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como um ser à parte, separado, não querido. Tudo passou a ser normal na sua exclusão, pois
ao nascer, já foi excluído. A palavra máxima já fora dita, este é seu destino. Para Genet, nesta
fase da vida, todos o vigiavam em tempo integral. Quando preso ou andando pelo mundo, ele
era vigiado porque era um excluído. Estava ali, mas não poderia estar. A repetição e a
fatalidade eram seu futuro. A repetição reproduzia simbolicamente a crise original. A
fatalidade reproduzia o momento em que foi surpreendido roubando. Nascimento, abandono,
exclusão. Roubo exclusão, repetição do ato de roubar, tudo seguia num ritual interminável.
Todo sujeito nasce e se desenvolve no mundo, dentro da história, e para que tenha uma
história própria, precisa deixar no mundo de alguma forma a sua marca. Assim, o sujeito se
conhece com uma singularidade que, por mais tímida que seja, é a sua. O sujeito, ao se
modificar durante sua história, dentro da história, modifica também a história pelos seus atos.
Nós mesmos somos nosso próprio risco, e o mundo é nosso perigo neste desenrolar da
história.
O sujeito não é uma totalidade atemporal, ele existe no espaço e tempo históricos.
Olhando por esse prisma, a identidade de Genet se desenvolveu numa complexidade quase
assassina de cortes, bloqueios e limites, de falta de direitos à história e a sua história. O
mundo lhe bloqueou esse direito ainda em tenra idade. Genet ainda irá conseguir dar uma
grande virada quando se tornar escritor.
A situação das relações de erotismo que Genet viveu não lhe conferiu história afetiva,
pois tudo se resumia a prostituição, a uma busca enganosa de encontro. As relações sexuais,
nem sempre necessitam de afetos, bastam os instintos. Para Genet, que tanto precisava de um
encontro, esse tipo de relação era uma sucessiva devastação. Na relação homem/homem,
Genet encontrava o erostismo apenas. Genet amava sem a menor pretensão de ser amado, pois
tinha em troca a indiferença. Mas como amar sem ser amado?
Entre os quinze e vinte e cinco anos, a vida de Genet é surpreendentemente cheia: é
admitido como aprendiz, foge, é pego; vivendo com burgueses, rouba-os, é enviado a
Mettray, foge novamente, mendiga, percorre a França, alista-se na legião, deserta,
foge para Barcelona , vive de esmolas e prostituição no Bairro Chino, rouba de novo,
deixa a Espanha , anda por toda parte, na Itália, na Polônia, na Tchecoslováquia, na
Alemanha, roubando e atravessando clandestinamente as fronteiras; suas aventuras
dariam assunto para vinte romances pitorescos. Ama, tem ciúmes, é desdenhado ou
escravizado, é infeliz. Entretanto, nada o marca e nada o muda, aos vinte anos
encontra-se como era aos quinze
(SARTRE, 2002, p. 313).
Genet, até essa fase de sua vida, se entendia como sujeito com o que fora programado
para ele. Aliás, é assim que vivem as pessoas dentro de culturas conservadoras em que o
sujeito se entende pelo que é como outro. Genet vivia a crise original a todo tempo, como se