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É que, enquanto no senso comum, e portanto no conhecimento prático em
que ele se traduz, a causa e a intenção convivem sem problemas, na
ciência a determinação da causa formal obtém-se com a expulsão da
intenção (SANTOS, 2003:30
).
Entre tantas as obras e passagens que poderiam exemplificar algumas das
teses de Santos, destaca-se a nossos olhos um pequeno trecho introdutório de
Cartas a Guiné-Bissau com o qual Paulo Freire nos brinda:
Faço esta referência para sublimar quão importante foi, para mim, pisar
pela primeira vez o chão africano e sentir-me nele como quem voltava e
não como quem chegava. Na verdade, na medida em que, deixando o
aeroporto de Dar es Salaam, há cinco anos passados, em direção ao
“campus” da universidade, atravessava a cidade, ela ia se desdobrando
ante mim como algo que eu revia e em que me reencontrava. Daquele
momento em diante, as mais mínimas coisas – velhas conhecidas –
começaram a falar a mim, de mim. A cor do céu, o verde-azul do mar, os
coqueiros, as mangueiras, os cajueiros, o perfume de suas flores, o cheiro
da terra; as bananas, entre elas a minha bem amada banana-maça; o
peixe ao leite de coco; os gafanhotos pulando na grama rasteira; o gincar
do corpo das gentes andando nas ruas, seu sorriso disponível à vida; os
tambores soando no fundo das noites; os corpos bailando e, ao fazê-lo,
“desenhando o mundo”, a presença, entre as massas populares, da
expressão de sua cultura que os colonizadores não conseguiram matar,
por mais que se esforçassem para fazê-lo, tudo isto me tomou todo e me
fez perceber que eu era mais africano do que pensava (FREIRE, 1978:13).
O exercício do pensamento do autor, exemplificado neste trecho,
testemunha de maneira autobiográfica a tarefa de dar forma e sentido ao seu
conhecimento sobre a cultura africana, a colonização, o nordeste brasileiro e dele
mesmo. Como que dizendo que, tal como na África, também ao conhecimento
não voltamos, chegamos. E ao chegarmos reencontramos com tudo o que já
sabíamos, e ao mesmo tempo conosco, agora re-significados. Considerando este
ponto de vista, a tarefa de conhecer, além de um ato de consciência, é também
uma tarefa de afetar-se como sujeito em relação a outros sujeitos que, com o
corpo, desenham a vida.
Essa breve síntese a propósito das reflexões sobre conhecimento tem,
assim, o propósito de estabelecer o marco a partir do qual buscamos refletir as
aproximações entre a prática de ONGs com o conhecimento - sempre mediados
pelos sujeitos da ação. Reflexão que busca seu fundamento, portanto, na
compreensão de que o conhecimento gerado na ação prática, embora não tenha