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potencialidades de cada sexo. Homens intuitivos, como Richard e Magnus, apropriam-se do
saber feminino que permite a antecipação de fatos desprovidos de qualquer indicação prévia
de sua realização: o primeiro “sente” que há algo errado em Lise, uma ameaça não declarada,
enquanto Magnus prevê o suicídio de um dos “candidatos a marido” de sua sobrinha, da
mesma forma como antecipa a falha dela ao tentar agir sozinha contra a sogra.
Na tentativa de conquistar seu espaço, por outro lado, as mulheres vêem o
mundo dos homens como o ideal a ser buscado, o que exige, no entanto, a saída delas do local
onde se encontram. Recusando uma vivência que as coloca em um nível abaixo do desejado,
elas procuram se adaptar à realidade que sobre elas se impõe. A raiva e a violência típicas dos
homens passam a compor o vocabulário das mulheres, assim como, explica as ações por elas
realizadas. Deve-se mencionar, contudo, que Lise direciona sentimentos e desejos como estes
contra si mesma, numa incursão que demanda sua auto-destruição. Margaret, no entanto,
propõe que raiva e violência possam ser aplicados sobre outras pessoas defendendo, assim, o
princípio de auto-preservação. Explica-se, sob este aspecto, que homens e mulheres são alvos
seus conquanto representem ameaça à realização de seu projeto.
Algumas feministas apontam, no entanto, que uma feminilidade em crise não
pode se configurar como o objetivo das mulheres, uma vez que toma por referência um grupo
que não partilha da sua realidade e, por conseguinte, ignora experiências e vivências
peculiares às mulheres. Por isso, uma identidade sexual que se constrói de forma problemática
deve ser vista como uma deficiência de um projeto que se propõe, ao contrário, a valorização
e o reconhecimento daqueles indivíduos que haviam sido esquecidos.
Conseqüentemente, a androginia, em vez de propiciar a liberdade das mulheres
dentro do espaço masculino, colaborou para que a condição de alienação e a raiva das
mulheres fossem substituídas por um estado de serenidade e passividade que evitou a
manifestação do sexo na escrita. Além disso, o direito de igualdade com os homens, exigido
pelas mulheres, revelou-se desfavorável a elas, por reforçar a hegemonia masculina que as
coloca, novamente, no isolamento do “quarto”.
O quarto, entretanto, permite a comunicação entre os mundos: há uma
passagem livre que pode ser aberta ou fechada de acordo com a vontade das mulheres. Assim
sendo, a volta ao quarto, antes lugar de aprisionamento e contenção feminina, permite um
isolamento voluntário num lugar onde as mulheres podem escapar às exigências das pessoas
que desejam regulamentar sua vida, como a família, o público e a classe social à qual
pertencem, como propõe Showalter.