Download PDF
ads:
Universidade Severino Sombra
Programa de Mestrado em História
“Conquistando a liberdade: de escravos a libertos”
Silvana Oliveira Fanni
Vassouras
2006
ads:
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
Silvana O. Fanni
“Conquistando a liberdade: de escravos a libertos”
Dissertação de mestrado apresentada ao Programa
de Pós-graduação em História da Universidade
Severino Sombra, como requisito para a obtenção
do título de Mestre em História.
Orientadora:
Profª. Drª. Cláudia Regina Andrade dos Santos
Vassouras
2006
ads:
Silvana O. Fanni
“Conquistando a liberdade: de escravos a libertos”
Dissertação de mestrado apresentada ao Programa
de Pós-graduação em História da Universidade
Severino Sombra, como requisito para a obtenção
do título de Mestre em História.
Banca Examinadora
Profª. Drª. Cláudia Regina Andrade dos Santos – USS (orientadora)
Profª Drª Miridan Britto Knox Falci – USS (membro)
Profª Drª Keila Grinberg – UNIRIO (membro)
Vassouras
2006
RESUMO
Este trabalho busca através da análise regional compreender alguns aspectos da
economia escravista e da vida social dos escravos e dos libertos da Zona da Mata
mineira, mais especificamente do município de Cataguases, na década final da
escravidão.
Procurou-se traçar um perfil da região no século XIX para em seguida analisar
as formas pelas quais os escravos, no final do escravismo brasileiro, adquiriam a
liberdade, fosse ela via leis emancipacionistas ou não.
Depois de produzidas estas etapas, finalmente, buscou-se resgatar aspectos das
relações sociais entre o mundo dos cativos, libertos e livres, com ênfase no universo dos
libertos.
Palavras-chave: Zona da Mata mineira; século XIX; escravidão; alforrias; libertos
ABSTRACT
Trought regional’s analysis, this work has the purpose of understand some
questions about the slave economy, and the social life of slaves and the manumissions
of Zona da Mata in Minas Gerais, more specifically, in Cataguases city, during the last
years of slavery’s.
It try to stabilish a profile of the region in XIX century to, after that, analyse the
reasons of slaves, in the end of brasilian slavery, obtained the freedom, was it by
emancipated laws or not.
Only after those stages were carried out, the research fetched ransom aspects of
social relations between slaves world, manumissions and freedmen, emphasizing the
manumissions universe.
Key words: Zona da Mata in Minas Gerais; XIX century; slavery; manumissions;
freedmen
Para minha mãe Mariana
AGRADECIMENTOS
Em primeiro lugar, gostaria de agradecer a duas professoras em especial: a Drª
Márcia Amantino, orientadora de meus caminhos desde a graduação e que não pôde
concluir o trabalho de me acompanhar no mestrado, por motivo de força maior; e a Drª
Cláudia Andrade dos Santos, que, em meio às adversidades do programa, me acolheu
carinhosamente como sua orientanda, incentivando-me a produzir sempre o melhor.
Para a realização deste trabalho, que exigiu constantes deslocamentos e
inseguranças, contei com o apoio de muitos colegas do programa, os quais jamais
poderei esquecer. Principalmente a companheira Vitória Fernanda Schettini e o amigo
Flávio Galone.
Agradeço à direção e aos colegas do Colégio Anglo, de Muriaé, e Escola
Municipal Boaventura Abritta, de Cataguarino, por terem compreendido minhas
ausências no período, e pelo apoio incondicional.
Às gentis irmãs Célia Guideiro de Rezende e Sônia Mara Vieira de Rezende,
pelas preciosas informações sobre a história regional e a trajetória do Major Joaquim
Vieira da Silva Pinto, que me ajudaram a imaginar como era parte da vida em uma
fazenda escravista do século XIX.
Aos professores Iraci del Nero Costa, Miridan Britto Knox Falci, Surama Conde
Sá, Lincoln de Abreu Pena, Marli Viana, Maria Yedda Linhares, pelas preciosas
orientações e ao professor Tarcísio Botelho, que gentilmente me enviou o
recenseamento de 1872.
Quando visitei as instituições detentoras das preciosas fontes fui muito bem
recebida, por isso agradeço aos responsáveis e funcionários da Igreja Matriz de Santa
Rita de Cássia; dos cartórios de Cataguases, Palma, Leopoldina, Miraí e Cataguarino;
do Arquivo da Prefeitura Municipal de Cataguases; dos fóruns de Palma e Leopoldina;
da Fundarte de Muriaé e em especial aos companheiros de longa data do CDH -
Cataguases.
Ao Prof. Dr. Jorge Prata de Sousa, por ter permitido meu acesso à documentação
do CDH - Cataguases, ainda em fase de organização.
Aos companheiros e amigos de profissão que sempre acreditaram em meus
sonhos e contribuíram para a sua realização: Profª Ms. Odete Valverde Oliveira
Almeida, Carlile Lanzieri Júnior e Inácio Manuel Neves Frade Cruz.
Ao amigo Prof. Ms. Alen Batista Henriques, que, além da amizade,
compartilhou suas fontes comigo. À amiga incondicional, Cláudia Cristina da Silva
Baião, que agüentou as inúmeras lamúrias e anseios. Ao velho amigo Antônio Jaime
Soares, pela atenção e apreço na correção deste trabalho.
Como não poderia deixar de ser, agradeço à minha família pelo apoio, à minha
mãe por ter sempre acreditado e investido em mim e ao meu amado esposo, pela
compreensão e carinho incondicionais, fatores fundamentais para que este trabalho
fosse concluído.
SUMÁRIO
AGRADECIMENTOS .................................................................................................. 06
IMAGENS ..................................................................................................................... 10
LISTA DE GRÁFICOS, TABELAS E DIAGRAMAS ................................................ 11
EPÍGRAFE .................................................................................................................... 12
INTRODUÇÃO ............................................................................................................. 13
CAPÍTULO I – Uma análise regional de Cataguases no século XIX .......................... 27
1.1 Cataguases na primeira década do século XXI ....................................................... 28
1.2 Cataguases e o sertão leste de Minas Gerais ........................................................... 33
1.3 A ocupação do sertão ............................................................................................... 37
1.4 O município de Cataguases na última década imperial: reflexos de uma economia
escravista ....................................................................................................................... 42
1.5 Cataguases: aspectos populacionais ........................................................................ 46
1.6 Trânsito de informações no município .................................................................... 40
CAPÍTULO II – A libertação de escravos .................................................................... 58
.
2.1 A historiografia mineira e a libertação .................................................................... 58
2.2 As leis emancipacionistas e os mecanismos para adquirir a liberdade ................... 62
2.2.1 A liberdade via Lei 2040 ...................................................................................... 63
Matrícula de 1872 .............................................................................................. 63
Pecúlio para a liberdade ..................................................................................... 65
Fundo de Emancipação ...................................................................................... 70
2.2.2 A liberdade via Lei 3270 ...................................................................................... 78
2.2.3 As Ações de Liberdade ......................................................................................... 84
2.2.4 As alforrias através de testamentos e inventários ................................................. 87
2.2.5 As cartas de alforria .............................................................................................. 92
2.2.6 A fragilidade da carta de alforria: Manutenção de liberdade ............................... 97
CAPÍTULO III –
O escravo e a liberdade na década final da escravidão ................. 101
3.1 O perfil dos libertos em Cataguases ...................................................................... 104
3.2 O liberto e as relações de trabalho ......................................................................... 107
3.3 Bens de escravos e libertos .................................................................................... 112
3.4 Família escrava e liberta ........................................................................................ 115
CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................... 123
ARQUIVOS E INSTITUIÇÕES PESQUISADAS ......................................................
BIBLIOGRAFIA ......................................................................................................... 128
Fontes ........................................................................................................................... 128
Referência Bibliográfica .............................................................................................. 131
IMAGENS
FIGURA 1 – Divisão político-administrativa do Brasil – em destaque o estado de Minas
Gerais ............................................................................................................................. 29
FIGURA 2 – Estado de Minas Gerais – macrorregiões de planejamento – 1996 ......... 30
FIGURA 3 – Mapa da Zona da Mata – municípios cafeeiros mais importantes ........... 30
FIGURA 4 – Mapa mostrando as divisas políticas do município – 2004 ..................... 31
FIGURA 5 Mapa aproximado das Comarcas da Capitania de Minas Gerais no século
XIX ................................................................................................................................ 34
FIGURA 6 – Botocudos, puris, pataxós e machacalis .................................................. 36
FIGURA 7 – Mapa da localização de Porto dos Diamantes ......................................... 38
LISTA DE TABELAS, GRÁFICOS E DIAGRAMAS
TABELAS
1 – Distribuição da população do distrito de Santa Rita do Meia Pataca em 1831 ....... 47
2 – Número de fogos por quantidade de escravos – 1831 ............................................. 47
3 – Distribuição da população do distrito de Santa Rita do Meia Pataca em 1839 ....... 47
4 – Número de fogos por quantidade de escravos – 1839 ............................................. 48
5 Resultado do recenseamento de 1872, contendo a população desmembrada das
freguesias que constituiriam o município de Cataguases .............................................. 49
6 – Condição da libertação .......................................................................................... 107
7 Tipologia dos casais com registro de casamento na Matriz de Santa Rita de Cássia
entre 1879/1888 ........................................................................................................... 120
GRÁFICOS
1 – Porcentagem de alforrias testamentais .................................................................... 88
2 – Testamentos por gêneros ......................................................................................... 90
3 – Homens que alforriaram em testamento .................................................................. 90
4 – Mulheres que alforriaram em testamento ................................................................ 91
5 – Número de libertos em Cataguases entre 1878/1888 por sexo ................................ 94
6 – Idade dos libertos ................................................................................................... 104
7 – Naturalidade dos escravos alforriados em Cataguases entre 1878/1888 ............... 106
DIAGRAMAS
1 Descendência genealógica de uma família de escravos do Major Vieira da Silva
Pinto ............................................................................................................................. 118
2 - Descendência genealógica de uma família de escravos de Manoel Ferreira
Ribeiro ......................................................................................................................... 119
3 - Descendência genealógica de uma família de escravos de Manoel Ferreira
Ribeiro ......................................................................................................................... 119
“Não se termina uma obra, abandona-se.”
Paul Valèry
INTRODUÇÃO
O trabalho que apresento aqui é resultado de três anos de pesquisa, nos quais
pude vasculhar toda a documentação que estava ao meu alcance e que se referia à
emancipação de escravos e a libertos do município de Cataguases - MG.
No início do levantamento, procurava apenas um objeto de estudo, qualquer que
fosse, que me possibilitasse analisá-lo historicamente. Vendo meu desespero, por não
encontrar, a professora Drª Márcia Amantino convidou-me a auxiliá-la na separação de
processos criminais envolvendo escravos. Sem nenhuma experiência com o trato de
documentos, aceitei a proposta. A cada processo separado, crescia minha angústia, não
encontrava nenhum que atendesse às expectativas.
Até que a palavra na capa de um deles chamou-me a atenção, fulano de tal -
LIBERTO. Sabia o que denominava o termo, mas como um escravo conseguiria tal
status? Como se encaixava na sociedade escravista cataguasense? Estava pronto! Havia
encontrado o sonhado objeto e, melhor, os questionamentos. A partir de então, passei a
vasculhar atentamente todos os documentos da Vara Criminal e não parei mais, veio a
Vara Civil, depois os cartórios, a documentação da prefeitura, os periódicos... enfim,
tudo que me levasse a compreender a libertação e a vida dos libertos. A esta altura
havia ingressado no programa de mestrado da Universidade Severino Sombra,
escrevendo sobre a emancipação de escravos em Cataguases no final do Império,
trabalho que pretendo apresentar no decorrer do texto.
A escravidão negra no Brasil da segunda metade do século XIX conheceu uma
fase de mudanças que levaram à sua desintegração em 1888. As tentativas de se manter
a escravidão foram inúmeras, no entanto, com o fim do tráfico negreiro, em 1850, a
situação se tornou insustentável. Juntou-se a essa questão também o destaque das
pressões dos escravos, do movimento abolicionista e das leis que aboliam
gradativamente o elemento servil. Após 1850, com a Lei Eusébio de Queiroz, vieram,
em 1871, a Lei do Ventre Livre e, no ano de 1885, a Lei dos Sexagenários, que
culminaram na Lei Áurea, de 1888.
14
A partir de 1871, com a Lei do Ventre Livre, os cativos passaram a ter maiores
possibilidades de se verem livres da condição escrava. Essa lei, além de libertar as
crianças que nasceram após sua promulgação, também deixava outras brechas para os
escravos se alforriarem, entre elas, a formação de pecúlio para compra da liberdade. De
acordo com Manoela Carneiro da Cunha
1
, já havia a prática de alforrias por acúmulo de
pecúlio com direito de recorrer à ação legal para obtê-la antes de 1871. A Lei do Ventre
Livre não era mais do que a legalização de práticas sociais existentes no direito
costumeiro. No entanto, o que diferencia é a passagem do ato de alforriar das mãos dos
senhores para as do Estado. O Pecúlio e o Fundo de Emancipação constituíram alguns
dos itens que proporcionavam a conquista da liberdade e estavam a partir de então
garantidas legalmente.
Além da promulgação de 1871, a Lei de 1885 cooperou para que sexagenários
pudessem se ver livres do cativeiro, pelo menos em teoria.
A questão da liberdade dos cativos e reflexões sobre os ex-escravos tem sido
apresentada de forma concisa, sem profundas reflexões que permitam vislumbrar a vida
cotidiana e a inserção dos libertos na sociedade escravista de Minas Gerais para o
período posterior à Lei do Ventre Livre.
Uma massa crescente de ex-escravos se encontrava dispersa na sociedade
escravista, principalmente na última década imperial, quando o número de alforrias
aumentou. Inúmeros foram os trabalhos que abordaram a questão da inserção dos ex-
escravos na sociedade escravista, porém muitos deles, com destaque para a
historiografia paulista da década de 1970
2
, mantiveram uma visão do século XIX
fundamentada em preconceitos de uma sociedade escravista e de viajantes que julgavam
serem os libertos incapazes de se integrar à sociedade de forma positiva.
A historiografia mais recente
3
, de 1980 a 2005, revisou esta questão,
mostrando que os escravos são sujeitos históricos, capazes de uma inserção social e de
luta pelos seus ideais.
1
CUNHA, Manoela Carneiro da. Sobre os silêncios da lei. Lei costumeira e positiva nas alforrias de
escravos no Brasil do século XIX.
Cadernos IFCH/UNICAMP: Campinas, abril de 1983.
2
Referência à escola paulista: CARDOSO, Fernando Henrique. Capitalismo e escravidão no Brasil
Meridional:
o negro na sociedade do Rio Grande do Sul. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977. COSTA,
Emília Viotti.
Da senzala à colônia. 4ª ed. São Paulo: UNESP, 1998. FERNANDES, Florestan. A
integração do negro na sociedade de classes.
São Paulo: Ática, 1978.
3
CHALHOUB, Sidney. Visões da liberdade: uma história das últimas décadas da escravidão na corte.
São Paulo: Cia. das Letras, 1990. e CASTRO, Hebe Maria Mattos de.
Das Cores do Silêncio: os
significados da liberdade no sudeste escravista – Brasil séc. XIX. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1998.
15
Na década de 1930, Gilberto Freyre, em sua obra, Casa Grande &
Senzala
, a respeito do legado cultural dos escravos e dos forros, pincelou a questão das
práticas de alforrias em testamentos, enfatizando que os escravos da casa-grande
possuíam um status social superior ao daqueles que trabalhavam no eito e que estavam
mais próximos de suas alforrias
4
por causa de sua proximidade com os senhores. Esse
fato favorecia a criação de laços afetivos, não necessariamente em todas as relações
entre senhores e cativos, mas de forma a possibilitar certas regalias como a libertação
desses indivíduos. Freyre ressalta também a questão da bastardia. Sobre os libertos, ele
deixa claro que era comum a prática de ofícios aprendidos e praticados no cativeiro,
como é o caso das negras de tabuleiro
5
. Ainda no campo do labor, enfatiza que muitos
alforriados se tornaram barbeiros, dentistas, fabricantes de vassouras, importadores de
sabão-da-costa e lavadeiras. Porém, parece provável que alguns desses ofícios eram
conhecidos dos libertos antes mesmo de sua escravização, para o caso dos africanos.
Não se pode, contudo, dizer que Casa grande & senzala foi uma obra que
esclareceu sobre as práticas de libertação e vida cotidiana do ex-escravizado, nem
mesmo que considerou a questão da libertação dos cativos do eito. Se, em alguns casos,
após conquistar a liberdade, o forro se dedicava a serviços que praticava enquanto
cativo, provavelmente permaneciam também as relações sociais e de trabalho da faixa
social que freqüentava.
No entanto, vale lembrar que a obra de Freyre abriu precedente para o
questionamento das práticas de alforria e dos ofícios dos libertos.
A historiografia sobre a escravidão das décadas de 1960 e 1970 tendeu a qualificar o
escravo como “coisa” que não passava de um joguete nas mãos dos senhores e incapaz
de manter relações sociais que possibilitassem sua libertação e da inabilidade de se
adaptar à vida em liberdade. Neste sentido, o cativo teria apenas uma consciência
passiva”
6
, que refletia as vontades do senhor, sendo portanto incapazes de ação
autonômica
7
. Não havia perspectiva social de futuro para os escravos, então estes não
se preocupariam com a liberdade. Dentro desta corrente tradicional destacam-se os
trabalhos de Emília Viotti da Costa
8
, Da senzala à colônia, Florestan Fernandes
9
, A
4
FREYRE, Gilberto. Casa Grande & senzala. Rio de Janeiro: Record, 2001.p. 412
5
Escravas que vendiam quitutes nas ruas das cidades tanto da América Portuguesa como no período
Imperial.
6
CARDOSO, op. cit. p. 239.
7
Idem.
8
COSTA, op. cit.
9
FERNADES, op. cit.
16
inserção do negro na sociedade de classes, Fernando Henrique Cardoso
10
, Capitalismo
e escravidão no Brasil Meridional
e Jacob Gorender, O escravismo colonial
11
e
Escravidão Reabilitada
12
.
Esses autores absorveram valores da elite escravista e dos viajantes do século
XIX, como os de Perdigão Malheiro
13
e do viajante francês Charles Ribeyrolles
14
.
Malheiro, político e jurista do período, procurava definir juridicamente o cativo como
objeto, pacífico e plenamente enquadrado na sociedade escravista. Ribeyrolles
desacreditava que houvesse a possibilidade da existência de uma família escrava, ou
seja, de relações que colocassem o cativo como sujeito ativo.
Emilia Viotti, em seu livro “Da Senzala à Colônia”
15
, faz diversas referências à
emancipação
16
dos escravos e às leis do século XIX
17
que contribuíram para os
movimentos abolicionistas. Nessas considerações, a autora apresenta a abolição gradual
do elemento servil como sendo obra dos intelectuais, dos políticos e de libertos
esclarecidos como é o caso de Luis Gama
18
. Nesse sentido, julga que a massa dos
escravos não estaria apta e sim indiferente ao processo de libertação. Fernando
Henrique Cardoso compartilha da idéia da autora, quando afirma que o escravo não
possuía consciência da sociedade e, portanto, não participaria do abolicionismo
19
.
Gorender
20
reafirma as posições de Viotti e Cardoso quando afirma que não se
deve pesar a participação da massa escrava que pressionava cotidianamente o sistema
escravista e que o escravo, após liberto, não se enquadraria na sociedade, pois
geralmente rejeitava o trabalho. A escola paulistana tendeu a associar a idéia de
liberdade à questão do “não-trabalho”.
Ainda na década de 70, temos o trabalho do doutorado de Mary Karasch
21
, que
veio a ser publicado em português em 2000. Esse estudo traz considerações
inovadoras para o período no que diz respeito à utilização das fontes que a autora
10
CARDOSO, op. cit.
11
GORENDER, Jacob. O escravismo colonial. São Paulo: Ática, 1978.
12
____________. Escravidão Reabilitada. São Paulo: Ática, 1991.
13
MALHEIRO, Perdigão. A escravidão no Brasil: ensaio histórico, jurídico, social. Petrópolis: Vozes,
1976.
14
Citado por: Robert Slenes. Na senzala uma flor: esperanças e recordações na formação da família
escrava - Brasil Sudeste, século XIX. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999. p. 132.
15
COSTA, op. cit.
16
Idem, p. 462
17
Idem, p. 251
18
Idem, p. 496.
19
CARDOSO, op. cit., p.219.
20
GORENDER, 1991.
21
KARASCH, Mary C. A vida dos escravos no Rio de Janeiro 1808/1850. São Paulo: Companhia das
Letras, 2000.
17
nomeia como não tradicionais
22
, e na desmistificação de estigmas como: o dos senhores
benevolentes e a origem dos escravos ser a África Ocidental, ambos os mitos
enfatizados por Freyre
23
; o de que o Rio, ao contrário de Salvador, haveria perdido as
tradições africanas; além de enfatizar o papel da escravidão urbana. Porém, as opiniões
de Karasch sobre os libertos aproximam-se das esposadas por Fernando Henrique
Cardoso
24
, de Florestan Fernandes
25
e de Gorender
26
, nas quais o forro não teria espaço
na sociedade escravista. Ela tem um olhar pessimista no que tange à liberdade. Caso o
escravo não fosse protegido
27
ou abastado estaria exposto a péssimas condições de vida,
inferiores àquelas que tinha no cativeiro. Colocações estas que foram qualificadas e
criticadas por estudos mais recentes como os de Sidney Chalhoub
28
.
Kátia Mattoso encontra-se no entreposto das décadas de 70 e 80, seu trabalho
Ser escravo no Brasil
29
é escrito em 1978 e publicado em 1982. Nessa obra, a autora
estabelece uma interdependência entre senhor/escravo, revalidada indiretamente pelas
manumissões condicionais, que podem ser fonte de lucro suplementar para o
proprietário do cativo. Ao ter a possibilidade de alforriar-se, o escravo passa de
“prisioneiro infeliz”
30
a um sonhador ambicioso capaz de adaptar-se ao meio para
conseguir sua liberdade. No entanto, Mattoso não deixa claro, além da subserviência,
quais outros meios o cativo usava para se livrar do cativeiro; reforçando a visão de que a
liberdade dependia da vontade do senhor.
A principal contribuição desta obra é, sem dúvida, o alerta para a diferenciação
dos espaços regionais brasileiros. Para ela, a cor dominante da sociedade interferiu na
inserção do liberto e do libertando: se, em São Paulo, predominância de imigrantes
brancos, na Bahia ocorre o inverso, refletindo diretamente na mobilidade social do
forro.
Em Os últimos anos da escravatura no Brasil
31
, Robert Conrad busca, do fim do
tráfico negreiro à abolição, compreender como se processaram as transformações que
levaram ao extermínio do escravismo.
22
Idem, p.25.
23
FREYRE, op. cit.
24
CARDOSO, op. cit.
25
FERNANDES, op. cit.
26
GORENDER, op. cit.
27
Pelo ex-senhor ou padrinhos.
28
CHALHOUB, op. cit.
29
MATTOSO, op. cit.
30
Idem, p. 167.
31
CONRAD, Robert. Os últimos anos da escravatura no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
1975.
18
Para o autor está nítido que a escravidão encontraria seu fim com a proibição do
tráfico interatlântico. Para ele as pressões internacionais e os arranjos políticos seriam
os principais responsáveis pela emancipação. Nesse sentido, a participação dos agentes
sociais nacionais, como os indivíduos menos favorecidos, que estariam reagindo a favor
da adoção do emancipacionismo adotado pelo governo, ficou diminuída. No caso, a
libertação gradual foi balizada por movimentos dirigidos pela elite política e intelectual
que guiava os escravos, em movimentos abolicionistas urbanos. Argumento contestado
por Maria Helena Machado
32
, que procura enfatizar a participação das camadas menos
favorecidas no que tange à libertação de escravos.
No entanto, a obra de Conrad, além de traçar um panorama dos 38 anos que
antecederam a abolição, traz consideráveis reflexões sobre os debates e as leis
emancipacionistas, que aboliram gradualmente a escravatura. Utilizou para tanto a
análise de jornais, anais do Senado e da Câmara, criticando essas fontes no sentido de
que seus mecanismos eram ineficientes para a libertação.
No entanto, estudos mais recentes, posteriores à 1980, têm mostrado um outro
lado do “escravo objeto”; são estudos que buscaram, em meio à documentação,
encontrar características culturais e sociais desses “trabalhadores compulsórios”.
Multiplicaram-se os estudos em torno da família escrava: Robert Slenes
33
, José Roberto
Góes e Manolo Florentino
34
e tantos outros têm descoberto uma outra inserção do
escravo na sociedade escravista, a de agente histórico, e por que não do liberto? Isso
para não mencionar outros aspectos sócio-culturais do cotidiano do cativeiro.
Acreditar na aceitação do escravo para com o sistema escravista é ignorar que
eles lutaram direta e indiretamente para conquistar o que acreditavam ser a sua
liberdade. Expressaram suas ânsias, desejos e insatisfações através das fugas, das
negociações, das relações sociais, dos suicídios; que acabaram se transformando em
formas de pressões sociais que lentamente extinguiram a escravidão.
Na obra Onda negra, medo branco, Maria Célia Marinho de Azevedo
35
procurou, através da análise de anais do parlamento, relatórios presidenciais e policiais,
correspondências, literatura de viajantes e principalmente de livros de pensadores
32
MACHADO, Maria Helena. O plano e o pânico: os movimentos sociais na década da abolição. Rio de
Janeiro: Editora UFRJ/EDUSP, 1994.
33
Idem.
34
GÓES, José Roberto e FLORENTINO, Manolo. Paz das senzalas: família escrava e tráfico atlântico.
Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1997.
35
AZEVEDO, Célia Maria Marinho de. Onda negra, medo branco: o negro no imaginário das elites do
século XIX. São Paulo: Annablume, 2004.
19
intelectuais da época estudar o medo que a elite branca
36
tinha da substituição da mão-
de-obra escrava.
A autora buscou dialogar com a historiografia das décadas de 1960 e 1970
37
,
discordando da posição desta corrente paulista. Tenta mostrar que a visão destes autores
estava impregnada de conceitos do século XIX. Para tanto, analisa obras do oitocentos,
comparando com as da
Escola Paulista, argumentando que estes estavam reproduzindo
argumentos do oitocentos. Na busca de fundamentar a teoria proposta, compara o
conteúdo de livros do século XIX, que discutem a abolição, com o papel desempenhado
pelos negros nas pressões para o fim da escravidão na Província de São Paulo através
dos crimes.
Ao elucidar que os cativos não apenas fugiam mas também enfrentavam de
frente a escravatura, sobretudo nos últimos anos, através de revoltas coletivas,
insurreições e assassinatos de senhores e feitores, a autora valoriza a participação do
elemento negro na libertação, que até então era encarado pela historiografia tradicional
como fruto da organização de abolicionistas, membros da elite intelectual. Os escravos
se tornaram sujeitos de seus processos de libertação, rompendo com a idéia reproduzida
por alguns historiadores de 1960 e 1970.
Uma obra que buscou reconstituir a vida de alguns ex-escravos foi a de Pierre
Verger
38
, Os libertos. Trata-se de um trabalho que abordou a primeira metade do século
XIX, período onde buscou identificar as práticas religiosas e a vida de forros. Para tal,
utilizou uma variada gama de documentos, pesquisados no Brasil e na África. Dentre
eles estavam: descrições policiais, cartas, testamentos, livros de registro, atestados,
requerimentos, termos de avaliação e a oralidade dos descendentes desses libertos
eleitos.
O uso de um corpus documental diversificado possibilitou a Verger fazer uma
minuciosa biografia da vida dos libertos. Atitude plenamente justificável, uma vez
constatada a carência de uma única fonte que possibilite a compreensão da vida do
alforriado.
No entanto, o autor não deixa claro como todos os forros conseguiram a
liberdade, que mecanismos foram utilizados para os cativos chegarem ao mundo dos
libertos.
36
Elite no sentido de elementos sociais mais abastados, políticos e intelectuais.
37
FERNANDES, op.cit. CARDOSO, op.cit e Octávio Ianni.
38
VERGER, Pierre. Os libertos: sete caminhos na liberdade de escravos da Bahia no século XIX. São
Paulo: Corrupio, 1992.
20
“O liberto: seu mundo e os outros”
39
, foi publicado em 1988, fazendo parte de
um conjunto de obras lançadas em comemoração dos 100 anos da abolição. É um dos
primeiros trabalhos que analisam especificamente, como sugere o título, o mundo dos
libertos urbanos na Salvador do século XIX.
Ao distinguir particularidades entre o rural e o urbano, optando pela segunda
espacialidade, Maria Inês procura mostrar como era utilizada a mão-de-obra servil
urbana para compreender como o escravo poderia adquirir a liberdade, aproveitando as
oportunidades oferecidas pelo mercado de trabalho.
Nesse sentido:
“(...) Libertar-se não significava apenas adquirir novo estatuto
legal. Mais do que isto, significava sobreviver às próprias custas e
poder se aproveitar dos espaços permitidos à sua ascensão na
sociedade livre. Isto implicava, especialmente para os escravos que
compravam a liberdade, em terem acesso a condições de trabalho que
lhes possibilitassem, além da constituição do pecúlio para a compra da
liberdade, manter condições mínimas, pelo menos de saúde, para
garantir a subsistência, se não de oportunidades que lhes permitissem
ultrapassar este limite. (...)”
40
A liberdade ainda assegurava alguns direitos e deveres ao ex-escravo. Tinha
direito à família, prosperidade, livre disposição de bens e alguns direitos políticos
41
.
Porém, cabia ao liberto também deveres consuetudinários como: respeito ao ex-senhor e
sua família, reconhecimento eterno ao patrono que lhe possibilitou ficar livre; que
acabavam fazendo-o recordar de seu passado servil.
O limite da liberdade se encontrava na oportunidade de ascensão econômica e
social para manter no mínimo a sobrevivência, difícil de ser alcançada não pelos
forros, como também pelos homens livres pobres, concordando com alguns dos
argumentos de Mary Karasch
42
. Mas isso não significava para Maria Inês que não fosse
possível a sobrevivência dos libertos em meio à sociedade, desde que ele absorvesse as
idéias do escravismo, sendo proprietários de escravos ou, então, mantendo uma
ocupação especializada de quando era cativo; caso contrário, estaria à mercê da
proteção de seu ex-senhor para sobreviver.
39
OLIVEIRA, Maria Inês Côrtes de. O liberto: o seu mundo e os outros, Salvador, 1790/1890. São
Paulo: Corrupio/CNPq, 1988.
40
Idem, p. 21.
41
Como o direito político de votar em nível local.
42
KARASCH, op. cit.
21
Maria Inês Côrtes de Oliveira
43
procurou mostrar em seu trabalho, através da
análise de testamentos, exemplos de libertos que “
assimilaram os comportamentos
sociais desejáveis”
44
e valores de uma sociedade escravista, como a posse de escravos e
mantiveram, assim, a sua sobrevivência e, em certos casos, acúmulo de riquezas.
Ao analisar em detalhe os testamentos, ela acabou percebendo a família do
liberto, trazendo dados inovadores que permitem a percepção do cotidiano das relações
de uma família que se estendia para além dos laços consangüíneos.
Para a autora, os forros seriam responsáveis pela manutenção das tradições
africanas, presentes até hoje na Bahia, porque tinham mais liberdade de passar seus
valores, pela oralidade, para as novas gerações. No que diz respeito à manutenção da
cultura africana, sobretudo da religião, Maria Inês acaba indo contra a teoria de Mintz e
Price
45
, na qual seus criadores acreditam no surgimento de uma cultura afro-americana,
permeada por valores de várias culturas, não conservando separadamente essa ou
aquela, seria uma nova cultura, adaptada à realidade americana.
Nos anos 90, a historiografia deu continuidade aos trabalhos da década de 1980;
nos últimos 15 anos surgiram excepcionais trabalhos que abordam a questão da
liberdade e da inserção dos libertos na sociedade. Entre eles destacam-se os de Sidney
Chalhoub
46
e Hebe de Castro Mattos
47
.
Sidney Chalhoub, através da análise e da “descrição densa” de processos
criminais do século XIX, tenta reconstituir “alguns aspectos da percepção que os
próprios negros tinham de seu cativeiro”
48
e o que seria para esses indivíduos o sentido
da liberdade. O autor acredita que a liberdade para o escravo passava pela sua
sensibilidade de entender o que era ou não justo no cativeiro. A possibilidade de ser
separado de seus laços afetivos, com a venda para o meio rural e o exagero de castigos
físicos sem real motivo, eram considerados elementos de negação do bom cativeiro e
que motivavam o sonho de buscar a libertação. Mas sobretudo a liberdade se inseria na
questão de “viver sobre si”, de não ter que receber ordens e executar tarefas obrigado.
Além da questão acima exposta, na obra fica nítido que, segundo Chalhoub, os
escravos eram sujeitos históricos, que pelo menos alguns escravos tinham consciência
43
OLIVEIRA, op. cit.
44
Idem, p. 34.
45
MINTZ, S. & PRICE, R. O nascimento da cultura afro-americana: uma perspectiva antropológica. Rio
de Janeiro: Pallas, Universidade Cândido Mendes, 2003.
46
CHALHOUB, op. cit.
47
CASTRO, Hebe Maria de. Das cores do silêncio: os significados da liberdade no sudeste escravista,
Brasil século XIX. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1998.
48
CHALHOUB, op. cit. p. 62.
22
de como agir para se tornarem forros e que interagiam nos processos de luta pela
liberdade e na produção do que acreditavam representá-la, uma possibilidade de viver
sobre si.
Maria Helena Machado
49
, na mesma linha de Maria Célia Marinho de Azevedo,
procurou ressignificar
50
os movimentos antiescravistas da década final da escravidão em
São Paulo. No entanto, a autora de “O plano e o pânico” busca destacar o que pensavam
as camadas mais populares, ao contrário de Maria Célia, que buscou analisar o medo
que as classes abastadas tinham da explosão da “onda negra”. A utilização de fontes
cartorárias, periódicos, relatórios provinciais e policiais favoreceu a visualização da
participação popular.
Através desses documentos, resgata as concepções de liberdade, vida social e
trabalho independente de escravos, libertos ou desclassificados. Aborda o papel
desempenhado por estes indivíduos e os abolicionistas no tangente às pressões sociais
da última década escravista paulista, que se expressavam através de insurreições e
crimes.
Analisando a questão do trabalho, destaca a presença de roceiros libertos,
organizados em comunidades provenientes da benevolência de seus senhores
51
ou
patronos. Assim, como Hebe Maria de Castro
52
, vê, nas possibilidades de o escravo
conquistar certos direitos e padrões de vida, o conceito concreto de liberdade. Poder
escolher para quem irá vender a força de trabalho e regular o seu tempo o fazia roceiro
independente
53
, rompendo com o mundo da escravidão e os laços que o mantinham a
ela subordinados
54
.
Hebe Maria de Castro traz contribuições substanciais tanto para a compreensão
do universo rural do século XIX, como sobre o negro liberto e o cativo, além do que,
metodologicamente, sua obra é indispensável, já que trabalha com algumas fontes
idênticas às utilizadas nesta dissertação.
49
MACHADO, op. cit.
50
A autora busca romper com as análises que defendem o abolicionismo como fruto de pressões sociais
“elitistas”, apresentando o lado de elementos sociais que, de acordo com o discurso historiográfico
tradicional, não teriam participação no processo de libertação.
51
MACHADO, op. cit. p. 42.
52
CASTRO, Hebe Maria de. O estranho e o estrangeiro: algumas considerações sobre as relações entre
“liberdade” e negação de trabalho no pós-abolição. In: Jaime da Silva (org.).
Cativeiro e liberdade. Rio
de Janeiro, UFRJ, 1989. p. 90.
53
MACHADO, op. cit. p. 43.
54
Idem, p. 245.
23
Para a autora, a expectativa de exercício de liberdade do escravo, como a
possibilidade de plantar sua roça, que ela nomeia de
estratégia camponesa
55
, dava ao
cativo a visão do que seria liberdade: poder produzir seu próprio alimento com trabalho
familiar; escolher a hora de se dedicar ao labor.
A prática do cultivo de roças era um meio de os homens pobres, cativos, libertos
e livres adquirirem certa independência. O excedente da produção serviria para o
abastecimento urbano e seria comercializado por “vendas” que compravam e revendiam
o produto desses camponeses.
A visão de liberdade rural apresentada pela autora inova, mostrando a
possibilidade de o homem pobre manter uma considerável autonomia, mesmo que as
terras não fossem próprias e que estivessem sujeitos ao
nomadismo, ainda assim
mantinham a possibilidade de escolher onde trabalhariam.
A questão da marginalização de escravos, camponeses e libertos tidos como
vadios, para Hebe, estava relacionada ao tipo de produção desenvolvida por estes.
Produziam em pequena escala, para subsistência e mercado interno; diferente das
grandes lavouras que visavam a
acumulação de capital. Como o “projeto” de liberdade
idealizado pelos libertos não era a continuidade do trabalho nas grandes lavouras, a elite
os taxava de vagabundos.
Apesar de não abordar diretamente a questão da liberdade ou do liberto, Eduardo
Silva
56
, ao buscar reconstruir vida, tempo e pensamento de um homem livre de cor,
elabora um trabalho minucioso sobre a vida de Dom Obá II, “Príncipe do povo”,
utilizando a perspectiva da micro-história. Ao fazer uma sistemática contextualização
histórica, possibilita ao leitor descobrir detalhes dos locais onde a personagem viveu e
que tipo de pensamento político poderia ter influenciado as opiniões do alferes.
Apresenta ainda a forma como este príncipe estaria assistindo e participando dos
debates que se referiam ao fim da escravidão. Além do mais, ele busca remontar a
trajetória de um indivíduo através da documentação oficial, periódicos e pelos escritos
deixados por Dom Obá, fato que poderá ajudar na elucidação da abordagem dada neste
estudo proposto.
No que diz respeito aos estudos sobre a escravidão no Brasil, em muito a
historiografia contribuiu para o tema. São inúmeros os títulos que tratam do assunto.
55
CASTRO, 1989. p.90.
56
SILVA, Eduardo. Dom Obá II D’África, o Príncipe do povo: vida, pensamento de um homem livre de
cor. São Paulo: Companhia das Letras, 1997.
24
Vários são os estudos que nos passam informações de como se processou a
emancipação dos escravos, porém a maioria dessas obras aborda a questão no Rio de
Janeiro, São Paulo e Bahia. No que diz respeito ao período do século XIX em Minas,
principalmente no recorte temporal proposto, no espaço regional proposto, o tema não
foi ainda estudado.
Ao buscar na historiografia mineira estudos que abordem a questão da
emancipação de escravos e a inserção do liberto na sociedade da Zona da Mata mineira
no segundo quartel do século XIX, constata-se que este não foi um tema muito visitado
pelos historiadores. Este trabalho pretende enriquecer os debates, apresentando as
perspectivas regionais e dialogando com a historiografia existente, não para Minas
Gerais como também para o restante do Brasil.
Para Cataguases, não foram produzidos trabalhos que esclareçam como se
processou a gradativa libertação dos escravos e como esses alforriados se encaixavam
na sociedade escravista da última década imperial. O recorte temporal proposto, 1878 a
1888, foi selecionado em virtude da emancipação do município de Cataguases ter
acontecido em 1877 e só a partir de 1878 haver um maior
corpus documental; o período
escolhido se encerra em 1888 por ser este o ano do fim da escravidão.
A região sugerida torna-se peculiar quando se observa que ela possui
características diferenciadas, ao mesmo tempo em que faz parte de uma área agrário-
exportadora, portanto dependente da mão-de-obra escrava, também possui semelhanças
com zonas de produção para a subsistência, não tão dependente dos braços escravos. Ela
encontra-se em um espaço de transição da Zona da Mata Mineira
57
, por isso, tornou-se
interessante estudar como o processo de abolição gradual afetou a estrutura econômica e
social.
Com base na documentação cartorária e periódica da última década imperial
analisada, foi elaborada uma série de indagações referentes aos procedimentos que
levavam os escravos a conseguir sua liberdade e como eles se relacionavam socialmente
depois de libertados.
Existe uma conjunto documental rico para exploração da problemática, senão em
quantidade, mas pela sua variedade. Além disso, considera-se o caráter inédito da
57
De acordo com CARRARA, Ângelo Alves. Estruturas agrárias e capitalismo: contribuição para o
estudo da ocupação do solo e da transformação do trabalho na Zona da Mata mineira, século XVIII e
XIX. Série estudos, 2. Mariana NHED/UFOP, 1999. A Zona da Mata mineira pode ser dividida em
Zona da Mata Central, Zona da Mata Sul e Zona da Mata Norte, de acordo com a sua estrutura agrária e
produtiva. A região de Cataguases estaria entre os entrepostos da ZMC e da ZMS, apresentando
características comuns às duas zonas.
25
documentação
58
: pecúlios para liberdade, alforrias pelo fundo de emancipação, ações
de liberdade, cartas dirigidas a proprietários de sexagenários, ações que pedem
revisão de idade de sexagenários, inventários, processos criminais, documentos
diversos sem catalogação, cartas de alforria, registro de prestação de serviços e
periódicos
; que não haviam sido estudados.
Este trabalho está inserido dentro da perspectiva da História Social da
Escravidão desenvolvida mais recentemente. Acreditando ser possível uma participação
do escravo no processo que o conduz à liberdade, sendo este consciente de seus atos no
que diz respeito a traçar diretrizes que o levem ao estado de liberto. Mas não se pode
deixar de considerar a abordagem da História Regional, que foi fundamental para o
desenvolvimento deste trabalho. A natureza dos estudos regionais tem contribuído para
a descoberta de um Brasil múltiplo, repleto de particularidades em cada região do seu
território.
Partindo da abordagem, foi definido um espaço regional. Para trabalhar com o
recorte regional, deve-se buscar como base da pesquisa fontes locais. Geralmente esses
documentos estão disponíveis na maioria das cidades, principalmente nas interioranas,
em fóruns, prefeituras e cartórios.
Para a confecção deste trabalho foram, em um primeiro momento, lidos e
catalogados os processos criminais que envolviam escravos (38), libertos antes da
abolição (3) e pós-Lei Áurea (14), fossem eles réus, vítimas ou testemunhas. Através do
levantamento e da leitura destes, foi possível obter alguns indicativos do ambiente onde
viviam cativos e forros, suas relações pessoais e de trabalho.
A análise dos processos cíveis foi delicada, sendo necessário o emprego de uma
metodologia adaptativa, que ajudasse a compreender seus correlacionamentos, tendo em
vista a sua natureza variada. Foram Cartas dirigidas a proprietários de sexagenários,
Petições de documento, Petição de curador geral, Requerimentos de audiência,
Inscrições de Sexagenários para prestação de serviços, Pecúlios para a liberdade,
Alforrias pelo fundo de emancipação, Ações de liberdade, Participação à Coletoria
sobre escravos – comunicado de libertação, os Testamentos e os inventários.
O fundo notário forneceu basicamente dois tipos de fontes, as cartas de alforria
registradas e um contrato de serviço.
58
O Centro de Documentação Histórica de Cataguases (doravante CDH) onde estão os documentos,
será um centro regional de documentos cartorários: processos criminais e civis. Encontra-se em fase de
estruturação; os documentos estão sendo limpos e catalogados, para serem posteriormente colocados à
disposição da comunidade.
26
Na perspectiva de delinear algumas questões em torno da família de libertos,
foram catalogados todos os casamentos registrados na Matriz de Santa Rita de Cássia
nos livros 1, 2 e 3 que tinham libertos como nubentes. No total chegam a 15 enlaces,
entre libertos, livres e forros, e alforriados e escravos.
Os registros de óbitos
59
apontam para a causa mortis dos libertos e a idade do
falecimento; no total foram 24 registros entre 1871 e 1888.
Os jornais de época também foram consultados, pois se tratam de instrumentos
de informação que ajudaram a contrastar os processos e a libertação de escravos em um
período onde o movimento abolicionista esteve crescente. Essa fonte também expressa a
oferta de empregos de libertos e escravos, contribuindo para a análise da questão do
trabalho. Para isso, foram pesquisados
60
periódicos presentes na Biblioteca Nacional e
na Hemeroteca Pública do Estado de Minas Gerais, entre eles:
José Bonifácio, O Povo,
O Bilontra, O Leopoldinense, Gazeta de Minas, Folha de Minas, Gazeta de Cataguazes
e O Cataguazense.
As Atas da Câmara e o Código de Posturas Municipal contribuíram para a
discussão a respeito da visão que a sociedade cataguasense tinha do cativo e do liberto
nos anos finais da escravidão.
Como este trabalho possui um caráter de História regional, foi necessária a
compreensão da estrutura populacional e social da região. Para atingir esse objetivo
foram usados os Mapas de População de 1831 e 1839, e o Censo de 1872, que
propiciaram um panorama geral dos habitantes da área.
Em meio a este emaranhado de fontes é que se chegou às conclusões que serão
apresentadas nesta dissertação. No capítulo 1 será apresentada a região e suas relações
com o mundo escravista e emancipacionista. No segundo, foram abordadas todas as
possibilidades que levavam o escravo a adquirir a sua liberdade. No terceiro capítulo foi
feita uma tentativa de explanação sobre a vida desses libertos, que na década final da
escravidão conquistaram a sua liberdade.
59
Gentilmente cedidos pelo Prof. Ms. Alen Batista Henriques.
60
Foram levantados e pesquisados todos os periódicos na busca de se encontrar neles elementos que
dissessem respeito a escravos, libertos e economia.
CAPÍTULO 1
UMA ANÁLISE REGIONAL DE CATAGUASES-MG NO SÉCULO XIX
A abordagem da História Regional ganhou destaque nos cursos de pós-graduação
no final da década de 1970 quando uma série de pesquisadores, dentre eles, Maria Yedda
Leite Linhares e Ciro Flamarion Cardoso desenvolveram no Rio de Janeiro um programa
específico para o tema. A natureza dos estudos regionais tem contribuído para a descoberta
de um Brasil múltiplo, repleto de particularidades em cada região do seu território. Nessa
perspectiva de estudo destaca-se o recorte da História Agrária, análise dos meios de
apropriação da terra e da História da Agricultura, que aborda as ciências e técnicas de
cultivo
61
; e a História Econômica do Mundo Rural, síntese das duas anteriores.
A definição de um espaço regional faz parte da construção do historiador
62
, o
recorte não necessariamente deve obedecer a um critério geográfico ou administrativo,
variando de acordo com o tempo histórico e a sociedade que se pretende estudar. Vejamos
o exemplo: durante o século XIX, os formatos dos municípios da Zona da Mata Mineira
foram variáveis, devido ao processo de povoamento da região, havendo, com certa
freqüência, o desmembramento de uns municípios para a emancipação de outros. É preciso
ficar atento para tais modificações. que se considerar que a situação legal não
significava obrigatoriamente o rompimento de laços entre uma localidade e outra, às vezes,
elas permaneciam unidas. Delimitar uma região dependerá do período escolhido pelo
historiador para análise. Oficialmente, determinada propriedade poderia pertencer a um
município, porém na prática se relacionava com outro, dificultando a pesquisa histórica. A
título de exemplo: casos de matrícula de escravos que legalmente pertenciam a Cataguases,
61
CARDOSO, op. cit. p. 15-16.
62
LINHARES, Maria Yedda Leite. Comunicação feita durante palestra proferida no Laboratório de Estudos
de História Regional. USS. 14/10/2004
28
mas que na realidade eram registrados em São Paulo do Muriaé, fato que vem mostrar a
variabilidade da questão regional
63
.
A utilização da documentação local favorece um maior entendimento da realidade
econômica, política e social. No século XIX, os documentos de fundo cartorário
compreendiam: escrituras em geral, registros de perfilhação, registro de carta de alforria,
testamentos, contratos de prestação de serviços e trabalho, arrendamento, aluguel,
inventários, entre tantos outros. Os de origem cível concentravam processos de inventário
post-mortem, petições de documentos, requerimentos de audiências, listas de alforrias pelo
fundo de emancipação, correspondências dirigidas a proprietários de sexagenários,
pecúlios para alforria e ações de liberdade; além dos processos da vara criminal. Pode-se
somar a estes as fontes do município, que são compostas de uma série de livros de registro
de notas distritais
64
, atas da câmara, livros de eleições, alistamentos, comissões sanitárias,
cadernos de contas e uma infinidade de outros papéis que dizem respeito à vida municipal.
Através desse corpus documental, acredita-se ser possível traçar um panorama da
região, seu recorte temporal e buscar remontar a realidade sócio-político-econômica do
campo eleito. Sendo o historiador responsável pelo recorte da região, esta pesquisa terá
como eixo o ano de fundação do município, 1877, e o ano de Proclamação da República,
1889, visando analisar como se processou a libertação de escravos na década final do
escravismo. Por considerar relevante para o estudo, também serão analisados os papéis
desempenhados pelas leis que aboliram gradativamente o elemento servil, assim como a
Lei Áurea, procurando encontrar uma maior compreensão de seus reflexos na sociedade
local.
1.1 Cataguases na primeira década do século XXI
Dentro da perspectiva da História Regional pretende-se desenvolver uma pesquisa
sobre o município de Cataguases, no final do século XIX. Porém, antes de abordar sua
situação no oitocentos será traçado um panorama de hoje, por acreditar que o mergulho no
passado acaba gerando uma série de questionamentos históricos, trazendo consigo dúvidas
e possíveis explicações para compreender o presente. Cataguases,
63
Perceptível através da análise da documentação cível, exemplo: CDH, CAT-1 CV-412, Petição de
documento.
64
Possuem os mesmos documentos do fundo cartorário.
29
“Situa-se (...) na Zona da Mata do Estado de Minas Gerais,
Mesorregião 012, microrregião 066, Mata de Cataguases. Sua área é de
491,36 Km², situada a 167 metros de altitude, tem como coordenadas
geográficas 21º 23´ 21´´ de latitude sul e 42º 41´48´´ de longitude W. Gr.
Dista da Capital Belo Horizonte 320 quilômetros. Em seu interior é
cortado pelas rodovias MG 120, MG 285 e MG 447. Ao Norte limita-se
com Miraí e Guidoval, ao Sul Leopoldina, a Leste Leopoldina, Laranjal e
Santana de Cataguases e a Oeste com Dona Euzébia e Itamarati de
Minas.”
65
Nos mapas 1, 2, 3 e 4 pode-se localizar o Estado de Minas Gerais e a região da
Zona da Mata Mineira, onde se encontra o município em questão.
Figura 1
Divisão Político-Administrativa do Brasil – em destaque o Estado de Minas Gerais
Adaptado de www.geominas.mg.gov.br
65
Fonte: Agência do IBGE em Cataguases. 2004. Fonte: Secretaria de Estado de Ciência e Tecnologia - IGA.
Agência do IBGE em Cataguases.
30
Figura 2
Estado de Minas Gerais – macrorregiões de planejamento - 1996
Adaptado de www.geominas.mg.gov.br
Figura 3
Mapa da Zona da Mata – municípios cafeeiros mais importantes
Adaptado de: LIMA, João Heraldo. Café e indústria em Minas Gerais (1870-1920) Petrópolis: Vozes, 1981.
1 – Além Paraíba
2 – Cataguases
3 – Carangola
4 – Juiz de Fora
5 – Leopoldina
6 – Mar de Espanha
7 – Pomba
8 – Ponte Nova
9 – Rio Novo
10 – Rio Preto
11 – São João Nepomuceno
12 – São Paulo do Muriaé
13 – Ubá
14 – Visconde do Rio Branco
15 – Viçosa
16 – Guarará
17 – Palma
18 – São Manuel
31
Figura 4
Mapa mostrando as divisas políticas do município – 2004
Adaptado de www.emater.mg.gov.br
O município é banhado pelos rios Pomba e Novo e ribeirões Meia Pataca, Passa
Cinco e Cágado. Possui cinco distritos: Aracati, Cataguarino, Glória, Sereno e Vista
Alegre.
Entre os anos de 1940 e 2000 sua população passou de 29.134 habitantes para
63.960 e a estimativa para o ano de 2003 era de 65.780 habitantes
66
. O número de
pessoas que viviam no campo em 1940 era 18.552 e em 2000, 3.498, fato que vem
confirmar o êxodo campo-cidade e o caráter urbano-industrial do município.
A cobertura vegetal primitiva era do tipo Mata Atlântica e contava com fauna e
flora diversificadas. Essa densa floresta foi aos poucos, durante o século XIX,
66
Idem.
32
substituída pelas lavouras e pastagens de gado. A madeira extraída era aproveitada
primeiramente para fins domésticos e posteriormente para a indústria.
67
Tendo como clima predominante o tropical quente e úmido, destaca-se a
produção de produtos agrícolas tropicais; caracterizada atualmente pela policultura, em
ordem de cultivo estão respectivamente: a cana-de-açúcar, o milho, o arroz, a laranja, a
banana, o feijão, o coco-da-baía e a mandioca
68
. As lavouras vêm apresentando aumento
de produção no decorrer dos últimos anos, crescimento esse causado pela elevação do
comércio no setor primário. A criação de animais ocupa a maior parte das áreas com
pastagens e seu destino é a comercialização, sendo constituída por: suínos, bovinos (de
corte e leiteiro), frangos e galinhas (corte e postura); em menor escala, caprinos,
eqüinos, muares e ovinos
69
. A agropecuária de Cataguases enfrenta atualmente sérios
problemas como o despovoamento da zona rural, que gera carência de mão-de-obra e
falta de incentivo governamental; motivos que levam à baixa representatividade desse
setor na economia local.
A ocupação do solo se faz por:
“(...) propriedades de dimensões inferiores a 50 ha ocupam
23,5% da área total dos estabelecimentos agropecuários do município
e representam 70% de seu número. As de dimensões entre 50 e 500 ha
correspondem a 60% da área e a 29% do número, enquanto as
grandes propriedades (mais de 500 ha) representam 16% da área e
1% do número. Trata-se de uma estrutura fundiária em que a maior
expressão reside no conjunto das pequenas e médias propriedades. De
uma superfície de 44.068 ha, correspondente à área total dos
estabelecimentos agropecuários do município, menos de 10% são
utilizados para culturas.”
70
A participação secundária na agropecuária reflete a migração campo-cidade, que
afasta os trabalhadores da lavoura, mantendo na região rural uma mão-de-obra
familiar
71
; essas pessoas que chegam ao plano urbano, quando não estão
desempregadas, são absorvidas, na maioria das vezes, pelo setor crescente da
industrialização.
67
De acordo com dados do IEF Instituto Estadual de Florestas - Fevereiro/1982 Grupamento de
Polícia Florestal 1982 - Agência do IBGE em Cataguases
68
Fonte: Agência do IBGE em Cataguases / Dados do LSPA (Levantamento Sistemático da Produção
Agrícola/2002).
69
Os registros referem-se à data de 31/12/2002. O efetivo registrado é para fins comerciais. A criação e a
produção para subsistência não são registradas neste quadro. Fontes: IMA, cooperativas, laticínios da
região e produtores locais.
70
O perfil agropecuário de Cataguases. Fonte: IBGE.
71
Idem.
33
Cataguases conta hoje com um importante centro industrial, originário do início
do século XX com a introdução das indústrias têxteis. No decorrer dos anos houve uma
ampliação e diversificação do parque industrial, que passou a contar com outros bens de
consumo como:
“(...) tecidos, móveis, confecção de roupas, alimentar,
madeira, laticínios e a incorporação de novos gêneros de indústrias
como fundição, papel, papelão, produtos químicos diversos,
metalúrgicas, plásticos, mobiliário, minerais não metálicos,
componentes para indústria mecânica etc (...)”
72
Atualmente, a cidade tem um perfil industrial. A economia rural não tem grande
destaque, desempenhando um papel secundário; refletindo a inversão do panorama no
final do século XIX.
1.2 Cataguases e o sertão leste de Minas Gerais
A região que deu origem a Cataguases até o final do século XVIII era
considerada parte do “sertão”
73
leste de Minas Gerais. Nesse período a região leste da
capitania das Minas Gerais era considerada território proibido pela Coroa; o resguardo
com a terra visava inibir rotas de contrabando de metais e pedras preciosas vindo das
áreas de mineração para a região litorânea.
A nomenclatura sertão era utilizada nos primeiros anos da colonização para
caracterizar um determinado espaço geográfico ainda desconhecido pelo colonizador,
áreas que não haviam passado pelo “crivo da civilização”, povoadas por gentios. Nos
primeiros anos da ocupação da América portuguesa era considerado sertão o interior da
colônia, uma vez que a ocupação encontrava-se concentrada no litoral. À medida que se
expandiam as bandeiras, as terras eram reconhecidas e povoadas, e deixavam de ser
parte do “desconhecido”
74
, passando a integrar espaços distintos, região habitada e,
72
Fonte: IBGE
73
Usa-se a palavra “sertão” no sentido de que estas terras eram consideradas pelo colonizador do século
XVIII como sendo um lugar de risco, perigo, terra de inimigos (índios) e animais; terras situadas ao leste
de Minas Gerais que receberam do imperador incentivo para serem colonizadas. Baseamo-nos em:
CARRARA, Ângelo Alves. “O ‘sertão’ no espaço econômico da mineração”
. LPH. Revista de História,
6. X Encontro Regional de História da ANPUH/MG, 1996. p. 40-80. e CAMBRAIA, Ricardo de
Bastos e MENDES, Fábio Faria. “A colonização dos sertões ao leste mineiro”: políticas de ocupação
territorial num regime escravista, 1780-1836. Revista do Departamento de História. Belo Horizonte:
UFMG, 6, pp. 137-150, 1988.
74
Região desconhecida do português, não se pode ignorar que o território era ocupado por índios que
tinham conhecimento da região.
34
portanto, perante o olhar europeu, civilizada. A descoberta das minas e a exploração do
ouro não abarcaram toda a capitania mineira, as partes que não faziam parte do
complexo minerador, como é o caso da Zona da Mata, permaneceram até o início do
século XIX como áreas inóspitas. Para Saint-Hilaire
75
, em sua viagem na primeira
década do oitocentos, sertão (...) não indica senão uma espécie de divisão vaga e
convencional determinada pela natureza particular do território e, principalmente, pela
escassez de população. O viajante ainda conclui:
“(...) O Sertão compreende, nas Minas, a bacia do S. Francisco e dos
seus afluentes, e se estende desde a cadeia que continua a Serra da
Mantiqueira ou, pelo menos, quase a partir dessa cadeia até os limites
ocidentais da província.
Abarca, ao sul, uma parte da comarca do
Rio das Mortes
, a leste, uma imensa porção das comarcas de Sabará e
do Serro do Frio, e finalmente, a oeste, toda a comarca de Paracatu
situada ao ocidente do São Francisco.(...)”
76
A região delimitada pelo francês em grifo seria parte do chamado sertão leste
proposto no texto, área que fica ao sul de Minas, a sudeste da comarca do Rio das
Mortes e ao sul da comarca de Ouro Preto, localizada a leste da Serra da Mantiqueira.
Na figura 5 está em destaque no círculo a região:
Figura 5
Mapa aproximado das Comarcas da Capitania de Minas Gerais no século XIX
Adaptado de José Ferreira Carrato. Igreja, Iluminismo e escolas mineiras coloniais. São Paulo:
Cia. Editora Nacional. 1968.
77
75
SAINT-HILAIRE, Auguste. Viagem pelas províncias do Rio de Janeiro e Minas Gerais. Belo
Horizonte: Itatiaia, 2000. p. 307.
76
Idem.
77
AMANTINO, Márcia. O mundo das feras: os moradores do Sertão Oeste de Minas Gerais século
XVIII.
2001. Tese de Doutorado em História apresentada ao IFCS/UFRJ, Rio de Janeiro. p.37.
35
A ocupação do sertão leste de Minas foi dependente da vontade da Coroa, pois o
caminho para contrabando era considerado proibido, mas com o declínio das atividades
mineradoras no final do século XVIII esse panorama foi invertido. Entre 1808 e 1836, o
governo passou a incentivar seu povoamento visto como necessário para integrar o
território à malha mercantil centro-sul
78
, promover o “desenvolvimento e integração de
algumas áreas no mapa de Minas”
79
, além de deter os conflitos com os gentios, que
atrapalhavam a expansão do comércio.
De acordo com MERCADANTE
80
, os “temidos” índios que habitavam a
“(...) região da Meia-Pataca, em cujas cabeceiras tem a designação
de córrego da Neblina, próximo à atual cidade de Cataguases,
encontrariam os sertanistas, no século XVIII, os coroados. Subindo
pelo rio Pomba, estavam os aldeamentos às margens direitas do Alto
Rio Doce, onde se achavam em som de guerra os famigerados
botocudos.”
Além dos coroados e botocudos, havia na região os puris e os guarulhos. Classificar os
povos indígenas que povoavam o sertão leste é sem dúvida um trabalho difícil, assim
como determinar onde se encontrava cada uma das tribos. Deve-se considerar que
muitos ainda eram nômades
81
e que esse povo desconhecia as fronteiras políticas dos
colonos, provavelmente transitavam por toda a região, principalmente após a chegada
do homem branco, que ao adentrar no espaço da mata acabava obrigando os índios a se
dispersarem.
Quanto à denominação de “temidos”, leva em questão a “visão etnocêntrica do
outro” (colono). Ao ser atacado pelos negros da terra os julgavam selvagens e não
consideravam o caráter de defesa territorial adotada pelos habitantes primitivos do
lugar. Saint-Hilaire define o que seriam os botocudos, considerados um dos grupos mais
“agressivos”:
78
CAMBRAIA, op. cit. p.138.
79
CUNHA, Alexandre Mendes. “A diferenciação dos espaços”: um esboço de regionalização para o
território mineiro no século XVIII e algumas considerações sobre o redesenho dos espaços econômicos na
virada do século. Seminário sobre a Economia Mineira. Belo Horizonte. p. 16.
80
MERCADANTE, Paulo. Os sertões do leste Estudo de uma região: a Mata Mineira. Rio de Janeiro:
Zahar, 1973. p. 29.
81
CASTRO, Celso Falabella de Figueiredo. Os sertões de leste achegas para a história da Zona da
Mata. Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1987. p. 46. usando a citação do autor:
Francisco de Paula
Ferreira de Resende, nas Minhas Recordações, dá-nos a idéia de como eram e como viviam os Coroados,
Coropós, Puris, no fim do século XVIII, quando não haviam degenerado, segundo lhe fora contado, um
tanto fantasiado, em 1870, por certo Camilo José Gomes, que tinha na época noventa e seis anos: “O
aldeamento era dentro das matas em forma circular e constava de ranchos feitos de palha de palmito e
giravam pelas margens do Pomba, Roça Grande até a margem do Piraí; os Coroados e Caporés giravam
às margens do Pomba, Presídeo e Ubá. (...)”
, observa-se que alguns grupos giravam em torno das
margens dos rios, ficando assim difícil fixar um local para cada tribo.
36
“Os portugueses deram diversos nomes aos Botocudos, mas
este, que deve sua origem à semelhança de seus ornatos com os
batoques de nossos tonéis (botoque ou batoque. V. Moraes, Dic., I), é
hoje em dia geralmente adotado nas diversas províncias que percorri.
Quanto aos próprios Botocudos, dão-se a si mesmos vários nomes;
(...)
Os Botocudos habitavam imensa extensão de território, mas
não são, provavelmente, tão numerosos como se acredita em geral: o
terror que inspiram multiplicou-os, e, como levam vida errante, deve
ter-se mais uma vez considerado como tribos diferentes aquelas
transportadas de um lugar para outro.(...).
82
Na passagem, o autor, apesar de descrever os botocudos do Jequitinhonha, acaba
deixando transparecer conceitos gerais sobre os mesmos. Esse grupo, que não conduz
necessariamente a uma tribo em específico, era conhecido na maioria das vezes pelos
adornos que seus membros usavam. No imaginário do colono, seriam feios, próximos a
imagens de bestas, como vemos na figura de Jean Baptiste Debret:
Figura 6
Botocudos, puris, pataxós e machacalis
Jean Baptiste Debret. In: Voyage pittoresque et historique au Brésil., vol. 1, p. 10
83
Para colocar fim aos freqüentes ataques indígenas às áreas que ainda estavam
sendo povoadas foi necessária a ação repressiva da Metrópole (...) [e] instalação de
82
SAINT-HILAIRE. op. cit. p. 249.
83
Retirado de AMANTINO. op. cit. p. 69.
37
postos militares em locais estratégicos para a defesa, os chamados presídios
84
. No
entanto, não se resumiu à implantação de presídios a reação contra os indígenas. Como
também a criação de uma política específica para tratar o índio. A Carta Régia de 13 de
maio de 1808 declarava “guerra” contra os gentios, principalmente contra os botocudos,
considerados os mais “selvagens” pelo colonizador. Nela estava o incentivo para a
ocupação da região do sertão leste: distribuição de terras aos colonos, isenção do dízimo
e de taxas de importação/exportação, moratória para os devedores da Fazenda Real que
resolvessem alargar as fronteiras e autorização para utilização de mão-de-obra nativa
com gratuidade.
À medida que o sertão era ocupado, sua configuração passava de região
“desconhecida” para habitada e, portanto, se transformava em Mata
85
e posteriormente
adquire o nome de Zona da Mata mineira.
1.3 A ocupação do sertão
A ocupação do sertão leste acompanhava a fundação de diversos arraiais,
pequenos povoados que no decorrer do século XIX, através da influência política, foram
ganhando ares de cidades; os atuais municípios que constituem a Zona da Mata mineira
tiveram sua origem no período.
Dentro do contexto da colonização do sertão leste, nas primeiras décadas do
século XIX, a região que compreenderia Cataguases ganhou os primeiros contornos. Na
época era um pequeno povoado com 38 fogos
86
, composto por alguns casebres, roças e
algumas aldeias de coroados, coropós e puris, denominado Porto dos Diamantes. Sua
localização era próxima aos aldeamentos indígenas
87
, observado na figura 8;
84
CAMBRAIA. op. cit. p.143.
85
CUNHA. op. cit. p. 16.
86
Fogos, para o século XIX, é o mesmo que família e domicílio e representam um grupo de indivíduos
que moram em uma mesma propriedade e estão sujeitos à autoridade de um líder; conforme: GRAF,
Márcia Elisa de Campos.
Fontes para o estudo da família escrava no Brasil. V Anais da ABEP, 1986. p.
19.
87
MERCADANTE. op. cit. p. 29. (...) Na região da Meia-Pataca, em cujas cabeceiras tem a designação
de córrego da Neblina, próximo à atual cidade de Cataguases, encontrariam os sertanistas, no século
XVIII, os coroados. Subindo pelo rio Pomba, estavam os aldeamentos às margens direitas do Alto Rio
Doce, onde se achavam em som de guerra os famigerados botocudos.”.
Além dos coroados e
botocudos, ainda temos na região os puris em Leopoldina, os guarulhos.
38
administrados pelo francês Guido Tomaz Marlière
88
, que, segundo Mercadante e
Rezende e Silva, seria o benfeitor que, em 1828, elevara a arraial, passando a chamar-se
Santa Rita do Meia Pataca
89
, feito realizado após receber algumas doações de terras do
Sargento das Ordenanças Henrique de Azevedo, para a construção da capela de Santa
Rita.
“Em torno da Matriz de Santa Rita, onde foi erigida a primeira
capela do Arraial, espalhavam-se simples choças ou casebres habitados por
brancos e índios em “aldeamentos’, em fase de destribalização. Em torno
desse núcleo, de léguas em léguas, uma fazenda em fundação. Deduz-se que
a ocupação efetiva da zona do “leste proibido” estava se processando.”
90
Figura 7
Mapa da localização de Porto dos Diamantes
91
88
Marlière chegou à região em 1813, nomeado comandante das divisões militares do rio Doce e
encarregado da civilização e catequese dos índios através da construção do presídio de São João Batista e
de aldeamentos ao longo da região.
89
De acordo com REZENDE E SILVA, Arthur Vieira de. O município de Cataguases. [Belo Horizonte]:
Imprensa Oficial, 1908. p. 3-4. recebeu este nome em virtude de terem aventureiros encontrado meia
pataca de ouro no ribeirão local no início do século XIX.
90
ZEVI, Bruno. História documental e evolução urbana. In: Prefeitura Municipal de Cataguases.
Memória e Patrimônio Cultural de Cataguases. Cataguases: Secretaria de Cultura, Esporte e Turismo,
1988. Secretaria de Cultura, Esporte e Turismo. Vol. I. p.28.
91
ESCHWEGE, W. L. Von. Pluto brasiliensis. vol. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1944.
39
Legenda
● vilas
. freguesias e povoamentos
... caminhos
Adaptado de: ESCHWEGE, W. L. Von.
Pluto Brasiliensis. vol. São Paulo: Companhia Editora
Nacional, 1944.
A partir da construção da capela, se tem, como é visto na citação acima, o
embrião urbano e rural que deu início à cidade em tela.
Até 1840, a localidade permaneceu na mesma condição jurídica. Foi na década
de 1840, com o fechamento da fronteira da Zona da Mata mineira, que se observou uma
redivisão do território, com a criação de curatos, paróquias e municípios
92
. A
transformação do
status da região se deveu principalmente à influência dos grandes
fazendeiros que, ao instalarem suas moradas, procuravam através de seu prestígio
político ampliar a independência da localidade onde habitavam. Isso acabou refletindo
de certa forma no aumento do poder político desses latifundiários. Uma vez emancipada
a localidade, os benfeitores acabaram assumindo altos cargos na administração do
município e da província.
No ano de 1841, foi criada a paróquia ou freguesia de São Januário de Ubá, à
qual pertencia o curato
93
de Santa Rita do Meia Pataca. Ainda de acordo com Rezende e
Silva, a região era tomada por uma floresta opulenta
94
habitada por índios, onde
encontravam-se apenas algumas choupanas e fazendas em fundação. No processo de
povoamento do sertão leste mineiro, temos a migração da área mineradora para o sul,
muitos foram os homens que em busca de terras e de construir uma vida próspera
mudaram-se com todos os seus bens. Um desses migrantes foi Joaquim Vieira da Silva
Pinto, que adquiriu vasto campo de terras, de 3.000 alqueires
95
, a Fazenda da Glória. Ele
chegou ao curato em 1842, vindo da região de Queluz (Conselheiro Lafaiete),
“acompanhado da esposa, filhos, escravos, agregados, gado, tropas de burro e
sementes para o cultivo”
96
. Na época havia fazendas sendo construídas, nas quais
certamente estariam sendo usados cativos negros e/ou índios, assim como serviço de
92
CARRARA, Ângelo Alves. Estruturas agrárias e capitalismo: contribuição para o estudo da ocupação
do solo e da transformação do trabalho na Zona da Mata mineira, século XVIII e XIX. Série estudos, nº 2.
Mariana NHED/UFOP, 1999. p.7.
93
Curato seria equivalente à denominação de distrito eclesiástico, mas isso não significava que Meia
Pataca fosse uma divisão administrativa, civil ou política, era um primeiro passo para isso.
94
REZENDE E SILVA. op. cit. p.5.
95
CORRÊA FILHO, Virgílio e MARTINS, Hildebrando (Coord.). Cataguases. In: Enciclopédia dos
municípios brasileiros.
Vol. XXIV. Rio de Janeiro, (?), 1958. p. 423-430.p.424.
96
ALMEIDA, Odete Valverde O. A disputa entre grupos familiares pelo poder local na cidade de
Cataguases:
práticas eleitorais, representação e memória. 2004. Dissertação de Mestrado em História
apresentada na Fafich/UFMG, Belo Horizonte.
40
familiares. Nos Mapas de População de 1831 e 1839
97
aparecem indícios da escravidão
na região, mas não como única fonte de braços
Outro ponto que vale a pena ser levantado é o papel dos aldeamentos que
forneciam agregados às propriedades rurais, na verdade, trabalhadores compulsórios.
Esse tipo de mão-de-obra foi incentivada pela Carta Régia de 1808 e a proximidade com
o Presídio (Visconde do Rio Branco) favoreceu a utilização desse serviço. Ângelo
Carrara
98
destaca o papel desses agregados até meados do século XIX em Cataguases,
assim como Auguste Saint-Hilaire observa esse fato no norte mineiro:
“Como a maioria dos portugueses estabelecidos às margens
do Jequitinhonha não possuem escravos, utilizam-se dos Botocudos,
que pela menor retribuição, por pouco alimento, por algumas
vestimentas grosseiras, prestam já muitos serviços. (...)”
99
Pode-se perceber pela passagem que após serem “domesticados” e aldeados,
esses índios eram absorvidos para o trabalho nas fazendas que se formavam.
De acordo com Carrara, o trabalho familiar foi o que predominou no
povoamento de Cataguases
100
, incrementado pelo trabalho do gentio. A presença de
escravos era reduzida. Provavelmente concentrada no latifúndio escravista. Crê-se que
isso seria sustentável até o final da década de 1840 e início de 1850, quando começaram
a chegar os futuros fazendeiros da região, trazendo consigo suas escravarias.
Em 1851, pela Lei Nº. 534
101
, de 10 de outubro, o curato de Santa Rita do Meia
Pataca foi promovido a freguesia. Ganhando maior individualidade política, passou a
ser o centro administrativo, sede das autoridades civis, anexando os curatos de São
Francisco do Capivara (Palma) e Nossa Senhora da Conceição do Laranjal (Laranjal). A
elevação de posto se deveu a articulações feitas por Joaquim Vieira da Silva Pinto, que
no mesmo ano recebeu do governo imperial o título de major. A partir de então, a
promoção do município ficou vinculada ao que já foi citado anteriormente: influência de
homens que de certa forma detinham prestígio político junto ao Império e à Província.
Apesar da autonomia conseguida, o povoamento era de baixa densidade como
afirma Carrara, mantendo-se em torno de 6,02 hab/km². A locomoção e
conseqüentemente a comunicação entre as fazendas e o núcleo de povoamento era
97
Arquivo Público Mineiro, Mapas de População DOC 14 e DOC-18, respectivamente.
98
CARRARA, 1999, p. 13.
99
SAINT-HILAIRE. op. cit. p. 250.
100
CARRARA, 1999. p. 13-14.
101
<www.arquivohistorico-mg.com.br/cataguases/esquerda.html>
41
dificultada, pois o mato virgem ainda tomava conta do local, e os caminhos abertos
eram estreitos, parecendo-se com trilhas.
No ano de 1854 foi criado o município de Leopoldina, ao qual passou a
pertencer a freguesia de Santa Rita do Meia Pataca. À medida que os anos passavam, as
terras pertencentes à Meia Pataca iam sendo reduzidas para a criação de outras
localidades. Por volta de 1855, Cataguases tinha cerca de 207 proprietários rurais, o
que, segundo Carrara
102
, significava concentração de terras na região. Foram essas
propriedades que deram início à colonização local e à “agricultura mercantil de
subsistência”
103
.
Nas décadas seguintes, principalmente a partir de 1870
104
, tais fazendas
acabaram fazendo parte da produção cafeeira na região. Em 1874, ano anterior à lei
municipalizadora, era marcante a presença de fazendas, cujos proprietários,
influenciados pela abundância de terras e pela oportunidade de investir em lavouras,
beneficiadas pelo clima e solo, cultivavam café para a exportação e cereais,
transportados em “estradas de rodagem”
105
. Aos poucos, as casas melhoravam e
deixavam de ser as velhas choupanas; surgiram também as casas de comércio, que mais
tarde se tornariam importantes para a economia cafeicultora, pois venderiam
equipamentos e maquinário para o beneficiamento do café
106
. Nesse contexto, foi
promovida a vila o arraial do Meia Pataca. Em 1875, completavam a freguesia:
Laranjal, Empoçado (Cataguarino), Santo Antonio do Muriahé (Miraí) e o Capivara
(Palma). Esse é o complexo regional que deu origem a Cataguases; a instauração do
município foi comemorada em 7 de setembro de 1877.
O surgimento dos municípios da Zona da Mata Mineira no século XIX reflete o
sucesso da empreitada de colonizar o sertão leste de Minas Gerais.
102
CARRARA, 1999. op. cit. p. 18.
103
Utiliza-se o conceito de “agricultura mercantil de subsistência, ou seja, a produção de alimentos
básicos destinados ora ao autoconsumo, ora ao mercado interno, dentro e fora da província”
. LIBBY,
Douglas Cole.
Transformação e trabalho em uma economia escravista Minas Gerais no século XIX.
São Paulo: Brasiliense, 1998. p.14.
104
A década de 70 compreende o momento da explosão do café, pois foi neste período que se instalaram
os ramais das estradas de ferro, de fundamental importância para o escoamento da produção destinada à
exportação.
105
REZENDE E SILVA. op. cit. p.10. Devemos ter cuidado com o termo utilizado pelo autor, não o
confundindo com o que temos hoje. Para o próprio REZENDE E SILVA, tratava-se de um avanço frente
às picadas na mata que havia antes, mas as mercadorias continuavam a ser transportadas em carros de boi
e carroças.
106
De acordo com periódicos, mais precisamente seus anúncios, mostravam que era intenso o fluxo de
oferta de produtos para beneficiar o café. Ex: Jornal
O Povo –CDH, CAT-1 CR-338, Processo criminal.
42
1.4 O município de Cataguases na última década imperial: reflexos de uma
economia escravista
O ano de 1877 trouxe consigo não apenas a implantação do município, como
também a inauguração do ramal da Estrada de Ferro Leopoldina
107
. Vale ainda lembrar
que a implantação da via férrea simbolizou um enorme avanço para a produção agrícola
e cultural da época, proporcionando maior facilidade de escoamento da produção e de
contato com outras regiões. As províncias e a capital do Império, Rio de Janeiro,
importante porto exportador, ficaram mais próximas do interior. Na economia, houve
uma mudança considerável, com o aumento da produção de café e cereais
108
para
abastecer o mercado intra e interprovincial. As mudanças sócio-culturais também
chegaram, trazidas pelos vagões do trem de ferro, que transportavam não alimentos,
como pessoas, correspondências, livros, jornais, boletins, viajantes e vendedores
109
.
Ainda de acordo com Silveira, pela linha de ferro chegaram os imigrantes que
introduziram o trabalho assalariado no interior escravista
110
.
Se nos primeiros anos de colonização da região a participação da mão-de-obra
familiar e gentia se destacou, com o crescimento das lavouras, a implantação da ferrovia
e a exportação de produtos agrícolas, houve a necessidade de aumentar o número de
braços para a agricultura: principalmente nas grandes fazendas após a década de 1870, a
solução foi a adoção efetiva dos escravos. A utilização de escravos provavelmente não
colocou fim à participação de familiares, no que diz respeito às propriedades menores.
Até o momento
111
foram encontradas poucas listas de matrículas de escravos que não
permitem tirar grandes conclusões.
Com a implementação das leis que promoveram a desaceleração do processo
escravista, a utilização da mão-de-obra do negro cativo foi sendo dificultada. em
1850, a Lei Euzébio de Queiroz proibiu o tráfico inter-atlântico entre África e Brasil.
Em seguida temos as leis emancipacionistas de 1871 (Lei do Ventre Livre) e de 1885
107
SILVEIRA, José Mauro Pires. Os ramais da Estrada de Ferro Leopoldina no sul da Zona da Mata de
Minas Gerais 1872 a 1898
. In: Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro,
ano 163, nº. 414, 2002. p. 9-35. p. 30.
108
Cereais como: milho, arroz e feijão. Além da madeira, fruto da expansão da lavoura cafeeira e das
plantações de cana-de-açúcar. Idem.
109
Idem. p. 17.
110
Para Cataguases, o tema substituição da mão-de-obra escrava pela do imigrante não possui estudos que
possam nos servir de embasamento para reflexão.
111
Não foram analisados os inventários da cidade, que podem conter a relação de bens dos espólios e,
caso fossem proprietários de escravos, constaria uma listagem com os mesmos.
43
(Lei dos Sexagenários), que, junto às pressões sociais abolicionistas, constantes na
segunda metade do oitocentos, acabaram por gerar apreensões nos senhores de escravos.
Dentro do contexto nacional de falta de trabalhadores pode-se enquadrar a zona
da Mata Mineira, que, após 1850, a expansão cafeeira e a agrícola demandavam o
aumento da escravaria. Com o abalo do fim do tráfico de cativos via Atlântico, optou-se
pela importação interprovincial de cativos
112
, para manutenção das culturas. Os cativos
que vieram a somar o contingente escravo existente provinham do tráfico
intraprovincial, se deslocando de várias regiões de Minas, como Barbacena, Serro e
áreas mineradoras; e do tráfico interprovincial, com cativos que chegavam da província
do Rio de Janeiro, capital e Vale do Paraíba, e do nordeste brasileiro
113
. Ao analisar
alguns documentos que contêm na sua relação as listas de matrículas de escravos de
1872, foram encontradas as origens mencionadas. Além de outras, é o caso de Eva e
Gabriel, matriculados no Serro-MG, Maria do Rosário, Ponte Nova-MG, ambos
escravos de Elisa Josephina de Castro Monteiro
114
. No requerimento de Audiência de
14/04/1886, cujo proprietário seria Antonio Vieira da Silva Rezende, registro de
vários escravos da Bahia
115
. Lino Coutinho de Miranda Jordão possuía escravos
registrados em Paraíba do Sul
116
. No inventário de Antonio José Prazeres
117
, foi
encontrada uma lista de matrículas com escravos do Serro-MG, Montes Claros-MG,
Sabará-MG, Camarim-PE, Picus e Jaicás-PI, Pelotas-RS.
Além da hipótese do tráfico proposta por MARTINS, acredita-se que outros
elementos contribuíram para a manutenção da escravidão na região, é o caso da
reprodução natural
118
, encontrada na maior escravaria de Cataguases. O major Vieira da
112
Para MARTINS, Roberto B. “Minas e o tráfico de escravos no século, outra vez”. In: História e
Perspectiva
. Uberlândia, Minas Gerais, p.93-130, n. 11, julh-dez, 1994. p. 105-124. A Zona da Mata foi o
maior importador de escravos, com destaque nos municípios cafeeiros, segundo ele, Leopoldina, Mar de
Espanha, Santo Antônio do Paraibuna, Ubá e Pomba. Em meados do século XIX, Cataguases pertencia a
Leopoldina.
113
A análise dos documentos de fundo cartorário, tanto do 1º e 2º Ofício de Notas como os livros de notas
dos distritos, presente no Arquivo Público Municipal; dos registros de matrículas, dispersos em processos
criminais e cíveis do Centro de Documentação Histórica de Cataguases, poderão propiciar ao historiador
fontes para um estudo mais detalhado sobre o tráfico interno.
114
CDH, CAT-1 CV-392, Requerimento de Audiência.
115
CDH, CAT-1 CV-? Sem catalogação oficial, Requerimento de Audiência de 14/04/1886, nº. 13.
116
CDH, CAT-1 CV-394, Requerimento de Audiência.
117
CDH, Sem catalogação oficial, Inventário de Antonio José Prazeres, data: 22/06/1886.
118
BERGAD, L. D. Slavery and the demographic economic history of Minas Gerais, Brazil, 1720-1888.
Cambridge, Cambridge University Press, 1999. Citado por. p. 121. LIBBY, Douglas Cole e GRAÇA
FILHO, Afonso de Alencastro. “Reconstruindo a liberdade”: alforrias e forros na freguesia de São José do
Rio das Mortes, 1750-1850. In:
Varia História. Belo Horizonte, Minas Gerais, p. 112-151, nº. 30, julho
de 2003. p. 121.
44
Silva Pinto
119
era senhor e possuidor de um contingente escravo de cerca de 120
indivíduos, os quais desenvolveram várias gerações familiares
120
. As relações
consangüíneas eram a base da escravaria desse fazendeiro. Partindo dessas informações,
o presente trabalho está de acordo com os estudos de Douglas Cole Libby
121
, nos quais
o autor atenta para a existência das duas formas acima apresentadas para o suprimento
das demandas escravistas.
Mas, além de ser atingida pela regras da lei de 1850, a região mineira, assim
como o sudeste em geral, enfrentou o abalo das leis que promoviam a libertação gradual
dos escravos. De acordo com a historiografia tradicional
122
, que aborda o viés
econômico, a emancipação foi vista como um problema para os fazendeiros, pois os
escravos que se libertavam não mais trabalhariam para seus antigos senhores e em
conseqüência não haveria quem fizesse a colheita do café. No entanto, as pesquisas na
região envolvendo a análise de processos criminais
123
têm demonstrado que, no tocante
à mão-de-obra, essa interpretação não foi totalmente aplicável à realidade do município
de Cataguases. Diferente da imigração em massa promovida pela província de São
Paulo, a região em questão utilizou uma política de imigração menos expressiva,
destinada até o fim da escravidão em 1888 e o início da República, 1889, à colonização
e não à substituição de mão-de-obra
124
. Quem seria responsável pela manutenção das
lavouras?
119
Maior proprietário encontrado até o momento.
120
CDH, CAT-1 CV-412, Petição de documento - Relação de matrículas de escravos do Major Joaquim
Vieira da Silva Pinto anexada à petição.
121
LIBBY, Douglas Cole. op. cit.
122
O debate sobre a questão da substituição da mão-de-obra escrava será alvo de intensas discussões do
Parlamento quando se debatem os projetos Dantas e Saraiva, como mostra MENDONÇA, Joseli Maria
Nunes.
Entre a mão e os anéis: a Lei dos Sexagenários e os caminhos da abolição no Brasil. Campinas:
UNICAMP, 1999. Nesse momento estaria sendo criticada a participação do liberto no trabalho, pois o
consideravam dotado de uma
“índole de preguiçoso”, não podendo assumir as necessidades dos
fazendeiros. A idéia sobre a índole preguiçosa do liberto foi introjetada por sociólogos e historiadores:
CARDOSO, Fernando Henrique.
Capitalismo e escravidão no Brasil Meridional: o negro na sociedade
do Rio Grande do Sul. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977. COSTA, Emília Viotti.
Da senzala à colônia.
São Paulo: UNESP, 1998. FERNANDES, Florestan. A integração do negro na sociedade de classes. São
Paulo: Ática, 1978. Que se denomina historiografia tradicional.
123
Esse tipo de fonte foi utilizado por conter importantes aspectos da vida cotidiana dos envolvidos com o
crime. A exemplo, foi encontrado um processo criminal de 1887 (CDH, CAT-1, CR-31), no qual Estevão,
liberto, havia sido assassinado. Nele pode-se perceber que este ex-escravo continuou morando na região e
trabalhando como jornaleiro.
124
LANNA, Ana. A transformação do trabalho: a passagem para o trabalho livre na Zona da Mata
mineira 1870-1920. Campinas: Unicamp, 1998. p. 76. A palavra colonização é usada no sentido de que
esses imigrantes chegavam à região em menor quantidade do que na Província de São Paulo, onde
substituiriam a mão-de-obra escrava. Na região de Cataguases eles chegariam para trabalhar ao lado dos
cativos e dos demais trabalhadores. Mais tarde muitos acabavam se fixando à terra em pequenas
propriedades.
45
Provavelmente num primeiro momento poderia ter havido o alarde da falta de
braços, porém, aos poucos os próprios forros sem trabalho, teto e alimento retornariam
às lavouras. Talvez a maioria voltasse a laborar com proprietários diferentes daqueles
que lhes faziam cativos, nesse caso passariam a transitar como trabalhadores
temporários, jornaleiros, pelas fazendas da região, empreiteiros, contratados e
meeiros
125
, até porque o afastamento do local onde são conhecidos tornar-se-ia uma
ameaça à liberdade. Mas, havia também a possibilidade do ex-escravizado permanecer
com seu proprietário e este é o caso de Francisco
126
, um “sexagenário” de
aproximadamente 100 anos, que se dizia escravo e morava com “seu senhor”. Lanna
afirma que em Cataguases era elevado o número de negros trabalhando nas fazendas
após a abolição. Esse processo não ocorreria apenas após o 13 de maio de 1888, mas
vinha acontecendo ao longo da segunda metade do oitocentos. de ser destacado
também o caráter sazonal das migrações dentro da província e fora dela. Os
trabalhadores que não eram fixos à terra perambulavam pelas propriedades buscando
emprego em épocas de colheitas e ao final delas retornavam a seu local de origem, onde
talvez houvessem deixado seus laços familiares.
A respeito da economia de Cataguases, indícios em jornais de época de que,
juntamente com à cafeicultura agro-exportadora
127
, havia uma policultura abrangente,
pecuária, indústria e um comércio promissor, com a abertura de diversas casas na
década final do Império, ao contrário do que pregava a historiografia tradicional, que
vincula o desenvolvimento da região ao café. No jornal Folha de Minas
128
era notável a
demanda por insumos relacionados ao beneficiamento do café, mas também existiu a
presença de engenhos de arroz e açúcar
129
, com propagandas de que produziam em
125
A palavra meeiro é usada com o sentido expresso por: LANNA, Op. cit. p. 73. “(...) a meeação, que
encontra no parceiro, enquanto trabalhador fixo nas fazendas, a sua maior expressão (...)”.
126
Centro de Documentação Histórica de Cataguases, CAT-1, CR-318, CX-16.
127
Afirmação a respeito da economia exportadora de café foi apresentada, entre outros, por:
BLASENHEIM, Peter. “Uma História Regional”:
a Zona da Mata Mineira. In: V Seminário de Estudos
Mineiros. Belo Horizonte: UFMG/FAFICH, 1982. In:
http://www.asminasgerais.com.br/Zona%20da%20Mata/UniVlerCidades/index.htm.
128
Jornal Folha de Minas: Órgão da Lavoura, commercio e indústria. Cataguazes (MG): Typ. da Folha
de Minas, 1884-1888. Biblioteca Nacional.
129
De acordo com anúncios do Jornal Folha de Minas, op.cit, de 09 de novembro de 1884: Engenho
Central - Já possuidor de dous importantes estabelecimentos centraes, um de assucar e outro de café, vai
este rico municipio ser dotado brevemente com um engenho para beneficiamento do arroz, tendo para
este effeito de levantar-se edificação apropriada nas proximidades da estação da via férrea.
O beneficiamento do arroz em larga escala apenas foi tentado em nosso paiz pelo Illlustrado agricultor
de Vassouras o Sr. Dr. A. Lazzarini, tendo sido esta empreza coroada pelo mais feliz resultado. (...)
.
Posteriores a esta data aparecem notícias de que está sendo construído tal engenho. Em de 28 de
dezembro de 1884, o mesmo jornal passa a anunciar o beneficiamento de açúcar, é um logotipo que
passará a estar presente em todas as edições.
46
grande escala, apesar de os engenhos serem considerados indústrias pelo periódico.
Pode-se deduzir que havia a produção desses alimentos para a manutenção do
empreendimento. Eram comuns anúncios de venda de feijão, fumo, animais. Além da
oferta de serviços de ferreiro, serralheiro, maquinista, farmacêutico de forras e escravas.
O comércio era formado pelos mais variados tipos de casas, desde vendas até lojas que
traziam produtos da Corte e da Europa, tudo na “última moda”.
A próspera economia levou à dependência do trabalho escravo, fazendo da
região de Cataguases um local onde se pode analisar os efeitos da libertação gradual do
elemento servil, frente à necessidade de braços para as lavouras. A emancipação escrava
atingiu a Zona da Mata, colocando os libertos dentro de uma sociedade que ainda
mantinha suas bases no trabalho cativo.
Os estudos regionais vêm contribuir para o entendimento das diferentes
realidades em que se processaram os fatos históricos do Brasil e seus reflexos em nível
local.
1.5 Cataguases: aspectos populacionais
Os primeiros anos da colonização da região que daria origem a Cataguases ainda
continuam sem estudos aprofundados no que se refere à constituição da população.
Sabe-se que a partir da construção da capela de Santa Rita de Cássia, em 1828, começou
a crescer o povoado que era de 38 fogos
130
. Além dessa informação, é presumível que
havia muitos índios habitando a região.
Em trinta de setembro de 1827, Guido Marlière, em correspondência dirigida ao
vice-presidente da Província, informa a presença de 400 índios aldeados no Meia
Pataca. Completa informando a ocupação destes nativos, que era a agricultura e o
trabalho por jornal a fazendeiros, visto que não possuíam a posse da terra
131
.
Analisando o Mapa de População de 1831
132
é possível ter um delineamento da
distribuição dos habitantes
133
de Santa Rita do Meia Pataca, uma das freguesias que
130
Jornal O Universal de 7 de julho de 1828. Biblioteca Nacional (doravante BN).
131
REZENDE E SILVA, op. cit. p. 597.
132
Arquivo Público Mineiro (doravante APM), Mapas de População de Minas Gerais, 1831, DOC-14.
133
No somatório dos fogos e habitantes, não foram considerados os indígenas, que certamente na época
ainda povoavam a região.
47
mais tarde irão dar origem ao município de Cataguases. Para isso foi elaborada a tabela
abaixo:
Tabela1
Distribuição da população do distrito de Santa Rita do Meia Pataca em 1831
Nº DE FOGOS LIVRES ESCRAVOS FORROS TOTAL DE HAB.
112 526 206 16 860
OBS: No Mapa de População o total de habitantes é 753, valor não conferido com a tabela acima.
Tabela 2
Número de fogos por quantidade de escravos – 1831
Localidade
Nenhum
escravo
1
escravo
de 2 a 4
escravos
de 5 a 9
escravos
de 10 a 14
escravos
de 15 a 19
escravos
Acima
de 20
escravos
Total de
fogos
SANTA
RITA DO
MEIA
PATACA
67
59,82%
13
11,60%
17
15,17%
7
6,25%
6
5,35%
2
1,78%
0
0%
112
100%
Dados retirados do Mapa de População de 1831
Com a exposição dos dados referentes à distribuição da população e dos fogos
por escravarias pode-se concluir o que já foi apresentado no item 1.3 deste trabalho, que
segundo Carrara
134
, havia a predominância da mão-de-obra familiar. Outro fato a
ressaltar são as ocupações dos habitantes onde se destaca a presença constante de
fiandeiras nesse levantamento do Império
135
, além dos roceiros e lavoureiros que
expressam o caráter agrícola da região. Apesar de não ter como objetivo analisar com
profundidade a questão das fiandeiras vale ressaltar a presença de atividades
diferenciadas no distrito.
Tabela 3
Distribuição da população do distrito de Santa Rita do Meia Pataca em 1839
Nº DE FOGOS LIVRES ESCRAVOS FORROS TOTAL DE HAB
120 571 147 6 724
134
CARRARA, 1999. Op. Cit., p.13-14.
135
Fato observado por MARQUES, Cláudia Eliane Parreiras. “Repensando a historiografia mineira”:
aspectos demográficos, econômicos e sociais no século XIX. Encontro da Associação Brasileira de
Estudos Populacionais. Ouro Preto-MG, 2002. p. 8. Quando ela analisa a mesma documentação para
Bonfim-MG afirma que havia grande participação das mulheres na economia local como fiandeiras, ao
passo que os homens eram agricultores e lavradores.
48
Tabela 4
Número de fogos por quantidade de escravos – 1839
Localidade
Nenhum
escravo
1
escravo
de 2 a 4
escravos
de 5 a 9
escravos
de 10 a 14
escravos
de 15 a 19
escravos
Acima
de 20
escravos
Total de
fogos
SANTA RITA
DO MEIA
PATACA
80
66,66%
11
9,16%
17
14,16%
10
8,33%
1
0,83%
0
0%
1
0,83%
120
100%
Dados retirados do Mapa de População de 1839.
Houve um aumento no número de fogos de um mapa para o outro, no entanto, a
população de escravos diminuiu, contribuindo para a queda no total de habitantes. É
importante notar também que no que diz respeito ao número de libertos, foi reduzido,
caindo de 16 para 6. As ocupações sofreram alterações, desaparecendo
consideravelmente as fiandeiras e aumentando as atividades ligadas à terra. Pela análise
da lista confirma-se a permanência do trabalho familiar. Em muitos casos os
proprietários que possuíam entre um e dois escravos acabavam deixando-os aos
cuidados da casa e o restante da família se dedicava à roça.
Para tentar aproximar os dados ao período em estudo foi necessário buscar
informações no censo de 1872, fonte que apresenta consideráveis diferenças quanto ao
seu conteúdo se comparada aos mapas de população utilizados nas primeiras tabelas. No
censo, as informações aparecem de forma geral e nos mapas elas vêm discriminadas por
fogos. Pelo recenseamento, consta que Leopoldina possuía oito freguesias, entre elas a
de Santa Rita do Meia Pataca, com a população total do município era de 26.633 livres,
15.253 escravos, perfazendo o total de 41.886 habitantes
136
. No entanto, por estes
dados não é possível deduzir o número da população que habitava Cataguases na década
de 1870, uma vez que para sua criação foram desmembradas as terras pertencentes a
outros municípios, caso de Ubá e Muriaé. Para obter uma aproximação demográfica da
região, foi analisado o recenseamento de 1872
137
, desmembrando as localidades que
formaram o município em questão. De São Paulo do Muriaé foi extraída a freguesia de
São Francisco de Assis do Capivara, de Ubá, Santo Antônio de Muriaé e de Leopoldina,
Santa Rita do Meia Pataca e Nossa Senhora da Conceição do Laranjal.
136
ANDRADE, Rômulo Garcia de. Limites impostos pela escravidão à comunidade escrava e seus
vínculos de parentesco:
Zona da Mata de Minas Gerais, século XIX (A subjetividade do escravo perante a
coisificação social própria do escravismo). 1995. Tese de Doutorado em História apresentada ao
Departamento de História da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da USP, São Paulo. p. 154.
137
CD-Rom: PUNTONI, Pedro (coord.). CD-Rom: Os Recenseamentos gerais do Brasil no século XIX:
1872 e 1890. FAPESP E CEBRAP. 1/4.
49
Tabela 5
Resultado do recenseamento de 1872 contendo a população desmembrada das
freguesias que constituiriam o município de Cataguases
Município Freguesia Livres
Escravos Total
Santa Rita do Meia Pataca 3446 1260 4706
Leopoldina
Nossa Senhora da Conceição do
Laranjal
2473 802 3275
Ubá Santo Antônio de Muriaé 1431 827 2258
São Paulo de Muriaé São Francisco de Assis do Capivara 951 902 1853
Total 8301 3791 12092
Pode-se notar que pelo recenseamento de 1872 a população escrava não supera a
livre, mas que cresceu vertiginosamente frente ao último mapa de população; reflexos
do sucesso da ocupação regional e do crescimento das lavouras de subsistência e de
café.
Frente à nova realidade da região, que passava de uma agricultura
mercantil de
subsistência para a de exportação, novas demandas de braços para o trabalho se fizeram
presentes nas grandes lavouras. A utilização do escravo cresceu nessa área, assim como
os problemas trazidos pelo processo de desaceleração do sistema escravista.
No ano da fundação do município, 1877, foram transferidos da coletoria de
Leopoldina 2631 escravos e 437 ingênuos
138
. A informação de Rezende e Silva pode
significar que houve uma redução no número de escravos, o que provavelmente não
aconteceu, devido ao crescimento econômico da região e o aumento da demanda de
braços. Mas o autor esqueceu-se de mencionar que para precisar o número de cativos
seria necessário considerar os que seriam transferidos das coletorias de Ubá e São Paulo
do Muriaé.
No censo presença de falhas na contagem dos habitantes, o que é
perfeitamente aceitável. Analisando algumas ações de liberdade
139
é perceptível que
muitos senhores não registravam todos os seus cativos, ficando assim uma boa parte
fora dos registros oficiais.
Após um delineamento dos anos iniciais da região, podemos fazer algumas
considerações:
Primeiro, que aproximadamente até a década de 50 o que predominava era
literalmente a agricultura de subsistência. Nos anos posteriores, com o desmatamento da
138
REZENDE E SILVA, op. cit. p.600.
139
CDH, CAT-1 CV-417, CAT-1 CV-416, CAT-1 CV-415 e CAT-1 CV-414, Ações de liberdade que
serão analisadas com mais detalhes no capítulo 2 em um subitem específico.
50
região e o crescimento das lavouras para o comércio interprovincial e intraprovincial,
desenvolveu-se uma
agricultura mercantil de subsistência, que demandou o aumento da
população.
Segundo, o número dos habitantes cativos cresceu vertiginosamente de cerca de
147, em 1839, para 3791, em 1872. Assim como cresceu o contingente de libertos,
aumento provocado principalmente pelas leis emancipacionistas de 1871 e 1885, pelas
pressões sociais e pela luta dos cativos pela liberdade.
Todos os dados da dissertação terão como parâmetros de comparação a tabela 5,
que, apesar de falhos, são os únicos disponíveis para equiparação. A partir deles abre-se
um pequeno panorama para a interpretação histórica da região, que se encontrava na
última década da escravidão com um problema. Havia seu crescimento econômico e ao
mesmo tempo a perda da mão-de-obra escrava, causada pela interferência das alforrias.
Embora não seja objetivo abordar diretamente a questão da substituição dos braços
cativos, busca-se compreender: como os cativos conseguiam se libertar frente à
necessidade de seu trabalho e o que faziam após terem sua liberdade em mãos?
1.6 Trânsito de informações no município
Quando se pensa no processo que levava o escravo a conquistar a liberdade,
através da ilegalidade ou legalidade, uma série de questões é levantada. É delegado
muitas vezes ao abolicionismo o mérito pelas pressões que deram liberdade aos
escravos. Não é objetivo deste trabalho minimizar o papel desse movimento, mas de
valorizar a participação do escravo frente ao processo que o conduz ao mundo do
liberto.
Acredita-se que houve uma rede de informações permeando Cataguases e
conectando o município ao Império, que levava aos cativos o conhecimento de alguns
de seus direitos. A partir de então, esses sujeitos poderiam arquitetar planos de
negociações para obterem a carta de alforria ou anulação da condição servil.
Eduardo França Paiva
140
abordou a questão das redes de informação ou
comunicação que poderiam levar ao conhecimento dos cativos assuntos relacionados à
alforria ou heranças deixadas em testamentos no meio urbano mineiro do século XVIII.
140
PAIVA, Eduardo França. Escravidão e universo cultural na colônia: Minas Gerais, 1716-1789. Belo
Horizonte: Editora UFMG, 2001.
51
Era comum os cativos terem informações de sucessos e fracassos ocorridos com seus
companheiros de cativeiro, assim como as estratégias utilizadas e de acordos acertados
por eles
141
; o conhecimento desses fatos favoreceria a organização de artimanhas para
conquistarem seus objetivos. De acordo com o autor, um dos responsáveis pela
divulgação das informações seriam as vendedoras de rua, que, através da oralidade,
espalhariam as informações. Provavelmente essas redes de comunicação também
estavam presentes no meio rural e permaneceram até o século XIX se adaptando aos
novos locais, novos meios de comunicação e atores sociais.
Muitos são os locais onde poderiam estar fluindo as informações sobre o
processo de libertação, sobretudo nos armazéns, comércios, botequins, batuques,
divertimentos em geral, na praça pública, nos chafarizes, nas portas das igrejas e nas
estações de trem. Ou através de jornais que nos últimos anos da escravidão acirraram o
debate quanto à libertação dos cativos. Não desconsiderando o papel de sociedades
secretas que poderiam estar agitando a estruturação de ações que levariam à
emancipação dos cativos.
Os locais de comércio acabavam agregando diversos membros da sociedade.
relatos, em processos criminais, de crimes
142
que ocorreram nestes locais, onde fica
explícita a presença de escravos, homens livres, negociantes, comissários e libertos.
Nesse caso, os freqüentadores desses locais poderiam, além de beber e comprar, estarem
conversando sobre assuntos corriqueiros, fofocas e política. Entre os temas poderiam
muito bem estar sendo debatidas questões da política de libertação dos escravos. Um
comentário aqui, outro ali, estariam favorecendo o fluxo de informações sobre os
mecanismos legais de se obter a liberdade, não esquecendo, é claro, que fugas e
rebeliões também seriam assuntos comentados nesses locais de comércio.
Devido ao medo que as autoridades municipais tinham dos encontros em locais
de comércio, foram discriminados no Projeto das Posturas da Câmara Municipal da
Villa de Cataguases de 1878
143
, no Título que se refere Da moralidade, segurança,
tranqüilidade e comodidade dos habitantes, no Art. 21º
“Jogar em vendas, tavernas, casas de mercado publico ou de
tabolagem qualquer jogo de parada (...) em que costume a ser
indistinctamente admittidas pessoas desconhecidas, suspeitas,
menores ou escravos.”,
141
Idem, p. 35-36.
142
Como exemplo: CDH, CAT-1 CR-318, Processo criminal.
143
APM. Projeto do Código de Posturas Municipais de Cataguazes.
52
no Art. 22º vem o reforço
Na mesma pena do artigo antecedente incorrerá o dono,
administrador ou caixeiro das casas publicas que permitirem á
menores ou escravos qualquer jogo ainda que licito seja.”
E no Art. 23º
“Consentir nas casas de mercado demora de escravos alem
do tempo rasoavelmente necessario para as compras; consentir nas
tavernas ajuntamento de escravos, que não estejão comprando (...).”
Os trechos acima deixam transparecer que o ajuntamento ou permanência de
escravos em locais de comércio era inconveniente, poderiam estar nestes momentos
falando ou se informando em demasia.
O tipo de postura aplicado acima não era novidade desde a colônia, pois
naquela época havia leis municipais que procuravam controlar o livre trânsito de
escravos e provavelmente de informações, como é o caso da tentativa de controlar as
vendeiras pelas autoridades coloniais
144
.
Porém, parece que mesmo assim os cativos continuavam a freqüentar tais
lugares e a demorar neles o tempo suficiente para acontecerem crimes os envolvendo,
como já citamos em parágrafo anterior.
É importante ressaltar a presença das vendas das estações ferroviárias. A análise
de um recibo
145
de uma dessas vendas pode exemplificar que todos os tipos de produtos
eram nelas vendidos e que deveriam atrair os passageiros e transeuntes, senão para
comprar, pelo menos para estarem à frente das vitrines olhando e conversando. Na
estação de Vista Alegre, pertencente à Vila de Cataguases, estava a Oliveira de Comp.,
armazém onde era possível comprar fazendas, modas, artigos de armarinho, perfumaria,
novidades, molhados, mantimentos, louças, cristais e porcelanas.
A linha férrea chegou a Cataguases, na década de 1870, com o intuito de
transportar a produção de café. Mas, certamente, não só café transportava, nelas também
eram trazidas e levadas notícias que ao chegar se alastravam. Maria Helena Machado
destaca o papel das estações da Província de São Paulo na divulgação de informações.
Se antes as notícias vindas da Corte demoravam a chegar aos ouvidos dos plantéis, com
o novo meio de transporte sua divulgação se tornou mais rápida.
“(...) além de propiciar uma rápida circulação de novas idéias, fatos
e opiniões tanto na forma de jornais quanto oralmente, em
proporções nunca antes atingidas, vulgarizou as viajens de trem,
144
PAIVA, 2001. op.cit. p. 36.
145
CDH, CAT-1 CV-038, Petição de dívidas.
53
mesmo entre as camadas mais modestas da população, como os
libertos e mesmo os escravos.”
146
A análise do caso de Estevão
147
faz refletir sobre o papel das vendas da estação e
do transporte de camadas sociais menos privilegiadas.
Nossa história teve início no ano de 1886, no município de Cataguases, em um
“lugarejo” conhecido como Estação de Sinimbu (ainda hoje conhecido como tal). Em se
tratando de uma estação de trem, provavelmente era o centro daquele entreposto rural
do município. Havia um comércio do italiano Paschoal Maria Tallarico, local adequado
para “trocar um dedo de proza e tomar uma dose de pinga”. Certamente, algumas
famílias habitavam as redondezas da estação, como é o caso de Alexandre Simões de
Barra, José Augusto Pereira de Lacerda e Francisco, ambos moradores do distrito do
Espírito Santo do Empoçado, conhecido atualmente como Cataguarino, ainda
pertencente a Cataguases.
Nas proximidades da estação, a 250 metros mais precisamente, morava um
camarada aparentemente pacato e bem visto nas imediações de Sinimbu, foco deste
trabalho, chamado Estevão, casado com Rita Maria de Jesus, com então 17 anos, que,
segundo relatos de freqüentadores da Estação, era dada ao vício da embriaguez. A
escolha por Estevão foi feita tendo em vista uma particularidade, trata-se de um liberto.
A nomenclatura liberto também podia vir em forma de ex-escravo ou ex-escravizado e
servia para se referir ao cidadão que fora escravo.
Perante a lei e a "magistratura", Estevão não tem sobrenome, é chamado Estevão
de tal, liberto. De tal era a forma utilizada para se referir a uma pessoa cujo nome não se
sabia, porém o nome liberto dizia muito na sociedade escravocrata e servia para
denominar um grupo específico, aquele dos ex-escravos.
No princípio do mês de março, era comum, não naquela época como até hoje,
o plantio de feijão, logo após a colheita do milho. Estevão vestiu a ceroula e a calça de
algodão, colocou a camisa de meia
148
e rumou em direção a Cataguases de trem, onde
adquiriu uma quarta de feijão que acondicionou em um saco para transportar até a sua
casa, onde provavelmente o plantaria.
Quando retornou à Estação de Sinimbu, Estevão passou na venda do Sr.
Tallarico e tomou um vintém de cachaça. Foi quando ficou sabendo que sua família
146
MACHADO, 1994. p. 92.
147
CDH, CAT-1 CR-031, Processo criminal.
148
De acordo com o documento.
54
estava em perigo: algumas pessoas que estavam na venda disseram que Antônio Rosa
Mendes havia ido para sua casa ajustar contas antigas. Antonio Rosa e Estevão
tinham trabalhado juntos e se desentenderam e, partindo para a agressão física, o liberto
o atingiu com uma foiçada. Antonio Rosa vinha agora se vingar de Estevão.
Estevão partiu para casa na ânsia de encontrar e deter Antonio Rosa, antes que
ele pudesse fazer algum mal à sua família, no caso, sua esposa, Rita. Quando se
encontraram, os dois acabam se desentendendo e mais uma vez partiram para a briga e,
em meio ao acontecimento, Antonio Rosa esfaqueia Estevão.
Após a briga, Estevão, apesar de ferido, ainda caminha junto à linha de trem
tentando chegar à estação. A 41 metros da parada do trem, no Passa Cinco, acabou
interrompendo a caminhada e falecendo. Antonio Rosa foge e é encontrado em um
cafezal pelos moradores que o prendem para entregar às autoridades.
A história rapidamente narrada foi retirada do processo criminal onde são
julgados: Antonio Rosa Mendes, como homicida e Rita Maria de Jesus, acusada de ser
cúmplice da morte de Estevão.
É interessante notar que a venda de Tallarico e a estação desempenham um papel
de destaque no crime, aparecendo como pontos centrais e irradiadores dos
acontecimentos. Antonio Rosa bebe uma garrafa de aguardente no estabelecimento e diz
a Paschoal Tallarico que iria matar Estevão; depois retorna à estação e reafirma que irá
assassinar um homem, após isso compra mais um vidro de cachaça que divide com um
escravo que carregava taboa
149
, depois volta à casa de Estevão. A vítima chegou por
volta de quatro horas, passou no negócio de Tallarico, onde foi avisado do acontecido e
que Antonio Rosa o espera em sua casa para matá-lo. Então compra um vintém de pinga
e vai para casa.
É da estação que partem algumas pessoas, “Belisário Alves Ferreira e
outros”
150
, para a residência de Estevão e o encontram retornando à parada do trem,
ferido. Todo o acontecimento envolve pessoas presentes na venda e na estação. No
decorrer dos depoimentos das testemunhas fica bem explícito que aquele era um local
onde as notícias circulavam e que todos os envolvidos freqüentavam: escravos,
negociantes, lavradores, jornaleiros, comerciantes, enfim, diversos elementos sociais
transitavam pelo local e se comunicavam trocando informações.
149
Espécie de planta que nasce nas várzeas, utilizada para fazer esteiras de dormir.
150
CDH, CAT-1 CR-031, Processo criminal.
55
As festas, divertimentos, pagodes
151
, cateretês e caxambus eram realizados à
noite, nos feriados ou aos domingos à tarde. Em algumas fazendas eram fatores de
agregação de pessoas de classes sociais mais baixas e fugitivos. Não dados precisos
sobre o número e a constância desses encontros, mas foi percebida sua presença devido
a crimes que ocorreram durante o festejo.
Na noite de dez para onze de junho de mil oitocentos e oitenta e cinco, Custódio
José Fernandes foi a um cateretê na fazenda de Salustiano Fernandes (pai da vítima),
procurando por um cativo seu que havia fugido. Encontrando o fujão e tentando
capturá-lo, foi agredido pelos escravos que estavam na roda armados de foices. No
crime acima descrito
152
rapidamente, temos como testemunhas homens brancos
lavradores que assistiram à cena. Ficando claro nesses documentos que as classes mais
abastadas condenavam esse tipo de festejo, considerando-os de baixa estirpe e geradores
de crimes. Deve-se notar que os ajuntamentos acabavam sendo fator de preocupação
para os brancos e, como indicou Maria Helena Machado
153
, eram importantes para a
difusão de idéias de libertação e de organização de insurreições de escravos.
Stanlei Stein, estudando Vassouras no século XIX, ressalta a presença do “(...)
caxambu [que] ocupava posição intermediária entre a cerimônia religiosa e a diversão
secular.”
154
Reuniões que com o passar do tempo e o aumento da preocupação dos
fazendeiros com rebeliões ou aliciações, foram sendo restringidas, mas não deixaram de
existir. Os divertimentos, apesar de representarem preocupações para os proprietários
rurais, permaneceram como uma válvula de escape para o trabalho pesado das lavouras.
Alguns dias antes de fazer o caxambu com licença do
fazendeiro, a notícia circulava entre os escravos da fazenda.
Espalhava-se depois entre os escravos das fazendas vizinhas, pelas
conversas nas vendas à beira da estrada, quando um escravo visitava
outra fazenda a serviço do senhor, ou então a notícia se espalhava
sob forma de versos enigmáticos cantados pelas turmas de trabalho
de fazendas vizinhas, quando mourejavam no cafezal. (...)”
155
O trecho acima mostra exatamente a fluidez do trânsito de informações. No
caso, se refere a uma festa, mas poderia também fazer referência a fugas, insurreições e
libertações legais.
151
Nos documentos aparecem os nomes pagodes, cateretês, caxambus e divertimentos para designar as
festas feitas pelos escravos. Não será abordada neste trabalho a diferença entre esses festejos.
152
CDH, CAT-1 CR-203 e CR-205, Processos criminais.
153
MACHADO, op. cit.
154
STEIN, Stanlei J. Grandeza e decadência do café no Vale do Paraíba. São Paulo: Brasiliense, 1961. p.
245.
155
Idem, p. 246.
56
Não se pode esquecer dos locais públicos, minas de água, chafarizes e praças
onde escravos, libertos e homens livres transitavam.
Uma boa forma de divulgação dos mecanismos e do andamento das libertações
no país era o periódico, pois a imprensa abolicionista nos últimos anos da escravidão
cresceu e passou a usar os jornais para divulgar seus ideais. É notada em alguns
periódicos de Cataguases, da região e do Brasil, a presença de reportagens que
encorajavam atos de libertação de escravos e denúncias de irregularidades, maus tratos e
redução à escravidão; alguns desses panfletos tinham cunho republicano
156
.
Em Cataguases, entre 1878 e 1888, havia os jornais: Gazeta de Cataguases,
semanal, Folha de Minas, semanal, O Povo, que era abertamente divulgador dos ideais
republicanos e contra a escravidão,
O Cataguazense, conservador, José Bonifácio, O
Bilontra
157
.
Em nível regional temos O Leopoldinense
158
de Leopoldina
159
, que era um
periódico que até mesmo no subtítulo se referia a Cataguases e Leopoldina. A chegada
da estrada de ferro facilitou também a comunicação com outros folhetos do Império.
Nos jornais são constantes os anúncios agradecendo o envio de exemplares de toda
parte, principalmente do Rio de Janeiro. As notícias presentes nos jornais que chegavam
eram republicadas, o que facilitava ao leitor uma maior compreensão do que acontecia
no país. Nas cópias feitas para este trabalho também consta o nome da redação dos
jornais de onde os exemplares foram recolhidos, por exemplo: O Bilontra foi
provavelmente enviado ao Fluminense, de Niterói, e mais tarde chegou ao acervo da
Biblioteca Nacional; mostrando a transitação dos panfletos.
Nas décadas finais da escravatura, movimento abolicionista e imprensa andavam
juntos, nesse caso, como foi mencionado sobre O Povo, os abolicionistas estavam se
manifestando através dos jornais e certamente auxiliando na divulgação e apadrinhando
candidatos à alforria.
156
No caso do jornal republicano cataguasense O Povo, cujos exemplares encontram-se na BN e na
Hemeroteca Pública do Estado de Minas Gerais.
157
Os dados para buscar os periódicos acima foram retirados de REZENDE E SILVA, op. cit. e seus
exemplares foram encontrados e pesquisados na Hemeroteca Pública de Minas Gerais e na Biblioteca
Nacional. Nem sempre foram encontrados todos os números e muito menos em bom estado de
conservação, mas todos os encontrados foram pesquisados e contribuíram para a compreensão destes anos
finais da escravidão e para a caracterização da região.
158
Encontrado tanto na BN como na Hemeroteca Pública do Estado de Minas Gerais.
159
Município ao qual Cataguases pertencia até 1877 e que é relativamente próximo, 18 km.
57
A partir da Lei 2040, de 1871, ficou estipulado que haveria um fundo destinado
à libertação de escravos
160
: era feita uma listagem dos cativos a serem contemplados
com a liberdade e esta relação era afixada na porta da igreja matriz
161
. É consenso na
historiografia que poucos eram os cativos que sabiam ler, mas isso não inviabilizava
que algum letrado divulgasse a informação. Depois disso seria mais fácil para o escravo
deduzir que em breve haveria a entrega das alforrias dos eleitos nas vezes em que
vissem o papel, que poderia ser identificado pelo timbramento, na porta da matriz de
Santa Rita de Cássia.
Compreender o trânsito de informações dependeu, e muito, da análise da região
e do levantamento do maior número de dados possível para se poder traçar uma diretriz
de quais locais e veículos eram usados para difundir as notícias, sobretudo aquelas que
eram de interesse de uma camada social que não dispunha do recurso da leitura.
As redes de comunicação certamente tiveram papel fundamental no auxílio da
divulgação das formas para se conquistar a liberdade desde o período colonial. Eram
usadas não apenas pela elite intelectual, representada aqui pelos abolicionistas e os
periódicos, mas também pela população em geral. Afinal, não era preciso saber ler para
freqüentar um festejo, um cateretê, uma mina de água, a estação do trem, as vendas... a
oralidade se incumbia de pulverizar as informações. Nesse sentido, estas redes seriam
fundamentais para que os cativos pudessem ficar cientes, se posicionarem frente às leis
emancipacionistas e buscar a liberdade através delas.
160
A lei será analisada no capítulo 2.
161
Informação da fonte Alforria pelo fundo de emancipação.
CAPÍTULO 2
A LIBERTAÇÃO DE ESCRAVOS
2.1 A historiografia mineira e a libertação
Desde o início da utilização da mão-de-obra escrava na América portuguesa é
observada a presença de complexas relações entre senhores e escravos. Não é possível
afirmar que eles agiam apenas de acordo com modelos pré-estabelecidos, pois trata-se
de pessoas dotadas de emoções e que estão dispostas a lutar pelo que acham justo para
si. Analisar o processo que conduz a libertação dos cativos passa por essa perspectiva.
No século XVIII, com o crescimento da exploração mineral foram levados para
a região das minas milhares de imigrantes, entre eles colonos e estrangeiros, destacando
o avolumado número de escravos que chegavam para trabalhar na mineração. Nessas
regiões, consideradas urbanizadas para a época, se desenvolvia todo tipo de relação
escravista.
No que diz respeito a Minas Gerais do século XVIII, foram produzidos diversos
trabalhos envolvendo a questão das alforrias e dos libertos. Paiva
162
, através da análise
de testamentos de 1720 a 1785 na Comarca do Rio das Velhas, procurou traçar um
panorama dos processos de liberdade e da vida dos libertos, acrescentando que forros
poderiam, sim, integrar a sociedade, destacando o papel da liberta.
Mello e Souza, assim como Paiva
163
, estudou a questão das alforrias via o
sistema de coartações, no qual o escravo negociava com o senhor o valor e o número de
162
PAIVA, 1995.
163
MELLO E SOUZA, 1999. e PAIVA, Idem.
59
prestações a serem pagas pela sua liberdade, mostrando que o escravo era capaz de agir
na sociedade no sentido de conseguir sua liberdade
164
.
Russel-Wood
165
mostra um certo grau de autonomia no que tange às idéias e
ações dos cativos na América portuguesa que procuravam, através das negociações,
adquirir sua liberdade. Para compreender tal questão analisou a participação destes na
cultura, na economia e na sociedade. O autor acredita que houve uma possibilidade de
ascensão destes indivíduos, seja através do trabalho, dos mecanismos legais
166
ou das
práticas ilícitas; tais fatores propiciaram a conquista de seus objetivos, a liberdade.
Quando se trata do século XIX, para Minas, já foram realizados vários trabalhos.
Gonçalves
167
escreveu sobre as alforrias na região de Ouro Preto entre 1808-1870,
buscando esclarecer sobre a tipologia das cartas na região e seu papel de dominação
168
dentro do sistema escravista. Douglas Cole Libby
169
estudou a mudança na prática de
alforriar através das cartas de alforria de São João do Rio das Mortes. No entanto, suas
pesquisas se encerraram no terceiro quartel do século XIX, quando as leis referentes ao
elemento servil começaram a ser promulgadas. Essas leis foram responsáveis por uma
intromissão direta do Estado nas relações de negociação das libertações, atrapalhando,
mas não tirando, o poder do proprietário sobre o cativo.
trabalhos dentro da historiografia mineira que abordam a segunda metade do
oitocentos. Tarcísio Botelho
170
examina, através das manumissões, características do
liberto e os significados de sua liberdade para o século XIX, enfatizando a presença de
transformações nessa prática ao longo do tempo. Para ele diferenças tanto no espaço
temporal como no recorte regional. Seu foco de análise é o norte de Minas, região de
Montes Claros, entre 1833-1842 e 1878-1887. Percebeu que a presença predominante
164
A questão da coartação também foi explorada por PAIVA, Eduardo França. “Um aspecto pouco
conhecido das alforrias”: a coartação em Minas Gerais no século XVIII. Cadernos LIPHIS 2. Rio de
Janeiro, 1995. p. 87-104.
165
RUSSEL-WOOD, A. J. R. Escravos e libertos no Brasil colonial. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2005. Lançamento que diz respeito à edição brasileira de
Slavery and Freedom in Colonial
Brazil,
de 1982.
166
Apesar de não haver leis que libertassem diretamente os cativos, havia possibilidades legais de o
escravo adquirir sua liberdade, como: denunciando senhores por contrabando, fazendo queixas legais
contra seu proprietário, encontrando uma grande pepita ou um diamante de valor vultuoso.
167
GONÇALVES, Andréa Lisly. “Alforrias na Comarca de Ouro Preto (1808-1870)”. In: Revista
População e Família
. CEDAL, nº. 3, p. 157-180. São Paulo: Humanitas/FFLCH. USP, 2000. e ______.
“O mapa de negros que se captaram e a população forra de Minas Gerais. 1735-1750”. In:
Revista Varia
História
. Número especial. Códice Matoso. Belo Horizonte: FFCH/UFMG, nº. 21, jul., p.181-189, 1999.
168
Dominação no sentido de que o senhor usava a alforria como instrumento a seu favor, na tentativa de
manter o cativo sob seu controle.
169
LIBBY, 2003.
170
BOTELHO, Tarcísio. “As alforrias em MG no século XIX”. In: Varia História. N.23, Belo Horizonte:
UFMG, 2000. p.61-76.
60
era de mulheres, com a maioria das alforrias sendo gratuitas e destas destacava-se a
prestação de serviços. Em suma, havia tendência a alforrias condicionais.
Tarcísio Botelho
171
concorda com o argumento de Hebe Maria de Castro
172
,
afirmando que em seus estudos foram encontradas ações de liberdade que comprovam a
existência de escravos com níveis de autonomia dentro do cativeiro, possibilitadas por
suas relações familiares e comunitárias. O autor percebeu que algumas vezes os libertos
interferiam nas ações para beneficiar parentes e destaca a importância da família para o
cativo.
Um fato relevante é a presença de pedidos de terras para libertos e a possessão
de bens de escravos no norte mineiro. Essa situação foi observada nos processos de ação
cível do município em questão
173
.
O autor apresenta algumas estratégias usadas pelos escravos e libertos
condicionais para dificultarem sua venda, como o noticiamento de que eram forros.
Isso facilitava a possibilidade de mobilidade regional, dando a impressão de que
realmente eram livres.
No decorrer deste trabalho será perceptível a semelhança entre certos aspectos
do norte de Minas e da Zona da Mata mineira.
Lacerda
174
analisa a questão das cartas de alforria em Juiz de Fora, região de
expansão cafeeira, entre 1850 e 1888, localizada na Zona da Mata mineira. Diferente de
Cataguases, marcada pela policultura
175
para o abastecimento do mercado interno e para
a exportação, essa região apresenta a consolidação da plantation-escravista.
Como semelhança entre as regiões nota-se o aumento da população escrava,
tendo em vista o desenvolvimento econômico de ambas e a presença de escravos do
tráfico interprovincial.
171
Idem.
172
CASTRO, 1998.
173
em testamentos doações de terras para escravos, inclusive são legadas terras onde os escravos
haviam se estabelecido. CDH, CAT-1 CV-460, Inventário.
174
LACERDA, Antônio Henrique Duarte. “Considerações sobre as cartas de alforria registradas em um
município cafeeiro em expansão através da análise dos livros de notas cartoriais”
. Juiz de Fora, Zona da
Mata de Minas Gerais, século XIX. In:
Varia História. N.25, jul./01, Belo Horizonte: UFMG, 2001. p.
194-213., ______. “Demografia escrava e alforrias em Juiz de Fora” (Minas Gerais, século XIX). In:
Revista Científica da FAMINAS. V.1, n.2 (maio/ago.) Muriaé: FAMINAS, 2005. p. 39-62. e ______.
“Expansão cafeeira, demografia e os caminhos de liberdade em Juiz de Fora”
. In: 1º Seminário de
História Econômica e Social da Zona da Mata mineira
, I: 2005, Juiz de Fora (MG). Anais... CES, 2005.
175
Essa afirmação é possível tendo em vista a análise de inventários entre 1878 e 1888 (CDH), onde,
junto à presença da produção de café, é também freqüente o cultivo de outros produtos agropecuários.
61
Assim como Tarcísio Botelho e Hebe de Castro, Sidney Chalhoub
176
acredita
que as redes de relacionamento cultivadas no cativeiro favoreciam a libertação. Nota a
presença do aumento de alforrias condicionais no decorrer dos anos e a presença
marcante de mulheres escravas comprando a liberdade. As cartas condicionais a
prestação de serviços têm um aumento nos anos finais, segundo o autor, uma tentativa
do senhor no sentido de manter a submissão do cativo em um período turbulento.
Antônio Henrique Duarte Lacerda
177
, apesar de trabalhar um período de
transição do modo das relações escravistas da segunda metade do século XIX,
sobretudo no tangente às leis emancipacionistas, não as coloca em evidência em seu
trabalho, talvez por ter usado como fonte as cartas de alforria registradas em cartório ou
notícias de libertação em periódicos. Nesse caso a tipologia das cartas pode não deixar
transparecer os mecanismos legais utilizados pelos escravos para obtê-las.
Elione Guimarães
178
também caracterizou, para Juiz de Fora, a população
escrava e os libertos pós-Lei Áurea. Nestes estudos a autora busca compreender a
questão da violência entre mancípios, suas relações sociais, os movimentos
contestatórios nos anos finais da abolição, em comparação com os que ocorreram em
outras províncias e o pós-emancipação.
Guimarães
179
busca na historiografia de outras províncias
180
fonte para comparar
os levantes escravos ocorridos na região da Zona da Mata mineira, além de analisar os
Relatórios de Presidente de Província, do Ministro da Justiça e o Jornal O Pharol e
processos criminais.
É preciso destacar que as relações escravistas que conduziam à libertação
apresentam diferenças de acordo com o momento histórico em questão. Épocas de crise
econômica, abundância de mão-de-obra, demanda de trabalhadores e questões
internacionais influenciavam na libertação, além das possibilidades de negociação entre
senhores e escravos.
176
BOTELHO, op. cit., CASTRO, 1998. e CHALHOUB, op. cit.
177
LACERDA, 2001, 2005 e 2005.
178
GUIMARÃES, Elione Silva. “Escravos e libertos da Zona da Mata Mineira”: da luta pela liberdade
aos primeiros anos do pós-emancipação. In:
Revista Científica da FAMINAS. V.1, n.2 (maio/ago.)
Muriaé: FAMINAS, 2005. p.63-86. e ______. “Legados testamentais para escravos e forros”: heranças e
conflitos na Juiz de Fora oitocentista (1844-1904). In:
Seminário de História Econômica e Social da
Zona da Mata Mineira
, I: 2005, Juiz de Fora (MG). Anais... CES, 2005.
179
GUIMARÃES, 2005. p. 63-86.
180
MACHADO, Maria Helena Pereira Toledo. O plano e o pânico: os movimentos sociais na década da
abolição. Rio de Janeiro: Editora UFRJ/EDUSP, 1994.
62
Como se pode observar, a libertação dos escravos e a inserção social do liberto
foram consideravelmente abordadas, mas não para a região proposta no trabalho e nem
com o somatório de variadas fontes para o período de 1878 a 1888.
2.2 As leis emancipacionistas e os mecanismos para adquirir a liberdade
Até 1871, as manumissões não dispunham de um estatuto legal que as
regulamentasse, prevalecia o acordo entre as partes e era permeada pelos direitos
consuetudinários como mostraram Manoela Carneiro da Cunha
181
e Sidney
Chalhoub
182
. Porém, após a segunda metade do século XIX, pela intervenção de leis,
passaram ao Estado a responsabilidade de controlar a libertação gradual dos cativos.
Com o fim do tráfico negreiro, em 1850, decretado pela Lei Euzébio de Queiroz,
o sistema escravista brasileiro entrou em processo de desaceleração. Os “braços da
lavoura” estavam comprometidos, afinal, a África, a partir de então, não forneceria mais
escravos.
Junto ao problema da importação de escravos, cresceram os movimentos sociais
que conspiraram para extinguir a escravidão: abolicionismo, insurreições, debates
parlamentares e a ação individual de escravos que buscavam sair do escravismo. Para
Robert Conrad
183
, como seria difícil suportar as pressões externas e internas, a solução
no caso foi mudar o sistema de escravidão sem grandes prejuízos imediatos para os
proprietários. No entanto, o autor analisa o fim da escravidão a partir da ação
emancipacionista do governo, sem considerar seriamente o papel dos movimentos
populares.
Maria Helena Machado
184
, Maria Célia Marinho
185
e Joseli Maria Nunes
Mendonça
186
analisaram estas questões para a província de São Paulo destacando a
presença de levantes populares, debates políticos e ação do movimento abolicionista.
Para Minas, mais especificamente, Zona da Mata mineira, Elione Silva Guimarães
187
destaca a semelhanças entre o narrado pelas autoras e a região.
181
CUNHA, op. cit.
182
CHALHOUB, op.cit.
183
CONRAD, op. cit. p. 90.
184
MACHADO, op.cit.
185
MARINHO, op. cit.
186
MENDONÇA, op. cit.
187
GUIMARÃES, op.cit.
63
A abolição seria inevitável, não haveria como sustentar por mais 100 ou 200
anos o trabalho compulsório. A forma escolhida para libertar legalmente os cativos foi a
extinção gradual do elemento servil. Para tanto, na segunda metade do século XIX,
foram criadas leis que, discutidas exaustivamente pelo parlamento, procuravam resolver
este impasse
188
.
Em 1871, com a Lei do Ventre Livre, o Estado Imperial deu início ao processo
de emancipação, porém levou em conta que deveria ser de forma lenta e gradual,
ressarcindo os proprietários dos prejuízos causados pela perda de seus escravos.
Segundo Robert Conrad: (...) Sua intenção era estabelecer um estágio de evolução para
um sistema de trabalho livre sem causar grande mudança imediata na agricultura e nos
interesses econômicos (...)
189
.
Apesar das limitações, inúmeras vezes enfatizadas nas Lei do Ventre Livre e
Sexagenários, é preciso lembrar que não deram alforria aos nascidos após sua
promulgação e aos idosos de mais de 60 anos, mas possibilitaram a outros tantos
indivíduos reduzidos à escravidão obterem a liberdade. A Matricula, o Fundo de
Emancipação e o Pecúlio estavam previstos em ambas as leis e contribuíram para tornar
livres os cativos.
2.2.1 A liberdade via Lei 2040
A matrícula de 1872
No artigo 8º da Lei 2040
190
, de 1871, estava previsto que era necessário fazer um
levantamento dos escravos e para isso foi instituído que deveria no ano seguinte ser
feita a matrícula geral.
Art. 8º: O governo mandaproceder à matrícula especial de todos os
escravos existentes no Império, com declaração de nome, sexo, estado,
aptidão para o trabalho e filiação de cada um, se for conhecida.
§1º: O prazo em que deve começar e encerrar-se a matrícula
será convencionado com a maior antecedência possível por meio de
editais repetidos, nos quais será inserida a disposição do parágrafo
seguinte.
§2º: Os escravos que, por culpa ou omissão dos interessados,
não forem dados a matrícula, até um ano depois do encerramento
desta, serão por este fato considerados libertos.
188
Sobre os debates para a criação das leis ver a obra de MENDONÇA, op. cit.
189
CONRAD, op. cit. p. 113.
190
Lei 2040 ou Lei do Ventre Livre.
64
§3º: Pela matrícula de cada escravo pagará o senhor por uma
vez somente o emolumento de quinhentos réis, se o fizer dentro do
prazo marcado, e de mil réis, se exceder o dito prazo. O provento deste
emolumento será destinado a despesas da matrícula, e o excedente ao
fundo de emergência.
191
Para operacionalizar a matrícula, visto que a lei previa, foi criado um
regulamento em de dezembro de 1871. Nele estava previsto que o registro se
realizaria a partir de de abril a 30 de setembro de 1872, com tolerância de mais um
ano. Em caso de não matricular o escravo, seu senhor deveria pagar multas e poderia
perder a posse do cativo.
192
Pela ausência de matrícula o escravo poderia requerer a sua
liberdade, haja visto o firmado no decreto.
Através da matrícula, o Estado fez um levantamento de certa forma minucioso
do contingente escravo, excetuados os casos em que não foram matriculados os cativos.
Com a finalidade de utilizar essa informação para fins administrativos e legais, além de
estatísticos
193
, foi elaborado um modelo de lista no qual deveriam constar os dados do
escravo relativos a nome, cor, idade, estado conjugal, naturalidade, filiação, aptidão
para o trabalho, profissão e uma coluna dedicada à observação
194
, onde geralmente
constava se era casado o escravo e quem era seu cônjuge. Mas, deve-se notar que estes
dados eram preenchidos pelo senhor e que estavam sujeitos a manipulações, por
exemplo, no que tange à idade. Caso o escravo houvesse sido importado após 1831,
deveria se elevar os anos do mesmo, para que fugisse da possibilidade de ser
libertado
195
, ou então, em caso de ser o escravo idoso, sua idade poderia ser abaixada,
temendo futuras leis que libertariam os mais velhos
196
.
A partir de 1872, a lista de matrícula transformou-se no único documento que
comprovava a posse do escravo; caso o nome do cativo não constasse na relação, era
sinal de que estaria livre. De acordo com Slenes
197
, o fato fez com que em 1890 Rui
Barbosa mandasse queimar todos os livros de matrícula das coletorias para evitar a
possibilidade de pedidos de indenização por parte dos antigos senhores. Isso acabou
dificultando o acesso a este tipo de documentação, no entanto ainda é possível encontrar
191
MOURA, Clóvis. Dicionário da Escravidão negra no Brasil. São Paulo: USP, 2004.
192
De acordo com CONRAD, op. cit. p. 133.
193
SLENES, Robert. O que Rui Barbosa não queimou: novas fontes para o Estudo da Escravidão no
século XIX. In:
Estudos Econômicos. 13 (1): 117-149. Jan./Abr. 1983. p.119.
194
Presente na lista.
195
Esse caso será melhor examinado no item Ações de liberdade.
196
A proposição de abaixar a idade dos escravos foi tratada por SLENES, op. cit. p.132. Esse caso será
analisado no item sobre a Lei dos Sexagenários.
197
SLENES, op. cit. p.120.
65
em documentação cartorária algumas destas listas perdidas em meio a inventários
198
e,
no caso de Cataguases, em alguns processos criminais e cíveis em geral.
Para um escravo requerer sua liberdade através da alegação de que não era
matriculado deveria entrar com uma
Ação de liberdade junto ao Juizado de Órfãos.
Começava uma luta judicial para o dito senhor comprovar que o escravo curatelado era
sua propriedade, caso contrário estaria ele livre.
Pecúlio para a liberdade
Antes de abordar o que foi o pecúlio propriamente, será aberto um parêntese
para uma reflexão a respeito da mudança de nomenclatura nas leis de práticas
costumeiras.
199
Na documentação analisada em Cataguases, entre 1878 e 1888, não foi
encontrada nenhuma menção à prática da coartação, fato que até meados do século XIX
ainda estava presente em Minas Gerais
200
. Mas, pela descrição apresentada nos
processos de Pecúlio para a liberdade, percebe-se que esse tipo de acúmulo é muito
parecido com a prática de coartar, apesar de que, em alguns casos, o senhor é contra a
libertação de seu escravo e este tem que ser manumisso por interferência do Estado.
A prática da coartação se fazia através da negociação entre senhor e escravo, e
esta era regida pelo direito consuetudinário, no entanto, após o vigor das leis
emancipacionistas, o Estado passou a interferir nesta relação, não significando que o
acúmulo de uma reserva para libertação não fosse comum.
Na Lei 2040 foi aberto o precedente para o acúmulo de pecúlio:
Art. 4º: É permitido ao escravo a formação de um pecúlio com o que
lhe provier de doações, legados e heranças, e com o que, por
consentimento do senhor, obtiver do seu trabalho e economias. O
governo providenciará nos regulamentos sobre a colocação e
segurança do mesmo pecúlio.
§1º: Por morte do escravo, metade do seu pecúlio pertencerá ao
cônjuge sobrevivente, se o houver, e a outra metade se transmitirá aos
seus herdeiros, na forma de lei civil. Na falta de herdeiros, o pecúlio
será adjudicado ao fundo de emancipação de que trata o art. 3º.
§2º: O escravo que, por meio de seu pecúlio, obtiver meios para
indenização de seu valor, tem direito à alforria. Se a indenização não
for fixada por acordo, o será por arbitramento. Nas vendas judiciais ou
nos inventários o preço da alforria será o da avaliação.
§3º: É, outrossim, permitido ao escravo, em favor da sua
liberdade, contratar com terceiro a prestação de futuros serviços por
198
Idem, Idem.
199
Em debate no XXIII Simpósio Nacional de História, que aconteceu em Londrina, foi levantada a
questão sobre a permanência da coartação no final do Império, este debate contribuiu para a reflexão que
ora se faz.
200
Ver LACERDA, op. cit.
66
tempo que não exceda de sete anos, mediante o consentimento do
senhor e aprovação do juiz de órfãos.
§4º: O escravo que pertencer a condôminos, e for libertado por
um destes, terá direito à sua alforria, indenizando os outros senhores
da quota do valor que lhes pertencer. Esta indenização poderá ser paga
com serviços prestados por prazo não maior de sete anos, em
conformidade do parágrafo antecedente.
§5º: A alforria com a cláusula de serviços durante certo tempo
não ficará anulada pela falta de implemento da mesma cláusula, mas o
liberto será compelido a cumpri-la por meio de trabalho nos
estabelecimentos públicos ou por contratos de serviços a particulares.
§6º: As alforrias, quer gratuitas, quer a título oneroso, serão
isentas de quaisquer direitos, emolumentos ou despesas.
§7º: Em qualquer caso de alienação ou transmissão de escravos
é proibido, sob pena de nulidade, separar os cônjuges, e os filhos
menores de doze anos, do pai ou mãe.
§8º: Se a divisão de bens entre herdeiros ou sócios não
comportar a reunião de uma família, e nenhum deles preferir conservá-
la sob o seu domínio, mediante reposição da quinta parte dos outros
interessados, será a mesma família vendida e o seu produto rateado.
§9º: Fica derrogada a ord. liv. 4º, tít. 63, na parte que revoga as
alforrias por ingratidão.
A alforria através do Pecúlio se fazia da seguinte forma: o escravo que desejasse
comprar sua carta de liberdade poderia entrar com um pedido no Juízo de Órfãos para
fazer depósitos em cartório parcelados, ou integral, até que se juntasse o valor referente
ao seu preço de mercado. Feito isso, seu senhor era convocado a uma audiência na
Câmara, onde lhe pagavam o preço em réis pertinente ao que valia o escravo, de acordo
com o arbitramento, e este recebia sua carta de liberdade.
A documentação deixa transparecer que era o próprio escravo quem procurava,
ora o cartório, ora alguém que pudesse redigir um pedido de entrada de pecúlio.
Provavelmente o trânsito de informações contribuía para este fato. Após dar entrada no
pedido era nomeado um curador que o representaria na ação cível, tendo em vista que o
escravo era considerado impossibilitado de realizar essa tarefa.
201
Foi encontrado um total de 18 processos de Pecúlio para a liberdade
202
. No
entanto, em quase todos os casos, os libertandos não conseguem seu objetivo somente
pelo pecúlio, eles acrescentam, por exemplo, um complemento ao fundo de
201
Ver FANNI, Silvana O. “Elementos a serem considerados na análise de processos criminais
envolvendo escravos e libertos nas décadas finais do Império”. In: XXIII Simpósio Nacional de História.
ANPUH. Londrina: Editorial Mídia, 2005. (Disponível em CR-ROM).
A presença de um curador, aquele
que está judicialmente incumbido de cuidar dos interesses de alguém que está em processo judicial, se
faz necessária nas vezes em que houver um menor, órfão ou um escravo envolvido. Legalmente eles não
são, ou estão aptos a responder judicialmente.
202
CDH, CAT-1 CV-272, CV-238, CV-301, CV-307, CV-355, CV-364, CV-367, CV-400, CV-435, CV-
436, CV-468, CV-469, CV-470, CV-477, CV-478 e CV-666, Pecúlios para a liberdade. Deve-se ressaltar
que estes documentos encontram-se consideravelmente deteriorados por fungos e umidade, deixando
várias páginas coladas e/ou mutiladas.
67
emancipação
203
. Mas o que mais se percebe nos casos avaliados é que isoladamente o
pecúlio nem sempre levava à alforria: era preciso a ação do fundo de emancipação, da
negociação com o senhor, que, muitas vezes, condicionava a alforria à prestação de
serviço.
É comum, nos processos de pecúlio, o pedido de restituição do valor depositado,
ou porque foi libertado
204
ou então porque se extinguiu a escravidão
205
. Algumas
vezes o senhor pede a restituição para si
206
como forma de pagamento integral ou
parcial.
O mais interessante nos pecúlios é perceber como os escravos conseguiam o
dinheiro para depositar, que apenas num dos casos houve a junção de um grupo de
pessoas para fazer doações
207
, mas também a presença de outros doadores
individuais
208
. Em quatro desses processos os escravos alegam ter dinheiro a juros com
terceiros
209
, emprestados com porcentagem de um por cento ao mês. Em alguns deles,
são apresentados recibos do devedor declarando o fato. No que diz respeito à origem do
dinheiro, podem-se arrolar as seguintes situações: crédito com seus senhores referentes
a dinheiro e produtos; valores a receber por terem prestado serviço a outrem
210
; o
montante conseguido em trabalhos aos domingos e feriados
211
, ou para alguém, ou em
roça própria
212
e, curiosamente, fruto de venda de bens como cavalos, vacas
213
e
mantimentos
214
.
Pedro Moreira de Souza, proprietário de Manoel, havia recebido 300$000
como pagamento pela liberdade de seu escravo; em 1883 foi aberto um processo de
Pecúlio para a liberdade no qual apareceram doações de sete indivíduos, entre 20$000
e 5$000 cada, ele estava avaliado em 600$000. Aparecem no documento também dois
recibos de dívida de Manoel Custódio da Silva declarando ser devedor de 64$000 e
200$000 ao cativo. A primeira quantia é proveniente de um empréstimo, a segunda
203
CDH, CAT-1 CV-470, Pecúlio para a liberdade.
204
CDH, CAT-1 CV-355 e CV-307, Pecúlio para a liberdade.
205
CDH, CAT-1 CV- - Paulina sem catalogação, Pecúlio para a liberdade.
206
CDH, CAT-1 CV-364, CV-469 e CV-470, Pecúlio para a liberdade.
207
CDH, CAT-1 CV-436, Pecúlio para a liberdade.
208
CDH, CAT-1 CV-238 e CV-301, Pecúlio para a liberdade.
209
CDH, CAT-1 CV-435, CV-364 e CV-436, Pecúlio para a liberdade.
210
CDH, CAT-1 CV-477, Pecúlio para a liberdade.
211
CDH, CAT-1 CV-301, CV-307, Pecúlio para a liberdade.
212
CDH, CAT-1 CV-364, Pecúlio para a liberdade. Este caso será melhor analisado no item sobre
trabalho, mas deixa transparecer que a questão da
brecha camponesa de Ciro Flamarion Cardoso esteve
presente em Cataguases.
213
CDH, CAT-1 CV-364 e CV-436, Pecúlio para a liberdade.
214
CDH, CAT-1 CV-364, Pecúlio para a liberdade.
68
foi contraída pela compra de uma vaca e um cavalo, sendo que o prazo para pagamento
era de um ano e o escravo receberia a primeira cria da vaca.
215
No caso relatado pode-se analisar uma série de questões, uma delas, e que
permeia todos os pecúlios, é a origem diferenciada dos valores, pois não uma regra
pronta, cada cativo lançava mão do que estava à sua disposição para obter a liberdade.
Doações, cobrança de dívidas e venda de bens, sem esquecer que o senhor detinha
300$000 em mãos, o que pode denotar que Manoel havia conseguido levantar o
dinheiro, talvez pela venda de produtos agrícolas cultivados ou pecuária, como é
sugerido em outros casos.
Infelizmente, nem todos os documentos nos permitem concluir se foi ou não
libertado o cativo, muitas vezes estão em péssimo estado de conservação ou
simplesmente não há um resultado, mas pela leitura de outros casos pode-se saber que o
pecúlio não era trabalhado de forma isolada, o escravo depositava o dinheiro,
procurando, ao mesmo tempo, negociar com o senhor uma alforria condicional ou então
conseguia a liberdade e nem sempre voltava à coletoria para reaver o montante
depositado.
Exemplo de como os casos se entrelaçam e não apresentam resultado no pecúlio
é o caso de Rita
216
, escrava de João Patrício de Moura. Jacintho Moreira Ramalho,
empreiteiro de trabalhos, tinha crédito de 2:311$668 com o senhor de Rita; por seu
falecimento deixa 1:300$000 para a libertação da cativa de seu devedor. Não como
ver o final do documento e descobrir se Rita foi ou não libertada, a menos que se
encontre outra fonte que ajude a compreender a questão. Na intenção de desvendar o
futuro de Rita foi analisado o inventário de João Patrício de Moura
217
, por sinal um caso
complexo de briga entre herdeiros, que continha uma declaração de que a cativa havia
sido libertada e que seu valor seria deduzido do montante dos bens.
Quanto mais se aprofunda a análise da documentação fica clara a complexidade
das relações sociais que levavam à libertação e a necessidade de se cruzar fontes, pois
apenas com um tipo ficaria difícil compreender o conjunto de possibilidades para se
obter a liberdade na década final da escravidão.
215
CDH, CAT-1 CV-436, Pecúlio para a liberdade.
216
CDH, CAT-1 CV-238, Pecúlio para a liberdade.
217
CDH, CAT-1 CV-455, Inventário.
69
Honorata
218
e Francisco Ignácio
219
, escravos de senhores diferentes, fazem
depósito para acumular pecúlio e justificam que o levantamento do dinheiro foi feito
através de trabalhos realizados em dias santos e domingos. Provavelmente havia a
necessidade de justificar a origem da verba para evitar que escravos depositassem
quantias furtadas, mas o que interessa nesse caso é constatar a presença dos serviços que
rendiam réis para a sobrevivência, para compra de produtos e para a liberdade. No caso
de Honorata, em 1885 foram somadas ao depósito doações perfazendo o total de
600$000, Francisco Ignácio conseguiu depositar apenas 100$000 em 1886,
certamente valor insuficiente para pagar pela alforria. Pós-maio de 1888, liberto pela
lei que extinguiu a escravidão, Francisco pede a restituição do valor depositado
acrescido de juros e recebe 109$374.
Por fim será apresentado o caso de Balbina
220
. A cativa era parda, escrava do
Cel. Manoel Fortunato Ribeiro, com 43 anos, analfabeta, casada com Quintino, ex-
escravo do Coronel. Em 9 de setembro de 1886 entrou com a quantia de 52$000 na
Collectoria do Juízo de Orphãos como forma de pagamento da primeira parcela
referente ao seu pecúlio. Durante o ano de 1886 fez mais um depósito de 20$000 e em
23/05/1887 12$000. O valor poupado somava 84$000 quando em 23 de junho de
1887 ela conseguiu sua carta de liberdade, através de outros meios.
A alforria foi obtida através de uma denúncia feita por ela ao Juiz Municipal, em
que Balbina apresentou às autoridades documentos que comprovaram que seu senhor
não havia realizado sua matrícula e sim a de outra escrava.
Diz Balbina, parda, de edade de 43 annos, casada com Quintino,
averbada na collectoria nesta municipio como escrava de Silverio
Reginaldo de Carvalho e depois como transferida para o dominio de C
el
Manoel Fortunato Ribeiro, conforme se do doc. juncto sob 1, que
seu senhor o dicto C
el
Manoel Fortunato Ribeiro deixou de matricula,
como devia fazel-o em virtude da ultima lei de 28 de setembro. Do doc.
juncto sob 2 vê-se que entre os escravos do C
el
Manoel Fortunato foi
matriculada a escrava Balbina, de 55 annos de id
e
, solteira, que não é,
por certo a supp
e
A identidade do matriculando e do matriculado resulta da combinação
exacta das declarações que serviram de base á matricula especial ou
averbação effectuada, ou das certidões de uma e outra, e da matricula
anterior com as declarações nas relações para a nova matricula. São
palavras textuais do art. do decr. 9517 de 14 de novembro de
1885.
Á vista do exposto é fóra de duvida que a supp
e
acha-se liberta e como
tal deve ser considerada. Para melhor garantia, porém, de seu direito,
218
CDH, CAT-1 CV-301, Pecúlio para a liberdade.
219
CDH, CAT-1 CV-307, Pecúlio para a liberdade.
220
CDH, CAT-1 CV-400, Pecúlio para a liberdade.
70
vem requerer a V. que se sirva mandar expedir-lhe a competente
carta de alforria, autuadas, esta petição com os dous documentos que a
interem.
Nestes Termos
E. R. M
ce
Ass. do advogado Joaquim Moreira de B. Oliveira Lima (era juiz)
221
Pela Lei do Ventre Livre, de 1871, e confirmada pela Lei dos Sexagenários, de
1885, todo proprietário de escravos deveria tê-los matriculado. Aquele que não
constasse na inscrição poderia ser considerado liberto, pois legalmente nos registros do
governo o escravo nunca tinha existido.
Em 3 de setembro de 1888, após a abolição, Balbina está com sua carta de
liberdade em mãos, entra junto ao Juízo de Orphãos com um pedido de ressarcimento
do pecúlio depositado e pede que a ele fossem acrescidos os juros referentes ao período
transcorrido.
Jacintho Marcos Passeado, escrivão do Juízo de Orphãos, mandou que fossem
calculados os juros e defere em favor da liberta Balbina, mandando que lhe fossem
pagos tanto a quantia poupada como também os juros, somando o valor de 84$552, do
mesmo ano.
O Fundo de Emancipação
Art. 3
o
: Serão anualmente libertados em cada província do Império
tantos escravos quantos corresponderem à quota anualmente disponível
do fundo destinado para a emancipação.
§1
o
: O fundo da emancipação compõe-se:
1º: Da taxa de escravos.
2º: Dos impostos gerais sobre transmissão de propriedade dos
escravos.
3º: Do produto de seis loterias anuais, isentas de impostos, e da
décima parte das que forem concedidas d’ora em diante para correrem
na capital do Império.
4º: Das multas impostas em virtude desta lei.
5º: Das quotas que sejam marcadas no orçamento geral e nos
provinciais e municipais.
6º: De subscrições, doações e legados com esse destino.
§2º: As quotas marcadas nos orçamentos provinciais e
municipais, assim como as subscrições, doações e legados com destino
local, serão aplicadas à emancipação nas províncias, comarcas,
municípios e freguesias designadas.
222
Pelo Fundo de Emancipação, o Estado concedeu à sociedade o direito de
levantar recursos para comprar a liberdade de negros escravizados, assim como destinou
verbas para mantê-los. Para organizar a distribuição das cotas foi elaborado o
221
CDH, CAT-1 CV-702, Petição de documento.
222
Lei 2040, ou Lei do Ventre Livre.
71
Regulamento 5135, de 1873, no qual ficavam estabelecidas as regras para a
emancipação.
O Fundo de Emancipação, do qual trata o capítulo II do
regulamento aprovado pelo Decreto 5.135, de 13 de novembro de
1872, previa que a alocação dos recursos para emancipação
obedecesse à seguinte ordem: em primeiro lugar, libertar-se-iam os
escravos participantes de relações familiares; em seqüência, os demais.
Na libertação por famílias, estabelecia-se a classificação seguinte: 1º)
os cônjuges que fossem escravos de diferentes senhores; 2º) os cônjuges
que tivessem filhos nascidos livres em virtude da lei de 28 de setembro
de 1871 – a Lei do Ventre-Livre – e menores de oito anos; 3º) os
cônjuges que tivessem filhos livres menores de vinte e um anos; 4º) os
cônjuges com filhos menores escravos; 5º) as mães com filhos menores
escravos; 6º) os cônjuges sem filhos menores. Os demais cativos eram
também ordenados: 1º) mãe ou pai com filhos livres; 2º) os de doze a
cinqüenta anos de idade, começando pelos mais moços do sexo
feminino, e pelos mais velhos do sexo masculino.
223
Para a realização da classificação e avaliação dos libertandos deveria ser criada
uma junta que se reuniria anualmente para selecionar os candidatos à alforria. Essa
junta, de acordo com Robert Conrad
224
, deveria preferencialmente ser formada pelo
presidente da Câmara, promotor público e coletor de impostos.
Para se analisar a questão das alforrias pelo Fundo de Emancipação é preciso
considerar que seis tipos de fontes oficiais: Relação dos escravos por cota do Fundo
de Emancipação, Cartas dirigidas aos proprietários, Lista de escravos libertados pelo
Fundo de Emancipação ano, Carta de alforria expedida pelo juiz, Edital e os
processos de Alforria pelo Fundo de Emancipação, além de, no caso de Cataguases,
bilhetes e rascunhos relacionados com a emancipação.
Algumas dessas fontes apresentam dados muito semelhantes, como é o caso da
lista e da relação, no entanto trazem pequenas diferenças que são importantes para se
aproximar do objeto. Ambas apresentam o seu número de classificação para libertação,
número da matrícula, nome, idade, estado, nome dos senhores e observação. Porém, na
relação encontra-se a cota distribuída ao município, o saldo da distribuição anterior, se o
escravo possuía pecúlio, razões das preferências estabelecidas pelo artigo 27 do
Regulamento 5.135 e decisões do governo, juros do pecúlio, total da indenização
arbitrada ou pecúlio com juros e saldo, custas-cota.
Não foi possível traçar com clareza os passos percorridos que levavam à
libertação pelo Fundo de Emancipação, no entanto, foi feita uma tentativa de
compreender este processo. Dentro das averiguações feitas descobriu-se que havia uma
223
Retirado <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-01882001000300012#nt07>
224
CONRAD, op. cit. p. 135.
72
junta que selecionava os escravos e traçava as decisões em reuniões na Câmara
Municipal, mas para Cataguases esse livro não foi encontrado
225
.
Era levantado o valor a ser distribuído, o qual não foi encontrado para todas as
cotas, a não ser a de 1886
226
, que perfazia o total de 6:126$511 com saldo da
distribuição anterior de 566$232. As demais relações aparecem sem especificar o valor,
portanto não será considerado se houve negligência das autoridades, pois não como
definir se estes documentos são os originais ou rascunhos, o que é mais provável.
Havia uma seleção dos escravos de acordo com o Regulamento 5.135, levando
em consideração em primeira instância a questão da família e do casamento, após 1885
a classificação seguia a Lei 3270. Não foi possível concluir se os libertandos eram
mesmo casados, mas na coluna
razões da preferência apareciam listados como cônjuges
de pessoas livres, libertas e escravas de outro senhor. Em apenas um caso
227
apareceu
uma escrava casada com escravo do mesmo senhor, mas que possuía filhos menores de
8 anos, ingênuos que ficariam libertados de acordo com a prioridade da lei.
Na fonte paira a dúvida se houve a união entre os cônjuges, ou não. A indicação
de casamento poderia ser uma estratégia dos senhores para conseguir a indenização,
assim como alteravam as idades e manipulavam arbitramentos. Muito embora a
natureza da fonte e o critério do Regulamento 5.135 deixassem em evidência os
“casados”. É comum aparecer na documentação a expressão hoje casado
228
, pode ser
que o libertando tenha se casado após a matrícula, na qual o estado era solteiro, ou ele
só se “casou” para ser libertado.
Esses dados foram cruzados com o registro de casamento da Igreja de Santa Rita
de Cássia, cinco casais elencados no Fundo realmente haviam se casado
229
. Contudo,
deve-se considerar outros pontos: primeiro, nem toda união dependia das bênçãos da
Igreja, porque como salientou Márcia Graf
230
, o casamento religioso fazia parte de um
processo burocrático e oneroso, havia, e muito, casais sem o consentimento da Santa
225
Essa informação foi encontrada na transcrição de uma ata no site: Livro 217 - Atas da Classificação
de Escravos a serem libertos (1881-1886). Arquivo Histórico Municipal de Florianópolis.
<http://www.udesc.br/multiculturalismo/downloads/acervo_municipal/Livro217.doc>, mas os dados não
foram encontrados para Cataguases, uma vez que alguns livros, inclusive a Ata da década de 1880
desapareceu do Arquivo Municipal.
226
CDH, CAT-1 CV-356, Relação de escravos libertados por cota do fundo de emancipação.
227
Caso de Anna, op. cit.
228
A exemplo temos CDH, CAT-1 CV-476, Alforria pelo Fundo de Emancipação.
229
Relação de casamentos Matriz de Santa Rita de Cássia Livro 1 de 05/07/1875-17/11/1884 e Livro
2 de 29/11/1884-18/05/1887.
230
GRAF, MÁRCIA Elisa de Campos. “Fontes para o estudo da família escrava no Brasil”. V Anais da
ABEP, 1986. p. 19-33.
73
Madre Igreja; segundo, alguns livros das freguesias pertencentes a Cataguases não
foram encontrados e por fim eles poderiam se casar em outros municípios de acordo
com a proximidade de onde moravam ou de sua devoção. Nesse caso fica complicado
afirmar se os proprietários forjaram, ou não, os casamentos, talvez houvesse a
coexistência das duas hipóteses.
Era comum a abertura de um processo de Alforria pelo Fundo de Emancipação
para cada indivíduo a ser libertado ou casal, se este fosse o caso. Esta documentação é
composta por cinqüenta e três processos.
A Alforria pelo Fundo de Emancipação traz dados referentes tanto ao escravo
quanto ao proprietário, mas variam de um processo para outro. Eram utilizados como
fichas individuais, onde se encontra a justificativa da escolha, dados da matrícula, da
situação atual do libertando e o arbitramento. Nesta parte os árbitros justificam o porquê
de avaliarem o libertando com determinado valor. Geralmente é mencionada a questão
da boa moralidade, da ocupação, da idade e da saúde como critérios para avaliação.
O arbitramento não dependia da vontade do senhor, podendo correr à sua
revelia, mas era possível um acordo entre as partes
231
. Se houvesse pecúlio este era
abatido do valor a ser pago ao senhor.
Em meio ao processo, após resolvidas as pendências, era encaminhada ao
proprietário uma carta, como a do modelo abaixo, comunicando a decisão da justiça.
Senhor ________________________
De ordem do Dr. Juiz de Orphãos, intimo V.S. para, na audiência
especial do dia 28 corrente, nesta Cidade, na Caza da Câmara
Municipal, as 11 horas do dia, comparecer com o seo escravo
______________________, libertado pela quota do Fundo de
Emancipação, a fim de na presença do então Juiz, fazer entregar ao
mesmo escravo da respectiva carta de liberdade, penas da Lei.
Deos Guarde V. S.
Cataguases, 19 de fevereiro de 1887.
232
A audiência era publicada através do Edital, pregado na porta da igreja matriz e
em pontos de grande circulação de pessoas. Como se observa na transcrição abaixo, não
são mencionados os demais locais de afixação, porém, provavelmente seriam o Largo
do Comércio e na Estação Ferroviária.
231
CDH, CAT-1 CV-475, Alforria pelo Fundo de Emancipação.
232
CDH, CAT-1 CV-372, Cartas manuscritas enviadas a proprietários de escravos libertos pelo Fundo de
Emancipação.
74
O Doutor Joaquim Moreira de Barros Oliveira Lima, juis dos
Orphãos do termo de Cataguases, por S. M. e Imperador.
Faço saber aos que o presente edital virem que no dia 21 de janeiro
proximo, a 1 hora da tarde, na casa da Camara Municipal desta
cidade, em audiencia especial deste juizo, serão declarados libertos
todos os escravos alforriados pela quota do fundo de emancipação
distribuida a este municipio na forma do artº da lei 2040 de 28 de
Setembro de 1871 e do artº 42 do regulamento nº 5135 de 13 de
Novembro de 1872, devendo os senhores ou possuidores dos mesmos
escravos comparecer por si ou por seus procuradores especiais, afim
de em minha presença entregarem as cartas de liberdade aos proprios
libertados, que deverão tambem estar presentes, nos termos do
precitado artº 42 e do aviso circular de 9 de abril de 1881. E para que
chegue ao conhecimento de todos, mandei passar este edital, que será
affixado na porta da matriz desta Cidade, e mais cinco de igual teor,
que serão affixados nos lugares de estylo.
Cidade de Cataguases, 28 de Desembro de 1883.
Eu Jacintho Marcos Passeado, Escrivão dos Orphãos que o escrevi
________
Joaq
m
Morª de B
ros
Olivª Lima
233
O ato de publicar certamente ajudava na divulgação da libertação nas décadas
finais da escravidão. Esse fato fazia parte do trânsito de informações que poderiam
motivar os escravos a buscarem sua liberdade.
Marcada a audiência e presentes as partes, o juiz entregava a alforria e
provavelmente o dinheiro
234
aos interessados.
Caso o senhor não comparecesse com o escravo, deveria justificar a situação,
que o juiz expedia uma intimação ao proprietário pedindo justificativa. Esse foi o
caso
235
de D. Rosa Maria de Jesus Norte, que enviou uma carta justificando que
Mathilde, sua escrava, não compareceu à audiência porque estava grávida e o dia do
parto se aproximava.
Deduz-se, pelas datas da documentação, que houve no município sete cotas de
libertação, a última é de 1887 e a primeira, que não possuiu documento, provavelmente
seria de 1880, se considerar que eram realizadas anualmente, nesses anos libertaram
aproximadamente oitenta escravos.
Normalmente viria a pergunta: se a lei era de 1871 e o regulamento de 1873, por
que a data inicial seria tão mais tarde? Cataguases se emancipou em 1875, alguns
órgãos foram instalados em 1877, além disso pode ter havido uma certa lentidão na
233
CDH, CAT-1 CV-366, Edital do Fundo de Emancipação.
234
Não há dados que comprovem que o valor era ressarcido neste momento, é apenas uma hipótese.
235
CDH, CAT-1 CV-377, Alforria pelo Fundo de Emancipação.
75
transferência das listas de matrícula de escravos
236
, retardando o levantamento e a
distribuição do fundo.
Não existe a lista da segunda cota e, da terceira, foi encontrado o edital, cujo
modelo foi transcrito e analisado no texto
237
.
A quarta cota, de 1884, possui, além da relação e da lista, praticamente todos os
processos individuais, com exceção de dois. Foi a que mais libertou, no total vinte e
dois escravos, entre eles treze mulheres e nove homens. Permanecendo o critério do
enlace matrimonial, seus valores variaram entre 150$000 e 1:500$000 réis, e as idades
variaram entre dezessete e sessenta e um anos. A idade avançada sugere que os senhores
procuravam se livrar de escravos mais idosos, menos produtivos e que sabiam dos
debates em torno da questão da libertação dos sexagenários.
Essa relação e a análise de seus processos de Alforria pelo Fundo de
Emancipação levam a uma série de indagações. As idades dos classificados eram
alteradas. Por exemplo, no livro de matrícula, João estava com quarenta e seis anos, o
que significa que na data da alforria teria cerca de cinqüenta e oito e que seu valor seria
inferior ao que lhe foi auferido. Analisando os valores das libertações, um escravo nessa
idade sairia com seu valor entre 150$000 réis e 400$000 réis. No entanto, quando
ratificada a idade
238
para trinta e seis anos, na data da avaliação seu valor pulou para
1:100$000 réis.
Não foi somente a idade de João que sofreu alterações. Mas a manipulação
desses dados levou ao questionamento por parte do Inspetor da Tesouraria da Fazenda,
que pedia verificação dos valores dados aos libertandos. O escravo de Antônio Gomes
de Oliveira Serapião
239
, Maximiliano ou Maximiano, com vinte e nove anos, alcançou o
maior valor entre todas as fontes estudadas, 1:500$000 réis. Os árbitros justificavam
dizendo que ele era robusto e carreiro
240
, sendo que na matrícula era considerado um
simples roceiro, sem especialização, o que poderia fazer baixar seu valor. Mas a
justificativa do arbitramento não convenceu o inspetor e o juiz respondeu às indagações
236
Eles haviam sido registrados em Leopoldina e São Paulo do Muriaé, quando algumas freguesias foram
desmembradas para constituir o município de Cataguases.
237
CDH, CAT-1 CV-475, Alforria pelo Fundo de Emancipação.
238
CDH, CAT-1 CV-386, Alforria pelo Fundo de Emancipação. Alegam simplesmente que a idade da
matrícula estava errada.
239
Esse senhor era vereador, estava envolvido algumas vezes como curador de escravos, era proprietário
e vários de seus cativos se casaram na igreja, mas ainda não foi encontrada a sua lista de matrícula de
escravos para uma análise mais detalhada. Aparentemente tinha tendências emancipacionistas e parece ter
usado os meios legais para gradualmente ser ressarcido da perda de seus escravos. Vários deles foram
libertados pelo Fundo de Emancipação.
240
CDH, CAT-1 CV-374, Alforria pelo Fundo de Emancipação.
76
alegando que na matrícula a idade pode estar errada (...) e a saúde pode ser
fraudada
241
. Os valores não foram revistos, mas nas relações subseqüentes os valores
não ultrapassaram 1:000$000 réis.
A quinta cota, de 1885, deu liberdade a 8 escravos entre vinte e cinco e sessenta
e três anos
242
. Desta cota não foi possível localizar a maioria dos processos de Alforria
pelo Fundo de Emancipação, apenas cinco, sendo que um está muito danificado,
impossibilitando uma análise mais aprofundada. Também não tem registros dos valores
dados, mas é perceptível que havia divergência entre as idades da matrícula e da lista.
Na relação da sexta cota
243
, ano 1885/1886 seriam libertados 10 indivíduos,
porém o valor das indenizações ultrapassou a cota e um deles foi transferido para a
classificação seguinte. Nesse caso os libertandos se compunham de seis homens e três
mulheres.
Manoel tinha na época trinta e dois anos e foi o escravo escolhido para a
próxima listagem. Era casado com Anna
244
, libertada nessa mesma cota e ambos
pertenciam ao mesmo senhor, porém a libertação se relacionava à questão da
constituição da família. Anna era mãe de filhos menores de oito anos, que
automaticamente ficariam livres por terem nascido após a Lei do Ventre Livre e, como
ela estava sendo libertada, o provável pai das crianças, seu marido, também havia sido
classificado. Como a verba não foi suficiente, tiraram Manoel da cota porque, como
consta no regulamento, a preferência era para escravos de senhores diferentes.
Os árbitros avaliaram Anna em 500$000 réis, alegando que ela, apesar de ter
cinqüenta e um anos na matrícula, aparentava mais jovem e acabara de dar à luz uma
criança. Manoel foi cotado em 700$000 e possuía um Pecúlio de 70$000 réis e 60$000
réis em mãos de seu senhor, os quais seriam abatidos do seu valor, pagando o fundo
570$000 réis.
As idades presentes na relação variam consideravelmente, o mais jovem possuía
vinte anos e o mais idoso 62, geralmente a mais jovem era mulher e o idoso homem,
mas havia mulheres e homens com oscilação de idade. Seus valores ficaram entre
150$000 réis e 850$000 réis.
241
CDH, CAT-1 CV-376, CV-378 e CV-383, Alforrias pelo Fundo de Emancipação.
242
Meses antes da promulgação da Lei dos Sexagenários a relação e a lista apresentam pessoas com mais
de sessenta anos sendo libertadas.
243
Relação dos escravos libertados, Cv 366.
244
CDH, CAT-1 CV-310, Alforria pelo Fundo de Emancipação.
77
A última cota, sétima
245
, do ano de 1887, promoveu a alforria de quinze
escravos, com idades entre quinze e cinqüenta e quatro anos, os sexagenários, por
questões óbvias, desapareceram. Todos eram casados com libertos ou livres, sinal de
que na sociedade havia a interação entre grupos com condições sociais diferentes
246
. O
valor dado aos alforriados era entre 300$000 réis e 900$000 réis e estava de acordo com
a tabela disposta na Lei dos Sexagenários. Um caso chamou a atenção, o de Anna
247
,
escrava com 49 anos e doente, e a hipótese de Conrad, que será apresentada abaixo, se
confirma.
Todos os cônjuges dos libertandos aparecem com nome, talvez para justificar
erros anteriores, em certos documentos aparece o nome completo, facilitando a
identificação do marido ou esposa por parte da sociedade.
Robert Conrad
248
alertou para a questão do desvio de verbas, a escolha de
libertandos por parte dos proprietários, o casamento de indivíduos doentes, cegos,
inúteis e desequilibrados.
Apesar de promover a libertação, a seleção pode estar relacionada ao argumento
de Robert Conrad: (...) Na pior das hipóteses, foi um meio para os proprietários se
desembaraçarem dos seus escravos menos úteis a preços mais satisfatórios
249
.
Se tentar a comparação entre o número de libertos pelo Fundo de Emancipação
e os dados do censo de 1872
250
, conclui-se que aproximadamente 2,11% dos escravos
do município foram emancipados através do fundo.
No entanto, não foi possível avaliar sistematicamente se essas libertações foram
significativas em contingente alforriado, uma vez que o período estudado (1878-1888)
passou por uma série de pressões que levaram ao fim da escravidão, dificultando a
quantificação dos escravos presentes nela. Pecúlio, Lei dos Sexagenários e negociações
de cartas de alforria exemplificam como é delicado especular sobre o volume de cativos,
que a todo momento estavam se transformando em libertos. Porém, deve-se considerar
que esses cerca de oitenta libertos pelo Fundo de Emancipação vieram somar no que diz
respeito à extinção gradual do elemento servil.
245
CDH, CAT-1 CV-458, Relação de escravos.
246
Esse fato também foi observado nos registros da Matriz de Santa Rita de Cássia.
247
CDH, CAT-1 CV-314, Alforria pelo Fundo de Emancipação.
248
CONRAD, op. cit. p. 137
249
Idem, op. cit. p. 141.
250
Esse dado foi elaborado para facilitar ao leitor a compreensão da proporção de libertos pelo Fundo de
Emancipação
, mas não significa que seja a realidade.
78
2.2.2 A liberdade via Lei 3270
A partir de 1871, data da promulgação da Lei do Ventre Livre, foram
estabelecidas legalmente condições para a extinção gradual do escravismo no país. Nos
anos seguintes, uma série de debates quanto à questão da libertação dos cativos e da
substituição da mão-de-obra foram travados no Parlamento
251
. E acabaram culminando
na Lei dos Sexagenários.
As pressões sociais aumentavam para que o elemento servil se extinguisse, mas,
ao mesmo tempo, os proprietários estudavam uma maneira de amenizar a perda de
capital empregado na compra do escravo, quanto de substituir os braços que
inevitavelmente deixariam de trabalhar forçadamente em suas lavouras.
A Lei dos Sexagenários não regulava só a questão da libertação dos idosos, mas,
como a de 1871, possuía artigos que davam continuidade à questão da emancipação dos
escravos em geral.
Para se chegar a esta lei foram necessárias, antes, várias discussões no
parlamento, primeiro em torno do Projeto Dantas
252
, em 1884, que previa a libertação
dos idosos com mais de sessenta anos sem a indenização dos proprietários
253
. Além
disso, tal projeto previa que os senhores teriam a obrigação de sustentar os libertos que
preferissem ficar em sua companhia em troca de seus serviços gratuitos
254
. Essa
situação era o desejo dos abolicionistas, segundo Conrad
255
, porém desagradou aos
proprietários, levando à queda do de Dantas. O novo encarregado seria Saraiva, que
teria como objetivo tornar o projeto mais aceitável para os senhores, desagradando os
abolicionistas envolvidos nos debates.
O gabinete Saraiva instituiu a prestação de serviços após a libertação para os
menores de sessenta e cinco anos, aumentou o valor máximo do escravo a ser
libertado
256
e extinguiu a obrigatoriedade de sustentar o sexagenário. Como resultado
foi promulgada a lei 3.270, em 1885.
251
MENDONÇA, op. cit. p. 21.
252
Para um estudo mais aprofundado sobre a questão, ler MENDONÇA, op. cit., que faz uma análise dos
debates parlamentares que resultaram na Lei. A autora compara o Projeto Dantas, apresentado na Câmara
dos Deputados em julho de 1884 e a Lei promulgada, deixando em evidência as divergências entre
proprietários e Estado.
253
Não haveria indenização em dinheiro, nem mesmo com a prestação de serviço.
254
CONRAD, op. cit. p. 260.
255
Idem, p. 266.
256
Idem, p. 270.
79
Trecho da Lei Nº 3.270, de 28 de setembro de 1885.
Lei dos Sexagenários ou Lei Saraiva-Cotegipe
“Regula a extinção gradual do elemento servil
D. Pedro II, por Graça de Deus e Unânime Aclamação dos Povos,
Imperador Constitucional e Defensor Perpétuo do Brasil: Fazemos saber a
todos os Nossos súditos que a Assembléia Geral Decretou e Nós Queremos
a Lei seguinte:
(...)
§ 10º São libertos os escravos de 60 anos de idade, completos antes e depois
da data em que entrar em execução esta lei, ficando, porém, obrigados a
título de indenização pela sua alforria, a prestar serviços a seus ex-senhores
pelo prazo de três anos.
§ 11º Os que forem maiores de 60 e menores de 65 anos, logo que
completarem esta idade, não serão sujeitos aos aludidos serviços, qualquer
que seja o tempo que os tenham prestado com relação ao prazo acima
declarado.
§ 12º É permitida a remissão dos mesmos serviços, mediante o valor não
excedente à metade do valor arbitrado para os escravos da classe de 55 a
60 anos de idade.
(...) “
257
Com base no trecho da lei, fica claro que a idade de sessenta anos não
significava liberdade plena para o cativo, pois ainda tinha que prestar serviços por três
anos ao seu senhor
258
. Nos casos do escravo ter acima de sessenta anos e menos de
sessenta e cinco deveria trabalhar até completar sessenta e cinco. os cativos com
mais de sessenta e cinco anos seriam considerados libertos, se assim desejassem e
apresentassem condições para se manter.
Pela Lei, o proprietário que não quisesse ficar com o liberto maior de sessenta e
cinco anos ou depois da prestação de serviços era obrigado a fazê-lo, a não ser que fosse
vontade do liberto sair da companhia de seu senhor. Porém, não deveriam ser raros os
casos de senhores abandonarem os sexagenários que eram considerados um estorvo.
As medidas adotadas na lei, com relação aos sexagenários, faziam o mínimo de
alterações possíveis nas relações escravistas, tentavam de toda forma manter o processo
gradual
259
e o princípio da indenização.
Pela lógica, nem todos os escravos chegavam à idade elevada de sessenta anos,
se forem consideradas as condições de trabalho, alimentação, moradia e a precária
257
SCÍNIO, Alaôr Eduardo. Dicionário da escravidão. Rio de Janeiro: Léo Christiano Editorial, 1997. p.
201-204.
258
Ao contrário do projeto de Dantas, que não previa nenhum tipo de indenização.
259
MENDONÇA, op. cit. p. 292.
80
medicina da época. No entanto, Márcia Amantino
260
relata, em seu artigo que, de acordo
com o Relatório do Presidente de Província do ano de 1886 foram libertados 461
escravos sexagenários em Cataguases. Quando se buscou encontrar um comparativo
para o número, descobriu-se que é muito difícil precisar os dados.
A relação de cartas dirigidas a proprietários de sexagenários
261
deveria conter
duzentas e vinte e duas correspondências, mas, na prática, várias delas não chegaram às
mãos de senhores porque estes não foram encontrados. A relação de cartas devolvidas
com ciência de recebimento soma cento e setenta e uma
262
e o número de escravos que
deveriam ser alforriados era de trezentos e setenta e sete, porém, de imediato, foi
relatado que havia falecidos (51), fugidos (8), doentes (13), libertos (35) e vendidos (2).
Seriam duzentos e sessenta e oito atingidos pela lei.
A relação da audiência de 14 de abril de 1886 concluiu que após, análise dos
documentos de justificativa da ausência de sexagenários
263
, cento e cinco cativos foram
beneficiados com a libertação sem a prestação de serviço e cento e sessenta e dois com a
cláusula, números que, somados, se aproximam dos duzentos e sessenta e oito
encontrados anteriormente
264
.
Conclui-se que os dados presentes no Relatório não acompanham os documentos
em instância local. Mesmo assim, de se concordar que se tratava de uma quantia
considerável, duzentos e sessenta e sete sexagenários. Se a idéia era de que havia
poucos indivíduos com idade tão avançada para a época, por que esse número de
sexagenários?
Alen Henriques analisou os registros de óbitos de Cataguases entre os anos de
1853 e 1883 e concluiu que a maior mortandade de escravos estava na faixa de 19 anos,
41,2%, em seguida a de 20 a 49 anos, com 30,5% das mortes e, por último, os óbitos de
cativos com mais de 50 anos, 28,2%. Ele concluiu que a população do município tinha
uma mortandade prematura, que acontecia essencialmente durante as faixas etárias
260
AMANTINO, Márcia, “O cotidiano escravo em Cataguases na segunda metade do século XIX”. In:
Seminário de História Econômica e Social da Zona da Mata mineira
. In: 2005, Juiz de Fora (MG).
Anais... CES, 2005. (Disponível em CD-ROM).
261
CDH, CAT-1 CV-459, Documentos diversos.
262
CDH, CAT-1 CV-369, Cartas dirigidas a diversos possuidores de escravos de 60 a 65 anos para
comparecerem na audiência de 14 de abril de 1885, digo 1886, os quais não compareceram na referida
audiência por diversos motivos e deixaram de ser declarados libertos, ficando o ato adiado para outra
audiência.
263
CDH, CAT-1 CV-461. Documentos apresentados na audiência de 14 de abril de 1886 com relação a
escravos de 60 a 65 anos e maiores de 65 anos.
264
CDH, CAT-1 CV-369, op. cit.
81
mais produtivas.
265
O que é contraditório em relação ao elevado número de
sexagenários libertados em função da lei de 1885.
A partir das listas
266
dos candidatos à alforria com mais de sessenta anos passou-
se a buscar uma seqüência de documentos que propiciasse a compreensão dos
finalmentes da libertação, para que a questão pudesse ser melhor colocada.
Primeiro, deve-se considerar que a população escrava havia envelhecido nos
últimos anos, pois não haveria mais a facilidade de importar cativos de tenra idade da
África. Os senhores poderiam investir em tratamento e alimentação dos escravos, tendo
em vista o fim do tráfico. Esses dois elementos poderiam ter contribuído para o aumento
da expectativa de vida, mas será que mesmo assim os números seriam tão altos?
Até encontrar os
Requerimentos de Audiência e as Petições, aparentemente
havia muitos sexagenários, porém esta nova série de documentos veio mostrar o quanto
os proprietários lutaram para não perder a posse de seus “sexagenários”.
Quando um proprietário discordava da libertação, entrava com uma ação cível
questionando o recebimento da carta. Na maioria das vezes, o senhor colocava em
cheque a idade de seu sexagenário. Alegava que os dados estavam errados na matrícula
e que o “sexagenário” era mais jovem, não lhe cabendo a liberdade.
Provavelmente, a ocorrência do questionamento da idade estava ligada ao fato
de alguns senhores terem alterado as idades na data da matrícula, pois aumentavam-na
para esconder ingênuos
267
e africanos contrabandeados da África após 1831. Tentando
se esquivar da perda de cativos em 1872, acabaram caindo na libertação pela Lei dos
Sexagenários. Por isso, como apontado por Conrad
268
, a reação dos proprietários em
geral e dos seus representantes tanto no partido liberal quanto no partido conservador ao
Projeto Dantas, que teve como único defensor o movimento abolicionista. Pode-se então
deduzir que o elevado número de sexagenários provavelmente não condiz com a idade
real do escravo.
Foi encontrado na documentação um processo cível de Requerimento de
Audiência
269
que nos mostra que na região havia a prática de adulteração de idade. Lino
Coutinho de Miranda Jordão, proprietário dos escravos Malaquias e Paulina, pediu a
265
HENRIQUES, Alen Batista. Epidemias e urbanização: surtos de febre amarela na Cataguases
oitocentista. 2005. Dissertação de Mestrado em Saúde Coletiva/História e Saúde apresentada ao Núcleo
de Saúde Coletiva/UFJF, Rio de Janeiro. p.87.
266
CDH, CAT-1 CV-457, Relação dos escravos declarados livres pela idade em razão da Lei de 28 de
setembro de 1885.
267
Termo da Lei do Ventre Livre para designar os filhos de escravas nascidos após a sua promulgação.
268
CONRAD, p.277.
269
CDH, CAT-1 CV-394, Requerimento de audiência.
82
cassação de suas respectivas liberdades, uma vez que ainda não haviam completado 60
anos; o resultado foi a revogação dos direitos de seus ex-escravizados.
O caso descrito não foi único. Bernardo Rodrigues Montes
270
, Antonio da Silva
Pinto
271
, Antonio Augusto Lobo Leite Pereira
272
, Joana Clara Monteiro de Castro
273
,
Luis da Câmara Ribeiro
274
, Elisa Josephina de Castro Monteiro
275
, Antonio Joaquim de
Oliveira Netto
276
, José Moreira de Faria e Silva
277
e Constantino de Mariz Sodré Pereira
de Sampaio
278
são os nomes dos proprietários que pediram revisão da idade da
matrícula e que ganharam a causa.
279
Outra questão interessante é no que tange à situação social do liberto
sexagenário após cumprir o prazo de serviços ao seu ex-proprietário ou imediatamente à
alforria: para onde iria se fosse sua vontade? Pela Lei Saraiva-Cotegipe:
“§ 13º Todos os libertos maiores de 60 anos, preenchido o tempo de serviço de
que trata o § 10º, continuarão em companhia de seus ex-senhores, que serão
obrigados a alimentá-los, vesti-los, e tratá-los em suas moléstias, usufruindo
os serviços compatíveis com as forças deles, salvo se preferirem obter em
outra parte os meios de subsistência, e os Juízes de Órfãos os julgarem
capazes de o fazer.”
Nesse caso, observa-se na própria lei que o sexagenário só não permaneceria em
companhia de seu ex-senhor se não quisesse, pois o mesmo tinha o incentivo legal para
ampará-lo. A situação do então liberto provavelmente não sofreria grandes alterações
após a promulgação da lei. Não se pretende concluir esta questão, por isso serão
apresentados dois casos: o primeiro, de uma permanência do liberto com seu senhor e, o
segundo, de sua separação.
Um processo-crime de 29/01/1888
280
faz perceber que nem sempre o ex-
escravizado se dava conta de sua libertação e que continuava a trabalhar para seu
“proprietário”.
270
CDH, CAT-1 CV-409, Petição de documento.
271
CDH, CAT-1 CV-408, Petição de documento.
272
CDH, CAT-1 CV-405, Petição de documento.
273
CDH, CAT-1 CV-393, Requerimento de audiência.
274
CDH, CAT-1 CV-407, Petição de documento.
275
CDH, CAT-1 CV-392, Requerimento de audiência.
276
CDH, CAT-1 CV-406, Petição de documento.
277
CDH, CAT-1 CV-412, Petição de documento.
278
CDH, CAT-1 CV-411, Petição de documento.
279
Não significa que apenas estes entraram com a ação, pois como já mencionado, a série de documentos
não está completa.
280
CDH, CAT-1 CR-318, Processo criminal.
83
No arraial de Laranjal, em “(...) negócio de Manoel Rodrigues Barroca, estando
o prêto velho de nome Francisco, que foi escravo de Antonio Severo da Silva,
conversando(...)”
281
, acabou sendo agredido por Pedro da Silva.
No Auto de prisão em flagrante delicto
282
consta uma “fala” que nos
proporciona o questionamento da liberdade de Francisco Angolla. Manoel José
Fernandes J. narra que
o escravo Francisco propriedade de Antonio Severo da Silva
283
foi barbaramente espancado. O subdelegado da Freguesia do Laranjal apresenta
Francisco Angolla como escravo. O Auto de corpo de Delicto feito no escravo
Francisco Angola
284
. Todas essas partes do processo expressam que a sociedade o
reconhecia como escravo. Até mesmo no Auto de perguntas ao offendido
285
consta ser
ele cativo e, para completar, o próprio sexagenário se apresenta como escravo de
Antonio Severo da Silva, com aproximadamente 100 anos, natural da África, roceiro e
residente em companhia de seu senhor. Também as testemunhas reconhecem Francisco
como escravo.
A partir dos dados acima, podemos constatar que apesar de Francisco Angolla
ser um indivíduo beneficiado pela Lei dos Sexagenários por estar com mais ou menos
100 anos, continuava morando com seu ex-senhor e trabalhando na roça. Fato
interessante, que vem reforçar a teoria de que algumas vezes, senão na maioria, o
liberto, principalmente o sexagenário, permanecia vivendo com seu ex-proprietário e
que a comunidade e ele próprio afirmava sua situação de escravo. O reconhecimento de
sua condição não significa que Francisco realmente acreditasse que era escravo, mas,
por se tratar de um processo criminal, talvez fosse conveniente que se apresentasse
como tendo um senhor.
Caso oposto foi encontrado em duas Petições de documento
286
, nas quais
constam que após cumprirem o prazo de serviço, três escravos continuavam em
cativeiro contra a sua vontade. Matheus e Maria Josepha
287
eram africanos casados e
foram escoltados para que saíssem das mãos de seu ex-senhor; Boaventura teve como
requerente o curador geral para intervir quando foi apreendido pelo seu proprietário
após estar gozando de sua liberdade.
281
Ibidem.
282
Ibidem.
283
Ibidem.
284
Ibidem.
285
Ibidem.
286
CDH, CAT-1 CV-410 e CV-395, Petição de documento.
287
CDH, CAT-1 CV-410, Petição de documento.
84
Através da documentação, tentou-se aproximar dos libertos sexagenários,
faltando acrescentar que pelo documento da audiência do dia 14/04/1886 verificou-se
que a maioria era casada ou viúva, o menor número foi o de solteiros. Em geral a
profissão exercida por estes indivíduos era de roceiro (a) e poucos foram os casos de
cozinheiras, costureiras, fiadeiras, pedreiros, ferreiros e feitores.
Foram libertos cento e sessenta e dois sexagenários com a condição de prestação
de serviço, que poderia chegar até 1889 e permaneceram com seus senhores. Cento e
cinco, estariam livres para abandonar o cativeiro, salvo aqueles que tiveram sua
liberdade suspensa até completarem a idade de sessenta e cinco anos, devido ao pedido
judicial do proprietário, estivessem doentes e que o senhor aceitasse a sua permanência
sob seus cuidados, ou que por gratidão permaneceram junto aos seus senhores por
terem-lhes libertado antes da lei
288
. Para elucidar a situação, tendo como base os dados
do censo de 1872, tem-se uma porcentagem de 7 % de sexagenários libertos através da
Lei de 28 de setembro de 1885.
289
2.2.3 Ações de liberdade
Os escravos faziam qualquer coisa, buscavam diversos meios para conseguir a
liberdade, apelavam não apenas para um tipo de ação cível que levasse à alteração de
sua condição. Usavam o Pecúlio, a prestação de serviços, as ações de liberdade e as
negociações com o senhor. Após libertados, quando ameaçados, entravam com pedidos
de Ação e/ou de Manutenção de liberdade.
Desde o início do século XIX, os escravos recorriam a essas ações para buscar a
sua libertação e, nestes casos, ficava claro que, indiretamente, o Estado acabava
intervindo nas relações entre senhores e escravos, apesar de não terem sido ainda
publicadas as leis emancipacionistas.
290
288
Foram encontradas algumas cartas de alforria com data próxima à da audiência que libertariam os
sexagenários no Cartório do Primeiro Ofício e junto aos documentos de justificativa de ausência do
sexagenário na audiência do dia 14/04/1886.
289
Mais uma vez se enfatiza que os dados são para ajudar na percepção do número de libertos que
estavam sendo libertos nesta última década.
290
Dentre os autores que trabalharam com ações de liberdade para o período anterior a 1871, destacam-
se: CASTRO, 1998. CHALHOUB, op. cit. e GRINBERG, Keila.
Liberata a lei da ambigüidade: As
ações de liberdade da Corte de Apelação do Rio de Janeiro no século XIX. Rio de Janeiro: Relume-
Dumará, 1994. A colocação deste parágrafo com relação à interferência do Estado nas ações faz menção à
obra da última autora.
85
As ações eram uma forma de se adquirir a liberdade. Foram encontradas apenas
sete, mas certamente seu montante ultrapassou essa quantia, tendo em vista o número de
carimbo presente em sua frente
291
e por se tratar da década final da escravidão, período
conturbado no que se refere à emancipação escrava.
Nesta parte do trabalho serão analisados cinco processos
292
específicos de Ação
de liberdade.
Os dois casos de Ação de manutenção de liberdade
293
serão abordados à
parte.
Tendo em vista o recorte temporal e o reduzido número de fontes encontradas,
não se pretende neste estudo fazer uma abordagem quantitativa, nem mesmo uma
complexa análise como a elaborada por Hebe Maria de Castro
294
, mas tentar-se-á uma
abordagem qualitativa das
Ações de Liberdade.
João, 32 anos e natural de Minas Gerais, alega não ter filiação na nova matrícula
de 1880
295
, por isso se considera no direito de adquirir sua liberdade. Segundo o
documento
296
, a filiação desconhecida lhe daria o direito de ter nascido livre, afinal,
era escravo quem fosse brasileiro e filho de escrava
297
. A liberdade lhe é negada, seu
novo curador, Luiz Vieira de Rezende
298
, que substituiu Serapião, tenta a libertação com
a cláusula de prestação de serviços. João pagaria 680$000 réis e o restante seria quitado
em sete prestações anuais no valor de 114$285 réis cada. O proprietário não aceita.
Por este caso, vê-se que havia a tentativa incansável de um escravo em busca de
sua liberdade. Primeiro, ele tenta os trâmites legais, porém, sem sucesso, acaba
fugindo
299
. Quando sai o parcelamento da alforria, provavelmente volta a trabalhar com
seu ex-senhor, pois em 1888, prestava-lhe serviços. Quando, com o fim da escravidão
retorna à justiça e pede para que se fim ao direito de indenização ao proprietário,
pedindo inclusive para que seu pecúlio seja revertido, o juiz manda passar o requerido
ao suplicante.
291
Observando a documentação, se percebeu que na frente de cada processo havia um carimbo com um
número, colocando em seqüência e constatou-se que era uma numeração do contingente de escravos que
estavam sendo alforriados pelo Fundo de Emancipação.
292
CDH, CAT-1 CV-413, CV-414, CV-415, CV-416 e CV-417, Ações de liberdade.
293
CDH, CAT-1 CV-252 E CV-651, Ações de liberdade/manutenção de liberdade.
294
CASTRO, 1998.
295
Não há leis que coloquem este como ano de matrícula, porém, como já foi explicado no item Fundo de
Emancipação, Cataguases se emancipou em 1877 e a implantação de todos os órgãos, assim como a
transferência dos escravos, foi retardada.
296
CDH, CAT-1 CV-413, Ação de liberdade.
297
Apelação da fonte.
298
É comum encontrar este advogado como curador de escravos em ações cíveis.
299
Dados do processo CDH, CAT-1 CV-413, Ação de Liberdade.
86
Abre-se outro precedente de análise para este caso: se João pedia para cessar o
direito indenizatório do senhor, provavelmente seria porque ele ainda o mantinha preso
às regras de libertação do sistema escravagista, ignorando a Lei Áurea
300
.
Há uma Ação de liberdade
301
que busca na legislação de 1831 justificativa para a
libertação de Geremias, africano, com quarenta anos na data da matrícula (02/08/1872)
e que estava envolvido na partilha do inventário de sua proprietária, e seu valor era o
mais elevado, 1:500$000 réis.
De acordo com a lei de 1831, africanos que chegassem ao Império após este ano
deveriam ser considerados livres, uma vez que o tráfico era considerado ilegal. Seu
curador argumenta, apela de todas as formas, mas o juiz desmonta as investidas pedindo
um laudo médico do africano. Na avaliação se conclui que Geremias tinha cinqüenta e
cinco anos, portanto, não cabia o recurso do curador.
O que chama a atenção na Ação é que idade e valores não têm correspondência,
um idoso de cinqüenta e cinco anos valendo 1:500$000 réis? Algo deveria estar errado e
provavelmente era o laudo médico, que aumentou a idade do escravo para que os
herdeiros não perdessem seu cativo mais valioso.
Os três casos restantes
302
apelam para uma mesma justificativa. De acordo com a
matrícula, escravos não matriculados seriam livres, afinal era o documento oficial que
dava a posse do cativo ao senhor. Todos conseguiram se libertar.
A “proprietária” de Badina, D. Anna Custódia do Sacramento, havia falecido
303
.
De alguma forma, como colocou Eduardo França Paiva
304
, a escrava teve acesso a
informações do inventário, no qual não consta seu nome na relação de matriculados e
entrou com a Ação de liberdade.
Lendo o testamento e inventário de D. Anna, em nenhum momento apareceu o
nome de Badina, nem mesmo como questionamento dos herdeiros, o que favoreceu a
libertação da escrava.
O último caso de Ação mostra mais uma vez, como o de João, que mesmo
libertos condicionais tentavam se esquivar de estarem presos aos laços escravistas. A
liberdade que almejavam certamente passava pelo direito de ir e vir e de escolher para
quem iriam trabalhar.
300
Os casos do pós-abolição serão abordados nas considerações finais.
301
CDH, CAT-1 CV-417, Ação de liberdade.
302
CDH, CAT-1 CV-414, CV-415 e CV-416, Ações de liberdade.
303
CDH, CAT-1 CV-548, Inventário.
304
PAIVA, 1995.
87
Mãe e filha, Thereza e Benedicta entraram com uma Ação
305
e, pelo mesmo
motivo das demais
306
, não foram matriculadas. No entanto, haviam sido libertadas
condicionalmente em 06/03/1887. Pela transcrição da carta de alforria teriam que
prestar serviço a seu ex-senhor por três anos. Em 19/08/1887 entram com a Ação, talvez
não soubessem que a carta havia sido registrada
307
e obviamente o processo não tem
continuidade, porque a carta reconhecia a sua condição de alforria condicional.
Para ser escravo ou homem livre era preciso reconhecer-se e ser
reconhecido como tal. Sem o consenso social requerido para vivenciar
ambas as condições, os títulos e documentos faziam-se então
necessários, bem como a arbitragem jurídica da Coroa.
308
A apresentação dos casos leva à conclusão de que eram libertados em última
instância, quando o proprietário descumpria a lei de forma a não conseguir burlá-la.
O Periódico O Povo
309
possuía cunho republicano e abolicionista, abordando
problemas corriqueiros nos anos finais da escravidão, por exemplo, denúncias de
reescravização e pedidos para que as autoridades legais tomassem providência.
Mas, não eram apenas os jornais que lutavam pela manutenção da liberdade, os
forros também recorriam à justiça em causa própria ou em prol de seus entes, como foi
apresentado.
2.2.4 Alforrias através de testamentos e inventários
Poucos eram os indivíduos que testavam e, na maioria das vezes os que
deixavam um testamento estavam doentes ou em idade avançada, provavelmente
achando que a morte se aproximava. Era um ato de pessoas que possuíam bens, mesmo
que poucos, e que desejavam escolher a forma como seriam distribuídos, se
arrependiam de erros e tentavam reduzi-los antes de “chegarem ao julgamento final”
como é o caso dos pais que reconheciam paternidade. Mas também poderiam deixar um
testamento quando não havia herdeiros legítimos, nesse caso o testador procurava
beneficiar outras pessoas.
305
CDH, CAT-1 CV-414, Ação de liberdade.
306
CDH, CAT-1 CV-415 e CV-416, Ações de liberdade.
307
Neste caso a carta passou a ser uma garantia para o senhor, fato que poderia ter acontecido inúmeras
vezes, principalmente com alforrias condicionais.
308
CASTRO, 1998, p. 174.
309
BN e Hemeroteca Pública do Estado de Minas Gerais.
88
É comum a confusão entre o significado de testamento e inventário, no entanto
nem todo inventário possui um testamento, mas todo testamento registrado
310
leva a um
inventário. Explicando melhor: uma pessoa que possuía bens poderia fazer um
testamento, no qual deixaria seu legado a quem escolhesse. Após sua morte, o
documento seria lido por um notário, se ele fosse registrado, ou por um indivíduo de
confiança do testados. Depois, então, era instaurado o processo de inventário dos bens
do falecido, para que fosse partilhado. É comum o testador não deixar todos os seus
bens relacionados no documento, então a necessidade de partilhar o que não estava
descrito, mas mesmo que deixasse era preciso passar pela vara cível a fim de serem
recolhidos os impostos cabíveis.
Mesmo não havendo testamento era preciso iniciar um inventário, para que a
herança fosse igualmente partilhada e os tributos recolhidos.
O inventário poderia ser resolvido de forma rápida, ou levar anos a fio sem ter
um fim, dependendo do acordo entre os herdeiros para que ele se resolvesse. O
desentendimento entre os candidatos à herança levava o processo a se arrastar por anos.
Essa parte é válida até os nossos dias.
Em certos casos, inventários que tinham escravos entre os bens arrolados
acabavam se arrastando por anos e após abolida a escravidão perdiam, às vezes, grande
parte de seu montante.
Partindo da explicação, passa-se à questão da libertação de cativos via
testamento.
Foram usados todos os testamentos disponíveis até o momento
311
, trinta e nove e
através deles foi elaborado o gráfico que se apresenta:
Gráfico 1:
Porcentagem de alforrias testamentais
310
Caso o testamento não fosse registrado, algum dos herdeiros, por interesse, poderiam desaparecer com
ele. Se houvesse uma cópia no cartório seria mais difícil que isso acontecesse, a não ser que
desaparecessem com o livro de notas.
311
Nem toda a documentação do Fórum foi catalogada, por isso pode ser que apareçam outros
testamentos posteriores a este estudo. Também deve ser ressaltado que uma minoria dos testamentos e
dos inventários pertencia a pessoas que habitavam a sede do município e pode-se perceber pela ausência
de documentos dos principais atores políticos que faleceram no período. Talvez esses documentos possam
ter sido perdidos com o tempo e pelas ações da natureza, mas por que os dos habitantes da sede do
município sumiram? Fica a lacuna.
89
33%
67%
SIM
NÃO
Fonte: CDH, Testamentos.
Como foi observado, o testador nem sempre mencionava todos os seus bens,
fato que foi constatado ao compará-los com os inventários disponíveis, e como não foi
possível fazer a relação entre a maioria das duas fontes, não é possível deduzir se os
sessenta e sete por cento que não alforriaram possuíam escravos. Mas o fato de libertar
seus cativos na hora da morte geralmente mostrava um sinal de afetividade entre o
senhor (a) e o escravo, haja visto as menções e o fato de nem toda a escravaria ser
libertada. O cativo que iria ser agraciado com a liberdade era escolhido e nesta escolha
constava se deveria ser libertado sem ônus ou condicionalmente. Nos casos estudados
não houve a presença de ônus econômico para o libertando. Aparecem espólios que
além da alforria deixavam bens materiais para seus libertos
312
, mais um dado que
contribui para se pensar na relação existente entre o cativo e o proprietário.
Algumas vezes são relações de longa data, de gerações. Antonio Fernandes
Ramos era solteiro e reconheceu a paternidade de suas filhas em testamento, assim
como libertou Severina, sua escrava desde 1862
313
.
Em determinadas situações, famílias eram alforriadas em virtude dos laços de
afetividade, ou parentesco. O senhor Dionísio Gomes Norte deixa em seu testamento
libertos Anna, se ela não falecesse até a sua morte e seu filho Pedro. Pode-se especular
que Dionísio, mesmo sendo casado, era pai de Pedro, no entanto, o documento não
deixa margem para esta interpretação
314
. D. Rosa Maria de Jesus Norte, esposa de
Dionísio, deixa todos os seus bens para os afilhados e para a igreja, mas liberta Claudina
e sua filha Maria, assim como João e sua esposa, Genoveva
315
. Bento José d’Abreu
era solteiro e teve dois filhos com Feliciana, escrava que não era sua. Em vida libertou
312
Esses casos serão analisados mais detalhadamente no terceiro capítulo.
313
Ele faleceu em 1881. CDH, CAT-1 CV-076, Testamento.
314
CDH, CAT-1 CV-108, Testamento.
315
CDH, CAT-1 CV-329, Testamento.
90
um de seus filhos e deixou em testamento o desejo de que o segundo fosse libertado e
passassem a ser seus herdeiros
316
.
O testamento de Bento José d’Abreu afirma a importância da família na hora da
libertação, pois fortalecia os laços na tentativa de ver seus entes longe da escravidão.
Mas não o parentesco favorecia a alforria e o legado; relações afetivas de lealdade e
confiança incentivaram José Maria Molinet, viúvo, a libertar seu único escravo, deixar-
lhe como herança todos os seus bens e ainda o nomear testamenteiro
317
.
Como foi frisado por Tarcísio Botelho
318
e Hebe de Castro
319
, as relações
familiares e os laços sociais ajudavam no momento de conquistar a liberdade, mesmo
em testamentos que fossem a inventários e que herdeiros tentassem reverter a alforria,
principalmente se a vontade do senhor estivesse registrada com toda a documentação
necessária
320
em cartório.
Gráfico 2:
Testamentos por gênero
78%
22%
HOMENS
MULHERES
Fonte: CDH, Testamentos.
A proporção de gênero em testamentos foi apresentada para auxiliar na
interpretação dos gráficos que se seguem, para que fique perceptível que em
porcentagem, independente da maioria dos testadores serem homens, ambos libertaram
aproximadamente o mesmo número de escravos.
Gráfico 3:
Homens que alforriaram em testamento
316
CDH, CAT-1 CV-228, Testamento.
317
CDH, CAT-1 CV-630, Testamento.
318
BOTELHO, op. cit.
319
CASTRO, 1998.
320
Se não citasse o nome dos libertos pelo testamento ele deveria deixar a carta em anexo.
91
36%
64%
SIM
NÃO
Fonte: CDH, Testamentos.
Gráfico 4:
Mulheres que alforriaram em testamento
38%
62%
SIM
NÃO
Fonte: CDH, Testamentos.
Os trâmites legais que envolviam um inventário e a interferência dos herdeiros
poderiam dificultar a execução e conseqüentemente a partilha dos bens. A intervenção
dos candidatos ao legado afetava diretamente na possibilidade de um escravo se libertar
em meio ao processo judicial. Se houvesse necessidade de angariar fundos durante o
desenrolar da ação judicial e os herdeiros entrassem em acordo era facilitada a compra
do título de liberdade, mas, se eles discordassem, acabavam adiando ou impedindo a
libertação.
Foram encontradas alforrias pelo Fundo de Emancipação nas quais eram
libertados escravos que faziam parte de inventários. Quando acontecia a interferência de
uma ordem judicial, os herdeiros eram ressarcidos e não tinham como questionar.
Alguns herdeiros, inconformados com a perda de escravos libertados por seus
ex-senhores antes de falecerem, tentavam reduzí-los a cativeiro, como aconteceu com
92
Antonia, escrava do espólio de D. Joaquina Maria Clara
321
. Temendo a perda dos
demais cativos, em 1887, acordaram com Manuel, dezoito anos e roceiro, o
pagamento de 900$000 réis mais a prestação de serviços por três anos para que ele fosse
libertado.
Nos inventários, quase nunca aparecem as cartas de alforria de seus
proprietários, provavelmente porque os herdeiros procuravam desaparecer com as
provas que os fariam perder bens, mas casos em que elas aparecem registradas no
cartório do Primeiro Ofício de Notas
322
. Geralmente não menção à libertação em
inventários, mesmo que ela tenha sido citada no testamento, exceto quando o escravo
fazia parte dos bens arrolados e depois, quando apresentado o testamento ou a carta na
justiça, seu valor precisou ser abatido do montante dos bens.
Ocorreram alguns casos em que os escravos entraram com um pedido de
liberdade no inventário. Independente da vontade da herdeira, Januário apresenta ao juiz
um pedido para que seja libertado. A autoridade não aceita nomear um curador, mas
acaba aceitando o pagamento da alforria após ser anexado um documento no qual D.
Lodovina (herdeira) afirma ter recebido 800$000 réis pela libertação do cativo, que em
testamento era avaliado em 2:000$000 réis. Provavelmente, Januário negociou
diretamente com D. Lodovina e eles chegaram a um acordo com relação ao seu valor.
Houve em Cataguases a libertação de escravos em testamentos e inventários. Os
escravos tinham acesso a informações de uma possível libertação e, quando não
agraciados, recorriam à justiça para negociar sua mudança na condição social. Eram
capazes de entrar com pedidos de alforria indenizatória para não correrem o risco de
passarem às mãos dos herdeiros, que poderia significar o afastamento de seus
relacionamentos sociais e familiares.
2.2.5 As cartas de alforria
Com o intuito de oficializar a libertação e garantir a posse da liberdade, era
comum o registro das cartas de alforria. Uma análise mais aprofundada dos trâmites
legais para o reconhecimento da carta de liberdade foi elaborada por Kátia Mattoso:
(...) Pode ser concedida solenemente ou não, direta ou indiretamente,
expressamente, tacitamente ou de maneira presumida, por ato entre vivos
321
CDH, CAT-1 CV-552, Inventário.
322
São várias as cartas registradas tendo em vista a vontade de uma pessoa que já havia faleccido.
93
ou como última vontade, em particular ou na presença de um notário,
com ou sem documento escrito. Mas não uma ata, faz-se necessário
que haja testemunhas comprovantes da alforria. Em geral, esta é
concedida em documento escrito, assinado pelo senhor ou por um
terceiro, a seu pedido, se ele é analfabeto. Para evitar contestação,
tornou-se hábito que o documento seja registrado no cartório em
presença de testemunhas. Com muita freqüência ocorre, porém, que se
passem anos entre a concessão da alforria e seu registro em cartório.
Muitas delas são outorgadas por manumissão em testamento ou nas pias
batismais. O proprietário renuncia assim voluntariamente a seu manus
sobre o cativo, que se torna homem livre ‘como se de nascença’, segundo
a expressão habitual no texto das alforrias.
323
Buscando desenhar um panorama qualitativo das libertações, foram consultados
os livros do Registro de Notas do e do Ofícios do município, assim como os das
localidades pertencentes a Cataguases
324
. Houve um maior número de registros nos
cartórios do município, como era previsto, mas também havia a presença das cartas
nos livros dos distritos. Para o estudo em pauta serão trabalhadas as alforrias do e do
Ofícios em maior número. O número total de registros do município está fora do
alcance, já que há ausência de alguns livros de distritos. Além do mais as cartas
poderiam ser reconhecidas em outras localidades, próximas de Cataguases, com a
permanência do liberto nele, ou ainda em regiões para onde o forro se mudasse, e ainda
tem os casos daquelas que não foram registradas.
Para a elaboração da análise dos casos, foram transcritas todas as cartas dos
cartórios do e doOfícios de Notas, sendo que a maior parte delas era registrada no
Ofício. Somam um total de 71 cartas, sendo que algumas libertavam mais de um
escravo. Poderia ser uma família ou mesmo libertação coletiva, comum nos anos finais
do escravismo, como noticiava o jornal
José Bonifácio
325
. Este periódico tinha uma
visão da libertação como sendo necessária ao progresso do país. É a favor da gradual
eliminação do elemento servil, com a prestação de serviços até 1890. Nele aparecem
várias reportagens entre 1886 e 1887 que noticiavam a libertação de escravos em outras
localidades da província. Além de abordar questões relacionadas à liberdade via lei de
1831 e de anunciar, O Povo e José Bonifácio parabenizavam quem as concedesse, tanto
em Cataguases como no Império.
Durante a época da América portuguesa, até o terceiro quartel do século XIX,
antes da promulgação da Lei do Ventre Livre, aparentemente poucos eram os casos em
323
MATTOSO, Kátia M. de Queirós. Ser escravo no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1982. p. 177-178.
324
Disponíveis no Arquivo Municipal de Cataguases.
325
Biblioteca Nacional.
94
que havia a interferência da justiça na libertação.
326
Na possessão ultramarina de
Portugal, o escravo poderia ser alforriado em alguns casos, como destacou Silvia
Hunold Lara:
(...) poderia ser alforriado o escravo que achasse diamante de 20
quilates ou mais (recebendo seu senhor indenização de 400$000 réis);
que denunciasse a sonegação de diamantes pelo senhor (recebendo
ainda o prêmio de 200$000 réis); que denunciasse o extravio ou
contrabando de tapinhoã e pau-brasil ou que, sendo irmão da
Irmandade de S. Benedito, fosse por ela resgatado em caso de sevícia
ou venda vingativa do senhor.
327
Mas destacava-se o uso do direito consuetudinário
328
, no qual o escravo
negociava diretamente com seu senhor a sua manumissão. Após 1871, o Estado passou
a interferir diretamente nas libertações, por isso no período estudado, 1878-1888, é
comum encontrar cartas expedidas pelo juiz municipal junto a títulos negociados
diretamente com os senhores.
É comum se pensar que a carta de liberdade é uma concessão do proprietário,
porém prefere-se nesse trabalho o termo negociação, nestes anos finais da escravidão.
Afinal, muitos cativos se empenhavam e pressionavam para conquistá-la, negociando
através do ressarcimento, do bom comportamento ou, ao contrário, pela rebeldia.
Gráfico 5:
Número de libertos em Cataguases entre 1878/1888 por sexo
POR SEXO
63;
41%
92;
59%
FEMININO
MASCULINO
Fonte: Brasil, Cataguases, Cartórios do Primeiro e Segundo Ofícios de Notas
Pela proporção do sexo observa-se que, ao contrário de outros períodos, onde o
número de mulheres é superior ao de homens, a última década em Cataguases apresenta
326
A autora GRINBERG, op.cit. fez uma análise sobre os casos de interferência do Estado nas alforrias
para o período posterior às leis emancipacionistas.
327
LARA, Silvia Hunold. Campos da Violência: escravos e senhores na capitania do Rio de Janeiro
1750-1808. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988. p. 249.
328
CUNHA, op. cit.
95
um aumento das alforrias masculinas
329
. Peter Eisenberg havia notado esta variação em
Campinas:
Nos últimos anos da escravidão, a tendência a favorecer
escravas enfraqueceu-se. A alforria, a partir de 1886, em Campinas,
atingiu mais homens do que mulheres, e a distribuição dos sexos entre
os alforriados chegou a uma situação mais parecida com a distribuição
de sexos entre os escravos, embora a mulher escrava ainda tenha
recebido um número desproporcional de alforrias. Em outras palavras,
os vários fatores que faziam com que a mulher escrava fosse muito mais
favorecida perderam força diante de outros determinantes que
beneficiaram o homem escravo. (...)
330
Na busca de encontrar os motivos que levaram a esta situação foram analisadas
as condições da libertação nas cartas de alforria, que passam a ser apresentadas para se
retomar a questão da proporção do sexo.
Em primeiro lugar, houve poucos registros de alforria adquiridos em virtude de
decisões jurídicas de acordo com as leis 2040 e 3270, provavelmente porque havia
outros documentos oficiais
331
que poderiam ser utilizados para atestar a condição de
liberto.
Segundo, a maioria das alforrias, tanto masculinas como femininas, quando
havia menção da condição, era sem ônus. Esses dados levam à reflexão de que se os
senhores optaram pelas alforrias sem ônus, às vezes, elas podiam ser condicionais à
prestação de serviços com a intenção de permanecer com a mão-de-obra dos libertos. Se
ela fosse sem ônus, os senhores esperavam conquistar a confiança e a gratidão do ex-
escravo. Em tempo de conturbações que levariam ao inevitável fim da escravidão, essa
era uma estratégia a ser usada. No caso de alforria condicional à prestação de serviço, o
problema da perda também estaria solucionado.
Neste trabalho não foi explorada a questão do valor pago para a liberdade, mas
procurou-se ressaltar que registrar um título de liberdade não significava libertação. O
então liberto poderia ficar preso a seu “ex-proprietário” por um, dois, quinze anos, ou
até que a morte levasse seu senhor.
329
Para compreender melhor esta questão é importante ressaltar que o tráfico inter e intra provincial
fornecia cativos em proporções desiguais de sexo, sendo a maioria composta de homens, observação feita
através das listas de matrícula encontradas no conjunto da documentação.
330
EISENBERG, Peter L. “Ficando livres”: as alforrias em Campinas no século XIX. In: Revista Estudos
Econômicos
. (PE) USP. 17(2) maio/ago. 1987. p.175-216. p. 186.
331
Processos de pecúlio para a liberdade, Ações de liberdade, Alforrias pelo Fundo de Emancipação,
Listas de sexagenários libertados etc.
96
Florência, Luiza, Francisca e Julia eram libertas
332
, mas estavam atreladas a um
contrato de locação de serviços com Hermito Pinto de Figueiredo, no qual constava que
elas deveriam servi-lo até que o tivessem ressarcido pela quantia paga em suas alforrias.
Em troca, ele lhes daria
“(...) habitação, vestuário, alimentação, tratamento médico e
dieta em caso de moléstia, e bem [?] uma gratificação a seu arbítrio domingos e dias
de guarda(...)”
333
. Fica claro na citação que as libertas continuariam presas a uma
obrigação, mesmo depois de legalmente serem consideradas libertas.
Mas não se pode esquecer que, mesmo atestando-se inferioridade do número de
mulheres em relação ao de homens, é considerável o número do sexo feminino do ponto
de vista da proporção homem/mulher no total da população escrava. De acordo com
Hebe Castro
334
, para obter “maiores níveis de autonomia” era necessário o
estabelecimento de relações entre os próprios escravos e com os homens livres. Nesse
sentido, vemos que o grande número de mulheres alforriadas poderia derivar de seu
relacionamento mais direto com os afazeres domésticos ou por motivos emocionais.
É o caso das cartas de Cassiana, escrava de D. Joaquina Vieira da Silva, e Anna,
escrava de D. Joaquina de Jesus
335
. A primeira trata-se de cozinheira que foi libertada
perante a condição de ser descontado o valor de 1:900$000 do salário do feitor da
Fazenda Santa Thereza. Neste caso, a importância de se relacionar com o meio social
dos livres poderia favorecer a conquista da liberdade. A segunda carta explicita a
questão da emancipação por bons serviços prestados: Anna era a única escrava de sua
senhora, fazendo deduzir que tinham um relacionamento mais próximo e que
provavelmente a escrava estava ligada aos serviços de casa. Mesmo assim a possuidora,
de livre vontade e sem condicional de pagamento a liberdade à sua escrava, somente
mencionando que o fazia em “attençao aos bons serviços que me tem prestado”
336
.
O caso masculino não seria diferente do feminino, no tangente às redes de
relacionamento social, a questão do bem relacionar-se e de criar um vínculo com seu
proprietário facilitava a sua alforria.
332
Não encontramos na documentação pesquisada a carta de alforria das mesmas, o que temos é uma
escritura de locação de serviços. Brasil, Cataguases, Cartório do Segundo Ofício de Notas, livro 5º,
Escritura de locação de serviços entre: Florência, Luiza, Francisca e Julia; e Hermito Pinto
Figueiredo.16/12/1884.
333
Ibidem.
334
CASTRO, Hebe Maria Mattos de. Das Cores do Silêncio: os significados da liberdade no sudeste
escravista – Brasil séc. XIX. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1998. p.72.
335
Brasil, Cataguases, Cartório do Primeiro Ofício de Notas, livros e 17º, Carta de liberdade de
Cassiana e Anna, 03/12/1880 e 13/08/1886, respectivamente.
336
Brasil, Cataguases, Cartório do Primeiro Ofício de Notas, livro 17º, Carta de liberdade de Anna,
13/08/1886, p.19.
97
Pela análise das cartas registradas em cartório foram libertados cento e sessenta
e cinco escravos, número que comparado ao censo corresponde à importância de 4,1%
do total dos cativos. Enfim, amarrados aos patrocinadores de sua alforria, ou libertos
condicionalmente, por certo o que contava para esses indivíduos era o reconhecimento
social de seu novo
status, de não correr o risco de ser negociado e afastado de seus laços
afetivos.
2.2.6 A fragilidade da carta de alforria:
Manutenção de liberdade
Kátia Mattoso
337
afirma que era habitual registrar a carta de alforria em cartório,
para sua legalização, fazendo com que o sentido da liberdade fosse vago, propiciando a
reescravização. Esta preocupação foi notada em duas
Ações de Liberdade
338
, sendo que
uma delas possui o registro no cartório do Primeiro Ofício de Notas de Cataguases,
como passamos a descrever a seguir: Moyses foi libertado por D. Heduvirges em
11/07/1887 no Serro, onde havia sido registrada a carta
339
. Os motivos que levaram sua
senhora a libertá-lo estavam relacionados à afetividade. Segundo a carta, seu valor havia
sido estimado em 800$800 réis, mas ele acabou pagando 300$800 réis devido a ter sido
creado como filho e não como escravo
340
.
Mudando-se para Cataguases, foi escravizado pelo Major Vicente Ribeiro da
Silva Vasconcellos, que o vendeu ao Capitão João Batista Martins, apesar de Moyses
alegar ser liberto. Como os protestos foram inúteis e o forro não possuía sua carta
341
,
entrou com uma Ação de liberdade/Manutenção de liberdade em março de 1888. Após
apresentação da carta que havia sido registrada no Serro, Moyses foi solto e para
assegurar a liberdade mandou no mesmo mês fazer o registro da decisão do juiz.
(...)o que tudo provou mesmo Moyses com documentos apresentados
a este juiso para a manutenção de sua liberdade; pelo considerando-
337
MATTOSO, Kátia M. de Queirós. Ser escravo no Brasil. São Paulo: Brasiliense,1982. em trecho
citado.
338
CDH, CAT-1 CV-256 e CV-651, Ação de Liberdade. Sendo que a CV-651 possui seu registro em
cartório.
339
Para chegar a estas conclusões foram usados dados tanto de Brasil, Cataguases, Cartório do Primeiro
Ofício de Notas, livro 20º, Carta de liberdade de Moyses, 31/03/1888.como de, CDH, CAT-1 CV-651,
Ação de liberdade.
340
CDH, CAT-1 CV-651, Ação de liberdade.
341
Deduzido com base na citação do registro.
98
se o mesmo no estatu-liber- mandei passar a presente que lhe servirá
de titulo para os effeitos legaes.
342
A segunda Ação de Manutenção de Liberdade foi realizada no ano de 1879 a
pedido de uma família. Militão, sua esposa, Luzia e os filhos Mariana, Antonio,
Diolinda, Manoel, José e Anna eram libertos cinco anos e viviam
na posse mansa e
pacifica de sua liberdade
343
sem contestação de nenhuma pessoa. A citação de Hebe
ilustra também esta situação: se eram reconhecidos pela sociedade como forros era sinal
de que não podiam ser reescravizados. Mas o ex-proprietário de Militão, Francisco
Alves Dutra, em visita ao arraial onde residia a família, tenta vendê-los.
Com a finalidade de provar sua condição, a família recorre a testemunhas, que,
em seus depoimentos deixavam claro que Militão era livre e “vivia sobre si” mantendo
as despesas com a criação dos filhos e ajudando o ex-senhor de sua esposa e filhos,
Casimiro Pereira de Souza
344
.
Apesar de não constar o resultado do caso, sua menção vem mostrar a tenuidade
da liberdade, mas ao mesmo tempo a luta para se manter livre da escravidão.
No entanto, nem sempre ter sua carta em um livro de notas era sinal de garantia
de liberdade, como foi observado em um processo criminal no qual consta a carta de
alforria da vítima.
Em virtude de uma negociação com seu senhor, Jose Silvério havia registrado
seu Título de Liberdade
345
no Primeiro Ofício do Termo da Leopoldina
346
.
“Eu abaixo assinado, digo affirmado declaro que o meu escravo José
de nação baco de idade de cincoenta e cinco pouco mais ou menos
fica gozando de sua inteira liberdade como de ventre livre nascesse,
de hora em diante como hum Cidadão; e declaro que recebi igual
quantia que tinha em meu poder o tempo de trezentos mil reis, e
pelos seus bons serviços que me tem prestado e por se achar bastante
doente e por isto lhe mandei (verso da folha 10) mandei passar Carta
de Liberdade por livre vontade sem constrangimento algum, pedi ao
Senhor Manoel de Souza Medeiros que esta Carta de Liberdade
passasse a qual me assigno em prezença de testemunhas meia
Pataca onze de Junho de mil oitocentos setenta e tres – Silverio
Moreira da Silva digo Moreira de Oliveira (estava a estampilha de
duzentos reis devidamente inutilizada) Testemunha Manoel
Francisco Roza José de Souza Medeiros Testemunha que esta
342
Brasil, Cataguases, Cartório do Primeiro Ofício de Notas, livro 20º, Carta de liberdade de Moyses,
31/03/1888.
343
CDH, CAT-1 CV-252, Ação de liberdade.
344
A análise deste caso será prosseguida no capítulo 3.
345
CDH, CAT-1 CR-147, Processo criminal.
346
Apesar de o espaço regional estudado compreender Cataguases, o Título de Liberdade foi registrado
em Leopoldina, pois apenas em 1875 a vila foi promovida a município. A fonte de onde foi extraído o
documento é um traslado, cópia de um processo, que foi reaberto mais tarde em Cataguases e o liberto em
questão pertencia ao Meia Pataca, nome primitivo de Cataguases, por isso achamos relevante analisá-la.
99
Carta fiz e vi assignar Manoel de Souza Medeiros = Reconheço ser
verdadeira a firma supra de Silverio Moreira de Oliveira por
semelhança com outras que do mesmo tenho visto, e por me dizerem
as testemunhas O referido é verdade do que dou Meia Pataca
doze de Junho de mil oitocentos setenta e tres Eu Antonio Delphim
Silva, Escrivão que o escrevi e me assino em publico e razo.”
347
Como pode-se notar na carta, José Silvério, preto da nação baco, é um africano
com cerca de cinqüenta e cinco anos. Conseguiu sua liberdade por “bons serviços”
prestados, por achar-se “bastante doente” e por ressarcir 300$000 réis ao seu senhor. As
alforrias aumentaram, principalmente no final do Império, pois podiam ser concedidas
pela vontade do senhor, pela negociação entre proprietário/escravo, através do depósito
do pecúlio, pelo fundo de emancipação ou em audiência convocada pelo juiz em virtude
da Lei dos Sexagenários. Com exceção da carta emitida por “livre” vontade do senhor,
as demais implicam uma indenização ao proprietário via Estado.
Em liberdade e doente, José Silvério permaneceu no Meia Pataca e depois em
Cataguases. O que fazia e como vivia são perguntas que com a presente documentação
não foi possível responder. No entanto, sabemos que o liberto não gozou de sua
liberdade por muito tempo. Um “tal” Bento José Vieira o reduziu a cativeiro.
Por ser pessoa livre, em nenhuma hipótese poderia voltar a ser tratado “...como
se fora seu [Bento] escravo...”
348
, ainda mais que Bento havia sido comunicado que o
preto que reduzia a cativeiro era liberto. Para isso, foi lida a carta por uma autoridade ao
réu, que havia ignorado a informação sobre a liberdade de ex-escravo, havia amarrado
“...com toda barbaridade, o conduziu atado a cauda de hum cavallo, para os lados da
fazenda de João Monteiro da Silva...”
349
.
O crime descrito acima nos suscita questões sobre o posicionamento da
mentalidade do réu, que não considerava válido o título de liberdade, continuando a
tratar o alforriado como cativo. Como se trata de um traslado, no meio do documento
algumas testemunhas são substituídas e começam a dizer que não sabiam qual era a
condição
350
do preto José
351
. A partir desse ponto vem a pergunta: era ou não liberto aos
olhos da sociedade Cataguasense? Pelo menos a Carta era bem clara no sentido
positivo, mas, para várias testemunhas, Jose Silvério era apenas um escravo.
347
CDH, CAT-1 CR147, Processo criminal.
348
Ibidem.
349
Ibidem.
350
Livre, liberto ou cativo.
351
Chamamento usual para denominar Jose Silvério no processo.
100
É considerável notar que a alforria havia sido expedida por Silvério Moreira e
não pelo português Bento e se ele não era o proprietário, por que insistia em aprisionar o
africano? No decorrer do processo essa situação se esclarece. Bento era genro de
Silvério Moreira e seu meeiro como se pode observar no trecho do depoimento do réu
abaixo:
“(...)não commeteu o crime o que lhe accusado, por quanto era
meeiro com seo sogro seo escravo em questão e sem que elle soubesse, seu
sogro atras da porta assinou a carta de liberdade referida no processo e em
tempo em que andava foragido por denuncia por crime de morte. Elle
interrogado prendeu aquelle escravo e o interrogou a João Monteiro, e por
esse facto teve de responder ao Jury pelo supposto crime de redusir pessoa
livre à escravidão(...)”
352
Bento se respalda justificando que o escravo era seu, pois não havia dado
autorização para que fosse libertado pelo “sócio”, desrespeitando a alforria.
O processo analisado, como já foi apresentado, trata-se de um traslado, não
apresentando o desenrolar do processo pelo crime de redução a cativeiro, porém no
contra-libelo é mencionado que o réu foi absolvido pelo júri de Leopoldina, em
27/04/1874, da primeira acusação. A reabertura do processo estava relacionada ao fato
de Bento ter injuriado e desrespeitado as autoridades legais que tentaram fazer valer a
liberdade de José Silvério.
O Oficial de Justiça foi enviado com um mandado
353
para que soltassem José
Silvério, afinal constava na documentação o “Titulo de Liberdade” da vítima. Bento
desobedece à ordem e ainda injuria Domiciano, oficial que foi entregar o mandado, e as
Autoridades Locais, os chamando de “corja de ladrões”
354
.
Após a apresentação dos trechos acima, verifica-se o quanto era efêmera a
segurança de um liberto, que buscava na legalidade do registro legitimar sua condição
de liberto. Pretende-se mostrar uma das preocupações cotidianas do ex-escravizado.
Sem o reconhecimento social, a condição de escravo ou liberto ficava
comprometida, mesmo sendo legalizada, mas isso não significava que cativos não
lutassem para se libertar e ainda manter sua liberdade.
352
CDH, CAT-1CR-147, Processo criminal.
353
Ordem do Juiz Municipal
354
CDH, CAT-1CR-147, Processo criminal.
CAPÍTULO 3
O ESCRAVO E A LIBERDADE NA DÉCADA FINAL DA ESCRAVIDÃO
Falar sobre o sentido da liberdade para uma época histórica é muito arriscado,
principalmente se for considerado que, ao escrever, um historiador acaba se deixando
influenciar pelo seu tempo; não a possibilidade de voltar nos séculos e perceber o
significado sem interferências da sociedade atual. Primeiro, o sentido da liberdade varia
de sociedade para sociedade; segundo, que pode adquirir qualidades diferentes em
variados extratos sociais. Remetendo ao século XIX brasileiro escravista, deduz-se que
provavelmente um dos sentidos da liberdade era o da não-escravidão.
Acredita-se que no oitocentos havia não um sentido de liberdade, mas
percepções de liberdade variáveis de acordo com a posição social do indivíduo, com a
época e o meio em que vivia. Para um homem livre abastado ela poderia ser algo; para o
pobre, o liberto, o imigrante e o escravo, algo bem diferente.Este período foi marcado
por leis que gradativamente transformaram a estrutura do processo escravista e
conseqüentemente a maneira de cada um delinear o que seria para sua categoria e para
si a liberdade. Além do mais, Sidney Chalhoub, Maria Inês Oliveira e Hebe de Castro
355
já deixaram claro que há consideráveis diferenças entre a liberdade desejada pelos
escravos urbanos e rurais.
Não se pretende chegar à conclusão do que foi a liberdade no século XIX, mas,
dentro do período de 1878 a 1888, perceber alguns sentidos de liberdade para os
escravos e libertos de Cataguases, um município baseado no mundo rural. O presente
trabalho comunga com a idéia de que havia para o escravo um ideal de liberdade, assim
355
Respectivamente: CHALHOUB, op. cit., OLIVEIRA, op. cit. e CASTRO, 1989 e 1998.
102
como pensa Chalhoub
356
, que alguns buscavam alcançá-la, fosse através da fuga, do
suicídio, do crime ou da alforria.
Para um cativo, conquistar a liberdade, na maioria das vezes, era um sonho a ser
alcançado, sonho esse que acabaria amenizando as pressões do sistema escravista, uma
vez que, em alguns casos, era necessário manter certo comportamento para adquirir
sobretudo a carta de alforria, fazendo com que este mecanismo servisse para regular de
certa forma o comportamento de alguns cativos que se interessavam em obter a
liberdade por via legal. A possibilidade de se ver livre das amarras da escravidão fazia
com que muitos escravos se sujeitassem ao senhor, não desencadeando revoltas ou
atentados. Em diversas ocasiões eram considerados bons prestadores de serviço,
“dóceis” e afetuosos, facilitando a sua libertação, mesmo que condicional
357
.
Com o título de liberdade em mãos, o ex-escravo acabava se deparando com
mais um entrave: numa sociedade onde temos a segregação social livre/escravo, onde se
encaixa o elemento liberto, que não pertence nem ao mundo do cativo, nem tampouco
ao do homem livre? A sociedade cataguasense da última década escravista era tão
taxativa na questão de nomear o ex-escravizado, o ex-escravo e o liberto, que, mesmo
após a abolição, esse fato se mostra presente nos processos criminais
358
. A historiografia
tende a classificar o liberto ora como sendo incapaz de se desenvolver socialmente em
um meio escravista, colocando-o em papéis marginais
359
, ora como sujeito dotado de
vontades e que participava mesmo quando escravo da dinâmica social, assim como
ainda permaneceria agindo junto ao meio social após forro.
Deve-se notar que buscar entender o sentido da liberdade para o escravo, o que o
fazia almejar sair da condição de propriedade, passa pela visão de documentos na
maioria das vezes oficiais que refletem conceitos da sociedade escravista. Sidney
Chalhoub
360
conseguiu perceber as nuances dessa liberdade usando como fontes os
processos criminais e as ações de liberdade. Assim, pôde sugerir que a liberdade estava
ligada a questões cotidianas, ou seja, àquilo que o escravo entendia por cativeiro justo.
A possibilidade de ser separado de seus laços afetivos, a possibilidade da venda e o
356
CHALHOUB, op. cit.
357
Sobre alforrias condicionais, a autora GONÇALVES, Andréa Lisly. “As margens da liberdade”:
alforrias em Minas Gerais na primeira metade do século XIX. LPHG: Revista de História, nº. 6. X
Encontro Regional de História da ANPUHG/MG, 1996, elabora uma análise apreciativa sobre o tema.
358
Podemos observar a presença do liberto em diversos processos criminais, pós-Lei Áurea: CAT-1 CR-
374 CX-18 de 23/02/1889, CAT-1 CR376 CX-18 de 01/02/1889, CAT-1 CR-380 CX-18 de24/01/1890,
CAT-1 CR-743 CX-31 de 12/12/1896, entre outros.
359
FERNANDES, 1978, CARDOSO, 1977 e COSTA, 1998.
360
CHALHOUB, op. cit.
103
exagero de castigos físicos sem real motivo eram considerados elementos do “mal
cativeiro” e que motivavam o sonho de buscar a libertação. Oliveira considera a
liberdade urbana como:
“(...) terem acesso a condições de trabalho que lhes
possibilitassem, além da constituição do pecúlio para a compra da
liberdade, manter condições mínimas, pelo menos de saúde, para
garantir a subsistência, se não de oportunidades que lhes permitissem
ultrapassar este limite. (...)”
361
Hebe de Castro
362
considera a liberdade no meio rural como sendo a possibilidade de
adquirir status de camponês.
Sair dos laços que o prendiam ao senhor a princípio pode parecer algo
maravilhoso: não ser mais reprimido, forçado a trabalhar e sofrer maus tratos, porém
separar-se do proprietário significava também incógnitas. Após libertado, onde morar?
O que comer? Onde trabalhar? Se fosse o liberto um idoso que não mais tivesse
condições de se sustentar? E se a doença o atingisse? Temos ainda o caso das liberdades
condicionais, no qual o liberto comprava ou “ganhava” sua carta de alforria com a
condição de prestar serviços a seu ex-senhor ou a terceiros
363
. Nesse sentido, o que
podemos chamar de liberdade? Em muitos casos o ex-escravizado acabava dependente
do seu ex-proprietário para sobreviver. Dependia de seu apadrinhamento para conseguir
um novo trabalho ou para obter um pedaço de terra para trabalhar, neste caso como
colono ou meeiro de quem antes o mantivera cativo. Poderia também ter maior
mobilidade territorial, desde que não perdesse sua carta de alforria e a registrasse onde
chegasse, podendo se lançar a outras regiões, buscando uma nova vida, longe do local
de escravidão, de seus entes e dos parentes. Ao permanecer na região onde foi
alforriado, algumas vezes se dedicava a fazer pequenos bicos como jornaleiro
364
ou,
então, prestava serviço a quem lhe dera a liberdade
365
. É bom deixar claro que a
liberdade abria um novo mundo para o liberto, mas ao mesmo tempo o colocava frente a
frente com as incertezas agravadas pela marca de um ambiente escravista.
Não se discorda da efemeridade da condição de liberto, mas acredita-se que seja
possível pensar que para o escravo a possibilidade de estar junto a seus entes, sem
361
OLIVEIRA, op. cit. p.21.
362
CASTRO, op.cit e op.cit.
363
Nesse caso, terceiros simboliza quem financiou a compra da liberdade.
364
É o caso do liberto Sérgio, que cultivava alimentos para sua sobrevivência e que havia trabalhado
como jornaleiro em outras ocasiões. CDH, CAT-1 CR-031, Processo criminal.
365
Como exemplo temos um grupo de libertas que após terem sido libertadas através de pagamento,
ficaram obrigadas a prestar serviços ao seu benfeitor. Cataguases, Cartório do Segundo Ofício de Notas,
5º livro de notas, de 1883.
104
ameaça de separação por venda, de poder escolher onde vai trabalhar, se vai ou não
servir ao mesmo ex-senhor, fossem situações que talvez dessem um sentido para a
busca da liberdade para aqueles que decidiam procurar a emancipação por via legal até
1888 e que isso fazia com que a mão-de-obra permanecesse na região de Cataguases,
pelo menos até a abolição.
3.1 Perfil dos libertos em Cataguases
Como o objetivo deste capítulo é traçar um panorama sobre alguns aspectos do
modo de viver dos libertos, foi feito inicialmente um levantamento do perfil de escravos
que foram libertados e que possuem suas cartas de liberdade registradas nos cartórios do
Primeiro e do Segundo Ofícios de Cataguases. Apesar do registro do título de liberdade
não ser sempre autenticado, acredita-se que seja possível traçar um perfil dos forros se
comparado com dados de outras fontes.
Gráfico 6
Idade dos libertos
91; 59%
2; 1%
20; 13%
15; 10%
11; 7%
15; 10%
08-15 anos
16-30 anos
31-50 anos
51-59 anos
acima 60 anos
o mencionado
366
Fonte: Brasil, Cataguases, Cartórios do Primeiro e Segundo Ofícios de Notas.
Mesmo sem ter a idade dos libertos para todos os casos, procurou-se prosseguir
a análise dos dados, considerando que tanto poderiam ser mais ou menos jovens os
366
O total de cartas de alforria registradas é de 155, mas uma delas se refere a um ingênuo e foi excluída
deste gráfico por não se tratar de liberto.
105
alforriados e tendo em vista que nem sempre a idade legal condizia com a natural, uma
vez que eram adulteradas durante a matrícula para favorecer o proprietário.
367
A respeito da distribuição por faixa etária é lembrado que se partiu da idade de
oito anos porque os estudos deste trabalho se iniciam em 1878, oito anos após a
promulgação da Lei do Ventre Livre.
Se forem somadas as faixas etárias mais produtivas, 16-30 anos e 31-50 anos,
obtém-se que 23% dos libertos encontravam-se nelas.
Esse fato é considerável se pensarmos que 59% das cartas não têm a idade
relacionada. Então, observa-se que era considerável o número de libertos em idade de
trabalhar. Tem-se visto na historiografia sobre a Zona da Mata minera que o fluxo da
chegada de imigrantes no Império para a província mineira não foi tão grande quanto
para São Paulo e que a substituição da mão-de-obra não foi intensa. Então, cabe a
hipótese de que, tempos depois de alforriado, o liberto permanecia na região. Primeiro,
porque registravam suas cartas e, segundo, o fato de não haver alarmantes ausências de
mão-de-obra durante a última década escravista
368
. Não se afirma que trabalharia para o
mesmo proprietário, mas não é descartada essa hipótese. A sugestão é a de que ele se
dedicou ao jornal, ou que passou a viver como meeiro. Assim, continuava a dividir seu
espaço social com o escravo e com homens livres, principalmente pobres.
Por estes motivos, chegou-se à conclusão de que os libertos estavam sendo
absorvidos pela sociedade, que nesta última década uma maioria permanecia nas
proximidades de onde morava, conservando suas relações sociais, familiares e de
trabalho, discordando da análise da Escola Paulista da década de 1970, que via o liberto
como marginal à sociedade.
Esperava-se que o número de alforrias fosse maior na faixa etária acima de 51
anos, no entanto o total foi de 17%, o que não superou o de pessoas “em condições de
trabalho”, de 16 a 50 anos. A explicação seria que não eram registradas aquelas cedidas
pelo Estado, através de pecúlios, fundo de emancipação, ações de liberdade, Lei dos
Sexagenários etc. As encontradas no livro de notas dizem respeito a proprietários que
alforriaram seus sexagenários semanas antes da audiência que libertaria todos. Mas,
pela análise dos sexagenários alforriados, dos pecúlios e do Fundo de Emancipação é
perceptível que o perfil da idade dos libertos era variável.
367
Questão já apresentada no capítulo 2.
368
Conclusão tirada pela análise dos periódicos já mencionados para o período.
106
É importante ressaltar que provavelmente havia libertos de todas as idades, pois
se trata de um período em que as alforrias estão acontecendo com freqüência e que não
como mapear todas; considerando as diversificadas fontes e a ausência de números
precisos e a falibilidade da matrícula.
Com relação à naturalidade dos libertos, os dados encontrados nos registros
notariais sugerem que:
Gráfico 7
Naturalidade dos escravos alforriados em Cataguases entre 1878-1888
20; 13%
135; 87%
AFRICANO
CRIOULO
Fonte: Brasil, Cataguases, Cartórios do Primeiro e Segundo Ofícios de Notas.
Observa-se que predominância dos brasileiros em relação aos africanos. Esse
fato pode ser explicado pelo argumento de Botelho
369
, onde menciona a questão da
redução da população africana no final do regime escravista. Fato este provocado pela
proibição do tráfico negreiro no Atlântico, mas o percentual do gráfico se alterou a
partir de 1886, quando os sexagenários foram libertados, provavelmente, dentre eles
havia vários africanos.
A situação de estar atrelado à alforria condicional pode sugerir a permanência
desses libertos na década final da escravidão em Cataguases, assim como a libertação
sem ônus em virtude de laços afetivos poderiam promover a permanência do forro na
região. Levando em consideração o censo de 1872 observa-se que 4,1% dos escravos
adquiriram e registraram sua carta de liberdade nos cartórios da sede municipal.
369
BOTELHO, Tarcísio R. As alforrias em Minas Gerais no século XIX. Varia História, Belo Horizonte,
nº. 23, 61-76, Julho/2000.p.66.
107
Tabela 6
Condição da libertação
CONDIÇÃO NÚMEROS PORCENTAGEM
370
Sem ônus 39 25,16
Com ônus 11 07,09
Condicional a prestação de serviço 27 17,41
Lei 2040 03 01,93
Lei 3270 08 05,16
Pecúlio 03 01,93
Não mencionada a condição 63 40,64
TOTAL 155 99,32
Fonte: Brasil, Cataguases, Cartórios do Primeiro e Segundo Ofícios de Notas.
Ao comparar os dados das cartas de alforria com os da Alforria pelo Fundo de
Emancipação e da listagem de libertação de sexagenários, conclui-se que é muito
complicado delinear o perfil. Nos anos finais da escravidão houve uma miscelânea de
sexos, idades, naturalidades e condições, podendo-se afirmar que neste momento havia
libertos de todos os tipos.
3.2 O liberto e as relações de trabalho
Não é o caso deste estudo considerar a situação de ex-escravos que se retiraram
do município de Cataguases após sua emancipação e sim procurar analisar como viviam
os libertos que permaneciam na região. Partindo desta perspectiva serão levantadas
algumas considerações em torno da questão do trabalho exercido por estes indivíduos
entre 1878 e 1888.
Em meio a uma sociedade escravista é provável que, mesmo pós-liberdade,
alguns ex-escravos permanecessem trabalhando para seus ex-senhores. O caso de
Pancrácio, de Machado de Assis, apesar de ser uma obra literária, revela essa
possibilidade.
371
Nos anos finais da escravidão era comum que o senhor de escravos
libertasse um cativo com a finalidade de que esse pela gratidão permanecesse lhe
prestando serviços: era uma forma de prorrogar a perda da mão-de-obra, além do que,
em muitos casos, o próprio proprietário lançava esta cláusula na carta de alforria, com a
370
Os valores não chegarão a porcentagem redonda por causa da eliminação das dezenas de casas pós-
vírgula.
371
CHALHOUB, op. cit.
108
condição de prestação de serviço. Não se quer, no entanto, afirmar que todos os
escravos libertados fossem gratos ao seu senhor e permanecessem sob seu domínio, mas
levantar a questão de que esta é uma hipótese válida, principalmente se pensarmos que
era uma forma de garantir a subsistência.
Mary Karasch
372
, em A vida dos escravos no Rio de Janeiro, levanta a questão
da dificuldade de um liberto sobreviver sem a ajuda de seu ex-senhor ou padrinho. A
análise que se faz tem tentado mostrar a possibilidade da manutenção do forro via seu
esforço, sem necessariamente depender da ajuda do antigo proprietário, mas não se
descarta a possibilidade levantada pela autora encontrada em alguns casos em
Cataguases, onde o manumisso permaneceu como empregado onde havia sido cativo.
Certamente a profissão de um liberto vem do seu cativeiro, a não ser que
aprendesse um novo ofício após a liberdade.
Pela análise de todo o corpus documental levantado, notou-se a predominância
da profissão de roceiro, tanto para homens como para mulheres cativas. Em segundo,
lugar apareceram as cozinheiras, costureiras e raramente pajens, ferreiros, carpinteiros,
sapateiros e pedreiros. Constatações que vêm afirmar o caráter rural da região.
Cataguases, na década final da escravidão, era uma cidade não muito grande e que
provavelmente seria incapaz de absorver todos os que se libertavam. Será que eles
ficariam dispersos na sociedade como vadios, que supostamente não haveria como o
núcleo urbano absorver toda a mão-de-obra? Os libertos permaneciam trabalhando na
região com a finalidade de manter seus laços familiares e sociais, além dos de
dependência (alforrias condicionais e empréstimos) de seu ex-senhor ou de terceiros.
Será apresentada no próximo sub-capítulo a questão da família escrava e liberta,
mas por hora leva-se em consideração que, ao contrário da historiografia tradicional,
acredita-se na existência e na suma importância desses laços com a comunidade para os
cativos e libertos.
Em certos casos, concordando com Karasch, o liberto tendia a depender de seu
ex-senhor, principalmente no caso de uma alforria condicional. Pois somente após o
pagamento ou a prestação de serviço seria possível para o liberto livrar-se do ex-
proprietário. Mas, invertendo o jogo, era uma relação de dependência dual, o
proprietário permanecia com o liberto condicional porque precisava, dependia de seu
trabalho.
372
KARASCH, op. cit.
109
D. Maria Carlota Souza Lima concede a carta de liberdade a seus escravos
Valério e Thereza com a
condição comum de servir-me (à proprietária) e acompanhar-
me como o tem feito até o presente, pelo tempo de quatorze annos a contar da presente
data, findo os quaes gozarão da sua plena liberdade (...).
373
D. Maria Carlota estava de
idade, e com a visão de que poderia morrer, talvez sozinha, passa carta, mantendo assim
o casal em sua companhia.
casos em que são abertos processos cíveis de Locação de serviço para a
liberdade
374
e Liberdade com cláusula de prestação de serviços
375
, onde o liberto fica
“preso” ao ex-senhor até que pague o devido. Joaquim, conquistou sua liberdade com a
cláusula de prestação de serviços. Foi feito um contrato de prestação de serviços no qual
contava que o liberto iria prestar
serviços de lavoura de roça a razão de quinze reis por
mes
376
, que as despesas com doenças seriam pagas pelo locatário com direito até três
dias sem desconto. Porém, este documento deixa transparecer uma outra questão,
presente em outros documentos. Joaquim, além dos serviços, também pagaria um
pecúlio. Como conseguir, se era dependente do senhor? O contrato aponta para a saída:
domingos e dias santos, Joaquim teria para descanso ou impregará como quizer
377
. Eis a
questão: legalmente ele estava preso à prestação de serviços, mas a “folga” dos dias de
costume favorecia o trabalho para acúmulo de pecúlio.
Em outros casos
378
, transmitia-se a “dependência”, a partir daqui, dívida para
terceiros que emprestaram quantias para a compra da liberdade. Não foi encontrado, nos
dois casos, parentesco entre locatários e locador. A escritura mostra um tipo de trabalho
entre o escravo e o livre, o locado, no qual um registro que garante o cumprimento
do contrato pelas partes envolvidas.
O periódico Folha de Minas
379
possuía anúncios do tipo seguinte:
Precisa-se de uma creada forra ou escrava que engome e cozinhe com
perfeição. É para casa de pequena família. Informações nesta
typografia.
380
373
Brasil, Cataguases, Cartório do Primeiro Ofício de Notas, livro 12º, Carta de liberdade de Valério e
Thereza, 1883, p. 29 e 30.
374
CDH, CAT-1 CV- 456 e CV- 087, Locação de serviços para a liberdade.
375
CDH, CAT-1 CV- 281 e CV- 667, Liberdade com cláusula de prestação de serviços.
376
CDH, CAT-1 CV- 667, Liberdade com cláusula de prestação de serviços.
377
Ibidem.
378
Brasil, Cataguases, Cartório do Segundo Ofício de Notas, livro 5º, Locação de serviços e CDH, CAT-1
CV- 456, Locação de serviços para a liberdade
.
379
Biblioteca Nacional, Jornal Folha de Minas dos dias 09/011/84, 28/12/84, 04/01/1885 e 11/01/1885.
380
Ibidem.
110
Da mesma forma são encontradas pessoas alugando escravas e outras que
precisam de serviços de cativas. Não estão presentes, no entanto, chamadas de
oferecimento ou aluguel de escravos. Provavelmente porque seria mais difícil encontrar
uma
creada com dotes para o serviço doméstico disponível do que homens.
Retornando à questão inicial da continuidade da profissão, como foi
levantado, havia uma maioria de escravos classificados como roceiros e poucos
especializados. Nesse caso, após libertos, esses indivíduos permaneciam trabalhando
como meeiros ou jornaleiros. Poderiam se dedicar a viajar pelas propriedades à procura
de emprego, ora na época de colheita, ora no sentido de prestar um determinado serviço,
ajudar em uma construção, carregar produtos etc.
A prática de atividades camponesas também esteve presente, como relatou Hebe
de Castro.
(...) A população livre pobre em sua maior parte identificada como
mestiça pelos recenseamentos da época, tornara-se majoritária durante
o século XIX, principalmente por causa da libertação, por fórmulas
diversas, de escravos e seus descendentes, garantindo sua
sobrevivência, prioritariamente, explorando pequenas roças de
subsistência, com trabalho familiar, em terra alheia ou devoluta.
381
Através do cultivo para subsistência, o escravo - e por que não o liberto? -,
sentiam a expectativa do exercício da liberdade
382
.
Esse tipo de trabalho camponês poderia ser realizado nos dias santos e domingos
como escreveu Stein:
Até mesmo o domingo era parcialmente dedicado ao trabalho. Nas
tarefas da manhã, que duravam até nove ou dez horas, os escravos da
lavoura atendiam a trabalhos auxiliares da fazenda (...). Essas faxinas,
uma vez terminadas, o senhor “dava licença” permitia aos escravos
disporem do resto do dia até a formatura da noite. Também
costumavam os fazendeiros “dar licença” em dias outros que os
domingos, para alternar os dias de folga e dificultar o encontro dos
escravos com os amigos das fazendas vizinhas.
Muitos se dispersavam então por pequenas roças próximas da sede da
fazenda, onde cultivavam café, milho e feijão. Os fazendeiros lhes
concediam essas glebas por diversas razões: davam ao lavrador
escravo o sentimento da propriedade que, soubessem-no os fazendeiros
ou não, era a continuação de uma tradição africana que abrandava a
aspereza do cativeiro; produziam víveres que os fazendeiros não
cultivavam, concentrados que estavam na monocultura; e, comprando a
dinheiro sua produção, os fazendeiros punham na mão dos escravos
pequenas quantias para adquirirem artigos suplementares que não
eram fornecidos pela fazenda (20). Freqüentemente os fazendeiros
exigiam que os escravos vendessem somente a eles o café que
produziam (21). Os escravos obtinham também algum dinheiro quando
381
CASTRO, 1989. p. 90.
382
Idem.
111
se generalizou, entre os fazendeiros, o hábito de remunerar o trabalho
efetuado aos domingos e dias santos.
383
A análise do autor permite uma aproximação com a documentação encontrada
em Cataguases, onde houve casos de escravos que acumulavam quantias para
pagamento de Pecúlio. Adquiridas com o comércio de produtos agrícolas, animais e
trabalhos realizados nos dias santos e domingos.
384
.
José Congo, escravo de Francisco José Gonçalves, entra com uma ação de
Pecúlio para a liberdade
385
na qual justifica a origem da quantia:
(...) Allega mais o supp
e
, que possui em terrenos de seu senhor, um
cafezal de mil pés, feito nos dias feriado e em poder do m
mo
seu senhor
tem a q
ta
de 100$ importância de mantimentos e café, ao mesmo
vendidos do que são test
as
Marciano da S
a
Padilha e Justino Carapina,
e um cavalo arreado com sellim e caçamba. (...)
386
A citação e o desenrolar do processo demonstram que a prática descrita por
Stanlei J. Stein para Vassouras se fazia presente entre os costumes de Cataguases.
Fechando o caso, José Congo pede ao juiz que recolha com Estanislau uma
quantia que havia lhe emprestado, a juros.
387
De acordo com Stanlei havia o comércio entre escravos e taberneiros. Hebe de
Castro
388
destaca o papel das vendas de secos e molhados na comercialização dos
produtos das roças dos escravos. E por que não dos libertos?
Pela documentação fica nítido que além da subsistência, sobrava algum dinheiro
que permitia ao escravo aplicar parte do que recebia.
Não foi possível descobrir informações sobre o passado de José Congo, nem
muito menos de sua vida de liberto, mas quem sabe ele não continuou vivendo de seu
trabalho?
A questão da pequena roça foi mencionada no capítulo 1, quando foi descrito
o caso de Estevão, que havia sido assassinado. Este liberto morava com a esposa
próximo à estação de Sinimbu. No dia do crime, havia chegado de Cataguases com
feijão para o plantio, certamente em uma das pequenas roças. Mas, em períodos de
383
STEIN, op.cit. p.204-205.
384
CDH, CAT-1 CV-307, CV-364, CV-436, CV-478 e CV-301, Pecúlios para a liberdade.
385
CDH, CAT-1 CV- 364 Pecúlio para a liberdade.
386
CDH, CAT-1,CV-364. Pecúlio para a liberdade
387
CDH,CAT-1 CV-478. Pecúlio para a liberdade. Neste documento também aparece a questão do
empréstimo a terceiros por escravos, que não será analisado neste trabalho.
388
CASTRO, 1989. p. 90.
112
entressafra Estevão trabalhou também como jornaleiro, foi quando conheceu seu futuro
assassino.
389
As inúmeras possibilidades de trabalho escravo e liberto se mesclavam; ora
meeiros, ora camponeses, ora jornaleiros, enfim, todo tipo de labor poderia ser praticado
para levar à liberdade e, sobretudo, permanecer nela, mesmo que não se enquadrasse no
modelo de atividade agrário-exportadora idealizado pelas “elites”.
3.3 Bens de escravos e libertos
Mesmo quando cativos e contra a legislação, era possível que escravos
possuíssem bens, provavelmente um direito costumeiro permitia esta brecha no
escravismo moderno.
Quando escravizados, poderiam ser “proprietários” de mantimentos cultivados
em roças cedidas por fazendeiros e animais. Havia também a possibilidade de herdarem
bens de seus ex-senhores em testamento.
O caso de legados testamentários foi estudado na região da Zona da Mata
mineira por Elione Guimarães
390
, que, através da micro-análise, estudou a questão da
disputa de terras legadas entre livres e libertos. Os escravos de uma fazendeira foram
alforriados em testamento e receberam como herança uma porção de terras. Com o
passar dos anos as terras dos alforriados se valorizaram e a partir de então ocorreram
várias disputas em torno destas propriedades. Maria Helena Machado
391
, estudando São
Paulo, também concluiu que em áreas decadentes era possível a permanência dos
libertos nas terras, mas quando havia a valorização da propriedade, a posse passava a ser
questionada.
Em Cataguases, como foi mencionado no item sobre “Alforrias através de
testamentos e inventários”, foram encontrados casos em que escravos, após libertados
em testamento, recebiam legados materiais. As heranças variavam entre quantias em
dinheiro, casas de morada e terras.
D. Joanna Maria de Jesus deixou a Baptista, filho liberto de uma escrava
falecida, 100$000 para que fossem empregados em educação, assim como legou metade
389
CDH,CAT-1 CR-031, Processo criminal.
390
GUIMARÃES, 2005.
391
MACHADO, 1994.
113
da casa de morada com a obrigação de não vendel-a á pessoa de meo (seu) irmão
João
392
. Joanna era solteira e devido a laços afetivos deixou a herança aos ex-cativos,
assim como um afilhado recebeu 100$000 e, seu irmão, a outra metade da casa.
Não ser casado, viuvez e ausência de filhos facilitou para que senhores testassem
legados a escravos. José Maria Molinet era viúvo e preferiu deixar todos os seus bens,
umas terras uma pequena casa coberta com telhas ahonde eu moro nas cabeceiras do
Sapucaia do Laranjal
393
a seu único escravo Sebastião, do que permitir que seus
enteados recebessem as benfeitorias.
O reconhecimento de paternidade rendia bens a filhos de escravas e, em caso de
falecimento dos rebentos, a mãe era a herdeira
394
.
Joaquim Antonio Henriques, falece em 1881 e em seu testamento
395
ficaram
libertos alguns de seus escravos, Raphael, Theodoro, Máximo, Bernarda, Estevão,
Juliana, Geralda e Ambrósio. O testador ainda tinha outros cativos. Os mais
beneficiados foram Raphael, Theodoro e Máximo, que, além da liberdade, ganharam
doze alqueires de terras, onde tinham plantações, além dos serviços do liberto
condicional Ambrósio.
Pelo testamento fica claro, mais uma vez, a questão da roça de escravos. Agora
com a doação das terras a libertos, eles passariam a pequenos camponeses, se não fosse
a absolvição das terras por medição judicial para Olympio (?) de Souza (não era
herdeiro). O inventário
396
que segue o testamento tem diversos herdeiros que moravam
em localidades distantes e não entravam em acordo. Por mais que o juiz tentasse
resolver as questões, em 1889 ainda havia andamento no processo, os bens se
deterioraram, os escravos foram libertados e não foi possível cobrir nem mesmo as
custas dos autos.
Mas, mesmo em meio a esta confusa ação, os ex-escravos permaneciam
arranchados em terras que forão da Fazenda do Inventariado, dizendo que seu finado
senhor “concedera-lhes carta de liberdade”.
Cabe uma especulação: onde estariam arranchados os libertos? Consta no
testamento que haviam herdado 12 alqueires, mas o inventariante afirma que 11 deles
392
CDH, CAT-1 CV 078, Testamento.
393
CDH, CAT-1 CV-630. Testamento.
394
CDH, CAT-1 CV-228. Testamento.
395
CDH, CAT-1, CV-232. Testamento.
396
CDH, CAT-1, CV-083. Testamento.
114
foram absorvidos por Olympo (?) de Souza. Os libertos teriam ficado arranchados no
alqueire restante, ou mesmo trabalhando para o novo proprietário.
Casos de conflitos de terra em inventários não eram raros, principalmente se
além dos herdeiros naturais houvessem libertos. Em geral o inventariante procurava
ludibriar o juiz para que o inventário se arrastasse e os bens continuassem em suas
mãos. Não fica claro o que aconteceu realmente com os legados dos libertos. Vejamos
mais um exemplo:
João Patrício de Moura liberta, em testamento, Lucinda e todos os escravos que
tivessem carta de liberdade em mãos do Barão de Leopoldina
397
, deixando para eles o
direito de viver arranchados com as benfeitorias na fazenda que herdou do finado
Candido José da Silva Moura, sem poder vendê-las, só as repassando por sucessão.
Buscando confrontar os dados do testamento com o inventário
398
, descobriu-se
que somente Lucinda ficou livre pela vontade do testador, pois o Barão de Leopoldina
disse que não possuía carta alguma. Mas, pelo menos com uma legatária liberta as terras
haveriam de ficar. Lucinda ficaria com dez alqueires de terras em matto no sítio do
Retiro
399
e, segundo a vontade de João Patrício de Moura, as terras não poderiam ser
vendidas. No entanto, a propriedade foi a leilão por 960$000 para que Lucinda
recebesse. Mais uma vez, os anos se passam e na República o inventário se arrasta,
sem que se possa saber o que aconteceu com a herança de Lucinda.
Maria Inês Oliveira
400
analisou a questão dos legados deixados por libertos
através de testamentos, porém entre os trinta e nove testamentos analisados, até a
elaboração deste trabalho, não foram encontrados libertos testando. Primeiro porque não
foi possível trabalhar com a totalidade das fontes
401
, segundo, que poderia ter havido um
branqueamento social nos testadores
402
, fato que apagaria a informação de sua condição
de ex-escravos.
O legado do ex-senhor era uma das formas de libertos possuírem bens, mas
também o trabalho como jornaleiro ou meeiro render-lhes-ia bens, não com fartura
como os de um proprietário, porém importantes para a sobrevivência de sua família.
Possuir uma roça, animais e um lugar para morar poderia ser uma conquista que lhes
397
CDH, CAT-1, CV-454. Testamento.
398
Um dos raros casos em que foi possível fazer isso. CDH, CAT-1, CV-454. Testamento e CDH, CAT-
1, CV-455 e CV-460, Inventário.
399
CDH, CAT-1, CV-460, Inventário.
400
OLIVEIRA, op. cit.
401
O arquivo não liberou os livros de registro de testamento.
402
Hipótese com base no livro Das Cores do Silêncio, de Hebe de Castro. CASTRO, 1995.
115
dava a sensação de liberdade ligada à autonomia, bem precioso para quem havia sido
escravo.
Militão e sua família recorreram à justiça com um pedido de
Ação de
manutenção de liberdade, na qual alegam que são libertos e que o pai custeava o
sustento da família, inclusive com gastos em botica e médico. A prosperidade de
Militão propiciou até que ele ajudasse o ex-senhor de sua esposa a manter a família
403
.
Tudo isso podia significar a posse de um bem precioso, a manutenção de sua liberdade.
nesse período a consciência do direito à propriedade por parte do escravo
Lourenço, que pertencia a Manoel Francisco de Souza. Depois de ser preso na vila de
Cataguases (não se sabe o motivo) em depoimento ao juiz veio à vila para procurar um
padrinho, mas encontrou uma pessoa que o aconselhou a procurar o juiz para se queixar
de maus tratos do senhor e que
por birra com elle interrogado matou suas criações e
que queria maltratar um cavalo que este possue e que o fez retirar para outro pasto
404
.
Lourenço não só possui bens, como os defende.
Não foi possível aprofundar a análise a respeito dos bens de escravos e libertos
em Cataguases, mas procurou-se elaborar um questionamento inicial para a questão.
3.4 Família escrava e liberta
A historiografia até a década de 1970 apresentava a família escrava como rara e
promíscua. Traziam nesta análise preconceitos que impediam avistar Na senzala uma
flor
405
. Essa visão era inspirada por idéias presentes no século XIX, sobretudo narradas
por viajantes. Além de considerarem rara a presença da família, ainda era possível
associar a vadiagem do liberto à falta de instituição familiar
406
.
Estudos recentes, baseados em documentos históricos, vêm mostrando que havia
uniões estáveis durante o escravismo. Eni de Mesquita Sâmara
407
, Iraci del Nero
403
Caso analisado - CDH, CAT-1, CV-252. Ação de manutenção de liberdade, que foi analisada no
capítulo 2.
404
CDH, CAT-1, CV-021. Interrogatório ao escravo Lourenço pertencente a Manoel Francisco de Souza.
405
SLENES, 1999.
406
Idem. p. 141.
407
SAMARA, Eni de Mesquita. “A família negra no Brasil”: escravos e libertos. Anais do VI Encontro
de Estudos Populacionais Olinda
, 1988, v.3, p.39-58.
<http://www.abep.nepo.unicamp.br/docs/anais/pdf/1988/T88V03A02.pdf>. Acessado em: 5 de maio de
2004.
116
Costa
408
& Francisco Vidal Luna, Donald Ramos
409
, Manolo Florentino, José Roberto
Góes
410
( ), Robert Slenes
411
, Hebe de Castro
412
e tantos outros aprofundaram a
pesquisa sobre a família de escravos e libertos.
Este trabalho não entrará no mérito de questões tão bem discutidas pelos autores
citados, mas irá propor uma análise da família cativa e liberta para o município de
Cataguases, levando-se em consideração:
Pelo casamento e, antes ou depois, por meio do nascimento de uma
criança escrava, vários indivíduos criavam ou estreitavam laços que,
nas difíceis circunstâncias da vida em escravidão, eram laços de
aliança. A mãe e o pai da “cria” (como aparecem nas fontes) viam
reafirmando o propósito comum de juntarem suas forças de modo a
melhor viver a vida possível. Ambos arrumavam um compadre e, muitas
vezes, uma comadre. E, talvez, cunhados, cunhadas, sogros e sogras. E
se a criança, o que não era fácil, sobrevivesse até a idade de procriar,
muito mais alargada ainda seria essa rede de laços de solidariedade e
aliança.
Parece óbvio que a criação de laços parentais fosse desejo de todos
os escravos. (...)
413
Alguns autores como Rômulo Andrade
414
, Manolo Florentino e José Roberto
Góes
415
perceberam em seus estudos que havia maior probabilidade de uniões estáveis
em grandes escravarias.
Os dados referentes a Cataguases não permitem uma elaborada análise desta
questão, uma vez que as fontes são dispersas. Mas, a partir do que foi encontrado pode-
se perceber que a presença da família escrava e, conseqüentemente, a de libertos, era
uma constante, mesmo em escravarias pequenas.
No entanto, a grande escravaria poderia facilitar a permanência e o convívio de
gerações, devido à “estabilidade econômica” da região na segunda metade do século
XIX.
408
COSTA, Iraci del Nero da & LUNA, Francisco Vidal. “Vila Rica”: nota sobre casamentos de escravos
(1727-1826).
Revista África”, São Paulo, Centro de Estudos Africanos (USP), (4): 105-109, 1981.
409
RAMOS, Donald. “A mulher e a família em Vila Rica do Ouro Preto”: 1754-1838. In: Congresso
sobre a história da população na América Latina, 1989, Ouro Preto. Anais... São Paulo: Fundação
SEADE, 1990, pp.154-163.
410
FLORENTINO, Manolo & GÓES, José Roberto. A paz das senzalas: famílias escravas e tráfico
atlântico, Rio de Janeiro, 1790-1850. Civilização Brasileira: Rio de Janeiro, 1997.
411
SLENES, 1999.
412
CASTRO, Hebe. “Laços de família e direitos no final da escravidão”. In: ALENCASTRO, Luiz
Felipe de (Org.).
História da vida privada no Brasil: Império. São Paulo: Cia das Letras, 1997. p. 337-
383.
413
FLORENTINO, op.cit. p. 173-174.
414
ANDRADE, Rômulo. “Família escrava e estrutura agrária na Minas Gerais oitocentista”. In:
Revista População e Família, nº. 1, p.181-210, jan. - jun., 1998. São Paulo: Humanitas/CEDAL.
415
FLORENTINO, op. cit. e ANDRADE, 1998 e ______. “Casamento entre escravos na região cafeeira
de Minas Gerais.” In:
Revista da Universidade Rural, série Ciências Humanas. Vol 22(2): 177-197,
jul./dez. 2000.
117
A análise da maior escravaria encontrada sugere estas questões.
O Major Vieira da Silva Pinto
416
foi um dos fundadores do município, e
provavelmente era o detentor de uma das, senão a maior, riqueza da região
417
. Senhor de
cento e vinte escravos matriculados em 1875
418
por causa da Lei do Ventre Livre, tinha
diversas famílias com várias gerações de escravos.
Dos 119 escravos vivos do Major, 39 eram casados
419
, além, é claro, das “mães
solteiras” dos adolescentes e crianças. De noventa e nove escravos, 84% faziam parte de
famílias constituídas na fazenda da Glória.
Pela análise da matrícula dos escravos é possível sugerir que as relações entre os
cativos e a “estabilidade” da escravaria resultou em diversas gerações dessas famílias
que fizeram aumentar o número de cativos do proprietário. Ambrósio e Felisbino
relatam que moravam há mais de 30 anos na fazenda
420
. Os indivíduos foram se
casando, seus filhos tiveram netos e assim houve uma considerável elevação no número
de braços para trabalhar no momento posterior ao tráfico atlântico
421
. Talvez tenha sido
o fator econômico aquele que favoreceu a existência dessas famílias. O proprietário
gozava de “estabilidade econômica” suficiente para que não fosse preciso se desfazer
dos cativos, principalmente das suas famílias e com isso manteve uma reprodução
natural.
No diagrama está apresentada uma família escrava da Fazenda da Glória:
416
A chegada do Major assim como algumas considerações sobre a atuação dele na região foram
apresentadas no capítulo 1. p.40.
417
Infelizmente, o inventário que poderia esclarecer esta questão não foi encontrado, assim como o de
seus descendentes.
418
A lista de matricula de escravos foi encontrada no meio do processo: CDH, CAT-1 CV-412. Petição
de documento.
419
Alguns escravos não apresentam o cônjuge na lista, nem aparece menção de ser viúvo. Esse fato leva à
reflexão de que eles poderiam se casar com cativos de outros proprietários. A sugestão é que fossem de
filhos do Major, pois segundo relato de D. Célia Guideiro de Rezende e D. Sônia Mara Vieira de Rezende
(consultadas informalmente para este trabalho em 26/06/2005) o patriarca da família dividiu a fazenda da
Glória com os filhos e algumas ficaram muito próximas, o que poderia ter favorecido o relacionamento
entre os escravos.
420
CDH, CAT-1 CR-029, Processo criminal.
421
Dados retirados da cópia da lista de matrícula de escravos do Major Joaquim Vieira da Silva Pinto. In:
CDH, CAT-1 CV-412, Petição de documento.
118
Diagrama 1
Descendência genealógica de uma família de escravos do Major Vieira da Silva Pinto
Antônio (falecido) Maria (falecida)
Ambrosio
(38)*
Cecília
(35)
Theotonio
(23)
Luiza
(19)
Gertrudes
(16)
Pedro
(33)
Ponciana
(29)
?
Ricardo
(17)
Antonio
Marcolino
(15)
Marcolino
(5)
Marçal
(9)
Maria
(3)
Adolpho
(12)
Eufrásia
(2)
Aguida
(4)
Bernardina
(10)
Fonte: CDH, CAT-1, CV-412, Pecúlio para a liberdade - Lista de Matrícula de escravos de 1875.
* Idade dos escravos.
Todavia, a presença da família não significou o reinado de paz na senzala.
Márcia Amantino
422
, analisando o cotidiano dos escravos em Cataguases, relatou a
presença de quilombos na região e em especial na Fazenda da Glória. Comparando os
dados apresentados por ela com a matrícula dos escravos do Major Vieira é possível
observar que havia escravos casados refugiados no rancho no Taquaruçu. Felisbino e
Ambrosio
423
eram casados e Sérgio, Romualdo e Casemiro, solteiros, filhos da fazenda.
Nem o texto da autora nem o processo criminal
424
permitem concluir a causa da fuga,
principalmente se considerar que Felisbino era feitor e tido pelas testemunhas como
humilde e obediente.
425
Portanto, a presença da família escrava não significou
necessariamente elemento que levasse a conter rebeldias por parte dos cativos.
No tangente à tradição das famílias foi possível observar que em termos de
profissão ela se perpetuava. Muitas (9) das costureiras presentes na escravaria
conservaram o ofício da mãe, assim como roceiros tendiam a ter essa profissão nas
demais gerações.
422
AMANTINO, 2005.
423
Idem. Ambrosio era... cunhado ... amigo... parceiro ... de Felisbino.
424
CDH, CAT-1 CR-029, Processo criminal.
425
Ibidem.
119
Como forma de comparar a presença da família em escravarias de tamanhos
diferentes foi selecionada a de Manoel Ferreira Ribeiro
426
, com dezessete cativos. Doze
dos cativos constituíam duas famílias que deram origem ao maior número da escravaria,
veja o esquema das famílias.
Diagrama 2
Descendência genealógica de uma família de escravos de Manoel Ferreira Ribeiro
Venâncio (60)* Eva (50)
Pedro
(15)
Camilo
(13)
Mudesto
(11)
João
(18)
Fonte: CDH, CAT-1, CV-471, Inventário.
* Idade dos escravos.
Diagrama 3
Descendência genealógica de uma família de escravos de Manoel Ferreira Ribeiro
Luis (32)* Antonia (30)
Custodio
(10)
Silvestre
(8)
Amaro
(6)
Maria
(1)
Fonte: CDH, CAT-1, CV-471, Inventário.
* Idade dos escravos.
Na genealogia duas gerações, ao contrário daquela que apresenta uma
escravaria maior. Provavelmente porque o proprietário não era tão próspero como o
primeiro.
Sobraram cinco escravos que foram adquiridos de outras áreas de Minas Gerais
e, entre eles, uma, Maria Luiza, era mãe de duas ingênuas.
Como foi apresentado na referência, a lista foi obtida em inventário e neste caso
foi possível perceber que as famílias foram desfeitas para atender os herdeiros, mas não
significa que perderam contato, pois era comum haver proximidade entre o local de
moradia dos herdeiros.
426
CDH, CAT-1 CV 471, Inventário.
120
Mesmo escravarias pequenas e médias apresentam consórcios, ou então mães
solteiras. A existência destas mães naturais pode significar que seu relacionamento não
era reconhecido como casamento pelo senhor na hora da matrícula, mas que poderiam
se tratar de uniões estáveis.
A questão do casamento entre escravos independia da vontade do senhor, como
já afirmou Eni Samara
427
, mas na prática essa interferência era notada sobretudo quando
se analisam documentos oficiais redigidos pelos senhores, como é o caso da matrícula,
ou pela justiça. Aos olhos do proprietário, a escrava ou escravo poderiam não ter uniões
consideradas casamento, mas na prática cotidiana elas se afirmariam com tal.
Em busca de elementos sobre os enlaces matrimoniais dos cativos e libertos
foram consultados os registros de casamento da Matriz de Santa Rita de Cássia e, em
seguida, eles foram comparados com os obtidos nas listas de Alforria pelo Fundo de
Emancipação.
Tabela 7
Tipologia dos casais com registro de casamento na Matriz de Santa Rita de Cássia entre
1879 e 1888
428
Casais Números Porcentagem %
Liberto com liberto 03 08,10
Liberto com livre 06 16,21
Escravo com livre 03 08,10
Escravos do mesmo
proprietário
17 45,94
Escravos de proprietários
diferentes
01 02,70
Escravo com liberto 07 18,91
Total 37 100,00
Fonte: Matriz de Santa Rita de Cássia, Registros de Casamento, Livros 1, 2 e 3.
Os números de registros para os livros analisados somam um total de trinta e
sete casamentos envolvendo escravos, libertos e livres, esse número equivale a 1% do
total dos escravos registrados no censo de 1872. A maioria dos enlaces acontecia entre
escravos do mesmo proprietário, houve apenas um entre cativos de senhores diferentes e
uma pequena parcela entre cativos e livres. Esses fatos podem ser explicados da
seguinte forma: o número de casamentos entre uma determinada escravaria se relaciona
427
SAMARA, op. cit.
428
O ano de início é de 1879 porque o primeiro livro começa neste ano.
121
à questão da interferência do proprietário na sua realização, inclusive ele poderia ser o
financiador, uma vez que era dispendioso casar-se. O único caso de consórcio entre
escravarias diferentes, assim como o baixo número de consórcios entre cativos e livres
não deve ser absolutizado, apenas nestes casos ocorreram o reconhecimento dos
senhores para o casamento formal, não significando que essas uniões não fossem
comuns.
Escravos e libertos têm uma maior freqüência de casamentos do que libertos
com libertos. Pela observação do sexo dos casais, observa-se que a maioria dos escravos
se casava com libertas, talvez mantivessem o relacionamento desde o tempo do
cativeiro, mas, após a libertação da mulher, o casamento se efetivasse, como forma de
proteger os futuros filhos. Não era tão comum o casamento entre forros, provavelmente
porque a situação financeira não permitia sua realização.
Frente ao número de escravos relatados no censo de 1872, 3791, pode parecer
pequena a quantidade de registros de matrimônio (1%). Sobre esta questão Iraci del
Nero da Costa e Francisco Vidal Luna consideraram que:
Ao longo da história brasileira houve predomínio maciço, entre os
cativos, do intercurso sexual não legitimado, vale dizer: parcela ínfima
das uniões a envolver pelo menos um parceiro escravo via-se
sacramentada pela Igreja (...).
429
E mais que:
Do exposto, conclui-se que não se verificava rigidez absoluta com
respeito às uniões entre indivíduos de segmentos sociais distintos, ainda
que raros, entre senhores e seus próprios cativos.
430
No que diz respeito à primeira citação, acrescenta-se a possibilidade de os
enlaces acontecerem em igrejas das proximidades.
A questão da união entre cativos do mesmo senhor foi analisada neste estudo.
Escravos de proprietários diferentes também podiam se casar se estes consentissem, mas
provavelmente continuavam morando em propriedades diferentes, mesmo que fossem
próximas ou então se uniam sem a autorização e mantinham seus relacionamentos em
momentos em que fosse possível se encontrar.
Para a reflexão sobre casamento entre escravos e livres foi considerada a
abordagem de Cacilda Machado
431
, na qual ela considera o casamento e o compadrio
429
COSTA, Iraci del Nero da, LUNA, Francisco Vidal. “Vila Rica”: nota sobre o casamento de escravos
(1727-1826), Revista África, São Paulo, Centro de Estudos Africanos (USP, (4): 105-109, 1981.
430
Idem.
431
MACHADO, Cacilda. “Casamento & compadrio”. Estudo sobre relações sociais entre livres, libertos e
escravos na passagem do século XVIII para o XIX (São José dos Pinhais PR). XIV Encontro Nacional
de Estudos Populacionais, ABEP, Caxambu - MG, 2004.
122
como “atos sociais estratégicos”: permitir o enlace de um (a) escravo com pessoa livre
era uma forma de arregimentar mão-de-obra. Assim como o consentimento de
casamentos entre escravos e libertos.
Esta última modalidade de casamento merece certa atenção neste trabalho. foi
esclarecido que não é possível pensar na família dos libertos sem antes estudar a de
escravos, afinal forros foram cativos. O enlace entre um ex-escravo com um escravizado
pode sugerir que, antes mesmo da oficialização, estes mantinham relações sociais ou
mesmo íntimas que vieram a se legitimar depois que perceberam a possibilidade de um
dos cônjuges estar livre. Se pensarmos que se tratava de uma liberta, fica mais claro,
pretendiam privar do cativeiro os futuros filhos.
A família escrava e liberta foi analisada levando em consideração não apenas os
laços sangüíneos, a esta devem ser incluídos seus agregados: compadres, comadres,
padrinhos, madrinhas, afilhados, cunhados... enfim, todos aqueles que estabelecessem
laços afetivos com a família genética.
Através da comparação entre os registros da igreja matriz com a listagem do
Fundo de Emancipação e das listas de matrícula disponíveis, é perceptível que havia um
considerável número de casais que não se casaram perante a igreja do município, ou que
apenas se uniram, mas que eram reconhecidos como cônjuges pelos seus senhores.
A presença da família escrava fortalecia os laços que levariam à liberdade e a
partir do apoio de outros indivíduos ficaria mais fácil conquistá-la. Inclusive a Lei de
1871 apontava nesta direção.Também é notável a libertação de famílias em cartas de
alforria, nas quais são encontrados casais e filhos sendo libertos. Nos testamentos essa
situação também ocorre.
Os laços familiares cativos deram origem à família de libertos, ou mista,
propiciando a permeabilidade social entre escravos, forros e livres, trazendo
dificuldades para que alforriados quisessem se afastar de seus laços afetivos e
comunitários. Como são os casos de Estevão, Militão e tantos outros.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Elaborar uma conclusão sobre qualquer aspecto que envolva o tema escravidão
para a área estudada soa como pretensão, por isso optou-se pela elaboração de algumas
considerações finais, principalmente porque os números aqui apresentados não podem
ser absolutizados, uma vez que as fontes não permitem uma quantificação dos dados.
Em alguns trechos tentou-se fazer uma aproximação de dados para facilitar a apreensão
das dimensões da libertação.
A compreensão da dinâmica social de uma região passa necessariamente pelo
delicado trabalho de caracterização da área eleita pelo historiador. Foi possível perceber
nos estudos preliminares que a porção da Zona da Mata mineira em que Cataguases se
insere atinge seu auge econômico do período escravista na segunda metade do século
XIX.
O município apresentava uma economia baseada na agricultura. O café não era o
único produto cultivado para o comércio, que se produzia o arroz, o açúcar e outros
gêneros. Em alguns inventários foi encontrada a criação de gado com certo destaque
econômico nos anos finais da escravidão. Cataguases, assim como boa parte do país
perderia os braços que cultivavam suas lavouras. Mas, pelo menos no período
escravista, parte dos cativos libertados manteve a produção em andamento, “auxiliado”
obviamente pela presença de trabalhadores livres pobres e da mão-de-obra familiar.
Havia o predomínio de escravarias pequenas e médias, mas não foram
descartadas as grandes, com a do Major Joaquim Vieira da Silva Pinto.
Em meio a este contexto, a libertação de escravos se tornava realidade, processo
acelerado pelas pressões sociais, abolicionistas e as leis.
Os cativos que certamente há muito já lutavam pela liberdade passaram a usar os
mecanismos presentes nas leis 2040 e 3210, para mais rapidamente conquistarem a
liberdade. Entre as formas utilizadas para adquirir a alforria nesta década final da
escravidão estavam: a ausência do nome nas matrículas das leis de 1871 e 1885, o
124
acúmulo de pecúlio, o fundo de emancipação, as ações de liberdade, as negociações
entre escravos/senhores, as alforrias testamentais e inventariais, a Lei dos Sexagenários.
Além, é claro, da luta pela manutenção de liberdade.
Há de se destacar também o interesse nesses anos finais da escravidão de
alforriar para manter libertos trabalhando, condicionalmente ou por gratidão.
Provavelmente as redes de comunicação dentro do município e entre ele e o
Império favoreciam o trânsito de informações que auxiliavam os escravos a buscar a sua
libertação.
A condição do liberto foi condicionada, assim como já apresentou Hebe de
Castro, pelo reconhecimento pessoal e da sociedade. O reconhecimento da condição
social pelo grupo ajudava quando era preciso “provar” o status de liberto.
Sobre o que era liberdade pode-se considerar que se relacionava com o “viver
sobre si”, a escolha de onde e para quem trabalhar, o direito de ir e vir, a luta contra a
venda, troca, ou o afastamento indesejado de seus entes ou daquilo que o escravo
julgava ser “bom cativeiro”.
A presença da família, sobretudo a parte escravizada, favorecia a permanência
do liberto na região, sem contar que ampliava suas relações sociais, permitindo a
articulação para a aquisição da alforria.
Para elucidar o que significaram todas essas estratégias de libertação, foi
elaborada a porcentagem de escravos libertados, o que rendeu 14% dos 3791 cativos
presentes no censo de 1872. Se forem transformados em números tem-se
aproximadamente um total de 531 libertos no período dos dez anos finais da escravidão.
Lembre-se que este dado não é preciso, afinal, as fontes não estão completas e o censo
foi realizado sete anos antes desta análise, o interessante de considerá-lo é pensar onde
foram parar estes alforriados. Sumiram? Não se adequaram à sociedade e permaneceram
marginais à sociedade, como pensava a historiografia tradicional?
Após liberto, era possível trabalhar como meeiro, lavrador, jornaleiro,
doméstica
432
ou qualquer forma que provesse a sobrevivência, caso contrário poderiam
furtar, roubar...
Até 1888 foram encontrados três processos criminais
433
envolvendo libertos,
mas no período posterior à abolição, até 1896, foi possível observar um aumento na
432
BN, Jornal Folha de Minas.
433
Idem.
125
criminalidade praticada por ex-escravos, passando para treze as ações
434
que assim os
nomearam. São crimes que se relacionam com furtos de animais e dinheiro, assassinatos
e ofensas físicas, podendo significar que a absorção dos ex-escravos pós-Lei Áurea não
se manteve na mesma proporção anterior.
O pedido de restituição de Pecúlio depositado na coletoria
435
parece ter sido
comum, assim como seu ressarcimento.
Sem o obstáculo que podia representar a permanência de parentes ainda ligados
à escravidão legal, alguns libertos podem ter debandado de seus antigos cativeiros, o
que provocaria um abalo das produções pós-abolição, mas era possível também o
contrário:
Ilmº Snr Dr. Juiz de Orphãos
Diz D. Minervina Esmeria de Araújo, inventariante dos bens do
espolio do seu finado marido José Joaquim Rodrigues, que pela recente
lei de 13 do corrente mez que declarou extinta a escravidão no Brazil,
ficou a Fazenda inventariada privada dos braços escravos e por isso
mesmo na contingencia de assalariar trabalhadores para o cultivo da
Fazenda, maximo para as colheitas do café, canna e feijão, que
occorrem actualmente; e como tenha descripto no inventario quantia
superior a cinco contos de réis em dinheiro, vem requerer a V. S, a bem
da economia da Fazenda, se digne conceder-lhe authorização para
empregar mensalmente em pagamentos de trabalhadores de seu
estabelecimento agrícola que se torna precisa na proporção de forças
da lavoura, (...)
436
D. Minervina Esmeria de Araújo morava em São Francisco de Assis do Capivara
(Palma), na fazenda da Fortuna, com o marido, José Joaquim Rodrigues e filhos
menores quando no inicio do ano de 1888 faleceu seu esposo. A partir de então passou a
ser inventariante do processo de divisão dos bens, que somavam 72:504$516 réis, entre
bens de raiz, gado, porcos, café, cafezais e 16 escravos. Porém, com a lei de 13 de maio
de 1888 foi obrigada a pagar trabalhadores assalariados para fazer as colheitas e manter
a fazenda. Sem recursos, pede autorização ao juiz para obter dinheiro com a venda de
café estocado e assim poder pagar pela colheita da lavoura.
O caso descrito acima suscita algumas considerações:
D. Minervina Esmeria perdera seus trabalhadores compulsórios e por isso
precisava de dinheiro para pagar aos assalariados. Quem seriam esses indivíduos? Ex-
escravos? Livres? O acompanhamento do caso sugere que poderiam ser os seus ex-
434
CDH, CAT-1 CR-372, CR-374, CR-376, CR-380, CR-381, CR-399, CR-417, CR-427, CR-535, CR-
635, CR-655, CR-743, e CAT-2 CR-415, Processos criminais.
435
CDH, CAT-1 CV-397, CV-658. Pecúlios para a liberdade, para citar alguns exemplos.
436
CDH, CAT-1 CV-707. Inventário.
126
escravos, uma vez que em final de junho ela pede para que fosse devolvida a lista de
matrícula arrolada no inventário para que alguns ex-escravos pudessem provar suas
idades para
contrahirem matrimonio
437
.
No pós-abolição pode-se destacar tanto o aumento da criminalidade como a
necessidade da mão-de-obra e a presença de trabalhadores libertos jornaleiros. A
exemplo, o caso da liberta Thereza Catharina de Jesus, filha de Catharina, liberta,
residente na Fazenda Indaiá, que deu à luz Maria, em 02/01/1889
438
.
Durante o período escravista e mesmo no pós-abolição a sociedade é taxativa ao
nomear o ex-cativo e diversos adjetivos foram usados, como forro, alforriado, ex-
escravizado, ex-escravo, liberto, enfim, tudo o que pudesse marcar essas pessoas como
sendo diferentes dos demais membros da sociedade. Diferentes até hoje, não apenas na
adjetivação, mas nas desigualdades sociais e econômicas. É comum, ao andar por certos
distritos de Cataguases nos dias atuais, e encontrar descendentes de escravos que
permanecem no campo servindo gerações aos proprietários de terras da região, em
um trabalho quase escravo, senão na questão do assalariamento, mas na forma como são
tratados.
437
Ibidem.
438
Brasil, Cataguases, Cartório de Registro Civil, livros 1º, 2º e 3º, Registro de nascimento 02/01/1889.
ARQUIVOS E INSTITUIÇÕES PESQUISADAS
Arquivo Público Mineiro - APM
Arquivo Público Municipal de Cataguases - APMC
Biblioteca Nacional - BN
Centro de Documentação Histórica de Cataguases – CDH
Fundação Instituto de Geografia e Estatística – IBGE – Agência de Cataguases
Fundarte de Muriaé
Hemeroteca Pública do Estado de Minas Gerais
Igreja Matriz de Santa Rita de Cássia
128
BIBLIOGRAFIA
Fontes
FONTES MANUSCRITAS
ARQUIVO PÚBLICO MINEIRO
Mapas de população de Santa Rita do Meia Pataca – Digitalizado - DOC 14 e DOC-18
Código de Posturas do Município de Cataguases – Digitalizado
ARQUIVO PÚBLICO MUNICIPAL DE CATAGUASES
Livro de Atas da Câmara de 1877 a 1880
Livros de
CENTRO DE DOCUMETAÇÃO HISTÓRICA DE CATAGUASES
439
Ações de liberdade
Ações de manutenção de liberdade
Alforrias pelo Fundo de Emancipação
Cartas dirigidas a diversos possuidores de escravos de 60 a 65 anos para comparecerem
na audiência de 14 de abril de 1885, digo 1886, os quais não compareceram na referida
audiência por diversos motivos e deixaram de ser declarados libertos, ficando o ato
adiado para outra audiência
Cartas manuscritas enviadas a proprietários de escravos libertos pelo Fundo de
Emancipação
439
As fontes cíveis pesquisadas nesta instituição são referentes aos anos de 1878 a 1888 e os processos
criminais de 1878 a 1896.
129
Documentos apresentados na audiência de 14 de abril de 1886 com relação a escravos
de 60 a 65 anos e maiores de 65 anos
Documentos diversos
Edital do Fundo de Emancipação
Interrogatório ao escravo Lourenço pertencente a Manoel Francisco de Souza
Inventários
post-mortem
Liberdade com cláusula de prestação de serviços
Locação de serviços para a liberdade
Pecúlios para liberdade
Petição de dívidas
Petições de documento
Processos criminais
Relação de escravos
Relação dos escravos declarados livres pela idade em razão da Lei de 28 de setembro de
1885
Requerimentos de audiência
Testamentos
IGREJA MATRIZ DE SANTA RITA DE CÁSSIA
Livro de Registro de Casamentos nº 1
Livro de Registro de Casamentos nº 2
Livro de Registro de Casamentos nº 3
Livro de Registro de Óbitos nº 1
440
Livro de Registro de Óbitos nº 2
Livro de Registro de Óbitos nº 3
FONTES IMPRESSAS
440
Material digitalizado gentilmente cedido pelo Prof. Ms. Alen Batista Henriques.
130
HEMEROTECA PÚBLICA DO ESTADO DE MINAS GERAIS
441
Jornal O Povo
Jornal O Leopoldinense
Jornal O Cataguazense
BIBLIOTECA NACIONAL
442
Jornal Gazeta de Cataguases
Jornal Folha de Minas
Jornal O Povo
Jornal José Bonifácio
Jornal O Bilontra
Jornal O Cataguazense
Jornal O Universal
PUBLICAÇÕES DOS RECENSEAMENTOS
Centro Brasileiro de Análise e Planejamento – CEBRAP. “Os recenseamentos gerais do
Brasil no século XIX: 1872 e 1890”
441
Foram analisados todos os jornais presentes nesta instituição referentes ao período de 1878 a 1888.
442
Idem. Exceto o periódico O Universal do ano de 1828.
131
Referências Bibliográficas
ALMEIDA, Ana Maria Leal. Da casa e da roça: a mulher escrava em Vassouras no
século XIX. 2001. Dissertação de Mestrado em História apresentada na USS, Vassouras
– RJ.
ALMEIDA, Kátia Lorena Novais. “Alforrias em Rio de Contas - 1800-1850”. In: XXIII
Simpósio Nacional de História. ANPUH. Londrina: Editorial Mídia, 2005. (Disponível
em CR-ROM).
ALMEIDA, Odete Valverde O. A disputa entre grupos familiares pelo poder local na
cidade de Cataguases: práticas eleitorais, representação e memória. 2004. Dissertação
de Mestrado em História apresentada na Fafich/UFMG, Belo Horizonte.
AMANTINO, Márcia.
O mundo das feras: os moradores do Sertão Oeste de Minas
Gerais século XVIII
. 2001. Tese de Doutorado em História apresentada ao
IFCS/UFRJ, Rio de Janeiro.
______. “O cotidiano escravo em Cataguases na segunda metade do século XIX”. In:
Seminário de História Econômica e Social da Zona da Mata mineira. In: 2005, Juiz de
Fora (MG). Anais... CES, 2005. (Disponível em CD-ROM).
ANDRADE, Marcos Ferreira de. “Rebeliões escravas na Comarca de Ouro Preto”. In:
Varia História. Belo Horizonte, n.17, mar/97. p. 237-357.
ANDRADE, Rômulo Garcia de. Limites impostos pela escravidão à comunidade
escrava e seus vínculos de parentesco: Zona da Mata de Minas Gerais, século XIX (A
subjetividade do escravo perante a coisificação social própria do escravismo). 1995.
Tese de Doutorado em História apresentada ao Departamento de História da Faculdade
de Filosofia e Ciências Humanas da USP, São Paulo.
______. “A família escrava na perspectiva da micro-história” (estudo em torno de um
inventário e um testamento oitocentista: Juiz de Fora, 1872-76). In: Locus: Revista de
História. Juiz de Fora. Vol.2, n.1, 1996. p.99-121.
______. “Apontamentos sobre a micro-economia do escravo e sua interação com a
família e as solidariedades Zona da Mata de Minas Gerais, século XIX”. In: X
Seminário sobre Economia Mineira, 2002.
ANDRADE, Vitória Fernanda Schettini. “O estudo da legitimidade das escravas de São
Paulo do Muriaé (1852-1888) e sua relação com o nível de riqueza dos proprietários”.
In: XXIII Simpósio Nacional de História. ANPUH. Londrina: Editorial Mídia, 2005.
(Disponível em CR-ROM).
ARAÚJO, Ricardo Benzaquen de. Guerra e paz: Casa-grande & senzala e a obra de
Gilberto Freyre nos anos 30. Rio de Janeiro: ED. 34, 1994.
AZEVEDO, Célia Maria Marinho de. Onda negra. Medo branco: o negro no
imaginário das elites do século XIX. São Paulo: Annablume, 2004.
132
BARROS, José D’Assunção. “Espaço e tempo territórios do historiador”. In: ______.
FALCI, Miridam Britto e SANTOS, Cláudia Andrade dos (orgs.). Espacialidades. Ed:
(?): Vassouras, 2004. p. 13-31.
______.
O campo histórico: as especialidades e abordagens da História. Rio de Janeiro:
CELA, 2002.
BATISTA, Dimas José. “Conquistar a liberdade”: as estratégias de resistência escrava.
In:
Estudos de História. V.3, n.1. 1996. p.93-109.
BELLINI, Ligia. “Por amor e por interesse”: a relação senhor-escravo em cartas de
alforria. In: REIS, João José (org.). Escravidão e liberdade: estudos sobre o negro no
Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1988. p. 73-86.
BIVAR, Vanessa dos Santos. “O perfil demográfico da população não-nativa nos
testamentos paulistas” (séculos XVIII e XIX).
<http://www.abep.nepo.unicamp.br/docs/anais/pdf/2000/Todos/hist12_3.pdf>.
Acessado em 05 de maio de 2005.
BLASENHEIM, Peter. “Uma História Regional”: a Zona da Mata Mineira. In: V
Seminário de Estudos Mineiros. Belo Horizonte: UFMG/FAFICH, 1982. In:
<http://www.asminasgerais.com.br/Zona%20da%20Mata/UniVlerCidades/index.htm>.
Acesso em: 07 de setembro de 2004.
BOTELHO, Tarcísio Rodrigues. “População e escravidão nas Minas Gerais. 1720”. In:
XII Encontro da Associação Brasileira de Estudos de População. ABEP. Caxambu,
Minas Gerais, 2000.
______. “As alforrias em MG no século XIX”. In: Varia História. N.23, Belo
Horizonte: UFMG, 2000. p.61-76.
BRÜGER, Silvia Maria Jardim. “Legitimidade, Casamento e Relações ditas Ilícitas em
São João del Rei” (1730-1850). In: Anais do IX Seminário sobre a Economia Mineira.
Belo Horizonte: CEDEPLAR, 2000.
CAMBRAIA, Ricardo de Bastos & MENDES, Fábio Faria. “A colonização dos sertões
do leste mineiro”: políticas de ocupação territorial num regime escravista, 1780-1836.
In: Revista do Departamento de História. Belo Horizonte: UFMG, 6, pp. 137-150,
1988.
CANO, Jefferson. “Liberdade, cidadania e política de emancipação escrava”. In: Revista
de História. São Paulo: FFLCH-USP, nº 136, 1997. p.107-120.
CARDOSO, Ciro Flamarion S. Agricultura, escravidão e capitalismo. Petrópolis:
Vozes, 1979.
______. “História da Agricultura e História Regional”. In: ______. Agricultura,
escravidão e capitalismo. Petrópolis: Vozes, 1979. p. 13-93.
133
______. Escravidão e abolição no Brasil: novas perspectivas. Rio de Janeiro: Zahar,
1988.
CARDOSO, Fernando Henrique.
Capitalismo e escravidão no Brasil Meridional: o
negro na sociedade do Rio Grande do Sul. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977.
CARRARA, Ângelo Alves. “Estruturas agrárias e capitalismo”: contribuição para o
estudo da ocupação do solo e da transformação do trabalho na Zona da Mata mineira,
século XVIII e XIX. In: Série estudos, nº. 2. Mariana NHED/UFOP, 1999.
______. “O ‘sertão’ no espaço econômico da mineração”. In:
LPH. Revista de História,
nº. 6. p. 40-80. Ouro Preto, X Encontro Regional de História da ANPUH/MG, 1996.
CARVALHO, José Jorge de.
O quilombo do Rio das Rãs. Salvador: ESDUBA, 1995.
CASTRO, Celso Falabella de Figueiredo.
Os sertões de leste achegas para a história
da Zona da Mata. Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1987.
CASTRO, Hebe Maria Mattos de. “A escravidão fora das grandes unidades
exportadoras”
. In: CARDOSO, Ciro Flamarion (org.). Escravidão e abolição no Brasil:
novas perspectivas. Rio de Janeiro: Zahar, 1988. p. 32-56.
______. Escravidão e cidadania no Brasil monárquico. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,
2000.
______. “Laços de família e direitos no final da escravidão”. In: ALENCASTRO, Luiz
Felipe de (Org.). História da vida privada no Brasil: Império. São Paulo: Cia das
Letras, 1997. p. 337-383.
______. Das Cores do Silêncio: os significados da liberdade no sudeste escravista
Brasil séc. XIX. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1995.
______. “O estranho e o estrangeiro”: algumas considerações sobre as relações entre
“liberdade” e negação do trabalho no pós-abolição. In: SILVA, Jaime da (org.).
Cativeiro e liberdade. Rio de Janeiro, UERJ, 1989. p. 90-106.
CHALHOUB, Sidney. Visões da liberdade: uma história das últimas décadas da
escravidão na corte. São Paulo: Cia. das Letras, 1990.
CHAVES, Cláudia Maria. “Os mapas estatísticos de Minas Gerais”: importações,
exportações, consumo, produção e reformas econômicas no início do século XIX. In: X
Seminário sobre economia mineira, 2002.
CONRAD, Robert. Os últimos anos da escravatura no Brasil. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 1975.
CORRÊA FILHO, Virgílio e MARTINS, Hildebrando (Coord.). “Cataguases”. In:
Enciclopédia dos municípios brasileiros. Vol. XXIV. Rio de Janeiro, Sem Editora,
1958. p. 423-430.
COSTA, Emília Viotti da. Da senzala à colônia. 4ª ed. São Paulo: UNESP, 1998.
134
COSTA, Iraci Del Nero da & LUNA, Francisco Vidal. “Minas Colonial”: economia e
sociedade. São Paulo: Estudos Econômicos – FIPE/Pioneira, 1982.
COSTA, Levy Simões. Cataguases Centenária: dados para a sua história. Juiz de Fora:
Esdeva, 1977.
COTA, Luiz Gustavo Santos. “O sagrado direito da liberdade”: emancipacionismo e
abolicionismo em Ouro Preto e Mariana Minas Gerais, 1871-1888. In: Anais do I
Colóquio do LAHES. Juiz de Fora, junho de 2005.
______. “Um direito sagrado” - os advogados de Mariana e sua atuação nas ações de
liberdade (1871-1888). In: XXIII Simpósio Nacional de História. ANPUH. Londrina:
Editorial Mídia, 2005. (Disponível em CR-ROM).
CUNHA, Alexandre Mendes. “A diferença dos espaços”: um esboço de regionalização
para o território mineiro no século XVIII e algumas considerações sobre o redesenho
dos espaços econômicos na virada do século. In: X Seminário sobre a Economia
Mineira, 2002.
______. “Paisagem e população”: algumas vistas das dinâmicas espaciais em
movimentos da população nas Minas do começo de dezenove. In: XIII Encontro da
Associação Brasileira de Estudos Populacionais. Ouro Preto: Minas Gerais, 2002.
CUNHA, Manoela Carneiro da. “Sobre os silêncios da lei. Lei costumeira e positiva nas
alforrias de escravos no Brasil do século XIX”. In: Cadernos IFCH/UNICAMP:
Campinas, abril de 1983.
EISENBERG, Peter. “Ficando livres”: as alforrias em Campinas no século XIX. In:
Revista Estudos Econômicos. (PE) USP. 17(2) maio/ago. 1987.p. 175-216.
ESCHWEGE, W. L. Von. Pluto brasiliensis. vol. São Paulo: Companhia Editora
Nacional, 1944.
FALCI, Miridan Britto Knox. “Um estudo para a História Social”: os inventários de
1796 a 1820 no Rio de Janeiro. In: Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Rio
de Janeiro. Rio de Janeiro: IHGB-RJ, 1989/1989. p.143-161.
FALCI, Miridan Britto. “História regional”: conceitos, métodos, problemas. In: Revista
do Instituto Histórico e Geográfico do Rio de Janeiro. IHGB-RJ: Rio de Janeiro, 2001.
p.101-107.
FANNI, Silvana O. “Cataguases no século XIX”. In: Seminário de História
Econômica e Social da Zona da Mata mineira, In: 2005, Juiz de Fora (MG). Anais
...CES, 2005. (Disponível em CD-ROM).
______. “Elementos a serem considerados na análise de processo criminais envolvendo
escravos e libertos nas décadas finais do Império”. In: XXIII Simpósio Nacional de
História. ANPUH. Londrina: Editorial Mídia, 2005. (Disponível em CR-ROM).
135
FARIA, Sheila Siqueira de Castro. “Fontes textuais e vida material”: observações
preliminares sobre casas de moradia nos Campos dos Goitacazes, séculos XVIII e XIX.
In:
Anais do Museu Paulista Nova Série - História e cultura material. USP, nº (?), 1993.
p.107-129.
FERNANDES, Florestan.
A inserção do negro na sociedade de classes. São Paulo:
Ática, 1978.
FERNANDES, Neusa.
A Inquisição em Minas Gerais no século XVIII. Rio de Janeiro;
Eduerj, 2000.
FERREIRA, Roberto Guedes. “Alforrias em Porto Feliz, São Paulo”, século XIX. In:
XXIII Simpósio nacional de História. ANPUH. Londrina: Editorial Mídia, 2005.
(Disponível em CD-ROM).
______. “Trabalho, família, aliança e mobilidade social”: estratégias de forros e seus
descendentes Vila de Porto Feliz, São Paulo, século XIX.
<http://www.abphe.org.br/congresso2003/Textos/Abphe_2003_92.pdf>. Acessado em:
15 de maio de 2004.
FLORENTINO, Manolo e GÓES, Roberto. “Tráfico negreiro e estratégias de
sociabilização parental entre escravos do meio rural do Rio de Janeiro, 1790-1830”. In:
LEMOS, Maria Tereza et. all. América Latina e Caribe: os desafios para o século XXI.
Rio de Janeiro: UERJ/PROEALC, 1995. p. 201-219.
FRAGOSO, João Luis R. & PITZER, Renato Rocha. “Barões, homens livres pobres e
escravos”: notas sobre uma fonte múltipla: inventários post-mortem. In: Revista
Arrabaldes. Ano 1, n.2, set/dez, 1988. p. 29-52.
FRANCO, Sylvia Maria de Carvalho. Homens livres na ordem escravocrata. São
Paulo: Kairós, 1983.
FREYRE, Gilberto. Casa-grande & senzala. Rio de Janeiro: Record, 2001.
FURTADO, Celso. Formação econômica do Brasil. 27ª ed. São Paulo: Companhia
Editora Nacional: Publifolha, 2000.
GALVÃO, Rafael Ribas e NADALIN, Sérgio Odilon. “Bastardia e ilegitimidade’:
murmúrios dos testemunhos paroquiais durante os séculos XVIII e XIX. Nota Prévia.
<http://www.abep.nepo.unicamp.br/docs/anais/pdf/2000/Todos/hist13_2.pdf>.
Acessado em 03 de abril de 2004.
GEBARA, Ademir. O mercado de trabalho livre no Brasil 1871-1888.São Paulo:
Brasiliense, 1986.
GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: Livros Técnicos e
Científicos, 1989.
GENOVEZ, Patrícia Falco e SOUZA, Sônia Maria de. “Peças de Ébano”: a legislação
escravista em Juiz de Fora. In: Revista Eletrônica de História do Brasil. Juiz de Fora:
136
UFJF, vol. 1, 1, maio, 1997. p. 35-46. Disponível em: <http://ufjf.br/~clionet/rehb>
Acessado em: 13 de julho de 2004.
GODOY, Marcelo Magalhães. “Uma província artesã” O universo social,
econômico e demográfico dos artífices da Minas do oitocentos.
Anais do XII
ENCONTRO NACIONAL DA ABEP
. Belo Horizonte: CEDEPLAR/UFMG, 2000.
GÓES, José Roberto e FLORENTINO, Manolo.
Paz das senzalas: família escrava e
tráfico atlântico. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1997.
GOMES, Flávio dos Santos. “Ainda sobre os quilombos”: repensando a construção de
símbolos de identidade étnica no Brasil. In: REIS, Elisa et. all. Política e cultura: visões
do passado e perspectivas contemporâneas. São Paulo: Hucitec, 1996. p. 197-221.
______. Experiências atlânticas: ensaios e pesquisas sobre a escravidão e o pós-
emancipação. Passo Fundo: UFP, 2003.
GONÇALVES, Andréa Lisly. “Alforrias na Comarca de Ouro Preto (1808-1870)”. In:
Revista População e Família. CEDAL, nº. 3, p. 157-180. São Paulo:
Humanitas/FFLCH. USP, 2000.
______. “As margens da liberdade”: alforrias em Minas Gerais na primeira metade do
século XIX. In: LPHG: Revista de História, nº. 6. X Encontro Regional de História da
ANPUHG/MG, 1996.
______. “O mapa de negros que se captaram e a população forra de Minas Gerais.
1735-1750”. In: Revista Varia História. Número especial. Códice Matoso. Belo
Horizonte: FFCH/UFMG, nº. 21, jul., p.181-189, 1999.
GORENDER, Jacob. A escravidão reabilitada. In: LPH: Revista de História, v.3, n.1,
1992. p.245-266.
______. Escravidão Reabilitada. São Paulo: Ática, 1991.
______. O escravismo colonial. São Paulo: Ática, 1978.
GOUBERT, Pierre. “História local”. In: Revista história e perspectivas. Uberlândia,
6, jan-jun p.45-58. 1992.
GRAF, Márcia Elisa de Campos. Fontes para o estudo da família escrava no Brasil. V
Anais da ABEP, 1986. p.19-33.
GRINBERG, Keila. “Alforrias, direito e direitos no Brasil e nos Estados Unidos”. In:
Estudos Históricos. Rio de Janeiro: FGV, nº 27, 2001. p.63-83.
______. Liberata a lei da ambigüidade: As ações de liberdade da Corte de Apelação do
Rio de Janeiro no século XIX. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1994.
______. O fiador dos brasileiros: cidadania, escravidão e direito civil no tempo de
Antonio Pereira Rebouças. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002.
137
GUIMARÃES, Elione Silva. “Escravos e libertos da Zona da Mata Mineira”: da luta
pela liberdade aos primeiros anos do pós-emancipação. In: Revista Científica da
FAMINAS. V.1, n.2 (maio/ago.) Muriaé: FAMINAS, 2005. p.63-86.
______. “Amores ilícitos”
os crimes passionais na comunidade escrava – Juiz de Fora,
Minas Gerais, segunda metade do século XIX. In:
Varia História, nº. 25, p.165-193,
Julho/2001.
______. “Criminalidade entre mancípios”: a comunidade escrava no contexto de
grandes fazendas cafeeiras na zona da mata mineira. 1850-1888.
X Seminário sobre a
economia mineira
, 2002.
______. “Legados testamentais para escravos e forros”: heranças e conflitos na Juiz de
Fora oitocentista (1844-1904). In: Seminário de História Econômica e Social da
Zona da Mata Mineira, I: 2005, Juiz de Fora (MG). Anais... CES, 2005
HENRIQUES, Alen Batista.
Epidemias e urbanização: surtos de febre amarela na
Cataguases oitocentista. 2005. Dissertação de Mestrado em Saúde Coletiva/História e
Saúde apresentada ao Núcleo de Saúde Coletiva/UFJF, Rio de Janeiro.
JESUS, Alysson Luiz Freitas de. “A participação dos africanos na escravidão do sertão
norte mineiro 1830-1888”
. In: Anais do XIV Encontro Regional de História da
ANPUH-MG. Juiz de Fora, julho de 2004. (Disponível em CD-ROM).
JOSÉ, Oiliam. A abolição em Minas. Belo Horizonte: Itatiaia, 1962.
JOSÉ, Oiliam. Marlière, o civilizador. Esboço biográfico. Belo Horizonte: Itatiaia,
1958.
KARASCH, Mary C. A vida dos escravos no Rio de Janeiro 1808/1850. São Paulo:
Companhia das Letras, 2000.
LACERDA, Antônio Henrique Duarte. “Considerações sobre as cartas de alforria
registradas em um município cafeeiro em expansão através da análise dos livros de
notas cartoriais”. Juiz de Fora, Zona da Mata de Minas Gerais, século XIX. In: Varia
História. N.25, jul./01, Belo Horizonte: UFMG, 2001. p. 194-213.
______. “Demografia escrava e alforrias em Juiz de Fora” (Minas Gerais, século XIX).
In: Revista Científica da FAMINAS. V.1, n.2 (maio/ago.) Muriaé: FAMINAS, 2005. p.
39-62.,
______. “Expansão cafeeira, demografia e os caminhos de liberdade em Juiz de Fora”.
In: Seminário de História Econômica e Social da Zona da Mata mineira, I: 2005,
Juiz de Fora (MG). Anais... CES, 2005.
______. “Economia cafeeira, crescimento populacional e manumissões onerosas e
gratuitas condicionais em Juiz de Fora na segunda metade do XIX”. X Seminário de
Economia Mineira, 2002.
138
LAMOUNIER, Maria Lúcia. Da escravidão ao trabalho livre.Campinas: Papirus, 1988.
LANNA, Ana.
A transformação do trabalho: a passagem para o trabalho livre na Zona
da Mata mineira – 1870-1920. Campinas: Unicamp, 1998.
LARA, Silvia H. “Escravidão no Brasil”: um balanço historiográfico. In:
LPH: Revista
de História
. v.3, n.1, 1992. p. 215-244.
______. Campos da violência: escravos e senhores na Capitania do Rio de Janeiro
1750-1808. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988.
LIBBY, Douglas Cole & GRIMALDI, Márcia. “Equilíbrio e estabilidade”: uma
economia e comportamento demográfico num regime escravista, Minas no século XIX.
In: IV Anais da ABEP, 1988.
LIBBY, Douglas Cole e GRAÇA FILHO, Afonso de Alencastro. “Reconstruindo a
liberdade”: alforria e forros na freguesia de São José do Rio das Mortes, 1750-1850. In:
Varia História. N.30, julho 2003. p. 112-149.
LIBBY, Douglas Cole e PAIVA, Clotilde Andrade. “Alforrias e forros em uma
freguesia mineira”: São João d’El Rey em 1795. ABEP. <
http://www.abep.nepo.unicamp.br/docs/rev_inf/vol17_n1e2_2000/vol17_n1e2_2000_2a
rtigo_17_46.pdf>. Acessado em 21 de novembro de 2004.
LIBBY, Douglas Cole. Transformação e trabalho em uma economia escravista Minas
Gerais no século XIX. São Paulo: Brasiliense, 1998.
LIMA, Carlos. “Cindidos entre o patriarcalismo e a comunidade cativa os casamentos
de libertos na cidade do Rio de Janeiro” (1803-1834). Anais do X Encontro de Estudos
Populacionais. Caxambu, 1996, v.3, p.1711-1730. <
http://www.abep.nepo.unicamp.br/docs/anais/pdf/1996/T96V3A21.doc>. Acessado em:
05 de junho de 2004.
LIMA, João Heraldo. Café e indústria em Minas Gerais (1870-1920) Petrópolis: Vozes,
1981.
LIMA, Lana Lage da Gama. Rebeldia negra & abolicionismo. Rio de Janeiro: Achiamé,
1981.
LINHARES, Maria Yedda Leite e SILVA, Francisco Carlos Teixeira da. “Região e
História Agrária”. In: Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol. 8, n.15, p. 17-26, 1995.
LINHARES, Maria Yedda Leite. “Pesquisa em história da agricultura brasileira no Rio
de Janeiro”. In: Estudos, sociedade e agricultura. nº. 12p. 104-112, abril de 1999.
______. “A pesquisa histórica no Rio de Janeiro”. A História Agrária como programa
de trabalho: 1977-1994. Um balanço. In: Revista Brasileira de História. São Paulo,
v.15, n.30, 1995. p.77-89.
139
LOPES, Janaína Christina Perrayon. “Casamentos de escravos nas freguesias da
Candelária, São Francisco Xavier e Jacarepaguá”
. In: XXIII Simpósio Nacional de
História. ANPUH. Londrina: Editorial Mídia, 2005. (Disponível em CR-ROM).
LUNA, Francisco Vidal & COSTA, Iraci del Nero da. “A presença do elemento forro
no conjunto de proprietários de escravos”
. In: Ciência e Cultura. São Paulo, SBPC,
32(7): 836-841, 1980.
______. “Nota sobre casamento de escravos” (1727-1826). In:
Revista África. São
Paulo, Centro de Estudos Africanos (USP), (4): 105-109, 1981.
MACHADO, Cacilda. “Casamento & compadrio”: estudos sobre relações sociais entre
livres, libertos e escravos na passagem do século XVIII para o XIX (São José dos
Pinhais – PR). In: XIV Encontro Nacional de Estudos Populacionais, ABEP. Caxambu-
MG, setembro de 2004. (Disponível em CD-ROM).
MACHADO, Maria Helena Pereira Toledo. Crime e escravidão: trabalho, luta e
resistência nas lavouras paulistas – 1830-1888. São Paulo: Brasiliense, 1987.
MACHADO, Maria Helena Pereira Toledo. O plano e o pânico: os movimentos sociais
na década da abolição. Rio de Janeiro: Editora UFRJ/EDUPS, 1994.
MAGALHÃES, Beatriz Ricardina et al. “Evolução da economia e da riqueza na
Comarca do Rio das Velhas capitania de Minas Gerais”, 1713-1763. X Seminário
sobre a economia mineira.
MAGALHÃES, Sônia Maria. “Livro de Contos do Seminário de Mariana”: fonte para a
análise da produção e do consumo de alimentos em Mariana na primeira metade do
século XIX. X Seminário sobre a economia mineira, 2002.
MALHEIROS, Perdigão. A escravidão no Brasil: ensaio histórico, jurídico, social.
Petrópolis: Vozes, 1976.
MARQUES, Cláudia Elaine Parreiras. “Economia e demografia nas Minas
oitocentistas”. In: X Seminário sobre a economia mineira, 2002.
______. “Repensando a historiografia mineira”: aspectos demográficos, econômicos e
sociais no século XIX. In: Ouro Preto-MG, Encontro da Associação Brasileira de
Estudos Populacionais. 2002.
MARTINS, Maria do Carmo Salazar et. al. “População de Minas Gerais na segunda
metade do século XIX”: novas evidências. In: X Seminário sobre Economia Mineira.
2002.
MARTINS, Roberto B. “Minas e o tráfico de escravos no século, outra vez”. In:
História e Perspectiva. Uberlândia, Minas Gerais, p.93-130, n. 11, p. 105-124, jul-dez,
1994.
______. Minas Gerias século XIX”: tráfico e apego à escravidão numa economia não
exportadora. In: Estudos Econômicos. N.3.jan/abril. 1983. p. 181-209.
140
MATA, Iacy Maia. “Os ‘treze de maio’”: os conflitos envolvendo libertos na Bahia pós-
abolição. In: XXIII Simpósio Nacional de História. ANPUH. Londrina: Editorial Mídia,
2005. (Disponível em CR-ROM).
MATTOS, Ilmar Rohloff de.
O tempo Saquarema: a formação do Estado Imperial. São
Paulo: HUCITEC, 1990.
MATTOS, Regiane Augusto. “A prática da alforria e o perfil do liberto nos testamentos
paulistas do século XIX”. Anais da ABEP 2000. <
http://www.abep.nepo.unicamp.br/docs/anais/pdf/2000/Todos/hist12_2.pdf> . Acessado
em 10/012/2004.
MATTOSO, Kátia M. de Queirós.
Ser escravo no Brasil. São Paulo:Brasiliense, 1982.
MELLO E SOUZA, Laura de. “Coartação”: problemática e episódios referentes a
Minas Gerais no século XVIII. In: _________. Norma e conflito: aspectos da História
de Minas Gerais do século XVIII. Belo Horizonte: UFMG, 1999. p. 151-174.
MENDONÇA, Joseli Maria Nunes. Entre a mão e os anéis a Lei dos Sexagenários e
os caminhos da abolição no Brasil. Campinas: UNICAMP, 1999.
______. Cenas da abolição: escravos e senhores no parlamento e na justiça. São Paulo:
Fundação Perseu Abramo, 2001.
MERCADANTE, Paulo. Os sertões do leste Estudo de uma região: a Mata Mineira.
Rio de Janeiro: Zahar, 1973.
MINTZ, S. & PRICE, R. O nascimento da cultura afro-americana: uma perspectiva
antropológica. Rio de Janeiro: Pallas, Universidade Cândido Mendes, 2003.
MOURA, Clóvis. Dicionário da Escravidão negra no Brasil. São Paulo: USP, 2004.
NICÁCIO, Astolfo Dutra. Biografia de Astolfo Dutra: Um líder mineiro na República
Velha. Rio de Janeiro: Renovar, 2000.
OLIVEIRA, Maria Inês Côrtes. O liberto: o seu mundo e os outros, Salvador,
1790/1890. São Paulo: Corrupio/CNPq, 1988.
PAIVA, Eduardo França Paiva. Escravos e libertos nas Minas Gerais do século XVIII
estratégias de resistência através dos testamentos. São Paulo: Annablume, 1995.
______. Escravidão e universo cultural na colônia: Minas Gerais, 1716-1789. Belo
Horizonte: Editora UFMG, 2001.
______. “Um aspecto pouco conhecido das alforrias”: a coartação em Minas Gerais no
século XVIII. Cadernos LIPHIS 2. Rio de Janeiro, 1995. p. 87-104.
PAMPLONA, Marco A. Escravidão, exclusão e cidadania. Rio de Janeiro: Access,
2001.
141
PAPALI, Maria Aparecida C. R. Escravos, libertos e órfãos: a construção da liberdade
em Taubaté (1871-1895). São Paulo: Annablume/FAPESP, 2003.
PEREIRA, Thiago Bueno. “Abolicionismo em Juiz de Fora MG”. In: XXIII Simpósio
Nacional de História.
ANPUH. Londrina: Editorial Mídia, 2005. (Disponível em CD-
ROM).
PIÑEIRO, Théo Lobarinhas.
Crise e resistência no escravismo colonial: os últimos
anos da escravidão na província do Rio de Janeiro. Passo Fundo: UPF, 2002.
PIRES, Maria de Fátima Novaes. O crime na cor: escravos e forros no Alto Sertão da
Bahia (1830-1888). São Paulo: Annablume/FAPESP, 2003.
Prefeitura Municipal de Cataguases. Memória e Patrimônio Cultural de Cataguases.
Cataguases: Secretaria de Cultura, Esporte e Turismo, 1988. Secretaria de Cultura,
Esporte e Turismo.Vol. I.
Prefeitura Municipal de Cataguases.
Memória e Patrimônio Cultural de Cataguases.
Cataguases: Secretaria de Cultura, Esporte e Turismo, 1990. Secretaria de Cultura,
Esporte e Turismo.Vol II.
QUEIRÓZ, Suely Robles Reis de. “Escravidão negra em debate”. In: FREITAS,
Marcos Cezar de (Org.). Historiografia em perspectiva. São Paulo: Contexto, 1998. p.
103-117.
RAMOS, Vanessa Gomes. “Padrões das alforrias eclesiásticas no Rio de Janeiro
Imperial”. In: Anais do I Colóquio do LAHES. Juiz de Fora, junho de 2005.
REIS, João José (org.). Escravidão e invenção da liberdade: estudos sobre o negro no
Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1988.
REIS, Liana Maria. “Vivendo a liberdade”: fugas e estratégias de sobrevivência no
cotidiano escravista mineiro. In: Revista Brasileira de História – Órgão oficial da
Associação Nacional de História. São Paulo: ANPUH/ Contexto, vol.16, 31 e 32,
1996. p.179-192.
RESENDE, Enrique de. Pequena história sentimental de Cataguases. Verde e o
movimento modernista brasileiro. Presença de Niemeyer e Portinari no Meia-Pataca.
Humberto Mauro e o cinema nacional. Síntese da vida de um povo que se orgulha de
seus teares e de seus poetas. São Paulo: Itatiaia, 1969.
RESENDE E SILVA, Arthur Vieira de Rezende. Genealogia dos fundadores de
Cataguases. Rio de Janeiro: A. Coelho Branco Fº, 1934.
______. O município de Cataguases. [Belo Horizonte]: Imprensa Oficial, 1908.
RODRIGUES, Vilmara Lúcia. “Escravidão e alforria nas Minas Gerais do século”. In:
XXIII Simpósio nacional de História. ANPUH. Londrina: Editorial Mídia, 2005.
(Disponível em CR-ROM).
142
RODRIGUES, VILMARA Lucia. “Negras senhoras”: o universo das mulheres
africanas forras. In: Anais do I Colóquio do LAHES. Juiz de Fora, junho de 2005.
RUSSEL-WOOD, A. J. R. Escravos e libertos no Brasil colonial. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2005.
SAINT-HILAIRE, Auguste. Viagem pelas províncias de Rio de Janeiro e Minas
Gerais. Belo Horizonte: Itatiaia, 2000.
SAMARA, Eni de Mesquita. “A família negra no Brasil”: escravos e libertos. Anais do
VI Encontro de Estudos Populacionais Olinda, 1988, v.3, p.39-58.
<http://www.abep.nepo.unicamp.br/docs/anais/pdf/1988/T88V03A02.pdf>. Acessado
em: 05 de maio de 2004.
SANTOS, Cláudia Andrade dos. “Projetos sociais abolicionistas: ruptura ou
continuísmo?” In: REIS FILHO, Daniel Aarão (org.). Intelectuais, história e política:
séculos XIX e XX. Rio de Janeiro: 7 Letras, 200. p. 54-74.
SCÍNIO, Alaôr Eduardo. Dicionário da escravidão. Rio de Janeiro: Léo Christiano
Editorial, ?.
SHALLINS, Marshall.Outras épocas, outros costumes”: a antropologia da história. In:
______. Ilhas de História. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1990. p. 60-105.
SILVA, Carlos Teixeira da. “Os arquivos cartorários e o trabalho do historiador”. In:
Acervo – Revista do Arquivo Nacional. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, v.2, nº 1, jan-
jun. 1987. p. 1-64.
SILVA, Eduardo. As camélias do Leblon e a abolição da escravatura. São Paulo:
Companhia das Letras, 2003.
______. Dom Oba II D’África, o Príncipe do povo vida, tempo e pensamento de um
homem livre de cor. São Paulo: Companhia das Letras. 1997.
SILVA, Mairton Celestino da. “Em busca da liberdade”: a condição escrava em
Teresina na segunda metade do século XIX. In: XXIII Simpósio Nacional de História.
ANPUH. Londrina: Editorial Mídia, 2005. (Disponível em CD-ROM).
SILVA, Ricardo Tadeu Caires. “As redes da liberdade”: abolicionistas e escravos na
luta pelo fim da escravidão. In: XXIII Simpósio Nacional de História. ANPUH.
Londrina: Editorial Mídia, 2005. (Disponível em CR-ROM).
SILVEIRA, José Mauro Pires. “Os ramais da Estrada de Ferro Leopoldina no sul da
Zona da Mata de Minas Gerais 1872 a 1898”. In: Revista do Instituto Histórico e
Geográfico Brasileiro. Ano 163, n. 414. 2002. p. 9-35.
SLENES, Robert. Na senzala uma flor: esperanças e recordações na formação da
família escrava. Brasil-Sudeste, século XIX. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999.
143
______. “Os múltiplos porcos e diamantes”: a economia escravista em Minas Gerais no
século XIX. In:
Estudos econômicos. V.18, n.3, set/dez. 1988. p. 449-495.
______. “O que Rui Barbosa não queimou”: novas fontes para o estudo da escravidão
no século XIX. In: Revista Estudos Econômicos. São Paulo; 13(1): 117-149, jan/abr.
1983.
SOARES, Luiz Carlos. “Historiografia da escravidão” (as cidades brasileiras: algumas
reflexões prévias para o estudo da escravidão urbana). In: LPH: Revista de História. v.
3, n. 1, 1992. p. 161-175.
SOARES, Marcos José Veroneze. Os barões e a abolição: dificuldades para a adoção
do trabalho livre numa região decadente. 2003. Dissertação de mestrado em história
apresentada na USS, Vassouras.
SOUSA, Jorge Prata de.
A mão-de-obra de menores: escravos, libertos e livres nas
instituições do Império. Rio de Janeiro: Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro
APERJ, 1998.
VERGER, Pierre.
Os libertos: sete caminhos na liberdade de escravos da Bahia no
século XIX. São Paulo: Corrupio, 1992.
XAVIER, R. C. L. A conquista da liberdade: libertos em Campinas na segunda metade
do século XIX. Campinas, Centro de Memória – UNICAMP, 1996.
ZERO, Arethuza Helena. “Ingênuos, libertos, órfãos e a Lei do Ventre Livre”.
<http://www.abphe.org.br/congresso2003/Textos/Abphe_2003_76.pdf>. Acessado em:
15 de maio de 2004.
OUTRAS REFERÊNCIAS
Lei 534 de outubro de 1851. Arquivo Histórico. <www.arquivohistorico-
mg.com.br/cataguases/esquerda.html>. Acesso em 07 de setembro de 2004.
Livro 217 - Atas da Classificação de Escravos a serem libertos (1881-1886) . Arquivo
Histórico Municipal de Florianópolis.
<http://www.udesc.br/multiculturalismo/downloads/acervo_municipal/Livro217.doc>.
Acessado em 05 de janeiro de 2006.
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo