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Outro aspecto ressaltado pela autora que reforça a idéia de islamização
sustentada pelos dirigentes da SBMRJ, como um contraponto a arabização, está
relacionado a um processo mais amplo de vinculação da comunidade a algumas
tendências do pensamento teológico e intelectual islâmico. Para MONTENEGRO, a
comunidade muçulmana do Rio não teria, como no caso das comunidades de São Paulo
e Curitiba, um centro geográfico de vinculação ideológica e, logo, não receberia tipo
algum de financiamento. Esta situação teria permitido com que a comunidade
muçulmana do Rio procurasse se identificar ideologicamente com os pressupostos do
Ressurgimento Islâmico
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, não reconhecendo os atuais países majoritariamente
muçulmanos como Estados Islâmicos de fato.
O segundo dilema relacionado à comunidade muçulmana do Rio de Janeiro em
sua construção identitária, de acordo com MONTENEGRO, está na opção daquela
comunidade em se autodefinir como “fundamentalista”. Na análise de
MONTENEGRO, a noção “fundamentalismo” aparece como categoria nativa e seu
significado é percebido em duas dimensões na comunidade muçulmana do Rio de
Janeiro: uma cosmológica e a outra política.
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Silvia MONTENEGRO chama de “Ressurgimento Islâmico” uma corrente de pensamento elaborada por
alguns intelectuais muçulmanos do século XX. Segundo ela, as “idéias do ressurgimento” tiveram grande
influência em muitas organizações muçulmanas sunitas. Os pensadores do “Ressurgimento”, aos quais a autora
ressalta Hassan al-Banna, Sayyd Qutb, Maulama A´la Maududi, entre outros, acreditavam que as sociedades
majoritariamente muçulmanas estavam em um estado de decadência moral, uma vez que nas suas
interpretações, as leis islâmicas não estavam sendo cumpridas. Neste sentido, tais pensadores preconizavam
que a única maneira de se evitar tal estado de decadência seria através da implementação de um Estado
verdadeiramente Islâmico, em que seria possível a aplicação total das leis islâmicas. Nesta concepção, o
nacionalismo era amplamente criticado, pois contrariava vários preceitos islâmicos. Para a autora, esses
pensamentos teriam influenciado intelectualmente os dirigentes da SBMRJ em adotar uma postura antiarabista
e em não aceitar a existência de um Estado Islâmico em parte alguma do mundo contemporâneo.
(MONTENEGRO, 2000, p.118-122).
Esta questão é bastante complexa e não pretendo aqui discuti-la profundamente; no entanto, com base
em estudos clássicos sobre os movimentos de contestação islâmicos que nortearam várias revoltas de
muçulmanos ocorridas desde o final do século XIX até o século XX, sobretudo com o processo de
descolonização da África e da Ásia, o “Ressurgimento” seria uma corrente de pensamento que teria se
manifestado no século XIX nas áreas periféricas do Império Otomano. Neste sentido, os autores que
MONTENEGRO enquadrou no “Ressurgimento”, estariam, na verdade, vinculados a outras correntes de
pensamento, tais como o “Reformismo” e o “Radicalismo”, que tiveram maior impulso no século XX,
principalmente através dos pensamento de Al Banna e Sayyd Qutb, principais nomes da Irmandade
Muçulmana, criada em 1928 no Egito. A Irmandade está presente em países como Síria, Jordânia, Líbano,
Sudão, entre outros. Ver SANTOS, Patrícia. 2004.
É importante ressaltar que os Irmãos Muçulmanos lançaram as bases do Islam político no século XX,
cujo ápice seria a conquista do Estado e a implementação da Sharia´. Para tanto, tiveram grande influência da
Salafiyya, movimento surgido no século XIX que sustentava o retorno às “origens”, isto é, aos primeiros
tempos do Islam, considerados por eles como “purificados” de inovações. A Salafiyya, no entanto, não foi um
movimento homogêneo em suas elaborações doutrinais.