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CENTRO UNIVERSITÁRIO MOURA LACERDA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
MESTRADO
Conhecendo as idéias das crianças sobre produção e destinação do lixo
doméstico e escolar
Janete de Araujo Silva Mello
Ribeir
ão Preto
2008
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JANETE DE ARAUJO SILVA MELLO
Conhecendo as idéias das crianças sobre produção e destinação do lixo
doméstico e escolar.
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em Educação do Centro
Universitário Moura Lacerda de Ribeirão
Preto, SP, como requisito parcial para a
obtenção do título de Mestre em Educação.
Área de concentração: Educação Escolar
Linha de pesquisa: Constituição do Sujeito
no Contexto Escolar.
Orientadora: Profª.Drª. Carmen Campoy Scriptori.
Ribeirão Preto
2008
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JANETE DE ARAUJO SILVA MELLO
Conhecendo as idéias das crianças sobre produção e destinação do lixo
doméstico e escolar.
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em Educação do Centro
Universitário Moura Lacerda de Ribeirão
Preto, SP, como requisito parcial para a
obtenção do título de Mestre em Educação.
Área de concentração: Educação Escolar
Linha de pesquisa: Constituição do Sujeito
no Contexto Escolar.
Comissão Julgadora
Orientadora Profª Drª Carmen Campoy Scriptori. (CUML): _________________________
1º examinador Drª Andréa Maturano Longarezzi ________________________________
2° examinador Drª Sílvia Aparecida de Sousa Fernandes __________________________
Ribeirão Preto, 30 de junho de 2008.
Dedico ao meu querido Ronie, pelo apoio total
e irrestrito; aos meus filhos, Jaqueline e
Luccas, pela compreensão e respeito; e aos
meus pais, Antonio e Jovina, pelo que
possibilitaram em minha vida.
Ao meu jovem e belo amigo Pierre de Laia,
que partiu t
ão cedo.
80
AGRADECIMENTOS
Agradeço à espiritualidade...
A todos aqueles que tornaram possível a realização deste;
Aos meus pais, Antônio e Jovina, e irmãos, José Carlos, Janise, Andréa e Adriana,
pela contribuição na construção das estruturas que me fizeram Ser;
Ao Ronie, meu marido, grande companheiro, amigo, conselheiro, por estar,
permanecer ao meu lado; pela cooperação em todos os momentos; pela prontidão na
realização do possível e criatividade na concretização do que parecia impossível;
Aos meus filhos, Jaqueline e Luccas, pela colaboração na transcrição das fitas, pela
compreensão na ausência, pelo respeito às minhas escolhas, pelo silêncio nas horas de estudo,
e tantos outros motivos...
À minha querida amiga Elaine Santos, pelo incentivo na busca de novos caminhos.
Aos professores do CUML, Giane Fregolente e Osvaldo Tadeu Lopes, pela centelha
que acenderam em minha alma, quando ainda no curso de Pedagogia;
Às minhas amigas Andréa Georgette, Jeanne Oliveira, Lúcia Strini, Maria da Graça
Mendes, Luzia Rodrigues, Alessandra Perticarrari, Alessandra Sverzut, pelas retiradas do
claustro para inesquecíveis momentos de lazer, o que me deu ânimo para continuar a jornada;
pelo incentivo e carinho com que sempre acompanharam o meu percurso;
À Secretaria Estadual de Educação do Estado de São Paulo, pelo apoio financeiro
que possibilitou a realização deste através do Programa Bolsa Mestrado;
Aos colegas da Diretoria de Ensino de Sertãozinho, João Acácio, Maria da Graça e
Alessandra Sverzut pela eficiência e solicitude com que me socorreram constantemente;
A minha prima Tamiris, pelo carinho expresso nos cuidados diários nessa última e
difícil etapa deste trabalho;
Aos meus alunos de ontem e hoje, por despertarem em mim a curiosidade
epistemológica necessária para a busca de novos saberes;
A todos os professores do Programa de Pós-graduação do Centro Universitário
Moura Lacerda, pela responsabilidade e generosidade com que desempenham seu trabalho,
junto aos alunos do mestrado.
À minha orientadora, Carmen Campoy Scriptori, em especial, pela paciência,
compromisso e dedicação com que me acompanhou nesta jornada, mostrando-me sempre o
melhor caminho, mas dando-me o ônus da escolha, com a elegância que lhe é peculiar.
81
Um galo sozinho não tece uma manhã:
ele precisar
á sempre de outros galos.
De um que apanhe esse grito que ele
e o lance a outro; de um outro galo
que apanhe o grito de um galo antes
e o lance a outro; e de outros galos
que com muitos outros galos se cruzem
os fios de sol de seus gritos de galo,
para que a manh
ã, desde uma teia tênue,
se v
á tecendo, entre todos os galos.
E se encorpando em tela, entre todos,
se erguendo tenda, onde entrem todos,
se entretendendo para todos, no toldo
(a manh
ã) que plana livre de armação.
A manh
ã, toldo de um tecido tão aéreo
que, tecido, se eleva por si: luz bal
ão.
(MELLO NETO, J.C.1986)
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MELLO, Janete de Araujo Silva. Conhecendo as idéias das crianças sobre produção e
destinação do lixo doméstico e escolar.. [Dissertação Mestrado] Ribeirão Preto, SP: CUML,
2008. 125 f. Centro Universitário Moura Lacerda.
RESUMO
As atuais reflexões sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, que exigem
mudanças de comportamento de heteronomia coletiva para uma autonomia coletiva, passa
pela compreensão do sujeito psicológico, em direção a uma consciência de participação
social. Essa questão nos levou a estudar as concepções infantis sobre o lixo, buscando
compreender as idéias das crianças sobre seu acúmulo e descarte, considerando a grande
relevância do tema na atualidade. Investigar questões como essas que enfocam os
desdobramentos e transtornos de tais problemáticas de nossa vida atual, mostra-se importante
para sabermos quais tipos de conhecimentos escolares estão sendo construídos, para
podermos desenvolver propostas pedagógicas que possibilitem uma re-significação de tais
conhecimentos, com a finalidade de desenvolver atitudes éticas, para que o sujeito localize
causas e se comprometa com as conseqüências pertinentes, bem como seja capaz de buscar
qualidade de vida em seus múltiplos aspectos. O locus da investigação se deu em uma escola
do município de Sertãozinho, no interior de São Paulo, região de Ribeirão Preto, com 59
alunos de quinto ano (quarta série) do Ensino Fundamental. Trata-se de uma pesquisa
qualitativa, cujos princípios encontram ressonância nos estudos e pesquisas que destacam a
função social da escola, a constituição do sujeito e o caráter formador do processo pedagógico
escolar, visando ao desenvolvimento da autonomia no sujeito, aqui entendida numa
perspectiva psicogenética. A coleta de dados se deu por meio de entrevista semi-estruturada,
conduzida com base nos princípios do método clínico-crítico piagetiano. Os resultados
apontam que os sujeitos participantes possuem razoável quantidade de informações sobre
produção e destinação do lixo, tanto escolar como doméstico, utilizando com freqüência
termos aprendidos no contexto escolar, como reciclagem, aterro e coleta seletiva. Contudo,
não demonstram atitudes que possam ser consideradas éticas para com o meio e demais seres,
o que nos leva a inferir que o conhecimento adquirido tem apenas função escolar, com
ausência de uma tomada de consciência sobre o real.
Palavras-chave: Conhecimento escolar. Educa
ção Ambiental. Autonomia. Consumismo.
83
MELLO, Janete de Araujo Silva. Knowing childrens ideas about production and
destination of the domestic and school garbage. [Dissertation Master's degree]. Ribeirão
Preto, SP: CUML, 2008. 125 f. Centro Universitário Moura Lacerda.
ABSTRACT
The current reflections about Environment and Sustainable Development, that demand
behaviors change of collective heteronomy for a collective autonomy, require the
comprehend of the psychological person, for to appear a conscience of social participation.
This question took us to study the infantile conceptions about the garbage, searching for
understanding of childrens ideas about its accumulation and discarding, considering the great
relevance of the subject in the present time. Investigating questions like these, that focus the
unfoldments and upheavals of such problematic ones of our current life, showing itself
important for we understand which kind of schools knowledge are being built for to be able
to develop pedagogical proposals that become possible a new meaning of such knowledge,
with the purpose to develop ethical attitudes, so that the person locates causes and has a
commitment with pertinent consequences, as well as either be capable to search quality of life
in its multiple aspects. The locus of the inquiry was in a school of the city of Sertãozinho, in
the interior of São Paulo, region of Ribeirão Preto, with 59 students of fifth year (fourth
series) of Elementary School. Its about a qualitative research, where principles find
resonance in the studies and research that enhance the social function of the school, the
constitution of the person and the constructible character of the pedagogical process, aiming
at the development of the autonomy in the person, here it is understood here in a perspective
of the genetic psychology. The collection of data was made by means of half-structuralized
interview, guiding through the physician-critical principles of Piagets method. The results
point that the participant people have reasonable amount of information about production and
destination of the garbage, in such a way pertaining to school as domestic, using with
frequency terms learned in the school context as recycling, dump, selective collect. Despite
this, they dont demonstrate attitudes that can be considered ethical to environment and other
creatures, it takes us to infer that the knowledge acquired has only a school function, with
absence of the conscience about the real.
Keywords: School knowledge; Ambient Education; Autonomy; Consumerism.
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LISTA DE FIGURAS, GRÁFICOS, QUADROS E TABELAS
FIGURA 1 - Cadeia dos resíduos domiciliares: a rota dos resíduos e a do lixo.......................40
FIGURA 2 Organograma do Processo de Abstração Reflexionante.....................................55
FIGURA 3 Diagrama dos Aspectos do conhecimento..........................................................60
GRÁFICO 1 Quantidade de alunos por idade ................................................................72
GRÁFICO 2Q1 Concepções Infantis sobre o Lixo.............................................................80
QUADRO 1 Tipos de Aprendizagem...................................................................................63
QUADRO 2 Tipos de respostas...........................................................................................107
QUADRO 3 Níveis de conscientização..............................................................................108
QUADRO 4 Aspectos do conhecimento presentes nas respostas.......................................109
TABELA 1 As dez definidoras da palavra estímulo LIXO.................................................36
TABELA 2 Quantidade de alunos entrevistados por faixa etária........................................71
TABELA 3 O que é lixo na concepção dos alunos..............................................................80
TABELA 4 Destinação das sobras.......................................................................................86
TABELA 5 Destinação do lixo doméstico..........................................................................89
TABELA 6 Acondicionamento do lixo doméstico.............................................................90
TABELA 7 Concepções sobre lixo escolar.........................................................................94
TABELA 8 Destinação do lixo escolar ...............................................................................98
TABELA 9 Destinação dos efluentes líquidos..................................................................102
TABELA 10 Possíveis destinos para o lixo.........................................................................104
85
SUMÁRIO
RESUMO..................................................................................................................................6
ABSTRACT..............................................................................................................................7
1. INTRODUÇÃO..............................................................................................................10
1.1. Concepções subjacentes ao pensamento ambiental........................................................14
1.2 Contribuições da literatura para a Educação Ambiental.................................................20
1.3. A transversalidade do tema Meio Ambiente...................................................................25
2. REVOLUÇÃO INDUSTRIAL, CONSUMO E DESPERDÍCIO...................................29
2.1. Valores presentes no Consumo nos tempos atuais..........................................................32
2.2. Reciclar o que já foi usado ou reduzir o uso?.................................................................39
2.3. Definições para a construção de valores.........................................................................40
3. FUNDAMENTOS TEÓRICOS A SEREM CONSIDERADOS....................................48
3.1. A importância das operações concretas..........................................................................56
3.2. Conceitos Espontâneos e Conceitos Científicos.............................................................59
3.3. Abstração Reflexionante e a Tomada de Consciência....................................................63
3.4. Paralelismo entre Desenvolvimento Moral e Desenvolvimento Intelectual ..................66
4. REALIZANDO A PESQUISA.........................................................................................69
4.1 Quem são os participantes...............................................................................................70
4.2. Procedimentos de coleta de dados..................................................................................74
4.2.1. O Método Clínico Piagetiano.........................................................................................75
4.3. Procedimentos Metodológicos........................................................................................77
5. ANALISANDO E DISCUTINDO OS DADOS...............................................................79
5.1. Apresentação das Questões................................................................................................80
5.2. Algumas considerações sobre os resultados ...................................................................110
6. IMPLICAÇÕES EDUCACIONAIS...............................................................................112
REFERÊNCIAS......................................................................................................................116
APÊNDICES...........................................................................................................................120
A Roteiro para a entrevista...................................................................................................121
B Autorização da Instituição Escolar ............................................. ....................................122
C Termo de consentimento livre e esclarecido dos pais para entrevista..............................123
D Participantes da pesquisa 5º ano E ...............................................................................124
E Participantes da pesquisa 5º ano F.................................................................................125
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1 INTRODUÇÃO
Há um tipo de inteligência criadora. Ela inventa o novo e introduz no mundo algo
que não existia. Quem inventa não pode ter medo de errar, pois vai se meter em
terras desconhecidas, ainda não mapeadas.
(ALVES, 2001:143)
Dentro todos os espaços em que tive oportunidade de conhecer, convivendo e
interagindo com outros sujeitos, a escola foi o que mais marcou a minha história de vida.
Entrei para a escola no ano de 1971, num bairro pobre da cidade de São Paulo, numa
classe multisseriada cuja diversidade me encantou de forma irremediável. Essa característica,
vista como obstáculo pelos professores, fez com que eu tomasse consciência, desde então, dos
diversos olhares possíveis para seres, objetos e situações. Pude também apreciar diferentes
gostos, acatar opiniões diversas, compartilhar dos sentimentos alheios, deslocando-me do meu
ponto de vista com certa destreza. A escola, portanto, foi palco das mais importantes
aprendizagens que um ser pode almejar, e muito além da apropriação dos conteúdos inerentes
a ela. Desde então, nunca mais a abandonei.
Anos mais tarde, formada no Magistério, não tive coragem de adentrar no espaço
escolar como professora, uma vez que o considerava sagrado e, como tal, devesse ser ocupado
apenas por seres especiais, com algo a dizer e fazer. Levada por outras necessidades, as
materiais, retornei a escola em1987, não mais como aluna, e reinventei minha relação com a
mesma: o local das possibilidades, não dos alunos, mas minhas também. Embora de forma
tradicional, desenvolvi um trabalho pedagógico consciente e proposital, pensando sempre na
relação entre mim e os alunos, sujeitos interativos; entre nós, sujeitos e os saberes,
conhecimentos diversos.
Novas inquietações me levaram a buscar formação na área de Humanas, Letras, mais
especificamente, levada mais pelo meu gosto pela leitura, pela minha facilidade em interpretar
do que por questões altruístas. formada, comecei a lecionar para meninos carentes, num
bairro pobre de São Vicente, Baixada Santista, e comecei a me constituir como um ser
político consciente. A classe era multisseriada; a comunidade, estabelecida em palafitas; os
meninos, pobres e carentes, não só de conhecimento ou de bens materiais, mas de afeto.
Questões como conscientização e criticidade passaram a permear o meu fazer, pedagógico ou
não. O peso das palavras, presente nas variadas vozes dos discursos, valoradas por quem as
usa, tornou-se uma questão latente nas minhas observações.
87
Moradora de Sertãozinho, estado de São Paulo, quatorze anos, deparei-me com
outra clientela, mais amena, entretanto de sofrível conscientização e falha criticidade, como é
o caso de grande parte dos brasileiros, das mais diversas localidades do país.
O trabalho com várias faixas etárias, propiciado pelas duas esferas de ensino com as
quais lido, municipal e estadual, levou-me a comparar o desenvolvimento cognitivo e moral
de sujeitos de dois extremos: os alunos da Educação Infantil e os do Ensino Médio. Nessa
observação, constatei a lacuna existente entre os dois tipos de ensino, numa ruptura que faz
com que os mesmos não desenvolvam determinados conceitos; embora estudem, não
apreendam; não demonstram ter consciência, mesmo quando apresentam um discurso
eloqüente sobre os temas solicitados.
Busquei renovação no curso de Pedagogia desta mesma instituição e nele conheci
professores que me fizeram repensar as dimensões sócio-políticas da educação. Tomei contato
com obras reveladoras sobre as políticas públicas e práticas neoliberais. Li, pela primeira vez,
uma obra especificamente sobre o tema Meio Ambiente: Pedagogia da Terra, de Moacir
Gadotti (2000) e fui seduzida por conceitos como interdisciplinaridade, transdisciplinaridade,
planetaridade, sociedade sustentável que, embora estivessem presentes no cotidiano escolar,
não considerava importantes.
Os questionamentos acerca da forma como se constitui o sujeito, como ele aprende, o
que ele aprende (ou apreende), levaram-me a estudos contínuos que culminaram na busca pela
realização do Mestrado. A princípio, pensei em elaborar um projeto que privilegiasse
conteúdos relacionados ao estudo da Língua Portuguesa, porém, não me senti motivada por
achar muita óbvia tão escolha, não se apresentando para mim como um desafio. Foi quando
tomei contato com a obra de Spazziani, futura orientadora, Reigota, Guimarães, Grun,
Logarezzi, que entendi o que deveria pesquisar: o tema Meio Ambiente e a concretização da
Educação Ambiental numa perspectiva ética para a construção do sujeito autônomo, propósito
que todo educador consciente almeja atingir. Porém, a amplitude do tema era uma questão
ainda não resolvida. O que retardou o andamento da pesquisa.
A escolha da linha psicogenética piagetiana deu-se com o tempo, levada pela troca
de orientadora e propiciou a oportunidade de conhecer mais profundamente tão propagadas
teorias de desenvolvimento cognitivo e moral, cuja divulgação se dá, muitas vezes, de forma
inadequada. Ao estudar Piaget, entendi melhor a prática que se espera na Educação Infantil e
o quanto ela é mascarada por um pseudo-construtivismo.
Coube
à Profª. Drª. Carmen Campoy Scriptori, minha orientadora piagetiana, o hábil
trabalho de orientação que me levou à delimitação do tema numa questão relevante e próxima
88
da clientela pesquisada. O trabalho de Logarezzi, ressignificando termos usuais, legitimados
pelo senso-comum, muito colaborou para o fechamento do projeto final voltado para as
concepções infantis quanto ao tema produção e destinação do lixo.
O estudo do desenvolvimento moral veio ao encontro das minhas expectativas
enquanto educadora, fundamentando minha prática e melhorando-a de forma significativa.
Diante disso, podemos afirmar que a curiosidade epistemológica defendida por Paulo
Freire como fator responsável pelo desenvolvimento da criticidade no professor, levou-me a
buscar respostas para questionamentos inerentes ao ato de educar e ao ato de aprender, sendo,
inclusive, a mola propulsora desta pesquisa, cujos moldes apresentamos a seguir.
Para efetuar esta pesquisa, levamos em conta os princípios de um desenvolvimento
sustentável, associado aos valores relacionados à natureza e à sociedade, enfocando os temas
educação para o consumo, bem como para o exercício da moralidade e da eticidade no sujeito.
Para tanto, compartilhamos da visão de Ferreira e Viola (1996, apud FERREIRA, 2003)
quanto ao conceito de sustentabilidade, associando-o a outras três dimensões sócio-políticos
já consagrados nas últimas décadas: democracia, equidade e eficiência.
Segundo Ferreira (2003), uma sociedade sustentável é aquela que mantém o estoque
de capital natural ou compensa, pelo desenvolvimento tecnológico, uma reduzida depleção do
capital natural, permitindo assim o desenvolvimento das gerações futuras. (2003: 60). E seu
sucesso pode ser medido pela qualidade de vida e não simplesmente pelo alto consumo
material dessa sociedade.
O trabalho se divide em seis (6) capítulos nos quais buscamos elucidar a história da
educação ambiental em suas origens, apresentar as possíveis causas do agravamento da crise
ambientamos por que passamos e fundamentar a pesquisa de campo realizada e aqui exposta.
Assim, no primeiro capítulo, procuramos apresentar as concepções que deram
origem ao pensamento ambiental que se conhece hoje. Além disso, fizemos uma breve revisão
da literatura que versa sobre o assunto.
Alguns retornos históricos foram feitos a fim de localizarmos no tempo e no espaço o
modo de a sociedade relacionar-se com o consumo e desperdício no período pós-revolução
industrial, como o apresentado no segundo capítulo deste.
Os princ
ípios metodológicos que dirigem esta pesquisa encontram ressonância nos
estudos e pesquisas que destacam a função social da escola e o caráter psicossocial e cultural
do processo pedagógico, cujos fundamentos podem ser vistos no terceiro capítulo.
Para desenvolvermos nossa dissertação, primeiramente, buscamos verificar as
concepções dos alunos sobre os fatores geradores de lixo domiciliar e escolar, bem como o
89
destino que lhe é dado no município em que vivem, servindo-nos de entrevistas semi-
estruturadas com base nos princípios do Método Clínico criado por Jean Piaget, conforme
explicitamos no capítulo 4, que nos permite observar o tipo de crenças as crianças
apresentam: espontâneas, desencadeadas, sugeridas, fabuladas ou aleatórias. Com isso,
importantes dados poderão ser percebidos a fim de realizarmos uma análise coerente com os
princípios que adotamos.
Conhecendo as idéias prévias do alunado sobre o assunto pudemos avaliar como
identificam os diferentes os tipos de lixo, conhecem as diferentes necessidades de consumo e
a possibilidade de reutilização dos resíduos.
Os dados, apresentados no capítulo 5, permitiram do ponto de vista da psicologia
genética, uma abordagem do tipo de conhecimento que a escola tem veiculado, com o intuito
de contribuir para propostas educacionais que levem os alunos a ter uma postura ética quanto
aos problemas ambientais que o planeta vem apresentando e, consequentemente, a interagir de
modo a construir valores que possibilitem mudanças efetivas.
Analisando os aspectos do conhecimento que a criança demonstra ter abstraído,
acreditamos ser possível interferir no processo educativo escolar, conforme apresentamos
brevemente no sexto capítulo, de maneira a propiciar a construção de outros conhecimentos
em direção a objetivos desejáveis de uma educação ambiental que advogamos.
Contudo, para que qualquer transformação ocorra é necessário que toda a
comunidade escolar consiga agrupar, organizar as questões inseridas na problemática
ambiental, legitimando o tema escolhido. Isso a levará a compreender que a degradação
ambiental começa muito localmente e interfere na qualidade de vida das pessoas
globalmente, uma vez que somos, conforme nos ensina Gadotti (2000), cidadãos planetários
e com endereço único: a Terra.
Por fim, ressaltamos que, mais do que sugerir formas de se trabalhar com a temática
ambiental, a nossa proposta primordial é fazer refletir sobre o trabalho pedagógico que pode e
deve ser desenvolvido pelos professores, embasado em uma teoria que alicerce a sua prática
de modo a orientá-lo na intencionalidade de seu fazer pedagógico.
Mesmo que não tenhamos consciência disso, a dimensão política de nossa prática se
faz sentir e pode perpetuar modos de pensar e agir nos sujeitos com os quais interagimos que,
ampliados na ação coletiva da sociedade, não sejam àqueles que desejamos para as sociedades
futuras. Observemos, no próximo subtítulo, as concepções que subjazem ao pensamento do
homem quanto à sua relação com a natureza.
90
1.1 Concepções subjacentes ao pensamento ambiental
Para que possamos entender as posturas que se apresentam na atualidade e quais
concepções estão delineadas em seu bojo, faremos um breve retorno à trajetória percorrida
pelo pensamento humano em cada época histórica, no que diz respeito à relação
homem/natureza.
As concepções que permeiam o pensamento ambiental das sociedades modernas
advêm de ideologias antagônicas no que diz respeito à relação homem/natureza: a corrente
biocêntrica ou ecocêntrica, considerando o mundo natural em sua totalidade; e a corrente
antropocêntrica, na qual o homem deve dominar a natureza, que deve ter seus recursos
naturais utilizados pelo homem.
No século XVIII, a visão antropocêntrica dominava o pensamento da sociedade
inglesa, fazendo-os acreditar numa superioridade do homem aos demais seres da natureza.
Essa desvalorização do natural incentivava os maus-tratos aos animais e fazia parte de um
processo de domesticação necessária para a exaltação da supremacia humana. Alguns
indivíduos, mulheres e crianças, eram vistos, inclusive, como animais por não terem
comportamento dado como civilizado, podendo ser sujeitados ou marginalizados (THOMAS,
1983, apud por Diegues, 1998). A religião numa perspectiva antropocêntrica reforçava essa
dicotomia, com a tentativa de controle dos instintos animais presentes no homem.
A partir do século XIX, com o advento da Revolução Industrial, a vida urbana na
Inglaterra tornou-se desconfortável, devido à crescente poluição das fábricas, que deixava o ar
irrespirável. Com isso, a relação homem/natureza ganhou novo olhar e provocou uma
mudança no comportamento da sociedade. Como conseqüência, a vida no campo passou a ser
vista como um ideal a ser conquistado, sendo idealizada principalmente pelas elites, ainda
conforme Diegues (1998). Essa valorização do ambiente natural ganha voz no
conservacionismo que, segundo o autor, destacou-se nos Estados Unidos, embora tenha
surgido muito antes na Europa, restaurando o mito do paraíso perdido, base da ideologia dos
primeiros conservacionistas norte-americanos, cujo objetivo de buscar o lugar ideal,
paradisíaco, perdido pelo homem devido aos seus pecados, levou a Europa às grandes
navegações, às viagens de descoberta de novas terras. (DIEGUES, 1998).
Tal concepção, afirma Diegues (1998), vai se consolidar em três idéias básicas, que
se refletem no comportamento das sociedades até os dias atuais: eficiência, com utilização de
modo eficiente e racional dos recursos naturais; a eqüidade, acesso igualitário dos recursos
91
naturais com promoção da democracia; e estética, com criação de áreas naturais a fim de
proteger espaços da ação perniciosa do homem.
Para Gifford Pinchot, precursor do movimento de conservação dos recursos naturais,
continua Diegues (1998), que pregava a utilização racional dos recursos naturais, o manejo
adequado desses recursos podia intensificar sua eficiência, o que demonstra uma concepção
de natureza como mercadoria. Suas idéias serviram de base para o ecodesenvolvimento, na
década de 1970, propagado na Conferência de Estocolmo sobre o Meio Ambiente Humano e
em grande parte dos encontros sobre o tema, e de enfoques posteriores como o de
desenvolvimento sustentável.
O conservacionismo de Pinchot, portanto, marca profundamente o conceito de
Desenvolvimento Sustentável, termo emprestado da Biologia e utilizado neste contexto pela
primeira vez em 1987. Para essa concepção, a sobrevivência das próximas gerações depende
de um manejo adequado dos recursos, conforme aponta Nosso Futuro Comum. Esse
documento, formalizado por uma comissão chefiada pela Senhora Gro Harlem Brundtland,
Primeira Ministra da Noruega, traz um relatório contendo os problemas críticos relacionados
ao meio ambiente e ao desenvolvimento do nosso planeta e formula propostas realistas para
assegurar o desenvolvimento da humanidade sem prejuízos maiores às gerações futuras.
(DIEGUES, 1998).
Uma outra visão de conservação do mundo natural, o Movimento Preservacionista,
surgido no mesmo período (séc. XIX), voltava-se para a contemplação estética e espiritual da
vida selvagem, buscando proteger o ambiente natural da intervenção do homem, considerada
danosa.
Assim, surge o conceito de wilderness, vida selvagem, natural, desabitada,
concretizado em unidades de conservação criadas a fim de evitar a degradação por parte do
homem. Dessa forma, grandes áreas virgens foram isoladas e a população ali existente,
expulsa, não sendo permitida a sua exploração e cabendo ao homem apenas o papel de
visitante, com o intuito de reverenciar a natureza. Esse modelo foi, posteriormente, transferido
para outras regiões, inclusive países do Terceiro Mundo, o que despertou diversas críticas,
conforme veremos no segundo capítulo.
Influenciado pela no
ção de um Deus Universal presente nas obras de Henry David
Thoreau, da regeneração geográfica proposta por Marsh e dos seres vivos como fagulhas da
alma humana, conforme Diegues (1998), o preservacionismo acaba por repercutir na
concepção biocentrista que permeia vários movimentos da atualidade.
92
A visão conservacionista ainda faz escola, principalmente nos países de Terceiro
Mundo, onde movimentos sociais das populações tradicionais juntam-se a setores do
ambientalismo lutando pelo acesso a terra e revisão do modelo de desenvolvimento. No
entanto, esse ambientalismo social faz acirrada crítica ao modelo de conservação importado,
já que é inadequado para tais países, deixando de lado as prioridades dos grupos envolvidos.
(Diegues, 1998).
No século XX, a crise ambiental levou a novas formas de ecologismo, mais
contestador, com forte teor político. Os movimentos recentes, denominados ambientalistas
emancipatórios (Ekersley apud Diegues, 1998), no entanto, trazem em comum a luta por
causas comuns a todos, como: crítica ao modelo de desenvolvimento, consumismo
exacerbado, degradação ambiental, entre outras questões.
Diante do que vimos nesse breve histórico, os propósitos de uma Educação
Ambiental para a efetivação de uma aprendizagem ampla, que persegue como ideal a
formação de um ser autônomo, devem desenvolver trabalhos pedagógicos que propiciem o
só informação, mas também conhecimento e conscientização, vinculando problemáticas
específicas (locais) àquelas consideradas globais, como é o caso do lixo. Fazer refletir, num
processo intencional e planejado, como cabe à educação, a respeito do seu acúmulo e
descarte, por exemplo; ou ainda, a questões que se interligam, como é o caso do consumismo
desenfreado nascido da necessidade de identificação do sujeito ou mantido pelo trabalho
incessante da mídia; isso poderá le-lo a questões mais amplas e profundas, numa
observação crítica do que o cerca como, por exemplo, o modelo de desenvolvimento no qual
estamos inseridos, grande gerador de restos e detritos não degradáveis. Há grandes chances de
que tais procedimentos propiciem as atitudes éticas esperadas.
Enquanto uma visão antropocêntrica estiver subjacente ao comportamento e ações
dos indivíduos, não como exigir que os mesmos compreendam a relação de
interdependência existente entre todos os seres vivos e, assim, o planeta sofrerá prejuízos que
afetarão de forma irremediável a toda a humanidade.
Isto posto, como educadoras que somos, nosso questionamento recai sobre o tipo de
conhecimento que as crianças adquirem em vel escolar, sobre as questões ambientais, que
possam levá-las a uma consciência de participação social.
Investigar quest
ões como essas e incentivar a reflexão sobre meios viáveis para
solucionar os desdobramentos e transtornos que tais problemáticas trazem à nossa vida
cotidiana pode tornar possível o desenvolvimento de atitudes responsáveis e comprometidas
93
com as exigências dos novos tempos, em busca da qualidade de vida e bem estar físico e
mental.
Ocorreu-nos que verificar os conhecimentos prévios de escolares do Ensino
Fundamental sobre o tema, poderia nos levar a questionar algumas práticas educacionais
bastante utilizadas e transportadas para a educação ambiental brasileira. É muito usual ainda,
por exemplo, a leitura de textos que versem sobre problemas da atualidade, como
aquecimento global, a importância da água, e depois, a interpretação do mesmo, o que o
tem se mostrado suficiente para transformar comportamentos e desenvolver novas atitudes.
A fragmentação de saberes, tão claramente expressa nos currículos escolares, é uma
característica muito presente no modo de pensar do homem ocidental e tem suas origens no
classicismo grego, cujos princípios elitistas e individualistas se fazem presentes até hoje. Ou
seja, embora o ensino formal tenha sofrido várias alterações no que diz respeito ao currículo,
poucas transformações têm sido observadas na prática pedagógica, no percurso da educação
escolar. Talvez por isso, tenhamos tanta dificuldade para lidar com situações mais atuais e
cotidianas, mesmo que estas coloquem em risco a sobrevivência da humanidade.
Para Grün (1996), a degradação ambiental é favorecida por uma visão
antropocêntrica, que coloca o ser humano como centro de todas as coisas, e a ética que se
forma a partir dessa concepção. Esse pensamento encontra seu ápice na filosofia de
Descartes, com o seu famoso Penso logo existo.
Segundo Guimarães (2001), a superação desse enfoque, que coloca o homem como
dominador e se faz presente em outras relações do mesmo, deve ser um dos objetivos da
Educação Ambiental.
O ser humano mostra-se inábil para conter o desastre ecológico que vem
sistematicamente causando ao planeta. Mas, pior que isso, ele não consegue detectar, muitas
vezes nem apontar, quais questões estão relacionadas ao tema Meio Ambiente.
Embora se pregue muito a necessidade de dirimir os problemas mais próximos a uma
determinada sociedade (localmente), o que vemos é uma dificuldade imensa em determinar
quais os problemas que devem ser solucionados, muitas vezes sem que se consiga estabelecer
relações entre causas e conseqüências, apontando um primarismo, como diz Becker (2001),
que acusa a não-ruptura do pensamento no nível do senso comum.
Por outro lado, sabemos quais forças movem esta inabilidade: falta de vontade
política, neoliberalismo, capitalismo. Perpetuar essa ignorância tornou-se, portanto, um
trabalho lucrativo e que não exige grande esforço, uma vez que encontra respaldo no descaso
das elites governantes para com a educação, ainda segundo Becker (2001).
94
Em tempos da modernidade, e ditos democráticos, imprime-se a diferença entre os
grupos, divididos entre os que mandam e os que obedecem, num apartheid sócio-político,
apontando a exacerbação da heteronomia que, arraigada aos modelos educacionais, coloca o
indivíduo à mercê da submissão e do conformismo, embora a formação de um sujeito
autônomo seja invocada como objetivo primordial tanto da educação formal quanto da
informal.
Zerbini (2006: 44) afirma que, na atualidade, o que estamos vivenciando são
exatamente as conseqüências amplificadas da modernidade, no entanto, em um outro
contexto, mais preocupante, mais contraditório, mais paradoxal.
Para a autora, esse estado de ser da cultura moderna encontra-se radicalizado e
universalizado e pode ser observado num simples olhar ao redor, no qual se constata a
alteração dos ambientes para compor a ordem, que em nenhuma outra época houve tamanha
interferência. Por tudo isso, a nossa sociedade não mostra entender e respeitar o meio em que
vive.
Até pouco mais de duas décadas, não se falava em economia de água ou dos
prejuízos do desmatamento, sendo os recursos naturais considerados como inesgotáveis.
Hoje, situações de desperdício, mau uso desses recursos naturais, desvalorização da vida,
violência, distribuição de renda e outras são inseridas na temática ambiental, que nela se
apresentam e apontam como grave sintoma de que a ética nas relações, tanto humanas quanto
para com o meio, precisam ser revistas. (GUATTARI, 2001; REIGOTA, 1994, 2002; GRUN,
1996; BRAGA, 2003).
Guattari (2001) afirma que o consumo da mídia, a padronização dos comportamentos
e a pobreza de expressão nas relações humanas denotam grave problema ético.
Segundo Braga (2003), quando o educador trabalha somente a utilidade dos
elementos da natureza, acaba cooperando para a construção de uma visão individualista e
antropocêntrica, que valoriza apenas o que a natureza pode dar em função dessa utilidade. Por
esse motivo, nos alerta para a necessidade de o professor realizar um trabalho que propicie
reflexões sobre a importância de valorizar a vida por si mesma, pois a visão utilitarista
propagada ainda hoje pode favorecer a valorização somente daquilo que tem função ou corre
o risco de extinção e ainda de corroborar para o desenvolvimento de generalizações que
justifiquem, por exemplo, o desrespeito ao idoso e à criança, que esses não são seres
produtivos do ponto de vista econômico.
Em sua pesquisa de mestrado, fruto de um projeto de capacita
ção para professores
que favorecesse a transformação dos alunos, Braga (2003) constatou que estes pouco
95
conheciam sobre meio ambiente, reproduzindo em suas manifestações o discurso vazio e
recheado de clichês advindo da mídia sobre o tema. Quando questionados mais
profundamente, demonstravam não conhecer nem os chavões citados, o que justificou o
desenvolvimento de um trabalho de formação e conscientização sobre meio ambiente com
esses professores, a fim de subsidiá-los na segunda etapa do processo, que seria a aplicação do
projeto ambiental junto aos alunos.
Em relação aos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), embora estes apresentem
uma proposta interessante de se trabalhar com o tema, propondo-o como Temas Transversais,
para levar a efeito algumas de suas diretrizes, o seu sucesso depende muito mais da ação
consciente do professor do que apenas cumprir o que dizem os PCN.
Por exemplo, trabalhando com o tema do lixo em sala de aula, podemos propiciar
oportunidades de aprendizagem que venham a desenvolver atitudes de amor e respeito pelo
meio em que vivemos ao refletirmos sobre a necessária interdependência das espécies
viventes no planeta.
O educador, no entanto, ao ser solicitado a trabalhar com o tema transversal Meio
Ambiente, encontra grande dificuldade em conscientizar os educandos das ações que o
levarão a um comportamento que caminhe para um desenvolvimento sustentável.
Isso ocorre, muitas vezes, porque a questão ambiental é trabalhada de forma muito
genérica e abstrata, o que distancia o problema da comunidade. Outras vezes, a dificuldade
está em desconhecermos teorias ambientais, ou ainda tratarmos o tema como se nele não
estivéssemos inseridos.
Uma outra razão está no desconhecimento das idéias prévias de nossos alunos sobre
os assuntos que pretendemos ensinar. Quando ensinamos noções escolares desvinculadas das
idéias e conceitos que os alunos possuem, esse conhecimento torna-se um conhecimento
aparente, com função apenas escolar e, muitas vezes, alienante. Tudo isso dificulta a ação
docente no processo educativo.
Por outro lado, sabemos que as concepções pedagógicas do professor e as
experiências vivenciadas em sala de aula acabam influenciando decisivamente na construção
da subjetividade, dado que essa tem como pano de fundo, primordialmente, a interação entre
os sujeitos. Nessa interação (professor-aluno e aluno-aluno), ambos, constituintes e
constituídos, colaboram tanto para a construção de si e do outro quanto do conhecimento
envolvido, além de abrir um imenso leque de outras aprendizagens. Num ambiente que
Piaget qualifica de propício, a criança poderá desenvolver a moralidade e a intelectualidade, já
que ambas, nesse ambiente, caminham juntas.
96
A seguir, abordaremos dois tópicos importantes para a continuidade de nossas
reflexões, a saber, algumas contribuições da Educação Ambiental e a transversalidade do
tema.
1.2 Contribuições da literatura para a Educação Ambiental
É necessário que se entenda a Educação Ambiental como educação política, uma vez
que vai além da preservação de espécies vivas e recursos naturais, preparando o homem para
um posicionamento ético e crítico diante da sociedade e da natureza não apenas local, mas
global. (Reigota, 1994). Ou ainda, o global e o local se fundindo numa nova realidade: o
glocal, conforme Gadotti (2000, p.36).
Segundo Reigota (1994, p. 10), para que isso ocorra deve-se considerar as relações
econômicas e culturais entre humanidade e natureza e entre os homens.
Enfatizando mais as questões que levam à ação do que o modo como praticá-la, a
educação ambiental como educação política requer princípios éticos como norteadores, o que
nos leva a rever o tipo de educação que se tem pretendido nas últimas décadas.
Normalmente, segundo Diegues (1998), o que se espera da Educação Ambiental é que
ela promova transformações radicais nas relações sociais entre homens e homem e natureza, o
que não é possível se não considerarmos o sistema de representações subjacentes aos modos
de agir dos indivíduos e do grupo em relação a esse meio ambiente. Assim, voltamos a
enfatizar que a ética é de vital importância para fundamentar estas relações.
Num momento em que a humanidade visa prioritariamente vantagens, que busca
formas sociais e econômicas que tragam um lucro cada vez maior, de se convir que a ética
universal do ser humano venha sendo substituída por uma ética do mercado (FREIRE, 2001).
Diante disso, Reigota (1994) defende uma proposta ambientalista de que o cidadão
deve ser incentivado a participar ativamente em sua comunidade para o bem do planeta, como
seres planetários que atuam localmente.
Embora o retorno n
ão possa ser imediato, pequenas ões locais, realizadas em
conjunto, muito podem corroborar para a melhoria do sistema e, assim, da qualidade de vida.
Uma Educação Ambiental não consegue, por si só, solucionar as crises sociais e
ambientais, mas com certeza muito influirá na conscientização de nossos cidadãos e cidadãs.
Reigota afirma que (1994, p. 12): Os problemas ambientais foram criados por homens e
97
mulheres e deles virão as soluções. No entanto, essa visão tem se mostrado insuficiente para
superar a crise por que passa a sociedade.
É necessário antes que entendamos a educação ambiental como um processo voltado
para as questões ambientais em todos os seus enfoques: histórico, antropológico, econômico,
social, cultural e ecológico, que para Oliveira (1998) pode ser entendido como educação
política, uma vez que são as decisões políticas de cada um desses enfoques que dão origem às
ações.
Para Ferreira (2006), um dos pontos favoráveis dos grandes encontros ou ações
sociais voltadas para a questão ambiental é a integração dos vários setores, possibilitando um
novo olhar dos mesmos para a questão ambiental. Além disso, a autora acredita que tais
acontecimentos propiciem a ressignificação do conceito de cidadania, cristalizando-o sob
nova perspectiva.
Disso, nasce a integração desses atores e a articulação dos pares na busca de
soluções para as questões latentes, com a elaboração de tratados e afins que, para Ferreira
(2006), embora estejam vinculados a uma concepção preservacionista, têm o mérito de
propiciar avanços nas reflexões quanto a essas questões.
A questão do crescimento populacional, como pivô da crise ambiental, tem sido
propagada desde 1968, quando ocorreu a reunião do Clube de Roma, fundado por Aurélio
Peccei, cujas conclusões, de acordo com Reigota (1994, p.13), deixam clara a necessidade
urgente de se buscar meios para a conservação dos recursos naturais e controlar o crescimento
da população, além de se investir numa mudança radical na mentalidade de consumo e
procriação.
Guimarães (2001) acrescenta que, embora o crescimento populacional tenha sido
grande, considerá-lo responsável pela degradação ambiental que estamos presenciando é
inocentar um modelo social que tem se mostrado ineficiente.
Para Dias (2002), embora alguns aleguem que a degradação ocorra por causa do
desenvolvimento e criação de empregos para a população, sabemos que o progresso não
chega a todos, o que torna essa justificativa incoerente.
Para o autor, o consumo é o grande responsável por essa destruição, pois ao
consumirmos exageradamente, ocorre uma pressão sobre os recursos naturais, o que acelera a
degradação, perdendo-se assim a qualidade de vida. Para recuperá-la, o Sistema financeiro é
acionado na busca de empréstimos, aumentando a dívida pública e reduzindo investimentos
em áreas como educação e Meio Ambiente, o que alimenta o ciclo de injustiças sociais que
98
tanto conhecemos. Por isso, é importante um trabalho de conscientização que possibilite ao
indivíduo entrever as várias dimensões intrínsecas à questão ambiental.
A problemática ambiental, portanto, não está centrada na relação quantidade de
pessoas versus recursos naturais e sim no consumo excessivo de uma minoria da humanidade,
além do desperdício e produção de futilidades, que nada colaboram para com a qualidade de
vida da população do planeta.
Segundo Ferreira (2005), dados recentes demonstram que esse não é o único fator
que causa o esgotamento dos recursos naturais. Na atualidade, buscam-se novas formas de
lidar com produção e consumo de modo a evitar a insustentabilidade causada pelos processos
de aceleração utilizados para suprir esses mecanismos.
Em 1972, com o agravamento da crise, a poluição resultante da industrialização foi o
tema da Primeira Conferência Mundial de Meio Ambiente Humano, em Estocolmo, realizada
pela Organização das Nações Unidas (ONU).
Passamos, desde então, a uma visão mais global ao repensar a problemática
ambiental como planetária.
Brasil e Índia, na Ásia, ficam à margem dessa luta quando associam a poluição como
sinal de progresso. Assim, estes países passam a receber as indústrias poluidoras de outros
países o que acarretará sérias conseqüências para o meio ambiente, tais como o nascimento de
bebês acéfalos em Cubatão, acidente químico na China e acidente nuclear em Tchernobyl.
No Brasil, o episódio mais famoso ocorreu em Goiânia, em setembro de 1987, e
ficou conhecido como o maior acidente radioativo em área urbana do mundo. Na época, 120
pessoas foram contaminadas com uma cápsula de césio -137 após entrar em contato com
aparelho de raios-X, abandonado num Instituto de Radioterapia desativado. Hoje, o número
de contaminados chega a 743 e não pára de crescer. (ALVES & GOULART, 2007).
É nesse momento que surge a Educação Ambiental, falando em uma educação que
prepare o homem para solucionar os problemas ambientais.
A UNESCO, Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a
Cultura, tem importante papel no desenrolar da proposta para a educação ambiental,
incentivando pesquisas e publicando textos referentes ao assunto em diversas línguas,
conforme Reigota (1994).
Os objetivos da educa
ção ambiental são publicados em A Carta de Belgrado, em
1975, em Estocolmo, e fala em educação contínua e consciência coletiva, numa postura
cooperativa. (GUIMARÃES, 2001)
99
Em 1977, projetos ambientais desenvolvidos em vários países são apresentados em
Tbilisi, na Geórgia, na Primeira Conferência Intergovernamental sobre educação Ambiental.
(REIGOTA, 1994). Segundo Grün (1996), este evento foi apontado como um norteador da
educação ambiental em vários países, inclusive no Brasil. Diretrizes, conceituações e
procedimentos são traçados (GUIMARÃES, 2001), dando ênfase à interdisciplinaridade,
responsabilidade individual e coletiva (BRAGA, 2003), reafirmando os conceitos postulados
em Belgrado, dois anos antes.
Tais debates repercutem na criação de uma comissão instituída pela ONU e presidida
pela ministra da Noruega, Gro Harlem Brundtland. Depois de duro trabalho de seis anos
(1983-1989), surge o livro O nosso futuro comum, divulgando o conceito de
desenvolvimento sustentável em substituição ao de ecodesenvolvimento. (REIGOTA, 1994;
GRÜN, 1996)
Dez anos depois de Tbilisi, acontece o Segundo Congresso, em Moscou, que sofre
violentas críticas. Nele, o Relatório Brundtland torna-se conhecido e suas idéias propagadas,
subsidiando posteriormente os temas da ECO-92, no Rio de Janeiro. (REIGOTA, 1994;
GRÜN, 1996). Paradoxalmente, segundo Reigota (1994), enquanto a cúpula se reúne para
falar em formação cidadã, as grandes potências empenham-se na produção de armas
nucleares.
Uma nova concepção de meio ambiente surge, pautada no desenvolvimento
econômico. A Educação ambiental é evocada como principal caminho para a resolução dos
problemas ambientais.
Grün (1996) diz que com essa nova concepção os brasileiros passaram a aceitar
melhor o ambientalismo que aqui chegara como uma espécie de luxo, devido ao fato de seus
maiores militantes, contraditoriamente, fazerem parte da classe média da Europa e dos
Estados Unidos, sendo, portanto, apontados como maiores responsáveis pela degradação.
Segundo o mesmo autor, a anistia no Brasil reinsere na sociedade figuras
questionadoras que, no período em que viveram fora, entraram em contato com tais
movimentos. Por isso, ainda segundo Grün (1996), o ambientalismo brasileiro se apresenta
diversificado.
Uma infinidade de projetos aparece desde ent
ão, apontando para certo modismo e
confusão na Educação ambiental (REIGOTA, 1994; GUIMARÃES, 2001).
Braga (2003, p.10) afirma que, a partir desse momento fica claro que, a educação
ambiental deve ser considerada como um processo de interação entre a sociedade e o meio
100
ambiente no qual vive (essa sociedade), desenvolvido a partir da observação e da reflexão
sobre ela.
A sociedade brasileira passa, então, a discutir a necessidade de parâmetros para a
educação, em especial no que se refere aos problemas de maior repercussão no planeta.
A polêmica gira em torno do questionamento de se incluir ou não a Educação
Ambiental com uma disciplina a mais no currículo. Atendendo à maioria, o Conselho Federal
de Educação (CFE) optou por não fazê-lo, sugerindo outras formas desse tema participar do
mesmo, como por exemplo, sendo trabalhado de forma transversal. Como parte desse grupo,
Reigota sugere:
A educação ambiental, como perspectiva educativa, pode estar presente em todas as
disciplinas, quando analisa temas que permitem enfocar as relações entre a
humanidade e o meio natural, e as relações sociais, sem deixar de lado as suas
especificidades. (REIGOTA, 1994, p.25).
Diz ainda que essa nova perspectiva deve causar uma revolução na própria
concepção de educação, que enfoca um trabalho pedagógico com ênfase no meio ambiente
do aluno, visando a concretude do problema e a busca de possíveis soluções. Leva, portanto, o
indivíduo a conhecer as questões relativas ao seu meio e a agir localmente, porém como
cidadão planetário que é.
O pensamento de Reigota vai ao encontro do conceito de Moreno (2003) que afirma
que uma transformação ocorreria se, ao invés de considerarmos as disciplinas curriculares
como eixo longitudinal, acolhêssemos os problemas sociais que mais preocupam a sociedade
como eixo central. Com isso, as matérias curriculares deixariam de ser fins em si mesmas para
tornarem-se um meio de entender algo mais real e concreto, que faça sentido para os alunos.
Para tanto, necessário se faz que se conheça o ambiente sociocultural no qual está
inserida a escola, bem como as prioridades da comunidade.
Gonçalves (1990) e Grün (1996) chamam a atenção para o processo de
sensibilização por que passa o povo brasileiro, por expectativa, identificação ou medo
globalizado.
Isso, porém, acentua a necessidade de a escola abrir suas portas, extrapolar muros,
como diz Gonçalves (1990), para responder aos objetivos da Educação Ambiental, buscando a
participação da comunidade; estimulando a criticidade e a criatividade; propiciando o
aprendizado diversificado e concreto que leve a soluções para os problemas reais.
101
No entanto, Moreno (2003, p.30) chama a atenção para o fato de que nossos
sistemas de pensamento não o independentes de sua história. E explica-nos quando faz um
retorno histórico às nossas raízes gregas que, possivelmente, não erradicamos as motivações
que levaram nossos antepassados clássicos a elegerem as disciplinas científicas como
essenciais à formação do homem, deixando de lado as necessidades da vida cotidiana, que
ficavam a encargo das mulheres e dos escravos.
Essa herança cultural ocidental, como diz Moreno (2003), está impregnada de
preconceitos e dogmas difíceis de serem superados por nossa sociedade. Ainda mais porque
se converteram em instrumento de poder.
Com isso, embora saibamos da urgência em solucionar os problemas da atualidade,
ainda permanecemos presos ao passado, mantendo-nos fiéis aos ideais elitistas helênicos,
cristalizados pela tradição.
Em 1997, fruto da cobrança da sociedade e dos ambientalistas brasileiros, surgem os
Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) e com eles os Temas Transversais, que tratam das
questões sociais atuais e urgentes, permeando transversalmente as disciplinas do currículo,
pressupondo interdisciplinaridade e aplicação, devendo ser adaptadas às características e
necessidades locais. O documento fala ainda da possibilidade de se trabalhar com subtemas
de modo mais específico conforme a realidade de cada contexto social, político,
econômico e cultural, tornando-os temas básicos. (PCN, meio ambiente, saúde, 1997).
Embora de grande contribuição para um ensino de qualidade no Brasil, alguns
questionamentos são feitos e merecem destaque como, por exemplo, se tais parâmetros
modificam ou reforçam certas concepções e práticas político-pedagógicas; se o conceito de
transversalidade e os demais, intrínsecos a ele, estão bem definidos, propiciando um trabalho
que permita introduzir tais concepções no currículo escolar. (CASTRO&SPAZZIANI, 2002).
1.3 A transversalidade do tema Meio Ambiente
Segundo Moreno (2003), o modelo de ciência reproduzido pela escola ainda hoje tem
como objetivo o desenvolvimento cognitivo do aluno, privilegiando o desenvolvimento
tecnológico, que está sempre a serviço das práticas hegemônicas. A sociedade, embora
participe do processo de produção histórica, não usufrui dos avanços conseguidos.
102
A mudança na concepção da ciência, no entanto, trouxe questionamentos não no
que diz respeito aos conteúdos que dela provém, mas também quanto ao modo de enxergá-la.
A escola necessita de mudanças imediatas, contudo, muitos percalços ainda são
encontrados: ou a escola deixa de lado os preconceitos que a acompanharam até hoje, ou corre
o risco de reproduzir perfis humanos que não servirão aos propósitos da sociedade futura.
É nesse contexto que a sociedade tem tentado integrar velhos temas à prática escolar,
buscando novas maneiras de tratá-los, a fim de amenizar e reverter graves danos que já se
fazem sentir, não no meio ambiente, mas também e como conseqüência, na saúde, nas
relações humanas e delas para com o meio. (GUIMARÃES, 2001; GUATARI, 2001;
MORENO, 2003; BRAGA, 2003).
A Educação brasileira acenou com grande avanço ao buscar novas formas de lidar
com os temas que preocupam a sociedade atual. Baseando-se na reforma educacional
espanhola, ocorrida no final da década de 90, o Ministério da Educação (MEC) elaborou os
Parâmetros Curriculares Nacionais, em 1996.
Esses temas chegaram à educação brasileira trazendo o conceito de transversalidade,
o que significa que devem permear toda a prática pedagógica, comparecendo nas diferentes
áreas do saber o que, para Moreno (2003), poderia aparentar imprecisão. A grande crítica que
se faz aos PCN diz respeito a forma como foi elaborada sem a participação efetiva dos vários
segmentos da sociedade interessados na questão.
Outro questionamento feito é a falta de uma diferenciação entre conceitos como
interdisciplinaridade, temas transversais e trabalho com projetos, além de não esclarecer sobre
a forma de integrar os conteúdos a tais temas.
O que se constata é que embora a maioria dos professores tenha adequado seus
planejamentos ao proposto nos PCN, a prática pedagógica e os conteúdos continuam os
mesmos.
Quanto à transversalidade, podemos dizer que atende ao sugerido pelo Conselho
Federal de Educação e de conferências referentes ao tema ocorridos tanto nacional quanto
internacionalmente. Nelas, se enfatiza a importância de a Educação Ambiental ser tratada de
modo diferenciado, não se tornando apenas mais uma disciplina, e a integração dos saberes
está estabelecida nesse documento, incentivando a reformulação do projeto pedagógico
escolar.
Moreno (2003) alerta que acreditar na oposi
ção dos saberes científicos inerentes às
disciplinas com a cotidianidade dos temas transversais, sonegando a elaboração do primeiro,
trará como conseqüência a perpetuação de discriminações, limitando a evolução cognitiva de
103
nossos alunos. Para a autora, as preocupações sociais, levadas à sala de aula, possibilitam o
trabalho com os conteúdos das disciplinas escolares, aproximando o conhecimento científico
da vida cotidiana.
Os PCN pregam a integração desses temas às disciplinas, permeando não só a
concepção, mas também, objetivos, conteúdos e orientações didáticas peculiares a cada área,
relacionando-os com as problemáticas atuais. Porém, a orientação é que em alguns momentos
tais temas sejam trabalhados interdisciplinarmente. (CASTRO&SPAZZIANI, 2002).
Segundo os autores, um dos pontos cruciais do trabalho com a transversalidade é a
necessidade de a escola atuar conscientemente, de forma a mudar valores e atitudes. Para
tanto, os objetivos educacionais devem ser revistos e a concepção de ensino definida.
Podemos perceber, portanto, uma diferença entre a proposta da reforma ocorrida na
Espanha e a brasileira: enquanto a última orienta para a incorporação dos temas transversais
aos conteúdos das disciplinas, a outra coloca tais temas no centro do processo educativo,
usando as áreas do conhecimento tradicionais como instrumentos. No entanto, as duas
concordam quanto à necessidade de serem abordados nos diferentes campos do saber.
(CASTRO&SPAZZIANI, 2002). O que se pretende com isso é a transformação paulatina dos
conteúdos de cada área.
Além disso, os PCN enfatizam o trabalho em equipe de todos os integrantes da
escola e incentivam a formação continuada do professor a fim de favorecer a criticidade
inerente a atividade pedagógica. Porém, os investimentos para tal empreitada estão aquém do
necessário, exigindo uma revisão a fim de que se possa capacitá-los.
A temática ambiental encontra respaldo na abrangência com que será contemplada,
reafirmando a importância do entrosamento entre a escola e a comunidade, possibilitando
assim maior sucesso no processo pedagógico, segundo Castro & Spazziani (2002)
Podemos concluir que, apesar das críticas que se apresentam aos PCN, muitas
oportunidades de transformação de conceitos e valores neles estão anunciadas, pois a
discussão dos temas que preocupam as sociedades mundiais pode fazer multiplicar o número
de atores, que se farão presentes em vários setores, dada a diversidade da sala de aula, na luta
pelo fim da degradação.
No entanto, para o sucesso de tais pr
áticas, precisamos nos ater ao fato de que,
perante a crise ambiental que vivemos, qualquer proposta para tal fim só poderá obter os
resultados esperados se fizermos, primeiramente, um trabalho de re-significação da moral
humana, o que só é possível com uma prática pedagógica alicerçada numa epistemologia que
seja compatível com tal projeto. Para Castro (1998), o problema é de natureza cognitiva e
104
ética. Assim, do ponto de vista educacional, não é resolvido apenas ao nível do conhecimento,
mas também ao nível da construção simultânea da capacidade de julgamento ético e de ação
moral.
A temática ambiental, por tratar da vida e das inter-relações dos seres, dispõe de rico
material para despertar a sensibilização e fomentar a eticidade nos sujeitos. Segundo Castro
(1998), desenvolvido o respeito nos alunos a seu semelhante por meio de uma moral
ambiental, haverá generalização dessa atitude para outros aspectos que não sejam
exclusivamente ambientais.
105
2 REVOLUÇÃO INDUSTRIAL, CONSUMO E DESPERDÍCIO
Era Ele que erguia casas
Onde antes s
ó havia chão.
Como um p
ássaro sem asas
Ele subia com as casas
Que lhe brotavam da m
ão.
Mas tudo desconhecia
De sua grande miss
ão:
N
ão sabia, por exemplo,
Que a casa de um homem
é um templo
Um templo sem religi
ão
Como tampouco sabia
Que a casa que ele fazia
Sendo a sua liberdade
Era a sua escravid
ão.
(MORAES, 1984: 205)
Para que possamos melhor refletir sobre o consumo e produção de resíduos, faz-se
necessário um breve retorno histórico às questões ambientais agravadas com a Revolução
Industrial e sua relação com a sociedade em diferentes épocas.
Para Logarezzi (2006) a história do consumo, tal qual conhecemos, pode ser descrita
a partir do século XVIII, pouco antes da Revolução Francesa, reconhecida como um dos
marcos do capitalismo.
Ainda para Logarezzi (2006), o fenômeno conhecido como orgia da aquisição
1
,
ocorrido na década de 1760/1770, desde então só tem evoluído.
Portilho (2005) vai mais longe afirmando que essa propensão tem avançado tanto
territorialmente quanto conceitualmente, tendo como base, mudanças de valores ético-morais,
influência da moda, incentivo das empresas para o consumo, valoração do individualismo e
do imediatismo.
Tudo isso, segundo a mesma autora, incentivado pela publicidade que corrompe em
massa
2
, e pela alienação que coloca o trabalhador/consumidor alheio aos processos
concernentes à sua atuação, o que dá ao produto comercializado um status de milagre,
promovendo a fetichização do mesmo.
Para Portilho (2004), num dado momento, a ind
ústria percebeu que precisava
produzir consumidores para suas mercadorias e se empenhou nessa tarefa. Esta foi a base do
sistema cultural que conhecemos hoje.
1
Grifos do autor.
2
Grifos meus.
106
A autora ainda afirma que a mercadoria passa a desempenhar um papel simbólico de
poder, independente de sua utilidade. Furnival (2006) compartilha dessa opinião, apontando o
ato de consumir como indicador de posição, diferenciando grupos sociais; forma de expressar
certa identidade ou, ainda, mudá-la, conforme a necessidade ou ocasião.
Os movimentos ambientalistas (XIX), segundo Portilho, surgiram em face do
agravamento dos problemas ambientais e sociais derivados da industrialização, da migração
populacional para os centros urbanos e do incentivo ao consumo. Até então, essa preocupação
cabia, apenas, aos meios científicos, voltados à preservação das espécies e do meio natural.
Movimentos socioculturais, que questionam a política e o modo de vida da
sociedade, vão aparecer na década de 1960 e, dentre eles, os movimentos ecológicos ativistas,
voltados para uma crítica da sociedade tecnológico-industrial, que colocava a produção e o
consumo como prioridades. Esses movimentos ambientalistas modernos denunciavam a busca
de eficiência a qualquer preço, numa ruptura com a ética e com a moral.
Segundo Diegues (1998, p.40) esse ecologismo foi profundamente marcado pelo
profetismo alarmista e as propostas efetuadas nesse período a fim de dar conta do problema
caminham para a construção de uma sociedade libertária, propondo o retorno da ruralização.
Para tal grupo, a solução seria o retorno ao primitivismo nas sociedades, com práticas
cotidianas ecologicamente saudáveis, como a cultura hippie.
Portilho (2005) denomina este processo de ambientalização da sociedade, mais
diretamente, de alguns setores, a essa adesão na luta pelas questões ambientais.
A década de 1970 é marcada pela adesão dos políticos ao ecologismo. Nesse período
também podemos sentir a mudança de foco nos discursos, da explosão populacional para o
impacto dos processos de industrialização. Surgem dois novos conceitos com a Conferência
de Estocolmo (1972): o de ecodesenvolvimento, termo usado pela primeira vez em 1973,
mantendo o desenvolvimento econômico como objetivo, aspiração e direito inalienável de
todo o planeta; e a do impacto ambiental causado pelo consumo excessivo. (CASTRO, 1996).
Enquanto, em diversos países, o processo de industrialização sofria restrições devido
aos impactos ambientais, o Brasil, que vivia o milagre econômico
3
, oferecia facilidades para a
3
Milagre econômico: denominação dada à época de excepcional crescimento econômico ocorrido durante a
ditadura militar, ou anos de chumbo, especialmente entre 1969 e 1973, no governo Médici. Nesse período áureo
do desenvolvimento brasileiro em que, paradoxalmente, houve aumento da concentração de renda e da pobreza,
instaurou-se um pensamento ufanista de "Brasil potência", que se evidencia com a conquista da terceira Copa do
Mundo de Futebol em 1970 no México, e a criação do mote de significado dúbio: "Brasil, ame-o ou deixe-o".
107
instalação dessas indústrias internacionais que, além da mão-de-obra barata, causavam mais
poluição e o esgotamento dos recursos naturais aqui existentes. (LAYRARGUES, 2002;
REIGOTA, 1994).
Os setores econômicos passam de vilões a bons moços ao ecologizarem seus
negócios. Isso, na década de 1980, conforme Layrargues (2002). Preocupações ambientais,
até então, iam de encontro aos ideais capitalistas e eram vistas como freio ao desenvolvimento
econômico.
É nesse momento que, difundido pelo Relatório Brundtland (1987), surge com
bastante força o termo desenvolvimento sustentável, expressão que propicia diversas
interpretações e apropriação indébita dos diversos movimentos que passaram a coexistir a
partir de então. (REIGOTA, 1994; CASTRO, 1996)
Num enfoque que prima pela busca de resoluções de problemas referentes à questão
ambiental, visando à preservação e à conservação do mesmo, o Relatório Brundtland, como
ficou conhecido, apresenta a definição do conceito de desenvolvimento sustentável, como
aquele que atende as necessidades do presente sem comprometer as possibilidades de as
gerações futuras atenderem suas próprias necessidades. (O Nosso Futuro Comum, 1987).
Para que isso ocorra, segundo esse Relatório, algumas medidas deveriam ser tomadas,
como: limitação do crescimento populacional, garantia de recursos básicos gua, alimentos,
energia) a longo prazo; preservação da biodiversidade e dos ecossistemas; diminuição do
consumo de energia e desenvolvimento de tecnologias com uso de fontes energéticas
renováveis; aumento da produção industrial nos países não-industrializados com base em
tecnologias ecologicamente adaptadas; controle da urbanização desordenada e integração
entre campo e cidades menores; atendimento das necessidades básicas (saúde, escola,
moradia).
O relatório, porém, o retoma as críticas apresentadas em documentos anteriores à
sociedade industrial, embora relacione o fim da pobreza nos países subdesenvolvidos ao
crescimento contínuo dos países industrializados, pensamento que recebeu a adesão imediata
da comunidade internacional.
Em âmbito internacional, os órgãos e instituições passaram a perseguir metas como
a adoção de estratégias para desenvolvimento sustentável, incluindo a implantação de
programas; a preocupação com a sobrevivência dos ecossistemas; o banimento das guerras.
Há ainda uma preocupação com a troca de materiais que degradam o ambiente por aquelas
consideradas ambientalizadas.
108
Embora seja considerado um documento importante, o Nosso Futuro Comum (ou
Relatório Brundtland) recebeu inúmeras críticas devido ao seu tom preservacionista.
Para Ferreira (2003), a Conferência do Meio Ambiente e Desenvolvimento teve
como principal importância a participação de vários segmentos da sociedade numa adesão a
luta pela questão ambiental. Para a autora, as ações sociais desempenham papel fundamental
na construção do significado do conceito cidadania e na constituição de identidade, deixando
e lado a visão fragmentada que nos foi outorgada. Essa adesão é de suma importância para o
crescimento de uma visão ambiental mais justa e equilibrada.
Assim, o ambientalismo empresarial se firma na década de 90, em fortes bases
alicerçadas por um novo contexto econômico internacional e a globalização da economia,
segundo Portilho (2005). Esses setores que se inserem no movimento, segundo a autora, dão
ao mesmo, características multifacetadas, complexas.
Nova mudança de foco é indicada pelos discursos, que apontam a atividade de
consumo como grande responsável pelos impactos, uma vez que todo o aprimoramento
tecnológico não serviu de solução para a questão ambiental, na visão de Portilho (2005). O
Fórum Global, ocorrido no Rio de Janeiro em 1992, é considerado um marco na mudança de
postura da sociedade quanto às questões ambientais. Segundo Portilho (2004), urge a
necessidade de se mudar o padrão de produção e reduzir o consumo.
A preocupação, então, passa da preservação das espécies para a preocupação com o
esgotamento dos recursos naturais, considerando os direitos das futuras gerações.
(PORTILHO, 2004).
2.1 Valores presentes no Consumo nos tempos atuais
A questão ambiental, que vem se agravando desde a segunda metade do século XX,
deixou de ser um problema do entorno para mostrar, em sua origem, problemas sociais e da
rede de relações da humanidade. (BECK, apud FURNIVAL, 2006, p.60).
Na atualidade, não como negar a grande responsabilidade de uma sociedade de
consumo na degradação do ambiente, no que se refere à geração de resíduos das mais variadas
formas de produção. (FURNIVAL, 2006). Para a autora, o consumidor busca uma filiação a
um determinado grupo no ato de consumir. O objeto consumido traz em si toda uma
simbologia, servindo de marcador externo das qualidades de seu possuidor.
109
Portilho (2004) ressalta o prestígio simbolizado pela posse dos objetos, não mais
estando relacionado exclusivamente à sua utilidade.
Nota-se, também, que hoje é possível ao indivíduo personalizar uma imagem para
cada situação, dado o número de itens que o mercado oferece, adequado à variadas situações.
Como no exemplo de Furnival (2006), quando cita a diversidade de tênis existentes para as
diversas atividades a que o homem se dispõe: caminhar, correr, jogar tênis ou futebol etc.
Além disso, Furnival (2006) alerta para o consumo como sinalizador da diferença
entre os grupos sociais, num momento em que os papéis sociais não são tão claramente
definidos. Seria, portanto, um outro mecanismo para perpetuar a hegemonia das classes
dominantes.
A mídia tem um importante papel nessa reprodução, sendo a fonte fornecedora de
informação quanto ao novo objeto. Por outro lado, a grande dificuldade advém justamente
daí: são tantos os novos produtos, dia após dia, que se torna difícil relacioná-los a um grupo
social em particular, perdendo, assim, o poder de marcador de status.
Embora alguns apresentem o consumismo como inerente ao desenvolvimento, ele
não pode ser visto apenas como resultado da produção. Em seu cerne, valores nunca antes
pensados, como já mencionamos anteriormente. (FURNIVAL, 2006). Portanto, que se ter
cuidado ao classificar o consumo como pivô da insustentabilidade ambiental presenciada.
Furnival (2006, p.80) acrescenta que um posicionamento que despreze a simbologia
presente no ato de consumir e na satisfação de desejo que o acompanha, correrá sério risco de
parecer moralista e em nada contribuirá para uma postura mais sustentável..
Braga (2003) nos alerta que devemos nos posicionar contra o consumismo, como
comportamento exagerado e alienante, e não contra o consumo, que pode ser realizado de
modo refletido.
Não podemos nos esquecer de que o próprio sistema de produção em série,
continuamente em expansão desde seu surgimento, precisava de um sistema de consumo
também em massa. Assim, ao perceber um proletariado com direitos sindicais e salário, o
sistema definiu necessidades que o tornou o consumidor adequado. (FURNIVAL, 2006).
Portanto, o consumidor não é um ser tão autônomo quanto nos faz crer o discurso
vigente, nem a conquista de um consumo para a sustentabilidade pode ser visto como a
somatória de mudanças individuais. A conceituação de autonomia aqui, de acordo com o
senso-comum, chega mais próximo ao que entendemos por individualismo, característica
preponderante na atualidade. (FURNIVAL, 2006)
110
Por outro lado, para Piaget (1998), a autonomia tem sua gênese em práticas
cooperativas que desenvolvam o respeito mútuo, a alteridade. Nesse caso, não é possível que
um indivíduo que agisse apenas conforme suas necessidades, e não levasse em conta as
necessidades dos outros e do entorno, fosse chamado de autônomo. Ou ainda, que a mudança
de seu comportamento se desse de forma isolada, o que não seria possível, que a
compreensão de mundo por parte do sujeito depende, em larga escala, das interações
provenientes das suas ações com os outros, no meio.
A reflexão sobre o meio ambiente, segundo Portilho (2004) tem levado o ser
humano a perceber-se como parte dele, inserido no mesmo, ressaltando com isso valores
como alteridade, reciprocidade e complementaridade, valores responsáveis pela eticidade do
indivíduo perante todos os seres vivos.
Portanto, há que se conceber o cidadão como ser consciente de sua identidade e seu
pertencimento a um grupo, para que, com isso, ele caminhe da heteronomia, que o prende à
hegemonia do poder econômico, à autonomia, capaz de legitimar seu papel como pessoa que
faz escolhas, reflete sobre os problemas e age sobre eles na busca de soluções pertinentes a
todos e não apenas a seus próprios interesses.
O consumo exagerado traz em seu bojo diversos problemas causadores de
desequilíbrio ambiental. Além da geração excessiva de resíduos, dada como lixo em sua
maioria, podemos citar o aquecimento global, responsável pelo efeito estufa, a disputa pelo
espaço, o desmatamento para a produção de bens duráveis, de papel etc.
A tecnologia, apontada como solução para o desgaste ambiental, tem ampliado mais
ainda a problemática, pois possibilita a descartabilidade quando gera produtos de forma mais
acelerada e, com isso, possibilita um aumento considerável no consumo. Além disso, a
tecnologia, tanto industrial quanto burocrática, provoca impactos no seu processamento, uma
vez que gasta combustível, energia, água, uma quantidade maior de papel etc., para seu
desenvolvimento.
Logarezzi (2006) afirma que, para cada produto ou serviço consumido, são
desencadeados uma série de impactos sociais e ambientais.
Uma das discussões surgidas na tentativa de elencar possíveis medidas que
minimizem os efeitos do consumo, é a distinção entre necessidades consideradas reais
daquelas denominadas supérfluas.
Para Furnival (2006), por
ém, a discussão é desnecessária, uma vez que o grande
problema encontra-se na maneira como essa sociedade construiu seus valores de modo a
elencar esta ou aquela prática consumista para o alcance da qualidade de vida almejada.
111
Vale aqui ressaltar o papel da publicidade na construção de valores humanos,
enfatizando mais o objeto que ela pretende promover do que o ser humano. Para além da
persuasão, a publicidade exerce sobre o indivíduo tal sedução, configurando nele o desejo
incessante de atingir ideal de perfeição, o que se opõe ao real e possível.
Exalta por si só, o pensamento mágico daquele que ainda o superou a barreira
existente entre o pensamento cotidiano e o científico e não é capaz de perceber as artimanhas
utilizadas pela mídia, fazendo-o crer que necessita de objetos que outrora não necessitava. E
mais, que adquirindo o objeto, as dificuldades da vida serão facilmente resolvidas, sem que
tenhamos que intervir sobre os problemas.
Se por um lado, parece-nos exagerado pensar que um adulto possa cair nas lábias de
uma propaganda manipuladora de modo tão ingênuo ou hipnótico, por outro analisemos que
essa manipulação ocorre ao nível dos signos, gerando um desejo de posse no jogo de palavras
atribuídas ao objeto e não exatamente à sua realidade. Com habilidade, a mídia associa
qualidades como segurança, bem-estar, a potentes carros que, na realidade, mais degradam o
meio ambiente do que promovem segurança. Atividades cotidianas, como levar o filho à
escola, podem se tornar uma aventura, conforme sugerem as propagandas, se o motorista
estiver dirigindo determinado veículo.
Tais características fazem parte do imaginário humano e mexem com as
subjetividades, com as significações especiais que almejamos: beleza, poder aquisitivo,
charme, ousadia, carisma etc. (FURNIVAL, 2006).
A reconfiguração dos signos, transferindo os valores comumente aplicados às
práticas de alto impacto para as de baixo impacto ambiental seria uma mudança bastante
razoável, segundo a autora. Ao invés de se propagar a aventura possível ao se possuir um
veículo de tração 4x4, exaltar os lucros quanto à saúde e bem-estar causados pelo uso
constante de bicicletas, por exemplo, ou às vantagens de uma caminhada. Ferreira (2006) diz
que um dos incentivos que tem se mostrado mais eficazes é a política dos impostos como
instrumento para desencorajar atividades que degradem o ambiente.
No entanto, a efetivação de uma postura apoiada nessa mudança, exige outras
condições socioculturais. Mesmo que a publicidade brasileira atribua valores ótimos ao uso de
bicicletas, dificilmente haverá adesão devido às péssimas condições para o tráfego das
mesmas nas vias públicas, excessivo calor no país e desrespeito dos condutores de veículos
maiores, por exemplo.
112
Em relação ao lixo e o modo de lidar com ele, um dos maiores problemas
enfrentados na conscientização da população é exatamente o significado negativo atribuído ao
mesmo.
Numa pesquisa realizada em João Pessoa, na Paraíba, a fim de identificar os
significados psicológicos do lixo para 85 moradores, os pesquisadores obtiveram como
resposta, palavras definidoras bastante semelhantes e, em sua maioria, relacionadas a aspectos
negativos. Para os autores, a técnica das redes semânticas possibilita ao pesquisador conhecer
quais são os elementos específicos de informação que o sujeito tem e a forma pela qual um
conceito está representado na memória, chegando assim, ao seu significado psicológico. As
informações na memória vão sendo organizadas por estruturação da informação em redes
associativas, portanto a informação que se tem sobre um objeto influencia o comportamento
posterior do sujeito sobre esse objeto. (CORTEZ, MILFONT & BELO, 2001). Observemos:
Tabela 1 - As dez definidoras da palavra estímulo LIXO
Definidoras PS
Peso semântico
DSQ
Dist
âncias semânticas
qualitativas
CA
Cargas
afetivas
Sujeira 471
100% -
Doenças 227
48,2% -
Mau Cheiro 198
42,0% - -
Reciclagem 172
36,5% + +
Poluição 133
28,2% -
Desorganização 100
21,2% -
Imundice 78
16,6% -
Educação 71
15,0% +
Falta de Educação
64
13,6% -
Insetos 61
13,0% -
Fonte: Cortez, J. C. V., Milfont, T. L., & Belo, R. P. (2001).
Para tanto, naquela pesquisa, conforme resultados vistos na Tabela 1, os autores
pediram aos moradores que dissessem as cinco primeiras palavras que lhe viessem à mente ao
113
ouvir a palavra lixo. Depois, o entrevistador lia as palavras, uma a uma, e pedia ao
entrevistado que as hierarquizasse.
Completado o estudo, a conclusão a que se chegou é que um predomínio de
aspectos negativos atribuídos ao lixo, com carga afetiva predominantemente negativa, o que
dificulta a vinculação do lixo a aspectos positivos tais como a reciclagem e os lucros que dela
podem vir.
Diante disso, os autores afirmam ser imprescindível para o sucesso das ações pró-
ambientais atribuir ao lixo aspectos positivos, tais como os benefícios que podem surgir da
reciclagem, a geração de emprego, a renda para as comunidades etc.
Considerar, porém, que reconfigurar os valores seja tarefa fácil, seria um tanto
ingênuo. Mais ainda, crer que a mudança de valores e, consequentemente, de comportamento
possam se realizar com mera persuasão. (FURNIVAL, 2006). Transmitir oralmente valores
verdes, certamente, não levará o sujeito à conscientização. (GUIMARÃES, 2001). Esta é uma
visão simplista que nos remete a uma epistemologia empirista, pois não leva em conta a
subjetividade do indivíduo, vendo-o apenas como uma marionete dominada pelo não-objeto,
qual tabula rasa.
É necessária, antes de tudo, uma mudança estrutural que o leve à mudança de
hábitos e costumes. Essa reconstrução, afirma Guimarães (2001), depende da possibilidade de
o sujeito confrontar diferentes valores a partir da sua realidade em busca de uma síntese
pessoal que o levará a novas atitudes.
Para Delval (2001) os indivíduos constroem modelos sobre tudo o que os rodeia.
Esses modelos, também chamados de representações, podem ser de tipos populares e/ou
científicos e, apesar de todos os avanços, o cidadão comum o compartilha desses últimos,
mantendo suas crenças quase que imutáveis. Embora essas representações não sejam
sistematizadas, dificilmente são substituídas devido a sua coerência interna, e isso tem
repercussões sobre o trabalho pedagógico e educativo desenvolvido pela escola. Por isso,
afirma Delval (2001, p. 48), alguns autores preocuparam-se com o que se chama mudança
conceitual: como se passa e como se pode promover a passagem dessas concepções às da
ciência.
Embora seja muito recente, o estudo das representa
ções tem aumentado nos últimos
anos para que se possa entender como o sujeito pensa e, assim, utilizar tais concepções como
ponto de partida para ações educacionais. (DELVAL, 2001)
Segundo Guimar
ães (2001, p. 38), um dos objetivos que a Educação Ambiental deve
postular ser a ampliação da consciência individual para uma consciência coletiva. O que
114
devemos privilegiar é a luta por uma sustentabilidade ecológica igualitária, diz Furnival
(2006), tanto entre as nações quanto dentro delas.
Para evitar a limitação imposta pela mudança dos padrões de produção e redução de
consumo, o ecocapitalismo
4
implanta uma nova ideologia na forma de consumir, valorizando
a reciclagem, tecnologia dada como limpa, redução de desperdício e um consumidor que não
consome menos, apenas diferente: o consumidor verde, em conformidade com Portilho
(2004). Assim, continua-se a consumir muito um determinado produto que, mesmo sendo
passível de reciclagem, não garante menor utilização dos recursos naturais. A produção pode,
dessa forma, se ver aumentada sem que se perceba o comprometimento dos sujeitos
envolvidos.
Com esse mecanismo, o que se pretende é a perpetuação dos privilégios elitistas, diz
a autora, que marca as diferenças hierárquicas das classes sociais.
A segregação pode ser vista no fato de o produto ser, primeiramente, acessível
apenas a essa elite, perdendo sua valoração quando se torna acessível à massa. Daí, o mercado
oferecer novo produto disseminado pela mídia que restaurará a distância e diferenciação entre
as classes. Os bens, portanto, chegam ao mercado já demarcados, cabendo ao consumidor
apenas deles tomar posse, diferenciando ou sendo diferenciado.
Essa variação do bem em conformidade com o status, faz com que o significado do
diferencial se mova, assim como a necessidade e o desejo. (PORTILHO, 2004).
Nessa lógica, um bem seacessível às classes inferiores, depois de descobertos
pela elite, chegando com atraso às mesmas, completa Portilho (2004).
Nesse novo modo de encarar a situação, o consumidor continuaria assumindo a
responsabilidade pelos danos causados à sociedade e ao meio ambiente, pois faz escolhas,
exercendo sua cidadania através do consumo.
Paradoxalmente, abrir mão do consumo supérfluo pode ser também um sinalizador
de diferença social, quando uma pessoa rica pode escolher entre consumir ou não determinado
bem, fazendo uma opção pela discrição. Ou ainda quando escolhe comprar verduras
cultivadas sem agrotóxicos, vendidos a um preço bem superior às demais, tratadas com
agrotóxicos. O consumo ecologicamente correto
5
e saudável, portanto, parece ser para poucos,
como bem conclui Portilho (2004).
4
Ecocapitalismo: definido por Dupuy (1980) como a integração dos constrangimentos ecológicos na lógica
capitalista. (Portilho, 2005).
5
Como exemplo, podemos citar o caso dos hortifrutigranjeiros, apresentados como orgânicos, sendo vendidos
em redes de mercado nos grandes centros.
115
2.2 Reciclar o que já foi usado ou reduzir o uso?
Para Logarezzi (2006), a temática dos resíduos é de grande riqueza tanto para a
educação quanto para a gestão e deve considerar sempre o cidadão que se encontra na outra
ponta.
Envolvendo uma cadeia produtiva que produz impactos sociais e ambientais, o
consumo deve ser visto com cautela e o cidadão incentivado a usufruir do princípio dos 3R,
preconizado há anos pela pedagogia. O primeiro R diz respeito à redução no consumo; o
segundo a reutilização dos resíduos no mesmo ou em outro contexto; e o terceiro, reciclar os
resíduos que não puderem ser reutilizados, descartando-os adequadamente.
O que se percebe, entretanto, é uma inversão no exercício do mesmo que, segundo
Logarezzi (2006), tem apresentado maior índice de realização no terceiro R, reciclar, do que
nos dois anteriores. Essa foi uma solução encontrada pela sociedade para despir-se da culpa
da crise ambiental e continuar com os desmandos do consumo.
Essa postura tem sido incentivada pelas empresas que, por outro lado, vêem o
consumo de seus produtos aumentando cada vez mais. No entanto, o que não tem sido levado
em conta é que o processo de reciclagem requer impactos ambientais que, muitas vezes, não
compensam a economia que se faz de água, energia, recursos naturais. Logarezzi (2006) ainda
ressalta que, apesar da postura inadequada, todos acabam se auto-promovendo e o problema
continua sem solução.
É relevante dizer que todo o esforço da sociedade em ampliar as margens de
reciclagem, via ampliação e aprimoramento da solução da coleta seletiva muito
embora, infelizmente, boa parte desse resultado advenha do agravamento do quadro
social do país -, tem sido anulado e ultrapassado pela escalada do consumo. Por
isso, o foco do tratamento da questão, quer na gestão, quer na educação, o pode
continuar centrado naqueles contextos em que os resíduos foram gerados.
( LOGAREZZI, 2006, p.123)
Utilizando a Figura 1, que mostra as rotas do resíduo e do lixo, Logarezzi (2006)
aponta o aumento da reciclagem de garrafas PET e de latas de alumínio que, embora
apresentadas como sinal de conquista e conscientização sobre o meio ambiente, trazem na
esteira um aumento significativo de recursos naturais não renováveis, petróleo e bauxita, por
exemplo. Ou seja, o aumento da reciclagem de resíduos não garantiu a diminuição de
utilização de recursos naturais, principalmente porque as empresas ampliaram largamente a
produção de seus produtos.
116
FIGURA 1 Cadeia dos resíduos domiciliares: a rota dos resíduos e a do lixo
Figura 1 - Na cadeia dos resíduos domiciliares, apresentam-se: a rota dos resíduos
e a do lixo, problemas e soluções, agentes e insumos, intercorrências diretas e
indiretas e outras relações, com destaque para o foco da abordagem tradicional e
um foco socioambiental. Não foram representadas as emissões de resíduo da
indústria da etapa aqui denominada reciclagem. Fonte: Consumo e Resíduo:
Fundamentos para o trabalho educativo. São Carlos: EDUFSCAR, 2006.
Assim sendo, o consumo continua superando em muito as tentativas de solucionar
tal problemática.
Para Logarezzi (2006), portanto, a resolução da questão depende de uma mudança
de foco: ao invés de nos centrarmos nos resíduos que já foram gerados, deveríamos realizar
um trabalho, seja em gestão, seja em educação, que privilegiasse o primeiro R (redução),
chamando o cidadão a participar ativamente não só do problema, mas da solução do mesmo.
2.3 Definições para a construção de valores
Segundo Gr
ün (1996) a linguagem tem importante papel na manutenção da crise
ecológica e deve ser objeto de investigação do educador, principalmente do educador
preocupado com uma educação ambiental. Os termos utilizados no currículo e que se
117
apresentam em forma de livros didáticos e outros materiais acabam por perpetuar a idéia
utilitarista da natureza e o antropocentrismo da sociedade.
Pensando nisso, neste subitem nos propomos a, apoiados em Reigota (1994),
Logarezzi (2006) e Castro (1998), apresentar algumas definições que passarão a ser utilizadas
e darão respaldo ao construtivismo piagetiano, que fundamenta parte da análise deste
trabalho, e as implicações pedagógicas de tal concepção.
Inúmeras são as definições pretendidas. Entre as tantas definições de meio ambiente
encontradas, a que consideramos consoante com nossas expectativas e posicionamento
político e social é a definição apresentada por Reigota (1994):
um lugar determinado e/ou percebido onde estão em relações dinâmicas e em
constante interação os aspectos naturais e sociais. Essas relações acarretam
processos de criação cultural e tecnológica e processos históricos e políticos de
transformação da natureza e da sociedade (p.21).
Essa concepção é isenta de uma visão idílica da natureza e nem mesmo é sinônimo
de meio natural. O conceito aqui suscitado nos leva ao respeito para com todas as espécies a
fim de não onerar o planeta.
Na busca de uma temática que nos fizesse agir localmente, pensando globalmente,
acabamos por pesquisar as concepções dos escolares sobre questões que o lixo implica, a
saber, seu acúmulo, descarte, destino e os desdobramentos que traz para a sociedade.
Para Guimarães (2001) foram as ões não-formais em Educação Ambiental, nas
décadas de 1970 e 1980, que impulsionaram a sua posterior aceitação tanto pela sociedade,
quanto pelas instituições, que acabaram por formalizá-las como meio de atender às demandas.
Castro (1998) faz a diferenciação entre ambiente, espaço físico, lugar; e meio, sendo
este último um complexo de condições e situações de natureza biológica, física ou social. E
deixa claro que, tratando de relações humanas e desses com outros seres, o campo de estudo
se amplia para além do campo das ciências da Vida e da Terra, indo ao encontro da Filosofia e
das ciências humanas, tais como Psicologia e Sociologia, pois suscita a questão da liberdade
do homem frente à força da natureza.
Diz, ainda, que a busca do equil
íbrio das relações homem-meio não depende apenas
da posse do conhecimento para transformação dessas relações. Outras estratégias se fazem
necessárias para que o homem preserve e busque soluções. A conscientização do homem para
o fato de que sua ação traz conseqüências na vida da sociedade pode ser o pi da
transformação comportamental que tanto se espera.
118
Já que na Terra, sua morada, o homem vive em grupos, o problema da sobrevivência
deixa de ser um problema individual para tornar-se um problema social e, sobretudo,
moral. A ação de cada um repercute na vida de todos e toda destruição ambiental
torna-se uma forma de agressão coletiva. (CASTRO, A.D. 1998 apud Braga, 2003,
p.17).
Concordamos com a autora quando aponta falha não de natureza cognitiva, mas
também na consciência moral pessoal ou coletiva, não podendo ser resolvida apenas com a
educação do intelecto. Exige um trabalho pedagógico que vise à construção, ao mesmo
tempo, de um julgamento ético e de ação moral.
Logarezzi (2006) aqui contribui com sua proposta de uso de uma terminologia que
ressignifique a relação homem/consumo, buscando raízes processuais e culturais, resgatando
valores que possibilitem o exercício consciente da cidadania.
Vale dizer que o autor toma como referência concepções que destacam os aspectos
crítico, emancipatório e transformador. Concepção essa, marcada fortemente pelo educador
brasileiro Paulo Freire, cuja obra expressa, segundo Becker (2001), de modo sutil as
concepções que Piaget postula categoricamente em seus estudos. Dele, Logarezzi (2006) se
apropria de conceitos como a dialogicidade e o conhecimento de mundo, a bagagem que o
aluno traz, respeitada pelo educador como base para a construção dos saberes formais,
propiciando a superação da criticidade ingênua para uma crescente curiosidade
epistemológica.
Nessa concepção, o educador deve falar com e não falar por ou falar para o
educando (LOGAREZZI, 2006, p.90), dando ênfase a interação dos sujeitos dialógicos na
conquista do mundo.
Dentre os 64 termos agrupados pelo autor, daremos destaque aos que se seguem, por
concordarmos que a utilização de terminologia adequada possa ressignificar a relação do
homem com os resíduos e materiais inservíveis, uma vez que o mito em torno da palavra lixo,
comumente agregado a aspectos negativos, dificulta em muito a aquisição de uma postura
ética por parte da população.
Resíduo: é aquilo que sobra de uma atividade humana e que, nem
sempre, tornar-se-á lixo, uma vez que pode ser reutilizado em novo destino.
Por exemplo: o pote de azeitona que, depois de usado, pode ser utilizado
para guardar óleo de fritura.
Logarezzi chama a aten
ção para os 3R redução, reutilização e reciclagem,
possíveis aos resíduos. Não havendo nenhuma das possibilidades, tal resíduo
119
poderá, por descarte comum, virar lixo. A categoria é ampla e inclui os
particulados dispersíveis: gases e líquidos.
Resíduo sólido: todos aqueles que não podem ser descartados nos
esgotos ou em corpos dágua. No entanto, em algumas circunstâncias,
resíduos quidos podem ser considerados sólidos, como é o caso das tintas
ou solventes. Os gases e partículas, porém, classificados como dispersos, não
se enquadram nessa categoria.
Resíduo inservível: aquele que não pode ser reutilizado ou reciclado
num dado momento histórico, por falta de condições técnicas, econômicas
ou sociais. Outros, devido a sua periculosidade, devem ser descartados de
modo especial.
Lixo: tudo aquilo que é descartado, levando consigo seu valor sócio-
econômico-ambiental, tanto inservíveis quanto os passíveis de reutilização e
reciclagem. Envolve altos custos para manipulação, destinação e
confinamento.
Resíduo especial: aqueles que envolvem alta periculosidade ou
toxicidade, necessitando de descarte, coleta e destinação especiais, que
possibilite seu confinamento protetor ou sua inércia no meio ambiente. Além
de pilhas, baterias, resíduos radioativos, Logarezzi aqui inclui os resíduos de
serviço de saúde, que são os sólidos perfurocortantes e os potencialmente
patogênicos gerados nos estabelecimentos de saúde, não devendo ser
descartados junto aos resíduos domésticos gerados nesses mesmos
ambientes.
Disposição confinada em aterro sanitário: procedimento no qual o lixo
é colocado em local específico, longe de área urbana. Para facilitar a
deposição e compactação do mesmo, a superfície é diariamente recoberta
com 20 a 30 cm de terra, ou outro material inerte, e sua base é
impermeabilizada com plástico para possibilitar a drenagem e tratamento
elaborado do chorume, líquido altamente tóxico, produzido em ação
conjunta da chuva infiltrada no resíduo acumulado, para posterior
lançamento em corpos dágua. Embora haja possibilidade de reutilização dos
gases existentes no chorume para a produção de energia, a maioria desse
resíduo tem sido queimada, o que o transforma em gás carbônico sendo
liberado na atmosfera, contribuindo para o efeito estufa.
Disposição confinada em aterro controlado: muito parecido com o
aterro sanitário, porém sem impermeabilização na base, o que faz com que o
120
chorume, altamente tóxico se infiltre nas águas de superfície ou subterrâneas
próximas ao local. Os gases, nesse processo, são continuamente jogados na
atmosfera, contribuindo para o efeito estufa.
Disposição segregada em lixão: procedimento de destinação do lixo
em local afastado da área urbana, sem recobrimento da superfície, ou
impermeabilização da base. O chorume ali produzido pode entrar em contato
com águas superficiais ou subterrâneas contaminando-as. Os gases são
lançados na atmosfera diuturnamente, contribuindo para o efeito estufa. Essa
disposição, a céu aberto, contribui também para a proliferação de agentes
transmissores de doenças; causa intenso mau-cheiro e degrada a paisagem. O
resíduo mais leve, levado pelo vento, pode ampliar seu poder de destruição,
sujando a paisagem e matando animais.
Disposição disseminada: Nesse caso, os resíduos são depositados em
quaisquer locais, trazendo todos os impactos negativos citados acima, além
de ampliá-los devido à escolha do local, que pode ser perto de nascentes, ou
mesmo em terrenos baldios, muito próximos à população.
Disposição final: expressão largamente usada que denota o fim de um
processo que, sabemos, continua a existir após confinamento ou segregação
dos resíduos.
Usina de separação e compostagem: local no qual ocorre a
manipulação dos resíduos orgânicos para transformá-los em nutrientes para a
agricultura. O processo exige, primeiro, a separação de resíduos recicláveis
secos, resíduos compostáveis e resíduos inservíveis.
Geração de resíduo: ato de gerar resíduos, comum às atividades
humanas. Caso não seja reaproveitado esse resíduo poderá tornar-se lixo.
Descarte de resíduo: ato de jogar fora uma sobra ou resíduo, retirando-
o de um contexto e inserindo-o em outro. Há vários modos de fazê-lo, como
apresentamos em itens abaixo.
Geração responsável: atitude que demonstra preocupação com a
geração de resíduos desde a produção do bem consumido aseu descarte.
Envolve quantidade e natureza dos resíduos e é um dos fatores que torna um
consumo responsável.
Descarte seletivo: modo de descartar que se utiliza da rota dos
resíduos e da rota do lixo. Para a primeira, são encaminhados os resíduos
secos, preservando sua possibilidade de reutilização em outro contexto; a
segunda, recebe os resíduos considerados inservíveis.
121
Descarte comum: descarte comumente feito, no qual os resíduos não
são separados. Nele, os resíduos são sempre transformados em lixo e
utilizando apenas a rota do lixo.
Coleta de resíduo: o mesmo que coleta seletiva, servindo-se da rota
dos resíduos. O autor atenta para o fato de, em alguns locais, ser denominado
também coleta de lixo, pois todo lixo pode ser considerado resíduo; o
inverso, porém, não é verdadeiro.
Coleta informal de resíduo: coleta informal de resíduos feita pelos
catadores autônomos. Presta grande contribuição ao sistema formal.
Coleta de lixo: é a coleta comum, na qual o resíduo inservível tem
como destinação o lixão ou aterro sanitário. O autor ressalta que a coleta
seletiva não dispensa a coleta de lixo
Princípio dos 3R: Resíduo redutível, Resíduo reutilizável, Resíduo
reciclável. Princípio orientador das ações educativas e gestores no qual
devemos reduzir o consumo, reutilizar os resíduos em novo contexto e
reciclar outros. São sugeridos seguindo uma ordem natural das atividades em
que podem ser exercidas tais atitudes. A redução propicia diminuição de
resíduos, portanto de lixos. a reutilização e a reciclagem minimizam o
volume de lixo.
Material: difere de resíduo pelo fato de que este é composto por
diversos materiais, por exemplo, depois do uso a garrafa PET
6
vem com
tampa, rótulo, paredes e vedamento, elaborado em diferentes materiais. Pode
ser considerado, portanto, fase sólida das partes de um resíduo.
Material reciclado: é o que surge do reprocessamento dos resíduos
recicláveis.
Consumo/geração/descarte: processo desenvolvido diretamente pelo
cidadão.
Sociedade de consumo: é o caso das sociedades modernas desde a
industrialização (capitalista) até os dias atuais, que sugerem a transição para
uma nova ordem. É marcada por intensa relação entre consumidores e
produtores, um alimentando a existência do outro.
Consumo reflexivo: consumo marcado pela ética, solidariedade,
responsabilidade. Nesse caso, o consumidor opta por itens que considere
necessários. Implica em reflexão sobre a conspicuidade do objeto,
influências da mídia e complexidade de visão quanto ao meio ambiente.
6
Poli (tereftalato de etileno)
122
Consumo irreflexivo: reflexo da visão utilitária do meio ambiente, na
qual o consumo é realizado sem levar em conta os impactos socioambientais.
Surge da necessidade de satisfazer mais a um desejo que a uma necessidade.
Consumo sustentável: resulta de um consumo consciente, no qual o
indivíduo age com responsabilidade social. Nele, tanto essa quanto as futuras
gerações terão a possibilidade de satisfazer suas necessidades, pois não
comprometimento da capacidade do planeta em fornecer recursos naturais ou
absorver os impactos negativos.
Impactos socioambientais: impactos causados pela demasia do
consumo, podendo ser negativo (exemplos: degradação da atmosfera/
exploração do trabalho infantil) ou positivo (geração de empregos/redução
da geração de resíduos, por exemplo).
Ciclo de vida: período que vai desde a produção até a destinação que é
dada a determinado produto ou serviço, levando em conta toda a cadeia
envolvida.
Ação individual: atuação de um indivíduo de forma consciente,
questionando valores. Contribuição limitada pela individualidade.
Ação coletiva: atuação conjunta, com maiores possibilidades de
sucesso. Ação politizada e ambientalizada.
Educação Ambiental em resíduo: educação que instrumentaliza o
cidadão para lidar com a geração e o descarte de resíduos de forma
consciente, reflexiva. Deve ser concebida dentro de uma concepção ética e
participação política.
Partindo desses conceitos, podemos dizer que todo lixo pode ser considerado
resíduo, porém nem todo resíduo pode ser considerado lixo.
Outro conceito de grande importância para a atualidade é o de desenvolvimento
sustentável, surgido em meados da década de 1970, como novo modelo capaz de dar conta do
velho dilema entre o crescimento econômico e redução da miséria e a preservação ambiental.
Mas só no ano de 1987, o termo surge em documentos oficiais, quando uma
comissão, instituída em 1983, tendo como chefe a Senhora Gro Harlem Brundtland, Primeiro
Ministro da Noruega, organiza um relatório com o intuito de estudar os problemas críticos
relacionados ao meio ambiente e ao desenvolvimento do nosso planeta e formular propostas
realistas para assegurar o desenvolvimento da humanidade sem prejuízos maiores às gerações
futuras.
123
No Relatório Brundtland, como ficou conhecido, encontramos a seguinte definição
do conceito de desenvolvimento sustentável, como aquele que atende as necessidades do
presente sem comprometer as possibilidades de as gerações futuras atenderem suas próprias
necessidades. (O Nosso Futuro Comum, 1987).
Esse novo paradigma, bastante comprometido com as idéias preservacionistas, surge
através de um esforço de reconceitualização do conceito de desenvolvimento, abalado pela
crise ambiental e social.
Para Ferreira (2005) o princípio da sustentabilidade pode ser visto e aprendido com
as sociedades tradicionais, cujas ações não ameaçavam a capacidade de suporte da natureza,
não deixando cicatrizes em seus ambientes cotidianos. Isso se explica pela relação deles com
a natureza, como seres integrantes da mesma, diferente das sociedades modernas, cuja visão é
utilitarista.
A natureza é um conceito negativo na teoria educacional, diz Grün (1996) e
explica que, para entender essa negatividade, foi necessário perceber a complexidade
implícita na nomenclatura educação ambiental. O predicado ambiental, aqui colocado, aponta
para a existência de uma educação que não seja ambiental. O autor pôde perceber isso em
pesquisa por ele realizada em busca do conceito de natureza, chegando à conclusão de sua
ausência, como se a educação dos seres se fizesse totalmente desvinculada de um ambiente.
Ele aponta ainda essa negatividade como explicitadora de uma crise da cultura
ocidental, que tem como sintoma a educação ambiental, causando o que tem se propagado
como crise ecológica.
Brugger (1994) concorda e vai mais longe, afirmando que, nessa visão, a educação
ambiental é mais uma modalidade de educação. Para ela, o predicado ambiental deveria estar
contido na educação. Embora tal tema esteja entre os mais trabalhados na atualidade, o
desconhecimento do assunto muito tem colaborado para a ineficiência do mesmo.
124
3 FUNDAMENTOS TEÓRICOS A SEREM CONSIDERADOS
Fica decretado que o homem
n
ão precisará nunca mais
duvidar do homem.
Que o homem confiar
á no homem
como a palmeira confia no vento,
como o vento confia no ar,
como o ar confia no campo azul do c
éu.
(MELLO, T. 1991)
A superficialidade com que ainda é tratada a Educação Ambiental, apesar de todo o
esforço formal e informal para a tomada de consciência da humanidade, suscitou em nós o
questionamento sobre questões escolares, sobre o sujeito e sua interação com o meio. Quais
são as concepções que sustentam um envolvimento do sujeito, uma vez que a conscientização
não se revela em seus comportamentos?
O estudo dos modelos pedagógicos e das epistemologias nos levou à reflexão sobre
como o homem aprende e compreende o mundo, como organiza seu conhecimento, como se
constitui diante do objeto.
Para responder a estas indagações, a teoria psicogenética piagetiana, que se
apresenta como suporte para uma prática pedagógica construtivista, busca dar conta das
variáveis intervenientes encontradas tanto na sala de aula como na vida cotidiana.
Segundo Becker (2001), a epistemologia subjacente ao trabalho docente determina o
uso de modelos, muitas vezes insuficientes, para formar o sujeito crítico e transformador que
almejamos ter na sociedade. Neste sentido concepção piagetiana para a constituição da
moralidade, além de nos explicar a trajetória do sujeito epistemológico, alerta-nos para os
entraves causados por uma educação malbaratada.
A heteronomia presente nos modelos pedagógicos tradicionais não tem propiciado
que nossos alunos venham a ser os seres transformadores dos prejuízos do passado.
A autonomia do sujeito, tão almejada pelos educadores, só poderá emergir através da
análise e da reflexão sobre o que os rodeia. Piaget em seus estudos sobre o desenvolvimento
moral conceitua autonomia como a capacidade de coordenação de diferentes perspectivas
sociais com o pressuposto do respeito recíproco. Nela, o sujeito opta por respeitar as regras
em sua convivência no grupo pela sua auto-determinação e não mais pelo exercício da
autoridade alheia.
Para Piaget, o pensamento aut
ônomo e lógico operatório surge paralelamente à
capacidade de estabelecer relações cooperativas, desenvolvendo-se junto com o processo de
125
autoconsciência, que permite que ele se desloque de si mesmo (egocentrismo) para uma
relação de respeito à autoridade do outro. Temos instaurada a heteronomia, que centra o
controle no outro, com regras exteriores ao sujeito e, por isso mesmo, sagradas. Com o
desenvolvimento e a complexidade das ações, o sujeito possivelmente caminhará para a
construção da autonomia, tanto intelectual quanto moral que, para Piaget, surgem
paralelamente.
Paradoxalmente, o ser não pode dar o que não tem: ou nos falta embasamento
teórico para fundamentar uma prática não-ingênua, que possibilite a construção desse perfil
humano, ou é preciso repensar, então, o quão heterônoma são nossas opções.
Devemos atentar, entretanto, para o fato de que a educação é uma ação política
(FREIRE, 2001) e social (BECKER, 2001) e que sua eficácia independe do quanto de
consciência político-pedagógica, concretizando-se de qualquer forma e trazendo seqüelas
muitas vezes insuperáveis.
Para Freire (2001), a politicidade da educação é inerente a sua natureza. Sendo
assim, torna-se-lhe impossível uma neutralidade, pois, é um ato político independente
daqueles que o praticam. Talvez por isso a heteronomia se constitua poderosa arma a serviço
da reprodução ideológica e da perpetuação das hegemonias.
A neutralidade não é possível, pois a convivência humana pressupõe a existência de
conflitos, discordâncias. Seria preciso que o homem aprovasse tudo o que acontece ao seu
redor: fome, miséria, corrupção etc. E sabemos que não é assim.
Enquanto a maioria das abordagens educativas procura dissolver, diluir esses
conflitos, considerando-os como negativos, a perspectiva piagetiana os vê como decisivos e
importantes para o desenvolvimento sociomoral, já que permitem uma nova construção de
valores a partir dos diálogos encetados pelas contradições dos conflitos emergentes.
A neutralidade é incompatível com a atuação do homem no mundo das relações
(PIAGET, 1998; FREIRE, 2001). Isso só vem a reafirmar o caráter político da educação, o
que assinala uma possibilidade de mudanças que deve ser demonstrada na autenticidade da
tarefa político-pedagógica do professor.
Relacionando Piaget e Paulo Freire, Becker (2001), encontra que o fatalismo
demonstrado por Freire tem forte ligação com a heteronomia apresentada por Piaget, bem
como a autonomia deste se aproxima da rebeldia daquele, confirmando, assim, a humanidade
do homem.
Segundo a linha construtivista da educa
ção, derivada da epistemologia genética
piagetiana, o sujeito pode construir novos conhecimentos desde que exerça uma atividade
126
pessoal no meio, passando da ação à conceituação, num processo contínuo de conscientização
da mesma, que dá origem à tomada de consciência, segundo Ramozzi-Chiarottino (1988).
Piaget submete esse processo de conscientização à capacidade de abstração reflexionante que,
segundo ele, explica o desenvolvimento intelectual, e por meio da qual a construção e a
reflexão caminham juntas, tornando conscientes estruturas de pensamento e de conhecimento.
Para Piaget, a consciência constitui um sistema de significações cujas duas noções
centrais são a designação e a implicação entre significações (...). Estas implicações
podem ser ingênuas ou naturais (como na sabedoria popular), mas podem também
ser elaboradas pelo pensamento científico, o que acarreta o nascimento das ciências
puras da implicação que o a gica e a Matemática. (RAMOZZI-
CHIAROTTINO, 2002, p. 57)
Becker (2001) nos ensina que se trata de um processo contínuo de construção e
reconstrução a partir da interação sujeito-objeto, numa relação dialética na qual um modifica
o outro, numa atribuição mais do sentido/significado do que da realidade do objeto em si
mesmo. Assim sendo, nega-se a predeterminação do sujeito tanto por herança genética quanto
por influência do meio físico, alegadas ora pelo inatismo, ora pelo empirismo.
Por exemplo, se tomarmos como referência as aulas escolares que assistimos até
hoje, resta-nos apenas o que foi significativo para nosso desenvolvimento e, muitas vezes,
isso nada tem a ver com os conteúdos que foram pregados pelos professores. Poderemos ver,
por aí, que foi uma construção individual e diversificada daqueles conteúdos. Para cada um
dos nossos colegas de sala, os dados abstraídos foram diferentes, embora o processo
psicogenético que explica esse fenômeno tenha se dado da mesma forma, ou seja, por
abstração.
Isso prova que o conhecimento não está nem no objeto, como querem os empiristas;
nem no sujeito, como pregam os aprioristas, mas, sim, nas relações estabelecidas entre um e
outro; nesse processo é preciso levar em conta as construções anteriores feitas pelo sujeito,
que são continuamente refeitas, recriadas por ele. Se o sujeito portasse predeterminações
hereditárias ou instituídas pelo meio, nenhuma responsabilidade lhe caberia na construção de
sua subjetividade.
O construtivismo piagetiano supõe uma intervenção que possibilite à criança dar
continuidade ao seu processo de crescimento por meio de sucessivas reconstruções, a fim de
obter uma efetiva aprendizagem.
Para Piaget, o desenvolvimento cognitivo
é isomorfo ao desenvolvimento biológico,
ou seja, as mesmas leis que regulam um, regulam o outro, e este desenvolvimento cognitivo,
127
que não pode ser compreendido dissociadamente da afetividade, é condição para a efetivação
da aprendizagem, pois esta vai depender do nível em que o sujeito se encontra. (RAMOZZI-
CHIAROTTINO, 2002)
Entretanto, é importante, segundo Piaget (1974) diferenciar aprendizagem restrita de
aprendizagem ampla. A primeira ocorre como resultado da experiência, igualmente ao que se
entende no senso-comum. Alerta, porém, para o fato de que nem toda experiência se constitui
em aprendizagem imediata, sendo possível sua evolução paulatina, através de constantes
assimilações e acomodações.
A aprendizagem ampla engloba as aprendizagens restritas e o processo necessário
para o sucesso da ação, operação, confundindo-se com o próprio desenvolvimento da
estrutura cognitiva.
Certamente, para que a aprendizagem, tanto no sentido restrito quanto no amplo,
ocorra, não basta o indivíduo estar inserido no meio físico ou social, mas terá que interagir
com estes. Nesta concepção, a escola presta, portanto, importante papel na formação da
identidade, que se relaciona às aquisições do sujeito e de sua formação como pessoa. A
personalidade é vista como forma de consciência intelectual e de consciência moral, contrário
à anarquia e à coação porque se apresenta autônoma, tendo mais a ver com padrões de
conduta.
Delval (2001) afirma que Piaget, em seu trabalho, realmente não se dedicou a explicar
as representações do mundo social (microgêneses cognitivas), buscando especialmente em
explicar como se formam as grandes categorias do pensamento (macrogênese). No entanto,
vários de seus seguidores, hoje, dedicam-se à microgênese, ou seja, como se formam os
conhecimentos específicos, as quais dependem, por sua vez, das grandes categorias do
pensamento (macrogênese).
Por outro lado, não apenas a isso Piaget dedicou seus estudos; buscou também
explicar a construção do mbolo e do julgamento moral do sujeito, sempre numa perspectiva
de interação com o outro em direção à autonomia.
Por seus estudos pode-se inferir que, numa educação para a autonomia, o ambiente
sociomoral deve ser favorável a tal processo, propiciando uma rede de relações interpessoais
que privilegiem o respeito mútuo. A alteridade, como construção da identidade, dar-se-á nas
relações que a criança estabelece com o outro. (DEVRIES e ZAN, 1999). Dependendo da
natureza da atmosfera escolar, em geral, a criança aprende de que forma é o mundo das
pessoas. Uma atmosfera sociomoral de respeito às crianças é uma atmosfera intelectual que
apóia a construção de conhecimentos intelectuais e morais dos sujeitos.
128
Esse contexto educacional escolar, que é determinado pelo adulto, deve ter
intencionalidade e ser baseado nos interesses infantis, a fim de que se possa promover o
desenvolvimento intelectual, sociomoral e afetivo necessário. Isso exige do educador uma
constante revisão de sua prática, bem como uma aprofundada reflexão crítica sobre ela,
buscando a coerência entre ambas, evitando, assim, que a mesma acabe por se transformar em
ativismo apenas.
Nessa pesquisa, no entanto, pudemos perceber que a autonomia não é característica
presente no comportamento nem mesmo dos educadores, cujas opiniões e comportamentos
são pautados pela obediência sem questionamento.
Para Freire (2001), a capacidade de ensinar deriva da capacidade de aprender. O
educador só poderá auxiliar nas reconstruções do seu educando se acreditar no caráter de
processo existente na sua ação educativa, colocando-se também como aprendiz, que pode e
deve refazer seus conceitos, aprimorá-los gradativamente no decorrer da vida, já que o
processo de aprendizagem só cessa com a morte. Se assim entende o ato de educar,
compreende que o indivíduo aprende por toda a vida.
Ensinar inexiste sem aprender e vice-versa e foi aprendendo socialmente que,
historicamente, mulheres e homens descobriram que era possível ensinar. Foi
assim,, socialmente aprendendo, que ao longo dos tempos mulheres e homens
perceberam que era possível depois, preciso - trabalhar maneiras, caminhos,
métodos de ensinar. Aprender precedeu ensinar ou, em outras palavras, ensinar
diluía na experiência realmente fundante de aprender. (FREIRE, P. 2001, p. 26).
Portanto, se o relacionamento adulto-criança, seja ele o professor ou os pais, existe
numa atmosfera de coerção ou controle, numa relação autoritária e desrespeitosa para com as
necessidades e interesses da criança, muito provavelmente o sujeito permanecerá heterônomo,
dependente dos adultos. A razão para comportar-se desta ou daquela forma estará fora de seu
próprio raciocínio e sistema de interesses e valores pessoais, e isso perpetuará seu estado de
submissão.
A constituição da subjetividade, segundo Piaget (1998), quando baseado na
cooperação, caracterizada pelo respeito mútuo, promove seres autônomos. Numa relação
cooperativa, há maior chance de a criança tornar-se autônoma. O adulto favorece esse
processo ao demonstrar respeito às ões e aos sentimentos das crianças, possibilitando a
auto-regulação de seu comportamento voluntariamente. É o exemplo falando mais alto.
Essa questão nos remete a outro mal entendido freqüente sobre o construtivismo,
quando é acusado de permissividade pelo fato de colocar os interesses da criança no centro do
129
processo ensino-aprendizagem. Seber (1997) relata a fala de um professor ao ser entrevistado
para ocupar uma vaga em uma escola de educação infantil construtivista. Ao ser informado
sobre como deveria ser sua conduta perante os alunos, o professor mostrou-se totalmente
avesso a tal prática, alegando que embora nunca tivesse lido nada a respeito, conhecia o
construtivismo devido a seu trabalho numa dada escola e que nessa concepção o professor é
desvalorizado enquanto profissional, servindo de capacho para as crianças.
Esse pensamento é comum, o só entre educadores, que confundem o respeito à
criança com perda de autoridade; ou ainda, o prazer numa sala de aula construtivista com a
proposta liberal difundida por corrente, tipo laissez-faire, na qual o ensino é deixado ao sabor
do aluno, o que, segundo Becker (2001), apresenta um esvaziamento do conteúdo. Defensor
do papel ativo da criança na aprendizagem, os trabalhos piagetianos serviram de base para
muitos educadores, inclusive os escolanovistas. No entanto, o Construtivismo não poderia ser
comparado nem mesmo a esse movimento.
A teoria piagetiana também nos alerta para o realismo moral característico do
pensamento infantil. A passagem do julgamento com base no que é observável para o
julgamento em termos de intenções é descrito por ele como progressão no desenvolvimento,
fundada na habilidade crescente de assumir o ponto de vista dos outros. Por isso, propiciar
redes de relações cooperativas no ensino escolar torna-se uma estratégia eficaz, levando as
crianças a aceitarem o ponto de vista das outras, além de desenvolverem o sentimento de
eqüidade e justiça.
Isso explica também porque alguns conceitos, expostos oralmente, não são
incorporados pelas crianças. Além disso, elas percebem com facilidade a incoerência entre o
que se diz e o que se faz, isto é, entre o discurso e a ação dos adultos com quem convivem.
Estamos falando, novamente, em exemplo na ação.
Relacionando isto com a educação ambiental, para Morin (2002), a era planetária
suscita uma educação do futuro centrada na condição humana. É necessário, pois, relembrar
conhecimentos advindos das ciências naturais, humanas e sociais, o que remonta a revisão da
epistemologia que embasa nossas concepções. Para ele,
estas contribuições permanecem ainda desunidas. O humano continua esquartejado,
partido como pedaços de um quebra-cabeça ao qual falta uma peça.[...] é
impossível conceber unidade complexa do ser humano pelo pensamento disjuntivo,
que concebe nossa humanidade como de maneira insular, fora do cosmos que a
rodeia, da física e do espírito do qual somos constituídos, bem como pelo
pensamento redutor que restringe a unidade humana a um substrato puramente bio-
anatômico (MORIN, 2002. p. 48).
130
Guattari (2001) é de opinião que a crise ecológica pode ser resolvida em escala
planetária, numa revolução social, política e cultural capaz de transformar o que é visível e o
que é invisível. Para o autor, existem três registros ecológicos o do meio ambiente, o das
relações sociais e o da subjetividade humana e só uma articulação ético-política
7
entre eles
pode dar conta de elencar toda a problemática que os envolve. É a relação da subjetividade
com sua exterioridade seja ela social, animal, vegetal, cósmica - que se encontra
comprometida numa espécie de implosão e infantilização regressiva. (GUATTARI, 2001: 8)
Guimarães (2001) deixa clara a importância de associar a ação à atitude reflexiva,
numa relação dialética, que inibe o ativismo sem profundidade e a imobilidade da reflexão. O
autor acrescenta ainda que, nas escolas brasileiras, a ação , quando ocorre, é deixada para
segundo plano, com ênfase na esfera teórica, o que dificulta a conscientização. Para Becker
(2001, p.40):
Crescer, desenvolver-se implica tomar consciência. Tomar consciência implica
ação praticada. Sem ação praticada o é possível tomada de consciência; com
ação praticada, porém, também não é possível tomada de consciência. (BECKER,
2001, p.40)
Essa tomada de consciência, diz Becker (2001), é considerada uma ação de segunda
potência porque se organizou a partir de alguma ação previamente executada e é passível de
reorganização em outro patamar, utilizando as construções anteriores, e assim
sucessivamente, conforme os esquemas do indivíduo e a intervenção adequada, seja do meio
social (educador) ou do meio físico (objetos). Entendemos, então, que a atitude reflexiva,
mencionada por Guimarães (2001) e a conscientização buscada por Freire (2001), podem ser
explicadas pela abstração reflexionante piagetiana, sendo desdobramento dessa. (BECKER,
2001).
Para Piaget apud Becker (2001), a tomada de consciência não se por iluminação.
Ela é resultado de um processo de assimilação de um objeto, conteúdo ou ação, numa
interação que permita ao sujeito voltar-se sobre si mesmo e proceder a reestruturações ou
ainda a criação de novas estruturas (acomodação). Por isso, é considerada uma ão de
segunda potência, porque o mais se na coordenação das ações, mas a partir do que é
retirado delas. Na figura 2, abaixo, buscamos representar o processo de abstração.
7
Ecosofia: termo utilizado por Félix Guattari para designar a articulação ético-política por ele sugerida.
131
FIGURA 2 Organograma do Processo de Abstração Reflexionante.
Fonte: criado pela autora, 2008.
Reafirmando as idéias de Moreno (2003), na qual ela faz uma reflexão histórica para
explicar o porquê fizemos a opção por certas disciplinas curriculares e não outras, aparece
Grün (1996) que diz que a ética antropocêntrica, base da educação moderna, não pode ser
considerada uma deficiência, mas sim um ideal educacional.
Essa nova ordem, estreitamente ligada a Descartes, encontra em Francis Bacon o seu
maior expoente. Para ele, a dominação da natureza pelo homem propiciaria a sua própria
libertação. O avanço das ciências naturais deveria refletir-se na educação, que pedia uma
maior sistematização, uma lógica realista, numa visão empirista. Mais tarde, para que a
industrialização pudesse se firmar, essa lógica racional foi mais bem desenvolvida, centrando-
se no indivíduo, fundamentada na autonomia da razão e excluindo, mais uma vez, a natureza,
cujo valor era meramente utilitário. (Grün, 1996).
NÃO-
OBSERV
ÁVEIS
REFLEXIONA
MENTO
ABSTRAÇÃO
REFLETIDA
PSEUDO-
EMPÍRICA
ABSTRAÇÃO
EMPÍRICA
OBSERVÁVEIS
PROCESSO
DE
ABSTRAÇÃO
132
A grandiosidade de Isaac Newton, segundo Grün (1996), só vem a reforçar tal
pensamento e o mecanicismo passa a ser considerado a única forma de se fazer ciência.
Mecanicismo esse que, ao se tornar objeto científico, eliminava todo o saber que se opusesse a
ele, tornando-o não-científico. Ao renegar tais saberes, esse modo de enxergar o mundo,
possivelmente, renegou também uma forma ecologicamente sustentável de interagir no
mesmo. Aceitá-los, no entanto, impossibilitaria a sustentabilidade do paradigma industrial
capitalista. Tal estratégia preparou habilmente a mão-de-obra necessária ao capitalista.
Para Grün (1996), a história da educação moderna está toda fundamentada na
construção de um projeto de autonomia, vista como pressuposto do currículo.
Porém, os caminhos escolhidos para desenvolver essa característica o são
compatíveis com tal expectativa. A concepção de autonomia encontra-se aqui distorcida
novamente.
3.1 A importância das operações concretas
Segundo Seber (1997), um dos maiores problemas enfrentados pela teoria piagetiana
é o equívoco existente na idéia de construção, que leva alguns teóricos a classificá-la como
neobehaviorista ou neomaturacionista, porque acreditam que para Piaget tudo é inato. Isso
ocorre porque seus críticos não acreditam no conhecimento como resultado de interações
entre sujeito e meio.
O objeto, segundo Piaget (apud Seber, 1997) não traz em si suas significâncias, pois
estas só existem a partir das interações que o sujeito estabelece com os objetos de
conhecimento. Estes, por sua vez, reagem às ações do sujeito e, resistindo a elas, provoca no
sujeito a necessidade de modificação de seus esquemas (motores ou mentais) anteriores. Leva
o sujeito a tomar conhecimento de suas ações, numa situação experimentada. Assim, o
conhecimento não es nem no objeto, esperando ser desvelado, conforme supõem os
empiristas, nem no sujeito, que o traria pronto ao nascer, conforme supõem os inatistas.
Daí a importância da atividade da criança para que ela possa construir suas hipóteses,
primeiro empiricamente, e depois em outros níveis, coordenando as estruturas anteriormente
construídas e reorganizando-as em função dos novos dados obtidos. (Seber, 1997; Ramozzi-
Chiarottino, 2002).
Disso, podemos retirar tr
ês práticas importantes no fazer pedagógico que muito
cooperam com a evolução do sujeito: em primeiro, considerar o conhecimento prévio do
133
aluno, uma vez que o material de trabalho, tanto do professor quanto do aluno, é a estrutura
que se construiu anteriormente. Além disso, a escola não é o único espaço no qual o sujeito
aprende. Em segundo, propiciar situações desafiadoras que permitam o avanço do
conhecimento, com reconstruções das estruturas já instauradas. Por último, é, no entanto,
primordial para o sucesso das duas primeiras, o diálogo constante para compreender como a
criança aprende e quais abstrações lhe foram possíveis como resultantes da prática
oferecida. Sobretudo, propiciar a tomada de consciência pela criança de suas próprias idéias e
crenças, para desequilibrá-las eventualmente.
Segundo a teoria piagetiana, para que os resultados das ações sejam interiorizados, é
necessário sua execução primeiro no plano material. assim o sujeito poderá combinar em
pensamento os elementos abstraídos dessas ações. (PIAGET, 1973; apud SEBER, 1997).
Com isso, essas ações interiorizadas se transformam em operações, ou seja, ações
refletidas. Para que as operações lógicas ocorram, o sujeito deve ter alcançado certo nível de
evolução que o permita utilizar operações mentais como a reversibilidade e a mobilidade de
raciocínio, no qual os processos de assimilação e acomodação ocorrem de forma integrativa.
Por essa razão, afirmamos que um determinado conceito não pode ser reconfigurado
de fora para dentro. Quando Piaget fala em tomada de consciência não sugere a reprodução
interna de algo; implica em reestruturações que atingem a organização cognitiva como um
todo. (SEBER, 1997).
[...] é preciso tempo para interiorizar as ações em pensamento, porque é muito mais
difícil representar o desenrolar da ação e dos seus resultados em termos de
pensamento do que limitar-se à execução material [...] A interiorização das ações
supõe, assim, a sua reconstrução sobre um novo patamar [...] (PIAGET apud
SEBER, 1997, p. 164).
De outra forma, bem mais lento ocorre o processo de aprendizagem, levando muitas
vezes à internalizações que não são adequadas ou compatíveis com o mundo do real. E aqui
surge o papel do erro como construtivo.
Segundo Seber (1997), os estudos de Piaget apontam que, qualquer que seja o
conteúdo, o processo ocorre sempre da mesma forma: inclusão de subclasses em classes,
intersecções, ordem serial, relações que se constituem instrumentos de raciocínio e que têm
como base as coordenações operatórias. A partir de uma lógica preliminar (pré-lógica), a
criança levanta hipóteses, compara por semelhança ou diferença e, na busca por uma
coerência interna, constrói um novo instrumento lógico.
134
Essa construção se dá, como já dissemos, modificando-se esquemas de ações
(motoras ou mentais), que são colocados à prova mediante a resistência dos objetos ou
conceitos. Ou seja, um esquema que serviu para uma determinada ação pode ser aplicável a
outra similar, no entanto, as diferenças forçarão o sujeito a realizar adaptações nesse esquema
para que o mesmo caiba naquela situação. É o caso da criança que aprende a abrir uma porta
normal, empurrando-a para a direita ou esquerda e, no seu caminho, posteriormente, encontra
uma porta de empurrar (para os lados), ou de levantar, tipo basculante. Essa criança usará um
mesmo esquema inicial, adequando-o a cada tipo de porta: não, no entanto, sem sentir o
desafio causado pela novidade. (SEBER, 1997).
Esse processo é denominado por Piaget de acomodação e assimilação, possibilitando
a transformação dos esquemas que, por sua vez, se coordenam no que ele chama de
assimilação recíproca. É uma adaptação dialética, segundo Ramozzi-Chiarottino (2002), pois
ao mesmo tempo, supera e conserva o momento anterior, num movimento constante. Trata-se,
portanto, de uma adaptação altamente dinâmica e nada estática, como querem crer alguns dos
críticos de Piaget.
Longe de ser apenas a possibilidade de seriar e ordenar, o processo de adaptação do
homem ao meio inclui também, e principalmente, a capacidade de fazer inferências e
estabelecer implicações.
As estruturas mentais permitem ainda a inserção dos objetos (sejam eles materiais,
pessoas, acontecimentos) no tempo e no espaço corroborando para a construção da noção de
causalidade, de acordo com Ramozzi-Chiarottino (2002). Essas coordenações, de grande
importância nos estudos de Piaget, possibilitam o desenvolvimento da inteligência,
mostrando-nos que a mesma também não vem dada no genoma, a priori.
No entanto, para que a criança seja capaz de estabelecer essas relações, necessário se
faz um trabalho pedagógico que possibilite a construção das operações lógicas necessárias,
sem as quais, dificilmente haverá a construção das noções escolares solicitadas pelo ensino
formal, incluindo aqui, a consciência ambiental.
Os verbalismos formais utilizados pelos educadores, advindos de uma epistemologia
empirista subjacente, ainda que de forma inconsciente, não corrobora para a aprendizagem
com compreensão. Segundo Piaget, embora seja necessária para a evolução do raciocínio, a
linguagem oral não é suficiente para produzi-lo. As estruturas operatórias não são passíveis de
transmissão verbal. Elas necessitam de elaboração no plano da ação ou das operações, que são
as ações interiorizadas.
135
Num momento posterior do desenvolvimento, a linguagem oral tem importante
papel, facilitando a internalização e, assim, ajudando a modificar a organização intelectual.
Por isso, para Piaget, a linguagem é produto e não produtora de inteligência. É agindo sobre
os objetos, e atribuindo significados que o sujeito cria hipóteses e elabora instrumentos de
raciocínio cada vez mais eficazes.
Porém, Piaget alerta para a defasagem existente entre o entendimento no plano das
ações e o entendimento no plano do pensamento. O autor explica que não transferência
imediata do abstraído na ação para o plano superior consciente. Isso porque essa
aprendizagem conquistada num plano inferior deve ser reconstruída, de uma outra maneira,
pelo sujeito para, assim, organizar-se num plano superior e, desse plano, para outro, sendo
possível ainda sua reorganização sucessivas vezes, em patamares cada vez mais elevados.
Deu a este processo o nome de equilibração majorante.
Essa defasagem pode ser constantemente observada em crianças entre 7 e 11 anos.
Embora vencidas as dificuldades no plano da ação, ela passa por um processo semelhante para
efetuar a aprendizagem no plano verbal.
Portanto, a transposição de uma aprendizagem para a linguagem será muito mais
eficaz se posterior à ação sobre o objeto, o que favoreceria a construção do raciocínio lógico,
diferentemente do modo usualmente empregado na prática educativa escolar.
3.2 Conceitos Espontâneos e Conceitos Científicos
Ramozzi-Chiarottino (2002) esclarece que, na teoria de Piaget o conhecimento
cotidiano, primitivo, segue o mesmo percurso que o conhecimento científico, na sua
construção, demonstrando o funcionamento de estruturas lógicas semelhantes em toda a
humanidade. O que os torna diferentes é a solicitação do meio e os conteúdos. Portanto, a
lógica das ações usada pelos indivíduos é a mesma, seja ele pertencente a uma tribo indígena,
ou um esquimó.
Para a concretiza
ção de quaisquer saberes há que se ter estruturas subjacentes à ação
que lhe deu origem. Portanto, embora nem todo saber se transforme em conhecimento
científico, qualquer saber é isomorfo à este, valendo-se das mesmas bases para sua
construção, ou seja, implica no estabelecimento de relações entre seres, eventos, situações ou
objetos.
136
Scriptori (1998) faz a diferença entre pensamento e conhecimento, entendendo que o
primeiro trata dos processos ou atividades mentais que levarão, ou não, ao segundo.
Considera, assim, o conhecimento como resultado desse processo mental, no qual a
afetividade está aí implicada.
O conhecimento, de acordo com a teoria de Piaget, ocorre através de processos
contínuos de com construção interna, pessoal e intransferível, que se relacionam com outros
conhecimentos anteriormente adquiridos, por meio de descoberta, invenção ou transmissão
cultural, diz Scriptori (1998).
Entendemos que o conhecimento é um todo indivisível, do qual podemos falar em
aspectos que se aplicam a um mesmo objeto de conhecimento, e que são: o sico,
que adquirimos por descoberta; o lógico-matemático, por invenção; e o social, por
transmissão social. (SCRIPTORI, 1998, p. 27)
Podemos citar, a exemplo de Scriptori (1998), a aplicação desses aspectos no tema
lixo. Teremos, então, a possibilidade de conhecê-lo em seu aspecto físico - quanto aos tipos,
na maleabilidade e origem sendo possível por abstração empírica. Observemos o diagrama,
retirado de Scriptori (1998, p.31):
Figura 3 Aspectos do Conhecimento
Fonte: Scriptori, 1998.
137
No aspecto social, podemos conhecer a palavra LIXO, como composta de quatro
letras: L, I, X, O, compostas nessa ordem, para significar algum produto físico possível de ser
descartado, acondicionado ou reaproveitado em algum outro espaço. Esse conhecimento nos é
transmitido do meio social em que vivemos.
O aspecto lógico-matemático nos permitirá estabelecer relações para identificar vários
tipos de lixo, que estratégias se poderiam usar para acondicioná-los adequadamente ou para o
descarte eficiente. São operações mentais realizadas introduzindo-se relações entre o LIXO e
os fatos problemáticos que possam vir a causar. Isso exige a capacidade de ordenar,
classificar, agrupar, quantificar, inferir, deduzir, o que nos permite tanto conhecer o objeto
LIXO integralmente, como inventar soluções para os problemas causados em torno dele. Esse
tipo de conhecimento só é possível por abstração reflexiva e não simplesmente por
transmissão oral.
O conhecimento social é transmitido pelos adultos do entorno para as novas
gerações, diferentemente do conhecimento lógico-matemático, cuja fonte é o próprio sujeito,
responsável pela construção das coordenações internas de suas ações, as quais, segundo
Scriptori (1998), depois de construídas, jamais serão esquecidas.
Em seu livro Aprender na vida, aprender na escola, Delval (2001) faz uma relação
muito interessante entre os saberes populares ou científicos. Aponta a aprendizagem
necessária para desenvolver-se no meio físico, que diz respeito às ações do homem no meio,
portanto, de caráter prático, técnico. Seu principal papel é aumentar a chance de sobrevivência
do homem no espaço em que vive.
Outro tipo de aprendizagem, muito exigida e cobrada na atualidade, é a
aprendizagem de formas de conduta social, com o principal intuito de dar manutenção às
regras sociais de todos os tipos, permitindo o convívio em sociedade.
Construído sobre os conhecimentos anteriormente citados, aparece a aprendizagem
dos aspectos mais gerais da vida, cuja função é social, pois trata da representação do mundo.
Esses conhecimentos fazem parte do mundo físico, cuja apropriação se dá na prática
ou no convívio com outros sujeitos, mais experientes. São denominados conhecimentos
cotidianos. São de grande importância para a humanidade, pois têm a função de transmitir
empiricamente toda a bagagem construída por sua espécie ao longo do tempo. Algumas
práticas são incentivadas e vão se perpetuando de geração a geração; outras, as condutas
reprovadas por essa sociedade, vão sendo punidas e discriminadas pela mesma.
Por exemplo, os ritos de passagem ainda são instrumentos usados pelas sociedades
tradicionais, que introduzem gradativamente o sujeito na vida social, seguindo um protocolo
138
de consciência coletiva. Atualmente, a aprendizagem solitária o é muito utilizada, talvez
por exigir do sujeito uma maior capacidade de aprender nas relações com o outro.
Para Moreno (2003), há uma fossilização de crenças antigas presentes em nossa
cultura, manifestadas pela linguagem, que demonstram a dificuldade de se instaurar o
conhecimento científico.
O conhecimento transmitido pela escola, por sua vez, incumbia-se de
instrumentalizar as pessoas, ensinando-as a ler, escrever, fazer contas. Com o tempo, porém,
aproximou-se do conhecimento científico, baseado em princípios gerais e desenvolvendo-se
continuamente, conforme afirma Delval (2001).
O grande problema é que a metodologia empregada na escola acaba transformando
esses saberes provisórios em fixos e definitivos, diz o autor. Além disso, usam como
estratégia a memorização e não o entendimento.
Para Delval (2001), no entanto, o grande facilitador da aprendizagem é o respeito
que o aluno devota ao educador, considerando-o alguém apto a ensinar-lhe algo. A
criticidade, porém, é inerente ao conhecimento científico, o que fará com que ele seja capaz
de julgar a pertinência deste ou daquele saber, mesmo quando parta de alguém de sua estima.
Opondo-se muitas vezes, ao conhecimento cotidiano, o conhecimento científico
encontra resistência por parte dos alunos, devido ao fato de contradizer a experiência imediata
dos mesmos. Quando o sujeito se depara com essas contradições, se conseguir enxergá-las,
ocorrerá um conflito que, segundo Piaget (1980), é muito importante, pois propicia a
reorganização das estruturas internas, em busca de coerência, processo esse denominado
equilibração. (DELVAL, 2001).
O conhecimento científico, por sua vez, surgiu na Grécia com os grandes filósofos,
fundamentado na reflexão. Com o tempo foi se distanciando da forma filosófica, tornando-se
o maior avanço alcançado pela humanidade.
Esse conhecimento, conforme afirma Delval (2001), tem como características
fundamentais dois pressupostos: traz um conceito teórico bem organizado, coerente e pode ser
comprovado através de experiências, numa atitude contínua de busca pela melhor
representação da realidade.
A falta de atitude de questionamento, comum a algumas sociedades que s
ão
tradicionalmente submissas, faz com que elas não desenvolvam uma postura científica, como
foi o caso da cultura grega que, embora tenha ditado as bases para a construção da ciência
moderna, no Ocidente, não se ocupou dela na sua civilização. Portanto, segundo Delval
(2001), a tradição não é um critério válido para o desenvolvimento dessas sociedades.
139
Certamente, todo o conhecimento provém de uma tarefa de construção que se tinha
anteriormente; porém, uma parte destacada do conhecimento científico está sempre
em evolução, pelo que podemos considerar que destrói a si mesmo para ir mais
além, para explicar mais. A prova de um conhecimento é sua capacidade
explicativa. (DELVAL, 2001, p. 65)
Ao citar as narrações como um tipo de conhecimento, Delval (2001) salienta que as
mesmas têm um valor universal, pois transcende o acontecimento sobre o qual versa para
referir-se a problemas gerais, além de possivelmente poder ser generalizada para outras
situações.
Portanto, há vários tipos de aprendizagem, assim como veículos para a sua
apropriação. Todos são importantes para a construção das representações sobre o mundo. A
escola pode ter se equivocado quando levou de maneira abrupta o conhecimento científico
para a sala de aula, segundo Delval (2001). Ele ainda acrescenta que talvez se deva dar mais
atenção à contextualização do saber científico.
QUADRO 1 Tipos de aprendizagem
Fonte: DELVAL, Juan, 2001.
3.3 Abstração Reflexionante e a Tomada de Consciência
Piaget (apud Seber, 2001) afirma que, embora as estruturas sejam constantemente
solicitadas pela inteligência, na maioria das vezes o ocorre a tomada de consciência, por
140
falta de uma intervenção pontual e efetiva, o que permitiria desafiar tais estruturas e, assim,
levá-las ao processo de abstração.
Para ele, aí está o problema enfrentado pela pedagogia: encontrar métodos que
permitam o ajuste recíproco entre os conteúdos e as construções de estruturas. Isso permitiria
ao educador a busca de estratégias que fossem capazes de propiciar a tomada de consciência
levando a estrutura de uma utilização não pensada para uma utilização consciente.
O autor afirma que esse sincronismo diminuiria, inclusive, a defasagem
ação/linguagem que, como já vimos, ocorre quando a criança transfere para o plano verbal
aquilo que ela abstraiu no plano da ação.
Andrade (2003) explica que a teoria mais conhecida de Piaget, a dos Estágios, foi
por ele ampliada na Abstração Reflexionante, na qual se depara com os detalhes dos
processos de construção das estruturas. A autora ainda afirma que o processo de abstração por
reflexionamento ocorre a cada instante, causando constantes assimilações e acomodações.
Nesse processo, ela pode retirar elementos de objetos observáveis, sendo considerada uma
abstração empírica.
Na abstração empírica, os esquemas (generalizáveis) e as estruturas (parte mutável)
são reconstruídos, abstraindo do objeto observável, novos elementos. Se ele opera sobre as
coordenações das ações, enriquecendo as propriedades do objeto, então, chamar-se-á de
abstração pseudo-empírica. Esta é de grande importância para que o sujeito apreenda as
operações possíveis sobre os objetos.
As abstrações pseudo-empíricas dão suporte para que ocorra a abstrações reflexivas.
Em sucessivas abstrações, o sujeito reelabora suas estruturas, cada vez num patamar mais
elevado, distanciando-se assim do apoio concreto, do real, para tornar cada vez mais próxima
da reflexão. Embora a ação sobre os objetos e sobre a coordenação das ações não esteja
excluída, fica cada vez mais fácil para o sujeito operar com conceitos, possibilitando a tomada
de consciência e resultando numa abstração refletida. (RAMOZZI-CHIAROTTINO, 1988;
ANDRADE, 2003).
O que o sujeito retira por abstração? Aquilo que ele pode retirar, isto é, aquilo que
seu esquema de assimilação atual possibilita que ele retire. A Abstração está
limitada pelo esquema de assimilação disponível no momento; o esquema
disponível é síntese das experiências anteriores, isto é, das abstrações, empíricas e
reflexionantes, passadas; mas ele pode modificar tal esquema. Ele o modifica por
acomodação. Assim que um esquema de assimilação é percebido como
insuficiente, para dar conta dos desafios, no nível das transformações do real, o
sujeito volta-se para si mesmo, produzindo transformações nos esquemas que não
funcionaram a contento. (BECKER, 2001, p. 47)
141
Portanto, a abstração reflexiva consiste em utilizar certas coordenações com
estruturas já construídas e reorganizá-las em função de dados novos. Ela pode acontecer de
dois modos complementares: primeiro, através do reflexionamento, transpondo para o plano
superior o que foi retirado do plano anterior; ou através de uma reconstrução no plano das
formas ou representações daquilo que foi retirado do plano das ações, num estabelecimento de
relações com o material já existente neste patamar. (RAMOZZI-CHIAROTTINO, 1988).
Este processo pode ser inconsciente inicialmente, mas a partir do momento que
passou para o âmbito das representações, afastado do concreto, originam a tomada de
consciência. O processo de conscientização requer a tomada de consciência em cada etapa.
A tomada de consciência decorre das relações do sujeito com o objeto, passando da
assimilação do objeto a um esquema para a assimilação conceitual, com transformações
contínuas que levam a diferentes níveis de consciência. Para Piaget (1977) nem todo nível de
consciência requer uma conceituação. Partindo daí, classifica como consciência elementar
esse tipo de percepção inconsciente. Esse processo, conforme Piaget, é difícil para o sujeito,
pois pode ser tratada como uma nova assimilação.
Pode haver resistência por parte do sujeito, o ocorrendo a tomada de consciência
até o momento que haja maior resistência do objeto em posteriores relações. Por isso, tanto
Becker (2001) citando Piaget, afirma que a tomada de consciência o se dá por iluminação,
pois ela não ocorre abruptamente, necessitando de um processo para ocorrer.
Tomada de consciência significa apropriar-se dos mecanismos da própria ação, ou
seja, o avanço do sujeito na direção do objeto, a possibilidade de o sujeito avançar
no sentido de apreender o mundo, de construir o mundo, de transformar o mundo
que está aí, se na precisa medida que ele apreende a si mesmo como sujeito, que
ele apreende a sua prática, a sua ação. É porque faz isso que ele consegue se
objetivar. A sua construção do objeto é função da sua construção subjetiva e vice-
versa. A objetivação e a subjetivação são absolutamente correlativas. Com isso
derruba-se, por um lado todo o apriorismo e derruba-se, por outro todo o
empirismo. (BECKER, 200, p.42)
No que diz respeito às questões ambientais, tratadas neste trabalho, a tomada de
consciência tem sido indicada como um dos objetivos da Educação ambiental, em busca de
um sujeito autônomo, crítico, capaz de criar soluções para os problemas que se apresentam.
No entanto, Piaget frisa em seu trabalho a importância do trabalho cooperativo a fim
de favorecer a descentração do sujeito, indo do individual ao coletivo bem como sugerem
142
outros teóricos e estudiosos do meio ambiente. O desenvolvimento da moralidade, portanto,
continua no centro da busca de soluções para uma mudança postural da humanidade.
3.4 Paralelismo entre desenvolvimento Moral e desenvolvimento Intelectual
Num belíssimo texto, em nossa opinião, Piaget (1980) trata dos direitos da criança à
educação, reforçando o papel dela no desenvolvimento da personalidade humana. O artigo ao
qual se refere (art. 26 - Declaração Universal dos Direitos do Homem) especifica ainda que
esse desenvolvimento deve ser acompanhado de respeito aos direitos dos demais indivíduos.
No entanto, salienta que a escola só pode cumprir com tal compromisso quando tem
clara a sua função perante a sociedade. Se optar por transmitir os conhecimentos acumulados
e moldar a personalidade da criança para a conservação dos valores arraigados, abre mão
do fazer pedagógico que colaborará para o desenvolvimento da identidade da mesma, uma
vez que essa tarefa implica em respeito mútuo e cooperação entre as partes.
A constatação que se faz, no entanto, é que o tradicionalismo na educação impõe
métodos e conteúdos bem próximos aos empregados pelos povos primitivos nos rituais de
iniciação. No entanto, eles não têm a pretensão de formar personalidade, sendo de grande
importância para os mesmos a conversão dos mais jovens às representações coletivas, com
objetivo de perpetuar seus hábitos e costumes.
O questionamento feito pelo autor quanto ao ensino escolar diz respeito ao insucesso
da mesma na formação de um sujeito ativo e autônomo. Para alguns, mais tradicionais, o
esquecimento é apenas um percalço do saber, o que importa é que o aluno conheceu todos os
conteúdos.
Ao se propor ao desenvolvimento pleno do sujeito, a escola deve pensar, portanto, na
concepção de ensino, no modelo pedagógico e na epistemologia subjacente para que possa
realizar um trabalho que permite tal incumbência.
Becker (2001) afirma que as abordagens pedagógicas apresentam três modelos
diferentes, cada qual sustentado também por uma diferente epistemologia: o empirismo
(centrado no objeto), o apriorismo (centrado no sujeito) e o construtivismo (centrada na
interação entre sujeito e objeto). Podemos supor, portanto, que nem todos os modelos
pedagógicos privilegiam a construção de uma identidade autônoma intelectual e moralmente,
já que alguns necessitam submeter o indivíduo a pressões, coagindo-o ao respeito unilateral.
143
Para a visão piagetiana, não basta a criança freqüentar uma escola; terá que ser uma
escola que tenha a função de criar todas as oportunidades possíveis para possibilitar a
constituição de um sujeito intelectual e moralmente consciente, pois, segundo Piaget (apud
Seber, 1997) há uma isomorfia e, ao mesmo tempo, reciprocidade entre ambos os
desenvolvimentos.
Na realidade, a educação constitui um todo indissociável, e não se pode formar
personalidades autônomas no domínio moral se por outro lado o indivíduo é
submetido a um constrangimento intelectual de tal ordem que tenha de se limitar a
aprender por imposição sem descobrir por si mesmo a verdade: se é passivo
intelectualmente, não conseguiria ser livre moralmente. (PIAGET, 1980, p. 61)
É de certa forma óbvio que, se os conteúdos contemplarem temas de interesse dos
alunos, trabalhados de forma cooperativa, privilegiando a pesquisa das diversas facetas de tal
tema e com possibilidade de experimentação, o sujeito terá mais chances de reter o
conhecimento dali abstraído. Além disso, essa construção do coletivo para o individual
propiciará a aquisição de instrumentos que poderão ser usados em outras situações. (PIAGET,
1980; Becker, 2001).
Portanto, muito contribui para a aprendizagem um ambiente de colaboração e o
intercâmbio entre os indivíduos, conclui Piaget (1980). Para ele, toda criança com o
funcionamento adequado de suas funções biológicas é capaz de aprender. Se o aprende,
algo pode estar errado com o método, que não favorece a reciprocidade, a cooperação,
respeito mútuo e o exercício da criticidade.
A relação de reciprocidade afetiva e intelectual mais rapidamente surgirá se a criança
estiver envolvida num ambiente sociomoral favorável. Portanto, a relação professor-aluno não
deve ser de autoridade-obediência, mas sim de respeito mútuo e cooperação entre todos. Isso
fará com que o aluno compreenda as razões de determinadas normas, situe o seu ponto de
vista em relação aos demais e tome decisões, como assumir responsabilidades, por exemplo,
ao invés de simplesmente obedecer.
Para Piaget (1980), a Matemática é o campo da aquisição dos instrumentos lógicos,
no qual o sujeito pode realizar ações concretas e reais propiciando a construção de esquemas
que poderão ser aplicados a qualquer outro conteúdo, assegurando, assim, sua autonomia
intelectual. Por isso, alerta também para a necessidade de o professor dissociar as questões de
lógica e as considerações numéricas ou métricas, como se fossem inerentes. Antes de adquirir
a noção de número, a criança precisa construir instrumentos que a torne competente para esse
144
encargo. Para isso, ela precisará construir mecanismos operatórios, o que só ocorre na
atividade junto aos objetos. Aí, então, estará pronta para operar com números.
Assim, segundo Piaget (1980), o objetivo da educação intelectual o é a reprodução
das verdades alheias, e sim a conquista de uma verdade que lhe faça sentido. Essa conquista,
porém, pode ser alcançada com a num ambiente que favoreça a formação moral e trocas
intelectuais organizadas.
Quanto ao desenvolvimento da moral, se não interesse na formação de um sujeito
autônomo, basta que o professor use de autoridade e faça uso de lições de moral e prêmios e
castigos. (PIAGET, 1980).
O contexto sociomoral é determinado pelo adulto. Se o relacionamento professor-
aluno existe numa atmosfera de coerção ou controle, a criança poderá se tornar heterônoma.
A razão de a criança comportar-se desta ou daquela forma, está fora de seu próprio
raciocínio e sistema de interesse e valores pessoais, tornando-se submissa e em conformista,
ou rebelde sem causa.
O modo de pensar das crianças difere qualitativamente dos modos de pensar de
crianças mais velhas e dos adultos. Nesse período, elas são consideradas realistas morais, pois
se fundamentam no que é observável ou real para elas. Por isso, interpretam as regras
literalmente. (DEVRIES e ZAN, 1999).
O realismo moral, segundo Andrade (2003), surge quando a criança se obrigada a
obedecer a ordens às quais não compreende. Mais tarde, esse realismo se apresentará no plano
verbal. Por isso, as crianças costumam julgar o outro com bastante severidade, devido ao fato
de não diferenciar os atos voluntários dos intencionais. Seus atos, no entanto, o
compreendidos em função dessa intencionalidade ou não, o que permite um julgamento
menos severo.
Podem, portanto se prolongar, porém, as crianças mais velhas já conseguem fazer um
julgamento pautado na intencionalidade do ato praticado, em função da responsabilidade
subjetiva. (ANDRADE, 2003).
Piaget (1980) detectou nas crianças a existência de duas morais que, espera-se, que
se sucedam: a primeira é a heteronomia e, consequentemente, o realismo moral, como fruto de
um processo de coação dos adultos de seu entorno. A segunda é a autonomia, que surgirá num
ambiente de cooperação. Dependendo da natureza da atmosfera geral em que essa criança
vive mergulhada, ela aprende de que forma as pessoas devem atuar no mundo, desenvolvendo
ou não a alteridade.
145
Segundo Andrade (2003), a autonomia, no entanto, só surgirá quando a criança
conseguir diferenciar atos voluntários de intencionais, e na busca de coerência nas relações
sociais, gerando o respeito mútuo. Nesse momento, ela não mais precisará de pressões
exteriores para respeitar uma regra, desde que a julgue necessária.
O desenvolvimento, conforme Piaget (1980), é baseado na cooperação, caracterizada
pelo respeito mútuo. A passagem do julgar com base no que é observável para o julgamento
em termos de intenções é descrito por Piaget como progressão desse desenvolvimento
fundada na habilidade crescente de assumir o ponto de vista dos outros. Numa relação
cooperativa, portanto, há maior chance de a criança tornar-se autônoma.
O adulto dá retorno ao respeito das crianças, oferecendo-lhes a possibilidade de
regular seu comportamento voluntariamente. É o exemplo falando mais alto.
Para De Vries e Zan (1999), os trabalhos em grupo são encorajadores, pois levam as
crianças a aceitarem o ponto de vista de outras, além de propiciarem o sentimento de eqüidade
e justiça. O estabelecimento de regras promove sentimentos de necessidade sobre as mesmas,
além de promover sentimentos de posse e comprometimento com os procedimentos e
decisões da sala de aula, levando, assim, a sentimentos de responsabilidade partilhada em
relação ao que acontece na classe quanto ao mútuo entendimento.
Mesmo crianças bem pequenas podem ser envolvidas nas decisões da sala de aula.
As discussões sociais e morais promovem a tomada de posição e raciocínio moral, além de
oferecer uma variedade de pontos de vista. Podem ser utilizados dilemas sociais e morais
hipotéticos, que não são tão emocionalmente carregados, ou da vida real, cujas situações
espontâneas fazem parte do contexto delas, pois para Piaget (1980) os conflitos são decisivos
para o desenvolvimento, tanto o conflito interior quanto o conflito entre indivíduos.
A alternativa construtivista para desenvolver a disciplina é trabalhar com formas
cooperativas que promovam a construção das convicções das crianças sobre como se
relacionar com os outros. Estas formas de trabalho levam ao auto-governo possibilitando o
desenvolvimento da autonomia, pois integram objetivos sociomorais e cognitivos. Adotar um
ponto de vista exige um processo cognitivo de descentralização.
Portanto, a atmosfera sócio-moral de respeito às crianças é aquela que apóia a
construção dos conhecimentos e da inteligência das mesmas, e na qual o interesse é central
nas ações pelas quais a criança constrói conhecimento, inteligência e moralidade.
146
4 REALIZANDO A PESQUISA
Fica decretado que os homens
est
ão livres do jugo da mentira.
Nunca mais ser
á preciso usar
a coura
ça do silêncio
nem a armadura de palavras.
O homem se sentar
á à mesa
com seu olhar limpo
porque a verdade passar
á a ser servida
antes da sobremesa.
(MELLO, T. 1991)
Esta pesquisa foi realizada com a intenção de investigar as concepções dos alunos
sobre os fatores geradores de lixo domiciliar e escolar, bem como o destino que lhes é dado
no município em que vivem, suas concepções sobre os tipos de lixo, diferentes necessidades
de consumo e a possibilidade de reutilização dos resíduos.
Nosso questionamento recaía sobre o tipo de conhecimento que se efetivava, uma
vez que a escola ministra já alguns anos conteúdos relativos à temática ambiental. Além
disso, as informações sobre o tema são amplamente difundidas pelos meios de comunicação.
Trata-se de uma pesquisa descritiva qualitativa que investiga sujeitos entre 10 e 14
anos, oriundos de uma escola pública municipal, com entrevistas semi-estruturadas que
tiveram como referencial o Método Clínico-Crítico piagetiano.
Para tanto, trabalhamos com os seguintes procedimentos:
a) pesquisa documental centrada na análise da literatura sobre o tema produção e
destino do lixo;
b) levantamento das idéias prévias e do repertório cultural dos sujeitos envolvidos,
por meio de questionário e entrevista;
c) análise dos dados coletados com base na problemática apresentada.
Os recursos utilizados para a realização da pesquisa foram: gravador; fitas cassete;
MP3; CD; e microcomputador.
Após as entrevistas, procedemos à tabulação dos dados, buscando
semelhanças/diferenças nas respostas a fim de agrupá-las, para proceder à análise. Optamos
por dividir em níveis os dados agrupados, como apresentaremos mais a diante.
Nas páginas seguintes, procederemos à caracterização dos sujeitos que participaram,
bem como os procedimentos utilizados para coleta e análise dos dados.
147
4.1 Quem são os participantes
O universo da pesquisa compreende alunos da 4ª série do Ensino Fundamental,
denominada, atualmente, no Município de Sertãozinho, como ano, devido à integração da
pré-escola como 1º ano do Ensino Fundamental, em conformidade com a Lei nº. 11.494/2007,
que regulamenta o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de
Valorização dos Profissionais da Educação (FUNDEB 2007 a 2021).
São duas classes na EMEF Waldomiro Gomes, no período da tarde (12h30 às
17h30) contando com 31 (trinta e um) alunos no 5º ano E e 28 (vinte e oito) no 5º ano F.
Tabela 2 Quantidade de alunos entrevistados por faixa etária
As classes têm formação mista e, em grande parte, com faixa etária adequada à série,
com um número restrito de alunos repetentes. A turma do 5° ano E tem um comportamento
que demonstra maior disciplina, porém, demonstram maior dificuldade para tomar decisões
ou escolher caminhos para resolução dos problemas apresentados em sala. Por vezes,
problemas cotidianos, ocorridos fora da sala, ou até da escola, necessitam de intervenção da
nossa parte a fim de serem resolvidos, como o caderno de uma das disciplinas acaba ou
quando perdem dinheiro ou outros bens no pátio da escola.
O 5° ano F age com mais desenvoltura, resolvendo mais facilmente problemas desse
tipo. A intervenção se faz necessária, algumas vezes, por motivos opostos ao da outra classe:
quando suas escolhas não se mostram adequadas. Como quando um dos meninos pegou
dinheiro da mãe para comprar desenhos de um colega da sala, que passava por necessidades
financeiras.
Faixa etária 10 anos 11 anos 12 anos 13 anos 14 anos Total
Número de alunos
5º ano E
12 12 03 03 01 31
Número de alunos
5º ano F
13 10 02 01 02 28
Total de sujeitos 25 22 05 04 03 59
148
GRÁFICO 1 Quantidade de Alunos por Idade
Normalmente, nas escolas públicas, a última classe formada de cada série fica com o
encargo de receber novos alunos, por meio de transferências, reclassificações, etc., nela se
integrando alunos vindos de outras cidades com suas famílias, que buscam emprego nas
usinas canavieiras, existentes em grande quantidade na região.
A clientela provém não do conjunto habitacional denominado Antônio da Costa
Patrão, onde se localiza, mas também dos bairros vizinhos, como Cohab VII, Jardim Nassin
Mamed, Jardim Santa Rosa, Jardim Santa Clara, Jardim Santa Bárbara, Shangri-lá, Primeiro
de Maio, Jardim Bom Sucesso, Jardim Liberdade e Jardim Eugênio Mazer.
Esses bairros são quase que totalmente, compostos por famílias cujas rendas o
provenientes de atividades econômicas agropecuárias relativas à cana-de-açúcar e da rede de
serviços gerada pelos agronegócios. Com isso, surge uma população flutuante que migra
conforme as necessidades locais e pessoais. O reflexo na escola é tanto a matrícula de alunos
fora de época, como a perda de outros, ficando o trabalho pedagógico entrecortado, o que
acaba dificultando um feedback por parte dos alunos do sucesso desse trabalho.
Como sou moradora desse conjunto habitacional, nas proximidades da escola, posso
focalizar o trabalho realizado por ela com certa concretude, embora não imparcialmente,
que estou inserida no meio. Contudo, minha visão de pesquisadora construída na decorrer do
meu percurso profissional e acadêmico, me propicia o distanciamento necessário para a
realização do trabalho de campo e pedagógico.
Quantidade de alunos por idade
38,7
38,7
9,7
9,7
3,2
46,5
35,7
7,1
3,6
7,1
0
20
40
60
10 anos
11 anos
12 anos
13 anos
14 anos
I
d
a
d
e
Quantidade (%)
5º ano E
5º ano F
149
A equipe escolar muito cooperou para a realização deste trabalho de pesquisa, o
poupando informações ou documentos que se fizeram necessários.
Embora a escola tenha como um de seus objetivos trazer a comunidade para uma
parceria que favoreça uma formação integral e compartilhada, a porcentagem de pais que
comparecem, mesmo que para reuniões bimestrais, ainda está longe do que se considera
satisfatória.
Com esses obstáculos, porém, estamos habituados a lidar, o que em nada interferiu
para a realização desta pesquisa. Serviu, apenas, para reforçar alguns pontos discutidos na
fundamentação do trabalho.
Para facilitar a análise, foi organizada uma codificação para os sujeitos entrevistados
aproveitando dados como a série, ordem de chamada e a idade dos mesmos. No entanto, a
partir do sujeito 32, continuamos a numeração na seqüência, uma vez que não haverá
comparação entre as salas. Assim, se pretendemos dar destaque à resposta do 31° sujeito do
5° ano E, sabendo que a classe é composta de 31 alunos e que o sujeito tem 11 anos, o
apresentaremos como SE3111. Para dar ênfase ao próximo entrevistado, sabendo-o primeiro
da chamada do 5° ano F, teremos SF3210. E assim sucessivamente.
A Escola Municipal de Ensino Fundamental Waldomiro Gomes está localizada na
periferia de uma cidade do interior, na região de Ribeirão Preto. Recebe 1206 crianças para as
séries iniciais do Ensino Fundamental, com ciclo de 9 (nove) anos e 124 pessoas para a
Educação de Jovens e adultos (EJA).
São, ao todo, 44 salas de aula, com 16 salas de aula no período da manhã e 16 no
período da tarde, com funcionamento dentro da escola. Sete salas de ano do EF ainda
funcionam na EMEI Profª. Tereza dos Anjos Vilela Teixeira Kaysen, ao lado. O EJA dispõe
de 5 salas no período noturno.
Além das disciplinas da grade curricular, os alunos aprendem uma língua
estrangeira, Inglês, um instrumento musical, flauta, e Informática. Uma vez por semana,
uma hora/aula na biblioteca com uma professora da rede que desempenha o papel de
bibliotecária. Podem, opcionalmente, fazer aula com o professor de dança, no final do
período.
Al
ém da recuperação paralela, os alunos contam com reforço com professor que não o
seu, uma vez que a equipe chegou à conclusão de que isso beneficiaria o aluno, propiciando
novas formas de aprender um dado conteúdo.
150
Há acompanhamento odontológico para as crianças, alimentação balanceada e
cantina. Além disso, os professores podem fazer uso dos diversos recursos didáticos
disponíveis: televisores, DVD, retroprojetor e rádio para o enriquecimento de suas aulas.
Contamos, ainda, com apoio pedagógico de uma coordenadora, com uma vice-
diretora e uma diretora.
4.2 Procedimentos de Coleta de Dados
A entrevista foi elaborada a partir de questionamentos sobre a relação do aluno,
tanto na escola quanto em sua residência, com os resíduos gerados no dia-a-dia, a fim de
conhecermos suas concepções sobre as questões pertinentes ao tema de nosso interesse.
Realizadas por esta pesquisadora, as entrevistas ocorreram individualmente e cada
sujeito respondeu a dez questões básicas, que possibilitavam a formulação de outras
perguntas, conforme o que a criança respondia, com base nos princípios do método clínico.
Duravam, em média, 30 minutos e foram gravadas em fitas cassetes e mp3 para,
posterior transcrição de forma literal. Antes de realizar as entrevistas, fizemos algumas
entrevistas-piloto.
As etapas que precederam a realização da pesquisa foram as seguintes etapas:
a) Estudo e análise das diferentes formas de levantar a relação da criança com o
lixo;
b) Elaboração de questões que permeassem o tema;
c) Seleção das mesmas para a realização das entrevistas;
d) Aplicação de entrevistas-piloto a fim de adequar as questões ou a forma de
aplicá-las, bem como capacitar a pesquisadora;
e) Aplicação das entrevistas nos alunos das duas classes escolhidas;
f) Transcrição das mesmas;
g) Tabulação dos dados;
h)
Identificação de conteúdos das representações a partir das respostas dos sujeitos;
i) Tratamento estatístico de alguns dados.
j)
Análise qualitativa dos dados, baseada nas respostas obtidas na coleta dos
mesmos.
151
Necessário se faz ressaltar que as entrevistas permitem revelar a importância do
conhecimento prévio que o aluno tem sobre o tema. Propõe-se, por isso, além de deixar o
estudante falar livremente, a solicitar justificativas, explicações e, por vezes, a questionar
certa resposta com o intuito de melhor conhecer as idéias que as permeiam.
Coletados e transcritos os dados, passamos a interpretá-los e organizá-los em níveis
propostos pela teoria piagetiana, a saber: Indiferenciação, Diferenciação Progressiva,
Diferenciação. Essa organização seguiu uma ordem crescente de evolução da concepção dos
sujeitos entrevistados.
4.2.1 O Método Clínico Piagetiano
Segundo Scriptori (1998), o Método Clínico foi criado por Piaget a fim investigar as
razões dos fracassos, observados por Binet e Simon nos primeiros testes de inteligência,
realizados em Paris, na França. Desde o começo, portanto, o que interessou a Piaget, não
foram as respostas das crianças em si, mas os processos de raciocínio subjacentes a essas
respostas, tanto certas quanto erradas.
Conforme Scriptori (1998), o método consiste essencialmente numa intervenção
contínua de acordo com as respostas dadas, a partir de hipóteses que o experimentador vai
formulando conforme as ações do sujeito. Com isso, o pesquisador pode descobrir os
caminhos que seu pensamento segue.
É necessário que o entrevistador tente uma aproximação individual, para o sucesso
da aplicação desse todo, interagindo com o sujeito. Deve ter uma postura de quem busca o
sentido das respostas desse sujeito, o que exige do pesquisador grande sensibilidade a fim de
perceber e fazer a leitura das ações e do discurso do sujeito, além de bastante perspicácia para
buscar a comprovação da resposta dada numa pergunta imediata e posterior.
Para esse tipo de entrevista não necessidade de recursos materiais elaborados,
cabendo apenas uma conversa aberta que respeite o curso das idéias do sujeito, com perguntas
pontuais a fim de esclarecer, desvelar o sentido da ação ou da fala do sujeito.
Piaget, segundo a autora, em seus estudos sobre tal método indica cinco tipos de
reações passíveis de observação durante a entrevista, nesse método: crença espontânea, crença
desencadeada, crença sugerida, fabulação, não-importismo.
152
Dessas reações nos valeremos no decorrer da análise dos dados, sendo o ponto mais
forte de intersecção entre nossas entrevistas semi-estruturadas e as entrevistas feitas utilizando
o método clínico piagetiano. Portanto, cabe aqui discorrer sobre essas reações.
O não-importismo pode ser observado quando a criança responde qualquer coisa para
livrar-se do conflito gerado pela pergunta. Isso ocorre quando a pergunta é enfadonha ou a
aborrece. Esse tipo de resposta não interessa ao pesquisador, que não apresenta as
verdadeiras idéias do sujeito.
A fabulação pode ser notada quando a criança se deixa levar pela imaginação,
criando histórias que podem ter a ver com suas idéias, ou não. É um faz-de-conta de pouco
valor para a pesquisa por não manter necessariamente uma relação com o tema.
Na crença sugerida, observamos que a criança responde o que o entrevistador quer
escutar, visto que induz a essa resposta no modo como coloca a questão. Também não
apresenta respostas condizentes com as idéias da criança, devendo ser evitada para o sucesso
do trabalho.
Dizemos que houve crença desencadeada quando a resposta surge da pergunta feita,
no entanto, demonstra ter exigido uma elaboração por parte do sujeito e estar vinculada às
crenças do mesmo. Essas são interessantes para o entrevistador.
Já as crenças espontâneas são as mais interessantes para o pesquisador, pois emitem
as reais concepções do sujeito.
Portanto, há que se ter um cuidado especial na execução da entrevista utilizando o
método clínico-crítico piagetiano, pois, do contrário, as respostas o apresentarão dados
relevantes ou confiáveis.
O entrevistador deve realizar entrevistas-piloto, tantas quanto achar necessário, a fim
de se ajustar ao rigor que tal método solicita. Durante as entrevistas, deve procurar não fazer
pergunta de forma a direcionar a resposta do entrevistado, variar a ordem das perguntas, evitar
perguntas retóricas e entender que o nível de pensamento do sujeito, principalmente no caso
de crianças, difere do dele e algumas palavras ou termos usados podem ser desconhecidos
para ele.
Diante disso, apesar do esforço empreendido nessa pesquisa, temos consciência de
que não utilizamos o todo piagetiano, em todo o rigor que este exige, devido à escassez de
tempo que tivemos, inclusive para nos habilitarmos para essa tarefa. Porém, fazemos questão
de salientar que nos servimos dos princípios de tal método, que se constituiu na base das
entrevistas realizadas.
153
4.3 Procedimentos Metodológicos
Houve necessidade de diversas entrevistas-piloto para que esta pesquisadora se
sentisse apta a realizar as entrevistas que seriam utilizadas na pesquisa. Os vícios de sala de
aula, indicadores de cristalizações da profissão dificultaram em muito o sucesso imediato. Por
vezes, a professora na qualidade de pesquisadora induziu, impacientou-se, perseverou,
provocou, persistiu e alegrou-se.
Essas entrevistas serviram também para aperfeiçoar o instrumento de investigação, o
próprio questionário que serviu de base para as mesmas. Foram selecionadas, através das
respostas, as indagações recorrentes e os termos mais comuns na fala dos sujeitos.
Por fim, a curiosidade da pesquisadora, daquela que espera a resposta genuína,
diferente, surpreendente, falou mais alto e foi possível realizar entrevistas interessantes.
Nossa hipótese inicial era de que os conhecimentos pertinentes à educação
ambiental, embora existissem, não se efetivavam no ensino escolar, por inúmeras razões:
talvez pelo pouco conhecimento dos professores sobre os assuntos pertinentes ao tema meio
ambiente; talvez pelo modo transversal como deve ser trabalhado; ou, ainda, talvez pela
escolha de estratégias desvinculadas do real e concreto, que dificultam a ação sobre os
observáveis e reflexão sobre os não observáveis, necessários à tomada de consciência
posterior.
O que questionávamos era que tipo de conhecimento as crianças tinham construído;
se as crianças sabiam ou o diferenciar os tipos de lixo, se praticavam o que aprendiam,
enfim, suas concepções sobre essa problemática mais específica.
Com os dados das entrevistas em mãos, procedemos às transcrições, parte
extremamente trabalhosa da pesquisa, que exigiu rigor metodológico por parte desta
pesquisadora.
Sabendo da história pessoal e educacional de cada uma desses alunos, foi possível
perceber claramente o quanto há de sucesso na formação dada pela família e no trabalho
pedagógico desenvolvido por todos os educadores com os quais eles interagiram ao longo de
sua escolaridade.
Catalogando em classes as respostas a partir de crit
érios de semelhanças,
conseguimos agrupá-las e quantificá-las, o que deu origem a algumas tabelas e gráficos
apresentados.
Esse material assim organizado tamb
ém nos aproximou da identificação dos níveis
de consciência das crianças, os quais foram organizados seguindo a evolução apresentada
154
pelos mesmos, numa ordem crescente, levando-se em conta os conhecimentos, valores,
atitudes e crenças evidenciadas nas respostas, dado que cada questão privilegia um ou mais
desses itens.
A questão número um, por exemplo, requer o conhecimento do que seja lixo, além
do valor a ele atribuído, juízo esse pertinente à idade pesquisada, conforme aponta Andrade
(2003).
Passamos a apresentar, em seguida, as questões das entrevistas bem como suas
respostas, já em seus devidos veis, procedendo em seguida à análise qualitativa dos dados
obtidos.
155
5 ANALISANDO E DISCUTINDO OS DADOS
Fica proibido o uso da palavra liberdade,
a qual ser
á suprimida dos dicionários
e do p
ântano enganoso das bocas.
A partir deste instante
a liberdade ser
á algo vivo e transparente
como um fogo ou um rio,
e a sua morada ser
á sempre
o cora
ção do homem.
(MELLO, T. 1991
)
Os dados aqui apresentados foram retirados das citadas entrevistas feitas com os
sujeitos participantes, apresentadas como apêndices, a fim de conhecermos suas concepções
sobre produção e destinação de lixo. Tais perguntas levavam a questionamentos sobre alguns
termos usuais no cotidiano escolar e doméstico como: resíduo, lixo, sobra, lixão, reciclagem,
esgoto, e outros que fazem parte do contexto.
Para nossa surpresa, grande parte mencionou, de imediato, termos como coleta
seletiva, reciclagem, esgoto, o que nos fez questionar sobre o modo como ocorrem as
generalizações e posteriores transferências do conhecimento adquirido para outros contextos,
como, por exemplo, o ambiente familiar. Ou seja, como apreendem e, mais tarde, aplicam
esse conhecimento nos diferentes ambientes em que se relacionam.
Concordando com o posicionamento de Logarezzi (2006), que a terminologia
adequada pode contribuir para a ressignificação do conceito, pudemos identificar alguns
termos já bem arraigados no cotidiano das crianças, tais como: lixo, resíduo, material
orgânico, reciclagem, coleta seletiva, etc.
Outra questão que despertou nossa atenção foi o fato de o lixo continuar
estigmatizado, precisando ser afastado dos olhos (e narizes) da população que o gera.
Rodrigues (1998) nos apresenta a fetichização do lixo, uma outra modalidade de
exclusão do mesmo, que trata da culpabilidade atribuída ao lixo em problemas nos quais ele,
na realidade, aparece como um dos coadjuvantes. Cita o caso das grandes enchentes, tão
comuns na atualidade, cuja dimensão vai além do acúmulo e destinação indevida do lixo.
Portanto, ainda para a autora, a sociedade trata da questão do lixo parecendo não compreender
que ele resulta dos modos com que a sociedade se apropria da natureza. Assim, o lixo assume
dois papéis na sociedade: ora, o de impuro, que precisa ser afastado das massas; ora, de
culpado pelas catástrofes ambientais, passando de um extremo ao outro, impossibilitando uma
postura que seja capaz de dar conta do problema real.
156
5.1 Apresentação das Questões
A questão 1 teve como objetivo, levantar as concepções infantis sobre o lixo
doméstico. Dos 59 sujeitos entrevistados, encontramos a seguinte freqüência:
Isso significa que grande parte dos sujeitos entrevistados (63%) tem noção da
diferença existente entre o conceito de lixo e resíduo, mesmo que não use os termos
adequadamente. Portanto, entendem o lixo inservível como descartável e os resíduos citados
por eles como coisas usadas que servem para fazer coisas novas sendo material possível de
ser reaproveitado.
GRÁFICO 2Q1 - Concepções Infantis sobre o
Lixo
63%
20%
10%
7%
Material reciclável
Restos / sobras
Atributo de valor
Sem respostas
Fonte: criado pela autora, 2008.
Esses sujeitos (63%), quando questionados sobre o que consideram lixo, mencionam
materiais passíveis de reciclagem, levando-nos a deduzir que não conhecem as nomenclaturas
adequadas, mas sabem que há diferença, demonstrando isso nas respostas às questões
posteriores.
Tabela 3 O que é lixo na concepção dos alunos
Lixo Doméstico Porcentagem (%)
Material reciclável 63
Restos / sobras 20
Atributo de valor 10,2
Sem respostas 6,8
157
O sujeito SE711 mostrou-se bastante interessado durante todo o período da
entrevista. Estava bastante sereno e respondeu às questões com segurança. Demonstrando
conhecimentos mais sofisticados, com coordenação de ações num nível mais elaborado,
dividiu o lixo em dois grupos: resíduo reciclável seco, que é aquele que pode ser reciclado,
recuperando seus materiais, ou servindo de matéria para outros; e resíduo reciclável úmido ou
resíduo compostável, material que pode ser transformado em nutriente orgânico para a
agricultura, confirmando as nomenclaturas de Logarezzi. (LOGAREZZI, 2006).
Percebemos, portanto, que há um conhecimento construído por transmissão social,
burlando o processo que Furnival (2006) denominou de reconfiguração dos signos. Ou seja,
houve a aquisição por transmissão social de um termo, mas não ocorreu a configuração do
signo.
A fim de pontuar nossa discussão sobre os dados encontrados, apresentamos
fragmentos de entrevista com alguns sujeitos, devidamente codificados, em que se descreve a
intervenção da pesquisadora, (Pesq), e as respostas dos sujeitos, devidamente codificados.
Comecemos pela concepção de lixo de SE711:
(Pesq): O que é lixo pra você? Quais as coisas que você considera lixo?
SE711: É... vidro, é... coisas de cigarro, garrafa, é... materiais orgânicos e...
ai, e só.
(Pesq): O que
é material orgânico?
SE711:
É... coisas que dá pra fazer..., pra fazer esterco.
(...)
Pesq: Voc
ê diz que manda pra reciclagem, né? O que é essa reciclagem?
SE711: Reciclagem, que pode ser reutilizado.
Pesq: Eles reutilizam as coisas que você manda?
SE711:
Ah, algumas não, mas garrafas, casca de fruta, latinha de cerveja
eles usam.
Pesq: Casca de fruta eles usam pra quê?
SE711:
Ai, eles fazem adubo.
Para SF3511, também não houve dificuldade cognitiva em apontar os resíduos como
lixo:
Pesq: Diga-me algumas coisas que você acha que sejam lixo?
SF3511: Copos plástico, papéis, latas...
Dos entrevistados, 15 sujeitos (22%) consideram somente o lixo orgânico como lixo.
É o caso do SE210, que demonstra coerência em sua resposta, quando afirma que sobra de
comida é lixo, assim como os dejetos.
Pesq: O que você considera lixo?
158
SE210: Sobra das comida, de cascas.
Pesq: Coc
ô e xixi pra você é lixo?
SE210:
É.
Pesq: Por qu
ê?
SE210:
Porque ninguém reaproveita ele.
Ou ainda,
SE1711:Restos de comida, coisa estragada, papéis que não presta mais e
madeira quando podre Nem isso.Porque porque pra fazer
campinho de futebol. Aquele negócio que nois apontamos... no apontador.
SE3010: Lixo...é papel, caixas, vidro, plástico, garrafa e...e copos
quebrados. É...plastiquinho de arroz, papel...embalagem da bolacha, e
outras coisas.( Enquanto fala, passa os olhos ao redor. Cita coisas que
nos arredores)
Mais tarde, respondendo sobre as sobras e o lixo do seu almoço, SE210, reafirma sua
posição:
Pesq: E antes de vir pra escola, você come?
SE210:
Como.
Pesq: O que voc
ê come?
SE210:
Arroz, feijão, macarrão, essas coisas... e sobra porque eu não
agüento comer tudo que minha mãe coloca no prato.
Pesq: E ela coloca muito?
SE210:
Coloca. (rsrsrs)
Pesq: E o que sobra no seu prato é sobra ou é lixo?
SE210:
É lixo.
No entanto, pudemos perceber que desses 36 sujeitos que citaram os resíduos como
lixo, muitos não sabem sobre sua destinação, ou o que é feito com ele. O mesmo ocorreu com
os 15 sujeitos que consideram como lixo somente os orgânicos. Para a maioria, os resíduos
vão para o lixão mesmo, assim como os lixos orgânicos e os inservíveis.
Por outro lado, na análise textual encontramos respostas como a de SF3914, que
demonstra um pensamento mais complexo, fruto de reflexão a partir dos significados de valor
negativo atribuídos ao lixo.
Pesq: Eu gostaria que você me falasse algumas coisas que você acha que é
lixo?
SF3914:
Quantas mais ou menos?
Pesq: Quantas voc
ê quiser. O que você considera lixo?
SF3914:
Como assim, objeto? Tantas coisas...
Pesq: Pode falar...come
ça...por algumas coisas...
SF3914:
Armas.
159
Pesq: Você acha que arma é lixo? Por quê?
SF3914:
Ah! Porque com ela, assaltante, ladrão pode matar as pessoas
inocentes
Pesq: Não!
SF3914:
Ah, então tá! Eu acho que é lixo, deixa eu ver, as drogas, a
violência, a falta de educação,que eu tenho às vezes, falar mal da vida dos
outros, essas coisas.
Pesq: Voc
ê acha que isso é lixo?
SF3914:
Hum, hum (Sim) E desperdício de água, também.
Suas concepções sobre dejeto associadas ao lixo são estas:
Pesq: Cocô e xixi é lixo?
SF3914:
Não!
Pesq: Por qu
ê?
SF3914:
Porque...é do ser humano!...É difícil.
Pesq: Dif
ícil o quê?
SF3914:
Ah, falar o que é lixo?
Pesq: Então, cocô e xixi você acha que não são?
SF3914:
Não são.
Pesq: O que significa a palavra lixo pra você?
SF3914:
Uma coisa que não seja de aproveito.
Este sujeito mostra que existe uma ampliação do conceito de lixo que vai além dos
observáveis e isto pode fazer supor certa complexidade operatória. O que percebemos é que,
por analogia, as respostas de SF3914, a mais velha do grupo, se assemelham ao padrão de
respostas registrado por Delval (1998).
Segundo pesquisa realizada por Delval, Del Barrio e Espinosa (1997) sobre os
direitos das crianças, com sujeitos de 10 a 14 anos, esses pesquisadores encontraram três
níveis de respostas surgidas da regularidade das mesmas, demonstrando uma variação de uma
idade para a outra no entendimento de questões relacionadas ao tema direito e a maneira de
solucioná-las.
Os pesquisadores apresentavam uma série de histórias e, depois da problematização
delas, faziam uma série de perguntas. Uma delas foi sobre o direito à educação. No primeiro
nível, com crianças de 10 e 11 anos, a resposta mostrava a crença de que a educação era mais
uma obrigação que um direito. Num segundo nível, a situação era percebida como mais
possível. Entendem a escola como direito, porém ainda não tinham bem clara a definição de
direito. As crianças do terceiro nível (13/14 anos), no entanto, tinham clara essa idéia e
aceitam a escola como um direito mesmo. Isso demonstra que a conscientização sobre
conceitos, como é o caso de direitos, necessita de um longo tempo de construção no qual
devem ser requisitadas as estruturas cognitivas de que os alunos já dispõem, num trabalho
160
pedagógico que interesse a eles e os desafie. A intervenção planejada possibilita o
desenvolvimento da criança, favorecendo a evolução na aquisição de conhecimentos.
Esses dados nos ajudam a reafirmar a importância de um trabalho desafiador na
escola, que possibilite a constante desconstrução/reconstrução das estruturas cognitivas,
passando de um conhecimento menos elaborado para um saber científico.
Outro dado importante retirado dessas pesquisas é que o sujeito não aprende tudo o
que lhe ensinam, nem mesmo do modo como lhe ensinam, elaborando a todo o momento
explicações próprias para aquilo que o rodeia. Suas explicações podem, inclusive, diferir
muito do que se apresenta no mundo real, assimilando com base no que foi capaz de observar,
identificar.
Dentre os entrevistados da nossa pesquisa, apenas quatro (6,8%) disseram
desconhecer o que seja lixo. Dentre eles, citamos o caso de SE2910 que permaneceu alheio
durante todo o período da entrevista. Contudo, pelo fato de afirmarem o saber, o
podemos ter garantias de que não tenham esse conhecimento; pode ser que tenham dado
respostas de não importismo, ou que a pergunta não tenha sido entendida pelos entrevistados.
As respostas de alguns sujeitos, SE1011, SE2311, SF3310, SF3914, mostraram um
nível de abstração que implica em atributos de valor muito subjetivos ao objeto lixo,
relacionando dados que não foram retirados diretamente da ação sobre o objeto em si, e sim
da transmissão social à qual estão expostos sistematicamente.
Pesquisas de estudiosos brasileiros, como Bárbara Freitag e outros, sobre a aquisição
das estruturas lógicas demonstram que as crianças brasileiras não podem ser encaixadas nas
idades dos estágios encontrados nas crianças européias. Dada a nossa cultura, o nível de
solicitação do meio para essas crianças difere muito do nível de solicitação das crianças nos
países europeus. Portanto, com um baixo nível de solicitação para o pensar por si mesmas,
essas crianças atêm-se ao senso comum. Para que ela se torne operatória concreta, dado que
esse processo é contínuo e dialético, muito trabalhado pedagógico intencional a ser
realizado pelos educadores, aproveitando essa rica bagagem.
O caso de SE2311, que responde de forma tautológica, mostra o que afirmamos
acima:
Pesq: O que é lixo pra você?
SE2311:
Lixo é xujera.
Pesq: O que
é sujeira ?
SE2311:
Ah!
Pesq: Que voc
ê olha e fala assim nossa, mas que sujeira?
SE2311: Sujeira é o lixo!
161
O entrevistado SE1011, por sua vez é recorrente e o vai adiante, usando resposta
de perseveração:
Pesq: Fala pra mim alguma coisa que você considera lixo?
SE1011: Lixo é uma coisa ruim que polui o rio, destrói a natureza e morre
muito peixe por causa da poluição que joga lixo no rio.
Pesq: Tá. E o que é lixo, então?
SE1011: Lixo é uma coisa ruim...
O entrevistado SE1311, atribui um valor negativo ao conceito lixo, usando uma
imagem olfativa, que faz parte dos observáveis empíricos:
Pesq: O que é lixo pra você? O que você considera que seja lixo?
SE1311: Um... um lixo fedorento, sujo.
Pesq: Ent
ão, o que você olha e fala assim ah, isso daqui é lixo?
SE1311: Papel, esses papel que fica jogado no meio da rua, sacola...Isso é
lixo pra mim!
Pesq: Xixi e cocô também são lixo?
SE1311:
Hum, hum. (Sim)
Pesq: Por que?
SE1311:
Ah! Porque eles é muito fedorento!
Assim, também, SF3310 atribui valor negativo:
Pesq: O que você considera lixo?
SF3310:
Ah...qualquer coisa que tenha sujeira, ou então a pessoa que não
tem nada a assim com a gente, que joga tudo, qualquer coisa no chão e
só.
A questão 2 foi levantada a fim de descobrirmos qual a idéia das crianças sobre a
reutilização dos resíduos domésticos.
A maioria dos sujeitos parece não conhecer a possibilidade de reutilização dos
resíduos, demonstrando desconhecimento da primeira e da segunda ação dos 3R, que são,
respectivamente, a redução do consumo e a reutilização dos resíduos naquele ou em outro
contexto.
Isso confirma a teoria de Portilho (2005) que diz que o ecocapitalismo, ou mais
atualmente, o desenvolvimento sustentável, exalta a reciclagem como grande benefício para o
meio ambiente, menosprezando a prática da redução e a reutilização dos resíduos, que em
muito afetaria a produção industrial.
162
Tabela 4 Destinação das sobras
Sobras Porcentagem %
Jogam 45,8
Reaproveitam 30,6
Não tem 11,8
Não responderam 11,8
Total 100
Apesar de grande parte dos entrevistados (45,8%) ter mencionado a reciclagem e os
recicláveis, a maioria deles alega não fazer uso dos resíduos, descartando-os após o uso.
Embora SE711 demonstre conhecimento na maioria de suas respostas, percebemos a
incoerência nas suas intenções de ação, que ainda não foram transformadas.
Pesq: Sim, mas o que você faz com sobra e o que você faz com lixo?
SE711: O lixo eu coloco na sacola e a sobra eu coloco em outra, que é pra
separar os dois que é pra ir pra reciclagem.
Pesq: Ent
ão você joga fora tanto o lixo quanto a sobra?
SE711:
Hum...Hum...
Pesq: O que
é reciclagem?
SE711:
Reciclagem, que pode ser reutilizado.
Pesq: Eles reutilizam as coisas que voc
ê manda?
SE711:
Ah, algumas não, mas garrafas, casca de fruta, latinha de cerveja
eles usam.
Pesq: Casca de fruta eles usam pra qu
ê?
SE711:
Ai, eles fazem adubo.
Pesq: Isso tudo
é feito lá na reciclagem?
SE711:
É.
Pesq: Vamos de novo. Voc
ê pega tudo, coloca em sacolinhas....
SE711: É...separadas.
Pesq: Separadas. Aí você pega essas sacolas e põe aonde?
SE711:
Eu ponho...lá fora.
Pesq: Pra quê?
SE711:
Pra eles pegarem.
Pesq: Eles quem?
SE711:
Os lixeiros.
Pesq: A
í os lixeiros levam embora? Pra onde?
SE711:
Pra...as coisas que pra reutilizar pra reciclagem. E as que não,
eles levam....
Pesq: Levam pra onde? ...Pode falar, não tem problema...
SE711:
Para o lixão.
Pesq: Lix
ão? O que é lixão?
SE711:
É onde se joga todo o lixo que não dá pra ser reutilizado.
Pesq: Mas você falou pra mim agora a pouco que mandava tudo pra
reciclagem...
SE711:
As coisas que dá pra usar.
Pesq: E o que n
ão dá pra reutilizar?
SE711:
Papel higiênico usado, fósforos, copos quebrados...e plástico...é...
Pesq: Então é esse lixo que vai para o lixão?
SE711:
É. E mais.
163
Percebemos, aqui, na origem do conhecimento desse sujeito, a transmissão social.
Pesq: E onde fica essa reciclagem, esse lugar que faz a reciclagem?
SE711: ... (gesto de Sei lá)
Pesq: Voc
ê já foi lá?
SE711:
Não.
Pesq: Voc
ê sabe onde é?
SE711:
Não.
Pesq: Voc
ê imagina?
SE711:
Também não.
O reaproveitamento da sobra ocorre de acordo com a necessidade vicária do sujeito e
de seus familiares, tal como pode ser evidenciado na fala de SE2910:
Pesq: Disso que você toma no café da manha deve ter uma sobra e um lixo.
Lixo você já me falou que não sabe o que é, e sobra você sabe o que é?
SE2910: É a metade de um pão.
Pesq: E o que você faz com essa metade de um pão (sobra)?
SE2910: Ponho num saquinho e guardo.
Pesq: Pra que?
SE2910:
Pra comer amanhã.
Outra resposta quanto às sobras que se mostrou bastante interessante, foi a de
SE1711, alegando fazer uso de todos os resíduos em sua casa. Porém, ao fazermos a análise
de suas respostas, o que nos parece é que o termo lixo tem sentido pejorativo para ele, o
compreendendo plenamente o sentido do termo.
Pesq: Ah, então vamos ver! O que é sobra e o que lixo?
SE1711:
Ah, lixo não tem nada.
Pesq: E o que
é sobra? O que significa sobra e o que significa lixo?
SE1711: Sobra? Sobra é quando sobra, guarda e depois, por exemplo, pode
fazer torrada.
Pesq: Disso que voc
ê come nesse café da manhã o que é sobra e o que é
lixo?
SE1711:
O óleo é sobra; não, é lixo, não é sobra. Nada, é lixo, porque é de
comer.
Pesq:
É de comer. Não sobra resíduo nenhum? E as embalagens? Não tem
embalagem nenhuma?
SE1711:
Não, porque é feito em casa.
Pesq: Ent
ão, por exemplo, o leite?
SE1711:
É resto. Quando tem açúcar no fundo do copo.
Pesq: Ent
ão que que é lixo? Não sobra nada de lixo? Desse café da manhã?
SE1711: Não. Quando sobra, minha mãe usa pra torrada.
Pesq: Quando sobra o quê?
SE1711:
É...pão!
164
Suas respostas, muitas vezes, deixam transparecer certo esforço para fazerem suas
hipóteses darem certo. No entanto, analisando sua entrevista como um todo, Vic apresenta
posicionamentos cristalizados de informações transmitidas socialmente, o que auxilia na
explicação de suas concepções, levando-o ainda a sugerir formas, mesmo que equivocadas, de
melhorar o sistema, que julga inadequado.
Esse tipo de conhecimento é denominado conhecimento social e ocorre através da
transmissão cultural, procedendo das pessoas nas trocas efetivadas no processo de
socialização da criança. Permite a construção, por parte dos sujeitos, de representações do
mundo a fim de explicar os eventos da realidade tanto física, quanto social. Essa interação
possibilitará à criança experimentações que colaborarão para o desenvolvimento de estruturas
mentais, cooperando tanto para o desenvolvimento cognitivo quanto da moralidade.
A fala de SE711, quanto ao conceito sobra/resto, é a seguinte:
Pesq: Você almoça antes de sair de casa?
SE711:
Sim.
Pesq: O que voc
ê come?
SE711:
Arroz, feijão...é...às vezes carne, batata.A coisa que tiver de mistura,
a gente manda bala.(risos)
Pesq: (Risos). E voc
ê...disso que come no almoço, tem sobra e tem lixo?
SE711: Hum...Não.
Pesq: N
ão fica nada na mesa?
SE711:
Ah...
Pesq: Sim ou n
ão? Vocês comem tudo? Não sobra nada?
SE711:
Não. Sobra o que não deu pra comer.(Risos).
Pesq: Que houve com o que fica aqui mesa, que não dá pra comer?
SE711: Ah, taca...ou a gente dá pro cachorro...
Pesq: Mas sobra onde isso a
í? Em que lugar?
SE711:
Na mesa.
Pesq: Na mesa? Fica no prato?
SE711:
Não, dentro da panela.
Pesq: Explique melhor...
SE711:
A gente come no prato, só que a gente...o tanto que a gente pegou, aí
a gente pega e come, se não pra agüentar a gente...dá pro cachorro. O
que sobra da panela, se não tiver estragado, que às vezes fica estragado!,, a
gente guarda.
Pesq: Guarda pra qu
ê?
SE711:
Pra...pra (risos) gente de lá, todo mundo comê.
A quarta questão foi feita com o objetivo de conhecer as concepções infantis sobre o
lixo doméstico, que seria o parâmetro para, posteriormente, compararmos com as atitudes
praticadas pelos sujeitos em outro ambiente, o escolar.
165
Com isso, pretendíamos analisar se ocorria generalização do que era abstraído de um
ambiente para outro, acreditando que todas as relações que o sujeito faz interagem entre si,
modificando-o e sendo modificado por elas.
TABELA 5 Destinação do lixo doméstico
Destino do lixo Doméstico Porcentagem
%
Descartam 81,4
Aproveitam 10,1
Sem respostas 6,8
Não sabe 1,7
Total 100
Como podemos perceber, embora os sujeitos mencionem categoricamente os lixos
servíveis, dados como resíduos, conforme a terminologia sugerida por Logarezzi (2006),
81,4 % deles praticam o descarte comum de lixo. Embora SE711, tenha se saído bem na
maioria das perguntas, nessa questão, apresentou uma idéia um tanto confusa de como separar
o lixo em sua casa. Quando as questões eram aprofundadas, exigindo uma complexidade de
pensamento, podíamos perceber essas incoerências, reforçando nossa concepção de que foram
aprendidas apenas com sentido escolar, por transmissão social, de forma desvinculada do real,
da vida fora da escola.
Pesq: Você já viu a mamãe fazendo comida?
SE711:
Já, tanto que aprendi.
Pesq: Voc
ê que faz comida na sua casa?
SE711:
Ás vezes, faço.
Pesq: Quando voc
ê ou a mamãe fazem comida na sua casa, gera um pouco
de lixo? Cascas, sujeirinhas assim na pia...O que vocês fazem com isso que
sobra, esse lixo gerado?
SE711:
A gente taca no lixo.
Pesq: Que lixo?
SE711:
Hum...Taca dentro da sacolinha que fica dentro do lixo lá...
Pesq: E vocês não dão isso pra ninguém,. A mamãe não separa esse lixo?
SE711: Quando dá pra separar, aí ela separa.
Pesq: O que ela separa, por exemplo? Vamos pensar nas casquinhas, e no
resto que ela usou pra fazer a comida...
SE711:
Ah, num saco ela coloca casca de batata, coisa de... e noutro, ela
coloca restinho de carne, que ela tira a pelinha, e...só.
Pesq: P
õe tudo ...onde?
SE711:
Sacola separada ... no lixo.
Pesq: Vai tudo depois pro lixo?
SE711:
É.
166
Pela fala de SE1411, pudemos inferir como sua família lida com aproveitamento das
sobras.
Pesq: Tá. Fala... aí... na tua casa, o que vocês fazem com esse lixo?
SE1411: Quando ela vai fazer...molho assim do tomate, a casquinha do
tomate...da beterraba quando ela cozinha pra fazer a papinha da minha
irmã...da cenoura...hum...
Tem vezes que a gente, e depende do que é...a gente...a minha mãe refoga
tipo o talinho de verdura assim, e faz bolinho. Ou às vezes não tem jeito ela
taca fora mesmo.
Pesq: E como que ela joga? Como sua mam
ãe faz pra jogar coisas fora?
SE1411: A hora que ela termina de tirar do alimento, ela põe dentro dum
saquinho e depois põe dentro de uma outra sacola...pra não ficar com
cheiro depois.
Dentre os entrevistados, SE910 foi o único sujeito a afirmar não saber o que a família
faz com o lixo, o que demonstra que pode ter dado uma resposta de não importismo, ou de
uma alienação quanto a esse assunto.
Ainda na questão quatro, como forma de comparar as respostas, observando a
coerência do pensamento infantil, questionamos sobre a postura da família perante o
armazenamento do lixo doméstico e a destinação do mesmo, conforme se apresenta na tabela
6, acima.
A maioria das crianças (69,5) respondeu que joga tudo junto, demonstrando que, não
ter havido transferência do conhecimento escolar aprendido por transmissão quanto ao
descarte de resíduos. Isso pode significar que tal conhecimento não foi generalizado, portanto
não propiciou transformações nas atitudes cotidianas da família.
Algumas crianças (22%) dizem que o lixo de sua casa é separado, mas ao
aprofundarmos na questão, percebemos um outro modo de separar que não o explicitado por
Logarezzi (2006).
Observemos o pensamento de SE311:
TABELA 6 Acondicionamento do lixo doméstico
Armazenamento do lixo
Doméstico
Porcentagem
%
Tudo junto 69,5
Separado 22,0
Não respondeu 5,1
Não sabe 3,4
Total 100
167
Pesq: Ah. E na sua casa vocês separam... lixo?
SE311:
Separam.
Pesq: Como que voc
ês separam?
SE311:
Separa vidro com vidro, é...separa as garrafa,separa metal tamém.
Pesq: Por que vocês separam?
SE311:
Pra...pra coletar assim, em ordem.
Pesq: Ah! E o que vocês fazem com esse lixo depois de separado?
SE311: Coloca na lixeira, aí o lixeiro passa e cata.
Pesq: Ah. Então vocês separam para o lixeiro mesmo?
SE311:
É. Para o lixeiro.
Embora nos pareça inverossímil, o pensamento de SE311 busca uma coerência, cuja
construção depende das possibilidades de comparação que lhe são oferecidas. Ele sabe que
separam lixo, mas provavelmente não tem uma explicação para isso. Sem possibilidades de
explicação do fenômeno, todo conhecimento torna-se falácia. Contudo, quando solicitado cria
suas hipóteses.
Para Delval (1994) as explicações das crianças diferem tanto em qualidade quanto
em quantidade do pensamento do adulto. Isso se explica pelo fato de as crianças não terem
tido suficientes experiências como os adultos, pois ainda não participam das ocorrências
sociais, como, por exemplo, do trabalho. Além disso, seus instrumentos cognitivos ainda não
estão prontos para compreender a complexidade de relações da vida social.
Observemos como SE1311 lida com tal situação:
Pesq: Você já percebeu que gera um lixo, como, por exemplo, cascas e
folhas. O que sua mãe faz com isso na sua casa? Ela joga fora, dá pra
alguém, separa?
SE1311:
Ela joga fora
Pesq: Como que
é jogar fora na sua casa?
SE1311:
Tipo assim, se minha e tirar a casca da cebola, ela vai lá, põe
no potinho, aí joga fora.
Há aqui, neste caso, uma construção derivada de abstração empírica. Contudo,
apesar disso, temos um outro exemplo nítido de transmissão oral, que está neste outro
fragmento do mesmo sujeito, em que se pode perceber que ele apenas repete o discurso
escolar (ou da mídia), sem compreender suas implicações.
Pesq: Então, como que é jogar fora? Por exemplo, tem outros lixos, né?
Como que vocês jogam fora?
SE1311:
Não. Quando minha mãe pica a cebola que tira a casca, ela põe
dentro de uma sacola.
Pesq: E o papel higi
ênico, e os outros lixos da casa?
SE1311:
Ah, põe numa sacola também...
Pesq: Todo lixo da sua casa vai numa sacola?
168
SE1311: Ela separa assim: as cascas da cebola ela e num potinho, e onde
que é o lixinho, ela põe numa sacola preta.
Pesq: N
ão entendi. Pra que ela separa o lixo?
SE1311:
Pra num afetá o aquecimento global.
Pesq: Mas a casquinha da cebola afeta o aquecimento global?
SE1311: Não sei. Ela separa tudo dentro dum potinho.
Observemos as respostas de SF4610 sobre a mesma questão:
Pesq: Vocês separam arroz e feijão também?
SF4610:
Separa.
Pesq: Por qu
ê?
SF4610:
Porque estraga
Pesq: Voc
ê não põe junto com as outras coisas?
SF4610:
Não
Pesq: Voc
ê já viu a mamãe fazendo isso?
SF4610:
Já, mas se os pobres não passa antes ela joga no lixo
Pesq: Quando eles passam o que você faz?
SF4610:
Minha mãe da comida pra eles, e tem um monte de garrafas
Pesq: Mas eles pegam garrafa pra que?
SF4610:
Pega...
Pesq: Pra que?
SF4610:
Pra ganha dinheiro com reciclagem...
Pesq: O que
é reciclagem?
SF4610:
Reciclagem é o que é velho fica novo
Já SF4910, consegue uma reflexão mais elaborada, explicando os materiais que
separa e o modo como o faz. Essas explicações estão sendo construídas na própria vivência do
sujeito que tem o exemplo familiar e, provavelmente, o diálogo necessário para esclarecer
suas dúvidas.
Pesq: Você viu a mamãe fazendo comida? Você já viu que sobra sujeira:
casquinhas, lixinho. Que sua mãe faz com esse lixo na sua casa?
SF4910: Ela põe dentro duma sacola separada, que ela separa as garrafa de
plásticos, pra usar tudo as garrafas plástico ela prum homem que passa,
ele leva pra reciclagem; as cascas ela põe na lixeira.
Pesq: Como que voc
ês separam?
SF4610:
Não, a gente separa os vidro, os metal também, só.
Pesq: O que sua mãe faz com tudo isso que ela separou?
SF4610:
Os lixo ela põe na lixeira,as garrafas ela pro homem, o vidro
ela também põe no lixo numa caixinha, né, ela pega uma caixinha velha de
papelão, que não serve mais; e o metal ela guarda pro homem também.
Na sua fala típica infantil, SF4410, mostra a organização estabelecida para construir
suas explicações. Divide o lixo em dois grandes grupos: orgânicos e recicláveis. Essa
169
disposição ainda o havia sido tão claramente colocada por nenhum dos sujeitos, embora
houvesse o prenúncio de tal ordem em alguns.
Pesq: Você já viu a mamãe fazendo comida?
SF4410:
Pesq: Voc
ê percebeu que sobra um lixinho quando a pessoa ta fazendo
comida? O que vocês fazem com esse lixinho na sua casa?
SF4410: Nois põe na lixeira
Pesq: P
õe na lixeira?
SF4410:
É
Pesq: Voc
ê falou que separa lixo na sua casa, como é que separa?
SF4410: Nois deixa o lixo reciclável de um lado e orgânico de outro
Pesq: O que você faz com o lixinho de casa?
SF4410:
Nóis pro lixeiro ai ele fala assim: esse daí é reciclável? Ai
minha mãe fala assim: é !
A fabulação, assim designada por Piaget, pode ser vista nas respostas de SF5411:
Pesq: Você já viu a mamãe fazendo comida?
SF5411:
Já.
Pesq: Quando a mam
ãe tá fazendo comida, sobra algum lixo, sobra não, gera
algum lixo na hora de fazer comida, como cascas...
SF5411:
...de alho, cascas de cebola. E também quando minha mãe vai fazer
arroz também, aí, tipo o arroz fica em pé e cai naqueles buraquim que tem
do...do...que pega o arroz pra coar, pra tirar a sujeira. Aí ela pega, lava e
tipo cai quando ela vai colocar na panela, quando seca, e aí tipo cai e a
gente tem que pega, limpa, colocar onde que é colocado, porque se não se a
gente for pegar do chão...
Pesq: Onde
é colocado?
SF5411:
Na lata de lixo, onde que é a comida.
Pesq: Aquela sobrinha, aquela coisinhas que caem da comida voc
ês jogam
nessa lata do lixo?
SF5411:
Porque se a gente colocar na panela de novo...vai ficar... vai ficar
com gosto de lixão. Sujeira...
Pesq: Certo. Cascas, essas coisas que sobram da comida sempre
é jogado
fora? Sua mãe dá pra alguém?
SF5411:
É...não.
Pesq: N
ão. Ela reutiliza?
SF5411:
Como assim?
Pesq: Casca de...sei l
á... talo de comida...
SF5411:
Pra fazer alguma coisa?Não.
Nossa intenção na questão 8 era conhecer as idéias dos sujeitos sobre o lixo escolar e
se eles tinham noção do destino do mesmo. Além disso, possibilitaria a comparação das
concepções e conscientização quanto ao tema nos diferentes espaços: residência/escola.
Um número considerável de alunos (51) citou itens considerados recicláveis ao
responder essa questão.
170
TABELA 7 Concepções sobre lixo escolar
Lixo Escolar Porcentagem%
Pontas de lápis,
serragem, papel
86,4
Sem respostas 10,2
Outros (giz, cascas) 3,4
Total 100
Nessa questão, 86,4 % dos sujeitos reconhecem como lixo escolar apenas objetos
relacionados ao espaço escolar, apontando-os passíveis de reciclagem.
No entanto, percebemos que tais sujeitos construíram tais concepções a partir da ação
concreta, ou seja, no que é observável. Assim puderam aprender mais facilmente o que vivem
do que o que ouvem.
Para Piaget, segundo Becker (2001), agir sobre os objetos propicia a construção de
estruturas de assimilação que, num primeiro momento prendem-se ao concreto, numa
abstração chamada empírica. O fruto dessa experiência, porém, é de grande importância para
um trabalho pedagógico eficaz porque possibilita uma ão de segunda potência, que diz
respeito à ação do sujeito o mais sobre os objetos, mas sobre a coordenação de suas ações,
retirando dessas coordenações as qualidades possíveis. Por exemplo, para SE210, o fato de
sua irmã conhecer a brica de reciclagem veracidade ao tema, torna-o palpável,
concreto, vivencial. Isso demonstra também o poder da interação social e a troca entre os
pares e os adultos:
Pesq: Você falou que reciclam esse lixo. Vocês reciclam alguma coisa?
SE210: Eu acho que sim, porque as mulheres vão tirando o saco e olham se
tem papel, essas coisas...
Pesq: Na escola? Elas tiram da sala de aula?
SE210:
Tiram, catam o saco preto e depois coloca outro saco preto de novo.
Pesq: Agora me diga onde que você acha que vai esse lixo?
SE210: Acho que vão pra alguma pessoa assim ou pra um caminhão.
Pesq: E esse caminhão leva pra onde?
SE210:
Eu não sei, acho que pra fábrica de reciclagem, porque eles têm
uma fabrica de reciclagem também.
Pesq: Voc
ê já foi lá?
SE210:
Não.
Pesq: Como
é que você sabe que tem?
SE210: Porque a Adriana já foi lá também.
Pesq: E ela gostou? Existe mesmo?
SE210: Ah, é legal! Tem assim papel e plástico é tudo diferente.
171
O termo aprendizagem, segundo Delval (2001) relaciona tanto a acontecimentos
simples, como escovar os dentes, fazer comida, quanto aos complexos, como ler ou escrever.
Para o autor, três tipos de conhecimentos são necessários para o desenvolvimento
saudável do homem: aqueles relativos ao meio físico, para a manutenção de sua própria vida;
outros, relativos à aquisição das capacidades sociais, costumeiramente dados como mais
importantes; o terceiro tipo diz respeito a aspectos mais gerais da vida, buscando explicar a
ordem natural e social. A este conhecimento, Delval (2001) acrescenta o conhecimento
escolar.
O questionamento recai sobre a dificuldade que a escola tem em efetivar os
conhecimentos do currículo em contrapartida à facilidade com que as crianças aprendem o
conhecimento cotidiano. Talvez o segredo esteja no fato de que esse segundo se efetiva, na
maioria das vezes, por meio da prática.
Desprezar o conhecimento de mundo trazido pela criança para a escola pode não ser
o melhor caminho para efetivar as aprendizagens através do conhecimento científico, muitas
vezes, tão distante das crenças das crianças.
Para SF5313, a experiência do vivido marca sua explicação, confirmando as idéias
de Becker (2001) sobre abstração empírica.
Pesq: E o que vocês fazem com esse lixo?
SF5313:
Eu coloco dentro da lata de lixo, no classe.
Pesq: Na classe tem uma?
SF5313:
Na classe, tem.
Pesq: Agora eu quero que voc
ê me diga, pra onde, se você sabe, pra onde vai
aquela latinha de lixo da sala de aula, o lixinho que está lá dentro?
SF5313: Vai lá pro... primeiro eles coloca na rua...
Pesq: Quem coloca na rua?
SF5313:
As mulher da escola, num lugar onde fica, os li... coletor pega,
passa, recolhe ele e leva lá no lixão.
Pesq: O que
é coletor?
SF5313:
Ah, tem... ó, um dirigi o caminhão e três coleta, eles passa catando
o lixo pra jogar no caminhão, quando não cabe mais ele pega, abre um
negócio lá pra puxar o lixo pra dentro, pra dentro dum negócio grandão.
Observe que SE3111 recorre ao ambiente da sala para responder a questão. Cita,
inclusive, a casca de banana, que não é tão comum na sala, mas foi visto por ele em alguma
circunstância:
Pesq: Na sua sala de aula tem lixo?
SE3111:
Tem.
Pesq: Que tipo de lixo tem na sua sala de aula?
172
SE3111: Lixo de papel.
Pesq: S
ó papel?
SE3111:
Varias coisas.
Pesq: Que varias?
SE3111:
Casca de banana.
Pesq: Na sala de aula? Porque?
SE3111:
Porque quando da banana lá na escola come na sala.
Pesq: Que mais?
SE3111:
Papel, plástico, quando alguém come chips e joga lá dentro e
papelão, as de caderno e etc.
Pesq: Eles jogam na lixeira da sala de aula?
SE3111:
É.
Essa pergunta, de início os assustava, mas depois se entregavam à imaginação,
dizendo coisas, por vezes, anedóticos. SE3011 cria um termo que parece ter sido inventado
por ele Aterro Sonoro mas que na realidade é produto de abstração empírica. Confirma
isso quando cita o veículo de onde retirou a informação, de segunda mão: televisão:
Pesq: Os outros lixos da sala de aula e do pátio vão pra lixeira?
SE3011: É.
Pesq: Ai o lixeiro passa l
á e pega?
SE3011:
É.
Pesq: E leva pra onde?
SE3011:
Para um aterro.
Pesq: O que
é um aterro?
SE3011:
Aterro é um lugar que é mais longe das casas, eles fazem um
buraco primeiro, jogam o lixo e depois enterram.
Pesq: Por que eles aterram?
SE3011:
Porque fica muito fedô pra quem fica próximo do aterro e fica mais
seguro.
Pesq: Ent
ão eles põem terra pra acabar o cheiro?
SE3011:
É.
Pesq:
E você acha que tem gente que mora lá perto?
SE3011:
Sim. Passou uma reportagem na TV e tem gente que não suporta
mais o cheiro.
Pesq: E porque essa pessoa vai morar l
á perto, então?
SE3011:
É porque antes ela não sabiam que ia ter um aterro lá..
Pesq: Depois que eles fizeram?
SE3011:
É.
Pesq: E qual o nome desse lugar?
SE3011:
Aterro. Aterro Sonoro.
Pesq: Ent
ão todo lixo que é recolhido da cidade vai pra lá.
SE3011: Vai.
Pesq: Aterro? Repete.
SE3011:
Aterro Sonoro.
Outro entrevistado, SF5011, junta dados da percepção sensorial que o remete a
imagens mentais visuais e olfativas:
173
Pesq: O que você viu lá?
SE3011:
Eu vi vários lixo.
Pesq: Num burac
ão?
SE3011:
É, num buraco grande.
Pesq: E como que
é esse lugar? Você gostou, é legal de ver?
SE3011: É..legal de ver.(Risos) Grandão. Um buraco. Agora eles tampou
um pouco.
Pesq: Mas um monte de lixo junto,
é agradável de ver?
SE3011:
Não.
Pesq: Voc
ê falou que gostou? Você achou diferente?
SE3011:
(Risos)... É.
Pesq: Como que é?
SE3011:
É ruim, o cheiro .É cheiro de outras coisa, comida misturada,
aquele cheiro ...é ruim.
Bastante tímido, SF3810, criança sem iniciativa durante as aulas, mostra crer numa
situação porque a mãe deu voz ao fato, confirmando a questão da heteronomia e do respeito
à autoridade dos mais velhos, estudado por Piaget.
Pesq: Tá. Aí o lixeiro passa na rua e pega, e leva pra onde?
SF3810: Pro depósito de lixo.
Pesq: Aonde que
é esse depósito de lixo?
SF3810:
Não sei.
Pesq: Como
é que você sabe que tem depósito de lixo, então?
SF3810: É porque minha mãe já contou pra mim um dia.
A idéia de comparar as concepções infantis do lixo nos espaços casa escola surgiu
quando constatamos a eficácia da experiência do conhecimento físico, comprovada pela maior
facilidade com que as crianças apontavam os resíduos percebidos no ambiente escolar.
Embora o Realismo Moral ainda persista em suas respostas, suas idéias, como
dissemos antes, não são absurdas e apresentam uma coerência compreensível para s,
adultos, que nos aproxima da teoria piagetiana.
O que fica nítido é que a educação escolar escumprindo seu papel de transmissor
dos conhecimentos adquiridos pelos alunos. Contudo, a escola, na sua função social, deve
propiciar a compreensão dos conhecimentos adquiridos em nível escolar e estendê-los para o
nível doméstico. Essa generalização do conhecimento escolar para o contexto familiar
demonstraria que tais sujeitos estariam construindo esquemas, estruturas, que são
generalizáveis, aplicando-os em outras situações similares.
Na nona quest
ão, nosso objetivo era verificar como os sujeitos entendiam a
separação de resíduos, uma vez que haviam citado vários deles na questão número 1.
174
Foi, no entanto, a questão que mais respostas contraditórias apresentou. Quando
perguntados sobre a presença de latões para a separação dos resíduos na escola, a grande
maioria (45,8) respondeu que havia, no entanto, não utilizavam nem viam seus colegas
utilizarem.
Para Piaget (1980), inicialmente a criança raciocina junta dados e aspectos da sua
realidade, justapondo-os sem fazer as devidas ligações. Na sua visão global, liga todas as
informações caoticamente, o que torna seu pensamento vago, difuso, sincrético. Para o autor,
esse sincretismo faz parte do raciocínio transdutivo, típico do pensamento pré-operatório.
Na criança pré-operatória, o que não pode ser visto, o existe. Por exemplo, alguns
alegaram ainda que os latões ficavam fora da visão deles, o que impedia seu uso. É o caso de
SF3414.
Pesq: Que lixo?
SF3414:
Da escola! Eu como, jogo fora... jogo no lixo.
Pesq: Na sua escola h
á latões para separar os lixos?
SF3414:
Tem.
Pesq: Voc
ês usam?
SF3414:
Não.
Pesq: Por qu
ê?
SF3414:
Ah, eles fica jogado! Tá ali, ó! Elas num põe pra...pra usar.
Pesq: Pra usar? Que elas tem que fazer pra vocês usarem?
SF3414:
Ai, por nos lugar... que a gente vê.
A princípio, acreditamos que certas respostas demonstravam criticidade, o que nos
despertou a atenção. Duas crianças disseram que a diretora não exercia sua autoridade, o que
obrigaria os alunos a usarem os latões adequados, sendo que um deles cogitou a hipótese de,
mesmo assim, essa ordem não ser respeitada. Contudo, ao contrário de criticidade, essa
atitude mostra a presença de um alto grau de heteronomia, embora a criança tenha 14 anos.
Observe a fala de Paul, SF5313:
TABELA 8 Destinação do lixo escolar
Destino do lixo Escolar Porcentagem %
Reciclagem/coleta seletiva 45,8
Lixão 13,6
Não sabe 22,0
Sem resposta 18,6
Total 100
175
Pesq: Na sua escola há diferentes latões para diferentes tipos de lixo?
SF5313: Tem alguns lá, mais eles num... num põe lá pra por lixo dentro.
Pesq: Tem na escola...?
SF5313:
Hum, hum (Sim).
Pesq: Quem n
ão põe pra por lixo dentro?
SF5313:
Ah, eles não põe no pátio pra por, jogar o lixo dentro. Fica tudo
lá no canto, lá perto da... do..., onde fica a comida lá.
Pesq: E n
ão pode ser usado?
SF5313:
Ah, pode.
Pesq: Por que voc
ês não usam?
SF5313:
Porque... a gente pega o balde... nas outra lata de lixo, num joga
bem lá dentro.
Pesq: Você sabe se alguém sabe usar aquilo? Os latões?
SF5313:
Hum, hum (Sim).
Pesq: Voc
ê acha que eles sabem?
SF5313:
Sabem.
Pesq: Quem sabe?
SF5313:
Ah, não sei. Muitas crianças.
Pesq: E por que n
ão usam?
SF5313:
Ah, porque eles num gosta. Joga tudo num lugar só.
Pesq: Por que você acha que eles fazem isso? Por que eles querem jogar
sempre num lugar só?
SF5313:
Porque também as diretora pode num fapra eles colocá lá, pra
eles jogá as coisas em lata separada.
Pesq: H
ã? Ela vai falar isso pra ele?
SF5313:
Pode falar.
Pesq: Mas por que ela n
ão fala?
SF5313:
Num sei.
Pesq: Aí, você acha que eles jogam tudo numa lata só?
SF5313:
Hum, hum (Sim).
Pesq: Por que ...?
SF5313:
É.
Pesq: Eles t
êm preguiça?
SF5313:
É, verdade.(Risos)
Pesq:
É isso?
SF5313:
Hum, hum (Sim).
Pesq: Mas se diretora mandar eles jogam direitinho?
SF5313:
Tem alguns que não.
Pesq: Nem se a diretora mandar?
SF5313:
É
Pesq: N
ão vai jogar direitinho?
SF5313:
Tem alguns que não... Tem alguns que sim.
Pesq: Por qu
ê?
SF5313:
Porque eles vão dizer: ah, a diretora é chata, vou jogar onde que
eu quero. Aí eles jogam na lata que eles qué.
Pesq: Ah...
SF5313:
A diretora vai lá e xinga eles depois.
Novamente encontramos respaldo em Piaget (1980), quando nos esclarece a cerca da
construção da moralidade infantil. Segundo o autor, as crianças heterônomas tendem a ser
rigorosas em seus julgamentos, impondo penalidades por vezes severas aos que desobedecem
as regras.
176
Andrade (2003) relata que o realismo moral aparece para resolver a contradição
existente entre ter que cumprir uma regra imposta por outrem e não entender essa regra.
Segundo Piaget (1980), o desenvolvimento da criança passa por dois tipos de moral:
a heterônoma e a autônoma. O sujeito necessariamente passará pela primeira, a heteronomia,
na qual os adultos do seu entorno exercem autoridade sobre ele, usando muitas vezes a coação
como forma de conseguir determinado comportamento.
Nessa relação, a criança aprenderá primeiramente a respeitar a autoridade,
demonstrando heteronomia. Conforme se desenvolve e percebe a coerência entre o discurso e
a ação dos adultos, o temor inicial, que leva ao respeito unilateral e o faz cumprir as regras
cegamente irá se transformando em respeito mútuo. Esse sentimento o leva a prestigiar a regra
não por ela mesma, mas pela compreensão de sua legitimidade e pela valoração de suas
conseqüências. Nesse sentido, será possível que desenvolva uma moral autônoma que o
permita cumprir a regra mesmo na ausência da autoridade que a constituiu.
Se o ambiente em que ela está inserida for preponderante em reciprocidade, respeito
mútuo e cooperação, no sentido de um operando com o outro, muito provavelmente, a criança
desenvolverá uma personalidade autônoma. A autonomia tem como característica
fundamental o reconhecimento do ponto de vista alheio, o que torna o sujeito capaz de se
colocar no lugar do outro. (DEVRIES e ZAN, 1999).
Piaget (1980), no entanto, nos alerta para o fato de que essa passagem de uma moral
para outra não ocorre obrigatoriamente. A heteronomia é necessária nos primeiros anos de
vida da criança a fim de salvaguardar-lhe, já que suas estruturas ainda estão sendo
constituídas num primeiro nível de abstração, a empírica, não possuindo, portanto,
ferramentas que a capacitem a reflexões mais complexas, o que muitas vezes pode por em
risco sua própria vida.
Porém, se o ambiente familiar ou escolar for constituído basicamente de coação,
autoritarismo e punições, a criança não terá oportunidade de torna-se um ser autônomo. Se
perceber que naquele ambiente ninguém respeita regras, também não as respeitará por livre
escolha. Numa relação coercitiva, a criança apenas obedece, tornando-se submissa e incapaz
de assumir uma posição crítica perante os acontecimentos de seu entorno. Retirada a
autoridade, cessa o motivo para que cumpra determinada regra.
Outras, todavia, tornam-se rebeldes, indisciplinadas, mas também incapazes de
assumir um ponto de vista fundamentado.
Portanto, a heteronomia
é necessária, mas não suficiente, para levar o sujeito a uma
moral autônoma. Há que se ter uma relação fundada prioritariamente no respeito e em atitudes
177
coerentes com o discurso, pois a criança pode facilmente captar as incoerências dos adultos,
típicas do faça o que eu falo, mas não faça o que eu faço.
Podemos concluir que um ambiente sociomoral adequado favorece a passagem da
heteronomia para a autonomia. No entanto, pelos resultados que estamos obtendo neste
trabalho, devemos questionar se a escola propicia isso aos seus alunos.
Nos casos analisados, referentes à questão nove (9), percebemos que, embora esses
sujeitos já tenham ampliado seu círculo de relações e estejam num ambiente específico para o
desenvolvimento da moral autônoma, ainda se comportam de forma heterônoma, não
conseguindo resolver, por exemplo, o problema de localização dos latões e/ou necessitando da
imposição de outrem para a utilização dos mesmos.
Um deles, no entanto, percebe a inutilidade da imposição, demonstrando que foi
capaz de operar não somente sobre o concreto, latões, mas também sobre a ação possível de
utilizá-los ou não. Temos uma abstração pseudo-empírica, que pode ainda evoluir para
vários níveis estruturais operatórios, constituindo um rico e importante material de trabalho
pedagógico.
Outra inferência que podemos fazer é a que diz respeito à dificuldade de resolver
problemas cotidianos. Para Ramozzi-Chiarottino (1988), as estruturas superiores operam
seriando, classificando, estabelecendo relações e implicações (causalidade) e localizando ou
inserindo no tempo e no espaço. Se não problemas funcionais com o organismo, talvez as
operações estejam sendo realizadas aquém das suas possibilidades.
A adaptação de um novo conhecimento se realiza através de constantes assimilações,
já que um mesmo objeto pode apresentar diversidade de nuances que podem ser abstraídas
pelo sujeito a cada nova ação-interação. Esse novo conhecimento imposto pelo objeto causa a
resistência necessária para que ocorra a acomodação. Acomodado o conhecimento, ele passa
para outro nível, servindo de base para nova assimilação/acomodação num processo de
movimento dialético.
Na resposta de SF5212, podemos notar certa autocrítica, o que nos faz acreditar que
uma proposta centrada na idéia de autogoverno, apresentado por Piaget (1980), traria ótimos
resultados.
Pesq: Na sua escola tem diferentes latões, latões para diferentes tipos de
lixo?
SF5212:
Tem. Metal, plástico e vidro.
Pesq: E você usa?
SF5212:
Quando é aquelas garrafinha lá, eu uso plástico.
Pesq: E quando é o saco de chips?
178
SF5212: Eu uso plástico.
Pesq: Coloca?
SF5212:
Não, não coloco lá, coloco dentro do saco de lixo lá.
Pesq: Do sacão? Todo mundo põe no sacão?
SF5212:
(Balança a cabeça que sim)
Pesq: Ent
ão, pra que tem tanto sacão de lixo pra separar?
SF5212:
É pra separar, né? Mas ninguém separa...
Pesq: Voc
ê sabe separar?
SF5212:
Quando é garrafinha eu coloco lá, quando eu não uso.
Pesq: E o resto você sabe, as outras coisas?
SF5212:
Sei.
Pesq: Mas não usa?
SF5212:
(Balança a cabeça que não).
Quando solicitados a imaginar sobre o assunto, as crianças nos surpreenderam, pois
foram capazes de levantar novas hipóteses, ao mesmo tempo engraçadas e bem próximas do
real. Nessa questão, por exemplo, alguns disseram que o lixo ia para uma brica, porém não
sabiam onde. SE110 parece clara em suas respostas:
Pesq: E o que você acha que é feito com esse lixo depois?
SE110:
Acho que é mandado pra uma fábrica e manda fazer de novo.
Na questão 10, o nosso interesse recaiu sobre os dejetos e seu destino. Grande parte
dos sujeitos citou o termo esgoto e conseguiu aproximar-se da explicação convencional. No
entanto, pelo fato de 27,1% não responderem ou o saberem explicar o destino dos dejetos,
pareceu-nos um número bastante elevado dentro do espaço escolar.
Questionado, SE3010 explica sua concepção, utiliza uma justaposição de idéias
esparsas, provavelmente oriundas do ambiente escolar, sem conseguir dar-lhes um sentido,
inclusive substituindo um termo por outro (hidratar/tratar). Dada sua incompreensão do que
significa esse termo, passa a repeti-lo, equivocadamente:
TABELA 9 Destinação dos efluentes líquidos
Destino de dejetos Porcentagem %
Esgoto 49,2
Córrego ou Rio 20,3
Não responderam 22,0
Não sabem 5,1
Lixão/Reservatório 3,4
Total 100
179
Pesq: Como é esse esgoto?
SE3010:
É um negócio redondo.
Pesq: E quando sai da sua casa cai nesse lugar?
SE3010:
É.
Pesq: (...)
SE3010:
Vai flutuando até chegar no rio e depois vai indo mais pra frente e
chegando lá, ele vai fazer uma hidratação na água.
Pesq: Quem vai fazer essa hidrata
ção?
SE3010:
Tem tipo um motor lá.
Pesq: L
á no rio?
SE3010:
Não. É onde fica, ah, esqueci. O rio é assim distante mais depois
vai chegando onde vai hidratar a água.
Pesq: Então vai pro rio e do rio é que vai para esse lugar para ser tratado?
SE3010: É.
Para SF4211, na reflexão para buscar respostas, a melhor hipótese é feita a partir da
experiência do que ele vive cotidianamente e do que assiste nos desenhos.
Pesq: Interessante! Agora vou te perguntar outra coisa. Xixi e cocô pra você
é lixo?
SF4211:
É.
Pesq: Xixi e cocô você descarga pra ir embora. Você escova os dentes,
cospe na pia, abre a torneira pra ir embora. Pra onde você acha que vai tudo
isso?
SE3010:
Pro esgoto.
Pesq: O que
é o esgoto?
SE3010:
É um lugar onde passa água suja, fica cocô, xixi, tudo essas coisa...
que a gente usa com água.
Pesq: Como que
é o esgoto?
SE3010:
Ah! É um cano, não é um cano, é um tubo que passa. Que eles
passa, aí a água vai passando no tubo debaixo da terra.
Pesq: E vai pra onde?
SE3010:
Não sei.
Pesq: Você acha que deve ficar ali debaixo?
SE3010:
Eu acho que é.
Pesq: Nos canos mesmo?
SE3010:
Não, nos cano não. Deve ir pra algum lugar.
Pesq: Imagina um lugar. Vamos ver: o que pode ser que acontece com esse
lixo.
SE3010:
Assisti um desenho, mas não sei se é verdade... assisti num
desenho. Eles fica lá em cima os cano, aí cai tudo no mar.
Pesq: Por que você não sabe se é verdade?
SE3010:
Porque passa em desenho, desenho fala isso tudo.
Pesq: Mas você acha que poderia ser assim?
SE3010:
Eu acho.
Na hora da entrevista, SF5610 faz suas cogitações. Por vezes parece estar falando
mais consigo mesmo do que com a entrevistadora, indicando buscar suas respostas na
memória:
180
Pesq: Coco e xixi pra você é lixo?
SF5610:
É.
Pesq: Por quê?
SE3010:
É porque os outros cagam e jogam no lixo, no corgão.
Pesq: A gente joga lá?
SF5610:
Joga.
Pesq: Joga?
SF5610:
Não.
Pesq: Então como assim vai pro corgão?
SF5610:
Porque dá descarga e já vai pro corgão.
Pesq: Vai?
SF5610:
Vai.
Pesq: E como que chega l
á?
SF5610:
É só dá descarga.
Pesq: Como chega lá?
SF5610:
Pelos cano.
Pesq: E de l
á, vai pra onde?
SF5610:
Ah, ixi agora não sei mais não... leva pra, prá rede de esgoto?
Pesq: Do córrego ou do corgo, né, vai pra rede de esgoto?
SF5610: Eu acho que é.
Pesq: E o que é a rede de esgoto?
SF5610:
Ah, meu Deus! Até eu lembrar agora... ixiii.
Pesq: Fala o que você sabe.
SF5610:
Ah não lembro não professora.
A maioria das crianças demonstrou um conhecimento teórico do tema esgoto. As
informações eram variadas e recheadas de aspectos retirados de outros contextos. Termos
como córrego, reservatório, tubulação, foram usados.
TABELA 10 Possíveis destinos para o lixo
Sugestão de Destino Porcentagem %
Deram sugestões 35,6
Acham que está bom 13,6
Não sabem 30.5
Não responderam 20,3
Total 100
79
Sem sucesso, SE2311 demonstra tentar uma construção própria, num processo de
abstração contínuo, mas. Em outros momentos da entrevista, como citado anteriormente,
atribuiu valores aos elementos relativos ao tema.
Pesq: Você tem uma idéia do que a gente podia fazer pra isso não acontecer?
SE2311: Tenho.
Pesq: Fala.
SE2311:
A gente podia separar o lixo e pegar esse lixo e deixar ele entregar
lá na reciclagem.
Pesq: Voc
ê tem uma idéia do que a gente podia fazer pra isso não acontecer?
SE2311: Tenho.
Pesq: Fala.
SE2311:
A gente podia separar o lixo e pegar esse lixo e deixar ele entregar
lá na reciclagem.
Pesq: E com o esgoto?
SE2311:
O esgoto
Pesq: Você falou que vai pro rio, né? Então, o que a gente podia fazer pra
melhorar?
SE2311:
A gente podia...o...
Pesq: Voc
ê tem idéia?
SE2311:
Ah, não tenho, não. O esgoto tem muita sujeira. Não tenho nem
idéia do que fazer.
Já SF5710 junta as vivências da realidade com dados obtidos no passado:
Pesq: Você acha uma idéia boa?
SF5710:
Não, eles deviam fazer igual antigamente num buracão.
Pesq: Você acha que todo mundo devia faze em um buraco?
SF5710: É.
Pesq: Por qu
ê?
SF5710:
Pra não fica suPesqdo muito o esgoto
Pesq: Voc
ê acha que todo mundo devia fazer cocô em um buraco?
SF5710: Não, um vaso sanitário e um buraco grande.
Pesq: Ah, um buraco na casa de todo mundo?
SF5710:
Mas tipo... fazia um buraco no cano pra í tudo pra um lugar longe
Pesq: Porque tem que ser longe?
SF5710:
Porque senão o sol vai batendo e vai começando a fedê e os
bigatos também.
Num dos poucos momentos que ficou sem fabular sobre o tema, SF5411 alega nunca
ter pensado nisso:
Pesq: Você imagina outro lugar melhor pra gente colocar lixo? Por exemplo,
você falou que o navio leva pra esse lugar. Você já pensou que teria outro
jeito pra fazer isso?
80
SF5411: Hum... Na verdade , eu nunca pensei nisso, não.
Para SF4910, há o confronto entre o que acha viável e as opiniões da irmãzinha, pela
qual nutre grande carinho. A opinião da irmã, portanto, é relevante para ela. A dúvida fica por
conta da crença de que o mais velho deve saber mais.
Pesq: Quando você escova os dentes, também cospe no banheiro, também é
lixo?
SF4910:
Não!
Pesq:
Você cuspiu no lavatório, escovou o dentinho. Pra onde que vai
aquela água?
SF4910: Pro corgão?
Pesq: E do cocô e xixi?
SF4910:
Também, né?
Pesq: Vai pro corg
ão? O que é o corgão?
SF4910:
É onde ficam os lixo. Não, os lixo, não. Minha irmãzinha é que
fala, mas ela é pequena, né?. Eu não acredito nela!
Pesq: Ent
ão, pra onde você acha que vai?
SF4910:
Deixa eu ver...não sei. (Rindo)
Pensativo, SF5212 sabe que não está bom, questiona, mas não sugere. Em outro
momento exibe um pensamento crítico com fundamento moral tão expressivo que chega a
emocionar. As informações que usa foram retiradas de notícias vistas na televisão, mas
conseguiu fazer reflexões sobre elas. O que nos parece é que, para esse sujeito, a questão que
ficou da reportagem vista funcionou como os dilemas sociais estudados por Piaget.
Pesq: Você tem outra idéia do que eles poderiam fazer com esse lixo?
SF5212: Ah, a pessoa não pode comer, eles vai e tira de e come, a
sobra boa. Passou na televisão já.
Pesq:
É. Tem gente que vai catar no meio do lixo?
SF5212:
Eles vai lá e tira a sobra boa, que sobra, eles vai e tira e come.
Pesq: O que você acha disso?
SF5212:
Que é errado! Porque tem que ter o trabaio pra eles trabalha, pra
eles ganha e comprá...comprá uma casa e comprá os alimento.
Para Delval (2001) uma narração traz fatos encadeados que transmitem alguma
informação sendo, provavelmente, uma das formas mais difundidas de comunicação humana.
Ainda segundo o autor, essas histórias têm importante papel na manutenção da
sociedade, explicando as coisas, dando exemplos e provocando sentimentos em seus ouvintes.
Tal estratégia foi aplicada na educação durante muito tempo através da leitura de fábulas,
contos infantis e outras formas de narrativa, sendo generalizada pelo sujeito para outras
situações de uma forma que, não sabemos corretamente como acontece.
81
Encerrando esta parte de apresentação dos fragmentos da fala dos sujeitos,
passaremos ao que denominamos de níveis de conscientização sobre o tema aqui estudado.
Relativo a isso, Delval (2001) faz uma crítica, afirmando que a escola o mais
utiliza a narrativa como estratégia, substituindo-a pelo conhecimento científico sem o
adequado preparo.
Há princípio pretendíamos apresentar apenas esse primeiro quadro. Ele foi elaborado
de acordo com o trabalho que Delval costuma realizar, indicando níveis de conscientização
das crianças perante variados assuntos e parecia-nos responder às nossas inquietações.
No entanto, durante a tabulação desses dados, percebemos que a tarefa não era tão
simples, pois algumas respostas, apesar de parecessem demonstrar um nível de
conscientização mais elevado, soavam como chavões usuais nos meios de comunicação e,
muitas vezes, no discurso cotidiano.
Para realizamos essa tarefa, procuramos fazer uma análise baseada no tipo de
resposta dada pelo sujeito, enquadrando-as em níveis por semelhança, como se apresenta:
QUADRO 2 Tipos de respostas
Nível I
Indiferenciação
dos conceitos
O sujeito demonstra não conhecer o tema lixo; não querer responder às
questões; perseverar em suas respostas; fabular sobre o tema lixo.
Nível II
Diferenciação
Progressiva
O sujeito apresenta concepções sobre o tema lixo; responde às questões
sobre o tema, mas de forma básica; demonstra momentos de reflexão,
mesmo que ainda não organize totalmente suas idéias.
Nível III
Diferenciação
Sistemática
O sujeito demonstra ter conhecimento sobre o tema lixo; consegue
estabelecer algumas ligações entre a questão ambiental e a problemática do
lixo; demonstra senso crítico, mesmo que embrionário.
Após tabularmos todos os dados das respostas dos sujeitos, foi possível construir um
quadro global dos níveis de conscientização dos conceitos a que esta pesquisa se refere, os
quais apresentamos, a seguir:
Alguns resultados maciços foram surpresa, mas conseguimos buscar explicações
coerentes. Por exemplo, na questão 1, todos pareciam saber citar corretamente os itens
82
considerados resíduos, inclusive respeitando uma certa ordem., embora confundam a
terminologia (lixo).
Na segunda, houve necessidade de uma reflexão mais subjetiva, uma vez que as
rotinas diferem, de casa para casa. O resultado foi mais uniforme.
Na quarta pergunta, não houve diferenciação sistematizada., pois a mesma solicitava
um grau maior de reflexão, fazendo ligação entre comportamentos: lixo gerado na casa, o que
fazem com ele, se separam. Porém, quando questionados sobre o armazenamento e descarte,
repetem o discurso da escola e da mídia.
Na questão 8, 51 dos sujeitos mostraram conhecer bastante o assunto, o que levantou
em nós suspeita de algum equívoco. Ao analisarmos a questão, percebemos que na sala de
QUADRO 3 Níveis de conscientização
Níveis
Questões
Nível I
Indiferenciação
dos conceitos
Nível II
Diferenciação Progressiva
Nível III
Diferenciação
Sistemática
Q1 4
51
6
Q2
7
27 18
Q4
5
54 ___
Q4
5 41
13
Q8
6 2
51
Q9
24 8
27
Q10
16 12
31
Q11
30 8
21
83
aula há um discurso rotineiro e bem conhecido das crianças, quanto aos resíduos e lixos da
mesma. Portanto, o que há é transmissão cultural. O mesmo ocorre com as questões 9 e 10,
também condizentes ao espaço escolar.
Na questão 11, os sujeitos precisavam sugerir uma nova forma de
armazenamento/descarte. Temos, então, uma elevação no número de indiferenciação dos
conceitos, confirmando nossa hipótese de que o conhecimento não se deu em todos os
aspectos.
Também construímos um quadro identificador de respostas quanto aos tipos de
conhecimento que abordamos por ocasião da fundamentação teórica.
QUADRO 4 Aspectos do conhecimento presentes nas respostas
Tipo de
Conhecimento
Questão
Conhecimento
Físico
Conhecimento
Social
Conhecimento
Lógico-Matemático
Irrelevante Total
Q1
19 28
6 6 59
Q2
36 8 4 11 59
Q4
33 21 - 5 59
Q4
35 17 2 5 59
Q8
32 8 3 15 59
Q9
20 18 2 19 59
Q10
18 23 3 15 59
Q11
14 11 - 34 59
O que pudemos observar
é que nem todo conhecimento se concretiza em nível de
conscientização, podendo ter sido construído apenas na base da transmissão cultural, algo que
a criança aprende de escuta e repete. Um exemplo forte disso é o caso de Thie, SE3010,
84
quando usa termos como hidratar, sem saber o seu real significado, ou ainda, quando cria um
termo Aterro Sonoro por abstração empírica, retirando informação da televisão e
reconstruindo-a, mesmo que de forma equivocada.
As crianças obtiveram sucesso nas questões que não solicitaram reflexões
elaboradas, servindo-se do conhecimento social, transmitido culturalmente.
5.2 Algumas considerações sobre os resultados
Embora tenhamos composto o grupo de sujeitos participantes com alunos
pertencentes a duas classes de 5° ano do Ensino Fundamental, em nenhum momento tivemos
objetivo de compará-los. Apesar de uma das classes ser reconhecidamente mais disciplinada e
apresentar melhor desempenho nas atividades escolares cotidianas, os resultados obtidos
nessa pesquisa demonstraram que ambas as turmas encontram-se no mesmo patamar de
compreensão, com respostas semelhantes aos questionamentos.
Interessante apontar que, por algumas vezes, observamos mais desinibição nos
alunos da classe considerada indisciplinada. Esse dado, todavia, só vem a reafirmar as
pesquisas psicogenéticas construtivistas que indicam não haver correlação positiva entre
sucesso escolar e desempenho da competência social.
Normalmente, nas escolas públicas, a última classe formada de cada série fica com o
encargo de receber novos alunos, por meio de transferências, reclassificações, etc., nela se
integrando alunos vindos de outras cidades com suas famílias, que buscam emprego nas
usinas canavieiras, existentes em grande quantidade na região. Portanto, são crianças que,
embora itinerantes, dispõem de um grande conhecimento de mundo, pois tiveram mais
oportunidades de vivenciar diferentes situações, com experiências vicárias em diferentes
grupos. Além disso, seus familiares contam com a ajuda dos mesmos nos afazeres domésticos
diários.
Disso decorre que, dentre todos os sujeitos entrevistados, à exceção de apenas um
(1), tinham alguma concepção sobre o tema lixo. Alguns demonstraram certa apreensão pelo
fato de quererem dar respostas corretas para as perguntas feitas, confirmando a tese histórica
quanto à colocação da ciência como inquestionável, detentora de verdades absolutas que
deveriam ser transmitidas pela escola. (MORENO, 2003; CASTRO & SPAZZIANI, 2002).
Diante disso, quando o professor, revestido do poder autorizado pela escola, faz perguntas à
criança, ela acredita que deva haver uma resposta certa. Como normalmente não é estimulado
85
pela escola a dizer honestamente o que pensa, busca dar a resposta memorizada ou a negar-se
a fazê-lo, por temor à crítica.
Nosso trabalho na elaboração dessa pesquisa fez com que hoje, após sucessivas
construções, reconstruções e re-significações de conhecimentos, fosse possível compreender o
valor das implicações pedagógicas da teoria elaborada por Jean Piaget. Principalmente pelo
grande respeito que esse pesquisador dirigiu ao pensamento das crianças, em especial, e ao ser
humano.
O processo de reflexão a que fomos levadas faz com que questionemos alguns
comportamentos, respostas prontas e práticas, das cotidianas às mais elaboradas, relativas à
nossa profissão de educadora.
Ao analisarmos as respostas dadas pelas crianças, pudemos constatar vários dos
pontos indicados por Piaget em seu vasto trabalho, o que mostra a contemporaneidade de suas
idéias.
No que diz respeito, por exemplo, ao modo de responder as perguntas, necessitando
do respaldo do professor, o que fica constatado é que um alto grau de heteronomia no
comportamento de tais sujeitos.
Como dissemos anteriormente, embora a heteronomia preceda a autonomia, Piaget
(1980) deixa claro que a transição da primeira para a segunda, muito provavelmente, só
ocorrerá se a criança estiver envolvida num ambiente sociomoral favorável à sua aquisição.
Um ambiente de respeito mútuo, reciprocidade e cooperação tem relevante papel
dentro da teoria construtivista porque favorece a construção de uma lógica do pensamento.
Demonstrando a superação do egocentrismo, comum nos primeiros anos de vida, a
cooperação surge como a capacidade de refazer o percurso do pensamento de outro sujeito,
deslocando-se do seu ponto de vista e colocando-se no lugar do outro. Portanto, pressupõe a
autonomia dos sujeitos em questão.
Segundo Piaget (1973, p.105), "... cooperar na ação é operar em comum, isto é,
ajustar por meio de novas operações (qualitativas ou métricas) de correspondência,
reciprocidade ou complementaridade, as ações executadas por cada um dos parceiros.
Se na colaboração o que ocorre é a interação com troca de pensamento sem, no
entanto, ocorrer uma estrutura operatória, na cooperação é necessário a formação de vínculos
e a reciprocidade afetiva entre os sujeitos envolvidos no processo de aprendizagem, o que dá
qualidade ao mesmo, fazendo com que os mesmos interiorizem as regras e haja uma
verdadeira colaboração entre as partes.
86
6 IMPLICAÇÕES EDUCACIONAIS
A maioria das implicações pedagógicas com as quais concordamos foram sendo
explicitadas no decorrer do capítulo 5, por ocasião dos comentários apresentados. Contudo,
queremos acrescentar outras reflexões que surgiram com a realização deste trabalho de
pesquisa e análise.
Ficou patente que o conhecimento do meio físico é de grande importância para que o
homem possa usufruir de suas possibilidades sem onerar as futuras gerações. Ficou patente
também que esse conhecimento se dá pela ação experiencial do sujeito nesse meio, contudo,
isso não significa que podemos desconsiderar a existência de outros fatores que intervém na
constituição do sujeito e do saber, ou seja, as relações indivíduo sociedade meio.
Uma educação que se proponha a preparar o indivíduo para enfrentar as
adversidades que já se apresentam e ainda capacitá-lo para uma mudança de postura deve
propiciar a conscientização e criticidade de seus alunos quanto a esses fatores. (BRUGGER,
1994).
Para Guimarães (2001), a população vem se tornando mais consciente ao longo do
tempo, despertada pelas ações ambientais informais. No entanto, para Brugger (1994), a
educação ambiental tem sido aplicada de uma forma tão técnica que mais se assemelha a um
adestramento, tendo como objetivo adequar o indivíduo ao sistema social vigente,
compactuando com as injustiças dessa estrutura social.
Tal adestramento, segundo a autora, se dá de duas formas: na compartimentalização
dos conhecimentos, desfragmentando partes de um todo a fim de dificultar seu remonte; e na
ênfase da memorização, o que impede o indivíduo de refletir, sintetizar, avaliar, e tornar-se
crítico perante a realidade que se apresenta.
Algumas práticas educativas corroboram para que esse adestramento se concretize,
quando não se preocupam com a compreensão do educando, apresentando visões cristalizadas
que não oportunizam o desenvolvimento da autonomia por parte do sujeito que aprende.
Ao transmitir conhecimentos prontos e distantes daquilo que a criança pode
compreender, a escola deixa de preparar o sujeito para a realidade, para os novos problemas
que surgem dia após dia devido ao progresso desordenado que ocorre no planeta.
Uma prática que faça pensar exige que o educador crie um ambiente desafiador, que
possibilite à criança levantar hipóteses, conceber idéias, enfim, raciocinar sobre o real.
87
Para Guimarães (2001), uma prática que se prenda aos conteúdos por si só,
descontextualizando-o da realidade, estará desprezando o conhecimento como instrumento
gerador de novos valores e atitudes que podem ser transformadores para a sociedade futura.
O planejamento participativo é a opção sugerida por Guimarães (2001) como forma de
superar a fragmentação do saber, um dos principais obstáculos para a efetivação da Educação
Ambiental, na visão do autor. Através dele, seria possível alcançar a interdisciplinaridade,
incentivada pela postura integrada do grupo.
O planejamento participativo é uma [...] forma de trabalho comunitário que se
caracteriza pela integração de todos os setores da atividade humana, numa ação
globalizante, com vista à solução de problemas comuns. [...] essa forma de ação
implica numa vivência de pessoas que discutem, decidem, executam e avaliam
atividades propostas coletivamente. (LOPES, 1990 citado por GUIMARÃES, 200,
pp. 44/45)
O trabalho pedagógico para a consciência ambiental deve ocorrer de modo que, ao
final das atividades, os alunos tenham um entendimento a respeito. O aumento do volume do
lixo está relacionado à industrialização de embalagens e descartáveis e ao tipo de vida
solicitado pelos tempos modernos, quando antes a população vivia de atividades de
subsistência, como: caça, pesca e agricultura.
O questionamento sobre que motivos materiais estranhos ao ambiente passam
muitas vezes sem serem notados por nós e pelas outras pessoas, leva à reflexão sobre o
comportamento da sociedade pode mudar a postura do aluno.
Quando trabalhando com um tema específico, como este aqui apresentado,que se
buscar a contextualização com a realidade do sujeito, bem como destrinchar o conteúdo em
suas diversas nuances a fim de oportunizar a aprendizagem consciente para a diversidade de
modos de aprender presentes na sala de aula.
Saber que o acúmulo indevido de lixo pode atrair animais que são vetores de
doenças, além de provocar mau cheiro e poluição visual é necessário, mas não suficiente para
que as pessoas envolvidas na problemática mudem suas posturas diante da situação. Mais que
isso, o trabalho intencional, planejado, com vistas a conseguir oportunizar a conscientização
deve possibilitar o contato do aluno com essa realidade próxima a fim de que ele possa passar
pelo processo de construção, primeiramente empírico, necessário à posterior formação do
pensamento sobre o tema, o que poderá le-lo a tomadas de consciência.
Possível, ainda, solicitar dos alunos sugestões sobre maneiras de evitar que essas
situações se repitam. Fazê-los pensar sobre a questão e buscar soluções propícias à construção
88
de esquemas que, provavelmente, serão úteis na resolução dos problemas cotidianos deles,
confrontando as informações que os alunos já possuem com as elaboradas no trabalho da sala.
Para Delval (2001), a análise da realidade social é a melhor maneira de ajudar os
jovens a compreenderem o mundo social.
Embora a transmissão cultural e educativa que o sujeito recebe seja de grande valor
para o desenvolvimento do mesmo, por si só não possibilita a construção de conhecimentos,
tornando-se apenas oportunidade de aquisição de um amontoado de informações que se
perderão com o tempo. Isso só não ocorrerá se houver uma assimilação dos novos saberes e se
estiverem apoiados em estruturas anteriormente adquiridas. (PIAGET, 1973).
Portanto, deve-se cuidar para que o trabalho com a realidade social vá além da
transmissão cultural, sendo aproveitada como os dilemas apresentados por Piaget como
importantes para a constituição da moralidade na criança e constantemente relembrados por
Delval em seus estudos.
Leituras atuais confrontadas com mais antigas vão mostrar aos alunos que a
problemática ambiental vem progredindo de forma a necessitar de imediatas providências,
impelindo a uma mudança de postura das sociedades planetárias.
O professor pode orientar seus alunos na realização de um diagnóstico dos
problemas enfrentados pela comunidade e, posteriormente, leva-los à reflexão sobre as causas
de tais problemas. É possível que se chegue a conclusão de que muitos deles estão
relacionados à temática ambiental e que grande parte pode ser resolvido a partir de uma
mudança comportamental. Esse modo de trabalhar desmonta toda uma visão fatalista que
alguns imprimem a este assunto, dificultando ainda mais o modo da sociedade lidar com a
situação.
A apresentação das nomenclaturas coerentes muito colabora na ressignificação dos
conceitos. Então, o mais apropriado é esclarecer para os alunos qual o objetivo do trabalho e
pesquisar com eles quais as perspectivas que podem ser privilegiadas. Na descoberta das
diferentes visões que os teóricos têm sobre determinado assunto poderá surgir a descentração
e um único ponto de vista (nessa idade, o deles mesmos), possibilitando um trabalho que
desenvolva a moralidade ao mesmo tempo em que permita o desenvolvimento cognitivo.
O papel do trabalho cooperativo é justamente esse: possibilitar a interação com
diversos olhares para uma mesma questão para o desenvolvimento do respeito mútuo a partir
do deslocamento do ponto de vista do sujeito para o dos demais envolvidos.
Interessante também seria apresentar os resultados conseguidos pelos alunos à
comunidade, chamando seus pais para assistiram a uma palestra ou outra forma de divulgação
89
dos trabalhos. Os alunos, neste caso, seriam os multiplicadores dos conhecimentos adquiridos,
o que não deixaria cair no esquecimento as questões analisadas, além de propiciar a busca de
pares para a resolução de um ou outro problema, pois seriam sensibilizados pela proximidade
que têm com o assunto, a questão seria relevante para ele.
Enfim, o educador poderá buscar meios para sensibilizar os alunos e demais
integrantes da comunidade escolar quanto à questão ambiental, despertando o interesse desses
sujeitos para a reflexão e posterior ação em busca da resolução dos problemas.
90
REFERÊNCIAS
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Instituto Presbiteriano Mackenzie, Universidade Mackenzie. Vol.3 n° 3, julho/setembro
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Carlos: EdUFSCAR, 2006.
94
APÊNDICES
95
APÊNDICE A Roteiro para a entrevista
EM CASA:
1- Investigar o conceito de lixo para a criança: Diga-me algumas coisas que você acha
que seja lixo. Você acha que xixi e cocô também é lixo? E o que mais é lixo para
você?
2- Você se alimenta depois que se levanta? O que você costuma comer? Conte-me o que
é Sobra e o que é Lixo, disso que você comeu? (Por ex: às vezes comem uma fatia de
pão e guardam a sobra; passam manteiga e guardam a sobra...)
3- E antes de vir para a escola, você almoça? O que você come? Que sobras resultam
daí? E que lixo resulta daí?
4- Ao se fazer a comida a gente gera algum lixo como, por exemplo, cascas e
folhas. Na sua casa, o que vocês fazem com esse lixo? (Colocam tudo junto, separam,
dão para outras pessoas?) O que fazem? Como armazenam? Como descartam?
NA ESCOLA:
5- Você costuma comer na escola? Toma merenda feita na escola ou compra coisas na
cantina?
6- Se toma merenda: Qual sua merenda preferida? Quando sobra, o que você faz?
7- Se compra na cantina: o que você geralmente compra? Se chips, chicletes, pirulito,
balas, etc., o que você faz com embalagem ou resíduo quando acaba? Onde você descarta?
Como?
8- E na sala de aula tem lixo? Quais? Para onde você acha que vai o lixo da sala de aula
(papéis, serragens, plásticos etc.)?
9- Há latões para os diferentes tipos de lixo na sua escola? Você sabe para onde ele vai?
Você sabe o que se faz com esse lixo separado? E os demais que não são separados,
por exemplo, restos da merenda, você tem idéia de para onde vai?
NA COMUNIDADE: (sistema sanitário) (Investigar o destino dos dejetos urina, fezes,
escovação de dentes, etc., a partir das perguntas.)
10- Para onde você acha que eles vão depois que você dá a descarga ou cospe na pia?
11- Para onde você acha que vai o lixo que o lixeiro recolhe das casas?
12- Você acha que teria um outro lugar para a gente despejar esses dejetos?
96
APÊNDICE B Autorização da Instituição Escolar
AUTORIZAÇÃO
Eu, ________________________________________________, diretora da EMEF
Waldomiro Gomes, autorizo que as atividades realizadas na escola com os quintos anos E e
F, sejam gravadas e/ou filmadas, para que possam se constituir como dados a serem
analisados para a Dissertação de Janete de Araújo Silva Mello, denominada Conhecendo
as idéias das crianças sobre produção e destinação do lixo doméstico e escolar,
desenvolvida no Programa de Pós-Graduação em Educação - Mestrado, do Centro
Universitário Moura Lacerda. O trabalho resguardará o devido sigilo quanto à identificação
dos alunos envolvidos.
Sertãozinho, _________ de ________________________ de 2007.
________________________________
Assinatura
97
APÊNDICE C Termo de consentimento livre e esclarecido dos pais para entrevista
AUTORIZAÇÃO
Eu, _______________________________________________________________________,
responsável por _____________________________________________________________,
autorizo sua participação no projeto de Pesquisa Conhecendo as idéias das crianças sobre
produção e destinação do lixo doméstico e escolar , bem como os registros sobre sua
atuação, que serão utilizados na Dissertação de Mestrado de Janete de Araújo Silva Mello,
aluna do Programa de Pós-Graduação em Educação Mestrado, do Centro Universitário
Moura Lacerda, resguardando-se o devido sigilo quanto à identificação de meu filho (a).
Sertãozinho, 01 de agosto de 2007.
_____________________________________
Assinatura do Responsável
98
APÊNDICE D - Participantes da pesquisa 5º ano E
Sujeitos
5ª série E
número idade código
Adri
SE
1 10 SE110
Adrie
SE
2 10 SE210
Al
SE
3 11 SE311
Ali
SE
4 10 SE410
Ang
SE
5 11 SE511
Ant
SE
6 10 SE610
Bea
SE
7 11 SE711
Bren
SE
8 12 SE812
Ca
SE
9 10 SE910
Doug
SE
10 11 SE1011
Franc
SE
11 10 SE1110
Gabr
SE
12 10 SE1210
Ia
SE
13 11 SE1311
Ing
SE
14 11 SE1411
Jess
SE
15 10 SE1510
Jon
SE
16 12 SE1612
Jos
SE
17 11 SE1711
Josh
SE
18 10 SE1810
Kam
SE
19 10 SE1910
Leon
SE
20 11 SE2011
Let
SE
21 10 SE2110
Lil
SE
22 13 SE2213
Lu
SE
23 11 SE2311
Man
SE
24 12 SE2412
Mar
SE
25 13 SE2513
Marc
SE
26 13 SE2613
Pau
SE
27 14 SE2714
Ped
SE
28 11 SE2811
Rod
SE
29 10 SE2910
Thie
SE
30 10 SE3010
Wall
SE
31 11 SE3111
99
APÊNDICE E Participantes da pesquisa 5º ano F
Sujeitos
5ª série F
número idade
código
Ab
SF
32 10
SF3210
Alb
SF
33 10
SF3310
Ang
SF
34 14
SF3414
Brie
SF
35 11
SF3511
Dav
SF
36 12
SF3612
Dou
SF
37 11
SF3711
Edu
SF
38 10
SF3810
Eli
SF
39 14
SF3914
Éri
SF
40 10
SF4010
Est
SF
41 10
SF4110
Gabr
SF
42 11
SF4211
Gio
SF
43 11
SF4311
Jac
SF
44 10
SF4410
Joy
SF
45 10
SF4510
Jul
SF
46 10
SF4610
Kat
SF
47 11
SF4711
Let T
SF
48 10
SF4810
Lig
SF
49 10
SF4910
Luc
SF
50 11
SF5011
Nay
SF
51 11
SF5111
Ney
SF
52 12
SF5212
Paul
SF
53 13
SF5313
Quer
SF
54 11
SF5411
Ray
SF
55 11
SF5511
Sam
SF
56 10
SF5610
Vic
SF
57 10
SF5710
Well
SF
58 11
SF5811
Will
SF
59 10
SF5910
100
Catalogação na fonte elaborada pela Biblioteca do
Centro Universitário Moura Lacerda
Bibliotecária Gina Botta Corrêa de Souza CRB 8/7006
Mello, Janete de Araújo Silva
Conhecendo as idéias das crianças sobre produção e destinação do lixo
doméstico e escolar / Janete de Araújo Silva Mello. -- Ribeirão Preto, 2008.
126p.
Orientadora: Profa. Dra. Carmen Campoy Scriptori
Dissertação (Mestrado) -- Centro Universitário Moura Lacerda, 2008.
1. Conhecimento escolar. 2. Educação ambiental. 3. Autonomia. 4.
Consumismo. I. Scriptori, Carmen Campoy. II. Centro Universitário Moura
Lacerda. III. Título.
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
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