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Livro Forum Brasil de Educacao.p65 17/1/2005, 16:441
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UNESCO 2004 Edição publicada pelo Escritório da UNESCO no Brasil
Os autores são responsáveis pela escolha e apresentação dos fatos contidos neste livro, bem
como pelas opiniões nele expressas, que não são necessariamente as da UNESCO, nem
comprometem a Organização. As indicações de nomeseaapresentação do material ao longo
deste livro não implicam a manifestação de qualquer opinião por parte da UNESCO a respeito
da condição jurídica de qualquer país, ter ritório, cidade, região ou de suas autoridades, nem
tampouco a delimitação de suas fronteiras ou limites.
Education Sector
Division of Educational policies and Strategies
Section for Support for National Educational Development/ UNESCO-Paris
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edições UNESCO
BRASILBRASIL
BRASILBRASIL
BRASIL
Conselho Editorial da UNESCO no Brasil
Jorge Werthein
Cecilia Braslavsky
Juan Carlos Tedesco
Adama Ouane
Célio da Cunha
Comitê para a Área de Educação
Alvana Bof
Célio da Cunha
Candido Gomes
Marilza Machado Regattieri
Revisão: Maria Vicentini Sampaio
Assistente Editorial: Rachel Gontijo de Araújo
Degravação: Tereza Cristina Raposo Soares e Regina Mesquita Santiago
Diagramação: Fernando Brandão
Apoio Logístico: Alessandra Britto e Vera Lúcia dos Santos
Projeto Gráfico: Edson Fogaça
Apoio técnico: Juliano Sousa Matos
Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura
Representação no Brasil
SAS, Quadra 5 Bloco H, Lote 6,
Ed. CNPq/IBICT/UNESCO, 9º andar.
70070-914 – Brasília – DF – Brasil
Tel.: (55 61) 2106-3500
Fax: (55 61) 322-4261
Conferências Fórum Brasil de Educação. – Brasília : CNE, UNESCO Brasil, 2004.
448p.
Encontros Nacionais e Regionais do Fórum Brasil de Educação.
1. Educação e Trabalho – Participação Social – Brasil 2. Financiamento da
Educação – América Latina 3. Educação Superior – Sociedade da Informação
4. Educação Superior – Tecnologia Educacional 5. Educação Superior – Reforma
Educacional – Brasil 6. Educação Superior Aspectos Sociais 7. Educação –
Violência – Globalização 8. Formação de Professores 9. Qualidade Educacional
10. Políticas Educacionais 11. Discriminação Educacional 12. Educação Indígena
13. Democratização da Educação 14. Discriminação e Educação 15. Diversidade
Cultural I. UNESCO II. Título.
CDD 370
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CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO
Presidente: José Carlos Almeida da Silva
Câmara de Educação Básica
Presidente: Francisco Aparecido Cordão
Vice-Presidente: Nelio Marco V. Bizzo
Arthur Fonseca Filho
Ataíde Alves
Carlos Roberto Jamil Cury
Francisca Novantino Pinto de Ângelo
Francisco das Chagas Fernandes
Guiomar Namo de Mello
Kuno Paulo Rhoden
Neroaldo Pontes de Azevedo
Sylvia Figueiredo Gouvêa
Pe. Paulo Balduíno de Sousa Décio
Câmara de Educação Superior
Presidente: Éfrem de Aguiar Maranhão
Vice-Presidente: Edson de Oliveira Nunes
Arthur Roquete de Macedo
Francisco César de Sá Barreto
Jacques Schwartzman
Lauro Ribas Zimmer
Marília Ancona-Lopez
Nelson Maculan Filho
Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva
Roberto Claudio F. Bezerra
Teresa Roserley Neubauer da Silva
Secretário-Executivo
Ronaldo Mota
CNE
Conselho Nacional de Educação
Endereço: SGAS – Av. L2 – Quadra 607 – Lote 50 – 1º Andar – Sala 122
CEP: 70.200-670 – Brasília-DF
Telefones: (0xx61) 244-0668 / 443-8099 • Fax: (0xx61) 244-0890
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SUMÁRIO
Apresentação................................................................................................... 11
Abstract ............................................................................................................ 15
PARTE I
ENCONTROS NACIONAIS DO FÓRUM BRASIL
DE EDUCAÇÃO 2003
I ENCONTRO NACIONAL
Formação para a Cidadania e o Trabalho:
os Compromissos da Educação Básica
Apresentação................................................................................................... 21
Pronunciamento do Ministro da Educação, quando da instalação
do Fór um Brasil de Educação .................................................................... 23
Cristovam Buarque
Educación, Ciudadania y Competitividad en America Latina ........... 27
Juan Carlos Tedesco
Programa de Mobilização Nacional por uma Nova Educação
Básica: uma consulta à sociedade.............................................................. 43
Francisco Apar ecido Cordão
Guiomar Namo de Mello
II ENCONTRO NACIONAL
Os compromissos da Educação Superior e seu papel na
sociedade do conhecimento
Apresentação................................................................................................... 55
A universidade e a produção do conhecimento...................................... 57
Renato Janine Ribeir o
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8
A Universidade e seus compromissos: a contribuição da tecnologia ..... 71
Maria Inês Bastos
Urgências da Universidade Brasileira........................................................... 83
Roberto Romano
A universidade e as demandas da sociedade ............................................ 105
José Emídio Teixeira
III ENCONTRO NACIONAL
Formação e Carreira dos Professores da Educação Básica
Apresentação .................................................................................................. 115
A Violência na escola: uma globalização?................................................. 117
Eric Debarbieux
Violência na escola e capacitação de professores o que nos
mostram os estudos comparativos.............................................................. 143
Catherine Blaya
A importância das novas tecnologias educacionais para a formação
de professores para a educação básica Tecnologiaéaresposta:
Qual é a pergunta? ......................................................................................... 171
John Daniel
A formação de professores, um grande desafio ....................................... 189
Maria Umbelina Caiafa Salgado
IV ENCONTRO NACIONAL
Avaliação e expansão: qualidade em educação
Apresentação .................................................................................................. 215
Desenvolvimento desigual e combinado no ensino superior
estado e mercado........................................................................................ 217
Luiz Antônio Cunha
A proposta do Sistema Nacional de Avaliação da Educação
Superior (SINAES): Contraste com o antes ............................................. 239
Ricardo Chaves de Rezende Martins
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9
V ENCONTRO NACIONAL
Cidadania e Diversidade
Apresentação .................................................................................................. 247
Educação: cidadania e diversidade ............................................................ 249
Iolanda de Oliveira
Políticas públicas de educação: cidadania, diferenças e relações
de gênero ......................................................................................................... 259
Cláudia Vianna
Educação: cidadania e diversidade a ótica da educação especial...... 277
Fátima Elisabeth Denari
Educação: cidadania e diversidade a ótica dos povos indígenas ....... 287
Gersem Baniwa
PARTE II
ENCONTROS REGIONAIS DO FÓRUM BRASIL
DE EDUCAÇÃO 2003
I ENCONTRO REGIONAL
Região Nordeste Salvador
O Projeto Nacional de Educação Políticas e Desafios
Apresentação .................................................................................................. 305
O projeto nacional de educação desafios e políticas ......................307
Roberto Figueira Santos
Educação para uma nova sociedade .......................................................321
Gey Espinheira
O projeto nacional de educação desafios e políticas ........................... 345
Adeum Sauer
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10
II ENCONTRO REGIONAL
Região Norte Belém
O Projeto Nacional de Educação Políticas e Desafios
Apresentação.................................................................................................353
O projeto nacional de educação desafios e políticas ......................355
Édson Franco
Projeto de educação nacional contribuições da comissão
de educação...................................................................................................365
Eduardo Seabra
Educação escolar indígena ........................................................................371
Francisca Novantino P. de Ângelo
Um projeto de educação nacional desafios e políticas ...................377
Paulo Alcantara Gomes
Projeto nacional de educação na perspectiva dos negros brasileiros.... 385
Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva
Fór um Brasil de Educação Relatos .....................................................397
Francisco Aparecido Cordão
III ENCONTRO REGIONAL
Região Centro-Oeste Goiânia
O Projeto Nacional de Educação Políticas e Desafios
Apresentação.................................................................................................407
O projeto nacional de educação: desafios e políticas.........................409
Dom Mar celo Bar r os
O projeto nacional de educação: desafios e políticas.........................419
Celene Cunha
O projeto de educação nacional: a desatenção aos critérios
de qualidade das aprendizagens escolares .............................................425
José Carlos Libâneo
Desafios e perspectivas da educação básica no presente momento ..... 439
Nelio Bizzo
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11
APRESENTAÇÃO
A presente publicação, idealizada como decorrência da
enriquecedora parceria entre o Conselho Nacional de Educação CNE
e a UNESCO, contém as palestras proferidas por eminentes educadores
no Fórum Brasil de Educação, durante o ano de 2003, constituindo-
se um conjunto de ref lexões e críticas constr utivas acerca dos g randes
desafios e das políticas para o aperfeiçoamento da educação nacional,
e se confor mando como um referencial para subsidiar a for mulação
das políticas públicas, especialmente as relacionadas com o processo
educacional, através de seus dive rsos ag entes.
O Fór um Brasil de Educação, instituído pelo CNE com base no
seu Regimento Interno, adotou, como metodologia, promover
seminários amplos e participativos, envolvendo a discussão de grandes
temas da educação brasileira, incluindo o seu cotejo com a de outros
países, propiciando a expressiva vivência integrada dos agentes
comprometidos com a área da educação no Brasil.
As iniciativas do Fór um, dentre as quais a sua itinerância entre os
Estados brasileiros e o resgate da memória e da história da educação
nacional, através da aproximação de gerações de seus educadores
demonstraram, mais uma vez, que o CNE é uma instituição
vocacionada a transcender os limites do simples for malismo técnico,
trazendo, no íntimo de suas competências e f inalidades, a capacidade
de delinear canais de mobilidade e de flexibilidade dialógica entre
seus pares e, sobretudo, entre o g overn o e a sociedade, razão pela
qual o Fór um foi estr uturado em duas vertentes: I Encontros
Nacionais e II Encontros Regionais.
Nos Encontros Nacionais, realizados bimestralmente em Brasília,
associados ao calendário das reuniões do CNE no ano de 2003, foram
abordados temas específicos de relevância para a educação nacional
a seguir discriminados:
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12
Por outro lado, os Encontros Regionais se constituíram um desafio
estimulante por suas nuances, que perpassam pela compreensão da
extraordinária diversidade de situações e contextos educacionais no
Brasil, acolhendo reflexões que se aplicavam a todas as regiões
brasileiras, obser vadas as suas peculiaridades e seus contextos, disto
resultando procedimentos gerais e compatíveis com os diversos
aspectos culturais políticos e econômicos.
Através dos Encontros Regionais, foi possível colher valiosas
contribuições sobre os desafios e as políticas relacionadas com o
Projeto de Educação Nacional, extraídas do tema adotado para os
Encontros a seguir indicados:
II. Encontros Regionais do Fór um Brasil de Educação 2003
I. Encontros Nacionais do Fór um Brasil de Educação 2003
Vale salientar, que o Fór um não se teria realizado com o grau de
significação efetivamente vivenciado, não tivesse havido a competente
colaboração dos conferencistas relacionados neste documento e o
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13
contínuo interesse dos participantes, cuja presença marcante
assegurou, de pronto, o entendimento do vivo compromisso de todos
com a educação brasileira que, sem dúvida, aguardava por esta
iniciativa do CNE em parceria com a UNESCO.
Registra-se, também, o agradecimento aos senhores Conselheiros
do CNE e aos representantes das entidades e de órgãos públicos
par ticipantes do Fór um, ao cor po técnico-administrativo do CNE e
da UNESCO, assim como o opor tuno apoio do Conselho Britânico,
da Organização dos Estados Ibero-Americanos OEI e do Instituto
Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira INEP.
José Carlos Almeida da Silva Jor ge Wer thein
Presidente do Representante da
Conselho Nacional de Educação UNESCO no Brasil
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15
ABSTRACT
The present publication, concieved as a result of the ever-growing
partnership between the National Council of Education (CNE) and
UNESCO, contains the lectures given by eminent educators from the
Brazil Education For um. The For um took place during the year of
2003, and produced a set of constr uctive and critical ref lections
concerning the challenges and policies facing national education
improvement. It complied on becoming a reference for the support of
public policy decision-making in the education sector.
Created by CNE, on the basis of its Internal Rules, the Brazil
Education For um adopted the promotion of large, interactive seminars
as its working procedure. These seminars are meant to include the
discussion of prominent topics on Brazilian education, and bring about
an expressive, integrated experience among agents committed to
education in Brazil.
Once again, the Forum’s iniciatives including its presence
throughout all Brazilian States and the recovery of the national
educations memor y and histor y by means of uniting educators of all
generations have demonstrated that the CNE is an institution fully
able to transcend the limits of mere technical for malities. Among its
functions and purposes, the National Council of Education has the
capacity of creating channels of dialogue among its members, and above
all, between governement and society, with mobility and flexibility.
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Encontros Nacionais do
Fórum Brasil de Educação
2003
Parte I
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I Encontro Nacional
Formação para a CidadaniaeoTrabalho:
os Compromissos da Educação Básica
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21
O Conselho Nacional de Educação instalou no dia 18 de fevereiro
do ano de 2003 o Fór um Brasil de Educação, contando com a presença
do Ministro da Educação, Cristovam Buarque, da Cultura, Gilber to Gil
e do Trabalho e Empreg o, Jacques Wagner. Também esteve presente à
solenidade, realizada no plenário Anísio Teixeira, a titular da Secretaria
da Mulher, Emília Fer nandes.
A Sessão de Abertura do Fór um contou com a expressiva participação
de mais de quinhentos inscritos, representantes das mais diversas
entidades da sociedade civil organizada.
No ato de instalação pronunciaram-se o Senhor Ministro da
Educação, Professor Cristovam BuarqueeoPresidente do Conselho
Nacional de Educação, Professor José Carlos Almeida da Silva. A Mesa
foi composta, ainda, pelo Presidente do Fórum dos Conselhos Estaduais
de Educação, Silvestre Herdt e pelo Representante da UNESCO no
Brasil, Jorge Werthein.
Após a instalação do Fór um Brasil de Educação tiveram início as
exposições relativas ao tema do I Encontro Nacional, a For mação para
a CidadaniaeoTrabalho: os Compromissos da Educação Básica.
A primeira exposição foi realizada pelo professor Juan Carlos Tedesco,
que abordou o tema a par tir da perspectiva da “Educação, Ciudadania
y Competitividad en América Latina”. A exposição teve como moderador
o Conselheiro Éfrem de Aguiar Maranhão.
Os próximos expositores, o Conselheiro Francisco Aparecido Cordão e
a Conselheira Guiomar Namo de Mello, encerraram o I Encontro Nacional
do Fórum Brasil de Educação apresentando os resultados da consulta sobre
o Movimento de Mobilização por uma Nova Educação Básica.
APRESENTAÇÃO
Livro Forum Brasil de Educacao.p65 17/1/2005, 16:4421
23
Se esse fórum for capaz de pensar nos verdadeiros objetivos, na
verdadeira razão pela qual queremos educar as crianças, os analfabetos,
o povo brasileiro como um todo[...], é não esquecer que o papel da
Educação é quebrar as desigualdades e que, no Brasil de hoje, ela serve
para acirrar a desigualdade, estará dando grande contribuição ao Brasil.
Meu papel nesta manhã, aqui, seria apenas o de declarar aberta esta
solenidade e este fórum. Mas não posso me limitar a isso. Aqui se podem
gerar idéias, propostas, formulações que visem a mudar a Educação
brasileira. Nunca percam, por tanto, a idéia de qualéaverdadeira causa de
estarmos aqui.
Vi com entusiasmo a lista de entidades aqui re presentadas. Mas, ela
me trouxe uma preocupação: cada um ficará apenas olhando a entidade
que representa. Acredito que a maior tragédia brasileira é a divisão deste
País em corporações. As entidades são maravilhosas do ponto de vista
de org anização, mas um problema do ponto de vista dos interesses
específicos aos quais ficam presas.
Eu gostaria que vocês nunca perdessem a perspectiva de que o mais
importante não são, em última instância, as instituições que vocês
representam, mas as crianças brasileiras sem escola ou com escola sem
qualidade. São jovens sem perspectivas de futuro ou sem qualidade na
Educação. São os 20 milhões analfabetos, dos quais , às vezes, a gente esquece.
PRONUNCIAMENTO DO MINISTRO DA
EDUCAÇÃO, QUANDO DA INSTALAÇÃO
DO FÓRUM BRASIL DE EDUCAÇÃO
Cristovam Buarque*
* Ex-Ministro da Educação (01/2003 a 01/2004), Senador da República e Professor da
Universidade de Brasília.
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24
Gostaria que vocês, mais do que as entidades que representam e
não podem perder isso de vista, também –, tenham a exata noção de
que tais entidades existem para servir àquelas pessoas.
Não sei como vocês vão fazer isso. Se acharem conveniente, toquem
o Hino Nacional de manhã cedo, ponham uma Bandeira Nacional bem
grande, carreguem fotos de crianças sem escola. Mas não esqueçam
delas. Nós tendemos a esquecê-las devido ao apego natural e à
responsabilidade que temos com as entidades que re presentamos.
Não esqueçam que, no Brasil, essas crianças, esses jovens estão
divididos de acordo com o gênero, classe, raça e região onde nasceram.
É triste perceber que uma criança pobre neste País recebe, ao longo de
toda a sua vida, um investimento de R$ 3.2 mil em Educação, enquanto
uma criança rica, até ficar adulta, recebe R$ 250 mil. Temos, no Brasil,
lamentavelmente, a Educação como instrumento de consolidação das
desigualdades entre as classes.
Lamentavelmente, menos mulheres com Educação do que deveria.
Mais grave ainda é a situação dos negros e este auditório é prova
disso. Fora o nosso ministro Gilberto Gil, quase não representantes
negros nesta sala. E não é por culpa do Conselho, obviamente, mas da
realidade do País.
Temos a desigualdade de região, um nordestino, por exemplo, tem
menos oportunidades de se tornar uma pessoa educada ao longo de sua
vida do que um sulista.
Vocês têm a obrigação de pensar a Educação como um instr umento
de resolução dos problemas das nossas quatro trágicas realidades: de
classe, raça, região e gênero.
Se esse fór um for capaz de pensar nos verdadeiros objetivos, na
verdadeira razão pela qual queremos educar as crianças, os analfabetos,
o povo brasileiro como um todo porque neste País até os instruídos são
mal-educados, pelo sentimento em relação ao povo, à natureza, pela falta
de comportamento ético. É preciso não esquecer que o papel da Educação
é quebrar as desigualdades e que, no Brasil de hoje, ela serve para acirrar
a desigualdade, estará dando grande contribuição ao Brasil.
Contribuição que esperamos mais de 100 anos, desde que proclamamos
a República e esquecemos de construí-la, que na área pública o País gasta
70 vezes mais com os filhos dos ricos do que com os filhos dos pobres. Nem
a aristocracia do império tinha uma diferença tão grande.
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25
Este o desafio que deixo a vocês, como brasileiro, como cidadão. Como
ministro, eu g ostaria de pedir que tragam medidas concretas, capazes de
serem levadas adiante. Idéias que possam ser impressas no Diário Oficial,
que não fiquem apenas nos relatórios ou em livros acadêmicos. Se fizer mos
isso, daremos grande ajuda para tornar o Brasil mais eficiente no uso de
recursos e mais justo na distribuição de seus produtos.
Um grande abraço a vocês e está aberto esse fórum. Fico na
expectativa daquilo que vocês vão me trazer para, como ministro, eu
levar ao presidente Lula, um homem que quer, sim, deixar na história
do Brasil o fato de que ele completou a República, de que a proclamou
de uma maneira mais concreta, fazendo uma segunda abolição neste
País: a abolição da pobreza.
Brasília, 18 de fevereiro de 2003.
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27
Este somero análisis de la situación y perspectivas de la educación en
América Latina per mite sostener que los desafíos que deberán ser
enfrentados en el futuro próximo se refieren a tres objetivos principales:
la equidad social,lacompetitividad económica ylaciudadanía política. La educación
es probablemente la única política pública que produce efectos
simultáneos en los tres objetivos mencionados.
I. INTRODUCCIÓN
América Latina sufrió un proceso de cambio político, económico y
social muy profundo a partir de la década 1970 1980. Desde el punto
de vista político, se produjo un retor no a la democracia que, actualmente,
es el régimen de casi la totalidad de los países. En el plano económico,
la región atravesó la crisis más profunda desde la depresión de 1930 y
comenzó un proceso de transfor mación que ha permitido recuperar el
crecimiento, controlar la inf lación y avanzar significativamente en el
proceso de integración regional y de inserción internacional. Desde el
punto de vista social, sin embarg o, el crecimiento económico no sólo
no ha logrado superar los problemas clásicos de pobreza sino que ha
provocado un aumento de la heterogeneidad estructural y, en
consecuencia, de la inequidad y la desigualdad social.
EDUCACIÓN, CIUDADANIA Y
COMPETITIVIDAD EN AMERICA LATINA
Juan Carlos Tedesco*
* Diretor do Escritório Regional de Educação para a América Latina e Caribe (OREALC) e
Diretor do Escritório Inter nacional de Educação da UNESCO.
Livro Forum Brasil de Educacao.p65 17/1/2005, 16:4427
28
Estas transformaciones no tienen explicaciones puramente
“endógenas”. Al contrario, forman par te del proceso más general de
transfor mación que, con especificidades propias de cada región, tienen
lugar en todas las sociedades.
Los nuevos requerimientos y condiciones económicas, políticas y
sociales forzaron cambios significativos en la educación. América Latina
está atravesando, por ello, un período de refor mas en sus sistemas
educativos que afecta tanto las dimensiones institucionales como
pedagógicas.
En este texto intentaremos describir la relación entre educación y
desarrollo social en América Latina y los problemas más importantes
que enfrentan los procesos de cambio educativo actualmente vigentes
en la mayor par te de los países. El texto está dividido en tres par tes. En
la primera se analizan las relaciones entre educación y desarrollo
económico social, en la segunda se presentan las actuales tendencias
de cambio educativo y en la sección final se mencionan los principales
retos para el futuro.
II. EDUC ACIÓN Y DESARROLLO TRADICIONAL
El patrón clásico de desarrollo social de América Latina se basó en
tres factores principales: (i) la explotación incluso la depredación
de los recursos naturales, (ii) el endeudamiento externo y (iii) el
desequilibrio financiero interno, complementado con la inf lación. En
este marco, lo peculiar de América Latina fue que algunos países log raron
crecimiento económico, otros log raron niveles mínimos de equidad
social, pero ninguno cumplió simultáneamente con los dos objetivos
esperados del proceso de desarrollo: crecimiento y equidad. Los estudios
al respecto muestran que entre 1970 y 1984, aquellos países que tuvieron
tasas de crecimiento del PBI superiores al 2%, mantuvieron niveles
muy altos de concentración de la riqueza, mientras que los países con
grados relativamente satisfactorios de equidad social, no lograron crecer
económicamente.
1
1
F. Fajnzylber. Industrialización en América Latina: de la “caja negra” al “casiller o vacío”. Santiago
de Chile, Cepal, 1989.
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29
En el contexto de este modelo de desar rollo, la característica más
importante de la educación fue el alto grado de disociación con respecto
a las demandas del desarrollo económico- social. Los resultados de la
educación tuvieron muy poca relación con las actividades económicas,
debido al limitado uso del progreso técnico como factor de producción,
y con la integración política, porque la incorporación de los ciudadanos
estuvo constantemente afectada por largos períodos de autoritarismo y
exclusión. Este proceso condujo a la consolidación de una oferta
educativa muy extendida, pero asociada a deficiencias notorias desde
el punto de vista de la calidad de los resultados y de los mecanismos de
gestión institucional.
Los indicadores más claros de este modelo de desarrollo educativo
son las altas tasas de escolarización, acompañadas por igualmente altas
de tasas de repetición escolar y bajos niveles de logro en los aprendizajes,
que afectan fundamentalmente a los alumnos que provienen de los
sectores económicamente más desfavorecidos. Así, por ejemplo, l a tasa
de escolarización primaria (6-11 años de edad) pasó de 57.7 en 1960 a
87.5 en 1990, la escolarización secundaria (12-17 años de edad) de
36.3 a 66.2 y la terciaria (18-23 años de edad) de 5.7 a 27.0. Al mismo
tiempo, el promedio de repetición en el primer g r ado de la escuela
primaria para América Latina y el Caribe hacia 1990 era de 42 % . Algunos
estudios efectuados por la UNESCO muestran que la repetición escolar
afecta a más de 20 millones de alumnos y cuesta alrededor de 4.2 miles
de millones de dólares por año.
2
En el mismo sentido, los resultados de las mediciones sobre log ros
de aprendizaje muestran no sólo un promedio bajo para el conjunto de
los países, sino diferencias significativas entre los aprendizajes que
realizan los alumnos que concurren a escuelas privadas de élite y los
alumnos que asisten a escuelas públicas de zonas desfavorecidas. El
estudio piloto TIMMSS de rendimiento de alumnos de trece años
efectuado en 1992 y que incluyó cinco países de América Latina
(Argentina, Colombia, Costa Rica, Rep. Dominicana y Venezuela)
mostró que los alumnos de las escuelas privadas de élite obtenían
2
Ernesto Schiefelbein y Juan Carlos Tedesco. Una Nue va Opor tunidad: educación y desarrollo en
América Latina. Buenos Aires, Santillana, 1994.
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30
resultados entre un 50%yun75%másaltos que los alumnos de
escuelas públicas de bajos ing resos.
3
Este modelo tradicional de desarrollo económico y educativo
mostró evidentes signos de agotamiento hacia fines de la década 1970
1980. Existen numerosos análisis sobre el origen y el impacto de la
crisis económica durante este período, donde los debates estuvieron
centrados alrededor de la cuestión de la deuda externa. Visiones de
corto plazo tendieron a considerar esta situación de crisis como un
problema cíclico y no como el agotamiento de un modelo de desar rollo.
El financiamiento de la educación no fue percibido como un factor
que debía ser protegido debido a su importancia estratégica. La
inversión pública en educación disminuyó entre 1980 y 1985 de 33.5
miles de millones de dólares a 27.9. Los estudios al respecto mostraron
que la principal variable de ajuste fue el salario de los docentes aunque
también los recursos para equipamiento, mantenimiento de los edificios
escolares, for mación y capacitación del personal, sufrieron severas
reducciones.
La visión de la crisis como un problema coyuntural y la tendencia
a la reducción de la inversión pública en educación fueron superadas
a partir del comienzo de la década 1990 2000
4
. Este cambio tuvo
lugar en el marco de un profundo proceso de transfor mación productiva
y de refor ma del Estado donde los dos temas más discutidos fueron la
equidad social y el papel del Estado. El debate sobre estos temas
estuvo basado en la confrontación de dos visiones alter nativas.
Desde la perspectiva de aquellos que consideran la equidad social
como un objetivo fundamental del desarrollo social, se puso el énfasis
en sostener una visión integral según la cual la equidad social no debía
ser concebida como un factor externo al proceso de crecimiento
económico sino como una variable cuyo comportamiento tiene efectos
productivos e institucionales que son fundamentales para garantizar
el carácter sostenido de los procesos de crecimiento económico.
3
Ernesto Schifelbein. “Reforma Educativa en América Latina y el Caribe: Una Agenda para
la Acción”, en Proyecto Principal de Educación en América Latina y el Caribe, 37, 1995.
4
Los datos disponibles indican que entre 1985 y 1995 el gasto público en educación se
duplicó, pasando de 27.9 a 72.8 millones de dólares
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31
Según este enfoque teórico, elaborado y difundido en la región por
los análisis efectuados desde la CEPAL
5
, la variable que permitiría
articular y compatibilizar los objetivos de crecimiento y equidad es el
pr ogreso técnico. Un crecimiento económico sin prog reso técnico implicaría
sustentar la competitividad económica en la disminución de los salarios
y en la depredación de los recursos naturales. Los análisis sobre las
perspectivas económicas inter nacionales indican, sin embarg o, que esos
factores no pueden garantizar procesos de desarrollo económico
sostenido por dos razones fundamentales: (i) porque el peso de un bajo
costo de la mano de obra es cada vez menos importante en la explicación
de la productividad económica y (ii) porque las exigencias de protección
ambiental se han convertido en un factor cada vez más importante en
los procesos de incor poración al comercio inter nacional. Pero, a la
inversa, equidad social y protección ambiental sin progreso técnico
también serían objetivos imposibles de alcanzar, porque implicaría
detener el crecimiento económico y provocaría un aislamiento
incompatible con el grado de desarrollo y las expectativas sociales
existentes en la mayoría de los países de la región.
Según este enfoque, la incorporación de progreso técnico a la
producción implica llevar a cabo acciones sistemáticas y deliberadas en
diversos ámbitos, uno de los cuales es precisamente la educación. La
idea de una intervención deliberada y sistemática está ligada
particularmente al papel del Estado quien, desde este punto de vista,
debería jugar un papel activo.
Para que la educación contribuya efectivamente al prog reso técnico,
en el contexto de los cambios científicos y tecnológicos actuales, es
necesario que modifique significativamente sus patrones de
funcionamiento. No se trata, en consecuencia, de expandir la ofer ta
educativa tradicional. La aplicación de nuevos esquemas de desarrollo
exige la definición de estrategias de cambio educativo, orientadas no
sólo hacia la expansión cuantitativa sino también hacia la calidad de
los resultados de la for mación
6
.
5
CEPAL. Transformación pr oductiva con equidad. La tarea prioritaria del desar r ollo de América
Latina y el Caribe en los años noventa. Santiag o de Chile, CEPAL, 1990.
6
ECLAC-UNESCO. Education and Knowledge: Basic pillars of changing pr oduction patter ns with
social equity. Santiag o de Chile, CEPAL, 1992.
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32
Esta visión de la articulación entre educación y desarrollo social estuvo
confrontada con un enfoque diferente, según el cual la equidad social y
la competitividad económica no serían el resultado de políticas activas
del Estado sino de la des-regulación de las actividades económicas. Según
este enfoque, el mer cado sería capaz, por mismo, de establecer la mejor
distribución de los recursos. Esta confianza en el mercado también fue
postulada para la educación, donde la estrategia más importante debería
ser la privatización, el financiamiento de la demanda y la introducción de
mecanismos de competencia entre las escuelas.
Las transfor maciones productivas estuvieron asociadas a la des-
regulación por un ladoyalaprofunda refor ma del Estado por el otro.
El retorno a la democracia en América Latina se produjo en el momento
en que el Estado se debilitaba desde el punto de vista de la potencialidad
de sus instrumentos para satisfacer demandas sociales.
A partir de esta esquemática presentación de los nuevos marcos
teóricos sobre la relación entre educación y desar rollo, es posible
efectuar el análisis de los procesos de refor m a educativa actualmente
vigentes en América Latina. Para dicho análisis hemos elegido tres ejes
de discusión, que pueden resumir el conjunto de problemas más
importantes en los actuales debates educativos: (i) la relación entre
educación y equidad social, (ii) la secuencia de la refor ma educativa y
(iii) las modalidades a través de las cuales se produce la toma de
decisiones educativas.
III. LA TRANSFORMACIÓN EDUCATIVA EN AMÉRIC A LATINA
(i) Educación y equidad social
La experiencia de los últimos años ha mostrado que la relación
entre educación y equidad social a través del progreso técnico no es
tan directa como había sido prevista en los análisis de la CEPAL. El
progreso técnico requiere, obviamente, recursos humanos calificados,
pero también destr uye más puestos de trabajo de los que es capaz de
crear. Las tasas de desempleo han aumentado de manera muy
significativa y la distribución de la riqueza es hoy mucho más
inequitativa que en el pasado.
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33
De acuerdo a los estudios sobre la distribución de la riqueza, el
crecimiento económico de la última década ha estado asociado al
aumento de su carácter inequitativo. América Latina es, de acuerdo a
estos estudios, la región que muestra mayores grados de concentración
del ingreso en el mundo (ver cuadro 1)
CUADRO 1 Distribución del ingreso por quintiles en el mundo. 1990
Fuente: Deining er and Squire. “Measuring Income Inequality. A New data-base”. World Economic Re view.
En este contexto, el papel de la educación es motivo de una discusión
renovada. Si bien se reconoce que la educación es un factor importante
de equidad social, se ha comenzado a plantear también la pregunta
inversa: ¿cuánta equidad social es necesaria para lograr una educación
de buena calidad?. Los crecientes niveles de desigualdad están provocando
un fenómeno de deterioro de las condiciones de educabilidad con la cual
los alumnos tienen acceso a la educación. Los datos sobre logros de
aprendizaje de los alumnos indican que la oferta educativa no puede
superar los déficit de socialización básica con la cual los estudiantes
provenientes de familias pobres llegan a la escuela (cuadro 2).
CUADRO 2 Promedio de rendimiento según nivel socioeconómico. 4to.
básico
Fuente: OREALC-UNESCO.
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34
En este contexto, las reformas educativas en América Latina deben
enfrentar no sólo las demandas provenientes de los nuevos
requerimientos del desempeño productivo, sino las demandas de
contención social planteadas por los amplios sectores de población
excluidos del acceso al empleoyalariqueza. El riesgo más claro de
esta dinámica es el aumento de la segmentación y la polarización
educativa, que se registra en todos los países de la región y que está en
la base de una tendencia visible en las prácticas políticas y en ciertos
discursos y estrategias de acción, según la cual el Estado debería ocuparse
solamente de los pobres y el sector privado de las demandas más
sofisticadas y complejas de las capas medias y altas de la sociedad.
La experiencia de esta década per mite sostener que el objetivo de
lograr mayor equidad social a través de la educación no depende sólo
de cambios en la oferta pedagógica. La equidad es un fenómeno sistémico
y, por lo tanto, sin modificaciones sustanciales en los patrones de
distribución del ingreso será imposible avanzar en los logros educativos
que per mitan a la población tener acceso a niveles de educación
adecuados para su incorporación productiva a la sociedad.
(ii) La secuencia de la reforma educativa
Entre todas las secuencias posibles para los procesos de
transfor mación educativa, los países de la región han optado por
comenzar a través del cambio institucional. En tér minos más concretos,
se ha optado por comenzar a través de procesos de descentralización y,
en algunos casos, de mayor autonomía a las escuelas.
La descentralización y la mayor autonomía a las instituciones
escolares han sido históricamente reivindicadas por los educadores y
los movimientos pedagógicos orientados a lograr mayor nivel de libertad
de los actores del proceso educativo para innovar, para constr uir
opciones curriculares y para adecuarse a la diversidad social y cultural
de los alumnos.
Pero esta tradición pedagógica fue perdiendo importancia y en la
década 1980-90, la descentralización fue promovida desde una
perspectiva administrativa y presupuestaria, donde los objetivos
fundamentales fueron la necesidad de reducir el gasto público, la
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35
utilización más eficiente de los recursos disponibles y el debilitamiento
del poder de negociación de los sindicatos docentes a través de la
fragmentación de los ámbitos de negociación.
El debate acerca de los procesos de descentralización es intenso y
bien conocido y no es éste el lugar para referirse a este problema. Sólo
nos parece pertinente recordar un hecho obvio pero paradójicamente
no siempre tenido en cuenta en estos debates: los países
descentralizados no tienen experiencia de descentralización porque
nacieron descentralizados y los países centralizados pero ricos, están
haciendo su experiencia de descentralización en el marco de una gran
disponibilidad de recursos y de altos niveles de homogeneidad social.
Los países del sudeste asiático, mencionados insistentemente como
modelo a seguir por los países en desarrollo, hicieron una experiencia
educativa exitosa sin refor mas institucionales de este tipo..
En definitiva, la discusión sobre los procesos de descentralización
en contextos de pobreza obliga a postular las preguntas de hasta que
punto la competencia entre instituciones y agentes puede ser compatible
con la equidad y hasta qué punto la descentralización es garantía de
dinamismo y de participación democrática
El punto que interesa destacar aquí es que en América Latina se
trabajó sobre la base de una hipótesis acerca de la secuencia del cambio
educativo según la cual era necesario comenzar por el cambio
institucional y luego seguir por cambios en las otras áreas: contenidos
cur riculares, métodos pedagógicos, f or mación docente, equipamiento
de las escuelas, condiciones de trabajo de los docentes, etc.
A pesar de la enor me diversidad de situaciones existentes en la región,
esta secuencia fue adoptada casi universalmente, tanto entre países
como al interior de cada uno de ellos. Se podría postular, en
consecuencia, que existió un g rado de unifor midad excesiva en las
secuencias de cambio educativo, que ha provocado varios fenómenos,
entre los cuales se pueden señalar al menos los dos siguientes:
(a ) En primer lugar, el empobrecimiento del sentido de la transformación
educativa, que tiende a reducirse a los aspectos financieros o
administrativos. Este fenómeno ha sido advertido en algunos estudios
efectuados sobre los cuadros medios y superiores de las administraciones
educativas locales, quienes expresan dificultades importantes para
reflexionar sobre lo que están haciendo, para proyectarse en el futuro,
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36
para anticiparse a deter minadas situaciones y para capitalizar su
experiencia. En algunos casos, esta ausencia de sentido también puede
lleg ar a producirse en los docentes y en determinados sectores de la
opinión pública. En el caso particular de los docentes, la ausencia de
infor mación o de comprensión acerca del sentido del proceso global de
cambio provoca un fenómeno según el cual la transformación está
asociada fundamentalmente a la idea de pérdid a y a sentimientos de
inseguridad y de incer tidumbre sobre el futuro.
b) En segundo lugar, la prioridad a los aspectos institucionales
parece haber postergado excesivamente la atención a los aspectos
pedagógicos y al actor principal de dicho proceso, los docentes. En este
sentido, es preciso reconocer que buena parte de las discusiones que
tuvieron lugar en las últimas décadas acerca de los procesos de
transfor mación educativa desconocieron, subestimaron o simplemente
concibieron en for ma retórica el papel de los docentes. Esta falta de
atención al papel del docente, una de cuyas manifestaciones es el bajo
salario que reciben por su trabajo, está provocando situaciones de
resistencia a los procesos de transfor mación educativa que impiden
avanzar al ritmo que exigen las nuevas demandas sociales. Las
resistencias de los docentes, sin embarg o, no deberían analizarse
exclusivamente como un producto de sus malas condiciones de trabajo.
Existen variables técnicas y culturales cuya importancia es preciso no
subestimar. Diversos estudios han mostrado que los docentes o, al
menos, un parte importante de ellos, perciben el proceso de globalización
como una amenaza, par ticular mente aquellos aspectos que se refieren
a la crisis del Estado Nación, a la cultura de las nuevas tecnologías de
información. Asimismo, los docentes no suelen dominar las
competencias que se exige que ellos difundan: creatividad, capacidad
de trabajo en equipo, alta tolerancia a la incertidumbre, capacidad para
elaborar proyectos, etc. Por otra par te, la incor poración a la escuela de
sectores sociales y culturales muy diversos exige el manejo de una batería
de métodos muy amplia, capaz de adaptarse a las situaciones de
diversidad cultural y social, que la pedagogía y la for mación docente en
los países en desar rollo aun no ha log rado elaborar.
En síntesis, todo indica que las refor mas educativas deberán otorg ar
en el futuro mucha más atención a los aspectos propiamente pedagógicos
y que la pedagogía del futuro deberá tener una fuerte densidad cultural.
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37
(iii) La concertación de las políticas educativas
La necesidad de que las estrategias de acción educativa sean
diseñadas a través de la participación de todos los actores sociales, ya
es un lugar común en la literatura sobre políticas educativas. La
continuidad en la aplicación de las estrategias de transfor mación ha
sido reconocida como una de sus condiciones de éxito y para que exista
continuidad, al menos en contextos democráticos, es necesaria la
existencia de un nivel básico de acuerdo y de compromiso de todos los
actores en su aplicación. En este sentido, la década del 90 se inició con
cierto optimismo acerca de la existencia de condiciones favorables para
la definición de estrategias educativas a través del consenso de los
diferentes actores.
El factor clave de este optimismo fue la constatación según la cual,
en los nuevos escenarios sociales, el conocimiento y la infor mación
constituyen las variables centrales tanto desde el punto de vista de la
competitividad económica como desde la perspectiva del desempeño
ciudadano y la equidad social. A poco de iniciado este proceso, sin
embarg o, se puso de manifiesto que ir más allá del reconocimiento
retórico acerca de la necesidad de concertar las políticas educativas
implicaba superar dificultades muy impor tantes. Si bien algunas de estas
dificultades son propias de la escasa cultura política de concertación,
par ticular mente impor tantes en los países en desar rollo, la hipótesis
sobre la cual se basa este trabajo es que el origen de las dificultades
radica en: (i) la propia centralidad que ocupa el conocimiento en la
estructura social, ya que en la medida que la información y el
conocimiento constituyen cada vez más las variables claves de la
distribución del poder, el control tanto de su producción como de su
distribución se convierten en el ámbito donde se desarrollan los
conflictos sociales más significativos y (ii) la fuerte desigualdad social
que existe en América Latina, que provoca una significativa falta de
confianza entre los distintos sectores sociales acerca de las posibilidades
de aceptar las reglas de la concertación social y política
7
.
7
Diversos estudios muestran que el fenómeno de la falta de confianza tiene dimensiones muy
significativas en América Latina. Entre noviembre y diciembre de 1997 se aplicó una
encuesta en 17 países por la Corporación Latinbarómetro, Solo el 23% de los entrevistas
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38
En este contexto, la concer tación sobre las políticas educativa s, no
puede ser un proceso exento de conf lictos. Al contrario, la experiencia
reciente indica que la concer tación es un proceso difícil y complejo.
Algunos de los factores asociados a esta dificultad son los siguientes:
(i) En primer lugar, la dificultad para la representación adecuada de
los sectores socialmente desfavorecidos en las neg ociaciones educativas.
Las experiencias recientes de concertación educativa han mostrado que
la secuencia de los procesos de concertación parece estar basada en un
progresivo proceso de corporativización de la participación. En la fase
inicial, g eneralmente de consulta, de discusión, de diagnóstico, la
par ticipación suele ser muy amplia. Fenómenos como el cong reso
pedagógico de Argentina, el día “D” de la educación en Brasil, la
Consulta popular sobre educación en Ecuador, la consulta en República
Dominicana, etc., son todos ejemplos de procesos de movilización de
la opinión pública que generaron fuertes demandas. Cuando la discusión
llega a la fase de definir compromisos y modalidades de acción, la
diversidad de actores que participan tiende a disminuir y la participación
adquiere un carácter más corporativo. La representación de los sectores
más desfavorecidos tiende a desaparecer o a quedar en manos ya sea de
alguna de las organizaciones políticas o de la Iglesia, con todas las
consecuencias que ello puede implicar en términos de utilización de
esa representación en función de otros intereses.
(ii) En segundo lugar, las experiencias realizadas indican que existe
una diferencia importante entre los acuerdos que se logran con respecto
a los objetivos generales y los acuerdos referidos al proceso de
implementación. Los testimonios al respecto son elocuentes: obtener
creía que su país estaba prog resando. La confianza en las instituciones con mas poder
(gobier no, g randes empresas, militares, bancos, partidos politicos) era muy baja. En los
países con procesos de democratización incipiente un número muy importante de personas
creían en una solución autoritaria y salvo en Uruguay y Costa Rica, en el resto de los países,
el 65% de los entrevistados se mostraba poco o nada satisfecho con el desempeño de la
democracia. El caso de Chile también es ilustrativo. Una encuesta preparada para el infor m e
del PNUD indicaba niveles muy altos de malestar. A pesar del crecimiento económico
sostenido, existe un creciente malestar que se manifiesta como miedo a la exclusión, miedo
al otro y al sin sentido. “La gente desconfía del futuro”. En el caso argentino, una encuesta
reciente a jóvenes y adultos de la zona de Buenos Aires mostró niveles de desconfianza muy
altos con respecto a las instituciones públicas.
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39
consenso en la fase de definición de objetivos resulta relativamente fácil
si se lo compara con las enormes dificultades que existen para obtener
consensos en el momento de la ejecución. Este fenómeno está asociado
con el hecho que las posibilidades de garantizar los acuerdos alcanzados
en la fase previa a la implementación son, obviamente, mucho menores
en los países en desar rollo. La escasez de recursos oblig a a definir
prioridades con menos margen para satisfacer los reclamos de los diferentes
sectores. Como dicha escasez tiene una existencia de largo plazo, la
urgencia de las demandas es muy significativa . En este contexto, es muy
difícil obtener la aceptación de secuencias de cambio que impliquen la
posterg ación de la satisfacción de ciertas demandas. Nadie está dispuesto
a esperar más y en esta pugna, obviamente, los que tienen más capacidad
para plantear sus urgencias son los sectores más org anizados. Un indicador
de esta desigual capacidad de negociación es la distribución de recursos
financieros por nivel educativo. La enseñanza superior, que cuenta con
la capacidad de movilización de los estudiantes universitarios, ha obtenido
porcentajes cada vez más importantes del gasto en educación.
(iii) En tercer lugar, es preciso mencionar la multiplicación de actores
que participan de los procesos de concertación educativa. A diferencia de la
situación tradicional, en la cual el debate educativo se concentraba en
el Estado, los docentes y la Iglesia, ahora han aparecido nuevos actores
sociales interesados en par ticipar y discutir las estrategias educativas.
Estos nuevos actores provienen del mundo del trabajo (los empresarios
tienden cada vez más a participar de los debates sobre educación), de
los medios de comunicación (el periodismo se ocupa en forma cada vez más
amplia de lo que sucede en el ámbito de la escuela y los medios masivos
de comunicación son objeto de debate acerca de su papel como agentes
educativos) y, por último, es preciso señalar la presencia
particularmente impor tante en los países en desar rollo de otro nuevo
actor vinculado al proceso de globalización: los organismos
inter nacionales de financiamiento, de cooperación y de investigación
educativa. Los organismos de financiamiento han asumido una
responsabilidad creciente en la orientación de las estrategias de cambio
y los especialistas en educación tienen cada vez más presencia en los
organismos de toma de decisiones. De hecho, un número importante de
ministros y altos funcionarios de educación son o han sido investigadores
reconocidos en el mundo académico educativo.
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40
En síntesis, todo parece indicar que se ha superado ampliamente la
visión “angelical” de los procesos de concertación y participación y
que se ha tomado conciencia que en estos procesos tienen lugar alianzas
y conflictos donde, más allá de los acuerdos que se logren, siguen
existiendo intereses diferentes.
IV. LOS DESAFÍOS FUTUROS
Este somero análisis de la situación y perspectivas de la educación
en América Latina per mite sostener que los desafíos que deberán ser
enfrentados en el futuro próximo se refieren a tres objetivos principales:
la equidad social,lacompetitividad económica ylaciudadanía política.La
educación es probablemente la única política pública que produce
efectos simultáneos en los tres objetivos mencionados.
Desde el punto de vista de la equidad, las líneas de políticas que
será necesario enfatizar se refieren a la ampliación de los programas
compensatorios, la universalización de la educación pre-escolar, la
generalización de incentivos a la innovación y la mejora de la calidad
en la oferta educativa para los grupos más desfavorecidos y el
fortalecimiento de la capacidad de los sectores pobres para efectuar
demandas educativas más calificadas.
Desde el punto de vista de la competitividad, existe consenso en
reconocer la necesidad urgente de mejorar los niveles de calidad de los
resultados educativos teniendo en cuenta las exigencias para el
desempeño que plantean los procesos de transfor mación productiva.
Modificaciones en los contenidos y métodos pedagógicos destinados a
desarrollar en for ma universal las competencias básicas para un
desempeño productivo ya están en curso en varios países de la región.
Estas modificaciones exigen poner al docente en el centro de las
transfor maciones educativas. Asimismo, el desafío de la competitividad
implica introducir mayores niveles de articulación entre la educación y
el mundo del tr abajo, especialmente a través de la utilización de las
nuevas tecnologías de infor mación.
Por último, con respecto a la for mación ciudadana, los sistemas
educativos de América Latina enfrentan el desafío de incorporar a sus
prácticas curriculares las experiencias de comportamiento democrático, de
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41
respeto a la diversidad cultural y la fuerte promoción de valores centrados
en la solidaridad social. La falta de equidad social en la región es la base de
la poca sustentabilidad de la democracia política. Enfrentar este problema
exigirá, desde el punto de vista de los valores culturales, un fuerte
compromiso de solidaridad que el sistema educativo debe contribuir a
desarrollar, particularmente en las élites que concentran la riqueza.
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43
Consciente de que a melhor qualidade da educação básica brasileira não
depende de boas normas, mas de sua efetiva aplicação, o CNE, de
modo especial sua Câmara de Educação Básica, está convencido que
essa participação pode ajudar a construir consensos sobre o que ensinar
a nossas crianças e jovens; orientar a sociedade sobre o que esperar da
educação básica, infor má-la, para estar atenta ao cumprimento dos
objetivos da lei e às orientações normativas dela resultantes; bem como
se sentir responsável pelo seu cumprimento, em todos os sistemas de
ensino e em todas as escolas do País, onde estudam seus filhos, seus
trabalhadores, seus atores políticos, culturais e econômicos.
O programa especial coordenado pela Câmara de Educação Básica
do Conselho Nacional de Educação, de Mobilização Nacional por uma
Nova Educação Básica, tem como objetivo disseminar as novas
diretrizes elaboradas pelo Conselho Nacional de Educação e
homologadas pelo Ministério da Educação, ouvindo diferentes
segmentos sociais a respeito do tema, tendo em vista o aperfeiçoamento
das referidas diretrizes, bem como convocar a todos para zelar pela sua
obser vância e pela implementação de suas propostas.
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional LDB Lei
Federal n.º 9.394/96, promulgada em 20 de dezembro de 1996,
PROGRAMA DE MOBILIZAÇÃO NACIONAL
POR UMA NOVA EDUCAÇÃO BÁSICA:
UMA CONSULTA À SOCIEDADE
Francisco Aparecido Cordão*
Guiomar Namo de Mello**
* Conselheiro
** Conselheira
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44
apresenta consideráveis avanços na concepção curricular da educação
básica brasileira. Tais avanços podem colocar o ensino de nossas crianças
e jovens em maior sintonia com as exigências da sociedade da
infor mação e do conhecimento, da inclusão social, da cidadania
participativa e responsável e da economia globalizada.
A LDB foi complementada pela Lei Federal n.º 10.172/2001,
promulgada em 9 de janeiro de 2001, que instituiu o Plano Nacional de
Educação. Essa Lei, que tramitou no Congresso Nacional desde 1997,
definiu as grandes metas a serem atingidas pelo País, no prazo de 10
anos, em todos os níveis e modalidades de ensino. Uma das atribuições
do Conselho Nacional de Educação, conferidas pela Lei Federal n.º 9.131/
95, de 24 de novembro de 1995, é justamente a de “subsidiar a elaboração
e acompanhar a execução do Plano Nacional de Educação” (nova redação
do Artig o da Lei Federal n.º 4.024/61, § 1º, Alínea “a”).
Quase um ano antes da promulgação da LDB, fora criado o Conselho
Nacional de Educação CNE (Lei Federal n.º 9.131/95, de 24 de
novembro de 1995). O CNE foi criado como órgão nor mativo do estado
nacional para a área educacional e de assessoramento do Ministério da
Educação, caracterizado, na LDB, como um órgão da Estrutura
Educacional “com funções nor mativas e d e super visão e a tividade
per manente” (Ar tig o 9º, § 1º), a quem compete, inclusive, resolver “as
questões suscitadas na transição entre o regime anterior e o que se
institui”, com a atual LDB (Artigo 90). Entre suas atribuições legais, o
CNE deve deliberar sobre a aplicação da legislação nacional e formular
as diretrizes organizacionais e pedagógicas aos sistemas de ensino e às
escolas. Esta responsabilidade relativa às diretrizes curriculares nacionais
é compar tilhada com o executivo, a quem cabe homolog a r as decisões
do Conselho sobre a matéria.
Desde a promulg ação da LDB, o CNE, através de suas duas câmaras,
vem se dedicando à elaboração das diretrizes curriculares nacionais para
os vários níveis e modalidades de educação, dentro do princípio da
f lexibilidade contemplado pela LDB. O ano de 1997 foi especialmente
dedicado à discussão da nova Lei, dado ao seu caráter inovador, que
deveria ser compreendido e incorporado por todos os que atuam na
educação. Nos anos seguintes, o CNE iniciou seus trabalhos de definição
de diretrizes cur riculares nacionais. Foram definidas diretrizes para o
ensino fundamental, a educação infantil, o ensino médio, a educação
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45
profissional de nível técnico, a for mação de professores na modalidade
nor mal de nível médio, a educação de jovens e adultos, a educação
indígena, a educação especial, a for mação inicial de professores em
nível superior, a educação a distância, a educação no campo, a educação
profissional de nível tecnológico, os cursos seqüenciais por campo do
saber e os diversos cursos de nível da educação superior.
Esta é uma mudança de ordem cultural muito importante proposta
pela atual LDB. Os Conselhos de Educação não mais definem cur rículos
mínimos por curso, nível ou modalidade de ensino. O que eles definem,
agora, são diretrizes curriculares nacionais destinadas a orientar os
sistemas de ensino e, sobretudo, as escolas, na concepção, elaboração,
execução e avaliação de seus projetos pedagógicos. Países federativos,
de dimensões continentais e de grande diversidade regional como o
Brasil, não compor tam um cur rículo nacional obrigatório, na for ma de
conteúdos ou disciplinas a serem ensinadas, com cargas horárias
nacionalmente definidas. Por esta razão, as diretrizes, seguindo orientação
da atual LDB, não configuram um cur rículo único ou mínimo, segundo
a concepção tradicional, mas identificam as competências a serem
desenvolvidas pelos alunos, deslocando a ênfase do ensino para a
aprendizagem e para o desenvolvimento de competências, como foco
central das normas nacionais. Ao r ealizar esse deslocamento, o CNE
flexibiliza os conteúdos como meios e busca unidade e consenso nacional
em torno dos resultados da escolarização, em termos de
desenvolvimento da capacidade de aprendizagem e de constituição de
competências.
Reafir ma-se, com este movimento nacional de mobilização por uma
nova educação básica, o pacto federativo na área educacional, orientado
pelo princípio da cooperação recíproca, em regime de colaboração entre
União, Estados, Distrito Federal e Municípios. A União, pelo trabalho
do Conselho, homolog ado pelo Ministério da Educação, traça diretrizes
amplas e f lexíveis, mas obrigatórias, cumprindo, assim, a incumbência
que lhe é atribuída pelo Ar tigo 8º, § 1º, da LDB. os planos curriculares,
com conteúdos ou disciplinas específicas e suas respectivas cargas
horárias, métodos de ensino, formas de avaliação, são competência e
responsabilidade dos respectivos sistemas de ensino, no âmbito da
união, dos estados, e dos municípios, em especial, das escolas públicas
e privadas, das comunidades educativas, com ênfase na atuação dos
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docentes (Artigo 13) e na concepção e execução dos projetos
pedagógicos dos estabelecimentos de ensino (Artigo 12), expressão da
autonomia da Escola. Com isso, é possível g arantir a unidade em tor no
do que os alunos devem aprender, bem como, a diversidade na escolha
dos conteúdos e dos métodos de ensino, de acordo com as necessidades
e características de diferentes regiões e alunados.
O CNE discutiu tudo isso amplamente com os setores diretamente
envolvidos na ação educacional, ao longo da elaboração das diretrizes
curriculares nacionais, em inúmeras audiências públicas regionais e
nacionais. Estiveram presentes e ofereceram suas preciosas
contribuições: as associações da área educacional, os gestores de
sistemas de ensino público da União, dos Estados e Distrito Federal e
dos Municípios, os representantes do ensino privado, os professores e
educadores em geral. Além das audiências públicas nacionais e regionais,
foram realizados diversos seminários, conferências e diferentes tipos
de encontros em todo o País. Muitas das contribuições colhidas ao longo
desses debates foram incorporadas na versão final dos vários documentos
nor mativos, definidores de diretrizes cur riculares nacionais.
Na medida de sua homolog ação pelo Ministro da Educação, essas
diretrizes curriculares nacionais entraram em fase de implementação,
sob responsabilidade do executivo federal, estadual e municipal,
confor me o caso, cabendo então ao CNE acompanhar e zelar por sua
aplicação, o que se iniciou nos anos de 98/99 e foi se intensificando
nos últimos anos, sempre balizada, também, pelas deter minações e
metas estabelecidas no Plano Nacional de Educação. É impor tante
destacar, também, que os três níveis de governo vêm oferecendo o
necessário suporte técnico e institucional para a implementação dessas
diretrizes, por meio de recomendações, programas específicos ou
disponibilização de infor mações técnicas, entre os quais citamos, a título
de exemplo, no âmbito federal:
Os Parâmetros ou Referenciais Curriculares Nacionais dos
diferentes níveis e modalidades de ensino;
Os programas “Parâmetros em Ação”, “Como fazer” e outros
instr umentos dedicados à educação continuada de professores da
educação básica e da educação profissional;
Os diferentes tipos de avaliação de desempenho dos sistemas,
das escolas e dos alunos.
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47
Como é do conhecimento daqueles que trabalham com educação,
mudanças dessa ordem não são imediatas e nem dependem apenas de
nor mas ou de documentos de orientação técnica. Elas de pendem,
fundamentalmente, de mudança de cultura, de prática e de hábitos,
alguns dos quais bastante cristalizados no dia a dia da escola. Essas
diretrizes curriculares nacionais, na realidade, somente serão eficazes
se obtiverem a efetiva adesão dos professores, no interior das escolas,
com o efetivo apoio dos respectivos sistemas de ensino.
Visto assim, da ótica de seu tempo pedagógico, não de seu tempo
legal, o trabalho de implementar as diretrizes curriculares nacionais está
apenas começando. É contínua, mas gradativa, a disseminação das novas
nor mas cur riculares nas escolas do País, e sabe-se que esse processo
deverá levar a ajustes, acomodações e aprimoramentos dessas mesmas
diretrizes, à luz da prática dos professores e da colaboração das
comunidades escolares e dos vários segmentos da sociedade.
Por esta razão, a Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional
de Educação, convencida de que seu trabalho de estabelecer diretrizes
curriculares nacionais para a educação básica não estaria concluído
sem ouvir os diferentes segmentos da sociedade civil, decidiu fazer
uma ampla consulta à sociedade, bem como aos órgãos gestores do
sistema de ensino e aos docentes com atuação em sala de aula. Essa
audiência foi realizada tanto com aqueles que foram consultados
durante a elaboração das diretrizes, como com aqueles outros setores
que, embora não diretamente atuantes na área da educação, dela
dependem para educar os seus filhos, for mar seus trabalhadores,
compartilhar suas práticas e produtos culturais, constr uir seus
processos políticos e institucionais, expandir seus mercados de
produção e de consumo, enfim, consolidar os valores democráticos
que a nossa Constituição Federal consag ra.
Assim, no momento em que cabe ao executivo, nas três esferas,
desencadear o processo de implementação das novas diretrizes
curriculares nacionais, coloca-se outro papel ao CNE: no exercício de
seu dever de acompanhar a aplicação das diretrizes curriculares
nacionais, submetê-las à apreciação de instituições e de pessoas
representativas da sociedade brasileira, buscando não apenas disseminá-
las, mas aperfeiçoá-las e validá-las. Essa consulta foi feita tomando
como ponto de partida algumas perguntas decisivas, que foram
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respondidas pelos segmentos consultados, sob a ótica da sua área de
atuação profissional, social ou política:
“o que se considera indispensável que todos os alunos aprendam
ao longo de sua escolarização no ensino fundamental e médio?”
“no relacionamento com os concluintes da educação básica, o
que se espera em ter mos de preparo para a cidadania e o trabalho?”
“as competências definidas nas diretrizes curriculares nacionais e
os objetivos de aprendizagem sinalizados para a educação básica,
estão de acordo com as expectativas e demandas da sociedade
brasileira neste início de século?”
“que críticas, comentários ou contribuições teriam os distintos
g r upos ou setores sociais consultados a oferecer, para tornar mais
claras, pertinentes, relevantes e adequadas, as competências
definidas para a educação básica e para a educação profissional
de nível técnico?
Consciente de que a melhor qualidade da educação básica brasileira
não de pende de boas normas, mas de sua efetiva aplicação, o CNE,
de modo especial sua Câmara de Educação Básica, está convencido
que essa participação pode ajudar a constr uir consensos sobre o que
ensinar a nossas crianças e jovens; orientar a sociedade sobre o que
esperar da educação básica, informá-la, para estar atenta ao
cumprimento dos objetivos da lei e às orientações nor mativas dela
resultantes; bem como se sentir responsável pelo seu cumprimento, em
todos os sistemas de ensino e em todas as escolas do País, onde estudam
seus filhos, seus trabalhadores, seus atores políticos, culturais e
econômicos.
Com esses objetivos, as diretrizes curriculares nacionais para a
educação básica foram submetidas à análise de diferentes segmentos
sociais, durante grande parte dos anos de 2001 e 2002, para avaliar se
as competências e os objetivos de aprendizagem propostos
correspondem às expectativas e necessidades educacionais da sociedade
brasileira, vistas na perspectiva de cada segmento social.
Nesse sentido, desde 3/10/2001, foram realizadas as seguintes
audiências de consulta à sociedade, analisando as Diretrizes Curriculares
Nacionais definidas para os vários níveis e modalidades da Educação
Básica e da Educação Profissional, com os seguintes segmentos sociais:
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dia 3/10/2001: setor empresarial;
dia 6/11/2001: setor de representação profissional, através de
seus conselhos nacionais;
dia 7/11/2001: setor acadêmico, através das associações da área
da Educação e Universidades;
dia 8/11/2001: setor político, através das Comissões de Educação
(União, Estados e Municípios);
dia 4/12/2001: setor da justiça e instituições de defesa dos
Direitos da Criança e do Adolescente;
dia 12/12/2001: representantes dos setores de cultura e arte
(reunião realizada em São Paulo, em colaboração com o SESC
Ser viço Social do Comércio);
dia 19/2/2002: setor de representação dos trabalhadores, através
dos sindicatos nacionais e centrais sindicais;
dia 20/2/2002: representantes das organizações não-
governamentais que atuam na área da Educação;
dia 7/5/2002: for madores de opinião, através de empresas e
profissionais que atuam em comunicação e publicidade;
dia 4/6/2002: profissionais liberais, representantes de outros
ministérios que atuam na área da Educação e representantes dos
organismos internacionais;
dia 2/7/2002: pessoal responsável pela gestão de Sistemas de
Ensino nos níveis da União, dos Estados e dos Municípios e
responsáveis pela gestão de sistemas de educação profissional;
dia 6/8/2002: representantes de autores e de editoras de material
didático.
Com a reunião de 6/8/2002, de audiência dos editores e autores de
livros didáticos, encerramos a primeira fase dessa consulta à sociedade,
a qual objetivou receber críticas, contribuições, sugestões e
recomendações para o aprimoramento das diretrizes e de suas políticas
de implementação, bem como ajuizar as contribuições per tinentes e
incorporá-las nas diretrizes curriculares nacionais e apresentá-las a
grupos de professores-consultores especializados para validação técnica.
As audiências de consulta realizadas reforçam a orientação assumida
pela Câmara de Educação Básica para a definição de diretrizes
curriculares nacionais e demonstram o acerto do caminho escolhido
pelo Conselho Nacional de Educação.
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Para a continuidade desse Programa de Mobilização Nacional por
uma nova Educação Básica, ampliamos o seu escopo e alcance, com a
realização de atividades em nível estadual, em conjunto com os
Conselhos Estaduais de Educação e contando com a cooperação técnica
das Secretarias Estaduais de Educação, da UNDIME, do CONSED,
da UNCME e do Fór um Nacional de Conselhos Estaduais de Educação.
O objetivo primordial dessa segunda etapa foi o de dar a devida
visibilidade às Diretrizes Curriculares Nacionais definidas para a
Educação Básica e para a Educação Profissional de Nível Técnico, bem
como consolidar as contribuições da sociedade interessada, debatendo
os resultados finais da consulta e apresentando-os em for ma de
recomendações:
a) ao próprio CNE, tendo em vista prosseguir os trabalhos de
aprimoramento das diretrizes curriculares nacionais;
b) aos governos, como contribuição para ajustar as políticas de
implementação, considerando, de modo especial, as metas do Plano
Nacional de Educação;
c ) aos vários segmentos sociais, visando seu engajamento efetivo no
movimento de mobilização nacional por uma nova educação básica.
Realizamos quase duas dezenas de reuniões técnicas na maioria das
Unidades da Federação, no segundo semestre de 2002, sob coordenação
do respectivo Conselho Estadual de Educação, em colaboração com as
respectivas Secretarias Estaduais de Educação, re presentações locais
das Entidades especializadas em Educação Profissional de Nível
Técnico, bem como da UNDIME e da UNCME nas respectivas
Unidades da Federação.
Os participantes dessas reuniões técnicas foram escolhidos e
convidados, em cada Unidade da Federação, pelo critério de serem
professores que estão em sala de aula, em escolas públicas e privadas,
ou serem especialistas dedicados à pesquisa sobre o ensino na Educação
Básica ou na Educação Profissional. O objetivo dessas reuniões técnicas
foi o de identificar as competências essenciais (conhecimentos,
habilidades e valores articuláveis pelo cidadão para orientar a sua ação)
a serem garantidas pela Escola Básica, no âmbito de cada ciência e área
do conhecimento, em termos de educação para o trabalho e a cidadania
e o pleno desenvolvimento da pessoa humana, com crescente grau de
autonomia intelectual.
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Essas reuniões técnicas foram planejadas para serem realizadas
em dois períodos de trabalho, os quais aconteceram, na maior par te
das vezes, em diferentes dias, de acordo com a disponibilidade e a
conveniência do respectivo Conselho Estadual de Educação e de
seus parceiros.
A proposta levada aos professores, reunidos por disciplina/
especialidade, conduziu à resposta da seguinte questão: Dadas às
competências definidas pelas Diretrizes Curriculares
Nacionais para a Educação Básica, que conhecimentos,
habilidades e valores devem ser trabalhados pelos professores
da Educação Básica e como devem ser trabalhados, no âmbito
de sua especialidade, objetivando uma educação básica para o
trabalho e a cidadania e o pleno desenvolvimento da pessoa
humana, com crescente grau de autonomia intelectual?
Os professores, reunidos em pequenos g r upos, por disciplina/
especialidade, responderam à seguinte questão: Dadas às
competências definidas pelas Diretrizes Curriculares
Nacionais para a Educação Básica, que conhecimentos,
habilidades e valores devem ser trabalhados pelos professores
da Educação Básica e como devem ser trabalhados, no âmbito
de sua especialidade, objetivando uma educação básica para o
trabalho e a cidadania e o pleno desenvolvimento da pessoa
humana, com crescente grau de autonomia intelectual?
Os g r upos de trabalho foram orientados para utilizarem a última
meia hora do trabalho g rupal na busca de sintetizar as conclusões
dos debates, em for ma de recomendações. Estas foram bastante
ricas, demonstraram o acerto da linha de trabalho conduzida pelo
Conselho Nacional de Educação em relação à Educação Básica e
estão orientando a Câmara de Educação Básica no aprofundamento
das discussões em tor no das Diretrizes Cur riculares Nacionais.
Após os debates iniciais por disciplina/especialidade, os gr upos
iniciais foram re-ag r upados por área de conhecimento e nível ou
modalidade de ensino, com a seguinte estr utura de trabalho:
a) primeira meia hora: os professores, por disciplina/
especialidade, apresentaram ao seu novo g r upo de trabalho as
conclusões do respectivo g r upo inicial de trabalho em for ma
de recomendações;
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b) última meia hora: sintetização das conclusões do trabalho do
g rupo, em forma de recomendações;
c) núcleo central: debates por área de conhecimento e nível ou
modalidade de ensino, buscando responder à seguinte questão: O
que é essencial, por área de conhecimento, que a escola
básica garanta minimamente para a educação do cidadão?
Quais são as variáveis que interferem no desenvolvimento
de competências?
Muitos Estados fizeram reuniões técnicas em várias de suas cidades-
pólo e, ao final do ciclo de reuniões técnicas, realizaram uma sessão
plenária para a apresentação g e ral das conclusões dos grupos de trabalho.
As conclusões, formuladas em for ma de recomendações, foram enviadas
à Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação e
estão se constituindo em excelente material básico, tanto para a
continuidade do Programa de Mobilização Nacional por uma nova
Educação Básica, no âmbito do Fór um Brasil de Educação, quanto
para o trabalho de aprimoramento das Diretrizes Cur riculares Nacionais.
Neste momento, estamos prestando contas à sociedade brasileira e,
em especial, aos educadores, do andamento dos trabalhos no âmbito
do Programa de Mobilização Nacional por uma Nova Educação Básica,
conclamando todos os Conselhos e Secretarias Estaduais de Educação
a continuarem mobilizados, ampliando esta consulta à sociedade, nas
respectivas Unidades da Federação, e de modo especial aos seus
professores e especialistas em educação. Este é o momento em que o
Movimento de Mobilização Nacional por uma nova Educação Básica
deságua no Fór um Brasil de Educação.
O Fór um Brasil de Educação prevê a realização de encontros
nacionais, em Brasília, no Auditório Prof. Anísio Teixeira, Plenário do
Conselho Nacional de Educação, em todos os meses pares. Nos meses
ímpares realizaremos encontros regionais, em todas as Regiões do País,
discutindo desafios e políticas do Projeto Nacional de Educação. Este
Fór um Nacional g anhará muito mais força se as várias Unidades da
Federação continuarem mobilizadas e atuantes, na perspectiva deste
Programa de Mobilização Nacional por uma Nova Educação Básica.
Brasília, 18 de fevereiro de 2003.
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II Encontro Nacional
Os compromissos da Educação Superior e seu papel
na sociedade do conhecimento
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55
No dia 08 de abril do ano de 2003 foi realizado o II Encontro
Nacional do Fór um Brasil de Educação, que teve como tema Os
Compromissos da Educação Superior e seu Papel na Sociedade.
Após a aber tura do encontro, iniciaram-se os trabalhos com o tema
A UniversidadeeaProdução do Conhecimento”, que contou com o
Professor Renato Janine Ribeiro, Professor Titular de Ética e Filosofia
Política na Universidade de São Paulo USP e Maria Inês Bastos,
Coordenadora do Setor de Comunicação e Infor mação da UNESCO
como expositores. O moderador foi Carlos Roberto Jamil Cury,
Conselheiro da Câmara de Educação Básica CNE e Presidente da
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
CAPES.
No início da tarde aconteceu a apresentação do professor Roberto
Romano, com o texto Urgências da Universidade Brasileira, e do
consultor de recursos humanos José Emídio Teixeira, ambos
desdobrando o tema A universidade e as demandas da sociedade”. O
moderador foi o Conselheiro da Câmara de Educação Superior do CNE,
Roberto Cláudio Frota Bezerra e o relator o Conselheiro Ataíde Alves,
também da Câmara de Educação Básica.
APRESENTAÇÃO
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Qualquer iniciativa que esvazie a universidade deve ser olhada com muito
cuidado, porque podemos matar o que está funcionando, em favor de
alg o que possa ser uma mirag em. E também por isso, tenho insistido, a
questão não é manter a academia como ela está, mas fazer com que a
universidade defina melhor o que ela quer transmitir à sociedade, tanto
em ter mos de discurso quanto de tecnologia.
Ag radeço o convite para falar neste impor tante fórum. Saúdo todos
os presentes, cidadãs e cidadãos. Penso que os dois temas propostos se
articulam muito bem, o da manhã como o da tarde. Fiquei muito
interessado também por esse segundo tema, o das demandas da
sociedade, porque acabei recentemente um livro que a Editora Campus
deve lançar em maio [de 2003], cujo título é A universidade e a vida atual,
com o subtítulo (que na minha idéia original devia ser o título, mas a
editora preferiu que não) Fellini não via filmes. Chamei-o assim porque,
muito tempo atrás, lembro ter lido uma entrevista de Fellini em que
ele dizia que não assistia a filmes: as imagens lhe vinham à mente não
de ver outras imagens, mas de ler livros, de ter uma experiência
propriamente sinestésica, isto é, que faz uma sensação tornar-se outra,
o tato virar olfato, a audição tornar-se visão. Quer dizer, a experiência
ar tística de Fellini não vinha de ele ficar confinado no seu setor, mas de
manter contato com outras áreas. Hoje, penso que, infelizmente, os
cineastas vêem filmes demais, fazem muitas citações, se auto-referem
demais e utilizo isso como uma metáfora para a tendência do
A UNIVERSIDADE E A PRODUÇÃO
DO CONHECIMENTO
Renato Janine Ribeiro*
* Professor Titular de Ética e Filosofia Política da Universidade de São Paulo USP.
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fechamento das áreas de pesquisa científica sobre si mesmas, cada uma
sobre si própria. Essa auto-referência às vezes é um problema.
As demandas sociais são interessantes por abrirem contato com o
que está fora e, tentando estabelecer uma ponte com o que virá à tarde,
parece-me, em primeiro lugar, que é muito importante para nós, da
universidade, vencer o receio que se tem muitas vezes do que a
sociedade peça à universidade; esse receio, muitos coleg as, em especial
de humanas, sentem. Mas, s egundo ponto, o meio de enfrentar tal medo
é entender que sociedade não é empresa nem mercado. Ela inclui as
empresas e mercado, mas não se reduz a esses e, quando se fala na
colaboração Universidade-sociedade, é errado se ter muitas vezes como
exemplo, simplesmente a apropriação da tecnologia gerada na
universidade por par te das empresa s e que não se pense, por exemplo,
no trabalho de for mação de quadros. Lembro o caso, muito criticado na
mídia na ocasião, de um seminário que a Unicamp fez para o Movimento
dos Sem Ter ra. Se MBAs para empresários, por que não um curso
para os sem-ter ra? Mas penso que, para haver o pluralismo, a discussão,
os empresários têm que ouvir aulas sobre Marx e os sem-terra deveriam
ter uma disciplina sobre o liberalismo.
Em suma, os dois temas de hoje, se não esgotam, pelo menos
concentram o essencial do que é a universidade. À tarde, a extensão, a
relação da universidade com o mundo de fora; de manhã, a pesquisa
e também a graduaçã o e a pós-g raduação de qualidade. Vamos então a
nosso tema, o da produção do conhecimento.
***
Temos um velho ideal, queéodaarticulação de pesquisa e ensino.
Muito da universidade foi constr uído com base nisso. Todo um discurso
sobre a universidade, em especial a pública, se fundou na
indissociabilidade da pesquisa e do ensino. Este ideal continua, me
parece, valendo como ideal, mas não podemos negar que a realidade é
diferente e que muitas vezes um ideal assim importante foi utilizado
como ideologia: muitas vezes, o discurso da não-separação da pesquisa
e do ensino serviu para justificar procedimentos nos quais não ocor ria
uma pesquisa de qualidade, apenas se alegava que ocorresse. É
impor tante que resg atemos esse ideal do seu seqüestro ideológico, que
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pensemos qual o sentido, qual o papel que tem a universidade como um
“locus” de produção do conhecimento.
Assim, a primeira pergunta a formular é se a universidade ainda é o
“locus” central da produção do conhecimento.
Em ter mos mundiais, ela deixou de ser. A profa. Wrana Panizzi,
Reitora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, me passou ainda
pouco o último número do Jo r nal da Universidade, que a UFRGS
publica: sugiro que todos leiam a entrevista do Ministro Cristovam
Buarque, que afir ma isso. Mas, se um reconhecimento dos educadores
e do próprio Ministro de que a universidade não é mais o “locus” central
da produção do conhecimento novo, penso que no Brasil ela continua
sendo. Em nosso país, o conhecimento científico, o conhecimento de
qualidade está concentrado na universidade; centros de pesquisa existem
fora da universidade, porém de que perfil eles são? Temos ainda alguns
centros de pesquisa de empresas particulares que são, geralmente, de
pequena dimensão, muitas vezes tendo sido fechados quando houve a
privatização de empresas estatais. Isso, aliás, contradiz o discurso que
tanto ouvimos, da importância da C&T, da importância da “pesquisa &
desenvolvimento” para o avanço tecnológico. Então, o primeiro ponto
é esse, os centros de pesquisa fora da universidade são, g eralmente, de
pouco alcance.
Na minha área e na área de humanas alguns centros famosos; um
deles, aliás, foi criado pelo ex-presidente da República, Fer nando
Henrique Cardoso. Esses centros mimetizam a universidade, não sendo
muito diferentes dela, porque recolhem os seus membros na área
acadêmica, sendo muito deles professores e alunos de universidades
públicas. O eixo continua nestas. Ora, se o essencial da pesquisa no
Brasil é feito na universidade, ou em órgãos de alguma for ma lig ados a
ela, órgãos que pedem verbas públicas, órgãos que se socorrem da
universidade g eralmente pública, então, parece cor reto que devamos
expandir o conhecimento fora da universidade, mas tendo um senso
realista do que de fato existe e funciona.
Uma sociedade do conhecimento, como hoje se diz, precisa ampliar
os lugares onde o conhecimento se produz e também os lugares onde
ele se difunde. Mas, como as empresas não querem se arriscar, geralmente
quando querem fazer pesquisa também pedem alguma renúncia fiscal,
algum dinheiro público; e sabemos que, se não tivermos um ambiente
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de pesquisa bastante difundido na sociedade, que além da
universidade, ficaremos com a nossa soberania nacional cada vez mais
em risco, cada vez mais em jog o; vejam, nessas últimas semanas em
que se pediu o boicote de produtos americanos, em função da guerra
do Iraque, quais são os produtos que as pessoas estão muitas vezes
boicotando? CocaCola e McDonald são os visíveis, mas quem de nós
tem a menor condição de levantar a hipótese de boicotar hardware e
software e de boicotar o que quer que seja no plano da informática?
Vejam, não estou pregando o boicote, apenas constato que estamos
numa tal dependência em áreas chaves que, ou nós temos um
desenvolvimento da pesquisa muito mais amplo do que temos hoje na
universidade, ou estaremos limitados em nossa autonomia estratégica.
Sim, precisamos ir além da universidade. Mas me pergunto, e permitam-
me o neologismo provocador, será o caso de “desuniversitarizar” o
conhecimento, ou o mais realista seria conclamar as universidades, no Brasil,
a lançarem mais antenas fora de si próprias? Porque, tanto quanto vi estes
últimos dez ou quinze anos, que são o tempo em que acompanho das
sociedades científicas ou do Conselho Deliberativo do CNPq a política
da pesquisa, o constante empenho das autoridades governamentais para
que as empresas invistam mais na ciência e na tecnologia, não me parece
ter dado resultados impressionantes. E m suma, a universidade continua
sendo o “lócus” no qual se faz a pesquisa científica no Brasil, e a partir do
qual a tecnologia e, talvez mesmo, a inovação (aqui, não tenho certeza)
devem ser pensadas. Não falo em tese ou em teoria, mas a partir da
observação e da prática. Por isso mesmo, qualquer iniciativa que esvazie a
universidade deve ser olhada com muito cuidado, porque podemos matar
o que está funcionando, em favor de algo que possa ser uma miragem. E
também por isso, tenho insistido, a questão não é manter a academia como
ela está, mas fazer com que a universidade defina melhor o que ela quer
transmitir à sociedade, tanto em termos de discurso quanto de tecnologia.
A unive rsidade no Brasil tem um papel que não é pequeno. Se a
comparar mos, por exemplo, com a universidade francesa que para
muitos da área de Humanas é o modelo, veremos que, quanto ao papel
público do intelectual, ela não fica atrás. Dois professores universitários
franceses comentaram comigo que vêem uma maior presença do
intelectual brasileiro na mídia do que na França; que nossos jornais
chamam mais o professor universitário a escrever artigos do que um Le
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Monde, do que um Libération. No entanto, nossos professores
universitários, em especial de Humanas, em relação a esta demanda
externa, mais reagem do que agem; somos procurados e dificilmente
procuramos, somos inter rog ados e dificilmente inter rog amos.
Em outras palavras, a universidade responde quando é procurada
à mídia, ao Estado, ao mercado; assim, o quar to poder, os três poderes
constitucionais e o poder econômico procuram a universidade e
for mulam perguntas. Penso que o poder de perguntar é, talvez, mais
importante que o poder de responder, porque é ele que define a agenda,
as metas, os perfis. Nós podemos ter as respostas, mas na medida em
que o poder de perguntar não é nosso e a ele apenas reagimos, então
nos subvalorizamos. Este me parece ser o ponto decisivo para o papel
da universidade em relação a seu entor no. A universidade precisa dizer
mais e mais o que acha, o que se considera capaz de trazer para a
sociedade. pesquisa suficiente na universidade, para que seus
diversos setores possam dizer o que é fundamental.
Pertenço a área de Humanas, cuja aplicação prática é geralmente
desconhecida; quando se fala em aplicação prática do conhecimento
geralmente se pensa nas tecnologias, que visam à produção de bens,
eventualmente de serviços –, mas se lembra muito pouco a aplicação
prática que ocor re, por exemplo, quando o conhecimento gerado nas
ciências sociais e na teoria política concorre decisivamente para a
constituição do Estado democrático brasileiro. A democracia no Brasil
não é fruto das lutas sociais, embora tenham sido elas, talvez, seu
motor essencial: é fr uto também de um discurso acadêmico que foi
capilarizado, formando muita gente e muitos pensamentos: é esse um
exemplo glorioso de aplicação prática da teoria. Nem sempre estamos
conscientes dessas ligações externas e por isso ignoramos o quanto
podemos pautar a sociedade, propor-lhe ag endas nova s.
Darei um exemplo que mencionei em outros lug ares. No começo
dos anos 90, na cidade de São Paulo, crianças de dois ou três anos
contaram em casa que os professores da escolinha em que estudavam,
no bair ro da Aclimação, teriam cometido atos libidinosos com elas. O
resultado foi calamitoso, a mídia noticiou, a polícia até tolerou a
depredação da escola, os donos dela foram presos, tiveram a vida
destruída como educadores e como pessoas, sofreram prejuízos
financeiros e pessoais enor mes e, é claro, apurou-se que tudo era
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fantasia. No entanto, um pensador que no final do século XIX escreve
uma carta a seu amigo Fliess, da qual consta uma célebre passagem:
“não confio mais na minha neurótica”, diz Freud não acredito mais
na história que ela me conta de abuso sexual que teria sofrido na
infância. Penso que não foi abusada sexualmente na infância, mas que
fantasiou, começo a achar que as crianças fantasiam sobre sexo. É desta
carta que se costuma datar o início da psicanálise, que deixa então de
remeter a fatos de abuso e de anormalidade sexual, para supor que haja
fantasias, que haja uma sexualidade infantil; é então que ele rompe com
o modelo, dig amos rousseauista, da inocência das crianças. Ora, cem
anos depois disso, cem anos quase exatos, ao ocor rer entre nós um
fenômeno que parece talhado para os psicanalistas virem a público
evitar a histeria social e a injustiça policial, nenhum deles teve a coragem
de dizer que talvez as crianças estivessem fantasiando.
É claro que esse exemplo não é acadêmico. Os psicanalistas
constituem, na área de Humanas, o grande exemplo de um setor que
faz pesquisa em larga medida fora da Universidade, até porque seu
trabalho é remunerado pelos clientes de uma maneira que não encontra
paralelo nas Humanas propriamente acadêmicas. Por isso, não estou
aqui censurando a Universidade, mas criticando uma profissão que,
nesse caso pelo menos, faltou com seu saber e com sua ética. Mas é um
bom exemplo de como um saber constituído, de qualidade, pode
transmitir tão pouco à sociedade. O que hoje o senso comum sabe da
psicanálise é quase nada: mal vai além da errônea idéia de que Freud
teria obsessão pela sexualidade. E isso coloca a questão da
responsabilidade social de um psicanalista ou de qualquer pesquisador
que tenha algo importante de se conhecer: o que podemos dizer à
sociedade que possa melhorar a vida das pessoas, evitar enganos, evitar
infelicidade. É o mesmo que propor aos médicos, como aqui proponho,
que definam quais as recomendações preventivas para a saúde que todos
deveriam conhecer, de modo a produzir, imagino, umas cem, duzentas
vinhetas de saúde de trinta segundos. Isso cada vez mais ocorre, mas o
que me impressiona é que não seja fruto de uma política sistemática,
de um projeto que tenha na Universidade um fundamental.
Resumindo, então, meu primeiro ponto: se a universidade é na nossa
sociedade o local central do conhecimento novo, se por enquanto ainda
é um voto piedoso imaginar que o centro da pesquisa se desloque para
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fora dela, entendo que a estratégia mais viáve l é a universidade lançar
antenas, colocar mais a questão do que queremos e podemos transmitir.
Isso requer maior generosidade nossa, mas também mais audácia: que
rompamos com uma posição que é subalterna, que é, essencialmente, a
de quem responde.
***
Passo a um segundo ponto, também suscitado pelo título mesmo da
mesa. O primeiro era: A universidade ainda é o centro do conhecimento
novo no Brasil?” Disse que ainda é. O segundo ponto é A produção do
conhecimento novo ainda é o eixo da universidade ou outros eixos?”
Um ponto positivo do Gover no Fer nando Henrique foi assumir que
muitas instituições de ensino superior não são de pesquisa, ou não são
essencialmente de pesquisa; sobretudo o INEP, através das avaliações,
forçou várias faculdades particulares a melhorar a for mação dos seus
professores e, portanto, a dos seus alunos. Esse mérito é inegável; o
problema sério foi que não ocorreu nem a premiação dos mais bem
avaliados, essencialmente as universidades públicas que ao contrário
se viram alvo de condenações e de cortes de verbas, nem a punição dos
mal avaliados. Resumindo, o INEP agiu melhor do que o MEC. A
avaliação foi um g anho, mas dela não se retiraram as conclusões políticas
que eram adequadas. Quem retirou conclusões da avaliação foi cada
aluno, cada candidato a um curso superior, no seu papel privado de
consumidor da mercadoria ensino. Ou seja, um ser viço público, como
o INEP, fez uma avaliação da qual não foram extraídas conseqüências
públicas: os únicos resultados que se teve foram privados, ou mesmo
privatizados. Foram tomados por sujeitos da ação privada. O sujeito da
ação pública, que era o Estado brasileiro, não atuou com base nisso;
deixou ao mercado a iniciativa. Não se pode dizer, é verdade, que o
mercado tenha agido mal diante desse quadro: os alunos escolheram
melhor, as IES privadas contrataram mais mestres e doutores. Mas o
papel do MEC foi pequeno, não lhe basta designar o quadro para a
ação do mercado, ele deve discutir projetos, idéias, e implementá-los.
E de todo modo, o reconhecimento da realidade de que não
pesquisa em todas as IES, não elimina o fato de que o eixo do sistema
universitário tem que estar na preponderância da pesquisa; é, sobretudo,
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ela que faz que o ensino de g raduação, mas especialmente o de pós-
g raduação, tenha qualidade. Assim, se IES até mesmo boas no ensino,
mas que não pagam a pesquisa de seus docentes, isso significa que o
eixo d e sua qualidade está fora delas. Elas somente são boas na medida
em que outras instituições, melhores, nas quais seus docentes se
capacitam, se capacitaram e se capacitarão. E essas últimas são, na
maioria, públicas. Insisto: trata-se de dados de realidade. Não estou
defendendo um modelo ou outro; estou apenas constatando que a
qualidade que hoje no ensino universitário brasileiro vem daí. Mudar
isso para atender a uma teoria sem sequer discutir se essa teoria é
esteticamente bonita ou não não é correto. Devemos, antes de mais
nada, estejamos falando de arte ou de ciência, de empresa ou de
associação, verificar se nichos de qualidade; de pois, perguntar onde
estão esses pólos e o que os engendra; depois, discutir o que fazer, mas
evitando destr uir a capacidade existente em nome de uma miragem,
seja essa qual for. Penso que, colocadas estas referências, aqui é o caso
de for mular alguns diagnósticos e propostas.
***
O primeiro problema que vejo na Universidade é a sobrecarga
burocrática; outro dia me perguntaram se o assim-chamado
produtivismo, a insistência das ag encias em que se publique, prejudica
a pesquisa. Penso que não. O que prejudica mesmo é a sobrecarga
burocrática, cada vez mais pesada; ela separa as lideranças políticas e a
pesquisa. Na Universidade de São Paulo, onde trabalho, contamos com
duzentos Departamentos; quer dizer que temos uns duzentos chefes de
depar tamento, mais uns trinta e tantos diretores de Unidade, isso sem
contar a própria Reitoria, as Pró-Reitorias e suas comissões, cargos esses
ocupados, quase sempre, por professores titulares ou, pelo menos, por
quem tenha uma certa maturidade na carreira. Espera-se assim, que
alguém que esteja na proa da pesquisa para esses lugares, onde é
muitas vezes esterilizado, porque desde que se entra nesse circuito se
torna difícil a pesquisa. O número de comissões é excessivo. Os rituais
são absurdos, com freqüência; um concurso precisa ser homolog ado,
em voto secreto, mas pode ser recusado o seu resultado se dois terços
do colegiado assim o decidirem; ora, como uma decisão que além do
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mais precisa ser motivada, para não cair na Justiça, é tomada em segredo?
Quanto tempo não se perde com essas coisas? Toda essa sobrecarga
traz um efeito g rave, pouco meditado, que é: ele se para o poder e a
autoridade universitárias.
O poder universitário pode ser atribuído por eleição, pode ser atribuído
por nomeação; pode ser conferido por uma eleição direta ou indireta, ou
ainda pela lista tríplice, não é esse o problema central. A questão é que
na Universidade o poder está longe de ser o mais importante. Uma
Universidade de destaque deve dar tanta ou maior importância à
autoridade. E esta não se g anha por eleição ou nomeação. Ela se
consegue pela qualidade do trabalho, ou pelo reconhecimento público da
qualidade do trabalho. Precisamos recuperar o sentido forte do termo
autoridade, que não é a mesma coisa que poder; poder quando ocorre
mando e obediência, de preferência legítimos, isto é, com base em
princípios republicanos (o primado da coisa pública, que no caso da
Universidade significa o bem comum, a meta de promover a melhor
pesquisa e a melhor formação) e democráticos (a responsabilidade em
relação ao povo, a transparência em todos os processos). No mundo
político, o poder é importante. No mundo acadêmico, ele não é tão
decisivo quanto a autoridade. Esta última pode ser moral, pode ser
intelectual. Gandhi teve enorme autoridade moral, todos nós conhecemos
pesquisadores a quem respeitamos por sua autoridade na pesquisa. Ora,
o problema é que o poder acadêmico tende a se dissociar da autoridade
intelectual. O custo disso pode ser altíssimo, e esse fenômeno é tão sério
quanto a renúncia à pesquisa, até porque tem um parentesco com ela,
que na academia, em última análise, o que conta é a autoridade intelectual.
(Essa difere da religiosa, porque seu eixo não está na moral, mas na
qualidade das idéias). Respeitamos um pesquisador porque ele pesquisa
bem. Assim, sem querer confundir a política e a pesquisa (porque um
excelente cientista pode ser estúpido em matéria de poder, de concepção
do mundo etc.), o fato é que se as separamos demais corremos o risco de
perder, na Universidade, o que deve ser o seu farol. Aliás, é justamente
que se a relação entre a política e a pesquisa, entre a ênfase da primeira
no poder e da segunda na autoridade: o melhor que podemos fazer pela
sociedade (portanto, em ter mos políticos) inclui a pesquisa de melhor
qualidade. Daí que a definição de prioridades exija, ao mesmo tempo,
política e pesquisa, poder e autoridade.
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Aqui, a proposta é a seguinte: precisamos promover mudanças na
administração acadêmica. Não sei se o ter mo é revolução gerencial,
mas é preciso tornar a administração mais leve. Por exemplo, podemos
reduzir o número de comissões, bem como o de suas reuniões. Das
vezes que presidi alguma comissão na USP, sempre procurei diminuir o
número de reuniões, tornando-as mais objetivas e tomando menos tempo
dos seus membros. É melhor reunir uma comissão uma vez por mês
durante três horas, do que quatro vezes durante uma hora, até pela
demora no deslocamento, o tempo que dura a concentração inicial nos
assuntos etc. Certa ocasião calculei o custo de uma reunião da
Congregação de minha Faculdade, que tomava uma tarde inteira por
mês, juntando cerca de sessenta membros, quase todos professores, dos
quais metade mais ou menos de titulares: simplificando, por sua
medida na folha de pagamento, uma reunião destas custa pelo menos
um salário de professor titular.
Também tive a e xperiência do curso de Humanidades, que tento
alguns anos criar na USP, com muito sucesso de crítica e de estima, mas
sem êxito no plano burocrático. Numa comissão da Reitoria, alguém
pediu vistas do processo e, ficando com ele por algumas semanas,
retardou sua implantação por pelo menos um ano. Esse custo quem
paga? Penso que a par ticipação nas comissões deveria levar a determinar
melhor as responsabilidades. Sem querer mitificar a eficácia empresarial,
me pergunto se, no caso de se atrasar um protótipo numa fábrica de
car ros, as coisas ficariam por isso mesmo.
Ou tomemos o caso dos relatórios de pesquisa. Admiro o Currículo
Lattes, mas noto que a tendência quando se pensa em ter mos de
relatórios é sempre acrescentar novas infor mações ou exigências, nunca
as retirar. Soube que numa Universidade que incor porou o Lattes, com
acréscimos a seu sistema, é preciso, quando se lança o nome do membro
de uma banca, ter o seu CPF; quando não se tem, o sistema trava; e não
se pode, então, apenas desistir de lançar o nome; por tanto, que
telefonar para um professor, às vezes de outro Estado, para descobrir o
seu CPF. Dou este exemplo, porque a tendência da burocracia é
burocratizar cada vez mais, nunca desburocratizar é aumentar as
exigências, não reduzi-las. E o saldo disso é que esse volume enorme
de informações assim gerado ou guardado muitas vezes não é usado
para nada: fica infecundo.
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Esse problema, tão pequeno à primeira vista, incomoda muito. Mas
uma questão, mais obviamente impor tante, é como se a produção do
conhecimento novo. áreas onde os laboratórios são necessários, a
integração internacional é decisiva, etc. Isso funciona relativamente
bem, pelos menos como ideal, nas ciências exatas e biológicas. Parece
que hoje o meio bastante eficaz de difundir o conhecimento é a rede;
ela pode ser muito importante na redução das desigualdades, tanto
sociais quanto regionais, que aliás tem sido apresentada como um dos
empenhos do novo Governo, o que aprovo. Temos hoje um conf lito,
entre a internet como business eainternet como democracia, negócio ou
conhecimento. A internet pode ser fabulosa no plano do conhecimento,
da sua difusão livre e cidadã, mas, para isso, é preciso assegurar que o
conhecimento não seja mercadoria, ao menos prioritariamente. uma
frase de Francis Bacon, que praticamente inaugura a filosofia e ciência
moderna: “Conhecer é poder”. Ela é repetida por Thomas Hobbes e
outros autores; Descartes diz que o objetivo da filosofia é tornar-nos
senhores e possuidores da natureza. Ora, Bacon talvez nunca tenha
tido tanta razão quanto hoje: a apropriação do conhecimento é poder;
mas, justamente por isso, e dependendo de como se apropria o
conhecimento, ou se acentua a desigualdade ou ela se reduz. Corremos
até o risco da separação de duas espécies humanas, o pesadelo de Aldous
Huxley no Admirável Mundo Novo: um mundo onde as pessoas seriam
preparadas, até g eneticamente, para per tencer a um g rupo ou a outro.
Esse é o risco que tem uma apropriação essencialmente mercadológica
do conhecimento.
E nesse ponto é fundamental nossa atuação, assegurando o acesso
a sites g ratuitos ou livres, o acesso pela inter net ao melhor conhecimento,
como, por exemplo, a assinatura, pela CAPES de revistas eletrônicas; é
pena que na área de Humanas as revistas sejam bem menos relevantes.
Ela deveria, como fazem as Universidades dos Estados Unidos, assinar
também corpus de textos ou edições eletrônicas de livros, que nas
Humanas têm o papel que nas outras ciências é o das revistas.
Quero chamar a atenção para o fato de que a internet tem um
potencial democrático maior que a imprensa tradicional ou mesmo a
mídia eletrônica tradicional; um jornal na internet pode ser feito sem
tinta, sem papel, sem rede física. O custo de capital despenca. Embora
o capital se tenha assenhoreado de setores inteiros da internet, um
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espaço notável dentro dela pelo qual é possível fazer outra coisa. E por
isso é impor tante apostarmos nas redes de conhecimento, assunto em
que as exatas e biológicas, provavelmente, têm maior experiência que
as humanas.
Mas isso não basta, e o fato de ter mos a aprender com outras áreas
não quer dizer que devamos, como querem geralmente os que mandam
em C&T, copiá-las também naquilo que para nós seria nefasto. É preciso
lembrar que na área de Humanas a pesquisa não se faz de maneira tão
hierárquica, ou tão dependente de laboratórios e entidades, quanto nas
outras ciências. Esta característica nossa sempre favoreceu a pesquisa
individual ou independente. Hoje não faltam críticas a ela. As agências
não gostam do que elas chamam o balcão e querem sinergia, ou induzindo
pesquisas, ou integrando auxílios e projetos. É verdade que um problema
sério na área de Humanas é que falta diálog o, o que pode estar ligado a
essa se paração dos pesquisadores. Mas quero ressaltar nossos pontos
positivos. O primeiro é que não precisamos tanto de hierarquia, nem
mesmo de política universitária; posso brigar com meu chefe de
depar tamento, meu diretor de faculdade, meu reitor e até com a Fapesp
ou o CNPq, e continuar pesquisado à vontade e bem; nas áreas de exatas
e biológicas isso seria muito difícil, caso eu precisasse de um laboratório.
Meu mestrado sobre Thomas Hobbes deve ter-me custado menos de
cem dólares em livros. É claro que hoje os custos subiram, e que é bom
ter acesso aos melhores bancos de dados, como é bom termos diálog o,
o que requer viagens e outras iniciativas que custam dinheiro. Mas, se
essas coisas são boas, o ótimo mesmo é ter mos independência em
relação aos powers that be, para usar um inglês bíblico, em relação às
potestades do mundo: é ótimo que alguns grandes intelectuais brasileiros
nem mesmo precisem pertencer à Universidade para realizarem trabalhos
relevantes de filosofia ou de história.
Ou tomemos outro caso, o da interdisciplinaridade. As agências
incentivaram ao máximo a criação de associações nacionais por área,
as quais desempenham um papel importante, embora nem todas;
fortaleceram o esprit de cor ps em cada setor, combateram o
impressionismo, a vagueza; alguns resultados disso são bons. Mas com
isso rebaixaram a interdisciplinaridade que de fato havia. Em Humanas,
por exemplo, era nos suplementos literários e culturais que ocor ria um
diálog o interdisciplinar fr utífero; muitos ar tig os de destaque, assinados
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por pesquisadores respeitados, saíram neles, enquanto as revistas
acadêmicas abriam seu espaço aos mais jovens, aos principiantes. Ou
seja, as revistas que seguiam o padrão das Exatas e Biológicas (referee,
indexação etc), publicavam trabalhos menos importantes e mais
confinados em suas áreas do que as publicações que as agências jamais
aceitariam indexar! O que se fez, então? Mudou-se o critério de avaliação
ou mudou-se a realidade? Mudou-se a realidade, é claro. A ideologia
prevaleceu. E com isso, como pude ver no CNPq, trabalhos
interdisciplinares bons não têm quem os examine ou os conceda, cada
área expulsando-os para outra. Algo importante, que era o diálogo
infor mal, espontâneo, não tutelado, que ocor ria quando eu, de filosofia,
lia no jornal de domingo um texto seminal de um historiador, decaiu.
Para concluir, quero reiterar um ponto ao qual aludi. Precisamos
parar de pensar a qualidade da Ciência, da Tecnologia e da Universidade,
como deveriam ser, segundo alguma teoria muito vaga e duvidosa, e
pensar mais como são: o que cer to deve ser aperfeiçoado, nunca
destr uído. Espantosamente, é tal o (mau) poder das (más) idéias que
muitas vezes se destrói o que há, em nome de algo que nunca haverá.
Recentemente, conversando com um economista em Washington, disse
a ele que muitos pensam que o melhor meio de aprimorar nossas
pesquisas, aqui no Brasil, é aumentar o diálogo internacional; sem
aguardar que eu continuasse, ele concordou entusiasmado; eu
acrescentei: na área de Humanas, isso funciona muito pouco. Não a
hierarquia, nem nacional nem internacional, como condição para a
qualidade (notem, não nego que haja hierarquias de qualidade, o que
nego é que a inserção numa pirâmide seja condição para o bom trabalho)
e o que nos falta é, sobretudo, o diálog o interno sobre temas que nos
interessem, porque está sobrando a inserção subalterna em redes
internacionais, mas com isso acabamos sabendo pouco como maximizar
o que fazemos, e como incorporar o que recebemos. O curioso é que,
quando eu disse isso, ele se desinteressou: o que lhe impor tava era a
aplicação da receita, mas não o conhecimento do que acontece. Difícil
algo dar certo quando um planejador, a quem cabe alocar recursos, ignora
a realidade. E, infelizmente, mais incentivo para um pesquisador
brasileiro comprar a franquia local de um estrangeiro (assim chamo o
tipo de relação subalterna que consiste em traduzir, divulgar e convidar
um nome ilustre, que retribui dando ao brasileiro um lugar, obviamente
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menor, em sua rede internacional) do que em desenvolver diálogos
originais entre pesquisadores daqui, relacionados a questões de nosso
interesse. Sabe, quem lida com tecnologia, que é decisiva a nossa
capacidade de incorporar o conhecimento adquirido, impor tado, pois
de nada adianta ter as melhores máquinas, os mais recentes softwares e
hardwares, se não souber mos extrair deles as suas potencialidades.
Por tanto, a questão não é nacional versus estrang eiro, maséada
fecundidade que tenha um insumo ou uma teoria . E é isso o que às
vezes nos falta, quando importamos sem uma reflexão dialogada nossa,
sem a constr ução de relações entre nós que permitam ao que recebemos
render o máximo.
Daí também que, tanto as agências quanto os próprios pesquisadores
de Humanas, muitas vezes nem percebam que estas geram produtos
importantes, como a citada democracia brasileira. Sabem todos que
não poupei críticas ao gover no passado, mas alguém pode imaginar que a
pacificação dos espíritos que o presidente Fernando Henrique promoveu,
entre outros atos, reduzindo o peso da direita nostálgica da ditadura,
confiando o comando das Forças Armadas a um civil, e contribuindo
para não haver qualquer trauma na vitória e posse de um presidente de
esquerda, não deva nada à formação intelectual e científica que ele tem?
Pode-se imaginar, quer o PSDB quer o PT, que dez anos dividem o
proscênio da política brasileira, sem o peso dos intelectuais num e noutro?
Isso não é aplicação prática da ciência? O que sugiro, então, é que
pensemos com os pés mais na realidade que temos construído, fazendo
que nossa capacidade de pesquisa e de ensino cresça.
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71
As novas tecnologias, que dão base às redes, não são ferramentas que
produzirão automaticamente o resultado de formação de redes bastando
estarem disponíveis: redes são processos a serem desenvolvidos.
Cumprimento todos os presentes e afirmo minha satisfação de poder
estar aqui frente a este público qualificado. Refletindo sobre o tema geral
do fórum, “Os compromissos da educação superior e o seu papel na
sociedade em gerar conhecimento”, gostaria de introduzir o tema, nesta
seção da manhã, que é A universidade e a produção do conhecimento”.
Preparei esta apresentação tentando evitar discussões ainda
inconclusivas e muito polêmicas como, por exemplo, o conceito de
sociedade do conhecimento. Por tanto, apresento primeiramente, como
sumário da minha apresentação, uma pequena discussão sobre a
“sociedade em redes” e seus desafios, tendo como ponto de partida a
conclusão que o Prof. Janine tirou da sua apresentação. Disser tarei, em
seguida, sobre os compromissos da educação superior no século XXI:
se este é o século da “sociedade-conhecimento” certamenteoéda
“sociedade em redes”. Finalmente, discutirei as novas tecnologias e os
compromissos da educação superior.
Iniciemos então com a “sociedade em redes” e os seus desafios. Temos
apenas três temas e não pretendo along ar-me muito: primeiro, o próprio
conceito de redes; em seguida, a base tecnológica que sustenta a sociedade
em redes; e finalmente, os desafios, ou alguns dos que podemos apontar
dentro da problemática da discussão cor rente desse Fórum.
A UNIVERSIDADE E SEUS COMPROMISSOS:
A CONTRIBUIÇÃO DA TECNOLOGIA
Maria Inês Bastos*
* Coordenadora do Setor de Comunicação e Informação da UNESCO no Brasil.
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Comecemos por r edes. Não é o caso de enumerar muitas definições
conceituais neste momento, mas alguns comentários que devem ser
mencionados para que possamos caminhar em terreno mais ou menos seguro.
Identificaremos as sociedades em redes a começar por onde elas mais
se desenvolveram, a r ede de fluxos financeir os globais.Defato,redes são
estr uturas de nós. Nessa rede, os nós são compostos pelos mercados de
bolsas de valores e suas centrais de serviços auxiliares, localizadas em
qualquer lug ar do mundo.
Descendo a um nível mais próximo de nós, mais palpável, podemos
nos referir às redes de expressão cultural de opinião pública. Nessas redes, os
nós são sistemas de TV, estúdios cinematográficos, empresas de
computação gráfica, equipes de jornalistas, equipes móveis que levam
equipamentos; tudo isso, de fato, compõe nós que são ar ticulados dentro
de uma rede.
Dentro do tema do Fór um de hoje, as r edes de pesquisa, pergunta-se:
quais são os nós dessas redes?
Esses nós são compostos por g rupos de pesquisadores, mais do que
pesquisadores individuais, laboratórios de pesquisa, think-tanks ”, centros
de documentação, bibliotecas, instituições de financiamento à pesquisa.
A idéia de rede é interessante porque nos per mite perceber a
vantagem de estar em rede: dentro da rede a distância dos fluxos é nula,
isto é, a mesma distância é estabelecida entre quaisquer dois pontos.
Fora de uma rede as distâncias são, comparativamente, quase infinitas.
Em outras palavras, a rede per mite receber infor mação rápida e
significativa a um custo muito baixo. Estar infor mado é estar em rede.
Conseqüentemente, a intensidade de comunicação e de fluxo de
infor mação entre os nós é muito mais intensa, quando comparada ao
que existe em relação aos pontos externos à rede. Estar fora de uma
rede é estar isolado, “por fora”, sem acesso a informação privilegiada
para um g rupo ou rede específicos.
A base tecnológica é um pré-requisito para essa constituição, o que
per mite e facilita sua existência. As relações entre a constituição da
rede e sua base tecnológica são complexas e, na história do
desenvolvimento da sociedade em rede, se caracterizam como sendo
de feedback positivo: à medida que a base tecnológica avança, as redes
são estimuladas e essas, por sua vez, constituem um incentivo para o
desenvolvimento da base tecnológica. Um exemplo desse segundo
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movimento (redes estimulando o desenvolvimento da base tecnológica)
é a pressão que redes de pesquisadores, por exemplo, exercem pela oferta,
ao mundo científico, de maior largura de banda em dada região.
É impossível deixar de mencionar a questão da base tecnológica e
sua evolução. A sociedade do conhecimento sempre existiu, a sociedade
sempre foi uma sociedade do conhecimento, e o que mudou com o tempo
foi o tipo, a natureza do conhecimento. Mesmo a primeira Revolução
Industrial foi baseada em infor mações, conhecimento empírico. O
conhecimento científico, de fato, passa a ser fator pre ponderante a par tir
da segunda Revolução Industrial. O que faz nova a revolução que
estamos vivendo não é o conhecimento, nem a infor mação que está em
sua base, visto que os homens em sociedade sempre utilizaram alguma
for ma de conhecimento e de informação. O que é específico, agora, é a
aplicação do conhecimento e da infor mação para gerar diferentes
conhecimentos e dispositivos de processamento, e comunicação da
infor mação. A evolução é exponencial, justamente, porque se aplica
cada vez mais o conhecimento que se desenvolve para ampliar a
capacidade de processamento e de transmissão da informação. Por outro
lado, pode-se pensar, com muita razão, que “redes” na conce pção
desenvolvida aqui, existiram sempre, como de fato, o provam as “rede
de amig os”. De qualquer forma, e como afir mamos pouco, é nessa
estr utura em rede que a distância entre as pessoas (os “amig os”) é,
relevantemente, menor e maior, e mais intensa a troca de infor mações.
Deve-se apontar duas implicações para análise. Primeiramente, o
círculo virtuoso entre tecnologia e as redes: cada vez que se dissemina
a formação de redes, mais estímulo existe para o desenvolvimento da
infra-estr utura tecnológica. Por tanto, é impor tante criar redes que se
comuniquem da for ma possível e que estimulem o desenvolvimento da
infra-estr utura, que por sua vez facilitará a constr ução de redes. É
importante não dar ênfase demasiada ao hiato tecnológico como
obstáculo ao desenvolvimento de redes. As novas tecnologias, que dão
base a essas redes, não são ferramentas que produzirão automaticamente
o resultado de for mação de redes bastando estarem disponíveis: redes
são processos a serem desenvolvidos. Assim, o nível da nossa discussão
atinge uma dimensão um pouco maior.
Tomar como foco a infor mação e enfatizar o relacionamento, as
articulações, as interações e os processos na constituição de redes,
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envolve muito mais do que comprar equipamento e software. É preciso
entender que a informação tem de ser codificada, transmitida,
comunicada e não “entesourada”. A obser vação da constr ução da
sociedade da infor mação revela que uma das maiores dificuldades do
processo de avanço tecnológico e de desenvolvimento social, é que os
processos “modernizados” pelo uso da nova tecnologia ainda são
“velhos” sem incluir qualquer juízo de valor são de uma etapa
anterior. A tecnologia, muitas vezes, se sobrepõe a eles e, por tanto, é
ineficiente, não funciona, não traz nenhuma novidade, não estimula a
constituição de redes.
A tecnologia que levou à minituarização, a microeletrônica, todos
os processos de computação, os softwar es, tudo isso foi desenvolvido,
em grande par te, nos laboratórios universitários de países desenvolvidos.
Esses desenvolvimentos per mitiram maior rapidez na transmissão e
capacidade de ar mazenamento da informação, e uma dramática redução
de custos. Outras linhas de desenvolvimento tecnológico, como o
reconhecimento de caracteres, os protocolos de comunicação como é
o caso do protocolo de Internet (IP) aplicados à radiodifusão e à
telefonia digital celular, além da mais intensa utilização de fibra óptica,
têm propiciado as condições para a constituição das redes.
Quais são os desafios dessa sociedade em rede?
É maravilhoso perceber, à primeira vista, a nova etapa de
desenvolvimento tecnológico por que está passando a sociedade. A
tecnologia promete maravilhas e cumpre muitas delas, porém não se
pode esquecer os desafios que estão ali embutidos. Um dos primeiros é
o aprofundamento das desigualdades.
De fato, enquanto não se discute a importância da discussão sobre o
hiato digital, é impor tante lembrar que a revolução da infor mação a
sociedade em redes aprofunda as desigualdades que existiam. A
velocidade do avanço tecnológico faz com que as desigualdades tendam
a crescer muito rapidamente, e esse é um desafio que cabe a nós enfrentar.
Uma sociedade como a nossa, com tantos problemas a enfrentar,
inclusive problemas básicos como a fome, precisa ver que não pode
perder o barco da história. Portanto, não pode perder-se no falso dilema
de ter de escolher entre o canhão ou a manteiga: é preciso alimento e
também tecnologia. A escola, par ticularmente a escola pública e em
todos os níveis, é locus privilegiado de redução de desigualdades, não
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apenas no que se refere à difusão do conhecimento, mas também no
desempenho de papel muito peculiar queéodesertambém local de
acesso à tecnologia.
Outro grande desafioéodatensão entre o valor privado do
conhecimento e o seu acesso público. Essa é uma questão de difícil
solução. No século XIX, várias convenções inter nacionais definiram
reg ras de bom convívio, com relação a proteção dos direitos morais e
patrimoniais dos autores, e a necessidade da sociedade de ter acesso ao
conhecimento que eles produziram. Apesar do nível alcançado pela
sociedade em redes em nível global desde várias décadas, apenas poucos
anos atrás é que a questão relativa a suas conseqüências e das novas
tecnologias para o acesso à informação, começou a ser discutida em
nível multilateral. A Internet é um veículo fantástico de infor mação, a
comunidade universitária de todo o mundo utiliza esse meio
intensamente, inúmeros periódicos inteiramente digitais publicados
na web. Entretanto, muita infor mação em form ato digital, que não
circula livremente na rede e existe uma grande tendência para proteger,
demasiadamente, as informações veiculadas pela Internet. Tudo isso
configura uma questão difícil que deve ser discutida. Talvez estejamos
a merecer uma nova Convenção de Berna, e não uma discussão bilateral,
sobre como har monizar as legislações de países em desenvolvimento
às novas definições e regulamentação em vigor nos países
desenvolvidos. É espantoso não ouvir essa discussão no Brasil, o que
não é muito diferente do que ocorre em outros países da América
Latina. Tenho certeza, como o Prof. Janine mencionou, que a
universidade brasileira tem produzido importante reflexão sobre esse
tema, as faculdades de direito g eraram volume suficiente de infor mação
sobre o assunto. Urg e que essa infor mação venha a público e em
linguagem accessível a não-iniciados.
Finalmente, o último desafio que gostaria de explorar aqu i é a fluidez
da fronteira do conhecimento e a institucionalização do saber. Essa é
uma questão que apenas deixo lançada e tenho certeza que os senhores
saberão reagir a ela muito melhor do que eu mesma, porque a sua prática
diária os coloca diretamente em frente à questão da institucionalização
do saber e seus variados aspectos: dos procedimentos, dos trâmites,
das necessidades de aprovação, de credenciamento, de reconhecimento
e de definição, das solicitações de aprovação, e tantos outros. Como
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fazê-lo, e em que de partamento? O curso seria classificado como multi-
departamental, interdepartamental, transdisciplinar?
Isto é um desafio, e dificilmente eu poderia sug erir aos senhores neste
fór um qualquer for ma de resolvê-lo. Imagino que muito para
acontecer na “sociedade em redes” até que resultados concretos
apareçam nesse domínio. A for mação dos quadros hoje, com a estrutura
institucionalizada que temos, está em dissonância com as demandas,
com as necessidades, com a vontade que temos de continuar a
desenvolver a nossa sociedade em rede.
OS COMPROMISSOS DA EDUC AÇÃO SUPERIOR NO SÉCULO XXI
Muitos aqui hoje mencionaram como a universidade e este Conselho
têm ref letido sobre a universidade, sobre os seus desafios. Sinto-me
muito insegura para colocar aos senhores compromissos e desafios da
educação superior no século XXI.
Porém, como eu também não me acovardo perante um desafio dessa
ordem, fui buscar nos documentos das Nações Unidas, especialmente
da UNESCO, o resultado da “Conferência Mundial sobre Ciência para
o Século XXI Um Novo Compromisso”. Curiosamente, eu vi hoje
publicações que se referem a várias convenções internacionais nessa
área e não vi mencionada a que discutimos. Foi uma Convenção que se
realizou em Budapeste, em 1999, sob a égide da UNESCO e do Conselho
Internacional para a Ciência.
Eu concordo com o Prof. Janine quando afir ma que, embora algumas
pessoas identifiquem que o locus primordial das ciências tenha se
deslocado da universidade, entre nós a universidade é ainda um centro
muito privilegiado de produção do conhecimento e de difusão do saber.
Por tanto, ao pensar em compromissos da educação superior para o século
XXI, não acredito que estejamos cometendo um grande erro ao transpor
para a universidade os desafios da ciência do nosso século, confor me
as conclusões dessa Convenção de 1999.
Os pontos debatidos, os compromissos e um plano de ação da
Convenção de Budapeste giraram em torno de quatro tópicos. Mantenho
aqui a redação original desses tópicos:
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O primeiro ponto é: A ciência para o conhecimento, conhecimento
para o progresso”. O segundo é “Ciência para a paz”. O terceiro, “Ciência
para o desenvolvimento”. E, finalmente, “Ciência na sociedade, ciência
para a sociedade”.
Ciência para o conhecimento. É importante entender que o
empreendimento científico visa a produção do conhecimento, e disso
resulta o enriquecimento educacional, cultural, intelectual, avanços
tecnológicos e benefícios econômicos. Todavia, é a pesquisa científica,
o empreendimento científico que produz estes resultados múltiplos.
O outro ponto importante a ser mencionado é o financiamento desse
empreendimento. O financiamento privado tem papel fundamental e
deveria ser maior. Se estivessem presentes aqui re presentantes das áreas
de ciência e tecnologia, estariam concordando comig o. O Brasil faz u m
esforço enor me, por exemplo, par a estimular maior financiamento
privado à pesquisa científica, obtendo algum sucesso em casos pontuais.
Mesmo assim, não podemos deixar de atentar para o fato de que, por
mais que estimulemos o investimento privado na ciência, sempre haverá
espaço para o financiamento público à pesquisa científica. De fato,
inúmeras razões para isso, que não desenvolverei nesse momento,
deixando apenas seu registro.
Este é um momento incômodo para falar sobre ciência para a paz.
Embora a realidade seja um pouco adversa em relação aos nossos sonhos,
é preciso sonhar, com a condição de se acreditar fir memente no sonho.
A ciência pela paz tem um fundamento: a ciência se apoia no
pensamento livre e crítico, e será com base nesse pensamento que nós
poderemos fundar a solidariedade intelectual e moral dos homens. Esta
é a base de uma cultura de paz. Estamos um pouco longe das guerras,
mas temos muita violência, e a universidade, certamente, tem muito a
contribuir para reduzir esse quadro. Utilizando o pensamento livre e
crítico, podemos mobilizar o conhecimento, a universidade, fazê-la
contribuir para a cultura da paz.
Ciência para o desenvolvimento. Este tópico é mais direto, consiste em
for mação de capacidades científicas e tecnológicas. Nisso se incluem
aquelas capacidades específicas demandadas pelo momento, pelas
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necessidades de aprimoramento pessoal, pela economia e pelo mercado,
porém outras habilidades. A universidade tem o compromisso
primordial de for mar habilidade para o aprendizado continuado. Ela,
como o topo que coroa o sistema educacional de um país, deve gerar
esta habilidade. Os nossos alunos universitários não podem ser formados
à base de fotocópias de capítulos, não podem chegar ao término da
g raduação sem ter lido um livro inteiro, sem ter ido procurar na biblioteca
e pesquisar, porque sem essa habilidade eles dificilmente poderão se
integrar numa sociedade em rede. Isso deve fazer parte do rol de
habilidades, como capacidade de adaptação, f lexibilidade, criatividade,
espírito crítico, que são bastante conhecidas como componentes
básicos das habilidades de um profissional de nível universitário.
também a necessidade de nos esforçarmos pela salvaguarda dos
recursos naturais, da biodiversidade e dos sistemas de apoio à vida. Eu
incluiria ainda o conhecimento tradicional empírico, que começa a ser objeto
de catalogação, de pesquisa e de exploração mais avançada. O acesso ao
conhecimento científico é par te do direito à educação, para todos. O
conhecimento científico também é para todos. Precisamos modernizar o
ensino de ciências, comunicar o nosso conhecimento ao público, vulgarizá-
lo, transmiti-lo de modo a torná-lo accessível aos interessados.
Há, ainda, a cooperação para o avanço do conhecimento e para a
inovação. Na sociedade em rede, a sociedade do século XXI, a
necessidade da universidade contribuir para o desenvolvimento com o
conhecimento que gera, requer cooperação, que neste caso se refere
tanto ao avanço do conhecimento propriamente dito (uma outra forma
de se referir à cooperação científica entre pesquisadores), quanto para
a inovação. Este último envolve a difícil, mas necessária, cooperação
entre alguns setores da universidade, departamentos, pesquisadores e
segmentos do setor produtivo e da sociedade civil.
Finalmente, ciência na sociedade e para ela. Neste tópico, quero
sintetizar os três pontos centrais desta Convenção. O primeiro é que a
pesquisa científica, e suas aplicações, tem retorno para o crescimento
econômico, o desenvolvimento sustentável, a qualidade da saúde e a
redução da pobreza. Novamente entramos naquela discussão difícil,
que se resume em como alocar recursos quando eles são escassos e as
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prioridades são muitas. Entretanto, a aplicação na ciência tem retor no.
O segundo é que a prática da ciência requer adesão a requisitos éticos,
tema bastante discutido na universidade, nesse Conselho e em outras
esferas da sociedade, se bem que nunca é demais lembrá-lo como
compromisso social. E, finalmente, a responsabilidade social do
cientista. O que a Convenção de Budapeste menciona em relação à
responsabilidade social do cientista? Em primeiro lugar está o alto
padrão de integridade científica. A ele somam-se os seguinte
compromissos: compartilhar seus conhecimentos, comunicar-se com o
público e educar a nova g eração.
Isto posto, pode-se passar agora, muito brevemente, para o terceiro
e último tópico desta apresentação, ou seja, uma breve incursão sobre
as novas tecnologias e os compromissos da educação superior.
Exploremos apenas dois pontos: redes de ensino e pesquisa, e as
aplicações offline e online.
As redes de ensino e pesquisa são estr uturas viabilizadas e sustentadas
pelas novas tecnologias de informação e comunicação, que per mitem a
realização das funções básicas para o desenvolvimento do
conhecimento, isto é o compartilhamento da informação, a pesquisa
cooperativa e a ação cooperativa. Trouxe, de maneira ilustrativa,
infor mações que são do conhecimento de todos os senhores. Tenho
aqui a figura que ilustra a topologia da rede nacional de ensino e pesquisa
RNP –, que existe desde 1991. Desde 1999 é resultado de uma
cooperação única entre o MEC e o Ministério da Ciência e Tecnologia,
pela qual todas as instituições federais de ensino superior estão
conectadas à rede. Com o desenvolvimento da rede no sentido da ação
e da sua capacidade de processamento, foram desenvolvidas as ações
das “REMAVE”, redes de alta velocidade, que hoje vinculam 27
Estados brasileiros.
muito mais a se fazer nesta área do que se imagina. As redes
regionais se desenvolveram, como a rede TCHÊ do Rio Grande do Sul,
as redes pernambucanas, mineiras, etc. As redes estão operacionais, a
infra-estr utura existe, as universidades estão conectadas, e as que não
são atendidas pela RNP estão conectadas via EMBRATEL.
A conexão internacional é relativamente pobre, e essa é uma
deficiência terrível. Para nos comunicarmos com um colega da
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Argentina, por exemplo, nossa mensag em vai até Miami e volta, pois
faltam os backbones regionais. A UNESCO gostaria muito de estimular
e apoiar todas as iniciativas que venham a reduzir esta lacuna, e uma
dessas iniciativas é a “Rede Clara”, acrônimo de “Cooperação Latino-
Americana de Redes Acadêmicas”, que é uma extensão da RNP e de
outras redes similares na América Latina. Ela está sendo articulada hoje,
e busca apoio da União Européia para vinculá-la ao backbone e à Rede
acadêmica européia. Essa é uma rede que vai auxiliar enormemente a
cooperação e a solidariedade na produção do conhecimento. O projeto
está preparado e com início previsto para novembro de 2003. O Brasil
precisa declarar formalmente a sua adesão o mais cedo possível.
Ações cooperativas: esse é um dado impor tante, rico, porque além
das redes que usam essa infra-estr utura, outras for mas de ar ticulação
entre as universidades foram se criando, como a “rede da amizade”, a
“rede da competência” e a “rede da vontade” de atuar sobre a realidade
nacional, com base na exploração das vantagens comparativas locais.
Alguns exemplos de casos (me perdoem aquelas que ainda não estão
mencionadas) é da Universidade do Rio Grande do Sul, que está em
processo de articulação incluindo a Federal e as Estaduais, o CEDERJ,
a UNIREDE, o Instituto Universidade Vir tual, o Projeto Veredas para
Educação de Formadores, a Rede das Universidades CatólicaseaUnivir
de Goiás. Essas, são redes que precisam da infra-estrutura para o melhor
desempenho de suas atividades. Nesse caso, o mais impor tante, a “rede
dos profissionais”, está em franco desenvolvimento.
Finalmente, as “aplicações offline e online”. O título é com a intenção
de mencionar as várias formas de mídia: as baseadas na Inter net e em
tempo real e que, de fato, são extremamente ágeis e criativas; e aquelas
que não são em tempo real of fline –, como, por exemplo, todas as
aplicações tipo cd rom, extremamente úteis para o conhecimento e que
também per mitem explorações vir tuais e simulações, entre outras.
Obviamente, tudo isso vem se desenvolvendo para nos mostrar que
essa fronteira entre conhecimento, educação a distância, educação
presencial, está se tornando muito tênue. Muitas das soluções para a
educação a distância estão sendo incorporadas na sala de aula, utilizadas
como complemento e apoio, como elemento de auto-aprendizado e até
para comunicação com o público em geral. Os websites das grandes
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universidades e dos institutos de ensino superior são muito visitados.
E é preciso pensar nisso, e até g ostaria de sug erir que os g erentes dos
websites das universidades e das instituições de ensino superior levassem
isso em conta, pois o público em geral os visita. É possível até pensar
em alg o de divulgação científica para o grande público, com base nos
resultados de pesquisa realizada no âmbito daquela instituição.
Cursos em EAD, a natur eza e a mídia utilizada. Trouxe algumas
infor mações sobre curso de educação a distância, a mídia utilizada e o
número de alunos para ilustrar a difusão das novas tecnologias no Brasil.
São dados curiosos, de 2002, compilados por João Vianney, Patrícia
Lupion Torres e Elizabeth Farias da Silva, em um trabalho intitulado
“Universidade Virtual no Brasil” e apresentado este ano em uma reunião
da América Latina, no Equador. O trabalho foi publicado pela Editora
Unisul e UNESCO/IESALC, em 2003, sob o título A Universidade
Virtual no Brasil. O ensino superior a distância no país. É interessante
ver que um volume grande de alunos está exposto a várias mídias,
inclusive a Internet: 31.000 alunos no ano de 2002. Um número ainda
maior está exposto a mídias variadas, incluindo aquelas que são offline,
como o CD-ROMeafitadevídeo, entre outras. Dentre as tecnologias
de ensino/aprendizagem mais avançadas, a vídeo-conferência talvez
seja a mais demandante, mais cara e aquela que parece oferecer mais
atrativos para os usuários. O fato de que grande parte dos estudantes
de cursos de educação à distância foram expostos a um “mix”
tecnológico, uma mistura de mídias que inclui a vídeo conferência, é
um dado impor tante. Também é impor tante mencionar que um grande
número continua utilizando os impressos, que ainda são mídia marcante
na difusão do saber a distância no Brasil.
Entre os cursos pedagógicos de graduação incluem-se todos os cursos
de licenciatura, básica e plena, os quais estão muito bem distribuídos
no que tange às mídias utilizadas. Existem três cursos pedagógicos que
usam vídeo-conferência e muitos deles utilizam a Internet. O mais
interessante é que o mundo da Internet como mídia para educação à
distância é composto pelos cursos de graduação latu sensu. São oferecidos
cursos de graduação latu sensu inteiramente na Internet, de bacharelado
em engenharia química a cursos de tecnologia de informação. Nesta
apresentação não está implícita uma avaliação positiva, apenas o
reconhecimento de que a mídia é utilizada amplamente pelo ensino a
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distância. A universidade pode tirar proveito das novas tecnologias e
intensificar suas atividades nessa área para cumprir com seus
compromissos no século XXI, e em um país como o nosso: gerar
conhecimento de qualidade, comunicá-lo ao público e formar as nova s
gerações. Obrigada.
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Não existe ruptura entre a produção científica e tecnológica quando se
trata de pensar o processo de humanização e de socialização. Os dois
lados precisam ser valorizados, de modo que um não seja obstáculo ao
outro. Sob pretexto de incentivar a inovação tecnológica, não se podem
diminuir os recursos para a pesquisa de ponta. Mas esta última não
pode atrair para si todos os investimentos do Estado e da sociedade,
em prejuízo da produção. Sem a pesquisa de ponta, não empréstimo.
Sem aplicações técnicas, não ocorre fixação de tendências.
Estamos frente à natureza ameaçadora, forte o bastante para
amedrontar. Ela nos força e apresenta a mor te em cada clareira. A guerra
que domina o mundo de modo per manente nos alerta: precisamos
produzir, com nossas mãos, instrumentos para viver, na coletividade
brasileira, um pouco mais, um átimo pelo menos. Com isto, nosso
pensamento eleva-se e domina o espaço, durante tempo limitado é
verdade. Parece impossível, no Brasil, deixar o estado de natureza onde
os homens são lobos. A violência que perpassa os momentos da nossa
sociedade, cheia de corrupção, mor tes determinadas pela busca de lucro,
o que inclui os narcóticos, somada à recrudescente barbárie das super-
potências, todos esses pontos integram a pauta dos temas que devem
ser encaminhados nas universidades brasileiras, das salas de aula aos
laboratórios e às bibliotecas e arquivos.
URGÊNCIAS DA UNIVERSIDADE BRASILEIRA
Roberto Romano*
* Professor Titular do Departamento de Filosofia do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas
da Universidade Estadual de Campinas UNICAMP. E-mail: [email protected]. br.
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84
Que outro quadro podemos apresentar, diferente do pandemônio, o
exato contrário de um cosmos, onde povos erram sem eira nem beira,
conduzidos pela propaganda de elites alheias ao presente e chegam ao
confisco de corpos e almas, atingindo humanos aos milhões ? Gostaria
de introduzir em nosso debate certos pontos teóricos sobre a produção
científica e tecnológica. Somos universitários. Sem parâmetros de
pensamento, perdemos nossa identidade, reduzimos nossa consciência
e atos à simples recusa ou aplauso dos que exercem o poder.
Retomo algumas teses enunciadas por Andre Leroi-Gourhan, um
dos maiores etnólog os de nosso tempo, dedicado ao estudo da orig em
e desenvolvimento das técnicas e dos saberes humanos, desde a pré-
história até o século 20. Como não se trata de um tratado sobre as
teorias de Gourhan, apenas assinalarei os pontos essenciais de sua
análise. Em seu escrito intitulado Evolução e Técnica,
1
Gourhan
examina de for ma meticulosa o conjunto das artes humanas de
fabricação, aquisição ou consumo de saberes. Alí, de modo rig oroso,
ele expõe o quanto o elemento tecnológico é determinante, em última
instância, de toda a vida social. Gourhan mostra a existência forjada
pela técnica como um sistema onde, dado um traço, todos os demais
se definem, com maior ou menor densidade e coerência. Todo sistema
de ciências e técnicas ergue-se contra o elemento que desafia os
homens desde os seus primeiros instantes enquanto gênero: a
contingência, o aleatório, o acaso. Assim, “o processo humano, surgido
dos constrangimentos biológicos, desenvolvendo-se na ordem dos
signos, apressado pela indústria e figurado pelas técnicas da
comunicação, é um processo cumulativo. O passado da espécie
condiciona o futuro da etnia”.
2
Desse modo, todas as partes do processo tecnológico e científico
foram conquistas lentas da humanidade, ao longo dos milênios: a postura
ereta, a linguag em, a imaginação, a memória. Gourhan aceita a idéia de
que o aumento de nosso cérebro vem da solidariedade funcional entre
1
Evolution et Technique. Paris, Albin Michel, 1973.
2
Michel Guerin, “Leroi-Gourhan, notre Buffon”. Révue de Métaphysique et de Morale,2,
1977, página 174. Para efeito de comodidade, seguirei passo a passo este comentário de
Guerin aos trabalhos de Leroi-Gourhan. Deste modo, seja em paráfrases, seja diretamente
entre aspas, esta par te de minha exposição usa diretamente o artig o citado.
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ele e as mãos. O primeiro ganhou com os prog ressos da adaptação
locomotora, e não a provocou. Afir ma Gourhan: “Tudo se passa como
se o cérebro viesse progressivamente ocupar os territórios anteriores,
na medida que eles se liberavam dos constrangimentos mecânicos da
face”
3
Cede o prognatismo, o qual diminui progressivamente “em coesão
estreita com a base de sustento do edifício craniano”.Com a regressão
dentária, segue-se a expansão cerebral. Numa frase sintética, mas viva:
“somos inteligentes porque ficamos de pé. Também por este motivo,
nossa mão pode segurar e transformar”. E como ficamos erguidos? Por
adaptação. Esteéotraçoconstante no processo evolutivo. Comenta o
filósofo Michel Guerin : “o técnico comporta-se frente à matéria, que
ele ataca, em função de certos meios de atividade, do mesmo jeito que
o ser vivo, no interior de seu meio”. Assim, produção, para o ente
vivo, para a técnica, para as sociedades, sob o constrangimento. A
evolução transforma este constrangimento em tendência adquirida pela
espécie. Todas as faculdades mobilizadas pelo cérebro e pelas mãos,
durante milênios, tornam-se algo próprio, tendências inconscientes, mas
ativas nas sociedades humanas.
As teses de Gourhan têm um imenso pretérito de reflexões atrás de
si. De Aristóteles até Hegel, chegando a Marx e aos antropólogos
modernos, a reflexão sobre o elo entre a capacidade mental e as mãos,
entre ciência e técnica, é uma constante. Certos críticos do pensamento
ocidental, como Heidegger, enxergam mesmo na técnica a presença da
metafísica que aprisionou o ser humano, exilando-o do Ser. Não sigo
esta vertente do pensamento, apenas a indico pela sua valorização
negativa da técnica. Adepto das Luzes e da ciência, eu valorizo
positivamente as ar tes, as técnicas, os saberes científicos.
As mãos, pensam os filósofos do ocidente, constituem o primeiro
instr umento técnico que abre o homem para o convívio com a natureza
e com seus iguais, ou para a guer ra per manente, tanto contra o cosmos
quanto em detrimento do coletivo humano. As mãos podem seguir r umo
a direções as mais diversas. Se ignorar mos Platão, o grande cantor da
origem mecânica do universo e da política (a República é um autêntico
projeto de certa máquina para se viver coletivamente), vemos em
3
Gourhan, Le Geste et la Parole, T.I. Paris, Albin Michel.
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Aristóteles, no De partibus animalium (1453b 4), que o homem,
porque é o mais intelig ente dos animais, possui mão. Esta é “polimorfa
e multi-funcional, sua técnica é uma politécnica. A mão parece bem ser
não um instr umento, mas muitos´” (687 a 20). A n atureza dotou os
outros animais com uma ar ma, mas uma apenas, da qual, aliás, eles não
podem se desfazer, donde a rigidez de sua conduta: ´Eles são forçados
por assim dizer, a manter suas sandálias para dor mir ou para fazer
qualquer coisa, e nunca devem depor a ar madura que têm ao redor de
seu cor po, nem mudar a arma que receberam´. A mão do homem, pelo
contrário, é um instrumento que é, em potência, vários instr umentos,
um instr umento para se servir de instr umentos. Sua morfologia lhe
per mite todas as transformações: ´A mão se tor na g ar ra, ser ra, chifre,
ou lança ou espada´(687 b 3). A mão tátil, e não apenas a mão motora,
“tor na-se o símbolo do homem intelig ente”. (cf. G. Romeyer-Dherhey,
“Voir et toucher. Le problème de la prééminence d´un sens chez
Aristote”. Révue de Métaphysique et de Morale. 4/1991).
As mãos definem um campo de troca do corpo humano com a
natureza que os demais sentidos não asseguram integralmente. Elas são
estr uturadas fundamentalmente pelo tato. Este sentido, embora presente
em todo o corpo, torna-se mais ativo nas mãos. No De anima,
Aristoteles declara que o tato é a “sensação mais precisa no homem”.
É pelo tato que o ser humano ultrapassa os outros animais. “Nos outros
sentidos, o homem se distancia em muito dos animais, em troca, no
tato ele ultrapassa em muito a precisão dos animais” (De anima).
Nesse elogio das mãos notemos o símile posto por Aristóteles, entre
elas e os instrumentos de morte, que nos animais constituem apenas um.
No homem, as mãos se diversificam indefinidamente. Quanto mais
precisão das garras, mais inteligência. Isto pode conduzir à vida, com os
instr umentos que ser vem ao conhecimento científico, às ar tes liberais,
ou pode conduzir à morte, com as lanças, etc. Tool making animal, o
homem reproduz, com engenho e arte, a partir dos olhos e das mãos, o
mundo onde vive ou morre. Cada homem tem acesso à ciência e à
tecnologia da morte, e da vida. No século 18, durante as Luzes, quando
mais se louvou a ciência e a técnica ao alcance do maior número de massas
humanas, a doutrina de Aristóteles foi retomada por Condillac, Diderot e
outros amig os do saber. Junto com o entusiasmo pelas mãos polivalentes,
veio o elogio do tato, e a tese de que o conhecimento técnico e científico
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constitui conditio sine qua non para que o povo seja soberano de fato, e
não apenas de direito. Mas o século 18 não acreditou unilateralmente nos
benefícios da arte e da técnica. Ele sabia que desde o início, ambas podem
seguir para campos diversos e conflitantes, a vida e a morte dos indivíduos
e das coletividades humanas.
Semelhante percepção é retomada, no século 19, por Hegel quando
ele diz que, “todo ser vivo visto isoladamente per manece na contradição
de ser para si mesmo como esta unidade fechada, mas de depender ao
mesmo tempo dos outros. A luta para a solução da contradição não sai
desta procura e continuidade da guer ra permanente”. (Lições sobre a
Estética). Na Lógica (Livro III, 1, B) hegeliana, quando ainda se
descreve o processo vital, o impulso de eliminar toda alteridade conduz
o ser vivo ao choque entre sua interioridade e o mundo externo de que
ele depende. O sentimento deste embate é a dor. “Quando se diz que
não é possível pensar a contradição, lembremos que ela o é, entretanto,
sobretudo na dor do ser vivo, onde ela surge como uma existência
efetiva”. A violência se define, pois, no encontro entre o ente vivo e
a natureza. Genérica dor na geração da vida. A marca dolorosa, cujo
apaziguamento é sempre passageiro, segue o itinerário humano r umo à
cultura, mundo intelectualizado, “reino animal do espírito”.
Hegel discute a posse e mostra que esta, ainda não pleno direito de
propriedade, dá-se através das g a r ras humanas. A posse, eu a exerço
com as minhas mãos, mas seu domínio deve ser ampliado. A mão é
este grande órgão não possuído por nenhum animal. O que eu pego
com ela pode também se transfor mar num meio com que eu agarro
outra coisa” (Lições sobre a Filosofia do Direito, § 55 e adição).
temos a idéia do conceito, Begriff, enquanto g ar ra . Dentre os principais
instr umentos para ampliar minha posse e poder sobre os outros, sublinha
Hegel, estão as “forças mecânicas e as armas”.
No século 20, um grande pensador, o Premio Nobel Elias Canetti,
no monumento de filosofia política e de antropologia intitulado Massa
e Poder, analisa detidamente a mão humana, fonte do aperfeiçoamento
animal que produziu o homem e, neste último, conduz ao convívio e à
produção técnica para a vida e para a mor te, na indústria, no comércio,
na guer ra. Canetti põe a imaginação a serviço da captura da essência
dos atos técnicos e da gênese antropológica. A mão teria sido produzida
pela vida nas ár vores. Sua primeira marca de orige méaseparação do
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polegar. A constituição vig orosa daquele dedo, o maior espaço entre
ele e os demais, permitem o uso daquilo que, antes, foi “apenas g ar ra
para segurar nos g alhos”. As mãos, com tal ajuda, permitem aos animais
conhecidos como macacos o deslocamento em todas as direções, nas
ár vores. Mas um detalhe é relevante, pensa Canetti. As mãos, assim
liberadas, adquirem uma função nova. As duas mãos podem fazer a
mesma coisa num momento. Enquanto uma busca alcançar o galho
seguinte, a outra segura o anterior. Note-se esta passag em estratégica
do tempo: antes, u m ato vem de pois do outro. Ag ora, o sincronismo
per mite modificar o movimento no espaço e no tempo. Isto per mite a
rapidez nos atos dos animais, rapidez sincronizada. A mão que segura,
não pode soltar o cor po. Ela adquire uma tenacidade inédita, mas precisa
soltar o corpo rapidamente, seguindo a velocidade da outra mão, a que
agar ra o próximo g alho. “Portanto, é o soltar com a r apidez de um
relâmpago a nova aptidão que se agrega à mão; antes a presa nunca era
solta, a não ser sob coerção extrema e de for ma pouco habitual. Assim
pegar e soltar se sucedem, e conferem aos macacos, a leveza que tanto
admiramos neles”.
Nós conser vamos essa propriedade das mãos, possibilitando que uma
faça sempre o jogo da outra. E desta faina manipulativa, surge, pensa
Canetti, o comércio. Nele, enquanto a mão segura um objeto, a outra é
estendida, cheia de desejo, rumo a ele. A aleg ria difundida e profunda
que o homem encontra no comércio, em parte pode ser explicada porque
perpetua uma de suas mais antigas configurações de movimento sob a
for ma de atitude psíquica. Em nada o homem ainda está tão próximo
do macaco, como no comércio”. Mas voltemos, diz Canetti, a um instante
anterior da gênese do ser humano. Porque as mãos puderam aprender a
agir simultaneamente, em sincronismo, vencendo as primeiras barreira s
da existência diacrônica? “Nos g alhos das ár vores a mão aprendeu um
modo de segurar que não tinha mais a finalidade da alimentação
imediata. O caminho curto e monótono da mão para a boca foi
inter rompido desta maneira. Quando o galho se quebrou na mão, nasceu
o porrete, um instr umento com o qual se consegue criar distância. Assim
como a postura ereta jamais perdeu sua característica patética, da mesma
for ma o por rete, com todas as suas transformações, jamais perdeu sua
função primária: como vara mágica e como cetro, ele se manteve como
atributo de duas impor tantes formas de poder”.
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Essas afirmações de Canetti são ilustradas num dos mais belos filmes
produzidos, um verdadeiro poema trágico sobre a técnica e os saberes
humanos. Refiro-me a 2001, uma Odisséia no Espaço . Nele, se
atenuar mos o exagero evolucionista, percebemos uma rig orosa análise
sobre a invenção do porrete, a sua passagem para níveis sofisticados de
instr umentalizacão, a sua permanência enquanto meio, ao mesmo tempo,
de vida e morte. Macacos reunidos mostram medo. Outro g r upo de
símios se aproxima. Começa a luta cor po a cor po. De re pente, u m
indivíduo ag ar ra cer to osso (não um galho, como em Canetti)eobate
sobre o cor po macio de um outro. E o mata. O duro osso, na sequência
fílmica, é jog ado para o alto, e surg e uma nave que segue pelo cosmos e
cuja for maéadeumfinoeelegante porrete. O foco da máquina de
filmar passa para o interior do meio de transporte e agora uma caneta,
finíssimo porrete, flutua no ar e depois é recolhida por uma aeromoça.
A sombra da guerra entre os homens vai do início ao final da película.
A cena derradeira, um quarto barroco imaculadamente branco onde
alguém come e bebe, se quebra numa taça de cristal. A pessoa morre. A
frágil vida humana, no ciclo do embrião às mais sofisticadas formas de
morar e se alimentar, é simultânea à mor te. Todos os instr umentos
gerados ao long o da diacronia buscam afastar o nada e conser var o ser.
Na cultura barroca, sabemos, a morte sempre se apresenta, em
anamorfose, nas pinturas da vida. Como numa fábula, não mais das
1001 noites, mas de 2001 anos, tudo fazemos para adiar a nossa
execução final enquanto espécie. Mais do que nunca adquire verdade o
enunciado de Spinoza : “o esforço para conservar a si mesmo é o único
e primeiro fundamento da virtude” (Conatus sese conservandi primum
et unicum virtutis est fundamentum. Ethica, p. 4, prop. 22, corolário).
Canetti segue sua exposição indicando que a grandeza das mãos
encontra-se na sua paciência. “Os processos tranqüilos e compassados
da mão criaram o mundo em que queríamos viver. O oleiro, cujas mãos
sabem como modelar formas na argila, aparece como o Criador no
princípio da Bíblia”. Não acompanho todos os passos de Canetti na
genealogia do ser humano a par tir das modificações da mão. Ele mostra
o nexo entre ela e a palavra, por inter médio da mímica das mãos. O
filósofo termina o exame deste tema recordando a inocência dos atos
digitais, a sua facilidade para nós, homens. Esta facilidade é fonte de
nossos prog ressos técnicos, mas ao mesmo tempo ela per mite um
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descuido com os fr utos destas mesmas prog ressões. A mão ágil, não
opera de imediato tendo em vista matar e peg ar. Ela se transformou
num instrumento puramente mecânico e as suas invenções têm esta
marca. Por isto ela é perig osa, “o que ela provoca aparentemente diz
respeito apenas às mãos, à sua agilidade e capacidade de realização, à
sua inócua utilidade. Em qualquer momento em que esta mania mecânica
de destr uição das mãos, transformada num complexo sistema técnico,
se associa com a intenção real de matar, ela fornece a parte automática,
irreflexiva, do processo resultante, o vazio e o que existe de
especialmente inquietante para nós neste processo; uma vez que ninguém
quis que isto acontecesse, tudo ocorreu como que por si mesmo”. As
considerações extremas do pensador são desalentadas: “as múltiplas
ramificações deste impulso de destr uição mecânica vinculam-se à
evolução da tecnologia. Apesar de o homem ter aprendido a dominar o
duro com o duro, a mão continua sendo para ele a última instância de
tudo isso. A vida inde pendente da mão teve as mais monstr uosas
conseqüências. Ela foi, sob mais de um aspecto, nosso destino”. (Massa
e Poder , trad. Krestan, R. Brasilia, Ed. Universidade de Brasilia, 1986,
pp.233-242.)
Tais amostras de textos filosóficos bastam para situar mos a
importância das teses enunciadas por Leroi-Gourhan sobre as mãos e a
mente. No entender do etnólog o, a mão encontra-se na encr uzilhada
dos meios naturais, a matéria, e o campo humano. A vida dos homens,
em sentido estrito, começa nas técnicas de fabricação, aquisição e
consumo, ordenando-se atos que podem ser comuns. Os atos de colher,
bater, cozinhar, umectar, ventilar, levantar por meio de uma alavanca,
aplicam-se a vários processos. Estes itens todos são examinados no
capítulo 2 de L´homme et la matière (Paris, Albin Michel, 1972, pp.
43 e ss). “Os meios elementares são inicialmente as preensões em
diferentes dispositivos que unem a ação direta da mão humana, depois
às percussões que caracterizam a ação no ponto de encontro do utensílio
e da matéria; os elementos que estendem e complementam os efeitos
técnicos da mão humana, a saber : o fog o, a água, e o ar. Os utensílios,
em sua parte ativa, são estreitamente solidários do gesto que os anima:
força motriz e transmissão”.
A mão, os g estos, a palavra, a vida em comum. Esta cadeia segue
um ritmo cada vez mais célere, a cada passo da humanidade no sentido
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de tatear as forças da natureza. “Os diferentes modos de agir
empregados pela mão em seu papel preensor podem se colocar em quatro
categorias de gestos: apertar com os dedos, pinçar entre os dedos
(preensão interdigital), colher com a mão cheia (preensão digito palmar),
conter nas mãos ajustadas como se fossem recipientes. Uma das
características mais espantosas da evolução human a é a liberação do
utensílio, a substituição dos utensílios naturais por utensílios mais
eficazes. Desde os primeiros testemunhos da atividade técnica, as ações
de martelar, cortar, raspar se materializam através de utensílios, mas
nada sabemos sobre os substitutos eventuais da mão na preensão,
uma trintena de milhares de anos, que objetos como o bastão furado,
sugerem a existência de objetos de preensão, de modo que os exemplos
pertencem praticamente todos aos tempos históricos”.
A viagem das mãos ao cérebro é via mestra de pensamento. O retor no,
o caminho do cérebro às mãos, o mundo de instr umentos mecânicos,
com toda a sua progênie eletrônica e assemelhados, é um elemento
fundamental de nossa vida em sociedade. Assim, não se define, muito
pelo contrário, uma r uptura entre pensamento “puramente teórico” e a
inovação técnica. Ambos se exigem mutuamente. Para que exista
sociedade, conditio sine qua non é o trabalho que produz, pela técnica,
os instr umentos, a linguag em, as trocas matrimoniais. Com as mãos
surge o instrumento, marca-se “a fronteira par ticular da humanidade,
por uma longa transição durante a qual a sociologia continua a zoologia”.
O instr umento é conseqüência da mão. “O homem não é um resultado,
ele é um produto, e mesmo seu produto, um ser que soube e pode
acomodar sua contingência, aproveitar a si mesmo e ao meio”. Deste
modo, a vida social é “uma opção biológica” estratégica, produzida pela
técnica humana. Isto, para Leroi-Gourhan, faz a humanidade viver,
desde época remota, num “meio técnico”, cuja tendência, cada vez
mais, é substituir o natural. Leroi-Gourhan, não se chamando Rousseau,
nem vendo na técnica o declínio da natureza humana, sublinha que
tanto um meio, quanto outro não se excluem, nem definem uma ruptura
inevitável.
Se a sociedade é induzida pelos procedimentos técnicos, ela, por sua
vez, e de modo circular, é “a força atrativa ... que precipita o progresso
técnico”. Os instr umentos tomam lugar na ampliação das condições
biológicas, mesmo que eles desnaturem aquelas últimas. Deste modo,
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inexistem instr umentos e saberes isolados, como inexistem indivíduos
abstraídos uns dos outros. O primeiro caráter “social do g rupo, é o de
ser tecnicamente polivalente”. Sem a solidariedade funcional, impossível
a “passagem da espécie zoológica à espécie étnica”. Ocorre uma
similitude evolutiva “entre o desenvolvimento biológico do homem e o
desenrolar de suas vir tualidades sociais”. O instr umento está na base
de toda vida social. Deste modo, “a tecnologia se mantém na zona
mediana entre a biologi a e a sociologia, exatamente na linha instável
onde, imperceptivelmente, a espécie se faz etnia”.
O dado essencial é a matéria a que se apega o homem, a sua escassez
e resistência que forçam a produção dos órgãos e dos instr umentos,
artifícios humanos. O homem abre-se para o real por dois setores
liberados de seu cor po: a oeaface.Poreles, é possível ag ar rar e
percutir. Os instr umentos re petem, de modo mediato, estas ações. Sem
instr umentos e sem linguagem, não existe acúmulo de tendências que
per mitem produzir o próprio homem em sociedade. Se todo homem-
animal possui instr umentos, a evolução dos instr umentos e do homem
interessa ao homem. “Ele é o único animal que constitui um meio
técnico. Esta evolução, esta ‘humanização’ do instr umento depende
da linguagem. Ela se apresenta como fábrica de instrumentos dotados
de linguagem ou memória, de capacidades simbólicas (programação).
O instr umento e a linguag em fabricam a memória. Sua convergência
dota a humanidade de um capital tecno-simbólico cuja conseqüência
última é situar o futuro da espécie fora dela mesma” (Guerin). Nas
palavras de Gourhan : “O fato material mais espantoso, cer tamente, é
a ‘liberação’ do instr umento, mas na realidade, o fato fundamental é a
liberação da palavra, e esta propriedade única que possui o homem de
colocar sua memória fora de si mesmo, no org anismo social”. Sem
memória coletiva, inexiste futuro para o homem enquanto espécie e
também enquanto individuo.
E o que se armazena na lembrança? “Cada g rupo humano é animado
por duas forças contrárias e, no entanto, conjugadas: uma, o integ ra
sempre mais nele mesmo, intensifica e confor ta as tendências inter nas,
força de fechamento e índice de suficiência; outra, o tor na per meável
ao exterior, abre-o para o empréstimo, força de descompactação”. Estas
duas forças definem as bases e os ritmos de um crescimento técnico
dos coletivos humanos. Elas orientam o processo de face dupla chamado
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“empréstimo”, de um lado, e “invenção”, de outro. Ambos contribuem
para a existência de um todo social autônomo no meio tecnológico
global, com seus matizes e diferenças, devidos às várias tendências
historicamente adquiridas.
Emprestar instr umentos e sistemas de instr umentos, saberes e
sistemas de saberes de uma outra coletividade e, ao mesmo tempo,
inventar novos instr umentos e s aberes não é alg o contraditório. Pelo
contrário, ilusão é imaginar que um g r upo humano possa viver apenas
de empréstimo ou de pura invenção original. Nem todos os g r upos
possuem todos os instr umentos e saberes iguais, ao mesmo tempo. Uns
desenvolvem certos recursos, outros, aumentam sua habilidade por meio
de outros. Dentro do mesmo coletivo, alguns setores possuem for mas
diversas de produzir e utilizar mecanismos, com grandes ou pequenas
desigualdades na for ma e nos alvos. Deste modo, mais de uma técnica.
Esta última, “ou é politécnica, ou não existe”.
Desse modo, todos os g r upos emprestam, e todos são dotados de
força inventiva. “Privilegiar a invenção em detrimento do empréstimo
seria suprimir a História e a contingência do que advém”. Por outro
lado, ficar apenas com o empréstimo, significaria “afetar o g r upo com
uma passividade total” tornando o meio inane, por “uma
per meabilidade absoluta à força exter na”.Esta, se é única, torna-se
r uinosa para a continuidade de um povo.. Empréstimo e invenção se
temperam, e a sua medida é a necessária adaptação do gr upo às
condições do meio natural e técnico anteriores, postos diante de
indivíduos concretos, trazendo constrangimentos bio-étnicos a serem
dominados, através de saberes e instr umentos novos, frutos do
empréstimo e da invenção, para que o coletivo continue existindo.
Para isto, o conceito de fixação é nuclear.
Através da fixação, o meio anterior especialmente o técnico
absor ve os empréstimos, tor nando-se capaz de inventar. “O impor tante
no empréstimo” segundo Gourhan, “nã o é o objeto que entra num grupo
técnico novo, é o destino que lhe é dado pelo meio interior”. Quem
empresta “pode utilizar e, no limite, inventar”.(Guerin). diferença
entre “ter” um instrumento, ou um saber, e o “fixar”. no segundo
caso “o instr umento é digerido pelo meio, integ rado em seu capital,
porque ele é har mônico com a politécnica pré-existente do g r upo. O
conceito de fixação é, pois, um índice de pertinência”. O importante
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não é saber, digamos, se um povo possui computadores ou carros, ou
técnicas médicas e cirúrgicas avançadas. Impor ta, e muito, constatar se
ele as fixou, aumentando a sua força interna, a sua tendência.
Instrumentos separados do sistema, pouco significam para a
sobrevivência de uma coletividade.
Desse modo, o é o par “empréstimo/invenção” o que mais permite
entender como um povo sobrevive e se amplia, com força biológica e
técnica. O par “fixação/flutuação” é mais impor tante, em ter mos
conceituais. Se a técnica é uma politécnica, esta é uma técnica fixada.
Trata-se de um sistema. As for jas, por exemplo, no pretérito, ou os
computadores, hoje, não constituem instrumentos únicos, mas
complexos instrumentais de princípios tecnológicos. “Todos os meios
de ação elementar sobre a matéria encontram-se, aí, representados”.
Sem fixar tendências, os coletivos não continuam sendo autônomos,
verdadeiros indivíduos g r upais diante de outros. Mas, segundo Leroi-
Gourhan, de tudo o que ele observou em milênios de história técnica
dos homens, pode-se dizer que “massas, grupos, indivíduos, manifestam,
com os mesmos constrangimentos, o mesmo esforço de
individualização”. Perde-se a memória e a força de inventar, se não
fixa os empréstimos feitos de outros povos, produzindo novos
instr umentos e conceitos, os quais, por sua vez, entram de mil modos
em contacto com outros instr umentos e conceitos, num equilíbrio
sempre instável, mas progressivo e de refinamento, em suma, se um
povo é condenado à consumir os resultados técnicos dos outros seres
coletivos, ele tende a perder sua individualidade. Com isto, realmente,
ele passa à sua morte passiva.
Deixemos o etnólogo e interroguemos o significado das atitudes
tomadas pelo Estado brasileiro, no plano da ciência e tecnologia.Não
irei, aqui, fazer uma história das ciências e das técnicas no Brasil. Basta
lembrar mos que na Colônia, proibidos de inventar e, até mesmo, de
emprestar saberes e técnicas, fomos condenados ao puro e simples
extrativismo do meio natural. Pedras preciosas, ouro e prata. Depois,
as técnicas mais r udimentares de plantio e colheita de produtos únicos,
sem politécnica e polivalência. Não por acaso, os donos do Brasil
vetaram fábricas e universidades. Vivíamos em outros e para os outros,
em ter mos técnicos. Nossa adaptação ao meio foi r udimentar, se
comparada à que se produziu na Europa no mesmo período.
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Desenvolvemos, sobretudo o nosso caipira, técnicas emprestadas dos
índios, para a sobrevivência imediata. O bonito livro do Prof.Antonio
Cândido,Os Par ceiros do Rio Bonito com o qual dialogou o clássico de
Maria Sylvia Carvalho Franco, Homens Li vr es na Ordem Escravocrata traz
elementos importantes sobre este prisma. Os chamados “inconfidentes”
pretendiam, ao mesmo tempo, fundar fábricas e universidades. Foram
esmagados também neste item.
Com a família real portuguesa no Brasil, missões científicas e artísticas
apor taram em número maior nestas paragens. Com isto, bibliotecas e
laboratórios toscos, salvo a biblioteca do Rei, hoje Biblioteca Nacional,
começaram a se formar. Nossos estudantes, muitos futuros estadistas,
foram para a Europa, formando-se em matérias que não se restringiam
ao direito. O Patriarca da Independência estudou geologia, mineração
e matérias afins no Velho Mundo. Mas, por força política e religiosa,
nossos institutos de ensino voltaram-se especialmente para as leis, a
medicina, as letras. No segundo império, tivemos a presença do ensino
politécnico nas escolas militares, assegurado com hegemonia pelos
positivistas. Este núcleo gerou escolas de eng enharia, civil e militar,
com esquadrões castrenses dedicados à constr ução de obras públicas
em t odo o Brasil. Teóricos, como Pereira Barreto positivista, foram
contra o projeto de instalação, apresentado em 1881, de uma universidade
no Brasil, recebendo o apoio de muitos pensadores laicos. Cito um trecho
de seu pronunciamento: “é esse monstro’ que se quer recriar com a
fundação de uma universidade na Cor te. Nela viverão, lado a lado, escolas
positivas, como a de Medicina, de Ciências Matemáticas, Físicas e
Naturais, escolas metafísicas como a de Direito, e, em par te, a de Letra s,
e até ultramontanas como a de Teologia. (...) O país precisa, não dessa
instituição de caráter ambíguo e contraditório, mas sim de submeter-se
às exigências do espírito moder no. (...) É p reciso sacrificar a teologia e a
metafísica e ensinar exclusivamente a ciência, em estabelecimentos para
isso apropriados, seguindo a tendência geral das nações civilizadas. Que
se criem verdadeiras casas de instrução superior científica e se abandonem
os sonhos maléficos da universidade”.
4
4
Citado por Ivan Lins, História do Positivismo no Brasil. SP, CEN, Coleção Brasiliana, V.
322, página 77.
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Embora com boas razões, a tese positivista contra a universidade se
fundamentava numa atitude estrita sobre a ciênci a e a técnica. Pereira
Bar reto, por exemplo, aplica à eng enharia uma que pode ser
comparada à que se oferece, hoje, à economia: “os engenheiros sabem,
portanto, prevêem. Saber para prever, a fim de prover, é a fórmula do
pensamento que deve preponderar na educação do homem moderno”.
Este argumento retórico, exposto em 1901 no Clube de Eng enharia,
coloca na mão dos engenheiros a produção do Brasil enquanto “poderosa
nacionalidade”. O dogmatismo é explícito nos positivistas: os
intelectuais, poder espiritual, acima do povo ignorante e preso às
crendices teológicas ou metafísicas, devem planejar e manter o todo
societário, porque os cientistas “pensam pela espécie inteira”. Embora
tenha trazido muitos conhecimentos e técnicas ao país, o positivismo,
com esta atitude de elite, não contribuiu para fixar socialmente os saberes.
Se positivistas e católicos conser vadores
5
, inimig os fraternos,
impediram o empréstimo e a invenção de novas técnicas e conceitos
em massa, fixando-os na população, pelo menos eles era contrários ao
sa ber crítico, de modo aberto e definido. No caso dos liberais, o problema
é mais grave. Seguindo o paradigma organicista da época, eles buscaram
travestir sua atitude excludente com formulas “científicas”, extraídas da
medicina e da farmacologia. Deste modo, para relevantes escritores da elite
paulistana, os pretos seriam, cito diretamente suas frases, “uma toxina”,
definida pela “massa impura e for midável de dois milhões de negros
subitamente investidos das prerrogativas constitucionais (...), fazendo descer
o nível da nacionalidade na mesma proporção da mescla operada”.
6
Com
esta visão foi pensada a Universidade de São Paulo, produtora de elites
acima do povo “impuro”. A universidade, neste ideário, cumpre no
“organismo social”, o papel do “sistema nervoso no org anismo animal”.
Cabe-lhe, além disto, “restaurar a disciplina na mente popular”.
7
5
Não tempo, nem espaço, aqui, para discorrer sobre a política da Ig reja Católica diante das
ciências e técnicas modernas. Remeto, para uma análise desta instituição, para o meu livro,
Brasil: Igreja Contra Estado. SP.Kayrós, 1979.
6
Julio de Mesquita, A Crise Nacional, Reflexões em torno de uma data. Citado por
Maria Helena Capellato. O Bra vo Matutino. SP.Alfa Ômega Ed. 1983.
7
Capellato op.cit.. Cf. também, Roberto Romano, A Fantasmagoria Romântica”.in Corpo e
Cristal. Marx Romântico. RJ, Guanabara Koogan Ed., 1985.
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Apesar dessas atitudes anti-democráticas, setores da universidade e
dos governos desenvolveram entre nós a dialética do empréstimo e da
invenção tecnológicas, buscando fixar tendências. Durante a ditadura
VargaseogovernoJK,houve o esforço para incentivar as ciências e as
técnicas no Brasil. O contrário ocorreu no governo Dutra, onde imperou
a política consumista que destr uiu nossas reser vas monetárias na
importação de instr umentos, sem integ rá-los em sistema. Houve o
trabalho importante da indústria e do comércio: o Sesi, o Sesc e o Senac,
contribuíram para espalhar entre setores da população procedimentos
técnicos, o que ajudou a formar classes operárias e trabalhadoras com
bons conhecimentos e treino para assumir novos saberes. Mas o que
resultou de nossa crônica, elitista e preconceituosa face ao coletivo
maior, foi uma comunidade científica pequena para as necessidades do
País. Mesmo assim, conseguiu-se, através da pós-g raduação, iniciação
científica, pesquisa, for mar um conting ente de jovens estudiosos que
ajudariam a fixar, com abrangência social, a capacidade de empréstimo
e de invenção no Brasil.
Os senhores percebem o porque de minha passagem pelos enunciados
de Leroi-Gourhan, após esta rápida lembrança de nossa história.
Produzimos um sistema de ciência e tecnologia, em termos humanos
pequeno, para a tender a todas as necessidades de adaptação do povo
brasileiro ao meio tecnológico mundial. Com isto, a própria adaptação
ao meio natural ficou ameaçada, de modo per manente.
Não é fruto do acaso se nossos sistemas de saúde pública,
educacional, agrário, destinam-se na realidade a poucos entes humanos,
deixando os demais, a grande maioria, sem meios para o empréstimo de
técnicas e saberes, e sem possível invenção. O máximo conseguido é
distribuir instrumentos, dos quais a massa ignora os princípios básicos
de seu fabrico. As televisões se apresentam em todos os cantos do país,
ignorando o povo as suas bases técnicas e científicas e modelos de
produção.Isto, para citar apenas um exemplo. As mortes permanentes
em máquinas hospitalares, sem que estas possam ser trocadas por outras,
ou pelo menos mantidas, é o lado mais patético deste desconhecimento,
não apenas da massa, mas de boa parte dos operadores.
E quando se diz conhecimento, um pressupostoéogasto que ele
requer. Investir em saúde, educação, ciência e técnica, não é alg o que
possa ser visto pelo ângulo financeiro: investimentos nestes setores
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definem, em termos econômicos e antropológicos, a sobrevivência e a
expansão bio-etnológica de um povo. Sem eles, o que se faz, na verdade,
é condenar o coletivo inteiro à morte lenta. Os pobres fogem do país,
r umo ao Japão, aos Estados Unidos, à Europa. A classe média, que
ainda possui meios de vida aqui, renova suas ilusões de superioridade e
de sobrevivência apartada do povo
8
.
Os ricos, em todos os coletivos do mundo, têm compromissos
com sua própria vida. Desde tempos imemoriais, eles estão
globalizados. Em ar tig o escrito em 1982, na revista Educação e Sociedade
9
aler tei para o g rande er ro do populismo acadêmico, o qual olvidou que
o Estado, sobretudo o g overno, possui meios para se re produzir,
for mando pessoas em instituições próprias. As ig rejas, idem. Os setores
ricos do povo brasileiro jamais de penderam in totum dos campi oficiais.
Seus filhos são dirigidos, no Brasil, para setores de ponta das escolas
públicas, confessionais e par ticulares. Nas públicas, eles vão para a
Politécnica, as Faculdades de Economia, alguns cursos de medicina.
Nas confessionais e particulares, idem, como no caso da Fundação
Getúlio Varg as. Significativo é o número dos que se for mam em Oxford,
Har vard, MIT, na França, etc. Embora diminutos estes corpos ser vem
perfeitamente para re produzir a fortuna pater na ou grupal, e também
esta abarca conjuntos pequenos de gente que açambarca o excedente
econômico, as ter ra s, os saberes, o domínio das línguas estrangeiras, a s
técnicas de ponta. Eles ser vem, enquanto “filtro”, na dialética do
empréstimo e da invenção. Bloqueiam, assim, o acesso das g randes
massas ao conhecimento.
Nos Estados Unidos e na Europa também existem essas elites. Como
diz Thomas R. Dye, autor não incendiário, “um grande poder, na América
do Nor te, se concentra em poucas mãos. Alguns milhares de indivíduos,
fora e acima dos 238 milhões de americanos, decidem sobre guerra e
paz, salários e preços, consumo e investimento, emprego e produção,
lei e justiça, taxas e lucros, educação e ensino, saúde e bem estar social,
propaganda e comunicação, vida e lazer”. Apesar disto, o coletivo norte-
americano, desde o século 19 até hoje, soube emprestar, e muito bem,
8
“Progressismo e Conservadorismo. Questões sobre a Universidade”. Republicado em Corpo
e Cristal. Marx Romântico.
9
W ho’s R unning America ? Englewood Cliffs, Prentice Hall, 1986, página 1.
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99
de outros povos, técnicas e conhecimentos, fixando-os em tendências
que, unidas à força física br utal (das bombas de Hiroshima e Nag asaki,
à última e à próxima guerra do Golfo), e somadas a um protecionismo
inédito na história do comércio mundial, tentou recuperar a economia
americana, ameaçada pelo Japão tecnificado e seus filhotes, os tigres
asiáticos. Se os americanos tivessem seguido, para si, os conselhos do
Banco Mundial, do FMI, hoje eles estariam em nosso plano. Estamos
naquela situação, com um óbice: não emprestamos, nem inventamos o
bastante para fixar tendências que nos per mitissem emergir da crise
estr utural.
Não analiso, uma a uma, as medidas do Executivo federal que deixou
o Planalto em data recente. Elas prejudicaram a educação, a ciência e a
tecnologia. Os senhores conhecem todos os números e todas as suas
conseqüências imediatas. Quis ressaltar o fato: danificando a pós-
graduação e as iniciações científicas, trazendo obstáculos alfandegários
para a impor tação de instr umentos e saberes para a pesquisa, impedindo
a vinda de cientistas estrangeiros, e a saída dos nacionais, o governo
estreita, ainda mais, o filtro entre nosso povo e os outros, em termos
tecnológicos. O pouco que emprestamos, o pouco que inventamos, foi
atacado no seu prisma mais estratégico, a fixação em tendência. Esta
perda não se recupera com o aumento do índice Bovespa. Anos de pós-
graduação podem seguir para o nada. Mas eles resgatavam séculos de
atraso. Os estudiosos futuros saberão o quanto um povo pode resistir,
sem instrumentos próprios, num ambiente técnico e natural hostil.
Pesquisa ainda de ontem, coordenada pela professora Helena Nader,
Pró-Reitora de Graduação da Universidade Federal do Estado de São
Paulo (Unifesp), mostra que pela primeira vez, após de três décadas de
crescimento contínuo, caiu a participação do Brasil na produção
científica mundial, passando de 1,08%, em 2000 para 0,95% no ano
passado, o que representa uma queda de cerca de 12%. (Cf.jornal O
Estado de São Paulo, 18 de setembro de 2002). A professora Nader indica,
seguindo os índices ISI de 1973 a 2001, que “a produção brasileira
cresce, que o Brasil e o mundo investem em ciência, mas o nosso país
está investindo menos que os demais”. Como salientam a imprensa e
vários outros pesquisadores, como os lig ados diretamente ao MCT, a
estimativa da pró-reitora pode não ser absolutamente certa. A
participação brasileira teria crescido de 1,33% em 2000 para 1,44% em
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2001. Nas duas versões, entretanto, ressalta o problema grave da política
nacional de C&T: a falta de recursos materiais. O Reitor da Universidade
Estadual de Campinas (Unicamp), Carlos Henrique Brito da Cr uz julg a
ser preciso verificar o número de citações feitas de trabalhos brasileiros,
que demonstram a aceitação e impor tância dada pelo meio acadêmico.
“O ideal é fazer uma análise do conjunto. Número de publicações, de
citações e impacto provocado por elas. Nesse aspecto, vemos que a
produção científica brasileira ganhou prestígio nos últimos tempos.
Ele admite, entretanto, que o setor de ciência e tecnologia vive um
momento delicado. Agências de financiamento, como o CNPq, passam
por um problema de verba que até hoje eu não havia presenciado”.No
seu entender, o contingenciamento de verbas num período em que a
pesquisa brasileira demonstra respeito internacional revela uma
necessidade urgente: “O Brasil ainda não conseguiu fazer uma conexão
entre ciência, tecnologia e riqueza.” Como exemplo, ele afir ma que
atualmente empresas no Brasil abrigam 9 mil pessoas na área da pesquisa.
Na Coréia do Sul, onde a população é menor, esse número chega a 80
mil. “Precisamos criar um sistema integrado de pesquisa- produção
tecnológica”. Para que isso seja possível, completa, o ideal seria que o
g overno incentivasse medidas de pesquisa e desenvolvimento.
Fernando Galembeck , professor da Unicamp, pensa que “O quadro
de hoje repete o que conhecemos dos últimos 20 anos, mas tem uma
infeliz originalidade: é a perda de uma singular oportunidade, que não
tem antecedente em toda a história brasileira. Pela primeira vez, temos
no país uma população de pesquisadores realmente significativa, que
incorpora a cada ano milhares de jovens muito bem formados,
inter nacionalmente competitivos. Também pela primeira vez, temos uma
convergência de motivações e de ações entre os acadêmicos, os
empreendedores e os executores de políticas. Empresários buscam
ativamente nas Universidades os temas e projetos que moldarão
portfólios futuros de suas empresas, e também buscam o apoio da
rica (em conteúdo) ciência brasileira, para resolverem problemas e
g argalos dos portfólios atuais.
Pesquisadores e empreendedores são recebidos e são ouvidos nas
empresas e Universidades, surgindo cada vez mais casos importantes
de trabalho conjunto, em busca da inovação produtora de empreg o,
de riqueza e bem-estar.Nunca antes vivemos uma tal situação, talvez
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por isso mesmo muitas pessoas não consigam reconhecê-la diante dos
seus olhos. Certamente os que controlam os recursos da República
não a reconhecem.
Estas pessoas não percebem que, se hoje ainda existem importantes
recursos, é porque o Brasil se tornou inovador em muitos setores
econômicos, g raças à sua vig orosa, embora recente, prática de C&T.
Não fossem casos notáveis como os da soja, do açúcar e álcool, do
petróleo de águas profundas, das siderúrgicas, petroquímica e
mineração, da indústria aeronáutica, bem como a nossa capacidade
de atrair empresas de tecnologias de informação e de outras
tecnologias avançadas, os controladores de boca de cofre não teriam
cofre para controlar.
Por outro lado, se temos hoje uma capacidade de produzir riquezas,
é porque outros controladores de cofre, no passado, foram lúcidos o
suficiente para fazerem recursos fluírem para as atividades de ciência e
tecnologia.Eles sabiam que estes recursos eram sementes, que se
multiplicariam. As sementes se multiplicaram, por isso ainda somos
uma nação e ainda podemos aspirar a termos um futuro.Hoje, o campo
está mais fértil que nunca, e mais do que nunca necessitamos da colheita
dos resultados da ciência, tecnologia e inovação. Por isso, precisamos
insistir no discurso e nas ações mobilizadoras, até que os donos do
cofre adquiram um mínimo de senso de estratégia”. (“Controladores da
boca do cofre minam desenvolvimento da C&T no Brasil, ar tig o para
o para o Jornal da Ciência da SBPC, e- mail).
Todos os citados acima, apesar de suas diferentes posições e doutrinas,
afir mam a carência de recursos para a produção científica e a desejável
passagem da pesquisa acadêmica para a indústria. E neste ponto,
retomam, talvez de modo não voluntário, as teses de Leroi-Gourhan,
sobre a passagem imanente do elemento técnico ao teórico e vice-versa.
Não existe r uptura entre a produção científica e tecnológica quando se
trata de pensar o processo de humanização e de socialização. Os dois
lados precisam ser valorizados, de modo que um não seja obstáculo ao
outro. Sob pretexto de incentivar a inovação tecnológica, não se pode
diminuir os recursos para a pesquisa de ponta. Mas esta última não
pode atrair para si todos os investimentos do Estado e da sociedade,
em prejuízo da produção. Sem a pesquisa de ponta, não empréstimo.
Sem aplicações técnicas, não ocor re fixação de tendências.
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102
Que a nossa produtividade científica, apesar dos poucos investimentos
estatais e privados, mantém às duras penas o ritmo e progresso, é algo
inegável. No Jor nal da Ciência, a Sra. Anelise Souza, Assessora de
Comunicação do MCT, ao citar a revista Natur e, em número recente
(12\09\2002) afirmou que o Brasil, com a Coréia do Sul se destacam
pela publicação de ar tigos científicos em publicações indexadas. Segundo
dados preliminares do novo relatório do (ISI), a produção científica do
Brasil cresceu 11% de 2000 para 2001, passando de 9.511 para 10.555
artigos. A produção mundial, no mesmo período, apresentou o crescimento
de 2,8%, passando de 714.171 para 734.248 ar tig os. No período entre 81
e 2000, pelos dados do ISI, o número de artigos brasileiros publicados
em periódicos científicos internacionais passou de 1.889 (em 81) para
9.511 (em 2000), um crescimento de 403,49%, que coloca o Brasil entre
os 17 países do mundo que mais produzem conhecimento.
Essa conclusão, demasiada otimista na verdade, recebe duro golpe
quando é lido o ar tig o do Prof. Sergio Fer reira, A inadimplência da
Fapesp” no mesmo número do Jor nal da Ciência. Os ter mos do título e o
conteúdo do artig o merecem atenção. Mas fica a pergunta: qual os limites
dos recursos em inovação tecnológica? Neste instante, considerando-
se a crise global de nossa economia e finanças públicas, tanto a pesquisa
de ponta quanto a aplicação técnicas estão ameaçadas.
Tal é o cenário. O que podemos fazer? O primeiro passo, é aler tar
contra o monopólio das políticas de C&T exercido pelo Executivo. Nossa
história está centrada na ditadura do governo sobre os demais setores
do Estado. Legislativo e Judiciário, não raro, aceitam tais condições,
vendendo, em prol de sua cor poração, o direito de re presentar os povos
e de lhes fazer justiça. É preciso prevenir, dia e noite, de mil for mas,
parlamentares e magistrados, sobre o seu dever de controle sobre o
Executivo, qualquer que seja o seu dirigente. E o setor de C&T é básico.
É tempo de produzir, de estudar, com profundidade, todas as técnicas
e saberes ao alcance do Brasil. É tempo de propor e lutar pela autonomia
das agências de fomento à pesquisa e à pós-g raduação, diante dos
gabinetes da área econômica. O CNPq, a Capes,o próprio Ministério de
Ciência e Tecnologia, não podem mais depender das decisões de uma
equipe que domina a técnica dos cortes orçamentários, o manuseio do
livro caixa, sendo alheia à física, biologia, matemática, engenharia,
educação, lógica, medicina, direito.
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É tempo, enfim, para a universidade, de assumir seu nome,
continuando a ser ao mesmo tempo universal e par ticular, ser vindo
como instrumento eficaz de aquisição e invenção de saberes,
transmitindo-os em larg a escala ao povo. Isto supõe, inclusive e,
sobretudo, produzir instr umentos de conexão entre o saber acadêmico
e a indústria. A universidade precisa entrar num plano nacional de ciência
e tecnologia que a posicione como produtora de pesquisas, cujos nexos
com laboratórios, fábricas, etc., sejam os mais eficazes. Caso contrário,
ela estará apenas colaborando para a morte coletiva, calada, como os
doutores silentes e cúmplices nos regimes totalitários. Não temos força
física, não ordenamos leis, não temos o controle do excedente
econômico. Essas são as marcas do poder. Ainda possuímos autoridade
científica e alguma elevação ética. Tenhamos dignidade, pois sem ela
não existe conhecimento científico e moral. Lembremos a frase de Leroi-
Gourhan : “somos inteligentes, porque ficamos de pé”.
Livro Forum Brasil de Educacao.p65 17/1/2005, 16:44103
105
Eu começaria dizendo que as empresas esperam a produção de novas
tecnologias. Olhando para a realidade brasileira, temos milhares de
pequenas empresas que, certamente, precisam dessa tecnologia para
melhorar os seus negócios, para se tornar competitivas Os efeitos desta
melhoria, como apontam os relatos SEBRAE, trazem impactos até na
balança de pag amentos.
Boa tarde. É um prazer estar aqui. Eu vejo o convite para falar para
esta seleta platéia como uma honra, mas, também, como uma tremenda
responsabilidade. Isto não pela qualidade dos outros palestrantes
como, também, pelo fato de que, apesar da minha for mação em
Pedagogia, eu não pude ao longo da carreira, vivida toda em empresas,
ter experiências profissionais nas universidades. Assim, eu me sinto como
um típico representante das pessoas comuns da sociedade.
É claro que a minha fala terá um viés corporativo, em função dos
long os anos trabalhando em empresas. Eu tentei incor porar algumas
contribuições da sociedade em geral, fazer umas colocações como
cidadão comum, mas é lógico que nesses longos anos eu sempre via a
Universidade como fornecedora das empresas. Nos últimos quatro anos
de minha vida profissional como empreg ado, eu cuidei de programas de
trainees e de estagiários. Eu pude, então, me aproximar bastante das
universidades. Insistirei, a despeito das eventuais dificuldades de
reper tório, numa abordagem mais genérica e não focada na ótica de
relacionamento das empresas com as universidades.
A UNIVERSIDADE E AS DEMANDAS
DA SOCIEDADE
José Emídio Teixeira*
* Consultor de Recursos Humanos.
Livro Forum Brasil de Educacao.p65 17/1/2005, 16:44105
106
Eu não pre parei um texto como fez o Prof. Romano. Trouxe uma
apresentação em PowerPoint, mas, ao chegar, constatei que as pessoas
do fundo do auditório teriam dificuldade para enxergar os slides. Para
evitar a aflição deles, vou usar meu material apenas como guia em
que farei as consultas durante a minha fala.
O roteiro da minha palestra, que eu estou chamando de desenrolar
da conversa, vai abordar o mundo onde está inserida a universidade,
o seu papel, quais são as expectativas da sociedade, as expectativas
das empresas, as for mas de interação que a universidade deve ter com
a sociedade, for mas de interação com as empresas e, finalmente, uma
análise da aprendizagem constante da universidade, considerando que
uma instituição que tem a finalidade de cuidar da educação, de fa zer
com que as pessoas aprendam, tem de dar uma atenção especial à sua
própria aprendizagem.
Hoje, nas empresas, falam disso com muita clareza. mais de
uma década elas insistem que para sua sobrevivência precisam se
transformar em ambientes de aprendizagem. Penso que as
universidades têm de superar as empresas neste campo.
Vou começar, localizando a universidade. Ela está colocada em
uma sociedade complexa, num mundo em constante mudança. É claro
que as mudanças sempre estiveram presentes no mundo, em todas as
fases da história, mas, hoje nós vivemos uma mudança de natureza
diferente. É uma espécie de mudança acelerada, uma mudança onde
os ciclos são curtíssimos, onde múltiplos fatores contribuem para
alterar o status de for ma imprevisível. Como as metáforas estão na
moda, g ostaria de usar uma para explicar meu raciocínio.
Vamos tomar a globalização como a maior mudança que nos afeta.
Ela é um fenômeno que está em curso e que nós não sabemos
exatamente onde ele vai ter minar.
Na minha cidade natal, Ouro Preto, no bair ro do Rosário, onde eu
morava, tem um morro com uma espécie de duna, sem mar,
infelizmente, onde as mulheres iam buscar areia para arear as panelas
e a molecada ia brincar. Pular, saltar, escorregar, fazer aquelas
estripulias todas. Além de fazer tudo isto me interessava obser var o
areão, como era chamado. Quando eu ia para lá, uma das coisas que
eu achava muito interessante era acompanhar o comportamento da
areia quando ela era mexida.
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107
Quando isto ocorre, a areia começa a se deslocar e para quando
a lei da g ravidade for completamente atendida. Não como intervir
nisso, exceto tocando novamente na areia e provocando mais
movimento. Eu diria que no caso das mudanças globais, no processo
da globalização, as pessoas começaram a bulir com a areia do mundo
em algum lugar. A cada momento alguém mexe novamente, e o
movimento tor na-se cada vez maior.
As pessoas nem sempre estão prontas para assimilar a quantidade
de movimentos que estão sendo feitos. Além disso, a disponibilidade
das pessoas para mudanças, as tecnologias existente s e o repertório da
sociedade são insuficientes para lidar com a quantidade de demandas
que esses movimentos provocam. Entendo que a universidade tem a
g rande responsabilidade de estudar o tema para for necer munição, para
a sociedade administrar toda essa confusão.
Uma segunda característica deste ambiente é que ele exige que as
pessoas aprendam a todo instante. Aquela situação em que a
aprendizagem estava restrita somente aos anos de escola acabou
muito tempo. Hoje ela é uma questão de sobrevivência. Qualquer
trabalhador, de qualquer nível, ligado a uma empresa qualquer, em
qualquer lug ar do mundo, sabe que seus conhecimentos e habilidades
são vitais. Eles definem suas margens de sobrevivência no mercado de
trabalho. Aprendizag em é, por tanto, ar tig o de primeira necessidade.
Um reflexo disto é o crescimento da demanda por cursos de pós-
g raduação, MBA, mestrados e conexos. Isto não é novidade para as
senhoras e senhores que trabalham no ramo. Eu tenho constatado isto
nas instituições, onde leciono ou faço palestras. São pessoas que
trabalham a semana inteira e aos sábados ou de noite, tentam ganhar
condição de sobreviventes no mercado de trabalho.
Outro aspecto que tem total correlação com a Universidadeéodas
tecnologias. As empresas precisam de novas tecnologias e a universidade,
como vocação, é uma produtora de tecnologia. Nem todas as empresas
têm capital, processos ou pessoas habilitadas para produzir tecnologia.
Elas são clientes potenciais e, além delas, o próprio govern o e a sociedade
em geral precisam de tecnologias baratas para atender as carências nos
mais diferentes campos. Não se trata de tecnologias que custam caríssimo,
produzidas pelos laboratórios, pelos centros de pesquisa privados, a
exemplo das empresas do setor farmacêutico, que investem bilhões e
Livro Forum Brasil de Educacao.p65 17/1/2005, 16:44107
108
bilhões de dólares. Falo de tecnologias com finalidade social cujo resultado
esperado é a melhoria da qualidade de vida da população.
Abordo por último, o Prof. Romano havia tocado neste assunto, a
questão da escassez de recursos. Nós vivemos em um mundo onde os
recursos são escassos e uma abundância de problemas. Quando falo
de recursos não é dos naturais que quero destacar. Falo de recursos
financeiros, de recursos tecnológicos, de recursos humanos aptos a lidar
com as demandas dos países pobres ou em desenvolvimento, como é o
caso do Brasil.
Diante deste mundo, qualéopapeldauniversidade?
A produção do conhecimento é um dos primeiros papéis da
universidade. Não se trata apenas da produção do conhecimento em si,
mas a produção do conhecimento aplicado que é a tecnologia.
mencionei aqui que a sociedade precisa de tecnologias simples para
melhorar seus padrões de vida.
É assustador ver a insistência dos apaixonados pelo Primeiro Mundo,
em afir mar que sem as tecnologias de ponta não saída. uma
exacerbação de expectativas, tentando nivelar por cima as necessidades
dos diferentes g rupos sociais. Ao contrário, uma boa par te da sociedade
precisa de tecnologias mais simples, que a universidade teria condições
de produzir, para resolver problemas mais simples. No Brasil convivem
ilhas de vanguarda, de alta competitividade no meio de oceanos de
pobreza, onde existe a carência das coisas básicas.
Esta é uma questão sobre a qual a universidade deveria ref letir. O
custo da produção destas tecnologias não é alto. As instalações, as
equipes e os conhecimentos existentes são suficientes para a
universidade prestar este serviço à sociedade. Na verdade, a universidade
faz muita coisa nesse sentido.
Um terceiro aspectoéododesenvolvimento de talentos. O país
precisa de talentos em todos os segmentos para tentar equacionar os
problemas da sociedade. A preparação destes talentos é uma
responsabilidade da universidade. Cabe à universidade suprir o país de
técnicos nas diversas áreas do conhecimento. Desenvolver talentos
significa um estágio à frente: é criar condições para que a aprendizagem
leve o máximo de alunos a se superar.
Junto com o desenvolvimento de talentos, é fundamental desenvolver
cidadãos. A universidade não deve aceitar o papel restrito de suprir o
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109
mercado de mão de obra. Ela não pode ficar refém das demandas das
empresas que querem receber técnicos de alta perfor mance nos seus
programas de trainees, mas, muitas vezes esquecem que antes do
profissional vem o cidadão. Este é no meu entender o diferencial:
pessoas independentes são capazes de produzir resultados, solucionar
problemas além das margens restritas dos manuais, dos processos e dos
olhares vigilantes da hierarquia.
A universidade deve ensinar as pessoas a pensar. Isto se faz no debate,
no questionamento das idéias prontas, o que inclui aceitação pelos
professores do questionamento dos alunos. A universidade tem de
retomar a vocação de pre parar e abrig ar pensadores.
Esta exigência me permite iniciar a última colocação que vou fazer
sobre o papel da universidade: ela deve ser um fór um per manente de
debates, ela deve discutir todos os temas, deve evitar que prospere o
pensamento único, o pensamento ditatorial, aliás, abordado hoje pelo
Prof. Roberto Romano, em um artig o que escreveu para a Folha,
intitulado “Silêncio e Censura, inimig os da liberdade”. Neste momento,
o Prof. Roberto Romano estava exercendo o seu papel de representante
da universidade para provocar o debate na sociedade. Este movimento
é muito importante: a universidade não deve ficar num pedestal
esperando que as pessoas corram até ela para buscar a luz. Ela deve
catalisar a luz existente na sociedade. Essa foi a contribuição do artigo
do Prof. Romano.
Quais são as expectativas da sociedade em relação á universidade?
Peço que perdoem o atrevimento de arrolar, sem nenhuma pesquisa
para me amparar, as demandas da sociedade.
A primeira expectativa existia na época em que eu estava querendo
entrar na universidade: é o crescimento da oferta de vagas. Esta
demanda permanece sem solução, pois, se as vagas aumentaram, uma
boa parte delas, além de serem pagas, tem qualidade abaixo da desejada.
Esta constatação nos remete para uma segunda demanda: a melhoria
da qualidade do ensino. Este aspecto é muito relevante, que a
universidade é responsável pela for mação dos profissionais que atuam
nos outros níveis de ensino, causando impacto, por tanto, na qualidade
do ensino como um todo no país.
Outro desafio para a universidade é a melhoria na sua administração.
Isto vale para a pública e para a privada. É necessário que a universidade
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110
utilize o seu repertório técnico e conceitual para fazer melhorias no seu
próprio funcionamento.
Além dos pontos mencionados gostaria ainda de destacar mais
duas expectativas. A primeira é a necessidade de manter uma produção
científica crescente que funcione como plataforma para a pesquisa de
novas tecnologias. A segunda está relacionada à visão crítica que a
população espera por parte da universidade. Ela deve se colocar
criticamente, não em relação às questões políticas, mas, também,
em relação às tecnológicas.
Quais seriam as expectativas das empresas?
Antes de falar delas, eu queria fazer um preâmbulo. A empresa é
uma instituição que tem como objetivo básico os resultados, o lucro, a
ganância, como dizem os espanhóis. Dentro deste enfoque, elas na
verdade são, por essência, reducionistas. Ou seja, a leitura que elas
fazem dos saberes, das filosofias, do conhecimento é muito voltada
para os seus próprios interesses e vocações.
Feito o preâmbulo, eu começaria dizendo que as empresas esperam a
produção de novas tecnologias. Olhando para a realidade brasileira,
temos milhares de pequenas empresas que, certamente, precisam dessa
tecnologia para melhorar os seus negócios, para se tornar competitivas
Os efeitos desta melhoria, como apontam os relatos SEBRAE, trazem
impactos até na balança de pagamentos.
Outra expectativaéaformação de talentos. As corporações querem
que as universidades for mem pessoas que possam se transfor mar em
executivos brilhantes, que falem, pelo menos, cinco idiomas, que sejam
capazes de dominar todas as tecnologias mais avançadas da
comunicação, da infor mática e gestão.
As empresas esperam, também, que a universidade seja uma
alternativa para a for mação dos seus empreg ados, notadamente, do
pessoal do corpo gerencial. Hoje existem muitos programas que são
mantidos pelas universidades para suprir estas necessidades.
Além disso, espera-se que a universidade atue como fornecedora de
ser viços e assessoria. Esta prática é bastante comum e ajuda as
universidades públicas, representadas pelas Fundações, a se auto-
sustentarem, a cobrir lacunas no orçamento não coberto pelas verbas
g overnamentais.
Quais são as formas de interação da universidade com a sociedade?
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111
A universidade tem de pensar na sociedade como cliente, como quem
paga a conta. Seja o aluno da universidade privada que paga a
mensalidade ou o cidadão que paga os impostos. E o cliente tem de ser
tratado com respeito e, acima de tudo, deve ser ouvido para dizer qual
produto deseja e com que qualidade. A universidade não deve se
considerar acima do bem e do mal, dona da verdade e, como tal,
responsável por impor padrões à sociedade.
A universidade tem de manter portas abertas para a sociedade,
fazendo com que a comunidade vizinha ou até mais distante, a freqüente.
Deve se abrir para visitas, criar cursos especiais para leigos, oferecer
seus laboratórios, escolas experimentais e hospitais para o atendimento
da população. Nisto podem ser incluídas as instalações espor tivas ou
os parques onde estão localizadas.
O exercício da cidadania deve ser outra prioridade da universidade.
Seja ela pública, seja ela privada, pode ajudar a sociedade, pode ajudar
as pessoas menos capazes de resolver os seus problemas; acho que o
país está esperando algum projeto, alguma coisa que a universidade
faça, por exemplo, pelos desempregados que não têm condição de se
colocar no mercado de trabalho por causa da sua incapacidade, da sua
deficiência educacional.
A universidade deve pesquisar o que a sociedade pensa, pesquisar o
que ela demanda. Os resultados destas pesquisas devem orientar as
estratégias e ações educacionais.
Por último, faço uma proposta no sentido da universidade criar um
conselho consultivo onde a sociedade esteja representada. Certamente
as universidades têm seus conselhos regimentais. O que proponho não
é isto, mas, a inclusão de cidadãos comuns, pessoas que têm o saber e
certamente ajudariam com novas idéias.
Como seria a interação com as empresas?
Em primeiro lugar a empresa tomada como objeto de pesquisa. Eu
abri, várias vezes, a porta das empresas onde eu trabalhava para os
pesquisadores da universidade. As empresas não têm muito tempo para
se avaliarem. A presença de pesquisadores externos, além de ajudar
neste aspecto, é importante porque produz conhecimento. Esse
conhecimento de pois será útil para outras empresas e administradores.
A universidade poderia criar centros de produção tecnológica, além
de ampliar os que existem. Outra alternativa é fazer projetos especiais
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112
de pesquisa junto com as empresas. Elas, também, estão buscando as
universidades para fazer programas educacionais sob medida para os
seus empregados. Por último, defendo o intercâmbio de talentos: colocar
os professores para trabalhar nas empresas; receber profissionais do
mundo corporativo para lecionar, incorporando suas experiências ao
saber da universidade.
Para encerrar, não os aborrecerei mais, eu gostaria de falar sobre a
última coisa sobre a qual refleti: a universidade em constante processo
de aprendizagem. Esta é uma questão vital, a universidade tem de se
atualizar, ela tem que se tornar melhor a cada dia. Ela tem essa
responsabilidade até para demonstrar aos alunos que além de ensinar,
ela pratica o que ensina.
A primeira sug estão é o intercâmbio. Intercâmbio muito praticado,
não com outras universidades, mas, também, com instituições de
pesquisa. Eu sugiro que ele seja estendido á sociedade. A segunda é a
adoção da gestão profissional. Ela deve usar os bons modelos de
gerência corporativa para tornar-se mais eficaz, para usar melhor os
seus recursos.
A terceira recomendação é que a universidade faça uma permanente
leitura da sociedade, para que ela possa se posicionar como produtora
do conhecimento e como promotora do debate tecnológico e ideológico.
Para encer rar, ela deve fazer pesados investimentos na formação de
professores e pesquisadores.
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III Encontro Nacional
Formação e carreira dos professores da Educação Básica
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115
O III Encontro Nacional do Fór um Brasil de Educação ocorreu no
dia 03 de junho do ao de 2003, no Auditório Professor Anísio Teixeira,
no Conselho Nacional de Educação.
O terceiro encontro contou com a expressiva colaboração da
Organização dos Estados Ibero-americanos e versou acerca do tema
For mação e Carreira dos Professores da Educação Básica.
O terceiro encontro do Fór um Brasil de Educação iniciou suas
atividades com a conferência extraordinária Violência nas Escolas, que
teve como expositor o Diretor do Observa tório Europeu sobre Violência
nas Escolas da Universidade de Bordeaux França, professor Eric
Debarbieux e como mediador o Conselheiro Neroaldo Pontes e como
relator Marília Ancona-Lopez.
Dando continuidade ao tema da Conferência Extraordinária, acerca
da Violência nas Escolas, pronunciou-se Catherine Blaya, do
Obser vatoire Européen de la Violence Scolaire-Université Bordeaux
2, com a palestra Violence à l ’école et socialisation professionnelle des
enseignants: les leçons du comparatisme.
Após a Conferência Extraordinária, teve início a exposição do tema
Formação e Carreira dos Professores da Educação Básica. A primeira
expositora foi a Pesquisadora do Instituto Internacional de Planejamento
Educacional da UNESCO IIPE (Buenos Aires), Inês Aguer rondo,
com a palestra For mación y car rera de los profesores de educación
básica: Problemas y Desafios.
Em seguida pronunciou-se Maria José Feres Secretária do Ensino
Fundamental do Ministério da Educação MEC, acerca da For mação
e da Carreira do Docente.
A exposição do tema A Impor tância das Novas Tecnologias na
Formação dos Professores para a Educação Básica” foi realizada pelo
APRESENTAÇÃO
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116
Diretor-Geral Adjunto para a Educação da UNESCO, John Daniel,
através da palestra “TecnologiaéaResposta: qual é a pergunta?”, que
teve por moderador Edson de Oliveira Nunes, Vice-Presidente da
Câmara de Educação Superior do CNE.
Encer rando o III Encontro Nacional do Fórum Brasil de Educação,
a Coordenadora Pedagógica do Veredas Formação Superior de
Professores, a professora Umbelina Salg ado, expôs o tema: A formação
de professores: um grande desafio”.
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117
A violência na escola–eaviolência das crianças e dos jovens em
geral–éumassunto inquietante para as democracias liberais. Na Suécia
ou na Inglaterra, na Holanda ou em Quebec, no Japão ou nos Estados
Unidos, programas extensos de ação foram criados a fim de tentar
erradicá-la ou, pelo menos, preveni-la. Estudos recentes mostraram sua
importância no Brasil (Abramovay & Das Graças Ruas). Na verdade,
os dois congressos mundiais realizados em Paris, em 2001 (Debarbieux
& Blaya, 2001), a respeito desse tema, sob a responsabilidade do
Observatório Europeu da Violência Escolar, e em Quebec, em
coorganização com o CRIRES (Debarbieux & Royer, 2003), mostraram
a globalização do fenômeno.
Em face dessa globalização, convém colocar algumas questões
fundamentais para a ação pública. Será essa globalização da violência
na escola causada, pelo menos em parte, pela “globalização
econômica”, isto é, pelo aprofundamento das desigualdades e da
exclusão, não somente entre países ricos e países “emerg entes” ou
“em via de desenvolvimento”, mas também entre zonas urbanas, no
interior dos países ricos? Se é esse o caso, não estamos nós reduzidos
à impotência, e os efeitos da globalização não estarão sensíveis, antes
de mais nada, com a perda dos poderes de ação local e poderes
estatais? Em suma, a ação contra essa violência será possível num
mundo globalizado, ou ficaremos sujeitos a supor tar uma distribuição
A VIOLÊNCIA NA ESCOLA:
UMA GLOBALIZAÇÃO?**
Eric Debarbieux*
* Professor de Ciências da Educação da Universidade de Bordeaux 2 França, Diretor do
Observatório Internacional da Violência Escolar e Especialista da UNESCO no Brasil.
Contato: [email protected] ou Eric.debarbieux@unesco.org.br.
** Tradução: Francisco de Assis Balthar.
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118
desigual no mundo, em que parcelas cada vez mais impor tantes da
população serão reduzidas à exclusão e à violência?
1
1. VIOLÊNCIA EM EXPANSÃO?
As políticas públicas vêm destacando, prioritariamente, a luta contra
a violência na escola. Existem prioridades governamentais em diversos
países (na França, no Brasil), e obrigações legais de desenvolver ações
de prevenção (na Inglaterra, na Suécia). Programas europeus, cada vez
mais numerosos, são postos em prática. Um documento da UNESCO,
em 2003, pela primeira vez, declarou prioritária a luta contra a violência
na escola. Nisso, as instituições oficiais estão em consonância com a
imprensa e com a opinião pública, amplamente mobilizadas em torno
da violência escolar num grande número de países. Várias ocor rências
sang rentas têm motivado essa nova inquietação, como o massacre de
Columbine nos Estados Unidos. Esses fatos de violência exacerbada
anunciam o aumento da violência no meio escolar? E além desses
massacres, qual é a realidade dessa violência? Essas são questões com
que se defrontam, não somente a opinião pública, como também os
políticos e os administradores escolares.
1.1 A insuficiência das estatísticas oficiais
É preciso dizer que são raras as fontes oficiais no mundo. Não têm
continuidade e são pouco confiáveis. Quando houve recenseamento,
muitas vezes, não passou de uma pesquisa pontual, preciosa sem dúvida,
mas não repetida, o que não permite aos Estados acompanhar a evolução
do fenômeno. Os Estados Unidos constituem exceção, com dois tipos
de amplas pesquisas executadas regular mente: o Saf e School Study, pelo
National Institute of Education, desde 1976, e o National Crime Victimization
Sur vey (INCVS), anual, mais de 30 anos, que, hoje abrang e uma par te
especificamente escolar. A exceção americana não deve mascarar um
1
Uma versão diferente desse artigo foi publicada no Journal of Educational Administration,
n
o
6 , out. 2003, Número especial sobre violência em escolas.
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119
fato patente: o desconhecimento pela maior parte dos governos e
administrações da realidade quantitativa da violência na escola. Ainda
que esse desconhecimento seja, por vezes, disfarçado pelas pesquisas
científicas independentes.
O recenseamento dos fatos de violência nas escolas foi iniciado por
alguns países em conseqüência de pressões da mídia ou de sindicatos,
como ocorreu na Inglaterra, na Espanha, e na Alemanha. Quando o
recenseamento foi feito, não deu margem a continuidade regular. É o
que acontece na maioria dos países europeus, em que uma pesquisa
recente mostra a pouca regularidade das estatísticas produzidas pelas
autoridades ministeriais (Smith, 2002). O caso da França é diferente,
mas muito significativo sobre as dificuldades de um recenseamento
administrativo referente a situações de violência. Ainda que em vários
países o recenseamento nacional se choque com uma organização federal
ou uma organização autônoma das regiões, o centralismo francês deveria
tornar mais desembaraçado esse tipo de pesquisa. A educação nacional
é uma organização super-hierárquica na qual uma ordem expressa pela
“Central” , isto é, pelo ministro e as direções nacionais, deveria ser
executada mais facilmente. Um prog rama informático para tratamento
de dados que permita identificar as violências, o ”Signa”, foi elaborado
por um Comitê Nacional de Luta contra a Violência na Escola. Esse
programa é informado toda semana pelos estabelecimentos.
As principais indicações nos estabelecimentos de ensino secundário
francês foram as seguintes: no primeiro trimestre 2001-2002
2
: 14.780
ocor rências registradas, das quais 4.980 violências físicas sem armas,
3.790 insultos e ameaças, 1.707 roubos, 1.757 casos de vandalismo,
583 casos de “roubo com extorsão” que é denominado racket na França,
ou taxage em Quebec, 475 intrusões de elementos exteriores ou, ainda,
303 casos de racismo. Se for feita a proporção do número de fatos
registrados e do número total de alunos nas escolas secundárias francesas,
obtém-se uma “taxa oficial muito fraca de violência. Assim, a freqüência
dos alunos, vítimas de violência sem armas, é de 0,08%. São 0,06%
2
Os dados mais recentes comunicados pelo ministério marcariam uma diminuição de 10% da
violência na escola.. Aqui, nós usaremos, no entanto, os dados cor respondentes aos perío-
dos de nossas pesquisas publicadas sobre casos com assassinato. Na realidade, permanece a
enorme disparidade entre delinqüência visível e delinqüência oculta. .
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120
que foram insultados e ameaçados, ou ainda, que foram extorquidos e,
um pouco menos, os que foram vítimas de racismo. Sabe-se bem que as
estatísticas oficiais da delinqüência escondem uma “cifra oculta” entre
fatos registrados e vítimações sofridas. Essa cifra oculta ating e aqui
proporções caricaturais, que bem mostram as dificuldades dos
recenseamentos oficiais.
Com efeito, as pesquisas sobre violência na escola, realizadas na França
(Debarbieux, 1966, Carra e Sicot, 1997, Debarbieux e outros, 1999)
mostram, desafiadoramente, a enorme disparidade entre os registros
produzidos administrativamente e os atos de violência declarados
voluntariamente nos protocolos científicos. Desse modo, nossas próprias
pesquisas revelam um número de alunos-vítimas muito superior àquele
dos registros informáticos do ministério. Comparamos algumas cifras a
partir de nossa amostragem mais recente (2003), ainda inédita. 6,3% dos
indivíduos de uma amostra representativa de 3.265 alunos de colégio
(12-16 anos) declaram ter sido extorquidos; 73,2% declaram ter sido
injuriados; 16,7%, sofrido racismo; e 24,2% dizem ter sido espancados.
Estamos longe das proporções de 0,01% de alunos registrados como
vítimas de extorsão ou de racismo pelos estabelecimentos escolares. Pode-
se resumir essa disparidade num quadro de recapitulação
3
, fornecendo o
percentual de vítimas, com base nas pesquisas de ocorrência ou a partir
de cifras produzidas administrativamente.
3
Esse quadro é apenas aproximado: as cifras administrativas não se referem à predominância
dos fenômenos, mas examinam somente a freqüência. O número de vítimas, conhecido
administrativamente, deveria, de fato, ser revisado por baixo. Mas a demonstração da
disparidade é aqui bastante ampla.
QUADRO 1 Comparação do número de vítimas conforme as pesquisas
sobre violência e os dados administrativos 2001.
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Em suma, por serem inexistentes ou lacunares, com problemas sérios
de métodos, quando esses existem, as fontes oficiais não per mitem
apreender a medida da amplitude do fenômeno. Elas são tão menos
pertinentes quanto dependem largamente das incitações hierárquicas para
produzi-las, e do medo plenamente legítimo que têm as escolas de
alimentar uma reputação, com base no número elevado de ocorrências.
1.2 Pesquisas empíricas cada vez mais numerosas
Em sentido contrário das pesquisas oficiais que acabamos de evocar,
aconteceu, uma dezena de anos na Europa, e mais de vinte anos
nos Estados Unidos, uma verdadeira explosão do número de pesquisas
científicas empíricas sobre a violência na escola. Mais recentemente,
equipes na América Latina (Abramovay & Das Graças Rua, 2002), e,
ainda, no Japão (Mojita, 2001) ocuparam-se com o problema. Se os
congressos mundiais testemunham sobre a mobilização da comunidade
científica, tal mobilização é, antes de tudo, a aliança de numerosas
pesquisas, havendo reunido bancos de dados importantes com métodos
variados, adaptados, às vezes, a diferentes realidades. Sem dúvida, esses
estudos podem ser contraditórios, por se apoiarem em acepções
diferentes do ter mo “violência”, e de suas lig ações com a delinqüência.
Não retomaremos aqui essa discussão semântica de importância , tendo
sido, aliás, tentada, por ocasião do primeiro colóquio mundial
(Debarbieux, 2002).
A maioria das pesquisas, que procuram quantificar a violência na
escola, estão baseadas em self-report studies (Farrington, 1993),
apoiando-se, seja em condutas de risco, seja na violência, seja na
delinqüência auto-referida, ou ainda, em infor mações de profissionais
e dos pais. Podem, assim, ser citadas as pesquisas de saúde pública
que, se não são estritamente voltadas para a violência escolar,
compreendem uma par te que lhe diz respeito. É o caso, na Europa,
do Eur opean School Sur vey on Alcohol and Other Drugs (ESPAD, 1997,
1999, OMS, 2001), e nos Estados Unidos, da pesquisa MTF (Monitoring
the Future), realizada 26 anos, ou das pesquisas dos Centers for Disease
Contr ol and Pr evention. São amostras de 95.000 alunos, regular mente
org anizadas para a pesquisa ESPAD.
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Uma das metodologias mais empregada s é a das pesquisas específicas
de violência na escola. Na França, pesquisa semelhante foi realizada
por Car ra e Sicot, em 1996, sobre uma amostra de cerca de 3.000 alunos.
Na Suécia, essa metodologia foi empregada diversas vezes (Anderson e
Hibell, 1995, Lindstrom, 2001). Os protocolos de pesquisas muitas vezes
misturam, com o estudo de violência, estudos a respeito do clima escolar
e o sentimento de insegurança vivido pelos alunos e pelos encarregados
de ser viço (Debarbieux, 1996). Esse tipo de pesquisa mista tor na-se,
com os trabalhos do Obser vatório Europeu da Violência Escolar
(OEVS), um padrão inter nacional. O Observatório realizou, com efeito,
tais pesquisas em vários países: na França, perto de mais de 40.000
alunos, na Inglaterra (N= 1.672), na Alemanha, cerca de 2.000 alunos,
na Bélgica (N= 1.800). A pesquisa está sendo feita atualmente no Brasil
(N= 12.225) e poderá estender-se à Argentina, ao Chil e e a Quebec.
A essas pesquisas sobre as vítimas correspondem pesquisas sobre
delinqüência auto-declarada, com uma parte no meio escolar (na
Alemanha, Wentzke, 1997; na França, Roché, 2001; nos Estados
Unidos, Johnston, O’ Malley e Bachman, 1994; Gottfredson, 2001).
Esses dois tipos de pesquisas tinham sido amplamente preparados no
meio escolar, pelos estudos específicos a respeito do school bullying, desde
Olweus, em 1970, em várias dezenas de países. Os pesquisadores,
trabalhando sobre o School Bulling, haviam-no distinguido da violência
que, não raro, o acompanha. A evolução recente, todavia, tende a fazer
do Bulling uma parte da violência, necessitando de estudos
complementares, mais que competitivos.
Numa perspectiva particular, outros esclarecimentos nos são dados
por pesquisas a respeito da predominância de crianças, diante de
distúrbios de comportamento no sistema escolar (Kauffman, 1997,
Walter, Colvin, Ramsey, 1995). Essa simples enumeração, muito
incompleta, mostra , então, ao mesmo tempo, o interesse dos cientistas
pela questão, a variedade das pesquisas realizada seagrande importância
das bases de dados recolhidas. Aqui, não simples discurso sobre a
violência, mas trabalho empírico falsificável e criticável., mas, científico.
Além dessas pesquisas quantitativas, grande número de estudos
etnográficos per mite compreender melhor a violência na escola
(Devine, 2001). É preciso observar que cer tos métodos quantitativos
são atualmente muito difíceis, senão impossíveis de utilizar, por
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motivos decorrentes de meios humanos e financeiros, mas também,
por resistência do terreno, e mesmo por perigo físico para os
pesquisadores. São lug ares g overnados pela lei do silêncio, onde uma
pesquisa sobre violência teria poucas chances de ser aceita ou
infor mada. O risco político foi sinalizado, por ocasião da Conferência
Mundial de Quebec, por pesquisadores latino-americanos, ameaçados
diretamente, porque suas pesquisas mostravam a ligação entre
cor r upção, desvio de fundos públicos e violência escolar. O fato de
seus alunos pertencerem a famílias poderosas, em estados pouco
democráticos, faz cer tos professores cor rerem risco físico, como
também acontece com outros alunos mais destacados que esses “filhos
de boa família”.
Os métodos etnográficos são também indispensáveis, se se quer
acesso a problemas específicos referentes à chantagem exercida por
cer tos professores, sobre os estudantes. Testemunhas africanas nos
falaram do que se denomina “MST” em suas escolas, e o que significa
“Média Sexualmente Transmissível”. Trata-se da nota obtida pelas
moças, correspondente a seu grau de submissão aos desejos sexuais
dos professores. Como, então, nos mesmos países, estudar
quantitativamente a “violência mística”, da qual diversos professores
ou alunos são persuadidos de que são vítimas? Estudar mundialmente
a violência na escola é também não ceder ao monismo metodológico.
1.3 Predomínio da violência na escola
Apesar da multiplicidade desses estudos, é impossível traçar,
atualmente, um quadro mundial do predomínio do fenômeno. Falta
ainda progredir muito para garantir a distribuição e a compatibilidade
dos dados. No entanto, resultados sólidos per mitem medir esse
predomínio, num g rande número de países (ver, por exemplo, na
Europa, as sínteses em Blaya-Debarbieux ed. 2001 e 2002, e Smith,
ed. 2002, nos Estados Unidos, em Gottfredson, 2001).
Uma primeira pesquisa utilizável é a pesquisa ESPAD 1999
(Eur opean School Sur vey on Alcohol and Drugs, World Health Or ganization,
2001), que diz respeito a 30 países europeus e aos Estados Unidos,
com questionário padronizado. Compreende um cer to número de
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questões sobre as condutas violentas no meio escolar (N=95.000)
(alunos no 10º ano). Com base nessa pesquisa, no decorrer dos 12
últimos meses:
1,8% dos alunos bateram num professor;
25% participaram de uma desordem na escola;
11,4% feriram alguém que necessitou de cuidados;
12,3% fizeram par te de g r upo que perseguia um indivíduo;
12,7% entregaram-se ao vandalismo;
10,8% tiveram problemas com a polícia.
Os resultados dessa pesquisa estão totalmente de acordo com as
outras investig ações sobre violência ou delinqüência auto-infor mada,
na Europa ou nos Estados Unidos, onde se encontram taxas
semelhantes. Ao contrário do que se poderia supor, não são as violências
mais sérias que merecem destaque. Como resumiam, em 1985, dois
pesquisadores americanos (Gottfredson & Gottfredson, 1985, p. 5): A
experiência típica de violência pessoal na escola, para alunos e
professores, é um incidente menor. Os incidentes sérios são raros”. A
conclusão dos Gottfredson permanece atual: são violências menores e
as “indignidades”, injúrias e g estos obscenos) que formam o fundo do
problema. Mesmo nos países onde o porte de armas na escola é problema
sério, o uso dessas armas, apesar de tudo, permanece muito limitado e
apesar de sua repercussão na mídia, os mor tos por arma nas escolas
americanas continuam muito raros. Assim, a par tir de uma análise das
mortes violentas de menores, nos Estados Unidos, (Kachur e outros,
1996), ficou patente que menos de 1% dos homicídios e dos suicídios
acontecem em ambiente escolar ou no trajeto que leva à escola. No
entanto, se essas pesquisas nos permitem escapar ao fascínio pelo crime
sangrento e pela violência exacerbada, todas elas levam a sério essas
minor victimizations”, “microviolências” (Debarbieux, 2002), que podem
ter for te impacto sobre as vítimas, quando tais violências são repetidas.
Evidentemente, devem-se considerar as pesquisas sobre o School
Bullying, que mostram a impor tância do fenômeno para uma minoria de
alunos (cerca de 8%) (Mellor, 1990; Withney e Smith, 1993; Blaya, 2001).
A briga entre casais é um aspecto importante da vida das escolas. Uma
minoria de alunos sua saúde mental ameaçada. Sabe-se, com efeito, o
quanto crianças e adolescentes impor tunados regular mente, mais que
outros, correm risco de depressão e perda de auto-estima. A ligação entre
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tentativa de suicídio e bullying se estabelece claramente. A violência escolar
tem importantes conseqüências humanas e sociais, mesmo quando não é
espetacular. Entre essas conseqüências, pode-se contar o desenvolvimento
do absenteísmo. Recentes pesquisas brasileiras (Abramovay e Das Graças
Rua, 2002, N=3.099 professores e 33.655 alunos) mostram que, conforme
os estados brasileiros,1a7%dosprofessorese3a9%dosalunos faltam
à escola por medo da violência.
Uma maneira de quantificar a violência na escola é utilizar os estudos
sobre o predomínio dos distúrbios de comportamento no ambiente
escolar. Esse indicador é muito utilizado no Canadá e, em g eral, na
América do Norte. Lá, ainda se percebe o aspecto minoritário desses
distúrbios que dizem respeito a menos de 10% da população escolar,
pelo menos na qualidade de ag ressores potenciais.
No Canadá, (Offord & Lipman, 1996, Kauffman, 1997), a
predominância desse tipo de alunos situa-se numa média de 6 a
15%. Além disso, segundo cifras oficiais (Conselho Superior da
Educação, 2001), a proporção de alunos com distúrbios de
compor tamento (TC) teria triplicado em 16 anos.
A American Psychiatric Association (1994) estima a predominância
de distúrbios de conduta numa média d e 6 a 16% para os rapazes,
ede2a9%para as moças (ver também Offord e outros, 1991).
Essa proporção estaria em aumento acentuado nos Estados Unidos
(revisão da questão em Walker, Colvin, Ramsey, 1995, p. 362).
Do conjunto dessas pesquisas pode-se concluir por um aumento ou
expansão da violência escolar, ou terá havido a descoberta de um velho
fenômeno até então oculto ou tolerado?
1.4 Aumento?
Pesquisas junto aos professores comprovam existir entre eles a
impressão de ter aumentado fortemente o índice de violência. No
entanto, poucas pesquisas comprovam ou discordam desse aumento,
porque poucas foram duplicadas. É preciso esclarecer cer ta ignorância
diretamente causada pela falta de continuidade das políticas públicas
de apoio à pesquisa. Todavia, alguns resultados de estudos prolong ados
constituem indicações impor tantes.
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A primeira delas é que nenhuma pesquisa registra aumento médio
da violência no meio escolar, mas, sim, estabilização. Evocando, em
recente obra de síntese, os relatórios dos anos 80, uma especialista
americana (Gottfredson D.C., 2001, p. 20) observa que, em
comparação com dados mais atuais do NCVS (Kaufman e outros,
1998), pode-se dizer que “a experiência de violência na escola não
mudou desde esses relatórios dos anos 80. Realmente, isso não mudou
20 anos”. Um estudo alemão (Wentzke, 1997) vai no mesmo
sentido. Os primeiros resultados de nossa nova pesquisa sobre
violência e clima escolar na França, repetindo em 2003 pesquisa de
1995, parecem ir, igualmente, no sentido dessa estabilização. Mas esse
olhar de conjunto é insuficiente. Uma estabilização “média” pode
ocultar melhoria em certos tipos de estabelecimentos escolares e
deteriorações em outros. Além disso, muitas pesquisas de violência
baseiam-se, de saída, no número de vítimas, para afirmar aumento,
queda ou estabilização da violência, o que constitui raciocínio
insatisfatório. Compatibilizar o mesmo percentual de vítimas não
significa que estabilização da violência: as vítimas podem ser mais
duramente e mais freqüentemente atingidas. A pesar da estabilização,
e mesmo queda do percentual de vítimas, pode ter havido aumento
da violência. É uma das conclusões de nossas pesquisas.
Entre 1995 e 1999, pudemos repetir três vezes a mesma pesquisa
na França, junto a uma amostra de escolas secundárias, em diversas
zonas urbanas mais desfavorecidas. A deg radação do clima escolar
nos pareceu impressionante. Utilizamos em nossas pesquisas, para
medir esse clima, questões em escala que per mitem àqueles que
respondem, “perceber” a qualidade das relações em sua escola, e se
posicionarem com relação à violência sofrida (Debarbieux, 1996). Os
resultados comparados dos anos escolares de 1995-1996 e 1999-2000
estão resumidos no quadro seguinte.
Os percentuais representam o número de alunos que responderam
sobre duas mais baixas modalidades de questões em escala, seja
porque as relações eram r uins, ou melhor, bastante r uins, seja porque
violência e agressividade eram mais importantes ou importantes.
Percebe-se a importância da degradação do clima nesses
estabelecimentos mais desfavorecidos, no espaço de quatro anos. A
impressão de um aumento da violência é par ticular mente notável, uma
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vez que a proporção de alunos que a percebem como mais importante,
passa de 21,4% para 40,5%. Essa impressão é também partilhada pelos
professores. Com efeito, quando se coloca para os professores a questão
da agressividade que contra eles manifestam seus alunos, se, em 1995
eram 7% os que a consideravam for te, em 1999, são 49%, por tanto,
sete vezes mais. Essa sensação de insegurança será justificada por um
real aumento da violência? Se comparamos o número de vítimas, na
pesquisa anterior sobre violência, que é outra parte de nosso
questionário, constataremos que essas vítimas não são mais numerosas.
Ao contrário, são até em menor número, em cer tas categ orias de dano.
O quadro seguinte mostra a evolução do número de vítimas de extorsão
entre 1995 e 1999.
N 1995-1996 = 4.418; N 1999=6.347
Fonte: Debardieux, 2002.
QUADRO 2 Degradação do clima escolar nas escolas secundárias francesas
desfavorecidas entre 1995 e 2000.
QUADRO 3 Evolução do número de alunos extorquidos entre 1995 e
1999. Colégios franceses desfavorecidos.
N = 7.552 observações
Fonte: Debardieux e outros, 2003
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Esse quadro põe em evidência a queda significativa do número de
vítimas. Mas as vítimas de 1999 desenvolvem sensação de insegurança
muito mais marcante que as vítimas de 1995. São, por exemplo, três
vezes mais numerosos (34% vs. 12,4%), os que pensam ser “enorme” o
nível de violência em sua escola.
Essa aparente contradição se resolve facilmente. De fato, nossa
pesquisa mostra que o número de agressores nesses colégios
desfavorecidos aumentou, tornando-se agora mais importante que o
número de vítimas. Os alunos que se declaram extorquidos são 9,8% em
1999; eram 8,7% em 1995. Na França, estudos mostraram o aparecimento
de uma “delinqüência de exclusão” (Garapon & Salas, 1998), cujas
características principais são voltar-se contra as instituições e ser
geralmente executada em grupo. Donde, duas conseqüências comprovadas
por nossos resultados: o surgimento de violência mais forte contra
professoreseoaparecimento de ag ressão em g rupo, em que a violência é
exercida com mais intensidade por conta do treinamento e do anonimato.
Parece-nos, então, que a hipótese de aumento universal da violência
no meio escolar não pode ser contida: se existe aumento da violência,
ela é desigual e amplamente dependente de condições socioeconômicas,
o que vamos tentar esclarecer.
2. VIOLÊNCIA NA ESCOLA E DESIGUALDADES SOCIAIS
A pesquisa não per mite concluir pela universalização da violência
escolar, e por seu aumento g eneralizado. No entanto, ela mostra a
importância das causalidades socioeconômicas e das desigualdades
sociais. É nesse sentido que interrog a a “globalização econômica”, a
fim de esclarecer se essa é efetivamente um cadinho de desigualdades
Norte-Sul, e, também, no interior dos países desenvolvidos.
2.1 A desigualdade diante do risco
A violência na escola reparte-se desigualmente. Nossas pesquisas
mostram que, quanto mais difíceis são os indicadores sociais dos
estabelecimentos escolares, mais os alunos testemunham a presença da
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extorsão. Nas zonas urbanas mais problemáticas, na França os
subúrbios das grandes cidades acumulam subemprego e segregação
étnica, 41,6% dos alunos do secundário dizem ter sido testemunhas
de extorsão. Eles são 30,7% nos bairros de classe média e 19,2% nos
bair ros favorecidos. O medo também está muito presente: 30% dos
colegiais dos bair ros desfavorecidos declaram uma “violência enorme”
contra 10,3% nos bair ros de classe média e 4% nos bair ros favorecidos.
A desigualdade diante do risco de violência na escola é, para nós, uma
das desigualdades sociais de conseqüência mais pesada. Nossa última
pesquisa, ainda inédita, abrangendo 331.000 alunos de8a17anos, é
indiscutível: existem mais vítimas nos bairros ditos “problemáticos”, e
essas são mais dura e freqüentemente agredidas (Debardieux, 2004).
Com certeza, a investigação admite a multiplicidade dos fatores de
risco, dos quais nenhum isolado fornece suficiente explicação. Diferentes
sínteses da literatura destacam bem o fato de que não é preciso basear-
se em um único “fator estressante”. É o caso da situação familiar
monoparental, tão freqüentemente invocada na literatura paracientífica,
e que no sentido comum não é fator de risco, salvo se associada a outros
fatores como a pobreza, o sub-empreg o, a solidão ou as condições de
vida. Mesmo certa combinação correlativa não é fatal. A ligação por
fatores de risco é apenas probabilística, não determinista. Uma criança
pode viver numa família monoparental, ter a mãe desempregada, fazer
parte de uma minoria étnica e não se envolver em e pisódios violentos.
O reconhecimento da multiplicidade das causas da violência implica
que, em conseqüência, os fatores socioeconômicos não podem explicar
tudo. Assim, a pobreza e o desemprego não podem, por si sós, ar rastar
para a violência (Fillieule, 2001). Todavia, quando se acumulam fatores
de exclusão social, aumenta o risco de ser vítima ou ag ressor. Esses
fatores são de tal for ma cor relatos que é difícil dissociá-los: seu efeito
é maciço e cumulativo (Farrington, 1986, Kauffman, 1997). A literatura
sobre a questão é abundante e particularmente convincente.
Uma pesquisa sueca (Lindstrom, 2001) mostra que, se 22% das
escolas de zona urbana favorecida registram violências (sobretudo
verbais), na zona urbana desfavorecida, elas são 47%.
Uma pesquisa irlandesa (O’ Moore Kirkman e Smith, 1997)
demonstra também que o nível de bullying é mais elevado nas
escolas que concentram alunos com dificuldade socioeconômica.
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O NCVS prova, com base em dados reunidos em 4 anos (1992-
1996), que os professores são duas vezes mais agressivos nas
escolas urbanas dos Estados Unidos, e que os problemas com
ar mas de fog o são significativos para 24% dos alunos (cf.
Canadá, 2000)
Numerosas revisões da questão mostram essa forte correlação entre
desigualdades sociais e violência: por exemplo, Lipsey e Derzon, 1997,
a partir de uma meta-análise de 34 pesquisas longitudinais
independentes. Parece, então, legítimo pensar com Denise C.
Gottfredson, após seu próprio exame da questão (Gottfredson, 2001
p. 64): “Pobreza e desigualdade de salário, fracasso escolar,
composição étnica, mobilidade e densidade da população, e proporção
acentuada de famílias monoparentais estão relacionadas com a taxa
de delinqüência num setor”.
Em suma, a sociologia da violência na escola é uma sociologia da
exclusão social. O que não quer dizer que ela não existe nas escolas
de bairros médios ou favorecidos, mas ela é mais rara. A urgência
social ainda é necessária ao tratamento prioritário nas escolas de bairro
desfavorecido.
2.2 A globalização: destinação para a violência?
Do que acabamos de dizer, é lógico concluir que todo aumento de
desigualdade e de exclusão sociais levará a um aumento da violência
nas escolas, o que demonstra um estudo americano (Cole, 1994). A
par tir daí, sem para tanto ser futurólogo, é possível temer um cenário
catastrófico: a globalização econômica, ao acelerar a desigualdade entre
os países e no interior deles, inclusive os desenvolvidos, precipitará
na violência um número crescente de escolas e de zonas urbanas. Como
o diz Bourdieu (Bourdieu, 1997), a violência dos dominados é, antes
de tudo, a reprodução de uma violência social de dominação. Não se
trata de estigmatizar os “pobres” ou de naturalizar sua violência, mas
de ressaltar que a violência é uma constr ução social, que não pode,
por isso, ser desconstr uída, a não ser socialmente. Ela se torna um
problema global, num mundo cada vez mais interdependente.
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Isso é mais grave ainda pois essa globalização econômica se faz
acompanhar de uma perda de poder para os governos nacionais,
incapazes de reagir: a globalização é, antes de tudo, uma impotência
para muitos governantes e administradores públicos. Para os
economistas, o processo de globalização é incapacidade dos estados
ligados ao cinismo do mercado: o sonho globalizado é que “os governos
devem ser desembaraçados da responsabilidade com a política
macroeconômica” (Fitoussi, 1997). O economista Jean-Paul Fitoussi,
que escreve essas palavras, não é um “esquerdista” que contesta
totalmente as leis do mercado. Ele nos obriga, todavia, a nos
inter rog armos sobre os efeitos da globalização que é, antes de tudo,
aumento dos fluxos financeiros. Dessa forma, as transações financeiras
especulativas atingem 1.300 milhares de dólares por dia, o que é quase
equivalente aos 1.500 milhares de dólares para os quais se elevam as
reser vas de todos os bancos nacionais (Bauman, 1998): nenhum Estado
pode resistir a alguns dias de especulação dos mercados, mesmo sendo
um “bom aluno” do FMI, como mostrou o caso argentino.
A violência no meio escolar se exerce principalmente nos bairros
difíceis. se encontra um número de ag ressores maiores. Por isso, o
pesquisador francês Sebastian Roché, pouco inclinado a privilegiar as
causas socioeconômicas, mostra, em recente estudo, que aquilo que
mais distingue a delinqüência dos jovens dos bairros em dificuldade é
que ela é mais violenta (Roché, 2001). Um de nossos estudos
(Debardieux e outros, 2002) mostra que o número de extorsionários
varia conforme a composição social das escolas : são 10,7% os alunos
que se declaram estorsionários nos bairros mais desfavorecidos; 6,8%
nos bairros desfavorecidos; 5,4% nos bairros de classe média e 3,3%
em bair ros favorecidos. No entanto, antes de mais nada, não é como
agressores que se devem considerar os jovens dos bairros difíceis, mas
como vítimas. Lembramos que os alunos das minorias étnicas, muito
presentes nas escolas em dificuldade, são muito mais vítimas que os da
maioria. Brownstein, considerando a violência mais extrema, revela
(Brownstein, 2000, p. 146) que, se os neg ros representam 14% da
população dos Estados Unidos, eles são vítimas de 47% dos homicídios.
A globalização da violência escolar poderia, então, ser uma
globalização muito desigual, ligada ao “caráter hierarquizado da
economia mundial” (Adda, 2002, p.47), “a globalização sendo uma
dinâmica profundamente desigual” (Moreau Defargues, 1997).
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2.3 Uma construção social interativa
A globalização, ao deslocar os centros de decisão, favorece
paradoxalmente localização dos problemas (Giddens, 1991). Também
beneficia as sinuosidades identitárias e comunitárias (Barber, 1995).
Contribui para uma visão do mundo “etnizada, que pode ter
conseqüências dramáticas, como delinqüência juvenil (Debardieux,
1999). Dessa forma, ela ajuda na constr ução de uma “delinqüência
de exclusão”(Salas, 1998), que é, antes de mais nada, uma delinqüência
contra o próximo, um “ódio de proximidade”. Se as causas
macrossociais, políticas e econômicas não devem ser descuidadas,
deve-se também descrever melhor e compreender como essa violência
se for ma mediante opressão cotidiana homotética com os domínios
globais (Debardieux, 2000, Martuccelli, 2002).
Na opinião de um antropólogo que trabalha nos bairros mais pobres
do Brasil: “Os antropólogos negam, porque isso implica uma posição
privilegiada o poder que possui a pessoa estranha de declarar o que
está bem e o que não fica bem –. E porque isso não é muito bonito,
até que ponto os dominados vêm desempenhar o papel de seus próprios
tor turadores, colaborando com as relações de poder e de silêncio, que
per mitem a destruição prosseguir” (Scheper-Hugues, 1992, p. 172).
O objeto das ciências sociais bem poderia , nessas condições, ser o de
“colocar em evidência as relações entre opressão estr utural e ação
individual” (Bourgois, 2001, p. 39), e ref letir sobre os laços entre
globalização e violência escolar não deverá ficar de fora. Convém não
esquecer (Bourdieu, 2000, p. 181) “que a verdade da interação não
está na interação (relação a dois que é, de fato, uma relação a três, os
dois agentes e o espaço social no qual elas estão inseridas)”.
Certamente, podem-se denunciar as condições socioeconômicas que
favorecem a violência escolar. É verdade que ela se forma na
proximidade de bairros difíceis ou onde os alvos são, sobretudo, os
elementos dominados, oprimidos por outros dominados que impõem
a n aturalização antropológica da “lei do mais forte”. É preciso, então,
seguir o caminho estreito de uma reconciliação dos pontos de vista
entre as condições macrossociais e as interações microssociais. De
um ponto de vista estratégico, isso tem impor tância. Se a violência
escolar não foi produzida no exterior, por condições sociais, a ação
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será impossível; a menos que se esteja na esperança ilusória, e um
pouco deslocada de uma “grande tarde revolucionária” que resolveria
magnificamente as dificuldades.
Ora, a literatura científica per mite abundantemente escapar a essa
aporia, de não afundar no deleite moroso da hipercrítica, nem nas
ilusões da exclusiva “ação social”. Uma das direções mais ricas em
implicações para a prática é a investigação sobre “o efeito-
estabelecimento”, isto é, sobre a maneira com a qual o
estabelecimento, por si próprio, aumenta ou diminui a violência escolar.
Um dos estudos mais ambiciosos sobre a questãoéojáantigo dos
Gottfredson (1985), que examina quais fatores ligados à organização
das escolas estão correlacionados com os da violência dos alunos e
dos professores. Esse estudo é uma análise estatística dos dados do
Safe School Study, com base em amostra de mais de 600 escolas. No
que diz respeito aos professores, o estudo é irrefutável: mostra que os
fatores externos à escola e ligados às características da comunidade
explicam até 54% da variação de suas taxas de violência. Além disso,
o estudo salienta que é nas escolas de bairros desfavorecidos que se
encontram mais grupos sem projetos, professores com baixas
expectativas diante dos alunos. Apesar de tudo, até 18% da variação
estão relacionados com as características dos estabelecimentos
escolares: efetivo, org anização, disciplina, etc. Não acontece o mesmo
com os alunos, cujas taxas de violência aparecem menos ligadas aos
fatores externos ainda que a variação atinja 21%. Os fatores internos
à escola são mais explicativos, entre os quais a qualidade do
enquadramento e, em particular, do lado dos alunos, o conhecimento
das regras, e do lado da administração, um estilo de orientação
democrático. Dois outros estudos americanos (Ostroff, 1992; White
& Walsh, 1990) encontraram o mesmo tipo de resultados, sug erindo,
então, sem neg ar a impor tância das características exter nas à escola,
que a organização local é de grande importância.
Na França, nossos próprios resultados estão completamente
adequados a esses estudos. Um estudo comparativo abrangendo 34
estabelecimentos muito desfavorecidos, de características
sociodemog ráficas idênticas, mostra a enor me variação das taxas de
violência (Debardieux, 2001). O exemplo da extorsão é aqui ainda
significativo.
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134
A taxa de vítimas e de agressores está fortemente vinculada a
variáveis internas da organização escolar local. Um estudo dos
estabelecimentos de mais risco ou mais protetores revela características
amplamente identificadas: qualidade das relações entre adultos, estilo
democrático de administração, clareza das reg ras, envolvimento dos
professores em trabalho educativo e não apenas acadêmico. Além disso,
esse estudo ressalta a importância da maneira como o estabelecimento
escolar reforça, ou não, inter namente, a exclusão social. O fechamento
“étnico”, por exemplo, se constrói, interativamente e localmente,
mediante a constituição de classes “especializadas” nas populações
minoritárias. Na França, em especial, é o caso das minorias de orig em
mag rebino. Do mesmo modo, o ressentimento dos alunos perante a
escola deve-se à inegável repressão que atinge certas populações
constituídas socialmente em “núcleos duros” Apenas um exemplo:
nossas pesquisas mostram que 3,2% dos alunos impõem deveres
“coletivos” em escola urbana, favorecido, contra 15,7% em escola
urbana desfavorecida. Em resumo, se a violência escolar é constr uída a
partir do exterior, ela é, pelo menos, co-fabricada no interior do
estabelecimento. Sem dúvida, essa é uma das melhores provas da
especificidade da violência escolar, e o melhor estímulo para
desenvolver trabalhos autônomos sobre a questão, que ultrapassem o
quadro das violências urbanas isoladas.
2.4 Dos efeitos de sistema
O interesse dos trabalhos comparativos recentes, conduzidos pelo
Obser vatório Europeu da Violência Escolar e, particularmente, por
QUADRO 4 Variação da taxa de vítimas e agressores em 34
estabelecimentos franceses desfavorecidos.
Fonte: Debardieux, 2002
Livro Forum Brasil de Educacao.p65 17/1/2005, 16:44134
135
Catherine Blaya (Blaya, 2001) consiste em demonstrar que nesse nível
diferenciado de eficácia local podem juntar-se efeitos de sistema,
combinando for mação e socialização profissional dos professores e
políticas públicas nacionais. Esses trabalhos, sem dúvida, põem em
evidência a melhor eficácia no combate à violência dos estabelecimentos
ingleses desfavorecidos, em relação a seus homólogos franceses, mesmo
que certos estabelecimentos da educação britânica estejam também em
dificuldade. Essa melhor eficácia traduz-se sobretudo por uma violência
menos intensa e menos repetida, um clima escolar julgado globalmente
mais positivo por alunos e adultos. Uma explicação apóia-se num
recr utamento mais local dos professores, facilitando a estabilidade das
equipes. É preciso também ter em conta um sistema hierárquico mais
diversificado, chefes de depar tamento ou de ano detendo poderes
amplos, contrariamente à solidão do poder exercido pelo chefe de
estabelecimento francês e seu adjunto. Os professores ingleses, que
passam um terço de seu tempo de trabalho com tarefas educativas,
tutoring ou conseiling , são também mais apreciados por seus alunos.
Esses resultados vão completamente no sentido dos trabalhos que
mostram quantos “efeitos de zona” no interior do território francês
sendo certas regiões “menos violentas” que outras estão ligados às
políticas nacionais de recr utamento dos professores (Debardieux e
outros, 2000). Com efeito, em nível local, a estabilidade das equipes
educativas é fator decisivo na luta contra a violência. O recr utamento
nacional na França tem por conseqüência nomear nos estabelecimentos
os mais duros do subúrbio parisiense dos jovens professores não-
voluntários, cuidando apenas de alcançar sua região de origem. Nessas
zonas difíceis, até 80% dos professores deixam seu estabelecimento cada
ano, cifra que espanta freqüentemente fora da França. O poder fica então,
com os alunos mais antigos, que experimentam um sentimento de
abandono por parte dos adultos, mas que também conhecem todas as
falhas de sua escola. Ao contrário, nos setores também difíceis socialmente
do Sul da França , a estabilidade dos professores é muito maior, e bem
explicativa sobre melhores resultados, quanto à violência. Difícil, pois,
de falar de um simples “efeito-estabelecimento”: a criação das equipes, a
produção dessa melhor ou menos boa eficácia local é largamente
tributária de um sistema global onde intervêm compromisso político,
corporativismo conser vador e características sociais das comunidades.
Livro Forum Brasil de Educacao.p65 17/1/2005, 16:44135
136
Uma das diferenças mais interessantes entre os resultados franceses
e os resultados britânicos nos parece estar na parada muito mais rápida
das violências na Inglater ra. As violências re petidas têm, de fato, base
numa perda de auto-estima e de um sentimento forte de insegurança.
Cerca de um entre dois alunos, vítima reincidente, desenvolve um
sentimento de insegurança considerável e perde confiança nos adultos
da comunidade escolar (Debardieux, 2002). Na Inglaterra, pelo fato de
melhor escuta dos professores que reconhecem, mesmo com
dificuldade, seu papel de conselheiro educador e pelo fato de uma
obrigação legal de pôr em prática programas contra a importunação em
cada escola, a violência é identificada mais depressa, e cessa mais
rapidamente. Isso mostra bem os efeitos possíveis das políticas públicas.
Além do que, parece que o envolvimento da comunidade produz efeitos
positivos, como indicam as avaliações de diferentes programas na
Inglaterra, no Canadá ou no Brasil. A idéia de envolvimento comunitário
é muito estranha para a vontade francesa de separação total da escola e
da cidade. Esse corte aumenta por conseguinte o ressentimento anti-
escolar nos bair ros populares. Sem dúvida, essa é uma das explicações
para que os resultados franceses sejam menos satisfatórios.
CONCLUSÃO: A AÇÃO POSSÍVEL
Nem toda violência juvenil é causada por desigualdade econômica.
Fatores psíquicos, familiares e pessoais podem ser, também, explicativos
das raízes da violência escolar, por vezes, dramática. Não obstante,
pensamos ter demonstrado suficientemente neste artigo como tal
violência está majoritariamente ligada à exclusão social e, por causa
disso, à globalização. Porque esta, sem maniqueísmo exagerado, tem
por efeito o aprofundamento das desigualdades sociais, o que se deduz,
por exemplo, do último relatório da Org anização Inter nacional do
Trabalho, que mostra que, apesar de crescimento econômico mundial
muitas vezes espetacular, três milhares de seres humanos vivendo
com menos de um dólar por dia.
Mas tal violência não se fabrica simplesmente através de um “complot
mundial”, ou com ajuda da “mão oculta” de um capitalismo
multinacional: ela se fabrica, também, na opressão do dia-a-dia, nas
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137
interações locais que contribuem para produzir o volteio sobre si mesmo
e a violência da exclusão. Pode-se ver, nesses sentidos, os “opressores”do
cotidiano, como obser va o grande economista Amar tya Sen: A
desigualdade e a exploração persistentes se abrem muitas vezes, fazendo
desses que são maltratados e explorados, aliados passivos” (Sen, 1990).
Ou então: “Os que estão embaixo da escala podem chegar a considerar
sua sorte como uma coisa da qual é praticamente impossível escapar e
que é preciso suportar com placidez e calma” A investigação científica,
ga rantindo sua função crítica, mostra, ao mesmo tempo, a impor tância
das causas sociais longínquas e dos efeitos das organizações locais e
dos sistemas políticos e educativos. Ela mostra que nada é fatal: apesar
dos pensadores globais, a ação continua possível em nível local, nacional
e político. Mas isso tem um custo de engajamento humano e
orçamentário. “Esse eng ajamento implica, de um lado, que se enfrente
com prioridade as situações de miséria, nas quais tantas pessoas se
encontram atualmente. Mas isso também significa, por outro lado,
garantir que as pessoas respeitáveis gozem da liberdade de se juntar ao
processo de decisão, antes que se escute a opinião dos especialistas a
respeito do que deveria agora acontecer (Sen, loc. cit.)´. Sem dúvida, é
uma das lições essenciais extraída das conferências mundiais sobre a
violência na escola e, particularmente, no interior dessas conferências,
dos diálogos que se travam entre pesquisadores do Norte e
pesquisadores do Sul, pessoas experientes dos bairros problemáticos
nos países desenvolvidos e dos setores mais deserdados dos países que
se gostaria estivessem, realmente, “em via de desenvolvimento”.
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143
ABSTRACT
A seguranç a e o clima social positivo na escola tornou-se uma das
principais preocupações do sistema educacional na Inglaterra e na França,
nos últimos anos. Os professores se queixam de uma suposta dificuldade
crescente para lecionarem e para lidarem com comportamentos desafiadores.
O presente estudo se propõe a realizar um levantamento comparativo acerca
do clima social nas escolas britânicas e francesas, enfocando as percepções
dos professores e suas condições de trabalho nas escolas urbanas
socialmente carentes e, mais par ticularmente, na manifestação da violência
na escola, na medida em que esses dois aspectos tenham interação entre si.
O estudo pretende levar a cabo uma pesquisa sobre o tema da formação
inicial e da capacitação em serviço, bem como sobre a inserção profissional
dos professores, observando o modo como isso influencia suas percepções
sobre o clima social da escola e sobre a violência. Evidencia as diferenças
marcantes que, na Inglaterra, podem ser proporcionadas por professores
inseridos num contexto mais seguro e positivo.
Palavras-chave: Clima social na escola; violência; comportamento
desag reg ador; for mação inicial do professor; capacitação em serviço;
comunidade escolar. (8483 palavras)
VIOLÊNCIA NA ESCOLA E CAPACITAÇÃO
DE PROFESSORES O QUE NOS MOSTRAM
OS ESTUDOS COMPARATIVOS
Catherine Blaya*
* Diretora do European Obser vator y of Violence in Schools, Universidade de Bordeaux (Fr.) e
Professora associada de Educação. Contato: [email protected].
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144
INTRODUÇÃO
A violência na escola foi largamente pesquisada no final do século
vinte. Entretanto, poucas pesquisas f oram realizadas que pudessem
levar a uma melhoria na qualidade da for mação do professor e seu
desenvolvimento com relação ao tema específico da violência. Os
professores sentem que estão enfrentando maiores dificuldades na
motivação de seus alunos e no exercício de sua autoridade. Queixam-
se dos desafios frente a situações de conf lito e de contestação, para
cuja administração carecem de treinamento adequado (Dubet, 2002;
Barrère, 2002). A questão da for mação inicial dos professores,
especialmente para lidarem com alunos destr utivos, é um tema que
surge, com maior freqüência e veemência nos debates. Na França, as
discussões giram em torno da questão se o enfoque escolar deve visar o
aluno ou o conhecimento. O descontentamento, na verdade, não se
limita à França; professores de quase todos os países consideram que
suas condições de trabalho estão piorando, que seus alunos estão ficando
cada vez menos motivados, que os pais estão relapsos em suas
responsabilidades e que a carreira de professor está se tornando sempre
mais arriscada. Na França, os vários planos para abordar a violência
nas escolas, de modo especial, o plano do ex-ministro da educação Jack
Lang, visa uma capacitação mais profunda do professor para lidar com
o aluno difícil. Muitas IUFM
1
, pelo contrário, levantam a questão sobre
a possibilidade, ou mesmo a opor tunidade, de formar professores para
lidarem com a violência. Na Inglaterra, está havendo uma dificuldade
sempre maior no recrutamento de professores, uma vez que a carg a de
trabalho é crescente e os sindicatos estão pressionando para que os
alunos destr utivos sejam expulsos, pois os professores têm suficientes
tarefas com que se ocupar, mesmo sem o ônus desse tipo de alunos; a
capacitação específica para encarar os problemas quotidianos da
profissão é em si insuficiente.
1
IUFM Instituts Universitair es de For mation des Maîtr es. São instituições públicas de ensino
superior, sob a responsabilidade do Departamento de Educação Superior do Ministério de
Educação da França. Esses estabelecimentos se encarregam de dar a formação inicial aos
professores do ensino fundamental e médio. Também par ticipam do treinamento em serviço
e do desenvolvimento do quadro de pessoal da escola.
Livro Forum Brasil de Educacao.p65 17/1/2005, 16:44144
145
O objetivo deste estudoéodecomparar, na França e na Inglaterra,
as percepções e as experiências dos professores com respeito ao ambiente
escolar e à violência. Está baseado na análise dos resultados de um
estudo comparativo do contexto social e da violência em escolas
francesas e inglesas urbanas carentes, de ensino fundamental e médio,
bem como em um ano de ensino em uma IUFM, onde coordenamos
oficinas de estudos sobre “entendimento e manejo de situações difíceis”,
fazendo análise de práticas. Veremos, então, como a for mação inicial e
a capacitação em ser viço dos professores podem exercer um papel na
socialização profissional, preparando-os para lidarem com as
dificuldades quotidianas de sua profissão. Também veremos como a
incer teza, relacionamentos precários e, por vezes, o medo, podem
influenciar a v ida diária da escola e produzirem maior impacto no
ambiente escolar, num círculo vicioso onde a única solução pareceria
ser a busca de capacitação e cuidadosa ref lexão.
METODOLOGIA
O trabalho apresentado neste artigo está baseado nos resultados de um
levantamento bastante amplo do ambiente social e da violência nas escolas,
abarcando escolas de níveis fundamental e médio em zonas urbanas carentes
da França e da Inglaterra. A pesquisa está baseada na metodologia
desenvolvida por Debarbieux (1996), que se concentra na experiência e
percepção que os jovens e adultos dessas instituições possuem acerca da
violência e dos assaltos, bem como no ambiente social geral das escolas.
Neste artigo, adotamos a posição de Bliss (1993), segundo a qual, no que
diz respeito ao ambiente, percepções e realidade constituem a mesma coisa.
As relações que existem dentro das escolas são for madas, basicamente,
pelas representações da qualidade dos relacionamentos entre os alunos, os
professores, os administradores e os pais.
Buscaremos concentrar-nos na opinião dos adultos, embora a pesquisa
como um todo abranja também 1.672 jovens, na Inglaterra, e 3.140, na
França. Pesquisamos 252 professores em 15 escolas francesas e 191
professores em 12 escolas inglesas. Além disso, basearemos nossa
análise, também, nos resultados de um estudo mais limitado de 102
professores em treinamento, que tivemos a oportunidade de ter como
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146
alunos durante um ano de docência na IUFM, no âmbito de oficinas
sobre “análise das práticas” e “conhecimento e manejo de situações
difíceis”. Nossa análise, assim, leva em consideração professores que
estão em processo de treinamento e também os quadros mais
experientes, uma vez que achamos importante comparar as expectativas
dos jovens professores com as obser vações feitas por coleg as, que
tiveram ocasião de adquirir uma visão mais objetiva.
As escolas foram escolhidas por sua localização em áreas carentes
de ambientes urbanos, com base em fatores sócio-econômicos. A escolha
de escolas sócio-economicamente carentes é justificada pelo fato de
que é o pobre quem sofre a maior parte da violência, seja na escola,
seja, de um modo geral, na área em que moram (Canadá, 1995;
Debabieux, 1999; Casella, 2001). Também é nessas áreas que o professor
encontra, ou teme encontrar, as maiores dificuldades e a incapacidade
de lidar com situações violentas ou inesperadas. Quisemos, por isso,
examinar a qualidade das interações entre os diferentes protagonistas
envolvidos e as representações dos adultos em contato com os jovens,
no sistema escolar, e como eles as interpretam. Este último aspecto é
muito inf luenciado pelas nor mas escolares e condições de trabalho que
pretendam desenvolver o quadro de pessoal e de aprimorá-lo (Little,
1981). Partimos, assim, do ponto de vista dos professores, que foi por
nós captado através de um questionário e de entrevistas. O s professores
preencheram um questionário, usando os seguintes indicadores: sensação
de insegurança, qualidade dos relacionamentos dentro da comunidade
educacional, administração e disciplina. Cerca de trinta professores de
cada país tiveram par ticipação nas entrevistas individuais e g r upais.
Esses dados foram depois enriquecidos com um estudo etnográfico das
escolas, quando se aproveitou toda oportunidade possível para observar
e ouvir o que ocorria em sala de aula, nas áreas comuns e nas salas dos
professores. Do mesmo modo, na IUFM, inter rog amos os professores
em treinamento e ficamos observando-os no contexto de seu
treinamento, como par te de um processo de obser vação par ticipativa.
O fato de ser um “membro”, no sentido do ter mo usado por Garfinkel
(Coulon, 1987), de ter ensinado adolescentes durante dez anos e de ser
um professor e pesquisador da IUFM, facilitou as discussões e a criação
de um relacionamento de confiança entre os professores, os treinandos
e o pesquisador. As diferentes metodologias utilizadas per mitiram
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147
abordagens quantitativas e qualitativas, combinando-as a fim de se
chegar a uma análise mais profunda dos processos em jog o.
RESULTADOS DA PESQUISA
Atmosfera geral dentro da escola
Quando interrogados como viam o ambiente social geral de sua
escola, três de cada dez (30,6%) professores ingleses e cerca de cinco
em cada dez (48,7%) dos professores franceses mostraram insatisfação
com a vida em sua escola. Em ambos os países, a maior parte das queixas
do quadro de pessoal das escolas estão relacionadas com o mau
comportamento, baixo nível acadêmico ou difícil contexto social dos
alunos e, às vezes, relacionamento com os pais. Os comentários feitos
pelos professores foram os seguintes: A atitude dos alunos em relação
ao quadro de pessoal está se deteriorando, o compor tamento dos alunos
está se tornando pior” (GB
2
), “grande número de alunos são grosseiros
e destrutivos” (GB), “barulhentos, insolentes, desobedientes,
indisciplinados” (GB), “atitude assombrosa dos alunos” (F), “muitos
alunos vêm de famílias carentes” (F), “há excesso de destr uição no
meio do ambiente de trabalho, inúmeros problemas sociais que induzem
a um comportamento difícil” (F). Na França, deve-se obser var, também,
que os professores se queixam da falta de comunicação e das dificuldades
dentro da equipe docente ou com seus administradores. Este último
aspecto enfatiza algumas conclusões prévias da pesquisa, que releva a
importância do treinamento e a eficiência das habilidades de
comunicação (Wyant, 1974).
Apenas 11,9% dos professores franceses acham “fácil” sua vida na
escola, em comparação com os 37,2% de seus coleg as ingleses. A falta
de autoridade e coerência da administração, e a incapacidade de resolver
problemas, quando se tem dificuldades com alunos, ou a recusa
classificá-los, são par te da maior par te das críticas feitas aos colegas.
Liderança é fundamental para a possibilidade de se constr uir um
2
BG se refere aos participantes ingleses da pesquisa, (F) se refere aos franceses.
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148
ambiente seguro e um clima positivo, como ficou evidente em pesquisa
anterior (Hall, 1987; Fullan et al. 1980).
Uma característica própria das queixas do pessoal das escolas inglesas
se refere à carga administrativa da qual eles precisam dar conta. Eles
sentem que não estão mais fazendo o próprio trabalho, não tendo,
por conseguinte, ocasião de colocar em prática suas habilidades
específicas por absoluta falta de tempo. Recordamos aqui, que a
percepção do professor de sua própria eficiência afeta o modo como
eles desempenham suas tarefas, bem como o modo como eles toleram
mudanças nas salas de aula. Esta falta de auto-estima pode, então, causar
um efeito negativo na necessidade de mudanças, onde surge o problema
(Mc Laughlin, 1978).
A qualidade dos relacionamentos entre os vários membros da
comunidade escolar.
Relação entre alunos e professores
TABELA 2.1 França / França / Inglaterra x alunos / professores
A diferença é muito significante. Chi² = 84,02, df = 3, p
.01, (1-p = >99,99%). Número de observações: Inglater-
ra: 190. França: 235.
A tabela 2.1 mostra a resposta à questão sobre como o quadro de
pessoal da escola percebeu seu relacionamento com os alunos.
A diferença na percepção da qualidade da comunicação e
relacionamento é enor me, considerando-se que mais da metade dos
adultos respondentes relata ter dificuldade de relacionamento com os
alunos e que apenas 0.4% julga que tal relacionamento é extremamente
bom. Entrevistas e trabalho de obser vação, assim como outras pesquisas
(Montoya, 2000; Debarbieux, Montoya, 2004) mostram que a situação
esteve se deteriorando nos anos mais recentes. Os respondentes ingleses
mostram uma avaliação mais positiva , confir mando os comentários
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149
feitos acerca da qualidade de vida, ou seja, que a comunidade escolar
parece viver em melhor harmonia, na Inglater ra.
O relacionamento entre o pessoal do quadro
TABELA 2.2 França / Inglaterra x pessoal
A diferença é muito significativa. Chi² = 89,38, df = 3, p .01, (1-p = >99,99%). Número de observações: Inglaterra: 189.
França: 246
A tabela 2.2 mostra a resposta à questão posta ao pessoal da escola
sobre a qualidade do relacionamento entre eles. Mais de 60% dos
docentes ingleses consideram que mantêm bom relacionamento com
seus colegas, enquanto que apenas 21% dos franceses pensam assim.
Esse resultado confirma os comentários sobre a falta de comunicação,
mas confirma também o sentimento de isolamento que os professores
franceses deixaram evidente durante as entrevistas, em contraste com
os professores ingleses, que forçam a cooperação e o apoio entre eles:
“falta solidariedade entre o pessoal docente, quando um deles precisa
lidar com alunos difíceis”, “não existe trabalho de equipe em torno de
um projeto pedagógico estimulante... a atmosfera é de desencantamento;
cada um cumpre seu horário e vai embora. Suporta-se, com dificuldade,
a vida diária (violência, agressividade, etc.)”. Seus colegas ingleses
enfatizam o trabalho em equipe, a cooperação e o apoio entre os colegas:
“o pessoal é cordial e isso se reflete em muitos alunos”, “pessoal de
apoio que trabalha junto”, “a maioria do pessoal é cordial e presta apoio”.
As salas dos professores são, muitas vezes, marcadas por divisões, em
ter mos de status, de temáticas ou de sindicalizados (Duterck, 1993):
Apesar das boas relações com os alunos, o pessoal de apoio e de
administração, continuo me opondo à autoridade dos Conseillers
Principaux d’Education, a quem considero gente que pensa mais como
administradores do que como professores, quando tratam dessa área
tão difícil”, “atmosfera r uim, em função da atitude de algumas pessoas,
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150
que nada fazem além de desmoralizar os outros e não vêem que, nesta
escola, qualquer melhoria é possível através dos esforços coletivos e
não apenas na busca da satisfação dos próprios interesses”. Falta de
diálogo e trabalho em equipe, divisões institucionais e sentimento de
solidão constituem o discurso dos professores, na França, enquanto
que parece existir mais trabalho em g rupo entre os docentes ingleses.
Mas, qual é a situação de relacionamento entre os docentes e o pessoal
de administração? Parece que a tendência é semelhante, como mostra o
quadro abaixo.
A diferença é bastante significativa. Chi² = 24,33, df = 3, p .01, (1-p = >99,99%). Número de observações: Inglaterra: 189.
França: 244.
TABELA 2.3 França/Inglaterra x Administração escolar e pessoal docente.
A Tabela 2.3 mostra a resposta à questão acerca do relacionamento
com a administração.
O relacionamento entre o pessoal docente e a administração é melhor
na Inglaterra, de acordo com as respostas dadas nesta pesquisa. Os
professores franceses, muitas vezes, lamentam a falta de autoridade da
administração ou a falta de comunicação e de apoio: “Falta de apoio de
parte da administração”, “Relacionamento precário com a administração
(sem diálogo)”. Com respeito à administração disciplinar, o pessoal
docente na França espera mais da parte administrativa, em contraste
com seus colegas ingleses, que desempenham tais funções, de boa
vontade, como parte de suas atribuições. A função administrativa é
percebida como uma espécie de fiscal, uma hierarquia administrativa,
que age de cima para baixo. Tais resultados podem ser explicados por
uma distribuição de tarefas mais definida, na França, onde a ordem na
escola é r esponsabilidade da administração e do pessoal de apoio, e não
função dos professores, que eu cito “não são policiais”. Com
freqüência, tendem a considerar, sua função como motivadores dos
alunos em suas tarefas escolares, antes do que educadores, no sentido
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151
mais amplo. Este último aspecto esclarece a recusa de alguns professores
de lidarem com funções relativas à autoridade, uma recusa que produz,
muitas vezes, conf litos não com a administração, mas também com
aqueles colegas que não rejeitam tais tarefas. Além disso, na Inglater ra,
com freqüência, a administração envolve atividades com os alunos, que
possibilitam um melhor relacionamento entre eles, como também, uma
melhor compreensão dos problemas que o g r upo docente enfrenta,
enquanto que, na França, os professores-chefes não têm tempo de
contato com os alunos num contexto de sala de aula e mantêm um
relacionamento muito hierárquico com os outros professores. As
relações entre os professores-chefes e os outros professores estão cheias
de obstáculos e dificuldades, a principal dela s é o difícil equilíbrio entre
suas funções administrativas e suas funções docentes. Um dos principais
problemas dos professores-chefes está ligado, também, ao fato de que
eles são mais independentes e responsáveis pela administração de sua
escola. No caso de problemas, é o professor-chefe quem deve assumir
a rédea diante dos outros professores, diante das autoridades do
Ministério e da administração regional.
Na complexa rede de relacionamentos dentro da comunidade
educacional, o dedo é apontado, muitas vezes para os pais. A tabela
abaixo apresenta as respostas dos professores à questão da qualidade
de seu relacionamento com as famílias.
A diferença é bastante significativa. Chi² = 82,55, df = 4, p .01, (1-p = >99,99%). Número de observações: Inglaterra: 178.
França: 224
TABELA 2.4 França / Inglaterra x Pais / escola
A tabela 2.4 mostra a resposta à questão sobre como o pessoal
docente via seu relacionamento com os pais. A discussão acerca das
dificuldades na escola tende, muitas vezes, a estigmatizar as famílias.
Na classe operária e em círculos como os dos que “sabem fazer melhor”,
não é raro ouvir-se a expressão “é culpa dos pais”, seja porque os pais
abandonaram suas responsabilidades ou porque são incapazes de assumi-
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152
las, no caso das famílias de classes operárias, ou porque interferem
demais nas tarefas escolares de seus filhos e “mexem em tudo”, no caso
dos “sabem fazer melhor” (Chavkin & Williams, 1987; Dubet, 1997).
Embora encontremos o mesmo tipo de obser vação em ambos os países,
existem entre eles g randes diferenças. Na Inglater ra, por exemplo, 80%
dos adultos pesquisados consideram que mantêm boas relações com as
famílias e que é uma minoria os que pensam não existir esse tipo de
relacionamento. Na França, apesar da ênfase que a Loi d’Orientation 1989
ao fato de que a família é parte da comunidade educacional, mais de
um terço dos professores declara que não existe qualquer tipo de
relacionamento com as famílias.
Sensação de violência
Neste estudo, não indag amos dos professores se haviam sido vítimas
de violência. Perguntamos a eles acerca da impressão que têm da
violência na escola em que trabalham. Os resultados abaixo se referem,
portanto, ao sentimento de insegurança antes do que à violência efetiva ,
embora ambos os fatos andem de mãos dadas.
TABELA 2.5 França/Inglaterra x Violência.
A diferença é muito significativa. Chi² = 40,52, df = 4, p .01, (1-p = >99,99%). Número de observações: Inglaterra: 190.
França: 242.
Nossa pesquisa mostra que os alunos franceses expressam um grande
sentimento de insegurança e maior taxa de vitimização do que os alunos
ingleses (15% dos alunos frnceses declaram que nunca foram vítimas,
em comparação com 21,7% de seus colegas ingleses). Os resultados na
seguinte tabela mostram a mesma diferença, quando se trata da
percepção de violência nas escolas, entre os professores, nos dois países.
O percentual de respostas de professores ingleses afir mando que existe
Livro Forum Brasil de Educacao.p65 17/1/2005, 16:44152
153
menos violência nas escolas é cerca de três vezes o percentual dos
colegas franceses (36,8% e 12,8%, respectivamente). Quando se
indag ava dos professores sobre o tipo de violência que observavam em
suas escolas, as duas for mas mais freqüentemente mencionadas foram
a verba l e a briga. Na França, é a falta de respeito que é mencionada
como a terceira for ma mais freqüente de violência (26,6% ou mais do
que um professor em cada quatro, contra 7,2% na Inglater ra), ref letindo,
assim, claramente, a atual intranqüilidade entre os professores, com
base na sensação de que eles perderam a autoridade e estão com
dificuldades para exercerem sua profissão, o que poderia ref letir
precariamente em sua competência (Barrière, 2002).
Resultados médios no ambiente escolar
TABELA 4.1 França/Inglaterra x tabela de médias: os pontos de vista dos
adultos
Esta tabela mostra os resultados médios das perguntas em escala,
respondidas por adultos, na amostragem feita na França, e os resultados
da amostragem inglesa. Quanto mais perto do cinco, tanto mais positivos
os resultados. No que se refere à “violência” e “tensão”, quanto maior
é a cifra, tanto menos existe algum tipo de violência e tensão. Podemos
ver que, mesmo quando os temas de queixa são os mesmos, em todas
as questões for muladas, os professores ingleses têm uma perce pção mais
positiva do ambiente que reina em suas escolas e a qualidade de
relacionamento entre os diferentes membros da comunidade
educacional. As maiores críticas apresentadas pelos professores
franceses dizem respeito, pela ordem de impor tância, ao papel da família,
ao relacionamento com seus alunos, à vida escolar em geral e à violência,
bem como às relações com seus colega s. Poderíamos chamar outra vez
a atenção para o fato de que se trata de escolas localizadas em zonas
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154
urbanas carentes. Poderíamos considerar, também, que o fato de os
professores serem mais felizes não significa, necessariamente, que os
alunos se sintam mais seguros e que o clima nas escolas inglesas é melhor.
Na seguinte tabela, podemos ver que as percepções e experiência dos
alunos confirmam o padrão.
TABELA 4.2 França/Inglaterra x tabela de médias: o ponto de vista dos
alunos
A Tabela 4.2 mostra os resultados médios para a escala de questões
da amostragem francesa e os resultados da amostragem inglesa. Como
essas médias evidenciam, a Inglaterra conseguiu um melhor clima social
na escola do que a França, do ponto de vista dos alunos também.
Parece importante para nós, a esta altura, colocar ênfase no fato de
que os alunos têm grande confiança no papel pedagógico de seus
mestres, na medida em que estão satisfeitos com o modo como eles
aprendem na escola, mantendo-se os resultados em ambos os países
bem acima da média.
DISCUSSÃO
Diferenças na formação inicial
Qualquer que seja o sistema educacional, os países industrializados
estão se confrontando com problemas de desmotivação, evasão escolar
e divisão social entre alunos e professores, o que se expressa, muitas
vezes, na forma de ag ressividade ou de violência direcionada para seus
colegas ou para o próprio sistema escolar, através de seus representantes
(Wieviroka, 1999). Daí a necessidade de uma formação inicial que esteja
melhor adaptada para esse tipo de situações e para propiciar aos
professores referências e “instrumentos” indispensáveis para que possam
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155
melhor compreender e administrar comportamentos difíceis e casos de
violência mais extremada.
Na Inglater ra, o Teaching and Higher Education Act, de 1998, estabeleceu
um sistema nacional de for mação de professores. Futuros docentes não-
graduados são treinados durante um período de quatro anos, na
Universidade. Os graduados freqüentam um curso de um ano,
preparando-se para a obtenção do Certificado de Educação (PGCE).
Os treinandos devem fazer estágio em sala de aula em, pelo menos,
duas diferentes escolas, lecionando para todos os g r upos etários e níveis
presentes nas escolas. Essa variedade atenua o que Veenman (1984) e
Chubbuck et al. (2001) chamam de “choque de realidade”, ou seja, a
defasagem entre a profissão como eles a imaginam e o que ela de fato é.
Acentua-se o desenvolvimento pessoal e social (OFSTED, 1997; DfEE,
1988; Foster, 2000), não negligenciando, porém, um dos fundamentos
da educação, que é a aquisição do conhecimento, de acordo com os
ter mos do Education Act de 1998, sobre a for mação inicial do professor.
Existe um sistema de for mação inicial alternativo (Esquema de
Professor Contratado), que é uma espécie de curso “sanduíche”. Os
treinandos empregam 80% de seu tempo em estágio nas escolas e o
resto na Universidade, dando a eles, deste modo, um controle melhor
da realidade de sua profissão, com todas as suas dificuldades, e a
possibilidade de fazer os ajustes necessários entre o modo como eles
vêem sua profissão e o que ela de fato é. O DfES deu ênfase no
compor tamento e controle disciplinar, favorecendo, assim os futuros
professores para que obtivessem uma formação muito melhor do que a
de seus colegas franceses. Essa for mação é mais harmônica, pois o DfES
publicou guias específicos e material docente de referência.
Na França, o recr utamento é feito através de provas competitivas,
abertas a todos os g r aduados. A pre paração para essas provas pode ser
feita nas IUFM, após um procedimento de ingresso ou então apenas
como candidato independente. Os treinandos dedicam um ou dois anos,
dependendo do caso, a tal procedimento, num centro de for mação.
Depois das provas, um ano mais de for mação, que inclui estágio em
sala de aula, em alguma escola. Trabalham em uma única escola, onde
lecionam sua matéria seis horas por semana (cerca de um terço de uma
semana docente normal), com uma média de duas tur mas durante o
ano letivo, o que não lhes confere a for mação inicial para trabalhar
Livro Forum Brasil de Educacao.p65 17/1/2005, 16:44155
156
com todo tipo de aluno, como poderá ocorrer quando começar a lecionar.
Durante essa colocação, g ozam do apoio de um tutor, que é um professor
da mesma disciplina. Também são chamados a estagiar por uma semana
em outra escola, mas sem a responsabilidade por tur mas, dessa vez
(prática orientada). Dá-se prioridade para os aspectos acadêmicos e
técnicas didáticas na formação inicial, bem como para a consciência do
sistema educacional, deixando o aprendizado das habilidades
interpessoais para ocasiões eventuais. Este atalho é sublinhado pelos
futuros professores, dos quais um terço (31%) consideram que seria
importante que fosse dada a oportunidade para mais discussão e mais
transmissão de experiência, ainda na for mação inicial. Contudo, o
estabelecimento de oficinas de prática profissional está se espalhando.
Como tais oficinas de análise da prática profissional têm surgido muitas
vezes enfrentando a resistência de for madores de professores, e apenas
recentemente vem sendo instaladas em alguns centros de formação,
não existem ainda resultados, embora as expectativas sejam bastante
altas. Em ter mos de for mação de treinandos para lidarem com situações
e turmas difíceis, o tipo de formação é muito diferente de um Institut
Universitair e de For mation des Maîtr es para outro; pode ser disciplina
obrigatória ou optativa, pode variar de praticamente nada para até 30
horas durante o ano de formação em regiões (académies) consideradas as
mais difíceis, tais como Vesalhes ou Créteil. De qualquer for ma, esse
tipo de for mação ainda é experimental, com todos os envolvidos
trabalhando por conta própria e tentando fazer o que melhor puderem,
sem qualquer diálogo real em nível nacional, uma vez que as tentativas
do governo anterior não tiveram continuidade com o ministro atual.
Quando questionados, os treinandos de primeira nomeação para o início
do próximo ano letivo mencionam um (legítimo) receio do desconhecido
e o sentimento de que não estão suficientemente preparados para
enfrentarem situações difíceis. Não saber o que esperar vai de mãos
dadas com o receio de não estar à altura da tarefa. A pesquisa mostrou
que a participação do professor no processo de mudança, com vistas à
melhoria do ambiente escolar, é muito afetado pelo percentual de
treinamento recebido (Gottfredson, 2001). A conclusão sobre a
necessidade de uma formação inicial precisa para se lidar com situações
difíceis é urgente para tornar os treinandos conscientes dos diferentes
tipos de comportamento difícil nas escolas e dos meios de ação
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157
possíveis, bem como para proporcionar aos futuros professores uma
caixa de ferramentas básica e um quadro de referências para que possam
agir preventivamente ou trabalharem positivamente, quando surgirem
os problemas. Uma falta de formação adequada pode implicar enor mes
problemas no clima social das escolas, especialmente quando se torna
necessário introduzir inovações e implantá-las como resposta a uma
crise percebida, sem prévio treinamento. Podemos imaginar, contudo,
que um treinamento em serviçoeoapoio de coleg as mais experientes
poderão suprir as deficiências da for mação inicial, através da integ ração
deles e de sua socialização profissional gradual nas escolas, ajudando-
os, assim, a enfrentarem as diversas situações imprevistas vinculadas à
sua profissão. Veremos, abaixo, que as coisas não são tão simples como
parecem e que, a esse respeito, existem ainda grandes diferenças entre
os dois países, diferenças que explicam o modo como os professores se
adaptam às suas escolas e se submetem à socialização profissional.
Treinamento em ser viço mais consistente na Inglaterra
No início de suas carreiras, os professores ingleses têm o benefício
do apoio de um ou de vários colegas, que são pessoas de referência
para o caso de problemas ou indag ações, for mando um sistema de
supor te ao professor, um g r upo de trabalho e conselheiro de apoio
(Little, 1990; Goodland, 1998: BAudrit, 2003). Essa orientação per mite
que o novo professor continue sua formação, ao iniciar seu trabalho
profissional e possa reduzir situações de pressão, discutindo os problemas
que encontra, situações de estresse que são, muitas vezes, a raiz da
perda da auto-estima, da fuga do diálogo com os alunos e colegas
(Debarbieux, 1999). A obrigação legal para todas as escolas de
implementar uma política de prevenção e combate à intimidação escolar
(Education Act, 1998) leva os g rupos a trabalharem em conjunto num
projeto em que cada um é responsável por sua implementação e êxito,
sendo a escola avaliada por inspetores (OFSTED), nesse aspecto. Isso
ao jovem professor inglês a oportunidade de adquirir habilidades
que serão usadas ao long o de seu trabalho, tomando por paradigma a
experiência quotidiana em vez de se apoiar apenas em sua própria
vivência de quando também era aluno, o que pode até parecer obsoleto.
Livro Forum Brasil de Educacao.p65 17/1/2005, 16:44157
158
O modo de lecionar mudou e não consiste mais em apenas discorrer
sobre a matéria, onde o professor ministra conhecimento a seus alunos.
Hoje, os professores devem não lecionar sua matéria, mas também
contribuir para a for mação pessoal de seus alunos, para sua educação e
for má-los dentro de uma visão de sua integ ração social e profissional
(Foster, 2000; Barrère, 2002). A distância cultural entre professores e
alunos é, muitas vezes, bastante grande e a profissão está em constante
mutação, exigindo, assim, dos professores, adaptação regular e domínio
de técnicas para manejar turmas difíceis, onde os alunos desenvolveram
um compor tamento baseado na constestação da instituição. Uma das
obser vações mais comumente ouvidas entre os jovens professores na
França é o seu sentimento de isolamento. Sentem-se “abandonados” e
se mostram, com freqüência, apreensivos de buscarem colegas mais
experientes para expressarem suas dúvidas e dificuldades. Deve-se dizer
que tal apreensão tem sua justificativa, uma vez que os poucos
treinandos que se atreveram a falar com seus colegas, poucas vezes
receberam ajuda, e suas dificuldades são explicadas, muitas vezes, como
um sinal de sua inexperiência e falhas de for mação, e avaliados por
colegas que pretendem, assim, realçar sua própria imagem de bons
professores, e ninguém é tão esperto para se expor a qualquer crítica
possível de parte dos outros colegas ou das “fofocas” de sala de aula
(Dutercq, 1993). A maioria dos professores sente a falta de diálogo e
de apoio e atenção da par te dos coleg as e da administração, tor nando-
os, assim, mais vulneráveis, quando se trata de lidar com dificuldades
provenientes de seus alunos. Essa vulnerabilidade aumenta com a falta
de uma formação inicial adequada. Ao serem indag ados sobre o tipo de
orientação que gostariam de receber no início de sua carreira, 37% dos
professores treinandos franceses responderam que gostariam de gozar
do apoio dos colegas mais experientes, 10% gostariam de receber maior
orientação e mais orientadores durante sua formação inicial. Em termos
de treinamento em serviço, 17% dos treinandos interessados g ostariam
de ter mais reuniões e treinamento em suas escolas. Embora sejam
organizados seminários de treinamento em ser viço (seminários
for mativos inter-académies, seminários org anizados pelos r ectorats e pelas
IUFM), tais atividades são ocasionais e envolvem apenas os
participantes, sem qualquer obrigação de parte da escola de garantir
uma aplicação ativa e diária dos conhecimentos adquiridos ou de se
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159
empreender um processo coletivo visando a elaboração de valores
comuns como base para um ethos escolar positivo. Com respeito a isso,
o combate à violência escolar funciona do mesmo modo que o
aprendizado da democracia o caminho mais seguro para o êxito é a
prática diária. Finalmente, o CNAV
3
, que foi criado por Jack Lang com
o propósito de avaliar a situação em termos de violência nas escolas e
de proporcionar ao quadro docente uma orientação e um apoio, não
teve tempo de entrar em ação, e sumiu na onda das últimas eleições
presidenciais. Como dissemos acima, a for mação inicia leotreinamento
em serviço são fundamentais para se f or mar e se orientar os professores
em seu trabalho de garantir uma atuação mais segura em situações
difíceis. Contudo, nossa pesquisa esclareceu o fato de que, tal como a
for mação, a concepção da profissão do professor e as condições em
que trabalha desempenham uma função nada insignificante na
socialização profissional e na apreensão dos fenômenos que influenciam
o clima na escola.
Diferentes Concepções da Profissão e Abordagens de Trabalho
A concepção da profissão e da abordagem de trabalho são bastante
diferentes entre os dois países. Não é apenas a for mação inicial que
tem objetivos diferentes em cada um dos países, como vimos
anterior mente, também o sistema de recr utamento inf luencia o modo
como os professores abordam sua profissão e sua carreira. Um aspecto
importante é a relativa estabilidade da comunidade escolar com relação
aos membros adultos, na Inglater ra, que age para preservar a identidade
e a consistência da comunidade no ethos escolar, como pesquisa anterior
demonstrou (Grisay, 1993; Debarbieux, 1999; Montoya, 2000).
Ambos os países enfrentam dificuldades para manter um quadro estável
de docentes em áreas “de risco” e em algumas áreas urbanas. Alta
rotatividade é um indicador de problemas dentro da escola, mas pode
também contribuir para a construção desses problemas. Na França, o
assunto é reforçado pelo modo como os professores são nomeados, ou
3
CNAV: National Committee Ag ainst Violence.
Livro Forum Brasil de Educacao.p65 17/1/2005, 16:44159
160
seja, em nível nacional. São alocados para onde são necessitados,
independentemente de seus desejos ou das circunstâncias familiares.
Isso resulta em pouco comprometimento com a escola em que irão
trabalhar, uma vez que seu desejoéodechegar ao lugar que para ele
tem maior valor referencial. Uma das maiores questões é a nomeação
de professores inexperientes para o subúrbio parisiense, considerados
os mais difíceis, enquanto se reconhece que tais postos deveriam ser
ocupados por profissionais mais maduros, com maior experiência e
melhor controle das reações dos alunoseedesuas exigências. O
pesquisador lembra ao leitor aqui, que a for mação do professor, na
França, é precária no que diz respeito ao controle do comportamento
do aluno. O foco está centrado na for mação acadêmica e na transmissão
do conhecimento. O ethos escola r e a cultura são muito importantes e
pouco se pode esperar em ter mos de comprometimento pessoal do
professor que almeja deixar a escola em que está trabalhando. A pesquisa
mostrou que as escolas francesas que têm melhores resultados são as
que estão localizadas em áreas onde os professores estão melhor
estabelecidos, pois ali podem exercer sua profissão após alguns anos de
experiência, sendo a área geográfica considerada positivamente, e não
pretendendo os professores se mudarem, mesmo que os alunos sejam
considerados “difíceis” (Debarbieux et al., 1999). Tais escolas estão
situadas no sul da França, em Marselha. Este último ponto explica uma
das últimas medidas tomadas pelo antigo ministro da educação sobre o
direito dos diretores das escolas, situadas nas áreas mais impopulares,
de nomearem seus professores. A maior diferença está no fato de que
os professores são nomeados localmente pela escola, o que significa
que eles se candidatam para essa escola e têm, assim, chances de ali
per manecerem por tempo mais long o. Além disso, quando se faz uma
nomeação, a escola escolhe seus professores de acordo com as
necessidades locais e com um perfil determinado, que melhor
cor responde às carências dos alunoseàrealidade da situação escolar.
Isso explica, também, a percepção mais positiva do pessoal da escola
inglesa quanto à sua escola e a uma melhor integração com a
comunidade escolar. Contudo, algumas áreas, como Londres, enfrentam
g raves desafios para recrutar pessoal qualificado, em função do alto
custo de vida, além de outras dificuldades. A vida é muito mais cara
do que em outras partes da Inglaterra e foram feitos cortes significativos
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161
no pessoal docente, apesar de algumas escolas oferecerem melhores
condições financeiras a fim de tentar atraí-los. Alguns professores foram,
também, “relegados” por crianças difíceis, como o debate sobre as
exclusões escolares ilustrou, fazendo com que o governo se propusesse
a estabelecer como meta a redução das exclusões escolares e estabeleceu
procedimentos para torná-las mais difíceis para as escolas. O g overno
britânico se propôs a limitar, como também a França, o recrutamento
de Professores Recém Qualificados em escolas socialmente carentes,
onde estavam empregados, em razão do fato de que eram mais baratos
e os lugares tinham dificuldades de preenchimento de vagas (Johnson,
1999). Par te da solução proposta pela pesquisa (Haberman, 1987) foi
um maior envolvimento das escolas na for ma de recepcionar os
professores recém qualificados e os novos professores.
Outra grande diferença entre a França e a Inglaterra é que os
professores não estão eng ajados da mesma for ma na vida diária da
escola. Os professores ingleses dedicam mais de 30 horas semanais nas
instalações escolares, o que lhes permite conhecer melhor os alunos
assim como os colegas, a quem encontram com mais freqüência, por
estarem na escola mais tempo do que apenas em sala de aula. Além
disso, supõe-se que os professores se divertem e fazem outras atividades
extracurriculares, atuam como orientadores de g rupo como ponto alto
de seu período diretamente de docência cur ricular. Embora isso possa
ser considerado tempo perdido por alguns, a maioria dos professores
deste estudo avalia positivamente o último tipo de atividades. Possibilita
a eles a for mação de um relacionamento diferente com seus alunos,
que não é o mesmo da atividade docente. Os professores na Inglaterra
são mais do que representantes de uma disciplina ou matéria, que alguns
alunos não g ostam porque os coloca em situação de fracasso. Os
professores são, por tanto, seres humanos e não “sujeitos docentes”, eles
crescem mais per to de seus alunos. Este aspecto parece importante para
o pesquisador, que pode identificar uma importante defasagem cultural
entre o aluno francês e seus professores, o que se reflete na percepção
que o quadro docente da escola deles tem, não entendendo seus códigos
culturais e considerando-os como “violentos” mais acentuadamente do
que o fariam seus colegas ingleses. Parece que está havendo um
distanciamento maior entre o quadro docent e e a juventude das áreas
socialmente carentes, que é o local escolhido para se efetuar a pesquisa.
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Se os mais jovens moram na vizinhança da escola em função do sistema
de distribuição por área de residência, os professores não conhecem o
lugar nem suas dificuldades, na maioria das vezes (Dubet & Duru-Bella,
2000). Esta falta de conhecimento pode ser equilibrada por uma
comunicação mais próxima com a comunidade escolar. A oferta de
atividades extracurriculares no estabelecimento escolar foi
ardentemente discutida na França. Os professores franceses, em geral,
acreditam que seu papel deveria ser apenas o de lecionar, embora a
pesquisa mostre que eles podem criar outros vínculos, com base na
confiança (como refletem as respostas e comentários dos alunos
ingleses) e também na comunicação mais intensa. Maior comunicação
e maior presença na escola, que contribui para a construção de uma
cultura comum e um ethos escolar, que todos os atores da escola
compartilham mais facilmente e que exerce um efeito positivo no clima
escolar (Grisay, 1993; Debarbieux, 1999; Gottfredson, 2001). Como
afir ma Newmann (1989):
“É mais fácil o desenvolvimento de uma relação de confiança, quando os alunos estão
mais tempo em contato com seus mestres, numa base individual ou em pequenos grupos,
e quando eles se comprometem, em comum, numa gama de atividades tais como recreação,
aconselhamento, refeições, ordenamento do espaço, ou mesmo no estudo de mais de um
tema. A extensão da relação de estudante o relacionamento com o professor, além do
encontro regular no grande grupo durante os cinqüenta minutos por dia, para o
aprendizado de uma única matéria, dará aos alunos e ao professor uma compreensão
mútua mais completa. Contatos mais extensivos produzem um maior senso de comunidade,
cuidado e responsabilidade mútuas, do que o exercício de funções puramente convencionais,
transitórias e fragmentadas”. (Newman, 1989, p.163).
Um de cada três respondentes ingleses acha que existe um forte
espírito corporativo em sua escola, enquanto que apenas 10% dos
respondentes franceses pensam dessa forma. Isso não significa que
existam menos conflitos, mas que o diálogo e a comunicação é mais
forte e que a moral da equipe é menos afetada.
Na França, existe pouco ou nenhum trabalho de equipe
institucionalizado, ou mesmo tempo para diálogo (Demailly, 1987). A
única tarefa conjunta obrigatória está limitada às reuniões dos conselhos
de classe (conseils de classe) ou para for mular questões para provas a
serem feitas em conjunto. Portanto, cabe ao professor tomar
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163
individualmente as decisões e não de esperar por decisões vindas da
hierarquia superior do diretor da escola ou do inspetor. Embora haja
mais tempo de diálogo nas ZEP
4
, essas conversas ocorrem no período
livre dos professores, e os docentes não ficam com a impressão de que
tais reuniões venham a contribuir para a for mação de uma equipe
(Barrère, 2002). O mesmo se aplica ao relacionamento com os pais e à
abertura para a região de vizinhança, como mostram os resultados da
tabela 2.4. Apresar da Loi d’Orientation de 1989, a relação escola / família
per manece difícil e debate-se com veemência se a escola deve ou não
ser transfor mada em for taleza e protegida de sua vizinhança. De acordo
com outro estudo conduzido por Trancard (1996) acerca do tema
relacionamento pais / professores, 68% afir mam que não dedicam tempo
para reuniões com a família. O que Dubet (1997) descreve como um
“mal-entendido” na relação escola / família está baseado, por tanto,
essencialmente na falta de qualquer tipo de relacionamento, na França.
Este vazio contribui para a defasagem cultural e mútua falta de
entendimento. Nesta situação, os professores põem a culpa em pais
irresponsáveis ou fracos, que precisariam voltar para a escola a fim de
aprenderem a educar seus filhos. Por sua vez, os pais se queixam que os
professores não sabem fazer o seu trabalho adequadamente, carecem
de autoridade ou se recusam a assumir seu papel de educadores. Na
Inglaterra, o relacionamento com os pais é facilitado por uma maior
abertura das escolas para a comunidade do entorno escolar, e por uma
per meabilidade maior entre os diferentes ter ritórios. Por exemplo, as
escolas onde fizemos nossa amostragem participaram nas atividades
locais tais como eventos esportivos, competições de xadrez, promoção
de entretenimento em asilos de idosos, ou capacitação para adultos.
Em ambos os países, é a qualidade desse relacionamento e da vida social
que domina, quando o quadro docente e os alunos expressam opinião
favorável sobre a área em que a escola está situada. Quando a escola
ouve a comunidade, maior chance de se conquistar o apoio e a
confiança das famílias e de seu entor no. Isto posto, na Inglater ra, busca-
se mais investir politicamente nos pais, na medida em que o sistema de
inspeção das escolas providencia o envolvimento deles na forma de
4
ZEP: Zones d’Education Prioritaires.
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164
questionários acerca da qualidade de vida na escola, no esforço que a
escola faz para a realização pessoal de seus filhos, na administração
das lições de casa, etc... Não são chamados apenas para preparar a festa
anual da escola, para acompanhar os alunos nas excursões, quando
corte de pessoal, ainda que isso seja um dos aspectos de sua participação
na vida escolar (Blaya, 2001; 2002). O diálogo entre a comunidade e a
escola, as famílias e a equipe educacional contribui para a construção
de uma gama compartilhada de valores comuns, que são o fundamento
de uma abordagem coerente dos problemas de disciplina e do clima
escolar. Considerar os pais e a comunidade exter na como um recurso
extra para a comunidade escolar, em vez de considerá-los inimigos,
comprovou-se ser algo muito valioso (Ascher, 1988; Blaya, 2001). Isso,
acima de tudo, per mite às pessoas a cheg ar ao melhor conhecimento
mútuo e a criar um sentimento mais amplo de segurança. Como
argumenta Menacker et al. (1989), “uma abordagem abrangente e coordenada
de segurança, onde a escola é um elemento no esforço comunitário global pode se
constituir num bem sucedido pr ocesso de combate ao crime e à violência” (p.39).
CONCLUSÃO
Toda esta pesquisa coloca em evidência as principais diferenças no
modo como os professores vêem seu meio profissional. Enquanto a
profissão, em seu conjunto, é encarada como repleta de situações difíceis
ou de queixas acerca de dificuldades semelhantes, a escala dos problemas
varia enor memente de um país para o outro. Essas variações são
influenciadas pela socialização profissional dos professores, inclusive
por sua for mação inicial e seu treinamento em ser viço, por sua
concepção da profissão e por suas condições de trabalho.
Embora tenhamos mencionado, ao longo deste artigo, as diferenças e
as deficiências na formação inicial dos professores, o objetivo oéode
reduzir tal for mação à simples questão do manejo de problemas que os
professores haverão de encontrar no início de sua carreira profissional;
antes, porém, trata-se de propiciar a eles as ferramentas que precisam
para se fixarem em sua profissão, levando em conta a diversidade cultural
e social. Do mesmo modo, as entrevistas levadas a efeito com os
professores na Inglaterra e na França levaram-nos a concluir que a
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165
socialização profissional também tem lugar antes da formação inicial,
em sua própria experiência como alunos em sua vivência escolar e é
reforçada na Universidade, onde se ênfase no trabalho individual e a
prova de ingresso lhe garante a excelência na matéria que será lecionada
(algo que nem de longe deve ser negligenciado). A percepção geral é que
a docência se tornou uma profissão difícil com alunos desmotivados,
maiores problemas disciplinares e pouco respeito pelo professor. Enquanto
estes últimos estão convencidos de que é seu conhecimento da matéria o
que irá impor o respeito e a aceitação de seus alunos, nossos resultados
mostram que é necessário que se adote uma abordagem mais global de
sua profissão, com mais informação e treinamento em seus vários aspectos,
que se multipliquem os cursos de treinamento conjunto e que se aprenda
a trabalhar em equipe, que se propicie maior suporte para o início de
car reira do professor e mais treinamento em serviço, para se enfrentar
com tranqüilidade as mudanças dentro da profissão, e que se trabalhe em
equipe dentro da escola, nas questões que nos interessam em termos de
clima social, como se enfatizou por ocasião do treinamento de professores,
pesquisados na França. Os treinandos, cujos comentários bastante
importantes estavam baseados em sua primeira experiência na condução
de uma classe escolar, parecem-nos indicadores muito significativos,
quando se trata de auscultar as necessidades de formação inicial.
O equilíbrio da escola e melhores condições de trabalho exigem
trabalho de equipe. Embora os professores sejam os primeiros filtros
da violência escolar e tenham a maioria dos contatos com os alunos,
eles não são os únicos responsáveis pela cultura escolar e pelo clima
em que trabalham. Uma abordag em mais ampla e sistêmica na for mação
para a prevenção da violência escolar, portanto, parece-nos
indispensável. Isso implica for mação em profundidade do pessoal
administrativo, bem como do pessoal encar reg ado da super visão e da
administração, uma vez que todos os membros da comunidade
educacional são afetados pela violência, quando ela ocorre dentro da
escola, e é através da interação entre as pessoas e o contexto que os
problemas podem ser resolvidos mais ou menos har moniosamente.
Torna-se necessário, então, providenciar formação para todo o pessoal,
a fim de garantir uma melhor comunicação e cooperação entre as famílias
e a área de entor no, e assegurar, assim, um melhor manejo dos conf litos,
como enfatizado por pesquisa (Dubet, 1997; Thin, 1998; Blaya, 2003).
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166
Mais infor mação, mais material de docência, for mação inicial melhor
adaptada e abordagem global na escola para combater a violência, tudo
isso implica um firme comprometimento de par te das autoridades, em
ter mos de recursos financeiros e humanos. O comprometimento dos
pesquisadores também é necessário, no sentido de que eles têm um
papel a desempenhar na avaliação da prática e dos programas
implementados para reduzir a violência nas escolas e promover climas
mais seguros e positivos. Embora a tradiçã oeaexperiência pessoal
sejam, obviamente, parte da prática educacional, é necessário que as
políticas educacionais e a prevenção da violência escolar finquem raízes,
como a pesquisa científica vem demonstrando.
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Hoje as pessoas comuns e os governos têm muitas preocupações a
respeito da educação, e elas se resumem a três problemas mais
importantes. O primeiro é o acesso, o segundo a qualidade, o terceiro o
custo. Costumo pensar nas tensões entre esses valores como o eter no
triângulo da educação.
Globalização e tecnologia
Qual a sua opinião sobre a globalização? Como o nome indica, a
globalização une o mundo, mas também o divide. Os que desaprovam
a globalização enfatizam as crescentes disparidades de riqueza que ela
provoca, tanto entre os países como dentro deles. Até mesmo os que
acreditam que a globalização é uma força para o bem, preocupam-se
com alguns dos fossos que ela está criando na humanidade. O progresso
da tecnologiaéaforça principal por trás da globalização, e nos
preocupamos especialmente com a divisão que chamamos de hiato digital.
Meu primeiro ponto é que todos os cidadãos do mundo, nos dois
lados do hiato digital, são afetados pelas mudanças tecnológicas. Em
todas as par tes do mundo, o desenvolvimento tecnológico é a força
A IMPORTÂNCIA DAS NOVAS TECNOLOGIAS
EDUCACIONAIS PARA A FORMAÇÃO DE
PROFESSORES PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA
TECNOLOGIA É A RESPOSTA: QUAL É A PERGUNTA?
John Daniel*
* Diretor-Geral Adjunto para a Educação da UNESCO.
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172
mais importante que está mudando a sociedade. Nos países
industrializados pode ser a substituição dos telefones fixos pelos
celulares, enquanto no mundo em desenvolvimento pode ser a
substituição do car ro de boi pelo veículo motorizado. Nos dois casos, a
tecnologia está transfor mando a sociedade, notadamente, ao destr uir
antig os empreg os e criar novos.
A mudança tecnológica afeta quase todos os aspectos da vida, com
a exceção dizem muitos críticos do mundo da educação. Por que?
Será a tecnologia inerentemente inadequada à educação? Será porque
os professores hesitam em utilizá-la? Será porque ninguém descobriu
como utilizá-la bem? Como responder a essa pergunta?
Meu objetivo hoje é ajudá-los a refletir sobre o emprego da tecnologia
na educação, ou seja, no aprendizado e no ensino, explorando algumas
perguntas bem simples. Por que devemos querer usar a tecnologia? De
que for ma devemos usar a tecnologia no aprendizado e no ensino? Quais
são os princípios básicos? Quem pode tirar o maior proveito da
tecnologia educacional? Onde devemos aplicá-la? Quais são as melhores
tecnologias? De modo mais amplo, como se pode fazer julg amentos a
respeito das muitas vantagens atribuídas à tecnologia?
Por que usar a tecnologia?
Antes de admitir que a tecnologia é a resposta, devemos indagar a
que pergunta ela responde. As pessoas que desenvolvem novas
tecnologias para os computadores ou os automóveis têm metas muito
simples: querem torná-los mais rápidos, mais poderosos, mais eficientes,
mais fáceis de usar e mais atraentes. Quais são os equivalentes no campo
da educação?
Hoje as pessoas comuns e os governos têm muitas preocupações a
respeito da educação, e elas se resumem a três problemas mais importantes.
O primeiro é o acesso, o segundo a qualidade, o terceiro o custo. Costumo
pensar nas tensões entre esses valores como o eterno triângulo da
educação, e vou dizer algumas palavras sobre cada um deles.
Atualmente, o principal problema da educação é que centenas de
milhões dos habitantes do mundo não a recebem. Um número muito
maior, não a recebe em volume suficiente. Como responsável pela
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173
educação na UNESCO, minha principal preocupação é a campanha
mundial da Educação para Todos. Mais de cem milhões de crianças
nunca entraram em uma escola. E outras tantas não ficam na escola o
tempo necessário para adquirir habilitações úteis. 800 milhões de adultos
têm a sua vida prejudicada pelo analfabetismo. O mundo precisa ter
mais acesso à educação. A pergunta a ser feita é: pode a tecnologia
ajudar a proporcionar esse acesso?
Um problema associado, que preocupa muitos pais cujos filhos
freqüentam a escola, é a qualidade da educação que eles recebem. Países
que investiram pesadamente no aumento do número das crianças
escolarizadas se preocupam agora com a qualidade do seu aprendizado.
Nos países pobres, os pais cujas crianças podem aumentar a renda
familiar trabalhando em fábricas de tapetes ou atividades similares,
querem ter certeza de que vale a pena o sacrifício financeiro incorrido
em mandá-los para a escola. No outro extremo do aspecto educacional,
quem acompanha as notícias sobre a educação superior sabe como a
garantia de qualidade adquiriu importância.
Que queremos dizer por “qualidade”? A definição padrão de
qualidade é “adequação ao objetivo, com um mínimo de custo para a
sociedade”. Mas, qual é o objetivo? Devemos ter duas metas: criar capital
humano e criar capital social.
Capital humano significa o conhecimento e a capacitação individual
que tornam a pessoa mais autônoma, mais flexível e produtiva. É o
capital pessoal que você ou eu podemos investir para preencher as novas
vidas. É a for mação de seres humanos competentes.
Mas não basta o capital humano. Nenhuma pessoa é uma ilha, e
precisamos também de capital social, que é a confiança nos outros e as
redes de contatos. As comunidades são criadas pela união das pessoas
que trabalham por um objetivo comum. O capital social significa a
educação de cidadãos responsáveis.
O terceiro lado do meu triângulo é o custo. O custo elevado limita o
acesso e, se a qualidade é a adequação ao objetivo com um custo mínimo
para a sociedade, o custo elevado prejudica a qualidade.
Quando se expressa o desafio básico da educação em termos desse
triângulo de forças, um fato incômodo fica claro: os métodos tradicionais
de ensino e aprendizado não podem provocar as mudanças necessárias.
Tentem aumentar o número de estudantes em cada turma. O acesso
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pode aumentar e o custo cair, mas todos o acusarão de estar baixando a
qualidade. Os métodos tradicionais usados para melhorar a qualidade
tendem a reduzir o acesso e a elevar o custo, e este é claramente um
problema. Ao longo de toda a história, a educação exibiu um vínculo
insidioso entre qualidade e exclusividade. se pode assegurar uma
alta qualidade excluindo muitas pessoas do acesso.
Este é o desafio. Pode a tecnologia fazer alguma coisa para ajudar?
Poderá a tecnologia aumentar realmente o acesso, melhorar a qualidade
e reduzir o custo, tudo ao mesmo tempo? A evidência mostra que pode,
mas de que forma?
Como usar a tecnologia?
Em primeiro lugar vamos esclarecer o que entendemos por
“tecnologia”. Minha definição preferida é, simplesmente, a de que a
tecnologiaéaaplicação do conhecimento científico, e de outro
conhecimento org anizado, às tarefas por organizações que consistem
em pessoas e máquinas. Quero acentuar as duas par tes dessa definição.
Em primeiro lugar, não estamos empenhados na busca fútil do método
de ensino perfeito, mas aplicamos o “conhecimento científico” e “outro
conhecimento org anizado” o que pode significar conhecimento tácito,
artesanal, e experiência organizacional, para não mencionar uma ampla
dose de bom senso.
Em segundo lug ar, vivemos em um universo de pessoas e máquinas.
O uso adequado da tecnologia envolve sempre pessoas e seus sistemas
sociais. Uma for ma simples e útil de pensar sobre como combinar as
pessoas com a tecnologia na educação surge quando refletimos que o
aprendizado implica dois tipos de atividade.
Com efeito, o aprendizado é uma mistura de dois tipos de atividade.
Em primeiro lugar, atividades que quem está aprendendo realiza de
for ma independente: ler um livro , ver um prog rama de televisão, ouvir
uma conferência ou um áudio-cassete, redigir um ensaio ou efetuar
cálculos matemáticos. Essas atividades constituem o grosso do
aprendizado do aluno, pelo menos na educação superior. E são também
as atividades que permitem o uso da tecnologia para ampliar o acesso,
melhorar a qualidade e cortar o custo esta é a chave. Isto acontece
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175
porque os meios fundamentais do aprendizado independente impressos,
material de áudio e programas de televisão custam relativamente pouco
para reproduzir em g rande número, desde que se tenha feito o
investimento inicial na primeira cópia.
O volume ajuda a aumentar o acesso e reduz os custos, além de
per mitir a melhoria da qualidade, porque quando se produzem materiais
em larga escala, pode-se investir o necessário para dar-lhe uma excelente
qualidade.
Muito bem, mas a evidência mostra que a maior parte dos estudantes
não têm êxito praticando apenas essas atividades independentes. A
tecnologia precisa envolver as pessoas e os seus sistemas sociais: é
preciso também realizar atividades interativas. “Interativo” é uma
palavra escor reg adia, que sofre muitos abusos. Uso-a para descrever
uma situação em que uma atividade do estudante evoca resposta de
outro ser humano: um professor, tutor ou outro estudante –, resposta
orientada especificamente para aquele estudante.
O que estamos fazendo aqui é um exemplo óbvio. Ao me ouvirem
cada um de vocês está praticando o aprendizado independente. Quando
ter minar mos, e vocês me fizerem perguntas, esse será um evento
interativo especialmente se provocarem, enquanto tomamos café,
dizendo que não sei que estou dizendo. Outras atividades interativas
são eventos, tais como: encontros diretos com outros alunos ou um
tutor, a nota e os comentários de um professor a respeito do trabalho
apresentado pelo aluno, perguntas feitas pelo telefone, a resposta dada
a uma indagação enviada por e-mail, etc.
As atividades desse tipo são importantes para o sucesso da maioria
dos estudantes. No entanto, elas são também mais caras, porque não se
prestam às economias de escala, como acontece com as atividades
independentes. Fazer vinte cópias adicionais de um CD-ROM custa
quase nada, enquanto as atividades interativas adicionais exigem a
par ticipação de outras pessoas. No entanto, mesmo nesse caso é possível
melhorar a qualidade e reduzir o custo, em comparação com a instrução
tradicional.
As “universidades abertas” proporcionam um bom exemplo do
aprendizado independente e interativo. Elas funcionam em larg a escala,
e utilizam amplamente a vantagem dessa escala para produzir materiais
de alta qualidade e custo relativamente baixo. Com respeito às
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atividades interativas, contratam um grande número de tutores, que se
mantêm em contato direto com os estudantes. Esses tutores, que
nor malmente exercem essa função, em base de tempo parcial, são
especialistas no tema do seu curso, e recebem treinamento especial para
trabalhar em um sistema educacional baseado na tecnologia. Devido a
esse treinamento e especialização, eles dão aos estudantes um apoio de
alta qualidade, e com o seu trabalho é de tempo parcial, combinado
nor malmente com um carg o de professor em instituição tradicional,
sua contribuição é também eficiente em ter mos de custo.
A economia da associação de atividades independentes e interativas
pode ser imaginada, olhando as cur vas de custo de cada uma delas, e
referindo os custos totais ao número de estudantes. Dependendo do
modo como associamos as duas podemos ter uma curva mais ou menos
plana. Em outras palavras, o custo marginal por estudante adicional
pode ser maior ou menor.
Quem pode beneficiar-se com o uso da tecnologia na educação?
Vou avançar para a próxima questão. A quem beneficia o uso da
tecnologia na educação? Minha resposta é que todos se beneficiam. O
conceito de associar atividades, interativas e independentes, leva
naturalmente à idéia de associar a tecnologia e os professores em
diferentes formas, com diferentes objetivos.
Em ter mos dos meus critérios de acesso, a qualidade e o custo da
tecnologia alcançaram seu maior sucesso, até aqui, na educação superior.
Isto acontece em parte porque o estudo universitário inclui, como é
natural, uma maior proporção do aprendizado independente do que
acontece no jardim de infância, por exemplo. Mas é verdade também,
que os que criaram as primeiras universidades abertas pensavam que se
pudessem demonstrar a credibilidade da tecnologia na educação superior,
poderiam de pois aplicá-la facilmente a outros níveis. O inverso poderia
não ser verdade.
O que aconteceu com as universidades abertas em todo o mundo é a
maior história de sucesso da nossa g eração. Escrevi um livro sobre isso,
mas não vou resumi-lo aqui. Bastará dizer que as universidades abertas
reconfiguraram com êxito meu eter no triângulo. Internacionalmente as
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doze maiores universidades abertas têm cerca de três milhões de
estudantes, um aumento extraordinário no acesso. Em apenas um país,
o Reino Unido, a Universidade Aber ta tem hoje mais alunos, do que
todas as universidades britânicas no ano em que a sua criação foi
anunciada. O Reino Unido encomendou, também, uma avaliação
independente dos custos implicados, e descobriu que o custo total de
um diploma na Universidade Aberta, representava entre 60 e 80 por
cento do custo cor respondente nas instituições tradicionais.
Possivelmente, a maior surpresa para os céticos tenha sido em termos
de qualidade. Hoje a Open University inglesa está situada nos dez por
cento das melhores universidades, em ter mos de qualidade dos seus
prog ramas de ensino, conforme a avaliação da agência nacional de
verificação da qualidade.
A camisa de força do eterno triângulo foi resgatada. O sucesso do
aprendizado a distância na educação superior é uma tremenda boa notícia
para a educação dos professores. O mundo vai precisar alguma coisa
entre dez e trinta e cinco milhões de novos professores nos próximos
dez anos, e vai precisar treinar novamente muito milhões mais. Não
forma de que os métodos convencionais possam suprir tal demanda.
Esta é uma questão à qual a tecnologia pode oferecer a resposta.
Onde podemos usar a tecnologia na educação?
Onde devemos usar a tecnologia na educação à distância? Houve
uma época em que, a principal utilidade da tecnologia na educação, era
a sua aplicação no ensino à distância. Mas isto não significa que se
tratava de um fenômeno r ural. A distância g eog ráfica não é a única que
existe. As pessoas podem estar se paradas da educação pelo tempo,
porque não se podem ajustar aos horários do ensino em sala de aula.
Podem estar se paradas socialmente, porque não se sentem à vontade
em deter minada instituição educacional. Podem estar separadas por uma
incapacidade, porque não têm condições de chegar à instituição, não
conseguem ouvir o professor ou enxergar o quadro neg ro.
Hoje a tecnologia está aber ta a todos. Tenho dito que a educação
moderna não é uma simples opção entre o ensino tecnológico e o
convencional. A educação efetiva combina pessoas com a tecnologia.
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Precisamos também adotar uma perspectiva ampla da tecnologia.
Convido vocês a refletir sobre essa citação de Edith Mhehe, baseada
na sua pesquisa com estudantes do sexo feminino da Universidade
Aber ta da Tanzânia:
Quando perguntei sobre a possibilidade de usar tecnologias de ensino
alternativas, uma mulher sugeriu que a sua necessidade mais per manente
não era de tecnologias de ensino, mas de outras tecnologias tais como
máquinas de lavar, fogões e aspiradores de pó, que reduzissem o tempo
gasto nos trabalhos domésticos e aumentassem o tempo de que ela
precisava para estudar.
O que nos leva outra vez à minha definição de tecnologia, como
aplicação do conhecimento científico, e de outro conhecimento
organizado, a tarefas práticas por organizações que consistem em pessoas
e máquinas. Um princípio fundamental no emprego da tecnologia na
educação é começar com as necessidades dos alunos, não do professor.
Quais tecnologias?
Uma pergunta muito comum é “Quais as tecnologias que devemos
usar?”. Espero que os vários princípios que esbocei permitirão a vocês
tomar decisões a esse respeito. Vou recapitular alguns desses princípios.
Em primeiro lug ar, comecem da posição do aluno. Nosso objetivo deve
ser usar a tecnologia para criar um ambiente efetivo e estimulante para
o estudo, no local onde se encontra o aluno. O que significa, em segundo
lugar, que a disponibilidade de uma deter minada tecnologia é uma
consideração fundamental. Por exemplo: a UNESCO está trabalhando
ag ora na construção educacional do Afeg anistão. Ora, seria fútil propor
o uso da Internet em um país, onde uma proporção minúscula da
população tem acesso à eletricidade e ao telefone? O rádio, porém, é
um meio popular e muito usado.
A disponibilidade está associada ao terceiro princípio, que é o custo.
A melhor forma de alcançar os alunos é usar uma tecnologia a que eles
tenham acesso. De pendendo do país ela será mais ou menos sofisticada,
o custo de pende do quar to princípio, que é a qualidade do ensino que
pode ser usada com a tecnologia disponível. Os melhores meios são aqueles
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que são fáceis de usar, e não se baseiam na competência de um número
limitado de programadores ou planejadores com conhecimentos
sofisticados. Por exemplo: uma das razões pelas quais os áudio-cassetes
são uma tecnologia popular, tanto entre os alunos como os professores, é
o fato de que são fáceis de produzir e fáceis de usar.
Vendo o quadro mais amplo.
Vou agora recuar um passo para ter uma visão mais ampla. Respondi
a algumas das perguntas que vocês podem fazer sobre a tecnologia. Na
parte final desta palestra, vou sugerir alguns princípios simples que
devem guiar vocês, quando forem chamados a discutir o emprego da
tecnologia na educação superior com os membros da comunidade
acadêmica a que pertencem, com seus líderes políticos, doadores
estrangeiros ou vendedores de equipamento.
Vou sugerir-lhes quatro princípios, que devem ser aplicados à reflexão
ou às ações relacionadas com a tecnologia de informação e comunicação.
Todos eles começam com a letra P, o que vai ajudar a que sejam lembrados.
Dois deles são modos de pensar a serem evitados e dois outros são
positivos, que devem ser adotados. Vou discuti-los um por um.
Evitar preconceito
Meu primeiro P se refere ao preconceito, que é um estorvo. O mais
comuméodovendedor, para quem a tecnologia deve ser boa para o
que você pretende, porque se eu a vender g anharei uma comissão.
Naturalmente, ninguém se renderia a esse preconceito expresso de forma
tão crua. No entanto, devemos lembrar que ele tem uma for te inf luência
em boa par te do discurso público sobre a tecnologia da informação e
da comunicação.
Minha recomendação é que sejam céticos a respeito das afirmativas
sobre o valor da tecnologia, quando são feitas pelos que querem vendê-
la ou por seus representantes na vida política. A comunidade dos
vendedores de tecnologia da infor mação teve um g rande êxito em
convencer os líderes políticos, de que a tecnologia é a resposta a todos
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os problemas educacionais. Às vezes, nossa missão é ser impopular,
fazendo com que esses políticos desçam das nuvens.
também uma manifestação mais insidiosa do mesmo preconceito
à qual devemos estar atentos. Trata-se da supressão de relatórios de
pesquisa e de estudos de avaliação, que rejeitam a tese de que a
tecnologia é capaz de melhorar tudo. Vocês têm lido a respeito do debate
em torno das empresas far macêuticas que impedem a publicação de
pesquisas que custearam, se esses resultados põem em dúvida a
segurança dos seus produtos. Ora, os vendedores de equipamento e de
software financiam boa parte das pesquisas sobre a avaliação da
tecnologia da infor mação nos métodos de ensino e no aprendizado nas
escolas. Seu interesse é impedir ou atrasar a publicação dos resultados
que sugerem que, a tecnologia não faz qualquer diferença, ou chega a
resultados piores. Não deixem de lembrar disso ao ler esses estudos.
Outra for ma de preconceito que encontramos em relação à tecnologia
é o favorável ao custeio pelo setor privado, em lugar do financiamento
pelo setor público.
Identificar as porcarias
Meu segundo P está relacionado também com o preconceito: é a
porcaria. A palavra descreve exatamente a situação que enfrentamos,
muitas vezes, ao considerar o sentido que tem a tecnologia no campo
da educação. Quando uma idéia se populariza, a imprensa tende a usá-
la, indiscriminadamente. Quando encontramos um conceito em toda
parte, é fácil suspender nosso julgamento crítico e admitir que a
afir mativa é cor reta.
Vou dar um exemplo. Em número recente da revista T he Economist
encontrei esta passagem:
As pessoas importantes e sérias de todo o mundo estão vivendo uma
obsessão pelo hiato digital”. Acham que metade das pessoas do mundo
nunca fizeram uma ligação telefônica. A África usa uma banda de
freqüências menor do que a cidade de São Paulo. Dúzias de forças-
tarefa intergovernamentais se perguntam como os pobres podem
conectar-se. No meio de toda essa atenção dada à falta de acesso à
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Internet pelos países em desenvolvimento, algumas pessoas acham que
problemas mais fundamentais estão sendo ignorados. Ted Turner, um
dirigente dos meios de infor mação americanos, comentou no ano
passado que não tem sentido dar computadores a pessoas se elas não
tem acesso à eletricidade.
Será desnecessário argumentar longamente, no sentido de que vocês
que querem aplicar a tecnologia à educação precisam ter boas antenas
para identificar porcarias. A UNESCO, uma org anização orientada para
a cooperação intelectual, pode ajudar: uma das nossas tarefas é cooperar
na exposição das idéias equivocadas, e estimulamos os governos
membros da nossa Organização a praticar “políticas baseadas em
evidências”. E ao fazer declarações sobre a tecnologia precisamos
também buscar a evidência.
Pensar com uma ampla perspectiva
Passo ag ora do Ps ruins para os bons, que são os seus antídotos. O
primeiro deles é ter uma ampla Perspectiva. Quero dizer que vocês
precisam ver o uso da tecnologia no ensino e no aprendizado de uma
perspectiva ampla. dei um exemplo do que isso significa, quando
citei a pesquisa de Edith Mhehe sobre as mulheres que estudam na
Universidade Aber ta da Tanzânia. Para elas, as tecnologias domésticas
ajudavam mais os seus estudos do que as tecnologias de aprendizado.
Outro exemplo da necessidade de pensar em ter mos amplos sobre a
tecnologia vem da América Latina. Como se faz para transportar as
crianças até a escola em uma região r ural montanhosa, quando elas
vivem bem longe e não queremos que cheguem à escola cansadas? A
resposta foi conseguir alguns bur ros. O problema é que pelas normas
de aquisição das Nações Unidas é difícil comprar burros. Essas normas
exigem especificações técnicas, um processo de licitação, etc. A solução
é contratar os burros como consultores, o que está de acordo com essas
nor mas. Aliás os bur ros têm g rande vantagem, se comparados aos
consultores humanos: eles não pre param relatórios.
Esses são exemplos extremos do pensamento a respeito da
tecnologia para ajudar o aprendizado dentro de uma perspectiva ampla.
As melhores tecnologias para ajudar as mulheres da Tanzânia e as
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crianças latino-americanas aprender, eram tecnologias nas quais não
pensamos como tais.
Por tanto, recomendo a vocês que pensem sobre tecnologia de forma
ampla. Mesmo quando falo de forma limitada sobre a tecnologia da
infor mação e comunicação, devemos adotar essa perspectiva. A TIC é
muito mais do que a Internet. Não se esqueçam de que muitas
tecnologias dessa categ oria: livros, quadro neg ro, filme, rádio, televisão,
ensino prog ramado, etc. A Inter net não as tor nou obsoletas.
Durante o frenesi do dot.com, dois anos, algumas empresas
voltadas para o campo educacional cometeram esse er ro, presumindo
que para estudar os estudantes queriam usar exclusivamente a Internet.
Mas não era o que eles queriam, e essas empresas ou foram à falência
ou tiveram que adotar uma visão mais ampla do aprendizado assistido
pela tecnologia. A tecnologia sempre envolve as pessoas e seus sistemas
sociais. Em mais alguns minutos voltarei a par te da evidência sobre o
que os estudantes querem e preferem, mas primeiramente vou identificar
meu segundo P positivo.
Uma posição de equilíbrio
Que é assumir uma Posição de equilíbrio. Precisamos assumir essa
posição em muitas dimensões. Vejamos a primeira delas: o ensino e o
aprendizado são as duas faces da mesma moeda. No entanto, ao usar
tecnologia na educação faz uma diferença começar em um lado ou no
outro.
Até recentemente havia duas diferentes tradições na aplicação da
tecnologia à educação superior. Em primeiro lug ar, havia a tradição
americana, que começa com o ensino e tenta a tecnologia para expandir
a g ama de ação e o impacto do professor. Eu a chamo de abordag em da
sala de aula remota. A idéia é criar uma rede de salas de aulas e usar a
tecnologia, usualmente vídeo por satélite ou uma linha terrestre, para
levar a lição do professor, ao vivo, aos alunos situados em locais
remotos. O sistema é interativo, e os estudantes podem fazer perguntas.
Até cerca de cinco anos atrás, esse método era o que a maior parte
dos americanos queriam dizer quando falavam em “aprendizado à
distância”. O que causava confusão, porque a maior par te do resto do
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mundo tem uma tradição diferente, começando com o outro lado da
moeda, ou seja, com o aprendizado, e usando a tecnologia para criar
um bom ambiente de aprendizado para o aluno, onde quer e quando
quer que ele quisesse estudar. Uma abordagem que tinha vantagens,
tanto em eficiência como em economia. Em eficiência, porque ao
adaptar a tecnologia às necessidades do estudante, em lugar das
necessidades do professor, pode-se criar um vigoroso ambiente de
aprendizado. Em economia porque essa abordag em pode funcionar em
escala, ao contrário da sala de aula remota.
Uma das g randes realizações da Inter net foi ter minar com essa
dicotomia. A tradição americana saiu perdendo, porque a Internet nos
deu um novo instrumento para alcançar o estudante em qualquer lugar
e em qualquer momento. Aqueles de vocês que trabalham nesse campo
se lembrarão de que cerca de quatro anos a palavra “assíncrona”,
que até então não era comum no vocabulário da educação, passou a ser
tão familiar como a torta de maçã.
É o que se pode dizer a respeito da primeira dimensão. Quando
usamos tecnologia queremos acentuar o aprendizado ou o ensino?
Deixei claro a minha preferência. É ao mesmo tempo mais efetivo e
mais eficaz em ter mos de custo concentrar-nos na melhoria do acesso
ao aprendizado, melhorando a sua qualidade e reduzindo o seu custo.
Por assim dizer fazendo uma reengenharia no triângulo básico que define
o desafio que nos propõem, como educadores, os vetores do acesso, da
qualidade e do custo.
A segunda dimensão significa procurar o equilíbrio na resposta à
pergunta: ensinar e aprender para que? Uma distinção útil entre a
tecnologia da informação empreg ada no ensino e no a prendizado dos
computadores, e a mesma tecnologia usada para o ensino e o aprendizado
de tudo o mais. Parece uma distinção óbvia, mas sempre ela é feita.
Todos estamos de acordo em que as tecnologias de infor mação e
comunicação são úteis para ensinar a respeito delas mesmas, mas é uma
falácia lógica, extrapolar e presumir que sejam, também, o melhor
caminho para ensinar e aprender a respeito de todas as outras coisas.
Vou dar um exemplo:éochamado Buraco na Parede. O projeto é
a iniciativa de Sugata Mitra, do Instituto Nacional para a Tecnologia
da Infor mação, um dos melhores cérebros dessa área de atividade.
Mitra tinha obser vado seu filho de cinco anos brincando com um
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computador, e concluiu que as crianças podiam aprender a usar
computadores por si mesmas, com uma ajuda mínima dos adultos.
Uma hipótese que pôde testar instalando um computador com uma
tela de toque na parede da r ua de uma favela de Delhi, onde a maioria
das crianças não iam à escola. O computador não tardou a ficar
conhecido como “o buraco na parede”.
Para citar Mitra: As crianças entr e8e13anos vieram cor rendo ver o
buraco na parede. Dentro de uma hora estavam brincando com ele. Em uma
semana podiam ativar as funções mais comuns de um computador: cor tar e
ar rastar, copiar, colar, r enomear e salvar arqui vos, etc. Dentr o de um mês
estavam usando jogos e r ecebendo pr ogramas da Inter net. Os pesquisador es
observavam incrédulos. Os jornais explodiram com histórias”. James
Wolfensohn, do Banco Mundial, foi visitar o lug ar.
Como resultado, a experiência foi ampliada. Desde agosto do ano
passado, trinta computadores foram instalados pelo g overno indiano
no extenso bairro de Madangir, ao Sul de Delhi. Para citar Mitra outra
ve z: “Centenas de crianças se amontoam em tor no deles durante todo dia.
Sua compr eensão é instinti va e incrivelmente correta. Elas querem ter acesso a
um teclado, mas não sabemos como fabricar um fabricar um que possa ser
mantido ao ar livre”. Outros computadores foram instalados em uma
área pobre de Uttar Pradesh, onde as meninas levam mais tempo
brincando com eles do que os meninos. Dessas experiências Mitra
extraiu duas conclusões:
A primeira, é que existe o que ele chama de Educação Minimamente
Invasiva. De acordo com o diretor de uma escola situada perto dos
buracos na parede, as crianças parecem ser capazes de aprender
qualquer coisa por si mesmas. A segunda conclusão de Mitra, é que
como os professores não são necessários para que as crianças aprendam
a tecnologia de infor mação e comunicação, poderia ser possível ampliar
esse treinamento do meio milhão de estudantes treinados cada ano
pelo seu instituto, para as centenas de milhões que precisam ser
preparados para fazer do hiato digital uma coisa do passado.
A pergunta que deixo com vocês é a seguinte: o que as experiências
de Sug ata Mitra nos dizem sobre o uso da tecnologia de infor mação e
comunicação, para ensinar a essas crianças outros assuntos além da
habilitação nessa própria tecnologia?
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185
Lições da Universidade Aber ta
No campo da educação superior, algumas das respostas mais completas
às perguntas sobre os fins para os quais os estudantes gostam de usar a
tecnologia vêm da Universidade Aberta do reino Unido, que eu tive o
g rande privilégio de dirigir até ing ressar na UNESCO, dois anos.
Com mais de 150.000 estudantes trabalhando on-line em suas casas,
a Universidade Aberta pode ser a maior universidade on-line de todo o
mundo. A princípio, no fim da década de 1980, ela oferecia cursos
com alguns componentes pela Internet, de modo que isso deixou de
ser novidade. Ao procurar as evidências não precisamos nos preocupar
com efeitos Hawthorne. O fato é que os estudantes da Open University
têm uma ampla g ama de facilidades on-line à sua disposição. Quais
delas são usadas?
Em primeiro lugar, eles utilizam a Internet para transações
infor mativas e administrativas. Toda semana 50.000 alunos recor rem a
uma facilidade que lhes permite verificar suas notas, para ver como se
saíram na última prova. Número que aumenta para 100.000 por semana
quando são publicados. Um estudante, que devia estar se sentindo muito
inseguro, usou cem vezes esse recurso no ano passado. No entanto,
30% dos estudantes utilizam a facilidade que lhes per mite matricular-
se on-line nos cursos; os outros parecem precisar da garantia humana de
que a sua escolha de cursos se ajusta ao prog rama em andamento, e
g ostam também de conversar com o orientador acadêmico. Por outro
lado, a web é muito popular nas transações simples de reserva, como
por exemplo, para as sessões residenciais, em que 10.000 reservas on-
line foram feitas em 2001, assim como para as cerimônias de g raduação.
A tecnologia on-line faz também muito sucesso quando abre novas
opor tunidades, como na comunicação entre os estudantes. Todo dia
cerca de 240.000 e-mails e conferências por computador circulam o
sistema da Universidade Aberta. A maior parte dessas mensagens podem
não ter importância acadêmica duradoura, mas aumentam muito o
sentido de comunidade universitária. Outra nova oportunidade é a
consulta a bibliotecas e museus pelo computador. A Universidade
seleciona e mantém atualizada uma coleção de documentos on-line para
cada curso, e o acesso a essa facilidade aumentou de 114.000
documentos consultados em 2000 para 766.000 em 2001. Os alunos
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preferem buscar diretamente os documentos relevantes, em vez de
arriscar-se a usar um sistema de busca. O número de artigos de e-jornal
consultados aumentou de 37.000 em 1999, para 273.000 em 2001.
A principal conclusão que extraio da observação do acesso on-line,
pelos estudantes da Universidade Aberta, é que eles usam a tecnologia
mais para as atividades associadas com seus estudos, do que para acessar
o conteúdo principal dos seus cursos. Eles deixam claro, por exemplo,
que preferem ler livros, não como arquivos baixados do computador.
Não obstante, se converteram rápida e maciçamente à tecnologia on-
line para comunicar-se com a Universidade.
Os pontos fortes do aprendizado on-line
Naturalmente, as tecnologias on-line podem ser úteis no aprendizado.
Elas têm duas vir tudes. Em primeiro lug ar, apóiam experiências de
aprendizado ativas. Em segundo lug ar, a póiam o acesso a uma ampla
g ama de meios e de opor tunidades para aprender. O desafio de fato, é
que planejar boas experiências ativas de aprendizado é um processo
dispendioso, porque exig e muito trabalho pelos professores.
Precisamos investir mais no estudo da produtividade do ensino e do
aprendizado on-line. A meta é aplicar o tempo dos professores,
planejando atividades de aprendizado que de fato aumentem a
produtividade do aprendizado para os alunos. Todos sabemos que, com
muita freqüência, recursos enormes são devotados a conhecer uma bela
aplicação à web que acrescenta pouco valor para o estudante. Esta é
outra área onde precisamos buscar o equilíbrio, entre o esforço feito
pelos professoreseavantagem trazida aos estudantes.
CONCLUSÃO
Cheg ou a hora de concluir. A tecnologia é a resposta, mas qual era a
pergunta? Sugeri por que esta é a principal questão diante de nós: como
podemos usar a tecnologia para enfrentar o desafio principal da
educação no século XXI, ou seja, como aumentar o acesso, elevar a
qualidade e reduzir o custo tudo ao mesmo tempo.
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Sugeri também que a tecnologia pode nos trazer respostas. Mas
preveni que não se deixem levar pelos preconceitos e pelas porcarias
que poderão ouvir de alguns dos que promovem a tecnologia. Com
efeito, insisti com vocês para pensarem em ter mos amplos sobre o
empreg o da tecnologia, buscando o equilíbrio na forma de usá-la.
Espero que achem essas idéias úteis quando enfrentarem os desafios
do treinamento inicial e continuado dos professores.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
DANIEL, J. S. e C. Marquis. Independence and Interaction: Getting the
Mixture Right, Teaching at a Distance, 1979, 14 pp., 29-44.
__________. Independence and Interaction in Distance Education: New
Technologies for Home Study, Pr ogrammed Lear ning and Educational
Technolog y (PLET), 20(3), 1983 pp.155-160.
__________. Lessons from the Open University: Low-Tech Lear ning
Often Works Best, The Chronicle of Higher Education, September 7, 2001,
p. B24.
MHEHE, Edith . Confronting bar riers to distance study in Tanzania,
in E.J. Burg e e M. Haughey (eds.) Using Lear ning Technologies: International
Perspectives on Practice, Routledge Falmer,2001, pp. 102-111.
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189
A escola é a mediadora entre o projeto de Educação da sociedade e a
auto-realização das pessoas. Dizemos que toda sociedade tem seu projeto
coletivo de Educação que, bem ou mal, se configura no sistema
educacional que esta sociedade deu conta de criar legalmente e de fazer
funcionar efetivamente. A escola é uma mediadora importante nesse
processo, e faz isso, principalmente, por intermédio do professor, isto
é, do aluno, que tem o seu projeto pessoal, que vai à escola buscar sua
realização no projeto da sociedade.
Boa tarde. Quero inicialmente, agradecer à Presidência do Conselho
Nacional de Educação (CNE) a honra do convite para participar deste
evento e poder fazer algumas considerações sobre esse grande desafio
que é, hoje, a for mação de professores. Talvez não seja o g rande desafio,
mas com cer teza é um desafio entre outros g randes. De qualquer
maneira, embora o professor não possa ser o único responsabilizado
pelo fracasso das crianças na escola pois todo um contexto, toda
uma série de fatores que concorrem para isso –, não dúvida, de que
começar a tratar adequadamente a for mação dos professores é um passo
importante e indispensável, para que se possa resolver a questão da
melhoria do nosso ensino básico. (Vou repor tar-me à Educação básica,
especialmente ao ensino fundamental, no qual tenho mais experiência
com a formação de professores).
A FORMAÇÃO DE PROFESSORES,
UM GRANDE DESAFIO
Maria Umbelina Caiafa Salgado*
* Coordenadora pedagógica do Veredas For mação Superior de Professores, Curso Normal
Superior a distância, oferecido pela Secretaria de Estado da Educação a 14.000 professores
das redes públicas de Minas Gerais, em parceria com 18 Instituições de Ensino Superior.
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Começo analisando alguns números que são do conhecimento de
todos. São dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas
Educacionais Anísio Teixeira (INEP), de 2002, que mostram o muito
que ainda temos de fazer até alcançar o que a LDB propõe para a
for mação dos professores do ensino básico.
O slide 1, apresenta dados do ensino fundamental, apenas da à
séries. Se considerarmos a proposição da Lei de Diretrizes e Bases da
Educação (LDB), no sentido de que os professores da Educação básica
sejam for mados em nível superior, de graduação plena, identificamos
nesses dados um débito bastante grande: nos anos iniciais do ensino
fundamental, apenas 30% das funções docentes estão ocupadas por
pessoas que possuem nível superior. Cerca de 67% possuem somente o
ensino médio sem contar os 3% que não têm sequer o médio. Assim,
no Brasil como um todo, 70% de ocupantes de funções docentes dos
anos iniciais do ensino fundamental que ainda necessitam adquirir a
for mação almejada.
SLIDE
1 Funções docentes no ensino fundamental (1º ciclo) por
localização e nível de formação
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191
Quando fazemos a análise por região, o quadro fica, ainda, mais
dramático. As Regiões Norte e Nordeste têm, respectivamente, 7% e
17% de formados em nível superior. A Região Centro-Oeste conta com
43%, mas se excluir mos os números relativos ao Distrito Federal, este
percentual cai significativamente. É muita gente que ainda precisa ser
for mada em nível superior!
Se considerar mos a Educação básica como um todo, incluindo
também as classes de alfabetização e a pré-escola, como mostra o slide
2, vamos encontrar, em todo o país, 2.369.672 funções docentes, cujos
ocupantes com curso superior somam apenas, 1.340.639. É interessante
obser var que, mesmo o ensino médio, tem 48.801 funções docentes
ocupadas por pessoal formado apenas no próprio nível médio. Assim, é
mesmo um g rande desafio podermos superar essa situação.
SLIDE
2 Funções docentes na Educação básica por etapa e nível de
formação
Quando o Professor Célio Cunha me falou a respeito da contribuição
para este evento, perguntei se a demanda era por um relato de experiência
ou por uma abordagem mais geral, e ele respondeu que seria uma
abordagem mais geral. Foi isso, pois, que procurei fazer, refletindo em
torno das coordenadas que se colocam hoje para a for mação dos
professores, segundo o que tenho vivenciado e trabalhado.
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192
O slide 3, de certa for ma, resume as questões contextuais envolvidas
na formação dos professores no mundo contemporâneo, pois estamos
trabalhando ainda em um cenário de crise da Modernidade. Essa crise
se instalou muito tempo, e talvez esteja até em fase de esg otamento,
mas ainda estamos lidando com isso no nosso cotidiano.
SLIDE
3 Crise da modernidade
Vou abordar ligeiramente a questão dessa crise da Moder nidade. Em
relação a ela, muita coisa se poderia dizer, mas no slide 4 destaco uma:
desde metade do século passado, século XX, assistimos à fragmentação
dos g randes sistemas que marcaram a Moder nidade. Por exemplo, a
grande fábrica taylorista e fordista, toda articulada, que englobava desde
o primeiro tratamento da matéria prima até a venda do material
produzido, fragmentou-se em uma série de unidades menores, mais ágeis,
que se organizam em redes para atender ao que Coriat (1979) chama de
um “mercado regido pela demanda” e não mais pela oferta, como era
no paradigma fordista.
Essa fragmentação repetiu-se na sociedade como um todo e, assim,
categ orias como, por exemplo, as classes sociais seja no sentido
marxista ou weberiano –, deixaram de ser elementos centrais na
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explicação sociológica, ao passo que ganharam ênfase os movimentos
sociais, vistos como ag r upamentos mais f luidos e regidos por objetivos
mais imediatos.
SLIDE
4 Crise da modernidade
Assim, como vemos no slide 5, as mudanças que levaram à falência
dos paradigmas modernos resultaram na ênfase à pluralidade, à
multiplicidade, o que teve implicações para a sociedade, em geral, e
também para a Educação. Focalizando a Educação, podemos identificar,
primeiro, um efeito de descentralização, que se evidencia na busca de
autonomia para as escolas manifestada, principalmente, na idéia de
cada escola se orientar por um projeto pedagógico próprio, desenvolvido
coletivamente por todos os seus membros. Ao mesmo tempo, contudo,
percebemos o surgimento de novas formas de coordenação e controle,
pois se agora não temos mais o currículo mínimo com a lista de
disciplinas e o número de horas estipulado para cada uma, com pré-
requisitos e co-requisitos –, temos mecanismos de avaliação por meio
dos quais, o Ministério da Educação (MEC) busca exercer sua função
de coordenador da política educacional e articulador dos sistemas
estaduais e municipais e, por tanto, de toda a Educação no Brasil.
Nessa perspectiva , a formação do pessoal docente começa a acontecer
no contexto da própria escola e os programas de avaliação passam,
também, a abranger a formação e o desempenho dos professores.
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194
A fragmentação dos paradigmas da Modernidade influenciou a
for mação de professores, sobretudo pela emergência de novas questões
vinculadas às relações entre o conhecimento científico e outros saberes.
Desde meados do século XX, a Ciência moderna vinha sofrendo críticas
que denunciavam relações entre a produção do conhecimento científico,
as hierarquias de prestígio do mundo acadêmico e as forças dominantes,
políticas e econômicas. Assim, a neutralidad e e a objetividade da Ciência
tornaram-se objeto de crítica externa, principalmente por parte do
marxismo. Mas, mesmo dentro do próprio campo científico, surgiram
questões sobre a objetividade do conhecimento. Por exemplo, com o
desenvolvimento da Microfísica, percebeu-se que, ao serem medidas,
as par tículas subatômicas alteram o curso de seu movimento. A Teoria
da Relatividade também contribuiu para mostrar que nosso
conhecimento sobre a realidade é somente o conhecimento de nossa
ação sobre ela, e não da própria realidade. Com isso, além dos
conhecimentos científicos, uma série de outros saberes foram ganhando
status, e assistimos à criação de objetos epistêmicos, diferentes daqueles
que até então eram considerados os únicos legítimos.
SLIDE
5 Pluralidade
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195
No slide 6, tentei resumir essas mudanças no modo de encarar o
conhecimento científico. A conce pção que representava o conhecimento
por meio da metáfora da árvore, passou a não mais dar conta de explicar
a natureza das diferentes ciências. Essa re presentação era hierárquica e
unidimensional: quanto mais cedo uma disciplina se tornara independente
da Filosofia, mais perto do tronco e das raízes ela era representada,
significando que era mais sólida, mais matematizável. Quanto menos
matematizável menos sólida a disciplina era considerada, e os
conhecimentos por ela produzidos seriam pouco objetivos, light. Hoje,
essa metáfora não serve mais, uma vez que os limites entre as disciplinas
perderam nitidez, e os saberes ligados ao bom senso, ao conhecimento
ar tístico e às práticas passaram a circular na periferia das disciplinas. Da
mesma for ma, com o desenvolvimento da Etnometodologia, deixou-se
de tentar isolar o objeto da Ciência das variáveis contextuais, que
passaram a serem consideradas como parte dele.
SLIDE
6 A informática e as comunicações
Nessa situação, tor naram-se temas de estudo científico, os jogos de
linguagem e os sistemas de ação (por meio dos quais se constrói a
realidade individual e social), que trouxeram para esfera da Ciência
elementos como o cotidiano, o senso comum, os jog os e as práticas,
que antes não tinham status de objeto de Ciência.
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196
Isso levou a uma mudança fundamental na formação do professor,
porque criou a possibilidade de tomar a prática como um campo de
produção do conhecimento e não apenas de aplicação da teoria. E mais,
trazendo para o campo da Ciência a vida diária, os sentimentos e as
emoções, a nova forma de conceber o conhecimento criou maneiras
diferentes de pesquisar a Educaçã oeaformação dos professores.
Assim, abriu-se espaço para que novos estudos a respeito desse tema
tomassem vulto. Nas duas últimas décadas do século XX, foram
realizadas muitas pesquisas, algumas orientadas para a relação pessoa
e o profissional docente, outras buscando mais identificar os saberes,
os conhecimentos que um professor realmente precisa ter para bem
desempenhar suas funções, o que autores, como Tardif (2000), chamam
epistemologia da prática profissional (slide 7).
SLIDE
7 Epistemologia da prática profissional
Aquele mote da Conferência de Jomtien, que todos repetem, traduz
bem isso: na Sociedade do Conhecimento é importante levar em conta
todas as dimensões do ser humano: aprender a aprender, a fazer, a
conviver e a ser (slide 8). Nesse contexto, queméoprofessor?
Como sintetizo no slide 9, esta pergunta obteve diferentes respostas.
Passamos pela representação do professor, como aquele indivíduo que
tinha vocação ou que tinha uma missão a cumprir. Passamos pela idéia
do educador desprendido e idealista. Passamos também pela
representação dele como técnico do ensino e como trabalhador da
Educação. Atualmente, vimos discutindo a idéia do professor como um
profissional da Educação no sentido estrito do termo. A própria LDB de
1996 (slide 10), afirma que o professor é um profissional e coloca as
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197
questões da formação docente em um capítulo denominado: “Profissionais
da Educação.” Além disso, determina que o professor tenha “formação
inicial e continuada” e “valorização”, o que é traduzido como, “ing resso
por concurso, piso salarial, aperfeiçoamento profissional, período para
estudo, planejamento e avaliação, condições de trabalho e participação
no planejamento pedagógico da escola”. Nessa perspectiva, luto pela idéia
da transfor mação do professor em um profissional.
SLIDE
8 Formação na Sociedade
do Conhecimento
SLIDE
9 Quem é o professor?
SLIDE
10 O professor na LDB
Livro Forum Brasil de Educacao.p65 17/1/2005, 16:44197
198
Mas como se define o profissional, classicamente? A representação
clássica do profissional liberal, que se caracteriza por ter formação de
alto nível, autonomia no seu trabalho, direito de ser julg ado em questões
profissionais apenas pelos pares, um ethos específico da profissão, liberdade
para improvisar, entre outras coisas, que os estudiosos identificaram. É
fácil perceber que os professores não têm todos esses privilégios, que
possuem alguns deles apenas em parte, ou mesmo que, pela natureza de
suas funções, são mais funcionários do que profissionais.
Mais grave do que isso, porém, é a constatação, conforme nos diz
Tardif (2000), de que a própria conce pção clássica de profissional está
em crise no momento atual, uma crise que possui pelo menos quatro
dimensões, como nos mostra o slide 11.
SLIDE
11 Crise do profissionalismo
Primeiro é uma crise de perícia profissional, ou seja, a Ciência aplicada
passou a conviver com saberes por exemplo, a alopatia com a
homeopatia, a acupuntura, uma série de outras técnicas que hoje a
per meiam as práticas ligadas à saúde. Com isso tem havido uma g rande
reestr uturação dos campos profissionais, e a redistribuição de poder e
prestígio entre eles vem ficando bem diferente. Atividades que, antes,
eram preconceituosamente discriminadas por exemplo, a música
popular, a dança, o canto, as ar tes cênicas em geral –, hoje têm currículo
oficial e for mação universitária. Essa reconfiguração dos campos
profissionais também mostra a segunda dimensão da crise de que fala
Tardif (2000): está em cheque também a for mação universitária
separada da vida. A terceira dimensão refere-se ao poder profissional,
Livro Forum Brasil de Educacao.p65 17/1/2005, 16:44198
199
atualmente regulado por relações de emprego. O antig o profissional
liberal, hoje, passa a ser empregado ou empresário e sua atividade é
inter mediada por instâncias org anizacionais e burocráticas como, por
exemplo, no caso do médico, os planos de saúde. Finalmente,
questões gr avíssimas de Ética que afetam a todos os profissionais.
Tudo isso nos deixa com a idéia desconfor tável de que, ao conceber
o professor como um profissional, estamos entrando em uma “canoa
furada”. O impor tante, no entanto, é rever a conce pção de profissional,
considerá-la em novo contexto e novas condições. Esse caminho que
desejamos trilhar começa pela pergunta: quais são os saberes
profissionais dos professores, os saberes que eles utilizam efetivamente
no seu cotidiano? (slide 12)
SLIDE
12 Questionamento da formação
Isso não era importante no contexto de que se pensava a Educação
como uma Ciência aplicada, ou melhor, um campo de aplicação de outras
Ciências, mas no momento em que se passa a conceber a prática como
uma esfera em que se pode produzir conhecimento legítimo, é
fundamental perguntar mos quais são os saberes profissionais que
interessam realmente aos professores, e não nos restringirmos à erudição
e à aplicação de conhecimentos produzidos sob a ótica de outros campos.
A pergunta seguinte é: em que e como esses conhecimentos se
distinguem dos saberes universitários elaborados pelos pesquisadores
ou daqueles incorporados à for mação universitária dos futuros
professores? Não se nega a importância dos saberes organizados na
Academia, nem das outras áreas cor relacionadas com a Educação, nem
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200
da própria Educação, mas se problematiza a relação que tudo isso tem
com a for mação dos futuros professores e se pergunta que relações
deveriam existir entre os saberes profissionais e os saberes acadêmicos.
Muitos elementos podem ajudar-nos a responder essas perguntas;
primeiro, a lembrança de que o professor é uma pessoa. Apenas no fim
do século XX se tomou como objeto de estudo, d e pesquisa, o professor
enquanto pessoa, cuja vida passa por fases que interagem com suas
atividades profissionais. No slide 13, resumo o estudo de Huberman
(2000), que identifica fases diferenciadas nas car reiras dos professores.
O próprio autor diz que esse estudo não pretende criar um modelo
científico, mas procura estabelecer coordenadas g erais, uma vez que
muitas exceções, que fogem aos esquemas. Em linhas g erais, o autor
na entrada do professor na profissão uma fase que ele chama de
tateamento. É um período ainda de aprendizagem, em que o professor
não tem segurança em suas ações e decisões. Depois ele evolui para a
fase de estabilização, que corresponde à consolidação do seu reper tório
pedagógico. A seguir, na etapa da diversificação, ele começa a ter produção
própria e, segundo Huberman (2000), g eralmente sai da sala de aula
para cumprir alguma função julgada mais importante. Se ele fica na
docência, pode cair em um processo de questionamento ou de
conser vadorismo, e até de distanciamento do aluno, adquirindo uma espécie
de serenidade alimentada pela proximidade da aposentadoria. Na fase
final da carreira, começa o desinvestimento, em que o professor vai cor tando
pouco a pouco os laços que o lig avam à profissão. Estudos como esse
destacam que a for mação de professores se em pessoas vivas e que
o pr ofissional pr of essor interag e continuamente com a pessoa prof essor.
Assim, é necessário que tenhamos uma nova epistemologia.Seo
professor usa saberes próprios e esses saberes estão articulados
intimamente com sua vida pessoal, é importante que se pense em analisar
essa epistemologia da prática desse profissional que é uma pessoa. Nessa
perspectiva, torna-se fundamental estudar o conjunto dos saberes
utilizados realmente pelo professor, em seu espaço de trabalho cotidiano,
para o desempenho de sua prática.
No slide 14 fiz uma síntese entre as idéias de dois autores: o “triângulo
do conhecimento” de Nóvoa (1995) e a proposta de Schön (1992), a respeito
do aprender na ação e na ref lexão. Nóvoa explica que normalmente se
colocam na base do triângulo os saberes da Pedagogia e os das disciplinas
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201
que o professor ensina. São os conteúdos que ele trabalha na
Universidade, na Academia. Os saberes da prática não tinham uma
presença muito for te, até 20 anos atrás ou um pouco mais. É a par tir
dessa época que se começa a prestar atenção ao fato de que o professor
produz conhecimento quando age, quando tem que tomar decisões na
sala, numa situação complexa. Ele reflete naquele momento para dirigir
o fluxo da sua ação. Assim, uma reflexão sobre a própria prática que
se nela mesma. Contudo, também uma ref lexão distanciada, que
se nos momentos relacionados com a Academia.
SLIDE
13 Estudos sobre a vida e a carreira dos professores
SLIDE
14 Saberes Docentes
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202
No slide 15 procuro, ainda usando o mesmo esquema, mostrar por
que é importante levar em conta os saberes da prática, definindo-os
como, não apenas o que o professor aprende nas atividades em sala de
aula, mas também os saberes que ele constrói na vivência da instituição
escolar e no sistema educacional: os pareceres do CNE e dos Conselhos
Estaduais ou Municipais de Educação lidos pelos professores, as
instr uções de ser viço, os prog ramas, os parâmetros, os livros didáticos.
Também é importante lembrar a prática política, nas entidades
representativas da categ oria dos professores e, obviamente, a formação
acadêmica que é uma fonte essencial de for mação profissional, cuja
importância não pode ser diminuída pelo reconhecimento da existência
e da impor tância de outras.
SLIDE
15 Saberes Docentes
Nesse quadro, como vemos no slide 16, amplia-se a noção de prática
docente. Preferi chamá-la de prática pedagógica, na medida em que ela
tem, além da dimensão instrumental, uma dimensão ref lexiva e uma
dimensão política, que extrapolam a sala de aula; considerando apenas
a dimensão instr umental, o professor até poderia ficar restrito à sala de
aula, mas na medida em que sua prática é concebida como reflexiva e
política, supõe-se que o professor atue também no âmbito da escola e
da sociedade.
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203
Na for mação de professores, é impor tante considerar essas três
dimensões, de modo que o professor venha a ser um especialista e, ao
mesmo tempo um pensador eumcidadão (slide 17). É bom colocar a
dimensão de especialista em primeiro lugar, porque temos de resgatar
alguma coisa que jog amos fora por muito tempo, com receio da pecha de
tecnicismo”: o professor tem que ser um especialista, tem que conhecer
bem os conteúdos que ensina e tem que conhecer metodologia de ensino,
de maneira a distinguir-se do “leigo”. E na categoria de “leigos” estamos
entendendo não os que carecem de formação de nível superior, mas
também casos como, por exemplo, o eng enheiro que ensina Matemática
na educação básica, o dentista que ensina Biologia ou o advogado que
leciona Língua Portuguesa. Quando falamos da dimensão de especialista,
admitimos que conhecer um conteúdo na ótica de outra profissão não
ga rante que alguém saiba ensiná-lo, e muito menos desempenhar outras
funções de um professor. O resgate dessa dimensão é importantíssimo,
até mesmo para viabilizar a dimensão do pensador, isto é, do profissional
que compreende o sistema educacional, a relação dele com a sociedade,
a relação da escola com a sociedade e com o sistema educacional, e a
relação dele próprio com a instituição escola, com a gestão da escola e
com as crianças e suas famílias, o ensino, o currículo e tudo mais. A
terceira dimensão, o professor como cidadão, significa o compromisso dele
com a democracia, com a busca da qualidade para todos na Educação.
Ao pensar desse modo, nessas três dimensões da formação, é que
chegamos à idéia de que a formação não pode ser apenas na
Universidade, ela tem que ser uma Educação que continue ao longo da
vida, não porque as coisas mudam e a Ciência avança, mas porque o
SLIDE
16 Novo significado do saber docente
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204
profissional continua aprendendo na prática. A formação do professor
como, aliás, a de qualquer profissional é continuada, ele não sai
pronto da universidade. No slide 18, a idéia tradicional de for mação
pós-acadêmica encontra-se de certa forma caricaturada, mas muita g ente
confunde reciclagem com formação continuada. Os dois conceitos são
distintos, porque, na formação tradicional, a idéia é que o aluno sai
“pronto” da Universidade e vai para “o campo” aplicar o que aprendeu.
É claro que teria que voltar à Universidade por causa do progresso da
Ciência, mas ele, vamos dizer, carimbava seu diploma com mais
conhecimento adquirido na Academia.
SLIDE
17 Dimensões da Prática Pedagógica
SLIDE
18 Formação “Concepção tradicional”
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205
Entretanto, a idéia de for mação continuada é bem diferente, pois
esta própria noção implica que a formação inicial não é completa: por
melhor que seja o curso de g raduação, como mostra a pesquisa de
Huber man (2000), os primeiros anos do professor na escola são
fundamentais e ele precisa ter quem o oriente, ou seja, ele necessita de
momentos de prática orientada que o ajudem a resolver as primeiras
dificuldades da carreira . Como vemos no slide 19, a formação continuada
e a inicial formam um contínuo em que a Universidade vai à escola e a
escola precisa ir à Universidade, Poderíamos dizer, com Nóvoa (1991),
que nesse processo se forma o profissional, a pessoa e a própria escola.
Os princípios e pressupostos são comuns aos dois tipos de formação.
Não existe uma que é científica, teórica e outra que é prática e não
científica baseada em saberes. É impor tante notar que, a for mação
continuada, significa os momentos em que o professor cria um
afastamento crítico da prática para incorporá-la ao campo teórico. É
isso que significa ação-ref lexão-ação.
SLIDE
19 Formação Inicial / Continuada Visão de processo - continuum
O processo de formação é apoiado no coletivo e se reconhece os
saberes tácitos, aqueles que o professor produz ao trabalhar na sua sala
de aula; mas ao se reconhecer e valorizar esses saberes, também se
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206
reconhece a sua limitação e a necessidade de trabalhá-los teoricamente
na reflexão sobre a prática da qual, então, o professor é o sujeito. E é
muito importante notar que a constr ução da identidade profissional
se faz ao long o de todo esse processo. A identidade do profissional da
Educação oéadomissionário, nem a da professorinha, da
nor malista, do técnico. Essa identidade é historicamente constr uída,
são dimensões identitárias que se constroem na interação com
diferentes interlocutores. O professor tem muitos interlocutores, desde
a sociedade até os coleg as, o sistema de ensino, as famílias, e as
crianças, que são seu principal interlocutor. Além disso, como vimos,
nenhum profissional é o mesmo durante todo o tempo. Quando
pensamos em for mação continuada, temos de pensar que talvez
possamos ter professores iniciantes junto com professores que estão
naquela fase final de desinvestimento, de que fala Huberman (2000).
As implicações dessa concepção de for mação profissional do
professor podem ser resumidas em cinco pontos.
O primeiro, sintetizado no slide 20, é que a Educação é um processo
antropológico, é condição de humanização do ser humano. Por tanto,
começa antes e ter mina depois da escola. Mas, a escola é a mediadora
entre o projeto de Educação da sociedade e a auto-realização das
pessoas. Dizemos que toda sociedade tem seu projeto coletivo de
Educação que, bem ou mal, se configura no sistema educacional que
esta sociedade deu conta de criar legalmente e de fazer funcionar
efetivamente. A escola é uma mediadora importante nesse processo,
e faz isso principalmente por inter médio do professor, isto é, o aluno,
que tem o seu projeto pessoal, vai à escola buscar sua realização no
projeto da sociedade. Quando pensamos nisso vemos implicações
importantes para a for mação do professor: ele tem de compreender a
cultura contemporânea, a questão da globalização, da infor mática, e
também da ar te: teatro, cinema, televisão, música, literatura, ar tes
plásticas, nas modalidades er udita e popular. A idéia das diferentes
modalidades culturais é importante para que haja não apenas uma
multiculturalidade na escola, mas também uma integração entre as
diferentes culturas, uma troca, de modo a se valorizar a cultura local,
tanto a do professor quanto a dos seus alunos, mas também dar-lhes
acesso às for mas er uditas de ar te e de conhecimento.
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207
O segundo ponto (slide 21) é a dinâmica da relação pessoa-profissional,
que nos leva, outra vez, a reconhecer e valorizar a experiência prévia dos
professores, não como profissional, mas também como aluno, que todos
nós fomos. Leva-nos também a valorizar a aprendizag em ativa e interativa,
as trocas do professor com seus colegas de escola, com outros professores
e com os alunos. A ampliação do universo cultural desse professor em
formação é impor tante para trabalhar com ele a auto-estima; quer dizer,
ser professor é alguma coisa importante, é alguma coisa relevante no
quadro da sociedade contemporânea.
SLIDE
20 Educação como processo antropológico
e escola como mediadora entre o projeto de Educação
da sociedade e a auto-realização das pessoas
SLIDE
21 A dinâmica da relação pessoa/profissional
O terceiro ponto é a escola como “locus” de for mação inicial e
continuada (slide 22). Obviamente, não estamos dizendo que a
Universidade deixa de ser o “locus” da for mação inicial, mas a escola
não era considerada local de for mação intelectual. Assim, é impor tante
que escola fundamental, escola média e Universidade compartilhem esse
“locus” da for mação, tanto inicial quanto continuada, que mesclem e
reúnam seus esforços. A escola, por exemplo, tem de definir suas
necessidades de formação continuada, e a té mesmo de for mação inicial
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208
embora, nesse caso, caiba à Universidade um papel preponderante.
Na for mação continuada cabe mais à escola definir as necessidades,
com base em seu projeto político-pedagógico. O intercâmbio de
experiências entre os professores passa a ser um elemento fundamental
na for mação, a cultura institucional passa, também, a inf luir. Uma escola
cuja cultura institucional seja fechada, retrógrada, não vai incorporar
muitos avanços. O professor que chega pode ajudar a transfor mar aquela
escola no sentido de abri-la mais à reflexão crítica de seu próprio
funcionamento. Assim, a prática pedagógica é ponto de partida e ponto
de chegada da for mação, mas ponto de chegada em um nível mais
elevado, mais aprimorado. Certa vez, alguém me perguntou, talvez com
ironia, se o esquema ação-reflexão-ação era um círculo e voltava ao
ponto de partida. É impor tante notar que não se trata de um círculo,
mas de uma espiral aberta, uma nova ação aperfeiçoada.
SLIDE
22 A escola como
locus
da formação
A ação coletiva e a organização do trabalho escolar que caracterizam
o trabalho na escola são elementos impor tantes da formação inicial e
continuada. Vemos, hoje, que a formação inicial precisa da escola, tem
que ir à escola. Diríamos até que uma Universidade ou qualquer outra
entidade de for mação de professores deveria ter um convênio, fazer
um pacto com algumas escolas da rede de Educação básica, e ali garantir
a seus alunos de formação inicial um campo de estágio. Por outro lado,
a instituição formadora poderia fazer formação continuada junto com
Livro Forum Brasil de Educacao.p65 17/1/2005, 16:44208
209
aquelas escolas. É impor tantíssimo que a Universidade passe a atender
às demandas da rede, em vez de propor apenas o que ela própria julga
ser importante. Cada escola tem o direito de propor a for mação
continuada de seus professores, e deve saber propor o que quer.
Finalmente, a idéia do conhecimento como constr ução histórica,
apresentada no slide 23, vai inf luir sobre a questão do saber escolar. É
necessário que se tenha uma noção clara da natureza do saber escolar:
ele inclui, sim, as disciplinas, as Ciências, mas inclui também muito
dos “pré-conceitos” dos alunos e dos professores, envolvendo suas
experiências de vida, sua cultura, bem como a dinâmica da escola e do
sistema educacional.
SLIDE
23 Conhecimento como construção histórica
O saber escolar é, pois, permeado por uma série de outras variáveis.
Não se trata simplesmente de simplificar o conhecimento cientifico para
pô-lo ao alcance da criança (aliás, isso não é possível). É importante
compreender que o currículo é um campo de forças, o recorte que se
conseguiu fazer no conjunto de conhecimentos considerados
socialmente válidos. Nesse caso, ganha quem tem mais capacidade de
fazer valer o seu ponto de vista. Portanto, um cur rículo se baseia em
acordos, que, como todos os acordos, são provisórios, podem ser feitos
e refeitos.
Quero destacar também o entendimento da avaliação como processo
de constr ução de significados, não sendo neutra nem objetiva. Ela é
feita no diálog o entre professor e aluno, professor e pai, professores da
escola e da rede sobre o que significa tal resultado da aprendizagem. É
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210
parte do processo de ensino e aprendizagem e, para que seja efetiva e
possa orientar o professor, é importante ter claro que toda avaliação é,
de alguma forma, diagnóstica, mesmo quando se fala em avaliação
somativa , aquela que encer raria um ciclo. Na verdade, ela fecha um
ciclo, mas, simultaneamente, abre outro. Isso é muito impor tante.
Todas essas questões g eram novas relações e tensões entre escola e
sistema educacional (slide 24). A escola ganhou autonomia, mas tanto
quanto posso perceber, trabalhando na rede cerca de dez anos que
interajo de perto com professores da rede de Educação básica –, a escola
ainda não sabe usá-la. Muitas, por exemplo, encomendam seu projeto
pedagógico, pedem a alguém para escrevê-lo, não dão impor tância à
dimensão do processo, querem apenas ter um produto que possa ser
apresentado a alguém. É muito importante que a escola aprenda a usar
essa autonomia, e, também, que se compreenda sua relação com o sistema
educacional: autonomia não significa simplesmente liberdade para agir
independente e isoladamente. Na verdade, uma série de aspectos que
a escola tem de levar em conta, como por exemplo, a política educacional.
Ela tem uma margem de liberdade, mas é necessário que participe, que
apresente as suas dificuldades, que seja parceira e responsável.
SLIDE
24 Escola e sistema educacional
Como mostra o slide 25, hoje, cabe mais aos sistemas educacionais
estaduais ou municipais dar respaldo à escola do que promover,
diretamente, a capacitação dos professores. É impor tante que apóiem
as iniciativas da escola e for mem também os diretores, porque sem
diretores capacitados não formação de professor que resista.
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211
Para concluir, quero sublinhar que as Universidades e os sistemas de
Educação básica, hoje, têm necessidade de se organizar em redes de
for mação, onde a demandaeaofertadeprogramas e cursos sejam
discutidas, onde se troquem experiências, recursos, esforços. É
importante que a Universidade e outras agências for madoras se
proponham a ser vistas como um recurso, que possa ser acionado pela
escola e pela rede escolar para atender às suas necessidades. A
Universidade tem uma grande riqueza que pode ser mobilizada, mas ela
não pode mobilizá-la apenas segundo o que lhe interessa. É necessário
que essa mobilização seja articulada com as necessidades da rede e,
finalmente, que essas redes considerem a idéia da Educação a Distância,
que pode ajudar, efetivamente, a resolver um problema sério que o Brasil
apresenta: o de ter seus professores não qualificados geograficamente
dispersos e, muitas vezes, trabalhando em locais de difícil acesso.
As ref lexões que fiz foram essas.
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SLIDE
25 Universidades e sistemas de educação
básica: as redes de formação
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Livro Forum Brasil de Educacao.p65 17/1/2005, 16:44212
IV Encontro Nacional
Avaliação e expansão: qualidade em educação
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215
O IV Encontro Nacional do Fórum Brasil de Educação foi realizado
no dia 03 de novembro de 2003, no Auditório Professor Anísio Teixeira,
no Conselho Nacional de Educação, contou com a prestigiosa colaboração
do British Council Brazil e versou acerca da Avaliação, Expansão e
Qualidade em Educação. O quarto encontro consistiu da exposição de
quatro grandes temas, a saber “Qualidade da educação: modelos
pedagógicos, política educacional e reflexão contínua”, “Expansão da
educação superior: qualidade e avaliação”, “Sistema nacional de avaliação
da educação superior: qualidade e avaliação” e “Expansão do ensino
superior: alternativas e experiências internacionais”.
O Fór um iniciou os trabalhos com a exposição do tema “Qualidade
da educação: modelos pedagógicos, política educacional e reflexão
contínua”, da Coordenadora do Departamento de Psicologia da Oxford
Brookes University Reino Unido, Professora Teresinha Nunes, e teve
por moderadora Sylvia Figueiredo Gouvêa, Conselheira da Câmara de
Educação Básica CNE.
O Fór um Brasil de Educação, em seu IV Encontro Nacional,
continuou com a exposição do tema “Expansão da educação superior:
qualidade e avaliação”, tendo como palestrante Luiz Antônio Cunha,
Professor Titular da Universidade Federal do Rio de Janeiro, que
apresentou o texto “Desenvolvimento desigual e combinado no ensino
superior Estado e Mercado”.
O próximo expositor foi Ricardo Martins, que apresentou o tema
“Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior SINAES”.
O último palestrante do IV Encontro Nacional foi Simon
Schwar tzman, Pesquisador do Instituto de Estudos do Trabalho e
Sociedade IETS, que expôs o tema “Expansão do ensino superior :
alternativas e experiências internacionais”.
APRESENTAÇÃO
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217
A avaliação institucional, à imagem da proposta pelo SINAES, seria o
ponto de par tida do aparato pelo qual o Estad o–oGovernoFederal
à frente asseguraria à Sociedade, que cada IES teria os meios para
cumprir com os requisitos estabelecidos para o ensino superior. Não
deveria haver dúvida de que essa avaliação seria feita a partir do topo do
sistema, ou seja, a elevação da qualidade do ensino e da pesquisa, a ela
ligada de modo indissociado nas universidades, seria um vetor a nortear
todo o processo.
O estudo do processo de desenvolvimento do ensino superior no
Brasil é uma tarefa desafiadora, tantas e tão complexas são as
dimensões nele implicadas.
Mesmo se nos detivermos na dimensão quantitativa, veremos que
os números são eloqüentes. De cerca de 20 mil estudantes matriculados
nos cursos de eng enharia, medicina e direito, no ano de 1931, em três
universidades e em um número indeter minado de faculdades isoladas,
chegamos, sete décadas de pois, a cifras enor mes. Os três milhões e
meio de estudantes de graduação e os 120 mil de mestrado e doutorado
se distribuíam, em 2002, por: 165 universidades, 77 centros
universitários, 1.400 faculdades integradas, faculdades isoladas e
centros de educação tecnológica.
Todo esse crescimento, não foi acompanhado de mecanismo algum
de formação de pessoal que pudesse dar conta das tarefas docentes.
DESENVOLVIMENTO DESIGU AL E COMBINADO
NO ENSINO SUPERIOR ESTADO E MERCADO
1
Luiz Antônio Cunha*
* Professor Titular (Educação Brasileira) da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
1
Texto preparado para o Fórum Brasil de Educação IV Encontro Nacional, promovido
pelo Conselho Nacional de Educação, Brasília, 3/11/2003.
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O estranhamento diante da inexistência de mecanismo de for mação
ficaria ainda maior, se levar mos em conta que, essa ampliação do
número de estudantes e de instituições, foi complexificada pela
multiplicação do número de cursos, num período em que as mudanças
no conhecimento têm sido rápidas e profundas. Causa espécie, que o
g rau superior é o único para o qual não previsão leg al de for mação
específica para o magistério. Para as quatro primeiras séries do ensino
fundamental, o curso normal ou superior de pedag ogia; para a s quatro
últimas do fundamental e para o ensino médio, as licenciaturas. Para
o ensino superior, basta a g raduação, que, for malmente, pode ter sido
feita em qualquer especialidade.
O fato é que, o desenvolvimento do ensino superior, tem sido feito
à base de improvisação docente, no quadro da gestão patrimonialista
das instituições de ensino, públicas e privadas. Nas IES públicas, nas
últimas duas ou três décadas, tem sido feito um esforço para mudar o
quadro patrimonialista na direção do racional-legal, de modo que a
seleção de docentes passou a ser feita mediante concursos públicos,
nos quais a exigência de graus de mestre e doutor se generaliza. Mesmo
nessas instituições, a preparação específica para o magistério superior
é algo desconhecido.
O resultado é a desvalorização do diploma de ensino superior de graduação,
em termos materiais e simbólicos, o que, ao invés de diminuir, aumenta a
demanda dele e dos que se lhes seguem o mestrado e o doutorado ou, na
vertente paralela, o simulacro tropical do MB A norte-americano.
Poderia ter sido diferente? Sim, se um dos dois caminhos seguintes
tivessem sido tomados, ou até mesmo uma combinação deles.
O primeiro é a impor tação de professores. Foi o que fi zeram a
Universidade de São Paulo e a Universidade do Distrito Federal, em 1934
e 1935, respectivamente, quando de sua criação. O avanço do nazi-fascismo
na Europa levou um grande número de docentes e pesquisadores de alta
qualificação a buscarem outros países, onde não fossem perseguidos. Com
eles, jovens promissores se dispuseram a deixar seus países por períodos
cur tos que, por vezes, se alongaram. O Colégio do México foi formado,
basicamente, com refugiados da guerra civil espanhola. Os EUA abriram
suas universidades aos refugiados europeus, que deram um novo impulso
em seu desenvolvimento. É o que fazem hoje vários países do mundo com
pesquisadores provenientes dos países do Leste Europeu, cuja onda
migratória chega quase imperceptível ao Brasil.
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O segundo caminhoéaformação em ser viço de docentes, no próprio
processo de ensino. Foi essa a principal inovação trazida pela
Universidade de Brasília, hoje esquecida. A jovem UnB, “projeto
coletivo da intelectualidade brasileira”, começou a funcionar pelos
cursos de mestrado, uma inovação em nosso país. Lecionavam nesses
cursos docentes altamente qualificados, brasileiros e estrangeiros. Foi
essa uma solução impor tada e bem adaptada aos padrões brasileiros.
Como sabemos, em muitos departamentos das boas universidades norte-
americanas são os graduate students que lecionam nos under graduate courses.
Os mestrandos da nascente UnB, provenientes de todo o país, eram os
professores (chamados instrutores) dos cursos de graduação,
super visionados por experientes docentes, brasileiros e estrangeiros.
Estaria, assim, combinada a for mação dig amos técnica do futuro
docente, com a for mação dig amos pedagógica. Infelizmente, pouco
durou a experiência, nem mesmo um ciclo foi concluído devido à
demissão da quase totalidade dos docentes da universidade, em protesto
contra a intervenção dos g overnos militares. Tivéssemos meia dúzia de
universidades acionando esse processo, depois mais meia dúzia, talvez
a qualificação do magistério superior de todo o país fosse hoje muito
melhor. A exigência recente da CAPES, de que seus bolsistas tenham
uma iniciação pedagógica e algum exercício do magistério, durante o
doutorado no país, tem sido adaptada às circunstâncias com duvidosos
resultados: em certos casos, uma disciplina que trata, em algumas
horas, de temas didáticos; em outros, os alunos são postos a lecionar
no lug ar dos professores, sem supervisão alguma.
Nenhum daqueles caminhos prevaleceu. A improvisação foi a tônica
geral e persistente. Nas grandes universidades públicas, onde o regime
de cátedras vigorava, os assistentes eram nomeados pelo professor
catedrático, dentre os livre-docentes ou a graduados que eram instados a
prestarem esse concurso, sob sua direção. Quando a cátedra era efetiva,
a assistência ao professor constituía um processo de formação docente,
em si mesmo. Caso contrário, a improvisação era semelhante à que ocorria
na maioria das instituições privadas, onde a cátedra era uma instituição
mais ligada à dimensão simbólica do que propriamente acadêmica.
O regime de cátedras não propiciava um rápido crescimento do ensino
superior, em termos do efetivo discente, da diferenciação dos cursos e
da multiplicação das instituições. Ele de pendia demasiadamente da
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capacidade de escolha do futuro docente pelo catedrático, de sua longa
for mação em ser viço (mediante relações similares às do mestre com o
aprendiz) e de um processo errático de promoção na carreira no limite,
a candidatura à substituição do catedrático e mentor. Tanto assim, que
o regime de cátedras foi submetido a uma crítica severa na primeira
metade dos anos 60, devido à incorporação dos professores catedráticos
de instituições estaduais e privadas, nas universidades recém criadas,
resultantes das federalizações. Ainda que tivéssemos cátedras, que
demonstraram efetiva capacidade de reprodução ampliada da qualidade,
especialmente na área médica, a pressão pela extinção da obrigatoriedade
desse regime teve dois vetores principais. Um deles foi o mencionado
descrédito, provocado pela f ederalização dos catedráticos estaduais e
privados, do que o Auto dos 99%”, da UNE, foi expressão eloqüente.
O outro foi o efeito demonstração das instituições de ensino superior
que se criaram no Brasil, no pós-guerra, que abandonaram o modelo
francês pelo norte-americano, no qual o regime depar tamental constituía
o cer ne. Foi o caso do Instituto Tecnológico de Aeronáutica, em São
José dos Campos; da Faculdade de Medicina da USP, em Ribeirão Preto;
e da Universidade de Brasília. Estas instituições ou não tinham cátedras
(o ITA), ou driblavam a legislação em proveito dos departamentos (as
outras duas).
O regime departamental veio a soltar as amarras artesanais que
limitavam a expansão do ensino superior estatal no Brasil, pois a
incorporação de docentes não dependia de decisão pessoal do
catedrático, mas, sim, de concursos públicos. Ademais, o poder
acadêmico e institucional abandonou a base necessariamente
patrimonialista, centrada no professor catedrático, e foi substituída por
uma base de poder do tipo racional-legal, centrada na gestão colegiada.
Não faz parte do objetivo deste texto analisar as dificuldades de
implantação do modelo departamental de poder acadêmico e
institucional nas universidades públicas.
2
Uma análise, com tal objetivo,
revelaria o papel desestruturante, que os padrões autoritários do regime
2
Nas instituições privadas, esse modelo é pouco efetivo, devido ao poder predominante dos
ditos mantenedores, assim como da precária profissionalização da função docente, em geral
uma atividade acessória.
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militar desempenharam na adaptação do modelo departamental aos
padrões patrimonialistas preexistentes. Cumpre, no momento, assinalar
a funcionalidade do modelo departamental para a expansão do ensino
superior estatal desde os anos 60. Ele per mitiu a incor poração de
g raduados em g rande número, apenas de pendente das decisões das
bancas examinadoras. Estas se revelaram capazes de detectar a
capacidade intelectual dos candidatos, mor mente sua vocação para a
pesquisa científica e tecnológica, mas, raramente, sua capacidade
pedagógica. Para isso, dispunha-se da prova didática, a qual era avaliada
por docentes que, freqüentemente, desprezavam a dimensão pedagógica
de sua atividade. Foi por essa razão que destaquei a dessintonia dos
professores-pesquisadores brasileiros, cada vez mais especialistas (no
sentido weberiano do termo) enquanto geólogos, historiadores,
biólogos, antropólogos, etc., e, persistentemente, diletantes enquanto
docentes. (Cunha, 1992)
O objetivo deste texto é contribuir para a compreensão do processo
de desenvolvimento do ensino superior no Brasil, seus mecanismos de
reprodução e sua repercussão sobre a qualidade, por mais intangível
que ela seja. Além da persistência do padrão de improvisação, que se
rebate sobre a pós-graduação, a hipótese de trabalho que orienta este
textoéadodesenvolvimento desigual e combinado dos diferentes
setores do ensino superior, notadamente o públicoeoprivado.
MERCADO SOLTO
Como sabemos, todo o ensino superior brasileiro era, no início, estatal
e centralmente controlado, diretamente afeto ao ministro do Império.
A República, ao adaptar o formato do Estado à federação dos poderes
localmente situados, quebrou o padrão do ensino superior. Para isso foi
importante o ideário positivista, que preferia o ensino deixado ao livre
jogo do mercado, enquanto a doutrina estivesse em elaboração. Mas, a
força detida no Estado pelos profissionais (médicos, engenheiros e
advogados) fez com que as instituições de ensino superior herdadas do
Império per manecessem estatais. Mais do que isso, os positivistas
(Benjamim Constant à frente) inventaram o modelo brasileiro de
credenciamento.
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Além de destravar as amarras que impediam a expansão do ensino
superior nas províncias, o novo g overno republicano determinou o registro
nas repartições federais dos diplomas das profissões regulamentadas em
lei, o que somente poderia ser feito com os expedidos por instituições de
ensino (estaduais ou privadas), que tivessem o mesmo currículo das
federais e fossem supervisionadas pelo ministério competente.
Nas duas primeiras décadas do regime republicano, as IES se
multiplicaram em todo o país, ao ponto de Lima Barreto chamá-las de
“academias elétricas”.
3
A desvaloriação econômica e simbólica do
diploma levou à criação dos exames vestibulares, em 1911, medida esta
seguida de outras com o mesmo teor contenedor, que culminaram com
a adoção do critério de numer us clausus para o ing resso, em 1925. A
defesa da qualidade do ensino, ameaçada pela expansão desenfreada,
foi o argumento recor rente em todo esse processo.
A era Vargas foi pródiga para com o setor priv ado em expansão. Além de
estabelecer a imunidade fiscal para as instituições educacionais privadas, em
todos os níveis (dispositivo da Constituição de 1934 e de todas as que se lhe
seguiram, inclusive a atual, de 1988), reconheceu a primeira universidade
privada, a Católica do Rio de Janeiro. No que diz respeito ao setor público do
ensino superior, a atuação varguista foi predominantemente de caráter
controlador. Anti-federativo ao extremo, transformou a Unive rsidade do Rio
de Janeiro em Universidade do Brasil, com a pretensão de se ter parâmetro
destinado a submeter as iniciativ as que despontavam em São P aulo, no Rio
Grande do Sul e no próprio Distrito Federal.
4
A República Populista (1946/64) mostrou a primeira face da
ambigüidade das políticas públicas, ao favorecer o crescimento do setor
privado em termos de novas instituições criadas, no aumento de seu
efetivo, e em termos de sua agregação em universidades. Ao mesmo tempo,
foi nesse período que se deu o processo das federalizações de faculdades
estaduais e privadas,
5
as quais foram juntadas em universidades.
3
De que as chamaria hoje ? Nucleares ? Plasmáticas ? Virtuais ?
4
Em 1934 foram criadas as universidades de São Paulo e do Rio Grande do Sul, por iniciativa
dos respectivos governos estaduais. No ano seguinte, a Universidade do Distrito Federal,
criada pelo prefeito eleito e seu secretário da educação, Anísio Teixeira.
5
As federalizações de instituições privadas foram realizadas mediante entendimento com seus
mantenedores, de modo a resultarem benéficas para eles. Dois exemplos podem ilustrar essa
colaboração. Em Niterói, a Faculdade Fluminense de Filosofia, em dificuldades financeiras,
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Os governos militares radicalizaram essa ambigüidade. As
universidades públicas receberam recursos que per mitiram a montagem
do ensino pós-graduado e a institucionalização da profissão docente;
os campus universitários foram edificados, com laboratórios e
facilidades inéditas em nosso país; novas universidades federais e
estaduais foram criadas, e as antig as expandiram suas atividades.
6
Por
outro lado, as instituições privadas receberam incentivos diretos e
indiretos inéditos, que, aliados à representação majoritariamente
priva tista do Conselho Federal de Educação, propiciou novo surto de
expansão. A proporção de estudantes, majoritária no setor público
durante a República Populista, passou a minoritária (60% X 40%). Esse
crescimento do setor privado foi tamanho que levou ao abandono dos
principais parâmetros da reforma universitária, projetada, aliás, para o
setor público. A expansão das matrículas das universidades públicas,
propiciada pelo aumento da produtividade e pela “eliminação de
duplicações para fins idênticos ou equivalentes”, foi descartada quando
da primeira crise do petróleo. Em decor rência, ainda, do crescimento
do setor privado, foi progressivamente abandonada a política de
profissionalização universal e compulsória no ensino de 2
o
. g rau, que
as razões apontadas para a contenção da demanda de ensino superior,
voltada para as IES públicas, estariam em vias de ser absorvida pelo
setor privado.
Para os estrategistas dos governos militares, o que importava era
que os jovens das camadas médias encontrassem algum curso superior
e se satisfizessem com a opção que coubesse. Era nessas camadas onde
pretendiam assentar as bases de sustentação política do novo regime.
Como vimos, o apoio conferido pelas camadas médias ao golpe militar
foi se atenuando, até se transformar em oposição crescente. De nada
adiantou o f acilitário de ingresso nos cursos superiores.
foi f ederalizada e integ rou a UFF. Em Juiz de Fora, as faculdades católicas e protestantes,
“empatadas” na luta pela criação de universidades confessionais, acordaram em transferir
seus ativos e passivos ao Governo Federal, que criou a UFJF, e acomodou os contendores,
inclusive mediante a criação do inédito Instituto de Estudos da Religião.
6
O balanço dos contraditórios efeitos dos governos militares para as universidades públicas
precisa levar em conta elementos que fogem ao escopo deste texto, como a expulsão de
docentes e a repressão político-ideológica no campo do ensino superior.
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No que diz respeito à qualidade do ensino, vale lembrar as mudanças
propiciadoras da expansão privatista do período militar, par ticularmente
nos exames vestibulares. Eles se transfor maram em concursos, expressão
mais adequada à disputa de vagas do que à aferição da habilitação para
os cursos superiores. A nota mínima foi eliminada, precisando ser apenas
diferente de zero, e chegaram a serem obrig atórias as provas objetivas
(entenda-se “de múltipla escolha”).
Durante as duas décadas de ditadura (1964/85), as afinidades
políticas dos empresários do ensino com os governos militares abriram
caminho para mais e mais representantes de escolas, faculdades e
universidades privadas nos conselhos de educação, inclusive no federal.
Tor nando-se maioria, eles passaram a legislar em causa própria. Os
resultados foram expressos em cifras estatísticas e financeiras.
Impulsionados pela demanda de vagas, pelo freio na velocidade de
expansão das redes públicas de ensino e, especialmente, pelas nor mas
facilitadoras, as instituições privadas de ensino multiplicaram-se em
número e cresceram em tamanho. Em qualquer capital de estado e até
mesmo nas cidades médias do interior, pequenos ginásios e cursinhos
pré-vestibular acumularam capital, alunos pag antes e níveis de ensino.
Alguns ganharam até o status de universidade. Mais recentemente, as
instituições privadas de ensino ingressaram no lucrativo esquema de
multiplicação espacial as universidades “multi-campi”, dentro das
áreas metropolitanas e em mais de um estado.
Se o capital privado no ensino superior foi atraído para o ensino superior,
por razões políticas e econômicas, nos governos militares, sua rápida
acumulação e os vínculos que criou na Sociedade Política permitiu-lhe
uma autonomização daquela base inicial. Da mesma forma, inicialmente
dependente do protagonismo político e ideológico da Igreja Católica, na
luta contra o que entendia ser a ameaça de monopólio estatal da educação,
o capital gerou seus próprios aparelhos políticos e ideológicos.
As denúncias de corrupção no CFE atingiram o aug e no g overno
interino de Itamar Franco, que o dissolveu e enviou ao Congresso projeto
de lei que criava outro órgão colegiado no seu lug ar. Embora ilegal a
medida, a ilegitimidade do Conselho fez com que ela fosse pronta e
facilmente absor vida pela sociedade política.
O processo de transição para a democracia conteve um elemento
deletério para a qualidade do ensino superior: a paroquialização. (Oliven,
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1990). Parcela crescente da expansão da oferta de vagas originou-se da
criação de IES privadas nas periferias das áreas metropolitanas e nas
cidades do interior dos estados. O ensino descolou-se, então, das
instalações como bibliotecas públicas, laboratórios estaduais, arquivos
estaduais e tantas outras facilidades, que constituem o que se poderia
chamar de suas economias exter nas. As IES passaram a bastar-se, pois
nem mesmo livrarias existem nas cidades que, festivamente, as
acolheram. Lamentavelmente, a dimensão carnavalesca da cultura
brasileira favorece o credenciamento da fantasia...
MERCADO DESREGULADO
No octênio FHC, as IES federais foram submetidas a um arrocho
ainda mais forte do que antes, restringidos os recursos para custeio e
investimento, ao passo em que as privadas foram brindadas com novas
vantagens. As IES estaduais passaram por diferentes situações, mas
nenhuma folgada.
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, resultante de
projeto patrocinado pelo Governo, foi pródiga para com a expansão
privatista. Para compreender a amplitude e o conteúdo da
nor matização do ensino superior pela LDB, cumpre obser var o que
essa lei deter mina tanto quanto suas omissões. Vejamos, antes de tudo,
o primeiro tipo de referências.
A instituição universitária foi definida, de modo genérico, como a que
desenvolve “produção intelectual institucionalizada mediante o estudo
sistemático dos temas e problemas mais relevantes, tanto do ponto de
vista científico e cultural, quanto regional e nacional.” Mas, ela deveria
cumprir, a médio prazo, requisitos específicos, relativos à qualificação e
dedicação dos docentes: um terço deles deveria ter títulos de pós-
graduação de mestre ou de doutor; um terço (não necessariamente os
mesmos) deveria atuar na instituição em tempo integral.
está um tipo de tentativa de indução de melhoria da qualidade
que pode levar ao contrário do pretendido. As IES públicas podem
cumprir a exigência legal, a não ser as mais novas ou situadas muito
longe dos mais importantes centros acadêmicos. as IES privadas,
pela dificuldade de institucionalizarem a profissão docente, têm
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dificuldades de encontrar professores com aqueles requisitos, o que
gerou a disposição de se aceitar qualquer título de mestre ou de doutor
como adequado a qualquer função do magistério. Em conseqüência,
a Pós-Graduação em Educação, por sua óbvia matéria de interesse
geral, tem sido pressionada a expandir-se por força do papel
credencialista que lhe foi atribuído.
Outro efeito não intencionado, desta vez das sucessivas ondas de
mudança da legislação previdenciária do setor público, foi a aposentadoria
precoce de professores universitários de todos os níveis de qualificação,
inclusive da mais alta, que vieram a reforçar os quadros das IES privadas,
sem que estas tenham investido um tostão na sua longa e cara qualificação.
Algo inédito nesse processo é a transferência de reitores de universidades
federais e estaduais para as congêneres privadas.
Além dos cursos de g raduação, de pós-g raduação e de extensão, que
as instituições de ensino superior brasileiras vinham oferecendo, a LDB
introduziu um tipo novo, o dos cursos sequenciais por campo de saber.
Como a lei não os definiu, o Conselho Nacional de Educação viu-se
com a ing rata tarefa de dar conteúdo a uma expressão sem precedentes.
7
De acordo com a normatização do CNE, os cursos sequenciais podem
ser de dois tipos, mas sempre destinados a concluintes do ensino médio.
O primeiro tipo é o curso sequencial de complementação de estudos.
São cursos não sujeitos a autorização nem reconhecimento pelo MEC,
embora devam estar ligados academicamente a cursos de graduação
reconhecidos. O segundo tipo, os cursos sequenciais de for mação
específica, estão sujeitos ao MEC e ligados a cursos de g raduação, tendo,
portanto, carg a horária e duração mínimas.
Em sua concepção original, os cursos sequenciais por campo de saber
deveriam ser uma alter nativa à rigidez dos cursos de g raduação, em
especial quando eles estavam submetidos a currículos mínimos, que,
segundo se criticava , eram muito exigentes, além de não permitirem a
indispensável f lexibilidade diante das mudanças no mundo do trabalho.
Assim, os estudantes poderiam definir trajetórias individuais ou coletivas
que, sem buscarem g raus acadêmicos, per mitissem complementar
7
O senador Darcy Ribeiro não deixou a definição do novo tipo de curso proposto. Sua
morte, logo de pois de sancionada a LDB, complicou o trabalho do CNE.
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estudos realizados no ensino médio, ou, então, obter for mação específica
em tempo mais curto e com maior especificidade do que os cursos de
graduação exigiam.
Mas, o que aconteceu foi distinto do projetado. Com efeito, foram as
instituições privadas de mais baixo nível, que não conseguiam completar
as vaga s dos cursos de g raduação, mesmo no processo seletivo mais
aligeirado que a legislação permite, as que demonstraram preferência
por esse tipo de curso. Os que não conseguiam ingressar nos cursos de
graduação eram chamados aos sequenciais, com o objetivo de acumular
créditos que poderiam ser contabilizados, posteriormente, pelos cursos
de graduação. Ou, então, para ocuparem as vagas não preenchidas nos
cursos de graduação ou deixadas livres pelos evadidos deles. Uma for ma,
portanto, de reduzir a capacidade ociosa ou, dito de outra forma, de
elevar a r eceita com relação aos custos fixos. Propag anda eng anosa
(freqüentemente por omissão) tem atraído contingentes crescentes de
estudantes a esses cursos.
Mas, como disse, os efeitos da LDB no ensino superior fizeram-se
sentir em seus silêncios, tanto quanto em suas determinações explícitas.
É o caso do modo de seleção dos estudantes para os cursos de g raduação.
Rompendo com um dos elementos tradicionais do ensino superior
brasileiro, a LDB-96 não menciona os exames (concursos) vestibulares,
embora faça referência à aprovação em “processos seletivos” e à
exigência de conclusão do ensino médio, como condições para um
candidato ser admitido a qualquer curso de g raduação. Essa omissão
abriu caminho para que as IES adotassem diversos processos de admissão
de estudantes, conforme sua inserção mais ou menos colada ao mercado.
Seu efeito imediato foi o de reduzir os custos de seleção dos candidatos
aos cursos superiores, especialmente das IES privadas, que se vêem na
contingência de realizar vários exames ao longo do ano para preencher
as vagas disponíveis, situação essa que tende a ficar mais crítica por
causa do acirramento da concorrência intra-setorial.
O Exame Nacional de Cursos (de Graduação), conhecido como
pr ovão, foi o único tipo de avaliação efetivamente implantado, com
alcance geral, e, mesmo assim, de modo progressivo em média, a cada
ano três novos cursos, desde 1996. Embora consistisse em provas
aplicadas aos concluintes da graduação, seu objetivo era o de avaliar os
cursos e, em decor rência, as próprias instituições.
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Ao fim do octênio FHC, 12 cursos de graduação de matemática e de
letras receberam sanções negativas (foram proibidos de admitir novos
estudantes), mesmo assim após cinco resultados deficientes
consecutivos, confir mados por inadequadas condições de ofer ta,
verificadas no local. No entanto, a sanção foi suspensa por medida
judicial, enquanto tramitou ação que contrariava os critérios empregados
pelo Ministério.
A principal oposição ao pr ovão proveio do setor privado, que preferiu
não expor o baixo desempenho dos seus estudantes, comparativamente
aos do setor público. Por distintas razões, as entidades estudantis, como
as UEEs e a própria UNE, também o rejeitaram. Para elas, a avaliação
individual foi considerada como um procedimento intrinsecamente
condenável. Os empresários do ensino têm sido vitoriosos, pois
conseguiram que os resultados de cada instituição não fossem
divulgados. o boicote defendido pela UNE foi der rotado pelos
próprios estudantes, pois em 1996, apenas 4% dos concluintes adotaram
aquela prática, proporção essa que diminuiu a cada ano. Especialistas
em educação opuseram-se ao pr ovão, especialmente à falácia intrínseca
a sua concepção, qual seja, a avaliação da instituição derivar diretamente
da avaliação individual, bem como à operacionalização, no que diz
respeito à quantificação dos resultados.
No ano seguinte ao da promulgação da LDB-96, o decreto 2.306/97
atribuiu um formato peculiar ao sistema de ensino superior, ao projetar
importantes modificações no quadro até então existente, no que diz
respeito à fronteira entre a esfera pública e a esfera privada.
O decreto determinou que as IES privadas publicassem os
demonstrativos do movimento financeiro; empregassem pelo menos
60% da receita (apenas a parte proveniente das mensalidades escolares)
ao pagamento de professores e funcionários, incluindo-se nesse cômputo
os descontos, as bolsas de estudo que oferecessem, e os encargos e
benefícios sociais dos hospitais de ensino. Se cumprissem essas
exigências, teriam direito à imunidade fisca leareceberrecursos públicos.
As IES privadas que não preenchessem essas condições passariam a
pagar impostos e contribuições, como qualquer sociedade mercantil.
Ademais, teriam de publicar, anualmente, demonstrações financeiras
certificadas por auditores independentes e de se submeter, a qualquer
tempo, à auditoria pelo Poder Público.
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A org anização acadêmica das IES foi também objeto desse decreto.
Elas poderiam, então, adotar quatro for matos diferentes: universidades;
centros universitários; faculdades integradas; faculdades, institutos
superiores ou escolas superiores. A esses poderia ser adicionado o
formato peculiar dos centros de educação tecnológica. Não se
distinguiram faculdades, institutos nem escolas, termos que, no Brasil,
têm sido utilizados arbitrariamente.
A grande novidade foi o aparecimento dos centros universitários,
definidos como instituições de ensino pluricurriculares, que abrangem
uma ou mais áreas do conhecimento, “que se caracterizam pela
excelência do ensino oferecido, comprovada pela qualificação do seu
corpo docente e pelas condições de trabalho acadêmico”. Os centros
universitários podem receber o privilégio da autonomia para criar,
organizar e extinguir, em sua sede, cursos e programas de educação
superior, além de outras atribuições definidas em seu credenciamento
pelo Conselho Nacional de Educação.
8
Assim, os centros universitários ocuparam o lugar, no discurso
refor mista oficial, da universidade de ensino, definida esta por oposição à
universidade de pesquisa, a que seria a universidade plenamente constituída.
A privatização do ensino superior foi acelerada no octênio FHC. O
número de instituições privadas aumentou consideravelmente, em
especial na categoria universidades e na dos centros universitários, o que
resultou na ampliação do alunado abrangido pelo setor. Tal crescimento
se fez com a complacência governamental, diante da qualidade
insuficiente do ensino ministrado nas instituições privadas e, até mesmo,
com o benefício do credenciamento acadêmico e do crédito financeiro.
Se, de um lado, as IES federais padeceram de recursos para
continuarem a operar nos ter mos que antes faziam, e, de outro, as IES
privadas recebiam benefícios, como o financiamento das mensalidades
cobradas aos estudantes e linha de crédito exclusiva para investimento,
a juros subsidiados, como deixar de pensar que o sucateamento do setor
público do ensino superior correspondia a um intento deliberado? Sem
outra referência empírica, esse foi o pensamento dominante naquelas
instituições durante o octênio FHC.
8
Originalmente, os centros universitários foram concebidos com vistas à diferenciação das
instituições públicas de ensino superior, mormente para a reclassificação das universidades
de menor peso acadêmico na pós-graduação e na pesquisa científica e tecnológica.
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Procurando uma visão de conjunto, podemos concluir que, as políticas
do Governo FHC voltadas para as esferas pública e privada do ensino
superior, são distintas, mas compatíveis e convergentes.
O protagonismo político dos agentes do campo do ensino superior,
eficaz a ponto de se refletir na legislação federal, produziu pelo menos
duas mudanças profundas: a diferenciação das instituições privadas com
fins lucrativos, que ficaram excluídas dos benefícios dos recursos
públicos e da imunidade fiscal; e a diferenciação dos centros
universitários, instituições dotadas de autonomia, mas onde o princípio
constitucional da indissociação entre ensino, pesquisa e extensão deixa
de prevalecer.
Na dimensão estritamente econômica da questão, a orientação
impressa pelo Ministério da Educação foi no sentido de que a legislação
do campo do ensino superior acabasse com o capitalismo patrimonial,
vigente desde a formação do Estado Nacional.
O sentido das normas foi o de estabelecer um capitalismo
concorrencial, no qual o investimento realizado em instituições de
ensino deixassem de usufr uir de condições acintosamente privilegiadas,
quando comparadas às de qualquer outro setor econômico. Vale dizer,
procurou-se estabelecer a equalização das condições da concorrência.
Assim, uma instituição lucrativa não poderia estar isenta de impostos e
contribuições que incidem sobre todas as outras. As empresas de ensino
superior deveriam operar em regime de transparência, no que se refere
à oferta de sua “mercadoria”, infor mando aos seus consumidores, ao
início de cada ano letivo: (i) a qualificação de seu corpo docente, a
descrição dos recursos materiais à disposição dos alunos; (ii) o elenco
dos cursos reconhecidos e dos que estiverem em processo de
reconhecimento, assim como o resultado das avaliações realizadas pelo
MEC; (iii) o valor dos encargos financeiros a serem assumidos pelos
alunos e as nor mas de reajuste aplicáveis durante o período letivo. As
penalidades para as instituições transgressoras seriam as previstas pelo
Código de Defesa do Consumidor, que veda a propaganda enganosa e
prevê a possibilidade de inter venção pelo Poder Público.
Em suma, verificou-se uma tentativa de estabelecer a ordem num
setor tradicionalmente caótico o das instituições privadas de ensino
superior. No entanto, a impossibilidade de tor nar eficazes os resultados
da avaliação de cursos e de instituições mostrou que, também aí, o
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Gover no FHC foi der rotado pelos g rupos que lhe deram sustentação
política em seus dois mandatos presidenciais.
Tudo somado, em 1995 FHC encontrou o ensino superior com 1,2
milhão de estudantes de graduação e o deixou com 3,5 milhões um
crescimento de 209% em oito anos! O alunado do setor público cresceu
um pouco, mas foi o do setor privado que impulsionou essa cur va
ascendente. Se, ao início desse período, o setor privado respondia por
cerca de 60% do efetivo discente, ao fim dele, essa proporção subiu a
70%. O número de universidades públicas ficou estagnado, mas as
privadas subiram de 63 a 84.Eodecentros universitários, de zero a
77, dos quais 74 privados. A periferia das áreas metropolitanas e as
cidades do interior passaram à frente das capitais na disputa pelo
estudantado (54% X 46% em 2002). Declaração do diretor do INEP,
por ocasião da divulgação do Censo da Educação Superior, em outubro
de 2003, conta de que no último ano do octênio FHC foram
autorizados 186 cursos de graduação e 53 novas IES.
9
As tentativas de se restringir os benefícios da imunidade fiscal apenas
para as IES comunitárias, confessionais e filantrópicas não surtiu efeito
algum no processo expansionista. Ao fim de 2002, as IES particulares
abrangiam 1/3 do alunado das universidades e metade das matrículas
das demais instituições.
A regulação do mercado do ensino superior não vingou, de modo
que o Gover no FHC deixou uma pesada herança para seu sucessor.
ESTADO + MERCADO
A análise desenvolvida nos itens acima, sobre a expansão desmedida
do ensino superior brasileiro, da multiplicação do baixo nível e da
improvisação, na qual o Estado sustentou o mercado, poderia levar
alguém a pensar que o autor deste texto defendesse a estatização pura
e simples de todo o campo. Não se trata disso.
Independentemente do que o autor preferiria se o processo fosse
reiniciado, o setor privado tem uma dimensão tal no campo do ensino
9
Uma média de quatro por dia, nos últimos cinco anos. Sem dúvida, um recorde mundial!
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superior, que não pode ser simplesmente desconsiderado. Mesmo
sabendo que a baixa qualidade do ensino ministrado é a regra nesse
setor, cabe propor, responsavelmente, medidas que possam produzir o
aumento do desempenho, a começar pela profissionalização do
magistério e da independentização das instituições de ensino diante
das instituições ditas mantenedoras. A suspensão de autorização e de
credenciamento de muitas IES não poderão ser evitados.
As instituições públicas, por sua vez, não são homogêneas. Ao lado
das que apresentam qualidade equivalente ao que existe de melhor no
plano internacional, encontram-se instituições que reproduzem, em sua
criação e desenvolvimento, a trilha de improvisação das universidades
mais antig as.
Nesse quadro, o que fazer? Diviso três vertentes.
A primeira vertente é regulação pelo mercado conforme os padrões
norte-americanos. A dissolução das nor mas governamentais de
regulação, isto é, de autorização, credenciamento e avaliação, seria
seguida pela regulação mercadológica: instituições privadas (ditas
independentes), assumiriam o papel do Estado na avaliação e no
credenciamento das IES, como é feito nos EUA. Os estudantes, enquanto
consumidores da mercadoria ensino, e os empreg adores, enquanto
consumidores da mercadoria força de trabalho nas diversas instituições
e empresas, poderiam se orientar pela avaliação de sua qualidade. As
mensalidades cobradas pelo ensino e os salários pagos aos profissionais
seriam os pontos de equilíbrio da oferta e da demanda nesse mercado
auto-regulado. existem propostas nesse sentido que circulam pelos
aparatos de poder do campo do ensino superior.
As conseqüências de tal vertente seriam facilmente previsíveis: a
deterioração da qualidade média do setor privado ainda mais forte do
que hoje, quando o pr ovão, sem embarg o de seus problemas conceituais
e operacionais, exerceu alguma pressão contra a deterioração endêmica.
Ora, a regulação pelo mercado não interessa ao Estado nem à Sociedade,
somente ao capital.
A segunda vertente é a montag em de um aparato inclusivo, de modo
que todas as IES do país fossem não controladas diretamente pelo
aparato estatal, mas, também, financiada por ele. Seria, em última
análise, a estatização de todo o campo do ensino superior. Essa vertente
não tem cabimento, no momento atual, devido ao custo elevado de
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manutenção de um sistema assim abrangente, sem mencionar as despesas
da federalização ou estadualização das IES privadas. Além disso, a g rande
heterogeneidade das IES produziria um efeito inevitável: a
contemporização diante do baixo nível no ensino e na pesquisa
desenvolvidas por faculdades e universidades, por razões de negociação
política, exterior ao campo do ensino superior. Mesmo que, em tese,
essa vertente pudesse interessar ao Estado e à Sociedade, sua
operacionalização está fora de cogitação, num horizonte previsível.
A terceira vertente seria uma combinação das duas anteriores, o que
parece mais viável. Ao invés de se optar exclusivamente por uma vertente,
do mercado ou do Estado, esta resultaria da composição de ambas.
Da vertente estatal, a proposta aqui defendida contém a super visão
direta e reforçada do Estado sobre os meios de ensino de cada
instituição, incluindo os cur rículos, os docentes, os laboratórios, os
acer vos bibliog ráficos, etc. A avaliação institucional, à imag em da
proposta pelo SINAES, seria o ponto de partida do aparato pelo qual
o Estado–oGovernoFederal à frente asseguraria à Sociedade que
cada IES teria os meios para cumprir com os requisitos estabelecidos
para o ensino superior. Não deveria haver dúvida de que essa avaliação
seria feita a partir do topo do sistema, ou seja, a elevação da qualidade
do ensino e da pesquisa, a ela ligada de modo indissociado nas
unive rsidades, seria um vetor a nor tear todo o processo. Um mecanismo
caro, sem dúvida. Mas, indispensável, num campo onde a qualidade
do ensino tem sido tão desprezada, mais cultuada pelo simulacro do
que pelo livre jogo da interação acadêmica nacional e internacional.
Ag ora, de forma mais perig osa, esse simulacro g anha a cober tura do
populismo, na ligação ao regional e ao local, sobrepujando a dimensão
universal da instituição universitária.
Da vertente mercadológica, a proposta aqui defendida contém a
orientação de pautar o exercício profissional de acordo com os padrões
estabelecidos pelo mercado. Além de reduzir a pauta das profissões
regulamentadas por lei, ao contrário de nossa vocação credencialista
atávica (parece que tramita no Congresso projeto de regulamentação
da profissão de astrólogo...), as profissões que restassem normatizadas,
seriam as mais diretamente ligadas à saúde, aos direitos, aos engenhos
e ao magistério, cujo exercício inadequado pode trazer malefícios de
monta à população. Daí que, os concluintes dos cursos que visem o
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234
exercício de profissões regulamentadas, teriam de se submeter a provas
aplicadas, não pelo Ministério da Educação, mas, sim, pelos org anismos
profissionais, a exemplo dos exames da OAB. Para o exercício dessas
profissões, não bastaria a conclusão de curso em IES autorizada ou
credenciada, mas, também, a inscrição na ordem profissional, cuja
condição seria a aprovação nas respectivas provas. Seria uma espécie
de Exame de Estado, sob a direção dos diversos conselhos profissionais.
Assim, ao contr ole sobr e os meios, exercido pelo Estado, se somaria o
controle finalístico, exercido pelos organismos profissionais, cuja
sensibilidade do mercado, nas respectivas áreas de atuação é mais for te
do que qualquer outra instituição.
O Exame de Estado, posto à saída dos cursos superiores, deveria ter
sua contrapartida à saída do ensino médio, condição de ingresso naqueles
cursos. Sem diminuir a impor tância e a especificidade dos processos
seletivos no vestíbulo do ensino superior, esse exame seria o
desenvolvimento do ENEM, assumida a duplicidade de caráter de exame
de saída do ensino médio e de entrada no superior. À imag em do
baccalauréat francês, esse exame seria aplicado em todo o país, ao fim do
ano, nas capitais e nas maiores cidades do interior. A aprovação nele
seria condição para a candidatura aos cursos superiores e as notas obtidas
pelo candidato, aproveitadas pelas IES como par te (apenas par te) do
processo seletivo.
O regime de cotas, esse padrão norte-americano tão bem recebido
pelo populismo brasileiro, teria de ser contido. Como defender a
qualidade do ensino superior, especialmente o do setor público, se o
fato de se ter baixo desempenho passa a ser vantagem no ingresso? Seja
de oriundos de escolas públicas, de negros, de indígenas, de mestiços
de vários matizes, de deficientes físicos e/ou de outras características
que o populismo não deixará de identificar dentre os demandantes de
ensino superior, o ingresso numa faculdade não poderá deixar de
depender do desempenho intelectual, a menos que se queira ensinar
que os jovens com aquelas características valem, academicamente,
pelo seu desvalor preconceituado, inclusive por eles próprios.
Por fim, duas palavras, uma sobre o regime jurídico das IES, outra
sobre o paroquialismo.
As IES públicas não podem continuar a viver na esquizofrenia das
autarquias, tolhidas em tudo pelas nor mas do serviço público, que
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235
funcionam impulsionadas por fundações privadas semi-clandestinas.
Um novo regime jurídico deveria ser definido para elas, especialmente
para as universidades, que as dispensassem de viver à base dessas
fundações, caso contrário seriam inviáveis, senão pela insuficiência
do orçamento, pelas restrições de caráter financeiro, administrativo
ou de pessoal.
As IES privadas, por sua vez, não podem continuar a depender de
entidades ditas mantenedoras, na realidade mantidas pelos lucros mais
ou menos invisíveis gerados por aquelas, sobre as quais pesam o
controle familiar, religioso, oligárquico ou empresarial, por vezes uma
combinação deles.
Tanto as IES públicas quanto as privadas precisam se liber tar dos
controles que pesam sobre elas, sem que isso signifique a
desregulamentação pura e simples do campo do ensino superior. Creio
que novas regras poderão propiciar novas e melhores condições de
funcionamento do ensino e da pesquisa, sem simulacros e sem
clandestinidade.
O paroquialismo precisa ser enfrentado com coragem, tanto no setor
público quanto no privado. O ensino superior pode ser
desenvolvido com recursos caros e raros, que não existem em qualquer
lug ar. A reconcentração das IES, inclusive na dimensão g eog ráfica, é
condição necessária para a melhoria da qualidade do ensino superior.
Sem ela, todas as demais medidas serão inócuas.
A contrapartida da reconcentração institucional e geográfica das
IES é o ensino a distância, e o oferecimento de facilidades de moradia
para os estudantes nas cidades onde o ensino superior pode ser de
fato realizado. Essa contrapar tida, a despeito de sua impor tância, não
será comentada aqui.
Para as mudanças sugeridas neste texto, o ideal seria a elaboração
de nova LDB. Como isso não é viável, no horizonte político previsível,
entendo que o possível, nas atuais circunstâncias, será a elaboração
de leis orgânicas que possam preencher as lacunas e corrigir os
equívocos daquela lei. Foi o que propus no Seminário “Universidade:
por que e como refor mar?”, de ag osto de 2003: a elaboração de uma
Lei Or gânica do Ensino Superior.
Uma lei dessa natureza precisaria, antes de tudo, definir o ensino
superior, aliás, todo o ensino institucionalizado, como um ser viço
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público passível de ser oferecido diretamente pelo Estado ou por
instituições privadas, em regime de concessão. Estou ciente de que, para
isso, seria necessária uma reforma constitucional, a meu ver inadiável
diante da cobiça internacional, que, no momento, move processo na
Org anização Mundial do Comércio.
Uma lei orgânica definiria a melhor configuração para o campo do ensino
superior, corrigindo os efeitos não intencionados que resultaram de
iniciativas inadequadas do Poder Executivo, como os centros universitários,
ou até mesmo do Poder Legislativo, como os silêncios da LDB.
No que diz respeito às universidades, a lei orgânica trataria dos marcos
da autonomia e definiria matérias relevantes como a avaliação, abrangendo
todas as instituições. No que concer ne às universidades federais, essa lei
disporia sobre importantes questões, comuns a todas elas, como as
seguintes: financiamento, car reira, org anização interna, escolha de
dirigentes e outras. Não poderia deixar de estabelecer as condições da
intervenção federal, caso os próprios estatutos sejam descumpridos, o
patrimônio dilapidado ou os recursos públicos malversados.
Uma condição para que a qualidade possa ser recuperada é o abandono
das comparações quantitativas com outros países, especialmente os
hispano-americanos, que tem sido evocadas para justificar planos de
educação e prog ramas de g overno. De que adianta dizer que 20% dos
jovens de 18 a 24 anos da Bolívia estão no ensino superior? Quem
deseja tomar esse país como parâmetro para o desenvolvimento
brasileiro? Ou qualquer outro país da região? Tola emulação!
Ao invés da expansão quantitativa, para cuidar, depois, da qualidade,
o que precisamos é providenciar a multiplicação da qualidade, a custos
cada vez mais baixos e para cada vez mais gente.
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239
A Comissão propôs a manutenção de um exame que se realizaria de dois
em dois anos, para as diferentes for mações, consideradas dentro das
g randes áreas do conhecimento em que se inserem. Observe-se que tal
exame deveria adentrar, necessariamente, em questões específicas das
diferentes formações profissionais oferecidas nos cursos superiores. A
proposta tinha ampla abrangência pedagógica, buscando contemplar, além
do domínio de conteúdos e da aquisição de habilidades e competências,
também indicadores de significado da aprendizagem para os estudantes
e de inovação, isto é, de dinâmica permanente e renovadora no ensino.
Em 2003, a Secretaria da Educação Superior do Ministério da
Educação constituiu uma comissão especial para elaborar uma proposta
para a avaliação da educação superior
2
. Os trabalhos dessa comissão
resultaram em um relatório, pelo qual se propôs à instituição um sistema
de avaliação que passou a ser conhecido como SINAES, o Sistema
Nacional de Avaliação da Educação Superior. A divulgação desta
proposta gerou intensos debates que, muitas vezes acirrados, nem sempre
consideraram com clareza os contornos reais do que estava sendo
A PROPOSTA DO SISTEMA NACIONAL
DE AVALIAÇÃO DA EDUCAÇÃO SUPERIOR
(SINAES): CONTRASTE COM O ANTES
1
Ricardo Chaves de Rezende Martins*
* Consultor Legislativo da Câmara dos Deputados e Professor da Universidade de Brasília.
1
Sem saber ainda o que vem depois. A apresentação feita pelo autor no IV Encontro Nacional
do Forum Brasil de Educação, no dia 3 de novembro de 2003, foi anterior à edição da
Medida Provisória 147, de 15 de dezembro de 2003. A edição deste diploma legal impôs
significativas alterações no contexto em que se realiza a discussão das propostas para a
avaliação da educação superior. Por tais razões, o presente texto, (re) escrito em janeiro de
2004, apresenta notas que fazem alusão a essas mudanças.
2
O autor do presente trabalho foi membro da comissão especial.
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240
proposto e sua relação com o que se encontrava implantado.
3
Os debates
então travados também, com freqüência, deixaram de levar em conta
que os procedimentos utilizados necessariamente haveriam de ser
revistos, em função das limitações decorrentes da gradativa
universalização de sua própria aplicação. E não estavam evidenciando
que a proposta apresentada (a do SINAES) não representava uma
negação do passado, mas antes pretendia aproveitar as experiências
positivas e abandonar as negativas ou as ultrapassadas realizadas no
País. Cada uma dessas destas questões será examinada a seguir.
1. Em novembro de 1995, foi aprovada a Lei 9.131, de 24 de
novembro de 1995, que previa a existência dos seguintes procedimentos
4
:
a) avaliações periódicas das instituições e dos cursos de nível superior;
b) inclusão obrigatória, nessas avaliações periódicas, de exames
nacionais com base nos conteúdos mínimos estabelecidos para
cada curso (trata-se do “provão”);
c) divulgação dos resultados das avaliações, inclusive dos exames;
d) obrigatoriedade de prestação dos exames pelos alunos, como
condição para obtenção de diploma;
e) introdução gradativa dos cursos no processo de aplicação dos
exames nacionais.
2. Um ano depois, foi aprovada a Lei 9.394, de 20 de dezembro
de 1996, que prevê (está em vigor) a existência dos seguintes
procedimentos: i) processo nacional de avaliação do rendimento escolar,
em colaboração com os sistemas de ensino; ii) processo nacional de
avaliação das instituições de educação superior, com a cooperação dos
sistemas de ensino; iii) autorização, reconhecimento, credenciamento,
super visão e avaliação, respectivamente, de cursos e estabelecimentos;
iv) prazos limitados e renovação periódica, após processo regular de
avaliação, de credenciamento de instituições e de autorização e
reconhecimento de cursos.
3
Até a edição da Medida Provisória 147, de 2003. É preciso ressaltar que o conteúdo
desta Medida Provisória, bem como o material divulgado pelo Ministério da Educação,
também em dezembro de 2003, tratando do SINAPES Sistema Nacional de Avaliação e
Progresso do Ensino Superior, praticamente não guardam relação com as propostas da
comissão especial.
4
Os artigos da Lei que previam estes procedimentos foram revogados pela Medida Provisória
147, de 2003.
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241
3. Deste quadro legal, decorreu a implantação de alguns
procedimentos, dentre eles o exame nacional de cursos (o “provão”), a
avaliação das condições de ensino (inicialmente denominada de
condições de oferta) e a avaliação institucional voltada para
credenciamento e renovação de credenciamento de centros
universitários. Não chegou a ser desenvolvido nenhum procedimento
para a renovação do credenciamento das universidades e das instituições
isoladas. Que aconteceu? Foram sendo g radativamente desenvolvidos
instr umentos, cuja elaboração técnica aqui deve ser reconhecida, assim
como a competência das comissões de especialistas por ela responsáveis,
mas jamais ficou clara uma visão global, um quadro de conjunto que
caracterizasse, sob uma perspectiva integrada, o processo nacional de
avaliação mencionado na legislação e regulamentado pelo Decreto
3.860, de 9 de julho de 2001.
De cer ta for ma, pode-se afir mar que foi privilegiada a lógica de
verificação e do controle, mais do que a da avaliação propriamente
dita, se considerado que, para ser assim denominado, o processo
necessariamente deveria incor porar, de modo interativo, etapas de auto-
avaliação. Esta era apenas tangencialmente considerada nos
procedimentos então elaborados.
4. Que foi então proposto no SINAES? A proposta da Comissão era
a de um sistema abrangente que integrasse auto-avaliação e avaliação
externa, avaliação institucional e avaliação de cursos, periodicamente
realizadas. E em bases bastante semelhantes ao que ocorre em outros
países. Não havia nenhuma iniciativa fora da realidade, mas uma
proposta comprometida com a transparência e fundamentada nas
diretrizes g erais estabelecidas na legislação. E que aproveitava,
inclusive, instr umentos existentes, como os da avaliação das condições
de ensino (ACE), embora lhes sugerisse alguns aperfeiçoamentos. E
bastante original, pois reunia em um sistema integ rado, diferentes
processos e instr umentos de avaliação.
5. Mas havia uma mudança de direção importante. Alterava-se a
lógica do processo, que deixava de ser simplesmente uma verificação
verticalmente realizada (do MEC para as instituições e cursos), para
ser uma avaliação compreensiva e pedagógica (que parte da instituição
e a ela retorna, em um processo que passa pela ação mediadora e
reguladora do Poder Público). De todo modo, pode-se dizer que este
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242
deveria ser, necessariamente, o r umo seguido pela implantação g radual
do todo o processo de avaliação da educação superior no País.
6. Então, qual foi o ponto real de embate durante as discussões
ocorridas após a divulgação da proposta do SINAES? Parece ter sido o
exame nacional de cursos (ENC). Ele deve, pois ser esmiuçado. Para
que foi instituído? Imagina-se que para saber o quanto os alunos da
g raduação aprenderam ou deixaram de aprender ao final de seus cursos.
Em resumo, uma medida do nível de resultados de aprendizag em
obtidos, como um indicador, dentre outros, para a avaliação da
qualidade dos cursos. Como conseqüência, esperava-se que seus
resultados promovessem a melhoria da qualidade onde ela não se
encontrasse satisfatória. Pergunta-se: para ter esta “medida de
qualidade”, seria necessário realizar os exames todos os anos? Um ano
é um período suficiente para implementar medidas significativas que
per mitam perceber mudanças? Uma resposta possível seria a seguinte:
no início, é bom que seja anual, para traçar perfis, pela re petição de
resultados, que levem às revisões e mudanças. De fato, em vários
processos foi assim. A avaliação da pós-graduação promovida pela
CAPES, por exemplo, iniciada em 1977, foi anual até 1984, quando
tornou-se bienal. A partir de 1995, passou a ser trienal.
7. Certamente de ser reconhecido que, em inúmeras situações, a
realização do ENC teve impacto na melhoria das condições de ensino
de vários cursos de g raduação. Ocorre que a realização anual do ENC
para todos os alunos, de todos os cursos/habilitações, na forma como
aplicada, parecia tornar-se inviável, pela sua multiplicidade, diversidade
e quantidade, em constante crescimento. E mais: tor nava-se impossível
sua efetiva integração, no espaço de um ano, com a avaliação das
condições de ensino, em especial para os cursos cujos alunos
apresentassem desempenho inferior nos exames. E, afinal de contas,
para se ter uma avaliação dos cursos, que produzisse impacto e gerasse
ações de melhoria pelas instituições ou mesmo de controle por parte do
Poder Público, não era necessário um exame anual.
8. A Comissão propôs a manutenção de um exame que se realizaria
de dois em dois anos, para as diferentes for mações, consideradas dentro
das grandes áreas do conhecimento em que se inserem. Observe-se que
tal exame deveria adentrar, necessariamente, em questões específicas
das diferentes for mações profissionais oferecidas nos cursos superiores.
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243
A proposta tinha ampla abrangência pedagógica, buscando contemplar,
além do domínio de conteúdos e da aquisição de habilidades e
competências, também indicadores de significado da aprendizagem para
os estudantes e de inovação, isto é, de dinâmica per manente e renovadora
no ensino. Nada disto era absurdo ou alheio a um trabalho consistente
na educação superior. E, tampouco, desconsiderava que os exames
nacionais aplicados nos últimos anos, juntamente com os questionários
respondidos pelos estudantes, apontavam nesta direção. Além disso,
foi proposta a aplicação de exames a alunos em meio e ao fim de curso.
Uma noção de processo/resultado que, em princípio, permitiria aos
cursos fazer correções de r umo ao long o da trajetória de seus estudantes,
e não apenas depois que eles tivessem concluído seus estudos.
9. De fato, para aferir o nível de aprendizag em em um dado curso,
não é preciso submeter todos os estudantes a um exame, embora para
os objetivos nacionais pretendidos, todos os cursos devam participar
obrigatoriamente do processo. Uma amostra aleatória de estudantes,
representativa de cada curso, apresenta resultados igualmente
consistentes, se o objetivo é efetivamente saber o que acontece no curso
e não o que ocor re com cada aluno. Esta possibilidade técnica ia ao
encontro de uma outra questão: a realização dos exames em períodos
bienais ou ainda mais dilatados, tornava indispensável a alteração da
Lei 9.131/95, que condicionava a obtenção do diploma à realização
do exame pelo estudante. Se a periodicidade de realização dos exames
passaria a ser plurianual, para cada área/curso, colocá-la como requisito
para obtenção do diploma tornar-se-ia inviável. É verdade que, esta
alteração acabaria com o único elemento de força que obrigava os
estudantes a comparecer ao local do exame, ainda que fosse para
devolvê-lo em branco, como no caso dos boicotes verificados. Mas a
compulsoriedade não é a única possibilidade de integrar os estudantes
em um processo de avaliação. E com cer teza não é a melhor. O desafio
seria o de garantir a seriedade e adequação técnica na seleção das
amostras em cada curso, e a adesão dos estudantes selecionados. E este
me parece seria inevitavelmente o caminho a trilhar.
10. Finalmente, cabe discutir a questão da divulg ação dos resultados.
Não dúvida de que ela precisava acontecer. Mas de uma for ma que
desse à sociedade a idéia correta do que estava acontecendo. Para a
população em geral, a escala de A até “E” era lida como A sendo
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244
excelente e “E” como r uim ou péssimo. E isto não cor respondia à
realidade dos fatos. Em muitas áreas, o desempenho dos estudantes no
ENC era extremamente modesto, abrindo duas possibilidades: ou o
ensino estava, em g eral, r uim ou então o instr umento (a prova) estava
inadequado. E tais questões não eram discutidas na sociedade. O modo
de divulgar, por tanto, muitas vezes poderia estar induzindo a equívoco
de interpretação.
11. A proposta do SINAES dava clara ênfase a que os resultados
fossem divulgados. Aliás, o compromisso da proposta sempre foi com a
transparência e com a publicidade. Dado um conjunto de itens
observados na avaliação realizada, poderia ser perfeitamente
apresentado o resultado por instituição, por área e por curso. Tudo
dependeria dos objetivos da avaliação e, sobretudo, da consistência das
políticas de desenvolvimento educacional que dela deverão resultar.
12. Lamentavelmente, muito pouco destas questões está adequada
ou claramente contemplada na Medida Provisória, editada em dezembro
passado. Ao instituir o SINAPES, ela tratou quase que exclusivamente
da burocracia da avaliação (comissões, composição, atribuições,
compromissos e for mas de divulgação) e esqueceu de tratar do sistema,
sua conceituação, seus principais elementos, referenciais e marcas
metodológicas. E mais: revog ou o que existia, em especial o Exame
Nacional de Cursos, sem estabelecer, em lei, o que ficará no lug ar. É de
se crer que toda a parte substantiva do sistema de avaliação venha a ser
definido em portaria ministerial, o que sem dúvida representa um
contexto mais frágil para sua institucionalização.
Penso ser opor tuno, que a discussão das alter nativas de futuro para
a avaliação seja urgentemente retomada. Pelo bem da qualidade da
educação superior brasileira. Um vácuo neste processo pode ser
desastroso para toda a caminhada realizada.
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V Encontro Nacional
Educação: Cidadania e Diversidade
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No dia 02 de dezembro do ano de 2003 foi realizado o V Encontro
Nacional do Fór um Brasil de Educação, cujo tema foi Educação:
Cidadania e Diversidade, e teve a prestimosa colaboração do INEP
e o apoio da UNESCO.
Após a aber tura do encontro, iniciaram-se os trabalhos com a
exposição do tema “Educação: Cidadania e Diversidade A ótica do
Negro”. Seguiram-se as apresentações dos temas “Educação:
Cidadania e Diversidade A ótica das Relações de Gênero”,
“Educação: Cidadania e Diversidad e A ótica da Educação Especial”
e “Educação: Cidadania e Diversidade A ótica dos Povos Indígenas”.
O primeiro expositor do V Encontro Nacional do Fór um Brasil de
Educação foi Mwalimu Shujaa Diretor Executivo do African World
Studies Institut” da For t Valley University, que se apresentou sob a
ótica do tema “Educação: Cidadania e Diversidade a ótica do Negro”,
através da exposição de algumas considerações para a execução do
ensino da história e da cultura africanas.
Ainda na mesma temática, apresentou-se em seguida Iolanda de
Oliveira, Professora Titular da Universidade Federal Fluminense /
ANPED.
Finalizando o tema “Educação: Cidadania e Diversidad e a ótica
do Negro” pronunciou-se Edna Roland, Coordenadora de Combate
ao Racismo e à Discriminação Racial UNESCO.
O próximo tema do V Fór um Brasil de Educação “Educação:
Cidadania e Diversidade A ótica das Relações de Gênero” foi
apresentado por Claudia Pereira Vianna, Professora Efetiva da
Faculdade de Educação da USP.
A seguir, a Prof
a
Dr
a
Fátima Elizabeth Denari, da Universidade de
Federal de São Carlos, iniciou o tópico temático “Educação, Cidadania
APRESENTAÇÃO
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e Diversidade A ótica da Educação Especial” do V Fór um Brasil de
Educação.
Concluindo o tópico temático, pronunciou-se, em seguida, a
Procuradora Regional dos Direitos do Cidadão no Estado de São Paulo,
Eugênia Augusta Gonzag a Fávero.
Encer rando o V Encontro Nacional do Fórum Brasil de Educação,
desenvolvendo o tópico temático “Educação, Cidadania e Diversidade
A ótica dos Povos Indíg enas” apresentaram-se Josimar Xawapare’ymi
Tapirape, Professor de Escola Indíg ena em Confresa Mato Grosso e
Gersen Baniwa, Gerente Técnico do Projeto Demonstrativo dos Povos
Indígenas.
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A negação do direito à educação aos negros antecipa, portanto, a sua
exclusão do mercado de trabalho tornando crônica a sua permanência nas
atividades subalternas. Esta situação compromete também a compreensão
do povo negro de sua condição na sociedade, impedindo-lhe de lutar pela
justiça e pela igualdade social, gerando não raro conformismo e naturalização
do lugar social determinado para a população afro-brasileira, gerando uma
equivocada percepção determinista.
Farei inicialmente algumas considerações sobre a cidadania, porque
sendo a educação um dos seus aspectos, ser cidadão significa, entre outras
ga rantias, acessar e permanecer com sucesso no sistema de ensino.
Falar sobre cidadania implica em responder, a priori, algumas
questões, entre as quais: O que é ser cidadão? Em que circunstâncias
pode-se afirmar que deter minado sujeito é um cidadão?
A conceituação de cidadania não é estanque, mas é histórica, sendo,
portanto, que o seu sentido varia no tempo e no espaço. Considero aqui,
o contexto brasileiro contemporâneo, sua opção por uma sociedade
democrática e alguns fatores que estão impedindo significativa parte
da população, particular mente o segmento social negro, de ter
assegurados os seus direitos constitucionais
Segundo Maria de Lourdes Manzini Covre, a cidadania tem um vínculo
substantivo com a igualdade e liberdade intrinsecamente ligadas, o que
aponta para a negação da cidadania à população negra, porque nos setores
EDUCAÇÃO: CIDADANIA E DIVERSIDADE
Iolanda de Oliveira*
* Doutora em Psicologia Escolar USP e Professora da Universidade Federal Fluminense/
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sociais constata-se a desigualdade racial que se tornou crônica entre os
afro-brasileiros. Neste caso, a pretensa sociedade democrática fica também
comprometida, porque a igualdade é um dos seus princípios.
Ser cidadão significa ter a garantia de acesso a bens materiais e não
materiais, para que se tenha uma vida digna de um ser humano.
Segundo Jaime Pinsk y, ser cidadão é ter direito a vida, a liberdade,
a propriedade, e a igualdade perante a Lei. É, em resumo, ter a garantia
dos direitos civis. É também participar dos destinos da sociedade, votar
e ser votado, isto é ter direitos políticos. Em uma re pública, cujo
significado literal é gestão da coisa pública, gozar dos direitos civis
significa par ticipar coletivamente da g estão dos bens públicos. Os
direitos civis e os políticos não asseguram a democracia sem os direitos
sociais, os quais devem garantir a participação do sujeito na riqueza
coletiva em relação a bens materiais e não materiais, isto é: direito à
educação, ao trabalho, ao salário, à saúde, a uma velhice tranqüila. O
exercício da cidadania em seu sentido pleno, implica em ter assegurados
os direitos civis, políticos e sociais. O acesso aos bens materiais tem
como conseqüência uma vida material com a garantia de uma existência
física tranqüila. Os bens não materiais implicam no acesso à cultura
produzida pela humanidade como bem público, destacando-se neste
caso, a educação como dever do Estado.
De acordo com o que esta posto na sociedade brasileira,
principalmente na Constituição de 1988, é cidadã a parte da população
que goza dos três aspectos citados ou seja direitos civis, políticos e
sociais. A educação é, portanto, um aspecto par ticular dos direitos sociais
que por sua natureza, por seu comprometimento com a promoção
humana, condiciona vários outros direitos classificados nas três
categ orias apresentadas.
A categoria direitos civis, inclui um conjunto de propriedades,
qualidades e condições desenvolvidas e atendidas de tal maneira que,
possibilitem ao homem manter-se em contínua atividade física e mental,
per mitindo uma existência plena, levando-o a sentir-se estar com o
mundo e não somente estar no mundo. Entre os direitos civis, a liberdade
significa viver do modo como gostaríamos de viver, uma vida sem miséria
e privações de qualquer natureza. Gozar de liberdade é também ser
respeitado através do estabelecimento mútuo de uma relação horizontal
com o outro.
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Levar o tipo de vida que pretendemos implica em ter um salário
digno, embora isto não seja suficiente. A maior ou menor riqueza,
tem implicações nas nossas condições de vida, mas esta relação tem
restrições, embora nos per mita sermos seres sociais mais completos,
dando-nos maiores possibilidades de realizar nossas vontades, interagir
com o mundo e inf luenciá-lo.
A privação da liberdade é, entretanto, provocada por vários fatores:
a fome coletiva, a subnutrição, falta de acesso à saúde, saneamento
básico, água tratada, enfim a falta de g arantia de uma vida que não
seja interrompida, prematuramente, em decorrência de condições
desfavoráveis, sendo esses fatores que deter minam o maior ou menor
grau de liberdade. Entretanto, a liberdade está para além das
condições materiais de vida. As relações de poder que dão origem a
uma relação vertical entre diferentes g r upos, restring em a liberdade
dos que são colocados em situação subalterna. A negação da
propriedade e a desigualdade oriunda das relações de poder
estabelecidas entre diferentes g rupos, também representam uma
privação da liberdade.
As três categorias que condicionam o exercício da cidadania estão
estreitamente articuladas em uma relação de interdependência,
destacando-se na categoria direitos sociais, a saúde que é a garantia
de vida material e a educação, que de cer to modo condiciona de
maneira significativa o acesso aos outros direitos, por sua função
esclarecedora em face ao lugar que cada sujeito ocupa na sociedade..
Garantida a existência material, uma educação de qualidade vai
possibilitar o acesso a vários outros aspectos da cidadania.
A questão da cidadania tem implicações com o maior ou menor
comprometimento do Estado, com a promoção do bem estar coletivo
através da g arantia do acesso aos direitos apresentados.
O saudoso professor Milton Santos, em conferência proferida em
setembro de 1998, em Niterói, afir mava: “eu não sou um cidadão
apesar da minha notoriedade. Este é um espaço particular da minha
vida, mas fora eu sou um homem negro e, como tal, sou
discriminado”. O citado professor afirmava ser um sujeito for te, mas
não um cidadão, porque o Estado não lhe garantia o acesso a
deter minados direitos.
Retomando a questão de uma educação de qualidade como
deter minante do acesso a outros aspectos da cidadania, destaco a
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tomada de conhecimento da própria condição do sujeito no mundo
como algo socialmente determinado, como orientadora das
reivindicações para o acesso à cidadania plena.
A educação, em sua função esclarecedora e promotora da
humanidade, tem possibilidades de impedir que o nosso povo negro e
pobre se apaixone, através da mídia, por uma realidade que não é a
sua, que eleja candidatos, que tal qual a mídia, com maior audiência,
os despreza e os trata como sub humanos, preterindo, não raro,
prog ramas edificantes e os seus intelectuais orgânicos.
O direito civil de gozar de igualdade perante a Lei é no Brasil
garantido pela constituição, mas entre o valor constitucional declarado
e os valores reais uma grande defasagem.
Como determinante de outros aspectos da cidadania, a educação
condiciona o acesso ao trabalho, antecipando a exclusão da população
neg ra deste direito.
Sendo o nível de escolaridade uma exigência para a admissão nas
atividades econômicas hierarquizadas em ter mos de prestígio e de
salários, e sendo a população negra excluída, precocemente, do sistema
de ensino, resta à mesma, o acesso às profissões de menor prestígio
social e com menores salários, e de maneira crescente o trabalho
infor mal e o desempreg o.
A neg ação do direito à educação aos neg ros antecipa, por tanto, a
sua exclusão do mercado de trabalho tornando crônica a sua
per manência nas atividades subalter nas. Esta situação, compromete
também a compreensão do povo negro de sua condição na sociedade,
impedindo-lhe de lutar pela justiça e pela igualdade social, gerando
não raro confor mismo e naturalização do lugar social deter minado
para a população afro-brasileira, gerando uma equivocada percepção
deter minista.
A negação da educação à população negra é histórica, não se
registrando nenhum momento em que este direito social entre outros,
tenha sido um valor real em nossa sociedade.
A educação é tida como instr umento de libertação desde o período
de escravidão, quando era temida pelos “os senhores”. Realmente, na
nossa história, vários casos comprovam o que era temido e,
provavelmente, o é até os nossos dias, sendo Luiz Gama um desses
casos, o qual em carta ao amigo Lucio Mendonça declara:
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“Em 1874, contava eu 17 anos, quando para a casa do Sr. Cardoso
veio morar, como hóspede, para estudar humanidades, tendo deixado
a cidade de Campinas, onde morava, o menino Antônio Rodrigues,[...]
Fizemos amizade íntima de irmãos diletos, e ele começou a ensinar-me
as primeiras letras.Sabendo eu ler e contar alguma coisa e tendo obtido
ardilosa e secretamente provas inconclusas da minha liberdade, retirei-
me fugido da casa do alferes Antônio Pereira Cardoso{......} (CUNHA,
Perses Maria Canellas da, 1999, p.86).
Apesar da Constituição de 1824, em seu artigo 179, alínea 32
deter minar :
A instr ução primária é gratuita para todos os cidadãos “, e o artig o
da mesma constituição deter mina: “são cidadãos brasileiros : I- Os que
no Brasil tiverem nascido, quer sejam ingênuos ou libertos”, entretanto
em 1837 o presidente da província do Rio de Janeiro, Paulino José de
Sousa , sancionou a Lei 1 de 4 de janeiro do mesmo ano que determina
sobre a Instrução Primária:
Art. São proibidos de freqüentar as escolas Públicas:
Todas as pessoas que padecerem de moléstias contagiosas.
Os escravos e os pretos africanos ainda que sejam livres ou libertos
A negação da educação se de maneira inversa no final da segunda
metade do século XIX, quando a mão de obra nacional, negros e brancos
pobres é preterida em favor dos imigrantes europeus, tanto na agricultura
quanto na indústria. É, segundo Car men Sylvia Vidig al Moraes, a
denominada normatização da pobreza brasileira, que funciona na época
como impedimento para a freqüência à escola de parte da população
neg ra e pobre, a qual se prolong a até os nossos dias.
Na década de 70 no século XX, a falta de acesso e permanência na
educação é denunciado por meio das pesquisas sobre o déficit e o
fracasso escolares.
Atualmente, com a democratização do ingresso no ensino
fundamental, a seletividadeeaexclusão, dão conta de manter a
população afro-brasileira sem o acesso a este direito social entre outros.
Aliada às más condições de trabalho de parte dos profissionais da
educação, a promoção automática, as classes de aceleração e outras
for mas públicas de sucateamento da educação, torna crônica a negação
deste direito à população afro-brasileira.
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Denunciada pelo movimento neg ro, a ausência de sobre a população
neg ra nos currículos escolares, como fator deter minante da exclusão
deste g rupo do sistema de ensino, o governo atual sanciona a Lei 10639
de 2003, que sem as devidas medidas concretas, corre o risco de não
alterar o quadro de desigualdades raciais constatado nas pesquisas do
órgão oficial, o IBGE.
As discussões sobre negros na universidade g anham espaço,
anunciando a ir reversibilidade desta medida. Entretanto, todos os g raus
de ensino estão a exigir as políticas de ação afirmativa para neg ros.
A educação infantil, relegada, entregue aos parcos recursos da maioria
dos municípios, levam as comunidades periféricas a improvisarem creches
em locais inadequados e com profissionais não qualificados, que atuam
em verdadeiros depósitos de crianças, nos quais os filhos da população
negr a permanecem com freqüência durante 8 horas diárias ou mais.
O ensino Fundamental, que apresenta elevado percentual da
população negra excluída, está a espera de medidas políticas ousadas
para a sua melhoria.
O Ensino Médio privilegiado, tanto pela atual Lei de Diretrizes e
Bases, em relação à e xtensão da g ratuidade, bem como, pelo Prog rama
Diversidade na Universidade, tem perspectiva menos grave que o ensino
Fundamental.
A despeito da melhoria das taxas de escolarização nos últimos anos,
as desigualdades raciais permanecem.
Quanto a um dos deter minantes desta situação, ou seja a inadequação
dos currículos, a Lei 10639/2003 por si não basta.
Para que tal situação se efetive, bem como para garantir o ingresso e
a per manência de neg ros na universidade, tarefas a serem cumpridas
pelos diferentes órgãos em diferentes instâncias. È preciso, sobretudo,
ter em vista que nenhuma reforma educacional se sem a par ticipação
dos docentes, que são responsáveis pela interação direta com os
estudantes. Para que a Lei se efetive, proponho que sejam executadas
funções pelos seguintes órgãos:
Ao Conselho Nacional de Educação cabe incluir como obrigatórios
os estudos sobre a população negra no currículo mínimo dos cursos de
for mação de profissionais da educação, tanto de nível médio quanto de
nível superior, com ênfase de tais estudos na área específica de sua
atuação. Os estudos deverão ser incorporados nas disciplinas
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existentes, que comportam as diferentes facetas da dimensão racial do
fenômeno educativo. Entretanto, nos cursos de licenciatura
caracterizados pela quase exclusividade dos conhecimentos na área
tecnológica e das ciências naturais, necessidade da inclusão de estudos
sobre a Teoria Social e Afro-brasileiros, que tratarão de conhecimentos
de antropologia e de sociologia, em sua dimensão histórica, garantindo
a todos os profissionais o acesso a conhecimentos, que comprovam a
maneira pela qual o racismo foi constr uído bem como a inconsistência
desta forma de comportamento.
Os estudos sobre a Teoria Social e Afro-Brasileiros deverão ser
obrigatórios em todos os cursos de graduação, porque inde pendente de
serem profissionais da educação, todos necessitam ter acesso a tais
conhecimentos, com os quais deve-se ter em vista a desnaturalização
do racismo na sociedade, e em todas as profissões de modo par ticular.
Sabe-se que os profissionais de direito, são extremamente racistas e
que tal postura interfere nos seus julgamentos de modo desfavorável à
população negra.. Cabe também questionar o que pensam os arquitetos
sobre a habitação para as populações pobres, predominantemente
neg ras. Como lidam os profissionais da saúde com o cor po neg ro, cujo
desaparecimento foi proposto pela academia brasileira no final do século
XIX e nas primeiras décadas do século XX e cujas medidas para a sua
concretização foram subsidiadas pelo governo brasileiro da época. Quais
as interações que os assistentes sociais têm com os usuários do seu
trabalho com ascendência africana? Enfim, todas as profissões têm um
papel a cumprir na desestabilização do racismo, e é a sua for mação
inicial que deverá tratar da questão com o necessário aprofundamento.
Entretanto, na formação dos profissionais da educação, tais estudos
devem tomar um caráter diferenciado, porque estes são mediadores de
tais conhecimentos na for mação dos usuários dos serviços educativos.
Tais profissionais deverão ter condições de colocar a sua área de atuação
a serviço da emancipação dos estudantes neg ros, e não negros em face
ao racismo. Incorporados pelas disciplinas existentes, tais
conhecimentos não deverão ser caracterizados pela transversalidade
porque, o caráter transversal implica em subordinação a outros
conhecimentos, sem a visibilidade primeira, essencial que a questão
está a exigir. A transversalidade implica em dependência, ag reg ação,
subordinação a outros conhecimentos que ocupam espaços essenciais.
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Referindo-se à transversalidade, Jaime Pinsk y, no livro História da
Cidadania, assim declara: Muitas outras questões são contempladas,
transversalmente no livro, razão pela qual não aparecem com títulos próprios.
Questões como cidadania para negros, criança, idosos, liberdade de expressão,
exclusão social marcam forte presença em vários artigos da
obra”(PINSKY,2003, p.12). O autor não considera que a negação ou
a garantia dos direitos de cidadania se em face de sujeitos concretos,
e é a sua existência como tal que condiciona o seu acesso à mesma. A
cidadania não é neg ada ou g arantida a sujeitos abstratos.
Entendo que foi ultrapassado de muito o momento em que tanto
a população negra, quanto a sua cultura, deverão gozar da relativa
autonomia a que têm direito, rompendo com a tutela à qual foram
submetidos. Não é admissível, manter a ambos como ag regados de
outros g r upos ou culturas, que por g rave equívoco são considerados
superiores.
Ainda quanto a Lei 10639/2003, e quanto ao ingresso e
per manência de neg ros na Universidade, c abe a SEPPIR, liderar e
mobilizar tanto os Neabs, quanto o Movimento Negro na elaboração
de Políticas que contribuam para recuperar os direitos de cidadania,
negados à população afro-brasileira em todos os setores,
par ticularizando a educação.
Quanto ao papel do MEC entendo queéodegarantir a execução
das políticas estabelecidas sob a liderança da SEPPIR, uma vez
garantida a necessária dotação orçamentária pelo órgão competente.
Às Secretarias de Educação, tanto municipais quanto às estaduais,
cabe g arantir tais estudos na for mação continuada em serviço, aos
profissionais em exercício, incluída na jor nada de trabalho remunerado.
Cabe também repensar o magistério em todos os níveis como profissão
de tempo inte gral, devidamente remunerada e com tempo reservado
não para a for mação continuada, mas também para a pesquisa,
rompendo com a exclusividade da produção de saberes exclusivamente
pelos profissionais do ensino superior.
Proponho que a for mação continuada seja assumida também pelo
MEC, podendo ser criada uma ampla rede de for mação continuada à
distância, que inadequada para a formação inicial, poderá contribuir
para que os profissionais da educação em ser viço, reconstr uam a sua
percepção da realidade sobre o neg ro. adquirindo a competência
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necessária para incluir os estudos sobre a população negra na área de
estudos ou disciplina sob sua responsabilidade. No caso da formação
à distância, é preciso que a mesma seja realizada pelas universidades
que mantêm esta forma de ensino, com comprovada competência. É
indispensável que se tenha a preocupação com a qualidade do trabalho,
evitando atribuir a responsabilidade do mesmo às universidades cuja
eficiência não tenha sido comprovada.
Às instituições escolares compete incluir os estudos raciais nos
seus projetos políticos pedagógicos e nos planos de ensino.
Quanto ao ingresso e permanência da população neg ra no ensino
superior, sugiro que as verbas públicas sejam utilizadas exclusivamente
para as universidades públicas, aumentando o número de vagas para
ingresso e g arantindo bolsas para a per manência dos alunos neg ros na
universidade, com duração correspondente a média de anos destinada
à conclusão dos cursos para os quais tais alunos forem selecionados.Isto
deve ocorrer de modo paralelo ao estímulo às universidades públicas
para adotarem a política de reserva de vagas para neg ros e ou indíg enas,
realização de concursos públicos para professores e funcionários com
reser va de vagas para neg ros, além da ampliação da capacidade física e
dos equipamentos nas mesmas instituições.
Entendo que, destinar verba pública para as instituições
particulares, é privatizar a coisa pública para promover o bem estar
individual dos empresários do ensino, cujos lucros estão ameaçados
pela inadimplência dos estudantes.
Estas são as minhas contribuições para que a inserção da população
neg ra na educação como direito, se efetive.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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neg ro chegou na escola. In Cader nos Penesb 1, Niterói, Inter texto,
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MORAES, Car men Sylvia Vidigal . A nor matização da pobreza:
crianças abandonadas e crianças infratoras. In Revista Brasileira de
Educação. Rio de Janeiro, ANPED, set,out,nov,dez 2000, 15.
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PINSKY, Jaime, PINSKY, Carla Bassanezi (organizadores).História da
Cidadania. São Paulo: Contexto, 2003.
SCHWARCZ, Lília Moritz. O espetáculo das raças: cientistas,
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companhia das Letras, 1995.
SISS, Ahyas. Afro-Brasileiros, cotas e ação afir mativa razões histórias.
Rio de Janeiro:Quartet; Niterói: Penesb, 2003.
SKDMORE, Thomas E. Preto no Branco raça e nacionalidade no
pensamento brasileiro. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1976.
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259
POLÍTIC AS PÚBLICAS DE EDUC AÇÃO:
CIDADANIA, DIFERENÇAS E RELAÇÕES
DE GÊNERO
1
Cláudia Vianna*
O impacto da não inclusão das questões de gênero nas políticas
públicas educacionais se traduz na discriminação das mulheres, nos
materiais didáticos e nos currículos, na limitação do acesso à educação
e da permanência na escola de jovens g rávidas, no fracasso escolar
que nitidamente marca de maneira distinta a trajetória escolar de
meninas e meninos.
Estamos em um patamar do conhecimento no qual não mais
questionamos a relação entre educação e política. Contudo, o mesmo
não pode ser afir mado para o nexo entre educação e gênero. A
intersecção entre relações de gênero e educação ganhou maior
visibilidade nas pesquisas e indagações educacionais somente em
meados dos anos de 1990, sendo ainda caracterizada pela pouca
divulgação das pesquisas e pela ausência de reflexões em algumas
temáticas educacionais específicas (Rosemberg, 2001). Est e é o caso
das políticas educacionais, sendo escassas as investigações sobre o
*Prof
a
Dr
a
da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo.
1
A pesquisa a que este artigo se refere, integra uma investigação por mim coordenada no
âmbito do Brasil, denominada Latin American Public Policies in Education from Gender
Perspective, sob a coordenação geral da Profa. Dra. Nelly Stromquist, e visa analisar como o
conteúdo de gênero vem sendo abordado pelas políticas públicas educacionais do Brasil,
Colômbia, Costa Rica e Perú. Versão parcial e preliminar desta pesquisa foi publicada na
Ta boo: The Journal of Culture and Education (2002) e no Cader nos de Pesquisa (2004) em
co-autoria com Sandra Unbehaum e Valéria Amorim Arantes de Ar aújo. O mesmo conteúdo,
com ligeiras modificações, foi apresentado posteriormente em explanação oral no Ciclo de
Conferências promovido APEOESP, devendo ser também publicado na revista desta instituição.
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atual desenvolvimento de políticas públicas de educação, sob a
perspectiva da redução da desigualdade de gênero no sistema de ensino
brasileiro.
Nas escolas as relações de gênero também ganham pouca relevância
entre educadores e educadoras, assim como no conteúdo dos cursos de
for mação docente, ainda temos os olhos pouco treinados para ver as
dimensões de gênero no dia a dia escolar.
Por tanto, o desafio desta ref lexão é duplo: perceber o gênero na
política que organiza o sistema nacional de ensino e na prática
educacional cotidiana das relações escolares. Este desafio supõe,
igualmente, um debate teórico sobre a presença das diferenças no campo
da construção e ampliação dos direitos e da cidadania, pois “a educação
escolar é uma dimensão fundante da cidadania, e tal princípio é
indispensável para políticas que visam à participação de todos nos
espaços sociais e políticos” (Cur y, 2002, p.246).
A idéia moderna de cidadania remonta à Revolução Francesa e está
diretamente relacionada à idéia de direitos. Rousseau, no Contrato
Social, atribui a cidadania apenas àqueles que a merecem; ou seja,
àqueles que têm a vir tude cívica da disponibilidade ativa para o serviço
da coisa pública (livro III, cap. XV). Ainda que restrito a um direito
natural, intrínseco aos indivíduos, esse conceito teve papel
revolucionário “na medida em que afir mava a liberdade individual contra
as pretensões despóticas do absolutismo.” (Coutinho, 1994, p.14).
No entanto, cabe ressaltar que se trata de um conceito histórico, o u
seja, pensado como conceito e realidade ao qual a história atribui novas
e ricas deter minações, resultante de uma luta per manente por novas
conquistas de direitos. Os indivíduos não nascem com direitos, estes
são fenômenos sociais, demandas que surgem social e historicamente.
Podemos então constatar que o conceito de cidadania, constr uído
historicamente, tem diversas definições. Cidadão pode ser aquele
indivíduo que tem um vínculo jurídico com o Estado. Pode, também,
referir-se à obtenção de direitos políticos de votar e ser votado;
jurídicos de passapor te nacional; sócio econômicos de trabalho,
salários e deveres de pagar multa, prestar contas, etc. Adoto a
concepção de que “cidadania é a capacidade conquistada por alguns
indivíduos, ou (no caso de uma democracia efetiva) por todos os
indivíduos, de se apropriarem dos bens socialmente criados, de
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261
atualizarem todas as possibilidades de realização humana abertas
pela vida social, em cada contexto historicamente deter minado.
(Coutinho, 1994, p.14).
Uma decorrência dessa definição é que os direitos sociais se referem,
sempre, às conquistas historicamente possíveis de setores que procuram
fazer de suas necessidades direitos socialmente reconhecidos. E uma
das esferas de reconhecimento dos direitos conquistado s é a lei, o
chamado direito positivo, leg almente reconhecido. Esse reconhecimento
não é tudo, ele facilita a luta para transformar os direitos em deveres
efetivos do Estado, mas a legislação não é neutra. Apesar de sua capa
de neutralidade, ela expressa a correlação de forças presentes no
momento histórico em que foi elaborada. Ler a lei é compreender essa
cor relação de forças entre interesses e projetos divergentes.
Este enfoque pode levar-nos a “ver o discurso sobre direitos
humanos, por exemplo, como apoiando o status quo num contexto e
como subversivo no outro” (T hompson, 1995, p.18), exigindo a análise
das inter-relações assimétricas e de dominação.
Na área da educação temos, como exemplo, a Constituição Federal
promulgada em 05 de outubro de 1988. Ao ser aprovada, recebeu de
Ulisses Guimarães, presidente do Congresso que votou a Constituição
- chamado Congresso Constituinte -, o título de Constituição Cidadã,
devido aos avanços por ela introduzidos em ter mos de direitos sociais.
De fato, ela incluiu vários avanços no âmbito da cidadania e dos direitos.
Entre eles, a compreensão de que “todos são iguais perante a lei, sem
distinção de qualquer natureza” (Art. 5o CF/1988), e a necessidade de
“promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo,
cor, idade ou quaisquer for mas de discriminação” (Ar t. 3o CF/1988).
No entanto, ainda existe discriminação de gays e lésbicas nas políticas
brasileiras em geral. A votação do Projeto de Parceria Civil Registrada (PCR)
- lei que reconhece as relações estáveis entre pessoas do mesmo sexo, com
a garantia de direitos básicos junto à Previdência Social, aos Planos de
SaúdeeàReceita Federal, - está tramitando no Congresso desde 1995 e
ainda não foi promulgada, apesar do apoio de 70 parlamentares da Frente
Parlamentar pela Livre Expressão Sexual em 2003.
Quando tratamos da educação escolar, também temos presentes as
inter-relações assimétricas e de dominação da sociedade mais ampla,
necessitamos então buscar na elaboração das políticas educacionais o
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262
enfrentamento das desigualdades sociais, nos seus mais distintos
matizes, incluindo entre eles as discriminações de gênero. Isso exige
que possamos nos posicionar diante da tensão entre igualdade de direitos
e defesa das diferenças, tão presente em nossa sociedade, de modo a
garantir direitos que assegurem a aquisição de instr umentos, que
possibilitem a compreensão dessas leis e da complexidade da organização
social atual, pois a “dialética entre o direito à igualdade e o direito à
diferença na educação escolar como dever do Estado e direito do
cidadão, não é uma relação simples” (Cur y, 2002, p.255).
Viver com a diferença contém um potencial, intrinsecamente,
ambivalente:
Existe de fato, de uma par te, o risco desag reg ador, do momento em
que a exposição da diferença pode levar à desinteg ração, à perda das
ligações fundamentais que per mitem a busca de fins em comum. Mas,
de outra par te, a diferença tem também um enorme potencial dinâmico
porque gera aquela sinergia, aquela conexão que em um mundo
homogêneo não era possível. (Melucci, 2000, p.70)
Estas são ferramentas teóricas importantes que desmancham a
associação entre luta pela igualdade de direito s e a idéia idílica de consenso
e harmonia. Mas são apenas algumas das muitas exigências. É preciso,
além de municiar-se teoricamente, treinar-se na disponibilidade de aceitar
que diferença e igualdade são, ambas, dimensões das relações sociais,
quando apenas a diferença se torna a única bandeira o resultado é a
violência e a subordinação (Melucci, 2000).
Trata-se, por tanto, de uma permanente tensão entre diferença e
igualdade, entre reduzir-se à mera particularidade ou diluir-se na
homogeneidade que, ao menos em parte, nos orienta socialmente. Nossa
prática social, recor tada pela homogeneização, per mite o acesso a
direitos genéricos. Muitos exemplos desse processo são encontrados na
equivalência da lei, da moral e da igualdade abstrata. Mas nossa prática
social remete. ao mesmo tempo, ao conf lito diante dessa equivalência
que oculta necessidades individuais e coletivas diversas, centralizadas
pelo alto, e omite distinções e contrastes, diferenças de classe social,
gerações, raça/etnia, gênero, até mesmo na própria família, primeira
unidade comunitária.
Assim, a diferença é alg o que resiste ao homogêneo, que não se reduz
a ele, que indica o limite explicativo da noção de equivalência e aponta
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263
a diferença enquanto campo residual (Lefebvre, 1970). Mas é preciso
cuidado, pois se separamos o diferente e o isolamos sem reintegrá-lo ao
conjunto, matamos a diferença reduzindo-a, meramente, a particularidade
e ao individualismo. Falando sobre o risco da defesa do diferencialismo,
Henri Lefebvre (1970) nos alerta sobre sua possível relação com a
manutenção e o acirramento do preconceito e da exclusão. Antônio Flávio
Pierucci (1990) também chama a atenção para as armadilhas racistas e
sexistas que a defesa do direito à diferença pode conter, aproximando-se
das recomendações de Melucci (2002), quanto ao fato de que a argumentação
do conservador oscila o tempo todo entre celebração (auto-referida) da
diferença e repulsa aos diferentes, entre afir mação e neg ação, entre
constatação inescapável da existência efetiva das diferenças e a recusa (mais
ou menos agressiva, mais ou menos violenta) de conviver com elas.
Entretanto, a negação do direito à diferença com base no risco da
mais absoluta discriminação é um dos usos possíveis dessa noção, mas
não o único. Buscar a diferença, enquanto alg o que está na base de
“toda tentativa de apreensão dialética da mudança social” (Har vey,
1989, p. 320) é tarefa urgente quando se trata da constr ução coletiva
da ampliação de direitos na política educacional e nas relações escolares.
É nesse sentido que se torna importante recuperar aspectos da
organização social, tais como classe, raça/etnia, gênero, religião, geração
e outras dimensões sociais, que remetem à diversidade, sem perder a
luta por direitos - contida na noção de equivalência - mas sem tão pouco
cair na defesa da par ticularidade - locus da neg ação do coletivo.
As diferenças marcam a luta por direitos e a elaboração das políticas
em geral, assim como aquelas que definem as peculiaridades do campo
da educação pública. Ignorá-las pode acarretar o isolamento e a exclusão;
trabalhar somente com elas pode municiar o mero par ticularismo. É
preciso decompor a percepção dos direitos e desconstr uir os guetos
históricos, mostrando as fissuras e as contradições que a noção de
diferença pode adicionar às possibilidades de construção coletiva da
organização do sistema educacional (Vianna, Ridenti, 1998).
E quanto às relações de gênero? O que podemos ver nas leis que se
liga à presença das relações de gênero em geral? O que podemos ver
nas leis que se liga à presença das relações de gênero nas políticas de
educação e no cotidiano escolar? O que essa presença pode apontar de
novo, de superação de preconceitos e discriminações de gênero?
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264
Do que estamos falando? Do impacto da não inclusão das questões
de gênero nas políticas públicas educacionais, e isto se traduz na
discriminação das mulheres nos materiais didáticos e nos currículos, na
limitação do acesso à educação e da permanência na escola de jovens
grávidas, no fracasso escolar que nitidamente marca de maneira distinta
a trajetória escolar de meninas e meninos.
O gênero pode ser compreendido como um “elemento constitutivo
de relações sociais fundadas sobre as diferenças percebidas entre os
sexos (e como) um primeiro modo de dar significado às relações de
poder” (Scott, 1990, p.14).
É muito comum que, em nossa sociedade, as diferenças entre homens
e mulheres sejam remetidas diretamente ao sexo e tidas como naturais
e imutáveis. Feminino e masculino passam a ser consideradas categ orias
opostas, excludentes, além de hierarquizadas em detrimento dos valores
e significados femininos. O ordenamento das relações sociais assim
polarizado, hierárquico e cristalizado desloca a culpa das evidentes
desigualdades sociais, políticas e econômicas para a natureza” (Matos,
2001, p.70). E este modo de compreensão da realidade é reforçado não
pela medicina, pelas ciências biológicas, mas por instituições sociais
como a família e a escola, bem como pelas políticas públicas de educação.
O cerne do conceito de gênero é sair de explicações das desigualdades
fundamentadas sobre as diferenças físicas e biológicas, afir mando o
caráter social, histórico e político do gênero enquanto relação social.
Esse conceito remete então à dinâmica da constr ução e da transfor mação
social, aos significados de gênero que vão para além dos corpos e dos
sexos e subsidiam noções, idéias e valores nas distintas áreas da
organização social: nos símbolos culturalmente disponíveis sobre
masculinidade, feminilidade, hétero e homossexualidade; nos conceitos
nor mativos referentes às reg ras nos campos científico, político, jurídico;
nas concepções políticas que são implantadas em instituições sociais
como a escola; nas identidades subjetivas e coletivas que resistem à
pretensão universal e generalizada do modelo dominante de
masculinidade/feminilidade.
O gênero enquanto um modo de dar significado às relações de poder
estabelecidas e difundidas pelas políticas educacionais está presente
nas mais variadas esferas, níveis e modalidades de ensino. E a avaliação
sistemática das políticas públicas educacionais nesta perspectiva, pode
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265
se tornar um precioso aporte para a superação das desigualdades de
gênero e garantia da cidadania.
Nessa direção, proponho aqui o exame, ainda que breve, dos principais
documentos que especificam as diretrizes nacionais das políticas
públicas educacionais no Brasil: Constituição Federal (CF/1988), a Nova
Lei de Diretrizes e Bases da Educação, LDB (Lei n. 9394/1996), o
Plano Nacional de Educação, PNE (Lei n.10.172/2001) aprovado pelo
MEC e os Parâmetros Cur riculares Nacionais.
A perspectiva de gênero na Constituição Federal de 1988, na Nova
LDB e no Plano Nacional de Educação.
Nestas leis e planos educacionais não vemos o gênero, ele está oculto,
disfarçado, dissimulado, cober to com um véu. A f or ma como velam e
ocultam o gênero nos remete a três dimensões distintas.
Uma primeira dimensão trata da linguagem utilizada para nomear os
indivíduos de ambos os sexos, com ênfase para a forma masculina:
“Será objetivo per manente das autoridades responsáveis alcançar
relação adequada entre o número de alunoseoprofessor... (LDB
n. 9394/1996, Art. 25)”;
“Promover debates com a sociedade civil sobre o direito dos
trabalhadores à assistência gratuita a seus filhos e dependentes
em creches e pré-escolas (PNE Educação Infantil p.16)”
Em nossa sociedade, o uso da palavra articulada ou escrita como
meio de expressão e de comunicação, supõe o masculino g enérico para
expressar mos idéias, sentimentos e referências a outras pessoas.
Contudo, a linguagem, enquanto um sistema de significação, nunca é
neutra, ela é expressão da cultura e das relações sociais de um
deter minado momento histórico, e o conteúdo desses documentos
mostram isso.
Se por um lado, o masculino g enérico nele empreg ado expressa uma
for ma comum de se manifestar. Por outro, seu uso - especialmente em
textos que tratam de direitos - não é impune, pois redunda em
discriminação que oculta desigualdades de gênero. A ausência da
distinção entre os sexos na linguagem, que fundamenta as políticas
educacionais justifica o não privilégio de mudanças das relações de
gênero no debate educacional, perpetuando sua invisibilidade.
Tomando como exemplo a última citação acima, do Plano Nacional
de Educação (PNE) aprovado pelo MEC, temos que nem sempre o
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266
direito “dos trabalhadores à assistência gratuita a seus filhos e
dependentes em creches e pré-escolas”, tem igual referência para ambos
os sexos. Em algumas instituições de ensino, sejam públicas ou privadas,
esse direito é concernente apenas às mulheres trabalhadoras, excluindo-
se assim os pais, ainda que hoje defendamos a co-responsabilidade de
homens e mulheres na divisão de tarefas educativas.
Assim, a menção aos direitos entre ambos os sexos torna-se
indispensável, pois se queremos constr uir novos significados para a
prática social, precisamos reconstr uir nossa linguagem e despojá-la da
ideologia androcêntrica.
Uma segunda dimensão da forma, como estas leis e planos
educacionais velam e ocultam o gênero, refere-se à questão dos direitos.
Quando se trata de educação a defesa do “bem de todos, sem
preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas
de discriminação”, presente na Constituição logo em seu início (Art.
3º, IV), se faz completamente ausente na discussão dos direitos à
educação e na org anização do sistema educacional brasileiro. É preciso
ler nas entrelinhas da defesa geral dos direitos, os pequenos avanços
quanto ao gênero:
A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será
promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando
ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício
da cidadania e sua qualificação para o trabalho (CF/1988, Art. 205)
A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios
de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por
finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para
o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. (LDB
n. 9394/96, Art. 2o)
A ênfase nos princípios de liberdade e solidariedade pode ser
estendida para a igualdade de gênero, uma das expressões dos direitos
humanos, mas ela não está explícita nesta lei. A necessidade de superação
das discriminações relativas às constr uções histórico-culturais das
diferenças de sexo, presentes nas relações escolares, assim como nas
questões que permeiam algumas decisões a serem tomadas no âmbito
da legislação educacional, per manece velada e o não detalhamento das
definições e derivações destes princípios, sob a ótica das relações de
gênero pode também g erar mais discriminação. Na perspectiva de gênero,
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267
isso poderia significar solidariedade quanto ao aborto, quanto às
diferentes for mas de constituição familiar e de orientação sexual de
professores/as e alunos/as.
Uma terceira, e última, dimensão da dissimulação do gênero trata da
ambigüidade constante apenas do Plano Nacional de Educação aprovado
pelo MEC. Ou seja, o gênero desaparece na apresentação geral, nos
objetivos g erais e em níveis de Ensino, como a Educação Infantil -
ainda que estudos mostrem que este nível trabalha com uma fase
fundamental da socialização das crianças, momento em que as
diferenças de sexo/gênero deveriam ser exploradas por educadoras e
educadores, - e volta ao destaque, em tópicos específicos como na
descrição dos critérios do Prog rama de Avaliação do livro didático
(MEC), que prevê uma adequada abordagem de gênero e etnia, bem
como a eliminação de textos discriminatórios ou com estereótipos
referentes à mulher, ao neg ro ou ao índio.
Mas o principal problema do PNE, quanto ao gênero, ocor re ao tratar
do acesso de meninas e meninos ao Ensino Fundamental, uma vez que
não desenvolve em seu diagnóstico as conseqüências diferenciadas para
meninas e meninos quanto à per manência neste ensino. Log o nas
primeiras páginas, ao apresentar um diagnóstico sobre a Educação
Infantil, o PNE do MEC descreve:
A distribuição das matrículas, quanto ao gênero, está equilibrada:
feminino, 49,5% e masculino, 50,5%. Esse equilíbrio é unifor me em
todas as regiões do País. Diferentemente de outros países e até de
preocupações internacionais, em nosso País essa questão não requer
correções.
De fato, as estatísticas mostram que um equilíbrio quanto ao
ingresso de meninas e meninos na rede de Ensino Fundamental, porém
os dados revelam que esse equilíbrio sofre alterações na distribuição
por sexo no decorrer dos anos, aspecto que não poderia ser
desconsiderado do diagnóstico, muito menos das metas e objetivos do
PNE aprovado.
Essa desconsideração ignora o fracasso sistemático de meninos na
Educação Básica, especialmente no Ensino Fundamental. Confor me
Car valho (2003), não existem problemas especiais de acesso ao Ensino
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268
Fundamental para meninas, mas o mesmo não ocorre quando se trata
dos alunos do sexo masculino.
A tendência, bastante difundida por todo o país, de maior presença
de crianças e adolescentes do sexo masculino nas séries iniciais -
enquanto que as do sexo feminino concentram-se nas últimas séries -
revela que o melhor desempenho das meninas percorre todo o Ensino
Fundamental, visto que desde os sete anos, o índice de defasagem entre
idade e série escolar é maior para os meninos (14,7%) do que para as
meninas (13%). Os meninos são a maioria (53,2%) na primeira série,
mas a partir da 4a série a repetência entre os meninos é maior do que as
meninas, e nas oitavas séries 55% dos alunos são do sexo feminino.
Esse fenômeno fica ainda muito mais evidente nos elevados índices
de inadequação entre série e idade, uma vez que os dados de reprovação
muitas vezes estão sujeitos à tendência das escolas públicas, de
manipulá-los, ou seja, diminuí-los ao máximo, visando satisfazer
exigências das secretarias municipais/estaduais de educação (Car valho,
2001). Essas infor mações estão disponíveis a 20 anos, mas como
ressalta Marília Car valho (2003) elas não chegam aos cursos de
for mação e aos formuladores de políticas educacionais, sabemos pouco
desse processo.
Um outro fator bastante expressivo é o fato de que a maior parte dos
alunos, que são indicados para aulas de reforço e/ou classes de
aceleração nas escolas públicas, são em g eral meninos. Adriana de
Fátima Franco (2001) obser va que, os dados do Saresp de 1998, indicam
uma maior porcentagem do sexo masculino nas classes de aceleração.
Assim, o gênero pode ser encontrado no Plano Nacional de Educação
ao tratar do acesso de meninos e meninas no Ensino Fundamental, mas
ainda é marcado por uma certa ambigüidade ao não desenvolver em
seu diagnóstico as conseqüências diferenciadas para meninas e meninos,
quando se trata da permanência no ensino público.
Enfim, a presença, ainda que parcial e ambígua das questões
relativas às relações de gênero revela um avanço quanto ao tratamento
dado à educação pela Constituição Federal de 1988, pela Lei de
Diretrizes e Base da Educação Nacional (LDB 9394/1996) e pelo
Plano Nacional de Educação (PNE), mas não coesão entre os
diferentes níveis de ensino quando se trata das indicações
concer nentes às relações de gênero.
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269
A PERSPECTIVA DE GÊNERO NOS PARÂMETROS CURRICULARES
NACIONAIS PARA O ENSINO FUNDAMENTAL.
Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNEF) como um todo e
aqueles que tratam do Ensino Fundamental, em especial, fogem à regra
da dissimulação. São nestes documentos que o gênero se revela,
evidenciando zelo e cuidado, com muitos dos aspectos que desvendam
os significados e as implicações de seu uso nas relações e conteúdos
escolares. Trata-se também de uma inovação a inclusão de temas como
ética, pluralidade cultural, meio ambiente, sexualidade e saúde junto
aos conteúdos tradicionais trabalhados nas escolas.
Nesse sentido, os PCNEF realçam as relações de gênero,
reconhecendo-as como referências fundamentais para a constituição da
identidade de crianças e jovens. Coerentes com os fundamentos e
princípios da Constituição Federal, os Parâmetros Curriculares Nacionais
para o Ensino Fundamental trazem como eixo articulador da educação
escolar o exercício da cidadania, e apresentam, como maior inovação, a
inclusão de temas que visam a resgatar a dignidade da pessoa humana,
a igualdade de direitos, a participação ativa na sociedadeeaco-
responsabilidade pela vida social.
O documento adota como eixo norteador o desenvolvimento de
capacidades de alunas e alunos, processo este em que os conteúdos
curriculares devem atuar como meios para aquisição e desenvolvimento
dessas capacidades, e não como fins em si mesmos. Não se trata de
negar a importância do acesso ao conhecimento socialmente acumulado
pela humanidade, mas sim de incluir na pauta educacional temas
relacionados diretamente ao exercício da cidadania. Como a
problemática dos temas transversais atravessa os diferentes campos do
conhecimento, a proposta é de integ rá-los às distintas áreas cur riculares.
Bem, mas o processo de tornar visível a presença latente do gênero
não é linear e imediato nem mesmo nos temas transversais. Novamente,
obser vamos uma menção que se divide entre a timidez e o desvelamento.
Em todos os Temas Transversais - Ética, Meio Ambiente, Saúde,
Pluralidade Cultural e Orientação Sexual - somente quando se referem
a este último tema o gênero é de fato explorado.
Logo na Apresentação aos Temas (volume 08), ao resumir o
tratamento a ser dado à Orientação Sexual, esclarece-se que esta não
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270
se restring e a um trabalho terapêutico, pois deve enfocar as dimensões
sociológica, psicológica e fisiológica da sexualidade, e propõe três eixos
fundamentais para nor tear a intervenção do professor : Corpo Humano,
Relações de Gênero e Prevenção às Doenças Sexualmente
Transmissíveis/AIDS (PCNEF 1o e 2o ciclos, volume 08, p.31-34).
Quanto ao eixo sobre gênero, está evidente, nesta apresentação, a
clareza de que ele propicia o questionamento de papéis rigidamente
estabelecidos a homens e mulheres na sociedade, a valorização de cada
um e a flexibilização desses papéis AIDS (PCNEF e ciclos, volume
08, p.35). Nos demais temas a referência ao gênero é sutil e escassa,
esse é o caso, por exemplo, dos conteúdos de Ética para o e ciclos.
Nesse documento aparece algum tipo de referência às questões de gênero,
apenas no bloco de conteúdos dirigidos ao Respeito Mútuo.
2
No entanto,
dos quinze conteúdos específicos abordados, apenas dois deles fazem
referência às questões de gênero:
as diferenças entre as pessoas, derivadas de sexo, cultura, etnia,
valores, opiniões ou religiões;
o respeito a todo ser humano independente de sua origem social,
etnia, religião, sexo, opinião e cultura; (PCNEF, e ciclos,
volume 08, p. 101-104)
Podemos perceber que no documento de Ética a questão de gênero
recebe tratamento apenas superficial. É no volume 10, onde
encontramos explicitamente a definição do conceito de gênero, e dos
objetivos para o Ensino Fundamental a ele relacionado. O volume está
divido em dois grandes tópicos: Pluralidade Cultural e Orientação
Sexual. Este segundo subdivide-se em duas partes, a primeira apresenta
reflexões acerca do conceito de sexualidade, na infância e na adolescência,
e sua per tinência nas relações escolares ter minando por apontar os
objetivos gerais da Orientação Sexual para o Ensino Fundamental. A
segunda parte explicita os conteúdos da Orientação Sexual para o e o
ciclos. Estes conteúdos estão divididos em três blocos:
Corpo: matriz da sexualidade (p. 139-143)
Relações de gênero (p. 144-146)
Prevenção às Doenças Sexualmente transmissíveis/AIDS
(p.146-149)
2
O documento traz 4 blocos diferentes: Respeito Mútuo, Justiça, Diálog o e Solidariedade
(PCNEF, 1o e 2o ciclos, volume 08).
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271
No tópico dedicado à Orientação Sexual encontramos menção
detalhada à definição das questões de gênero, e têm-se como objetivos:
“combater relações autoritárias, questionar a rigidez dos padrões de
conduta estabelecidos para homens e mulheres e apontar para sua
transfor mação” incentivando, nas relações escolares, a “diversidade
de comportamento de homens e mulheres”, a “relatividade das
concepções tradicionalmente associadas ao masculino e ao feminino”,
o “respeito pelo outro sexo” e pelas “variadas expressões do feminino
e do masculino” (PCNEF 1o e 2o ciclos, vol. 10, p.144-146).
nessas detalhadas referências o compromisso com uma
for mação voltada para a promoção de relações inter pessoais, dotadas
de significados sociais não-discriminadoras, privilegiando-se a
articulação do conteúdo do bloco concernente ao gênero com as áreas
de História, Educação Física e as situações de convívio escolar
(PCNEF 1o e 2o ciclos, volume 10, p. 145).
Assim, não resta dúvida sobre a grande contribuição das reflexões
acerca das relações de gênero nos Temas Transversais, especialmente
no volume 10. Contudo, vale ainda indag ar sobre o modo como o
próprio conteúdo de gênero foi examinado por meio dessas reflexões
e sobre suas conseqüências para o cur rículo escolar. Nesta perspectiva,
salta aos olhos o destaque dado para o tema da sexualidade, explorado
nos PCNEF e ciclos, no tópico - Orientação Sexual.
A própria relevância dada à sexualidade necessita ser
problematizada, pois aqui uma inversão: as questões relativas ao
gênero deveriam perpassar toda a discussão sobre sexualidade, corpo
e prevenção, sem que sua abordag em ficasse circunscrita a um bloco
destinado à Orientação Sexual. Sendo assim, chama atenção a divisão
da “Orientação Sexual” nos três blocos anteriormente mencionados,
causando estranheza diante de sua associação aos temas de saúde e
prevenção às doenças sexualmente transmissíveis, referidos nos itens
“Corpo: matriz da sexualidade” e “Prevenção às Doenças Sexualmente
Transmissíveis/AIDS”.
Para exemplificar a redução da sexualidade à prevenção das doenças
sexualmente transmissíveis, destacamos os itens referentes aos
conteúdos que devem ser tratados por professoras/es no
desenvolvimento de seu trabalho:
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O conhecimento da existência de doenças sexualmente
transmissíveis; a compreensão das for mas de prevenção e vias de
transmissão da Aids; a comparação entre as formas de contato
que propiciam contágio e as que não envolvem riscos; recolher,
analisar e processar informações sobre a Aids, por meio de folhetos,
ilustrados, textos e artigos de jornais e revistas; o conhecimento e
a adoção de jornais e revistas; o conhecimento e a adoção dos
procedimentos necessários em sit uações de acidente ou ferimentos
que possibilitem o contato sangüíneo; o repúdio às discriminações
em relação aos portadores de HIV e doentes de Aids; o respeito e a
solidariedade na relação com pessoas por tadoras do vírus HIV ou
doentes de Aids (PCNEF 1o e 2o ciclos, volume10, p.148-149).
Assim, a inclusão da Orientação Sexual no currículo escolar aparece
articulada com maior ênfase à “promoção da saúde das crianças e dos
adolescentes” e às ações preventivas diante de doenças sexualmente
transmissíveis/AIDS (PCNEF e ciclos, volume10, p.148-149).
Se tais preocupações com a prevenção de doenças sexualmente
transmissíveis (especialmente a AIDS), com o abuso sexual e com a
gravidez na adolescência são absolutamente legítimas, elas não podem
(e nem devem) estar desvinculadas das questões de gênero que,
necessariamente, as perpassam. Ao associar diretamente a sexualidade
com a saúde favorece-se, mesmo não desejando, uma abordag em restrita
à prevenção e à doença.
A sexualidade é, ainda, um tema cercado de tabus e de difícil
tratamento para a maioria de professoras e professores. Sendo assim
seria fundamental orientá-los para uma utilização do conteúdo de
gênero, que considerasse os padrões de conduta estabelecidos
culturalmente. A incorporação das relações de gênero levaria também
para o interior dos temas escolar es a referência às diversas for mas de
expressão da sexualidade, para além da heterossexualidade, entre
outros exemplos.
A ênfase na existência de doenças sexualmente transmissíveis e na
necessidade de for mas para sua prevenção tem como conseqüência,
nos Temas Transversais do PCNEF, a sujeição ou subordinação do
gênero ao trinômio corpo/saúde/doença, posto que não privilegiam a
problematização de questões relacionadas às posturas, crenças, tabus e
significados, masculinos e femininos, associados à temática da
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273
Orientação Sexual. Ou seja, a sexualidade é abordada como um
problema de saúde pública.
3
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Sem dúvida, os Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino
Fundamental representam, dentre os documentos analisados, um
significativo avanço em relação a adoção de uma perspectiva de gênero.
O tema é conceitualmente definido na Apresentação e no tópico de
Orientação Sexual (PCNEF, e ciclos, volume 10, segunda parte,
p. 144-146). Aparece mencionado em várias páginas, porém os PCNEF
não estão impregnados de uma perspectiva de gênero, a qual deveria
perpassar todas as áreas do conhecimento e não estar atrelada
estritamente à Orientação Sexual.
Nesta perspectiva, trazer à tona as questões de gênero nas atuais
políticas educacionais brasileiras aponta para três últimas considerações.
Em primeiro lugar, nas leis e documentos aqui analisados as relações
de gênero ficam subsumidas ao discurso geral sobre direitos e valores.
Podemos, pois, avaliar a referência aos direitos humano seàabertura
para as demandas organizadas nas políticas públicas como algo positivo.
No entanto, não podemos deixar de mencionar a falta de radicalidade
quanto às demandas de gênero, sobretudo no Plano Nacional de
Educação aprovado, considerando o contexto histórico em que foi
produzido, quando as desigualdades de gênero em nossa sociedade
estavam no centro dos debates.
E isso nos leva a uma segunda consideração. A compreensão das
relações de gênero pela escola cor re o risco de permanecer velada, uma
vez que as políticas públicas não as mencionam, e quando o fazem não
exploram em todos os temas e currículos os antagonismos de gênero
presentes na org anização do ensino e do cotidiano escolar.
A terceira consideração diz respeito à for ma como o gênero aparece
nos Temas Transversais, atrelado especificamente à Orientação Sexual,
na qual a ênfase na existência de doenças sexualmente transmissíveis e
3
Sobre uma análise da concepção de sexualidade presente nos PCNs ver Altmann, Helena (2001)
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274
na necessidade de formas para sua prevenção, tem como conseqüência
a subordinação do gênero ao trinômio corpo/saúde/doença, sendo a
escola o locus singular para a garantia da saúde de crianças e jovens.
Ultrapassar esses limites do tratamento dado pela política educacional
às relações de gênero significa questionar os estereótipos de gênero e
refletir sobre o modo velado, ambíguo e, às vezes, reducionista que os
significados de gênero assumem nos documentos de políticas públicas
de educação. É preciso questionar essas referências.
4
Introduzir o ponto
de vista da mulher nos livros didáticos, nos conteúdos escolares; não
hierarquizar significados masculinos e femininos; interferir na reprodução
de estereótipos pelas crianças/jovens; evidenciar a existência de
inúmeros esquemas, sentidos e ações para cada sexo que não têm relação
com capacidades inatas, comportamentos espontâneos e, principalmente,
trabalhar com vários modelos de feminino e masculino.
Essa é uma tarefa difícil, mas urgente e necessária. Requer luta em
todas as esferas: na conscientização e formação do cor po docente; na
denúncia das revelações ditas científicas que perpetuam preconceitos;
na discussão de propostas e atividades realizadas na escola; na análise
crítica dos livros didáticos; e, sobretudo, nas inúmeras reivindicações
por direitos à diferença.
Unificar o que foi fragmentado e, mais que isso, tirar a hierarquia
das diferenças que ainda per manecerem, para que não se transfor mem
em desigualdades. Assim, as proposições políticas podem produzir
múltiplas articulações entre masculinidades/feminilidades, enquanto
campos diferenciais de direitos e per tencimentos docentes e discentes.
Isolar a feminilidade da masculinidade seria reduzir esta diferença à
particularidade, mas afir mar que homens e mulheres são iguais, ou que
existe equivalência entre valores e significados masculinos e femininos
em nossa sociedade, é negar as inúmeras diferenças sociais, muitas vezes
transformadas em desigualdades, e que podem servir de ponto de par tida
para a ampliação dos direitos no campo educacional. Caminhar nessa
direção requer o reconhecimento do conflito como pilar dos projetos
coletivos, aliado à coragem para uma escuta sensível acompanhada das
4
As reflexões que aqui se seguem contam com a contribuição dos trabalhos de Montserrat
Moreno (1999).
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275
transfor mações coletivas a ela inerentes: “o jog o da diferença e da
convivência requer a todos a travessia por um desconhecido, com
coragem e esperança” (Melucci, 2000: 155).
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277
EDUCAÇÃO: CIDADANIA E DIVERSIDADE
A ÓTICA DA EDUCAÇÃO ESPECIAL
Fátima Elisabeth Denari*
Os professores têm descoberto que o fato de terem alunos com NEE
em suas salas de aula lhes proporciona a oportunidade de interagir com
seus coetâneos, o que pode representar uma melhor preparação para a
vida em sociedade, por tanto, respeitando os três pilares fundamentais
da lei maior: pleno desenvolvimento da pessoa, preparação para a
cidadania e qualificação para o trabalho.
Enquanto homens e mulheres, no processo de constr ução do
conhecimento, nós buscamos estabelecer relações uns com os outros.
Para tanto, não raramente, temos de desconstruir para (re) construir,
tal ação se no âmbito dos mais variados projetos, sejam estes, pessoais
ou profissionais, e que se constituem na passagem fundamental para os
processos de criação e socialização.
Para melhor expressar estes entendimentos, busco inspiração nas
palavras de Bianchetti (2002). Na relação que estabelecemos com os
outros, pode-se detectar variabilidade na proximidade e nas trocas, que
vão desde o simples desconhecimento (não sabemos quem é o outro; a
indiferença (sabemos do outro, mas ele não nos significa); (in) tolerância,
nas essências física e afetiva, pelas quais nos sentimos mobilizados; e,
finalmente, pela empatia, que implica e provoca mudanças: o decisivo
aqui passa a ser a forma como olhamos, o significado que imprimimos
nas pessoas e situações.
* Universidade Federal de São Carlos. Depar tamento de Psicologia e Prog rama de
Pós-Graduação em Educação Especial.
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Bianchetti (2002) nos diz, ainda, dos diferentes significados que podem
ser atribuídos a este olhar: olhar para; dispor-se a; engajar-se; querer olhar;
querer comprometer-se de uma forma diferente com os diferentes. Isto
ocor re no campo da vontade, da disponibilidade e do compromisso.
Diversamente, é ser o olhado, especialmente em uma sociedade
excludente, desigual, que julga a partir de um atributo da natureza, por
uma diferença, por uma marca no cor po, pela falta de um sentido, órgão
ou membro, pela raça, pela etnia, pela cor, pela religiosidade, pela opção
sexual; desta forma, subjugando a condição de quem está sendo olhado!
Diferenças existem entre olhar e ser olhado: a quem olha, pertence o
olhar que confere a primazia de escrever uma história, que pode vir a
tornar-se oficial. O outro, o alvo do olhar, está freqüentemente na
dependência da decisão e da direção de quem olha! Ao diferente,
destinam-se não somente a mirada do olhar, mas as vontades e a
confir mação de uma história feita, pronta, delineada, (de) limitada...
Nesta constr ução/desconstr ução/reconstr ução está implícito o
entendimento de que toda pessoa expressa uma tendência a ser perfeita,
a educar-se, condições tais que fundamentam os princípios normativos
de ordem moral e que são indispensáveis para o exercício de sua dignidade.
É mediante a educação que o homem pode aperfeiçoar-se e transcender,
aumentar seus conhecimentos de mundo, tornar-se responsável e
conquistar independência e auto-suficiência. Portanto, privar uma pessoa
de educação significa privá-la, também, de seus mais legítimos direitos.
Durante muito tempo, entendeu-se a educação escolar como uma
possibilidade destinada somente às pessoas colocadas em um patamar
de normalidade, ao qual ajustam-se condutas cong ruentes que as levam
a estabelecer-se e adaptar-se, integralmente, em uma dada sociedade.
Estamos, pois, referindo-nos à diversidade, aqui entendida como um
requisito da condição humana e da cultura de cada pessoa ou g r upo
social, e no qual, o respeito à diversidade deve estar na base da
constituição de qualquer projeto democrático: prog ramas de serviços,
políticas de ação e planejamento de qualidade de vida para todos. Como,
então, ainda persistem, ações seg reg ativas? O que realmente mudou
em relação à educação e à educação especial?
A Educação Especial no Brasil, na recenticidade de sua história, tem-
se caracterizado por uma prática segregativa e segregada, não obstante,
na atualidade, pautar-se por uma cultura de inclusão educativa, social e
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279
laboral, inspirada em modelos outros. Assim entendida, a Educação
Especial é um processo final, valorativo, cultural e historicamente
determinado, no qual homens e mulheres (d) eficientes, com necessidades
educacionais especiais, alvo de suas ações, mediante a aquisição de um
conhecimento, compensam ou atualizam sua potencialidade.
Tal prática encontra-se assentada, entre outros, em entendimentos
ante a diversidade. O primeiro abarca a noção de diversidade com
desigualdade; neste sentido, é comum preceder-se o termo “tratamento”,
sugerindo uma “atuação clínica, médica, relacionada com possível cura
de uma enfermidade (Castiñeiras, 2001,p.317). Neste sentido, tratar
a diversidade pressupõe a análise de uma situação particular para decidir
entre os remédios que temos, aquele que melhor responda à finalidade
que buscamos, proceder ao seguimento da enfermidade tratada e fazer
um balanço dos resultados obtidos. Assim posto, o tratamento da
diversidade centrar-se-ia na unificação de sintomas, na homogenização
do que é socialmente aceito como bom, natural, desvalorizando-se,
conseqüentemente, modelos diverg entes. Contrariamente, é possível
aplicar diferentes produtos para diferentes fins, destinados a g r upos
distintos segundo as expectativas que social e educativamente temos
de nossos alunos, por exemplo, esperando que não ocor ram demasiados
efeitos secundários. que se atentar para uma contradição: de um
lado fomenta-se um rendimento máximo nos objetivos curriculares
destinados a uma par te do alunado; de outro lado, parece instaurar-se
um clima de conformismo a respeito de que, outra par te destes, a
g rande maioria consig a apenas suas competências mínimas...
O segundo entendimento nos diz da diversidade pela igualdade social.
Sob esta ótica, cada um de nós é diferente e nesta diferença confluem
muitos e variados fatores: de gênero, familiares, sociais, culturais,
econômicos, de personalidade, de formas de perceber, sentir e aprender.
Neste sentido, a diversidade torna-se sinônimo de mecanismo único
destinado ao avanço das sociedades.
Desta for ma, no âmbito de uma reflexão sobre a constr ução histórica
do conhecimento em Educação Especial, impõe-se estabelecer um
primeiro esboço de como vêm se configurando as práticas, ideologias e
políticas destinadas a legitimar os princípios máximos dos direitos à
educação: a preser vação da dignidade humana, a busca da identidade e
o exercício da cidadania.
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280
No Brasil, a Constituição Federal de 1988 estabelece o direito de as
pessoas com necessidades especiais receberem educação,
preferencialmente, na rede regular de ensino. A Lei de Diretrizes e Bases
9394/96, que no Cap. V trata da Educação Especial, no art.58 entende
por Educação Especial a modalidade de educação escolar oferecida,
preferencialmente, na rede regular de ensino, para alunos por tadores de
necessidades especiais.
Destacam-se aqui, dois aspectos positivos: o primeiro refere-se ao
fato de a Educação Especial ser considerada uma modalidade de
educação escolar, diferentemente dos anos 80, quando era considerada
apenas como um ser viço destinado a alunos excepcionais, isto é, aqueles
alunos que apresentem: deficiência mental, deficiências sensoriais,
físicas e /ou múltiplas, distúrbios de conduta e superdotados. O segundo
aspecto reporta-se ao local onde a educação deve se dar: na rede regular
de ensino. Entretanto, frente ao paradigma da inclusão, causa
preocupação o uso dos termos “por tadores” e “preferencialmente”. Ser
portador de traz implícita:
“a idéia de carregar algo que, por ser ‘especial’, não cabe no lugar comum.
Pode re forçar a idéia de excluir o diferente ao pressupor uma ‘falta’
que, talvez, exceda em muito a dimensão dela própria,()umatributo
essencial da nor malidade. Preferencialmente, pode ser o termo-chave
para o não cumprimento do artig o, pois quem ‘primazia a’ tem
arbitrada legalmente a porta da exceção (Minto, 2000, p. 9).
A Lei 10.172/2001 (p.05) aprova o Plano Nacional de Educação
apontando como objetivo e prioridade “a redução das desigualdades
sociais e regionais no tocante ao acesso e à permanência com sucesso
na educação pública”. O Estado de São Paulo reitera tais colocações
salientando, desde a Lei Estadual 10.403/71, até mais recentemente
na indicação do Conselho Estadual de Educação, que a Educação
Especial é uma modalidade oferecida para alunos com necessidades
educativas especiais que apresentam significativas diferenças físicas,
sensoriais ou intelectuais decorrentes de fatores inatos ou adquiridos,
de caráter temporário ou permanente e que, em interação dinâmica com
fatores sócio-ambientais, resultam em necessidades muito diferenciadas
da maioria dos alunos.
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281
Garante-se, pois, o cumprimento de um arcabouço legal, cada vez
mais divulgado e conhecido. No entanto, o mero cumprimento parece
estar long e de g arantir a qualidade do ensino, para todos os alunos, sem
restrições. Em decor rência, ao long o desta última década, vem-se
assistindo a um debate intenso acerca das vantagens e desvantagens da
inclusão de alunos com necessidades educacionais especiais nas salas
de aula do ensino regular, debate este, na maior parte das vezes, baseado
em meras concepções ideológicas sem qualquer suporte factual e
análises críticas apoiadas em rigorosas investigações metodológicas.
Em recente pesquisa realizada por alunos dos cursos de Pedagogia/
UFSCar e de Educação Física/UFSCar, na disciplina Tópicos em
Educação Especial, obser vamos que deter minados entendimentos,
condições, ações e encaminhamentos que julgávamos ultrapassados,
têm-se perpetuado de modo intenso, não obstante os prog ressos, o u
melhor, a falsa ilusão de que estamos mudando em direção à construção
de uma nova história. A pesquisa foi realizada junto a professores e
diretores de escolas da rede pública de ensino, na abrangência estadual,
e diretores e professores de Educação Física, das escolas municipais de
São Carlos, como parte de um projeto piloto, que visa mapear o processo
de inclusão no país; e, também, como uma re-leitura de minha
disser tação de mestrado, com vistas a re-significar a diferença, em
tempos de inclusão. Trabalhamos a partir da perspectiva proposta por
Nóvoa (1992, P. 109):
“educar significa instituir a integração dos educandos como agentes
em seu lugar designado num conjunto social, do qual nem eles, nem
seus educadores, têm o controle. Significa assegurar ao mesmo tempo
a promoção desses mesmos educandos e, portanto, de seus
educadores, em atores de sua própria História individual e da História
coletiva em curso” .
Inquiridos sobre como exercem sua prática docente, em sala de aula,
com a presença de alunos com necessidades educacionais especiais
(NEE), os informantes mencionados demonstram ter infor mações
básicas a respeito da legislação vigente e, sobretudo, das penalidades
que seu (des) cumprimento pode acar retar. As primeiras análises
salientam, incontestavelmente, a igualdade de oportunidades, processo
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282
no qual, toda a sociedade, sob a foram de ser viços, atividades,
infor mações, documentação, colocar-se-ia à disposição de todos os
cidadãos, representando uma contribuição fundamental para a
mobilização em prol do bem-estar de todos, na sociedade mais justa
que queremos constr uir. Neste sentido, a igualdade de direitos significa
que as necessidades de cada pessoa têm idêntico grau de importância.
Ainda per manecem viézes que obscurecem entendimentos e
dificultam tomada de decisões, entre ao quais, a conceituação de
deficiência, notadamente a mental. Quem é o aluno alvo dos serviços
da Educação Especial? Como distinguir o cidadão, aquele que tem o
livre arbítrio sobre suas decisões, seus direitos e deveres daquele a quem
recai a pecha de sub-cidadão, sobre quem pesa a neg ação destas
condições mesmas? Sobre quais critérios se assenta tal decisão? No
caso das deficiências sensoriais e físicas, as respostas dos professores
expressam dúvidas, desconfiança, medo, especialmente por não se
sentirem aptos a trabalhar, de maneira satisfatória, com a diferença.
No caso da deficiência mental (traduzidas nesta pesquisa, pela
Síndrome de Down e por paralisia cerebral), as declarações alteram-se
drasticamente, alicerçadas na crença da não-realização, na falta de
expectativas futuras. Per manece a idéia de não-eficiência, contrapondo-
se aos paradigmas propostos na inclusão, permeando nossas vidas, por
meio de preconceitos que funcionam como bar reiras invisíveis. Urge,
então, despir mo-nos destas bar reiras para que possamos desfazer nós
que nos mantém atrelados a um passado que teimamos em desconsiderar.
Se defender mos a bandeira da diversidade, que considerar o
pressuposto de que temos de desequiparar para atingirmos a igualdade.
Mas, não será esta característica aquela que o tom da melodia?
Atrelado a este (des) entendimento, vem o problema do diagnóstico
e do encaminhamento do aluno para os serviços de Educação Especial.
Em relação à deficiência mental permanece a imprecisão das
conceituações causadas não somente pela variabilidade terminológica
e seus significados, sobejamente conhecidos, como também, pela
deter minação de modelos re presentativos de tendências historicamente
constr uídas. Neste sentido, ainda são deter minantes da car reira sócio-
escolar e laboral do aluno tido como deficiente mental, características:
constitucionais e fisiológicas, de desempenho acadêmico, de
comportamento adaptativo, todas estas associadas ao nível sócio-
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283
econômico e cultural. Por tanto, alunos continuam a serem avaliados
por instr umentos for mais (testes) e a par tir de um diagnóstico nem
sempre preciso, mas quase sempre discutível, questionável, são
encaminhados aos ser viços de Educação Especial disponíveis (classes
especiais, salas de recurso, instituições especiais).
Cabe lembrar que em tempos de inclusão, diria radical, ser viços
são extintos (classes especiais), em prejuízo daqueles que realmente
deles necessitam. E, em nome destes mesmos ser viços e respaldados
por um arcabouço leg al, às vezes extremamente injusto, discutível e,
por estas razões mesmas, passíveis de particular análise, destinos são
traçados à revelia daquele que é usuário.
Surge um impasse: o que é melhor? A segregação ou a inclusão? O
que muda realmente frente a este entendimento?
Creio que as possíveis respostas poderiam considerar que:
1 . Dadas as peculiaridades, cada aluno deveria receber diferentes
atendimentos, sem que isto constituísse demérito ou favorecesse
o desencadear de um processo de marginalização. Tais
atendimentos justificar-se-iam na medida em que se reconhecesse
que todas as pessoas diferenciam-se umas das outras, e que
poderiam conviver, har monicamente, a par tir desta diferenciação.
E que esta convivência não deveria ser interpretada como uma
concessão de um deter minado g r upo a outros: mas, sim, como
um direito que a sociedade reconhece que todos têm,
indiscriminadamente;
2 . A criação de um ambiente educativo que se revele positivo para
o processo de aprendizagem de todos os alunos, com ou sem
necessidades especiais, revela-se outra fonte de preocupação com
a promoção de experiências diferenciadas que coloquem o aluno
diante de situações ótimas de aprendizagem;
3 . Os professores têm descoberto que o fato de terem alunos com
NEE em suas salas de aula, lhes proporciona a oportunidade de
interagir com seus coetâneos, o que pode representar um melhor
preparação para a vida em sociedade, portanto, respeitando os
três pilares fundamentais da lei maior: pleno desenvolvimento da
pessoa, preparação para a cidadania e qualificação para o trabalho;
4. A existência de um projeto cujas características não sejam
reforçadoras de rótulos que, uma vez atribuídos, excluam pessoas
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de seu meio, impossibilitando-as a uma vida escolar, social e
laboral. Na busca de possíveis entendimentos, é necessário
considerar duas condições básicas: a cronicidade dos aspectos que
deter minam as necessidades especiaiseaevolução histórica do
atendimento a estas necessidades, condições estas que nem sempre
são familiares aos saberes dos professores;
5 . O saber docente é condição essencial para a emergência de um
outro paradigma: o profissionalismo docente, traduzido pela
competência, como produto de sua for mação, que faça da
for mação continuada um vetor de profissionalização, ao invés de
um simples aporte e técnicas de ensino, que introduza dispositivos
concretos de criatividade, responsabilidade, confiança e avaliação
constr utiva.
Finalmente, como educadores, nosso objetivo é fazer desta diferença
e desta diversidade uma via de avanço e de transfor mação social.
Queremos e devemos dar pequenos, mas fir mes passos em direção a
um modelo educativo e social que atenda toda a população, que possa
ir aos poucos superando as desigualdades sociais existentes e que
beneficie aqueles setores mais diferenciados da população.
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EDUCAÇÃO: CIDADANIA E DIVERSIDADE
A ÓTICA DOS POVOS INDÍGENAS
Gersem Baniwa*
A tradição não é uma lembrança, senão uma força que sustenta e alimenta
o presente e projeta a cer teza do futuro do povo. É por esta razão que
os professores e lideranças indígenas reivindicam uma for mação
adequada através de cursos específicos, produção de material didático
próprio e o acompanhamento do processo educacional nas escolas.
INTRODUÇÃO
Inicialmente quero a g radecer ao Conselho Nacional de Educação,
na pessoa do seu presidente, prof. José Carlos Almeida da Silva, pelo
convite e pela oportunidade de estar participando, muito
par ticular mente meus ag radecimentos à Conselheira e representante
indígena no CNE, a profa. Francisca Pareci, que sempre está me
incentivando nessa e em outras par ticipações. São oportunidades ricas
para aprender e contribuir com as discussões e ref lexões na constr ução
de políticas públicas educacionais, cada vez mais coerentes com os
anseios dos diferentes segmentos sociais que compõem a sociedade
brasileira, em particular, os povos indígenas.
* Gerente Técnico do Projeto Demonstrativo dos Povos Indígenas.
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288
ANTECEDENTES
Os povos indígenas habitam o continente americano pelo menos
milhares de anos.Quando os portugueses chegaram ao Brasil encontraram
centenas de povos nativos da região que se convencionou chamar de
índios –, com diferentes for mas de organização social, política e
econômica. Possuíam formas próprias de educação, baseada,
principalmente, na aprendizagem de conhecimentos e técnicas que
per mitiam a sobrevivência física e cultural. Os conhecimentos eram de
domínio coletivo e passados de pais para filhos. Esse modelo de
educação, apesar de séculos de perseguição, neg ação e dominação,
continua sendo praticado por esses povos–éaeducação indígena.
Com a chegada dos colonizadores europeus, iniciou-se um novo
processo de educação imposto pelos colonizadores, através da escola
e da catequese–éoinício da educação escolar. Os projetos de escola
para os índios, desde o início, foram para implementar os projetos
integracionistas da sociedade dita “civilizada”. A organização de
escolas nas comunidades indígenas surgiu como um dos mais efetivos
instr umentos de descaracterização cultural, desorg anização social e,
conseqüentemente, de dominação dos povos indígenas. A justificativa
era a mais absurda possível, a partir do pressuposto de que os índios
não tinham educação. O fato do processo educativo nos povos
indígenas apresentarem diferenças radicais quanto à chamada
“educação nacional”, levou à conclusão equivocada de que não existia
educação indígena.
Sobressai, dessa for ma, uma visão deturpada e preconceituosa,
incapaz de encarar a diversidade cultural. A alteridade foi vista como
um ameaça a um determinado modelo do dominador a ser imposto pela
força das ar mas e das idéias. Os conteúdos desta prática educacional
não consideram a especificidade de cada povo.
O tema proposto pelo fórum “Educação: cidadania e diversidade”,
é de extrema importância para a democracia e o bem estar de nossa
sociedade e do nosso país. Mas é um gigantesco desafio, na medida em
que, o exercício da cidadania enquanto direito de viver de acordo com
as diversas formas de org anização social, cultural, político e econômico,
a ser considerado nas práticas educativas do dia-a-dia, é ainda um sonho
ou projeto político-pedagógico distante; quando falamos de um conjunto
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de povos historicamente dominados com suas culturas negadas, como
é o caso dos povos indígenas, ou mais ainda, quando falamos de mais
de 210 povos etnicamente diferenciados, mas que representam 0,2%
da população ou ainda 0,05% do eleitorado brasileiro.
As diversas formas de educação imposta aos povos indíg enas, desde
o início da colonização por tuguesa, tinham como objetivo a dominação,
a negação a destr uição das suas culturas e, mais recentemente, à sua
integração à sociedade dominante, que no fundo significou a mesma
coisa: o exter mínioeogenocídio. Desta forma, pode se dizer que o
estado colonial pretendia eliminar os povos locais, fisicamente através
do exército e culturalmente através da escola e da catequese. Os povos
indígenas representavam ameaça à hegemonia do poder dos
conquistadores. Foram cinco long os séculos de negação das culturas,
dos conhecimentos e da diversas for mas de ser e de viver dos povos
indígenas, primeiros habitantes das ter ras brasileiras.
Apenas muito recentemente, as escolas em comunidades indígenas
pouco a pouco vão incorporando em seus quadros, professores de suas
próprias comunidades, o que promete novas perspectivas mais otimistas.
Atualmente, a questão escolar passa a fazer parte do cotidiano do
movimento indígena, sendo inclusive esta uma de suas principais
preocupações e pauta de todas as assembléias, reuniões e encontros
ligados sempre a luta mais ampla, como o direit oeagarantias das ter ras.
A escola passa a ser considerada como instr umento impor tante na
constr ução do projeto de autonomia dos povos indígenas e no exercício
pleno da cidadania. É neste cenário que aparece a figura do professor
indígena, como agente impor tante na construção de escolas indígenas,
enquanto instr umento de luta na busca de respostas às necessidades da
comunidade. A participação da comunidade começa se dar desde a
definição dos objetivos da escola, conteúdos, metodologia, estratégia de
ensino–aprendizagem e controle político e administrativo, ou seja, o
cur rículo e regimento. Os saberes tradicionais e os novos conhecimentos
começam a constituir um conjunto dinâmico dentro do contato inter
étnico. A tradição não é uma lembrança, senão uma força que sustenta e
alimenta o presente e projeta a certeza do futuro do povo. É por esta
razão que os professores e lideranças indígenas reivindicam uma formação
adequada através de cursos específicos, produção de material didático
próprio e o acompanhamento do processo educacional nas escolas.
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MUDANÇAS: CONQUISTAS E AVANÇOS
Não dúvidas sobre os consideráveis avanços conquistados a
partir da Constituição de 1988, no que diz respeito aos direitos dos
povos indígenas, principalmente quanto à concepção de uma educação
escolar específica e diferenciada. São avanços em dois campos
articulados entre si:
Primeiro, no estabelecimento de instr umentos jurídicos e normativos,
principalmente quanto ao reconhecimento das diferentes for mas de
organização social, política e econômica, o reconhecimento da
importância da participação e do protagonismo indígena e da
necessidade de uma política educacional, traduzida para a prática escolar
que respeita e valoriza as culturas e os conhecimentos tradicionais.
O segundo, refere-se a multiplicação de experiências inovadoras que
exercitam os novos conceitos e práticas pedagógicas e políticas,
explicitados nos conjuntos de leis e outros instr umentos nor mativos.
EDUCAÇÃO COMO DIREITO DOS POVOS INDÍGENAS
Atualmente, existem dezenas de instr umentos jurídicos e nor mativos
que tratam especificamente dos direitos indígenas quanto a uma
educação específica e diferenciada; isto é, educação baseada na realidade
vivida pela comunidade ou povo indígena. Ar risco afir mar que em
matéria de instr umentos nor mativos, no âmbito do Ministério da
Educação pouca coisa a ser feito ou aperfeiçoado.
O direito dos índios de serem reconhecidos como diversos está
presente nas legislações de vários países e no âmbito do direito
internacional, como, por exemplo, na Convenção 169 da OIT
(recentemente ratificado pelo governo brasileiro) e na Declaração dos
Povos Indígenas na ONU.
A Constituição brasileira de 1988, do ponto de vista político e
jurídico-for mal, provocou uma r uptura no regime do ocultamento dos
povos indígenas, ao conceber que as pessoas indígenas e suas sociedades
configuram diferenças étnico-culturais. Isto ocor re pelo reconhecimento
indissociável dos índios e suas organizações sociais, seus usos, costumes,
tradições aliados aos direitos ter ritoriais.
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291
Evidentemente, o reconhecimento constitucional dos índios e suas
organizações sociais, sugerem juridicamente, um novo sujeito indígena,
diferenciado, contextualizado, coletivo, ou seja, sujeito em relação com
suas múltiplas realidades sócio-culturais, o que per mite expressar a
igualdade a partir da diferença.
Nesse sentido, é necessária a efetivação dos direitos indígenas
diferenciados e a constr ução de espaços de luta pelos direitos dos povos,
mediados pelo diálogo intercultural, que se configura como “espaço e
instr umento” da nova cidadania indígena.
No campo especificamente da educação, a Constituição Federal de
1988 reconhece a pluralidade, notadamente em seus artigos 210, 215 e
231, que asseguram aos índios a utilização de seus próprios processos
de aprendizagem, estabelecendo como dever do Estado proteger as
manifestações culturais dos diversos povos indíg enas. Através do
Decreto 1904/96, o Gover no Federal estabelece a educação escolar
indígena diferenciada.
As diretrizes para a Política Nacional de Educação Escolar Indíg ena
constituíam, até 1994, a mais detalhada referência produzida pelo
Estado sobre a questão. Na página 13 do dito documento, se
encontrava destacado que “a educação escolar indígena deve ser inter
cultural e bilíngüe, específica e diferenciada”, suscitando as discussões
oficiais sobre a necessidade de se constituir um “currículo” específico
nas escolas indígenas. Essas discussões foram, posteriormente,
sistematizadas no Referencial Curricular Nacional para as Escolas
Indígenas.
Os artigos 32, 78 e 79 da lei de Diretrizes e Bases de Sistema
Nacional de Educação estabelecem como responsabilidade da União
assegurar aos povos indígenas a sua continuidade, enquanto segmento
étnico diferenciado, a manutenção e o desenvolvimento das suas
organizações, conhecimentos técnicos e científicos da sociedade nacional
e demais sociedade indígenas e não-indígenas”. Assegura, ainda, a
utilização de suas línguas, a elaboração de currículos e programas
específicos, neles incluindo os conteúdos culturais dos povos indígenas
e a elaboração de material didático específico e diferenciado.
O Referencial Curricular Nacional para as Escolas Indígenas
RCNEI/MEC contém subsídios para a elaboração de programas
educacionais nas escolas indígenas, bem como para a for mação de
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292
professores, reunindo “fundamentos históricos, antropológicos,
políticos e legais da proposta de educação escolar indígena” (RCNEI/
MEC). Finalmente, o RCNEI, considera a autodeter minação dos povos
como uns dos princípios fundamentos das escolas indígenas, orientadas
pelo diálogo intra e inter cultural.
A Resolução CEB/CNE 2, de 19 de abril 1999, refere-se,
explicitamente, ‘as especificidades e exigências próprias dos povos
indígenas, recomendando ambiente institucional próprio e organização
adequada à identidade da sua proposta pedagogia.
A Resolução Nº. 3 CEB/CNE, estabelece que “a escola indígena
será criada em atendimento à reivindicação ou por iniciativa de
comunidade indígena interessada (...), respeitando suas for mas de
representação”. Nesse mesmo dispositivo está ainda determinado que
à União compete legislar, estabelecer políticas e diretrizes e “apoiar
técnica e financeiramente (...) o desenvolvimento de programa integrado
de ensino e pesquisa (...)”, com ênfase “na for mação de professores e
do pessoal técnico especializado (...)”, aos estados da Federação cabe a
responsabilidade pela oferta e execução da educação escolar indígena,
em consonância com os Conselhos Estaduais de Educação.
O Plano Nacional de Educação (PNE, publicado no DOU de
10.01.2001), salienta que (a) proposta de uma escola indígena diferenciada,
de qualidade, representa uma grande novidade no sistema educacional do país e
exige das instituições e ór gãos responsáveis a definição de novas dinâmicas,
concepções e mecanismos , tanto para que essas escolas sejam de fato incorporadas
e beneficiadas por sua inclusão no sistema oficial, quanto para que sejam respeitadas
em suas particularidades”.
Em suma, o novo aparato jurídico confir ma a diversidade sócio-
cultural e lingüística dos povos indígenas, garantindo a eles uma
educação pautada pelo respeito a seus valores, pelo direito à preservação
de suas identidades e pela garantia de acesso às infor mações e
conhecimentos valorizados pela sociedade nacional.
MULTIPLIC AÇÃO DE EXPERIÊNCIAS INOVADORAS
Um dos efeitos imediatos destes novos instr umentos jurídicos na
esfera administrativa cor responde à criação, intensificação nos últimos
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293
anos, de núcleos, divisões, departamentos e conselhos de educação
indígena, em praticamente todos os estados brasileiros, o que
evidentemente é um passo positivo.
Nos últimos anos, algumas experiências de implantação de modelos
alternativos se desenvolveram em diferentes regiões do país,
consolidando um novo paradigma educacional, finalmente inscrito na
legislação em anos mais recentes.
No campo das experiências inovadoras, temos inúmeros bons
exemplos espalhados por todo o Brasil indígena: escolas indígenas piloto,
escolas bilíngües e pluriculturais, materiais didáticos próprios elaborados
pelas comunidades, escolas administradas e gerenciadas pelas próprias
comunidades, currículos e regimentos específicos, currículos adaptados,
curso de for mação de professores específicos e adaptados, etc. Mais
recentemente, foram implantados cursos e programas específicos de
graduação para professores e estudantes indígenas (Roraima, Mato
Grosso). Percebemos ligeiro avanço nas discussões de acesso facilitado,
através de quotas ou cursos preparatórios para ingresso em
universidades públicas. Alguns estados, como o AmazonaseoMato
Grosso estão discutindo a criação de universidade indígena. Tais avanços
decorrem do alto grau de envolvimento dos próprios povos indígenas,
da pressão da opinião pública e de iniciativas de setores especializados
na questão (ONG´s, centros universitários, etc.)
De modo geral, dispomos atualmente de excelentes projetos de
escolas indígenas em andamento, na sua grande maioria, g eridos por
organizações e comunidades indígenas com importante apoio de
organizações não g overnamentais parceiras. São experiências concretas
com avanços substanciais quanto à efetividade dos direitos preconizados
nos inúmeros instr umentos normativos, anterior mente citados.
DILEMAS E DESAFIOS
Se por um lado, temos avançado na perspectiva de projetos modelos
pilotos e na elaboração de conceitos e leis muito avançados, por outro
em ter mos de incor poração dos conceitos e modelos exemplares na
prática das políticas públicas brasileiras, estamos infinitamente distantes
do mínimo necessário, para g arantir o cumprimento dos direitos básicos
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294
assegurados pelas leis do país. Porque, infelizmente, na prática, o que
continuamos vendo é um grande desrespeito aos processos educacionais,
que os próprios índios estão constr uindo. Questões cruciais como o
reconhecimento dos trabalhos dos professores indígenas, dos currículos
próprios, da contratação dos professores índios, liberação de verbas,
material escolar, cursos adequados aos professores, e outros problemas
do dia-a-dia das escolas indígenas, não encontram apoio nos órgãos
públicos. Na maioria das vezes, em vez de f acilitadores do processo,
representam entraves, ou até combatem as iniciativas.
Da mesma for ma que, se os avanços impor tantes se verificam no
plano jurídico, não parece haver meios de superação do dilema
administrativo atual da educação escolar indíg ena, sem a for mulação e
a execução de políticas efetivas de for mação de recursos humanos para
a questão, o que envolveria todas as complexas esferas da máquina
administrativa do poder público, incluindo, os tribunais de contas. Como
afir ma o prof. Márcio Silva (1999), “sem a implementação de políticas
de sensibilização das agências do setor público e da adequação de
instr umentos operacionais administrativos ( por exemplo, procedimentos
de tribunais de contas), estas conquistas correm o risco de jamais saírem
do papel. Tais ações são condições sine qua non para a superação dos
maiores problemas na execução de ações junto aos povos indígenas,
em matéria de políticas públicas”. Evidentemente, não bastam
instr umentos normativos adequados, se não são g arantidas condições
mínimas de efetividade destas conquistas.
Diante disso, os povos indígenas continuam sem possibilidades de
constr ução de escolas verdadeiramente baseadas e voltadas para atender
suas realidades, e responder as demandas e necessidades próprias, tendo
em vista as próprias características da cultura do setor público no Brasil.
A criação ou reestr uturação de instâncias administrativas, não tem
garantido por si mesmas as almejadas transformações de fundo no cenário
das práticas cotidianas das escolas indíg enas. Além disso, a g arantia de
participação das comunidades indígenas tem se dado mais no discurso
e na política do “faz de conta”, do que no planejamento, execução e
gestão dos novos programas de educação escolar indígena.
Não basta ter garantido o acesso à escola, mas que tipo de escola e a
ser viço de que ou de quem está a escola. O mais impor tante seria
possibilitar a constr ução de escolas definitivamente geridas pelos
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próprios índios, a ser viço dos seus direitos, das suas demandas e seus
interesses coletivos, alg o, que a meu ver está distante de ser realidade,
enquanto, a política educacional continuar voltada para integ rar os
índios à sociedade global.
É tremenda a contradição no discurso oficial traduzida em vários
documentos citados anterior mente, quando fala do respeito e da g arantia
da autonomia das escolas indígenas, mas na prática, as ações
educacionais do estado continuam negando e impedindo o cumprimento
de tais preceitos constitucionais.Falo de autonomia, enquanto g arantia
de contribuição da escola na implementação dos projetos de futuro e
na reprodução dos sistemas sociais dos indígenas.
O sistema Educacional Brasileiro continua, fundamentalmente,
etnocêntrico, discriminatório, incapaz de conceber a diversidade cultural
dos povos indíg enas.
PERSPECTIVAS E POSSIBILIDADES
A desafiadora pergunta que se faz é: como garantir o
reconhecimento efetivo dos direitos indígenas pela sociedade
brasileira, que per mita incorporar os seus conhecimentos, os seus
valores e as suas formas próprias de organização nas estr uturas
acadêmicas, administrativas, burocráticas e jurídicas do Estado
brasileiro?
Como hipótese sugiro que os desafios atuais da educação indígena
no Brasil resumem-se em torno de duas grandes questões:
a) Implementação de programas e as garantias de autonomia dos
projetos educacionais.
Esses programas devem garantir o acesso à educação escolar,
conforme assegura a legislação, o que necessariamente inclui a
capacitação de recursos humanos (professores indígenas, profissionais
das agências técnicas e administrativas envolvidas) e adequação de
procedimentos operacionais administrativos, levando em consideração
as diferentes realidades dos povos indígenas.
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296
Os programas devem, necessariamente ter como base referencial:
1 . Os conhecimentos, as culturas, os diferentes modos de agir, ser e
de viver dos povos indígenas. Os prog ramas atuais, o máximo
que fazem são adequações ou remendos, e muitas vezes, muito
mal feitos. As dificuldades de implementação de políticas públicas
que promovam os direitos, os valores e os conhecimentos
indígenas, resultam numa sociedade atual que parece ter aceitado
a pluralidade étnica, em particular, a diversidade cultural dos povos
indígenas, desde que não interfira na for ma padrão de viver da
sociedade majoritária.
2. As for mas tradicionais de org anização política, econômica,
cultural e ética dos povos indígenas. Atualmente as ações
continuam excluindo e negando as for mas próprias de educar, de
se org anizar, de decidir e de fazer dos povos indíg enas. Um
exemplo claro dessa violação, é que as escolas indíg enas para serem
reconhecidas oficialmente precisam seguir um currículo padrão e
um regimento exter no (dias letivos, calendário, etc.), que não
permitem incorporar as dinâmicas próprias da vida social
comunitária da comunidade. O Sistema Educacional,
juridicamente avançado, deveria reconhecer jurídica e
administrativamente as for mas próprias de org anização social e
política. Como exemplo de não reconhecimento, é o fato de que
para ter acesso aos benefícios financeiros, a escola precisa criar
uma associação de pais e mestres, com Estatuto e CNPJ
reconhecidos. Seria inovador no exercício da cidadania
diferenciada per mitir que as comunidades, através de seus
instr umentos próprios, pudessem gerir tais recursos, uma vez que
para a comunidade indíg ena, na sua for ma de viver, não faz sentido
a divisão dos setores da vida (educação, saúde, etc.). As
discussões, envolvendo educação, não deveriam ser em hipótese
alguma exclusividade dos professores indígenas, como vem
ocor rendo, pois, na aldeia, o professor não decide sozinho e
geralmente, qualquer decisão coletiva, será sempre dos caciques,
seja qual for o assunto.
3 . No planejamento das políticas educacionais é fundamental que
se considere como condição de efetividade, a diversidade étnica
e cultural dos povos indígenas. Percebemos que as ações
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continuam sendo planejadas considerando os povos indígenas
como um setor ou um seguimento de uma realidade específica. É
preciso levar em conta que cada povo é diferente de outro povo
e, por isso, cada um deve ter o direito de elaborar e implementar
projetos que atendam suas realidade e demandas.
4. O reconhecimento constitucional dos direitos e de suas
organizações sociais deve constituir, jurídica e praticamente, um
novo sujeito indíg ena, coletivo, contextualizado, responsável pela
definição de seu destino e, por tanto, na construção de seu projeto
de vida, no qual a escola é um instrumento vital.
A sensação é de que, com os avanços dos instr umentos jurídicos, o
acesso à escola foi facilitado, melhorando assim o exercício de cidadania
e, conseqüentemente, qualificando melhor os nossos instr umentos e
estratégias de inter venção, principalmente quanto à for mulação de
propostas e iniciativas pilotos. Entretanto, como a garantia da
participação não funcionou, a elaboração e implementação de programas
educacionais continuam absolutamente prerrogativas de instituições ou
especialistas não indígenas, o que tem dificultado na elaboração e
implementação de programas e políticas de inclusão da diversidade
cultural desses povos.
Sem o surgimento e consolidação de programas educacionais com
essas vertentes, não é possível pensar em autonomia das escolas
indígenas, exatamente porque pressupõe o protagonismo indígena na
dinâmica do programa e da escola. Tenho impressão de que, profissionais
não indígenas, ainda que com a maior boa vontade ou mesmo opção
política pela causa, não podem substituir os maiores interessados na
questão: os índios. Não se trata de discriminação social, política ou
ideológica, mas de sensibilidade, conhecimento, experiência, vivência
e grau de interesse, legitimidade e comprometimento pelas demandas e
necessidades.
b) Reordenamento jurídico e administrativo do poder público.
Para a efetividade dos direitos indígenas consagrados em diversos
instrumentos nor mativos e jurídicos, é necessário produzir um
reordenamento jurídico e administrativo do poder público. Vejam que
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não estou falando de criar lei ou aperfeiçoar leis existentes. Estou
falando de uma nova organização dos procedimentos infra-
constitucionais. Percebe-se que, os procedimentos administrativos dos
tribunais de contas dos municípios, dos estados, da União e de órgãos
públicos, de um modo geral não foram adequados aos novos preceitos
constitucionais, e os técnicos que exercem a função de operacionalizar
as ações administrativas continuam com as velhas concepções do temido
período militar. Também não estou falando de descumprimento de leis,
nor mas e procedimentos, mas de aplicação dessas leis de forma clara,
ágil, transparente, direta, pública e, sobretudo, ética. Neste sentido, em
primeiro lugar, é necessário promover a capacitação dos técnicos, de
acordo com as novas mudanças jurídicas e administrativas. Como um
técnico (funcionário público), sem capacitação adequada, pode garantir
o direito de um cidadão indígena, numa repartição pública, se ele sequer
sabe que este cidadão indígena é amparado por leis específicas diferentes
de outros cidadãos comuns? Os juízes dos fóruns e dos tribunais de
contas precisam apresentar alternativas de soluções para problemas
jurídicos e administrativos, que impedem a garantia dos direitos
indígenas, isto é, a garantia do exercício da cidadania, e não serem as
causas da violação desses direitos, porque seguem cegamente leis
caducas, ultrapassadas e pré-conceituosas dos séculos passados.
Tenho certeza que é possível garantir o controle social, a transparência
administrativa, o princípio de justiça, de igualdade, de honestidade, de
poder, etc, sem neg ar os direitos constitucionais dos povos indíg enas.
No âmbito dos instr umentos jurídicos e normativos, sugiro a
necessidade de reflexão sobre duas propostas:
Instituição de subsistema nacional de educação escolar indígena,
que conta da implementação dos direitos conquistados pelos
povos indígenas, quanto à educação escolar específica e
diferenciada. Penso que sem esse instrumento, não será possível
avançar mais do que se conseguiu até hoje: escolas pilotos ou
experimentais, políticas de adequação e de remendos muito
limitados, contraditórios e ambíguos, etc. Fruto dessa
incapacidade do “Sistema Único de Educação” dar conta dos
direitos indígenas, é que atualmente, as experiências educacionais,
escolares ou não, são de iniciativas e de responsabilidade de
entidades não governamentais, embora recebam algum tipo de
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apoio mínimo do MEC. Isso levanta suspeita ou da falta de
vontade política dos dirigentes públicos, coisa que não acredito
pelos avanços nos procedimentos normativos, ou da
impossibilidade de implementação de ações dessa natureza,
através dos procedimentos administrativos do poder público. Para
mim, este último é a principal causa.
Garantia de recursos públicos específicos para apoiar os processos
próprios de ensino-aprendizagem dos povos indígenas, com
procedimentos administrativos aplicáveis às realidades das escolas
indígenas. Atualmente existem dois problemas: primeiro, nunca
tem dinheiro para ações de educação indíg ena; segundo, quando
tem, é para entidades não indígenas ou inacessíveis pelo
tamanho da burocracia, e muitas vezes, as escolas ou organizações
indígenas, a priori, estão fora de qualquer possibilidade de acesso
para desenvolver suas iniciativa s.
Em fim, o Brasil chega ao Século XXI com uma legislação sobre
educação escolar indígena avançada em linhas gerais, e com a criação
de novos instr umentos normativos especialmente voltados á questão,
notadamente nas esferas estadual e federal. Contudo, os efeitos destes
novos instr umentos são ainda extremamente tímidos no panorama atual
da educação indíg ena. Isto posto, podemos concluir pela necessidade
de implementação de um conjunto de políticas estratégicas, capazes de
superar definitivamente as velhas concepções e pré-conceitos latentes
na histórica cultura política colonial, etnocêntrica e universalista do
Estado brasileiro.
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Encontros Regionais do
Fórum Brasil de Educação
2003
Parte II
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I Encontro Regional
Região Nordeste Salvador
O Projeto Nacional de Educação Políticas e Desafios
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305
No período de 19 a 21 de Março do ano de 2002 realizou-se em
Salvador, Bahia, o I Encontro Regional do Fórum Brasil de Educação.
A conferência de abertura dos Diálogos entre Gerações de
Educadores deste primeiro encontro regional, o da Região Nordeste,
ficou a cargo do Professor Roberto Figueira Santos, ex Presidente do
extinto Conselho Federal de Educação.
O I Encontro Regional do Fór um Brasil de Educação realizado em
Salvador, na Bahia, contou, ainda, com duas mesas redondas. A primeira
composta pelo Professor Gey Espinheira e pelo Professor Miguel Arroyo.
A segunda mesa redonda reuniu, como expositores, o Presidente do
Fór um Nacional de Conselhos Estaduais de Educação, o Professor
Silvestre Heerdt, o Presidente da UNDIME União Nacional dos
Dirigentes Municipais de Educação, Professor Adeum Sauer, o
Presidente do CONSED Conselho Nacional de Secretários Estaduais
de Educação, Professor Gabriel Chalita e dois re presentantes do
Conselho Nacional de Educação, o Professor Neroaldo Pontes,
representando a Câmara de Educação Básica e o Professor Arthur
Roquete de Macedo, r epresentando a Câmara de Educação Superior.
APRESENTAÇÃO
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307
O PROJETO NACIONAL DE EDUCAÇÃO
DESAFIOS E POLÍTICAS
Roberto Figueira Santos*
A estrutura social que gera a pobreza e com ela se conforma, tende a
produzir um sistema educacional deficiente, à sua imagem e semelhança,
que acabará por se per petuar. Outras forças, vindas de fora, precisam
contribuir para desestabilizar um sistema assim constituído, cristalizado e
consolidado. A ação política, devidamente conduzida, que leve à
redistribuição do poder e da renda, deverá ser a mais vigorosa dessas forças.
Além de muito honroso, o convite para pronunciar a presente
palestra, dirigido pelo Magnífico Reitor e Presidente do Conselho
Nacional de Educação, Professor José Carlos Almeida da Silva, envolveu
para mim importante aspecto sentimental: o da minha volta, ainda que
momentânea, à companhia deste Conselho. Embora com o nome
ligeiramente diverso, de Conselho Federal de Educação, trabalhei
intensamente neste órgão ao long o de dez anos. E, durante quatro dos
dez anos, fui seu Presidente. Guardo desse convívio recordações que
incluo orgulhosamente entre as mais gratas de toda a minha vida pública.
Em atendimento ao convite que recebi, cumpre-me tecer comentários
acerca do Plano Nacional de Educação, aprovado pela Lei 10.172, de 9
de janeiro de 2001. Serei, deliberadamente, seletivo nas minhas
considerações, ao apontar particularidades que me causaram mais
profunda impressão ao longo de várias décadas de dedicação ao
magistério e de atuação política. Tenho bem presente, que a quase
* Professor titular e ex-Reitor da Universidade Federal da Bahia. Ex-Presidente do Conselho
Federal da Educação.
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308
totalidade da nossa audiência é constituída de educadores, entre eles e
elas, muitos membros dos Conselhos Nacional, Estaduais e Municipais
de Educação, que hão de estar familiarizados com o texto do Plano que
passarei a analisar.
Assumi o primeiro mandato de membro deste Conselho num período
que, sob cer to aspecto, se assemelha ao que vivem hoje os conselheiros.
Pouco tempo antes, em 20 de dezembro de 1961, havia sido promulgada
a primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Durou quase
quatorze anos a tramitação do respectivo projeto no Congresso Nacional.
Influências muito diversas se fizeram sentir no seu texto. Houve espaço,
até mesmo, para algumas contradições. Porém, a lei, g randemente
inovadora, no seu conjunto, ensejou conseqüências benéficas de imenso
alcance. De alguns pontos de vista, pode-se, mesmo, considerá-la
revolucionária. Foi sua marca principal, que a tor na merecedora do maior
aplauso, o caráter descentralizador.
Anterior mente à vigência da primeira LDB, a evolução das diretrizes
educacionais, aplicáveis em todo este país de dimensões continentais e
de imensas desigualdades sociais e econômicas, ficava na dependência
da promulgação de novas leis e de decisões inteiramente inspiradas nos
propósitos pessoais dos titulares dos carg os do Ministério da Educação,
sem debates mais amplos, que as enriquecessem.
A LDB de Dezembro de 1961 revogava importantes dispositivos da
legislação anterior, e atribuía for te competência normativa ao Conselho
Federal de Educação. Este, por sua vez, atingido por profundas
transfor mações, substituía o antig o Conselho Nacional de Educação,
designação recentemente renovada. Diante da magnitude e da
complexidade das tarefas delegadas ao Conselho recém-criado naquela
época, foram necessários vários anos para que se completasse a
aplicação da Lei que passou a vig orar.
Entre as muitas responsabilidades atribuídas ao Conselho, naquela
época, estava a elaboração do Plano Nacional de Educação. Se for
verdade que não se tratava de idéia nova nela se falava desde a
década de 1930 –, era de g eral conhecimento que, por muito tempo,
faltaram condições para a elaboração de um projeto suficientemente
abrangente, apontando diretrizes e metas que fossem exeqüíveis. Entre
os conselheiros, figurava o baiano Anísio Teixeira, campeão da idéia do
planejamento educacional a prazo longo. E ocupava o Ministério da
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309
Educação, o professor Darcy Ribeiro, outro entusiasta da mesma idéia.
Pouco depois de promulgada a lei, em sessão do Conselho presidida
por outro baiano ilustre, o Professor Edgard Santos, Anísio usou da
palavra para mencionar o estudo que ser viu de base ao projeto, entregue
solenemente ao Ministro da Educação em setembro de 1962. Esse
primeiro Plano Nacional de Educação veio, mais tarde, a sofrer
sucessivas alterações e complementações, até que a Constituição do
Brasil de 1988, determinou que caberia à União elaborar novo Plano a
ser transfor mado em Lei.
Em Dezembro de 1996 foi editada a Segunda LDB, que levou o
número 9.934. Por ela se confirmava que o futuro Plano Nacional de
Educação deveria ser aprovado pelo Congresso Nacional. Em fevereiro
de 1998, o Poder Executivo enviou mensag em acompanhando o projeto
que veio a ser transformado na Lei 10.172, de Janeiro de 2001, com a
duração de dez anos.
Trinta e cinco anos haviam decor rido entre a primeira LDBeasua
sucessora. Nesse meio tempo, o Brasil atravessou enor mes e notórias
transformações. Entre essas, teve presença destacada a chamada
“revolução das expectativas crescentes”, que atingiu igualmente muitos
outros povos em todo o mundo. O aumento g eral das expectativas
condicionou, decisivamente, a demanda por mais educação e por
educação de melhor qualidade. As novas gerações passaram a aspirar
padrões de vida muito mais elevados, que os dos respectivos pais e
avós. Para acertar o passo no ritmo dos tempos historicamente
interessantes da atual “era do conhecimento”, o educador assumiu
perante a sociedade, pelo mundo afora, papel ainda mais relevante que
no passado.
Dentre tantos fatores que para isso contribuíram, incluiu-se a grande
difusão dos meios de comunicação, que desper tou perante os mais
diversos segmentos da população de cada país, a ambição por melhores
condições de higiene e confor to, assim como o desejo de adotar hábitos
de consumo muito diverso dos praticados no passado. Alteraram-se,
radicalmente, valores da antiga tradição de vários povos, inclusive da
nossa g ente. Ganhou força a aspiração, sobretudo entre os mais jovens,
de alcançar, tão rapidamente quanto possível, as benesses que o mundo
moder no podia e pode proporcionar. Mas, nem sempre e ra dado a esses
mesmos jovens, reconhecer os caminhos que levam legitimamente à
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310
melhor qualidade de vida. Sem que a escola contribua para esse
entendimento, difícil será ocor rer o salto que se deseja e se espera de
cada geração para a seguinte, no competitivo mundo atual.
A economia do nosso País, por sua vez, no inter valo entre as duas
Leis de Diretrizes e Bases, tornou-se muito mais complexa e
sofisticada, o que trouxe evidentes reflexos sobre o mercado de
trabalho. No meio r ural, reduziram-se as opor tunidades de empreg o
para os que mal sabiam ler e escrever. As práticas ag rícolas mais
avançadas davam maior rendimento, porém exigia maior escolaridade
dos encarregados da sua execução. No ambiente urbano,
demog raficamente muito ampliado pelo “êxodo r ural”, a competição
pelos empregos se tornou muito mais acirrada, com clara preferência
para os que freqüentaram a escola por mais tempo e com melhor
proveito. O plano aprovado pela Lei 10.172 de janeiro de 2001 teria
de diferir, radicalmente, do que fora elaborado em decorrência da
primeira LDB. Como par te das profundas transformações do País no
intervalo entre as duas Leis de Diretrizes, verificou-se enor me
enriquecimento das infor mações relativas à Educação, instr umento
essencial à concepção de um Plano nos moldes atuais.
O novo documento impressiona pela meticulosidade com que foi
elaborado, pela clareza da linguagem, pela sinceridade com que registra
e comenta as informações disponíveis, ao tempo em que aponta lacunas
a exigirem levantamentos de dados adicionais, e pela abrangência que
inclui os mais variados aspectos de assunto tão extenso e complexo.
Podemos, mesmo, considerá-lo exaustivo, dentro das condições vigentes
quando da sua aprovação. Cumpre, então, indag ar: onde fazer incidir
comentários a seu respeito, que não sejam a mera re petição do que
foi dito? Considerada a nossa condição de educadores, cabe especular
até onde poderá estender-se o papel da escola, diante de tantos desafios
confrontados pelos que aspiram ao prog resso individual e coletivo, em
meio a uma população marcada por tão ter ríveis desigualdades sociais.
Não consta que exista qualquer dúvida, sobre o relevante papel da
Educação como fator de mudança social. Tendo em vista as diretrizes
oficiais que vêm prevalecendo na condução geral dos destinos do nosso
país, que analisar como pode a Educação participar da redução no
número dos socialmente excluídos, ou seja, da atenuação da pobreza,
particularmente, em nível abaixo do tolerável.
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311
A família e a escola continuam sendo os principais agentes de todo o
processo educativo, confor me assinala a abertura da nova LDB. O
convívio com os companheiros da idade, fora das esferas da escola e da
família, representa influência cada dia mais marcante sobre as opiniões
e o compor tamento dos jovens das recentes gerações. A própria
velocidade das transfor mações do mundo em que estamos inseridos
fez das múltiplas esferas de convívio da juventude, fator da máxima
impor tância na for mação do futuro cidadão. Novamente, o papel dos
meios de comunicação, por ter crescido de forma extraordinária, adquiriu
força capaz, até mesmo, de confundir a contribuição da família e da
escola. Um projeto de Educação para um país tão grande e diversificado
quanto o Brasil, para um período de dez anos, terá de contemplar a
complexidade dos fatores que concorrem para a formação dos cidadãos
do futuro no mundo atual.
Cumpre lembrar ainda que, a educação, por si só, não resolve os
problemas da pobreza. E, de outra parte, que as desigualdades sociais
não se resolvem, apenas, com a elevação da renda dos mais pobres. A
estrutura social que gera a pobreza e com ela se conforma, tende a produzir
um sistema educacional deficiente, à sua imagem e semelhança, que
acabará por perpetuar o “status quo”. Outras forças, vindas de fora,
precisam contribuir para desestabilizar um sistema assim constituído,
cristalizado e consolidado. A ação política, devidamente conduzida, que
leve à redistribuição do poder e da renda, deverá ser a mais vigorosa
dessas forças. Até porque segmentos da população, nas áreas de maior
pobreza, que não foram tocados pela “revolução das expectativas” e não
desper taram ainda para ajustar-se às benesses do mundo moderno. Essa
é, exatamente, a fração da população que maiores benefícios obteve com
a bolsa-escola, iniciativa particularmente eficaz no sentido de reduzir as
desigualdades sociais. A motivação política é da maior relevância, quando
se trata de contornar situações desta espécie, quando é mais difícil a
mobilização no seio da sociedade, em prol da educação.
A medida da burocracia paternalista, verticalmente imposta, mesmo
quando calcadas nas melhores intenções, não serão suficientes para a
evolução das atitudes desses segmentos da população. Ainda que
causem algum impacto inicial, tais medidas tendem a diluir-se com o
tempo, enquanto não se renovarem as expectativas e as aspirações da
própria comunidade.
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As transfor mações de que é capaz a educação, por sua vez, não
podem limitar-se aos ditames de uma legislação elaborada por lideranças
distantes, de alcance nacional, e cuja aplicação nem sempre corresponde
exatamente ao prescrito nos textos legais. Somente quando a
comunidade imediata, reclama e promove as alterações qualitativas na
for mação dos jovens, é que podemos ter certeza de que as mudanças
vão acontecer e vão per manecer.
A ação do educador não será suficiente para alcançar objetivos assim
tão amplos. As técnicas de atuação comunitária, em articulação com a
missão dos educadores, estão previstas no Plano de Educação. Mas,
sobre elas, para não me afastar dos propósitos da presente palestra,
insistirei apenas na importância do componente político capaz de gerar
ambiente favorável à valorização do educador.
Continuemos nos concentrando no papel da Escola, diante da
multiplicidade das mensagens recebidas e das perplexidades a que estão
expostos os jovens nos dias atuais. Até onde será o ambiente escolar
capaz de despertar no aluno o sentido da cidadania , e a idéia de que
deva contribuir da melhor for ma para o bem comum da sociedade que
o acolhe?
Pretende-se que esses jovens se tornem, eles próprios, importantes
agentes de mudança. Como poderá a Escola proporcionar aos alunos a
motivaçãoeopreparoquelhes per mita assumir esse papel? A
argumentação que se segue é no sentido de ressaltar que a mais
importante contribuição para esse resultado, caberá ao papel
desempenhado pelo professor da pré-escola e do ensino fundamental
dentro da sociedade a que ser ve.
O sentimento de reverência, tradicionalmente encontrado entre outros
povos, diante da pessoa do mestre-escola não é habitual na maior parte
das nossas comunidades. Em épocas passadas, g rande número de famílias
brasileiras não via sentido em sacrificar-se financeiramente em favor da
educação dos filhos, também nisto, diferindo do que se verifica em outros
países de madura tradição cultural. Era muito presente, entre nós, a idéia
de que a educação devesse ser responsabilidade “do Governo”. As atitudes
de não gastar muito com a educação dos filhos, e de não valorizar
devidamente o papel do professor, somaram-se uma à outra no nosso
passado e resultaram nos baixíssimos salários atribuídos ao pessoal do
magistério da escola fundamental, par ticularmente, no ser viço público.
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313
Alterou-se esse quadro, sensivelmente, na g eração mais recente.
Em grande número de famílias, a preocupação com a qualidade do
ensino ganhou força na decisão quanto à escolha do ambiente a ser
freqüentado pelas crianças. Aumentou consideravelmente a parcela
do orçamento familiar, da classe média e daqueles de renda mais alta,
destinada ao financiamento dos estudos, desde a pré-escola até o final
do ensino médio. Firmou-se melhor a noção de que os padrões de
ensino definem a preparação do jovem para enfrentar a acirrada
competição no futuro mercado de trabalho. Nos níveis fundamental e
médio, tanto nas g randes cidades como no meio r ural, continua muito
elevada a proporção dos jovens que freqüentam a escola pública.
No ensino superior, de outra parte, houve verdadeira explosão do
número de vagas nas escolas privadas, muitas delas de custo altíssimo
para o aluno. Os padrões de qualidade que oferecem são muito
heterogêneos, e vão desde os mais altos aos que não deveriam sequer
serem tolerados pelas autoridades. Enquanto isso, as escolas superiores
públicas, depois de terem sido alvo de imerecida campanha de
descrédito e apesar de sujeitas às fortes limitações orçamentárias, têm
demonstrado que o país não pode prescindir delas, que é grande o seu
potencial de resposta quando estimuladas e apoiadas pelas lideranças,
e que o seu esforço em pról da pós-graduação “stricto sensu” está
assegurando uma nova geração de pesquisadores e de professores para
o ensino público e privado, com preparo que nada fica a dever ao das
gerações passadas.
Essa nova realidade, descrita em termos muito sumários diante da
sua complexidade, ainda não ensejou a total superação de uma das
tradições mais negativas da nossa vida social pregressa, que foi a
reduzida valorização do magistério de nível fundamental, à disposição
da maioria das nossas populações carentes. Reconhecia-se a baixíssima
remuneração do professor do ensino fundamental, par ticular mente em
escolas públicas da esfera municipal.
Porém, por muito tempo, observou-se considerável passividade de
importantes lideranças sociais e políticas ante a essa realidade. A Lei
9.426, ao instituir o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do
Ensino Fundamental e Valorização do Magistério (FUNDEF),
desencadeou verdadeira transfor mação nos Estados e Municípios, locais
aonde a remuneração dos professores chegava a ser tão ínfima que se
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situava , muitas vezes, abaixo do salário mínimo. Essa contribuição do
Executivo Federal às regiões carentes, que exigiu emenda à Constituição,
somente mostrará os seus plenos benefícios a médio e longo prazo.
Melhoraram, sem dúvida, os salários de muitos.
Porém, a valorização do pessoal de magistério envolve muito mais
que o salário. A par ticipação de conselhos municipais na g estão dos
recursos do FUNDEF representa um avanço considerável na
conscientização das lideranças locais, quanto ao papel do professorado.
Muitos dos cidadãos que decidem, no meio rural e nas pequenas cidades,
não tiveram, na idade adequada, o benefício da freqüência à escola
capaz de neles despertar sólida convicção sobre a importância do papel
dos professores no futuro dos seus filhos. É essa uma dura realidade,
que terá de ser superada gradualmente, de cada geração para a seguinte.
A despeito do maior dinamismo das associações de pais e mestres, na
maioria dos casos não se obser va ainda, o sentimento de emulação e de
orgulho quanto à qualidade do ensino praticado nas escolas, sobre as
quais as lideranças locais exercem influência decisiva.
Vários fatores revelam como o FUNDEF, a despeito dos imensos
benefícios que trouxe, não foi ainda suficiente para a reversão de algumas
atitudes perante o mestre-escola. Refiro-me, entre outros, à procura dos
cursos de licenciatura, por parte de potenciais candidatos. Por força de
recente LDB, deverão esses cursos estar formando professores em números
muito mais altos que os observados até agora. Mas, os incentivos para
que isto ocorra ainda não estão sendo suficientes. A esse respeito, o novo
Plano Nacional de Educação ofereceu cuidadoso estudo, com metas bem
traçadas e fundamentadas. É este um dos temas que melhor foram tratados
no documento em pauta. A implementação das suas diretrizes, contudo,
está chegando com g rande atraso, e faz-se necessário ing ente esforço para
que não venhamos, por causa disso, a perder o “trem da história”.
Outros dados da nossa realidade demonstram como ainda tardarão
alguns dos efeitos benéficos do FUNDEF e providências cor relatas.
Infor mações recentemente publicadas pelo Instituto Nacional de
Estudos Pedagógicos revelam que, de cada cem alunos matriculados
nos oito anos do ensino fundamental, apenas 59 completam essa etapa
de escolarização. E que, em média, gastam 10,2 anos para realizar esses
estudos, o que quase corresponde ao cumprimento dos 8 anos
fundamentais, mais os 3 anos do ensino médio. Por sua vez, de cada
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100 alunos que ingressam no nível médio, 74 conseguem concluí-lo,
gastando, em média, 3,7 anos para cumprir as três séries. Mais ainda,
dos alunos matriculados na primeira série fundamental, apenas 40%
chegam até o final do nível médio. E de todos os matriculados no ensino
fundamental, nada menos que 22% estão repetindo a mesma série
cursada no ano anterior.
A Educação à Distância, valendo-se das novas tecnologias, mereceu
capítulo à par te no Plano. Nele se estabelece que cabe à União o
credenciamento das instituições autorizadas a oferecer cursos dessa
natureza. Aos sistemas de ensino atribui-se a formulação de requisitos
para a realização de exameseoregistro de diplomas. Cumpre–se, desta
for ma, o que determina a nova LDB, ao falar na constr ução de um
novo paradigma da Educação à Distância. A despeito de todo o potencial
à nossa frente, proporcionado pelas “Novas Tecnologias da Educação”,
continuam predominando as situações que exigem a presença do jovem
na escola. Em qualquer nível de aprendizado, em qualquer idade do
aluno, consiste a essência da escola, acima de tudo, no convívio entre
professores e alunos e de alunos entre si. Ao lado de tantos fatores
materiais, que cercam o aluno e compõem o ambiente escolar, nenhum
tem importância comparável à influência do professor, sobretudo quando
apoiado por material escolar adequado e por uma biblioteca dinâmica.
Qualquer esforço para aperfeiçoamento do processo educativo terá
de começar pela for mação adequada e pela atitude apropriada do
professor- orientador os seus alunos.
Ninguém tem dúvida sobre essa importância do professor quando
se trata de proporcionar ao aluno o aprendizado da língua materna,
da matemática, das ciências ou da história do país. Mas, não de
parar ai o seu papel. Espera-se que a escola, por intermédio do
professor, transfor me o aluno em um ag ente de mudança. Como pode,
então, o professor cumprir essa missão, caso esteja desajustado às suas
condições de trabalho, inclusive pelo baixo salário, ou se revele
ir remediavelmente fr ustrado pelas opor tunidades que lhe têm faltado,
ou compareça perante o aluno como um eterno cético acerca dos
horizontes da sociedade onde está inserido, ou se considere
per manentemente desprestigiado pelas lideranças sociais e políticas
do meio onde vive? Pior ainda, caso essa sensação de desprestígio
ocor ra perante uma fração dos seus alunos e das respectivas famílias.
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Devemos estar preparados para a escassez de professores bem
for mados no ensino fundamental e no médio, com o diploma da
licenciatura, nas mais diversas disciplinas, em futuro próximo. Caso
sejam numericamente insuficientes os bons professores de língua
portuguesa e de artes, ainda mais se fará sentir a falta dos que deverão
lecionar a matemática e as ciências da natureza. Visando a adequada
compreensão do mundo que nos cerca, assim como o desafio de enfrentar
as melhores opor tunidades no futuro mercado de trabalho, terá especial
relevância para a criança a aprendizagem ao lado do professor de
ciências. Este, de for ma suasória e sem assustar o aluno, precisa
transmitir ao aluno o sentido de constantes indagações perante a
realidade que o cerca e de per manente busca de respostas, sabendo que
serão sempre provisórias. Assim entendido, o ensino das ciências da
natureza é essencial à pre paração do jovem para as transformações em
ritmo veloz, que fazem parte indivisível da vida moderna, e que estarão
sendo aceleradas nos dias que hão de vir. Assim entendido, o ensino
das ciências desde a mais tenra idade, não deverá jamais consistir na
transmissão de um cor po de infor mações tidas como definitivas e
per manentes, e será, antes, um caminho para aprender mais e sempre
mais, sobre a natureza do mundo que nos cerca.
Existe farta literatura mostrando como crescem os níveis de salário
dos trabalhadores, em função dos anos de escolaridade. Por isso, quando
nos chega a notícia de algum gesto de parcimônia, da parte de lideranças
da área econômica, quanto aos recursos para a Educação, convém
lembrar que os nossos indicadores socio-econômicos somente hão de
melhorar, na medida em que forem adequadamente financiados os
programas educacionais. Entre os caminhos para a redução das
desigualdades sociais está, seguramente, o da permanência mais long a
em boas escolas, de maior número de brasileiros. Grande par te da
decisão de prolongar o período de escolaridade depende do próprio
aluno. Outros fatores para isso contribuem, a exemplo da valorização
dos diplomas que resultarem de estudos adicionais e da relevância do
processo ensino-aprendizagem em relação às condições de vida do aluno.
Porém, muitos pais sequer encorajam os filhos nesse sentido, até
porque, a muitos chefes de família, ainda não é dado entender o
significado pleno de uma educação de melhor qualidade e mais
prolong ada para os seus filhos.
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O jovem carente, que reside em habitação precária, sem saneamento
básico, que se alimenta irregularmente e não tem opor tunidades de lazer
saudável, deve ter sua atenção despertada pelo professor para a estreita
relação entre a qualidade de vida e a falta de habitação para um
emprego melhor remunerado, resultante da reduzida freqüência à escola.
Tudo isso pode parecer óbvio. Alguns jovens, contudo, acabam por
preferir o caminho equivocado de jogar a culpa pelas suas dificuldades,
sobre o meio em que vivem, menosprezando o bem que resultaria do
seu próprio esforço. Essa juventude tem enveredado pelos descaminhos
do uso de tóxicos, quando não para outras contravenções e o crime.
Estatísticas recentemente publicadas pelo IBGE, dão conta de como
vem evoluindo, no Brasil e em muitos outros países, o formato” da
família. A diminuição do número de casamentos e o elevado percentual
de famílias monoparentais, predominantemente chefiadas por mulheres,
tem ocasionado insuficiente apoio de ordem material, especificamente
dirigido para tais situações, sendo muitas vezes a origem de problemas
que irão repercutir no desempenho dos alunos, e que não poderá estar
alheio o professor.
O analfabetismo, embora continue a existir entre nós em números
absolutos bastante expressivos, diminuiu em ter mos percentuais.
Enquanto vários métodos se mostram eficazes para alfabetizar, a
experiência internacional mostra o quanto pode ser difícil oferecer ao
adulto alfabetizado, opor tunidades para exercitar o que aprendeu, a fim
de evitar o esquecimento do que foi aprendido.
Mencionamos, já, a enor me expansão da Educação, em todos os
níveis e em todos os recantos do País. Esta realidade tem mostrado que
não basta o avanço quantitativo, e que se impõe, simultaneamente, toda
a atenção para a qualidade do processo ensino-aprendizagem. Mas, ao
cogitar-se sobre a avaliação da qualidade, importa lembrar que a grande
expansão no nosso ensino público fundamental serviu,
predominantemente, para atender às populações que são vítimas de
carências profundas, de natureza afetiva, nutricional e intelectual.
Grande número das crianças matriculadas, atualmente, nas escolas
públicas, provém de famílias cujos filhos, no passado, per maneciam
analfabetos a vida inteira, ou começavam a aprender as primeiras letras
muito tardiamente. Não se pode, portanto, confrontar,
generalizadamente, o ritmo de aprendizado dessas crianças com o de
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outras, que viveram os primeiros anos de vida em ambiente familiar de
nível cultural mais elevado, ou que freqüentaram a pré-escola. Sabe-se
quanto é imensa a capacidade de aprender de todas as crianças na mais
tenra idade. Ao iniciar o comparecimento à escola pela primeira vez
com idade de 6 ou 7 anos, seu aproveitamento estará apresentando
os limites e oportunidades, que foram proporcionadas à criança, o que
vale dizer, pelas escassas mensagens espontaneamente recebidas antes
de atingirem a idade escolar.
Por todos esses motivos, tor na-se de extrema importância expandir
ao máximo a disponibilidade de vagas nas pré-escolas ou equivalentes,
entre as populações de baixa renda. O Plano Nacional de Educação
contempla essa matéria de for ma irretocável. Mas, ao avaliar o
aproveitamento dos alunos ou o desempenho das escolas, é
imprescindível levar em conta as limitações do convívio ao alcance das
crianças mais carentes, desde tenra idade. A pré-escola poderá até suprir,
embora de for ma imperfeita, o que não foi proporcionado pelo ambiente
familiar. A criança estará assim melhor aparelhada para entender a falta
das oportunidades educacionais, que geraram limitações na qualidade
de vida dos seus pais, avós e dos demais, que com ela conviveram.
Felizmente, existe na sociedade brasileira elevado g rau de mobilidade,
do qual poderão valer-se os jovens que se diferenciem por um melhor
nível educacional.
As crianças que não freqüentarem a pré-escola poderão beneficiar-
se da g rande difusão do rádio e da televisão, mesmo entre os bolsões de
pobreza das g randes cidades, e nos mais remotos rincões do meio r ural.
As mensagens que se acrescentarem, assim, às recebidas no convívio
inter-pessoal direto podem se revelar muito heterogêneas e, algumas
delas, são mesmo, reconhecidamente, condenáveis. As comunidades com
melhor nível de organização conseguem reunir em grupos as crianças,
ou em creches, ou em eventos a cargo de entidades civis e religiosas,
para selecionar o que de relevante nessas mensag ens.
Dessa for ma, está sendo de todo louvável a extensa divulg ação que
o Conselho Nacional de Educação vem dando ao Plano a que nos
estamos referindo. A sua leitura integ ral é altamente recomendável, a
todos os envolvidos no processo educacional e em qualquer dos seus
segmentos. Mas, haverá leitores que se concentrarão de preferência em
algum ou alguns dos seus capítulos, assim como haverá debates em
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entidades mais especificamente voltadas para temas específicos. Valerá,
talvez a pena, por isso, encaminhar a divulgação da matéria tanto em
volumes que contenham a sua íntegra, como em outros, que destaquem
fragmentos dirigidos a públicos especiais. Em qualquer das hipóteses,
trata-se de documento a merecer divulgação que atinja o público o mais
amplamente possível.
Cumpre-me ainda, ao final destas palavras, renovar os agradecimentos
pela oportunidade de trazer modesta colaboração ao debate sobre o
Plano Nacional de Educação, promovido pelo Conselho de Educação e
que está a merecer o maior apoio de quantos têm par ticipado, de alguma
for ma, do aprimoramento do processo educacional em nosso país.
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EDUCAÇÃO PARA UMA NOVA SOCIEDADE
Gey Espinheira*
Diante dos paradoxos que não se esgotam aqui é preciso pensar
nos dilemas que eles propõem e nos desafios que professores e
estudantes têm pela frente se quiserem mudar o rumo da educação na
proposição de uma nova sociedade. O principal dilema diz respeito
ao fato de que uma nova sociedade pode propor uma nova educação,e
que a educação é o mecanismo, como pr ocesso, de constr ução dessa
nova sociedade.
1. INTRODUÇÃO
Pensar a educação é ir além das técnicas e mesmo das ciências.
estou cansado e acredito que muita gente mais de pensar a
educação como razão instr umental e atrelá-la ao mercado de trabalho,
como se o destino do ser humano fosse o de transfor mar-se em
trabalhador especializado, ou um faz-de-tudo, pau-para-toda-obra, ou
ainda um generalista qualificado.
Nos últimos poucos anos, as mudanças que se processaram na
sociedade foram tão significativas, que podemos dizer que ultrapassamos
a linha da tradição e no inserimos no tor velinho da sociedade de
mudanças e de descontinuidades que nos ultrapassam infinitamente,
para usar aqui uma expressão dos paradoxos de Latour (1994).
* Sociólogo, Doutor em Sociologia pela Universidade de São Paulo; professor do
Departamento de Sociologia e do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da
FFCH-UFBA; pesquisador associado ao Centro de Recursos Humanos CRH/UFBA.
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Saímos, por exemplo, do paradigma da sociedade de economia
para o de sociedade de tecnologia. O reconhecimento de que não
foi o trabalho o responsável pelo aumento da produtividade e sim a
tecnologia, faz com que o próprio trabalho passasse a ser questionado
como o lug ar e o destino do ser humano, embora não se saiba o que
fazer com este ser em estado de não-trabalho, como um ser
improdutivo, intoleravelmente dependente.
Decididamente, a educação vinculou-se ao trabalho e este se
constituiu na melhor for ma de controle social e de demarcação do
espaço humano nas sociedades ocidentais. Freud, em seu Mal-estar
da civilização, reconhece este enredo no qual os seres humanos foram
levados a representar, e nos diz que “nenhuma outra técnica para a
conduta da vida prende o indivíduo tão fortemente à realidade quanto
a ênfase concedida ao trabalho, pois este, pelo menos, f ornece-lhe
um lugar seguro numa parte da realidade, na comunidade humana”.
(1997 p. 29). Pa ra Marx, o trabalho coletivo constrói a humanidade
e para ser exercido exige conhecimento dos usos dos instr umentos,
da tecnologia, e a sua for ma de produzir, por tanto, produz também
a organização da sociedade e tudo mais que a caracteriza.
A educação é o meio para conhecer e agir na sociedade do trabalho;
mas, estamos ainda na sociedade do trabalho? não é hora de pensar
a educação para além do trabalho? Não terá o trabalho mudado? A
estas questões não quero responder recorrendo à utopia da sociedade
do ócio, mas a que se expande em modos de fazer, criar e inventar
que, como na letra da música de Noel Rosa e Vadico: “fazer samba é
um privilégio/ ninguém aprende samba no colégio”.
Não desejo entrar em considerações, por tanto, sobre a sociedade
do ócio ou qualquer coisa que o valha neste sentido, apenas dizer
que a educação instrumental não encontrará campos largos de
trabalho e emprego como se acreditava, ou como se alardeia hoje
com a superoferta de cursos de toda natureza. Bourdieu (1996, p.
38 ss.) nos aler tava que a educação, para além do conhecimento,
concede diplomas, titula as pessoas, diferenciando-as socialmente e
capacitando a acessos que outros, sem a titulação, estão impedidos.
A educação joga um jogo social importante na distinção entre as
pessoas e g rupos sociais “pelo direito de usar um nome,umtítulo;
tem, por tanto, outras funções para além do conhecer”.
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O ser humano é um animal sem especialização como tal, por isso
mesmo sua grande tarefaéadeconstituir-se humanamente, isto é,
de tornar-se o que não o é pela própria natureza; transcender-se em
sua imanência. O processo para chegar a este objetivo é,
inquestionavelmente, o educacional. Ninguém se humaniza sozinho,
nos diz Berg er (1972, p.114) “Uma pessoa não pode ser humana
sozinha e, aparentemente, não pode apegar-se a qualquer identidade
sem o amparo da sociedade”. Precisamos da sociedade para nos
respaldar, e poderíamos dizer: precisamos da educação para nos fazer
gente.
Quem somos nós no conjunto da sociedade? A que nos
destinamos? Roland Corbisier (1978, p.59), citando Or tega e Gasset,
nos diz que somos um projeto, que nos realizamos como projeto,
que não estamos acabados e programados.
Quando falamos em educação estamos pronunciando uma palavra
enigmática, pois todos a entendem, mas nem não sabemos do que
estamos falando, nem os que nos ouvem sabem do que falamos.
Rancière (1996) diria que este é um exemplo puro de desentendimento .
E estamos nos desentendendo muito tempo.
Quando falamos em paradoxo estamos nos referindo a algo que
se apresenta como contrário, ou uma contraposição àquilo que
julg amos ser o esperado. Assim, quando o professor se refere ao valor
social da educação e, ao mesmo tempo, ao seu desprestígio no
mercado de trabalho, está diante de um paradoxo e, certamente,
também de um dilema e de um desafio, mas ainda em face de uma
obviedade: o seu valor no mercado da educação de massa.
Por dilema podemos considerar a necessidade de uma decisão
diante de alternativas que são opostas e cada uma delas insatisfatória,
mas que é preciso chegar a uma conclusão ou a uma saída.
Pensemos, por tanto, em paradoxos e depois nos dilemas que eles
nos propõem:
1. O valor social da educação não é correspondido com a mesma
ênfase nas relações de trabalho no campo educacional;
2. A baixa-estima do professor ao confessar seu baixo rendimento
e suas precárias condições de trabalho expressa a sua fragilidade
no âmbito do próprio campo educacional;
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3 . Ao comparar-se em dedicação e estudos a outros profissionais
que obtêm sucesso, sem o requerimento do empenho intelectual
(ar tista, jogador de futebol, piloto de fórmula 1 etc.) põe em
jogo a desvalorização social da educação para os próprios
estudantes que são incentivados a “estudar para vencer na vida”;
4 . A padronização da educação de massa é também a padronização
(homogeneização) social, enquanto que o discurso da educação
é o da distinção social, da instalação da competência para o
desempenho competitivo na sociedade;
5 . O predomínio da “razão instr umental” no processo educacional
tende a anular a atenção à subjetividade do sujeito, tor nando-o
um ser indistinto diante de uma missão a que está obrigado a
realizar, sem ter a devida consciência do seu sentido e do seu
significado;
6 . A educação abstraída de significado torna-se mais um fardo do
que alg o reconhecido pelo estudante, também abs-traído,ouex-
traido, para a realização de seu próprio projeto de for mação
social, de constituição de um ser repleto de possibilidades;
7 . A qualidade da educação leva ao desencanto, e a freqüência
à escola torna-se apenas uma obrigação social de “estar na
escola”, o que descompromete o estudante com as relações
necessárias decorrentes dos papéis em jogo;
8 . Sobrecar regado e mal remunerado, o professor se desencanta e
amesquinha seu próprio papel social;
9 . O autoritarismo e a hipocrisia do campo educacional estabelece
um chão de relações falsas, moralistas, que se torna movediço
para todos os que se envolvem nesse campo;
1 0. A educação, embora absolutamente necessária, não é condição
para a maioria de ascensão social, garantia de trabalho,
emprego e renda, nem de distinção social.
Diante desses paradoxos que não se esgotam aqui é preciso
pensar nos dilemas que eles propõem e nos desafios que professores e
estudantes têm pela frente, se quiserem mudar o r umo da educação
na proposição de uma nova sociedade. O principal dilema diz respeito
ao fato de que uma nova sociedade pode propor uma nova educação,e
que a educação é o mecanismo, como pr ocesso, de constr ução dessa
nova sociedade.
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2. EM QUE SOCIEDADE VIVEMOS HOJE?
Fizemos uma transição da sociedade de disciplina para a sociedade
de controle. Da sociedade da forma, isto é, do molde, para a sociedade
digital que nega a for ma, o molde, e impõe modulações (Deleuze, 1992).
A sociedade de consumo em que a identidade de consumidor válido
(Bauman, 1998) se sobrepõe a qualquer outra. Cidadania do consumo e
do consumidor, da qual não participam os consumidores falhos, que
são a “sujeira” social.
Enigmática, a sociedade pós-moderna ou que outra denominação
pode vir a ser adotada (pós-tradicional, supermoderna, de informação
etc.) escapa de ser apanhada de uma vez e revela-se, como a idéia de
globalização, mais por seus efeitos do que pelas causas. É também a
sociedade do “crepúsculo do dever”, como propõe Lipovetsky (1992)
(Le crépuscule du devoir), contra a qual Bauman (1997) se ar ma de
contra-argumentação na Ética Pós-Moder na, afirmando que o filósofo
“comete o erro gêmeo de representar o tópico da investigação como um
r ecurso investigativo; o que deve explicar como o que explica (ibid. p. 7)
e logo mais adiante diz:
Se a descrição de Lipovetsky está correta e nós nos confrontamos hoje
com uma vida social liberada de preocupações morais, o puro “é” que
não se guia mais por qualquer “deve”, um intercurso social descasado
de obrigação e direito a tarefa do sociólogo é mostrar como veio a
suceder, que regulamentação moral terá sido “desencarregada” do arsenal
de armas outrora desenvolvido nas lutas auto-re produtivas da sociedade.
Crise de valores, assim como a famosa crise de paradigmas falada
até a exaustão pelos arautos da globalização e da pós-modernidade,
parece ser o sintoma e a causa da verdadeira crise da sociedade
(in)confor mada e (in)confor mista em relação à família, à escola e, enfim,
ao amor amoroso, per plexa diante do trabalho e das incer tezas.
uma crise de valores. quase um consenso a r espeito dessa
afir mação. Alguns parlamentares propuseram o retor no da disciplina
moral e cívica, assim como do ensino de religião para o resgate dos “valores
perdidos”. Causa e efeito aqui se mistura, no caos produzido pelo
desentendimento. Recorrendo a Heller (1970, p. 5):
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326
Valor é tudo aquilo que, em qualquer das esferas e em relação com a
situação de cada momento, contribua para o enriquecimento daqueles
componentes essenciais (os componentes, para Marx, da essência
humana são: o trabalho (a objetivação), a socialidade, a universalidade,
a consciência e a liberdade); e pode-se considerar desvalor tudo o
que, direta ou indiretamente, rebaixe ou inverta o nível alcançado no
desenvolvimento de um deter minado componente essencial. O valor,
portanto, é uma categoria ontológico-social; como tal, é algo objetivo; mas
não tem uma objetividade natural (apenas pressupostos ou condições
naturais) e sim objetividade social. É independente das avaliações dos
indivíduos, mas não da atividade dos homens, pois é expressão
resultante de relações sociais.
Esses “críticos” da sociedade contemporânea não se dão conta dos
valores como construções resultantes das relações sociais. A
precarização do trabalho, por exemplo, ar rastou pela g relha que leva ao
subterrâneo das galerias pluviais, valores que até então sedimentavam
relações emocionais familiares, de amizade, de solidariedade e
compar tilhamento, com a enxurrada do consumo e da competitividade.
Eis o ponto focal da “corrosão do caráter” (SENNETT, 2001), das
transfor mações em todas as dimensões da vida humana.
A crise de valores, por tanto, deixa de ser enigmática para ser
desvelada pela fonte causal mais impor tante: a reestr uturação produtiva
e a elevação do mercado à condição sagrada de regente máximo e tirânico
da vida social. “Compro, logo existo”, escreve Kumar (1997, p. 166),
citando a frase como um dos slogans “supostamente posmodernista”.
Desestabilizados do nicho do trabalho, e de tudo que em torno dele
girava a vida social: o seu significado, o seu sentido para a existência
das pessoas. O que resultou foi o terreno movediço das incer tezas e das
angústias, do não mais se saber quem exatament eéeoquevale, tanto
para si mesmo quanto para os outros. As esperanças em relação aos
mais jovens foram também abaladas ou destituídas de significado. A
nova sociedade é confusa, incer ta e sem rumo. Diz Sennett (ibid. p. 10)
“Na verdade, a nova ordem impõe novos controles, em vez de
simplesmente abolir as regras do passado mas, também, esses novos
controles são difíceis de entender. O novo capitalismo é um sistema de
poder muitas vezes ilegível”.
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327
Sociedade de competição e de exclusão: Um pouco de Brasil no início
do século XXI
Em nenhum momento estamos aqui para desencadear, como muitos
o fazem e tantos outros o fizeram pouco tempo, elogio do processo
de globalização como um dos prodígios da pós-modernidade, dessa nova
sociedade que toma forma, velozmente, despedindo os seres humanos
como excesso, e mesmo como resíduos descartáveis ou, mais
contundentemente, como “sujeira social”.
Em poucos anos de euforia globalizante o mundo ficou menor, mais
imediato, mais inseguro e angustiante, precisamente quando dispõe de
tecnologias maravilhosas que poderiam proporcionar as mais altas
liberdades e taxas de conforto jamais conhecidas na humanidade.
Gosto de re petir a frase dita pelo ilustre economista americano, John
Kenneth Galbraith: Globalização não é um conceito sério. Nós,
americanos, o inventamos para dissimular nossa política de entrada
econômica nos outros países”
1
; e mais do que nunca estamos
vivenciando esta política, a exemplo do recente Encontro das Américas,
no Canadá, quando o mundo americano se estr utura com a ALCA para
estender o seu poder em todo o continente de forma definitiva.
É muito importante ressaltar a diferença entre o Brasil e os Estados
Unidos, mesmo que festejemos com a euforia de sempre mas nem
sempre compreendendo o significado disso o fato de estarmos entre
as dez mais fortes economias do mundo. Tem razão o embaixador Samuel
Guimarães (e foi punido por isso!) quando diz que o Brasil é a mesma
coisa que “Popó versus Mike Tyson”, e dispara uma estatística
assombrosa no campo científico: A diferença entre o Brasil e os E UA
é brutal. Em 2000, enquanto eles pediram 39 mil patentes, nós pedimos
160” (ISTO É/1647 25/4/2001, p. 82).
Tomemos o exemplo da Inter net, todos que a utilizam, e mais uma
soma considerável de softwares, sabem que estão sob o domínio da
Windows e de outras g randes empresas de informática que ditam regr a
e moda, de modo determinante, em quase todo o mundo,
particularmente entre nós.
1
Folha de São Paulo, Cader no Opinião, p.2 03.11.1997.
Livro Forum Brasil de Educacao.p65 17/1/2005, 16:44327
328
Uma reflexão séria sobre o nosso tempo não nos deixa otimistas com
a nossa situação atual e com as nossas perspectivas futuras, sobretudo
no campo político, e isso nos obriga a mediar as nossas responsabilidades,
se quiser mos sair dessa situação constrangedora, verdadeiramente
humilhante, em que nossa sociedade está posta no cenário internacional,
como podemos acompanhar pelos índices das Nações Unidas; e nacional
quando nos defrontamos com a derrocada moral de nossas instituições
políticas mais elevadas, em que pese a recentíssima vitória eleitoral do
Partido dos Trabalhadores, elegendo para Presidente da República seu
ícone, Luís Inácio Lula da Silva.
Crise? Sim, e isso é bom sinal, pois se define por situação de crise
aquela em que o sistema social está incomodado, afetado por problemas
que o impedem de operar plenamente. Mas, novamente, devemos seguir
aquela orientação de Michel Foucault em resposta a R abinow (Ra binow
1999, p.30) sobre o interesse pela política, ao que o filósofo respondeu
substituindo o por quê por como:
Nossa tarefa é colocar de lado estes esquemas utópicos, a procura por
princípios primeiros, e perguntar como o poder efetivamente opera na
nossa sociedade. “parece-me, explica Foucault, “que a verdadeira tarefa
política numa sociedade como a nossa é criticar o funcionamento das
instituições que aparentam ser neutras e independentes; criticá-las de tal
maneira que a violência política exercida obscuramente através delas
possa ser desmascarada, a fim de que possam vir a ser combatidas”.
Recusar a sociedade atual em suas formas de org anização institucional
é um dever da consciência, e isso diz respeito à educação, o nosso
principal campo de atuação, assim como aos demais: político,
administrativo, legislativo e judiciário. Uma ampla transfor mação
política é necessária, absolutamente necessária, para projetar o Brasil
contemporâneo como capaz, de fato, de vivenciar o tempo atual, e não
como a fatalista promessa de ser um país do futuro, imerso em atraso e
em mentira, no mais pleno desrespeito ao seu povo.
Recusar este Brasil que se desdobra em dois: o Brasilsão pobre,
violento e até mesmo entristecido, e este outro, Brazilzinho maiamizado
dos emergentes e da elite, capitalizados às custas da cor r upção, da
drenagem do dinheiro público para banqueiros, e estes, em seus paraísos
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329
fiscais; mas também, no jogo das negociatas de empreiteiros e escritórios
escusos que negociam com instituições públicas.
Este é um país em que as autoridades de alto escalão se acusam,
mutuamente, de corruptos, indignos, infiéis e coisas tais. Dão o grande
espetáculo de serem representantes de um submundo que emerge
quando competem entre si, quando se sentem ameaçados. O Brasil do
lodo é o Brasil real, por isso urgiu impedir que o Congresso Nacional
pudesse realizar a CPI da cor rupção, medo da extensão que poderia ter
uma devassa bem feita. Senadores fraudadores, senadores que desviam
recursos de agências públicas, que neg ociam com papéis do g overno,
que mentem desavergonhadamente. Parlamentares envolvidos com o
crime organizado Não é gente simples, mas a que participa do Congresso
Nacional! Que re presenta politicamente o povo brasileiro.
Todo o lixo para debaixo do tapete, enquanto nos campos, nas fábricas,
nas escolas, nas ruas, trabalhadores e estudantes, e o famoso e indistinto
“povo em geral”, se mexe, se sacode, na tentativa de balançar o poder
fl exibilizado pelo cinismo que se mantém e que flui apesar de tudo.
Mas essa introdução indignada não deve impedir que eu faça, mais
que a expressão de denúncia, a análise de nosso tempo, pois é preciso
exercer a crítica, no seu sentido mais rig oroso, o de desvendar o que
está mascarado para estabelecer a compreensão, o entendimento e a
ação política bem organizada para mudar a sociedade, para que ela seja,
de fato, do povo brasileiro.
Um bom exemplo, que aos poucos se dilui na memória, mas que foi
realidade para as gerações mais velhas, é o das agências bancárias com
seus inúmeros guichês e suas múltiplas filas e, por trás deles, uma pequena
multidão de bancários. Hoje, essa imagem é bem diferente: são salões
com o centro vazio e os cantos com baterias de máquinas que satisfazem
quase todas as necessidades que os clientes têm de um banco, sem precisar
recor rer a funcionários. Outro exemplo trivialéodorestaurante “a kilo”
(sic), que mudou os costumes dos que recorrem ao “fast food”, na verdade
mudando estilos de vida. Neste caso, assim como no dos bancos, o
desemprego é a tônica. Bancário tornou-se uma categoria em extinção e,
no passado, juntamente com os operários metalúrgicos e petroquímicos,
representou uma das maiores forças trabalhistas do país.
Bancários, garçons, trabalhadores especializados e centenas de outras
funções tornaram-se desnecessárias. As inovações tecnológicas
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330
transformaram rapidamente o país; o computador aposentou
definitivamente a máquina de escrever e passou a ser um componente
obrig atório em toda empresa, e mesmo nas residências. A conseqüência
do mundo maravilhoso do “self service”, do “fast food” e da virtualidade
foi a exclusão de milhares de pessoas do mercado de trabalho, sem falar
de outros muitos milhares que se encontravam na categoria sociológica
de mar ginalizados. Associa-se a esta nova realidade o bloqueio aos mais
jovens em relação ao primeiro empreg o.
Em sua introdução ao livro, “Os sentidos do trabalho”, Antunes
(1999:15) refere-se à crise experimentada pelo capital e suas respostas
na forma do neoliberalismo, e da reestr uturação produtiva da “era da
acumulação flexível”, cujas conseqüências alteraram profundamente as
for mas de ser edeexistir da sociabilidade humana e, dentre elas,
podemos, inicialmente, mencionar o enorme desempreg o estrutural, um
crescente contingente de trabalhadores em condições precarizadas, além
de uma degradação que se amplia, na relação metabólica entre homem
e natureza, conduzida pela lógica societal voltada prioritariamente para
a produção de mercadorias e para a valorização do capital.
No desenrolar dessas sucessivas cenas da realidade “clip” brasileira,
em que se vive sob a hegemonia da globalização na cultura pós-moderna
esta, que poucos sabem o que representa –, mas que se obser va pelas
ondas de desempreg o, o desmantelamento do Estado, a privatização de
empresa e serviços públicos, estes pela via da terceirização, segundo a
crença generalizada da eficiência da gestão privada e da ineficácia da
pública, baseada no pressuposto de que o mercado regula a produção e
que “quem não tem competência não se estabelece”.
O modelo adotado pelo Brasil, incapaz de resistir à sedução da
globalização, vem acompanhado de justificativas para legitimá-lo, na
for ma, como denomina Antunes (ibid.), de fetichização:
Desde o culto da sociedade democrática, que teria finalmente realizado
a utopia do preenchimento, até a crença na desmercantilização da vida
societal, no fim das ideologias, no advento de uma sociedade
comunicacional capaz de possibilitar uma interação subjetiva, por meio
de novas formas de intersubjetividade. Ou ainda, aquelas que visualizam
o fim do trabalho e a realização concreta do reino do tempo livre,
dentro da estrutura global de reprodução societária vigente.
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331
O brasileiro, ao long o desta década, vive o delírio, ganha a cidadania
de consumidor e tem no Procon
2
a sua representação diante do produtor,
do comerciante ou do prestador de serviço, mesmo considerando suas
limitações. A identificação da cidadania com o consumidor decor re da
situação vista por Canclini (1995:15) como de afastamento “da época
em que as identidades se definiam por essências a-históricas: atualmente
configuram-se no consumo, de pendem daquilo que se possui, ou daquilo
que se pode chegar a possuir”. É uma situação nova, que abre um fosso
bem mais largo e mais profundo entre os consumidores e os “consumidores
falhos”, usando aqui, a distinção proposta por Bauman (1998:24), para
aqueles que vão se tornar a “sujeira” social que precisa ser removida.
Frente à euforia da globalização, o brasileiro sentiu o desemprego, o
bloqueio ao primeiro emprego, a angústia da insegurança dos que ainda
estão empregados em permanecer em seus postos; o aumento vertiginoso
da violência urbanaeaapatiaemrelação ao sistema político, de pois dos
sucessivos escândalos de cor rupção em todas as esferas governamentais
e em todas as instituições públicas, não apenas no centro do poder, mas
também em suas extremidades, em suas ramificações , como recomenda
Foucault (1986, p. 182) para se analisar o exercício concreto do poder
em sua manifestação “cada vez menos jurídica”.
Saturação e erupção
Nesse processo, revela-se o paradoxo político que é o tema central
de nossa preocupação neste ensaio: a percepção social do simulacro e a
retomada política de uma oposição legitimada pelo esgotamento das
promessas da globalização, e desse neoliberalismo que não consegue
cumprir as promessas para o novo século, ou na melhor das empulhações,
para o novo milênio.
O esgotamento do modelo econômico da globalização reflete-se nos
movimentos sociais, que se organizam e se mexem contra a corrente
avassaladora do entreguismo econômico do Estado à esfera privada,
estabelecendo uma situação que se expressa em dois planos: no primeiro,
2
Órgão do governo federal encarregado de fiscalização e de ação em defesa do consumidor.
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332
a redução do Estado nacional nos países do terceiro mundo; no segundo,
o incentivo e a explicitação da cor r upção como modo de ser da
sociedade, em todas suas instâncias.
Diante dessa situação confusa e confusamente comunicada pela
mídia, o indivíduo se sente arrebatado por forças incontroláveis que o
levam de roldão, sem saber para aonde e em que condições. Encontra-
se diante de uma diminuição do Estado que à primeira vista parece
salutar, pois as partes amputadas estavam gangrenadas e ameaçavam o
todo; mas também porque sente o reforço da sociedade civil, velho
ideal liberal, mas também anarquista e mesmo comunista. Por outro
lado, sente a fragilidade do Estado Nacional diante de outras sociedades
que, bem estr uturadas, fazem da globalização uma forma despudorada
de intervenção no país, com o “hábeas cor pus” preventivo de ser uma
tendência inexorável da globalização e da pós-modernidade.
A configuração de uma condição ou situação continuada, duradoura
e persistente, encontra como antídoto uma espécie de cansaço que se
manifesta na forma de saturação, como se pode ver na perce pção de
Maffesoli (1999 p. 48):
Quando os diversos segmentos integ rantes de determinada identidade
não podem mais, por desgaste, incompatibilidade, fadiga, etc.,
per manecer ligados entrarão, de maneiras variadas, em outra composição,
favorecendo assim o surgimento de outra identidade. Foi esse processo
que levou à emergência da“pós-medievalidade”, na seqüência chamada
de modernidade. É isso também que, antes de receber um nome
adequado, preside a elaboração da pós-modernidade. Saturação
recomposição. Talvez seja a única lei que possamos identificar no
transcurso caótico das histórias humanas.
O sentimento de saturação é forte. Os destroços do neoliberalismo
são visíveis nesse naufrágio: os desempregados; uns se debatem
desesperados, outros vão ao fundo; os jovens se perguntam o que vão
fazer diante das portas fechadas do mercado de trabalho quando da
procura pelo primeiro empreg o. Eles trazem estudos, uns incompletos,
outros com diplomas, mas não é mais o sistema educacional formal que
prepara o indivíduo para o trabalho, a educação tor nou-se uma espécie
de enigma, pois não mais é for madora do “ser social completo”, e muito
menos é libertária, emancipadora; os privilegiados têm garantia de
inserção social na economia, são portadores de alguma herança.
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333
A escola é aparelho da educação, opera de modo ambivalente, tanto
como extensão distanciada da família, como de sua negação, tor nando-
se um campo próprio de fuga da família para a entrada no mundo amplo
e hostil. Mas a escola incorpora, segundo a análise de Bourdieu (2000,
p.8), a competência para a transmissão do efeito de destino da herança:
Cujos julg amentos e cujas sanções podem confirmar os da família, mas
também contrariá-los ou opor-se a eles, e contribuem de for ma
absolutamente decisiva para a construção da identidade. O que explica,
sem dúvida, o fato de encontrarmos tão freqüentemente a escola na
origem do sofrimento das pessoas interrogadas, decepcionadas ou com
seu próprio projeto ou com projetos que haviam feito para seus
descendentes, ou então pelos desmentidos, infligidos pelo mercado de
trabalho às promessas e às garantias da escola.
A educação de massa, como referida, é hoje realidade da maioria
de desempregados, subempregados ou de candidatos ao primeiro
empreg o. Todos estão igualados por seus níveis educacionais básicos.
É neste ponto que a educação se torna entrópica e perde força, pois o
campo produtivo está selecionando para além desses níveis de saturação
educacional, em que pese o fato de que sem eles a condição dos
indivíduos seria bem mais desvantajosa, na verdade mais per versa.
A reiteração do discurso salvacionista da educação se faz acompanhar
de outros tantos mitos mais diretamente ligados às organizações
produtivas. A saturação também ating e a linguag em, o vocabulário de
tecnocratas e intelectuais acadêmicos do neoculturalismo universitário
brasileiro: “qualidade total”, “reengenharia”, “inteligência emocional”,
“toyotismo” “pós-modernidade”, “globalização”, “novo século”, “novo
milênio”, “pós-fordismo”, “planejamento estratégico”, “sustentabilidade”,
“sociedade midiática”, “realidade virtual”, “flexibilização” etc., além de
uma enxurrada de auto-ajuda e usos abusivos de “Jesus”, resultado do
proselitismo alucinado de vertentes religiosas, que o transformaram na
mais difundida peça de marketing neste final de século em cultos
espetaculares, no comércio por atacado e a varejo de seu nome.
Os jornais trazem notícias boas, mas são dos Estados Unidos, do
Canadá e da Europa. fora caem as taxas de criminalidade, reduz o
desempreg o e eleva-se o PIB. No Brasil não otimismo, violência e
tragédia. Alguns sonham com o passad o e o acham melhor que o
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presente: “pelo menos tínhamos segurança e sabíamos o que íamos ser”.
O presente, a era da insegurança e das incertezas, quando não mais
se pergunta a uma criança ou a um adolescent e o que vai querer ser
quando crescer? Que carreira vai seguir? Assim como o adulto empregado
se questiona até quando permanece no trabalho, e o que é preciso fazer
para não perder o seu empreg o.
uma angústia em quase todos os lares, em quase todos os bares,
em quase todos os lugares. Uma tristeza na incerteza, a desilusão da
globalização, “mas o coração continua”
3
.
Estamos em um momento muito peculiar em que, como nos diz
Vattimo, (1999:55): A idéia de que a história tinha um sentido
progressivo, sendo, por uma via mais ou menos misteriosa, guiada por
uma racionalidade providencial, sempre se aproximando da perfeição
final, estava na base da modernidade.
E a moder nidade parece, na definição do filósofo, distanciar-se da
contemporaneidade, na medida em que a “modernidade como a época
em que, mais ou menos explícita e conscientemente, o ser moderno foi
tratado como valor básico”. A era do desespero é, precisamente, esta
em que o ser pós-moderno foi elevando à individualidade mais
exacerbada, à solidão maior em meio ao coletivo inquieto e frenético
do estar junto-com nos espetáculos, ao seu destino pessoal, cada um
responsável por si mesmo.
A nova ordem que emergiu do neoliberalismo construiu o
individualismo exacerbado, supostamente livre ainda que,
ironicamente, para consumir produziu o fenômeno da exclusão e o
seu oposto: a recusa à rejeição pela via da força da transgressão e do
crime. O balanço social é extremamente contraditório. Assassinatos,
estupros, roubos, assaltos, tráfico de drog as, prostituição, g angues de
jovens e todo um corolário de transgressão e crimes e uma proporção
considerável de famílias sem a presença adulta masculina. Para
Lipovetsk y (ibid. p.18) estas foram as conseqüências sociais herdadas
do neoliberalismo na constituição da sociedade do pós-dever, mais
precisamente em suas palavras:
3
Último verso de “Consolo na praia” de Carlos Drummond de Andrade.
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335
O pós-dever contribui para a fragmentação e polarização nas
democracias, produzindo ao mesmo tempo a nor malização e a anomia,
mais integração e mais exclusão; mais autoproteção higiênica e mais
autodestr uição, maior hor ror da violência e maior banalização da
delinqüência, mais cocooning e mais desabrigo. Por toda parte o
individualismo vigora e assume duas faces antagônicas: uma integrada,
autônoma, flexível e autoconfiante para grande maioria; outra, frustrada,
violenta e sem futuro para as novas minorias deserdadas.
A dualidade como polarização afir mada por Lipovetsky nos leva a
perceber que não se trata de uma simetria; são duas faces, mas não de
sociedade que se cortam ao meio e apresentem dois lados, mas que
produzem efeitos de exclusão e de recusa dessa exclusão de modo
violento. Eis que a inclusão de alguns se repercute na exclusão de outros,
como resposta à incapacidade de absorção da maioria dentro dos padrões
sociais de educação e trabalho. Normalidade e anomia, por tanto, são
expressões da sociedade contemporânea. Quanto a este aspecto, que
ressalta a sociedade como um problema para si mesma, a recusa ao
caos desag regante põe em questão a necessidade de novos r umos
políticos, sociais, culturais e econômicos, para a superação de problemas
sociais responsáveis pelos altos índices de criminalidade.
Essa recusa é extraordinária e finaliza uma década terrível, a dos
anos 90, com todos os embustes que vão da “reengenharia aos novos
paradigmas”, como se fosse possível sepultar a notável experiência
libertadora do ser humano, a sua busca civilizadora, e em lugar a
imposição da ideologia do mercado, da cidadania de consumidor como
bases para o prazer e para a felicidade. O pós-dever se acrescenta a
tantos outros pós, que a sociedade contemporânea é percebida pelo
que ela deixou para trás, mas não pelo que efetivamente a constitui.
A sociedade contemporânea, depois da perplexidade dos primeiros e
ter ríveis momentos desse fim de século, não propõe novos rumos e
destino, não os conhece; mas em meio às novas for mas de luta, pois
sabe que está diante da Hidra, e entre o drama e a tragédia faz o seu
desafio, sabendo que nada mais será como antes, nem como será o devir,
pois o passado não era o futuro esperado, e o futuro não re petirá o que
jamais existiu o mito.
Nesta síntese procuramos compreender a transformação política e
conceitual do Brasil, mas também da América Latina concebida como
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336
um conjunto político a reagir em busca de sua emancipação continental
e cultural ao longo do século XX, como a conce pção do Terceiro Mundo,
que para Hannah Arendt (2001, p. 24) “não é uma realidade, mas
uma ideologia”, cuja tônica era a busca de uma identidade e ao mesmo
tempo da emancipação de países e do bloco latino-americano. Hoje,
essa identidade encontra-se fragmentada e ameaçada de dissolução pelas
forças poderosas do mercado, que promovem a imbricação e, até mesmo,
a fusão da economia com a cultur a e a política. O projeto de educação,
tal como concebido por Paulo Freire, expandia a identidade, mas sem
jamais dilui-la em uma totalidade dissociada.
O mundo, tal qual o conhecíamos, não mais existe (Wallerstein,
2000). A datação das grandes transformaçõe seofortalecimento, nos
fins do século XX, do grande Império (Cf. Hardt e Negri), provocando
distâncias abismais entre o Primeiro e o Terceiro Mundo. Voltamos,
portanto, ao redemoinho da globalização.
A dissolução da sociedade civil é uma hipótese a ser considerada
nesse modelo de sociedade de controle, que exige racionalidades
crescentes ocupando o lug ar das paixões, dos desejos; sendo, tão
somente, a sociedade submetida ao domínio total da tecnologia,
desimpedida dos penduricalhos das conquistas sociais. Assim, uma nova
concepção de sociedade emerge com uma força avassaladora, a exemplo
do que registra Wacquant (2001), em revista das teses sociais americanas
da atualidade, que estão se espalhando pelo mundo, notadamente na
Inglater ra de Tony Blair, amplamente divulg adas pela mídia que focam
questões, tais como: pais ausentes, gravidez na adolescência etc., cujos
custos sociais não devem ser sociais, mas da responsabilidade dos
indivíduos. Diz Wacquant:
Vê-se, assim, desenhar-se um franco consenso entre a direita americana
mais reacionária e a autoproclamada vanguarda da “nova esquerda”
européia em torno da idéia, segundo a qual, os “maus pobres” devem
ser capturados pela mão (de ferro) do Estado e seus comportamentos
corrigidos pela reprovação pública e pela intensificação das coerções
administrativas e das sanções penais.
Em outro trecho do mesmo livro(p. 47) este autor nos traça o seguinte
quadro do processo que se amplia na “era do pós-welfare”:
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337
Retrocesso para uma visão atomista da sociedade como simples coleção
serial de indivíduos orientados ora por, evidentemente, seus interesses, ora
(quando seu comportamento parece desafiar o cálculo de utilidade ou ir
contra o bom senso conser vador) por uma “cultura” de onde,
milagrosamente, jorram suas estratégias e suas chances de vida; explicação
individualista de um fato social em violação flagrante do primeiro preceito
do método sociológico (que pretende que sempre se explique um fato
social por outro fato social), decretado caduco na nova “sociedade
meritocrática” enfim alcançada; supressão da divisão social em classes sociais,
vantajosamente substituída pela oposição técnica e moral entre os
“competentes” e os “incompetentes”, os “responsáveis” e os
“irresponsáveis”, as desigualdades sociais sendo apenas um reflexo dessas
diferenças de “personalidade”.
A sociedade pós-dever para o indivíduo é, também, a sociedade do
Estado do pós-dever para com o cidadão. A perspectiva atomista do social
joga sobre os indivíduos o peso da sociedade, como se ela fosse igual
para todos em oportunidades e dependesse do desempenho pessoal de
cada um. A herança, referida por Bourdieu, não é levada em conta, ou
seja, o capital simbólico e material que distingue as pessoas quanto às
condições materiais de existência. É uma abstração de um ser abs-traído
e ex-traído de seu contexto, e proposto em um outro absoluto e abstrato.
É impor tante retomar Sennett (2001, p. 13) quando reconhece a
importância dos laços afetivos na configuração da sociedade:
É mais fácil observar os compromissos afetivos que ocor rem na família
do que numa fábrica, mas a vida emocional dos grandes aglomerados é
igualmente real. Sem laços de lealdade, domínio e fraternidade, nenhuma
sociedade e nenhuma de suas instituições poderiam funcionar por muito
tempo. Os laços afetivos, por tanto, têm conseqüências políticas.
É, precisamente, a sedução tecnológica e a economia depurada das
questões sociais que expressam esse novo momento de tentativa de
sufocar a política, de fazê-la automática e subordinada a regras do
controle do capital da “modernidade líquida” (Bauman, 2001):
Para que o poder tenha a liberdade de fluir, o mundo deve estar livre
de cercas, bar reiras, fronteiras fortificadas e bar ricadas. Qualquer rede
densa de laços sociais e, em particular, uma que esteja territorialmente
enraizada, é um obstáculo a ser eliminado”.
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338
O mundo global se articula pelo capital móvel e pela tecnologia
transformada em cultura e mesmo em política, de tal modo que nenhuma
alternativa pode ou deva ser pensada, porque o mundo se articula em
bloco e deve operar como peça de um sistema, do sistema-mundo
world-system. (Wallerstein, 2001).
CONCLUSÃO: EDUCAÇÃO E SOCIEDADE X SOCIEDADE E
EDUCAÇÃO
Depois dos desvios tomados para pontuar as características da
sociedade contemporânea e de suas tendências mais ostensivas, retomamos
a questão da educação afir mando que, ao mesmo tempo em que se tor nou,
ela própria, economia, paradoxalmente e por isso mesmo se permite
emancipar-se como refinamento em seus níveis mais elevados, aproximando-
se da arte. Essa nova configuração se refletirá no conjunto da educação e
beneficiará os níveis primeiros, tornando-os também refinados para a
formação de um ser mais exig ente, fortalecido pela condição de cidadania
e protegido pelos direitos humanos. A educação, assim politizada, operará
o sistema (econômico, político, cultural e tecnológico), reivindicando e
exigindo qualidade, com o apoio da comunicação.
As idéias libertárias são vistas hoje como desvios, e os desviantes
são controlados pelas agências internacionais e o mundo se fecha diante
da ordem,docontrole, sai dos moldes para as modulações (Deleuze,
1992:221), vale à pena citar o filósofo:
Na sociedade de disciplina não se parava de recomeçar (da escola à
caserna, da caserna à fábrica), enquanto na sociedade de controle nunca
se ter mina nada; a empresa, a formação, o serviço sendo os estados
metaestáveis e coexistentes de uma nova modulação, como que de um
defor mador universal. Kaf ka, que se instalava no cruzamento dos
dois tipos de sociedade, descreveu em O Processo as formas jurídicas
mais temíveis: a quitação aparente das sociedades disciplinares (entre
dois confinamentos), a moratória ilimitada das sociedades de controle
(em variação contínua) são dois modos de vida jurídicos muito
diferentes, e se nosso direito, ele mesmo em crise, hesita entre ambos, é
porque saímos de um para entra no outro. As sociedades disciplinares
têm dois pólos: a assinatura que indica o indivíduo, e o número de
matrículas que indica sua posição na massa.
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339
JUVENTUDE E EDUCAÇÃO
Voltamos à educação e à sua missão carismática e messiânica a que
tanto estávamos acostumados no passado, precisamente em uma época
que nos prometia um futuro e um lug ar nesse tempo, ou nessa nova
circunstância, pois tempo para o ser humano é sentido nas
transfor mações, inclusive naquelas que, individualmente, se pode
perceber em si mesmo.
Educação é a mais importante das experiências humanas de
humanização. É a única via que permite chegar à Civilização aquele
estar junto, como nos diz Freud –, mas é também a fonte do mal-estar
na civilização.
Falamos em paradoxos e dilemas, pensemos, então, no que nos dizem
Hardt e Negri (Império, 13) ao falarem das grandes transformações do
mundo contemporâneo:
A construção dos caminhos e limites desses novos fluxos globais tem
sido acompanhada por uma transfor mação dos próprios processos
produtivos dominantes, com o resultado de que o papel da mão-de-
obra industrial foi restringido, e em seu lugar g anhou prioridade a mão-
de-obra comunicativa, cooperativa e cordial. Na pós-modernização da
economia global, a produção de riqueza tende cada vez mais ao que
chamaremos de produção biopolítica, a produção da própria vida social,
na qual o econômico, o político e o cultural cada ve z mais se sobre põem
e se completam um ao outro.
Aonde nos leva a ousadia desses dois autores que tomam um velho
ter mo Império–eoatualizam de modo tão peculiar? Eis o que nos
indicam, de pronto: “Se o século XIX foi o do domínio britânico, o
século XXéododomínio americano; em outras palavras, se a
modernidade foi européia, a pós-modernidade é americana”. Mas vão
mais adiante:
Nossa hipótese básica, entretanto, de que uma nova forma de imperial
de supremacia surgiu, contradiz ambas as teorias. Os Estados Unidos
não são, e nenhum outro Estado-nação poderia ser, o centro de um
novo projeto imperialista. O Imperialismo acabou. Nenhum país
ocupará a posição de liderança mundial que as avançadas nações
européias um dia ocuparam” (Ibid.,14).
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340
Estamos perplexos diante da agressão americana, do desafio ao
mundo, à ONU. Sobretudo diante das mentiras tão amplamente
denunciadas por jornais internacionais, a exemplo do Le Monde
Diplomatique, mas também pelas denuncias de parlamentares e outros
atores políticos. As conseqüências do pretexto de lutar contra o inimig o
número um o ter rorismo, para a democracia americana são profundas
e devastadoras. Mas nada de profecias aqui, muito menos ing enuidade.
O fato político do Iraque desabrochará em conseqüências que talvez
não tenhamos capacidade de prever os desdobramentos, e nem de
agüentar as conseqüências.
Cada ação radical muda o mundo, e nós estamos mudando mais
velozmente do que gostaríamos, pois não temos meios de controlar os
resultados, e isso é uma ameaça para a sociedade do cálculo.
Não quero entrar em maiores detalhes. Não é hora, pois estamos
falando de educação. Apenas quero deixar bem claro que a educação é
um meio, uma disponibilidade para uma disposição, ou para várias
disposições, sobretudo para salvar o homem da situação apontada por
Heidegg er, “quando, no domínio do não-objeto, o homem se reduz apenas
a dis-por da dis-ponibilidade então é que chegou à última beira do
precipício, onde ele mesmo se toma por dis-ponibilidade” (2001:29).
A educação não é, em si mesma, salvação. Mais freqüentemente ela
é dis-posição, redutora, portanto, do homem como disponibilidade. E
para que? Para o mercado, responderiam os pragmáticos. Educação para
o trabalho, educação para um fazer, mas pouco uma educação para o
Ser-no-mundo e para o estar-no-mundo.
Eis, por tanto, o nosso g rande paradoxo: a produção se orienta para a
biopolítica, a produção da própria vida social, na qual o econômico, o
político e o cultural cada vez mais se sobrepõem (JAMESON, 2001) e
se completam um ao outro, como nos disseram Hardt e Neg ri.
É hora de pensar de qual educação estamos falando. Para onde
estamos a enviar os novos jovens. Quais promessas seremos capazes de
fazer? E o que nos dirão eles quando percorrerem o caminho indicado e
chegarem ao nada, ao que não tem significado para eles?
A educação nos foge, se faz autônoma e torna-se, ela própria,
produtora da sociedade.
O objeto fugidio exige de nós uma grande revisão conceitual, política
e cultural. Que sociedade queremos? A politização da educação é
Livro Forum Brasil de Educacao.p65 17/1/2005, 16:44340
341
inevitável, mais cedo do que se supõe ela se voltará contra as formas
impostas e instrumentais, assim como a produção se voltou contra o
trabalho. Uma sociedade é um objetivo da sociedade. Mas até então a
sociedade tem sido um objeto da produção. Mas, resta-nos a hipótese do
fim do imperialismo e o enigma do que será e do que seremos no Império.
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345
O PROJETO NACIONAL DE EDUCAÇÃO
DESAFIOS E POLÍTICAS
Adeum Sauer*
A Undime par te sempre da premissa de educação como direito,
compreendendo a educação como um direito público subjetivo que
deve se estender a todos. Todos têm direito à educação, portanto, todos
devem ter acesso à educação. Não porque consta das leis, mas porque
é essencial para uma sociedade que se quer igualitária. A educação é um
instrumento necessário para a cidadania e para a democracia.
Boa tarde a todos. Em primeiro lug ar, quero saudar a coordenadora,
os demais componentes da Mesa e o Reitor da Universidade Católica
de Salvador, presidente do Conselho Nacional de Educação, Professor
José Carlos Almeida, que organizou este debate.
Antes de apresentar, rapidamente, o posicionamento da Undime com
relação a algumas questões, faz-se necessário sublinhar o mencionado
pelo Neroaldo sobre a guerra. Na Conferência Internacional de
Educação, realizada pela Unesco, em Genebra, no ano de 2001, que
teve por tema Educação para Todos Apr endendo a Vi ver Juntos,foram
abordados o problema da convivência, o problema do fracasso da
educação relacionado à convivência humana e, agora, passados dois
anos, em um cenário de guerra, nós, educadores temos de reconhecer
que a educação foi insuficiente para inibir ou para conseguir a
consolidação de formas de convivência pacífica entre os povos.
* Presidente da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação UNDIME.
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346
Sobre a discussão de um projeto nacional de educação, a Undime
quer reforçar a importância política de um projeto nacional que
expresse a vontade do povo brasileiro, que compreenda,
evidentemente, as diferenças, as singularidades, as especificidades,
ao mesmo tempo em que guarda e garante os valores universais e
nacionais, que um projeto de tal magnitude deve ter. Um projeto
nacional de educação é um grande desafio, é construído com
consensos, e um evento como este contribui para o debate.
Este evento também é muito impor tante para for mar a opinião
pública sobre educação. A sociedade brasileira tem de dizer o quanto
valoriza a educação, tem de reconhecer o quanto é importante a
educação básica e o ensino superior. Tem de dizer o que espera da
educação. Um projeto nacional não terá sustentação, se não tiver base
social, se não tiver base política suficiente. Dentro dos princípios da
democracia representativa, poderia ser dito que a sociedade delegou a
nós, educadores, a discussão das questões educacionais. Porém, é sabido
que isso não funciona dessa maneira. Devido à crise de
representatividade, nem no parlamento a democracia representativa
funciona assim. Daí, a importância desse debate.
O Plano Nacional de Educação traça as diretrizes, e estabelece as
metas pelas quais os planos estaduais e os planos municipais de
educação devem orientar-se. A Undime considera a constr ução dos
planos, como um instrumento para a formulação de um projeto nacional
de educação ou de um projeto de educação nacional.
Evidentemente que esses planos devem expressar a vontade, os
interesses da educação nas regiões do país, com seus problemas, seus
desafios e sua diversidade. Dessa maneira, o projeto também deve ser
resultado de um pacto, de uma convenção de consensos que se
estabelece democraticamente no país afora. Democracia é precisamente
isso, e a constr ução dos planos de educação é um instr umento para o
exercício da democracia. As diversas esferas da Federação, os Estados
e, sobretudo, os Municípios requerem a participação da comunidade na
elaboração de seus planos. Para não serem planos burocráticos,
encomendados a consultorias, eles devem expressar a vontade e os
interesses das diversas comunidades pela educação. O que a Undime
defende e luta por isso mobilizando os municípios, é a construção
de planos democraticamente construídos, com a participação de todos.
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347
Planos em que haja mobilização dos diversos segmentos sociais, para
não se ter apenas um plano representativo da vontade de todos, mas
que tenha a conivência, tenha a co-autoria da sociedade, princípio
indispensável para a sustentação dos mesmos. A elaboração dos planos
é uma grande oportunidade de mobilizar a sociedade em favor da
educação. É um momento político importante, sobretudo, a gora, com
um novo Governo apontando para a importância social, política e
econômica da educação.
Os planos têm muitos desafios, sobretudo, por ter de contemplar as
possibilidades, os problemas e os desafios que devem ser enfrentados
por todos. Um desses desafioséodeseconseguir chegar a uma educação
de qualidade. Essa tão falada e desejada educação de qualidade é um
dos princípios fundamentais que a Undime defende.
Para tanto, a Undime parte sempre da premissa de educação como
direito, compreendendo a educação como um direito público subjetivo
que deve se estender a todos. Todos têm direito à educação, portanto
todos devem ter acesso à educação. Não porque consta das leis, mas
porque é essencial para uma sociedade que se quer igualitária. A educação
é um instrumento necessário para a cidadania e para a democracia.
Para se atender esse direito à educação de qualidade para todos, é
necessário estabelecer alguns componentes para definir as políticas
públicas educacionais. E tais componentes se constituem nos g randes
desafios à construção do projeto nacional.
A dimensão político-social da educação de qualidade tem de
considerar um forte componente social. Não se pode aceitar o fato de
alguns terem boa escola e a grande maioria uma escola de “segunda” ou
de “terceira categoria”. Qualidade da educação, qualidade social
significam opor tunidade de acesso para todos. Nós não podemos falar
em educação de qualidade, quando a grande maioria da população não
tem acesso, quando o exemplo histórico do país aponta para 23 milhões
de analfabetos adultos. É o conting ente que acumulamos e a dívida
social que temos. Uma educação que não venha contemplar a todos
não tem qualidade social.
Para se ter qualidade social, é necessário democratizar o acesso. As
práticas educacionais, os projetos, as propostas de alfabetização de
jovens e adultos estão implicados nessa idéia. Nós, Dirigentes
Municipais de Educação, estamos muito afer rados à idéia da educação
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348
estritamente escolar, na idade obrigatória d e7a14anos, mas nós temos
a obrigaçã oeodeverdeoferecer educação para todos.
Na Undime são discutidos quatro grupos de componentes necessários
para se ter uma educação de qualidade. O primeiro componente são os
insumos relacionados às condições de infra-estrutura: a constr ução e a
manutenção de prédios escolares, os materiais básicos de produtos
de higiene e de limpeza, e até os mais sofisticados equipamentos.
Um diagnóstico do país nos diz que estamos longe de uma educação
de qualidade, por isso mesmo é um grande desafio. Temos escolas boas
e escolas muito ruins. Por exemplo, no calor do Nordeste, não é possível
para uma criança, às duas horas da tarde, com o Sol a pino se concentrar
dentro de uma sala de aula sem ventilação adequada, com pé-direito
baixo, sob um telhado com cober tura de amianto. As instalações
escolares são um componente de suma importância quando se fala em
educação de qualidade, e isso significa mais investimentos.
Os trabalhadores em educação são outro grande componente. Além
da competência exigida para o exercício do magistério, deve se dar,
considerando as condições de trabalho, remuneração, piso salarial e plano
de car reira. E nem sempre essas garantias são dadas. A formação inicial
e continuada é, também, outro fator importante, pois as universidades,
de modo geral, estão muito distantes das necessidades e das demandas
dos municípios e dos estados, no que concer ne à educação. Este é um
g rande desafio para o ensino superior. A formação do magistério público
é um dever constitucional das universidades e não está sendo cumprido.
Existem muitas experiências, uma delas que posso citar, porque a Vice-
Reitora da minha Universidade está aqui, é um curso de formação de
professores realizado na Universidade Estadual de Santa Cr uz, em
consórcio com os municípios, com vestibular próprio, para atender às
demandas. Mas ainda é muito pouco. As universidades têm de oferecer
mais oportunidades.
Outros desafios, para um magistério de qualidade, além da formação
inicial e continuada, são os concursos públicos, que nem sempre são
promovidos, apesar da lei exigir. Entre esses fatores citados, está a falta
de acesso à cultura e a desconexão do professor com a realidade histórica
da comunidade em que a escola está inserida.
A gestão democrática também é necessária para se ter uma educação
de qualidade. Não porque consta da LDB, mas porque a democracia,
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349
na sociedade, requer que, na escola, se ensine e se pratique a democracia.
Não apenas com a eleição de diretores, mas na relação intersubjetiva
entre professor e aluno. Toda a g estão da escola deve ser democrática,
incentivando o fomento à participação da comunidade escolar, pais e
alunos, nas práticas participativas de avaliação, observação, ref lexão,
registro, sistematização, par ticipação dos usuários e aí, evidentemente,
congressos escolares, ações que demandam mais investimentos e mais
recursos.
O último dos componentes é o relacionado ao acesso e à per manência
na escola. Incluir não significa apenas trazer as crianças para a escola,
mas, sim, fazer com que elas per maneçam, e com que aprendam.
Democracia, democratização na escola significa compromisso da
comunidade escolar com a aprendizagem. É preciso que a escola possa
adequar sua estr utura institucionalizada, sua org anização física e
administrativa, para poder melhor dar conta dessa sua tarefa. O que
também re presenta um custo.
A luta por um financiamento à educação básica de qualidade é uma
luta política da Undime. Mas para ter seus interesses contemplados, é
necessário que a sociedade educacional esteja coesa e organizada, a
sociedade funciona assim. Quem não se organiza tem muitas
dificuldades para colocar os seus interesses na sociedade política.
Os municípios, infelizmente, não estão cumprindo com um de seus
deveres constitucionais, queéodeoferecer o acesso à educação infantil.
Esse não-cumprimento se deve à falta de recursos. É necessária a
congregação de toda a sociedade brasileira para mudanças, inclusive
tributárias. Um novo pacto federativo é preciso ser cimentado para que
os municípios possam assumir seus encargos com a devida correlação
com os recursos. Como é do conhecimento de todos, no município
um controle social melhor, devido à proximidade do cidadão com a
autoridade. Se houver tempo para ficar aqui para o debate, a discussão
dessas questões poderá ser ampliada mais adiante. Muito obrig ado.
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II Encontro Regional
Região Norte Belém
O Projeto Nacional de Educação Políticas e Desafios
Livro Forum Brasil de Educacao.p65 17/1/2005, 16:44351
353
Dando continuidade às ações do Fór um Brasil de Educação, foi
realizado nos dias 18 e 19 de maio do ano de 2003, em Belém, o II
Encontro Regional do Fór um Brasil de Educação, objetivando discutir
o tema “Projeto de Educação Nacional: Desafios e Políticas” na Região
Norte. O encontro contou com a significativa presença de 400
participantes e compreendeu uma palestra inicial, contemplando os
Diálogos entre Gerações de Educadores e duas mesas redondas.
A Conferência Magna foi realizada pelo Professor Édson Franco.
A primeira mesa redonda do II Encontro Regional do Fórum Brasil
de Educação contou com a participação do Deputado Eduardo Seabra,
do professor Alex Bolonha Fiúza de Melo, Magnífico Reitor da
Universidade Federal do Pará, e da Conselheira Francisca Novantino
Pinto de Âng elo, da Câmara d e Educação Básica do CNE.
A segunda mesa redonda do II Encontro Regional do Fórum Brasil
de Educação contou com a participação do professor Paulo Alcântara
Gomes, Presidente do Conselho de Reitores das Universidades
Brasileiras CRUB, da Conselheira Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva,
da Câmara de Educação Superior do CNE e do Conselheiro Francisco
Aparecido Cordão Presidente da Câmara de Educação Básica do CNE.
APRESENTAÇÃO
Livro Forum Brasil de Educacao.p65 17/1/2005, 16:44353
355
O PROJETO NACIONAL DE EDUCAÇÃO-
DESAFIOS E POLÍTICAS
Édson Franco*
É retrograda a idéia de compartimentação educacional entre setor
público e setor privado, quando a razão de ser da escola, seja ela de que
natureza for, é o aluno, ao qual, mais do que a infor mação oferecida,
precisa de conhecimento e, mais do que o saber incorporado, precisa
de sabedoria para tornar-se cidadão.
Em muitos dos quadrantes da Amazônia ainda muitas escolas que,
com algum rigor de linguag em, jamais poderiam ser chamadas de escolas.
Depois de, em nosso País, um mesmo Governo desenvolver-se
através de dois mandatos seguidos, tenho convicção que não é fácil
registrar-se de imediato apesar de um razoável período de transição
ocorrido um processo do fazer governamental, ainda que a sucessão
se tivesse dado através da continuidade partidária, o que não se pode
dizer que aconteceu. Em vista disto, entendo os imensos desafios que
são postos ao Chefe da Nação e aos seus ilustres dirigentes setoriais,
como de relevante significação.
Em Educação padecemos de alguma for ma, em quase todos os
momentos mais recentes, da síndrome do r eunimento, a qual acaba
conf luindo para a síndr ome do papejamento, quando o impor tante é cheg ar-
se ao ponto angular do faz imento, como resposta efetiva às carências
evidenciadas em nossa sociedade.
* Presidente da Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior ABMES.
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356
Reconheço que o Fór um Brasil Educação não padece dessas
síndromes, até mesmo pelo fato de que, respondendo ao Ministro
Cristovam Buarque, como ele mesmo pediu ao abri-lo, em Brasília, em
fevereiro último, no Plenário do Conselho Nacional de Educação, haverá
de concluir por disposições efetivas, publicáveis no Diário Oficial da
União. Foi exatamente assim o pedido feito pelo Ministro da Educação.
O problema de saúde, ocorrido com a Excelentíssima Senhora esposa
do Doutor Ar mando Dias Mendes, hoje numa UTI em Brasília,
determinou novos rumos para este Encontro Regional, incumbindo-me
o Presidente do Conselho Nacional de Educação a substituir Armando
Mendes nesta Conferência de abertura, encargo que assumo pela
determinação recebida, apesar de reconhecer convicto a enorme distância
que me separa daquele ilustre amazônida, dos maiores méritos na nossa
terra, enquanto que eu um simples leitor das obras por ele divulgadas e
um aprendiz ávido dos ensinamentos que sempre ele nos oferece.
Isto posto, e com encarg o de tamanha enverg adura, adotei o caminho
de juntar propostas da Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino
Superior, oferecidas a quando da disputa eleitoral do ano que passou,
às perspectivas que sinto deste Fórum, por haver dele participado em
todos os momentos e às perspectivas que se avizinham, resultantes da
Conferência Nacional de Educação, a ser realizada em outubro vindouro
e promovida pelo Ministério da Educação.
No conjunto de propostas oferecidas ao Governo do Presidente Luiz
Inácio Lula da Silva pela ABMES, apontamos cinco grandes desafios a
serem vencidos.
Primeiro, o desafio da autonomia das instituições de ensino para
definirem suas missões, suas vocações, seus objetivos, suas metas, em
vista das comunidades às quais ser vem, consoante o que dispõem os
artigos 12 e 13 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional.
Segundo, o desafio de quebrar de vez por todas com a dicotomia
entre ensino público e privado, tão nefasta para a vida educacional
brasileira.
Terceiro, o desafio da expansão da oferta educacional para uma
sociedade que almeja a universalidade do ensino em todos os graus e níveis.
Quar to, o desafio da avaliação da qualidade do fazer educacional,
menos como fator punitivo de instituições e mais como estimulador do
crescimento qualitativo.
Livro Forum Brasil de Educacao.p65 17/1/2005, 16:44356
357
E, finalmente, o quinto, o desafio do fomento, de sor te a que os
discursos se transfor mem em realidade objetiva.
A par de reconhecer esses cinco desafios como os mais urgentes e
importantes, contamos com a disposição constitucional da liberdade de
ensino, que torna indevida e inaceitável a idéia de concessão por parte do
Estado, mas tão-somente de conformidade das instituições educacionais
com as normas gerais da educação e com a avaliação de qualidade.
A ABMES, que anualmente faz publicar a legislação educacional
expedida pelo Governo, relativamente ao ano de 2002, teve de lançar
um volume de 635 páginas de decretos, portarias, resoluções e
instr uções, ou seja, quase duas páginas de nor mas para cada dia do ano
que tem 365 dias, de vinte e quatro horas cada. Mercê de Deus, tanto
imploramos ao novo Governo que se contivesse daquele furor da
legismania, que assolou o anterior e nisto temos de louvar a conduta
atual praticada pelo Poder Público Federal.
A legislação executiva, para que ganhe eficácia e efetividade, carece
ser amplamente discutida entre aqueles que ela atingirá, de tal maneira
que se evite a busca do Poder Judiciário, para contestação do que é
produzido em afronta constitucional. Educação e Justiça não fazem
qualquer rima, pobre ou rica.
Entendemos que a expansão do ensino está encontrando, pelo menos
no ensino superior, duas esfinges que necessitam ser decifradas. É certo
que o ensino superior público tem dificuldades para crescer, à vista da
débil disponibilidade dos recursos a ele oferecidos. É cer to, igualmente,
que o ensino superior privado não consegue atender à demanda, apesar
da ampla oferta de vagas, em vista do baixo poder aquisitivo da
população que, inclusive, queda-se desestimulada para a busca de
opor tunidades de aprendizagem. É claro, pois, que essas duas esfinges
carecem de financiamento, de sorte que a eqüidade entre os jovens possa
ser registrada. A g arantia da universalidade de opor tunidades de acesso,
fr uto da expansão, somente tem sentido caso se registre a efetiva
aprendizagem dos alunos. Se o labor escolar não resultar em
aprendizagem, terá sido um mero diletantismo entre professores e alunos.
Por outro lado, é retrograda a idéia de compartimentação
educacional entre setor público e setor privado, quando a razão de ser
da escola, seja ela de que natureza for, é o aluno, ao qual, mais do que
a infor mação oferecida, precisa de conhecimento e, mais do que o saber
incorporado, precisa de sabedoria para tor nar-se cidadão.
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358
Não menos importante do que os anteriores, entendo que o desafio da
avaliação de qualidade registra, de um lado, aquele velho sabor do mestre
desavisado que fazia suas provas para ele mesmo responder, jamais
concedendo ao aluno o direito da nota máxima de louvor, e, de outro, a
tomada da avaliação como instrumento de reconhecimento dos pontos
fracos que, na linguagem litúrgica poderiam ser considerados pecados venais
e não pecados mortais da instituição educacional. Sou dos que pensa que a
avaliação serve de fotografia de momento, e que pressupõe novos quadros
fotográficos sucessivos para que a instituição educacional reconheça seus
avanços sistemáticos, suas dificuldades de superação, ou permaneça, em
definitivo, diante de uma realidade cruenta que não consegue superar.
O desafio da autonomia é reconhecidamente um desafio que
sempre alcança as instituições educacionais. No entanto, avanços
significativos neste campo, na medida em que seja aceita em definitivo
a idéia da for mulação, pela própria instituição, de um plano de
desenvolvimento plurianual, o qual indique, claramente, os caminhos a
serem percorridos pelas entidades educacionais.
Deixei para o final o desafio do fomento, posto que, até ag ora, em
que pesem as disposições constitucionais e o exemplo dos países que
se desenvolveram a partir dos grandes investimentos em educação, no
nosso País ainda não conseguimos passar do discurso para a prática no
que respeita à prioridade educacional.
Enquanto a ABMES pinçou estes principais tópicos para apreciação
do novo Governo, eis que o Conselho Nacional de Educação, em boa
hora, houve por bem desenvolver o Fór um Nacional de Educação,
de audiências nacional e regional, visando encontrar e proclamar
soluções efetivas para os problemas educacionais do nosso País. Se os
Encontros Regionais como este, visam discutir o Projeto de Educação
Nacional, objetivando o estabelecimento de políticas públicas para o
setor, o Fórum, quando em suas reuniões em Brasília, está aprofundando
estudos e propostas para resolução dos principais problemas nacionais,
no campo da educação.
Mais recentemente, somos surpreendidos, com não rara alegria, pela
proposição ministerial de vir a ser realizada, em outubro próximo, uma
Conferência Nacional de Educação para a qual o CONSED foi
chamado a contribuir e, no último dia 15 de maio, instituições outras
do setor educacional também ofereceram suas acheg as.
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359
Sete foram os temas inicialmente explicitados para esta Conferência
Nacional, envolvendo: g estão, educação infantil, educação fundamental,
ensino médio, universidade e leia-se, ensino superior educação em
geral e financiamento, abrangendo um total de cerca de 120 sub-temas.
Dada a grandiosidade e a variedade das propostas dessa Conferência,
eis que os colaboradores da mesma reduziram tudo a quatro eixos
temáticos: alfabetização, ensino básico, educação superior e
inclusão social, o que serviu de obser vação, por um ilustre
representante do ensino superior particular de Mato Grosso do Sul, no
sentido de que a inclusão social, em si mesma, perpassa os três eixos,
não cabendo, por tanto, ser analisada de for ma isolada. O que é
importante, dizia ele e com ele concordamos, é que se promova a
emancipação social para o desenvolvimento nacional, oportunizada
em cada qual dos eixos propostos.
Não desejo quedar-me diante de tantos desafios sem oferecer algumas
sugestões neste II Encontro e, neste aspecto, procurarei reunir o quanto
ouvi do Fór um Brasil Educação, o que a ABMES propôs e vem
insistentemente propondo e o que deverá ser objeto de reflexão e de
proposições na Conferência Nacional de Educação, que se avizinha.
Primeiro, e renovadamente, a questão da autonomia da instituição
educacional a qual conferirá a ela a responsabilidade pelas respostas
aos anseios da sociedade na qual se insere. Se o seu fazer educacional
não for relevante, consistente e pertinente, a própria sociedade saberá
responder com o alijamento institucional, bastando que tal sociedade
seja informada da nulidade ou do despropósito das respostas oferecidas.
O mundo atual, marcado pela transparência e pela liberdade de
infor mação, rejeita todo tipo de segredo e de acobertamento.
Autonomia, entretanto, não se compraz com as imensas
desigualdades regionais, especialmente na Amazônia, recebedora de
minguado 1% dos recursos para a pesquisa e para a pós-graduação, como
bem sobre isto discorreu o Reitor Cristóvão Picanço Diniz, enquanto
Reitor da Universidade Federal do Pará. É incrível que, no Colegiado
máximo da educação nacional que hoje nos reúne, a Amazônia mais
do que cinqüenta por cento do território brasileiro não conte sequer
com um re presentante efetivo desta Região. A autonomia da instituição
educacional exige respeito constitucional e consciência da diversidade.
Ao apelar-se para a existência de um sistema nacional de educação,
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360
deve-se considerar a bela expressão de Alceu Amoroso Lima, pranteado
conselheiro do extinto Conselho Federal de Educação, que nos falava
da necessidade da unidade na diversidade, como essência do próprio
sistema educacional.
Segundo, o Estado do Pará está dando testemunho explícito, a
quebra da dicotomia entr e ensino público e ensino privado,na
medida em que instituições das mais diversas naturezas estão
constr uindo um Protocolo Inter-universitário, lamentavelmente ainda
pouco compreendido nas esferas do Planalto Central e cuja pouca
incorporação faz com que a legislação caótica da dedicação exclusiva,
sirva ainda ao dedodurismo por quantos não sabem produzir
integ radamente no ensino, na pesquisa ou na extensão. Aqui temos
dado exemplos de integração interinstitucional, mas também o País
carece, além da integração interinstitucional, da integração inter e
intra-regional.
Terceiro: a expansão das opor tunidades de ofer ta educacional,
verificada nos últimos tempos, deve prosseguir e para que assim seja,
de contar com o financiamento adequado. O que precisa acontecer,
apósoprogramaToda Criança na Escola é a ofer ta de um ensino de
qualidade, com estabelecimentos escolares devidamente aparelhados
e, por tanto, existentes para além das casas dos próprios professores,
como ainda ocor re em nossa Região. Em muitos dos quadrantes da
Amazônia ainda muitas escolas que, com algum rigor de linguagem,
jamais poderiam ser chamadas de escolas.
Neste sentido, os Fundos Setoriais também não devem ser
restritivos, podendo abrigar o financiamento do público e do particular
e deles, ao que se sabe, mais recursos do que demanda efetiva.
Neste sentido ainda, urge perseguir o que vem anunciando o Ministro
da Educação, no que respeita ao prog rama de financiamento estudantil,
havendo pelo menos sete medidas estimuladoras da demanda dos mais
carentes:
a ) eliminação da retenção de recursos das loterias, hoje da ordem
de 20% dos mesmos no Tesouro Nacional, de tal sor te que tais
recursos ingressem em conta própria do financiamento estudantil;
b) ampliação do percentual de recursos das loterias, de 30% para
90%, resultando em maior ampliação do financiamento
estudantil;
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c) possibilidade de utilização dos recursos do FGTS para o programa
de financiamento escolar;
d) possibilidade de utilização dos recursos do FAT para bolsas
escolares;
e ) redução dos atuais juros cobrados pelo financiamento estudantil,
em vista da prestação gratuita de serviços por parte dos
beneficiários de financiamento escolar;
f) antecipação da seleção de candidatos ao financiamento escolar,
antes do ing resso acadêmico, possibilitando a livre escolha da
instituição escolar e mediante carta de crédito que a ser oferecida
ao estudante carente;
g) utilização adequada de um percentual daquilo que as entidades
filantrópicas deixam de recolher, relativamente à quota patronal,
em bolsas de estudo para estudantes desprovidos de recursos, mas
com o compromisso da prestação gratuita de serviços à
comunidade.
Quarto: a promoção da avaliação de qualidade, tarefa conferida
constitucionalmente ao Poder Público, tem acabado por se tor nar uma
avaliação entre pares, ainda que contratados ou pagos pelo Governo e,
muitas vezes, lamentavelmente, interessados em transformar as
instituições avaliadas em meros clones das entidades às quais
pertencem. Em vista disto, entendo que o Poder Público, além do que
vem fazendo quanto aos Exames Nacionais de Cursos e do que
pretende desenvolver com a Avaliação Institucional, deve aceitar a
colaboração de agências acreditadoras, de tal maneira que, transparentes
os resultados, possam as entidades educacionais avançar em qualidade
e em inovação. Não pode a avaliação desestimular a diversidade
institucional e nem as formas criativas de resposta das entidades aos
anseios da sociedade.
Quinto: a promoção da pós-graduação na Amazônia que, embora
tenham sido escritos planos de desenvolvimento neste campo e para a
Região, continuamos a ver os g estores dos órgãos responsáveis pelo
financiamento e pela avaliação da pós-g raduação, como reféns de
iluminados que acentuam, cada vez mais, a desigualdade entre as regiões
do País. As estatísticas não mentem, até mesmo porque solidificamos
as infor mações nesta área. A atual estruturação da pós-graduação,
academicamente padronizada e centrada na formação do pesquisador, põe em
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plano secundário a formação do profissional da docência, com ênfase na capacidade
de ensinar e de transmitir conhecimentos, inviabilizando, de algum modo, a
qualidade do ensino superior e consequentemente dos demais níveis, parecendo
cada vez mais distante a possibilidade da existência de um mestrado
profissional em docência.
Senhoras e Senhores.
Certa feita, testemunhei um questionamento feito por um estudante
a um empresário sobre o que ele reconhecia como os maiores problemas
da Amazônia. De pois de alguns instantes de ref lexão, o empresário usou
de uma metáfora para dizer que a Amazônia carece de motoristas e de
combustível. E justificou que ainda somos imberbes na questão da
gestão, e insensíveis os dirigentes do Planalto Central quanto às questões
da nossa Região. O combustível, ao qual se referia, era o conjunto de
recursos a serem oferecidos para deslanchar o nosso desenvolvimento.
Somos caracterizados como a terra de maior volume de exportações,
contribuindo imensamente para o equilíbrio nacional e, apesar disto,
somos penalizados por assim proceder.
Três ênfases devem ser dadas para o avanço educacional em nosso
País e, especialmente, nesta nossa Região. Refiro-me, num primeiro
plano, à questão da educação à distância, a qual, prescrita na LDB de
for ma pouco ousada, e ainda não entendida e acolhida suficientemente
pela nossa sociedade, engatinha num centralismo nada estimulador de
iniciativa s. O verdadeiro aluno do ensino à distância, tenho convicção,
é mais presente e, muitas vezes, mais interessado, do que o aluno de
regime presencial, que apenas vai à sala-de-aula para responder presente
diante do professor.
Apesar da existência de fundos setoriais específicos na área das
comunicações, a maioria dos municípios da Amazônia não conta sequer
com provedores locais de Internet e nem com bandas próprias para
utilização do sistema de videoconferências. Na videoconferência, por
questões técnicas, entre cidades da nossa Região, nos assemelhamos
àquilo que a televisão nacional mostrou em conversa jornalística, na
recente Guerra do Iraque. Sabe-se que o fundamento do ensino à
distância reside no “gap” entre o domicílio do aluno e a localização da
escola e, nem precisa comentar, a nossa Região é rica em distâncias e
pobre em instrumentos de comunicação escolar, acrescente-se o fato
de que na Amazônia temos dois fusos horários para nos distinguir das
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demais regiões do PaÍs. Ainda neste campo, desejo registrar minha
filiação às idéias governamentais de rejeição de propostas ocorrentes
na OMC, relativamente à globalização dos serviços educacionais.
Num segundo plano, desejo refletir sobre a questão da alfabetização
funcional. Espanta-me constatar o quanto vem fazendo muitas
instituições particulares de ensino superior neste campo. Jamais
imaginava tantos esforços ! Embora me filie à idéia de que não se deve
contar, num País de dimensões continentais como o nosso, com um
único sistema ou método de alfabetização, é chegada a hora do Governo
assumir, de maneira mais efetiva, a coordenação dos programas e
projetos existentes e maximizar outros esforços a fim de assegurar o
alcance da meta ministerial.
Alfabetizar não é simplesmente ensinar a ler, contar e escrever. É
fazer com que o beneficiário do esforço nacional aprenda o saber fazer,
numa perspectiva pouco socrática do ócio, posto que a era do empreg o
está sumindo no mundo inteiro e o que se exige dos cidadãos é a
condição de empregáveis, que reclama o empreendedorismo em nossas
escolas. Sem uma segura coordenação de esforços, o discurso ocor rente
que soa aos nossos ouvidos como um clamor sincero, não transformará
os esforços em realidade objetiva.
Num terceiro plano, quero cogitar do ensino do fazer, do ensino
profissional, seja ele do campo dos tecnólogos, seja ele da área dos
seqüenciais. Embora lastimando a dicotomia vigente, inclusive com a
criação de cartórios diferenciados para tratamento destas matérias,
percebo que rejeitar, como se do alto do poder educacional, os
seqüenciais, extirpando deles a perspectiva do financiamento aos
estudantes, são, no mínimo, um contra senso diante da expressa
manifestação da LDB. Considero que o Pará e a Amazônia carecem de
ambas as modalidades, tanto quanto possíveis de existir na razão das
necessidades regionais. A inovação, neste campo, se constitui em desafio
para as instituições educacionais, especialmente pelas exigências
reveladas da necessidade de resposta aos apelos da educação
corporativa. Ainda não se entendeu que a singularidade desses cursos e
a temporariedade de existência dos mesmos, não pode conviver com
peias burocráticas de reconhecimentos e de re-reconhecimentos e muito
menos com professores do feitio estabelecido pela Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional.
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Quero ter minar, Senhores, com minhas vistas voltadas para o nosso
Protocolo Inter-universitário , singular no País e na Amazônia pela
for ma com a qual se tem desenvolvido, respeitando a autonomia das
instituições e ao mesmo tempo procurando integrá-las em programas e
projetos comuns. Nutro a convicção, que tempo virá no qual os ventos
da Amazônia chegarão até a Capital Federal, e se entenderá que o
ensino é um bem do cidadão, não impor tando a natureza das instituições
que o ministrem e que a educação, na for ma constitucional, é dever do
Estado e da Sociedade, nem do Estado e nem da Sociedade.
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PROJETO DE EDUCAÇÃO NACIONAL
CONTRIBUIÇÕES DA COMISSÃO
DE EDUCAÇÃO
Eduardo Seabra*
Em face aos resultados da educação brasileira, a Comissão decidiu como
sua contribuição prioritária, neste ano de 2003, chamar a atenção da
Nação para a questão da alfabetização das crianças. A Comissão está
consciente de que o Brasil está desinfor mado, desatualizado e andando
para trás, na área de alfabetização de crianças. A realidade não pode
estar er rada e as teorias cor retas. O inversoéoverdadeiro, e precisamos
enfrentar a realidade mesmo que isso nos custe em mudar teorias,
enfoques e orientações.
1 . A Comissão de Educação, Cultura e Desporto da Câmara dos
Deputados tem duas missões principais. Por um lado, cabe legislar, propor
e analisar propostas de legislação. Infelizmente a política, a relação entre
os podereseaformadefazerademocracia brasileira ainda mantém o
parlamento refém das iniciativas do Poder Executivo. Portanto,
iniciativas do Poder Legislativo raramente se convertem em projetos
de lei. Mas isso em nada diminui a importância do poder legislativo em
promoverodebateeoaprimoramento das propostas do Executivo.
Neste g over no, a Câmara dos De putados ainda não recebeu nenhuma
proposta do Poder Executivo e, por tanto, limita-se a revolver antig os
projetos em tramitação. Quando cheg arem, estaremos prontos para
exercer a nossa missão.
* Palestra do Deputado Eduardo Seabra na reunião do Conselho Nacional de Educação
Regional do Pará.
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2. O segundo papel da Câmara dos Deputados talvez seja o mais
impor tante: promover o debate, ressaltar o contraditório, auscultar a
sociedade, trazer à baila as aspirações, projetos, utopias, realizações e
pontos de vista. Nesse campo, a Comissão de Educação vem trazendo
importantes contribuições a Naçã oeéumdospoucos foros onde,
efetivamente, encontram espaço as diferentes correntes de opinião.
3. Presidida pelo Deputado Gastão Vieira, a atual mesa diretora da
Comissão de Educação, Cultura e Despor to vem chamando a atenção
da Nação para o problema que deveria concentrar a atenção de todas
as autoridades do País e, muito especialmente, a atenção dos membros
do Conselho Nacional de Educação. Trata-se da esquecida realidade
do Ensino Fundamental.
4. Tomemos a realidade educacional do Nor te do País, região onde
se realiza este encontro. Apenas alguns dados para que todos
coloquemos os pés no chão:
Na região Norte 2.380.000 crianças de7a14anos, mas a
matrícula do Ensino Fundamental é de 3.273.693 alunos,
representando 25% da população total da região. Isso significa
que: quase 1/3, mais de 900 mil alunos do Ensino Fundamental,
possuem mais de 14 anos de idade. Se a educação fosse pra valer,
esses alunos não mais deveriam estar no Ensino Fundamental.
A região Norte está gastando recursos, que deveriam ser destinados
às crianças de7a14anos, com pessoas de outra idade,
comprometendo a qualidade da educação e o futuro dessa geração.
Toda a rede estadual de Ensino Fundamental seria totalmente
desnecessária, se o Ensino Fundamental fosse destinado, como
prevê a LDB e a Constituição, às crianças de7a14anos. Para os
maiores de 14 anos a educação de jovens e adultos. Para os
defasados, prog ramas de aceleração. Poucos estados da região
estão fazendo um bom trabalho nesta área Tocantins é um bom
exemplo. A avaliação da Fundação CESGRANRIO revela que os
alunos dos programas de aceleração obtiveram notas superiores
aos dos alunos do ensino regular. Isso prova que a educação,
quando feita de for ma adequada, pode lograr bons resultados.
Mais de 2/3 dos alunos do Ensino Fundamental estão
matriculados nas 4 primeiras séries. Na série existem quase 3
vezes mais alunos do que crianças de 7 anos.
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Para atender ao universo das crianças d e7a14anos, seriam
necessárias menos escolas e professores, do que hoje são
oferecidos em toda região Nor te como, de resto, em todo País.
O valor per capita do FUNDEF poderia ser aumentado, sem a
necessidade de novos recursos, o que resultaria em salários
significativamente maiores para professores: Se menos alunos,
o total de recursos do FUNDEF seria dividido para menos gente,
e com isso, o valor distributivo seria maior um terço maior no
caso da região Norte.
Liberados do Ensino Fundamental, os estados poderiam concentrar
seus recursos e esforços na progressiva implementação de Ensino
Médio de boa qualidade, ajustando-o às peculiaridades da Região.
5. Examinemos o caso do Pará, para tornar esse panorama ainda
mais nítido.
O Pará oferece 1.600.000 mil vagas no Ensino Fundamental, mas
tem apenas 1.200.000 crianças de7a14anos.
Na primeira série escolar 420 mil matrículas, mas existem
apenas 153 mil crianças de 7 anos de idade. Esse dado revela
uma br utal ineficiência do Sistema Educacional que não
consegue alfabetizar os alunos.
Mesmo retendo muitos alunos na primeira série, o Sistema
Educacional não consegue prepará-los para seguir uma trajetória
escolar de sucesso: se na série 420 mil matrículas, na
série apenas 73 mil alunos.
No Pará, como em todos os estados brasileiros, mais alunos na
série do Ensino Médio do que alunos que concluem a série:
ou seja, como não boa qualidade de ensino, mesmo os poucos
alunos que chegam à série não conseguem cursar o Ensino
Médio com êxito. Com isso ficam re petindo, até abandonar os
estudos, pois chegam ao Ensino Médio com 18 anos ou mais.
Falar em expandir o Ensino Médio, sem antes ensinar as crianças
a ler é querer tapar o sol com a peneira, é ignorar a realidade
educacional brasileira.
Neste mesmo Estado do Pará, a oferta de matriculas do Ensino
Médio é muito superior ao que seria necessário para acomodar
todos os egressos do Ensino Fundamental. Somente na série do
Ensino Médio, o Pará oferece 126 mil vag as, embora menos de 70
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mil alunos tenham concluído a série no ano anterior. Isso significa
que o Pará, como todo o Brasil, continua repetindo o mesmo erro:
privilegia a quantidade e se esquece de cuidar da qualidade.
6. O Brasil desenvolveu um importante mecanismo para avaliar a
qualidade do ensino, o SAEB. Mesmo com suas deficiências, é
considerado, por especialistas nacionais e inter nacionais, um impor tante
indicador. Vejamos o que temos a aprender com o SAEB:
No Brasil, mais de 60% dos alunos da série, 80% dos alunos da
série e quase 100% dos alunos da série do Ensino Médio,
nas escolas públicas, não atingem os níveis considerados mínimos
pelos especialistas que elaboram o SAEB;
No Norte do Brasil esses resultados são ainda mais baixos: as médias
do SAEB, em Português e Matemática na região, são de 160 para
série e 226 para série, em Português, e 171 e 233, em Matemática,
para e séries respectivamente. Os mínimos seriam 200 e 250
pontos, em Português, e 225 e 325, em Matemática.
Na avaliação internacional a que o Brasil se submeteu no ano de
2000, o PISA, promovido pela OCDE, ficou confirmado um dado
alarmante: 56% dos brasileiros com 15 anos de idade, que chegam
à ou série têm conhecimentos equivalentes aos alunos de
série primária no mundo industrializado: mal conseguem decodificar
um texto, mas não conseguem compreender o seu sentido.
7. O que mais alar ma, no caso da avaliação, não são os maus
resultados. Sobre isso todo mundo parece estar de acordo. O que alarma
é a incapacidade dos governos dos que orientam e assessoram, e
também de nós, que legislamos de usar os dados da avaliação para
aprender e melhorar a qualidade do ensino. Após 6 rodadas de avaliação,
desde o inicio da década de 90, o Brasil continua atingindo os mesmos
resultados, sem dar mostras de melhorias e começando a dar sinais
de alguma piora. Será que os educadores no Brasil não conseguem
aprender? Por que outros países usam a avaliação para melhorar, e o
Brasil não tem sido capaz de melhorar a educação? Se a escola não
consegue aprender, será que ela está preparada para ensinar? Como falar
em expandir mais o ensino, se sequer conseguimos alfabetizar as crianças?
8. A Comissão de Educação da Câmara dos Deputados não é um órgão
acadêmico. Ali estão os re presentantes do povo, para refletir sobre os
problemas de interesse público e buscar soluções. Nessa perspectiva, e
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face aos resultados da educação brasileira, a Comissão decidiu como sua
contribuição prioritária, neste ano de 2003, chamar a atenção da Nação
para a questão da alfabetização das crianças. A Comissão está consciente
de que o Brasil está desinformado, desatualizado e andando para trás, na
área de alfabetização de crianças. A realidade não pode estar errada e as
teorias corretas. O inversoéoverdadeiro, e precisamos enfrentar a realidade
mesmo que isso nos custe em mudar teorias, enfoques e orientações.
9. Nós, Deputados, estamos conscientes do grave problema da
alfabetização dos adultos. No entanto, de pouco ou de nada vale
alfabetizar adultos a maioria dos quais retornará ao analfabetismo
se continuarmos a despejar anualmente milhões de analfabetos
funcionais, com certificados de ou série. A prioridade nacional, o
futuro do Brasil, depende da resposta que nós, Legisladores e
Conselheiros, souber mos dar a esse desafio.
10. No mês de ag osto a Comissão de Educação, Cultura e Despor to
da Câmara dos Deputados estará apresentando a Nação, e ao Conselho
Nacional de Educação, um relatório sobre a situação da alfabetização
de crianças no Brasil e no Mundo, elaborado por uma comissão de
especialistas nacionais e inter nacionais. solicitamos ao Conselho
Nacional de Educação infor mações e contribuições para esse relatório.
11. De modo especial e, mais precisamente, da Comissão, gostaria
de reiterar aos re presentantes da Direção do Conselho, aqui presentes,
que o mesmo se debr uce e nos infor me, sobre algumas questões
específicas, que foram objeto do ofício enviado ao Conselho. Dentre
essas, per mitam-me reiterar as seguintes:
Os parâmetros cur riculares e demais diretrizes do Governo Federal
para a alfabetização de crianças refletem o conhecimento mais
atualizado sobre a questão?
Estariam essas diretrizes, suficientemente, adequadas para orientar
os programas de alfabetização de Secretarias e Conselhos
Estaduais e Municipais de Educação?
Estariam entre as diretrizes, exigências para for mação de
professores alfabetizadores atualizados, compatíveis com os
conhecimentos mais atuais, disponíveis na literatura internacional?
Estariam as práticas de alfabetização adotadas no Brasil,
consistentes com o que se faz nos países que tiveram bons
resultados em testes como os do PISA?
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12. O relatório da comissão vai apresentar a Nação, dados e
evidências sobre o que ocorre no Brasil e no resto do Mundo. Esperamos
que esse relatório suscite um vivo debate nacional sobre esse assunto.
Esperamos que o Conselho Nacional de Educação contribua, não apenas
nesta fase de coleta dos dados, mas também na fase dos debates. E
esperamos, acima de tudo, que o Conselho Nacional de Educação, hoje
reunido regionalmente aqui no Pará, ajude o Brasil e seus governantes
a compreenderem que o Brasil precisa definir prioridades para a
educação, e que a prioridade da educação nacional e da educação no
Norte do Brasil, começa com uma alfabetização eficaz e com a oferta
de Ensino Fundamental de boa qualidade, comprovada, para todos.
dessa forma, os Senhores Conselheiros e nós, Deputados, poderemos
ter a consciência de estar mos afinados com os reais anseios e
necessidades da População Brasileira.
Fonte: Censo 2000/IBGE; Censo Escolar 2001/INEP.
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EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA
Francisca Novantino P. de Ângelo*
O projeto de educação nacional logrará resultados se as instâncias
públicas responsáveis pela educação brasileira entenderem que, a
educação escolar indígena é parte integrante de políticas educacionais
específicas voltadas para uma realidade cultural diversa. Negar este fato,
esta realidade significa a continuidade do processo de genocídio,
discriminação e omissão.
Para compreender o processo histórico da educação escolar entre os
povos indígenas, é necessário entender o que foi um projeto político de
aniquilamento dos povos e suas culturas, numa ação de integrar,
evangelizar e civilizar, com a conveniência do Estado e das instituições
religiosas. A criação do Ser viço de Proteção ao Índio SPI, e mais tarde
da FUNAI, intensificou as ações, numa única finalidade de negar as
culturas e línguas diferenciadas tendo a escola como instrumento decisivo.
O Brasil possui em torno de 250 povos indígenas distribuídos em
vinte e quatro Estados, com mais 1.500 escolas indígenas nos territórios;
os professores são 3.998, destes 3.059 são professores indígenas e 939
são não indígenas e quase 100 mil estudantes indígenas freqüentando a
educação básica.
A Constituição Federal nos Ar tigos 210, 215 e 231 assegurou o direito
à educação escolar específica, diferenciada e intercultural para os nossos
povos, sendo um marco histórico nos avanços em termos de
macropolítica. Conseqüentemente, nor mas foram definidas para
regularizar a criação e o funcionamento das escolas indígenas, com
* Professora indígena do povo Paresí MT. Membro do Conselho Nacional de Educação/ CNE.
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cur rículos, calendários e organizações próprias. Foram decisões tomadas
no sentido de se alcançar uma legitimidade cada vez maior para a
educação escolar entre os povos indíg enas.
O movimento indígena e os aliados indigenistas foram importantes
nesse processo de resistência e resignificação, onde passamos a adotar
a escola como instr umento de luta, e compatíveis com a nossa realidade
contemporânea.
A partir daí tivemos as Diretrizes para uma Política Nacional de Educação
Escolar Indígena/MEC, de l993, definindo princípios gerais e detalhando
prioridades de uma educação escolar fundamentada no reconhecimento
e na manutenção da diversidade sociocultural.
O Referencial Cur ricular Nacional para as Escolas Indígenas/MEC,
resultado de um trabalho coletivo que envolveu especialistas e
professores indígenas, constr uindo consensos a respeito das práticas
curriculares em contexto de interculturalidade.
O Conselho Nacional de Educação, com o Par ecer 14/CNE e a
Resolução 03/CNE/99, estabeleceram, entre outras medidas importantes,
quanto à escola indígena ser reconhecida como estabelecimento com
nor mas jurídicas próprias.
No Plano Nacional de Educação é dedicado um capítulo específico à
educação escolar indígena, traçando metas e objetivos considerados
prioritários para o desenvolvimento da educação escolar entre os povos
indígenas.
Os Referenciais para a formação de professores indígenas/MEC 2002, com
importantes subsídios para que os sistemas de ensino desenvolvam
programas de formação inicial e continuada de professores indíg enas.
Por tanto, o novo paradigma estabelecido na Constituição de l988,
da relação entre o Estado e povos indígenas está por nortear a política
de educação escolar indígena específica, diferenciada e intercultural, que
hoje é concebida a partir dos direitos culturais e sociais que conquistamos,
que nos reconhece como povos com culturas e identidades diferenciadas,
cuja educação escolar deixa de ter como fim a integ r ação, passando a ser
um instrumento de reafirmação étnica, valorização dos conhecimentos
tradicionais e revitalização da memória histórica. Além do que, como
outras políticas sociais, passa a ter como norte os projetos específicos de
etnodesenvolvimento, que tem como requisito a efetiva par ticipação dos
povos a que se destinam tais políticas.
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Trata-se de um projeto de educação nacional diferenciada que respeita
a diversidade cultural e lingüística dos povos indígenas, que tem como
característica fundamental o envolvimento das comunidades e seus
projetos sociais, o que significa a constr ução de uma identidade escolar
própria voltada para a realidade de cada povo.
Essa mudança no contexto nacional é marco histórico na educação
brasileira, de escolas pensadas, construídas dentro de um eixo
pedagógico e político com anuência de seus beneficiários, contemplando
a diversidade cultural e encaminhando para a cidadania.
Do ponto de vista legal chegamos ao desejável que está assegurado, no
entanto precisamos operacionalizar essas conquistas, e aprender a lidar com
novos códigos da sociedade envolvente. E a partir dessa busca por novos
conhecimentos e saberes atrelados aos nossos conhecimentos tradicionais,
valores e concepções, teremos a consolidação da autonomia social, política
e pedagógica, em acordo com os projetos societários de cada povo.
A inclusão das escolas indígenas no sistema de ensino do país, requer
mudanças no atendimento destas como modalidade de ensino e categoria
escolar. Assim também nas instituições mantenedoras, como as
secretarias de educação para se organizarem e planejarem para lidar
com o novo contexto da diversidade cultural. Pois apesar dos
ordenamentos legais e às concepções pedagógicas presentes na política
de educação escolar indíg ena, no entanto, uma defasag em quanto a
sua execução. A inclusão da escola indígena no sistema de ensino é
também a inclusão dos projetos sociais, políticos e pedagógicos de cada
escola e dos povos. Lembrando que a escola indíg ena é um lug ar que
constrói o projeto social de futuro, de acordo com o costume, tradição
e língua de cada sociedade indígena.
Nesta nova era, considerando o contexto mundial de perversidade
da globalização, da concentração de renda, da desigualdade e da injustiça
social, que fazem parte da sociedade ocidental e que, direta ou
indiretamente, afetam as comunidades indígenas, as novas
opor tunidades estão na capacidade e responsabilidade de poder mos
traçar nossos processos educativos, os nossos destinos, desde que os
níveis de ensino sejam compatíveis com o contexto específico e cultural
das diversas realidades indígenas.
O surgimento de organizações indígenas e de povos fez emergir a
riqueza cultural brasileira, ainda preservada com seus saberes e
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374
conhecimentos, possibilitando-nos buscar novas estratégias de
desenvolvimento sem perder a identidade.
A implementação de políticas e projetos de melhoria na educação escolar
indígena significa também, a capacidade de gerar e lidar com novos
conhecimentos e códigos diferenciados, construindo e elaborando os saberes
da tecnologia da sociedade envolvente para fortalecerem os nossos.
Ressalto que o cumprimento da legislação será possível, se houver
uma integração de políticas que contemple os anseios e expectativas
dos povos indígenas expressados nos projetos societários, atrelados
também ao projeto político pedagógico de suas escolas. Neste sentido,
o investimento na formação profissional dos professores indíg enas em
nível de magistério e de ensino superior, refletirá nas mudanças de
posturas nas políticas e práticas institucionais de atendimento das
escolas indígenas.
Para isso, as instâncias públicas de educação deverão abrir as por tas
para a participação dos povos e das outras minorias, nas decisões
políticas, pedagógicas, de formação e de gestão escolar, para o
atendimento da diversidade existente no país.
No caso dos povos indígena, que estão construindo novos
instr umentos da educação as instituições devem promover, desde a
for mação e capacitação dos técnicos g over namentais até os g estores
educacionais.
Para as escolas indíg enas o instr umento de transfor mação está na
valorização dos saberes tradicionais, dos costumes e da língua indígena.
As novas tecnologias e os conhecimentos científicos são necessários
para o projeto social comunitário. A escola, como espaço importante
para a continuidade de novas gerações, refletirem com espírito crítico e
participativo o que temos como herança do contato e o tido como
“moderno da sociedade nacional”. A responsabilidade de promoção da
interculturalidade é um compromisso coletivo, e está nas mãos dos povos
indígenas.
Por tanto, o projeto de educação nacional log rará resultados se as
instâncias públicas responsáveis pela educação brasileira entenderem
que a educação escolar indígena é parte integrante de políticas
educacionais específicas voltadas para uma realidade cultural diversa.
Negar este fato, esta realidade significa a continuidade do processo de
genocídio, discriminação e omissão.
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Estamos vivendo um momento de transição nas diferentes esferas
públicas e na sociedade, onde o cumprimento da legislação educacional
e a constr ução de políticas públicas para atender diferentes realidades
do país são metas a serem cumpridas, assegurando assim novos
encaminhamentos para a constr ução de fato do projeto de educação
nacional.
Este é o desafio do momento, que está colocado tanto para o Estado
brasileiro, quanto para os povos indígenas. Enfrentá-lo exige a
criatividade e vontade de construir um país mais justo e mais respeitoso
da diversidade étnica e cultural que o constitui.
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UM PROJETO DE EDUCAÇÃO NACIONAL
DESAFIOS E POLÍTICAS
Paulo Alcantara Gomes*
Gerar mecanismos de estímulo ao reconhecimento das universidades
como organizações da sociedade da infor mação, assegurando-lhes as
condições acadêmicas e infra-estruturais para que sejam geradoras
ar mazenadoras e propagadoras do conhecimento nelas gerados ou por
elas apropriados.
Devo inicialmente agradecer ao honroso convite do Conselho
Nacional de Educação para, aqui em Belém do Pará, participar do II
Encontro Regional do Fór um Brasil de Educação, uma notável iniciativa
que, certamente, contribuirá decisivamente para que cheguemos, no
momento certo, à consecução de um projeto de mudanças no panorama
da educação em nosso país.
O Brasil, um país de educação tardia, vem se caracterizando pela
promoção de reformas educacionais que, pelo menos ao long o do século
XX, jamais se completaram. Os modelos propostos por Francisco Campos,
ainda no decorrer da década de 30, não conseguiram ser inteiramente
implantados, e muitas das críticas e observações por ele relatadas em
seus documentos, continuavam a ter completo fundamento nos anos 70.
A Lei de Diretrizes e Bases decorrente da Constituição de 1946,
substituída pela nova LDB, resultado da Constituição de 1988, não chegou
a ser regulamentada em muitos aspectos. Ao mesmo tempo, decorridos 15
anos da promulgação da atual constituição e pouco mais de 6 anos da
aprovação da nova LDB, ainda nos encontramos às voltas com um
* Presidente do CRUB e Reitor da Universidade Castelo Branco.
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emaranhado de portarias, decretos, resoluções e pareceres, alguns originários
do poder judiciário, que se superpõem e, em muitos casos, se contradizem.
Como o objetivo do presente encontroéodeidentificar desafios e,
a partir daí, elaborar sugestões de novas políticas públicas para a
educação, julg o ser impor tante, inicialmente, constr uirmos cenários que
possibilitem uma definição mais precisa dos desafios e das políticas.
Assim, considero que o primeiro aspecto a ser considerado na
constr ução dos cenários educacionais é justamente o r eferido acima,
na medida em que, sem regras claras e conceitualmente corretas, será
muito difícil estabelecer ter mos de referência para as políticas
educacionais que tenham a sustentabilidade indispensável, numa época
marcada por extraordinários e cada vez mais rápidos avanços da ciência
e da técnica, e que impõem flexibilidade e agilidade na elaboração e na
execução das políticas. A reestruturação do sistema como um todo e a
fixação das missões, atribuições e limites de atuação de cada uma das
possíveis formas de org anização do sistema devem ser consideradas
como tarefas urg entes que se sobrepõem a todas as demais.
Um outro aspecto a ser considerado no panorama atualéodetermos,
a partir dos últimos anos da segunda metade do século XX, passado a
viver aquela que se convencionou denominar de “sociedade do
conhecimento”, ou sociedade da infor mação.
Enquanto na sociedade industrial os objetivos deveriam ser
alcançados e os resultados obtidos mediante a utilização de matérias
primas, pessoas, capital, ter ra e trabalho; na sociedade da informação o
conhecimento vem em primeiro lugar, e os objetivos e resultados são
obtidos mediante a plena utilização dos conhecimentos capazes de
inter vir sobre a produção de matérias primas, a qualificação de pessoas,
sobre o capital e sobre o trabalho e a terra.
Dessa for ma, as org anizações na sociedade de infor mação g eram
conhecimento, ar mazenam, tor nam disponíveis e os transferem a
membros da organização ou externos a ela.
No Brasil, onde as empresas não dispõem dos meios indispensáveis
de investigação e de inovação, para adquirir a competitividade
indispensável à sua inserção no fluxo de comércio internacional, torna-
se imperioso reconhecer as universidades como organizações
responsáveis pela g estão do conhecimento. A g estão do conhecimento
está calcada em três funções: a g eração, o ar mazenamentoeasua
disponibilidade e transferência.
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379
Embora possam e devam existir organizações que executem uma ou
duas das funções acima, as universidades, em face das suas missões
históricas, devem cumprir as três funções e, por isso, a indissociabilidade
entre as atividades de ensino, de pesquisa e de extensão tor na-se
deter minante para que elas sejam, efetivamente, consideradas como
verdadeiras organizações da sociedade da informação.
Um terceiro aspecto a ser considerad oéodousocrescente das novas
tecnologias de infor mação e de comunicação, capazes de se bem
aplicadas, acelerar o processo de for mação e de qualificação de
profissionais em condições de atender às atuais exigências da sociedade
que, para seu desenvolvimento, tem passado a conviver com as novas
profissões, com novas modalidades de diplomas e com a introdução da
cultura da educação continuada.
Além disso, surgiu no decorrer dos últimos anos, principalmente no que
concerne à educação técnica e profissional, embora também na educação
superior, uma nova forma de organização, denominada de universidade
corporativa e que, na elaboração de políticas educacionais, deve ser levada
em consideração pelas mudanças que introduz nos processos de formação,
como muito bem explicitado por José Sylvio, conforme (Quadro I)
QUADRO I As Novas Articulações
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380
O quar to aspecto levantado, para a construção do cenário em que
devem se basear os desafios e as políticas a serem adotadas,éodas
conhecidas disparidades regionais e espaciais encontradas no país e,
aliás, em toda a América Latina. Os elevados índices de pobreza, a
ausência de serviços de educação e de saúde, em níveis de qualidade e
em quantidade desejável, impõe um planejamento educacional, em todos
os níveis, comprometido com a erradicação da miséria, e com a igual
distribuição de opor tunidades.
O quinto pontoéodarelevância da inovação tecnológica. A inovação
é indispensável para a geração de empregos e de renda, decorrentes da
citada inserção das empresas no fluxo de comércio internacional.
Ocorre que, para que os processos de inovação sejam bem-sucedidos,
deve ser construído um contexto ideal de inovação (Quadro II Michel
Porter) que envolve governos, empresas, estrutura industrial e
consumidores e, mais importante ainda, as condições de oferta,
traduzidas nos quadros de técnicos e de pesquisadores, com as
competências e habilidades exigidas para o processo de inovação.
QUADRO II Inovação Tecnológica: Contexto Ideal
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381
A concretização do modelo ideal depende do aporte de recursos
(Quadro III), da existência de expressivo contingente de profissionais de
C&T (Q uadro IV) e, ainda, de uma perfeita articulação entre os vários
setores g over namentais que interferem no processo de inovação. Os
quadros acima mostrados e a tênue relação entre os ministérios são hoje
uma parte preocupante do panorama da C&T no país. Deve ser ainda
mencionada a excessiva concentração da atividade científica nas regiões
sul e sudeste do país, com ref lexos negativos sobre a s demais áreas.
QUADRO III Dispêndio de C&T em US$ milhões/98
Fonte: OCDE/MCT
QUADRO IV Força deTrabalho Ativa em P&D
Fonte: OCDE
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Evidentemente, a natureza de uma reunião como esta não per mite
abordar mais do que uns poucos componentes dos cenários da educação,
da ciência e da tecnologia e ainda da cultura, aqui comentados.
Entretanto, creio que o objetivo maior do presente encontroéode
constr uir, a par tir de obser vações individuais, documentos abrang entes
que possam efetivamente resultar em políticas a serem executadas.
OS DESAFIOS E AS POLÍTICAS DELES DECORRENTES
A partir do cenário aqui construído, ainda que parcial, podem ser
estabelecidos os seguintes desafios, que envolvem um ou mais dos
tópicos abordados anterior mente:
a) Contribuir decisivamente para a eliminação das disparidades
regionais e sociais obser vadas;
b) Promover a melhoria da qualidade do ensino em todos os níveis;
c) Gerar mecanismos de estímulo ao reconhecimento das
universidades como organizações da sociedade da infor mação,
assegurando-lhes as condições acadêmicas e infra-estruturais para
que sejam geradoras armazenadoras e propagadoras do
conhecimento nelas gerados ou por elas apropriados;
d) Promover, em âmbito nacional, a “descentralização do saber” e
das atividades científicas;
e) Assegurar a participação da educação no desenvolvimento
regional, através da sua aproximação com os governos e com os
ar ranjos produtivos locais.
Assim, aos desafios deverão corresponder políticas que viabilizem o
g rande projeto de transfor mação da sociedade brasileira pela via da
educação:
Em primeiro lugar, deve ser considerado que as ações voltadas
para a diminuição dos índices de analfabetismo, para a melhoria
dos padrões de qualidade do ensino fundamental, do ensino médio
e do ensino profissionalizante são funções inerentes às atividades
da universidade e dependerão essencialmente das peculiaridades
locais, na medida em que, como comentado anteriormente, as
disparidades regionais ainda são elevadas. Dessa for ma, duas
políticas devem ser adotadas:
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Atuar de forma descentralizada, em parceria com os estados,
na formação de professores para as redes de ensino dos níveis
em apreço;
Estimular o uso intensivo das novas tecnologias de informação
e de comunicação, de for ma a per mitir a aceleração do
processo de formação de quadros habilitados ao exercício do
magistério. A utilização da EAD no Brasil está ainda em níveis
muito aquém do desejável;
Considerar que, com o aumento dos estudantes que cursam e
concluem o ensino médio, eleva-se o número de potenciais
candidatos ao nível superior. Entretanto, por força das
circunstâncias conjunturais de natureza financeira, não vem
sendo observado um crescimento significativo no
preenchimento de vagas nas IES, em grande parte em
conseqüência da inexistência de mecanismos eficazes de
financiamento aos estudantes;
O acesso às universidades públicas, onde a relação entre
candidatos e vagas é muito superior a 1, exige o
estabelecimento de critérios capazes de, com prudência e sem
perder de vista a análise do mérito, permitir o ing resso das
classes menos favorecidas na universidade.
O desafio de transfor mar a universidade e as demais instituições
de ensino superior em agentes de desenvolvimento regional impõe
o estabelecimento de critérios de expansão que assegurem
a adequada articulação com as necessidades de
desenvolvimento verificadas. A oferta de novas modalidades
de diplomas, com a conseqüente desregulamentação
profissional, que depende da ação política do MEC, das
instituições de ensino, das associações de classe e da
própria sociedade, junto ao Congresso Nacional, será
também imperiosa.
A descentralização do saber ocorre pelo caminho da geração das
condições para a consolidação das atividades de investigação
nas universidades das regiões norte e nordeste, onde se
concentram pouco mais de 25 % dos g r upos de pesquisa do país,
contra cerca de 90% de estudantes de doutorado e 75% dos novos
doutores localizados nas regiões sul e sudeste. Embora,
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aparentemente, esta seja uma questão do MCT, o entendimento
de que no Brasil as universidades são as organizações responsáveis
pela gestão do conhecimento em sua plenitude, torna forçosa a
presença da pesquisa na definição das políticas públicas para a
educação.
Torna-se decisivo assegurar a manutenção dos g rupos de pesquisa,
avaliados não pelos índices de professores e pesquisadores titulados,
mas pelos resultados, mediante a continuidade do repasse de recursos
destinados à investigação, à redefinição dos critérios de apoio através
dos fundos setoriais, o estímulo à for mação de redes envolvendo as
universidades e institutos de pesquisa consolidados e as instituições
mais novas, em fase de crescimento, e a efetiva concretização de uma
política de apoio à “mobilidade docente”.
Por outro lado, quando se pensa na inovação como um parâmetro
definidor do desenvolvimento econômico e social, e em face do papel
da universidade, devem ser também fixadas as estratégias para as
políticas públicas na área, que envolvem uma ampla articulação do MEC
com os MCT, MDIC, entre outros, e se caracterizam por:
Investimento em Pesquisa Básica;
Política Fiscal que estimule a P&D nas Empresas;
Alto Grau de Escolaridade da População;
Elevada Percentagem de Pesquisadores;
Infra-estrutura adequada de Comunicação e Informação;
Política de Propriedade Intelectual.
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PROJETO NACIONAL DE EDUCAÇÃO NA
PERSPECTIVA DOS NEGROS BRASILEIROS
Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva*
No cerne de um projeto nacional de educação devem estar as diferentes
culturas constitutivas da nação brasileira, as relações que mantêm entre
si grupos étnico/raciais e integrantes seus, assim como outras relações
sociais. Isto exig e articulação deste projeto com o projeto nacional de
culturas e com o projeto nacional social.
Nos tempos e contextos em que vivemos, um projeto de educação
se diz nacional, quando os princípios e metas que o sustentam são
capazes de orientar ações atuais e contundentes, no sentido de constr uir
uma sociedade justa e por isto democrática. Numa sociedade
multicultural e pluriétnica como a brasileira, marcada pela desigualdade
no exercício e usufr uto de direitos, tor na-se primordial que o projeto
nacional de educação conduza à reeducação de relações sociais, raciais
que até então têm g arantido privilégios para alguns poucos e exclusão,
marginalização para maioria.
Assim sendo, um projeto nacional de educação que contemple as
aspirações, necessidades, exigências dos negros, sem desconhecer as dos
demais g r upos que for mam a nação brasileira, requer proposições e
encaminhamento cuja finalidade seja a formulação, execução e avaliação
de políticas de ações afirmativas. Para tanto, torna-se imprescindível encarar
a diversidade étnico/cultural dos brasileiros, não para ajustá-la dentro de
* Conselheira da Câmara de Educação Superior do Conselho Nacional de Educação, docente
da Universidade Federal de São Carlos, par ticipante da coordenação do Núcleo de Estudos
Afro-Brasileiros desta universidade.
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um modelo único, mas para primeiramente reconhecê-la, valorizá-la,
respeitá-la e, então, de suas diferentes raízes formar novo corpo de normas
e condutas que passará a orientar as relações sociais e raciais.
Como se vê, o projeto nacional de educação, sem descuidar da ofer ta
de educação em todos os níveis e modalidades de ensino para todos
que necessitarem e desejarem, implica e exige a reeducação de
administradores e planejadores dos sistemas de ensino, de professores
e outros educadores, de ser vidores, de maneira a que se tor nem,
confor me propõe Silva (1998) ag entes de combate ao racismo e a
discriminações.
Isto porque, a sociedade brasileira, em particular os sistemas de
ensino, somente a partir dos anos 1990, por força da ação dos
movimentos sociais, começa a tomar conhecimento da diversidade que
a compõe. Pressões internacionais, sobretudo as decorrentes da III
Conferência Mundial das Nações Unidas contra o Racismo, a
Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Correlata, forçaram que
reivindicações e propostas de movimentos e grupos sociais passassem
a serem discutidas, pelo menos em instâncias governamentais a que
cabe implantar políticas.
Pressões dos movimentos sociais têm, pois, criado espaço de crítica
das relações sociais, raciais, par ticularmente aquele forjado pela luta tanto
dos negros, descendentes de africanos trazidos para o Brasil escravizados,
como pelos povos indíg enas. Tais críticas se expressam em denúncias,
reivindicações e propostas da par te destes; em reações de apoio, de
questionamentos ou de rejeição da parte de não neg ros e não índios. Têm
merecido destaque dos meios de comunicação, as manifestações de
rejeição, sobretudo às exigências de políticas de ações afirmativas. Sem
pejo, apreensão com a possibilidade da perda de privilégios exclusivos é
abertamente exposta. Evidências da ignorância que os grupos
privilegiados têm a respeito daqueles que desprezam, exploram e buscam
manter à margem dos direitos dos cidadãos, se manifestam.
É preciso ter presente que políticas de ações afir mativas visam a
garantir e consolidar o direito à cidadania, corrigindo erros históricos
de sociedades que têm acintosamente privilegiado homens brancos,
portanto descendentes de europeus, cristãos, ricos economicamente,
saudáveis, adultos jovens, heterosexuais, sem deficiências físicas ou
outras. Tais políticas visam a oferecer opor tunidades diferentes de
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usufr uto a iguais direitos civis, sociais, políticos, econômicos, a negros,
índios e brancos. São defendidas por aqueles que tiveram, durante cinco
séculos, sua humanidade negada. Costumam ser questionadas como
privilégios desnecessários, por alguns, como políticas incorretas,
incompletas por outros.
Têm razão os que ponderam não resolverem as políticas de ações
afir mativas, por si só, os problemas ocasionados pelas desigualdades
sociais e raciais, sobretudo aqueles que reduzem a questão das ações
afir mativas à reserva de vagas para neg ros nas universidades.
É fundamental entender as políticas de ações afir mativas, como
desdobramentos que permitam a execução do garantido pela
Constituição Federal Brasileira, no que diz respeito ao direito ao
exercício pleno da cidadania, ao direito à não-discriminação, à cultura
e identidades peculiares, seja étnico-racial ou outra s , à história própria
do grupo social e racial a que cada um pertence, ao reconhecimento da
contribuição dos diferentes g r upos sociais e raciais para construção da
nação brasileira.
Charles Taylor (1994, p. 58) esclarece que, numa sociedade
multicultural, com o é o caso da brasileira, deve-se reconhecimento ao
que não é universal e igualmente distribuído, admitido, valorizado.
Destaca, ele, “ser exigência universal o reconhecimento da especificidade.”
Assim sendo, uma sociedade multicultural que se organiza como se fosse
monocultural, e se pretende democrática, vê-se instada a redimensionar
conceitos, princípios, normas que têm direcionado as relações tecidas e
mantidas entre pessoas, g rupos e classes.
Se assim é, a mentalidade paternalista, herdada do colonialismo
europeu, confor me destaca Silva (2002, p. 2) precisa ser superada. Não
é mais possível admitir simples atos de tolerância dos que acreditam
ser donos dos destinos de todos, isto é, que tentam decidir o que convém
a todos, tendo por critérios unicamente interesses seus e do g r upo que
representam, baseados em concepção de educação, cidadania, sociedade
próprias a seu g r upo de per tencimento cultural, social. Um projeto
nacional de educação se por um lado tem de estar atento à coesão
nacional, por outro tem que ser responsável pelo reconhecimento, defesa
do direito de existência de diferentes culturas sistemas simbólicos,
visões de mundo, for mas de viver, pensar, trabalhar, conviver, interagir
valorizando-as em de igualdade.
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Os negros não querem ser meramente incluídos, integrados a uma
sociedade que secular mente os exclui, desqualifica. Querem receber
educação que lhes permitam assumirem-se como cidadãos autônomos,
críticos, par ticipativos tal como as leis de ensino, os parâmetros
curriculares, os planos pedagógicos proclamam. Rejeitam, eles, educação
de baixa qualidade, direcionada para docilidade, obediência, negação e
desconhecimento de suas raízes africanas.
Querem, os negros, que a educação seja um meio de libertarem-se
do poder da ideologia do embranquecimento que os aliena de si próprios,
assim como aliena os brancos, conforme mostram Carone e Silva (2002),
a ponto de levá-los a julgarem-se superiores e com o direito de
menosprezar e inferiorizar os negros, os povos indíg enas. Pretendem,
os neg ros, transformar as relações entre brancos e neg ros, a fim de
reedificar a sociedade de tal maneira que todos e cada um se sintam
reconhecidos nas suas especificidades. Por isto lutam por re parações.
A fim de que os propósitos, não dos negros, de igualdade social e
racial sejam atingidos, será imprescindível combater a idéia largamente
difundida, assumida sem nenhuma crítica, tendo mesmo tornado-se uma
crença, de que vivemos numa democracia racial, numa sociedade
homogênea. Tal crença, baseada em estereotipo e preconceitos, tem
ser vido para que se acusem os marginalizados, em particular os neg ros,
de incapacidade, de falta de interesse em mudar sua sorte. Julgamento
inconsistente, aceito como verdadeiro, com freqüência, até mesmo, como
mostra Chiarello (2003), por professores e autoridades educacionais.
Reparações em educação ou em qualquer outra área, não se tratam de
esmolas garantidas por leis ou programas de governo, mas de metas de uma
sociedade que intenta reparar, isto é, suprimir injustiças reiteradamente
cometidas . Fica, pois, evidente que um projeto nacional de educação não
é do Ministério da Educação, do Conselho Nacional de Educação, tampouco
de outras instâncias estaduais e municipais de formulação e execução de
políticas educacionais, mas da sociedade brasileira. O que requer de todos
novas posturas e atitudes diante das culturas diversas, ou seja, de universos
de sentido distintos, de experiências de vida peculiares.
Neste sentido, Salcedo Aquino (2001, p. 170-171), referindo-se ao
que designa como sociedades plurais, ensina que a experiência de
inserção em diferentes universos de sentido, a prática de inter pretação
e de articulação de diferentes sistemas simbólicos, decorrentes de
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exercício dialógico em que o outro, o diferente é reconhecido, aceito e
valorizado como tal, são necessidades cotidianas e vitais.
Necessidades estas que levam a questionamentos, como os
for mulados por King (1992, p. 4)eabusca de respectivas respostas:
Que valores levaram e ainda levam a considerar como “justas e virtuosas” ações
que tentaram e tentam destruir os povos indígenas, os africanos escravizados e seus
descendentes? Seja eliminando-os sumariamente, seja convencendo-os, pela educação,
a esquecer ou silenciar suas raízes raciais e culturais?
O que faz com que esta destruição secular, hoje configurada no desemprego, na
falta de moradia, no mau atendimento dos ser viços de saúde e de educação, entr e
outros, no alcoolismo, nas drogas, no crime sejam considerados “justos” ou fazendo
parte da “natureza das coisas”? ou mais precisamente da natureza das pessoas? da
natureza das relações sociais?
As considerações feitas até aqui, conduzem à conclusão de que no
cerne de um projeto nacional de educação devem de estar as diferentes
culturas constitutivas da nação brasileira, as relações que mantêm entre
si g rupos étnico/raciais e integ rantes seus, assim como outras relações
sociais. Isto exige ar ticulação deste projeto com o projeto nacional de
culturas e com o projeto nacional social.
Apresentadas as perspectivas dos negros brasileiros no que concerne
a um projeto nacional de educação, cabe delinear alguns princípios e
metas que deverão ser complementados, substituídos, quando avaliados,
à medida em forem sendo implementados. As explicitações a seguir são
apresentadas com o intuito de que se tornem o primeiro esboço de uma
proposta. A par tir delas, cada sistema de ensino, cada estabelecimento
dos diferentes níveis de ofer ta de escolaridade e formação, consideradas
as especificidades da realidade em que atua, dos estudantes que atende,
dos educadores com que conta, saberá como enriquecer, melhor
for mular, ampliar estes primeiros princípios e metas.
Princípio: Enfrentamento e Superação de Racismos, Discriminações e
Intolerâncias
Meta: Construção, aplicação e avaliação de pedag ogias anti-racistas e
anti-discriminatórias.
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390
Meta: Obrig atoriedade de inclusão, em estatutos, regimentos, planos
pedagógicos, planos de ensino, de objetivos explícitos, assim
como de procedimentos para sua consecução, visando ao combate
ao racismo, a discriminações, ao reconhecimento, valorização e
respeito das histórias e culturas afro-brasileiras e africanas.
Meta: Nos cursos de for mação de professores e de outros profissionais
da educação, introdução de análises: das relações sociais e raciais
no Brasil; de conceitos e de suas bases teóricas, tais como
racismo, discriminações, intolerância, preconceito, estereótipo, raça,
etnia, cultura, classe social, diversidade, diferença,
multiculturalismo; de práticas pedagógicas, de materiais e de textos
didáticos, na perspectiva da reeducação das relações raciais.
Meta: Obrigatoriedade de inclusão de personagens negros, assim como
de outros grupos étnico-raciais, em cartazes e outras ilustrações sobre
qualquer tema abordado na escola, a não ser quando tratar de
manifestações culturais próprias de um determinado grupo étnico-
racial.
Meta: Previsão, nos fins, responsabilidades e tarefas dos conselhos escolares
e de outros órgão colegiados, do exame e encaminhamento de solução
para situações de racismo e de discriminações, buscando-se criar
situações educativas em que vitimizados recebam apoio requerido
para superar o sofrimento, os ag ressores orientação para que
compreendam a dimensão do que praticaram e ambos educação para
o reconhecimento, valorização e respeito mútuos.
Meta: Realização de projetos de diferente natureza, no decorrer do ano
letivo, com vistas ao combate ao racismo e a toda sor te de
discriminações.
Princípio: Reconhecimento de Valores, Processos de Raciocínio,
Pensamentos, Comportamentos Próprios a Diferentes Grupos
Étnico-Raciais.
Meta: Or ganização de centros de documentação, bibliotecas,
midiatecas, museus, exposições em que se divulguem valores,
pensamentos, jeitos de ser e viver dos diferentes g rupos étnico/
raciais brasileiros, par ticular mente dos neg ros.
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391
Meta: Realização de atividades curriculares ou não em que se explicite,
busque compreender e interpretar, na perspectiva de quem o
for mule, diferentes for mas de expressão e de org anização de
raciocínios e pensamentos, inclusive os de raiz africana.
Meta: Promoção de oportunidades de diálogo em que se conheçam, se
ponham em comunicação diferentes sistemas simbólicos e estruturas
conceituais, bem como se busquem for mas de convivência
respeitosa, além da construção de projeto de sociedade em que todos
se sintam encorajados a expor, defender sua especificidade étnico/
racial e a buscar garantias para que todos o façam.
Meta: Incentivo a ações em que pessoas estudantes, professores,
servidores, integrantes da comunidade externa aos
estabelecimentos de ensino de diferentes culturas interatuem e
se interpretem reciprocamente, respeitando os valores, visões de
mundo, raciocínios e pensamentos de cada um.
Meta: Realização de pesquisas que promovam a compreensão do
processo da recriação das culturas dos diferentes povos, que
vieram constituir a população brasileira, nos contatos uns com
os outros, que os tornaram afro-brasileiros, luso-brasileiros, nipo-
brasileiros, entre outros.
Princípio: Rompimento com a Homogeneidade de Conhecimentos tidos
como Superiores
Meta: Divulg ação, em diferentes modalidades e meios de comunicação,
de conhecimentos produzidos pelos diferentes g rupos sociais e
culturais constitutivos da nação brasileira, com igual destaque
para as raízes indígenas, africanas e européias.
Meta: Identificação de fontes de conhecimentos das diferentes raízes
culturais brasileiras, a fim de selecionar conteúdos e procedimentos
de ensino e de aprendizagens.
Meta: Oferta, em diferentes modalidades, de estudos de Africanidades
Brasileiras.
1
1
Estudar africanidades brasileiras significa estudar um jeito de ver a vida, o mundo, o
trabalho, de conviver, e de lutar por sua dignidade, própria dos descendentes de africanos,
que ao participar da construção da nação brasileira, vão deixando nos outros grupos étnicos
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392
Meta: Incentivo a pesquisas sobre processos educativos orientados por
valores, visão de mundo, conhecimentos indígenas e afro-
brasileiros, com o objetivo de ampliação e fortalecimento de
bases teóricas para a educação brasileira.
Princípio: Tratamento Diferenciado para Situações, Condições Específicas
de Diferentes Grupos Étnico/Raciais.
Meta: Identificação, coleta, compilação de informações sobre a
população negra, com vistas à formulação de políticas públicas
g overnamentais, comunitárias, institucionais.
Meta: Oferta de ensino fundamental em áreas de remanescentes de
quilombos, contando as escolas com professores e pessoal
administrativo que se disponham a conhecer, física e
culturalmente, a comunidadeeaformar-separa trabalhar com
suas especificidades.
Meta: Garantias de oferta de educação infantil e de ensino básico em
zonas de concentração da população negra, em estabelecimentos
de ensino devidamente equipados e conservados e contando com
professores e corpo administrativo profissionalmente
competentes, comprometidos com o bom aproveitamento dos
estudantes que atendem.
Meta: Inclusão nas políticas institucionais de ensino superior de cotas
para estudantes negros, bem como de garantias para a realização
de seus estudos com sucesso e no tempo requerido.
Como se vê, na perspectiva dos negros, um projeto nacional de
educação além de prever e garantir sua escolaridade até o nível superior,
atende à reivindicação de que a história e cultura de seu povo sejam
objeto de estudo, valorização e respeito, bem como o desejo de que as
relações raciais entre os brasileiros possam ser reeducadas.
com quem convivem suas influências, e ao mesmo tempo recebem e incorporam as daqueles.
Significa conhecer e compreender os produtos dos trabalhos e da criatividade dos africanos
e de seus descendentes no Brasil, além de situar tais produções na construção da sociedade
brasileira”(Silva, 1998,p.390).
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393
As instituições de ensino oferecem ambiente privilegiado para atender
tais objetivos e expectativas, uma vez que, como bem destaca Gomes
(1996), se encontram impregnadas da “complexidade de conflitos
provenientes das diferentes referências de identidade construídas pelos
sujeitos nas relações sociais e no processo cultural”, podendo, pois, criticá-
los e buscar superá-los. Em outras palavras, a for mação dos cidadãos
brasileiros implica aprender a reconhecer e respeitar os negros, os povos
indígenas enquanto g r upos etnico/raciais autônomos, competentes,
integ rantes da nação brasileira e, também, responsáveis por seus destinos.
Tal formação depende da reeducação das relações raciais que ocorrem
em trocas feitas, no dia-a-dia, em experiências nem sempre de
companheirismo e muitas vezes de desigualdade no usufruto de direitos.
Trocas em que deve haver exposição, interpretação de significados,
também resignificação de idéias, posturas, valores, além da negociação de
projetos. Tais trocas não podem, por isso, em instituições de ensino, serem
tratadas como atividades informais ou casuais, precisam ser deliberadamente
elaboradas por todos estudantes, professores e outros educadores que
delas participam, em busca de objetivos comuns, notadamente o de combate
a racismos e a toda sorte de discriminações (Silva, 1998, p. 389).
Espera-se, pois, que os sistemas de ensino, os estabelecimentos se
organizem para acertar o passo com a população negra, que em relação a
ela mostraram-se pouco interessados, descomprometidos, durante todo o
século XX (Silva, 1997). Tarefa que exig e pensar a educação como
possibilidade de enfrentar e superar intolerâncias, encarando-se a necessidade
de eliminar o racismo do discurso pedagógico, das políticas educacionais,
revendo-se os critérios definidores da excelência acadêmica a partir da
diversidade e da individualidade dos alunos, de sua origem étnico/racial,
bem como do comprometimento dos professores, expresso na sua participação
direta não na execução, mas também na elaboração e av aliação de políticas
públicas e institucionais (Silv a, 2001a, p. 105, 2001 b, p. 6).
Finalmente, espera-se que todas as instâncias educacionais se
ar ticulem a g rupos do Movimento Neg ro com a finalidade de com eles
aprender, além de discutir e intercambiar experiências, que a este
movimento social coube, no decorrer do pós-abolição, criar as
possibilidades que existiram de educação dos negros e dos outros
brasileiros sobre os africanos escravizados e seus descendentes.
(Gonçalves & Silva, ).
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394
Com este texto, espero contribuir para a construção, execução, avaliação
de um projeto nacional de educação plural e, por isto, democrático.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Cultura. Belo Horizonte, Ed. UFMG, 1996.
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neg ros”. San Jose, Califor nia, Aspire, 1992. p. 4
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intolerância? In: SABOIA, Gilber to V., org. Anais de Seminários
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a ser construída. São Carlos, NEAB/UFSCar, 2001b. (Trabalho
apresentado durante o VI Cong resso Estadual Paulista sobre Formação
de Professores, no Seminário Temático: Educação e Afro-descendentes:
uma relação a ser constr uída, em Águas de Lindóia/SP)
________. Espaços para a Educação das Relações Interétnicas:
Contribuições da Produção Científica e da Produção Docente, entre
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no Contexto da Globalização. Petrópolis, Vozes, 1998. p. 381-396.
________. Vamos acer tar os passos? Referências afro-brasileiras para
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CHIARELLO, Rosana Aparecida Peronti. Preconceitos e
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Experiências étnico-culturais para a formação de professores/
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Psicologia social do racismo: estudos sobre branquitude e
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TAYLOR, Charles. Multiculturalisme and “the Politics of Rcognition.
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397
FORUM BRASIL DE EDUCAÇÃO RELATOS
Francisco Aparecido Cordão*
No dia 18 de fevereiro do corrente foi instalado em Brasília, no
auditório Prof. Anísio Teixeira, plenário do Conselho Nacional de
Educação, o Fórum Brasil de Educação, o qual contou com a presença
do Senhor Ministro da Educação, Prof. Cristovam Buarque, acompanhado
dos Ministros da Cultura, do Trabalho e Emprego e da Mulher,
respectivamente, Gilberto Gil, Jacques Wagner e Emilia Fer nandes.
O Senhor Presidente do Conselho Nacional de Educação abriu o
Fór um ressaltando que o Colegiado, enquanto Órgão de Estado, com
este Fór um, está conclamando as entidades g over namentais e as da
sociedade civil para uma parceria e um diálog o aberto e plural. Trata-se
de um momento privilegiado de exercício democrático, que transcende
os limites do simples for malismo técnico, delineando canais de
mobilidade e de flexibilidade dialógica entre os conselheiros, o governo
e a sociedade. Para tanto, é essencial esse estabelecimento de parcerias
e a adesão, tanto das entidades g overnamentais, nos seus vários níveis
(da União, dos Estados e dos Municípios), quanto das entidades da
sociedade civil envolvidas com educação, cultura, trabalho, ciência e
tecnologia, como forma de viabilizar e de legitimar a implementação
deste Fór um Nacional de Educação.
O Conselho Nacional de Educação está atuando como âncora da
iniciativa do Fórum, cujo sucesso depende da par ticipação de todos.
Neste sentido, a acolhida que o Fór um Brasil de Educação recebeu,
especialmente, da comunidade civil educacional, é bastante animadora.
* Relator do Fórum Brasil de Educação e Presidente da Câmara de Educação Básica do
Conselho Nacional de Educação.
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398
Mais de quinhentas pessoas compareceram no Conselho Nacional de
Educação para par ticipar do primeiro encontro nacional do Fórum, o
qual teve como tema central os compromissos da educação básica:
for mação para a cidadaniaeotrabalho.
O Senhor Ministro da Educação, Prof. Cristovam Buarque,
representando o Governo Federal na aber tura oficial do Fór um Brasil
de Educação, conclamou os presentes no primeiro encontro nacional
do Fór um à superação dos interesses específicos das respectivas
entidades e corporações, alertando-os que não quer ver cada um olhando
apenas para os interesses da entidade que re presenta. Afirmou o Senhor
Ministro: “acredito que a maior tragédia brasileira é a divisão deste
País em cor porações. As entidades são maravilhosas, do ponto de vista
de org anização, mas são um problema, do ponto de vista dos interesses
específicos aos quais ficam presas”.
O Senhor Ministro da Educação disse, ainda, que gostaria que os
participantes nunca perdessem a perspectiva do que é o mais importante
para a ref lexão no Fór um, que é a situação das “crianças brasileiras
sem escola ou com escola sem qualidade; dos jovens sem perspectiva
de futuro ou sem qualidade na educação; dos vinte milhões de
analfabetos, dos quais, às vezes, a gente simplesmente esquece”. O
Senhor Ministro afir mou que não g ostaria que perdêssemos de vista
que, “no Brasil, essas crianças e esses jovens estão divididos de acordo
com o gênero, a classe social, a raç aearegião onde nasceram” e que
“temos , no Brasil, lamentavelmente, a educação como instrumento de
consolidação das desigualdades entre as classes”.
O alerta do Senhor Ministro foi contundente: “vocês têm a obrigação
de pensar a educação como um instr umento de resolução dos problemas
de nossas trágicas realidades: de classe, raça, região e gênero”, e
enfatizou: “este é o desafio que deixo a vocês, como brasileiro e como
cidadão. Como Ministro, eu g ostaria de pedir que trag am medidas
concretas, capazes de serem levadas adiante; idéias que possam ser
impressas no Diário Oficial e que não fiquem apenas nos relatórios ou
em livros acadêmicos. Se fizerem isso, daremos uma g rande ajuda para
tornar o Brasil mais eficiente no uso de recursos e mais justo na
distribuição de seus produtos”. O Senhor Ministro lembrou a todos que
proclamamos a República mais de cem anos e que esquecemos de
construí-la. O ideal republicano exige uma educação que seja
Livro Forum Brasil de Educacao.p65 17/1/2005, 16:44398
399
efetivamente instr umento de superação das desigualdades sociais. Para
completar a Proclamação da República temos que promover a abolição
da pobreza. O titular da pasta da Educação lembrou a todos que é
“papel da educação quebrar as desigualdades” e que “no Brasil de hoje
ela serve para acirrar desigualdades”, pois, “na área pública, o País g asta
70 vezes mais com os filhos dos ricos do que com os filhos dos pobres
nem a aristocracia do império tinha uma diferença tão grande”.
O Fór um Brasil de Educação foi planejado, no corrente ano, para
funcionar em duas ver tentes paralelas. No início de todos os meses
pares serão realizados encontros nacionais, no plenário do Conselho
Nacional de Educação, auditório Prof. Anísio Teixeira. Nos meses
impares serão realizados encontros regionais, sendo um em cada região
do Brasil. Os Encontros Regionais terão como tema recorrente os
Desafios e as Políticas do Projeto de Educação Nacional. O primeiro
foi realizado em Salvador, na Bahia, nos dias 19 a 21 de março do
corrente, para a Região Nordeste, ocasião em que o Conselho de
Educação daquele Estado comemorou 160 anos de existência. Na
mesma oportunidade, o Fór um Nacional de Conselhos Estaduais de
Educação realizou a sua XX reunião plenária. Este é o segundo Encontro
Nacional do Fórum Brasil de Educação, que está sendo realizado em
Belém do Pará, para promover o diálogo das gerações de educadores da
Região Norte do País em torno da temática do Plano Nacional de
Educação e do Projeto Nacional de Educação. A seguir, serão realizados
outros encontros regionais em Goiânia, para a Região Centro-Oeste e
em São Paulo, para as Regiões Sul e Sudeste.
Os próximos Encontros Nacionais serão realizados no dia 08 de
abril do corrente, com o tema Os Compromissos da Educação
Superior e o seu Papel na Sociedade do Conhecimento ”; no dia 03
de junho, com o tema da Formação (inicial e continuada) e Car r eira
de Docentes”. Posterior mente, ainda serão debatidos os temas da
Avaliação de Qualidade em Educação: Tendências Nacionais e
Inter nacionais”;do“Financiamento e Expansão da Educação:
Tendências Nacionais e Internacionais e, finalmente, no dia 02 de
dezembro, o tema Educação: Cidadania e Diversidade”.
O primeiro Encontro Nacional do Fórum Brasil de Educação versou
sobre o tema Os Compromissos da Educação Básica: Formação para
a Cidadania e o Trabalho”. A abordagem inicial do tema ficou por conta
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400
do Prof. Juan Carlos Tedesco, consultor da UNESCO, que discorreu sobre
A educação em um mundo de mudanças aceleradas”, defendendo a tese
do esgotamento do modelo tradicional de articulação entre educação e
desenvolvimento econômico. O Prof. Tedesco alertou-nos que as mudanças
educacionais são lentas, pois exigem novas práticas e novas culturas, e que
o grande desafio atual dos sistemas de ensinoéodegarantir a inclusão dos
que estão fora da escola. Essas novas crianças e adolescentes que estão
passando a freqüentar agora as nossas escolas exigem novos professores,
que atuem sem preconceito em relação à essa nova clientela, que traz à
escola novos e instigantes desafios. Uma educação de êxito é uma educação
que promove a equidade social e não a antiga competitividade. A nova
competitividade presente no mundo do trabalho exige um saber mais crítico,
com crescente grau de autonomia intelectual, mais solidário e comunicativo
e que assuma o aluno como centro do processo educativo.
A seguir, apresentei, juntamente com a Profª Guiomar Namo de Melo,
os resultados das fases de consulta à sociedade e aos professores, no
âmbito do Programa Nacional de Mobilização por uma Nova Educação
Básica. Esse programa implicou na realização de 12 audiências de
consulta à sociedade, e no envolvimento de quase dez mil professores
em 14 Unidades da Federação. Todos eles buscaram responder à seguinte
questão: o que é essencial para que a escola básica garanta, minimamente, a
educação do cidadão, em termos de desenvolvimento de competências para a
cidadania e o trabalho, com crescentes graus de autonomia intelectual?
Após essas apresentações, teve início a fase dos debates com os
par ticipantes do primeiro Encontro Nacional do Fór um Brasil de
Educação. Dos debates travados neste primeiro encontro, destacamos
e trazemos aos educadores da Região Norte do País as seguintes
orientações e recomendações:
É urgente que a Universidade reflita sobre sua real contribuição
na formação inicial e continuada dos professores.
O essencial a ser garantido na educação básica é ensinar a pensar
autonomamente, a escrever e falar com clareza e precisão. Não
basta a educação a serviço da produção. O homem produtivo
tem que ser, antes de tudo, cidadão.
É impossível qualquer refor ma educativa desvinculada da
valorização do docente, peça chave em qualquer projeto
educacional.
Livro Forum Brasil de Educacao.p65 17/1/2005, 16:44400
401
É de suma importância o imediato reajuste do custo-aluno do
FUNDEF, g arantindo maior par ticipação da União no referido
fundo, cumprindo, assim, a legislação especifica sobre a matéria.
É inadiável e urgente a definição de uma clara política nacional
de formação de docentes, inicial e continuada, aliada a efetivas
políticas nacionais de encarreiramento profissional e de
valorização do magistério.
Não basta a simples inclusão dos atuais excluídos da escola. É
essencial que a mesma garanta melhores níveis de qualidade a
todos os incluídos.
Os cursos de formação inicial de professores poderiam integ rar
os primeiros anos de trabalho como parte prática dos referidos
cursos de formação inicial de docentes.
A melhor alternativa para a capacitação de professores em
ser viço, não se tão somente através de cursos oferecidos de
for ma individual a esses docentes, fora da escola e do contexto
do seu projeto pedagógico.
A melhor alternativa de capacitação de docentes em ser viço
consiste em executá-la dentro da escola, a partir do planejamento
do próprio estabelecimento de ensino.
A expressão da autonomia da escola é o seu projeto pedagógico
e este exig e trabalho em equipes multidisciplinares.
É preciso fomentar e exigir planos de carreira docente tanto na
educação básica quanto na educação superior.
É preciso criar mecanismos de encarreiramento de docentes sem
que estes precisem sair da sala de aula, para assumir funções
técnico-gerenciais e de supervisão.
A escola tem que encontrar for mas concretas de incorporação
de outros profissionais e seus saberes, no dia a dia da escola,
para além dos docentes e dos pedagog os.
A escola ainda não descobriu como resolver a questão da
qualidade dos serviços educacionais oferecidos para as
populações mais pobres das periferias urbanas. Ela ainda não
aprendeu a trabalhar com o fenômeno da educação das massas.
As linguagens devem ser trabalhadas na escola básica como
códigos fundamentais para o desenvolvimento de qualquer
competência.
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402
que se trabalhar pela articulação e definição de pacto
federativo em torno de uma nova educação nacional, centrada
no compromisso com resultados de aprendizagem e na
constituição de competências cognitivas e profissionais.
necessidade de articulação das áreas de educação e trabalho,
para que programas do tipo primeiro emprego não acabem
significando evasão da escola, por parte de jovens em idade escolar.
Para que a escola se engaje no esforço nacional de superação
das desigualdades sociais, ela precisa entender o drama das
periferias das grandes cidades e os valores da solidariedade
cultivados pelos seus habitantes.
A expansão do ensino fundamental e médio junto às camadas
populares e periféricas coloca para a escola a necessidade de
vencer o desafio da qualidade do ensino, superando as bar reiras
de comunicação com essa nova clientela.
O g rande desafio atualéodeensino de massas. Esse desafio
tem que ser respondido conjug adamente, com os da for mação
inicial e da for mação continuada de docentes, em estreita
articulação com os respectivos planos de car reira do magistério.
O professor que trabalha nas periferias das grandes cidades está
pagando pela sua formação. Daí a urgência de definição de uma
política nacional pública, que contemple claramente a formação
de for madores.
necessidade de se promover urgentemente maior articulação
entre as áreas da educação e do trabalho, em especial com os
conselhos reguladores e de fiscalização do exercício profissional.
É preciso priorizar, no ensino fundamental, a expressão oral e
escrita, de tal for ma que todos aprendam a ler, escrever e contar
com autonomia, aprendendo, também, a pensar e julgar
autonomamente.
A educabilidade hoje implica em uma educação solidária e
cooperativa, e que desenvolva autoconfiança e auto-estima
suficiente para desenvolver os respectivos projetos de vida com
confiança e coesão social.
Ninguém se confor ma com a educação que tem. Daí que os
desafios educacionais são muito simples e, ao mesmo tempo,
muito complexos. Podem ser resumidos na seguinte máxima:
aprender e aprender a aprender.
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403
Inovar com criatividade exige que se olhe sempre para as experiências
desenvolvidas e se avalie a própria prática educacional. Não
receitas prontas. Estas são ditadas pelas demandas, as quais devem
ser analisadas com lucidez pelos educadores.
É urgente uma profunda análise das propostas de criação do
FUNDEB, em substituição ao FUNDEF, pois quando se
prioriza tudo corre-se o risco de não se priorizar nada–ea
Constituição Federal prioriza o ensino fundamental como direito
público subjetivo, prevendo sua expansão r umo à educação
infantil, como responsabilidade primeira dos municípios e r umo
ao ensino médio, como responsabilidade primeira dos estados.
necessidade de se estruturar um sistema nacional de avaliação
de competências e de cer tificação profissional de docentes.
É preciso rediscutir urgentemente o pacto federativo, em um debate
tripartite (União, Estados e Municípios), sobre financiamento da
educação básica e superior, de forma que atenda os interesses e
as necessidades de uma educação de massas.
O Fórum Brasil de Educação deveria abrir um espaço maior
para a apresentação de experiências institucionais bem sucedidas
com a refor ma da educação nacional, em todos os níveis e
modalidades.
Uma alternativa de espaço de comunicação entre os sistemas de
ensino e as escolas poderá se dar de form a vir tual, através de
um site especialmente criado para essas apresentações, troca de
idéias e debates.
Estas são as principais contribuições colhidas do primeiro Encontro
Nacional do Fórum Brasil de Educação e que, ag ora, trago ao debate
dos educadores da Região Norte do Brasil, neste Encontro Regional de
Belém do Pará.
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III Encontro Regional
Região Centro-Oeste Goiânia
O Projeto Nacional de Educação Políticas e Desafios
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407
Dando continuidade às ações do Fór um Brasil de Educação, foi
realizado nos dias 16 e 17 de setembro do ano de 2003, em Goiânia, o
III Encontro Regional do Fór um Brasil de Educação, objetivando
discutir o tema “Projeto de Educação Nacional: Desafios e Políticas”
contemplando a região Centro-Oeste. O encontro compreendeu uma
Conferência inicial como o Diálogo entre Gerações de Educadores
e duas mesas redondas.
A conferência de abertura do III Encontro foi proferida pelo Dom
Marcelo Bar ros, Prior de Monitoria da Anunciação da Cidade de Goiás.
A primeira mesa redonda do III Encontro Regional do Fórum Brasil
de Educação contou com a participação da Professora Celene Cunha,
Pró-Reitora de Graduação da Universidade Federal de Goiás e de Edson
de Oliveira Nunes, Vice-Presidente da Câmara de Educação Superior
do Conselho Nacional de Educação.
A segunda mesa redonda do III Encontro Regional do Fórum Brasil
de Educação contou com as participações da Professora Eliana Maria
Franca Cordeiro, Secretária Estadual de Educação de Goiás, do professor
José Carlos Libâneo, da Universidade Católica de Goiás e do Conselheiro
Nélio Bizzo, Vice-Presidente da Câmara de Educação Básica do
Conselho Nacional de Educação.
APRESENTAÇÃO
Livro Forum Brasil de Educacao.p65 17/1/2005, 16:44407
409
O PROJETO NACIONAL DE EDUC AÇÃO:
DESAFIOS E POLÍTICAS
Dom Marcelo Barros*
Os cursos de Educação pela Paz incluem como disciplinas os direitos
humanos, o desenvolvimento sustentável e a educação ambiental; a
segurança e assuntos de desar mamento, reconciliação, prevenção e
resolução de conflitos, reconhecimento crítico da mídia, estudo do
gênero, não violência e relações inter nacionais.
É para mim uma honra fazer a palestra inicial deste Fórum, mesmo
sem ser especialista na área, sento a imensa responsabilidade de
contribuir com este Fór um prestigiado por tantos companheiros e
companheiras, peritos, que admiro e dos quais aprendo sempre. O
que posso é partilhar com vocês algumas questões que sinto como
desafios para o sistema de educação, e que andando por outras par tes
do mundo, tenho visto pessoas e comunidades, descor tinando novos
caminhos que podem provocar em nós o desejo não de copiar soluções
de fora, mas de, a partir das realidades regionais e próprias brasileiras,
reinventar soluções para os problemas que são nossos e também do
mundo.
Permita-me recordar alguns problemas que são da própria
concepção e sentido que damos à educação e outros, talvez a maioria,
que são da sociedade na qual o projeto de educação se insere.
* Prior de Monitoria da Anunciação da Cidade de Goiás.
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410
1. DANÇAR SOBRE A CORDA B AMBA DO CAOS
EDUC AR PARA QUE SOCIEDADE E PARA QUE MUNDO?
Na década de setenta, Woody Allen fez um filme chamado: “O
Dor minhoco”. trata-se de uma parábola sobre um homem que sofria
de uma enfermidade incurável. Para evitar que mor resse, f oi cong elado
e guardado num refrigerador até que a humanidade tivesse o remédio
para aquela doença. No século XXV, os cientistas descongelam o homem
e o curam. que ele acorda, pensando que dormira oito horas. Percebe
que usa roupas diferentes, fala uma língua antiquada e não conhece
mais ninguém das pessoas que encontra na rua. Como acontece com
quem passa anos numa prisão e de repente, tem de enfrentar o mundo
de fora. Ou será que poderíamos dizer: em uma escola? Em poucos
anos, a sociedade mudou, o mundo sofreu transfor mações técnicas,
sócio-políticas e culturais. Os processos for mativos não podem
continuar sendo os mesmos. O que significa, hoje, educar e educar-se
neste mundo globalizado e, ao mesmo tempo, cada vez menos integrado?
Muita gente tem tentado definir a nova Paidéia para o século XXI.
Se nunca houve uma educação ou modelo pedagógico, é
indispensável, hoje, assumir a pluralidade e aprender com a
diversidade. Entretanto, qualquer que seja a proposta para
enfrentar mos os problemas e desafios como também as perspectivas
e as políticas a serem definidas, deve partir de um olhar crítico e
profundo sobre os g randes cenários do nosso tempo, isso que hoje se
convenciona chamar de globalização, a sociedade telemática ou da
multimídia, as culturas pós-modernas e tantas outras questões, que
envolvem o mundo e o Brasil de hoje.
Quando falamos em educação, pensamos principalmente nas
crianças e jovens. Certamente isso é traço de uma sociedade
estabilizada, que tem a escola para moldar as gerações futuras à
tradição que ela encarna. Mas, nesta sociedade, se o projeto educativo
fosse moldar o educando à sociedade existente, não pode mais visar
exclusivamente à geração mais nova. As mudanças são tão rápidas e
desconcertantes que interpelam todos os setores sociais e a cada
pessoa. Muitas vezes, a geração de 50 anos se sente menos educada e
mais insegura para lidar com Internet, ou para ser capaz de inserir-se
na sociedade atual do que a juventude e mesmo as crianças.
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Evidente que no Brasil atual, o primeiro passo da integração social é
ajudar a superar o analfabetismo funcional de milhões de irmãos e ir mãs.
As pesquisas revelam que 25% do povo brasileiro dominam a leitura
e conseguem escrever. (O Popular, f. 09/ 09/ 2003, Cidades, p. 3).
Mas, será que para isso, basta um mutirão de alfabetização nos moldes
de sempre? Uma pessoa subnutrida, vivendo em situações de violência
urbana e vendo sua família desintegrar-se em um mundo cr uel, consegue
ficar decorando a diferença entre monossílabos e dissílabos, ditongos
ou tritongos?
Cer tamente, os companheiros e companheiras, inseridos no Fórum
Brasil de Educação estão planejando como atualizar, para este início de
século as instruções da educação liber tadora e da pedagogia do oprimido
do nosso mestre Paulo Freire, proclamado pelas universidades do mundo
inteiro como “o educador do século XX”, tem certamente uma herança
para nos deixar para o século XXI. Se fazemos “fórum” é porque a voz
do mestre ainda ressoa em nossos ouvidos e corações: “Ninguém educa
ninguém. Ninguém se educa sozinho. As pessoas se educam
reciprocamente, em diálogo e no confronto permanente com a realidade”.
Nestes últimos dez anos, o que ocorreu de importante no Brasil e no
mundo?
De um lado, é cada vez maior o número de pessoas que reconhecem,
apesar de sua prepotência e do seu dogmatismo, que o atual sistema
mundial está desmoronando. O fracasso reconhecido pelos próprios
organizadores da Conferência da Org anização Mundial do Comércio,
nestes dias, em Cancum, é um exemplo disso. Do ponto de vista político,
mesmo nas altas esferas dos organismos que comandam o sistema
mundial, a cada dia, surgem vozes novas que se somam ao exército de
pessoas convencidas de que a atual (des)ordem tem saída com uma
mudança de estr uturas. Foi no Brasil que surgiu o g rito: “Um outro
mundo é possível!”. Hoje, dizemos: outros mundos ou outras formas
de org anizar este mundo devem ser possíveis e são necessárias.
O próprio nome “Fór um Brasil de Educação” nos remete a esta
inspiração alter nativa e criativa de novos caminhos. Para que ele seja
fiel à sua intuição original e à sua natureza, é preciso situá-lo dentro
desta família maior dos fór uns sociais e deste amplo movimento de
alter-mundialidade que na América Latina não surge de livros ou da
cabeça de intelectuais de esquerda, e sim dos movimentos populares.
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412
Neste sentido, é impor tante verificar que na América Latina, estamos
testemunhando uma verdadeira ressur reição dos povos indígenas.
Quando eu era criança, os livros de escola chamavam os povos indígenas
de pré-colombianos e na História do Brasil, o capítulo sobre os povos
indígenas era logo depois da “descoberta” e antes de tratar das capitanias
hereditárias. E ficava na criança aquela tese indiscutida de que índio é
coisa do passado longínquo, sendo confirmada pelos filmes de faroeste
que víamos no cinema.
O dia de janeiro de 1994 era a data na qual o México passava a
integrar a Nafta, tratado do livre comércio dos países da América do
Norte. Na noite anterior, das florestas de Chiapas, um lugar longínquo
que o mundo nem sabia que existia, soou o grito dos povos indígenas
retomando o ideal zapatista de uma terra para todos. Propunham uma
revolução não violenta e embora tenham tido mártires, e até hoje
sofram muito, conseguiram inserir os povos indígenas na discussão
dos grandes problemas do país. Depois de 500 anos de silêncio,
estamos aqui, temos uma palavra a dar e esta palavra pode ser de paz
e justiça para toda sociedade.
No Equador, os povos indígenas criaram a CONAIE, que representa
uma força tão grande que conseguiram destituir o presidente da
República, sendo o mesmo g r upo responsável pela eleição do atual
presidente, ainda que o mesmo os esteja dece pcionando.
No Brasil mais de 30 povos indígenas, considerados extintos, se
reorganizam e conseguem uma palavra que ecoa no mundo inteiro.
Parece que na América Latina e no Brasil, as intuições de educadores
como Edgar Morin sobre a complexidade, compreendida como
complementariedade, e esta abertura do pensamento para a
unidiversidade, se realizam não a partir da intelectualidade ou do mundo
escolar; saltam da vida para a esfera da educação, brotam dos povos
excluídos e dos movimentos sociais para dentro das agendas da educação.
São os movimentos sociais e a realidade do próprio mundo que estão
exigindo atenção ao ser humano unidual, à urgência de integrar o singular,
o local e o temporal para formar o universal.
Eu estou voltando da Itália, onde falei em um congresso internacional
cujo tema era “De vítimas a protagonistas da história”. E ali encontrei
representantes de vários povos indígenas falando para políticos e
educadores, do chamado “primeiro mundo”.
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413
Se na Europa e nos Estados Unidos, muita gente contesta um projeto
educador voltado, exclusivamente, para o mercado de trabalho, no qual
as pessoas se especializam como técnicos, mas perdem a sabedoria
da inter-disciplinariedade, no Brasil, isso seria muito mais escandaloso,
devido a alta concentração de renda e de desempreg o.
Que sentido tem para nós, continuar o modelo de escola que prepara
técnicos super-especializados em um setor da ciência e ignorante de
todo o resto da vida? Como apostar mais na inter-disciplinariedade da
sabedoria? Como tornar nossa universidade verdadeira “uni-
diversidade”?
2. DESAFIOS DO MUNDO E DA EDUC AÇÃO
O primeiro desafio que percebo é, ao mesmo tempo, que os meios
de comunicação apresentam o mundo como uma grande aldeia global,
no campo da educação vivemos ainda em universos paralelos e que se
desconhecem. Na maioria dos casos, a escola e os processos educativos
continuam alheios a este mundo dos movimentos sociais. Olhando de
fora, tenho a impressão de que a escola é cada vez mais auto-referente.
Não tem interlocutores. No tempo da ditadura, a educação brasileira
vivia a relação MEC- USAID. Hoje, a escola não tem por ta aber ta para
a rua e os gritos dos movimentos sociais não entram nas salas de aula.
Se continuar assim, nem a escola prepara os jovens para a vida, nem a
vida do país será beneficiada pela educação que vem das escolas.
Talvez, por causa disso, ainda existe um desnível de consciência
social entre a geração que viveu as lutas pela democratização e a
juventude atual. É emocionante ver que, cada vez mais, aumenta o
número de jovens que participam dos movimentos sociais e desta busca
de uma alter mundialidade. Mas, não podemos levar na brincadeira a
matéria de capa da revista Época da semana passada: “Pais liberados,
filhos quadrados”. Será que a escola e os processos educativos não têm
nada a ver com o fato de que, muitas vezes, os homens e mulheres de
50 anos são mais abertos e sensíveis social e politicamente do que a
geração dos seus filhos?
dois anos, a ONU realizou uma conferencia em Madri sobre “Educar
para a Tolerância”. Abdelfattah Amor, educador tunisiano, relator especial
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das Nações Unidas, declarou: “Na maioria dos casos, a escola ainda educa
os jovens para excluírem outros seres humanos. No mundo inteiro, a
educação escolar continua contribuindo para a intolerância e a
incompreensão entre culturas e principalmente entre religiões”.
Existe uma violência visceral e desconexa que invade nossas escolas
no Brasil inteiro e, mesmo aqui, em Goiânia. Cada vez que um aluno
atira em outro ou que casos de violência escandalosa, todo mundo
fica chocado e nós procuramos apagar o fogo sem nos perguntar: o
que está originando esta cultura de violência.
Muitos autores consideram o sistema educativo como uma estr utura
violenta em si mesmo, e lançam a pergunta sobre a possibilidade de
educar para a paz no atual sistema educativo. Infelizmente, a própria
escola, de uma maneira geral, tem uma tradição de violência. não
mais de 50 anos, em muitos lugares, eram comuns as punições físicas.
Hoje não é mais assim, mas todos nós sabemos que, no Brasil, ensinar
e aprender continuam associados a punir e premiar. Além disso, na escola
sempre se processou à racionalização das violências, de todo tipo de
violência, sejam físicas, psíquicas e simbólicas.
Para o educador espanhol Xesús Jares, “educar para a paz deve fazer-
nos conscientes, em primeiro lug ar, da contradição, às vezes, insolúvel,
que supõe educar para a paz em meio que por sua natureza e
funcionalidade é violento” (JARES, 1999, p. 175). Para o francês Jean-
Marie Muller, a educação para a não-violência passa pela não-violência
da educação (MULLER, 1995, p. 177). Trata-se, por tanto, de começar
a compreender a própria contribuição da escola no processo de formação
e consolidação desta razão bélica, começando a falar da violência da
escola. Muito do que qualificamos de violência na escola é um protesto
contra a violência da escola. Tais colocações apontam para a importância
de considerar, atentamente, a análise dos mecanismos através dos quais,
a escola perpetua instr umentalmente a violência e se coloca a ser viço
de uma sociedade violenta[8]. Também aponta para a superação da
contradição entre o cur rículo leg al e o currículo ação, entre o que se
estipula e o que se pratica (JARES, 1999, p. 180).
É claro que esta escola que o ministro da ONU alude, situa-se no
coração de sociedades que cada vez mais se fecham ao diferente. Os
países ricos fazem leis mais duras contra a migração de latino-americanos
e africanos. As diversas religiões, ao invés de colaborarem para a Paz e
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o Amor, vêem se fortalecer movimentos fundamentalistas e fanáticos
que fazem crescer no mundo o ódio e a intolerância cultural e religiosa.
Um outro desafio, intimamente lig ado a isso, é a necessidade de
democratização do processo escolar. Como combater a violência
espalhada na sociedade se no próprio mundo da educação, compactuamos
com a violência muda da segregação e do autoritarismo? Sempre que a
palavra é negada, a violência emerg e. O Fórum Brasil de Educação se
quiser representar uma esperança de caminhos novos, têm de ajudar a
sociedade a não pensar a escola como se planeja um bar ou uma loja de
sapatos, em um Shopping-center (tenho sempre impressão quando
encontro um Colégio em um Shopping), e sim como um laboratório no
qual se ensaia um mundo mais justo e de convivência fraterna.
3. A ARTE DE AJUDAR O DIA A NASCER
No antigo filme Orfeu Negro que ganhou a Palma de Ouro de Cannes
em 1960, dois meninos negros de uma favela do Rio de Janeiro
disputavam qual deles, tocando violão desper taria e faria o sol nascer.
E um deles descobriu que todas as vezes que, bem cedo, pela manhã,
sentava numa pedra na direção do mar e tocava bem o seu violão, o sol
obedecia aos seus acordes e nascia todo faceiro para iluminar o dia.
O Fór um Brasil de Educação pode ser um gesto assim de tocar violão
para o sol nascer. E para que essa magia cer to, concluo esta conversa
com algumas pistas:
O Fórum como ar ticulação liber tária de nossos sonhos.
A sociedade nova, os outros mundos possíveis não cairão do céu,
nem surgirão espontaneamente... É preciso que possamos desenvolver
uma sensibilidade nova, valorizar o que está nascendo e articular as
diversas iniciativas em um grande mutirão de amor solidário. Tudo isso
é uma missão educativa nova e para a qual temos de nos pre parar.
A primeira coisa que terá de ser feita para constr uir este novo possível
será sonhá-lo. Na Agenda Latino-americana de 2004, Dom Pedro
Casaldáliga diz claramente: “O novo não virá, a menos que muitos e
muitas o sonhem utopicamente, esforcem-se para configurá-lo como
sonho e projeto, como esperança. Pa ra que venha o mundo novo, é
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preciso pôr para trabalhar a imaginação, a fantasia, a esperança, a utopia.
Sonhar o outro mundo possível é um primeiro passo para fazer com que
aconteça, com que nasça”.
O Fór um Brasil de Educação é filho de um novo modo de fazer
política. Ele precisa ser expressão de nossos sonhos. E se aceitamos
sonhar e expressar os sonhos, poderemos ousar os primeiros passos neste
mundo novo no campo da educação.
Um processo educativo baseado na Paz como cultura e projeto.
A educação pela Paz é um processo participativo que muda nosso
jeito de pensar e promover o aprendizado da paz e da justiça. Em maio
de 1999, foi lançada em Haia, na Holanda, a Campanha Global de
Educação pela Paz com dois objetivos: o primeiro é criar reconhecimento
público e suporte político para a introdução da Educação pela Paz em
todas as esferas da educação, incluindo a educação não formal, em todas
as escolas do mundo. O segundo é promover a educação de professores
para que possam ensinar a partir de uma cultura de paz e pela paz.
Esta campanha cong reg a g r upos que se concentram em Direitos
Humanos, desar mamento, meio ambiente, direitos feministas e justiça
social, trabalhando para a abolição das guer ras atuais.
Os cursos de Educação pela Paz incluem como disciplinas os direitos
humanos, o desenvolvimento sustentável e educação ambiental; a
segurança e assuntos de desar mamento, reconciliação, prevenção e
resolução de conflitos, reconhecimento crítico da mídia, estudo do
gênero, não violência e r elações inter nacionais.
A metodologia da Educação pela Paz encoraja o pensamento crítico
e prepara os estudantes para agir de acordo com suas convicções e
solidários às g randes causas do mundo.
O Fórum como processo de mudança pessoal de vida.
Não adianta trabalhar por um mundo novo e por uma educação nova
se não aceitamos começar por nós mesmos.
É certamente um desafio para a educação constatar que, a imensa
maioria dos brasileiros que mais ser viços prestam ao sistema de
cor rupção, são pessoas educadas nas escolas e com altos g raus de
instr ução. É urg ente aprofundar os valores éticos indispensáveis para a
vida pessoal e social.
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A educação precisa ser integral, visando o pleno desenvolvimento
das potencialidades físicas, mentais, emocionais e espirituais do ser
humano.
A incorporação e a aplicação de valores morais em todos os níveis
de decisão e atuação é outra transformação que urge em nosso país. A
ética não pode continuar a ser uma camada superficial de tinta,
adicionada ao edifício social apenas para encobrir as falhas estr uturais
do projeto ou torná-lo menos repugnante. Ela deve tornar-se a primeira
consideração, o fundamento e eixo transversal de todos os
empreendimentos
1
.
Outro modo de ser humano é possível e necessário. Precisamos
fortalecê-lo, assumindo cada um de nós o compromisso de ensaiar esta
mudança em sua vida pessoal. Este “Fór um Brasil de Educação”
cumprirá plenamente sua tarefa se for ao mesmo tempo um Fórum Brasil
de auto-educação”. Não estamos aqui apenas para falar sobre os alunos
como objetos do nosso trabalho de educadores. É preciso que, aqui,
aceitemos nos rever, nos colocar em questão e ser mos avaliados uns
pelos outros.
É preciso viajar para o mais profundo, até o poço de onde saem o
bem e o mal, o manancial da mudança, não uma mudança de época,
mas também, e, sobretudo, uma mudança pessoal. Eu espero que, para
isso, as diversas religiões dialoguem e os muitos caminhos espirituais
se encontrem. Todos não voltados para si mesmos, mas para ser
portadores de sentido e indicadores de horizontes últimos e maiores
para o ser humano. faremos um grande mutirão para a construção do
ser interior.
Uma palavra final:
Temos de aprender a dançar sobre o caos, porque de um lado temos
de acolher e assumir a realidade atual com suas contradições e
indeter minações vendo o que é possível construir. Se for mos esperar
uma situação ideal para construir alg o novo, nunca sairemos da utopia
para a topia, do ideal para o real. Do outro lado, sobre a corda bamba
deste caos, estaremos dançando a esperança e ensaiando a ousadia de
tecer novos mundos possíveis.
1
FEIZI M. MILANI S. é médico, presidente do Instituto Nacional de Educação para a Paz
e os Direitos Humanos.
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“Pergunto coisas ao buriti e o que ele responde é: a coragem minha.
Buriti quer todo o azul, e não se apar ta de sua água carece de espelho.
Mestre não é quem sempre ensina, mas quem de repente aprende”. (João
Guimarães Rosa, Grande Ser tão: Veredas).
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O PROJETO NACIONAL DE EDUCAÇÃO:
DESAFIOS E POLÍTICAS
Celene Cunha*
A criação de uma agência para o desenvolvimento de ensino de
graduação é uma proposta que está sendo encaminhada junto ao MEC,
uma agência semelhante a CAPES, que pudesse promover o fomento,
o desenvolvimento do ensino de graduação e, para isso, será preciso
promover algumas ações, reorganizar currículos, articular todos os níveis
do sistema, fortalecer a relação entre a educação básica, graduação e
pós-g raduação, incentivar parcerias e o acesso a diversos programas.
Bom dia a todos, agradeço o convite para participar desta mesa e
cumprimento os meus colegas de mesa, agradeço, inclusive, a
oportunidade de ouvir a Prof
a
Raquel, a Prof
a
Maria Helena, que fizeram
inter venções tão brilhantes, sensíveis e profundas.
Meu desafio aumenta ao falar o tema que me propus, principalmente
porque, Prof
a
Maria Helena, essa contradição que a Senhora apontou da
for mação, à medida que a titulação do professor aumenta, tem g erado
uma contradição imensa no interior da universidade. Nós, Pró-Reitores
de Graduação, estamos enfrentando esse desafio, o distanciamento do
professor titulado do ensino de graduação; essa dificuldade tem se
aprofundado, e a contradição também, no interior da universidade e,
por isso, temos que rever, assim como tudo o que a Senhora disse, nos
provoca e nos conduz a uma ref lexão.
Mas, pretendo falar, como Pró-Reitora de Graduação da Universidade
Federal de Goiás, das angústias e das dificuldades que a Universidade
* Pró-Reitora de Graduação da Universidade Federal de Goiás.
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tem enfrentado, particularmente no ensino de g raduação e, também,
falar de um projeto que tem sido constr uído por um conjunto de pró-
reitores de g raduação do Brasil. Por tanto, muito do que vou falar ref lete
essa experiência de um fórum, onde estão presentes os pró-reitores das
universidades públicas, privadas de diferentes naturezas e confessionais.
Estamos percebendo que existem muitas questões em comum, mais
proximidades do que diferenças; dessa forma, o que vou dizer aqui,
reflete essa experiência e tem uma relação com as questões levantadas
pela Prof
a
Maria Helena e, também, muito do que vou dizer reflete um
projeto ou um caminho, pelo menos temos uma indicação de onde
queremos e de onde podemos chegar.
E para falar disso, é importante que eu explicite qualéopapeloua
função social da universidade no meu entendimento. Essa função social
deve se orientar ou se orienta, a depender da instituição, pelo direito de
todas as pessoas a uma vida digna e, mais ainda, no contexto da sociedade
do conhecimento, a função da universidade é de ampliação
democratizante do acesso ao conhecimento, acho que essa deve ser
uma missão da universidade. Deverá se orientar, não pelos desafios
tecnológicos, mas, também, pela ética no que diz respeito a toda a
amplitude da existência humana e, assim, a universidade deve buscar o
equilíbrio entre a vocação técnico-científica e a vocação humanística
e, é nessa interseção que reside o papel da instituição promotora da
cultura, da for mação, sendo este ponto de vista da for mação que
pretendo falar.
Então, a for mação de recursos humanos, que é a nossa tarefa, a
formação do ser humano e, hoje, um entendimento que essa formação
deve perpassar, não digo que isto esteja acontecendo na prática, todo o
sistema nacional de educação, desde a educação básica até a pós-
g raduação no interior da universidade.Por tanto, devemos for talecer a
relação entre todos esses níveis, a par tir de uma compreensão, de uma
for mação de sociedade, desse projeto que existe latente em nossa
sociedade, que precisa ser explicitado.
E para isso, com certeza, deve levar-se em conta a ampliação do sistema
de ensino superior, a partir do entendimento de que a educação é um
bem público, que deve ser ampliado com qualidade e deve estabelecer-se
uma relação entre os sistemas públicos e privados, garantindo o acesso e
o compromisso do Estado com responsabilidade, com co-responsabilidade
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421
de diferentes instâncias e, principalmente, com o financiamento, o
fomento, a avaliação e acompanhamento desse processo. E essa formação
deve levar em conta o perfil do profissional do Século XXI, considerado
por alguns filósofos e pensadores como o século do conhecimento, onde
o que se espera do profissional de educação a compreensão da
complexidade desse mesmo conhecimento, ainda que o atual sistema de
ensino superior tenha dificuldade de dar conta de toda essa tarefa, ou
seja, do trabalho em g rupo, da interdisciplinaridade, da ética, do
humanismo, da criatividade, da educação continuada, do conhecimento
acadêmico profissional, do entendimento de outras línguas, enfim da
consciência da impor tância do profissional cidadão. Sendo esse o perfil
do profissional que esperamos formar e, nem digo que a universidade
brasileira tenha, com base em suas limitações, condições de formar esse
profissional,com esse perfil delineado. E para isso, devemos focar as
mudanças que vêm acontecendo na educação brasileira, de algum tempo,
seja quanto ao projeto pedagógico, a estr utura curriculareaflexibilização
dos conhecimentos.
O projeto pedagógico deverá ser entendido como o grande projeto
da universidade, de cada universidade em par ticular e de cada curso,
também, na sua autonomia, tendo com esse objetivo a melhoria dos
cursos, para então definir o perfil do profissional desejado para cada
área. Isso tudo, levando em conta o perfil anterior, citado, a
atualização dos programas e flexibilização dos currículos, a valorização
da integ ração do ensino, pesquisa e extensão, porque é uma enorme
dificuldade; essa integração tem de ser buscada, a interdisciplinaridade,
a formação do profissional cidadão, o intercâmbio entre as diferentes
instâncias, a valorização das atividades acadêmicas complementares
ou diversas e a importância do estágio como atividade curricular
articuladora entre a teoria e a prática.
Estou focando apenas um desses pontos porque, talvez, seja uma
das maiores dificuldades dessa relação que nós colocamos, porque dessa
interação surge, digamos assim, a verdadeira produção do conhecimento,
que é essa interação entre ensino, pesquisa e extensão, ela é que na
verdade produz o conhecimento novo, a necessidade profunda de
refor mulação das práticas pedagógicas vig entes para exercitar essa
interação, a prática da docência, a capacitação dos docentes, uma nova
cultura na g estão do cur rículo, o que é extremamente difícil.
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422
Essa mudança, como bem salientou a Prof
a
Maria Helena no final da
sua exposição, precisa perpassar todos esses processos, seja na
aprendizagem ou na avaliação; então, nessa interação entre pesquisa,
ensino e extensão é preciso, inclusive, mudar algumas práticas, como
por exemplo, nos cursos de licenciatura, a idéia de fortalecer o ensino
com pesquisa. Nessa mudança é importante estimular a atividade
questionadora e investigativa, com a compreensão da realidade em que
está inserida, e o incentivo à participação dos alunos em programas e
projetos integ radores de ensino, pesquisa e extensão.
Tudo isso passa também pela qualificação do corpo docente que é
uma meta de boa parte das universidades; como todos sabem, as
universidades públicas têm o maior índice de titulação, e as universidades
confessionais ou particulares estão buscando investir nessa área para
elevar a sua titulação. Também passa pela qualificação do processo
ensino-aprendizagem, promover a formação continuada, atualização e
novas tecnologias aplicadas ao ensino, bem como a par ticipação efetiva
no processo coletivo de planejamento e gestão acadêmica; a qualificação
do corpo técnico-administrativo, do corpo discente, procurando
envolver o aluno do ensino superior nos diferentes momentos do
processo e de diferentes maneiras, por exemplo, o estímulo ao
intercâmbio institucional.
Nas universidades federais, recentemente, foi assinado um protocolo,
um convênio denominado mobilidade estudantil, no qual os alunos das
universidades federais, das cinqüenta e tantas instituições do Brasil,
poderão realizar intercâmbio de até um ano em outra instituição que
não a sua de origem, é um projeto patrocinado pela Associação dos
Reitores das Universidades Federais e que está em vigência. O
fomento é, extremamente, necessário para essa mudança, e
envolvendo todo o sistema possível de promover o financiamento,
confor me referiu a Prof
a
Raquel, seja através dos fundos setoriais, do
CNPq e das diferentes instituições similares.
Gostaria ainda de chamar a atenção para o ensino de graduação,
sendo essa uma questão amplamente debatida nesse Fór um, inclusive
junto ao MEC o ensino de graduação é um segmento do ensino
superior que, nos últimos anos, ou quase nunca, tem recebido fomento
ou incentivos ou qualquer for ma de financiamento, esse é um que
temos sentido; e, mais precisamente, como Pró-Reitora de Graduação
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423
a gente sente isso na pele, todas as dificuldades dessa esfera de ensino
no interior das universidades. Por isso temos uma proposta bastante
objetiva nessa direção, que é o sistema de educação, ciência e
tecnologia integrando nessa área os investimentos e fomentos em
linhas definidas.
Vou avançar mais um pouco, a avaliação que é alg o em curso e
tivemos a oportunidade de participar do debate com essa comissão
que apresentou a proposta de avaliação do ensino superior no Brasil,
apresentando as nossas sug estões, onde muitas delas foram acatadas.
Na verdade, o que se considera essencial em uma avaliação é o
respeito, a identidade institucional, a globalidade, a par ticipação de
todos os segmentos, comparabilidade, continuidade do processo e a
sistematização, questões que foram amplamente contempladas nesse
projeto divulgado recentemente, além da avaliação interna e externa
e a consolidação da avaliação institucional.
Eu gostaria, na verdade, de focar mais nesses temas, eu não diria
problemas, mas desafios a enfrentar no que se refere ao ensino de
g raduação que é a questão do acesso, da qualificação, da avaliação, a
for matação de um plano nacional de gr aduação, o prog rama de apoio
às licenciaturas, a for mação de professores, que é alg o extremamente
necessário, as diretrizes cur riculares, a viabilização da implementação
das diretrizes curriculares, as novas tecnologias nas suas diferentes
manifestações e, por fim, a criação de uma agência para o
desenvolvimento de ensino de g raduação, uma proposta que está sendo
encaminhada junto ao MEC, uma agência semelhante a CAPES, que
pudesse promover o fomento, o desenvolvimento do ensino de
graduação e, para isso, será preciso promover algumas ações,
reorganizar currículos, articular todos os níveis do sistema, fortalecer
a relação entre a educação básica, graduação e pós-graduação,
incentivar parcerias e o acesso a diversos prog ramas.
Finalizando, quais são as nossas perspectivas?
Reorganizar os cur rículos, promover a ar ticulação da g raduação,
incentivar as parcerias, produzir documentos sobre a for mação de
professores, na verdade a idéia é produzir um programa de apoio às
licenciaturas e à formação de professores, participar do fór um
per manente da política de for mação de professores e de ensino
fundamental que, e fetivamente, estamos participando.
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424
Na perspectiva de mudanças, alguns encaminhamentos estão sendo
protocolados e for matados, que não vou me deter para discor rer sobre
todos eles, mas gostaria de enfatizar que, nesse processo de
transfor mação ou de mudança do ensino de g raduação, o que estamos
sentindo, nesse momento, entre os Pró-Reitores de Graduação, que
militam no cotidiano das universidades, é a existência de, pelo menos,
uma intenção, uma aber tura para ouvir ou para se sensibilizar diante
das dificuldades da universidade brasileira no que se refere à formação
humana, a essas dificuldades, de f or ma a minimizar os g arg alos e
otimizar esse processo.
Podemos discor rer um pouco mais sobre isso no debate, mas, o
impor tante de tudo isso é a constatação de que existe um caminho,
existe um projeto, sabemos das nossas necessidades, das nossas
possibilidades, e é isso que g ostaria de deixar aqui nesse Fór um,
reiterando a contribuição que a universidade pode dar nesse processo.
Muito obrigado.
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425
O PROJETO DE EDUCAÇÃO NACIONAL:
A DESATENÇÃO A OS CRITÉRIOS DE QUALID ADE
DAS APRENDIZAGENS ESCOLARES
1
José Carlos Libâneo*
Inicialmente, desejo agradecer aos organizadores deste encontro o
convite para participar desta. Cumprimento o moderador da mesa,
Professor Antonio Cappi, a Prof
a
Eliana Maria França Car neiro, nossa
ilustre e dinâmica Secretária de EducaçãoeoProf.Bizo,integrante do
Conselho Nacional de Educação e professor da Faculdade de Educação
da Universidade de São Paulo.
muitas coisas que precisam ser discutidas nesse tema tão amplo
proposto nesta mesa redonda de hoje. Farei uma inter venção baseada
na minha própria especialidade que é a escola, a didática, o ensino.
Sendo assim, na minha condição de pedag ogo, vou falar sobre a
responsabilidade dos sistemas de ensino em relação aos aspectos
internos da escola. Definindo mais precisamente meu tema, quero falar
sobre a desatenção, o desapreço dos sistemas de ensino em relação aos aspectos
pedagógico-didáticos, isto é, à qualidade inter na das apr endizagens escolar es.
Desatenção e desapreço por par te de quem? Por par te dos órgãos
nor mativos do sistema, por par te dos planejadores e g estores do sistema
que integ ram os órgãos inter mediários do sistema tanto em âmbito
federal, quanto estadual e municipal e por parte, também, do meio
intelectual em que milito, dos pesquisadores em educação.
* Professor da Universidade Católica de Goiás.
1
Texto de palestra transcrito de gravação, revisto pelo autor.
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Quero deixar claro aos presentes que não estarei fazendo nenhuma
crítica pontual a políticas e normas do CNE, políticas da Secretaria da
Educação do Estado de Goiás ou do Município. Vou apresentar aqui
uma análise de conjunto a partir dos meus quase 40 anos de trabalho
exclusivamente no campo educacional, vou dizer como eu vejo algumas
questões cr uciais da educação nacional. Quero pensar alto sobre algumas
teses polêmicas que podem não agradar pessoas que estão me ouvindo,
mas entendo que este é um momento de debate e até agradeço aos
organizadores do Encontro a opor tunidade de poder ser ouvido.
Minha tese central é a seguinte: quanto mais se fala em qualidade de
ensino, tanto na linguagem do mundo oficial quanto na linguag em dos
educadores dito progressistas e até na linguagem da crítica acadêmica,
mais vem aumentando a distância em relação às questões mais concretas,
mais reais da escola, ou seja, o trabalho de sala de aula, o trabalho
direto que os professores realizam com os alunos.
Quero dizer, em outras palavras, é que é visível uma desqualificação
social do trabalho na sala de aula e do trabalho em cima das
aprendizagens dos alunos no cotidiano da escola, resultando disso uma
desvalorização do professor, mas também numa desqualificação
acadêmica da pesquisa nessa área. Estou envolvendo na minha tese
não apenas os legisladores, os gestores do sistema, mas também o meio
acadêmico do campo educacional.
O que estou falando aqui, explicitamente, é que uma separação e
um distanciamento, um muro entre a legislação, as políticas e diretrizes,
o mundo acadêmico, e as questões pedagógico-didáticas efetivas da sala
de aula. É paradoxal que isto aconteça. Os professores e professoras
que atuam ou atuaram na linha de frente do sistema de ensino que
estão aqui me ouvindo hão de concordar comigo que é na sala de aula,
é na ponta do sistema que as coisas efetivamente mudam, é que
sabemos o que os alunos aprendem, como aprendem e o que fazem
com o que aprendem. No entanto, é a qualidade do trabalho da sala de
aula que está sendo esquecida. Por e xemplo, não como fechar os
olhos à informação recentíssima do SAEB de que 64% dos alunos de
série não aprenderam a ler e escrever. Isto me assusta mais quando vejo
que as soluções postas para enfrentar este problema são soluções que
têm sido, a meu ver, inócuas, inclusive aquelas implementadas em
administrações que se auto-intitulam progressistas.
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Anunciado o tema, vou falar sobre os três pontos da minha exposição:
1º) o que é que tem sido entendido por qualidade no ensino, porque é
este o problema que diz respeito a como estamos enfrentando a questão
dos 64% dos alunos de série que não sabem ler e escrever. 2º) quais
são as conseqüências concretas destas posições em relação à qualidade
de ensino nas medidas que têm sido adotadas em vários estados e
municípios. 3º) qual é o meu ponto de vista sobre critérios de qualidade
de ensino ou critérios de qualidade em relação às aprendizagens escolares.
Primeiramente, o que eu pens o e o que tem sido entendido por
qualidade de ensino?
Penso que quatro posicionamentos em relação à qualidade de
ensino. O primeiro, vou identificar como sendo aquele dos discursos
marcados por análises externas à escola, quer dizer aquelas análises de
conjunto, g enéricas, a respeito da escola, muito a gosto de filósofos e
sociólog os da educação. Nesses discursos marcados pela análise exter na
à escola vou distinguir duas abordagens: a primeira se caracteriza por
aquela posição de denúncia do atrelamento da escola a interesses
políticos, por exemplo, atualmente, ao modelo neoliberal, ao mercado,
etc. Fala-se de uma qualidade, portanto, que não se quer e apela-se
para uma vaga idéia de uma educação crítica, que alguns chamam de
qualidade social, qualidade democrática. Reconheço que são análises
críticas freqüentemente muito bem elaboradas, sobre políticas
educacionais, diretrizes cur riculares, PCNs, g estão do sistema de ensino,
etc. Mas, pela falta de vínculo concreto destes discursos com as escolas
e as salas de aula, eles são mais retórica do que explicitação de critérios
efetivos de qualidade de ensino. Ou seja, aproveita-se pouco deles
quando se trata de ver a escola por dentro, eu digo que muitos coleg as
sociólogos e filósofos falam de escola, mas quando chegam na porta
eles não dão conta de abri-la e muito menos de entrar nela.
A segunda abordagem dentro das análises externas da escola é a
chamada posição pós-crítica, às vezes chamada de pós-moderna. São
críticos ferozes da escola, a escola para eles faz muitas coisas erradas,
discute o saber baseado na razão quando a razão estaria fora de moda,
uma cumplicidade dos saberes sistematizados com as relações de
poder, quer dizer, uma imposição de saberes para controlar a
sociedade, a escola não considera as diferenças, a escola usa uma
linguagem inadequada, etc. Além disso, outros autores pós-críticos da
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escola enaltecem o lado emocional, o imaginário, o cultivo da diferença,
o lado do prazer, etc., como por exemplo, o livro recente publicado de
dois autores conhecidos, “Por que não g osto da escola?” ou alg o assim,
tipo aquela escola que eu tive, aquela escola chata, enjoada.
O segundo posicionamento em relação ao entendimento da qualidade
de ensino refere-se a propostas voltadas para aspectos internos do
funcionamento da escola centrando-se especificamente nas questões
organizacionais. Qual a idéia que se passa aí? As pessoas dizem o
seguinte: vamos melhorar as formas de org anização e gestão da escola,
se houver eficiência, se a escola estiver bem organizada, se os papéis
estiverem bem definidos e tiver boas condições de funcionamento,
material, prédio, computadores, etc. estarão criadas as condições para
melhorar a aprendizagem. A idéia é mais ou menos esta: melhoremos a
gestão implantando medidas organizacionais, projetos e planos bem
detalhados, vamos eliminar a seriação, vamos introduzir ciclos, vamos
botar computador, TV a distância, entrar no mundo da infor mação
implantando novas tecnologias, e teremos a melhoria da qualidade de
ensino, a qualidade virá em acréscimo. Em outros casos, na mesma linha
de investimentos nas for mas de organização e gestão, aposta-se na
gestão participativa, na participação das decisões, na eleição de
diretores, entendendo que isso cria um clima democrático e os
professores se envolvem mais com a escola e tudo isto irá se projetar
na melhoria do ensino. Nada mal se a democratização das relações
inter nas fosse efetivamente um meio de democratização do ensino, isto
é, de melhores condições de aprendizagem para todos os alunos.
No terceiro posicionamento estão os que buscam a qualidade de
ensino em mudanças na org anização curricular. Nessas propostas, na
maior parte das vezes auto-proclamadas de progressistas, a qualidade
de ensino seria obtida através de duas modalidades muito próximas mas
possíveis de serem diferenciadas. A primeira delas é aquela posição que
diz a escola tem de dar mais ênfase aos processos do que aos produtos,
quer dizer, nesse modo de colocar o problema, os processos estariam
colocados em oposição aos produtos porque, dizem, não importam os
resultados, importam os processos. E, por isto fala-se até de um cur rículo
como processo, de uma avaliação como processo, é um currículo baseado
nas experiências cotidianas, nas narrativas mais do que no saberes
sistematizados, na instituição de formas novas de relações sociais em
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ter mos de gestão. Uma segunda modalidade nesta ênfase nas mudanças
curriculares consiste na recusa do currículo tradicional, do currículo
por gr ades de disciplinas, adotando-se um cur rículo integ rado. A escola
alternativa nesse sentido teria sua qualidade não nos conteúdos
científicos, não nos saberes sistematizados, mas na articulação, na
vivência dos aspectos sócio-culturais e do cotidiano vivido pelos alunos,
a escola seria eminentemente um espaço de socialização muito mais do
que um espaço de aprender conteúdos e um lugar de desenvolver
vivências e processos culturais, que é uma visão, ao meu ver, bastante
sociologizada de escola. Essas propostas são conhecidas, trabalham com
temas geradores, com projetos, às vezes associados à organização por
ciclos de escolarização e promoção automática.
Encontro, finalmente, um quar to posicionamento, ligado a medidas
que eu vou chamar de psico-pedagógicas, eu diria que seria o
posicionamento vinculado à proposta nacional dos PCNs, por exemplo,
e essa proposta seria, ao meu ver, bastante psicológica ou psicologizante,
quer dizer, uma idéia muito explícita de que a escola precisa respeitar o
ritmo de desenvolvimento natural da criança (a palavra “natural” aqui
é muito importante), trabalhar mais com os processos do que com os
produtos, f lexibilizar as práticas de avaliação, daí a introdução do
sistema de ciclos.
Todos sabem que essas quatro posições vêm sendo adotadas em
vários sistemas de ensino do país e largamente difundidas nos cursos
de pedagogia, e para muitos dos que me ouvem isso não é assim muita
novidade. O primeiro posicionamento, que chamei de crítica exter na,
faz muito barulho mas pouco ajuda nos problemas mais concretos da
escola. O segundo e o terceiro dão ênfase ora nas práticas de gestão ora
na organização curricular, ora nas duas ao mesmo tempo e carregam a
ilusão de que se você valorizar os processos de gestão democrática, as
vivências culturais cotidianas dos alunos, não necessidade de
preocupar-se com os problemas de aprendizagem mais concretos, com
a melhoria da sala de aula. As práticas conscientizariam muito mais do
que os conteúdos. O que quero dizer, em resumo, é que essas posições,
com exceção da quarta, revelam um descaso pela sala de aula, pelos
conteúdos e pelas for mas mais convencionais de ensinar. Praticamente
se dissolve a preocupação com os processos internos do aprender, com
aquilo que acontece efetivamente nas salas de aula, reduz sensivelmente
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a importância dos conteúdos escolares e também trabalha pouco com
as questões mais concretas ligadas ao trabalho dos professores na sala
de aula, quer dizer, a meu ver, existe uma secundarização da sala de
aula, do trabalho do professor, da aprendizagem sistemática por parte
dos alunos.
Passo agora para o segundo ponto da minha exposição: como essas
concepções de escola e de qualidade de ensino resultam nas atuais
medidas relacionadas com a org anização da escola e do currículo. Quero
dizer que são essas idéias que vão produzir, gerar, inspirar medidas
concretas que estão sendo adotadas em vários sistemas de ensino. Vou
citar aqui algumas delas: a introdução dos ciclos de escolarização, a
flexibilização das práticas de avaliação da aprendizagem (em alguns
casos eu gostaria de falar de afrouxamento mesmo), desarticulação dos
objetivos da escola e das for mas mais convencionais de org anização
cur ricular, formas pouco estruturadas de g estão escolar (consolidando
uma idéia distorcida sobre a natureza e a função da democratização da
gestão), a integração em classes de ensino regular de alunos portadores
de necessidades especiais (este um dos problemas mais sérios que vem
ocor rendo em decor rência daquelas idéias) e uma resistência a for mas
de avaliação baseadas em resultados de aprendizagem. E nem estou
falando das inseguranças e da baixa auto-estima no professorado frente
de medidas para as quais não se sentem profissionalmente pre parados.
Sei que são questões muito sérias e, também, muito polêmicas.
Infelizmente não tenho tempo de detalhar as minhas posições críticas a
cada um desses tópicos, vou comentar algumas dessas medidas.
O primeiro comentário é sobre os ciclos de escolarização e sobre o
que eu estou chamando aqui de f lexibilização da avaliação. Aliás, a
palavra “flexibilização” se aplica aos ciclos e à avaliação porque a
expressão que os adeptos dessa política utilizam é “flexibilização e
adequação do cur rículo”. Todos aqui conhecem bem o assunto, estão
presentes muitos legisladores, muitos professores, quer dizer, todos
sabem que o entendimento que está por detrás da idéia do cicloéade
que as crianças aprendem naturalmente, quer dizer, a melhor maneira
de você ajudar as crianças a aprenderem é você seguir o seu
desenvolvimento natural e, com isso, elas precisam atingir o
desenvolvimento das suas potencialidades e habilidades num ritmo
próprio e ao professor cabe respeitar esse ritmo. Sendo assim, a
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organização em séries contraria os tempos e ritmos de cada criança e,
repetir o ano, é um desrespeito à criança e, nesses casos, as for mas de
avaliação mais convencionais não ajudam, etc.
É muito evidente para todos nós que a questão dos ciclos está ligada
diretamente ao tema da avaliação, e por detrás disso está o tema do
fracasso escolar. De fato, para os legisladores, planejadores e g estores
do sistema de ensino, a questão no final de contaséofracasso escolar,
para isso precisa mexer na seriação e na avaliação e, para isso, me
perdoem, vamos valorizar os processos e não os produtos, porque assim
escondemos os resultados. Os professores, por sua vez, muitas vezes
com dificuldades em enfrentar essas mudanças, são constrangidos a
assumir práticas supostamente inovadoras quando mal dão conta de
resolver os três problemas de sua profissão: a motivação, como é que
eu motivo meus alunos; a avaliação, como é que eu avalio meus alunos
e a disciplina: como é que eu controlo a disciplina na classe. Todos nós
sabemos como essas medidas provocaram e estão provocando a
desarticulação dos objetivos da escola e da organização curricular. Muitos
professores estão perdidos, você entra nas escolas e vai ver o que está
acontecendo: muitos deles perderam o seu referencial de trabalho, o
seu modo habitual de agir, de resolver problemas e, com isso, se
desarticulam pessoalmente e profissionalmente, acumulando insucessos
e fr ustrações que não são poucas.
Vejam, por exemplo, os resultados de uma pesquisa concluída em
1998, no Estado de São Paulo, que diz o seguinte: 90% dos professores
acham que os ciclos não ajudaram a melhorar o ensino, serve mais para
desobstr uir o f luxo do que promover a melhoria das aprendizagens.
Também, 90% acha que a inexistência da reprovação gera maior
desinteresse, indisciplina e insatisfação dos pais e os alunos são
promovidos sem terem se apropriado dos conteúdos e das habilidades
cognitivas fundamentais. O s professores também dizem, nessa pesquisa,
que diminuiu o nível da satisfação dos professores no trabalho e que
outros problemas muito concretos da sala de aula das escolas não
mudaram, as classes continuam superlotadas, sendo esse um problema
que se prometia resolver com os ciclos.
Vocês sabem que não sou ade pto da pedag ogia tradicional, como
poderia parecer quando critico os ciclos. Não tenho duvidas sobre a
importância de se respeitar a subjetividade dos alunos, seu ritmo de
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desenvolvimento, suas características de personalidade, suas
possibilidades e limites de aprender. Mas penso, também, que nossas
crianças e jovens vivem numa sociedade concreta que põe exigências
de inserção social e profissional, implicando o domínio de
conhecimentos, competências do pensar e do agir e também a exigência
de compor tamentos sociais e éticos. Para mim, a escola é o lugar de
apropriação ativa da cultura, da ciência, da arte, o que não se assegura
sem parâmetros mínimos de organização, rig or e acompanhamento
sistemático.
O segundo comentário que eu gostaria de destacar é sobre essa idéia
distorcida da natureza e das funções da democratização e gestão da
escola. uma idéia corrente, tanto no âmbito das políticas oficiais,
quanto em segmentos de educadores chamados de progressistas, de que
democratizar a escola é democratizar as práticas de gestão. Ainda
muita g ente afirmando isso. Esse mote surgiu no contexto da crítica ao
autoritarismo que vigorou em nosso País, e ficou a idéia de que renovar
a escola é democratizar as for mas de gestão e, com isso, ficou valendo
que o grande objetivo da escolaéodeestabelecer na instituição relações
democráticas e participativas.
A meu ver, isto é uma distorção grave que tem gerado ainda muita
confusão que é a seguinte: ao se dizer que democratizar o ensino é
democratizar as práticas de g estão, o que é meio se transfor ma em fim.
Ora, as formas de org anização e de g estão são sempre meios, nunca
fins, os meios existem para se alcançar fins, eles são subordinados aos
fins. Ao transfor marmos a organizaçã oeagestão da escola em fins,
estamos secundarizando aquilo que é essencial da escola, o ensino e a
aprendizagem dos alunos. Novamente preciso dizer : sou totalmente
favorável à gestão participativa, acho indispensável que todas as escolas
tenham um sistema muito bem definido de g estão. Mas as coisas têm
uma lógica: o objetivo primordial da escola é promover a aprendizagem
dos alunos, e isto se realiza pela atividade dos professores e pelas
condições oferecidas pelas práticas de org anização e gestão. Nesse
sentido é que tenho dito que serão de pouca valia inovações
administrativas, g estão democrática, práticas participativas de g estão,
eleições para diretor, instalação de equipamentos informacionais e outras
coisas, se os alunos continuam apresentando baixo rendimento escolar
e aprendizagens não consolidadas.
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O terceiro comentário é sobre a política de integração no ensino
regular de alunos por tadores de necessidades especiais. Trata-se de
um tema muito delicado e polêmico, mas não vou me fur tar de
comentá-lo.
Não tenho nenhuma dúvida sobre a premência de enfrentarmos os
desafios da igualdade e da diversidade na educação e acredito com
todas as minhas forças e pela minha história de pensador e militante
intelectual da educação de que todas as pessoas portadoras de
necessidades especiais têm o direito de estarem inseridos na sociedade,
de receber todos os cuidados sociais, médicos, psicológicos de que
necessitam, terem uma vida digna e satisfatória. Acima de tudo,
acredito que esses portadores de necessidades específicas tenham o
direito de serem reconhecidos em suas diferenças, em suas limitações
e de usufr uir de ações eficazes que lhes possibilitem inserir-se na
sociedade, todavia, eu preciso apontar alguns riscos e algumas sérias
dúvidas em relação a essa política de integ ração.
Começo dizendo o seguinte: as escolas têm uma tarefa muito clara
queéatransmissão e a construção da cultura, pre parar os alunos para
o trabalho, para a cidadania, para a vida cultural, para a vida moral, etc.
E falar em escola é falar em aprendizagem, modos de aprender, é falar
em coisas que têm uma especificidade, que requerem deter minadas
condições e exigências tanto dos como dos professores e da própria
escola, sob o risco de se comprometer o que a escola se propõe que é a
consolidação das aprendizagens dos alunos. Quero dizer, se optamos
por uma política educacional de atendimento escolar universal,
entendendo que todas as crianças e jovens necessitam de uma sólida
aprendizagem e de meios cognitivos e instr umentais para compreender
a sociedade e atuar de modo crítico e criativo nela, precisamos também
entender o que é necessário para isso, que condições sociais, físicas,
cognitiva s, psicológicas e pedagógicas são necessárias.
Então, quero insistir nesse ponto: a educação escolar hoje, para
que atenda às exigências postas pelo mundo contemporâneo, pelo
mundo da infor mação, pelo mundo das transfor mações econômicas,
por essa catarata infor mativa que nos impregna, ela precisa possibilitar
aos alunos a aplicaçãoeaexploração da sua inteligência, as for mas
de utilização da sua inteligência. Neste sentido, ao meu ver, uma escola
inclusiva, entendida de uma maneira mais ampla, é aquela que assegura
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a todos os alunos o desenvolvimento da suas capacidades de pensar,
de raciocinar, de resolver problemas, com a ajuda dos professores e
das condições todas que a escola pode colocar para isso.
Sendo assim, temos que admitir que crianças e jovens com
comprometimentos físicos, neurológicos, mentais que apresentam reais
carências de requisitos de aprendizagem e que se constituem em
peculiares diferenças individuais. Não é que não devam ou não possam
aprender coisas, mas que não conseguem atingir os mesmos patamares
de potencial cognitivo requeridos para compartilhar as aprendizagens
escolares comuns impostas pelas exigências do mundo atual. Então, ao
meu ver, e me perdoem os generosos colegas que atuam no âmbito da
educação especial, exigir níveis de chegada igual para diferentes pontos
de par tida é um fator de exclusão. Acredito que a melhor política de
inclusão para as crianças e jovens portadoras de necessidades especiais,
nas condições atuais do ensino regular do nosso País ainda é oferecer-
lhes cuidados especiais, atendimento especial com educadores
qualificados para as várias necessidades a atender e com possibilidade
de atendimento em grupos pequenos ou de for ma individualizada, sob
a responsabilidade do poder público e de instituições especializadas.
Temo que ações organizacionais e pedagógicas tidas como
democráticas, justas, solidárias e destinadas à inclusão nas escolas
regulares dos alunos portadores de necessidades especiais, sejam de
fato provocadoras de mais exclusão, mais discriminação e mais
marginalização.Temo que, ao invés de estar mos praticando uma ação
democrática e solidária, estejamos provocando efeitos contrários aos
desejados e esperados. Não posso concordar, por tanto, com estas
medidas de inclusão generalizantes, homogeneizadoras, de cer ta for ma
impostas às escolas e aos professores. Todos nós sabemos, e vejo daqui
pessoas que conheço de longa data que talvez concordem comigo; Todos
sabemos das mazelas do ensino público no Brasil, uma situação que se
mantém muitos anos. Os problemas se repetem, as soluções também
se repetem e nós não conseguimos chegar a um ponto bom, conforme
os dados estatísticos estão mostrando, quer dizer, todo mundo sabe
que os problemas passam pelos baixos salários do professorado, recursos
físicos e materiais insuficientes ou inexistentes, a precária formação do
professorado para lidar com os alunos do ensino regular, quanto mais
para lidar com os alunos da educação especial. anos a escola enfrenta
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problemas crônicos, como nós sabemos, ligados a dificuldades de
aprendizagem, repetência, etc., então são indícios mais do que
suficientes para indicar a precariedade das condições da oferta de ensino
para alunos da escola regular e que leva, infelizmente, a esse sentimento
de desencanto que vem ocor rendo no professorado e nas famílias.
Eu faria uma pergunta muito séria e muito responsável para nós todos.
Com as precárias condições de funcionamento das nossas escolas
públicas, levando à baixa qualidade de ensino e aprendizagem dos alunos
matriculados, será justo e democrático, tanto para os alunos
matriculados como para aqueles que vão ser integrados, e também para
os professores, instituir medidas de inclusão dos portadores de
necessidades especiais? No desejo de propiciar aos alunos com
necessidades especiais, oportunidades iguais de dignidade, escolaridade,
não estaremos ao contrário, produzindo uma ação contra a dignidade, a
justiça, na medida em que são dificultadas as condições de aprendizagem
e socialização de ambos os g r upos? Não cheg aremos, com isso, a uma
socialização de prejuízos e desvantagens, tão acentuados por fatores
sociais, econômicos, culturais, que vêm de fora da escola?
Vou finalizar meus comentários, apontando a resistência de cer tos
segmentos do meio educacional em relação à avaliação dos produtos
da aprendizagem. Refiro-me, bem pontualmente, aos que criticam o
SAEB, o ENEM, o Provão. Não me demorarei nessa questão, meu
raciocínio é muito simples. Os processos se concretizam nos produtos
e os produtos resultam de processos. Então, sou plenamente favorável
à idéia de que os resultados mostram sim faces dos processos, eles não
são suficientes para revelar todo o processo e para revelar o progresso
nas aprendizagens dos alunos ou para revelar os progressos de um
sistema de ensino, mas mostram elementos importantes. Eu sempre digo:
sabemos se um professor é bom se os seus alunos mostram evidências
de uma boa aprendizagem, quer dizer, se os alunos dão no couro é
porque os professores deram no couro; então, para resumir, vou falar
de um ditado que li outro dia no jornal: “a prova do pudim é comê-lo”.
Então, você sabe que os processos de produção do pudim foram
adequados se o pudim ficou bom, eu sei se ele ficou bom comendo-
o, submetendo-o a prova .
Finalmente devo falar das minhas posições. Compartilho
integralmente da seguinte crença: a escola, como uma das instâncias de
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democratização da sociedade e de promotora de uma política includente,
tem como função nuclear a atividade de aprendizagem dos alunos. Na
perspectiva histórico-cultural que eu adoto para minha pesquisa e minhas
práticas, a aprendizagem escolar está centrada no conhecimento, no
domínio dos saberes e instrumentos culturais disponíveis na sociedade
e nos modos de pensar associados a esses saberes. Em contraste, todas
as concepções de escola que desfocam esta centralidade, podem estar
incorrendo em risco de promover a exclusão social.
Quero, portanto, expressar aos presentes minha convicção de que a
escola é coração do sistema de ensino, e a sala de aula, o coração da
escola. A gestão dos sistemas de ensino terá pouca eficácia se não partir
de uma premissa muito simples: o nuclear da escol a é a qualidade e eficácia
dos processos de ensino e aprendizagem na promoção dos melhores
resultados de aprendizagem dos alunos. Ou seja, a escola existe para que
os alunos aprendam conceitos, teorias; desenvolvam capacidades e
habilidades de pensamento; formem atitudes e valores e se realizem como
profissionais-cidadãos. Qualidade de ensino é, basicamente, qualidade
cognitiva e operativa das aprendizag ens escolares. É para isso que devem
ser formuladas as políticas, os projetos pedagógicos, os planos de ensino,
os currículos, os processos de avaliação.
O mundo por transfor mações consideráveis. uma sociedade
marcada por uma catarata de informações, de equipamentos midiáticos,
transfor mações na esfera do cotidiano das pessoas. que se
preparar a juventude para essas novas realidades.
Não adianta sonhar muito com uma escola meramente socializadora,
uma escola de vivências... Não adianta divulgar índices de atendimento
escolar se a aprendizagem é praticamente nula. A escola deve estar, em
primeiro lugar, comprometida com a aprendizagem do conhecimento e
com o desenvolvimento de competências cognitivas. É claro que não
falo de uma escola meramente transmissora, memorística, ainda com
traços de autoritarismo, de acumulação de infor mações. Mas, sem
dúvida, a escola continua indispensável como lugar da sistematização
de conhecimentos, de desenvolvimento do pensamento teórico, de
for mação moral, de preparação para a cidadania e para o trabalho. As
crianças de hoje vivem, em sua maioria, em contextos saturados de
informação, de conhecimentos freqüentemente fragmentários e
interessados nos aspectos mais diferentes, distantes e longínquos no
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espaço e no tempo. A infor mação rompeu as bar reiras espaciais e
temporais. O déficit de nossos alunos não é, na maioria dos casos, um
déficit de informações e dados, mas de organização significativa e
relevante das informações fragmentarias e enviezadas que recebem em
sua vida cotidiana, submergida no oxigênio dos meios de comunicação.
Uma segunda idéia for te é a escola como lug ar de constr ução e
for talecimento da subjetividade. Junto com a formação de conceitos
e desenvolvimento das competências do pensar, é preciso dar uma
atenção prioritária aos aspectos afetivos e comportamentais do
desenvolvimento individual. Isso leva a que o processo educativo
favoreça o crescimento autônomo dos sujeitos, de modo que cada
pessoa se constr ua de for ma crítica, questionando e inter rogando o
valor das influências que recebeu em sua etapa de socialização, suas
próprias maneiras de sentir, pensar e agir.
É preciso, por tanto, que os sistemas de ensino coloquem como
critério de eficácia das nor mas, das políticas, das diretrizes, a qualidade
cognitiva das aprendizagens, colocando essa exigência como foco
central da g estão escolar e do projeto pedagógico. A democratização
da sociedade e a inserção dos alunos no mundo da produção supõem
um ensino fundamental como necessidade imperativa de proporcionar
às crianças e jovens os meios cognitivos e operacionais que atendam
tanto as necessidades pessoais como as econômicas e sociais. Quero
dizer que a escola existe para que os alunos aprendam solidamente os
conceitos, desenvolvam o seu pensamento, seus processos de
raciocínio e qualidade de ensino, neste caso, é atualidade cognitiva e
operativa das aprendizagens escolares. São razões, a meu ver, bastante
fortes para postular dos legisladores, dos planejadores e gestores e
dos intelectuais uma atenção maior aos aspectos pedagógico-didáticos
da qualidade de ensino.
Goiânia, 17.9.2003
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439
DESAFIOS E PERSPECTIVAS DA EDUCAÇÃO
BÁSICA NO PRESENTE MOMENTO
Nelio Bizzo*
A Educação Infantil precisa delimitar as demandas estritamente
educacionais e separá-las das demais. Basta lembrar que cada pai de
família que perde o emprego significa uma mãe procurando vaga na
creche, e ela está procurando vaga na creche por conta da falta de
empreg o para poder aumentar a renda familiar. Isso mostra a vinculação
que deve haver entre políticas de empreg o, de trabalho, de g eração de
renda e as políticas para a Educação Infantil. As receitas desse nível de
ensino devem ser mais diversificadas e receber aportes da área social,
dado que, efetivamente, realiza ações sociais relacionadas à saúde,
empreg o, moradia e assistência social para citar apenas quatro áreas
que têm orçamentos significativos, específicos e de vulto.
Boa tarde, quero cumprimentar os membros da Mesa e todos os
presentes na pessoa da excelentíssima senhora Eliana Maria França
Carneiro, digníssima secretária de Estado da Educação de Goiás. Quero,
também, agradecer o convite para estar aqui para discutir um tema que
nos remete a questões das mais importantes em relação à educação
brasileira.
Cong ratulo-me, particularmente, com a iniciativa de constituir esse
Fór um Brasil de Educação, que foi, devo dizer a vocês, idéia do
Presidente do Conselho Nacional de Educação, Conselheiro José Carlos
de Almeida da Silva. A idéia, presente desde sua platafor ma para a
candidatura à presidência do Conselho Nacional de Educação, quase
dois anos, era fazer o Conselho Nacional de Educação interagir com os
* Vice-presidente da Câmara de Educação Básica do CNE.
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Conselhos Estaduais, marcando presença verdadeiramente nacional,
distanciando-se daquilo que poderia parecer um castelo de onde
emanariam atos meramente burocráticos.
EoFórum Brasil de Educação foi pensado de maneira a fazer com que
pudéssemos interagir com mais pessoas comprometidas com educação,
com a normatização da educação e dedicadas a causa da educação.
E é com muito prazer que participo deste III Encontro Regional, deste
Fór um que tem momentos em Brasília e momentos em diversas regiões.
Estive também em Salvador, onde se iniciaram, em março de 2003, os
Encontros Regionais do Fór um Brasil e acredito que essa iniciativa, e a
colaboração que foram encontradas nos mais diferentes lugares mostram
como é de fato necessária. Então, quero dizer que fiquei muito contente,
impressionado inclusive ao ver a org anização deste Fór um. Com cer teza
a Secretaria Estadual de Educação, o Conselho Estadual de Educação,
enfim, todos os órgãos envolvidos tiveram de trabalhar muito para que
tudo estivesse funcionando como de fato está.
Eu selecionei três aspectos para o debate, e quero agradecer por ser
o primeiro da Mesa a falar porque assim não corro o risco de repetir o
que outros falarão. Procurei selecionar um tema que fosse bem do
momento. Pensei num título genérico como “Desafios e perspectivas
da Educação Básica no presente momento”. Quando digo “presente
momento” estou fazendo uma referência temporal forte, porque estamos
neste exato momento, 14 horas e 38 minutos, com de putados federais
debr uçados sobre um Projeto de Refor ma Tributária que, com cer teza,
trará repercussões profundas para o financiamento da educação. Então,
quero trazer alguma contribuição para o debate, inclusive nessa área.
Pensei em abordar três aspectos principais. Selecionei aquilo que
considero mais premente dentro da Educação Básica. Falar um pouco
sobre o crescimento da matrícula, principalmente na Educação Infantil
e no Ensino Médio, e as conseqüências disso. O segundo tópico seria
relativo ao desempenho escolar no Ensino Fundamental e o terceiro, a
valorização profissional do magistério e reorganização do financiamento
da educação.
No primeiro tópico quero começar a desenvolver algumas idéias
chamando a atenção para o crescimento de matrículas. De um lado, a
Educação Infantil tem mantido uma tendência que apareceu no ano
passado e está se re petindo. De outro, o Ensino Médio também tem um
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441
acentuado aumento na matrícula. Esse aumento, nesses dois níveis, traz
algumas pressões muito g randes.
Acho interessante a composição da Mesa, porque ao lado da reflexão
eu me sinto na obrig ação de abordar alguns aspectos legais. Aqui temos,
de um lado, a teoria presente, a ref lexão teórica profunda, e de outro
temos uma Secretária de Educação, que além de ter essa ref lexão também
conhece bem os problemas práticos quando coloca suas idéias em ação.
Enfim, falar no aumento da matrícula nesses segmentos significa
falar daquilo que se convencionou chamar de os “órfãos da 9424”,
ou seja, o financiamento da educação dentro daquele Fundo que cuida
especificamente do Ensino Fundamental. Nós não temos uma quota
específica para o Ensino Médio e para a Educação Infantile–oqu
interessante é esses níveis agrupam comunidades altamente
organizadas. Em Salvador, nos últimos dias, os secundaristas
empreenderam um movimento contra o aumento das tarifas de ônibus,
que saiu de controle, o que mostra o potencial explosivo inclusive
desse número crescente de jovens ing ressando no Ensino Médio. Eu
gostaria de lembrar também que o Ensino Fundamental não tem paralelo
em relação a essas org anizações e g rupos de pressão; não temos
org anizações, por exemplo, lutando pela manutenção do FUNDEF, pelo
estabelecimento de leis estaduais para a distribuição do salário-educação,
etc. para se ter uma idéia, a ar recadação br uta do salário-educação
neste ano pode chegar a mais de 4 bilhões de reais, sendo que muitos
municípios ficarão sem receber um centavo dele por falta de organização
em defesa do ensino fundamental..
Vou tentar mostrar para vocês que algumas pressões certamente virão
e são pressões importantes. Começarei desenvolvendo uma tese
polêmica, que em São Paulo enfrentei bastante oposição, mas aqui é
um debate. A clientela–easorganizações ligadas à Educação Infantil,
principalmente o segmento de0a3anos, requerem das secretarias
municipais serviços educacionais, mas elas têm que oferecer ser viços
que vão muito além da educação, muito daquilo que se caracteriza como
assistência social.
Problemas de moradia, alimentação, desempreg o, trabalho, g eração
de renda, qualificação profissional, organização familiar, risco social,
segurança e também, educação. Evidentemente, tudo isso e não apenas
os custos dos ser viços educacionais caem no caixa da Secretaria de
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442
Educação. As mães precisam trabalhar, os Secretários e as Secretárias
ouvem isso todos os dias e, por isso, é preciso abrir mais creches.
problemas de moradia, então, é necessário abrir mais vag as em creches;
aumentou a fome, as crianças precisam comer, então é preciso abrir
mais vag as em creches; aumentou o desempreg o, então é necessário
abrir mais vagas em creches; aumentou a violência, é preciso tirar as
crianças da favela, então, é preciso abrir mais vaga s em creches. Isso é
ouvido, principalmente nos g randes centros urbanos, todos os dias nas
secretarias municipais.
Uma criança na creche custa o equivalente a 5 crianças em classe de
alfabetização essa é uma estimativa interessante. Agora eu faço uma
pergunta e aqui vai um desafio: uma criança de 3 anos na favela chama
a atenção do Ministério Público, que manda a secretaria municipal de
educação a abertura de uma creche ali; muito bem, por que uma criança
de 3 anos assistida por uma babá analfabeta em um condomínio de luxo
não chama a atenção dos mesmos Promotores?
No primeiro caso eu pergunto, se o problemaéafalta de creche ou a
presença da favela? Por que o problema é tão dramático? É porque a
criança está privada dos serviços educacionais ou porque ela está no
meio de uma família desorganizada, no meio de uma situação de risco
social, mal alimentada, mal vestida ou com problemas de moradia ou
ainda porque os pais têm problemas de empreg o? Por que a situação é
tão dramática quando a criança está na favela e por que ninguém se
preocupa com crianças da mesma idade se elas estiverem assistidas por
pessoas adultas analfabetas? Porque estão em um prédio, em um
condomínio de luxo e não numa favela?
Eu pergunto, precisa mais de educação: uma criança ou uma
criança acompanhada por um adulto analfabeto, que ficam juntos o dia
inteiro?
Então, vejam que a Educação Infantil precisa delimitar as demandas
estritamente educacionais e se pará-las das demais. Basta lembrar que
cada pai de família que perde o emprego significa uma mãe procurando
vaga na creche, e ela está procurando vaga na creche por conta da falta
de empreg o para poder aumentar a renda familiar. Isso mostra a
vinculação que deve haver entre políticas de emprego, de trabalho, de
geração de renda e as políticas para a Educação Infantil. As receitas
desse nível de ensino devem ser mais diversificadas e receber aportes
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443
da área social, dado que, efetivamente, realiza ações sociais relacionadas
a saúde, emprego, moradia e assistência social para citar apenas quatro
áreas que têm orçamentos significativos, específicos e de vulto.
Eu não quero traçar a Educação Infantil como vilã, muito pelo
contrário, quero apenas mostrar que a Educação Infantil demanda muitos
recursos, é muito caro manter uma criança em uma creche, para pegar
apenas o segmento de0a3anos. Estive recentemente na Itália
acompanhando algumas ações da reforma educacional que está sendo
desenvolvida, a Reforma Moratti, que entre outras coisas se preocupa
com o problema dos ciclos, com o fato de que as crianças chegam em
idade avançada sem ter todas as competências e habilidades que se
esperaria delas. se diz que antig amente, quando havia repetência, as
crianças aprendiam, agora não aprendem mais! É isso o que a gente ouve
na Itália hoje,–éumdiscurso que eu conheço. Enfim, trata-se de uma
reforma muito interessante, tem aspectos que eu acho que poderíamos
aprender com eles também, mas de qualquer maneira, nem na Itália,
que talvez seja o país da Europa mais acolhedor para as crianças, nem
se assegura creche pública para todos. As creches públicas são,
marcadamente, de orientação assistencial, sem entrar mais profundamente
no mérito do trabalho pedagógico que se desenvolve nesses locais.
O que eu digo é que o crescimento acelerado desse segmento demanda
cuidados muito g randes, não do ponto de vista orçamentário, mas
também, do ponto de vista funcional. Darei um exemplo que é
dramático. vinte anos atrás se fez uma refor ma na Secretaria
Municipal de Educação de São Paulo e se implantou o que se chamou
de “carreira aberta”, ou seja, os professores e diretores poderiam mudar
de escola; permitiu-se uma ampla mobilidade funcional entendendo que
isso era um ponto positivo e de g rande avanço. A Secretaria Municipal
de Educação tem cerca de 1.000 equipamentos, mais ou menos metade
dedicados à Educação Infantil. Eu pergunto: se vocês fossem um
diretor, com vinte anos de carreira, com títulos e cursos, ou seja, se
manteve atualizado, você seria uma pessoa com muitos pontos no
chamado “cer tame de remoção”? Com muitos pontos e, portanto, com
alta competência para gerir uma instituição educacional, para onde vocês
iriam? Para uma instituição que não funciona à noite, onde os alunos
não andam armados, onde os alunos não traficam drog as, onde ninguém
engravida, onde o maior problemaéodachupeta ou da mamadeira cair
Livro Forum Brasil de Educacao.p65 17/1/2005, 16:44443
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no chão, coisas desse tipo, ou vocês iriam para uma escola aonde
mataram um professor na semana passada? Numa escola onde os
traficantes recr utam meninos, onde as adolescentes ficam g rávidas e
têm de largar os estudos? Numa escola que funciona de manhã, tarde e
noite e abre nos fins de semana? Numa escola onde existe alta repetência
e evasão, e a questão pedagógica “peg a fundo”? Vocês escolheriam ir
para uma escola na periferia, para onde nenhum professor quer ir e
sempre uma ou duas classes sem aula, com os alunos vagando pelo
pátio, inclusive à noite?
Vejam, o que ocor reu na Secretaria Municipal de Educação de São
Paulo foi uma drenagem dos quadros administrativos para os
equipamentos de Educação Infantil, drenagem que se deu de uma
for ma muito intensa, uma vez que o diretor chegou até ali e nada o
tira dali. Então, os melhores quadros da Secretaria Municipal de São
Paulo estão na Educação Infantil. As escolas que mais precisam de
bons gestores, de bons diretores são as que menos os têm. Isso
aconteceu na maior cidade desse país. Poderá acontecer em outras?
está algo para se pensar, quando se fala em crescimento da
Educação Infantil pelo Brasil afora.
Ag ora vou ser um pouco mais polêmico. Vou falar do Ensino Médio,
outro segmento que nos chama muito a atenção. Temos a matrícula
crescente, isso vai perdurar, pelo menos nos próximos 6 anos. Com isso,
faltará escola para o Ensino Médio, vai sobrar escola para o Ensino
Fundamental e, ao mesmo tempo, quero apontar um paradoxo que acho
importante, não tanto do ponto de vista dos valores absolutos, mas
muito mais pelas re percussões nas questões de gestão.
O Ensino Médio, também chamado “órfão do FUNDEF”, convive
com a escassez de recursos, conheço algumas realidades de forma muito
próxima. Eu sou professor na Faculdade de Educação, no Curso de
Formação de Professores particularmente no Curso de Biologia tenho
alunos que fazem estágio nas escolas do Ensino Médio e me trazem
depoimentos da realidade de semanas atrás. É dramática a falta de
recurso nesse nível de ensino, o professor vem dar aula com “xerox” de
livro, ele copia coisas na lousa, copia e escreve muito mal inclusive,
isso é o ensino médio do sistema público na Cidade de São Paulo, per to
da USP. Essa dramática escassez de recursos convive, estou
ressaltando isso, mais pelo valor simbólico que isso traz de conseqüência
Livro Forum Brasil de Educacao.p65 17/1/2005, 16:44444
445
para a gestão, com aquilo que eu considero ser o recorde de gastos
públicos com a educação. Não nenhum lug ar do Brasil em que se
gaste cerca de R$70,00 por hora, por aluno a não ser no Ensino Médio
por que estou falando isto?
Porque pelos meus cálculos, que são bastante conser vadores, falo
de R$ 68,11 por hora, por aluno. Isso é g asto no ENEM, o Exame
Nacional do Ensino Médio, e se vocês fizerem o cálculo de quantos
alunos efetivamente comparecem, quantos desses alunos que
comparecem são os que estão concluindo o ensino médio, e se dividirem
isso pelos quase 70 milhões de reais que foram gastos no ano passado
vocês terão esse número. Em termos absolutos, o ENEM custa o dobro
do “Provão” e o “Provão” é acusado de ser perdulário.
O editorial do Jornal da Tarde, de algumas semanas atrás, publicou
um editorial em que faz uma defesa do ENEM, dizendo que deve ser
mantido nos ter mos atuais porque proporciona ao aluno uma
“consciência de suas limitações”. Acho que essa “defesa” foi o pior
ataque que o ENEM sofreu. É importante que os alunos saiam do
Ensino Médio e, para lhes dar “consciência das suas limitações”, se
deva gastar R$ 70,00 com cada um deles em uma hora? Será que, para
desenvolver essa consciência, talvez não fosse melhor contratar um
psiquiatra? E vejam o SUS não remunera o psiquiatra a R$ 70,00 por
hora, portanto sairia bem mais barato!
Eu não acho que se deva desenvolver essa consciência nos alunos
que saem do ensino médio. O ENEM, nos moldes atuais, inf lui na
melhoria da qualidade do ensino médio na exata medida em que, um
prog rama de distribuição de ter mômetros inf luiria para conter uma
epidemia de dengue. Isso que estou dizendo pode parecer cômico, mas
a analogia é tragicamente rigorosa. Evidentemente que se
distribuíssemos ter mômetros para as pessoas saberem se estão com febre
ou não, que é um dos sinais da dengue, isso traria alguma conseqüência
benéfica, mas evidentemente não se pode matar mosquitos com
ter mômetros.
Não pretendo entrar aqui no mérito das provas, que tem inovações
importantes, mas recomendo a leitura do relatório do Heraldo Marelim
Viana, da Fundação Carlos Chagas, que fez uma análise mais
aprofundada do ENEM. Ele é um especialista nisso e nas suas
conclusões rotula o ENEM de “experimento ingênuo”.
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446
Mas, de qualquer for ma, eu acho que é preciso perceber é que como
o Ensino Médio, a matrícula cresce, porque o Ensino Fundamental traz
muitos alunos. Melhorou o fluxo no ensino fundamental, sabe-se como
(!) mas a conseqüência é que aumentou o contingente de alunos que
quer continuidade de estudos. Esse contingente de alunos chega não
com grande defasagem de idade, mas também com baixo desempenho
acadêmico, com baixo domínio de conteúdos. Na entrada do ensino
médio não temos instrumentos para medir o desempenho acadêmico,
além do SAEB, ou seja, para poder administrar isso, para poder planejar,
para poder possibilitar instrumentos que per mitam monitorar o progresso
dos alunos, das escolas, dos professores e dos sistemas de ensino, temos
que contar com médias a partir de amostras e não com o universo de
alunos. Ora, e se na escola A os alunos chegam com maior defasag em,
não seria necessário prover mais recursos? E se na escola “B” a
defasagem é menor, não se poderia canalizar recursos de maneira a
otimizá-los? Vamos funcionar sempre pela média nacional ou regional?
Eu me atrevo aqui a fazer duas propostas que poderiam, talvez,
trazer alguma contribuição nesse sentido. A primeira , seria desdobrar
o ENEM essa proposta aliás, o próprio Ministro Cristovam Buarque
fez em provas anuais, mas acredito que essas provas deveriam ser
regionalizadas, aplicadas e corrigidas pelos professores com as notas
remetidas para o MEC. Depois posso entrar em mais detalhes, mas
acredito que com isso se consegue baratear a prova, fazer da prova
um instr umento de gestão, usar a prova como um momento de
for mação para os professores e, ao mesmo tempo, ter diagnósticos e
monitorar melhor os sistemas. Mas com o universo dos alunos, e não
por amostragem.
A segunda proposta seria instituir o ENEF o Exame Nacional do
Ensino Fundamental, com prova de saída; vou falar um pouquinho mais
sobre isso abaixo.
Tentarei concluir. As questões do baixo desempenho na Educação
Básica, vou abreviar um pouco, mas quero destacar e vou dizer que,
antigamente, achava-se que apenas as escolas públicas ou pelo menos
as escolas públicas, que atendiam a clientela mais pobre tinha baixo
desempenho, isso o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica
(SAEB) nos mostra, também os sistemas regionais como o SARESP
(sistema de São Paulo) nos mostrava isso. Ag ora, a par ticipação do Brasil
Livro Forum Brasil de Educacao.p65 17/1/2005, 16:44446
447
no Prog rama Internacional de Avaliação de Alunos (PISA), nos trouxe
uma novidade, que os brasileiros ricos também sabem pouco. Por tanto,
acredito que um exame no Ensino Fundamental que tivesse um caráter
de diagnóstico, que fosse regionalizado, que atendesse, ao mesmo tempo,
a necessidade de monitoramento, e que ser visse também como um
instr umento de planejamento e execução de políticas, poderia até mesmo
orientar as instituições do Ensino Médio. O SAEB faz isso de alguma
for ma, o SAEB trabalha com amostra. Outro dia li uma síntese
belíssima: melhor do que um chute, uma estimativa; melhor do que
uma estimativa, uma amostra; melhor do que uma amostra, o universo.
O desempenho no ensino fundamental está tão dramático que
precisamos passar da amostra para o universo.
Esse exame nacional seria regionalizado, aplicado nas escolas pelos
próprios professores, não seria um exame de cer tificação, mas seria
computado dentro das notas dos alunos e ele teria seu registro no
histórico escolar. A nota do ENEF seria desdobrada em Matemática,
Por tuguês, Ciências e Humanidades, para fins de registro no histórico e
para remessa para o MEC, como uma forma de fazer o monitoramento,
inclusive mais fino, e poder orientar as instituições que acolhem esses
alunos para saber quais são as defasagens maiores que eles têm.
Por último, muito rapidamente, quero falar da valorização do
magistério e do financiamento da educação. Em rápidas palavras quero
dizer que, acredito que a valorização do magistério precisa começar a
ser feita de forma simbólica de início simbólica porque a
DESvalorização simbólica é a mais agressiva. O ofício de professor no
Brasil era o único, dentre todos os profissionais, cujo direito do exercício
profissional poderia ser perdido em uma única noite. O professor, e
apenas o professor, poderia dor mir habilitado e acordar sem habilitação
profissional. Acho que isso diz muito e isso precisa mudar, e isso vai
mudar, eu tenho cer teza disso, mesmo que estejam xing ando minha mãe
... vou parar por aqui.
Temos, desde 1996 e em vigência desde de janeiro de 1998, uma
Emenda Constitucional, uma Lei que diz que os Estados, o Distrito
Federal e os municípios terão, no prazo de 6 meses, por tanto a par tir de
de julho de 1998, que estabelecer um novo plano de carreira e
valorização do magistério, de forma a assegurar a remuneração, estímulo
ao trabalho na sala de aula eu queria explorar um pouco mais isso,
Livro Forum Brasil de Educacao.p65 17/1/2005, 16:44447
448
não temos tempo mas de qualquer forma, no ar tig o 11, está escrito
que o Estado ou município que não cumprir o que determina essa Lei
sofrerá intervenção. Eu pergunto, vocês conhecem algum município
que não tem plano de car reira do magistério? Eu conheço muitos.
Agora pergunto: vocês conhecem algum município que tenha passado
por uma intervenção pelo fato de não ter cumprido a Lei 9424? Não
se tem notícia disso.
Acho que devemos pensar no financiamento da educação, nesse
momento em que a Reforma Tributária está sendo votada no Cong resso
Nacional. Ter mino ressaltando que: a Refor ma Tributária precisa
assegurar recursos com vinculações pétreas sei que muitas pessoas
são inimigas disso–éumtema para muito debate, mas eu acredito que
se forem criadas as vinculações federais, as estaduais e as municipais
vêm como conseqüência. Acho que é impor tante que nessa refor ma
tributária se desonere a Educação Infantil das obrigações sociais, essa
transferência de problemas sem a correspondente transferência de
orçamento, e acredito que é necessário vincular recursos adicionais à
implantação de planos de carreira sem cláusulas exageradas (como
inter venção) e tão exageradas quanto inócuas.
Enfim, para que possamos começar o debate, essas são algumas idéias
que eu trouxe. Muito obrig ado.
Livro Forum Brasil de Educacao.p65 17/1/2005, 16:44448
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