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CLÁUDIA MARIA MORAES BREDARIOLI
COMUNICAÇÃO EM REDE, NOVOS AGENTES SOCIALIZADORES
E RECEPÇÃO/PRÁTICAS CULTURAIS:
O consumo de Internet em lan-houses na periferia de São Paulo
Dissertação apresentada ao programa
de Mestrado em Comunicação e
Práticas de Consumo da Escola
Superior de Propaganda e Marketing
(ESPM), linha de pesquisa Impactos
socioculturais da Comunicação
voltada para o mercado
, como
requisito parcial para a obtenção de
título de Mestre em Comunicação.
Orientadora: Profa. Dra. Maria
Aparecida Baccega
São Paulo
2008
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3
Cláudia Maria Moraes Bredarioli
Sociedade em rede, novos agentes socializadores e
recepção/práticas culturais
Dissertação apresentada como requisito parcial para obtenção do
título de Mestre em Comunicação pelo Programa de Mestrado
em Comunicação e Práticas de Consumo da Escola Superior de
Propaganda e Marketing. Aprovada pela Comissão Examinadora
abaixo assinada.
Profa. Dra. Maria Aparecida Baccega
Orientadora
ESPM
Profa. Dra. Gisela G. S. Castro
ESPM
Prof. Dr. Marcelo Coutinho
ECA/USP
Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM)
São Paulo, ____ de __ ______ de 2008.
4
À minha família, cada vez maior, mais linda e cheia de amor.
E especialmente aos meus pais, por sempre me incentivarem a ir além.
5
Agradecimentos
À minha orientadora – e sempre professora –, profa. dra. Maria
Aparecida Baccega, especialmente pelo bom senso e pela oportunidade de mais uma vez
poder compartilhar um pouquinho de toda sua sabedoria. E também à sua fiel auxiliar
Juscilene Oliveira, pela parceria em tantos momentos. Agradeço ainda aos colegas,
professores e funcionários do Mestrado em Comunicação e Práticas de Consumo,
principalmente à Fernanda Budag.
Este trabalho também não teria se concretizado sem a paciência, o
companheirismo e o auxílio do meu namorado Erik, ou sem o apoio e o incentivo de minha
amiga Maria Pia.
Agradeço ainda a todos os colegas professores, coordenadores e
alunos da Universidade Presbiteriana Mackenzie que, de uma forma ou de outra,
contribuíram com trocas de idéias, palpites, “achismos”, histórias, sorrisos e compreensão
ao longo desta trajetória.
E a todos que gentilmente cederam tempo, espaço e boa vontade para
a realização desta pesquisa, incluindo aqui nossos entrevistados.
6
Resumo
Dentro do cenário formado pelo processo de globalização advindo da
atualização das tecnologias, o acesso à Internet em locais públicos pagos (lan-houses)
expõe um movimento que aparentemente começa a se constituir em novos caminhos na
busca pela inserção econômica e social para jovens das periferias das grandes cidades
brasileiras. Identificar de que maneira ou até qual ponto o fato de esses jovens freqüentarem
as lan houses dimensiona esse processo de inclusão é um dos desafios que a pesquisa em
comunicação enfrenta. Esses espaços têm se constituído em agentes socializadores que
precisam ser estudados especialmente por não contarem com as mesmas características de
uma estrutura organizada formalmente como ocorre com a escola, a família e a igreja – daí
possibilitarem o surgimento de novas práticas culturais trazidas por esses suportes
midiáticos contemporâneos que tomam novos espaços sociais urbanos. Neste estudo,
tentamos compreender em parte essa questão a partir da construção de um mapa de
consumo cultural e midiático desses jovens, cujos resultados apontam para existência de
uma grande massa de internautas funcionais, ainda inaptos a se apropriarem das novas
tecnologias ou das possibilidades do cotidiano em rede na constituição da cidadania.
Palavras-chave:
Comunicação; Internet; recepção; jovens; lan-houses
7
Abstract
In a scenario formed by the globalization process emerged from the
technological progress, the Internet access in private places (lan-houses) portrays a
movement that apparently begins to create new paths in the search for economic and social
inclusion of youths from poor neighbourhoods of large Brazilian cities. To identify in what
way or until what point attending lan-houses leads to this process of inclusion is one of the
challenges that communication researchers face. These places have become socializing
agents that must be studied in particular because they lack characteristics of formally
organized institutions such as school, family and Church; and therefore allow the
appearance of new cultural practices brought by these contemporary mediatic supports
which take over new social urban spaces. In this study we attempt to further understand the
issue by elaborating a cultural and mediatic consumption map of this youth – which the
results point out the existence of a large mass of functional Internet users, still unable to
completely grasp new technologies or take advantage of day-to-day possibilities on the net
in the constitution of citizenship.
Key-words:
Communication; Internet; reception; youth; lan-houses
8
Sumário
Introdução p. 9
1- Sociedade global em rede p. 25
1.1 – Tecnologia e trabalho
p. 32
1.2 – Mediações e agentes socializadores
p. 35
1.3 – Relações com a máquina
p. 45
2- Uso de Internet em lan-houses no Brasil p. 52
2.1 – O perfil dos internautas na periferia de São Paulo
p. 60
2.2 – Hábitos e preferências no acesso à rede
p. 69
3- Relações com outras mídias, educação e consumo p. 81
3.1 – Internautas funcionais para além da rede
p. 94
3.2 – A importância da escola na construção do capital digital
p. 99
Considerações finais p. 104
Referências bibliográficas p. 108
Apêndices p. 114
9
Introdução
O uso das novas tecnologias, especialmente por meio da Internet e da
comunicação móvel (celulares, palmtops, wi-fi etc.), altera o cotidiano dos cidadãos,
especialmente dos jovens. Tem trazido também uma nova paisagem urbana com a
proliferação de lan-houses pelas periferias das grandes cidades. Em São Paulo, em alguns
bairros elas já parecem somar um número maior do que os bares ou as igrejas evangélicas.
Vemos que na sociedade contemporânea, as atuais tecnologias têm
trazido mudanças para a cultura e para os cidadãos. Vão além daquilo que a chegada da
televisão proporcionou – ao ligar pessoas e coisas distantes como se estivessem próximas.
É neste contexto que este projeto pretende iluminar a questão das interferências trazidas
pelas novas tecnologias enquanto suporte nas práticas sociais – o que inclui visitar
conceitos como os de tempo e espaço na era tecnológica. Isso faz sentido, segundo Octavio
Ianni, porque “pela primeira vez são desafiadas (as ciências sociais) a pensar o mundo
como uma sociedade global” (IANNI, 1994, p.147) e não mais sobre a sociedade nacional –
base para a produção do pensamento científico até o fim do século XX.
Assim, se há poucos anos – especialmente no contexto do trabalho –
quase não precisávamos estar disponíveis para sermos contatados pelo celular praticamente
24 horas por dia, nem tínhamos necessidade de consultar nossos e-mails constantemente
(visto que atualmente essas mensagens já são consideradas como documentos, em alguns
casos até para instâncias legais na formalização de processos), hoje essas práticas
confundem-se com algo intrínseco à execução cotidiana de nossas atividades.
Esse panorama tem trazido novos modos de estar junto para jovens
que vivem distantes do centro das cidades, alterando as condições de convívio social e
também as percepções acerca da vida, do consumo e das práticas midiáticas. É com base
neste contexto que essa pesquisa se propôs a estudar os processos comunicativos, sociais e
de consumo advindos do uso de Internet em locais públicos pagos (lan-houses
especificamente) por jovens, com foco mais específico na possibilidade (ou não) de
10
facilitação do processo de inserção social por meio das vantagens trazidas pelas novas
tecnologias. Assim, este projeto tem por objetivo buscar pistas sobre as redes formadas em
torno da rede mundial de computadores, bem como de suas inter-relações com a cultura e
as práticas sociais. Daí o objetivo de montar um mapa de consumo cultural e midiático dos
usuários de lan-houses, com o objetivo de compreender o nível de inserção desses jovens
na sociedade, podendo nos dar a relação desta com a inclusão digital.
Esse objetivo considera a questão da inserção de novas tecnologias
na sociedade a partir das classes dominantes, com posterior aumento de participação em
outros âmbitos sociais, conforme o acesso a elas vá se tornando mais barato, ainda que
regulado pelos limites do mercado. Por tratar-se de uma tecnologia relativamente nova, a
Internet no Brasil atravessa exatamente esse processo, sendo que tem registrado velocidade
muito maior de inserção do que se via em outros tempos, como ocorreu com o rádio, por
exemplo.
Desse modo, o presente estudo tenta olhar para uma apropriação
bastante brasileira destes espaços. Tidas como locais para acesso rápido à Internet por
transeuntes ou pessoas que estejam distantes de seus domicílios ou escritórios em países
como os da Europa ou da América Anglo-saxônica, as lan-houses nas periferias das
grandes cidades brasileiras constituem espaços sociais de convivência que para muitos são
a única possibilidade de acesso ao mundo virtual.
Inicialmente, pudemos levantar essas percepções por meio de um
olhar mais atento às mudanças do cenário urbano e também pela mídia, construindo os
primeiros indícios desse processo que tentamos compreender. Não nos propusemos aqui a
analisar o discurso da grande imprensa em relação à proliferação das lan-houses pelas
periferias (e talvez este possa ser objeto de um estudo futuro), mas chamaram-nos a atenção
– ainda que em caráter ilustrativo – algumas manchetes divulgadas pela imprensa acerca
desse processo, que estão apresentadas a seguir:
11
Hora em lan house em favela e periferia varia de R$ 1 a R$ 2 – G1 (globo.com), 30
set. 2007
Lans invadem favelas e aproximam inimigos no Rio – G1 (globo.com), 30 set. 2007
No Recife, lans das periferias lotam nos domingos e feriados – G1 (globo.com), 30
set. 2007
Lan houses crescem e levam Internet às favelas brasileirasValor Econômico, 24
set. 2007
Jovens esquecem casa e dormem em lan house – UOL, 21 set. 2007
Usuários preferem conteúdo e entretenimento – Meio&Mensagem, 13 ago. 2007
Conteúdo passa a ser o centro das atenções na web – IDGNow, 13 ago. /2007
Computadores devem ganhar disputa contra TVs – AdNews, 07 ago. 2007
Lan house leva Internet à periferia de São Paulo – O Estado de S. Paulo, 24 dez
2006
Inclusão de verdade – Pequenas Empresas, Grandes Negócios, 07 out. 2005
Possivelmente vistas pela mídia como um caminho para a solução da
questão da exclusão digital, as lan-houses estão também dentro do âmbito governamental
da discussão sobre o tema, conforme aponta reportagem publicada pela área de
comunicação do Comitê Gestor para a Internet no Brasil, que diz que “85% das lan-houses
não são formalizadas por causa da legislação que não comporta a atividade”, ainda que haja
esse objetivo, estipulado a partir de iniciativas de persuasão dos donos destes
estabelecimentos para que tenham “mais responsabilidade social”: “a questão é unir a
percepção comercial à ação social, desse modo, haverá uma convergência dos quatro
pilares do Centro de Inclusão Digital: alimentação, entretenimento digital, acesso à Internet
e ação social”, “as lan-houses devem ser tratadas com todo respeito devido ao grande papel
que elas desempenham na inclusão digital em todo o país”, disseram as fontes consultadas
para a matéria que tratava de uma reunião do Instituto Brasileiro de Informação em Ciência
e Tecnologia para discutir a introdução das lan-houses no Mapa de Inclusão Digital
(ibict.br, 2007, on-line).
12
Segundo documento de uma das áreas do Comitê Gestor para a
Internet no Brasil, inclusão digital é:
Inclusão Digital ou infoinclusão é a democratização do acesso às
tecnologias da Informação, de forma a permitir a inserção de todos na
sociedade da informação. Entre as estratégias inclusivas estão projetos e
ações que facilitam o acesso de pessoas de baixa renda às Tecnologias da
Informação e Comunicação (TIC). A inclusão digital volta-se também
para o desenvolvimento de tecnologias que ampliem a acessibilidade para
usuários com deficiência. (ibict.br, 2007, on-line)
Colocar um olhar acadêmico sobre todos esses aspectos é a intenção
deste projeto, que visa compreender melhor o uso público da Internet na periferia de São
Paulo por jovens de diferentes classes socioeconômicas. E é neste contexto que
justificamos a inserção desta proposta de pesquisa na Linha de Pesquisa Impactos
socioculturais da Comunicação voltada para o mercado, dentro do Mestrado em
Comunicação e práticas de consumo, já que pretendemos iluminar a questão das
interferências advindas das novas tecnologias enquanto suporte contemporâneo nas práticas
sociais, bem como acompanhar os impactos que as atuais tecnologias têm trazido para a
cultura, para os cidadãos e para o consumo. É sob esse enfoque também que se baseia a
justificativa deste trabalho dentro do trabalho desenvolvido por nossa orientadora, a profa.
Dra. Maria Aparecida Baccega, cujos dados foram captados no final de 2004.
Os resultados apontados por Baccega (2005) na investigação sobre o
conceito que alunos de 2
a
. série do Ensino Médio e seus professores têm de propaganda
nortearam esta pesquisa desde o princípio. Nossa intenção foi a de restringir o olhar sobre o
aspecto que envolve o uso público da rede mundial de computadores, comparando a
maneira como isso se dá dentro da realidade de cada um dos públicos envolvidos. A partir
do estudo, vemos que a Internet – mais do que promover a exclusão daqueles que a ela não
têm acesso por questões econômicas, como verificamos no caso dos alunos de uma escola
pública localizada em bairro de classe média baixa, a partir de levantamento realizado por
Baccega (2005) – cria ainda uma nova ruptura social, se avaliada sob o enfoque do uso que
se faz dela, que requer predisposição por parte dos que tomarão contato com esse meio.
Dentro desse levantamento, temos que a televisão é o principal meio adotado tanto por
13
professores quanto por alunos para tomarem conhecimento dos itens que têm interesse em
adquirir. Entre os alunos, contudo, chama a atenção a grande participação da Internet –
especialmente se considerarmos que boa parte da amostra não tinha fácil acesso à rede
mundial de computadores –, como verificamos a seguir:
Como você se informa sobre os produtos que quer comprar:
Professores
(em números
inteiros/total=19)
Alunos
(em %/
total = 100%)
TV 13 81,4
Rádio 6 23,3
Jornal impresso 11 10,5
Revistas 9 32,6
Internet 6 42,4
Mala direta 3 5,8
Outdoor
3 36,0
Conversas
Com pessoas
12 64,5
Outros 2 8,1
Os alunos costumavam acessar à Internet: em casa (55%), na casa de
amigos (17%), outros (11%), cyber cafés/lan-houses (9%) e escritório (7%). Usam a rede
principalmente para busca (26,8%), e-mail (21%), músicas (12,7%), bate papos (11,3%) e
notícias (8,5%). Sendo que 44,2% afirmaram realizar operações pela Internet. São as
principais dentre elas: download/upload de arquivos (43,3%), buscas (26,9%), compras
(13,4%) e transações bancárias (8,2%). Chama a atenção este último quesito, especialmente
se considerarmos a idade dos alunos (entre 16 e 18 anos). Destacamos também a freqüência
dos estudantes diante do computador: 20% acessam por mais de 3 horas diárias, 10% entre
2 e 3 horas, 10% entre 1 e 2 horas e 23% menos de 1 hora – sendo que dentre esses boa
parte não tem acesso em casa. E aqui estaria o principal motivador desta pesquisa, já que,
como constatamos a partir de pesquisas estatísticas nacionais (cujos principais dados estão
apresentados no Capítulo 2 desta dissertação), atualmente boa parte desse acesso se dê em
locais públicos, especialmente os pagos, incluindo aqui as lan-houses instaladas na periferia
dos grandes centros que cobram, em média, R$ 1 por hora de acesso.
14
Em relação às características socioeconômicas dos alunos,
registramos que, dentre os entrevistados da E.E. Adolfo Gordo há representantes das
classes B, C e D, com predominância da classe C (55,6%). No Liceu Coração de Jesus, há
estudantes das classes A, B, C e D, sendo que a maioria (63,7%) concentra-se na classe B.
Já na E.E. Cohab Raposo Tavares os alunos enquadram-se quase totalmente nas classes C
(48,5%) e D (42,2%). Além disso, em todas as escolas, a grande maioria dos alunos mora
com a família, com menor presença do pai nas casas dos estudantes da E.E. Raposo
Tavares.
A pesquisa de Baccega (2005) apontou que o nível de acesso à rede
mundial de computadores era uma das diferenças mais marcantes entre os alunos das
escolas com perfis de classe média (E. E. Adolfo Gordo) e média alta (Liceu Coração de
Jesus), em relação aos que estudavam na E.E. Cohab Raposo Tavares (com alunos de classe
média baixa e baixa), sendo que dentre estes últimos havia proporção de um terço do acesso
em relação aos demais, conforme fica claro no gráfico abaixo.
92,6
97,4
33,8
0,0
20,0
40,0
60,0
80,0
100,0
E.E. Adolfo Gordo Colégio Liceu
Coração de Jesus
E.E. COHAB
Raposo Tavares
Acesso à Internet X escola
(em %)
Neste quesito, observamos nitidamente um aproveitamento bem
superior dos alunos do colégio particular (Liceu Coração de Jesus) quanto à realização de
15
operações pela Internet, bem como no que se refere ao acesso à rede em suas próprias
casas. Mesmo com essas diferenças, é interessante notar que a porcentagem de estudantes
que possui endereço eletrônico (e-mail) foi identificada como bastante semelhante à dos
que afirmaram ter acesso à Internet, demonstrando um traço comum entre todos os jovens
em relação ao uso da rede para troca/recebimento de mensagens.
Assim, a pesquisa destacou que a condição da Internet, por tratar-se
de uma tecnologia mais nova e de alcance ainda mais restrito à população de baixa renda –
num movimento de reforço à exclusão social – trazia as diferenças mais gritantes em
relação ao acesso, quando comparada com o uso de outras mídias entre as tribos:
100,0
0,0
92,9
7,1
8,7
91,3
0,0
50,0
100,0
Tribo I Tribo II Tribo III
Uso da Internet X tribos
(em %)
Sim Não
Há que ser explicado, como dissemos, que os dados desta pesquisa
foram coletados em 2004, mas mantêm-se atuais todas as ponderações desenvolvidas a
partir deles ainda que consideremos que, segundo outros dados de pesquisas
mercadológicas, houve uma intensa aceleração no processo de disseminação do uso do
computador desde então. Ainda assim, o Brasil (com uma população que supera os 180
milhões de habitantes) registra classificações mínguas nos índices de internautas globais:
Longe de ser universalizado, o uso da internet ainda não é uma realidade
para maioria da população. Conforme dados de uma pesquisa divulgada
pela ONU (Organização das Nações Unidas) neste mês, somente 21%
dos brasileiros, ou 39 milhões de pessoas, estão conectados à web. Este
16
universo, contudo, coloca o Brasil na 6º população de usuários da
internet no planeta. (Valor Econômico, 24 set. 2007)
213,4
84,3
49,3
36,9
30,3
31,6
30,1
22,5
14,3
5,3
0 50 100 150 200 250
EUA
Japão
Alemanha
Reino Unido
Itália
França
Brasil
Espanha
Austrália
Suíça
Acesso no mundo
(pessoas com 2 anos ou mais que moram em domicílios com acesso à
Internet via computador dostico, em milhões)
Fonte: GNETT - IBOPE//NetRatings
Assim, ainda que o Brasil varie entre a sexta e a sétima posição
dependendo do ano da coleta de dados ou do instituto que realizou o levantamento, há que
se considerar que a população total brasileira corresponde a mais que o dobro do número de
habitantes de países que têm mais internautas. Daí contarmos com apenas 21% dos
brasileiros conectados à Internet. Mas talvez a maior mazela esteja em reconhecermos que,
mesmo com baixa parcela da população conectada à rede, necessitamos
(impreterivelmente) de recursos como as lan-houses para manter esses índices, ou eles
seriam ainda menores: “30,1% dos internautas utilizam centro público de acesso pago
(LAN house e cibercafés), enquanto 3,49% acessam centro público de acesso gratuito
(telecentros), informou pesquisa do Cetic.br, publicada em 2007” (Folha de S. Paulo, 21
set. 2007).
Voltando à contextualização acadêmica do tema, partimos do
pressuposto de que as culturas, enquanto lócus das práticas sociais, são o produto das ações
17
concretas dos homens sobre a natureza. Envolvem as representações e as manifestações
simbólicas da vida material dos homens e, portanto, não existem isoladamente. Daí o
interesse em começarmos a compreender as questões propostas por esta pesquisa a partir do
que diz Martín-Barbero:
Teremos de deslocar então o olhar, ou melhor, o ponto de vista, para
interrogar a tecnologia a partir desse lugar outro: o dos modos de
apropriação e uso da classes populares. Porque o popular na América
Latina se configura a cada dia com mais força como lugar desde o qual se
tornar possível compreender historicamente o sentido que adquirem os
processos culturais, tanto tos que ultrapassam o nacional “por cima” –
como os que o desbordam “por baixo” – desde a multiplicidade de
formas de resistência regionais, étnicas, locais, ligadas à existência
negada, porém viva de heterogeneidade cultural. (MARTÍN-BARBERO,
2004, p. 188
)
A partir daí, temos também as questões que encaixam esses pontos
no cenário global atual, apontadas pelo próprio MARTÍN-BARBERO (in MORAES,
2003): “Estamos diante de novas identidades, de temporalidades menos largas, mais
precárias, mas também mais flexíveis, capazes de amalgamar e de conviver com
ingredientes de universos culturais muito diversos”.
Na atualidade, os meios de comunicação de massa, ao contrário do
que acontecia na oralidade e na era da escrita, alcançam em tempo real um contingente
imenso de indivíduos. Isso muda perante a Internet, que não é nem a oralidade, nem a
escrita, nem a televisão ou o rádio, nem o simples resultado do complemento destes
suportes de comunicação. Surge a oportunidade de pensarmos uma nova relação com o
mundo, com a cultura, com o conhecimento, como pontua Lévy (1995), que não se presta
como contraponto ao real, daí concluirmos que o virtual não significa algo fora da
realidade.
Essas relações por meio da máquina permitem ao mesmo tempo
distanciar-se e envolver-se na dinâmica da vida social, destacando o uso das tecnologias
como mediadoras privilegiadas pela condição que têm de ampliar e redimensionar o
cotidiano, conforme define Baccega (1998). E este é um caminho que não permite ao
18
processo comunicativo se esgotar em si mesmo, daí possibilitar a criação de um ambiente
novo – um cenário que tem eco no que Souza descreve:
(...) essa busca de significações criadas a partir de novas tecnologias
envolve duas direções: de um lado cabe revisar a significação das
tecnologias que levam à comunicação generalista, e de grande alcance
coletivo, como a televisão e o rádio, vistas até agora como componentes
do doméstico (...); de outro, as novas tecnologias que remetem ao uso
privado e particular, e a questão então se desloca para a compreensão de
como, a partir do uso individual e privado, se pertence ao público
.
(SOUZA, 1999, p.26)
Conforme destaca BACCEGA (2007), o computador possibilita uma
experiência aparentemente individualizada, mas diante dele cada um traz consigo as
culturas nas quais vive e usará a máquina buscando integração a partir delas: “usa-se a
Internet para formação de comunidades, de grupos, de tribos, formadas com membros de
várias partes do mundo. É aí que está a ágora contemporânea, as praças e os jardins”. Ao
que MARTÍN-BARBERO (2004, p. 184) completa: “o questionamento das novas
tecnologias de comunicação nos obriga, assim, a analisar os diferentes registros desde os
quais elas estão remodelando as identidades culturais”.
Assim, numa aproximação com as questões teóricas e justificando
nossa posição dentro do campo, acreditamos que a pesquisa em Comunicação deve se
deslocar dos meios para as práticas sociais, onde também se dá a produção de sentido,
conforme aponta Martín-Barbero, de forma que o papel das mediações passe a ser inserido
na configuração da relação entre receptor e meio de comunicação. Portanto, o que Martín-
Barbero, encabeçador dessa perspectiva teórica, defende é a investigação da comunicação
“a partir das mediações e dos sujeitos, isto é, a partir das articulações entre práticas de
comunicação e movimentos sociais”. (MARTÍN-BARBERO, 2003, p.29)
(...) em vez de fazer a pesquisa a partir da análise das lógicas (grifo do
autor) de produção e recepção, para depois (grifo do autor) procurar suas
relações de imbricação ou enfrentamento, propomos partir das mediações
(grifo do autor), isto é, dos lugares dos quais provêm as construções que
delimitam e configuram a materialidade social e a expressividade cultural
da televisão. (MARTÍN-BARBERO, 2003
, p.292)
Propomos, então, a partir da idéia de Martín-Barbero sobre a
mediação televisiva, adotar esse conceito para tentar compreender a mediação da Internet.
19
Pensamos que, mais do que prestar atenção ao que ocorre com o usuário diante do
computador, é necessário conhecer o contexto no qual isso ocorre, especialmente no que
tange à questão social do uso desse meio.
Assim, ainda dentro de uma tentativa de definição/delimitação sobre
o campo da Comunicação, apontamos a seguir o que diz Sodré. Ele defende que a
comunicação parte tanto da academia quanto do mercado e sempre teve maior peso prático
(sendo um tipo de saber estreitamente ligado à produção de serviços) do que conceitual.
Daí porque, metodologicamente, a comunicação tenha optado por uma pluralidade de
caminhos. Conforme completa Muniz Sodré:
O campo de estudos da comunicação é o lugar onde hoje se
experimentam proposições teóricas e empíricas (observacionais),
portanto verossimilhança acadêmica, sobre um novo tipo de tecnologia
de relações sociais fortemente dependente de mercado e mídia. Enquanto
as disciplinas clássicas giram ao redor do Estado nacional, da religião e
dos mecanismos do capital – ainda representáveis por uma lógica das
substâncias, predicativa e de inspiração aristotélica –, a comunicação
desenvolve-se em torno de algo nada histórica e materialmente
substancial, que é a realidade discursiva da mídia, a reboque do mercado
e das mutações por ele trazidas no empuxo da globalização
mercadológica do mundo. Talvez decorra daí o escasso interesse teórico
despertado pelos estudos de comunicação junto à academia: referem-se a
um socius não ajustado ao saber das tradicionais ciências da sociedade, a
não ser sob a forma de uma redução conceitual e metodológica.
Aparecem então os problemas de método, e qualquer rigidez
metodológica revela-se totalmente ineficaz. (SODRÉ, 2003, p. 307)
Diante disso, há ainda que se considerar a Comunicação como um elo
de ligação entre as ciências sociais, envolvendo processos de construção de identidade tanto
individual como coletivo. Daí apontarmos para a importância da postura transdiciplinar na
pesquisa em Comunicação. É o que explica Morin:
(...) a disciplina nasce não apenas de um conhecimento e de uma reflexão
interna sobre si mesma, mas também de um conhecimento externo (...)
De fato, são os complexos de inter-multi-trans-disciplinaridade que
realizaram e desempenharam um fecundo papel na história das ciências;
é preciso conservar as noções chave que estão implicadas nisso, ou seja,
cooperação; melhor, objeto comum; e, melhor ainda, projeto comum (...)
Não se pode demolir o que as disciplinas criaram; não se pode romper
todo o fechamento: há o problema da disciplina, o problema da ciência,
bem como o problema da vida; é preciso que uma disciplina seja, ao
mesmo tempo, aberta e fechada. Afinal, de que serviriam todos os
20
saberes parciais senão para formar uma configuração que responda a
nossas expectativas, nosso desejos, nossas interrogações cognitivas?
(MORIN, 2000, p.105)
Procedimentos metodológicos
É a partir das perspectivas apresentadas acima que desenvolvemos
um modelo para ser adotado nesta pesquisa, considerando, conforme Baccega (2005), que
as referências culturais traçam percursos de leitura, de interpretação. Daí termos optado
pela construção do mapa de consumo cultural, a partir do seu cotidiano dos jovens para a
compreensão das práticas culturais do público envolvido com esta pesquisa. O intuito final
foi o de conhecer as características socioculturais desses receptores. Os dados compilados a
seguir foram coletados a partir da aplicação de questionários (em anexo) dentro das lan-
houses. O total da amostra compreende 139 entrevistas válidas. A amostra, insuficiente
para ser considerada como reflexo estatístico-matemático da realidade, não se ambiciona a
generalização, mas ilustra o evento específico do que se pretende analisar dentro da
proposta desta pesquisa, visto que aponta pistas de como se dá a apropriação da tecnologia
relativamente nova da Internet por parte dos moradores da periferia de um grande centro
urbano.
Foram necessárias diversas visitas às lan-houses até que tivéssemos
material suficiente para análise qualitativa que esperávamos. No tocante ao
desenvolvimento empírico do projeto escolhemos cinco lan houses (com a intenção de
compreender o uso da Internet em locais públicos e pagos) localizadas na periferia da
Grande São Paulo – para, a partir da observação desses locais e, especialmente dos
processos comunicacionais e das práticas sociais e culturais constituídas nestes ambientes,
desenvolvermos nossas impressões a respeito das interações dos jovens com toda a
parafernália tecnológica disponível nesses espaços. A escolha desses locais constituiu-se
um desafio. Além das particularidades da pesquisa às quais eles deveriam atender, havia a
questão da identificação dos horários em que o público jovem costuma concentrar sua
21
freqüência nesses lugares, que varia bastante de um bairro para outro. Além disso, como
havia necessidade de várias idas ao local, seria inviável escolhermos um bairro de difícil
acesso.
O desenvolvimento do questionário de pesquisa para a constituição
do mapa de consumo cultural e midiático dos freqüentadores das lan-houses teve como
base, como vimos, a pesquisa de Baccega, a fim de termos dados comparativos com outros
estudos, já citados neste projeto. Essa técnica exigiu a somatória imprescindível da
observação de campo de maneira a iluminar aspectos diferentes e complementares do nosso
objeto de pesquisa, já que, a partir do comprometimento com o conhecimento, foram
adotadas técnicas enquanto teorias em ação, com a clareza de que nenhuma delas fosse
neutra, ou tampouco livre de subjetividade. Por isso a necessidade de fazermos
combinações entre elas, conforme indicado por Lopes (2003), ao citar que os dados são
construídos e que as técnicas os moldam, permitindo decompor conceitos em coisas
verificáveis.
Adotamos também o trabalho com indicadores oficiais brasileiros
para referenciarmos quantitativamente nossa análise, já que, como dissemos, não
ambicionamos qualquer representatividade estatística em nossa pesquisa, que é de caráter
qualitativo. Dentre as informações compiladas para ilustração estão pesquisas de institutos
governamentais e privados, quais sejam: IBGE, Ibope NetRatings, Comitê Gestor da
Internet no Brasil, DataFolha, entre outros. E, neste aspecto, foi necessário um
levantamento de dados mais detido sobre a proliferação das lan houses pelo Brasil e
também especificamente em São Paulo, em especial nas periferias.
Desse modo, acreditamos que tenha sido possível constituir uma
amostra que nos permitiu analisar à luz dos dados representativos da sociedade brasileira
sobre o uso das novas tecnologias, bem como traçar um perfil do nosso grupo diante das
informações disponíveis sobre os internautas brasileiros. A partir dos resultados, pudemos
também cruzar informações sobre outros hábitos de consumo cultural desse público e
22
relacioná-los a iniciativas de inserção de conteúdo próprio na rede mundial de
computadores.
Neste sentido, foi essencial a iniciativa da construção de um mapa de
consumo cultural que previsse a possibilidade de comparação com outras pesquisas
recentes, compreendidas à luz de uma bibliografia corrente acerca da Comunicação vista
sob a ótica da cultura que, conforme explica Torres Vargas, estão além da percepção
tecnicista desse movimento e não restringem o olhar à questão de que a tecnologia possa
significar uma mudança total na vida das pessoas:
La ciencia ficción busca jugar un papel crucial dentro del discurso de la
innovación tecnológica; potenciales descriptivos y/o proféticos le son
atribuidos (especialmente entre los computólogos y los programadores).
(…) El discurso de la digitalización toma ventaja de las espectaculares e
innovadoras metáforas y al mismo tiempo sigue la línea lógica de esta
narrativa basada en el mito del progreso de la cultura de la evolución
tecnológica. Muchas de las teorías de la cibercultura tienen una visión
apocalíptica en donde el uso de la tecnología de pie al drástico y total
cambio de vida. La gente convive en comunidades virtuales, se desarrolla
el comercio electrónico, las personas se relacionan a distancia. Algunos
autores aseveran que conforme el uso de las computadoras se vaya
extendiendo, más gente pensará en términos computacionales, es decir,
cada vez con mayor profundidad la realidad o realidades que confluyen
en torno del ser humano se irán virtualizando. (TORRES VARGAS,
2007, p. 69)
Contexto da pesquisa empírica
Além do levantamento bibliográfico que não teve como prescindir de
artigos recentes acerca das novas tecnologias de informação, em função do tema proposto
para esta dissertação, outras iniciativas foram adotadas para possibilitar os resultados
alcançados:
Levantamento de dados estatísticos – A compilação e comparação de dados captados
pelos maiores institutos que pesquisam sobre o acesso à Internet no Brasil foram essenciais
para a compreensão inicial do fenômeno que quisemos observar, bem como contribuíram
23
enquanto ponto de comparações possíveis, visto que os dados divergem e ainda não
apontam para uma unanimidade em torno da questão.
Pesquisa de mídia – Pela atualidade do tema, fez-se necessário o acompanhamento dos
principais veículos da grande imprensa para a construção de indícios acerca do discurso da
mídia sobre o assunto.
Observação de campo – Um período de observação das lan-houses antecedeu e permeou o
momento de aplicação dos questionários aos internautas que freqüentam esses locais. Essa
observação foi essencial para a compreensão dos dados captados, bem como permitiu
complementar diversas questões que não foram abordadas por eles.
Aplicação de questionário – No âmbito da pesquisa de campo, esta foi a etapa mais
trabalhosa, visto que o questionário proposto tinha 70 questões mescladas entre as abertas,
as de múltipla escolha e as que previam a ordenação de itens por preferência (ver
apêndices). Antes da aplicação do questionário de fato, porém, alguns pré-testes tiveram de
ser realizados, seguidos das alterações necessárias. Primeiro foi definida a opção pela
entrega do questionário impresso – e não enviado por e-mail – por acreditarmos que, desse
modo, além de garantir o preenchimento, teríamos como captar outras percepções que o
meio digital não permitiria. Inicialmente trabalhamos com a possibilidade de os próprios
entrevistados preencherem os “formulários”. A medida não funcionou porque, devido à
extensão dos questionários, a maioria dos entrevistados deixava em branco as questões
finais – que, naquele momento, eram exatamente as relativas ao acesso à Internet. Assim, a
ordem das questões foi alterada e optamos pelo método de “entrevista” pessoal para a
realização do questionário, mostrando aos entrevistados apenas as questões que exigiam
enumerar a ordem de preferência por algo. A tabulação das respostas, bem como os
cálculos cruzados, exigiu esforço além da capacidade desta pesquisadora. Portanto,
ressaltamos que não são os números exatos que queremos destacar com essa pesquisa, mas
sim as pistas para as quais eles apontam. No final, a análise dos dados implicou a mudança
do olhar no sentido que essa “inclusão” pelas lan-houses era inicialmente por mim
percebida como muito mais próxima daquilo que se apresenta pela mídia.
Desta forma, a presente dissertação conta com três capítulos assim
distribuídos: o Capítulo 1, Sociedade global em rede, trata do contexto global atual, do qual
24
advém o pano de fundo para a constituição e proliferação de lan-houses; o Capítulo 2, Usos
de Internet em lan-houses no Brasil, comenta os dados dos principais indicadores
brasileiros e analisa os hábitos dos usuários desses espaços na periferia de São Paulo por
nós captados; o Capítulo 3, Relação com outras mídias, educação e consumo, traz um
panorama dos demais hábitos e práticas culturais e midiáticas destes jovens que nos ajudam
a compreender melhor o porquê de seus atos diante da rede mundial de computadores.
25
1 - Sociedade global em rede
Sustentado a partir do cenário constituído pelo processo de
globalização advindo da atualização das tecnologias, o acesso à Internet em locais públicos
pagos (lan houses) expõe um movimento que aparentemente começa a se constituir em
novos caminhos na busca pela inserção econômica e social para jovens das periferias das
grandes cidades brasileiras.
Em certo aspecto, vemos que o processo de proliferação dessas lan
houses faz sentido por reproduzir neste microcosmo exatamente a proposta básica que
move nossa atual sociedade global: a de atender a uma demanda com oferta que permita a
realização de lucro sobre o consumo. Desse modo, quem é dono de lan house na periferia,
em geral, conseguiria ganhos superiores à média salarial que possivelmente recebia antes
de tornar-se proprietário e/ou conquistaria um ganha pão, se estivesse desempregado. Já os
que freqüentam esses locais têm ali o vislumbramento da possibilidade de inserção, de
contato com uma tecnologia necessária para a participação no mundo do trabalho (e,
portanto, ao acesso à renda) sendo que, na periferia, há ainda a questão da socialização.
Emprega-se, assim, o paradoxo de que, justamente seguindo o
caminho pregado pelo modelo capitalista, surge a possibilidade de os cidadãos em
condições socioeconômicas menos favorecidas parecerem querer forçar sua inclusão por
meio de caminhos que passam pelas novas tecnologias ainda que não tenham consciência
da importância política de movimentos assim. Trata-se, talvez, de um reposicionamento dos
jovens dentro das comunidades (bem como de suas identidades, no sentido apresentado por
Hall, como veremos logo adiante) – sem que haja, porém, a busca de qualquer resgate de
identidade dessas comunidades, mas sim a reprodução daquilo que é consumido
midiaticamente pelas classes socioeconômicas mais altas. Segundo Moraes,
não adianta pôr em relevo a televisão segmentada e os downsloads de
filmes na web, ignorando-se que grande parte da avalanche imagética tem
procedência e eixo de poder definidos: as produções de Hollywood
detêm 85% do mercado cinematográfico global; e 77% das programações
televisivas da América Latina provêm de conglomerados norte-
americanos. (MORAES, 2006, p. 46)
26
É claro que a dimensão do uso que se fará dessa tecnologia e desses
espaços varia conforme a capacidade e a necessidade daqueles que os utilizam, como
veremos mais adiante. Mas, de certo modo, a expansão da ocorrência desses microcosmos
glocais (conforme Bauman, 1999) pelas periferias das grandes cidades brasileiras reflete
diretamente o movimento que se percebe atualmente na sociedade capitalista global sem
deixar de lado as manifestações locais. Exige novos comportamentos dos cidadãos e
consumidores (no sentido apresentado por García Canclini, 2006), trazendo novas
configurações aos conceitos de tempo e espaço. Um tempo que pede uma velocidade cada
vez maior e um espaço que se amplia cada vez mais – mas que buscam cidadãos que ainda
vivem em outras proporções de tempo e espaço e, de alguma forma, tentam adequar-se ao
tempo e ao espaço das novas tecnologias de informação e comunicação. De acordo com o
que pontua Octavio Ianni (1995), ocorre que as gentes, as idéias e as coisas se deslocam, se
adaptam e se recriam a partir dessas novas condições de tempo e espaço impostas pelas
mudanças na sociedade, engendradas pelos modos como são apropriadas a cada novo
cenário que se constrói para além do intercâmbio entre o global e o local.
Assim, dentro das dimensões culturais da globalização, há novas
maneiras de agir que são amostras da penetração da tecnologia, segundo Appadurai (2004),
sendo que o mundo passa a se caracterizar por um novo papel da imaginação da vida social,
na qual os grupos já não são rigorosamente territorializados. E é a partir deste ponto que
acreditamos ser preciso abordar a produção comunicacional de nosso tempo como produto
desse tempo, contextualizada na sociedade brasileira com todas as tramas e fios que
norteiam seu estado, conforme defende Baccega (2002). Trata-se, assim, de uma sociedade
que deve ser entendida no seu contexto atual (global e neoliberal).
É este contexto que precisa ser compreendido, segundo Castells
(2003b), no âmbito de uma sociedade em rede. Por isso destacamos que quem tem intenção
de mover-se socialmente – seja para ascensão socioeconômica, para galgar posições
políticas ou para ter voz contra qualquer arbitrariedade –, hoje, necessita conhecer (no
27
sentido do conhecimento e não apenas da informação
1
) profundamente essa sociedade em
rede. E isso tudo é novo, tanto nosso modo de produzir, como de nos comunicar e de viver,
conforme aponta Crovi:
Partimos además, de la premisa defendida por Manuel Castells según la
cual “la revolución de la tecnología de la información ha sido útil para
llevar a cabo un proceso fundamental de reestructuración del sistema
capitalista a partir de la década de los 80” (Castells, 2000:39). Este
proceso, al que él denomina informacionalismo, ha dado lugar a una
nueva estructura social que materializa un nuevo modo de producir,
comunicar, gestionar y vivir. Para Ignacio Ramonet la convergencia está
dando lugar a un nuevo paradigma social que reemplaza a la concepción
del Estado apoyada en dos ideas fundamentales: el progreso y la
máquina. Este autor, sin embargo, puntualiza que a partir de la
informatización de la sociedad esos dos pilares del Estado cambian por la
comunicación y el mercado. Si antes los individuos y las naciones tenían
como meta alcanzar el progreso, llave mágica que podía (al menos en
teoría) abrir todas las puertas, ahora el engranaje que empuja hacia el
futuro y que permite que la sociedad se mueva, es la comunicación.
(CROVI DRUETTA, 2002, p.5 – grifo nosso)
Essa sociedade em rede, movida pela comunicação como defende
Crovi, é apresentada por Castells e amplamente discutida nos meios acadêmicos pelos mais
diversos campos e linhas de pesquisa nos dias atuais, justamente em virtude de sua
amplitude de imbricações. Vale lembrar que a sociedade em rede, para Castells, é anterior à
Internet. Segundo ele, a internacionalização do capital e as telecomunicações já estavam
criando essa sociedade. É a partir dessa perspectiva que ele avalia que “
o uso da Internet está
se difundindo rapidamente, mas essa difusão segue um padrão espacial que fragmenta sua
geografia segundo riqueza, tecnologia e poder: é a nova geografia do desenvolvimento”
(CASTELLS, 2003a, p. 174), que acompanha a geografia do capital. O ponto chave de todas
essas transformações, contudo, também é apontado pelo sociólogo catalão, que determina a
mudança da referência de tempo e espaço nessa nova era como a questão primordial para tantas
conseqüências dela advindas:
Tanto o espaço quanto o tempo estão sendo transformados sob o efeito
combinado do paradigma da tecnologia da informação e das formas e
processos sociais induzidos pelo processo atual de transformação
histórica. Contudo, o perfil real dessa transformação é profundamente
diverso das prudentes extrapolações do determinismo tecnológico. (...) O
objetivo desse itinerário intelectual é desenhar o perfil deste novo
1
Ver BOSI, Ecléa. “Entre a opinião e o estereótipo”. In______________ O tempo vivo da memória: ensaios
de psicologia social. 2.ed. São Paulo: Ateliê Editorial, 2003.
28
processo espacial predominantemente de poder e função em nossas
sociedades. (CASTELLS, 2003b, p. 467-8)
É a partir dessa perspectiva – que desconsidera o determinismo
tecnológico e aponta a comunicação como um dos eixos motrizes da sociedade
contemporânea – que levantamos, com base nas idéias de Martín-Barbero, a importância da
compreensão desse movimento diante das práticas sociais, local em que, de fato, se
estabelecem as mudanças, a partir da produção de sentido inerente ao cotidiano:
Dois processos estão transformando radicalmente o lugar da cultura em
nossas sociedades: a revitalização das identidades e a revolução das
tecnicidades. (...) O que a revolução tecnológica introduz em nossas
sociedades não é tanto uma quantidade inusitada de novas máquinas,
mas, sim, um novo modo de relação entre os processo simbólicos – que
constituem o cultural – e as formas de produção e distribuição dos bens e
serviços: um novo modo de produzir, confusamente associado a um novo
modo de comunicar, transforma o conhecimento numa força produtiva
direta. (MARTÍN-BARBERO in MORAES, 2003, p. 54)
E o próprio Martín-Barbero, em outro estudo, completa:
O que as novas tecnologias põem a descoberto pareceria ser o
descompasso entre a nova era “da informação” – resultado da revolução
eletrônica – e a velha organização social e política ainda modelada sobre
os restos da revolução industrial. Nós nos achamos, por conseguinte, ante
a crise última do modelo político liberal e de seus dois dispositivos-
chave: o Estado nacional e o espaço público não dedutível dos interesses
privados nem redutível a eles. (MARTÍN-BARBERO, 2004, p. 201)
Esta questão considera a inserção de novas tecnologias na sociedade
a partir das classes dominantes, conforme apresentamos, com posterior aumento de
participação em outros âmbitos sociais, conforme o acesso a eles vá se tornando mais
barato, ainda que regulado pelos limites do mercado. Por tratar-se de uma tecnologia
relativamente nova (inserida a partir da década de 1990), a Internet no Brasil atravessa
exatamente esse processo. Mais do que isso, segundo Coutinho,
soma-se a esta evolução o fato de que novas tecnologias tendem a ser
adotadas com maior rapidez pelas camadas mais jovens, embora, à
medida que seu uso se difunda, a distribuição dos usuários por faixas
etárias tenda a se aproximar daquela observada no conjunto da
população. Não foi diferente com a Web. (COUTINHO, 2005, p.99)
29
Se toda nova tecnologia da comunicação costuma despertar a
possibilidade de uma maior democratização das comunicações (Aparici, 1999), temos de
pensar na dimensão trazida pela inserção das conexões em rede na sociedade. Neste
sentido, a Internet parece contar com infinitos tentáculos, que se movem pelos fios das
telecomunicações, pelos sinais dos satélites, pelas ondas de rádio ou por redes sem fio (wi-
fi). Ollivier nos ajuda a entender a amplitude desse alcance:
No es posible afirmar que todo cambia con la llegada de Internet.
Tampoco es posible afirmar que nada cambia. Nunca antes un
movimiento económico, industrial y tecnológico de tal envergadura había
modificado tan rápidamente y en tantos países tal cantidad de actividades
humanas de la banca al diccionario, del arte de la guerra al comercio, de
la enseñanza a la industria. (OLLIVIER, 2000, p. 12)
Idéia semelhante apresenta Dowbor (2001) sobre esse movimento,
trazendo à tona o processo de apropriação das tecnicidades para a cultura – algo que ocorre
em tempos, instâncias e dimensões diferentes de reprodução social e, por isso mesmo, não
pode prescindir de um período de adaptação. Ocorre que a evolução tecnológica tem
alcançado uma velocidade tal que torna difícil o processamento dessas novas questões pelo
universo cultural constituído pelas nossas formas individualizadas ou sociais de ver o
mundo. Em contraponto à tecnologia, um ritmo incomparavelmente mais lento da evolução
das culturas pode ser verificado no nosso cotidiano, na dificuldade de utilizarmos o
potencial da informática, não por razões técnicas, mas por atitudes enraizadas que muitas
vezes não permitem ainda à inovação tecnológica se refletir amplamente, por exemplo, em
questões como as estruturas política, jurídica ou trabalhista. O resultado é que, de certa
forma, passamos a conviver com as novas tecnologias, mas não as assimilamos
efetivamente, e, segundo Dowbor, “não dominamos nem o seu potencial positivo nem os
perigos que representam”. E isso não cabe apenas aos digitalmente excluídos, ou à parcela
da população para além dos jovens, mas a toda a sociedade:
As bases tecnológicas do nosso desenvolvimento estão passando pela
mais dramática transformação da história da humanidade. Em nenhum
momento, nem na imensa abertura que significou a Renascença, com
gigantes como Leonardo da Vinci, nem no explosivo final do século
passado, que nos deu a energia elétrica, o motor a combustão e as bases
da física moderna, houve qualquer coisa que se comparasse com a atual
abertura dos nossos horizontes. Considera-se hoje que os conhecimentos
novos adquiridos nos últimos vinte anos correspondem grosso modo ao
conjunto dos conhecimentos técnicos que a humanidade acumulou
30
durante a sua história. Um balanço do estado da arte em termos de
conhecimento do cérebro, por exemplo, constatava em meados de 1995
que 95% destes conhecimentos haviam sido desenvolvidos nos cinco
anos anteriores. Qualquer balanço nesta área torna-se rapidamente
desatualizado. (...) O eixo da eletrônica, e particularmente o da
informática, já invade literalmente o nosso cotidiano. (DOWBOR, 2001,
p. 9)
Visão relativamente mais otimista sobre a apropriação social da
questão espaço-temporal na contemporaneidade é apresentada por Lemos. Para ele, o que
se sobressai é a idéia da “desmaterialização dos espaços”, a partir condição virtual da
Internet:
Cada transformação midiática altera nossa percepção espaço-temporal
(...) Vivemos uma nova conjuntura espaço-temporal marcada pelas
tecnologias digitais-telemáticas onde o tempo real parece aniquilar, no
sentido inverso à modernidade, o espaço de lugar, criando espaços de
fluxos, redes planetárias pulsando em tempo real, em caminho para a
desmaterialização dos espaços de lugar. Assim, na Cibercultura, podemos
estar aqui e agir a distância. (LEMOS, 2003, p.14)
Outro ponto de vista, complementar, é adotado por Primo, que
retoma a noção da limitação de uma possível liberdade democrática trazida pela rede.
Assim ele afirma:
Não se pode deixar de lado, pois, o estudo das tensões que percorrem
todo o ciberespaço. Os discursos tentadores de que a facilitada
comunicação através da Internet promoverá por si só mais bem-estar,
amizade, crescimento intelectual e nos conduzirá finalmente a um regime
democrático esconde deliberadamente toda discórdia e mesmo
hostilidade debaixo do tapete. Os slogans cativantes de construção de um
mundo ‘mais humano’, a partir de mais comunicação também ignoram
(por ingenuidade ou mesmo por deficiência teórica) que o conflito é
próprio do humano e que comunicação não é sinônimo de transmissão
inquestionável nem de intercâmbio consensual. (PRIMO, 2005, on-line)
De fato, não se trata simplesmente do envio de mensagens através de
máquinas ou do trânsito de códigos em nível global, mas da penetração em mundos
simulados e da criação de ambientes em realidades virtuais. Além disso, a relação entre o
indivíduo e a máquina não ocorre de modo único e particular, mas numa interação
comunitária. Daí este ser um fenômeno completamente novo, com impacto tanto histórico,
quanto cultural, econômico e social que exige um olhar atento e interdisciplinar. Até certo
ponto, Moraes nos mostra algumas possibilidades trazidas pela tecnologia:
31
O que distingue a Internet é sua condição de canal público,
desterritorializado, livre de regulamentações e controles externos. (...)
Não percamos de vista, por outro lado, que a Internet, enquanto projeção
da inteligência humana, está na linha de fogo das contradições do mundo
em que vivemos. A infoexclusão ainda restringe o acesso nos países
periféricos. E as corporações procuram estender ao ciberespaço sua febre
de mercantilização. (MORAES in MORAES, 2003, p. 210)
Esse caráter complementa as novas construções de identidade, novos
sensoriums (no sentido apresentado por Benjamin), que se formam a partir dessa realidade
modificada tecnologicamente e impingem, por meio de também novas mediações digitais,
outros meios de ser e estar na sociedade, conforme Martín-Barbero:
Essa reconfiguração encontra seu mais decisivo cenário na formação de
um novo sensorium: frente à dispersão e à imagem múltipla que, segundo
W. Benjamin, conectavam “as modificações do aparelho perceptivo do
transeunte no tráfego da grande cidade”, do tempo de Baudelaire, com a
experiência do espectador de cinema, os dispositivos que agora conectam
a estrutura comunicativa da televisão com as chaves que ordenam a nova
cidade são outros: a fragmentação e o fluxo. (MARTÍN-BARBERO,
1998, p.64)
Vemos como totalmente possível transportar essa idéia desenvolvida
acerca da televisão para a lógica da sociedade em rede multiconectada que trás,
especialmente por meio do uso do computador, o acesso às novas mídias digitais. Há pouco
restrito às classes socioeconômicas privilegiadas, esse mundo digital começa a chegar aos
que têm menor poder aquisitivo de formas outras (que não somente o individual, dentro das
casas de cada um). Dentre outros fatores, isso decorre do processo de ‘tecnificação’ social
que impõe a todos a necessidade de participar da inserção tecnológica seja por qual meio
for, já que se altera o cotidiano social, quase não sendo mais possível realizar tarefas
rotineiras – como pagar contas, por exemplo – sem envolver-se com a tecnologia. Daí o
novo sensorium, que impinge novas maneiras de se mover no mundo e, principalmente, de
sobreviver no mundo. Por isso a importância da relação desses conceitos com o mundo do
trabalho.
32
1.1) Tecnologia e trabalho
Observado por diferentes pontos de vista, este movimento de
proliferação das lan houses está no cerne de questões que envolvem hoje a cultura, o
consumo, a propaganda, o marketing e, principalmente, o trabalho. Enfim, todos os
aspectos que de alguma forma contribuem para a organização econômica e política da
sociedade. E, em busca do trabalho, de certa forma, busca-se também, por meio da ilusão
da virtualidade, a inserção. É o uso da tecnologia que trará o acesso a um emprego – e,
conseqüentemente, ao consumo. Aqui destacamos o conceito-chave de Marx de que a
“força de trabalho” é uma mercadoria e, por isso, meio de subsistência do homem na
sociedade, compreendendo que o trabalho tem papel central na construção da sociedade
humana, inicialmente visando a sua reprodução social e, posteriormente, objetivando a
valorização e a acumulação do capital (Antunes, 2004). E esse processo não passa incólume
aos avanços tecnológicos:
A mudança nas tecnologias altera as dimensões espaciais do trabalho, na
medida em que as finanças, o comércio e os diversos serviços
“intangíveis” que hoje assumem tanta importância, como publicidade,
advocacia e gerenciamento a distância, circulam nas “ondas” do novo
sistema de informação em segundos (as tecnologias de comunicação e
informação – TICs), fazendo, por exemplo, uma secretária que trabalha
em Washington perder o emprego para outra que vai realizar o mesmo
trabalho, por computador, na Índia. (DOWBOR, 2002, p.16)
Mais do que estabelecer novas relações de trabalho, têm surgido
novas formas de trabalhar e estudar na sociedade em rede, novos modos de relacionar-se
que exigem, ao mesmo tempo, novos tipos de organização do trabalho, da escola e da
sociedade, enfim, que se reestruturem a partir das mudanças trazidas pela convergência
tecnológica. Contudo, essa “evolução” ainda está em processo e, provavelmente, quando
alcançarmos seu ponto “ideal”, talvez uma nova realidade tecnológica esteja em jogo
exigindo mais e mais adaptações. Ou, se considerarmos a expectativa de CROVI
DRUETTA (2002), “pensar y esperar que, pasado el éxtasis inicial que provocan las NTIC
en la vida cotidiana, los jóvenes serán capaces de tomar la distancia suficiente para
proponer los límites que contendrán a la convergencia y construir los canales que les
permitirán sacarle el mejor provecho”.
33
Essa revisão das estruturas, bem como de seus modos de
funcionamento, faz-se necessária a partir do momento em que se fundem na sociedade a
real-virtualidade e virtu-realidade – e daí formam-se as novas redes sociais, que envolvem o
imaginário dos “personagens” criados pelos jovens ao trafegar pela web, ao mesmo tempo
em que expõem essa virtualidade ao cotidiano “real”. Mas essa virtualidade muitas vezes
tem de encontrar brechas para se realizar. É o motoboy que pára em uma lan house para
‘vestir seu avatar’ nos minutos que lhe restam entre uma entrega e outra na qual enfrenta o
trânsito de São Paulo. É o estagiário que tem a oportunidade de beijar virtualmente a
namorada, segundos depois de levar uma bronca do chefe. É o abraço enviado pelo celular
num momento de dificuldade. É a possibilidade de organizar o show de uma banda de
garagem sem precisar de patrocínios magnânimos.
Esses novos modos de estar juntos e essa formação de um novo
sensorium, como dissemos, ocorrem a partir do momento em que o meio de comunicação
permite às pessoas experimentarem novas sensibilidades e sentidos. Da mesma forma que a
Internet “aproxima” virtualmente as pessoas, ela os separa fisicamente. Os indivíduos
inseridos tecnologicamente têm outras maneiras de se encontrarem – que diferem das do
passado. Hoje em dia as pessoas se encontram e até se apaixonam pela Internet (sites de
relacionamento, MSN, Skype, etc.), não enviam mais cartas, enviam e-mails (FREIRE in
SILVA, 2003). E este é um caminho que não permite ao processo comunicativo se esgotar
em si mesmo, daí possibilitar a criação de um ambiente novo.
E, se esses jovens buscam jogos, e-mails e troca instantânea de
mensagens quando acessam a rede, talvez lhes falte o sempre necessário incentivo da escola
para que utilizem mais recursos, para que usem a tecnologia a seu favor, para que de fato
alcancem a possibilidade de inserção que almejam. Mas que ela seja real. Já que o Homem
necessita relacionar-se e, para isso, comunicar-se, que esses novos modos de se relacionar
possam significar seu crescimento, inclusive com o alcance da inserção por meio do
trabalho. Crovi nos apresenta algumas pistas para isso:
La naturalidad con que la juventud se ha apropiado y convive con la
convergencia, es la razón que les impide detectar sus debilidades, por lo
menos en primera instancia. (…) Cuando se piensa en capacitar para la
34
convergencia se suele pensar sólo en los llamados tecno cerebros, o sea
jóvenes con base tecnológica sólida capaces de innovar en materia
informática, pero la gama es mucho mayor porque va desde un simple
operario o encargado de inventario hasta el más alto nivel de decisión.
Por todos ellos debe atravesar un nuevo tipo de educación que los
habilite para el trabajo en la era de las redes
. (CROVI DRUETTA, 2002)
A configuração desse novo sensorium também traz inovações nas
formas de ler, ouvir, ver e sentir o mundo, como já dizia Paulo Freire, em relação ao ato de
aprender. Trata-se, assim, de criar novos significados compartilhados, para novos atores
que poderão interpretar papéis diferentes na sociedade.
A cibercultura tem permitido a construção dessas novas
sensibilidades. As novas tecnologias trazem alterações nos processos receptivos dos
indivíduos, mudando a percepção sensorial da sociedade. Nesse contexto do ciberespaço,
surge o hipertexto e a narrativa não-linear ou multilinear: um novo meio para contar
histórias. Novas questões levantam-se a partir desse novo sensorium e, na dialética do real e
do virtual, desabrocham interfaces, interatividade, polifonia, colaboração e as novas
autorias. E não devem terminar por aí os desafios de compreensão desses aspectos da
sociedade em rede. Segundo Crovi:
Resulta no sólo interesante sino de fundamental importancia para el
futuro económico de las naciones, en especial, de aquellas que como
México experimentan enormes diferencias en la infraestructura y el
acceso a los productos de la convergencia. Este hecho, conocido como
abismo o brecha digital, puede leerse en cifras realmente preocupantes, la
mayoría de las cuales están vinculadas a los sectores laborales y de
manera especial a los jóvenes. (…) Para nosotros enfatiza la necesidad de
estudiar la relación trabajo-convergencia tecnológica, en especial entre
los jóvenes, actores fundamentales de las transformaciones que se están
operando en los sistemas productivos y que han llevado a hablar de la
new economy, como un proceso en el cual la innovación y la
convergencia tecnológica ocupan un lugar preponderante. En este
contexto las condiciones laborales cambian y en buena medida se sujetan
a las ventajas que ofrecen las herramientas de la convergencia
tecnológica.
(CROVI DRUETTA, 2002)
35
1.2) Mediação e agentes socializadores
Dessa possibilidade de inserção vislumbrada por meio da tecnologia
nasce a aproximação a um grupo, a outros jovens que de certo modo objetivam a mesma
inclusão. Assim, podemos considerar essas lan houses também como agentes socializadores
(da mesma forma que a mídia, a escola, a igreja ou a família) no sentido de que contribuem
para a construção de identidade desses jovens, tornando-se parte inerente de seus
cotidianos. Neste aspecto vale destacar que ocorre a constituição de um novo cotidiano, no
qual um jovem de periferia passa todo o fim de semana e até mesmo dorme em uma lan
house com a conivência da família que, afinal, considera que ele esteja em um local
“seguro” (Folha de S. Paulo, 21 set. 2007).
Assim, identificar de que maneira ou até qual ponto o fato de esses
jovens freqüentarem as lan houses dimensiona esse processo de inclusão é um dos desafios
que temos pela frente. Mais do que isso, destacamos a importância de olhar mais de perto
para esse novo agente socializador que se soma aos demais na formação dos atuais
cidadãos, e sobre o qual se sabe muito pouco. Daí o porquê de a pesquisa em comunicação
precisar compreendê-lo. Trata-se, sim, de um agente socializador, porém, que não conta
com as mesmas características de uma estrutura organizada formalmente como ocorre com
a escola, a família e a igreja.
Isso porque, ainda que surja e se desenvolva dentro da ordem do
capitalismo global – reproduzindo, assim, os processos de produção midiática tradicionais –
esse movimento de proliferação das lan houses nas periferias traz consigo um forte
componente local e, por conseqüência, cultural, de maneira que sua ordem, de fato, só é
estabelecida se houver também a participação dos que estão diretamente envolvidos com a
constituição desses espaços. Não se trata, desse modo, de um processo imposto, como
ocorre na escola, na família e na igreja.
Um exemplo recente da dimensão e da importância que esse processo
pode constituir, ao somar seu componente local com o acesso global, vem da Ásia
36
meridional: a junta militar que governa Mianmar (a antiga Birmânia) cortou o acesso à
Internet e fechou os cyber cafés na tentativa de impedir que se propagassem as imagens de
repressão às manifestações realizadas por civis e monges budistas contrárias ao governo
que lidera o país desde 1988. Imagens estas, aliás, capturadas atualmente com a facilidade
de quem aperta um botão em um telefone celular.
Assim, de alguma forma, o acesso público à Internet tem trazido a
construção de novas redes sociais em torno de uma rede virtual, num cenário em que a
proliferação de lan houses por todo o Brasil tem papel preponderante. Esse processo, aliás,
replica-se de maneira bastante similar em outros países latino-americanos como Argentina
e Peru, nos quais o acesso público também é bastante alto como no Brasil, expondo ainda
mais as questões culturais no ínterim dessas novas relações.
Fica claro, porém, que muitas vezes os excluídos digitais não têm a
clareza de que essas ações cotidianas (que eles não realizam na rede possivelmente por não
as realizarem de qualquer outro modo) ratificam sua condição. Se não têm conta em banco,
não precisarão dominar a tecnologia para movimentar seu salário. Se não estão inseridos no
mercado de trabalho, se não têm dinheiro para comprar produtos pela rede, se a escola não
exige que naveguem para além do Orkut, por que, afinal, o fariam? O excluído digital (e
trataremos disso com mais detalhes) é, portanto, o indivíduo que não dispõe de recursos
materiais nem tampouco de conhecimentos para acessar, interagir, se apropriar e produzir
conteúdos utilizando os recursos disponíveis na rede. “As limitações que definem o
excluído digital não são apenas econômicas, mas podem ser sociais, como idade ou sexo,
físicas, como deficiências e necessidades especiais, ou ainda culturais, como a
religiosidade, entre outros” (BALBONI, 2007). É interessante pensarmos nessa questão a
partir do que afirma Castells:
A Internet é de fato uma tecnologia da liberdade – mas pode libertar os
poderosos para oprimir os desinformados, pode levar à exclusão dos
desvalorizados pelos conquistadores do valor. Nesse sentido geral, a
sociedade não mudou muito. Mas nossas vidas não são determinadas por
verdades transcendentes, e sim pelos modos concretos como vivemos,
trabalhamos, prosperamos, sofremos e sonhamos. Assim, para agirmos
sobre nós mesmos, individual e coletivamente, para sermos capazes de
utilizar as maravilhas da tecnologia que criamos, encontrar sentido em
nossas vidas, melhorar a sociedade e respeitar a natureza, precisamos
37
situar nossa ação no contexto específico de dominação e libertação em
que vivemos: a sociedade de rede, construída em torno das redes de
comunicação da Internet. (CASTELLS, 2003a, p.225)
Atingir essa libertação de que fala Castells, contudo, exige
capacidade de apropriação da tecnologia que envolve o poder de articulação para uma
narrativa multimidiática e interativa que está além do simples domínio da tecnologia, ou
seja, requer uma alfabetização digital, segundo Amaral:
O potencial de certa forma emancipatório das tecnologias já foi retratado
em outros momentos por autores como Walter Benjamin, por exemplo,
quanto este considerava que a técnica em si mesma não é capaz de
aprisionar e só é repressiva quando serve ao mito do progresso linear e
evolutivo. Mais recentemente, esta questão é retomada por autores como
Pierre Lévy (1999) em afirmações tais como: “Nem a salvação, nem a
perdição residem na técnica”. Essas considerações reforçam a idéia de
que é impossível falar das tecnologias sem relacioná-las com o meio
social e com as ideologias que o constituem, pois, nas palavras de Lévy,
“as tecnologias não determinam, mas condicionam as mudanças na
medida em que criam condições para que elas ocorram”. (AMARAL in
SILVA, 2003, p.109)
E é aqui que entra o papel da educação – e conseqüentemente da
escola enquanto outro agente socializador atuante em conjunto – como imprescindível
nesse processo de aquisição de letramento para as novas mídias:
A escola teria um papel único e diferenciado enquanto agência
educadora, pois, diferentemente, por exemplo, dos veículos de
comunicação, reuniria elementos seja para promover sistematizações
vivenciadas nos jogos interlocutivos diretos, seja para exercitar de modo
conseqüente modalidades discursivas críticas, não ajustadas a estratégias
imediatistas e diluidoras que costumam fazer companhia aos media.
(CITELLI, 2002, p. 99)
Essas diferentes apropriações do conteúdo da Internet, desveladas por
meio de níveis também diferentes de alfabetização (não só digital), puderam ser observadas
por nós em uma pesquisa em campo realizada no âmbito da disciplina de Estudos de
Recepção (dentro do programa de Mestrado em Comunicação e Práticas de Consumo da
ESPM), no primeiro semestre de 2006, na qual traçamos um retrato superficial que aponta
para a identificação de uma capacidade bem maior – tanto de uso quanto de crítica – dos
universitários de classes mais altas na sua relação com a Internet, a partir de diferentes
interesses e sinapses apresentados. Como veremos nos capítulos a seguir, essas impressões
38
puderam ser comprovadas também por meio da pesquisa de campo realizada para este
estudo.
Um dos fatores que interferem nesse contexto observado é,
provavelmente, que isso se deva ao fato de essa geração ter estado exposta à rede mundial
de computadores praticamente ao longo de toda a vida, no caso dos mais ricos, ou, ao
contrário, de começar a ter acesso agora a essa tecnologia (especialmente por meio da
universidade, ou pela inserção no mundo do trabalho), no caso dos mais pobres. Um ponto
comum verificado dentre os estudantes foi o fato de quase todos acessarem a Internet todos
os dias e terem contato com a rede tanto em casa quanto na escola ou no trabalho,
independentemente do nível socioeconômico ao qual pertenciam. Os alunos de classes
sociais mais altas, contudo, demonstraram maior domínio sobre o uso da tecnologia, bem
como diversidade na apreensão de suas aplicações, principalmente em relação à navegação
em sites especializados, de pesquisa ou relacionados a preferências pessoais – muitos dos
quais incluem interatividade por meio da rede. Os alunos de nível socioeconômico mais
baixo optaram por navegar por sites bastante conhecidos, situados em torno do ‘lugar
comum’ dentro do que se trata de escolhas de sites na rede. Sendo que todos têm como
predominância o caráter noticioso e pressupõem uma “navegação passiva” (sem a
possibilidade de participação do usuário).
Essas percepções, ainda que de pouca relevância quantitativa,
apontaram para outro fator essencial na análise dos diferentes comportamentos: o histórico
de vida desses jovens, que nas classes mais altas possivelmente puderam estudar em escolas
melhores, viajar ao exterior, etc. Aqui destacamos a questão do capital social ou cultural
(conceituada por Bourdieu) como determinante na apropriação que se faz dessa tecnologia
em contraponto ao determinismo tecnológico, conforme pontua Setton:
Para Bourdieu capital cultural é um conceito que explicita um novo tipo
de capital, um novo recurso social, fonte de distinção e poder em
sociedades em que a posse deste recurso é privilégio de poucos
(Bourdieu, 1996a). Refere-se a um conjunto de estratégias, valores e
disposições promovidos principalmente pela família, pela escola e
demais agentes da educação, que predispõe os indivíduos à uma atitude
dócil e de reconhecimento frente as práticas educativas. (...) Bourdieu
39
não desconsidera a existência dos grupos populares na disputa pela
cultura legítima. O que afirma é que as diferenças de acesso e de
aquisição à cultura entre os grupos sociais confere aos mais privilegiados
um poder real e simbólico que os habilita a ter as melhores performances
escolares. (SETTON, 2005, p.68-9)
Diante do conceito desenvolvido por Bourdieu, Setton empreende um
estudo no qual amplia e atualiza essa questão, dando lugar também a outra ordem de
estratégias e/ou práticas culturais que demonstram uma abertura frente ao aprendizado
informal/formal difundido por instâncias ainda não consagradas como legítimas. Isso
envolve a idéia de que a leitura de jornais e revistas, a assistência interessada a uma
programação televisiva informativa, a audiência a entrevistas com especialistas, ou viagens
pela Internet (entre outras possibilidades) podem servir também como estratégias de
adquirir e ter acesso aos bens da cultura e do conhecimento. “De uma certa forma o que
proponho é considerar uma outra maneira de conceber o conceito de capital cultural. Ou
seja, a proposta é ampliar seu entendimento, mas garantindo o sentido que o qualifica
enquanto recurso, como um novo elemento de poder e diferenciação social” (SETTON,
2003, on-line). Neste contexto, ela salienta em seu estudo que uma pré-disposição à
aquisição de um conhecimento geral e midiático pôde possibilitar a alguns indivíduos – na
falta ou na complementação de uma bagagem estruturada e oferecida oficialmente pelas
instituições competentes – fazerem uso destas informações como um recurso distintivo. E
talvez aqui haja uma esperança, numa relação com a proposta de libertação que a Internet
pode trazer da qual falamos anteriormente:
Abrindo espaço para o contato com outras vivências e competências, a
difusão de mensagens propiciada pela mídia pode estimular o
aprendizado de novos saberes contribuindo para a aquisição de uma outra
forma de capital cultural. Este não mais visto segundo a conceituação
tradicional de Bourdieu (1979,1998), uma herança específica e
objetivada em diplomas e práticas culturais legitimadas, mas um
conhecimento, um capital não escolar, um recurso mais amplo,
pulverizado, heterogêneo, não obstante, um recurso que predispõe e
potencializa o indivíduo a enfrentar novos desafios e vencer os limites de
uma experiência estreita relativa a um universo familiar e escolar. É
possível assim pensar um capital cultural com outra significação, um
capital cultural dos desfavorecidos apreendido informalmente em
heterogêneas experiências, em várias espaços do convívio social,
notadamente no contato com informações disponibilizadas pelos meios
de comunicação de massa. (SETTON, 2003, on-line)
40
Outra pesquisa, realizada na Universidade de Michigan, atualiza o
conceito de capital social diante das novas tecnologias, especialmente a Internet, mostrando
que o acesso à rede tem sido relacionado tanto à ampliação quanto à redução desse capital,
mais do que isso, parte da premissa de que os hábitos de relacionamento em rede (que
envolvem organizar listas, montar um diretório de fotos, ou ser capaz de realizar buscas)
também interfere na própria constituição desse capital social:
The Internet has been linked both to increases and decreases in social
capital. Nie (2001), for example, argued that Internet use detracts from
face-to-face time with others, which might diminish an individual's social
capital. However, this perspective has received strong criticism (Bargh &
McKenna, 2004). Recently, researchers have emphasized the importance
of Internet-based linkages for the formation of weak ties, which serve as
the foundation of bridging social capital. Because online relationships
may be supported by technologies like distribution lists, photo
directories, and search capabilities (Resnick, 2001), it is possible that
new forms of social capital and relationship building will occur in online
social network sites. Bridging social capital might be augmented by such
sites, which support loose social ties, allowing users to create and
maintain larger, diffuse networks of relationships from which they could
potentially draw resources (Donath & boyd, 2004; Resnick, 2001;
Wellman et al., 2001). Donath and Boyd (2004) hypothesize that SNSs
could greatly increase the weak ties one could form and maintain,
because the technology is well-suited to maintaining such ties cheaply
and easily. (ELLISON, STEINFIELD, LAMPE, 2007, on-line)
2
Porém, a despeito do que propõe Setton, naquele nosso breve estudo
infelizmente ficou clara a participação dessa mediação social (socioeconômica) desde o
recorte dado à pesquisa, uma vez que a mesma foi propositalmente aplicada a classes
sociais diferentes, visto que a classe social a que o receptor pertence facilita ou impede sua
2
Tradução livre da autora: “A Internet tem sido relacionada tanto aos aumentos como reduções no capital
social. Nie (2001), por exemplo, argumenta que o uso da Internet deprecia o tempo que se passa cara-a-cara
com os outros, o que pode diminuir o capital social de um indivíduo. Entretanto, esta perspectiva tem
recebido fortes críticas (Bargh & McKenna, 2004). Recentemente, pesquisadores vêm enfatizando a
importâcia das ligações baseadas na Internet na formação de laços fracos, que servem como fundação para
suprir capital social. Uma vez que os relacionamentos on-line têm de ser baseados em tecnologias como listas
de distribuição, diretórios de fotos e ferramentas de busca (Resnick, 2001), é provável que novas formas de
capital social e construções de relacionamentos ocorrerão em sites de relacionamento on-line. A construção
do capital social pode ser incrementada por esse tipo de locais, que comportam perda de laços sociais,
permitindo aos usuários criar e manter redes maiores e difusas de relacionamentos das quais eles podem
potencialmente retirar recursos (Donath & boyd, 2004; Resnick, 2001; Wellman et al., 2001). Donath e Boyd
(2004) trabalham com a hipótese de que SNSs podem aumentar significativamente os laços frágeis que se
pode formar e manter, porque a tecnologia comporta a manutenção desse tipo de laço com facilidade e de
forma não dispendiosa”.
41
interação variada com diversas atividades culturais e meios de informação. A cultura, como
citado acima, atua também como mediação, exercendo, portanto, uma ação profunda no
processo de recepção (conceito sobre o qual trataremos a seguir). Essa ação dos referentes
culturais sobre a re-elaboração dos conteúdos comunicativos ficou evidente no
levantamento realizado.
É neste contexto que abrimos agora um parêntese numa tentativa de
definição de mediação. Luiz Signates (1998) desenvolve tal iniciativa. No entanto, como o
autor deixa claro, o termo é de difícil conceituação. Justamente pelo fato de este conceito
vir dos gregos, ele vai sofrendo modificações e é adotado com diversas conotações nos
textos dos vários pesquisadores, como explica Lopes:
De modo simplificado, podemos dizer que as mediações são os filtros por
que passam quaisquer tipos de comunicação. Exemplificando: entre o
fato ocorrido e o fato relatado há a mediação (os filtros) de quem faz o
relato, que o faz a partir de seu ponto de vista, de sua cultura, de seus
interesses. O processo de produção de uma mensagem jornalística é
repleto de mediações desde o repórter até o receptor da notícia, o qual
também procede à seleção e à compreensão a partir de um conjunto de
fatores que operam em sua vida e em seu cotidiano. (LOPES,1998, p. 43)
A noção de mediação é fundamental, já que não
(...) se circunscreve a identificar a existência da mediação: procura
qualificá-la no receptor, no emissor, no processo grupal, social, etc. Essa
estratégia, se de um lado não elimina o lugar e o espaço do emissor,
portanto não o nega nem o inocenta, faz o mesmo com relação ao
receptor, que é buscado em seu contexto, mesmo na diferença do lugar
social assimétrico que vem a ocupar perante o emissor. (SOUZA, 1995,
p. 36)
O conceito de mediação insere-se no quadro mais geral da tradição
dos estudos culturais. Essa corrente, de certa forma, ultrapassa limites que tendências
anteriores levavam em consideração, como a perspectiva tecnocêntrica, o foco no emissor e
a crença na passividade dos receptores diante da mídia. Com isso, a cultura passa a fazer
parte das análises no campo da comunicação e da recepção: “As tecnologias de informação
funcionam em contextos culturais que não podem ser pura e simplesmente desconsiderados,
pois é a partir deles que as pessoas se engajam nos processos de comunicação” (RUDIGER,
2000, p. 26).
42
Segundo Baccega (2003a), essas transformações implicam, sobretudo
no que se refere aos jovens, mudanças de sensibilidades (dentro do contexto da formação
de um novo sensorium, como dissemos anteriormente), “disponível para os chamados
idiomas da tecnologia: a interação com a realidade, a vivência cultural, já não passa mais
pelas falas animadas dos mercados em discussões sobre os preços ou pelas festas
tradicionais de seu grupo; passa, isso sim, pela mediação do conectar-se ou desconectar-se
dos aparelhos, ainda com destaque para a televisão”. Trata-se de uma nova cultura, que
produz saberes e habilidades fortemente distintos dos anteriormente exigidos. Esses novos
modos de estar juntos e essa formação de um novo sensorium, como citamos a partir de
Martín-Barbero (1998), ocorrem desde o momento em que o meio de comunicação permite
às pessoas experimentarem novas sensibilidades e sentidos.
O contexto que temos especial interesse, a interação entre receptores
e Internet, está, evidentemente, permeado por diversas mediações que, na sociedade
contemporânea, giram em torno da tecnologia, como expõe Baccega:
É também a tecnologia, com sua característica de ser praticamente o
ponto central em torno do qual giram as mediações, que está
possibilitando transformações rápidas nos sujeitos, acabando por dar-lhes
condições de questionamento (...). A produção social de sentidos,
característica básica da comunicação, transformou-se com a tecnologia: a
memória comum, a cultura compartilhada estão bem mais difusas. O
território no qual os sentidos são construídos, encontro do emissor e do
receptor, está muito mais complexo. Ele é hoje o lugar de morada e de
manifestação de uma pluralidade de vozes – as vozes dos vários
territórios por onde se espalha a memória, vozes das várias identidades
do sujeito. (BACCEGA, 2007, p.11)
Dentre essas mediações, nas quais os diversos agentes socializadores
desempenham papéis essenciais, trataremos dentro da perspectiva teórica de Martín-
Barbero, sobre três lugares de mediação: “a cotidianidade familiar, a temporalidade social e
a competência cultural” (MARTÍN-BARBERO, 2003, p. 292).
A família representa um ambiente de reconhecimento para a maioria
das pessoas. É um dos principais espaços nos quais se faz a leitura e a codificação do que é
transmitido pela mídia. Mas não é apenas nesse sentido que ocorre a mediação familiar, ela
também tem efeitos sobre o próprio discurso da mídia. A televisão, por exemplo, tem seu
43
discurso e imagens baseados na concepção de proximidade com os espectadores. Para
conseguir identificação com a audiência, conserva uma simplicidade narrativa e o
predomínio da sensação de imediatismo, pois é disso que se constitui a cotidianidade, que
se constitui a família.
Quanto à temporalidade social, Martín-Barbero se refere ao fato de
que a mídia – de forma particular ele fala da televisão, sua série e seus gêneros –, é a
mediação entre o tempo produtivo, valorizado pelo capital, e o tempo da cotidianidade
composto pela repetição e fragmentação. Sendo que o tempo da televisão é justamente
formado a partir de repetições e fragmentos. Já no que concerne à Internet, há uma nova
percepção de temporalidade, como vimos, no sentido de que os fragmentos e as repetições
também existem, conquanto eles estejam em um todo de circunscrição quase impossível.
Daí a formação dos hipertextos e dos hiperlinks, de uma navegação não linear e de outras
questões que envolvem a leitura na rede.
E, por fim, no que concerne à competência cultural, encaixa-se,
principalmente, a questão dos gêneros pelas quais operam os meios de comunicação de
massa, uma vez que esses gêneros promovem a competência cultural dos meios e
constituem uma mediação entre a produção e o consumo. É essa mediação pela
“competência cultural” proposta por Martín-Barbero, aliada ao conceito de capital social de
Bourdieu, que vemos como a linha central para o entendimento dos processos de
apropriação acerca das novas tecnologias.
Complementando as idéias de Martín-Barbero, podemos buscar
subsídios sobre as mediações nos estudos de Orozco Gómez, que tenta expor de modo um
pouco mais operacional o que Martín-Barbero teoriza. Isto é, ele aplica em pesquisa de
campo tudo o que o primeiro escreve. Orozco Gómez (2005) tem seu foco no estudo das
mediações que trespassam o processo de recepção televisiva. Contudo, tentaremos traçar
um paralelo com as mediações que permeiam o processo de recepção na Internet. O autor
sugere cinco principais grupos de mediações: mediação videotecnológica, mediação
cognitiva, mediação situacional, mediação institucional e mediação de referência. Dentre
44
elas, daremos destaque à compreensão da mediação videotecnológica. Entre outros
aspectos, o autor salienta que a linguagem televisiva audiovisual possui um alto grau de
veracidade. “A TV, portanto, não tem somente a capacidade técnica de representar o
acontecer social, mas também de fazê-lo verossímil, verdadeiro para os telespectadores”
(OROZCO GÓMEZ, 2005, p.29). Essa percepção de verossimilhança foi comprovada por
nossa pesquisa de campo, que deixou clara a confiança depositada pelos entrevistados na
TV, ante a Internet, tanto quanto veículo utilizado para se informar sobre os produtos que
quer comprar, quanto – e principalmente – como meio no qual mais confia. Estes resultados
são apresentados e analisados no terceiro capítulo desta dissertação.
Aqui queremos ressaltar ainda a idéia de que a recepção – como foi
apresentado anteriormente – é um processo, não é um momento. Segundo Orozco Gómez,
“(...) la recepción se asume como un proceso que antecede y prosigue
(grifo do autor) al
acto de ver televisión” (OROZCO GÓMEZ, 1990, p.2). E, ampliando este conceito, sem
enfocar exclusivamente a televisão, Lopes diz que:
A recepção é um processo e não um momento, isto é, ela antecede o ato
de usar um Meio e prossegue a ele. Assim, o sentido primeiro apropriado
pelo receptor é por este levado a outros “cenários” em que
costumeiramente atua (grupos de participação). Imagina-se então que
uma mensagem de telenovela, por exemplo, deva ser reapropriada várias
vezes e que, portanto, o processo de circulação de uma telenovela deve
ser incorporado ao efeito de sentido que ela produz. (LOPES, 1998, p.44)
Martín-Barbero compartilha dessa mesma perspectiva que, aliás, é
seu ponto de partida para o estudo das mediações. Segundo ele, “(...) a recepção não é
somente uma etapa no interior do processo de comunicação, um momento separável, em
termos de disciplina, de metodologia, mas uma espécie de um outro lugar, o de rever e
repensar o processo inteiro da comunicação” (MARTÍN-BARBERO in SOUZA, 1995, p.
40). Para o autor, isto significa uma pesquisa de recepção que irrompa com o modelo
mecânico, segundo a qual prevalecem as intenções do emissor e concebe o receptor apenas
como ser passivo. Da mesma forma, de acordo com o que foi explanado, podemos afirmar
que a recepção de Internet – objeto central deste trabalho – extrapola o momento de estar
diante da máquina e, dentro do espaço da lan-house, ganha mais um contexto de inserção.
45
Além disso, entra aqui a temática da intervenção de uma série de
elementos técnicos, ideológicos e profissionais de todos os envolvidos no processo de
produção dos diversos gêneros televisivos – algo que ainda não se pode “contabilizar” na
Internet, apesar de diversas pesquisas (Castells, 2003a) confirmarem que quase tudo o que
se produz de conteúdo na rede ter como procedência os países desenvolvidos,
especialmente os localizados na Europa, Ásia e América do Norte.
Inserida ainda na mediação tecnológica, voltamos ao tema da
exclusão digital, apontada agora sob olhar do acesso ao equipamentos: o grande número de
pessoas, principalmente em países periféricos como o Brasil, sem acesso à rede. Também
entra a questão das pessoas que não têm experiência/habilidade com o computador e com a
Internet. Há ainda a questão das tecnologias diversas usadas nos vários sites: por vezes
certos usuários podem não conseguir visualizar alguns itens do site – ou mesmo não
conseguem nem abrir o próprio site – devido à ausência de determinado aplicativo instalado
no computador. Por exemplo, determinados sites requerem a versão mais atualizada do
software Flash Player instalada no computador, ou necessitam o ActiveX, outro software,
caso contrário o site “não abre”. Freqüentemente também ocorrem problemas para abrir
arquivos de vídeo, pelo fato de haver muitos formatos disponíveis (ex: wav, avi, wmv, etc.)
e não compatíveis com qualquer programa.
1.3) Relações com a máquina
Esta temática da sociabilidade virtual remete também à questão do
pertencimento. Pertencimento a determinado grupo ou a determinado território. Na
realidade, o que ocorre já há algum tempo, é a precariedade dos modos de pertencimento,
por causa de diversos fatores – como a descentralização das cidades provocada pelo
processo de urbanização e a reclusão em casa a que as pessoas se sujeitam por causa do
medo da violência – algo que iremos exemplificar por meio de nossa pesquisa de campo,
cujos resultados são apresentados a seguir. Dessa forma, nessa cidade fragmentada, os
meios de comunicação têm desenvolvido papel preponderante para permitir a interconexão
46
entre os indivíduos, sendo que a Internet talvez surja como um dos meios mais eficientes
nessa tarefa.
A idéia de comunidade interpretativa pode nos ajudar a definir o
sentido dessa interação. As comunidades interpretativas não são definidas por laços de
parentesco, ocupação ou classe social, mas por práticas comuns de uso da mídia. Dessa
forma, a tendência é que os membros de uma comunidade interpretativa tenham
interpretações similares da mídia. Por compartilharem as mesmas práticas culturais, tendem
a interpretar as mensagens da mídia de forma semelhante. Isso se dá claramente no
ambiente das lan-houses, especialmente entre os jovens que estudam, talvez pelo fato de
formarem uma comunidade a partir dessa condição de aproximação pelo ambiente da
escola. Essa experiência, de certo modo, calca-se na colocação de Kellner a respeito do
advento da cultura da mídia:
Com o advento da cultura da mídia, os indivíduos são submetidos a um
fluxo sem precedentes de imagens e sons dentro de sua própria casa, e
um novo mundo virtual de entretenimento, informação, sexo e política
está reordenando percepções de espaço e tempo, anulando distinções
entre realidade e imagem, enquanto produz novos modos de experiência
e subjetividade. (KELLNER, 2001, p. 27)
Falando a respeito desses processos comunicativos, interativos e de
pertencimento podemos trazer à tona os apontamentos de Stuart Hall. O autor explica o
processo comunicativo “em termos de uma estrutura produzida e sustentada através da
articulação de momentos distintos, mas interligados – produção, circulação,
distribuição/consumo, reprodução”. (HALL, 2003, p. 387)
Mais do que isso, ele mostra que, na realidade contemporânea, o que
está em jogo na questão da identidade são aspectos múltiplos que vão além da segmentação
e permitem, por exemplo, o crescimento do individualismo exacerbado. Na concepção de
HALL, (2004, p. 76) “em certa medida, o que essendo discutido é a tensão entre o
‘global’ e o ‘local’ na transformação das identidades”. Assim diz ele:
Esse processo produz o sujeito pós-moderno, conceptualizado como não
tendo uma identidade fixa, essencial ou permanente. A identidade torna-
se uma ‘celebração móvel’, transformada continuamente em relação às
formas pelas quais somos representados ou interpelados nos sistemas
47
culturais que nos rodeiam (...) Dentro de nós há identidades
contraditórias, empurrando em diferentes direções, de tal modo que
nossas identificações estão sendo continuamente deslocadas (...) À
medida que os sistemas de significação e representação cultural se
multiplicam, somos confrontados por uma multiplicidade desconcertante
e cambiante de identidades possíveis, com cada uma das quais
poderíamos nos identificar – ao menos temporariamente
. (HALL, 2004,
p. 12-3)
É dessas dicotomias constantes no cotidiano social que tiramos a
questão do pertencimento. A inserção em um grupo fornece a uma pessoa grande parte do
conteúdo para a formação de sua identidade. Na realidade, identidades, no plural. Isso
porque, conforme Hall (2004), o sujeito contemporâneo é um ser descentrado. E o uso das
novas tecnologias deixa ainda mais clara essa questão do descentramento.
Segundo Hall (2004), esse sujeito não tem uma identidade e sim
várias identidades na sua identidade. Por assim dizer, cada pessoa tem uma identidade que
atua em conformidade com cada uma de suas participações cotidianas. Tomando como
exemplo um jovem (uma vez que é o público estudado pela pesquisa): ele é ao mesmo
tempo filho, estudante, amigo, internauta, etc. O sujeito pode adotar inclusive identidades
passageiras. A Internet possibilita isso. Por exemplo, o jovem pode inventar um perfil de si
mesmo bastante diferente de suas principais características ao conversar com um
desconhecido em um chat.
Wolton, contudo, nos apresenta um contraponto a essa questão ao
expor as relações humanas como imprescindíveis à comunicação. E aqui fica claro o porquê
de as lan-houses terem conseguido tanto sucesso de público nas periferias: elas permitem
que os jovens se encontrem. Abrem um espaço físico/real em torno do virtual:
Não apenas a multiconexão não garante uma melhor comunicação, como
expõe ainda mais a questão da passagem da comunicação técnica à
comunicação humana. Na realidade, sempre chega o momento em que é
preciso desligar as máquinas e falar com alguém. Todas as competências
que se tem diante da técnica não induzem em nada uma competência nas
relações humanas. (WOLTON, 2003, p. 103)
E é tratando a respeito dessas relações entre as máquinas e os seres
humanos que a socióloga e psicóloga Sherry Turkle vai além. Ela afirma, por exemplo, que
“todas as grandes inovações tecnológicas, além dos resultados práticos imediatos, trazem
48
conseqüências profundas e transcendentais que provocam mudanças, não apenas nas
atividades que realizamos, mas também em nosso modo de pensar” (TURKLE, 1995). Isso
porque, segundo ela, a tecnologia é catalisadora de mudanças e modifica a consciência que
as pessoas têm de si mesmas, dos demais, e de suas relações com o mundo. Mais do que
isso, ocorre a condição de um novo espaço definido para além da simples relação entre real
e virtual, conforme a pesquisadora explica, em entrevista a Federico Casalegno:
Em outros termos, creio que enquanto os especialistas continuam a falar
do real e do virtual, as pessoas constróem uma vida na qual as fronteiras
são cada vez mais permeáveis. Assim, não gosto de falar do real e do
virtual, mas antes do virtual e do resto da vida. Não V-R, Vida Real, mas
R-V, Resto da Vida, pois se as pessoas gastam tanto tempo e energia
emocional no virtual por que falar do material como se fosse o único
real? Enquanto a maioria das pessoas parece querer separar o virtual do
real, R-V, não faço essa distinção. Prefiro, insisto, referir-me ao virtual e
ao resto da vida, R-V, para evitar o emprego da palavra “real”. Penso
que, cada vez mais, há menos necessidade de usar uma oposição tão
categórica. No futuro, as fronteiras permeáveis serão as mais
interessantes para estudar e compreender. As pessoas sempre terão
necessidade da “imediaticidade” do contato humano, sempre terão
vontade de discutir em torno de uma xícara de chá, de ver onde o outro
mora, fisicamente, com o corpo. (TURKLE in CASALEGNO, 2006,
p.289)
Essa condição aproxima-se do que Lévy (1999) propõe sobre a
tecnologia ser considerada como uma ferramenta de pensamento no sentido em que, ao se
articularem com nosso sistema cognitivo, nos ajudam a nos constituir cognitiva e
subjetivamente. Então, o acoplamento sujeito/máquina se dá de tal forma que se cria um
sistema no qual o sujeito se constrói e se potencializa para novos agenciamentos e aberturas
para patamares mais complexos de desenvolvimento.
Para o autor, “não basta estar na
frente de uma tela, munido de todas as interfaces amigáveis que se possa pensar, para
superar uma situação de inferioridade. É preciso antes de mais nada estar em condições de
participar ativamente dos processos de inteligência coletiva que representam o principal
interesse do ciberespaço” (LÉVY, 1999). E, assim, voltamos ao tema da exclusão digital
sobre o qual Ferrari também comenta:
Cabe então, aos interessados no autêntico processo de inclusão,
reclassificar os personagens e paisagens desta história. Há que se
reconhecer cidadãos, além de consumidores, e assim buscar a superação
da oclusão referida por Lévy. Ou seja, transpor a muralha digital
49
mercadológica – e também o lixo digital gerado num submundo do
ciberespaço, com típicas características de patologia social – até chegar
ao espaço da inteligência coletiva gerado a toque de bits. (FERRARI, sd,
on-line)
Lévy, ao referir-se às críticas atribuídas à exclusão promovida pela
cibercultura, relembra que todo avanço nos sistemas de comunicações acaba fabricando os
seus excluídos. Foi assim desde a escrita, a impressão, o telefone, a televisão. E o fato de
existirem pessoas analfabetas e sem telefone não nos leva a condenar a escrita e as
telecomunicações, mas sim a investirmos mais em educação e na ampliação das redes
telefônicas. Ao que Ollivier, ao nos devolver à questão do pertencimento tratada no início
deste item, completa:
Las redes informáticas también crean procesos de separación y de
pertenencia inextricablemente ligados. Así, las máquinas para comunicar
actúan sobre la sociedad produciendo simultáneamente pertenencia y
separación, creando a la vez identidad y comunicación, transmitiendo
información y produciendo comunicación, es decir, a fin de cuentas, un
nexo social. (OLLIVIER, 2001, p. 63)
Balboni (2007) aponta ainda que a discussão em torno do acesso à
Internet evolui, de certa forma, para a questão do potencial da rede como ferramenta de
desenvolvimento, segundo ela, processo no qual a capacitação e apropriação por parte do
usuário se tornam imprescindíveis. Conforme a autora afirma, é a partir daí que se passa a
adotar o conceito de inclusão digital em referência à “digital divide”, numa tradução como
“brecha digital” para o português, no sentido de tratar da defasagem que existe entre
aqueles que podem se beneficiar da tecnologia e os que não podem.
Daí tirarmos que navegar pela rede mundial de computadores
demanda posturas diferentes das que se têm diante das outras mídias, há ampliação do
aspecto da recepção, pela possibilidade de interação imediata muitas vezes sem
intermediação humana, pelo individualismo desse processo. Há um querer que envolve os
mais diversos fatores. Não basta apenas folhear uma revista, ou sentar-se à frente da TV e
habituar-se a seu novo conteúdo imagético – como ocorreu a partir do surgimento dessa
tecnologia. Há que se avaliar ainda que não basta uma ‘sessão’ para o aprendizado do uso
da rede mundial de computadores – porque ela, por si só, tenta exigir dos internautas a
50
atualização constante e veloz no consumo de produtos e serviços (propondo que quem não
possuir uma máquina nova com potente conexão não poderá ter acesso às séries de arquivos
que podem ser ‘baixados’), já que é preciso contar com uma série de aparatos – como
câmeras, caixas de som, microfones, placas, etc. – para alcançar a amplitude da
comunicação que essa tecnologia poderia oferecer. E esse processo contínuo,
aparentemente infindável, pouco participa da contribuição a que essa tecnologia
aparentemente se propõe – bem como todas as conexões por ela vendidas – diante das
relações humanas, acerca das solidões interativas. Temos, portanto, que, além da exclusão
econômica, a Internet tem trazido também uma nova ruptura social, se avaliada sob o
enfoque do uso que se faz dela e da necessidade de alfabetização digital que ela cria. Mas
precisamos ainda pensar na questão das mudanças de conteúdo que podem advir das
mudanças na forma. Talvez isso nos permita pensar que a tecnologia pode também ser vista
como um meio rumo ao desenvolvimento e, quem sabe, a um mundo melhor. Como pontua
Baccega:
Cidadania e tecnologia não se dissociam. A inclusão digital, concebida
como práxis de cidadania, resulta dessa conjunção experimentada a partir
de uma visão de totalidade. Habilidade indispensável, o domínio dos
aparelhos constitui-se apenas em parcela dessa inclusão digital.
(BACCEGA, 2007, p.2)
Por isso, avaliamos que, apesar das diversas assertivas acerca da
exclusão digital, é inegável, como também vimos, o papel das novas tecnologias no mundo
contemporâneo. Seja ele para compor e ratificar os mecanismos de poder globais –
especialmente o econômico – e/ou possibilitar brechas para uma atuação paralela. Talvez
não cheguemos à revolução pela Internet, mas sua possibilidade de interferir na condição
atual de exclusão ainda não foi posta por terra e é considerada viável, como vemos:
Em setembro de 2000, a Organização das Nações Unidas (ONU) reuniu
em Nova Iorque líderes de 191 países da Cúpula do Milênio, encontro
considerado o mais relevante do século (Porcaro, 2005). Na agenda
estavam os principais desafios da humanidade, entre eles a tutela dos
direitos humanos e o compromisso com o combate à fome e a pobreza.
Como resultado da discussão foi adotada a Declaração do Milênio, que
estabeleceu objetivos e metas concretas a serem atingidos pelas nações
signatárias até 2015. As tecnologias da informação e da comunicação
assumiram um papel preponderante na discussão, como ferramenta
essencial para que os objetivos estabelecidos fossem atingidos.
(BALBONI, 2007, p. 20).
51
E, dentro do microcosmo por nós estudado, percebemos, a partir dos
conceitos apresentados, que as lan-houses têm, sim, se apropriado do papel de agentes
socializadores nas periferias, considerando que por diversos aspectos – como
confirmaremos nos capítulos a seguir – modificam as práticas cotidianas dos sujeitos.
Talvez ainda possam vir a ser vistas como um espaço que nos possibilite perceber novas
apropriações da tecnologia pelos cidadãos. Para isso, contudo, há que se considerar uma
peculiaridade desse agente socializador: assim como a tecnicidade da sociedade em rede
que o criou, ele não pode abrir mão de seu funcionamento em rede, atrelado a outros
agentes sociais – especialmente a mídia, a escola e a família.
52
2 - Uso de Internet em lan-houses no Brasil
O processo de proliferação das lan houses (LAN é sigla utilizada para
identificar local area network
3
– ou seja, rede de área local) começou em 1996 na Coréia
do Sul, país no qual, atualmente, existem mais de 22 mil destas lojas (número superior ao
dos Estados Unidos). No Brasil, elas passaram a funcionar em 1998 e, oficialmente
registradas, chegam a quase 5 mil, mas há estimativas de que este número possa dobrar se
forem considerados os estabelecimentos sem registro.
Esses centros pagos de acesso público, como as lan houses, são o
principal local de uso da Internet para as classes C, D e E, segundo pesquisa do Comitê
Gestor da Internet no Brasil. Os centros pagos são usados por 48,1% dos internautas das
classes D e E. Ainda segundo a pesquisa, para quem tem renda familiar mensal de até R$ 1
mil, os centros pagos são o local de acesso mais usado. A mesma pesquisa revela que
14,5% das famílias brasileiras têm acesso à rede em casa.
Daí que, pelo menos nas grandes cidades, o principal meio de acesso
à Internet pela população de menor renda tem sido realizado por meio das lan houses. Além
disso, a iniciativa privada, que cobra entre R$ 1 e R$ 2 por hora de uso, tem se mostrado
muito mais eficiente que o poder público no que se refere a levar a Internet até as periferias,
com programas de telecentros e acesso gratuito. A pesquisa do Comitê Gestor mostrou que
somente 6,4% dos internautas das classes D e E recorrem aos centros gratuitos. Na classe
C, o índice é menor ainda, de 4,13%. Ainda assim, o governo do Estado de São Paulo, por
exemplo, divulga como expressivos os números que envolvem o programa AcessaSP no
qual estão cadastrados 1,13 milhão de usuários nos 353 municípios onde está presente,
ainda que, em sete anos, deste total, apenas 25 milhões tenham sido atendidos.
3
Em computação, as LANs são redes utilizadas na conexão de equipamentos com a finalidade de troca de
dados. São denominadas locais por cobrirem apenas uma área limitada.
53
Não há dados precisos sobre esse fenômeno tão recente quanto
informal. Mas algumas estimativas começam a ser divulgadas, especialmente no tocante à
presença das lan houses nas maiores favelas brasileiras. Em Heliópolis, favela na qual
vivem 125 mil pessoas e que está localizada na zona sul de São Paulo, calcula-se que o
número atual ultrapasse facilmente 30 lojas. Na Rocinha, maior favela do Rio e da América
Latina, as estimativas vão de 80 a mais de cem unidades. A também carioca Cidade de
Deus tem pelo menos 50.
Os preços cada vez mais baixos dos computadores e dos serviços de
Internet têm exercido um papel importante nesse processo de expansão. Com o dólar em
queda, o aumento da oferta de crédito e a redução da carga tributária incidente sobre os
equipamentos, as vendas explodiram nos últimos anos. Pela primeira vez, foram vendidos
mais computadores do que televisores no País. A previsão da Associação Brasileira da
Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee) é de que, se mantiver esse ritmo e as condições
favoráveis, em 2010, o Brasil será o terceiro maior pólo de fabricação mundial de
computadores, atrás apenas dos EUA e da China.
Além disso, ainda que de forma menos acentuada, contribui para a
composição desse cenário o fato de o preço das conexões de banda larga também estar em
declínio. O valor dos pacotes com velocidade entre 512 quilobits por segundo (kbps) e 1
megabit por segundo (Mbps) diminuiu 27,2% no período de 12 meses encerrado em junho,
mostra levantamento feito pela empresa de pesquisas IDC. E não raramente são essas
conexões mais lentas (e baratas) que os donos das lan houses contratam e dividem entre
diversos micros.
Os números que tentam medir a participação dos locais públicos
enquanto captadores de internautas ainda variam muito, até mesmo entre as pesquisas
desenvolvidas pelos institutos com maior estrutura. É sabido, contudo, que o futuro da
Internet depende do que os usuários vão fazer com ela. Daí a importância de se conhecer
(mesmo que seja para ao menos tatear) o perfil desses usuários-consumidores. Mas a
dificuldade em dimensionar essas questões se dá em grande parte pela impossibilidade de
circunscrição da ação dos usuários diante desta mídia, como explica Lemos:
54
Podemos dizer que a Internet não é uma mídia no sentido que
entendemos as mídias de massa. Não há fluxo um-todos e as práticas dos
utilizadores não são vinculadas a uma ação específica. Por exemplo,
quando falo que estou lendo um livro, assistindo à TV ou ouvindo rádio,
todos sabem o que estou fazendo. Mas quando digo que estou na Internet,
posso estar fazendo todas essas coisas ao mesmo tempo, além de enviar
e-mail, escrever em blogs ou conversar em um chat. Aqui não há vínculo
entre o instrumento e a prática. (LEMOS, 2003, p. 17)
Contudo, ainda que não seja conclusiva, a observação de alguns
levantamentos, nos permite vislumbrar o que ocorre no Brasil neste contexto. Por isso
faremos uma explanação dessas informações a seguir. Dados do Datafolha, por exemplo,
coletados em março de 2007, apontam que o acesso público à Internet cresceu de 4,5
milhões de usuários em 2000 para mais de 28 milhões em 2007, apresentando crescimento
mais expressivo nos três últimos anos no Brasil. A pesquisa entrevistou mais de 2 mil
pessoas, com mais de 16 anos, em todo o País e aponta que 39% dos brasileiros têm o
hábito de acessar a Internet, sendo que, dentre os que têm nível superior, esse hábito atinge
86% da população. O estudo mostra ainda que 42% dos internautas declararam ter inserido
algum conteúdo na web.
Outro levantamento, divulgado em setembro de 2006 pelo Ibope-
NetRatings, apontava para a existência de pelo menos 6 milhões de internautas em locais
públicos. A pesquisa ouviu 16 mil pessoas em oito regiões metropolitanas do País e no
Distrito Federal. Dos 44,3 milhões de brasileiros que moram nessas áreas, 12,7 milhões
(29%) costumavam acessar a Internet. Os locais públicos pagos eram utilizados por 10%
desse contingente (4,4 milhões), enquanto os grátis correspondiam a 4% (1,6 milhão).
Dentre os usuários de locais pagos, 42% pertencem às classes A-B, 40% à classe C e 18%,
D-E. Do total de acesso em locais públicos, 37% são das classes A-B, 42% são da C e 22%,
da D-E. Tratava-se de uma pesquisa mercadológica, patrocinada pelos portais Ig, Terra,
MSN e Globo.com, com interesse especial em argumentos que permitissem a ampliação da
captação de verbas publicitárias para este segmento. Aponta, contudo, para um dos focos de
nossa pesquisa que é o de vislumbrar os processos em torno do uso da Internet fora dos
domicílios e locais de trabalho.
55
Porém, para nossa análise, daremos destaque aos dados mais recentes
divulgados até a finalização desta pesquisa. Segundo o próprio Ibope/NetRatings, o Brasil
fechou o ano de 2007 com a marca de 39 milhões de pessoas que já tiveram acesso à
Internet – um acréscimo de 21% em relação ao número registrado no ano anterior.
“Também continuamos a ser o país com maior tempo médio de navegação residencial por
internauta entre os 10 países monitorados pela Nielsen//Netratings, com 23h12min, 1 hora e
12 minutos mais do que em setembro e 2 horas e 42 minutos acima do tempo de outubro de
2006. Completam a lista dos cinco países com maior tempo por pessoa no domicílio a
França (19h27min), os Estados Unidos (19h19min), Alemanha (18h22min) e Japão
(18h21min)” (Ibope, 2007).
Em pesquisa divulgada em janeiro de 2007, o Ibope apontou que 6,2
milhões de pessoas acessam à Internet de lugares públicos: 4,5 milhões usam em locais
pagos, como lan-houses, e 1,7 milhão usam de locais gratuitos, como telecentros e escolas
públicas. Existem ainda 7,3 milhões que acessam da própria casa, 4 milhões usam da casa
de parentes e amigos e 3,5 milhões usam do trabalho. O levantamento foi feito com
brasileiros com 10 anos ou mais que moram nas maiores regiões metropolitanas do País,
numa estimativa de refletir um universo de 44,3 milhões de pessoas. Desse total, 29%
afirmaram que usam a Internet, o que dá o número de 12,7 milhões. Quanto ao perfil do
usuário foi declarado que em locais pagos o uso da Internet é voltado principalmente para
envio e recebimento de e-mail (55% dos 4,5 milhões), de mensagens instantâneas (24%),
salas de bate-papos (19%), navegação em comunidades como o Orkut (26%) e uso de
games (26%). Já nos pontos de acesso gratuito, foi declarado o uso da rede principalmente
para envio e recebimento de e-mail (45% dos 1,7 milhão), de mensagens instantâneas
(18%), navegação em comunidades como o Orkut (19%), uso de games (21%) e realização
de atividades escolares (28%). Esses dados se contrapõem ao nosso levantamento, que não
apontou o uso da Internet para envio e recebimento de e-mails pelos jovens como a
principal atividade realizada em rede.
Outros dados que consideramos para este trabalho são do Comitê
Gestor de Internet – órgão federal que coordena e integra as iniciativas de serviços Internet
56
no Brasil –, que, por meio de seu Centro de Estudos sobre as Tecnologias da Informação e
da Comunicação (Cetic.br), realizou pela segunda vez a pesquisa TIC domicílios e
usuários, cujas informações mais recentes foram coletadas entre julho e agosto de 2006.
Dentre as informações disponíveis neste amplo levantamento, selecionamos aqueles que
nos ajudam a entender o ambiente do qual tratamos, ou seja, o uso público de Internet em
locais como acesso pago à rede.
A TIC envolveu 10,5 mil entrevistados com 10 anos ou mais – numa
projeção para população total de 153 milhões de brasileiros –, subdivididos por níveis
socioeconômicos de acordo com o Critério Brasil. Do total de entrevistados, 2.924
afirmaram ter acessado à Internet nos últimos três meses (numa projeção para 42,6 milhões
de pessoas em todo o Brasil) – e este é o público considerado para os dados que apontam
comportamento de uso da Internet apresentados a seguir. Interessante notar a amplitude da
população que nunca acessou à Internet (mais de 66%), ainda assim, vemos que o universo
dos que já usaram a rede apontado pelo Nic.br é maior do que o identificado pelo Ibope, de
cerca de 25,5% (considerando o total de usuários de 39 milhões no final de 2007, ante a
projeção de 153 milhões de brasileiros com 10 anos ou mais utilizada pelo Nic.br) e menor
do que o percentual divulgado pelo DataFolha (de 39%). Evidentemente que consideramos
ser inviável a comparação direta de pesquisas com diferentes metodologias de coleta e
análise de dados. Queremos apenas ressaltar o aspecto da ausência de uma certa “definição”
deste universo para destacar, da mesma forma, a dificuldade de circunscrevê-lo. Dessa
forma, a população brasileira divide-se da seguinte maneira quanto ao acesso à Internet,
segundo o Nic.br:
Proporção de indivíduos que já acessaram à Internet
Porcentual sobre o total da população
Porcentual (%) SIM NÃO
Tota
33,32 66,68
Fonte: NIC.br - jul/ago 2006
A partir dessa informação – e com o olhar voltado aos entrevistados
que nunca acessaram à rede –, chama-nos a atenção o fato de mais da metade haver
respondido que não acessa à Internet porque não sabe usar computadores. Interessante notar
57
que essa proporção é mais baixa em relação aos mais jovens, mas ocorre o contrário quando
o tema é a falta de habilidade com a Internet. Destaque-se ainda que, mesmo com a
crescente difusão da presença de lan-houses e telecentros pelas cidades, a maioria afirma
que o fato de não ter computador em casa é o principal motivo para não navegar pela rede,
conforme vemos a seguir:
Motivos pelos quais nunca utilizou a Internet
Porcentual sobre o total de usuários que nunca acessou a internet
Porcentual
(%)
Não tem
computador
em casa
Não sabe usar
computadores
Não tem
necessidade/
interesse
Falta de
habilidade
com a
Internet
Não tem
internet
em casa
Não tem
acesso à
Internet
na
cidade
onde
vive
Deficiência
física
Tota
57,25 50,64 44,12 22,40 16,51 1,38 0,15
De 10 a
15 anos
69,91 37,84 15,35 30,46 26,78 2,39
De 16 a
24 anos
62,01 42,44 36,49 20,79 3,42
De 25 a
34 anos
60,47 47,18 38,65 25,62 20,10 1,69
Fonte: NIC.br - jul/ago 2006
Voltando-nos agora aos 33,3% do público que acessaram à Internet,
vale notar que, a despeito de as empresas operarem hoje num mundo multiconectado,
menos de um quarto dos brasileiros com acesso à Internet (e menos de um décimo da
população total) usam a rede no trabalho – um reflexo do nível de emprego e, mais do que
isso, da restrição do acesso a bons empregos se avaliarmos que atualmente os melhores
salários estão em cargos técnicos e gerencias (exatamente aqueles nos quais as pessoas não
podem prescindir do uso do computador em seu dia-a-dia, especialmente em seus processos
decisórios). Destaque-se também o alto índice de uso da rede em locais públicos pagos,
ante os de acesso gratuito:
Local de acesso individual à Internet
Porcentual sobre o total de usuários de Internet
Porcentual
(%)
De casa Do trabalho Da escola Da casa de
outra
pessoa
Centro
público de
acesso pago
Centro
público de
acesso
Outros
58
gratuito
Total 40,04 24,40 15,56 16,16 30,10 3,49 1,73
Fonte: NIC.br - jul/ago 2006
Num recorte que tenta aproximar ainda mais os dados nacionais dos
nossos, notamos que o interesse na comunicação é, sem dúvida, o principal atrativo a levar
os internautas brasileiros à rede:
Proporção de indivíduos que usam a Internet para se comunicar
Porcentual sobre o total de usuários de Internet
Porcentual SIM NÃO
Tota
78,18 21,82
Fonte: NIC.br - jul/ago 2006
Sem dúvida, o perfil do usuário brasileiro – que, como vimos, é
especialmente jovem e de classes socioeconômicas mais altas –, baliza este
comportamento, sendo que, quando olhamos de perto para quais atividades de comunicação
são as preferidas em rede, há destaque para o uso, acima da média, dos e-mails e dos sites
de comunidades entre a faixa etária de 16 a 24 anos:
Atividades desenvolvidas na Internet – Comunicação
Porcentual sobre o total de usuários de Internet
Porcentual
(%)
Enviar
e
receber
e-mail
Enviar
mensagens
instantâneas
Participar de
sites de
comunidades e
relacionamentos
(ex: Orkut)
Participar
de chats
e/ou
listas de
discussão
Criar ou
atualizar
blogs
e/ou
websites
Usar o Telefone
via Internet/
videoconferência
Tota
64,76 38,46 36,41 27,36 10,09 8,41
De 10 a
15 anos
50,27 30,33 36,86 26,94 8,06 4,40
De 16 a
24 anos
70,11 46,35 47,05 34,08 12,78 8,27
De 25 a
34 anos
68,00 38,60 31,86 24,63 11,62 10,90
Fonte: NIC.br - jul/ago 2006
Chama a atenção também o porcentual de entrevistados que
mencionou não usar de qualquer das habilidades citadas pela pesquisa em relação ao uso da
rede. De certa forma, queremos fazer um paralelo com o levantamento empírico de nossa
59
pesquisa que destacou o uso da rede pelos jovens da periferia quase somente para a
navegação pelo Orkut.
Habilidades relacionadas ao uso da Internet
Porcentual sobre o total da população
Porcentual Usar um
mecanismo
de busca de
informação
Enviar e-
mails com
arquivos
anexados
Enviar
mensagens
em salas de
bate-papo,
etc.
Usar um
programa
para trocar
filmes,
músicas,
etc.
Criar
uma
página
na web
Usar a
Internet para
realizar
ligações
telefônicas
Nenhuma das
mencionadas
Tota
28,00 19,85 16,53 8,15 5,53 3,97 68,19
De 10 a
15 anos
32,12 18,28 21,18 8,07 5,64 1,95 58,64
De 16 a
24 anos
50,43 37,14 35,26 16,54 12,33 6,65 42,73
De 25 a
34 anos
38,31 28,68 20,27 11,50 7,81 7,07 58,69
Fonte: NIC.br - jul/ago 2006
Outro fator que reforça a condição um tanto quanto excludente dos
usuários de Internet no Brasil é o uso de e-mail – que também aponta para a
democratização do acesso, se observarmos apenas a procura pelos serviços gratuitos. Note-
se que, a despeito da existência desses serviços gratuitos, é alta a taxa de pessoas e não
possui uma conta de e-mail, o que pode ser visto como mais um fator restritivo de acesso,
se considerarmos a preferência pela comunicação dentre as atividades realizadas na rede.
Tipo de conta de e-mail utilizada
Porcentual sobre o total de usuários de Internet
Porcentual (%) De uso pessoal e
gratuita
De uso pessoal e
paga
Do trabalho Não tem e-mail
Total 56,38 8,96 4,69 37,47
De 10 a 15 anos 44,21 3,30 54,33
De 16 a 24 anos 61,45 6,52 3,75 34,78
De 25 a 34 anos 61,40 11,35 6,91 32,36
Fonte: NIC.br - jul/ago 2006
Mais relevante ainda é olhar para o percentual de pessoas que
utilizam a Internet para fins educativos. Se considerarmos o total da população com mais de
10 anos, essa participação é inferior a um quinto, ainda que haja maior expressividade entre
60
os entrevistados de 10 a 15 anos – faixa de idade média dos alunos que cursam a segunda
etapa do Ensino Fundamental.
Proporção de indivíduos que usam a Internet para educação
Porcentual sobre o total de usuários de Internet
Porcentual (%) SIM NÃO
Tota
64,39 35,61
De 10 a 15 anos 74,03 25,97
De 16 a 24 anos 69,44 30,56
De 25 a 34 anos 59,60 40,40
Fonte: NIC.br - jul/ago 2006
É a partir dessas observações sobre o panorama nacional de uso da
Internet que conseguimos compreender melhor os dados coletados em campo para este
estudo que estão apresentados a seguir.
2.1) O perfil dos internautas da periferia de São Paulo
A pesquisa de campo teve como local de realização cinco lan-houses
situadas em cinco diferentes bairros (Jardim João XXIII, Jardim PauloVI, Parque Ipê,
Jardim Arpoador, Cohab Educandário), todos inseridos no distrito Raposo Tavares, da
subprefeitura do Butantã, no extremo da zona oeste de São Paulo, fazendo divisa com os
municípios de Osasco e Taboão da Serra, cortada por importantes eixos rodoviários que
ligam as regiões Sul e Sudeste do Brasil, como as rodovias Raposo Tavares e Régis
Bittencourt. Foram visitadas as três unidades da Trilha Informática, a PontoCom e a Lan
Games – essas duas últimas, além dos computadores, também ofereciam videogame aos
usuários, promovendo campeonato de jogos e outras atividades paralelas. Há que se pontuar
também que esses estabelecimentos se situam nos “centros” dos bairros, locais de
entroncamento de trajetos de ônibus, rodeados por mercadinhos, padarias e bares – alguns
deles, aliás, que dispõem de fliperamas.
61
A escolha do local deu-se em virtude da relativa facilidade de acesso
e pelo fato de a região abrigar uma população predominantemente de classe média, com a
presença de cleos de outros níveis socioeconômicos em bairros próximos – sendo que o
interesse principal seria realmente o de perceber como se dá o uso da Internet por jovens de
classe média da periferia – visto que está no potencial de consumo deste público a chance
de essa mídia vir ou não a se tornar de massa no Brasil.
Foram aplicados 156 questionários no período de 24 de novembro a
18 de dezembro de 2007, dos quais 139 válidos para a análise. Do total, destaca-se a
divisão socioeconômica da amostra: concentrada nas classes C e B (segundo dados
captados por meio do Critério Brasil) em proporções quase equânimes. Desse modo, a
análise que segue teve preocupação de se deter especialmente a compreender as
aproximações e diferenças entre essas duas classes quanto ao comportamento diante do
consumo de Internet em locais públicos na periferia de São Paulo. No total, tratamos de 72
questionários respondidos por jovens das classes A e B (sendo 62 somente da classe B) e de
67 aplicados a pessoas das classes C e D (sendo 65 somente da classe C). A opção por
reunir as classes A e B assim como as classes C e D se deu em razão da pequena
quantidade de questionários respondidos pelos entrevistados das classes A e D, que
mostraram total aproximação com as respostas registradas pelos entrevistados das classes B
e C, respectivamente. Interessante notar que, dos entrevistados de classe C, nenhum tem
como chefe de família alguém com nível de instrução superior completo. E é também nessa
faixa socioeconômica que há menor presença do pai entre os membros da família que
moram na mesma casa, conforme segue:
62
114
101
67
37
19
1
0
20
40
60
80
100
120
e Irmãos Pai Outros
parentes
Avós Amigos
Quem mora na mesma casa
(em número absoluto de respostas)
A idade média dos entrevistados é 16 anos, sendo que eles se
distribuem da seguinte maneira:
63
10 anos
11anos
12 anos
13 anos
14 anos
15 anos
16 anos
17 anos
18 anos
19 anos
20 anos
21 anos
22anos
23 anos
27 anos
30 anos
3
5
7
13
14
23
15
14
16
11
8
2
3
1
3
1
0
5
10
15
20
25
Distribuição de idade
(em número absoluto de respostas)
A maioria dos entrevistados está estudando. No total foram 112,
divididos em: 60 cursando o Ensino Médio, 48 no Ensino Fundamental e 4 de nível
universitário ou aluno de cursinho. Destaca-se o fato de que, do total, apenas 5 alunos
estudam em escolas particulares. Os demais, na grande maioria, cursam escolas municipais
e estaduais localizadas nos arredores dos bairros em que moram. Dentre os que não estão na
escola, a maioria terminou o Ensino Médio e parou de estudar.
A partir da pesquisa percebemos que, na verdade, muito mais do que
uma mídia para acesso irrestrito à informação – conforme muitas vezes a Internet é vista
sob o olhar de quem a produz –, ela tem se configurado em ponto de encontro na periferia
de São Paulo a partir dos locais públicos de acesso. A lan-house da Cohab Educandário,
dentre os bairros observados pela pesquisa o de menor nível socioeconômico, é sempre a
mais cheia de gente e a menos rodeada por bares, padarias ou qualquer estabelecimento
comercial. Mas acaba atraindo também jovens que saem dos bairros vizinhos para
participar de verdadeiras “festas” que têm início ao entardecer e perduram até o fechamento
64
do estabelecimento, por volta das 23 horas. Eles ficam na Internet “conversando” pelo
Orkut com o colega que está sentado diante de um computador duas baias à sua direita.
Enquanto circulam pelo local minúsculo à espera de um assento, penduram seus celulares
no pescoço com música tocando no volume máximo e, acima de tudo, encontram os
amigos. Tanto que 79% dos entrevistados para esta pesquisa afirmaram que seus amigos
costumam freqüentar a mesma lan-house que eles. Podemos dizer que este seja um reflexo,
em última instância, do efeito local trazido pela tecnologia global aos seres humanos que,
afinal, só sabem viver em comunidade, conforme lembra Dowbor:
Com o breve e recente intervalo gerado pelas transformações capitalistas,
em que se gerou a sociedade desarticulada ou atomizada, o ser humano
sempre viveu em comunidades. Como bem levanta Renato Ortiz,
acostumámo-nos a considerar como positivo tudo o que vai do pequeno
para o grande: o clan, a tribo, a aldeia são coisas do passado, a
modernidade trouxe a nação, o futuro aponta para o espaço global, a
sociedade anônima de bilhões de habitantes da espaço-nave terra. (....) O
indivíduo encontra-se, neste processo caótico mas poderoso de
reordenamento dos espaços, desorientado. As novas tecnologias e a
conectividade eletrônica abrem novos canais de articulação social em
torno aos espaços do conhecimento compartilhado. Por outro lado,
assistimos à dramática marginalização de dois terços da humanidade, no
que tem sido chamado de modernização desigual. (DOWBOR, 2001,
p.25)
O que nos surpreende, contudo, é a probabilidade – conforme
pudemos avaliar pelos dados captados nesta pesquisa – de a concretude dessa possibilidade
de ampliação da articulação social aberta pela conectividade nunca vir a ser real nesses
espaços aparentemente ideais enquanto embrionários de mudanças. Ainda que haja
alterações sensoriais e práticas no âmbito das comunidades que sejam advindas das
tecnologias, segundo Martín-Barbero:
Essa reviravolta evidencia nas grandes cidades o uso das redes
eletrônicas para construir grupos que, virtuais em seu nascimento,
acabam territorializando-se, passando da conexão ao encontro, e do
encontro à ação. O uso alternativo das tecnologias e de redes
informáticas na reconstrução da esfera pública passa, sem dúvida, por
profundas mudanças nos mapas mentais, nas linguagens e nos desenhos
de políticas, exigidos, todos eles, pelas novas formas de complexidade
que revestem as reconfigurações e hibridações do público e do privado.
(MARTÍN-BARBERO in MORAES, 2006, p. 69)
65
Daí tirarmos que a lan-house hoje seja o coreto da praça de algumas
décadas atrás. Especialmente para quem mora nas grandes cidades e está distante
geográfica e economicamente do centro motriz de megalópoles como São Paulo, esse
espaço faz, em parte, o papel do shopping center para aqueles que não freqüentam esses
centros de compra. Abre espaço para reforçar a relação dos grupos, conforme afirma
Borelli, a partir de um estudo dos espaços “habitados” por jovens na capital paulista:
As diversas temporalidades experimentadas por jovens da cidade de São
Paulo, um dos mais marcantes paradigmas de metrópole no contexto
brasileiro (associada a experimentações de urbanidade, protagonismo
cultural e produtividade econômica, entre outros) revelam interessantes
cartografias de subjetividades quando estes jovens são diretamente
abordados em seus lugares de lazer e encontro societal. O destemor
juvenil convive com vários temores, materializando-se em estratégias de
comunicação, circulação pela cidade, reconhecimento inter-grupal e no
reconhecimento e/ou negação do “outro”, do diferente. Os espaços de
encontro juvenil, públicos ou privados, são locais de clara demarcação na
territorialidade de pertencimentos grupais. (BORELLI, 2005, on-line)
É nestes espaços que os jovens buscam consolidar suas articulações
de sociabilidade extra-institucionais. Segundo a autora, esses locais funcionam como palcos
nos quais eles podem exibir de modo mais ostensivo e espontâneo os símbolos visuais,
expressões verbais, práticas corporais e “hábitos de consumo – inclusive ilícitos, como uso
de maconha e ingestão de álcool por menores de idade – que tanto afirmam simbolicamente
como realizam na prática sua participação em agrupamentos culturais particulares”. Desse
modo, na pesquisa realizada em campo por Borelli e sua equipe, percebeu-se que a forte
presença de tribos nos espaços observados pôde levar à consolidação de lugares
monotemáticos, arenas identitárias coesas e menos abertas à incorporação de membros
estranhos. Dentre os espaços observados, destaca-se a lan-house como exemplar mais
significativo desta realidade, “que impressiona quanto à fidelização de sua clientela”
(BORELLI, 2005, on-line).
Assim, é somente enquanto proporciona a possibilidade de
agrupamento pelo convívio social que esta nova mídia concorre com a TV por audiência.
Esta questão fica clara à medida que comparamos as principais atividades realizadas pelos
jovens nas horas vagas. Destaque para o fim de semana, visto que ir à lan-house (assim
66
como visitar amigos ou parentes) está na agenda de quase 60% dos entrevistados, contra
46% que citaram assistir à TV, conforme mostram os quadros a seguir:
10
29
31
60
61
69
75
0 1020304050607080
Clube
Leitura
Shopping centers
Outros
Visitas a amigos ou parentes
Lan-house
TV
O que costuma fazer nas horas vagas durante a semana
(em número absoluto de respostas)
29
32
15
14
3
7
13
18
38
37
34
35
23
37
0 5 10 15 20 25 30 35 40
Visita a amigos ou parentes
Leitura
Clube
Shopping Centers
TV
Lan-house
Outros
O que costuma fazer nas horas vagas durante a semana- por classe social
(em número absoluto de respostas)
A e B
C e D
67
Chama a atenção, porém, a similaridade dos hábitos na comparação
entre as classes sociais, com pequeno destaque para a prioridade em ir ao shopping nas
classes A e B. Podemos comparar esses dados com pesquisa realizada por Baccega (2005),
citada anteriormente. O estudo mostrou que assistir à TV era a atividade predominante para
as horas vagas dos alunos, depois da escola, registrando índice de respostas positivas acima
de 50% em todos os grupos pesquisados. Já as visitas a parentes e amigos tinham
ocorrência mais significativa entre os estudantes da E.E. Cohab Raposo Tavares (os de
menor poder aquisitivo dentre o público participante da pesquisa). Destaca-se ainda o
restrito interesse pela leitura, especialmente dentre os jovens que estudam na E.E. Adolfo
Gordo (os de poder aquisitivo médio dentre os entrevistados) – resultado este que
creditamos à pouca leitura de livros, especificamente, já que estes alunos mostraram
interesse pelo acompanhamento de periódicos. Nos fins de semana cai ainda mais o índice
de dedicação dos alunos à leitura, enquanto sobem os das outras atividades, especialmente a
de ir a shoppings centers. Esta prática, contudo, teve a metade da incidência entre os
estudantes da E.E. Cohab Raposo Tavares, em relação aos demais.
17
24
58
64
74
81
81
0 102030405060708090
Leitura
Clube
Shopping centers
TV
Outros
Visitas a amigos ou parentes
Lan-house
O que faz nos fins-de-semana
(em número absoluto de respostas)
68
44
37
9
8
11
13
28
30
34
30
42
39
36
38
0 5 10 15 20 25 30 35 40 45
Visita a amigos ou parentes
Leitura
Clube
Shopping Centers
TV
Lan-house
Outros
O que costuma fazer nos fins-de-semana - por classe social
(em número absoluto de respostas)
A e B
C e D
Como vemos, há inversão da prioridade dada à TV ao longo da
semana quando chegam o sábado e o domingo. Eles querem sair de casa, jogar bola,
passear (tanto que há aumento das idas ao shopping), visitar os amigos e, muitas vezes, ir
com eles até a lan-house – já que nos fins de semana encontramos mais turmas nesses
espaços. Neste sentido, Turkle explica o porquê de a coesão entre os membros de uma
comunidade ser fortalecida com o uso da tecnologia:
Para responder simplesmente, limitando-me ao mostrado em A Vida na
tela, direi que um dos elementos mais fortes é a suposição de que as
pessoas estão ali para nos responder. É um elemento do poder atrativo da
comunidade on-line difícil de ser comparado com experiências off-line.
De certa maneira, a comunidade on-line apossa-se da qualidade de reação
suposta na intimidade do face a face do mundo “real”. (TURKLE in
CASALEGNO, 2006)
Esse comportamento – bem como os hábitos diante da Internet, como
veremos a seguir – repete-se nos dois principais níveis socioeconômicos observados,
mostrando que as aproximações entre as classes superam os distanciamentos dentre as
questões por nós avaliadas. Isso ocorre possivelmente por terem em comum o fato de
estudarem em escolas públicas e semelhantes, além de morarem distante do centro. Mas
não se pode descartar aqui a característica da sociedade global de tendência à padronização
69
do consumo – ou ao menos do desejo do consumo. Com base no que diz Galeano, “o
mundo nunca foi tão economicamente desigual. Nem tão furiosamente igualador, por um lado,
com relação a idéias e costumes que se impõem em todo lugar” (GALEANO in MORAES,
2006, p. 149).
2.2) Hábitos e preferências no acesso à rede
A maioria acessa à Internet com freqüência (64% dos entrevistados
conectam-se à rede pelo menos três vezes por semana), seja em casa ou na lan-house,
conforme mostram os gráficos:
4
9
10
11
15
34
55
0 102030405060
Só durante a semana
Só nos finais de semana
Às vezes
1 vez por semana
2 vezes por semana
3 vezes por semana
Diariamente
Freênciadia de acesso
(em número absoluto de respostas)
70
8
12
40
44
61
132
0 20406080100120140
outros
escritório
escola
casa
amigos
cyber/lan
Locais de acesso à Internet
(em número absoluto de respostas)
12
12
12
13
23
31
35
0 5 10 15 20 25 30 35
Só durante a semana
2 vezes por semana
1 vez por semana
Só nos finais de semana
Às vezes
Diariamente
3 vezes por semana
Freqüência com que vai à
lan-house
(em número absoluto de respostas)
Destaque-se que, dentre os que têm acesso à Internet diariamente (55
pessoas), 28 possuem computador em casa, sendo a maioria das classes A e B, e 9 usam a
rede no trabalho. Os que têm acesso à rede em casa, aliás, concentram-se da seguinte
71
maneira: 8 da classe A, 27 da classe B e 9 da classe C. Os que acessam na casa de amigos
se dividem em: 6 da classe A, 23 da classe B, 30 da classe C e 2 da classe D. De forma que
podemos confirmar a importância social dessa mídia no sentido de reunir as pessoas na
periferia, independentemente do nível socioeconômico, ainda que os jovens que não têm
computador em casa freqüentem mais a casa de amigos com acesso à Internet.
Mas esses jovens que, afinal, pagam pelo acesso à rede a cada vez
que vão a lan-house, depositam mais confiança na TV do que na Internet (como veremos
no capítulo a seguir) quando têm que se informar sobre o que querem comprar ou assistir às
propagandas nas quais mais lhes influenciam. Essa postura torna-se mais clara à medida
que compreendemos de que maneira eles utilizam essa nova tecnologia: a navegação é
restrita; a interatividade limita-se à comunicação com colegas, especialmente por meio do
Orkut; e, dos 87% que disseram realizar operações pela Internet, 102 entrevistados
apontaram que fazem download/upload de arquivos e 94 que realizam ocasionalmente
algum tipo de busca. Somente 5 afirmaram realizar operações bancárias pela rede. Assim,
110 disseram que a primeira coisa que vêem quando acessam à Internet é o Orkut, 10
afirmaram ser o e-mail e 4, o YouTube.
Além de responderem sobre o que vêem primeiro ao acessar à
Internet, os entrevistados também foram indagados sobre a ordem de preferência dos tipos
de sites que visitam na rede:
72
59,70
54,17
31,34
33,33
53,73
62,50
80,60
72,22
53,73
40,28
40,30
34,72
0,00 10,00 20,00 30,00 40,00 50,00 60,00 70,00 80,00 90,00
C e D
A e B
C e D
A e B
C e D
A e B
C e D
A e B
C e D
A e B
C e D
A e B
Sites de
busca
Sites de
notícia
Serviços
de e-
mail
Sites de
música
Bate
papos Esportes
Total de acesso aos
sites
mais visitados - por classe social
(% dos que citaram navegar pelos
sites
, independentemente da ordem elencada,
em relação ao total de entrevistados do extrato socioeconômico)
Dentre o rol de mais de uma dezena de opções listadas no
questionário aplicado, esses seis tipos de sites mais citados estão apresentados com
detalhamento a seguir, sendo que nestes gráficos seguintes explicitamos a ordem de escolha
(do primeiro ao quinto) da prioridade dada a cada uma dessas opções no momento da
navegação por cada classe socioeconômica. Neste aspecto, ficam claros a prioridade e o uso
mais assíduo de serviços de e-mail e de sites de notícias pelas classes A/B, ante a escolha
mais comum pelos sites de música entre as classes C/D, como vemos a seguir.
Em pesquisa publicada recentemente, Coutinho (2005) já havia
identificado que a maioria dos jovens usa da Internet para se comunicar, sendo que, do
público envolvido com tal estudo – predominantemente de classes A e B –, 68% afirmaram
possuir três ou mais contas de e-mail, o que levou o autor a concluir então que “a Internet já
se converteu em um importante instrumento de comunicação para os jovens brasileiros que
podem acessá-la”. Começamos a compreender a dimensão desse hábito, a partir do que
explica Turkle, que nos remete à idéia de acolhimento por meio da rede:
73
Com uma correspondência importante por mail e as demais formas de
comunicação eletrônica há, de um lado, a intensidade e a fantasia desse
tipo de comunicação instantânea, mas, diferentemente de uma conversa,
pode-se ler e reler uma mensagem. Une-se à potência da conversação um
suplemento de sentido. Há um aspecto da ordem da participação na
conversa on-line, que pode ser freqüente e facilita a coordenação entre
pessoas diferentes e geograficamente dispersas. Mas existe outro aspecto
da conversa eletrônica: o subjetivo. O aspecto subjetivo da tecnologia
não está no que a informática faz por nós, mas no que ela faz conosco.
Tento interpretar a questão de maneira a abrir espaço, na discussão sobre
o virtual e seus descontentamentos (ou satisfação), para a importância do
sonho contido na comunicação quase instantânea. Isso também pode ser
um cimento que dá às pessoas o sentimento de “pertencimento”. Falo da
sensação de que, num grupo de discussão on-line, escrevo e depois,
imediatamente, alguém pode retomar a minha idéia, desenvolvê-la e
remeter-me alguma coisa. Tais gratificações são estimulantes e produzem
um sentimento de filiação. (TURKLE in CASALEGNO, 2006)
Talvez os jovens naveguem principalmente em busca desse conforto
e desse “sonho”, visto que a navegação se dá em função dela, ainda que tenhamos
detectado formas diferentes de buscar essa conexão entre as classes sociais. Enquanto as
classes A e B dão preferência ao uso do e-mail, as classes C e D optam com maior
freqüência pelo uso de comunidades e salas de bate-papo para se comunicar.
Mesmo sendo mais usados pelos jovens de maior poder aquisitivo, os
serviços de e-mail que se destacam entre os preferidos são os gratuitos. Dentre os
entrevistados, 129 afirmaram possuir conta de e-mail, sendo que 118 disseram usar Hotmail
– em razão do MSN –, 42 o Yahoo e poucos citaram iG (7), Gmail (5), Uol (1) e Globo (0)
– estes dois últimos, pagos. Sobre o tipo de e-mails que gostam de receber a resposta é
quase unânime: de amigos (120), de notícias (32), de propagandas (13), news letters (6) e
correntes (3).
74
14,93
13,89
11,94
18,06
8,96
13,89
5,97
4,17
4,48
8,33
0,00 2,00 4,00 6,00 8,00 10,00 12,00 14,00 16,00 18,00 20,00
1
2
3
4
5
Prioridade - por ordem de preferência - no uso de serviços de
e-mail
(% de citações, do 1o. ao 5o. lugar, em relação ao total de entrevistados do
extrato socioeconômico)
A e B
C e D
É neste sentido que percebemos até mesmo o quase unânime Orkut
parecer subaproveitado, visto que os internautas não demonstram interesse em navegar
pelas comunidades, discutir temas ou postar suas opiniões a respeito de qualquer assunto. A
intenção é exclusivamente a de “falar” com os amigos, seja on-line, seja deixando recados
nas páginas pessoais dos colegas ou paqueras, seja lendo os perfis publicados por cada um.
Daí o resultado apresentado para a preferência pelos “bate-papos”, que acompanham a
lógica do pertencimento da troca de e-mails, porém, são mais comuns entre os internautas
das classes C e D.
75
14,93
9,72
16,42
5,56
5,97
9,72
7,46
2,78
1,49
2,78
0,00 2,00 4,00 6,00 8,00 10,00 12,00 14,00 16,00 18,00
1
2
3
4
5
Prioridade - por ordem de preferência - no uso de bate-papos
(% de citações, do 1o. ao 5o. lugar, em relão ao total de entrevistados
do extrato socioeconômico)
A e B
C e D
Ainda dentro desta seara da comunicação, interessante notar que, ao
mesmo tempo em que navegam, 60 pessoas disseram também ouvir música e, outras 23,
usar o MSN, sendo que a maioria o faz freqüentemente e não necessariamente como uma
atividade concomitante à navegação pela rede. Foram 14 respostas dadas por quem usa o
MSN o dia todo; 15 que o fazem ocasionalmente; 37 para quem troca mensagens durante
um período do dia; e 41 que usam o serviço algumas vezes por semana.
Uma questão que chama a atenção, contudo, é o fato de que eles não
saem muito das opções iniciais que adotam ao começarem a navegar pela rede. Quando
perguntados sobre os três sites que mais acessam, as respostas foram: 122 citações para o
Orkut, 34 para o YouTube e 22 para o Google. Com destaque para o fato de grande parte
dos entrevistados ter citado apenas o Orkut.
Neste contexto, queremos abrir um parêntese para pontuar sobre a
recente intenção de compra do Yahoo! pela Microsoft. Porém, a proposta da gigante da
indústria de softwares, que queria de ter mais peso no mercado de buscas (e
conseqüentemente na publicidade captada via links patrocinados) dominado atualmente
76
pelo Google, foi recusada e o Yahoo! tende a retomar as negociações com o próprio
Google. (Estadão, Yahoo! e Uol – citar).
Neste levantamento, também destaca-se o buscador Google quando
perguntamos sobre pesquisas realizadas na reda, especialmente no ambiente escolar – e este
é outro ponto que nos remete ao aproveitamento restrito das possibilidades de navegação,
se olharmos para o que diz Vilches:
Por trás da lista de resultados de cruzamentos combinatórios por efeito de
algoritmos, como os do Google, há uma visão de mundo, isto é,
princípios de classificação do saber visual, de organização do
conhecimento sobre o mundo e homens; em outras palavras, políticas da
imagem. (VILCHES in MORAES, 2006, p. 165)
10,45
5,56
20,90
16,67
13,43
16,67
5,97
6,94
4,48
1,39
0,00 5,00 10,00 15,00 20,00 25,00
1
2
3
4
5
Prioridade - por ordem de preferência - no uso de
sites
de busca
(% de citações, do 1o. ao 5o. lugar, em relação ao total de entrevistados
do extrato socioeconômico)
A e B
C e D
Além disso, nas 139 entrevistas não há sequer uma citação de blog.
Raríssimos casos de entrevistados que se interessam por notícias apontam o Terra, o Uol e
o site do jornal esportivo Lance como seus locais preferidos de navegação na rede. Fora
estes, são citados apenas os sites de times de futebol, como os do Corinthians e do São
Paulo, ou de jogos on-line, como Clickjogos e Fliperama.
77
4,48
2,78
4,48
2,78
7,46
6,94
5,97
8,33
5,97
4,17
0,00 1,00 2,00 3,00 4,00 5,00 6,00 7,00 8,00 9,00
1
2
3
4
5
Prioridade - por ordem de preferência - no uso de
sites
de notícia
(% de citações, do 1o. ao 5o. lugar, em relão ao total de entrevistados do
extrato socioeconômico)
A e B
C e D
Praticamente a mesma percepção pode ser tirada do perfil de acesso
aos sites de esportes, com pequena adesão quanto a escolha e poucas citações entre os
preferidos em primeiro lugar:
2,99
5,56
7,46
6,94
5,97
5,56
10,45
5,56
2,99
4,17
0,00 2,00 4,00 6,00 8,00 10,00 12,00
1
2
3
4
5
Prioridade - por ordem de preferência - no uso de
sites
de esportes
(% de citações, do 1o. ao 5o. lugar, em relação ao total de entrevistados do
extrato socioeconômico)
A e B
C e D
78
O item que obteve a maior quantidade de citações entre os sites
preferidos foi o de música. Dentre os entrevistados, 106 citaram navegar também por sites
de música quando estão na rede. Destes, 10 (13,9%) das classes A e B e 17 (25,4%) das
classes C e D colocaram este tipo de site como seus preferidos. Os sites de música foram os
que tiveram o maior número de escolha quanto à preferência. E Castro explica a
importância desse ato pela ótica da cultura urbana contemporânea:
as tribos dos ciberouvintes estabelecem sua presença na cena
contemporânea, fazendo-se notar como mais do que apenas um
fenômeno passageiro. Enquanto a Internet continua a se expandir pelo
mundo afora, observa-se um duplo fenômeno no que diz respeito à
difusão e consumo de música digital. De um lado, cresce a difusão e
penetração da música massiva já dominante no cenário internacional. Por
outro lado, nichos minoritários de consumo ganham projeção em escala
global. A diversidade de gêneros e estilos disponíveis ao acesso, aliada à
extrema maleabilidade do som digital, enseja uma profusão de trocas e
misturas, contágios e apropriações. Sendo assim, a escuta contemporânea
convive com os mais variados tipos de som, sendo as tribos demarcadas
pelos gêneros e estilos de sua preferência. Sendo a adesão voluntária, o
pertencimento a uma determinada tribo não exclui necessariamente que
se possa pertencer a outras, havendo ainda trânsito freqüente entre
membros de diferentes tribos. Essas subculturas parecem caracterizar-se,
como foi dito, pela espontaneidade e mobilidade, podendo ainda ter
duração passageira, o tempo de um acontecimento como um mega-
concerto ou uma rave, por exemplo, transmitidos através da web. O
efêmero em nada parece diminuir a consistência ou o vigor de uma tribo,
sua visibilidade ou sua pregnância no cenário urbano atual. (CASTRO,
2005, p.8)
Evidentemente que a comparação requer cautela, visto que as
metodologias diferem, mas talvez possamos destacar que agora, três anos depois do
levantamento de Coutinho (2005), a classe C da periferia estejam chegando ao “nível” de
consumo de downloads e acesso a sites de música demonstrado como preferência do
público A/B há quase três anos. Segundo o autor, naquela pesquisa, os downloads e
consumo de música superaram os downloads e consumo de e-mails das categorias de mídia
e entretenimento.
79
25,37
13,89
25,37
26,39
13,43
12,50
10,45
9,72
2,99
8,33
0,00 5,00 10,00 15,00 20,00 25,00 30,00
1
2
3
4
5
Prioridade - por ordem de preferência - no uso de
sites
de música
(% de citações, do 1o. ao 5o. lugar, em relação ao total de entrevistados do
extrato socioeconômico)
A e B
C e D
Além dos sites, 45,3% dos entrevistados, especialmente os mais
novos, também afirmaram que usam o computador para jogar games, nem sempre on-line.
Os jogos preferidos dos meninos são GTA e Counter Strike (este último recentemente
proibido no Brasil), que abusam de recursos como coquetel molotov, serra elétrica e outros
instrumentos afins nas batalhas travadas entre os jogadores. Entre os meninos destaque
também para os jogos de futebol e para os games da Barbie, entre as meninas.
Se pensarmos agora, pontualmente, no caso das lan-houses, podemos, em
primeira mão, associá-las a uma comunidade que estaria funcionando em,
pelo menos, três instâncias não-excludentes de interatividade: uma
articulada pelos games jogados em rede pelos usuários, cuja interação se
dá por meio de avatares; outra, também em rede, mas ativada pelos
canais de chat, que podem ser acessados durante os jogos para a troca de
informações entre os jogadores; e uma presencial, visto que os jogadores
ocupam um espaço físico comum e interagem durante o jogo, para se
xingarem ou planejar próximas jogadas, ou ainda nos raros momentos em
que param para descansar ou comer, ou para combinarem próximos
encontros e trocar informações sobre os jogos. (SEPÉ, 2005, on-line)
80
10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 23 27
1
2
1
2
2
4
5
2
5
1
8
3
0
1
1
0
0
1
2
1
0
3
1
10
3
4
0
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
idade em anos
Utilizam o computador para jogar
games
- por idade/sexo
(em número absoluto de respostas)
Masculino
Feminino
Essas escolhas ainda ajudam a confirmar o porquê de os
entrevistados preferirem acessar à Internet em lan-houses do que em telecentros. Do total
de entrevistados, 26% afirmaram freqüentar também os centros públicos de acesso, sendo
que destes 4 pessoas disseram preferi-los (por serem de graça), ante 28 que gostam mais
das lan-houses, “porque a conexão é mais rápida, por poderem ficar quanto tempo
quiserem, por ser mais sossegado, pelo fato de não haver controle de acesso
(principalmente o Orkut bloqueado), por ser perto de casa, ou pela webcam”.
Vemos que uma explicação para esse “comportamento-padrão” pode
estar na escola, que não nos parece incentivar o uso crítico desta tecnologia. Apenas 39
alunos (menos de 35% do total de estudantes) disseram que o uso do computador completa
de alguma maneira o conteúdo da aula. Eles declaram que alguns professores conversam
com os alunos pelo Orkut e pelo MSN, outros perguntam sobre o que eles pesquisam na
Internet, uns sugerem sites e pouquíssimos utilizam a rede durante as aulas.
81
3 – Relação com outras mídias, educação e consumo
Voltamos agora à questão da padronização do consumo como efeito
decorrente dos movimentos da sociedade global, partindo do que diz Dupas a respeito do
consumo pelos jovens:
Para os mais jovens, participam da natureza das coisas o efêmero, o novo
e as modas, a mudança e a precariedade, a rapidez e a intensidade, a
descontinuidade e o imediato. Sua cultura e suas práticas extraem daí seu
próprio movimento. Acomodam-se mal no tempo repetitivo, rotineiro, no
tempo vivido moderadamente e no de efeito muito retardado; desse modo
confiam o desejo, a afetividade, as relações eletivas e as paixões ao
domínio de uma modalidade exigente. A urgência destrói a capacidade de
construir e esperar. Bombardeado pela mídia eletrônica que associa a
felicidade ao consumo de marcas globais, o jovem excluído – receptor
exatamente da mesma mensagem que o incluído – tem como alternativas
conseguir a qualquer preço o novo objeto de desejo ou recalcar uma
aspiração manipulada pelo interesse comercial. (DUPAS, 2001, p. 59)
Pudemos comprovar essa premissa de unificação dos desejos a partir
das questões que relacionam os últimos produtos que os entrevistados compraram e os que
gostariam de adquirir. Dentre as respostas sobre o que compraram destacam-se: 32
afirmaram ter adquirido roupas, 19 disseram que foi um par de tênis e 11, um tocador de
música (MP3, MP4 ou MP5). Já sobre os objetos de desejo destacam-se os produtos
tecnológicos: 21 queriam um tênis, 19 um celular, outros 19 um computador, 5 um MP4 ou
MP5, 5 uma câmera digital e outros citaram ainda palm, pen drive, playstation e demais
itens que compõem a parafernália de acesso ao mundo digital – nenhum deles pontuado
entre os produtos já adquiridos. O interesse por esse tipo de produto, aliás, pode ser
ressaltado a partir de uma questão que aponta o uso que esses jovens fazem do celular
(76,3% possuem um aparelho), com grau significativo de acesso a ações que vão além do
simples falar, como vemos:
82
18
23
27
47
68
76
105
0 20406080100120
Para navegar
Outros/música
Para baixar ringtones
Para jogar
Para fotografar
Para enviar torpedos
Para falar
De que modo usa o celular
(em número absoluto de respostas)
Esse padrão de uso dos telefones móveis, apesar de mostrar a mesma
prioridade na comparação dos hábitos entre as classes sociais, destaca-se entre as classes A
e B, que apresentam maior interesse em aproveitar das atividades além da fala
possibilitadas por essa tecnologia:
83
48
57
23
24
25
43
6
12
9
18
36
40
8
15
0 102030405060
Falar
Jogar
Fotografar
Navegar
Baixar Ringtones
Torpedos
Outros/música
De que modo usa o celular - por classe social
(em número absoluto de respostas)
A e B
C e D
Mas, apesar do desejo de se inserirem e consumirem esse mundo
digital, não é por meio da Internet que eles se informam sobre o que querem comprar e
tampouco vêem esta mídia como a de maior credibilidade informativa, como podemos
comprovar:
84
TV Conversa
com
pessoas
Internet Revistas Rádio Jornal
impresso
Outdoor Outros Mala
direta
85
68
49
44
4
9
9
19
20
0
20
40
60
80
100
Como se informa sobre os produtos que quer comprar
(em número absoluto de respostas)
Aqui também há similaridade nos hábitos, sendo que as classes mais
altas dão maior prioridade à Internet e as classes C e D reforçam a adoção de conversas
com outras pessoas no momento de se informar sobre quais produtos quer comprar.
85
43
42
10
10
9
10
24
20
21
28
3
1
5
4
38
30
2
8
0 5 10 15 20 25 30 35 40 45
TV
dio
Jornal impresso
Revistas
Internet
Mala Direta
Outdoor (cartaz de rua)
Conversando com outras pessoas
Outros
Como vo se informa sobre os produtos que quer comprar - por classe social
(em número absoluto de respostas)
A e B
C e D
86
na TV na
Internet
nas
revistas
nos
jornais
folhetos
de rua
em
outdoor
dio outros
102
43
19
2
8
12
14
17
0
20
40
60
80
100
120
As propagandas que mais influenciam são as que aparecem:
(em número absoluto de respostas)
50
52
19
24
4
8
7
12
10
7
8
6
2
6
1
1
0 102030405060
Na TV
Na Internet
Em outdoor (cartaz de rua)
Nas revistas
Nos jornais
Folhetos de rua
dio
Outros
As propagandas que mais influenciam o consumidor o as que aparecem
- por classe social
(em número absoluto de respostas)
A e B
C e D
87
Mais do que isso, é interessante notar o perfil bastante próximo entre
o comportamento tanto das classes C e D quanto A e B no que se refere à preferência pela
TV no quesito ‘informação sobre o que quer comprar’. Destaque-se ainda que proporções
semelhantes das classes sociais também deram prioridade, na mesma ordem, à Internet e às
revistas como referência de consumo. Chama a atenção, contudo, uma leve diferença
perceptiva entre as classes sociais no tocante às propagandas que mais influenciam os
consumidores: ambos os extratos dão igualmente prioridade à TV, mas, quando se trata da
Internet, há ligeiro aumento da confiança por parte dos consumidores das classes A e B (24)
ante as classes C e D (19).
56
51
4
8
5
10
2
1
0102030405060
TV
INTERNET
NÃO CONFIA EM
NENHUMA
INDIFERENTE
Em qual propaganda você confia mais - por classe social
(em número absoluto de respostas)
A e B
C e D
O já citado estudo de Baccega (2005) também mostrou que, quando a
questão era apontar em qual veículo são veiculadas as propagandas que mais influenciam o
consumidor, a TV teve presença quase unânime. Além disso, dentre os recursos que mais
chamam a atenção dos jovens para essas propagandas, está a música em primeiro lugar,
seguida pelo texto. A televisão, de longe, também foi o veículo de mídia citado como o
mais utilizado pelos estudantes como meio para obter informações sobre os produtos que
88
eles querem comprar. Nota-se, contudo, que, entre os alunos do colégio particular Liceu
Coração de Jesus, este índice era cerca de 10 pontos porcentuais menor e estava quase a
mesma proporção acima dos demais quando o veículo em questão é revista. Com relação à
Internet, outra discrepância: os alunos da E.E. Cohab Raposo Tavares representam apenas
cerca de 20% do registrado nos outros colégios quando a informação sobre os produtos se
dá pela rede mundial de computadores. E os canais assistidos com mais freqüência pelos
estudantes são: Globo (62,8%), MTV (12,8%) e SBT (10,5%).
Dentre os nossos entrevistados, 107 disseram confiar mais nas
propagandas que vêem na TV, 12 confiam mais nas da Internet e 13 em nenhuma das duas.
Interessante destacar algumas justificativas em defesa da TV: “porque você vê a pessoa
falando”, “porque as coisas parecem mais reais”, “porque o anunciante tem contrato com a
emissora”, “porque tem maior transmissão”, “porque chama mais sua atenção”, “porque é
mais pessoal”. Porém, mais do que expor o porquê de confiar na TV, a maioria dos
entrevistados preferiu reforçar o porquê de não confiar na Internet: “tem muita falcatrua”,
“no outro dia o site pode não estar lá”, “é enganosa”, “não tem como se defender se algo
estiver errado”, “qualquer um pode mentir na Internet”, “muitas coisas não são seguras na
Internet”. E é o próprio Pierre Lévy quem nos ajuda a compreender o porquê desses
questionamentos:
Os temores a respeito da verdade das informações disponíveis na Internet
são legítimos. Eles concernem em particular aos documentos não
assinados ou que não podem ser atribuídos a uma instituição que ponha
sua credibilidade em jogo nas informações que coloca à disposição do
público. É preciso dizer, contudo, que a verdade resulta de um processo
coletivo de busca e de produção que, quanto mais livre e múltipla é a
palavra, mais eficaz é. (LÉVY in MORAES, 2003, p. 372)
Lembramos aqui da necessária aproximação com o
interlocutor/espectador prevista pela televisão (segundo Orozco Gomez, como tratado no
primeiro capítulo). Esse quadro ratifica-se se observarmos que, do total de nossos
entrevistados, 97,8% assistem à TV, sendo que, destes, 78,4% o fazem diariamente e 40%
ficam diante da telinha por mais de 3 horas. Além disso, uma comparação com o consumo
de outras mídias pode confirmar a postura “de manada” dos jovens diante da Internet, algo
que pode ser compreendido a partir do que descreve Machado:
89
(...) os novos meios que começaram a tomar forma depois da hegemonia
da televisão, sobretudo os de natureza digital (hipermídia, realidade
virtual, ambientes colaborativos baseados em rede etc.) restituíram
novamente a questão da inserção subjetiva e o fizeram de uma forma tão
marcante, que chega a ser surpreendente o fato de não ter sido ainda
formulada uma teoria geral da enunciação em ambientes digitais.
(MACHADO in PRADO, 2002, p.85)
Os filmes, os programas de TV, os canais aos quais assistem e as
rádios a que escutam também são bastante semelhantes. Mesmo os que possuem TV a cabo
(novamente, com predominância da classe B) dão preferência aos canais abertos, como
vemos:
globo
sbt
record
mtv
tv a cabo
bandeirantes
cultura
redetv
canal 21
gazeta
outros
117
88
54
49
49
11
3
6
7
13
0
20
40
60
80
100
120
A qual canal assiste com mais freqüência
(em número absoluto de citações para as ts principais escolhas)
90
55,22
47,22
10,45
12,50
13,43
20,83
0,00 10,00 20,00 30,00 40,00 50,00 60,00
Globo
SBT
TV a Cabo
Preferência 1 dentre os canais de TV
(% em relação ao total de entrevistados do extrato social para a escolha
do 1o. canal ao qual mais assiste)
A e B
C e D
23,88
23,61
34,33
29,17
4,48
9,72
0,00 5,00 10,00 15,00 20,00 25,00 30,00 35,00
Globo
SBT
TV a Cabo
Preferência 2 dentre os canais de TV
(% em relação ao total de entrevistados do extrato social para a escolha
do 2o. canal ao qual mais assiste)
A e B
C e D
91
5,97
12,50
23,88
16,67
7,46
13,89
0,00 5,00 10,00 15,00 20,00 25,00
Globo
SBT
TV a Cabo
Preferência 3 dentre os canais de TV
(% em relação ao total de entrevistados do extrato social para a escolha do
3o.canal ao qual mais assiste)
A e B
C e D
Interessante notar a padronização destes hábitos diante da TV, ainda
que com pequena diferença entre as classes socioeconômicas quanto a filmes e clipes com
maior participação nos extratos mais altos (A e B) – explicado especialmente pelo acesso
mais fácil aos canais a cabo –, enquanto há maior preferência pelas novelas e programas
esportivos nas classes C e D:
92
Filmes
Clips
Novelas
Esportivos
Desenho animado
Jornalísticos
Seriados
Programas de Auditório
Programas Educativos
Programas
especializados
90
76
64
54
2
2
10
18
37
40
0
20
40
60
80
100
Tipo de programa a que costuma assistir
(em número absoluto de citações para as ts principais escolhas)
Filmes
Clips
Novelas
Esportivos
Desenho animado
Jornalísticos
Seriados
Programas de Auditório
Programas Educativos
Programas especializados
50
40
43
33
29
35
26
28
11
2
0
5
5
7
11
17
20
20
20
0
10
20
30
40
50
Tipo de programa a que costuma assistir - por classe social
(em número absoluto de citações para as três principais escolhas)
A e B
C e D
93
Em relação ao consumo de mídia dos estudantes – especialmente no
que se refere a assistir à TV –, Citelli havia identificado em pesquisa anterior que: “a
despeito do corpus dessa pesquisa ser formado por alunos de escolas públicas, é curioso
verificar que apenas 32,21% deles possuem só um aparelho no domicílio.
Aproximadamente 70% têm dois ou até mais de três televisores” (CITELLI, 2000, p.25).
Chama-nos a atenção o fato de os dados do autor terem sido coletados em 1996. Neste
contexto, Citelli coloca que mudanças radicais neste cenário vieram a partir do Plano Real
(com propostas de reestruturação do modelo econômico que passaram a ser adotadas em
julho de 1994). Foi ali que o Brasil passou a registrar uma explosão no consumo de
produtos eletroeletrônicos (nos quais estão inseridos os televisores, os vídeo-cassetes, os
DVDs e o aparelhos de som). Naquele período, foram vendidos perto de 10 milhões de
aparelhos de TV. Além disso, Citelli ainda constatou que a presença desses aparelhos de
TV na sala e/ou no quarto dos entrevistados foi quase equivalente. Ou seja, a televisão que
antes demarcava o ponto de encontro das famílias passou a descentralizar-se, servindo para
“reforçar ainda mais a dispersão e o solitário ato de fruir mensagens”.
Dentre nossos entrevistados, 92% afirmaram ouvir rádio, sendo que
8,5% deles o fazem pelo celular, especialmente os jovens das classes A e B (e aqui vale
chamar a atenção que, talvez por isso, este extrato socioeconômico tenha demonstrado
relativamente menos interesse em navegar por sites de música na Internet, como vimos no
capítulo 2). Supomos que esse hábito advenha da possibilidade de adquirir aparelhos de
celular com mais funções além da transmissão de voz. De forma geral, as rádios mais
ouvidas são: Jovem Pan FM (73 citações entre os três primeiros lugares), Mix (71) e
Metropolitana (51).
Poucos têm o hábito de ir ao cinema com freqüência, sendo que, dos
101 que afirmaram que sim, 50% o fazem raramente. Dão preferência a filmes estrangeiros
(63 citações) ante os brasileiros (20 citações), mas o nacional Tropa de elite foi o filme
nominalmente mais citado (por 22 pessoas), à frente de Harry Potter, Homem Aranha, Os
Simpsons e Residente evil. E aqui talvez esteja a principal interferência local do surgimento
das lan-houses nos bairros de periferia. Talvez ir ao espaço das lan-houses substitua às
94
vezes os descolamentos ao cinema. Os dados coletados por Baccega (2005) em 2004
apontavam maior interesse dos estudantes em ir ao cinema, ainda que com menor
participação nesta prática dos alunos com menor poder aquisitivo. O hábito de ir ao cinema
atingia a totalidade dos alunos entrevistados na E.E. Adolfo Gordo, 94,8% no Liceu
Coração de Jesus e 73,1% na E.E. Cohab Raposo Tavares, como vemos:
100,0
94,8
73,1
0,0
20,0
40,0
60,0
80,0
100,0
E.E. Adolfo Gordo Colégio Liceu
Coração de Jesus
E.E. COHAB
Raposo Tavares
Costuma ir ao cinema X escola
(em %)
3.1) Internautas funcionais para além da rede
Diante dessas declarações, chamam a atenção algumas contradições
encontradas no discurso desses jovens quando perguntados sobre itens de consumo que
vêem como necessários ou que podem ficar para depois. Muitos dizem que se informam
sobre o que querem comprar por meio de revistas, mas somente 49 declararam que elas são
necessárias. Enquanto isso, 65 afirmaram que os livros são necessários, mas não têm o
hábito de leitura como atividade em suas horas vagas. O contrário vale para a academia,
que 109 “preferem deixar para depois”, mas que é está presente no cotidiano de boa parte
deles. Interessante ainda notar que somente 45 consideram necessário ir ao cinema (menos
do que os que responderam ter o costume de fazê-lo) e que para 82 entrevistados as doações
para entidades não podem esperar. Interessante notar que na maioria dos itens o
95
comportamento tanto das classes A e B quanto C e D têm mais aproximações do que
diferenças:
20,90
22,22
35,82
36,11
35,82
29,17
86,57
84,72
59,70
56,94
67,16
51,39
0,00
4,17
55,22
58,33
40,30
51,39
52,24
41,67
34,33
36,11
35,82
51,39
53,73
51,39
77,61
69,44
0,00 20,00 40,00 60,00 80,00 100,00
Academia
Carro novo
Cinema
Compras de roupas e acessórios
Cursos de idiomas
Doação para entidades
Jogo do bicho/Loteria
Jogos (de futebol e outros)
Lanchonete
Livros
Revistas
Salão de beleza
Shows
Viagens
Item que considera necessário
(% em relação ao total de entrevistados do extrato socioeconômico)
A e B
C e D
96
79,10
77,78
64,17
63,89
64,17
70,83
13,43
15,28
40,29
43,06
32,83
48,61
100
95,83
44,77
41,67
59,70
48,61
47,76
58,33
65,67
63,89
64,17
48,61
46,26
48,61
22,38
30,56
0 20406080100
Academia
Carro novo
Cinema
Compras de roupas e acessórios
Cursos de idiomas
Doação para entidades
Jogo do bicho/Loteria
Jogos (de futebol e outros)
Lanchonete
Livros
Revistas
Salão de beleza
Shows
Viagens
Item que pode ser adquirido depois
(% em relação ao total de entrevistados do extrato socioeconômico)
A e B
C e D
Assim, esse mapa de consumo cultural composto pelos usuários de
lan-house na periferia talvez aponte para uma evidência do que a expansão desses
estabelecimentos tem criado: uma massa de internautas funcionais
4
– com acesso à
tecnologia, mas sem capital pessoal que lhes permita o uso de toda essa parafernália. Mais
do que isso, sem ter perspectiva que outros agentes sociais, como a escola e a família, lhes
promovam essa condição de não só consumir a tecnologia, mas se apropriarem dela para
protagonizar novos conhecimentos.
4
Em referência aos analfabetos funcionais – termo adotado pela Unesco para definir um nível de instrução em
que a pessoa sabe ler e escrever, mas é incapaz de interpretar o que lê e de usar a leitura e a escrita em
atividades cotidianas, segundo MENEZES, Ebenezer Takuno de; SANTOS, Thais Helena dos."Analfabetismo
funcional" (verbete). Dicionário interativo da educação brasileira – EducaBrasil. São Paulo: Midiamix
Editora, 2002. Disponível em : http://www.educabrasil.com.br/eb/dic/dicionario.asp?id=132. Acesso em: 12
jan 2008.
97
Certamente há ainda a questão do centro urbano permeando esse
cenário, visto que essa expansão das lan-houses tem sido identificada com muito mais força
nas grandes cidades do que no interior. No caso do subdistrito de Raposo Tavares esse fator
evidencia-se claramente. Sua localização periférica (a cerca de 35 quilômetros do centro da
cidade) interfere nesta questão, já que os jovens pouco saem de sua região, apesar de
transitarem bastante entre os bairros. E talvez aí, voltando à questão das tribos e da
aproximação a um grupo que as lan-houses e a Internet têm proporcionado, esse processo
possa fazer sentido.
Se não passar disso, como vimos com base nos comentários tecidos
anteriormente, a tecnologia pura e simplesmente terá sempre mais capital para ampliar o
fosso entre as esferas sociais do que para contribuir com sua aproximação. Segundo
Moraes: “a celeridade das inovações, portanto, não desfaz desníveis sociais e barreiras
econômicas. Persistem privilégios no ecossistema digital”. E ainda conforme autor pontua,
a partir de García Canclini (2004), “o predomínio das redes sobre as estruturas localizadas
deixa invisíveis formas anteriores de mercantilização e exploração – que não
desapareceram – e engendra outras” (MORAES in MORAES, 2006, p. 44).
Para a manutenção desse status quo, temos hoje a busca pela
construção de uma credibilidade que permita a marcas, sites, blogs, publicações, etc. serem
escolhidos como “editores” do mundo no qual estão inseridos seus consumidores. Ou seja,
há um contexto em que o filme publicitário passa a ter menos “valor” do que a lista dos top
ten de um site especializado ou do que as recomendações postadas no blog de um amigo. E
esse comportamento cresce no sentido de que a experiência da aquisição é vivida mais
intensamente do que a própria posse do produto, ainda que sob a clareza de que o consumo
digital esteja intimamente ligado ao que se dá fora da rede, sendo que o mesmo vale para o
consumo dos produtos midiáticos, como aponta Sodré:
Ela (a mídia) se torna uma espécie de suporte da consciência prática na
medida em que os fluxos informativos fazem interface, reorganizam ou
mesmo reinventam rotinas inscritas no espaço-tempo existencial. A
própria recepção ou consumo de produtos midiáticos pode ser vista como
uma atividade rotineira, integrada em outras que são característica da
vida cotidiana. (...) É o que se explicita na realidade do mercado: o
sujeito é sempre individual e só existe socialmente enquanto em algo
98
para comprar ou vender, ou pelo menos assim se pense. (SODRÉ in
MORAES, 2006, p. 29)
Hoje o consumidor pode decidir entre centenas de ofertas e
possibilidades de downloads da Internet – algo que exige pesquisa, planejamento e
dedicação dos espectadores-internautas. As preferências ganham espaço e alcançam um
caráter de falsa exclusividade, no sentido de que a audiência de massa se ramifica e esses
espectadores se dividem em tribos com seus próprios rituais e ritos de passagem, como
vimos. É disso que trata Dupas:
As novas tecnologias geram produtos de consumo radicalmente novos.
Ondas de entusiasmo, apoiadas e lançadas por todos o meios de
comunicação, propagam-se instantaneamente. O telefone celular e a
Internet, símbolos da interconectividade, passam a ser condição de
felicidade. (DUPAS, 2001, p.53)
Daí destacarmos o próprio consumo da Internet em lan-houses, que
passaram a fazer parte do cotidiano desses jovens, que se tornaram mais um hábito de
consumo, que leva a outros. Bauman, ao tratar dos consumidores na atual “sociedade
líquido-moderna”, destaca que:
A sociedade de consumo consegue tornar permanente a insatisfação.
Uma forma de causar esse efeito é depreciar e desvalorizar os produtos
de consumo logo depois de terem sido alçados ao universo dos desejos
do consumidor. Uma outra forma, ainda mais eficaz, no entanto, se
esconde da ribalta: o método de satisfazer toda
necessidade/desejo/vontade de uma forma que não pode deixar de
provocar novas necessidades/desejos/vontades. O que começa como
necessidade deve terminar como compulsão ou vício. (BAUMAN, 2006,
p.106)
Vemos ainda que é justamente a possibilidade do acesso em massa
que traz o interesse do capital global a aproximar-se dos movimentos advindos desses
possíveis consumidores. Tanto que as maiores empresas presentes na rede cada vez mais
põem olhos nos jovens consumidores brasileiros. A média de navegação de 22 horas por
semana dos internautas brasileiros anima grandes anunciantes globais: como cativar essa
atenção para mim, perguntam impondo um novo desafio à comunicação, à divulgação de
marcas, produtos e serviços.
99
Mas, como pudemos perceber, trata-se de um comportamento no
meio digital que tem mostrado dar preferência ao que primeiro chega de novidade na rede
(a ver exemplos do Orkut, YouTube, Google), um extrato da população que chega agora à
Internet cheio de paixão, inclusive pelo consumo – e conseqüentemente pelas marcas. Mas
há também a relação entre a pobreza brasileira e a avidez pelo acesso – num desespero de
vislumbrar qualquer possibilidade de inserção – que muitas vezes pode se realizar por meio
das novas tecnologias, permitindo formas de produção a custos bem mais baixos do que o
de suas antecessoras.
Sem dúvida, como vimos ao longo da pesquisa, esses novos espaços
trazem, sim, transformações nas práticas cotidianas e na percepção sensorial dos jovens,
mas essas mudanças estão mais próximas de atividades que preencham uma necessidade
criada pelo próprio surgimento da tecnologia. Evidentemente há um papel social nisso.
Como os próprios pais, dentro do senso comum, pontuam: “é melhor que eles estejam na
lan-house do que na rua”. Sem dúvida, na periferia, como também vimos, esses espaços
têm se constituído em opções de lazer que, talvez, pudessem ser substituídas por cinemas,
parques, teatros ou circos caso houvesse diversidade de ofertas e opções nos bairros
distantes do centro. E, enquanto lócus de sociabilidade, permitem retomar a troca de
olhares, cheiros, conversas e paixões. Retomando Sherry Turkle (1995), é especialmente o
fato de as pessoas saberem que encontrarão na Internet (e podemos dizer que também na
lan-house) um interlocutor que as move em direção a esse espaço. E talvez a força deste
movimento ainda não tenha sido bem compreendida e, conseqüentemente, bem apropriada
enquanto agente socializador.
3.2) A importância da escola na construção do capital digital
Voltando à relação dos dados captados por esse levantamento com o
estudo de Baccega (2005), percebemos que, ainda que tenha havido o aumento da
participação dos estudantes no uso da Internet ao longo dos três anos que separam as
pesquisas, manteve-se a prioridade dada à TV enquanto principal canal “definidor” dos
100
hábitos de consumo. Em ambas, os estudantes destacaram o caráter informativo da
televisão numa postura que, segundo Baccega (2003), passa às pessoas a sensação de que a
aparente circulação de idéias lhes permite interpretar os fatos transmitidos. Mas, conforme
a autora afirma, está na escola – e não na mídia – o compromisso com o conhecimento:
A televisão faz parte da cultura na qual vivemos, editando o mundo e
tornando impensável uma sociedade sem a sua presença. (...) A televisão
dissemina conteúdos por meio de uma linguagem que utiliza o verbal e o
não-verbal, incluindo-se aí os avanços tecnológicos (...) É o espetáculo
que caracteriza a televisão contemporânea. Não é a disseminação de
informações, apresentadas enganosamente como conhecimento
(BACCEGA, 2003, p.99/100).
Mais do que isso, percebe-se nesta mesma comparação entre as
pesquisas que, se em 2004 havia a clareza de que a falta de acesso às máquinas
propriamente ditas interferia nessa percepção, agora podemos dimensionar que
definitivamente não está na disponibilidade de equipamento o cerne da discussão em torno
da exclusão digital. Assim, retomamos a questão central da educação neste processo.
Conforme Foucault:
Sabe-se que a educação embora seja, de direito, o instrumento graças ao
qual todo indivíduo, em uma sociedade como a nossa, pode ter acesso a
qualquer tipo de discurso, segue, em sua distribuição no que permite e no
que impede, as linhas que estão marcadas pela distância, pelas oposições
e lutas sociais. Todo sistema de educação é uma maneira política de
manter ou de modificar a apropriação dos discursos, com os saberes e os
poderes que eles trazem consigo. (FOUCAULT, 2003, p. 43)
Daí a importância do papel da escola na constituição de mudanças no
cotidiano social, a partir da criação efetiva de um capital digital para os sujeitos que terão
capacidade de se apropriar das tecnologias em prol da cidadania – ou, na expressão poética
de Beto Guedes e Ronaldo Bastos em Amor de índio, de que “tudo o que move é sagrado e
remove as montanhas”. Segundo propõe Citelli:
A escola deve ser um espaço de trabalho onde ocorre a passagem do
lugar-comum para o conhecimento elaborado, num movimento que visa a
fazer da matéria empírica, conceito. E que, igualmente, ensina o sujeito a
reconhecer-se no processo de transformação, transformando-se.
(CITELLI, 2002, p. 111)
101
Ora, a partir do que apontam nossos entrevistados – destaque-se aqui
a proporção de estudantes dentre eles – não parece possível identificar qualquer movimento
de transformação. Ainda que estejam incluídos, no sentido de terem uma condição
socioeconômica razoável, estudarem e terem acesso às novas tecnologias (mesmo os que
não têm computador em casa), não dispõem de capital social, cultural ou digital para se
moverem dentro do ambiente em que atuam. E assim voltamos a Setton para tentar
compreender que, fossem dadas as condições de desenvolvimento desse necessário capital
digital para a atuação dos cidadãos na sociedade contemporânea, aí sim surgiriam –
também por intermédio das novas tecnologias – novas condições de movimentação social:
De uma certa forma estou afirmando que as transformações de ordem
cultural derivadas sobretudo da evolução da reprodutibilidade técnica dos
textos e das imagens, tal como a diagnosticada por Walter Benjamin na
década de 30 do século passado, colabora com uma nova forma de
apreender, usar e usufruir as produções culturais. Para este autor, a
evolução técnica possibilita o despertar e a ampliação de nossa
sensibilidade perceptiva e cognitiva. Oferece novas condições de
apropriação e recepção de representações e conhecimentos sobre o
mundo. Neste sentido pode-se pensar na ampliação do potencial das
capacidades reflexivas do indivíduo contemporâneo. (SETTON, 2003,
on-line)
Também recorrendo a Benjamin e à condição de produção que tem
como principal propósito a possibilidade de reprodução (BENJAMIN in LIMA, 2000),
Martín-Barbero aponta uma comparação com as idéias de Vattimo pouco animadoras se
pensarmos na relação das tecnologias com este cenário:
A experiência do progresso moderno, na qual W. Benjamin vira um
tempo homogêneo e vazio, é a que G. Vattimo desvela na sociedade
atual: a renovação permanente e incessante das coisas, dos produtos, das
mercadorias, está “fisiologicamente exigida para assegurar a pura e
simples sobrevivência do sistema” (e na qual) “a novidade nada tem de
revolucionário nem perturbador”. (MARTÍN-BARBERO in MORAES,
2006, p. 72)
Daí a necessidade da dimensão desse desafio precisar ser entendida
como um processo dentro do movimento global que se imprime no planeta. De maneira que
ele não se impõe somente à educação, por meio da escola, mas também às outras
instituições que regem a sociedade, conforme expõe Dowbor:
102
Muito mais lento ainda do que o nosso universo cultural é a evolução das
instituições que desenvolvemos para gerir a nossa reprodução social.
Estruturas empresariais, instituições de governo ou organizações da
sociedade civil como sindicatos e outros, acumulam, além das
resistências culturais à mudança que vimos acima, o conjunto de fatores
de inércia como interesses corporativos, lutas por poder e prestígio, que
fazem com que instituições possam permanecer inertes ainda quando
todos os seus membros estejam de acordo que se deva mudar.
(DOWBOR, 2001, p. 11)
Avaliamos que, apenas se vencermos esse desafio, será possível
vislumbrar uma realidade como a que propõe a Unctad de usar as tecnologias de
informação e comunicação como recursos para a redução da pobreza:
Information and communication technologies (ICTs) have opened up
new opportunities to alleviate poverty and have changed the way in
which poverty reduction efforts take place. There are many examples of
how ICTs are enhancing the livelihoods of people living in poverty. In
Bolivia, agricultural and market price information shared through the
radio and the Internet is giving small producers more negotiating power
and is increasing the Institute for Communication and Development
(IICD, 2005). ICTs are bringing valuable environmental information to
rural populations, including weather on natural disasters. ICTs provide
increased opportunities to access health and education services and are
reducing the vulnerabilities to sickness and unemployment of people
living in poverty. For instance, in Ginnack, a remote island village on the
Gambia River, nurses use a digital camera to take pictures of symptoms
for examination by a doctor in a nearby town (Harris, 2004).
5
(UNCTAD, 2006, on-line)
Interessante destacar o caso brasileiro citado neste relatório. O
documento mostra um exemplo de uma iniciativa do Comitê para a Democratização da
Informação Tecnológica que envolve anualmente o treinamento de 25 mil jovens
estudantes das favelas brasileiras por meio das tecnologias de informação e comunicação
garantido-lhes melhores oportunidades de emprego, educação e mudanças de vida.
5
Tradução livre da autora: “Tecnologias de Informação e de Comunicação (ICTs) abriram novas
oportunidades para aliviar a pobreza e mudaram a forma como os esforços para reduzir a pobreza são levados
a cabo. Há inúmeros exemplos de como as ICTs estão aprimorando o dia-a-dia das pessoas que vivem na
pobreza. Na Bolívia, informações sobre preços agrícolas e de mercado divulgados pelo rádio e pela Internet
estão dando a pequenos produtores maior força de negociação e estão melhorando o Instituto para
Comunicação e Desenvolvimento (IICD, 2005). ICTs estão aportando valiosas informações ambientais a
populações rurais, incluindo aquelas sobre clima e desastres naturais. ICTs fornecem oportunidades cada vez
maiores de acesso a serviços de saúde e educação e estão reduzindo as vulnerabilidades a doenças e ao
desemprego das pessoas que vivem na pobreza. Por exemplo, em Ginnack, um vilarejo numa ilha no rio
Gâmbia, enfermeiras usam câmeras digitais para fotografar sintomas que serão analisados por um médico de
uma cidade próxima (Harris, 2004)”.
103
Mas, apesar de discorrer sobre uma extensa lista de experiências
positivas possibilitadas pelas novas tecnologias de informação e comunicação, o
documento aponta que há uma certa distorção na idéia de que a simples construção de
telecentros reduza a pobreza. Ainda assim, o relatório destaca a experiência de Bangladesh
neste sentido:
Thus, the notion that telecentres are reducing poverty is a misconception.
Telecentres, and other ICT initiatives, can contribute to poverty reduction
when accompanied by poverty alleviation efforts that open the telecentre
to the poor, supply them with relevant and accessible content, provide
additional support (such as ICT skills training) and ensure that the
telecentre is well managed, maintained and sustainable. The expansion of
ICTs through existing development initiatives and structures, such as the
Grameen mobile phone scheme in Bangladesh, where local women earn
an income from renting mobile phone services, is facilitating their uptake
as well as more directly serving poverty reduction objectives by, inter
alia, providing women with a job opportunity.
6
(UNCTAD, 2006, on-
line)
O reconhecimento da limitação natural das possibilidades
“libertadoras” trazidas pelas novas tecnologias talvez seja um indício de que, mesmo em
instâncias nas quais o discurso neoliberal tende a predominar, tem ficado mais clara a
percepção de que a solução para o acirramento das desigualdades sociais trazido pelo
processo de globalização do capitalismo não está na simples construção de salas nas quais
estejam disponíveis para uso os mais modernos equipamentos de informática. Ainda que
essa constatação não chegue a interferir na definição das diretrizes adotadas em políticas de
inclusão.
6
Tradução livre da autora: “Dessa forma, a idéia de que telecentros estão reduzindo a pobreza é um engano.
Telecentros e outras iniciativas de ICTs podem contribuir para a redução da pobreza quando são
acompanhados por esforços para mitigar a pobreza como abrir o telecentro ao pobre, supri-lo com conteúdo
relevante e acessível, fornecer apoio adicional (como treinamento sobre ICT) e garantir que o telecentro seja
bem administrado e sustentável. A expansão de ICTs por meio de iniciativas e estruturas de desenvolvimento,
como o esquema do telefone móvel Grameen em Bangladesh, onde as mulheres do local recebem uma renda
pelo aluguel de serviços de telefone celular, está facilitando de forma mais direta aos objetivos de redução da
pobreza ao oferecer uma oportunidade de trabalho às mulheres”.
104
Considerações finais
Vimos neste estudo que, dentro do contexto da sociedade
contemporânea, o uso das novas tecnologias – especialmente o uso público e pago de
Internet por jovens da periferia de São Paulo – ganha volume, mas não sustância, no que se
refere à capacidade de apropriação dessas tecnologias para a construção do saber.
Compreendemos, no Capítulo 1, o contexto da sociedade contemporânea no qual surgem e
se desenvolvem as lan-houses, bem como as inter-relações desses locais com a navegação
pela Internet, as mediações que permeiam esses processos, as interações com outros agentes
socializadores e a importância dessas questões para permitir a inserção social dos jovens
por meio do trabalho. O Capítulo 2 nos trouxe um panorama dos hábitos diante da Internet
em lan-houses, destacando as aproximações de uso entre as classes sociais, explicada
possivelmente pelo fato de o público da pesquisa ter em comum diversas atividades em seu
cotidiano, apesar da diferença de condição econômica. Complementando nossa percepção
acerca dos padrões de consumo cultural e midiático do público jovem da periferia,
apresentamos, no Capítulo 3, uma possível relação dessas práticas para explicar os restritos
hábitos desses internautas ao navegarem pela rede.
Após essa explanação podemos voltar ao contexto das reportagens
publicadas pela impressa escrita apresentado na Introdução desta dissertação. Não
conseguimos identificar qualquer aproximação entre o contexto vago e superficial descrito
nas matérias com o que realmente pudemos observar com este estudo. E talvez aqui haja a
possibilidade de um estudo futuro que analise essas questões, aproximando-as de uma
pesquisa sobre a realidade escolar dentro deste contexto.
Talvez, como alguns defendem, nem seja preciso ensinar a utilizar a
rede. Talvez o que se fale sobre a importância do domínio da técnica esteja aquém de algo
maior. O desafio nos parece bem mais complexo: é preciso ensinar a pensar. O cidadão
com esse domínio terá plenas condições de aprender a lidar com a tecnologia – ainda que
ela lhe seja nova e não inata como o é para os mais jovens, ainda que ela nunca tenha feito
105
parte de sua vida –, especialmente se essa condição for imprescindível à manutenção do seu
status de inserido social, com maior atenção para o contexto do trabalho.
Percebemos assim que, enquanto a grande imprensa prolifera aos
quatro ventos as maravilhas da web em três dimensões e dos celulares 3G, com toda a
mobilidade e facilidade para enviar e-mails e atualizar conteúdos em blogs ao alcance da
mão (“Conteúdo chega à Internet pelo celular” – O Estado de S. Paulo, 10 fev 2008),
parece esquecer da massa de consumidores que realmente poderia dar a essa mídia a
condição de público suficiente para a tão esperada elevação de audiência que irá trazer
maior captação de investimentos publicitários.
Neste contexto, de maneira bem geral, há que se dizer que, para
evitar que continuemos criando mais e mais internautas funcionais, só a educação fará
sentido.
Para que não ocorra a utilização meramente instrumental desse potencial
dos novos meios de comunicação, será preciso muita reflexão e coerência
na ação. Mais especificamente, no tocante à realidade brasileira, uma
reflexão acerca das reverberações desse processo deve considerar os
problemas decorrentes das dificuldades reais de acesso à Internet pela
maioria da população. Primeiro pela questão econômica, e segundo
porque sua utilização não exclui a necessidade de alfabetização. (...) A
maioria das crianças brasileiras não está sendo educada digitalmente, ou
melhor, não tem possibilidade de sequer ser educada. (AMARAL in
SILVA, 2003, p.109)
Segundo recente artigo publicado por pesquisadores da Unicamp, é
exatamente esta utilização instrumental que tem sido constatada, tanto que o uso de
computadores para fazer tarefas escolares está relacionado ao pior desempenho dos alunos
– principalmente entre os mais pobres e mais jovens. Daí a pesquisa concluir que as
políticas de inclusão digital, que estimulam o uso de computadores nas escolas, podem
estar gravemente equivocadas:
O uso do computador (seja na escola, em casa, no trabalho ou em outro
local) não é associado a uma melhoria uniforme do desempenho do aluno
no sistema escolar. Pelo contrário, aqueles que sempre usam o
computador têm pior desempenho que outros usuários da mesma
classe social (grifo nosso). Para os mais pobres, o resultado é mais nítido
106
ainda. Não há na bibliografia científica nacional (não estamos falando da
bibliografia meramente 'teórica' construída sem extenso apoio empírico)
nenhum reconhecimento da existência desta situação. Por esta razão,
qualquer hipótese explicativa será necessariamente especulativa. A
bibliografia sobre o 'paradoxo da produtividade' sugere uma hipótese:
usuários mais pesados se dedicam aos estudos durante menos tempo e
com menos afinco do que seus colegas, como padrões de menor tempo de
uso. Existem outras hipóteses plausíveis: o artigo de Bonamino et al.
(2002) demonstra que testes diferentes medem capacidades diferentes.
Assim, uma hipótese é que os usuários intensivos de computadores já
detêm um bom conhecimento do uso de programas de cálculo e de
correção de ortografia. Dessa maneira, a aprendizagem de capacidades
associadas à escrita e ao calculo manual é considerada por estes alunos
cada vez menos relevantes. (DWYER et all, 2007, on-line)
Ainda assim, destacamos a importância de levar a web para a sala de
aula, e vice-versa – algo ainda apresentado como um desafio econômico e estratégico para
educadores e governos. Acreditamos que fazer do computador e da Internet objetos
integrados para o aprendizado escolar seja possível, viável e necessário, ainda que exista a
complexidade de descobrir como fazer isso – numa dimensão que está muito além de
simplesmente ocupar salas com computadores ou passar deveres de casa para serem
desenvolvidos a partir de simples “pesquisas” em buscadores. É sabido que esse desafio só
será vencido se os próprios professores adotarem tal prática em seus planejamentos (e isso
requer, então, contar com profissionais capacitados, bem remunerados, atualizados, com
condições de ter acesso às novas tecnologias e de saber apropriar-se delas, etc.). Mais do
que isso é preciso que contemos com professores aptos a desenvolverem o diálogo entre as
mídias e seus conteúdos. Segundo Aparici:
A educação enfrenta uma nova encruzilhada ante um projeto econômico
de alcance planetário, cujo motor são as tecnologias da informação e da
comunicação. Ao mesmo tempo em que deve responder às necessidades
econômicas da sociedade, a educação deve considerar uma formação
para a convivência, a reflexão e a crítica. (APARICI, 1999, p.58)
Enquanto essa condição não se consolidar, como vimos ao longo
deste trabalho, talvez o processo de proliferação das lan-houses pelas periferias – que tanto
tem sido aclamado pela mídia e por boa parte dos formadores de opinião envolvidos com a
questão da inclusão digital – tenha mais a contribuir para a própria exclusão, reforçando o
distanciamento geográfico que já interfere na construção de mundo dos jovens que moram
107
nas periferias (mesmo que eles tenham uma boa condição socioeconômica, como mostrou
nossa amostra de entrevistados). E isso requer urgência, como alerta Dowbor:
Na excelente formulação de Milton Santos, “o que globaliza separa; é o
local que permite a união”. Uma dimensão extremamente prática deste
processo nos é dada pelo exemplo cotidiano do dilema da solidariedade.
Encontrar um amigo, um velho conhecido, mendicando na rua, nos
transtorna. E, no entanto, nos acostumamos a ver crianças pequenas
saltitando entre carros numa avenida movimentada, ou uma pessoa
deitada na calçada, e seguimos adiante. O tempo urge. E, além de tudo,
são tantas as desgraças. (Dowbor, 2001, p. 24-5)
Vemos, assim, que as lan-houses, enquanto agentes socializadores
globais, cumprem em grande parte a função de manter o distanciamento, dando a impressão
de inserção enquanto mantêm as pessoas em seus “guetos”, geograficamente longe do
centro da cidade e circunscritas por um cotidiano que – se não for por meio do trabalho, em
alguns casos – pouco permite aos jovens terem acesso a fluxos e informações diferentes dos
pautados pela mídia. De forma que o aspecto local desses espaços – onde de fato estaria a
proporção “libertadora” do uso dessas novas tecnologias –, acaba subjugado ao global. E,
conforme Milton Santos, é essa sobreposição do global em relação ao local que reforça o
fosso do distanciamento entre os internautas funcionais e os sujeitos que navegam pela
Internet aptos a fazerem dela um meio alternativo de atuação, se apropriando da tecnologia
em busca de novas brechas (Martín-Barbero, 2003). Reforça-se, assim, a idéia de que as
possibilidades de usar os computadores pobremente são consideravelmente maiores do que
as chances de aproveitá-los bem (Turkle, 1995), em especial se olharmos para esse cenário
a partir da condição brasileira de país periférico.
No fim, o que percebemos é que o uso da tecnologia nas lan-houses
de periferias – e novamente há que se destacar aqui que não estamos falando, pelo público
desta pesquisa, de excluídos no sentido econômico – revela nossas dores e alegrias
enquanto brasileiros: esses internautas funcionais, ao que parece, não irão se apropriar da
tecnologia para se tornarem cidadãos. Mas, sem dúvida, já fazem dela um motivo e/ou um
meio para a socialização “real” e, quem sabe, a partir desse novo lócus possamos um dia
pensar na constituição da efetiva cidadania.
108
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