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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENFERMAGEM
DANIELLE BOING BERNARDES SILVA
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Dissertação de Mestrado
FLORIANÓPOLIS
2006
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DANIELLE BOING BERNARDES SILVA
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Dissertação apresentada ao Programa
de Pós-graduação em Enfermagem, da
Universidade Federal de Santa Catarina,
como requisito para obtenção do título
de Mestre em Enfermagem – Área de
Concentração: Filosofia, Saúde e
Sociedade.
Orientadora: Profª. Vânia Marli Schubert Backes, Drª.
FLORIANÓPOLIS
2006
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362
S586c
Silva, Danielle Boing Bernardes
Compreendendo a problemática da violência doméstica contra crianças e
adolescentes para a promoção de novas possibilidades de cuidado / Danielle
Boing Bernardes Silva; orientado por Vânia Marli Schubert Backes. . - -
Florianópolis, 2006.
133 f.
Inclui lista de siglas.
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em
Enfermagem da Universidade Federal de Santa Catarina para
obtenção do título de Mestre em Enfermagem.
1. Pensamento complexo. 2. Pedagogia problematizadora. 3. Cuidado
de enfermagem. I. Backes, Vânia Marli Schubert . II. Título.
Bibliotecária responsável: Eva M. Seitz – CRB-14/719 e-mail: [email protected]
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Esta dissertação foi aprovada em sua forma final pelo Programa de Pós-Graduação
em Enfermagem para obtenção do título de MESTRE EM ENFERMAGEM – Área de
Concentração: Filosofia, Saúde e Sociedade.
Florianópolis, 15 de dezembro de 2006.
________________________________________
Profº Dra. Maria Itayra Coelho de Souza Padilha
- Coordenadora PEN/UFSC -
BANCA EXAMINADORA:
_________________________
Profª. Vânia Marli Schubert Backes, Presidente
________________________________ ____________________________
Prof° Ana Izabel Jatobá de Souza, Drª. Drª. Profª. Ingrid Elsen, Drª.
Membro Efetivo - UFSC Membro Efetivo - Univali
________________________________ ____________________________
Prof° Kenya Reibnitz, Drª. Profª. Giovana Calcagno Gomes, Drª.
Membro Suplente - UFSC Membro Suplente - FURG
Dedico ao meu amor Léo
Eterno amigo, amante, minha paixão, que
merece os méritos por esta conquista, pois
grande parte dela foi pela sua sabedoria,
bondade, disponibilidade, carinho e muita
paciência. Amo muito você.
AGRADECIMENTOS
A DEUS, que sempre me ampara com sua infinita bondade, pelo dom da vida e a
dádiva da inteligência. Obrigada por me dar força nesta caminhada em busca dos
meus objetivos.
Aos meus pais, pelo grande esforço e empenho à formação dada até este momento
na minha vida, o que me proporcionou a continuidade nos estudos até a chegada a
este Mestrado. Meus eternos agradecimentos. Meu amor será eterno.
Á minha família, irmão, sogro, sogra, sobrinho, que me incentivaram nas horas de
desânimo e aceitaram o meu distanciamento, entendendo o significado deste
momento para minha vida.
À minha orientadora, mestra e agora amiga, por incentivar e permitir meus vôos,
relativizados entre a emoção e a razão, pelo carinho, amizade, com quem
compartilhei importantes momentos de estar junto.
Ás borboletas, sem vocês não estaria aqui, sua presença foi a maior prova de que
podemos transformar nossa realidade, devo muito a vocês.
Aos membros da banca: Profa. Dra. Ingrid, pelo seu saber inigualável, sua presença
iluminou minha caminhada; Prof Dra. Kenya, pelas palavras de incentivo e conforto;
Aninha, pela presença marcante em muitos momentos desta caminhada. Você sabe
que foi importante; Pati , amiga, você é o verdadeiro exemplo de luta e conquista,
que bom que reaparecestes na minha vida; Giovana, que mesmo de muito longe,
contribuiu para o enriquecimento desta pesquisa; a todas, pelas brilhantes
contribuições tecidas, as palavras de carinho que me confortaram e os
ensinamentos jamais esquecidos. Agradeço a disponibilidade e o carinho com que
atenderam ao convite.
Aos professores do Departamento de Enfermagem, em especial aos professores da
pós-graduação, por me oportunizarem crescer sempre, tanto teórico-
metodologicamente, como pessoalmente. Obrigado pelo compartilhar de saberes.
As minhas amigas mestrandas, pelo muito que trocamos durante os dois anos de
companheirismo, convivência, aprendizagem e pelas amizades que nasceram.
Aos funcionários do Departamento de Enfermagem e da pós-graduação, pela
atenção dispensada
Aos colegas da Unidade de Internação Pediátrica, incentivadores nos momentos de
dificuldade e falta de estímulo para escrever esta dissertação. Obrigada a todos!
A todos os amigos que sempre marcaram presença em minha vida.
A coordenação da Enfermagem da UNISUL, Luizita e demais professores que, com
seus sorrisos, motivaram esta dupla jornada.
A minha amiga Jaque, pelo apoio, segurança e incentivo constantes no
enfrentamento desta jornada.
E aos demais, que de alguma forma contribuíram na elaboração desta dissertação.
Fácil e difícil
Falar é completamente fácil, quando se tem palavras em mente que se expresse sua
opinião...
Difícil é expressar por gestos e atitudes, o que realmente queremos dizer.
Fácil é julgar pessoas que estão sendo expostas pelas circunstâncias...
Difícil é encontrar e refletir sobre os seus próprios erros.
Fácil é fazer companhia a alguém, dizer o que ela deseja ouvir...
Difícil é ser amigo para todas as horas e dizer a verdade quando for preciso.
Fácil é analisar a situação alheia e poder aconselhar sobre a
mesma...
Difícil é vivenciar esta situação e saber o que fazer.
Fácil é demonstrar raiva e impaciência quando algo o deixa irritado...
Difícil é expressar o seu amor a alguém que realmente te conhece.
Fácil é viver sem ter que se preocupar com o amanhã...
Difícil é questionar e tentar melhorar suas atitudes impulsivas e às vezes
impetuosas, a cada dia que passa.
Fácil é mentir aos quatro ventos o que tentamos camuflar...
Difícil é mentir para o nosso coração.
Fácil é ver o que queremos enxergar...
Difícil é saber que nos iludimos com o que achávamos ter visto.
Fácil é ditar regras e,
Difícil é segui-las...
(Carlos Drummond de Andrade)
RESUMO
SILVA, Danielle Boing Bernardes. Compreendendo a problemática da violência
doméstica contra crianças e adolescentes para a promoção de novas possibilidades
de cuidado. 2006. 133 f. Dissertação (Mestrado em Enfermagem) – Centro de ciências da
Saúde, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis.
A violência doméstica contra crianças e adolescentes, hoje, demonstra o que ao longo da
história vem acontecendo, um descaso com estas, esclarecendo a verdadeira face das
relações familiares que estão presentes cotidianamente. È evidente que a violência presente
atualmente é o reflexo de como esses sujeitos estão sendo cuidados e percebidos na
sociedade, ou seja, meramente como simples objetos, reforçando também como isso é um
fator ponderante para justificar todas as barbáries que estão acometendo a humanidade.
Quando se propõe a realizar uma revisão daquilo que já foi ou está sendo dito e discutido
sobre o fenômeno da violência pelos profissionais de enfermagem é para ter subsídios e
poder ter um maior aprofundamento sobre a temática. Juntamente com o aprofundamento
teórico, este foi a base para a discussão das dificuldades que permeiam o fenômeno da
violência. Portanto, com o intuito de reconhecer as dificuldades que estão inerentes no
cuidado a criança e adolescente vítima de violência doméstica e a partir destas encontrar
novas possibilidades, propôs-se analisar a problemática da violência doméstica contra
crianças e adolescentes manifestada pelos profissionais de enfermagem da unidade de
internação pediátrica à luz do referencial problematizador de Paulo Freire e do pensamento
complexo. Propôs-se, a realização de uma pesquisa-ação com abordagem qualitativa, no
sentido de buscar em torno da violência doméstica contra crianças e adolescentes, suas
particularidades, principalmente, as sociais encontradas nas falas dos sujeitos e da
pesquisadora, atributos que permitem identificar sua verdadeira face e distinção dos demais
tipos de violências ou situações complexas e as condições que determinam ou pressupõem
sua natureza, tendo uma compreensão mais ampla da realidade estudada e perceber sua
complexidade. Foi escolhida uma Unidade de Internação Pediátrica de um Hospital-Escola
geral situado na região Sul do Brasil, a pesquisa nesta instituição, oportunizou somar
experiências e atuar em ações propostas que possibilitaram promover novas possibilidades
de cuidados a esta clientela e contribuiu para a construção de um cuidado humanizado na
enfermagem. Os sujeitos envolvidos no processo de sensibilização no qual se constituem os
resultados foram 11 profissionais de enfermagem atuantes na unidade de internação
pediátrica que assistem às crianças e adolescentes. Os dados coletados nesta pesquisa-
ação originaram-se de encontros coletivos ocorridos sob a forma de 5 oficinas. Para
delimitar e desenhar as questões pontuais das discussões, pautou-se, preferencialmente,
nas questões relacionadas à própria problemática, à vítima, ao agressor e à família e, as
relacionadas aos aspectos profissionais, pois estavam de acordo com os pontos-chave
levantados pelos sujeitos. As categorias analíticas tecidas foram: família, profissional,
violência e novas possibilidades de educar-cuidar. Para estas, as discussões geradas na
prática educativa/interativa/investigativa proporcionaram um avanço significativo no cuidado
prestado. Apesar destas categorias terem permitido uma reflexão profunda e esclarecedora,
principalmente por terem promovido novas possibilidades de cuidado, algumas delas como
o cuidado ao cuidador e a abordagem as vítimas e sua família necessitam ser ainda
revisitadas pois são consideradas dificuldades que devem ser discutidas e superadas. Com
o avanço teórico das dificuldades relacionadas à violência doméstica, pode-se perceber que
elas regem certamente às condutas, sendo que, estas sim, impedem um cuidado de
qualidade. Delimitar e perceber como elas impossibilitam esse cuidado, esclarece a
verdadeira essência das questões que estão impossibilitando de assistir crianças,
adolescentes e suas famílias, vítimas de violência doméstica.
Palavras-Chave: Violência doméstica contra crianças e adolescentes. Pensamento
complexo. Pedagogia problematizadora. Cuidado de enfermagem.
ABSTRACT
SILVA, Danielle Boing Bernardes. Understanding problematic of the domestic violence
against children and the adolescents for the promotion of new possibilities of care.
2006. 133 f. Dissertação (Mestrado in Nursing) – Center of Sciences of the Health, Federal
University of Santa Catarina, Florianópolis.
The domestic violence against children and adolescents, today, demonstrates what
throughout history it comes happening, an indifference, clarifying the true face of the familiar
relations that are gifts daily. Is evident that the present violence currently is the consequence
of as these citizens is being well-taken care of and perceived in the society, that is, mere as
simple objects, also strengthening as this is a of evaluation factor to justify all the barbarities
that are provoking the humanity. When it is considered to carry through a revision of what
already it was or is being said and argued on the phenomenon of the violence for the nursing
professionals it is for having subsidies and power to have a bigger deepening on the
thematic one. Together with the theoretical deepening, this was the base for the quarrel of
the difficulties that permeiam the phenomenon of the violence. Therefore, with intention to
recognize the difficulties that are inherent in the care the child and adolescent victim of
domestic violence and from these to find new possibilities, it was considered to analyze
problematic of the domestic violence against children and the adolescents revealed by the
professionals of nursing of the unit of pediatrics internment to the light of the problematizador
references of Paulo Freire and of the complex thought. It was considered, the
accomplishment of an research-action with qualitative boarding, in the direction to search
around the domestic violence against children and adolescents, its particularitities, mainly,
the social ones found in you say them of the citizens and the researcher, attributes that allow
to identify to its true face and complex distinction of the too much types of violence or
situations and the conditions that determine or estimate its nature. A Unit of Internment
Pediatrics of a situated general Hospital-School in the South region of Brazil was chosen, the
research in this institution, chance to add experiences and to act in action proposals that they
make possible to promote new possibilities of cares to this clientele and contributed for the
construction of a care humanized in the nursing. The involved citizens in the process of
sensitization in which if they constitute the results had been 11 operating professionals of
nursing in the unit of pediatrics internment. The data collected in this research-action had
originated from occurred collective meeting under the form of 5 workshops. To delimit and to
draw the prompt questions of the quarrels, it was putout, preferential, in the questions related
to proper the problematic one, the victim, the aggressor and the family and, the related ones
to the professional aspects, and therefore they were in accordance with the point-key raised
by the citizens. The weaveeed analytical categories had been: family, professional, violence
and new possibilities educate-to take care of. For these, the quarrels generated in practical
educative/interactive/investigative one had provided a significant advance in the given care.
Although these categories to have allowed a deep and enlightening reflection, mainly for
having promoted new possibilities of care, some of them as the care to the cuidador and the
boarding the victims and its family still need to be revisited therefore are considered
difficulties that must be argued and be surpassed. With the theoretical advance of the
difficulties related to the domestic violence, it can be perceived that they prevail certainly to
the behaviors, being that, these yes, hinder a care of quality. To delimit and to perceive as
they disable this care, clarify the true essence of the questions that they are disabling to
attend children, adolescents and its families, victims of domestic violence.
Key Words Domestic violence against children and adolescents. Complex thought.
Problematizadora Education. Care of nursing.
LISTA DE SIGLAS
CNS Conselho Nacional de Saúde
ECA Estatuto da Criança e do Adolescente
HU Hospital Universitário
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IDAC Instituto de Ação Cultural
LACRI Laboratório de Estudos da Criança
OMS Organização Mundial de Saúde
PT Partido dos Trabalhadores
PUC-SP Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
SESI Serviço Social da Indústria
SIM Sistema de Informação sobre Mortalidade
UFSC Universidade Federal de Santa Catarina
UIP Unidade de Internação Pediátrica
UNICAMP Universidade Estadual de Campinas
UNICEF Fundo das Nações Unidas para a Infância
UNISUL Universidade do Sul de Santa Catarina
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO
................................................................................................12
1.1 Contextualização da temática ........................................................................12
1.2 Justificativa do estudo....................................................................................21
1.3 Objetivo............................................................................................................26
2 REVISÃO DE LITERATURA.......................................................................27
2.1 Uma breve compreensão do fenômeno da violência...................................27
2.2 Os tipos de violência doméstica....................................................................34
3 CONTEXTUALIZANDO O REFERENCIAL TEÓRICO.........................36
3.1 Paulo Freire e sua história..............................................................................36
3.2 Proposta de uma pedagogia libertadora e problematizadora: reflexão
de uma teoria....................................................................................................38
3.3 O cuidar por meio de um novo olhar: pensando complexamente a
Violência..........................................................................................................41
3.4 Pressupostos...................................................................................................44
3.5 Conceitos.........................................................................................................46
4 O CAMINHO METODOLÓGICO.................................................................51
4.1 Tipo de estudo.................................................................................................52
4.1.1 Pesquisa-ação................................................................................................52
4.2 Contexto da pesquisa ....................................................................................55
4.3 Sujeitos da pesquisa.......................................................................................57
4.4 Material do estudo...........................................................................................57
4.4.1 A coleta dos dados.........................................................................................58
4.5 Análise temática dos dados...........................................................................59
4.6 Aspectos éticos...............................................................................................61
5 QUANDO OS ENCONTROS VALEM MAIS QUE PALAVRAS:
descrevendo os encontros de borboletas à luz da metodologia
da problematização e do pensamento complexo
..............................63
5.1 As técnicas como instrumentos de uma pré-reflexão .................................67
5.2 A primeira oficina: reflexão para a ação........................................................68
5.3 A segunda e terceira oficina: o conhecimento que transforma..................73
5.4 A quarta oficina: os resultados através da reflexão.....................................76
5.5 A quinta oficina: a prática educativa como estratégia de intervenção.......79
6 REFLEXÕES DOS PROFISSIONAIS SOBRE A VIOLÊNCIA
DOMÉSTICA EM VÁRIOS CONTEXTOS: as dificuldades
que emergem da problemática
..................................................................81
6.1 A família: uma unidade a ser cuidada ...........................................................85
6.1.1 A construção da violência na família: a educação como referência...............86
6.1.2 A família como vítima.....................................................................................89
6.2 O profissional: quando a violência ainda promove questionamentos.......95
6.3 A violência: a aquisição de uma sociedade..................................................100
6.3.1 Poder ou dominação? ....................................................................................105
6.4 Novas possibilidades de educar- cuidar: a construção possível nos
encontros de borboletas ................................................................................108
6.4.1 Cuidado às crianças, adolescentes e seus familiares vítimas de violência
doméstica.....................................................................................................109
6.4.2 Os profissionais que assistem esta clientela..................................................113
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS.........................................................................117
7.1 Processo educativo-interativo: o encontro de borboletas..........................117
7.2 As questões que necessitam ser revisitadas...............................................120
REFERÊNCIAS..................................................................................................126
APÊNDICE
...........................................................................................................132
1 INTRODUÇÃO
Não são as lendas que investigo,
é a mim mesmo que examino.
(Platão)
1.1 Contextualização da temática
Segundo dados do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF,
2005, p. 21), “acidentes e agressões são a principal causa de morte de crianças de 1
a 6 anos no Brasil, respondendo por quase um quarto dos óbitos”. Infelizmente é
através deste e de alguns dados encontrados ao longo desta pesquisa que sinalizo e
discuto um grande problema social e de saúde pública que está presente em nossa
sociedade ao longo dos anos. Uma questão que se destaca quase sempre pela
hipocrisia e dominação de seres que tem sob sua responsabilidade a vida de
crianças e adolescentes, fazendo-os ficar a mercê de atos e pensamentos próximos
da irracionalidade. Em conseqüência, uma parte deprimente da personalidade de
alguns seres humanos permite que sentimentos de amor sejam anulados por valores
vazios. Este problema chama-se violência doméstica contra crianças e
adolescentes.
No entanto, não parece tarefa muito fácil discutir essa problemática, pois
as questões de ordem pessoal e profissional sobre o assunto precisam estar
coerentes e inerentes em todo o processo de construção de ações. Mas também
não figura algo intransponível ou que remeta a discussões homéricas, pelo simples
fato de referir-se a questões primordiais e importantes da sociedade, contudo pouco
valorizadas no nosso dia-a-dia, como o amor e o respeito entre as pessoas.
Nesse sentido, trazer para o cotidiano profissional e acadêmico a
problemática da violência doméstica, já que sou cuidadora em uma unidade de
internação hospitalar pediátrica, foi um comprometimento firmado por mim com a
sociedade a partir do momento que percebi minha responsabilidade social e
profissional, para com essa clientela. Esse tipo de violência vem crescendo
ultimamente, tomando proporções devastadoras na vida de muitas crianças e
adolescentes e suas famílias e, por acreditar nessa responsabilidade que apresento
tudo que construí sobre a temática e sua interface com a Enfermagem.
Ao iniciar leituras sobre a temática da violência doméstica contra crianças
e adolescentes, sem dúvida pensava o quanto de ansiedade, inquietações, dúvidas
e inúmeros questionamentos iriam emergir. E essas manifestações, que acredito
não ser apenas minha, pois se apresentam atreladas a quase tudo que é desafiador
ao ser humano, fazem parte de todos que pretendem e buscam entender como
ocorre o processo de cuidar, a partir das dificuldades que nelas estão presentes,
propondo uma intervenção na realidade dessas crianças e adolescentes que são
vítimas da violência doméstica. Percebo que não sou única nesse repensar, pois
este faz parte da maioria das pessoas que estão dispostas a construir novas
possibilidades àqueles que estão em situação de risco. “A superação desse
problema requer que todos os setores da sociedade se envolvam, e com um foco
que vai além do individualizado” (UNICEF, 2005, p. 21).
Notavelmente não restam dúvidas das proporções alcançadas pela
violência doméstica, principalmente por retratarem fielmente o cotidiano dos infantes
e adolescentes, seja no bairro onde vivem, no local de trabalho ou na comunidade
onde pertencem, mas certamente penso que, para alguns profissionais, os dados
sobre essa realidade sejam os motivadores e inspiradores das suas ações. Por isso,
alguns dados apresentados a seguir reforçam a necessidade de trazer a violência
doméstica contra crianças e adolescentes para a discussão.
Relatos abordados pelo UNICEF (2005, p. 26) reforçam que no Brasil, “o
enfrentamento da violência contra a criança ganha caráter mais oficial a partir de
1998, quando passa a ser considerada uma questão de saúde pública e o Ministério
da Saúde reúne diversos setores da sociedade para debater a questão”,
pressupondo que, somente após oito anos de formulação do Estatuto da Criança e
do Adolescente é que se inicia algo para concretizar os direitos dos mesmos,
colocando em prática suas ações. Ao fazer uma busca sobre dados estatísticos
oficiais na atualidade sobre a incidência da violência doméstica no Brasil, não se
obteve sucesso. Isto porque “os dados nacionais oficiais desagregados mais
recentes sobre violência doméstica datam de 1988, publicada em 1989 pelo Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)” (UNICEF, 2005, p. 22). Essa mesma
instituição revela que, “no Brasil, só é possível conhecer números oficiais de
violência por meio de registros de morbi/mortalidade”.
Segundo o Ministério da Saúde no Sistema de Informação sobre
Mortalidade (SIM) consta que “de 1996 a 2003, as principais causas de morte de
crianças de 1 a 6 anos foi por causas externas de morbi/mortalidade com 21,11%”
(BRASIL, 2005, p. 21). Estas causas externas, segundo os descritores da instituição
compreendem acidentes de transporte, quedas, afogamento e submersões
acidentais, exposição à fumaça, ao fogo e às chamas, envenenamento, intoxicação
por exposição a substâncias nocivas, lesões autoprovocadas voluntariamente,
agressões, eventos cuja intenção é indeterminada, intervenções legais e operações
de guerra, e todas as outras causas externas.
No entanto, foi através de uma busca em instituições não oficiais, porém
com informações seguras e de caráter incontestável, principalmente por se tratar de
referência quanto à temática da violência que é o foco em questão, que encontrei
dados necessários e subsídios para reconhecê-la como uma problemática
inquestionável da atualidade. Segundo o levantamento feito pelo LACRI
1
(2006), o
número de casos de violência doméstica contra crianças e adolescentes (violência
física, sexual, psicológica e negligência) de 1996 a 2004 é de 110.250 casos, sendo
que apenas no ano de 2004 foram notificados 19.552 casos. Em 2004 a violência
com maior incidência foi a negligência com 7.799 casos (40,2%), seguida da
violência física com 6.066 casos (26,5%), a psicológica com 3.097 casos (18,9) e por
último a sexual com 2.573 (14,2%). Segundo as coordenadoras do curso de
especialização à distância sobre violência doméstica Maria Amélia Azevedo e
Viviane Guerra, acredita-se que mesmo tendo um número elevado de casos de
violências, esse valor é subestimado, pois segundo as coordenadoras, existem mais
casos, porém não são notificados, seja por falha da instituição ou por falta de
denúncia pelos familiares e da sociedade como um todo.
Outros dados foram obtidos através do levantamento feito pela Comissão
Multiprofissional de atendimento da Criança e do Adolescente Vítimas de Maus
tratos do Hospital Universitário da Universidade Federal de Santa Catarina (HU,
2006) da qual faço parte, ou seja, de 1995 a 2005 foram 103 atendimentos, neste
ano de 2006 até junho foram 3 atendimentos. Dentre os quais, 57 (55,3%) foram do
sexo feminino e 46 (44,7%) do sexo masculino. Dos tipos de violência atendidas, a
negligência foi a com maior incidência com 43 atendimentos, seguida de violência
sexual com 39, violência física com 16, síndrome de Munchausen por procuração
1
LACRI é um laboratório de estudos da criança do Instituto de Psicologia da Universidade de São
Paulo, o qual promove anualmente uma especialização à distância sobre violência doméstica em
todo o Brasil. Os dados foram obtidos através do grupo de profissionais de dezesseis estados e do
Distrito Federal que participaram da especialização em 2004, a partir do levantamento de dados
presentes nos órgãos responsáveis que possuem controle e registro destes.
com 4 atendimentos e violência psicológica com 1 atendimento. A faixa etária com
maior atendimento foram 28 crianças de 06 meses a 02 anos, seguidas de 26
crianças de 02 a 06 anos, de 22 crianças de 05 anos a 12 anos, 18 crianças até 6
meses e, finalizando, 09 crianças de 12 a 16 anos. Em relação à procedência, 66
casos vieram de Florianópolis e os demais (47 casos) da grande Florianópolis.
Outra questão que me alertou foi que através de uma pesquisa
bibliográfica sobre a violência doméstica contra crianças e adolescentes em
trabalhos produzidos pelo programa de pós graduação em Enfermagem da UFSC
por profissionais de enfermagem, identificou-se apenas 6 pesquisas discutindo esta
problemática, destas, 5 eram dissertações e 1 tese, (SILVA, 2006, p. 33). Felizmente
pude perceber que através das análises realizadas nestes trabalhos, existem
profissionais que são solidários e comprometidos com esta causa e encontram a
partir dela oportunidades para modificar e transformar a realidade de crianças,
adolescentes, suas famílias e dos profissionais que vivenciam esta problemática.
Gomes (2002, p.708), quando contextualiza a violência, refere que a
mesma “se constitui atualmente em um dos mais graves problemas de saúde
pública. [...] esse fenômeno se observa no Brasil e em diversos outros países”,
alerta, principalmente, aos profissionais de saúde envolvidos nessa situação, que se
questionam sobre algo que está diretamente relacionado a sua responsabilidade
social e política, pois inegavelmente se essas condições alcançaram níveis tão
elevados, deve-se exclusivamente a toda sociedade.
Dias (2004, p.49) acrescenta ser também
um fenômeno mundial de extrema gravidade, principalmente no terceiro
mundo, em virtude dos quadros de exclusão social, e sua magnitude é
tamanha que, tornou-se sinônimo de endemia. Conseqüentemente, desde
1990 a Organização Mundial de Saúde vem tratando o problema com
enfoque epidemiológico.
Tomar esta questão como prioritária por apresentar caráter endêmico
reforça mais uma vez estar disponibilizando ao leitor dados significativos que
expressem a problemática, pois, provavelmente, muitas pessoas estão sendo
coniventes ao saber e, muito mais, presenciar esse menosprezante acontecimento.
Ainda segundo a referida autora
existe a concepção de que a violência é um dos eternos problemas da
teoria social e da prática política e relacional da Humanidade, e que afeta a
saúde, uma vez que é capaz de provocar doenças e alterações negativas
na integridade corporal, orgânica e emocional, além de provocar a morte,
tolhendo o direito do ser humano à vida, sendo assim, a negação de toda
legalidade possível (Dias, 2004, p.50).
A partir dessas considerações é que reflito sobre o quanto a violência já
fez parte da vida das pessoas, como ela está presente e se algo não for feito, fará
parte no futuro. Gomes (2002, p. 708) afirma e reforça, também, que “em nosso
país, a violência contra crianças e adolescentes ganha contornos dramáticos”. A
violência doméstica, além de trazer conseqüências em curto prazo, principalmente
às relacionadas com a integridade física, traz, quase sempre, conseqüências em
longo prazo de caráter psicoemocional que vão afetar eternamente o completo
desenvolvimento dessa vida, quando não seu crescimento, como nos casos de
negligência. Souza (2001, p.121) reflete sobre o tipo de violência que se considera
mais obscura, ou seja, a violência contra crianças e adolescentes,
quando diz que discutir a violência de pais contra filhos seria paradoxal
num país cuja formação social é pensada como cordial pelos seus mais
ilustres pensadores. Longe de ser um refúgio seguro, o recesso do lar pode
representar, muitas vezes, um risco à segurança física e emocional da
criança.
Não desconsidero ou diminuo os outros tipos de violência encontrada na
sociedade, como aquela contra a mulher, contra os idosos, de trânsito e as demais
que fazem parte da humanidade, apenas considero ser a contra crianças e
adolescentes a mais sensibilizadora, pelo simples fato de tratar de seres humanos
que estão legalmente sob a responsabilidade de pessoas que deveriam ser as
últimas em suas relações de convívio a fazer algo tão desmoralizante, que deveriam,
pelos laços que estão presentes simbolicamente e legalmente, ter um amor que
afasta atos tão deprimentes.
A violência doméstica contra crianças e adolescentes, hoje, demonstra o
que ao longo da história vem acontecendo, ou seja, o descaso com as crianças e
adolescentes, esclarecendo a verdadeira face das relações familiares que está
presente cotidianamente. É evidente que a violência presente atualmente é o reflexo
de como esses sujeitos estão sendo cuidados e percebidos na sociedade, ou seja,
meramente como simples objetos, reforçando também como isso é um fator
preponderante para justificar todas as barbáries que estão acometendo a
humanidade, porque onde existe amor, não há lugar para o ódio.
Reconheço que, mesmo após todas as tentativas de profissionais
integrados para desmobilizar a violência contra crianças e adolescentes, alguns
lares ainda as torna dependentes de algo que priva sua liberdade como sujeito de
direitos, acreditando que o uso de atos violentos são formas ilustríssimas de educar
e disciplinar seus objetos, perpetuando aquilo que no passado já estava sendo
questionado: o uso da violência para esses fins.
Estar à margem dessa problemática é não admiti-la como um problema de
saúde pública e social; é cruzar os braços frente às diversas violações dos direitos
essenciais à vida presentes no cotidiano desses sujeitos e negar que possa existir
uma sociedade digna e responsável pela perpetuação efetiva da sua própria
espécie, uma espécie que tenha a vida respeitada como segmento primordial para
uma evolução com qualidade.
Entender todo o processo no qual a violência está submetida é
compreender ou ao menos entender o ser humano na sua essência, percebê-lo no
seu mundo e ser sensível às nuanças que estão inerentes à problemática. Estimo
que o pensamento complexo é que proporcionará subsídios às novas formas de
abordagens para a referida temática, principalmente, por acreditar que, para existir
uma intervenção saudável, “outras possibilidades de olhar podem e devem ser
incluídas”, ou seja, a realidade com que se propõe a trabalhar está imersa em uma
cultura e costumes que, muitas vezes, não é a realidade ou a forma com que as
pessoas se percebem no mundo, por isso precisam ser discutidas e incorporadas.
Pressuponho que, para intervir e assistir essa clientela, devo conceber
vários olhares para que através deles se possa adquirir confiança, mergulhando,
assim, no contexto da criança/adolescente/família, entendendo como ocorrem suas
práticas, principalmente, relacionadas ao ato cuidar já que essas questões estão
entrelaçadas a este, por exemplo, no que diz respeito à forma de cuidar, a
compreensão de cuidado por parte da família, entendendo que estes são reflexos de
suas próprias experiências e conhecimentos.
Elsen e Althoff (2004, p. 23) referem que “ao levar-se em consideração o
viver humano, identifica-se à família como área de interesse especial da pesquisa”.
Percebo, assim, que a família é inerente a essas práticas, sabendo que o cuidado é
fundamental no rompimento do ciclo da violência, por isso, se traz a família para
discussão, considerando-a primordial para analisar a complexidade da violência na
sociedade.
A família, nesta pesquisa, merece e terá lugar de destaque, pois acredito
que, direta e indiretamente, influencia e determina a problemática, tornando-a como
estrutura fundamental para se discutir a violência e a sua diversidade, pois “a família
deve ser compreendida numa perspectiva sistêmica” (BARREIRA, 1999, p.489). Ela
tem, nesse contexto de práticas, papéis diversos e conflitantes, exercendo-os
conforme sua história de vida. No entanto, deve-se adentrar nesse mundo e
compreender as suas inter-relações para desconstruir e construirmos ações integrais
e individualizadas.
No momento em que vários setores da sociedade procuram envolver a
família nas ações desempenhadas junto aos seus membros e para a
própria sociedade, reconhece-se que sabemos muito pouco sobre o seu
mundo e, menos ainda, em como trabalhar com ela, na sua diversidade e
complexidade, articulada à perspectiva interdisciplinar (ELSEN; ALTHOFF,
2004, p. 19).
Desmistificar e compreender o real sentido que esta unidade representa
nesse contexto, auxilia para a transformação da realidade dos infantes e
adolescentes e proporciona o desenvolvimento de novas possibilidades de cuidado.
Segundo Gregori (1999, p. 35), “é na família que a violência acontece, justamente
naquela que consideramos o núcleo fundamental da vida e da sociedade, que desde
os gregos era considerada sagrada já que era lá que todas as energias eram
desenvolvidas para produzir ou criar os seres humanos”.
A família tem sua importância e sua parcela de contribuição no alcance
dessas práticas, influenciando consideravelmente o caminho que a violência toma
na vida de muitas crianças e adolescentes, o que é reforçado por Brigas (1999,
p.53), “os comportamentos são aprendidos de duas maneiras principais: através da
exposição de modelos desviantes ou violentos”.
Dessa forma, trago a família para discussão e, em conjunto e a partir das
reflexões realizadas, para que se percebam como unidade fundamental no cuidado
desenvolvido e prestado. “Retomar a família como unidade de atenção das Políticas
Públicas não é retrocesso a velhos esquemas. É, sim, um desejo na busca de
opções mais coletivas e eficazes na proteção dos indivíduos de uma nação”
(KALOUSTIAN apud BARREIRA, 1999, p. 492).
Abordar a temática da violência doméstica contra as crianças e
adolescentes em suas mais variadas instâncias é resgatar e refletir sobre como essa
problemática insere-se em um processo coletivo e, possivelmente, compreender sua
imersão na sociedade, ou seja, porque ela permanece até hoje no cotidiano, porque
está tão presente atualmente e de que forma, através de uma prática educativa, se
possa intervir sobre ela. Significa trazer para os atos diários, reflexões sobre tudo o
que acontece atualmente com as crianças e perceber como, em alguns casos,
também se é “negligente”. Constato que, se forem analisadas todas as situações
que permeiam o processo de crescimento e desenvolvimento das crianças com as
quais tenho contato, pode-se chegar à conclusão de que algo a mais poderia ser
feito. E isso remete a pensar o que se deixa de fazer por elas, implicando em
sentimentos contraditórios e confusos quanto ao papel social de todos diante dessa
clientela tão especial.
Para essa violência que permeia e obscurece a vida de muitas
crianças/adolescentes e família, as pessoas devem ter mais consciência dos seus
atos praticados, mesmo que os pensamentos mais irracionais tomem conta das
abordagens e das ações para com o agressor, entendendo-se que essa criança e
essa família sofrem inúmeros dilemas quando se trata da problemática em questão.
Penso que, se houver a desconstrução de alguns conceitos e a construção de
possibilidades de cuidado a cada problemática, talvez se possa compreender o que
de fato vivencia aquela família para depois poder intervir. Acredito que as pessoas,
ao se perceberem como instrumentos exeqüíveis para o atendimento desses seres
humanos, irão considerar a importância no contexto de vida e luta diária dessas
crianças e adolescentes.
Ratificando a importância de trazer questionamentos sobre os aspectos
que permeiam a violência é que proponho algumas considerações sobre a
problemática com a qual decidi iniciar esta caminhada. Problemática que atualmente
vem necessitando de maiores reflexões e de formas de intervenção por parte da
Enfermagem, por acreditar que ela tem um papel fundamental na transformação da
realidade. Percebo que esta temática e as dificuldades que a permeiam, mesmo
fazendo parte da minha rotina profissional como enfermeira de uma unidade de
internação pediátrica, está pouco esclarecida na minha prática, encontrando-me
cercada por tantas questões que necessitam ser constantemente revisitadas a fim
de que se possa redimensionar o fenômeno da violência em suas mais variadas
instâncias.
A violência contra crianças e adolescentes, embora se encontre presente
no cotidiano profissional, está muito distante do dia-a-dia da vida pessoal. Contudo,
são essas crianças e adolescentes acometidos pela violência doméstica que
exprimem a real situação de algumas das crianças, carentes ou não, da sociedade e
que chegam a uma instituição hospitalar. Infelizmente, algumas nem chegam, pois a
violência doméstica que acontece de maneira silenciosa, as priva muitas vezes de
receber algum tipo de cuidado. Segundo Gomes (2002, p. 708), “convivemos de
modo cotidiano e oculto com várias formas de vitimação, a violência doméstica e
intrafamiliar é, sem dúvida, responsável por milhares de crianças e adolescentes
vitimados no Brasil”.
Partindo dessa reflexão, acredito que existam formas de intervenção e
outras a serem promovidas e implementadas a partir de um olhar mais complexo e
que, como profissional da área da saúde da criança e do adolescente, posso me
tornar a mediadora de algumas delas. Para Ferreira e Schramm (2000, p. 659), “os
profissionais de saúde, vêm se confrontando com novos e desafiadores problemas
em sua prática cotidiana, dentre os quais destaca-se a violência contra a criança e o
adolescente”. Por conta disso, acredito que não se deve ignorar esta problemática,
mas sim, necessita-se juntar forças para enfraquecê-la.
Entretanto, ainda permanecem certas dificuldades de se tratar à violência
como um problema social amplo e como questão que também pertence ao âmbito
de saúde (GOMES, 2002, p.709). Acredito que essas dificuldades referem-se,
principalmente, por serem questões que envolvem valores pertencentes à família,
sendo que a Enfermagem não está totalmente preparada para enfrentar aspectos
que as tornam moralmente aceitáveis, como responsabilidade social e a cultura da
educação. Percebo também, na prática, que essas dificuldades que o autor se refere
ao mergulhar nesse universo, podem estar associadas, algumas vezes, à questão
de ordem moral, no que diz respeito à individualidade do próximo, do próprio
profissional que está frente à situação ou mesmo de reconhecer a violência como
um fenômeno complexo, devendo-se ter vários olhares sobre ela. Apesar de haver
tantas dificuldades entranhadas nesse fenômeno o que não deve e não pode ser
esquecido é que, principalmente, como profissionais da saúde temos compromisso
legal e ético de intervir e dar suporte a essas crianças e adolescentes que estão
sendo violentados, ou por desconhecimento dos pais ou simplesmente por achar
que a única forma de se fazer respeitar e educar é através da violência.
Acredito que se forem identificadas, em um mesmo contexto, as
dificuldades relacionadas à criança, a família, aos profissionais de saúde e ao
fenômeno da violência não os dissociando, e percebendo-os como indispensáveis
para um cuidado mais humanizado que se pretende realizar com as crianças e
adolescentes vítimas de violência doméstica, possivelmente se transformará a
realidade dessa problemática e se poderá combater, de forma mais integral, as
dificuldades encontradas. Bonetti e Wiggers (1999, p. 484) reforçam que “o
fenômeno da violência é entendido como um fator que ameaça o indivíduo e,
portanto, que necessita ser combatido”.
1.2 Justificativa do estudo
Considerando ter exercido as práticas assistenciais de enfermagem
nesses últimos sete anos quase que exclusivamente na área da saúde da criança e
do adolescente, não conseguiria deixar de escolher problemáticas relacionadas a
esses seres tão especiais para desenvolver a minha pesquisa. E principalmente,
associá-la com um cuidado de enfermagem almejado pelos profissionais que são
comprometidos por sua continuidade, ou seja, unir a problemática da violência
doméstica contra crianças e adolescentes ao cuidado de enfermagem promovido por
profissionais conscientes de sua responsabilidade social.
Sendo que, nesse sentido, ao realizar e desenvolver o projeto de prática
assistencial desejei que essa experiência enriquecedora se transformasse em minha
dissertação de mestrado. Segundo Minayo (1996, p. 21):
É na práxis, na perspectiva dialética, que se dá a emancipação subjetiva e
objetiva do homem e a destruição da opressão enquanto estrutura e
transformação da consciência. Noutras palavras, a transformação de
nossas idéias sobre a realidade e a transformação da realidade caminham
juntas.
Sou enfermeira assistencial da Unidade de Internação Pediátrica (UIP) do
HU/UFSC e docente do Curso de Graduação em Enfermagem da UNISUL da Pedra
Branca. Acredito que essa temática e suas questões são pertinentes nessas áreas,
por isso percebi uma grande necessidade de estar revisitando-a e trazendo
possibilidades de cuidado, no sentido de transformar o momento de vida das
crianças e adolescentes que estão vivenciando está problemática.
Durante o processo educativo/interativo/investigativo, que será descrito
mais a diante, desenvolvido junto aos profissionais de enfermagem sobre a
problemática da Violência Doméstica Contra Crianças e Adolescentes em uma
unidade de internação pediátrica na perspectiva da pesquisa-ação, compreendi que
foi na relação dialética promovida com o ensinar e o aprender que obtive, em algum
grau, transformações, tanto dos sujeitos do estudo que buscavam encontrar
respostas para seus anseios e aprender conhecimentos relacionados à violência
doméstica, principalmente os relacionados aos cuidados realizados, quanto ao meu,
de pesquisadora (neste caso cuidadora) que buscava compartilhar meus saberes e
conhecimentos e oportunizar momentos de discussão, abrindo caminhos para
conhecer o desconhecido sobre a temática escolhida. Tanto que posso afirmar que
“me sinto seguro porque não há razão para me envergonhar por desconhecer algo”
(FREIRE, 1996, p. 135).
Conseqüentemente, o processo educativo/interativo/investigativo ocorreu
quando os sujeitos perceberam que para transformar algo, seja no cuidar, no
construir, no pensar ou simplesmente no realizar, entre outros, necessitavam
desconstruir e re-construir conceitos sobre a problemática que permeia a violência
doméstica infantil. E certamente foi o que aconteceu, principalmente nos relatos
produzidos nos encontros que serão discutidos posteriormente.
Considero que a experiência da pesquisa-ação permanece presente no
cotidiano desses sujeitos, pois como refere Bordenave e Pereira (1986, p. 21) “o
Arco da problematização não tem um fim (término), ele está e estará em constante
movimento, pois é a partir dos resultados obtidos que novas possibilidades surgem e
geram novos problemas”. Foi desafiador desenvolver possibilidades de
transformação e mudança da realidade, como também, desconstruir velhos e
construir novos paradigmas com os sujeitos, pois acredito ser este uma construção
coletiva em que todos os envolvidos devem estar comprometidos com a mudança,
fazendo algo para transformar sua própria realidade. Não considero, porém,
impossíveis essas possibilidades, pois quando se têm objetivos em comum,
caminha-se para um mesmo ideal, age-se e se tem mais capacidades de superar
novos desafios.
Ao realizar a pesquisa-ação, denominei este momento de Encontro de
Borboletas
2
, desenvolvendo-se possibilidades de cuidado às crianças e
adolescentes vítimas de violência doméstica. Nesse caso, a aplicação do Arco de
Maguerez foi fundamental, tendo como principal finalidade proporcionar ao próprio
indivíduo lidar com a problemática escolhida através da compreensão das suas
próprias dificuldades, ou seja, proporcionar que o profissional de enfermagem
desenvolvesse e construísse suas ações e intervenções a partir de seus
conhecimentos, suas vivências juntamente com uma leitura mais aprofundada da
violência.
Portanto, considero de extrema relevância estar disponibilizando ao leitor
a experiência construída por mim, juntamente com os profissionais de enfermagem
em relação às discussões referentes a esta problemática, tornando-me co-
responsável pelo enfrentamento deles frente a tantas adversidades. Segundo
Gomes (2002, p.712)
a primeira desconstrução que precisa ser feita no âmbito dos profissionais
de saúde é o reducionismo do assunto. As políticas de prevenção ou
intervenção dos maus tratos cometidos contra a infância provavelmente
terão maior êxito se conseguirem caminhar em direção ao confronto dos
múltiplos modelos explicativos.
Freire (1996, p.135) quando cita que “minha segurança se funda na
convicção de que sei algo e de que ignoro algo a que se junta à certeza de que
posso saber melhor o que já sei e conhecer o que ainda não sei”, resume aquilo que
estou propondo com este estudo, complementar o que sabe e o que não sabe sobre
questões que permeiam e estão relacionadas à violência, pois, na medida em que
emerge nas “dificuldades que temos ao cuidar de crianças vítimas de violência
doméstica”, se está descobrindo e revelando uma nova face da violência,
apresentando pressupostos que, possivelmente, propiciarão novas ações para
cuidar dessas vítimas a partir de um olhar mais complexo. E, ao iniciar uma reflexão
sobre a problemática que cerca a violência doméstica contra crianças e
adolescentes a partir de todas as leituras que fiz até aqui, através de literaturas
específicas, pensei em avançar utilizando o pressuposto, também, de que o princípio
2
Encontro de borboletas: nome designado aos encontros realizados com os profissionais de
enfermagem, nos quais, utilizou-se a borboleta e suas espécies como codinome indicando a
transformação (metamorfose) almejada nesses momentos.
das abordagens devia iniciar através de um pensamento mais complexo. Como diz
Morin (2002, p.7),
se ouso falar do pensamento complexo, não é com o propósito de definir um
modelo padrão para pensar, mas exatamente no sentido de que, como tudo
que é humano, a unidade do pensamento complexo é una e múltipla e
comporta em si a multiplicidade, assim como a multiplicidade comporta a
unidade.
Certamente essas abordagens, muitas vezes, estão interligadas e
encontram-se dependentes no contexto da criança e do adolescente, principalmente
nas suas vivências, representando o seu lado obscuro na sociedade, e é por isso
que precisam ser percebidas através de um novo olhar.
A reflexão pretendida é que, através de tudo que foi aprendido e
apreendido, não significa apresentar um discurso sobre as determinações que se
fazem aos que violentam as crianças e adolescentes, mas sim compreender e
resignificar o porquê apresentam essas formas de agir, o que trazem no seu
contexto, porque humilham, violentam, negligenciam, entre outros, e que caminhos
pode-se seguir para melhorar ou minimizar essas situações. Partir de cada história é
perceber cada criança e adolescente que cotidianamente chega ao local de trabalho
ou atendimento, ou seja, no hospital, enfim, na vida para serem cuidadas, e que
essa história, na qual as crianças e adolescentes são os atores, seja vista
individualmente no seu contexto e não enquadrada em um protocolo onde todos
têm, na maioria dos casos, o mesmo encaminhamento, o mesmo fim. Se se olhar
dessa forma talvez se possa sim, fazer com que o cuidado seja visualizado sob
vários olhares e, especialmente, que não seja visualizado somente pelo mesmo
prisma como costuma acontecer, o do julgamento, da culpa, da verdade absoluta e
de ações impulsivas presentes em momentos de pouca reflexão.
Entrar em um mundo que não é nosso, intervir nele e acreditar que possa
ser imposta a verdade de cada um, que os conceitos e preconceitos são os mais
adequados para as abordagens e para a situação apresentada, é reduzir o ser
humano, que está vivenciando essa realidade, a uma “situação”, a um “caso” e não
a uma história, a qual se construiu ao longo da sua pequena vida e faz parte da sua
personalidade, que contribuiu na sua forma de pensar e de agir sobre tudo e todos.
Não perceber isso é esquecer que os seus atos, pensamentos, suas emoções são
conduzidas pelas suas experiências e vivências. “Eu não posso conceber o todo
sem conceber as partes e não posso conceber as partes sem conceber o todo”
(ALMEIDA, 2002, p.30). O assunto pode gerar desconforto e algumas polêmicas,
porém é a forma de tentar ver um mundo mais sensível, é uma verdade, não a única
ou absoluta, porém é aquela que parece ser a que compreende o ser humano,
entendendo o que está por trás dos seus atos.
Encontrar no sábio e educador Paulo Freire um porto seguro e me deixar
levar por sua metodologia problematizadora foi e está sendo um momento
importante neste processo, pois ele revela a essência do ser humano e o faz sujeito
da sua própria história, o instiga e o potencializa para se descobrir como
transformador da sua realidade. Ele proporciona uma reflexão única, que faz
compreender o real sentido de estar se questionando sobre determinado assunto, de
encontrar uma saída para algo que ainda não está esclarecido ou que precise de
referências. É respeitar o ser humano na sua essência e vê-lo como único e possível
transformador. Esse referencial foi necessário e absoluto neste estudo por reavivar
que a relação ensino-aprendizagem faz parte do nosso cotidiano tanto profissional
quanto pessoal. Sendo assim, continuará presente em todos os momentos da
construção da dissertação e estará imersa nas leituras sobre essa problemática.
Esta pesquisa é relevante por promover um discurso dialógico e não prescritivo, no
qual se possa conciliar diferenças, pensar o impossível, o inédito, sem abusar do
relativismo: promover um cuidado integral, tendo como ponto de partida à cultura do
sujeito, identificando-se com o outro, reconhecendo-o também em mim.
A necessidade de encontrar novas possibilidades de cuidado a partir das
dificuldades que se tem em lidar com determinada temática é para que os
profissionais se tornem sujeitos críticos e reflexivos das ações, realizando um
cuidado único, individual e integral às vítimas e às suas famílias. Precisa-se ir além
daquilo que é colocado e imposto em um protocolo de atendimento com um discurso
prescritivo, no qual todas as vítimas e suas famílias mantêm seus cuidados
programados e pré-definidos com uma única forma de cuidar. Ao contrário, deve-se
encaminhá-lo e respeitá-lo como único, promovendo ações e intervenções atentando
para novas possibilidades de cuidado a partir daquilo que está presente. “O sujeito
que se abre ao mundo e aos outros inaugura com seu gesto a relação dialógica em
que se confirma como inquietação e curiosidade, como inconclusão em permanente
movimento na História” (FREIRE, 1996, p.135).
Esta dificuldade é enfrentada e pode ser superada quando se acredita que
a partir do envolvimento e empenho dos sujeitos exista a possibilidade de mudança,
ou seja, esperança de transformação, Freire (1992, p.11)
Para perceber e compreender mais profundamente como a temática da
violência doméstica contra crianças e adolescentes está sendo discutida e seu
cuidado implementado pelos profissionais de enfermagem que foram determinados
para serem o foco desta pesquisa, reconheci, em suas falas e na discussão
promovida durante os encontros de borboletas, aspectos importantes e motivadores
de um cuidado de qualidade a crianças e adolescentes que vivenciam essa
problemática. Segundo Elsen e Althoff (2004, p. 23) “a pesquisa possibilita nova
maneira de conhecer e interpretar a realidade, para confirmar os conhecimentos
existentes e gerar novos conhecimentos”.
1.3 Objetivo
Quando se propõe a realizar uma revisão daquilo que já foi ou está sendo
dito e discutido sobre o fenômeno da violência pelos profissionais de enfermagem é
para ter subsídios e poder ter um maior aprofundamento sobre a temática.
Juntamente com o aprofundamento teórico, este será a base para a discussão das
dificuldades que permeiam o fenômeno da violência.
1.3.1 Geral:
Analisar a problemática da violência doméstica contra crianças e
adolescentes manifestada pelos profissionais de enfermagem da unidade de
internação pediátrica à luz do referencial problematizador de Paulo Freire e do
pensamento complexo.
1.3.2 Específicos:
o Reconhecer as dificuldades que estão inerentes ao cuidado a criança e
adolescente vítima de violência doméstica;
o Encontrar novas possibilidades de cuidado a crianças e adolescentes vítimas
de violência doméstica;
2 REVISÃO DE LITERATURA
É necessário haver um caos
dentro de si para dar a luz
a uma estrela que dança.
(Nietzsche)
Esse caos que Nietzsche fala pode ser compreendido como uma
desordem, uma grande confusão. Para haver uma ordem na sociedade, é
importante que haja uma desordem. A “Violência” pode ser e é interpretada por
muitos como uma figura de desordem, assim como o mal, a guerra, a fome e porque
não a política. E como diz Balandier (1997, p. 35), “a desordem produz novas ordens
e promove novas formas de ver o fenômeno”. E, para ser vista como uma figura de
desordem, ela representa um certo papel na vida em sociedade. Bonetti e Wiggers
(1999, p. 485) acrescentam que “as violências são entendidas enquanto um dos
inúmeros tipos de linguagens sociais, e portanto, parte efetiva da vida social”.
Na seqüência, serão feitas reflexões de autores contextualizando
questões que permeiam essa problemática. Considero efetivamente relevante suas
falas e seus comentários e acredito que eles são porta-vozes de muitas pessoas e
profissionais que, como eu, decidiram engajar-se em uma luta contra todo esse mal
que está presente na vida de muitas crianças e adolescentes. E, mesmo sendo
relevante esse fenômeno, ele é ainda, banalizado em alguns momentos pela
sociedade, sendo visto como algo que rotineiramente faz parte da vida, deixando
que problemas dos mais diversos centralizem as suas atenções.
2.1 Uma breve compreensão do fenômeno da violência
Violência, na linguagem coloquial, pode ser definida como exercer uma
força em alguém, a qual não necessita ser apenas física, pode ser psicológica ou de
outra ordem, considerando, principalmente, que o outro não está de acordo. Sua raiz
vem da palavra violar, que corresponde à transgressão, ou seja, ir além de algo que
não poderia e não deveria ser feito. Em vista disso, a violência dá conta do todo e
qualquer ação feita por qualquer pessoa em alguém, independente da idade, mas
principalmente criança, adolescente e da relação que se tem com ela. É
principalmente, quando se pensa que a existência do ser humano está diretamente
relacionada aos caprichos dos outros.
Certamente a própria palavra violência, sua origem e suas vertentes,
quando analisadas semanticamente, traduziriam a violência na sociedade, bem
como sua resistência nos dias de hoje. Através de cada significado, se perceberia
algo para ao menos explicar ou justificar sua vitalidade e, consequentemente,
possibilitaria reconhecer os fatores que estão impregnados a ela.
A violência enquanto um conceito generalizante e abstrato acaba, por
abarcar, sob o mesmo rótulo, fenômenos ímpares, que seriam mais bem
explicados se fossem considerados nos diferentes significados que lhes
são atribuídos nos mais diversos contextos sociais e históricos (BONETTI;
WIGGERS, 1999, p. 485).
Primeiramente, compreender o fenômeno da violência pressupõe percebê-
la como inerente a história humana, “a violência em suas diversas modulações, é
herança comum a todo e qualquer conjunto civilizacional, [...] trata-se de uma
estrutura constante do fenômeno humano” (MAFESSOLI, 1987, p.13).
No entanto, para se imergir nesse fenômeno, deve-se ter como ponto de
partida, identificar e compreender sobre quais foram os aspectos que fizeram parte
da história da violência e a partir destes os que são relevantes no contexto atual.
Isso reflete, de fato, no modo como a violência é vista em relação a sua
temporalidade durante todo o desenvolvimento da humanidade, reforçando o que
enfaticamente se encontra na literatura, ou seja, remete e fortalece que uma das
causas da violência na atualidade é proveniente de questões culturais e
civilizacionais. Da mesma forma, destaca essas questões como a presença
marcante da violência no meio social, comprovando e afirmando que a sociedade
perpetua e perpetuará mesmo que indiretamente a violência ao longo da sua
existência.
Com o intuito de repensar em alternativas para modificar essa realidade,
percebo que uma das formas de haver mudanças em relação a esse aspecto, seria
a mudança de paradigma na forma de educação que se originou com os jesuítas,
permeando a escravidão e que se propaga nas relações interpessoais capitalistas
presentes, em que se utiliza a transgressão dos direitos humanos para se ter um
“poder” sobre alguém, e, nesses casos, um ser mais frágil, a criança e o
adolescente.
Quando se propõe ver a violência desses lugares, que não é somente o
meu, mas que faz parte de mim, pois de alguma forma me vejo também presente
neste lugar e também faz parte dessa violência, é que se percebe como o educar e
o cuidar precisam ser desconstruídos, principalmente, nessas relações de domínio,
cujo novo olhar serve para, de alguma forma, gerar inúmeras possibilidades de
cuidado.
Portanto, ter esse novo olhar sem abstrair-me do meu próprio contexto
requer uma nova forma de ver e perceber o mundo, como diz Mafessoli (1987, p.13)
“é importante que saibamos compreender esse fenômeno com o máximo de
serenidade possível”. Necessito, para tanto, desconstruir aquilo que impede de
refletir e pensar de outra forma ou de ver as coisas de outro ângulo, pois é através
de uma reflexão que se compreende que podem existir infinitas possibilidades de
encontrar caminhos para um cuidado humanizado, ou seja, aquele que faz o sujeito
ser participante do processo de transformação. Esta tarefa não é tão fácil quanto
está se propondo, porém acredito que se houver libertação de algumas amarras que
permeiam essa problemática, pode-se justificar o importante papel que a
Enfermagem tem neste contexto, pois como diz Mafessoli (1987, p.13), “a violência,
como todo objeto social de alguma importância, tem como característica o fato de
que pretender propor uma nova análise teórica sobre ela é muito delicado”.
Entender como o processo de violência ocorre no contexto da criança, e
esta na sua família, ver como eles se entrelaçam e se movimentam, é não só
adquirir um novo olhar, mas sim várias possibilidades de olhar os seres humanos.
Para tanto, acredito ser esse um dos primeiros passos para percebê-los como
inerentes ao processo de cuidado a que fazem parte. Percebo que Mafessoli (1987,
p.14) já levantava essa nova possibilidade de olhar quando diz que “a violência está
sempre presente, antes de condená-la de uma maneira rápida demais, ou ainda,
negar sua existência, é melhor ver de que maneira pode-se negociar com ela”.
Portanto, deve-se incluir nesse contexto o cuidador, que mesmo percebendo o outro
como único, como sujeito, individual no seu contexto, tendo para isso um olhar mais
complexo, traz consigo a sua maneira de ver a violência, do lugar que ele está.
Mafessoli (1987, p.15) destaca que:
Não é possível analisar a violência de uma única maneira, tomá-la como
um fenômeno único. Sua própria pluralidade é a única indicação do
politeísmo de valores, da polissemia do fato social investigado. Proponho,
então, considerar que o termo violência é uma maneira cômoda de reunir
tudo o que se refere à luta, ao conflito, ao combate, ou seja, à parte
sombria que sempre atormenta o corpo individual ou social.
Como diz Mafessoli (1987, p.21) “nossa intenção não é inventar uma
teoria da violência, mas sim atualizar da melhor maneira o que pertence à sua
estrutura, trata-se no real sentido do termo, de reconhecer os elementos que
compõem este fenômeno”, é perceber que valores culturais e crenças estão
intrínsecos nessas relações e, que a forma de as pessoas conceberem o mundo é a
partir de suas vivências apresentadas na sociedade.
Outra questão que está presente nesse fenômeno da violência é a própria
perpetuação na espécie humana dentro da própria família. Veronese (2006, p.27)
refere que a violência doméstica e a privação familiar são as causas que mais
contribuem para a formação de comportamentos tidos como desviantes e,
conseqüentemente, para o aumento e perpetuação da violência. Isso remete a
pensar o porquê desse fenômeno ainda permanecer vivo e presente na sociedade,
fazendo parte através de séculos e sendo atualmente o grande martírio de muitas
crianças e adolescentes. A compreensão corrente é de que a violência perpetua-se
consideravelmente através de suas vítimas, sendo estas, possíveis agressores no
futuro. O que se quer resgatar inicialmente é de como foi produzida a violência na
história e como ela continua a mesma, havendo apenas mudanças de cenário. Ora
essa violência adquire nova “cara”, trazendo novos personagens, novos contextos,
ora ela volta com características primitivas de uma suposta educação e transgressão
de poder para se firmar.
Infelizmente, se tem a percepção de que a violência estará sempre
inerente à humanidade, pois ela traz consigo questões que emergem a partir da falta
de necessidades essenciais a uma vida digna, das precárias condições sócio-
econômicas, das deficientes condições educacionais, das extremas condições
comportamentais e principalmente políticas. Veronesse (2006, p.28) refere que é
preciso conscientizar-se de que a omissão, por menor que seja, legitima essa
vitimização. Evidentemente não será por isso que se deixará de fazer algo, porém
talvez se tenha de ter outra perspectiva para a problemática.
O tema violência tornou-se prioritário no final da década de 80, em todos os setores que trabalham
com crianças e adolescentes, e isso requer a sistematização do conhecimento das formas de
violência, a fim de propor medidas de prevenção e assistência adequadas, além de adotar uma
abordagem interinstitucional, atendendo às realidades locais (VENDRÚSCOLO, 2004, p. 565).
A referida autora segue dizendo que, atualmente, as demandas da
sociedade civil por melhores condições de vida para o segmento criança e
adolescente contrastam com a miséria crescente e com a multiplicação das
ocorrências de violência em todas as esferas da vida social. A abordagem desse
tema tem se tornado, no transcorrer dos anos, uma das prioridades para os setores
da assistência Social, da Saúde, da Educação, da Polícia e da Justiça Criminal,
apresentando uma ampliação contemporânea da consciência do valor da vida e dos
direitos de cidadania.
A violência constitui um fenômeno mundial de extrema gravidade,
principalmente no Terceiro mundo, em virtude dos quadros de exclusão social, e sua
magnitude é tamanha que, tornou-se sinônimo de endemia. Conseqüentemente,
desde 1990 a Organização Mundial de Saúde (OMS) vem tratando o problema com
enfoque epidemiológico (DIAS, 2004, p. 50). Ainda, segundo a autora, existe a
concepção de que a violência é um dos eternos problemas da teoria social e da
prática política e relacional da Humanidade, e que afeta a saúde, uma vez que é
capaz de provocar doenças e alterações negativas na integridade corporal, orgânica
e emocional, além de provocar a morte, tolhendo o direito do ser humano à vida,
sendo assim, a negação de toda legalidade possível.
A violência é um fenômeno social específico, histórico, relacionado às
condições socioeconômicas e que possui raízes e formas no cotidiano das relações
interpessoais. Perpetrada contra crianças e adolescentes, divide-se, basicamente,
em duas: violência social e violência doméstica. Na primeira, verifica-se o abandono
material, a fome, a ausência de abrigo ou de habitação, a falta de escolas e a
exposição de doenças infecto-contagiosas frente a situações da falta de saneamento
básico. Na segunda, as crianças e adolescentes vitimados sofrem violência física,
psicológica, sexual e negligência.
A violência doméstica é uma das várias modalidades de expressão de
violência que a humanidade pratica contra suas crianças e adolescentes, sendo que
as raízes desse fenômeno também estão associados ao contexto histórico, social,
cultural e político em que se insere e, não pode ser compreendida, somente, como
uma questão decorrente de conflitos interpessoais entre pais e filhos. Mesmo esse
relacionamento interpessoal, a qual configura um padrão abusivo de interação pai-
mãe-filho, foi construído historicamente por pessoas que, ao fazê-lo, revelam as
marcas de sua história pessoal no contexto da história socioeconômica, política e
cultural da sociedade (ROQUE, 2002, p. 335).
Quando se fala, se ouve e se lê sobre violência, encontram-se diferentes
conceitos sobre essa problemática, porém esses emergem quase sempre de um
mesmo lugar: transgressão dos direitos das crianças e adolescentes, como referem
Bonetti e Wiggers (1999, p. 485), “a violência não está restrita a um único tipo de
fenômeno, posto que é um conceito definido de diferentes formas por diferentes
autores”. No entanto, a leitura que as pessoas fazem dessa temática é quase
sempre a partir das suas vivências e/ou experiências diante dela, seja no campo
profissional e/ou pessoal. Ao iniciar uma revisão de literatura que contemplasse
todos os aspectos que permeiam a violência doméstica contra crianças e
adolescentes, percebi que seria necessário compreender as diferentes percepções
que os autores trazem sobre ela, bem como a abordam a partir de seu olhar e
também por um determinado contexto.
Primeiramente se faz uma leitura sobre a violência doméstica sobre
crianças e adolescentes apresentada por Guerra, que resgata, através de seu livro
Violência de pais contra filhos, questões pertinentes a temática e esclarecimentos
importantes sobre sua trajetória na sociedade.
Guerra (2001, p. 18) traz diversos pressupostos que esclarecem e
ratificam a violência como:
inexoravelmente atada ao modo pelo qual os homens produzem e
reproduzem suas condições sociais de existência;
negação de valores considerados universais: a liberdade, a igualdade, a
vida;
expressa padrões de sociabilidade, modos de vida, modelos atualizados
de comportamento vigentes em uma sociedade em um momento
determinado de seu processo histórico.
enquanto manifestação de sujeição e coisificação só pode atentar contra
a possibilidade de construção de uma sociedade de homens livres e;
ela tem por referência a vida, porém a vida reduzida, esquadrinhada,
alienada; não a vida em toda a sua plenitude, em sua manifestação
prenhe de liberdade;
Quando se entende a violência a partir desses pressupostos, percebe-se
sua problemática permeando toda a humanidade, por isso, me reporto à questão
principal e mais angustiante deste estudo: a violência contra as crianças e os
adolescentes, gerando assim um enorme desconforto, por perceber que todos os
aspectos levantados não são peculiares somente aos adultos, mas também
pertencem ao mundo de seres tão indefesos e frágeis.
Guerra (2001, p. 16) também traz em seus pressupostos questões sobre a
violência doméstica, referindo que a mesma, é um tipo de violência que:
permeia todas as classes sociais como violência de origem interpessoal;
é um abuso do poder disciplinador e coercitivo dos pais ou responsáveis;
é um processo de vitimização que, às vezes, se prolonga por vários meses e
até anos;
é um processo de imposição de maus-tratos à vítima, de sua completa
objetalização e sujeição;
é uma forma de violação dos direitos essenciais da criança e do adolescente
como pessoas e, portanto, uma negação de valores humanos fundamentais como a
vida, a liberdade, a segurança e;
tem na família sua ecologia privilegiada, e como esta pertence à esfera do
privado, a violência doméstica acaba se revestindo da tradicional característica de
sigilo.
A partir disso, emite o conceito de violência doméstica contra crianças e
adolescentes:
Representa todo ato ou omissão praticado por pais, parentes ou
responsáveis contra crianças e/ou adolescentes que – sendo capaz de
causar dano físico, sexual e/ou psicológico à vítima – implica, de um lado,
uma transgressão do poder/dever de proteção do adulto e, de outro, uma
coisificação da infância, isto é, uma negação do direito que crianças e
adolescentes têm de ser tratados como sujeitos e pessoas em condição
peculiar de desenvolvimento (GUERRA, 2001, p. 32).
A partir dessa problemática, podem-se encontrar vários tipos de violência
doméstica que permeiam a vida de crianças e adolescentes, que estão descritas a
seguir.
2.2 Os tipos de violência doméstica
Essa classificação permitirá analisá-las dentro de seus respectivos
conceitos e encaminhá-las de acordo com necessidades explicitadas. Guerra (2001,
p. 23) refere quatro tipos de violência doméstica reconhecidos:
Violência sexual: todo ato ou jogo sexual, relação hetero ou
homossexual entre um ou mais adultos e uma criança ou adolescente,
tendo por finalidade estimular sexualmente esta criança ou adolescente
ou utilizá-los para obter uma estimulação sexual sobre sua pessoa ou de
outra.
Violência psicológica: também designada como tortura psicológica.
Ocorre quando um adulto constantemente deprecia a criança, bloqueia
seus esforços de auto-aceitação, causando-lhe grande sofrimento
mental. Ameaças de abandono também podem tornar uma criança
medrosa e ansiosa, representando formas de sofrimento psicológico.
Negligência: representa uma omissão em termos de prover as
necessidades físicas e emocionais de uma criança ou adolescente.
Configura-se quando os pais (ou responsáveis) falham em termos de
alimentar, de vestir adequadamente seus filhos entre outros, e quando
tal falha não é resultado das condições de vida além do seu controle.
Violência física: caracterizada por qualquer ação única ou repetida, não
acidental (ou intencional), perpetrada por um agente agressor adulto ou
mais velho, que provoque dano físico à criança ou adolescente. É
causado pelo ato abusivo, podendo variar de lesão leve até
conseqüências extremas como a morte (DESLANDES, 1994b, p. 19).
Existe um perfil para esse fenômeno e Guerra (2001, p. 24) descreve-o a
partir de dados da literatura especializada nacional e internacional:
Quanto à natureza: caracterizar a relação do agressor com os fílhos-
vítimas como uma relação de sujeito-objeto; os filhos devem satisfazer
as necessidades dos pais, pesando sobre eles uma expectativa de
desempenho superior às suas capacidades; existe uma imagem
idealizada da criança e adolescente que não é correspondida; há
conflitos familiares significativos; os agressores consideram que os filhos
devem aprender que são responsáveis pelos quadros de violência; pelo
estabelecimento de uma “aliança solidária” entre os cônjuges pela qual
um dificilmente exerce este tipo de violência sem a cumplicidade
silenciosa do outro e, por último, a violência surge porque os pais ou
responsáveis acreditam que a punição corporal é um método adequado
de educação.
Quanto à direção: as vítimas podem ser tanto do sexo masculino quanto
do feminino; os agressores tanto podem ser o pai quanto a mãe,
estendendo-se também padrastos e madrastas ou ainda pais adotivos;
as idades das vítimas variam de 0 a 18 anos, tendo uma maior
incidência entre 7 a 13 anos; é um fenômeno que aparece nas diferentes
classes sociais, embora as classes populares sejam as mais
denunciadas;
Quanto às conseqüências:
Orgânicas: seqüelas provenientes de lesões abdominais, oculares,
de fraturas de membros inferiores e superiores, do crânio, de
queimaduras, que poderão causar invalidez permanente ou
temporária; a morte para a vítima, conhecida como violência fatal e,
muitas vezes, bastante subestimada em função das dificuldades de
se detectar as reais causas de morte.
Psicológicas: sentimentos de raiva, de medo quanto ao agressor,
quadros de dificuldades escolares, dificuldade quanto a confiar nos
outros, autoritarismo, delinqüência, violência doméstica contra
familiares, parricídio e matricídio.
3 CONTEXTUALIZANDO O REFERENCIAL TEÓRICO
Ninguém educa ninguém, Ninguém educa a
si mesmo, os homens se educam entre si,
mediatizados pelo mundo.
(Paulo Freire, 1987)
Segundo Minayo (1994, p. 92):
toda construção teórica é um sistema cujas vigas mestras estão
representadas pelos conceitos. Os conceitos são unidades de significação
que definem a forma e o conteúdo de uma teoria. Podemos considerá-los
como operações mentais que refletem certo ponto de vista a respeito da
realidade, pois focalizam determinados aspectos dos fenômenos,
hierarquizando-os. Desta forma eles se tornam um caminho de ordenação
da realidade, de olhar os fatos e as relações, e ao mesmo tempo um
caminho de criação.
3.1 Paulo Freire e sua história
Nesta etapa, se fará um breve relato sobre quem foi o educador Paulo
Freire. Paulo Reglus Neves Freire, “Paulo Freire”, nasceu em Recife no dia
19/09/1921 e faleceu em São Paulo no dia 02/05/1997 aos 76 anos vítima de um
infarto agudo do miocárdio. Cresceu em meio à disciplina e liberdade, além de
diálogo de carinho, amor e bondade de seus pais, vindo da contradição dos próprios
pais, sendo que seu pai era espírita e sua mãe católica. Aprendeu com eles o
diálogo, que procurou manter com o mundo, com os homens, com Deus e com a
família. Optou livremente pela religião de sua mãe, a qual influenciou muito sua vida.
Foi alfabetizado na sombra de uma mangueira, do quintal da casa em que nasceu,
sendo que seus pais utilizavam as palavras próprias do seu cotidiano, palavras de
sua infância, de sua experiência, o fato dos pais respeitarem o seu mundo vivido,
influenciou sua obra, anos depois. Sua primeira professora desenvolveu suas
capacidades como a intuição da oralidade e da necessidade exercitar a
expressividade da criança, respeitando a prática de cada um.
Passou por problemas financeiros, vivenciando a miséria e
compreendendo assim a fome dos demais. Adiou os estudos, convivendo com
muitas diferenças culturais e sociais, sempre tendo dificuldades com a educação.
Foi professor de português de 1941 e 1947, fez faculdade de Direito e casou-se com
Elza que estimulou sua carreira de docente. Foi nesse momento que iniciou também
a preocupação com os problemas educacionais. Após sua primeira causa,
abandonou o Direito e dedicou-se inteiramente ao trabalho educativo.
Em 1946, começou a trabalhar no Serviço Social da Industria (SESI) e ali
iniciou seu diálogo com a classe operária, alicerçando assim sua atividade
pedagógica antielitista e antiidealista. No fim da década de 50, surgiu o método de
alfabetização de adultos em um movimento popular de Recife chamado Círculos de
Cultura, alfabetizando 300 trabalhadores rurais em 45 dias.
Em 1964 foi preso por 70 dias com outros que estavam engajados no
mesmo processo, foi exilado e refugiou-se em La Paz, na Bolívia, sendo abortado
todo o seu trabalho aqui no Brasil, porém lá encontrou um clima favorável ao
desenvolvimento de suas idéias. Em 1970, junto a outros brasileiros exilados, agora
em Genebra, Suíça, cria o Instituto de Ação Cultural (IDAC), que assessora diversos
movimentos populares, em vários locais do mundo, disseminando assim suas idéias.
Correu o mundo com suas obras, palestras, conferências, e disseminaram suas
idéias em vários países com realidades diferenciadas.
Retorna ao Brasil somente em 1979 com obras como Educação como
Prática de Liberdade e a Pedagogia do Oprimido. Após o falecimento de Elza,
casou-se novamente com Ana Maria, que também teve uma grande participação em
sua vida. Sua maior preocupação era proporcionar a população, principalmente aos
mais pobres, a possibilidade de desvelar a realidade e buscar melhores condições
de vida, mais cidadania, com um criticismo apurado, voltado para benefício comum.
Paulo Freire foi um verdadeiro educador do seu tempo, foi incompreendido, exilado,
reconhecido e inaltecido no mundo, e na volta ao país, reconstruiu e continuou sua
obra em prol da educação, sempre buscando ultrapassar as barreiras que
obstaculizam a busca do ser mais.
Inseriu-se na vida docente acadêmica, lecionando na Universidade
Estadual de Campinas (UNICAMP) e na Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo (PUC-SP). Em 1989, tornou-se Secretário de Educação no Município de São
Paulo, no mandato da Prefeita Luiza Erundina do Partido dos Trabalhadores (PT).
Durante seu mandato, fez um grande esforço na implementação de movimentos de
alfabetização, de revisão curricular e lutou por remuneração digna aos professores.
Segundo Berbel (1999, p. 2),
Paulo Freire defendeu sempre uma Educação problematizadora, uma
Pedagogia problematizadora, aquela que se contrapondo à educação
bancária ou à pedagogia bancária pudesse servir para libertar o homem
dos seus opressores e pudesse servir para emancipação do homem, para
a sua humanização.
Segundo Vasconcelos (1999, p. 32), na obra de Freire, o homem é o
sujeito da educação, mas a interação de homem e mundo, de sujeito e objeto é
imprescindível, pois os sujeitos são homens concretos, situados no tempo e no
espaço, inseridos em um contexto histórico. Nessa abordagem, quanto mais o
homem reflete sobre a realidade, sobre sua atuação concreta, mais se torna
comprometido a intervir na realidade para mudá-la.
Ter Paulo Freire nesta caminhada, na construção desta pesquisa e poder
usufruir os seus ensinamentos, está sendo muito gratificante, pois perceber essa
maneira de reconhecer o ser humano e de que este pode transformar-se a partir das
suas dificuldades, é visualizar um novo caminhar. E este deve fazer parte daqueles
que buscam um cuidado humanizado e desejam consolidá-lo na sua prática. Após
as leituras sobre os ensinamentos de Paulo Freire, sinto que este cuidado que tanto
busco já está presente em minha vida, e isso me satisfaz como cuidadora,
realizando-me, assim, como profissional. Também compreender o ser humano em
sua essência requer conhecimento teórico e empírico e, isto acredito estar
adquirindo, pois presencio essa transformação nos meus cuidados. É essa
transformação que gostaria que ocorresse no outro já que está acontecendo comigo
diariamente desde o instante que essas leituras passaram a me acompanhar.
3.2 Proposta de uma pedagogia libertadora e problematizadora: reflexão de
uma teoria
Propor esta pedagogia é acreditar que o ser humano pode ir além, através
de seu conhecimento, experiências e vivências, podendo construir e transformar seu
mundo. Segundo Whays (2002, p. 12)
a pedagogia libertadora insere-se numa proposta de educação crítica,
tendo como seu grande interlocutor Paulo Freire, cujo referencial
pedagógico originariamente compreendia o método de alfabetização de
adultos num movimento de educação popular, na década de 50, em que
instituía o vínculo de cultura na defesa de opressão dos excluídos da
sociedade, no caso, os analfabetos.
Para buscar compreender todo este processo, utilizei como referencial
teórico a pedagogia problematizadora de Paulo Freire, que segundo Backes (1998,
p.257),
apóia-se no princípio de que uma pessoa só conhece bem algo quando o
transforma, transformando-se ela também no processo; que a solução de
problemas implica na participação e no diálogo permanente entre alunos e
professores; a aprendizagem, é concebida como a resposta, construída
pelo aluno, ao desafio de uma situação problema. No processo ensino-
aprendizagem, o professor deixa de ser o instrutor para ser o facilitador da
aprendizagem.
A pedagogia libertadora e problematizadora proposta por Freire é
entendida como “uma forma de ver o mundo, refletir sobre a leitura e recontá-lo,
transformando-o pela ação consciente, ultrapassando os limites da educação
enquanto disciplina social” (SAUPE et al, 1998, p. 249).
A utilização desse referencial teve como propósito também fazer com que
os sujeitos se percebessem como importantes e imprescindíveis nesse processo,
que sua auto-estima aflorasse e que estimulassem suas capacidades, permitindo
perceber que são capazes de gerar mudanças e, que suas capacidades vão além do
agir e do fazer, compreendendo afinal que suas reflexões são fundamentais para um
cuidado mais digno e humano.
Trabalhando-se com o referencial de Paulo Freire, não se vai a busca de
fórmulas mágicas ou prontas para a solução dos problemas. Vai se por um
caminho despretensioso, que procura libertar o grupo do círculo de cultura,
desvelando a realidade vivida, desmistificando as verdades, rompendo com
paradigmas dogmáticos, mostrando que certezas permanentes não
existem (SAUPE et al, 1998, p. 262).
A pedagogia problematizadora pode acontecer através de diferentes
caminhos, os quais sejam alinhados aos princípios da concepção histórico-crítica.
Neste estudo, foi utilizado para esse percurso a Metodologia da Problematização,
proposta por Maguerez, que segundo Berbel (1999, p. 8) “neste se tem um conjunto
de técnicas, procedimentos e atividades que são organizadas para fazer um todo
desse Arco, para iniciar o trabalho e completá-lo”. A mesma ressalva ainda que
“completar o estudo de um problema significa um reiniciar de outros arcos, com
outros problemas que foram identificados durante o estudo”.
É um poderoso recurso metodológico, para concretizar os princípios
teóricos e filosóficos de uma educação progressista e humanizadora,
desde que estes princípios façam parte da intencionalidade e do modo de
ser do educador, pois não será o mesmo se ela for utilizada como apenas
mais uma técnica. [...] permite a transformação do sujeito que dela
participa, pelas inúmeras elaborações intelectuais que realiza, de forma
associada à percepção social, política, ética, etc... da realidade,
dependendo do objeto de estudo (BERBEL, 1999, p. 10).
Percebendo a imensa vontade de promover mudanças e transformações
no cuidado às crianças e adolescentes vitimados pelos sujeitos deste estudo, é que
visualizo uma grande possibilidade de mudança nesse processo, pois esta, partindo
de suas angústias e com o intuito de serem minimizadas, farão parte de suas
práticas, as quais, diariamente, poderão se reconhecer em seus atos e gratificarem-
se pela participação nesse processo de transformação.
O trabalho pedagógico, em qualquer nível de ensino, e especialmente no
ensino superior, deveria ter relação direta com as necessidades da vida do
homem em sua relação com o mundo. Reduzir distâncias entre a teoria e a
prática, portanto, é necessidade urgente nos processos educacionais. É
fundamental que alunos e professores não só compreendam, interpretem e
expliquem a realidade, mas também intervenham sobre ela
(VASCONCELOS, 1999, p. 31).
As transformações acontecem de diferentes maneiras: muitas vezes, elas
são evidentes, rápidas e concretas. Outras vezes são abstratas, permanecem em
cada consciência e o que acontece é a sensibilização dos membros do grupo para
um novo olhar à realidade. Mudanças ocorrem mais ou menos perceptíveis, breves
ou longas, mas acontecem e vão do compromisso e do envolvimento de cada um,
que somado aos outros membros do círculo de Cultura, irão buscar a transformação
possível (SAUPE et al, 1998, p. 245).
Segundo Vasconcelos (1999, p. 42), a Metodologia da Problematização
é uma das manifestações do construtivismo pedagógico, pois:
parte-se da realidade, com a finalidade de compreendê-la e de construir
conhecimento capaz de transformá-la;
utiliza-se o que já se sabe sobre a realidade (conteúdos), não como um
fim mesmo, mas como subsídio para encontrar novas relações, novas
verdades, novas soluções;
os protagonistas da aprendizagem são os próprios aprendentes, por isso
acentua-se a descoberta, a participação na ação grupal, a autonomia e a
iniciativa;
desenvolve-se a capacidade de perguntar, consultar, experimentar,
avaliar, características da consciência crítica e;
é voltada para transformação social, para a conscientização de direitos e
deveres do cidadão, dentro de uma visão de educação libertadora,
tratando-se de uma concepção que acredita na educação como uma
prática social e não individual ou individualizante.
As contribuições de Charles Maguerez segundo Bordenave e Pereira
(1986, p. 25) “é para, através de um esquema pedagógico, ter um processo de
ensino em todos os níveis”. Esse processo inicia com a exposição dos sujeitos a um
problema, parte da realidade física ou social, que corresponde a primeira etapa,
OBSERVAÇÃO DA REALIDADE. A segunda etapa consiste em identificar as
variáveis ou LEVANTAR OS PONTOS-CHAVE do problema, aqueles que se
modificados, poderiam resultar na solução do problema. A terceira etapa
corresponde a TEORIZAÇÃO. Nesta etapa, os sujeitos são orientados a buscar uma
explanação teórica do problema, apelando para leituras, pesquisas e estudos
realizados. A etapa posterior é aquela em que os alunos propõem HIPÓTESES DE
SOLUÇÃO, as quais são confrontadas com os problemas levantados e estudos.
Após retornam a realidade e aplicam tudo aquilo que foi construído para
MODIFICAR OU TRANSFORMAR A REALIDADE (BORDENAVE; PEREIRA, 1986,
p. 25).
Todas as manifestações ou práticas pedagógicas refletem, explicita ou
implicitamente, teorias ou tendências pedagógicas vinculadas a um determinado
fundamento ideológico.
3.3 O cuidar por meio de um novo olhar: pensando complexamente a violência
“Ser é cuidar, e as várias maneiras de estar-no-mundo compreendem
diferentes maneiras de cuidar” (WALDOW, 2004, p. 19). Em muitos momentos na
vida o cuidado é algo instintivo, não necessitando necessariamente da compreensão
de algo ou de alguma coisa para desenvolvê-lo, porém, ele sempre emerge e se
apresenta através dos sentimentos de amor, respeito e solidariedade que se tem
para com as pessoas e de como se vê essas pessoas no mundo como ser. Por
exemplo, o cuidado de uma mãe para com um filho, em relação ao cuidado com a
alimentação e com a proteção, vem, na maioria das vezes, da relação que essa
pessoa (mãe) teve com as pessoas que a cuidaram, o que ela conhece de cuidado,
como o vivenciou e que experiências na vida ela traz consigo, ou seja, ela
desenvolverá o cuidado a partir do seu próprio ser e de como ela se constitui como
ser humano, “com seu cuidado e carinho a mãe continua a gerar os filhos e as filhas
durante toda a vida” (BOFF, 2004, p. 11).
Isso implica, quase sempre, de que para se cuidar, precisa-se
compreender e perceber como as necessidades de cuidados se deparam e se
fazem presentes no mundo, neste caso mais especificamente a violência doméstica
contra crianças e adolescentes. Um dos aspectos considerados relevantes neste
estudo é o cuidar, o cuidar dos profissionais de enfermagem em relação às crianças
e adolescentes vítimas de violência doméstica, sendo que esse cuidar é reflexo de
como se vê o mundo, e novamente, mais especificamente, de como se vê a
violência. Cada profissional de enfermagem, ao refletir sobre o cuidado de
enfermagem que prestará a essa clientela, buscará dentro de si, seus
conhecimentos, experiências e sua forma de ver a violência para prestar o cuidado.
E nesse cuidado estará presente todas as idéias, os julgamentos, os preconceitos e
os conceitos sobre o problema a ser discutido. Estar-se-á assistindo a esses seres a
partir do mundo em que estão inseridos, nas verdades, nas mentiras e nos mitos
que se carrega. E é partir desse entrelaçar de experiência, vivências e percepções
com transformação da realidade que se depara, é que vai se desenvolver a real
necessidade de estar refletindo sobre o cuidar e, além disso, perceber como os
profissionais de enfermagem cuidavam das crianças e adolescentes e como cuidam
a partir de um novo olhar.
Ao compreender e entender o real significado da palavra complexidade e
do que o ser complexo pode trazer como possibilidades de cuidar às crianças e
adolescentes vítimas de violência doméstica, principalmente àquelas situações que
normalmente caberiam em protocolos formais, é que se percebe o quanto de leituras
ainda é necessário fazer e ter para se transformar e chegar próximo a um cuidado
humanizado.
Estar diante de algo ou alguma coisa que remete a sentimentos e
pensamentos como a raiva, a ira e a revolta, e que no mesmo instante faz refletir,
compreender ou talvez entender que esse mesmo fato possa no entanto, fazer
buscar a compreensão daquilo que está acontecendo, acredito ser algo que todos
possam fazer, porém são poucos que o fazem. Compreender porque se violenta ou
se cometem atos que nem a ciência pode explicar, é estar e não estar presente junto
e com o outro. Segundo Morin (2002, p. 7), “o pensamento complexo tenta religar o
que o pensamento disciplinar e o compartimentado separou e parcelarizou”.
O pensamento complexo tenta agrupar as várias formas de olhar para um
mesmo foco, é o lugar de cada um sendo refletido nas suas próprias ações, para
uma transformação coletiva. “É o que tece em conjunto, que pratica o abraço, [...]
que se prolonga na ética da solidariedade” (MORIN, 2002, p. 7).
Assim como a metodologia da problematização e os fundamentos teórico-
metodológicos de Paulo Freire que buscam a essência do ser humano, suas
vivências e sua forma de ver o mundo para de alguma forma transformar a realidade
onde estão inseridos, o pensamento complexo vai também buscar essa essência,
aquilo que, muitas vezes, não se identifica como resposta. Morin (2002, p. 9) define
como “redescobrir o individual”, ou seja, perceber que os nossos atos quase sempre,
são frutos da nossa própria existência.
Almeida (2002, p.15) retrata que essa nova forma de ver o mundo,
“expressa a tentativa de construir entendimentos do mundo norteados pela razão
aberta”. De identificar no todo, todas as suas partes separadamente, mas ao mesmo
tempo, saber que elas são inseparáveis. Perceber que a violência não pode ter um
conceito ou ser representada por uma única verdade, ela representa a forma de
relação que a pessoa vê o mundo, como o mundo se mostra a ela, como ela
interage com esse mundo e como se deixa interagir, ela ao mesmo tempo nos
mostra muitas soluções e razões, mas ao mesmo tempo nos faz indagações
constantemente. Morin (2002, p. 8) refere que a complexidade muitas vezes “é uma
palavra vazia, que tapa buracos, [...] utilizada geralmente quando não conseguimos
encontrar uma explicação e uma definição”.
Essa necessidade em reconhecer essa nova forma de olhar sobre esse
pensar complexo e estar imerso dentro dessa perspectiva, é para ratificar algo que
se quer que faça parte da essência, porém que ainda não está totalmente presente.
Em vários momentos, se faz reflexões que, muitas vezes, estão convergindo daquilo
que se acredita com as leituras que traz, porém em muitos momentos alguns
conflitos vêm à tona e a prática se distancia da teoria. Muitas das atitudes por mais
que o pensamento complexo alcance, estão distantes dos sentimentos. E para
compreender como ocorre o cuidado dos profissionais de enfermagem para com
estas crianças e adolescentes é que busco, na minha essência, essa dificuldade de
lidar com o novo, visto que significa simplesmente ver o ser humano no mundo como
aquilo que ele próprio transformou, ou seja, ele é o reflexo das suas próprias ações.
Bonetti e Wiggers (1999, p. 486) ressaltam que não se trata de fazer uma
apologia da violência, mas sim defender que a forma mais eficaz de compreender
esse fenômeno plural, está em captar as singularidades nas quais se apresenta, o
seu caráter específico nos diferentes contextos em que se inscreve, ressaltando as
dinâmicas culturais em que essas manifestações surgem. E a partir disso saber um
pouco mais sobre os múltiplos significados que o termo violência assume e quando
e de que forma cabe intervir.
Estar diante desse novo faz compreender também porque as pessoas
violentam, pois para eu “compreender” esse ato, preciso sair do meu lugar, do ponto
onde estou visualizando a situação, para me colocar no lugar do outro e perceber
que sua atitude é a forma de ele se ver no mundo. Essa forma de ver o mundo, não
significa estar tentando encontrar justificativas para atos monstruosos, mas sim
compreender o que acarreta todo esse processo de vitimização.
A violência inscreve-se em um duplo movimento de destruição e de
construção, ou ainda, que ela é reveladora de uma desestruturação social
relativamente manifesta, e que invoca uma nova construção.
Ao visualizar, no pensamento complexo a possibilidade de ver a violência
doméstica sob vários ângulos, percebe-se que a pesquisa-ação complementa e
contempla aquilo que a mesma propõe. Portanto, utilizá-las concomitantemente
intensificam suas propriedades.
O espírito mesmo da pesquisa-ação consiste em uma abordagem em
espiral que a todas utiliza. A abordagem em espiral supõe igualmente que,
mesmo se as pessoas nunca se banharem duas vezes no mesmo rio,
segundo a fórmula heraclitiana, ocorre olhar duas vezes o mesmo objeto
sob ângulos diferentes (BARBIER, 2002, p. 117).
3.4 Pressupostos
A partir do referencial teórico escolhido para o desenvolvimento da
presente proposta, os pressupostos do estudo foram apoiados nos escritos de
Berbel (1999, p. 12), acreditando na razão e no significado dos mesmos:
a educação problematizadora volta-se para servir de libertação do ser
humano, pelo conhecimento, pela ampliação da consciência;
a educação deve voltar-se para a transformação da realidade, mas o
homem só transforma a sua realidade quando ele próprio se transforma;
a educação serve para que o homem se torne humanizado para poder
atuar como homem no seu meio, na sua base;
o pensamento complexo une, contratualiza, globaliza, mas ao mesmo
tempo, reconhece o singular, o individual e o concreto.
a solução de problemas implica a participação ativa e o diálogo
constante entre os sujeitos;
o educador deve ser vigilante, pois a vigilância do educador democrático
é a de buscar a coerência entre o seu discurso e sua ação, entre a teoria
e a prática;
não basta que o assunto seja significativo para o sujeito enquanto
indivíduo, mas é preciso que seja significativo para o planeta;
a práxis humana é a unidade indissolúvel entre a minha ação e a minha
reflexão sobre o mundo, é a reflexão e ação dos homens sobre o mundo
para transformá-lo, é uma atividade consciente e intencionalmente
transformadora;
os sujeitos só aprendem quando se envolvem profundamente com a
situação;
a produção e a utilização do conhecimento deveriam contribuir para a
evolução do ser humano em todas as suas dimensões;
o pensamento complexo busca distinguir (mas não separar) e ligar; e
objetiva unir e ao mesmo tempo aceitar o desafio da incerteza;
liga o conhecimento das partes ao conhecimento do todo: para
conhecer, não se pode isolar uma palavra, uma informação, é
necessário ligá-la a um contexto e mobilizar o saber, a cultura, para
chegar a um conhecimento apropriado e oportuno da mesma;
os seres humanos são produtos e produtores no processo de vida;
produz-se a sociedade que produz as pessoas, ou seja, os produtos e os
efeitos são produtores e causadores do que os produz;
o conhecimento deve certamente utilizar a abstração, mas procurando
construir-se em referência a um contexto;
o pensamento complexo não se reduz nem a ciência, nem a filosofia,
mas permite a comunicação entre elas, servindo-lhes de ponte;
3.5 Conceitos
As pessoas, as coisas, os objetos, enfim tudo aquilo que se faz e está
presente no mundo, no universo tem um significado, ou seja, representa algo. A
idéia é o pensamento que se tem de algo e se entende como conceito.
Segundo Trentini e Paim (2004, p. 51),
conceitos são representações mentais de determinadas realidades
mentais, porque não é a realidade em si mesma, mas uma imagem dela,
ou seja, são abstrações da realidade, embora a realidade seja concreta, o
conceito que a representa é sempre abstrato.
Para exprimir os alicerces que fazem parte desta pesquisa e nortearam os
estudos, os contextualizo juntamente com Paulo Freire e demais autores que se
seguem, para dar suporte as minhas e as ações dos sujeitos, estas estarão
entrelaçadas e será o modo que as coisas farão sentido. Conceito é aquilo que se
acredita ser a partir de um olhar, embasado em dados empíricos e teóricos. Vão
existir alguns conceitos que independem do lugar e do olhar em que se está ou se
tem. Diferente da violência e dos demais conceitos que estão aqui presentes, o
significado vai surgir e existir a partir das experiências e vivências deste na
sociedade, de como o cuidador se vê e percebe no mundo. Para tanto, apresento os
conceitos que considero fundamentais para a efetivação deste estudo, os quais
foram fundamentados nas idéias de Paulo Freire.
Ser humano: segundo Souza (1995, p.23) “na concepção Freiriana, o ser
humano possui a vocação ontológica para ser sujeito e não objeto”, é sujeito porque
é o principal responsável pelas mudanças e transformações a partir de seu
conhecimento; deve reconhecer seu papel na sociedade, pois “é capaz de
transformar a realidade que o cerca”; é um ser de relações e percebe que suas
ações comprometem a si e as pessoas que estão na mesma caminhada, pois “está
no mundo e com o mundo, é capaz de relacionar-se, de sair, de projetar-se nos
outros”; “é um ser inconcluso, histórico e como tal contextualizado”, pois
compreende que a inconclusão faz renascer novas possibilidades a cada momento
de vida e que esta é o base para novos desafios; “é um ser de integração e não de
acomodação” pois escreve e vive a sua história a partir de suas vivências e do
contexto de vida. Neste estudo é considerado todo o ser que acredita que sua
presença dentro deste contexto de possibilidades possa de alguma forma
transformar e modificar sua relação com e no mundo a fim de alcançar resultados
significativos no modo de enfrentar suas dificuldades, e acima de tudo compreende
que para promover este resultado, deva assumir seu papel diante da sociedade e
principalmente junto dela criar subsídios a favor destas transformações.
Enfermeira: a enfermeira é um ser humano que cuida com base nos
conhecimentos adquiridos ao longo de sua vida, portanto, em seu cuidado está
agregado suas crenças, valores e cultura, sendo um ser dotado de sensibilidade e
coragem. “É mediadora do processo educativo, interage consigo mesma, com as
crianças, famílias e outros profissionais, buscando o melhor para ambos, é um
agente em transformação” (WAYHS, 2002, p. 44). Deve se reconhecer como
essencial na sociedade por possuir subsídios primordiais para um cuidado
humanizado de qualidade.
Violência: é algo que rompe com a beleza do processo de viver, que
contraria a essência das relações, permeadas por amor, respeito e ternura; que
escurece a vida de muitas crianças e adolescentes e desafia o “ser humano” a ser
capaz.
É quando numa situação de interação, um ou vários atores agem de
maneira direta ou indireta, maciça ou esparsa, causando danos a uma ou
várias pessoas em graus variáveis, seja em sua integridade física, seja em
sua integridade moral, em suas posses, ou em suas participações
simbólicas e culturais (MICHAUD, 2001, p. 10).
Representa o desafio dos seres humanos envolvidos neste processo,
daqueles que a percebem como uma dificuldade que assombra as relações e
daqueles que compreendem esta como motivadora para encontrar novas
possibilidades de cuidado. Acredito estar inerente a cultura, pois nossas ações estão
relacionadas äs nossas vivências e experiência adquiridas na sociedade, a cultura é
o conjunto de conhecimentos adquiridos em um ambiente, ou seja, a violência será o
resultado dessas experiências e vivências se não houver uma conscientização e
transformação destes sujeitos pela sociedade.
Crianças e adolescentes: São crianças até 12 anos de idade
incompletos, e adolescentes entre 12 e 18 anos de idade (BRASIL,1990, p.5). Neste
estudo são todas as crianças e adolescentes da sociedade, mais especificamente
aquelas que mantemos alguma relação, seja direta ou indireta, que estão em
situação de risco ou que sofreram algum tipo de violência que tenha sido
identificada. Sendo que essas crianças e adolescentes vítimas de algum tipo de
violência, além de fazerem parte deste processo, serão produtos da desestruturação
familiar e trarão consigo marcas desta violência, pois o processo produz o produto a
partir do produto que produz o processo. Pois, acredito que se não for rompido o
processo de circularidade, eles serão os agressores em um futuro muito próximo.
Portanto, devem ter a capacidade de ser resilientes, ou seja, ter a capacidade de
não só resistir às adversidades, mas de utilizá-las em seus processos de
desenvolvimento pessoal e crescimento social (ANTUNES, 2004, p. 13).
Família: é uma unidade dinâmica, com uma identidade que lhe é peculiar,
constituída por seres humanos unidos por laços de sangue, de interesse e/ou
afetividade, que se percebem como família, convivendo por um espaço de tempo
construindo uma história de vida. A família está inserida em um determinado
contexto físico, sócio-cultural e político, influenciando e sendo por ele influenciado
(ELSEN et al, 2001, p. 93). Segundo Elsen e Althoff (2004, p. 23), as famílias são
construções sociais presentes em todos os lugares do nosso planeta, constituídas
por diferentes formas e várias dimensões.
Processo educativo: é o modo pelo qual permite que o ser humano,
através de interações, transforme-se e promova mudanças na realidade em que
vive, sendo um dos principais caminhos a fornecer subsídios para enfrentar as
situações problemáticas vivenciadas cotidianamente. Ele é o meio da transformação,
um compartilhar de conhecimentos em que ninguém sabe mais do que ninguém,
estes são apenas diferentes. Freire (1996, p. 120) refere que “o processo educativo
não se dá por meio da transferência de conhecimentos, mas através da criação de
possibilidades para sua construção”. Segundo Souza (1995, p.23) “ele contribui para
a humanização dos homens, pois deve ser um ato coletivo, um ato de amor, é uma
tarefa de troca entre as pessoas”. Está presente em todas as etapas das oficinas e
sua eficácia é percebida nos resultados esperados. Ele necessita que haja
comunicação, pois é uma das necessidades sociais que embebem o cotidiano das
pessoas, ela é imprescindível, pois como prática educativa problematizadora, traz o
problema oriundo da realidade. Necessita de conscientização “capacidade de se
perceber oprimido ou opressor, mas principalmente é vista como uma exigência
humana, uma busca, como geradora de revolta, de não conformidade, de ação e
reflexão, buscando a transformação da realidade (FREIRE, 1996, p. 89)”. É o
momento de reflexão do processo educativo/interativo/investigativo, no qual se pode
intervir naquilo que precisa ser transformado, considerando os seres humanos como
sujeitos nesse processo, utilizando todas as possibilidades de ações viáveis, além
de reconhecer as dificuldades que são inerentes à violência doméstica.
Transformação: resultado da ação/reflexão/ação dos homens sobre a
realidade para a criação de um novo mundo, uma ação voltada para o ato de criar e
recriar o mundo modificando a realidade. Segundo Souza (1995, p.25) “a
transformação ocorre através da conscientização e instrumentalização”. Neste
estudo as oficinas através do processo educativo serviram de mediadores para
reflexões realizadas sobre a temática para ser o ponto de partida, com o intuito de
promover a construção de subsídios àqueles que estavam dispostos a se
transformarem.
Enfermagem: é um processo de ação e reflexão permanente,
concretizado em práticas variadas nas quais ora um ora outro pólo desta relação
torna-se dominante, mas afirmando sempre a presença da bipolaridade. Não só
procura o equilíbrio entre a ação e a reflexão, mas já busca incorporar outros pólos
como transformação, superando a bipolaridade e investindo na multipolaridade
(SAUPE et al, 1998, p. 30). É uma profissão capaz de modificar e transformar o
social através de ações que promovam um pleno desenvolvimento e crescimento,
além de possibilitar ao ser humano a descobrir-se como sujeito da sua realidade.
Ambiente: é o que nos cerca, o que está ao nosso redor. Portanto, sua
definição torna-se importante, porque é aquilo que vai contribuir para o crescimento
e desenvolvimento de todo o ser humano, seja ele, a criança e o adolescente em
situação de risco ou que foi vítima de violência doméstica ou o profissional que irá
cuidar destes. O ambiente é onde a “personalidade é personificada”, e onde se
adquire as habilidades, as fraquezas e a forma de enfrentar o mundo. Freire (1996,
p. 130) refere que é no ambiente cultural, que o homem cria e recria sua realidade,
dentro da sua própria visão e miscigenado por outras culturas, pois é um ser nas
relações. É no ambiente, principalmente familiar e escolar, que muitas práticas de
violência estão presentes e se perpetuam ao longo da história de vida das crianças e
adolescentes. Porém, se no ambiente onde as mesmas estiverem crescendo e se
desenvolvendo estiver presente principalmente o respeito, o carinho, o amor e a
ternura provavelmente, se terá crianças menos violentas e promovedoras da paz.
Pensamento Complexo: a palavra complexa deve ser entendida em seu
sentido literal: complexus, aquilo que tece em conjunto. O pensamento complexo é,
pois, essencialmente, o pensamento que trata com a incerteza e que é capaz de
conceber a organização. É o pensamento apto a reunir, contextualizar, globalizar,
mas ao mesmo tempo reconhecer o singular, o individual, o concreto. O pensamento
complexo não se reduz nem a ciência, nem a filosofia, mas permite sua
comunicação, como um tear que trabalha para unir os fios. “Só podemos entrar na
problemática da complexidade se entrar na da simplicidade, porque a simplicidade
não é assim tão simples como parece” (MORIN, 2003, p. 18).
Cuidado: é a capacidade que o ser humano tem em reconhecer no outro
suas necessidades e fragilidades, perceber juntamente com este se são fatores que
justifiquem uma intervenção e lado a lado promover ações que modifiquem e
transformem esta realidade. O cuidado é a chave fundamental desta pesquisa, pois
ao ser discutido, concretiza possibilidades tanto para as crianças e adolescentes
vítimas de violência doméstica e seus familiares, como para os profissionais que
buscam e acreditam que através deste cuidado possam minimizar suas próprias
angústias e fantasmas. Através do cuidado com o próximo é que construímos
sentimentos importantes e que servem de adubo para as nossas vidas, como o
amor, a esperança, o respeito, a ternura. E possibilita que a realidade vivenciada por
muitas crianças e adolescentes possa mudar de direção.
Quando se traz um referencial teórico/metodológico, pressupostos e
conceitos para a pesquisa é para sentir, de alguma forma, apoiada sobre algo que
se acredita e que deva fazer parte desta caminhada. Como já foi dito anteriormente,
o referencial problematizador de Paulo Freire está presente para auxiliar na
composição de um cuidado transformador, em que o cuidador e o sujeito a ser
cuidado possam, de todas as formas, participar ativamente da transformação a ser
proposta por eles mesmos. Os pressupostos apresentados serviram para que se
pudesse, inicialmente, ter uma idéia de como olhar de outra forma as questões
percebidas ao longo das discussões, fazendo com que alguns questionamentos
pudessem ajudar na construção de novas possibilidades de cuidado. E os conceitos
são para dar conta dos pensamentos que se tem sobre o mundo e as coisas que
nele se constitui. Acredito que o entrelaçamento entre Paulo Freire, a metodologia
da problematização e o pensamento complexo foram imprescindíveis para a
construção do que seria a base desta pesquisa, e suas inter-relações que
subsidiaram esta caminhada.
4 O CAMINHO METODOLÓGICO
METODOLOGIA é o modo de agir,
o caminho escolhido para o desenvolvimento da
intervenção, é o conteúdo processual para a
definição dos passos para dirigir a ação, é a
instrumentalização da ação.
É o núcleo para abordagem do fenômeno
sobre o qual se quer agir.
(Leopardi, 1999)
Este tópico trata de como ocorreu esta caminhada metodológica,
possibilitando ao leitor, compreender o caminho que foi percorrido, ou seja, a direção
que este estudo seguiu para alcançar seu objetivo. Minayo (1994, p. 21), afirma que,
“o caminho é o instrumental próprio da abordagem da realidade, entendido como a
metodologia”. A mesma autora enriquece sua concepção de metodologia ao
completar que esta é “a articulação entre conteúdos, pensamentos e existência”. A
metodologia composta traz o que serve para dar vida às dimensões que deseja e faz
florescer aquilo que ao longo das etapas foi cultivado.
Neste estudo, o caminho percorrido foi para analisar a problemática da
violência doméstica contra crianças e adolescentes percebida pelos profissionais de
enfermagem da Unidade de Internação Pediátrica à luz do referencial
problematizador de Paulo Freire e do pensamento complexo. Segundo Elsen e
Althoff (2004, p. 23) “a pesquisa proporciona nova maneira de olhar para as coisas
que vivenciamos ou que estão ao nosso redor, por meio de procedimentos
sistemáticos”.
Acredito que esta etapa, quando possui um rumo com delimitações
precisas e coerentes, esclarece e fornece subsídios para que o leitor possa
compreender e visualizar nos resultados a convergência entre a proposta e os
resultados esperados, tornando mais explícitas as idéias do pesquisador.
Caminho, segundo Aurélio (1993, p. 95), “é um espaço percorrido ou por
percorrer”, neste sentido, propõem-se ao leitor acompanhar a direção que foi tomada
para, juntamente com os profissionais de enfermagem, encontrar respostas e ter
confirmações para questões relacionadas à problemática da violência doméstica
contra crianças e adolescentes.
4.1 Tipo de estudo
Neste estudo, deliniei a realização de uma pesquisa-ação com abordagem
qualitativa, no sentido de buscar em torno da violência doméstica contra crianças e
adolescentes, suas particularidades, principalmente, as sociais encontradas nas
minhas e nas falas dos sujeitos, os atributos que permitem identificar sua verdadeira
face e distinção dos demais tipos de violências ou situações complexas bem como
as condições que determinam ou pressupõem sua natureza, ou seja, ter uma
compreensão mais ampla da realidade estudada e perceber sua complexidade.
Segundo Chizzotti (1991, p.106),
a análise qualitativa de uma pesquisa fundamenta-se em dados coligidos
nas interações interpessoais, na co-participação das situações dos
informantes, analisadas a partir da significação que estes dão aos seus
atos. O pesquisador participa, compreende e interpreta.
De acordo com o objetivo proposto, percebi que a pesquisa-ação com
abordagem qualitativa dava conta da singularidade e ao mesmo tempo da
complexidade que a temática se propunha. Dessa forma, encontrei nesta
modalidade de pesquisa, evidências claras e compreensivas na sua utilização, já
que, para abordar a problemática, acredita-se que necessitaria, primeiramente,
discutir sobre a mesma, juntamente com os sujeitos, encontrando respostas ou
alternativas através das análises obtidas nas discussões, o que inegavelmente esse
tipo de pesquisa promove.
4.1.1 Pesquisa-ação
Segundo Barbier (2002, p. 17), pesquisa-ação é uma nova metodologia ou
abordagem das ciências sociais, “trata-se de pesquisas nas quais há uma ação
deliberada de transformação da realidade; pesquisas que possuem um duplo
objetivo: transformar a realidade e produzir conhecimentos relativos a essas
transformações”.
Esse mesmo autor traz algumas características dessa pesquisa e do
pesquisador, primordiais para sua compreensão e definição:
A pesquisa obriga o pesquisador implicar-se, ou seja, ao implicar-se a
pesquisa promove e permite que o pesquisador “traga como
conseqüência” algo a partir de sua atuação.
O pesquisador percebe como está implicado pela estrutura social na
qual ele está inserido e pelo jogo de desejos e de interesses de outros,
ou seja, a partir da sua realidade, dos sujeitos participantes e da
estrutura que a problemática está inserida é que vão ser construídas
ações para modificar a realidade.
Também implica os outros por meio do seu olhar e de sua ação singular
no mundo, fazendo com que os sujeitos sejam participantes ativos e os
responsáveis pela sua própria transformação.
A pesquisa não exclui os sujeitos-atores da pesquisa, pois seu resultado
está no conhecimento por eles produzidos e construídos.
A pesquisa não se trabalha sobre os outros, mas e sempre com os
outros, pois o objetivo de estar lado a lado com os sujeitos é propiciar
que os conhecimentos produzidos e adquiridos por eles sejam utilizados
para seu próprio benefício.
A pesquisa conduz a uma nova postura e a uma nova inscrição do
pesquisador na sociedade, pelo reconhecimento de uma competência
em busca de técnicos do social, ou seja, ela permite que os sujeitos
envolvidos sejam os mais favorecidos e não apenas o pesquisador e
promove uma atualização de questões que permeiam sua prática.
A pesquisa tem uma abordagem multirreferencial dos acontecimentos,
das situações e das práticas individuais e sociais. Nesse sentido, ela
converge para um pensamento complexo, pois sensibiliza os sujeitos e
reúne diversos conhecimentos e vivências.
A pesquisa é eminentemente pedagógica e política: pedagógica. pois
permite que o sujeito seja o responsável pelo conhecimento adquirido a
partir de sua própria necessidade e interesse e; política pois trata dos
fenômenos e práticas referentes de uma sociedade, nesse caso, a
violência doméstica contra crianças e adolescentes presente nas
unidades de internação pediátrica.
A pesquisa serve à educação do homem cidadão preocupado em
organizar a existência coletiva da cidade. Nesse sentido, ela é macro,
pois trata de questões vivenciadas pela sociedade e pelos sujeitos que,
de alguma forma, não estão em consonância com a realidade desejada.
A pesquisa compreende que as ciências humanas são, essencialmente,
ciências de interações entre sujeito e objetivo de pesquisa.
O pesquisador percebe que sua própria vida social e afetiva está
presente na sua pesquisa sociológica e, que o imprevisto está no
coração da sua prática, ou seja, o pesquisador deve conceber que
existem várias formas de olhar , devendo-se proporcionar outros ângulos
a partir de vivência.
O pesquisador deve ser mais que um especialista: por meio da abertura
concreta sobre a vida social, política, afetiva, imaginária e espiritual, ela
faz um convite para que ele seja verdadeiramente, e talvez, tão
simplesmente, um ser humano.
O pesquisador desempenha seu papel profissional em uma dialética que
articula constantemente a implicação e o distanciamento, a afetividade e
a racionalidade, o simbólico e o imaginário, a mediação e o desafio, a
autoformação e a heteroformação, a ciência e a arte.
No decorrer de sua prática, o pesquisador adquire uma competência
múltipla, sendo, às vezes, sociólogo, ou psicossociólogo, ou filósofo, ou
psicólogo, ou historiador, ou economista, ou inventor, ou militante, entre
outros, e certamente enfermeira. OK
O pesquisador é um sujeito autônomo, um autor de sua prática e de seu
discurso (Barbier, 2002, p. 17).
A pesquisa-ação utilizada é a do tipo ação-pesquisa que representa
pesquisas utilizadas e concebidas como meio de favorecer mudanças
intencionais decididas pelo pesquisador e a mudança resulta de uma
atividade de pesquisa na qual os atores se debruçam sobre eles mesmos.
A ação parece prioritária nesse tipo de pesquisa, mas as conseqüências da
ação permitem aos pesquisadores explorá-las com fins de pesquisa mais
acadêmica (BARBIER, 2002, p. 42).
Barbier (2002, p. 27) chama de “autóctones”, os que serão chamados de
sujeitos da pesquisa. Entende-se por essa expressão que, para construir algo
socialmente, deva-se “recrutar” os seres que estão intimamente ligados à
determinada problemática. Neste caso, os profissionais de enfermagem da unidade
de internação pediátrica por estarem em consonância com a temática escolhida por
mim. “Fazer com que as pessoas participem na sua própria mudança de atitude ou
de comportamento num sistema interativo” (BARBIER, 2002, p. 36).
Este tipo de pesquisa assemelha-se muito às idéias de Paulo Freire e à
pedagogia libertadora quando Barbier (2002, p. 57) define que
a pesquisa-ação é uma forma de pesquisa realizada pelos técnicos a partir
de sua própria prática, é uma pesquisa-ação libertadora e crítica. Ela é
libertadora, já que o grupo de técnicos se responsabiliza pela sua própria
emancipação, auto-organizando-se contra hábitos irracionais e burocráticos
de coerção.
Também traz na sua essência a complexidade quando refere que “na
pesquisa-ação, trata-se, por excelência, de reconhecer o pleno emprego das forças
subjetivas [...] estar o mais possível dentro dos efeitos de emergência e de auto-
organização da complexidade do mundo” (BARBIER, 2002, p. 86).
Julga-se que este tipo de pesquisa, na qual os resultados emergem a
partir do compartilhamento e das vivências entre a pesquisadora e os sujeitos da
pesquisa, contempla realmente aquilo que anseio para a minha prática assistencial e
vida profissional. E ratifica-se ser relevante e extremamente conveniente para outros
profissionais que aspiram e estão determinados a transformar sua realidade a partir
dos sujeitos que nela atuam. A pesquisa-ação é o espírito da multirreferencialidade
(BARBIER, 2002, p. 117).
4.2 Contexto da pesquisa
Para a implementação desta pesquisa, foi escolhida uma Unidade de
Internação Pediátrica de um Hospital-Escola geral situado na região Sul do Brasil
(Florianópolis, Santa Catarina). Nesta unidade, assiste-se crianças e adolescentes
de 0 a 14 anos integralmente, bem como toda a instituição é pública, objetiva o
ensino, a pesquisa, a assistência e a extensão.
Nela são internadas diariamente, crianças e adolescentes para
confirmação de diagnóstico, intercorrências e tratamento de diversas patologias, não
havendo especialidades específicas no atendimento. As crianças e adolescentes
são provenientes da Capital e da grande Florianópolis, sendo que alguns casos são
do interior do Estado de Santa Catarina. Quando internadas, são acompanhadas por
uma pessoa da família ou responsável em período integral, possibilitando ao
acompanhante permanecer no setor durante todo o período da internação. Esse
acompanhante recebe alimentação três vezes por dia e além de cuidador, possui o
papel de desempenhar atividades recreativas com seus filhos, bem como o
atendimento básico das necessidades de higiene e conforto da criança.
A Unidade de Internação Pediátrica possui 30 leitos, com 28 ativados,
sendo 9 leitos de lactentes, 12 leitos de pré-escolar, 3 leitos escolares distribuídos
em 2 quartos e 3 leitos de isolamento que comporta tanto pré-escolar quanto
escolar, e três leitos para a observação vinculada à emergência pediátrica.
A escolha desse local deve-se ao fato de que, além da familiaridade,
por ser um espaço no qual atuo profissionalmente, é um local que me coloca,
quase todo dia, em contato com uma população que chega, muitas vezes, antes
de o sol nascer para ver os seus direitos e de seus filhos consolidados e, que, às
vezes, traz consigo inúmeras problemáticas, dentre elas a da violência doméstica.
Acredita-se que nesse local as questões relacionadas ao cuidado das crianças e
adolescentes vítimas de violência doméstica sejam compartilhados para que se
promova um cuidado almejado a essa clientela.
Em média, há quarenta e dois funcionários de Enfermagem. Há uma
equipe multiprofissional que presta o cuidado à criança e adolescente e sua família,
sendo cinco médicos, uma psicóloga, uma assistente social e uma nutricionista. A
maioria dos profissionais possui idade entre vinte e cinco e quarenta anos.
Desde o momento que se iniciou a articulação para propor esta pesquisa
até o seu término, busquei não me desvincular da equipe, sendo também um sujeito
desta transformação, não me considerando apenas uma pesquisadora. Além disso,
trouxe como proposta a compreensão de que fazia parte do processo e, como
profissional da unidade e de enfermagem, buscava também subsídios para novas
possibilidades de cuidados.
Acredita-se que a pesquisa nesta instituição, oportunizou somar
experiências e atuar em ações propostas que possibilitaram promover novas
possibilidades de cuidados a esta clientela e contribuiu para a construção de um
cuidado desejado na enfermagem.
4.3 Sujeitos da pesquisa
Os sujeitos envolvidos no processo de sensibilização no qual se
constituem os resultados foram os profissionais de enfermagem atuantes na unidade
de internação pediátrica que assistem às crianças e adolescentes. Dessa forma,
participaram deste estudo 11 sujeitos, englobando, 4 enfermeiras, 5 técnicas e 2
auxiliares de enfermagem. Para a participação, foi oportunizado o convite a todos
profissionais de enfermagem que se interessaram na proposta.
A opção pelos profissionais de enfermagem como sujeitos deste estudo
ocorreu, principalmente, por perceber suas dificuldades ao assistirem essa clientela
e promover um cuidado ansiado a sua família. Também, pela necessidade de,
conjuntamente, desconstruir e construir novos conceitos sobre a problemática da
violência doméstica com estes profissionais; por acreditar que a Enfermagem é uma
das profissões da área da saúde que assiste diretamente essa clientela, além de
que, através das suas intervenções, pode modificar e transformar a realidade dessas
crianças e adolescentes vítimas de violência doméstica em algum grau. E,
principalmente, por julgá-los imprescindíveis nesse processo de transformação da
realidade encontrada pelos próprios sujeitos.
A pesquisa-ação reconhece que o problema nasce, num contexto preciso,
de um grupo em crise. O pesquisador não o provoca, mas constata-o, e
seu papel consiste em ajudar a coletividade a determinar todos os detalhes
mais cruciais ligados ao problema, por uma tomada de consciência dos
atores do problema numa ação coletiva (BARBIER, 2002, p. 54).
4.4 Material do estudo
O material utilizado e analisado consta da descrição dos cinco encontros
de borboletas que foram gravados em fita K7 e transcritos na íntegra. Os dados
obtidos estão amparados na questão ética vigente que comporta todo este trabalho,
principalmente sobre o sigilo pré-estabelecido e acordado, seguindo também das
imagens obtidas com prévio consentimento das participantes e as anotações no
diário de campo. A análise dos registros seguiu a análise temática de Minayo (1994,
p. 96).
4.4.1 A coleta dos dados
Os dados coletados nesta pesquisa-ação originaram-se de encontros
coletivos ocorridos sob a forma de oficinas que segundo Nitschke (1999, p. 79)
pode ser compreendida como um processo de interação entre um grupo de
pessoas, onde todos trocam experiências, sendo mestre-aprendizes, e que,
elas permitem a integração, a conjunção, de estratégias sensíveis no
processo de pesquisar, possibilitando que o pesquisador se coloque como
participante.
Observa-se que, através das oficinas, a troca de experiências foi
imprescindível e enriquecedora, trazendo resultados imediatos, sendo que muitos
foram inesperados, principalmente pela sensibilização adotada.
Nessas oficinas, o objetivo foi o de compartilhar o conhecimento que os
profissionais de enfermagem têm acerca da problemática da violência doméstica
contra crianças e adolescentes e seu modo de cuidar dessa clientela, através do
arco da problematização de Charles Maguerez descrito por Bordenave e Pereira
(1986, p. 25) e dos fundamentos teóricos e metodológicos de Paulo Freire e sua
pedagogia problematizadora.
Através dessa metodologia, propõe-se e justifica-se a importância desta
investigação, “associando as questões teóricas referentes aos conceitos de verificar
e avaliar os relatos dos profissionais de enfermagem sobre suas práticas, e
experimentando-a como caminho da pesquisa na Iniciação Científica (BERBEL,
1999, p. 7)”.
Berbel (1999, p. 3) refere que
o esquema construído por Maguerez, o Método do Arco da
problematização, é um caminho metodológico capaz de orientar a prática
pedagógica de um educador preocupado com o desenvolvimento de seus
alunos e com sua autonomia intelectual, visando o pensamento crítico e
criativo e também a preparação para uma atuação política. Com este
esquema é possível trabalhar por uma educação que gradativamente
prepara o ser humano para ser cidadão e para se humanizar [...], o arco
tem como ponto de partida a realidade vivida, aquela parcela da realidade
onde o tema que está sendo ou será trabalhado está acontecendo na vida
real.
Então o ponto de partida dos estudos é a realidade e o Arco prossegue,
passando pelo estudo e voltando para essa mesma realidade que sofrerá ação de
mudança. Nesse, foi ser discutido sobre o que é violência, crianças vítimas de
violência doméstica, seus tipos, que cuidados estão sendo realizados em relação ao
atendimento, como identificam o papel da enfermagem nesse atendimento, a partir
de que momentos podem interferir, que intervenção seria esta e até onde deve ir
essa interferência, como fazer quando a violência é levantada pelo profissional,
porém não é reconhecido pela família como um problema, dentre outras. Acredita-se
que os participantes deste estudo possuam muitos conhecimentos em relação ao
referido assunto, porém não se coloca em prática, muitas vezes, por falta de
oportunidade ou por não saber por onde começar.
Os encontros do processo educativo-interativo ocorreram com o grupo que
se interessou pela pesquisa, a qual foi desenvolvida conforme acordo com a equipe
com duração de, no máximo, uma hora e meia cada encontro (cinco encontros no
total) no mês de outubro, todas as quartas-feiras às 19h 30m (4, 11, 18, 25 e 31) na
sala de aula da pediatria do hospital escolhido. Os materiais utilizados foram data
show, slides, sucatas, canetas, cartolinas, fita adesiva, revistas, cola entre outros.
Foram utilizadas técnicas e dinâmicas de grupo selecionadas para os encontros de
acordo com a intenção pedagógica que se pretendia desenvolver em cada
etapa/encontro.
4.5 Análise temática dos dados
A noção de tema está ligada a uma afirmação a respeito de determinado
assunto. “Ela comporta um feixe de relações e pode ser graficamente apresentada
através de uma palavra, uma frase, um resumo” (MINAYO, 1996, p. 208).
A técnica escolhida para analisar os dados foi a da análise temática de
Minayo (1996, p. 209). Para a autora,
fazer uma análise temática consiste em descobrir os núcleos de sentido
que compõem uma comunicação cuja presença ou freqüência signifiquem
alguma coisa para o objetivo analítico visado, ou seja, a tradicionalmente, a
análise temática se encaminha para a contagem de freqüência das
unidades de significação como definitórias do caráter do discurso. Ou, ao
contrário, qualitativamente a presença de determinados temas denota os
valores de referência e os modelos de comportamento presentes no
discurso.
A análise temática desdobra-se em três etapas e procedimentos analíticos
dos dados coletados:
1. A pré-análise: consistiu na elaboração de indicadores que orientaram a
interpretação inicial dos dados obtidos pelo desenvolvimento da prática
educativa/interativa/investigativa. Pode ser decomposta nas seguintes tarefas:
a) Leitura flutuante do conjunto das comunicações: consistiu em tomar
contato exaustivo com o material deixando-se impregnar pelo seu
conteúdo.
b) Constituição do Corpus: organização do material de tal forma que
pudesse responder a algumas normas de validade: exaustividade,
representatividade, homogeneidade, pertinência.
c) Formulação de hipóteses e objetivos: foi representada pelos
pressupostos contribuídos junto ao Referencial Teórico, porém esses
pressupostos iniciais foram de tal forma flexíveis que permitiram
hipóteses emergentes a partir de procedimento exploratórios.
Minayo (1996, p. 111) ainda comenta que, nesta fase pré-analítica,
determinam-se a unidade de registro (palavra-chave ou frase), a unidade de
contexto (a delimitação do contexto de compreensão da unidade de registro), os
recortes, a forma de categorização, a modalidade de codificação e os conceitos
teóricos mais gerais que orientaram a análise.
2. Exploração do material: consistiu essencialmente na operação de
codificação e realizou-se na transformação dos dados brutos, visando alcançar o
núcleo de compreensão do texto. Em primeiro lugar, foi feito recorte do texto em
unidades de registro que podem ser uma palavra, uma frase, um tema, um
personagem, um acontecimento tal como foi estabelecido na pré-análise. Em
segundo lugar, escolheu-se as regras de contagem, uma vez que tradicionalmente
ela constrói índices que permitem alguma forma de quantificação e, em terceiro
lugar, realizou-se a classificação e a agregação dos dados, escolhendo as
categorias teóricas ou empíricas que comandaram a especificação dos temas. As
categorias analisadas foram: a família, o profissional, a violência e novas
possibilidades de educar-cuidar.
3. Tratamento dos resultados obtidos e interpretação: os resultados foram
organizados em categorias e subcategorias colocando em relevo as informações
obtidas. A partir daí realizou-se inferências e interpretações previstas no quadro
teórico e em torno de dimensões teóricas sugeridas pela leitura do material,
apresentadas no capítulo 5.
4.6 Aspectos éticos
Ao decidir compartilhar experiências de cuidado com os profissionais de
enfermagem com qual atuo, compreendi que o aspecto ético seria o precursor das
ações durante todo o processo de transformação da realidade, tanto na coleta
quanto na análise dos dados, por estes fazerem parte do cotidiano de trabalho e
sentirem-se incomodados, intimidados ou acanhados em expor seus sentimentos
por ela fazer parte do mesmo contexto. Além disso, acredita que a ética está
relacionada ao modo de ser do homem, preocupando-se com os fundamentos que
regulam as relações do ser consigo mesmo e com os outros no mundo em que vive.
Segundo Cruz (2005, p. 26), as exigências éticas a serem adotadas em todas as
pesquisas são de interesse da Enfermagem, porquanto as enfermeiras realizam
investigação, essencialmente, com seres humanos.
Para desenvolver tais instrumentos para coleta de dados, foi respeitado o
preceito ético do anonimato, privacidade e acima de tudo respeito dos sujeitos,
expondo inicialmente à equipe dados informativos sobre o projeto, conforme o
preconizado pela Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde (CNS n.º
196/96), parecer número 283/006 do Comitê de ética em Pesquisa com Seres
Humanos da Universidade Federal de Santa Catarina. O respeito devido à dignidade
humana exige que toda pesquisa se processe após consentimento livre e
esclarecido dos sujeitos, indivíduos ou grupos que por si e/ou por seus
representantes legais manifestem a sua anuência à participação na pesquisa. Nos
encontros, os participantes elegeram o pseudônimo de borboletas, cada qual com
uma espécie diferente. A escolha pela borboleta é uma analogia com o ser humano
e se deve pelo fato de se acreditar que muitas pessoas estão, muitas vezes, presas
a um casulo, sendo que, em alguns momentos da vida, precisam desconstruir
conceitos para construir novas formas de olhar e estarem presentes no mundo,
faltando algo para que possam se transformar em borboleta. As oficinas tiveram
registros através do gravador, máquina fotográfica, material utilizado produzido pelos
sujeitos da prática e por um diário de campo com anotações realizadas por mim,
após o término dos encontros, todos consentidos pelos participantes.
As pesquisas envolvendo seres humanos devem atender às exigências
éticas e científicas fundamentais: autonomia, beneficência, não maleficência, justiça
e equidade.
5 QUANDO OS ENCONTROS VALEM MAIS QUE PALAVRAS:
descrevendo os encontros de borboletas à luz da metodologia
da problematização e do pensamento complexo
Aprender a apanhar o infinito.
(Jacques Lacarrière)
Neste capítulo, será descrita a pesquisa-ação em ação, ou seja, como
foram organizados e constituídos os encontros de borboletas, constituindo num
primeiro momento de relato e discussão dos dados encontrados. As descrições que
se seguem constituem os passos realizados durante o processo educativo-interativo
e análise destes. A intenção de desvelar todos os encontros foi pela importância e
significado imensurável que sua concepção e realização tiveram para a mim, e por
acreditar que este possa ser de grande valia e importância a outros profissionais que
buscam, em processos educativos, uma forma integral de atingir os objetivos
almejados, principalmente, aqueles relacionados com a transformação da própria
realidade. Por isso, sua disponibilidade será essencial para outros profissionais que
desejam desenvolver técnicas coerentes e compatíveis com a temática abordada. A
discussão e análise dos resultados estão apresentadas no capítulo seguinte.
Em relação ao que eu mais gostei no encontro foi o próprio encontro
em si, a gente criou um grupo muito gostoso de discussão, a gente
criou este espaço e que tu propiciasse isso; eu acho que foi a tua
condução o carinho com que tu preparaste cada dia a gente se sentia
acolhido [...] (Calycopis).
Descrever como foi esse processo de construção e detalhar aspectos que
foram imprescindíveis para o desenrolar deste estudo, fez refletir sobre como esses
encontros propiciaram os resultados apresentados e, principalmente, como
proporcionaram que os sujeitos pudessem ter consciência de suas mudanças e
transformações. Porém, antes de expor o modo como foram realizadas as oficinas,
faz-se necessário, neste momento, ressaltar o que foi essencial para o seu
desenvolvimento e que, de todas as formas, propiciaram, aos sujeitos, concluírem
que o conjunto da essência, vivência e conhecimento fez alcançar os objetivos.
Eu curti cada encontro, a cada encontro a gente se encontrou de verdade a
gente trocou, não existiu um ponto assim alguma coisa muito nova, porque,
as coisas estavam na frente da gente e elas foram desveladas, foi
mostrada o que a gente já via de uma forma quase invisível (Calycopis)
Eu acho que o meu olhar mudou como de todo mundo, por causa de todo
esse conhecimento que tá todo mundo trazendo. E uma coisa que eu
lembrei também, não só essa questão trabalhada com a família, em mim
despertou e fiquei um pouco mais atenta à questão de identificar situações,
que às vezes a criança tá lá na unidade, não chegou com nenhuma
suspeita, e não foi levantado. Tá me ajudando a ficar um pouco mais atenta
a alguns sinais que podem estar aparecendo e que de repente poderia
estar passando despercebido e não se voltava muito para aquilo ali, então
acho também que vai ajudar muito nesse outro lado (Biblis
).
Incorporou-se o pensamento complexo, a metodologia problematizadora
com o arco de Maguerez e os fundamentos teórico-metodológicos de Paulo Freire,
acreditando-se no seu potencial transformador e na sua capacidade de valorização
do próximo, entendendo que todos fazem parte desse processo, pois é da sua
realidade que se fala. Forma eles que permearam e estabeleceram a dimensão que
esses encontros alcançaram.
A metodologia também foi bem feliz, porque tu tendo os teus
conhecimentos, tu conseguiste que todo mundo colocasse o que sentia, e
tu também colocasse, tu mostrou o teu conhecimento, isso daí ajuda a
gente a trabalhar melhor o assunto (Phoebis).
Sua sutileza e simplicidade revelaram que o ser humano é o detentor e
único responsável por sua participação efetiva na sociedade, proporcionado
condições para o seu crescimento e desenvolvimento. Neste sentido, enfatiza-se
que não foi somente o desenvolvimento dessas oficinas que foram permeadas pelos
referenciais, o que será explicitado no próximo capítulo, mas também sua
construção e todo o processo educativo-interativo apoiaram-se em Paulo Freire, na
metodologia problematizadora e no pensamento complexo.
[...] como eu já falei, a metodologia que tu utilizou, tu fosse muito feliz, eu
adorei, uma que a gente já conhecia um pouquinho, o Paulo freire, o
método dele, ele favorece se tu tem o arco, e quer trabalhar, acho que em
qualquer situação que tu queira aplicar ele é muito fácil de trabalhar, claro
que tu tem que ter um preparo e dominar um pouquinho. Mas eu acho que
foi muito bom e eu me senti bem à vontade também para colocar (Tmolus).
Quando se decidiu discutir e refletir com os profissionais de enfermagem
sobre a problemática da violência doméstica contra crianças e adolescentes,
indaguei-me sobre a forma mais apropriada e adequada para fazê-lo, por isso
decidi-me optar pela oficina. Jeolas (2003, p. 612) refere que o que define uma
oficina
é sua proposta de aprendizagem compartilhada, por meio de atividade
grupal, face a face, com o objetivo de construir coletivamente o
conhecimento. Os coordenadores apenas facilitam o debate, partindo
sempre de dúvidas, opiniões e valores, dos próprios participantes.
A oficina tinha como premissa, de que uma relação de confiança iria
acontecer se houvesse uma aproximação mais intensa entre os participantes, o que
talvez um questionário ou entrevista não proporcionasse. Também deveria ser um
momento de troca e reflexão, no qual todos pudessem, a partir de suas dificuldades
e fragilidades, se perceberem também nesse processo como peça fundamental e
que, de muitas formas, se transformassem. Além disso, que dos momentos de
discussão entre eu e os sujeitos da pesquisa, emergisse algo que permitisse a
construção como conseqüência do encontro.
Eu acho que as dinâmicas facilitaram bastante, por quê também tem a
questão da metodologia, que quem trabalha com Freire já tem
automaticamente, já tem que usar estas dinâmicas, e tu conseguistes
utilizar com uma grande maestria, foi muito bem conduzido, conseguisse
fazer todo mundo falar, todo mundo falou o que é bom porque às vezes as
pessoas ficam tímidas ou com vergonha e aqui ninguém estava com medo
de se expor a gente percebeu isto (Calycopis).
Acredita-se que a escolha da oficina como modelo favoreceu para o
sucesso dos encontros de borboletas, e como estratégia de interação foram, a todo
o momento, permeadas pelos ensinamentos de Paulo Freire e pelo pensamento
complexo. Segundo Barbier (2002, p. 54), “a pesquisa-ação também favorece a
utilização da oficina, pois esta refere que os instrumentos da pesquisa devem ser
mais interativos e implicativos”.
Foi uma opção que trouxe muita alegria e satisfação, pois, ao mesmo
tempo em que estava buscando alcançar os objetivos propostos pela pesquisa,
sentiu-se que em todos os encontros houve uma aproximação entre as profissionais,
situação que cotidianamente se torna quase impossível pelo trabalho realizado. Em
cada encontro foi programado que se iniciasse a discussão por uma dinâmica de
grupo que estivesse relacionada ao tema.
Eu concordo que eu acho que tu usasses técnicas que favoreceram a
participação de todas as pessoas, todo mundo pode falar e colocar, de
maneira tranqüila (Biblis).
Todos os encontros foram realizados na sala de aula da Unidade de
Internação Pediátrica do hospital escolhido, cuja escolha deveu-se pelo fato de que
quanto mais próximo do local de trabalho dos sujeitos, maior participação haveria e
a sala de aula localizada ao lado da unidade proporcionaria menor deslocamento.
Posteriormente, por ser um lugar que disponibiliza recursos audiovisuais,
possibilitando mais recursos para o desenvolver da pesquisa, proporcionando aos
sujeitos um número maior de materiais sobre a temática. E por último, por tratar-se
de um local da própria instituição onde trabalho e da própria universidade onde esta
pesquisa foi realizada. Percebe-se que foi importante a realização nesse lugar, pois
como é um local familiar, ou seja, onde quase todas as atividades assistenciais e
educativas são desenvolvidas, houve uma adaptação mais rápida e intensa.
No total, foram cinco encontros de borboletas, em que se aplicou ao arco
de Maguerez, proporcionando um processo interativo e problematizador. As oficinas
contaram na sua totalidade com 11 participantes, uma média de 7 por encontro, o
que favoreceu o desenvolvimento das técnicas e das discussões que tinham por
objetivo ter a fala de todos.
Eu adorei o jeito como tu recebesses a gente, a gente se sentiu acolhido,
eu me senti acolhida, eu acho que até o grupo pequeno tu consegues
trabalhar melhor, por que às vezes um grupo grande!!!! (Phoebis).
Inicialmente, a disposição dos sujeitos no local era de um círculo, que tem
o intuito de despertar o respeito e a compreensão de opiniões vista de um mesmo
nível em que todos, principalmente o facilitador que também é um participante, e,
principalmente, que todos também se percebessem como participantes no processo
educativo, cujo ensino-aprendizagem caminha lado a lado. Porém, devido às
dinâmicas utilizadas, a necessidade de se visualizarem para se comunicarem melhor
e também para que pudessem usufruir o material utilizado como data-show e
TV/vídeo de maneira adequada, os participantes foram dispostos em meia lua,
ratificando que isso não modificou o objetivo anterior e, principalmente, seu
resultado foi o mesmo se fossem dispostos em círculo. Essa disposição permaneceu
em todos os encontros.
“Para se tornar um ser de cuidado, um cuidador, o ser precisa, primeiro, ter
experienciado o cuidado, ou seja, ter sido cuidado” (WALDOW, 2004, p. 22). Mesmo
que seja mínimo, o cuidado desperta sentimentos de carinho, solidariedade e amor.
E foi nesse sentido que alguns gestos de cuidado foram oferecidos aos sujeitos. O
primeiro foi o cuidado com a alimentação: na entrada da sala de aula da pediatria,
foram colocados uma garrafa com chá de erva-cidreira, refrigerante e biscoitos
variados. Teve-se esse cuidado por saber que muitos daqueles profissionais eram
provenientes de outro serviço, da faculdade e da própria unidade pediátrica, não
podendo, pela correria, alimentar-se, o que talvez deixassem os mesmos
desconfortáveis e impacientes.
5.1 As técnicas como instrumentos de uma pré-reflexão
O acolhimento é muito importante, e ainda mais para falar do tema que é o
inverso do acolhimento, né? (Calycopis).
O acolhimento foi outro cuidado realizado com a intenção de promover a
auto-estima e o bem-estar. Na entrada, foi oferecido para cada pessoa que entrasse
bombons com mensagens de reflexão sobre a importância de compartilhar
possibilidades de cuidado. Essas mensagens, além do objetivo proposto descrito,
também faziam com que os sujeitos nos encontros seguintes ficassem na
expectativa da próxima mensagem.
Eu acho que foi superinteressante esta coisa do acolhimento, faz com que
tu relaxes que tu trabalhes melhor que tu consigas expor as tuas idéias. Eu
achei bem interessante e o assunto é ótimo é bem bom de ser trabalhado.
Não se esgota (Phoebis).
Foi realizado também um cuidado com o corpo e com a alma, sendo
colocada, ao fundo, uma música instrumental que permaneceu durante todo o
encontro, com o objetivo de relaxar e tranqüilizar os participantes. Acredita-se que a
música, no momento certo e de maneira apropriada, possibilita que a pessoa, em
qualquer lugar, possa desenvolver uma paz interior, propiciando que o momento que
será vivenciado se torne menos angustiante. Todos esses cuidados também foram
repetidos em todos os encontros de borboletas.
É como a coisa foi conduzida mesmo, a gente notava muito o teu preparo,
de maneira bem carinhosa sempre trazendo algumas coisinhas, isso é bem
gostoso, por quê, às vezes, a gente vem cansada vem de outras coisas, se
torna maçante se não for trabalhar assim de uma maneira tão sutil, sempre
muito gostoso de ver que o pessoal tava interessado, fazia questão de
participar, e da temática acho que tudo que envolve o tema é interessante
a gente já veio com aquela vontade assim de aprender e a maneira como
foi trabalhado (Biblis).
Respeitar o ser humano na sua plenitude e fazê-lo transformar-se através
da sua própria essência é uma tarefa simples, porém que necessita de muitos
cuidados, principalmente os éticos. Nós, seres humanos, precisamos de alguma
forma nos preservar das nossas intencionalidades e verdades, e para que estas
sejam preservadas na sua essência, o anonimato se faz presente. Acredita-se que
isso se deva pelo fato de que, muitas vezes, não estamos preparados ou não
queremos julgamentos das nossas idéias. Ao ler sobre a metamorfose de Morin, e
encontrar conceitos de transformação e essência que se assemelham muito com o
de Paulo Freire é que se viu nas borboletas o codinome perfeito para aquilo que se
propôs no trabalho, ou seja, a transformação.
Outro objetivo que justificava a utilização da borboleta como símbolo seria
pelo fato de que é a própria borboleta se liberta do casulo quando se sente
preparada, ou seja, os profissionais seriam disponibilizados do necessário para
cuidar das crianças e adolescentes vítimas de violência doméstica, não seria eu que
faria isso, pois poderia acontecer o mesmo que acontece com as borboletas que não
estão preparadas para sair do seu casulo: não teriam forças e habilidades, pois
ainda estão enfraquecidas pelo não desenvolvimento pleno de suas capacidades.
Dessa forma para promover e garantir o anonimato, os participantes foram
identificados com nomes fictícios de borboletas que eles mesmos escolheram.
Nesse primeiro encontro, passou-se uma lista com nomes de espécies de borboletas
e foi solicitado que eles colocassem o nome ao lado daqueles que mais lhe
chamaram a atenção. Esse processo repetiu-se durante todos os encontros porque
novas pessoas inseriram-se no decorrer dos mesmos. Depois desse momento foi
lido coletivamente o termo de Consentimento Livre e Esclarecido, em que todos
concordaram e assinaram. Além disso, também foi enfatizada a importância do
gravador permanecer ligado durante o encontro e desse ser fotografado para os
futuros registros. Percebeu-se, no decorrer desse processo ético, que a idéia de ser
identificado e representado por uma borboleta estava sendo um fator motivante de
muita alegria e divertimento.
5.2 A primeira oficina: reflexão para a ação
A primeira oficina contou com a participação de seis profissionais de
enfermagem (duas enfermeiras e quatro técnicas de enfermagem). Foi orientado
pelo objetivo de realizar com os profissionais de enfermagem envolvidos, um
processo reflexivo, levantando a realidade encontrada no trabalho, a respeito dos
conceitos que esses trazem consigo, ou seja, sobre a problemática da violência
doméstica contra crianças e adolescentes.
Essa se refere a primeira e a segunda etapa do Arco da Problematização,
no qual se observou a realidade e definiu-se os ponto-chave que se pretendia
estudar/investigar, realizando, com os trabalhadores envolvidos, um processo reflexivo,
levantando a realidade encontrada no trabalho a respeito dos conceitos que os
profissionais de enfermagem traziam consigo, sobre a problemática da violência
doméstica contra crianças e adolescentes, representando o momento inicial da
prática educativa/interativa/investigativa, realizando assim uma primeira leitura
sincrética sobre essa problemática. Nessa etapa do arco, os sujeitos foram levados
a observarem a realidade com um olhar a mais e uma maneira mais atenta para que
percebessem e identificassem aquilo que, na realidade, está se mostrando como
carente, inconsistente, preocupante, necessário, enfim, aspectos que podem passar
despercebidos em estudos apenas teóricos e, acima de tudo, problemáticos.
Participando da realidade é que os sujeitos identificam aspectos que
podem tornar-se problemáticos e dentre eles eleger o (s) mais grave (s) ou prioritário
(s), para fazerem um estudo com profundidade. Redigindo o(s) problema(s) de modo
claro, a realidade é problematizada, dando início a problematização enquanto um
exercício intelectual e social. “E é neste momento que os sujeitos estão
problematizando a realidade” (BERBEL, 1999, p. 3).
Para isso, os sujeitos formularam questões e procuraram respondê-las
pensando nos possíveis fatores associados e os possíveis determinantes
contextuais, seus componentes e seus desdobramentos, que podiam estar
relacionados ao(s) problema(s). Respondendo essas questões, construíram os
pontos-chave do estudo através de um conjunto de pressupostos que orientaram o
estudo, uma lista de preocupações, de dúvidas, de novas perguntas ou de tópicos a
estudar, ou seja, foi o momento de definir os aspectos que precisavam ser
conhecidos e melhor compreendidos a fim de se buscar uma resposta para esse
problema. Esses pontos-chave seriam aprofundados na terceira etapa do arco: a da
teorização. Segundo Berbel (1999, p. 3), “esta etapa constitui uma das razões mais
importantes da superioridade desta pedagogia sobre outras de transmissão e
condicionamento”.
Para isso, o encontro foi iniciado com a exposição no data-show da
proposta inicial do estudo, como contextualização, justificativas, objetivos, referencial
teórico e dinâmica dos encontros que seriam utilizadas. Foram ressaltados,
principalmente, a metodologia da problematização, o referencial de Paulo Freire e o
da Complexidade, pois eles iriam nortear todas as etapas do encontro e permanecer
implícita e explicitamente em todo o processo educativo-investigativo, e por estar
incorporada ao meu modo de viver e ser no mundo. Esse item foi detalhado, porque,
mesmo tratando-se de uma problemática vivenciada cotidianamente e fazer parte da
realidade daqueles sujeitos, tratava-se de uma pesquisa que deveria atender os
rituais metodológicos.
No início de cada encontro, foram realizadas técnicas em grupo, tendo
como objetivo promover uma reflexão sobre o que iria ser discutido e eventualmente
fazer com que houvesse um momento de aproximação dos sujeitos. No primeiro
encontro, foi pensado em uma técnica que despertasse nos sujeitos suas qualidades
e que estas possivelmente poderiam ser reconhecidas pelo grande grupo. A técnica
escolhida é chamada de “CONVÍVIO EM GRUPO”, que tem como objetivo refletir
sobre a importância de conhecer pessoas em uma situação de grupo e, no caso do
encontro, relacionado ao tema proposto. Também deveria promover uma reflexão de
que através do cuidado com a criança e com a família, é primordial identificar as
características pessoais positivas relevantes para promover, nesta situação, um
cuidado almejado, além da reaproximação da criança e da família. Foram
disponibilizados papel e caneta aos participantes. O pesquisador deveria explicar
somente a dinâmica da técnica, ou seja, cada participante escreveria seu nome em
uma folha e registraria três características pessoais que julgava possuir e que são
relevantes para a convivência em grupo. O facilitador passa então a recolher os
papéis e, após, passa a ler as características de cada um, sem ler o nome. Os
participantes devem anotar, por ordem de leitura, a pessoa que se identifica com as
qualidades descritas. Cada qual procurou identificar o colega que mais demonstrava
estas características e colocaria ao lado do número, o nome. O facilitador, a seguir,
voltava a ler as características e o respectivo nome que constava na folha. A seguir,
cada um conferia quantos nomes havia acertado, quantos errara. O pesquisador
registrava os participantes que foram mais identificados.
O maior número de acertos foi de Calycopis e as qualidades referidas
foram:
Tmolus: atenciosa, preocupada e amorosa.
Biblis: esforçada, compreensiva e companheira.
Moeris: justa, observadora e alegre.
Arita: honesta, simples e pontual.
Calycopis: alegria, sinceridade e criatividade.
Pellicia: perdoa fácil, não sabe dizer não e não guarda rancor.
No início, percebeu-se que todos ficaram ansiosos e pouco temerosos em
realizar a dinâmica, pois, segundo os participantes, é muito difícil e incômodo falar
de si, principalmente enumerar as qualidades e atentar-se aos aspectos positivos
que possuem, isso se deve pelo fato de que, cotidianamente, as pessoas atentam
mais aos defeitos, imperfeições e os aspectos negativos. Esse momento gerou
também um ambiente de descontração e competição, mesmo diante dessa
ansiedade, havendo interesse e disposição em realizar a dinâmica, pois a partir do
momento que havia acerto das qualidades pelos colegas isso significava que as
pessoas percebiam suas qualidades, sentindo-se valorizadas pelo grupo. E ser
reconhecido pelas nossas qualidades, virtudes e atributos faz com que as pessoas
sejam percebidas e reconhecidas através da própria essência.
Em seguida, foi exibido o filme intitulado “Flor de Pessegueiro” da
Jornalista do Diário Catarinense Ângela Bastos. Trata-se de um documentário sobre
depoimentos de mães que tiveram suas filhas violentadas sexualmente. Retrata um
cotidiano obscuro e invisível que famílias vivenciam diariamente em relação a essa
problemática. Segundo a jornalista, seu principal objetivo é compartilhar o
depoimento dessas mães e promover uma reflexão sobre o papel de todos diante
dessa dura realidade. Foi iniciada, após a exibição, uma breve discussão sobre
alguns assuntos relacionados com a violência doméstica contra crianças e
adolescentes, principalmente a sexual.
Aquele filme é um material riquíssimo para ser passado em grupos
pequenos (Calycopis).
Porque foram utilizados vários métodos, não foi só aquele de tu sentar e
ficar ouvindo, tu tens a liberdade de falar, e vídeo tudo o que foi passado
bem interessante para a gente pois consegue assimilar mais (Arita).
Esse tipo de dinâmica, com histórias reais, é que faz surgir diversos
sentimentos principalmente os mais verdadeiros, e se faz necessária para se
compreender mesmo que, superficialmente, o modo de cuidar dos sujeitos do
estudo. Foi revelado nesse momento através do olhar, das reações a essência.
Houve lágrimas de tristeza e de revolta, palavras de compaixão e julgamentos,
houve uma explosão de sentimentos, que se fizeram presentes nos encontros
seguintes, quando situações como essa retornaram para motivação do grupo, mas
que serviram para demonstrar que o ser humano ,mesmo com leituras e teorias, não
pode fugir das suas origens.
Foi questionado o que sentiram em relação ao filme:
Eu que tenho filhas, [...]. Eu me identifico, eu já fico me colocando no lugar
dessas mães que sofreram essa violência, [...] eu nem consigo encontrar
uma palavra para dizer, é uma coisa que dói tanto, que eu acho assim se
fosse comigo eu nem sei o que faria uma hora dessas, eu nem gosto de
pensar (Tmolus).
É uma coisa que tu não quer desejar para os outros. As pessoas têm que
ter precaução, mas não deixar de denunciar, senão a coisa vai virando uma
bola de neve (Arita).
Eu acho que a maioria das pessoas tem medo de denunciar mesmo,
porque é sustentado mesmo, porque é o marido a única fonte de renda
(Tmolus).
Porque não tem um tipo de apoio eficiente, ele é o provedor da família, ela
não tem estudo, não tem nada, eu vou denunciar e daí [...] (Arita).
E disso também surgiu alguns relatos de histórias verídicas que
retratam a perpetuação e reprodução da violência dentro da família:
Tinha uma criança internada com a gente, aquele menino [...]. Ele chegou e
disse: o tia o meu pai chega em casa todo dia e bebe, bebe, bebe, e enche
a minha mãe de porrada, ai a polícia chega e leva ele para a cadeia, ai ele
volta no outro dia com muita raiva e bate, bate bastante na minha mãe e
em mim. Eu to louco para crescer para comprar uma arma e matar ele
(Calycopis)
Essa fala foi realmente de uma criança que estava internada e que
constantemente sofria violência física. Ela retrata o que muitas leituras trazem a
respeito do fenômeno da violência, o que é perpetuado ao longo da história, ou seja,
afirmam que crianças e adolescentes que sofrem de violência serão prováveis
violentadores no futuro, e que a violência gera sim muita violência. E o que mais
causa estarrecimento nessa fala é ela ter sido reproduzida por uma criança, ou seja,
que sentimentos estão presentes no seu ser, que a faz desejar essa violência. Outra
reflexão que se pode fazer nesse momento são as poucas falas de crianças e
adolescentes sobre seus sentimentos, principalmente nos trabalhos realizados sobre
violência contra elas. A maioria dos casos são relatos da própria família, dificilmente
é o próprio olhar da criança sobre aquela violência, é o olhar de alguém vendo
aquela situação, do seu lugar.
Foi também entregue o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), e
lançado um desafio para identificar quais os artigos nele dispostos que seriam
instrumentos exeqüíveis no cuidado as crianças e adolescentes vítimas de violência
doméstica. Esse se justificou por entender que o Estatuto da Criança e do
Adolescente é um dispositivo que assegura os direitos das crianças e adolescentes,
porém para que esses sejam cumpridos, os profissionais que atuam, diretamente e
indiretamente com essa clientela, devem ter, no mínimo, um conhecimento sobre o
ECA, sabendo os deveres que estão reservados aos profissionais da área da saúde.
Além disso, possibilitar o acesso ao ECA o que muitas instituições não o fazem.
Nesse momento do encontro, os participantes foram divididos em dois
grupos, foram fornecidas cartolina e hidrocor e solicitado que expressassem, em
uma palavra, o que representaria a violência, além das dificuldades que encontram
ao assistir crianças e adolescentes vítimas de violência doméstica. Para, assim, a
partir desses, categorizar e levantar os problemas-chave para serem discutidos no
encontro seguinte.
As respostas foram colocadas com hidrocor em um cartaz de cartolina e
foram pontuados os problemas-chave que geraria a discussão e norteariam a
reflexão no próximo encontro, em forma de síntese, para que houvesse a discussão.
Finalizou-se o encontro com uma foto e com a confirmação para o próximo encontro.
5.3 A segunda e terceira oficina: o conhecimento que transforma
O segundo encontro teve como objetivo promover junto aos profissionais
de enfermagem um espaço para reflexão e conscientização, buscando subsídios
teórico-reflexivos, sobre a problemática da violência doméstica contra crianças e
adolescentes. Contou com a participação de sete profissionais (três enfermeiras e
quatro técnicas de enfermagem). Duas técnicas do encontro anterior não puderam
comparecer por problemas particulares, porém duas novas inseriram-se, com mais
uma enfermeira. Foi lido novamente o termo de consentimento livre e esclarecido, e
os novos profissionais escolheram seus codinomes.
A Teorização é a etapa da investigação em que cada ponto-chave
transforma-se em um assunto a ser estudado, “pois pretende-se trabalhar com o
problema para buscar soluções para ele.” Os alunos “passam a buscar
sistematizadamente as informações técnicas, científicas, empíricas, oficiais etc., com
auxílio de procedimentos e instrumentos utilizáveis em investigações cientificas”
(BERBEL, 1999, p. 8). “Desde o início deve ficar bem claro que todo o estudo levará
o grupo à solução do problema, ou pelo menos ao encaminhamento para uma
solução”. O estudo é todo feito pelos sujeitos da pesquisa. Bordenave e Pereira
(1986, p. 26) afirmam que nesta etapa o sujeito chega a entender o problema não
somente em suas manifestações empíricas ou situacionais, assim como também os
princípios teóricos que o explicam. Esta etapa de teorização que compreende
operações analíticas da inteligência é altamente enriquecedora e permite o
crescimento mental pelo próprio esforço do domínio das operações concretas para
as operações abstratas e, isso lhes confere um poder de generalização e
extrapolação consideráveis (BERBEL, 1999, p. 10).
Esse encontro de borboletas foi iniciado com a técnica da Auto-estima,
que tem como objetivo desenvolver o bem-estar, fazendo com que as pessoas
observem as qualidades que seus companheiros possuem e demonstrem a eles.
Nessa técnica, o animador deve explicar o objetivo e a dinâmica da mesma, que é
formar com o grupo um círculo, cada um deverá receber uma tira de papel e
escrever uma qualidade para o colega que se encontra à sua direita. Todos dobram
o papel e devolvem para o animador. Este então retira cada papel da caixa que
contém a qualidade escrita e solicita aos participantes, em conjunto, procurar entre
os presentes, a quem caberia a qualidade que foi lida, identificando o participante
que descreveu a qualidade deveria justificá-la.
Após todos os papéis lidos, percebeu-se que a valorização está presente
no grupo. Essa dinâmica, segundo as participantes, propiciou a reflexão não só de
quem descreveu as qualidades, exercitando a observação das mesmas no colega
de trabalho, como também de quem estava sendo descrito, pois cotidianamente as
pessoas não se valorizam e não se percebem as inúmeras qualidades que se tem. E
remetendo essa dinâmica para os aspectos que permeiam a violência doméstica
contra crianças e adolescentes, as qualidades podem significar uma ponte e um
instrumento necessário para realizar um cuidado mais diretivo. Finalizou-se a
dinâmica com um abraço entre os participantes.
Neste encontro foi exposto aos participantes, no data-show, o que tinha
sido levantado por eles mesmos, gerando dois problemas-chaves: um englobando a
questão da violência doméstica como problemas a partir da realidade observada e,
outro, relacionado aos problemas e dificuldades em cuidar das crianças e
adolescentes vítimas de violência doméstica relacionadas à família, ao profissional e
à sociedade.
A partir do que estava sendo discutido e proposto pela dinâmica
desenvolvida, ratificou-se a importância de que, ao se realizar um cuidado com a
criança/adolescente e família, deve-se perceber e atentar para as qualidades e para
os aspectos positivos que a família está apresentando, principalmente em relação ao
cuidado que ela está prestando, pois é a partir desse ato que se irá valorizar a sua
responsabilidade como família, instituindo intervenções apenas no aspecto da
violência em si. Essa dinâmica foi indispensável e necessária para que se pudesse
dar início a uma das problemáticas que iria permear o cuidar, o que já estava sendo
abordado.
Depois de breves manifestações que se acredita ter sido o primeiro passo
para aquecer as discussões que permeariam a terceira etapa da problematização,
iniciou-se a teorização, que corresponde à etapa de construção de novos conceitos
e talvez desconstrução de outros.
Foi inicialmente explicado que a técnica utilizada para teorizar as questões
seria a da batata-quente (neste caso o gravador) e se todas estavam de acordo. Foi
solicitado que permanecessem novamente em formato de meia lua e, a partir do
momento que a música parasse, a pessoa que estivesse com a batata-quente
deveria ler uma frase e compartilhar o que lhe vinha à mente sobre aquela situação,
respeitando a pessoa que não quisesse argumentar ou que se negasse a comentar.
Aquele dia com a técnica da batata quente, se não fosse aquilo eu não
tinha falado por que eu vim assim demolida né? Eu acho que foi uma
técnica boa que tu leva na brincadeira e tu falas e é eram coisa que a gente
tinha que se expor (Arita).
È que a hora que tu ta com alguma coisa na mão tu acaba falando e se não
for assim tu fica com vergonha. E mais, é o jogo, né, aí caiu na minha mão
eu tenho que falar, apesar de que tu desse a oportunidade, tu sempre
desse a oportunidade de a gente não precisar falar, mas ninguém ficou
né...? Eu acho que isto aí foi bem legal (Smyrna).
A dinâmica foi superinteressante, eu acho assim que tu respeitasses a
colocação de cada um, mingúem nunca se sentiu podado, até falando
assim que a gente achava que a palmada não né..., tu colocasse o que tu
achavas, mas não podou, em nenhum momento, ou impôs e eu acho que
isto já é um caminho para a gente saber como que tem que lidar com as
pessoas não é impondo a nossa vontade é respeitando e trabalhando,
comendo pelas beiradas que espertamente tu vai trabalhando pelas
beiradas e assim tu vai ganhando aquela pessoa, tu vai conquistando e tu
vai conseguindo trabalhar, fora as comidinhas que aquela dinâmica foi
ótima (Phoebis).
A discussão porque foram utilizados vários métodos, não foi só aquele de
tu sentar e ficar ouvindo, tu tens a liberdade de falar, e vídeo tudo o que foi
passado bem interessante para a gente que agente consegue assimilar
mais (Arita).
Ao final do encontro, foi realizada a avaliação, sendo questionado sobre a
técnica realizada e a validade do mesmo. Todas responderam que a técnica permitiu
que o medo de falar em público fosse eliminado, pois esta exigia que todas
falassem, sem serem escolhidos. E, também, se proporcionou que relatassem o seu
entendimento sobre o ponto em questão a ser discutido, fazendo com que
refletissem mais, participando do debate e sendo valorizadas.
O terceiro encontro contou com a presença de oito participantes (três
enfermeiras e cinco técnicas). Como era continuidade do outro encontro, o enfoque
da teorização se voltou para os aspectos da violência infantil propriamente dita,
momento em que se realizou uma exposição teórico dialogada, indicando textos e
autores para aprofundamento dos temas.
5.4 A quarta oficina: os resultados através da reflexão
O quarto encontro teve como objetivo refletir sobre a desconstrução e a
construção de novas possibilidades de cuidados a partir da troca de informações,
reflexões e conscientização geradas, potencializando as estratégias viáveis de
serem aplicadas. Contou com a presença de seis profissionais de enfermagem (três
enfermeiras e três técnicas de enfermagem) e compreendeu o terceiro objetivo
descrito acima. Essa etapa refere que, após a coleta de informações dos diferentes
pontos e sua sistematização nas fases anteriores, promoveu-se uma discussão para
analisá-los e chegar a conclusões, respondendo e procurando saber o porquê dos
elementos observados, para que fossem elaboradas as hipóteses de solução para
o(s) problema(s).
Em vista disso, essa etapa corresponde à elaboração das hipóteses de
solução, ou seja, a quarta etapa, listando-se todas as possibilidades que o grupo
consegue pensar para encaminhar ou solucionar o problema, buscando “cultivar a
originalidade e a criatividade, pois a teoria é muito fértil e, muitas hipóteses de
solução nela baseadas podem não ser válidas na prática” (BERBEL, 1999, p. 14).
Nesta etapa é preciso que o aprendiz confronte as hipóteses de solução com a
realidade, porque o objetivo da Problematização é a transformação da realidade
observada/investigada, em algum grau. Por isso, é necessário aos participantes
confrontá-las com a realidade para que essa confrontação “ideal-real” lhes permita
usar a realidade para aprender com ela a superar os problemas encontrados. Em
resumo, “os participantes comparam com as suas percepções iniciais, possibilitando
então rever pontos que agora ficaram mais claros, mais elaborados, ou fortalecer
aspectos que antes já eram tidos assim, de forma não muito científica, mas estavam
corretos” (BERBEL, 1999, p. 13).
Nessa etapa se deseja que as possibilidades viáveis de cuidado e os
meios que se dispõem sejam encaminhadas para se atingir a próxima etapa que é a
aplicação da realidade, a qual representa um grande passo para a construção da
realidade desejada a partir da realidade existente.
A quinta etapa (última) é a da aplicação à realidade
é uma etapa de prática, de ação concreta sobre a mesma realidade de onde
foi extraído o problema. Nessa etapa ocorre mais uma vez, de forma
explícita, a relação teoria-prática. Os participantes aplicam as hipóteses de
solução que o grupo encontrou e considerou como viáveis e aplicáveis. A
Metodologia da Problematização passa a ser mais que um método, passa a
ser um exercício intelectual e social, porque ela permite transformar a
realidade em algum grau, assim como se transformam os participantes que
se utilizam dela. Nessa fase, dependendo do problema, das condições do
grupo e das características da realidade, é preciso fazer um plano de
atuação. Nesse momento, cada grupo elege a forma, os procedimentos mais
adequados, enfim, constrói estratégias para realizar uma intervenção nesta
realidade para transformá-la em algum grau (BERBEL, 1999, p. 15).
Em resumo, os participantes compararam com as suas percepções
iniciais, possibilitando então rever pontos que agora ficaram mais claros, mais
elaborados, e também fortaleceram outros aspectos.
Iniciou-se o encontro com a técnica da modelagem, que tinha o objetivo de
oportunizar aproximação e relaxamento, através do toque, porém foi utilizada com o
intuito de os participantes se perceberem manipulados e “modelados”. Solicitei ao
grupo que formasse um círculo e colocaram-se em dupla, um frente ao outro. A
seguir, as pessoas do círculo interno procederam a um trabalho de modelagem com
seu par, isto é, fizeram de conta que o colega era uma massa de modelar e
poderiam trabalhar com seus membros superiores, inferiores, cabeça, tronco,
etc...colocando-o em várias posições. A seguir, inverteram-se os papéis da dupla.
Eu gostei muito, porque que eu gostei? Primeiro porque é a Moeris, ou
qualquer um que estivesse aqui, são pessoas que eu conheço, que eu me
sinto à vontade, que eu me dou bem. Então, eu me deixei manipular de
uma maneira como elas bem entenderam. Mas eu imagino que se esse
exercício fosse, feito com pessoas estranhas, que eu não conhecesse, bem
eu ia me sentir mal. Mas gostei bastante da técnica neste sentido, de que
foi até um momento de relaxamento de descontração, por ser uma amiga
uma companheira de trabalho que estava fazendo (Calycopis).
É estranho, porque é uma pessoa conhecida, e a gente fica a mercê da
pessoa. E se sente o ó do borogodó quando ta fazendo com a pessoa. O
que a pessoa vai fazer contigo? E quando tu tas manipulando ali, tu é o
dono do pedaço, mas quando é contigo, tu ta bem. Ah, meu Deus o que é
que vem pela frente (Phoebis).
Eu concordo com as mesmas sensações que elas falaram. Com as
sensações de liberdade para a gente. Tipo assim, até tu dá um
relaxamento, do rir com o colega, ser engraçado com ela faz contigo, achei
interessante (Arita).
Eu também gostei porque, como a Calycopis falou, a gente achou a mesma
coisa. Porque é tipo, a gente tava fazendo a dinâmica com alguém que a
gente conhece. Eu particularmente não gostaria que alguém que eu não
conhecesse, me tocasse de qualquer maneira, só depois que eu desse a
permissão ou tivesse algum nível de intimidade para poder tocar, então eu
não permitiria, não ia me sentir bem. Então eu acho que como foram com
pessoas conhecidas, eu acho que é muito legal e vale a pena (Tmolus).
Essa técnica foi muito bem recebida, pois o toque realizado,
principalmente por uma pessoa conhecida, causa mais tranqüilidade. Já do
contrário, a técnica talvez não despertasse tanta tranqüilidade e relaxamento, como
as mesmas falaram. Porém, o fato de moldar alguém gerou certa angústia, e ao
trazer esse aspecto como forma de cuidado como muitas vezes acontece, como
forma de moldar a criança e a família, gerou um desconforto, principalmente, em
alguém com quem estamos tendo um primeiro contato e que está em uma situação
bem delicada.
Trazendo essa questão para a violência doméstica, no primeiro momento,
aborda-se a família e a vítima com julgamentos, não permitido que estes expressem
sua dor e sofrimento. Acredita-se, dessa forma, que isso seja a chave de todos os
problemas daquela família e seus membros, esquecendo que o que eles mais
precisam é de carinho e atenção.
A sala foi novamente preparada, os participantes dispuseram-se em dois
grupos de três pessoas e colocaram em uma cartolina os encaminhamentos
conforme havia sido solicitado em relação às novas possibilidades de cuidado.
5.5 A quinta oficina: a prática educativa/interativa/investigativa como estratégia
de intervenção
O quinto e último encontro visou avaliar a dinâmica desenvolvida baseada
na pedagogia problematizadora de Paulo Freire. Estiveram presentes seis
participantes (três enfermeiras e três técnicas de enfermagem), e contou também
com a presença da Professora Doutora Vânia Marli S. Backes, orientadora deste
projeto. Como estratégia, disponibilizou-se um momento para discutir e refletir sobre
as etapas anteriores e que transformações e mudanças para si e para sua realidade
os sujeitos da pesquisa obtiveram com todo esse processo, bem como a
necessidade de buscar uma retroalimentação nas fases do arco da problematização,
evidenciando a ampliação de conhecimento e a ação conseqüente, em um processo
de idas e vindas, aprofundando as questões emergidas.
Para mim não tem um ponto específico, que eu pudesse ressaltar eu acho
que o todo do encontro à discussão que agente teve aqui, o compartilhar
da emoção da gente, até as dificuldades que a gente tem de entender o
que é uma palmada e o que é uma violência, estas Divergências de
opiniões, eu acho que isto é a riqueza do processo. Eu acho que nenhum
dia eu saí daqui sem ter algo que acrescentou, ou algo que me fez ficar
refletindo sobre aquela situação. Não tem um ponto para eu te dizer, mas
eu acho que o todo que se discutiu aqui é a riqueza do conhecimento
(Smyrna).
As participantes foram recebidas com um coquetel para dar ao encontro
um tom de confraternização. Ao final, as borboletas foram presenteadas com um
brinco em forma de borboleta, também representando, de alguma forma, a
transformação que houve durante o processo educativo-investigativo. Para tanto,
foram apresentadas sete questões que, de alguma forma, pudessem colocar como
todo o processo ocorreu, com críticas e sugestões também.
Bem eu quando fui convidado, quando tu me expuseste, o tema, eu pensei
Meu Deus, por que né é um assunto que a maioria das pessoas prefere
não comentar, a gente procura fazer de conta que é tudo normal que não
aconteceu, que não viu, e anular e não ver o que houve. Daí eu pensei ah
como é que não vai ser deve ser pesado, isso aquilo que o tema, mas
assim foi abordado de uma maneira tão sutil, que todo mundo pode
conversar que cada um expôs as suas idéias, e tu expôs e que foi uma
troca, eu acho. Então eu acho que isto foi muito importante e enriquecedor
para a gente. Até depois para gente trabalhar também, se situar na
verdade, claro que eu acho assim ainda é pouco, da vontade de sempre
querer mais e mais, discutir cada vez mais e aprender e poder depois
trabalhar da melhor maneira possível. O que eu mais gostei do encontro
foi o jeito com que tu conduziste assim, de uma maneira bem carinhosa
acolhedora, acho que tudo favoreceu, acho que fosse bem feliz na escolha,
acho que valeu, adorei (Tmolus).
A cada encontro, pensava o quanto de riqueza estava conquistando, as
palavras, as reflexões, os carinhos e as expressões de satisfação e de vontade de
querer mais. Isso motivava a preparar os encontros seguintes, com mais beleza,
satisfação e carinho. Sentia como se parte da missão estivesse sendo cumprida,
fazendo com coração aquilo que acreditava e estava disposta a levantar como
bandeira. Muitos empecilhos apareceram no caminho, que desmotivaram muitas
certezas, como a pouca participação dos próprios profissionais e o desinteresse de
transformar sua própria realidade, mesmo sabendo que isso seria importante para o
cuidado realizado. Questões como falta de recursos materiais e auxílio para
desempenhar as atividades foram também grandes desmotivadores. Porém, sem
dúvida alguma, essas questões me fizeram crescer como pessoa e perceber que
apesar de haver poucas borboletas metamorfoseando, estas foram únicas e
essenciais para a promoção de um cuidado com qualidade.
6 REFLEXÕES DOS PROFISSIONAIS SOBRE A VIOLÊNCIA
DOMÉSTICA EM VÁRIOS CONTEXTOS: as dificuldades que
emergem da problemática
Dificuldade, segundo Holanda (1993, p. 186), “representa de caráter difícil,
ou seja, árduo, trabalhoso, penoso, embaraçoso, trincado”. Pensa-se ser a palavra
mais adequada para expressar o que de fato influência, direta e indiretamente, as
ações sobre algo. Segundo essa definição, estão contextualizados os resultados
encontrados nesta pesquisa, que, na sua totalidade, representam o que,
possivelmente, impede ou reprime de se assistir com qualidade crianças,
adolescentes e suas famílias vítimas de violência doméstica. As dificuldades
surgiram e emergiram de um belo encontro de borboletas e através de um sensível
processo educativo-investigativo, no qual os sujeitos responsáveis por esse cuidado
almejado, puderam refletir sobre suas práticas e, a partir da troca de conhecimentos,
transformaram sua realidade. Ratifica-se com Mafessoli (1987, p. 21) quando este
refere que “nossa intenção não é inventar uma teoria da violência, mas sim atualizar
da melhor maneira o que pertence a sua estrutura [...] de reconhecer os elementos
que compõem este fenômeno”.
Quando o autor sinaliza que necessita “reconhecer seus elementos” é por
acreditar que estes, de muitas formas e em muitos momentos da vida, influenciam
as ações, as condutas e as abordagens frente a essa problemática e seu desvelar, e
que, por conta disso, possivelmente, proporcionam uma compreensão mais
complexa sobre a violência. Julga-se que a compreensão da violência doméstica
está essencialmente relacionada aos valores que ela apresenta para a família, para
o profissional, principalmente, para aquele que a presencia , além da sociedade
como um todo.
Por essa razão, que se iniciam as discussões oriundas do processo
educativo-investigativo ocorrido com os profissionais de enfermagem relacionadas
às dificuldades que as mesmas possuem e que serviram para resultar nesta
dissertação de mestrado. A intenção de começar com as dificuldades relacionadas é
proposital, além de vir ao encontro aos referenciais adotados por esta pesquisa e
certamente também por mim, pois acredito que é a partir das dificuldades
encontradas em uma realidade, que se inicia alguma transformação, ou que se tem
subsídios para que os sujeitos daquela realidade possam modificá-la. “Na ação, o
pesquisador passa e repassa seu olhar sobre o “objeto”, isto é, sobre o que vai em
direção ao fim de um processo realizando uma ação de mudança permanente”
(BARBIER, 2002, p. 117).
Na discussão que se prossegue, se poderá observar, através da análise
feita, principalmente pelos sujeitos deste estudo, que a violência doméstica contra
crianças e adolescentes está relacionada, principalmente, aos valores sociais,
culturais, econômicos, além das questões de ordem pessoal e profissional do
cuidador, e inegavelmente familiar. E, foram basicamente essas categorias
encontradas nas falas dos sujeitos desta pesquisa que fielmente demonstram a
percepção que boa parcela da sociedade tem sobre a violência doméstica contra
crianças e adolescentes.
O resultado de uma investigação científica conduz à corroboração de
teorias, de explicações formalizadas que expressam intelectualmente essa
interconexão sistematizada de uma forma coerente, lógica e corresponde à
realidade objetiva. O produto de uma investigação científica é o
conhecimento teórico, isso é, a explicação teórica corroborada, expressa
através de proposições (KOCHE, 1997, p. 107).
As dificuldades encontradas por mim e pelos sujeitos do estudo
representavam e ainda representam algo incapacitante e, muitas vezes, imobilizante
de intervenções e ações para com as crianças e adolescentes que vivenciam a
violência. Suas características de certo modo impedem e impossibilitam de ir além
das suas responsabilidades, principalmente por tratar de aspectos ainda não
percebidos e que foram reforçados com a discussão. “O rigor da pesquisa-ação
repousa na coerência lógica empírica e política das interpretações propostas nos
diferentes momentos da ação” (BARBIER, 2002, p. 60).
No decorrer de várias leituras realizadas sobre a problemática, para iniciar
suas discussões, a maioria dos pesquisadores também relatou suas dificuldades
sobre a violência e as utilizam como alicerces para o desenrolar de suas análises.
Facilmente encontram-se adjetivos referentes a esta que exprimem sua verdadeira
face, pois a mesma está entranhada nas situações inconcebíveis ao ser humano,
sendo fácil de ser percebida por fugir de padrões considerados humanos na
sociedade. Outrora, demonstra também como é desafiador encontrar palavras que a
definam, pois certamente estará inerente às dificuldades que a permeia e que a
representa.
Durante todo o processo educativo-interativo, foram as dificuldades de
lidar com essa problemática que guiaram todas as demais etapas e que propiciaram
o resultado alcançado. Primeiramente, porque os sujeitos entenderam que as
dificuldades seriam o ponto de partida, ou seja, que iriam reger as discussões, e
posteriormente, porque as buscas durante o restante do processo seriam a partir
dessas dificuldades e daquelas que fossem sinalizadas pelos sujeitos, devendo
partir deles.
No processo educativo-investigativo, percebeu-se que o entendimento
sobre violência e as dificuldades em lidar com esta problemática eram um conjunto
de sentimentos diversos que provinham de enfrentamentos. Antes de saber as
dificuldades encontradas ao lidar com isso, solicitou-se que os mesmos colocassem
que sentimentos expressavam a violência para, juntamente com os demais
resultados, perceber como a violência se apresentava para aqueles sujeitos.
Mafessoli, (1987, p. 15) refere que “é exatamente esse o nosso paradoxo: tentar
perceber uma constante que se exprime na maioria das vezes na instabilidade e na
espontaneidade, na multiplicidade dos desacordos e das recusas”.
Koche (1997, p. 107) assevera que “os conceitos, são símbolos que
expressam a abstração intelectualizada da idéia de uma coisa ou fenômeno
observado”. As palavras que expressam o que é VIOLÊNCIA demonstram e
legitimam sua proporção. Neste o que se percebe é que não existe por eles um
conceito e sim um sentimento sobre violência, o que não quer dizer que não os
defina, são eles: Coação, Invasão, Sofrimento, Vergonha, Rejeição, Angústia, Baixa
auto-estima, Desamor, Destruição da infância, Amadurecimento precoce,
Desavença familiar, Vícios (álcool/drogas), Abandono/falta de proteção, Mídia, Falta
de informação, Medo, Preconceito, Injustiça, Descaso, Distúrbio
psicológico/emocional, Negação, Negligência, Falta de amor, Problemas sociais,
Falta de princípios e valores, Falta de estrutura familiar, Omissão, Erotização infantil,
Falta de diálogo/companheirismo. Mafessoli (1987, p. 15) se propõe a considerar
que o termo violência “é uma maneira cômoda de reunir tudo o que se refere à luta,
ao conflito, ao combate, ou seja, à parte sombria que sempre atormenta o corpo
individual ou social”.
Na realidade, a análise de cada expressão relatada remeteria a um
conceito sobre a violência doméstica e faria perceber que, tanto isoladamente como
em conjunto, ela definiria essa problemática partindo de cada análise. No entanto,
essas expressões revelam um conjunto de questões facilmente de serem
controladas e minimizadas e que poderiam reduzir drasticamente a violência na
nossa sociedade. J. Freund (apud MAFESSOLI, 1987, p. 15) já observou que “é a
natureza convulsiva, informe, irregular e obscura da violência, caráter que a torna
rebelde à análise.”
Barbier (2002, p. 118) comenta que “pouco diferenciada, a pesquisa-ação
não leva em consideração as singularidades e quer resolver, de antemão, as
dificuldades – constituindo amostras representativas – ao colocar claramente as
hipóteses”. No entanto, são nas dificuldades encontradas ao cuidar das crianças e
adolescentes vítimas de violência doméstica que esse tipo de pesquisa se encontra,
de fato, porque ela ainda é um problema pouco discutido e abordado. As
dificuldades manifestadas pelos sujeitos foram: a falta de preparo
(instrumentalização), preconceito (principalmente contra o agressor), omissão
familiar, impotência profissional, falta de conhecimento da sua função, manter a
neutralidade pessoal e da equipe multiprofissional, lidar com os sentimentos, lidar
com os sentimentos da vítima e acompanhante (mãe), falta de conhecimento
(abordagem), preconceito, revolta, desconhecimento sobre os encaminhamentos,
falta de apoio, falta de conhecimento do tema, falta de serviço especializado, enfim
como lidar com essa problemática.
Observa-se que a partir desses relatos, sobressaem-se os referentes ao
aspecto profissional e pessoal, como a falta de conhecimento (abordagem,
instrumentalização e encaminhamentos), sua função, seguindo com preconceito
(principalmente com o agressor), a postura de neutralidade pessoal e profissional, e
o lidar com os próprios sentimentos. Da mesma forma, evidenciam-se, as
dificuldades com a problemática que permeiam a violência, ou seja, a cumplicidade
familiar, o lidar com os sentimentos da vítima e da família, falta de apoio,
principalmente de serviço especializado. Assim, “o pesquisador em pesquisa-ação é
um controlador dos processos. Ele os conduz a bom termo, assinalando-os com
precisão e, as vezes, transformando-os em modelos” (BARBIER,2002, p. 118).
Para delimitar e desenhar as questões pontuais das discussões, pautou-
se, preferencialmente, nas questões relacionadas à própria problemática, à vítima,
ao agressor e à família e, as relacionadas aos aspectos profissionais, pois estavam
de acordo com os pontos-chaves levantados pelos sujeitos, facilitando assim as
discussões e as transformações. Nesse sentido, Mafessoli (1987, p. 14) comenta
que “é a partir de um princípio de realidade da violência que é possível apreciar a
qualidade maior ou menor que caracteriza cada sociedade”. O que se pode
perceber, é que essas dificuldades se complementam, e, nessa convergência, o
elemento sociedade não fica alijado do processo. Dessa forma, ela é o fundamento
no qual o debate em torno das categorias analíticas: família, profissional, violência e
novas possibilidades de educar-cuidar são tecidas.
O processo de reflexão propicia ver a realidade com um olhar diferente; ver
aquilo que está oculto, que está além; ver o que passou a ser tão natural
que se tornou despercebido. Mostra as contradições do cotidiano e provê
meios que fortaleçam o indivíduo, impulsionado-o em direção à mudança
(WALDOW, 2004, p. 194).
Nesse sentido, acredita-se que a forma como foi abordada e discutida
essa temática, proporcionou que os sujeitos fossem os principais atores da sua
história e os verdadeiros protagonistas na promoção de seus conhecimentos a partir
das dificuldades inerentes a estes. “A ciência pode ser encarada como um processo
de investigação que se interessa em descobrir a relação existente entre os aspectos
que envolvem os fatos, situações, acontecimentos, fenômenos ou coisas” (KOCHE,
1997, p. 106).
6.1 A família: uma unidade a ser cuidada
Será iniciada a discussão sobre a família e suas vertentes por acreditar
e compreender que ela é uma das respostas para tantos questionamentos e
dificuldades encontradas para uma reflexão aprofundada sobre a violência
doméstica contra crianças e adolescentes. “A antiga idéia de que o delinqüente era
um estranho que se esconderia numa rua escura vem mudando sua face, e a luz
observa-se feições bastante conhecidas” (DAY et al, 2003, p. 10). É um dos fatores-
chave nesse contexto para promover intervenções realmente condizentes com a
realidade. “A violência doméstica é assunto no qual toda a família está envolvida e,
portanto, não é suficiente lidar com o problema individualmente junto à vítima e/ou
agressor” (ELSEN et al, 2004, p. 68).
Vale ressaltar que se discutirá a família na sua totalidade, e não apenas o
agressor, não empregando esse termo ao longo da discussão, por considerar que
todos são partícipes direta e indiretamente da violência doméstica. Desde modo, as
intervenções representam uma totalidade, pois se acredita que o cuidado dessa
família não deva ser isolado. “Os membros da família possuem, criam e transmitem
crenças, valores, conhecimentos e práticas de saúde, têm direitos e
responsabilidades, desenvolvendo uma estrutura e organização própria” (ELSEN;
ALTHOFF; MANFRINI, 2001, p. 94).
Pensa-se que a família tem importantes papéis nessa reflexão e a
enfermagem pode e deve trazê-la para suas necessidades práticas e teóricas. Ela,
além de nortear as ações será uma aliada inquestionável na prevenção da violência
doméstica.
A Enfermagem ao comprometer-se com a família como unidade a ser
cuidada focaliza sua atenção nas interações intra e extrafamiliares, busca
conhecer o processo de viver da família, as transições e as crises que
enfrentam, identificando suas fragilidades, fontes de estresse, recursos e
seus modos de cuidar (ELSEN; ALTHOFF; MANFRINI, 2001, p. 94).
6.1.1 A construção da violência na família: a educação como referência
A primeira dificuldade relacionada à família está diretamente relacionada
às práticas encontradas sobre a violência no seu cotidiano e que pertencem ao
âmbito familiar. Nesse primeiro momento, a família como a perpetuadora da
violência, é responsável pela sua presença constante nos lares e na vida de muitas
crianças e adolescentes. Em vista disso, Biasoli-Alves (1999, p. 69) refere
que as relações que se estabelecem na família entre gerações diferentes
compõem a socialização ao longo da vida, e há aproximações e
distanciamentos nas formas de perceber o mundo e a evolução entre os
indivíduos que desempenham papéis diversos – pai e filho.
Tinha uma criança internada com a gente, aquele menino [...]. Ele chegou e
disse: ô tia o meu pai chega em casa todo dia e bebe, bebe, bebe, e enche
a minha mãe de porrada, ai a polícia chega e leva ele para a cadeia, ai ele
volta no outro dia com muita raiva e bate, bate bastante na minha mãe e
em mim. Eu tô louco para crescer para comprar uma arma e matar ele
(Calycopis).
É inquestionável que a família apresenta, em seu contexto, modos de
viver e de se relacionar, e que certamente são estes que constroem e influenciam a
personalidade de seus membros. Seja, na alimentação, na higiene e nas demais
necessidades que compõem o ser, contudo é na educação que valores e
significados se aliam e dão um sentido às relações. E, é nesse momento ou por toda
a vida que a violência ganha forças e permanece como uma constante nos lares de
muitas crianças e adolescentes. Tanto é que a literatura especializada nacional e
internacional indica que se não todos, a maioria dos pais que violentam foram
crianças violentadas no passado e Miller (1990, apud GUERRA, 2001, p. 32) que:
a maioria das pessoas que perpetua violência física contra seus filhos,
foram elas mesmas vítimas desta violência em sua própria infância. Esta
informação não é totalmente correta: não deveria ser a maioria, mas todas.
Qualquer pessoa que perpetra a violência contra seu filho, foi ela mesma
severamente traumatizada em sua infância de alguma forma [...] uma vez
que é absolutamente impossível que uma pessoa educada num ambiente
de honestidade, de respeito e de afeto venha a atormentar um ser mais
fraco de tal forma que lhe inflija um dano permanente.
A criança ela aprende por imitação, pelo que ela vê. Ela imita a realidade
que ela está vivenciando, e aquilo ela toma como uma verdade para ela.
[...] se ela não tem uma outra influência, ela vai acreditar que a única
verdade é aquela (Calycopis).
Quase todas as justificativas da família para as diversas práticas da
violência estão relacionadas aos aspectos relacionados ao modo de educar. Ou
seja, a violência, em muitos lares, ganha sinônimos como: educação, aprendizagem,
obediência, ordem, sendo vista como única forma de promover relações de respeito
entre pessoas que convivem e necessitam viver em grupo, e, possivelmente, como a
única forma de estabelecer limites.
Provavelmente é a educação que ele (o pai) teve quando criança e agora
está passando para o filho (Myscelia).
Quando a família resolve e decide que é através da violência que se
promove a educação à criança e ao adolescente, ela os considera como objetos
para satisfazer seu poder de dominação, no qual alguém manda e o outro obedece.
Além disso, também satisfazer suas frustrações, pois utiliza a violência quando suas
vontades não são correspondidas, ou seja, essa família está fielmente reproduzindo
aquilo que lhe foi passado ao longo de sua vida, e que talvez com a violência tenha
alcançado algum resultado.
Acredita-se que todo o ser humano que cresce e se desenvolve vivendo
relações de respeito, amor e ternura com o próximo, que se percebe e reconhece
seus limites em um espaço de convivência, conhece outras práticas que não estas,
ou seja, é quase impossível ele reproduzir algo que não lhe foi aprendido e
apreendido. Certamente, não é somente a família que fortalece o ser humano,
porém acredita-se ser a grande responsável pela sua estruturação. Brigas (1999, p.
54) reforça isso quando diz que
o modelo de aprendizagem se faz através da aquisição de modelos. Ele
justifica esse comentário com a teoria do apego quando ratifica que o
processo de apego possui fatores pertinentes para compreender a
transmissão da violência de pais para os filhos: um pai violento e muito
negligente afeta de início, não só a relação com o filho, a criança, mas
também constrói uma concepção de mundo imprevisível que não é
gratificante, ou seja, as crianças que têm como base a segurança
desenvolvem uma concepção de mundo que é previsível e gratificante, e
as crianças que desenvolvem uma concepção do mundo previsível e
gratificante estão de acordo em perceber que suas necessidades serão
satisfeitas, estão cientes que irão surgir pessoas para atender suas
necessidades, terão tendência em inibir este comportamento violento e
acham vantagens em fazer parcerias com o mundo e com outras pessoas.
Nesse sentido, é interessante que uma reflexão primária seja feita sobre o
julgamento dos familiares sobre a violência. O que se propõe é reconhecer que a
família, nesse primeiro momento, não deva ser julgada por valores morais impostos
pela sociedade, porque essas questões não são pensadas quando pais e mães
violentam seus filhos. Portanto, uma análise ainda precoce sobre essa dificuldade
em lidar com pais e mães que violentam seus filhos, é compreender que seus atos,
de certo modo, dentro de sua história de vida, são justificáveis. Não se incluem aqui,
práticas de violências que provoquem risco de morte, apenas está se atentando para
as violências que ocorrem no dia-a-dia, como tapas, privações e agressões físicas e
verbais que não ocasionem em risco. No entanto, não se considera menos violência,
apenas se está tentando visualizá-la sobre outro ângulo. “As lições apreendidas
mostram que mesmo as famílias que vivenciam a Violência Doméstica, quando
devidamente tratadas, constituem-se na principal referência afetiva para as crianças
e adolescentes vitimizados” (BARREIRA, 1999, p. 489).
Sobre esta clientela (família) especificamente eu vou me cuidar mais, para
evitar em qualquer hipótese de um julgamento o que a gente já faz, mas
vou me policiar muito mais ainda pela questão do julgamento, por quê eu
acho que mais triste é julgar (Calycopis).
Guerra (2001, p. 12) comenta que “a punição corporal é sempre
enfatizada pelos pais ou responsáveis como um método adequado de educação”.
Portanto, um dos primeiros aspectos a serem questionados sobre a violência e que
deveria ser analisado quando se fosse promover ações de cuidado, seria de
compreender que, para muitos pais e mães, essa violência menos ofensiva é vista
como forma de educar. E, nesse aspecto, as contribuições seriam no sentido de
desmistificar esse ato, mostrando para a família que, certamente, essa educação
desrespeita todos os direitos da criança e a torna um objeto em suas mãos. Romper
com esse ciclo, proporciona que a família seja apresentada a outras forças de lidar
com essa dita educação, mostrando outros caminhos e formas. Segundo o UNICEF
(2006, p. 29), “há uma demanda crescente de ações que colaborem com a família
para socializar e superar seus problemas”.
6.1.2 A família como vítima
Nesse processo de conscientização, desconstrução e construção de
novas atitudes a família ocupa um lugar também de vítima, principalmente por ser
resultado da sociedade na qual está submetida e de necessitar de um cuidado,
também, humanizado. Ela torna-se uma grande aliada para o rompimento dessas
práticas se for percebida como alguém que necessite ser assistida. Ratifica-se, que
a família da criança ou adolescente vitimizado está sendo percebida ao longo do
tempo como uma referência de cuidado quando se trata de violência doméstica.
Essa se apresenta em posições diversas nesse contexto, contudo significativas para
que a problemática da violência não retorne a esse lar ou ao menos seja
minimizada.
Eu acho que tem a ver com o acolhimento, como tu vai acolher essa
família, essa criança ou esse adolescente na hora que eles tiverem
chegando à pediatria, tudo depende da maneira como tu vai abordar. Por
que eu acho que, às vezes, é o acolhimento, às vezes é o primeiro
contato que tu vai ter, então se tu não acolhes bem [...] (Phoebis).
Percebe-se que as falas dos sujeitos desta pesquisa, estão carregadas de
preocupação quando se traz a família para a discussão e se propõe compreendê-la
e cuidá-la nesse momento. Segundo o UNICEF (2006, p. 29), “para romper com a
violência, é necessário que os serviços de atenção voltem o olhar para a família
como um todo, e não apenas para a criança”. Trazendo essa reflexão, de olhar a
família como uma unidade a ser cuidada nesse processo de vitimização, comprova-
se, através de produções realizadas por profissionais preocupados com a família
como foco de cuidado, que ela ganha novos rumos no cotidiano.
O cuidar, procurar trazer carinho, Não essa coisa de ficar assim
questionando, ou julgando, mas ter um momento de qualidade para essa
criança e essa família, às vezes questionar para saber se eles têm alguma
dúvida sobre alguma coisa [...] (Arita).
Há algum tempo atrás, antes da elaboração do ECA, as crianças e os
adolescentes não tinham outra alternativa a não ser ficar abrigadas e à disposição
do Estado até que alguma solução fosse tomada em relação a sua família. Quase
nenhuma medida de tratamento era realizada, tanto com a família quanto com o
agressor.No entanto, medidas de recuperação estão sendo feitas com mais
intensidade.
E também não tirar aquela criança daquela família, ou vai excluir mais
ainda. (Phoebis).
Outra coisa que eu vejo é que aqui no Brasil, a gente quer tirar o pátrio-
poder da família, levar a criança para uma instituição. Tem que trabalhar
bem para gente não cair nesse erro, porque eu acho que a gente vai
prejudicar esse pai porque ele ficou sem os filhos. (Phoebis).
A concepção de retirar a criança ou o adolescente de sua família está, aos
poucos, sendo sobreposta com a possibilidade de que, com uma intervenção
saudável, ela possa, juntamente com sua família, ser incluída nesse contexto.
Porém, quando se trata de casos em que a criança ou adolescente tenham risco de
vida, torna-se necessário essa prática, sendo que
a adoção é a última medida estabelecida pelo ECA para assegurar o direito
à convivência familiar. Depois de esgotadas todas as possibilidades de
permanência ou de retorno à família de origem, a colocação em família
substituta é uma maneira de garantir o pleno desenvolvimento infanto-
juvenil (UNICEF, 2006, p. 29).
Outra questão que necessita de destaque é a concepção de que se tem
um modelo idealizado de família, e Biasoli-Alves (1999, p. 66) fala com mais
propriedade quando refere que “a necessidade de desconstrução dessa pré-
concepção – de um modelo idealizado de família- é o pressuposto primeiro para se
poder discutir aproximações teóricas e conceituais sobre Família e Violência, no
limiar do século XXI”. Já Fonseca (2004, p. 55) sinaliza que “qualquer desvio de
padrões hegemônicos é frequentemente visto como sintoma de inferioridade,
desorganização social ou atraso”. Compreender que algumas famílias não possuem
nenhum tipo de afeto é um grande desafio para alguns profissionais de enfermagem,
pois a maioria das famílias são famílias.
Muitos ativistas reduziram a visão da violência na intimidade, a um certo
atrevimento do macho, que se situa no lugar do penetrador e provedor,
enquanto as mulheres e crianças aparecem como vítimas indefesas da
brutalidade masculina. Se se aceita a violência feminina, é só depois de
ficar bem claro que se trata de um comportamento de reação, provocado
pelas condições de vexame social e econômico em que a mulher se
encontra (RESTREPO, 1998, p. 12).
No entanto, a Enfermagem, nesse sentido, necessita compreender que
essas relações não estão presentes, pois certamente esse pai e essa mãe não
vivenciam ou vivenciaram isso em seus lares,ou seja, sentimentos fraternais não
foram desenvolvidos e enfrentam dificuldades econômicas e de outras ordens que
são diariamente utilizadas como justificativas para os referidos atos. Infelizmente, se
tem que presenciar e saber atuar quando essas questões se fazem presentes,
principalmente, na prática. Percebem-se, nitidamente, essas situações quando se
propõe a acompanhar cuidados essenciais de mães e pais para com seus filhos,
principalmente, quando internados. Elsen e Althoff (2004, p. 22), fala em “mito do
amor materno – aceitar que há mães que têm dificuldade de aceitar o filho, que não
é toda a mãe que ama, que não é toda a criança que é amada pela mãe.”
Todo mundo acha que só porque a mãe concebeu a criança, esse amor é
automático, como a amamentação, que também é um ato automático e não
é! Isso daí é uma coisa que tem que ser cultivada (Phoebis).
Como o tipo de vida que um pai e uma mãe levaram, que tipo de vida que
aquela família leva. Às vezes, eles não têm nenhuma idéia de como é ser
uma família normal, eles nunca tiveram isso. Então para eles aquilo ali é
normal, a gente vê com outros olhos, [...] até aqui a gente nota, que, às
vezes, eles não têm aquela consciência de amor, que a gente acha que é
amor, não que eu ache que eu esteja certa e eles estejam errados, mas
existem maneiras diferentes de enxergar um tipo de sentimento, assim, eu
posso sentir o amor de uma maneira, mas a outra pessoa não vai ver
aquilo do mesmo jeito que tem que ser, [...] nem todo mundo pensa igual
sobre o mesmo assunto. [...] São maneiras diferentes de se enxergar as
coisas (Tmolus).
Uma questão a ser discutida quando se fala de violência principalmente
contra crianças e adolescentes é o cuidado amoroso que, muitas vezes, não é
realizado ou simplesmente é negado, ou seja, a privação deste.
A gente vive numa sociedade que tu abraçar e beijar, e dizer que ama, é
coisa ultrapassada, e quando tu tem uma família que preserva isso, é como
se fosse uma coisa muito rara (Phoebis).
Em muitas famílias se percebe a falta desse cuidado, pois,
cotidianamente, com o corre-corre das suas atribuições, se percebe que muitas
ações que promovem um cuidado amoroso estão sendo substituídas por gestos e
palavras de desprezo e humilhação. O cuidado, além de essencial e amoroso,
deveria ser primordial em um ambiente familiar, onde pais e filhos se beijassem,
abraçassem, fizessem carinhos, falassem palavras positivas e trouxessem bem-
estar apenas com sorriso. Restrepo (1998, p. 9) fala a esse respeito quando refere
que
parece suspeito e até ridículo falar daqueles direitos da vida cotidiana que
permanecem confinados à esfera do íntimo, sem que ninguém ouse
pronunciar seus nomes nas reuniões em que se debatem com
grandiloqüência os problemas políticos da época. A esta categoria de
direitos domésticos, relegados e vergonhosos, pertence o direito à ternura.
No entanto, devemos reconhecer que mesmo percebendo que o amor e
as várias formas de manifestação deste devam fazer parte do cotidiano das famílias,
não devemos ter isso como verdade absoluta e identificá-las como formas de
relação que podem sim, proporcionar uma harmonia familiar. Identificar esses
aspectos é primordial para não permitir que os pré-conceitos e os julgamentos
antecipados induzam as ações, prejudicando os sujeitos assistidos. Biasoli-Alves
(1999, p. 66) comenta que
devemos respeitar a maneira como a família compõe diferentes tipos de
estrutura, que se afastam de um modelo idealizado, mas são capazes de
manter aspectos fundamentais que permitem às pessoas sentirem-se
membros de uma família.
A gente acha que aquilo ali é anormal, mas existem várias maneiras de
amar. Existe meu jeito de amar e existe o jeito do outro amar, de dar
carinho (Phoebis).
Diante desses comentários, percebe-se que alguns pré-conceitos já
estavam sendo desconstruídos, principalmente em relação à família, na questão de
valorizá-la como participante desse processo, identificando-a também em uma
posição de vítima, pois o que se percebe, na prática, muitas vezes, é que o
profissional de saúde que lida com essa problemática acredita que a família é a
única culpada, excluindo a responsabilidade da sociedade e do Estado também
como fomentadores desse ato.
Eu entendi melhor a posição do agressor, o que faz ele agredir a criança ou
adolescente faz a gente pensar que é um outro ser humano que tá ali do
lado, não só a criança ou adolescente, mas quem praticou aquilo também,
e que precisa ser compreendido, eu vou tentar trabalhar para que ela não
pratique aquela violência de novo (Phoebis).
Ratifica-se a importância de, ao realizar um cuidado com a
criança/adolescente e com família, perceber e atentar para as qualidades e para os
aspectos positivos que a família está apresentando, principalmente em relação ao
cuidado que ela está prestando, pois é a partir desse ato que se irá valorizar a sua
responsabilidade como família e instituir intervenções no aspecto da violência em si.
As questões relacionadas ao cuidado da família deixaram de ser questões
apenas informais ou localizadas, nas quais os profissionais, preocupados com a
problemática, se responsabilizavam em prestar um cuidado também à família
agressora, passando a ser de responsabilidade governamental. Existem algumas
medidas nacionais sendo feitas para que se tenha um atendimento à família nesse
sentido. Segundo a UNICEF (2006, p. 29),
a Política Nacional de Redução da Morbimortalidade por Violência e
Acidentes prevê a adoção de medidas de prevenção, detecção e
tratamento da violência doméstica, ressaltando que elas devem envolver
um conjunto de ações intersetoriais voltadas à família.
O último aspecto que se considera relevante para as ações seria a
omissão dos demais membros da família, pois segundo Guerra (2001, p. 32), a
violência “tem na família sua ecologia privilegiada, como esta pertence à esfera do
privado, acaba se revestindo da tradicional característica de sigilo.
È como se fosse uma fachada, eu entendo mais ou menos assim. Como se
tu vê uma família perfeita, quem olha de fora, é a família perfeita. E, às
vezes, ali dentro desse círculo acontecem vários tipos de violência,
dependendo do que tá acontecendo, só que fora ninguém sabe, quem vê, é
a família tradicional, perfeita. E ali dentro tem uma bomba preste a explodir
(Tmolus).
Pensa-se que, como profissional de saúde e como cidadão, deve-se
manter o respeito necessário para oferecer privacidade a todos os membros da
sociedade. No entanto, em se tratando de crianças e adolescentes que estão
vivenciando a violência doméstica, os deveres e as obrigações para com elas
sobrepõem a privacidade hipócrita que é instituída. Portanto, como profissional
responsável, tem-se direito de intervir, pelo cuidado de infantes e adolescentes,
nessas famílias quando as mesmas apresentarem algum indício de violência
doméstica.
Porém, deve-se entender que, muitas vezes, a omissão está permeada
por sentimentos de medo, de ameaças. Muitas famílias ainda têm o homem como o
único responsável do sustento familiar e, acreditam que somente ele pode oferecer
condições dignas às necessidades desta. Por isso, nesse sentido, cria-se, de certa
forma, uma dependência que sobrepõem aos malefícios que a violência pode
acarretar.
Eu acho que a maioria das pessoas tem medo de denunciar mesmo,
porque é sustentado mesmo, porque é o marido a única fonte de renda
(Tmolus).
Porque não tem um tipo de apoio eficiente, ele (pai) é o provedor da
família, ela (mãe) não tem estudo, não tem nada, eu vou denunciar e daí
[...] (Arita).
Quando se aborda a questão das relações intrafamiliares, observa-se a
dificuldade que se tem, principalmente, nos casos de violência doméstica, de
interagir com essas famílias. Gomes (2002, p. 709) reforça esse aspecto quando diz
que:
A família que deveria ser o seio no qual a criança cresce e se
desenvolve de forma harmoniosa torna-se fonte de dor e de
sofrimento e o ambiente familiar, contraditoriamente, de amorosa
passa a ser vista como ameaçadora.
Reforça-se que, trazendo a família para iniciar uma discussão sobre a
problemática da violência doméstica e desmistificando alguns aspectos que a
permeiam, pode-se contribuir para uma intervenção mais harmoniosa tanto para a
criança e o adolescente vitimizado quanto para a sua própria família.
Bonetti e Wiggers (1999, p. 484) referem que
deva ser possível uma abordagem que considere a ótica em que
situações de violência sejam estruturamente de valores e relações
sociais vivenciadas por indivíduos concretos [...] desta forma, cada
situação de violência pode ser pensada dentro de um contexto
específico em que as diferentes experiências dos indivíduos são
consideradas, tentando escapar de uma interpretação parcial que
enfatiza somente as faltas.
Acredita-se que existam outros fatores que influenciam e que gerem
outros questionamentos, ou seja considerados como dificuldade em abordar essa
temática. No entanto, considera-se que os aspectos abordados acrescentam e são
relevantes no cuidado diário.
Biasoli-Alves (1999, p. 66) diz que
devemos visualizar a Família segundo um modelo direcional que
implica de um lado os muitos fatores de impacto que atuam sobre ela
com a pobreza, etc..., mas de outro, também buscar identificar como
ela reage, de que meios lança mão para interagir com o social e /ou
para se defender.
Percebe-se que, atualmente, a questão da família no cenário do cuidado a
crianças e adolescentes vítimas de violência doméstica, já alcançou discussões
mais teóricas e chegou a ser vista como política pública. Ela propõe e preconiza
uma ação interdisciplinar, na qual as profissões envolvidas se voltem para a
construção de estratégias, reduzindo, assim, a violência na sociedade através da
família.
A Política Nacional de Redução da Morbimortalidade estabelece a
ampliação de um atendimento interdisciplinar que assegure apoio médico,
psicológico e social das famílias, como os serviços de atenção às famílias
com dinâmicas violentas que já existem no País (UNICEF, 2006, p. 29).
Ratifica-se que certamente a família, apesar de ser quase sempre a
agressora e, também, cúmplice da violência doméstica, é certamente também
vítima, principalmente da sociedade e dos fatores que as influencia, sendo produto
das relações que se estabelecem entre todos os seres. Por conta disso, perpetuam
suas fragilidades, frustrações e enfrentamentos sobre o modo de viver.
Contribuindo com essa questão, acrescenta-se uma reflexão de Marcon e
Elsen (1999, p. 473) quando dizem que
as relações familiares são construídas no dia-a-dia, assim, concordamos
que os filhos precisam de um ambiente que lhes permita a livre expressão
de sentimentos, dúvidas, desejos e temores, mas eles também precisam
de limites e, mais ainda, precisam reconhecer que na estrutura familiar
todos têm direitos, mas também têm deveres; da mesma forma que todos
podem participar das decisões familiares, com maior ou menor intensidade
– dependendo de seu grau de desenvolvimento, desde cada um assuma
sua parcela de responsabilidade
Contudo, o tema não se esgota, continua e se torna ainda questionável no
meio, principalmente, porque os profissionais da saúde não a reconhecem como
uma realidade complexa, não compreendendo muitos desses atos como forma de
violência.
6.2 O profissional: quando a violência ainda promove questionamentos
Quando se propõe a encontrar novas possibilidades de cuidado a uma
problemática, tem-se que reconhecê-la como problema e, através de suas vertentes,
promover ações para ao menos minimizá-la. Porém, se não se perceber que
determinada situação que se manifesta como negativa é contrária a uma
compreensão mais racional, não se conseguirá chegar a uma dimensão maior do
que aquela que se apresenta e ao objetivo proposto que é excluir a violência da vida
dessas crianças e adolescentes. “Profissionais amadurecidos têm melhores
condições de exercer sua prática e, consequentemente, colaborar para o resgate
destas crianças da situação de violência em que se encontram” (JUNGBLUT, 1999,
p. 449).
Com esse aspecto, vislumbra-se esclarecer que o profissional que cuidar
das crianças e adolescentes vítimas de violência doméstica, seja ela no âmbito do
hospital, do ambulatório ou até mesmo domiciliar, e se não reconhecê-la como uma
prática contrária à vida, não promoverá um cuidado desejado e digno, pois estará
apenas remediando situações que poderiam, a partir de um olhar mais complexo,
atingir uma harmonia entre seus membros. “Existem barreiras culturais e estruturais
que se incorpora como prática cotidiana, como a dificuldade e a resistência dos
profissionais de saúde em identificar e notificar maus-tratos” (GUERRA, 2001, p. 14).
Eu sei porque eu sou mãe, e na hora que eu perco a paciência, eu já dei,
não vou dizer que, não [...] Tem horas que a gente perde as estribeiras,
qualquer outro pai ou outra mãe pode fazer a mesma coisa, só que [...]
claro que a gente como cuidador não vai chegar a esse ponto. Tu julgas o
outro, mas a gente faz ou faria. Será que ele não reagiria daquela maneira
também? (Tmolus).
Porém, o profissional de enfermagem deve ser visto e compreendido
quando essas práticas fazem parte de sua vida e permeiam suas ações, pois, não
ocupam somente o papel de profissional, mas também o de pai ou mãe que tem
uma história de vida, que sofreram influências da família, e ocupam o mesmo
espaço na sociedade. Seu conceito de violência, muitas vezes, é aquele aprendido
empiricamente, não foi lapidado e aprofundado por referenciais teóricos. Dessa
forma, propõe-se um exercício para abrir espaço para os profissionais que trabalham
com crianças sob situação de violência, para saírem do anonimato de suas tarefas,
refletirem sobre ela e fazerem-se indivíduos críticos de si mesmos e do sistema
(JUNGBLUT, 1999, p. 449).
Um tapa na bunda também não é violência!!! Uma palmada, uma única
palmada na bunda que é um local que tem bastante carne, na hora certa e
explicando o motivo, o porque que tá acontecendo, [...] eu não vejo isso
como violência. Agora apertão na mão, puxão de orelha, falar palavras de
mal, xingão, coisas desse tipo, sim aí eu acho que é violência, agora um
tapa bem dado e explicar o porquê, eu vou defender até o fim que não é
violência, um tapa bem dado, estabelece limites. Entende, eu sei que existe
linhas que não admitem em hipótese alguma. Então eu acho que o limite
ele é necessário, sim, e às vezes o limite, tem que ser um tapa na bunda e
tudo (Calycopis).
Nesse caso, os profissionais que lidam com essa problemática necessitam
despir-se de suas verdades absolutas que fazem parte de sua vida, e através do
conhecimento teórico desvelar alguns preconceitos e certezas que permeiam suas
práticas. Precisam ir além!!!! “Algumas práticas que, muitas vezes, são pensadas
como violência, se pensadas dentro da visão de mundo dos grupos estudados,
podem adquirir outros significados” (BONETTI; WIGGERS, 1999, p. 485).
O tapa foi a última alternativa que a gente aprendeu (Dynamine).
Nós aprendemos!!! Por que que a gente bate? Porque a gente já vem com
aquela coisa assim [...] a minha mãe já bateu, mas ela nunca foi de deixar
ninguém lanhado. Eu já reproduzi dar uns tapas nas últimas, mas eu não
gosto de bater, eu nunca apanhei muito. Mas aonde eu me extrapolo é no
berro, por quê? Porque a minha mãe berrava comigo, mandava eu calar a
boca e não deixava eu chorar. Então a gente reproduz o que aprendeu [...]
se a gente, se tu não tiver oportunidade de trabalhar a violência, tu vai
reproduzir sim aquilo que tu aprendeu (Smyrna).
Nota-se, que a compreensão de que a violência propicia a educação não é
somente reconhecida pelos pais, mas também pelos profissionais. Mas que
educação seria essa? A do medo, do constrangimento, do detrimento a liberdade, do
diálogo? Eles não deixam de ser pai ou mãe no momento de assistir sua clientela,
certamente quando estabelecem seus cuidados, estes estão pautados na sua
cultura e no seu modo de viver. No entanto, muitos reconhecem e até questionam-se
sobre seus atos. “Reconhecer-se indivíduo em sua prática é responsabilizar-se por
ela, é reflexioná-la e aproximar-se dela, dentro de seu espaço de atuação, de sua
realidade” (JUNGBLUT, 1999, p. 449). No entanto, existe um conflito importante,
principalmente, no que se refere em ter de discutir sobre algo e não ter uma idéia
esclarecida do fato. Como se a prática e a teoria divergissem a todo o momento.
Eu acredito que daqui uns 20, 30 anos a nossa concepção de educação
seja outra, e vai mudar, vai ser pela conversa, pela privação de alguma
coisa do que fazer. Porque tem famílias que já tratam assim. Mas a gente
ainda faz aquilo que aprendeu. Eu também acho que dar um tapa na bunda
na hora certa, não é uma violência, é uma forma educativa, porque a
criança, ás vezes, tá num frenesi que ela não te escuta [...] O perigo do
tapa é a pessoa perder o controle e daí, como eu já... porque daí tu
exagera. Porque tu vai a loucura com a coisa e quando tu vê já avançou.
Eu não faço mais, mas eu já fiz. Tem um momento que dá a doida
(Smyrna).
Mas é inconscientemente, parece que é um momento que tu sai de órbita,
imagina se conscientemente ela queria fazer isso com o filho (Tmolus).
Para essa dificuldade, sinaliza-se que muito ainda deve ser feito.
Primeiramente, como se trata de questões construídas na família e estas já foram
enfatizadas, pensa-se que, para os profissionais de enfermagem, fica a necessidade
de iniciar discussões sobre as violências nos bancos acadêmicos e desmistificar
questões que a permeiam. Segundo Elsen et al (2004, p. 68), “suspeita-se que os
cursos de graduação ainda não oferecem em seu currículo disciplinas obrigatórias
sobre a problemática da violência doméstica à criança e ao adolescente, tampouco
cursos de extensão sobre a questão da violência”.
Muitos profissionais da área da saúde ainda não conseguiram incorporar
uma dinâmica educativa na qual os sujeitos devem participar da sua própria
transformação e mudança da sua realidade. Com isso, utilizam, muitas vezes, seus
conhecimentos para submetê-los a humilhações, acreditando que suas verdades
são absolutas, diminuído as famílias e também as crianças ou adolescentes vítimas
de violência doméstica.
Ás vezes até a própria família, ou a pessoa, já tá se sentindo mal, culpada,
ai tu vem e afunda mais ainda, com as nossas teorias, achando que a
gente sempre tá certa, [...] que a nossa opinião é que é a certa, é uma
coisa bem complicada (Tmolus).
Eu acho que tu sempre deve procurar levantar a pessoa, e não afundar,
porque ela já tá numa situação que não é boa [...]. A gente se acha no
direito de ficar oprimindo, de olhar de cima para baixo para a pessoa
(Phoebis).
O objetivo do profissional é evitar a revitimização tanto da criança ou do
adolescente, como da própria família. Nesse sentido, é acolher para iniciar um
cuidado ausente de preconceitos e, principalmente, valorizar qualquer manifestação
de arrependimento, no qual a família reconheça seus erros, ou seja, deve partir da
família, ao fazer uma análise sobre a situação apresentada, para esta dar-se conta
do ato promovido.
O ponto mais forte ali é o acolhimento mesmo, de como a gente vai
abordar e receber a criança ou adolescente no caso quem for e a família
também (Tmolus).
Uma das finalidades de promover uma reflexão sobre essa realidade é
fazer com que os profissionais adquiram uma postura e uma capacidade de
visualizar uma situação e, a partir dela, construir várias possibilidades de cuidado,
adquirindo uma nova forma de olhar para os acontecimentos e situações, não lhe
restando condutas simplistas que não modificam a realidade.
Eu acho que todas as coisas abordadas foram importantes, acho que no
conjunto para mim vai trazer um novo olhar, diferente do que eu tinha antes
quando eu for atender uma família assim. Só que agora assim a gente vai
refletir um pouco mais como eu devo realmente atender aquilo ali, de
repente a gente tá atendendo tá fazendo as coisas, mas certas coisas que
a gente tá fazendo ali são traumatizantes às vezes até assim um pouco
agressivas. Eu acho que agora eu vou conseguir olhar com mais
conhecimento e refletir mais, eu acho que atender de uma maneira melhor
(Biblis).
O meu olhar sobre a questão violência, ele ficou muito mais aguçado, eu
comecei até a ver minha prática cotidiana de outra maneira. Será que eu
não tô sendo violenta, e eu comecei a ver atitudes minhas que antes eu
achava normal, até brincadeiras e tal, como será que eu não tô invadindo,
entende? Então eu acho que foi muito legal neste sentindo, até num auto-
encontro de tu te questionares mesmo valores, Divergências que existem e
vão existir sempre de palmada, de não palmada, de ser dura de não ser.
Com certeza muda olhar da gente, amplia, e isso é que é importante, é
ampliar olhar (Calycopis).
Se eu me deparasse com uma situação que eu tivesse que assistir uma
criança vitimizada e a sua família, eu ia ter um novo olhar e ter um pouco
mais de paciência, porque sem querer a gente julga, eu ia ter mais
paciência, eu ia saber ouvir melhor tanto a criança quanto a família
(Calycopis).
Identifica-se, através das falas, que esse novo olhar está nascendo e está
tornando-se uma premissa para assistir integralmente as crianças e adolescentes
vítimas de violência doméstica. Percebe-se que os profissionais compreenderam o
real significado de pensar complexamente e que, de muitas formas, pode-se tornar
útil em situações como a problemática exposta.
Outra questão que merece destaque e se torna desmotivador para o
cuidado dessas crianças e adolescentes vítimas de violência doméstica é o sistema
de apoio que os serviços de saúde oferecem às vítimas e sua família. “O
enfrentamento da violência exige a efetiva integração dos diferentes setores, tais
como a saúde, a segurança pública, justiça e trabalho, bem como o envolvimento da
sociedade civil organizada” (FONSECA, 2004, p. 57). O sistema de apoio presente
em muitas comunidades não proporciona e não oferece subsídios para que a vítima
e sua família possam superar e permanecer digno diante dessa realidade: ter os
seus direitos respeitados.
O que faria seria não trabalhar sozinha, porque isso não é coisa de um só,
tem que ser uma equipe. Como o que falaram aqui de tu dividires com o
outro profissional, te chama para a realidade, olha tu estás fugindo não é
por aí, eu acho que é o único jeito de lidar com a situação (Smyrna).
O que eu faria, é que a gente tem que ter olhares diferentes, mas eu acho
que a equipe multidisciplinar ia ser muito importante, porque tu ias procurar
no outro profissional, uma maneira diferente (Phoebis).
Outro aspecto é o cuidado a esses profissionais que cuidam, pois muitos
sentimentos emergem quando se discute essa problemática. “O processo de cuidar
não pode ocorrer isoladamente; trata-se de uma ação e de um processo interativo
entre ser que cuida para e com o ser que é ou será cuidado, caso contrário, o
cuidado não ocorre” (WALDOW, 2004, p. 189). Quando alguém se torna profissional,
acredita-se que está preparado para as situações que acometem a vida do ser
humano, porém ao se deparar com essas questões, percebe-se que se tem
inúmeras fragilidades e que elas também precisam ser trabalhadas. Giovinco (1999,
p. 523) diz que “que uma pessoa sem um desenvolvimento adequado da
consciência social não pode levar uma vida significativa. A premissa de uma pessoa
íntegra e autêntica está calcada na consciência social”.
Acho que o que tem que continuar sendo trabalhada é a questão do
profissional, porque querendo ou não, ele não é somente o profissional, é
um ser humano também, então, muitas vezes, a gente acaba colocando
pra gente, tomando as dores, se fosse com um filho da gente coisa assim,
então lidar mais com o psicológico do profissional, porque querendo ou não
é uma coisa desgastante, estar sempre conversando com estes
profissionais, que atuam nesta área para ver as dificuldades deles, o que
eles sentem né, querem algum apoio (Arita).
6.3 A violência: a aquisição de uma sociedade
Essa categoria não foi destacada no início das discussões, porém
representa a convergência das dificuldades pessoais e profissionais do cuidador e
da família que se enfrenta ao discutir essa problemática, como refere Morin (2002, p.
10) “deveríamos, portanto, ser animados por um princípio de pensamento que nos
permitisse ligar as coisas que nos parecem separadas umas em relação às outras”.
Essa questão está resumida na fala de Calycopis, quando ela diz que:
A diversidade cultural é que vai influenciar esses homens.
De certa forma, a sociedade desempenha um papel singular nas relações
sociais, seja negativa como a violência, com a guerra, ou positiva como a liberdade,
o respeito. E o modo como a sociedade se integra, se relaciona, compartilha é que
vai promover nas pessoas certas qualidades ou defeitos, cujas relações e
diversidades são predeterminadas por movimentos sociais, políticos da história, e
influencia diretamente nas condutas. Portanto, essa diversidade necessita estar
presente na sociedade para que mudanças e transformação de pensamentos
ocorram, existindo uma conscientização a partir da realidade imposta.
De uma maneira ‘positiva’ não podemos rejeitar a realidade de uma
hostilidade entre os homens [...] é mais conveniente interpretar as
modulações históricas e sociais de tal hostilidade, ou antes, num primeiro
momento, compreender que essas modulações baseiam-se numa
constante (MAFESSOLI, 1987, p. 15).
Como diz Guerra (2001, p. 31) “a violência é uma forma de relação social;
está inexoravelmente atada ao modo pelo qual os homens produzem e reproduzem
suas condições sociais de existência”. A violência é uma problemática que está
enraizada na sociedade e que permeia séculos os lares dos seres humanos. Ela
sofre algumas influências, como econômica, pois a população de baixa renda
presencia com mais freqüência a violência no seu cotidiano, porém ela não deve ser
uma premissa, pois sua natureza é fundamentalmente pautada nas relações entre
as pessoas, o que a faz estar presente em todas as classes sociais, como diz
Guerra (2001, p. 31) “é um tipo de violência que permeia todas as classes sociais
como violência de natureza interpessoal”. Está presente no modo de viver e de ver o
mundo e sua relação com o próximo. Portanto, deve-se estar atento com as
condutas e não tomar como ponto de partida o nível sócio-econômico como
predisposição para tal prática.
Além disso, também sofre influências sociais, que segundo Guerra (2001,
p. 31) é “a violência expressa padrões de sociabilidade, modos de vida, modelos
atualizados de comportamento vigentes em uma sociedade em um momento
determinado de seu processo histórico”, pois a população determina suas relações
através de estereótipos predeterminados por ela mesma e, consequentemente,
determina suas relações e impede que as mesmas aconteçam harmoniosamente ou
que aconteçam de forma violenta. O sistema de referência dado por nós pretende,
nesse sentido, revelar que as diversas produções teóricas que se analisou são
igualmente discursos do social e não somente sobre o social (MAFESSOLI, 1987, p.
21).
[...] é pobre é rico, [...] não tem, depende da cabeça de cada um, de como
tá vivendo (Dynamine).
Também se pode perceber que hoje na sociedade a violência está
tomando proporções incompreensíveis. A ambição, o egoísmo e a necessidade de
ter mais, estão fazendo com que o ser humano, desrespeite o próximo para alcançar
seus objetivos. A falta de amor, de compaixão e de ternura está perdendo espaço
para a maldade, para a crueldade. Restrepo (1998, p. 53) contextualiza bem essa
constatação quando diz que
a distância entre a violência e a ternura, tanto em seu matiz tátil como em
suas modalidades cognitivas e discursivas, tem sua raiz nessa disposição
do ser terno para aceitar o diferente, para aprender dele e respeitar seu
caráter singular sem querer dominá-lo a partir da lógica homogenia da
guerra.
Outra questão que está arraigada na sociedade e também dificulta o
cuidado à criança e ao adolescente vítima de violência doméstica, é a denúncia. Ela
está diretamente relacionada ao modo como se compreende a violência e o seu
papel frente a ela. Segundo o Artigo 13 do Estatuto da Criança e do Adolescente
(BRASIL,1990, p. 6), “os casos de suspeita ou confirmação de maus-tratos contra a
criança ou adolescentes serão obrigatoriamente comunicados ao Conselho Tutelar
da respectiva localidade, sem prejuízo de outras providências legais”. A denúncia é
uma arma importante que se tem contra a violência, pois ela pode vir do próprio lar
como da vizinhança, da escola, do hospital, ou seja, de qualquer lugar onde se pode
presenciá-la. Infelizmente,a família, muitas vezes, não deve ser considerada como
aliada desse ato, pois como já foi discutido não exerce adequadamente seu papel,
porque alguns fatores a impedem de denunciar. Nesse caso, fica com a sociedade a
responsabilidade do ato, principalmente com profissionais que, cotidianamente,
vivenciam com essa clientela. No entanto, o que se percebe é que existe uma
resistência da própria sociedade de fazer a denúncia, pois se acredita que, se isso
ocorrer se está infringindo certos preceitos de privacidade, de intimidade que os
membros da família exercem entre si.
As pessoas têm que ter precaução, mas não deixar de denunciar, senão a
coisa vai virando uma bola de neve (Arita).
O que necessita ficar claro e ser compreendido pela sociedade em geral é
que a denúncia é um dever, uma obrigação de todo o cidadão, principalmente
porque se algum tipo de violência estiver acometendo alguma criança ou
adolescente, esse cidadão está sendo cúmplice e conivente com o agressor. Para
essa responsabilidade social, o artigo 245 do Estatuto da Criança e do Adolescente
(BRASIL,1990, p. 36), em relação às infrações administrativas determina que:
Deixar o médico, professor ou responsável por estabelecimento de
atenção à saúde e ensino fundamental, pré-escola ou creche, de
comunicar à autoridade competente os casos de que tenha
conhecimento, envolvendo suspeita ou confirmação de maus-tratos
contra a criança ou adolescente: pena – multa de três a vinte salários
de referência, aplicando-se o dobro em caso de reincidência.
A importância da denúncia demonstra também que se está preparado e
alerta sobre a violência doméstica, pois, ao pressupor ou identificar uma vítima, se
demonstra, com esse ato, de que se tem conhecimento para realizá-lo e,
provavelmente, representa que, de alguma forma, se está preparado para lidar com
essa problemática. O que se necessita, nesse caso, é a conscientização do papel de
todo cidadão na sociedade através de medidas educativas sobre essa prática e a
promoção do Estatuto da Criança e do Adolescente como ferramenta para a
execução das responsabilidades.
A criança e adolescente vítima de violência doméstica quando tem
capacidade de denunciar, também vivencia incertezas. Provavelmente porque
existem alguns obstáculos que dificultam a revelação desse ato como:
a) o amor que existe entre o agressor e a vítima, o agressor o pai ou a mãe, a vítima, no
caso, a criança que incondicionalmente tem amor pelos pais que sobrepõe a
violência acometida;
b) a dependência sócio-econômica entre os membros, a criança ou adolescente
dependem financeiramente e socialmente de seus pais e necessitam deles para o
desenvolvimento de suas vidas, relacionam, assim, a denúncia com a privação de
necessidades básicas humanas; e
c) o medo, que representa, para a criança e o adolescente, mais atos de violência,
esses sujeitos vivenciam mais essa problemática quando delatam seus agressores,
tendo como resultados mais atos de violência.
Segundo Guerra (2001, p. 21), “numa negação do valor liberdade: ela
exige que a vítima seja cúmplice do adulto, num pacto de silêncio”;
A criança que é violentada ela acaba se calando, talvez pelo medo de ser
violentada de novo. A denúncia, muitas vezes, envolve outras coisas
piores, dentro da família, o que vai causar para o meu pai para minha mãe,
então o violentado realmente ele se cala, ele não vai falar, muitas vezes a
violência aparece por quê? Porque alguém viu ou porque alguém falou, ou
por um acaso se descobriu. Difícil daquele que é violentado, de chegar e
de falar, e abrir isso. E acho que em outras situações, será que a pessoa
não vê aquilo como uma coisa normal. Ela ama o agressor (Smyrna).
Cottle (1993, apud GUERRA,2001, p. 53), quando fala sobre os
sentimentos das crianças e adolescentes vítimas de violência física e que,
geralmente, também são obrigados a guardar segredo sobre isso.
Estamos sozinhos com os nossos segredos; não há ninguém que
possamos abraçar [...]. E, se não existe contato, toque ou liberdade de
falar, por assim dizer, não pode existir o sentimento de que uma pessoa
está cuidando de outra. se não consigo exprimir os meus sentimentos, não
sou passível de amor, não tenho vida.
O resultado da denúncia deveria ter dois caminhos: primeiro, o caminho
que leva a vítima a conviver novamente com os familiares, no qual ambos, após as
intervenções necessárias, fossem assistidos e acompanhados integralmente para
que não reincidisse e, o segundo caminho, seria um atendimento especializado para
ambos, tanto para a criança que necessita continuar crescendo e desenvolvendo
quanto para a família que necessita repensar e refletir sobre suas práticas para que
não violente novamente.
Contudo, independente dos resultados da denúncia ou que caminho essa
obteve, não se pode e não se deve acreditar que, mesmo a criança e o adolescente
vivenciando a violência doméstica, não possa modificar também a sua realidade a
partir das experiências que obteve durante esse momento de vida e, possivelmente,
isso irá ocorrer se existir uma ação imediata com cuidados à criança, adolescente e
sua família logo que ocorra a violência doméstica. Intervenção de profissionais da
saúde, educação e demais áreas que, direta ou indiretamente, presenciam essa
problemática é a chave para impedir que a violência se perpetue. No entanto, a
sociedade, de uma maneira geral, não acordou para sua importante participação
nesse processo.
Tudo vai depender do acesso e das oportunidades que eles vão ter, de
educação, de trabalho. Por mais violência que eles tenham lá fora, pode
mostrar outro rumo (Arita).
Oportunidade é o que esses sujeitos necessitam para quebrar esse ciclo
e, condicionalmente, experienciar novo modo de vida que vai proporcionar um futuro
melhor. Enquanto a sociedade não mobilizar sua capacidade de transformação,
utilizando seu conhecimento percebe-se que a violência não será excluída dela.
[...] geralmente a criança que sofria violência, quando criança e quando
adolescente..., não é que todos, mas o que sofria violência sexual,
praticava a física, se sofria a física praticava a sexual. Não quer dizer que
necessariamente a pessoa vai praticar a violência, mas é um parâmetro. É
como se fosse latente, ela pode [...] como se num momento ela [...]
(Phoebis).
Novamente, ratifica-se a importância de todos os membros da sociedade,
independente de ser profissional, educador, familiar e a própria vítima, aparecer
também nessa discussão, pois existe uma responsabilidade que vai além do status
que se possui na sociedade, ou seja, é o compromisso que se tem com o próximo e
a certeza de que, através de um conjunto de ações desenvolvidas em conjunto,
possa determinar relações mais harmoniosas entre os seres humanos.
Saber que as condutas diante dessa problemática contam com aliados
importantes determinam o resultado esperado. Como sociedade, se deve reinvidicar
que, conjuntamente, exerçam adequadamente seu papel nesse contexto, e se
acredita que a legislação vigente presente no Estatuto da Criança e do Adolescente
seja é o principal responsável junto com os órgãos para promover os direitos desses
sujeitos. No entanto, o que se presencia é que a maioria da sociedade não acordou
para o ECA e, não se articula para que, conjuntamente, possa mobilizar-se contra
esse mal, utilizando suas forças para enfraquecê-la. “De maneira geral, não há
diálogo sistematizado entre o sistema de saúde, os Conselhos Tutelares e outros
atores de proteção à criança, como Poder Judiciário, escolas e Ministério Público”
(UNICEF, 2006, p. 29).
Conscientização é o que necessita se adquirir para que a sociedade se dê
conta da sua grande responsabilidade social para que a violência presente na vida
de muitas crianças, adolescentes e suas famílias seja apagada. Acredita-se que
todo esse mal será excluído quando toda a sociedade unir-se e complementar-se
para transformar sua realidade.
Em vista disso, deveriam existir outras dificuldades presentes na
sociedade, que não somente essas apresentadas e que são inerentes à família e ao
profissional que assistem essa clientela. Contudo, percebe-se que, para os sujeitos
deste estudo, elas foram consideradas as mais relevantes. No entanto, dentro dessa
categoria, a questão do poder foi levantada e discutida, e se enquadra os aspectos
de relação que se estabelece na sociedade, predispondo uma violência pouco
visível, porém que deixa muitas marcas.
6.3.1 Poder ou dominação?
Uma questão cultural presente na sociedade e que determina certo status
entre seus membros é um poder que se exerce sobre o outro. É um olhar, uma
palavra, uma atitude ou uma ação que alguém exerce sobre o outro, considerando-
se mais forte, proporcionando uma sensação de bem-estar. No entanto, essa
questão de poder não está bem esclarecida na sociedade, o que remete a repensá-
la e discuti-la como fator que contribui para todos os tipos de violência existentes
nela. Sabe-se que é algo exercido pelo mais forte sobre o mais fraco, do homem
sobre a mulher, do adulto sobre o idoso e sobre as crianças e aos adolescentes.
É que nem a questão do empoderamento que tu dá para a pessoa, quando
a pessoa é ciente, sabe dos direitos e dos deveres dela, principalmente dos
direitos, ela se empodera daquilo, porque ela sabe que não é. Eu vejo
assim nesse processo, o poder da sociedade sobre a família, o poder da
enfermagem em cima daquele pai, se acha super certo e o pai totalmente
errado. [...] o pai ou o adulto se achando [...], pode ser qualquer outro
adulto até nós, a gente praticando violência contra a criança, o maior
sempre se achando o mais forte em relação à criança, ao mais fragilizado
(Phoebis).
Em determinados momentos da vida, quando se cuida dos filhos, dos
pacientes e de pessoas que estão ao redor, acredita-se que esse cuidar é o melhor,
que essas ações são as mais adequadas, sendo que, nesse momento, se impõe às
vontades e os desejos, sem aferir se o outro está de acordo e se aquilo lhe trará
satisfação. Palavras de negação são utilizadas como instrumentos aos caprichos,
impedindo que o direito de ir e vir, da descoberta do novo seja alcançado. Em muitos
momentos, a tentativa de obter uma certa disciplina estrapola a liberdade do outro
quando o impede de fazer suas escolhas e promove a violência, pois limita o outro
de ser ou de fazer algo.
“É um abuso e transgressão do poder disciplinador e coercitivo dos pais
ou responsáveis, convertendo a diferença de idade, adulto-criança/adolescente,
numa desigualdade de poder intergeracional” (GUERRA, 2001, p. 12). Mas será que
essa força exercida de maneira contraditória é poder ou dominação? Se se expressa
erroneamente quando se diz que o pai ou filho em situações de violência exerce
poder sobre seus filhos, pois poder
é uma força que alguém tem e que a exerce visando alcançar objetivos
previamente definidos. O poder pode ser exercido de diferentes formas e
em sua forma autoritária ele é validado autovalidado pela autoridade de
quem o detém e decide. Os adultos estão “autorizados” socialmente a
exercer poder sobre crianças e adolescentes, poder necessário à
socialização destes, como por exemplo, o pátrio-poder e o poder do
professor sobre os alunos. No entanto, é muito importante distinguir o
poder violento do poder não violento. O poder é violento quando nega ao
violentado seus direitos, quando é atentatório ou destruidor da identidade
do dominado (UNICEF, 2004, p. 28).
Ou seja, pode ser resumido como o direito que os pais tem sobre seus
filhos no intuito de oferecer algo que eles não tem como decidir, poder de levá-los à
escola, de dar banho, ter direito ou razão. O poder de dominação é a repressão, a
influência e a autoridade, ou seja, a criança e o adolescente não expressam suas
vontades, não são respeitadas como seres em desenvolvimento.
A partir do momento que tu impõe a tua opinião, sobre uma criança, é que
tu não consideras ela sujeito, e sim objeto (Calycopis).
A gente aprende até posturas, que quando tu queres falar tu [...] vê a
pessoa de cima para baixo é uma cultura de poder (Phoebis).
Existe uma linha tênue entre essas duas definições que devem ser
esclarecidas para que não se cometam erros injustamente. E, a pretensão de
esclarecê-las é que quando se tem domínio sobre outra pessoa, ela se torna em
sujeito-objeto.
Segundo Guerra (2001, p. 13),
é uma relação sujeito-objeto onde os filhos devem satisfazer as
necessidades dos pais, pesa sobre eles uma expectativa de
desempenho superior às suas capacidades, são vistos como
pessoas criadoras de problemas....devem aprender que são
responsáveis, onde as causas dos problemas são individuais, ou
seja, em si mesmos, devem se hipostasiados como culpa e jamais
remetidas a questões maus amplas que se interliguem a problemas
familiares, sociais.
É um processo de vitimização como forma de aprisionar a vontade e o
desejo da criança ou do adolescente, de submetê-la ao poder do adulto a fim de
coagi-lo a satisfazer os interesses, as expectativas e as paixões desse, essa
vitimização, às vezes, se prolonga por vários meses e até anos (GUERRA, 2001, p.
13)
Nesse aspecto, compreende-se que a violência apresentada se
caracteriza como violência simbólica, violência sem sangue. L'Apiccirella (2006, p.
1) a define como “o processo pelo qual a classe que domina economicamente impõe
sua cultura aos dominados”. O mesmo autor refere que nessa violência, o dominado
não se opõe ao seu opressor, já que não se percebe como vítima desse processo,
ao contrário: o oprimido considera a situação natural e inevitável.
Já Costa (1986, p. 3) entende por violência simbólica:
[...] toda imposição de enunciados sobre o real que leva a criança a
adotar como referencial exclusivo de sua orientação no mundo à
interpretação fornecida pelo detentor do saber. O indivíduo cronifica a
posição de dependência e perde ou amputa a capacidade de criar seu
próprio elenco de significados.
Os significados coletivos, já sem a coletividade que os provaram e
estabeleceram, ocupam o lugar do sentido (particular), o que resulta na dependência
radical do sujeito a circuitos intransigentes de entendimento da realidade.
È um processo de vitimização, como forma de aprisionar... é bem
aquilo que a gente já falou, sempre do maior para o menor, o desejo
do mais velho sempre se sobressai, tem que ser aceito é coagido, é
ordenado, não tem direito a discutir, a dar a sua opinião, então eu
acho que é bem isso, e daí isso se prolonga ás vezes (Tmolus).
Discutir o aspecto da problemática da violência é identificá-la como
complexa no contexto em que ela surge. A forma como se irá encarar determinada
situação, será a partir das experiências sobre o poder ou a dominação que se
exerce, sendo que uma discussão propiciará, portanto, uma melhor compreensão da
violência e consequentemente, das ações promotoras para o cuidar-educar
idealizado.
6.4 Novas possibilidades de educar- cuidar: a construção possível nos
encontros de borboletas
A riqueza de todo o processo de desconstrução é a construção do novo e
a descoberta de que o conhecimento transformou-se em algo que diferenciará o
cuidado prestado adiante. Esse item permite reconhecer como os sujeitos deste
estudo, transformaram seu conhecimento e estão no caminho para modificar sua
realidade. Trazer as contribuições produzidas pelos sujeitos reflete a dimensão
conquistada e a relação estabelecida entre mim e os sujeitos, resgata a
singularidade de cada um e a pluralidade do todo. Nessa etapa, os sujeitos foram
provocados através das discussões, a partir da troca de conhecimentos no processo
educativo-interativo, tiveram a oportunidade e foram estimulados a construir,
elaborar e organizar novas possibilidades de cuidados e justificá-las.
Foi considerado por mim o momento mais precioso de todo o processo e
proporcionou os cuidados abaixo descritos. Foi um momento que permitiu que a
grandeza de seus espíritos pudessem refletir a compreensão em relação à violência
doméstica. “No cuidado, identificamos os princípios, os valores e as atitudes que
fazem da vida um bem-viver e das ações um reto agir” (BOFF, 2004, p. 12).
As novas possibilidades de cuidados foram categorizadas naquelas
relacionadas às crianças, adolescentes e seus familiares vítimas de violência
doméstica, aos profissionais que assistem essa clientela, bem como a sociedade de
maneira geral.
6.4.1 Cuidado às crianças, adolescentes e seus familiares vítimas de violência
doméstica
1) Reconhecer a violência como violência
Se se analisassem todos os conceitos e definições realizadas pelos
pesquisadores que contribuem para a compreensão da violência doméstica contra
crianças e adolescentes, se encontrariam falas distintas e, muitas vezes,
discordantes. Cada pesquisador possui um referencial teórico e metodológico sobre
algo, seu contexto de vida se difere e os significados que atribuem para coisas estão
relacionados ao seu conhecimento. O mesmo acontece com aqueles que vivenciam
esse processo, as crianças, adolescentes e suas famílias, sendo que seus
significados também são construídos a partir de suas experiências e vivências.
a) Contribuição dos sujeitos
Compreender e investigar o que levou a prática da agressão: trabalhar o
conceito.
Porque como a Zera já falou também, pode ser que a agressão é uma
forma de educação. Então aquele pai ou aquela mãe que agrediu a criança
pode acontecer durante a infância deles, foi dessa forma que foram
educados. E para eles isso faz parte do crescimento e desenvolvimento da
criança. A gente tem que investigar, e de alguma forma estar tentando
compreender esse tipo de comportamento. A gente acredita que a partir
desse cuidado a gente vai conseguir trabalhar com o preconceito que ainda
é emergente na sociedade (Callidula).
A família e seus membros, principalmente a criança e o adolescente vítima
de violência doméstica, precisam reconhecer que foram vítimas e/ou realizaram uma
violência. As ações para quebrar esse ciclo necessitam ter como pressuposto de
que a violência foi reconhecida e é entendida como violência, para que o ato
realizado e outros presentes não ocorram mais. Exige-se também desmistificar
alguns fatores que a promovem, como por exemplo, a sua utilização para educar e
disciplinar. As ações para alcançar esse cuidado, certamente estarão presentes nas
trocas de informações que podem ocorrer de diversas formas e diferentes lugares,
no ambulatório, na sala de espera dos centros de saúde, durante a internação e na
alta hospitalar, nas escolas, em todo o lugar onde se possa estabelecer uma relação
de confiança.
2) Proporcionar uma abordagem com confiança
A confiança se estabelece quando se cria uma relação de reciprocidade
com o outro, e essa porventura ocorre, quando nessa relação houver certa empatia.
Determinar essa relação não é tão simples como se pensa, mas é possível. O
vínculo que se formará, possivelmente, estará construído quando o profissional
perceber a real necessidade daqueles membros e procurar meios para minimizar
suas inquietações.
a) Contribuição dos sujeitos
Propiciar momentos de diálogo com a criança e com a família para
favorecer e formar vínculos. Trabalhar a cumplicidade ajuda a lidar com
os sentimentos da criança e do adolescente e família, facilitando os
encaminhamentos.
A gente acredita que através do diálogo se consegue trabalhar a
cumplicidade, a lidar tanto com o sentimento da criança e do adolescente e
a família, e os nossos sentimentos também (Myscelia).
A forma como se aborda a clientela que se assiste diverge nos resultados
esperados, principalmente, quando a clientela em questão é a que foi apresentada.
Estar junto, possibilita que o profissional e o seu cliente caminhem juntos por um
mesmo caminho e em um único sentido, possibilitando uma recomposição mais
adequada daquela situação. A confiança que se conquista em uma relação beneficia
tanto o profissional que se permite ir além nas suas ações, quanto à família e seus
membros que se dispõem a participar desse processo.
3) Resgatar a família como cuidadora
Como já foi discutido anteriormente, a família tem um papel fundamental
em toda e qualquer problemática que envolva seus membros. Nesse sentido, torna-
se uma grande aliada em todo o processo de sua estruturação. Muitas famílias não
percebem ou reconhecem a importância do seu papel na vida de seus membros,
principalmente como a responsável pela efetivação do seu papel na sociedade.
a) Contribuição dos sujeitos
Orientação à família quanto às conseqüências da vitimização.
Desenvolver trabalho de educação em saúde às famílias internadas.
Ali onde estava cumplicidade, daí assim tu criar este espaço de discussão
com a família do que quantas conseqüências podem vir de uma situação
como esta, onde tu estares apoiando ou acobertando as coisas que estão
acontecendo, achando que está fazendo um bem ou tentando causar um
mal menor de repente ta causando mais mal ainda. Desenvolver um
trabalho de educação em saúde das famílias internadas, a gente tem no
planejamento esta educação em saúde, mas a gente tava discutindo aqui
virou uma coisa como uma obrigação do enfermeiro, quando que não é. E
que bom pode ser as pessoas que estão aqui que pode começar com isto,
porque a gente tava falando em educação em saúde, nós tava até falando
na rede, mas isto é uma coisa que a gente não tem que gerenciar lá fora,
então que comece aqui dentro que espaço que a gente tem é o aqui de
dentro e aqui que tem que [...] (Smyrna).
A família deve sentir que pode, através do seu cuidado, modificar a
realidade de seus membros, pois ela necessita sentir-se útil e importante nesse
processo para perceber sua participação singular. Toda a equipe interdisciplinar
pode e deve estar envolvida nessa ação, cada um realizando de maneira única seu
cuidado, porém acredita-se que isso deve ser uma continuidade. A Enfermagem, em
especial, por permanecer em maior contato com a clientela, principalmente, na
hospitalização, tem maior disponibilidade para, a qualquer momento e através de
seu cuidado, desenvolver medidas preventivas e elucidativas sobre a violência
doméstica. No entanto, para isso todos devem participar de atualizações e
aperfeiçoamentos sobre determinada problemática.
4) Cuidar da alma e não apenas do corpo
A violência doméstica é mais conhecida pelas marcas deixadas no corpo,
principalmente por ela permanecer mais visível, porém, é na alma que alcança
proporções devastadoras que são acompanhadas ao longo da vida, por anos e por
gerações. A violência perpetuada na alma desenvolve sentimentos negativos e
promove um espírito violento. Ela contamina a sociedade, pois as relações que se
estabelecem não promovem outros sentimentos que não esses e, também, porque é
através da essência que se multiplicam o amor, a ternura (matéria do cuidado), o
respeito mútuo, consequentemente uma alma violenta só poderá disseminar essas
propriedades se estiver liberta.
d) Encaminhar a criança e a família para um atendimento psicológico ou
terapia, e para serviços de apoio da comunidade
Tanto a família quanto à criança, elas vão precisar de um atendimento
psicológico, que nem sempre nós vamos estar preparados para isso, para
fazer algum tipo de terapia e na alta desta criança e família como elas vão
ficar na comunidade. Procurar um serviço de apoio nos postos através do
planejamento da equipe de PSF para poder dar continuidade neste
trabalho (Myscelia
).
Porque ela chegou aqui num momento em que houve uma agressão que
precisou de hospitalização, mas pode ser que esta criança seja agredida
diariamente, então preciso que ocorra alguma supervisão, para ver se não
vai haver uma nova agressão (Callidula).
Esse cuidado com a alma deve ser contínuo e acompanhado no domicílio,
principalmente logo após a alta hospitalar, devendo se encerrar quando toda a
família compreender que a violência não deve fazer parte de suas vidas.
6.4.2 Os profissionais que assistem esta clientela
1) Promover e atualizar a temática da violência doméstica junto aos
profissionais que os assistem
Muitos profissionais, no caso os de Enfermagem, durante toda a sua
trajetória acadêmica tiveram pouquíssimo ou quase nenhum contato com a violência
doméstica contra crianças e adolescentes, principalmente nos bancos acadêmicos e
nos estágios ambulatoriais e hospitalares. Os profissionais envolvidos nesse
processo devem sentir-se preparados e atualizados sobre qualquer temática que
faça parte do seu cuidado. O conhecimento fortalece o ser humano para os
enfrentamentos que possam presenciar e promove melhora significativa no cuidado,
pois com o conhecimento adquirido se tem maiores e novas possibilidades deste.
Quando esses enfrentam a realidade da violência doméstica, possuem poucos
subsídios para enfrentá-la. Nesse sentido, as instituições devem oferecer suporte
para que os profissionais possam adquirir conhecimentos sobre a mesma e oferecer
contribuições para confrontá-la.
a) Contribuição dos sujeitos
Desenvolvimento de educação continuada: auxilia no preparo, dá
segurança profissional, aumenta o conhecimento e facilita lidar com os
sentimentos, proporciona apoio e forma profissionais habilitados.
Porque na verdade ela vai te dar suporte para ti poder atender melhor a
criança e a família. O resgate dessa problemática te faz entender cada vez
melhor. Porque na verdade é um exercício de compreensão do ser
humano. Tu não tens que ficar julgando, tens que dar um cuidado de
qualidade (Phoebis).
A capacitação permanente obrigatória para a equipe de enfermagem
E eu concordo com a Phoebis que isto tem que ser ampliada para toda a
equipe e isto que é importante. A Zera promove um trabalho deste que, na
verdade, tá capacitando a gente para alguma coisa, e vem sete seis
pessoas então por isto que a gente tá colocando como obrigatório que
fosse algo dentro do programa de planejamento da unidade para estar
lidando com estas coisas e, assim permanentemente. Eu acho que é
importante por que não adianta tu fazer uma capacitação agora e esquecer
ela porque morre, morre o conhecimento até porque não é uma coisa que a
gente pega todo dia. Então sei lá de seis em seis meses ou de quatro em
quatro meses, dependendo que como estiver a unidade em relação a isto,
mas acho que, enquanto não fosse todo mundo capacitado, tinha que ser
sistemático. Esta capacitação assim, bem como tu estas fazendo o que é
violência, que tipo de violência e como lidar (Smyrna).
As instituições em suas ações para a melhoria da assistência necessitam
ter uma educação continuada/permanente sobre essas temáticas, principalmente
porque se considera que seja um compromisso que a instituição deve estabelecer
com sua clientela, ou seja, oferecer um cuidado de qualidade por profissionais que o
realizem efetivamente. No entanto, para que essas práticas sejam consideradas
importantes, a conscientização, de que seu interesse trará benefícios tanto para os
profissionais quanto para a clientela, se torna o fator-chave. Enquanto os
profissionais não perceberem a importância de estarem discutindo sobre isso no
ambiente de trabalho e reconhecerem que o cuidado é inerente a essas práticas,
todas as forças para modificar algo estarão comprometidas.
2) Assistir com qualidade, um dever da enfermagem e um direito da
criança/adolescente/família
Mais uma vez está no cuidado prestado pelos profissionais que se obtém
uma assistência integral às necessidades da criança, adolescente e sua família. A
revitimização é uma das situações mais comuns que as crianças enfrentam em suas
internações e é o resultado do despreparo e incapacidade que os profissionais têm
ao defrontar-se com isso. Portanto, se refere à insensibilidade que alguns
profissionais têm ao resgatar a violência solicitando ao outro descrevê-la sem que
essa descrição lhe fosse útil. A revitimização significa para a criança, para o
adolescente e sua família, reviver a violência doméstica sem que ela necessitasse
acontecer.
a) Contribuição dos sujeitos
Encaminhar à comissão de ética da enfermagem, profissionais que
agirem de maneira inadequada.
Daquele profissional que chegou e manifestou publicamente a situação da
criança. Então se tu tens uma unidade, vamos idealizá-la com profissionais
capacitados para estar atendendo esse tipo de criança e, de repente, vem
um profissional de uma outra instituição ou de uma outra área e acaba
colocando tudo por água abaixo, o trabalho que há tanto tempo tu está
tentando levar adiante, então foi nesse sentido. Então, porque a gente
pensou numa educação continuada de verdade, e incluindo nessa
educação continuada não só os profissionais que fazem parte do quadro de
funcionários aqui, mas que isso se pudesse se estender. Porque nem todo
mundo tem a oportunidade de está fazendo um curso de especialização,
então foi nesse sentido que a gente colocou aqui (Callídula).
3) Cuidar de quem cuida
Quando os profissionais de saúde se deparam com essa problemática em
seu local de trabalho, como já se observou, inúmeros questionamentos e
dificuldades surgem. Elas não afetam apenas o cuidado realizado, propiciam que
esse ser experiencie momentos de dor, angústia e raiva, por estar juntamente com
aquela criança, adolescente e família vivenciando aquela situação. E, certamente,
muitos profissionais não sabem lidar com essas inquietações, ficando extremamente
fragilizados, afetando tanto sua vida pessoal quanto profissional. Os profissionais de
saúde, principalmente a equipe de enfermagem, compartilha quase todo o processo
da violência na vida desses seres, precisando, assim, estar fortalecida para tais
situações, além de terem um cuidado mais direcionado e propiciado no ambiente de
trabalho.
a) Contribuição dos sujeitos
Oferecer apoio psicológico aos profissionais que estão expostos a esse
tipo de situação.
Porque, às vezes, a gente acha que é capaz de superar tudo isso, que com
a educação continuada a gente vai conseguir lidar com todas as situações.
A gente é um ser humano, e pode fraquejar em alguns momentos e em
muitos momentos. Então para estar atendendo essa situação que, na
maioria das vezes, para gente é contraditória, vai contra os nossos
princípios, então precisamos ter algum amparo, algum apoio que a gente
acha que neste momento poderia nos estar proporcionando é o serviço de
psicologia ou de terapia (Callidula).
4) Integrar interdisciplinarmente todos os profissionais envolvidos
nesse processo
Agir coletivamente reúne conhecimentos que se complementam e
possibilita uma intervenção com mais qualidade. Cada profissional tem suas
especificidades para atender sua clientela, e, quando vários profissionais se unem
para cuidar, investem todos os seus conhecimentos e proporcionam um cuidado
integral.
a) Contribuições dos sujeitos
Criação e ampliação do fluxograma do protocolo de apoio à criança
vítima de violência e, contra-referência do atendimento no centro de
saúde responsável pela família para posterior acompanhamento.
Existe um fluxograma da secretaria municipal para onde encaminhar, mas
a gente não tem claro internamente...como fazer, a quem [...] aí nesse
fluxograma pode incluir as contra-referências do serviço social, da
psicologia, da medicina, porque morre por ali (Smyrna).
b) Contribuição dos sujeitos
Criar e/ou fortalecer o apoio permanente de um grupo multidisciplinar
para a família e para os trabalhadores.
Preconceito, tu tem que ter o apoio da equipe multidisciplinar. A coisa do
vínculo [...], para tu conquistar a família tu tem que conquistar chegar poder
dar orientação, tu tem que criar vínculo com a família, e vínculo não é uma
coisa que se cria com a equipe toda. A família cria com um ou com outro,
então além deste apoio, deste apoio multidisciplinar, pelo menos o que eu
tava pensando e, acho que as gurias também são assim, é tu ter focos de
discussão, poder trazer para um grupo as tuas dificuldades em lidar com
aquilo, ter apoio da equipe, por exemplo, a Phoebis tá escalada para
atender escolar, mas ela não tá bem para lidar com aquela situação. Então
não vai ser a Phoebis, vamos outra pessoa que consiga lidar melhor com
isto. Acho que isto é uma forma madura de se trabalhar (Smyrna).
Todas as contribuições e ações descritas partiram do olhar de cada
sujeito, surgiu do modo como esses profissionais compreendem a violência
doméstica e atuam sobre ela. Certamente são ações que poderiam fazer parte de
qualquer intervenção, pois seu cuidado em geral representa as dificuldades dos
sujeitos desta pesquisa. Muitas outras poderiam surgir, porém acredita-se que essas
são únicas, pois foram construídas através de muita troca e conscientização do
importante papel que a Enfermagem representa para as crianças e adolescentes
vítimas de violência doméstica.
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Não vemos o que vemos.
nós vemos o que somos
(Rubem Alves).
Durante esta caminhada as dificuldades encontradas pelos sujeitos deste
estudo foram levantadas, discutidas e repensadas através de um processo
educativo-investigativo fundamentado em Paulo Freire e sua pedagogia
problematizadora, com o Arco de Maguerez e o pensamento complexo. Certamente
os resultados alcançados trouxeram muitas reflexões e, principalmente,
contribuições para o cuidado que se deseja promover às crianças, adolescentes e
suas famílias que vivenciam a violência doméstica. Apesar de toda a discussão,
percebe-se que algumas dificuldades ainda estarão presentes, principalmente,
porque estas são inerentes à nossa essência, uma vez que "é na inconclusão do
ser, que se sabe como tal, que se funda a educação como processo permanente"
(FREIRE, 1996, p. 53).
Desta forma, forma alinhados alguns tópicos para evidenciar a caminhada
realizada e as possibilidades que a mesma propiciou.
7.1 Processo educativo-investigativo: o encontro de borboletas
Paulo Freire, em seu livro Pedagogia da autonomia: saberes necessários
à prática educativa/interativa/investigativa, refere que "estes saberes que me
parecem indispensáveis à prática docente de educadoras ou educadores críticos,
progressistas, alguns deles são igualmente necessários a educadores
conservadores" (FREIRE, 1996, p. 22). Foi neste sentido que se resgatou alguns
saberes necessários que Freire acredita serem fundamentais no ensinar, fazendo
parte de todo o processo de transformação realizado com os sujeitos deste estudo,
modificando, assim, a sua prática. Eles estarão dispostos como Freire apresenta em
seu livro, refletindo minhas conclusões.
Ensinar exige rigorosidade metódica: quando me propus trazer os
fundamentos teóricos de Paulo Freire para a discussão da temática na prática
educativa/interativa/investigativa, a sua metodologia problematizadora e o arco de
Maguerez foram considerados indispensáveis neste processo, pois se acreditava
que, possivelmente, dessa forma, a construção do conhecimento se faria através do
modo empregado. "Ensinar não se esgota no tratamento do objeto ou do conteúdo,
superficialmente feito, mas se alonga à produção das condições em que aprender
criticamente é possível" (FREIRE, 1996, p. 26). Fazendo-se por etapas, os sujeitos
puderam refletir sobre determinada temática e transformar sua realidade, o que,
certamente, proporcionou uma melhor compreensão do todo. A rigorosidade
metódica também esteve presente na etapa da teorização quando os sujeitos foram
encorajados, através da leitura, a refletir sobre o que estava escrito, discursando
sobre algo a partir do conhecimento adquirido em sua vida sobre determinada
situação, a qual se tomou fundamental, pois, ao legitimarem suas falas,
proporcionaram aos outros também adquirir novos conhecimentos, "a leitura
verdadeira me compromete de imediato com o texto que a mim se dá e a que me
dou e de cuja compreensão fundamental me vou tomando também sujeito"
(FREIRE, 1996, p. 27).
Ensinar exige pesquisa: a pesquisa também esteve presente quando
os sujeitos ficaram comprometidos a encontrar no Estatuto da Criança e do
Adolescente os artigos que consideram ser importantes para a discussão. "Pesquiso
para conhecer o que ainda não conheço e comunicar ou anunciar a novidade”
(FREIRE, 2996, p. 29).
Ensinar exige criticidade: esta criticidade colocada por Freire, foi a
todo o momento estimulada, ou seja, no momento em que eram colocadas as
situações para discussões, todos tinham oportunidade para julgar sobre determinado
fato. A crítica realizada era fundamental para haver a troca entre eu e os sujeitos,
pois seria desta forma que o novo iria emergir . "A superação e não a ruptura se dá
na medida em que a curiosidade ingênua, sem deixar de ser curiosidade, pelo
contrário, continuando a ser curiosidade, se criticiza” (FREIRE, 1996, p. 31).
Ensinar exige ética e estética: acredita-se que ambas estiveram
presentes em todo o processo de construção desta pesquisa, fazendo parte do
processo educativo-interativo. A compreensão de que a ética e a estética seriam
primordiais para os resultados alcançados toma-se o diferencial das pesquisas nas
quais se acredita que os sujeitos são os protagonistas da discussão. "Decência e
boniteza de mãos dadas" (FREIRE, 1996, p. 32).
Ensinar exige reflexão crítica sobre a prática: a discussão da
problemática da violência contra crianças e adolescentes possibilitou que os sujeitos
pudessem, através das discussões teóricas, refletir sobre o cuidado prestado,
principalmente porque ele está inerente ao conhecimento que possuo sobre a
violência, em outras palavras, se age como se pensa. "A prática crítica, implicante
do pensar certo, envolve o movimento dinâmico, dialético, entre o fazer e o pensar
sobre o fazer; é pensando criticamente-a prática de hoje ou de ontem que se pode
melhorar a próxima prática” (FREIRE, 1990, p. 40).
Ensinar exige o reconhecimento e a assunção da identidade
cultural: neste caso, o sujeito assumiu seu verdadeiro papel quando percebeu que
este, independente da sua essência, faria toda a diferença nas discussões ocorridas.
"Assumir-se como ser social e histórico como ser pensante, comunicante,
transformador, criador, realizador de sonhos, capaz de ter raiva porque capaz de
amar” (FREIRE, 1996, p. 41).
Ensinar exige consciência do inacabamento: os sujeitos deste
estudo, através das suas reflexões, demonstraram que sua responsabilidade social
e pessoal não se esgota apenas por participar deste estudo e contribuir com a
transformação da realidade das crianças e adolescentes vítimas de violências. Ao
contrário, eles perceberam que sua missão na sociedade vai além disso, pois estão
em constante processo de desconstruir e construir seu conhecimento para contribuir
com uma assistência de qualidade. "gosto de ser gente porque, inacabado, sei que
sou um ser condicionado mas, consciente do inacabamento, sei que posso ir mais
além dele" (FREIRE, 1996, p. 50).
Ensinar exige disponibilidade para o diálogo: o diálogo deve ser o
meio para qualquer processo educativo, pois é através dele que as relações se
fortalecem. O processo educativo-interativo foi permeado e regido pelos diálogos,
principalmente, entre os sujeitos. Esses diálogos, além de promoveram os
resultados, transformaram os sujeitos em verdadeiros comunicadores de suas
vivências. "É no respeito às diferenças entre mim e eles ou elas, na coerência entre
o que faço e o que digo, que me encontro com eles ou com elas" (FREIRE, 1996, p.
135).
Ensinar exige saber escutar: o silêncio promove ao ser humano
mergulhar em sua alma e resgatar o que de mais profundo e precioso possa
apresentar. Certamente as falas dos sujeitos permitiram demonstrar a intensidade
com que eles mergulharam em seus pensamentos e as profundas reflexões que
emergiram da simplicidade da escuta. "Somente quem escuta paciente e
criticamente o outro, fala com ele, mesmo que, em certas condições, precise de falar
a ele" (FREIRE, 1996, p. 113).
Ensinar exige tomada de consciência de decisões: as decisões
estão explícitas nos resultados, principalmente quando os sujeitos foram provocados
a construir possibilidades de cuidado, em outras palavras, foram construídas a partir
das discussões. “A reflexão crítica sobre a prática se torna uma exigência da relação
Teoria/Prática sem a qual a teoria pode ir virando blábláblá e a prática, ativismo”
(FREIRE, 1996, p.22).
7.2 As questões que necessitam ser revisitadas
De acordo com as falas apresentadas a seguir, duas questões ainda
necessitam ser revisitadas: primeiramente a da abordagem, principalmente, o
julgamento que se faz frente ao agressor, pois isso está além da nossa
compreensão de violência, porque pertence a sentimentos que estão inerentes a
todo e qualquer ser humano. E, posteriormente, a questão do cuidado ao cuidador,
porque se vive em uma sociedade em que as pessoas precisam corresponder à
altura suas atribuições e, muitas vezes, esquecem que para fazer isso precisam dar
tudo de si, enfraquecendo sua alma e seu corpo.
A questão da abordagem ainda permanece inconclusa quando o
atendimento está direcionado principalmente à família agressora, pois mesmo
percebendo e compreendendo a violência doméstica, os sentimentos que emergem
desse ato, muitas vezes, condicionam as ações. Trabalhar os sentimentos necessita
muito mais que análises ou discussões, pois é uma desconstrução da nossa
essência.
Para mim, o que eu acho mais difícil e que eu tenho mais dificuldade, é a
abordagem com a pessoa que a gente julga que seja responsável, que
deixou, permitiu, que acontecesse tal fato. Para mim, é a parte mais difícil
de trabalhar de eu lidar com a pessoa que eu acho entre aspas à culpada,
isto para mim é um dos pontos. Mais a questão de abordar, para mim eu
acho que tinha que ser mais trabalhado. Para mim esta é a parte mais
difícil (Tmolus
).
Como a gente vai abordar estas pessoas e até abordar a criança e o
adolescente, porque tu tens que ter um preparo às vezes, maior. Então
além desta abordagem que é difícil trabalhar até com o agressor, ou até
com aquela pessoa que entre aspas permitiu também a agressão, foi
omissa, e a criança ou adolescente sofreram esta violência, eu acho assim,
eu acho que é interessante trabalhar melhor em um outro encontro, que a
gente tiver uma outra proposta, é estudar mais o que leva aquela pessoa a
cometer o ato em si, por que acho assim: quando mais tu estudas melhor
tu vai entender, não é que tu vai ter uma aceitação, só que tu vai entender
melhor a situação tentar compreender aquela pessoa (Phoebis).
Eu concordo, acho ainda que o nosso calo seja a forma de abordar, ai eu
tava pensando aqui né? lá na emergência quando chega a suspeita, é
muito difícil, porque tu suspeitas às vezes tem até indícios e tu fazes o
quê? È como abordar o que abordar, por muitas vezes tu não precisa ficar
vasculhando, perguntando. Mas eu acho que a necessidade de até onde
que a gente pode ir, como que deve falar as coisas com a família com a
criança que são abordagens diferentes e acho que isto a gente não e muito
preparado, e isso claro só estudando e aprofundando mais (Smyrna).
Acredita-se que a questão da abordagem deve ter constante avaliação no
atendimento que se faz a essa clientela. Essa avaliação deve ser feita através da
própria criança, do adolescente e sua família, sendo que somente ela (a clientela)
poderá dizer em que momento houve uma melhor interação e em qual se sentiu
revitimizado.
Felizmente os profissionais estão se dando conta de que o cuidado que
está sendo prestado também depende do cuidado que se tem com eles mesmos.
Precisam reconhecer as suas fragilidades, os seus medos e encarar tudo isso como
algo inerente ao ser que, além de se prejudicar como ser humano, irá influenciar no
cuidado.
Este trabalho que tem, é o cuidar do cuidador, que na verdade a gente
precisa de cuidado também a gente precisa tá sempre se alimentando,
para tu poder cuidar bem das pessoas, tem que ter sempre aquele resgate
que aí a gente não se envolve tanto, porque se não a gente acaba se
envolvendo e aí, às vezes, tu não consegue separar e acaba levando para
casa e aquilo vai te desgastando. Se tu tens um trabalho de equipe bem
forte, que aí tu sabe tu tem uma referência tu sabe que com aquela pessoa
tu tem um momento para desabafar, e colocar o que te angustia e trabalhar
para tu tá sempre pronto para atender melhor aquela família, porque se
não é uma coisa que vai crescendo, crescendo e tem momento até que a
pessoa se afasta e não consegue mais trabalhar (Phoebis).
Realmente a questão é a abordagem, é evitar o julgamento, que é o que
mais acontece e a gente observa a equipe inteira julgando, falando,
aumentando, às vezes, até fazendo perguntas, a gente percebe que vão lá
e fazem pergunta que não vai acrescentar em nada e pergunta pra
especulação, então eu acho que a grande lacuna que existe nesta questão
é como lidar com a família, e com a criança e até com a própria equipe em
relação a isto (Calycopis).
Em vista disso, percebe-se que os profissionais de enfermagem
necessitam buscar ajuda e procurar seus direitos para um cuidado com mais
qualidade para si.
Compartilhar com os profissionais de enfermagem, através do
pensamento complexo e da pedagogia problematizadora de Paulo Freire, o
conhecimento, através das dificuldades que estão inerentes nele foi algo quase
sublime. Estar junto com esses profissionais, nesta caminhada, e lapidar suas
discussões sem que não perdessem sua essência permitiu que nós, sujeitos deste
processo, pudéssemos ser mais que cuidadores, ou seja, ser agentes de
transformações através do cuidado. A educação, enquanto processo dialético
engendrado pela contradição, é portadora de “fermentos de transformação”,
possibilitando acelerar a crítica da situação na qual ela aparece (BACKES, 1998, p.
83).
Todas as dificuldades que emergiram dessa problemática, desde o
momento que ela foi pensada como tema para a pesquisa até as últimas observadas
nos encontros educativo-investigativos, permitiu que o desvelar do cotidiano das
crianças, dos adolescentes e de suas famílias e, principalmente, dos profissionais
envolvidos pudesse refletir a realidade no cuidado, proporcionando, assim, um
encontro de saberes capazes de transformá-la.
Certamente as dificuldades encontradas, através da pedagogia
problematizadora de Paulo Freire, possibilitaram reconhecer a verdadeira realidade
vivida pelas crianças, adolescentes, família e profissionais que estão presentes
neste processo. E em um processo coletivo buscou-se uma compreensão do
cuidado prestado que possibilita sua integralidade.
O arco da problematização nos encontros educativo-investigativos,
proporcionou, aos sujeitos da pesquisa, a reflexão do seu verdadeiro papel diante da
sua prática e da sua responsabilidade frente às problemáticas presenciadas no
cuidado. O diálogo estabelecido, principalmente entre eu e os sujeitos, proporcionou
um verdadeiro encontro no qual a riqueza da prática, através das vivências e
experiências do cotidiano, encontrou-se com a racionalidade do teórico, presente
nos estudos propostos para a discussão.
É com muita felicidade e sensação de dever cumprido que se finaliza esta
pesquisa, acreditando ter contribuído, para um cuidado de enfermagem almejado
por aqueles que encontram no outro o verdadeiro sentido da transformação. Sabe-
se que esta caminhada não pára neste momento, pois muitos outros caminhos
podem e serão buscados e alcançados, mas agora, sinto que encontrei algumas
respostas para tantas inquietações.
O fato de me perceber no mundo, com o mundo e com os outros me
põe numa posição em face do mundo que não é de quem não tem
nada a ver com ele. Afinal, minha presença no mundo não é a de
quem a ele se adapta mas a de quem nele se insere. É a posição de
quem luta para não ser apenas objeto, mas sujeito também da
História (FREIRE, 1996, p. 54).
Viver intensamente esta pesquisa, crescer com o conhecimento
compartilhado nos encontros educativo-investigativos e se transformar em uma
cuidadora que acredita no potencial do outro para alcançar um cuidado de
qualidade, foram os resultados pessoais que obtive neste processo quando essa
problemática começou a fazer parte da minha vida. Conseqüentemente, estes
resultados proporcionaram, para a vida dos profissionais de enfermagem e para a
vida das crianças e adolescentes vítimas de violência doméstica, uma outra forma
de compreender a violência doméstica e promover uma metamorfose no seu
contexto de vida.
Promover, juntamente com os sujeitos, todo conhecimento adquirido
através das suas vivências com a aquisição de conhecimentos trazidos por, resultou
na busca do pensamento complexo, como refere Morin (2003, p. 3) o pensamento
complexo deve ligar a autonomia e a dependência.
Certamente desde a construção do projeto inicial até o resultado aqui
apresentado, ofereci e tentei compartilhar tudo aquilo de positivo que adquiri e
conquistei ao longo da vida e, que constituíram o meu ser, ou seja, vivências que
proporcionaram um olhar mais complexo de situações problemáticas e que sempre
instigaram uma análise mais profunda.
Tudo que acreditava ser importante para a Enfermagem, em relação ao
cuidado desejado às crianças e adolescentes vítimas de violência doméstica a partir
da transformação da realidade desses profissionais que os cuidam, foi buscado e
possibilitado através das discussões e das leituras feitas.
A busca de novas alternativas e novas possibilidades de cuidados para a
criança e com o adolescente vítimas de violência doméstica e de seus familiares
pelos profissionais de enfermagem que prestavam cuidado, exigiu um pensar
complexo e criativo, um conhecimento que superasse a sistematização de um saber
positivista, que fosse além de discurso simplista, por fim que fizesse refletir. "Para
conhecer, não podemos isolar uma palavra, uma informação; é necessária ligá-la a
um contexto e mobilizar o nosso saber, a nossa cultura, para chegar a um
conhecimento apropriado e oportuno da mesma" (MORIN, 2003, p.4).
Este estudo promoveu e propiciou, durante todo este processo, uma nova
perspectiva na forma de perceber a Enfermagem e o cuidado realizado às crianças e
adolescentes que, de alguma forma vivenciam, cotidianamente, a violência
doméstica. Compreendi que é através da essência do ser humano que se constrói o
conhecimento sendo ele que promove as grandes transformações na sua realidade.
Uma das finalidades deste estudo é fazer com que qualquer pessoa
perceba que desempenhar toda e qualquer forma de cuidado deve ser única,
individual e singular. O resultado alcançado com o cuidado prestado tem como
pressuposto o conhecimento do outro na sua integralidade, respeitando seu modo
de vida e seu contexto. Como diz Morin "toda e qualquer informação tem apenas um
sentido em relação a uma situação, a um contexto" (MORIN, 2003, p.1)
representando, assim, uma forma complexa de ver as coisas, em que vários
caminhos podem levar a algo e vice-versa.
Trazer a problemática para discussão no campo acadêmico tem como
intenção não só promovê-la neste espaço, mas também mostrar aos estudantes
que, direta ou indiretamente, participam dessas questões e estão acordando para a
violência, necessitando, assim, diversos discursos para saber lidar com ela.
Didaticamente e para uma melhor compreensão, os resultados foram
colocados em categorias, pois esta é uma forma de análise que propicia um melhor
entendimento. No entanto, se se pensar as dimensões categorizadas família,
profissional e a própria violência na sociedade, pode-se perceber que elas se
complementam e que suas relações são sobrepostas umas às outras. Isso pode ser
percebido ao longo da leitura dos resultados, pois se tentava buscar sempre alguma
discussão para complementá-la. "O princípio de separação torna-nos talvez mais
lúcidos sobre uma pequena parte separada do seu contexto, mas nos toma cegos
ou míopes sobre a relação entre a parte e o seu contexto" (MORIN, 2003, p. 2).
Com o avanço teórico das dificuldades relacionadas à violência doméstica,
pode-se perceber que elas regem certamente às condutas, sendo que, impedem sim
um cuidado de qualidade. Delimitar e perceber como elas impossibilitam esse
cuidado esclarece a sua verdadeira essência, permitindo buscar novas
possibilidades de cuidado à crianças, adolescentes e suas famílias, vítimas de
violência doméstica.
Relacionar estas dificuldades também dimensiona um olhar mais macro e,
certamente, mais complexo sobre a problemática da violência doméstica, situando a
nossa realidade e a realidade dos sujeitos envolvidos nesse processo.
Seguramente, tem-se a convicção de que, em tempo nenhum, se deixará
que este momento da minha se apague ou que se perca em meios cuidados à sua
grandeza. Certamente todas as pessoas que fizeram parte desse processo e que
transitaram pelo meu caminho neste estudo farão parte do meu viver, principalmente
por terem sido fundamentais nesta construção de conhecimentos.
Gosto de ser gente porque, como tal, percebo afinal que a construção de
minha presença no mundo, que não se faz no isolamento, isenta da
influência das forças sociais, que não se compreende fora da tensão entre
o que herdo geneticamente e o que herdo social, cultural e historicamente,
tem muito a ver comigo mesmo. Gosto de ser gente porque, mesmo
sabendo que as condições materiais, econômicas, sociais e políticas.
culturais e ideológicas em que nos achamos geram quase sempre barreiras
de difícil superação para o cumprimento de nossa tarefa histórica de mudar
mundo, sei também que os obstáculos não se eternizam.
Gosto de ser homem, de ser gente, porque não está dado como certo,
inequívoco, irrevogável que sou ou serei decente, que testemunharei
sempre gestos puros, que sou que serei justo, que respeitarei os outros,
que não mentirei escondendo o seu valor porque a inveja de sua presença
no mundo me incomoda e me enraivece.
Gosto de ser homem, de ser gente, porque sei que a minha passagem pelo
mundo não predeterminada, preestabelecida. Que o meu destino não é um
dado mas algo que precisa ser feito e de cuja responsabilidade não
posso me eximir.
Gosto de ser gente porque a História em que faço com os outros e de cuja
feitura toda parte é um tempo de possibilidades e não de determinismo. Daí
que insisto tanto na problematização do futuro e recuso sua inexorabilidade
(FREIRE, 1996, p. 53).
REFERÊNCIAS
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Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis.
APÊNDICE
APÊNDICE A - Termo de consentimento livre e esclarecido.
Universidade Federal de Santa Catarina
Centro de Ciências da Saúde
Departamento de Enfermagem
Programa de Pós-graduação em Enfermagem
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Este documento visa obter seu consentimento, por escrito, como sujeito
participante deste projeto de prática assistencial que visa desenvolver uma prática
educativa/interativa/investigativa, compartilhando as possibilidades de cuidado ao
assistir crianças e adolescentes vítimas de violência doméstica, fundamentada na
pedagogia da problematização de Paulo Freire.
Sua participação neste projeto implicará em sua atuação em 2 etapas,
sendo a primeira em uma entrevista e a outra como participante dos encontros a
serem realizados no HU/UFSC. Todas as informações que serão obtidas de você
permanecerão confidenciais. Embora você conheça a identidade dos outros
participantes, um nome código será usado para manter seu anonimato nas
informações e nos relatórios dos encontros que serão fotografados e gravados em
fita cassete para posterior transcrição e registro.
Sua participação neste estudo, é completamente voluntária, sendo que
sua decisão de não participar ou de se retirar a qualquer momento não terá qualquer
implicação para você. As discussões geradas não trarão qualquer comprometimento
para a sua atividade profissional. E, desejo que os encontros ampliem seus
conhecimentos sobre esta problemática.
Pesquisadores responsáveis
_____________________________
Professora Doutora em Enfermagem - Orientadora
Vânia Marli S. Backes (30256870/99633838)
___________________________
Enfermeira Mestranda em Enfermagem
Danielle Boing Bernardes Silva (tel. 99198243/2482870)
Declaro de que fui informado sobre todos os procedimentos deste projeto
e que recebi, de forma clara e objetiva, todas as explicações pertinentes ao projeto
de prática assistencial, sendo que todos os dados ao meu respeito serão sigilosos.
Declaro que fui informado que posso me retirar do estudo a qualquer momento.
Nome por extenso:
RG:
Local e data:
Assinatura:
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