.
b) Registro da navegação
“A navegação das duplas de alunos no sistema “Biomec” é registrada em
arquivo ”.txt” , criado automaticamente pelo sistema Toolbook II. Esse arquivo
possibilita a análise da navegação feita pelos alunos durante a interação com o
programa no sentido de situar os enunciados, verificar os “nós” e âncoras acessados
e os vínculos estabelecidos entre texto, palavras-chave, simulações e animações,
assim como o tempo gasto entre esses “nós”.
72
A análise da navegação serve para ampliar o campo de interpretação das
interações discursivas, no sentido de auxiliar nos aspectos referenciais e temporais
dos enunciados, propiciando uma melhor compreensão e contextualização dos
enunciados, localizando no sistema hipermídia o conteúdo do qual se fala, assim
como o momento e a duração sobre o que se fala.
A seqüência das páginas acessadas pelas duplas de alunos, apresentada no
mapa de atividades descrito mais adiante, permite visualizar os conceitos visitados e
inferir sobre os objetos de navegação utilizados pela dupla. É possível, assim, ter
evidências sobre a utilização, por exemplo, de palavras-chave, o que caracteriza a
organização hipertextual do sistema ou de como são escolhidos os conceitos nas
páginas referentes aos índices.
3.2.4 Tratamento dos dados
Os diálogos das duplas de alunos gravados em fita cassete são
digitalizados, eqüalizados e armazenados em CD-ROM para facilitar audições
posteriores. A transcrição desses diálogos é auxiliada pelos registros de navegação
das duplas e pela consulta concomitante ao sistema hipermídia “Biomec” no sentido
de situar os eventos discursivos delimitando o padrão temático (LEMKE,1997), ou
seja, as relações de significados em torno do conteúdo de uma determinada área do
conhecimento.
De cada diálogo são extraídos episódios, ou seja, “conjuntos de enunciados
que criam o contexto para a emergência de um determinado significado ou de
alguns significados relacionados” (AMARAL e MORTIMER, 2006. p. 257). Nesses
episódios, podem constar ações discursivas (verbais), interativas (ações de seleção
do conteúdo no sistema) e manipulativas (escolha dos valores nas simulações). Dos
73
diálogos das seis duplas, foram extraídos 23 episódios. Selecionamos 13 episódios
para comporem o presente estudo a partir de possíveis relações com a questão de
estudo, geralmente situadas nos trechos dos diálogos em que os participantes
puderam atualizar, negociar, modificar e eventualmente compartilhar sistemas de
significados sobre o conteúdo ou tarefa (COLOMINA et al, 2001), incluindo as
situações de conflito, ou seja, segmentos discursivos em que fica evidente uma
situação que pode levar à aprendizagem (MOURA e MORETTI, 2003).
Quanto à codificação das transcrições, na identificação dos alunos foram
utilizadas as letras A e B. Na identificação das duplas foram utilizadas três letras: B
ou L, distinguindo os cursos de Bacharelado e Licenciatura; B ou C, para as
disciplinas de Biomecânica ou Cinesiologia; e as letras M ou F ou MS para duplas
masculina, feminina e mista. O uso de parênteses descreve as ações realizadas
(como leitura de uma página, por exemplo). O ponto de interrogação entre
parênteses indica que não foi possível identificar a fala dos participantes. As aspas e
a formatação em itálico identificam trechos dos textos explicativos do sistema
hipermídia e lidos em voz alta pelos estudantes e as reticências indicam uma
entonação da fala que pode ser interpretada como inacabamento do enunciado ou
de prosseguimento do diálogo.
3.2.5 Análise dos dados
Considerando o enunciado como forma de ação (BAKHTIN, 2003) e a ênfase
de Vygotsky no discurso, pensamento e na “ação mediada” (WERTSCH, 1999),
utilizamos o enunciado, enquanto ação mediada, como unidade básica de análise.
Nos episódios selecionados, os enunciados de cada interlocutor, foram identificados
por linhas.
74
A análise dos diálogos considera a tensão irredutível entre os meios
mediacionais como a linguagem e os recursos do sistema hipermídia e o indivíduo
que os utiliza. Assim, o foco do estudo é na interação dos estudantes com as
ferramentas culturais para elaborar significados e em que medida o domínio e
apropriação dessas ferramentas transformam os mecanismos intrapsicológicos de
construção do conhecimento.
Para compreender a construção de significados pelos sujeitos, foram
consideradas as condições de produção, a estrutura da atividade discursiva e a
situação.
As condições de produção foram definidas segundo alguns parâmetros
socioculturais: o lugar social da interação, o lugar social dos interlocutores (relações
interpessoais, de poder e dominação) e as finalidades da interação. A pesquisa foi
realizada no laboratório de informática da universidade, no turno em que cada uma
das duplas freqüentava as aulas (manhã ou noite). Os professores das disciplinas de
Biomecânica e Cinesiologia dos alunos envolvidos apoiaram a investigação (por
conheceram o sistema hipermídia “Biomec”), incentivando a participação dos
mesmos no estudo e reforçando os benefícios do material no sentido de contribuir
para a aprendizagem dos conceitos físicos aplicados no movimento humano.
Quanto ao lugar social dos interlocutores, trata-se de alunos de uma
universidade pública, incluídos digitalmente, que cursam bacharelado e licenciatura
em EF. Por serem colegas de classe e por terem escolhidos seus parceiros para
comporem as duplas de estudo, não há relação hierárquica, de poder e autoridade
institucionalmente constituída, o que não impede o surgimento dessas relações em
função de outros fatores, como a diferença no nível de desenvolvimento real dos
alunos com relação ao conteúdo.
75
A interação dos alunos com o sistema “Biomec” foi motivada pela realização
dessa pesquisa, o que não quer dizer que eles não tenham se engajado
pedagogicamente com o sistema como se fosse um material didático incorporado
nas atividades usuais do curso. Procuramos proporcionar aos alunos um ambiente
descontraído para que eles não se sentissem sendo monitorados ou avaliados in
loco pelo desempenho junto ao sistema, permitindo, dessa forma, a naturalidade dos
diálogos.
Para identificar as vozes e as linguagens sociais na análise da estrutura
discursiva, foram usados os critérios de Bakhtin para caracterizar o enunciado, em
particular os que concernem ao conteúdo semântico referencial, à relação do falante
com o enunciado e a relação do falante com o enunciado do outro. A estrutura da
atividade discursiva expressa, assim, a forma como os alunos se interrelacionam uns
com os outros ao longo do diálogo, perguntando, respondendo ou compartilhando e,
ao mesmo tempo, elaboraram significados acerca de um tema ou conceito (LEMKE,
1997).
A análise da situação (LEMKE, 1997) diz respeito ao contexto em que
emergem os episódios. Para tentar explicitar esse contexto, buscou-se analisar os
vínculos que os enunciados possuem dentro da cadeia de comunicação constituída
na interação dos alunos com o sistema hipermídia, utilizando-se um mapa de
atividades, adaptado a partir da estratégia sugerida pela etnografia interacional
(AMARAL e MORTIMER, 2006). A estratégia de apresentação dos dados por meio
de mapas de atividades tem, assim, por objetivo, contribuir para a contextualização
dos enunciados produzidos no decorrer da interação dos alunos com o sistema
“Biomec”.
76
Neste mapa, são especificados em colunas, os seguintes elementos da
situacionalidade dos episódios de cada dupla: a identificação da dupla de alunos; a
seqüência das páginas acessadas; o tempo de navegação em cada conceito ou
aplicação; a localização dos episódios e observações referentes aos estudantes ou
à interação da dupla com o sistema.
Na coluna referente à seqüência das páginas do sistema, utilizamos as cores
azul, laranja e verde para identificação das classes de conteúdo (“conceitos físicos”,
“aplicações biomecânicas” e “aplicações anatômicas”) e os conceitos pertencentes a
essas classes. O tempo gasto em cada item permite dimensionar a relevância,
dificuldade ou facilidade dos estudantes nos diferentes conceitos.
77
Capítulo 4
4 RESULTADOS: ANÁLISE DOS DIÁLOGOS
Nesse capítulo apresentamos os resultados da análise dos treze episódios
selecionados, considerando a questão norteadora desse estudo - como o uso da
linguagem entre as duplas e a interação compartilhada com o sistema hipermídia
“Biomec” (considerando seus recursos semióticos como imagem, vídeo, animação,
textos e a organização hipertextual do conteúdo) conformam o processo de
construção do conhecimento.
Para melhor entendimento da situação discursiva dos sujeitos envolvidos em
cada diálogo, agrupamos os episódios por duplas. Assim, os resultados são
apresentados em 6 subseções, cada qual referente a todos os episódios discursivos
de uma única dupla.
4.1 Episódios da dupla BBM
Quatro episódios foram extraídos do diálogo da dupla identificada como
“BBM”, formada por alunos do 7º período do bacharelado em EF, que cursam a
disciplina de Biomecânica e são do sexo masculino. A interação dos alunos com o
sistema ocorreu numa sexta-feira, às 19:30 h, antecedendo a aula de Biomecânica
que começava às 20:10h. O mapa de atividades da dupla (Quadro 1) possibilita
visualizar o contexto maior da interação dos alunos com o sistema “Biomec” e situar
os episódios nesse contexto. Observando o mapa, podemos perceber que eles
acessaram todas as páginas do sistema. Na escolha dos índices, a dupla seguiu o
sentido da esquerda para a direita, isto é, visitaram primeiramente os índices
78
conceitos físicos, em seguida os índices aplicações biomecânicas e anatômicas. No
índice conceitos físicos, observamos que a escolha dos conceitos pode ter sido feita
em função dos interesses e necessidades conceituais, enquanto nos dois outros
índices a ordem de acesso foi linear, da esquerda para a direita. O mapa também
mostra que a dupla não utilizou palavras-chave, nem intercalou conceitos oferecidos
em índices diferentes.
Quadro 1. Mapa de atividades da dupla BBM
DUPLA
SEQÜÊNCIA de PÁGINAS
VISITADAS
TEMPO EPISÓDIOS
Força
1' 57''
Velocidade angular
2' 10'' Episódio sobre veloc. angular
Momento de inércia
1' 02'' Episódio sobre mto de inércia
Momento de uma força
2' 31''
Vetores
4' 37'' Episódio sobre vetores
Contração muscular
0' 46''
Locomoção
2' 36'' Episódio sobre locomoção
Flexão do cotovelo
6' 20''
Levantamento de carga
0' 32''
Saque
2' 25''
Isquiotibiais
2' 33''
Glúteo máximo
0' 56''
Bíceps braquial
0' 57''
BBM
Deltóide
3’27’’
a) Episódio sobre velocidade angular
Os alunos iniciam a navegação selecionando o conceito de força do índice
“conceitos físicos” e passam em seguida para a página “Velocidade angular” (Figura
4) onde ocorre o episódio sobre esse padrão temático. Os alunos levam 2’10’’
interagindo com as duas páginas de velocidade angular. O aluno A manipula o
mouse.
79
Figura 4 – Página “Velocidade angular” (1 de 2).
Linha
1 A. Velocidade angular agora. Velocidade agora, lembra de velocidade
2 angular? Aqui ó... o ângulo Wzinho. “A velocidade angular se refere à
rapidez
3 com que um corpo gira. Pode ser calculada pela relação entre o ângulo
4 descrito pelo corpo e o intervalo de tempo gasto para descrevê-lo”. A lá
5 velocidade angular agora (referindo-se à fórmula descrita no texto)
“variação
6 do ângulo teta sobre a variação de tempo. A velocidade angular se
relaciona 7 com a velocidade linear que é a rapidez com que o corpo se desloca
8 linearmente, pela equação v=...”(Leitura da página 1 de 2 de velocidade
9 angular).
10 B. Raio
11 A. Não, não, aqui mesmo aqui...ó (referindo-se à fórmula e continua a leitura
12 do mesmo texto) ângulo, velocidade angular vezes o raio. “Logo quanto
13 maior o raio do círculo que o corpo descreve maior será sua velocidade
14 linear”.
15 B. Já conheço isso tudo...(?)
16 A. Isso. Não sei o que ele quis dizer com isso tudo agora (?)...vamos lá
17 direto? (Referindo-se à animação).
18 B. Uhm, uhm, vai. (concordando)
19 A. De S1 a S2...(observam a animação da página 1 de 2)
20 Isso...
21 B. Discussão (O aluno A clica no botão “discussão” que remete à página 2 de
2)
22 A. “Considerando que as rodas têm a mesma velocidade angular, isto é,
23 giram com a mesma rapidez, observe como a velocidade linear da roda
24 (relação entre a distância percorrida e o tempo gasto para percorrê-la
25 depende do raio selecionado” (Leitura da página 2 de 2 de velocidade
26 angular – figura 5).
27 A. R1...
80
28 B. ....maior do que R (acionam a opção R1 > R da simulação)
29 A. R1 maior que o raio. R1...
30 B. R2...Vai ver R2. Demonstra depois. Deve ser outro exemplo. Vai no
31 R1 primeiro. Clica aí. Isso, R1, agora vai (referindo-se à simulação).
32 B. Quinze segundos, isso, quinze minutos, segundos. Tranqüilo. O outro.
33 A. Ah...tá...(observa a imagem opção R2< R da simulação)
34 B. O raio é menor.
35 A. Ah...tá o raio é menor. Agora... ele vai gastar mais tempo ou menos
36 tempo?
37 B. Mais tempo.
38 A. Mais tempo. Vamos ver? (acionam a animação da simulação).
39 B. A lá...um minuto.
40 A. Então, quanto menor o raio...
41 B. Foi quatro vezes maior.
42 A. “têm a mesma velocidade angular, isto é, giram com a mesma rapidez
43 observe como a velocidade linear da roda (relação entre a distância
44 percorrida e o tempo gasto para percorrê-la) depende do raio selecionado”.
45 (Volta a ler a página 2 de 2 de velocidade angular).
46 A. Isso, depende do tamanho da roda...
47 B. É.
Figura 5. Página “Velocidade angular” (2 de 2).
Logo que acessa a página “Velocidade angular”, o aluno A inicia o diálogo
com o colega estabelecendo um marco específico de referência (COLOMINA et al,
2001) na medida em que pergunta ao colega se ele não se lembra do conceito, de
outro contexto (linhas 1 e 2). Identifica, apontando para a página do sistema, a
fórmula do conceito (linha 3), o que denota que esse conceito faz parte do
81
conhecimento prévio do aluno, provavelmente por ser abordado no curso de
Biomecânica.
Eles iniciam, então, a interação com o sistema, através da leitura (em voz
alta) do texto explicativo da página de velocidade angular (1 de 2) feita pelo aluno A.
No meio da leitura do texto, o aluno chama a atenção para a fórmula do conceito e a
interpreta (linhas 5 e 6). O aluno B fala “raio”, demonstrando interesse na imagem
antes de animá-la. O aluno A nega o interesse do aluno B, chamando a atenção do
colega para o texto explicativo e prossegue a leitura (linhas 12 a 14). O aluno B
parece ter pressa em animar a imagem, enquanto o aluno A se prende ao texto,
lendo e repetindo alguns trechos. Depois, os alunos decidem animar a imagem, que
parece confirmar o conteúdo do texto quando o aluno A diz “isso” (linha 20),
estabelecendo uma relação entre o texto e a imagem. Observam a distância
percorrida pela roda (de S1 a S2), mas não mencionam o tempo gasto para
percorrê-la mostrado no relógio disposto no canto superior direito da imagem.
Após a animação da imagem, aparece o botão “discussão”. A dupla decide
acessá-lo, indo automaticamente para a página (2 de 2) do conceito, onde iniciam a
leitura de um outro texto explicativo (linhas 22 a 25) e acionam as duas opções de
raio. Ao clicarem na primeira opção (R1 > R), observam o tempo gasto pela roda
para percorrer a distância (quinze segundos – linha 32). Em seguida, acionam a
outra opção (R2 < R) e constatam que R2 é menor que R. O aluno A faz uma
pergunta instrutiva ao colega sobre o tempo a ser gasto nessa condição (linhas 35 e
36), com o objetivo de avaliar o conhecimento do outro e dar prosseguimento ao
diálogo. O aluno B responde corretamente, predizendo o resultado confirmado pela
animação. O aluno A tenta concluir sobre o conceito, mas é interrompido por B que
menciona o tempo gasto na segunda opção (“foi quatro vezes maior” – linha 41). O
82
aluno A volta a ler o texto e conclui, num enunciado abreviado, sobre o conceito
(“depende do tamanho da roda” – linha 46). A conclusão é compartilhada pelo aluno
B que a ratifica.
Observamos que os alunos mantêm um padrão discursivo interativo dialógico
ao longo do episódio, pois percebemos a interanimação das vozes do texto
eletrônico e das imagens com as vozes dos alunos ao compreenderem o texto,
relacioná-lo com as imagens, ao analisar e responder aos problemas simulados e
sintetizarem o conteúdo, com suas próprias palavras, compartilhando a elaboração
do conceito. Nesse sentido, percebemos que os alunos fazem uso dos textos e das
imagens do sistema na elaboração compartilhada de significados.
Ao analisarmos a interação dos alunos com a página “discussão”, levantamos
a hipótese de duas ocorrências de padrão discursivo que podem surgir como
conseqüência do uso que o usuário faz da ferramenta. Quando aparecem as duas
opções de simulação, o sistema elabora simbolicamente duas perguntas instrutivas,
como se fossem as clássicas perguntas feitas em sala de aula pelo professor. Ao
escolher uma das opções, o sistema demanda do usuário uma resposta prévia
(previsão) antes de acionarem a animação, e em seguida o sistema dá o feedback,
demonstrando através de animação da imagem, o resultado da situação-problema.
Nesse caso, há um diálogo triádico entre o sistema (professor) e os alunos.
Mas também poderíamos supor que, ao acionarem as opções de simulação
da página “discussão”, os alunos indagam o sistema, que os responde de forma
imagética ou textual. O feedback dessa resposta pode ser dado pelos alunos
(quando esses conhecem e concordam com o resultado dado pelo sistema) ou pelo
próprio sistema, quando os alunos recorrem ao texto explicativo ou animam
novamente as imagens para melhor compreender as respostas. Desse modo,
83
poderíamos supor um diálogo triádico invertido, se admitirmos o sistema no lugar da
autoridade do professor.
Nesse episódio, observamos uma terceira hipótese, em que o aluno A se
apropria das opções de simulação apresentadas na página “discussão” para indagar
o aluno B (linhas 35 e 36) e utiliza a animação (linhas 38 a 40) e o texto (linhas 42 a
44) com a função de feedback, pois através desses recursos o aluno B (linha 41) e o
aluno A (linha 46), quando voltam a ler a tela, concluem sobre o conceito. O aluno A
faz a pergunta ao aluno B como um recurso para deflagrar um mecanismo para
ambos pensarem sobre a resposta, que é dada pelo sistema, e avaliada pelos
alunos quando voltam a ler o texto e o observam a animação, legitimando a resposta
apresentada.
A linguagem textual e os recursos semióticos do sistema não só facilitaram o
entendimento do conceito de velocidade angular, mas permitiram novas construções
textuais e discursivas, que implicam competências e habilidades próprias e
específicas da interação do sujeito com essas ferramentas. Segundo Costa (2000),
“leitor (usuário) e autor confundem-se nos (hiper)textos, produzidos e construídos
sem fronteiras nítidas, [...] utilizando uma linguagem multisemiótica” (p. 103). Em
função desse novo suporte instrumental eletrônico, surgiram novos gêneros
discursivos e textuais, que auxiliaram a construção de significado através da
dialogicidade entre os agentes, o texto e as 14.802 221.47986ialogic/
84
b) Episódio sobre momento de inércia
A dupla passa do conceito de velocidade angular para a página “Momento de
inércia” (Figura 6), onde permanece durante 1’02’’ conversando sobre esse padrão
temático, explorado em uma única página.
Figura 6. Página “Momento de inércia”.
Linha
1 A. Momento de inércia. “O momento de inércia de um corpo em rotação
depende
2 não só de sua massa, mas também de como esta massa é distribuída em
3 relação ao eixo de rotação. Quanto mais concentrada, mais fácil será girar
o
4 corpo. Inicie a animação e compare o movimento de rotação do disco
branco,
5 cuja distribuição de massa é mais concentrada do que a do disco verde,
com o
6 movimento de rotação do disco verde”.
7 A. Isso, aquilo que a gente tava estudando. Massa, a relação entre a massa...
8 e o raio...
9 B. Vai lá...roda, roda...(Referindo-se à animação da imagem).
10 A. “Mas também de como esta massa é distribuída em relação ao
11 eixo de rotação”. (Volta a ler o texto explicativo da página).
12 Ah lá, um disco branco, chegou mais rápido. Por quê? Quanto mais
13 concentrada, mais fácil será girar o corpo, tem mais massa, ele girou
14 mais.
15 B. Uhm...uhm (Concordando c/ que A falou)
16 A. “...a rotação do branco cuja distribuição de massa é mais
17 concentrada”, a distribuição... “do que a do disco verde, do que o
18 movimento de rotação do disco verde”. (Leitura da página)
85
19 B. Só isso mesmo.
O aluno A inicia a leitura do texto explicativo da página momento de inércia.
No início do diálogo ele estabelece uma relação entre o texto e sua experiência
acadêmica (linhas 7 e 8) caracterizando um marco específico de referência
(COLOMINA et al, 2001). Essa relação entre o conceito e outras situações
demonstra certo domínio do conteúdo. Na linha 11, depois de dialogar com o texto,
ele repete um trecho do texto, fundamental para a elaboração do conceito, e apóia-
se na animação para responder à pergunta, por ele mesmo formulada, na intenção
de tornar explícita a compreensão do conceito que foi ratificada pelo colega
(feedback), na linha 15.
Identificamos no episódio o padrão discursivo interativo de autoridade, onde a
voz do sistema e a voz dos usuários entram em contato, considerando apenas o
ponto de vista da linguagem científica presente no texto e na resposta produzida
pelo aluno A (linhas 12 a 14). Nessa ação responsiva, notamos a influência do texto,
caracterizando uma forma de diálogo oculto. Observamos nesse caso, a influência
da linguagem científica presente no texto explicativo, conferindo poder e autoridade
dessa ferramenta cultural ao aluno A. No âmbito da educação formal, esse tipo de
linguagem social exerce uma espécie de poder explicativo superior às idéias
próprias dos sujeitos (WERTSCH, 1993).
Na linha 12, o aluno A, ao observar a animação, elabora uma pergunta
instrutiva e, em seguida, ele mesmo responde e explica para si e para o colega,
aplicando o conteúdo com suas próprias palavras. Ao responder, explicar e
sintetizar, o aluno demonstrou apropriar-se das ferramentas e do conteúdo,
verbalizando seu pensamento (mecanismo intrapsicológico) na construção de
significado, demonstrando uma situação de internalização. Entretanto, na resposta
86
em que o aluno diz “tem mais massa” (linha 13), fica uma dúvida quanto ao seu
entendimento do conceito. Ele pode estar se referindo à quantidade de massa, o que
o leva à compreensão errada do conceito, ou ele pode ter reduzido o enunciado, não
incluindo o adjetivo “concentrada” à palavra massa, mas querendo dizer, mais
massa em uma determinado ponto, o que tornaria a resposta completa. Mas como
em uma situação de interação discursiva entre indivíduos as incompreensões
também podem surgir como atitudes responsivas, fazendo parte dos processos de
elaboração de significados, a incompreensão neste caso é também uma hipótese.
Entretanto, o fato de que seu interlocutor tenha concordado, nos leva a pensar que
“mais massa” tenha sido uma forma abreviada de se referir à maior concentração de
massa, caracterizando a intersubjetividade da interação.
Observamos nesse episódio, o surgimento de um novo padrão discursivo, em
que o mesmo interlocutor emite a pergunta (iniciação) e a resposta, cabendo ao
outro interlocutor o feedback da resposta. Essa estrutura discursiva é composta
pelos mesmos elementos que compõem o padrão triádico “I-R-F”, mas se distancia
desse padrão pelo fato de que tanto a iniciação quanto a resposta são emitidas por
ele. Preferimos identificar essa estrutura discursiva por “IR-F” (sem o hífen entre I e
R) para dar visibilidade à contigüidade dos momentos de iniciação e resposta,
mantendo o hífen entre R e F para delimitar o momento de avaliação do interlocutor.(m)Tj12 0 0 12 15008799311 442 Tw mF.08002 331.trutu2 392.94800ece02 469.88019ris masira discursiva por 4763I
87
termos de padrão discursivo, consideramos a estrutura “IR-F” uma interação não-
interativa de autoridade em relação ao colega, e interativa dialógica em relação à
“voz” do sistema.
c) Episódio sobre vetores
Depois de visitarem a página “Momento de inércia”, os alunos acessam a
página “Momento de uma força” e, em seguida, a página “Vetores”, último conceito
físico acessado pela dupla, e onde eles permanecem o tempo total de 4’37’’, e
passam 3’03’’ discutindo sobre o conteúdo da página 1 de 2 (Figura 7). Foi o
conceito onde eles se detiveram por maior tempo, o que nos leva a supor tratar-se
de um conceito básico para a aprendizagem de Biomecânica e Cinesiologia, e que
por isso tenha chamado a atençào dos alunos.
Figura 7. Página “Vetores”.
Linha
1 A e B. Vetores.
2 A. “Grandezas vetoriais são definidas com seu valor numérico, sua
3 direção e sentido. Os vetores, usados para representar grandezas
4 vetoriais, são setas nas quais o tamanho representa o módulo; a
5 direção, o ângulo formado com o eixo X ou Y e o sentido da seta, a
6 orientação da grandeza. Os vetores são formas de representar tanto
88
7 grandezas físicas como, por exemplo, força e velocidade, quanto a
8 contração muscular. Use os botões ao lado para manipular as
9 propriedades do vetor V e observe sua representação.” (Leitura da
10 página 1 de 2 de vetores)
11 A. Vetores...sentido..ângulo teta...módulo 13 N. 40 graus.
12 B. Clica nesse b. (Refere-se à opção abaixo da primeira)
13 A. Isso. botão, pra modificar. (Refere-se ao botão sentido)
14 Isso, calma lá, 40 graus, só modificar, né?
15 B. Aqui é o ângulo, né? 16, 40...0 graus
16 A. “Direção...sentido...”. (Continua a leitura da página)
17 B. Direção é o ângulo, pô.
18 Ângulo teta.
19 Aumentando o ângulo.
20 A. Então, aumentando o ângulo, o que que está acontecendo? O que
21 que está acontecendo com esse vetor....? Quanto menor o ângulo,
22 maior aqui...que medida é essa aqui? Tem um ânguTj-0.00031 Tc 0m(“Direção...8n7 Tc ue medidiconte2nciaEMC /P <</MCID 15 >>BDC BT/TT0 1 Tf0.0027 Tw 12.0023 Tw 121.6 0 12 85.08002 538.881472538.15 )Tj123 n 0 12 120.498994121.61472538.15
89
situação, ou seja, da maneira com que o aluno A elabora o entendimento do
conceito, estabelecendo a intersubjetividade entre os agentes.
A ação do aluno A mostra apropriação do conteúdo apresentado no sistema,
quando ele explica para si e para o colega, as propriedades do vetor. As ações de
leitura do texto e de manipulação das variáveis da animação se complementam,
configurando o contexto para a construção de significados. À medida que os
significados vão sendo construídos, o aluno expressa uma atitude responsiva em
relação ao sistema e aos seus próprios enunciados. Nesse sentido, os recursos
semióticos do sistema atenderam concomitantemente a dois propósitos: como
ferramenta física contribuiu para facilitar a compreensão do conteúdo através da
visualização dos conceitos, mas, principalmente, como ferramenta psicológica, para
“fazer pensar” sobre o conteúdo, elaborar e reelaborar significados.
No restante do episódio (linhas 18 a 27) a animação e o texto explicativo
executaram a função de feedback para ambos os alunos, permitindo a eles avaliar
as previsões feitas em função dos valores escolhidos para as variáveis. A
dialogicidade entre os agentes, associada à possibilidade de manipular variáveis e a
visualização da conseqüência de suas escolhas deram suporte à construção
compartilhada de significados.
d) Episódio sobre locomoção
Depois de ter visitado todos os conceitos físicos, a dupla seleciona o índice
“aplicações biomecânicas”, acessando a página “Contração muscular” e, em
seguida, a página “Locomoção”. O aluno A permanece manuseando o mouse, inicia
a leitura do texto explicativo apresentado na página 1 de 3, e gasta 2’36’’ visitando
as três páginas referentes a esse conceito. O episódio se refere às páginas 1 de 3
(Figura 8) e 3 de 3 (Figura 9).
90
Figura 8. Página “Locomoção” (1 de 3).
Linha
1 A. Aplicações biomecânicas. “A resistência de um corpo às mudanças
2 em seu movimento, ou seja, a sua inércia, é medida pela sua massa
3 e, em movimentos de rotação, também pelo modo como ela está
4 distribuída. Quando um indivíduo passa da marcha para a corrida,
5 observa-se um aumento gradual na flexão da articulação do joelho...”
6 Caraca, eu queria ter estudado...
7 B. É.
8 A. (Continua a leitura) “conseqüente concentração de massa e o
9 aumento do momento de inércia, o que facilita a produção de giro e
10 aumento da velocidade angular. Observe a articulação do joelho na
11 marcha e clique em discussão para observá-la na corrida”. (Leitura do
12 texto explicativo de locomoção)
13 A e B. Discussão
14 A. Na corrida o indivíduo precisa desenvolver uma grande flexão das
15 articulações, diminuindo o momento de inércia,e, assim, promovendo mais
16 facilmente o giro. Consequentemente, aumentando a freqüência dos
17 movimentos e atingindo uma maior velocidade. Clique em Seguir e
observe a 18 amplitude articular dos atletas durante a corrida”. (Continua a leitura
do texto). 19 Esse movimento tinha que interpretar pra prova, né? Amplitude
articular, olha
20 o grau de flexão que ele tá fazendo...durante a corrida. Só isso? 2 de 3
21 B. É. (Referindo-se à pergunta se aquela página é a última)
22 A. Não, mais um, 1 de 3.
23 B. Avança isso.
24 A. “Observe atletas de alto nível competindo em provas de 100 m. A
25 concentração da massa dos membros superiores e inferiores é muito
26 alto nas articulações proximais e portanto são produzidos menores
27 momentos de inércia, o que possibilita alcançarem maiores
28 velocidades.” (Leitura da página 3 de 3 – Figura 9)
91
29 Menor momento de inércia. É aquilo que ele cobrou muito...
30 momento de inércia está relacionado ao raio, aquele raio de
31 massa, né, é o raio e o centro de massa, né. Aquele que ele
32 fez o desenho da pêra invertida... “a concentração de massa dos
33 membros superiores e inferiores é muito alta nas articulações
34 proximais e, portanto são produzidos menores momentos de inércia, o
35 que facilita alcançarem maiores velocidades.” (lê o texto da página 3 de 3).
36 Só vendo aqui, vamos ver.
37 B. É...
38 A. Mais massa próxima da articulação, maior velocidade. Aquele
39 “deseinho” do...giro da pêra. A lá...se a massa tivesse aqui ficaria
40 mais pesado pra ele movimentar aqui ó...aí ele ia perder velocidade.
Figura 9. Página “Locomoção” (3 de 3).
Inicialmente, o aluno A menciona o quanto o sistema o teria ajudado para
estudar Biomecânica (linha 6), evidenciando um marco específico de referência e o
quanto ele valoriza a contribuição desse material para sua aprendizagem. Essa
interpretação foi ratificada pelo depoimento final dos alunos quando indagados pela
pesquisadora se o sistema hipermídia contribuiu para a aprendizagem dos
conceitos. O aluno A chamou atenção para a possibilidade de visualizar o
movimento humano como uma vantagem para a aprendizagem. O aluno B lembrou
92
que se ele tivesse usado o programa antes, teria obtido melhor resultado em
Biomecânica.
O aluno B salientou também, após a interação com o sistema, a contribuição
da animação do movimento da marcha pelo sistema, em comparação com as aulas,
sem a utilização desse recurso para a compreensão do movimento humano.
Reportando-nos ao desenvolvimento da ação mediada, que está atrelado aos
objetivos finais que motivam a ação e à relação agente-ferramenta cultural, podemos
supor que nesse episódio, a mudança das ferramentas culturais tradicionais (livros-
texto e aulas expositivas) para a animação do conceito físico pelo computador tenha
resultado em uma força mais poderosa de desenvolvimento que a melhoria das
habilidades do indivíduo.
Nas linhas 32 e 39 observamos nos enunciados do aluno A, um marco
específico de referência quando ele relaciona o conteúdo da página ao exemplo da
pera explorado nas aulas de Biomecânica, pelo professor, para ensinar o conceito
de momento de inércia aplicado à locomoção. Nas linhas 29 a 35, observamos que o
aluno A entremeia no seu enunciado dois gêneros discursivos: a linguagem científica
presente no texto e a linguagem cotidiana, onde ele resgata a “voz” do professor de
Biomecânica, mencionando “aquilo que ele cobrou muito” (linha 29) e “aquele que
ele fez o desenho da pera invertida”. Ao estabelecer essa relação, o aluno
demonstra ter um certo domínio do conteúdo e dele se apropria transferindo-o a
outras situações.
Além desse recurso, os alunos interagiram com o texto explicativo do sistema
(linhas 29 a 35), o vídeo da tela 3 de 3 (linha 36) e o texto da aula de Biomecânica
(resgatado pela memória do aluno A), numa forma de dialogicidade oculta
(BAKHTIN, citado por WERTSCH,1993), onde as “vozes” dos textos e do vídeo
93
estão presentes de maneira invisível, porém exercendo influência determinante nos
enunciados presentes e perceptíveis dos alunos. A dialogicidade oculta surge como
uma forma de resposta considerada resultado de um processo de compreensão.
Mesmo que o texto produzido no enunciado não tenha sido elaborado com palavras
próprias, a apropriação da “voz” do texto na resolução de um problema ou situação
ou para esclarecer um fenômeno, indica que houve compreensão na medida em que
ocorreu analogia com o exemplo da “pera invertida” e aplicação do conceito na
conclusão (Linhas 38 a 40). A noção de apropriação se refere, nesse caso, a como o
aluno através do seu envolvimento com o texto e a imagem apresentados pelo
sistema, produz seu entendimento sobre o conceito e o aplica ao explicar para o
colega e comparar com um exemplo anteriormente aprendido, resgatando sua
história acadêmica.
Observamos que a organização hipertextual do sistema não foi plenamente
usada pela dupla como ferramenta psicológica na elaboração do conceito de
locomoção, uma vez que os alunos não mencionaram o conceito de momento de
inércia, visitado anteriormente. No entanto, a relação conceitual com “momento de
inércia” foi estabelecida (provavelmente com a ajuda do sistema) quando o aluno A,
apoiando-se no texto e no exemplo da pera (conhecimento prévio), conclui que
“mais massa próxima da articulação, maior velocidade” (Linha 38).
Como mostra o mapa de atividades (Quadro 1), a dupla acessou os índices e
os conceitos (com exceção do conceito força) seguindo o sentido da esquerda para
a direita, e de cima para baixo, mostrando um hábito de leitura linear empregado nos
materiais impressos, o que confirma uma exploração linear mais do que hipertextual
do sistema. Tal fato chama-nos atenção para refletir sobre os motivos que levam os
alunos, supostamente familiarizados com a navegação hipertextual na Internet, a
94
não utilizarem as palavras-chave como recurso para que essas relações conceituais
se efetuem. Podemos supor que, ao contrário do que imaginamos, os alunos não
possuem, totalmente, as habilidades de estudo necessárias para interagir com
sistemas hipermídia de aprendizagem ou a própria ferramenta restringe o pleno uso
dos recursos disponíveis nesses sistemas. Outra hipótese seria pensar que a
linearidade enquanto ferramenta cultural psicológica que medeia a situação
discursiva educacional, o que faria com que a interação com um sistema hipermídia
de aprendizagem seja bem diferente da navegação hipertextual na Internet nos
momentos de lazer.
4.2 Episódios da dupla LCF
Os quatro episódios a seguir foram extraídos do diálogo da dupla LCF,
composta por duas alunas do 4º período da licenciatura em EF que cursam a
disciplina de Cinesiologia. A interação da dupla com o sistema ocorreu numa terça-
feira, às 11: 26 h, logo após a aula de Cinesiologia. O mapa de atividades da dupla
(Quadro 2) possibilita visualizar o contexto maior da interação dos alunos com o
sistema “Biomec” e situar os episódios dentro da seqüência de páginas visitadas.
Nele, podemos observar que a dupla não acessou todas as páginas do sistema,
deixando de visitar as páginas “Levantamento de carga” e “Glúteo máximo”. Na
escolha dos índices, a dupla seguiu o sentido da esquerda para a direita. No índice
“aplicações biomecânicas”, ao visitar a página “Saque”, a dupla necessitou discutir o
conceito de velocidade angular, acessando então, a página desse conceito através
do índice “conceitos físicos”. No índice “aplicações anatômicas” a ordem de acesso
aos conceitos também seguiu o sentido da esquerda para a direita.
95
Quadro 2. Mapa de atividades da dupla LCF
DUPL
A
SEQÜÊNCIA de PÁGINAS
VISITADAS
TEMPO EPISÓDIOS
Momento de inércia
0' 53''
Força
2' 57''
Momento de uma força
1' 24''
Vetores
2' 39'' Episódio sobre vetores
Contração muscular
0' 44''
Locomoção
2' 09''
Episódio sobre
locomoção
Flexão do cotovelo
4' 25''
Saque
1’ 45’’ Episódio sobre saque
Velocidade angular
2’ 13’’ (continuação)
Saque
1’ 14’’ (continuação)
Isqueotibiais
4' 31''
Episódio sobre
isqueotibiais
Bíceps braquial
3’43’’
LCF
Deltóide
2’54’’
a) Episódio sobre vetores;
Esse episódio apresenta a interação discursiva da dupla quando acessou a
página “Vetores” (1 de 2) (Figura 10), que teve duração de 2’39’’. Esta página foi a
última a ser acessada pela dupla dentre as opções de conceitos oferecidas no índice
de “conceitos físicos”. A aluna A manipula o mouse.
Figura 10. Página "Vetores".
96
Linha
1 B. Vetor. (Leitura silenciosa da página de vetor – 1 de 2).
2 Direção, módulo e sentido, tá. Não tem coisa, não?
3 Módulo aumenta o tamanho. O sentido é referente à reta que ele tá.
4 A direção referente à angulação, tá. A orientação do vetor.
5 B. Bota aqui na direção. Não! Tem alguma coisa errada aí.
6 A. Por quê?
7 B. Porque está mudando o sentido, não tá mudando a direção.
8 A. Tá mudando a direção...(?). O sentido vai mudar daqui pra cá.
9 Daqui pra cá.
10 B. Então, vai...muda!
11 A. Não vai mudar o sentido, tá vendo?
12 B. Ahm...ah!...tá, então direção é que tem a ver com a reta. Isso sabia.
13 Direção tem a ver com a reta. Sentido é que tem a ver com a orientação do
14 vetor. Agora sim! Vai.
As alunas lêem (silenciosamente) o texto explicativo da página “Vetores”. A
aluna B identifica na imagem, as opções de variáveis que podem ser modificadas
(“direção, módulo e sentido”) e pergunta para a colega se não há animação (linha 2).
Esta não responde, e a aluna A prossegue verbalizando a síntese construída a partir
do diálogo (oculto) entre ela e o texto (linhas 3 e 4). Ao compartilhar seus
enunciados com a outra aluna, verificamos que, no conteúdo dos mesmos, está
presente, de forma invisível, a influência do texto explicativo. A aluna A ignora a
síntese feita por B, que emprega os termos “sentido” e “direção” de modo
equivocado (linhas 3 e 4).
A pedido da aluna B, A manipula a variável direção, aumentando e diminuindo
a angulação do vetor. A aluna B observa a simulação e afirma ter alguma coisa
errada no sistema (linha 5). Discordando da colega, a aluna A faz uma pergunta
autêntica (“Por quê?”) que, segundo Lemke (1997) seria aquela que busca de fato
conhecer a resposta, ou seja, conhecer a dúvida de B, que responde explicitando,
com suas próprias palavras, seu entendimento da simulação (linha 7). A aluna A
corrige a colega que emprega os conceitos de forma incorreta, e explica que a
97
mudança ocorrida na simulação foi de direção e não de sentido. Ela recorre à
imagem para mostrar que o sentido é “daqui pra cá” (linhas 8 e 9). A aluna B solicita
à colega para animar a imagem com o objetivo de compreender melhor o
conceito, que é ratificado por A com o apoio da simulação (“não vai mudar o sentido,
tá vendo?”). Com a explicação da colega e com o que é representado na simulação,
a aluna B conclui corretamente sobre o conceito, demonstrando se apropriar das
ferramentas culturais (linguagem e simulação) para internalizar o conteúdo.
Observamos, nesse caso, uma situação de conflito cognitivo, que pode ter
sido importante para o processo de elaboração de significado e levar à
aprendizagem (GIORDAN, 2005a; MOURA e MORETTI, 2003). Podemos afirmar,
assim, que houve compreensão, na medida em que a aluna B usou um conjunto de
palavras próprias para sintetizar e reelaborar significados. Por outro lado, a aluna A
demonstrou domínio e apropriação das ferramentas para responder, avaliar e
explicar à colega os termos “sentido” e “direção” implícitos no conceito de vetores.
Ao longo do episódio, observamos que a aluna A parecia ter mais domínio
dos conceitos relacionados ao conteúdo de vetor do que a aluna B. Podemos admitir
que para esta, foi estabelecida uma ZDP, e que a aluna A, por meio das ações de
responder, avaliar e explicar, auxiliou a aluna B na construção de significados
relativos ao conteúdo. O padrão discursivo interativo dialógico, aliado ao diálogo
triádico “I-R-F” (linhas 6 a 8), contribuíram para que A mediasse o processo de
elaboração de significados de B. A interatividade da dupla é recheada de
dialogicidade entre elas e o sistema, no que compartilham sistemas de significados
sobre os quais comentam, discordam, atualizam, negociam, modificam e aplicam o
conteúdo sobre a tarefa que as ocupa (COLOMINA et al, 2001).
98
A integração de diferentes meios (texto e simulação) proporcionada pelo
sistema também contribuiu para modificar os mecanismos intrapsicológicos
empregados na compreensão dos conceitos expressa nos enunciados (linhas 3 e 4;
e 12 a 14). Dessa forma, ambas as alunas empregaram as ferramentas culturais
(psicológicas) e delas se apropriaram para elaborar significados, ficando mais
evidente para a aluna B o quanto essas ferramentas alteraram o fluxo e a estrutura
das suas funções psíquicas.
b) Episódio sobre locomoção
Depois de visitar os conceitos físicos (com exceção do conceito de velocidade
angular), a dupla passa para o índice de aplicações biomecânicas, visitam a página
“Contração muscular” e em seguida a página “Locomoção”, onde passam o tempo
total de 2’09’’ explorando o conceito. A interação discursiva desse episódio ocorre
em torno do conteúdo da página “Locomoção” (3 de 3). (Figura 11).
Figura 11.
Página “Locomoção” (3 de 3).
99
Linha
A. (?)
1 B. Uhm...uhm...(concordando) Diminui o momento, aumenta o giro e eles
2 vão mais rápido.
3 A. Concentrou a massa toda num ponto.
4 B. Volta aí, volta aí, rapidinho. Volta lá! Não, não locomoção.
5 A. Locomoção?
6 B. Vai lá nos corredores, aperta play. Agora nos corredores. Ah lá, presta
7 atenção, pensando isso aqui como uma roda, tá vendo? Isso aqui é o raio.
8 A. Que que tem?
9 B. Vai aumentar a velocidade angular ou vai diminuir?
10 A. Vai aumentar.
11 B. Vai aumentar, né? É, vai aumentar porque aumenta o ângulo. É isso
12 aí mesmo. Vai.
A aluna A inicia o episódio com um enunciado inaudível sobre a página 1 de
3. A aluna B responde concordando com o enunciado anterior de A, e prossegue
sintetizando o conteúdo da página referida através de enunciados abreviados (linhas
1 e 2) compartilhados com a colega, e que parecem guiar o processo de construção
de significado (plano intrapsicológico). Para Vygotsky, esse tipo de enunciado
“reflete o começo da diferenciação entre a fala para si mesmo e a fala para os
outros” (citado por Wertsch, 1993) e poderia ser considerado uma verbalização dos
mecanismos intrapsicológicos envolvidos no processo de internalização. Nesses
enunciados, nota-se a influência do texto explicativo do sistema (dialogicidade
oculta).
Nos enunciados das linhas 6 e 7, A aluna B visualiza o vídeo sobre corrida
(página 3 de 3 de locomoção), dirige a atenção da colega para o movimento
apresentado no vídeo (“ah lá, presta atenção”) e descreve uma analogia entre o
movimento de articulação do joelho e uma roda (linha 7), fazendo relação com o
conceito de velocidade angular. No registro de navegação da dupla não consta a
visita ao conceito de velocidade angular, portanto, a referência deve ter sido feita às
aulas de Cinesiologia ou às aulas de Física do ensino médio. Pelo marco de
100
referência estabelecido, podemos supor que esse conceito faz parte dos
conhecimentos prévios da aluna, e que ela o ressignifica aplicando na situação da
corrida. A aluna B, ao estabelecer a relação do conceito de velocidade angular
referente ao exemplo da “roda” com o movimento da corrida, demonstrou saber
como usar (domínio) a ferramenta cultural (conceito) para aplicá-lo no entendimento
do movimento da corrida, quando esta é executada pela atleta que tem a passada
mais ampla mostrada no vídeo (página “Locomoção – 3 de 3), evidenciando um
processo de internalização do conteúdo.
Mesmo sem ter acessado o conceito de velocidade angular no sistema antes
de visualizar o movimento da corrida, a aluna B integrou este conceito físico à
aplicação biomecânica, se valendo do texto explicativo que permitiu a inter-relação
dos conteúdos.
A aluna B retoma a seqüência dialógica com uma pergunta autêntica sobre o
conteúdo (linha 10). A aluna A responde. Em seguida a aluna B proporciona um
feedback para ela mesma com base no enunciado da colega e na relação construída
por ela mesma com o conceito de velocidade angular.
Observamos nesse episódio um padrão discursivo interativo dialógico, onde
as vozes das alunas se põem em contato. Nos enunciados produzidos pela aluna B,
notamos a dialogicidade entre ela, o texto explicativo e as imagens do sistema,
como se fosse uma terceira “voz” que se põe em contato com as demais. Apesar da
aluna A manipular o mouse, sua interação com o sistema é muito pouco dialógica,
em comparação com os enunciados produzido por B, nos quais percebemos certa
direcionalidade ao sistema.
101
c) Episódio sobre saque;
A página “Saque” (Figura 12) foi a última aplicação biomecânica acessada
pela dupla, que levou 2’59’’ interagindo com as duas páginas referentes a este
conceito. Esta visita foi intercalada pelo acesso durante 2’13’’, à página “Velocidade
angular”, relacionada ao movimento do saque. A dupla inicia com a leitura silenciosa
da página “Saque” (1 de 2), mas o episódio acontece na interação da dupla com a
página 2 de 2 e com as duas páginas de velocidade angular.
Figura 12.
Página “Saque” (2 de 2).
Linha
(iniciam a leitura em silêncio da página 1 de 2 sobre saque)
1 B. Vai...(Referindo-se ao botão “play” da página 1 de 2, e continuam a leitura).
2 Vai...(Referindo-se ao botão “discussão).
3 A- Ele é mais rápido.
4 B- Hum, hum, o raio é maior.
5 Maior a distância, maior o raio aqui. O raio maior aumenta a velocidade
6 angular.
7 A. Tem certeza?
8 B. O outro tá junto(?)
9 A. Por quê?
10 B. Lembra lá do problema da bolinha? Quanto menor era o raio, maior era
11 a velocidade angular.
12 A. Acho que não era velocidade angular não, não.
13 B. Volta lá em velocidade angular. “Quanto maior o raio do círculo que o
102
14 corpo descreve, maior será a velocidade linear” (texto da página 1 de
15 2 de velocidade angular).
16 A. É. não, é... algo, a linear é que muda.
17 B. Aumentou o raio.
18 A. A linear... mas a angular não.
19 B. Não entendi nada. Como assim?
20 A. A linear é o móvel A só dá uma volta.
21 B. Ah...não, tá. A volta é a mesma, só que você gira mais vezes.
22 A. É.
23 B. A mesma coisa.
24 A. A angular é em relação ao próprio círculo. A linear é em relação ao
25 espaço, mas a distância é a mesma.
26 B. Uhm..., então quanto maior o raio...ela não dá nem um giro. Não deu
27 nenhum giro, né?
28 A. Vai bem mais devagar. (referindo-se a R2)
29 B. Vai, “A”. (referindo-se a colega)
30 A. Vai bem mais devagar. Ela dá vários giros, vários giros. Vai bem mais
31 devagar.
32 B. Vários giros, ahn..?
33 A. É menor. Aqui não, é muito mais rápido.
34 B. Onde?
35 A. Aqui, ó...demora 15 segundos. Metade do tempo. Aqui ela demora...
36 B. Um quarto...(Leitura silenciosa da página 2 de 2 – velocidade angular)
37 A. É que o raio é menor, menor o diâmetro, maior a...
38 B. Volta a ler a mesma página.
39 B. Vai, beleza, agora volta lá. (botão amarelo). Então, no caso quanto
40 maior o raio, maior é a velocidade linear.
As alunas acessam a página “Saque” e iniciam a leitura silenciosa do texto
explicativo. A aluna B, ao terminar a leitura, pede à A para iniciar a animação da
imagem. Quando a animação termina, surge o botão “discussão” na página. Elas
voltam a ler o texto e, em seguida, a aluna B diz “Vai” (linha 2) referindo-se ao botão
“discussão”, que acionado, remete à página seguinte, onde além de outro texto, há
duas opções de simulação. Elas lêem o novo texto explicativo e acionam as duas
opções: R1 (saque com o braço flexionado) e R2 (saque com o braço estendido).
Após observarem os movimentos realizados nas duas situações, a aluna A comenta
que com o braço estendido (R2) “ele é mais rápido” (linha 3), referindo-se ao
movimento do saque. A aluna B concorda com A e complementa sua observação,
estabelecendo uma relação de causalidade, ao dizer “o raio é maior” (linha 4). E
103
continua no enunciado seguinte essa relação, fazendo uma auto-síntese e
empregando um raciocínio dedutivo sobre a animação do movimento do saque
(linhas 5 e 6), que está relacionado aos conceitos de velocidade angular e linear.
A aluna A questiona, duvidando da síntese de B (linha 7). A aluna B replica
convocando a memória da colega para o “problema da bolinha” (linhas 10 e 11).
Acreditamos que ela esteja referindo-se ao conceito de momento de inércia
acessado pela dupla no início da navegação. A analogia é imediatamente reprovada
pela aluna A, na linha 12 (“acho que não era velocidade angular, não”). Para
esclarecer a dúvida, a aluna B pede para voltar para a página “Velocidade angular”
(linha 13). Acreditamos que a expressão de ordem da aluna B (“volta lá...” - linha 13)
tenha induzido a aluna A à acessar o conceito de velocidade angular pelo índice de
conceitos físicos, e não pela palavra-chave contida na página de discussão de
saque. De toda forma, nesta parte do episódio foi possível perceber que a dupla
buscou uma maneira própria de utilizar a hipertextualidade do sistema para
reelaborar o entendimento do conceito de velocidade angular, básico para a
compreensão do saque.
Dando prosseguimento ao diálogo, a aluna A concorda com a colega, quando
afirma que “a linear é que muda” (linha 16) e vai além, esclarecendo que não se dá o
mesmo com a velocidade angular: “a linear, mas a angular não” (linha 18). A aluna B
declara não ter entendido (linha 19) e, por meio de uma pergunta autêntica,
demonstra interesse em obter esclarecimento. A partir desse momento, até a linha
40, a aluna A passa a guiar a aprendizagem da aluna B, apoiando-se na animação
da página “Velocidade angular”. A aluna A responde: “a linear é o móvel A só dá
uma volta” (linha 20). Nesse enunciado, a aluna A usa o termo “móvel” referindo-se
ao desenho de uma roda presente na animação da primeira opção da simulação
104
onde o raio da roda é maior (R1 > R). Esse termo, característico do gênero
discursivo dos professores de Física, não é mencionado no sistema. Nesse caso,
pode ter havido uma apropriação do termo incorporado aos conhecimentos prévios
da aluna, que o aplica para explicar e sintetizar o conteúdo para a aluna B. A
estrutura “I-R-F” apresentada nos enunciados das linhas 19 a 21), não ocorreu em
forma de perguntas instrutivas, como ocorre geralmente nesse padrão, mas na
forma de perguntas autênticas, feitas por quem estava precisando de fato, se
esclarecer e entender. Esta inversão modifica a relação de autoridade, em geral
atribuída a quem faz as perguntas e avalia as respostas e coloca as duas alunas em
situação de igualdade.
As alunas usam a simulação e o texto, e compartilham a construção de
significados sobre o padrão temático de velocidade angular (linhas 30 a 38). Elas
mantêm ao longo do diálogo, um discurso interativo dialógico entre elas e com o
sistema. Considerando as animações como situações que “iniciam” o diálogo, a
partir da simulação, as alunas trocam, alternadamente, respostas (em forma de
comentário ou explicação) e as ratificam complementando com um novo comentário,
mantendo um padrão do tipo “I-R-F-R-F-R-F” (linhas 20 a 37). Observamos que a
iniciação não ocorreu em forma de pergunta (como ocorre geralmente nos padrões
interativos), mas a partir dos recursos de animação e simulação da ferramenta
cultural. As respostas permitiram a interanimação com outras vozes - a das alunas e
do sistema – dando prosseguimento ao diálogo. Nesse sentido, evidenciou-se a
intersubjetividade entre as alunas, na medida em que elas compartilharam
compreensões comuns, sustentadas pela dialogicidade entre elas e as imagens do
sistema, e demonstrada pela direcionalidade dos enunciados como “não deu
105
nenhum giro, né?’; “vai bem mais devagar”; “aqui não, é muito mais rápido”; “aqui
ó...demora 15 segundos”.
Podemos considerar que a organização hipertextual, assim como os recursos
semióticos do sistema hipermídia que permitem a relação não-linear entre conceitos
e a visualização do conceito por meio de animação, foram utilizados, mostrando que
o domínio da ferramenta cultural conformou a ação da aluna B, levando-a a se
apropriar do conceito e aplicá-lo no movimento de saque, demonstrando que houve
internalização. Nesse caso, podemos identificar os dois planos de qualquer função
psicológica: no plano social estão os mecanismos interpsicológicos presentes na
interação discursiva entre as alunas e na ação interativa delas com o sistema; no
plano individual estão os mecanismos intrapsicológicos, que ocorrem em cada
indivíduo alterando sua forma de significar ou gerar novos significados.
O acesso ao conceito de velocidade angular através do índice “conceitos
físicos” e não através da palavra-chave presente na página “Saque” nos leva a
refletir sobre os objetivos pretendidos na modelagem de um sistema hipermídia. As
palavras-chave e a seqüência de páginas de navegação guiada do sistema “Biomec”
foram planejadas para facilitar a relação conceitual e permitir a aplicação dos
conceitos nos exemplos contidos nas simulações. Esse desenho, como mostra a
navegação dessa dupla, não garantiu que a relação entre saque e velocidade
angular acontecesse pelo caminho previsto, mas por um caminho alternativo
estabelecido pela dupla, no momento em que houve a necessidade conceitual.
Apesar de não ter utilizado a palavra-chave para chegar ao referido conceito, a
dupla estabeleceu a relação conceitual.
106
d) Episódio sobre músculo ísquiotibial.
Após acessarem os índices “conceitos físicos” e “aplicações biomecânicas”, a
dupla utilizou o índice “aplicações anatômicas” para acessar a página “Músculos
ísquiotibiais”, onde passaram o tempo total de 4’31’’ visitando as quatro páginas
dessa aplicação anatômica. A dupla inicia a leitura silenciosa da página (1 de 4),
anima a imagem do movimento de flexão do joelho e passa para a página (2 de 4)
(Figura 13), onde transcorre o episódio.
Figura 13.
Página “Músculo ísquiotibial” (2 de 4).
Linha
1 B. Ísquiotibial é o ...(?) (fazem a leitura silenciosa da página de ísquiotibiais)
2 A. Uhm...uhm.
3 B. Vai...(referindo-se à animação)
4. Volta. Uhm...uhm...
5 Vai. (referindo-se a passar para a página de discussão)
6 Qual que você acha que é?
7 A. É o B. Vamos lá.
8 B. Eu acho que é o C.
9 Viu? É o C. Volta lá. (Volta para a tela 2 de 4 – isquiotibiais). A lá.
10 A. Mas tá falando...não (?)... é área de extensão. Parecia do quadril...
11 B. Do joelho.
12 A. Ah...esse aqui é flexão do joelho. Aquilo ali? Tá maluca?
13 B. Volta, volta, volta aqui.
14 Ó...o músculo ó...aperta aqui. Flexão do joelho.
107
15 Discussão. Agora você vai ver qual o vetor que faz a flexão. É o C.
16 A. Tá...faz a flexão. (?) extensão?
17 B. Volta, volta.
18 Por que você... não pra cá, muda aqui.
19 Vai, discussão. Clica aqui, aperta o B.
20 Esse, não vai não, calma aí. (Referindo-se à opção B que não entra,
21 por isso ela vai p/ a opção A)
22 B. É o do...C. Que representa o quadríceps.
23 A. Ahn, tá...
24 B. Por isso é que ele fez a coisa. E o A provavelmente vai fazer... uma
25 hiperextensão do joelho?
26 Ah...uma rotação interna, entendeu? É o...
27 Agora vai. Agora passa pra outra. Aplicações...
28 B. Ele vem daqui da parte lateral do quadril até a parte medial do joelho.
29 Então, ela faz uma rotação interna. (Referindo-se à tela do músculo
30 sartório – 4 de 4)
31 Tá. Qual que é esse? É o fêmur.
32 A. Extensão...
33 B. Aqui é o quadril.
As alunas interagem com o texto e a animação da página inicial de
ísquiotibiais. O diálogo entre as alunas inicia-se a partir da pergunta existente na tela
de simulação. A aluna B refaz a pergunta de forma abreviada (“qual que você acha
que é?”), onde se percebe a influência da pergunta expressa na tela (“...selecione o
vetor para representar o movimento de flexão do joelho realizado pelo músculo
bíceps femural”). A aluna A responde a opção B. A aluna B discorda da aluna A e
opta por C. Mas como a aluna A manipula o mouse, prevalece a sua opção. O
feedback é dado pelo sistema quando a opção B é simulada e a dupla avança para
a tela correspondente, onde o texto explicativo mostra outro movimento.
Imediatamente a aluna B ratifica sua opção pela letra C e pede à aluna A para voltar
para a tela de simulação “Viu? É o C. Volta lá” (linha 9). A aluna B procura justificar
sua opção, usando a imagem apresentada na tela como recurso argumentativo da
sua opção. Para esclarecer, dirige a atenção da aluna A para a imagem da tela – “a
lá” (linha 9). A aluna A parece ainda discordar da colega. Só quando acessam a tela
da opção C, o sistema fornece o feedback da pergunta inicial, levando a aluna A a
108
aceitar a opção da aluna B como correta. Embora a opção da aluna B estivesse
correta, ela nomeia o músculo responsável pelo movimento de flexão do joelho
como quadríceps, quando o correto seria o músculo bíceps femural.
A aluna B prossegue o diálogo levantando uma hipótese sobre a opção A em
forma de questionamento (linha 25). Elas simulam a opção A e o sistema fornece a
resposta. A aluna B dialoga com o texto da página e a imagem (“ele vem daqui...” –
linhas 28 a 30) e explica para a aluna A porque o músculo sartório faz uma rotação
interna. Para ambas, o texto e a imagem animada do músculo serviram para
analisar, sintetizar e explicar, com suas próprias palavras, para a outra, o movimento
de rotação interna do joelho feita pelo músculo sartório, caracterizando domínio e
apropriação das ferramentas culturais. O padrão discursivo interativo dialógico
responsável pela interanimação das “vozes” das alunas com o sistema, também
contribuiu para a elaboração de significados.
4.3 Episódios da dupla BBMS
Os dois episódios a seguir foram extraídos do diálogo da dupla BBMS,
composta por dois alunos do 7º período de bacharelado em EF que cursam a
disciplina de Biomecânica e são de sexos distintos. A interação da dupla com o
sistema ocorreu numa sexta-feira, às 19: 40h, antecedendo à aula de Biomecânica
prevista para 20:10h. O mapa de atividades da dupla (Quadro 3) permite observar
que a navegação da dupla foi extremamente linear, ou seja, todas as páginas de
cada índice foram visitadas seguindo o sentido da esquerda para a direita e de cima
para baixo. Apesar da disposição dos índices e dos conceitos na página de
apresentação dos mesmos não seguir uma ordem pré-determinada de acesso,
109
observamos que os alunos preservaram o hábito linear de leitura. Os episódios
apresentados ocorreram logo no início da interação.
Quadro 3. Mapa de atividades da dupla BBMS
DUPLA
SEQÜÊNCIA de PÁGINAS
VISITADAS
TEMPO EPISÓDIOS
Momento de uma força
3' 51''
Episódio sobre Momento de
uma força
Força
1' 58'' Episódio sobre Força
Vetores
4' 58''
Velocidade angular
2' 56''
Momento de inércia
1' 22''
Contração muscular
2' 11''
Locomoção
2' 24
Flexão do cotovelo
8' 04''
Levantamento de carga
0' 33''
Saque
2' 23''
Isqueotibiais
1' 52''
Glúteo máximo
2' 15''
Bíceps braquial
1' 00''
BBMS
Deltoide
2' 12''
a) Episódio sobre “momento de uma força”
O conceito de momento de uma força foi explorado pela dupla durante 3’51’’,
e foi a primeira página escolhida dentre as opções oferecidas no índice “conceitos
físicos”. O episódio foi iniciado com a leitura da página inicial do conceito (Figura
14), passando em seguida para a página de discussão. O aluno B manipula o
mouse.
110
Figura 14. Página “Momento de uma força”.
Linha
1 B. Vamos começar por conceitos físicos. Qual que você quer?
2 A. Momento de uma força”. (Lê silenciosamente o texto da página 1 de 2)
3 B. Você entendeu aqui?
4 A. Hum...Hum...(confirmando que entendeu)
5 B. Por que que o cara tendeu a descer?
6 A.Porque o peso dele foi maior, mais, maior né do que o da menina.
7 B. É isso, considerando que a distância é a mesma.
8 A. É a mesma
9 B. D1 e D2.
10 A. Mas é por causa...
11 B. Por causa da...? Porque o peso dele é maior porque tração é força x
desloca-
12 mento. A força (?) se a distância é igual, o peso dele sobressaiu então ele
fez
13 um torque maior pro outro lado.
14 A. Certo.
15 B. Certo.
16 A. Então, foi o dele que desceu né?
17 B. Isso, vamos ver a discussão? “Escolha qual a variável...” (Leitura da página
18 momento de força – 2 de 2). Vamos pegar primeiro o que? Primeiro o
peso:
19 P1 = P2
20 A. No caso ele tá parado?
21 B. É P 1 = a P2
tá parado.
22 A. Tá parado.
23 B. Vamos botar P1
...porque que tá parado?
24 A.Porque é...houve equilíbrio, né? Porque a distância era a mesma e os
pesos
25 eram iguais então....não teve a rotação, né?
26 B. Porque o torque que um tava gerando era o mesmo que o outro tava
gerando.
27 A. Isso.
111
28 B. Agora se P1 for maior que P2 vai acontecer o que aconteceu
anteriormente.
29 A. O dele vai tender a girar.
30 B. Isso, então vamos mexer na distância. Ele diz que D1 é igual a D2 ele ta
consi
31 derando aqui óó...(referência) o peso dos dois iguais. Não teve alteração, é
32 igual ao de cima.
33 A. Caiu no mesmo.
34 B. Se D1 for maior que D2 quem é que vai ser o maior?
35 A. D1, dependendo da força como for o D1 é maior.
36 B. O peso dos dois é igual.
37 A. Ah...iguais.
38 B. Outra, outra variável tá constante, tá igual D1 > D2 que é que vai, o torque
vai
39 pra qual lado?
40 A. D1?
41 B. Porque torque é peso x a distância.
42 A. Então quem tiver uma distância maior...
43 B e A. ...vai gerar um torque maior. (ambos concluem)
44 A. Bom...um torque momento, né? Torque?
45 B. É ...torque.
46 A. É.
47 B. Qual que vai levar nesse caso aqui?
48 A. Quem tiver uma distância maior.
49 B. Quem é?
50 A. Que é P1.
51 B. P1, é o que aconteceu.
52 B. D1, isso aqui deve ser muito maior que D2, uma diferença de velocidade,
52 tá vendo? Porque o torque no primeiro a distância não era tão maior, era
53 maior mas nem tanto, no segundo a distância era muito maior, então a
ação
54 foi maior, certo?
55 A. Mais rápida.
Observamos nessa interação a presença quase constante, em todo o
episódio, do padrão discursivo “I-R-F”, onde o aluno B assumiu na maioria das vezes
a postura de um professor em sala de aula, fazendo perguntas instrutivas e retóricas
no intuito de avaliar o conhecimento do outro e dar seguimento ao diálogo. Esse
papel foi confirmado pela observação da aluna A, antes da atividade, sobre o
desempenho acadêmico do colega em Biomecânica. Além disso, o aluno B
demonstrou possuir habilidades específicas no manuseio da ferramenta física
(software), pela agilidade com que navegava no sistema. Ele explora as imagens,
112
animações e simulações demonstrando domínio dos recursos semióticos para
elaborar perguntas feitas à aluna A, confirmar as respostas da colega e dar
prosseguimento ao diálogo. Para isso, ele se apropria desses recursos e lança mão
de alguns conceitos científicos apresentados no sistema (como torque, por
exemplo), para complementar e esclarecer à colega algumas situações, exercendo
sobre ela um discurso persuasivo. Utiliza-se da linguagem social científica num
cenário de educação formal em que esse tipo de linguagem exerce uma espécie
superior de poder. Pelos enunciados contidos nos episódios em que eles
compartilharam significados por meio do discurso interativo dialógico e de
autoridade, podemos observar que as iniciações feitas pelo aluno B através de
perguntas educativas possibilitou além de avaliar o conhecimento de A, realizar uma
auto-síntese, formular novas perguntas, esclarecer e predizer, ações que o levam à
compreensão do conteúdo.
Observamos que os alunos utilizaram muito pouco o texto explicativo,
apoiando-se mais nas animações e simulações do sistema e nas avaliações feitas
pelo aluno B em relação às respostas produzidas por A.
Podemos dizer que em relação a aluna A, foi estabelecida uma ZDP, onde o
aluno B, através das perguntas instrutivas e retóricas, manteve o controle do padrão
temático e permitiu à aluna A se apropriar dessas perguntas como ferramentas
psicológicas para gerar significados, “guiando” seus mecanismos intrapsicológicos
de elaboração de significados.
A relação do aluno B com o modo de mediação pôde ser caracterizada como
domínio e apropriação das ferramentas culturais em função das habilidades
específicas requeridas na ação mediada por essas ferramentas. Não fossem os
conhecimentos anteriores do aluno B e sua habilidade no manuseio de sistemas
113
hipermídia, as ferramentas em si não desencadeariam os mecanismos de
elaboração de significados. Assim, podemos dizer que as ferramentas culturais
possibilitaram e favoreceram a ação mediada em função da aplicabilidade atribuída
a elas pelo aluno B.
Outra propriedade inerente à ação mediada pelo sistema diz respeito à
autoridade e poder conferidos à ferramenta (software) e à linguagem científica
veiculado no sistema, apoiada pelas animações, que são aplicações dos conceitos
em situações próximas do cotidiano acadêmico e social dos alunos. A aplicabilidade
desses conceitos nos exemplos imagéticos (dinâmicos), nos leva a supor que
provoque nos usuários um certo poder e autoridade no sentido de tornar o conteúdo
inquestionável por parte dos alunos, ratificando o poder do gênero discursivo da
ciência em relação às idéias próprias dos sujeitos (WERTSCH, 1993).
b) Episódio sobre “força”;
Após acessar o conceito de momento de uma força, a dupla visita a página de
força durante 1’58’’. Iniciando com a leitura do texto explicativo da página 1 de 2
(Figura 15), discutem sobre a animação e passam para a página de “discussão”.
Figura 15. Página “Força” (1 de 2).
114
Linha
1 B. Força.
2 A. “Quando exercemos um esforço muscular para puxar ou empurrar um
3 objeto, estamos lhe comunicando uma força. O cabo de aço que sustenta
4 um corpo também exerce uma força sobre ele. Ambas são forças de
contato.
5 As forças também podem agir a distância como é o caso do peso P de um
6 corpo, que é a força com que a Terra o atrai. Inicie a animação para
observar
7 os vetores F e P que representam as forças envolvidas nesta situação.
Em
8 seguida, clique em discussão para manipular o módulo do peso da carga.”
9 (Leitura da página de força - 1 de 2)
10 B. O que está acontecendo? Explica aí.
11 A. Tá acontecendo que vai ter o peso P aqui tendendo pra baixo e que o vetor
F
12 que, que é essa, essa traçãozinha, né, que é a mesma força que o homem
13 aplicando aqui no final dessa tração.
14 B. Por quê?
15 A. Ah... porque o P é o mesmo.
16 B. Então o P é o mesmo e essa roldana (M e H falam juntos), é o quê?
17 A. Ela é fixa.
18 B. Ela é fixa.Se ela não fosse fixa não ia ter a mesma, não ia ter a mesma
tração.
O aluno B inicia o diálogo com uma pergunta instrutiva (linha 10) para a aluna
A após a leitura do texto sobre força e de acionarem a animação da página. A aluna
A responde fazendo uma descrição do que vê na animação. O aluno B dá
prosseguimento ao diálogo com uma nova pergunta (por quê? – linha 14). A aluna A
explica lançando mão da animação da imagem. Em seguida o aluno introduz, em
mais uma pergunta instrutiva, o termo “roldana” que não aparece no texto (“e essa
roldana, é o quê?” – linha). A aluna A responde “Ela é fixa” (linha 17). O conceito
não aparece no texto do sistema, o que nos leva a supor que seja conhecimento
anterior trazido pelos alunos. Iniciam, então, a discussão e leitura da página 2 de 2
(Figura 16).
115
Figura 16. Página “Força” (2 de 2).
19 B. A discussão: “sendo constante a força F exercida pelo homem sobre a
carga,
20 selecione a relação entre o módulo de F e o módulo do peso do corpo P.
21 Em seguida, observe seu movimento”. (leitura do texto explicativo da
página 2 22 de 2). Então aqui ele vai começar a brincar com força e peso, então
digamos 23 que F maior a força maior que o peso é aquilo que aconteceu na
primeira. Se 24 a força for igual ao peso o que vai acontecer?
25 A. Vai ficar parado.
26 B. Vai ficar parado, não teve alteração, né? Certo? A força que tá puxando
pra
27 cima é a mesma do peso que está pra baixo.
28 A. Ficou equilibrado, né?
29 B. E se força menor que peso?
30 A. A tendência é descer um pouquinho.
O aluno B aplica o conceito de força na situação abordada para explicar para
a aluna A porque o movimento foi efetuado na primeira simulação (linhas 24 e 25). E
em seguida, pergunta sobre a segunda opção da simulação (força igual ao peso). A
aluna responde que vai ficar parado. O aluno confirma explicando, com suas
próprias palavras, porque não houve movimento. O aluno B finaliza o episódio com
outra pergunta sobre a terceira opção da simulação (linha 32). A aluna A responde
corretamente.
O uso pelo aluno B, de termos como roldana e tração, que não estão
presentes nos textos do sistema, mostra sua apropriação prévia do gênero
116
discursivo do ensino de Física de nível médio ou do ensino de Biomecânica. Sua
linguagem privilegia, dessa forma, o gênero discursivo científico, que, em cenários
socioculturais formais, tem uma espécie de poder explicativo superior às idéias
próprias dos sujeitos(WERTSCH, 1993).
Observamos em todo o diálogo dessa dupla, a presença constante do padrão
discursivo I-R-F, onde o aluno B assume a postura de um professor, fazendo
perguntas instrutivas no intuito de avaliar o conhecimento da colega e dar
seguimento ao diálogo. Esse papel foi legitimado pela observação da aluna A, antes
da atividade, sobre o bom desempenho acadêmico do colega em Biomecânica.
Além disso, o aluno B demonstrou excelente domínio da ferramenta física, pela
agilidade com que manuseava o mouse. Ele demonstrou apropriação do conteúdo
apresentado na página “Força”, lançando mão de outros conceitos científicos para
esclarecer as situações abordadas, exercendo sobre ela, um discurso de autoridade.
Podemos pressupor o estabelecimento de uma ZDP para a aluna A pela ação
mediada de B, ao fazê-la responder a perguntas instrutivas sobre o conteúdo,
avaliando, complementando o conhecimento de A e formulando novas perguntas. É
possível que essas ações também tenham favorecido sua própria internalização do
conteúdo.
4.4 Episódio da dupla BBF
Esse episódio foi extraído do diálogo da dupla BBF, composta por duas
alunas do 7º período de bacharelado em EF que cursam a disciplina de
Biomecânica. A interação da dupla com o sistema ocorreu numa quarta-feira, às
17:23h, após o término da aula dessa disciplina. O mapa de atividades da dupla
(Quadro 4) permite uma visão da navegação da dupla pelos conceitos e aplicações,
e possibilita situar os episódios dentro da seqüência de páginas visitadas. A dupla
117
BBF iniciou a navegação acessando a página “Vetores” em função da aluna B ter
declarado não entender muito bem o conceito (“Não é melhor a gente primeiro
escolher vetor? Eu nunca saco muito esse negócio...”). Depois de visitarem todos os
conceitos físicos, escolheram o índice de aplicações anatômicas a pedido,
novamente, da aluna B (“Vamos pro anatômico primeiro. Não adianta nada estudar
Biomecânica se a gente não sabe nada de Anatomia”). Com exceção da página
“Momento de inércia“, todos os demais conceitos foram vistos pela dupla, inclusive,
por duas vezes, o glossário foi acessado para esclarecer o conceito de “linha de
ação” (“Vamos em linha de ação que eu não compreendi direito?”). Apesar da
seqüência de páginas visitadas ter ocorrido por blocos (índices), pela análise do
diálogo observamos que o critério de acesso às páginas foi estabelecido em função
dos interesses e necessidades conceituais das alunas. Desse modo, podemos
afirmar que o material instrucional atendeu aos objetivos das alunas mais porque se
adaptou às necessidades contingentes da dupla do que por sua característica
hipertextual.
Quadro 4. Mapa de atividades da dupla BBF
DUPLA
SEQÜÊNCIA de PÁGINAS
VISITADAS TEMPO EPISÓDIOS
Vetores
1' 12''
Força
3' 11
Momento de uma força
3' 17''
Episódio sobre momento de
uma força
Velocidade angular
2' 34''
Isquiotibiais
6' 16''
Glúteo máximo
3' 39''
Deltoide
2' 54''
Bíceps braquial
2' 27''
Saque
1' 53''
Contração muscular
1' 37''
Flexão do cotovelo
8' 44''
Levantamento de carga
1' 12''
BBF
Locomoção
2' 24''
118
a) Episódio sobre “momento de uma força”.
A dupla inicia o diálogo referindo-se aos personagens da figura da página 1
de 2 (Figura 17) e, em seguida, iniciam a leitura do texto explicativo. Interrompem a
leitura no conceito de “linha de ação”, acionam o glossário e, posteriormente, a
animação da imagem. Conseqüentemente surge o botão “discussão”, e elas
acessam a página correspondente (2 de 2 – Figura 18). O episódio ocorre na
interação das alunas com as duas páginas do conceito, onde elas passam o tempo
total de 3’17’’. Pelo grau de intimidade entre as alunas, a navegação da dupla ocorre
de forma bem descontraída, com onomatopéias e narrativas paralelas ao texto do
sistema. A aluna B manipula o mouse.
Figura 17. Página “Momento de uma força”.
Linha
1 B. Ele é gordo, ela é pequena.
2 A. Não ele não é gordo, ele é grande, ela é pequena.
3 B. Eu tô falando que ele é gordo?
4 A. Momento de uma força ou torque ...” (leitura da página 1 de 2).
5 B. Vamos em linha de ação que eu não compreendi direito.
6 A. Vamos.
7 B. Iiih...agora vão começar os problemas. Vamos pra animação.
8 A. Êhêêê...
119
Figura 18. Página “Momento de uma força” (2 de 2).
9 B. Discussão...êhêêê.(vibram juntas). Isso é triste.
10 A. Oba!, distância e peso.Distância é legal, a lá...
11 B. “Escolha a variável (peso ou distância) que você irá manipular. Em seguida
12 selecione a opção peso (P) ou de distância (d) que deseja simular. Inicie a
13 animação e observe os efeitos de rotação causados sobre a gangorra
pelos 14 diferentes momentos” (Leitura da página 2 de 2).
15 B. Quando a distância1 é maior que a 2?
16 A. Fica mais distante...
17 B. Distancia 1 é maior que a 2, enverga. Enverga, por quê?
18 A. Fica mais distante.
19 B. Beleza. Quando D1 é igual a D2?
20 A. É equilíbrio.
21 B. Êhêêê...(vibram juntas).
22 A. Bem mais mais na linha...
23 B. D1 é maior maior que D2?
24 A. Bem mais...é....
25 B. Ué? É porque é maior, pô.
26 A. É. é...
27 B. É porque antes envergou pouco?
28 A. É isso aí ...é
29 B. Agora vai envergar mais.
30 A. Porque eu esqueci que D1 é esse e não esse ããã...(?). E aqui?
31 B. Vamos pro peso agora... P1 igual a P2
32 A e B. Equilíbrio.
33 B. Tranqüilo. P1 maior que P2...
34 A. Aí que ele tava antes...
35 B. Aí que ele tava antes...êhêêê...
36 A. Exatamente.
37 B. A depender do peso e da distância ele sempre vai envergar
38 A. Uhm...uhm...(confirmando). É por isso que tem aquela parada...aquela
39 pedra grande...pega a pedrinha faz uma alavanca e vai.
40 B. Ah...Antigamente eu brincava de gangorra. Eu sempre era maior.
41 Aí eu sempre envergava todo mundo...geral.
120
42 A. Ah...manipulava...
43 B. Ah... eu não sabia.
44 A. Ah...eu sabia...eu sabia que mais pra cá do banco, o banco podia subir.
45 B. É mas só que o meu grupo de amigos eles não tinham essa malícia que
46 você tinha. Todo mundo ficava na ponta, entendeu?
47 A. Não...
48 B. Aí só interferia...a distância era a mesma. Só interferia o peso.
As alunas iniciam o episódio com um comentário sobre os personagens da
imagem e identificam a diferença de peso e tamanho (“ele é gordo, ela é pequena”;
“ele não é gordo, ele é grande, ela é pequena” – linhas 1 e 2). A variável em
discussão é peso, mas a imagem leva a aluna B a referir-se a tamanho. Embora o
tamanho de uma pessoa possa interferir no peso, a imagem utilizada na página
restringiu a interpretação da aluna. Elas prosseguem com a leitura do texto
explicativo e ao passar pelo conceito de “linha de ação”, a aluna B solicita à colega
para acionar o glossário a fim de compreender o conceito. Em seguida, observam a
animação e acionam o botão “discussão”.
Na página de discussão, elas podem simular a situação escolhendo entre as
variáveis peso e distância. Elas optam primeiramente pela distância e simulam a
primeira opção (D1 maior que D2). A partir da linha 15 até a linha 33, verificamos
uma seqüência de interações do tipo “I-R-F-R-F-R” em que a iniciação é realizada
pela aluna B a partir das simulações e por intermédio de perguntas instrutivas com a
finalidade de compartilhar significados e dar prosseguimento ao diálogo. O feedback
dado pela colega com o apoio da simulação, coincide com o momento de iniciação
seguinte (linhas 17, 19 e 23). Na linha 37, a aluna B sintetiza o conteúdo que é
compartilhado pela aluna A. Esta ainda avança na compreensão estabelecendo um
marco específico de referência, quando faz uma analogia com outro exemplo de
aplicação do conceito de alavanca (linhas 38 e 39). Em contrapartida, a aluna B
estabelece um marco social de referência (linhas 40 e 41) quando relaciona a
121
animação com uma situação vivida na infância. Esses marcos, considerados
também como recursos semióticos, permitem-nos supor que ambas as alunas, ao
relacionarem o que estão discutindo com conhecimentos prévios, demonstram
domínio do conceito. Quando a aluna B faz a síntese do conteúdo, ela parte de
conceitos cotidianos, enquanto a aluna A estabelece uma relação com o conceito
científico sobre alavanca, demonstrando o domínio do pensamento abstrato, num
processo de descontextualização.
Podemos considerar que o diálogo das alunas com os recursos semióticos do
sistema (textos, imagem, animação e simulação) resultante do domínio e
apropriação dessas ferramentas culturais, resultou para elas na assimilação do
conceito e na elaboração de novos significados. Logo, podemos admitir que houve
compreensão, em função das ações responsivas, dialógicas e mediadas pela
interatividade entre as alunas e o sistema, em que elas compartilharam significados,
concordaram, aplicaram, explicarama síntese. alização.
122
Quadro 5. Mapa de atividades da dupla LCM
DUPLA
SEQÜÊNCIA de PÁGINAS
VISITADAS
TEMPO EPISÓDIOS
Força
2' 16''
Momento de uma força
1' 31''
Vetores
3' 36''
Contração muscular
2' 04''
Locomoção
2' 27'' Episódio sobre locomoção
Momento de inércia
0' 24'' continuação
Locomoção
0' 15'' continuação
Flexão do cotovelo
2' 24''
Momento de uma força
0' 07''
Flexão do cotovelo
2' 27''
Momento de uma força
2' 20''
Levantamento de carga
0' 46''
Saque
2' 36''
Isqueotibiais
5' 33''
Glúteo máximo
2' 35''
Bíceps braquial
0' 44''
LCM
Deltoide
1' 32''
a) Episódio sobre “Locomoção”
A dupla acessou a página “Locomoção” por 2’17”, visitou a página “Momento
de inércia” pelo índice “conceitos físicos”, onde permaneceu por 24’’ e retornou à
página “Locomoção”, permanecendo por 15’’ nesta página. Observamos que o aluno
A tem muita habilidade para o manusear o sistema, e talvez por isso, tenha um ritmo
mais acelerado que o seu colega, demonstrando certa “impaciência” com seu ritmo
mais lento. A interação discursiva acontece envolvendo as páginas de discussão de
locomoção (Figura 19) e de momento de inércia (Figura 20). O aluno A manipula o
mouse.
123
Figura 19. Página “Locomoção”.
Linha
1 A. “Locomoção”. (Leitura silenciosa do texto explicativo da página 1 de 3)
2 B. Vai querer dizer alguma coisa aí?
3 A. Pode virar.
4 B. Vamos em discussão, vamos em discussão.
5 A. Tá...tá...
6 B. (?) (Lendo a página de discussão). Tu viu momento de inércia? Aqui..
7 A. Inércia tá parado.
8 B. Não eu sei. Ah...por exemplo, lembra aquela roda grande e aquela roda
9 pequena? Momento de inércia...
10 A. Quanto maior o ângulo, a quantidade de (?)
11 B. Perfeito, perfeito.
12 A.Quanto maior ele fizer o...como é?
12 B. Quanto maior velocidade...
13 A. O círculo...maior vai ser o círculo, maior a amplitude do movimento. Quanto
14 maior a amplitude do movimento, maior a velocidade, é claro.
15 B. Não, depende.
16 A. Vai ver que é.
17 B. Se fizer uma marcha com a passada longa?
18 A. Aqui ó...
19 B.Tudo bem, mas ele podia andar e bater com o pé na bunda e aumentar a
20 amplitude.
21 A. Então...
22 B. Aumentar a velocidade, mas a distância é a mesma. Ele aumentou a
23 velocidade...
24 A. Mas pra aumentar a velocidade....tem que ter....
25 B. Tá, clica aonde aí?
26 A. A lá...
27 B. Vamos lá em conceitos físicos, conceitos físicos. Espera, espera. Momento
de 28 inércia vai lá. (Leitura da página de momento de inércia – Figura 21)
124
29 a lá...”quanto mais concentrada,...”.(lendo a página de momento de
inércia)
30 A. Quanto mais ...
31 B. Mais o quê?
32 A. Quanto mais você é ...pega... quanto mais você... é....quanto mais massa
33 muscular você recruta, maior vai ser. A lá...aqui (Referindo-se à corrida).
34 B. Tem isso também.
35 A. Ele vai recrutar...
36 B. Não tava tão bem...aqui ó...sei lá.
37 A. Acho que quanto mais massa muscular ele vai recrutar, maior a velocidade
38 dele.
Figura 20. Página “Momento de inércia”.
Depois de uma rápida leitura da página “Locomoção” (28’’), os alunos
animam a imagem e passam para a página de discussão, e gastam 50’’ para
acessar a página 3 de 3, que apresenta um vídeo com atletas disputando uma
corrida de velocidade. Após interagirem com os textos e as imagens, o aluno A
estabelece uma relação conceitual, porém denominando o conceito de “momento de
inércia”, de forma equivocada, fazendo referência ao exemplo relativo ao conceito de
“velocidade angular” (“aquela roda grande, aquela roda pequena” – linhas 8 e 9).
Relaciona a amplitude do movimento com a velocidade obtida, confirmando que o
conceito ao qual se referia era “velocidade angular”. Entretanto, no enunciado da
linha 24, o aluno A parece perceber que além da amplitude do movimento
125
(velocidade angular), outro conceito está implícito no exemplo da corrida. O aluno
não termina esse enunciado, mas supomos pelos enunciados posteriores, que ele
tenha relacionado o aumento da velocidade na corrida com o aumento da flexão das
articulação dos joelhos, envolvendo maior concentração de massa. A dupla, então,
acessa o conceito de momento de inércia através do índice “conceitos físicos”, não
percebendo a palavra-chave correspondente a este conceito, disponível no texto
explicativo.
Observamos nesse episódio um padrão discursivo interativo de autoridade,
onde o aluno B conduzia a interação com o colega paralelamente à sua interação
com o sistema, considerando apenas a “voz” deste e o seu próprio ponto de vista.
Não constatamos a ocorrência do padrão triádico, característico nas interações de
autoridade, mas pelo controle do padrão temático e a ausência da interanimação de
outras vozes, podemos caracterizar a interação discursiva como de autoridade.
Com relação a ação mediada dos alunos, podemos admitir que o aluno A se
apropriou das ferramentas culturais, na medida em que utilizou as descrições
elaboradas a partir da sua leitura dos textos e das animações para construir as
sínteses presentes nos seus enunciados (linhas 13-14 e 37-38). Já o aluno B,
inicialmente, restringiu seu entendimento relacionando o aumento da velocidade na
locomoção apenas à amplitude do movimento, embora denominando como
momento de inércia. Com a leitura do texto explicativo da página “Momento de
inércia” e a visualização da animação apresentada na página desse conceito, o
aluno conseguiu compreender que ambos conceitos estão relacionados ao exemplo
da corrida. Nesse caso, a interação do aluno B com os recursos semióticos do
sistema possibilitou a este a internalização do conteúdo.
126
Observamos que a organização hipertextual do sistema, no que se refere a
ligação semântica conferida pelas palavras-chave dos dois conceitos presentes no
texto explicativo da página inicial de locomoção, não foi percebida pela dupla. No
entanto, isso não os impediu de estabelecer a relação conceitual, acessando o
conceito desejado através do índice “conceitos físicos”.
4.6 Episódio da dupla LCMS
Esse episódio foi extraído do diálogo da dupla LCMS, composta por dois
alunos do 4º período de licenciatura em EF que cursam a disciplina de Cinesiologia
e de sexos diferentes. A interação da dupla com o sistema ocorreu numa terça-feira,
às 10:28 h, após a aula de Cinesiologia. O mapa de atividades da dupla (Quadro 6)
permite visualizar a navegação da dupla pelos conceitos e aplicações, e possibilita
situar os episódios dentro da seqüência de páginas visitadas. Desse modo,
observamos que a dupla não acessou todas as páginas do sistema deixando de
visitar as páginas “Velocidade angular”, “Momento de inércia” e “Saque”. A escolha
dos índices e dos conceitos parece ter sido aleatória, não evidenciando qualquer
critério como necessidade conceitual ou interesse, por exemplo.
Quadro 6. Mapa de atividades da dupla LCMS
DUPLA
SEQÜÊNCIA de PÁGINAS
VISITADAS TEMPO EPISÓDIOS
Contração muscular
1' 42''
Locomoção
2' 24'' Episódio sobre locomoção
Força
1' 16''
Momento de uma força
1' 49''
Isquiotibiais
2' 20''
Glúteo máximo
2' 58''
Vetores
1' 16''
Flexão do cotovelo
6' 54''
Levantamento de carga
0' 13''
Bíceps braquial
0' 03''
LCMS
Deltóide
2' 38''
127
a) Episódio sobre “locomoção”
A dupla iniciou a navegação pelo índice “aplicações biomecânicas”, acessou a
página “Contração Muscular” e em seguida “Locomoção”, onde passaram 2’24’’
visitando as três páginas referentes ao conceito. O episódio foi desencadeado a
partir da animação da página “Contração Muscular” (2 de 3) (Figura 21). A aluna A
manipula o mouse.
Figura 21. Página “Locomoção” (2 de 3).
Linha
1 A. “Locomoção”.(Leitura silenciosa do texto explicativo da página 1 de 2)
2 Aqui tá legal (Clica em discussão e continua a leitura da página 2 de 3).
3 Muito mais flexão...(Referindo-se à animação da página 2 de 3).
4 B. Às vezes tem moleque que tem o costume de correr muito com a
perna...é...
5 A. Ah...mas aí depende do tipo né de corrida. Lembra de atletismo (rs...), que
6 tem pessoas por exemplo, os fundistas eles têm um tipo de corrida
diferente
7 das pessoas de corridas mais rápidas. Por exemplo, fundista tem um tipo
de
8 corrida bem de pular, eu acho, que é um passo mais curto.
9 B. Acho que é ao contrário, né?
10 A. Não sei, agora, não sei...Ele fala também do arco que faz o...faz um arco
11 maneiro...rs..
12 B. Não, tá ligado ...(?)
128
13 A. Tem gente que corre assim...e tem gente que corre assim (Faz gestos com
os
14 dedos simbolizando as passadas).
15 B. Sem dobrar muito os joelhos.
16 A. Que é muito pouquinho comparado... (Volta à página de 2 de 3).
A partir da observação da animação da página 2 de 2 de locomoção, a dupla
inicia o diálogo estabelecendo um marco específico de referência ao fazer uma
comparação entre os “tipos de corrida” de fundistas e velocistas. A aluna A
menciona o “arco” que o atleta faz quando corre referindo-se à amplitude da
passada (Linhas 10 e 11) e o aluno B compartilha da idéia complementando com a
observação quanto à flexão menor dos joelhos (Linha 15). Observamos que os
alunos se apropriaram das animações do sistema, e elaboraram um discurso
paralelo, mais próximo de sua vivência acadêmica, ou seja, abstraíram o conteúdo
da página e construíram, com suas próprias palavras, um novo conteúdo semântico.
Numa dialogicidade oculta, usando linguagem do cotidiano, eles incorporaram os
conceitos científicos de velocidade angular e momento de inércia, quando se
referiram à amplitude da passada e ao grau de flexão dos joelhos.
Poderíamos atribuir à “imaturidade científica” dos alunos (que são do 4º
período, e estão retomando o contato com conceitos físicos agora, na disciplina de
Cinesiologia) o uso da linguagem cotidiana, em vez da científica. Por outro lado,
poderíamos supor que os conceitos de “velocidade angular” e “momento de inércia”
não tenham sido incluídos em seus enunciados, pelo fato dos alunos não terem
utilizado das palavras-chave desses conceitos, disponíveis na página inicial de
“Locomoção”, e por não terem acessado justamente esses dois conceitos durante a
exploração do sistema. Admitindo essas hipóteses, e resgatando parte dos
resultados encontrados em estudo anterior com o sistema “Biomec” (COLA, 2004), o
desempenho dos alunos pode estar relacionado às suas condições afetivas e
129
cognitivas (“imaturidade científica”) dos alunos, o que pode justificar também o fato
de que, entre as seis duplas compostas pelos alunos de Cinesiologia, não
acessaram todos os conceitos do sistema, enquanto as demais duplas visitaram
todas as páginas.
Notamos ao longo de todo diálogo que, considerando o sistema hipermídia
um “texto eletrônico”, a ferramenta cultural (sistema) atendeu à funcionalidade de
gerar significados, mais do que a de transmiti-los. Para esta dupla, a função
dialógica prevaleceu sobre a função unívoca, o que aponta para a maior flexibilidade
desse tipo de material instrucional em relação a outros (tradicionais), que
desempenham apenas a função de transmissão de informações.
130
Capítulo 5
5.1 Discussão dos resultados
Esse capítulo apresenta a discussão dos resultados da análise dos diálogos,
considerando como norte desse processo o objetivo e a questão de estudo, assim
como as considerações tecidas em relação a cada episódio. E, por fim, as
conclusões, implicações para o ensino de Biomecânica e direcionamentos futuros,
decorrentes das discussões.
Com os resultados obtidos, podemos reafirmar ou ampliar a conclusão de
outros estudos que embasaram essa pesquisa; constatar novos fatos ou ocorrências
e interpretá-los, conscientes de que são fruto de um olhar sobre a realidade e não a
própria realidade; e apontar possíveis repercussões ou implicações relativas à práxis
pedagógica no ensino de ciências. Sendo assim, iniciamos com a discussão dos
resultados que ratificam ou ampliam estudos anteriores.
Na introdução desse estudo, foi ressaltada a carência de materiais didáticos
adequados para demonstrar a dinâmica e participação dos conceitos físicos no
movimento humano, como também a relevância dos sistemas hipermídia nesse
aspecto, apontou-se também o potencial desse tipo de sistema para dar autonomia
aos estudantes na construção do conhecimento em função da multiplicidade de
conexões e para facilitar o diálogo com outras áreas do conhecimento. Pelos
depoimentos dos alunos ao final das interações com o sistema “Biomec”, houve
unanimidade na opinião dos mesmos sobre a importância dessa ferramenta para
auxiliá-los na compreensão de conceitos que, ensinados de forma tradicional,
tornam-se de difícil entendimento. Além disso, alguns estudantes destacaram a
131
interatividade com o sistema e os exemplos ilustrativos em forma de animação e
simulação como aspectos positivos e facilitadores na aprendizagem do conteúdo.
Entre as características relevantes dos sistemas hipermídia de aprendizagem
apontadas por Marchioninni (1988), a que se refere à alteração dos papéis de
professor e aluno, observamos que a ferramenta cultural, em algumas situações,
pode ter assumido o papel de professor ao indagar os alunos sobre o músculo
responsável por um determinado movimento (aplicações anatômicas), quando
apresentava situações diversas de simulação (Se P > F, o que vai acontecer?) ou
quando demonstrava através da animação, o resultado das opções de simulação
escolhidas (feedback). Sob outro ponto de vista, podemos entender que é o aluno
quem elabora a pergunta ao sistema, ao acionar uma opção de simulação, e espera
a resposta em forma de demonstração. O feedback, nesse caso, é dado pelo aluno
quando aceita o que o sistema lhe apresenta, ou quando retoma a leitura do texto
explicativo ou repete a animação da imagem a fim de se certificar da resposta.
Quanto à navegação dos alunos no sistema “Biomec” (embora não tenha sido
objeto de análise nesse estudo), verificamos que os resultados obtidos coincidem
com resultados anteriores (COLA, 2004), no que se refere ao conceito mais visitado
e o tempo gasto pelos alunos na exploração do mesmo: o conceito “Vetores” foi
novamente o mais concorrido. Admitimos que tal fato tenha se repetido nesse
estudo por tratar-se de um conceito basilar no entendimento de Biomecânica e
Cinesiologia.
Com relação às páginas acessadas, diferente do resultado obtido no estudo
anterior, entre as seis duplas estudadas, apenas as duas duplas compostas pelos
alunos de cinesiologia, não acessaram todos os conceitos do sistema, enquanto as
demais duplas visitaram todas as páginas. Poderíamos supor que ao alunos de
132
Biomecãnica, por serem do 7º período, tenham mais interesse no aprofundamento
do conteúdo.
Com relação ao acesso aos índices, constatamos que as duplas (com
exceção de uma) mostraram preferência por iniciar a navegação pelos conceitos
físicos, passando para as subclasses de aplicações biomecânicas e anatômicas.
Observamos que, de uma maneira geral, as duplas acessaram os índices e
conceitos mantendo o sentido da esquerda para a direita, utilizado no nosso sistema
de leitura textual. Esse fato nos conduz a quatro interpretações: (i) a dupla manteve
o sentido da esquerda para a direita, mas a escolha dos itens foi de forma
consciente e determinada por ainda esterem impregnados pela forma tradicional de
leitura, associando o texto eletrônico do sistema à uma página de livro impressa; (ii)
os alunos não possuem habilidades necessárias para explorar a organização
hipertextual de sistemas hipermídia de aprendizagem, apesar de saberem usar
hipertextos quando acessam sites na Internet; (iii) a ordem em que estão
apresentados os índices do sistema “Biomec” restringe o pleno uso dos recursos
hipertextuais; e (iv) considerando a linearidade enquanto uma ferramenta cultural
que medeia a interação de caráter educativo, podemos supor que a navegação
hipertextual se configure como navegação linear.
Com relação às análises dos diálogos e buscando responder à questão de
estudo, podemos constatar que as ações interativo-discursivas (dialógicas e de
autoridade) entre os alunos, mediadas pela linguagem e consideradas como
mobilizadoras dos mecanismos interpsicológicos, promoveram nos agentes, de
forma individual, a alteração do fluxo e a estrutura dos mecanismos
intrapsicológicos, desencadeando o processo de conformação do processo de
construção do conhecimento. Da mesma forma, as ações interativo-dialógicas e de
133
autoridade entre os agentes e o sistema “Biomec”, mediadas pelos seus recursos
semióticos e consideradas também, como ações que ocorrem primeiramente no
plano externo, permitiram, no plano interno e individual, a alteração dos mecanismos
intrapsicológicos, o que evidencia o processo de internalização. Segundo a lei
genética de desenvolvimento mental de Vygotsky, o processo de internalização
caracteriza o vínculo entre os mecanismos interpsicológicos, ou seja, processos
sociais mediados por ferramentas psicológicas ou culturais como a linguagem, os
signos e outros recursos semióticos, e o funcionamento intrapsicológico. Quando o
“indivíduo internaliza a matéria-prima fornecida pela cultura não é, pois, um processo
de absorção passiva, mas de transformação, [...] em que as atividades externas e as
funções interpessoais transformam-se em atividades internas, intrapsicológicas”
(OLIVEIRA, 1997, p. 38). O funcionamento interno é resultante de uma apropriação
das formas de ação que estão intimamente interligadas a estratégias e
conhecimentos dominados pelo sujeito como, também, a ocorrências no contexto
interativo.
Ainda com relação aos conceitos de Vygotsky, podemos considerar que as
ações discursivas, interativas e manipulativas dos estudantes (em dupla) interagindo
colaborativamente com o sistema “Biomec”, mediadas pela linguagem e pelos
recursos semióticos do sistema foram potencialmente significativas para o
estabelecimento da ZDP para um dos agentes. Observamos em alguns episódios
que a ZDP foi estabelecida para um deles por meio de uma pergunta autêntica ou
por um conflito cognitivo, que pode “mobilizar as ações dos alunos na manipulação
do objeto, na elaboração discursiva e também na elaboração de significado”
(GIORDAN, 2005a, p.290) e levar à aprendizagem (MOURA e MORETTI, 2003).
Outro aspecto igualmente importante nesse processo, e permitido pela interação em
134
duplas, foi a intersubjetividade entre os alunos, que pressupõe um acordo implícito
entre os sujeitos da interação na elaboração de significado. A dialogicidade entre os
estudantes e destes com o sistema presentes nas ações em que eles comentam,
discordam, avaliam, atualizam, negociam, modificam, executam e compartilham
sistemas de significados sobre o conteúdo ou sobre a tarefa que os ocupa
(COLOMINA et al, 2001), estão diretamente relacionadas à processos
epistemológicos, ou seja, a mecanismos psicológicos superiores, objeto de interesse
nos estudos vigotskianos.
A linguagem e os recursos semióticos do sistema foram utilizados na
interação dos estudantes com o sistema “Biomec” como ferramentas culturais na
elaboração e internalização de significados, quando em atitudes responsivas ao
outro ou ao sistema, os alunos lançaram mão dessas ferramentas para: informar-se;
aprender; ensinar; simular; demonstrar; animar; decidir; escolher; explicar;
descrever; predizer; argüir; explanar e definir. Essas ações são processos
(socioculturalmente situados) mediados semioticamente, que desenvolvem
habilidades e mecanismos psicológicos necessários para compreender (Palincsar e
Brown, citados por WERTSCH, 1993), e demonstram o domínio e apropriação das
ferramentas culturais na internalização de significados.
Observamos na análise dos diálogos, diferentes formas de manifestação dos
processos de internalização. O aparecimento de diálogos ocultos, em que o
conteúdo dos enunciados revelou, de forma invisível, a intertextualidade
estabelecida pelos alunos entre eles e os recursos semióticos do sistema, pode ser
considerada uma expressão de compreensão ou elaboração de significado. Da
mesma maneira, o diálogo interno, motivado pela dialogicidade entre os alunos e os
textos ou imagens (animações ou simulações) do sistema presente em seus
135
enunciados, atua como fator estrutural do discurso e desempenhou importante
função reguladora no processo de elaboração de significados, dando suporte à ação
dos alunos com a ferramenta cultural na intenção de se apropriar do conteúdo e
guiando o processo intrapsicológico (GIORDAN, 2005b).
Os enunciados que caracterizam apropriação, ou seja, quando tomamos as
palavras do outro lhes acrescentando intenção semântica e expressividade próprias,
dando voz a nossa manifestação discursiva e promovendo sua reconstrução,
também são expressões de compreensão e de participação, e portanto, de
elaboração de significados. Consideramos que essas apropriações se evidenciaram
quando os alunos, influenciados pelos textos e imagens, descreveram, explicaram,
demonstraram e argumentaram sobre o conteúdo.
Essas estruturas composicionais dos enunciados geraram padrões
discursivos entre alunos, e entre esses e as “vozes” (invisíveis) do sistema. Além
dos padrões discursivos já conhecidos e comuns em sala de aula, constatamos o
aparecimento do padrão denominado ‘”IR-F” ao qual atribuímos importância no
processo de organização do pensamento por caracterizar, no primeiro momento, um
diálogo interno compartilhado com seu interlocutor, que valida ou não seu enunciado
(feedback). Ocorre nesse padrão uma verbalização dos mecanismos
intrapsicológicos envolvidos no processo de internalização.
Constatamos a ocorrência do padrão triádico (“I-R-F”) entre alunos,
manifestado de duas maneiras: na primeira, o aluno apropria-se das situações
(animações ou simulações) apresentadas no sistema para elaborar perguntas ao
colega. Nesse caso, as perguntas assemelham-se às perguntas educativas com as
quais o professor testa o conhecimento dos alunos ou incita o diálogo em sala de
aula. Outra maneira em que aparece esse padrão discursivo é quando um dos
136
alunos faz uma pergunta autêntica ao colega. Nesse caso, pode ser estabelecida
para o aluno indagador uma ZDP, considerando que o aluno indagado pode ter
ajudado o outro com sua resposta ou explicação.
Partindo do pressuposto de que há dialogicidade (intertextualidade) entre ao
alunos e os recursos semióticos do sistema (textos explicativos e imagens),
observamos que, a depender do uso que os alunos façam desses recursos, são
estabelecidos padrões discursivos do tipo “I-R-F” semelhantes aos de sala de aula,
porém com mudança dos “personagens” responsáveis pela iniciação, resposta e
feedback. Se entendermos as opções de simulações e perguntas apresentadas no
sistema como “iniciações”; as predições dos estudantes e as respostas aos
exercícios como “respostas”; e as animações e respostas dos exercícios como
feedbacks”, temos um padrão triádico “Ï-R-F”. Visto dessa maneira, o aluno atribui
ao sistema o mesmo poder e autoridade de um professor em sala de aula, onde o
sistema é quem elabora as perguntas instrutivas a fim de avaliar o conhecimento
dos estudantes ou gerar discussões.
Outra possibidade é atribuir ao estudante a ação de indagar o sistema quando
aquele aciona as opções de simulação, o sistema “responde” através da animação
correspondente à opção escolhida, e o estudante confirma a resposta aceitando-a
(se esta coincide com sua expectativa de resposta) ou confirmando a resposta
relendo o texto explicativo ou reanimando a imagem para certificar-se da resposta
apresentada pelo sistema. Dessa forma, se estabelece um padrão triádico em que o
aluno, ficticiamente elabora uma pergunta retórica ou autêntica ao sistema, e este
“responde” considerando restritamente a situação representada na opção escolhida.
Nesse caso, a autoridade também está na “voz” do sistema, que apresenta o “poder”
da linguagem científica em suas páginas. Se o aluno discordar da “resposta”
137
apresentada através da animação da imagem, retomar a leitura do texto explicativo
e acionar novamente a animação para buscar esclarecimento, nesse caso o sistema
é quem lhe fornece o feedback. Assim, podemos caracterizar um novo padrão
discursivo “I-RF”, onde a “voz” que responde é a mesma que ratifica a resposta, o
que reforça a autoridade conferida ao sistema.
Identificamos também em alguns episódios, que as animações (mais do que
os textos explicativos) suscitam o diálogo entre os alunos. Admitindo que elas
“iniciam” o diálogo, não em forma de pergunta mas sim como situação “instigante”,
observamos diferentes tipos de resposta como descrição, explicação ou explanação
(comentário) do fenômeno ou situação por parte dos estudantes, que alternam seus
enunciados. Percebemos nesse caso, certa semelhança com o padrão discursivo I-
R-F-R-F-R-F onde o feedback é dado pelo colega com a intenção de dar
prosseguimento ao diálogo.
O aparecimento de padrões discursivos entre a voz dos alunos e a “voz” dos
textos e imagens do sistema “Biomec” podem ser conseqüência de uma relação
discursivo-interativa multisemiótica, que possibilitou a dialogicidade entre os agentes
e entre estes e o sistema, conferindo à linguagem o papel de ferramenta cultural na
troca comunicativa deflagradora de significados.
Por fim, a pergunta que internamente “não se quer calar”: quais as
implicações desse estudo para o processo de ensino/aprendizagem de ciências ou,
mais restritamente, para o ensino/aprendizagem de Biomecânica? Primeiramente,
esse estudo mostra a importância de ações geralmente banalizadas no fazer
pedagógico como perguntar, descrever, explicar com suas próprias palavras,
analisar, sintetizar e etc, como caminhos reveladores dos mecanismos psicológicos,
que normalmente não se tem acesso até que se dê “voz” aos alunos para se
138
expressarem, falarem sobre ciência. Isso nos faz reportar à observação de Lemke
(1997) de que os alunos escutam e lêem a linguagem científica, porém falam muito
pouco e escrevem menos. Se não podem demonstrar seu domínio da ciência ao
falar e escrever, podemos duvidar de que suas respostas e soluções aos problemas
representem suas habilidades de raciocinar cientificamente, já que o raciocínio é
uma forma de explicar a si mesmo uma solução, de utilizar os recursos semânticos
da linguagem científica, conclui o autor.
Outro aspecto a ressaltar é que, embora os sistemas hipermídia de
aprendizagem apresentem características benéficas do ponto de vista educativo,
essas ferramentas podem apresentar melhores resultados quando acrescentadas às
aulas dos professores. Observamos que se o aluno construir um conceito de modo
equivocado ou tiver dificuldade para elaborar o conhecimento sobre esse conceito, e
o sistema não atender essa dificuldade do aluno, ficará um hiato ou lacuna, que
certamente o professor poderia auxiliar (facilitar), se estivesse também mediando
esse processo de construção.
E por último, os resultados confirmam a relevância de se incrementar mais
atividades colaborativas, permitindo que uns ajudem os outros e, com isso, possa-se
estabelecer para alguns a ZDP.
5.2 Conclusões
A análise dos episódios buscou contemplar as relações entre os enunciados
envolvidos nas ações mediadas e as transições microgenéticas ocorridas na
interação entre os alunos e com o sistema hipermídia. Percebemos, de um modo
geral, que os alunos elaboraram e compartilharam significados apoiados pelos
textos, pela hipertextualidade e pelas animações quando apontaram para elas,
utilizaram-nas como demonstração para ajudar o colega, releram os textos para
139
explicar com suas próprias palavras, recorreram a palavras-chave para esclarecer
conceitos ou fenômenos. As atividades externas desempenhadas pelos alunos
durante a navegação, como informar-se, aprender, ensinar, simular e demonstrar
referiram-se a processos sociais mediados semioticamente, e suas propriedades
enquanto ações mediadas proporcionaram a chave para entender a aparição do
fenômeno interno. Desse modo, podemos dizer que a partir das ações mediadas
externamente pelos recursos semióticos do sistema “Biomec” foram desencadeados
mecanismos intrapsicológicos, ou processos de internalização.
Considerando que esse processo também foi forjado na interação discursiva
entre os alunos, podemos concebê-lo como duplamente mediado. Ao mesmo tempo
em que usaram o sistema, os estudantes usaram também suas próprias palavras e
formas de expressão para interagirem entre si. A ação mediada pela linguagem foi
determinada pelo suporte do sistema hipermídia, mas também por fatores
socioculturais que configuraram as diferentes estruturas discursivas dos diálogos
desenvolvidos pelas duplas.
Identificamos o padrão discursivo “IR-F” que designa uma interação em que
um só interlocutor faz uma pergunta e a responde, enquanto o outro a avalia e dá
prosseguimento ao diálogo. Esse padrão discursivo pode representar uma forma de
internalização, em que o aluno elabora um diálogo interno ao compartilhar sua
compreensão com o outro. Observamos que a interação discursiva entre alunos
pode também estruturar segundo um padrão “I-R-F “invertido” na medida em que as
perguntas se caracterizavam como autênticas, formuladas por quem de fato não
sabia as respostas. Ao respondê-las, o interlocutor ajudou seu colega a pensar e a
construir significados, estabelecendo com ele, um diálogo persuasivo. Identificamos
também o padrão triádico I-R-F clássico por meio do qual um dos alunos assume o
140
papel similar a de um professor. Podemos supor que com este uso da linguagem, o
aluno pode ter estabelecido a zona de desenvolvimento proximal para seu
interlocutor, mecanismo fundamental na construção compartilhada de significados.
Descobrimos assim, que na interação discursiva entre alunos diante de um
sistema hipermídia, podem ocorrer variações do padrão clássico “I-R-F”,
provavelmente determinadas por fatores socioculturais que não puderam ser
compreendidos no limite desse estudo. Contudo, não é difícil supor que as relações
interpessoais, os perfis socioculturais dos participantes, as questões de gênero e as
condições institucionais tenham desempenhado importante papel na configuração
das ações mediadas. Estes aspectos deverão ser investigados futuramente, em
contextos de estudos semelhantes.
Na perspectiva de análise da ferramenta cultural de forma isolada, é possível
supor que, o sistema hipermídia “Biomec”, inicialmente projetado para ser usado
individualmente, atingiu o objetivo de favorecer a aprendizagem de Mecânica e
Biomecânia de duplas de estudantes. Voltando a integrá-lo à ação mediada, vê-se
que esse papel foi desempenhado não pelo sistema isoladamente, mas por uma
amálgama das interações discursivas entre os alunos e entre eles e os recursos
semióticos da ferramenta.
Os resultados apontam para a relevância de planejar situações colaborativas
de ensino de ciências que estimulem interações sociais no uso de ferramentas
culturais tais como sistemas hipermídia de aprendizagem. A despeito da estrutura
discursiva desencadeada entre os sujeitos (padrão triádico clássico, invertido ou
diálogo interno) nestas situações, a intersubjetividade associada ao suporte do
sistema hipermídia pode favorecer mecanismos intrapsicológicos de internalização.
Esse resultado vai ao encontro dos estudos de Moura e Moretti (2003) que apontam
141
a interação entre alunos como uma possibilidade de compreensão de conceitos e
forte aliada no processo de aprendizagem, comparado com situações de
aprendizagem individual.
142
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