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MARIA CRISTINA MEIRELLES
CONHECIMENTO E PRÁTICA SOCIAL:
A Contribuição da Sistematização de Experiências
MESTRADO EM EDUCAÇÃO: CURRÍCULO
PUC/SP
São Paulo
2007
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MARIA CRISTINA MEIRELLES
CONHECIMENTO E PRÁTICA SOCIAL -
A Contribuição da Sistematização de Experiências
Dissertação apresentada à Banca Examinadora da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como
exigência parcial para obtenção do título de MESTRE
EM EDUCAÇÃO: CURRÍCULO, sob a orientação da
Profa. Dra. Ana Maria Saul.
PUC/SP
São Paulo
2007
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Banca Examinadora
____________________________________
____________________________________
____________________________________
Autorizo, exclusivamente para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial desta
Dissertação por processos de fotocopiadoras ou eletrônicos.
Assinatura: _______________________________________ Local e Data: ______________
AGRADECIMENTO
À CAPES pelo apoio financeiro, sempre fundamental.
À Ana Maria Saul, minha orientadora, que acreditou em mim, sem desistir.
Ao Sérgio Haddad, que me trouxe de volta até aqui e ofereceu as pedrinhas de
João e Maria para que eu seguisse a trilha.
Ao Programa Educação e Currículo que apoiou nas dificuldades de trajeto.
À PUC por manter os mesmos bancos de pedra de maio de 1977, 30 anos atrás,
onde estão as minhas memórias.
Aos profissionais entrevistados, que foram generosos no compartilhar.
Às pessoas todas que andam pelos caminhos da prática social e que me ensinam
diariamente.
Aos companheiros, presentes e futuros, da CASA7 Memórias e Aprendizagens
da Prática Social, que compartilham os desejos de construção.
Aos amigos e à família, que existem em minha vida, ainda bem.
À Luanna, minha filha, que me ajudou com Aristóteles.
Ao Gabriel, meu filho, que me estimulou a seguir em frente, tomou as
providências, e finalmente sentou ao meu lado e me ajudou a revisar os detalhes
nas madrugadas afora.
RESUMO
Este trabalho tem o propósito de refletir a questão da produção do conhecimento
a partir da prática social e, particularmente, as contribuições da sistematização de
experiências para o tema. Seu objetivo é levantar e analisar os sentidos atribuídos
por indivíduos participantes de ONGs Organizações Não Governamentais - aos
caminhos que levam da aprendizagem advinda da prática à sistematização das
experiências e à geração de metodologias e de conhecimento. A pesquisa parte
da delimitação do atual contexto social no qual as ONGs estão inseridas, do
estabelecimento de referências conceituais úteis para essa reflexão e de uma
breve revisão da literatura disponível sobre a sistematização de experiências,
majoritariamente latino-americana. Em seguida são entrevistados seis indivíduos
pertencentes a três ONGs com atuação nacional. Os resultados indicam que as
aprendizagens derivadas da prática social - sejam as próprias ou de outros atores
- têm sido consideradas pelos seus executores como fontes de conhecimento. Um
conhecimento prático, que tem um papel a cumprir em várias dimensões da
prática social: no fortalecimento das identidades organizacionais, na construção
de referências que apóiem a transformação social, na formação permanente dos
sujeitos que delas participam, entre outros. Os modos de construção deste
conhecimento, diversos entre si, incluem vários pressupostos da sistematização
de experiências, embora não se constituam, no conjunto estudado, em
sistematização de experiências exatamente como concebida pelas reflexões
latino-americanas. Por outro lado, o diálogo entre as diferentes maneiras de
produção de conhecimento abre um novo leque de questões a serem tratadas,
especialmente no campo da educação.
Palavras-Chave: Conhecimento. Prática. Social. Educação. Aprendizagem.
Sistematização. Organizações não Governamentais.
ABSTRACT
The purpose of this work is to ponder on the issue of knowledge production
stemming from social practices and particularly from the contributions arising from
the systematization of experiences for such a theme. Its goal is to assess and
inspect the experiences put forward by persons participating in NGO’s (Non-
Governmental Organizations) up to the paths that lead to the learning arising
from practice to systematization of experiences and to methodologies and
knowledge generation. This research initiates from the determination of the current
social contexts in which NGO’s are inserted, from the establishment of conceptual
references useful for such pondering and also from a brief revision of the available
literature on systematizing experiences, mainly Latin-American ones. Then six
individuals belonging to three NGO’s acting nationwide are interviewed. The
results show that such lessons stemming from social practices either their own
or from other actors have been considered as sources of knowledge by their
executive agents. Practical knowledge plays roles on several dimensions of social
practice on strenghtening organizational identities, on building references that
support social changes, and on permanently shaping the subjects that participate
in them, among other things. The ways for building up such knowledge, mutually
dissimilar ones, include several assumptions for systematizing experiences,
though these do not make up however, within the universe studied, a
systematization of experiences exactly as conceived by Latin-American
ponderings. On the other hand, the dialogue between the different ways of
knowledge production opens up a new set of issues to be dealt with, especially in
the education field.
Key words - knowledge, social practice, education, learning,
systematization, non-governmental organizations.
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO
1. INTRODUÇÃO.................................................................................
11
1.1. O Cenário............................................................................................... 12
1.2. As Organizações Não Governamentais.............................................. 19
2. METODOLOGIA..............................................................................
24
2.1. Pressupostos........................................................................................ 24
2.2. Procedimentos...................................................................................... 26
2.2.1. As perguntas e os conteúdos.............................................................. 26
2.2.2. A definição dos sujeitos....................................................................... 27
2.2.3. A revisão bibliográfica.......................................................................... 28
2.2.4. O levantamento e ordenamento do discurso....................................... 28
2.2.5. A análise dos resultados...................................................................... 28
3. CONHECIMENTO E PRÁTICA........................................................
30
3.1. Conhecimento prático, local, social.................................................... 40
4. A SISTEMATIZAÇÃO DE EXPERIÊNCIAS....................................
44
4.1. Origem da sistematização na América Latina.................................... 45
4.2. Os conceitos e pressupostos.............................................................. 49
4.3. Os objetivos.......................................................................................... 54
4.4. As interfaces com a avaliação e pesquisa......................................... 55
4.5. Os procedimentos metodológicos da sistematização...................... 56
4.5.1.O que e quando sistematizar................................................................ 57
4.5.2. A importância da participação dos atores da experiência................... 58
4.5.3. Passos e procedimentos metodológicos............................................. 59
5. A PALAVRA DA PRÁTICA.............................................................
68
5.1. O lugar da produção do conhecimento e da sistematização de
experiências nas ONGs...............................................................................
73
5.2. O conhecimento na prática social....................................................... 76
5.2.1. As percepções sobre a produção do conhecimento a partir da prática 76
5.2.2. As características do conhecimento da prática................................... 78
5.2.3. O lugar do conhecimento prático no impacto das ações..................... 83
5.3. Os conceitos de sistematização de experiências.............................. 85
5.4. O objeto que ordena a sistematização............................................... 91
5.5. Os objetivos da sistematização........................................................... 97
5.6. Interfaces com a avaliação.................................................................. 102
5.7. Sistematizar para quem e com que resultados.................................. 104
5.8. Os procedimentos metodológicos e a participação dos sujeitos.... 109
5.9. As dificuldades e os aspectos facilitadores da sistematização....... 118
5.10. Considerações finais.......................................................................... 123
6. CONCLUSÕES................................................................................
127
BIBLIOGRAFIA....................................................................................
136
9
APRESENTAÇÃO
A reflexão crítica sobre a prática se torna uma exigência da relação
Teoria/Prática sem a qual a teoria pode ir virando blábláblá e a prática,
ativismo (FREIRE, 1996: 24).
Muitas das questões que orientam o desejo por este trabalho originam-se
de inquietações impregnadas na minha própria prática ao longo dos últimos 20
anos, nos quais estive - diretamente ou indiretamente - envolvida na elaboração,
implementação, avaliação, sistematização e disseminação de projetos sociais
desenvolvidos por organizações governamentais e da sociedade civil,
especialmente no campo da educação.
Durante estes anos pude acompanhar de muito perto, e sob diferentes
perspectivas, as mudanças nos modos de compreender e praticar projetos
sociais. A convivência com diferentes profissionais que andam por estes
caminhos, do fazer, da paixão do fazer, dos desejos de transformação social foi, e
continua sendo, inspiradora para a minha própria prática e construtora das minhas
experiências. Essa preferência pelas aprendizagens vindas do cotidiano acabou
por gerar a necessidade da busca de bases conceituais e de metodologias como
forma de aproximar a experiência da reflexão sobre ela.
Tratava-se então de encontrar a questão central e buscar os alicerces que
possibilitassem encontrar respostas, ainda que transitórias como a própria
natureza do conhecimento, para as perguntas diárias. Empenhada nesta tarefa
elaborei tantas perguntas quantas são as minhas inquietações, e emaranhada em
todas elas, a centralidade da pesquisa me parecia quase inatingível.
Foi em busca de um fio condutor que cheguei até o Mauro Jangadeiro, que
conheci no final dos anos 90 por ocasião de uma visita à comunidade litorânea da
10
O relatório de visita conta da intensidade da luz, do sol refletido nas dunas,
da ausência de sombra e de árvores que montam a paisagem na qual a proposta
se insere. Além da beleza do local, bastante preservado em decorrência do nível
de organização comunitária, impressionava as reflexões da comunidade sobre
sua própria cultura. Os projetos eram vários: recifes artificiais, uma máquina de
gelo movida por cata-vento, bombas d’água e outros inventos que buscavam a
preservação do meio ambiente e a sobrevivência da comunidade.
Um dos jangadeiros, Mauro, era o inventor da comunidade. Responsável
pelas máquinas a cata-vento construiu, inclusive, um liquidificador para a creche
neste sistema criado por ele. Profundo conhecedor da matemática e da física
(conhecimentos utilizados para o aperfeiçoamento das jangadas) possuía um
amplo repertório sobre a história do Ceará (sobretudo o episódio ligado à abolição
da escravatura e o Dragão do Mar), e não era alfabetizado. Sentado na varanda,
discorrendo histórias, questionava a necessidade dos conhecimentos que as
crianças aprendem na escola para o aprendizado do manejo da jangada.
Ressaltava a importância da experiência prática para este conhecimento,
considerado por todos como o principal meio de sobrevivência da comunidade.
Não houve maneira de convencê-lo que a escola pode ser lugar de socialização
do saber. Este mesmo, sobre o qual ele sabe tanto.
Foi assim que o fio condutor deste trabalho chegou inscrito na vela da
jangada do Mauro. Qual é o conhecimento que vem sendo gerado a partir da
prática? Qual é o lugar do conhecimento na transformação social? Que sentidos
estão sendo dados pelos atores sociais a essa produção? Nas palavras de Paulo
Freire, como anda a relação teoria e prática neste campo?
Partindo destas indagações iniciais, o presente trabalho está estruturado
em seis itens, incluindo (1) a Introdução que pretende apresentar e contextualizar
o tema, bem como delimitar os sujeitos da reflexão. No item 2 (Metodologia)
sintetizamos os nossos pressupostos e procedimentos metodológicos. Os itens 3
(Conhecimento e Prática) e 4 (Sistematização de Experiências) trazem
referências conceituais e teóricas para os conceitos de conhecimento e de
sistematização de experiências. No item 5 (A Palavra da Prática) estão
organizados os resultados da pesquisa feita. Finalmente no item 6 (Conclusão)
procuramos estabelecer as relações entre as perguntas feitas.
11
1. INTRODUÇÃO
Este trabalho tem, assim, como campo de investigação a enorme questão
da produção do conhecimento a partir da prática social. Evidentemente,
procuramos definir os seus contornos para que o trabalho se viabilizasse,
encontrados a partir de dois eixos principais: a contribuição da sistematização de
experiências, compreendida como um procedimento metodológico entre outros
(investigação, avaliação, etc.), e a delimitação das ONGs Organizações Não
Governamentais como sujeitos da pesquisa - entre os diferentes atores que fazem
parte das chamadas organizações sem fins lucrativos no Brasil.
Procuramos, portanto, considerar a prática concreta de ONGs e seus
profissionais e a partir dela verificar: (1) os sentidos que vêm sendo atribuídos ao
conhecimento gerado à partir da prática social; (2) o lugar da sistematização de
experiências na produção do conhecimento. Em outras palavras, buscamos
compreender se os saberes gerados no plano das organizações e dos indivíduos
nelas inseridos têm transitado em direção ao conhecimento organizado e
socializável, e observar o papel da sistematização neste percurso. Vale notar,
sem a pretensão de analisar o mérito ou os efeitos da socialização do
conhecimento produzido, mas sim verificar os seus pressupostos, ou seja, os
sentidos que vêm sendo atribuídos, por aqueles que se dedicam a contribuir para
a transformação social, aos caminhos que levam da aprendizagem advinda da
prática à sistematização das experiências e à geração de metodologias e de
conhecimento.
Intrínseca a essa opção está a crença de que - em que pese o conjunto de
questões em pauta entre aqueles que se colocam em campo na área social, entre
elas a diversidade de ações e intenções das organizações da sociedade civil - os
profissionais que estão em campo com a tarefa de desenvolver projetos de
intervenção social vêm acumulando experiência e conhecimento. Soma-se a isso
o fato de que, no Brasil, não encontramos com muita facilidade pesquisas e
trabalhos específicos sobre a questão da sistematização de experiências, ao
menos se compararmos com as ênfases dadas na América Latina em geral. A
12
própria existência do Programa Latino Americano de Apoio à Sistematização
1
é
um indicador desta constatação.
Partimos da consideração ao fato de que o levantamento de procedimentos
que propiciam o aprender da própria prática, e a formulação de elementos
conceituais que a expressam, geram conhecimento social. Conhecimento esse
capaz de reafirmar o protagonismo dos seus atores, re-significar a prática a partir
de uma mudança na cultura do fazer, e, ao mesmo tempo, criar as condições para
potencializar os seus efeitos. Justificou-se assim o desejo de trilhar esses
caminhos.
1.1. O Cenário
...uma transformação profunda nos modos de conhecer deveria estar
relacionada, de uma maneira ou doutra, com uma transformação
igualmente profunda nos modos de organizar a sociedade (SANTOS,
2001:9).
As questões que norteiam este estudo inserem-se em um cenário de
mudanças e redefinições de papéis dos atores sociais, impulsionadas por uma
transformação importante nos modos de organizar a sociedade. Trata-se de uma
conjuntura em movimento, sobre o que existe relativo consenso, marcada pelo
esgotamento de antigas formas, convivendo com fatos como a catástrofe
ecológica, o acirramento da pobreza, a aceleração de crises sociais, entre outros
acontecimentos. Frente a evidente, e reconhecida, crescente complexidade dos
problemas sociais e as questões que dela decorrem, novas lógicas vão sendo
tecidas e papéis redefinidos, especialmente do Estado, das empresas e das
organizações da sociedade civil. Podemos considerar, como Boaventura Souza
Santos (2001) pelo inverso, que a esta transformação, deve corresponder
1
Lista eletrônica de discussão sobre sistematização de experiências do Programa Latino
Americano de Apoio à Sistematização do CEAAL – Conselho de Educação de Adultos da América
Latina. Esta lista pretende intercomunicar o tema da sistematização, organizar redes eletrônicas
sobre temas específicos e criar uma base de informação sobre o tema. Disponível em
http://www.alforja.or.cr/sistem/. Acesso em 04.nov.2006.
13
também uma transformação nos modos de conhecer e de praticar intervenções
sociais.
Embora não nos detendo nas diferentes, e muitas vezes divergentes,
análises a propósito das razões e sentidos dessas mudanças, podemos destacar
algumas ênfases que têm sido dadas conforme o modelo teórico adotado:
- Destaca-se nas reflexões sobre as alterações no papel do Estado a redução da
sua capacidade de articulação social. Nas palavras de Ladislau Dowbor
(2002:18): “o Estado perdeu, com a globalização, boa parte da sua capacidade
de articulação social (...) gera-se um desajuste entre a dimensão dos problemas
e os instrumentos de intervenção”. Além disso, nota-se a transferência de
grande parte da questão social para as organizações da sociedade civil:
A ação dos Estados nacionais se debilita, perde a capacidade de atuar
como indutor do desenvolvimento, os comandos políticos ultrapassam as
fronteiras nacionais. Neste cenário, a questão social é transferida para os
governos locais e para as instituições da sociedade civil (BAVA, 2000:45).
- Analisa-se o papel das empresas a partir dos anos 90, nas suas interfaces
com a prática social, tendo como base reflexões sobre a abertura da economia
na década de 90, a inserção das empresas nacionais em um novo ambiente
competitivo, o aumento do fluxo de capital estrangeiro para o país e a
estabilização da moeda. Esses fatores são considerados geradores de uma
nova racionalidade econômica, e significam descompassos entre estruturas
econômicas “relativamente avançadas” combinadas com “políticas sociais e
sistemas políticos profundamente atrasados” (DOWBOR, 2002:15).
Entre as decorrências dessas alterações, independentemente das diferenças
na valoração do fenômeno, temos explicações para o surgimento das ações
sociais das empresas. Por um lado, as áreas empresariais passam a entender
que não se trata de “simples cosmética social” (Idem:32), mas, sobretudo da
criação das condições indispensáveis para a própria produtividade
empresarial. Segundo outra ótica, isso contribui para o surgimento e
fortalecimento de um “terceiro setor” convicto de sua capacidade de
redimensionamento tanto do Estado quanto do Mercado, como vemos abaixo.
14
A crescente mobilização de recursos privados para fins públicos
representa uma ruptura profunda com a tradicional dicotomia entre público
e privado, no qual o público era sinônimo de estatal e o privado de
lucrativo. A participação dos cidadãos e o investimento das empresas em
ações sociais configuram o surgimento de uma inédita esfera pública não
estatal e de um terceiro setor - não lucrativo e o governamental, cujo
fortalecimento contribui para redimensionar tanto o Estado quanto o
Mercado (CARDOSO, 2004).
Também segundo Rosa Maria Fischer o crescimento da preocupação com as
questões sociais por parte das empresas está “vinculado, em parte, à
importância que questões relacionadas à marca e imagem passaram a ter no
mercado competitivo”. Essa importância faz surgir o conceito de
“responsabilidade social empresarial” ou “investimento social privado” e
paralelamente “as organizações de terceiro setor vêm conquistando mais
espaço e assumindo atividades antes exclusivas das organizações
governamentais, especialmente frente à carência de políticas públicas em
diversas áreas” (FISCHER, 2003).
Partindo de uma análise mais crítica Silvio Caccia Bava (2000) lembra a
necessidade de reflexão sobre a idéia da “trissetorialidade” embutida,
fundamentando as proposições da responsabilidade social empresarial.
Um de seus principais axiomas é a separação estanque entre Estado,
Mercado e Sociedade Civil. E a responsabilização da sociedade civil pela
questão social. Ao classificar a sociedade nestes três setores estanques,
esta teoria suprime o espaço da política, da discussão da pólis, das
relações entre Estado, Mercado e Sociedade Civil. Suprime a
possibilidade da invenção democrática, de um novo pacto de regulação
social (BAVA, 2000:46-47).
De todo modo, observa-se o aumento da participação das empresas nas
ações sociais nos anos 90, pela via da criação de fundações e institutos, aliado
a novas reflexões sobre os seus papéis.
- Constata-se ainda a multiplicação das organizações sem fins lucrativos, bem
como alterações nos seus papéis, especialmente a partir dos anos 90.
Nos anos 80 e 90, as organizações da sociedade se multiplicaram,
havendo um “boom” de associações civis, aliando o momento político
brasileiro de redemocratização e incentivo à cidadania à emergência
15
dessas organizações, em rias partes do mundo (SCHOMMER,
2000:145).
Em linhas gerais são percebidas mudanças significativas nos modos de
organizar, inter-relacionar e praticar intervenções sociais. A gravidade dos
indicadores sociais e os aceleramentos provocados pela tecnologia, a ampliação
e aprofundamento das necessidades e carências das populações em situação de
exclusão contrapostos à impossibilidade de atendimento vindo, exclusivamente,
dos órgãos governamentais ou das organizações da sociedade civil, impulsionam
alterações nas formas de atuação social.
Vale notar que, embora para alguns o entendimento estratégico entre os
atores sociais é condição para a reversão deste quadro ou a única estratégia para
o desenvolvimento social sustentado, para outros revela a importância de
renegociação de um pacto social, definidor de novos papéis para todos os atores
sociais, como exemplificam os trechos abaixo:
Uma ampla mobilização nacional voltada para a reversão da miséria e a
inclusão social exige uma solução política: um entendimento estratégico
entre parcela significativa dos principais atores das ‘esferas’ do Estado, do
Mercado e da Sociedade Civil sobre a importância que deve ser dada à
questão social e sobre as prioridades e medidas capazes de traduzir em
ação concreta tal focalização (CARDOSO, 2002: 11).
A proposta de colaboração entre as organizações da sociedade civil e as
organizações do mercado não é nova. cerca de uma década,
entretanto, emergiu como uma das mais fortes estratégias para o
desenvolvimento social sustentado (FISCHER, 2002:29).
O que esem pauta é exatamente a renegociação do pacto social que
definirá os papéis a serem desempenhados nos próximos anos
(SCHOMMER, FISCHER, 2001:87).
Paralelamente, observa-se um aumento significativo da demanda por
reflexões acerca da prática social nos últimos anos. Sem pretender realizar um
levantamento específico sobre esta afirmação, ou aprofundar as concepções
subjacentes, mas apenas construir o pano de fundo sobre o qual está instalada a
questão da produção de conhecimento na área social, e nela a especificidade da
sistematização de experiências, podemos tomar como exemplos os inúmeros
16
“termos de referência” de governos, agências de cooperação internacional,
organismos multilaterais, fundações empresariais e institutos de pesquisa,
encontrados nos últimos anos, buscando serviços técnicos para essa reflexão.
Além disso, referências à idéia da construção de metodologias, “modelos”,
instrumentos e saberes podem ser facilmente encontrados em documentos
institucionais, sites e missões de organizações variadas.
Neste cenário vale destacar o Seminário Internacional de Avaliação,
Sistematização e Disseminação de Projetos Sociais realizado em 2002 pela
Fundação Abrinq pelos Direitos da Criança e do Adolescente que abre o diálogo
com experiências da América Latina. Esse encontro marca a necessidade de
reflexão sobre as concepções e metodologias intrincadas nessa prática,
considerando justamente que as fronteiras e as articulações entre as esferas
pública e privada, os diferentes papéis na proposição e implementação de
políticas sociais, a necessidade de ampliação do impacto e dos efeitos dos
investimentos sociais, entre outras questões, impulsionam a construção de novos
sentidos para a prática social.
Ampliam-se as publicações elaboradas por organizações, incluindo ONGs,
com o propósito de organizar e sistematizar suas experiências, o que, ao menos
na perspectiva dos executores de ações sociais é impulsionado por fatores
diversos, entre eles:
- Uma impressão genérica de que a maioria dos projetos sociais é fragmentada
e não gera impactos significativos na vida das pessoas.
- Agentes financiadores passam a exigir, com grande ênfase, o
acompanhamento e monitoramento da execução e dos resultados alcançados.
- As influências das idéias do investimento social privado e os princípios de
eficiência, resultados, competitividade e marketing.
- Percepção dos indivíduos atores das práticas da ausência de procedimentos
que possibilitem, durante a execução de um projeto social, a sistematização do
conhecimento de maneira a romper com o empirismo e ativismo que
tradicionalmente tem caracterizado a prática social.
17
- Interesse em aumentar o impacto social destas ações, buscando mecanismos
capazes de levar “uma boa idéia” a uma influência efetiva na elaboração,
implementação e execução de políticas sociais mais amplas.
Sobre este último aspecto é importante ressaltar que diz respeito a um
debate sobre os propósitos da sistematização das aprendizagens e experiências,
que giram em torno das idéias de multiplicação, replicação, disseminação, escala,
reedição e influência em políticas públicas e que passam a permear
aleatoriamente o discurso das organizações deste campo. De fato, esse discurso
está presente em grande parte dos critérios para seleção e apoio de projetos
originários de ONGs, sem que tenham sido resolvidas questões essenciais como:
o que de fato leva uma experiência singular a influenciar políticas públicas? Além
disso, as diferentes expressões (multiplicação, disseminação, etc), mais do que
simples semântica, pressupõem compreensões diversas embutidas nas práticas
sociais das organizações e de seus representantes.
Sinteticamente podemos dizer que, implícita às idéias de “multiplicação” e
de “replicação” de experiências e de ações está a compreensão de que uma
“ação exemplar”, “bem sucedida”, “a boa prática”, pode se constituir em um
modelo a ser aplicado de maneira progressiva em outros lugares seja de maneira
organizada (como são os projetos que trazem originalmente as estratégias para a
multiplicação), ou desorganizada (pela via do plantio da semente que será levada
ao sabor do vento) como são as declarações de disseminação. Em geral o
compreendidas como ações de voltar a aplicar e de repetir um número várias
vezes, crescendo em número de iguais, sem levar em consideração que nenhuma
ação de intervenção na realidade social, ainda que bem sucedida, é reprodutível,
por tratar com realidades culturais e políticas diversas, e com indivíduos, grupos e
instituições com histórias, interesses e desejos singulares.
A mesma idéia pode ser percebida na proposta da “franquia social”,
compreendida como “a clonagem de um mesmo conceito operacional em diversos
mercados” (CHERTO, 2002:95). Com forte influência do setor empresarial,
pressupõe que, em cada localidade, esse “conceito operacional clonado” é
instalado, operado e gerido por uma organização social, uma pessoa, um grupo,
para o que deve ser observado um mínimo de regras ou normativas
preestabelecidas pelo franqueador. Segundo Marcelo Cherto “o franchising é uma
18
forma extremamente efetiva de se criar uma rede de negócios ou de programas
sociais” (Idem:99).
a idéia de “escala” inclui reflexões sobre o próprio papel das
organizações sem fins lucrativos em relação ao papel do Estado. Segundo o autor
abaixo:
Nos últimos cinqüenta anos acreditamos que apenas o Estado poderia
pensar em escala nos nossos países. Iniciamos nosso trabalho pelo
menos vinte anos, em pequenas organizações de base, tentando resolver
alguma questão pequena, específica e localizada. E isso fez com que a
nossa abordagem social também fosse pequena, específica e localizada”
(CROCE, 2002:84).
O conceito de “reedição” conforme proposto por Bernardo Toro (1997), por
sua vez, procura suavizar essas proposições considerando a diversidade social e
cultural. Nessa proposta, aquele que desenvolve uma ação referencial,
denominado produtor social, permite a edição desta ação (o editor social) e cria
as bases para a reedição social, compreendida como a ação de recriar os
principais elementos sistematizados e produzir uma nova prática social. Por essa
via, segundo ele, podemos criar processos mais próximos da própria dinâmica
social, nos quais, a nova prática social também pode ser, por sua vez, editada e
reeditada conforme a interpretação, adequação e necessidade de ampliação para
cada público. Nessa idéia, os resultados não são medidos pela fidelidade ao
modelo original, mas pelo seu enriquecimento, capaz de transformar e ampliar
significados no novo contexto social e cultural, recriando práticas, metodologias,
conteúdos e ampliando os impactos sociais.
Nas proposições mais focadas na influência em políticas públicas, ainda
que partam do pressuposto que cabe ao poder público a universalização dos
direitos e políticas, permanecem obscuros os caminhos capazes de levar uma
experiência, desenvolvida em micro escala, aa elaboração e implementação de
políticas sociais mais amplas.
Independentemente da origem e concepções subjacentes a essas idéias
ligadas ao fazer social, está pressuposto que, seja para ser multiplicada,
disseminada, franqueada, reeditada ou servir de referência para elaboradores de
políticas públicas, uma experiência de intervenção social precisa, primeiramente,
19
ser avaliada e sistematizada, convertida em um conjunto de saberes, normas,
métodos, modelos (a depender da compreensão de conhecimento adotada) para
com isso ampliar o seu impacto social. É importante lembrar que, nesta
discussão, encontramos mais facilmente reflexões, declarações e publicações
brasileiras de organizações originárias do mundo empresarial e do governo e, em
menor freqüência, das organizações não governamentais, embora a idéia da
sistematização de experiências venha ganhando espaço nas suas práticas, seja
por exigência do financiador, seja por tradição.
De modo que, se não estritamente relacionada, a proposta da
sistematização de experiências instala-se em um cenário de mudanças dos
papéis dos atores sociais, movidas pela dinâmica da sociedade com seus
interesses e proposições diversos. Entre essas mudanças está a consideração ao
fato de que, seja em busca da “rentabilização” do investimento, ou das
aprendizagens que qualificam e que inspiram, ou ainda da universalização dos
direitos, a reflexão sobre o conhecimento advindo da prática social, no mínimo,
está na agenda.
1.2. As organizações não governamentais - ONGs
Entre o universo heterogêneo de práticas sociais desenvolvidas pelas
organizações sem fins lucrativos que atuam no Brasil optou-se por circunscrever
como sujeitos desta reflexão as ONGs – Organizações Não Governamentais.
Vale lembrar que pesquisa realizada pelo IBGE e pelo Ipea, com o apoio do Gife
Grupo de Institutos, Fundações e Empresas e da Abong - Associação
Brasileira de ONGs
2
, chegou ao número de 276 mil associações, fundações e
organizações religiosas atuando no Brasil. Embora a pesquisa esteja sujeita a
alguns questionamentos, entre eles a não incorporação das cooperativas, dos
movimentos sociais não formalmente constituídos, ou a inclusão de instituições
sem fins lucrativos mas que atuam na lógica do mercado, demonstra mais uma
vez a necessidade de compreender que a delimitação das ONGs neste conjunto
2
"As Fundações Privadas e Associações sem Fins Lucrativos no Brasil 2002" dezembro 2004
20
requer distinguir o lugar historicamente ocupado por elas na prática social
brasileira.
De acordo com a Abong Associação Brasileira de ONGs
3
, a expressão
não se aplica do ponto de vista jurídico, isto é, toda ONG é uma organização
privada não lucrativa, mas nem toda organização privada não lucrativa é uma
ONG, já que objetivos e atuações são distintos. Entretanto, na década de 90, com
o crescimento do número das organizações, o termo acabou sendo apropriado
por iniciativas de naturezas diversas. No Brasil, a expressão é habitualmente
relacionada a um universo de organizações que surgiram, em grande parte, nas
décadas de 70 e 80, apoiando movimentos sociais, organizações populares e de
base comunitária, com objetivos de promoção da cidadania, defesa de direitos e
luta pela democracia política e social.
As primeiras ONGs nasceram em sintonia com as finalidades e dinâmicas
dos movimentos sociais, pela atuação política de proteção aos direitos
sociais e fortalecimento da sociedade civil, com ênfase nos trabalhos de
educação popular e na atuação na elaboração e monitoramento de
políticas públicas (ABONG).
4
As ONGs são portanto organizações que proliferaram no Brasil nas três
últimas décadas e que têm como campo de atividade os mais diversos temas na
área social. Para exemplificar, entre as atuais 270 associadas da Abong,
encontramos as seguintes áreas temáticas: agricultura, arte e cultura, assistência
social, comunicação, desenvolvimento da economia regional, discriminação racial,
DST/AIDS, educação, fortalecimento institucional, justiça e promoção de direitos,
meio ambiente, orçamento público, participação popular, questões agrárias e
urbanas, gênero e discriminação racial, saúde, segurança pública, trabalho e
renda.
Como suficientemente debatido, definir as ONGs não é uma tarefa muito
fácil, sobretudo porque a construção de sua identidade está em permanente
3
A ABONG foi criada em 1991 como forma de representar coletivamente as ONGs junto ao
Estado e aos demais atores da sociedade civil. http://www.abong.org.br
4
Disponível em <http://www.abong.org.br> Acesso em 8 dez. 2005.
21
movimento, submetida às transformações do próprio contexto econômico e
cultural, com interferências diretas nas formas de organização e de ação dos
movimentos sociais. Para Leilah Landin (2002) uma forma possível de construir
uma definição é retomar a história dessas organizações que se colocaram, em
meados dos anos 70, como atores em um determinado lugar no campo político da
sociedade brasileira.
Mais do que algo como “essência ONG (por exemplo, uma mesma
organização pode identificar-se como “movimento”, em um contexto, e
como “ONG” em outro), trata-se aqui de organizações que criam
identidade e o identificadas como tal, através do tempo e em diferentes
situações, em relação com outras organizações das quais se distinguem,
se diferenciam, de acordo com a dinâmica dos acontecimentos em que
estão envolvidas (LANDIN, 2002: 22).
Segundo a autora, as ONGs criam sua identidade de maneira “situacional”
ou relacional - a partir da distinção/semelhança, dependência/autonomia, conflito/
complementariedade face aos movimentos sociais, partidos políticos, Estado e
demais organizações sem fins lucrativos existentes. Recuperando a história das
organizações da sociedade civil no Brasil, lembra que, ao final do séc. XIX a
sociedade civil confunde-se com o espaço da igreja e do patronato, situação que
começa a mudar a partir da década de 30, frente à ampliação da prestação de
serviços por parte do Estado, especialmente nas áreas da saúde e educação.
Esta prestação de serviços, calcada em uma dinâmica centralizadora e autoritária,
característica da década, implicou no fato que o atendimento à população à
margem das políticas corporativas tenha ficado sob responsabilidade das
organizações sem fins lucrativos. É, para ela, uma história bastante centrada no
Estado, seja pela via do cooperativismo, do clientelismo e da transferência de
fundos públicos ou pelo conflito com o Estado autoritário. Com o fim do pacto
populista, são criadas as condições para que outras organizações surjam, como
as atuais ONGs surgidas em anos de regime militar, que, se por um lado
representam uma certa “continuidade” do papel das organizações sem fins
lucrativos que atuavam (e atuam) nas questões sociais, por outro buscam
construir uma nova identidade.
22
Acrescenta Leilah Landin ( 2002), que a identidade comum entre as ONGs,
pela via relacional, consiste no estabelecimento de três tipos de relações: com as
bases, entre si e com agências de cooperação internacional, diferenciando-se
primeiramente das entidades representativas, e depois da abertura política, do
Estado.
A partir dos anos 90 as ONGs vivem um novo questionamento sobre a sua
identidade, uma vez que o termo passa a ser usado indiscriminadamente para
toda organização privada voltada para a área social: entidades assistenciais
prestadoras de serviços, filantropia empresarial ou investimento social privado. A
este respeito Sergio Haddad (2000) lembra que, ao ganharem grande visibilidade
na população e na mídia em geral, as ONGs submetem-se a uma grande
diversidade de olhares que nem sempre correspondem às suas ações ou
capacidades efetivas. Segundo ele:
Para alguns são motores de transformação social, uma nova forma de
fazer política. Para outros, um campo propício às ações do neoliberalismo,
que busca repassar suas responsabilidades sociais para o campo da
sociedade civil. Dois extremos de posições entre um conjunto de outras
que, sem dúvida alguma, pode corresponder, qualquer uma delas, à
realidade de uma ou outra ONG, dentro do seu universo total (HADDAD,
2000:1).
O debate torna-se mais intenso em 2000 quando da proliferação da idéia
de “terceiro setor” como um conjunto de organizações que não tem fins lucrativos
e não são Estado, já que tende a atribuir uma natureza homogênea a um conjunto
diverso, diversidade que representa os conflitos e contradições existentes na
própria sociedade. Assim, acirra-se a polêmica da construção da identidade das
ONGs, especialmente quanto à necessidade de diferenciação em relação à ação
social das empresas.
Para Chico de Oliveira (2002) as ONGs que nasceram no período da
ditadura militar, como organizações nem empresariais e nem estatais, entram
nesse debate tentando reafirmar a história de sua identidade democrática e a luta
pela cidadania pela via da reafirmação da diferença. Considera que isso se deve
ao crescente reducionismo característico da época da globalização, aliado às
recorrentes cobranças dos fundos internacionais cobrando realismo e viabilidade,
23
embora afirme que não é de busca de identidade que as ONGs precisam, mas de
heterogeneidade e diversidade de vozes e perspectivas.
Elas lidam agora não com a complexidade, mas com o reducionismo,
porque parece, contraditoriamente, que toda a sua capacidade de
inovação foi absorvida tão intensamente pela sociedade, uma espécie de
vitória de Pirro, que já não cabe a atividade antes radical, inovadora e
crítica (OLIVEIRA, 2002:55).
É neste contexto de reafirmação e busca de identidade que procuramos,
neste trabalho, investigar a perspectiva das ONGs em relação à produção de
conhecimento a partir da prática, especialmente sob a perspectiva da
sistematização de experiências e saberes advindos da sua atuação concreta no
campo social. Soma-se a isso o fato de que encontramos poucos estudos nessa
direção, o que nos faz pressupor a influência de razões que, embora de naturezas
diferentes, são vivenciadas pelas ONGs em suas atividades cotidianas: as
dificuldades para a obtenção de recursos para a atividade intelectual, a
24
2. METODOLOGIA
Para compreender a fala de outrem não basta entender as suas
palavras temos que compreender o seu pensamento. Mas nem
mesmo isso é suficiente também é preciso que compreendamos
as suas motivações (VIGOTSKY, 2003:188)
Na busca de fornecer alguns parâmetros que contribuam para o
aprofundamento da reflexão e da prática no tema definido, esse trabalho
configura-se como um estudo exploratório, de abordagem qualitativa. Seu caráter
exploratório justifica-se, conforme sinalizado, por tratar de um tema sobre o
qual não encontramos muitas reflexões organizadas, ou uma bibliografia
específica que faça referência à prática social brasileira. Entretanto, procura
dialogar com alguns conceitos, priorizados a partir de uma breve revisão
bibliográfica, acerca do conhecimento nas suas relações com a prática social, e
da sistematização de experiências.
A abordagem qualitativa, por sua vez, além de sinérgica à perspectiva da
qual partimos, mantém coerência com a nossa temática. De fato, o ponto de vista
dos sujeitos, bem como a interpretação dos fatos segundo as diferentes relações
que se estabelecem no fazer cotidiano, o também algumas das premissas da
sistematização de experiências.
Aqui pretendemos explicitar os pressupostos dos quais partimos e os
procedimentos metodológicos utilizados. Nosso objetivo é o de contribuir para a
abertura de caminhos que levem ao aprofundamento da investigação e,
sobretudo, da prática neste tema.
2.1. Pressupostos metodológicos
Toda construção metodológica insere-se, evidentemente, em uma
determinada concepção de mundo, sem o que permanece desprovida de sentido.
Isso pretende dizer que partimos de uma perspectiva que busca privilegiar as
relações entre a objetividade e a subjetividade, colocada pela dialética, e a
25
historicidade dos fatos, pelo materialismo, tratando-se assim mais da procura por
tendências, processos e movimentos, do que por verdades e modelos
homogêneos - sobre o que nos deteremos no capítulo seguinte.
Consideramos ainda que o método, como caminho traçado para alcançar
novos patamares, é igualmente provisório. À medida que se realiza, sugere a
construção de outros que possibilitem o trilhar sobre os novos patamares
alcançados. Daí a sua dimensão de aprendizagem, com a qual nos identificamos.
Neste caso, em se tratando da busca exploratória de sentidos atribuídos
por determinados sujeitos ao nosso tema, nos apoiamos nas contribuições de
Vigotsky (2003), particularmente quanto aos conceitos de sentido e de significado,
que, resumidos por Marta Kohl de Oliveira, quer dizer:
Vygotsky distingue dois componentes do significado da palavra: o
significado propriamente dito e o sentido. O significado propriamente dito
refere-se ao sistema de relações objetivas que se formou no processo de
desenvolvimento da palavra, compartilhado por todas as pessoas que a
utilizam. O sentido, por sua vez, refere-se ao significado da palavra para
cada indivíduo, composto por relações que dizem respeito ao contexto do
uso da palavra e às vivências afetivas do indivíduo (OLIVEIRA, 1996:50).
Considerando essa perspectiva, o mundo das significações é socialmente
construído, enquanto os sentidos, uma vez que não são externos ao sujeitos,
conectam-se aos momentos de vida e à maneira que afetam cada um deles.
Pretendemos, portanto, considerar sentidos e significados como expressão de
sujeitos individuais e / ou coletivos, em busca de um conhecimento que, mais do
que confirme, revele possibilidades, a propósito das questões que orientam este
trabalho.
Para tanto serão priorizados “núcleos de significação”, tal como definidos
por Wanda Junqueira Aguiar (2001): temas, conteúdos, questões centrais, menos
pela freqüência e mais pelo envolvimento e escolha dos sujeitos, que, uma vez
iluminados pelos critérios definidos pelos objetivos da pesquisa, devem apontar
para tendências relativas à prática e à reflexão sobre o conhecimento e a
sistematização de experiências em algumas ONGs, e apreender a forma como
sujeitos específicos configuram o tema.
26
Para a realização do trabalho nos baseamos nas orientações da análise do
discurso, tal com definida por Antonio Chizzotti:
A análise do discurso constitui-se como um tipo de análise que ultrapassa
os aspectos meramente formais da lingüística, para privilegiar a função e o
processo da língua no contexto interativo e social em que é prolatada,
considerando a linguagem, em última análise, como uma prática social
(GHIZZOTTI: 2006, 113).
Entre a diversidade de tendências encontradas na análise do discurso, e
apontadas pelo mesmo autor, optamos por considerar as orientações que
concebem o discurso, mais do que como uma estrutura ordenada de palavras,
como expressão de um sujeito no mundo, situadas em um contexto sócio-
histórico e não desprovidas de ideologias e de relações de poder.
Importa, nesse sentido, o processo, o ato da fala, o sentido elaborado no
momento da produção do discurso, com todas as injunções subjetivas
desejos, instintos -, determinações sociais - ideologias, contradições -,
incoerências, repetições, omissões (Idem, 121).
2.2. Os procedimentos metodológicos
2.2.1. As perguntas e os conteúdos
A reflexão inicial sobre o tema da produção do conhecimento a partir da
prática social, e nele, o papel da sistematização de experiências, nos levou a um
conjunto de questões, enunciadas até aqui, cujos desdobramentos
compuseram algo como uma “árvore de perguntas” com ordens diferentes de
grandeza e dimensão. Qual o lugar do conhecimento na transformação social?
Quais as relações entre conhecimento e prática? Quais são as características do
conhecimento gerado na prática e os procedimentos adotados? A partir deste
conjunto de indagações e da delimitação dos sujeitos, definimos as perguntas
específicas, orientadoras deste trabalho, esperando que contribuam para refletir
as mais amplias, a saber:
(1) Quais os sentidos e significados atribuídos pelas ONGs e pelos seus
sujeitos ao conhecimento produzido à partir da prática social?
27
(2) Qual é, na ótica das ONGs e seus sujeitos, o lugar da sistematização de
experiências e quais as suas relações com a produção do conhecimento?
Como vem sendo concebida e praticada?
De maneira a orientar a construção dos discursos em torno do objeto de
pesquisa, as duas perguntas centrais foram desmembradas em alguns conteúdos
específicos, nossos “núcleos de significação”, por assim dizer, que podem ser
resumidos em: o contexto (as ONGs e os sujeitos); a inserção do tema na ONG;
as concepções envolvidas; o projeto de sistematização (objeto, sujeito, objetivos,
metodologia e resultados); as aprendizagens e recomendações. Em torno destes
foram construídas as perguntas a serem colocados aos sujeitos da pesquisa.
2.2.2. A definição dos sujeitos
A escolha das organizações não pretendeu definir uma amostra
representativa, quantitativa ou qualitativa, em um universo tão amplo e diverso de
ONGs existentes, mas explorar algumas experiências de organizações que tratam
desse tema. Foram assim identificadas três organizações a partir dos critérios:
- Serem identificadas como Organizações Não Governamentais e filiadas à
Associação Brasileira de ONGs.
- Desenvolverem trabalhos com área de abrangência nacional.
- Possuírem mais de 10 anos de atuação e serem reconhecidas nas suas áreas
de trabalho.
- Contarem com uma produção impressa resultante de suas práticas.
- Apresentarem as expressões “sistematização” e “produção de conhecimento
nas suas declarações de missão, propósitos e estratégias.
- Incluírem entre os seus objetivos o de criar referências para políticas públicas.
Vale notar que as três organizações selecionadas, embora pertençam ao
mesmo campo social, e tenham em comum a preocupação com a produção do
conhecimento, são distintas quanto aos seus propósitos e formas de atuação.
Nesse sentido, não podem ser tomadas como um conjunto composto por iguais,
28
mas como expressões possíveis em um universo heterogêneo. Buscamos com
isso, ampliar os sentidos, mais do que reduzi-los.
Em cada organização foram identificados dois profissionais: o responsável
pela organização e o responsável pela prática da sistematização. A escolha
desses sujeitos justificou-se pela idéia de que duas perspectivas (uma
“institucional” e outra “prática”) poderiam, de maneira complementar, ampliar a
possibilidade de análise.
2.2.3. A revisão bibliográfica
Nesta etapa buscamos levantar algumas premissas para o trato da questão
do conhecimento, de maneira a subsidiar a construção de categorias essenciais
para a análise. Paralelamente, verificamos na produção latino-americana as
reflexões existentes acerca dos conteúdos relativos à sistematização de
experiências, definidos pelas perguntas orientadoras, e que pudessem criar
alguns elementos de comparação com os resultados. Pretendemos, dessa
maneira, estabelecer o contexto teórico para o trabalho.
2.2.4. O levantamento e ordenamento do discurso
Foram realizadas entrevistas, não simultâneas, com dois profissionais de
cada ONG, previamente identificados, com auxílio de um roteiro semi-estruturado
a partir das duas perguntas orientadoras e seus conteúdos. Os resultados foram
transcritos literalmente e, embora naturalmente interpenetrados, organizados
conforme as perguntas e conteúdos definidos.
2.2.5. A análise dos resultados
Em cada conteúdo, e quando presentes, foram destacados os elementos
em comum, as complementaridades, as ênfases e as tensões. Sempre que
pertinente, apontamos acréscimos e ausências derivados da comparação entre os
resultados e a revisão bibliográfica. Finalmente, procuramos estabelecer as
correspondências possíveis com as categorias de análise, destacadas como
29
premissas ou elementos constitutivos da produção de conhecimento a partir da
prática.
Consideramos com isto que, embora os resultados sejam pertinentes a um
conjunto não representativo de ONGs, portanto, não generalizáveis, podem
revelar a multiplicidade de elementos presentes, em uma temática tão pouco
explorada no Brasil, bem como sugerir caminhos de reflexão e aprofundamento,
partindo das aprendizagens, avanços e dificuldades originadas na própria prática.
Finalmente dizer que, ainda que nosso objeto de estudo trate de processos
de produção de conhecimento, e nossos entrevistados sejam sujeitos de práticas
sociais, não pretendemos aqui realizar a sistematização de suas experiências
relativas ao tema, mas sim a reflexão sobre elas sob uma outra ótica. As linhas e
limites que separam uma coisa da outra, que distinguem a reflexão acadêmica da
sistematização de experiências, deverão, se tivermos êxito, falarem por si.
30
3 - CONHECIMENTO E PRÁTICA
Poesia, s.f. Designa também a armação de objetos lúdicos com emprego
de palavras imagens, cores, sons etc. geralmente feitos por crianças,
pessoas esquisitas, loucos e bêbados. Manoel de Barros, 1991
...uma das bonitezas de nossa maneira de estar no mundo e com o
mundo, como seres históricos, é a capacidade de, intervindo no mundo,
conhecer o mundo. Paulo Freire, 1996.
Uma vez que pretendemos relacionar conhecimento com prática social,
parece-nos importante partir de algumas referências sobre esses conceitos,
evidentemente sem a intenção aqui de mergulhar na problemática filosófica do
conhecimento humano e da ação prática. A busca por marcos conceituais que
forneçam o lastro necessário para subsidiar a reflexão delimita-se a partir do
nosso fio norteador, que trata de buscar as relações entre os conceitos e as
representações, das ONGs entrevistadas, sobre a produção do conhecimento que
têm permeado suas práticas.
Procuramos partir de algumas premissas consideradas essenciais para essa
reflexão, a primeira delas é a que trata de constatar que definir conhecimento é
tarefa das mais complexas, não por acaso seus caminhos tenham, desde o
princípio, cruzado com as questões fundamentais da humanidade, entre elas, as
suas relações com o amor Eros, a felicidade, a concepção de ser humano. A
maneira de compreendê-lo muda tantas vezes quanto mudam as condições
históricas, com seus interesses e concepções acerca da vida, relações com a
natureza e sociedade em geral, ao menos se quisermos nos aproximar de um
conceito de conhecimento tal como proposto pelo materialismo dialético e
histórico que não pressupõe a existência de verdades absolutas e que procura
não cindir em unidades dicotômicas o sujeito e objeto de conhecimento, a ciência
e a natureza, a teoria e prática, buscando considerá-lo, por este caminho, como
um processo de construção.
Tal como Manoel de Barros (1991) define poesia, priorizando os sujeitos,
que segundo sua concepção a fazem, a primeira premissa diz respeito ao fato de
que não é possível falar de “conhecimento”, mas de conhecimentos de várias
31
ordens, datados e contextualizados, e principalmente, construídos pelos homens
conforme cada época e condições de produção da vida material. Importante
ressaltar, como lembra Cortella (2002), o papel principal que tem assumido a
ciência entre outras modalidades de conhecimento (estético, religioso, afetivo,
etc.), em que pese o fato de que constitui uma modalidade recente na história da
humanidade, além de que, vem sendo desigualmente distribuída.
Escreve Marilena Chauí que, entre os “os princípios gerais” do
conhecimento verdadeiro estabelecidos pelos gregos (fontes/formas;
conhecimento sensível/conhecimento intelectual; opinião/saber;
aparência/essência; o papel da linguagem) está a distinção entre diferentes
maneiras de conhecer, introduzida por Platão e Aristóteles, conforme a presença
ou ausência do verdadeiro ou do falso. Essa distinção é feita a partir de ênfases
diferentes quanto ao logos ou práxis. Enquanto o primeiro diferencia (e separa) o
conhecimento sensível (crença e opinião) do
conhecimento intelectual (raciocínio
e intuição), considerando que o intelecto tem primazia em relação ao sensível,
Aristóteles prioriza a experiência, e, partindo de seus “graus de conhecimento”
(sensação, percepção, imaginação, memória, raciocínio e intuição) acredita que
exista uma continuidade entre eles, organizados em três ramos distintos:
... teorético (referente aos seres que apenas podemos contemplar ou
observar, sem agir sobre eles ou neles interferir), prático (referente às
ações humanas: ética, política e economia) e técnico (referente à
fabricação do trabalho humano, que pode interferir no curso da Natureza,
criar instrumentos ou artefatos: medicina, artesanato, arquitetura, poesia,
retórica, etc.) (CHAUI, 1996: 109).
Assim, desde muito cedo as distinções, distâncias ou semelhanças entre
diferentes aspectos que compõem o conceito de conhecimento estão presentes,
bem como a idéia de que cada modalidade pressupõe processos de construção
de conhecimento diversos e sempre provisórios. Como o pintor que não pinta nem
coisas nem pessoas, mas a relação entre elas, também o conhecimento não trata
apenas de sujeitos ou de objetos, mas fundamentalmente da relação entre eles.
É com os filósofos modernos que essa questão torna-se crucial, resumida
por Marilena Chauí (1996:114) como o exame da capacidade humana de
conhecer pelo sujeito de conhecimento: “a
teoria do conhecimento volta-se para a
32
relação entre o pensamento e as coisas, a consciência (interior) e a realidade
(exterior), o entendimento e a realidade; em suma, o sujeito e o objeto de
conhecimento”.
Se a primazia da fé, observada na época medieval com o cristianismo,
retira a capacidade humana de conhecer, a não ser a partir de Deus, as filosofias
clássicas empiristas e racionalistas, impulsionadas pela revolução científica do
século XVI com Newton, Copérnico e Galileu, reafirmam, no domínio das ciências
naturais, o fenômeno e a soberania da razão. Posicionando o sujeito como capaz
de conhecer e dominar a natureza, e o conhecimento como objetivo, reafirma-se a
dicotomia entre ambos, que, embora igualmente importantes, o considerados
independentes, como afirma o trecho abaixo:
O empirismo privilegia a realidade: é a partir dela que se obtém o
conhecimento objetivo. Ou seja, é objetivo o conhecimento que mais se
aproxima da descrição exata do objeto, o que é possível pela natureza das
propriedades do próprio objeto, que podem ser apreendidas pelos órgãos
dos sentidos. O racionalismo privilegia a razão; a própria objetividade é
obtida a partir da razão e de seu conteúdo, mas em relação a um objeto
exterior à razão, a uma realidade independente dela (GONÇALVES,
2002:115).
Encontra-se em Hegel em contexto de revolução industrial e surgimento
da burguesia, no “século das transformações” - as bases para a superação dessa
dicotomia entre subjetividade e objetividade, opondo a noção dialética à
metafísica, numa espécie de retomada de Sócrates e Aristóteles, unindo-os.
Escreve ainda Maria da Graça Gonçalves:
Duas formulações de Hegel sintetizam a dialética hegeliana: “O ser e o
nada são uma mesma coisa”; “O real é racional e o racional é real”. Essas
duas formulações encerram a noção de SER em transformação e sua
implicação para o entendimento da relação razão-realidade como unidade
de contrários. (...) Ou seja, para a dialética, o ser esem transformação
constante e ser implica necessariamente deixar de ser. Isso permite dizer
que razão e realidade, enquanto contrários, se opõem, mas formando uma
unidade (idem,120)
Se nas filosofias clássicas dicotomia e nas tradições dialéticas
interação entre sujeito e objeto de conhecimento, é a perspectiva materialista de
33
Marx que, mantendo a existência objetiva do objeto e a importância do sujeito
ativo, salienta a ação transformadora do sujeito da ação sobre o objeto, uma ação
sempre social e histórica.
O envolvimento do materialismo dialético com a filosofia da ação pretende
realizar o engajamento nas ações práticas, capazes de transformar o real e
simultaneamente construir um conhecimento que “...ne s’égarera pas dans les
nuages de l’illusion mais produira la conaissance du réel em ramenand chacun
des domaines etudiés às ses conditions réelles de production” (SIMONS,
1978:34).
5
Nessa mesma vertente, Álvaro Vieira Pinto nas suas reflexões sobre as
relações entre conhecimento e cultura mostra que, se cultura é criação do
homem, que “resultante da complexidade crescente das operações de que
esse animal se mostra no trato com a natureza material, e da luta a que se
obrigado para manter-se em vida” (PINTO,1979:123), compreende idéias e
teorias sobre a realidade e objetos e técnicas, ou seja, o acervo do conhecimento
e de instrumentos que permitem a apropriação coletiva do mundo pelo homem.
Assim, a produção da cultura e do conhecimento associa-se à produção da
existência em geral. Foram, historicamente, apropriados por grupos minoritários,
durante o processo de acumulação das riquezas, que é também acumulação de
conhecimento. Idéias, saberes e ciência passam a pertencer a uma classe social
privilegiada, enquanto a maioria apenas opera os produtos materiais da cultura.
Ganha relevância nesta análise a divisão social do trabalho, geradora da
separação teoria e prática e da divisão social do trabalho em manual e intelectual,
uma vez que “explica porque desde eras remotas se introduziu o divórcio entre a
origem material do conhecimento e sua formulação teórica, divórcio que
condicionará toda a história da ciência até nossos dias” (idem,132).
Não sendo, na dialética do conhecimento, a verdade e a realidade
estáticas, mas construídas historicamente pelos homens, sujeitos de
necessidades, criadores e re-criadores da vida, temos que a humanidade cria-se
a si mesmo e à realidade objetiva pela via das contradições. A partir daí, para
5
...não se perderá em nuvens de ilusão mas produzirá o conhecimento do real, trazendo cada um
dos campos estudados às suas condições reais de produção. Tradução da autora.
34
Álvaro Vieira Pinto, caminhamos para uma época onde não haverá mais
contradições entre a teoria e a prática.
A interação dialética entre sujeito e objeto de conhecimento e teoria e
prática resume a segunda premissa deste trabalho e tem como conseqüência a
35
Vale lembrar que, para o autor, os sujeitos da história e do conhecimento
não são apenas sujeitos, mas opressores e oprimidos, que, vivendo em tal época,
devem buscar a restauração da humanidade pela via da consciência e da ação.
Esta ação no mundo implica em sujeitos cognoscentes que refletem sobre
a realidade para dela se apropriarem, de maneira a construirem
permanentemente o conhecimento, que desta forma não pode ser acumulado ou
“depositado” no outro. O pensar “banha-se” de temporalidade, é histórico, que
“é um pensar que percebe a realidade como processo, que a capta em constante
devenir e não como algo estático. Não se dicotomiza a si mesmo na ação
(FREIRE, 1987:82). Assim, os homens são seres da práxis, que suas ações
sobre o mundo criam a cultura, a história e a si mesmos. Daí que a unicidade da
teoria e da prática, e da ação e reflexão, constituem a fonte de todo conhecimento
e criação.
Práxis que, sendo reflexão e ação verdadeiramente transformadora da
realidade, é fonte de conhecimento reflexivo e criação. Com efeito,
enquanto a atividade animal, realizada sem práxis, não implica criação, a
transformação exercida pelos homens a implica (FREIRE, 1987:92).
É partindo da permanente relação dialética entre as elementos centrais do
conhecimento, que remontam a Aristóteles, contextualizados historicamente, que
Paulo Freire tece seu conceito de conhecimento – coerente com uma opção
política de transformação social, em permanente construção, nem certo nem
errado, ato de criação, leitura e reconstrução do mundo, “desvelamento” crítico da
realidade, a serviço da transformação, daí que, todo conhecimento, se crítico, é
necessariamente político.
A quarta premissa procura lembrar a importância, para o conhecimento da
realidade, da compreensão que as partes só podem ser compreendidas a partir
da totalidade em que se inserem, já que é a partir dela que elementos particulares
do contexto podem ser refletidos. Analisando o tema gerador Paulo Freire
salienta “o esforço de propor aos indivíduos dimensões significativas de sua
realidade, cuja análise crítica lhes possibilite reconhecer a integração de suas
partes” (FREIRE,1987:96). Neste sentido se faz necessário que dimensões
significativas para os sujeitos sejam refletidas da parte para o todo, e a partir dele
36
à parte re-significada. Sinteticamente, no processo de construção do
conhecimento pensamento e realidade não se separam, mas pressupõe a
sistematização do conhecimento anterior sobre a realidade (o conhecimento do
conhecimento anterior), gerando um novo conhecimento a partir da crítica e da
reflexão sobre a ação prática.
Entretanto, o debate em curso “pós-moderno”, se não todo ele, mas pelo
menos em algumas vertentes, retoma esses mesmos elementos, aliados às
discussões trazidas pela fenomenologia, pela psicanálise, pelo desenvolvimento
da física quântica e tantos outros, buscando contextualizar os sentidos - da
ciência, do conhecimento, das metodologias, das interações e das distinções - na
atual conjuntura social, política e econômica, e suas contradições, não superadas
como inicialmente previsto pelo materialismo histórico.
A ampliação da noção de sujeito e a revisão do objeto, síntese da pós-
modernidade, segundo Maria da Graça Gonçalves, geram algumas características
para a condição pós-moderna:
...morte do sujeito (sujeito do iluminismo); fim da história (do paradigma da
redenção, da idéia da evolução, afirmação de que a história desconsidera
o particular, as coisas se dão de maneira fragmentada e não é possível
um único modelo explicativo); fim das metanarrativas; valorização dos
localismos, dos conhecimentos locais; contraposição do caos à noção de
ordem; admissão do imponderável (GONÇAVES, 2001:124).
Características que, vistas na perspectiva das contradições e, portanto, da
existência de movimentos para sua superação, em uma atualidade de
permanência do capitalismo, leva à denúncia da fragmentação aliada à
consideração de que uma resistência é possível.
Para Boaventura Souza Santos (2003), no seu “Um discurso sobre as
ciências” é novamente necessário - tal como Rousseau no século XVIII - que
sejam feitas as perguntas elementares, entre elas, o valor do conhecimento não
científico, “ordinário ou vulgar”, considerado pela ciência como “irrelevante,
ilusório e falso”. Projetando na atualidade a crise do paradigma dominante e o
conseqüente desaparecimento da “distinção hierárquica” entre o conhecimento
científico e o senso comum, revê o paradigma dominante e o totalitarismo da
37
racionalidade científica instada nas ciências sociais desde o século XIX, que
“nega o carácter racional a todas as formas de conhecimento que o se pautam
pelos seus princípios epistemológicos e pelas suas regras metodológicas”
(SANTOS, 2003:21).
Segundo ele, o novo paradigma - “um conhecimento prudente para uma
vida decente” - corresponde a uma revolução científica diferente da que ocorreu
no século XVI, pois que:
...uma revolução científica que ocorre numa sociedade ela própria
revolucionada pela ciência, o paradigma a emergir dela não pode ser
apenas um paradigma científico (o paradigma de um conhecimento
prudente), tem de ser também um paradigma social (o paradigma de uma
vida decente) (SANTOS, 2003:30).
Optamos aqui por considerar as teses
6
que fundamentam o seu paradigma
emergente como uma quinta premissa, em primeiro lugar porque consideram a
superação das distinções expostas, que, para ele, o conhecimento tende ao
não dualismo:
...um conhecimento que se funda na superação das distinções tão
familiares e óbvias que até pouco considerávamos insubstituíveis, tais
como natureza/cultura, natural/artificial, vivo/inanimado, mente/matéria,
observador/observado, subjectivo/objectivo, colectivo/individual,
animal/pessoa (SANTOS, 2003:64)
Em segundo lugar, a idéia de “projetos locais de conhecimento”, tal como
Santos os concebe, contribui no nosso caso para refletir o sentido que
pretendemos dar à construção do conhecimento advindo da prática social (da
parte), nas suas relações com o universal (para o todo). Nesse sentido, se o
conhecimento, no seu paradigma emergente, tem como horizonte a totalidade
universal, constitui-se ao redor de temas:
6
1. Todo conhecimento científico-natural é científico-social; 2. Todo o conhecimento é local e total;
3. Todo conhecimento é auto-conhecimento; 4. Todo o conhecimento científico visa constituir-se
em senso comum (SANTOS, 2003).
38
...que em dado momento são adoptados por grupos sociais concretos
como projectos de vida locais, sejam eles reconstituir a história de um
lugar, manter um espaço verde, construir um computador adequado às
necessidades locais, fazer baixar a taxa de mortalidade infantil, inventar
um novo instrumento musical, erradicar uma doença, etc., etc. (SANTOS,
2003:76
).
Nessa linha, o trânsito do local para o total se pela “exemplaridade” e
pela capacidade “tradutora” da ciência do paradigma emergente:
A ciência do paradigma emergente, sendo, como deixei dito acima,
assumidamente analógica, é também assumidamente tradutora, ou seja,
incentiva os conceitos e as teorias desenvolvidos localmente a emigrarem
para outros lugares cognitivos, de modo a poderem ser utilizados fora do
seu contexto de origem (SANTOS, 2003:77).
É também no paradigma emergente que a distinção dicotômica entre
sujeito e objeto de conhecimento se re-configura. Se efetivado o reconhecimento
de que a ciência moderna é apenas uma explicação possível da realidade, nem
melhor e nem pior que outros tipos de conhecimento como a metafísica, a
astrologia, a religião, a arte, a poesia e tantos outros, assume-se o seu caráter
autobiográfico, ou seja, os valores, as crenças estão sempre presentes. Assim,
aproxima-se a ciência da crítica literária, na qual observa-se mais a relação entre
dois sujeitos, do que entre sujeito e objeto: “cada um é a tradução do outro,
ambos criadores de textos, escritos em línguas distintas ambas conhecidas e
necessárias para aprender a gostar das palavras e do mundo” (SANTOS,
2003:87).
Finalmente, considerar a importância do diálogo entre diferentes formas de
conhecimento, especialmente entre a ciência e o senso comum, este último, ainda
que, segundo Boaventura Souza Santos (2003), prático e pragmático,
transparente e evidente, superficial, indisciplinar e imetódico, mas que,
interpenetrado pelo conhecimento científico, pode levar à sabedoria.
A natureza teórica do conhecimento científico, tal como proposto
atualmente, é contraposta com o senso comum, com base na idéia de intenção:
39
É que, enquanto no senso comum, e portanto no conhecimento prático em
que ele se traduz, a causa e a intenção convivem sem problemas, na
ciência a determinação da causa formal obtém-se com a expulsão da
intenção (SANTOS, 2003:30
).
Entre tantas as obras e passagens que poderiam exemplificar algumas das
teses de Santos, destaca-se a nossos olhos um pequeno trecho introdutório de
Cartas a Guiné-Bissau com o qual Paulo Freire nos brinda:
Faço esta referência para sublimar quão importante foi, para mim, pisar
pela primeira vez o chão africano e sentir-me nele como quem voltava e
não como quem chegava. Na verdade, na medida em que, deixando o
aeroporto de Dar es Salaam, há cinco anos passados, em direção ao
“campus” da universidade, atravessava a cidade, ela ia se desdobrando
ante mim como algo que eu revia e em que me reencontrava. Daquele
momento em diante, as mais mínimas coisas velhas conhecidas
começaram a falar a mim, de mim. A cor do céu, o verde-azul do mar, os
coqueiros, as mangueiras, os cajueiros, o perfume de suas flores, o cheiro
da terra; as bananas, entre elas a minha bem amada banana-maça; o
peixe ao leite de coco; os gafanhotos pulando na grama rasteira; o gincar
do corpo das gentes andando nas ruas, seu sorriso disponível à vida; os
tambores soando no fundo das noites; os corpos bailando e, ao fazê-lo,
“desenhando o mundo”, a presença, entre as massas populares, da
expressão de sua cultura que os colonizadores não conseguiram matar,
por mais que se esforçassem para fazê-lo, tudo isto me tomou todo e me
fez perceber que eu era mais africano do que pensava (FREIRE, 1978:13).
O exercício do pensamento do autor, exemplificado neste trecho,
testemunha de maneira autobiográfica a tarefa de dar forma e sentido ao seu
conhecimento sobre a cultura africana, a colonização, o nordeste brasileiro e dele
mesmo. Como que dizendo que, tal como na África, também ao conhecimento
não voltamos, chegamos. E ao chegarmos reencontramos com tudo o que
sabíamos, e ao mesmo tempo conosco, agora re-significados. Considerando este
ponto de vista, a tarefa de conhecer, além de um ato de consciência, é também
uma tarefa de afetar-se como sujeito em relação a outros sujeitos que, com o
corpo, desenham a vida.
Essa breve síntese a propósito das reflexões sobre conhecimento tem,
assim, o propósito de estabelecer o marco a partir do qual buscamos refletir as
aproximações entre a prática de ONGs com o conhecimento - sempre mediados
pelos sujeitos da ação. Reflexão que busca seu fundamento, portanto, na
compreensão de que o conhecimento gerado na ação prática, embora não tenha
40
a intenção (nem metodológica, nem política) de constituir-se em ciência, traduz-se
em um saber prático, local e muitas vezes temático, interpenetrado por outras
modalidades de conhecimento (inclusive científico), capaz de, pela via do diálogo
entre diferentes saberes, traduzir-se em generalizações capazes de servir a
outros.
Generalizações que aqui denominamos “referências”, compreendidas como
um conjunto de elementos que, em forma de sistema operacional, expressam as
aprendizagens dos sujeitos individuais e coletivos em direção à capacidade de
gerar mudanças significativas na vida das pessoas e das comunidades com que
trabalham. Podem ainda, ao mesmo tempo em que reaproximam as comunidades
41
e organizações da sociedade civil em geral. De acordo com a sua pesquisa
7
,
neste campo, a idéia é a construção de um conhecimento de modo próprio e
alternativo que serve de um lado à academia como forma de revisar suas
estratégias e, de outro, aos movimentos populares para valorizar as
aprendizagens da experiência e sua capacidade de intervenção em determinadas
realidades. Este conhecimento estaria entrecruzado por três eixos de saber:
...o conhecimento produzido e controlado pelos órgãos oficiais a respeito
das condições de vida da população; o conhecimento acadêmico ou
perspectivas de análise teóricas e metodológicas voltadas à
compreensão
dos processos de produção de
desigualdade e
miséria; o conhecimento
dos sujeitos que vivem concretamente as
condições de vida
que geram os
problemas e situações que são objeto das ações dos agentes nos
movimentos
(MARTELETTO, 2005).
Segundo ela, nas representações dos especialistas/agentes das ONGs o
conhecimento está associado a poder e influência, se acumula e tem potencial de
transformação tanto no plano do indivíduo quanto do coletivo. É um conhecimento
incorporado pelas experiências geradas na relação entre os sujeitos e a sua
realidade vivida, portanto criado pelas pessoas na ação prática. Para alguns, ele
significa o encontro entre o científico (ou oficial) e o senso comum das camadas
populares. Trata-se, portanto, de um novo tipo de conhecimento que vem sendo
gerado no interior do “terceiro setor”, e que se distingue da informação e da
comunicação da seguinte maneira:
As ONGs atribuem à informação um caráter pontual, potencial, virtual e
possível de se realizar, dependendo da capacidade cognitiva, lingüística e
comunicacional dos sujeitos, ou seja, das condições objetivas para a
realização dos atos comunicacionais e informacionais. O conhecimento é
representado como apropriação e absorção de princípios de entendimento
da realidade social e do próprio sujeito inserido nela, e remete à
experiência e à sabedoria, ou seja, ao habitus acumulado pelo indivíduo
na sua trajetória social. (...) A comunicação, no universo das ONGs,
remete para a necessidade de escuta da fala do outro, ou a uma relação
social entre sujeitos que não têm o mesmo estatuto na sociedade, e que
interpretam as informações a partir da sua localização (física e simbólica)
no espaço social, gerando-se assim conflitos e embates discursivos e
cognitivos entre os interlocutores (idem, 2005).
7
Pesquisa de campo junto ao Centro de Defesa dos Direitos Humanos - CDDH, situado em
Petrópolis, RJ, e no Centro de Estudos e Pesquisas da Leopoldina - CEPEL, situado na cidade do
Rio de Janeiro, RJ.
42
Pressupõe uma visão de conhecimento como produto social, que é
distribuído, dotado de valor e apropriado de diferentes formas, frente ao que a
sociedade civil, além do Estado e do mercado, tem um papel a cumprir,
especialmente nos seus processos de distribuição e de organização. No entanto,
segundo a autora, a questão parece estar ausente do debate político, apesar da
sua importância na transformação social.
Uma segunda reflexão merece destaque, uma vez que tem permeado as
idéias de várias organizações do “terceiro setor”. Bernardo Toro (2002) afirma o
“saber social”
8
como produto, que não natural ao ser humano, fabricado “tão
artificialmente como uma garrafa”, e que portanto devemos aprender a produzi-lo,
a acumulá-lo e a distribuí-lo como qualquer outro produto.
Trata-se do conhecimento que tem o pescador que quando sai para
pescar no mar, olha para a cor do mar e diz: hoje terei uma boa pesca,
hoje o dia está bom para pescar, ou hoje não vai dar para pescar porque o
mar estará bravo. É um conhecimento que ele acumulou por um longo
período de tempo. É também o conhecimento que tem o índio para
lembrar um caminho na selva a partir da posição das folhas, do tipo de
árvore e do tipo de animal visto. São saberes adquiridos e produzidos na
vida cotidiana, por meio da interação com outras pessoas e com o trabalho
(TORO, 2002).
Segundo ele, a equação necessária para que uma sociedade capitalize a
sua experiência é a seguinte: transformar a experiência em conhecimento,
transformar o conhecimento em método e transformar o método em informação.
Portanto, é preciso que o conhecimento seja transformado em conhecimento
social, ou seja, tomar o conhecimento pessoal do sujeito e o transformar em um
bem social.
Se conseguirmos transformar a capacidade e experiência de
Michelangelo, por exemplo, em método para aprender a pintar, poderemos
formar outras pessoas a partir da experiência deste grande artista e
transformar este saber em um saber útil para a sociedade (Idem, 2002).
43
Isto seria feito pela transformação do conhecimento em teoria, porque
apenas por essa via ele poderá ser transferido ou “readaptado”, isto é,
transmutado em conhecimento teórico e em seguida em método - definido por ele
como um “conjunto finito de passos que levam a resultados”.
Caberia indagar frente a essas reflexões, quais as implicações de uma
compreensão de conhecimento como produto a ser inserido na lógica de
mercado, além da distinção tão evidente feita entre teoria e prática, já que,
segundo essa ótica, o conhecimento deve ser “transformado” em teoria. De todo
modo, verifica-se que a questão do “conhecimento prático”, longe de estar
resolvida, delineia-se como uma reflexão significativa para os sujeitos envolvidos
de alguma maneira com o fazer social.
Como veremos a seguir, a propósito da sistematização de experiências,
seus autores preocupam-se também em refletir a base epistemológica na qual a
proposta se constrói, trazendo questões como: se o conhecimento está
fundamentado na prática mais do que na teoria, como se a relação dialética
entre essas duas dimensões? Quais o as características do conhecimento
prático? A sua validade se determina pela sua capacidade para enfrentar e
orientar ações? É situacional, o que o diferencia da teoria que pretende
generalizações?
Neste sentido, consideramos importante destacar, no conjunto de
categorias e conteúdos de análise levantados, aspectos interligados e
específicos das questões sobre o conhecimento prático tais como: suas
características e potencialidades, seus propósitos no universo das ONGs, seus
elementos internos, as formas de legitimação, além dos seus modos de
construção.
8
Compreendido com o “conjunto de conhecimentos, práticas, habilidades, tradições, ritos, mitos e
valores que permitem a uma sociedade sobreviver, conviver, produzir e dar sentido à vida” (TORO
2002), ou seja, todas as formas de produção de conhecimento de uma sociedade.
44
4. SISTEMATIZAÇÃO DE EXPERIÊNCIAS
Parecia coisa que tinha estado escutando a vida toda! Palpitava o
errado. Traição? Ah, estava entendendo. Num pingo dum instante.
Guimarães Rosa
Guimarães Rosa no seu “Recado do Morro” narra como “num pingo d´um
instante” Pedro Osório “entendeu” e quando o fez, “parecia coisa que sabia a vida
toda”. Mas antes disso, Laudelim Pulgapé, cancioneiro, juntou palavras de
meninos e lunáticos que o antecederam, deu a elas forma de canção e
significado, e o recado da morte tramada, cantada e várias vezes ouvida, criou as
condições para a compreensão, e assim os sentidos foram tecidos.
Dar forma e sentido pela via da reflexão e relacionar o particular, o local,
com o universal, para transformar a experiência cotidiana, o saber privado em
conhecimento que pode ser socializado são, segundo a nossa perspectiva,
tarefas da sistematização de experiências. Encontra sua especificidade na
definição de seu objeto, ou seja, a experiência concreta - de indivíduos e
organizações - interessados em intervir socialmente. Não raro, suas definições e
compreensões permanecem misturadas a de outros procedimentos e
instrumentos metodológicos como a sistematização de informações e de dados, a
avaliação de projetos, a investigação e a pesquisa, as etapas de processos
formativos, entre outros, sobre o que falaremos adiante.
Consideramos que a sistematização de experiências é um instrumento
metodológico específico e de reflexão sobre a prática, ligado a processos de
construção de conhecimento prático, local e social. Como nos ajuda Lino de
Macedo (2002:55), localiza-se em um campo no qual, experiências,
conhecimentos e metodologias, “cada qual com as vicissitudes da sua realização
e com seus objetivos particulares”, podem ser pensadas como partes de um todo,
menos como uma somatória de subordinações ou de coisas independentes,
lineares, consecutivas, e mais como um conjunto de coisas articuladas
internamente e externamente em uma teia relacional que lhe confere sentido.
Além disso, e principalmente, considera que o processo de reflexão sobre a
prática deve ser implementado sempre desde a perspectiva de seus atores.
45
Neste capítulo buscamos recuperar suas origens, analisar seus conceitos à
luz dos eixos anteriores, definir o objeto que ordena sua prática, mapear objetivos,
verificar as interfaces com outros instrumentos possíveis e discutir o como das
coisas, isto é, seus procedimentos.
4.1. Origem da sistematização na América Latina
A preocupação com a sistematização de experiências na América Latina
ganha força na década de 80, especialmente no campo da educação popular.
Segundo Maria da Luz Morgan (1995) profissionais com trabalho direto junto a
grupos populares, desenvolvendo projetos de educação popular, promoção e
trabalho social consideravam a necessidade de recuperar e comunicar estas
experiências e suas aprendizagens. Paralelamente, questionavam as formas
tradicionais de avaliação e investigação existentes, fundadas em paradigmas
teóricos positivistas, que não consideravam a riqueza dos processos e a
participação dos interessados.
La sistematización es una de las propuestas que surgen, junto con formas
diferentes de investigación e evaluación, que enfatizan la participación de
los propios interesados: el personal de los projectos y la población con
quien se ejecutan las acciones (MORGAN, 1995:4).
Assim, no início dos anos 80, organizações como o CEESTEM Centro de
Estudios del Tercer Mundo no México, o CIDE - Centro de Estudios de la
Educación no Chile se uniram para realizar uma sistematização de experiências
de educação popular, interessadas em identificar, organizar e caracterizar os tipos
de processos e relações entre profissionais e população gerados na intervenção
social.
Como informa Maria da Luz Morgan (1995), essa iniciativa parte de duas
compreensões iniciais sobre sistematização: a primeira proposta por Sergio
Martinic (1984) com a idéia das “hipóteses de ação”, considerando que, em toda
intervenção, existem hipóteses implícitas, a partir das quais se pode
“reconceitualizar” a experiência. A segunda (assumida por ALFORJA, CELATS,
46
CEAAL, Escuela para el Desarollo, entre outros
9
) que concebe a sistematização
como uma forma de produção de conhecimentos, baseada na recuperação e
comunicação das experiências vividas. No final dos anos 80 é fundado o “Taller
Permanente de Sistematización” (Peru) que agrupa várias destas instituições,
além de pessoas comprometidas com o tema.
Também de acordo com Pierre de Zutter (1994), a história da
sistematização de experiências na América Latina pode assim ser resumida:
...est née d´une doublé demarche. D´abord le besoin de dépasser
l´évaluation de projet dont les structures et les methods pondaient aux
requêtes des financeurs plus qu´à celles du terrain. Ensuite l´aspiration à
apprende de l´expérience ce qui permette de compléter et structurer les
pratiques d´éducation populaire en un systéme cohérent de pensée et
d´action (ZUTTER, 1994: 43)
10
.
É também fazendo referência a essa origem que Pierre de Zutter (1994)
diferencia a sistematização de experiências latino-americana da proposta que
desenvolve também em países da América Latina, em parceria com organizações
como a FPH Fondation pour le Progrès l´Homme
11
, denominada por ele de
“capitalização de experiências” e conceituada como “a passagem da experiência
ao conhecimento compartilhado”. Segundo ele a “capitalização de experiências”
parte de uma outra urgência:
...recueillir et exprimer toutes sortes d´apports et de sensibilités afin de
contribuer à une recomposition progressive des savoirs et des pratiques,
recomposition nécessaire au vu des réponses de la realité (de la plus
macro à la plus micro) aux múltiples
idéologies et modèles prônés pendant
les dernières décennies (ZUTTER, 1994: 44).
12
9
ALFORJA – rede de centros de educação popular da América Central representada por Oscar
Jara na Colômbia. CELATS – Centro Latinoamericano de Trabalho Social no Peru. CEAAL –
Consejo de Educación de Adultos da América Latina, desenvolve o “Programa de Apoyo a la
Sistematización”. Escuela para el Desarollo – Peru.
10
.. ... nasce a partir de uma dupla entrada. Primeiro a necessidade de ultrapassar a avaliação de
projeto onde as estruturas e os métodos respondiam às demandas dos financiadores mais do que
as do campo. Em seguida a aspiração de aprender da experiência aquilo que permite completar e
estruturar as práticas de educação popular em um sistema coerente de pensamento e de ação.
Tradução da autora.
.parte de uma dupla entrada
11
Organização suíça com sede em Paris
12
...recolher e exprimir todo tipo de contribuições e de sensibilidades para contribuir com uma
recomposição progressiva dos saberes e das práticas, recomposição necessária para responder a
47
Assim, se os anos 60 inauguram, no contexto latino-americano, esforços
quanto ao estabelecimento das relações entre a pesquisa e a prática e os 70 o
aumento da exigência pela avaliação (originada no mundo dos financiadores), a
década de 80 busca reflexões e avaliações que possam servir a todos e a
produção do conhecimento útil para a ação.
A proposta da sistematização, entendida como uma busca de
compreensão e qualificação do fazer social, inseria-se, portanto, em um contexto
latino-americano do final da década de 70, momento no qual, como assinalam
todos, a solidariedade e luta confluíam e se integravam em diferentes tipos de
práticas sociais. Era a época das lutas pela libertação da Nicarágua, das
manifestações dos camponeses e mineiros na Colômbia e Bolívia, dos manifestos
pela incapacidade das estruturas sociais dominantes, convivendo com a
repressão nos países sob regimes ditatoriais. E também a época da emergência
de práticas sociais de caráter alternativo.
Segundo Alfredo Ghiso (1998), as questões que então se colocavam no
universo dos movimentos sociais diziam respeito à necessidade de re-valorizar o
protagonismo do povo, qualificar os modos de fazer política e transformar os
componentes autoritários existentes nas práticas pedagógicas. Entretanto,
quando os regimes políticos latino-americanos começam a gerar processos mais
democráticos, o fato de que o fazem imersos em contextos neoliberais e de
globalização termina por acarretar o que denomina de “crises de opções éticas-
políticas e de paradigmas” geradora de algumas rupturas, entre elas, a coerência
entre o sentido e a ação prática. Isso explica, segundo o autor, a necessidade de
valorizar a reflexão de experiências como fonte de conhecimento, tanto para
desvelar os discursos calados, como para romper com o ativismo e a urgência,
característicos das práticas sociais que emergiram neste momento:
“desmitificando, desmontando y deconstruyendo lo que llamamos fundamentos
raíces; reconecen un universo teórico plural, provisional y perfectible producto de
la interacción con outros” (GHISO, 1998:3).
partir da realidade (da mais macro à mais micro) às múltiplas ideologias e modelos construídos
durantes duas décadas. Tradução da autora.
48
No Brasil existem poucas reflexões sistematizadas a respeito do tema,
embora trabalhos nesse sentido existam desde a década de 60, especialmente
ligados a atividades de educação de adultos e a práticas de formação de
pequenos agricultores. Segundo Claudino Varonese (1996) a partir dos anos 70
observam-se, inclusive, experiências vinculadas às iniciativas latino-americanas,
como as coordenadas pelo CEALL
13
. Entretanto, a conjuntura política brasileira
impediu a continuidade de várias delas, de duas maneiras: pela repressão às
atividades de caráter crítico, imposta pela ditadura militar, e pelo fato de que,
durante o processo de democratização, militantes e intelectuais foram totalmente
absorvidos por demandas geradas pela necessidade de reorganizar a própria
atuação social e a mobilização da sociedade.
Conforme explicitado na introdução desse trabalho, temos observado
recentemente a disseminação da idéia e da prática da sistematização no Brasil.
Aparentemente, as fundações e institutos ligados ao mundo empresarial tendem a
compreendê-las como um processo de construção de tecnologias, traduzidas em
manuais que podem apoiar a disseminação e multiplicação das experiências.
Sendo assim, constituem-se em um instrumento de rentabilização do investimento
social implementado, mais próximo de um modelo de racionalidade que pretende
a construção de procedimentos padronizados e que comportem um fim prático.
Resta verificar a trajetória e os rumos que a reflexão das práticas sociais
vêm tomando nas ONGs brasileiras. Reflexão compreendida como interpretação,
diálogo e atribuição de sentidos capazes de intervir nos contextos de seus atores,
pela via da construção de conhecimentos que não se transferem, mas se
negociam. Ainda, tendo em vista sua origem, se preciso perguntar os seus
sentidos para as ONGs na atual conjuntura econômica e social. Sobre isso,
Alfredo Guiso (1998) considera que atualmente a sistematização precisa ser
pensada no “marco paradigmático das redes”:
La red se constituye en el âmbito privilegiado de recreación conceptual,
de generation de interrogantes, de producción y circulación de
13
Mais recentemente: o SPEP – Serviço Permanente de Educação Popular da Universidade
Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (UNIJUI) criado em 1987 está vinculado ao
CEAAL. Outro exemplo é a Coleção Direitos Humanos (Sistematização de Experiências de
Educação Popular) 2, 3, 4 publicada pelo Movimento Nacional de Direitos Humanos 1990/1991
escrita por autores do CELATS e CIDE (Chile)
49
conocimientos sobre la práctica (...) permite el encuentro y la recuperación
de las identidades, valorando la diversidad y las diferencias (...) son y
serán los espacios de legitimación de lo producido en procesos de
sistematización (GUISO,1998:6).
4.2. Os conceitos e pressupostos
Várias definições de sistematização podem ser encontradas nos
documentos que compõem a “Bibnrá
50
Conforme assinalaram várias reflexões, embora o termo não tenha um
significado único, existem vários elementos em comum entre as definições
(reflexão, geração de conhecimentos, interpretação crítica, reconstrução analítica,
histórica e interpretativa, diálogo). Destacamos aquelas que mantém
correspondência com os pressupostos assinalados no capítulo anterior:
(1) O objeto da sistematização é a experiência concreta, considerada suficiente
para a geração de conhecimentos e referências metodológicas. Dito de outro
modo, a prática social é sempre fonte de conhecimento, independente de seus
resultados. Conhecimento que deve dialogar com outras modalidades e
interlocutores.
(2) Não se realiza senão com a participação ativa dos sujeitos autores da prática,
engajados em processos de reflexão sobre ela, sobre si próprio e sobre a sua
ação no mundo. Considera, portanto, os indivíduos e organizações envolvidos
como atores, pesquisadores e simultaneamente produtores de conhecimento.
Vale notar que as conceituações sobre o “sujeito da ação” nem sempre são
estritamente coincidentes. Embora elas o se contradigam, podem gerar
diferenças quanto aos métodos, como veremos adiante. Um exemplo refere-se às
diferentes maneiras de compreender o sujeito. Para o Taller Permanente de
Sistematizacion os sujeitos são os “profissionais da ação”, caracterizados tal
como os concebe Donald Schön nas suas reflexões sobre a epistemologia da
prática: “según Shön, ellos deben realizar una serie de razonamientos que les
permiten transitar desde una visión confusa de la compleja realidad en que deben
intervenir, a definir problemas y cursos de acción” (BARNECHEA; GONZALEZ;
MORGAN, 1998:7).
(3) Considera a relação entre ambos, portanto, entre a objetividade e a
subjetividade, entre a teoria e a prática, embora com algumas diferenças. Em
geral, concebendo, pela via da dialética, objetividade e subjetividade como pólos
contraditórios da realidade, em permanente relação de tensão e luta entre
eles possam entrar desde já em um grande diálogo com outros e que eles se enriqueçam
mutuamente. Tradução da autora.
51
opostos, geradoras de síntese e movimento e buscando refletir questões
pertinentes às noções de objetividade e de rigor científico.
Para Maria Mercedes Barnechea (1998) se na sistematização o sujeito e
objeto de conhecimento são os mesmos, a objetividade, tal como costuma ser
entendida, deixa de ser possível. Entretanto, como a questão em curso não é
“um experimento científico”, mas uma aposta de transformação social, que inclui
compromissos ideológicos e afetivos, a subjetividade necessariamente joga um
papel importante. Exatamente pelo fato de que o objeto é a prática e o sujeito um
profissional da ação, se faz necessária a busca por novas formas de produzir
conhecimento que passa “pela liberação dos marcos e exigências da
investigação”. Assim, segundo ela, em se tratando de conhecimento prático, ele
não se valida e verifica na teoria, mas na própria prática. Para tanto, parte do
pressuposto que a teoria está na prática e a prática é uma hipótese de ação.
Oscar Jara coloca a questão da seguinte maneira: “...la sistematización de
experiencias no aspira a “mirar las experiencias con objetividad”, sino a objetivar
la experiencia vivida” (JARA, 1998:15).
Para Sérgio Martinic (1998), as diferentes abordagens de sistematização
têm de fato em comum a o dicotomia entre sujeito e objeto de conhecimento e
a decorrente tentativa de abordar tanto a teoria como a prática desde o interior da
experiência, ou seja, o sujeito não é externo ao objeto. O autor, entretanto,
assinala duas perspectivas diversas identificáveis nos enfoques de
sistematização
16
. Uma próxima da perspectiva subjetivista weberiana, na qual as
experiências são compreendidas como um “sistema de acción donde diferentes
actores construyen y reproducen sentidos desde sus propios horizontes culturales
y sociales” (MARTINIC, 1998:2) que termina por consagrar (pela separação entre
as estruturas e o mundo subjetivo) a dicotomia que a investigação social tratou de
unir. E a segunda, que se aproxima mais facilmente de conceitos como habitus de
Bordieu e ação comunicativa de Habermans que assinalam “uma interacción y
constitución mutúa entre estructura y conciencia; entre lo objetivo y lo subjetivo”
(Idem: 3).
16
O que, segundo ele, tem correspondência com os debates relacionados aos métodos
qualitativos da pesquisa avaliativa. Se divididos em quantitativos ou qualitativos, temos que o
primeiro, associado à tradição positivista, concebe a realidade social como uma estrutura objetiva
52
Para este autor, o desafio epistemológico da sistematização é dar conta
dessa interação, superando as dicotomias. Para tanto seria necessária uma nova
teoria da ação, capaz de levar à redefinição do objeto da sistematização.
Redefinição importante, já que a representação que os sujeitos constroem sobre a
realidade não tem uma existência ontológica própria, mas se constitui na
interação discursiva do sujeito com os distintos contextos sociais dos quais
participa. Por esse caminho, o estudo das interações e dos processos de
negociação de sentidos teria mais importância do que a interpretação do sujeito.
Mais do que alternativa à pesquisa e investigação social, a sistematização
passaria a ser compreendida como uma modalidade particular de investigação,
cujo objeto é a ação social.
Já nas definições da “capitalização de experiências” escreve Pierre de
Zutter: “il s´agit d´abord de partir non pas de l´experience en soi mais des acteurs
de cette expérience, de ceux qui sont porteurs des conaissances possibles”
(ZUTTER, 1994:39)
17
. Partindo de uma visão centrada no sujeito, o autor tece
suas críticas à sistematização latino-americana, considerando que, embora
represente uma busca comum de identificar possibilidades de avanço para a
prática social, tendeu a se constituir em estruturas fechadas, em tendências que
não dialogam, rapidamente constituídas em modelos e sistemas excessivamente
sofisticados (ZUTTER,2002).
(4) Procura relacionar parte e todo, compreendendo a realidade como uma
totalidade em permanente movimento impulsionado pelas contradições:
...como um todo integrado cuyas partes no pueden entenderse
aisladamente, sino en su relación con el conjunto; ni la totalidad es
comprensible sin considerar sus partes, ni las partes lo son sin entenderlas
como formando parte del todo (BARNECHEA; GONZALEZ; MORGAN,
1998:3).
Ao considerar o particular e o geral segundo uma perspectiva processual,
enfatiza a historicidade do conhecimento produzido. Na reflexão crítica, os
profissionais param para pensar o que fizeram, porque fizeram, que caminhos
e externa ou sujeito, o segundo afirmando, pelo contrário, que a realidade social é constituída
pelos sentidos subjetivos que orientam a ação dos sujeitos.
53
foram escolhidos, com que resultados e para que serviram. Essa reflexão se
aplica a um processo sempre relacionando ao seu contexto histórico. Escreve
Oscar Jara:
La historicidade de la interpretación, en definitiva, supone entender la
lógica de la experiencia particular, entrando en lo más profundo del
processo de ella misma, para descubrir los hilos invisibles que la
relacionan con la integralidad del momento histórico del que forma parte y
al que contribuye desde su originalidad (JARA, 1998:14).
(5) Considera ainda a particularidade da prática social e do conhecimento prático
na sua dimensão política, uma vez que trata de processos sociais que não são
compostos apenas por ações quantificáveis e qualificáveis. Referem-se a
intervenções que têm objetivos transformadores, que não se realizam sem o
compromisso dos sujeitos com a transformação. Pretende, a partir de
intervenções pontuais, dinamizar processos que fortaleçam setores
marginalizados e lhes permitam melhorar sua posição social e incrementar seu
poder político (BARNECHEA; GONZALEZ; MORGAN, 1998).
(6) Além disso, diz respeito a processos de aprendizagem, uma vez que a
reflexão é geradora de aprendizagens, que serve tanto para quem a faz, quanto
para outros.
Podemos considerar assim que, diferentemente de outros procedimentos
metodológicos, que encontram em suas trajetórias fundamentos em paradigmas
positivistas
18
, a sistematização de experiências localiza-se desde suas origens, e
de certa maneira justifica-se, no debate provocado pela dialética, ou seja: a
necessária interação entre o sujeito e objeto, a ênfase no processo, na
historicidade, complexidade e diversidade do conhecimento. Além disso, surge
com base nas práticas da educação popular, e na ênfase dada à construção
metodológica do conhecimento: a importância da reflexão crítica a partir da
interação entre ação e reflexão e o foco na aprendizagem.
Apesar disso existem diferenças entre os enfoques, o que, para alguns
autores (GUISO, 1998; VARGAS, 1998) não se torna visível apenas na
17
Trata-se de partir, não da experiência em si, mas dos atores dessa experiência, daqueles que
são portadores dos conhecimentos possíveis. Tradução da autora.
54
diversidade de seus objetivos, objetos e metodologias, mas também no respaldo
epistemológico, mesmo que no interior do mesmo paradigma.
4.3. Os objetivos
A sistematização pretende criar oportunidades para a reflexão sobre a
prática e se justifica em torno de alguns objetivos centrais, de certa maneira
comuns a todas as propostas, embora com ênfases diversas:
(1) Construir o diálogo entre a experiência local com outras dimensões do
conhecimento, com o propósito de ampliar os seus efeitos e impactos sociais
(pela via da disseminação, da reedição de experiências ou da influência em
políticas públicas mais amplas), para “rescatar lo innovador de sus formas e
métodos de organización e identificar nuevas maneras de pensar y hacer la
política, así como de construir propuestas alternativas desde la perspectiva
popular” (JARA, 1998:3)
19
.
(2) Refletir a prática concreta buscando qualificá-la e aprimorá-la (impacto
interno). Para Oscar Jara (1998) busca-se mesmo a renovação teórico/prática dos
movimentos sociais, que não sistematizamos para informar o que acontece e
seguir fazendo o mesmo, senão para melhorar, enriquecer, transformar as
práticas.
(3) Reafirmar a autoria dos profissionais atuantes na área e atores de práticas
sociais como sujeitos criadores (impacto na formação de profissionais), uma vez
que a sistematização provoca processos reflexivos e de aprendizagem.
(4) Construir conhecimento capaz de contribuir com o enriquecimento da teoria.
4.4. As interfaces com a avaliação e pesquisa
18
Por exemplo, a inspiração original da avaliação no modelo norte-americano.
55
Os diferentes autores citados de maneira geral concordam que a
sistematização de experiências mantém várias interfaces com os procedimentos e
instrumentos metodológicos ligados à pesquisa e investigação e à avaliação e
monitoramento de projetos. Salientam que, ainda que a sistematização encontre
semelhanças e mesmo complementaridade em relação a outros procedimentos,
as distinções e diferenças são essenciais e dizem respeito mais ao sentido do que
à forma da ação. Por exemplo, para Oscar Jara (2001) a sistematização não se
fixa nos resultados como na avaliação, não aborda qualquer temática como na
investigação e também não se constitui em um mecanismo de monitoramento
isento do aporte crítico. Isso significa também, segundo Maria Mercedes
Barnechea (1998), que os produtos são diferentes, não resulta em um informe de
resultados, uma descrição de experiências, uma tese ou dissertação, um relatório
de pesquisa.
Com isso pretende-se assinalar que a implementação de projetos sociais
produz novos conhecimentos de três “tipos”: (1) sobre a realidade na qual se
intervem, para o que se realizam investigações ou diagnósticos; (2) sobre os
resultados da intervenção, para o que se realizam avaliações; (3) sobre a maneira
pela qual os processos e as relações entre os profissionais e a população se
realizam, para o que fazemos sistematização de experiências.
Assim, a sistematização se distingue da investigação pelo seu sentido
(aprender da própria prática) e pelo objeto de conhecimento (que o é
independente da ação como na investigação), e da avaliação pelo objetivo (mais
processo do que resultado ou atribuição de valor).
Para Sergio Martinic (1998) a questão é mais ampla, que a
56
modalidades de investigação da ação social, inserida em um contexto de
mudanças de paradigma.
4.5. Os procedimentos metodológicos da sistematização
O “como das coisas” diz respeito a como algo ganha existência, senão por
um lado mobilizado pelo desejo de realizar alguma coisa, portanto perguntando,
em seguida articulando possibilidades de ação, ou seja, construindo
procedimentos e respostas. Como todo processo de produção de conhecimento,
também a sistematização pressupõe um todo, que os conhecimentos não
brotam de maneira espontânea da prática social. Trata-se então de verificar como
o conhecimento se constrói na prática social, e especialmente, como fazemos
para criar as oportunidades para que ele se construa.
Voltando a Álvaro Vieira Pinto, temos que:
“... sendo a ação existencialmente proveitosa pelos bens que produz,
supõe a posse de uma idéia anterior, que move à operação construtiva,
dirige, com o auxílio dos conhecimentos armazenados, os ensaios de
criação de objetos, orientação da conduta e sistematização da
experiência; mas, ao mesmo tempo, ao ter êxito na ação praticada,
surgem no pensamento idéias originais, que representam ou as coisas
inéditas que começam agora a ser fabricadas ou as experiências recém
adquiridas, e por isso, se constituem em novas concepções, novos
conceitos, que vão sendo percebidos pela reflexão intelectual, em virtude
da ligação das idéias anteriores às que se seguem aos atos praticados.”
(Pinto, 1979: 137).
Disto se trata a inovação, a invenção, o gesto criador, e a essência dos
processos formativos: a explicitação da idéia anterior, a condução da ação, a
organização da experiência, a reflexão, os novos conceitos? É por essa via que
desestabilizamos conhecimentos e “os remetemos às suas condições de
produção?” (CORTELLA, 2002:103).
As propostas contidas na bibliografia consultada abordam alguns aspectos
relativos aos caminhos da sistematização de experiências, entre os quais
destacamos: o objeto que orienta a sistematização, o pressuposto da participação
e os procedimentos.
57
4.5.1.O que e quando sistematizar
Em primeiro lugar é preciso ressaltar a importância da definição do objeto
que ordena cada sistematização a ser realizada, ou seja: o quê queremos
sistematizar. Mesmo considerando que toda prática social gera aprendizagens e
novos conhecimentos, esta é uma questão presente ao iniciar um processo de
sistematização, seja porque não existe tempo e recursos para sistematizar todas
as experiências, seja pela necessidade de critérios que ajudem a priorizá-las.
De acordo com Ada OCampo e Julio Berdegué (2001) as motivações na
prática têm sido orientadas por dois enfoques: (1) enfoque de caso (2) enfoque de
tema. A escolha pelo primeiro enfoque é normalmente motivada por fatores
diversos: (a) a percepção dos atores sociais de que um determinado projeto ou
experiência, pelo seu todo, técnicas, resultados ou outros fatores envolvidos,
mesmo sem que uma avaliação tenha sido realizada, é “inovadora”, “chama a
atenção”, “atrai o interesse”; (b) a experiência teve êxito nos seus resultados,
resolveu os problemas iniciais e pode se transformar em referência para outras
iniciativas; (c) ou pelo contrário, foi uma experiência negativa e interessa entender
o que não deu certo. O enfoque de temas relaciona-se a uma determinada
preocupação dos atores sociais (educação, saúde, produtividades, as mulheres
na zona rural, etc.) para o que são selecionadas várias experiências que
desenvolvem ações naquela área temática.
Na nossa prática temos observado demandas pela sistematização de
projetos, mais próximas do enfoque de casos, independentemente do fato de
terem sido avaliados, ou de serem considerados modelos. O fato de que a prática
social desenvolvida por organizações sem fins lucrativos operacionaliza-se
principalmente através de projetos explica em parte a forma dessa demanda. Em
paralelo, observa-se uma tentativa das organizações de aprimorar a gestão e
desenvolvimento de projetos, incluindo no seu ciclo de vida (diagnóstico,
desenho, mobilização de recursos, implementação, monitoramento, avaliação)
também a sistematização. A prática também mostra que, muitas vezes, a
sistematização é incluída no ciclo do projeto sem que se tenha explicitado seus
objetivos e concepções, ou, em alguns casos, como etapa alternativa à avaliação.
58
Assim, a discussão da idéia de que o projeto é diferente da experiência, que o
primeiro diz respeito às intenções e o segundo ao que realmente ocorreu
(incluindo dimensões como as relações entre os diferentes atores, interesses e
tensões), transforma-se em um ponto fundamental para que a sistematização o
se configure como mais um momento formal relacionado à gestão de projetos.
Nessa perspectiva, ela pode ser realizada, tanto no final da experiência, quanto
durante o seu percurso.
4.5.2. A importância da participação dos atores da experiência:
A maioria dos autores destaca que, como a intervenção social, a
sistematização é, por princípio, uma atividade coletiva. A participação de todos os
envolvidos é prevista desde o momento inicial que trata de negociação dos
sentidos, objetivos, processos e resultados da sistematização. Segundo Maria
Mercedes Barnechea (1998) o exercício individual empobrece as possibilidades
de produção de conhecimento que se limita ao olhar de um indivíduo sobre um
processo que é complexo e multidimensional. Oscar Jara (2001) salienta que uma
etapa fundamental é a definição da forma como os diferentes atores da
experiência se envolvem no processo de sistematização, não como “meros
informantes”, mas como sujeitos da interpretação e da crítica.
O caráter participativo não exclui a pertinência de um apoio externo, como
facilitador do processo de sistematização. Um profissional externo pode contribuir
para facilitar a clareza dos conteúdos a serem buscados na experiência e ajudar
na superação das dificuldades iniciais, tais como manter o foco, ampliar a
perspectiva, considerar a relação da parte com o todo. Segundo Maria Mercedes
(1998), o papel principal do sistematizador externo é o de ajudar a trazer para a
consciência os processos mentais ocorridos durante a ação.
Assim, trata-se fundamentalmente de um processo desencadeado com
base em perspectivas múltiplas. De acordo com Ada OCampo e Julio Berdegué
(2001), o fato de que a prática é relativa a processos sociais, implica também no
relacionamento de diversos atores ou agentes sociais, cada qual com sua própria
compreensão sobre a ação, ainda que envolvidos indiretamente na experiência.
Também Alfredo Guizo, entre outros autores destaca:
59
Todo processo de sistematização é um processo de interlocução entre
sujeitos no qual se negociam discursos, teorias e construções culturais.
Durante a prática existem múltiplas leituras que precisam ficar visíveis e
confrontar-se com o objetivo de construir um objeto de reflexão e
aprendizagens em comum (GUIZO, 1998:4).
Reiteram os autores abaixo a importância das diversas vozes, dos relatos
vivos e da explicitação dos conflitos.
A sistematização pressupõe a produção do conhecimento desde a
construção de relatos vivos, que abram espaço para diversas vozes,
passando pela possibilidade desses relatos revelarem as relações de
poder e os dispositivos pelos quais estas operam e podem ser superadas;
passando também pela possibilidade desses relatos gerarem a
explicitação dos conflitos e ainda favorecendo a reconstrução das práticas,
após serem estas refletidas, situadas, melhor compreendidas
(VARONESE, FALKEMBACH 1996:12).
Para Pierre de Zutter (1994) a sistematização (ou capitalização) de
experiências é movida por dois diálogos, um interior, consigo mesmo e com a
equipe interna; e outro exterior, com o público, com aqueles com quem
compartilhamos, trocamos e construímos coletivamente.
4.5.3. Passos e procedimentos metodológicos
De acordo com Maria da Luz Morgan (1995) os grupos latino-americanos
concordam que a sistematização não é uma proposta terminada e buscam
coletivamente, por meio de um processo de intercâmbio e criação coletiva, a
construção de uma metodologia de trabalho que seja útil e acessível aos
profissionais na prática. Segundo ela, ao resumir as práticas referentes a “como
sistematizar” as principais propostas eram então originárias das seguintes
organizões: CELATS em 1985, Taller Permanente CEAAL em 1988, Escuela
para el Desarollo em 1991 e ALFORJA em 1994.
Considerando essas propostas e acrescentando reflexões posteriores dos
mesmos autores, além de trabalhos de Ada OCampo e Julio Berdegué (2001); as
experiências de Pierre de Zutter (1994), bem como o relato das experiências da
Unijui Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul, é
60
possível identificar etapas e procedimentos (ou componentes do processo)
comuns ou complementares, não necessariamente cronológicos
20
, organizados
abaixo
21
.
4.5.3.1. Identificação dos atores envolvidos na experiência
Busca-se a identificação e reconhecimento do ponto de vista de cada
sujeito envolvido, direta ou indiretamente, na experiência a ser sistematizada.
Com base neste levantamento inicia-se a construção de consensos.
Es altamente probable que los distintos actores no estén completamente
de acuerdo entre si al describir que fue lo que sucedió, por qué sucedió,
que efectos produjo, quienes se beneficiaron mas y quienes menos, e
incluso si acaso la experiencia, en términos globales o generales, fue
positiva o negativa. Podemos decir que, en un primer momento, el
ejercicio de sistematización genera heterogeneidad (OCAMPO;
BERDEGUÉ, 2001)
4.5.3.2. Construção coletiva do projeto de sistematização
Trata-se do debate, negociação e acordo coletivos sobre os sentidos,
objeto, objetivos, públicos, produtos e procedimentos da sistematização, a partir
do que se delineia os conteúdos da sistematização, ou temas, focos e questões
orientadoras (a depender do autor). Para todos os autores, essa etapa é
considerada fundamental que a sistematização é uma atividade coletiva. É
também o momento de disponibilizar aos participantes algumas ferramentas
básicas para o seu desenvolvimento.
Sobre o alinhamento dos objetivos entre os diferentes atores envolvidos na
experiência, alguns autores acrescentam que, mesmo que o objetivo principal
seja o de produzir conhecimentos sobre a prática, outros interesses podem ser
20
Por exemplo, para o Taller Permanente CEAAL-PERU as etapas realizam-se em dois
níveis: o primeiro que interpreta o processo com um todo (desenho e recuperação,
periodização, análise, interpretação e exposição), o segundo que aprofunda segundo o objeto
(delimitação do objeto e objetivos da sistematização, desenho do projeto, reconstrução da
experiência desde o objeto, análise: explicitação de hipóteses, periodização, formulação de
perguntas a cada etapa e a todo o processo, síntese: resposta às perguntas, exposição)
21
Optou-se por organizar os procedimentos agrupando aspectos que, mesmo considerados
pelos autores como etapas diferentes, pudessem ser compreendidos como momentos
específicos de um mesmo item.
61
contemplados, “como ordenar a prática, verificar a prática, legitimar ou validar
uma opção metodológica” (BARNECHEA; GONZALEZ; MORGAN, 1998).
Várias são as considerações sobre a definição do objeto (projeto, uma
etapa, uma relação, tratamento de um problema, etc.) da sistematização,
especialmente quanto às dificuldades encontradas na prática, uma vez que nem
sempre é fácil, para os profissionais diretamente envolvidos na ação,
compreender seu curso ou perceber e fundamentar de maneira organizada as
aprendizagens obtidas. Segundo Maria Mercedes Barnechea (1998:10): “la
experiência siempre se presenta inicialmente de manera confusa”.
Para alguns autores essa etapa deve resultar no desenho de um projeto de
sistematização que inclui: o primeiro ordenamento da experiência, a seleção de
um tema que seja suficiente para aquilo que se busca conhecer e a formulação de
uma pergunta central: “en la pregunta-eje está la clave del proceso de producción
de conocimientos: sólo si se la ha formulado la sistematización logra producir algo
nuevo y superar lo ya sabido” (BARNECHEA; GONZALEZ; MORGAN, 1998:11).
É também neste momento que as relações entre a parte e o todo, o objetivo e
subjetivo e a complexidade da experiência são estabelecidas e compreendidas.
Para os demais é um momento que representa o encontro preliminar dos
integrantes da experiência, com o objetivo de conhecer suas percepções sobre a
experiência a ser sistematizada, debater os seus propósitos e construir os
acordos.
4.5.3.3. A reconstrução da experiência
Foram incluídos nessa etapa procedimentos como a compilação e
ordenamento da informação e documentação disponível (informes, diagnósticos,
registros das ações, avaliação de resultados, vídeos, fotografias, entrevistas
gravadas, etc); e a recuperação, registro, descrição e ordenamento da
experiência a sistematizar. Em síntese trata-se da reconstrução histórica do
processo (acontecimentos, fatos, relações, contextos, sentimentos) e a
construção da narrativa, com base nos focos, conteúdos ou perguntas
orientadoras anteriormente definidas.
62
Parte-se da diversidade de perspectivas dos diferentes atores para
construir uma visão compartilhada da experiência na forma de lições aprendidas,
para “manipularla y procesarla intelectualmente” (BARNECHEA; GONZALEZ;
MORGAN, 1998), para olhá-la segundo uma “mirada ordenada a la práctica”
(MORGAN, FRANCKE, 1995), ou para ordenar os diferentes elementos objetivos
e subjetivos que interferiram no processo, compreendê-lo e interpretá-lo e, dessa
maneira, extrair aprendizagens que tenham utilidade no futuro (JARA, 2001).
Vale ressaltar que não se trata apenas de descrição e ordenamento, mas
também a contextualização da experiência e dos fatos. Para Ada OCampo e Julio
Berdegué (2001) as informações a serem ordenadas são as seguintes:
- A situação inicial e os elementos de contexto, incluindo a explicitação do
problema que a experiência pretendia resolver, a análise das oportunidades pré-
existentes identificadas inicialmente, as causas diretas do problema e o contexto.
Os autores exemplificam: um problema pode ser a baixa produtividade dos
63
Nota-se, especialmente em relação ao trabalho de Ada OCampo e Julio
Berdegué (2001), a incorporação de procedimentos relativos ao diagnóstico e à
avaliação de projetos, embora avance em direção às aprendizagens.
4.5.3.4. O ordenamento da informação
Diz respeito ao ordenamento e análise das informações levantadas,
segundo a perspectiva do sujeito e do objeto da sistematização, de maneira a
identificar novos temas e aspectos centrais a serem abordados. Para alguns
autores, a decomposição do processo nos elementos que o constituem,
analisando a lógica interna e as relações entre eles é também o momento do
diálogo com a teoria. O principal instrumento é a formulação de perguntas,
seguida do re-ordenamento das informações necessárias para respondê-las.
Exemplifica Maria da Luz Morgan (1995:16): “por ejemplo, si se quiere conocer
cómo se dio la participación de la poblácion, se requiere precisar cómo se
entiende ésta y en qué comportamientos o actitudes se expresa”.
4.5.3.5. A análise, crítica e interpretação
O momento de análise é compreendido como síntese, interpretação crítica
do processo, reflexão (porque aconteceu o que aconteceu), elaboração de
conclusões (pontos de chegada), ou como respostas às perguntas anteriores.
Para Maria da Luz Morgan (1995) implica em decompor a experiência
(totalidade) nos elementos (partes) que a constituem, identificar as relações entre
eles, compreender seus fundamentos e conseqüências. É novamente o momento
de enfatizar as relações com a teoria, levantar o conhecimento prévio, distinguir
os novos conhecimentos produzidos durante a prática e relacioná-los com o
conhecimento acumulado sobre o tema, dialogando teoria e prática.
Assim, especialmente para o Taller Permanente de Sistematización TPS,
a sistematização deve: (1) organizar os conhecimentos produzidos na prática. (2)
confrontar com os conhecimentos anteriores; (3) confrontar com o conhecimento
acumulado – teoria; (3) produzir lições e aprendizagens que orientem novas
práticas, que “busca sacar a la luz la teoría que están en la practica”
(BARNECHEA; GONZALEZ; MORGAN, 1998:5).
64
Sobre a formulação de perguntas e respostas as autoras salientam que é
um processo que ocorre segundo a compreensão dialética do mundo, uma vez
que busca as tensões e relações entre as diferentes dimensões ou aspectos da
experiência, bem como os interesses e ações dos participantes.
Ressalta-se que os processos de reflexão são realizados com a
participação de todos os protagonistas da experiência que buscam responder as
perguntas levantadas, e resultam em aprendizagens que sugerem novas
propostas de intervenção. Para Oscar Jara (2001) inclui algumas aprendizagens
que podem ser consideradas “gérmenes de generalización”
22
, capazes de servir a
outras experiências similares ou aportar para a formulação de políticas públicas,
ou mesmo elementos que ajudem a repensar alguns fundamentos teóricos.
Sobre a relação com a teoria Oscar Jara (2001) propõe a expressão
“contexto teórico” para denominar os conceitos e conhecimentos com os quais os
sujeitos fundamentam sua prática. A expressão pretende diferenciar-se do
tradicional “marco teórico” e explicitar que, antes de iniciar a sistematização,
existem análises e interpretações. Para o mesmo autor, o principal “dilema” da
sistematização é justamente a interpretação crítica, ou seja, superar o descritivo e
narrativo com os quais freqüentemente a sistematização é confundida.
No tenemos la costumbre de teorizar, no hemos desarrollado
suficientemente nuestra capacidad analítica y muchas veces nuestra
formación nos ha empujado a simplemente ser consumidores pasivos de
los conocimientos que otras personas nos queríam transmitir (JARA,
2001:8).
22
Sobre as concepções de aprendizagem nota-se algumas diferenças, se para alguns são
“ensaios de generalizações”, para outros dizem respeito às características do “conhecimento
prático” compreendido como “situacionales: han sido producidos a partir de situaciones concretas
y no tienen ninguna aspiración ni podrían tenerla hacia la generalización; su validez deriva de
su utilidad para orientar la práctica” (BARNECHEA; GONZALEZ; MORGAN, 1998). Para Ada
Ocampo e Julio A. Berdegué (2001) uma “lição aprendida” é uma generalização baseada em uma
experiência, mas distinguem as lições normativas “(instrumentais) das lições causais (afirmações
de probabilidades). Distinguem também as aprendizagens dos “descobrimentos”, “conclusões” e
“recomendações”, normalmente resultantes de processos avaliativos.
65
Sendo assim, a superação desse dilema supõe avançar do ponto de
partida – a reconstrução histórica da experiência – para refleti-la e entender
“porque aconteceu o que aconteceu”. Salienta que, para tanto, o essencial é
entender a dialética entre “mudanças e resistências” e suas tensões, as relações
da parte com o todo, os elementos de contexto, os desafios e forças contidos na
ação.
4.5.3.6. A comunicação
A definição das estratégias de comunicação que ajudem a socializar a
experiência é parte integrante do processo de sistematização. Busca comunicar
aprendizagens e parte da definição prévia do público interessado nos seus
resultados. Normalmente, a partir de um relatório mestre, é possível produzir
diferentes materiais de comunicação para cada público (textos, peças de teatro,
vídeos, seminários, etc.).
4.5.3.7. As técnicas
São utilizadas diferentes técnicas propostas pela pesquisa qualitativa tanto
para a construção da sistematização, quanto para a análise, tais como dinâmicas
de grupo, história oral, as linhas de história, os desenhos coletivos, etc.
A título de observação sobre os procedimentos aqui sintetizados - e com
base na nossa prática desenvolvida alguns aspectos são ainda essenciais para
a realização da sistematização:
- A ênfase na construção coletiva dos consensos e acordos sobre o processo,
embora pertinente, não se realiza naturalmente se não forem previstas etapas
prévias de formação com os profissionais e público-alvo das ações, acerca das
concepções e práticas da sistematização. Assim, a realização de oficinas e
construção de espaços mais longos de debate antes da construção do projeto
de sistematização tem se mostrado eficaz, quando o propósito é contribuir
para a reflexão permanente da prática e a partir dos próprios atores. Em outras
palavras, trata-se de contribuir para que as condições (conceituais e
metodológicas) para tanto sejam criadas nas organizações e junto à população
envolvida, de maneira a garantir não a participação de todos, mas também
66
propiciar a permanência da idéia. Esta etapa tem se revelado rica em sub-
produtos como o estímulo para a formação permanente e o desenvolvimento
de estratégias que podem ser incorporadas no dia a dia, tais como: o registro
sistemático, a tematização da prática e a reflexão coletiva, o hábito da gestão
do conhecimento, independentemente dos objetivos específicos de um projeto
de sistematização.
- Considerando que a ausência de documentação, aliada às dificuldades de
tempo e experiência para o registro, síntese e edição de textos é um problema
recorrente em grande parte das organizações (especialmente as que
desenvolvem trabalho de base), faz-se também necessário o desenvolvimento
ou experimentação de estratégias que estimulem essa prática de forma mais
autônoma (ou seja, sem que se estabeleça uma relação de dependência com
o sistematizador externo).
- Embora a comunicação, e, portanto, a construção do produto da
sistematização, seja parte integrante e fundamental de todo o processo,
uma tendência em superestimar esta etapa, que é para ela que confluem as
expectativas, os tempos, os prazos, os recursos. Assim, também fundamental
é a compreensão de que, para além do produto de comunicação, a
socialização dos resultados significa potencializar os efeitos daquela ação,
tanto internamente quanto para um público mais amplo, sempre em direção à
transformação social desejada. Nesse sentido, mais do que comunicação e
produto, trata-se da articulação com os destinatários deste conhecimento e da
inclusão do elemento humano que segue junto com o produto, nunca suficiente
em si mesmo, e não resumido a “manuais” e “prescrições” a serem seguidos
em passos seqüenciais. Como nos ajuda Pierre de Zutter: “dans la mesure
la capitalisation de l`expérience ne se limite s au produit final, à la
conaissance obtenue, mais elle s´interesse au comment cette connaisance
a été produite, la capitalisation étudie des processus” (ZUTTER, 1994: 75).
23
23
Na medida em que a capitalização de experiências não se limita ao produto final, ao
conhecimento obtido, mas se interessa pelo como esse conhecimento foi produzido, a
capitalização estuda os processos. Tradução da autora.
67
- E finalmente, se considerada a construção do conhecimento como um ato
criador, está pressuposto que cada indivíduo, antes do coletivo, precisa estar
engajado pessoalmente em “projetos de pesquisa” sobre a sua própria prática.
68
5. A PALAVRA DA PRÁTICA
HAI-KAI: Poema tradicional japonês que conta
3 versos de 17 sílabas, sendo 5 no primeiro
e no terceiro verso e 7 no verso do meio.
Negrão
Neste capítulo apresentamos os resultados das entrevistas realizadas entre
2005 e 2006 com seis profissionais de três ONGs , escolhidas em um universo
grande de possíveis - a partir de critérios gerais apontados no item 2 -
metodologia. Iniciamos com uma breve informação sobre os sujeitos
entrevistados e procedimentos adotados, seguidos pelos itens: o lugar da
produção do conhecimento na prática das ONGs, as concepções sobre o
conhecimento da prática, os conceitos e demais aspectos relacionados à
sistematização de experiências. Finalizamos com algumas considerações finais.
O Quadro 1 sintetiza os aspectos destacados para a verificação da
pertinência da escolha da organização e apresenta, não integralmente, as suas
áreas de atuação, missão e propósitos centrais a esta pesquisa.
Quadro 1 – As organizações
24
Ano de
fundação
Área de atuação Missão Propósitos
ONG A
1987 Estudo e formulação
de políticas públicas
municipais e
estratégias de
desenvolvimento
local.
A construção de cidades
justas, sustentáveis e
democráticas.
Fortalecer a capacidade
de ação autônoma da
sociedade civil; criação de
novos espaços de
socialização do poder na
gestão pública;
construção de um novo
padrão civilizatório;
análise crítica,
sistematização, debate e
difusão das políticas
inovadoras que
impulsionem a
democratização da gestão
e das políticas públicas;
entre outros.
24
Informações sintetizadas a partir das publicações institucionais e com ênfase nas expressões
definidas nos critérios.
69
ONG B
1986 Formação
continuada de
educadores,
formadores e outros
profissionais que
atuam na educação
Melhorar a qualidade da
educação por meio do
desenvolvimento
profissional e pessoal de
educadores e do
fortalecimento do
potencial educativo das
escolas e centros
educacionais.
Atuar como um centro de
produção de
conhecimento em
educação; contribuir para
a formulação e
implementação de
políticas públicas que
resultem numa educação
de maior qualidade;
refletir e sistematizar a
ação educativa; entre
outros.
ONG C
1994 Educação e
Juventude
Promoção dos direitos
educativos e dos direitos
da juventude, tendo em
vista a promoção da
justiça social, da
democracia participativa e
do desenvolvimento
sustentável no Brasil.
Melhorar a qualidade da
formação de jovens e
adultos; produzir material
pedagógico; efetivar
direitos educacionais;
pesquisar e avaliar em
busca do conhecimento
rigoroso e informação
qualificada; registrar e
disponibilizar ações sobre
educação e juventude;
incentivar a produção de
conhecimento em
educação; entre outros.
Em cada organização foram entrevistados, separadamente, dois
profissionais, conforme Quadro 2. O objetivo foi identificar os sentidos atribuídos
pelas ONGs para a produção de conhecimento a partir da prática e,
especialmente para a sistematização de experiências, segundo duas óticas: o
responsável pela organização e o responsável pela prática da sistematização.
Quadro 2 – Os sujeitos
Papel na ONG
A1
Fundador e Coordenador Executivo
ONG A
A2
Responsável pela sistematização de experiências de gestão local,
Coordenadora de Programa
B1
Fundadora e Coordenadora Executiva
ONG B
B2
Responsável pela sistematização de um projeto, formadora e
editora de publicações
C1
Fundadora e Coordenadora de Programas
ONG C
C2
Formadora e responsável por um Programa
70
A primeira entrevista em cada organização foi sempre realizada com os
seus responsáveis, coincidentemente todos fundadores. Como não é comum a
existência, nas ONGs, de cargos e funções específicos para a prática da
sistematização de experiências, optamos por solicitar a eles que indicassem,
segundo sua percepção, o segundo profissional a ser entrevistado, tendo como
único critério a condição de executor de processos de sistematização na
organização em questão. Para facilitar o texto, estamos nomeando os dois
profissionais de cada ONG como: coordenador (responsável pela ONG) ou
técnico (responsável pela sistematização), independentemente de seus cargos e
funções específicos.
Vale notar que todos os técnicos indicados pelos coordenadores são
responsáveis simultaneamente por Programas e Projetos. No caso da ONG A
trata-se de um projeto voltado para a sistematização e disseminação de
experiências em uma temática específica, com ênfase na publicação e
comunicação dos resultados; na ONG B um programa de formação de
educadores - no qual a profissional é também formadora e editora de materiais de
comunicação; na ONG C um programa de educação e formação que inclui a
sistematização de experiências no seu percurso. Entre os profissionais indicados
predomina a experiência em coordenação de programas/projetos, formação de
educadores e edição e publicação de materiais de comunicação.
As seis entrevistas (com duração média de duas a quatro horas cada uma)
foram realizadas a partir de um roteiro semi estruturado, não seqüencial, e com
espaço para interações livres, de maneira a permitir o diálogo e a construção da
idéia. O roteiro abaixo foi construído considerando as perguntas e conteúdos
previamente definidos e já descritos.
Identificação do sujeito: formação, experiência anterior e papel
desempenhado.
Caracterização da organização: histórico, objetivos, ações e principais
resultados.
O lugar e importância que a produção de conhecimentos e especialmente
a sistematização de experiência ocupa no cotidiano institucional.
71
Concepção acerca do conhecimento produzido pela organização, sua
importância e papel na prática social.
Conceito de sistematização de experiências, suas relações com a
produção do conhecimento e interfaces com os demais procedimentos.
O objeto, foco, tema que ordena a sistematização. Os procedimentos
para identificação e priorização da experiência a ser sistematizada.
Os objetivos da sistematização de experiência no fazer cotidiano.
A quem se destina, quem é o blico interessado nos resultados da
sistematização.
Os resultados e efeitos na organização, nos sujeitos e na sociedade.
Qual é a proposta metodológica, como é feita a sistematização, quem
faz, quem participa.
As dificuldades e facilidades, as aprendizagens e as recomendações.
Durante o processo de ordenamento das entrevistas, optamos por manter
trechos dos discursos transcritos, de maneira a dar a voz, o máximo possível, aos
sujeitos em questão. Importante ressaltar, na dimensão subjetiva, a similaridade
das manifestações da maioria dos sujeitos quanto à disponibilidade e interesse
em debater essa temática - muito presente nos seus cotidianos mas pouco
priorizada quanto à reflexão sobre os fundamentos (conceituais, políticos ou
metodológicos) envolvidos. Especialmente na avaliação daqueles que são
executores de processos de sistematização, a entrevista terminou por configurar-
se como um momento a mais, ainda que breve, para reordenar suas experiências
e levantar novos pontos de reflexão. Por assim dizer, uma breve sistematização
da sistematização
25
. Portanto, uma das riquezas desta etapa foi a possibilidade
de acompanhar o desenrolar do pensamento, “o refletir enquanto fala”, feito com a
transparência e a inquietação pela reflexão demonstradas pelos entrevistados, e
que tenderá a ficar invisível no ordenamento analítico dos discursos.
Assim sendo, antes de apresentar os resultados propriamente dito das
entrevistas, valem algumas considerações que ajudam na sua contextualização:
25
“Interessante pensar em como faço o que faço”. “Não tinha pensado que existe uma discussão
sobre isso”. “Que bom que está me perguntando isso, agora estou vendo como é importante”, etc.
72
Conforme sinalizado, as ONGs tratadas o diversas e não podem ser
tomadas como um conjunto composto por iguais, mas como um conjunto
composto por possíveis.
Em duas ONGs, parte das questões (embora não o tema e tampouco a
prática), configuraram-se como novas para os sujeitos, ou seja, o contexto das
respostas é mais interno (sujeito) do que externo (organização). Neste caso,
teremos um peso maior para os sentidos que os sujeitos entrevistados
atribuem à produção do conhecimento a partir da prática, em relação aos
significados atribuídos pelas ONGs enquanto instituições. Com isso não
estamos sugerindo que as organizações não são constituídas por sujeitos, os
únicos que atribuem sentido e significado para as coisas, mas apenas
sinalizando que o discurso não tende a ser, nestes casos, predominantemente
um discurso institucional.
Soma-se a isso o fato de que coordenadores, e justificado pelo cargo e função
que desempenham, tendem a uma visão mais macro, relacionando as
questões com os propósitos, valores, posicionamentos e ideários da
organização, como esperado. Essa tendência pode ajudar a compreender
parte das diferenças, que serão notadas, entre os discursos dos dois
profissionais da mesma organização, menos como tensões ou contradições, e
mais como perspectivas diversas a depender do lugar de onde se olha.
Explica também porque encontramos mais respostas dos coordenadores para
os temas mais gerais, enquanto a tendência dos técnicos foi a priorização dos
aspectos mais práticos.
A mesma observação se aplica aos técnicos, quando vistos no conjunto.
Embora tenham em comum o fato de que executam processos de
sistematização, ocupam lugares múltiplos nas ONGs, ora realizando a
sistematização como parte intrínseca ao desenvolvimento dos projetos, ora
como um processo que tem identidade própria.
Essas considerações pretendem justificar o fato de que, de saída, não
pretendemos tratar as respostas como representantes de um discurso
pertencendo a unidades específicas: a ONG, os coordenadores, os técnicos. Ao
contrário, ainda que, em alguns casos, os resultados sejam tratados como gerais,
73
procuramos o perder de vista a diversidade das formas de inserção dos
profissionais e do tema na organização, e desta no campo social.
5.1. O lugar da produção do conhecimento e da sistematização de
experiências na prática das ONGs
saber é pouco
como é que a água do mar
entra dentro do coco?
Leminsky
De acordo com os sujeitos da ONG A, a sua forma particular de inserção
nas questões e no debate social tem por base a produção do conhecimento, que
se pela via da análise crítica, da sistematização e difusão das políticas
inovadoras, que impulsionem a democratização da gestão e das políticas
públicas. Segundo o coordenador (A1), a sistematização de experiências ocupa
um lugar central na prática da organização, uma vez que a sua atuação estrutura-
se a partir do seguinte caminho: identificar, sistematizar, analisar, debater e
difundir. Os resultados desse trabalho constituem, para ele, a contribuição
específica da organização, frente à questão na qual atua.
O que fazemos é sistematização de conhecimento, em todas as suas
dimensões. Fazemos pesquisas para isso, e identificamos que os
resultados desse trabalho são a nossa contribuição no trabalho de
formação, na consultoria para as prefeituras, na atuação das redes de
cidadania onde estamos presentes. Essa é a nossa contribuição
específica, singular (A1).
A idéia de sistematizar experiências está presente desde a origem da ONG
A, no final dos anos 80. Para A1, o contexto da época - início da
redemocratização levou alguns municípios a priorizarem a área social. Surgiram
então novas iniciativas que sinalizavam a busca por uma nova forma de governar,
mais orientada por critérios como a melhoria da qualidade de vida, a
universalização das políticas e a inclusão social. Daí o interesse em iniciar uma
74
área de sistematização da gestão democrática que identificasse, sistematizasse,
analisasse, debatesse e difundisse esse conhecimento.
Começa a partir de Lajes, Boa Esperança, municípios com iniciativas que
priorizavam o social e que sinalizavam o início de alguma coisa. Não
encontramos um espaço que pudesse fazer esse trabalho - nem mesmo
em centros de pesquisa ou partidos políticos - de sistematização das
experiências de gestão democrática. Então acabamos agregando outras
pessoas e fundamos a ONG. Alguns consideram que somos uma
instituição de sistematização de conhecimento (A1).
Um exemplo importante desse trabalho é o projeto coordenado pela técnica
(A2) e que trabalha especificamente na sistematização de experiências de
gestões municipais, de maneira a que possam ser “adotadas” ou refletidas em
qualquer outra gestão: “mesmo uma experiência desenvolvida em São Paulo, a
decodificação de sua lógica permite pensar em aplicá-la em um pequeno
município. O trabalho é então verificar o potencial das experiências” (A2).
Na ONG B a idéia da produção de conhecimento e sistematização sempre
esteve presente nos projetos e ações desenvolvidos, considerada parte integrante
de projetos de formação de educadores, que têm como princípios básicos:
“acreditar na criança, integrar cultura e educação, tomar a relação teoria e prática
como objeto da formação e apostar na autoria dos educadores como sujeitos de
seu desenvolvimento profissional” (B1). Entretanto, a prática da sistematização
para a disseminação de conhecimentos, de maneira mais ampla, é mais recente e
deriva do desejo de organizar e socializar a experiência e aprendizagens
construídas ao longo dos anos. Atualmente está em curso a sistematização de um
programa de formação de educadores integrantes de Centros de Educação
Infantil ligados a instituições sociais. Este trabalho é considerado como a
consolidação da metodologia de formação continuada em serviço, construída nos
últimos 20 anos de prática. Motivo de orgulho para todos os profissionais
constitui-se em, na expressão da coordenadora:
Fruto do trabalho de muitas mãos, que gerou inúmeros desdobramentos,
começou voando baixo, perto e devagar, e foi ampliando o seu raio de
ação, alçando vôos, e, finalmente chegará a todos 5.560 municípios
brasileiros (B1).
75
De acordo com os entrevistados da ONG C, a organização caracteriza-se
pela combinação entre as ações: desenvolvimento de projetos, pesquisa,
produção e disseminação do conhecimento, e ação política. Consideram que a
sistematização permeia todos os trabalhos desenvolvidos, pautados, desde a sua
origem, pela idéia da produção de conhecimento, já como um diferencial em
relação ao ativismo tradicional da área. Entre os motivos que, segundo os
entrevistados, justificam esse propósito é o fato de que a base da organização é
formada por professores universitários e pesquisadores.
Entre os nossos sócios fundadores, temos pelo menos vinte que são
professores, doutores, pesquisadores, gente com produção. Então quer
dizer que nunca fomos totalmente à parte desse mundo de produção de
conhecimento, pelo contrário (C1).
Assim, a sistematização e produção de conhecimento embora ocupem
lugares diferentes a depender da organização, são considerados como parte
integrante e constitutiva das suas identidades, e / ou elemento que transversa as
ações desenvolvidas, dado pelo princípio metodológico adotado ou pelas
características de seus dirigentes. Suas origens coincidem com o surgimento da
organização, que ambos (identidade e princípio) fazem parte integrante da
construção institucional. As motivações ou justificativas para a ênfase no tema
aparecem como prioritariamente políticas (coincidindo com a conjuntura de
redemocratização no Brasil); relativas à cultura institucional (diálogo com os
princípios da universidade, luta contra o ativismo); metodológicas; e
circunstanciais (necessidade de organizar o conhecimento produzido ao longo
dos anos).
A maneira de inserção da temática em cada ONG reflete as diferenças
entre elas. Fundamentalmente temos: (A) uma organização de produção de
conhecimento sobre experiências de outros atores (trata-se do olhar da sociedade
76
tema: sistematização de conhecimento com o objetivo de comunicá-lo;
sistematização como estratégia metodológica de construção de conhecimento
com o objetivo de socializar as aprendizagens; a própria produção de
conhecimento como objetivo.
5.2. O conhecimento na prática social
signos, sonhos, sombras, imagens,
ninguém vai nunca saber
quantas mensagens nos trazem.
Leminsky
As reflexões dos sujeitos acerca do conhecimento que deriva da
experiência concreta e sua lugar na prática social foram ordenadas e sintetizadas
conforme manifestas, e segundo os conteúdos e ênfases encontradas nas
próprias respostas: a percepção sobre a produção de conhecimento em suas
ações, as características deste conhecimento, sua dimensão política.
5.2.1. As percepções sobre a produção do conhecimento a partir da prática
Para o coordenador da ONG A, tanto informações, quanto aprendizagens
podem se “transformar” em conhecimento. Para tanto, é necessário que existam
caminhos metodológicos e, principalmente, a sua inserção em um marco
conceitual mais amplo, traduzido em critérios. Caso contrário configuram-se mais
como “discursos” do que como conhecimento. Em outras palavras, as
experiências tomadas isoladamente não “ensinam”, é preciso inscrevê-las em um
determinado projeto de sociedade, que lhes confira sentido.
Milton Santos diz: as experiências são importantes inscritas num certo
projeto, soltas elas não têm significado, são apenas apropriadas nos
discursos, segundo os diferentes interesses. Estamos, por exemplo,
avaliando a importância de desenvolver todos os esforços para promover
a eqüidade na sociedade. Estamos convencidos de que, para que as
práticas sociais possam atingir esse objetivo, é preciso criar mecanismos
de participação efetivos. Então vamos ler as experiências a partir desse
critério e vamos valorizar aquelas que apontem para esse esforço. Outras,
não nos interessam tanto, porque fogem do nosso marco de referência
(A1).
77
Também para a coordenadora da ONG C o conhecimento derivado da
experiência é sempre limitado quando não existe a justificativa e definição prévias
dos elementos interessantes de uma experiência. Para que seja conhecimento
“útil” é necessário que exista previamente o elemento analítico, aliado ao esforço
de estabelecer conexões e dialogar com as teorias ou com outras experiências.
E para estabelecer conexões tem que sair da coisa em si para ir
dialogando ou com teorias ou com posições do senso comum ou com
outras experiências. De alguma forma o caráter reflexivo e analítico do
conhecimento tem que estar presente. assim tornamos a coisa
interessante e ultrapassamos o mero relato. É um esforço “ensaístico”
(C1).
a coordenadora da ONG B considera que o registro da prática e a
sistematização da metodologia do trabalho produzem sempre conhecimento, que
serve tanto para a própria organização quanto para outros grupos similares.
Tenho certeza de que produzimos conhecimento. Primeiro porque
voltamos com freqüência a esse material, considerado base para a
reflexão coletiva feita pela equipe executora da organização. É sempre a
partir dele que avançamos e reconstruímos nossa prática. E quando está
muito bom, socializamos. Temos inúmeros casos de relatórios internos de
sistematização do trabalho que foram publicados em revistas e outros
lugares (B1).
Para a cnica da ONG A, toda experiência propicia a formulação de um
novo conhecimento, se comparada com outras e acrescida de novos elementos -
processo que ela intitula sistematização. De acordo com ela, ainda que
normalmente uma determinada ação atenda a necessidades locais, quando
sistematizada, passa a ser potencialmente capaz de contribuir para outros, “além
dos horizontes geográficos e históricos”.
Muitas vezes a experiência serve para aquele local e não ultrapassa seus
limites geográficos e históricos. Na medida em que a gente sistematiza,
ela passa a ter um potencial de contribuir pra um processo mais amplo,
que vai além dos horizontes da temporalidade. Ao sistematizar, retiro a
experiência do seu âmbito geográfico e temporal e passo a comparar com
78
outras, acrescentar coisas, de maneira a formular um novo conhecimento
(A2).
Assim, na perspectiva destes sujeitos a experiência concreta produz
conhecimento, se e quando tomada como ponto de partida. De fato, a ela devem
ser acrescidos elementos como a contextualização em projetos mais amplos de
sociedade, a comparação e diálogo com outras práticas, o trânsito entre o local e
o total, o esforço da construção metodológica e da análise teórica. Além disso, a
experiência também pode ser tomada como ponto de chegada, que o
conhecimento decorrente pode ser compreendido como base para as novas
ações.
Entretanto, notam-se ênfases diferentes quanto à necessidade de um
ponto fixo explícito aquilo que é tomado como referência primeira. Se para
alguns o conhecimento construído pela experiência social ganha sentido apenas
quanto visto à luz dos critérios e marcos conceituais assumidos pela organização,
ou às hipóteses prévias consoantes com o contexto teórico institucional, para
outros existe a possibilidade de que todas as experiências sociais propiciem
novas aprendizagens, ainda que não dispensem as referências, as informações,
as teorias, as experiências anteriores, tomadas, todavia, mais como elementos
que estruturam a busca de novos conhecimentos, do que como determinantes.
Caberia a questão: a prática revela novas aprendizagens, ou apenas confirma as
hipóteses prévias?
5.2.2 As características do conhecimento derivado da prática
Na perspectiva do coordenador da ONG A, considerando que as
experiências são construções sociais e que, portanto, não são isoladamente
“virtuosas”, ao contrário, devem ser olhadas sempre a partir de um marco de
referência e como parte de um projeto de sociedade, um aspecto fundamental é a
distinção entre conhecimento e “discurso”. Trata-se de contextualização e de
análise crítica da aprendizagem: “temos que questionar essa história de práticas
virtuosas. Porque elas são virtuosas e em que marco de referência? O que elas
podem trazer?” (A1).
79
Salienta que é fundamental analisar criticamente os discursos presentes no
“terceiro setor” relativos às aprendizagens delas decorrentes, bem como de várias
iniciativas “filantrópicas” identificadas equivocadamente como construção de
cidadania.
Quando valorizamos uma experiência porque ela atingiu o seu objetivo de
melhorar a qualidade do ensino, sem considerar que, isoladamente, ela
não é capaz de fazer isso, não estamos compreendendo a experiência
como parte de um projeto integrado de melhoria da qualidade do ensino.
Apesar disso, a experiência pode ser apropriada por discursos, sem
conteúdos (A1).
Segundo a coordenadora da ONG B, para caracterizar o conhecimento da
prática é importante o estabelecimento de suas relações com a ciência. De
acordo com ela, não pode ser considerado conhecimento científico,
principalmente porque seu processo de construção não segue os mesmos
procedimentos definidos pela produção acadêmica. Caracteriza-se, assim, como
um “conhecimento prático” que inclui uma dimensão teórica.
Se considerarmos que o conhecimento cientifico pressupõe cercar todas
as variáveis, fazer pesquisa, comprovar, etc, não estamos produzindo
conhecimento científico. Falamos muito em conhecimento pedagógico,
produzimos um conhecimento pedagógico que não está atrelado a
nenhuma universidade, a nenhum projeto de pesquisa. Entendo que é um
conhecimento da prática, embora sempre tenha uma dimensão teórica
80
Normalmente é uma produção que não tem espaço em outros lugares,
talvez em uma revista que exija todos os requisitos de uma pesquisa
acadêmica os nossos artigos não se sustentem. Mas, do nosso ponto de
vista, ela ajuda a prática, então publicamos em nossos próprios canais
(B1).
A coordenadora da ONG C reflete sobre estes mesmos aspectos. Mesmo
pressupondo o diálogo entre a teoria e a prática como condição fundamental para
que as aprendizagens sejam tomadas como conhecimento, sinaliza que esse
esforço resulta em um ensaio que não é ciência nem pesquisa, uma vez que não
se preocupa com a definição prévia de metodologias, instrumento e demais
procedimentos requeridos em uma pesquisa. Outro fator diferencial é o fato de
que a sistematização é geralmente feita por uma pessoa muito envolvida na
experiência “o que não é desejável do ponto de vista da pesquisa, que exiges
81
A técnica responsável pela ONG B intitula essa produção como
“conhecimento aplicado”, que está além das referencias teóricas pré-existentes.
Para nós é um conhecimento que tem uma especificidade, ele parte do
conhecimento elaborado e se relaciona com o fazer, com a prática real.
Todos os formadores trazem suas experiências e formações iniciais, cada
um na sua área de atuação, mas a ação concreta exige mais do que isso.
Exige outro tipo de conhecimento. Então penso que esse conhecimento
que nós organizamos, e que deriva da nossa experiência prática, é o que
ajuda de fato na formação de outras pessoas (B2).
Além de constituir-se em base para a ação, o conhecimento da prática é
também, segundo ela, fundamental para “dar voz” à organização, assegurando,
por essa via, a autonomia e identidade do pensamento institucional, de seus
profissionais e público envolvido.
É esse exercício de construção de conhecimento que garante a autonomia
da instituição, a possibilidade de falar por conta própria, de validar a sua
palavra e construir a sua história. Isso é muito importante. As realizações
das organizações que apoiamos têm também uma história nesse grupo, e
suas produções continuam. Está relacionado à construção da identidade
dos nossos parceiros também (B2).
A técnica entrevistada da ONG C considera que existem dois tipos de
conhecimento no universo social, classificados por ela como ação prática e
reflexão: (1) o conhecimento da prática, dos “fazeres”, que foca na participação e
nos sujeitos das políticas e que objetiva favorecer a percepção dos participantes
como atores sociais; (2) o conhecimento da reflexão, que trata dos conteúdos e
objetivos da ação e da “problematização” da realidade com o objetivo de
compreendê-la para melhor intervir.
Então eu acho que tem dois tipos de conhecimento, aqueles que surgem
da reflexão, que é mais pausado, mais elaborado, que se costura com
outras coisas, e aquele que surge efetivamente da prática, aquilo que
existe, aquilo que está lá (C2).
O resultado deste conjunto é um conhecimento diferenciado daquele da
academia e das escolas, que trabalham, de acordo com ela, com a
“sistematização sistemática”:
82
Tem algo a ver com o conjunto de conhecimentos do grupo de pessoas
ligados à educação de jovens e adultos, conhecimentos que estão fora
dos espaços de sistematização sistemática, que seria a universidade e a
escola. Tem a ver com a luta pelos direitos da educação de jovens e
adultos, que se faz efetivamente nas comunidades de base, nos espaços
da sociedade fora da escola (C2).
Dessa maneira, e vistos no conjunto, temos que, segundo os sujeitos, as
características do conhecimento produzido pela prática social são definidas a
partir de suas relações/distinções com os discursos, a pesquisa e o conhecimento
científico (sem entrar no mérito das concepções embutidas nas respostas).
Diferencia-se dos primeiros exatamente pelo fato de estar inscrito em um
determinado projeto de transformação social (ou seja, explicita sua dimensão
política), e do segundo, principalmente, pela não similaridade nos processos e
procedimentos adotados durante a sua construção (ou seja, defini o seu lócus).
A título de observação podemos notar que, se a própria identidade das
ONGs constituiu-se, em suas trajetórias, principalmente pelas distinções e pelo
que não são (não governamentais), é natural que as características do
conhecimento construído sejam definidas prioritariamente pelo que ele não é:
nem pesquisa, nem ciência e nem discurso. Definido como conhecimento prático,
conhecimento pedagógico, conhecimento aplicado ou conhecimento alternativo, é
próprio das organizações sociais e nelas encontra também sua legitimidade.
Um de seus elementos centrais trata das relações com a teoria, sobre o
que apontamos algumas distinções, que, a depender da organização/sujeito a
teoria pode estar:
Implícita na prática e nos atores da prática, o que significa que o novo
conhecimento comporta uma dimensão teórica, porque a prática a
pressupõe. Entretanto ele avança o referencial teórico (considerado
insuficiente) durante a ação, sugerindo processos pertinentes aos
pressupostos do conhecimento como construção permanente realizada na
interação entre o sujeito e o objeto.
Tomada como outro elemento, além da prática, com o qual é preciso dialogar.
Trata-se de unidades (teoria e prática; a prática e a reflexão) que,
relacionadas, possibilitam a interpretação, a reflexão e a produção de um
83
novo conhecimento, sugerindo processos mais próximos da pesquisa sobre o
objeto e mais distantes do sujeito da reflexão. Dito de outro modo, a prática
não é portadora de conhecimentos, mas está disponível para uma análise
criteriosa.
Finalmente, é importante destacar os demais conteúdos tratados pelos
sujeitos neste tema: a legitimidade do conhecimento da prática, sua importância e
seu caráter autobiográfico. Embora exista a impressão de que não se trata de um
conhecimento legitimado por outros espaços, que o os que são próprios das
organizações sociais, ele é valorizado e sua importância reafirmada, seja para o
aprimoramento da prática, para o desencadear da luta política e a defesa de
direitos, e/ou como construtor da identidade e do pensamento das próprias ONGs,
além de canal de expressão dos pensamentos e saberes de seus públicos.
5.2.3. O lugar do conhecimento prático no impacto das ações
Especialmente em relação à consideração do conhecimento como
instrumento de intervenção política, e por essa via, seus possíveis impactos em
políticas sociais mais amplas, não foram muitas as manifestações dos
entrevistados.
O coordenador da ONG A afirma que, ainda que o conhecimento derivado
da prática seja considerado como um conhecimento capaz de construir
referências para políticas públicas, é preciso mais uma vez discutir a idéia de que
as experiências são importantes com a única virtude de que apontam para uma
técnica ou para uma metodologia reprodutível, tal como proposto pelo “terceiro
setor”.
Nenhum dos discursos que eu conheço que se identifica como terceiro
setor tem uma projeção de uma sociedade desejada. O que querem é
melhorar um pouquinho o que esai. Ou seja, os marcos de referência
conceituais e teóricos são outros. Quero dizer que, para eles, as
experiências são mais técnicas do que construções de relações sociais. A
partir de uma outra maneira de ver, temos que as técnicas estão
disponíveis muito tempo, não existe grande inovação técnica. A
inovação que importa é a construção das relações sociais e de poder, que
de fato permitem a implementação da técnica na busca de determinados
resultados (A1).
84
Em outras palavras, os impactos deste conhecimento na sociedade
dependerão de como ele se manifesta: não são técnicas inovadoras ou
tecnologias que representarão grandes transformações, mas sim, experiências de
construção de novas relações sociais.
A técnica da ONG C avalia que, considerando o conhecimento como um
instrumento de poder, as ONGS vêm tentando distribuí-lo melhor e este é seu
principal impacto.
A academia é poderosa e a gente vem tentando distribuir melhor esse
poder, o que significa acessar esse instrumento, e tomá-lo para si. As
organizações não governamentais têm feito isso, o que é uma disputa de
espaço relativo à produção de conhecimento. As ONGs têm acesso a
conhecimentos que a academia não tem, que é o conhecimento da
prática. Além disso, é preciso aproximar da linguagem das pessoas da
base, tanto a academia quanto as ONGs (C2).
Assim, temos que impactos mais amplos do conhecimento da prática estão
aqui relacionados a dois aspectos principais: a pertinência e centralidade de seus
temas para a transformação da sociedade e, acima da capacidade de sua
produção, a competência na sua distribuição.
Retomando as categorias de análise assumidas anteriormente, de que todo
conhecimento pressupõe uma rede de sentidos, significando tantas coisas quanto
forem seus sujeitos e os seus contextos, implica em interações entre teoria e
prática/ sujeito e objeto, compreende uma dimensão política, possui uma
capacidade tradutora e um caráter autobiográfico, observamos que os sujeitos
entrevistados, no conjunto, referem-se à maioria destes aspectos, com menor
ênfase nas relações sujeito e objeto de conhecimento e na dimensão política
especifica do conhecimento prático.
Vale ressaltar que não foram explicitadas, ou não foram percebidas como
questões que preocupam os sujeitos, as distinções ou relações entre saber,
senso comum, aprendizagem e conhecimento. Especialmente nas relações feitas
entre tipos de conhecimento, os sujeitos não se preocuparam em levantar
aspectos referentes às diferenças de propósitos entre os vários conhecimentos
possíveis, tal como enfatizado pelos autores.
85
5.3. Os conceitos de sistematização de experiências
milagre além do pecado
que sentido pode ter
mais significado?
Leminsky
Considerando os pressupostos anteriores, solicitamos aos sujeitos das
ONGs que expressassem preliminarmente seus conceitos sobre a sistematização
de experiências.
Para o coordenador da ONG A, sistematização pode ser caracterizada
como um procedimento de pesquisa, que implica na existência de hipóteses
iniciais, na escolha de um instrumento, na definição de indicadores e,
principalmente de critérios. Na prática da ONG A, os critérios utilizados para a
definição de uma experiência a ser sistematizada são, entre outros: a
potencialidade para ganhar escala e para se transformar em uma política pública;
a existência de democratização na gestão; a capacidade de melhorar a qualidade
de vida do cidadão, em síntese a capacidade de gerar ativos para cada causa ou
pauta política.
Não sistematizamos uma experiência dissociada das hipóteses com as
quais trabalhamos. Se vamos sistematizar uma experiência de agricultura
familiar, ou de produção de um negócio como a Farmácia Viva, por
exemplo, olhamos essa experiência à luz dos critérios previamente
estabelecidos. Ganha escala? É possível pensar que ela pode se
transformar em uma política pública? Então a sistematização não é uma
sistematização ingênua, ela é uma análise que supõe um recorte, uma
definição de critérios, de maneira a verificar se aquilo que estamos
buscando está ou não presente naquela experiência (A1).
Segundo ele, a idéia de que a prática e a experiência concreta
sistematizadas sejam potencialmente capazes de revelar aprendizagens e
produzir conhecimento, mais do que apenas confirmar hipóteses prévias, embora
não possa ser negada, constitui-se em uma idéia genérica e de difícil
operacionalização.
Como seremos capazes de observar toda e qualquer prática? Não existe
tempo, capacidade financeira ou interesse. Temos sim que adotar critérios
de seleção dessas práticas, e critérios que tenham por referência os
86
nossos interesse. Não considero possível dizer que toda prática é
importante, e que toda prática é portadora de experiência. Não nego isso,
mas analisar qualquer prática não tem utilidade para mim, porque a
prática, em si, não é portadora de conhecimentos, na verdade ela está
disponível para uma análise que tenha critérios (A1).
Em relação à possibilidade dos próprios atores das práticas sociais
(população envolvida, técnicos das prefeituras, participantes de conselhos,
sociedade civil organizada, etc.) serem estimulados e capacitados para um
processo permanente de reflexão sobre a sua prática, o coordenador considera
que, ainda que isso aconteça de alguma maneira “independentemente da nossa
vontade”, requer mediações de sujeitos coletivos.
Não imagino a possibilidade da sistematização pelas práticas individuais.
Como estamos tratando de temas que são coletivos, o processo de
avaliação e de sistematização, formal ou informalmente, acaba sendo feito
pelas entidades, associações, sociedades de amigos, etc. Deu certo o que
a gente queria? Não deu? Por que não deu? Se bem feito ou não, isso é
outro problema, mas a sociedade aprende e incorpora o conhecimento
(A1).
Lembra, entretanto, que “processos espontâneos” existem e fazem parte
da cultura.
Por exemplo, a fitoterapia na cultura indígena. Conhecem várias plantas e
suas utilidades, isso é um conhecimento, uma sistematização de
experiência. Eles não têm um método, experimentou, deu certo, está
incorporado; não deu certo, está descartado. E é uma cultura milenar, vai
passando de geração para geração, porque é uma sistematização de
conhecimento de memória oral (A1).
para a técnica da mesma organização, sistematizar é “organizar,
fotografar, registrar para dialogar”, mais do que pesquisar.
As experiências são significativas para determinados grupos, em
determinados momentos históricos. Sistematizar é tirar um retrato, é
organizar coisas, talvez montar um álbum. Fotografar coisas que por
algum motivo estão conectadas e usar a foto como fonte de inspiração
(A2).
87
Segundo ela, no campo das políticas públicas, isso significa olhar para as
experiências que ocorrem em municípios diferentes em porte e expressão,
fotografar e dialogar com outros atores. Para ela, trata-se mais de uma lógica de
comunicação, não se preocupa em conectar com referenciais teóricos. Apenas
procura levantar os elementos centrais à luz dos critérios a ONG, que não se
trata de uma “fotografia” genérica, mas sim focada em um determinado ponto de
vista.
Se um prefeito amanhece inspiradíssimo, resolve que vai plantar árvore
frutífera na cidade inteira, compra 400 mil mudas e planta tudo, essa ação
pode ser uma experiência inovadora muito interessante para outros
grupos, mas não no ponto de vista da nossa organização. Ou seja, não
vou sistematizar sem fazer uma crítica forte sobre a ausência de
participação, que ele não perguntou para ninguém se queriam as
árvores, que tipo de árvores, onde plantar, quem vai cuidar (A2).
A coordenadora da ONG B, embora afirme que não utilize ou conheça
nenhuma ndn.766 tu
88
formação, conhecimentos que ajudam também a dar uma diretriz para o
trabalho, ajuda a organizar as ações (B2).
A coordenadora da ONG C afirma que a sistematização é um princípio da
organização, um traço de sua identidade, que trata de considerar a importância da
produção de conhecimento para a disseminação, embora não se preocupe em
conceituá-la.
Não temos uma teorização sobre “o que é sistematizar”, ou uma
“metodologia de sistematização”. Temos como principio que é importante
sistematizar para disseminar. A produção de conhecimento é uma marca
da nossa organização, é nossa característica específica. Queremos
transitar entre a prática política, a experimentação pedagógica e a
produção e disseminação de conhecimento pela via da pesquisa e
sistematização (C1).
Considera, de maneira um tanto contraditória, que a sistematização “no seu
sentido amplo” está inserida nos procedimentos pedagógicos implementados pela
organização, mas que, entretanto, a sistematização de experiências não é uma
prática muito presente na ONG: “nosso forte é a produção de materiais didáticos,
o que não deixa de ser uma forma instrumental de sistematizar uma proposta
pedagógica” (C1).
Ainda assim, solicitada a qualificar o que chama de “sistematização
instrumental” define como “contar uma história de uma experiência a partir de
problemas, de questões interessantes, do ponto de vista político ou pedagógico, a
depender do tipo de experiência que está sendo sistematizada” (C1). Além disso,
“é um esforço de reunir uma série de pessoas para estabelecer em forma
operacional os conceitos sobre qualidade de educação, para que as pessoas
comuns possam entender e usar como instrumento” (C1).
Também a técnica entrevistada da ONG C informa que não nenhum
conceito específico sobre a sistematização de experiências, embora seja um
princípio do trabalho, principalmente do educador. Aparentemente é
compreendida como sinônimo para os diferentes tipos de instrumento do
educador, como planejamento, elaboração de rotinas, registro e avaliação da
ação educativa.
89
Eu nunca tinha pensado sobre concepção de sistematização. Para a
equipe isso é um princípio da educação. Nós professores temos que ser
capazes de organizar o conhecimento que vai ser trabalhado com o aluno.
Então a sistematização passa pela organização e registro do nosso
cotidiano e dos nossos resultados. Mas pode ser descoberta de
conhecimento, pode ser constatação de algumas coisas... então eu não
tenho nenhum conceito (C2).
A nosso ver, ainda que as respostas sugiram que a reflexão sobre os
90
Ainda como registro da ação, mas agora seguido de um processo de reflexão
coletiva, capaz de construir, pelos próprios atores, generalizações,
metodologias, em suma, aprendizagens que contribuem tanto para os
executores das experiências, como para a conquista da autonomia dos
sujeitos envolvidos nas ações.
Como um princípio institucional que transversa toda ação. Em forma de
instrumento significa também o estímulo à construção de narrativas sobre a
experiência, mediada por critérios que podem ser externos a ela. De maneira
análoga também é compreendida como princípio pedagógico e parte
integrante dos procedimentos da ação formativa, utilizados ora pra organizar o
trabalho do educador, ora para construir conceitos que outras pessoas
possam compreender.
De maneira similar ao apontado na revisão bibliográfica, também os
resultados das entrevistas mostram que o termo sistematização não tem um
significado único para esse conjunto de ONGs. Ainda assim, é igualmente
possível verificar a presença de vários elementos sinérgicos àqueles destacados
pelos autores tratados. Entretanto, estes elementos tornam-se mais evidentes
quando vistos na perspectiva de algumas das etapas de realização da
sistematização (memória, registro, ordenação, interpretação), do seu objeto
(experiência social) e seus efeitos (referências, generalizações, conceitos), do
que em relação aos seus fundamentos metodológicos e/ou respaldo
epistemológico.
Sobre esses, a questão que se destaca diz respeito às relações entre o
sujeito e objeto de conhecimento. De acordo com autores da sistematização, ela
não se realiza senão com a participação ativa dos sujeitos da prática, que se
engajam em processos de reflexão sobre sua ação no mundo, transformando-se
em pesquisadores e produtores de conhecimento. Como vimos em algumas
respostas, a sistematização pode ser compreendida como tal, ainda que o
construtor da análise e da interpretação seja um sujeito externo a experiência.
Trata-se mais de um esforço de diálogo entre teoria e prática, entre práticas e
experiências, do que propriamente entre a ação e o sujeito da ação, mediado pela
teoria que esna prática. Além disso, o princípio da múltipla perspectiva e do
91
diálogo entre os vários atores de uma determinada prática também não está
presente.
É possível concluir que a sistematização se aproxima da investigação ou
da interpretação em algumas organizações, ou da formação e dos procedimentos
da educação em outras, a depender dos objetivos particulares de cada uma
delas, bem como dos fundamentos que as orientam quanto aos processos de
construção do conhecimento em geral. Fundamentos que, embora não
completamente dispares, que parte integrante do mesmo paradigma
(conhecimento como processo e não como verdade, relação dialética entre teoria
e prática, historicidade, etc.) apresentam diferenças significativas relacionadas a
questões essenciais, igualmente levantadas pelos autores tratados: como
efetivamente se a interação dialética entre teoria e prática, entre o sujeito e o
objeto de conhecimento, quando o objeto é a própria prática e o sujeito parte
integrante dela?
Resta saber como a sistematização essendo praticada e que reflexões
essa prática tem aportado para as ONGs.
5.4. O objeto que ordena a sistematização
noite alta lua baixa
pergunte ao sapo
o que ele coaxa
Leminsky
Como assinalado, a sistematização na ONG A tem como foco central
experiências de gestão pública, selecionadas a partir de um conjunto de critérios
tais como: equidade, democracia, participação, transparência e controle social. A
seleção das experiências a serem sistematizadas é feita, portanto, a partir destes
critérios e em consonância com a compreensão - sempre destacada pelo
coordenador (A1) - de que práticas geram conhecimento apenas quando inseridas
em um marco de referência. A técnica (A2) acrescenta que, ainda assim, não é
necessário que a experiência tenha bons resultados relativos aos aspectos de
análise prioritários (“vá indo bem”). De acordo com ela, é também possível
sistematizar uma experiência apontando para aquilo que ela tem de ausência.
92
Entretanto, a avaliação acerca da presença ou ausência de elementos do marco
de referência em uma determinada experiência segue sendo feita a partir da ótica
externa: “eu vou exatamente construir um rol de perguntas e apontar para aquilo
que ela tem de ausência desde o meu ponto de vista. Então não preciso
necessariamente sistematizar algo para ser a referência positiva “(A2).
Em sua opinião, se o objetivo é a difusão de políticas “inovadoras”,
capazes de serem praticadas em outros lugares, é preciso olhar prioritariamente
para os grupos ligados à sua prática e para as redes nas quais a experiência está
inserida. Do mesmo modo, um importante balizador na seleção das experiências
a serem sistematizadas é constituído pelas redes envolvidas nas diferentes áreas
temáticas da ONG (urbanismo, direito à cidade, segurança alimentar, ambiente
urbano, cultura, desenvolvimento local, etc.). No seu ponto de vista, as
experiências são selecionadas a partir das redes e de temas gerados no debate
público.
As experiências surgem nesses debates públicos, ou a partir de um tema
por eles sugerido. Uma outra forma é o trabalho feito a partir de uma
proposta de outra organização, interessada em temas específicos, como,
por exemplo, fazer a sistematização de um grupo de experiências sobre
criança e adolescente. Então rastreamos as experiências e procuramos
sistematizar. Ou seja, também somos demandados - pelo fato de sermos
uma organização que depende de captação de recursos para
sistematizar experiências por grupos distintos que estão interessados em
alguns temas (A2).
Na ONG B, o principal foco da sistematização é a metodologia
implementada na sua prática, considerada essencial para a construção de
referências para o trabalho, embora também invistam seus esforços na
sistematização das produções pedagógicas de outras instituições com as quais
atuam, como escolas e creches (B1).
Uma prática mais recente é a sistematização de projetos implementados,
que inclui reflexões sobre as concepções de educação e criança envolvidas, o
contexto, a metodologia do trabalho e seus resultados. Segundo a coordenadora
(B1), a sistematização de projetos ou de modelos de intervenção, é mais uma
demanda externa, em especial dos parceiros financiadores, do que da própria
organização.
93
Sem dúvida uma demanda originada pelos financiadores que
procuramos atender. Tenho a impressão que se não fosse isso, não nos
preocuparíamos em sistematizar “modelos”, que entendemos como a
sistematização do projeto com algumas indicações para a ação e também
conceituais. Para a nossa prática é mais útil a sistematização de
metodologias que derivam da prática dos professores e formadores, a
produção propriamente pedagógica: o que pedir aos alunos a partir da
leitura em voz alta pelo professor? Coisas assim, que retratam as
dificuldades específicas dos profissionais e dos municípios envolvidos nos
projetos e questões trazidas pela própria prática (B1).
Além disso, o projeto educativo e formativo da própria organização vem
sendo objeto
constante de reflexão, a partir de uma sistematização permanente.
Temos um modelo básico de formação de educadores que é sempre o
mesmo, mas que vai sendo reformulado na prática. Por exemplo, antes
trabalhávamos com atividades mais soltas, agora a própria formação é
casada com o projeto que está sendo desenvolvido. Agora está tudo mais
amarrado, mais sistematizado (B1).
A cnica da ONG B salienta também o aspecto metodológico e distingue
diferentes focos da sistematização, a depender de cada público.
O que a gente organiza é a metodologia, principalmente quando o leitor é
um formador de outro município. Em outros trabalhos cujo público é o
professor, procuramos construir referências para o trabalho direto com as
crianças. O formador procura referências para organizar o seu plano de
formação no município, com suas equipes e professores. Ele busca a
questão metodológica (B2).
Esclarece que, tratar de metodologia (“do como fazer”), pressupõe a
explicitação dos princípios que norteiam o caminho traçado, seus objetivos,
conteúdos e sistema de avaliação. A metodologia sistematizada, ou a
sistematização em forma de metodologia, é a opção prioritária, que ajuda a
revelar dimensões do trabalho antes não explicitadas, promove a expressão do
coletivo, contribuindo, por essa via, para a formação permanente da equipe
executora.
Para falar da metodologia tem que passar por tudo isso. Esse é o nosso
esforço neste momento. Estamos tentando generalizar o máximo possível
os princípios que nortearam os formadores ao longo desses anos todos. E
94
tem sido muito interessante, porque só tivemos consciência de muitos
deles agora, mesmo implícitos desde o princípio, até intuitivos. Este é um
exemplo de conhecimentos que chegam ligados à experiência de um
formador, como uma marca individual e que na prática transforma-se em
aprendizagem compartilhada. De repente isso passa a ser da organização
e vai sendo re-editado sucessivamente. Ou seja, é um processo que é
formativo também para a equipe (B2).
Segundo a coordenadora da ONG C o objeto da sistematização na
organização é a prática pedagógica, base para a construção de material didático,
a ser desenvolvido e disseminado. Nota-se que é feita uma distinção entre
prática pedagógica e experiência: “acho que o grande peso da sistematização que
a gente faz o é sistematização de experiências, mas sistematização de
propostas pedagógicas” (C1).
A técnica da mesma organização acrescenta que os produtos de
sistematização incluem o projeto escrito, o diagnóstico feito junto aos públicos
sujeitos da intervenção e os relatórios de atividades. No conjunto, eles resultam
sempre em textos a serem publicados.
Todos os nossos programas e também a área de pesquisa têm produtos
sistematizados para serem publicados. Isso é algo incorporado na nossa
prática. Os produtos não são necessariamente em forma de linguagem
escrita, temos também vídeos, imagens, grafites, trabalhamos com
diversas linguagens (C2).
O objeto que ordena a sistematização diz respeito, além do relato sobre a
ação desenvolvida e seus resultados, também ao que C2 chama de “seus
desdobramentos”, que são conteúdos e informações que preocupam o público
envolvido na experiência e podem compor novos materiais de informação.
Focos são experiências, práticas, e o que delas decorrem, o que a gente
chama de princípios de desdobramentos. Em um dos programas de
juventude, por exemplo, os jovens têm feito relatos e organização de
informação, por exemplo, sobre legislação, sobre os observatórios, etc.
Então lançamos um caderno que fala sobre essas questões, de maneira
organizada e categorizada. Elas voltam então para o campo, como se
fosse um manual. Foi também lançado um livro sobre o projeto, com seus
desdobramentos, e como levou ao avanço da questão do jovem dentro da
escola (C2).
95
É interessante notar como se entrelaçam - nas respostas dos sujeitos
entrevistados - as questões levantadas no capítulo anterior a propósito do objeto
da sistematização em cada organização, isto é: o que as ONGs sistematizam, que
aspectos orientam as motivações para a sistematizaç
96
construção de caminhos metodológicos capazes de, simultaneamente, orientar a
nova prática e propiciar a sua re-edição, em cada situação particular, pelos
próprios sujeitos da nova ação. Caminhos que podem, ainda, contribuir para a
superação dos desafios apontados, relativos à necessidade de avanço em
relação às pesquisas sobre o objeto, aos meros ordenamentos e narrativas, à
avaliação de resultados, à construção de manuais, procedimentos e técnicas
reprodutíveis, bem como à sistematização da informação em detrimento da
experiência.
Para tanto, se preciso considerar a sistematização e a reflexão
permanente sobre a prática, pelos seus sujeitos, como processos indissociáveis e
pertinentes ao processo de produção do conhecimento a partir da prática.
Processos que dizem respeito à narrativa, à ordenação, à reflexão das
experiências, mas também à geração de referências metodológicas sobre, por
exemplo, os caminhos capazes de levar a uma gestão democrática e participativa;
à maneira pela qual uma organização não governamental pode contribuir para a
qualidade da escola pública, a construção de um projeto de formação
permanente, e, principalmente, como os sujeitos atores de uma prática tomam
consciência de sua ação autônoma no mundo.
Assim, os aspectos levantados pelos sujeitos podem se relacionar dessa
maneira com as questões destacadas pela revisão bibliográfica. Entretanto, é
importante observar que essa leitura é possível apenas quando analisados os
resultados a partir do conjunto das ONGs e dos sujeitos. Se tomadas
individualmente, as ONGs tendem a adotar um ou outro ponto de vista, e, ainda
assim, nem sempre as perspectivas dos dois profissionais coincidem entre si.
Essa constatação pode significar, mais uma vez, menos a existência de tensões
internas, e mais o não aprofundamento do tema no ambiente institucional. De
todo modo, resta levantar a questão sobre os motivos pelos quais a
sistematização tem sido pouco tratada, também nos seus objetos e enfoques,
neste conjunto de organizações.
Para além destes, outros conteúdos considerados significativos para o
aprofundamento da reflexão foram trazidos pelos sujeitos, como: a importância
das redes como forma coletiva e articulada de atribuição de sentido para as
experiências, a idéia da sistematização permanente, as relações entre processo e
97
produto, entre conhecimento e comunicação, que, com certeza, merecem ser
retomados.
5..5 Os objetivos da sistematização
essa estrada vai longe
mas se for
vai fazer muita falta
Leminsky
Entre os objetivos da sistematização de experiências realizada na ONG A,
levantados pelos entrevistados, estão:
Fortalecer a capacidade de argumentação e formulação de propostas dos
movimentos sociais e redes de cidadania (politizar o social).
Ajudar as prefeituras a implementar políticas, orientar a formulação de
políticas (socializar a política).
Criar referências, inspirar propostas de políticas viáveis.
A sistematização na ONG A tem assim como propósito principal a
disseminação de informações e conhecimento sobre a prática, consideradas
como referências que dêem concretude às suas propostas, como reafirma a
técnica (A2).
Quando criamos, produzimos conhecimento a partir de sistematizações de
experiências concretas estamos buscando referências, inspiração,
propostas de políticas que sejam viáveis. Isso significa que não estamos
sonhando, desejando, mas estamos partindo de uma pergunta viável, de
algo que está acontecendo e que pode ser analisado. Amplia a
participação? Não amplia? Porque? Como? (A2).
Para a coordenadora da ONG B, a sistematização de suas metodologias e
do conhecimento atende aos objetivos:
Construir subsídios para a formação permanente da equipe interna.
Estruturar o trabalho da própria organização.
Socializar o conhecimento e ampliar seu raio de ação.
98
Segundo a técnica (B2) o objetivo de seu trabalho de sistematização é criar
referências para que outros possam desenvolver iniciativas semelhantes.
O programa de formação de educadores que estou sistematizando já foi
desenvolvido em nove versões. Foi mudando muito ao longo dos anos,
não tem uma versão parecida com a outra. Não podemos ter um projeto
que seja tão singular que não possa ser desenvolvido em outro lugar,
então a nossa idéia é contar a história dessas mudanças, dessas versões,
sistematizar a base da idéia para que possa ser realizado por outros
municípios (B2).
O objetivo principal, neste caso, é criar as condições para a re-edição da
proposta, por outras equipes que queiram desenvolver o projeto. A sistematização
serve para dar os parâmetros, as referências para outros profissionais. A técnica
acrescenta que, além de seus objetivos próprios, a sistematização é uma
estratégia implícita aos programas de formação desenvolvidos.
Ajuda a tornar consciente para os profissionais, professores, equipe de
apoio, coordenadores, esses conhecimentos que estão implícitos no que
antes eles achavam que era um simples fazer do cotidiano. Tomar
consciência é fazer a critica, problematizar, iluminar com teorias que
ajudem a enxergar este mesmo problema de uma outra perspectiva e ai
sim construir uma nova prática. Ou seja, sistematizar faz parte da própria
natureza da formação, por isso é que ela ocorre durante o processo
também (B2).
Para a Coordenadora da ONG C o objetivo é o registro, comunicação e
disseminação da experiência com vistas a um produto “instrumental”.
A sistematização não é uma linha assim organizada, ela é quase uma
coisa que a gente exige que todo o projeto faça, que registre e comunique,
dissemine o que se experimentou. É mais uma estratégia que garante
algo que é essencial, que é da própria identidade da organização. O ideal
seria que todos os projetos gerassem produtos, uma pesquisa, um
caderninho de sistematização, um artigo, manuais. Penso em coisas mais
instrumentais, guias, etc. (C1).
Para a Técnica da mesma ONG, a sistematização tem quatro objetivos:
A disseminação da informação caracterizada como uma “virada na
educação”, já que “democratiza” a produção do conhecimento.
99
A sistematização mostra que o conhecimento não está sendo produzido
apenas no topo, mas também em todos os segmentos e níveis da
sociedade. Acho que o pensamento mais forte dos últimos 20 anos é esse
da possibilidade da democratização, ligado a uma outra concepção de
educação, de homem e de sociedade (C2).
100
indagar os objetivos atribuídos à sistematização pelos sujeitos da pesquisa,
buscando verificar a existência de propósitos particulares para a adoção dessa
prática.
Vimos que as respostas apontam para objetivos de naturezas diversas, que
podem ou não ser somado uns aos outros, a depender da ONG ou do sujeito,
mas que, sobretudo, não são majoritariamente relacionados ao processo de
produção de conhecimento:
Objetivos institucionais, ou seja, não são específicos da sistematização,
mas estão colados aos propósitos gerais da organização. Nesse caso,
a sistematização é compreendida como um instrumento, entre outros,
que apóia a consecução dos objetivos maiores, por exemplo,
materializando as suas propostas e crenças em casos concretos.
Objetivos ligados ao universo da comunicação: disseminar
informações, democratizar o conhecimento, socializar a produção,
informar. Nota-se aqui a ênfase no produto, mas do que no processo.
Objetivos relacionados à necessidade de instrumentar a prática:
produzir manuais e demais instrumentos de trabalho.
Objetivos próprios da dimensão da gestão organizacional: estruturar o
trabalho, formar a equipe, etc.
Objetivos formativos, ou seja, intrínsecos aos processos educativos
desenvolvidos como parte das ações institucionais.
Objetivos avaliativos: construir parâmetros de avaliação das ações.
Objetivos conectados aos sentidos atribuídos à produção de
conhecimento a partir da prática: produzir e democratizar o
conhecimento.
Tratamos na introdução deste trabalho dos discursos que se intensificam
na área social, segundo nossa ótica, relativos aos propósitos da sistematização
de experiência: multiplicar, replicar, disseminar, ganhar escala, reeditar, influir
políticas públicas. Neste conjunto de ONGs verificamos a incidência de
expressões como disseminação e socialização do conhecimento, da experiência e
de referências que sirvam para outros, mas também, em proporções maiores,
101
objetivos internos às organizações, especialmente os que se relacionam com a
formação de pessoas e de profissionais, a construção de instrumentos e aos
processos de comunicação.
Se comparadas as ênfases com os apontamentos trazidos pela revisão
bibliográfica podemos observar que aqui, ainda que exista a idéia da
disseminação da experiência, nem sempre ela está ligada a um desejo explícito
de ampliação dos efeitos e impactos da ação, ou, à influência direta em políticas
públicas. Também não ficaram aparentes as idéias tão enfatizadas pelos autores
de construção do diálogo entre a experiência local e outras dimensões do
conhecimento, talvez se aproximando mais da idéia de construção de propostas
alternativas mais próximas da dimensão da ação do que da teoria.
a idéia de reflexão sobre a prática concreta com o objetivo de qualificá-
la e aprimorá-la está presente de forma significada na ótica destes sujeitos, ainda
que, aparentemente, segundo duas perspectivas: como construção de referências
que subsidiem a prática, ou como construção de instrumentos que a apóiem.
5.6. Interfaces com a avaliação
isso sim me assombra e deslumbra
como é que o som penetra na sombra
e a pena sai da penumbra?
Leminsky
Para o coordenador da ONG A, a sistematização é um procedimento mais
abrangente do que a avaliação, na medida em que pressupõe o ordenamento e a
articulação das informações.
Toda avaliação é uma sistematização, nem toda a sistematização é uma
avaliação. Sistematizar quer dizer fazer de uma maneira ordenada e
articular as informações. Além disso, a mesma experiência pode ser “lida”
de muitas maneiras diferentes, depende de quem, e com que critérios,
executa a sistematização (A1).
A técnica (A2) considera que a relação entre sistematização e avaliação na
ONG A resume-se ao momento de seleção das experiências a serem
102
sistematizadas. Ou seja, a avaliação ocorre durante a seleção das experiências, e
não quando da execução da sistematização. Ao ouvir as redes, estão, de certa
maneira, levantando a avaliação dos participantes das redes (no sentido de
atribuição de valor) sobre o que está acontecendo em cada área temática.
Se avaliar é dar valor, então sim, estamos avaliando porque de certa
forma ouvimos as redes para ver o que estão valorizando no momento.
Mas durante a sistematização não estamos fazendo isso, não estamos
atribuindo valor (C2).
Acrescenta mais uma vez que este momento de avaliação não implica na
busca de resultados positivos, pressupõe o fato de que o “erro”, a “ausência de
resultados”, a “experiência mal sucedida” também geram conhecimento.
Às vezes entramos em experiências assim, mesmo sem perceber. Por
exemplo, tivemos notícias por meio da nossa rede de segurança
alimentar que um pequeno município tinha conseguido, a partir do
assentamento MST, estabelecer um processo interessante relacionado à
merenda escolar. O recurso ia do governo federal para e, ao invés de
comprarem das grandes empresas, organizaram os grupos dos
assentamentos para a produção da merenda escolar. Era uma experiência
muito interessante porque fazia circular recursos dentro do próprio
município. Baseados nessas informações, descrevemos uma experiência
muito interessante. Anos depois, ao voltar ao município por outra razão, os
dados concretos mostraram que o projeto tinha sido um fracasso. As
crianças não queriam comer o que já comiam em casa, preferiam os
alimentos industrializados. Além disso, os assentamentos não
conseguiram garantir a qualidade dos produtos. Então elaboramos novo
texto relatando as dificuldades que foram enfrentadas. As duas
sistematizações, juntas, nos contam alguma coisa da realidade da
merenda escolar regionalizada. Ou seja, quando fotografamos alguma
coisa que não está bem sucedida, ela às vezes ensina mais, captura mais
coisas sobre as experiências, sobre a realidade, do que outras (C2).
Os entrevistados da ONG B consideram que a avaliação é parte integrante
do processo, sempre que a sistematização é realizada por uma organização
externa à experiência. De fato, a única experiência vivida de um processo de
sistematização executado por uma organização externa mostrou que, na prática,
o processo foi realizado de forma muito semelhante a uma avaliação. Além disso,
os resultados foram suficientes para confirmar hipóteses, levantar conteúdos
essenciais para a sistematização, em síntese para “puxar os fios” da
sistematização, a ser realizada posteriormente.
103
Na ótica da técnica da ONG C o inverso também é verdadeiro, ou seja, a
sistematização pode se constituir em um parâmetro para a avaliação, embora seja
mais ampla. Considera, entretanto, que a sistematização apresenta interfaces
mais claras com o processo de formação de pessoas, do que com a avaliação.
A sistematização traduz o alcance dos processos e serve de parâmetro
para a avaliação. Mas para quem faz formação, a sistematização é
processo, é maior que uma avaliação, ela serve à avaliação também, mas
não só (Técnica Ong C).
Dessa forma, interconectada com a avaliação pela via dos indicadores e
critérios necessários para a seleção de experiências a serem sistematizadas, pelo
fato de comportar em seus processos etapas avaliativas, ou pelos subsídios que
gera para a avaliação, destaca-se desta a partir dos seguintes elementos: é mais
ampla, exige a articulação das informações, pressupõe a reflexão pelos sujeitos, e
aproxima-se com mais ênfase de processos formativos.
Além disso, parece importante destacar a idéia trazida por um dos sujeitos
de que, sempre que realizada por um elemento externo, portanto refletido na ótica
do outro, resulta em avaliação mais do que em sistematização. Com isso estamos
salientando as reflexões feitas, sobre a importância da produção de
conhecimento pelo próprio sujeito envolvido na experiência, como diferencial da
sistematização tal como concebida.
É possível observar que os resultados apontam para relações entre dois
procedimentos (avaliação e formação) como também salientado pelos autores da
sistematização. Ressaltamos que, para uma das ONGs a sistematização é uma
investigação na sua própria essência. Além disso, não foram levantadas
semelhanças, mas complementaridades e intersecções. Talvez por isso nenhum
dos sujeitos tenha enfatizado, como na literatura, a necessidade de, para
diferenciar os processos muitos vezes semelhantes, notar a diferença entre os
seus objetivos (avaliação atribui valor e sistematização produz conhecimento).
5.7. Sistematizar para quem e com que resultados
104
Aonde vão dar esses passos?
Acima, abaixo?
Além, ou acaso
Leminsky
No ONG A os resultados da sistematização destinam-se a gestores
públicos, delegados do orçamento participativo, associações comunitárias,
movimentos sociais, funcionários públicos, portanto é um público amplo que inclui,
tanto o gestor público diretamente, como demais atores que interagem com o
espaço público em busca de mudanças.
Salienta a técnica (A2) que é um trabalho dirigido prioritariamente para o
gestor público, desde a perspectiva da sociedade civil.
Eu escrevo pensando que existe um gestor que, a princípio, está
interessado em fazer uma coisa interessante e que não é corrupto, mas
escrevo do ponto de vista sociedade civil. Não escrevo do ponto de vista
da academia, dos empresários, ou da própria gestão. É o olhar da
sociedade civil para a prefeitura (A2).
Com relação aos resultados deste trabalho na ONG A, seu coordenador
acredita que têm contribuído para fortalecer a capacidade de argumentação e a
formulação de propostas dos movimentos sociais e redes de cidadania e apoiado
as prefeituras na implementação de políticas coerentes com os objetivos da
organização. Os produtos da sistematização são acessados e utilizados por
105
Também em relação a resultados, a cnica salienta a capacidade
potencial dos instrumentos de comunicação (que disseminam as experiências
sistematizadas) utilizados na construção de um diálogo com o público de
interesse, que vêm utilizando as informações disponibilizadas como fonte de
inspiração.
Observamos várias das propostas em manuais de vereadores ou
programas de partidos. Muito freqüentemente encontro o nosso material
nas prefeituras sendo utilizado. Ouvimos avaliações de que é interessante
a forma como estamos sistematizando, porque dialoga com o concreto e
em linguagem simples (A2).
As pessoas se inspiram e utilizam os resultados da sistematização para
resolver seus problemas concretos. É como cozinhar com coisas que
temos em casa. Normalmente não pegamos a receita e vamos comprar os
ingredientes, nem sempre temos o afrão da China para cozinhar frango.
Mas um livro de receitas é inspirador e depois de uma leitura você cozinha
o seu frango com o que tem em casa (A2).
Segundo a coordenadora da ONG B o conhecimento produzido serve aos
educadores, professores e técnicos da área, às Secretarias de Educação dos
municípios envolvidos, além da equipe interna e formadores.
Entre os resultados mais significativos relativos à produção do
conhecimento está o impulso nos processos formativos, e, com impactos mais
amplos, a colaboração da ONG na elaboração do Referencial Curricular Nacional
para Educação Infantil (MEC). Além disso, muitos dos projetos de formação de
educadores elaborados e implementados por alguns municípios do país são feitos
baseados em projetos da organização. Em que pese este retorno, a
coordenadora considera que o resultado mais importante do processo de
sistematização da experiência e do conhecimento é a sustentabilidade dos
projetos.
O mais importante da sistematização é a própria sustentabilidade do
projeto. Os nossos projetos se mantêm em função do material que
produzimos. Além disso, o pessoal que trabalha aqui valoriza muito toda
essa produção (B1).
A técnica da mesma organização faz uma distinção importante sobre a
suficiência dos produtos resultantes de um processo de sistematização para que
106
sejam re-editados por outras iniciativas. De acordo com ela, ao material deve ser
acrescidos o elemento humano e a reflexão coletiva, entre outras necessidades.
Não podemos pensar que bastam sistematizar o conhecimento, as
metodologias, as referências para que os projetos comecem a acontecer
por aí. Os materiais publicados não são auto-suficientes, na verdade nem
mesmo para nós. Temos que ter tempo de reunião, de discussão de
grupo, espaço para processar tudo. Também o nosso público alvo precisa
dessa instância de discussão, de trabalho coletivo e da existência de
parceiros experientes que promovam a troca. Não é um guia explicativo
que se aplica imediatamente, mas sim uma interlocução importante (B2).
Destaca, entre os resultados apontados, a dimensão de aprendizagem
embutida no trabalho de organizar aprendizagens: “organizar aprendizagens é
uma grande aprendizagem” (B2).
Vimos por exemplo o que foi produzido pelas escolas e creches depois da
nossa saída e pudemos perceber qual foi a nossa contribuição, a marca
que imprimimos. Isso permite que as próximas intervenções tenham uma
intencionalidade maior, validada pela própria experiência (B2).
Na ONG C o público alvo dos produtos da sistematização são as redes
envolvidas nos diferentes programas, tomados como consumidores dos produtos
derivados da sistematização.
Acho que os consumidores dos nossos produtos são talvez os gestores,
educadores, esse circuito de pessoas ligadas às organizações da
sociedade civil que atuam no campo da educação. Nossos produtos e
materiais representam um esforço para a qualidade da educação. Por
exemplo, guias para jovens elaborarem projetos que partiram de uma
experiência concreta e que viraram um manual utilizado pela Secretaria da
Justiça (C1).
Na perspectiva da técnica da ONG C, o público prioritário é constituído
diretamente pelas pessoas envolvidas nos projetos e programas, jovens,
comunidade e professores, embora, conforme ilustra a citação abaixo, todos os
produtos envolvidos em um programa estejam sendo considerados como
produtos de sistematização de experiência.
107
Por exemplo, fizemos um guia da juventude para os jovens da cidade
inteira, um vídeo que serve para os nossos formadores, livros ou cadernos
de formação que servem para os próprios professores perceberem os
seus processos de criação, e assim por diante (C2).
Entre os resultados alcançados pelo esforço de produzir conhecimento e
sistematizar práticas a coordenadora da ONG C destaca a construção da
identidade e da marca da organização, de maneira a garantir a circulação e
interlocução com atores diversos. Em outras palavras, tem resultado em
ampliação da capacidade e poder institucional de interlocução e de convocação
de diferentes atores sociais.
para a técnica (C2), os resultados estão relacionados principalmente às
aprendizagens envolvidas no processo de sistematização.
Para quem está coordenando e desenvolvendo os projetos os resultados
são enormes. Temos o resultado da criação, você vai revendo os passos,
ajustando. Tem o resultado do trabalho executado, construído, que dá a
possibilidade de poder compartilhar com os diferentes sujeitos. Ou seja, a
pessoa que esdiretamente envolvida com isso é impactada fortemente.
Automaticamente ela vai fazendo avaliações, percebendo coisas. São
aprendizagens múltiplas, você aprende de avaliação, de memória, de
história, você aprende o que deu certo e o que deu errado, o que avançou.
Aprende a registrar, a documentar e aprende metodologia (C2).
Assim, mede os resultados a partir do que chama de “salto do
conhecimento” para o próprio autor da prática e também para os sujeitos da
sistematização.
O primeiro impacto e se perceberem como sujeitos de conhecimento, é
importante isso, é verem a experiência vivida, o debate acontecido,
registrado. Mexe com a auto-estima, com o orgulho (C2).
Entendemos a educação como um ato carregado de intencionalidade.
Então, explicitar essa intencionalidade de uma maneira organizada, para
que ela possa ser compartilhada, é uma coisa que espor acontecer na
educação. Fazer esse exercício tem garantido muitas coisas para nós, o
compartilhamento da idéia e o avanço do trabalho. Ajuda a antecipar, a
organizar (C2).
108
Também se preocupa em refletir que, para que isso se efetive, é preciso
um esforço intencional, ou seja, não é uma derivação espontânea e automática do
processo de sistematizar.
Agora para isso acontecer é preciso um esforço de recuperar esse
material permanentemente, incorporá-lo no trabalho de formação,
consultar e dar um significado para ele. Caso contrário, ele tende a ocupar
espaços que ocupam os materiais comuns ocupam, vão para as
bibliotecas. Ou seja, é também necessária uma mudança de cultura (C2).
Em síntese, a sistematização de experiência destina-se, neste conjunto de
ONGs, a gestores públicos e demais atores envolvidos em políticas públicas,
Secretarias de Educação, organizações, educadores e técnicos da área, bem
como os sujeitos diretamente envolvidos nas ações. Nota-se, embora isso não
tenha sido enfatizado nas respostas sobre os objetivos da produção de
conhecimento a partir da prática, uma preocupação em gerar referências para as
políticas públicas, e em especial, as políticas de educação.
Entre os efeitos percebidos, resultantes da preocupação em sistematizar
as experiências, encontram-se desde a influência direta até a inspiração e
instrumentação para a implementação de políticas públicas, aliadas à ampliação
do potencial de intervenção da sociedade civil. São percebidos também efeitos
na própria organização, que pode contribuir para a ampliação do poder de
influência e para a sustentabilidade dos projetos.
Podemos perceber, em algumas respostas, que os efeitos da
sistematização estão aliados aos dos processos de comunicação e disseminação
de informações - adotados pelas ONGs -, fundindo-se por vezes processos e
produtos, ou etapas (a comunicação da experiência e a produção do
conhecimento). A própria inexistência, em alguns casos, de correspondência
entre o produto e os destinatários das aprendizagens torna evidente a ausência
dessas distinções. Em outros trechos, todos os produtos de comunicação
transformam-se em resultados de sistematização, independentemente dos
processos desenvolvidos para chegar até eles.
Ainda assim, encontramos também reflexões mais próximas da concepção
de sistematização como processo de produção de conhecimento a partir da
109
prática, notando que apenas produtos ou instrumentos de comunicação não são
suficientes para a potencialidade da construção do conhecimento, e valorizando a
aprendizagem envolvida no processo de aprender a partir da prática. Além disso,
é mencionada a necessidade de um esforço intencional que, derivado de uma
mudança de cultura relativa ao fazer cotidiano, é o único capaz de completar o
circulo virtuoso que busca relacionar, de maneira permanente e organizada, a
ação da reflexão.
5.8. Os procedimentos metodológicos e a participação dos sujeitos
coisas do vento
a rede balança
sem ninguém dentro
Leminsky
Na prática da ONG A, a sistematização é realizada de maneira transversal
a todas as áreas temáticas definidas. Para tanto, vem sendo desenvolvida ao
longo dos anos, “uma metodologia de sistematização de experiências de gestão
municipal” com dois objetivos: favorecer a divulgação das experiências e apoiar a
capacitação de lideranças e gestores no registro de suas experiências.
Não tem um departamento específico ou de pesquisa, nós agrupamos por
temas e em cada tema existem todas as fases. Por exemplo, cultura,
manejo dos resíduos sólidos, participação cidadã, planejamento urbano.
Em todos esses campos ocorre o processo de identificação,
sistematização e análise de experiências (A1).
Os procedimentos adotados para a sua execução incluem a construção de
uma árvore de critérios, mencionados, base para o processo de identificação,
sistematização, análise e disseminação de experiências. Para a cnica da ONG
A essa metodologia, utilizada na sua própria prática, trata prioritariamente de
buscar nas experiências selecionadas os elementos sugeridos
pelos critérios
existentes e construir, a partir deles, um roteiro de perguntas com as informações
a serem levantadas. As informações buscadas, em geral, tratam dos seguintes
assuntos: o histórico, o processo de desenvolvimento da proposta, os atores
envolvidos, as conexões com a realidade local, a forma de enfrentamento das
110
dificuldades, as potencialidades, a participação, o funcionamento das prefeituras.
Em resumo conteúdos que permitem a comparação da experiência em questão
com outras, de maneira a que os resultados possam ser debatidos com a
sociedade civil e demais gestores municipais, e por eles “apropriado”.
Esse processo, em etapas e procedimentos, foi assim descrito pela técnica
da ONG A:
Elaboração do produto final a partir de um resumo da experiência.
Mapeamento sobre o que acontece no Brasil no mesmo tema ou a
partir da mesma experiência (como vem sendo pensado no Brasil, onde
já existe, qual a origem da idéia, etc.).
Levantamento de informações local ou à distância (se funciona, como
funciona, se teve continuidade, grau e qualidade da participação
popular, formas de consolidação como política pública,
sustentabilidade, custo, recursos, etc) e segundo as perguntas
derivadas dos critérios.
Síntese e análise das informações (o que chama mais a atenção, o que
foi mais importante, etc.)
Diálogo com demais áreas, profissionais e redes.
Edição das informações a partir das questões centrais: os problemas a
enfrentar, o histórico, o processo, os recursos necessários, as
dificuldades e os resultados; e do espaço possível nos instrumentos de
comunicação da experiência.
De acordo com sua percepção (A2) os elaboradores de políticas públicas e
a população organizada o os sujeitos da sistematização. Considera que ela
possui um caráter participativo, embora não pelos sujeitos da experiência e sim,
de fato, pelas organizações e movimentos ligados à própria organização, muitas
vezes organizados em forma de colegiados. Os seus integrantes contribuem na
discussão do foco, dos conceitos, e para a reflexão: “os interlocutores estão
diretamente envolvidos na questão, com interesses próprios inclusive. Então vira
um diálogo muito intenso” (A2).
111
Sobre este aspecto o coordenador da ONG A informa que o processo de
sistematização não é realizado de modo participativo.
Não é participativo no sentido em que a sistematização requer habilidades,
requer treinamento, requer critérios. E os critérios são os nossos. Se
sistematizássemos segundo os olhos de quem promoveu a experiência,
perderíamos nosso foco, porque cada um olha de um jeito (A1).
Assim, a participação do autor da prática limita-se ao fornecimento de
informações, que, uma vez sistematizadas, são devolvidas para que os sujeitos
validem, concordem ou agreguem.
Na ONG B a sistematização é considerada parte integrante da rotina
organizacional, ao menos no que se refere ao registro e reflexão da prática.
Todos os formadores têm a atribuição de registrar suas práticas, o que acabou
por resultar, ao longo dos anos, em uma enorme quantidade de textos e reflexões
produzidos. A coordenadora aponta, entretanto, a necessidade de um profissional
que coordene e organize todo essa produção em um banco de dados de fácil
acesso.
De acordo com ela, a sistematização “verdadeira” trata exatamente da
socialização dos relatórios de área, que depois são transformados em temas para
as reuniões. Acredita que são estes procedimentos que garantem a autoria da
equipe interna e conferem um caráter participativo à construção do conhecimento.
Nas suas palavras: “temos o hábito de escrever muito, de registrar a prática. Parte
do tempo dos técnicos é para relatórios, que são socializados e discutidos em
reuniões mensais” (B1).
Em relação à participação dos profissionais que compõem o público alvo
da organização, o processo é semelhante: os registros permanentes e a produção
da reflexão são sempre parte integrante dos projetos.
A produção dos educadores, e demais profissionais, essempre sendo
considerada, revista, publicada. Internamente consideramos que isso é
mais interessante do que ficar escrevendo modelos. O importante é a
construção do conhecimento pelos profissionais que atuam direto com a
criança. Formamos, acompanhamos e estimulamos a reflexão a partir das
pautas, diários e registros dos professores e coordenadores. Com eles
também refletimos a nossa prática (B1).
112
O processo de organização das produções existentes, atualmente em
curso na ONG B, será parte integrante de uma sistematização “mais ampla” que
busca editar os diferentes registros e textos existentes. Para tanto, o
conhecimento produzido foi organizado em conteúdos e, em seguida, priorizados:
“dividimos em tempos, tempo de conhecer a criança, tempo de conhecer o
mundo, e toda a equipe escreve junto” (B1).
De acordo com a técnica da mesma organização, a metodologia de
sistematização consiste em “puxar os fios” das reflexões e produções que
derivam da prática concreta, organizar e generalizar. Em linhas gerais, a
sistematização ocorre segundo três lógicas:
Como parte integrante tanto do processo de formação permanente da
equipe interna, quanto dos projetos de formação dirigido a educadores
e profissionais da educação.
É como se o processo de sistematização fosse ocorrendo a cada etapa do
trabalho, não é uma coisa que acontece no fim. Temos produtos em cada
semestre, mas o mais elaborado é o documento que sistematiza as
diretrizes pedagógicas da instituição, que é sempre um documento final
(B2).
Sistematização dos conhecimentos que foram construídos ao longo dos
anos, nas várias versões dos projetos desenvolvidos e que resultam em
modelos de intervenção e/ou diretrizes pedagógicas da instituição.
Parte de uma outra lógica porque é a sistematização dos conhecimentos
que foram construídos ao longo dos anos. Neste caso eu trabalho com
os materiais já produzidos por outros formadores. Talvez seja a
sistematização da sistematização (B2).
Sistematização pelos educadores que participam dos processos de
formação propostos pela organização.
Quando saímos das creches e escolas eles continuam fazendo esse tipo
de coisa e usando recursos que sugerimos, como, por exemplo, a
organização de portfólios com as atividades propostas para as crianças,
113
as avaliações feitas, a reflexão sobre a ação desenvolvida. Isso fica
organizado e esse é o material que os outros professores usam nos outros
anos, não é preciso inventar a roda sempre porque a experiência anterior
está organizada. Ao fazer isso, o professor ao mesmo tempo organiza seu
próprio conhecimento, toma consciente de quanto aprendeu e avançou, e
em seguida socializa isto (B2).
Assim, na perspectiva da técnica responsável, a sistematização é feita em
vários “níveis” e dimensões: individual (registros, portfolios, avaliação do
trabalho); coletivo (feito com o acompanhamento do coordenador pedagógico e
que resulta em diretrizes institucionais, reuniões de reflexão); e institucional
114
Considera que o autor inicial da sistematização é o responsável pela ação,
entretanto, o resultado de seu trabalho é refletido por outros profissionais que não
estão envolvidos diretamente com a experiência, de maneira a garantir a
“suficiência” do resultado.
Por exemplo, tínhamos um projeto de juventude que era um trabalho de
aproximação da cultura juvenil com a escola, realizado durante dois anos
em duas escolas com um grupo de professores e um grupo de jovens que
não eram alunos. Foi feito um tipo de sistematização, contando a história
desse projeto e as coisas que aconteceram. Tinha elementos reflexivos
baseados no que o assessor viu naquela experiência de mais
interessante, de mais útil do ponto de vista analítico. Foi um início. Depois
teve um outro momento, derivado dessa mesma experiência, que fizemos
um livro menos colado na experiência e mais uma discussão mais ampla
sobre a questão da relação cultura/jovens (C1).
Na sua opinião, a tentativa deve ser a de não limitar o trabalho na esfera da
experiência vivida: “fica muito insuficiente, contar a experiência é interessante,
mas é pouco. É preciso partir para uma reflexão mais geral sobre o assunto,
buscando referências fora da própria experiência” (C1).
Informa ainda que não sabe o grau de participação dos jovens e
educadores envolvidos diretamente na experiência no processo de
sistematização.
a técnica (C2) considera que a participação depende do tipo de produto
da sistematização. De acordo com ela existem produtos que refletem o trabalho
imediato e concreto, e são estes os que são construídos de maneira mais
participativa. Outros, mais reflexivos, refletem o pensamento da equipe e chega
até os jovens como material de estudo. Descreve as etapas do seu trabalho da
seguinte maneira:
Elaboração da proposta
Realização dos diagnósticos dos grupos e das demandas
Revisão da proposta inicial
Registro do processo
Elaboração de pautas e relatórios de reunião
115
Elaboração do projeto
Construção das pautas de formação
Elaboração dos relatórios da formação
Elaboração do produto de acordo com o objetivo pré-estabelecido:
projeto político pedagógico, caderno de formação (processo,
conteúdos, resultados), etc.
Considera ainda que o conhecimento dos jovens está “embutido” no
produto final, que os seus registros são considerados no momento da
construção do produto final. Tanto é que, segundo ela, eles “se reconhecem” nas
publicações.
Em linhas gerais observamos que, do ponto de vista do fazer cotidiano, a
sistematização permeia todas as áreas temáticas, ou está inserida no modo de
desenvolvimento das ações e é parte da rotina cotidiana. Além disso, apenas
uma ONG considera que trabalha com uma metodologia especifica de
sistematização de experiências. Para as demais, é um processo intrínseco ao
modo de atuação.
Quanto aos procedimentos metodológicos utilizados para a realização da
sistematização, observamos que sua escolha reafirma as questões e diferenças,
apontadas, quanto às concepções envolvidas. Observamos em algumas
respostas que o conhecimento produzido precisa ser apropriado pelos sujeitos,
que os conteúdos de aprendizagem são externos à experiência (de fora para
dentro), que o ator da prática e o sujeito de conhecimento nem sempre são
coincidentes, que os executores das ações, às vezes, são considerados como
informantes, mas do que como sujeitos reflexivos.
Vale notar, em uma das respostas, a não distinção do processo de
sistematização com o próprio desenvolvimento do projeto na sua totalidade, de
maneira a sugerir duas coisas: ou a ausência de identidade da sistematização, ou
a sua absoluta incorporação na ação. Em outra resposta notamos mais uma vez
que a sistematização aparece como registro e memória (realizados pelos
executores), separada da reflexão (realizado por outros).
116
Especialmente no que se refere ao caráter participativo do processo de
sistematização, tomado aqui como princípio essencial, temos que, embora ele
seja visível nas respostas obtidas, aparentemente o existe consenso quanto a
quem é o sujeito da participação, e como ela essendo compreendida frente a
um processo de construção de conhecimento a partir da prática. De fato, no
primeiro caso, quem participa são outros atores afins à própria organização,
envolvidos de alguma forma no tema tratado, e não necessariamente na
experiência. Em outro, temos que todos os envolvidos na experiência, em
diferentes planos, são considerados, em essência, os produtores de
conhecimento. Na terceira organização a participação dos atores se em níveis
e conforme o caso, ou embutida no produto final, ou em algumas etapas. Neste
caso, a reflexão é também externa à experiência. Nota-se em algumas respostas,
a intenção explicita do não envolvimento dos responsáveis pela experiência,
que poderia gerar “perda de foco”.
O Quadro 3 mostra, de maneira esquemática e sintética, os principais
caminhos metodológicos tomados pelas ONGs entrevistadas. A partir dele
podemos notar, no conjunto, vários elementos próximos 95585( )(o)-4.33117(s)-0.29585(85( )117(r)2.80439(t)-2.16)-2.16436(r)2.80439(e.33117(s)-0.29558t2q3(95585( )(o)-4.331185( )117(r)2.80439(t)-(o)-4.45995(N)e)5.67474(m)-7.49-2.(r)2.80439(t)-2.16(r)2.80561(a)-4.331174r)2.80561(,)-2.165.33117(e)-4.30.4954(i)1.87(c)-0.29436368.0 Td[(o)-4.33117(s)-0.294P31179(n)682(p)-4.od1(a)-.16558(g)5.67471.8771(a)-4.32872eicer4(m)-7.4971(a)5.6747.8054.33117(4(m)-7.4971(a)5.673v)9.716(d)2x6–17.33117(n)5.6771032(o)-4.32995(n)-4.33117(j)1.87(u)5.67474(n)-4.33117(t)-2.1656( )-4456(o)-4.3304.33117( )-42.1892(3.84154(o)-4.331(t)-2.16558(i)1.87(c))-4.117(j)1.87(u).87122(a)-4.33117(,)-2.16436( )-792(o)-4.3154(o)-4(a)-4.3311l38–17.33117(n)5.67713 ooa eitios a4.33056(ne)-4.33117(x)9.71032(p61(r)12.8103(a)-4.323056(ne)-4.33117(x)9.71032(p61(r82.225(s)9.71032(u)7(t)7.84154(o)-4.33222(f)4(i)1.87(c)-0.294362-)T.Q)-2.45995(u)0.642.16558(p)-4)-2.45995(u)0.642.12872eir.f2873(,)2–3(a)-0.294395585(ã)-4.33116(á)-4.33117(t)-2.16436(i)1.87122(c)-0.295585(a)-4.33117( )-242.306(e)-4.33117( )-252.313333056(r)233117(x)9.71032(p61(r81(r82.225(s)9.71032(u4( )-252.312(o)-4.308(o)-4.308(o)-4.308(o22(442.424(n)]TJ332.8b632e)-e117(x)9.71032(p61(3474(m)-7.49588(b)5.6750c7( )-2)42.3032(u)7(t)7.84154(o)-.3032(u)7(t)7.841542.225(s)9.747.8054.3-)-4.33117(j)1.87(u)5)5.67474(u)-4.33117(e)-4.0.29)-0.294974(o)-4.o)-4(a)-4.3311l38–17.)5.678o0z032(u)7(t)7.841542.227122(a)-4.225(s)97( )-458.Jo)-.3junto77(s)-0.295585(P( )-242)-0.295585(P( )-242)-0.295585(P( )-242)-0.295585(P( )-242)-0.222222294395585(ã)-39(e.33117(s)e)-4.32873122(s)5r33117252.312(o)-4.308(o)-4.308(o)-40.295585(P( )-2( )-52556.16558(i)1.872e)-495585(P( )-242)-17319(e)-4. o ueo óxsm
117
- Mapeamento do tema no Brasil.
- Elaboração de perguntas.
- Levantamento de informações.
- Síntese e análise das informações.
- Diálogo com demais áreas, profissionais e redes.
-
Edição das informações com base nos critérios
iniciais.
conhecimento.
ONG B
- Proposição e construção de registros.
- Construção de pautas de reunião.
- Reflexão coletiva.
- Revisão da prática.
-
Organização das aprendizagens, construção de
generalizações possíveis.
Os executores dos projetos
são considerados sujeitos e
produtores de conhecimento,
bem como o público
envolvido.
ONG C
- Registro do processo.
- Construção das pautas de formação.
- Elaboração dos relatórios da formação.
-
Reflexão a partir de referências externas à
experiência.
- Elaboração do produto de acordo com o objetivo pré-
estabelecido.
A equipe executora é parte
integrante de uma etapa da
sistematização. Em alguns
processos o pensamento dos
envolvidos é considerado.
5.9. As dificuldades e os aspectos facilitadores da sistematização.
para fazer uma teia num minuto
a aranha cobra pouco
apenas um mosquito
Leminsky
Entre as dificuldades apontadas pelos entrevistados da ONG A, relativas
ao processo de sistematização de experiências, estão:
A seleção (escolha) da experiência.
O ritmo de trabalho, a pressão por resultados “... não é igual à
Universidade, que você faz uma pesquisa e permanece quatro anos
mastigando a mesma pesquisa” (C1).
Administração de recursos, escassos para esse tipo de trabalho.
Necessidade de ampliação e aprofundamento do referencial teórico
conceitual.
118
Sobre a questão dos recursos o coordenador (A1) salienta que são
principalmente as agências de cooperação internacional que financiam processos
dessa natureza. Já a técnica (A2) enfatiza o fato de que o limite financeiro muitas
vezes dita a metodologia do processo: “muitas vezes não temos recursos para ir
pessoalmente até o município. A construção da narrativa depende muito do olhar
de quem vai, então isso dificulta muito, e limita a forma ou modo da
sistematização” (A2).
A esse respeito, cita uma experiência vivida na Bolívia que possibilitou
reunir pessoas diferentes envolvidas na prática em questão e desenvolver a
sistematização de uma maneira mais participativa.
Foi possível reunir as pessoas para que elas mesmas escrevessem. Para
mim foi uma das experiências mais maravilhosas, porque era o que eu
gostaria que fosse no Brasil também. Mas não temos muito apoio para
esse tipo de coisa, vivemos em uma lógica que descontrói essa idéia da
inclusão da pessoa diretamente envolvida na experiência. Nem a pessoa
se sente com capacidade de escrever, nem tem tempo, nem se dedica a
isso, nem o nosso mundo se dispõe a apoiar esse tipo de coisa. Então
isso é uma das dificuldades, porque acabamos partindo de um ponto de
vista muito filtrado por nós, que somos um grupo localizado em São Paulo,
vivemos em São Paulo, com códigos de São Paulo (A2).
Especialmente em relação ao referencial teórico necessário, a reflexão do
coordenador (A1) aponta para a necessidade de novas referências conceituais
para novos acontecimentos sociais, capazes de dialogar com as experiências.
Aproveita para salientar as distâncias entre as Universidades e as ONGs.
Quais são as novas formas de conflito de classes? Ou seja, a análise
exige muita formação, profundidade teórica, segurança conceitual. Como
fazer e análise a crítica ao Terceiro Setor, por exemplo? Em resumo, é
claro que podemos analisar as práticas, mas também é preciso um
referencial teórico (A1).
São desafios recíprocos, a universidade precisa se aproximar muito mais
do que fazem as ONG’s, os movimentos sociais, os programas sociais, e
as ONGs têm que sair do seu pragmatismo e fortalecer os seus
instrumentos analíticos (A1).
Na ONG B as principais dificuldades para a efetivação da sistematização
de experiências, são:
119
Os recursos para garantir o tempo de trabalho dos profissionais nesta
atividade.
Não tem verba para isso, é difícil conseguir recursos de um financiador
para essa finalidade. é um custo garantirmos recursos para registro,
planejamento e reunião interna. Temos que argumentar muito, porque de
fato um trabalho que exige 20 a 30 horas técnicas em campo, às vezes
demanda mais 15 horas de registro, preparação e planejamento (B1).
A questão da autoria e dos créditos do produtor do conhecimento.
Nossa intenção é socializar o conhecimento produzido, mas existem
120
Parar para escrever no meio da correria, mesmo quando o
compromisso já está assumido com o financiador.
A disseminação do material produzido, especialmente no que se refere
aos recursos para a distribuição.
Acho que o grande problema é fazer isso chegar ao público. Muitas vezes
temos financiamento para uma publicação de 2000 exemplares.
distribuímos para nossa rede básica, em torno de duzentos, trezentos
exemplares. Em seguida começamos a ficar limitados, porque a
distribuição tem um custo. Uma alternativa que temos usado é a
distribuição comercial, convênios com editoras, etc. (C1).
Tempo e espaço da sistematização durante o desenvolvimento de um
projeto.
Hoje eu tenho até vergonha de propor para um professor que faça
planejamento e relatório. O espaço da sistematização o esgarantido,
nem na escola. O lugar que consegue garantir melhor isso é a academia.
Mas todo mundo está trabalhando muito, e parar para escrever e
organizar, para gravar um vídeo, para
f
azer uma produção com fotografia,
é quase impossível. Nós não conseguimos dimensionar descentemente o
tempo necessário para isso. Este é um grande dilema cotidiano. Quem faz
formação precisa de ter horas dobradas se quiser sistematizar, e se
acredita que a sistematização tem que ser feita por aqueles que estão de
fato desenvolvendo a experiência. Já pensamos em ter alguém para
sistematizar, mas vimos que não tem cabimento, reforça a ruptura, a
fragmentação da ação (C2).
As competências necessárias para a sistematização.
O professor deixou de sistematizar e estamos querendo trazer isso de
novo para a pauta. Mas isso demanda, além do tempo, aprendizagem. À
vezes nos deparamos com uma grande quantidade de registros que foram
produzidos ao longo de uma experiência. Relacioná-los com o foco da
sistematização é um esforço enorme. É preciso recuperar os objetivos
frente ao recorte que queremos para a sistematização. A experiência abre
um leque de possibilidades, mas nem sempre o projeto de sistematização
prevê todos os desdobramentos. É preciso rever o material que es
sendo produzido, avaliar se é isso mesmo. Normalmente quando os
resultados estão para serem publicados você fica com uma certa
sensação de vazio, que poderia ter sido melhor (C2).
121
Promover a reflexão em conjunto com os sujeitos envolvidos nos
projetos.
A sistematização final demanda a releitura de todo um processo, a leitura
de todos os documentos, e uma reflexão que possa de novo voltar aos
sujeitos e que não seja tão solitária do sistematizador. Esse espaço o
está garantido internamente, é preciso prever tempo dentro dos projetos e
recursos. Também não estão garantidos nas escolas, os espaços e
tempos para os professores sistematizarem as suas experiências. Basta
ver o horário do trabalho pedagógico, de duas a três horas por semana. E
deveria estar, porque efetivamente os profissionais precisam de tempo
para ver que conhecimento foi produzido. Acaba sendo uma coisa
solitária. A sistematização deveria ser obrigatória para todos os
educadores do país (C2).
Por outro lado, existem aspectos facilitadores que dizem respeito ao
trabalho em rede, à possibilidade de avaliar, sistematizar e analisar em conjunto
com organizações similares, com atuações e interesses coincidentes.
Aparentemente, a possibilidade da produção do conhecimento de maneira
coletiva, torna seus resultados mais interessantes e amplia o escopo e os efeitos
do trabalho.
Estamos finalizando uma enorme pesquisa sobre juventude, em conjunto
com outras organizações. Mobilizamos oito ONGS de regiões
metropolitanas para essa pesquisa, para que sejam coordenadores locais.
Depois pensamos o relatório final em conjunto de maneira a produzir
coletivamente os conhecimentos (C1).
Uma facilidade é justamente o fato de estarmos inseridos nessas redes,
penso que sistematizar sem estar numa rede, vira um relato pessoal. É a
diferença entre sistematizarmos em diálogo com as diferentes áreas
temáticas e a atitude tradicional do pesquisador que vai a campo quase
sozinho, escreve, e entrega um texto, depois publica. São processos
distintos (A2).
Especificamente na ONG B referem-se às contribuições para a construção
do grupo de profissionais, dos alicerces necessários e ao reconhecimento do
pensamento autônomo da organização, como segue:
O envolvimento dos profissionais na proposta.
Os profissionais com os quais trabalhamos vêem muito sentido nessa
proposta, porque consideram que isso ajuda o grupo a se constituir como
grupo, constrói a identidade, fornece o chão necessário. Evita algo que é
123
organizações, aparecem como alicerces fundamentais para o processo de
produção de conhecimento a partir da prática.
5.10. Considerações finais
O hai-kai é anti-retórico, liso e simples;
Isso deriva das categorias estéticas japonesas:
*Kirei: o límpido, o lindo
*Wabi: a penúria, a miséria (tão simples que decepciona)
*Yugen : a profundidade, o mistério
O hai-kai é uma imagem, tem economia verbal, humor e objetividade,
características centrais da poesia moderna
Octávio Paz
Escreve Octávio Paz
26
que o hai-kai é uma expressão poética sinérgica às
categorias estéticas japonesas, com características internas que, embora antigas,
identificam-se com as encontradas na poesia moderna. Como vem nos contando
Paulo Leminsky ao longo do texto, o modo de fazer hai-kai vem sendo recriado,
desde sua introdução no Brasil por Guilherme de Almeida, que em 1936 o
transpôs para o português e em 1947 a ele acrescentou a rima. De fato, se
originalmente constava necessariamente de 17 sílabas em três versos, o primeiro
de cinco, o segundo de sete e o terceiro de cinco, de maneira a rimar o primeiro
com o terceiro, agora pode dispensar a rima e a contagem de sílabas. Entretanto,
para que sejam hai-kais, são mantidas algumas das suas características internas:
os temas são simples e da natureza, cada um dos versos expressa coisas
diferentes: algo eterno, uma novidade e a síntese, e assim por diante.
De maneira análoga, buscamos neste capítulo verificar a ótica dos sujeitos
que integram as ONGs selecionadas sobre as características internas do
conhecimento gerado pela prática social e da sistematização de experiências
enquanto um procedimento particular. Não pressupomos que essas
características fossem tomadas como regras constituídas rigidamente em 17
sílabas, mas, ao contrário, que, recriadas conforme cada contexto institucional e
individual, fornecessem os marcos conceituais, sempre necessários para a
construção de procedimentos práticos que façam sentido no universo da prática
26
Disponível em http://www.naoser.hpg.ig.com.br/hai-kai.htm. Acesso em fev. de 2007.
124
social. Vale lembrar que é essa mesma idéia que sustenta a sistematização de
experiências, ou seja, seus resultados não são medidos pela fidelidade aos
modelos, às técnicas ou aos manuais de procedimentos. Ao contrário, buscam
constituir-se em referências, inspirações e em procedimentos que, justamente por
existirem, permitem sua re-edição, ou transgressão, sempre fonte de toda criação.
Feita essa ressalva, não pretendemos chamar toda expressão poética de
hai-kai, todo procedimento utilizado para a produção de conhecimento de
sistematização, ou toda produção derivada da prática de conhecimento, de
125
Caráter autobiográfico aqui concebido tal como proposto nas teses do
“conhecimento emergente”: “...para isso é necessária uma outra forma de
conhecimento, um conhecimento compreensivo e íntimo que não nos
separe e antes nos una pessoalmente ao que estudamos” (SANTOS:2003,
85).
(5) Compõe-se de duas dimensões relativas a dois processos: o processo de
produção do conhecimento, conectado a preocupações relativas à sua
distribuição, ou seja, o conhecimento é produto social; e/ou o processo de
construção, dotado de procedimentos e objetivos mais conectados com o
desenvolvimento de pessoas e de grupos, e que pressupõe a interação
direta do sujeito com o objeto de conhecimento.
(6) É uma referência local que pode ser generalizada, ou como ajuda SANTOS
“....reconstitui os projectos congnitivos locais, salientando-lhes a sua
exemplaridade, e por essa via, transforma-os em pensamento total
ilustrado” (2003: 76)
Os sentidos dados à sistematização de experiências, por sua vez, são ora
amplos como princípios, ora restritos, como parte de um processo reflexivo maior.
Entretanto, notamos a aproximação entre seus pressupostos e aqueles
defendidos pelos sujeitos que se dedicam a formar educadores. Para estes,
sendo a construção de conhecimento uma relação entre a teoria e a prática,
sempre mediada pelo sujeito de conhecimento, parece mais imediato a realização
da sistematização de experiências sempre a partir dos sujeitos da prática.
Ainda assim, estando seus objetivos, bem como seu objeto e seu sujeito,
interpenetrados com os das ONGs, não consideramos possível dizer que em
todas as organizações a
sistematização de experiências é considerada uma
expressão particular, relativa aos modos de produzir e construir conhecimento
prático, ou que projetos de sistematização de experiência como unidades de ação
sejam parte integrante destas experiências. Em alguns casos, são mesmo
assumidos a partir de demandas externas e em outros não trata de
sistematização de experiências, mas sim de informações.
Para além disso, talvez não seja exagero dizer que trata de uma
construção de sentidos (como vimos sempre individuais), e de significados
126
(sempre coletivos) em construção. À semelhança dos hai-kais, que na origem não
prescindiram dos elementos estéticos japoneses, pode ser o momento seja o de
fortalecimento e apropriação de elementos de uma cultura que valorize, ainda
mais, e tanto quanto a atividade prática, a construção do conhecimento que dela
deriva.
127
6. CONCLUSÕES
Caramujos ajudam as árvores a crescer
Manoel de Barros
Este trabalho pretendeu levantar alguns elementos constitutivos do
conhecimento prático, expressão que terminou por ser adotada ao longo do texto
para designar o conhecimento gerado a partir de práticas de intervenção social.
Resta-nos agora estabelecer as relações entre as coisas: a conjuntura social, a
identidade das ONGs, a concepção de conhecimento e seus modos de
construção em organizações desta natureza. Ainda, verificar de que maneira o
desafio epistemológico da sistematização de experiências ressoa no campo da
educação de maneira geral. Em síntese, avançar um pouco mais na nossa árvore
de perguntas, indicando algumas novas inquietações que decorreram desta
reflexão. Além disso, de volta ao começo, justificar o caminho tomado, no qual
colocamos mais empenho na busca dos sentidos atribuídos ao tema do que na
análise de suas questões, movidos por uma necessidade pessoal de organizar
aprendizagens derivadas de nossa experiência no desenvolvimento de processos
de sistematização.
Assim que, em um contexto social marcado por mudanças que influenciam
os modos de praticar intervenções sociais e tomando como referência os
contornos estabelecidos neste trabalho, as aprendizagens derivadas da prática
social - sejam as próprias ou de outros atores - têm sido consideradas como fonte
de conhecimento e com um papel a cumprir, especialmente no que se refere à (1)
construção e ou fortalecimento do lugar e das identidades de ONGs, (2)
divulgação do exemplo para processos de transformação social, (3) formação
permanente dos sujeitos que delas participam, (4) construção de subsídios e de
instrumentos para a ação, (5) socialização e comunicação de conhecimentos e de
metodologias, e (6) produção de subsídios para o debate coletivo e a construção
de sentidos em rede. Em linhas gerais aprendizagens que contribuem, de volta à
prática, para configurar as ONGs menos como receptoras de transferências de
responsabilidade por parte do Estado, e mais como produtoras de conhecimento
alternativo sobre as questões sociais, que, socializado, podem servir de referência
para a elaboração e implementação de novas iniciativas e novo conhecimento.
128
São experiências e aprendizagens que, pela via da construção da
narrativa, organização das informações, reflexão e interpretação crítica, confronto
com a teoria e diálogo entre atores, podem transitar em direção a um
conhecimento organizado e socializável. Procedimentos nomeados como
sistematização (de informações, de projetos, de políticas, de experiências) pelos
sujeitos deste trabalho. Com menos ênfase, mas também presente, pode
contribuir para dar voz aos sujeitos ltiplos que constituem o público alvo das
ações. Entretanto, procedimentos que o se constituem, no conjunto estudado,
em sistematização de experiências exatamente como concebida pelas reflexões
latino-americanas, ou pelo menos não com as mesmas ênfases.
Essa última constatação ajuda a mostrar que algumas dimensões
pertinentes à relação do conhecimento com a prática social, tal como propostas
pela sistematização de experiências, poderiam ser aprofundadas na prática. Entre
elas o envolvimento dos atores das práticas no processo de construção de
conhecimento, a proposição das negociações de sentido entre diversos sujeitos,
em síntese, a idéia de que a produção do conhecimento, em si, pode ser um
instrumento de intervenção e de construção da autonomia dos atores sociais.
Nessa direção, poderíamos caminhar para um processo no qual o conhecimento
é construído pelos sujeitos, mais do que apenas apropriado.
Na nossa maneira de entender, é justamente essa ênfase que confere ao
conhecimento da prática sua capacidade tradutora, que torne a diferentes lutas
mutuamente inteligíveis e permita aos actores coletivos ””conversarem”” sobre as
opressões a que resistem e as aspirações que os anime(SANTOS, 2001:27).
Capacidade tradutora que, como vimos, ao relacionar dois sujeitos, conhecimento
e autoconhecimento, pode levar o discurso científico a se aproximar da crítica
literária, pois que ela “anuncia a subversão da relação sujeito/objecto que o
paradigma emergente pretende operar” de maneira a traduzir o conhecimento
científico num “saber prático” (SANTOS, 2003:87).
Também no caso do conhecimento a partir da prática sob a perspectiva de
seus sujeitos, sujeito e objeto estão intimamente interligados. Embora não
pretenda se traduzir em ciência configura-se como autoconhecimento. Se
voltarmos ao livro de Guimarães Rosa, encontramos uma ilustração desta idéia.
Introduz o “No Urubuquaquá, no Pinhém” (2001) um artigo de Paulo Rónai
129
publicado originalmente em 1956, onde, a nosso ver, o autor relaciona com
profundidade a personalidade de Guimarães Rosa com a forma de tecer a
paisagem literária, os universos em que mergulha, seus estilos, seu processo de
criação, seus segredos. Dessa maneira, expressa sua leitura sobre a obra, ao
mesmo tempo em que fornece ao leitor, de maneira organizada, uma referência
de leitura e de crítica sobre os modos de Guimarães Rosa fazer literatura. Resulta
assim, em um trabalho de tradução, igualmente literária, como se aplicasse à
relação entre ele mesmo e o autor, o mesmo pressuposto adotado pela obra:
Nas obras de Guimarães Rosa, tais sentimentos plasmam a mente dos
personagens marginais, imperfeitamente absorvidas pelo convívio social
ou nada tocadas por ele: crianças, loucos, mendigos, cantadores,
prostitutas, capangas, vaqueiros. Eles é que formam o corpo de baile num
teatro em
130
disso, em alguns casos, o conhecimento prático assume a forma de método,
que é ele o facilitador da re-aplicação na prática das aprendizagens dos sujeitos.
É preciso considerar que a necessidade do método, entretanto, não é resolvida
pela simples construção procedimental, nem justificada apenas como meio para
atingir um fim determinado. Trata-se de um caminho traçado a partir de um
universo de idéias, concepções, valores, conhecimentos prévios, em um
determinado momento, segundo cada realidade, por um conjunto específico de
pessoas com interesses e desejos diversos.
Disso se trata, a nosso ver, as generalizações poss
131
“infantilismo cultural”. De acordo com ele, hoje transitamos de uma
supervalorização dos saberes populares em direção a uma maior abertura na
construção do diálogo entre diferentes compreensões, especialmente pela via do
reconhecimento da eficiência deste conhecimento (“popular”) em vários campos,
e pela constatação de que o conhecimento científico, pretendido como universal e
verdadeiro, mostrou-se, de fato, pouco capaz de explicar a realidade ou contribuir
para transformá-la.
Sobre as políticas públicas, destacamos, no início deste trabalho, que as
nossas experiências na área social estão prioritariamente dirigidas para o campo
da educação, tomado no seu sentido amplo. Embora nossa opção tenha sido a de
tratar o tema da prática social em geral, convém, pois, sinalizar alguns pontos que
podem se constituir em interfaces específicas com o debate neste campo.
Em primeiro lugar, como demonstram a revisão bibliográfica e as
entrevistas realizadas, muito da prática social aqui focada está interseccionada
com as questões da educação. Trata-se de educação popular, educação de
jovens, formação de educadores de escolas públicas, análise crítica, construção
de referências para políticas de educação, etc. São práticas que transitam em um
espaço de educação não formal, sem perder de vista as políticas públicas
governamentais, ainda que de maneiras diversas.
Muito se falou sobre a importância das relações entre a escola e a
sociedade como forma de abrir novas perspectivas para o aprimoramento e
democratização da prática educativa, bem como sobre a necessidade de
participação efetiva das comunidades, tanto para o processo de construção de
sentidos e contextualização cultural do conhecimento, quanto para a influência e
controle da implementação de políticas educacionais. Assim, a sistematização
das aprendizagens que derivam de experiências de parcerias efetivas entre a
sociedade civil organizada e a comunidade escolar, do trabalho concreto de
construção de alternativas, bem como da atividade de avaliação, monitoramento e
divulgação de políticas referenciais, constituem-se, a nosso ver, em um
procedimento fundamental para que o conhecimento daí decorrente fortaleça e
amplie os efeitos dessas ações na sociedade como um todo. É também por essa
via que poderemos construir referências que abram novas perspectiva para as
132
práticas educacionais brasileiras, de maneira a superar suas características,
ainda presentes, de reprodutoras de desigualdades.
Em segundo lugar, quando consideramos que a educação tem como razão
de ser o desenvolvimento de pessoas, mediado pela construção do
conhecimento, parece urgente, não apenas o debate, mas a efetivação de
mecanismos que concretizem a idéia de que, não apenas trabalhadores sociais e
população envolvida nas ONGs, mas também técnicos e professores das escolas
públicas precisam de condições que os possibilitem avançar em direção à
efetivação de sua capacidade reflexiva e produtora de conhecimento a partir de
sua própria prática. Alfredo Ghiso (2006), inspirado pelo pensamento de Paulo
Freire, reafirma: a prática requer mais do que sujeitos do fazer, com coordenadas
pré-fabricadas por outros, pedem sujeitos capazes de ir desvelando, narrando,
compreendendo e explicando o que fazem. Trata-se assim do desenvolvimento
de um perfil de professores pesquisadores que têm a atividade de sala de aula
como objeto de análise e cujo projeto educativo tenha base no seu trabalho
concreto, de maneira a produzir, sistematizar e socializar os conhecimentos
pedagógicos.
Em terceiro lugar, os pressupostos da sistematização relacionam-se
diretamente com as questões referentes à organização curricular e aos
planejamentos dos processos de aprendizagem. Se educar é, em alguma medida,
aprender a atribuir sentido, de maneira a que cada indivíduo se engaje em
projetos de pesquisa acerca dos objetos de conhecimento acumulados pela
humanidade, devolvendo-os às suas condições de produção, como fazê-lo sem
partir da sistematização dos conhecimentos prévios e das necessidades e
desejos do sujeito de conhecimento? Como organizar conteúdos curriculares que
ajudem no desenvolvimento cognitivo senão partindo daquilo que é culturalmente
significativo para os alunos? Em síntese, tratar o conhecimento na sua dimensão
transformadora, mais do que como um conjunto de verdades absolutas, é
possível quando consideradas as relações entre o objeto e o sujeito que conhece,
com suas necessidades, motivações e aprendizagens anteriores. Também neste
caso, o sujeito da aprendizagem e o objeto de conhecimento não são
completamente distintos, um podendo ser compreendido como tradutor do outro.
133
Acreditamos que este é um caminho essencial na busca do aprimoramento
da prática educativa, sempre que a intenção é a de relacionar o que estamos
propondo com o que de fato fazemos. Em outras palavras, como formar pessoas
críticas, reflexivas e com pensamento autônomo, se antes não incorporamos,
como sujeitos, na nossa prática e no nosso conhecimento sobre ela, os mesmos
pressupostos? Pode ser, as reflexões sobre sistematização de experiências se
constituam em uma contribuição nesta direção. Resta para tanto, avançar da
pergunta sobre os sentidos atribuídos ao conhecimento e começarmos a nos
dedicar cada vez mais a buscar os sentidos daquilo que fazemos e para quem
fazemos.
Assim que, de alguma forma, os tópicos tratados neste trabalho
correspondem a reflexões, questões, dúvidas e certezas que derivam da minha
prática como participante de sistematizações de experiências diversas. De fato,
durante o percurso de construí-lo andei tratando deste assunto, em conjunto com
profissionais e comunidades das mais variadas áreas e regiões. Muitas vezes
desejei ser eu a entrevistada, fazer parte de diálogos e construir a narrativa do
que ia vivendo. Foi assim que a minha árvore de perguntas, hoje enraizada em
novos horizontes, foi crescendo, e, antes de terminar este trabalho, fui terminando
relatórios de viagens, registros de memórias e de aprendizagens de experiências.
Aprendi da necessidade de sistematizar a sistematização de experiências,
como meio de contribuir com os profissionais da prática social, com suas
organizações, e com seus efeitos na sociedade; aprendi da importância de
conectar, este ou outro instrumento, à construção de uma cultura que, cada vez
mais, aproxime o fazer cotidiano da reflexão sobre ele, criando as condições para
que a transformação desejada seja também o desenvolvimento pessoal e
profissional de seus atores, indivíduos e comunidades que a ela se dedicam; e
aprendi, relendo o meu próprio texto, da quantidade de coisas que ainda precisam
ser abordadas e relacionadas.
Ilustro, portanto, e por fim, com uma aprendizagem obtida durante a
sistematização da experiência de uma organização que trabalha com jovens
mães em situação de risco pessoal e social, em período de gestão e maternidade.
134
Buscávamos resolver a questão do grande número de solicitações por vagas,
originadas por organizações de diversas regiões do país. Demanda que
demonstrava, por um lado, a premência de políticas públicas dirigidas aos jovens
em geral, capazes de prevenir situações extremas de risco às quais um número
significativo deles se submete cotidianamente, e, por outro, a dificuldade de
acesso a serviços de atendimento direto para as jovens mães que dele
necessitam.
A contribuição específica consistia em sistematizar os principais elementos
de aprendizagem da equipe responsável pelo trabalho, jovens e comunidade do
entorno, de maneira a dar subsídios para outras organizações (governamentais e
não governamentais) implementaram ações da mesma natureza. O sentido deste
trabalho residiu no fato de que procuramos conhecer, preliminarmente, as
pessoas que buscavam esse conhecimento, e partimos, antes de tudo, da
seguinte questão: o que aprendemos que contribui com estes grupos? Assim, de
traz para frente, fomos organizando o conhecimento construído pela organização,
a partir do que o outro queria saber. Como resultado foram gerados vários
produtos de sistematização, socializando conhecimentos entre sujeitos reais, de
maneira a intervir de fato na questão que queríamos tratar. Talvez exatamente por
isso, a sistematização tenha cumprido seu duplo objetivo: estimular a
implementação de ações de qualidade nesta direção e, ao mesmo tempo,
aprimorar a prática realizada.
Assim que, também na prática, as aprendizagens corresponderam aos
maiores desafios, ter tempo de ouvir as jovens e as crianças, apostar no vínculo,
na integração com a comunidade, ajudar na concretização dos projetos de vida
que antes precisam ser desenhados -, construir o projeto pedagógico, e tantas
outras que resultaram das tensões reais entre a teoria e a prática embutida na
vida de todos os envolvidos. Por fim, esse trabalho de tradução dos
pressupostos, dos métodos, das superações, intricados na experiência vivida, foi
nomeado por uma das jovens como “re-escrita”. A mesma, segundo ela, que
resumia a sua vida, pois que “transforma a vida em uma real possibilidade de
mudança”.
135
E com isso, os dizeres na vela da jangada de Mauro, do começo e do
Ceará, seguem seu percurso, a ponto de, à distância, quase não distinguirmos
mais, a esta altura, quem é um e quem é o outro.
Vislumbra-se ainda no horizonte coisas como: qual é o lugar do
conhecimento na transformação social, qual o papel da sistematização na
melhoria da educação pública, a serem re-escritas em outras marés.
136
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