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Parece que parte do nosso entendimento musical depende da nossa habilidade
para descrever coerente e convincentemente os objetos musicais enquanto objetos
animados ocupantes de um espaço fenomênico temporalizado. Contudo, propomos
agora o deslocamento da ordem mais puramente icônica do sentido musical, para a
esfera da sintaxe, e assim aprofundar a pesquisa acerca da nossa experiência da
forma em música, em seus diferentes níveis de apreensão.
Notas
1
Acusmáticos, dizia-se dos discípulos de Pitágoras, que durante anos ouviam as lições do mestre por
detrás de uma cortina, observando silêncio absoluto, desse modo ouvindo apenas a voz que a eles chegava
livre da distração dos olhos.
2
O próprio Schaeffer assim o reconhece: “durante anos exercemos a fenomenologia sem sabê-lo (...).
Apenas tardiamente pudemos reconhecer uma concepção do objeto que a nossa pesquisa postulava, cercada
por Edmund Husserl de uma exigência heróica de precisão que estamos longe de pretender ter” (Schaeffer,
1993:237).
3
O grande apelo desse sistema plano de coordenadas em nosso discurso da música deve-se, muito provavel-
mente, à disseminação da prática notacional tradicional da nossa cultura. Essa técnica, tal qual a espacia-
lização produzida pela escrita literal, atribui à dimensão horizontal a sinalização da sucessão temporal de
eventos, mas sobrepõe verticalmente as várias ocorrências lineares concorrentes. Entretanto, cumpre aqui
salientar que nossa experiência da música envolve outra dimensão espacial, por meio da qual localizamos
objetos em níveis distintos de profundidade, o que dá à textura plana ao menos o caráter de rugosidade.
4
Quanto a isso, Lakoff e Johnson fazem uma observação especialmente pertinente: a nossa fala apresenta
uma ordem linear, dizemos algumas palavras antes e outras depois; como a fala mantém uma correlação
com o tempo e o tempo é conceitualizado em termos de espaço, é natural também que conceitualizemos a
linguagem metaforicamente em termos de espaço – e os nossos sistemas de escrita reforçam essa conceitua-
lização. “Em virtude de conceitualizarmos a forma lingüística em termos espaciais, é possível a certas
metáforas espaciais referirem-se diretamente à forma de uma frase como a concebemos espacialmente”
(2003:126)
5
As mudanças químicas que ocorrem nas conexões entre neurônios são denominadas “potenciação de
longo-prazo”. Acredita-se que elas constituem a base para a memória de longo-prazo, que abordaremos
no capítulo seguinte. (Cf. LeDoux, 1996: 213-218)
6
Obra composta pelo autor do presente trabalho e gravada, em julho de 2003, por Pauxy Gentil-Nunes
(flauta) e Sara Cohen (piano).
7
Podemos dizer que uma metáfora é, antes de tudo, uma maneira de conceber uma coisa em termos de
outra, com a função primária do entendimento. Há na metáfora dois domínios: o domínio-alvo, constituído
pelo assunto imediato, e o domínio-fonte, no qual ocorre o raciocínio metafórico e que provê os conceitos-
fonte usados nesse raciocínio. Uma metonímia, por outro lado, tem primeiramente uma função referencial,
pois nos permite usar uma entidade para representar outra – há, pois, somente um domínio: o assunto
imediato. Entretanto, a metonímia também provê entendimento porque nos permite enfocar mais precisa-
mente um dos aspectos daquilo que está sendo referido.
8
A neurociência demonstra que quarenta vezes por segundo um pulso elétrico atravessa o cérebro, e as
pesquisas têm encontrado indícios de que esses pulsos regulam a ativação neuronal e podem ser a base de
vários dos ritmos corporais. Esse “relógio” interno nos daria, portanto, a nossa intuição de temporalização.