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coisa, um instrumento que é utilizado pelos capitalistas em favor de
seus empreendimentos privados. Não é apenas um locus, um espaço
asséptico e neutro de disputa entre classes e segmentos de classes
antagônicas. Não é apenas o guardião da moral e da razão, promotor
do bem comum que interessa a toda a sociedade.
De algum modo, o Estado é, sim, tudo isso simultaneamente, ora
mais isso ou aquilo, a depender sempre das circunstâncias históricas.
O Estado é uma relação, ele mesmo, de forças contraditórias que se
materializam, que se condensam (POULANTZAS) e que têm
existido, no capitalismo, sob a hegemonia dos interesses do capital.
O Estado surge para assegurar as condições de reprodução do capital.
Surge para atenuar as crises cíclicas do capitalismo. Mas, ao fazê-lo,
destrói a unidade da burguesia, conforme nos ensina o professor
Francisco de Oliveira. Desse modo, o Estado é também um “espaço”,
ou “o espaço” por excelência, da contradição. Nele se aguçam os
elementos contraditórios da sociedade dividida em classes e
segmentos de classe. As lutas de classes são absorvidas pelo Estado
e, nesse processo, elas saem do plano privado e ascendem ao status
do plano público. O planejamento como processo de instituição de
políticas econômicas e sociais e a luta pelas políticas públicas, enfim,
as lutas por direitos de cidadania, são as formas novas, transformadas,
de luta de classes; são as lutas de classes que se publicizaram.
Ora, com a derrocada daquilo que foi chamado de socialismo real,
o capitalismo ficou sem ameaça alguma e livre, portanto, para propor
a destruição do Estado do Bem-Estar Social como conceito e como
sujeito histórico; como vimos, este impunha, de algum modo, uma
certa promoção de justiça distributiva e de cidadania. Do mesmo
modo, é necessário destruir a cidadania, conceitual e historicamente
e, em seu lugar, instituir “direitos de consumidor”, políticas
compensatórias e filantropia.
Em certo sentido, as lutas que as forças de esquerda travam hoje
dão-se para a continuidade (quem diria?) de políticas nascidas ontem
nas hostes da direita. Ou seja, as políticas keynesianas, lapidadas no
processo histórico, tornaram-se conquistas, por cuja manutenção
Livro Construção__Volume 3__Final.p65 29/11/2005, 14:5742